A Bahia No Século XVIII. Luis Dos Santos Vilhena Volume 1

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B A H I A N O

C U L·,JO X V I I I

Luis ·DOS SANTOS VliHENA

Volumes publicados: EDITORA ITAPuA • COLEÇ'AO BAIANA 1


Rollie E. Poppino,
FEIRA DE SANTANA

Waldeloir Rego,
CAPOEIRA ANGOLA
(Ensaio sócio-etnográfico)
PRÊMIO JOSÉ
VERÍSSIMO DA
ACADEMIA BRASILEIRA
DE LETRAS

Kátia Queirós Mattoso


PRESENÇA FRANCESA
NO MOVIMENTO
DEMOCRÁTICO BAIANO

Próximo Lançamento:

Thales de Azevedo
POVOAMENTO DA
CIDADE DO SALVADOR

IMPRESSO NA CIA. CRÁFICA LUX


A BAHIA
DE VILHENA
Adonias Filho
A BAHIA NO SÉCULO XVIII
As Cartas de Vílhena, que narram e
descrevem episódios e paisagens da
VOL. I
Bahia no século XVIII, têm agora nova
edição. O livro velho, cujo MS perrna-
nece na Biblioteca Nacional, e sôbre o
qual se estabelece a fidelidade da edí-
ção agora apresentada por Edíson Car-
neiro, retorna para demonstrar quanto
vale e pode a percepção de um extraor-
dinário cronista. Perdendo os títulos
antigos ..- Recopileçõo de Notícias So-
tetopolitenes e Bcesiiices e Cartas de
Vilhena ..- êste A Behie no Século
XVIII justifica a fama e a glória de
Luís dos Santos Vilhena. Lendo-o, pá-
gina a página, e através das vinte car-
tas, verífícar-se-á um passado que é
mais vida que história. E, naturalmente,
para esclarecer certos detalhes, as notas
e comentários de Bcaz do Amaral,
Está claro que, na livraria sõbre a
Bahia, em tantos autores e títulos, da
crônica da Colônia aos ensaístas de
hoje, o livro de Vílhena tem o seu lugar
certo. Um lugar excepcional, tenho que
acrescentar. E isso porque, ainda pro~
fessor de grego em 1799, em Salvador
residindo, servindo ao Rei "nas armas
mo nas letras", Vílhena dispôs de co-
nhecímentos e olhos como poucos. Cap-
tnva os coisas em tôrno ..- registrando,
comentando, discutindo ..- com tama-
n hu f órça de observação que se tornou
Incvll(,vcl o revestimento crítico. Inímí-
qo do rclntórto, em conseqüência, foi
LUÍS DOS SANTOS VILHENA

A Bahia
no Século XVIII

Notas e comentários de
BRAZ DO AMARAL

Apresentação de
EOISON CARNEIRO

VOLUME I
(LIVRO I)

Editôra Itapuã
BARrA
Capa de
Emanoel Araújo
com fotografia de
Femando Goldegaber

Obra publicada com a colaboração da Secretaria de Educação


e Cultura do Govêmo do Estado da Bahia
o TÍTULO da edição original dêste livro, devida aos esforços
de Braz do Amaral, era, de acôrdo com o MS da Biblioteca
Secretário de Educação: Luís Navarro de Brito Nacional,

RECOPILAÇÃO DE NOTíCIAS
SOTEROPOLITANAS E BRASíLICAS
contidas em XX Cartas,
que da Cidade do Salvador, Bahia de Todos os
1969 Santos, escreve um a outro amigo em Lisboa, de-
baixo de nomes alusivos, notificando-o do estado
daquela Cidade, sua Capitania, e algumas outras
do Brasil; feita e ordenada para servir, na parte
Direitos para esta edição reservados à
EDITORA ITAPUA que convier, de elementos para a história brasílica;
Rua Padre Vieira, 9, Salvador ornada de plantas geográficas e estampas;
DIVIDIDA EM TRÊS TOMOS
que ao Soberano e Augustíssímo Príncipe Regente
Nosso Senhor
Impresso no Brasil
o muito Alto e muito Poderoso Senhor
Dom João Publicadas há pouco menos de 50 anos, as Cartas de Vilhena
dedica e oferece constituem, hoje, uma raridade bibliográfica. Temos a certeza de
o mais humilde dos seus vassalos prestar um serviço à Bahia e aos estudiosos do Brasil ao lhes en-
Luís dos Santos Vilhena tregar novamente êste portentoso retrato do nosso país em fins
do século XVIII.
Professor Régio de Língua Grega na Cidade
da Bahia EDITÔRA ITAPUÃ
Ano de 1802

Para os poucos que o conheciam quando ainda em manus-


crito, o título foi simplificado para Cartas de Vilhena - designa-
ção que, na edição comemorativa da Independência, mandada pu-
blicar pelo governador J. J. Seabra (Imprensa Oficial, Bahia,
1922), precede, na capa, o título dado pelo próprio Vilhena.
Esta edição, de que se incumbiu o escritor Edison Carneiro,
apresenta, em relação à de 1922, pequenas alterações, tendentes a
tornar mais acessível ao leitor o assunto das Cartas:
- um título nôvo;
- disposição da matéria em três volumes, em vez de dois;
- inclusão, no terceiro volume, Livro IV, da Carta XXI,
referente a São Paulo, que, por ter sido encontrada muito mais
tarde, foi publicada em folheto independente treze anos depois
(Recopilação de Notícias da Capitania de S. Paulo, Imprensa Ofi-
cial, Bahia, 1935) por Braz do Amaral;
- novos títulos para as Cartas, que no original trazem ape-
nas a indicação de primeira, segunda, etc.;
- divisão de cada Carta por meio de subtítulos, precedidos
de asterisco para distingui-los dos ocasionalmente constantes do
texto de Vilhena;
- ortografia oficial, em vez da grafia muito pessoal do autor;
- utilização do grifo, ou itálico, quando justificada;
- eliminação das maiúsculas desnecessárias, medida útil em
especial para evitar confusões entre baía (o gôlfo ou enseada de
Todos os Santos) e Bahia (a cidade ou Capitania), entre outras.
Da colação do texto impresso com o original encarregaram-
se as Sras. Nellie Figueira e Cydnéa Bouyer, funcionárias da Bi-
blioteca Nacional.
Índice
Volume I

Apresentação - Edison Carneiro XVII


Prefácio - Braz do Amaral 1

CARTAS DE VILHENA

* Dedicatória 17
Catálogo 21

LIVRO I

1. A CIDADE DO SALVADOR (A) (CARTA I) 33

* Antecedentes históricos 36
* Topografia da baía 40
* A cidade da Bahia 44
* Paróquias 46
* A Capitania da Bahia 51
* População 51
* Senhoras 54
* Comerciantes 56
* Importação e exportação 57
* Edificações no cimo da colina 62 * Batuques de negros 134
>I< Se troassem os canhões... 65 >I< Prejudicial o tráfico de escravos 135
* Edifícios nobres 67 >I< Os brancos pobres 137
* O Senado da Câmara 69 * Empregos dos brancos 138
* Os currais do Conselho 69 * Inação e preguiça 139
* O Celeiro Público 70 >I< Como tratar com os índios 140
* Rendas do Senado da Câmara 71 * Mulheres públicas 142
* Despesas do Senado da Câmara 74 >I< Alta dos preços 142
* Desorganização administrativa 78
Notas e comentários de Braz do Amaral 145
Notas e comentários de Braz do Amara! 81

2. A CIDADE DO SALVADOR (n) (CARTA lI) 89 4. SAÚDE (CARTA IV) 151

* Varandas e rótulas 91 >I< Bexigas 154


* Quitandas 93 * Cemitérios 154
* Comunicações entre os dois andares da cidade 93 * Tumbeiros 155
* Palácio dos Governadores 95 >I< Farinha-de-pau 156
* Alfândega 96 >I< Boiadas 160
* Misericórdia 97 * Corrupção dos mantimentos 161
* Baixa dos Sapateiros 98 >I< Remédios estragados 162
* Pilar e Santo Antônio 99 >I< Rio das Tripas 162
* Garnboa e Unhão 101 >I< Sensualidade 163
* Fontes públicas 102
* Edifícios públicos 104 Notas e comentários de Braz do Amara! 167
* Praça de Palácio e Terreiro 105
* O sítio da cidade 107 5. AGRICULTURA (CARTA V) 171
* Aquartelamento dos oficiais 107
* Desordens nas fontes 108 * Engenhos 173
>I< Massapê 175
Notas e comentários de Braz do Amara! 111
>I< Qualidade das terras 175
3. VICISSITUDES URBANAS (CARTA Hl) 121 * Plantação da cana 176
>I< Corte das canas 178
* Celeiro Público 124 * Moagem 179
* Santa Casa 125 * Lavradores 180
* Pescado 126 >I< Cavalos e bois 182
* Carne 127 * Escravos 183
* Especialidades baianas 130 * Em benefício dos escravos 186
* Impôsto de Consumo 131 >I< Mestres-de-açúcar 189
>I< Sal e azeite 132 >I< Purgadeiras 189
>I< Mendigos 133 >I< Experimentos de Vilhena 190
* Fornalhas 193 7. GUARNIÇÃOMILITAR (CARTAVII) 239
* Moenda 194
* Invento de Vilhena 195 * Regimentos 242
* Tabaco 197 * Morro de S. Paulo 243
* Mandioca 200 * Tropas urbanas 244
* Anil 202 * Recrutamento 247
* Viva-quem-vence 248
Notas e comentários de Braz do Amaral 207
* Itaparica e vilas do Recôncavo 253
* Sergipe e Espírito Santo 256
* Tropa morta 256
6. DEFESA (CARTA VI) 209 * Efetivos reduzidos 257
* Indisciplina e prepotência 258
* Terreno indefensáve1 211 * Hospital 260
* Rio Vermelho 212
* Milícias 260
* Santo Antônio 213 Notas e comentários de Braz do Amaral 263
* Santa Maria e São Diogo 214
* Vizinhanças de Santo Antônio 215
* Gamboa 216 8. EDUCAÇÃO(CARTAVIII) 271
* Bateria da Ribeira 218
* Fortins 218 * Jesuítas 273
* Ensino público 275
* Forte do Mar 219
* Recrutamento de estudantes 278
* Monserrate 221 * Importância das Aulas 280
* Itapagipe 221 * Professôres e Mestres 281
* São Bartolomeu da Passagem 222 * Estudantes 282
* Limpeza do pôrto 223 * Cadeiras e Escolas 283
* Trincheira holandesa 224 * O Subsídio Literário 286
* Dique 224
* Estradas 226 Notas e comentários de Braz do Amaral 289
* Forte de São Pedro 227
* Santo Antônio além do Carmo 227
* Barbalho 228
* Itaparica 229
* Santa Cruz 231
* Iguape 231
* Morro de São Paulo 232
* Artilharia 233
* Para enfrentar os espanhóis 236
* Efetivos 237
Apresentação

EDISON CARNEIRO

o ARRANJO do texto, nesta nova edição das Cartas de Vi-


lhe na, se fêz visando tanto ao leitor comum como ao erudito. Os
muitos senões da edição de 1922 estão corrigidos nesta, que repro-
duz fielmente o original manuscrito da Biblioteca Nacional, com
todos os erros de sintaxe e tôda a pontuação (e, às vêzes, falta de
pontuação) que contém. Os subtítulos ajudam a encontrar nas Cartas
a matéria tratada, enquanto as notas de rodapé restabelecem, quan-
do necessário, a grafia original, esclarecem um ou outro ponto mais
particular ou indicam as poucas alterações por acaso introduzidas.
Observador bem informado, Vilhena dispôs-se a escrever por
"desafeição ao ócio" e em atenção ao conselho do seu protetor,
o Conde de Linhares. Ensinara grego na Bahia entre 1787 e 1799,
quando o govêrno colonial, julgando dispensável a cátedra ("são
poucos os que se querem aplicar àquela língua"), o jubilou, com
a metade dos seus vencimentos. Como se vê do mapa de despesa
do Subsídio Literário que Braz do Amaral divulga nos seus co-
mentários à Carta VIII, Vilhena percebia, como professor, 440$
por ano, pagos irregularmente, pois em 1797 a Fazenda Real lhe O segundo documento refere-se à morte, em 1817, de Maria
devia não menos de seis meses. Tentara fazer fortuna, por meio Antônia, então com 45 anos ("de hidropisia no peito", fIs. 69v
de idéias e inventos tendentes a aumentar a produtividade dos en- e 70), e à disposição dos bens do casal, entre os quais "o orde-
genhos de açúcar do Recôncavo (Carta V) e de experiências feli- nado da Fazenda Real que estiver vencido".
zes com fôrmas declivadas de madeira; tinha bons argumentos
para melhorar o rendimento das fornalhas; e, sobretudo, obteve
privilégio, em que gastou inutilmente bom dinheiro, para uma
moenda de sua invenção. As primeiras vinte Cartas foram redi-
gidas na Bahia, em 1798 e 1799; as que compõem o Livro IV, As fontes de Vilhena são, em geral, obscuras.
preparou-as o cronista com o que pôde salvar da tormenta que A omissão mais notável é a referente à obra que lhe serviu
se abateu sôbre o navio em que viajara - e êsses salvados do mar de modêlo, se não também de inspiração - a Notícia geral de
são a parte menos substanciosa das suas notícias do Brasil. Vi- tôda esta Capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o pre-
lhena não se julgava daqueles que escrevem "só o que agrada, sente ano de 1759, de José Antônio Caldas, finalmente publicada,
deixando em silêncio a maior parte do que convém" (embora seja sem as plantas e desenhos do autor, no n.? 57 da Revista do Ins-
fácil constatar que por cautela não dava nome aos bois) e reivin- tituto Geográfico e Histórico da Bahia (1931) e, posteriormente,
dicava para si um lugar especial entre os seus contemporâneos: em edição facsimilar, pela Prefeitura da Cidade do Salvador
"faço, se bem que com imperfeição, o que poucos têm feito, super- (1951) .
abundando-Ihes razões para o fazerem". Encerrando as vinte Cartas iniciais, Vilhena comunica a Pa-
trífilo que "à exímia curiosidade" do Sargento-Mo r Engenheiro e
Pouco mais se sabia de Vilhena, além da sua alegação de
ex-Iente da Aula de Artilharia José Antônio Caldas se devem o
haver servido ao Soberano 35 anos, "tanto nas armas, como nas
prospecto da cidade da Bahia, as plantas do Morro de São Paulo,
letras, assim neste Reino, como no Brasil", dez anos na praça de Santa Cruz (no Paraguaçu) e de cinco outras fortalezas no
de Setúbal inclusive, mas, há 25 anos (como o noticiou O Estado Espírito Santo, mas nem aí reconhece a sua dívida. Os assuntos
da Bahia de 28 de dezembro de 1944), a educadora Anfrísia tratados são os mesmos, quase sempre na mesma ordem, e idên-
Santiago apresentou, em reunião do Centro de Estudos Baianos, tico é, não só o tipo de informação, mas também a sua sustenta-
dois documentos de interêsse quanto à identidade do cronista, ção documental. Basta comparar as tediosas relações de juízes e
ambos colhidos no Livro de Óbitos da freguesia da Vitória cor- desembargadores, de governadores, de bispos e arcebispos, as des-
respondente aos anos 1810-1845. crições de fortalezas, os mapas de despesas civis, eclesiásticas e
militares. .. Caldas limitou as suas buscas à Capitania da Bahia,
O primeiro dêsses documentos revela idade e naturalida-
Vilhena tentou estendê-Ias (mal) a tôda a colônia, com propó-
de de Vilhena e desfaz a dúvida de Braz do Amaral quanto ao sitos diferentes da simples exposição de Caldas.
local do seu falecimento (fls , 37): Talvez seja a Notícia geral, porém, o "manuscrito de crédito"
em que Vilhena eventualmente se apóia.
Em vinte e nove de junho dêste ano [1814] faleceu da vida
presente com todos os sacramentos Luís dos Santos Vilhena, de
idade de setenta anos, natural de vila de S. Tiago de Cassino,
casado com D. Maria Antônia, foi sepultado no convento de
Santa Teresa no Hábito do Carmo, com seu testamento solene
em que deixa por herdeira sua mulher, deixa dez missas de corpo A crônica de Vilhena muito deve a Braz do Amaral (1861-
presente e mais outras, de que fiz êste assento, que assinei.
O vigário Marcos Antônio de Souza. 1949), que por ela se interessou ao manuseá-Ia na Biblioteca Na-
cional e tudo fêz, entre 1917 e 1922, até vê-Ia impressa, como
parte das comemorações do centenário da Independência nacional.
Foi intensa a atividade de Braz do Amaral nesses cinco ou
seis anos. Empenhava-se em anotar e reeditar outra obra, fun-
damental para a história da Bahia - as Memórias históricas e
políticas da Província da Bahia, de Inácio Accioli, seis volumes
publicados entre os anos de 1919 e 1940, em que a parte do
anotador iguala, se não supera, a do autor; coligia e disciplinava Prefácio
dados e argumentos para o confronto da Bahia com Sergipe e
Espírito Santo na Conferência de Limites (1920), de que parti-
cipou como delegado; e reunia documentos, no Brasil e em Portu-
gal, para a sua História da Independência na Bahla (1923).
Palpitantes de bahianidad, as notas e comentários de Braz do BRAZ DO AMARAL
Amaral são hoje inseparáveis do texto de Vilhena.

Lido e experimentado, com propensões para a documentação,


a pesquisa e a especulação, Vilhena elevava-se um pouco _ so-
mente um pouco - do comum dos seus patrícios comissionados
em ultramar.
Nem sequer imaginava que o Brasil pudesse livrar-se da sub-
missão a Portugal, nem tinha simpatia ou paciência para com os
habitantes da colônia. Esmerou-se nas notícias soteropolitanas
(isto é, da Cidade do Salvador), mais exatas, documentadas e SÔBRE o livro de Luís Vilhena que o leitor tem hoje sob os
ricas de aspectos sociais e humanos do que as brasílicas, mas, se olhos, apresentei à Academia de Letras da Bahia, em 1917, a se-
não fôssem as decepções sofridas no seu regresso a Portugal, não guinte notícia que pode servir, ao mesmo tempo, como um esbôço
se fixaria de nôvo na Bahia, onde veio a morrer. Embora ali- biográfico dêste excelente narrador.
mentasse algumas idéias que, por tenderem à tolerância e à com-
preensão, estavam adiante do seu tempo tanto aqui como em Por-
tugal (Carta XXIV), o Brasil valia o que valia para a Fazenda Real. Existe na Biblioteca Nacional um livro manuscrito, sob n.? 2544,
que figura na coleção José Carlos Rodrigues.
Era como um mestre-escola, de férula em punho _ e é à sua car- Todos sabem que a biblioteca dêste colecionador, que tem precio-
ranca, indignada ou desiludida, enfastiada ou sarcástica, que de- sidades, especialmente no que diz respeito ao Brasil, foi há pouco tempo
vemos o melhor das suas observações, pois, no afã de criticar, comprada pelo Sr. Ottoni ao seu possuidor e oferecida à Biblioteca
Vilhena aprofundava, nestas cartas "familiares", a sua visão da Nacional, isto é, ao Brasil, constituindo para o nosso país o que se
realidade. pode chamar um presente régio.
O 2 544 é um precioso livro, porque é uma inédita e perfeita
E a realidade era a decadência - a pobreza, a falta de hori- descrição da Bahia no século XVIII.
zontes, o esgotamento e o marasmo em que vegetava a Bahia em Poucos, muito poucos, conhecem êste diamante ainda na mina.
fins do século XVIII. Eu o tive nas mãos e, no que precisei dêle, achei-o completo e
seguro.
O Sr. Capistrano de Abreu, talvez o brasileiro que o conhece
bem todo, declara ser o melhor trabalho que tem lido sôbre a Bahia.

1
Esta jóia literária, portanto, tem o direito de ocupar a atenção
~ponho* continuar a mesma obrigação honestamente, tirando da
dos ilustres Acadêmicos neste tempo que lhes estou tomando.
obscuridade em que injustamente jaz êste cultor das letras pátrias, na
Êle, êste 2 544, é uma obra literária de alto valor, ainda quase Bahia, porque dedicou a esta terra muitos anos de trabalho intelectual
desconhecida no país.
e porque deixou uma obra em que todos temos que aprender.
O seu autor, que segundo o costume dos literatos do século XVIII Sôbre Vilhena não há no livro manuscrito n.? 2544 qualquer
usava um nome de fantasia na Arcádia das Letras, assinava Amador indicação. •
Veríssimo de Aleteya e endereçou o livro a Filopono. O literato na sua obra só deixou o nome, mas não figura na
Traz o trabalho a indicação seguinte: "Feita e ordenada para se- lista dos que se dedicaram às letras em nossa terra, e afirmaram-me
rem elementos na parte que convier para a História do Brasil". * na Biblioteca Nacional que o próprio Sr. José Carlos Rodrigues não
A um lado se encontra o nome do autor fora da Arcádia _ Luís conhecia outra informação sôbre o autor do livro oferecido ao Prín-
dos Santos Vilhena. cipe D. João.
O livro manuscrito de Vilbena foi por êle dedicado ao Príncipe Os historiadores do Brasil não o citam, porque não conheceram o
D. João, depois rei de Portugal e do Brasil, sob o nome de João VI, seu trabalho, guardado na biblioteca dos Condes de Linhares, como
em 1802. os trabalhos de Frei Vicente do Salvador e de Gabriel Soares estive-
D. João o ofereceu, segundo é de presumir, ao seu ministro D. ram inéditos e desconhecidos até há poucos anos, nos arquivos
Rodrigo de Souza Coutinho, o ilustre Conde de Linhares, tão dedicado portuguêses .
às cousas do Brasil. Pela gratidão que devemos, como brasileiros, a êstes homens, que
Informaram-me que, em um leilão realizado em Lisboa, foi, muitos tanto pensaram pela nossa terra, eu venho pedir para ser colocado
anos depois, vendido o manuscrito por cem mil réis, moeda forte. Vilhena, após as necessárias averiguações, na mesma galeria ilustre de
O embaixador Assis Brasil, tendo conhecimento da importância Pero Gandavo, de Fernão Cardim, de Frei Vicente do Salvador, de
da obra para a nossa pátria, chegou a dar por ela quatrocentos mil Rocha Pita, de Antônio Jaboatão e de Inácio Accioli, e para que se
réis, moeda forte, sem que o seu dono quisesse cedê-Ia. consigne na ata a informação seguinte sôbre o escritor que foi na
O Sr. José Carlos Rodrigues comprou-a, segundo me disseram. Arcádia Amador Veríssimo de Aleteya e na Bahia Luís dos Santos
por cem libras esterlinas. Vilhena.
Vilhena, que, provàvelmente, era português, foi um modesto
Na Biblioteca Nacional estima-se o valor do trabalho em cêrca professor.
de doze a quinze contos de réis, e isto mesmo acaba de ser ali afir- Se os outros motivos já apontados não me levassem a esta rei-
mado ao nosso confrade Dr. Seabra.
vindicação, que ora faço, em favor da memória de Luis Vilhena, have-
O Govêrno da Bahia, pelo órgão dos nossos dois colegas, Srs. ria a simpatia da classe a que também pertenci, à qual dediquei muitos
Antônio Moniz e Gonçalo Moniz, está agindo, de acôrdo com o Sr. Sea- anos da minha juventude, antes, devo dizer, de mais de metade da
bra, no sentido de obter uma cópia do precioso manuscrito e dêle, minha existência e da qual me acho hoje separado.
portanto, é possível que tenham conhecimento os ilustres Acadêmicos Luís Vilhena foi aqui na Bahia professor de língua grega e aqui
e o público, dentro em pouco tempo, porque se não fôr impresso na passou muitos anos, pois tinha sido provido na sua cadeira em 1787;
íntegra, eu pedirei licença ao nosso digno presidente de hoje, o Sr. e em 1798 pediu para ser prorrogado, por outro período de seis anos,
Secretário do Interior, para, em extratos, aproveitar o trabalho nas igual ao da primeira investidura, o tempo que devia servir.
anotações que estou fazendo às Memórias Históricas de Accioli. Estava com certeza a trabalbar na sua obra, quando fêz a petição
Resta agora outra questão a desvendar para que fique completa que os ilustres acadêmicos vão ouvir:
esta notícia. Sua Majestade manda remeter a V. S. a a petição inclusa
Quem era Vilhena? de Luís dos Santos Vilhena, para que informe com o seu parecer
Pensei prestar um serviço à Bahia e a esta Academia trazendo sôbre o seu conteúdo e a respeito do merecimento do suplicante
aqui os dados e informes que apresentei numa das últimas sessões sôbre e se se faz digno da graça que suplica pelo seu anterior serviço.
Francisco de Mendonça Mar, ou o Padre Francisco da Soledade, fun- Deus guarde a V. S. a Palácio de Queluz, 24 de setembro de
dador da capela do Bom Jesus da Lapa, do hospital que à mesma 1788. D. Rodrigo de Souza Coutinho. Ao Sr. D. Fernando
foi anexo e da romaria célebre, que até hoje existe, trabalho que dei José de Portugal. (Arquivo Público da Bahia, livro 80, Cartas
para o número primeiro da Revista da Academia de Letras da Bahia. Régias 1798).
Senhora. Diz Luís dos Santos Vilhena que tendo-lhe V.
Majestade feito a graça da propriedade do emprêgo de Professor
* No original manuscrito - ••... feita e ordenada para servir, na
parte que convier, de elementos para a História Brasílica ... " - E.C.
* Erro de revisão, talvez: deve ser "proponho-me". - E. C.
2
3
da Cadeira da Língua Grega da Cidade da Bahia, por sua! real Com esta informação satisfaço igualmente ao ofício de V.
resolução de 7 de Maio de 1787, de que lhe mandou passar Excia. que acompanha outro igual requerimento do suplicante,
carta em 22 do mesmo mês e ano, com o ônus de voltar esta de 24 de setembro do mesmo ano.
à Apostila no fim de seis anos; o que executando em lugar de (Arquivo Público, cartas para Sua Majestade de 1799).
sua carta, lhe mandou a Real Mesa da Comissão Geral sôbre o Esta informação é datada de 25 de Fevereiro de 1799.
Exame e Censura dos Livros, então existente, passar a Provisão Do que acabamos de ouvir concluímos que a Comissão de Exames
que, por certidão junta, em que lhe prorroga outros seis anos, e Censura dos Livros funcionava na Bahia em 1793 e tinha o poder
para poder continuar no mesmo ernprêgo, ou o tempo que de- de passar provisões para prorrogação do exercício dos professôres pú-
correr, enquanto na sua Carta se lhe não lavra a Apostila; e blicos e que já não existia em 1799, de modo que era preciso ao profes-
apesar de ser esta prorrogação que deve prevalecer, como se sor requerer a sua recondução ao govêrno diretamente, o que fazia
aproxima o têrmo dos seis anos, no fim dos quais se podem mediante informação do governador sôbre o comportamento e capa-
suscitar dúvidas prejudiciais ao suplicante; que se verá na pre- cidade do professor.
cisão de recorrer a V. Majestade, visto que não existe aquêle Em 10 de Dezembro de 1799 Luís Vilhena embarcou para a Euro-
régio Tribunal, donde emanou aquela prorrogação de tempo, pa com sua mulher, por haver obtido licença para ir à Côrte, donde
atendendo, pois, à incerteza e demora nas viagens da Europa se presume que lá tivesse morrido.
para a América é o motivo por que desde já pede a V. Majes- Até agora nada mais apurei sôbre Luís Vilhena, e sôbre o que,
tade seja servida fazer-lhe a graça de prorrogar-lhe mais o tempo porventura, alcançar sôbre êste digno confrade aqui trarei.
que fôr do seu real beneplácito, para poder continuar no ser- Desculparão os ilustres Acadêmicos ter-lhes levado tanto tempo a
viço de V. Majestade com a mesma honra, zêlo e préstimo com expor êste assunto, tendo em conta a convicção em que estou de que
que até agora o tem feito. se acha na órbita dos trabalhos desta instituição tratar de um caso
como êste, que é o de um livro inédito, mais que secular, de matéria
E. R. Mercê. Como procurador João Antônio Fernandes
Besteira. brasileira, especialmente baiana, e de autor que é até agora muito mal
conhecido nas letras pátrias, mas que tem direito de o ser bem.
(Arquivo Público - livro 80. Ordens Régias 1799). Mesmo que haja engano na apreciação lisonjeira de Capistrano
Informação. de Abreu, tratando-se de um trabalho inédito sôbre a Bahia, devem
merecer o nosso estudo e a nossa atenção êste livro e êste literato
Requer Luís dos Santos Vilhena, Professor da Língua Grega, sôbre os quais estou acabando de falar.
desta cidade, que se lhe prorroguem, outros seis anos para poder Na Academia de Letras da Bahia, 24 de outubro de 1917.
continuar no mesmo emprêgo, visto estar a findar o tempo da
Provisão, que obtivera da Mesa da Comissão Geral sôbre a
Censura dos Livros, hoje extinta. Continuando a investigar sôbre Vilhena, encontrei ainda, no
O suplicante sabe bem a língua que ensina e tem muito Arquivo Público, os documentos seguintes, o primeiro dos quais é
bom comportamento; nos primeiros anos do meu Govêrno fize- um subsídio para a sua biografia, esboçada por mim acima, subsí-
ram os seus discípulos alguns exames públicos a que assisti; dio fornecido por êle mesmo.
porém são poucos os que se querem aplicar àquela língua, tão
útil para as Faculdades e ciências, ainda que não absolutamente
indispensável e depois que se abriram as recrutas ainda con- Senhor.
Diz Luís dos Santos Vilhena, Professor Régio de Língua Grega
correm muito menor número, de sorte que pode ser que me
na cidade da Bahia, que êle serviu voluntàriamente a V. A. R. por
veja obrigado a excetuar algumas, só a fim de não o ter ocioso.
quase dez anos no exercício das armas no Regimento de Infantaria da
A vista do que pondero pode Sua Majestade ordenar que Praça de Setúbal na forma constante do Documento n.? 1, serviço
o dito Professor continue a exercer o seu emprêgo, enquanto que V. A. Real promete atender no alvará de 23 de janeiro de 1797
não mandar o contrário, ou empregá-Io em alguma Cadeira da e tão louvàvelmente empregou o tempo que lhe restava das obrigações
mesma natureza na Côrte, ou no Reino, visto que não considero do real serviço que nêle estudou e aprendeu as duas preciosas e difi-
semelhante Aula das mais necessárias nesta cidade, principal- cílimas línguas Latina e Grega, em forma tal que sendo por ordem
mente mostrando a experiência, que a maior parte dos que se da V. A. Real escuso do real serviço que com gôsto procurara, em
aplicam ao estudo desta língua, tão bela, se contentam com os atenção às moléstias que nêle adquiriu, Documento n. o 1, e ficando
princípios que adquirem, sem os aperfeiçoarem, a fim de satis- assim excluído das esperanças do acesso e sem meios de subsistir, re-
fazerem meramente as obrigações que são impostas pelos Esta- quereu à Real Mesa Censória o exame de uma e outra Língua para
tutos aos que cursam a Universidade de Coimbra. podê-Ias livremente ensinar, e, não só o achou aquêle régio Tribunal

4 5
com capacidade para dar-lhe as competentes Provisões, como veio a em- e como por falta de quem nesta Côrte olhasse para os interêsses do
pregá-lo na substituição da cadeira de Gramática Latina da vila de Alvi- suplicante e não tivesse a certeza de V. A. Real lhe conferir a graça
to, Documento n.? 2, que não pôde logo exercer em razão de uma pro- que suplicava e soubesse ao mesmo tempo que em razão de um ofício
longada doença que durando quase um ano nêle foi aquela Cadeira pro- dera aquêle exmo. Governador conta de que entre as cadeiras desne-
vida de Professor, vendo-se então o suplicante precisado a abrir Aula cessárias naquela cidade era uma a da Língua Grega, se considerou o
nesta capital, onde ensinou ambas as línguas em que os seus alunos suplicante quase fora do seu emprêgo, e, cortando então por mares de
fizeram progressos mais que ordinários, até que no ano de 1787 foi desarranjos e incômodos, se deliberou finalmente a vir a êste Reino
V. A. Real servido despachá-lo na propriedade da Cadeira de Língua cuidar na sua arruinada saúde e segurar o seu vacilante estabeleci-
Grega da cidade da Bahia, Documento n. o 3, onde tem servido a mento para o que alcançou do exmo. Governador a prorrogação de
V. A. Real com o zêlo, préstimo, conduta e aproveitamento que faz um ano e aprovação de substituto, com quem convencionou para que
o público não experimentasse a menor falta, Documento n. o 13, e com
ver pelos documentos ns. o 4, 5 e 7, tendo porém a infelicidade, Se-
a sua família se embarcou na nau de V. A. Real I niante D. Pedro,
nhor, de que a sua natureza nunca pôde abraçar o clima cálido da-
em que, por remate de seus infortúnios, experimentou a incomparável
quela região, em que pelo decurso de doze para treze anos tem sempre
e única ouvida tormenta e fracassos que a V. A. R. serão constantes,
padecido e padece uma continuada doença, na complicação de muitas, se bem que nunca cabalmente narrados. Na salvação daquela nau teve
sem que o uso de muitos e competentes remédios, nem o decurso de o suplicante a honra de intervir com tudo o que permitia a sua possi-
tantos anos sejam bastantes para habituá-Io ou prometer-lhe esperanças bilidade, animando a gente da sua tripulação, a maior parte bisonha,
de restabelecimento, Documentos 8 9, tendo passado a crônicas as suas não só com o trabalho pessoal nas bombas e gamotes, como liberali-
enfermidades, para o que concorrera talvez o ver que é igual a sorte de zando-lhes o alimento fresco que trazia e fazendo-lhes exortações pró-
sua mulher que consigo transportou desta cidade e que no decurso do prias e indispensáveis, naquela ocasião da maior amargura e terror,
mencionado tempo tem padecido dezessete doenças agudíssimas; mo- resultando-lhe de tudo o engravescimento das suas moléstias.
tivos por que no ano de 1797 pediu a V. A. Real licença para vir a Atendendo pois, Senhor, a tudo o que o suplicante põe na real
êste Reino cuidar na sua saúde, cuja graça foi V. A. R. servido con- presença de V. A., a ter empregado quase todo o tempo da sua vida
ferir-lhe por um ano por Provisão emanada pelo Conselho Ultrama- no real serviço, em utilidade da Pátria nos serviços, incômodos e
rino, n.v 10. Desde aquêle tempo, Senhor, não tem sido possível ao despesas no ultramar, a ser o seu emprêgo da ordem daqueles a que
suplicante o aproveitar-se daquela graça, tanto pelos inconvenientes da V . A. R. não foi ainda servido declarar acesso, nem ter o mínimo
passagem, em tempos da maior calamidade, e falta de meios para emolumento, além da sua ordinária, roga o suplicante a V. Real Alteza
podê-Io fazer, proporcionando a muita e indispensável despesa no que por sua inata piedade, e alta clemência, seja servido fazer-lhe a
transporte de família e doente com a tênue receita do seu simples graça de o jubilar na sua cadeira com o seu respectivo ordenado, visto
ordenado, como porque no mesmo tempo pôs êste na real presença achar-se na decadência que tem exposto, adiantado em idade, oprimido
de V. A. Real um requerimento em que patenteavà a injustiça, ou de obrigações, cuja graça não abrirá exemplo, logo que V.A.R. a
aparência dela, com que tendo-lhe V. A. Real feito a graça da pro- tem conferido ao Bacharel José da Silva Lisboa. Professor de Filosofia
priedade daquela Cadeira se lhe passou a carta n.? 11, com a condição na mesma cidade da Bahia, a quem o suplicante não cede em serviços.
de voltar à Apostila, no fim de seis anos, quando as cartas anteriores além dos Professôres das cabeças de comarca neste Reino, cujas ca-
a êste tinham sido extratemporárias, bem como o são tôdas as mais deiras foi V. A. servido extinguir e transferir, os quais se acham em
que V. A. Real tem feito a graça de mandar passar depois da extin- suas pátrias aposentados, sem que jamais saíssem delas, e sem que
tenham a metade do tempo de serviço do suplicante, nem experimen-
ção do Tribunal da Real Mesa da Comissão, o que poderá mostrar por
tado os trabalhos e despesas por que êste tem passado em ultramar,
documentos. Antes de findar o quinto ano de exercício enviou o supli-
cuja graça pode V. A. R. ser servido conferir-lhe, mandando se lhe
cante a sua carta à Apostila e em lugar dela lhe foi remetida a Pro- pague a sua ordinária pelo cofre da arrecadação da coleta do Subsídio
visão n. o 12, com a ambígua condição de que serviria por outros seis Literário da mesma Capitania, o que não será oneroso depois da nova
anos, ou enquanto se não lavrasse a Apostila na sua carta, que ficou rernatação em que V. A. R. foi servido mandá-lo ultimamente pôr.
sepultada na secretaria daquele Tribunal, e como no interim fôsse V. À vista, pois, Senhor, do que o suplicante tem exposto e mostrado,
A. Real servido extingui-lo, receando-se o suplicante de ficar fora do pede a Vossa Alteza Real que pondo com piedade paternal os olhos
seu emprêgo, sem meios de subsistir, desterrado em uma colônia tão no que alega seja servido conferir-lhe o que suplica.
remota, tendo a certeza de que na Junta da Arrecadação da Real Fa-
zenda naquela cidade se havia atender a primeira parte daquela condi-
ção e não a segunda, requereu imediatamente a V. A. Real, que foi E.R.M.
servido mandar informar-se do exmo. Governador daquela Capitania, Luís dos Santos Vilhena.

6 7
Subsídio Literário estabelecido nesta Capitania apenas chega para pagar
À vista dêste requerimento mandou o govêrno tirar informa- aos Professôres atuais.
ção sôbre o objeto dêle e o que merecia Vilhena, como se vê pelo Deus guarde a V. Excia. Bahia, 10 de agôsto de 1801.
seguinte: limo. e Exmo. Sr. Visconde de Anadia. D. Fernando José de
Portugal.
llmo. e Exmo. Sr.
Do exame dos papéis acima se conclui que Vilhena foi mili-
O Príncipe Regente Nosso Senhor é servido que vendo V. Excia.
o requerimento incluso de Luís dos. Santos Vilhena, informe com seu tar na sua juventude, pois serviu na guarnição de Setúbal, apro-
parecer sôbre o merecimento e serviços do suplicante e sôbre a pos- veitando o tempo que lhe sobrava, para estudar o Grego e o La-
sibilidade de haver fundos no Subsídio Literário com que possa con- tim, matérias nas quais se achou preparado, de modo que foi apro-
ceder-lhe a graça que pede, ou em todo, ou em parte. vado, quando pretendeu ensiná-Ias, após haver deixado a carreira
Deus guarde a V. Excia. Palácio de Queluz em 10 de maio de das armas.
1800. D. Rodrigo de Souza Coutinho.
Foi então para Alvito, despachado como professor substituto
Para D. Fernando José de Portugal.
de Latim, parecendo que não exerceu êsse emprêgo, por causa. de
moléstias.
Tendo sido favorável a informação do Governador da Bahia,
Conseguiu depois ser nomeado para catedrático de língua gre-
foi expedida uma Ordem Régia mandando jubilar Vilhena, como
ga, na Bahia, e aqui exerceu com dedicação o seu emprêgo, de-
se vê abaixo:
dicando-se nas horas vagas que êle lhe deixava, a observar o país,
os seus homens e os serviços públicos, assim como os costumes
D. Fernando José de Portugal, amigo. Eu, o Príncipe Regente,
vos envio muito saudar. da terra, aplicando os conhecimentos hauridos, para escrever estas
Notícias Soteropolitanas e Brasílicas que endereçou a Filopono e
Tendo chegado à minha real presença a informação que destes
sôbre o requerimento de Luís dos Santos Vilhena, Professor da cadeira Patrífilo, parecendo que êste corresponde à pessoa de D. Rodrigo
de Língua Grega nessa cidade, em que pedia ser jubilado com o seu de Souza Coutinho, ministro inteligente e apreciador de trabalhos
ordenado por inteiro, em atenção aos anos que tem de serviço e às literários e científicos, por intermédio de quem ofereceu a pri-
moléstias que padece atualmente; e abonando a dita informação a sú- meira parte da obra ao Príncipe Regente, D. João.
plica do referido Professor: Sou servido autorizar-vos para que lhe
deis a jubilação e lhe mandeis pagar anualmente pelo cofre do Subsídio Pelo que êle mesmo diz, o trabalho constou primeiro de
Literário, se lhe bastar para êsse fim a metade do ordenado que vencia, vinte cartas que foram as que ofereceu ao Príncipe, remetendo
ou ainda todo por inteiro, se com efeito entenderdes que o mesmo depois a vigésima primeira, que se perdeu, * a D. Rodrigo, a quem
Professor merece ser contemplado com esta maior remuneração, o que atribui a causa de ter escrito todo o seu livro, pois diz ter sido
assim comprireis. Escrita no Palácio de Queluz em 20 de abril de êle o motivo de tôdas as suas curiosidades; e ao mesmo D. Ro-
1801.
drigo, que o animou a completar a obra, ofereceu as três últimas,
Príncipe. como o prova a dedicatória que se encontra antes delas.
As primeiras vinte cartas foram feitas na Bahia, mas, antes
Foi então jubilado Vilhena, pelo ato do Governador, exarado de se jubilar, Vilhena retirou-se, como vimos, para Portugal, le-
nestes têrmos: vando notas para completar o seu trabalho, notas que foram dani-
ficadas na tormentosa viagem que fêz para o Reino, como passa-
Autorizando-me a Carta Régia que me foi expedida por essa Se- geiro do navio Infante D. Pedro, conforme se lê na petição que
cretaria de Estado debaixo do n. o 40, em data de 20 de abril passado, dirigiu ao Soberano, solicitando ser jubilado, como fôra José da
para mandar dar a jubilação a Luís dos Santos Vilhena, Professor da
cadeira de Grego nesta cidade, ou com a metade do ordenado que • Essa carta foi posteriormente encontrada e publicada em folheto
vencia, ou com todo, se com efeito entendia que o mesmo Professor por Braz do Amaral (Bahia, Imprensa Oficial, 1935). Nesta edição,
1Ill'1~'ci1\
ser contemplado com esta maior remuneração, o jubilei única- a carta XXI inicia o Livro IV, terceiro volume. - E.C.
1111'1110
l UIII n metade do ordenado, atendendo a que o rendimento do

9
Estas três epístolas dirigidas a Patrífilo e que precedem as
Silva Lisboa, petição em que fêz um interessante depoimento sôbre
cartas 22.a, 23.a e 24.a foram, com estas, publicadas nos Anais
a sua vida.
do Arquivo Público Nacional.
Perdeu-se a vigésima primeira carta de Vilhena, sem que isso
Notará, com certeza, o leitor que, no frontispício, Vilhena
se tivesse dado em tal viagem, porque depois dela, na missiva
designou Tomo loque se seguia, e, logo no catálogo, entre a
que dirigiu a D. Rodrigo de Souza Coutinho, e em que revela
oitava e a nona carta, vem a menção de que vai entrar no Livro
que as suas exortações o haviam feito ordenar as notas, maltrata-
II; e, no frontispício dêste Livro lI, divide o trabalho em três
das pelos sucessos da viagem referida, para escrever as três últi-
tomos, quando existem quatro volumes manuscritos no original,
mas cartas, diz positivamente que já lhe remetera a vigésima pri-
contendo êste quarto volume as cartas 22.a, 23.a e 24.a>I<
meira carta, tratando da Capitania de S. Paulo, acompanhada de
Devo, porém, advertir que na carta a D. Rodrigo, a qual abre
duas plantas.
o referido quarto volume, se encontra a razão disto, pois refere
Esta vigésima primeira carta não se encontra nos tomos ma-
Vilhena que, após ter enviado as primeiras vinte cartas, remetera
nuscritos da Biblioteca Nacional.
a 21.a (que se perdeu) e declara que, atendendo às recomendações
~ certo que, apesar do esplêndido presente oferecido por Vi- do mesmo D. Rodrigo, compusera a última parte do seu trabalho
lhena ao Príncipe D. João, o professor de grego não foi recebido que oferecia ao mesmo ministro.
pelo Soberano, pois que diz a D. Rodrigo ter sido por inter- Por êste motivo se dá a circunstância de figurar no frontís-
médio dêste que havia beijado as mãos do Regente, de modo que pício do 4.0 livro a menção de vinte cartas, contendo êle, entre-
foi êle mais um dos pertencentes à numerosa classe daqueles que tanto, as de números 22.a, 23.a e 24.a
vêem subir, e muito obter, outros que os não igualam, nem pelo
Juntamos os quatro livros em dois volumes nesta presente pri-
esfôrço, nem pelo saber, nem pelos naturais talentos.
meira edição.
a presente, verdadeiramente digno de um rei, não foi devida- Eu disse, na comunicação que fiz à Academia de Letras da
emnte apreciado, e com certeza D. João nunca o leu.
Bahia, em 24 de outubro de 1917, acima transcrita, que o govêrno
a ministro, D. Rodrigo de Souza Coutinho, depois Conde de do Estado estava agindo para obter uma cópia do manuscrito de
Linhares, foi quem o recebeu bem, e o animou a completar a Vilhena.
obra.
Felizmente foi realizado êste desejo e hoje aqui está, vulga-
Vilhena, porém, não conseguiu sequer a jubilação, com todos
rizada em letra de imprensa, ao alcance de todos, a obra do nosso
os vencimentos, como pedira. .
historiador.
As cartas de Luís Vilhena, que possuímos, são, portanto, em
Sôbre os talentos do narrador, o cuidado e minúcia da descri-
número de vinte e oito, por se haver perdido uma, com a qual
ção, a amenidade do estilo epistolar e sôbre as suas faculdades de
se completariam as vinte e nove que êle escreveu.
observador e crítico, sóbrio, mas profundo e fino, o livro de Vi-
As primeiras vinte cartas são precedidas por uma em que lhena é um modêlo que oxalá fôsse sempre seguido.
êle faz o oferecimento delas ao Príncipe Regente.
~ indubitável que nos deixou um precioso repositório de es-
Segue-se a esta o sumário, ou catálogo, que também é redi- clarecimentos sôbre a nossa terra, que será sempre lido com pra-
gido em forma de carta, completando o número de vinte e duas. zer, e, ainda mais, uma série de mapas, plantas e prospectos de
Vem depois uma outra, dirigida a Patrífilo, em que êle apre- portos, rios, fortificações e uniformes, que muito esclarecem e
senta os mapas e prospectos que fêz e a esta segue-se uma, em iluminam o nosso entendimento sôbre o tempo que êle descreveu.
forma de dedicatória, a D. Rodrigo de Souza Coutinho.
Depois destas aparece a em que êle oferece as três últimas • As cartas de Vllhena estão repartidas, realmente, em quatro livros:
epístolas a D. Rodrigo, com detalhes, explicações e a exposição do o primeiro corresponde ao primeiro volume desta edição; o segundo,
ao segundo; o terceiro e quarto, ao terceiro. - E.C.
delineamento geral que tinha seguido na sua obra.
11
10
Destas exemplificações saem neste livro as que pareceram
mais interessantes, entre as quais o magnífico prospecto desta ca-
pital em 1800, os fardamentos dos corpos militares, as plantas das
fortalezas e o frontispício da Sé que foi demolido, servindo de
desculpa não serem reproduzidos completamente os dois volumes
de desenhos que acompanham o texto, o alto preço dos trabalhos
desta ordem no país.
Nas notas e comentários que fiz sôbre as cartas de Luís Vi-
lhena me abstive de tratar dos territórios que não fazem parte do
Estado da Bahia, porquê aos filhos dêsses territórios, antigas Ca-
pitanias no período colonial, hoje Estados da Federação brasileira,
melhor ficará êste eflcargo, que poderá ser feito em separado, para
se juntar ao corpo da obra em outra edição.
O livro de Vilhena foi copiado na Biblioteca Nacional, onde
se encontra o original, que é autógrafo, pois a letra em que está
lançado todo êle é a mesma da petição acima transcrita, que é
a da assinatura que o nosso Arquivo Público possui no volume 87
das Ordens Régias.
Na cópia escaparam alguns senões* que o leitor deve ter no-
tado, mas que absolutamente não prejudicam a compreensão e o
valor do trabalho.
Luís Vilhena deixou da sua vida um traço luminoso, na sua
formosa obra, feita na idade madura, e quando o perseguiam acha-
ques e as dificuldades inerentes à existência de um professor pobre,
que passava exclusivamente com o seu parco ordenado, como de-
clara mais de uma vez na sua petição ao rei.
Do seu nascimento nada consegui saber, nem sequer do lugar
onde viu a luz.
Da sua morte também nada sei, nem do lugar em que ela
ocorreu, nem da idade que tinha quando a sofreu, nem qualquer
circunstância outra sôbre os últimos tempos de sua existência, pelo
que ficamos, relativamente a êle, em uma situação análoga a em
que nos achamos quanto a Fr. Vicente do Salvador e a Pero
Gandavo.
De FI. Vicente conhecemos os ascendentes na família.
De Vilhena nem isto!**

• ll!sses senões estão corrigidos nesta edição. - E. C .


•• Muitas dessas indagações já estão suficientemente respondidas,
como vimos na Apresentação. - E. C.
ú3 Porto das
54 Dillciozo S
12 55 Perto das Irdia
80 Caza da Moeda
:,6Butcr!u df'
67 l'CqUCIHl o SI Forte do Ma<
58 S Antoni(
'b t., Ant,OI
"
Sei apenas que era casado, mas não se encontra menção al-
guma do nome de sua mulher, nem de seus filhos, se os teve, o
que aliás não parece provável, pois é de crer que nêles falasse
em seu pedido ao Soberano, no qual se refere a diversas parti-
cularidades da sua vida íntima.
Julga o Govêrno da Bahia, publicando o livro de Luís Vi-
lhena, quando se celebra o centenário da Independência dêste
país, dar ao Brasil, a seus literatos, aos seus estudantes e a seus
homens públicos, um presente digno da terra em que foi primeiro
plantado o Cristianismo e que, pelo sacrifício de seus filhos, tornou
uma realidade esta independência que agora se festeja.
Bahia, janeiro de 1922.

r
13
>:- Dedicat6ria

S OIlI'RANO AUGUSTO e Fidelíssimo Príncipe e Senhor:


Nao é a vanglória do nome de autor, nem o receio de crí-
Iirll~ mordazes, e blateradores, quem me faz procurar o régio pa-
11111 11110 de V. Alteza Real; é sim o mostrar que apesar de não
IlIlVI'I lnltudo aos deveres do emprêgo em que tenho a honra de
.11 vil a V. Alteza Real, e à Pátria nos Estados do Brasil, ernpre-
"lIri nquelns horas a que podia chamar minhas em formar um
IIIII~I·\I. bem diverso dos que ordinàriamente faz a maior parte dos
'PII' pll~~1I11l àquela região; consiste êste na coleção de notícias
11I'rl~ifilll~. e principalmente da cidade da Bahia. A matéria em si
111'111 dignu da exação de um historiador, tão impassível corno
I 1111'''1111 justiça, de quem deve manter os direitos, e tão sincero
11111111 11 vordudc, de quem se deve propor a ser o órgão. As cir-
i 111I~1i11ll11l~ ocorrcntes, e os tempos a ninguém permitem esta exa-
Çnf' I 11111110 menos a mim, que por conhecer bem a pobreza de
j '"; 111 11I11'1I11l~, li reduzi a Cartas debaixo de nomes alusivos, por
I' IIl1dl (,il'~ escassamente podem chegar.

17
Não foi igualmente, Senhor, a avareza de ter a que me ins- mais leve, que uma mão cheia de ar, feita por um vassalo não
tigou a procurar estas notícias, e expô-Ias neste estilo; mas sim a menos sincero, e humilde, que aquêle rústico persa.
satisfação do espírito, e desafeição ao ócio. Havendo pois esgo-
Menos pesa, Senhor, que um punhado de ar a coleção de No-
tado os meios de poder conseguir mais; pus têrmo à minha curio-
tícias Brasílicas que ordenei em vinte cartas na cidade da Bahia,
sidade a tempo que me constou se projetava a composição de uma
onde por catorze anos tenho servido a V. Alteza Real no exer-
História Brasílica, e então me recordei do que Sêneca diz no Livro
cício de Professor de Língua Grega. Nelas se acham algumas re-
I de Ira - Homo in adiutorium mutuum natus est - e na Carta
flexões que fiz, e arbítrios que a razão me ditou; muitos dos quais
45 repete que - É inútil para si o homem que não vive para ou-
encontrarão talvez obstáculos que os façam impraticáveis, quando
trem - Non continuo sibi vivit qui nemini - e apesar de não
outros poderão ser admissíveis, e não serão os únicos que se
falar comigo aquêle sábio. pois que tenho por trinta e três anos
abracem.
vivido, não tanto para mim, quanto para a Pátria, segundo as
minhas fôrças, me ocorreu, que ainda esta minha curiosidade po- As notícias históricas que nelas se encontram são compiladas
deria ter algum préstimo para utilidade da nação. umas de algumas obras já públicas, outras porém de manuscritos
não vulgares; não deixando de ser raras as noções que nelas dou
A tempo porém que hesitava no modo por que honestamente das Capitanias, com arcas, costas, rios, serras, matas, minerais, e
o faria, me ocorreu que acertava ofertando-a a V. Alteza Real, lugares que descrevo. Os costumes pois, usos e abusos, índole dos
como a Chefe da Nação tôda, como o Pai da Pátria, como a Fonte naturais, e habitantes, comércio, e gêneros dêle,. eu o observei; da
donde emanam todos os benefícios de que esta goza. mesma forma que presenciei, e inquiri o mais essencial da econo-
Logo porém que refleti na humildade da oferta, e ofertante, mia urbana, e rústica; bem como em tudo o mais que contém a
e na grandeza do Soberano Príncipe a quem ofertava, receoso de presente coleção, fiz a possível diligência por indagar a verdade.
cometer um desacato de tal natureza, até de havê-lo pensado me Eu a comparo Senhor a um mineral tosco, cheio de terra, e
arrependi, e o não fizera, a não ter a certeza da estima que V. cascalho, mas que em si inclui não poucas porções de fino ouro,
Alteza Real faz de ânimos sinceros, qual o meu, animando-me mais : pedras de muito valor que Vossa Alteza Real poderá ser servido
o dizer Plutarco que o grande Artaxerxes não só recebera, como mandar purificar por quem tenha os meios que a mim me faltam;
estimara, a tênue dádiva de um punhado de água, que um rústico, de forma que dando-lhe eu princípio em Cartas, outra mão mais
mas sincero vassalo, lhe fizera; se não lesse em Isócrates na se- hábil a venha finalizar em história.
gunda Parainética a Nicocles, que aos grandes Príncipes só é ste resultado pois do meu trabalho e curiosidade, é que com
honesto, e lícito, ofertar máximas, ditames e projetos de que pos- 11\110 trêmula, submissão a mais reverente, e respeito o mais pro-
sam colhêr alguma noção, para com justiça e acêrto regerem sã- lundo ouso ofertar à soberana e sempre augusta pessoa de Vossa
biamente os povos, que dominam; conservar em harmonia e obe- Alteza Real, a quem não só como Príncipe, mas como Senhor do
diência os vassalos que lhes obedecem. III'1lSiIcompete mais que a ninguém o ver tal, qual é aquela sua
À vista do que fiado na inata bondade, amor sumo, e benigni- crdndo pela descrição moral e física que dela faço, e o saber dos
dade incomparável com que a Natureza dotou a grande alma de dominios, e paragens que daquela região descrevo; além dos ri-
q\ll~~ill1oSpaíses em que falo, e formar do pouco que digo, idéia
V. Alteza Real para com a pátria, para com os vassalos; olhando
dll muito que há para dizer daquele Nôvo Mundo; do vasto, e
para o meu Soberano como para ponto central em que se acham
IIpllk'IIII~\imo império de que Vossa Alteza Real é legítimo Senhor
reunidas tôdas as preclaríssimas virtudes, assim próprias, como her-
1111 IIl'n~il.
dadas dos seus reais progenitores, e augustos ascendentes, me per-
suadi se não dedignaria querer imitar nesta parte a Artaxerxes, mu, e mil outras vêzes prostrado diante da real soberania
recebendo afàvelmente, não um punhado d'água, mas uma oferta rll Y Alteza Real implora, e espera alcançar perdão do seu aten-

18 19
tado; suplicando ao mesmo tempo ao Todo Poderoso que para
amparo seu, delícias de todos os portuguêses, e admiração do mun-
do inteiro, prospere, e guarde sempre a Vossa Alteza Real.

Serenísimo, e Augustíssimo Senhor


De V. Alteza Real
o criado mais humilde, e o mais fiel de todos os seus vassalos
Luís dos Santos Vilhena
Catálogo

P ATRíFILO, prezadíssimo amigo.


As Cartas que pela duração de dois anos escrevi a Filopono,
comunicando-lhe as notícias que desta cidade, sua Capitania, e
algumas outras partes dêste Continente do Brasil, pude conseguir,
são por tôdas vinte. Persuadia-me eu que elas poderiam servir de
elementos e auxílio para uma História Brasílica, de que Filopono
quisera incumbir-se, pois me constou prezava em extremo todos os
que dêste Continente lhe davam alguma noção; e êste foi o motivo
por que compilei, e ordenei tôdas as que se acham nas que lhe
escrevi. O tempo porém tais circunstâncias tem arrastado, que o
que ontem se estimava, hoje se abandona. Para dar alguma idéia
mais clara dos países em que nelas falo, juntei cartas, ou plantas
geográficas, e topográficas da maior parte dêles, bem como da ci-
dade, e tortalezas, de quase tôda a Capitania, e seu prospectos,
com os padrões dos Regimentos da guarnição da cidade, e uma
planta hidrográfica de tôda a baía, preferível a tôdas as que até
agora têm aparecido, copiadas da forma que a minha curiosidade

20 21
me ajudou, de uma não vulgar coleção, que para meu recreio con- da cidade, suas praças, e ruas principais, subidas, e comunicações
servo. Acharás talvez fastidiosa a explanação das notícias; a ma- da Cidade Baixa com a Alta; edifícios pertencentes à Real Fa-
téria porém carecia mais de verdade, que de ornato, a que acresce zenda; êrro dos antigos em fundarem naquele sítio a cidade, des-
o ser eu pouco verboso; mas o certo é, que nestas vinte cartas prezando outro muito melhor, e finalmente trato das fontes pú-
poderás ver, e saber o que não acharás nos historiadores, nem blicas, e desordens nelas perpetradas por falta de punição nos
poderás inquirir de muitos homens, ainda dos que tenham mais agressores .
razões de sabê-lo, do que eu.
O assunto pois de cada uma das Cartas é o que se segue. CARTA m

LIVRO 1* Na minha terceira Carta informo o nosso amigo da ordem


CARTA I política, e govêrno econômico desta cidade; começo pelo celeiro
público, e desordens que nêle há em prejuízo do povo; Irmandade
Na primeira das minhas Cartas comecei pela arribada de Pedro da Misericórdia, suas rendas, e menos acertada administração delas;
Álvares Cabral às costas do Brasil, e passei a falar do primeiro expostos que de ordinário entram na roda; mostro as desordens
descobridor da Bahia de Todos os Santos; logo em Diogo Álvares que causa a falta de uma praça de pescado; assim como a tortura
Corrêa, conhecido nos nossos historiadores pelo Caramuru, onde do povo pela desprezada administração das carnes abandonada a
junto algumas antigüidades inéditas; sigo com o primeiro dona- fulminas, e atravessadores disfarçados; ascendência que os soldados
tário da Capitania da Bahia, e o como por sua desastrada morte se têm impunemente arrogado sôbre o povo, de que podem seguir-
passou esta para a Coroa. Descrevo o seu gôlfo mediterrâneo, e se conseqüências funestas; indecentes negociações dos ricos, que
trato da vinda do primeiro Governador; mudança que fêz da ci- só devem ser da repartição dos pobres. Desordens do Rendeiro-
dade para sítio mais apropriado, recinto, e fortificação da mesma, -de-Ver, e abusos na administração do contrato do sal, e azeite.
âmbito com que se acha, bairros de que se compõe, e o que nêles Razão da multidão de mendigos, e suas qualidades. Detestáveis
há mais notável; tempérie do seu clima, freguesias da cidade, e batuques dos negros, tolerados pelas praças, e ruas da cidade;
têrmo, nobreza da cidade, limites da Capitania, comarcas de que errada polícia na falta de subordinação, e respeito de muitos es-
se compõe. Passo logo a descrever os seus habitantes segundo as
cravos: mostro os prejuízos que vêm ao Estado, tanto da intro-
classes de que se compõem; trato do comércio daquela praça, nú-
dução dos negros da África, como da depravada criação, que de
mero, e qualidade dos seus comerciantes, portos, e praças com
quem, e gêneros em que se comercia, a que junto um mapa de ordinário se dá aos mulatos, e crioulos nascidos no Brasil; faço
exportação, e importação. Continuo com reflexões cheias de no- igualmente ver o como por causa dos pretos, é que os brancos não
tícias interessantes; mostro os erros, e prejuízos provenientes da trabalham, e como por isso há tanta lassidão, e depravação de
fundação de muitos edifícios no cimo, e encosta da colina; e fi- costumes; não só nesta cidade, como em todo o Brasil; aplicações
nalmente dou notícia do Senado da Câmara, sua receita, e despesa, ordinárias dos brancos naturais. Lembro como por meio da
da menos acertada extorquissão da parte das suas rendas. execução das leis da polícia * se poderia povoar muito mais o Brasil,
sem a introdução de mais escravos. Ditames admissíveis para do-
CARTA II mesticar índios, e acrescentar vassalos à Coroa; erros sôbre isso
praticados, e dou fim a esta Carta com a lembrança da separação
Nada mais contém a segunda que a Filopono escrevi, do que das prostituídas públicas para evitar muitas desordens, e escân-
a continuação da primeira Carta, quanto à descrição topográfica dalos na cidade.

• Tomo 1. - E.C. • Política. - E.C.

22 23
está o respeitável Dique, que quase circulava a cidade, e das duas
CARTA IV dificílimas, e únicas entradas que êste deixava livres, pelo Norte
uma, e outra pelo Sul; além do que lhe dou uma suficiente no-
Noticiei a Filopono na quarta que lhe escrevi, o como por
tícia dos portos em que na ilha de Itaparica se podem fazer de-
falta de govêrno econômico, e político, há nesta cidade infinitas
sembarques; informando-o também da barra, e margens do rio
moléstias endêmicas, apesar da bondade do seu clima, e pureza dos
Peruaçu, * e fortificação que nêle há, e pode haver para segu-
seus ares, com quem pugnam a má posição, e desmazêlo nos ce-
rança do Recôncavo; e o mesmo fiz do presídio do Morro de S.
mitérios, introdução de milhares de negros empestados, ruim qua-
Paulo, juntando para clareza do conteúdo nesta carta as plantas
lidade de mantimentos; tratando ao mesmo tempo das desordens da maior parte das fortalezas tais, quais soube copiar.··
praticadas com as farinhas, e carnes; fraudes dos taberneiros, falta
de exação nas visitas das boticas, onde se vendem remédios corrup- CARTA VII
tos, bem como um pântano, que corre pelo meio da cidade; e fi-
nalmente a desordenada paixão sensual, e depravação de costumes. o assunto da minha sétima Carta foi a guarnição, não só da
cidade da Bahia, como de tôda a sua Capitania, tanto de tropas
CARTA V de linha, como de milícias, com declaração das paragens que os
seus diferentes corpos hão de defender, quando a necessidade o
Na quinta Carta que lhe escrevi o informei da economia rural
exigir; fundação da fortaleza do Morro de S. Paulo. Desordens
neste país fazendo como ver o que seja em rigor um engenho de
com o método de recrutar gente, tanto na cidade, como nos cam-
açúcar; as terras próprias para a plantação das canas, estações pró-
pos; má ordem no Hospital; prejuízos da Real Fazenda, por assen-
prias para .a sementeira, e colheita; modo de fazer o açúcar; ex-
tar-se praça a forasteiros; falta de economia militar; causa por que
pliquei-lhe os prejudiciais erros que há naquele grande laboratório,
a tropa comete muitas desordens opressivas ao povo.
escravos, e animais que para cada um se carecem, mecanismo, e
artefato da máquina de moer, e mais anexos a tôda a fábrica,
CARTA VIII
com curiosidades atendíveis. Ajustes com os lavradores, e como
por falta dêles, arruínam alguns senhores de engenho impunemen-
Na oitava Carta dou uma breve noção dos estudos da Bahia,
te aquêles miseráveis dentro em uma semana. Modo por que os
combinando o estado atual das Aulas com o que era antes, e
senhores de engenho se deverão econômicamente reger. Na mesma
depois ainda da extinção dos Jesuítas. Vexames dos Professôres;
lhe dou algumas insinuações da plantação, terras, tempos, e colheita
razões por que êstes não podem subsistir; lista de tôdas as cadeiras,
do tabaco, e o mesmo faço da mandioca, e anil.
e escolas que há na Capitania com os ordenados competentes; e
CARTA VI
nota das que prudente, e econômica mente poderão escusar-se, etc.

Amplamente informei a Filopono na minha sexta Carta da LIVRO 11


fortificação desta cidade, natureza do seu pôrto, marinhas, e cam- CARTA IX
panha; mal entendida permissão de arrancar os recifes pela costa,
prejuízos que daí provêm. Fortalezas que há pela marinha, des- Na Carta nona dei uma breve mas noticiosa informação do
vantagens de algumas tanto novas, como antigas; largura, e capa- Govêrno Civil da Bahia; criação, extinção, e restauração do Tri-
cidade da barra: arbítrio de fazê-Ia mais estreita, e defensível, e bunal da Relação; Ministros de que se compõe; criação de outros
de pôr ao mesmo tempo o seu incomparável pôrto inacessível, e
respeitável aos inimigos, fortificando como deve ser a sua extensa • Paraguaçu. -- E.C.
•• Estas plantas e prospectos que alguns têm dado por suas, são
marinha; daqui passo a notíciá-lo da fortificação antiga pela parte muito antigas, mas exatas.
da campanha, dando-lhe uma verdadeira noção do que foi, e hoje
25
24
Tribunais, e lugares subalternos que há na cidade, e Capitania, CARTA XIII
a que juntei em primeiro lugar o catálogo de todos os Regedores
de Justiça, Chanceleres, e Desembargadores que nela têm servido Na Carta décima terceira torno a falar dos cômodos que o
até o presente, e continuei com catálogos dos Ministros das Varas pélago da Bahia oferece para a Marinha; portos da costa do Brasil
subalternas; finalizando com a insignificante notícia de todos os com que assim para o Norte, como para o Sul há seu tal qual
ofícios de Justiça, que me constou haver em tôdas as vilas, e jul- comércio da Bahia, e finalmente descrevo superficialmente tôdas
gados da Capitania, como parte daquele todo. as vilas do Recôncavo, dando de cada uma as notícias que me
foi possível conseguir.
CARTA X
CARTAS XIV E xv
A Carta décima compreende em vinte e dois mapas quase
todos os empregos de Justiça, e Fazenda que há nesta cidade, com Descrevo suficientemente na décima quarta a comarca de
declaração dos ordenados, propinas, emolumentos, novos direitos, Ilhéus com notícia dos seus primeiros donatários, das suas po-
donativos, e têrças partes que cada um dos providos vence, e paga voações, rios, portos, e seus fundos, e navegações, matas, serras,
anualmente, levando cada mapa suas notas interessantes, além das e minerais; assim como na décima quinta dei iguais notícias da
reflexões atendíveis com que finaliza. comarca de Pôrto Seguro, indagadas umas, e outras com exação
não vulgar, e viva diligência, pelo que parecem !iignas de algum
CARTA XI apreço.

A décima primeira Carta contém Unicamente um curioso ca- LIVRO III


tálogo de todos os Governadores, vice-Reis, e Governos Gerais CARTA XVI
que têm havido na Bahia, com a notícia epilogada do que sucedeu
mais memorável no tempo do govêrno de cada um. N a Carta décima sexta expus tôdas as notícias que pude conse-
guir das três comarcas do Espírito Santo, J acobina, e Sergipe del Rei,
CARTA XII suas povoações, territórios, rios, serras, e minerais interessantes, e
não vulgares alguns dêles, quando dignos de atenção. Nesta Carta
Contém a décima segunda Carta uma recopilada noção do finalizei as notícias pertencentes à Capitania da Bahia; e para satis-
Govêrno Eclesiástico, tempo da criação do Bispado, e Arcebis- fazer as instâncias do nosso amigo, lhe escrevi mais as seguintes.
pado; Dignidades, Cônegos, Prebendados, e meios prebendados de
que se compõe o Cabido; mostro o tempo em que na Bahia se CARTA XVII
fundaram os mosteiros, conventos, e recolhimentos, e quem foram
os seus fundadores; Ordens Terceiras que há, e algumas Irman- A matéria da minha décima sétima Carta, é uma breve, e
dades, bem como a Relação Eclesiástica: juntei mais um catálogo quase informe descrição do famoso território do Rio Grande de
de todos os Bispos, e Arcebispos, e um curioso mapa de tôdas as S. Pedro do Sul, e ilha de Santa Catarina, seus comércios, produ-
freguesias do Arcebispado, seguido de outro não menos raro das ções, e fertilidade dos terrenos, falta de população, arbítrio de au-
aldeias de índios hoje vilas, e finalmente concluí com a despesa mentá-Ia, e fazer expectáveis aqueles países, além de muitas no-
que a Real Fazenda anualmente faz com a fôlha eclesiástica. tícias, e lembranças, que me persuado não serem desagradáveis.

26 27
CARTA XVIII lações com esta cidade; visto que nestas Cartas achariam, o que
será preciso trabalhar, inquirir, e despender como eu, para conse-
Contém a Carta décima oitava o descobrimento das Minas guir o que nelas comunico ao meu amigo. Se bem refletires, meu
Gerais pelos paulistas; primeiras mostras do ouro achado nelas; Patrífilo, acharás que a quase tôdas as classes de homens, podem
situação das suas principais povoações. Discórdia entre os pau- ser de proveito estas notícias, logo que hajam de ter qualquer de-
listas, e filhos de Portugal que delas expulsaram os descobridores; pendência, ou pretensão para esta cidade, ou para alguma das
notícia de alguns dos seus governadores. Altura em que se acham paragens do Brasil compreendidas nelas.
alguns dos lugares mais remarcáveis daquela Capitania, e final- Quisera dever-te o não te esqueceres nunca de interceder a
mente uma recopilada notícia dos lugares em que se têm desco- quem pode amparar
berto as minas de mais expectação no Brasil. * o teu amigo muito afetuoso

CARTA XIX Amador Veríssimo de Aleteya.

Noticiei na Carta décima nona ao meu amigo, da grande co-


marca do Ceará, que dividi em três distritos, que depois de haver
assinalado os limites gerais da com arca, descrevi cada um per si
com os seus rios, portos, povoações, terrenos, produções, comér-
cio, e serras, finalizando aquela Carta com uma ampla, e não
vulgar notícia das minas de Cariris Novos; tal, qual não dará a
maior parte dos que naquela comarca têm sido empregados no
real serviço.

CARTA xx

Concluí finalmente com a vigésima Carta, na qual dei algu-


mas notícias que recopilei das riquezas dos três reinos animal, ve-
getal, e mineral nesta região do Brasil, não com aquela plenitude
que nêles há, nem com a exação seguida por Lineu, e os da sua
escola, mas de forma que não confundirá muito a quem a ler, e
do pouco que digo, poderá bem inferir, não só o quanto traba-
lhei para dizê-lo, como o infinito que tem para dizer o que escrever
história, e não cartas como eu.
Não me permite a modéstia, e conhecimento próprio da minha
insuficiência o formar juízo algum sôbre esta minha coleção de
notícias porque serei talvez suspeito; porém digo que se estivera
na Europa prezaria muito o amigo que mas participasse, e creio
o fariam todos os que se achassem em empregos que tivessem corre-

• Esta notícia das minas mais expectáveis acha-se na Carta vigésima


como em lugar mais próprio.

28 29
Carta Primeira

em que se descreve geralmente a cidade da


Bahia situada na América Meridional

F ILOPONO, meu caro amigo.

Pretendes que te dê uma cabal noção da cidade do Salvador,


Bahia de Todos os Santos; eu porém com aquela ingenuidade, que
sempre em mim achaste, te confesso me não considero com capa-
cidade para poder fazê-Io, por falta Ele todos os meios para bem
cumprir com o teu desejo; como porém o êxito é só obedecer-te,
farei o que puder, e para que com algum método possa melhor
satisfazer a tua curiosidade, darei princípio pela antigüidade, si-
tuação, e edifícios mais nobres desta cidade; passando a descrever
o caráter dos seus habitantes, segundo algumas classes, de que
se compõe uma povoação tão numerosa.
Sei muito bem, que as minhas cartas não serão vistas mais
que por ti; motivo por que acharás nelas algumas reflexões per-
mitidas só entre amigos, e por isso não tomo a salvaguarda de
incumbir-te do segrêdo.

35
\
* ANTECEDENTES HISTÓRICOS escritores têm mais razão de saber a verdade, mas refletindo tam-
bém nas diferentes épocas, que uns, e outros dão a esta descoberta,
Só aquêles portuguêses, que não souberem ler, ou os que me parece mais verossímil ter ela sido feita no ano de 1500, apesar
sabendo nada se entregam à lição da história da sua nação, a que da proximidade da primeira arribada de Pedro Álvares Cabral a
deveram ter-se aplicado fervorosamente, depois dos primeiros co- Pôrto Seguro, do que 26 anos depois, logo que a baía dista cin-
nhecimentos da Santa Religião, é que poderão ignorar, que saindo qüenta léguas com pouca diferença ao Norte de Pôrto Seguro, visto
Pedro Álvares Cabral do pôrto de Lisboa para a Índia com uma que por ela, ou à vista da sua entrada é muito factível passassem
esquadra de treze velas no ano de 1500, tanto foi o que se amarou, os navios vindos de Portugal, a demandar aquêle primeiro pôrto
e tão diversos rumos seguiu, impelido pelos ventos, e correntezas; descoberto, e que a curiosidade os convidasse a entrar por aquêle
ou de próprio arbítrio, para com mais facilidade poder montar o gôlfo mediterrâneo. quando não tinham que recear dos habitantes
Cabo Tormentoso, ou da Boa Esperança, que havendo passado as de uma, e outra margem, logo que êles não quisessem aportar à
ilhas de Cabo Verde, foi tanto o que decaiu, que em 24 de abril terra, e muito mais os provocaria a glória de descobridores, e a
avistou pelo Oeste uma costa desconhecida, e navegando até aos esperança dos prêmios.
15 graus de latitude austral, e aproximando-se à terra, achou um
É bem sabido o sucesso de Diogo Álvares Corrêa, conhecido
suficiente pôrto; na indagação do qual destacou embarcações de
pelo nome de Caramuru que os gentios lhe puseram, depois que
remo, com gente experimentada; e como na volta daquela dili-
as ondas o lançaram nas praias do Rio Vermelho, distante uma
gência, antes de abordar a nau lhe fizessem de dentro dela êste
légua ao Norte da barra da baía. ~ste, e sua mulher Caterina Álvares,
quesito: Temos pôrto? E a resposta fôsse; E Seguro: daqui se for-
são os troncos da família dos senhores da Tôrre de Garcia d'Avíla,
mou o nome Pôrto Seguro, pelo qual é até hoje conhecido, não
bem como foi êle o que deu princípio à povoação primeira da
só aquêle pôrto, como tôda a com arca, onde êle existe.
Bahia, tendo o seu domicílio em Vila Velha, que depois se cha-
Com esta notícia enviou Pedro Álvares Cabral uma das em-
barcações do seu comando, dar parte ao Sr. Rei D. Manuel, e mou, a Povoação do Pereira, da qual se não acham vestígios, apesar
depois das cerimônias, e indagações, que podes ver nos nossos es- das diligências, que os donos de muitas roças, de que está cheio
critores, e não relato; porque escrevo cartas, e não história, se fêz todo aquêle terreno, têm feito pelos descobrir, e o que ali se acha
à vela para onde ia destinado. de maior antigüidade, é a sepultura de Caterina Álvares no mos-
Com a notícia do que Pedro Álvares participava, ficou El-Rei teiro de N. Senhora da Graça de religiosos beneditinos, e a igreja
solícito, e por êsse motivo com séria reflexão, e maduro conselho da freguesia de N. Senhora da Vitória, onde vi as inscrições se-
mandou examinar aquêle descobrimento. guintes, que escrevo, como monumentos da antigüidade, que ali
Foi um dos primeiros exploradores, segundo a opinião mais descobri.
seguida dos nossos historiadores, Cristóvão J acques, que no ano Ao entrar pela porta principal da igreja de N. S. da Vitória
de 1526 descobrira a baía de Todos os Santos, e tendo-a penetrado, está a pedra de uma sepultura, em que se lê.
entrara pela barra do rio Peruaçu, que nela deságua, e achando
aí fundeados dois navios franceses, os metera a pique em paga da Aqui jaz Afonso Rodrigues natural de 6bidos, o primeiro
arrogância com que se portaram. Na geografia porém de Marti- homem que casou nesta terra; faleceu na era de 1561.
neau, Cheveni, e de algum outro autor nosso, mais moderno, leio
que quem a descobrira fôra um Manuel Pinheiro, que ali dera à No meio da capela-mor se lê em uma sepultura a seguinte
costa em dia de Todos os Santos do ano de 1500, e que por isso inscrição.
lhe dera o nome de baía de Todos os Santos, e que por se haver
Sepultura do Capitão Francisco de Barros fundador desta
ali salvado do perigo do naufrágio, pusera o nome de Cidade do capela, e igreja, e de seus herdeiros; faleceu a 19 de novembro
Salvador à povoação que ali fizera; bem certo é que os nossos de 1625.

36 37
No frontispício da mesma igreja, sôbre a porta se lê com 1799 se extraiu a requerimento do Secretário do Estado, seu des-
dificuldade cendente, de um dos livros antigos de óbitos, recolhidos à Secre-
taria Eclesiástica dêste Arcebispado, que Diogo Álvares Caramuru
Esta igreja principiou Joana Corrê a de Brito, e Manuel de fôra sepultado na igreja do Colégio, que foi dos Jesuítas em 5 de
Figueiredo Gramaz, seu sobrinho, e herdeiro Cavaleiro do Há-
bito de S. Bento, Capitão-de-Mar-e-Guerra do galeão N. Se- abril de 1557.
nhora do Pâpulo, continuou, e acabou em 10 de ju ... de 1666. Eis aqui, meu Filopono, o que tenho podido colhêr a respeito
do Caramuru, além do que os nossos escritores têm publicado dêle.
Como eu, meu Filopono, me não considero ligado à exação, Informado o Sr. Rei D. Manuel, e seus sucessores da vas-
e autenticidade de historiador, posso livremente participar-te a tra-
tidão do continente, que Pedro Álvares Cabral descobrira, e cer-
dição que há, de que Diogo Álvares Caramuru, fizera de taipa, e
tificado das beIíssimas terras; infinitas, e espêssas matas que as
terra calcada a pilão, uma espécie de fortaleza junto onde hoje
cobriam; caudalosíssimos rios, que as cortavam; diversas nações
está o convento da Graça; bem como que em Vila Velha houvera
bravas, que as habitavam; e isto pelos exploradores que haviam
. uma semelhante fortaleza; o certo porém é que de nenhuma se
destacado, assentaram em povoá-Ias: mas como então estavam as
descobrem indícios, foi sem dúvida a sua sorte igual à da fortaleza
atenções empregadas tôdas na conquista das lndias Orientais, como
da Laje, que hoje se ignora onde fôsse, quando em um Livro de
manancial certo das incomputáveis riquezas, de que freqüente-
Registro antigo, que se acha na Secretaria daquela cidade, se acha
mente chegavam carregadas as suas esquadras; não julgavam acêr-
que se pagava a um comandante daquele forte.
to o dividir fôrças, em procura de um lucro aparente, largando
Em um outro livro antigo da Provedoria naquela cidade antes
do estabelecimento, ou criação da Junta da Arrecadação da Real uma conveniência certa, e realizada todos os dias: mas ponde-
Fazenda, se lê que se pagava sôldo ao bombardeiro da Povoação rando, ao mesmo tempo, que seria uma notável fálta de política
do Pereira, e ao Comandante do baluarte S. Tomé, que hoje se o deixar ao desamparo uma conquista, que tentaria ao menos am-
não sabe onde foram, se lhes pagava também sôldo no ano de bicioso de dominar, e atrairia a vontade à maior parte das nações
1553. No mesmo livro, e no mesmo ano, se vê lançado em despesa européias, que, encantoadas nos seus países, desejariam à imitação
ao Tesoureiro mil e setecentos réis, que pagou por dezessete al- dos portuguêses, e espanhóis, ter por onde alargar os seus domínios,
queires de farinha da terra, feita entre os brancos, e isto por en- apesar da violação da justiça, e eqüidade, como depois tentaram
comenda que Sua Alteza fizera a Diogo Álvares Caramuru, assis- por vêzes repetidas; assentaram por bem acertada política o pre-
tente na Povoação do Pereira, têrmo desta cidade; fica já dito que miar os serviços relevantes feitos em África, Europa, e Ásia por
era Vila Velha. vassalos beneméritos, ricos, e ilustres, com grandes porções de
Aparece mais uma carta do Sr. Rei D. João lU escrita no terrenos na América; com a obrigação de as conquistarem do poder
ano de 1548 a Diogo Álvares Caramuru, em que lhe diz manda do gentio, e povoarem à sua custa.
a Tomé de Souza para erigir uma cidade nova em sítio melhor, e Dos cavaleiros assim premiados, foi um Francisco Pereira Cou-
mais apropriado, do que o em que se acha assentada Vila Velha tinho, que tendo vindo da lndia rico de merecimentos, e cabedais
da Vitória, e que queria que por si e seus parentes o ajudassem no ano de 1525; o Sr. Rei D. João Hl premiou, fazendo-o senhor e
em tudo o que lhes fôsse possível, e que em nada se opusesse, do donatário do terreno que corre pela costa da barra do rio de S.
que havia determinado ao dito Tomé de Souza. Francisco, até a Ponta do Padrão, hoje de Santo Antônio da Barra
Contra a opinião dos que têm escrito, que Diogo Álvares Ca- da Bahia; o qual logo que lhe foi conferida aquela mercê da Ca-
ramuru fôra sepultado no mosteiro de N. S. da Graça da Bahia pitania, aprestou uma frota, em que acompanhado de muita gente
com sua mulher Caterina Álvares, que ali se acha verdadeiramente para habitar, e defender, tanto nobre, como plebéia, a conquistou,
sepultada na capela-mo r, segundo se lê na inscrição da sua se- sujeitando os gentios de nação tupinambás, que então a possuíam;
pultura; sei pelo ver em uma certidão, que em dias de maio de e tendo-a gozado por alguns anos com prosperidade, percebia já

38 39
considerável lucro de alguns engenhos de açúcar, que se haviam Posso livremente certificar-te, meu Filopono, que a baía ter-
levantado, bem como de outros mais gêneros de agricultura. mina pelo Norte com a ponta de Santo Antônio, e com a ponta do
Pouco tempo duraram estas felicidades a Francisco Pereira Garcez pelo lado do Sul; uma, e outra no continente. Contam-se
Coutinho; porque rebelando-se de nôvo os índios, que havia sub- pelas suas margens muitas povoações, assim como nela desaguam
jugado, o constrangeram a sair da Bahia, e refugiar-se na Capitania muitos rios; sendo os de mais ponderação por navegáveis, seis, ou
de Ilhéus, donde voltando depois, chamado .pelos arrependidos oito, além de diferentes braços de mar com bons portos, por onde
rebelados, naufragou nas costas da ilha de .Itaparica, e aí foi trilham inumeráveis embarcações que conduzem os gêneros, que
sepultado, com todos que o acompanhavam nos ventres dos gentios hoje formam a alma do comércio da Bahia. É um dos rios pon-
que então habitavam aquela ilha, antropófagos, como quase todos deráveis o de Jaguaripe, que faz barra com a ponta do Garcez,
os naturais do Brasil; o que tudo escreve difusamente a maior parte e a ponta do Sul da ilha de Itaparica; é a barra dêste rio peri-
dos nossos historiadores. gosíssima, por não ter mais de oito até dez palmos de fundo,
e todos os anos variável, segundo a maior, ou menor correnteza
É muito de supor que Francisco Pereira Coutinho havia adian-
das águas, e por isso conhecida pelo cemitério de muitas embar-
tado pouco a conquista do terreno de que fôra donatário; logo
cações, que das comarcas, e vilas do Sul, transportam para a ci-
que tomando EI-Rei posse dêle por sua morte, nos consta, que
dade os diferentes gêneros, e mantimentos, que nelas se produzem.
por conta da Coroa fôra o Ouvidor Geral, que então era, em-
Tem a barra Jaguaripe, conhecida por alguns, com menos certeza,
pregado na conquista da Capitania de Sergipe del Rei, compreen-
por Barra Falsa, a largura de um quarto de légua com pouca di-
dida no terreno daquele donatário.
ferença, e entra-se nela por dois canais chamados, um o de Oeste,
e outro o de Sul. Corre o rio no rumo de Oeste, com suas voltas,
e desaguam nêle os rios da Estiva de Santo Antônio da Aldeia, e
* TOPOGRAFIA DA BAÍA
o da Tijuca. Cinco léguas e meia acima da sua foz, fica a povoa-
ção de Nazaré, e só até aí é navegável de barcos; e légua e meia
Informado pois o Sr. Rei D. João 111 da Capitania da Bahia,
distante da mesma foz, fica situada na sua margem meridional a
a revocou a si; e no ano de 1549 enviou ao Brasil em uma frota
vila de N. Senhora da Ajuda de Jaguaripe, e tanto as margens
de seis navios bem equipados a Tomé de Souza, cavaleiro ilustre
dêste rio, como as dos que nêle entram, estão muito povoadas de
por nascimento, e serviços, condecorado com o título de Capitão-
fazendas, e fábricas de louça, alambiques, farinhas, e extração; no
Mor Governador, encarregado, não só de estabelecer uma nova
que tudo se faz um continuado comércio.
administração, para a qual lhe foi dado o plano; como de fundar
um cidade na baía de Todos os Santos. Da ponta do Garcez à ponta do Norte da ilha de Itaparica,
Fica esta na altura de treze graus de latitude para o Sul, e 345, conhecida pelo Pontal, se contam cinco léguas e meia; pela parte
e 36 minutos de longitude pelo meridiano da ilha do Ferro; a sua de Oeste fica a terra firme coberta com as ilhas de Pirajuía, de
barra é espaçosa, e admirável com duas léguas e meia para três que algumas se alagam com a preamar, e outras são tão rasas, e
de bôca, em forma que por ela pode entrar uma armada empa- tão estéril o seu torrão, que pouco, ou nada produzem, e quase
relhada, suposto que sempre deve haver cautela com a ponta do tôdas cobertas de mangues; pelo que abundantíssimas de mariscos.
baixo de Santo Antônio. De Jacurana até a ponta da barra, pelo sul do rio Peruaçu, a que
Tem o seu pôrto notáveis vantagens; pois que formando-se a muitos chamam Paraguaçu, se acham muitas fábricas de fazer
sua enseada desde Santo Antônio da Barra até a praia de Ita- amarras, e mais cordagens de piaçaba, olarias, fornos de cal, alam-
pagipe, fica um gôlfo dos melhores, que pode apetecer-se, capaz de biques de destilar aguardente. Está a ilha de Itaparica povoada
muitas esquadras, e limpo de ilhas, quando tem muitas no seu de muitas fazendas, e lavouras; e contém em si duas freguesias;
recôncavo; e de tal forma dispostas pela Natureza, que formam em fica a costa oriental desta ilha fronteira à cidade, e com a oci-
partes um labirinto curioso, e deleitável. dental cobre a terra firme da Pirajuía, e suas ilhas.

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No pontal da ilha de Itaparica está o Forte de S. Lourenço muitos açúcares dos engenhos vizinhos, algum tabaco, inúmeráveis
com a figura de um ornaveque com treze peças de artilharia grossa; alambiques, e muitos mineiros, que ali vão aportar.
o que melhor verás na planta daquela fortaleza. Continuando pois pelas margens da baía, se encontra ao Norte
O rio Peruaçu faz barra na baía e deságua olhando ao Norte dela a vila de S. Francisco, que apesar de concorrerem a ela bas-
dela. ~ êste rio navegável até a vila da Cachoeira, que fica tantes açúcares, sempre é fraco o seu comércio, e ela reputada
sete léguas acima da sua foz: demora a Noroeste dela, e segue entre as mais pela vila de menos tráfico. Segue-se o rio Guaíba
com muitas voltas, finalizando ao Norte. Desaguam nêle outros navegável por pouco mais de uma légua, e a êste rio o Parana-
pequenos rios, e alguns braços navegáveis, como a barra do Ca- mirim, com iguais circunstâncias; um, e outro são braços de mar,
valcante, Iguape, e Capanema; na sua margem da parte de Este e as suas vertentes persistem somente pelo inverno, porque no
fica situada a vila de N. Senhora do Rosário da Cachoeira, e na verão secam inteiramente. Voltando pois o continente pelo bo-
margem oposta do rio, que naquela paragem tem um quarto de queirão até o rio Pitinga, que fica ao Norte da baía, tem a sua
légua de largura, fica o arraial, ou povoação de S. Félix; e dis- foz olhando quase para o Sul; é navegável por pouco menos de
tante dêste uma légua por terra dentro, fica o arraial da Muritiba duas léguas. Tôdas as margens desta grande baía, desde a ponta
com capacidade, qualquer das duas, para serem vilas, atenta a do Norte da foz do rio Peruaçu até o rio Pitinga, à exceção da
sua população, tráfico, e edifícios. Três léguas acima da barra do costa da Saubara, estão povoadas de muitas, e grandes fábricas de
Peruaçu pela parte de Oeste fica situada a vila de S. Bartolomeu engenhos, alambiques, curtumes, fornos de cal, e grandes fazendas,
de Maragogipe. com magníficas propriedades de casas da assistência dos senhores
de engenho, por onde gira contínuo, e considerável-comércio. Cor-
Pela extensão das margens dêste rio se vêem diferentes fá-
bricas, como engenhos, alambiques, curtumes, e outras grandes rendo pois a costa para diante do Pitinga, está o rio Matoím, que
fazendas. ~ êste rio de muito comércio, e a vila da Cachoeira se faz barra para Oeste, e é navegável por duas léguas; e por todo o
terreno intermédio há muitas das preditas fábricas. Segue-se a
faz recomendável, e opulenta por ser caixa de todo o tabaco, que
se fabrica no seu continente, donde se conduz para a cidade; e êste o rio Pirajá, navegável por menos de uma légua. De Pirajá,
a ela, e a Muritiba, vão aportar todos os que descem de Minas, segue o terreno que vai até a ponta de Santo Antônio da Barra,
e sertões. na qual finaliza a colina, sôbre que está fundada a cidade do
Salvador Bahia de Todos os Santos, que passo a descrever-te.
A vila de Maragogipe comercia em farinhas, que conduzem
Na planta hidrográfica, que junta te envio, em a qual se
para a cidade da Bahia, sendo o seu continente, e margens do rio,
vêem distintamente as ondas, ilhas, baixos, portos, canais, rios, e
de grande conseqüência, e de junto delas se elevam grandes mon-
tudo o mais, que até agora se tem notado, poderás vir melhor no
tes, e eminências tais, que a comunicação da marinha para o con-
conhecimento, e formar idéia do que tenho exposto.
tinente é por avenidas, e desfiladeiros. Da ponta do Norte na
Logo que Tomé de Souza desembarcou em Vila Velha, tomou
foz do rio Peruaçu, corre a costa da Saubara pela parte da Aratela
posse da capitania-mor dela, e poucos dias depois, que descansou
até o rio Arariba, chamado hoje Acupe, que traz a sua origem de
das fadigas da viagem; pôs em ordem a gente de guerra que trou-
cima da Cachoeira junto ao Seminário de Belém; a êste se segue
xera, e marchou para o sítio, em que hoje está a cidade, o qual
o rio Patatiba, um, e outro pouco navegáveis; segue-se a êstes o
escolheu em razão das preferências do pôrto, e abundância d'águas,
rio de Sergipe do Conde, conhecido hoje pelo rio de Santo Amaro, e nêle fundou a cidade de cujo govêrno tomou posse em virtude
em que desaguam os rios Pitinga, e Piripoara: é o rio de Sergipe
das ordens, que recebera do Sr. Rei D. João IH.·
do Conde navegável pela distância de quase quatro léguas, além
Estava pois a povoação de Vila Velha pouco menos de um
da vila de Santo Amaro da Purificação.
quarto de légua ao Sul da cidade, a que os nossos historiadores
Fica esta situada na sua margem esquerda para os que sobem
por êle , Há nesta vila bastante comércio, pela concorrência de .• Tôda esta parte sôbre a fundação da cidade é fantasiosa - E. C.

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dizem, que Tomé de Sousa pusera o nome de cidade do Salvador.
A primeira fortificação com que a muniu. foi um muro de taipa,
que correu, começando nas portas de S. Bento, e rodeando tôda a
coroa da colina, acabou nas Portas do Carmo, munindo o lado da
marinha, com as débeis fortificações, que o tempo lhe permitia.
Naquele tempo era aquela débil muralha de terra, suficiente obs-
táculo para as freqüentes irrupções dos bárbaros selvagens, igno-
rantes inteiramente dos estratagemas da guerra.
Como porém os europeus de diversas nações se fizessem for-
midáveis com as suas piratarias por êstes mares, e costas; se foi
fortificando a marinha, de forma que pudesse resistir a qualquer
invasão, que intentassem fazer.

* A CIDADE DO SALVADOR

POUCOmenos de meia légua para dentro da barra, e pelo


pé da montanha, que acompanha a marinha, correndo de Nordeste
a Sul-Sudoeste, fica a cidade do Salvador, começando na praia no
sítio da Preguiça até a Jiquitaia, com uma rua tortuosa, mas con-
tinuada com propriedades de casas de três, e quatro andares, e
outros grandes edifícios, tendo de oito para nove mil pés portu-
guêses de comprido; e a esta povoação, que por tôda a sua exten-
são, deita diversos becos, que vão morrer na marinha, chamam a
Praia, ou Cidade Baixa. Por sete calçadas, que sobem pela co-
lina procurando a campanha para a parte do Nascente, se comu-
nica esta com a Cidade Alta, que na mesma direção da montanha
corre com uma semelhante rua, com tortuosidades não pequenas,
desde o Forte de S. Pedro, até o convento da Soledade, com meia
légua de comprido com pouca diferença. Na sua maior largura
procurando a campanha ao Nascente, poderá ter a cidade quatro-
centas para quinhentas braças; bem entendido, que diferentes ruas
acompanham aquela principal com direções diversas; os seus gran-
des edifícios, templos, e casas nobres, são de ordinário pelo gôsto,
e risco antigos, em que se notam algumas, irregularidades, à exce-
ção de poucos mais modernos.
Há nela muitos edifícios nobres, grandes conventos, e templos
ricos, e asseados. Tem igualmente três praças, que são. A Nova
da Piedade, onde de ordinário vão trabalhar em exercícios os re-
gimentos da sua guarnição; desembocam nela sete ruas, e poderá

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dizem para o futuro vir a ficar mais regular, quando se forem levantando
A pri rlguns edifícios, que ornem o seu prospecto.
que c A Praça de Palácio, é um quadrado, a que um autor patrício
coroa dá 26244 pés quadrados; e é ornada pelo lado do Sul com .o Palá-
rnarii cio da residência dos Governadores; no oposto fica a Casa da
Naqli Moeda, e duas propriedades de particulares. Ao Nascente fica a
tácul grande Casa da Câmara, e Cadeias, e no lado oposto estão os Pa-
rante ços de Relação, o Corpo da Guarda principal, e duas insignifican-
tes propriedades. Seis ruas vêm sair a esta praça pelas quais se
mid comunica a tôda a cidade.
forti ~ a terceira praça o Terreiro de Jesus; forma esta um retân-
inva gulo a quem o mesmo autor dá 79 800 pés quadrados, e orna o
seu lado ocidental o famoso templo, e parte do Colégio, que foi
dos Jesuítas. destinado hoje, depois de arruinadíssimo para Hospi-
tal Militar; e fronteira fica a igreja dos Terceiros de São Domin-
gos, com sua casa de consistório nobre, e de gôsto moderno; e
outra grande propriedade ao lado da igreja. Pela parte do Norte
pé fica o templo da Irmandade dos Clérigos de São Pedro, ainda por
a acabar; e tudo o mais naquele lado são casas p~quenas, antigas,
síti e irregulares; a face oposta é mais regular, e tem melhores edifí-
tio cios: comunica-se esta praça com os bairros da cidade tôda, por
ou sete ruas, que nela vão sair.
gu Não é só no corpo da cidade, em que consiste a grandeza
sã dela, mas em seis bairros, que a circulam; e são o bairro de São
Bento, o maior entre todos, e o mais aprazível; todo êle fica ao
Sul sôbre uma planície, com ruas espaçosas, asseados templos, e
algumas propriedades nobres.
O bairro da Praia, opulento pela assistência, que nêle fazem
os comerciantes da praça; fica êste ao Poente da cidade, ao correr
da marinha, com não menores templos, fortalezas, e melhores edi-
fícios. O de Santo Antônio além do Carmo, pelo Norte da cidade,
eminente à marinha, com edifícios de menos. suposição em núme-
ro, e qualidade.
Os bairros da Palma, Destêrro, e Saúde, que ficam pela parte
do Nascente, não são menos aprazíveis, pela amenidade das suas
situações; todos êles com ares livres, e desembaraçados.
Esquecia-me dizer-te, meu Filopono, que o clima desta cidade,
e seus contornos, é benévolo; os ares são puros; os astros claros;
as fontes, que fecundam o país, bastante cristalinas, se bem que as
águas andam bastantemente baixas, por serem as terras em extre-

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mo rôtas; os prados são amenos, e as árvores muito frondosas em I capela de S. Miguel, e a igreja dos Terceiros de S. Domingos,
tôdas as estações do ano, por serem estas temperadas; e em algu- uleitos ao ordinário, bem como a capela de N. Senhora da Gua-
mas observações que se têm feito se achou, que pelo verão nunca dnlupc, que é dos pardos, e a igreja do Colégio, que foi dos Je-
o calor excedeu de 80 graus, com diferença de alguns minutos; Nllilns, que hoje se não deve contar como convento, e na qual vai
nem o frio pelo inverno passou de 60 até 56 graus. o Cabido fazer algumas funções do culto divino, quando na Sé
hli algum inconveniente. Tem mais o grande convento dos Fran-
ciscunos, com a magnífica capela da sua Ordem Terceira, e a Mi-
* PARÓQUIAS sericórdia com o seu Recolhimento.
A freguesia de N. Senhora da Conceição da Praia, tem por
Há na cidade sete paróquias, de que a maior parte são em filiais a igreja do Corpo Santo, e a capela do Morgado de Santa
extremo asseadas, para o que concorre muito a emulação dos pa- Bárbara, com insignificante Hospício de S. Filipe Néri no sítio da
roquianos, que de ordinário não querem ficar nas suas funções Preguiça.
inferiores aos seus vizinhos: começando pois pelo Sul, é a primei- A freguesia de Santa Ana do Sacramento tem por filiais as
ra, e mais antiga, por ter sido ereta pelos primeiros povoadores capelas de Santo Antônio da Mouraria do 2.° Regimento de Linha
da Bahia, a Matriz de N. Senhora da Vitória, que eu creio será desta praça; a de N. Senhora do Rosário do 1.0 Regimento; a de
também uma das primeiras de todo o Brasil, apesar das inscrições N. Senhora da Nazaré, e a de N. Senhora da Saúde; bem como
lapidares, de que já falei; está ela fundada no cimo da montanha, o grande convento de religiosas de Santa Clara do Destêrro, e o
na enseada que vem fazendo a ponta da barra para dentro da baía. Hospício de N. Senhora da Palma de religiosos de Santo Agosti-
Há nesta freguesia quatro igrejas filiais, e são a capela de Santo nho da terceira ordem. •
Antônio da Barra; S. Gonçalo, S. Lázaro, e a da Madre-de-Deus, A freguesia de N. Senhora do Pilar na Praia, tem por filiais
além do Convento de N. Senhora da Graça de religiosos bene- as capelas da Santíssima Trindade no Rosário, a de S. Francisco
ditinos, e o de N. Senhora das Mercês de religiosas Ursulinas, que de Paula, e o Hospício do Pilar de religiosos do Carrno, que podia
por pequeno mais pode passar por prisão de mulheres, do que bem escusar-se naquele sítio.
por convento de freiras. A freguesia de S. Pedro Velho, tem duas A freguesia de N. Senhora do Rosário do Sacramento, tem
igrejas filiais, a de N. Senhora da Barroquinha, e a de N. Senhora lima igreja única filial, e é a de N. Senhora do Rosário dos Pretos
do Rosário dos Pretos na rua de João Pereira, * bem como o mos- na Baixa dos Sapateiros, * e o convento de N. Senhora do Monte
teiro de S. Bento, o de Santa Teresa de Carmelitas Descalços, o do Carmo.
de N. Senhora da Piedade de Capuchos italianos, que não deve- A freguesia de Santo Antônio além do Carmo, tem por filiais
ram passar para aqui, enquanto não estivessem bem instruídos na as capelas de N. Senhora da Conceição dos Pardos, a de S. José
nossa língua, por evitarem inumeráveis cacofonias, que motivam dos Agonizantes, a de N. Senhora da Lapa, e o convento de N.
riso ao povo ignorante, e semibárbaro, que vai ouvir as suas mis- Senhora da Soledade de religiosas Ursulinas, bem como o Reco-
sões, quando aliás são homens dotados de virtudes, e ciência; tem lhimento das Beatas do Senhor Jesus dos Perdões.
mais o convento de religiosas de N. Senhora da Conceição da Lapa, Bem pudera eu, meu amigo, dar-te aqui uma verdadeira no-
o Hospício dos Leigos da Terra Santa, e o Recolhimento de S. Rai- ção das fortalezas, que defendem esta praça, como parte essencial
mundo, onde os exmos. Governadores mandam recolher algumas da cidade, que descrevo; como porém formo tenção de dar-te uma
mulheres, que pela sua má conduta o merecem, e algumas outras. plena informação, tanto da sua guarnição, como da sua fortifica-
O curato da Sé Catedral, tem três filiais, e são a igreja de N.
Senhora da Ajuda, primeira Catedral antes da construção da Sé; • . .. na Ladeira do Pelourinho. Como se pode ver no Santuário
Marta no, 1722, eram inúmeras as igrejas e capelas dedica das à Senho-
• Mais tarde chamada Rosário, logo adiante do Largo da Pieda- rn. (10 RORI\l'10 na Oidade do Salvador, devoção ora de brancos, ora
de. - E.C. cio lll'm'OS - ou de ambos os grupos. - E. C.

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ção em cartas separadas; êste o motivo por que agora me poupo
a êsse trabalho; e passo a dar-te conta das mais freguesias que margens assistem diversos moradores em pequenas povoações; vi-
vendo todos das suas lavouras, e todos muito pobres; tem a sua
há no têrmo desta cidade, segundo as notícias que tenho podido
conseguir. nascença junto ao Outeiro Redondo, na borda da mata, têrmo da
vila de S. João de Água Fria.
A freguesia de N. Senhora das Brotas, divide com a freguesia
Algumas léguas diante deságua na costa o rio Sabaúma, que
de S. Pedro Velho, e com a de Santa Ana pela parte do Sul, no
tem a sua origem no têrmo da mesma vila. A sua barra dá entrada
Dique que por ali circula a cidade; e pela parte do Norte divide
por maior distância para o continente a lanchas, que vão carregar
com a freguesia de Santo Antônio do Carmo; pelo Leste com a
de farinhas, e outros mantimentos, em que os moradores das suas
de Santo Amaro da Ipitanga, e por ali corre pela costa ocupando
margens comerciam. Antes de chegar à barra dêste rio, está uma
de Norte a Sul mais de quatro léguas, e duas e meia de Leste a
missão dos padres de Santa Teresa, e dentro mais das terras, fica
Oeste. Tem três filiais, quais são as capelas de N. Senhora da Luz,
uma capela de Santo Antônio de Capoame. Neste rio divide por
de N. Senhora da Boa Vista, e Santo Antônio.
aqui o têrmo da cidade da Bahia com aquêle da vila de N. Se-
Os rios que por ela passam são Camurijipe, que na costa vai nhora da Abadia.
fazer barra com o rio Vermelho; o rio de Santo Antônio das Pe-
A freguesia de N. Senhora da Penha de Itapagipe, divide pelo
dras, que igualmente deságua na costa, bem como o rio J aguaripe,
Sul com a de Santo Antônio além do Carmo; pelo Este com a
e distam uns de outros uma légua com pouca diferença; nenhum
porém é navegável. de N. Senhora das Brotas; e pelo Norte com a de S. Bartolomeu
de Pirajá. Tem por filiais a igreja do Senhor do Bonfim, hoje de
A freguesia de Santo Amaro de Ipitanga divide pelo Sul com muita devoção; a capela de N. Senhora dos Mares, a de S. Cae-
aquela das Brotas; pelo Norte com o rio Sabaúma, que separa tano, e a de N. Senhora da Conceição, além dos conventos de N.
o têrmo da cidade com o rio Real, têrmo da vila de N. Senhora Senhora da Boa Viagem, de Franciscanos, povoado sempre por
da Abadia, e ocupa de Norte a Sul vinte e uma léguas; passam um, ou dois religiosos, e algum negro; o de N. Senhora do Monser-
por ela o rio de Joanes, que dista uma légua da Matriz, e faz rate na ponta que dêle toma o nome, é de beneditinos, habitado
barra na costa do mar largo, admitindo por pouca distância a sempre por um único religioso, e um negro.
simples navegação de canoas, e jangadas, e tem o seu nascimento
A freguesia de S. Bartolomeu de Pirajá, divide pela parte do
no têrmo da vila de S. Francisco. Segue-se diante o hospício dos
Sul com a de N. Senhora da Penha, e pelo Norte com a de N.
padres, que foram da Companhia, a que chamam Aldeia do Espí-
Senhora do Ó; tem três capelas filiais, e terá légua e meia de ex-
rito Santo. O rio Jacuípe dista cinco léguas daquele de Joanes; é
tensão. A de N. Senhora do Ó de Paripe, divide pelo Sul com
igualmente de pouca navegação para as mesmas embarcações; faz
a precedente, e pelo Norte com a de S. Miguel de Cotegipe, ocupa
barra na costa, e traz a sua origem do têrmo da vila de Santo
três léguas de distância de Norte a Sul; tem suas capelas filiais,
Amaro da Purificação. Três léguas para o Norte faz barra o rio
uma delas é a de São Tomé.
Pojuca, com igual navegação de canoas, e pequenos saveiros, e
duas léguas antes de chegar a êle fica a capela de São Bento em A freguesia de S. Miguel de Cotegipe, divide pelo Sul com
uma aldeia chamada Monte Gordo, quando junto à sua barra fica a de N. Senhora do Ó de Paripe; pelo Norte com a de N. Senhora
da Piedade de Matoím; ocupa de Norte a Sul duas léguas de dis-
a Casa da Tôrre de Garcia d'Avila, com a capela de N. Senhora
tância, e tem por filiais as capelas dos diferentes engenhos, que
da Conceição, e pequena povoação; e aí se vê ainda uma insigni-
nela se compreendem.
ficante plataforma de trincheira de terra, com algumas peças de
ferro, carcomidas, a qual flanqueia o mar; traz o rio Pojuca a sua A freguesia de N. Senhora da Piedade de Matoim, divide pelo
origem do têrmo da vila da Cachoeira. Sul com a precedente, e pelo Norte com a de N. Senhora da En-
curnação de Pacé, quando pelo Leste com a de Santo Amaro de
Poucas léguas ao Norte faz barra na costa o rio Sauípe, que
Ipitanga; tem igualmente suas capelas filiais, e ocupa de Norte a
admite semelhante navegação por curta distância; junto às suas
Sul duas lénuas de extensão.
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A freguesia de N. Senhora da Encarnação de Pacé, confina * A CAPITANIA DA BAHIA

pelo Sul com aquela de Matoím, e pelo Norte com o têrmo da


Creio não ignoras, que das Capitanias em que estão divididos
vila de S. Francisco na freguesia de N. Senhora da Madre-de-
Deus; assim como confina com a freguesia do Senhor do Bonfim os Estados do Brasil, é reputada a da Bahia por uma das de mais
junto à Mata de S. João; contém igualmente suas capelas filiais. atenção; não só pela sua antigüidade, e riqueza, como por ter sido
A freguesia do Senhor do Bonfim junto à Mata, é a última a sua capital por muitos anos a Côrte de todo o Brasil, mansão
do têrmo da cidade para esta parte, confina com a precedente com dos vice-Reis, e Governadores Gerais de todo êle, e do seu prelado
o têrmo da vila de S. João de Água Fria, e com o da vila de N. o Metropolitano, e Primaz do Brasil, e da maior parte das suas
Senhora da Abadia; tem por filiais as capelas dos engenhos da catedrais.
Mata de S. João, e da Pojuca, e não sei se alguma outra. Confina esta Capitania pelo Norte com a de Pernambuco na
Tôdas as cinco freguesias precedentes a esta têm frente para margem do rio de S. Francisco, que faz barra pelos 10 graus, e
o mar dentro na baía, correndo a sua marinha de Norte para 58 minutos; ao Sul confina com a do Rio de Janeiro na margem
Leste; nelas se acham situados diferentes engenhos, e fazendas, do rio Paraíba do Sul na altura de 21 graus e 37 minutos de lati-
cujos portos são freqüentados de muitas embarcações, e além dês- tude; e pelo Oeste confina com a de Minas Gerais pela margem
tes há outros muitos portos dentro nos mangues que dão serventia do rio Prêto, ramo do rio Verde.
a alguns engenhos retirados das praias, mas em lugares onde sobem Compõe-se esta Capitania das com arcas de Sergipe del Rei,
as marés. capitania subalterna, Bahia, J acobina, comarca central, Ilhéus,
Compreende também o têrmo da cidade a ilha de Itaparica, Pôrto Seguro, e Espírito Snto capitania subalterna, Destas te darei,
que lhe fica defronte, separada com a distância de três para qua- meu Filopono, aquelas notícias, que tenho podido conseguir; as
tro léguas de mar, que corre de Norte a Sul. Tem a ilha de Ita- quais serão assunto de algumas das que te escrever; por agora
parica segundo a opinião vulgar sete léguas de comprimento, e continuo com a descrição da cidade da Bahia, e seu têrmo, por
é em partes tão rasa, que iludidos os navegantes tem sucedido ser o a que me propus; se bem que muitas cousas omito por ver
vararem em terra, e muito principalmente na Barra Falsa, dife- que, nas que para o futuro te escrever, serei precisado o referi-Ias.
rente daquela de Jaguaripe, e figurada esta ilha como deve ser,
representa a sua planta a figura de um perfeito cavalo. Na sua
ponta do Norte, que na distância de cinco léguas fica fronteira
à cidade, se acha a fortaleza de S. Lourenço, que em outra parte
* POPULAÇÃO

te descreverei, e uma grande povoação de bastante comércio no Há nesta cidade, e me consta que por todo o Brasil, ramos
tempo da pescaria das baleias, por ser naquele sítio a fábrica, onde de muitas famílias ilustres, se não é que os apelidos são bastardos;
se faz o azeite dêstes monstros marinhos. Contém a ilha duas fre- dúvida a que nos conduzem as nossas Ordenações, e algumas leis,
guesias, e são a de Santa Vera Cruz, e a de Santo Amaro, cada onde vemos a qualidade de gente com que no princípio se come-
uma das quais tem suas capelas filiais. çou a povoar esta vasta região, sem que contudo nos persuada-
Cumpre dizer-te, meu Filopono, que não sei se me escaparia mos de que procedem tôdas as famílias de semelhantes troncos;
alguma freguesia por causa da desmembração que há anos se fêz porque por muitos e diversos motivos têm passado famílias nobres
das referidas, para criação de outras, por haver clérigos, que têm
para o Brasil; o certo é que a duração dos tempos tem feito sen-
razões de sabê-Io, tão ignorantes, e avaros, que perguntando-lho
sível confusão entre nobres, e abjetos plebeus: outros há que se
eu sinceramente, me não dão resposta. Quando porém te noticiar
honram em deduzir a sua prosápia dos caboclos, ou índios, quando
do Govêrno Eclesiástico desta cidade, juntarei um mapa curioso
out ros se gloriam de descenderem de alguns dos ilustres Governa-
feito não há muitos anos, em que verás as freguesias de todo o
dores, que antigamente governaram, não só esta Capitania, como
Arcebispado, e satisfarás a tua curiosidade.
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todo o Brasil, ou de algumas das diversas personagens, que em nunca o vi, nem briguei com pessoa alguma. Falando-se em deci-
vários tempos aqui aportaram. O certo é que se encontram bas- sões militares, ou conselhos de guerra; Nestor comparado com êle
tantes sujeitos, que não terão dúvida em tecer a sua genealogia era um ignorante; e esta é meu amigo a balda que abrange a todos:
mais comprida que as dos hebreus, e disputar nobreza com os os seus serviços nunca são pagos; o Soberano sempre lhes é deve-
grandes de todo o mundo, quando a que têm pode bem ser lhes dor; o seu Ministro nunca atende à qualidade dos seus merecimen-
provenha das desenvolturas de seus pais, ou avós, descoberta com tos, faltando-lhes com a justiça. Esta é, meu Filopono, a frase
umas armas, que por vinte e tantos mil réis mandam vir da Côrte; ordinária dêstes heróis, cujos serviços não passam, nem jamais
sendo assim os pregoeiros das manchas, que melhor fôra se não passarão de entrar de guarda na praça, e nunca fora dela; de gri-
descobrissem. Outros há que tendo seus pais vindo não há muitos tar muito no exercício, e descompor os soldados miseráveis; estar
anos para o Brasil, para serem caixeiros, quando tivessem capa- às ordens na sala, e fazerem alguma ronda no mar, quando sucede
cidade para o ser, porque a fortuna lhes foi propícia, e juntaram arribarem ao pôrto navios estrangeiros. Eu conheço capitães hoje
grandes cabedais, cuidam seus filhos, que o Imperador da China e mais alguns oficiais, que não fizeram uma única sentinela como
é indigno de ser seu criado. Outros porém há que se preocuparam soldados.
da mania de ser nobres, antes que tivessem com que ostentar essa Outros há que por inclinações particulares, e merecimentos
quimérica nobreza, e se chegaram a ter alguma cousa de seu, tanto privados chegaram em poucos meses a cingir uma banda, quando
se carregam dos apelidos de muitas das famílias ilustres da Côrte, eram merecedores de muitas; e êstes são mais intoleráveis, que os
primeiros, visto que obram o mal, não só por hábito adquirido,
e tanto se empavonam com esta imaginação, que têm para si que
como pelo patrocínio de quem os protege. Os soldados porém, além
um duque é nada à sua vista. Há outros que entusiasmados sem
da pouca doutrina dos seus deveres, podem passar. por exemplares
fundamento, de que são alguma cousa neste mundo, vivendo em
da insubordinação, e insolência, quando a sua conduta é bem in-
sua casa envolvidos na sórdida miséria, quando saem fora se em-
digna de imitar-se. O comum do povo é serem todos ociosos, não
pavezam de tal forma, que até lhes custa reverenciar a Deus. Há trabalhando a maior parte dos artífices, enquanto Ihes dura o
porém outros que sendo verdadeiramente nobres, e ricos, vivem, comer, a tempo que querendo apurar-se são em extremo habili-
e se dirigem pelos ditames da modéstia, razão, e política; seguindo dosos. O ordinário é serem conviventes, e folgazões, e de comum
inteiramente uma moral tôda cristã. são bons homens.
Os que porém se acham na repartição militar, se fazem insu- Quase todos os mulatos ricos querem ser fidalgos, muito fofos,
portáveis, pela pouca inteligência que têm do que é ser homem e soberbos, e pouco amigos dos brancos, e dos negros, sendo dife-
honrado; qualquer dêles de Alferes até Coronel se julga o non plus rentes as causas. Os pobres não se têm em menos conta que os
ultra da nobreza, sem que jamais as suas ações concordem com brancos, sendo bastante mente atrevidos; e à sua imitação os negros
os deveres do fôro em que se acham, do pôsto, e graduação que crioulos, dotados todos de habilidade para os empregos a que
ocupam: tal há que não passando de um doméstico, ou agregado querem destinar-se. Há muitos negros forros dos que têm vindo
à família de algum dos fidalgos, que têm vindo por governadores, das costas d'Africa, os quais não deixam de ser humildes, e mais
quer ser o grão Tamerlão; não se fala na presença dêstes em propensos aos brancos, do que aos mulatos, e crioulos; o que não
ação boa, dito, ou cousa semelhante, que não saia prontamente deixa de concorrer para um profícuo, e ponderável equilíbrio; todos
dizendo: Em nossa casa se fazia, dizia, ou usava etc. aludindo equi- os brancos, que não têm emprêgo público, mulatos forros, e negros
vocamente à de seu amo, ou patrono. Se diante dêstes se fala em libertos, têm praça nos diversos corpos, tanto de tropa de linha,
ciência militar, Laudon, Federico, e outros desta qualidade, eram como de milícias urbanas, sendo os destas obrigados a fardar-se
em comparação dêles, uns estúpidos; se em valentia, Heitor, Aqui- à sua custa, logo que assentam praça.
les, Diomedes etc. uns cobardes; a tempo que êles têm visto o ini- Quanto aos negros cativos, só posso informar-te, que os vin-
migo tantas vêzes, e se têm achado em pendências, como eu, que dos da Costa da Mina são mais bem reputados, que os vindos de

52 53
Angola, e Benguela e dizem ser gente melhor; eu porém acho que simo, e camisas de cambraia, ou cassa, bordadas de forma tal, que
a preferência é por serem mais asseados, e caprichosos; êles porém vale o lavor três, ou quatro vêzes mais que a peça; e tanto é o
são mais ásperos, e traidores, quando os de Benguela são mais ouro, que cada uma leva em fivelas, cordões, pulseiras, colares,
amoráveis, e dóceis, e percebem, e falam a nossa língua melhor, ou braceletes, e bentinhos, que sem hipérbole, basta para comprar
e com mais facilidade, e o que saiu bom, é verdadeiramente bom. duas, ou três negras, ou mulatas como a que o leva: e tal conheço
eu que nenhuma dúvida se lhe oferece em sair com quinze, ou
vinte, assim ornadas. Para verem as procissões, é que de ordinário
* SENHORAS
saem acompanhadas de uma tal comitiva. As cadeiras em que saem
para funções públicas não importam em menos de duzentos, ou tre-
zentos mil réis; e a parelha de negros que a conduzem, nada menos
Passando pois a falar do sexo feminino te assevero, que aque-
de trezentos mil réis, levando muitas vêzes outra, ou outras iguais
las, que aqui são senhoras, o sabem verdadeiramente ser, apesar
parelhas para fazerem mudas; quer porém a miséria, que nunca
das preocupações de que vêem seus pais, ou maridos possuídos,
vindo por isso a imitá-Ios; e podes viver certo em que, os que esta grandeza aparece nas igrejas por maiores que sejam as festi-
vidades, porque em quase nenhuma aparece uma senhora; e sendo
aí vão dizer o contrário, mentem, ou nunca aqui trataram com
senhoras, mas sim com mulheres da tarifa, que em tôda parte se tôdas as funções de igreja aparatosas, segundo o costume, unica-
mente gozam delas os homens graves, que para o fazerem são con-
encontram; aquelas pois que são senhoras, não dão acesso tão livre
vidados por cartas, e tudo o mais são multidões de negros, e negras
como aí vão publicar os detratores. São estas criticadas de pouco
honestas, por andarem dentro em suas casas em mangas-de-camisa, de que se enchem os templos.
com golas tão largas, que muitas vêzes caem, e se lhes vêem os O ordinário das mulheres dêste país é serem meigas, e chulas;
peitos, sem que êsses maus críticos se lembrem, de que estão debaixo entre as vulgares há muitas que nada devem às feias, e o não
da zona tórrida, onde o grande frio corresponde ao que aí sentimos terem quem as sustente, e trate, e o não haver em que se ocupem,
em maio. Igualmente as notam de andarem em suas casas muitas vê- é o motivo por que de ordinário se valem dos dotes da Natureza,
zes descalças, e de ordinário sem meias, com camisas de cassa finíssi- de que fazem mau uso, para poderem subsistir; assim como há
ma, e cambraia transparente; sem que atendam, como disse, ao clima também muitas, que vistas de noite pelas ruas, passam pela calú-
em que se acham, nem indaguem a razão; porque êsses mesmos que nia de dissolutas, quando aliás são honestas, e virtuosas; obrigan-
em Portugal não passavam de camisas de pano de linho, e pode ser do-as aquêles egressos noturnos o não terem quem de dia lhes vá
que bastante grosseiro, aqui lhes custa aturá-Ias de Bretanha de Ham- comprar o sustento, e tudo o mais de que precisam.
burgo, de que aqui só vestem as negras, e não tôdas; porque o
Há quem compute em oitenta mil almas a população da ci-
comum são cassas. São extremosamente amigas das suas amigas,
dade da Bahia; eu porém creio, que vai mais direito, quem lhe
e tão zelosas umas das outras, que bem podem competir com os
der para menos de sessenta mil; e quem der cinqüenta mil ao seu
amantes mais impertinentes. São pouco afeiçoadas às senhoras que
Recônéavo, creio não andará muito desviado da verdade; e se o
vêm da Europa; a causa porém desta desafeição procede da emu-
resto da Capitania tiver cem mil, não tem pouco. Este cálculo
lação no vestir, pregar, e pisar, em que estão hoje muito adianta-
porém sabes que tem sua limitação de mais ou menos; porque o
das. Quando saem às suas visitas de cerimônia, é em sumo grau
número infalível, é quase impossível o indagá-lo; a têrça parte de
asseadas, sem que duvidem gastar com um vestido quatrocentos
mil réis, e mais, para aparecerem em uma só função; e tanto caso todos êstes habitantes poderão ser os brancos, e índios, sendo as
fazem, em ocasiões tais, de cetins, quanto nós poderemos aí fazer duas outras partes de negros, e mulatos.
de serguilha. As peças com que se ornam são de excessivo valor, Para melhor vires no conhecimento do que pretendes saber,
e quando a função o permite aparecem com as suas mulatas, e dividirei a população da cidade nas classes seguintes: corpo de ma-
pretas vestidas com ricas saias de cetim, becas de lemiste finís- gistratura, e finanças; corporação eclesiástica; corporação militar,

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das quais pretendo melhor informar-te em cartas distintas, que Há igualmente nesta cidade multidões de comerciantes nos
para o futuro te pretendo escrever; corpo dos comerciantes, de gêneros da primeira necessidade, como são farinhas, e carnes, além
que pouco falarei por agora, por falta de luzes; povo nobre, mecâ- de outros mais miúdos, de que falarei nas reflexões, que no fim
nico, e escravos. desta pretendo fazer,

* COMERCIANTES * IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO

Sabe todo o mundo comerciante, que a praça da Bahia é uma Consiste o comércio da exportação desta praça na produção
das mais comerciosas das colônias português as, e que o seu co- de 400 engenhos de açúcar; a saber 260 no Recôncavo da Bahia,
mércio, bem a pesar das nações estrangeiras, é somente privativo e 140 na comarca de Sergipe del Rei, e dos mais efeitos, que
aos vassalos da Coroa de Portugal, sem que o possam manter, ou verás no mapa que diante junto, das exportações, e importações
girar à exportação, mais do que para êsse Reino, e algumas das do presente ano de 1798, feitas desta praça, para as duas de Lis-
suas colônias, ou senhorios; como sejam tôdas as costas, e interior boa, e Pôrto.
do Brasil, ilhas dos Açôres, e ainda Cabo Verde, Reino de Angola, O comércio com os portos dêste continente consiste, na extra-
e Benguela, Moçambique, ilhas de S. Tomé, e Príncipe, além dos ção de carnes sêcas, e salgadas do Rio Grande de S. Pedro do
portos no gôlfo, e costas de Guiné. Sul, bastante farinha de trigo, muita courama, e 'alguns queijos,
Compõe-se o corpo dos comerciantes existentes na Bahia de e muito sebo em pães, e velas, além de muita quantidade de mi-
cento e sessenta e quatro homens, cujos nomes te não participo lho; pelo que recebem muito sal, comprado aqui ao administrador
por julgar que com nenhum queres ter correspondência; e para do contrato; bastantes gêneros vindos da Europa, algum açúcar,
isso me seria então preciso especificar-te os gêneros do comércio e doces, como também alguns escravos de má conduta, que seus
de cada um, e praças com quem o tem, o que me seria muito pe- senhores ali mandam vender; a maior parte porém dos efeitos pre-
noso; basta pois que saibas, que alguns poderá haver mais dos ditos se compra a dinheiro de contado.
que deixo dito e que alguns dêstes comerciam só com o seu nome,
O comércio hoje desta praça para Minas Gerais, é muito di-
e com cabedais de personagens a quem seria menos decente o sa-
ber-se que comerciam; porém vamos, cada um vale-se dos meios minuto, depois que o comum dos mineiros começaram a freqüen-
que pode; oxalá fôssem essas as culpas menores. Nem todos os tar o Rio de Janeiro, distante 80 léguas da sua capital, quando a
compreendidos naquele número são matriculados, mas sim cha- Bahia lhes distava 300 com pouca diferença. Consiste êste na ex-
portação de bastantes escravos que o Rio não pode subministrar-
mados comissários; como porém todos despacham, pagam direitos,
e carregam efeitos demos-lhes a consolação de chamar-lhes comer- lhes com a precisa abundância; fazendas brancas, e algumas de
ciantes, sejam os gêneros de quem forem. Não há dúvida que êstes côr; armas, e ferragens, pólvora, chumbo; alguns molhados, cha-
bastardos deveram ter seu noviciado no comércio pela tortura em péus, e algumas outras bagatelas, e quinquilharias; a maior parte
que muitas vêzes põem os legítimos comerciantes, vindo por isso porém dêste comércio é com Minas Novas, e Jacobina. Desta co-
a fazer uma tal desordem nas compras dos efeitos, que ou se não marca vêm para a Bahia grandes boiadas, mas quando chegam à
hão de comprar para fazer as precisas remessas, ou há de ser in- cidade, é pela maior parte, já nas mãos dos detestáveis atravessa-
falível o prejuízo; e quem não conhece ser isto prejudicial ao todo? dores; entra também muito algodão, e pouco ouro; das Gerais
Talvez seja esta a causa por que das três praças Rio de Janeiro, porém entra já muito pouco dêste metal, e a maior parte por
Pernambuco, e Bahia, esta se reputa pela menos policiada, quando alto, e algumas bêstas muares, que se encomendam. Pelo mesmo
até agora a mais pecuniosa. modo entra a maior parte do ouro de Minas Novas, assim como

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pedras, quais sejam topázios, pingos d'água, águas-marinha, ame- O comércio com as ilhas dos Açôres, e Madeira, consiste na
tistas, etc. importação de vinhos, aguardente, louça inglêsa de pó-de-pedra,
Para Goiás é hoje muito diminuto o comércio, quando avul- algum pano de linho curado, e por curar, linhas, e pouca carne
tadíssima a dívida daquela Capitania a esta praça. O comércio com de porco, quando o da exportação creio não passa de algum açú-
o pôrto de Santos, ou Capitania de São Paulo é nenhum, à exceção car, e aguardente de cana; persuado-me que êste comércio por
de alguma farinha de trigo, milho, legumes, e toucinho, que aqui muito pouco freqüentado, é muito fraco.
se vem vender de tarde em tarde.
Com as ilhas de Cabo Verde não tem esta praça comércio
Era muito considerável o comércio, que esta praça tinha com algum, assim como não tem com Moçambique, nem em direitura com
a Capitania do Ceará, e Paraíba, * em carnes salgadas, sêcas, cou- pôrto algum da Ásia.
rama, e algum algodão; êste porém se transferiu para o Rio Grande
de S. Pedro do Sul, depois que as sêcas extremosas consumiram todos Consiste o comércio de exportação da Bahia para Angola em
os gados naquelas paragens; de forma que por acaso aparece hoje feixos de açúcar, ancoretas de aguardente, algum tabaco em rôlo,
na Bahia alguma pequena embarcação do Ceará, ou Paraíba com e pó, bastante ferragem de tôdas as qualidades. fazendas grossas
carne, e couros; visto que em Pernambuco acham pronta saída a chamadas de negro, e muito zimbro, que é um pequeno búzio que
todos os seus gêneros, e efeitos. aqui se junta pela costa do mar, com mais alguns outros gêneros, que
não tenho presentes; os de importação consistem eI)1 escravos que
O comércio da Bahia com as suas com arcas da costa, consiste
de Angola, e Benguela se transportam para trabalhar nos engenhos,
na importação de madeiras da comarca de Ilhéus, farinha, arroz,
roças, e mais fábricas do Brasil; bem como muita cêra em meia
café, e algum cacau; os dois primeiros gêneros porém estão im-
pedidos, um de se cortar, e vender, e outro de se plantar onde cura, e bruta.
possa conduzir-se cômodamente para a cidade, que em extremo o Para os diferentes portos da Costa de Guiné, ilhas do Prín-
vai sentindo, e poderá talvez ser causa de que aquela pobríssima, cipe, e S. Tomé se exporta daqui muito tabaco do refugo do que
quando das mais ricas comarcas, venha a aumentar muito os seus
se manda para Lisboa, e India por conta de S. Majestade, redu-
desertos.
zido a rolos muito mais pequenos; bem como muita aguardente,
A comarca de Pôrto Seguro exporta para a Bahia garoupas, e búzio, que serve de moeda entre os negros; e em troca dêstes
e meros salgados das famosas pescarias, que se fazem nos Abro- gêneros, vêm as embarcações carregadas de escravos, bem como tra-
lhos, e dela vem igualmente a maior parte da farinha que a ci- zem algumas libras de ouro em pó. É hoje menos o contrabando, de
dade gasta, e o seu vasto Recôncavo, bem como tôda a que se
que vinham bem providas as nossas embarcações; e isto das feito-
embarca; vêm mais alguns legumes, e arroz; gêneros que também
rias que ali tinham os inglêses, franceses, holandeses, e dinamar-
ministra, em parte a Capitania do Espírito Santo.
queses. Muitos dos nossos eram constrangidos a tomar por fôrça
A Capitania de Sergipe del Rei, introduz muito açúcar, ta- aquêles gêneros; a maior parte porém os compravam de livre von-
baco, algodão, legumes, farinhas hoje menos, porcos vivos, e
tade, e os introduziam nesta cidade, com excessivo lucro dos que
galinhas.
se arriscavam a roubar os direitos a S. Majestade. Vêm igualmen-
Além de muita fazenda tanto branca, como de côr, conso- te muitos panos de algodão, chamados de ordinário panos-da-Cos-
mem estas comarcas muito ferro em barra, ferragens, pólvora,
ta, que por ser manufatura dos negros tem despacho na Alfândega.
chumbo, breu, treu, alcatrão, e mais gêneros, que a tôdas são como
indispensáveis para os usos da vida. O acaso me oferece estas memórias da importação, e expor-
tação da Bahia para Portugal, e dêste para a Bahia no ano de
* Neste parágrafo, no original, Parnaiba. - E.C. 1798, a qual te envio, e por êle poderás julgar dos outros anos.

58 S9
ExPORTAÇÃO DA BAHIA PARA PORTUGAL I MEMÓRIA DA IMpORTAÇÃO DOS PORTOS DO BRASIL, e DA COSTA
D'ÁFRICA PARA A BAHIA NO ANO DE 1798
Quantidades Importância

Quantidades Importância
Açúcar, caixas 17 826, feixos
709 arrôbas 746545 1 646: 576$640 Costa da Mina
Aguardente de mel pipas 7 280$000
Algodão . . . . . . . . . . . . . . . . .. sacas Escravos . 4903 490:300$000
6051 148:427$400 Panos-da-Costa _ .
Arroz sacas 4:800$000
379 1:568$000 Azeite de palma canadas 1000 1:000$000
Cacau sacas 6 44$800 Ouro onças 6450 1/8 8:156$154
Café sacas 254 1:758$600
Couros em cabelo . 32314 47:258$300
Cordas de piaçaba . 32$000 Rs. 504:256$154
Drogas diversas do país . 10:000$000
Estôpa da terra . 33$600 Angola
Farinha de mandioca . 80$000
Goma caixas 13, barris 19 . Escravos - Iibras 2151 172:080$000
1: 112$800 Cêra .
Grude sacas 140 140 . 44:800$000
6 62$060
Ipecacuanha sacas 15 580$800
Madeiras diversas . 776$320 216:880$000
Mel barris 56 280$000
Moeda corrente . 100:000$000 Ilha de S. Tomé
Sola branca e vermelha meios 54166 58:742$000
Tabaco, fardos 326, rolos . Ouro onças 149 7/8 36/72 1:592$475
23 448 arrôbas 380053 668:863$750 Canela libras 1000 1:280$000
Tabacos de diversas qualidades .. Sabão _. barrilinhos 2500 220$000
1: 838$000
Varas para parreiras . Azeite de palma canadas 500 500$000
39$000

3:592$475
Rs. 2688:354$070
Rio Grande de S. Pedro

Carnes salgadas arrôbas 300000 360:000$000


IMPORTAÇÃO QUE PORTUGAL FÊZ SÔBRE A BAHIA EM 1798 Sebo arrôbas 1400 20:000$000
Queijos . 1500 600$000
Mercadorias gerais da Europa .. 794:952$140 Farinha de trigo arrôbas 800 1:400$000
Mercadorias de fábricas par-
ticulares . 440:018$510
Mercadorias de fábricas de 382:000$000
Portugal . 548:657$380
Mercadorias da Ásia . 280: 384$400 Pode bem ser, que na exposição, que tenho feito do comércio
falte alguma cousa essencial, mas tu sabes, que eu não passo de
ser um coletor do que vejo, e me dizem, e muitas cousas pode
Rs. 2064:012$430 haver que andem desviadas dos meus olhos, e ouvidos.

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* EDIFICAÇÕES NO CIMO DA OoLINA
montanha se descamasse, puxando para dentro do mar tôda a
terra da sua falda; sôbre a qual se vêem levantadas altíssimas pro-
A todos os que não são privados das luzes dos olhos, e da priedades de três, quatro, e mais andares; e sôbre ela finalmente
razão, é manifesto o descuido, em que caíram os antigos, em dei- se acha fundada outra cidade, a que, como disse, chamam Praia,
xar levantar edifícios, onde cada um queria, sem nada atenderem pouco inferior à Cidade Alta quanto à largura, e da mesma ex-
ao futuro. O primeiro, e mais visível foi o permitirem, que os tensão, quando a iguala na intenção, e excede em riqueza; visto
religiosos beneditinos se apoderassem de uma planície eminente que ali existe a alma do comércio.
à cidade, e nela fundassem o seu grande mosteiro, privando-a do De princípios tão desacertados, impossível era, que os fins
sítio mais apropriado, e único para uma cidadela, para refúgio da não fôssem errados; eu te vou expor, meu Filopono, os que tenho
guarnição, em caso de necessidade; e isto sendo o único padrasto observado depois que em fins de 1787 vim para esta cidade, e os
donde se pode bombardear a cidade; o que a experiência mostrou que é muito factível, venham a acontecer pelo decurso do tempo.
na invasão primeira que os holandeses fizeram em 1624, que da- ~ a base desta montanha, uma pedra negra areenta, que in-
quele mesmo sítio a atacaram, e tomaram; o que talvez não suce- dica ter muitas partículas de ferro, e apesar da riqueza que mostra,
dera, se aquêle vantajoso pôsto estivera ocupado por uma forta- eu observei, que onde se abriu alicerce para uma grossa muralha,
leza, e não por um convento, que em outro qualquer sítio se po- que para segurar os edifícios superiores, se vai" edificando ao correr
deria fundar; sem embargo ainda da debilidade da guarnição, que de meia ladeira, a pedra da rocha dentro dá terra está lascada
então havia, e da insubordinação dos moradores da cidade, que em pedaços, de forma que só para a desentalar é que se precisa
só perderam os ânimos, quando viram o inimigo senhor, e postado quebrar algumas pontas; e é muito para supor, que o lascado da-
em um tal sítio. quela rocha, provém da opressão dos edifícios, que sôbre ela gra-
Não têm sido, e serão menos funestas as conseqüências do outro vitam, e da falta de amparo por baixo, visto que a terra, e pedras
semelhante descuido de levantarem edifícios de pêso enorme no que lho faziam, estão servindo de base dos edifícios, que sôbre elas
cume da montanha, que pelo lado oriental vai acompanhando o se edificaram à beira-mar.
mar que lhe bate à falda. Está esta lançada com uma muralha,
A maior parte desta rocha anda tão concentrada, que muitos,
que a Natureza, fêz propriíssima para a defesa, e acomodada para
ou a maior parte dos edifícios não têm sôbre ela a sua base, mas
a ofensa de quem quisesse tentar a sua invasão. Os edifícios mais
sim sôbre a terra, que é um barro vermelho quase salão; e estas
principais, que gravitam sôbre a colina, são a Sé Catedral, Palácios
são as causas por que no ano de 1795 correram pela montanha
da residência dos exmos. Governadores, e Arcebispos; Paços da
eminente ao Forte de São Francisco não menos de treze proprie-
Relação, Casa da Misericórdia com Hospital, e Recolhimento; Co-
dades de casas em um só lugar, que com as que em outras paragens
légio, e grande templo, que foram dos Jesuítas, igreja da Irman-
tiveram uma igual sorte; chegaram a vinte naquele inverno. Vie-
dade dos Clérigos, transferida hoje; freguesia do Sacramento da
ram essas alagar o forte, que fica na beira-mar, e arruinar na Praia
Rua do Passo, a que chamei N. Senhora do Rosário do Sacra-
muitas outras propriedades, que ficavam na mesma direção, as
mento; igreja, e consistório, e mais pertences de N. Senhora da
quais tôdas se arrasariam, a não serem sustidas pelas muitas e re-
Conceição dos Pardos; e a estas seguem infinitas propriedades de
sistentes madeiras, com que as entrelaçam, enchendo os vãos de
particulares, fundadas, não só no cume da colina, como por tôda
tijolo, e cal por onde vêm a ficar tôdas as paredes com um frontal
a sua encosta, e a maior parte destas em paragens, donde parece
dobrado. Além das propriedades, se perdeu nesta ruína muito ca-
evidente milagre da Providência o não rolarem, visto que tôdas são
bedal; houve porém a fortuna de morrer um só homem, que vendo
feitas de tijolo, sôbre delgados pilares do mesmo, levantados em
abrir as paredes da casa, em que estava saiu dela; observando
precipícios escarpados, e sem terreno para segurança dos alicerces;
porém, que não caía, e lembrado de quatro mil cruzados, que
cuja vista infunde terror ao mais afoito, e destemido; e como que
nela tinha, voltou a tirá-los; mas teve a infelicidade de ficar se-
não fôsse bastante esta desordem, consentiram que tôda aquela
pultado na sua ruína, logo que entrou nela.
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Mais lamentável foi a desgraça sucedida no 1.o de julho de valor que puderam desenterrar-se, e entregar a seus donos legí-
1797, porque desabando o resto de uma muralha que a Irmandade timos, sem mais dispêndio, que o pagar-se aos que trabalharam
dos Clérigos mandara indevidamente levantar no cimo da mon- no livramento, e segurança dêles, como também se procedeu a vis-
tanha, para segurar-lhe a igreja, que ia abrindo; esta porém lhe torias na maior parte dos edifícios da montanha, sendo raros os
serviu de arruinar mais o templo, em razão do maior pêso, que' que se acharam, que não ameaçassem iguais estragos; vindo alguns a
fazia para a parte do declive, depois de terem já gasto vinte, e ser demolidos, por ser impraticável o refazê-los; e seria um grande
cinco mil cruzados naquele muro; e se viram finalmente precisa- acêrto o fazer-se o mesmo a todos os que em sítios tais se achassem
dos a transferir-se para outro lugar, e demolir o seu templo arrui- com ruínas, proibindo para sempre o edificar qualquer cousa no
nado, mas não aquela prejudicial muralha, sentada sôbre a terra, cimo, ou rampa da colina. ~ de advertir que êstes fracassos são
no cimo, como disse, da montanha escarpada; a qual desabando, os de agora, porque já anteriormente têm sucedido outros muitos
pela razão do grande, e continuado inverno, sôbre um outro monte, iguais em diversas paragens da montanha, de forma que os baia-
que naquela direção lhe ficava inferior, o fêz de tal forma correr, nos não receiam menos os estragos do inverno do que os napo-
que quinze propriedades, que estavam edificadas na sua falda, tôdas litanos as erupções do Vesúvio.
se arrasaram, ficando debaixo das suas ruínas muita gente, tanto
da que as habitava, como da que passava por duas ruas, entre
as quais ficavam estas propriedades. Alguns foram os cadáveres,
que se desenterraram, a maior parte porém se deixou ficar de pro- * SE TROASSEM OS CANHÕES ..•

pósito debaixo dos entulhos, até haver tempo de se consumirem,


e isto por evitar alguma epidemia, ou peste, causada pela infecção Estas são as conseqüências daqueles errados princípios; falo
do ar, e partículas pútridas, que evaporariam. Dois efeitos pro- das que se têm experimentado; agora vou tratar das que cabe no
duziu o acaso, ou permitiu a Providência, que fizeram o estrago possível sucedam, e são, que se em algum tempo, o que Deus não
muito menor, do que pudera ser; e foi o primeiro o abaterem as permita, alguma nação inimiga puser um sítio a esta cidade, não
casas, logo que lhes faltou a estabilidade da base, porque a tom- havendo no pôrto fôrças navais, que desviem o inimigo, pode
barem para diante, lançariam por terra mais de vinte propriedades êste fazer-lhe um dano irreparável sem lançar um só tiro, que
altíssimas, que lhes ficavam fronteiras, e só no mar terminaria a não empregue; já nos edifícios da Praia, construídos de tijolos,
ruína. E segundo, o cair parte do muro desabado por detrás da e por isso sem resistência, já nos da montanha, que não somente
grossa muralha nova, de que já falei, fundada sôbre a rocha, que demule, como os seus materiais, rolando pelo escarpado da mon-
por conta de S. Majestade pelo cofre das têrças se vai fazendo com tanha, irão indispensàvelmente arruinar tôda a Cidade Baixa; a
avultada despesa, a qual sustentando uma grande lava de terra, lançar-lhe bombas, não cairão estas onde não encontrem matéria;
obstou a ruína de umas altas propriedades, que a caírem, fariam e muita em que ateiem incêndios, visto que a maior parte do
triplicada ruína, em razão do escarpado do terreno em que se acham, material são madeiras.
a qual terminaria também no mar, sepultando infinita gente, e Não considero menor o perigo, se da terra se fizer fogo
cabeda1. sôbre êles para desviá-los principalmente dos fortes de S. Fer-
Por diligências do Presidente do Senado* o Dr. Francisco nando, e S. Francisco. Este último há muitos anos que a reque-
Antônio Maciel Monteiro distinto pelo zêlo do bem público, rimento do povo está vedado de salvar, ainda nas ocasiões de maior
sentimentos de humanidade, e desinterêsse exemplar se procedeu, júbilo, porque quando antigamente o fazia, abalava de tal forma
não só no pronto auxílio a alguns semivivos, e arrecadação, e se- as casas da vizinhança, e montanha próxima, que se quebrava tôda
gurança de consideráveis somas, e preciosos móveis, e jóias de a louça que nelas havia; motivo por que o povo o apelidou, o
"quebra-pratos". É de notar que nas salvas não leva cada peça
• Senado da Câmara era o conjunto dos vereadores eleitos. - E.C. mais da têrça parte da carga que exige o seu calibre; acrescendo,
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que o comandante destas fortalezas, é um pobre oficial inferior, \. EDIFícIOS NOBRES
tirado de algum dos corpos de tropa de linha, que êste ano é que
deixaram de ter o sôldo de tostão, ou seis vinténs por dia; à Há nesta cidade alguns edifícios nobres; poucos porém são
vista do que há precisão de que êle seja muito honrado para os templos de arquitetura mais notável; os de mais expectação são,
acreditarmos que êle queima tôda aquela têrça parte da carga, o o que foi dos Jesuítas no Terreiro, o de S. Francisco, e a capela
que se não examina, nem pode examinar; e se assim mesmo abala dos Terceiros da sua Ordem. ~ o convento de S. Francisco uma
tudo, é muito de esperar, que com a carga inteira de pólvora, e a grande casa, e tem um claustro majestoso, tal, que não sei se se
sua bala competente, racharão, e ainda cairão os edifícios da acharão nessa capital muitos que o igualem. ~ pena que a sacris-
montanha. tia, que foi dos Jesuítas se tenha perdido, e vá cada vez mais
É igualmente de esperar que quando aquela de S. Fernando arruinando, por ser uma das magníficas peças daquele gênero; bem
atirar, faça a sua artilharia muito maiores estragos, visto que fica como a casa da livraria, cujos livros bons, e muitos têm sido
mais contígua a edifícios maiores, e mais juntos; até agora não se furtados, e outros vendidos por quem os furtava, por vilíssimos
experimentou ainda o resultado das suas salvas, por haver-se aca- preços a boticários, e tendeiros para embrulhar adubos, e ungüentos,
bado nos fins do ano de 1796. podendo ter-se com módica despesa conservado, ainda que fôra para
nêles se consultar muitas cousas para que aqui não aparecem livros;
A bateria da Ribeira" apesar de estar mais desviada da mon-
outros porém consta terem saído para ornar estantes de particula-
tanha, e ter a pequena caldeira entre si, e a terra; não deixa de
res, sem que hoje exista nada dêles,
ser igualmente incômoda às propriedades, que podemos dizer estão
A freguesia de N. Senhora da Conceição da Praia é um bom,
penduradas pelo declive da colina, logo que as suas salvas com e rico templo, o mais moderno da cidade, com frontaria de már-
uma carga, como deixo referido, causam bastante abalo a edifícios more; o risco porém dela não é do melhor gôsto, e quem o fêz
ainda mais remotos. não prova de melhor arquiteto.
Não falo nos estragos, que pode fazer qualquer terremoto, ~ a Sé Catedral um grande templo de uma só nave, com as
de que a Bahia se não pode julgar isenta, porque existem muitas pes- capelas laterais muito fundas, e por isso escuras, e tôda ela de
soas, que se lembram de os ter havido, quando a sua colina não gôsto antigo. O seu teto era de madeira, e apainelado todo com
deixa de conter em si minerais, principalmente de ferro, enxôfre, muito boas pinturas, e porque ameaçava pronta ruína, se apeou
e alguma outra matéria betuminosa, se não é que os meus olhos, êste ano; pelo que ficou bem pouco decente para as funções para
e de muitos se enganam: eu pisei uma pedra das da montanha, que é destinado, visto que pouco difere de um grande armazém.
Era a sua frontaria tôda de pedra do país, lavrada, e ornada de
e a meti em fogo de fundição, a qual efervesceu no cadinho, e
colunas retorcidas, com duas esbeltas, e elevadas tôrres, tôdas da
exalou de si um cheiro bastante desagradável; não continuei por
mesma pedra, situada no cimo da montanha, com portas para o
não ter a mínima noção de química.
Ocidente, cuja figura era, a que verás na estampa junta. Destas
No tempo do govêrno do exmo. Manuel da Cunha de Me- tôrres se arruinou a da parte do Sul, e algumas poucas pedras do
nezes, descobriu um habilíssimo artífice do Arsenal uma rica mina frontispício, e isto por gemer a sua base instável debaixo de tão
de precioso ferro, pouco diante do convento da Soledade em uma enorme pêso. Para evitar os estragos que aquela ruína ameaçava,
roça denominada .dos Bragas, de ,que fêz algumas peças, que fazendo correr a terra da montanha, se dispenderam avultadíssimas
presentou ao mesmo exmo. General. Na ilha dos Frades, distante somas aS. Majestade no levante de uma muralha de duzentos
quatro léguas da cidade me consta se descobre muito ferro. e trinta palmos de comprido para um lado, começando com altura
de 47, c acabando ao correr da ladeira na de 108 palmos, e com
.• Era assim chamada, antigamente, a língua de terra entre a colina grossura de 24 1/2 palmos na sapata, e 6 no remate em cima,
e o mar, no bairro comercial. - E.C. do lado do Norte desta grande muralha começa, e continua pela

66 67
-,
ladeira acima um outro lanço, que vai finalizar na esqujria do mado. Poder-se-ia igualmente aproveitar o famoso órgão que o
Palácio do Arcebispo com 155 palmos de comprido, finálizando Sr. Rei- D. João V mandou colocar na Sé, o qual se desmanchou
com 12 palmos de alto, quando começara com 108 como disse. êste ano ao apear o teto, e se vai inteiramente perder.
\
Êste é meu Filopono o espaço que toma o adro da/Sé com a
largura de 160 palmos da porta até a muralha, o 9ue tudo te * O SENADO DA CÂMARA
poderia fazer ver em planta, se a necessidade o exigísse. Apesar
pois da grossura, comprimento, e altura desta muralha; ela reben- Dos edifícios públicos são as Casas do Senado da Câmara,
tou por três partes, e a Sé se arruinou, vindo a ser demolido todo um dos mais notáveis; são estas verdadeiramente nobres, têm treze
o frontispício, e tôrres, quando demolida que fôsse a da parte do janelas de frente para a Praça de Palácio, com gradaria de ferro,
Sul, e metidas algumas pedras na parede do frontispício em lugar correspondendo cada uma a seu arco de pedra, no centro dos
das que haviam lascado, que não eram muitas; asseveram enge- quais fica a nobre porta da entrada, sôbre que se eleva uma tôrre,
nheiros de bom nome, que ela ficaria por muitos anos estável, e que sobrepuja o edifício, e onde está o insignificante sino da Câ-
se faria a despesa com a quarta parte de dezessete mil cruzados, mara, tão insignificante que com nenhuma das outras grandezas
e duzentos mil réis, que a Real Fazenda despendeu pela desne- concorda. No lado do Norte fica a soberba ·Sala do Senado, a
cessária demolição do frontispício, e tôrres. Quando nos fins de que por baixo corresponde a cadeia para mulheres, e os açougues.
1787 cheguei a esta cidade vi ainda tôda a grande Praça de Jesus, >I< No lado do Sul está outra sala, onde vão dar audiência os três
cheia de pedraria tirada daquela demolição, à exceção das colu- Juizes-de-Fora do Cível, Crime e Órfãos, como também os almo-
nas, bases, e capitéis que ficaram, e existem dentro no adro da Sé; tacés; fica mais a morada do carcereiro, sala livre, dez segredos"
notei porém com admiração, que dentro em dois anos desapareceu e mais prisões, e por baixo ficam as fortes enxovias mandadas
inteiramente tôda aquela pedra, ficando a praça limpa. Se é que reformar, ou melhor, fazer de nôvo* >I< no ano de 1796 pelo nosso
aquela pedra se vendeu, é pouco para invejar a economia de quem memorável Governador, e Capitão-General o ilmo. e exmo. D.
o fêz; porque quando S. Majestade fôr servida mandar reedificar, Fernando José de Portugal: no centro pois dêste edifício, há tam-
ou refazer aquêle templo, a não há de comprar por seiscentas vêzes bém uma enfermaria com seu oratório, mandados fazer de nôvo
mais, do por que se venderia, se bem que pode ser tivesse parte pelo mesmo exmo. Governador. Sendo pois êste edifício digno de
dela o êxito que teve a de um mirante, que pouco tempo há se formosear uma grande praça. caíram os antigos no êrro de fa-
demoliu no Colégio que foi dos Jesuítas, antes de destinado para zerem um terreiro, onde não podem livremente manobrar três
companhias de infantaria em um só corpo, quando naquele tempo
Hospital Militar. Perdoa meu Filopono a digressão que insen-
tinham campo, e planície para fazer uma praça com a extensão,
sivelmente fiz; tornando pois ao assunto, de que me desviei, digo
que se aquêle grande, e pesado edifício da Sé Catedral, e Palácio e largura que quisessem.
dos Arcebispos se tivera feito em outro dos muitos, e próprios
lugares que então havia, e não no cume da colina, não haveriam
* Os CURRAIS 00 CONSELHO

os sustos, porque se tem passado, nem se teriam feito, e farão des- O segundo edifício público que a Bahia tem, deve ao ilmo.
pesas tais que com a metade se faria uma Sé melhor do que e exmo. D. Rodrigo José de Menezes, penúltimo Governador, e
aquela que por economia pudera ser por uma vez trasladada para Capitão-General desta Capitania, merecedor do epíteto de Pai da
o grande templo, que foi dos Jesuítas, por ficar próxima à resi- Pátria, são os currais do Conselho; obra tal, que daquele gênero
dência dos prelados, e aproveitar-se, ou não deixar de todo perder se duvida haja semelhante, não só nas mais vilas, e cidades da
a sua famosa sacristia, e casa da livraria para aquela do Cabido; América Português a, como nem ainda nas de Portugal, sem ex-
se bem que o presbitério é bastante apertado, e o teto carece refor-
• Prisão individual; solitária. - E.C.
* Terreiro. - E.C. o. Construir. - E.C.

68 69
cetuar a capital; de tal forma disposto, que se fôrem vinte os mar- ser uma casa de empréstimo debaixo dos quartéis, que serviam
chantes, ou criadores, que entrem com gados, os podem nêles re- algum dia aos oficiais da Marinha, e hoje os abandonam, por jul-
colher em separado, sem o risco de confundir-se; ali se Jê o lugar garem melhor cômodo, o pagar-se na Cidade Alta em sítios da
destinado, e próprio para a matança, para a esfolação, para o sua satisfação avultados alugueres de casas por conta da Real Fa-
pêso, para depósito das carnes; ali tem o seu administrador quarto zenda. Não teve o seu fundador tempo de o pôr na sua devida
separado com tudo o que carece para as funções do seu emprêgo; perfeição; mas como o deixou assim existe; se bem que algumas
bem como há cômodo para o juiz, e escrivão da Coleta, e mais alterações têm excitado nêle alguns dos membros da sua admi-
oficiais da Balança; ali finalmente se acha tudo de tal forma nistração, sendo bem dignas da reflexão de todos, pelo quanto têm
disposto, que passando de cem os homens empregados naquela sido prejudiciais ao mísero povo, digno verdadeiramente de tôda
carnificina, jamais há, nem pode haver a mínima perturbação nas a compaixão, pelos sacrifícios a que aquêles algôzes o têm exposto.
diferentes repartições em que ali se labora.. e para que nada falte, Para melhor satisfazer a tua curiosidade, te envio o mapa junto,
até há pronto, e destinado lugar, em que as fateiras sem sair para veres, o que entrou naquela casa do dia 9 de setembro de
fora, despejam os debulhos das reses; de tal maneira disposto, 1785 até o fim do ano de 1798; lembrando-te sempre que inume-
que tôda a água, que chove dentro naquele grande edifício, sem ráveis casas de famílias numerosas, não mandam comprar gênero
que uma só gôta se demore em ponto algum, ela se dirige àquele algum daqueles ao celeiro público; e que são infinitas as embar-
sítio, e prontamente o lava. cações carregadas de farinha, que sem abordar à cidade a vão ven-
O terceiro edifício público recomendável nesta cidade é o aquar- der pelas povoações do Recôncavo, e engenhos, por não pagarem
telamento do 1.o Regimento de Linha, onde pode bem informar-se o vintém, que justamente se estipulou pagasse cada um alqueire
em linha de batalha, com cento e oito quartéis, e muita capacidade dos gêneros, que entrassem no celeiro; não só para pagar as suas
para soldados casados, e com família, com portas para a rua; quan- despesas, e suprir a sua conservação, como para fazer, conservar,
do os quartéis dos solteiros as têm para dentro do aquartelamento. e manter um hospital para curar os morfentos que infeccionavam
Dentro nêle está a sua capela de N. Senhora do Rosário muito a cidade; devendo-se quase a extinção dêste mal ao autor dêste,
asseada, com duas tôrres proporcionadas na frente. Tem para sua e mil outros benefícios o exmo. D. Rodrigo José de Menezes.
serventia dois grandes portões, um para o Oriente, pelo qual se Entram também no mesmo celeiro público, goma, e café; eu
sai para a campanha, e outro para o Ocidente, que dá saída para porém ignoro se aquela vai incluída na farinha, e êste no feijão,
a cidade, e nêle é o corpo-da-guarda do quartel. ou se houve descuido em quem me alcançou esta notícia tirada
A casa da Alfândega situada à beira-mar, é proporcionada ao dos próprios livros.
comércio da praça; tem os precisos cômodos para as diferentes.
repartições; falta-lhe porém um cais, ou ponte melhor do que a
que tem, a qual sendo, como é, de madeira exposta às ressacas >I< RENDAS DO SENADO DA CÂMARA
do mar, e ao ardente sol, se está todos os dias arruinando, e sendo
com os amiudados consertos, bem como os aquartelamentos dos
Notícia das rendas que atualmente tem o Senado da Câmara
soldados, capa de mil despesas, que a Real Fazenda escusaria; da cidade da Bahia com o lançamento dos rendimentos corres-
porque segundo parece, elas redundam mais em utilidades parti- pondentes aos anos abaixo declarados, a saber:
culares; o que não desmerece atenção.
A renda das carnes é estabelecida por lei, e administrada
* O CELEIRO PÓBLlCO por finta de 500 rs. cada uma rês, por Provisão de S. Majestade
expedida pelo Conselho de Ultramar de 4 de março de 1765,
registrada no Livro 5.° de Provisões Reais à p. 19 v., e Plano
O celeiro público, que esta cidade deve ao exmo. D. Rodrigo, dado pelo exmo. Governador D. Rodrigo José de Menezes de
aquêle mesmo de quem há pouco falei, não é de expectação, por 29 de março de 1784. Reg. no Livro 8.° do govêrno à p. 119.

70 71
MAPA

Memória dos Rendimentos do Celeiro Público da Cidade da Bahia


desde 9 de setembro de 1785, dia da sua abertura, até dezembro
de 1798

Anos Alqueires Alqueires Alqueires Alqueires Rendimento


Fôlhas de de de de
Farinha Arroz Milho Feijão (Rs. )
, ,

1785 45 38949,3/4 6003,3/4 8522,1/2 1973,1/2 2 008$990


1786 189 221078,3/4 13 055,1/2 26200 7449,1/2 5 355$675
1787 197 230060,1/2 10520,1/2 24539 7575,1/4 5 606$885
1788 218 289809,1/2 18169,1/2 23020,1/2 7774,3/4 6:622$505
1789 192 269992,1/4 7247 28840,3/4 5856,1/4 6:238$735
1790 174 274636,1/4 7645 22288 11 629,3/4 6:323$9RO
1791 171 289648,1/2 11157,3/4 10581,3/4 6745,3/4 6:362$675
1792 199 365378,1/2 9538 11 819,3/4 3505,3/4 7:804$835
1793 187 257502,1/4 10087 12621,3/4 5513,1/2 5:714$480
1794 163 237140,3/4 7245,314 14397,3/4 6474 5:305$165
1795 184 282244 7416,3/4 21 418,1/2 5967 6:340$925
1796 191 300292 10049 19376 4285 6:680$040
1797 197 289087 7077 18497 7945 6:452$300
1798 209- 278949 6263 11 772,1/4 11772 6:454$000

3669769 131475,1/2 267839,1/4 94475,3/4 83:271$190


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De foros de terras, e prestações de lugares públicos para Ao 3.° Vereador, idem . 180$160
vendagens Ao Procurador do Senado, idem .. 180$160
Ao Escrivão do Senado, pelo mesmo 180$160
202$755 151$550 117$300 122$220 Pelo seu ordenado . 60$000
Soma de cada um dos anos antecedentemente propostos Pelos têrmos dos talhos . 74$000
Pela despesa com papel, tinta, e
Anos de 1795 1796 1797 1798 obreias* . 50$000 364$160
Ao oficial maior da secretaria do
14:679$675 16:053$110 14:775$440 18:240$000 Senado, pelo seu ordenado . 60$000
Pelos 6 beija-mãos a 10$240 . 61$440
Pelas 3 propinas . 4$160 125$600
De tôdas as mencionadas rendas, à exceção da contribuição
Ao 2.° oficial da secretaria, idem 125$600
dos 100 rs. consignada para as despesas dos currais, se tira a têrça Ao Tesoureiro do Senado, de orde-
parte para S. Majestade, e o resto fica ao Conselho, e se aplica nado . 160$000
para as festividades, e obras públicas, como sejam pontes, fontes, Pelos 6 beija-mãos a 10$240 . 61$440
calçadas, e outras de semelhante natureza, soldos de sargentos-mo- Pelas 3 propinas . 5$440 226$880
Ao síndico do Senado, pelo seu
res, e ajudantes, aposentadorias, ordenados dos filhos da fôlha, e 40$000
ordenado .
criação de expostos. Pelos 6 beija-mãos a 10$240 . 61$440
Pelas 3 propinas . 5$440 106$880
* DESPESAS DO SENADO DA CÂMARA Ao Porteiro e guarda-livros do Se-
50$000
nado, pelo seu ordenado .
Despesas certas que o Senado da Câmara da cidade da Pelos 6 beija-mãos a 10$240 . 61$440
Bahia faz anua/mente com as pessoas seguintes: Pelas 3 propinas . 4$160
Pelas 10 Procissões a $500 . 5$000
Pelo carreto dos bancos, e cadeiras
Ao ilmo. e exmo. Governador- em tôdas as festividades do
General por 6 beija-mãos, cada Senado . 10$500
um a 71$680 . 430$080 Pela pintura das varas para os
Pela capela em dia de S. João 32$000
vereadores, e almotacés .
Batista . 60$000 490$080
Ao Dr. Ouvidor da comarca pela Pela armação das janelas da Casa
do Senado em dia de Corpus ... 12$800 175$900
aposentadoria . 40$000
Pelos 6 beija-mãos reais a 40$960 245$760 A um Procurador do Senado em
Por 10 procissões a 8$000 . 80$000 Lisboa . 200$000
Pelas propinas das Candeias, Cor- Ao Médico da Saúde, de ordenado 45$000
pus Christi, e Aclamação . 21$760 Ao Cirurgião da Saúde, de ordenado 40$000
Por 6 brandões de cêra de duas li- Ao Solicitador das Demandas o
bras cada um a 640 cada libra 7$680 395$200 seguinte:
Ao Dr. Juiz-de-Fora, Presidente do Pelo seu ordenado . 32$000
Senado, em tudo como o antece- Pelas 3 propinas . 2$880 34$880
dente . 395$200 Ao primeiro Porteiro do Conselho,
Ao Dr. Juiz do Crime, idem . 395$200 o seguinte:
Ao Dr. Juiz dos Órfãos . 395$200
Pelo seu ordenado . 6$000
Ao 1.0 Vereador pelos 6 beija-mãos 122$880 Pelos 6 beija-mãos a 1$280 . 7$680
Pelas 10 procissões a 4$000 . 40$000 Pelas 3 propinas . 1$600 15$280
Pelas 3 mencionadas propinas . 10$800 180$160
Por 5 brandões de 2 libras a 640 6$400
Ao 2.° Vereador, pelo mesmo .... 180$160 • Fôlha de massa para pegar papéis. - E. C .

74 75
Ao 2.° Porteiro do Conselho, idem 15$280
Ao Secretário do Conselho de
Ultramar, de seu ordenado ..... 40$000
A Santa Casa da Misericórdia para
despesas com os expostos . 200$000
Ao Repesador da carne na porta do
açougue a 100 rs. por dia ....
36$000
A Santa Casa da Misericórdia pelo
aluguel de uma casa para açougue
nas Portas de S. Bento .
28$000
Ao sargento-mo r do 1.0 Regimento
de Milícias de sôldo a 26$000
por mês . 312$000
De pão de munição a 900 rs. por
mês . 10$800 322$800
Ao sargento-rnor de Itaparica, so-
mente de sôldo . 312$000
Ao sargento-mo r do 4.° Regimento
de sôldo, e pão .
322$800
Ao 1.0 ajudante do 1.0 Regimento
de Milícias por sôldo, cavalo, e
pão . 206$050
Ao 2.° ajudante, de sôldo a 8$000
rs. e pão . 106$800
Ao 1.0 ajudante do 4.° Regimento,
de sôlda a 10$ rs. por mês, e
pão . 130$800
Ao 2.° ajudante de sôldo, e pão . 106$800
Ao abade da Graça para a missa, e
capelas em dia de S. João ....
Despesas com folhinhas, canivetes,
e tesouras .
38$000

21$760
.,' '''''' .if;:'(:; :·}\;';'~·~·',fiiii'
il;Z~~~;?:},I!J.>~:·:r;AJj]~
n" .:..., .:'.,. ""\-
Pelo fôro anual que o Senado paga _":1.t,'>~;.;i.~~':'v...:-:'.~
'_:~'~-'. ,,""-'."i!~'.,:,,'~J

ao mosteiro de S. Bento por


parte da terra que ocupam as
Casas da Câmara, e lhe pertence 4$000
Despesa que o Senado faz pouco
mais, ou menos com as festivi-
dades, segundo o preço da cêra:
Com a de S. Sebastião . 20$720
Com a de N. Senhora das Candeias 6$080
Com a de S. Filipe, e S. Tiago .. 9$560
Com a de S. Francisco Xavier, em
que se reparte cêra com o clero,
e cidadãos . 248$200
Com a de Corpus Christi, em que
também se reparte cêra com os

76
cidadãos, cavaleiros etc . 642$720
om a de S. João Batista . 79$360
om a da Visitação, e Anjo Custó-
dio do Reino . 9$560
Com a da Aclamação do Sr. Rei
D. João IV . 65$480
om a de Santo Antonio de Arguím,
em que também se reparte cêra
com os cidadãos . 234$960
Somam tôdas as despesas . 7:459$430

Despesa anual pela consignação do


Curral:
Ao administrador do Curral, pelo
seu ordenado . 400$000
A~ TesouArei~o da Câmara por esta
incumbência . 100$000
Ao superintendente da feira, de
ordenado . 250$000
A 2 soldados na mesma feira por
acompanharem o gado a 100 rs.
por dia a cada um . 73$000
A um capelão, que diz missa todos
os dias de feira . 10$000
Rs. 833$000

Podem muito bem os quatro anos referidos servir de para-


digma paar saber-se o rendimento, e despesas, que o Senado da
Bahia tem, e faz, sem que possa haver dúvida de circunstância, por
serem tiradas por quem tem tôda a razão de sabê-Ias individual-
mente.
Para melhor satisfazer a tua curiosidade, lançarei mais aqui
n noticia que pude haver do rendimento do Senado em seis anos
precedentes àqueles quatro; se bem que não afianço a sua cabal
certeza, apesar de me serem participados por pessoa da mesma
corporação:

Rendimentos nos anos


de 1789 . 17:764$975
de 1790 . 13:668$000
de 1791 . 16:527$705
de 1792 . 12:500$260
de 1793 . 12:735$831
de 1794 . 13:680$160

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* DESORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA
111:' '",11 Iôdn terra, que desmontam daquelas nocivas pedreiras; e
'-1'1("11 uno sabe que aquela terra puxada pela ressaca das ondas,
Apesar de serem as rendas dêste Senado tais, como fica de- li iutulhur o fundo, e perder os portos e desembarque? Por
monstrado, elas se acham em um alcance avultado, de forma que 10. II semelhantes motivos, é que o pôrto da Bahia está hoje
são freqüentlssímas as execuções, que lhe sobrecaem, o que em I" l.tldo, em comparação do que foi. Poder-se-iam empregar os
parte se deve à falta de govêrno econômico, e respeitos particulares '1,ldulI~ das rendas do Senado em entulhar um perniciosíssimo
de muitos dos que anualmente entram naquela governança, inte- J,II I li, de que falarei, quando tratar das causas primárias das mo-
ressados mais nos seus cômodos, de parentes, e amigos, do que ze- h~~1i.1~ cndêmicas,
losos do bem público; concorrendo para que o Senado mande I lês são as causas por que muitos julgam que o Senado ja-
fazer muitas, e dispendiosíssimas obras, que sô vêm a resultar em 1I1111~ poderá chegar a um estado a que se chame ordem; é a pri-
utilidade de um particular, do engenheiro, ou mestre que as dirige, "1111 a porque nunca o seu Presidente, que é sempre o Juiz-de-Fora
e do empreiteiro que as toma; desta natureza são algumas calçadas, 110 Civel, e na sua falta o do Crime, ou Órfãos, pode deliberar
e desmontes, que importando em 12, 15 e 20 mil cruzados, só 111I muitas oposições dos camaristas, e Procurador, que devendo
servem de utilidade a poderosos, a cujas portas vão finalizar, e WI tirados do mais líquido da nobreza, e independentes armam
isto para aumentar-lhes o valor às suas casas de campo; tomando-se muitos tais ligeirezas, que indevidamente se fazem introduzir nas
o pretexto de que por ali se pode fazer caminho para uma insigni- puutus, valendo-se de empenhos de personagens, que logo os cer-
ficante fonte, ou charco d'água de gasto, quando os pretos que a lilkam da eleição no apurar das mesmas, e quando se dispõem
vão carregar lhes ficariam em grande obrigação se tais calçadas para a condecoração de Vereadores, é já com tenção formada de
se não fizessem, pelo muito que lhes molestam os pés descalços. conseguir dos companheiros mil cousas injustas, tendentes às suas
Outros há, e tem havido que porque não roda bem a sua sege utilidades, dos parentes, amigos, e patronos, apesar da renuição* do
na rua, ou calçada próxima à sua propriedade", cuida muito em que Presidente, que logo sufocam com a pluralidade de votos.
o Senado a título do bem público mande logo altear, rebaixar, ou Uma outra origem de desordens no Senado é a ascendência
calçar aquêles lugares; e por êstes, e semelhantes modos se dis- que o Supremo Tribunal da Relação tem arrogado sôbre êle, sendo
sipa uma grande parte das rendas do Senado, que deveram ser verto que querendo o Senado fazer obviar algumas infrações das"
aplicadas a outras urgentíssimas necessidades, indispensáveis ao leis municipais, e ainda Portarias dos exmos. Governadores inter-
público; como sejam a refacção do cais, e fonte onde se faz aguada púc a parte um agravo para a Relação, e tem por certo o provi-
para os navios, e tôda a muralha, que daí corre à beira-mar para mcnto com que já conta quando agrava; motivo por que vêm a
o Norte até o Noviciado, * onde a violência do bater das ondas hcnr sem validade as posturas, e reiteradas Portarias o Senado ou
vai arrancando a cantaria, e minando por baixo a terra, de forma parn melhor, o Presidente iludido, e os perversos com a mão alçada
que virá a cortar-se aquêle trânsito, o mais freqüentado de todos pal.1 descarregarem quando êste obsta as suas pretensões. Ora
os ingressos para a cidade, sem que fique o mínimo recurso, por 1'~11l privação que o Senado sofre das suas jurisdições privativas,
ser aquêle cais extensíssimo, todo ao correr da falda da montanha I deliberações no govêrno econômico, são muito dignas de refle-
escarpada, e muito mais escarpada com as pedreiras, que inde- XIIO, e muito mais em uma Câmara representante de um povo tão
vidamente se vão abrindo, e fazendo casas no plano, que formam cnnvidcrável como o da Bahia; por estas, e semelhantes desordens
onde arrancaram a base da montanha, ficando no inevitável risco uccde não haver um povo mais mal governado, quanto à econo-
de serem mais ano, menos ano tôdas soterradas." * Acresce aos 11110, e polícia. Não me lembro, meu Filopono, de ter estado em
prejuízos do público, o ver eu, e verem todos lançar impunemente 11'1 ru onde não haja, como nesta um palmo de terra de baldio nos
I'U~ subúrbios, para logradouro do povo, de forma tal, que nem
• São Joaquím. - E.C.
••• Subterradas. - E. C .
He'j('lçllo. - E. C.
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79
há onde se façam os despejos, que não podem escusar-se por estar
tudo tomado, e murado.
Quisera eu que tu tivesses nesta cidade algum outro corres-
pondente que te informasse das amarguras, por que não há muitos
anos passou um Presidente dêste Senado, nascidas de querer cum-
prir com os seus deveres, e da oposição de membros daquele Su-
premo Tribunal, que haviam protestado arruiná-lo inteiramente, o
que conseguiriam a não intervir a incomparável piedade, retidão, e CARTA I
justiça do nosso exmo. Governador D. Fernando José de Por-
tugal, que por livrar uns, e outros de infalível perdição, se dignou
mandar recolher uns autos dignos da maior atenção, e trancar
nêles respostas violentíssimas, e em que se lêem acórdãos de qua- NOTAS E COMENTÁRIOS DE BRAZ. DO AMARAL
renta e mais páginas concebidos em têrmos os mais estranhos de
membros de uma tão respeitável corporação, e o que mais é para
admirar em uma causa suscitada pela apreensão de uma vitela a
fulminas, que a traziam para vender por alto, e em que jamais se
não pôde, ou não quis saber quem fôsse o seu autor significado
com o nome de um indivíduo, que nunca existiu, apesar das ins-
tâncias daquele ministro, que altamente clamava pela incurialidade
de um tal pleito. O certo é que êle acabou o seu lugar em estado
de não poder servir mais aS. Majestade, por cego; não te parece
meu Filopono, ser isto muito digno de reflexão?
A terceira causa pois são as freqüentes Portarias dos exmos. VILHENA CITA a opinião de haver sido Manuel Pinheiro o
Governadores, que desconfiados talvez das sinistras intenções de descobridor da baía de Todos os Santos, em contrário ao dizer de
alguns dos diversos membros de que todos os anos se compõe o muitos autores portuguêses e brasileiros que atribuem tal descoberta a
Senado têm arrogado a si a maior parte das suas regalias, pondo-o lonçalo Coelho ou a Cristóvão Jacques, e, um pouco mais moderna-
mente, a Américo Vespuccio.
em estado de não poder deliberar cousa alguma de ponderação, e
A hipótese de ter sido êste pôrto visitado em primeiro lugar por
que possa ter validade, sem que seja munida com uma Portaria. Cristóvão Jacques, opinião que foi aliás por muito tempo seguida pelos
Muitas mais cousas há em que refletir sôbre tudo o que per- compêndios de História do Brasil, usados nos liceus e escolas, me
tence a esta cidade, seu recôncavo, e Capitania inteira, o que farei parece inteiramente condenada pela crítica mais singela e o mais sim-
ples exame dos fatos.
nas que para o futuro te escrever, visto que por agora me falta Cristóvão Jacques só veio ao Brasil depois de 1520.
tempo, pois me dizem que esta tarde sai o navio, em que remeto Ora, o mapa de Alberto Cantino, feito em 1502, já mencionava
esta. Estimarei me permitas ocasiões de mostrar-te o quanto deseja 1\ bntn de Todos os Santos, forçosamente porque já alguém levara a
servir-te, e dar-te muito gôsto, I ixboa a notícia da existência dela.
A viagem de Gonçalo Coelho foi posterior a esta data, mesmo a
tio Américo Vespuccio o foi,. pelo que é de presumir que as visitas
o teu amigo, e muito obrigado venerador I~\itn, por êstcs dois marítimos à nossa grande enseada fôssem também
PO~(l'IIOI'esi\ de um outro navegador que sôbre ela dera a informação
Amador Verissimo de Aleteya. Ilplovui(nda por Cnntino ,
A n(\o ser Caspar de Lemos que Cabral despachou de Santa Cruz
)111111 11 Europa COI11 a nova da descoberta, o que não parece provável,
1111 ,>ONU Ncr(1 ndmitlr-so a passagem na baía de algum navio que bem
80 81
pode ter sido o de Manuel Pinheiro. Vilhena porém fala também em
pl'lo mesmo baiano que está escrevendo estas notas e comentários às
naufrágio e na fundação de uma cidade, o que não parece provável, Notictas 'Soteropolitanas e Brasilicas de Luís Vilhena.
por absoluta falta de notícia de tal acontecimento com Américo, Gon-
Atendendo porém ao fato de terem alguns duvidado da existência
çalo, Cristóvão Jacques, Pero Lopes de Souza, etc.
dI' Diogo Alvares, chegando a acreditar que todo o referido sôbre êste
Nem ainda mencionam tal povoação Gandavo, nem Gabriel Soa-
pnsonagem devia ser lançado para os domínios da lenda, transcrevo
res, nem Fr. Vicente do Salvador. tl iegisto que se refere ao Caramuru.
Que Manuel Pinheiro tivesse sido o descobridor da baía é possível,
que tivesse êle primeiro levado a notícia desta grande enseada é per-
N.<) 1402 - A dezanove de julho de mil quinhentos e cin-
feitamente verossímil e até que fôsse o comandante dos navios, da
qüenta e três passou o Provedor-Mor mandado para o dito Te-
equipagem de um dos quais fazia parte Diogo Álvares, o Caramuru, e
soureiro Luís Garcia que pagasse a Diogo Álvares Caramuru,
que êsse navio se tivesse perdido aqui, porque às vêzes navegavam
morador na Povoação do Pereira, têrmo desta cidade, mil e
alguns barcos sob o mesmo comandante, ou apenas de conserva, e
setecentos réis em mercadorias que lhe são devidas de dezassete
podia muito bem ter-se perdido um, seguindo os outros sua viagem.
alqueires de farinha da terra feita entre os brancos para Sua
Tudo seria verossímil se o naufrágio de Diogo Álvares não se tivesse
Alteza e que foi por êle e seu conhecimento de como recebeu
dado em 1510, ou proximidades dessa data, o que afasta qualquer re-
a dita quantia e conhecimento do álmoxarife Cristóvão de
lação entre a viagem de Manuel Pinheiro e a de Diogo Álvares.
Aguiar, em que declarou receber a dita farinha e lhe ficasse
~ perfeitamente admissível que o nome de Todos os Santos fôsse
carregada em receita e lhe sejam levados em conta.
dado à baía por ter sido ela primeiro visitada no dia em que a Igreja
comemora todos os bem-aventurados, mas que o náufrago tivesse fun-
Este outro registo de um pagamento feito a Afonso Rodrigues, um
dado povoação não é aceitável, porque, se fôsse isso exato, de tal
dos genros do Caramuru, prova também que esta família existiu real-
falariam os que pouco depois aqui vieram; o sincero e pouco ima- mente e que são personagens rigorosamente históricos.
ginoso Pero Lopes de Souza, em 1535, se refere a um só homem
branco que vivia entre os índios e que dera "larga razão da terra".
Ao derradeiro de fevereiro de mil quinhentos e cinqüenta
Não havia cidade alguma nessa época.
e um passou o Provedor-Mor mandado para o dito Tesoureiro
Temos motivos para acreditar que houve um pequeno agrupamento
que pagasse a Afonso RodrIgues, morador na Povoação do Pe-
de habitações e de moradores brancos na península de Paripe, mas
reira, têrmo desta cidade, mil e quatrocentos e quarenta réis em
isto não foi uma cidade, e não foi nos primeiros anos do século da
dinheiro que lhe eram devidos de dezoito alqueires de farinha
descoberta.
da terra que se compraram por mandado do dito Provedor-MOI
A povoação de certa importância que a Bahia primeiro teve foi e se logo gastaram no mantimento dos escravos que S. Alteza
Vila Velha, que Coutinho fundou com a gente que trouxe, no atual mandou a esta dita Capitania, de que se não fêz receita e que
bairro da Vitória e Barra, formoso subúrbio da Bahia. por êle e seu conhecimento feito pelo escrivão de seu cargo.
A ponta de Santo Antônio da Barra é a mesma chamada em livros assinado por ambos, em que declarasse receber a dita soma, lhe
e documentos antigos Ponta do Padrão, por ter sido fincado ali um dos sejam levados em conta a oitenta réis o alqueire.
que pelos portuguêses foram postos na costa do Brasil, como sinal
material de posse e domínio.
Estes dois assentamentos foram fielmente copiados por quem está
Ali fizeram primeiro uma fortificação ligeira e mais tarde um
fazendo êstes comentários e notas, do Livro 1.0 das Provisões Reais
forte regular.
que se encontra na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, livro que,
Nesta construção, militarmente abandonada, está hoje instalado o
com os outros da coleção respectiva, se achava na Bahia na Tesoura-
farol da Barra.
ria de Fazenra, de onde os mandou levar para o Rio de Janeiro o
Quanto à cidade, foi a estabelecida por Tomé de Souza em 1549, ministro F. Belisário em 1887.
quando veio constituir um govêrno diretamente sujeito ao govêrno por-
Tôda a coleção tinha sido mandada copiar, para salvá-Ia dos es-
tuguês, povoação que êle fundou no alto da colina onde se acha hoje
tragos do tempo, o Governador D. Fernando José de Portugal, no fim
o distrito da Sé.
do século XVIII.
As menções dos livros de reg isto das Provisões Reais a que se ~ também muito curiosa a descrição geral da Bahia feita nesta
refere Vilhena, em que são citados Diogo Álvares e o bombardeiro da carta por Vilhena, especialmente se a compararmos com a feita por
fortaleza de Vila Velha, são rigorosamente exatas e já se acham publi- Gabriel Soares no primeiro século da descoberta.
cados êstes registos, assim como diversos outros interessantíssimos dos Gabriel Soares mostrou a terra virgem, coberta de mato na sua
primeiros tempos da cidade, nas anotações ao 1.0 volume das Memôrias
maior parte, com a agricultura da cana-de-açúcar que começava, e os
Histáricas e Políticas da Província da Bahia de Inácio Accioli, feitas
primeiros estabelecimentos do homem sedentário em tôrno da enseada,

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os engenhos e as capelazinhas que a ardente fé daquele tzpo fazia Só aqui e ali, depois de uma luta de trezentos anos, vegetavam
considerar como parte indispensável do trato dos civilizados k~ CIl1 pequenos grupos, de tribos perseguidas, escorraçadas, muitas
Vilhena já a descreve trezentos anos depois com admi ável senso Vl"/l'~ acuadas pela fome, parecendo que uma fatalidade injusta levava
político, de modo que por êle já conhecemos as freguesias e as cir- pum o desaparecimento esta raça que havia outrora possuído a terra,
cunscrições civis, a indústria e o comércio muito mais desenvolvidos dn qual era agora proscrita, refugiando-se nos lugares mais inacessíveis
do fim do século XVIII; assim é que já nos são mencioríadas as vilas petu aspereza dos montes, ou pelo cerrado dos bosques.
do Recôncavo que hoje são cidades e muitas das que se haviam fundado O edifício da Câmara levantado por Tomé de Souza, foi inteira-
no interior. mente reformado por Francisco Barreto de Menezes, entre 1653 e
Sendo muito maior a população, também muito mais complexas 1657, c ampliado no tempo de D. João de Lencastro.
são já as relações administrativas, as divisões e subdivisões dos distri- Ali em frente havia o pelourinho, onde se supliciavam os crimino-
tos, e muito se multiplicaram também as necessidades dos cidadãos e ~()S, c a fôrca, onde se executavam os condenados à pena última.
as condições de vida dos mesmos. Mudou o governador D. Diogo Botelho êstes instrumentos da
Até Gabriel Soares apenas a bacia da enseada se achava povoada Justiça para o Terreiro de Jesus, mas neste lugar também não ficaram
pelos brancos; na época de Vilhena já a denominação dêles se estende por causa dos gritos dos açoitados que perturbavam pela manhã as
ao longo pelos sertões. missas e cerimônias religiosas da igreja dos Jesuítas, pelo que foram
Em tôda parte a guerra e a catequese precederam a organização tais execuções transferidas por ordem do rei para a Porta de S. Bento.
Mais tarde foi mudado outra vez o lugar das execuções para a
da Justiça que se foi gradualmente estendendo para o interior.
Fundaram-se primeiro as freguesias, depois as vilas e as ouvido- praça hoje chamada José de Alencar, mas a que o povo dá até agora
rias se foram constituindo mais tarde. o nome de Largo do Palourinho, o qual estava próximo a outra porta
As duas Capitanias subalternas do Espírito Santo e de Sergipe ti- da cidade chamada Porta do Carmo.
A obra de reedificação da Câmara Municipal foi feita à custa das
veram a primeira a sua colonização independente, a segunda a sua co-
rendas da mesma municipalidade, no tempo do rei D. Afonso VI.
lonização pela irradiação da população baiana.
Muito mais tarde, quando, nos fins do século XVIII, era governador
A administração em tôda parte era segura e respeitada como o
D. Fernando José de Portugal, mandou êste reedificar a cadeia pública,
podia ser naquele meio, na qualidade de emanação genuína do poder
em baixo daquele edifício.
real, mas o amanho regular da terra ainda não ia muito longe, ou,
A primitiva Casa da Câmara, construída por Tomé de Souza,
pelo menos, a cultura da cana-de-açúcar, porque o engenho mais dis-
quando veio fundar a cidade, era de taipa.
tante era o da Pojuca.
O escudo dado por êste governador à Câmara é constituído por
No sertão, porém, já havia uma população considerável que se
um campo verde no meio do qual se vê uma pomba alva, tendo no
alimentava dos produtos regulares da terra e a criação do gado já era
bico um ramo verde de oliveira, que exprime paz e salvação, signi-
uma das riquezas da Capitania.
ficando a pomba o amor, do qual é símbolo.
A grande Ouvidoria da Jacobina já se tinha fundado no centro
e a de Pôrto Seguro ao sul. Os arcos que se notavam na parte baixa da fachada principal da
Já nas margens do distante S. Francisco tinha sido fundada a Câmara no tempo em que Vilhena escreveu, já se não encontram ali
vila de S. Francisco das Chagas da Barra do Rio Grande do Sul por como eram e estavam ainda há cêrca de 30 anos, porque após a pro-
um dos Ouvidores da Jacobina, e o curso do grande rio estava livre clamação da República sofreu grande mudança a arquitetura daquele
à navegação dos civilizados, assim como quase tôdas as estradas do edifício.
sertão. As sacadas de ferro é que me parece serem as mesmas que êle
Havia decerto grandes claros no meio dêsses núcleos de população, descreveu.
mas o índio por tôda parte se achava domado, ou exterminado. A tôrre que encima o edifício também sofreu mudança na sua
Com a cultura da mandioca, geralmente em tôda parte onde ha- arquitetura exterior; e, na parte culminante, em vez do mastro de ban-
via ser humano, branco, mestiço, ou indígena aldeado, se tinham de- deira que ali está, havia uma grande figura de ferro, "o ginga da
senvolvido duas culturas em certos pontos, a do tabaco, especialmente cadeia", na gíria popular, emblema do castigo que se dava aos crimi-
nos campos da Cachoeira, e a do anil. nosos, pois tinha nas mãos feixes de cordas e açoites.
No litoral os coqueirais já existiam por tôda parte, e quase tôdas No lugar onde está o relógio, ou pouco abaixo, se achava o sino.
as árvores de fruto exóticas que temos já se achavam aclimadas. A cadeia ocupava o pavimento térreo do edifício.
Não se pode negar que tinha sido notável a obra feita pelos por- Tratando do sino da Câmara acha-o Vilhena insignificante para o
tuguêses. 'dificio.
Como uma nota triste, pena é registar também a eliminação do possível, pois êle já lá estava antes da reedificação feita por
indígena. 11(11 reto de Menezes em 1657.

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o sino que está hoje no Arquivo Público e Museu do Estado tem 1\ IllItiga fortificação conhecida por êste nome devia estar mais
a data de 1615 e é uma jóia histórica. 1111 1111 IIII~ onde foi construído o Teatro S. João.
Ele testemunhou a guerra holandesa e podia contar, se falasse ou 1\ I1IH ta dominava 'portanto a parte baixa do monte, e a rampa
escrevesse, como saiu Diogo de Mendonça Furtado prêso do palácio, 11111111'1111, onde está, no alto do oiteiro, o convento de S. Bento, so-
cercado pelos soldados estrangeiros, e como D. Fradique de Toledo 11\ Ildll o inimigo o fogo da defesa, desde que se descobria para descer
entrou naquela praça à frente dos seus têrços espanhóis, e como avan- 1'~ll' oilciro.
çaram as colunas de Bagnuolo quando seguiam para lutar com as lIsta porta parece ter sido começada pelo governador D. Lourenço
divisões de Nassau no bairro de Santo Antônio. dI! Vciga.
Foi testemunha dos dois bombardeamentos e dos dois saques que Ali se feriu sério combate na primeira guerra holandesa, resis-
a Bahia sofreu no ano fatal de 1624 a 1625 e podia dizer alguma cousa uudo às tropas que haviam desembarcado na Barra os poucos soldados
de Segismundo Von Skope* de quem foi também contemporâneo, pois, de Diogo de Mendonça Furtado.
da tôrre em que êle estava, se avistaram os incêndios que as tropas O governador Diogo Luís de Oliveira lhe fêz uma porta interior
flamengas atearam na desgraçada ilha de Itaparica. pura aumentar a resistência e uma tenalha, para lhe defender a aproxi-
Tangeram-no com furor no dia em que os mesteres e o juiz de mação, em 1630.
povo reclamavam do 3.° Conde de Castelo Melhor reformas, e lhe D. João de Lencastro dotou-o mais de um ornaveque, o qual estava
impuseram condições. uruinadíssimo, quando foi pôsto abaixo em 1796, sendo demolido por
Repicaram-no quando D. João chegou ao Brasil, sendo êle o pri- ordem do Conde da Ponte no princípio do século XIX.
meiro instrumento da sua espécie que emitiu sons pelo desembarque Sôbre a construção da Porta do Carmo não encontrei dados que
de um Príncipe Regente em terra da América, e tornaram a tocá-l o, me habilitassem a dar a época em que foi levantada.
quando o povo se reuniu para saber dos deputados por que motivo Tanto esta, como a de S. Bento tinham esculpida no alto e divisa
haviam êles deixado a representação que a Bahia lhes dera, na ocasião da cidade, isto é, o escudo da Câmara, dado por Tomé de Souza.
em que a primeira Constituinte foi dissolvida por Pedro I. A Porta de S. Bento estava no subúrbio e hoje o lugar em que
Durante os tumultos de 1824** e dos anos que se seguiram pouco ela se erguia é o coração da capital.
espaço de tempo havia que o não tangessem por mãos revolucionárias As cabanas que havia onde hoje se vê o Guarani* e vizinhanças,
e em 1837*** tornou a tomar parte na política, ora soando em reuniões uinda existiam há 50 anos, e ali se fazia um mercado de legumes, arti-
promovidas pelos rebeldes, ora em regozijo pelas vitórias das tropas gos de alimentação, etc.; elas desapareceram depois que se fêz o alar-
~~ri~. . gamento da travessa em rampa que da Barroquinha leva ao Largo do
Tem portanto uma existência de três séculos e é um documento Teatro (atualmente Praça Castro Alves).
e uma relíquia. A respeito de certas cousas da vida da Câmara, parece ao ler o
Os currais do Conselho de que trata o nosso historiador ainda que escreveu Vilhena que êle é nosso contemporâneo, que está escre-
existem, muito próximos à fortaleza do Barbalho, no sítio que o povo vendo em nossos dias.
chama ainda Matança por ter sido ali que por muito tempo foi abatido Até a respeito da espécie de hostilidade que encontrava o Senado
o gado grosso para a cidade e mais tarde o gado suíno e lanígero; o na magistratura é perfeito o símile.
que hoje já se não faz por se haver mudado êste serviço municipal Ainda há pouco tempo dizia um juiz de vara importante da capi-
todo para o Retiro. tal da Bahia a quem escreve estas anotações: "Os juízes, e principal-
Este lugar que era subúrbio, ainda no comêço do século XIX, mente os tribunais, dão sempre infalivelmente sentença contra o poder
está atualmente no meio de edificações, o que demonstra como cresceu
a cidade nos últimos 100 anos. Souza, marcando, respectivamente, os limites meridionais e seten-
no que êle foi minudente e exato, deixando-nos detalhes curiosos como trionais da Cidade. Eram, então, as Portas de Santa Luzia e as
A parte final da primeira carta de Vilhena é uma singela mas fiel Portas de Santa Catarina, com embasamentos de artilharia. Com a
pintura de cousas que entendem com a vida municipal e seus serviços, reção do mosteiro de São Bento, ao Sul, e do convento do Carmo,
êsses das cabanas junto às Portas de S. Bento.**** ao Norte, passaram a ser chamadas "Portas de Santa Luzia Indo
para São Bento" e "Portas de Santa Catarina indo para o Carmo",
* Van Schkop. - E.C. donde, por simplificação, Portas de São Bento e Portas do Carmo.
** Deve ser 1822, quando distúrbios na cidade iniciaram o movi- Não tem fundamento, assim, a suposição de Braz do Amaral, de que
mento pró-Independência, vitorioso no ano seguinte. li primeiras tenham sido começadas pelo governador Lourenço da
* ,. * Por ocasião da Sabinada. Vciga , (Vide Edison Carneiro, A Cidade do Salvador, Rio de Ja-
* * • * Tanto as Portas de São Bento como as Portas do Carmo, adian- neiro, 1954). - E. C.
te citadas, foram edificadas durante a administração de Tomé de • Oíne Guarani. - E. C.

86 87
público. Não há quase causa em que a Fazenda Pública vá aos tri-
bunais defender-se na qual não sofra condenação".
Tratando da sociedade colonial, Vilhena ironiza discreta mas feri-
namente os ridículos e os defeitos quando fala nos fidalgos da terra.
Como português de velha escola êle julga os plebeus abjetos e sua
crítica fere por isso os pretendentes à nobreza.
A parte que diz com os militares blasonadores, sempre a reclamar
pelos seus serviços, que se resumem nalgumas guardas e rondas, está-
se vendo ser observação que em todos os tempos tem cabimento neste
país, e o que conta acêrca dos costumes do povo parece ser escrito 2
agora, por algum cronista inteligente.
Antes dêle já o Conde de Sabugosa tinha observado numa carta
ao Soberano que esta gente baiana era de índole boa, branda e ordeira,
fácil de conduzir, porém muito amante de festas e folgares. Com um
divertimento gastam todos fàcilmente o que possuem, despreocupados
do dia seguinte, alheios ao espírito de economia e de poupança.
A gente do povo é perdulária, e quando não é obrigada por ur-
A Cidade da Bahia (b)
gente necessidade, repugna-lhe o trabalho pelo que sempre vive pobre
e sem reservas; o que também é freqüente na classe média.
~ singular que se não tivessem banido tão maus hábitos.
Indiferente a tudo, é porém fácil de impressionar em certas
ocasiões, chegando a exaltar-se até os maiores extremos.
As obras de beneficência, as manifestações públicas só logram
sucesso pela forma de diversão que lhes quiserem dar os iniciadores
ou como novidade, lugar onde muita gente se encontre, as pessoas sejam
vistas e falem os jornais.
Outra observação judiciosa de Vilhena é a que trata do estabele-
cimento da cidade onde foi, quando preferível teria sido fundá-Ia na
península de Paripe, ou na de Itapagipe, ou nas ilhas do arquipélago
que por cá temos dentro do gôlfo, algumas das quais com boa água.
Também não se lhe pode negar plena razão quando reprova a
imprudência de colocar edifícios pesados no vértice das colinas, do que
resultou o desastre acontecido com a igreja de S. Pedro dos Clérigos
que levantaram no mesmo morro onde já estavam a Sé e a igreja dos
Jesuítas, do que foi conseqüência ir desabando para a Cidade Baixa,
onde causou mortes e ruínas.
O próprio frontispicio da Sé foi arriado, frontispicio de que os
baianos não têm idéia, que Vilhena desenhou e do qual desejaríamos
dar uma reprodução para ilustração dos leitores e explicação dos mo-
tivos pelos quais tem fachada tão discordante com o resto do suntuoso
templo o edifício da Sé. A propósito da observação feita pelo autor
de terem desaparecido os materiais daquela demolição que êle encon-
trou no Terreiro, onde já se não viam algum tempo depois, cabe dizer
que a causa disto é furtarem aqui na Bahia os particulares para as suas
obras os materiais que pertencem à Fazenda Pública, porque a mesma
cousa ainda hoje se dá e com a mesma impunidade.
Há nesta carta de Vilhena uma referência em que falhou o seu
juízo no que diz respeito a minas de ferro aqui dentro da Bahia e na
ilha dos Frades, pois nada disto se tem verificado, parecendo que êle
se guiou por informações que se não baseavam em estudos sólidos.
88
Carta Segunda

em que prossegue a descrição topográfica da


cidade da Bahia

ILOPONO amigo que muito prezo.


A tempo que menos o esperava, saiu desta para essa cidade
ti nuvio em que te enviei a minha última carta, sem ter ainda
Pll'l'l1l'hido as medidas, que para ela havia tomado; o que farei
lIi'~III, continuando a' descrever-te a cidade da Bahia no estado em
lI"l' se acha.

••• VARANDAS E RÓTULAS

Naquela antecedente te expliquei, não só a posição, como duas


flllncipais ruas; uma na Cidade Alta; e na Praia ou Cidade Baixa
nulru; bem como as suas três praças com os edifícios que as ornam;
i unvém porém que saibas, que como na Praia seja pouco o terreno
1'111 rnzflo de economizá-Io, fizeram a sua principal rua informe
1'111 sumo grau, com tantos ângulos salientes, e reentrantes, e tão
I'~IH'IIII em partes, que escassamente cabia por ela uma sege; o
'111I' vendo o exmo. e memorável Governador D, Rodrigo José de

91
Menezes a reformou, mandando apear passadiços, que em parte as Portarias dos Governadores, e fazer a sua casa como bem lhe
a atravessavam, e demolir esquinas que a engasgavam até o meio; parece; e por êste modo é privado o Senado da sua privativa ju-
ordenando ao mesmo tempo, que seus donos fôssem indenizados risdição, e deliberações do govêrno político, e econômico.
pelas rendas do Senado. Sendo pois desta forma a rua principal;
pondera o que serão as outras, e muito principalmente os becos.
Não só de terreno são aquêles habitantes econômicos, como * QUITANDAS
o são também de ar; porque não satisfeitos com armar casas agaio-
ladas de quatro, e cinco andares, sôbre paredes, como já disse, Não há nesta cidade uma só praça de mercado, mas sim uns
de tijolo, saem em cada um dêstes andares as pontas das vigas lugares a que chamam quitandas, * nos quais se juntam muitas
por quatro, cinco, e mais palmos para fora das paredes, e sôbre negras a vender tudo o que trazem, como seja peixe, carne meia
estas pontas formam varandas que acompanham tôda a frontaria, assada, a que dão o nome de moqueada, toucinho, baleia no tempo
com um espaço tecido de rótulas, cobertas com uns telhadinhos, da pesca, hortaliças etc. Destas quitandas há três em tôda a ci-
que saem muito mais para fora para desviar as águas; de forma dade; uma na Praia, outra que indecentemente estava na praça
que, os que moram em segundo, ou terceiro andar, a muito custo ou Terreiro de Jesus, se acha hoje em uma rua chamada Nova,
podem descobrir a rua no lado oposto, ou terceiro andar, a muito onde há poucas casas, e onde o Senado mandou fazer umas ca-
custo podem descobrir a rua no lado oposto, e tomada assim a sinhas para alugar às quitandeiras, com a desgraça porém de se-
área com aquêle infinito tapume de rótulas, que cobrem a maior rem tão pequenas que nenhuma as quis alugar; é a terceira qui-
parte das paredes, ficam as ruas em extremo fúnebres, e desagra- tanda nas Portas de S. Bento, onde o Senado havia mandado fazer
dáveis a quem por elas transita, visto que em partes há telhadinhos outras cabanas, que por mais espaçosas, quase nunca ficam por
que pouco distam do lado oposto; epidemia que tanto reina na alugar.
Cidade Baixa, como na Alta, acrescendo o serem quase tôdas as Depois que se julgou inútil a fortaleza das Portas de S. Bento,
ruas em sumo grau mal calçadas. por ficar entranhada na cidade, fêz S. Majestade mercê ao Se-
Até o empo que o exmo. Marquês do Lavradio governou esta nado daquele largo, para que nêle se fizesse uma praça de mercado;
cidade, não havia rótulas algumas, eram sim as paredes revesti- O certo porém é que a cidade até o dia presente carece dela. Para

das de urupemas;* o que não podendo tolerar aquêle governador uquêlc largo é que S. Majestade mandou por Provisão de 17 de
os mandou de um dia para outro arrancar tôdas. São as urupemas ugôsto de 1729 se mudasse o Pelourinho, que até então havia exis-
um tecido de canas bravas rachadas, de que formava uma rêde bem tido no Terreiro de Jesus.
semelhante àquela dos covos, que nesse Reino usam os pescadores,
e à qual os mesmos dão aqui o nome de mosicas. * *
Todos os exmos. Governadores desde aquêle até o atual têm • CoMUNICAçõES ENTRE OS DoIS ANDARES DA CIDADE
enviado repetidas Portarias ao Senado para que tôda propriedade
que de nôvo se levantar, ou reformar, não possa ter o prospecto, Já eu te disse, meu Filopono, que por sete calçadas se comu-
que não seja moderno, sem que jamais se consintam as longas nica a Cidade Baixa com a Alta; cumpre o dizer-te agora os seus
sacadas, mas sim janelas de púlpito com suas bacias de pedra, ou nomes, e situações. Correndo pois do Sul para o Norte, é a
madeira, ou ainda sem elas; se o dono da propriedade é dotado primeira no sítio da Preguiça junto a um pequeno hospício, que
de razão, e boa índole, assim executa; se porém é turrão, e teimoso, uli têm à beira-mar os congregados de S. Filipe Néri. Corre esta
êle tem meio· por uma petiçãozinha de iludir o Senado, e invalidar subindo até o meio da montanha na direção de Leste para Oeste;
\l uli se divide em dois ramos; parte um dêstes para o Sul, e a
• Aropemas ou oropemas. - E. C.
• • M: como está no original. - E. C . • Feiras livres, na ocasião - o mesmo nome que em Angola - E.C.

92 93
pouca distância lhe fica pelo Ocidente o convento de Santa Te-
1'111inlrigas dos fregueses com o vigário, que não querendo dis-
resa, donde continuando no mesmo rumo do Sul, forma a rua cha-
J1I'II~ilrcausa alguma das suas regalias, os tem desgostado, e feito
mada do Sodré que vai finalizar em outra rua, que correndo de
LIIIg"escer na sua devoção.
Oeste para Leste, começa no cimo da colina junto do Hospício
A maior parte dos comerciantes mais ricos da Bahia moram
de Jerusalém de Leigos da Terra Santa, e vai finalizar por detrás
lIl'slll freguesia, motivo por que querendo não há muitos anos
da igreja de S. Pedro Velho; e paralelas àquela do Sodré correm
11111intrigante procurador das religiosas de Santa Clara do Des-
as duas do Areal de Cima, e Areal de Baixo pelo Poente, quando
11'110dcsf'eitear a Irmandade do Santíssimo Sacramento desta fre-
pelo Nascente lhe correm também paralelas a rua debaixo de
'111'\1,1,mandando penhorar-lhe parte da sua prata; apesar das
S. Bento, * e a rua larga de S. Pedra, a mais direita, larga, e
1111"g(\~ com o seu vigário, êles convocaram Mesa, saíram pela
alegre que tem a cidade tôda. O segundo ramo corre ao Norte, e
1ll'gllesia, e em menos de uma tarde tiraram doze mil cruzados
vai sair no cimo da ladeira da Conceição no largo das Portas de
111'esmola, com que pagaram o que deviam àquele mosteiro, e
S. Bento, e é êste o único caminho por onde com bastante risco
IIIP,II":II11a bôca do seu procurador.
podem subir, e descer seges da cidade para a Praia.
Caminhando pois do largo da Conceição para o Norte pela
Caminhando pois de S. Filipe Néri para o Norte pela rua 11111 principal acompanhada de propriedades altíssimas, a pouca dis-
chamada Direita da Preguiça, a tempo que ela é bem torta, e l.uu iu do Arsenal fica o Trapiche do Azeite de Peixe, e pouco
imunda, se chega ao Largo da Conceição, e daí sobe a segunda IIllIIlle dêle sobe pela montanha por entre casas altíssimas, uma
ladeira ao corer da montanha para o Sul, indo acabar, como 1"l'lIda com perto de duzentos degraus bastante arruinados, assim
disse, no largo das Portas de S. Bento; e em menos de meia 101110o estão as casas, que parecem sustentadas pela Providência,
altura da ladeira, se divide outro ramo na direção do Norte, e a ('11111111 despenhadeiro quase a pino: vai esta escada sair em um
êste chamam a Ladeira de Palácio quando o primeiro ramo é a IIUI por debaixo das Casas da Relação na Praça de Palácio; mo-
Ladeira da Conceição; chama-se de Palácio porque vai morrer no IIVO por que se chamam as escadinhas de Palácio.
lado do da residência dos exmos. Governadores: por tôdas ,estas
três partes da ladeira se sobe, e desce com susto de escorregar, e
rolar; apesar do que, é ela tôda acompanhada de propriedades, e '" PALÁCIO DOS GOVERNADORES
muros, que parecem estar pendurados, como ameaçando pronta
ruína.
~ O Palácio uma casa não muito decente para os exmos. Go-
O pequeno largo da Conceição, e assim mesmo devido ao veuuulorcs, e muito principalmente se são casados, por não ter
exmo. D. Rodrigo, tem pela parte da marinha a casa que serve II~ cômodos precisos para as suas indispensáveis famílias de um,
de celeiro público, ou tulhas, e um baixo muro, parte do Arsenal, I' 0,,1ro sexo; fica êle sôbre a montanha, e tem três faces; a que
com que pegam os armazéns do mesmo e por cima dêles as casas dl'ila para o Poente, e olha para o mar, tem quatro janelas que
da residência do Intendente da Marinha com uma boa galeria 11.111 luz à sala do Dossel, ou das Audiências, e a esta segue uma
de dez, ou mais janelas de grades, e todos os cômodos 'que se re- turupridn varanda de vidraças até o fim do edifício por aquêle
querem em um quartel nobre; pela parte da montanha fica na- hulo: o que fica para o Norte, e faz frente para a Praça, é uma
quele largo a freguesia, ou igreja de N. S. da Conceição da all'ria de onze janelas de grades de ferro muito velhas com a
Praia; templo grande, moderno, e muito asesado, e rico, com a 1'1111,1 da entrada no meio; dela se sobe por dois lances de escada
frontaria, tôrres, e muita parte do interior, feitos de mármore 11\1pedra; no cimo do segundo se entra em uma espaçosa sala,
vindo de Portugal; sendo pena o não se ter acabado, creio que 'IIW pelo lado direito tem a porta que dá entrada para a Secre-
1111 j,l, que ocupa aquêle ângulo do Palácio. Esta está em uma
* Até recentemente, "rua de baixo" (de baixo de São Bento); hoje 111111'111 admirável, devida ao grande zêlo, e incomparável inteli-
rua Carlos Gomes. - E.C.
'('lId,1 do nosso atual Governador o ilmo. e exmo. D. Fernando
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95
José de Portugal: pelo lado esquerdo se entra em outra grande vêm a particulares, que têm propriedades daqueles gêneros em
sala aberta, onde estão os oficiais, que estão às ordens, e onde estas out ras paragens, que não importarão em menos de duzentos para
se dão na roda aos chefes, ou sargentos-mores dos Regimentos; trezemos mil cruzados, e que para mais nada lhe podem servir;
segue-se a esta uma outra igual sala fechada, onde só entram 1110 lembro será o cálculo muito semelhante ao que se fêz com o
oficiais de maior patente; e a esta se segue a do Dossel, de que í lospital Militar, arbitrado em vinte para trinta mil cruzados; eu
já falei, e fica no ângulo do mar, e dela há uma porta por onde iuiscra ver depois de acabado quantos lhe faltam para noventa,
os Governadores vão por dentro para a Relação, e por baixo da ou cem; e finalmente aS. Majestade nada lhe convém obras de
mesma sala do Dossel, fica a Casa da Junta da Arrecadação da l usto nesta cidade, porque são muito prejudiciais à sua Real Fa-
Real Fazenda, para onde há também comunicação por dentro: .ndu, quando de muita utilidade a muitos que as munuseiam,
pelo lado do Oriente há outras cinco, ou seis janelas semelhantes, u ainda em cima pedem remuneração de serviços, quando muitas
que deitam para a rua chamada, Direita de Palácio, '" para onde vêzcs os têm feito péssimos. Perdoa meu caro amigo, que intei-
há mais outras janelas de peitos, de alguns pequenos quartos, rumcnte me esqueci do que tratava. Da Alfândega pois para
que se têm acrescentado, e no meio fica a porta-cocheira para a diante, e para a parte do mar, começam becos medonhos por es-
serventia da família; por ela se entra para um pátio, que fica treitos, imundos, e escuros em extremo.
no centro, rodeado por dois lados de uma varanda de madeira, e
nela saem as portas da cozinha, despensa, copa, cavalharíce" '" e
alguns poucos, e pequenos quartos para criados; tudo pequeno,
acanhado tudo, à exceção das salas que são majestosas por grandes; • MISERICÓRDIA
deve esta Casa alguma melhor ordem, que nela há ao ilmo. e
exmo. D. Rodrigo. Esta é, meu Filopono, a verdadeira descrição
Defronte do beco por onde se vai a um cais chamado da Cal
do Palácio dos Governadores, que orna o lado meridional da
sIlía na Praia o caminho conhecido por Ladeira da Misericórdia,
praça principal da Bahia que já descrevi.
que começando no sítio onde caíram as últimas casas que na
minha antecedente fiz menção, tomando diversos rumos, e sendo
túda ela perigosa a quem por ali transita, vai desembocar na Praça
* ALFÂNDEGA do Palácio por entre a Casa da Moeda, e a Relação, tendo des-
tucndo quase já no cimo da colina, um beco único que por de-
Caminhando pois do Trapiche do Azeite para o Norte, fica huixo de um passadiço vai sair na rua Direita, chamada ali da Mi-
logo à beira-mar a Alfândega, e pouco adiante a igreja do Corpo sericórdia. :B a igreja da Santa Casa situada naquela rua; um
Santo; contíguo a êle está o grande trapiche que serve d'Alfândega templo pequeno, porém asseado suficientemente; tem uma s6 tôrre
do Tabaco, onde também está a casa da Mesa da Inspeção, per- 1111 sua frente; a sua sacristia é quase tão grande como a igreja,
tencente ao mesmo; e não muito distante há um outro trapiche ~ por baixo dela fica o grande carneiro dos Irmãos; a casa de
chamado das Grades de Ferro. Consta haver nesta cidade arbi- Conslstôrio e secretaria é famosa com onze janelas que deita
tristas que querem propor aS. Majestade, o tomar-se todo aquêle pnru o átrio da Sé com grades de ferro tôdas elas, além de outras
quarteirão, e fazer-se ali um trapiche por conta da Real Fazenda, pura a rua, e algumas para o mar. O Hospital além de abafadiço
para nêle se guardar privativamente o açúcar todo da Bahia: eu pequeno, e pouco próprio. O Recolhimento das Donzelas é su-
porém receio muito não seja o arbítrio dirigido a querer arbitrar lrcicntcmcnte espaçoso. Todos êstes edifícios, e muitas proprie-
propriedades por preços, que não valem, e além dos prejuízos que dlldes de casas, que pela montanha abaixo se seguem, como em
dl'grnus, Jormam de baixo um prospecto horroroso, e como amea-
* Rua Chile. - E.C. ...·Ilndo instantânea ruína, ficando eminentes a grandes, e altíssimas
•• Cavalariças. - E.C. pmpriedades, que na Praia Ihes correspondem; sendo nesta para-

96 97
gem tão perpendicular o declive, que será quase impraticável o pelo cimo da montanha que ali começa depois da quebrada, e
subir por êle um gato, sem que se precipite. pilwlndo pela freguesia do Sacramento da rua do Passo, vai desem-
Caminhando pois do sítio das mencionadas ruínas pela rua hucur na rua principal defronte mesmo da igreja do convento de
estreita, e fúnebre pela altura dos edifícios, e tecido de rótulas, N . S. do Monte do Carmo.
e telhadinhos, que de baixo acima lhes cobrem as paredes tôdas, No meio pois da Ladeira do Taboão, livre já de ângulos,
se vai sair a um pequeno largo, onde há um portão, chamdo ("'11 onde o exmo. D. Rodrigo José de Menezes tinha projetado
de Guindaste dos Padres, hoje porém do Hospital, que há de ser hnul izar a rua, que saindo da Praça de Palácio viesse na direção
Militar; no cimo da montanha fica o arruinadíssimo colégio, e tllI Norte ao correr da montanha finalizar naquele sítio, defronte
templo que foi dos Jesuítas; e para a parte da marinha, por ser dll qual está na beira-mar o que é hoje Forte de S. Fernando,
aqui mais largo o terreno, se seguem diferentes ruas um pouco quando na sua primitiva, destinado para Praça de Comércio.
mais largas que a principal, se bem que igualmente fúnebres pelas aminhando pois da bôca daquela ladeira para o Norte fica
causas preditas, e na primeira que para o Norte corre paralela li trupiche do Julião, e a pouca distância dêle fica o Forte de
com a rua principal, estão debaixo de escuros arcos as lojas* dos S. Francisco, de quem falei na minha antecedente, e de junto a
comerciantes, com bancas de quinquilharias nas bôcas dos arcos, I'IU sobe obliquamente pela montanha outro caminho chamado o
e por todo êste sítio é que se faz a maior parte do comércio uôvo" que por um beco vai sair na rua do Taboão; e êste é o
grande da Bahia, sendo esta a paragem onde existe indizível Nllio onde em 1795 rolaram não menos de treze moradas de casas,
cabedal. IOIllO já te participei.

11<
BAIXA DOS SAPATEIROS PILAR E SANTO ANTÔNIO
'"

Do Forte de S. Francisco se caminha ao Norte por um lanço


Pouco diante daquele largo, e portão, vem sair uma outra
di' rua não pequeno, acompanhado de altas propriedades por um,
calçada chamada do Taboão, igualmente enfadonha, e perigosa de
I' outro lado, e aqui é que chamam o Cais Dourado, como acho
subir, pelas diversas direções, que toma, formando ângulos até
1'~ÇI'ilO.Algum tanto mais diante estão as duas grandes proprie-
chegar à rua do Taboão, que já com menos tortuosidade vai sair
dades, ou soberbos trapiches, o da viúva de Manuel Pereira de
na rua principal da Cidade Alta em uma paragem chamada a Baixa
Andradc, e o chamado do Barnabé; edifícios talvez que os mais
dos Sapateiros, onde a montanha quebra, ficando pelo Sul a ladeira
vxpectávcis de todos os particulares da Bahia; e daí começa a rua
do Rosário bastante extensa, por onde se vai dar ao Terreiro de
h.istuntc larga, e alegre até o átrio da freguesia de N. S. do Pilar;
Jesus, e para o Norte sobe a comprida Ladeira do Carmo .até o
templo ainda que pequeno muito asseado, e rico; e um pouco antes
convento desta Ordem.
de chegar a êle fica naquela rua larga pela parte do mar um
Da mesma Baixa dos Sapateiros saem mais duas ruas, uma
III~igllificante, e desnecessário hospício de relegiosos do Carmo.
para a parte da terra, estreita, e escura, que a pouca distância faz
Por detrás da igreja do Pilar fundada na falda da montanha
volta para o Oriente, e aí começa uma calçada íngreme chamada
lllll' lima longa, e escabrosa calçada chamada do Pilar, que vai
a Ladeira do Álvaro, * * no cimo da qual começa o bairro de N.S.
~:lIr na rua Direita superior, diante do convento do Carmo em um
da Saúde, quase todo de casas térreas, e de pouca expectação.
IIill chamado a Cruz do Pascoal. Do Pilar continua a rua com
A outra rua sobe no rumo de Oesnoroeste, e vai desembocar
"lglIlllllS voltas, segundo as que faz o pé da montanha, e depois
no fim da rua do Passo, a qual corre de Sulsudoeste a Nornordeste
di' comprida distância acompanhada tôda de casas, e curtumes, de-
• Logeas. - E.C.
•• Ladeira do Alv'o, segundo a pronúncia popular. - E. C. umtnho Nõvo. - E.C.

98 99
sagradáveis pelo fétido, se chega a urn largo alegre, e desafogado, rasas por um, e outro lado até a capela de S. Francisco de Paula,
onde há uma fonte chamada Água de Meninos, onde se fazem tonde continuando, só fica pela parte do mar o insignificante
as aguadas para tôdas as embarcações da marinha, tanto real, como l'OI'te de Santo Alberto, ou dos Franceses, segundo acho escrito
mercantil, ou do comércio; a saber, quando não está como agora, (,.1\ manuscritos originais, e dali 'até o Noviciado da Encarnaçâo,"
perdida, sem que por falta de zêlo se cuide nela em prejuízo do que foi dos Jesuítas corre pela parte do mar um muro terraple-
público, e da Real Fazenda, que está despendendo o que não de- n.ulo com seu parapeito, com capacidade de montar artilharia,
vera com aguadas das freqüentes embarcações de guerra que saem dl'vido à atividade do Governador, e Capitão-General o exmo.
daquele pôrto. Por detrás desta fonte faz a montanha urna outra Manuel da Cunha; pela parte da terra, e na falda da montanha
quebrada por onde sobe a calçada chamada de Água de Meninos, "\l'11I pada, seguem casas até o Noviciado, e aí termina a Cidade
menos elevada, mas comprida, e por esta podem mais livre- 1I1I"a, com a extensão que deixo referida. Diante logo do No-
mente subir seges: vai esta sair ao caminho chamado d'Agua vil indo começa a vargem e alagadiços de Itapagipe; continuando
Brusca, nome que deriva de um lago acho imundo, e viveiro todo tl~S diferentes caminhos; um pela praia chamada da Jequitaia
êle de milhares de cobras, sapos, e outra infinidade de sevandijas til.' a ponta de Monserrate; outro para o Bonfim, ou Itapagipe
insuportáveis pelo alarido que fazem logo que anoutece, princi- de Baixo; e o terceiro para Itapagipe de Cima, indo procurar a
palmente em tempo de chuva, tendo milhões de uns grandes sapos I'mia do Papagaio, que fica pela parte posterior do Noviciado,
a que dão o nome de gias, os quais julguei serem cães de fila a de forma que o torrão a que chamam Itapagipe, é uma verdadeira
primeira vez que os ouvi. ~ êste caminho um séquito da rua prin- península, e não tardando muito há de ficar perfeita ilha, visto
cipal da Cidade Alta que chegando à igreja de S. Antônio além que já em águas grandes, a maré se comunica de uma para outra
do Carmo que fica com a fortaleza, que dela toma o nome, sôbre parte, a pouca distância do Noviciado.
o morro do Sul, que a montanha faz, e donde a Bahia se livrou
felizmente do ataque que lhe fêz o Conde João Maurício de Nassau
em 1638; o que melhor podes ver nos nossos historiadores, e no
'" GAMBOA E UNHÃO
panegirista de Nassau Gaspar Barléu. Ali pois finalizam as casas,
e faz o caminho sua divergência para a direita, como por duzentos
passos por desviar-se do fôsso daquela fortaleza; e logo continua reío não será fora de prop6siao o dizer-te as baixas, ou que-
por uma ladeira calçada, a que chamam de S. Antônio, e chegando hrudas, que a montanha tem desde Santo Antônio da Barra onde
à Água Brusca sobe outra vez, e a pouca distância fica uma capela começa, até o Noviciado, onde a cidade finaliza; e começando do
de S. José dos Agonizantes, onde começa outra vez a povoação Sul para o Norte é a prirneina no Forte da Camboa.v" ou bateria
de S. Paulo, que naquele sítio se levantou para impedir o desem-
por urna rua larga, ou ladeira acompanhada de casas, pela maior
parte térreas, até o convento da Soledade, onde finaliza a Cidade bnrquc ao inimigo, sendo todo o séquito desta baixa defendido
lOIl1 as obras exteriores da fortaleza de S. Pedro, de que tenho
Alta; daí para o Norte continua por entre roças a estrada prin-
cipal que entra na Bahia, chamada vulgarmente das Boiadas" por umu planta genuína, bem diferente de urna, que me consta se
entrarem por ela tôdas as que dos sertões descem para a Bahia. envinra daqui, tôda defeitiva, que se algum dia vires urna, e outra,
vlrlís no conhecimento do que diferem os filhos legítimos dos
Um pouco diante de Água de Meninos sobe outra calçada
hastardos.
bastante comprida, que vai sair na rua da Soledade, pouco diante
da capela de S. José; e estas são, meu Filopone, tôdas as comu- Pouco diante quebra a montanha no sítio chamado Unhão,
nicações que a Cidade Baixa tem com a Alta. Da bôca daquela undo à beira-mar tem o Secretário do Estado José Pires de Car-
calçada de S. José continua a rua ao correr da marinha com
• Hl\o Joaquim. - E.C.
••• A pronúncia antiga lembrava a camboa de pesca que ali na-
• Estrada da Liberdade. - E. C. vlu. - E.O.

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valho, e Albuquerque uma grande propriedade da sua assistência, ttll.!.1 porém é salobra. A de Água de Meninos ninguém a bebe
deliciosíssima pelas muitas águas, que para aí fêz encanar de um 111il'1rn, quando dizem ser a melhor que há para aguadas para
ôlho dela, de que o povo se servia. Os dois morros que lhe ficam 1\ 11\,11', Algum outro esguichozinho, que 'aparece, dura só enquanto
ao lado, e eminentes, são coroados; o do Sul com a capela do 1IIIIVl', sem que mereça o nome de fonte.
Senhor Jesus dos Aflitos, e diversas propriedades de casas; e o Passando pois à Cidade Alta, fica fora dela pelo Norte, e
do Norte com o hospício dos Leigos da Terra Santa, o qual tem d•.llr.~do convento da Soledade a fonte do Queimado, de água
uma dilatadíssima, e agradável vista eminente ao grande gôlfo 1'\lI'll'ntc para beber, donde a manda buscar quase tôda a gente
da Bahia. d.1 I'mia, e muita parte da cidade.
Um pouco mais distante, e não muito desviado do verdadeiro No bairro de Santo Antônio perto dos Currais, há outra pe-
pôrto das Pedreiras, fica a baixa da Ladeira da Preguiça, com as "tll'na fonte, donde bebe quem não tem quem lha traga do Quei-
direções que deixo expostas. Segue-se a esta a baixa do Taboão, ru.ulo . Pela parte da campanha próximo ao grande Dique, que
e depois dela finalmente aquela de Água de Meninos; e das pe- 1111out ro tempo cobria por ali a cidade, como diante direi, e por
quenas enseadas que se acham por tôda esta extensão, é a maior dl'lnís do convento do Destêrro em uma comprida baixa, fica em
a que fica entre S. Antônio da Barra, e a Senhora da Vitória; Pllllleiro lugar a fonte das Pedras; e mais diante, além do Dique
pôrto que foi de Vila Velha. I fonte Nova; de ambas elas se bebe, apesar de ser a sua água
Não me intrometo, meu amigo, em descrever-te a particular \IOSSa, e pesada. Dentro já na cidade, um pouco abaixo da igreja,
direção de cada uma das ruas do interior da Cidade Alta, por ser c freguesia de Santa Ana, fica a fonte do Gravatá, a mais imunda,
trabalho, que não merece a pena, atenta a desigualdade do terreno e pior de tôdas; é porém a mais freqüentada por ser a única pú-
em que está situada, e por ser labirinto, de que me seria difi- hlicu, que há dentro na cidade; digo pública por ser naquela pa-
cultoso sair, por ignorar a maior parte dos nomes, das que são rugem: há porém alguns poços, de que seus donos vendem a
menos públicas, tanto travessas, como becos; há na Cidade Alta igua, a quem a não pode haver nas duas únicas bicas que tem
sem fazer conta com as descidas para a Praia, de que acabei de iqucla fonte; há também mais um poço junto à capela de S. Mi-
falar, não menos de 38 subidas, tendo a certeza de que não são ruel, do qual se serve o povo daquela vizinhança; e havia no sítio
poucas as de que não me lembro. do Maciel um outro, que me dizem arrogara a si um particular,
quando êste era do público.
Há mais na campanha por detrás do convento da Lapa, uma
* FONTES PÚBLICAS Fonte chamada do Tororó, e pouco diante desta, em uma baixa
próxima ao Dique, há um ôlho d'água a que chamam o Barril,
Tenho, meu amigo, observado que são aqui as terras em ex- \I mais perene entre todos, e que não há lembrança de que jamais

tremo rôtas, motivo por que as surgentes das águas, tôdas saem suasse, não havendo muitos anos que um particular filho da ven-
junto à superfície da terra nas baixas à .falda dos montes. tura, pugnou bastante por apossar-se dêle, e é digno de admiração
Não há dentro na cidade uma única fonte, cuja água se possa n não o ter conseguido, porque nesta cidade não há mais que
beber, quando para gasto não abundam; começando pois pela Ci- tentar, e teimar.
dade Baixa, eu vou dizer-te as fontes que há públicas. Por detrás do convento da Piedade de Capuchinhos italianos,
Junto aS. Filipe Néri na Preguiça há uma para gasto; no h(l uma outra fonte chamada do Coqueiro, cuja água também se
fundo da ladeira da Misericórdia, uma outra muito pobre, e ruím, bebe, apesar da sua medíocre qualidade. Ao Sul da Cidade, e a
chamada a Fonte dos Padres, tem duas bicas. Há outra chamada pouca distância dela, fica o Forte de S. Pedro, e um pouco diante
a Fonte do Pereira, no fundo da ladeira do Taboão, é igualmente dele fica a fonte de S. Pedro, cuja água é de tôdas a melhor
para gasto. Tôda a montanha na sua falda geme água, e poucas quanto à qualidade; tal que eu duvido sejam aí melhores a do.
são as casas, que não tenham sua poça, em que a aproveitam, 'spargal, e Pimenteira; desta bebem todos os que ficam mais

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próximos, e muitos ainda dos que moram distantes, e têm escravos J1ÜVII.t' aumentada com grave desembôlso da Real Fazenda, dada
que lha carretem; sendo esta preferível a tôdas as mais águas. j)tll' quru tel ao Coronel do 1.0 Regimento da tropa de linha.
Resta um só buraco onde no caminho do Unhão vão alguns es- . Nüo falta quem julgue que as dúvidas que se suscitaram sôbre
cravos daquela vizinhança buscar água para gasto. 'I v,~lida das propriedades pertencentes aS. Majestade, foram sus-
Tôdas estas fontes são, como já disse, nas baixas de grandes 111,"III~ por êstes inquilinos que nelas moram em boa conta, e
ladeiras, o que sem dúvida procede da muita rotura das terras como dj)\lllIil razão parece haver para que assim fôsse. Seis proprie-
tenho observado. dllll'~ que a Real Fazenda comprou no mesmo quarteirão de Pa-
Ift!Ji 11, com tenção de as incorporar no mesmo, e alargar a casa, e
11(l11\'IK'CS da Junta, o que S. Majestade foi servida desaprovar;
* EDIFfcIOS PÚBLICOS 1IIIIIivo por que se alugaram, e apesar de estarem rendendo, se
111deixando chegar à maior ruína; motivo por que não falta quem
Creio não dever demorar-me com a descrição de mais edi- 11~llI'lte,que por haver quem pretenda comprá-Ias; mas avaliadas"
fícios da Cidade Alta, por serem a maior parte dêles pouco dignos 1j\lIlIllo o estado em que as têm deixado pôr, principalmente umas
de atenção, pela sua irregularidade, e gôsto, à exceção de poucos qlll' Il Real Fazenda comprou por oito mil cruzados. Quartéis para
templos mais modernos. As grandes propriedades que há de par- IIldlldos da Marinha chamados do Rosário, junto à Água de
ticulares são de ordinário concentradas pela cidade em ruas de Mt·ninos. Uns outros quartéis, a que chamam a Casa dos Fogos,
pouca conta, por ser feita para nela se operarem os artificiais, que fôssem pre-
I I,,)~ para a guerra, O Trem das Armas chamado Castelo nas
Não julgo fora de propósito o noticiar-te os edifícios que aqui
há pertencentes a S. Majestade, à exceção das fortalezas que re- 1'11Itas de S, Bento. Dois aquartelamentos para os dois Regimen-
servo para quando tratar da fortificação. Em primeiro lugar é o til' de Infantaria, um dos quais tão nobre, como já te disse na
Arsenal com todos os seus cômodos, e pertences, e quase incor- minha antecedente, Os Paços da Relação situados na Praça, bem
porado nêle a casa a que chamavam da Junta, e que como disse, ('(IIllO as casas da Câmara, e Cadeias. O palácio da residência dos
servia em outro tempo de quartel para os oficiais das frotas, e A rcebispos, e a Sé Catedral, arruinada, como fica ponderado,
esquadras, e em que hoje se acha o celeiro público, ou tulhas da I~Slln como o grande templo, Colégio, e Noviciado que foram dos
farinha. A casa da Alfândega de que já falei. A da Moeda si- h'suítas.
tuada no lado do Norte na Praça de Palácio, Igualmente o mesmo As memórias que desta cidade temos, tanto escritas, corno
Palácio da residência dos exmos. Governadores. por tradição, fazem saudade aos seus presentes habitantes; e aos
Um custoso edifício para depósito da pólvora junto ao Des- ("I rungciros excitam sumo desejo de transferir-se, e habitar nela;
têrro, hoje destruído, e arruinado por negligência, quando se de- nllll() porém só encontramos o contrário do que lemos, e nos con-
vera ter aproveitado para Hospital Militar, apesar das oposições, 1.1111,somos precisados a duvidar.
que saíram quando se propôs; não fazia porém conta aos cirur-
giões-mores por não fazerem por ali caminho para as suas visitas
particulares. Uma outra casa em que se fêz pólvora, e com ela o ••. PRAÇA DE PALÁCIO E TERREIRO
trem d'artilharia, a pouca distância do convento das Mercês. Seis,
ou sete propriedades de casas que servem de quartéis a oficiais, As duas praças de Palácio, e Terreiro de Jesus foram exa-
que o não precisam por serem abastados, e estas sitas na rua cha- geradas por um historiador tão entusiasmado com o amor da pá-
mada dos Capitães, Uma outra propriedade nobre com dez, ou íriu, que pouco lhe faltou para equipará-Ias com as das Côrtes
doze janelas de frente, e fundos competentes, na rua do Carmo, ou muis célebres da Europa; pouca, ou nenhuma regularidade se des-
ladeira do Rosário, dada por quartel ao Coronel do 2,0 Regimento
de Linha, Uma outra junto ao hospício da Palma, reedificada de • Avaloadas. - E.C.

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cobre nelas; aquela de Palácio é um pequeno quadrado em que o Si I 10 DA CIDADE
ynicamente achei oitenta e sete passos andantes.
p.1Iil sentir o terem os antigos elegido para a situação desta
A segundo é um verdadeiro retângulo, que jamais poderá li/Ido 1~1I1 lima verdadeiramente costa, sôbre uma colina escarpada,
admitir quartos em linha de meio regimento de infantaria, pela hcijl di! lanlas quebras, e ladeiras, sem acesso por terra, mais do
razão da sua estreiteza, e escassamente no seu comprimento: o que pOI' IICs estradas, desprezando um sítio talvez dos melhores,
observando o exmo. D. Rodrigo José de Menezes, cuidou em 110 h;d.1 110mundo, para fundar uma cidade a mais forte; a mais
desmontar um morro, que hoje se achava dentro da cidade, in- kti(~i"'~:I,e livre de mil incômodos a que está sujeita esta no sítio
culto, e que unicamente servia de asilo para agressores das ini- ill 1[111' \1' acha; e isto nas ilhas que se acham quatro para cinco
quidades mais torpes; no que empregando, por um bem enten- IlIPIIII"dl~lante da cidade, e que como dividem em dois o grande
dido rasgo de política, e polícia, os ociosos, vadios, e malfeitores d" llahia, aproximando-se muitas ao continente, divididas
fêz um espaçoso terreiro, onde vão manobrar os regimentos da IlIoIlSdiversos, com fundos para tôda a qualidade de embar-
tropa, tanto de linha, como de milícias; e a êste chamam hoje a ',\qell, I' entradas para elas própria para vasos de fôrças por
Praça da Piedade, de que já tratei na última que te escrevi. 11111 l'fllI,,1entre a ilha dos Frades, e a da Madre-de-Deus, chamado
1-' 1\(11[111'11 i-10, o qual além de demandar grande fundo, tanto fora,
Empregou igualmente aquela qualidade de gente em fazer um ""111dl'11110,6 tal a largura da sua entrada, que não passa de dois
magnífico hospital, ou lazareto extramuros da cidade, bem como lil(1~ dl' mosquête, varado de ponto em branco por tiros de arti-
os ocupou no atêrro de um grande, e forte baluarte entranhado tllhlijl, I' tüo próprio para a construção de estaleiros, como será
pelo mar, para que depois de formado nêle um cais de desem- i 111 VC1. unpossivel o descobrir-se outro. É a sua vista tal, que eu não
barque, o que não há suficiente neste pôrto, servisse êste sítio de i se " Natureza em alguma outra parte terá feito um tão apra-
praça de comércio, e desafôgo do povo naquela estufada praia, 1\1:1 quadro, digno verdadeiramente de ser decantado pelos in-
quando em tempo de guerra poderia bem servir de propugnáculo Il!lIn poetas da antiga Grécia. Dez Venezas juntas não poderiam
à cidade, segundo a necessidade o exigisse; sendo para sentir o 11111'.11 ill -se com a cidade que naquele dédalo se fundasse; porque
não se ter continuado, e aperfeiçoado aquela excelente obra: sôbre t,d II labirinto de canais, que dividem aquelas ilhas grandes, e
o que se havia feito se levantaram merlões, e cavalgou artilharia, PCijlll''''IS, e tantos os esteiros que por elas rompem, que os mesmos
e hoje é denominada o Forte de S. Fernando, de que Deus nos 11;11 111:lÍs vacilam, e muitas, repetidas vêzes se enganam.
livre. Creio não tardará muito, que aí apareça uma perfeita carta
hidlllgrútica dêste portentoso gôlfo, tirada pelo melhor, e mais
Seria de suma utilidade para o Estado, e bens da Coroa, que IdllllI gcógrafo, e hidrógrafo, que aqui tem pisado, e devida ao
para esta, e semelhantes praças em ultramar se mandassem arqui- iurompurávcl zêlo do nosso exmo. Governador D. Fernando José
tetos militares da primeira escolha, e de aprovada probidade, e cons- dI' Portugal, que dela o tem incumbido; e no entanto que esta
ciência, e fôssem banidos uns tantos empavezados, e jactanciosos lIall chega à tua vista, podes ir saciando a tua curiosidade com a
feitos a murros, que com a ciência, que de ordinário se encontra que na minha antecedente incorporei, que apesar de faltar-lhe a
nos livreiros, sabem só impor, e iludir a quem se vê na precisão vx.rçuo daquela, é a que pude conseguir, lembrando-te que não são
de fiar-se dêles, e condecorá-Ios sem merecimentos mais do que vulgares.
para serem severamente punidos pelo incomputável cabedal, que
muitas vêzes fazem gastar desnecessàriamente, e sem mais utili-
'" AQUARTELAMENTO DOS OFICIAIS
dade, que sua, e dos empreiteiros com quem de ordinário se en-
tendem; tendo para si que por terem meio aberto um ôlho, podem Merece alguma reflexão ver-se nesta cidade que os oficiais
ser reis na terra dos cegos, naquela profissão. maiores, e mais abonados estão aquartelados em nobres proprie-
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dades de S. Majestade; quando eu sei que em 1640 veio Ordem ilhll~. c dar-lhes muita pancada. Se porém é negro, que lhes quei-
Régia para que os oficiais maiores em atenção aos seus grandes 1 Inzer cara, aí sai logo a espada, ou mais prontamente a faca,
soldos, não pudessem ter quartéis d'El-Rey, mas que. só os teriam \ 111 li qual é raro o que se acha; outras semelhantes desordens
os oficiais subalternos, e soldados. Em uma Carta Régia de 28 11\I' 11e111todos os dias com os forçados das galés, facinorosos, e
de novembro de 1689 ordena Sua Majestade ao Arcebispo D. Fr. dl'~l'~perados, a quem devera destinar-se privativamente uma fonte;
Manuel da Ressurreição que então servia de Governador desta III\lig:l r, e doutrinar os soldados, proibindo-Ihes o irem de noite
Capitania, se não dessem casas ao Mestre de Campo, seu Ajudante, Ipll~Sllr-se das fontes, não deixando tomar água senão a quem
nem aos oficiais maiores, Ou menores. Ora parece que a altera- 1I"I'll'l\1; quebrando a cabeça a muitos prêtos, de que uma infini-
rem-se estas ordens, devera ser a favor dos míseros subalternos, d,lIIl' ficam aleijados, e muitos vêm a morrer, ficando seus senho-
a quem o sôldo escassamente chega para comer, atendendo à ca- 11 I perdendo cento, e quarenta mil réis, e mais, que por tanto
restia em que tudo está sem exceção; e em cada um daqueles I vumpra hoje um negro da média sorte: são êstes bloqueios mais
quartéis se poderiam acomodar dois, e mais com suas pobres fa- 'Illllnflrios pelo verão na fonte do Gravatá. Quase tôdas as fontes
mílias, atentos os muitos cômodos, e bons, que a custo de indi- I'elll" em passando mês e meio, ou dois meses sem chover; mo-
zível cabedal da Real Fazenda se têm feito à satisfação daqueles IIvo por que os catingas avaros, que têm suas fontes particulares,
oficiais superiores, a cujas vontades anuem todos. " 1II',el11na borda delas a vender a água; gênero êste, que apesar
Se estas despesas, meu caro amigo, não vão rebuçadas com .111 wr da primeira, e urgentíssima necessidade, só se paga por ela o
o título de aquartelamentos, sem dizer-se de quem; parece quase 111111:11110 da condução; sendo pois tanta a sua preciosidade, e tal
impossível o levarem-se em conta; porque a maior parte dêstes 1 uhundância que o Todo-Poderoso liberaliza, e tão geral o usu-
quartéis, pela graduação de quem os habita tem levado reformas, 111110, que não devendo, em tempo de míngua, ser a ninguém
e acrescentamentos, que valem tanto, como os mesmos quartéis, I" ivnt iva; há nesta cidade, entre outros, um eclesiástico, formado,
sendo pouco decente o gastarem oito, ou mais mil cruzados com fi 111' tunto se deixa arrastar da negra ambição, que sem pejo se
um semelhante consêrto, a tempo que se pedia dinheiro a juro III\!' junto à sua fonte a receber dinheiro de quem a ela manda
para as despesas do Estado. Itll~lilr água, com receio de que os seus escravos sejam estropiados
II:I~ [ontes públicas. Não tenhas meu Filopono por exageração o
lI"l' te relato, sabe porém que tudo são verdades despidas
* DESORDENS NAS FONTES dI' ornato.
Desejo agradar-te em tudo, e protesto que para o outro cor-
Já te expus a míngua d'água que nesta cidade há para o uso ll'IU continuarei na satisfação da tua curiosidade.
da população, onde é raro o que não toma mais de um banho por Amigo que muito te estima
dia, e muito principalmente as mulheres.
De tôdas as fontes que te disse só se pode chamar perene o Amador Veríssimo de Aleteya
charco do Barril, e tôdas as mais são pobres, motivo por que é
indizível a desordem que nelas há, e os prêtos fazem para tomar
água, quebrando-se mutuamente as cabeças, e braços; uns pelo
que Ihes pertence; outros por defender, e patrocinar negras suas
parceiras, e apaixonadas; e outros por defender-se, e a elas das
insolências dos insubordinados soldados, que violentamente os
constrangem a que lhes levem água onde bem querem, sem que
êles sejam aguadeiros, nem paguem às negras que o são; e se
prontamente lhes não obedecem, é infalível o quebrar-lhes as va-

108 109
CARTA II

NC )'I'AS E COMENTÁRIOS DE BRAZ DO AMARAL

V fi-SE PELAS descrições de Luís Vilhena que a Bahia, nos fins


dll Ml',\llo XVIII, era uma cópia da cidade de Lisboa, o que não é para
1:,~lllIllhllr,
Além de estar a povoação situada em altos e baixos como as
dllll~ cidades do Reino, Lisboa e Pôrto, tinha ruas estreitíssimas, tais
11111II~ dos bairros antigos das duas citadas, o que constitui com alguns
1I11~1I11'~ delas, ainda hoje, uma característica reveladora da dominação
111111("
n o aspecto de muitas ruas de Coimbra, e em Lisboa o da célebre
1\11111111IÍa,
Abrindo o transeunte os braços, toca com as mãos nas fachadas
dll~ l'II~II~ fronteiras,
A~ vias públicas são ruelas em que, de momento a momento, se
IlIplI com as paredes salientes de um edifício que parece levantado de
Pllllllhllo para obstruir o caminho, formando um labirinto de becos,
IIIIVI'~\II~c cantos estreitos e escuros,
li 11uc se chama alinhamento das ruas não existe,
I I~h()a melhorou muito após o terremoto,
()III, 1\ Bahia, que não tinha sofrido terremoto, mostrava um as-
I!lTIII ~1'IlHllhante ao de Lisboa antes dêle, guardada a proporção, já
I1 VI" du capital do Reino para uma cidade de colônia,

111
Foi o Marquês do Lavradio, amigo e parece que valido do Mar-
quês de Pombal, quem destruiu por um gesto de feliz despotismo e não deverem juntar despesas que podem escusar-se. El Rey N.
vigor o fôrro de urupemas que cobria as casas aqui, e isso fêz natural- S. o mandou pelos Conselheiros do seu Conselho Ultramarino
mente pelas idéias de reforma em matéria de edificação das cidades nbaixo assinados e se passou por duas vias. Manuel Antônio da
que o grande ministro de D. José I estava introduzindo na reedifica- Rocha a fêz em Lisboa a 23 de dezembro de 1760. João Soares
ção de Lisboa, após o desastre do fenômeno sísmico já citado, o que 'I'avares, Manuel Antônio da Cunha Soutomaior .
prova como o exemplo dado pelos dirigentes frutifica e serve para
melhorar as coisas. curioso que Vilhena já note a insuficiência dos mercados de
Mais tarde houve a introdução de outro melhoramento para tirar 11111) 11 Hnhia sempre se ressentiu, porque se hoje os há, ainda que pou-
as rótulas e fazê-Ias substituir por vidraças, as quais em nosso clima r,,; deve também notar-se que a população é muito maior do que no
têm certos inconvenientes, porque, se dão claridade, deixando passar 111'11em que escrevia o nosso historiador.
a luz, impedem entretanto o arejamento, tão indispensável à saúde Quem está a lançar no papel estas notas não viu mais a quitanda
dos habitantes, especialmente na zona tórrida. 1., lcr rciro de Jesus, mas viu a de S. Bento.
Contém esclarecimentos sôbre a aparência ou aspecto da cidade Ouunto ao lugar para vendagem do peixe à Preguiça, ainda lá está
da Bahia, nos meados do século XVIII, a carta que se vai ler sôbre os ~1c~111 iundo a crítica que Vilhena já fazia há 120 anos àquela péssima
poiais que se faziam na parte inferior das fachadas das casas. ICÍlI!, pois não há mercado.
Vilhena já os não encontrou, razão pela qual não se refere a êles Relntivamente às calçadas, por infortúnio dos baianos, cabe em
na sua crítica ao aspecto da Bahia do seu tempo. III'I~'" dias a mesma queixa que fazia o nosso historiador.
A não ser nos lugares em que foi pôs to asfalto, e daqueles em
D. José, etc. Faço saber a vós, vice-Reí, etc., que os ofi- IIIIll ~e tem pôsto paralelepípedos de pedra, os calçamentos da Bahia
ciais da Câmara dessa cidade da Bahia me enviaram a dizer por iu 1I1111l~, quando aliás podia ser esta cidade calçada de madeira, siste-
sua petição que pelas ruas da mesma cidade se têm feito com 111.1muito mais adequado à zona em que estamos.
A topografia da cidade não mudou sensivelmente em 120 anos
desordem grande muitos poiais em prejuízo público, não só pela
deformidade que lhe causam, mas também por servirem para IIrt1 purtcs que Vilhena descreve, correspondentes aos sítios da rua de
roubos, ferimentos e encontros escandalosos e outros delitos de "!Iixll, I .udeira da Preguiça, etc.
Mudou na rua de S. Pedro que êle já achava ser a mais bela e
que se faz digna a mais precisa cautela e como por alguns dêstes
motivos o Senado da Câmara desta Côrte mandara arrancar os 11~1l1l'da cidade, e que está hoje muito melhor, tanto na rua própria-
que havia nela, me pediam lhes fizesse a mercê de mandar pu- IIIC;11l'dita, como no trecho da rampa que leva para a rua acima indi-
dessem praticar o mesmo e vendo-se o que neste particular in- 11101
formou o Conde D. Marcos de Noronha, sendo vice-Rei dêsse () lugar, nos fundos do Palácio dos Governadores, a que nos sé-
Estado, com a resposta dos oficiais da mesma com arca, nobreza Çltl••~ XVII[ e XIX* se chamou Ladeira do Pau da Bandeira, está
e povo, a quem mandei ouvir que uniformemente votaram ser 111111111:111 inteiramente transformado. No Largo da Conceição deixou
muito justo, e muito conveniente se tirem todos aquêles poiais, d.} lix"lir () edifício onde estava o celeiro pyblico e que até os fins do
sem os quais podem com qualquer reforma ter servidão as casas (ltI" XIX fazia parte do Arsenal de Marinha, como desapareceu tôda
em que os levantaram e que tão somente sejam conservados 1 11111de sobrados altos e antigos, rua estreitíssima e escura que dali
aquêles sem os quais não podem ter por forma alguma servidão 1'1111101 nté o Largo do Corpo Santo; achando-se hoje na área do antigo
edifício ou casa em que êles estão, ou sendo tirados causariam Ifil'lIi11o mercado do município e o jardim que' fica em frente ao
alguma irremediável ruína ao mesmo edifício; e no caso de haver h.1\.IlI", lacerda.
alguma dúvida sôbre esta matéria sejam ouvidos os mestres pe- A Praça do Palácio e a rua da Misericórdia, em que havia o re-
dreiros debaixo de juramento, pondo-se logo em execução o que UIIIIIIIIl'lllo. sofreram profundas e radicais transformações, porque não
êles determinarem, sem estrépito nem figura de juízo e para h,~ IIIIII~ 11 Casa da Relação que existia mais ou menos onde se acha
que mais solenemente se possa averiguar a verdade permitiria fI •• j,) .1 plntuforrna do elevador, nem o passadiço pelo qual iam os
Eu que dos engenheiros que aí houver, o que fôr mais prático ••vc IlIildlln:s c vice-reis para presidir as sessões daquele tribunal.
assista às demolições que se fizerem para se resolver sôbre elas 11111111('111desapareceu o passadiço, encimado por um mirante, que
o que fôr de justiça, sem prejuízo das partes; e sendo ouvidos 111111111ilVII n Casa da Misericórdia com o Reconhimento de Mulheres
sôbre tudo os Procuradores da minha Fazenda e Coroa, Me 1"1101.111" por João de Matos e Aguiar, restando apenas as escadinhas
i 1111'rknVlIl1I por baixo do mirante e que comunicavam, como ainda
pareceu ordenar-vos que assim o façaís executar com declaração
porém de que a assistência do engenheiro somente servirá na- I 11111da Misericórdia com a ladeira do mesmo nome.
queles casos em que as partes interessadas a requererem, por se
I) .lIlIela agora ... - E.C.
112
113
Também foi demolida a Casa da Moeda e no lugar em que ela Nesta porta-cocheira houve primitivamente uma loja de tabacos
estava, assim corno no da travessa que do alto da Ladeira da Miseri- servida por um português que fazia o seu comércio com pretos e
córdia desembocava na Praça de Palácio, se levanta o edifício nôvo da pessoas do povo, as quais lhe haviam dado o apelido de Joaquim
Biblioteca Pública, e, nos fundos dêste, para o lado da rua da Mise- t lrulba, porque estava sempre a rusga r, ou porque fôsse êste o seu
ricórdia, o da Imprensa Oficial, também construção nova. Aênio, ou porque se embriagasse constantemente. Os pretos africanos,
O antigo Colégio dos Jesuítas, muito arruinado nos fins do século usando de uma locução muito empregada entre êles, diziam estar nestas
XVIII, e que se pretendeu adaptar para hospital militar, transformou- ocasiões o vendedor de tabacos com o seu calundu, razão pela qual foi
se no belo edifício em que funciona hoje a Faculdade de Medicina. também apelidado o lugar de Porta do Calundu.
O edifício que Vilhena chama Casa dos Governadores ainda o Pertencia êste sobrado a D. Micaela dos Passos, a quem o govêr-
conheceu, corno é descrito pelo nosso professor de língua grega, o ano- no o comprou, como também comprou a D. Ana Maria de Jesus
tador dêste livro que está a fazer o presente comentário. outras casas contíguus, até a travessa que ia dar ao Pau da Bandeira.
Depois da proclamação da República foi o palácio completamente Possuindo todo o quarteirão, cometeu o govêrno da província o
reformado, no tempo do governador Luís Viana, e ultimamente o foi 1'11'0 de ceder parte dêle ao govêrno geral, no tempo em que era
outra vez, de modo que, nem externa, nem internamente, tem êle mais Ministro da Fazenda o Barão de Cotegipe.
coisa alguma da antiga residência dos vice-reis do Brasil. Na parte cedida está a Delegacia Fiscal, impedindo isso que este-
A Casa dos Governadores, chamada mais tarde Palácio do Go- jnm juntas tôdas as Secretarias estaduais, à exceção talvez da da Polícia,
vêrno, foi construída por Tomé de Souza no tempo de D. João lU, o que seria muito útil para a administração.
quando veio fundar a cidade. A travessa que dali vai hoje para a rua em que estão o Tesouro
Era de taipa, corno foram tôdas as primeiras casas da Bahia. estadual e a Asistência Pública era chamada Beco do Tira-Chapéu,
designação popular que vinha do costume de se descobrirem as pessoas
Mais tarde, reinando em Portugal D. Afonso VI, foi êle recons-
que passavam à vista do palácio dos governadores, símbolo do poder
truído por Francisco Barreto de Menezes, já sendo entretanto um so-
real e morada de quem representava o Soberano.
brado, o que prova urna obra importante ali, entre o primeiro gover-
nador e êste. A Casa da Moeda, de que já falei acima, foi inaugurada por D.
JOflO de Lencastro, segundo uns a 8 de agôsto, segundo outros a 22
Já disse que por um passadiço se comunicava a Casa da Relação do maio de 1694. Cunhavam-se nela seis gêneros de moedas, as quais
com a dos Governadores, em baixo do qual passadiço havia uns pilares tinham um B, para se distinguirem das de Minas que tinham um M
que o sustentavam, existindo entre êles umas arcadas onde se alojava I' das do Rio de Janeiro que tinham um R, nos ângulos da cruz que
urna guarda.
cvtuva gravada em uma das faces da moeda.
A Casa da Relação tinha sido vendida por 4 mil cruzados ao rei desembargador João da Rocha Pita, ascendente do historiador
pela Misericórdia que possuía os chãos onde ela estava, assim como do mesmo nome, * foi o primeiro superintendente desta Casa da Moeda.
a Alfândega. Houve depois uma interessante questão por não querer Depois de demolida a Casa da Moeda no século XIX quiseram
a Misericórdia pagar o fôro dêstes chãos, pretensão contra a qual a IOIl~truir ali um edifício para a Assembléia Provincial, o que se não
Câmara informou.
II\VOUa efeito, levantando-se afinal no lugar a Biblioteca Pública.
Junto à parede do Palácio que olha para o mar, corria urna tra- Faz Vilhena referência a vários sítios, alguns dos quais conservam
vessa arrampada que comunicava a Praça com a Ladeira do Pau da IIlIdll tI~ mesmas denominações que tinham em 1802, havendo-as outros
Bandeira.
PI'Idido em virtude de transformação de ruas, derrubamentos de edi-
·Por êste lugar seguia um caminho sinuoso até a Ladeira da Con- IIUOS, etc.
ceição que ficava mais abaixo.
Sôbrc alguns dêles darei ligeiras notas.
A travessa que havia junto ao Palácio e que ligava a Praça à Ilavia uma antiga carreira de casas em face do mar, razão pela
Ladeira do Pau da Bandeira, desapareceu e ali form construídas as '1"111 xe deu a esta via pública o nome de rua Direita da Praia.
rampas e escadas do jardim que ocupa a parte inferior do terreno do Mais tarde puseram aí os Jesuítas, em um cais que fizeram no
palácio sôbre a montanha. "'111'110 do seu convento, um guindaste e por isso se denominou a rua
Do lado da atual rua Chile, antigamente rua* do Palácio, havia dll (""lldaste dos Padres.
na parte que corresponde à atual porta do edifício que leva para as k estava pouco mais ou menos onde hoje se acha a entrada in-
repartições ali instaladas urna porta-cocheíra muito larga, a qual per- h:1I1I1 do Plano Inclinado Gonçalves.
tencia a um sobrado que foi comprado, pelo govêrno, para aumentar '111\ rouco mais para o Norte construíram os Jesuítas uma fonte
o Palácio.
fi \I' \lllIdll existe e começou a se chamar o lugar Fonte dos Padres .

• '" Direita ... - E.C, cio mesmo sobrenome: O hístoríador era Sebastião. - E. C.
114 115
Tinham êles ali muitas propriedades e a fonte foi feita para o D . João de Lencastro, etc.
cômodo dos inquilinos dos prédios. Havendo visto o que me escrevestes sôbre a necessidade que
No século XVIII obtiveram os Jesuítas concessão de marinhas tem essa cidade de uma nova Casa de Alfândega para recolhi-
e em frente da rua da Praia construíram uma carreira de sobrados, mento das fazendas dos navios das frotas, pelo mau sítio em
pouco mais ou menos em 1714. que se acha a que hoje há e descômodo que têm os donos das
Com êstes sobrados se fêz o que se chama a rua dos Cobertos e fazendas em lhes ficarem pela praça, expostas à inclemência do
dêles falarei daqui a pouco. tempo, por ser tão pequena essa casa que só servia no princípio
dessa conquista em que a ela iam poucos navios, do que resultava
Haviam os Jesuítas ido captar a água para a sua fonte na en-
não s6 demorar-se a descarga das embarcações mas também o
costa da montanha, abrindo para isto cinco galerias que eu já percorri,
despacho das fazendas com grande detrimento de seus donos,
convergindo estas cinco galerias em uma só, a qual dá para elas ingres-
parecendo conveniente o fabricar-se de nôvo uma casa que sirva
so, e para a qual se entra subindo umas escadinhas que se acham
de Alfândega na Ribeira dessa cidade, onde ficaria utilíssima,
junto ao sobrado situado no reentrante que forma o encontro do pri-
meiro com o segundo lanço da Ladeira do Taboão. assim para meu serviço como para descarga dos navios e des-
pacho das partes, Sou servido resolver façais esta obra da Alfân-
O sítio conhecido por Beco do Garapa começava entre o Guin- dega, não sendo no lugar que se tomou para a Ribeira das Naus;
daste e a Fonte dos Padres e ia até o mar, desembocando no Cais da e porque o haver esta casa é em grande conveniência da mer-
Farinha.
cancia me pareceu ordenar-vos que vejais se os mercadores po-
Desapareceu o portão do Colégio que existia no Guindaste dos derão concorrer para esta despesa, persuadindo-os da utilidade
Padres, como também desapareceram as arcadas que existiam na frente que isso tem.
dos pavimentos térreos dos sobrados que êles ali possuíam, Cobertos Escrita em Lisboa a 15 de dezembro de 1694. - Rey .
Grandes e Cobertos Pequenos, onde os mercadores de quinquilharias
tinham as suas bancas.
Era nesta zona que se fazia o maior giro do comércio e onde D. João de Lencastro, etc.
Vilhena refere que havia indizível cabedal. Viu-se a vossa carta de 4 de abril dêste ano, em resposta à
que se vos havia escrito sôbre a planta da obra da Alfândega
Logo ao descer a rua da Montanha, mais ou menos onde hoje
que mandastes fazer de nôvo e custo do sítio em que se fabricou
está o princípio da rua Santos Dumont, havia noutro tempo uma cape-
linha dedicada a Santa Bárbara, a qual foi construída por Francisco a que destes cumprimento, remetendo a dita planta e certidão
Lago. da importância do sítio; e porque a vossa carta se não acom-
panhou de certidão da importância e custo desta obra e do que
Este homem, que era coronel, não tendo filhos, instituiu com sua concorrem os mercadores, Me pareceu dizer-vos deveis mandar
mulher, D. Andreza de Araújo, em favor dos herdeiros de ambos, um êste documento. Escrita em Lisboa a 10 de dezembro de 1696.
morgado destas casas e benfeitorias que aí possuíam.
- Rey.
Tendo falecido o casal apareceram herdeiros falsos que usufruíram
o morgado por mais de trinta anos, sendo afinal descoberto o embuste
e entregue pela Justiça o morgado à Fazenda nacional. D. João de Lencastro, etc.
Num dos pavimentos da casa dêste vínculo foi que funcionou a Viu-se vossa carta de 21 de junho dêste ano e documentos
tipografia de Antônio da Silva Serva, na qual se imprimiu A Idade de que com ela remetestes, como se vos havia ordenado, porque
Ouro, que foi o primeiro jornal da Bahia. consta da importância e custo da obra da Alfândega que se está
O que se chamava nos tempos coloniais Beco do Martins era uma ínbricando de nôvo nessa cidade e do que concorreram para ela
viela que também conduzia da rua Direita até o mar. ,,~ mercadores; Me pareceu dizer-vos deveis declarar a forma da
u rccndação que tem, o que deram aí os mestres como os mer-
A Alfândega funcionou numa casa da praça dos governadores, I "dores para esta obra e com quanto concorreu cada um e se
primitivamente.
..,liI continua ainda e o estado em que se acha, pois pela vossa
Segundo alguns, esta casa estava no lugar onde depois levantaram 1:1111 •• uno consta o que se há feito nela.
a Casa da Moeda; segundo outros, mais adiante, no alto da ladeira lvcrita em Lisboa a 9 de dezembro de 1699. - Rey .
da Praça, muito próximo à Casa da Câmara.
Foi depois mudada para a Cidade Baixa, onde muito mais apro-
priado era o local para ela e a respeito desta repartição têm interêsse Imlldl'l!ll foi reedificada em 1746, sendo colocada no edifício
as cartas abaixo:
1111111 1(II!idl 1'11111 esta inscrição:

116 117
o muito alto e poderoso Rei D. João V mandou edificar Foi êste o recolhimento que se chamou do Santo Nome de Jesus,
esta Alfândega de nôvo, sendo vice-Rei do Estado o Conde 'das que foi inaugurado em 29 de junho de 1716 e extinto em 7 de janeiro
Galvêas. 1746. de 1869.
João de Matos, vulgarmente conhecido pelo apelido de João de
Matinhos, foi inumado na igreja de S. Francisco.
Parece-me que a inauguração foi feita no dia 25 de julho do ano O recolhimento foi transformado no Asilo dos Expostos que pri-
citado. meiro existiu no pavimento térreo do edifício da Santa Casa, vindo
Compraram para aumentar a repartição uma casa a João Cordeiro depois para a chácara chamada do Pinheiro, ao Campo da Pólvora."
da Silva por 160$000 e outra a Manuel Rodrigues de Barros, arnbas
na praia, defronte de um beco que dividia a última destas casas do
trapiche de Manuel Rodrigues Caldeira e Francisco de Carvalho Barros.
Parece que a esta parte foi que se chamou depois Consulado,
constando que havia ali uma casa que no século XIX o Comendador
Pedroso vendeu ao govêrno para ser demolida.
Há tradição de ter sido nesta casa que foi demolida que teve
escritório João Carneiro de Campos e de terem nascido ali os seus
filhos, que foram homens notáveis no período do Império.
O dono primitivo destas propriedades, por haver sido o edificador
delas, foi Bartolomeu Alves de Carvalho, português que teve três filhos,
um dos quais foi padre, outro bacharel e outro capitão, faltando ele-
mentos para estabelecer a data da construção de tais prédios.
No local onde elas existiram passa hoje a rua larga que leva ao
1.0 armazém do cais do pôrto.
A Alfândega recebeu um considerável aumento no tempo do Im-
pério, quando foi entulhada um pouco a praia e construída uma ro-
tunda que ainda existe. Desta rotunda partia uma ponte de ferro que
se inutilizou porque as areias trazidas pelas marés tornaram impossível
nela a atracação dos navios, o que se fazia quando ela foi construída.
A casa primitiva da Alfândega foi numa parte do lugar onde hoje
se acha o jardim que ocupa atualmente grande área ali.
O campo do Forte de S. Pedro ou Campo Grande, hoje Parque
Duque de Caxias, foi o pasto de uma fazenda de gado vacum e cavalar
que se estendia de Vila Velha até as proximidades da capelinha que
havia dedicada a S. Pedro no lugar onde está hoje o quartel ou onde
se acha a Memória de D. João VI.
O lugar chamado Unhão tomou êste nome do desembargador da
Relação Pedro de Unhão Castelo Branco, que foi Provedor-Mor dos
Defuntos em 1692. .
Nos fins do século XVIII ou princípios do XIX passou a per-
tencer a deliciosa morada ali construída, com esplêndida vista para o
mar, aos senhores da Tôrre de Garcia de Ávila.
Atualmente é uma fábrica. *
Falou Vilhena no Recolhimento da Misericórdia e eu já toquei
acima no nome de João de Matos e Aguiar , ~ste filantropo que mor-
reu rico deixou à Santa Casa a sua fortuna avaliada em 228: 000$000,
instituindo que a Misericórdia, da qual fôra escrivão e provedor, fun-
daria um asilo para mulheres.

* Agora, museu. =- ;E.C. 1'1111111'11'0., o. antiga roda. - E.C.

lI8 119
Carta Terceira

em que se dão algumas noções da ordem política,


e govêmo econômico da cidade da Bahia

~
II.OPONO AMIGO.
( hega aqui o correio marítimo com quarenta e seis dias de
Vlllj.!'·"'. e creio que pouco depois da sua saída entraria nesse pôrto
11 uuvin, em que ultimamente te escrevi, acabando de descrever-te esta
'Idllde; de forma que se algum dia tomares a deliberação de vir
, ,'111. creio escusarás prático, que te instrua nas suas entradas, e
Ildll~; ruas principais, e praças; e como te considero instruído
111 110 corpo físico dela, me parece de razão dar-te algumas noções
dll l'IHpO moral, instruindo-te em parte no govêrno econômico,
I' 11Idcm política, que nela se tem adotado, e existe para o com-
hlllllll'~ com o juízo que sôbre êles hajas de ter formado.
IIIÍ justamente duzentos e cinqüenta anos, que a cidade da
III"till lui fundada no sítio em que hoje existe, pelo capitão-mor*
(;',\,' IlIildor Torné de Souza; com esta idade pois parece a devê-
1,111111. t'ollsiderar, quando mais não fôra, na sua juventude, ou
IIh,h,~, /1m lu, quando ainda agora é que vai saindo da infância.

""l1l1nu (tencra) e Governador. - E.C.

123
:É para admirar, que tendo a Bahia sido por mais de du- a um escrivão, e principalmente a um tesoureiro, que não só vence
zentos anos* a capital de todo o Brasil, a residência de tantos outro tanto, como tira dali mais de quatro mil cruzados, segundo
Governadores Gerais, e vice-Reis, quantos verás no catálogo que a vez do vulgo, e geral, pelos escandalosos monopólios que faz
dêles pretendo enviar-te; que sendo a sua Catedral a Metrópole com outros mais; que devendo empregar os seus caixeiros nas suas
da América Portuguêsa; e que sendo das colônias do Brasil a mais lojas, e cobranças, os tem vendendo farinha nas tulhas, ou celeiro
freqüentada de gente policiada, é, como disse, para admirar o público e outros pelos campos comprando-a aos lavradores, e de-
ver-se ainda nela um estranho atrasamento, próprio mais de urna morando-a em celeiros para dali vir por miúdos a vender por
aldeia, do que digno de uma cidade. monopólio, sem que jamais apareça abundância na cidade, ha-
vendo-se munido de antemão com a desteridade de alcançarem o
preço franco, o que sendo na verdade justo, e de razão, tanto
'" CELEIRO PÚBLICO abusam êstes esponjas daquela franqueza, que diàriamente se está
vendo, que a mesma farinha que pelas nove horas V.g. vendiam
por 960 rs. o alqueire, quando são onze horas ninguém já a com-
.Muito poucos anos há, segundo o que já nas minhas antece-
pra por menos de 1 280 rs; e o mesmo praticam com quase todo
dentes te participei, que nela se viu um celeiro público, feito em
o legume, e grão que ali entra, por ser passado a diversos possui-
uma casa emprestada, e tão pequena para aquêle fim, que escas-
samente poderá receber em si mantimento para sustentar por três dores, dignos todos de punição.
Pode bem ser, meu amigo, não seja da tua aprovação o ar-
meses o povo desta cidade, além do que evidentemente se vê que
hítrio de aplicar-se aquela renda para fim diverso da sua insti-
S. Majestade mais ano, menos ano, há de mandar fazer uso dela
tuição, cheio todo, e fundado em caridade, e humanidade; eu po-
para incorporá-Ia ao seu Arsenal da Marinha, não somente aca-
rem te vou mostrar como um, e outro fim se preenche com tôda
nhado, como devassado por êle, e exposto a descaminhos, e pre-
iI eqüidade, e justiça, na suposição de que estão pagas tôdas as
juízos da Real Fazenda; c à vista disto não se tem cuidado em
despesas, que se fizeram com aquela casa pia, logo que os rendi-
descobrir outra que possa servir para êste ministério, com os cô-
mentes têm sido os que te fiz ver na minha primeira carta; e se
modos, e particularidades, que naquela faltam, e pode bem ser,
\l não estão, há certamente desordem, e falta de economia.
se venha a ficar sem celeiro público, logo que são infinitos os
apaixonados por que se torne ao antigo uso, de venderem os man-
timentos a bordo das embarcações, e verem-se os tristes pobres,
que apenas têm com que comprar uma quarta de farinha, na pre- '" SANTA CASA

cisão de pagarem a um saveiro em que se arrisca o negro, ou negra,


que vai a bordo comprar, e não menos se arrisca o dinheiro, e o 12 a Santa Casa de Misericórdia nesta cidade uma das mais
saco; acontecimentos que todos os dias sucediam antes de haver 1 il lIS, de que eu tenho notícia, e por esta causa se obram todos
celeiro público; além de outros prejuízos, e desordens, que não \l~ unos para a eleição dos seus Provedores, escrivães, tesoureiros,
relato por não te molestar. I' uut ros membros da sua governança, ligeirezas tais, que excedem
I~ dos pretendentes do Senado da Câmara; pelo que seria um
Bem sei eu que as rendas do Senado dissipadas da forma,
'I 1I1I1l' rasgo de política o sujeitar os seus bens a uma adminis-
que já te manifestei, não podem chegar para a compra de urna
tal casa; pelo que seria muito bem entendido, que o vintém que t 1111,.111. Consistem êstes em sessenta propriedades de casas para a
se exige por cada um alqueire do grão que nela entra fôsse tllll~I~'.Il:lçãoda Casa, o que me parece ter-te já noticiado, as quais
aplicado para a sua compra, e mantença, e que no entanto se 11111111-111 nnualmente 7:370$640 rs; tem mais para a consignação do
diminuísse a metade do ordenado de 400$000 rs. que ali se pagam '11111 \lut I'HS cinqüenta propriedades, que rendem 3: 635$320 rs;
11 IIlIh'l1ll' tem oito fazendas, de que não pude indagar os rendi-
• De 1549 a 1763. - E.C. 111(11111' Cinco destas fazendas são na Patatiba; uma no engenho

124 125
chamado do Calogi, têrmo da vila de Santo Amaro da Purifi-
l(il' 1Ir.<Iperm itc maior demora; assim como deveram ser
cação; um no engenho d'água de D. Brites, chamada esta a fa-
".,,1111<I~4\1C em outro lugar se achassem vendendo peixe:
zenda do Partido, ou Bom Retiro; e a oitava, em extremo grande
11I\'~III,1IIIIIIHI as negras regateiras, * a que chamam ganha-
no Saubara, indo entestar com o rio Peruaçu; ignoro se tem alguns
I11i) 1lIllIlIl'Hlldo-o em outra parte não mostrassem despa-
outros bens de raiz, porém sei que há dois anos lhe doou um
particular cento e vinte mil cruzados. IIdl1 dll casinha, que devera haver, na qual se desse en-
\ flI 111 i1 ,I das terras, onde há polícia, e govêrno econômico;
111
À vista pois do expendido, parece que depois de estabelecido
!~"IIII for 111 uucura, não se comeria nesta cidade peixe pesado
o Hospital dos Lázaros, em um delicioso sítio próximo à cidade
il(', l(II,\lHlo aliás é aqui o mar bastante piscoso; o que é
em terreno, que cultivado como deve ser, supre uma boa parte da
11ttl\' 11I\I{C I 1'(111Ió1~,arpor quatro, ou cinco mãos, antes de chegar
despesa que se faz com aquêles enfermos, cujo número é hoje
1111) I1 I'IlIlIpra para comê-Io; todos sabem esta desordem, mas
diminuto, que livre, e desembaraçado de dívidas, e alcances devera
li! ti "IIII'IHIa,por ser aquêle negócio como privativo de ganha-
a Santa Casa da Misericórdia tomar conta dêle, não sendo menos
I"i) Ih- urdinário são, ou foram cativas de casas ricas, e cha-
meritórias as obras de caridade, que ali se praticassem, do que as que
11,,1111'1, rum as quais ninguém se quer intrometer, pela certeza
lá se executam no seu atual, e antigo hospital, se bem que os de-
lIi di' 111'" mal, pelo interêsse que de comum têm as senhoras
tratores dizem, que nêle se curam mais sãos, do que doentes.
jlirl/i I11'glldilC;IÍO. Vendem as ganhadeiras o peixe a outras ne-
Por êste modo pois se podia bem preencher um, e outro fim
Pil'-'I 1IIIIIi\lCl11a vender, e a esta passagem chamam carambola.
com suma utilidade do público, que desta forma ficaria com ce-
Ijtllitllill'lIh' curo o peixe, porque mesmo ao largo, sem chegar ao
leiro, e hospital, o que é muito de supor, logo que na Casa dos
111 6 1lIlI'!latado aos pescadores com violência por muitos ofi-
Expostos entraram no ano de 1796 unicamente 76 enjeitados; em
illfl.lllllll'~, que a título de ser para os seus superiores, o
1797 entraram 98, e no ano de 1798 entraram 74; à vista pois de
I 1'.;111que querem, e o entregam àquelas, ou outras seme-
um número tão diminuto para a criação dos quais, concorre tam-
111'111iI~, com quem têm seus tratos, e comércios.
bém o Senado com 200$000 rs.; sucede ver-se naquela casa uma
ama com quatro, cinco, e mais crianças, de que é incumbida, en-
quanto se não entregam a amas de fora, ou morrem, o que de
ordinário sucede por uma política mal entendida, e observada, CAIINJI
quando prejudicialíssima ao Estado, principalmente no Brasil, que
sendo de gente a sua maior precisão, é o gênero, que menos se
aproveita nêle, ICllld, uu maior tem sido a desordem motivada pelos mesmos,
flllniill.l~ descarados, e protegidos, pelo que pertence à carne,
jlI ijllll IH,,~a deixar de atribuir-se a descuido o permitir que es-
I!:Ltiil \l'IVllldo de covis de onças, e tigres, terras admiráveis, e
* PESCADO
11t{lptÍ'111111111 a criação de gados, que com a obrigação de povoá-
il!~Ml 111'101111 em outro tempo por sesmarias nesta mesma Capi-
Visto que o largo das Portas de S. Bento, se não tem empre- liliiiu " fllll\lllus poderosas, que nada cuidam nelas, podendo estar
gado em alguma cousa, depois que S. Majestade fêz mercê dêle IIIJiu'l 011\ cr inção, abastecendo de carne a cidade, e aumentando o
ao Senado, poder-se-ia ter feito nêle uma praça do pescado, de ill1611111 da courama; motivo êste por que ela se tem visto e vê
que a Bahia ainda carece, se bem que por muito cálido poucas flil 111.11111 consternação com a penúria de carne, esperando lhe
horas havia conservar-se ali o peixe, ainda que o lugar mais pró-
prio para a pescadaria devera ser na beira-mar, onde os pescado-
"O~
111":1'111' longínquos sertões do Piauí, distantes perto de tre-
111111 kl\"II~, quando a pudera ter, como disse, em muita abun-
res deveram ser obrigados a ter o seu peixe exposto à venda ao
povo, por uma, ou duas horas depois que desembarcassem, pois
1111111:11111'1111
ambulantes. - E.C.
126
127
dância, não só dentro na sua Capitania, como ainda na comarca. do Senado, das têrças de S. Majestade, e do
Parece seria acertado houvesse fora da cidade algum campo com hoje porém ganham menos, e às vêzes per-
pastos onde aquêles bois estropiados pudessem descansar, e re- Hillll.lÍlIl lugar porque logo que aos sertões chegou a
fazer-se por alguns dias, antes de os matarem; não é porém assim; Ir, ~!,III1'.1 do preço; raro, ou nenhum criador desce com
o que melhor te explicarei, quando tratar das causas do perdi- qlll1 II,'~ porteiras das suas fazendas os reputam como
mento da saúde na Bahia. !lI 8C~',IIIlUO porque os pobres, que não têm com que
UlIlIC c.iru, passam sem ela, ou a vão comprar de tarde,
Não contentes os monopolistas com a taxa das carnes a 600 rs.
", que assim chamam ao abaixar o preço; o que se
cada uma arrôba; preço por que correu até o ano de 1793, ou
li, cstfl jii meia corrupta, e só boa para dar a cães, ou
1794 trabalharam até que se lhes pôs a taxa a 800 rs. por arrôba.
111,11':estas, e semelhantes desordens provêm dos fulmi-
Como porém não enchesse êste preço ainda as suas vistas, ernban-
Irnvcssudorcs monopolistas; como pois os soldados não
deiraram um orador anônimo, e muito de supor interessado, o qual
lhes formalizou um eloqüente requerimento, ou proposta, em que 10 (:III'ar nesta irmandade, eu te vou referir algumas das
(Iil ~1Ii1 repartição, lembrando-te que para conhecer o
arrota erudição com tudo o que achou em alguns dos que moder-
namente escreveram de polícia, e economia, admiràvelmente para hll~Ir' verlhe um dedo, assim como por uma unha se
os países em que se achavam, e seus contíguos, sem que nunca 1,'lIIllIlbo de um leão. ~ muito para notar, e mais ainda
li' [I .isccndência que os soldados se têm arrogado sôbre
se lembrassem de que houvessem homens a quem faltasse o critério
para conhecer que a doutrina, que em uma parte é profícua, pode ú'lIll"1Cllllo absurdos bem dignos de reprimir-se; é um
em outra ser nociva, e inaplicável, e isto por muitas circunstâncias. '1"1111" .ircm-se dos açougues públicos nas ocasiões de faltas
Com aquela oração pois, mais comprida, que os anais de Aragão, urrando violentamente nos talhos, tirando por fôrça os
110 1"\fIlC, arrancando-a das mãos dos escravos de cada
se põem em campo aliciam partidistas, conseguem quatrocentas e
tantas assinaturas de homens todos abonados, e fazendo jogar as l\I"ili' principalmente dos ministros, pretextando não serem
1" ivilllljiados do que êles, vendo-se muitas vêzes precisado o
molas do seu artifício, conseguem a franqueza no preço das car-
nes, que apesar de ser um gênero da primeira necessidade em lc 111(1do Senado a ir pessoalmente acudir às desordens que
tôdas as partes do mundo policiado, se vendeu sempre por taxa, '11ft, por algumas tratado com menos decôro, e respeito;
e rematou a quem mais barato o pudesse dar ao povo, ficando ul:odidll arrombarem as portas dos açougues, que êle manda
desta forma o pobre da Bahia numeroso, cem vêzes mais do que " pOr' cvitar as mesmas desordens; chegando a tanto a au-
o rico na vexação de comprar a carne mais vil que pudesse haver, 111,li insubordinaçâo, que para o seu próprio General ter carne
por preços de que não vale a metade. Na semana em que se con- llilllo de Alcluia de 1797 houve precisão de mandar matar
seguiu êste decantado triunfo, contra o parecer do Presidente do de que esta se havia tirar, dentro no pátio do seu próprio
Menos escandalosos seriam êstes procedimentos, se to-
Senado, que por um ano inteiro se opôs; em fins de setembro
de 1797 um dos assinados, reputado entre os mais ricos da cidade 11Ij;(, 11carne que lhes bastasse, e não para entregar a ne-
mandou rejeitar um quarto de boi, que o seu comprador lhe trouxe '"l'l1l quem têm tratos, ou contratos, conhecidas por cache-
do açougue a 1 920 rs. cada arrôba, e isto por ser cara. Nas 1(11\'moqucando-a, segundo a frase do país, a vendem a bo-
semanas antecedentes ao levantamento do preço, só entravam 60, dill""~, roubando os miseráveis pobres, que por outro meio a
50, e 30 reses etc. e em algumas nenhum boi; na semana porém 110.\1:111 conseguir.
que se seguiu foram os marchantes a Jacobina distante cem léguas I~ O~II' procedimento muito análogo ao de muitos oficiais in-
da Bahia, e ao Piauí que dista 250 léguas, além de outros sertões, "Plell, 11m' têm ido juntar-se nos currais do Conselho na deli-
e nessa mesma semana entraram na cidade com quatrocentas e ,,"~ni'dI' arrebatar a carne destinada para os açougues; o que
tantas cabeças. Naqueles princípios ganharam, se isto é ganhar, .n .-.hviudo a prudência, e presciência do administrador dos mes-
bastante cabedal nos gados que sub-repticiamente introduziram em ill ';llIl'Id~. j(l dissuadindo-os, já contentando-os pelo melhor

128 129
modo, por evitar o ficarem despedaçados pelas mãos de mais de II·I.\SIO 1)1' NSUMO
oitenta, ou cem negros, que armados de facas, cutelos, machados,
e mais instrumentos semelhantes, trabalham todo o ano naquela
referidose vê que dessas mesmas casas, que não
oficina, tendo tanta dúvida em matar um homem, quanta se lhes negócio em grosso, como vendera das suas lojas*
oferece em derribar um boi, não os excedendo em ligeireza o
I llivlldo, e vara, saem turmas de negras com cai-
alão" mais veloz o mais matreiro.
h6". de Iazcndas, a maior parte de contrabandos, tirados
Ora meu Filopono, aonde se vêem praticar, sem repnmir-se
1IIô,flll \ omprados em navios estrangeiros, que aqiu apartam,
com severa punição, desordens desta qualidade; parece não abun-
!\l i 1III'I1mlos de dinheiro; outros vindos das faitorias das
da muito em govêrno político, e econômico; e por conseqüência
li,) (,Ulll~ c Mina, furtando-se desta forma os direitos a S.
se há de viver com desgôsto, e susto.
Ifldl~ I' Iludindo as saudáveis leis, que o vedam, pela venali-
il,~,. 1'"lIldIlS, não só paisanos, como ainda militares; alguns
I' Julgam bem-aventurados, quando lhes chega uma des-
" ESPECIALIDADES BAIANAS
• excetuando contudo muitos que há honradíssimos.
111 ." mesmas negras outras fazendas da ordem das que
Não deixa de ser digno de reparo o ver que das casas mais jli~1I1dl"pacho na Alfândega; e ninguém pois se embaraça com
opulentas desta cidade, onde andam os contratos, e negociações 111111Illl's pede contas, pelo respeito às casas poderosas a
de maior porte, saem oito, dez, e mais negros a vender pelas ruas
11'0 I" 1111I\'l'Ill. salvo-conduto êste, que as livra de todo perigo;
a pregão as cousas mais insignificantes, e vis; como sejam iguarias
I,j~1I !.I'11l 11 sorte de quem bolir com elas. As negras porém
de diversas qualidades V.g. mocotós, isto é mãos de vaca, carurus,
"rt,~, pl'llCllcem às casas da primeira ordem, tiram uma licença
vatapás, mingau, pamonha, canjica, isto é papas de milho, acaçá,
1111110 pura poderem vender, livres das ciladas do vigilante
acarajé, ubobó, arroz de côco, feijão de côco, '"* angu, pão-de-ló
1I1killl do Ver.
de arroz, o mesmo de milho, roletes de cana, queimados isto é
1\:1" modo também com que êste exerce as funções do seu
rebuçados a 8 por um vintém, e doces de infinitas qualidades óti-
i IJf~~':I. poderás igualmente ajuizar da política, e economia que
mos muitos dêles, pelo seu asseio, para tomar por vomitórios; e
ile~ll' \ Idade. Quando êste vai lançar na renda leva já contadas
o que mais escandaliza é uma água suja feita com mel, e certas
111\ U~, vendas, e tabernas que há por tôda a cidade, e subúr-
misturas a que chamam o aloâ, que faz vêzes de limonada para
I III~ ruutu ao ajuste que há de fazer com cada um, de forma
os negros. * * '" Não quero meu amigo mortificar-te com um maior
1I{1drlll'lI'las avenças" leve já segura a renda, e ganhe não pouco;
catálogo de viandas tediosas. Bem se vê, que uma semelhante ne-
ilil ~!l11 I .rlculo feito de antemão, lança, arremata, e lavra-se-lhe
gociação, além de ludibriosa para quem não tem a alma possuída
li1111"com as cláusulas do estilo, com fiadores abonados; o que
do espírito da torpe ambição, devera ser privativa da repartição dos
il!llh.1I11I"li II fazer os mencionados ajustes com os vendeiros, e
pobres, que nada têm, de que possam haver o necessário para a
sua subsistência. I(d" 1111'11"'.convencionando-se em que os não perseguirá por aquê-
Ilj [III'~'.Ml lhe derem tanto; o comum são 12$000 rs. para mais.
• Cão de fila. - E.C. fch;11I [11111 que seja aquela avença, aí fica o vendilhão habilitado
•• Feijão-de-Ieite. - E.C. 11111.11 n salvo, entrando logo no ajuste o avisá-Ia quando hou-
••• Esta é a primeira relação exaustiva das comidas chamadas [li c'-111
t'l~iln geral. Há na Bahia v. g. 250 vendas, que são mui-
baianas. O padre Vicente Ferreira Pires (Olado Ribeiro de Lessa,
Viagem de Ajrica em o Reino de Daomé, São Paulo, 1957) pela 1.'-'111"18, - E.C.
mesma época referiu apenas caruru e aluá ,
)111111'/1
- E.C,
130 1;31
tas mais, pagando cada uma 12$000 rs. aí temos 3 :000$000 rs. hll10
que pela primeira tenção se furtam só para o rendeiro, sendo muito
para supor, que para êles será dobrado; porque a não se recea- ,"t.uha o igualmente contorrne aos ditames políticos, e
rem que os apanhasse nas suas ligeirezas, nenhuma necessídade I o dr""r encher a cidade de mendigos das três quali-
tinham de constituírem-se seus foreiros. Semelhante é o ajuste Ih(O~. 1II\1ldtO~.e pretos; os brancos, se são homens pro-
que faz com as negras regateiras, que apesar de serem mais em li1l1ilt:lltCde marujos, que ficam doentes no hospital, onde
número, como é menor o tráfico anda a avença por 3, 4, 5 mil 10 IIl\lilo pouca caridade, em podendo levantar a cabeça,
réis, que cada urna há de furtar para êle, e dobrado para elas. Se "I'~lt'" na rua, e como lhes falta com que tratar-se,
isto é bom govêrno político, eu ignoro. 111'pc"" IIL'is; e porque o ofício é menos laborioso e igual-
mlf'~1I 110 de marinheiro, de tal forma o abraçam, que
1111; 11torna a largar, tendo a sua ordinária assistência nas
••• SAL E AzEITE f.lllhl morrem a maior parte dêles, ou pouco distante das
111I·•.•
1l1IIS.assados de aguardentes, e cachaça, porque vi-
() provam pela razão do seu maior preço. As rnu-
Igualmente me parece contra as leis da eqüidade, e sistema provêm daquelas, que não podem já procurar sua
político o estar o administrador do contrato do sal, e azeite dando 1/1\1111 a frase vulgar, e isto pela violência, e assiduidade
êstes ao povo com a penúria mais escandalosa que pode imaginar- 11/1)1\ procururam enquanto puderam, ficando o Estado pa-
se, havendo precisão dos empenhos maiores para alcançar um, ou i~ ~\I;I~ desordens. Os mulatos, e pretos são de ordinário
meio alqueire de sal, sendo voz constante de que a causa, é porque lltJijndos, velhos, e estropiados, a maior parte dêstes pro-
se envia para diversas partes, e portos desta costa, onde se vende ,'111 11I111 entendida caridade de uns, e da escandalosa desu-
por preços muito maiores de 640 rs. por que é obrigado a dar o IlIdlllh.ldi' 0111 ros; chamo caridade mal entendida a daqueles se-
preciso ao povo desta cidade. ~ igualmente vexado ali o povo, cnhoras que deixam por sua morte forros escravos, e
não lhe querendo jamais receber pelo sal que compra, a moeda ,"IVil' ~1'/l1ofício, sem legado, e sem arrimo; se êstes são velhos
IH'O, '-'11/lada podem, e querem trabalhar para adquirirem o sus-
corrente em cobre, mas s6 em prata, ou ouro, quando na Casa
I. /I\IIIIVOpor que se metem logo a pedintes, sendo por isso
da Arrecadação da Real Fazenda se cobram, e recebam muitas
10' [111F~lado: se são moços s6 querem mostrar aos que são
somas naquela espécie de cobre.
"~ ti dilcrcnça que vai da liberdade ao cativeiro, o que lhes
Não é menos oprimido aqui o povo pobre com o azeite de I \'CI' l'l1tregando-se aos vícios que a ociosidade lhes sugere,
peixe que lhe vende nos estancos,> grosso como Iôdo, feito dos 1111.I"I'~ falta quem os corrija, e admoeste, vêm de comum a
torresmos das baleias, que manda refrigir; enviando impunemente H!iffer hl'll,ldos. ou nas enxovias, e quando têm fortuna vão mui-
para fora todo o azeite bom, ainda nos anos em que é abundan- d~lclI pilssar o resto de sua vida nas galés; se são fêmeas, e
tíssima a pesca das baleias, mandando abrir os estancos à bôca da if!~Ií~. dI' ordinário se prostituem com lassidão tal, que em breve
noite, e fechá-Ios pelas oito horas com pouca diferença; e apesar IlHlü 111:,1111 tolhidas, entrevadas, e comidas de miséria, pedindo
11111n1S pelas portas para poderem alimentar-se; o que não
do lucro indispensável que daí se há de tirar, escandaliza que se
lhç~ ~1":\'Ih'la se ficassem sujeitos a quem os não deixasse entregar
requeira o aumento daquelas fezes de azeite. Ora parece não ha-
\ IlIIICIII,· dos vícios em que se engolfam; a quem os sustentasse,
verá quem deixe de conhecer ser tudo isto falta de govêrno po-
!I~ '!lli'il~'" uas enfermidades, os livrasse de crimes etc. É sem dú-
lítico, e ainda de consciência, e justiça.
iil[1 1//1111 prunde obra de misericórdia o libertar os nossos irmãos
Ih·,:.~, l11ilSparece mais conforme à razão, e justiça o ficarem
• Estanques. - E.C.
IlhcllII' desta natureza, e qualidade responsáveis sempre a um
132
133
tutor, ou diretor que coativamente os desviasse do mal, e os di- I'IU(,1I)[1I1:1,\1
o TR~FICO DE ESCRAVOS
rigisse para o bem, e não deixá-los entregues à sua brutal vontade.
I 111I'11 Filopono, da minha intenção indagar se é justo,
Não se faz certamente injúria em chamar desumano a quem 110. í) nIlIH':n;io que fazemos, indo aos diversos portos da
pelo não sustentar lança fora de sua casa um escravo, que no seu 1j'P,'II1 n~ nossos gêneros de tabaco, açúcar, e aguardente
serviço cegou, ou estropiou, de forma que não pôde mais servir, II~ p.1Ia trabalharem, e servirem nas nossas colônias cio
tendo sido mais afortunados os bois dos israelitas, do que os escra- 11111M'I ' questão tão ventilada, e até agora não decidida
vos de senhores tais, e se êstes merecem o nome de desumanos, IIU;II~com quem jamais poderei ombrear; eu porém te vou
ignoro o que se deva dar àqueles que conservando no cativeiro I' pillll" dos inconvenientes, e manifestos prejuízos, que traz
escravos cegos, e aleijados, sem dar-lhes sustento algum os man- IIIIII'\.' lucrativa, segundo parece, troca de um gênero que
dam mendigar pelos fiéis, para que no fim de cada semana lhe IIIl.'l'íthllnda, e que para nada mais nos serviria, qual é o nosso
paguem quatrocentos e tantos réis, pena de áspero castigo. (10 Il'IU!::O;eu me persuado não ser êste comércio tão útil
I'IIII:U', e que por interêsses particulares se compram prejuí-
ptlhli"IIS, e que êste é um dos interêsses mal entendidos de
* BATUQUESDE NEGROS 111111
I.
leI I.dtarú quem nos diga que por zêlo da Santa Religião é
Por outro princípio não parece ser muito acêrto em política, 1110\arrancar do gentilismo aquela multidão de gente, que
o tolerar que pelas ruas, e terreiros da cidade façam multidões de IlI/illlu~ no grêmio da Igreja; e assim despojamos o diabo
negros de um, e outro sexo, os seus batuques bárbaros a toque G flll que estava dêles; eu porém digo, que mais triunfante
j dl.t1Hl, levando maus cristãos, do que levando bons gentios,
de muitos, e horrorosos atabaques, dançando desonestamente, e can-
ilI"i\íl lIl"i~ sendo aquela conversão tôda constrangida, ínvo-
tando canções gentílicas, falando línguas diversas, e isto com ala-
II!IIiAIiIlII)da; produção só do mêdo, e filha só da condescendência;
ridos tão horrendos, e dissonantes que causam mêdo, e estranheza, mh.m II~ dias mo está mostrando a experiência, que daqueles co-
ainda aos mais afoitos, na ponderação de conseqüências que dali eMM' nuo arrancam os costumes, e cerimônias, que aquela gente
podem provir, atendendo ao já referido número de escravos que liel! IIIl leite, o que viram exercitar a seus pais, parentes, e
há na Bahia, corporação temível, e digna de bastante atenção, a hl(I'I~ 11' seus naturais; ela nos mostra freqüentemente, que entre
não intervir a rivalidade que há entre crioulos, e os que o não l\lil IlClllOShaverá um, que voluntário exercite os verdadeiros atos
são; assim como entre as diversas nações de que se compõe a es- 10 1;1ht.IIl, quando involuntário, por hábito antigo, e radicado na
cravatura vinda das costas da África. 11,1~"""', deixa bem ver a sua crença gentílica. Ora quem não vê,
1111)11 '"Iopono, que isto são cristãos só no nome, e que julgam
Seria muito para desejar, que êstes se pusessem em um estado
hlulllllll' caro, o caráter porque os despojam do único bem que
de subordinação tal, que julgassem quanto ao respeito, que qual- 1]{I,~\lI.II\I,qual era a liberdade; sabem todos que o Senhor não
quer branco era seu senhor, e não em uma altivez em que geral- I~'ílllll 'delifíeios coatos; e como isto seja verdade inegável, não é
mente se vêem todos os que são de pessoas que figuram por suas fI '~~I'"llll de religião, mas o do interêsse que nos move a ir àquela
qualidades, empregos, e haveres, que não duvidam tratar todos os ICUill1l procurar esta gente, e que êste interêsse mal entendido se
mais brancos com aquela displicência, e pouco apreço com que cüllll' d,,, prejuízos que por êle vêm ao Estado em geral, e a cada
observam serem tratados por seus senhores; muito curtas serão as illdl\ 1111111 em particular. Começam êstes pela epidemia, e multidão
luzes de quem não conhecer a suma importância de um tal rasgo d~, 1I11111·,tlllS, que com aquela gente se transporta todos os dias da
de política em uma cidade povoada de escravos, cafres, e tão 1'11,.1para os nossos Estados do Brasil; cujo clima tendo sido
bravos como feras. !tJlllilfavcl por sadio, pouco, ou nada difere hoje do de Angola,

134 135
sujeito até às mesmas chamadas carneiradas, com que morre gente 'liI~ de quem por morte deixam os filhos por her-
infinita. Continua pelo detestável, mas usado costume, de propinar por êstes, e semelhantes modos vêm a parar
os senhores, muitos dos quais são vítimas dos seus escravos, que mulutos presunçosos, soberbos, e vadios muitas das
sem o mínimo remorso de consciência Ihes lançam no comer al- propriedades do Brasil, como são aqui os engenhos,
gum dos muitos e venenosíssimos vegetais, e ainda minerais, que lilevc tempo se destróem com gravíssimo prejuízo do Bs-
bem conhecem; e assim os consomem impunemente, sendo inevi- mlt:. l'Ollsa bem digna da real atenção de S. Majestade;
táveis êstes riscos, por não haver outra qualidade de gente, que IInll se obviar o virem os engenhos, e grandes fazendas
possa servir. Por outro princípio análogo a êste, são os escravos IIlflos dêstes pardos naturais, homens comumente es-
perniciosos, qual é o ser raro o escravo que não apetece ver morto , " que estimam aquelas incomparáveis propriedades em
o senhor, e tardando a alguns o complemento dêste impio desejo, 1111111111 lhcs custam elas, pelo decurso dos tempos lhes hão
j (.111 tôdas nas mãos, e por conseqüência a perder-se,
aproveitam tôda boa ocasião, que se Ihes oferece, matando os se-
nhores, já a facadas, já a golpes de machado, já a cacetadas; e o que lilO IL'III sucedido, à maior parte dos que por êste modo
mais admira é que os mais prontos, e expeditos ministros de tão im- d•.• 1111poder de donos desta natureza.
pias, e cruéis execuções, são os mulatos, e crioulos, criados de ordi- 11" Irllll11('111P recisão de saberes, que é aqui tão dominante
nário nos braços, e camas dêsses mesmos senhores a quem assassi- ir. di' ter mulatos, e negros em casa, que logo que seja cria,
nam. Tanto êstes, como os vindos d'Africa, são de comum os minis- I"I~ÇCIInela, só por morte é que dela sai; havendo muitas
tros da corrupção das famílias, ainda as mais bem morigeradas, e ho- qlll' das portas para dentro têm 60, 70, e mais pessoas
nestas, introduzindo nas casas, como, e quando querem, a quem para Ir';'"'[ rNq(\Iias: falo dentro na cidade, porque no campo não admi-

isso lhes acena com uma vil paga, porque tudo lhe faz conta, e IGcrias sejam mulatas, ou negras são criadas com mimo
com tudo se contentam. motive por que são todos vadios, insolentes, atrevidos,
São igualmente perniciosos às famílias com os maus exem- por culpa dos senhores, e falta de govêrno político.
plos, que nêles observam as tenras, e inocentes crianças, de quem
não ocultam muitas vêzes as suas torpes ações.
As negras, e ainda uma grande parte das mulatas, para quem ()~ BRANCOS POBRES
a honra é um nome quimérico, e que nada significa, são ordinà-
riamente as primeiras que começam a corromper logo de meninos Pr'l 1111110 princípio são prejudiciais os negros no Estado do
os senhores-moços dando-lhes os primeiros ensaios da libidinagem, lI.il, I' (, que como tôdas as obras servis, e artes mecânicas são
em que de crianças se engolfam; princípios donde para o futuro IiÍlIIIII~c;lIla~por êles, poucos são os mulatos, e raros os brancos,
vem uma tropa de mulatinhos, e crias que depois vêm a ser per- \lu IIdll~ ve querem empregar, sem excetuar aquêles mesmos in-
niciosíssimos nas famílias. Sucede muitas vêzes que os mesmos "BC,HCH. que em Portugal nunca passaram de criados de servir, de
senhores chamados velhos, para distinção dos filhos, são os mes- IIlV'1l di) tábua. e cavadores de enxada. Observa-se que, o que para
mos que com suas próprias escravas, dão maus exemplos às suas Il!l VCIIIservindo algum ministro, é só bom criado, enquanto não
famílias, motivando desgostos, e talvez a morte a suas consortes, 1í.'lh110,q\ll' êle em casa de seu amo se emprega naqueles serviços,
e tendo muitas vêzes as escravas suas favorecidas a astúcia de 1"0 ILI~ nutras só são da repartição dos negros, e povos mulatos;
extinguir-lhe os filhos legítimos, para ficarem mais livres de em- 'Iivf. 1'01 que começa a perseguir logo o amo, para que o aco-
baraços por morte dos senhores. lilildll 1)111nlgurn emprêgo público, que não seja da repartição dos
I••,. I' tüo publicamente os empregam alguns amos, que se vêem
Outros há que nunca casam, só por não poderem largar aque-
la harpia, a quem de meninos vivem agarrados. Há eclesiásticos, '1II1Ios, e mal servidos, que os põem no meio da rua; se
e não poucos, que por aquêle antigo, e mau hábito, sem lembra- I1I Il~ 11I110S se demoram em dar êste despacho, os criados se
rem-se do seu estado, e caráter, vivem assim em desordem com i1'1I1l1,lendo por melhor sorte o ser vadio, o andar morrendo

136 137
de fome, o vir parar em soldado, e às vêzes em ladrão, do que 11I' ilOPOIlO, haverá quem diga que há govêrno político,
servir um amo honrado, que lhes paga bem, que os sustenta, os Ih·1\ tudo o que fica exposto? Eu creio que não; se
isto reprovava e
estima, e isto por não fazerem o que os negros fazem em outras
casas. que o praticava,

Igual é a sorte das criadas, que de Portugal vêm acompa-


nhando as senhoras, as quais pela mesma preocupação se põem, haverá quem negue, ou duvide, que uma
ou as põem na rua, querendo antes sujeitar-se às conseqüências \111 di) que fica exposto, é resultado do grande atrasa-
!I qlll W ucha o Estado do Brasil.
da triste miséria, do que viver recolhidas em uma casa, que as
honra, e que as ampara.
As filhas do país têm um timbre tal, que a filha do homem
mais pobre, do mais abjeto, a mais desamparada mulatinha fôrra, () H PREGUIÇA
com mais facilidade irão para o patíbulo, do que servir, ainda a
uma duquesa, se na terra as houvesse; e êste é o motivo por que a inação dos brancos é a causa da pregui-
se acham nesta cidade tantas mulheres perdidas, e desgraçadas. 1'lo;ll,~'1Por que não há de cavar no Brasil aquêle, que em
IUI)Ihi, vivin da sua enxada? Por que não há de lavrar o que
·"t:d@ 11111hc do que pegar com uma mão na rabiça do arado,
I (! 11111111 111\aguilhada? Por que há de andar de corpo direito
* EMPREGOS DOS BRANCOS
,I 111111\"sempre vergado do trabalho? Por que só há de
Os brancos naturais do país hão de ser soldados, negociantes, " 1I1""d.1I quem nada mais soube que obedecer? Por que há
escrivães, ou escreventes, oficiais em algum dos tribunais, ou Juí- l(1illlll rk- nobre, quem sempre foi plebeu?
zos de Justiça, ou Fazenda, e alguma outra ocupação pública, que '··111[111111 plOduziriam, meu caro amigo, estas abençoadas terras
não possa ser da repartição dos negros, 'corno cirurgiões, boticá- i ultivadas por outras mãos, que não fôssem as de negros
rios, pilotos, mestres, ou capitães de embarcações, caixeiros de tra- qm' o mais que fazem é arranhar-lhes a superfície? Que
piches ete. Alguns outros se bem que poucos, ou raros, se empre- ,. III'iIriam se elas fôssem cultivadas por homens sensí-
gam em escultores, ourives, pintores etc. :~lIilll Se as vistas de polícia econômica fizessem trocar
Não eram poucos os que freqüentavam os estudos nas Aulas '1"0 se abraça, e que se segue.
Régias, que S. Majestade tem estabelecidas nesta cidade, das quais 1,,111111111 terra se prezaria de mais opulenta, e farta que a
saíam ótimos estudantes para eclesiásticos, e outros empregos de I IH'I" tivera havido govêrno econômico, e político; e se
letras; logo porém que seus pais vêem, que as Aulas são o ponto !iltil. li iuvcrum entrado nela os escravos; causas estas do seu
fixo a que os oficiais, e soldados incumbidos de recrutas, primeiro 11111"1110, c pobreza; a não os haver trabalhariam todos sem
dirigem os seus tiros, e que de dentro delas, sem que valha imu- ,., 11.-,'qllivocar-se, e a terra mais rica que a de Minas, se de-
nidade, privilégio, ou isenção lhes arrancam seus filhos, e sem o i! i'llIlh,lIl.I os frutos para recompensar os seus cultores.
menor recurso Ihes sentam praça, persuadidos de que o Estado não
precisa de mais eclesiásticos, nem de algum outro emprêgo de le- 01\.1 d,' suma utilidade, se não só nesta cidade, como por
tras, visto que assim se devastam os seminários donde todos pro- I ,"\t\lIin se executasse as leis da ooIícia com todo o seu
cedem, e sem poderem combinar um tão confuso encontro de 1'11111 que não estivessem, como estão, servindo de asilo a
idéias, como a prática lhes está mostrando; têm tomado a resolução dlllllll d" vadios, mandriões de um, e outro sexo, sem que se
de não quererem sacrificar seus filhos, expondo-os ao rancor de illdllCll1 lU111saiba, o de que vivem, de que passam, nem o bem,
militares prepotentes, e imprudentes. 11 1"II,tI'111( dêles resulta à sociedade; não se vendo brilhar na

139
138
maior parte dêles mais que o luxo, e a libertinagem; vindo colo- muior violência; agenciar intérpretes fiéis, e seguros,
car-se nesta cidade, sem que jamais se inquira quem são, e de 111entender, que não Íamos ali como inimigos, mas
onde vieram. 11111'11\, que não queríamos as suas terras, e só sim a
Seria igualmente útil para o Estado o fazer sair da cidade para ,llrul11 dos nossos lhes fizesse algum dano mandar
os campos, não só êstes adventícios por arribação, como uma gran- IIS capitães, ou caciques, que mandassem ver o como
de parte dos seus íncolas, os quais todos vendo-se obrigados da "'!lII1IIVLI qllt~1Ilos ofendia, e punir à sua vista o agressor, fican-
necessidade, sem ter com que comprar escravos, nem ter quem I dt' que haviam fazer o mesmo àquele dos seus que
lhos fie, por si próprios se voltariam para o trabalho dos seus : pcrdoar-lhes alguns excessos, de que sem dúvida
braços, para tirarem da terra com que poder alimentar-se; prece- 11,1 barbaridade, e longo hábito com a falta de leis,
dendo a repartição de terras que em alguma paragem do interior li/c~se observar; agasalhar-Ihes, 'e afagar-lhes muito
do país se lhes deveram dar para cultivarem; aliviando-os por al- l'nl regar-lhos; brindá-Ias ao princípio com aquêles
guns anos de tôda, e qualquer pensão; antes ajudando-os ao prin- ,t' descobrisse tinham maior afeição, ou propensão;
cípio com alguma causa que fôsse da primeira necessidade; bem IOVIIcoibir daí a pouco, e pedir aos que os pretendessem,
como propondo prêmios a todos os que dentro em certo prazo de 1111I1~'\IIIHlcousa para dar por êles; ensinando-os desta
tempo mostrassem ter domesticado certo número de índios; con- fillll!n i.ir, e descobrir-lhes o modo lícito, e honesto de
tanto que Iôsse pelo meio da brandura, e não do rigor, e cruel- I (I de que precisassem, sem fazer violência a ninguém;
dade, com que se têm portado, e portam muitos cabos de conquis- 1111;'1 11 natureza. e propensão, e introduzir-lhes por êste
tas, ou bandeiras, que com permissão, ou sem ela vão penetrar 1,1 \1M nut ros, que o acaso fôsse descobrindo, insensível-
os sertões, espancando, ferindo, e matando todos os pequenos cor- l IIIKII, por meio do comércio, ainda que os gêneros da
pos, com que encontram, sem capacidade para resistir-lhes, abra- I'i\ IIlIda servissem por então. As notícias que temos dos
sando-lhes as suas cabanas, e aldeias, e dando motivo a que se 11m! escreveram com mais exação, como as que a tra-
congreguem multidões dêles, e de todo os acabem, e os consu- uluuinistra, nos seguram" que os habitantes da América,
mam, o que muitas vêzes sucede a alguns daqueles carnífices* mais IIIII'!!) 1,,"1,1a multidão de povos, que se têm descoberto, são
bárbaros que os mesmos índios, que por tais procedimentos re- 11I1l"ill;ínos do que os negros d'Africa, mais mansos, tratá-
novam mil protestos de perpétua inimizade com os portuguêses. IU:'l.pilais, sem que obste o vício de antropófagos, o que só
11'/\(111110\ Inimigos, e por tais é que têm devorado os nossos,
,elll lido 11desgraça de cair-lhes nas mãos. :Bste é, meu Fi-
'" COMO TRATAR COM os lNDIOS

A experiência de trezentos anos, que têm corrido depois do


"I~
no, fi mciu que descubro melhor, para os domesticar, e não
1 unnus, que a experiência tem mostrado não serve mais
1'111'11 matá-Ias. Não é muito acêrto deixar nas suas aldeias,
descobrimento do Brasil, tem feito ver que a aspereza é meio erra- '1llt' Sl' têm criado os índios domésticos, sem mais comu-
do para domesticar os índios seus naturais; parece pois que a bran- 1l;ll. 111111 os brancos, entregues a um diretor, que os trata pior
dura, e afago é o meio que nos resta; bem como desvanecer a I,IVOS,trabalhando só para êle; mas sim devem ficar
persuasão em que estão, de que o mal que de nós recebem, é todo i:~.ICll t ilslIis de brancos, com diversos ofícios para que assim
mandado fazer, e que ninguém, que lho faz, é por isso castigado. lIillI, l' exercitando-se nos mesmos ofícios, e radicando-se ao
Seria um bom meio para despersuadi-los o caminhar para as vizi- 11111 11:11'1\11 os seus filhinhos nos princípios da religião, e bons
nhanças das suas habitações com fôrças para a defesa, e não para 1111111:\. 1:111toda a parte deve haver sumo cuidado em que não
a ofensa; fazer aí uma espécie de fortaleza com capacidade de 1(,~u""l1 () mínimo rastro de cativeiro sôbre aquela gente, a

• Verdugos. - E.C.
\!ltI'UIII'IIIll." - E.C.

140 141
mais livre que se tem descoberto sôbre a face da Terra, porque j(lil!dllH'1I11' lodos os gêneros do país. Pelo que tenho ex-
muitos ainda dos mansos se presumem cativos à vista das opressões I" 111 ujuizur, qual seja a política, e economia que há
com que os diretores os tratam. I qunl u satisfação com que nela possa viver

" [111 IIIIIiJ.l.o muito afetuoso


* MULHERES PÚBLICAS
Amador Veríssimo de Aleteya
Visto não ser permitido, mas tolerado, o haver mulheres pú-
blicas, entre os povos cristãos; seria na Bahia um acertado rasgo
de política, o destinar-se em algum dos subúrbios da cidade, onde
há casas de menos preço, e consideração, a morada para tôdas as
que sem pejo se entregam, como por modo de vida, à depravação;
e limpar de algum modo a cidade desta praga tão contagiosa,
visto que com os seus desonestos exemplos, e palavras torpes pro-
feridas sem pejo altamente, escandalizam os vizinhos, que que- ••
rem reger, e educar suas famílias, segundo as regras da moral cristã;
bem como se lhes devera vedar o transitarem pela Cidade depois
do toque do sino a recolher; se bem que esta cerimônia ninguém
sabe o para que serve; assim como o toque de recolher para os
militares, que é o mesmo que fôsse para sair, porque então o fazem
até das guardas.

* ALTA DOS PREÇOS

o receio que tenho de mortificar-te me faz coibir, e não dizer-


te até onde os avaros vendeiros têm subido com os gêneros da
segunda necessidade, e para que pelo pouco venhas a inferir do
todo, sabe que impunemente se tem aqui vendido a libra de man-
teiga por 1 200 rs. e por 1 600 rs.; a do queijo por 800 rs.; uma
cebola do tamanho de um ôvo por 60 rs., uma pipa de azeite por
250$000 rs. e por 300$000 rs.; êstes gêneros porém são de fora;
falemos nos do país como seja açúcar, que à data desta se está
vendendo pelo miúdo, o melhor para refinar, ou arear por 5$320 rs.
cada uma arrôba, o que se segue a êste em qualidade a 4$480 rs.
e o inferior a êste, que pouco difere do mascavado a 3$200 rs. por
arrôba; quem compra caixa leva mais barato, mas quem ne-
cessita de uma arrôba, meia, ou tantas libras, e não quarenta, ou
cinqüenta arrôbas, por êste preço é que o há de pagar; e assim

142 143
-, CARTA III

11'1\ COMENTARIOS DE BRAZ DO AMARAL

'N i\ til)'" 11'RCEIRA Carta se ocupa Vilhena de costumes e de


IIVf luudo fatos da vida, particularidades e pormenores da
l!id~ dlHllIl.'le tempo, com uma fidelidade que encanta, e sôbre os
1.1 01 comedida e discreta crítica que acompanha o seu trabalho,
lIII 111111111 extensão.
íihllCIVllIIIII imparcial e quase ignorado, êle está na história des-
Ir. .1 sncicdnde do seu tempo, como o artista que pinta uma
111que ela saiba que está servindo de modêlo.
II " ~llIlcridade do livro.
I'~III 11'1,ciru Carta é tôda interessantíssima e uma das melhores
IIIf' .t •• I'lolcssor de grego da Bahia.
10.' demonstra aí psicologista, filósofo e pensador socialista,
!'tul,,', II'~ defeitos, todos os erros, tôdas as falhas da organização
I (Iil I~PIIl'1I Não tocadas e, se bem que seja muito duvidosa a eficá-
hIM i,:III1:dio~ que para elas aponta, não há dúvida que sentiu, e
Illil,," O~ males do seu tempo, descobriu-os sem paixão, e co-
(1111\ êlcs, mostrando possuir aquelas qualidades eminentes
lil~IPillltllll que descreve com imparcialidade, que discerne com su-
111111111 di' vistas o bem do mal e domina pelo espírito os precon-
,111IlIl tempo.

145
A ferida da escravidão foi tão bem estudada que não O faria me- II\Í!IP lU:!' vexames públicos por causa do azeite e do sal são
lhor um abolicionista do século XIX. Antes de Canning e de Brougham, '11ule8I'illll nós, que felizmente já vivemos nos tempos em que
êle fêz ressaltar os inconvenientes da maldita instituição. ,ho cunsumo deixaram de ser monopolizados.
Conheceria o nosso professor na Bahia as opiniões de Wilberforce? lIipllllll "~IIIH\ C muito instrutiva, porém, a revelação do que se
Ele não cita muitos autores e o que escreve, no seu singelo estilo, j'\,"II'1, dus violências por causa da apanha d'água, da tirania
lhe sai da pena, como resultado do próprio raciocínio, da sua observa- "c l,-" militares; e nas entrelinhas se percebe tôda a amargura
ção e lucubrações. oillll'III".• da população, quando entretanto parece ao comum
nl(l, 11"1 IIII~S()Sdias, que o período colonial foi uma época de
Nota que os escravos africanos são perigosos e que os crioulos e
mulatos são piores; e que, se não fôsse a rivalidade entre os primeiros li~lil'llIlII c de inalterável ordem nas cousas de material e ime-
e os últimos, tôda a ordem política e social poderia ruir diante de uma ilél ~m'ol'publico.
revolta servil, como as fôlhas e os telhados que o sôpro do tufão """ do nzeite, isto é, das fezes dos torresmos como azeite, na
arrebata. 11\ 1"11I do azeite bom, na abertura da venda dêste artigo pela
li, III.i,,: o rcchamento dela pouco depois, estamos vendo o gênio
Engana-se algumas vêzes, quando pensa que os escravos mestiços,
11,.111"11 comerciante e do contratador que teve em todos os
criados com viciosos mimos, são insolentes com os outros escravos
, 11I11.~II\l1alma judaica e que de há muito sabe enganar os
apenas pela condição inferior dêstes, quando tal inclinação é puramente
ii~ ii"oIl1l1l1lHlocláusulas de ludíbrio em certas partes dos con-
humana, pois é freqüente no comum dos homens se mostrar ou julgar
II)illl1 com o poder público, o que parece indicar a ancianidade
alguém superior a outrem por lhe ter vantagem nisto ou naquilo; mas
,ilifl ",,~ advogados administrativos, ou dos administradores des-
onde êle excede* e bate justo é na educação que os brancos dão às
liI~ 'I lIIl(l'IIUOSpor interêsse próprio, alheios portanto ao bem
crias nascidas em casa e nos vícios que a escravidão desenvolve na
domesticidade. Assim fala de homens que se não casavam, agarrados
às escravas que os criaram desde pequenos, e também conta como os 11_11111 Vilhcna as donas de casas opulentas que procuravam em-
j~ "IIII~ escravas em trabalhos de que tiravam algum lucro, ven-
costumes das famílias se perdiam no meio da nefanda instituição que
arrastava os homens a procriar com as suas escravas e a vender os 1'1,,"utos da sua indústria, no que lhe não acho razão, sendo
filhos depois, como tantas vêzes aconteceu. liI,li, lumcntável que empregassem estas mulheres o seu tempo
IlIxn~ I' rucxct iquices, ou na vida de rua e preferência por modas
Não esconde que o clero escorregava no vício e que não pecava
pouco, apesar de sempre fingir que se defendia, ou proibia*'" de cair 111C'9, I" IIIHI nos tempos que correm.
no êrro, pela natureza da profissão. 1\ 1111111110 II dizer êle que tais negócios são próprios ou privativos
ílllilh;illI IhlS pobres, o que se vê aqui é o resultado de repugna-
Não escapou a Vilhena o costume romano, praticado também aqui, 1Il'l'l',~l1nd()s muitas vêzes tôda espécie de trabalho, tanto por
de abandonar os escravos que não podiam mais servir e que se torna- 11111111111, como por falta de iniciativa.
vam mendigos, como êle lastimava que se desse.
I! Ijll" J101ém o observador sobreleva é no modo pelo qual flage-
Os hábitos de insolência dos mestiços, a degradação dos ofícios j'llllIhlllldi~las, e nos revela como esta classe de fraudadores
mecânicos e das artes, a tendência a não trabalhar nas cousas que os IIllIgII. pelo que não admira seja experiente e habilidosa em
pretos escravos faziam, e o conseqüente abandono da cultura, do ama-
I 1111lll~tigo das leis, como até hoje se revela.
nho da terra e trato dos campos; a preferência pelos empregos públicos, jllh'II"~i1l1lc também notar como o rendeiro do ver foi o pre-
em que é pequeno o esfôrço e a que se ajeitam as pessoas de pouca "I dll Ii~,alização municipal dos nossos tempos, o que demonstra
iniciativa, foram assuntos que êle traçou com mão de mestre.
", IIllVldo muitos progressos em cem anos nestes processos, aos
Não sei se seria possível obter que os brancos deixassem de tiranizar ih \,111,,'1111 chama habilitação dos vendilhões para furtar.
os índios, tendo-os à sua discrição, pois é de supor que o procedimento 17'111. José da Silva Ribeiro, tesoureiro do celeiro público,
dos capitães de assalto, dos militares em geral, e dos diretores de I 10111111o fato de ser a renda do ver da Câmara de 200$ a
aldeias variasse apenas nos meios empregados de tirar dos desgraçados 1797, e de se haver arrematado em 1798 por dois contos
vencidos o maior proveito, ou que usassem de certa moderação na
tirania, o que já era o máximo a esperar de tais pessoas. Isso seria Ilill,1 1'11'que, logo depois de receber o ramo, repartiam os ren-
um grande bem, pois em todos os tempos e lugares sempre o homem 1_' \111111da renda pelas tabernas e casas de vendagem a 6, 7,
torturou e fêz sofrer o seu semelhante, quando o teve sob sua vontade Iti " 20 mil réis, cindo a sofrer multas somente os que não
absoluta.
111111111 cum as quantias acima.
11I111Casa da Misericórdia da Bahia é a mais antiga do Brasil,
• Excele, talvez, e não excede. - E. C. h'l'l "I\çonlramos provas durante a administração de Tomé de
•• Coibia, talvez. - E.C.

146 147
Alguns pagamentos ordenados por êste governador, foram para o ,1,lvida que para algumas espécies de labor êles se
hospital, que naturalmente foi o primeiro produto do espírito desta I1CIII, ,111110 sejam os do campo, na criação do gado.
Irmandade aqui, parecendo que Diogo Muníz Barreto foi o seu pri- 111111 illlillldorcs e pelo exemplo dos ofícios para alguma
meiro Provedor. * n~ portuguêses fôssem mais capazes de os conduzir
Simão da Gama de Andrade, um dos primeiros moradores da ci- 111didmll!.
dade, deu-lhe os chãos para edificação da sua casa e capela, e as suas
riquezas aumentaram sempre, à proporção que os séculos foram pas-
sando. É verdade que, como tôdas as cousas humanas, tem ela faltado
aos seus deveres algumas vêzes e cometido não poucos erros e abusos,
em detrimento dos pobres, para alívio dos quais foi criada a institui-
ção, mas esta é a sorte de tudo o que dos homens depende * mal, >I<

desviando os dinheiros destinados a minorar os sofrimentos dos infe-


lizes do mundo, ou gastando-o mal, empregando-o sem discernimento,
parecendo de tudo se coligir que em troca dos favores que lhe fizesse
o poder público devia ter a faculdade de fiscalizar a aplicação do
que desse em subvenções e auxílios de qualquer espécie.
Faz Vilhena sensatas referências ao celeiro público, que não podia
armazenar gêneros que dessem para sustentar a população por mais
de três meses.
O que diria êle se lhe contassem que mais tarde se veriam as
populações entregues inteiramente à avidez dos negociantes, pois a
concorrência entre êles é um meio muito falível, desde que podem
os mesmos f'àcilrnente se entender para impor os preços, como o pro-
vam as organizações dos trustes, em alta e pequena escala, que em
tôda parte há e que tornam cada vez mais angustiosa a vida nos dias
que correm.
A situação dos moços que pretendiam aprender e que eram obri-
gados a fugir das Aulas, por rnêdo do recrutamento, é uma das chagas
do período colonial de que não tínhamos idéia e que o nosso historia-
dor pôs em evidência.
Quanta dor, quanto sofrimento!
É bem verdade que neste mundo poucos gozam e muitos padecem.
O nosso professor de grego porém sobreleva é quando chega ao
problema dos indígenas.
Não sei se era exeqüível o que lembrava para lhes suavizar os
sofrimentos, e principalmente para fazer dêstes proscritos membros
úteis e auxiliares do progresso desta sociedade que os proscrevia, mas
o que não tem dúvida é que Vilhena se mostra um espírito superior,
um homem de coração e de bondade, um patriota e observador.
Não era pelo extermínio que os haviam de aproveitar, nem por
meio dos diretores que lhes transformavam as aldeias em senzalas de
escravos.
Aconselha que entre êles vivam brancos que pelo exemplo das
cousas úteis os interessem no trabalho.

* Díogo Moniz, que nos papéis do Govêrno Geral não consta como
Barreto. - E.C.
•• A partir daqui a frase está truneada na edição original, sem
Possibilidade de reeonstituição. - E. C.

148 149
Carta Quarta

na qual se mostram as causas das moléstias mais


endêmicas, que grassam na cidade da Bahia, e os
meios como em parte se poderiam minorar

'rvl'!1I FI! OI'ONO:


I)(ii, IIIl'Sl'~ haverá, que dêste saiu para êsse pôrto a fragata
t\11Ijl"~lildl:, o Tritão, e nela te enviei a minha última carta,
i 'li IIJ 11" IlIosl rava alguns artigos, em que me parece estar esta
10 hn,lillllclllcnte atrasada em polícia, e govêrno econômico;
10 I1 1I'lll'lllintl saída daquela fragata, a causa de eu não falar
llii,dHI. em todos os pontos, a que me havia proposto; o que
I!lI\1 nesta, em que determino informar-te das causas ori-
di muitas, e endêmicas enfermidades, que grassam nesta
IMIO; qllillldo por muitos anos não foram nela conhecidas; e
1(01" 11I01ivos são remediáveis, e se não evitam, Claro está, que
li 1\ d. Itllvêrno político, que nela há, e por isto vem esta carta
i' \ 1'1110 upêndice da minha última, se não é continuação da
lrtlllfl
1:11 11:1 minha primeira carta descrevendo a situação desta
11: iuturmci da qualidade do seu clima, ares etc. cuja bon-

l'llrtli ... - E.C.

153
dade, e qualidades prometem perfeita saúde e larga duração aos li\l, 1111',vilido banhar a cidade, por vêzes sai dêste um
seus habitantes, e não sem razão acredito, que o Padre Antônio l" ,1I11·n~í!ll,que ninguém pode parar na vizinhança;
Vieira, transferindo-se para ela com tenção de viver, segundo II~II\lr. N.t Ilação, concorre muito para isto, o ser dirigido
dizia, mais 10 anos, viveu 25, e assento que hoje se poderia viver !li(! í"~11\lIWOS brutos, e por natureza preguiçosos, os quais
mais, a não obstarem as causas que a falta de govêrno político iílt:ltlil dl'iXlIIlI os cadáveres na flor da terra por preguiça
tem introduzido; e eu vou expor-te. wpIIlluras, como por dias deixam alguns por sepul-
I" êlc tão pequeno, que impossível é não estarem
ttl, IlIduvcrcs; visto que ali se enterram não só os muitos
JlU 1I101.el11no hospital, como todos os negros cativos,
* BEXIGAS
111 IWItI cidade, e em muitos dos subúrbios dela; os
Em primeiro lugar se arruína a saúde do povo da Babia pelo I IlIlo~, que um irmão da governança da Mesa da Mise-
ar corrupto, que se respira, evaporado das muitas imundícies, que li;i 1111II~M'verou render anualmente o Esquife dos Pobres, a
por dentro da cidade se lançam por diversas paragens, além das ií.illl,1I1Iuqui bangiiê, oitocentos mil réis, quando se não paga
que há em quase todos os quintais, em que percutindo o sol, faz jI!' tI.lou'ntos réis por cada um dos negros, que seus se-
subir aquelas partículas pútridas, de que impregna a atmosfera, d' 1111111\111111 enterrar. Ora meu amigo, reputados êstes, uns
contaminando o ar; e tão contaminado está o desta cidade que a !1llí,~ 01 I O()$OOO rs. cada um, pondera bem o prejuízo anual
experiência de todos os dias mostra, que é raro, o que pela pri- ,;IIIVOSna cidade; ficando certo em que não se enterram
meira vez vem a ela, não só dos sertões remotos, como ainda do , IlIlIque lima grande parte se vão pôr de noite embrulha-
seu recôncavo, e vizinhança, que não adoeça mortalmente de be- 1 1111'[1 esteira nos adros de tôdas as igrejas, e capelas; con-
xigas, com especialidade, sendo muito raro o que delas escapa; 'C0I'H o que será pelo campo, e todo o Recôncavo, onde
motivo por que muitos senhores de engenho morrem velhos, sem illi,,'II,,~ muito pior, do que na cidade; o que para o futuro
que por tôda a sua vida pisassem na cidade, e se algum de fora 1111".
tem a desgraça de vir prêso para as cadeias desta cidade; êle se í~dl' IIlIIis àquele mal, um outro cemitério de soldados do
supõe já condenado à morte, se é que não teve ainda bexigas, illlllllo desta praça, situado na mesma direção, que por ser
porque infalivelmente é ali atacado daquele contágio; e só por mi- I"rilll 11 umhito da sua capela de Santo Antônio da Mouraria,
'11' 11,1111 Ir. em o quintal de um clérigo, creio que seu capelão.
lagre escapa à morte; pelo que seria um bom acêrto de política
o haver para êstes uma prisão fora da cidade, o que muito cô- li 111'11''\l10 seria desacêrto o obrigar a Irmandade da Santa
modamente poderia ser em alguma das fortalezas, Monserrate, ou I uuulur aquêle prejudicial cemitério para o alto, que fica
S. Bartolomeu da Passagem, por ficarem pouco mais de meia légua 111111 11capela de N.S. da Lapa, um pouco diante do convento
fora da cidade, em ares puros, e com isto se pouparia a vida a .Ii dlllk, onde a ninguém pode ser já mais nocivo, se bem
muitos pais de famílias, que vêm a ser vítimas, muitas vêzes de l'iO 6 .1I"is desviado; e tirá-Io do sítio onde se acha; evitando

intrigas, nas cadeias da cidade, deixando suas famílias, e casas em iií. '1"1' os mortos estejam matando os vivos com a peste, de
lamentável desamparo, e perpétua desordem. 1"1.11IIIIIIIIIIinum a cidade,

* CEMITÉRIOS IlJMOEIROS

Concorre mais para a perdição da saúde, e infecção do ar, '"11 outro princípio para o perdimento da saúde na Bahia, são
um cemitério colocado na parte mais prejudicial à cidade, por ser ill li'. dI' vinte embarcações, que em cada um ano entram neste
naquela, donde é certa a periódica viração, que todos os dias corre 11(111",vindas das costas d'Africa, carregadas de negros infeccio-

154 155
nados, já de escorbuto, já de bexigas, já de sarampo, boubas, gá- 11111110, segundo os avisos, e ordens que recebem. Entra esta no
lico, sarnas etc.; e finalmente de peste, como é bem para acre- Idl!!, e sem se atender a que é pão já feito, inadmissível de
ditar; no mesmo dia em que aquelas embarcações dão fundo, ou 11l1I1lloutro benefício, o que não sucede ao trigo, ali se expõe
quando muito no seguinte, se introduzem aquelas multidões de -"('111111, sem que se averígue, nem indague da sua qualidade, que
gente infeccionada na cidade; e tal fôrça tem ° direito da antiga rulrus vêzcs é tal, que mal serviria para dar a porcos; tanto pela
Itllirn casca com que a ralaram, como pelo pouco que a torraram,
posse, ou abuso em que estão os comerciantes dêste gênero, que
apesar do irreparável prejuízo público; das diligências que o nosso 0111I ,I~ tais ligeirezas conducentes a aumentar-lhe o volume; °
exmo. Governador, e creio que o seu memorável antecessor têm JIIO 111I106 em extremo nocivo à saúde do pobre povo, que além
feito, a exemplo das duas cidades vizinhas pernambuco, e Rio de I~~I(:Inegável prejuízo, passa mais pelo das aladroadas medidas
'10 unpuncmente lhe fazem; visto que o Senado não vai ali em
Janeiro, bem como de todos os povos, tanto da Europa, como co-
lônias em qualquer das quatro partes do globo, se não pode con- llli!I\OilO,ou se abstém de ir, por estar o celeiro indevidamente
seguir dêles o mandarem, que aquelas embarcações, tripulações, e Ichiliw da imediata direção dos exmos. Governadores.
cargas façam quarentena, ou pelo menos vintena, fora da cidade PO\lCOS dias há meu Filopono que ouvi um publicista, homem
em alguns dos acomodadíssimos, e próprios lugares, que há para "umle em qualidade, emprêgo, e literatura defendendo, e por cas-
bem o fazer, e com preferência a ilha dos Frades, na ponta de lIa\1 IIdolando um projeto muito capaz de pôr esta cidade ínabi-
Guadalupe; como porém se pode objetar o incômodo de não poder i~vl'l, pela irremediável fome, que dêle se há de infallvelmente
ir cirurgião, e remédios com prontidão, quando se precisarem; pu- lIi1'.
dera mais cômodamente ser na ponta de Monserrate, no sítio que COl1sistia êste em que por modo algum se devia coarctar a
se julgasse mais apropriado; e por forma alguma no Noviciado, IIhCld,lIll' a lavrador algum de agricuItar naquele gênero de lavoura,
como já houve quem se lembrasse; visto que é com pouca dife- 11 indústria de que podia, ou se persuadia tirar maiores avanços
rença, o mesmo que dentro na cidade. Para as embarcações, se 10 seu trabalho; porque do contrário é tê-lo em uma espécie de
devera destinar ancoradouro apropriado, e vedar a introdução na nmtmngimento, o que por modo algum devera consentir-se, se-
cidade dos mantimentos de torna-viagem, e não consentir, como '111110iI opinião dos melhores políticos, que modernamente têm
tem sucedido, e está sucedendo, o venderem-se no celeiro público Iito sôbre esta matéria: eu porém o considero nos mesmos
ao povo; quando vêm mais contaminados, que os próprios negros; 1!llIIdpios, ou para dizer melhor preocupações do orador das car-
o que é causa de enfermidades irremediáveis. II(~",I\IIC com a sua eloqüência, e erudição nos dobrou duas, ou
If~H Vl',.CS o preço racional em que estava, deixando-se existir
011'" dantes as causas das faltas, que se experimentavam, e resul-
* FARINHA-DE-PAU ,,-'11110'ú do seu longo arrazoado" a opressão de sessenta mil pes-
dilslc povo. de que oito, ou dez partes não tem 'com que a
É igualmente causa de muitas doenças o vender-se tôda a qua- L'I'"II'Hlr; motivo por que há hoje abundância dela nos açougues;
lidade de mantimentos no estado de imperfeição, que cada um I'lillldo os que têm com quê compram menos quantidade, para
quer vender; começando pois pelo pão, que é a farinha de man- I)II,h:Il'1lI equilibrar a sua despesa com a receita que têm, mino-
dioca, chamada aí vulgarmente jarinha-de-pau. Vem esta das pa- ljollllll·sc por esta causa muito consideràvelmente as rendas do Se-
ragens onde se cultiva, e fabrica, e são comumente as comarcas do !illd'l, IIS têrças de S. Majestade, e a Coleta Literária, Voltando
Sul, em S. Mateus, Caravelas, Pôrto Seguro, Camamu, Cairu, N a- p"i, 1\\1 ponto de que tratava; tem o preço do açúcar chegado a
zaré, Aldeia, Capanema, Maragogipe, e outros portos, tanto do 11111 lill uuge. por ser o Brasil a única paragem, onde se pode com
Sul, como do Norte, donde os atravessadores, e monopolistas man- lillli~ liberdade manobrar êste gênero na presente época; motivo
dados àqueles sítios, fomentados pelos que no celeiro público são
mestres da extração, a recolhem em depósitos para a irem en- UI/:·()(tdo. - E.C.

157
156
por que não há quem não queira ser lavrador de canas-de-açúcar; "111 dllas Cartas Régias de 13 de outubro de 1704, uma ao
IIIIlIlm, c outra ao Senado, ordena S. Majestade, que a fari-
e esta é a razão por que os lavradores, que sempre foram de fa-
rinhas, vão deixando de o ser, só para lavrarem açúcar, de que ttlll \'llId.I das vilas de baixo, se não pague por mais de 400 rs.
uma arrôba lhes dá para comprarem quatro alqueires de farinha; 11111111 suio, e que cada sírio tivesse sete quartas; o que se en-
muitos .anos há que os senhores de engenho têm feito êste cálculo: IÚllilj·II.1SI'!I\lcnte enquanto houvesse carestia.
os comerciantes em escravos para os portos d'Africa, fazem a I\ll11tu justo, e de razão parece, o dar-se liberdade no preço
conta de que quatro, ou seis vendidos a mais de 150$000 rs. pelo 1,11illh••, c muito mais justo seria se se desse inteiro cumpri-
que os estão reputando, lhes dão para carregar as suas embarcações IIh, 0111 uivará de 2 de outubro de 1704, em que S. Majestade
de farinha; e êstes cálculos assim feitos são origem de que o fa- 11)11.1, II"e em todo o Estado do Brasil se pratique à risca a lei que
rinheiro, se meta a lavrador de cana, e se lhe consinta apesar de :11'-' I<l'illo sôbre os atravessadores do pão, a respeito da farinha,
S. Majestade mandar, não só por uma sua Carta Régia de 25 i'~le o pão desta, e das mais capitanias.
de fevereiro de 1688 ao Governador dêste Estado, como em uma .0\ 1111'1108 que também, quando lhes aparecem, lêem livros de
Provisão da mesma data, que obrigue a cada um dos lavradores, IIL,lki,I, t· economia, não agrada a aplicação que o mencionado po-
que morarem 10 léguas fora da cidade, a que em cada um ano uuco íjlll'! fazer a êste país, do que se escreveu para outros, que
plantem pelo menos 5 mil covas de mandioca, quando em outra ,11111111.1 nnalogia têm com êle, e por isso contra a sua opinião,
parte ordena, que ninguém possa ser lavrador de canas, sem ter Ih,m:llt obrigar os lavradores de farinha a que não deixem de
para mais de sete escravos próprios. or, Pl'llll de que não o fazendo ficará tudo exposto a morrer
Por um alvará com fôrça de lei de 27 de fevereiro de 1701, 1;11111'Quando a algum dos Estados da Europa falta o pão,
ordena S. Majestade, que os donos das embarcações que navegam 1111~1I\ll'lllar os seus habitantes, êle o faz vir de algum outro
para as costas d'Africa, tenham roças pr6prias para a plantação I'~wil(l vizinho onde o haja, ou os comerciantes daquele outro, ou
de mandioca, de que tirem a farinha precisa para a custeação das IIli\!~ htados lho vão levar. Quando nas capitanias do Brasil falta
suas embarcações, isto por todo o Brasil. IIl1hll. " da Bahia qual outra Sicília, é que as sustenta, e quando
Consta-me igualmente haver uma semelhante ordem, para que til falia as outras não podem suprir-lhe com a precisa, e então

os senhores de engenhos sejam obrigados a fazer plantações de IIII\I'qiiência se há de morrer de fome na Bahia, como sucedeu
Ch'. 1111 oito anos em Pernambuco, onde morreram centenas de
mandioca, de que tirem a farinha, que carecem para a sua escra-
vatura; o que nenhum faz no Recôncavo da Bahia. Se há ordens íl,I\. upcsar dos subsídios, que lhe deu a Bahia, onde de ne-
posteriores, que revoguem estas, eu não tenho razões para o saber, i.!I"I,· devem ser constrangidos os lavradores a continuar nas
mas sim que, porque estas se não cumprem, é que na Bahia se It\VO\II.I~de mandioca, pois não há recurso para os vizinhos, pelos
compra hoje cada um alqueire de farinha por 1 280, e 1 600 rs. tlhil ILIVI'I, se não os espanhóis em Buenos Aires. ~stes além de
etc, quando há menos de quatro anos não passava de 640 rs. a Ill\dto:l dl\I.IlltCS, não nos é permitido comericar com êles, em razão
I!!~ 1IIIlildos entre as duas Coroas português a, e espanhola, e que
mais cara, por ser êste o preço estipulado, de que não podiam
j ,1'11.1,nem dali poderia vir a precisa abundância de trigo, nem
subir, quando ordinàriamente se vendia mais barata, segundo a
lilhll~ do Brasil, e África existentes nêle, reputam o pão por
quantidade que dela ainda descia, resto das acertadíssimas má-
11,,1\'11111, mas sim regalo. A experiência tem mostrado, que quando
ximas do exmo. D. Rodriguo José de Menezes. Tal foi porém
r"l 1~I"O de necessidade se lhes dá pão, pedem farinha para co-
o gôsto que os atravessadores acharam no muito, que justa, ou
ilH~I'êlllcom êle; e tanta fôrça tem o uso, que os mesmos cães,
injustamente lucraram no tempo da execranda fome de Pernam- d;lIIdll\l' Ihcs pão o cheiram, e não lhe pegam.
buco, que desde então a fizeram a si privativa, com a liberdade
!'llI descuido fiz, meu Filopono, uma digressão maior do que
de vendê-Ia pelo que querem; em 1789 e 1790, vendia-se cada um
III~ILI. se bem que não em todo alheia do meu propósito; tem
alqueire por 400, té 440 rs.
159
158
paciência, e como és meu amigo, e prudente, confio não farás IHIIII~illlOS depois, era o seu preço taxado a 600 rs. cada uma
caso dos meus defeitos; eu volto já ao assunto de que me desviei. tr'hll, di' manhã se entende, porque depois das onze horas do
uuu pretos pelas ruas apregoando a 360 rs.; e mais barata
J!ropll11tllOque o dia ia decaindo*; naquele tempo porém tinham
iilll'l',sildorcs, e fulminas, o preciso respeito a Angola, e India;
* BOIADAS
pIJlII'IO,OS, e ricos não tinham porta franca para introduzirem
11\ engenhos, a título de fábricas, multidões de gados a re-
Já eu na minha terceira Carta falei dos diferentes sertões,
1'r,U .. I' virem em quartos a vender por fulminas na cidade.
donde saem os bois, que se consomem nesta cidade, e que nenhum
fica em distância menor de 70, ou 80 léguas, muitos na de 100 e
150 léguas, não poucos na de 200, e mais léguas; julgue pois
qualquer, o estado em que chegarão aquêles animais, que se tiram nmRupçÃO DOS MANTIMENTOS

das fazendas em que nasceram bravíssimos como feras, que nunca


viram gente, depois que em bezerros foram marcados; vêm êstes IIl1l'Orre muito para a falta de saúde na Bahia, o inveterado
por tôda a mencionada distância agitados por vaqueiros, monta- IIIItIl' di' vender tôdas as frutas verdes, sem que um único pomo
dos em cavalos, e armados com ferrões de uma polegada de com- Il'/l((' Silzonor na árvore. Não concorre menos para o mesmo
prido, com que os atravessam até as entranhas; comendo por tôda
I li (111rupção de muitos mantimentos vindos da Europa, como
a viagem, o que é fácil supor, até que finalmente chegam à Feira"
!II 1'.11 inhu de trigo, que os padeiros impunemente misturam
distante doze léguas da cidade, e ali são recolhidos em currais,
em que só há areia, e estrumes; dêstes são conduzidos para a ci- I flll!1,1, que a avareza deixou chegar a mísero estado de po-
dade, sem comerem mais, que o que, andando, podem apanhar Ifjll, di' que fazem pão, biscoitos, bolachas muitas vêzes intra-
com a língua, por uma só, e única estrada, * * freqüentada de iw! '-11I1'ljO~, manteiga, aletria etc., como também dos da terra,
boiadas inumeráveis, desde o princípio da cidade fundada há 250 j,1I1Imuito peixe, não só do chamado fresco, quando po-
anos; chegam finalmente, e aí são recolhidos no curral do Con- '11111 t.unbém salgado, toucinho, e muita carne salgada, conhe-
selho, donde só saem em quartos para os açougues, desde a sexta- 1"~lr('(11111' do sertão. que vindo muita dela ardida do calor
feira de uma semana até a quinta-feira da outra; e se neste meio IlIh,lIClIÇÕCS em que vem empilhada, nenhuma deixa de ven-
tempo saem, é só para beber, e nunca para pastarem, por não haver III~ pobres para as suas famílias, e aos ricos para os es-
nesta cidade um palmo de baldios, como deixo ponderado. À vista VI,lll que é mais barata que a fre-sca; além de outros
pois do referido, quem há que não conheça estar a carne daqueles
animais tão longe de ser bom alimento, que antes é mortífera a
quem a come? Quem não vê que aquêles bois, pôsto que em pé, IlIl1itas misturas que os avaros, e sórdidos vendeiros, e
estão mortos, estão corruptos. Quem não alcança ser aquêle ali- flll~lIl1~r.izcm, não só nos vinhos, como nos vinagres, que tem-
mento a origem de milhares de enfermidades endêmicas, que na 11I (11111pimentas, e outras misturas como também na aguar-
111(1,':111cuchaça, em que lançam água salgada; assim como no
Bahia se padecem?
Por esta carne pois é que os monopolistas, e atravessadores 11(1,UIIl que misturam sebo, que conglutinam com êle; como
embandeirados em marchantes, se puseram em campo, para levan- 111(I1I1I:ipil velha, e rançosa em que misturam o mesmo sebo, e
tar-lhe o preço até onde querem, obrigando o miserável povo a Ihli í!8lflllilvcl côr com a batatinha etc. Tudo é prejudicial à saúde,
comprar a sua ruína pesada a dinheiro. Já eu disse que em 1789, Ir. IIIII/Vll,e não se pode negar que tudo procede da falta de go-
111\'1í'IIIIIl\ll1ico, e omissões do Tribunal da Saúde.
• ... de Santana ... - E.C.
•• Estrada das Boiadas. - E. C . IlIlIllIl "Irada. - E.C.

160 161
llil 1l1,1I1Ik- hrejal, ou pântano, o qual pela parte do Leste, donde,
* REMÉDIOS ESTRAGADOS lil! ili 11- disse, são infalíveis as virações todos os dias, nasce
11111.111 du cêrca do mosteiro dos Beneditinos, corre acompa-
Concorre também muito a falta da precisa exação nas correi-
11(1,.,I I idnde até além do convento do Carmo, e formando um
ções das boticas, que bom era fôssem mais freqüentes, e exatas,
11fi. ,I 1(111'chamam o rio das Tripas; é êste cheio de milhares
sem que ficasse por examinar tudo o que pudesse admitir cor-
tWItIl.lIj.I~,e répteis, como cobras, e sapos peçonhentíssimos, e
rupção, como sejam muitos dos líquidos, que é impraticável o fa-
"",dkil'; 11monte; além de que no verão ficam por muitas partes
zerem-se aqui pela falta, tanto dos símplices, como dos labora-
1'llIllIndos, cuja água apodrece com o calor, e todo êle
tórios, e ainda dos laborantes, nos quais devera haver uma exa-
111rtluvios, que infeccionam a cidade, motivando sezões, e
tíssima reforma, visto que na mão de milhares de idiotas, que
1IIIIIIili~;além de outras enfermidades, em que a Bahia pouco
mal sabem ler as Farmacopéias Portuguêsas, está o privarem im-
It(.k ,IS povoações que temos em África. Podia êste inimigo
punemente da vida, aquêles que caem debaixo do golpe da sua
111'11'1')(1i11to com os muitos entulhos, que nêle se podiam
ignorância, e cego interêsse; igualmente deveram ser examinados
Inll~,ldo até estar terraplanado, ou pelo menos trazer-lhe sem-
os vegetais vindos de Portugal, como todos os farináceos, por ser
.1tt'1111lima vala-mestra, sempre limpa com sargetas laterais,
impossível que tisanas, e cozimentos de cevada, e aveia que tenho
pIO III.!!.Idl'veram desaguar; isto porém só enquanto se ia entu-
visto torrar em razão do gorgulho, produzam os efeitos precisos, e
IhllmlO, li obrigando as águas a tomar diversas vias subterrâ-
desejados; ficando por isso o médico desacreditado, o doente em
1'11111 li que ajudaria muito a rotura das terras, que como já
perigo de perder a vida, e o boticário enriquecendo à custa do
, 6 1111111:1.
crédito de um, e dos bens do outro. ('f'I\l;IIIICIl\ igualmente para as doenças muitas baixas, e ala-
No mesmo ato de visita, e exame se devera entornar, e quei-
mar tudo o que se achasse ter o menor princípio de corrupção,
Ii~n" 11"1'além dêste ficam pela campanha com brejos sem es-
HII\\ o ÍtPII:lSempoçadas, que naturalmente hão de exalar muitas
sendo melhor o não haver tais remédios, do que havê-los em es-
!k[lll\~ nocivas, o que bem explicarão os que tiverem razões para
tado de serem mais prejudiciais, que profícuos, o que seria mais
llilll' ~I~ expressarem, se bem que é muito para recear, que a
acertado, que apreendê-Ios, por ser, como na realidade é possí-
11,111 sufoque o muito amor da pátria, e a outros a argüição
vel, que muitos daqueles símplices, e compostos, voltem logo para
!efl':1111 1.11
1m, c negligentes; pelo que, meu amigo, fica de aviso,
a mesma botica, ou outra já visitada. Devem os ministros dêstes
fi 1[111' lI' digo é verdade, sem o mínimo enfeite; e se algum
exames ser de aprovadíssima probidade; devem entender, mas não
ih-~Ioluires com figura diferente, sabe que vai disfarçada,
viver do mesmo gênero de negócio, por evitar colisões, e intrigas
ilidn lillll lhe o ornato, e acharás que nada difere dêste esqueleto.
particulares; e isto enquanto S. Majestade não é servida mandar
hábeis naturalistas, e químicos peritos, para indagarem, analisa-
rem, e descobrirem as virtudes dos inumeráveis vegetais, e não
poucos minerais, que há neste continene, e suas ilhas; e achando- :-;1'Nl>IJAUDADE
lhes virtudes análogas às dos da Europa, fazer uso dêstes, e não
daqueles, que só podem chegar aqui com a metade das suas vir- 111.1ouuu causa essencial de muitas moléstias nesta cidade,
tudes; para o que auxiliaria muito, o que já escreveram Guilherme i\I.I"l\ilda paixão sensual, que nela domina, de forma que
Pinson e Margrave. 11,11'111 reção parece não bastar todo o rigor da Justiça, pois
li' ,\I' Ilido, ela relaxa, atropela, e socalca * as leis divinas,
1c!~1i, ,I~. I ivis, ou criminais, e isto porque falta quem vigorize
* RIO DAS TRIPAS I Ifl'!., 11~IH' Iôrça as da polícia, porque não há a precisa vigi-
Lembrado estarás que na primeira que te escrevi, falando ,.-'11, E.C.
da aplicação dos resíduos das rendas do Senado, te falei no atêrro
163
162
lância econômica; meios únicos de reprimir a multiplicidade sem I:"':t~ são, meu Filopono, as causas principais donde proce-
conto de libidinosos, vadios, e ociosos de um, e outro sexo, quf 111 I(ul"s as outras, que concorrem para a perdição da saúde
logo que anoutece entulham as ruas, e por elas vagam, e sem pejo, "i:'~h.rbuuntcs da Bahia; estas são as que todos conhecem, e os
nem respeito a ninguém fazem gala da sua torpeza, com escân- 110 p<ldcm não remedeiam; as outras porém mais particulares, as
dalo de todos, os que seguem diferente sistema; não só insupor- 1l~.lIlIll','arCtquem pelos deveres da sua profissão, e glória do nome
táveis pelas suas palavras pouco honestas, como ações depravadas, Ilt~ 1111101", haja de incumbir-se dêsse trabalho, e não eu, que além
corrompendo as tristes crianças, que caem na desgraça de serem 'lê ~1'1 dcsl iluído das doutrinas, e talentos precisos, nada mais faço,
suas familiares, que tão emestradas ficam em todo gênero de p.uticipar ao meu amigo o verdadeiro estado de um país em
torpezas, que antes de tempo as não pratiquem com tôda desen- 1'10 1111' ncho, e que êle talvez nunca pisará, sem que jamais me
voltura. Não só a estas chega aquêle pernicioso contágio, como se dl;lxll urrustar da paixão pró, ou contra, e livre ao mesmo tempo
comunica a muita parte de famílias honestas, e recolhidas, pelas • rutusiusmo de querer empolar os meus discursos, e só sim
desenvolturas, que muitas vêzes se não podem isentar de obser- folrll uo meu amigo pelos tênnos, que são permitidos a quem es-
var, e ouvir a vizinhos tão depravados, e ainda aos seus próprios I!lVI' f.unil iarrnente , Deus te guarde, meu Filopono, e te dê as
escravos, dignos de serem perpetuamente banidos, não só de entre Iclkld.tdcs, que muito te apetece
as famílias, como de todo o Estado, pelas causas já expostas, como
pelas mais que fôr expondo nas minhas cartas. Não concorrem o teu amigo, e muito atento venerador
também pouco alguns pais, e mães de família para a destruição da
inocência dos seus filhos, em quem o mal se imprime, como em Amador Veríssimo de Aleteya
branda cêra, atribuindo ao calor certos descuidos, que só são pro-
duções da sua grosseria, e má criação.
Não faltam oradores, que advoguem em favor da sensuali-
dade, alegando mil causas em sua defesa, uma das quais é o
cálido dos mantimentos etc. sem que os advogados de um tal cons-
tituinte se lembrem do remédio que o Apóstolo aplica contra os
estímulos sensuais - Melius est nubere quam uri. A isto porém
fecham os ouvidos, e não lhes faz conta, mas sim alegar causas, que
não passam de meros subterfúgios. Não professem ociosidade per-
pétua, origem de todos os vícios, desmintam o crítico Gracian,
que dá. tôda a América por domicílio à preguiça; sujeitem a carne
ao espírito; não sejam lânguidos na religião, e cristãos só no nome;
larguem o materialismo, e não tenham por bagatela a Eternidade:
logo os mantimentos, o clima, e a natural inclinação os não farão
concupiscentes, e pouco honestos.
O ordinário dos pais de família pobres neste continente, a
quem faltam bens, a ordinária herança, que deixam a suas filhas,
é a inveterada ociosidade, em que as criam, e liberdade em que
as deixam viver de crianças; e por isso é que depois de adultas se
valem delas para poderem subsistir; pelo que são perniciosíssimas
à sociedade, ao que devera obstar um bom govêrno político, diri-
gido pelos ditames da prudência, zêlo do Estado, e bem do público.

164 165
CARTA IV

N( )'I'AS E COMENTÁRIOS DE BRAZ DO AMARAL

A QUARTA CARTA de Vilhena é tôda dedicada à higiene da Bahia


, questões sociais como a da prostituição, à liberdade de costumes
lI,q cuidados que são precisos na educação.
I'or ela ficamos sabendo que o delicioso e temperadíssimo clima
,L, já era muito prejudicado pela introdução e desenvolvimento
1111'11
01, moléstias, vindas quase tôdas de fora, especialmente da África.
Pnlre elas estava o escorbuto ou mal de Luanda, moléstia fre-
1111'1111' naquela época, por causa das longas viagens a vela, e se esta
'''''''"':11, propriamente, não afetava os habotantes sedentários da cidade,
h lllll~cqliências que ela não raro produzia nas suas vítimas, durante
, V1I'1It' 111, vinham causar infinidade de afecções como as que podem
11,111111" da gangrena, freqüente nos escorbúticos, etc.
Além disto êle declara positivamente que a varíola, o sarampão
1I\1I'II~ moléstias contagiosas se desenvolviam epidêmicamente nos na-
I I", currcgados de escravos e eram outros tantos flagelos mórbidos
li'''' NU estendiam pela cidade.
/(\ o nosso professor de grego preconiza o isolamento dos doentes,
• dll~ navios, as visitas rigorosas feitas nestes, a sua separação do
"'\ ouulouro dos outros barcos, etc., exatamente o que se aconselha
II,,/u como medidas preventivas para êstes casos.

167
Ele não tinha idéia ainda das desinfecções que só apareceram do 11I1\IIl cidade se alastrou
pela Capitania, pois em urna carta do
meado para o fim do século XIX, após as descobertas da teoria 'I'lIn" Mor de Maragogipe, datada de 22 de julho de 1787, dava êle
microbiana. ii~1.1 dos lázaros mendicantes do seu distrito, segundo uma ordem
Já a varíola figura como uma das moléstias pestilenciais mais 10 1111' f'<ira mandada, indicando os que tinham meios para se tratar.
freqüentes na Bahia, e isto nos mostra que em um século de duração ( ouheccu o govêrno a necessidade de separar os lázaros da popu-
deve ela ter ceifado muitos milhares de existências, sem que se possa 111~n'l 1\ dní as medidas que foram tomadas e de que vão abaixo algumas
considerar de todo extinta, o que não é muito lisonjeiro para a eficácia l]fil rl~
da ciência entre nós, ou para a persistência nas medidas que deviam A (lnrnria, ou Hospital dos Lázaros, existiu primeiro num pequeno
ter por objeto a extinção completa daquela temível febre eruptiva e a 11I roustituido por casinhas
próximas à capela de S. Lázaro que se
defesa da população baiana contra a sua visita vinda de fora, por mar, !til numa posição eminentesôbre o mar, na freguesia da Vitória."
ou pelo interior do país. li' IIr que se recolhiam as pessoas pobres da cidade afetadas da terrí-
A questão importante dos pântanos em tôrno da cidade foi tra- I iunlcstia, assim como os pretos que chegavam da África doentes
tada, lembrando, ou antes, aventando o remédio que mais tarde se veio ICIIl
a adotar, ou quase isto, porque não foi entulhado o rio das Tripas, 1), Rodrigo José de Menezes e Castro, em Provisão de 27 de
nem foi feita a vala-mestra a que êle se referiu, mas foi construída !!!fl!~" de J 762, resolveu o estabelecimento de um hospital para os
uma canalização subterrânea por onde êle corre hoje até o arco da lilllll"lll'OS, até aí abrigados no lazareto mencionado, ou em pequenas
Estrada Nova. I~IIIIIII~que para isso serviam.
Tinham os holandeses represado o riacho e feito com êle um
11m 1763, mandou êste governador reunir o povo, o que se fêz
canal ou fôsso profundo, excelente para a defesa e que seria obra apro-
1'.;1•• luquo do sino da Câmara durante três dias, e mostrando aos ho-
veitável, se fôsse conservado sempre limpo.
"II"I~ bons da cidade a vantagem de um estabelecimento regular para
A administração português a não se importou mais com isso, e o ,-, í un que indicava, concordaram todos numa contribuição com a qual
fôsso aquático se transformou num charco, cheio de cobras e sapos (IIi cumprada por 6:000$ a Quinta do Tanque** na qual foi inaugura-
a que Vilhena chama sevandijas. 01•• 11 hospital em 21 de agôsto de 1787.
A cidade, aumentando sempre, cercava cada dia mais o charco, e
lInvin já uma Provisão de 11 de agôsto de 1758 que estabelecia
êle havia de desaparecer, corno desapareceu. Neste meio tempo Vilhe-
1':1111os lazaretos serem custeados a contribuição de 20 réis por cada
na escreveu, verberando a administração descuidosa.
CII'" 1Il' gente do povo, 40 por cada casa de nobre e 80 réis por cada
A obra só foi feita pela província nos meados do século XIX, "" dl' quem tivesse fôro.
canalizando o riacho e fazendo passar por cima da abóbada canaliza- I) Rodrigo destinou ainda para a nova instituição a renda do
dora uma rua, por onde hoje correm os tramways elétricos que vão ililll ru oduzisse o celeiro público, também criado por êle. Esta Quinta
para a Soledade, Rio Vermelho e Brotas. li" 'I nuquc tinha pertencido aos Jesuítas desde os primeiros tempos da
Os pântanos em tôrno da cidade, porém, ainda não foram de ".,lIi" C) nela havia por muito tempo residido o célebre Padre Antônio
todo extintos.
Vhh n, com o seu inseparável amigo, o Padre José Soares.
A outra questão séria abordada por Vilhena, na sua carta quarta, Numa parte da quinta foi construído um cemitério para os mor-
se acha ainda no mesmo pé em que êle a deixou. A prostituição nunca f(ill'II~, cemitério que no século XIX se tornou público, e que o povo
foi regulamentada, as mulheres livres de baixa esfera continuam a IIi,llI'n' geralmente por cemitério das Quintas, fazendo um plural.
ofender os ouvidos castos porque as de alta esfera não podem ser r preciso dizer que as Cartas de Saúde foram introduzidas no fim
regulamentadas, nem se lhes pode impor domicílio afastado. É ver- ti.. ~('1It1(1XVII, por ocasião do aparecimento no Brasil da febre ama-
dade também que estas não ofendem ouvidos castos. E só isso e o ICI", c onhccida aqui sob os nomes de males e de peste da bicha,*** a
luxo as distinguem das outras. '111111primeiramente se desenvolveu em Pernambuco, passando dali à
Em 8 de janeiro de 1760, mandou o Soberano uma carta ordenan- IL,IIIII
do fôssem soterrados os canos que partiam das casas, pois em virtude
da existência dêles ficavam as ruas imundas e cheias de charcos, o
que era um inconveniente para as passagens das procissões e saídas
do Santíssimo Sacramento e porque também ficavam os transeuntes
livres dos maus hálitos que dêles se desprendiam.
O mal dos lázaros, morféia ou elefantíase dos gregos, se desenvol- o Lázaro, na Federação. - E.C.
veu muito na Bahia nos tempos coloniais, provàvelmente importado da quInta dos Lázaros. - E.C.
Ásia e África, pois escalavam ordinàriamente aqui os navios que de lá •• Males ou mal de bicho em Pernambuco. (Edison Carneiro, O qui-
se dirigiam para Lisboa ou vinham diretamente para a Bahia , 11111I110 dos Palmares, 3,a ed., Rio de Janeiro, 1966) . - E.C.

168 169
Carta Quinta

em que se trata do modo por que se deve plan-


tar, colhêr, e moer a cana-de-açúcar, as terras
mais próprias para esta planta, tempos próprios
para a sua plantação, e colheita: dá-se uma breve
noção dos engenhos de moer a cana; fábrica de
que carece cada um engenho; ajustes que os
senhores de engenho celebram com os seus la-
vradores; prejuízos que lhes sobrevêm por falta
de economia rural; continua com a mesma anâ-
lise sõbre a plantação da mandioca; passa a tra-
tar do tabaco, e finaliza com a do anil

F 11 OI'ONO, meu especial amigo.


I 111 tôdas as minhas cartas anteriores tenho unicamente trata-
dll d" descrição desta cidade, e do seu Recôncavo em parte, para
1111" dl'ld tivesses uma noção mais vaga, da que vulgarmente têm,
!lilll ~Il os curiosos, que daí a tenham pedido, como <I.maior parte
0111, '1111.'aqui têm vindo, e .ainda muitos dos naturais; agora pois
illl~'1111 11 propósito o dar-ta do modo de agricultar as plantas de
""til! vonsrderaçâo, que constituem a parte maior do seu comércio,
li!.!" 1 l 01110 da sua política, e economia rústica para que possas
IlIi/1I1 ~c esta tem alguma conexão com a urbana, que venho de
11111111IIl'lI r·tc, e por partes continuarei depois .

• ENGENHOS

Creio estarás lembrado de dizer-te, que dêste pôrto se trans-


l"IIIIIVIl o açúcar de 400 engenhos; 140 dos quais são na Capitania

173
Ill,llIlhlude que podem bem carregar navios; nada disto se faz por
de Sergipe deI Rei, e 260 no Recôncavo da Bahia: sei que hoje 11111',,1.1.
l' por falta de govêrno econômico.
são mais, mas não posso especificamente dizer quantos. De todos,
o que tenho notícia ficar mais distante, é um chamado a Pojuca,
que dista 16 léguas para a parte do Norte. Lembro-me dizer-te que MASSAP~
há engenhos de borda d'água, e engenhos de mato dentro; e êstes
são reputados hoje pelos melhores em atenção à fôrça, e valentia A ~ terras em que de ordinário se planta a cana, são salões
de suas terras, e lenhas em pouca distância, quando os de borda \I IIloI~~lIpês;dos salões nada tenho que informar-te, porque êles
d'água, a maior parte dêles a não tem já, pelo que as compram llil"'l\!lI pouco dos muitos, que nesse Reino há, à exceção de serem
por bastante soma para cada uma das suas safras; e se algum as di' dI mais fortes. Por massapês se entende uma espécie de
tem ainda, é já em distância tal, que mais fácil é comprá-Ia, do IIl:illl. composta de uma quantidade de terra insorvente, invitrisí-
que matar bois, e escravos nos cortes, e carretas, para o corpo do It· (' de base alcalina das pedras quartzosas, intimamente com-
engenho. hllli\lhl entre si; conhece-se êste por ser uma terra untuosa em que
Ora, como êstes são fundados há muitos anos em atenção' à (t1/"IIlItIo-sedeixa nos dedos uma tal qual viscosidade, ou óleo, e
comodidade dos portos de mar, estão as suas terras muito mais IIII~flllllda com água proporcionada, toma as formas que lhe que-
cansadas do que aquelas do mato dentro; isto por incúria, desma- i! 111tliI!";as partículas térreas que tem, unem-se umas a outras com
zêlo, e negligência de seus donos, que não sabem, nem querem 'Ihllllll(' aderência, e por isso conserva por mais tempo, do que
saber beneficiá-Ias; de forma que aquela mesma terra, que há 90 i'l IIIIIIIIS terras, o princípio úmido, de forma que apertando o
anos dava açúcar ao avô, hoje o está dando ao neto; àquele muito, i.'illlll. da forma na sua superfície uma côdea dura e compacta,
e pouco a êste, porque não lhe tem feito benefício mais do que 1'1') Impede a evaporação rápida da água, que em si contém, e
lavrá-Ia, lançar-lhe a semente, e colhêr aos catorze, ou dezasseis ji(1I '""a razão é preferível para a agricultura da cana, que como
meses o fruto, quando por dois meios as podiam conservar sempre 1'1.111101.que precisa mais umidade que as outras, o massapê lhe
fecundíssimas; o primeiro trazendo-as a fôlhas, como usamos em I' IIl.lI~ conveniente, não só por conservar por mais tempo a urni-
Alentejo, mudando as que por muitos anos têm dado fruto para ;111"1. como por conter mais princípios alcalinos, e oleosos, que
pastagens dos muitos bois, e cavalos de que carece cada engenho; GI\"('111muito para a nutrição das plantas. Há massapês pretos,
e rompendo aquelas que do seu princípio têm servido sempre de !lIIIIII'los. csbranquiçados, ou vermelhos, segundo as águas mine-
pastagens, não só descansadas, como estrumadas de tôda aquela I.ti I 'I"e Ihes dão a côr. O prêto foi sempre tido por melhor, com
gadaria, que ali existe quase todo o ano fechada, com cêrcas ex- 1"IlII'Il'ncia aos mais. A experiência mais segura para conhecer
tensíssimas, que rodeiam, tanto os canaviais, como os pastos; êles 'I jllllllCira vista os massapês, é observar se depois das chuvas,
porém o não querem fazer por não perderem as socas, que são 11'1 IllIndo o solo terreno fica gretado, e cheio de grandes fendas;
os pés das canas, que ficam na terra depois de cortadas, porque " ti 111'sucedendo é sinal de que o terreno é composto de massapês;
de uma semente tiram fruto por quatro, cinco, e mais safras, se- lI' é o meio particular de conhecê-Ias.
gundo a valentia das terras; e por êste prejuízo não querem tirar
duplicado lucro, receando-se também do pouco, que no primeiro
ano dão os novedios, a que chamam cana baleeira. * UALIDADE DAS TERRAS
Pelo segundo modo podiam bem evitar êstes inconvenientes
se agricultassem como no Minho, estrumando as terras, para o Núo pode duvidar-se meu Filopono, que para a qualidade das
que lhes sobejam estrumes nas bagaceiras dos engenhos, a que ,'111111\
de-açúcar, contribui muito a natureza dos terrenos, em que
lançam fogo todos os anos, tendo-o ali em extremo curtido, e em
rnvttrcscível. - E. C.
• Silvestre. - E.C.
175
174
estão plantadas; elevam-se estas a grande altura, se as terras são
untuosas, e fortes, quando por muito sucosas, e aguadas, é traba-
I~ Jlolegadas de comprido, e quatro para cinco de largo, com
lhosa a sua operação para vir apurar bom açúcar. As terras que
pUIiI oito de fundo; e nestas lançam dois pedaços de cana de
têm o banco de pedra esponjosa, conhecida por tufo, produzem
h~ I H polegadas de comprido, colocadas de forma que nas
comumente canas delgadas, cheias de nós, e pouco rendosas. As
111iI~vxucmklades da cova, saiam quase quatro polegadas de cada
fortes, e vermelhas produzem canas bastante grossas, e altas; há
liíll dll~ rolctes de cana, cujos rebentões por um lado, e outro for-
porém precisão de as cortar no prefixo tempo da madureza *,
1111tuucciras consideráveis. Outros há que enterram de todo os
porque sendo cortadas algum tanto verdes, é trabalhoso o separar
'!\ltn, que igualmente brotam muitos pimpolhos. Em algumas
no açúcar as partículas oleosas. As terras porém declivadas, que
IÔllill~ mglêsas lançam sete, e oito pedaços de cana em cada
têm bastante fundo, e expostas todo o dia ao sol, criam canas
I, o que não parece bem entendido, porque além do desper-
rendosas em açúcar, que com facilidade forma a grão Os terrenos
IIlio d,' semente; as plantas, ou rebentões se sufocam uns a ou-
úmidos geralmente fazem, que a cana seja de suco muito carre-
, havendo então precisão de desbastá-los. No Recôncavo porém
gado de flegma, e por isso carece de mais cozimento, consumindo
I" 1I,a1I1H. e creio que por todo o Brasil abrimos regos com o ara-
muita lenha. Os terrenos muito secos produzem açúcar tão gluti-
10, I' por êles lançamos as canas inteiras, que os negros depois
noso, que as mais das vêzes há precisão de lançar-lhe água para 1!l1'1I1de terra com as enxadas.
poder purificar-se.
As terras novas há de ordinário precisão de fazer-lhes perder ('omo dos nós das canas é que brotam as raízes, êste o mo-
o vício, antes de tirar delas cana para fazer açúcar; motivo por Ilvfl pur que muitos semeiam aquela parte da cana que fica pró-
que em muitas partes, logo que as canas da primeira semente têm 111111 110 ôlho da mesma, por amiudarem ali muito os nós; o me-
seis meses, se cortam, e se têm capacidade fazem delas aguarden- Ihrll porém é fazer de cada cana muitos pedaços, e semeá-Ios, por
te, ou as deixam sôbre a terra, onde queimam tôdas aquelas palhas II!I' mostrado a experiência, que a semente da parte inferior da
no mesmo terreno para o fazerem suar, e evaporar muitas das 11111, upcsar de produzir plantas mais curtas, o seu suco é natu-
partículas viciosas, que nêle há; depois do que já o açúcar que IllIU'lIll' mais disposto para a conveniente perfeição, e mais car-
vem daquela primeira soca, é menos oleoso, e mais fácil de tra- Id••~ de partículas salinas, quando se prepara com mais facili-
balhar-se; o melhor método porém, em que se tem sentado para ,1/111,·o excelente açúcar que produzem. Agricultores inglêses há,
amansar estas terras é alqueivá-las, Iimpar-lhes tôdas as ervas, tirar 1"1' multiplicam também a cana por mergulhia, tendo-se observado
delas duas, ou três colheitas de anil, e depois de tudo isto, plantá- jlll' os rebentões imediatos logo à raiz são os mais fortes, e me-
Ias de cana-de-açúcar. IÍI(II('~ "ouve um agricultor inglês, que abrindo as covas na dis-
,nlldll de cinco pés umas de outras, lançou seu pedaço de cana
II1 r,ldll uma delas; de tempos a tempos rompeu com o arado a
* PLANTAÇÃO DA CANA 11;".1 dos intervalos. tanto para destruir as ervas, como para res-
Idlar us plantas. Bste nôvo método de cultivar fêz com que cada
Logo que o terreno destinado para canaviais, está bem lavra- plrm!a tivesse o duplo da grossura das outras cultivadas, segundo
do, e rôto, se divide em tabuleiros, e êstes em tarefas, que cada (I II~Oordinário, e em um mesmo terreno. Foram estas canas se-
uma consta de 30 braças quadradas. Nos estabelecimentos fran- 1',11ill"'~ para o engenho, e separadamente se cozeu o seu caldo, e
ceses se divide o terreno a cordel, lançando linhas que distam dois 1111'1.111I tôdas as mais manobras indispensáveis naquela laboriosís-
pés umas de outras, se a terra é fraca; e sendo forte três pés e 1111,1 oficina, onde se viu que produziram tanto açúcar, como um
meio, e logo por estas linhas na distância de dois pés abrem covas 11111110 maior número de canas daquele excelente tabuleiro; a des-
Pi"" 1I[lsua coação, foi menor proporcionalmente uma sexta parte;
• Madurez. - E.C.
1\ açúcar que produziram se vendeu por mais seis xelins em
176 '1111111111, do que o das outras canas.

177
('Ollllm-se as canas com urna foice de mão, que pouco difere
o tempo mais próprio para plantação das canas, deve ser em 11111 poduo; atam-se em molhos a que chamam feixes, cada um
estação de chuvas; se estas lhe caem, as canas dentro em oito dias qlllli~ tem doze canas, e cinqüenta dêstes fazem uma mão, e
estão rebentadas; há porém precisão de as sachar, à proporção das III~ leva cada um carro para o engenho três, ou três e meia
ervas que nascem, cujo trabalho, é muito menor, se as canas vêm llj.li1~. ~egllndo a qualidade da cana, sendo puxados por oito bois;
1I111111do é rendosa a cana produz cada carro um pão de açúcar,
fortes, e sufocam as ervas, que lhes nascem por debaixo: no fim
de cinco, ou seis meses se lhes dá a última demão, que consiste IllI pl'~a três e meia a quatro arrôbas; e o engenho que não é
em arrancar tôdas as ervas nocivas. Deve haver sumo cuidado em "~'1mais (racos, nem dos mais valentes, mói de ordinário 12 carros
que gado algum chegue a estas plantações; assim como se devem l'IIIHl em 24 horas com pouca diferença,
vigiar os ratos, que pelo muito que gostam das canas, fazem nelas II (I precisão que as canas se moam o mais depressa que puder
considerável estrago. 'I Ikpois de cortadas, porque do contrário se segue prejuízo gran-
É muito a propósito o repartir a plantação em tabuleiros, ou ,11, deix.ando-a aquecer, e fermentar, pelo que é prudência, o não
quarteirões, que tenham de 60 a 70 pés de largo, entre os quais é [1111.11 mais do que pode moer o engenho de um para outro dia,
conveniente deixar um espaço de quase vinte pés para carrear por As plantações devem ser feitas de maneira tal, que as canas
êle as canas até entrar na estrada que conduz para o engenho. Este " venham a cortar quase no princípio das chuvas, porque tanta
pedaço aproveitam os estrangeiros com as plantações de inhames, 1"I'l'isüo têm de umidade os rebentões provindos das socas, como a
batatas, e outras plantas nutritivas, que possam colhêr-se antes do ,I'llIl'llle plantada a rêgo, ou de nôvo, logo depois que se meteu
corte das canas; nós porém os não economizamos, como êles fazem. 111\ terra.
I lá precisão de replantar as canas, depois de dois, ou três cor-
"'~ naquelas terras, que são fracas, e têm pouco fundo, quando
1:11\ bons terrenos de massapês legítimos, elas muitas vêzes subsis-
* CoRTE DAS CANAS
,,'\11 vinte e mais anos, havendo soca velha, que algumas vêzes
111 otu quinze rebentões, devendo contudo haver cuidado de alte-
Cortam-se as canas no fim de catorze, dezasseis, ou dezoito
1;\ lus, quando se mostram na superfície.
meses; em uma palavra, tôdas as vêzes que se lhes descobre urna
côr amarelada, indicativo da sua madureza. Quando elas chegam
a êste ponto, fica a sua casca lisa, sêca, e quebradiça, e logo que
se coroa de fôlhas, é indício de que não tarda em amadurecer. '" MOAGEM
É incomparàvelmente maior o prejuízo proveniente de colhê r
a cana mais verde, do que o que pode resultar de cortá-Ia muito Cortadas que sejam as canas, se lhes espreme o suco, fazen-
madura, porque logo que o está fàcilmente se tira bom açúcar, o do-as passar por entre grossos cilindros de pau vestidos" de tam-
que não sucede com as verdes, cujo caldo muitas vêzes não coalha horcs de ferro coado, cujas revoluções não somente quebram a
depois de ter-se queimado infinita lenha. cnna, como tão fortemente as apertam ao passar pelo intervalo,
As melhores canas são as mais pesadas, a sua medula, ou ou abertura de duas linhas, que medeia entre um, e outro, que
substância esponjosa deve ser viscosa, de um sabor muito doce, e passando por êle quatro, ou cinco canas na segunda passagem,
de côr parda, a tempo que ela é branca, antes de madura. Iicam inteiramente moídas, e espremidas, isto é, entre os estran-
Tem-se observado que a melhor estação da colheita, é um leiros, porque entre nós é o intervalo de cilindro a cilindro do
pouco antes das chuvas, porque feita no tempo delas, é certo que diâmetro quase de um dedo, e por êle passam juntas vinte e
as canas dão mais caldo, porém é mais aguado; e cortadas em quatro, e mais canas unidas, que só ficam moídas, e espremidas
tempo sêco, se coa com mais facilidade o açúcar, e com menor
despesa; o que é um grande avanço, principalmente se são grandes •• ..' revestidos .. , - E, C ,
as plantações, e as lenhas distantes.
179
178
depois de terem passado dez, ou doze vêzes, sendo o engenho pu-
xado por cavalos, que sendo bois os que puxam há precisão pe r~~lIlIiISde paus a pique com cancelas nas serventias, e isto para
passarem as canas 24 vêzes; naqueles dos estrangeiros se empre, 11'":' lIao saiam os gados, que nunca aqui têm pastor. Os ajustes
l'rlill que aqui arrendam estas fazendas são, de que o lavrador será
gam dois cavalos, ou quando muito quatro com suavidade, nos
nossos seis, ou oito cavalos, puxando a rebentar. O suco, ou caldo ';"II!~lId(l ti plantá-Ias de canas, que não poderá moer mais do que
espremido cai em um vaso de pau próprio para o receber, a que 11(.1'lI!lcnho do proprietário, que pelas moer lhe pertence a metade
chamam côcho e dêste corre por um canal também de pau, a que li" 11\1"'(1 r, que produzirão, além do que lhe há de dar mais da-
11111'111 metade com que ficou um pão de açúcar por cada quinze;
chamam bica, a cair em um grande vaso de cobre, ou ferro coado
enterrado até a bôca, a que dão o nome de parol, do qual é guin- "'11 pela renda da terra, e a estas chamam fazendas obrigadas;
dado o caldo com dois caldeirões, ou baldes, e deitado em uma fi, .uulo O senhor de engenho com a regalia de despedir o lavrador
pia; dela vai por outro canal cair em uma grande caldeira cha- 1('/'11que queira para si aquelas terras, ou as queira dar a outro,
p,-'g,lIIdo-lhe porém as benfeitorias, sempre em prejuízo do lavra-
mada de receber e desta se passa para outra chamada de cozer,
ti 11I, c se êste é o que quer despedir-se, o ordinário é perder as
donde passa a seis, ou oito tachas, até chegar à última chamada
bacia, onde estando já em ponto, se bate o açúcar, e dali se vão !tI ulcitorias, ou receber por elas muito pouco. Se não é muito
enchendo as fôrmas. A cada uma caldeira de receber cheia, dão 1",dl'I'()SO o senhor de engenho melhor conta faz com êles, e alguns

o nome de meladura, e a cada bacia que se bate, o de tempêra. "/I"'CS celebram em utilidade dos lavradores, como sejam dar-Ihes
Chamam engenhos reais àqueles em que o caldo se guinda; IIlld~ ulgurna quantidade de mel, ou ajudá-los em tal, ou tal tra-
quanto àqueles, em que do parol, ou côcho vai correndo a cair hldlHl com uns tantos escravos, ou bois etc. Se porém é poderoso,
logo na grande caldeira de receber, chamam engenhos à somítica. " 1/l'O, a sua justiça é tirânica, êle os perde de um instante para
Logo que o suco é de todo espremido, resta o bagaço, de que 11\1110,sem recurso algum, e por muitos modos bem dignos da
com grande prejuízo não fazemos caso, e os estrangeiros nossos IIlnl~ severa punição; começa por não lhes dar a' conta do açúcar
vizinhos, tanto aproveitam, para cozerem com êle o açúcar. Não IJlIl' produziu a cana do lavrador, deixando muitas vêzes parte dêle
será fácil, meu Filopono, o descobrir cousa em que mais se careça lIiI sua mão, a título de empréstimo para pagar-lhe da sua mesma
de economia, do que nos engenhos de fazer açúcar, onde o tra- l,'illta na safra futura; êstes castigos porém são lentos; os mais for-
balho é imenso, e enorme a despesa, a tempo que em parte algu- h',. e decisivos são o negar-Ihes corte, quando de justiça lhes per-
ma há mais desmazêlo, negligência, e desperdícios. u-uce, e as suas canas estão na verdadeira, e própria ocasião de
nem cortadas; o mandar-lhas cortar, e carrear para o engenho,
I' nuo lhas moer a tempo, deixando-as melar, e azedar no picadeiro
* LAVRADOREs pOI I rês, quatro, e mais dias, ficando por isso em estado de para
linda servirem, mais do que para destruírem o triste lavrador, que
111Imenos de uma semana vê perdido o trabalho de mais de um
Entende-se por engenho em rigor uma sorte de terras lavra-
>1110.não tendo aquêle impio senhor de engenho dúvida em perder
dias, e de matos, que tem uma, duas, três, quatro, e mais léguas
I mcução que lhe pertence, só por destruir o lavrador, que muitas
de extensão. Dividem-se as terras lavradias em diferentes sortes; a
VI/CS fiado na sua colheita tem contraído dívidas, que fica impos-
maior sorte porém reserva o dono para a sua cultura, e arrenda
Ihllilado de pagar, e isto para manter-se, e aos seus poucos es-
as mais, a que chamam fazendas, a diversos lavradores, com por-
1IilVOS,que comum ente tomam fiados para pagarem com o açúcar
ção de matos competente para as suas abegoarias, e criação de
d,1 seguinte safra. Outros há que logo que o lavrador levanta as
algum gado, se para isso têm capacidade. As terras de cultivar,
llIIlIlS, e larga fogo aos aceiros, ou restolhos delas, cerimônia do
divide cada lavrador em duas partes, uma para a plantação da
\ISO, êlcs lhe fazem aviso, que lhe largue a fazenda, porque quer
cana, e outra para pastos do seu gado do trabalho; o que também
dó Ia a outro, e se lhe paga a soca lhe faz nisso grande favor; e
faz o senhor de engenho, rodeando-as cada um de cêrcas exten-
ilém dêstes, por outros diferentes modos arruínam muita gente; de
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181
forma que passa por provérbio a justiça do senhor de engenho. II~ h(t ainda, que apesar de verem, que os seus vizinhos gastam a
~stes procedimentos contudo não são gerais, porque há bastantes 11\I'lnde da lenha, que êles consomem, e que com isso poupam
senhores de engenho dotados de humanidade, honra, e caridade; lrIlVOS, bois, e matos, ninguém os pode despersuadir da sua per-
livrar contudo da maior parte dos poderosos moços. IllIflda, em que logo vão encabeçando os filhos; resta mais o dizer-
li' meu Filopono, que é suma a negligência em trabalhar com os
IIIIIS, que têm a desgraça de cair nas mãos dêstes homens, tanto
* CAVALOS E BOIS I'H'los, como brancos, porque além dêstes animais não comerem
1111d~do que podem nos pastos colhêr a dente, e quando muito
Necessita o senhor de engenho, não só de muitos escravos, dgllllS olhos de cana, que trazem dos canaviais; êles lhes desper-
como de muitos bois, e cavalos, tanto para a lavragem das terras, dh;nm a íôrça tôda que a Natureza lhes deu na cabeça, e pescoço;
e plantação das canas, como para' o penosíssimo laboratório do en- 11111 quc não lhes laçando as pontas à canga com as correias, a
genho, de forma que, o que não tem para mais de oitenta de cada quo em Alentejo chamam corneiras, mas prêsas só as brochas nas
um dêstes gêneros, se reputa fraco senhor de engenho. Se o enge- "llIllas dos canzis, puxam os bois enforcados, quase sempre com
nho mói com cavalos costuma ter quatro almanjarras em que se 11111palmo de língua estendido, e êles sufocados, sendo neces-
empregam oito cavalos, que são mudados de três em três horas; uio oito bois para levarem a cana, que já te disse, e tanta lenha
e aqui vemos que necessita de 64 cavalos, porque o que fêz aquêle ,'111um carro, quanta poderão aí bem levar três machos de carga,
trabalho, não o pode repetir dentro de 24 horas, pena de ficar '"JIl prejuízo é geral, sem exceção. Destróem igualmente os tei-
estropiado dentro em pouco tempo; dêstes 64, uma têrça parte, IIIIlSOSos seus escravos, que da cabeça até os ,pés são abrasados
está ordinàriamente inábil, tanto pelo violento do trabalho em que II;I~ bôcas das fornalhas com línguas de fogo, que delas saem,
incessantemente lhes cai em cima, uma chuva de azorragadas, como \'IlIno de um efervescente vulcão, * o que é em ponto muito menor
pelo mau trato, comendo sempre verde apanhado a dente, e de lUISoutras fornalhas de crivo, de que já falei.
noite alguns olhos de cana que lhes picam; isto é só para os que Por esta breve exposição podes meu amigo julgar do número,
hão de trabalhar de noite, além de que, êles nos pastos se estro- I' trato dos cavalos, e bois; eu te vou agora dar mais alguma noção
piam mutuamente a coices, e dentadas. dos escravos, suas distribuições, e tratamento, para não seres hós-
Muitos engenhos têm somente três almanjarras, e êstes pre- pede na matéria, quando alguma vez te falarem em grandezas de
cisam 48 cavalos para as 24 horas, ficando tão moídos do traba- scnbores de engenhos.
lho, como os primeiros, e pelo que deixo exposto, se vê bem, que
se cada senhor de engenho não tiver dois ternos de cavalaria, se
expõe muito a pejar o engenho com prejuízo grave.
'" ESCRAVOS
Há precisão que sejam mais os bois, porque ao mesmo tempo
são empregados na carreação da cana, e da lenha. Cada um en-
Há precisão de que os senhores de engenho tenham muitos
genho mói à proporção da valentia dos cavalos, quase sempre de
:scravos próprios; tanto pelas diversas distribuções de trabalho, em
doze a dezasseis carros de cana em 24 horas; se é dos que têm
que devem empregar-se, como por não haver quem queira servir
fornalhas de crivo em que o fogo anda mais próximo ao fundo dos
cobres, gasta outros tantos carros de lenha nas 24 horas; se porém de aluguel.
No tempo da moagem se necessitam escravos para os cortes
o dono é teimoso, e não quer ainda usar daquelas fornalhas em
110Scanaviais; nos matos se precisam bastantes para o corte das
que o fogo dista só cinco palmos do fundo das tachas, mas sim
lenhas; cada um dos carros, tanto de canas, como de lenhas ocupa
conserva as fornalhas antigas no chão com a distância de dez pal-
dois carreiros. Na moenda para meter, e tirar cana, se carecem
mos de alto, só pela razão que seu pai, e avô assim usaram; êsse
não queima menos de carro de lenha por hora, e tão pertinaces
• Vulcano. - E.C.

182 183
(:III!'OS,e moendas, ferreiros, e pedreiros, havendo mais uma grande
três, ou quatro. Em cada uma das almanjarras anda atualmente uu bu de mulatinhos, e negrinhos de um, e outro sexo, nascidos
um, para tocar os respectivos cavalos; há mais carência de um para IlIII casa, que só servem de perturbar tudo; e além dêstes irifinitas
feitor da moenda para o dia, e outro para de noite: em cada nrulntas, e negrinhas do serviço das senhoras, tão melindrosas,
um dos cortes de cana, e lenha há precisão de seu feitor, bem qllll não pegam em uma vassoura; se há filhos aí se distribuem
como de duas negras ao pé da moenda para carregarem o bagaço. ·1I111~lcs bandos para o serviço de cada um, com exclusão de servir
Para meter lenha nas fornalhas se empregam pelo menos dois, I "lIIis ninguém, que não seja o seu iôiô, ou a sua iaiàzinha.
quando outros tantos andam pelos pastos juntando cavalos, e bois; Aqui tens, meu Filopono, descrito tosca, mas fielmente o trá-
e tanto êstes, como os das almanjarras costumam ser rapazes, quan- luu, e família dos chamados senhores de engenho, soberbos de
do dois, ou três velhos, ou rapazes se ocupam em picar olhos de lllllinário, e tão pagos da sua glória vã, que julgam nada se pode
cana, para deitar nas mangedouras dos cavalos, que no fim da ,"mparar com êles; logo que se vêem dentro nas suas terras, ro-
tarde se recolhem a um curral para moerem de noite. ,h'lldos dos seus escravos, bajulados dos seus rendeiros, servidos dos
Na casa chamada de caldeiras, que é onde se coze o açúcar, '·II~ mulatos, e recriados nos seus cavalos de estrebaria, como
estão atualmente empregados três, quatro, ou mais escravos, sendo Ih('~ chamam, uns de folgar, que são os que têm diversos passos,
aquêle trabalho o mais violento de todo o laboratório, não só por n ncndilhos, e habilidades, outros esquipadores, e são os que têm um
braçal, como por andarem sôbre um pavimento abrasado com o PIl\~O velocíssimo, e composto, e outros com diferentes qualida-
fogo das fornalhas, e nesta casa de caldeiras presidem o mestre- d(·~, e predicados; comprados por exorbitantes preços, e ricamente
de-açúcar, e o banqueiro; é êste de ordinário cativo, e o outro Ijilczados.'" Esta é pois a glória dos senhores de engenho, e para
fôrro, e ajustado por uma tanta quantia, como sejam 100$000 rs., maior auge dela, têm na cidade casas próprias, ou alugadas; cum-
ou mais, segundo a quantidade de cana, e isto por tôda a safra. Pll' muito que tenham cocheira, ainda que não haja sege, o que
Outros porém ajustam um tostão por cada pão-de-açúcar, que o uprcrn asseadas cadeiras, que todos têm, em que saem acom-
engenho fizer naquela safra. Pilnhados dos seus lacaios mulatos, ornados de fardamentos asseados.
Na casa de purgar por donde saem os balcões, em que se t de razão que te faça ver parte da base de um tão pomposo
seca o açúcar, se ocupam bastantes escravos, principalmente fê- ('dlfício, para que possas julgar da sua estabilidade.
meas, que empregados de manhã em tirar os pães das fôrmas, es- Além do método de agricuItar, tratar os gados, e trabalhar
boroá-los, * pesar o açúcar, puxar tendais, e revolvê-Io amiúde, ** lIlll1 êles da forma que fica referido, dever-se-ia de justiça," '" e cari-
até que o sol o tenha bem secado; de tarde porém se ocupam em d,ldc providenciar sôbre o bárbaro, cruel, e inaudito modo com
repesá-lo, e encaixá-Io, o que fazem lançando-o na caixa, que está '11Ie a maior parte dos senhores de engenho trata os seus desgra-
bem apertada, e batendo-o com oito, ou dez pilões, até que dentro ~IIdos escravos do trabalho; tais há que não lhes dando sustento
nela fica duro, como pedra; e tanto a êstes, como na caixaria, ilgum, lhes facultam somente o trabalharem no domingo, ou dia
preside o caixeiro, que se ocupa em lançar nos livros da caixaria IInIO, em um pedacinho de terra, a que chamam roça, para da-
todo o açúcar, que entra, e sai, com declaração dos donos a quem quclc trabalho tirarem sustento para tôda a semana, .acudindo
pertence; faz as contas das repartições, e dízimos, e lavra os arren- ,,'mente com alguma gôta de mel, o mais grosseiro, se é em tempo
damentos das fazendas, ou .sítios, que o senhor de engenho arrenda d\' moagem; sabe que algum dêstes miseráveis lhe furta alguma
nas suas terras, sendo responsável por tudo, o que faltar na caixaria. cousa; êle o manda atar a um carro, e ali prêso lhe manda dar
Se o engenho é em beira-mar, sempre tem o seu barco, ou com um chicote de três pernas, ou duas, feito de couro cru torcido,
lancha, e para êste se destinam três, ou quatro escravos: além pelo menos duzentos açoites sôbre as nádegas, que por boa conta,
dêstes há também escravos oficiais, como sejam carpinteiros de ro quatro, ou seiscentos açoites. Se aquêles golpes sangram bem,

• Jaezaâos, - E.C.
U
* Esbroallos. -
A miúdo. -
E.C.
E.C. o. Justa. - E.C.

184 185
lhos mandam lavar com sal, e vinagre, para evitar gangrena, e al-
guns lhe misturam pimentas malaguetas, por ser contra a corrup- 111' que está comumente minada, e que o mesmo fôssem obriga-
ção; e se ficam algumas tumescências lhas mandam retalhar, e em dll~ li fazer, os rendeiros contíguos a elas, para matar, e afugen-

cima lhe dão a tal lavagem; eu duvido que os mouros sejam III1 uquêle sagacíssimo inseto; tôda esta sorte de terras devera
I~I cercada com uma cêrca alta, e forte para impedir a entrada
assim cruéis com os seus escravos.
Outros há, que lhes dão o sábado para trabalharem para si, dll~ gados, o que sendo feito se devera plantar a maior parte
com as mesmas condições. Não lhes dão outro dia algum, mas dollJucle terreno de mandioca, outra parte de arroz, que em terra
sim uma quarta de farinha, e três libras e meia de carne sêca, rprupriada produz pelo menos 60 alqueires cada um de semente,
e salgada para se sustentarem dez dias. Outros porém mais hu- .1' li tempo lhe corre favorável; entre a mandioca, ou em lugar
manos lhes dão esta ração, e um dia livre em cada semana. Há I"Jlarado se devera plantar aipins, * que é uma outra quanidade de
finalmente outros, e são os mais pobres, e menos enfatuados, que 1I1.IIHliocaadmirável para comer cozida, e assada; inhames, ba-
sustentam, e tratam seus escravos com humanidade, e caridade IÍlf.I~. milho, gergelim,* abóboras etc. Devera haver igualmente
cristã. 11111 grande, e florescente bananal zelado com sumo cuidado, por
A vestiaria ordinária, que se dá a cada um dêstes escravos ,ri neste continente, e suas ilhas a banana um certo fiador de
de trabalho, é um par de camisas, e saias, ou calças de pano de Ilidos os mais mantimentos da pobreza. Dentro no mesmo cercado,
1111 loru dêle se devera destinar um terreno próprio para a planta-
algodão grosseiro, e dois côvados e meio de baêta para dormirem;
há contudo alguns que Ihes dão suas vestes de baêta. ,,/lI! de algodão que jamais deixa de pagar a quem o cultiva neste
Consiste o trabalho dêstes infelizes escravos em cavar a terra I"II~, sem exigir muito trabalho do seu cultor, sem que obstem
I~ muitas chuvas, e umidades, que aqui são freqüentes, porque
da sua rocinha, e plantá-Ia de mandioca, e algum outro legume,
I (11 I\() não era algodão para negociar, mas só para vestir os es-
que o terreno tem capacidade de produzir, e apesar do informe
trabalho que fazem, êles poderiam tirar seu lucro, a não serem tan- , I "VOS, todo êle servia.
tos os inimigos, que os perseguem; em primeiro lugar os seus mes- evera pois esta roça ser feita pelo comum da escravatura, e
mos parceiros, por esfaimados, e preguiçosos, os vão roubar; os u-vponsável por ela o feitor-mar, que é o que tudo governa depois
muitos gados que de ordinário vagam pelas terras, e baldios dos di' !lCU dono o qual devera destinar dois escravos para cuidarem
engenhos, rompendo-Ihes as débeis cêrcas, Ihes comem, e devastam pnvutivarnente na roça, e vigiar ao mesmo tempo sôbre êles, para
as plantações; segue-se a muita caça, e principalmente uma espécie lIilO furtarem parte dos frutos, e vendê-Ios, mas que estivessem res-

de porcos bravos pequenos, chamados caititus; além da pernicio- pnnsâveis por todo, e qualquer prejuízo, ou falta, mas sempre com
síssima formiga, que caindo-Ihes uma só noite na roça, tudo Ihes ~lIa limitação. Não devera a roça do feitor-mar ser a mesma, nem
corta, tudo Ihes destrói. vtzinha daquela dos escravos, por ser quase infalível o lucro de
11111,e prejuízo dos outros.
ôdas as negras, e mulatas deveram saber fiar, para o que
I nenhuma falta propensão, dando-se a cada uma certo pêsd de
* EM BENEFÍCIO DOS ESCRAVOS
nlgodão; elas seriam obrigadas a dá-Io fiado dentro em certo prazo,
A falta de govêrno econômico dos senhores, é a causa pri- ntcndendo sempre às mais obrigações por que fôssem responsáveis.
maria donde provêm todos êstes males, não só aos escravos. como Duas, ou mais crioulas, ou mulatas das muitas que há ociosas,
aos mesmos senhores, que em breve tempo os perdem, consumidos deveram aprender a tecedeiras, sem que jamais se empregassem
de trabalho, fome, e açoites. Oxalá que os donos de tais prédios .m outro algum trabalho.
rústicos fôssem obrigados, ainda por lei, a escolher uma sorte de J unto à morada do senhor de engenho, se o terreno o permi-
terras, das muitas em que superabundam, mandá-Ias primeiro la- tisse, devera haver um grande cocal, cujo fruto não só serviria
vrar, e cavar segundo o costume; destruir os formigueiros imensos
• Aipez e gerzelim. - E. C.
186
187
••• MESTRES-DE-AçúCAlt
para regalo, como ainda para extrair azeite fresco, para temperar
muitas iguarias, e frigir, como para fazer saborosíssimos manjares,
não só para os escravos, como para os mesmos senhores. Um êrro capital, e digno de obviar-se, pelo prejuízo, não só
dos particulares senhores de engenho, e lavradores, como ainda do
Devera igualmente haver dendêzeiros, sem que jamais se con- tstado em comum, é a indiferença com que se olha para a igno-
sentisse cortá-Ios, proibindo aos escravos o vender os cachos, mas r.meia crassa dos mestres-de-açúcar, quando por ela perdem pouco
sim trazê-Ias para casa, e extrair dêles o azeite; tempêro essencial menos, do que aproveitam; e sendo aquela operação inteiramente
da maior parte das viandas dos pretos, e ainda dos brancos cria- química, dependente de muita doutrina, combinações, e cálculos;
dos com êles.
os que entre nós a exercitam são uns mulatos, ou negros tão estú-
Para tudo meu Filopono há terras, para tudo há comodidade, pidos, que eu não conheci ainda um, que soubesse ler, ou escrever
para tudo é próprio o terreno, e o clima; e o que unicamente falta tl seu nome; e se algum branco exercita a arte, nada difere da-

é a deliberação, a indústria, e a vontade, que a não faltarem estas, queles, quanto à instrução. Não sabem êstes graduar os fogos, não
a experiência de todos os dias mostra, não haveria quem pudesse s.rhcm temperar as decoadas, razões por que o açúcar, se queima
dar consumo às produções de uma terra, que com pouco, e informe umn grande parte, pois que os violentíssimos fogos que andam de-
trabalho retribui cem por um de semente que lhe lançam. h.iixo das caldeiras, e tachas em lugar de cozerem abrasam, e tor-
I,Im, e pela imperfeição das lixívias, não clarificam como deveram,
Igualmente tem mostrado a experiência, que ela se não nega nem se põem no perfeito grau de cozimento até a última tacha para
à produção de uma grande parte dos frutos, e grãos da Europa, p;I\\lIrCm dela à bacia a bater-se, e pôr-se no grau de resfriação,
sem excetuar o trigo, e ainda vinho, que tem dado com abundância que se requer, e passar então às fôrmas; sendo tôdas estas opera-
a quem sabe indagar os tempos próprios, em que se devem semear, \fIles feitas como o acaso as produz.
plantar, beneficiar, e colhêr. Por não poder fazer-se a necessária separação da grã, sucede
Devera porém preceder uma cruel guerra contra a malvada que uma grande quantidade de açúcar sai com o mel, e tanto que
formiga, que a todos desgosta com as suas ravagens. lide se tiram infinitas caixas de bom açúcar a que chamam batido;
do mel de dois engenhos sei eu, que se estão tirando em cada uma
Se as fazendas Iôssem na beira-mar, indispensável seria o haver III ra não menos de vinte caixas de açúcar em um grande alam-
mariscadores, visto que os mariscos são um admirável subsídio para luquc, onde dos resíduos temperados, e destilados se tira muita
o sustento dos escravos, e regalo dos senhores. Illllardente; à proporção pois dêstes atende meu Filopono quanto
M'I(\ o açúcar, que por todos os engenhos se perde, pela ignorân-
Persuado-me meu amigo, que se depois de perseguida deveras
l:ii' dos mestres-de-açúcar,
a formiga, se observassem êstes, ou semelhantes ditames de econo-
mia, os senhores dos prédios rústicos teriam muito maiores inte-
rêsses das suas lavouras, trazendo sempre os seus escravos fartos,
• PURGADEIRAS
vestidos, e contentes; não sucederia o morrerem-Ihes muitos de mi-
séria, e trabalho, a que por desfalecidos sucumbem; então se po- oncorre muito para esta desordem, e prejuízos, a igual igno-
deria com justiça puxar alguma vez mais por êles; então seriam runcía, que há nas negras purgadeiras, tanto no assentar o barro,
com razão castigados se furtassem; e então finalmente deixariam rruuo em dar as umidades precisas, e bem distribuídas para Ia-
d.e ser enterrados quase tôdas as semanas sacos de dinheiro por VIIIem em fôrma o açúcar nas fôrmas; são estas uns vasos de
que se compram. 1111110 de figura quase piramidal com cinco, ou seis palmos de
IIlos com a bôca de três palmos pouco mais, ou menos de largura,
Pelo que pertence aos escravos deves ficar satisfeito, porque
o mais que há que dizer fica já dito nas minhas precedentes cartas. que conserva até o meio, donde vai gradualmente estreitando até

188 189
o fundo, onde remata com um furo, que terá polegada e meia 111111, como lama, à qual dão o nome de tabu; notando também que
de diâmetro, o qual se tapa muito bem com uma rôlha feita de 1111Ii era a tirada, em que não se quebrassem algumas daquelas fôr-

fôlhas sêcas de bananeira, ou tábua, e se tira depois que a fôrma IIIII~de barro, que hoje se compram as mais baratas a 400 rs. cada
na casa de purgar está de todo resfriada, e colocada em uma 1111111, com grave prejuízo de quem as não pode escusar; porque
tábua furada, em que entra o fundo da fôrma boleado, e então ruucnho algum pode ter menos de trezentas, ou quatrocentas.
tirada a rôlha, começa a escorrer o mel, que vai cair em uma omo porém me achava no engenho de um amigo, lhe pedi
calha, que o conduz a um tanque, donde quando está cheio, se nuuldade para ver se o resultado de uma experiência, obviava mui-
vai passando a outros grandes vasos de pau, a que dão o nome I", daqueles prejuízos, o que sendo-me permitido, mandei fazer
de côchos. líl~lamente da madeira dos resíduos das caixas, que creio sabes
Depois' que a fôrma não tem mais que escorrer, é que a 1'1 em extremo porosa, e ruim, dois vasos retangulares compos-
purgadeira, cava na fôrma o açúcar, e tornando a socá-lo muito I,,~ de seis pedaços de tábua, dois em cada lado, e inteiriços os
bem, e por igual lhe lança um polme de barro, que lhe cobre tôda li",los,· com quatro para cinco palmos de comprido, e dois e
a superfície, com a altura de duas, ou três polegadas; e como I1Il'10, ou três de largo, com outro tanto de fundo, de tal forma
aquêle polme se compacta com o açúcar da superfície, ela o vai uuulus as peças, que por tôda parte ficava declivado o vaso, de
todos os dias mexendo muito levemente, e deitando-lhe água limpa, IIlIIlla que em nenhuma podia demorar-se uma pinga de líquido,
que filtrando pelo barro, vai lavando, e conduzindo ao buraco do 1'111que íôsse ràpidamente procurar o fundo, onde por todo o
fundo da fôrma tôdas as impuridades heterogêneas, que pode con- rumprimento deixei aberta uma fenda com três linhas de diâ-
duzir ao passar por tôda aquela massa de açúcar, que penetra; 1I1l'Iro,por onde havia saída pronta para o mel, logo que chegava
continua-se esta operação por dias, até que quando o mel vai 111fundo, sem procurar egresso para outra direção. Levava cada
saindo muito líquido, e louro, se assenta estar lavada, e cessa 11111 dêstes vasos mais 'açúcar, do que cada uma daquelas fôrmas
de deitar-lhe água; e quando o barro está sêco, e gretado, o le- d(' burro; pois que a juntura das duas tábuas do lado, faziam al-
vanta, e sem êle a deixam escorrer até quarenta dias com pouca -umu curvatura na linha da bôca ao fundo com o que aumenta-
diferença, depois que da casa de caldeiras passou para aquela de ""11I o bôjo, e o que as fôrmas de barro levavam na altura, aco-
purgar; no fim dos quais a tiram do tendal, e expõem aquêle moduvarn estas no comprimento, e largura; aquelas o mais que
pão de açúcar, depois de esmigalhado, ao sol para enxugar, como plldem durar são duas, ou três safras; podem estas persistir quinze,
deixo já explicado. Em alguns engenhos porém depois de levan- I' muis anos, sendo bem feitas, fortes, e de madeiras boas; aquelas
tado o barro, mandam cavar até o meio o açúcar, e depois de Hilo inteiramente informes nos seus tamanhos, estas podem ser re-
outra vez bem calcado, lhe mandam deitar nôvo barro, e novas "I"arcs tôdas, e uniformes; e por isso melhores para fazer as contas
umidades, com o que fica mais claro o açúcar, se bem que dimi- 11111Ios lavradores, tanto do mel, como do açúcar, quando mais
nui no pêso. uurneiras aos pretos, usando de uma padiola** para conduzi-Ias
lia casa de caldeiras para a de purgar. Ajuizei mais que a razão do
muito mascavado nas fôrmas de barro, era por não poderem as
* EXPERIMENTOS DE VILHENA umidades penetrar bem uma tão grande extensão de massa; e por
I~~O em algumas partes se desviavam da direção perpendicular, logo
Observando pois eu, que depois de tôdas estas manobras, raro que encontravam o mínimo obstáculo, que por um instante as
era o pão de açúcar, que não tivesse pelo meio muitos castelos, dl'morasse; além do que tantas impuridades encontravam por tôda
ou veios de mascavado; e observando ao mesmo tempo, que sendo iquclu grossura, que quando chegavam ao fundo, mais sujavam,
o açúcar muito alvo na superfície da fôrma, continuava do mesmo
modo até o meio, e que para baixo ia desmerecendo até ficar em • Tampos. - E.C.
broma, e no fundo da fôrma se achava muitas vêzes uma massa •• PavioZa, - E.C,

190 191
do que lavavam; o que não sucederia com estas em que a super- ~, FORNALHAS
fície fica muito próxima à base.
Como porém a experiência havia de ser o juiz que decidisse, Quanto às fornalhas, estão vendo êstes homens inconsiderados,
eu mandei encher em um. ano duas fôrmas de pau da forma que que aquelas antigas em que medeiam dez palmos do pavimento ao
expressei, e duas de fundo chato, cheio de muitos furos, que a
IIl11dodas tachas, se queima por hora um carro de lenha da mais
experiência mostrou terem pouco préstimo; na mesma ocasião man- mssa, como sejam taras de dois, três, e mais palmos de diâmetro,
dei lançar em fôrmas de barro igual porção de calda das mesmas I' não querem alguns deixar ainda êste costume de seus avós para
têmperas, e apesar da imperfeição daquelas duas fôrmas de fundo I~ fazerem de crivo em que há a metade desta altura, com o que
chato; se viu que oito, ou dez dias antes das de barro, estavam já I' gasta também a metade daquela lenha, e muito mais delgada,
purgadas, e prontas as de pau, e que na tirada a que mandei 111111 o que se poupam matos, trabalho de negros, e bois, e muito
fazer em um mesmo dia, produziram as quatro fôrmas de pau 11 melhor se aproveitam as cinzas; e persuado-me que a diminuir-se
arrôbas e 28 libras de açúcar branco ,e mais 3 arrôbas, e 17 libras undu a distância de cinco palmos, que medeiam entre o crivo, e
de mascavado; quando as de barro renderam 7 arrôbas, e 1 libra lundos dos vasos, graduando o foco da chama, se poderia bem
branco, e 7 arrôbas e 1 libra mascavado. rprovcitar o bagaço, à imitação dos colonos das outras nações nos-
No seguinte ano desprezei inteiramente as de fundo chato, e os vizinhos, que com tanta utilidade, e bem regulada economia se
nas outras mandei lançar 31 repartideiras de calda, que com tan- ervcm dêle, como já disse, para o cozimento de mais quintais
dt' açúcar, do que nós fazemos de arrôbas. Sendo tal a incúria
tas se encheram; em fôrmas de barro mandei lançar 26 reparti-
dlls colonos do Brasil, que nem a emulação, nem o espírito de
deiras de calda das mesmas têmperas; e quando estas chegaram
ITonomia os têm estimulado a enviar àqueles estabelecimentos,
a estado de tirar-se, havia já muitos dias, que aquelas o estavam,
Ikhnixo de pretextos diversos, homens hábeis, que observem o modo
esperando pelo da tirada. Produziram as 31 repartideiras nas fôr- ('(1111 que econômicamente se trabalha naquelas importantíssimas
mas de pau 8 arrôbas, e 2 libras de açúcar branco, e 6 libras de IO,hricas.
mascavado, quando as 26 repartideiras nas fôrmas de barro ren-
deram 4 arrôbas, e 6 libras de branco, e 2 arrôbas de mascavado. Se eu, meu Filopono, tivera engenho, sem dúvida faria for-
nulhas muito diferentes das que atualmente se usam, e creio apro-
Bem certo é que as fôrmas de pau levaram mais cinco repar-
veitnria todo o bagaço, quando os mais o desperdiçam. Mandaria
tideiras do que as de barro; essas cinco repartideiras porém deram lnzer um crivo. ou grelha de tijolo em forma retangular, susten-
de si 2 arrôbas e 2 libras, as fôrmas de barro deram 2 arrôbas de I. ,ti 11 em seus arcos, e por cima na distância de dois palmos e meio,
mascavado, as de pau 6 únicas libras; estas aos 28 dias estavam 1111 três, lançaria uma abóbada, que cobrisse todo o pavimento da
purgadas, e prontas; aquelas só aos 40, é que o estiveram. Em -relha, mas com as paredes de lado recurvadas para dentro; cuja
um outro engenho da mesma casa, se fizeram naquele ano, e no ihóbada tivesse capacidade para acomodar no comprimento dois
antecedente as mesmas experiências, de que resultaram os mesmos !t'1 nos de tachas, mas que estas fôssem de fundos pouco menos

efeitos. Parece não pode ser mais claro, e evidente o lucro de tlt' chatos, e não redondos, como .são presentemente todos, e que
tempo, de pêso, e de qualidade de açúcar, que o que se mostra 110 princípio houvesse duas bôcas, uma por baixo do crivo que
com êste rasgo de economia, apesar porém da sua evidência de- cmprc estaria aberta, e por cima dêle outra, que devera tapar-se
monstrada pela experiência, ninguém o tem querido abraçar, sem com lima porta de ferro, que posta em sua coiceira abrisse com
outra causa mais do que terem os engenhos feito sempre açúcar Iucilidade para fora, e com a mesma se tornasse a fechar, logo
que se lhe metesse a lenha, ou bagaço, cuja chama correria pelos
com fôrmas de barro, e não de pau.
t lindos de todos aquêles vasos, que deveram estar terraplanados o
Parece não estão muito atrasados êstes amigos? uuiis que fôsse possível, para conservarem mais o calor. e pro-

192 193
curando a chama saída por uma proporcionada chaminé, ou boeiro Menos compostos são os engenhos, que moem com cavalos,
que devera haver no fim da abóbada, faria ferver ao mesmo tem- PI)1'4UC não têm roda alguma, nem rodête, mas só do pescoço do
po tôdas as tachas, cozendo, e não queimando o caldo, como su- Iilindro do meio, chamado pescoço da moenda, saem três, ou qua-
cede; os negros trabalhariam de lado muito melhor, sem pisarem 1111 aspas de trinta, ou mais palmos de comprido, e esbirradas umas
.1 outras, em cujas pontas se põem as almanjarras, de que já tratei,
na ardente abóbada; aproveitar-se-ia o bagaço, e não se destruiria
tanta lenha, escravos, e bois como se estragam. ruulc presos os tirantes de cordas de couro cru bem torcido, em
Consta-me que em países escassos de lenhas, desta forma é 1111I trilho de 70 palmos de diâmetro, correm circularmente os
I ••vulos, trazendo em contínuo giro os três cilindros da moenda.
que com pouca, fazem ferver ao mesmo tempo muitos vasos, para
diferentes usos, havendo só a diferença de sentarem os vasos sôbre
lâminas de cobre, ou ferro, com furos em que ajustam os fundos
dos mesmos vasos, e que o plano do crivo eram dois palmos in- ••• INVENTO DE VILHENA
clinados.
A primeira vez que vi trabalhar esta máquina, me enchi de
Ik~ejos de ter capacidade para poder melhorar, e suavizar o seu
* MOENDA
I lide, e penoso trabalho, e combinando depois idéias colhidas de
diferentes obras de mecânica, que pude alcançar; saí com um com-
Não quero, meu amigo, mortificar-te com a descrição da poslO em que na primeira experiência moí com o meu braço débil
moenda, ou máquina de moer a cana, tanto por ser bastante com- 14 canas, metidas juntas entre os cilindros; aumentei um pouco
posta, como por muito vulgar a sua estampa em livros diversos;
mais as proporções, e vim a descobrir, que em uma máquina pe-
consta-me que os franceses, inglêses, e holandeses, todos se servem
qucna em comparação das atuais, o braço de um só homem moeu
da mesma máquina para aquêle fim, porém com muita mais sua-
II inta canas juntas. À vista do que pedi aS. Majestade um pri-
vidade do que nós; moem os engenhos, que são movidos com vilégio, que me foi concedido pela Real Junta do Comércio, com
água, quase o duplo dos de cavalos, quando são igualmente dis- u condição de mandar para a Secretaria daquele Tribunal uma
pendiosos com tanques, e levadas extensas, e a sua estrutura tem cópia do desenho da máquina, e deixar outra na Mesa da Ins-
muita semelhança com as azenhas; cai a água na periferia de uma
peção desta cidade; depois de cumprida esta condição manifestei
grande roda, ornada tôda de caixas, onde a água bate, e se de-
eu o que tinha descoberto; e em uma pequena máquina viram o
mora enquanto não volta; mói esta perpendicularmente, e da mes-
sxmo. Governador desta Capitania, o Presidente da Mesa da Ins-
ma forma um rodête fixo no seu eixo, e guarnecido com 32 dentes,
peção, a maior parte da nobreza, e uma grande quantidade de
os quais engrenam em 96 de uma outra grande roda horizontal,
senhores de engenho, que o braço de um só único homem moera
chamada bolandeira, com diâmetro quase igual ao da roda de água,
na primeira metida 24 canas, na segunda 30, e na terceira 45 canas;
no centro desta fica perpendicular uni cilindro qeu terá 2 1/2 pal-
mos de grossura, e na altura de 2 1/ 2 palmos é dentado, bem como trabalho, que só podem fazer seis cavalos nos engenhos atuais,
o são outros dois cilindros de igual grossura também perpendi- bem aprumados, e prontos, e não em um modêlo pequeno, nôvo,
culares, com os quais engrena cada um por seu lado, e lhes co- ; imperfeito, cujas peças eram feitas por diversos artífices, e em
munica o movimento, que a bolandeira lhe participa; e pelos in- paragens diferentes. À vista pois dêstes bons auspícios, mandei
tervalos entre um, e outro cilindro, é que passa a cana, se espreme, iprontar madeiras, ferragens, chumbo, e tudo mais preciso. Chamo
e lança o caldo dentro no côcho em que já falei, dando a roda um mestre, que com vinte e tantos oficiais, depois de haver-lhe
d'água, e seu rodête três voltas, enquanto a bolandeira, e cilin- xpressado tudo, o que se devera fazer; mete mãos a uma máquina
dros dão uma só revolução, segundo o número dos dentes da mes- grande, e persistente, sem que me fôsse possível presidir àquela
ma roda. bra, em razão do meu emprêgo público; e por isso aquêle mestre

194 19J
inconsiderado a fêz de forma, que impôs mais de duzentas arrô- ••• TABACO

bas de pêso, do que devera ter; apesar do quê, e de outras muitas


imperfeições, puderam dois únicos homens dando o movimento, e ~ o tabaco a segunda planta que nesta Capitania se cultiva, e
ajudando a roda da potência moer com aquêles cilindros só em dI' que se faz um muito considerável ramo de comércio, pelo que
pau 84 canas metidas juntas; não podendo porém continuar por Ila~,() a dar-te as notícias que tenho podido alcançar da sua cul-
muito tempo, em razão do muito pêso, e com tão retardado mo- 11I1iI, apesar de ter prometido falaria logo na da mandioca, o que
vimento nos cilindros, que não podia' moer menos cana, ou não d\'(lOis farei.
havia fazer conta; motivo por que a mandei desmanchar, depois reio que não ignoras ser a erva do tabaco de qualidades di-
de perder mais de três mil cruzados, por querer ser útil ao Estado, 1'\1 entes, a que se tem igualmente dado diversidades de nomes, e
e a mim. qlll' tôdas elas produzem maravilhosamente por todo o Brasil, mas
qllo nos campos da vila da Cachoeira distante 14 léguas a Oeste
Não pode duvidar-se, que máquina alguma das que se têm
di1 cidade do Salvador, é que nos domínios portuguêses do Brasil,
inventado ficasse logo no seu estado de perfeição, sem que careça
I' descobriu a terra mais própria, e melhor para a plantação desta
da modificações, já mudando, já acrescentando, já diminuindo; pas-
lucrutiva erva, cujo Real Contrato anda hoje pela soma que não
sados tempos intentei continuar, na mente de que o meu privi-
11IIIOr(\S.
légio me era concedido pelo efeito, e não pela formatura da má-
Senta-se em que a terra para a plantação do tabaco, deve ser
quina, e para esta reforma me convencionei com dois estrangeiros xubstunciosa, muito movediça, e bem estrumada de forma que fique
maquinistas de profissão, com os quais comuniquei tôdas as minhas ti estrume bem incorporado com a terra.
idéias, e lembranças, mostrando-Ihes o meu risco, e modêlo. Logo Há precisão de que o terreno para a plantação seja algum
porém que aquêles estrangeiros divulgaram o ajuste que havíamos l.into úmido, umbroso, * e extenso, porque se fôr apertado, virá
celebrado, precedendo o consentimento do exmo. Governador, tortu a planta, baixa, e mal enramada, assim como lhe convém
houve sujeito que os persuadiu não ficar eu privilegiado, logo que ser lavado bastantemente do Nordeste. * * Ainda que esta planta
a máquina não fôsse idêntica com o desenho que havia entre- I rcscc espontâneamente, há contudo precisão de cultivá-Ia cuida-
gado; pelo que como me era impossível cumprir com as condições dosamente para poder aproveitar-se com lucro.
do ajuste, ficavam êles perdendo o seu trabalho; motivo por que Semeia-se esta de comum em agôsto, princípios de outubro,
nada se concluiu em prejuízo meu, e do público, originado tudo : pelo meado de abril. Os modos de semeá-Ia são diversos. Fazem
alguns na terra um buraco com a fundura de um dedo, de que
da falta de declaração daquele alvará, e da falta de zêlo, que aqui
1\0 servem para o abrir, e nêle lançam dez, ou doze sementes, e
se observa no adiantamento do bem público.
li cobrem de terra, sentando em que se forem menos as semen-
O certo é meu amigo, que eu só com as luzes do raciocínio, tes não poderão romper, e ficarão sufocadas; e se dentro em quin-
mostrei o que parece até impossível, sendo para sentir o ficar 11: dias não chove há precisão de regar levemente a terra, Outros
perdido trabalho tão precioso com o não poder concluir aquêle h{l que fazem esta sementeira bem como a das hortaliças, mistu-
artefato, por meio do qual podia fazer-se com quatrocentos mil rando bem as sementes com a terra, cobrindo-as, e calcando-as
réis aquêle mesmo trabalho para que se precisam quatro mil cru- com a enxada. Um terceiro modo de a semear, é misturar nas
zados comparativamente. mãos as sementes com cinza bem fina, e pura, mas em pequenas
quantidades, para evitar que nasça muito espêssa a planta, e logo
Pelo que pertence a engenhos, confio que a tua curiosidade que assim se faz a sementeira, se não bole mais na terra, mas
ficará talvez satisfeita, se não enjoada com êste último cáustico;
tu porém sabes, que todos somos loucos com os nossos meninos; Umbrajozo. - E. C.
pelo que te rogo queiras perdoar-me. •• Vento Nordeste. - E.C.

196 197
sim se cobre com cinza de altura de duas linhas, para que os bi- nquêle inseto; o que se deve fazer diàriamente, enquanto aparece
chos não cortem a planta quando rebentar; e como esta planta lngarta.
tarda muito para nascer, costumam muitos regar levemente a terra Há precisão de que quando se sachar, por modo algum che-
tôdas as tardes, para ajudar a planta a romper, faça, ou não sol; lIC o instrumento ao tigno da planta, e então se Ihes deve chegar
muitos outros a cobrem de ramos, e folhagens, quando é forte o ferra em roda, tanto para melhor nutrição, como para muni-Ias
sol, com receio de que o muito calor queime as fôlhas primeiras, contra os impulsos dos ventos.
que começarem a brotar. Logo que a planta está fora da terra, há
precisão de resguardá-Ia do frio, cobrindo-a durante a noite, bene- Quando as plantas têm já três pés de alto, se lhes veda o
ílorescer, decapitando-as, * ou por frase própria, capando-as acima
fício que a conserva em bom estado; quando nos países mais cá-
da duodécima fôlha, com o que se vigorizam mais as fôlhas, e se
lidos há precisão de ter a mesma cautela com o sol, e regá-Ia
amiúde*, para que êste a não abrase. Muitos há que semeiam o vüo arrancando as que ficam mais próximas à terra, que em mui-
tabaco em camadas de estrume, de pé, e meio de altura, e o regam tas partes se aproveitam para fazer tabaco mais inferior; assim
amiúde para que brote depressa. como as que aparecem picadas do bicho, vindo a ficar muitas
Logo que a planta está algum tanto crescida, e com sustância, vêzcs a planta com oito, ou dez fôlhas. Devem arrancar-se igual-
a transplantam, o que vem a ser com pouca diferença pelos fins mente todos os oito dias os renovos, ou filhos que brotam, e
de maio, etc. segundo o tempo em que se semeou. Quando já a \stcs se podem aproveitar em planta.
planta está algum tanto elevada, e suficientemente vigorosa, o que Chega esta planta ordinàriamente ao seu estado de madura dois
sucede quando já tem brotado quatro fôlhas, se cerceia a terra meses e meio, ou três depois da transplantação.
de cada touça, que nasceu da semente lançada em cada buraco, O que fica expressado creio ser bastante para dar-te a precisa
com uma faca grande, e levantnado-se com o seu torrão, se mete noção da cultura do tabaco, sem çue me intrometa a descrever-te
em uma calha d'água para separar as plantas, sem quebrar-Ihes, o exímio, impertinente e sórdido trabalho que com êle há até o
ou molestar as raízes, que estão entrelaçadas. Pegam depois bran- pôr em rolos, no estado de vir para a Alfândega, donde se em-
damente nestas plantas, uma a uma, e tendo-as envolvido em terra barca para essa capital, para a qual devem ir anualmente vinte
do buraco, em que nasceram, as transplantam na distância de dois c três mil rolos, cada um de vinte arrôbas para cima, sendo tais
e meio, ou três pés umas das outras; havendo contudo precisão de as tergiversações que se fazem, que o ordinário é irem trinta mil
que a terra em que se plantam seja de qualidade igual àquela em rolos; além do que vai para os mais portos de comércio, seja em
que nasceram; para o que será acertado tê-Ia escolhido daquele rolos, seja em fardos. Assevero-te meu amigo, que apesar de ser
mesmo terreno. tão penoso o trabalho de fazer o açúcar, o do tabaco o excede
A estação mais própria para transplantar o tabaco, é logo de- muito.
pois que houver chovido, porque do contrário será preciso regá-lo.
Há nesta Capitania diferentes paragens, onde se lavra tabaco;
Durante o dia se devem cobrir brandamente as plantas com alguns
os sítios porém onde há mais fazendas dêle são com preferência
ramos, e com a mesma cautela se devem levantar no fim da tarde,
a todos do Brasil, os campos da Cocheira; além dos quais os cam-
para que o orvalho da noite as refresque, e isto até que de todo
pinhos de Santo Amaro da Purificação, em Inhambupe, e na co-
estejam pegadas; depois do que deve haver cuidado em as cavar
marca de Sergipe del Rei; passam tôdas entre grandes, e pequenas
amiúde, para o que convém muito o intervalo de umas a outras.
de 1 500 fazendas de tabaco.
São estas plantas muito sujeitas aos estragos da lagarta, de que
há precisão catá-Ias; e é um rasgo de economia o fazer entrar São, meu Filopono, as duas plantas, cujo mecanismo acabo
dentro nas plantações bandos de perus, que àvidamene engolem de descrever superficialmente, dignas de todo cuidado, e diligência,

• A miúdo. - E.C. Descapitasuio-as, - E. C.

198 199
A razão das covas altas, e qualidades de semente, é porque
pelo exorbitante lucro, que delas provém, não só a cada um dos
ondo o inverno abundante de águas, põe a terra na consistência
seus agricultores, como ao Estado em comum, e avanços da Real
dI' lima massa rala, pelo que comunica muita umidade à semente,
Fazenda. 1\ finalmente a apodrece, o que em parte se evita sendo da forma
referida, ou declivado o terreno; outra qualquer qualidade de ma-
n.uba, ou semente atrai com muita fôrça a umidade, e resfriando
'.' MANDIOCA ipodrcce; a mencionada porém resiste a todo o rigor do tempo.
A razão de aprofundar mais a terra é para que na estação de
A mandioca porém é a base fundamental em que podemos vcura a não torre o calor da terra, esquentada do sol, o que sem
dizer se apoia a subsistência do Brasil, e muito especialmente as duvida sucederá estando na superfície.
Capitanias do Norte, por ser o pão, de que se alimentam todos Faz-se esta plantação no tempo indicado, porque estando gros-
os seus habitantes, naturais, e estrangeiros, sem que nos lembre- dS as raízes, ou em sazão da sua perfeição, e sobrevindo-lhes o
mos dos poucos ricos, que passando de Portugal para esta região, rnvcrno as apodrece, o que não sucede tão fàcilmente às raízes pe-
querem por algum tempo usar do pão de trigo, os quais vêm a ser querias, que com as águas do inverno se alimentam, crescem, e
nada em comparação do todo. Desta planta te vou dar alguma cugrcssarn com maior vantagem do que em alguma outra estação,
breve noção para satisfazer em parte a tua curiosidade, quando scuundo a natureza do terreno.
de outras partes o puderas saber, porque não poucos têm escrito Nas terras porém de areia, se faz a plantação na primavera,
muito sôbre ela. havendo já diferença na forma das covas. Apronta-se o terreno
~ o costume plantar a mandioca em terras de massapê, salões, pelo mês de julho, para que em agôsto se abram as covas, que
s:ío de duas maneiras, e vêm a ser, de covetas, e muçucas; a de
e ainda em areias. Deve o terreno para a plantação ser roçado,
queimado, e de todo pronto até os fins de dezembro, e logo que coveta é levantada palmo e meio, ou um palmo, a qual é mais
vierem as primeiras águas, se devem abrir as covas altas se o própria para terrenos planos, em que a manaíba se aponta só na
terreno fôr baixo, e que inunde em tempo de inverno; cada uma terra, se ela é muito úmida, ou exposta a alagar-se, e então de
cova deve ter pelo menos 3 1/ 2 palmos de fundo, ou levantada, ngôsto até outubro se vai já enterrando mais a semente pela razão
do calor do verão. As covas de muçucas são mais próprias para
visto que estas covas são muito semelhantes às de montijo, que
aí se dá em algumas partes às vinhas. Se o terreno fôr de ladeira, terrenos declivados, e dentro nelas se deita um pedacinho de ma-
naíba, e cobre-se de terra, como se faz com outra qualquer se-
ou que tenha declive, se usará da coveta, que tem palmo e meio
mente, lembrando que para estas terras se não precisa escolha
levando, e tendo cortadas as manaíbas, * ou vergônteas da mandio-
de semente.
ca, de forma que em cada pedacinho de vara se compreendam qua-
Se as terras desta plantação forem de matos, deve haver de
tro olhos, se plantam, se em covas altas três paus em cada uma,
uma a outra cova o espaço de quatro pés; se de capoeiras grossas
ficando êstes espetados com seu declive para fora, quando quase três pés; se terras fracas dois pés.
todo cravado na terra; na cova porém baixa se planta uma só ma- Conserva-se a mandioca na terra doze, ou dezasseis meses, e
naíba da mesma forma cravada, e só com uma extremidade fora muito mais se conservara a não as apodrecer a muita água, que
da terra. Convém muito que para esta qualidade de terreno seja chove pelo inverno.
a semente da que vulgarmente dão o nome de joão-dos-santos, * * No rim dêste tempo é que se arranca; raspa-se muito bem a
podendo, ou devendo fazer-se a plantação pelos três meses de ja- casca daquelas raízes, depois do que se rala em uma roda, cuja
neiro, fevereiro, e março. periferia é tôda vestida de um ralo de lâminas de cobre que em
breve tempo a desfaz; apara-se em um côcho de pau, donde se
* ... ou maniva ... - E.C. lança em porções .em um saco feito de palha com consistência,
o- João dos Santos. - E.C.
20'1
200
qual a do rotim, a que chama titara, e ao saco tapetis, * no qual 1"1Í1 covas alinhadas, com intervalos de um pé, e três polegadas
pendurando-lhe um pêso em uma das extremidades, escorre tôda di' 'lindo; abrem-se estas com a enxada, ou sacho, lançam-lhes os
a água, que apesar de ser pestilencial, o polme que senta no fundo .erucudorcs dez grãos de semente em cada uma, e com os pés os
dos vasos em que se recolhe, é de que se fazem as carimãs, e a \ ,111 cuidadosamente cobrindo.
muita goma que vai para essa cidade, e Reino; em outras partes Para fazer esta sementeira se deve esperar tempo úmido, ou
a metem em uma prensa para escorrer melhor, e dar mais expe- IIlfl' prometa chuva, porque do contrário há risco de perder-se a
dição. Depois que fica espremida a torram em uns alguidares de r-mente com a secura da terra, e a nascer será delgada a planta,
barro com bastante praça, revolvendo-a incessantemente com pe- I' pêcn , Logo que depois da sementeira, se vê no fim de cinco
queno rôdo; e de ser bem, ou mal rapadas as raízes, melhor, ou dj,l~ rebentar a planta,
pior torrada, é que procedem as qualidades de farinhas, que verás As ervas inúteis são as que logo lhe disputam o terreno, e rou-
indicadas no Rocha Pita, onde também poderás ver os usos dife- h.uu os sucos da terra; pelo que há precisão de extingui-Ias, sachan-
rentes, que delas se faz, empregando-a em iguarias diversas, depois do levemente sem ofender as tenras planats; e como os negros são
de beneficiadas por diversos modos. di' ordinário brutos, e atordoados, é mais acertado mandá-los mon-
Já eu te disse em uma das minhas cartas antecedentes, que há tI:I'" arrancando as ervas à mão.
outra qualidade de mandioca, a que chamam aipins; esta porém Dentro em dez meses está comumente o anil em estado de
não se emprega em farinha, mas serve para outros usos, sendo volhêr-se, o que se conhece pela facilidade com que as fôlhas se-
muito gostosa assada no borralho, e comida quente com manteiga, 1111\1; assim como também pelo vivo da côr. Logo que a fôlha
quando cozida na panela da carne pode bem suprir* * as vêzes l'IOU. ou murchou, é desvantajoso o corte, assim como o produto

do pão; o suco desta não é venenoso, pelo que há muita precisão tIl',merece muito, não só em quantidade, como ainda em qualidade.
de o conhecer bem, e distinguir do da verdadeira mandioca, por- Não é sõmente útil o tempo úmido para a sementeira, como
que por equivocação têm morrido muitos pretos, e alguns brancos. uinda para a colheita do anil; se cair sol ardente sôbre um campo
Como não falo com roceiro, creio ser bastante o que fica dito a til' anil cortado de fresco, êle fará uma crespadura na incisão das
respeito da lavoura de mandioca. socas das plantas, e retardará o rebentarem, sendo muito factível
11 morrerem; e então será preciso arrancá-Ias, e semear de nôvo o
tampo,
* ANIL Pode um tabuleiro de anil bem trabalhado durar dois anos,
no fim dos quais há precisão de o arrancar.
São igualmente muitos sítios, não só nesta capital, como ainda
subúrbios da cidade, propriíssimos para a plantação do anil; quer
a instrumento com que deve cortar-se esta planta são foices
corno as com que segamos o trigo. Depois de cortada se deita
porém a miséria que estando a cidade entulhada de gente ociosa,
em Jençóis* para levá-Ia para a fábrica; alguns porém fazem feixes
e nascendo esta lucrativa planta espontâneamente pelos campos,
como de feno; os panos porém são preferíveis, porque com êles
seja talo desprêzo dsête ramo de agricultura, que um só único co-
pouco, ou nada se perde.
merciante, é que por curiosidade faz uma pequena plantação, de
A massa do anil cortado antes de maduro é muito melhor;
que tira lucro suficiente.
o rendimento porém tem sua diminuição; se porém passa de madu-
A experiência tem mostrado, que a terra mais própria para
ro, não só diminui em quantidade, como desmerece em qualidade.
a sementeira desta planta, deve ser plana, forte, algum tanto úmida,
Um dos meios para conhecer se está madura a planta, é pegar
e muito píngue; é da essência, que o terreno seja bem limpo, e
desembaraçado de tocos, raizes, e tudo o mais; nêle se devem em uma vergôntea por baixo, correr por ela a mão para cima, com
apêrto tal, que não lhe arranque as fôlhas; e se elas nesta ação
* Tipiti. - E.C.
U Suprimir. - E.C. • Lanções. - E.C.

202 203
quando se encher d'água, a qual deve sobrepujar tôda a planta
estalam, crepitando à maneira do que sucede com as vagens tenras 11l\~, ou quatro polegadas.
de feijão quando se partem, é sinal de estar em estado de colhêr-se.
Faz-se a fermentação mais, ou menos depressa, segundo a
É esta planta sujeita a uma espécie de lagarta, que à maneira
1lI.lIor, ou menor madureza da planta; raras vêzes sucede excitar-se
de uma nuvem, vem voando; pousa-lhe em cima, e em pouco
1'1•• em mais de 20 horas. O licor esquenta-se, ferve, cora, e se
tempo a devora; o remédio mais pronto para êste mal, é meter-lhe
vnrrcga de princípios oleosos, e salinos da planta; logo que êle
logo foices, cortar a planta no estado em que se achar, e lançá-Ia Il-III adquirido uma côr azul, tirando para roxo, se abrem as tor-
na água com a mesma lagarta, que nela vomita o que comeu; o ucu as que estão próximas ao fundo, e se deixa sair tôda a água
remédio é na verdade pouco apetecível, mas apesar disso, e ser
p;II.t o segundo tanque, e depois se tiram dêste primeiro as ervas,
pouco o anil que com ela se aproveita, nunca se perde todo. Iimpa-se, e se torna a fazer o mesmo para continuar nas mais
Um outro meio descobriu talvez o acaso para destruir aquela Infusões, e fermentações de que se precisa.
praga, e é logo que a plantação é atacada dela, se solta dentro Tendo esta água sentado no segundo tanque, que é o de bater,
no tabuleiro da planta um, ou mais porcos, os quais vão com as .: agita continuadamente por modos diferentes; quem o puder
trombas sacudindo as varas, e fazendo cair as lagartas, que àvi- Iale r com menos fôrça de braço, contanto que a agitação seja
damente comem. violcnta, melhor fará. O objeto dêste trabalho é reunir por meio
:tl:ste é, meu Filopono, o método mais seguido de cultivar esta do contínuo movimento, que se dá à água os princípios da planta
planta, com mais, ou menos modificação, segundo o país em que que a fermentação extraiu, e atenuou no primeiro tanque. A vio-
se acham os cultivadores. lenta agitação faz com que as partículas errantes se encontrem no
Quanto porém ao modo de fabricar o anil, há precisão de tluido, e se unam para formar o chamado grão. Consiste a indús-
três vasos grandes de pau, colocados uns junto aos outros, em al- Ina do mestre em aproveitar o momento em que êle se forma,
turas diferentes, e em lugar onde haja água em abundância. O para o que no entanto que se está batendo, tira êle do tanque de
ordinário é ter o primeiro vaso de quinze até dezoito pés de h.uer, água em um copo de vidro, e examina se o sedimento se
comprido, sôbre doze de largo, e três para quatro de alto, com precipita, ou anda ainda errante; se é que se precipita manda
grossura proporcionada, e muito bem argamassado, ou cal afetado. parar, e se não manda continuar a bater.
De tal forma devem êstes tanques ser dispostos, que possam re- É prejudicial tanto o parar a agitação, antes de precipitação,
ceber os líquidos dos que lhes ficam superiores, donde sairão por corno o continuar depois dela começada; no primeiro caso não se
bombas, ou torneiras que terão, a nível da superfície dos fundos. íuz a precipitação, ou se faz só em parte; no segundo porém o
O primeiro, e maior é o que recebe a planta naquela quanti- lrúo formado se dissolve pela decomposição das partes oleosas,
dade de água que baste, a qual planta fermenta naquela infusão. salinas, e térreas.
Dêste tanque se passa tôda aquela água para o segundo, e aí se Precisa-se de tôda vigilância em um mestre de anil para saber
bate, e dêle para o terceiro tanque onde o anil se precipita, e aproveitar o momento em que deve mandar parar o batido.
acaba de operar-se. Há precisão, que êstes vasos sejam bem es- Logo que êle está seguro da sua operação, faz retirar os ba-
tanques, e tenham grossura tal, que bem possam resistir à fer- tedores, e deixa em tranqüilidade o licor, e então se faz a preci-
mentação, que ali se opera. Se forem de madeira, carecem para pitação, A água despegada do seu grão, clareia pouco a pouco,
durar serem forrados de chumbo. Nos lados do segundo se devem e deixa ver no fundo uma matéria lodosa, Por então se abrem as
pôr torneiras em diferentes alturas, para ir dando saída à água, torneiras, de que já falei, e se deixa escorrer a água até a altura
logo que o anil precipitado tem feito sedimento no fundo. do lôdo. Abrem-se então as torneiras do fundo até escorrer tôda
No primeiro tanque se lança a planta em molhos, e logo aquela lama para a terceira pia, onde por algum espaço se deixa
que está quase cheio se carregam êstes com pesos, que distem bem sentar; neste estado pois se toma aquêle sedimento com uma
uns dos outros duas, ou três polegadas, e que sejam menos largos colher apropriada, enchem-se uns saquinhos de pano de linho de
que o interior do vaso, e isto para impedirem que se eleve a erva
2105
204
figura cônica, que tenham o comprimento de 15, ou 20 polegadas,
os quais se suspendem em umas varas. A água que se demora
entre as partes desta massa, vai filtrando pelos orifícios do pano,
e à medida que ela se dissipa vai o anil adquirindo mais consis-
tência.
Despejam-se depois os saquinhos em uns tabuleiros quadra-
dos, ou retangulares que tenham duas e meia, ou três polegadas CARTA V
de fundo; faz secar-se ao ar, e sombra, e nunca ao sol, que lhe
destrói a côr.
Não lhe são menos nocivas a chuva, e a grande umidade, e
com especialidade aquela que o corrompe, e faz dissolver. Corta- NOTAS E COMENTARIOS DE BRAZ DO AMARAL
se a massa do anil em pequenas talhadas quadradas, que depois
de bem sêcas se guardam onde não apanhem umidade.
Não deve o agricultor dêste gênero atender mais à quantidade,
do que à qualidade do anil. Os que no primeiro tanque pisam as
ervas a fim de aumentar o volume, e pêso, ganham em aparên-
cia, quando perdem em efeito; porque os compradores sabem muito
bem diferença r o anil puro do que não o é, mas sim carregado
de matérias estranhas.
Poder-te-ia dizer muito mais sôbre cada um dêstes gêneros
de agricultura, e suas mãos de obra: como porém não pretendes
ser agricultor nas nossas terras do Brasil, mas ter só umas breves
noções, que um amigo pode participar-te em uma carta; eu vou A QUINTA CARTA de Luís Vilhena é tôda destinada a assuntos
finalizar já esta que me parece mais extensa do que cuidava, re- de agricultura.
Lendo-a, vem a gente no conhecimento, tem a explicação, da ruína
servando para outro lugar o mais que sôbre êste particular puder
do~ grandes proprietários rurais da Bahia, da pobreza dos senhores de
alcançar. engenho do Recôncavo, que veio a se operar no correr do século XIX,
Fica certo em que te apetece as maiores felicidades 1111 princípio do qual escreveu o nosso professor de grego.

o teu amigo muito venerador A falta de economia, o espírito de rotina, os vícios de uns pro-
l'l"SSOS ou métodos de trabalho antigos e obsoletos, o descuido pelo que
lhcs pertencia, originado nos hábitos contraídos, a mais absoluta (;a-
Amador Veríssimo de Aleteya
Il'lIcia de previsão e de poupa, lá estão apontados, e dão os motivos
dI! desastre que já tinha pôsto os fabricantes de açúcar nas mãos dos
i omcrciantes da praça, seus fornecedores, antes que a lei de 13 de
maio, abolindo, ex-abrupto, a escravidão, Ihes desse o último e mais
fulminante golpe.
autor estuda conscienciosamente os inconvenientes do que via
1\1 uticar, e, desde as questões mais altas até os detalhes, instrui com a
111\ descrição cuidadosa. Percebe que os míseros escravos são maltra-
1"t!()S e morrem, como também os cavalos e bois, vítimas do excesso
do trabalho brutal que dêles se exigia, sem que houvesse interêsse hu-
muuo por lhes minorar o sofrimento; e do mesmo modo lamenta o
nfôrço que se perdia nas moendas, na colocação dos fornos e no
rstcma das grelhas.

206 207
Os suplícios infligidos aos escravos ficam no seu pavoroso requinte
da maldade, como um estigma sôbre uma geração e uma sociedade
meio bárbara, na qual se queria mais a aparência do Cristianismo do
que a verdadeira essência dêle ,
. Não lhe escaparam os prejuízos que deviam resultar da ignorância
dos mestres-de-açúcar que não sabiam sequer ler e escrever.
O nosso professor de grego mete-se também a reformador e me-
cânico, mas aí perdeu-se e teve também prejuízo de tempo e de dinhei-
ro, cousa que aliás não parece que possuísse de sobra.
Os processos aperfeiçoados da fabricação do açúcar só muito mais
tarde deviam atender aos princípios gerais de que êle aliás teve a intui-
6
ção, pois já compreendia que uma das economias a fazer consistia no
aproveitamento do bagaço e no estudo da parte química da operação.
O processo de fabricação da farinha de mandioca não oferece
novidades e é o mesmo que ainda hoje se usa geralmente no interior
da Bahia.
É pena que a cultura do anil não se faça mais aqui até agora, o
que é uma das cousas para as quais devia voltar-se a atenção dos nossos
Defesa
economistas e homens públicos.
Para muita gente é uma novidade que já tivesse a Bahia produzido
anil para exportação, ao passo que hoje nem para o consumo se faz.
Como se perdeu esta cultura, e desapareceu êste trabalho tão lu-
crativo há um século?
E sempre útil há de ser esta cultura!
Foi forçosamente por uma dessas transformações pelas quais passa
o comércio, em conseqüência de descobertas dos químicos, que isto se
deu, mas sôbre alguns casos semelhantes a êste fica sempre uma parte
da cultura e da indústria antiga, que se fazia, embora em menor escala.
Aqui porém, neste caso do anil, tudo foi embora.
A planta está aí, cresce espontâneamente e ninguém faz caso dela.
Não custa aliás muito prepará-Ia, mas se prefere importar do
estrangeiro .
Se tal preparo nunca se houvesse feito, ainda vá, mas que já hou-
vesse prosperado no tempo dos portuguêses e que, após a Independên-
cia, se houvesse perdido e abandonado de todo, assim, é célebre, e
não abona muito do nosso povo e da sua administração nova, com-
parando-a com a antiga, nem da inteligência e atividade dos comer-
ciantes que assim têm desprezado um ramo de negócio que bons lucros
poderia dar.

208
Carta Sexta

em que se dá uma compendiosa notícia da for-


tificação atual da cidade do Salvador dentro
da baía de Todos os Santos; descrição das suas
fortalezas, tanto pela marinha. como pelo inte-
rior; mostrando ao mesmo tempo o modo por
que parece ficaria melhor [ortijicada

F ILOPONO meu íntimo amigo:


A não estar eu tão certificado na tua honra, e sinceridade, e
por isso seguro de que as minhas cartas não passarão da tua mão;
!u sem dúvida deixara de obedecer-te, por não me expor à crítica
ti" que me ouvisse tratar de um assunto tão alheio da minha pro-
I issão, como seja a fortificação desta cidade, e sua guarnição. Eu
te assevero que até de ti próprio tenho pejo, quando me delibero
, dar-te a informação, que com tanta instância me pedes. Eu meu
unigo ignoro a maior parte dos têrmos de fortificações, e tática;
pelo que será impossível, que dêste meu atrevimento não saia um
monstro tal, que ninguém possa definir; tu porém mandas; e eu
me vejo precisado a obedecer-te.

••• TERRENO INDEFENSÁ VEL

Poucos haverá que ignorem ser a maior parte das costas do


Hrasíl acompanhada de um recife de pedra, que a pouca distância

211
vai seguindo a direção do continente, desviando-se em algumas par- 11 inimigo não irá por divertimento expor-se aos tiros da artilha-
tes um pouco mais para o largo, e aproximando-se em outras, 1101. quando a pouca distância, sem êsse risco pode desembarcar
quando em muitas paragens descobre pontas de pedra na super- muito à sua vontade. O certo é meu amigo, que os Governadores
nilO podem saber tudo; êles hão de servir-se, e ouvir os oficiais,
fície das águas; tem êste em partes quebradas tais, que sem o
q\ll' são destinados para os misteres; e se a êstes faltam as partes
risco de tocar, se podem fazer seguros desembarques, os quais nos
poderão ser de alguma inquietação, se o inimigo, o que Deus não ('~wnciais, que devem ser dêles inseparáveis, a Fazenda Real é quem
11 paga; aquêle forte mandou levantar-se para servir logo se as
permita, tentar fazê-Ios ao sul da Tôrre de Garcia d'Avila, distante
doze léguas com pouca diferença ao Norte da ponta da barra de vircunstâncias da presente época o pedissem; êle só daqui a bas-
Santo Antônio. Todo êste lance de marinha até a pedra da Itapuã, tantes anos é que poderá fazer talvez que menor defesa da que
situada oito léguas ao sul da Tôrre é indefensável, e até muito Iaria aquela trincheira antiga, e quase petrificada, em cujo reparo
pouco povoado, mas é certo que os contrários não se atreverão a \e não despenderia a trigésima parte, do que se despende com o
penetrar o terreno até a cidade, onde sem dúvida haviam encon- forte; poucos anos há que ainda naquela trincheira havia seis peças
trar dificuldades, que lhes seriam difícies de superar, tanto pela de ferro do calibre de seis, e uma de quatro, se bem que com
desigualdade, e inconstância do terreno, como pelas muitas em- incupacidade para servirem.
boscadas que por isso mesmo se podem fazer, e de que não po- Quase todo o terreno próximo a êste lanço de marinha é
deriam talvez escapar a não ter práticos, que quisessem perfida- pouco igual, e não muito fácil para que o inimigo o penetre, se
mente sacrificar, e vender, a pátria. houver quem queira disputar-lhe passos apertados, por onde há
Pelas quatro léguas, que com pouca diferença dista a Itapuã, de avançar se quiser aproximar-se à cidade, quando não será muito
que na língua do país, vale o mesmo, que pedra furada, até a '(lei! o expulsá-lo dali, urna vez que entrar, e se fortificar, visto
ponta da barra de Santo Antônio na entrada da baía, há infinitos que nêle tem donde colhêr víveres para tempo bastante.
portos em que com muita facilidade se podem fazer desembar-
ques, e muito melhor nas diferentes armações, que com menos
acêrto se tem permitido ao correr daquele lanço de marinha. Em >I< SANTO ANTÔNIO
cada uma delas têm os licenciados arrancado os recifes, por não
lhes romperem as redes, que de muita distância arrastam até a
praia, e têm feito portos de desembarque com acesso fácil para Na ponta chamada do Padrão, que fica ao Norte da entrada
lanchões, lanchas, e escaleres dos inimigos, tanto externos, como
da barra está a fortaleza de Santo Antônio, ou forte grande. * "B
êste um decágono irregular, situado na ponta da terra, eminente
internos, entrando por êstes contrabandistas, principalmente vindos
à água; quase defronte vem finalizar o baixo chamado igualmente
das costas da Mina, e mais portos d' África.
de Santo Antônio, cuja ponta aproximada à terra faz com que,
apesar de ser tão ampla a barra, que por ela pode entrar empa-
relhada uma numerosa esquadra, se não navegue pelo lado do
* RIO VERMELHO
Norte, sem o receio de tocar no baixo. Não serve esta fortaleza
Ao correr desta marinha, na barra do rio Vermelho, por de mais, que para embaraçar, que ali se faça desembarque, e não
onde só podem entrar por pouca distância canoas, e saveiros se impedir que qualquer embarcação entre, ou saia com tôda segu-
está inutilmente fazendo uma fortaleza, que nunca poderá servir rança, pela espaçosa barra, que pelo Sul chega até as Pinaúnas,
para mais, do que uma comprida trincheira, ou reduto de terra cal- com largura que é impraticável o varar a artilharia daquela for-
cada, e que com pouco reparo, e módica despesa faria tanto, ou taleza. Vê a planta hidrográfica na minha primeira carta. A tiro
mais que aquêle forte em que S. Majestade não há de gastar
menos de quarenta mil cruzados, sendo muito para persuadir, que • No local está hoje o farol da Barra. - E.C.

213
212
de mosquete é esta fortaleza dominada" pelo Oriente de um monte rigosa, e quase a única onde o inimigo pode lançar gente em
vizinho que lhe descobre a área tôda. terra debaixo da cidade.

* SANTA MARIA E SÃo DIOOO


• VIZINHANÇAS DE SANTO ANTÔNIO

Um pouco mais dentro na distância de dois tiros de mosquete,


Para suprir em parte os defeitos destas duas fortalezas, que
fica o fortinho de Santa Maria, que é um outro reduto menor e
indispeusàvelmente hão de ser atacadas por quem ali quiser fazer
pentagônico; não há muito tempo que se repararam imperfeitissi-
desembarque, se levantou a menos de meia ladeira do monte pró-
mamente os seus parapeitos, de forma que da cintura para cima,
ximo, e distante 600 para 800 passos, e que inteiramente as do-
fica a guarnição exposta aos tiros do inimigo, sem algum outro
mina, como aquêle de Santo Antônio, uma trincheira de terra,
recurso, mais que retirar-se antes que êle dispare; não tem êste
quase como a do Rio Vermelho, de que já falei, donde os tiros,
capacidade para montar mais de sete até nove peças. Na distância
pouco menos que mergulhantes, podiam bem inquietar, e fazer es-
de um tiro de pedreiro, entrando a barra, e na raiz do monte,
trago em quem desembarcasse no pôrto, limpo de pedras para uma
sôbre que está situada a igreja de Santo Antônio, fica o fortinho
armação que nêle está, quando parece seria mais acertado o lan-
de S. Diogo; é êste uma pequena porção circular acompanhada
çar-lhas, e dificultar por ali o desembarque, pois que nêle o fi-
de linhas retas, formando um ângulo mistilíneo reentrante; sete são
eram os holandeses, quando tomaram esta cidade.
as mais peças, que nela se podem montar, e o parapeito se fêz
igualmente defeituoso, visto que a tenção foi a mesma daquele Não há dúvida que aquela trincheira, ou reduto tinha sua
de Santa Maria, sem que eu possa descobrir a razão por que sendo ruína, mas o que existia estava como petrificado, quanto à rijeza,
estas fortalezas muito mais rasas que a bateria superior do Forte estava enraizado, e coberto de mato, formando uma famosa em-
do Mar, que sem dúvida terá duas alturas destas, se haviam nestas boscada propriíssima para pôr em desordem o inimigo, se ali pu-
fortlezas desmanchar merlões, e canhoeiras para fazer-Ihes tais desse apertar, o que não sucederá, nem pode acontecer com o
parapeitos à barbeta; e naquela em que era o parapeito à barbeta, reduto de S. Fernando, que no lugar daquela trincheira se le-
se havia desmanchar, e abrir canhoeiras, e levantar merlões, ficando vantou desnecessàriamente de faxina, * e terra em 1797 com o
a artilharia engasgada, e tão baixa que não será possível jamais di- importe de dez mil e tantos cruzados, e à custa de mais vidas na
rigir três tiros a um só ponto, pela forma circular da bateria, paz, do que custará na guerra, e com a infelicidade de que em
quando todos êles com elevação tal, que pouco, ou nenhum poderá breve tempo ficou fora do nível em que se fêz, quando as varas,
ser o seu efeito. São as muralhas destas duas fortalezas pouco só- e estacas da faxina, em lugar de rebentarem apodreceram a maior
lidas, e tão baixas, que o Brigadeiro-Engenheiro João Massé Ihes parte, além de não pegarem as muitas ervas, e capim que por
julgou indispensáveis as canhoeiras que depois se lhe fizeram, e diferentes vêzes se mandaram plantar. Há de êste laborar com
presentemente se desmancharam, para encobrir talvez o êrro de onze peças dos calibres de 12, e 8.
quem aconselhou o carretame para a artilharia em extremo baixo, Como tôdas estas fortalezas ficam dominadas de padrastos, que
e por isso impróprio para fortalezas rasas como estas, vindo a lhes são eminentes, é de suma necessidade, e acêrto o fortificar
Real Fazenda a pagar erros de sistemáticos superficiais, que não o cume daquele próximo ao forte grande, por ser muito factível,
escrupulizam muitas vêzes iludir a candura dos superiores, que que o inimigo por qualquer ligeireza, ou engano se aposse dêle,
se vêem precisados a estar pelo que lhes figuram. e nos cause grande incômodo: não seria igualmente desacêrto o
O destino destas fortalezas foi para defender o desembarque, fortificar todo o pé do monte de Santo Antônio, evitando-se com
que entre elas se pode fazer, por ser aquela paragem a mais pe- isso aquêlcs dois fortinhos de Santa Maria, e S. Diogo, que soam

* Denominada. E.C. • Entulho. - E.C.

214 215
mais do que na realidade são, e cruzando a artilharia do forte cento lhe ficam sobranceiras na montanha, quase a prumo, em
grande com a de um lance daquela outra fortificação, ficaria muito
cujn falda fica aquela bateria, porque logo que o inimigo queira
melhor defendido o pôrto de desembarque, e com muita vanta- ver-se livre dos incômodos, que ela lhe pode causar com três, ou
gem, Se em lugar daquele reduto de S, Fernando, se fizer mais quntro tiros que empregue naquelas paredes velhas o consegue, vin-
abaixo doze, ou quinze braças um outro, mais bem construído, ou do estas irremediàvelmente alagar a bateria, cuja plataforma tem
uma trincheira de terra, com o outro lanço daquela fortificação, pouca área, e matar-lhe ao mesmo tempo a guarnição, o que não
que corresse para dentro da baía, impediria que o inimigo se apro- xuccderá se as balas vierem dar na terra sôlta da montanha,
ximasse à montanha a demandar a enseada que fica entre Santo Há mais um outro defeito naquela bateria, e é ser o caminho
Antônio, e a Vitória, onde no princípio foi o pôrto de Vila Velha, para ela descoberto todo, e exposto às balas inimigas, e por isso
ou Povoação do Pereira, onde devera haver alguma espécie de em estado de não poder ser socorrida, nem fazer-se dela uma re-
fortaleza, cuja artilharia cruzasse também por êste lado com aquela tirada com segurança; para o que não olham os atuais engenheiros,
do pé do monte de Santo Antônio, antes pelo contrário a descobriram tôda, mandando faxinar o mato,
Apesar da muita largura da barra, a sua entrada se poderia dc que estava coberta aquela estrada, ou caminho, para que não
ter feito mais difícil, se nela onde se achasse menos fundo, que haja dúvida na sua direção, Todos os tiros desta bateria são di-
em algumas paragens não passa de quinze braças, se houvesse man- rigidos para o mar, três peças para o Sul na direção da barra,
dado despejar todos os lastros de pedra que entrassem nas embar- catorze para o Ocidente, mar largo, e duas flanqueiam o lado do
cações; se naquele sítio se tivessem submergido, carregadas de pe- Norte na direção da Cidade Baixa, cruzando os seus tiros com os
dra, e sacos de cal, muitas delas, que para nada mais podem servir; de outras duas da bateria da Ribeira, e oxalá fôssem mais em
sendo muito natural que as areias trazidas pelas correntezas, achan- uma, e outra bateria para obviarem um desembrque, que se inten-
do aquêle obstáculo ali parariam, e aí poderia haver já uma coroa tasse fazer na Preguiça ou Pedreiras,
artificial, sôbre a qual se poderia erigir uma fortaleza, cuja arti- Não haveria, como tem havido, receio dêste desembarque, se
lharia cruzasse com as duas da praia, da praia da Preguiça corresse um lanço de muralha larga, e com
Na ponta das Pinaúnas, ao correr do recife, ou banco, seria capacidade de montar nela artilharia, a qual fôsse terminar na
bom erigir uma outra fortaleza como subsidiária da primeira, em fortaleza de N, S, do Pópulo, e S. Marcelo, ou vulgarmente Forte
forma tal, que de uma, se pudessem lançar bombas dentro na do Mar, que tivesse seus boqueirões atravessados com pontes le-
outra, em caso da desgraça de ser tomada alguma pelos contrários, vadiças, tanto para que aquela fortaleza, distante da terra umas
300 braças com pouca diferença pudesse com facilidade comuni-
car-se com a cidade, e ser socorrida, visto que com qualquer ara-
* GAMBOA gem do Sul, é quase impraticável o seu acesso, como para escoante
das águas, e entrada para embarcações pequenas, e que do mesmo
Como da Vitória para a bateria de S, Paulo, ou Forte da Cam- Forte saísse pelo lado do Norte um semelhante a morrer no Cais
boa é a colina escarpada tôda, e só com suma dificuldade se da Cal, ou da Louça, do que resultaria uma grande defesa para
pode subir por alguns estreitos trilhos; de nada se carece mais a cidade, visto que o oblíquo daquelas muralhas dirigiria os tiros
que de sentinelas vigilantes, da sua artilharia para todos os pontos, onde ofendesse o inimigo
Ao correr da montanha, a pouca distância da cidade, e na em defesa formal da cidade; além de comunicar com ela aquela
bôca da quebrada que a colina faz por baixo do Forte de S. Pedro, importante fortaleza, ela formaria um admirável, e espaçoso mo-
fica na beira-mar, a Bateria de S, Paulo que monta 19 peças; lhe, onde se recolheriam centos de embarcações pequenas, como
e é na opinião de muitos uma das melhores fortificações da Bahia, corvetas, sumacas, barcos etc. que bem podiam conservar as mu-
e para que ainda fôsse melhor carecia demolir-se inteiramente a nições de bôca para tôda a cidade, visto não haver nela onde se
obra antiga das fortificações do Forte de S, Pedro, que pelo Nas- recolham mantimentos para seis meses; ela cobriria o Arsenal, Ri-

216 217
beira das Naus, e Alfândega; com ela se evitariam os Fortes de vuntur merlões, e abrir canhoeiras em que se cavalgou artilharia,
S. Francisco, S. Fernando, S. Filipe, e S. Tiago na Ribeira, e pondo-lhe o nome de Forte de S. Fernando, como já disse na pri-
ainda a grande bateria, que de presente cobre o Arsenal; ela fi- meira, que te escrevi; jogam algumas peças para o Sul, outras para
nalmente poria a Bahia em estado de ser respeitada, ainda por um " mar largo na direção do Ocidente, e outras para o Norte ao
poder superior. rurrer da marinha. Permita Deus se não precise usar da sua arti-
lharia, pelo risco de ser mais prejudicial, do que útil. A pouca
distância dêste fica o Fortinho de S. Francisco da mesma natu-
* BATERIA DA RIBEIRA reza, que aquêle da Ribeira; está situado no meio da marinha da
Cidade Baixa; e é um baluartezinho plano, defeituoso, e sem de-
A Bateria, e Fortinho da Ribeira estão situados defronte do lesa, por estar entre edifícios, que lateralmente avançam para a
Forte do Mar, e os seus tiros defendem de flanco a parte daquela marinha, ficando-lhe pela espalda, a montanha quase inacessível,
fortaleza, que olha para a barra da baía, e podem arrasá-Ia no caso por onde te disse que em 1795 correram não menos de treze pro-
de ser atacada; é esta bateria uma das fortalezas de conseqüência, pl iedades de casas.
que esta cidade tem, atenta a sua situação. Fica na sua espalda Na distância de três tiros de mosquete com pouca diferença,
a pequena Caldeira da Ribeira, onde se acha o Arsenal, e na fica ao correr da marinha o Fortinho de Santo Alberto no cami-
dêste se eleva a montanha muito alta, e íngreme. Resta mais nho, que da cidade vai para o Noviciado, que foi dos Jesuítas. É
dizer-te meu Filopono que tanto na Ribeira, como nos estaleiros rste um hexágono irregular, com um lado curvo, e ao mesmo tem-
da praia da Preguiça, é que se têm feito, e fazem a maior parte po em extremo defeituoso, quando naquele lugar necessita a ma-
das embarcações da nossa marinha, assim real, como mercantil, rinha de grande fortificação, fazendo-lhe sensível falta a trincheira
por ser êstes estaleiros preferíveis a todos os que podem haver no do Rosário, que sem se ter acabado se abandonou. e destruiu; e
Brasil; e dêstes há dentro nesta baía tantos, que não será fácil muito mais não servindo de cousa alguma os tiros mergulhantes do
o numerá-Ias, visto que ainda a necessidade não obrigou a fazer Forte de Santo Antônio além do Carmo, situado no cume de uma
esta indagação. Dos de Itapagipe, distante uma légua da cidade, é montanha altíssima, destinado somente para a defesa da terra, e
que os comerciantes se servem de ordinário para a construção dos não do mar.
seus vasos de maior porte, havendo naquele sítio capacidade para Correndo a marinha do Forte de Santo Alberto para o Novi-
se fazerem muitos ao mesmo tempo. ciado pela falda da montanha, e distância em comprimento de mais
de trezentas braças, fêz o infatigável Governador desta Capitania o
cxmo. Manuel da Cunha e Menezes levantar um cais de alvenaria,
* FORTINS com sua base de pedra cortada, e parapeito de tijolo, que terra-
planado tem capacidade, e lhe mandou montar artilharia para de-
Próximo à bateria de que acabei de falar, .e dividido dêle fender-se por aquela paragem, se o inimigo, que aqui se esperava,
pela bôca da pequena caldeira, fica o mencionado Fortinho de S. tentasse fazer nela desembarque; se bem que a pouca distância da
Filipe, e S. Tiago. terra, corre na direção da marinha um pequeno recife de pedra,
É êste um quadrilátero muito acanhado com um baluartezinho, que carece sua cautela.
que tem 15 passos de face, e 9 de flanco; motivo por que é difi-
cílimo o laborar nêle com a artilharia; tanto êste, como a bateria
próxima montam trinta peças de calibres diferentes. * FORTE DO MAR
N a distância de um tiro de peça de calibre de seis, ao correr
da praia ao Norte, e próximo a eminentes, e débeis propriedades Já eu te disse, que defronte da Bateria da Ribeira, na distância
de casas, fica o Cais Nôvo, em que há dois anos se mandaram le- de dois tiros de mosqueae, fica a fortaleza do Mar, edificada sôbre

218 219
um baixo natural, ou artificial, como suponho; é a sua figura cir-
cular, tem bateria baixa com canhoeiras, e parapeito, quando a
bateria alta era à barbeta; e hoje tem igualmente canhoeiras, moder-
namente feitas, com despesa considerável da Real Fazenda, e isto Cr:dí.l/Y/.
por se haver caído no êrro de fazer tão baixo o carretame, que
todos os tiros ficavam por elevação, e por isso de nenhum efeito;
e por não se confessar um êrro tão prejudicial se caiu, como já
disse, no de engasgar as peças, de forma que não podem ladear o
preciso para dirigir o tiro onde fôr necessário; pretextando o cobrir
os soldados, que trabalhavam a peito descoberto, sem que se aten-
desse a 60 palmos que há do nível d'água, até a superfície do
parapeito; o que faz com que nenhuma embarcação possa atirar
em linha reta; além do que, dando as balas no escarpado do para-
peito, necessàriamente hão de resbaldar" os estilhaços para cima,
sem que jamais possam ofender os soldados que laboram com o
reparo da peça dezoito palmos distantes do parapeito; digo sendo
alto o carretame, e parapeito à barbeta, como antes era. Pode esta
fortaleza montar até cinqüenta peças nas suas duas baterias, e a
sua situação é admirável para a defesa do pôrto.
Um pouco acima do Forte do Mar para a parte do Norte,
fica o pôrto onde ancoram os navios do comércio; os de menor
porte poderiam chegar até por detrás do forte, e bem perto da  14'1 11 11 11 I1 .,
praia, a não haver, como tem havido, e há indesculpável negli-
gência de ter-se deixado perder o pôrto; entulhando, e lançando J.-.-..!:,.~.oIto 60 50 11:)

no mar, não só lastros, como até a terra das pedreiras, que inde-
~ ~ ;--swr--1 lZ0P •.I:nO'
to "" sc 70 jO 110

vidamente se consentem abrir na falda da colina; o que há menos


de três meses vi. As naus porém de guerra, ficam surtas algum
tanto mais ao mar, do que está o Forte, e isto pelo lado do Sul,
e por isso com pouca diferença no caso de serem atacadas pelas j'llI+lII' 1111novo Forte do Rio Vermelho distante huma legoa da Cidade da
>lu 111'C ·IIHI.I\do Mar para o Norte, feito para defender o dezembarque na
dos contrários, dentro ainda no pôrto; para segurança dêste serviria i 111111', I.' Iwrn que so naquelle ponto pois que sem sustos de cannão se pode
ilP' 11111111\8 legoas de costa sem obstaculo algum, segundo o parecer de
muito a fortificação do molhe, já indicado, logo que a sua plata- I••" IH"'ltos, e homens practtcos, que a serem consultados serião antes
H '111" por evitar de quarenta a sincoenta mil cruzados de despeza
forma fôsse guarnecida com suficiente parapeito, e banqueta, como !fl!l-! t,.,."lIc'cl·tafe no modo possivel a fortificação antiga que naqueue
melhor sentassem engenheiros peritos, que para o fazer fôssem n. '!t' 1,'lll\de terra, e faxina com a extenção de tres mil palmos. e que
I~ 1'1""'. (11\Marinha, onde se julgasse conveniente se levantassem trin-
mandados. Além dês te molhe, seria muito acertado, que para me- l ru t u , 11 raxtna que não só erão menos despendiozas como prontas
'~.. IIIIIAque aquelle forte daqui a muitos annos he que poderá
lhor segurança do pôrto, se levantasse uma outra fortaleza tal, qual
t,olll 11" servir.
se julgasse a propósito, sôbre o baixo, que fica ao mar do forte EXPLICAÇÃO
existente. IWIIIII411Hraos. B=80, C=90, D=47, E=12B. F=110. 1
1\1111""1\ frase do Autnor) A B=123 palmos. B C=:45-. C D=80:
5

• Resvalar? - E. C. II I" (I 53. Copia fiel

220
Carta VI.
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Carta VI

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Planta, e Prospecto do Forte de Santo Antonio da Barra da Cidade da Bahia.


Esta Fortaleza defende a ponta da Barra que entra para a Bahia; he hum
decagono irregular, cuía planta mostra a primeira Figura, quando a segunda
mostra o prospecto que esta fortaleza faz vista pello lado da sua entrada.
A.-Entrada para a Fortaleza. rapleno, e tudo o que mostra a
B.-Rampa. planta he subterraneo ao torra- 1'!""pl'C'Lo do Fortlnho de Santa Maria, hum dos que tão bem de-
C.-Escadas que sobem para o terra- pleno; tudo porem está no plano ["!lI li 111\ Bahia. Ré este hum eptagono irregular fica deante hum
pleno da Fortaleza, que tem para- do terreno natural da entrada. \lIA" (11\ J"ortaleza de Santo Antonio da Barra ao correr da mar.e p.a
peito a barba. L-Torre onde senta o farol, 110111111 111\ direção do Norte, e defende num bom porto apto para qual-
D.-Quarteis subterraneos com suas L.-Farol de bronze com 'Vidraças para Irlffl!ll"llllllf'. A figura pr.a mostra a sua planta e a segunda o seu pros-
tarimbas para a guarnição. certificar a barra ás embarcaçoens, Il!11 ,,,'1111 nurte do mar.
E.-Camarotes para os Oficiaes Infe- q. de noute a vem demandar.
riores. M.-Lugar do páo da Bandeira. I'" 'I"" ""110pa- E.-Gaza I.-Lugar
da palamenta. elo pão da
F.-Gaza que foi da polvora, c por N.-Caza que em outro tempo servlo . 11(,,11111111 F.-Caza tia pólvora, e bandeira .
humldade se regeitou e sorve de de prizão e de que ao prezente se- pllnl H em muniçoens. L.-Escada de comunica-
recolher alg.a palamenta. não uza em razão da munta nu- 1"llIfllç,l. G.-Caza da poivora ve- ção para o quartel
G.-Cozinha da Guarnição fora da midade que lhe comunicava a lha e mutü por nu- do Cabo do Fort.o
Fortaleza. parede da cisterna, ímmedíata ; 1IIII\I'l1i- mlda. que corre sobre as
H.-Mostra a abobeda, e configuração rocolhe-se nella unicamente alguns R.-Terraplen0. Gazas Inferiores.
da cisterna que sahe com a sua fragmentos inutels concervados só I"" proximamente nos parapeitos deste fortinho he perjudlcia-
boca no terra pleno da Fortaleza, para constar que não se extra- 1\' 1\ guarnição exposta aos tiros do inimigo da cintura para
e por sima dos quarteis subterra- víarão,
neos está o quartel do Cap.am da O.-Terrapleno da Fortaleza. Copia fiel do estado em que estava antes.
d.a o qual senta no plano do ter-
Não lançamos o mapa da palamenta, e moniçoens pellas muntas alteraçoens
que diariamente accntecem. A sua Artelharla ccnsta de peças do Calibre de 36
mais do Ca!ibre 24.
Ccplada fielmente.
Carta VI
Car-ldVI.
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J>etipe de r-:fHl AAAeJl. W 10 80 9h 100"Palmo5

Planta, e Prospecto do Fortinho de S. Diogo, que dista do Fortinho de Santa


Maria hum tiro de mosquete, e entre elles fica o porto, e praia da barra, com
comodidade para qualquer dezembarque. Está este Fortinho na direcção da
marinha, que entra na Bahia, correndo o rumo de Norte. He a sua figura de
huma pequena porção circular, ácompanhada de linhas rectas, formando hum
angulo mistelineo reintrante. A figura primeira mostra o plano. A figura se-
gunda porem reprezenta o seu prospecto visto pella parte do mar.
A.-Porta da entrada pa- G.-Lugar do páo da L.-Contra muro para
ra o Fortinho. Bandeira. suster as terras do
B.-Quartel da Guarni- H.-Quartel do Cabo da monte, que se elleva Illi,,111I.' P"ospecto do Reducto de S. Fernando. He elle Construido de faxina
ção. Guarnição. pela espalda do For- ipl'H 11 111(1111.
Ladeira do oiteiro contiguo a Capella de Santo Antonio da
C.-Caza da palarnen ta. L-Escada que sobe pa- tinho no cume do .,. 1"" pOI';lç!íoe distancia dominante ao dezembarque que lhe fica em
D.-Caza da polvora. ra o quartel do Cabo qual está a Capella 111. 111111 1\ vantagem de Cobrir os accessos Lateraes, que dão ingresso para
E.-Cisterna. do fortinho, que ari- de S. Antonio da IoI •• tI, " .'omandar de revez as Fortalezas de Santa Maria, e S. Diogo que se
F.-Terrapleno do For- da sobre o quartel Barra; o mais não ,•• 1111III('uma quadratura, e linha da Marinha. Foi mandado levantar no
tinho. da guarnição e Caza tem uzo particular. I'" 1\" (IlIv~rno do !lmo. e Exmo. D. Fernando Joze de Portugal no anno
da palamen ta, como I tIl / I' 1"'11para seu laboratorio 11 pessas do calibre de 8 e 12.
mostra o prospecto. 11411 II' I" mostra o plano; a 2.a o prospecto visto pello lado K. S.
1\ fi 1\ Itnmpas. B. Terrapleno do Rebelim, C. Baluartes. D. Cortina.
Ha neste Fortinho pessas do Calibre de
Copia fiel e exacta.
Carta VI
CartaVI.
fig~ 2ª

&cahde dO 3° te 7p & 10';UXlml11


20 ~ J. 8"'

Petípéde 1 L 'C
c
'f 3D !f So §F 7r 6. 9ft 1100 PalTl\D5

li H

F';9~1i!-

Planta e prospecto da Fortaleza do Mar edlflcada dentro no Mar, afastada da


terra dois tiros de mosquete. He a sua figura circular. Tem bataria baixa com
parapeito de canhonelras o da alta era abarba como mostra a planta, hoje 1'11,"111, (I Prospecto do Fortinho de S. Francisco que esta no Centro da povoa-
porem tem canhonelras feitas munto modernam.te com grave dlspendio da Real " ,111 mnrtnha da cidade da Bahía. He Baluarte plano defeituozo, e sem de-
fazenda, por se haver cahldo no erro de fazer tão baixo o carreta me que todos I' 11"' ('R Lar cercado de edeficios que lateralmente avanção para a marinha.
os seus tiros erão por elevação e por Isso de nenhum ef.to e para não se con- !Irlllll primeira mostra o plano, a segunda porem o seu prospecto Visto do
fessar hum erro tão crasso e perjudlclalisslmo, se cahlo no de engasgar as pes- IIWIII 1111 jlliO da bandr.s
sas de forma que não podem ladear o perclso para a dlrecção dos tiros &.a &.a. I' •• 1,,"11\ p." o For--- D.-Caza da palamenta. G. Escada que sobe pa-
A. Rampa por onde se D. Quartel do Caparn I. Caza da palamenta. 11•• 1," E. Terrapleno. ra o quartel do cabo
sobe p.a o terrapleno, comand.e da Fort.a L.L. Quarteis p.a prezes 1I (""1111 dn Guarda. F.Lugar do pao da da Fortaleza.
a qual olha direito F. Caza por onde desa- e outros mais uzos LI ,." '11 (11\ Polvora. bandeira. H. Cazas lateraes ao for-
para a cidade. goa a cisterna. da Fortaleza. te de S. Frco.
B. Corpo da Guarda. G. Calabouso. M. Rampa p.a a bat." ('( •••• 111 1\ sua Artelharia de pessas do Calibre de. Não referimos munlçoens,
C. Quartel da Guarda. H.H.-Caza5 da pólvora alta de 2 l1\nS05. I !li! "., IIIIH em attenção a sua instabllldade.
D. Cozinha da Guarni- da Fortaleza e N. Sistema no Centro e Copia exacta.
ção. Navios que ali feixa de Abobeda na
se depozita. bat.a alta sem ser n
prova de bomba.
A Artelh.a consta d pessas.
Copia fiel.
tY'ta-n.
F.i.9'.••.2~ Carta VI.
.9.i..•2~

P.tiprd.1 5 1" 1ft '1° "t 150 P61mos

F1.q.a 1~

Planta, e Prospecto da Bateria, e Fortlnho da Ribeira, que cobre o Arsenal


da Bahia. Está situada defronte da Fortaleza do Mar, e os seus tiros defendem
de flanco a porsão da dita Fortaleza que olha para a Barra da Bahla, e pode
arrazalla no cazo de ser atacada: dista da dita Fortaleza do Mar hum tiro de
canhão munto forte; he huma das defezas de consequencia da Bahia, pella boa
situação em que se axa, e pode concorrer m.to utilmente para a sua defeza.
A Flg." 1." mostra O plano da d." Bateria, e Fortlnho. A segunda porem mostra
o seu prospecto Visto pella parte da Marinha.
A. Entrada p.a o For- N. Cais que continua rapei tos e canhonei-
tlnho. para a Ribeira das ras, tanto da Bateria
B. Entrada p.a a Bate- Naos. como do Fortinho, ... ~.
ria, que se parte em O. Cais que c e r c a a passando por certo
duas pello boquelrão, caldr.ê ou lugamar que a ultima fora
que entra para o la- em que serrtão va- com pouco acerto de
garnar. rios edeflclos da Co- quem a deliniou, e
C. Boquelrão por onde se roa com comuniea- m u n t a díspeza da
comunleão as agoas ção interior p.a a Ba- Real fazenda, sem
do mar p.a o Iuga- teria. que houvesse quem
mar q. occupa toda P. Caza em q. se reco- a zelasse como de-
a extensão da Bate- lhem os bergantins vera.
ria, onde se abrtgão p.a o General e esca- R.S. Lado da Bateria
pequenas embarca- leres de serviço do em frente, que cruza
çoens, e serve de Arsenal. 1'10111111 e Prospecto do Fortinho de Santo Alberto. Esta este situado na mart-
de flanco os seus ti- 1111"IlItlo da Cidade para a Caza do Noviciado, que foi dos Jezuitas. He hurn
grande comodidade Q.R. Lado da bateria que ros com a fortaleza
ao arsenal. arraza em fianco o "", ,fi 1111Irregular com num lado curvo. He este Fortinho defeituozissimo; quando
do Mar em direcçilo 'II"I""I\!) lugar necessita a marinha de grande defeza. A Figura l.a mostra a
0.0. Terrapleno da ba- estaleiro, e marinha recta.
teria. da Perguiça; e olha 111'pllll\ta, e a Segunda o seu prospecto pella parte da entrada.
T.V. Esta pequena Ba-
G. Cloaca da guarnição. direitamente p.a o teria cruza tão bem 1I.'1II11>aque sobe em E.E.-Circulo a cavallet- para o terra pleno do
H. Caza da polvora. flanco direito da Ba- os seus tiros de !lan- 1I11~1I10. 1'0 com parapeito Fortlnho.
I. Caza de rezidencia teria de São Paulo co em direcção obtt- 1\, PlIllte chamada le- abarba, e canno- G.-Terrap!eno.
do capitão da bate- com quem cruza. qua com o Forte elo 1'1\(1\8a. neiras no qual H.-Caza da polvora.
ria. Desde o anno de 1766 Mar multiplican:lo a I'III'Hãode hum meio não pode haver, I.-Caza da palamenta.
L. Terrapleno do Forti- se tem feito diferen- de feza da Fort·aleza "'1'('1110 cuberto de nem laborar Ar- L -Cionca.
nho. tes reparos nos pa- pella parte da Barra. 1I00I1a onde está a telharia. flL-Lugar do páo da
M. Lugar do Pão da 1\11f\rnição. F.-Escada pequena de Bandeira.
Bandeira. 11II 'I'orrtcens com ta- pão por onde se desce
Consta a Sua Artelharia de pessas do calibre de na Bateria, e de pessas do rlmbas onde dor-
calibre de no F'orttrrho. Por razão da alteração não juntamos mapa. de palamcu- mem os Soldados.
ta e m un íçoens. (!1I1\3ta a Artelharia deste Fortinho de 7 pessas.
Copiada fielmente da que tirou o Sargento MoI' Engenheiro José Antonio Copia exncta.
Caldas.
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\00 Palmos
Planta, e Prospecto do Fortlnho de Monserrate. Fica este na ponta do Norte
de huma como Penlnsula, que a terra forma, e Norte Sul com o fortlnho de 1'11IllLa,e Prospecto do Forte de S. Bartholomeu da Passagem no rio PiraJã
Santa Maria, que fica na ponta do Sul, neste sacco que forma o curvo da Ma-
rinha está colocada a Cidade da Bah ía, e seus Suburbios. Este Fortlnho he hum .IIM1IIIlLe huma legoa da Cidade da Bahla. He este Forte num quadrado fortlrt-
exagono Irregular. e sem defeza. A flg.& l.& mostra a sua planta. A Segunda Flg." ,.,,,10 em estrella com angulos relntrantes no meio dos seus lados. A figura
porem o seu prospecto, visto pella Marinha. 11I1",cl1'[\mostra a planta do dito Forte, e a segunda mostra o seu prospecto
A.-Rampa que sobe pa- E.-Caza em que se ",,110 lado P. Q.
H.-Clsterna. F.-Caza da Palamenta. M.-Clsterna.
ra o Fortlnho. guarda alguma pa- /I Rampa com pouco
lamenta, e por síma declive para o fosso.
B.-Pequena ponte xa- \I l1ampa que sobe pa- G.-Caza da polvcra. N.-Fosso de pouca al-
o quartel do Cap.arn. I.-Terrapleno do For- tura.
mada levadiça. FF.-Torrloens em que 1'[\ o Forte. H.-Quartel da Rezlden-
tlnho. C Pequena ponte em ela do Cabo do For O.-Banqueta que cerca
se guarda a pol vora a muralha que ser-
C.-Caza para quartel e cartuxame. forma de levadiça. te.
L.-Lugar do pão da I) Corpo da Guarda. I.-Esplanada. ve corno de contra
da Guarnição. GG.-Tol'l'eoens em que Bandeira. I';. Quartel da Guarnl- L.-Lugar do pão da escarpa.
se guardão alguns
petrexos. ção, Bandeira.
nata a sua Artelharla das pessas que servem pelas canhoneiras e de propo-
Copia fiel. v.ILonão fazemos menção da sua palamenta c petrexos pellas alteraçocns a que
1t mpre estilo sugeltas.
Copiada fielmente
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Planta e Prospecto da Fortaleza de S. Pedro. Tem esta a figura de hum qua-


drado com quatro baluartes; esta situada onde a Cidade finaliza pello Sul,
onde defende o Ingresso pella estrada da Victoria. Foi principiada no tempo do
Marquez de Angeja, e Continuada no Governo do Conde de Sabugoza no anno
de 1723. Labora 35 pessas de diferentes Calibres.
A Figura primeira mostra o Plano; e a Segunda o Prospecto Visto pello
lado KW.
A. Ponte
B. Entrada Esta Planta he defeituoza pois lhe faltão todas as
C. Terrapleno obras exteriores, e da mesma forma creio que pou-
D. Cisterna co exactas as SUas dimençoens; por descuido de "llt'l'.'\10U.l __
quem alevantou. .'11" UI'OS. afastar os NaVIOS terras que Ct\t:11t .•.•."
E. Quarteis ",111 11111'\ nraza a da Cidade, e cru- quentem.te da mon-
.111,1111I orn flan- zarem os seus ti- tanna. afim de não
" IIllIele\ (IUe em ros com os do For- se comunicarem e ar-
1'"'" " ellMlllllciap~' te do Mar, quan- ruenarem o quartel.
111\111" 'I,- mostra o prospecto que faz esta Bateria. Vista peJla frente, Tem
111111111111 •• 111 IIC'SSaS
montanhas, todas ellas do Calibre de 24. Não lançamos o
I'IIR 1111" MIIIIM muniçoens, e petrechos, pelJa munta 'Variação, que de ordina-
1111111'n\
Copiada fielmente,
Carta:: VI

Y1lfwai 1;'2~A"'L t IZoot2k~

L M

Plnlllll, " 1'1'0 to da Bateria de S. Paulo Situada no interior da Bahla


plU'" ((!lIIIIHIN' n zembarque na sua marinha. Mostra a fIg.a 1 o seu plano na
101111/1 .C·IIIII"II'
li, 1~1l 1I'Il1hl p" a Ba- ra a parte da bar- do este os derige
II.rhl ra por Cauza da para a barra.
/I (.'nl'(l1I cl•• (1\1l\rda Cavidade que al1 P.P. Extenção que corre
Cl, '1"'11'11(11"1111 etn Bnte- faz a montanha por lado e espalda
, 111 que cahe sobre o da Bateria, he um
{"firo,! 1111 l'c)lvol'n mar, quazt ínva- monte inaccessivel.
!,JIIi,iI,·1 clll ('III)!) dll dlavel. e munto perigozo
.. l.ll""IIII':~1I O. Muralha q. pega da em tempo de ata-
11 C'II,IIIIII\ tllI dllll bateria e continua que, pellas rui nas
11 1:~":IIII1, '1111' • 01) ~ por algum espaço. que percizamente
1'1111111 1I1111,lc.1do servindo de reparo hão de cahlr sobre
(.'111", clll 11111,"'111, o a dlfr.es propried.es. a terrapleno da Ba-
(111" hlllXIIC11'11 II' qun r- deixando por sima teria; quando a sua
1••1 1'.11111 11111111111I1\ comunicação I1vre. retirada ne munto
111, 111111 liXO., "VII L.O. Lado, que defende dlflclI e perlgoza.
1'111"111111'/1" 1I1I\lIdo- a mar.» em flanco R. Fosso para defender
~II" cio 11'.11 I' "'"1\1- da p.te do norte a Caza da pólvora. e
CO('I\O com tiros razantes, quartels, das agoas
I. LUIlIII' <10 !'(to (hl e cruza com o flan- que descem da mun-
Banct~11'II co da Bateria da tanha e I1vrar as Ca-
L.M. Lado 1111(\<I"!(\Ildo Ribeira, collocada zas da humldade.
rectumen til () CI\- quast no Centro S. varanda que discor-
nal da 111111111 [1111- da Mar.a povoada. re pel la explanada,
da que JlOI'Ml'I'oue He esta bateria hu- digo pella espalda. e
1\. .t"UU"'t:
m.to lal'~o rira nu- ma das boas defe- pello lado da entra-
B. Entrada ma grande p.to doi- da do Quartei do
obras exteriores, e da mesma forma creio que pou- le sem derean. pai' zas que tem a cabo da bateria para
C. Terrapleno não chegarem Ia mar.s por faz e r defender as agoas e
D. Cisterna co exactas as suas dlmençoens; por descuido de
quem alevantou. os seus tiros. afastar os Navios terras que caem ire-
E. Quartels M.N. Lado que araza a da Cidade, e cru- quentem.te da mon-
marinha em flan- zarem os seus tr- tanna, afim de nã.o
co, ainda que em ros com os do For- se comunicarem e ar-
pouca distancia pa- te do Mar, quan- ruenarem o quartel.
A figura 2.a mostra o prospecto que faz esta Bateria, Vista pella frente. Tem
actualmente 19 pessas montanhas, todas ellas do Cal1bre de 24. Não lançamos o
mappa das suas muniçoens, e petrechos, pella munta variação, que de ordlna-
rio acontece.
Copiada fielmente.
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Carla VI

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~ JOO P~lmo.;

I" ""III'pLo da Fortaleza de Santo Antonio alem do Carmo. Situada


Fortaleza do Barbalho Situada ao Norte da Cidade feita para Impedir a passa- ;I, 1 '11111110sobre a ponta do morro que domina tanto a marinha
gem pello braço do Dique que corria junto a ella, e hoje não existe, vedar o i. ""111",,". onde os seus tiros mergulhantes de pouco servem, como
ingresso por entre ella e a de Santo Antonio com quem cruza parte da sua 1 01" Alto da SOledade, e cruzando parte da sua Arthelharla com
artelharia; E dezalojar ao mesmo tempo quem tentar hostllmente postar-se no I" " li" Ilnrbalho defende o ingresso que por aquelle lado se pode
alto da Soledade. 1111'. IUI.IH' nu. Cidade.
CarÚJ; V•.
Carta VI.

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t' ","II"!l,'("I.odO Fort.inho de &\nla (;\"\170 sit.uado na margem do rio
" ti, .It1IlI,P:\ I('~oas da Bahla. He a sua flV;" dp rvum ('xav;ono irrf'J(ula-
Planta, e Prospecto do Forte de S. Lourenço, edef1cado na ponta do Norte
da Ilha de Itaparica distante sínco legoas da Cidade da Bahla. Tem a figura C~lI'lI \f'n10~ nf'~;tn primE'\rn. da ~\ln. plnn1.n Lugar do Pito da ban-
de hum ornaveque simples com defensas munto Curtas, e defeltuozas, a FI- f!1111Uclll do Fnr- E. Ca:za. dn. polvol'a delra.
gura 1.& mostra a sua planta, quando a segunda representa o seu Prospecto ~' Quartel do r-a bO do
visto pelJo lado I L. port.n
A. He a pequena rampa no mesmo nível tio F. Caza da Polvora. o. TCl'rn.pleno
H Parap('II,O
de t.r-rrn
da en trada. Terrapleno, e por baí- G. Cisterna
H. Cloáca. O mais não rpvf'Sl,ldo ppla pari I'
B. Segd.& rampa p.R o xo deste quartel faz d,1 l'I\Lln\pntn d" fora dn muralha.
terrapleno do Forte. dois lansos de abo- tem uzo par tícula r.
I' p'Jr dentro dI> t.ilo
C O s t rr beda de huma, e ou-
. eu e apl~no. tra parte da entra- 10 dobrado
D. Lugar do pao da da' num dos quaes "I'lInda mosl,ra o prospert.o do Forilnho visto pcllo lado M. N. Não
Bandeira. se~ve de quartel, a nrt.f'lharln, P palamenta por pst.ar sempre variando. He copia
E. Quartel do Capitão Guarnição, e o outro rpita Na Aula MllIt.ar da Bnhla de que "ra Il'ntf' o
do Forte que anda serve de prlzão. .JosÉ' Antonio CnldM.
Consta a sua artelharla de 12 pessas do Calibre de 24. Não dou mapa das
suas munlçoens e petrexos pelJas muntas alteraçoens a que estão sujeitas, Copia
Fiel da planta que tirou o Sargento mor Engenheiro Joze Antcnlo Caldas.
Q) I U) I cd tIS
;::::s(l)wo!S;...'O
em,ta VI. 0'8J!·~.go
cdo§:a",B
.5 d o eu,...8
2'q g.·5 ' Noviciado segue um comprido lanço de praia,
c3 ro '"" b.OO
ce~~8.~~ Monscrrate, na qual, apesar do recife, que a
.t~.~cnQ)'~ I•• '" l"/cr desembarque, ainda que o terreno interior
·••
~o:s~@~:3 iuv.uleuvcl, pelos alagadiços que nêle há, se bem
So~8'OO
,'O" ~ o o
N~;:lQ) •..•
'O fll11 pouco custo.
,'5 ~ S""
•..•bD·~·~ao" 10 IlI'dl'a em que está situado o insignificante hos-
r"iQ)+=O>'O~o:s
C1)rn§{f.I o 11I11l' dos beneditinos, devera estar uma boa bateria
;::::s cV o ~ o •.
O' Ul <1>'~ I:Q IlIhi\l'~, que jogassem para um, e outro lado, em
E~~~Sci
<1>•..• 'O ao o ~ 11,1' I'loIlilS. que nela vão morrer, como em vértice de
••• ~c:d
8Q)~C:SQ)'a
00 o cd
Iv,lIIl1o contudo o pequeno forte, que pela espalda
~~'§~ ...e IIrl!lI' 1'1111, mas depois de reformado, havendo comuni-
::el;>;:lo~t
o~ S ~~8 uuu 11.11" out ra fortaleza. Fica aquêle fortinho de Mon-
'O 'O",
1111\.1 k-gun distante da cidade na ponta de uma como
5~~~E~~
'O·•..• ~Q)~o r.! 11 I' 11111 monte pouco elevado, e Norte-Sul eom
·NE·c;-go:s.~
f::p/~A ~ 111111 Murin, que como disse, fica junto à ponta do Sul
~C1>~o.&8. lu !til I I il, C na curvatura que faz a marinha, é que fica
o Ias ~
o" Q) Z <1>o
11' vuluu bios. É êste fortinho um hexágono irregular,
'O
,,'O
•..•
'., S •...
O:SOo!SQ)ce
,",,~Ic;S't:I~_ • I, 1-'11 lima bateria fechada. Não há dúvida que a sua
asdOdd4.l(f.l
,cQ)e.9~;;~ iilllílll hll.I para desviar daquela paragem os navios con-
"SQ);:lO'''''
bD;t:: '"" Q) c o pOléll1 (, muito defeituoso, e fraco.
~~o:s~c!::ceõ

gs~"~~ó
'a'; eu fi)
as tr ~

'O:.soS,o$é
~U)g~~s~
{t~ g. c' õ Q)

";::::SO'd'""cV~
Oc' •..• ~"'O dll ponta de Monserrate, curva a praia conside-
õoP.o~~~
P:~g'l1lo>
.r- :S'Oo~
IiIIcr outra ponta na distância de meia légua com
tJ)~s"o~" IOH~IIt;'n. 1\,1 qual havia um outro fortim chamado de S.
~Q)~o:s~eo
'O Q):S A+l ~ •.
11111':11.\11'1', que defendia a entrada de uma outra enseada,
2~cn~~g . I'IIJ filol entre êle, e o Forte de S. Bartolomeu da Passa-
'""-4) •..• t'3
~§;:l"~"E 1,1&" 1\11 umu boa povoação, chamada Itapagipe de Cima,
~'Jot ;...qQJ
0<1>~SbD~~ 1\ 11M 1IIIIIIns estaleiros, de que acima falei.
'd'O't18o o
.i{1 "lIlle os dois fortinhos de Monserrate, e S. Filipe,
" "
~';Õ;;::~Ssf<i
i"illllgo com muita facilidade, e cômodo, fazer um de-
~t>f/}G$go .
t! S,@ ~ d o l~
1'"111 ncorncter a cidade, sem a circunstância de chegar
~~ 0· ...•. 5 ~.~
O:Sole,ee~P-4 iOIi fi .1111 íundo para o cobrir com a sua artilharia, sendo o
'O u" "
o.9.~ Aro EQ"' iiijlil' uunto naquela paragem. Acha-se ali uma suficiente
,. I luunudu ltapagipe de Baixo, com muitas roças, portos.
+lS-.'OQ.>c:I .....•
o i: N +l CIS.....;
~roQ,)d~(1).s
~cdô8s,o; I'" Pl'110 dos altos, em que fica a cidade; dali podem
Â:~Q.o ~8.g.
Q)~E~O:SoQ) 221
".. S Jl Ul 3l ~ ,
~ cC d.g eu ..~
o:s~;::~~~;
íi:o:sO~Q)'i>;:::s
~SbDS;>Ó
os contrários impedir a entrada de mantimentos para a praça, e ) PÔRTO

dominar finalmente o Recôncavo, para dêle tirarem víveres, e re-


frescos para manter-se. IV .t1l1·1 te, que visto ser tanta a negligência, que tem
Ijll,III10 a lastros, seria bem entendido que logo, e já
No caso porém de fortificar-se esta praia, o que exige despesa
,-'111 h')da vigilância em que tanto dos navios, como
exorbitante, resta ainda, passado o gôlfo de Itapagipe, a praia cha-
IIrtll 11I1Ic.;a~seno mar cousa alguma, que pudesse parar
mada Grande pelo comprimento de duas para três léguas, onde o
hillllllldll graves penas pecuniárias, e ainda corporais aos
inimigo, até a bôca do rio Matoím, pode lançar em terra a sua
,I vigias que não cumprissem com os seus deveres;
gente, e marchar contra a cidade, ou divergir, sendo-lhe conve-
o 1"1110 está perdido, para restituí-lo ao seu primitivo
niente o atacar pela retaguarda as obras, que defendessem o de-
LI 11111110util o uso de certas barcaças, que para desen-
sembarque na praia de Itapagipe, e apoderar-se delas; o que só
1\ 1'111muitas nações marítimas do Norte; e desentulhado
poderia obviar-se com a concorrência de muitas tropas auxiliares,
Il IlIlIdo dêste pôrto, o que com facilidade se poderia
que do Recôncavo acorressem, tanto de pé como de cavalo, e que
lLi.i'1I11m' as correntezas das águas são direitas, violentas,
êstes como bons portuguêses quisessem deveras defender o Estado,
111 Illl'ia alguma; os navios de maior porte, e naus de
honra, vidas, e fazendas.
1\11i.11I1 Iundcar mais próximos à terra, ficando assim
IOlnllllllos pelas fortalezas, tanto de mar, como de terra;
1111)111,1111muito mais abrigadas dos repentinos, e violen-
* SÃo BARTOLOMEU DA PASSAGEM ifl) SIII, que dentro no mesmo pôrto põem tudo em de-
i; II,IVIOS a risco de garra rem, * e despedaçarem-se nos
Dentro no rio Pirajá, e próximo à povoação de Itapagipe de illllüll fi, praias.
Cima, pelo Leste, fica o Forte de S. Bartolomeu da Passagem, por 111[10'.11 tortificação da cidade, pelo que pertence à terra,
passar por ali uma das estradas, que de todos os sertões vêm entrar pl~lrl 1'I,lÍa, sem que contudo ta descreva pelo haver já
na Bahia, sempre por terra. É êste forte um quadrado, fortificado 111!liI(.~II'II,e segunda que há tempos te escrevi, dizendo-te
em estrêla com ângulos reentrantes, no meio dos seus lados. Faz '1"1' clu não tem saída para fora, que não vá dar na
êste frente para um fundo braço de mar, que defende com seis Hu, ,.,' nuo pelo lado do Norte por um só caminho pouco
peças, cujos tiros podem varar até a margem oposta, na direção de 111111011 praia por onde se sai para Monserrate, e Ita-
Norte para Nordeste; pelo Poente lhe fica o pôrto de ltapagipe de i!\I,11 devera ser fechado com uma muralha, que pegando
Cima, que defende com duas peças; e pelo Nascente lhe corre lIulç ,111de Santo Antônio além do Carmo, viesse morrer
quase de Norte a Sul a deliciosa praia chamada do Papagaio; mar- '1111110I) que se projetou no tempo em que governou esta
gem de um lanço de mar, o mais pacífico que pode imaginar- I ~1,lrqllês de Angeja D. Pedro Antônio de Noronha
se, e paragem vistosíssima, e deleitável, não só pelas muitas fazen- 1{I,j do Estado do Brasil. Pelo lado do Sul não tem saída
das, e casas de recreio que o bordam, como pelas muitas ilhotas, li ",11"1 o mar no pé de um monte escarpado. A Cidade
de que está cheio. Pelo Sul ficam muitas roças, e outras fazendas; íp,II,dlllcnte descrita naquelas cartas, e que a sua situa-
terras tôdas planas, e de areias com os alagadiços de que já falei; 111111' til' uma colina muito a pique, e que à exceção da
e por ali se pode com muita facilidade atacar, e tomar aquêle forte, t i,:~tI·. fica aquela eminência igual com O' mais terreno
quando se pode bombear dos altos, que da outra parte do pego firn pl'la cspalda. Tem ela mais de meia légua de com-
lhe ficam sobranceiros. lÍl 1I11'llIlr largura, e dentro se acham diferentes baixas,
Quanto à fortificação da marinha da parte do Leste da baía, lillll" WIIl edifícios, crescendo cada vez mais o seu âmbito,
é, meu Filopono, o que posso informar-te, reservando para logo
o que há que dizer da de Oeste. !I 11I. - E.C.

223
222
>I<
TRINCHEIRA HOLANDESA •• 11 •• com que conseguiram esta obra, a que
11,,1110
11111' di' que ainda hoje conserva. Se nos tornar-
/)h/lll',
A primeira fortificação que esta cidade teve, foi uma trin- j I 1'\1 h' mostrarei, meu amigo, uma planta, que pude
cheira*, que lhe levantou o seu primeiro Governador, o Capitão-
IIdl} Ml vê li verdadeira direção dêste Dique, assim como
Mor Tomé de Souza, a qual rodeava somente o que hoje é fre-.
1111' ('11' se pode dividir em Dique Superior, e Inferior,
guesia da Sé Catedral, tendo pelo Oriente um comprido vale com
•• do terreno. Estava um separado do outro por um
bastante água que lhe servia de fôsso; com esta fortificação se
1I,IIIIIIdoCaquende, e cada um tinha seu sangradouro,
conservou até que sendo tomada pelos holandeses no ano de 1624,
levantaram êstes uma outra trincheira com muito maior âmbito, 'IfllII II~ águas que sobejavam. Igualmente deitava cada
para cercarem maior terreno; cavaram, e abriram um bom fôsso, 111uços, segundo os vales que vinham incorporar-se
e a revestiram com muralha de torrão, e em diversas partes, em Ir' ('orria o Superior pela parte do Norte, e pela do
que era impraticável o continuá-Ia, fizeram tanto dentro, como 11 luh-t ior, começando êste no mesmo passo sêco do
fora dela diferentes cavaleiros, e fortins com baterias; corria esta o l-ortc de S. Paulo, e por ser mais baixo êste, era
fortificação com seus redentes por mais de uma légua em circuito, " tundo, Quando êstes dois diques estavam ainda na
fechando a praça desde o despenhadeiro sôbre o mar da parte do I' 1"'1 Iciçuo, havia sempre duas entradas para a cidade,
Norte, até a outra parte do Sul sôbre a praia. Foi boa esta obra ilh•• podiam chegar, e por onde a podia atacar o inimigo
enquanto se cuidou nela com a mente de a conservar; o tempo 111'1111 tia parte do Sul; que para o impedir fizeram os
porém mancomunado com a negligência a arruinaram inteiramen- 11I'1., o forte hoje de S. Pedro, e uma trincheira que
te; tanto o fôsso, como os fortins, e cavaleiros foram de todo ar- 1'011111 do Dique até o despenhadeiro, que cai sôbre
rasados, e o mesmo sucedeu à muralha de torrão, de que por acaso ,,"111I mais larga ficava ao Norte da cidade, e para im-
se descobrem alguns vestígios; e sôbre elas se acham levantadas Ifllllllirios fizeram nela de terra, assim como o de S.
infinitas propriedades com portões para suas serventias, e cômodos; r"rtl'~ de Santo Antônio, e o do Barbalho, e sôbre o
haverá cem anos com pouca diferença que se sentou em reformá- 1'•• 111111 chamado do Camarão. Por estas entradas é que
-Ia; mas já então se achou ser impossível, em razão dos muitos fi,' por Irês vêzes acometida; as duas primeiras pela do
edifícios, que indiscretamente se haviam fundado sôbre elas. Iltllil!!.. '" perdeu, e restaurou, e a terceira pela do Norte,
li"'!IIII rcchaçados os holandeses, e frustradas tôdas as boas
III~ d•• ('ondc João Maurício de Nassau. Não há dúvida,
>I<
DIQUE \1111 ijl ro crasso dos antigos, e o está sendo dos modernos,

11!lllrid,l da arte da guerra, o permitirem se perdesse a defesa


Na distância de mil passos pouco mais, ou menos desta trin-
.I"Ü 1'~r.1 cidade tinha naquele fôsso aquático, e medonho,
cheira, fizeram os mesmos holandeses em um mais fundo vale
Iml pu-lerindo a utilidade particular à segurança pública,
outra obra de maior importância para a conservação, e defensa
Iilíllllil. que quem tinha sua fazenda, a que chamam aqui roça,
da cidade, qual foi o comunicarem vales diferentes, para juntan-
10 l)iqUl', ou à sua margem, o fôsse entulhando, não só para
do-se nêles tôdas as águas, tanto nativas, como das chuvas, for-
massem uma lagoa contínua ao redor da cidade, e como esta lagoa Iltlll 11 seu terreno, roubando-lhe o leito, como para fazer
ficava entre montes altos, e o país pela parte da campanha era terra firme de uma para outra parte. Consta-me há
coberto de matos fechados, e espessos, pelo. que' eram os cami- parecer, que todo se esgote, abrindo um grande pa-
nhos quase impraticados; podia com facilidade impedir ao inimigo (111' ". lêz para represar as águas que em abundância sobre-
a passagem desta lagoa para a praça, quando quisesse tentá-Ia. escoar-se: eu porém se fôra ouvido, seria de parecer,
I'a rcdão se alteasse para represar mais águas, e que
* Novamente aqui Vilhena dá largas à fantasia. - E.C. li tivesse entulhado, ou constasse possuir terra onde

224 225
1'(il\l u III! SÃo PEDRO
se soubesse fôra leito do Dique, fôsse obrigado a pô-Io no estado
primitivo; tanto porque aquelas águas não são empoçadas, como dl~~c. meu Filopono, que pela parte do Sul havia
porque é aquela uma das maiores defesas da cidade. O terreno além 1i rnu c O Dique, e o despenhadeiro para o mar, e que
do Dique, não tem já matos espessos; os caminhos já deixaram " 1'"1 alI ti entrada para a cidade haviam os holandeses
de ser veredas; os portos de desembarque fora da barra, são os li III (I forte chamado hoje de S. Pedro. No tempo do
que deixo ponderados; e os inimigos de um dia para o outro apa- iil\llll dll Marquês de Angeja se acabou êste de revestir de
recem, sem que sejam os míseros índios, que além de andarem 'I tI,l I ri nchci ra, e mais obras exteriores; acabou-se o seu
I 1111' c\plunada, e estrada coberta para encobrir a mu-
muito distantes, ocupados nas suas caçadas, nenhum mal fazem
[I 1111 duo,
a quem os não ofende.
Ilil 1111lô"o para a parte do mar tem uma tenalha baixa,
11I'lohre a quebrada da colina até o mar, sendo esta
* ESTRADAS Itll",1.1 de duas trincheiras, que por um lado, e outro vão
"" I IIIIIC do despenhadeiro, sendo a do lado do Norte
Três são as estradas, que dão entrada na cidade; e vêm a ser 1,1, 111'lllnhoeiras cuja artilharia salvando a trincheira do
a das Boiadas, a das Brotas, em que se incorpora a do Cabula, e I I .unpnnha, que lhe fica por detrás.
a do Rio Vermelho; tôdas elas vêm saindo a cada passo em gar- \ l"lllde/ll de São Pedro um perfeito quadrado com quatro
gantas, sem desvio para um, ou outro lado; sem que por elas possa Ir,.I II10nla trinta e cinco peças, que jogam para todos os
marchar gente de guerra, se não de costado, e nunca em linha de iÍL11I1I11I 1\ campanha, tanto pelo Sul, como pelo Norte a nível
batalha: quem tem alguma luz de tática, conhece bem, que é o ltAil 11.1muralha. Pouco menos haverá de 28 anos, que na
modo por que mais se pode ofender os contrários, pelo risco de \tI.!" d,lIllIcla fortaleza se levantaram quartéis para o Regi-
Ievar-Ihes uma só bala gente infinita, o que pode muito fàcilmente \lllIharia, tomando-lhe a maior parte da área, e impe-
suceder neste país, ou terreno adjacente à baía, o mais apropriado IIlIlil grande parte das suas peças possam manobrar; o
para ciladas; tanto porque a maior parte dos vales não são conti- 1,:;"1\.1de grande prejuízo na ocasião em que se possa
nuados, porém muitos como feitos por arte, com quatro despenha-
deiros, sem escoante para as águas, como por ser tudo coberto de "111111i Dique que ficava abaixo dês te forte, se acha hoje
cipós tecidos, e verdura que o fogo não pode penetrar com facili- li ,1,11111',
que o que era leito dêle, é hoje brejo, ou horta de
dade, por baixo de cujos arbustos se pode bem ocultar uma, ou I. ,I11,1muito acertado o levantar uma trincheira, ou reduto
mais peças de artilharia, que embocadas às gargantas das estradas, ill 1111monte fronteiro ao oiteiro do Alvo, que dominasse
ou desfiladeiros, poderão muito a salvo pôr em desordem o inimi- 1\111'correndo entre êste e a estrada vem sair junto à fonte
go, antes de abordar o Dique, onde deveras se lhes devera disputar " l'I'lIm. por ser vale, onde a fortaleza não pode lançar as
o passo, se estivesse no estado em que deixo referido, e tivessem lil 811aartilharia, em parte.
juntamente limpa, e descoberta tôda a campanha, a êle adjacente,
e não no estado em que sempre existiu propriíssimo para o inimi-
SAN 10 ANTÔNIO ALÉM DO CARMO
go armar, e levantar aproches, sem que seja pressentido. Advirto,
meu Filopono, que por matos, se entendem aqui os arvoredos sil-
\ ~1'llllnda entrada pelo lado do Norte é defendida pelo Forte
vestres, que têm alguns muitas léguas de extensão, e alguns se com-
il 111111Antônio além do Carmo, que é um outro quadrado com
põem de árvores duas vêzes mais altas do que os nossos elevados 1III",IIHl~baluartes, e joga a sua artilharia para os quatro lados,
álamos, faias, e pinheiros.
227
226
tem seu fôsso, e contra-escarpa; para a parte do Sul joga a arti- 1'\11 Ilnde o inimigo sem ser descoberto pudera chegar
lharia quase a nível do terreno sôbre a cidade; para o Norte ven- IIII'.~II~obras, e guardar ao mesmo tempo uns caminhos,
cendo um vale fundo por onde corre o caminho para a Praia, joga 1111'111Água Brusca, e diante da capela de S. José para
ao alto da Soledade, onde o inimigo pode alojar, como já fêz o í lI,hl xcrcm êstes bem defendidos, por ali pode o inimigo,
Conde de Nassau, com os seus holandeses, desembarcando nas 11[1,,jI,'lm descer por êles à praia, e senhorear-se de uma
praias de Itapagipe, ou praia grande, segundo Barléu. Para o Poen- II d,' cuis, que baste para desembarcar os seus apetrechos
te começa logo o morro precipitado, e atira inutilmente para o I, I' munições de bôca, cujas conseqüências sempre são
mar, sendo todos os tiros mergulhantes, pela grande eminência em M,li~ alguma coisa te pudera dizer sôbre a fortificação
que está; para o Nascente vai continuando o vale, de que já falei, IIIÇfl,lnzcndo uma compilação mais ampla, do que por vêzes
para onde se dirigem os tiros da fortaleza por êste lado cruzando i Nellllld" sôbre êste assunto, e de que por curioso tenho no-
com os do Forte do Barbalho. \llill! ,'111lu porém não dá lugar a mais; rogo-te queiras dar-te
tii,fl'llll. no entanto que te vou descrever a costa, e circun-
d" Ilha de Itaparica, que pelo Ocidente fica fronteira à
* BARBALHO
1Ii! marinha, e depois de mais algumas poucas notícias
Kl:lIlll~ il fortificação, e defesa, darei esta por finalizada, e
É o Forte do Barbalho do tamanho daquele de S. Pedra com
I'CIIII;, lí~ dar por satisfeito.
seu fôsso, e contra-escarpa, mas sem nenhuma das fortificações
exteriores que aquêle outro tem. A sua artilharia vai cruzar com
parte da do forte de Santo Antônio para defender a entrada por 'f'M'ARICA
entre êles, como disse; e seria muito acertado o ligar um a outro
com uma trincheira bem fortificada, com parte da artilharia; joga I)c 11h \I no grande gôlfo da baía de Todos os Santos, fica além
o Barbalho para a Soledade, onde o inimigo se alojou, e donde lIltU\ outras, tanto grandes, como pequenas, a famosa ilha de
dispôs os ataques contra as trincheiras de Santo Antônio, e Ro- \ \'I11ll sete léguas, com pouca diferença, de comprimento,
sário, que tão caras lhe custaram. Com outra parte da artilharia iiOHd.1 têrça parte de largura; corre esta na direção de Norte
joga para a campanha, e pode ser atacado de um alto, que lhe 111,em que se contam quatro pontas mais notáveis, ou para
fica quase a nível, onde havia um fortinho chamado do Camarão, !tOj dlll'r cinco, além de outras de menos conta, e vêm a ser,
o qual defendia um braço do Dique Superior, que hoje errada- 111111111 du Armação das Baleias, conhecida vulgarmente pela
mente está servindo de hortas, entulhado já pelos Jesuítas; a posi- lI! til) ltaparica; a ponta do Manguinho; a do Jaburu; a cha-
ção daquele fortinho não era desacertada, e se êle em outro tempo til dfl~ Águas Mortas; a da Aratuba; e a de Caixa-Prego na
era preciso para defender aquela muralha d'água, mais preciso trcmidade da ilha ao Sul. Entre esta ilha, e a terra firme
pode ser hoje para defender as avenidas, que o inimigo pode fazer hl. em que fica a cidade, corre um braço de mar por onde
por aquêle vale, em que não tem impedimento algum; acha-se hoje 1111 ,I pura a baía, com a largura de três e meia para quatro
de todo arrasado, quando devera persistir, e ter comunicação com IIli~, '1'lIdo uma grande parte da praia, ou marinha daquela ilha
o Barbalho. Um famoso engenheiro que o Sr. Rei D. João V aqui OIl1(1,lIIllIIdade baixos de pedra, e areia, e muito principalmente
mandou, e de quem me sirvo em muita parte de que nesta te digo I' dI'!" 1I1tc do baixo, e pontal de Santo Antônio, e a êstes dão
a respeito da fortificação desta praça, foi de parecer, que se fizesse 11111111' de Praúnas, erradamente em lugar de Pinaúnas, que são
uma obra curva que diante do forte do Barbalho ocupasse todo li' li' IIÜ~ os ouriços do mar, que abundam naquela paragem; e
o alto, que defronte de N, S. da Soledade descobre uns vales "111111',les baixos avançam bastante ao mar, fica sendo perigo-

228 229
sisstrna a navegação, a quem se não desvia bastante dêles; sendo ''\ ('Itu
muito fácil o encalhar, e naufragar; razão por que as duas forta-
lezas, em que falei, se deveram, levantar defronte dêles, seriam de In!llll~ ti Oeste da ponta de Itaparica faz barra o rio
grande defesa para a entrada da barra. Na distância de cinco lé- uhiudo por êle na altura de duas léguas pouco mais,
guas da cidade para a parte do Ocidente fica a ponta do Norte I li 11 lia sua margem da parte do Sul, distante nove lê-
de Itaparica, na qual está situado o Forte de S. Lourenço, para 111 Id"dl' o Iortinho de Santa Cruz. É êste um hexágono irre-
defender ali o desembarque, e recolher algumas embarcações, das illlll 1'1I111 seu parapeito, tem seu capitão tirado dos oficiais
que do Recôncavo, e entradas pela barra de Jaguaripe, trazem dll~ corpos de tropa de linha, com um sôldo muito mó-
mantimentos para a cidade. É a figura dêste forte um ornaveque li' Iortinho refeito, haverá trinta anos pouco mais, ou
muito simples, com defensas muito curtas, e defeituosas, e esta é "111111' se montaram nêle sete peças, com as quais podia
a única fortaleza que há naquela importante ilha, onde os holan- 1('11 "tlrl 11 passagem pelo rio, a não se achar hoje quase ar-
deses alojados causaram tantos estragos, não só à Bahia, como a lit , PII\IC() menos que ao desamparo; faz frente ao rio, fi-
Portugal; o que podes ver nos nossos historiadores; em cada uma 1111 1'I'Ia espalda o séquito de uma alta colina, que acom-
das outras pontas, devera haver pelo menos um reduto, visto que 111" 11 "11 por um, e outro lado, e por ela pode ser tomado por
que por aquela costa pode o inimigo fazer desembarques com , IlIlI pouco mais acima dêste fortinho está uma pequena,
muita facilidade nos lugares, e portos seguintes, como já tem feito. oItJV,ldl' Ilha, quase tôda de pedra, chamada a ilha do Francês,
111i" i!t:vl'rn ser bem fortificada, para em tempo de guerra, im-
Da ponta de Itaparica até aquela do J aburu, ou Santo Antô-
ur 0"" " inimigo se nos introduza pelo continente, visto que
nio dos Valascos, em que decorrem mais de duas léguas, há por-
IIIJlIII',,'la ilha faz logo o rio Peruaçu um largo, e profundo
tos francos; bem como na barra do Jaburu e em N. S. da Penha fll, ,111 qllal se navega pelo rumo de Oeste para a vila da Ca-
há muito boa barra. Na do Poti, na do Patijipe, na do Cardosi- if/I M'I'IIIndo o rio, que no engenho da Ponta faz garganta
nho, na da Aratuba, na das Águas Mortas em grande distância. 'h liqw li' gôlfo; para o Sul se navega em barcos, e grandes lan-
Na do Mar Grande, ou Boqueirão Grande, que é a verdadeira poli.. 11 vila de Maragogipe, que como já disse, fica na mar-
Barra Falsa, e não aquela de Jaguaripe, que é uma verdadeira
I tio) 11111 !'rnnde braço, que por quase três léguas dá navegação
barra, pôsto que perigosíssima, e má. Na do Gil, na de N. S.
llill.l luzcnda chamada o Guaí, meia légua acima do engenho,
da Conceição; na Barra Grande com bastante largura; na das Pa-
11(1\1111,110 de Capanema; pelo outro braço, que corre para o
rapatingas; na do Rio Vermelho, e em outras muitas paragens se
pode desembarcar gente naquela ilha, apesar dos baixos. Na ponta
uuo huntciro a êste sobem muitas embarcações da mesma qua-
hHIo] ,. maiores para Iguape, a paragem mais preciosa, e rica de
de Caixa-Prego devera haver uma fortaleza; e outra na ponta do lu 11 Rccôncavo da Bahia.
Garcez, que na terra firme lhe fica fronteira, e por entre as quais
sai a barra de J aguaripe, pela qual, como disse, entram as nossas
embarcações pequenas da costa do Sul, com mantimentos, e mais InUAPE
gêneros para a cidade, e por onde o inimigo se nos pode introdu-
zir no Recôncavo, e na mesma ilha; visto que pela parte de den- " Iguapeuma légua de terra em quadro rodeada tôda de
tro desde a ponta de Caixa-Prego, até aquela das Baleias, em tôda ,ilIO~, IHl cual se acham levantados catorze engenhos, tanto de
.parte há portos francos, que a nenhuma embarcação pequena ne- 111 1111110 de cavalos, os quais botam os seus matos, e baldios
gam seguro acesso a tôda hora. É isto, meu Filopono, o que posso 11,11 I diversos ramos, pela extensão de duas, três, e mais léguas.
informar-te quanto à fortificação da marinha fronteira a esta ci- \I, 111 dos engenhos há mais naquele admirável torrão, todo de
dade. Não duvido haja quem dê dela e de tudo o mais uma noção
mais ampla, mas será quem escrever história e não cartas. 1'III'lllluaçu. - E. C.

230 231
massapôs legítimos, diferentes fazendas desobriga das dos engenhos, ~UO, c por isso muito precisa a SUa fortificação, devendo ser ao
e é tal a sua natureza para a produção da cana, e tanta a sua mesmo tempo exatíssima a vigilância na sua guarnição; pois é o
valentia, que apesar da antigüidade daquelas propriedades, e da lugar onde necessàriamente esperam as embarcações que do Sul
irregularidade da sua cultura; são os senhores de engenho de vêm com mantimentos, e comércio para a Bahia, para dali mon-
Iguape os mais opulentos, e o seu açúcar reputado sempre pelo turcm a barra perigosíssima de Jaguaripe , É igualmente para te-
melhor de todo o Recôncavo, igualando quase aos mais engenhos, ruer que qualquer inimigo se nos apodere daquele vantajosíssimo
quanto ao número de caixas. Impensadamente fiz, meu Filopono, posto, donde não só privará a cidade de todos os víveres necessá-
esta digressão, eu porém confio na tua benignidade, que não dei- nos, como sem maior incômodo seu nos pode fazer as hostilidades
xará de desculpar os meus descuidos.
maiores, interceptando as nossas embarcações do comércio que vie-
Fronteira àquele fortinho de Santa Cruz, em que cavalgam, rem demandar a barra da Bahia, quando por aquela de Jaguaripe
como já disse, sete peças de ferro bastantemente arruinadas, ficava
se nos pode introduzir no Recôncavo, e apossar-se, ou devastar os
embebida na rocha uma trincheira a que chamavam o Forte da
nossos muitos, e riquíssimos prédios rústicos, e fábricas importan-
Fôrça, feito pelos portuguêses no tempo da guerra com os holan-
deses, para daquela, que ficava a cavaleiro da de Santa Cruz os ussirnas de que estão povoados todos os rios, e margens da baía
expelirem, e inquietarem com duas peças que colocaram sôbre a c continente, o que tudo se evita, fortificando como deve ser, tanto
rocha, e que hoje se acham igualmente arruinadas, inúteis, e no aquela ilha, como a mesma barra de Jaguaripe nas paragens onde
chão; e aqui tens, meu caro Filopono, o que posso dizer-te da se julgasse mais conveniente, para o que deverão vir de Portugal,
fortificação desta cidade. engenheiros peritíssimos, e imparciais, atenta a natureza das ruínas
que ali se observam.

* 110RRO DE SÃo PAULO


* ARTILHARIA
Doze léguas ao Sul da Bahia tora da barra, e na latitude de
13 graus e 30 minutos, e 344 e 45 de longitude, faz ponta a ilha Para melhor satisfazer a tua curiosidade, te notificarei não só
do Morro de S. Paulo, ou propriamente do Tapirando, que por da artilharia, que em 1777 se achava montada em cada uma des-
seis, ou sete léguas vem acompanhando a costa intermediando um tas fortalezas, segundo as contas dadas pelo respectivo comandante
canal navegável que em partes tem uma légua de largura, e um de cada uma ao exmo. Manuel da Cunha de Menczcs, Governa-
quarto em outras; para defender a barra, ou entrada neste, e evi- dor, então, e Capitão-General desta Capitania, lançadas em Mapa
tar a comunicação para o continente se fêz naquela ponta o pre- do primeiro de março do mencionado ano; assim como te referirei
sídio do Morro, de que a principal fortaleza monta dezoito peças,
as diferentes fortificações que aquêle incansável General mandou
e pode montar mais; correm diferentes lanços de muralha com seus
levantar, e guarnecer três anos antes, para fazer frente ao inimigo,
ângulos salientes, e reentrantes pela sapata da montanha, de forma
que em partes só deixa um escasso terraplano para poder laborar de que teve aviso vinha acometer a cidade da Bahia com fôrças
artilharia, de que há alguns anos contava por todo o presídio cin- muito superiores às que nela então se achavam.
qüenta e duas> peças de ferro. Acha-se aquêle presídio importan-
tíssimo, com lamentável ruína a que a negligência de muitos anos, Reduto do Rio Vermelho:
o tem deixado chegar, quando é importantíssima a sua conserva-
Total
* José Antônio Caldas (Noticia geral de tôda esta Capitania da Peças de ferro Calibre de 4 1
Bahia desde o seu descobrimento até o presente ano de 1759) dá 51 incapazes para
peças. - E.C.
atirar Calibre de 6 6 7
232
233
Forte de Santo Antônio da Barra: Forte de Santo Antônio além do Carmo:

Peças de bronze Calibres diferentes 8 de bronze Calibre de 12


de ferro Calibre de 36 8 16 Peças
de ferro Calibres diferentes 18 19
Forte de Santa Maria:
Forte de Monserrate:
Calibre de 24 5
Peças de ferro Peças de ferro Calibres diferentes 9
Calibre de 18 2 7 Fortinho de Santa Cruz no rio Peruaçu:
Fortinho de S. Diogo: Peças de ferro,
incapazes Calibres diferentes 7
Calibre de 6 1
Peças de ferro Calibre de 8 Forte de S. Lourenço em I taparica:
2
Calibre de 10 3 6
Peças de ferro Calibres diferentes 13
Fortaleza de S. Pedra: Forte de S. Bartolomeu da Passagem em ltapagipe:
Peças de bronze Peças de ferro Calibres diferentes 8
e ferro Calibres diferentes 48
Castelo das Portas de S. Bento:
Bateria de S. Paulo:
I'~'ças de ferro Calibres diferentes 9
Peças de ferro Calibres diferentes 19 N . B. Este castelo era o que pelo lado do Sul
fechava o recinto da cidade; constava de dois meios
Bateria da Ribeira e Fortinho anexo: baluartes, por meio dos quais havia uma porta por
onde se transitava para todos os bairros; e esta com
de bronze Calibre de 10 1 o seu arco, e parte dos baluartes mandou o exmo.
Peças Calibre de 14 1 Governador D. Fernando José de Portugal demolir,
de ferro Calibres diferentes 30 32 tanto porque de nada servia já aquela fortificação
por estar concentrada na cidade, como por ameaçar
o arco sua ruína, ficando contudo uma guarda de
Forte do Mar:
oficial, e vinte soldados, que sempre ali existiram.
em atenção a ser naquele lugar o Trem das Armas,
de bronze Calibres diferentes 21 se bem que com impropriedade, por ficar sujeito a
Peças tiros de bombas, que o inimigo lhe pode lançar do
de ferro Idem 29 50 mar, e arrasá-lo.

Forte de S. Francisco: Castelo das Portas do Carrno, tinha 5 peças.

Peças de ferro Neste terminava o recinto da cidade pelo Norte, e constava


Calibres diferentes 7
de uma bateria simples. O exmo. Governador D. Rodrigo José de
N. B. - Na bateria alta do Forte do Mar mandou Mcnezes, foi quem no breve tempo de seu govêrno o mandou de-
cavalgar 21 peças de diferentes calibres, e na de molir, não só pelas mesmas causas do antecedente, como por alar-
baixo 31, e 2 morteiros de bronze. ar a rua, e dar passagem franca, aformoseando aquela parte da

234 235
cidade, que era fúnebre, e perigosa; conservando sempre ali uma Cais Dourado:
guarda igual à outra para acudir a algum incidente que por aquêle
bairro possa acontecer. alibre de 8 2 80

Trapiche do Barnabé:

* PARA ENFRENTAR OS ESPANHÓIS Calibre de 8 6 270

Fortificações que o exmo. Manuel da Cunha de Menezes le- Água de Meninos:


vantou de nôvo* no tempo em que se receava a vinda da Armada
espanhola: Calibre de 6 1
Idem de 8 5 6 300
Peças Total Cartuchos
43 2160
No Adro do Noviciado:
Pé da ladeira da Preguiça
Calibre de 6 2 Ladeira da Conceição
Idem de 8 4 6 270 Outra na ladeira da Conceição (Não me foi possível alcançar o
Cais das Canas, e Lixo número das peças que guarne-
Fortinho de Santo Alberto: Caminho Nôvo ciam estas baterias).
Ladeira do Pilar
Calibre de 8 2 Estacada na ladeira da Soledade
Idem de 10 3 Outra no pé da mesma ladeira.
Idem de 12 2 7 550
Fêz levantar mais dois parapeitos de terra em Santo Antônio da
Ladeira da Misericórdia: Il.ura.
Calibre de 8 2 80
Um no Adro de Santo Antônio:
Fonte dos Padres:
de 12 3
Calibre de 10 . 1 1 4
de 16
Idem de 18 . 3 4 180
Outro no monte defronte:
Rua do Taboão: 400

Calibre de 6 2 80 de 8 . 3
Trapiche do Iulião: de 12 . 3 6

Calibre de 8 6 270

Porta do Forte de São Francisco: * EFETIVOS

Calibre de 10 . 1
Idem de 12 . 1 Por um mapa de 4 de abril de 1775 me constou que as tro-
2 80
pas assim pagas, como auxiliares com que então se achava a Bahia,
• Isto é, que mandou construir - trata-se de novas construções. constava o seu total em 3 479 praças compreendendo oficiais, sol-
E.C. dados, e tambores.

236 237
Pelo mapa de 7 do mesmo mês, e ano consta haver na praça
a guarnição seguinte:

Regimento de Artilharia paga . 582


Companhia de Infantaria do Morro . 153
Regimento Auxiliar dos Úteis . 671
Regimento de Artilharia Auxiliar de Pardos 575
Regimento de Cavalaria Auxiliar . 353 9479
Têrço de Infantaria Auxiliar . 542 7
Têrço de Henrique Dias (pretos) . 603
Negros cativos armados . 6000

Eis aqui meu caro amigo, tudo o que posso informar-te da


fortificação desta cidade, e da guarnição com que se achava na-
quela crítica ocasião; pode bem ser não encha as tuas vistas, o que Guarnição Militar
antevendo eu te disse já no princípio desta, as causas das imper-
feições que poderás notar; motivo por que deves desculpar o teu

amigo, e muito venerador

Amador Verissimo de Aleteya.

238
Cart a Sétima

em que se dá uma suficiente noção dos corpos


militares, tanto de linha, como de milícias, que
constituem a guarnição da cidade da Bahia, e
suas dependências, abusos de política entre os
soldados, e notícia dos diferentes corpos de Orde-
nanças que há pelas vilas pertencentes à Capi-
tania da Bahia

FILOPONO AMIGO:
Admirado me deixou a tua última carta, em que me pedes
corte o fio da narração que por partes te fazia do que nesta cidade
hoi mais expectável, querendo te participe o estado em que hoje se
ucha nela o corpo dos aplicados à Literatura; eu te obedecera
prontamente a não julgar de necessidade o tratar do govêrno mi-
litar, e guarnição da Bahia, e sua Capitania, logo que na minha
antecedente te informei, como pude, da sua fortificação no estado
ern que se acha, e devera estar.
Sabido está que o govêrno militar é aquêle, que cuida na for-
tificação, guarnição, e conservação das praças, e fortalezas; assim
como provê em tudo o que é próprio, e pertence à guerra; o que
na duração da paz cuida em que nada lhe possa faltar, quando
aparecer a guerra; trazendo no tempo da tranqüilidade fartas, ves-
tidas, e exercitadas as tropas, que formam o Corpo do Exército,
para que a indigência, nudez, e ociosidade as não reduzam a um
bando de paisanos, bisonhos, e incapazes de conhecer o que é obe-

241
lima rica vitualha de todos quantos manuscritos
particulares há,
diência, e tolerância; e finalmente inúteis para servirem, quando
lilllll corno impressos, que por obséquio se lhes vão ofertar, se in-
a necessidade o exigir.
1:IIIIIhill do precioso trabalho de escrever a história da sua Capita-
Entendemos· por Exército um corpo formado de muita gente
,ifl: obra que felizmente vai continuando, apesar das incompreen-
exercitada em diversas manobras, e divisões, tendentes tôdas à
ivd~ diligências, de que S. Majestade é servido encarregá-lo, e de
guerra, cujas divisões formam o dito corpo, sujeito às ordens de'
I"l' túo gloriosamente sabe sair. Esta famosíssima obra, meu Filo-
um General.
1'0IlCl, pode satisfazer plenamente a tua curiosidade, e por esta
O primeiro Governador da Capitania da Bahia, foi o funda-
'"é"lIIa causa te suplico queiras dispensar-me de escrever-te mais
dor da sua capital, Tomé de Souza; se bem que com o título de
lIul inas do Brasil; no que não continuarei, sem novos protestos
Capitão-Mor*, o qual governou pelos anos que decorrem de 1545**
Ic serem as minhas cartas vistas por ti unicamente.
até o meado de 1553 em que voltou para Portugal a dar conta
Aquêles dois Regimentos haviam sido criados terços no ano
do seu emprêgo, e relevantes serviços, que na América acabava
IIl' 1642 pelo Governador Antônio Teles da Silva, e no de 1750
de fazer ao Sr. Rei D. João Ill: assim como o primeiro vice-Rei,
que o Sr. Rei D. João V mandou ao mencionado vice-Rei, que
que no ano de 1640 regeu o Estado do Brasil foi D. Luís Jorge:
de Mascarenhas, Marquês de Montalvão; o que individualmente II~ rcaimentasse.
te mostrarei, pôsto que em breve mapa, na série cronológica dos
nomes, e ações mais remarcáveis dos ilustres varões, que ocupa-
ram na Bahia o emprêgo de Governadores dela, e vice-Reis de MORRO DE S. PAULO

todo o Estado. Além dêles há mais uma companhia de Infantaria de Linha,


(Um número indeterminado*, na fortaleza do Morro de S. Paulo,
reta pelo Governador Diogo Luís de Oliveira, pelos anos que
* REGIMENTOS
medeiam entre 1626, e 1635.
No ano de 1664, e no primeiro do mês de agôsto, foi que
Compõe-se o corpo da guarnição desta cidade de dois Regi- o Conde de óbídos D. Vasco Mascarenhas, Governador, e vice-Rei
mentos de Infantaria de Linha, e um de Artilharia. Aquêles Regi- 110 Estado, pôs guarnição efetiva naquele presídio do Morro, e
mentos no tempo do vice-reinado do Conde de Atouguia, tendo provou o primeiro pôsto de Capitão daquela companhia, o qual
sido terços até então, bem como êste de Artilharia, que só passou foi sempre comandante do presídio, em atenção à economia, para
a Regimento no govêrno do exmo. Manuel da Cunha de Menezes. que sempre se olhou, até que haverá dois anos foi S. Majestade
Bem pudera eu ser um pouco mais extenso nestas notícias; crvida criar um sargento-mor para governador daquele presídio,
a modéstia porém, o sumo respeito, bem como o conhecimento de .' comandante da Companhia da sua guarnição; emprêgo que mos-
mim próprio, me fazem retroceder, logo que sei que o nosso exmo. Ira ser apetecível, se não é que há alguma sinistra inteligência.
Governador, e Capitão-General o exmo. D. Fernando José de Por- Foi aquela fortaleza do Morro de S. Paulo fundada no prin-
tugal animado não só do seu incomparável engenho, e profunda ripio do reinado dos Filipes em Portugal, governando na Bahia
literatura, como por estar senhor dos arquivos mais antigos, e pre- Diogo Luís de Oliveira pelos anos, que deixo referido, em cujo
ciosos de todo o Brasil, como sejam a Secretaria do Estado, a do tempo infestavam as costas do Brasil, tanto os piratas holandeses,
Senado da Câmara, a da Junta da Arrecadação da Real Fazenda, corno os franceses; e receando-se aquêle Governador, que se apos-
e monumentos da antiga Provedoria; a Câmara Eclesiástica, além
• José Antônio Caldas (op. cit.) informa, em 1759, que "a sua guar-
* Tomé de Souza foi o primeiro Governador Geral do Brasil, e não nição é um corpo de infantaria, que consta de cento e vinte homem
da Capitania da Bahia; como tal, era o Capitão-General, e não Oa- com seus oficiais competentes, e sessenta e quatro soldados artílheí-
pitão-Mor, do Brasil. - E.C.
r08 ... " - E.C.
"'0 1549 é o ano certo. - E.C.
243
242
sassem daquele pôsto vantajoso, e nêle se fortificassem, foi pes- 110seus patrões zelam, com muita razão mais do que se fôssem
soalmente ao Morro, e aí convocou as Câmeras das vilas de Ca- h:,"/clas, por lhes mostrar a experiência diária, que aquelas dis-
mamu, Boipeba, e Cairu, e Ihes fêz ver o perigo em que estavam, IllIÇílCS, e liberdades lhes são em extremo prejudiciais, em urna
se o inimigo se apossasse daquele pôsto; que havia precisão de hl..dc como a Bahia, onde a lassidão*, é modo de vida, e onde
fazer nêle uma fortaleza, e guarnecê-Ia com soldados, que defen- p.rrccem mil harpias para cada um Fineu. O serviço que êles
dessem aquela entrada, mas que em razão dos poucos rendimentos i/cm, quando montam guarda, melhor fôra se não fizesse, por-
do Estado se fazia pesado a S. Majestade o sustentar por então IIIC tudo são desordens, tudo inquietação, e desaforos indignos
os soldados que se persuadia ser de razão, que aquelas três Câ- 111 negro mais vil, e dissoluto; o que seus patrões tanto sentem,
maras se incumbissem de dar a farinha precisa para municiar a I"C de boa mente quiseram que S. Majestade os desobrigasse,
guarnição por conta do povo. A vista das utilidades, acederam por rindu a trôco de pagarem, e fardarem à sua custa a duzentos ho-
então todos à proposta do Governador. Aquela finta * que então
nlcns de tropa de linha.
era pouco mais de nada, veio a ser depois pesadíssima àqueles
O segundo é o de Infantaria de Tropa Urbana da praça com-
povos, tanto pelo aumento das praças dos soldados, e preços das
PIl\tO de artífices, vendeiros, taberneiras, e outras qualidades de
farinhas, como pelas violências dos ríntores=-, e coletores* * *, e
como os povos não pudessem mais com aquêle ônus, recorreram homens brancos. Além dêstes há mais o chamado Quarto Regi-
a S. Majestade, no ano de 1732, que mandou informar o Gover- mento Auxiliar da Artilharia, composto dos homens pardos, ou
nador que então era o exmo. Conde de Sabugosa vice-Rei do Es- mulatos livres, e levantado no tempo em que governou esta Capi-
tado, o qual respondendo a favor dos povos, foram aliviados da- tania o exmo. Conde de Povo lide. Bem certo é, que com esta qua-
quele tributo desde o ano de 1734; o que se acha expendido nos lidade de gente se não perde todo o cuidado que haja, mas não
Livros de Registo das Câmaras do Cairu, e Camamu. Há mais merece muita aprovação o tratamento que com aquêle corpo se
na vila da Vitória, Capitania do Espírito Santo, uma outra com- vc praticar o seu Comandante, que de Tenente que era em um dos
panhia de Infantaria de Linha, cujo uniforme é quase o mesmo Regimentos de Linha passou a sargento-mor para comandar o dos
que o do segundo Regimento da cidade, quando aquela do Morro Pardos, ficando tão pago de si com a sua não esperada fortuna,
pouco, ou nada difere do uniforme do primeiro Regimento, cujos que segundo a [ama divulga, parece ter transgredido os limites da
padrões verás no fim desta. eqüidade com todos os que têm praça no Regimento do seu co-
mando; o que pode vir a ter alguma conseqüência não esperada,
logo que êles se consideram em sumo desprêzo, por se lhes dar
• TROPAS URBANAS 11111comandante, que não seja da sua qualidade, e que êste seja
11msargento-mor, quando os Henriques, com quem êles não querem
Igualmente é a cidade guarnecida por quatro Regimentos de comparar-se, ficam com o seu Coronel prêto. O certo é, meu Filo-
Tropas Urbanas, e vêm a ser, o Regimento dos Úteis, levantado pono, que entre êles há bastantes mulatos de probidade; e se se
pelo Governador Manuel da Cunha; é êste composto de comer- olha para os que o não são, entre os crioulos não há menor núme-
ciantes, e seus caixeiros, sendo sempre o seu Coronel o exmo. Ge- ro de vadios. Em tempo ainda do seu Coronel pardo, vivia já
neral. Este Regimento, meu amigo, é mais prejudicial, do que útil; uquêle corpo com desprazer, por algumas desfeitas que lhe faziam,
em primeiro lugar pelos inconvenientes que vêm ao comércio,
como fôsse o não se fiar dêles há anos a guarda principal nos im-
coluna a mais forte, em que se sustenta esta importantíssima co-
pedimentos dos Regimentos de Linha, e muito mais pelo sumo
lônia, em razão das guardas, e exercícios, se perdem os caixeiros
desprêzo com que foram tratados por um daqueles comandantes,
• Contribuição extraordinária, em dinheiro. _ E. C . que estando postado no Terreiro de Jesus com o seu Regimento,
•• Arrecadadores da tinta .
•• '. Coleitores. - E.C.
• La:cidãc. - E.C.
244 245
e passando em dia de Corpus*, o dos Pardos com bandeiras lar- • honra de servir nesse Reino a S. Majestade observei, que eram
gas, e batendo a marcha, nenhum caso fêz dêle; o que eu mesmo como sagrados os Livros-Mestres; aqui porém os vejo em extremo
observei em dois anos sucessivos no mesmo lugar; sendo muito profanados.
de reparar o faltar-se-lhes com as continências militares.
Há mais na praça o regimento de Tropa Urbana, ou Milicia-
nos, composto de pretos forros, chamado de Henrique Dias, tanto • RECRUTAMENTO
antigo, como o mesmo Henrique Dias, memorável pelas suas ações,
e serviços na restauração de Pernambuco. Em diversas partes da Bem quisera eu, meu Filopono, escusar-me de fazer aqui al-
Capitania, e por todo o Brasil, há algumas companhias dos Hen- umas reflexões, que melhor fôra não tocá-Ias, mas receio-me que
riques; as desta Capitania deviam sua subordinação ao Capitão-Mor da minha omissão faça a tua curiosidade assunto para outra carta,
dêste Regimento, que hoje é Coronel. do que vou escusar-me com as breves notícias que continuo a par-
Entra igualmente no corpo da guarnição desta praça uma ticipar-te, como causais daquela confusão, e desordem em que tem
companhia de Familiares, que eu nunca vi formada. stado a tropa da guarnição desta cidade.
Além dos mencionados milicianos há mais na cidade, e seus ~ bem digna de reparo a desteridade* de alguns dos mem-
contornos, dois corpos de Capitães dos Assaltos, comandados cada bros daquelas corporações, para saberem insinuar-se de forma que
um por seu capitão, e sargentos-mores, brancos, quando todo o atendendo mais à satisfação das suas inclinações do que aos deve-
mais corpo são pretos, com patentes unicamente de capitães. Não res inseparáveis de sujeitos caracterizados, e que jamais devem
deixam êstes de ser bastantemente úteis; se em tempo de guerra sucumbir a paixões dignas só dos incluídos na ralé do povo, a
para explorarem as campanhas, estradas, e marinhas, quando ex hipocrisia os transmuda** em camaleões, dando de si aparências
peditos para enviar ordens, e cartas do serviço; se em tempo de do que não são, vindo desta forma a iludir as retas intenções dos
paz para darem caça, e prenderem os escravos fugitivos, de que que por cândidos, e sinceros julgam por si aquêles de quem jamais
se formam temíveis quilombos, bem como para seguirem, à ma- deve ser inseparável a verdade, honra, e probidade; motivo por
neira dos empresadores nas monterias**, os presos que muitas que muitas vêzes há procedimentos, que parecem repugnantes, não
vêzes sucede escaparem das prisões. só à boa ordem, como à razão; como fôsse o precipitado modo de
Além dos mencionados corpos de milícias, há mais na cidade recrutar= " >I< gente para as tropas, espalhando por tôda esta cidade
dois terços de ordenanças, um do Norte, de que é capitão-mor um Regimento com ordem aos soldados, para que a uma mesma
Cristóvão da Rocha Pita; outro do Sul, comandado pelo capitão- hora prendessem sem distinção, nem exceção, todos os brancos que
-rnor José Pires de Carvalho, e Albuquerque; e de todos junto, encontrassem, não sendo militares; o que executado se recolheram
como fica dito, a figura dos uniformes, assim como um resumido à cadeia, e corpo-da-guarda em uma destas levas 445 pessoas de
mapa de cada um dos sete Regimentos de Tropa de Linha, e Milí- diversas qualidades, em que até entraram dois presbíteros; aten-
cias, que presentemente há nesta cidade; lembrando que de um dendo que foi de dia esta diligência; de todo aquêle número se
para outro dia há em cada um, e muito especialmente nos de linha, apuraram ünicamente trinta e tantos homens com capacidade para
alterações consideráveis, e bem dignas de atenção; de forma que soldados; apesar pois de conhecer-se o desacêrto neste método de
eu penso que Dédalo não íêz o decantado labirinto de Creta mais recrutar, êle se repetiu por vêzes, vindo a ficar enxovalhadas mui-
intrincado, do que cada um dos Livros-Mestres dos Regimentos; tas pessoas, que o não deveram ser, em razão dos seus empregos,
livros que parecem desnecessários, logo que S. Majestade é servida estado, e qualidades; a experiência porém tem mostrado, que dêsse
conservar ainda nesta praça a vedoria***. No tempo em que tive pouco número de apurados dentro em poucos dias, só não tinham

" Corpus Christi. - E. C . • Destreza. - E.C.


• • Perseguição. - E. C . •• Transmuta. -E.C.
". • Inspetoria. - E. C . ••• Está. rectutar, daqui por diante. - E. C.

246 247
moléstias que os escusasse do real serviço, os pobres desampara-
dos porque aos outros, dentro em pouco tempo lhas descobriam os 6 e ~ 6 ~ ~ ~ ..!...~ ~ ~
* o: ~ ê;.~
o: c::.- - "O o O:..c:I o: c: o S o:

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seus oficiais. Admirou também, meu Filopono o ver que a tempo !:; 6 e, ~ 2~ ~.o.o o ~ ~ ~ , :~
que as Aulas régias eram bloqueadas, e invadidas pelos soldados; os o ...• O <J> 6 ~ •• •..•".'~ o ••.•
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professôres régios ludibriados, os estudantes de merecimento pre- <oqo ~ ~
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sos, e com praça sem recurso antes dela, saíssem os músicos com 0\ V'\
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o: bIJ o: õí
o: ~.., ••• "O::l
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.;..j.., . o
escusas na algibeira que os isentavam das prisões, havendo nesta S •.. ~.9 ;> õí o: ~: ~ ~ o' ~ l1;l
cidade tantos, que bem chegam para três, ou quatro cidades. ::l o: p.. ~ o •.o o '" .,0: ~ ~ ê5
Fôsse em esquecimento êste modo de recrutar, e então se in- S] -S ..,~. ~ ~ '" '" -S~ =t: bIJ'C:: 1
~ 8 c:: N •.• ",il :21j 8 ~. ~~
cumbiram desta diligência alguns oficiais, que ao mesmo tempo ~.g~~ ~2~.o C::~"O~ S ~.9 o
rondavam de noite a cidade, e por isso eram isentos de todo o ~
mais serviço, bem como os soldados, que os acompanhavam; tal
vOO V .~
porém é a miséria que ainda entre os poucos destinados para êste
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útil serviço, há quem em lugar de ronda faz renda, segundo a voz
o.>oÔ,8
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constante. 0:_.0
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Iguais perturbações sucedem por êste mesmo motivo, nas vilas §~~ •..•
8 o o "'" o .
do Recôncavo, e campos circunvizinhos, onde capitães-mores menos ....,alO .
lj, .o•..•..
o ~
pios, que um Nero, satisfazem de ordinário as suas paixões, e ca- ~11;l
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prichos nas vítimas do seu furor. Aquêles porém que podem, para g ::l , 81
mostrar que sabem triunfar do orgulho do seu perseguidor, de tal
•..o ti 00 'C>'C>N
f"OO('f'),...-.4
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o o .
-Q 0.0 vI- M lal al
maneira se armam na cidade, que dentro em poucos dias vão es- I,
u"08 o: ~ ~....,
cusos do serviço, passar-lhes por diante; vindo só a jazer na praça 'o 0.
IU-
r- r55
----- ----~ ~g
os camponeses pobres, a quem faltam meios de livrar-se; ou alguns g.o~ o: .S al
o
'C>
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forasteiros a quem importa pouco, que os prendam, e assentem li)S,~ (3 MIr) - 6 00.
"00""
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praça, sendo quase infalível o desertarem com prejuízo da Real ~ c:: ~P:1'"
01 c;j 8
Fazenda, a quem não só levam os fardamentos, como muitas vêzes ~ OIJ~ -----8
~ *
as armas. ~ ~,o: ~ * *
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Logo que nos campos, e vilas se fazem recrutas, é infalível .S:
•...
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o
"Ocdã)
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a carestia, e fome na cidade, porque os agricultores, tanto pais, o~-a ~ o
~
como filhos, receosos de os prenderem, se metem ao mato; e então 'J 08
í3 CI) o ---z ""
ficam em campo os atravessadores dos víveres, principalmente de' j a~ o .~ 00
"O •••

-
farinhas; pondo em cruel tortura o povo pobre, que por não poder I

,9 .!:! MM
IJ\II,)
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chegar à carestia dos indispensáveis gêneros da primeira necessi- .g~~
VI
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dade, se vê na precisão de lazarar com fome.

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* VIVA-QUEM-VENCE t.,(!:U t-:I~ S§o
~ E ~ 2- o~ o c:: go:
.::; c, ~ o: '"
Pode bem ser meu Filopono, que algum teu conhecido entu- •.. 8 o
siasmado com as riquezas do Brasil, queira vir servir S. Majestade
sg
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Coo:I-
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~oá'3g~ (.)

no exercício das armas; sendo assim podes avisá-lo que venha mu- ~ ~ ,(3 ~.~ 00.g~g8'"
<::! <::! f:I> <::!.!:! ~~(l)~El'!~
f:I>::S f:I>.!:! o s:::::-'-
......-......- CI')

Il... ~~ e, 'ti' ~~õ~Jl~~


248
Estado em que se achava o 2.° Regimento de Infantaria de Linha
da guarnição da Bahia de que é Coronel-Comandante Francisco
José de Matos Ferreira Lucena em o 1.0 de Outubro de 1798.
Estado Maior completo, à exceção de Preboste, que nunca teve.

Pagamento dos
soldados, e inferiores
no mês de setembro 982$850
P"II,m,",o
de patente.
dos Of'da"[ Oiiciais Inferiores Cabos Soldados Tambores Total
561$766
Total
líquido 1: 498$916
, , ----

I
Prontos I I Em diferentes oca-

Estado efetivo
386
496
I 16 644
Siões recebeu êste Co-
mandante para 672
Estado completo
30
30
28
50
43
50 786 I 22 938 I praças o armamento
Desertores no ano 41 I mencionado no mapa
Mortos no ano 7 I supra.
Sentenciados
Faltam 11
290 I 3 294
Baixas no ano 27

Estado em que se achava o Regimento de Artilharia da guarni-


ção da praça da Bahia de que é Coronel D. Carlos Baltazar da
Silveira, em o mês de setembro de 1798. Estado Maior com-
pleto à exceção de Preboste que nunca teve.

Pagamento dos oficiais


todos no mês de se tem- 606$316
bro.
Pagamento dos solda- Oficiais Inferiores Cabos Soldados Tambores Total
dos no mês de setem- 1:087$230
bro.
Total 1:693$546
-

I I I É de saber que nos


I Prontos I I oficiais inferiores se
306 I I incluem os artífices de
Estado efetivo 30 28 40 464 15 I 592 fogo.
I I Em o 1.0 de janeiro
Estado completo
Desertados no ano
30 36
I
40 1056
33 I 22
I
1200
de 1798 recebeu êste
Baixas no mês
Sentenciados
Destacados
no ano II I
I
I
4
3
16
55
I
II 1 I
I
Comandante o arma-
mento competente aos
seus soldados.
Mortos no ano I I 14 I I

Faltam I 8 I I I I 608
CARTA VII
Estado em que se achavam os quatro Regimentos de Milícias da
guarnição, e auxílio da praça da Bahia em o mês de novembro
de 1798
,9
'" <:)

-
ti. .:::
E o;
~:: <:)
..,
'<:)" Nomes dos Comandantes atuais
E
.5'"
<:)
"I:l
~
"I:l
a s
00
~
'"
c:x:: ~ ~ tt..

I 266 I Pedro Gomes Ferrão Cas-


534
teIo Branco, Coronel
1 343 Inocêncio José da Costa,
457
Tenente-Coronel

634 166 Félix Barbosa, Coronel

4.° 798 '7n?


702 I 86
lU; José Luís Teixeira, sar-I" Pardos
gento-Mor

nido com algum valimento, ou habilidade, porque ou creio que em


poucas partes se pode servir na milícia melhor do que nesta cida-
de, onde tenho visto cingir banda a crianças, que não podem pela
sua tenra idade, nem ter praça de soldados, pela visível lesão, que
destas praças resulta à Real Fazenda. Além do que se tem visto
feitos oficiais de banda, sujeitos com menos de oito meses de praça
de soldados no Regimento de Artilharia; acesso que lhes deu a
futura habilidade, e aplicação que haviam ter, confirmada com
uma, ou duas demonstrações triviais, que nos oito meses se pude-
ram com muito trabalho conseguir; é certo que a aplicação, e des-
teridade falhou os postos, porém persistem com avanço de paten-
tes. Aquêle Regimento porém está muito costumado a ver prodí-
gios mais espantosos do que êstes.
Perdoa meu amigo a digressão, que eu vou continuar com
as notícias da guarnição da praça e Capitania.
Tem da mesma forma atualmente um sargento-mor engenhei-
ro, um capitão, e um outro reformado em capitão de infantaria,
quando apesar de doente, podia muito bem estar em exercício, e
não naquele canto para onde a rivalidade, pouco apetecível o im-
peliu, quando pelos seus serviços, e suma honra, e verdade era bem
digno do acesso. No entender de quem bem pensa, carecia esta
praça, que para ela viesse de Portugal mais algum oficial maior
""'- '••...•~~~ •.-.<,,...1'"1:
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Uniforme do Primeiro Regimento de Linha.
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10
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repartição, pelo muito que nela há que fazer, atento o seu
10 Amhito, número de fortalezas, e mais edifícios pertencentes
Mlljcstadc.
1IIIIIto porém ao que pertence aos Regimentos de Milícias;
I\'~ il exceção dos pretos, têm seu sargento-mor, e dois aju-
\leI! lilildo~ do corpo das tropas de linha para os exercitarem
1ll.IIIl'jO das armas, e mais evoluções precisas para a guerra,
0" 11maior parte pelas rendas do Senado, como viste na minha
" ••ei.iI Curta, e dos comandantes só vence um sôldo módico o
)111'1dos Pretos, e o Sargento-Mor dos Pardos, o que compete
1111p.ucnte. O Coronel do 1.0 Regimento chamado dos Úteis,
111~HIII sempre os exmos. Governadores da Capitania, desde o
lIil'" 1'11Ique foi criado aquêle corpo pelo infatigável General
illll Manuel da Cunha de Menezes.
Ouiscra eu meu Filopono, dar-te uma plena notícia de tôdas
1IIIIIiI~,tanto de linha, como milicianas, que gnarnecem tôda a
Ipitllllia da Bahia, para cabalmente preencher as tuas vistas, e
IIMf" ••er a tua curiosidade; tu porém sabes, que me faltam os
iillil~ para podê-lo fazer com a exação que quisera; pelo que direi
I"l' unicamente tenho podido conseguir; advertindo-te que daqui
xuro, pouca pode ser a diferença. Resta dizer-te que havia
111cidade um têrço de cavalaria auxiliar, e que há pouco tempo
lu chegada do exmo. Governador atual, lhe passou uma revista,
m que apareceram quatro únicos soldados, e quarenta e tantos
.lIdIlIS, cujo sargento-mor se acha hoje reformado com o sôldo
ompctente à sua patente, apesar da decadência em que havia dei-
111"pôr o seu respectivo corpo, apesar ainda de não ser coman-
.1.11111' do mesmo; mas assim sucede sempre, quando se gasta mais
"'111110(segundo aqui ouço) em requerer, do que em servir. Assen-
11111 ti cxmo. Sr. General em que melhor era extinguir, do que con-
1'1v.ir aquêle corpo,° certo porém é, que apesar da desigualdade
li" terreno, que circula a cidade, e da extensão da sua marinha,
11 creio, que se houver (o que Deus não permita) ocasião de
1III'li,ão; êle virá a ser criado de nôvo.

• !TAPARICA E VILAS DO RECÔNCAvo

Defronte da cidade para a parte de Oeste, fica, como disse


na minha precedente, a ilha de Itaparica, que cobre a terra firme

253
da Pirajuía, e seus ilhotes; nela se erigiu em outro tempo um Têrço A marinha que decorre do rio Pitinga até Pirajá é defendida
de Infantaria Auxiliar para guarnecer as importantes margens da- I' 11111outro Regimento de Milícias, e algumas companhias de
quela ilha, e a êste se uniu para o mesmo efeito algumas compa-
ICIiI~ .
nhias da mencionada Pirajuía; no tempo em que o exmo. Conde
de Povolide foi Governador, e Capitão-General desta Capitania: A marinha porém que medeia entre Pirajá, e a ponta de Santo
mandou recrutar, e reformar aquêle Têrço, que então ficou com 1I1<\l1ioda Barra, na qual fica situada a cidade do Salvador, des-
doze companhias, e oitocentos homens, com seus oficiais compe- 111.1na minha primeira Carta, é defendida pelas tropas da mesma
tentes; acedia mais para a guarnição do distrito mencionado uma Id,uk já expressadas. As doze léguas de marinha que decorrem
companhia de cavalaria com cinqüenta homens, e uma de pretos ll.1 ponta de Santo Antônio para o Norte, até a Tôrre de Garcia
dos Henriques com mais de cem praças, e com êstes corpos aquêle "Avi Ia, são defendidas pelo Regimento de Milícias da Tôrre, e
então Têrço, e hoje Regimento, a fortaleza de S. Lourenço colo- Onlcnunças, além da massa do povo, capazes todos de defender
cada na ponta da mesma ilha, guarnecida dos competentes arti- lll" casas, e famílias, ajudados das vantagens do terreno, bastan-
lheiros, nas ocasiões de necessidade se guarnece tôda a marinha, temente atendíveis.
que decorre da ponta do Garcez até a barra do rio Peruaçu, quan- Estas são as paragens aonde nesta Capitania se carece mais
do o interior do rio Jaguaripe é guarnecido com as companhias IIl' guarnição, e estas são as tropas com que se guarnecem; lem-
de ordenanças, que sempre houve. brundo-te sempre, que êstes são os alistados, mas que na ocasião
O continente todo, que decorre da aldeia de N azaré até a vila IIl' defender a pátria, e os bens, arma cada um, e principalmente
de Maragogipe, Muritiba, Cachoeira, seus campos até os limites 11' senhores de engenho, e mais poderosos os seus dependentes, e
interiores da vila de Santo Arnaro da Purificação, é guarnecido
cscruvos, de forma que pelo número, e perícia do terreno, destreza
com um Regimento de Cavalaria Auxiliar, que o exmo. Conde
110atirar, podem fazer uma defesa tal, que motive arrependimento
de Povolide fêz recrutar, e completar com o competente número
de oficiais, dando ordem para que sempre se conservasse no bom 11 quem tentar hostilmente um desembarque, contanto que seja
estado, em que o pusera; e depois criou mais o exmo. Marquês de pressentido.
Valença um Têrço de Infantaria Auxiliar, Regimento hoje de Milí- Para que neste artigo não fique cousa alguma que te obrigue
cias; e no interior, e margens do rio Peruaçu, se conservam duas 11reperguntar, lançarei aqui os mais corpos alistados, que me consta
companhias de ordenanças; com o que fica bem defendido o país, haver por tôda esta Capitania.
tendo o fortinho de Santa Cruz na margem do Sul do rio Peruaçu,
Na vila de S. João de Água Fria comarca, e sertão da Bahia,
distante duas léguas da sua foz, que sendo preciso se pode forti-
ficar com artilharia melhor do que a que tem, e guarnecer com onde em duas freguesias poderão haver três miL almas, se acha
o competente número de artilheiros, que bem possam manobrar um competente corpo de ordenanças.
com as suas sete peças. Itapicuru de Cima, vila na com arca, e sertão da Bahia, que
Para defender a marinha, que decorre da foz do rio Peruaçu terá no seu distrito 5 600 almas com pouca diferença, tem igual-
até Santo Amaro da Purificação, e dali até a vila de S. Francisco, mente as suas ordenanças competentes.
e ainda até o rio Pitinga, criou o exmo. Conde de Povolide um
Há igualmente ordenanças na vila da Abadia com arca da Ba-
Têrço, hoje Regimento de Milícias, havendo igualmente muitas
companhias, de ordenanças, que suficientemente defendem aquela hia; tem esta, e as suas dependências três freguesias, duas na ma-
marinha, quando pelo continente defendiam as companhias de ca- rinha, e uma para o interior da terra, com seis para sete miL almas.
valaria auxiliar do Têrço da cidade, enquanto existiu, visto que êle Vila Nova Real del Rei, comarca, e sertão da Bahia com
chegava até a dita vila de Santo Amaro, além de algumas outras duas freguesias, e 2 500 almas com pouca diferença, ambas elas
companhias de ordenanças, e pretos dos Henriques. com marinha, tem as suas competentes ordenanças.

254 255
• SERGIPE E ESpíRITO SANTO
plicar, logo que se verifiquem as reformas de dois coronéis,
c alguns tenentes-coronéis, sargentos-mores, e mais oficiais, que
A Capitania, ou comarca de Sergipe del Rei tem nas vilas, nâo tardando muito se esperam.
e freguesias da sua dependência, situadas, tanto pela marinha, como
pelo interior do continente os competentes corpos de ordenanças,
e tôdas elas 15 400 almas com sua diferença.
Na capital da mesma Capitania há mais 30 homens de Infan-
* EFETIVOS REDUZIDOS

taria de Linha, além de um Regimento de Milícias, e um corpo de


cavalaria. Atendendo ao grande recinto, que hoje tem esta cidade, às
muitas fortalezas que defendem o desembarque nas suas marinhas,
A vila de Santo Amaro das Brotas tem ordenanças, e cavalaria.
e as diferentes passagens pelo continente; observando ao mesmo
A vila do Lagarto tem igualmente ordenanças, e cavalaria. A
vila de Santa Luzia, tem ordenanças, e cavalaria. tempo o pouco número de corpos, e praças que há de tropas de
linha, como vês nas recopilações supra-escritas, se conhece com
Igualmente tem esta guarnição a vila de ltabaiana. Nas co-
evidência, que elas são tão poucas, que unicamente chegam para
marcas tanto de Ilhéus, como de Pôrto Seguro há unicamente as
ordenanças *. as guardas do interior da cidade, e manter o povo em sossêgo; e
pode bem ser que êste seja o pensamento, porque sempre se con-
Na Capitania porém do Espírito Santo, além de uma compa-
servam no pé em que se acham, com insignificante alteração, sendo
nhia de Infantaria de Linha, há ordenanças, e creio haverá Regi-
uma das vistas de política econômica, atenta a muita despesa que
mento, ou Regimentos de Milícias, do que não tenho a notícia
precisa. faz a Capitania, o conservar aquêles corpos sem tôdas as praças
que correspondem ao seu devido número, quando por outro prin-
Esta é, meu Filopono a tropa viva, que me consta haver na
cípio é quase impossível o preenchê-Ias, qual é o não haver donde
Capitania da Bahia, sem falar em um antigo corpo da conquista do
tirar gente para elas, apesar de não ser pouca a que se vê na Bahia,
gentio bravo, * *, cujo corpo a meu ver é quimérico, mas não a con-
mas de qualidade tal, que o sentar-lhe praça é mais prejudicial,
siderável despesa que a Real Fazenda está fazendo com homens,
que proveitoso; uma grande parte dos brancos são caixeiros indis-
que se existem há mais de cem anos, que de nada servem mais
do que comerem soldos. pensáveis aos comerciantes, os quais sendo tirados para soldados,
em uma terra onde se vive exclusivamente do comércio, e da agri-
cultura, pois que dêstes dois ramos de indústria sai a maior parte
• TROPA MORTA das rendas do Estado, para sustentação dos mesmos militares; fa-
zem falta muito sensível.
A tropa morta= v= porém compreende um coronel reformado Se são tirados dos campos, a agricultura cessa; não laboram
em brigadeiro, cinco sargentos-mores, oito capitães, quatro ajudan- as fábricas, não descem os gêneros; êles se introduzem nos matos,
tes, nove tenentes, quatro alferes, um cirurgião-mor, três sargentos, e por isso sobe tudo na cidade a preços altos, e se vem a padecer
dois cabos, e trinta e um soldados, que tantas são as praças, que a triste fome. Se se prendem na cidade, ou nos campos os foras-
se acham aposentados, e reformados nesta Capitania, no tempo que teiros adventícios, é em prejuízo grave da Real Fazenda; porque,
escrevo esta; com as quais se dispende cada um mês 576$731 rs., como já disse, logo que recebem as fardas, e fardetas, a maior
e cada um ano 6:920$752 rs., despesa, que sem dúvida há de du- parte dêles desertam, levando muitas vêzes o armamento; e de or-
dinário só persistem nas praças alguns filhos da terra, e aquêles
• Ilhéus e Pôrto Seguro eram (e são) comarcas baianas. - E.C. que se engolfam na libidinagem, e outros tais que por indignos
•• Bravio, ou, na forma brasileira, brabo. Segundo José Antônio mais acertado ~eria despir-lhes as fardas, do que condecorâ-Ios com
Caldas, da conquista do gentio bárbaro. - E.C.
••• Inativos. - E.C. elas. Para os descontentes é muito fácil a fuga, tanto em alguns
dos muitos navios q.ue saem par~ diversas partes, disfarçados em
256
257
marinheiros, quanto para os diversos sertões do interior do conti- deu ordem aos oficiais inferiores do seu comando, para que saíssem
nente. Os filhos da terra, se são constrangidos a sentar praça, armados de espadas, e por qualquer frívolo pretexto acutilassem
pouco é o tempo que nela persistem, porque logo aparecem molés- as rondas da polícia; quando não havia precisão de fazerem uma
tias, que os fazem isentar do serviço. Os que persistem mais nos tal diligência, logo que os soldados fôssem obrigados a estar nos
Regimentos, são os mulatos forros, que por menos escuros não há seus quartéis, e nêles revistados em diferentes horas da noite em
muito pejo de sentar-lhes praça, os filhos dos oficiais maiores da- observância do regulamento; se os soldados soubessem o para que
queles corpos, e alguns dos poderosos, e ricos, que querem apro- se toca a recolher, se houvera cuidado em fazer ranchos nos quar-
veitar-sc do fôro, e com o intuito de passarem dentro em poucos téis, e não se deixassem lazarar de fome os soldados mantendo-se
meses a oficiais, como sucede, pois eu os vi, como já disse, cingir das imundas viandas, que pelas ruas compram às negras, se final-
banda em idade, que seria inconsciência- admiti-Ias na praça de mente houvesse a economia militar, que tanto se recomenda, e de
soldados, pelo nada para que servem; assim como tenho visto na que aqui se não faz o mínimo caso, não haveria o mar de desgra-
praça de capitães, quem nunca fêz uma só sentinela como soldado. ças que todos os dias estão acontecendo; se não se permitira o
Ora meu amigo, um dêstes que conta serviços de poucos dias de- andarem os soldados armados de facas, assim de dia, como de
pois de nascido, pedindo a remuneração dêles, se teimar viver, noite; se não se mandassem conduzir presos, e fazer semelhantes
parece não haverá com que remunerá-Ias. diligências com as baionetas desembainhadas na mão, logo que elas
e, igualmente digno de saber-se, que nesta praça não fazem nada mais são do que uns punhais, com que nunca se pode casti-
os oficiais destacamentos fora da cidade, à exceção de alguns que gar, e quase sempre matar, de forma que se um prêso por incon-
quando neste pôrto se faz** embarcação de S. Majestade, vão nela siderado lhes quiser escapar, ou há de fugir, se não vem pegado,
de guarnição à Côrte, donde ordinàriamente vêm remunerados com e seguro, ou há de morrer varado com uma baioneta, o que raras
avanço de patentes, e mercês. vêzes sucedera vindo esta na bôca da arma, com a qual se lhe
dá uma pancada, que o atordoa, e segura, e não um bote, que o
atravessa; falo, meu amigo, com a experiência de dez anos, que
'" INDISCIPLINA E PREPOTÊNCIA tive de servir voluntàriamente a S. Majestade em um Regimento,
que bem podia passar por exemplar de todos.
e, muito para refletir a ascendência que o corpo militar se Coibir-se-iam muitos insultos, se os soldados não estivessem
tem arrogado sôbre o mísero povo, que com orgulho lha tolera. persuadidos, de que por mêdo que dêles há, é que nenhum jamais
Sucedeu que ficando perto de trezentos facinorosos dos que iam chega à pena última, seja qual fôr o seu delito; seriam êles mais
degradados para a 1ndia em o navio Polifemo, foram distribuídos moderados, e circunspectos a não contarem sempre com os votos
pelos três Regimentos da guarnição desta praça, e logo que saídos dos seus oficiais, e camaradas, nos conselhos de guerra, onde ape-
das enxovias, vagaram pela cidade, foram tantos os roubos, e as- sar das diligências, e excessivo trabalho do habilíssimo, e entendido
sassínios, que quase tôdas as noites perpetravam, que ela ficou
Auditor em explicar-lhes o espírito, e inteligência das leis, saem
inabitável; para ocorrer a uma tal desordem mandou o Ouvidor
com monstruosidades abomináveis em votos dignos só do juízo de
Geral do Crime, Intendente da Polícia dobrar as rondas, e prender
os agressores que encontrassem; sucedeu pois que todos eram sol- tapuias selvagens. Deveram uma grante parte dos oficiais dar me-
dados, não -só dos degradados, como ainda dos veteranos, e quando lhores exemplos aos seus soldados, quanto à civilidade, e não
os chefes daqueles corpos parece deveram estimar uma tão justa faltarem com o cortejo político aos ministros, como por muitas
del~beração; tanto em grosso a tomaram, que tal houve dêles, que vêzes observei, que saindo da Relação o Chanceler, e mais desem-
bargadores, e passando por oficiais, soldados, e tambores nem um
• 'qonsciencia. - ,E. C . único os cortejou, motivo por que a maior parte dos soldados
•• Isto é, chega -, E.
desta praça, são em extremo incivis.
~58 259
* HOSPITAL ta mente os estafam os oficiais da tropa de linha, encarregados de
os exercitar.
E para admirar a grande desordem que há no hospital em Não é porém bem entendido o mandâ-los destroçar, e levar
prejuízo da Real Fazenda, e muito mais o ver que nêle mandam cada um para suas casas as armas, que muitos entregam a um ne-
os cirurgiões-mores dar aos soldados, regalos, de que êles próprios gro, que vendo com a baioneta na bôca, fazem desordens, que
se dispensam em suas casas; de forma que me persuado ser o hos- não devem permitir-se. O certo porém é, que nestes corpos de milí-
pital da Bahia o único, onde se dá aos soldados, quando o pedem, cias é que deve esperar-se a defensa da cidade; e é tudo o que a
leite para almoçar, ovos, manteiga, doce indispensàvelmente para respeito da guarnição da Bahia pode informar-te
a sobrmesa; pão-de-Ió, mãos de vaca, a que chamam aqui mocotós,
e o mais é que caruru, vianda que já em outra parte te expliquei; o teu muito amigo, e venerador
com êstes regalos pois é raro o que quer sair do hospital, por sa-
ber que fora dêle se os quiser os há de comprar pelo mesmo que Amador Veríssimo de Aleteya.
custam aS. Majestade, para ali lhos dar. Tem havido senten-
ciados em conselhos de guerra, que passam no hospital todo o
tempo do seu degrêdo, de forma que sentenciados vem a dispen-
der a Real Fazenda com cada um dêstes mais, do que com três,
ou quatro em atual serviço. O certo é que tôdas estas desordens
procedem da falta de economia militar.
E a falta desta igualmente prejudicial à Real Fazenda com o
excessivo gasto de pólvora, que desnecessàriamente se faz; já eu não
digo nas fortalezas com certas salvas, inteiramente desnecessárias,
como no ensino das recrutas novas, e exercícios freqüentíssimos
de fogo, com infinidade de cartuchos, de que se não queima a
décima parte, mas sim se vende a fogueteiros, e por êste, e seme-
lhantes modos, se dissipam muitos mil cruzados da Real Fazenda,
por falta de quem saiba, ou queira economizá-Ia.

* MILícIAS

Já eu te disse a qualidade da gente de que se compõe cada


um dos corpos de milícias; todos os oficiais, e soldados de cada
um, se fardam à sua custa, e se asseiam tão bem, ou melhor, que
os de linha; tôda a semana se emprega cada um no ofício da sua
profissão, e sendo para todos, de descanso os domingos, para êles
são os dias de maior trabalho, porque em todos são obrigados a
ir ao campo fazer exercício, donde recolhem ao anoitecer, tendo
saído pelas três para as quatro horas da tarde, e todos se acham
suficientemente exercitados no manejo, e marchas em que indíscre-

260 261
CARTAS VI e VII

NOTAS E COMENTÁRIOS DE BRAZ DO AMARAL

A SEXTA CARTA de Vilhena é dedicada à fortificação e defesa


da Bahia.
A primeira obra dêste gênero que existiu aqui foi provisória, feita
por Tomé de Souza, um muro de taipa, suficiente para cobrir a nova
cidade dos ataques dos índios que não tinham engenho algum de guerra
e que só combatiam com flechas, conforme já deixamos consignado.
Mais tarde se começaram a construir fortificações pequenas, como
a de São Filipe e S. Tiago, na praia, próximo à Ribeira das Naus,
lugar onde existiu o Arsenal de Marinha, área que é ocupada hoje pela
Escola de Aprendizes Marinheiros, Mercado Municipal, etc., e a do
Monserrate na formosa ponta da península de Itapagipe que tem aquêle
nome; e a própria fortaleza de S. Marcelo, chamada primitivamente de
N. Senhora do Pópulo, já se achava delineada e começava a se levantar,
quando chegaram os holandeses em 1624.
1:,ste período grave da história do Brasil foi o que motivou a
atenção prestada pelo, govêrno português à capital da colônia.
Erigiram-se numerosos redutos e o lugar onde hoje se acha o forte
de S. Pedro foi assinalado pelos batavós como um dos mais próprios
para um ponto militar, assim como o morro ou alto onde hoje se
acha a' praça da Piedade. '

263
A defesa da marinha tornou-se de imperiosa necessidade, pelo que poderá desenvolver bem, e nunca poderá, em própria vantagem, apro-
" o governador Diogo Luís de Oliveira começou a fazer, ou indicou os veitar os seus admiráveis recursos.
lugares onde se deviam levantar fortificações e trincheiras. Vilhena critica muitas das fortificações que existiam nos princípios
:É do tempo dêle que data a fortaleza da ilha de Tinharé, ou do
do século XIX, e nalguns casos com muita precisão e justeza, mas
morro de S. Paulo, na entrada da baía, assim como consideráveis me- havia sempre um sistema de fortificação, isto é, o português estava
lhoramentos nos castelos das Portas do Carmo e S. Bento. preparado para defender a cidade e o pôrto, bem ou mal.
E foi o único ponto do Brasil em que as armas da metrópole se
Também foi êste governador quem levantou uma trincheira numa
mantiveram, salvaram a honra da bandeira e resistiram.
posição dominante sôbre o mar e no caminho que do lado do Norte E se não lhes tivesse faltado o apoio das populações, se não lhes
vem para a cidade, em frente da esplêndida situação natural que Cris- escasseasse a subsistência, por muito mais tempo teriam resistido; e
tóvão de Aguiar Daltro tinha escolhido para levantar a capela de Santo
ainda se o comando naval tivesse sido melhor, é difícil dizer se a in-
Antônio além do Carmo. dependência nacional se teria realizado.
Também foi êle ainda o construtor do reduto Santiago no morro Foi o único ponto em que houve luta por ela, enfim, porque nos
acima falado, onde hoje é a praça da Piedade. outros lugares, no resto do Brasil, a independência se fêz com pala-
Quando chegou o Príncipe Maurício de Nassau com um exército vras e frases, proclamações empoladas e gestos que não custam muito,
e uma armada, quando deu desembarque em S. Brás e N. S. da vivas entusiásticos que não é difícil pronunciar, quando não se tem
Escada, e dali marchou para a cidade, foi que se viu como Diogo diante o pêso da guerra, com as suas trágicas ações e os seus dolorosos
Luís de Oliveira havia sido previdente. efeitos.
A trincheira de Santo Antônio além do Carmo foi um dos pontos Na Bahia havia sido construído pelo português um sistema de
de apoio das tropas que defenderam a cidade. defesa.
Ali os holandeses assaltaram com furor e dali foram repelidos. O brasileiro, que substituiu o português, tudo abandonou.
Para impedir que esta posição, chave da defesa, fôsse torneada, Era natural que as fortificações, seguindo a regra de tôdas as cou-
foi que Francisco Barbalho levantou a obra que ainda hoje tem o seu sas humanas, fôssem ficando obsoletas e se tornasse portanto preciso ir
nome, Fortaleza do Barbalho, obra com a qual cobria as suas tropas acompanhando nelas os progressos da arte militar.
e prestou mão forte às que defendiam a capital, um pouco mais para Mas não foi isto que se fêz.
diante.
Foi desleixado todo o sistema de defesa, todo o preparo militar,
Os sucessos da guerra mostraram, com esta eloqüência que as cou- como se já não se fizessem guerras e o mundo houvesse chegado a
sas materiais e evidentes trazem em si, que as fortificações começadas êsse período de uma profunda paz, ideado pelos filósofos e pelos
deviam ser mantidas. filantropos.
No tempo de Câmara Coutinho se tratou disto com interêsse e,
Hoje, de tôda a defesa, nada mais resta. Os fortes foram se ar-
mais tarde, quando governava o Brasil o Marquês de Angeja, no prin-
ruinando e quando não tinham mais telhados os quartéis para abrigar
cínio do século XVIII, veio aqui um especialista em fortificações, o
as guarnições, estas mesmas se foram retirando, de modo que é isto
engenheiro João Massé, e êste apresentou um plano geral de defesa da
como uma propriedade, outrora tratada e zelada, que tinha cêrcas e
Bahia.
muros, a defender as plantações e os bens das incursões dos vagabun-
N o alto do plaleau que se estendia por detrás do convento de S. dos e estranhos, e que passou depois a pertencer a outra gente, que
Bento, propôs êle que se fizesse uma cidadela que daria à capital uma não faz caso dela, ou que supõe não haver mais vagabundos e estra-
resistência semelhante à de Nápoles. nhos, vendo-se agora as cêrcas caídas e os muros desmoronados, sinais
As outras fortalezas, umas já existentes, outras que constavam do dos antigos cuidados e dos desvelos desaparecidos.
plano, deviam completar a defesa, e fariam da sede da colônia por- :É verdade que de vez em quando se fala na defesa da Bahia e
tuguêsa talvez uma das cidades mais fortes da América. não poucos projetos se têm feito para obviar êste desmantêlo e corrigir
Se isso se tivesse realizado, certamente muito diversa teria sido tal descuido.
a sorte da Bahia, porque é fora de dúvida que" para aqui teria vindo Um dos últimos trabalhos desta ordem foi feito pelo oficial de
a Família Real portuguêsa, pela proteção que lhe haveria prometido artilharia Rêgo Barros.
a segurança de uma tal praça fortificada; antes disso, a capital nunca Mas é tudo.
daqui se teria mudado, o desenvolvimento comercial se teria estendido Oxalá que nunca tenha esta nação brasileira questão séria com al-
para fora da vizinhança dos fortes, isto é, para as penínsulas de Ita- gum país que possua Marinha capaz!
pagipe e de Paripe, para a baía de Aratu e as ilhas do gôlfo, e a
A fortaleza de N. S. do Pópulo, ou de S. Marcelo, foi terminada
Bahia seria ainda a capital do Brasil, com um destino político muito
em 1772, tendo começado a sua última reedificação o vice-Rei Conde
diverso, pois, fazendo parte de uma confederação como I(§til! núnca S8

264 265
de Sabugosa, como indica a seguinte inscrição: Vasquius Fernandes* João de Lencastro, quando governou êste Estado do Brasil, que man-
Cesar Menesius totius Brasil! auspicatissimus Pro-Rex hanc arcem co- dasse edijicar e acrescentar de nôvo* esta fortaleza em 1696.
ronavit, anno ab apprehenso clavo et a Christo nato - 1728. As obras foram acabadas em 1772 no tempo do govêrno do Conde
O Forte do Barbalho foi terminado no tempo do Conde das Gal- de Povolide.
vê as como denota a inscrição: O muito Alto e Poderoso Rei D. João V Hoje lá está o farol da Barra.
mandou edijicar esta fortaleza e se completou, sendo vice-Rei do Estado Já em carta de 10 de dezembro de 1696, havia o rei aprovado a
do Brasil o Conde das Galvêas em 25 de agôsto de 1724. providência de D. João de Lencastro que mandara aumentar a forta-
leza com um farol, para avisar os navios dos baixos que por ali há.
A fortaleza de S. Pedro foi acabada em 12 de agôsto de 1722,
O forte de Monserrate, que é um dos mais antigos da Bahia, con-
no tempo de Vasco Fernandes, depois Conde de Sabugosa .
forme ficou acima dito, foi reedificado no século XVIII, e terminadas
Haviam os holandeses reconhecido, como referi acima, a necessi- as obras em 18 de setembro de 1742, no tempo do vice-Rei D. André
dade de fortificar aquela posição e fizeram ali os portuguêses uma de MeIo Castro, Conde das Galvêas.
trincheira de terra, provàvelmente no tempo de Diogo Luís de Oliveira. No dia 11 de dezembro de 1696, acabou-se o fortezinho de Santa
Em 24 de outubro de 1646 a Câmara expediu uma portaria neste Maria, na Barra, cuja necessidade o desembarque feliz dos holandeses
sentido, concorrendo com um tostão cada tarefa de cana que se agri- em 1624 tinha provado.
cultasse, recaindo meio tostão sôbre o lavrador e meio sôbre o senhor Era então governador D. João de Lencastro.
de engenho. Em 1722, foi acabada também a reconstrução do fortinho de S.
Antônio Teles da Silva mandou o Provedor-Mor da Fazenda em Diogo que completava o sistema destinado a impedir o desembarque
1647 adiantar mil cruzados para a obra, e depois mais seis mil. de tropas na Barra.
Em 1712 foi que se fêz o fôsso; mais tarde foi que se aplanou o Governava então Vasco Fernandes.
terreno em tôrno, sendo adquirida para aumentar o Forte uma chácara D. Antônio de Souza de Menezes principiou, em 20 de dezembro
conhecida pelo nome de roça do carcereiro, de modo que em 1722 esta- de 1682, uma fortaleza no antigo Campo da Pólvora por ser aí que ela
va a fortificação em estado de servir. até então se fabricava ou depositava. Esta fortaleza foi mais tarde de-
Em 1716, por carta de 26 de março, havia o Soberano mandado molida por já se achar cercada de edifícios dentro da cidade e por
que se restabelecessem as fortificações do Dique, as quais, com as do estar de há muito abandonada.
Forte de S. Pedro, deviam fechar a defesa da cidade pelo lado de Em 17 de fevereiro de 1723, mandou o rei que se escolhesse sítio
terra. A artilharia do Forte do Mar devia jogar para afastar os navios para levantar a Casa da Pólvora e em 23 de outubro do mesmo ano
que demandassem o pôrto com intenção hostil. respondeu o vice-Rei que ia construí-Ia com o Mestre de Campo En-
A inscrição seguinte indica o trabalho: Regio Optimo Maximo genheiro.
loanni Quinto, ad aternitatem Lusitanis nominis nato Vasquius Fer- Em 16 de maio de 1651 foi ordenada a construção do Arsenal de
nandes Cesar de Menezes Supremos Regni signijer, orientalis, et dein Marinha, no tempo em que era governador o Conde de Castelo Me-
Brasiliensis Pro-Rex, in certum Bello ac Pace Major, Asia ac America lhor.
Felicior: hanc arcem vitricianimo reddidit validissimam. Anno Domini Em 1790, o Governador D. Fernando José de Portugal mandou
MDCCXXIlI. fazer a casa dos intendentes, corpo-da-guarda, etc., naquele lugar.
Em 1716, havia na Barra, entre os fortes S. Diogo e Santo Antônio, Até há poucos anos tinha aquela vasta propriedade pública dois
uma armação de xaréus, a qual pertencia a Francisco Pereira Ferraz, portões, um para a rua do Arsenal, que era bastante estreita, e outro
armação que o Governador julgava inconveniente ali, por motivo de em face da igreja da Conceição.
ordem militar e que depois desapareceu. No Arsenal se construíram muitos navios de guerra e havia ofici-
nas consideráveis.
Em 17 de setembro de 1772 concluíram-se as obras da Fortaleza
Tornava-se porém indispensável dar-lhe nova organização, em vis-
da Barra para defesa da entrada do pôrto desta cidade, a qual havia
ta dos progressos da arte naval, e a mudança para o interior da baía,
sido começada em 1536, por Francisco Pereira Coutinho.** Foi por-
tanto a primeira fortaleza regular que a Bahia teve. para a enseada de Aratu, era uma necessidade imperiosa.
O govêrno resolveu suprimir o antigo e não fundar outro, enten-
Em 1696, foi reformada e se lhe pôs na porta esta inscrição: O dendo que para construção e reparos da Marinha é preferível ocupar
Muito Alto e Poderoso Rei D. Pedro II houve por bem ordenar a D. os estaleiros estrangeiros e que para gastar basta o do Rio de Janeiro
que se não pode suprimir, por ser o da capital do país.
* Na lápide do Forte, Ferdinandus. - E.C.
•• Donatário da Capitania da Bahia. - E. C. • Trata-se, mais uma vez, de obra nova. - E. C .

266 267
Além das fortificações havia naquele tempo pessoal militar mais
D. João, etc. Faço saber a vós, Conde das Galvêas, vice-
ou menos preparado, constituído por corpos ou regimentos de milícias
Rei e Capitão-General de Mar e Terra do Estado do Brasil que
de modo que todo o Recôncavo, o litoral do Atlântico e o interior se
João de Araújo e Azevedo e João dos Santos Ala, Mestres de
achavam em estado de defesa real, isto é, havia homens armados para
Campo dos dois Terços da guarnição dessa praça da Bahia, me
se levantarem e marcharem ao primeiro sinal, o que é extraordinário,
comparando com o estado atual das cousas. fizeram a representação de que com esta se vos envia a cópia
sôbre os prejuízos que os soldados têm na farda e fardeta que
Havia naquele tempo uma fôrça real que, diz Vilhena, faria pagar se lhes costuma dar pelos contratadores dos dízimos, em razão
caro ao invasor a sua temeridade, e hoje esta fôrça não existe. Os das negociações que fazem com as fazendas que dão aos mes-
postos da chamada Guarda Nacional são apenas de portadores de pa- mos soldados apontando os ditos Mestres de Campo o meio
tentes, de modo que se fôsse alguém passar algum dia a revista em por onde se lhes deve atalhar êstes danos e que as fardas se
tais elementos de guerra ou de defesa, encontraria tudo na situação lhes remetam dêste Reino e sejam brancas como as que ulti-
daquele Regimento de Cavalaria Auxiliar que um Capitão-General dis- mamente se lhes mandaram que foram dêles bem aceitas, não
solveu porque encontrou 40 e tantos oficiais e 4 soldados apenas. só pelo ajustado das medidas, mas por se distinguirem na CÔl
Nos lugares em que tinha havido fortificações foram mais tarde dos paisanos e das librés que comumente são de pano azul de
alguns indivíduos requerendo os chãos para edificar casas e de alguns cuja côr eram as fardas de uniformes que antes se davam; o
dêstes requerimentos temos as provas. Uma destas é a de Domingos que sendo visto, Me pareceu ordenar-vos informeis com vosso
da Fonseca Pinto que requereu os chãos de um lugar na ladeira da parecer sôbre esta representação que em muitas partes se en-
Praia, onde no tempo da guerra holandesa se haviam pôsto duas peças. contra com a carta que me escrevestes sôbre esta matéria em
O Capitão-Engenheiro Francisco de Frias informou dizendo: 8 de novembro de 1742; e para se diferençarem as fardas dos
soldados das librés dos criados e escravos, podeis proibir com
Fui como V. s.a me ordenou ver a plataforma da Ladeira pena proporcionada que ninguém se vista uniformemente com as
que está no caminho que vai para a Praia e corno para o efeito fardas dos Regimentos dessa praça e que as librés não sejam
que se fêz de ter artilharia não é de utilidade, como a experiên- das mesmas côres de que são as fardas, juntamente com casacas.
cia o tem mostrado por sua muita altura, coisa contrária ao véstias e calções, porque devem distinguir-se em algumas das
bom uso dela, acho que não é de importância para o dito efeito ditas côres e para se evitar o engano que se pode fazer aos sol-
e só se poderão acomodar as paredes que estão feitas a uma dados na entrega da fardeta e mais fazendas que o contratador
casa particular, e não grande. Na Bahia, dez de novembro de lhe entrega no caso em que o deva fazer por algumas das suas
1633. - Francisco de Frias de Mesquita. condições enquanto estas se não reformam se vos ordena man-
deis que os Mestres de Campo se louvem pela parte dos soldados
O respectivo fôro foi concedido mediante o pagamento de 10$000 nos avaliadores que êles referem são nomeados por parte da
por ano. Fazenda Real e que no ato desta avaliação assistam os sargen-
Os lugares onde estão os conventos da Lapa e o do Hospício de tos-mores dos Têrços determinando-Ihes vós os lugares que Ihcs
Jerusalém foram também sítios de trincheira. competem para poderem requerer e zelar o que fôr a bem dos
mesmos soldados e vos darem parte do que se obrou e de tôdas
A pedra do Tororó, com urna inscrição, a que se refere Vilhena,
era a inscrição do ângulo de um dos baluartes da cidade, baluarte que as dúvidas que no ato da avaliação houvesse para vós as deter-
devia flanquear outras obras de fortificação. Ela foi encontrada por minardes, e, feita a dita avaliação, terá um dos sargentos-mores
João Pires, então dono do Tororó, em 1776. que vós nomeardes uma chave dos armazéns em que estas fa-
zendas estiverem, para se não ir dêle sem intervenção do dito
Este baluarte do Tororó havia sido projetado no tempo do go-
sargento-mor, e se evitar a fraude de que os suplicantes se
vêrno de Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, o Almotacé,
corno acima disse. queixam, tendo o contratador outra chave, ou as mais que qui-
ser ter no dito armazém. EI-Rei Nosso Senhor o mandou por
f.ste plano de fortificação não se executou.
Alexandre de Gusmão e Tomé Joaquim da Costa Côrte Real do
Ele foi modificado pelo engenheiro João Massé, do qual falei em seu Conselho Ultramarino e se passou por duas vias. Teodoro
outro lugar, cujo risco também não foi levado a efeito. de Abreu Bernardes a fêz em Lisboa a 9 de setembro de 1744.
Sôbre alguns vestuários, uniformes, certos costumes e abusos que O Secretário Manuel Caetano Lopes de Lavre a fêz escre-
se usavam e se davam nos tempos coloniais, encontram-se interessantes ver. Rajael Pires Pardinho, Tomé Joaquim da Cosia Côrte Real.
provas na correspondência e pelo valor que isto tem para a vida da
sociedade daqueles tempos na Bahía, traslado aqui nesta nota a se-
guinte carta:

268 )c.
Carta Oitava

em que se dá uma breve noção dos estudos na


cidade da Bahia, tanto antes, e no tempo da ex-
tinção dos Jesuítas, como no tempo presente;
mostra-se a causa da decadência, o número das
Aulas que há na cidade e Capitania, com o or-
denado dos respectivos projessôres, jazendo ver
o como é quase impossível a subsistência, prin-
cipalmente dos que nada mais têm que os seus
ordenados, e o mais que no breve contexto dela
se verá

F Vou já satisfazer
ILOPONO, meu caro amigo.
a tua curiosidade não da forma que desejavas,
mas pela que me é possível. Duas são as vêzes que me tens pe-
dido te dê informação do estado em que nesta cidade se acha a
literatura; lembro-me, meu amigo, ter muitas vêzes ouvido exage-
rar os grandes talentos, luzes e ciência dos naturais desta cidade
que se têm aplicado a estudos, e a experiência me veio mostrar
tanto nos poucos que restam da abolida escola como nos da atual
que querem aplicar-se, que nenhum favor lhes fazia quem os elo-
giava.

* JEsuíTAS
No tempo em que existiam os extintos Jesuítas, incumbidos
então de tôdas as escolas menores, tanto em Portugal, como por
todos os seus domínios, havia nos Gerais do Colégio desta cidade
sete classes em que se instruía a mocidade, não só da capital, como

273
de tôdas as vilas da Capitania, e seus distritos, e desta tiravam estas se perdem dentro em pouco tempo nas mãos de uns tais
aquêles religiosos a escolha para a sua religião*; meio de que possuidores.
se serviam para introduzir-se na direção das famílias, e governos
das casas, fôssem as suas vistas quais fôssem; vendo porém aquêles
religiosos que o seu Colégio Capital não era bastante, erigiram * ENSINO PÚBLICO
outros em diferentes partes, como poderás ver na * * em que te no-
ticiar do govêrno eclesiástico desta cidade e Capitania. No ano de 1759 foi o paternal amor do augustíssimo Sr.
Na primeira das sete mencionadas classes se ensinava gramá- Dom José I servido obviar a muitos abusos que nos estudos se
tica portuguêsa, desta passavam os meninos a aprender na segunda haviam inovado por todo o tempo que aquêles extintos religiosos
os primeiros rudimentos da língua latina, estudavam sintaxe, e sí- os haviam dirigido, extinguindo também aquêle pernicioso método
laba na terceira classe, da qual passavam para a quarta onde apren- por que se gastava meia vida de um estudante com o simples es-
diam a construção da mesma língua, e retórica, tal qual então se tudo de gramática latina, devolvendo a Geral Diretoria dos Estu-
ensinava. Na quinta a matemática; na sexta filosofia, e na sétima dos ao eminentíssimo Cardeal Almeida, de quem depois a fêz
se ensinava teologia moral. declinar para o Tribunal da Real Mesa Censória, que foi servido
Além das Aulas do Colégio se ensinava também filosofia em criar, e para cabal conclusão dos seus paternais projetos foi igual-
alguns conventos como fôssem os do Carmo, e S. Francisco onde mente servido criar para todo o Reino, e Senhorios as cadeiras de
também freqüentavam estudantes seculares, e além destas havia Retórica Línguas, Grega, Hebraica, e Latina, como também as
algumas outras de clérigos, e seculares, tanto de gramática latina, escolas das primeiras letras que melhor poderás ver no mapa junto
como de filosofia, e de crer é as não haveria se não tivessem fre- à lei da criação delas; condecorando aquêle Régio Tribunal com
qüência de ouvintes. o poder de prover nos casos de pouca ponderação, e expediente
ordinário, e de o consultar naqueles que carecessem da sua real
Depois da extinção daquela religião ficaram as outras Aulas
determinação; e desta forma se dispôs aquêle augustíssimo So-
com muito maior freqüência, de forma que havia Aula de filosofia
berano a banir pela segunda vez de entre os seus vassalos aquela
em que andavam mais de oitenta estudantes, não sendo a única,
mesma estupidez, e pedantismo que tendo sido desterrada pelo SI.
e por aqui se pode coligir a freqüência que teriam as de gramática.
Rei D. João Hl, teve a desteridade de regressar na infância do Sr.
Não há dúvida que com a falta daqueles religiosos cessaram Rei D. Sebastião, engrossando a escolta de infortúnios, que então
em parte os bloqueios freqüentes aos pais de família que viviam acometeu, e por quase um século socalcou" o Império português.
entusiasmados que nada era neste mundo quem não tinha um
filho religioso da Companhia, e a não ser nesta, em alguma das A augustíssima Rainha nossa senhora à imitação do seu au-
outras religiões que tinham por segunda classe, motivo por que gustíssimo Pai, continuou nos mesmos projetos de animar os apli-
ainda hoje se acham restos de famílias com quatro, e cinco Irmãos cados, manter os professôres públicos, provendo as cadeiras que
religiosos, e religiosas, e algumas com outros tantos clérigos, e por vagavam com aquêles sujeitos, que por aquêle privativo Tribunal
esta razão foram imensos cabedais cair em corpos de mão morta, lhe constava tinham a capacidade, zêlo, ciência e morigeração re-
com indizível prejuízo ao Estado, tanto pela falta do seu giro no queridos em quem há de, naqueles seminários dos principais mem-
comércio, como por virem a parar muitas, e nobilíssimas fazendas, bros do Estado e da Igreja, infundir na tenra mocidade, as pri-
como sejam engenhos de açúcar, e fazendas de gados pelos sertões meiras idéias da religião, e obediência ao Soberano.
em poder de bastardos, pela maior parte mulatos, filhos muitas Imitando os seus augustíssimos Avô, e Mãe continua o sere-
vêzes cada um de sua mãe, mostrando a freqüente experiência que níssimo Príncipe nosso senhor, que felizmente nos rege, e apesar

• Ordem religiosa. - E. C .
•• Carta ... - E.C. • Subcalcou. - E.C.

275
274
do intrincado de deliberações políticas, e da maior conseqüência Aulas ao desamparo, e Sua Majestade pagando a quem a não
na presente época se não olvida de prover as cadeiras que vagam, servia.
e criar as novas de Matemática, ciência, indispensável a todos os Logo que constou a vinda desta ordem exuItaram os benemé-
povos, que se prezam de policiados. ritos de prazer julgando chegava o tempo de se diferençarem os
Vendo porém Sua Alteza Real naquele Tribunal régio em bons dos maus Professôres; não sucedeu porém assim, porque a
que descansava, como relaxada aquela exação primitiva, cons- mandar-se o contrário impossível seria que a Junta tivesse uma
tando-lhe ao mesmo tempo que por êle haviam sido providos nas lembrança mais feliz que a deliberação que tomou. Quanto ao
cadeiras, principalmente da América muitos sujeitos em quem não primeiro artigo daquela ordem foi o resultado o não se pagar aos
concorriam os requisitos, que devem ser inseparáveis de quem Professôres mais que um de três, quatro e mais quartéis vencidos,
ocupa empregos, que igualmente devem ser da maior ponderação, deixando-os passar pelas amarguras da indigência a não quererem
vendo ao mesmo tempo que na América se punham superflua- com grave prejuízo seu assentir na conveniência sórdida de quem
mente Cadeiras e Escolas em partes onde só podiom servir de a fama publicava que a fazia com os filhos das três fôlhas, ecle-
aumentar, sem necessidade a despesa da Real Fazenda, sem que- siástica, militar, e literária.
rer por piedoso inquirir a origem de um tal procedimento, nem Quanto ao segundo artigo da mesma ordem mandou a Junta
mandar indagar o motor dêle, e por outras causas que talvez da Real Fazenda que dali em diante nenhum Professor, ou Mestre
subiram à sua real presença foi servido abolir aquêle Régio Tri- recebesse quartel algum do seu ordenado sem apresentar uma ates-
bunal, sem que contudo as circunstâncias presentes tenham per- tação* de algum dos membros da Junta, ou Magistrados, sendo
mitido o nomear quem fixamente há de fazer as suas vêzes. Aqui da cidade, e do Corregedor sendo da comarca. Carece que saibas,
dizem que será a Universidade de Coimbra, espero mo queiras meu Filopono que tal Professor há que mora debaixo quase dos
noticiar para começar já a lamentar os incômodos não pensados telhados da mesma Junta, que êste jamais deixou de cobrar pes-
das miseráveis partes. Enquanto existiu aquêle Tribunal jamais soalmente os seus quartéis, êste pois não é isentado de emendicar**
transmitiu os seus podêres a ninguém para mais de uma vez, como aquela atestçaão não só de que cumpre com os seus deveres, como
fôsse a algum Ministro para fazer examinar tal, ou qual sujeito de que existe*** o que dá lugar à suspeita de que naquela cor-
que para isso alcançava permissão da mesma Mesa. poração reina o pirronismo, quanto à existência dêste, e outros
Tôdas as ordens que dela emanavam tendentes aos professô- tais que apesar de comparecerem há precisão de quem ateste que
res nesta Capitania vinham dirigidas à Junta da Real Fazenda in- aquêles que ali estão existem na verdade; pelo que respeita às
cumbida de receber das Câmaras o rendimento da coleta, ou Sub- obrigações nenhum há que não apresente atestações de que exa-
sídio Literário para dêle pagar a todos os Professôres, e Mestres a tissimarnente as preenche, de forma que elas são, como realmente
quartéis adiantados, por ser aquela a sua única subsistência, sem são um passaporte franco para vadios mandriões, os quais cada
que jamais possam passar a ter outra por não lhes restar tempo dia apresentariam uma se cada dia houvessem de cobrar dinheiro,
algum para poderem agenciar alguma outra cousa de que vivam, quando jamais cumpriram com os seus deveres nem se entrou nas
e se tratem com a decência necessária. Aulas a saber se ensinam ou passeiam, e desta forma não tem a
A última ordem que a Junta da Real Fazenda recebeu daquele Junta ação de argüí-Ios, pena de dar dela um libelo de injúria à
Tribunal foi datada em 20 de junho de 1793 e registada a fI. 150 personagem que passou a atestação e êste foi o meio por que
do Livro Ilf que serve de semelhantes registos, por esta mandava vieram de todo a confundir-se os bons com os maus Professôres,
em nome de S. Majestade que prontamente se pagasse no prefixo conhecidos sem distinção pelo abjeto nome de Professôres da Amé-
tempo aos Professôres atendendo a ser o seu único patrimônio,
e sustentação, em segundo lugar ordenava, que a Junta indagasse * Atestado. - E.C.
o modo por que os Mestres, e Professôres cumpriam com os seus ** Mendigar? - E.C.
deveres para que não sucedesse andarem alguns distraídos, as suas *** Atestado de vida. - E.C.

276 277
rica, sôbre quem indistintamente caem as impias calúnias de que os estudantes como os mesmos Professôres. Repetira eu meu Fi-
alguns são merecedores; resultou mais desta acertada deliberação o lopono infinidade de sucessos desta natureza em testemunho da
ficarem os Professôres pagando ao escrivão do Tesoureiro os re- aversão que nesta cidade há aos Professôres, e estudantes a querer
conhecimentos destas atestações, além de um tostão que já antes abusar da tua paciência, motivo por que só te digo que na oca-
lhe pagavam pelo recibo que de cada um dos quartéis passa na sião em que na cidade sucedeu o que acabo de referir, se
fôlha respectiva, vindo desta forma a ficar sem validade a lei concedia a um clérigo professor de gramática latina na vila de
que determina, se não pague em casos tais nas casas da arrecada- S. Francisco ressalva para dezoito estudantes que é muito para
ção da Real Fazenda pelos que aí forem pagar, ou receber, sendo supor, se haviam ainda matricular.
indispensável o levar seis atestações quem houver de receber seis No plano da criação das Cadeiras ficou esta cidade com uma
quartéis que se lhe devam assim como o pagar seis tostões ainda de Retórica outra de Filosofia, uma de Língua Grega e três de
que o recibo dos seis quartéis seja um só. Acredita meu Filo- Gramática Latina; hoje porém tem mais uma de Gramática La-
pono que com pejo te comunico estas miudezas pelo que têm de tina, e um substituto para tôdas as quatro sendo uma, e outro des-
ridículas, como porém te vi tão empenhado em saber o que havia pachados ou criados pelo extinto Tribunal sem autoridade régia,
sôbre êste artigo, sentei em noticiar-te o que é tolerável deixando quando tanto a Cadeira como o substituto são inteiramente des-
contudo em silêncio algumas outras miudezas, e abusos ali prati- necessários, atentos os longes desta cidade; além destas foi S. Al-
cados que o tempo virá a manifestar por meio de alguém, que teza Real servido criar mais a Cadeira de Matemática. Com esta
seja pouco tolerante, ou inconsiderado, que insensivelmente as despende S. Alteza Real anualmente três contos, quinhentos e
vomite. quarenta mil réis, além do que despende com os mestres das pri-
meiras letras na mesma cidade; como é pois de acreditar que
sendo tal a despesa que a Real Fazenda tem com as Cadeiras,
* RECRUTAMENTO DE ESTUDANTES queira o senhor delas e da Fazenda que as duas Cadeiras Régias
de Filosofia e Língua Grega sejam unicamente freqüentadas por
Indizível é, meu caro amigo, a aversão que nesta cidade há cinco estudantes que saem de uma e vão entrar na outra; que a
à corporação dos Professôres, gente de nenhuma entidade na Bahia, de Retórica traga unicamente quatro tendo desertado dois com o
membros da sociedade para quem se olha com a maior indife- receio de serem nela presos; que pela mesma razão uma de Gra-
rença, e displicência suma; quem acreditará que foi tratado com mática Latina em que andavam 35 estudantes ficasse com dezoito,
soberano desprêzo um Professor, que representa ter-lhe um seu alu- que ficasse com dez uma em que havia trinta, que a terceira fi-
no rebelde, e malcriado metido pelas janelas da Aula que tem cheia casse com seis, e a quarta com um único de forma que são qua-
de estudantes, um tiro de chumbo? É igualmente para notar o ver renta, e três, todos os estudantes que freqüentam estas Aulas e
que se bloqueiam, e invadem as Aulas Régias, e que sem aten- isto muito interpoladamente, porque logo que há notícia de fazer
ção a cousa alguma se arrancam delas para soldados os estudantes recrutas só ficam nelas os meninos, que não passam de dez, ou
mais hábeis, e aplicados, sendo ignominiosamente tratados pelos onze anos de idade.
executores daquelas diligências os Professôres respectivos, que em Parece absolutamente impossível que seja do agrado de Sua
serviço do Soberano e da pátria se têm empenhado em instruí-los, Alteza Real o prenderem-se para soldados os estudantes já feitos,
em aproveitá-los, chegando a vésperas de mostrarem em exames e aplicados com os devidos preparatórios para passarem para a
públicos o fruto das suas diligências, e fadigas, para então serem Universidade. A Bahia, onde havia o número de estudantes que
presos, e sentar-se-lhes praça, quando o seu comportamento, e con- disse freqüentavam as Aulas no tempo dos Jesuítas, e depois
duta bastavam para isentá-los de uma semelhante sorte; bem en- dêle reduzido, quando muito mais povoada, ao diminuto
tendido, que sem urgente necessidade de soldados, porque a haver número, que deixo referido, parece paradoxo; êstes porém são os
carência de oposição aos inimigos em defesa da pátria não digo só efeitos dos freqüentes bloqueios, e assaltos que deixo ponderados,

278 279
quais nunca terminam sem o auxílio de penas doutas que põem
perpetrados há bastantes anos, e reiterados com mais freqüência de
os povos na posse, e fruição da aprazível paz; as luzes que ilustram
1794 até o presente. Parece, meu Filopono que um tal procedi-
as nações; iluminam os povos, as ciências, e as artes com que o
mento se não pode entender, pois que, não parece igualmente que
mundo se governa devem-se às letras, quando a sua decadência,
fazendo o sereníssimo Príncipe nosso senhor uma tal despesa com
e total aniqüilação, se deve às armas. Se muitos cabos de guerra
os Professôres Régios, amiudando repetidas ordens para animar
que têm empreendido ações tivessem mais de estudantes que de
os seus vassalos a que se apliquem, queira ao mesmo tempo que soldados, talvez as não tivessem perdido, e se não tivessem visto
os que o fazem com distinção estejam expostos às insolências de destroçados no meio do seu furor, o que raras vêzes sucede aos
soldados sem doutrina, e dos cabos de guerra, que os mandam que são mais sábios, que valentes, mais estudantes que soldados tu
sem que as vozes do povo que clama e a altas vozes publica as o tens visto, a presente época o tem mostrado ao mundo todo.
causas por que êstes assim procedem sejam bastante despertador
Nunca as ciências pelo que têm de árdua a sua aquisição
para não consentir-lhes semelhantes procedimentos, e desencar-
fizeram avantajados progressos sem declarada proteção, e atração
tá-Ios dêstes empregos onde há procedimentos tais que enchem
das vontades com louvores, e prêmios, como Vemos praticar em
de pejo a quem os ouve, e por êste serviço que só é bom para
tôdas as academias, e tanto pelo contrário se pratica na Bahia e
quem o faz pedem, e alcançam remunerações quando estas deve-
talvez que em muitas das outras Capitanias do Brasil, que em vez
ram ser, postas no interior da África; com ingenuidade te con-
de prêmios e louvores, como se jura uma obstinada perseguição
fesso que não é das menores desgraças o viver em colônias longe
contra os aplicados, seguindo-se logo o dar talvez conta de que
do Soberano, porque nelas a lei que de ordinário se observa é
os professôres não cumprem com os seus deveres, perdendo-lhes
a vontade do que mais pode, se bem que mais em umas, que em
desta forma os créditos, e reputação com tantos trabalhos adqui-
outras; dez, vinte, ou trinta estudantes a quem se assenta praça
ridos," sem que jamais se diga nem possa chegar à presença do
não são os que fazem mais numerosa a tropa, um soldado faz-se de
Soberano que a razão da pouca freqüência nas Aulas Régias é
um homem insignificante que dentro em um, dois meses fica há-
porque estas são freqüentemente invadidas por soldados ao arbí-
bil no manejo das armas e dentro neste breve tempo aprende tudo
trio dos oficiais incumbidos de recrutar, e delas se arrancam igno-
o que há de saber por trinta anos se tantos freqüentar a usual
miniosamente os estudantes, logo que passam dos doze, ou treze
escola, não porque não haja muito que aprender na escola militar
anos, sofrendo impropérios os professôres se se propõem a orar
mas porque não se estuda. Um estudante no fim de trinta anos
pelos seus alunos, e alegar com os seus privilégios a quem se dá
. aplicado sempre ainda lhe custa ser bom estudante; para soldado
pronta resposta que não são nenhuns, o que a experiência tem
qualquer homem, que não seja aleijado, basta, para estudante, raro
mostrado todos os dias nesta cidade, onde o ser professor, e não
é o que aparece.
ser nada, é tudo o mesmo.

* IMPORTÂNCIA DAS AULAS

* PROFESSÔRES E MESTRES
São as Aulas os seminários das riquezas mais preciosas que
pode ter qualquer Estado, são a mina mais rica, e certa, de onde
Não há dúvida que na aluvião de indivíduos, que sem seleção
se extraem os homens grandes, sem os quais não podem subsis-
se enviavam há poucos anos para a América revestidos com a capa
tir os Impérios, as Monarquias as Repúblicas; sem êles vacila a
de mestres, quando nem o nome de discípulos Ihes convinha, vieram
Igreja, os Estados perigam, a Justiça deserta, a desordem, e ini-
alguns que bem mereciam mandá-los outra vez servir seus amos, ou
qüidade campeiam; mais serviços faz uma pena à sociedade em
para outros empregos semelhantes, privados, ou destituídos intei-
um dia, do que milhares de espadas em muitos anos; pelas armas
ramente de ciência, e morigeração; a desgraça porém é tal que
se introduzem, de ordinário, sanguinosas guerras nos Estados as
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todos, bons, e maus são avaliados* pelo mesmo, são a abominação estudante o desatendera, era mandado para o Forte do Mar, e se
de todos os que se podem arrogar alguma autoridade sôbre êles, na indagação que dêle se fazia, se vinha na certeza de que era
denegando-se-lhes tôda e qualquer imunidade, privilégio ou isenção pouco aplicado, mandrião, ou vadio, então se lhe sentava praça
com que Sua Alteza Real os tiver condecorado, de forma que com de soldado para ensinar-lhe a conhecer a subordinação.
propriedade se lhes pode chamar a corpo ração dos enteados. Aquêles estudantes porém que nos atos" ou exames públicos
que todos os anos se faziam de Filosofia, Língua Grega, e Re-
Cumpre noticiar-te que não haverá parte onde se veja mais tórica, e ainda nas sabatinas, se distinguiam, eram por isso aplau-
falta de ordem nas Aulas do que nesta cidade, e isto por ser uma didos, e louvados pelo exmo. Governador, que de quando em
repartição deixada ao desamparo. Há nela quem dá uma só vez quando ia honrar algumas Aulas com a sua assistência, e muito
aula no dia, o que não parece ser bem entendido, pois que não principalmente a da Casa de Educação Pública que instituiu, e se
podem aqui militar as mesmas razões que na Universidade, e se perdeu na sua retirada para êsse Reino no fim do seu govêrno.
dela se tira argumento para uma se pode também tirar para outras Nenhum pai, parente, ou tutor leva seu filho ou pupilo às
se uns têm razão para dar uma só vez aula, para darem feriado Aulas e entrega-os aos professôres motivo por que faltam quando
sempre a quinta-feira, quando na semana cai dia santo no prin- querem, vadiam o que lhes parece, sem que o Professor tenha
cípio ou fim dela, por que não há de ser essa mesma razão para dêles notícia; se são de Gramática Latina passam alguns de uma
os outros professôres? O certo meu Filopono, é que os serviços para outra Aula, em que são recebidos muitas vêzes contra o que
dos que assim têm obrado têm sido atendidos, e remunerados, o Sua Alteza Real tem determinado nas Instruções para os Professô-
que os que trabalham seis horas por dia não podem conseguir, ape- res, sem que haja a quem recorrer nestas, e muitas outras desor-
sar de terem duplicados anos de bons serviços. dens inveteradas, e sucedidas com freqüência, que são tratadas
por bagatelas de nenhuma entidade, logo que algum professor as
representa.
* ESTUDANTES

Um outra desordem é o usual costume de não virem os es- * CADEIRAS E ESCOLAS


tudantes para a Aula antes das nove, ou dez horas da manhã, e
das quatro para as cinco da tarde, sem que jamais os professôres Como pode suceder, meu caro amigo, que algum sujeito do
tenham meios para conseguir o contrário; se sucede repreender teu conhecimento tenha lembrança de pedir alguma das Cadeiras
algum estudante a não ser por êle descortejado, ou por quem o desta cidade, ou Capitania, e sôbre isso te consulte, me lembro
domina, não volta de ordinário à Aula, ficando ocndecorado para juntar às precedentes notícias as seguintes reflexões, e depois, uma
tratá-lo de bagatela * * quando o encontra, e quer fazê-lo, o que em relação individual de tôdas as Cadeiras, com os ordenados, que
parte se remediava sujeitando ao toque do sino tanto o professor vence cada um dos professôres, e a maior parte dos mestres das
como os estudantes de quem se deveram melhor aproveitar os des- primeiras letras, notando as que podem julgar-se supérfluas pois
marcadíssimos talentos, que sem os elogiar, confesso com a expe- que desnecessàriamente se faz com elas despesa da Real Fazenda.
riência, que os medianos equiparam os melhores que nesse Reino Cumpre igualmente dizer que haverá perto de trinta anos
encontrei, contanto que se lhes vedem as distrações. que foram criadas as Cadeiras, e que segundo o que sempre se
Quando no fim do ano de 1787 aportei nesta cidade não havia costumou na criação de qualquer lugar se havia atender ao estado
tanta relaxação porque logo que constava pelo professor que o em que a terra então se achava quanto aos preços dos víveres, ves-

• Avaloados. - E.C. • Ainda em meados do século passado usava-se a palavra atos como
•• Bacatella. - E.C. sinônimo de exames nas escolas superiores. - E. C.

282 283
tuários, tratamentos ete. os quais todos pudera bem dizer-te como Cadeiras na Capitania
quem cuidadosamente os indagou; e por ser fastidiosa a narração A Cadeira de Gramática Latina, da vila da
dêles eu me limito em dizer-te que tudo está hoje pelo quádruplo, Cachoeira tem o ordenado anual de ..... 240$000
e com boas esperanças de passar muito avante, segundo o govêrno A da vila de Santo Amaro da Purificação .. 240$000
*A da ilha de Itaparica inteiramente supér-
político, e econômico que se pratica, sendo absolutamente impos- 240$000
flua .
sível o poder passar com o seu simples ordenado um professor *A da povoação de Itapagipe . 240$000
que gasta o dia inteiro na Cadeira sem que tenha nem possa ter '"A da vila de S. Francisco pode escusar-se 240$000
um só real de emolumentos, nem propinas e muito principalmente "'A da vila de Maragogipe com a da Cachoeira
se podia bem escusar . 240$000
satisfazendo-se-lhe os quartéis do seu ordenado tão fora do tempo 240$000
"'A da vila de S. João d'Água Fria, supérflua
em que S. Alteza Real lhos manda pagar, que alguns os não re- A da vila do Camamu . 240$000
cebem há mais de dois anos, quando outros andam inteiramente A da vila de Caravelas . 240$000
pagos, a causa porém desta eqüidade o tempo a virá-a manifestar. *A da Vila Nova Real dei Rei no rio de
Atendendo pois meu caro amigo ao que deixo ponderado a S. Francisco está vaga, e é supérflua . 240$000
A da vila de Santa Luzia do Rio Real . 240$000
ser esta infeliz repartição para quem não há esperanças de acesso A da cidade de Sergipe dei Rei . 300$000
a quem o nosso augusto Soberano não se tem dignado expressar A da vila de Ilhéus . 300$000
privilégio, ou isenção vendo-se por isso exposto a mil impropérios, A da vila e comarca de Pôrto Seguro . 300$000
qual será a consolação de quem além de desterrado se vê oprimido A da vila da Vitória, Capitania do Espírito
Santo . 300$COO
de pobreza e doenças neste emprêgo. 300$000
A da vila do Rio das Contas no sertão, vaga
As Cadeiras que nesta cidade há, e sua Capitania são as que A da vila da Jacobina . 400$000
seguem com os seus respectivos ordenados à margem à exceção A da vila de Jaguaripe . 240$000
de algumas escolas que me não foi possível sabê-los, Aquelas que
Escolas que há pela Capitania
vires notadas com um asterisco são as que podem julgar-se su-
A da vila da J acobina . 150$000
pérfluas. 1'20$000
A da cidade de Sergipe dei Rei .
A da vila da Cachoeira . 120iOOO
Cadeiras na Cidade* A da vila do Pôrto Seguro . 120$000
A da vila da Vitória . 120$000
A Cadeira de Filosofia Racional . 460$000 A da vila de Santo Amaro da Purificação .. 100$000
Jubilação de um Professor na mesma Cadeira 460$000 A da vila de Jaguaripe . 100$000
A de Retórica . 440$000 A da vila de Santa Luzia do Rio Real
A de Língua Grega . 440$000 e Estância . 100$000
A de Geometria, única com acesso . 400$000 A da vila do Camamu . 100$000
*Quatro de Gramática Latina, de que uma é A da povoação de Itapagipe . 100$000
supérflua e cada uma vence 400$000 . 1:600$000 A da ilha de Itaparica . 80$000
*Um substituto para tôdas quatro . 200$000 A da vila de S. Francisco de Sergipe
do Conde . 80$000
Escolas das primeiras letras na cidade A de Santo Amaro da Ipitanga . 80$000
*A da Freguesia de Nossa Senhora do Monte 80$0,)0
*Seis escolas a 150$000 cada uma. Quatro A da vila de Maragogipe vaga .
eram bastantes, os ordenados porém são A da vila de Ilhéus .
muito diminutos, e estão vagas, três .... 450$000 A da freguesia de Nazaré .
A da freguesia de Muritiba .
'" Só em 1818, atendendo a proposta do Conde dos Arcos, foi criada A da vila de Caravelas .
na Bahia a Cadeira de Música. (Manuel Querino, Artistas Baianos, A da Vila Nova Real dei Rei .
1911). - E.C. A do arraial do Rio Vermelho .

284 285
Não pude+ saber o ordenado competente a cada uma das Impôs-se nesta Capitania o Subsídio Literário em a aguardente
sete últimas escolas motivo por que não faço soma da despesa. de que se pagam dez réis por cada uma camada, que se destila
Além das Cadeiras e escolas supraditas, entram mais na nos alambiques, seja de mel, a que chamam cachaça, seja de cana;
Fôlha Literária os seguintes lugares que nesta cidade se criaram: paga-se mais um real por cada uma libra de carne das reses que
nela se comem; a não se fazer esta cobrança pelos juramentos que
Um administrador do direito das carnes a lei determina poderia bem dar o rendimento da coleta para do-
nesta cidade . 240$000
Um escrivão dêste administrador . 200$00G brada despesa, visto que os alambiques têm subido tanto em nú-
Ao escrivão do Senado da Câmara como mero que são o duplo dos que eram quando êste impôsto rendia o
escriturário da arrecadação do rendimento duplo do que rende hoje, e isto porque a maior parte dos donos
da coleta, pela única repartição da Câmara manifestam menos canadas do que pipas destilam nos seus alambi-
da Cidade . 1lI0$OOO
Ao escriturário da arrecadação do Subsídio ques, e pelo que pertence às carnes, à exceção da cidade onde
Literário na Casa da Junta da Fazenda Real 150$000 se cobra com exação de vida o exmo. Governador D. Rodrigo
José de Menezes, porque por tôda a mais Capitania sentam todos,
São estas caro amigo as notícias que neste ano de 1799 tenho em que não se manifesta a quarta parte dos bois que se matam
podido conseguir dos filhos da Fôlha Literária a quem anualmente vindo por isso a cobrar-se muito diminuta a coleta, e esta é a razão
se pagam os preditos ordenados, lançados à margem. por que o seu cofre se acha em alcance e os filhos da Fôlha pa-
decem, além de outras razões mais particulares que te não inte-
ressas saber, nem eu em manifestá-Ias.
* o SUBSÍDIO LITERÁRIO Nada mais tenho, meu Filopono do que possa informar-te
quanto às Cadeiras e Professôres desta cidade, e Capitania. Pelo
Se suceder o pôr-se em rematação a renda do Subsídio como
que pertence aos literatos na Bahia os há muito bons, se bem
aqui corre notícia e se reformar o plano das Cadeiras e escolas por
que em pouca quantidade, por serem poucos os que debaixo de
quem tenha a precisa noção geográfica e topográfica dêste país
tantas perseguições podem sair à luz para substituírem os que a
ficando abolidos os quatro últimos ofícios, é certo que se virá a
morte vai levando, sendo igualmente certo, que a não serem elas
poupar uma suficiente porção de dinheiro que se aproxima muito
tão freqüentes, e haver quem, com zêlo e eqüidade regesse tanto
a sete mil cruzados.
os Professôres como os estudantes, pondo em boa ordem as Aulas
Quisera eu igualmente dar-te notícia do rendimento da coleta
Régias, é tal a propensão e capacidade que há para os estudos
ou Subsídio Literário em cada um ano para o podêres combinar
e eu tenho descoberto na maior parte dos naturais dêste país que
com a despesa, eu porém, apesar de boas diligências não pude
êles poderiam ser assombro da nação, e fazer a glória da sua
conseguir mais que um esbôço de contas tão informe, e confuso
pátria.
que não me foi possível formar juízo sôbre êle, vindo só a colhêr
Para obedecer-te em tudo o mais que determinares está sem-
que o rendimento que entrou em 1797 foram..... 8:621$479
pre pronto o teu
Que o do ano de 1798, foram 8 :798$069
amigo, e muito venerador
Isto porém é o que as Câmaras cobraram, e remeteram, não
porém o que rende o Subsídio, pois que só o rendimento dos açou- Amador Verissimo de Aleteya.
gues da cidade dá quase o preciso para o pagamento dos profes-
sôres que nela há sem falar no rendimento da aguardente. * *

• Poude (pôde). -- E.C. e dois réís por arrôba de carne que se retalhasse nos açougues públi-
•• Manuel Querino (op. cit.) explica que o Subsídio Literário "era cos", segundo lei de 3 de setembro de 1772. -- E.C.
o imposto de dez réis por uma canada de aguardente da terra, e trinta
287
286
CARTA VIII

NOTAS E COMENTARIOS DE BRAZ DO AMARAL

".
E COISA digna de nota que se tenha tornado a Bahia tão infeliz
pela destruição de suas bibliotecas, umas, como a dos Jesuítas, por
extravios, e outras por incêndios.
A sala da biblioteca daqueles padres existe afortunadamente ainda
na Catedral, é magnífica e revela que êles conservavam os seus livros
em um luxuoso aposento, mas as obras tôdas se perderam, desviadas
por mãos criminosas, provàvelmente por descuido dos depositários aos
quais foram confiados os bens da Ordem, ap6s a expulsão dos Jesuítas.
A oitava carta de Vilhena nos dá uma idéia dos estudos na Bahia
nos princípios do século XIX, com o que prestou o nosso autor notável
serviço a êste país, desvendando esta parte do progresso intelectual
que tinha êle na referida época.
Ao mesmo tempo ficamos com uma exposição sôbre a vida do
professorado, feita com maestria e verdade.
Percebe-se que cala muitas coisas e êle mesmo o diz, mas no que
refere é bastante explícito e pouco deixa a desejar.
A sua imparcialidade é tamanha que não poupa os professôres da
América, muitos dos quais em vez de virem para cá como tais, deviam
ter ido para as escolas aprender o que se propunham ensinar.
Tudo o que o patronato faz em matéria de escândalo e em deu i
mento da Fazenda pública, está ali esboçado com nitidez, J1Hlstllllldo
como são velhos êstes vícios.

'SI)
Vendo como o govêrno se debatia, procurando a realidade do
ensino em regulamentos que as exceções favorecedoras comprometiam, Se eram enfáticos os discursos, nota-se por outro lado que não
e que os professôres relaxados inutilizavam, lembra-se a gente das mul- havia o superficialismo que tanto domina em nossos dias oradores,
tiplicadas reformas que se fazem agora, cem anos depois, também orações, artigos de jornais e até certos livros de literatura.
prejudicadas sempre por esta causa e outras mais que não cabem aqui. Eis as cartas e o mapa a que me referi acima:
Quando se chega aos períodos em que êle se refere aos professôres
que faltam às aulas e deixam de cumprir os seus deveres, não se pode Governador do Estado do Brasil. Eu, EI-Rey, vos envio
deixar de refletir que há em certos lugares males inveterados, pois muito saudar.
que nem com cem anos de evolução se puderem remediar. Por parte do Padre Alexandre de Gusmão, da Companhia de
Deixaram com o andar dos tempos os estudantes vadios de sofrer Jesus, se me fêz presente que tinha feito um Seminário no sítio
o castigo de se lhes sentar praça, ou ir para o Forte do Mar, não da Cachoeira para nêle se criarem e doutrinarem os filhos dos
foram mais os bons recrutados nas aulas, cortando-se-lhes brutalmente meus vassalos pobres que vivem no sertão, no qual estavam já
a carreira das letras, mas os que pelas janelas atiravam sôbre os pro- cinqüenta, com mestres de conversar e ler latim e solfa, e que
fessôres como se parecem com os que fazem pronunciamentos e cobrem por falta de meios para se sustentarem, padeciam necessidades,
de desrespeitos os seus mestres, até na capital do país! pedindo-me os socorresse com alguma ordinária da minha Fa-
Por Vilhena ficamos também sabendo que não é de agora ficarem zenda e reconhecendo Eu a utilidade desta obra e os grandes
os professôres muitos meses sem receberem os seus vencimentos, e empenhos da minha Fazenda para a poder socorrer e aumentar
também se vê que não é dos nossos tempos, pois já vem dos passados, como pede a necessidade que se me representa, Me pareceu orde-
a conservação de muitas cadeiras que deviam ser dispensadas, por se- nar-vos que, informando-vos do estado em que o dito Seminário
rem supérfluas e por prejudicarem as que são necessárias, o que tôdas se acha e dos efeitos que tem, me digais se pagas as consigna-
as pessoas sensatas vêem hoje. ções e aplicações da minha Fazenda, pode caber nela alguma
Consola a nós, baíanos, o elogio que Vilhena faz do engenho e côngrua para êste Seminário; e porque de sua conservação e
inteligência dos filhos da terra, o qual, em um escritor tão minucioso aumento se pode esperar não só o fruto do bem das almas, que
e exato, não pode deixar de ser tomado como homenagem à verdade. nêle se recolhem mas ainda o comum para o maior bem de
Tratando da instrução dos tempos coloniais na Bahia, devem me- todo êsse Estado, encarrego ao vosso zêlo que constando-vos que
recer a atenção dos doutos os documentos que abaixo transcrevo, re- o dito Seminário foi assim ordenado e das necessidades que pa-
ferentes ao célebre Seminário de Belém. * dece, procureis persuadir aos moradores de maior possibilidade
Tem também muito sabor conhecer o mapa que vai aí, após as que concorram para êle com algumas esmolas certas para se
cartas sôbre o Seminário de Belérn, pois por êle terá o leitor uma sustentarem os filhos dos que são pobres, pois é razão que tendo
perfeita idéia da distribuição do ensino na Bahia em o fim do século êles o maior fruto das terras se movam de caridade para com
XVIII, assim como da renda do Subsídio Literário que Vilhena deu os necessitados; principalmente quando as rendas da minha Fa-
na sua carta de modo mais sucinto. zenda não fôrem bastantes para os encargos públicos de que
Este mapa que existe em nosso Arquivo Público, tem os nomes depende a conservação de todo o Estado, e ainda no caso de
dos professôres e mostra completamente o nosso ensino público, na nela poder caber alguma côngrua para êste Seminário, sempre
época referida, razão pela qual o entrego à curiosidade dos leitores. convém que se aumente com maior número, para que por meio
Por êle se vê que nos cursos régios se aprendia a ler e escrever, da doutrina que adquirem os pobres que nêle se recolhem, pos-
retórica, gramática latina, filosofia e grego. sam ter os que são ricos missionários naturais para as aldeias,
Como instrução era muito insuficiente, atendendo ao que se pre- mestres para os seus filhos e religiosos que servindo a Deus,
cisa aprender nos tempos modernos. enriqueçam a todos do bem espiritual das almas sem o qual não
Entretanto, aquela época preparou homens notáveis, os quais vie- pode haver riqueza que aproveite nem duração alguma dos bens
ram a figurar no tempo da Independência. temporais que hoje logram.
E lendo os discursos dos oradores daquele período, as proclama- Escrita em Lisboa, a 4 de março de 1692 - Rey .
ções e outros produtos da inteligência dos políticos, se compreende
fàcilmcnte, pela dose de retórica que em tais manifestações se encon- Governador do Estado do Brasil. Eu, El-Rey, vos envio
tra, o estudo que dela se fazia. muito saudar. Pela vossa carta de 9 de julho do ano passado,
Também parece que, apesar das falhas a que Vilhena se refere, escrita acêrca do Seminário que no sítio da Cachoeira tem feito
o que se ensinava o era mais seriamente do que hoje. o Padre Alexandre de Gusmão, fiquei entendendo tudo o que
nela me representastes em razão do que fui servido escrever-vos
• Distrito de Cachoeira, Bahia. - E.C. sôbre a mesma matéria em 4 de março do mesmo ano, e con-
siderada assim a vossa informação como tudo o mais que se
290
V" L ~
174 (X)

me fêz presente em ordem a êste particular, Me pareceu dizer-


vos que sendo êste Seminário tão conveniente para a boa edu-
cação de meus vassalos, assim pela doutrina das primeiras letras
êsse tão sensível quanto mllludo,;n ( l'Il
e da língua latina com que se habilitaram, se não para o mi-
nistério público dos vassalos dêsse Estado, é justo se procure nista que pôde erguer o t)lIl' C', SI 111dll
com todo o cuidado a sua conservação, mas como a minha Fa- vida, um íncensurável rnurul dil 11.1111"
zenda se acha gravada como representais não permitte dela al- no século XVIII.
guma ordinária para êste efeito, vos torno a encomendar que í!.le próprio escreveu qu
procureis por todos os modos que vos ditar a vossa prudência,
confio do vosso zêlo e cuidado favorecê-I o e ampará-Io, de sorte
carecia mais de verdade que d
que não s6 se conserve mas que se puder ser se aumente e se E logo surpreende pelo realismo dcscrt
melhore e por ora ordeno se lhe dará cem mil réis por uma tivo no rigor do que seria hoje um
vez somente pela consignação das Missões desta Côrte porque grande repórter. Ternos como excm-
a grande despesa que se faz com os missionários não permite plos, para não mais esquecer, além tI.1
se tire dela maior subsídio.
descrição topográfica da velha Salva-
Escrita em Lisboa a 4 de março de 1693. - Rey.
dor e da informação sõbre a "ordem
política e o govêrno econômico da ci-
dade", a revelação da economia rural
através do engenho de açúcar e das co-
lheitas do fumo e da mandioca.
E, porque preocupado em uma apre-
ensão de conjunto, não esqueceu o mí-
nimo nessa ampla, completa e definíti-
va reportagem. Marinha, pôrto, estra-
das, guarnições militares, ensino, justi-
ça, religião, comarcas. E tudo em um
estilo que, sem literatura e imaginação,
tanto provoca o interêsse quanto força
a curiosidade.
Entender-se-à. agora, por que se
deve situar A Bahia no Século XVIII
no vértice da melhor brasiliana , TI so-
bretudo por que se coloca o seu autor,
o cronista Luís dos Santos Vilhcnn, no
lado de Gandavo, Pita, Cardim, [ubon-
tão e Vícente do Salvador. O livre
autor, apesar de dois séculos e de tõdus
as mudanças, não estilo dlstnntcs.
,É no livro, porém, e ncstu l'dic,,:'o ti
texto, que Edison Cnrnctro tls~usllu rmu
base no original l11l1J1usl1'ilo doI I~,hll().
ESTA OBRA FOI EXECUTADA NAS OFICINAS DA CIA. GRÁFICA LUX, RUA teca Nacional, que se OhSl'1Vill'il que
FREI CANECA, 224 - RIO DE JANEIRO, PARA ED. ITAPuà - SALVADOR, BAHIA muito da cxplicnçfio ulllul',lI do 11.1111.1 se
encontro nesse pnssudu , 'I"IIV\' .• I"\'si~
292 darn aí, nessa posl<,;rio de livlO l'llílvl', iI
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sua duração c (1 SUU prcsell<,;n.

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