Parecer MP - Vale Do Amanhecer
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autora que os réus cortaram árvores, destruíram campos de futebol, pista de skate e um palco
de apresentações teatrais e musicais, bem como promoveram a retirada de grande quantidade
de terra do local.
Por fim, afirma a autora que a área de construção da UBS está inserida dentro
dos limites de unidade de conservação e que a conclusão da obra destruirá um monumento
litúrgico denominado Portal de entrada do Vale do Amanhecer e que suprimirá o direito de
livre exercício de credo religioso.
A tutela de urgência pleiteada foi deferida pela Decisão ID: 63244992, que sem
oitiva da parte contrária, determinou aos requeridos que paralisem imediatamente qualquer
obra no Vale do Amanhecer até ulterior decisão.
É o relatório.
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que a decisão que aprecia o pedido assenta-se em análise superficial do objeto litigioso e, por
isso, o julgador decide com base em um juízo de probabilidade1.
Percebe-se, assim, que a demanda versa sobre utilização de bem público, o qual
foi objeto de cessão de uso em favor do Distrito Federal e, como tal, está condicionado ao
exercício de atividade que, de algum modo, traduza interesse para a coletividade. Isto é, o
consentimento para a utilização do bem fundamenta-se no benefício coletivo decorrente da
atividade desempenhada pelo cessionário2.
1 DIDIER JR., Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual
civil: teoria da prova, direito probatório, decisão precedente, coisa julgada, processo estrutural e tutela
provisória. V. 2. 15 ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 698.
2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 34 ed. São Paulo: Atlas, 2020. p.
1284.
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Por sua vez, o art. 15, inciso I, do mesmo diploma legal, explicita que, na
ZOEQ, “é permitido o uso predominantemente habitacional de baixa e média densidade
demográfica, com comércio, prestação de serviços, atividades institucionais e equipamentos
públicos e comunitários inerentes à ocupação urbana”.
Portanto, não há perigo que este exercício de religiosidade – Abata, possa ser
afetado pela construção da Unidade Básica de Saúde. Nesse sentido, as fotos juntadas pela
autora Id 63506457, Id 63506455, Id 63506452 demonstram que, de fato, trata-se de uma
procissão realizada nas ruas. A definição de quais ruas (encruzilhadas ou não), horários e
3 https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/2597/1/dissertacaoVanessa%20de%20Siqueira
%20Labarrere_LIV.pdf
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vestimentas é questão litúrgica própria do exercício religioso que não se confunde com a
utilização do lote pelo Poder Público para construção da UBS. Em outras palavras, as ruas e
suas encruzilhadas continuarão a disposição do uso de todos.
4 Nesse sentido: NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 15 ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p.
313.
5 ZAGREBELSKY, Gustavo apud NOVELINO, Marcelo, ibidem, loc. cit.
6 Nesse sentido, as decisões do Supremo Tribunal Federal, proferidas no julgamento do MS 23.452/RJ, RE
455.283/RR, HC 93.250/MS e ADI 2.566/DF.
7 NOVELINO, Marcelo, op. cit., p. 397.
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Nos termos do art. art. 196 da Constituição de 1988, a saúde é direito de todos
e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
8 NOVELINO, Marcelo, ibidem, p. 406.
9 Nesse sentido: DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO DE CONHECIMENTO. OBRIGAÇÃO DE FAZER.
BADALO DE SINO DA IGREJA. LIBERDADE DE CULTO. CESSAÇÃO. PERTURBAÇÃO DO
SOSSEGO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. HARMONIZAÇÃO. LIMITAÇÃO SONORA.
I - O direito ao sossego é correlato ao de vizinhança e está ligado à garantia de meio ambiente sadio, pois
envolve a poluição sonora, merecendo proteção constitucional e amparo na legislação ordinária (CF/88, art.
225, Código Civil, art. 1.227, Lei das Contravenções Penais, art. 42). Por seu turno, a liberdade religiosa
também é um direito fundamental previstos na Constituição da República (CF/88, art. 5º, VI).
II - O Conselho Especial deste Tribunal declarou a inconstitucionalidade do inciso III do art. 10 da Lei
Distrital nº. 4.092/2008, que excluiu do limite máximo a emissão de sons e ruídos produzidos por sinos de
igrejas ou templos, utilizados no exercício de culto ou cerimônia religiosa.
III - A fim de assegurar a aplicabilidade de ambos os princípios constitucionais, cabível a limitação do
volume dos sinos em 50 dB, nível de intensidade sonora que a Organização Mundial de Saúde considera
aceitável para não provocar danos às pessoas, cujo limite, outrossim, é o recomendável pelas normas da
Associação Brasileira de Normas Técnicas - ABNT para tempos e igrejas (NBR 10.152).
IV - Deu-se provimento ao recurso. (Acórdão 970561, 20100110669750APC, Relator: JOSÉ DIVINO, 6ª
TURMA CÍVEL, data de julgamento: 28/9/2016, publicado no DJE: 13/10/2016. Pág.: 421/459).
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10 Brasil. Ministério da Saúde. Fundo Nacional de Saúde. Gestão Financeira do Sistema Único de Saúde: manual básico /
Ministério da Saúde, Fundo Nacional de Saúde. – 3ª ed. rev. e ampl. - Brasília: Ministério da Saúde, 2003, p. 37.
11 Brasil. Ministério da Saúde. In: https://pensesus.fiocruz.br/atencao-basica. Acesso em: 21 de maio de 2020.
12 Brasil. Ministério da Saúde. In: https://pensesus.fiocruz.br/atencao-basica. Acesso em: 21 de maio de 2020.
13ALMEIDA PRADO, Adriana Romeiro de. Acessibilidade na gestão da cidade. In: ARAUJO, Luiz Alberto
David. (Coord.). Defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2006, p. 11
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fático atual, mesmo ante a declaração pública de pandemia em relação ao novo Coronavírus
(Covid-19) pela Organização Mundial da Saúde – OMS, de 11 de março de 2020, assim como
a Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional da OMS, de 30
de janeiro de 2020, bem como tendo em vista o Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de
2020, que reconheceu a ocorrência do estado de calamidade pública no Brasil, com efeitos até
31 de dezembro de 2020. Isto porque a UBS do Vale do Amanhecer atende aos princípios
Na hipótese de colisão entre direitos fundamentais, a ponderação ou
sopesamento surge como técnica destinada a resolver conflitos entre normas válidas e
incidentes sobre um caso, de modo a promover, na medida do possível, uma realização
otimizada dos bens jurídicos em confronto. Ocorre que, em determinadas situações, a solução
terá que priorizar um dos interesses em jogo, em detrimento do outro, o que não significa que
a norma que tutela o interesse derrotado sempre esteja subordinada àquela que protege o
interesse que prevaleceu. A ponderação deve levar em consideração o cenário fático, as
circunstâncias de cada caso e as alternativas de ação existentes14.
Conclui-se, portanto, que, dadas as circunstâncias fáticas postas nestes autos,
não ha demonstração que a construção da UBS possa suprimir o direito de credo religioso. As
estruturas da UBS não serão empecilho intransponível para a realização das procissões de
Abata e não haverá destruição do Portal. Por fim, com base nas provas produzidas nos autos,
entende esta promotoria que o direito à saúde prepondera em relação à liberdade de culto, o
que enseja a improcedência dos pedidos formulados na inicial.
14 SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito Constitucional: teoria, história e métodos
de trabalho. 2 ed. 2. reimpr. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 512-513.