OEXP101112 Ficha Gramatica 04
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O Magistério de Caeiro
Fernando Pessoa apresenta-nos (a) Caeiro como o centro do seu «drama em gente»,
o primeiros dos heterónimos, não só porque teria sido o que surgiu antes dos demais, mas
também porque foi aquele que todos eles, assim como Pessoa, passaram a considerar o
mestre. Como aos outros, a Caeiro foram atribuídos contornos biográficos (b) (por exemplo,
5 é-nos relatado que nasceu e morreu em Lisboa, mas que viveu grande parte da sua vida
numa quinta do Ribatejo (c), tendo estudado pouco) e o mais relevante de entre eles é a
sua morte precoce (1888-1915). Mestre cedo desaparecido (d), torna-se para os seus
discípulos – sobretudo Ricardo Reis, Álvaro de Campos e António Mora – objeto de
celebração e homenagem (e). Apresentam-no como o grande libertador, a cura para a
1 doença de existirem. Muitos são os textos em que desenvolvem leituras da sua poesia (f),
0 ponto irradiante a partir do qual cada um deles firma o seu trajeto poético e metafísico (g).
O magistério de Caeiro funda-se na sua singularidade. A poesia de Pessoa, em nome próprio e nas outras
assinaturas que (h) usou, mostra-nos sujeitos dilacerados pela angústia de se sentirem conscientes da sua
consciência (i) e assim dolorosamente afastados da realidade exterior, condenados à evidência da impossibilidade
de um sentido para o que existe. Para muitos dos grandes modernos, como para Pessoa e os seus outros
1 heterónimos, o «eu» é estrangeiro a si mesmo e o mundo está irremediavelmente distante (j). Dentro da
5 constelação heteronímica, a excecionalidade de Caeiro (k) reside na natureza radical dos seus versos que (l) dizem
a procura da visão plena e inquestionada das coisas e, assim, da possibilidade de uma relação real entre sujeito e
objeto. Deste modo, a poesia de Caeiro inaugura um território especulativo que visa anular o núcleo metafísico do
universo poético pessoano, obsessivamente dominado pela ausência de sentido que vê em tudo (m).
Anúncio do encontro consigo e com o mundo, Caeiro aponta a felicidade de saber ver a pura existência das
2 coisas (n). A sua poesia dá a ver um projeto epistemológico e ético que deseja superar o que dilacera o sujeito (o).
0 A defendida «aprendizagem de desaprender» consiste em suspender o pensamento e a consciência (p), elegendo
as sensações como modo de apreensão direta (q) da realidade (r). Caeiro diz atingir uma relação imediata com o
mundo porque vê com perfeita nitidez a sua natureza e compreende a sua lição (s): cada coisa é só o que é, na
sua absoluta diferença e irrepetibilidade, sem nenhuma verdade transcendente, e o contentamento está em saber
aceitar com a mesma inocência o que existe e o que desaparece. Eis uma paz que é o avesso de Pessoa. Mas fica
2 desde logo explícito (t) o seu ponto paradoxal (u): «Há metafísica bastante em não pensar em nada», explica
5 Caeiro, poeta assim bastante metafísico.
Como dizer esta maneira de pensar o não pensar? Caeiro busca uma poesia simples e evidente (v), que
afaste toda a ganga retórica que torna as coisas no que elas não são (w). Essa procura implica aprender a
desaprender a poesia, os seus artifícios e os seus excessos. Os poemas mostram o constante esforço de encontrar
as palavras justas, que possam dizer a existência na sua nudez (x). [...]
3 Cada poema de Caeiro é uma maneira diferente de dizer o seu postulado: às vezes os versos condensam
0 lapidarmente todo o seu credo (y), outras estendem-se em explicações programáticas; às vezes são as imagens a
definir a verdade entrevista, outras é uma pequena narrativa a dizê-la. Em todos podemos ler a urgência em
mostrar-se aos outros como aquele que soube a verdade, foi feliz (z) e deixou escrita a notícia da sua felicidade.
PATRÍCIO, Rita, 2015. “O Magistério de Caeiro”, in Poesia de Alberto Caeiro, Expresso-Alêtheia Editores (pp. 4-7)