FU-KIAU - Kindezi A Arte Kongo de Cuidar de Criança

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Kindezi: A Arte Kongo de Cuidar de Crianças. K. Kia Bunseki Fu Ki.Au e A.M.

Lukondo-Wamba

Kindezi: A Arte Kôngo de Cuidar de Crianças 

K. Kia Bunseki Fu Ki.Au e A.M. Lukondo-Wamba

Kindezi > A arte Kongo da Babá

Com introduçã o de Marimba Ani

Traduçã o para o brasileiro por Mo Maiê


Rede Africanidades

  

 Introduçã o de Marimba Ani

Em seu trabalho inovador “O Poder da Auto-Cura e Terapia”, Dr. Fu Kia-Au nos diz que Muntu (o
ser humano) é o sol vivo, percebido como um “poder”, “um fenô meno da veneraçã o perpétua, da
concepçã o à morte” e além. Kindezi trata-se do processo de como esse “sol vivo” é educado, uma vez que
ele/ela é trazid@ ao mundo físico.
A tarefa de cuidar desse “Muntu” sagrado é a mais importante responsabilidade da
civilização Africana.
Dr. Fu Ki-Au intencionalmente traduziu “Kindezi” como “a arte da babá ” para nos chocar. Minha
impressã o imediata apó s ler o subtítulo de seu livro foi questioná -lo, respeitosamente, sinalando o que
parecia ser um erro de traduçã o – uma escolha pobre de um termo em inglês. A resposta do Dr. Fu-Kiau
foi dada em sua maneira caraceteristicamente tranquila, paciente e manerada, o que nos força a prestar
atençã o a cada palavra, convencido de que a sabedoria está prestes a ser concedida.
Ele explicou que na cultura européia, cuidar de crianças é tomado como uma atividade
insignificante – um trabalho para as pessoas menos importantes da comunidade. Nó s sabemos que este
trabalho é dado para as adolescents, que supostamente nã o tem nada importante para fazer, e que as
mulheres africanas sã o importadas do Caribe para cuidar das crianças euro-americanas como um
testamento de nossa suposta inferioridade racial. Ainda assim, de acordo com os autores deste livro,
Kindezi é a maior honra que uma pessoa pode ter na Á frica.
Fu Ki-Au está nos trazendo à tona o ponto de vista de que, numa maneira claramente crítica,
enquanto a infâ ncia é tã o desvalorizada na sociedade europé ia, a civilizaçã o Africana é centrada na
criança. Isso torna-se claro ao passo que compreendemos a vida humana no contexto espiritual da
comunidade: um processo infinito de nascimento, desenvolvimento, transformaçã o e responsabilidade.
O bem-estar da comunidade depende da saú de e integraçã o da totalidade, do amadurecimento das
pessoas que lhe constituem como membros.
Assim, Kindezi é uma arte focada nã o apenas no cuidado dos jovens da sociedade, mas no
crescimento do Ndezi (o cuidador, aquele que pratica a arte da Kindezi). Em outras palavras, ao passo
que uma pessoa desenvolve as habilidades da Kindezi, desenvolve-se a si mesmo. Ndezi deve ajudar
o muntu, o “sol vivo” a “brilhar” (6); e, no processo, ele/ela aprende como “brilhar” com o poder do “sol
vivo”. Porque esse processo é contínuo, a maior Kindezi(experiência de serviço para a comunidade)
descansa com os anciã os. Na sociedade Africana, os anciã os sã o aqueles que tornaram-se fisicamente
mais debilitados, mas que sã o espiritualmente mais fortes, porque eles cresceram ainda mais no
desenvolvimento pessoal e se moveram para mais perto dos Ancestrais, para o mundo spiritual e a
pró pria “Força da Vida”  (Kalunga). Um anciã o nã o é apenas uma “pessoa mais velha”, mas é alguém
ainda “mentalmente e espiritualmente forte e sá bio o bastante, nã o apenas para manter a comunidade
unida, mas acima de tudo, para construir a fundaçã o moral da comunidade jovem e das geraçõ es que
virã o”. (9/10)
A arte e prá tica Africana da Kindezi é de grande importâ ncia na presença dos “anciã os” na
comunidade e sua responsabilidade para a saú de e integraçã o do grupo. Através da conexã o entre os
idosos e jovens da comunidade, o conceito enfatiza a continuidade intergeneracional, signifitcativa
comunicaçã o, consistência da formaçã o de valores e transmissã o de responsabilidade mú tua. Isso nos
leva para a relevâ ncia contemporâ nea deste livro.
O maior desafio enfrentado pelas pessoas de descendência Africana deslocadas de nossa base em
nossa pá tria-mã e é a fragmentaçã o social, desconexã o e confusã o axioló gica ou de valores. A força
espiritual de nossos antepassados escravizados nos trouxe a brutal e desumana interrupçã o da Maafa.
Eles fizeram isso encontrando maneiras de educar seus filhos e ensinar-lhes seus valores. Na verdade, a
ú nica fonte de resistência disponível para nó s era a força do nosso espírito – nossa “Alma-Força”
(Leonardo Barret) – que usamos para recriar a comunidade, continuamente. Esse sentido de comunidade
sempre foi uma força forte e poderosa sobre a qual os descendentes africanos dependeram durante os
principais períodos histó ricos de nossa saga nesta diá spora forçada. Porém, desde  a década de 1960,
quando apareceu na superfície o que muitos pensavam que eram ganhos políticos e econô micos, nossa
consciência cultural se deteriorou. A importâ ncia da família tem diminuído em nossas mentes e a
exposiçã o aumentada à s forças destrutivas da sociedade americana, que vem engolindo o tecido de
nossas instituiçõ es sociais com sucesso.
Nossos jovens, de quem dependemos para o futuro desenvolvimento, reinvindicaçã o e força de
nossa comunidade, estã o sendo roubados de nó s por um arsenal de venenos intelectuais e culturais. Eles
estã o sendo atacados espiritualmente desde antes de seu nascimento com as armas de um ambiente
anti-africano. Faltam os verdadeiros anciã os porque ele mesmos nã o foram levados através de um
processo de desenvolvimento cultural.
Esses anciã os que realmente temos sã o descartados e relegados aos montes de lixo de uma
sociedade capitalista, que valoriza apenas o que traz ganhos materiais. Desde que os bebês sã o
considerados como fardos que nã o acrescentam nada materialmente para o grupo, eles também tornam-
se periféricos para esforços significativos. Cuidar de crianças, portanto, é uma das tarefas menos
valorizadas em nossas vidas desordenadas e os anciã os tornam-se embaraços “inú teis”. Nó s temos
imitado a decadência euro-americana até o ponto de nã o reconhecer os valores bá sicos
africanos.Kindezi trá s repostas para um  povo em crise, um antídoto para a crô nica “desorientaçã o
cultural” (Kambon).
O Dr. Fu-Kiau e sua co-autora, a psicó loga Lukondo-Wamba, nos trazem a sabedoria antiga de
nosso lar ancestral sob a forma de Kindezi. A necessidade de concentrar-se na educaçã o das crianças
pequenas e na valorizaçã o de nossos mestres-anciã os é uma verdade simples, mas nã o simplista. É o
processo (dingo-dingo) através do qual os “padrõ es sociais” sã o transferidos para os “membros mais
jovens da comunidade” (1). Kindezi é um ingrediente crítico do soro anti-vial necessá rio para combater
nossa “Aids cultural”. É o processo bá sico da socializaçã o africana. Estamos falando da reconstruçã o da
família e de seu sentido mais fundamental e dinâ mico.
Kindezi trata-se do uso da força espiritual, mental e cultural de nossos anciã os, para contribuir
com o processo de desenvolvimento de geraçõ es de jovens culturalmente saudá veis, que crescem para se
tornar anciã os poderosos, que, por sua vez, produzem juventude culturalmente saudá vel e assim por
milênios que virã o.
Por se tratar de um sistema antigo, o Kindezi tomou mais importâ ncia durante o período em que
o povo Bakongolutava contra o ataque iminente da dominaçã o colonial europeia. As mulheres tiveram
que ser liberadas para lutar ao lado de seus homens, muitas vezes liderando a pró pria comunidade em
batalha. A arte de Kindezi lhes permitiu fazê-lo sem sacrificar o cuidado e a socializaçã o de seus
filhos. Fu-Kiau e Lukondo-Wamba continuam explicando que as mulheres africanas sempre foram
agricultoras, passando longas horas longe de seus filhos. De acordo com os autores, foi Kindezi que
permitiu que as mulheres africanas fossem liberadas para que elas pudessem contribuir
significativamente para o bem-estar econô mico da família. Isso, dizem eles, é o lugar onde as mulheres
europeias adquiriram seu conceito de “liberdade das mulheres”, porque tais modelos estavam faltando
no patriarcado de sua pró pria histó ria cultural.
Na breve declaraçã o contida nestas pá ginas, Fu-Kiau e Lukondo-Wamba se unem para
apresentar uma descriçã o surpreendentemente minuciosa do processo de socializaçã o africana. O livro
enfoca a importâ ncia dos anciã os na sociedade africana em relaçã o à importâ ncia da juventude africana.
Socialmente, os anciã os ensinam e dã o conselhos, de modo que dã o aos filhos um sentido de sua histó ria
e explicam-lhes o significado do “caminho da vida” e sua importâ ncia na vida da comunidade (11).
Economicamente os anciã os ajudam a contribuir para o bem-estar e vibraçã o da comunidade,
desempenhando a funçã o vital de Kindezi. Dessa forma, eles permanecem ú teis e reciprocamente tem
seu bem-estar físico e emocional cuidados com especial atençã o. Os autores chamam a atençã o para a
profunda compreensã o humana sobre o espírito humano, explicando porque os anciã os na sociedade
tradicional africana sentem-se ú teis (ou foram antes dos africanos começam a abandonar formas
africanas) menos susceptíveis de sofrer de doenças “psicossomá ticas” e a desnecessá ria deterioraçã o
biofísica (11). Enquanto isso, mais e mais anciã os africanos na diá spora estã o sofrendo de Alzheimer e
outras formas de demência, que os debilitam totalmente e os tornam involuntariamente responsá veis
por uma responsabilidade pesada para os membros adultos da família. Nossa cultura autêntica é baseada
espiritualmente; assim, sua desintegraçã o causa destruiçã o espiritual e, portanto, física. No entanto, os
autores nos apresentam um modelo de cura cultural contemporâ nea. O valor prá tico deste livro é
imenso. Fu-Kiau eLukondo-Wamba explicam Kindezi em termos de seu significado social, econô mico e
político. Neste sentido, este pequeno livro tem grande valor no desenvolvimento de uma pedagogia
afrocêntrica. A abordagem do ensino através da cançã o é discutida com alguma extensã o, um método
que tradicionalmente falou ao espírito das crianças africanas, mas só agora está sendo reconhecido na
teoria pedagó gica europeia. Os autores explicam como a linguagem – a poderosa força energética da
Á frica – torna-se a ferramenta efetiva e afetiva da pedagogia através da arte de Kindezi.
A resposta para a reconstruçã o cultural africana encontra-se em Sankofa, a recuperaçã o dos
processos que tornam-se os fios de nossa colcha de retalhos cultural. Kindezi é o mais valioso bem
primá rio para a (re)socializaçã o para o afro-centrismo, a cura para a família Africana e sua reconstruçã o
cultural. Você escolheu o livro certo. Diz-lhe como ensinar seus filhos (e você mesmo) A SER AFRICANO!

I.                    O Conceito de Kindezi

Pode-se perguntar: O que é  Kindezi? É um conceito? Um campo de interesse? O que é para o povo
da Á frica e do Kô ngo, em particular?
Kindezi, a arte de cuidar de crianças, é uma arte antiga entre os africanos, em geral, e os Bântu,
em particular. É basicamente a arte de tocar, cuidar e proteger a vida da criança e do
ambiente, Kinzungidila, em que o desenvolvimento multidimensional da criança ocorre. A palavra
“Kindezi”, um termo da língua “Kikôngo”, deriva do verbo raíz Ieia, que significa desfrutar de tomar e
dar cuidados especiais.
Cuidar de crianças – Ieia, ou seja, dar cuidados especiais- é, antes de tudo, uma forma de transferir
padrõ es sociais para os membros mais jovens da comunidade. E, em segundo lugar, é a orientaçã o da
criança para a vida que compreende orientaçõ es muito bem determinadas de acordo com as normas e
valores comunitá rios. Com tal, osKindezi/Kindesi podem variar de uma sociedade para outra em
relaçã o aos sistemas individuais e seus valores.Kindezi, a arte de cuidar de crianças, também oferece a
oportunidade de testemunhar uma experiência de vida pessoal ao longo do processo de
desenvolvimento do está gio mais delicado da vida: a infâ ncia.
Por causa destas visõ es filosó ficas sobre Kindezi entre os povos africanos e o Kongo, em
particular, cuidar de crianças é considerado um método terapê utico altamente recomendado para ajudar
os anciã os (ao “usá -los” como cuidadores) a lidar com seus diversos problemas sociais, psicoló gicos e/ou
gerontoló gicos. Para jovens babá s, oKindezi é visto como uma pré-adaptaçã o social/preparaçã o para as
responsabilidades da maternidade ou paternidade. É também programado para este ú ltimo grupo como
uma experiência de aprendizagem para a vida e uma forma de adquirir a tolerâ ncia que tem as boas
mã es e bons pais. Muitas vezes, jovens casais sem filhos sã o obrigados, na sociedade do Kô ngo, a cuidar
de membros da comunidade (família extensa) como preparaçã o para a vinda de seus pró prios filhos.
Cuidar de crianças é uma experiência requerida por todos os membros da comunidade no mundo
africano, independente de seu estado físico. Compreender o dingo-dingo (processo) de
desenvolvimento infantil é um dos princípios bá sicos e mais importantes na compreensã o do valor e
respeito da vida. Walèmbwa leia kalèndi bakula ntoko za môyo ngâtu za buta mu zola ko. “Quem
jamais cuidar de um bebê” – diz um provérbio Kô ngo, “nunca entenderá a beleza da vida nem a de educar
com amor”.
Historicamente falando, Kindezi existiu na Á frica desde tempos imemoriais, mas seu verdadeiro
desenvolvimento começou no período pré-colonial, quando as mã es, sem nenhuma exceçã o, foram
obrigadas a tomar as armas como seus semelhantes, nã o só para lutar contra a invasã o de seus
territó rios, mas também para liderar as guerras. O desenvolvimento de Kindezi para estes propó sitos
continuou e tornou-se comum durante a colonizaçã o com a introduçã o de novas culturas em Á frica, que
exigiram enorme esforço e tempo para o cultivo. Este foi o tempo durante o qual tanto pai quanto mã e
foram “transformados” em bestas de cargas pelas potências exploradoras do mundo sob a cobertura da
“missã o civilizada”. Tanto homens quanto mulheres trabalhavam para a “corvée” (trabalho forçado e
livre) na criaçã o de estradas, transportes, produçã o de produtos de exportaçã o e assim por diante. Mã es
e pais eram incapazes de cuidar de seus filhos como estavam acostumados. A carga, por consequência,
recaía sobre os ombros dos idosos e/ou sobre os mais jovens, que estavam abaixo da idade de
recrutamento para a “corvée”.
É a criaçã o desta arte que é a mais difícil, mas a mais bela, a Kindezi, ou a arte de cuidar da vida
da criança e do ambiente social, em que este cuidado e este desenvolvimento resultam em circunstâ ncias
tã o difíceis e cruéis que dedicamos este estudo. Os conceitos filosó ficos de Kindezi descritos aqui sã o
baseados na cultura Kôngo. Este estudo é um produto de um esforço conjunto apresentado nã o só aos
nossos colegas Bakôngo, mas a todos os homens e mulheres no campo de Kindezi em comunidades em
todo o mundo.

Notas:
1. Sua variaçã o é Ieza.
2. A mulher africana sempre esteve envolvida em quase todas as atividades da vida: social,
econô mica, bem como militar. Durante a era pré-colonial ela tinha sido como seu companheiro, um bom
general no exército. Este é o caso deNzing'a Matâmba e Vita-Kimpa no antigo Reino do Kôngo, que,
como generais do exército, liderou a guerra anticolonial.

II. TIPOS DE NDEZI

Embora as coisas estejam mudando rapidamente na Á frica, o Kindezi, em sua subestrutura, ainda
permanece como uma habilidade e uma arte a ser aprendida por todos os jovens membros da
comunidade, meninas e meninos, por meio de um processo inicial e prá tico para, como um provérbio
Kô ngo diria, Kindezi m'fuma mu kânda (A arte de cuidar de crianças é como um baobá para a
comunidade), ou seja, um forte apoiador de atividades econô micas comunitá rias (Fig. 1). A arte de cuidar
de crianças, sâla kindezi, nã o é instintivamente adquirida como alguns poderiam assumir ou fingir.
Dingo-dingo diena é um processo pelo qual se descobre o mistério do crescimento humano e atinge a
total compreensã o da psicologia da criança.
Através do cuidado com crianças, uma pessoa aprende a maravilhosa habilidade de ser
responsá vel por outra vida e de como transformar-se através de um novo “padrã o de vida”. Um “padrã o
de vida” é um modelo através do qual os valores culturais sã o transmitidos de geraçã o em geraçã o.
Através de Kindezi, os africanos adquirem essa habilidade, uma habilidade que tornou o africano nã o
apenas um dos seres mais religiosos da terra, mas também um dos mais humanistas.

  
       Kindezi m'fuma mu kânda (A arte de cuidar de crianças é como um baobá para a
comunidade)

Os pais africanos - e as mã es em particular - tem uma grande preocupaçã o sobre a infâ ncia de
suas crianças, porque sã o conscientes de que Kimbuta kia mú ntu, bô nso kimü ntu, ga mataba – “a
liderança, assim como a personalidade de uma pessoa, tem suas raízes na infâ ncia”. Acontecimentos da
vida infantil tem um papel de extrema importâ ncia na vida adulta. Como tal, grande atençã o é dada a
quem tem algum papel a desempenhar na vida de uma criança – o ser humano com a mente com maior
capacidade de copiar. Este entendimento bá sico de que a infâ ncia é a base que determina a qualidade de
uma sociedade é a principal razã o que induziu as comunidades africanas a fazerem da Kindezi uma arte,
ou Kinkete, a ser aprendida por todos os seus membros. Assim, Kindezi é exigida em sociedades que
querem preparar seus membros para se tornarem bons pais e mã es, mas sobretudo, pessoas que se
preocupam com a vida e que entendem, tanto humana quanto espiritualmente, o valor altamente
inabalá vel dos seres humanos que todos somos. A partir dessa premissa, Kindezi tornou-se uma arte
popular e uma experiência de vida pessoal no início e no fim da vida, já que uma pessoa deixa o mundo
no mesmo estado de fraqueza física em que chega nele.

Fig. 2: O nascimento de uma criança é o nascer de um “sol vivo”:


B—o amanhecer do sol é o ponto do nascimento
G—a trajetó ria do sol é a direçã o de seu crescimento e transformaçõ es
D—o pô r-do-sol é seu ponto de maior transformaçã o (morte)

Para os Bâ ntu, em geral, e para os Kô ngo, em particular, a chegada de uma criança na comunidade
é o nascer de um novo e ú nico “sol vivo”.  É de responsabilidade da comunidade como um todo e
do Ndezi, em particular, ajudar esse “sol vivo” a brilhar e crescer em seu está gio inicial. (Fig. 2)
Ndezi, aquele que pratica a arte da Kindezi, o cuidador de crianças, nã o é para ser confundido
com uma doula, uma ama. Em primeiro lugar, Ndezi, lida nã o apenas com bebês, mas com crianças e com
o cuidado que deve ser dado a elas. Depois, a arte da N´sânsi  (ama) é Kinsânsi, e ela lida nã o apenas
com crianças, mas com bebês e/ou mã es e com o cuidado que deve ser dado a elas. Uma N´sânsi é uma
jovem donzela ou uma garota escolhida pela comunidade ou pelos membros de uma família para viver,
por um período de alguns meses, com uma mã e para lhe ajudar em sua delicada obrigaçã o. O seu
trabalho é basicamente ligado à maternidade.  Ali n´sânsi (amas, doulas) podem cuidar de crianças, mas
nem todas as Ndezi  (babá s) tornam-se amas. Eticamente, um homem nunca é escolhido para ser amo ou
enfermeiro de uma mã e que está precisando de cuidados. É um tabu moral.
Kindezi, a arte de cuidar de crianças, é uma das mais importantes responsabilidades divididas
tanto por mulheres quanto por homens em uma comunidade Africana. O provérbio seguinte, Kindezi
wasâ dulwa; kindezi una sâ dila (Alguém cuidou de sua criança, você cuidará da criança de alguém),
tornou-se um mote e pedra angular desta arte.
Um/a garoto/garota tem que cuidar de seus irmã os e irmã s mais jovens, enquanto um avô cuida
de seu neto. Qualquer pessoa na comunidade – irmã o, irmã , primo, avó , tia, tio, amigo, vizinho – pode
cuidar de alguma criança da comunidade para que, como diz o proverbio Kô ngo, Mwâ na mu ntü nda, zitu
kia mü ntu mosi; ku mbazi, wa babô nsono, que significa “Uma criança no ú tero de sua mã e é
responsabilidade de uma pessoa; uma vez que tenha nascido, ela pertence a todos (na comunidade)”.
Consequentemente, segundo uma pessoa sobe ou desce os degraus de poder social (C), pode se
distinguir entre as três principais categorias das quais as maiorias dos Ndezi (babá s) se encontram. A
primeira categoria é formada por jovens Ndezi e a segunda, por velhos Ndezi (Fig. 3). Além destes dois
principais grupos existe ainda um terceiro grupo, o grupo dos Ndezi ocasionais. Do zero aos cinco anos
uma criança vive a vida de um ser indefeso. Ela/ele precisa de ajuda para seu completo desenvolvimento.
Essa ajuda vem tanto da N´sâ nsi (ama) que vive com a mã e enferma (para crianças com menos de dois
anos), ou do grupo B, C ou D através o Kindezi, antes de cair de novo para o grupo E das crianças mais
velhas, com mais de oito anos de idade. Como o leitor perceberá adiante, cada um dos grupos de babá s
mencionados é diferente dos outros.

A. JOVEM NDEZI

Um jovem ndezi é uma pessoa que é muito jovem para ser incorporado como mã o-de-obra social.
Como tal, ele/ela aida nã o é reconhecido como uma força produtiva dentro da comunidade. As jovens
babá s variam entre cinco e dez anos.
Estes jovens ndezi, sendo o grupo de pessoas em crescimento, constituem o grupo mais dinâ mico
e energético de ndezi. Eles estã o no está gio de exploraçã o de seu pró prio ambiente e, cuidando de seus
irmã os e irmã s mais novos, ajudam estes ú ltimos a seguir o caminho do dingo-dingo da vida.
O ndezi toma conta de crianças o dia inteiro até o cair da noite, quando a mã e volta para a casa de suas
tarefas do dia. As crianças crescem muito ligadas ao seu ndezi, andando e brincando ao redor de sua
aldeia. Os ndezi deixam a vila somente para ir ao rio banhar-se ou banhar as crianças que eles estã o
cuidando. Em raras ocasiõ es, o ndezi pode ter que levar uma criança persistentemente chorando para o
local de trabalho de sua mã e. Eles à s vezes gostam de preparar as refeiçõ es, para que as mã es nã o
tenham que cozinhar depois de um longo e quente dia na fazenda.
Os deveres do cuidador sã o numerosos. Ele/ela leva o bebê para cima e para baixo em suas costas
enquanto canta pequenas cançõ es de ninar para acalmar a criança - Estas cançõ es tem um grande
impacto tanto educativo quanto psicoló gico ou influência sobre a criança- Nó s veremos algumas destas
cançõ es no pró ximo capítulo.
O ndezi também deve aprender vá rias técnicas relacionadas a esta arte de cuidar de crianças:
como acalmar ou fazer uma criança parar de chorar; como alimentar uma criança ou o que fazer quando
a criança se desvia enquanto come ou bebe; como segurar a criança para lhe dar banho; como amarrar a
criança nas costas; como puxar para cima (sela) ou deslizar para baixo (tülula/zelumuna) uma criança
amarrada em suas costas, etc. Técnicas relacionadas ao processo de amarrar (kânga) e desvincular
(kutula/vüla) a criança de costas só sã o perfeitamente alcançadas por mulheres. Os
jovens ndezis masculinos preferem correr com suas crianças assentadas em seus pescoços, enquanto as
jovens ndezi terã o sempre sua criança amarrada acima de suas costas.
A. VELHO NDEZI

As velhas babá s sã o pessoas que sã o excluídas da força de produçã o comunitá ria por causa de sua
idade. Eles sã o muito velhos para serem incorporados à mã o-de-obra social. Pessoas com qualquer
deficiência física também estã o incluídos neste grupo.
As pessoas idosas nas sociedades bantu em geral, e entre os Kô ngo em particular, constituem uma
força social poderosa da antiga arte de Kindezi, a arte sem traço no mundo acadêmico. Se os idosos sã o
fisicamente fracos e nã o podem mais participar economicamente como uma força produtiva na
comunidade, eles ainda sã o mental e espiritualmente fortes e sá bios o suficiente, nã o apenas para
manter a comunidade unida, mas sobretudo para construir a base moral da comunidade jovem e das
geraçõ es vindouras. Uma pessoa idosa, como uma pessoa jovem, é considerada em Á frica para ser uma
parte completa da comunidade, nã o importa quã o fisicamente fraca esta pessoa se torna. Esta pessoa
nunca está isolada da sociedade.
Vamos mencionar aqui, de passagem, que entre os Kôngo, como em muitas outras
sociedades Bântu, os deficientes, mesmo aqueles que nascem severamente retardados, estã o entre os
mistérios mais aceitos e quase deificados na comunidade. Ninguém, nem o rei nem o ngânga (o
curandeiro, o especialista), tem o direito de acabar com seu direito de estar vivo. O “grisalho”, tanto físico
quanto mental, para as pessoas Bâ ntu, é algo de que se orgulhar e as geraçõ es mais jovens aspiram isso.
Um provérbio kô ngo diz: Bitèta ku rítu, milongilmtna kalunda (envelhecer (passar a ter os cabelos
grisalhos) nã o é uma coisa totalmente negativa).  Ter os cabelos grisalhos é também um símbolo de
quem mantém o ensino ou a lei, ou seja, alguém que vai vivendo e se conformando com a Lei dos dingo-
dingo da vida e da mudança.
Os asilos, a estrada de sentido ú nico percorrida por aqueles que nunca voltam para casa, nã o
existem em sistemas tradicionais Bântu. Se existiam casas de enfermagem, estas seriam vistas aos olhos
africanos e aos kôngo em particular, como instituiçõ es muito negativas onde seus entes queridos nã o
receberiam cuidados, mas apenas sentavam-se ou deitavam-se, olhando para o horizonte de sua morte
pró xima. Além disso, tais instituiçõ es seriam vistas como um símbolo monumental negativo de uma
sociedade descuidada.
Para o povo Kôngo, um provérbio nos diz: Nuna i soba mbebe mu kânda (envelhecer é mudar o
papel/responsabilidade de alguém na comunidade). O envelhecimento nã o é razã o para isolar ou
expulsar alguém do caminho natural comum de Kala ye Zima (existir enquanto caminha para extinguir-
se lentamente) e dingo-dingo dia môyo ye nsobolo (o processo de vida e transformaçã o).
Devido a esta filosofia Bântu fundamental entre os Kôngo para com os mais velhos, os idosos
com a sua experiência de vida como membros da comunidade, constituem o grupo mais importante
de ndezi. Estes idosos, assim, reingressam ao campo de Kindezi, a arte de cuidar de crianças, por razõ es
sociais, econô micas ou humanitá rias.

RAZÕES SOCIAIS:
Os idosos sã o considerados, entre os Bântu, como uma classe especial com um papel especial
dentro da comunidade por causa de sua experiência especial ao longo da vida. Como tal, em Kindezi eles
exercem o papel nã o apenas de excelentes ndezi (babá s), mas também de professores e conselheiros dos
jovens ndezi.  Nessas posiçõ es e papéis como professores, conselheiros e ndezi, eles têm dois principais
deveres sociais: (1) Transmitir para todas as crianças da comunidade, em sua pró pria língua, a histó ria
de sua comunidade através de cançõ es, histó rias, lendas e jogos; e (2) explicar a essas crianças o
caminho da vida, seu significado de kala (ser, vir a ser, existir neste mundo) e zima (extinçã o, a morte do
corpo para a transformaçã o) e o papel da comunidade sobre eles.

RAZÕES ECONÔMICAS:
As pessoas idosas na Á frica sã o usadas como babá s – ndezi - para ajudar a comunidade com seus
filhos e outros deveres claros, enquanto é a responsabilidade da comunidade para cuidar de suas
necessidades, alimentaçã o, habitaçã o, roupas e confortá -los. Voltaremos a este ponto no quarto capítulo.
Além das razõ es já mencionadas, os idosos africanos sã o usados como babá s (ndezi) em suas
comunidades para deter doenças psicossomá ticas. Com o efeito de Luvèmba, “o elemento negativo que
se acumula em nosso corpo através da idade (e que é a principal causa de uma morte física)”, os idosos
enfraquecem fisicamente e retornam à categoria de crianças – “crianças velhas”. Essas crianças velhas
podem ter tido seus pró prios filhos no passado.  A ausência de seus pró prios filhos pode se tornar um
grande problema, tanto físico quanto psicologicamente, neste momento particular da vida. Nessa
situaçã o, os povos africanos nã o querem que os mais velhos vivam na solidã o, diz a sabedoria Kô ngo,
Bukaka rísôngo, Bulènda vônda – “A solidã o é uma doença, pode matar”. Como forma terapêutica de
reduçã o de falhas psicoló gicas e gerontologicamente relacionadas, os Kôngo fazem de seus idosos babá s
da comunidade, lidando com crianças para mantê-los ocupados. Com esta técnica terapêutica, anciã os na
sociedade Kô ngo tradicional terminam felizmente seus ú ltimos dias de vida. Eles literalmente morrem
nas mã os de seus entes queridos, com respeito e dignidade depois de terem dito para eles, sua ú ltima
palavra, ao invés de dizê-lo para uma enfermeira. Essa “ú ltima palavra” é o bem maio que qualquer
africano espera de um ser amado que está morrendo, em vez de levá -lo a mudar ou reformular a sua
vontade. Acredita-se que esta “ú ltima palavra” supera em muito os bens materiais listados em um
pedaço de papel chamado “testamento” ou ú ltimos desejos.
Uma criança do Kôngo aprende muito de um ndezi anciã o de sua comunidade sobre plantas -
seus nomes, usos e onde uma pessoa pode encontrá -las; sobre animais e histó rias morais relacionadas a
eles; o que estes animais comem e como se reproduzem; sobre pessoas de longe, seus costumes, línguas
e modos de vida; e, acima de tudo, aprendem o que as crianças mais gostam: cançõ es, histó rias, jogos e
truques.
Um ndezi  velho, para as crianças, é uma estrela da vida. Eles brincam, cantam, saltam e dançam
com ela. Seu colo é a melhor cama para estar e descansar. Um ndezi velho é visto à s vezes como sendo
melhor do que seus pró prios pais – principalmente se o Ndezi for um avô . Sabe nã o só como acalmar,
mas melhor, como censurar uma criança. Ele/ela é um pai por excelência para ele/ela sabe o que é ser
um pai, um ndezi/babá e uma criança. E, acima de tudo, é uma pessoa de experiência que sabe ler as
mentes das pessoas.
 
 
A.      NDEZI OCASIONAIS
 
Contrariamente ao que é dito sobre os Ndezi jovens e velhos, os Ndezi ocasionais (Ndezi
Yantôta) sã o pessoas no degrau de forças sociais produtivas (FIG. 3). Em outras palavras, eles sã o
principais produtores da comunidade que, por algum motivo, decidiram permanecer no vilarejo para
fazer certas tarefas, tais como: assar o pã o (nika/yoka kwânga), reparar uma casa, extrair ó leo de
dendê (kama mafutá), esperar por um visitante, etc. Sob estas condiçõ es, um pai (ou mã e) pode pedir a
um indivíduo para cuidar de seu filho enquanto faz outras tarefas. Essa babá é conhecida como Ndezi
yantôta ou Ndezi bwèso, significando respectivamente e literalmente “babá inesperada” ou “babá por
acaso”. Esta pessoa serve como um ndezi enquanto executa suas outras tarefas em um horá rio normal.
Devido à sua atençã o dividida entre a criança a vigiar e o trabalho a ser feito, problemas, conflitos e até
acidentes podem ocorrer com os Kindezi praticados por este grupo. Consequentemente, uma criança,
por exemplo,  pode rastejar acidentalmente além do ndezi desatento e cair em um buraco de fogo ou de
despejo. Muitos destes acidentes em Kindezi ocorreram com o Ndezi neste grupo.
Muitos nã o gostam de babá para uma criança enquanto ocupado com outra atividade. Pode ser
perigoso – até mesmo catastró fico – para a babá , bem como para toda a comunidade, e pode significar a
perda da vida para a criança. O cuidado de cri

anças ocasional deste tipo é apreciado e funciona bem somente se houver mais de uma criança ao
redor. Estas crianças devem ser de diferentes níveis e idades para que eles possam tomar conta umas das
outros para a sua pró pria segurança e proteçã o.
Cada africano participou, de uma forma ou de outra, de um dos três diferentes grupos de ndezi,
pela simples razã o de que o ambiente social e cultural o exige. Todos trabalham para a comunidade e a
comunidade funciona para todos. E com a prá tica do sistema Kindezi, os mais jovens e os mais velhos
membros da comunidade nã o sã o excluídos do dingo-dingo (processo) da economia coletiva. Isso
explica porque Kindezi, a arte da babá , nã o é apenas a arte de tocar e cuidar da criança, mas de moldar a
humanidade e o futuro de seu ambiente mundial.
 
 
NOTAS
 
1.       Para maiores detalhes sobre esse assunto, leia “Cosmogonia Kongo”, de Fu-Kiau (1969), O
Livro Africano sem título, e outros de seus trabalhos.
2.       Na sociedade do Kô ngo, os pais nunca brigam ou se matam por causa de seus filhos. As
crianças dos casais que estã o juntos ou separados sempre pertencem aos dois pais e suas respectivas
comunidades. Assim como um Mukô ngo nunca vai sequestrar ou matar sua pró pria criança, num
ambiente de conflito entre pais.
3.       A maioria das mulheres do campo estã o ocupadas em suas fazendas das seis da manhã à s
seis da tarde.
4.       Leia O Livro Africano sem título, de Fu-Kiau, 1980.
 
 
 
I.               CRIANÇAS NAS MÃOS DO NDEZI
 
A.      QUEM SÃO?
 
As crianças nas mã os dos ndezi sã o todas as crianças que vivem ou nasceram na comunidade. Sã o
os membros mais jovens da comunidade e representam o futuro da pró pria comunidade. Muitas vezes,
estas crianças estã o familiarmente relacionadas entre si.
A sociedade do Kôngo presta grande atençã o à sua juventude, porque Môyo a kânda, bilesi (a
vida da comunidade está em sua juventudo), diz um provérbio. Uma comunidade sem juventude nã o tem
futuro. Mas para assegurar um futuro positivo, a comunidade e todos os seus membros devem assumir a
plena responsabilidade de “iniciar” (educar) a sua juventude – Bula mèso mâu – quanto à s suas
responsabilidades sociais, culturais, econô micas e políticas, comunais, nacionais ou internacionais. Para
ter sucesso nesta tarefa, o Mbôngi, “parlamento comunitá rio”, deve criar uma boa atmosfera política,
favorá vel ao crescimento cultural, social, econô mico, político e intelectual da juventude. 
Uma das maneiras de conseguir isso na sociedade do Kô ngo é através do desenvolvimento de um
sistema muito forte de ntungasani, que pode ser melhor traduzido como “construindo indivíduos sá bios
e fortes laços comunitá rios através de debates críticos livres e abertos”. O Mbôngi é assim visto como o
mais popular sistema de educaçã o Kôngo. Aqui, todas as questõ es e assuntos relacionados à vida
comunitá ria sã o abertamente e comunitariamente discutidos. E, aqui no Mbôngi, as decisõ es sã o
tomadas em conjunto na comunidade, pela comunidade, para a comunidade.
O processo ntungasani no Kôngo Mbôngi é ainda mais democrá tico do que o processo de
democracia no ocidente, pela simples razã o de que neste processo ntungasani todos na comunidade,
absolutamente todos, participam no processo de fazer ou mudar uma ordem ou lei. Espaço para a
ditadura simplesmente nã o existe. Assim, o que as crianças aprendem de seus velhos ndezi vem do
Mbôngi, a fonte comunitá ria de informaçã o “oficial” que reú ne e constró i a sociedade comunal e seu
sistema.
 
 
B.      O QUE ELES APRENDEM?
 
O sâdulo (o local onde acontece o cuidado das crianças) nã o possui um quadro para escrever
ou um livro para ler. No entanto, as crianças no sâdulo “lêem” e recebem muito das mentes de seus
ndezi e assim aprender a “escrever” e assimilar muita informaçã o sobre a vida na comunidade do
passado, do presente e do futuro também.
O ensino é oral e prá tico. Crianças e suas babá s à s vezes deixam seu local sâdula e se movem
de um lugar para outro, visitando ferreiros locais, tecelõ es e oleiros. E muitas vezes eles vã o coletar
flores, ervas, insetos, raízes, bimènga (pedaços de cerâ mica), ovos, cogumelos, rochas, etc. Ao redor
da aldeia. Aprender os nomes e o uso de “coisas” no ambiente da criança é um dos está gios mais
excitantes no processo de aprendizagem sâ dulu. Eles aprendem a dissecar cuidadosamente
pequenos animas e insetos. Através destas experiências a criança adquire um só lido conhecimento
prático em assuntos relacionados à anatomia, fauna e flora. Além disso, essas atividades prá ticas de
aprendizagem proporcionam aos filhos a oportunidade de melhorar o desenvolvimento de sua
língua nativa e aumentar seu vocabulá rio.
Infelizmente, este só lido conhecimento da língua materna é desconsiderado em todos os
sistemas escolares africanos modernos, onde nã o há espaço para línguas africanas “nã o científicas”.
Essa crença de que as línguas africanas nã o estã o equipadas para o estudo científico moderno é, em
nosso ponto de vista, tola e é um câncer no corpo do crescimento intelectual e econô mico africano.
O ndezi no sâdulo sustenta um rígido ensinamento moral em relaçã o à vida comunitá ria.
Aqui a experiência do velho ndezi é habilmente “derramada” na criança, que entã o a canta, a prova,
a sente e aprende com ela.
É no sâdulo, o local onde acontece o cuidado com as crianças, que a criança aprende o valor
de viver, brincar, cantar, dançar e rir junto com os outros, nã o importa quem sã o e quã o ricos ou
pobres podem ser. Para os Bântu, e para os Kôngo em particular, a uniã o é algo espiritual para ser
compartilhado orgulhosamente com os outros. A uniã o é um poder e uma energia que liga as
pessoas e as aquece. Sob este poder de juntar-se, a criança aprende nã o só a ouvir, mas a obedecer e
respeitar as pessoas idosas. Também aprende a participar ativamente de todas as atividades da
comunidade, ou seja, trabalhar para os outros. Acima de tudo, é nesta fase que a criança é
introduzida no conhecimento de alto nível, nã o apenas do nosso universo, mas também da vida, da
morte e do conceito de kala ye zima (ser/viver e extinguir/morrer) como Dingo-Dingo (processo)
natural de vida e mudança.
Através de Kindezi, a criança também aprende que o mundo em que vivemos nã o é uma
propriedade individual. É para a vida e, portanto, deve ser compartilhada por todos. Nó s, como
“indivíduos”, que gostamos de pensar em nó s mesmo com um “Eu” capital, todos vêm a este mundo
como seres fracos. Nó s crescemos mais fortes e entã o devemos deixar o mundo como seres fracos,
assim como quando chegamos.
 
C.       O SÂDULU
 
Já mencionamos acima que sâdulo é um lugar para cuidar das crianças. Nó s preferimos essas
terminologias ao “centro de enfermagem pú blico ocidental” ou “jardim de infâ ncia”. Enquanto o
jardim de infâ ncia ocidental prepara a criança para a educaçã o formal ocidenta, o sâdulu prepara a
criança para toda a vida na comunidade.
O sâdulu, ou local de cuidar das crianças, nã o é necessariamente uma cabana (ou um
prédio). Pode ser qualquer coisa que acomode exercitar a arte de Kindezi: um telhado de uma
cabana inacabada, um local desmatado sob folhagem de á rvore, ou apenas um lugar em terreno
aberto ou uma varanda. Aqui as crianças sã o trazidas para juntar-se a seus ndezi, velho ou jovem.
Antigos ndezi preferem cuidar sob um abrigo para se proteger do sol ou da chuva.
Crianças de dois anos ou mais sã o deixadas no sâdulu com seu nkuta (alimento) nas mã os
do ndezi. No entanto, este alimento/nkuta é mantido na casa da babá.
As babá s de crianças com menos de dois anos de idade geralmente nã o realizam suas tarefas
de babá no sâdulu, mas sim acompanham a mãe que ainda está amamentando ao local de trabalho,
para que a criança continue, quando necessá rio, a ser alimentada com leite materno. Este ndezi
particular deve saber como manter a criança confortavelmente “amarrada” em suas costas e como
ajudar o bebê a dormir. Ele canta muito enquanto toca o nsakala, uma espécie de chocalho de mã o,
para acalmar o bebê. Ele/ela sabe como segurar o bebê e o que fazer quando cair enquanto carrega
sua carga em uma estrada escorregadia. Ele/ela deve agir de tal maneira que o bebê nã o caia para
trá s (mlunguka/yekuka). É importante notar que este ndezi ou n´sânsi só pode ser verbalmente
censurado, de maneira alguma pode ser esbofeteado. Pois, diz o Bakôngo, golpear a pessoa mais
pró xima de uma criança é como bater na pró pria criança. Mesmo uma repreensã o verbal do n´sani
ou ndezi na frente de uma criança pode fazer a criança adoecer.
No sâdulu as crianças passam os dias correndo, conversando, brincando de ser nganga
(curandeiro/médico), chefe ou imitando as outras profissõ es comunitá rias. Eles ficam longe de seus
pais, enquanto estã o felizes com seus ndezi e companheiros, tem comida suficiente e diversã o. Eles
brincam e fazem seus brinquedos com materiais encontrados no local. Eles aprendem a tecer,
quebrar o dendê, cozinhar, fazer panelas e brincar de mercado. Eles aprendem muito sobre sinais,
símbolos e linguagem corporal. Um olhar direto (kintungununu/kiswèswe), por exemplo, diz à
criança para parar o que quer que esteja fazendo. A criança sabe o significado de cada movimento
incomum dos olhos, dedos e rosto de seus pais/ndezi – e até mesmo uma simples tosse pode dizer
muito. Neste sinal dado, a criança deve agir o mais rapidamente possível para se comportar
adequadamente.
Sâ dulu, o lugar de cuidar das crianças, é uma escola em movimento, onde as crianças da
comunidade nã o apenas conhecem o seu ndezi, mas onde também aprendem fazendo. É nesta etapa
que a criança adquire a experiência mais emocionante da vida, a época da uniã o com uma coisa
espiritual compartilhada para o melhoramento da sobrevivência da comunidade.
 
NOTAS:
1.       Mbôngi, que literalmente significa “casa do conselho pú blico”, é o assento do Bantú
tradicional, a mais poderosa instituiçã o política comunitá ria.
2.       Para mais detalhes sobre Mbôngi, leia “O Mbôngi”, de Fu-Kiau.
 
 

IV – KINDEZI E A SOCIEDADE/COMUNIDADE

O Kindezi só pode ser percebido e compreendido através do contexto social da comunidade,


que serve como arte e uma grande responsabilidade social. É através do papel
que Kindezi desempenha na comunidade que se pode apreciar a sua importâ ncia no dingo-
dingo (processo) de moldar padrõ es sociais africanos. A qualidade e a personalidade
do ndezi/babá , influenciam a qualidade e a personalidade da criança no sâdulu e na comunidade
também. Uma vez que é o ndezi com quem a criança permanence o dia inteiro, o futuro da criança
refletirá muito a imagem de seu ndezi, o principal formador de sua personalidade. Este é o impacto
de Kindezi, a arte de cuidar da criança, nã o apenas sobre a criança, mas sobre a pró pria sociedade.
A contribuiçã o de Kindezi nas sociedades Bântu em geral, e no Kôngo em particular, nã o
pode ser subestimada ou negada. O papel que desempenha em todos os aspectos da vida
comunitá ria é tã o grande que merece que se erga um monumento em sua homenagem.
Sem Kindezi, a mulher Africana nunca experimentaria a grande liberdade que ela desfruta.
Também nã o ocuparia a posiçã o que ocupa no controle da terra e da produtividade econô mica. Ao
contrá rio da mulher ocidental, a mulher Africana é mais agricultora do que o homem. A mulher
Africana, nessa perspectiva, é muito mais auto-empreendedora do que sua colega no ocidente. Aqui
no ocidente, a mulher é basicamente um empregado para o trabalho do homem. A mulher Africana
permanece em sua fazendo da manhã ao cair da noite.
O seu trabalho é um trabalho de terra feito sem qualquer participaçã o masculina, graças à
arte de Kindezi. Uma mãe com um ndezi (babá ) é um pá ssaro voando, ela pode ir para onde for
possível. Esse tipo de liberdade de que gozam as mulheres africanas para administrar seus pró prios
assuntos nã o foi descoberto por mulheres ocidentais até recentemente, como o movimento de
libertaçã o das mulheres, que nasceu, aliá s, como resultado da descoberta antropoló gica do Terceiro
Mundo. No Ocidente, a terra é o domínio dos homens apenas. Em Á frica, é principalmente o
domínio das mulheres, graças ao papel desempenhado pelos Kindezi na libertaçã o das mulheres da
casa. E este é um novo fenô meno no Ocidente.
Durante séculos, as mulheres africanas foram “reis”, generais, fazendeiras, pescadoras,
Pescadores, médicas, comerciantes e mineiras (em campos de cerâ mica) graças à descoberta
anterior de Kindezi, que lhes permitiu ser seres humanos livres. Elas nã o precisavam da ajuda de
um marido para atravessar uma estrada, um rio ou para garantir sua presença física na fazenda.
Confiar na presença do homem/marido, dizem as mulheres africanas, é dar credibilidade à doutrina
da inferioridade feminina, fundamento do chauvinismo masculino ocidental. Esta doutrina provou
atrofiar o potencial feminino como mã e e/ou em outras profissõ es dentro da sociedade.
É bem aceito hoje em dia que as mulheres nos países do terceiro mundo sã o as melhores
economistas e gerentes do mundo:
“Qualquer um que tenha passado tempo nas aldeias pode testemunhar que os maiores
economistas do mundo sã o mulheres analfabetas, pois de alguma forma conseguem manter suas
famílias alimentadas com orçamento que parecem impossíveis. O problema reside precisamente na
extremidade oposta do espectro social, com os funcioná rios bem educados, bem pagos e bem
intencionados que estã o destinados a atender à pobreza mundial e à fome desesperada que ela
causa.” 3
As mulheres na Á frica ainda hoje estã o correndo atrá s de seus ndezi para se libertarem para
poderem fazer o que lhes agrada para o melhoramento de suas famílias em uma Á frica neo-colonial
em que agora nã o têm nenhuma palavra.
Em muitas partes da Á frica, devido ao fato de que os homens têm que trabalhar em minas
(Azania), a construçã o de estradas (como em Transkei) é fundamentalmente tarefa das mulheres.
Um empreendimento tã o surpreendente seria impossível se as ndezi de Transkei nã o assumissem
a responsabilidade de cuidar das crianças enquanto suas mã es trabalhavam em projetos de
construçã o de estradas.
Em sua praticidade, Kindezi pode ser visto como uma verdadeira agência de serviços sociais
comunitá rios.Kindezei apoia as atividades sociais e econô micas de toda a comunidade, bem como
de cada um de seus membros. As mã es precisam de ndezi para deixar seus filhos quando vã o
visitar os membros da família em outra comunidade ou doentes no hospital; quando vã o ao
Mercado negociar os produtos de sua fazenda ou comprar o que suas necessidades domésticas
requerem; quando vã o para a fazenda, para pescar, pegar cogumelos, quando vã o aos funerais, ou
para qualquer outro evento social, para evitar qualquer incô modo. A cultura Kôngo prefere, por
exemplo, que uma senhora que vai a uma cerimô nia de casamento esteja livre, sem uma criança;
caso contrá rio, ela nã o vai desfrutar da dança cerimonial por causa da presença da criança. Por
outro lado, isso exige que todas as mã es tenham que, de alguma forma, ter um ndezi para que, em
tempos de cultivo da terra, ninguém possa fingir ser incapaz de trabalhar por causa da falta de uma
babá. Hoje, todo o continente africano está morrendo de fome porque, entre outras razõ es, a
maioria dos ndezi4 foram para a escola e nã o há serviço de substituiçã o para o tradicional Kindezi.
A falta de ndezi na comunidade devido à mudança do sistema de educaçã o reduziu a capacidade de
produçã o de alimentos entre os agricultores (mulheres). Tanto as mã es, quanto os pais, optaram
por cruzar as pernas, amamentar seus bebês inquietos e ouvir a política do amendoim.
Consequentemente, todo o continente está “comendo” política e morrendo uma morte estranha.
Resumindo, pode-se dizer que Kindezi tem, de imediato, um papel social, econô mico e
político a desempenhar na comunidade. Cada um desses papéis tem um ú nico objetivo: servir a
comunidade e proteger seus membros mais jovens.

A-      PAPEL SOCIAL

A arte de Kindezi é um agente de formaçã o social, cultural e educacional. É o Kindezi que


fornece os elementos mais bá sicos de conceitos culturais para a criança. No sâdulu (o local de
cuidar das crianças) a criança aprende suas relaçõ es sociais com outras pessoas. Aprende a abordar
os adultos de forma respeitosa. O ndezi conta histó rias e as crianças, em círculo, ouvem, aplaudem,
repetem, cantam em coro, riem e se alegram. Além disso, ondezi também tem que organizar os
filhos para brincar, dançar ou dramatizar. Aqui, claramente, o Kindeziassume uma posiçã o de
liderança no sistema oral de educaçã o entre os Bântu. O ndezi ensina as crianças a fazer
brinquedos com makaka (uma espécie de grama), bipôpo (dinamites de lama, bolas de lama) e
muitas outras coisas.
Este ensino Kindezi assume uma forma mais animada pela introduçã o de cançõ es no
processo e muitos kümu, “palavras-lema”. Este processo é um dos mais comuns no ensino
de Kindezi. Cantar como babá é um processo aberto e muito desafiador. O ndezi deve saber o que
ele/ela canta para a criança. O ndezi ensina cançõ es simples que cativam a curiosidade e a atençã o
da criança. Através de cançõ es, o ndezi ensina-lhes o conceito de partilha e seu valor para a
comunidade, como expressa a seguinte cançã o:

Wadia, wadi’e
Tala nkubu nâ ku
Nkubu nâ ku e
Lumbu kabaka
Ngâ ngu e
Ngâ ngu ziviô kele

Enquanto comes,
(Melhor) olhar para seu par
Seu par
O dia em que ele/ela mesmo poderia
Tã o esperto parecer
Muito esperto

Pelo mesmo processo o ndezi conduz suas crianças ao rio para um banho. Uma cançã o muito
simples e agradá vel é cantada. O ndezi canta as palavras e as crianças respondem em coro cantando
“yô ”, uma maneira esotérica de dizerinda, que significa “sim”. Eles continuam a cantar enquanto
caminham para o rio, conforme expressa a seguinte cançã o:

Mwèndo yô l’e
Yô '
Mwèndo yô l’e
Yô  '
Na bingulu-ngulu

Na bintaba-ntaba
Yô  ...

Indo tomar banho



Indo tomar banho

Com porquinhos

Com cabritinhos

Em se tratando de Kindezi, a arte de cuidar de crianças, os cantos nã o param com este tipo de
cançã o. Um ndezi pode cantar uma cançã o de ninar que transmite, basicamente, um sistema político.
Encontramos esta forma na seguinte cançã o de ninar muito popular entre os angolanos que estavam
fugindo do sistema colonial lusitano em Angola para abraçar o sistema colonial paternalista do reino
belga no império colonial belga no Congo8:

E mu Leyo (tukwènda)
E yâ ya mu Leyo
E mu Leyo
E yâ ya mu Leyo
(Kadi) E Salazale
Wakitudi yo kwâ ndi (nsi)
Se nsâ nsi ya gô ndila9 an’èto
E mu Leyo (tukwènda)
E yâ ya mu Leyo
E mu Leyo (tuwila)
Yâ ya mu Leyo
E mu Leyo . . .

Ei! Para Leyo10 (vamos)


Agora, entã o!
Ei! Mãe para Leyo
Ei! Para Leyo
Ei! (porque) Bem, Salazale11
Transformou-o (o país)
Num instrumento de ninar
Agora, entã o, para Leyo (devemos ir)
Ei mã e, para Leyo (deve ir)
Mãe, para Leyo agora, entã o!
Para Leyo (deve ir)

A cançã o do Zô mbo é uma cançã o política típica usada para transmitir uma mensagem política na
arte de cuidar das crianças: o povo angolano teve que deixar seu país e cantou a mú sica para se preparar
para uma Guerra anti-colonial, porque o seu rico país, Angola, tinha se transformado num simples
brinquedo para agradar crianças superinduzidas, os colonialistas. A Guerra teve que ser preparada a
partir de um país vizinho (o Congo Belga) para lutar contra o facista Salazar, de Portugal.
Cançõ es de ninar também sã o usadas para lembrar o ndezi de seus deveres quando a criança
chora. “Nunca se esqueça”, transmite a mensagem “a forma como a arte de Kindezi é praticada na
cultura Kô ngo”. Ou seja, em outras palavras, ondezi deve levar a criança para sua mã e (no seu local de
trabalho) se possível; assim aconselha as seguintes cançõ es:

Mâ ma wankâ mba
Tâ ta wankâ mba
Mwâ na kadila
Nda12 lâ ndis’e
Mu nzila Kô ngo
E-e kayâ nga13
E-e kayâ nga
Nayendi kaka
Muna nzil’a Kô ngo

Mamã e me disse,
Papai me disse,
Se a criança chora
Leve-a para o lugar do trabalho
Do jeito Kô ngo
Cuidando, querida
Cuidando, querida
Sempre faça
Do jeito Kô ngo

Um outro grupo de cançõ es de ninar de Kindezi é esse que é usado basicamente para ninar (N
´küng´anwukudila). Essas cançõ es de ninar servem, nã o apenas para acalmar (wukula), mas para
elogiar ou apoiar as mã es em geral, e especialmente as mã es de gêmeos, ngudi-a-nstmba. As duas
mú sicas a seguir ilustram:

a)     Uma cantiga de ninar comum:


Wa, wa, wa
Mwâ na wanlô ngo e
Sangamani e14
Buta katominanga
Kala na ndezi â ku e
Sangamani e
Wa, wa, wa
Mwâ na wanlô ngo e
Sangamani e . . .

Calma, calma, calma


Oh! Criança sagrada
Olhe para ela
Para ser uma mã e feliz
Nã o deveria ter uma babá ?
Olhe para ela
Calma, tranquila, silenciosa
Oh! Criança sagrada
Olhe para ela ...

b)     Uma cantiga de ninar para gêmeos:


Bâ na bèto bô le
Kayang’e
Ma ngudi e
Kayang’e
Bô le bayiza
Bâ na
Bô le
Bô le
Kayang’e Ma ngudi e Bâ na bèto bô le Bô le Bô le
Nsimba na Nzuzi e Bô le

Sã o dois, os nossos bebês


Cuidando
A mã e dos gêmeos
Cuidando
Eles sã o dois
(Nossas) crianças
Gêmeos
Gêmeos
Cuidando
A mã e dos gêmeos
Eles sã o dois, nossas crianças
Gêmeos
Gêmeos
Nsimba e Nzuzi
Gêmeos
Existem também outros tipos de cantigas de Kindezi que sã o estritamente ligadas a questõ es
relacionadas com a saú de. Muitas destas cançõ es relacionadas com a saú de ensinam, por exemplo, que é
perigoso para uma criança chorar excessivamente. Chorar, diz a mú sica abaixo, aumenta o calor do corpo
(a temperatura) e pode causar yuku-yuku(febre). Por esta e por outras razõ es, o ndezi é instruído a
manter as crianças tã o felizes quanto possível, em vez de entristecê-las ou deixá -las chorar durante todo
o dia. Aqui está uma cançã o típica de saú de:
Wa, wa
E mwâ na bidilu èyi
Yambula bidilu biâ ku
Mwâ nu-wu
Ni bio bitwâ la’ tiy’èyi

Calma, calma15
Que criança chorona!
Pare de chorar, bebê
Bebê
Isso vai deixar você com febre16
O ú ltimo tipo de cançõ es que gostaríamos de mencionar aqui sã o as mú sicas relacionadas a
conflitos sociais e/ou desvios. Estas cançõ es preparam as crianças para o fato de que seu ambiente
social, cultural e/ou político nã o é totalmente saudá vel e livre de tensõ es. Como tal, a criança aprende,
desde a mais tenra idade, que a vida é um dingo-dingo (processo) em que se deve lutar continuamente
pela mudança, crescimento e desenvolvimento, embora esta mudança nem sempre seja positiva. É
responsabilidade do ndezi introduzir tal noçã o à criança para que aceite o ambiente como ele é – como
um ambiente (conflitivo) interativo.
A cançã o-lenda abaixo, baseada na vida de um desviado social, pinta a imagem deste tipo de
cançã o. Esta cançã o-lenda fala sobre uma senhora que deixa seu primeiro marido. Quando volta para sua
comunidade original, ela se vê rejeitada e isolada de seu povo, que interpretou mal o que aconteceu com
ela, que desfez seu casamento. Sua comunidade quer que ela seja um dama de boa conduta. No entanto,
por alguma razã o, sua comunidade se recusa a dar-lhe o benefício de trazer esta situaçã o crítica perante
o Mbô ngi da comunidade.
Um dia, a “chuva/inundaçã o” (uma metá fora para um estranho que está passando por ela e a vê
em seu estado de rejeiçã o) vem e a leva embora. Ela concorda em deixar sua comunidade para
acompanhar o estranho homem. Com este estranho ela começa uma nova família e se livra de todos os
problemas anteriores, relacionados com seu primeiro casamento e com sua pró pria comunidade. Ao
longo do caminho para sua nova comunidade, a senhora encontra dois sinos. Um destes sinos nã o tem
identificador e representa sua vida anterior “quebrada”, aquela vida que ela deixou pra trá s. O outro sino,
que tem alça, representa sua nova vida “esperançosa”. Uma vez que ela chega em sua nova comunidade
por nova aliança, a senhora rejeitada vai ver um especialista de charme chamado Mwâ nda, a fim de ter
seus mâ mbu (problemas) amarrados em um “fetiche” Mpü ngu, para que eles finalmente
descansem. Mwâ nda pega o sino sem o punho da senhora e lhe dá em troca uma bela manta de
pano/envoltó rio que atuará como um muro entre suas vidas passadas e presentes.
Mono ubabela
Batü ngila nzo
Va ntèndo bènga
Niâ mba bu kayô ka Kayô la bisa
Kayô la miku
Ngièle kwâ mi bâ nd’e
Ntô tele ngü nga zâ mi zô le
Ngú nga zâ mi zô le
Mosi yatabuka dikô ngi
Yatabuka dikô ngi
Mpèni kwa Mpü ngu a Tâ ta Mwâ nda
Mpü ngu Tâ ta Mwâ nd’e
Umpèni rílele wa maleso
N’lele wa maleso
Ni wo nikinina’ ku lô ngo
Yakina-kina fiô ti
Nto-nto-nto zawíla lô ngo
Kiwo-wo-wo!
Ya Masâ mba
Kiwo-wo-wo!

Rejeitada,
Alguém me fez uma casa
Perto do abismo
A inundaçã o veio,
Levou os potes,
Pegou panelas,
Entã o eu fui para as terras baixas
Peguei dois sinos

Dos meus dois sinos


Um nã o tinha alça.
O que nã o tinha alça,
Eu dei para o fetiche Mpüngu do pai Mwânda
O Mpüngu do pai Mwânda
Deu-me uma manta manchada deslumbrante
Com a manta manchada deslumbrante
Eu dancei17 em meu casamento
Uma pequena dança
Ali “problemas” de meu casamento anterior
Foram acalmados
Com você, Masâ mba18
Todos eles sã o acalmados.

As dinâ micas sociais de Kindezi, tal como sã o compreendidas entre os povos Bâ ntu, nã o se
limitam apenas ao ensino de jogos, peças e cançõ es. Kindezi é um processo que molda toda a vida da
criança e, portanto, toda a vida da comunidade. Através da dinâ mica Kindezi, a criança aprende que
ele/ela não é um elemento fora do corpo social de sua sociedade. Os ndezi, pais e filhos, sã o parte
de um grande conjunto, o conjunto social (Fig. 4)

Fig. 4: A criança nã o é um elemento que está fora do corpo social de sua comunidade:
C—criança
N—ndezi/babá
P—pais
SE—corpo social/comunidade

Ali relacionamentos sociais que trabalham para unir todos esses elementos sociais (pais, ndezi,
crianças) estã o no interesse do crescimento pessoal e da melhoria da comunidade. Quanto mais essas
relaçõ es forem estabelecidas, mais a comunidade estará unida e mais esta comunidade se destacará na
maioria de suas atividades. Assim, criar uma criança torna-se responsabilidade de todos na comunidade.
“A criança no ú tero é a carga de um indivíduo, mas uma criança que nasce, é filho de todos.” Assim, a
sobrevivência de uma criança é fardo de todos na comunidade. (FIG. 5)
Fig. 5: A sobrevivência de uma criança é o “fardo” de todos de uma comunidade.
Devido à falta de documentos escritos para fins didá ticos, a cançã o ocupa a posiçã o de escolha na
arte tradicional Kô ngo de cuidar de crianças. Quase tudo é ensinado através de cançõ es, porque elas sã o
constantemente repetidas. É através de cançõ es e Kümu (lemas filosó fico-didá ticos) que a criança
congolesa aprende a beleza artística de sua língua-mã e. É através das cançõ es e dos provérbios que as
crianças aprendem que sua comunidade, com todas suas tensõ es e interaçõ es, é um lugar bonito para
crescer e fazer parte. Na comunidade, a criança aprende que criar uma família é a responsabilidade mais
sagrada e maravilhosa de todas. Como tal, todas as crianças devem permanecer em sua comunidade e
crescer nas mã os de seus membros. Eles nunca serã o distribuídos pela comunidade, nã o importa o que
seja – por dinheiro ou por incapacidade dos pais. As crianças na sociedade Kô ngo nã o sã o “coisas” para
se livrar ou “bens” para serem negociados. Para melhor e para pior, a família extensa deve “morrer de
fome” para salvar a vida cada criança da comunidade. “Adoro ter filhos”, diz Müntu, “porque a
comunidade nã o só os quer, mas os ama.” Isto é, todos os membros da comunidade comumente se
sentem responsá veis por crianças, como o conto abaixo sugere. A heroína, uma jovem senhora, prepara
uma audiência com sua família. Ela quer tanto bênçã os quanto permissã o para criar uma família pró pria
para que ela possa ter filhos e fornecer novos membros (“galos” e “galinhas”) – meninos e meninos para
as necessidades da comunidade (social, política e militar):

Ya Masâ mb’e
Ya Masâ mb’e
Mpèti mbèl’â mi
Mbèl’â mi
Yabudila mpâ tu zâ mi
Mpâ tu zâ mi
Yayaba gô ngo diâ mi
Gô ngo diâ mi
Yabaka nsü mba tâ nu
Nsü mba tâ nu
Yayenda kwè' batâ ta
Ba’ batâ ta
Bampâ na n’lele a nkelele
N’lel’a nkelele
Yayabikila mabène
Bène diâ mi
Diatlta bu dilèmbo
Wuhu!
E nsusu ankènto
E nsusu ambakala
Wuhu!

Senhor Masâ mba20


Senhor Masâ mba
Me dê minha faca21
(Com) minha faca
Eu vou esculpir minhas colheres
(Com) minha faca
Eu vou esvaziar uma lagoa
A partir desta lagoa vazia
Vou pegar cinco nsümba22
Com estes cinco nsümba
Eu vou aos meus “pais”
Meus pais
Vã o me dar um embrulho deslumbrante
Com meu embrulho deslumbrante
Eu vou cobrir meus seios
Entã o meus seios
Vã o ficar cobertos e vã o crescer
Hurrah!
Entã o virã o “galinhas”23
E “galos”24
Hurrah!

B.       PAPEL ECONÔ MICO


Kindezi, a arte Kô ngo de cuidar de crianças, nã o se trata apenas de responsabilidades socialmente
relacionadas. De fato, os fundamentos filosó ficos de Kindezi derivam diretamente dos aspectos sociais,
políticos, culturais, linguísticos e econô micos da vida do Kô ngo. Para os membros mais jovens da
comunidade, cuidar de crianças é assim considerada como uma das atividades mais populares e mais
aceitá veis, usadas na sociedade para manter ativos e produtivos os membros fisicamente incapacitados
para o melhoramento econô mico da comunidade como um todo.
Para os Bakô ngo, cada membro da comunidade é valorizado como uma força de produçã o. Nã o
importa qual possa ser o estado físico de um indivíduo, a comunidade deve assumir a responsabilidade
pelas necessidades econô micas deste indivíduo. Por esta razã o, jovens e idosos sã o, através da arte da
babá , incorporados ao processo de produçã o comunitá rio. Eles cuidam dos mais jovens da comunidade e,
assim, nã o apenas libertam um grupo de forças primitivas (mã es jovens), mas também obrigam toda a
comunidade a obter seu apoio econô mico. Por este processo ninguém na cultura Kô ngo se entristece por
ser um parasita da comunidade e de sua riqueza. Todo mundo, por seus meios e habilidades, paga por
sua pró pria sobrevivência.
Uma mulher Mukô ngo é geralmente excelente agricultora, graças a Kindezi. Muitas vezes uma
mulher deixa sua vila de manhã cedo, voltando só depois do anoitecer. Ela permanece em sua fazenda
cultivando a terra, cavando, semeando seu campo, limpando ou colhendo. Durante todo esse tempo no
campo, ela nã o se preocupa com seus filhos, porque a babá cuida deles. Devido ao apoio do sistema
Kindezi, a produçã o agrícola de uma mulher Mukô ngo sempre foi superior à do homem.
No passado, isso era especialmente verdadeiro quando campos e terras agrícolas eram seguros
para as mulheres permanecerem e trabalharem durante todo o dia. Com o neocolonialismo africano, as
coisas mudaram. Agora, as mulheres nos campos estã o experimentando alguma da violência e do abuso
que as mulheres no oeste estiveram experimentando em suas ruas da cidade por séculos. E, porque os
homens africanos nã o apreciam o funcionamento da terra eles mesmos, o continente inteiro está
experimentando uma falta de alimento. As mulheres, os grandes “alimentadores” do continente, estã o
sujeitas ao mesmo trauma que as suas colegas nas ruas do Ocidente, já nã o se sentem seguras em seus
campos, por causa e irresponsá veis revoluçõ es africanas.
Como mencionado anteriormente na introduçã o, a contribuiçã o econô mica de Kindezi é inegá vel
em regiõ es africanas onde a agricultura é a chave para o desenvolvimento econô mico local. Este
provérbio Kô ngo nã o é uma piada:  Mbôngila mwâna-wu yakângila babakala kilauki (Segure esta criança
para  mim, para que eu possa ajudar os homens que são incapazes de prender o louco). Assim, uma
mulher libertada de seu bebê/criança é capaz de fazer tudo. Ela tem a capacidade de ser uma força política
e militar em sua sociedade, em conjunto com seu papel como mãe e contribuinte econômica para a
comunidade. Libertas de seus filhos pelo apoio de Kindezi, muitas mulheres nos poderosos reinos do
Kôngo tornaram-se oficiais e generais do exército.
Repensar e restaurar o sistema Kindezi em todos os seus aspectos é restaurar não só a força
produtiva da mulher, mas também seu poder político e militar.

C – PAPEL POLÍTICO
Kindezi desempenha um papel importante na política comunitá ria. Este papel pode ir de um nível
local a um nível nacional.
Sempre que existem conflitos e tensõ es na comunidade, o ndezi que é membro da comunidade,
mas neutro e libre, para entrar em contato com qualquer família onde há uma criança, pode, portanto,
ser usado por um ou outro lado como um observador imparcial e um mediador. Agindo dessa maneira, o
ndezi se torna um meio de reduzir as tensõ es dentro da comunidade e entre seus membros.
O ndezi, em seu papel de professor, é o primeiro indivíduo a elevar a consciência política da
criança. Isto é realizado principalmente através de fazer-acreditar, isto é, jogos, brincadeiras, cançõ es,
contos e histó rias. É através do ndezi que a criança aprende quem é quem na comunidade e quem deve
ser chamado de quê. Ele também aprende certos elementos bá sicos da estrutura social da comunidade,
tais como as relaçõ es de parentesco e sua hierarquia.
O papel político do ndezi nã o se limita ao interior da comunidade. Ultrapassa as fronteiras
comunitá rias. Durante a era colonial, o ndezi foi usado como meio de resistência política contra forças de
ocupaçã o.
Um dos pais dos autores explicou como Kindezi foi usado como meio de resistência contra as
forças coloniais nestas palavras:
Uma vez que os soldados  foram enviados para esta regiã o, para conter as forças políticas
ascendentes do ngunzism, jovens ndezi que nã o foram proibidos de brincar ao redor dos veículos
militares coloniais belgas foram elaborados por forças de resistência congolesas, para transportar
frascos cheios de uma antiga fó rmula de ervas muito conhecida, usada para a guerra, a fim de
secretamente pulverizar os veículos com esta substência poderosa e penetrante. Enquanto os soldados
se relaxavam, as forças resistentes, através do ndezi, faziam sua obra. Quando os soldados voltaram para
suas má quinas e tentaram dirigir, foi um desastre! Os soldados se jogaram no chã o, rasgando suas
roupas para se desembarcar do misterioso agente perfurador. Rapidamente, uma equipe médica foi
apressada para investigar o “vírus”. A pró pria equipe foi atingida pelo misterioso agente atacante. O
agente permaneceu nã o identificado pelos agentes opressivos e os habitantes locais riram.
Finalmente, as autoridades coloniais decidiram que as forças de ocupaçã o deveriam ser retiradas
da á rea. Desta forma, Kindezi foi bem sucedido em fornecer a comunidade com uma importante vitó ria
política e militar.

NOTAS
1.     Em vá rias partes da Á frica a terra é , literalmente, um domínio das mulheres.
2.     Nó s preferimos usar o termo “Rainha” porque rainha nã o necessariamente significa uma figura política (chefe,
líder, soberano) de um país. A maioria das rainhas (como ró tulos ou figuras representativas) sã o apenas como o resto das
mulheres, enquanto um Rei é sempre uma figura política, um “soberano”. Alé m disso, na cultura Kô nga (base deste estudo) o
termo n´tinu traduzido por “rei” serve tanto para soberanos homens, quanto para mulheres.
3.     Nick Eberstadt, “Hunger and Ideology,” Commentary, 1981.
4.     Na Á frica, a filosofia colonia de educaçã o requer que todas as escolas de origem autó ctonas sejam construídas
longe das comunidades (vilarejos) para assegurar-se da destribalizaçã o (lavagem cerebral), mas para facilitar a
ocidentalizaçã o do continente.
5.     Por Fu-Kiau, N'Kô ngo ye Nza yakun’zungidilia, (Kinshasa: ONRD, 1969), p. 28.
6.     Crianças pesadas (gordas).
7.      Crianças turbulentas, inquietas, or indisciplinadas.
8.      Hoje em dia, o Zaire.
9.      Variante comum bô ndila, “embalar, ninar.”
10.       Variaçã o de Lé o (Lé opoldville); Kinshasa, hoje em dia.
11.       Variaçã o de Salazar, o ditador portuguê s dictator que foi també m o ditador de Angola.
12.       Gíria; uma versã o curta de wè nda, “Vá .”
13.       O infinitivo é  kaya, “sentar, cuidar, vigiar”; “dividir”
14.       Esta frase é cantada enquanto se coloca a criança acima da cabeça. Em outras partes do país, esta frase é
substituída por vwema Mbadio (Fique quieto, “sem nome”).
15.      Isso pode també m ser substituído por “escute”.
16.       Literalmente, se diz, “melhora o calor do corpo”.
17.      Eu faço um feitiço/encanto.
18.       O nome do novo marido.
19.       Infelizmente, com a invasã o do capitalistmo e seus conceitos em nossas terras, essa responsabilidade social e
sagrada do passado está sendo descartada a fim de enfraquecer o sistema social Africano.
20.       Do sdmba, “aquele que limpa o caminho,” “o tamador de decisã o,” ou “o interruptor social.”
21.       A palavra refere-se à espada Kô ngo, Mbè le a lulè ndo, o insignia do trono. Ela representa poder, direito,
autoridade.
22.       Uma espé cie de silurus, peixe.
23.       Uma metá fora: significando “garotas”.
24.       Uma metá fora: significando “garotos"
25.       Movimentos politico-religiosos (Profetismo).

V – CONCLUSÃ O

Kindezi, a arte da babá , embora um dos campos menos conhecidos no mundo acadêmico, tem
contribuído imensamente para a forma como o nosso mundo é executado. Sem ela, a agricultura seria
desconhecida em muitas partes do continente africano antes da era colonial. De fato, a pró pria economia
colonial teria sido impossível de perceber se nã o houvesse Kindezi. Foi Kindezi que libertou as mã os das
mã es africanas para serem utilizadas como Kiniemo (trabalho livre) e agricultura de subsistência para
apoiar os orçamentos familiares, que foram empobrecidos pelas escalas de salá rios extremamente
exploradoras dos sistemas sociais.
Para repensar e restaurar a arte de Kindezi, seria libertar uma grande força produtiva na
sociedade e reconhecer as mulheres como iguais aos homens. Este processo também servirá para
desvendar a estrutura da mulher como um poder econô mico, político e militar. Assim, reinventar Kindezi
significaria rearranjar também toda a subestrutura social da comunidade. Quando falamos de Kindezi,
falamos de uma instituiçã o que afeta a vida comunitá ria como um todo.
A filosofia que está na raíz da arte de Kindezi argumenta que para que os seres humanos
compreendam a criança, o adulto, a comunidade e a totalidade da vida humana, é necessá rio que
entremos no mundo das crianças, porque os seres humanos que ã ã o adultos sã o meramente as imagens
crescidas do que eram quando crianças. Dewey, Montessori, Piaget e muitos outros se tornaram famosos
filó sofos e educadores, nã o examinando adultos, mas tentando conhecer a criança em seu mundo. O que
a infâ ncia de uma geraçã o é e será o que essa geraçã o se torna em sua idade adulta. Uma infâ ncia
arruinada é uma sociedade arruinada.
As naçõ es, politicamente falando, sã o crianças também e os líderes sã o seus babá s. Quando as
babá s se tornam inconscientes de sua responsabilidade social, cultural e política, a vida da criança  em
suas mã os pode ser posta em perigo. O que é verdadeiro para a vida de uma criança é também
verdadeiro para a vida de uma naçã o. Quando os líderes das naçõ es sã o politicamente analfabetos e
irresponsá veis, as naçõ es sã o arruinadas e destruídas moral, cultural, social e economicamente; pior,
seus habitantes sã o transformados em pá ssaros sem asas. Estamos plenamente convencidos de que os
políticos nã o devem assumir levianamente a sua responsabilidade em relaçã o ao desenvolvimento
infantil, porque fazê-lo é comprometer o futuro de sua naçã o.
A arte de Kindezi, brevemente descrita aqui, oferece ao leitos uma compreensã oo da arte de
cuidar de crianças como era quando floresceu entre o povo Bâ ntu, especialmente no Kô ngo.
Nó s sabemos que a maioria dos problemas 1 sociais e psicoló gicos que afligem a comunidade
(violência, estupro, roubo, drogas, assassinatos – especialmente nas sociedades industriais) sã o, na
maioria dos casos, problemas relacionados com o descuido social e/ou dos pais em relaçã o à infâ ncia dos
membros mais novos. Se a experiência da primeira infâ ncia demonstra que pode destruir a experiência
da vida adulta, entã o é muito importante que as comunidades do mundo prestem atençã o ao Kindezi, a
arte que modela a experiência da criança em seus primeiros está gios.  A comunidade deve saber que o
estado mental de seus ndezis (babá s), especialmente quando sã o mais velhos e tem uma experiência
está tica ou concreta para transmitir. A experiência concreta algumas vezes pode ser negativa e pode ter
um impacto negativo no estado psicoló gico da criança e, consequentemente, na sua vida adulta.
Um ndezi mentalmente doente nã o pode ser um efetivo “artista” (babá ) para aqueles que sã o a
esperança do amanhã para a comunidade mundial. Um/a babá deveria ser mentalmente mais saudá vel
do que os pais da criança já que seu papel vale mais do que um trabalho remunerado (como nos casos do
Ocidente) ou a responsabilidade com certokibwanga2, recompense (como no caso dos Bâ ntu/Kô ngo). A
necessidade de responsabilidade para o ndezi é para que seja um padrã o do futuro (modelo de papel
social). Da mesma maneira, politicos e outras figuras de liderança das naçõ es (que sã o “babá s” de seus
Sistemas) devem estar mentalmente com boa saú de porque um advogado mentalmente insano,  por
exemplo, nã o pode defender ou julgar, nem mesmo um psiquiatra doente pode ser um bom terapeuta.
Ambos podem afetar a saú de de toda uma sociedade. A demência entre aqueles que tomam as decisõ es
domundo pode ser uma coisa muito perigosa. Pode levar a qualquer tipo de desastre.
É nossa esperança que o estudo da Kindezi, a arte de cuidar de crianças, servirá como um modelo
positivo para as babá s progressistas ao redor do mundo, e estimule o mundo dos negó cios a repensar as
condiçõ es do ambiente de trabalho, para incluir Kindezi como uma parte integral de seu funcionamento.
NOTAS
1.      Muitos destes problemas estã o acontecendo no momento em que estamos escrevendo
este estudo. Agora, a tecnologia do Ocidente está em processo do que podemos chamar
basicamente aqui as crianças alienadas e insanas em sua concepçã o, por pais e mães de quem a
existência é conhecida por poucos, através de arquivos, em laborató rios e bancos de esperma. Essas
crianças podem ser as mais desgraçadas, psicologicamente instá veis e perigosas para a sociedade
do amanhã .
2.      No caso do ndezi, essa recompensa é geralmente bundezi, a recompensado ndezi, que
pode ser um presente dado pelos pais da criança para o ndezi.

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