''A Praça (Não) É Nossa'' - Uma Discussão Sobre Vera Verão, Identidades, Racismo e Estereótipos. Murillo Costa 2019 - UEPG.

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

MURILLO HENRIQUE LIMA DA COSTA

“A PRAÇA (NÃO) É NOSSA”: UMA DISCUSSÃO SOBRE VERA VERÃO,


IDENTIDADES, RACISMO E ESTEREÓTIPOS

PONTA GROSSA
2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
SETOR DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

MURILLO HENRIQUE LIMA DA COSTA

“A PRAÇA (NÃO) É NOSSA”: UMA DISCUSSÃO SOBRE VERA VERÃO,


IDENTIDADES, RACISMO E ESTEREÓTIPOS

Monografia apresentada como Trabalho de


Conclusão do Curso de Licenciatura em História,
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Estadual de Ponta Grossa
Orientadora: Profª Drª Angela R. Ferreira

PONTA GROSSA
2019
AGRADECIMENTOS

Inicialmente gostaria de agradecer a minha família por ter me proporcionado


estar aqui hoje. Sem eles não conseguiria ter feito nada. Em especial minha mãe por
sempre me apoiar nas minhas decisões, por mais que ela não gostasse das minhas
escolhas sempre acreditou em mim e me deixou livre para aprender com a vida.
Em seguida gostaria de agradecer aos meus professores que me
proporcionaram uma formação de qualidade na Universidade Estadual de Ponta
Grossa, vocês fazem parte desta monografia também. E em especial a minha
orientado Angela Ribeiro Ferreira, que aceitou a empreitada da construção dessa
monografia e sabe que não foi nada fácil, sem você eu também não teria
conseguido. Obrigado por acreditar no meu potencial.
E por fim gostaria de agradecer meus amigos, que sempre estiveram junto
comigo e que me deram muitas forças quando eu não tinha mais.
Todas as pessoas que passaram na minha vida e de alguma forma me
influenciaram estão nesse trabalho de conclusão de curso, afinal, ele foi construído
ao longo de meses e durante esse período eu mudei bastante, o que reflete na
minha produção. Eu agradeço a todas as oportunidades que a vida me deu e todo
aprendizado que pude ter durante esses quatro anos de graduação.
Obrigado Universidade Estadual de Ponta Grossa por ser uma universidade
pública, gratuita e de qualidade.
"BLUESMAN"
Baco Exu do Blues

1903.
A primeira vez que um homem branco
observou um homem negro, não como um
um “animal” agressivo ou força braçal
desprovida de inteligência. Desta vez
percebe-se o talento, a criatividade, a
MÚSICA! O mundo branco nunca havia
sentido algo como o “blues”.
Um negro, um violão e um canivete.
Nasce na luta pela vida, nasce forte,
nasce pungente. Pela real necessidade
de existir!

O que é ser “Bluesman"?

É ser o inverso do que os "outros"


pensam. É ser contra corrente, ser a
própria força, a sua própria raiz. É saber
que nunca fomos uma reprodução
automática da imagem submissa que foi
criada por eles.

Foda-se a imagem que vocês criaram.

Não sou legível. Não sou entendível.

Sou meu próprio deus.


Sou meu próprio santo. Meu próprio
poeta.

Me olhe como uma tela preta, de um


único pintor.
Só eu posso fazer minha arte. Só eu
posso me descrever.

Vocês não têm esse direito.

Não sou obrigado a ser o que vocês


esperam! Somos muito mais!

Se você não se enquadra ao que


esperam…
Você é um “Bluesman”
Arte de Aliás Alisson
Instagram: @aliasalissontattoo
RESUMO

Resumo: a presente pesquisa busca analisar como o racismo brasileiro ainda se faz
presente na produção cultural brasileira através do quadro “Vera Verão”,
interpretada por Jorge Lafond, no programa televisivo “A praça é nossa” do Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT). O recorte temporal utilizado foi de 1992 até 2003 para
obter-se uma visão panorâmica da personagem durante esses onze anos.
Objetivou-se compreender a trajetória racial dos negros e negras no Brasil, a sua
construção racial, bem como as consequências do processo histórico escravocrata
brasileiro na sociedade contemporânea. Para tal, como arcabouço teórico foram
utilizados os conceitos de identidade, raça, estereótipos e racismo. As fontes
utilizadas são os recortes de jornais selecionados da década de noventa e os
recortes de vídeo do programa nos quais aparece a personagem Vera Verão. A
análise do programa foi feita a partir da noção de que ele se trata de uma produção
cultural e mercadológica, e, portanto, tem suas próprias pretensões e características.
E, como está inserido no contexto cultural brasileiro, entendeu-se que se trata de um
aspecto cultural da vida brasileira, ainda mais se levar em consideração o fato de
que esta personagem, bem como o quadro em que ela aparece, marcou uma
geração toda, de tal forma que se torna relevante a análise de suas características
para compreender os motivos pelos quais cativou toda uma geração de pessoas.
Esta pesquisa busca elucidar as nuances e atuações do racismo brasileiro, a fim de
demonstrar a sua complexidade, almejando contribuir com reflexões à sua
superação.

Palavras-chave: Identidade; Raça; Jorge Lafond; Vera Verão; Estereótipos;


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 12

CAPÍTULO 1 ............................................................................................................. 18

JORGE LAFOND: UMA NOÇÃO SOBRE IGUALDADE ......................................... 18


1.1. JORGE LAFOND ............................................................................................... 18
1.2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .......................................................................... 21
1.3. IDENTIDADES? IDENTIFICAÇÃO? ................................................................... 25
1.4. IGUALDADE, DESIGUALDADE E DIFERENÇA ................................................ 30

CAPÍTULO 2 ............................................................................................................. 36

VERA VERÃO: REFLEXÕES SOBRE IDENTIDADE E RAÇA ................................ 36


2.1. O PROGRAMA A PRAÇA É NOSSA .................................................................. 36
2.2. VERA VERÃO .................................................................................................... 42
2.3. ANÁLISE DOS EPISÓDIOS ............................................................................... 44

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 54

FONTES .................................................................................................................... 55

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 57
12

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa busca investigar como são abordadas as identidades, o


racismo e os estereótipos no quadro Vera Verão, interpretada pelo ator Jorge
Lafond, no programa humorístico de TV A praça é nossa, veiculado pelo Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT). Para a análise foram selecionadas as participações
num recorte de 10 anos (1992-2002), a fim de se ter uma perspectiva panorâmica da
sua trajetória neste programa. A estrutura básica deste quadro se configura na
aparição da Vera Verão em um intervalo de 2 a 3 minutos, interagindo com Carlos
Alberto de Nóbrega (principal ator do programa humorístico) e demais convidados.

A pesquisa se baseia numa premissa de que existem diversas


características racistas presentes na sociedade brasileira. Através da análise deste
quadro se pode visualizar o racismo brasileiro na prática, bem como suas
configurações, atuações e características. Além da discussão sobre racismo, dentro
do recorte escolhido, existe uma problemática sobre identidade, como ela é
construída e como ela se configura nesta personagem em questão (Vera Verão) e
na pessoa de Jorge Lafond. Esta discussão e problemática é relevante na medida
em que a personagem detém e transita dentro de diversas identidades. Jorge Lafond
(intérprete da Vera Verão) é um homem negro e homossexual assumido, entretanto,
a sua personagem Vera Verão é uma performance que o ator criou para o quadro (a
pedido de Carlos Alberto de Nóbrega). Já Vera Verão é uma personagem construída
através de estereótipos femininos e sobre premissas de feminilidade, em conjunto
com sua personalidade de uma “gay afeminada”. Bastante complexa, visto que não
identifica como transsexual ou DragQueen, ela foi pensada para ser uma travesti,
mas na atuação da personagem isto não fica evidente. Trata-se uma personagem
que é apresentada como uma mulher, não havendo a problematização sobre o fato
de ser um homem a interpretando, que aliás, é o motivo pelo qual ela é “engraçada”,
afinal dá a entender que é um homem que almeja ser mulher. Sua feminilidade é
reforçada através de suas vestimentas “ditas” femininas, sua maquiagem e sua
relação de desejo pelo sexo masculino. Entretanto, no conjunto destas
características se mistura com uma noção caricata de uma “gay afeminada” e a
personalidade “feminina” de Vera Verão.
13

Dessa maneira, estão presentes diversas identidades quando se discute a


figura de Jorge Lafond, a sua identidade de homem negro, homossexual e artista. Já
em Vera Verão, sua identidade como mulher negra (travesti?). Além disso, é
relevante levar em consideração como as pessoas o enxergam, ainda mais quando
a sua personagem Vera Verão é vista de diferentes maneiras (como travesti,
transsexual ou drag queen), que vão além da idealização da personagem e da
interpretação do ator em si.

A metodologia deste trabalho se configura como uma análise do programa


humorístico já citado, através do recorte das aparições da Vera Verão, bem como o
programa no todo, além dessa primeira análise, são utilizados recortes jornalísticos
a fim de entender como a Vera Verão e Jorge Lafond eram visto pela imprensa no
período. Para a constituição e interpretação biográfica da pessoa do Jorge Lafond
serão utilizadas entrevistas (tanto em vídeo quanto escritas) na qual Lafond fala
sobre suas personagens, sua vida, trajetória e sobre a Vera Verão. Em conjunto com
o recorte selecionado para os vídeos (1992-2002), os jornais selecionados são do
período de 1990 à 1999.

Os jornais selecionados são: Jornal do Commercio (1990;1996), O pioneiro


(1992), O Fluminense (1994) e Jornal do Brasil (1992). Estes jornais e os respectivos
recortes utilizados foram encontrados na Hemeroteca Digital Brasileira 1. A palavra-
chave utilizada para a pesquisa foi “Jorge Lafond e Jorge Laffond” (em alguns
lugares se encontrava com grafia diferente) e o recorte temporal utilizado na
ferramenta de busca foi entre 1990 e 1999, período de maior atuação de Lafond.
Dentre os resultados foram diversas citações ao nome de Lafond nestes jornais
desde anúncio de suas peças de teatro (visto que a maioria dos resultados são de
jornais do estado do Rio de Janeiro) e outras reportagens que falam diretamente
sobre Jorge Lafond e/ou Vera Verão, as quais serão utilizadas para fundamentação
e argumentação sobre a construção da personagem Vera Verão, bem como a figura
de Jorge Lafond.

Com esta pesquisa se objetiva entender como racismo brasileiro se faz


presente no quadro Vera Verão do programa humorístico A praça é Nossa, bem

1
Disponível através do link: http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx?fbclid=IwAR05ogARTI-
hPJgUdxQrCLwmLOLCOixFtqSwzHYPsxa2LtYsKuYzqZqNiqg.
14

como analisar a interpretação e performance de Jorge Lafond em uma perspectiva


sobre identidades de raça, gênero e profissional. O conceito de raça será utilizado
no trabalho a fim de fazer coerência perante a discussão que envolve o tema, visto
que socialmente e de maneira geral ainda se utiliza esse termo. Portanto, raça é
entendido no seu sentido social, levando-se em consideração toda a discussão de
que há décadas se sabe unidade da raça humana, entretanto, ainda se discute raça
nos termos sociais. Segundo Adilson Moreira (2018, p. 40) a raça não deve ser
entendida apenas como um “parâmetro de classificação biológica, mas sim uma
identidade social que posiciona os indivíduos dentro de relações hierárquicas
existentes em uma sociedade”. Em sua reflexão o autor busca demonstrar o
processo no qual, ele chama de racialização, acarreta em diversas consequências
socias e políticas. Assim, “a forma como grupos humanos são representados nos
meios culturais determina o valor que eles possuem, indicando então qual será o
status cultural e também o status material deles” (MOREIRA, 2018, p.41). Levando-
se em consideração a magnitude e amplitude do quadro que será analisado, fica
evidente que o status cultural delegado às pessoas negras representadas é inferior
às brancas, característica que será analisada e interpretada nesta pesquisa.

Como referências conceituais são utilizadas os trabalhos de Stuart Hall


(2006; 2016) sobre identidade, as pesquisas sobre etnia e cor de José D‟Assunção
Barros (2009;2010), a discussão sobre racismo recreativo de Adilson Moreira (2018),
a noção de estereótipos de Héctor F. L Hoeste (2011), Rui Zink (2011), Christie
Davis (2011) e Ricky Goodwin (2011), as contribuições de Milton J. Almeida
(1994,2004) sobre as imagens e sons no cinema e na televisão, além das
contribuições sobre o estúdio de televisão e entre outras discussões e conceitos.

As identidades são entendidas como inerentes a psique humana, são a


maneira pela qual as pessoas entendem os outros e a si mesmas. Elas são
formadas através da sua inserção no mundo social, através da sua relação com os
outros e consigo mesmo. Por muito tempo se acreditou que as identidades fossem
estáticas e que eram uma característica que nascia com a pessoa, porém, hoje,
teoriza-se que as identidades são fluídas e múltiplas, na medida que nós, seres
humanos, nos relacionamos com o mundo e com a sociedade de diferentes formas.
Portanto, as identidades podem ser entendidas como voláteis, bem como são
construídas socialmente, estando passíveis a alterações conforme os novos
15

rearranjos sociais que os indivíduos estão suscetíveis. Esse conceito é importante


para a análise pretendida porque nos ajuda a compreender melhor o jogo identitário
que é feito através da personagem da Vera Verão.

O conceito de raça possui uma história bastante longa e complexa, visto que
por muito tempo ele foi utilizado de diferentes formas. Inicialmente, utilizado para
distinguir os seres humanos e aqueles que não eram considerados seres humanos
(os negros, por exemplo). Após este período, entre o século XIX e início do XX,
houve diversas teorias científicas que visavam comprovar cientificamente que
haveriam distinções entre as “raças humanas” e, portanto, justificar a inferioridade
de certas categorias (ou a superioridade de outras). Hoje sabe-se que todos nós,
seres humanos, pertencemos a uma só raça. Porém, esse legado de séculos de
história acarreta consequências até os dias atuais, desde a forma como as pessoas
não-brancas são tratadas, na forma de distinções propriamente ditas, nas quais,
principalmente os negros, são considerados inferiores por conta de sua cor de
pele/etnia. Como será demonstrado nesta pesquisa, é necessário retomar essa
discussão a fim de mostrar que o racismo ainda existe e é necessário que ele seja
combatido. Da mesma forma na qual se utilizou da ciência por muito tempo para
justificar a dominação dos povos brancos e caucasianos sobre aqueles
considerados diferentes, hoje se faz necessária utilizar da ciência para demonstrar
que estas concepções são ultrapassadas e não condizem com a realidade,
buscando cada vez mais a superação destas mazelas na busca de uma sociedade
cada vez menos preconceituosa e injusta.

O racismo é um tema bastante complexo e extenso que se desdobra em


diversas discussões delicadas e intensas. A presente pesquisa demonstra tal fato,
visto que é apenas um recorte dentro dos múltiplos possíveis. Dessa maneira a
pesquisa e discussão em questão se torna relevante na medida que busca
demonstrar (o que já é bastante evidente) a presença do racismo na sociedade
brasileira, bem como suas raízes, nuances e atuações dentro da sociedade. Além
disso, objetiva-se demonstrar a existência de tais práticas em vista da transformação
desta visão, para que sejam evidenciadas alternativas na medida que as pesquisas
(não apenas esta, mas de toda a literatura sobre o tema) demonstram que ainda
existem ecos do racismo presentes em nossa sociedade.
16

Através da obra de Adilson Moreira, intitulada O que é racismo recreativo?


pode-se entender que o humor pode, e é, utilizado muitas vezes para legitimar a
posição superior de certos grupos dentro de uma sociedade. Como o autor
argumenta em seu trabalho, têm-se uma ideia de que o humor racista possui um
caráter benigno, logo, não haveria problemática alguma em sua constituição.
Entretanto, Moreira argumenta, através de uma recapitulação histórica e análise de
processos judiciais e programas humorísticos recentes, como os estereótipos
racistas presentes nessas esferas da sociedade carregam uma história ao longo dos
séculos. O autor afirma que as mesmas características derrogatórias utilizadas em
piadas racistas para se referirem as pessoas negras, prática classificada como
racismo recreativo pelo autor, são as mesmas características que, num passado não
tão recente, eram as motivações para permanência em servidão dessas pessoas e
as práticas eugênicas visando um branqueamento da sociedade brasileira. Assim
“[...] os estereótipos presentes em piadas e brincadeiras racistas reproduzem
imagens negativas que foram utilizadas ao longo da história para legitimar a
opressão de minorias raciais. (MOREIRA, 2018, p. 65). Além disso, Adilson
demonstra que estes estereótipos e imagens derrogatórias sobre as pessoas negras
fazem parte de um projeto de dominação (cultural, política e social) das pessoas que
entendem-se por superiores na sociedade (vide, branquitude), e dessa forma os
estereótipos e atitudes racistas não devem ser apenas entendidas como atos
isolados ou aleatórios, mas como partes de um projeto de dominação de séculos de
grupos autointulados superiores sobre outros.

Portanto, esta pesquisa busca demonstrar o quanto ainda existem práticas


racistas dentro da sociedade brasileira, e nesse caso, o foco de análise é uma
produção televisiva da década de 1990. Produção essa que marcou uma geração
inteira e que ainda persiste no imaginário da sociedade. Dessa forma, fez-se um
esforço na busca por uma reflexão que desmascare o caráter benigno dessa obra,
demonstrando e argumentando sobre a necessidade de uma transformação nas
práticas culturais, aqui entendidas como racistas.

Por fim, vale ressaltar os dados trazidos pelo Atlas da Violência de 2019, o
qual demonstra “[...] a continuidade do processo de aprofundamento da
desigualdade racial nos indicadores de violência letal no Brasil.” (IPEA; SBSP, p.
48). Tratando-se de números:
17

Em 2017, 75% das vítimas de homicídios foram indivíduos negros (definidos


aqui como a soma de indivíduos pretos ou pardos, segundo a classificação
do IBGE, utilizada também pelo SIM), sendo que a taxa de homicídios por
100 mil negros foi de 43,1, ao passo que a taxa de não negros (brancos,
amarelos e indígenas) foi de 16,0. Ou seja, proporcionalmente às
respectivas populações, para cada indivíduo não negro que sofreu
homicídio em 2017, aproximadamente, 2,7 negros foram mortos. [...] O
gráfico 7.3 apresenta o padrão de vitimização por raça/cor, que indica
superioridade dos homicídios entre os homens e mulheres negros(as)
(pretos e pardos), em relação a homens e mulheres não negros, chegando
a 73,1% e de 63,4% para mulheres negras (IPEA; SBSP, 2019, p. 49, 71).

Os dados evidenciados acima demonstram o quanto a desigualdade racial no


Brasil traz reflexos trágicos a população negra, que além de estar majoritariamente
marginalizada no Brasil sofre com uma maior chance de ser vítima de violência letal.
Como Moreira bem argumenta sua obra, as características racistas da sociedade, e
nesse caso em específico, o humor racista, contribuem para a perpetuação do ódio
racial e consequentemente para a perpetuação da violência contra a população
negra. Fica evidente a necessidade urgente da transformação das práticas culturais,
bem como de políticas públicas que visem assegurar a vida das populações já
marginalizadas a muitos séculos no país.

Para a organização desta pesquisa ela foi dividia em dois capítulos: o


primeiro discutindo de maneira breve a história e trajetória de Jorge Lafond e os
conceitos que serão utilizar neste trabalho (raça, identidades e estereótipos). No
segundo capítulos será descrito o programa no qual há o quadro de Vera Verão,
bem como ela será apresentada, e por fim, será feita a análise das fontes
selecionadas.
18

CAPÍTULO 1
JORGE LAFOND: UMA NOÇÃO SOBRE IGUALDADE

Neste primeiro capítulo são trabalhados os conceitos que fundamentam essa


pesquisa, além da construção da trajetória de Jorge Lafond. Para tal, foram
utilizadas entrevistas e reportagens. Em seguida, são apresentados os conceitos
utilizados para a interpretação das fontes selecionadas e problematização da
pesquisa.

1.1. JORGE LAFOND


Jorge Luís Sousa Lima (1952-2003), mais conhecido por Jorge Lafond,
trabalhou como ator, dançarino, transformista e comediante. Seu nome artístico é
em homenagem a atriz Monique Lafond. Começou a fazer balé aos nove anos de
idade e desde muito cedo esteve envolvido com a arte e dança. Fez faculdade de
Educação Física (Universidade Castelo Branco) e de Teatro (UNIRIO). Iniciou a
carreira como bailarino no programa Passarela (TV RIO) e no Fantástico (TV Globo).
Viveu nos Estados Unidos e na Europa trabalhando como dançarino2.
Jorge diz nas suas entrevistas que a figura de Clodovil foi uma das
responsáveis pela aceitação da sua família referente a sua sexualidade, bem como
o programa O Cassino do Chacrinha (1982-1988) foi inspiração para suas
brincadeiras de criança.3
Ficou mais conhecido por dar vida à personagem Vera Verão no programa A
praça é Nossa (SBT). Além desta personagem, Lafond fez parte de inúmeras
atividades artísticas, entre elas: trabalhou no corpo de bailarinos do Fantástico
(1982), fez parte do programa Viva o Gordo de Jô Soares, do programa infantil
Plunct, Plact, Zuum (1983), trabalhou na novela Sassaricando (1987) e em Kananga
do Japão (na extinta TV Manchete), fez parte dos Trapalhões (de Renato Aragão) e,

2
Informações disponíveis através da redação do jornal Estado de São Paulo. Acesso em: 20 nov.
2019. Disponível em: https://emais.estadao.com.br/noticias/gente,relembre-a-trajetoria-de-jorge-
lafond-a-vera-verao-dentro-e-fora-do-humor,70001718973
3
Em entrevista ao programa de Elke Maravilha (1993).
19

viveu por dez anos a personagem Vera Verão, além de diversas participações nos
carnavais carioca e paulista.
Natural do Rio de Janeiro, nascido no bairro de Laranjeiras, filho único, foi
criado no subúrbio da Penha. Entendia-se como homossexual desde os 10 anos de
idade, e diz que na sua família nunca houve preconceito contra ele. Contava que
sempre teve consciência do preconceito com os negros e homossexuais, deixando
explícito em suas entrevistas que não era algo que lhe afetava, buscando seguir
sempre “seguir em frente de cabeça erguida”. Através de suas entrevistas fica nítido
a sua consciência sobre o fato de que por ser homossexual, negro e artista foi vítima
de vários preconceitos. Todavia, Lafond buscou incrementar seu currículo através de
uma formação de qualidade, contando com uma passagem por 5 anos na Europa, e
acreditava que por conta disso as pessoas o respeitavam.
Em entrevista para o UOL¸ Edvan Rodrigues de Souza (Buiu/Azeitona) relata
que pelo fato dos dois serem negros e Lafond homossexual, ambos já tinham sido
vítimas de diversas ações preconceituosas nas ruas. Além desse relato, um episódio
triste um pouco antes de seu falecimento traz indícios de que mesmo Lafond
possuindo essa postura, não estava imune de ser atingido por possíveis atitudes
preconceituosas. Em 10 de novembro de 2002, poucos meses antes de sua morte,
em uma participação no programa Domingo Legal (SBT), no quadro “Homens x
Mulheres”, Jorge Lafond (que no quadro estava na personagem Vera Verão e
integrava o lado feminino da disputa) foi convidado a se retirar do palco e “colocar
roupa de homem” pouco antes da entrada do Padre Marcelo Rossi.
Tais episódios exemplificam que, mesmo buscando através da sua arte e de
seu trabalho, impor respeito e levar uma imagem positiva dos negros e
homossexuais durante a sua carreira, acabou por passar por situações
preconceituosas. Lafond se referia a sua homossexualidade como uma arma para
derrubar o preconceito, levantando a bandeira contra a discriminação, tanto contra
os gays como aos negros e negras. Relatou que buscou através da sua carreira
construir uma aceitação com o público, além de buscar passar informações sobre o
mundo gay para que houvesse cada vez menos preconceitos4.
Jorge Lafond, em entrevista à revista Amiga (1982) relata que jamais se
sentiu uma mulher, mas que possuía grande fascinação por elas, deixando nítido

4
Em entrevista à Revista Amiga 1985.
20

que não queria competir e que existia um verdadeiro homem dentro de si. Essa
entrevista traz a luz questões importantes para se entender tanto a pessoa Jorge
Lafond quanto sua personagem Vera Verão, deixando compreensível que Vera
Verão tratava-se de uma personagem que Lafond deu a vida, mas que nunca se
identificou como uma mulher, travesti ou transexual, tratando-se apenas de sua
personagem. Entretanto, dela buscava passar uma imagem positiva e não agressiva
sobre os homossexuais, colocando uma performance sobre sua personalidade, que
segundo ele, é uma personalidade do mundo artístico. Além do texto que lhe era
passado, buscava trazer simpatia e naturalidade, almejando uma maior aceitação do
público.
Cabe ressaltar que mesmo demonstrando uma postura de indiferença aos
possíveis preconceitos que estava sujeito, através de suas entrevistas e falas,
Lafond transparece não ter sido tão alheio a estes acontecimentos. Em uma das
suas entrevistas ele diz que se alguém “se metesse com ele” ele partiria para briga.
No episódio em que foi convidado a se retirar e trocar suas roupas femininas por
masculinas5, em entrevista posterior relata que se tivesse tido oportunidade
responderia aos fatos. Suas falas demonstram que, diferente da imagem pública que
tentava passar, ele se importava com essas situações, porém, buscava passar uma
imagem forte da sua pessoa, impondo-se publicamente.
Sua identidade como artista é construída através de diversas características:
ele se coloca como um homem viril, como um artista respeitado e conceituado, além
de uma memória seletiva sobre sua infância e adolescência. Em suas entrevistas ele
lembra das coisas boas que lhe ocorreram no passado, relatando um estupro como
se fosse iniciação sexual6. Além disso, deixa evidente que é homossexual e que
gosta de homens, e que em hipótese alguma ficaria com mulheres.
Fica compreensível que Lafond buscava passar uma identidade para o
público, que seria a de homem viril, bastante conceituado culturalmente e
profissionalmente e inabalável. Porém, o questionamento que fica é que, através de
suas entrevistas e falas públicas, é evidente que essa identidade é apenas a que ele
passava para os demais, fato que abre possibilidades para questionar, quem era
Jorge Lafond na sua vida privada? Infelizmente a esta questão não será possível

5
Conferir: Jorge Lafond Vera Verão última entrevista, disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=fm9DSmLQ9bY
6
Em entrevista a revista Casseta & Planeta.
21

responder, mas tal apontamento nos ajuda a compreender e interpretar a sua


atuação profissional, e nesse caso, entender melhor a Vera Verão.

1.2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA


Para a interpretação dos vídeos referentes ao quadro da Vera Verão no
programa A praça é nossa foram utilizados os seguintes conceitos: racismo
recreativo (MOREIRA, 2018), locais de memória (ALMEIDA, 2004), identidades
(HALL, 2006; 2016), construção social da raça (BARROS, 2009;2010), memória e
identidade social (POLLAK, 1992) e cultura oral (ALMEIDA, 1994).

Michel Pollak (1992), através de uma conferência publicada na revista


Estudos Históricos, discute o conceito de memória, entendido como um fenômeno
coletivo e social, portanto, passível de alterações. A memória pode partir tanto de
acontecimentos e situações vividas pessoalmente quanto “por tabela”. O autor utiliza
o exemplo da primeira guerra mundial, de memórias coletivas que eram
interiorizadas por indivíduos. Esse fato é chamado de “projeção da memória”, como
se o acontecimento ou situação realmente tivesse acontecido com a pessoa.
Entretanto, Pollak elucida que não se faz necessário julgar isto através da noção de
falseamento ou dissimulação, mas que o interessante é entender como essas
memórias constituem as pessoas (tanto a sua memória pessoal quanto a sua
memória “por tabela”).

Dessa forma, a memória é seletiva (POLLAK, 1992). Trata-se de um


fenômeno construído (seja ele consciente ou inconscientemente). Essa memória
herdada liga-se com a construção da identidade e ambas podem ser “negociadas”,
assim como lócus de disputas políticas. Essa noção da memória é importante visto
que as cenas do quadro da Vera Verão são passíveis dessa assimilação, na qual é
possível a construção de uma relação da figura da Vera Verão com demais pessoas
que se assemelhem a ela: mulheres negras, homossexuais, travestis ou
transsexuais. Construindo assim uma imagem “por tabela” destes indivíduos,
pautados nas características de Vera Verão, através da construção de estereótipos.

Para Pollak (1992) existem os “lugares de memória”, tanto pessoais quanto


coletivos, ou seja, lugares que remetem de personagens, pessoas, acontecimentos
etc. Os chamados de “locais de memória” por Milton J. de Almeida (1994),
22

relacionam-se com esses “lugares de memória”, constituindo-se de locais nos quais


a memória pode ser revisita. Almeida discute como a televisão se trata de um lugar
de memória, na medida que pessoas, coisas, personagens são lembrados e
rememorados através dela. Assim:

o estúdio de televisão contemporâneo é herdeiro de uma história de


produção e reprodução da memória. E, mais que isso, persiste nele um
processo secular de fabricação estética e política de imagens agentes feitas
para se tornarem inesquecíveis, uma educação visual da memória. [...] Essa
poderosa técnica de captação, construção, interpretação e reprodução do
real é também técnica de amestramento da tensão entre a experiência
subjetiva e complexa do mundo de cada pessoa e o “real” objetivo e
verificável garantido pela transmissão em perspectiva visual. Um
desencantamento do mundo e um encantamento com o real, a sua
sacralização (ALMEIDA, 2004, p. 270-271).

Essas imagens construídas através dos estúdios de televisão buscam fazer


parte do real, ou pelo menos simular um contato com o real. O estúdio de televisão,
visto como local de memória, deve ser entendido como um local no qual as imagens
são selecionadas, cortadas, alteradas para o espectador, o qual recebe-as de
maneira passiva. Recortes feitos “[...] para apresentarem-se em movimento estético
e político. Imagens fantásticas que encantam ou assustam enquanto fazem e
refazem a memória” (ALMEIDA, 2004, p.272).

As produções televisivas são um projeto artístico, cultural e de mercado.


Nesse novo contexto cultural, muitas pessoas estão sendo educadas através das
imagens e dos sons, característica atribuída por Almeida (1994) a “constante
desatualização” da escola7. Como se trata de uma linguagem diferente, as suas
consequências e constituição são completamente diferentes àquela linguagem
ligada com a escrita. A sua ligação com o real é um fator que tem um peso muito
maior do que aquele atribuído a escrita, visto que as imagens são mais fortes que
um texto, por terem “força de realidade” ou pelo fato de que “parece como verdade”.
Como essas produções possuem uma linguagem própria, ela não leva a uma
“conclusão inequívoca”, característica diferente da textual, na qual o leitor pode tirar
conclusões através daquilo que carrega como bagagem cultural e intelectual. Já na
produção televisa o produto é “dado” e visto como “uma verdade” (Almeida, 1994, p.

7
Já no período deste texto (década de 90) já eram sentidos esse fenômeno causado pelas mídias.
Fato que é muito mais fácil de se visualizar atualmente, através da internet de alta velocidade, a
crescente globalização e a chamada “era digital”.
23

7-8). Essa noção é importante quando se discute a identidade e a imagem que a


personagem Vera Verão passa, visto que o peso dela na construção de noções
sobre a realidade são bastante influentes. Dessa forma, de maneira geral, a
personagem contribui para um entendimento caricato das pessoas negras, das
mulheres e dos homossexuais. Fato que levou o Grupo Gay da Bahia (GGB), no ano
de 2001, se manifestar em desagrado à utilização de Jorge Lafond numa campanha
de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis, pelo fato de que para o grupo
Lafond passava uma imagem estereotipada e pejorativa dos gays8.

Tratando-se de produtos de uma indústria cultural e mercadológica, diferente


das produções textuais na qual é possível remeter-se a um autor ou mais autores, a
produção audiovisual é permeada por diversos autores, não sendo possível
relacionar o todo da produção (mesmo que haja o diretor mencionado existem
diversos outros agentes ligados à sua produção e distribuição). Característica de
produtos frutos da indústria cultural, formada através de narrativas simples, não
problematizadoras e estereotipadas, de fácil entendimento ao público que a recebe.
Dessa forma:

O importante naquilo “que se vê e ouve” é que as imagens, anônimas ou


não, nunca são gerais, como acontece em um texto onde se lê “uma cidade
pequena”, por exemplo, ou “um homem alto”. Essas palavras e outras das
línguas são sempre abstrações, generalizáveis, “universais”: um signo
gráfico/fonético de algo ausente, distante, que meu pensamento imagina
para presentificá-lo, independente de tratar-se de ficção, de uma conversa
banal, de um texto de ciência. As palavras nas línguas alfabéticas são
sempre representantes abstratos daquilo a que se referem, pessoas, coisas,
ideias. Já a imagem-som é uma reprodução real daquilo que reproduz,
independentemente de ser um telejornal ou um filme de seres fantásticos.
Aparece visualmente como se fosse real e o é, pois vemos sua forma, cor,
movimento, som. Diferente da palavra que cada um escuta igualmente mas
entende individualmente em sua inteligência particular. Dessa forma, todo
nosso aparato intelectual acostumado a entender e ver palavras oralizadas,
a nossa inteligência verbal, é atualmente obrigado a acordar para uma
inteligibilidade diferente, necessária para a vida educacional e cultural na
sociedade oral de imagem e som (ALMEIDA, 1994, p. 19).

Isto posto, a interpretação do quadro da Vera Verão feita no segundo


capítulo, é permeada por essa noção. O quadro é entendido como uma construção
audiovisual mercadológica, dentro de um meio de comunicação que é um lugar de

8
Disponível em: https://bastidoresdainformacao.com.br/ueeepa-bicha-nao-relembre-a-historia-de-
jorge-lafond-a-vera-verao/>. Acesso em: 11 abr. 2019.
24

memória e, como se trata de uma produção cultural e mercadológica, é constituída


de disputadas (explícitas ou implícitas), nas quais é possível visualizar as nuances e
consequências do processo histórico brasileiro (neste caso, as características raciais
que são base da sociedade brasileira), visualizadas também através do “racismo
recreativo” de Adilson Moreira (2018)., ou seja, essa noção de que o humor é algo
“benigno” e que, portanto, é isento de racismo. Como essa produção marcou a
geração dos anos noventa e início dos anos dois mil, é importante frisar o seu peso,
tanto na construção do imaginário dessas pessoas no que concerne às pessoas
negras, quanto o fato do discurso embutido nela reforça as construções raciais do
início do século XX e fins do século XIX.

Mesmo Jorge Lafond falando sobre sua personagem como uma criação,
sobre o seu entendimento de que se trata de uma performance na qual o ator
expressa traços de sua identidade e que ele não se identifica como uma mulher, a
grande maioria das pessoas dificilmente chegam a ter o contato com essas
informações. Como trata-se de um produto de massa, distribuído e produzido
através de uma indústria cultural, aquilo que se entende e se interpreta é o que está
visível naquele momento, mesmo que o ator, como diz em suas entrevistas, busque
passar uma imagem melhor sobre os gays. Dessa forma, a crítica que se faz ao
programa, e por extensão, à personagem, é o fato de que dificilmente, nos moldes
propostos naquele quadro de TV, seria possível transmitir outra imagem que não
fosse algo estereotipado e caricato. Tais características, criticadas anteriormente,
são o que fundamentam a noção crítica sobre a personagem e sobre a atuação de
Lafond, evidenciando-se que, através destes mecanismos, é possível que aquilo que
“fique” marcado sobre a personagem e o programa é apenas uma visão caricata e
“engraçada”, na qual os gays, as mulheres e os negros são ridicularizados para a
construção de um quadro de humor.

Em congruência com os apontamentos colocados por Adilson Moreira


(2018), compreende-se que esta forma de humor expressada pela Praça é Nossa e
aqui definido como racista, é mais uma das estratégias da branquitude para a
construção de imagens derrogatórias sobre as minorias raciais. Atitude que busca a
legitimação da branquitude como ideal social, cultural e político, no qual cabe a
pessoas entendidas social e culturalmente como brancas os papeis e locais de
25

destaque ou de prestígio na sociedade. Mesmo se este processo não se trate


necessariamente de algo consciente.

1.3. IDENTIDADES? IDENTIFICAÇÃO?


Stuart Hall (2006), em A identidade cultural na pós-modernidade, discute
sobre a crise das identidades na modernidade tardia (ou pós-modernidade),
evidenciando fato de que as identidades têm sido descentradas. Há aqueles que
argumentam que as identidades eram sólidas e possibilitavam aos indivíduos certa
estabilidade. Entretanto, existem mudanças desde a metade do século XX que
abalam essas noções identitárias vistas como “sólidas” (classe, gênero, etnia, raça e
nacionalidade), fragmentando também o indivíduo moderno, visto até então como
unificado.
A posição do autor é bastante crítica a essa noção, questionando a
constituição da própria modernidade, apontando para o fato de que ela própria está
sendo modificada e, mesmo essas concepções identitárias não eram tão sólidas
como se imaginava. “O nascimento e a morte do sujeito moderno” é a constatação
de que as “conceptualizações do sujeito mudam e, portanto, têm uma história.”
(HALL, 2006, p. 24).
Hall (2006, p. 10) apresenta três noções de identidade: a identidade do
sujeito do iluminismo; do sujeito sociológico e do sujeito pós-moderno. O sujeito do
iluminismo estava baseado na concepção unificada de identidade, o qual continha
um “núcleo” interior que nascia com ele e que se desenvolvia ao longo da sua vida,
mas sempre permanecia o mesmo. Esse centro essencial era a identidade da
pessoa, “uma concepção muito “individualista” do sujeito e de sua identidade” (2006,
p. 10-11). Ele deixou de ser unificado e estabelecido, definido pela vontade divina na
idade média, para se tornar um ser individual, dotado de raciocínio e expresso na
frase “[...] penso, logo, existo. Desde então, esta concepção do sujeito racional,
pensante e consciente, situado no centro do conhecimento tem sido conhecida como
o “sujeito cartesiano”. (HALL, 2006, p. 27).
A partir do momento que as sociedades vão ficando cada vez mais
complexas, que as relações se globalizam, o sujeito moderno também se
transforma, dando origem a noção de sujeito sociológico. A formação da sua
identidade é entendida através da sua relação com a sociedade. Ele ainda detém
um núcleo interior, mas “é formado e modificado num diálogo contínuo com os
26

mundos culturais „exteriores‟ e as identidades que esses mundos oferecem”. (2006,


p. 11).
Essas duas concepções anteriores são confrontadas com as mudanças
modernas (ou pós-modernas). Este sujeito que antes era visto como unificado e
estável está se tornando fragmentado, composto de várias identidades (não
necessariamente coerentes umas com as outras), “a identidade plenamente
unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia.” (Hall, 2006, p. 13).
Stuart Hall (2016) elucida o fato de que as identidades têm sido abaladas
através de quatro descentramentos, tanto da vida intelectual quanto do pensamento
ocidental. A primeira contribuição advém de Marx e a sua constatação sobre o fato
de que a construção das identidades é submetida a condições com as quais não
temos controle, que o sujeito não pode construir. Dessa maneira as pessoas são
constituídas através das histórias que fazem. A identidade é construída através de
diversas condições, as quais muitas deles estão alheias a vontade ou controle
individuais. (HALL, 2016).
Através de Freud e a descoberta do inconsciente surge o segundo
descentramento das identidades, visto que existe um enorme desconhecido da vida
psíquica. Portanto, além das condições culturais e sociais a identidade é formada
também a partir de uma enorme formação inconsciente. (HALL, 2016). Nossas
identidades e sexualidade são formadas por diversos processos psíquicos e
simbólicos do inconsciente. Essa constatação “arrasa com o conceito do sujeito
cognoscente e racional provido de uma identidade fixa e unificada – o “penso, logo
existo” do sujeito de Descartes.” (HALL, 2006, p. 36).
As contribuições de Sassure e “sassureanos” demonstram que a fala está
inserida em complexas relações de linguagem. Assim, para se dizer algo novo é
necessário reafirmar traços passados que estão inscritos nas palavras que usamos
e deslocar seus significados (Hall, 2016, p. 318-319). Através desse processo de
ressignificação das identidades/identificação as palavras que definiam certos
conceitos e significados agora não são mais suficientes ou inadequadas para o
tratamento de novas construções identitárias. Hall (2006, p. 41), relaciona a língua e
a identidade: “Eu sei quem „eu sou em relação com‟ o outro [...]. Como diria Lacan, a
identidade, como o inconsciente, “está estruturada como a língua”.
Hall (2016, p. 319) exemplifica a analogia da construção das novas
identidades e as estruturas da língua, através da palavra “negro”. O fato de que
27

agora são feitas (re)significações diferentes para essa palavra, e que a pouco tempo
atrás ela era utilizada em outro contexto, completamente diferente das novas
pretensões identitárias. Demonstrando o quanto é difícil pensar esse processo sem
uma ressignificação linguística e um combate a toda uma história de significados
derrogatórios anteriormente detonado a essa palavra. História essa que não se
apaga quando se conceitualizam novas noções, mas que faz parte da noção nova
que se constrói.
Por fim, o último descentramento é fruto do fim da noção de verdade trazida
por Nietzsche. A relativização do mundo e do pensamento ocidental, e as
discussões sobre o poder e o conhecimento evidenciam o fato de que o pensamento
ocidental é “apenas uma outra episteme”. (HALL, 2016, p. 319). As identidades
seriam relativas às condições de poder e conhecimento, na medida que aqueles que
os detém reivindicam as noções de verdade sobre a identidade. Quando a
racionalidade ocidental deixa de ser absoluta e passa a ser entendida como uma
verdade intrincada num complexo jogo de poder, consequentemente as velhas
noções de identidade são abaladas. (HALL, 2016).
Além desses descentramentos advindos das discussões intelectuais e
mudanças epistemológicas, Hall também acrescenta as contribuições das
identidades coletivas para o fenômeno. Os grandes arcabouços identitários que
eram até pouco tempo vistas como “estáveis” (por exemplo as identidades
nacionais, de classe, raça e gênero) têm sido enfraquecidos através das novas
movimentações sociais e políticas contemporâneas. Nos últimos 50 anos elas têm-
se transformado através dessas novas movimentações sociais/políticas e
configurações geopolíticas contemporâneas. Cada vez mais os indivíduos se
identificam com as suas realidades próximas (seu bairro por exemplo), mas também
de maneira global, num movimento novo que, segundo o autor, é fruto de uma
fragmentação local e global, e a partir disso, “as grandes identidades estáveis não
parecem se sustentar”. (HALL, 2016, p. 321). O grande exemplo da influência
desses movimentos é o movimento feminista. Tanto teoricamente quanto
socialmente os movimentos feministas impactaram na concepção das identidades.
Tanto através de sua crítica teórica, como através das movimentações socias, os
movimentos feministas que emergiram durante os anos sessenta são um marco no
que viria a ser chamado de política de identidade:
28

Ele questionou a clássica distinção entre o “dentro” e o “fora”, o “privado” e


o “público”. O slogan do feminismo era: “o pessoal é político”; [...] ele
politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação (como
homens/mulheres, mães/pais, filhos/filhas); Aquilo que começou como um
movimento dirigido à contestação da posição social das mulheres expandiu-
se para incluir a formação das identidades sexuais e de gênero; O
feminismo questionou a noção de que os homens e as mulheres eram parte
da mesma identidade, a “Humanidade”, substituindo-a pela questão da
diferença sexual; (HALL, 2006, p. 45).

Hall (2016) buscando ressignificar e reconceitualizar o significado das


identidades nessa nova formação política, social e econômica global, evidenciando
que as identidades são sempre cindidas. Para ele, trata-se de um processo de
identificação, feito a todo instante, não sendo estável, mas passível à história e às
diferenças. O processo de identificação é entendido como móvel, definido “[...]
historicamente, e não biologicamente.” (Hall, 2006, p. 13). Além desse processo ser
constante e contínuo, as identidades também podem ser múltiplas, por meio de uma
interconexão na maneira como as pessoas reconhecem as outras e a si mesmos.
As identidades são entendidas agora como fluídas e múltiplas, construídas
através dos sistemas culturais que nos rodeiam, empurrando-nos para várias
direções e caminhos com os quais podemos nos identificar.
O movimento de globalização é um fenômeno ocidental, o que também
poderia ser chamado de ocidentalização. Entretanto, desde os primórdios do
capitalismo as economias já eram interligadas. O que acontece hoje é o fato de que
essas relações se tornaram tão complexas e rápidas a ponto de trazer substantivas
mudanças identitárias e culturais. É importante citar que sempre houveram trocas
culturais e identitárias ao longo da história das sociedades, porém, nunca ao ponto
no qual se está hoje. A formação da pós-modernidade e os acontecimentos já
citados que modificaram as identidades são características desse momento no qual
vivemos e resultam em profundas mudanças culturais específicas desse período.
Destarte,
A história da identidade é uma história de fachada por te fazer pensar que
você está sempre no mesmo lugar, sendo que no fundo você sabe que está
se movendo. [...] Temos que reconceitualizar a identidade como um
processo de identificação e isso é bem diferente. É algo que acontece no
tempo, que não é nunca absolutamente estável, que é o sujeito ao jogo da
história e ao jogo da diferença (HALL, 2016, p. 322).

Stuart Hall utiliza a sua própria história para exemplificar o fato de que a sua
identidade enquanto negro é construída politicamente, indo além da sua cor de pele
29

ou natureza, ele é negro culturalmente, historicamente e politicamente. Neste


processo de identificação é que ele encontra quem ele é, de maneira que sua
identidade é dotada de historicidade. A partir do momento que a história está
mudando, você está mudando. (HALL, 2006; 2016).
A identificação não acontece de uma vez por todas, ela é um processo
constante na medida que a história muda. Em conjunto com essa noção é
importante frisar a participação do outro na construção da identidade. A identidade é
formada através dessa relação, “somente quando há um Outro você pode saber
quem você é” (HALL, 2016, p. 323). A identidade é construída através do discurso e
da representação. Ela “é uma narrativa do eu; é a história que contamos sobre o eu
para saber quem somos” (HALL, 2016, p. 324).
Para o autor “não há enunciação sem posicionamento. Você tem que se
posicionar em algum lugar para dizer qualquer coisa” (HALL, 2016, p. 325). Partindo
deste pressuposto, o passado torna-se um lugar no qual devemos nos ater para
dizer qualquer coisa. Hall propõe uma nova concepção de etnicidade, ou seja, uma
nova concepção das identidades, na medida que não se perde a base ou o lugar do
qual nós falamos, mas ele deixa de ser uma essência. “Essa nova concepção de
etnicidade está agora lutando por todo o globo de diferentes maneiras contra o
perigo presente e a ameaça da velha etnicidade perigosa (HALL, 2016, p. 327).
Pode-se ser feita uma análise dupla nesta pesquisa, a identidade de Vera
Verão e a de Jorge Lafond. Sobre a primeira, é possível compreender a sua
construção através das fontes que foram selecionadas, as quais versam sobre como
criação e interpretação. Jorge Lafond, em entrevista ao programa Elke Maravilha, diz
que a personagem foi criada através do pedido de Carlos Alberto de Nóbrega. Já
Jorge Lafond, através de suas entrevistas, deixa muito nítido o fato de se entender
como um homem negro, homossexual e artista. Entretanto, através da análise do
quadro, em conjunto com as informações reunidas aqui, é possível vislumbrar o
quanto essa identidade é fluída e não necessariamente cindida de maneira explícita
no quadro. Em sua interpretação suas identidades se misturam, dando vida a algo
que não é apenas o Jorge Lafond (negro, homossexual e artista) e não somente a
Vera Verão. O que se vê é uma mistura dessas duas identidades, que em certos
momentos um aspecto ou outro é mais destacado, seja para se fazer alguma piada
ou seja para a utilização de Vera Verão como defesa nas suas interpretações.
Características que serão analisadas no segundo capítulo.
30

1.4. IGUALDADE, DESIGUALDADE E DIFERENÇA


Através das discussões sobre identidade anteriormente elaboradas se faz
necessário uma conexão com os conceitos de igualdade, desigualdade e diferença,
em vista de uma análise completa do objeto de pesquisa. Para Hall (2016) existem
duas noções de diferença: àquela contida nos discursos racistas e aquela que
encontra em Jacques Derrida,

uma noção de differance que reconhece a natureza interminável, contínua


da construção do significado, mas esta também reconhece que há sempre o
jogo da identidade e da diferença e sempre o jogo da diferença sobre a
identidade. Você não pode pensar uma sem a outra (HALL, 2016, p. 324).

Jose D‟ Assunção Barros, em “A „construção social da cor‟ e a


„desconstrução da diferença escrava‟ – reflexões sobre as ideias escravistas no
Brasil Colonial” (2010) e “A construção social da cor: diferença e desigualdade na
formação da sociedade brasileira” (2009), apresenta um quadro conceitual sobre
igualdade, desigualdade, diferença e indiferenciação. Esses conceitos estão
inseridos em uma lógica complexa de interação entre si, e, através deles, o autor
busca interpretar a construção social da cor e a desconstrução da diferença escrava,
numa análise do processo escravista e abolicionista brasileiro.
Obviamente que as diferenças são inatas a própria natureza e a diversidade
humana, mas também podem ser construídas socialmente (também descontruídas,
fato que analisaremos a seguir) e que não se trata da busca da eliminação das
diferenças, mas da busca do entendimento destas noções. Assim, a “Igualdade
opõe-se a Diferença” (BARROS, 2010, p. 30. Grifo meu). A lógica é de que ou se é
igual a algo, ou diferente, característica contidas na ordem dos contrários. Atendo-
se a noção de contradição entre igualdade e diferença, é importante frisar que se
tratam de noções mais “rígidas”, com certo grau de reversibilidade ou gradações (em
certos casos), mas a ordem geral é das essências, ou seja, por exemplo: não se
pode ser meio negro ou meio branco, muito menos há uma mediação entre essas
duas essências, ou se é igual ou diferente de algo (ou alguém). (BARROS, 2009;
2010).
Já o processo de indiferença (ou indiferenciação, como no processo
escravista), é aquele no qual se nega as diferenças, e nesse processo todos são
31

vistos como componentes de uma mesma essência, no qual se abre um precedente


para um tratamento desigual (vide o processo de escravização dos negros).
(BARROS, 2009). O exemplo citado pelo autor é o fato de que as diferenças
africanas, durante o processo de escravidão, são tradadas com indiferença (através
desse processo de indiferenciação). A partir disso, nega-se a diferença aos negros
africanos, os colocando nesse arcabouço escravista. Atitude que trará diversas
sequelas e consequências na constituição da negritude brasileira. Problema nos
ateremos mais a diante.
Já quando se fala em desigualdades a ordem é dos contraditórios, como
exemplos o autor cita: forte e fraco, liberto e escravo, rico e pobre etc.
“Avalia-se a Desigualdade no âmbito de determinados critérios [...]: rendas,
riquezas, liberdades [...]. Indagar sobre a Desigualdade significa sempre
recolocar uma nova pergunta: Desigualdade de quê? Em relação a quê?”
(BARROS, 2010, p. 34).

Portanto, as desigualdades são circunstâncias, ou seja, condições na qual


se está e em outro momento se pode não estar mais. Dessa forma, as
desigualdades são circunstanciais e construídas, passíveis de desconstrução
(BARROS, 2009; 2010).
Igualdade, Diferença e Desigualdade são noções bastante importantes para
compreender, tanto o processo escravista quanto a situação das chamadas
“diferenças de cor” no Brasil contemporâneo. As relações sociais brasileiras, no que
se referem às negritudes, branquitudes, racismo e desigualdades sociais são
permeadas através dos reflexos da história da indiferenciação dos negros africanos
(ou seja, a negação da diferença) construída durante o processo escravistas.
As desigualdades negras do período colonial e pós-colonial, ao longo desse
processo, são transformadas/vistas, por meio do discurso escravista, como
diferenças. E esse é o ponto central da discussão, sobre quando desigualdades são
interpretadas como diferenças. Na análise elaborada pelo autor foi esta lógica
utilizada pelos colonizadores escravocratas, e este lógica de entendimento sobre a
diferença negra só começará a ser desconstruída posteriormente, através dos
discursos abolicionistas. Entretanto, assim como essas práticas foram construídas
através de séculos de discursos e práticas discriminatórias, a fim de se construir
todo um arcabouço argumentativo para a prática escravocrata, Barros cita um
contemporâneo ao período abolicionista, Joaquim Nabuco, o qual naquela época já
elucidava que, assim como processo de indiferenciação da negritude foi um
32

processo demorado e complexo, o processo da transformação da diferença negra


em desigualdade liberta também não seria fácil (BARROS, 2009, 2010). Levando-se
em consideração o que será exposto no próximo capítulo, assim como própria
realidade contemporânea desta pesquisa, fica evidente que as sequelas deixadas
por esse período histórico estão longe de serem apagadas ou remediadas tão
facilmente.
Por conseguinte, quando se discute raça, racismo e estereótipos, não se
trata apenas de situações e conceitos contemporâneos. Como foi evidenciado
acima, estes conceitos, a escravidão e escravismo brasileiros, possuem uma
história. Trata-se da história da indiferenciação dos africanos, da construção da sua
inferiorização, sua desumanização e genocídio. Para tais acontecimentos foi
construído todo um arcabouço teórico e discursivo que legitimava tais opressões. E,
através destes mais de 300 anos de história destes processos, as sequelas e
consequências atravessaram diversas gerações até os dias atuais. Portanto, para se
vislumbrar estratégias de superação e emancipação social de grupos raciais
colocados como inferiores, se faz necessária toda essa discussão, para que no
futuro exista a possibilidade de superação das mazelas deixas pelo processo
escravocrata e genocida, que é um dos processos fundadores da realidade social de
hoje.

Continuando a discussão sobre igualdade, desigualdade e diferença,


adentramos no conceito elaborado por Adilson Moreira (2018) chamado de racismo
recreativo. O autor defende a hipótese de que

o humor racista não possuiu uma natureza benigna porque ele é um meio
de propagação de hostilidade racial. Ele faz parte de um projeto de
dominação social que chamaremos de racismo recreativo. Esse conceito
designa um tipo específico de opressão: a circulação de imagens
derrogatórias que expressam desprezo por minorias raciais na forma de
humor, fator que compromete o status cultural e o status material dos
membros desses grupos. Esse sistema de opressão tem o mesmo objetivo
de outras formas de racismo: legitimar hierarquias raciais presentes na
sociedade brasileira de forma que oportunidades socias permaneçam nas
mãos de pessoas brancas. Ele contém mecanismos que também estão
presentes em outros tipos de racismo, embora tenha uma característica
especial: o uso do humor para expressar hostilidade racial, estratégias que
permite a operação do racismo, mas que protege a imagem social de
pessoas brancas. O racismo recreativo exemplifica uma manifestação atual
da marginalização em sociedades liberais: o racismo sem racistas. Esse
conceito designa uma narrativa na qual os que reproduzem o racismo se
recusam a reconhecer as implicações que as suas ações ou omissões
podem ter na permanência de disparidades raciais (MOREIRA, 2018, p. 21-
22).
33

Dessa forma, através da compreensão desse projeto de dominação racial,


quando se analisa a personagem Vera Verão, e o contexto no qual ela está inserida,
o programa A praça é nossa, é possível visualizar perfeitamente a construção
apontada por Moreira. A todo momento no programa pessoas negras são colocadas
como inferiores, seja através da maneira como elas são tratadas, das situações nas
quais são inseridas ou na maneira como são feitas referências à negritude. No
quadro da Vera Verão é possível visualizar que a todo momento a personagem é
colocada de maneira subalterna a outros personagens brancos.

Relacionando os conceitos apresentados anteriormente é possível


compreender que a diferença (BARROS, 2009,2010), neste caso, as diferenças de
cor, são permeadas pelo racismo. As pessoas negras representadas pelo programa
são sempre representadas através dos estereótipos clássicos sobre a negritude
(MOREIRA, 2018): os negros são sempre irracionais, relacionados a sujeira e a
escuridão, a malandragem e a obtenção de vantagens, sua sexualidade é sempre
exacerbada e as suas figuras ligadas a promiscuidade. No caso da Vera Verão, e
das mulheres negras, são representadas sempre com disposição imediata a
ligações sexuais com homens brancos ou a sua vontade de embranquecimento
(seja através do casamento com brancos ou da sua pretensão, através de
vestimentas e atitudes, de se tornarem brancas culturalmente). Os homens negros
representados pelo programa, no caso o personagem Azeitona, é sempre
ridicularizado nas mesmas situações: seja o “absurdo” das mulheres brancas se
interessarem por ele, como se isso fosse algo impossível, afinal, ele é negro (e no
caso do personagem, baixinho, o que foge do padrão de masculinidade) e a sua
submissão à branquitude, na sua vontade também de se engajar com mulheres
brancas (ideal de branqueamento).

Aqui cabe uma reflexão sobre os estereótipos. O livro Imprensa, Humor e


Caricatura: a questão dos estereótipos culturais organizado por Isabel Lustosa
(2011) traz diversas reflexões sobre o uso dos estereótipos. Mesmo se tratando
basicamente da utilização dos estereótipos em cartuns, algumas reflexões serão
interessantes para a presente pesquisa. Rui Zink (2011) inicia sua discussão
colocando que os estereótipos são inerentes a nossa realidade, nosso olho tende a
ver padrões, portanto, se trata de uma ferramenta com a qual nós compreendemos a
34

realidade. Entretanto, o mesmo autor coloca que se não tomarmos cuidados, essa
ferramenta mais atrapalhará do que ajudará. Sua intenção é demonstrar que nem
sempre os estereótipos são más simplificações, mas que também podem ser
(depende do caso). A maior contribuição para esta pesquisa é a sua constatação de
que é necessário um trabalho maior para a superação dos estereótipos,
necessitando constantemente de uma releitura da nossa realidade (ZINK, 2011, p.
48).

Christie Davis (2011) traz uma reflexão importante para esta pesquisa.
Através da sua análise de cartuns, faz uma comparação entre a imprensa nazista,
soviética e muçulmana, demonstrando a necessidade de compreensão sobre os
contextos culturais nos quais estão sendo utilizados os estereótipos:

No caso dos cartuns sérios, especialmente aqueles publicados pelas


imprensas nazistas, soviética ou muçulmana, nas quais são recorrentes os
estereótipos falsos e negativos, é fácil detectar o antissemitismo. Em
cartuns de humor, o cartunista pode utilizar-se com frequência de imagens
visuais que até têm algo em comum com as utilizadas nos cartuns
antissemitas, embora a intenção do seu criador nada tenha de
antissemitismo, sendo apenas um recurso humorístico. O que provoca
nosso desconforto diante desses cartuns é o fato dessas imagens já terem
sido utilizar em contextos muito perversos. [...] O mesmo não ocorre com
os cartuns sobre escoceses, pois não há uma ideologia anticaledoniana.
Alguns escoceses podem se sentir ofendidos por serem alvo de
brincadeiras e dos cartuns, mas eles não têm qualquer motivo para se
sentirem ameaçados por eles. É por isso que se pode usar a imagem do
escocês espertalhão ou cômico em propaganda, enquanto usar a imagem
dos judeus da mesma forma seria considerado de mau gosto e muito
provavelmente seria mal-interpretado (DAVIS, 2011, p. 113-114).

Essa compreensão sobre os estereótipos é importante para o entendimento


da análise pretendida na medida que são apresentados argumentos nos quais se
comprovam que as mesmas características utilizadas com tom jocoso em piadas
racistas são aqueles utilizadas num passado, não tão distante, para a submissão,
dominação e eliminação de pessoas negras. Dessa forma, não se trata de impor
aquilo que pode ou não ser humor, mas demonstrar que certas práticas humorísticas
carregam um peso e uma história que vai além da simples piada ou do momento em
questão, mas se trata de um passado que ainda ecoa até os dias atuais.

Héctor Fernandez L‟Hoeste (2011) faz uma análise sobre um quadrinho que
causou polêmica nos Estados Unidos por conta de seus estereótipos racistas
35

(apontados pelo movimento negro). Entretanto, este quadrinho foi produzido no


México, e lá, para os mexicanos, a sátira se relacionava mais com as questões de
classe e não de raça. Este episódio demonstra que, conforme o contexto cultural e
histórico no qual o objeto cultural está inserido a sua interpretação pode ser
diferente. Retomando ao caso aqui analisado, novamente se nota que há todo um
contexto histórico no qual os estereótipos raciais e piadas racistas que faz com que
estas práticas causem desconforto para certos grupos.

Por fim, interligando as reflexões sobre estereótipos, identidade e diferença,


é importante se ater que o caso analisado é permeado por todas estas questões. A
discussão sobre a Vera Verão é permeada pela identidade na medida que sua figura
é complexa, ainda mais se relacionada com a de seu intérprete e idealizador. Aqui,
cabe ressaltar que há uma interação de raça por meio do programa quando ele faz
referência direta e indireta a raça, carregando diversas características que podemos
entender como partícipes de um projeto de dominação da branquitude. Como Ricky
Goodwin (2011) coloca

A redução da cultura e dos costumes de um “outro” em parâmetros


simplistas pré-concebidos é uma maneira de se chegar a uma “apreensão”
de imediato daquele povo, pois uma compreensão real de sua
complexidade exigiria um esforço além do desejado. [...] Além disso – ou
principalmente –, é uma maneira de menosprezar “eles” de modo que
“nós” sejamos valorizados (GOODWIN, 2011, p. 541).

Portanto, um dos objetivos destas reflexões e a busca da superação de


interpretações simplistas e reduzidas da realidade racial brasileira, buscando
demonstrar que as relações socias brasileiras são permeadas por uma história
racista e genocida, e que até hoje suas consequências são sentidas por aqueles que
morrem todos os dias por conta de sua cor. Se trata, enfim, de uma reflexão que vá
além da compreensão imediata da realidade, contribuindo para o entendimento de
que necessitamos superar práticas derrogatórias na busca de uma sociedade mais
justa e saudável.
36

CAPÍTULO 2
VERA VERÃO: REFLEXÕES SOBRE IDENTIDADE E RAÇA

No segundo capítulo deste trabalho apresentamos uma reflexão sobre


identidade e raça a partir da descrição da personagem Vera Verão e do o programa
A praça é Nossa. A análise foi realizada a partir das as fontes selecionadas para a
pesquisa, os recortes de vídeos em que Vera Verão aparece no programa A praça é
Nossa, um programa completo e entrevistas de Jorge Lafond em revistas e jornais.

2.1. O PROGRAMA A PRAÇA É NOSSA


O programa humorístico intitulado A praça é Nossa possui uma história
bastante longa, com esse nome está no ar na televisão desde 1987. Antes de se
tornar como é conhecido atualmente, o programa se chamava A praça da Alegria,
tendo sido idealizada por Manoel de Nóbrega (1913-1976), pai de Carlos Alberto de
Nóbrega, o atual diretor e protagonista. Antes do programa ser exibido no SBT teve
passagem, até os anos 70, pela extinta TV Paulista (viria a se tornar a TV Globo),
Record e TV Rio. A sua estreia no SBT data de 7 de maio de 1987, comandada pelo
filho de Manoel de Nobrega.

Segundo o próprio site do SBT9, ao apresentar o programa, escreve que o


sucesso se deve ao fato de que “ao conquistar todas as faixas etárias e classes
sociais, A Praça É Nossa sempre se destacou pela diversificação em seu humor”. Já
de início é possível questionar esta afirmação adiantando um pouco a análise que
será feita a seguir. A constituição do programa, durante o período analisado, se
demonstrou bastante contrária a esta noção de “diversificação do humor”, na medida
em que basicamente o programa todo é voltado ao humor relacionado à sexualidade
e a estereótipos culturais brasileiros, dessa forma, se configura de maneira bastante
limitada, ao contrário da maneira como o a emissora o descreve. Continuando, os
dados disponibilizados contabilizam mais de mil programas inéditos, e mais de 120

9
SOBRE O PROGRAMA. Disponível em: https://www.sbt.com.br/variedades/a-praca-e-nossa#sobre-
o-programa. Acesso em: 04 nov. 2019.
37

artistas que protagonizaram mais de 250 personagens. Além de diversas


personalidades e pessoas famosas de diversas áreas que já passaram pela praça,
desde Pelé até apresentadores(as) de televisão, atletas, cantores, políticos e outras
celebridades.

O programa é apresentado atualmente por Carlos Alberto de Nóbrega, filho


do idealizador da Praça, nasceu em 1936, no Rio de Janeiro e começou sua carreira
na década de 50 escrevendo quadros humorísticos para o pai. Passou pelo rádio e
canais de televisão, escrevendo diversos programas. Entre as suas passagens pela
TV Record, Tv Paulista, um trabalho que é importante destacar nesta pesquisa é a
sua participação, na década de 70, nos programas dos Trapalhões (na extinta TV
Tupi). Depois de participar da direção de diversos shows nessa rede de TV, foi para
a TV Globo, onde, durante onze anos, escreveu e dirigiu Os trapalhões. Essa
informação é importante, visto que através da noção da construção humorística dos
Trapalhões é possível ter pistas sobre a maneira como Nóbrega trabalha com o
humor. Aqui não será possível fazer uma discussão sobre Os Trapalhões, devido ao
formato e extensão do trabalho, entretanto, já existem diversos trabalhos10 que
versam sobre o programa, elucidando sua característica caricata e estereotipada,
como a análise de Adilson Moreira (2018) sobre Mussum. Através desta última
informação é possível compreender a maneira com a qual Nóbrega trabalha o
humor, demonstrando sua tendência a exploração de imagens caricatas em seus
personagens.

Para fazer uma análise de um programa completo, será utilizado a esquete


datada de 14 de julho de 1999, com duração de aproximadamente uma hora. Um
primeiro elemento importante a ser relatado é a utilização das “trilhas de risadas” no
programa, tratando-se de um programa de palco (com público presente). Essa trilha
é utilizada quando é feita alguma piada ou algo engraçado, induzindo ao
telespectador o riso. Constituído de um cenário que tem como principal elemento um

10
Sobre os trapalhões podemos citar como exemplos de trabalhos de pesquisa:
D'OLIVEIRA, Gêisa F.; VERGUEIRO, Waldomiro. Humor na televisão brasileira: o interessante e
inusitado caso do programa Os Trapalhões. REVISTA USP, São Paulo, n.88, p. 122-132,
dezembro/fevereiro 2010-2011.
BONA, Rafael J. Os trapalhões e a comunicação midiática: a concepção de uma narrativa
transmídia made in brazil. (Tese doutorado) Curitiba: UTP, 2016.
38

banco de uma praça, ao redor dele, possuem alguns elementos que lembram uma
praça qualquer: uma lanchonete, outros bancos ao redor, pessoas conversando. A
ideia é que Carlos Alberto fica sentado no banco da praça, sempre lendo um jornal e
conversa com as pessoas que estão de passagem por ali, por isso mesmo os
quadros de cada personagem são muito rápidos. O programa inicia com Carlos
Alberto de Nóbrega interagindo com algum dos personagens do esquete. Entre os
personagens ao redor da praça a predominância é de pessoas brancas, e casais
heterossexuais. As mulheres, geralmente com vestidos curtos estão sempre
conversando com homens.

O episódio selecionado para uma primeira análise possui como equipe:


Supervisão: Carlos Alberto de Nóbrega; Direção Geral: Marcelo de Nóbrega;
Produção executiva: Adela Soriano Gimenez; Produção: Edimilson Luiz Gatti e Ana
Paola Christ Mazzali; Estagiário: Paulo Vivian Nogueira; Redação: Magalhães Jr.,
Sergio Valezin, Edmundo Marguerito e Arnaud Rodrigues; Cenografia: Patrícia Olga
e Rogério Stabile; Figurino: Wilson Coca e equipe; Cabelo e Maquiagem: Algir
Matias e equipe; entre outros. É importante destacar que os principais nomes do
programa, supervisão geral são de Carlos Alberto Nóbrega e seu filho, Marcelo de
Nóbrega.

Neste episódio o programa começa com um personagem fazendo referências


a um sonho que teve, o qual envolvia mulheres e seu desejo por elas. Após este
personagem sair aparece uma outra personagem, não identificada, relatando que
estão fazendo fofoca sobre ela na praça, e que ela chamaria seu irmão para resolver
o problema. Essa pessoa seria a Vera Verão. Em seguida ela aparece, mas, neste
episódio está de “Júlio Julião”, vestido de terno e seu fiel escudeiro Azeitona está de
vestido, que neste episódio é “Verinha Verão”. Vera Verão, ao ser interrogada por
Nóbrega se seria ela mesmo diz que “é e não é”. Tal fato causa estranhamento a
Carlos Alberto, que está acostumado a ver Vera Verão como “mulher” e Azeitona
como “homem”. Nesta interação são feitas referências a rivalidades entre as
mulheres e a sexualidade de Vera Verão (chamada de “bicha” pela mulher).
Azeitona chama a mulher que estava interagindo com Carlos Alberto de “mocreia”,
mas, em contra partida, Júlio Julião a chama de “gostosa”, interpretando a
sexualidade de um homem. Júlio Julião é interrogado(a) por Carlos Alberto se não
era mais “bicha” e ele(a) responde veementemente que não mais. Segue seus
39

flertes com a mulher em cena. Porém, quando o irmão da mulher aparece, Júlio
Julião se transforma em Vera Verão novamente, “jogando-se” para cima dele,
deixando sua interpretação masculina de lado e retomando sua “feminilidade”. Então
começa a briga entre as mulheres, na qual os homens da praça tentam apartá-la.
Vera Verão então foge com o irmão que também não chega nem a ser nomeado.

Em seguida aparece outra personagem semi-nua interagindo com um


personagem mais velho. A personagem é interpretada por uma mulher mais velha,
entretanto, sua interpretação faz referência a uma mulher mais nova e está flertando
com o senhor. Essa parte é basicamente composta por essa personagem
interagindo com esse senhor, a qual se coloca como presente de aniversário para
ele. Suas falas são recheadas de referências sexuais e a mulher é objetificada
durante toda sua participação. Na sua fala a personagem faz alguns gemidos após o
término de suas frases, dando ainda mais uma conotação sexual para ela, como se
as mulheres gemessem enquanto falam. A “comicidade” desta parte é basicamente
composta nas referências sexuais da personagem e da demora do senhor em
retribuir aquilo que a personagem lhe está oferecendo, sempre fazendo referências
a sua velhice ou a falta de interesse sexual do personagem.

O próximo personagem que aparece é uma criança. A “graça” desta


participação é colocada no fato de uma menina estar apaixonado por esse menino,
que, de início a rejeita, dizendo para Nóbrega que ele prefere a Carla Perez
(apresentadora, cantora, atriz e bailarina). Nóbrega faz um discurso sobre a
necessidade de olhar para dentro das pessoas, mas o menino rejeita seus
conselhos e sai de cena. Esta pequena participação faz referências a uma
sexualidade masculina precoce e a padrões estéticos femininos, na qual homens
buscariam mulheres apenas através de sua aparência.

Após o primeiro intervalo aparece outro personagem trazendo uma discussão


sobre a “feiura” do homem e sua dificuldade de arrumar emprego pelo fato de ser
feio. E uma discussão sobre ser macho e não “deixar baixo” uma situação que teve
com a polícia.

Em seguida aparece uma outra personagem feminina, interpretada por um


homem. A personagem é uma senhora mais velha e bastante caricata, possui bobs
nos cabelos, está de vestido e colar de bolinhas, além de estar com as compras do
40

mercado. A cena consiste em seu diálogo contando que, antes de sair de casa, lê o
horóscopo para ir à feira, onde tem a expectativa de receber cantadas dos feirantes.
A comicidade é constituída na sua fala “errada”, as suas referências à sua vizinha
“louca e fofoqueira” e uma situação dela com a vizinha. Em seguida Nóbrega toca no
assunto de seu marido e a senhora faz um relato de que seu marido taxista fez uma
corrida para a Fat Family (conjunto musical brasileiro protagonizado por artistas
negros(as) e gordos(as)). Entretanto, para falar sobre o grupo, sua referência é de
que “pesam 200 arrobas” e que “fedem”, chamando-os de “Fede Family”, pois
supostamente não tomam banho. Esta situação evidência o racismo usado no
humor do programa, visto que pessoas negras, além de serem praticamente
ausentes em papéis de protagonismo no programa, são utilizadas apenas como
referência à sexualidade exacerbada, seja com a Vera Verão, ou sujeira, como essa
referência a Fat Family. Como Adilson Moreira (2018) demonstra, ao longo da
escravidão, do processo de dominação da África e da colonização, foi necessário a
construção de imagens derrogatórias sobre as pessoas negras buscando justificar a
dominação sobre elas exercida. Essas imagens vão desde a ligação da negritude
com a feiura, preguiça, sujeira, pecado à sua ausência de capacidade intelectual.
Em conjunto a isso à referência ao peso destas pessoas na medida de arrobas, que,
além da referência depreciativa a pessoas gordas é feita uma referência que liga
negritude a animais. Essa comparação também carrega traços históricos na medida
que negros são comparados a animais por terem sido compreendido como seres
irracionais e não humanos. Até esse quadro se passaram apenas vinte e dois
minutos de programa.

O próximo personagem é interpretado como se fosse louco através de seu


diálogo. Entretanto, o fato que mais chama atenção é ele “ter” o que chama de uma
“pitbull fêmea”, que neste caso, é uma mulher com um vestido curto e cor de rosa,
que está de coleira. Nóbrega pergunta se pode passar a mão nela e o “dono” dela
diz que sim, mas ela acaba rosnando para ele. Essa cena demonstra de maneira
evidente a objetificação da mulher, assim como o menosprezo pelo gênero feminino,
aqui tratado como um animal que possui um dono, nesse caso, um homem.

Para finalizar a cena Nóbrega pergunta qual seria o nome do sujeito, e ela
responde que é “Claro”. Carlos Alberto não entende. Até chegar um amigo deste
personagem, que é negro, e o “Claro” o chama de “Escuro”, finalizando a cena.
41

Novamente há uma referência a negritude e a escuridão (em oposição à claridade).


Essa característica é um clássico racista na medida que o negro é associado a
coisas ruins (por exemplo, a coisa está preta ou denegrir). Também presente na
mitologia cristã na qual o claro, ou branco, é relacionado a sabedoria, luz e paz. Já o
negro é relacionado a maus presságios, demônios e a falta de luz (ou da presença
divina).

Este episódio contou com a participação especial de Ary Toledo (humorista,


cantor, músico, compositor, teatrólogo, ator e dublador brasileiro), que já chega
fazendo comentários sobre as mulheres da praça e Nóbrega pergunta se ele já está
a fim de “dar uns beijos nas gatas”. Sua participação é basicamente para fazer
propaganda sobre seu show e disco, cheia de piadas e de referências sexuais, como
os demais quadros.

Durante todo o programa são feitas pequenas cenas que possuem os


seguintes conteúdos e características: discussão sobre homens achando que são
cornos; garçonete mulher (loira) de vestido curto e uma vestimenta característica dos
fetiches sobre garçonetes, além de se tratar de uma mulher nova e no padrão de
beleza; entre alguns personagens há algumas pequenas cenas, sempre recheadas
de piadas sobre sexualidade, geralmente envolvendo mulheres e homens numa
relação de interesse sexual; piada sobre estupro de um velho e uma moça de 15
anos, questionando o fato dele ter ou não estuprado essa moça; personagem
feminina interpretada por um homem, fazendo piada sobre sexualidade de um outro
senhor e seu suposto interesse por outro homem, o que seria motivo de ofensa para
ele; piadas sobre o sistema prisional e o descaso de políticos com essa situação,
pequena crítica ao sistema prisional, mas também piadas com a “picaretagem” dos
políticos; piada com o MST e as suas reivindicações, além do fato do político flertar
com uma das militantes, insinuando interesse sexual por ela.

De maneira geral é possível compreender que A praça é Nossa utiliza de um


humor racista, permeado por estereótipos raciais, de gênero, de identidade e que
seu humor não faz recortes baseado nestas características acima elencadas.
Basicamente suas piadas são sempre em relação a sexualidade, na qual homens
demonstram seu interesse por mulheres a todo e qualquer momento e que
geralmente elas são mais novas que eles e possuem um padrão de beleza que é
42

facilmente visualizado na televisão. As pequenas participações de pessoas negras


nunca são em papel de protagonismo, constituindo-se apenas de piadas sobre sua
cor e seus hábitos. São sempre atribuídas certas características às mulheres: se são
mais novas e no padrão de beleza possuem uma sexualidade exacerbada e sempre
a atenção dos homens; se são mais velhas suas características perpassam pelo seu
interesse sempre presente sobre outros homens, além da ausência de comedimento
nas suas falas.

E o único momento no qual há a participação de uma mulher negra é a Vera


Verão, que na verdade é uma personagem interpretada por Jorge Lafond.

Pode-se compreender que A praça é Nossa, no período analisado, se trata de


um programa humorístico que se baseia principalmente na sexualidade para a
construção de suas piadas. Além delas, há sempre referência de minorias sociais de
maneiras estereotipadas e caricatas, seja nas piadas sobre mulheres, negros
homossexuais. Diferentemente do que as reflexões sobre os estereótipos trazidos
no livro organizado por Lustosa (2011), os estereótipos são utilizados de maneira
simples na obtenção de gozo com as situações criadas, não existindo qualquer
intenção reflexiva sobre a sociedade e seus problemas.

2.2. VERA VERÃO


Jorge Lafond relata que o surgimento da personagem Vera Verão advém de
uma participação que fez nos Trapalhões, onde interpretava um personagem que
saiu de viagem e “voltou desmunhecado”. Mussum o chamava de Zecão, mas após
seu retorno pede para ser chamado de Vera Verão. Segundo Lafond a personagem
não continuou nos Trapalhões.

Depois dessa participação nos Trapalhões foi que surgiu o convite de Carlos
Alberto de Nóbrega à Lafond. Nóbrega, em sua entrevista a Elke Maravilha, relata
que pensou em “[...] fazer aquele travesti da praça, que briga com todo mundo, que
bate em mulher, puxa a gilette da boca [...]”11.

11
Em entrevista a Elke Maravilha, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zp_1nmEDVcE.
43

O nome Vera Verão foi ideia de Lafond. A personagem interpretada por ele
contém “características femininas”, desde a sua vestimenta à maneira como ela se
relaciona com os demais personagens em cena. Entretanto, não fica nítido em sua
interpretação, ou mesmo nas fontes selecionadas, como Vera Verão se identifica.
Em sua interpretação não evidencia se trata-se de uma personagem transsexual,
travesti ou DragQueen, deixando margem ao telespectador a interpretação, não
podendo-se presumir que todos aqueles que assistiram a Vera Verão tivessem
conhecimento de que ela foi idealizada para ser uma travesti. Conforme Hall (2006;
2016) e sua discussão sobre a identidade na pós-modernidade, podemos afirmar
que o programa ecoa as características desse período. É possível visualizar isso na
medida que é feito um jogo de identidade em diversos momentos durante o
programa, seja a própria personagem da Vera Verão no episódio em que Azeitona
está de Verinha Verão. Dessa forma, existiu uma fluidez na construção da
personagem na medida que ela transita entre as identificações de gêneros e
identidades.

Por meio das entrevistas de Jorge Lafond e seus relatos é possível encontrar
indícios que auxiliam nesta tarefa. Lafond, em entrevista à Revista Amiga (1982)
relata que ele faz uma “performance” sobre sua personalidade, que seria uma
personalidade do mundo artístico, tentando passar uma ideia que os gays não são
agressivos (como, segundo ele, as pessoas podem imaginar). Segundo o intérprete
de Vera Verão, a sua linguagem é voltada aos “homossexuais de rua”. Seguindo a
entrevista, Lafond deixa explícito que não se sente mulher, mas que tem uma
enorme admiração por elas, não almejando competir com elas, pois acredita que há
uma enorme diferença com elas, mesmo assim não deixa de dizer que acredita que
pode fazer certas “coisas” muito melhor que as mulheres, mesmo não tendo os
mesmos “artifícios que elas”. Por fim, diz que há dentro dele um “verdadeiro
homem”, que sua cabeça é de “macho”.

Através de uma breve análise das informações disponíveis é possível traçar


uma ideia de que as identidades que se apresentam, tanto na interpretação de Jorge
Lafond como Vera Verão, como na sua pessoa, são identidades que se misturam, se
confrontam e se complementam. Esse processo é o que dá vida à personagem Vera
Verão, bem como a personalidade e identidade, tanto de Jorge Lafond quanto Vera
44

Verão. São identidades que não são nitidamente definidas, mas fruto de uma
amálgama de características.

O objetivo desta pesquisa não é definir quem foi Jorge Lafond ou Vera Verão,
mas evidenciar como as identidades são fluídas, e como elas são importantes para
compreendermos a sociedade e a nós mesmos. E neste caso, compreender como a
atuação de um ator, negro e homossexual, interpretando uma personagem feminina
(idealizada como um travesti) se constituiu de maneira não linear. E que também
essas identidades são exploradas através de um humor, que aqui definimos, como
racista. Por fim, às críticas aqui tecidas não se direcionam à Lafond e a sua
personagem, visto que não é o autor/roteirista do programa, mas sim a um sistema
cultural no qual essas identidades são apropriadas e utilizadas para gozo e
entretenimento humorístico baseado numa suposta ideia de que há um tom jocoso
em não estar nos padrões de sexualidade e identidades hegemônicos. Não se trata
de uma utilização positiva destas figuras, mas sim derrogatória à imagem dessas
pessoas e destas identidades.

A crítica se faz necessária quando se entende que estas produções são fortes
ferramentas na construção da identidade das pessoas, bem como das suas
memórias (ALMEIDA, 1994, 2004; POLLAK, 1992). Além disso, opiniões e ideias
são legitimadas através dessas representações e produções culturais.

2.3. ANÁLISE DOS EPISÓDIOS


Agora serão analisados dez recortes em que aparecem a Vera Verão no
programa A praça é nossa, dentro do período de 1990 a 2003. Essa seleção foi feita
para dar margem a uma interpretação panorâmica da aparição da personagem no
programa.

Antes da análise propriamente dita, é importante frisar a participação do “fiel


escudeiro” de Vera Verão, Azeitona. Se trata de um personagem que apenas
aparece na presença de Vera Verão e sempre está envolvido em alguma das
problemáticas envolvidas em cena. Como será demonstrado, a sua participação se
baseia em algumas situações: quando mulheres brancas, sem contextualização
nenhuma ou narrativa que justifique isso, demostram seu interesse nele (sendo isso
45

fato jocoso, afinal, são mulheres brancas se interessando por um homem negro e
baixinho); a pretenção de Azeitona de trocar Vera Verão por mulheres brancas; ou a
atuação de Azeitona flertando com as demais mulheres do quadro. Dessa maneira,
além da construção de um personagem negro como submisso a branquitude, há
sempre a noção de branqueamento da raça que permeia o quadro, seja na sua
pretenção de engajamento com mulheres brancas ou a troca de Vera Verão por
elas. E por fim, o homem negro representado por Azeitona sempre está disposto ao
enganjamento com mulheres desconhecidas que aparecem em cena, demonstrando
o viés racista do programa, afinal, representações sobre masculinidades negras são
sempre permeadas pela sua sexualidade exacerbada, na qual homens negros são
objetos sexuais e, ou, sempre buscam mulheres, independentes do contexto
colocado.

O primeiro episódio analisado se chama “Daniel e Vera Verão na Praça é


Nossa”, de dezembro de 1990, com duração de três minutos e cinquenta e cinco
segundos. Vera Verão está vestida com roupas chamativas e acompanhada de
Azeitona, personagem que a acompanha em todas as suas aparições. Quando ela
chega encontra o cantor sertanejo Daniel e fica eufórica, necessitando de abano. Em
diálogo com Nóbrega diz que o Papai Noel deixou um presente para ela (nesse
caso, Daniel) e o presente “está fora do saco”, e que ela está “excitada”. Em seguida
faz uma piada dizendo que está toda “pálida”. A cena em questão se trata de Daniel
fazendo uma entrevista para uma jornalista, na qual relata que está procurando o
amor de sua vida. Quando Vera Verão escuta isso se apresenta e dá um pulo,
dizendo “1,93 de puro prazer”. Vera Verão pergunta de onde Daniel é, e ele
responde que é de “Brotas”, e ela responde que é um “broto” e que vão “fazer um
sexo bruto”. Carlos Alberto interfere na conversa relatando que o cantor é muito
tímido e gosta de animais, Daniel fala que gosta de cachorros e nesse momento
Vera Verão vai ao chão imitando um cachorro. A repórter que está entrevistando
Daniel interfere na conversa e a chama de “bicha”, desencadeando o bordão de
Vera Verão de todo episódio: “Epaaaa, bicha não, eu sou uma quase ... senhora
Daniel”. Em seguida Vera Verão pede um autógrafo a Daniel, que de prontidão se
oferece para autografar, mas Vera Verão oferece suas nádegas para ele autografar,
causando escândalo. Por fim, depois de Daniel sai de cena, Vera Verão em diálogo
46

com Nóbrega faz uma referência a ficar com alguém mais velho parar se apossar de
sua herança.

O segundo episódio analisado é “Vera Verão rouba marido da inimiga”, que


foi reprisado pelo programa no dia 02 de fevereiro de 2017, com duração de três
minutos e trinta e dois segundos. O episódio se trata da aparição de uma amiga de
Carlos Alberto e seu marido, o casal relata que está indo para a Itália se casar.
Neste momento aparece Vera Verão, com um vestido que destoa bastante da
vestimenta da outra personagem mulher presente (o de Vera Verão é um vestido de
oncinha, já a roupa da outra personagem é uma roupa mais formal, que poderia ser
utilizada numa festa). Logo no início Vera Verão fala que a “menina” tem cara de
“múmia” e que seu marido deveria levá-la para o Egito. Nóbrega pergunta ao casal
por que não se casam aqui, o marido fala que pensaram em casar na Amazônia,
mas que desistiram por lá “não ter o que fazer”. Neste momento Vera Verão olha
para ele insinuando que o homem é “inocente”, perguntando se pode dar uma
sugestão (fica evidente o caráter sexual desta sugestão). Vera Verão faz referência
à amiga de Carlos comparando-a como uma galinha e que ela está nervosa e botará
um ovo. Quando a mulher a chama de “bicha”, Vera Verão solta seu bordão: “Epaaa,
veja lá como fala sua sirigaita mirim, bicha não, eu sou uma quase Sophia Loren
(atriz de cinema)”. Após trocarem ofensas, Vera Verão e a mulher começam a brigar
e os homens da praça tentam segurá-las, Nóbrega pergunta se elas não podem dar
as mãos e fazerem as pazes, Vera Verão responde: “não posso dar outra coisa
não?”. Por fim, Vera Verão pega o homem e sai correndo com ele, finalizando a
cena.

O terceiro episódio a ser analisado se chama “Vera Verão quer ser a mascote
de Leandro e Leonardo”, com duração de três minutos e trinta e um segundos. A
narrativa é baseada na dupla de cantores sertanejos dialogando com Nóbrega e
relatando a sua busca por uma “mascote”. Nóbrega apresenta uma mulher que
estava sentada na praça. Ela possui o padrão de beleza que se encontra nas
revistas, e quando ela se levanta os cantores a beijam, abraçam e a chamam de
linda. Vera Verão entra em cena trajando uma roupa praticamente transparente,
onde é possível visualizar suas roupas de baixo. Quando ela entende quais são os
personagens que estão em cena pede para Carlos a abanar, e quando ele faz isso
ela fala que é “mais para baixo”, cortando a cena para os outros personagens que
47

estão ao redor da praça que dão risada e fazem negações com a cabeça. Quando
Vera Verão vê qual a mulher que eles escolheram para ser sua mascote pergunta se
eles não vão fazer seu show no Egito, porque eles tinham escolhido uma “múmia”.
Vera Verão pergunta se não há um espaço para uma mascote “black” e um dos
cantores responde que é casado. Ela responde que não é ciumenta. Após a troca de
ofensas as duas começam a brigar, quando Nóbrega pergunta o que deveria fazer a
Vera Verão ela responde que contaria para ele se ele fosse para sua casa. A cena
termina com os cantores escolhendo a outra mulher e Vera Verão correndo atrás
dos três.

O quarto episódio a ser analisado foi ao ar no dia vinte e oito de setembro de


2002, com duração de três minutos e dezessete segundos. Antes de analisar o
episódio em si, cabe frisar que, na descrição do vídeo (retirado de um canal do
youtube), há uma descrição que exalta a pessoa de Jorge Lafond e sua
personagem, entretanto, o que chama atenção é o fato do texto fazer uma alusão de
que aquilo é o “autêntico humor brasileiro”. Segundo o autor este humor estaria em
falta hoje por conta dos “patrulheiros esquerdistas do politicamente correto, onde
tudo para eles é homofobia, racismo, opressão, maldade, crueldade, nazismo,
fascismo etc.”. Este episódio se trata da Vera Verão tentando convencer outra
mulher a se passar como sua gêmea para ela receber uma herança que teria
recebido. Nóbrega fala que é impossível isso, afinal, a outra mulher é branca e Vera
Verão negra, mas, Vera Verão responde que é só dizer para o juiz que uma nasceu
de dia e outra a noite. Quando Azeitona a chama de “bicha fresca”, Vera Verão fala
seu bordão: “Epaaa, veja lá como fala azeitona, bicha não eu sou uma quase
Consuelo Brada (jornalista branca)”. O advogado chega em cena para verificar quem
é a irmã gêmea de Vera Verão, e após um breve diálogo, diz que elas não têm como
dividir a herança, porque é um bebê. Vera Verão se nega a ficar com ele, deixando-o
para sua “irmã”. Neste momento chega um outro homem mais jovem, o qual seria o
bebê, indo embora com a suposta irmã gêmea de Vera Verão, que sai correndo
atrás dos dois.

O quinto episódio analisado recebe a participação da cantora e dançarina


Gretchen e tem duração de três minutos e cinquenta e sete minutos. Gretchen e sua
amiga estão a busca de um homem para participar de seus shows, e quando Vera
Verão chega com Azeitona, elas apontam para Azeitona, dizendo que ele é o
48

homem. Gretchen o chama de lindo, e Azeitona responde que ela ainda não “o viu
pelado, só de óculos escuro”. Após um pequeno diálogo, Gretchen chama Vera
Verão de “bicha atrevida”, que responde: “Epaaa, veja lá como fala criatura, bicha
não eu sou uma quase senhora Azeitona...”. Azeitona a questiona sobre quem teria
dito que ele casaria com Vera Verão, que pergunta se ele acha que ela que cuidaria
sozinha do bebê que está em sua barriga. A amiga de Gretchen diz várias vezes que
Azeitona é o homem perfeito para dançar com ela, e que ele é lindo (algumas vezes
faz sons de gemidos após a sua fala). Após troca de ofensas (Vera Verão chama
Gretchen de dragão e sua amiga de piranha) as duas começam a brigar. No fim da
cena Azeitona diz que irá embora com a Gretchen, Vera Verão fica ofendida e diz
que se suicidará tomando remédio para matar “bicha”.

O sexto episódio analisado é “Vera Verão - A salva Vidas” e tem duração de


três minutos e quarenta segundos. Carlos Alberto recebe na praça uma amiga que
agora é salva-vidas (a mulher está vestindo apenas um body e uma camisa que faz
referência a profissão). Vera Verão chega e faz um escândalo pelo fato de ter uma
mulher ao lado de Nóbrega, seguindo de diversas ofensas a mulher (chamando-a de
galinha, piranha e fazendo referência a sua suposta feiura) e quando a mulher a
chama de bicha, Vera Verão responde: “Epaaa, epaaa, veja lá como fala sirigaita,
bicha não, eu sou uma quase mulher”. Quando a salva-vidas mostra como ela
salvaria alguém se afogando, Vera Verão diz que faria melhor, mas quando vai
mostrar como salvaria Nóbrega, ela apenas insinua sua disponibilidade sexual para
o apresentador do programa. Após as duas mulheres saírem no tapa aparece uma
terceira personagem chamando a salva-vidas para salvar seu irmão. Vera Verão se
oferece para acompanhá-la porque enquanto a salva-vidas fizer boca a boca, ela
cuidaria do resto do corpo, finalizando a cena.

O sétimo episódio analisado é “Vera Verão - Negão Gostoso?”, com duração


de quatro minutos e trinta segundos. Carlos Alberto recebe três mulheres na praça,
a cena se trata delas relatando que elegeram o “homem dos seus corações” e que
Nóbrega o conheceria muito bem. Quando Vera Verão chega as mulheres dizem
que ela é o homem do coração delas. Vera Verão responde que “gosta de sapo e
não de perereca”. Uma das mulheres chega mais perto de Vera e fala que “ele” tem
tudo grande, mas Vera Verão a ignora. Nóbrega fala para Vera soltar seu lado
homem, recebendo a responde de que seu lado homem é gay. As mulheres
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continuam “dando em cima” de Vera Verão e uma delas chega até a “rebolar” na sua
frente. Vera Verão fala que se mulher fosse bom “não viria com defeito de fábrica,
rachada”. Em seguida Azeitona diz que daria uma “chance para elas” e uma delas
pergunta o que aconteceria se elas gostassem da chance que ele daria, Azeitona
responde “aí quem vai dar é vocês”. As mulheres continuam insistindo em Vera
Verão, e uma delas diz que “você tem tudo que eu quero”, e Vera Verão fala que
“não vai dividir seu vibrador com ninguém”. Vera Verão diz que vai “cobri-las de
porrada” e elas saem aos tapas. Nóbrega continua fazendo referência a Vera Verão
no masculino, insistindo para ela “atacar” as meninas na praça mesmo, mas Vera
Verão diz que quer “atacar ele, não elas”. O quadro finaliza com Vera Verão
correndo atrás de Nóbrega.

O oitavo episódio analisado é “Vera Verão Selvagem”, datado do mês de


março de 1998, com duração de quatro minutos e dezesseis segundos. Um diretor
de cinema e sua atriz principal chegam na praça para gravar uma cena do filme “A
volta do Tarzan”. A mulher que está em cena, vestida com roupas curtas de oncinha,
seria a Jane. Vera Verão chega na praça com uma roupa curta, também de oncinha.
São feitas várias ofensas à mulher por parte da Vera Verão, além de piadas
sexualizadas (sobre a Jane pegar no cipó errado). Quando a mulher em questão
chama Vera Verão de bicha ela fala seu bordão: “Epaaa, epaaa, veja lá como fala
sua sirigaita, bicha não, eu sou uma quase Vera Fisher (atriz e ex-modelo branca)”.
A mulher faz diversos sons durante a sua participação lembrando gemidos. Após
ambas saírem brigando, e os homens da praça separando. Quando Vera Verão é
chamada para ser a Jane ela nega, mas quando ela vê quem será o Tarzan muda
de ideia. Vera Verão diz para ele que é “Vera Lúcia a prima mais morena da branca
de neve”. Vera Verão, ao final da cena, diz que quer ser a macaca Chita
(companheira de Tarzan) por conta do “tamanho da banana dele”.

O nono episódio analisado possui quatro minutos e dezessete segundos de


duração. Inicia-se com a aparição de um casal, no qual a mulher está sendo treinada
para o concurso “o mais belo corpo feminino do Brasil”. Vera Verão chega se
jogando aos braços do homem em cena, fazendo ciúmes a sua mulher. Após trocas
de ofensas entre as duas a mulher chama Vera Verão de bicha, que fala seu bordão:
“Epaaa, epaaa, veja lá como fala sua sirigaita, bicha não, eu sou uma quase Malu
Mader (atriz brasileira branca). São feitas referências ao corpo da mulher em cena
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em comparação ao de Vera Verão, e após ela dizer que precisa ser tirada suas
medidas Azeitona se oferece para fazer com as próprias mãos, causando
consternação ao marido da mulher. Vera Verão e a mulher em cena começam a
brigar em cena e são separadas pelos personagens figurantes da praça. No fim da
cena o marido da mulher diz que o corpo modelo é o de Vera Verão, que a ofende e
pega o marido dela pelos braços e sai de cena.

O último episódio a ser analisado tem a participação de Roberta Close


(modelo, atriz e cantora) e possuiu três minutos e oito segundos de duração. Carlos
Alberto está conversando com Roberta e uma amiga quando chega Vera Verão.
Nóbrega relata que sua amiga está ali para conhecer a sua cara metade. Quando
ela avista Azeitona diz que é ele o homem da sua vida, iniciando uma disputa por
ele. A mulher diz que precisa de proteção e Vera Verão diz que é para ela procurar a
sociedade protetora dos animais. Após trocas de ofensas Close chama Vera Verão
de bicha, que fala seu bordão: “Epaaa, epaaa, veja lá como fala senhorita, bicha
não, eu sou uma quase Claudia “Maria” Raia” (atriz, bailarina e cantora brasileira
branca). Nóbrega questiona Azeitona pelo fato dele não se defender, e ele responde
“é chato ser objeto de desejo sexual”. Novamente, após trocas de ofensas, as
mulheres saem brigando e é necessário que os outros as separem. Ambas as
mulheres pedem para Azeitona escolher entre elas, e ele o faz, ficando com Vera
Verão. Quando questionada o que Vera Verão tem a mais que elas não têm, Verão
responde que “ela tem, mas que vai fazer um dia igual a dona Close, vai arrancar”,
terminando a cena.

De maneira geral pode se notar que os episódios em que Vera Verão aparece
são bastante simples, com uma estrutura fácil de ser compreendida. Sua
participação consiste na sua interação com personagens que já estão introduzidos
em cenas, e que na maioria das vezes há uma relação hostil com as mulheres. E, se
nas cenas em questão não há presença feminina, Vera Verão tem uma relação de
desejo extremo por todo e qualquer homem que estiver contracenando com Nóbrega
(e as vezes até com ele mesmo). É perceptível que a todo momento ela troca
ofensas com algum dos participantes, e quando isso não ocorre, ela está
demonstrando interesses sexuais e amorosos pelos homens no quadro. As ofensas
trocadas são sempre referentes aos corpos das mulheres, sua comparação com
animais, sua suposta ausência de potência sexual ou sua inferioridade em relação a
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outra. Os homens são sempre vistos como objetos de desejo por parte de Vera
Verão. Essa última característica também é atribuída a “Azeitona”, que sempre está
em cena com a personagem. As suas únicas interações são para “atrapalhar” os
planos de Vera Verão ou nas cenas que as outras mulheres demonstraram interesse
por ele.

Como Moreira (2018) relata, quando são feitas referências depreciativas às


características de pessoas negras elas possuem diversas características em
comum, o que é possível visualizar no programa analisado: negros são comparados
à animais, por sua suposta irracionalidade (episódios em que Vera Verão quer ser o
cachorro de Daniel e a macaca Chita do Tarzan), homens negros são colocados
como objetos sexuais (fala de Azeitona sobre “é difícil ser objeto sexual”, numa
referência explicita a esta característica; episódios nos quais as mulheres se
interessam por Azeitona pelo simples fato de ser um homem negro – sem nenhuma
outra contextualização) e mulheres negras são vistas como violentas, irracionais e
sexualmente dispostas a engajamentos com homens brancos em qualquer situação
(praticamente presente em todos os episódios através da atuação de Vera Verão).
Além destas características, é possível visualizar o ideal de branqueamento
(BARROS, 2009; MOREIRA, 2018) durante todas as aparições de Vera Verão, na
sua disposição a ter relações sexuais somente com homens brancos e em seu
bordão sempre fazer referências a ser “quase” mulheres brancas.

Em quase todos os episódios analisados é possível vislumbrar que há sempre


uma intenção de gozo com a identidade de Vera Verão, seja questionando o fato
dela ser mulher (ou homem), pelo fato de ela se ofender quando a chamam de bicha
(mesmo dizendo em um episódio que o seu lado homem era gay) e pela constante
afirmação de que ela é uma “quase mulher”, dita dessa maneira ou em referência a
outras mulheres. Em conjunto com isto, há sempre uma comparação entre Vera
Verão e mulheres brancas heterossexuais, visualizada na constante comparação
entre os corpos e habilidades sexuais ou no fato da Vera Verão se definir como
mulher no quadro. Através das compreensões feitas por Hall (2006, 2016) sobre as
identidades é possível entender que, mesmo o programa tendo esse jogo de
identidades, na qual não se define diretamente Vera Verão, sempre se questiona
essas mesmas identidades, na qual Vera Verão sempre é questionada sobre sua
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sexualidade e identidade de gênero (como no último episódio analisado). Além de


ser tratada no masculino em alguns episódios.

Mesmo com estes jogos de identidade e de sexualidade elencados acima,


não é possível definir como Vera Verão se identifica. Não fica nítido se ela se
identifica como travesti (idealização feita por Nóbrega para a personagem), ou trans
(evidenciado no último episódio analisado quando ela diz que “arrancaria” o que tem
a mais – numa referência a seu pênis). A única certeza é que se trata de uma
personagem mulher, mas não sendo possível distinguir se a personagem é uma
mulher cisgênero, travesti ou transsexual. O objetivo não é definir quem ela é (ou
deixa de ser), mas evidenciar esse “jogo” das identidades presentes no quadro.

Outra característica presente no quadro é a constante referência a cor de


Vera Verão, seja ela feita através de trocadilhos ou de piadas sobre a sua cor. O fato
de se tratar de uma personagem feminina e negra e haver a construção de uma
sexualidade exacerbada, evidencia o caráter racista e estereotipado do esquete. As
características atribuídas a Vera Verão são as de uma mulher que briga com todo
mundo, que não toma cuidado com a linguagem, que possui uma sexualidade
exacerbada e uma ausência de zelo com a sua imagem (demonstrada em diversos
momentos nos quais a personagem mostra suas partes íntimas). Aqui não se está
fazendo alusão à uma regra de conduta moral, na qual as mulheres deveriam se
comportar de uma maneira ou de outra, mas evidencia-se um padrão moral na
sociedade, padrão no qual Vera Verão destoa (e aqui, entende-se que isso acontece
pelo fato de ser uma personagem negra, mas construída dentro de um programa
racista, dirigido por pessoas brancas).

Por fim, podemos visualizar que existe um ideal de padrão moral, estético e
cultural presente no programa, e ele é branco. As únicas pessoas representadas
como dignas de respeito, retratadas de maneira polida e “normal”, interpretadas
como racionais são brancas. Ao fim deste capítulo pode-se compreender que, como
Moreira (2018) elucida sobre o ideal de branqueamento que permeia nossa
sociedade e a sua busca na construção de pessoas brancas como as únicas dignas
de respeito e capazes de atuar de maneira racional na esfera pública, A praça é
Nossa é mais um dos ecos do processo racista que construiu a sociedade brasileira.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
FOGO NOS RACISTAS
“Olho de Tigre” Djonga

Ao final desta pesquisa é importante frisar, novamente, que não se trata de


uma crítica a pessoa de Jorge Lafond ou a personagem construída por ele. A crítica
recai sobre o sistema brasileiro de televisão, bem como a indústria cultural do qual
faz parte e da branquitude que, ainda hoje, busca determinar padrões morais,
estéticos e culturais. Para tal, foram construídos e ainda são, ideias e imagens
degradantes sobre as pessoas negras. Ideias e imagens que buscamos desnudar
nesta pesquisa, demonstrando que elas têm uma história e motivações, e que
necessitamos entendê-las para superá-las, na busca de uma emancipação racial.
Emancipação que, não acontecerá do dia para noite, assim como não aconteceu na
sua construção. Foram séculos e séculos de trabalha para a construção de uma
noção racializada da nossa sociedade, e para superá-la, possivelmente não será
necessário menos tempo que isso.

O programa aqui analisado pode ser entendido como um programa que é


baseado em “piadas” sexuais e em estereótipos culturais, que não buscam uma
reflexão sobre a sociedade ou qualquer outro tipo de pretensão, mas apenas o gozo
através de piadas com conotação sexual. E ele não ficou apenas no passado, de
mdo de que a esquete da Vera Verão ainda é reprisada no programa da Praça é
Nossa nos dias atuais, demonstrando o fato de que mesmo após todos esses anos
esse tipo de humor ainda é considerado adequado para a televisão. Fato que
endossa ainda mais a necessidade de críticas e o estudo sobre estas produções,
visto que até hoje são produções que continuam reforçando o imaginário social
racista brasilero.

É possível vislumbrar que o racismo, seja ela implícito ou explícito, se faz


presente no programa como um todo. E em conjunto a isso há preconceitos de
gênero, classe, corpos e entre outros. Durante a realização do trabalho foi possível
visualizar diversas possibilidades de análise que podem ser exploradas em futuros
trabalhos (como as reflexões sobre gênero). Não se pretendeu esgotar as
possibilidades de análise nesta pesquisa. Ela está aberta a críticas e outras
possibilidades de análise.
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A personagem da Vera Verão carrega diversos estereótipos de raça e de


gênero e em conjunto com os demais personagens da praça é possível afirmar que
se trata de um programa que acaba por criar imagens pejorativas e preconceituosas
sobre várias minorias sociais. Levando-se em consideração que se trata de um
programa que foi bastante famoso na década de 1990 e que até os dias atuais
carrega milhões de visualizações no Youtube, é importante fazer reflexões sobre
como essas produções afetam o imaginário social brasileiro. Portanto, se trata de
apenas uma pesquisa, das várias possíveis sobre o tema e com as fontes aqui
selecionadas.

FONTES

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