P-278 - Missão Secreta Na Lemúria - William Voltz
P-278 - Missão Secreta Na Lemúria - William Voltz
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MISSÃO SECRETA
NA LEMÚRIA
Autor
WILLIAM VOLTZ
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
SKIRO
Enquanto Perry Rhodan e sua Crest III — que se
encontra a mais de cinqüenta milênios distante do tempo
real do ano 2.404 — só consegue escapar, a muito custo, de
uma nova investida da parte dos senhores de Andrômeda,
Mory Rhodan-Abro, esposa do Administrador-Geral, tentou
encontrar uma possibilidade para o regresso dos que se
encontram retidos no passado.
A operação de Mory falhou, e a seguir os homens de
Reginald Bell entraram novamente em ação. Um novo plano
para resgatar os que se encontram sumidos no tempo, toma
forma. Astronautas e técnicos do Império Solar dão início à
“Operação Secreta Miosótis”, também chamada “Não te
esqueças de mim”.
O tender da frota Dino-3 ilude o alçapão do tempo,
penetrando no passado para levar ajuda a Perry Rhodan.
Apesar dos homens da Dino-3 já não terem mais futuro
para si mesmos, cuidaram do futuro de Perry Rhodan e do
seu Império Solar, colocando memotransmissores em pontos
estrategicamente importantes.
A mensagem dos mortos ajudou aos vivos a abandonar
a galáxia e voar até a Nebulosa de Andrômeda, de onde um
salto de cinqüenta mil anos deve ser preparado.
Pioneiros e preparadores do caminho desse ousado
empreendimento são nove sujos vagabundos espaciais e o
rato-castor Gucky, que pousam em “Missão Secreta na
Lemúria”...
= = = = = = = Personagens Principais:...= = = = = = =
Perry Rhodan, Atlan, L. Papageorgiu, Don Redhorse, Tako
Kakuta, André Noir, Brazos Surfat, O. Doutreval e Chard
Bradon — Homens da Crest III que fazem o papel de
vagabundos, para iludir o tempo.
Assaraf — Um astronauta alariano.
Tannwander — Chefe de uma organização subversiva.
Nevis-Latan — Um dos senhores da galáxia.
Gucky — O rato-castor é tratado como “bagagem”.
1
Depois que os nove alarianos estavam a bordo da Crest III, tínhamos dois grandes
problemas para resolver.
O primeiro era o seguinte: Como é que poderíamos fazer com que os nove
mercadores utilizassem as instalações sanitárias e os banheiros do ultracouraçado.
O segundo problema era: Haveria nove membros da tripulação, suficientemente
malucos, para fazer o papel dos nove alarianos?
O segundo problema acabou mostrando-se de solução fácil, pois os nove homens já
haviam sido escolhidos, em pouco menos de meia hora, depois que os planos de Atlan
foram transmitidos a todos os membros da tripulação. O primeiro problema, entretanto,
era praticamente insolúvel. Primeiro, tentamos com bons conselhos, porém os alarianos
não queriam saber de nada quanto à higiene. E quando aplicávamos a força, esses sujeitos
durões sabiam como emporcalhar novamente, em pouco tempo, os seus corpos,
recentemente banhados. O pior é que os mercadores, cada vez mais, ganhavam a simpatia
da tripulação. Faziam até apostas sobre se tal ou tal oficial conseguiria dar banho num ou
noutro alariano, ou obrigá-lo a escovar os dentes.
Homens sensíveis corriam, de cara pálida, pela nave, vomitando em segredo, depois
de terem se aproximado demais de um alariano, mas por nada neste mundo nem um único
deles confessaria de que achava esses porcalhões repelentes. Todos os banheiros ficavam
sitiados por assistentes, porque cada um que tivesse tempo não queria perder a
oportunidade de ver o cerimonial de banho de um alariano. Dentro de poucas horas,
tinham curso, a bordo, os mais desencontrados boatos. Um destes dizia que o Major
Bernard fora visto correndo atrás de Assaraf, com uma bomba de inseticida, para livrar o
cabelo do alariano de sua legião de piolhos. Infelizmente tive pouca oportunidade de me
ocupar com o problema dos banhos, pois eu era um dos nove homens que, a partir de
agora, tinham que comportar-se — tinham que ser — um mercador alariano.
As primeiras conseqüências dessa ordem eu comecei a sentir apenas quatro horas
depois de nosso regresso. Eu não podia mais tomar banho. Fazer a barba e cortar os
cabelos me foram proibidos. Tinha que temperar minha comida com alho, de cuja
existência a bordo da Crest III, até agora, eu nem suspeitava. O meu uniforme, muito bem
tratado e passado, foi trocado pelas roupas de Assaraf, de modo que, dez horas depois que
os mercadores se tornaram nossos prisioneiros, eu fedia mais que qualquer um deles.
Alguns rapazes da tripulação, que não iam muito com minha cara, aproveitaram-se dessa
situação.
A caminho de minha cabine eles me atacaram, puxando-me, à força, para baixo de
uma ducha. Todos os protestos, todas as ordens e afirmações quanto à minha verdadeira
identidade, não foram levados em consideração. Eles me esfregaram, com um escovão,
sabão e água quente, durante dez minutos, até que finalmente o Major Don Redhorse pôs
um fim naquilo tudo, e eu tive que dar um jeito de repor a sujeira da qual acabavam de
me livrar. Foi um milagre que Redhorse tenha podido livrar-me, pois ele não fedia menos
que eu. Pois também fazia parte dos nove homens que deviam participar da missão
planejada.
Depois de vinte horas, eu já nem mais conseguia sentir meu próprio mau cheiro. A
esta hora a Eskila já não existia mais há bastante tempo. Um único e certeiro tiro da Crest
III a pulverizara. Antes, entretanto, nós havíamos trazido, para bordo da Crest III, um
escaler de salvamento da nave alariana.
Felizmente minha aparência externa não me impedia de pensar.
— A partir deste instante o senhor chama-se Assaraf, e é um mercador alariano —
dissera Atlan. — Nunca deverá esquecer-se disso. Lastafandemenreaos Papageorgiu está
morto, entendeu?
Eu entendi.
Afinal de contas, dava para cheirá-lo.
***
O fato de que eu agora me chamava Assaraf não impedia que eu designasse os nove
mercadores como malucos. Somente doidos poderiam ter voado para dentro de uma
armadilha com tamanha inconsciência. Eles haviam se sentido seguros demais. Pelos
papéis que trouxemos da Eskila para a Crest III, era possível verificar que o planeta natal
dos mercadores se chamava Alara IV. Este mundo fora povoado, há cerca de duzentos
anos atrás, pelos lemurenses. Os nove prisioneiros eram descendentes desses
colonizadores. Mas agora eles não tinham mais praticamente qualquer das virtudes que
destacavam seus parentes lemurenses. Diziam-se mercadores, mas não passavam de
vagabundos do espaço cósmico, sujos, violentos, muito espertos nos negócios, e sovinas.
Tudo isso foi possível deduzir, pelos seus “papéis”.
Eles se diziam homens de negócio, mas o eram, talvez apenas na extensão de um
sujeito que tem uma bodega e oferece à venda uma mercadoria “maravilhosa” para
manter firme na boca um par de dentaduras.
Também nossos nove prisioneiros tinham esse tipo de “mercadorias”. Entretanto,
uma delas era até bem valiosa. Tratava-se de alguns blocos de quartzos osciladores, que
eram usados pela frota lemurense na fabricação de instalações condutoras de fogo. Este
tesouro, nós havíamos conseguido pôr em segurança a bordo da Crest III, junto com o
escaler salva-vidas.
Alguns dos cientistas da Crest haviam examinado o computador da Eskila. O que
veio confirmar a suposição de Icho Tolot de que o planeta Vario era o mais importante
centro comercial e de governo do centro de Andrômeda. Nos documentos dos alarianos,
entretanto, Vario era sempre mencionado com o nome de Lemúria. Na Lemúria vivia a
classe alta dos lemurenses fugitivos, que haviam dado a este novo mundo ò nome do
continente terrano afundado. Como único planeta do sol gigante azul Big Blue, Lemúria
tinha uma posição dirigente entre os planetas coloniais dos lemurenses.
***
A caminho da sala de descanso no convés intermediário, encontrei-me com Perry
Rhodan. Quase não o reconheci, pois o seu rosto estava coberto por uma barba ruiva, cor
de cobre. O Administrador-Geral amarrara o seu cabelo, muito comprido, numa espécie
de “rabo-de-cavalo”. A cor da pele de Rhodan, assim como a minha, agora era bem
morena. Nós dois nos parecíamos muito com alarianos de verdade. Drogas biológicas
haviam feito crescer nossas barbas e os cabelos, em poucas horas. Tanto a pele como os
cabelos haviam sido pintados artificialmente.
— Olá, Assaraf! — saudou-me Rhodan, batendo-me amistosamente no ombro. —
Está indo para a reunião?
— Sim, sir! — gemi eu.
E fiz todo o possível para ignorar o cheiro que o Administrador-Geral exalava.
— Esse “Sir”, no futuro, o senhor terá que desaprender — lembrou-me Rhodan. —
Nós somos nove alarianos e vamos comportar-nos como eles.
— Vou fazer um esforço — garanti-lhe eu.
Ao chegarem à sala de reuniões, os outros sete homens há estavam presentes. Numa
poltrona muito confortável, Gucky estava agachado. Apesar do rato-castor fazer parte de
nossa missão, ele não precisava mascarar-se. Nem mesmo com uma barba enorme ele se
pareceria com um alariano. Atlan pensara numa outra solução, para o caso do rato-castor.
Atlan, que estava sentado na borda de uma mesa, balançando suas pernas
compridas, parecia um legítimo viking. Ao lado dele, Tako Kakuta, o teleportador,
parecia um tanto raquítico. Considerando seu pequeno tamanho físico, o mutante tentara
ganhar a parada com o mau cheiro do seu corpo. André Noir, o hipno, parecia um velho
bonachão. Junto dele, Don Redhorse era uma figura imponente. Seu rosto marcante de
índio americano era emoldurado por uma barba muito negra. E o corpo musculoso
ameaçava arrebentar o uniforme alariano que envergava. Atrás de Redhorse estava, de pé,
o único homem que sentia prazer em não precisar mais fazer a barba e tomar banho: o
sargento Brazos Surfat. Surfat parecia ter sido criado para este empreendimento. Era
flagrantemente visível que ele se sentia muito bem naquela sua fantasia. Ao contrário de
Olivier Doutreval, que odiava toda falta de higiene física e fazia a cara mais infeliz do
mundo.
O novo homem que fazia o papel de um alariano era o Tenente Chard Bradon.
Redhorse, mais uma vez, soubera reunir seus famigerados amigos para acompanhá-lo.
Porém, se quisesse ser honesto, tinha que reconhecer que eles eram realmente os mais
adequados para esta missão.
— Olá, Schintas! — cumprimentou Atlan ao seu amigo terrano.
Nós já nos tínhamos acostumado a nossos nomes alarianos. Se chegássemos, algum
dia, a alcançar Vario, não podíamos tolerar erros. Atlan agora chamava-se Ob Tolareff.
Perry Rhodan sentou-se, ao lado de Atlan, em cima da mesa.
— A Crest tomou o rumo de Big Blue — disse o Administrador-Geral. — Duas
corvetas, que mandamos na frente, entrementes, voltaram. A cerca de seis anos-luz de
Vario, eles encontraram um planeta gigante, com uma atmosfera de hidrogênio-metano-
amoníaco, destruído pelos lemurenses. Enquanto nós tentaremos alcançar Vario, a Crest
ficará estacionada, em segurança, na superfície deste ex-mundo dos maahks. Todo o
planeta irradia radiatividade, portanto não precisaremos temer visitas desagradáveis nem
dos maahks nem dos lemurenses.
Atlan enfiou a mão no bolso interno de sua roupa, e puxou para fora um pacote de
papéis.
— Conforme todos sabem, nós recebemos, de nossos prisioneiros, uma
documentação preciosa. Entrementes, eu mandei preparar outros papéis por especialistas
da Crest. Trata-se de cartas de recomendação de alguns soberanos, de cartas com elogios
de chefes estranhos, e coisas semelhantes. Tudo isso deverá ser o bastante para convencer
os lemurenses de que somos alarianos.
Ele pulou da mesa e puxou uma caixa de baixo da mesa. Abriu-a e trouxe à luz a
formidável arma de Assaraf.
— Aqui está a sua arma, Assaraf — disse ele para mim. Com certo esforço segurei
a baionga. A mesma pesava certamente mais de dez quilos, mas não tive outra
alternativa, e dei um jeito para prendê-la no meu cinturão. E agora Rhodan falou
novamente:
— O planeta Vario, que agora se chama Lemúria, é nossa única chance de
regressarmos ao tempo real. Portanto, temos que fazer tudo para chegarmos à superfície
desse planeta, para efetuar sindicâncias e investigações. Estou convencido que, em
Lemúria, vamos encontrar um dos senhores da galáxia. Provavelmente ele vive ali,
incógnito, mas certamente ocupando uma alta posição. Hoje, cerca de cinqüenta mil anos
antes do nosso tempo, o poder dos senhores da galáxia ainda não está consolidado.
Entretanto, podemos ter certeza de que eles têm um espião nesta época importante e neste
planeta importante. Além disso, é muito provável que os senhores da galáxia originaram-
se da classe alta dos Grão-Mestres Conselheiros da Lemúria. A suspeita de Icho Tolot de
que os senhores da galáxia devem ser um povo pequeno, certamente demonstrará ser um
fato. Porém tudo isso, no momento, só nos interessa em segunda linha. Nossa meta terá
que ser uma só — conseguir chegar ao tempo real.
Rhodan baixou a cabeça e se calou. De repente dei-me conta do peso da
responsabilidade que este homem carregava nos ombros, e o quanto ele sofria por saber-
se cortado, em cinqüenta mil anos, dos acontecimentos que, para ele, e para o Império
Solar, eram tão vitais.
Atlan tirou um aparelhinho do seu bolso, levantando-o bem alto, para que todos
pudéssemos vê-lo.
— Este é um indicador de impulsos. Ele nos levará a um dos senhores da galáxia, se
um destes seres vive na Lemúria. Nós sabemos que todos os senhores da galáxia têm um
ativador celular implantado — ele ligou o aparelho. Um zunido muito fraco fez-se ouvir.
— São os ativadores de Rhodan, de Kakuta, de Noir e o meu próprio, que o aparelho
assinala — declarou ele. — Nossos próximos passos já são conhecidos de todos. A Crest
pousa num planeta maahk radiativo. Nós seremos lançados da nave-capitânia numa
corveta, tomando o rumo de Vario. Logo que surgimos, vindos do espaço linear, nós
saímos de bordo, com o escaler salva-vidas alariano, e estouramos a corveta. Às
autoridades da Vigilância lemurense, vamos afirmar que, nessa explosão, nossa
insubstituível Eskila foi destruída. Todo o resto vai depender de como os lemurenses vão
reagir a essa história.
— Eu ainda me pergunto que papel deverei fazer nessa missão? — quis saber
Gucky.
Atlan pegou um monte de pano que estava do seu lado, sobre a mesa. Desdobrou-o,
e todos puderam ver que se tratava de um saco, muito sujo, e cheio de buracos.
— Você faz parte de nossa bagagem — disse o arcônida. Gucky perdeu o fôlego.
— Querem transportar-me nesse saco? — perguntou ele, incrédulo.
— Sem dúvida — confirmou Atlan. — O sargento Surfat é quem vai carregar você.
Ninguém vai pensar, jamais, que nesse saco está enfiado um rato-castor. Pois nós vamos
comportar-nos como verdadeiros selvagens, logo que entrarmos em contato com os
lemurenses.
Gucky pôs-se de pé, cheio de brios. Lançou um olhar ameaçador para Surfat, e
disse:
— Eu não quero mais me chamar Gucky, se deixar que me carreguem dentro deste
saco, por livre e espontânea vontade.
— Está bem, você passa logo a chamar-se Zvonimir — sugeriu Atlan.
— Zvonimir? — gemeu o rato-castor, cobrindo o rosto com ambas as patas.
Atlan abriu a boca do saco, e sugeriu:
— Experimente, para ver se você cabe aqui.
Guck desmaterializou, indignado.
— Vai ter que tomar muito cuidado com ele, Borg — disse Rhodan para Surfat.
O sargento agora chamava-se Borg.
Surfat riu, nervosamente, espalhando com isso uma nuvem de intenso cheiro de
alho.
— Depois que o tenho dentro do saco, ele não sai mais — prometeu ele.
E eu praticamente estava convencido disso. Com o mau cheiro que Brazos Surfat
carregava consigo, o pobre baixinho certamente estaria inconsciente a maior parte do
tempo.
3
Juvenog vestia uma jaqueta xadrez, de grandes quadrados, sobre cuja gola ele
enlaçara, artisticamente, uma espécie de xale-gravata bastante sujo. Suas calças estavam
manchadas com todo tipo de restos de comida. As solas dos sapatos já descolavam, e a
cor das suas meias contrastava violentamente com o restante de sua vestimenta.
Não havia dúvida — Juvenog era um alariano. Que dançava, muito alegre e
satisfeito, à nossa volta.
— Isso fez-lhes perder a fala, não é mesmo? — gritou ele, entusiasmado. — Mas eu
vou cuidar bem de vocês.
Falou e logo saiu correndo para fora novamente. Com muito custo eu abafei um
suspiro de alívio.
— Ele vai correr de uma autoridade para outra, para atender aos seus desejos —
observou Vulling. — Mas não creio que ele tenha algum sucesso.
Portanto havia a perspectiva de que nós não veríamos Juvenog novamente tão cedo.
E eu não me importava muito especialmente com isso. Fiquei observando Vulling que se
aproximara do autômato do qual retirava, com muito cuidado, cacos de vidro, da vidraça
partida.
— Simplesmente partida — disse ele, amargamente. — Provavelmente acham que
podem permitir-se qualquer coisa, é isso?
— Onde está o seu chefe? — quis saber Rhodan.
Vulling passou os dedos no seu bigodinho. Era evidente que ele recebera ordens
para continuar se ocupando com a gente. E isso não lhe era absolutamente agradável.
— Devo conduzi-los ao Edifício Dois, da Administração — disse ele, meio
chateado. — Ali querem examinar os seus documentos.
— Ora, até que enfim! — berrou Atlan, dirigindo-se rapidamente para a porta.
Lá fora, estava um transportador, e nós embarcamos. Desta vez não havia motorista,
de modo que Vulling teve que assumir pessoalmente o volante. Os edifícios, nesta parte
do espaçoporto, haviam sido ordenados em forma de ferradura, de modo que não era
possível ver, daqui, o campo de pouso propriamente dito. Duas naves espaciais,
pequenas, estavam paradas bem perto das oficinas. Na sua parte externa viam-se reflexos
de arcos voltaicos, sinal de que os mecânicos estavam ocupados em trabalhos de reparos.
De nosso escaler, nada mais se via. Certamente eles o deviam ter colocado num dos
pavilhões, para examiná-lo mais detidamente. Isso pouco me importava. Afinal, a
pequena nave era um legítimo produto alariano.
Rhodan e Atlan conversavam em voz muito baixa. Provavelmente discutiam a
melhor maneira de nos comportarmos durante o exame dos documentos.
A maior parte de nossos papéis eram legítimos. As falsificações haviam sido
executadas com tanta precisão que não havia perigo de que algum oficial lemurense
pudesse ver a diferença. Ainda assim, o pensamento no exame, que tínhamos diante de
nós, me deixava um tanto inseguro. Nós havíamos feito exigências aos lemurenses. Isso
os levaria a examinar tudo, muito detidamente, pelo menos para dar uma aparência de sua
boa vontade e solicitude.
Vulling parou diante de um edifício bem alto. A subida até o portal tinha um renque
de árvores, semelhantes a palmeiras, de ambos os lados. Atrás destas, vimos jardins
floridos, com chafarizes, iluminados artisticamente, com belos efeitos luminosos. O
perfume das muitas flores chegava até nós.
Vulling olhou para o portal, com uma cara bem infeliz. Junto da porta de vidro
havia duas sentinelas armadas.
— O que ainda está esperando? — resmungou Atlan, que notou a hesitação de
Vulling.
Vulling fez-nos um sinal, e nós o seguimos até o portal. Eu podia imaginar que
estávamos sendo seguidos por muitos olhos. As duas sentinelas fizeram continência,
quando nós passamos. Surfat fez uma de suas mãos deslizar, por brincadeira, pelas
insígnias de um dos homens. O guarda controlou-se magistralmente, mas quando olhei
para trás, vi que o rapaz tinha os olhos cheios de água. O fedor de Surfat certamente
havia sido um pouco insuportável demais para ele.
Chegamos a uma ante-sala recoberta de tapetes, e que estava agradavelmente fresca.
No meio do recinto havia um pedestal, sobre o qual haviam montado uma escultura
luminosa. Letreiros luminosos mostravam aos lemurenses, que aqui tinham assuntos a
tratar, o caminho certo para as diferentes salas. Eu li alguns dos nomes, e verifiquei que
os lemurenses tinham um grande número de Missões Coloniais.
Do outro lado do recinto, ficava a recepção. Por baixo de uma tabuleta, na qual lia-
se a palavra INFORMAÇÕES, um homem baixo estava recostado num balcão forrado de
madeira. Ele olhou para nós, como se não quisesse acreditar no que via. Notei que ele
tentava fazer sinais para Vulling, em segredo, porém o chefe do Comando Técnico de
Emergência estava nervoso demais para prestar-lhe atenção.
— Vamos ter que esperar um pouco — disse Vulling para nós. — Logo nos
chamarão.
Atlan apontou para algumas poltronas e bancos, que se encontravam junto das
entradas aos diversos elevadores.
— Vamos nos sentar! — sugeriu ele.
— Por favor, não! — pediu Vulling. — Os senhores vão arruinar o estofamento das
poltronas com suas roupas.
— O que é que são algumas poltronas, comparadas com nossa nave insubstituível?
— gritou Redhorse para Vulling.
Brazos Surfat foi quem chegou primeiro nas poltronas. Quando se tratava de
aproveitar qualquer comodidade, Surfat sempre era o primeiro a aproveitar-se dela. Sem
soltar o saco com Gucky, digno de pena, o sargento deixou-se cair, gemendo, numa
poltrona. Com os pés, ele puxou uma segunda poltrona mais para perto, para esticar suas
pernas. Logo depois tínhamos ocupado todas as poltronas existentes. Conversamos em
voz muito alta, assobiando atrás de uma garota que saíra de um dos elevadores, e
rapidamente fugiu porta a fora, logo que nos viu.
Vulling foi até a recepção e ficou conversando com o homem das “Informações”.
Por seus gestos era evidente que ele estava bem próximo de um colapso nervoso.
Passou-se meia hora, sem que alguém se importasse conosco. Atlan fez-me um
sinal.
— Queremos tomar alguma coisa — disse ele.
Eu anuí. Lentamente fui até onde se encontrava Vulling, recostado, exausto, no
balcão da recepção.
Bati com o punho fechado com tanta força no balcão que algumas canetas chegaram
a voar para o chão.
— Estamos com sede! — gritei para Vulling. — Vai nos deixar aqui, torrando?
Vulling refugiou-se atrás do balcão, curvando-se por cima de um videofone. Por
suas palavras deduzi que ele mandou ligar para a cantina.
— Diga-lhes que estamos com pressa — disse eu, ameaçadoramente, para Vulling.
— Caso contrário, vamos lá fora, tomar água no chafariz.
Vulling deu um gemido. Eu voltei para o meu lugar. Antes de nos trazerem alguma
coisa para beber, um alto-falante chamou o nome de Vulling, pedindo que ele subisse
com os “hóspedes alarianos”. Nós rimos, zombeteiros, batendo, entusiasmados, nas
costas de Vulling.
Ao entrarmos no elevador, Vulling enfiou-se num canto. Ele fechara os olhos, e mal
respirava. Parecia que, a qualquer instante, ele poderia desmaiar. O elevador parou, e pela
porta aberta podia ver-se um corredor muito largo. Também aqui, aparelhos de ar-
condicionado mantinham uma temperatura agradável. Luz indireta iluminava o corredor.
Murais enormes mostravam motivos das conquistas espaciais lemurenses. O edifício
diferenciava-se muito pouco de semelhantes na Terra. Não pude deixar de sentir uma
ponta de saudade. Tive que fazer um esforço para continuar representando o meu papel
de vagabundo espacial. De passagem cheguei até a pensar na possibilidade de recomeçar
uma nova vida, aqui em Vario. Mas isto significaria ter que deixar a Frota Solar e todos
os meus amigos.
Vulling bateu numa porta e ficou parado, esperando. A porta deslizou para um lado.
Vulling apontou para minha arma e sibilou:
— Tire essa coisa, antes de entrar na sala.
— Está ficando louco? — gritei-lhe eu, entrando na sala, e pisando forte num tapete
de, pelo menos, um centímetro de altura.
As duas paredes laterais do recinto eram formadas pelas superfícies de gigantescos
aquários. Peixes multicoloridos nadavam nos mesmos. Os efeitos de luz davam a
impressão de que os bichinhos se encontravam bem no meio da sala. O teto era uma
espécie de planetário. Eu pensei estar olhando nas profundezas insondáveis do cosmo, ao
levantar os olhos.
A parede dos fundos era inteiramente tomada por um gigantesco mapa, também
iluminado. Todos os continentes da Lemúria constavam do mapa. Diante do mesmo havia
uma mesa simples. Numa cadeira giratória, estava sentado um homem esguio, parecendo
enérgico, que girava uma caneta entre os dedos, e nos olhava interrogativamente.
Imediatamente senti que estava diante de um homem perigoso. Ele não tinha nem o
nervosismo de Vulling, nem a cordialidade ruidosa de Juvenog.
O homem tinha cabelos ralos, louros, penteados para trás com uma risca lateral.
Seus dedos eram excepcionalmente longos. O rosto do homem era dominado por um par
de olhos cinza-esverdeados. Na pupila destes olhos parecia haver um fogo pronto para
irromper. O lemurense devia ser um homem passional, mas continuava sentado ali como
se nada pudesse tirá-lo de sua calma.
Vulling, atrás de nós, disse:
— O sujeito alto não quis deixar a sua arma lá fora, Ostrum.
O olhar de Ostrum voltou-se para mim, aparentemente só de passagem, mas eu senti
que ele gravava todos os detalhes.
— Certamente gosta muito desse seu canhão, não? — perguntou Ostrum.
Eu pigarreei. A sua voz me surpreendera. Soava cordial, mas essa cordialidade era
apenas superficial. Um quê de cortante, pragmático, oscilava na mesma, uma certa
intransigência, que me fez ficar com um pé atrás.
— É uma baionga — retruquei. — Por que deveria deixá-la lá fora?
Ostrum disse:
— É difícil negociar sob a mira de arma — e os senhores estão querendo negociar
comigo, ou não?
Atlan tirou-me dessa situação difícil e perigosa.
— Depende de quem o senhor é, Ostrum — disse ele. — Não imagine que nós
vamos deixar que nos despachem através de um pequeno burocrata.
— Quer que chame a guarda? — perguntou Vulling, horrorizado.
— Para quê? — quis saber Ostrum. — Afinal de contas esses astronautas não
podem saber que eu sou o lugar-tenente do comando dos serviços de segurança
lemurenses. E sou, ao mesmo tempo, conselheiro para assuntos da frota espacial
lemurense.
— De nada nos servem esses títulos todos — disse Rhodan, furioso. — Nós
precisamos de dinheiro, para comprar uma nova nave espacial.
— O Comandante Zabot informou-me do incidente no qual os senhores perderam a
sua nave — disse Ostrum. — Por isso não vamos perder tempo com brincadeirinhas de
criança. Ninguém lhes acredita que perderam a sua nave, por ter sido a mesma destruída
pelos maahks. Os maahks dão graças por não terem que se meter conosco — Ostrum
girou o seu cadeirão e levantou-se. Eu fiquei admirado em ver que ele era tão baixo.
Enquanto estivera sentado, ele me parecera bastante grande. — A sua nave espacial
morreu de velha — disse ele, zombeteiro.
— Os senhores não querem nos pagar! — gritou Atlan, furioso. — Acham que
podem amedrontar-nos. Mas não vamos aceitar uma recusa.
— Não estou lhes recusando nada, mas quero negociar — declarou Ostrum. —
Mostrem-me seus documentos.
Atlan tirou um maço de papéis sujos do bolso, e jogou-os sobre a mesa de Ostrum.
Ostrum empurrou os documentos para um lado, sem dar-lhes atenção.
— Vou mandar examinar todos eles — prometeu ele.
— Quanto tempo vai levar isso? — perguntou Redhorse. Ostrum ergueu os ombros.
— Isso não tem a menor importância. Imagino que estão precisando de uma nova
nave espacial. Os senhores têm dinheiro, ou conseguiram salvar alguns objetos de valor,
com que poderiam pagar uma nave menor?
Olivier Doutreval deu um passo para a frente e abriu uma pequena caixa, que trazia
consigo. Virou-a, despejando três blocos de quartzos oscilantes sobre a mesa, diante de
Ostrum. Os blocos cintilavam como cristais. Ostrum passou a língua nos lábios.
— Quartzos oscilantes! — disse ele, tentando controlar o seu entusiasmo. — Com
estes os senhores poderão adquirir três espaçonaves do tamanho da Eskila.
A inquietação que de repente tomou conta dele tinha algo de animalesco. Ele fixou
os valiosos quartzos como uma ave de rapina olha a sua presa. Ostrum era um homem
influente em Vario, disso não podia haver mais dúvida. E eu podia imaginar como ele
tinha chegado a essa sua posição influente. Sua ânsia por riquezas o havia instigado a
progredir.
— Coloque esse negócio outra vez na caixa, Rousander-Bel — disse Atlan para
Doutreval.
Doutreval adiantou-se um passo, mas bateu contra um obstáculo invisível. Perplexo,
ele tateou com as mãos por aquela parede transparente. Ostrum erguera uma barreira
energética entre ele e nós. Os quartzos ficavam além da barreira — do lado de Ostrum,
— Seu ladrão sujo! — gritou Atlan.
Olivier Doutreval, que agora se chamava Rousander-Bel, tamborilou com ambos os
punhos fechados contra o campo energético.
— Eu não estou querendo roubá-los — disse Ostrum.
— Os quartzos oscilantes, assim como os seus documentos, serão apenas
examinados. Caso eles demonstrem ser verdadeiros, os senhores receberão de mim um
preço adequado. Naturalmente vamos ter que deduzir as despesas que estamos tendo com
a sua hospedagem — ele estendeu o braço. — Para fora com eles, Vulling!
Nós nos recusamos a deixar o recinto, mas quando cinco lemurenses, de cara feia e
armados, apareceram na porta, não tivemos outra alternativa que a de seguir Vulling.
Ostrum com toda certeza era um dos homens mais poderosos deste planeta, mas não
era nenhum dos senhores da galáxia. O aparelhinho que Rhodan trazia consigo não tinha
dado qualquer sinal.
— Vão levá-los, num transporte, até a cidade — disse Vulling, enquanto
deixávamos o edifício. — Juvenog telefonou, avisando que encontrou alojamento para os
senhores. Ali poderão morar até que tudo esteja regularizado.
— O senhor certamente está contente por livrar-se de nós? — disse André Noir.
Vulling sorriu, chateado. Eu não imaginava que ele ainda conseguiria sorrir, depois
de tudo.
— Olhe, eu já estava até me acostumando com os senhores — declarou ele.
***
O carro, com o qual nos levaram à cidade, era um veículo pré-histórico,
provavelmente o mais antigo que Vulling conseguira encontrar. Eu achei que aquilo
certamente era uma vingança pessoal dele, já que nós o havíamos tratado tão mal.
Ficamos acocorados, nos fundos, no chão do veículo. Não havia janelas. Por isto nós
tínhamos aberto um dos lados da portinhola dos fundos, amarrando-a com uma corda, de
modo que pudéssemos olhar para a rua. Constantemente nos ultrapassavam. Nosso carro
balançava, fazendo roncar o motor, cada vez que tinha que subir uma pequena ladeira.
Surfat abrira um pouco o saco, de modo que Gucky pudesse pôr a cabeça para fora, para
respirar um pouco de ar fresco. O rato-castor estava de mau humor. Nós conversávamos
em voz baixa, apesar do motorista, com o barulho que o carro fazia, não poder ouvir
nada, de modo algum. De vez em quando o ouvíamos praguejar. Ele amaldiçoava o seu
veículo, sua profissão, seus passageiros e todos os seus antepassados.
Quando nos aproximamos da cidade, vimos os primeiros edifícios de ambos os
lados da rua. A luz do sol do fim da tarde espalhava-se nas suas paredes de vidro. Bem lá
no alto, em cima de antenas, viam-se grandes pássaros amarelos, esperando o anoitecer.
O pedacinho de céu que conseguíamos ver através da porta aberta brilhava num vermelho
chamejante.
Passamos por uma estátua, cujo ponto central era uma nave espacial. Era a primeira
nave lemurense que pousara em Vario, vinda da Terra. Eu cheguei a sentir um calafrio,
pensando nas distâncias que os lemurenses tinham vencido. Muito antes de nosso tempo,
eles já haviam ousado o salto através do grande vazio.
De repente surgiu, atrás de nós, um planador, dirigido por uma moça. A moça abrira
a carlinga e fazia-nos sinais. Rapidamente Surfat empurrou Gucky novamente para dentro
do saco.
— O que será que ela quer de nós? — perguntou Kakuta.
— É curiosidade — disse Redhorse. — Provavelmente ela ouviu falar de nossa
chegada.
Com uma manobra ousada a moça dirigiu o seu planador até bem atrás de nosso
carro, ligando então a sua antigravidade.
— Olá, rapazes! — gritou ela. — Para onde estão levando vocês?
Ela erguera o seu cabelo bonito, para o alto da cabeça, o que lhe dava um aspecto
muito atraente. Era extraordinariamente bonita, e irradiava uma grande alegria de viver.
— Quem é a senhorita? — quis saber Atlan, ríspido.
— Trabalho para a maior agência noticiosa da cidade — declarou ela. — Talvez
vocês possam dar-me uma entrevista?
Ela trepou para fora da carlinga, jogou-nos uma corda magnetizada, e veio
deslizando até nós, no interior do carro. Tirou a corda das mãos de Doutreval, perplexo, e
prendeu-a bem, no metal do chão.
— Arre! — fez ela, torcendo o seu narizinho. — Quando foi que vocês tomaram
banho pela última vez?
— Isso também faz parte da entrevista? — quis saber Rhodan, nada cordial.
— Não, na realidade não — confessou ela. — Eu gostaria de saber, sobretudo, o
que aconteceu com a nave de vocês?
Antes de podermos responder, o carro freou, repentinamente. Eu perdi o equilíbrio e
caí contra Surfat. O motorista abriu uma janelinha e enfiou a cabeça pela mesma, para
ver-nos melhor.
— Desapareça! — gritou ele para a moça.
— Ela é uma repórter! — disse Atlan. — Nós queremos responder-lhe algumas
perguntas.
— Repórter? — o motorista riu, ironicamente. — Ela é do Quaiong Hotel, e vai
tentar espremer tudo de vocês, antes de chegarmos lá.
— Seu velho estraga-prazer — disse a moça, sem mostrar-se com raiva. Ela retirou
a corda magnética e voltou para o seu planador. Depois fez-nos um sinal, e segundos
mais tarde tinha sumido.
Atlan bateu contra a parede da frente. O motorista abriu a janelinha e perguntou o
que estava acontecendo.
— Que hotel é esse, que o senhor acabou de mencionar? — quis saber Atlan.
— Nós o chamamos de Hotel Cosmos — retrucou o lemurense. — É lá que
alojamos tudo que aparece por aqui, vindo do espaço sideral.
— Também membros de povos estelares estranhos? — perguntou Redhorse.
O motorista anuiu.
— Naturalmente — resmungou ele, e fechou novamente a janelinha.
— Aposto que entre eles existem telepatas — disse André Noir. — E com toda
certeza, também alguns espertalhões que se ocuparão da gente.
O carro saiu da rua principal, dirigindo-se, fazendo um barulhão danado e soltando
muito escapamento, para um enorme edifício, no alto do qual tremulavam incontáveis
bandeiras. Eu estava de pé, junto da porta do carro, debruçando-me para fora, de modo
que pudesse olhar para a frente.
— Acho que chegamos ao nosso destino — disse eu para os meus camaradas.
Logo em seguida o veículo parou. Vindo da entrada do hotel, um homem veio
correndo ao nosso encontro. O mesmo me parecia conhecido. E logo depois o reconheci.
— Olá! — gritou Juvenog. — Estou contente em ver vocês aqui. Agora finalmente
vamos poder sentar-nos confortavelmente e conversar um pouco.
***
Juvenog conduziu-nos, com ruidosa alegria, através da entrada principal do hotel. O
porteiro era uma criatura gigante, estranha, com pele escamosa e mãos que pareciam
garras. Diante do seu balcão estavam instaladas duas armas energéticas de grande
potência.
— Para que estas armas? — voltou-se Atlan, desconfiado, para Juvenog.
O alariano sorriu, candidamente.
— De vez em quando surgem dificuldades — disse ele, encolhendo os ombros. —
Aqui vivem seres de mais de cinqüenta planetas. Isso nem sempre se passa sem atritos.
Jorgo dá um jeito de manter a ordem, quando as brigas, de diversas formas de vida,
desandam.
— Esse hotel mais me parece uma prisão — disse Kakuta.
Juvenog riu estrepitosamente. A ante-sala era escura. Sete diferentes elevadores
levavam para o alto. Num corredor lateral, junto dos elevadores, havia um bar. Uma
figura alta, de aspecto estranho, desfigurada, estava encostada no balcão. Não se virou,
apesar de estarmos fazendo um barulho que certamente qualquer um escutaria.
— Aquele é Rutoz — explicou Juvenog. — Está constantemente embriagado. Ele
vai acabar morrendo, ali mesmo, no bar.
— Por que ele está aqui? — perguntei. Juvenog estalou os dedos.
— O planeta dele foi colonizado. O seu povo não era muito progressista. E não
sobreviveu às mudanças introduzidas pelos lemurenses. Rutoz é o último do seu povo.
Juvenog conduziu-nos para dentro de um elevador, antes de continuar:
— A maioria dos hóspedes deste hotel é de sobreviventes de algum povo estelar.
Mas também há turistas curiosos ou diplomatas, que moram aqui. Em diversos quartos
até são criadas, artificialmente, condições de atmosferas e pressões de mundos estranhos,
para que os hóspedes possam sentir-se mais confortáveis.
— Quem é que paga nossa estada? — quis saber Atlan.
— Vocês possuem alguma coisa? — perguntou Juvenog, interessado.
— Não — disse Atlan, áspero. — Tudo que tínhamos, agora está nas mãos de
Ostrum.
— Ele é um vigarista — disse Juvenog.
O elevador subiu. Poucos minutos depois, entramos num quarto confortavelmente
mobiliado. Música ambiente era fornecida por um alto-falante invisível.
— Sintam-se em casa — disse Juvenog, atirando-se num sofá.
— Nós podemos nos movimentar livremente? — quis saber Rhodan. — Ou só
vamos poder deixar esta casa à força?
Juvenog tirou o seu xale-gravata, jogando-o negligentemente ao chão.
— Eu sou hóspede deste hotel. E vocês podem movimentar-se tão livremente como
eu. Mas não se preocupem, os lemurenses não vão esquecê-los. Serão constantemente
vigiados, sempre que deixarem o hotel.
— Eu gostaria de estar novamente em casa — disse Redhorse.
Juvenog riu, irônico.
— E onde seria isso? — perguntou ele, com a voz mudada.
— Como assim? — resmungou Redhorse. — Nós somos do mesmo planeta que o
senhor!
— Eu não sou nenhum idiota — disse Juvenog. — Desde o primeiro instante eu
sabia que vocês não são alarianos. Tudo agora vai depender de quanto vão querer pagar,
para que eu não leve o segredinho de vocês para Ostrum.
***
Eu tirei a baionga do meu cinturão e apontei o cano, com um diâmetro de cinco
centímetros da arma pesada, para o rosto de Juvenog. O seu sorriso desvaneceu-se. Esta
era a primeira vez que eu apontava a arma alariana para alguém. E tive que segurá-la com
ambas as mãos.
— Vamos com calma — disse Juvenog, roucamente.
— Eu tomei minhas providências. Se vocês me matarem, Ostrum fica sabendo, uma
hora mais tarde, quem vocês são.
Atlan sentou-se do seu lado, no sofá.
— O senhor estava interessado numa conversinha amigável, Juvenog — lembrou-
lhe ele. — E é isto que nós vamos fazer.
Ele fez um sinal para André Noir. O hipno concentrou-se. Poucos minutos depois
Juvenog caiu para trás, inerte.
— Isso é o bastante, Beratog — disse Atlan para Noir.
— Pode guardar a sua arma, Assaraf — disse ele para mim.
Surfat abriu o saco de provisões, e Gucky esgueirou-se para fora.
— Você tem que ler os pensamentos desse homem, baixinho — disse Perry
Rhodan. — Procure descobrir como ele iria mandar avisar Ostrum.
Durante algum tempo o quarto ficou em silêncio. Juvenog estava estirado no sofá,
como paralisado, porém via-se nitidamente que ele ainda respirava. Gotículas de suor
cobriam a sua cabeça calva. A veia carótida, no seu pescoço, pulsava fortemente.
— Ele tem um mensageiro-robô — disse Gucky. — Caso Juvenog não estiver de
volta dentro de duas horas o robô toma o caminho do espaçoporto.
— Onde é que está enfiado esse robô? — quis saber Rhodan.
Novamente o rato-castor concentrou-se.
— Aqui no edifício — disse ele. — No último andar. Ali Juvenog tem dois quartos
— ele bateu as duas patas.
— Eu vou teleportar para os quartos de Juvenog e destruir o robô — sugeriu ele.
— Isso é muito arriscado — disse Rhodan, não concordando. — Tako Kakuta vai
encarregar-se dessa tarefa. Explique-lhe onde ficam estes quartos, para que ele não acabe
pousando num recinto errado.
— E por que eu não posso fazer isso? — quis saber Gucky, furioso. — Durante o
tempo todo eu tenho que ficar metido nesse saco fedorento.
— Se alguém vir você, acabou-se tudo — disse Rhodan. — Caso alguém veja Tako,
nós sempre podemos pensar numa desculpa.
Gucky acabou concordando, chateado, com seu triste destino. Entretanto, recusou-
se terminantemente a voltar para dentro do saco. Por insistência de Rhodan ele acabou
metendo-se num banheiro que ficava ao lado. Kakuta desmaterializou.
— Tire a lembrança deste incidente de Juvenog — disse Rhodan para Noir. —
Quando ele voltar a si, ele deve ter esquecido tudo. Faça com que ele acredite que nós
somos legítimos alarianos.
Noir precisou de menos de dois minutos, para preparar o alariano. Antes de Juvenog
despertar, Kakuta voltou. Foi até o banheiro para lavar as mãos. Além do correr da água,
ouvimos as suas palavras.
— Foi tudo muito simples — disse o pequeno mutante com cara de criança. — Eu
simplesmente reprogramei o robô. Caso Juvenog, nas duas próximas horas, não regressar,
o robô marchará para o bar, lá embaixo, indo buscar alguma coisa para beber. De Ostrum,
ele não sabe mais nada.
Kakuta enxugou as mãos no vento que saía do aparelho de condicionamento do ar, e
voltou novamente para o quarto onde nós nos encontrávamos.
— Ele está acordando! — disse Doutreval, apontando para o sofá.
Juvenog piscou os olhos, espantado, erguendo-se no sofá. Passou a mão na testa,
como se quisesse afugentar uma lembrança desagradável.
— O que aconteceu? — perguntou ele.
— O senhor pegou no sono — declarei eu. — Devia estar completamente exausto
— Juvenog sacudiu a cabeça, perplexo. Levantou-se e foi até o intercomunicador. Logo
encomendou alguma coisa para beber, do bar. Poucos minutos depois fomos servidos
pela mesma moça que se apresentara a nós como repórter, no caminho do espaçoporto
para cá.
— Então — assim nos vemos outra vez — disse-lhe Rhodan. — Ainda está
interessada numa entrevista?
— Eu fiz isto por ordem do meu chefe — retrucou ela, áspera.
— E quem é ele?
— Nevis-Latan — retrucou ela.
— Ele é, a um só tempo, conselheiro e chefe de todos os serviços de transporte em
Lemúria. Por isso o senhor só o encontrará muito raramente no hotel — interveio
Juvenog.
— A moça recebeu dele a ordem de examinar cuidadosamente todos os hóspedes do
hotel, antes que estes ponham os pés aqui dentro.
— E onde está Nevis-Latan agora? — quis saber Atlan.
— Ele está sempre viajando. Isso faz parte do seu trabalho — disse a moça.
Juvenog sacudiu a cabeça, pensativo.
— Eu não entendo por que ele ainda se dá ao trabalho de administrar este hotel —
disse ele.
— Ele se interessa por povos estelares estranhos — disse a moça. — Este interesse
o distrai um pouco do seu trabalho.
— A senhorita parece conhecê-lo muito bem — disse Rhodan.
Ela colocou, em silêncio, garrafas e copos sobre a mesa, e retirou-se.
— Um hotel muito estranho — disse Atlan, refletindo.
— E, evidentemente, também um proprietário ainda mais estranho.
— Esqueça isso! — sugeriu Juvenog, abrindo uma garrafa. Ele encheu os copos e
colocou o seu próprio contra a luz. — Há sempre um motivo para festejar — disse ele,
batendo com a mão espalmada, satisfeito, na coxa.
— Nisso o senhor tem toda razão — disse Noir, sorrindo. Não pude deixar de notar
o traço de zombaria na sua voz.
***
Quando Juvenog ficou embriagado, ele subiu na mesa, cantou canções alarianas e
começou a dançar. Lá fora, entrementes, escurecera. Pela janela aberta, eu podia ver uma
parte da cidade iluminada. As lâmpadas vermelhas, tipo pisca-pisca, indicadoras das
pistas de vôo, formavam uma padronagem caótica contra a escuridão do céu noturno. Por
toda a parte cintilavam colunas luminosas de anúncios.
Juvenog tropeçou e teria caído de cima da mesa, se eu não o tivesse segurado.
Ainda antes que eu o deitasse no sofá, ele já estava dormindo. Gucky abriu a porta do
banheiro, com raiva.
— Quem sabe eu agora posso tirar uma soneca — disse ele, cheio de esperança. —
Vocês têm mesmo que cair na orgia, em vez de se incomodarem com coisas mais
importantes?
— O que é que você acha de darmos um pequeno passeio noturno? — quis saber
Atlan, de Perry Rhodan.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Despertaria suspeitas, se todos nós saíssemos, juntos, do hotel. Você poderá ir
dar uma olhada na cidade, Assaraf e Modrug poderão acompanhá-lo.
Modrug era o nome alariano de Tako Kakuta. Ele pôs o copo sobre a mesa e
levantou-se.
Rhodan olhou para mim, de modo penetrante.
— O senhor não está embriagado, está?
— Não, sir! — consegui dizer.
— Meu nome é Schintas! — repreendeu-me Rhodan. — Esses erros não devem
acontecer!
Eu pedi desculpas. Junto com Atlan e Kakuta eu deixei o recinto, mas só depois de
ter colocado novamente a baionga no meu cinturão. Descemos no elevador, sem
encontrar ninguém. Lá embaixo, diante do bar, estavam três astronautas, muito ruidosos.
O curioso ser, que se chamava Rutoz, continuava encostado no balcão. Parecia bêbado
demais para prestar atenção em nós.
Sem sermos molestados, deixamos o Quaiong Hotel. Jorgo fez-nos um sinal, como
quem está com sono, quando saímos para a rua. Um vento fresco bateu-me no rosto. O
ruído contínuo do tráfego noturno fez-me esquecer que eu estava numa cidade estranha.
Indecisos, olhamos em volta.
— Duvido muito que, nestas roupas, irão nos deixar entrar em locais freqüentados
pelas pessoas importantes desta cidade — disse Tako Kakuta. — Mas é justamente ali
que temos que procurar, se quisermos falar com pessoas importantes.
— Nós somos alarianos — disse Atlan, decidido. — Quero ver quem vai se atrever
a nos proibir de entrar onde quer que seja.
— Para que direção deveríamos ir? — perguntou Kakuta. — O centro da cidade fica
para lá. Quem sabe tomamos um táxi?
— Infelizmente não temos dinheiro — disse eu. Olhei para trás, para a entrada do
hotel, onde vi, parada, a moça que se apresentara a nós como sendo repórter, mas que
trabalhava no hotel. Quando notou que eu olhava para ela, imediatamente sumiu para
dentro do hotel.
— Estamos sendo observados, Ob Tolareff — disse eu, para Atlan.
— Já vi — retrucou o arcônida. — É melhor irmos logo andando, para dar uma
olhada por aí.
Poucos minutos mais tarde chegamos à rua principal. Pensei que iríamos despertar
muita atenção, porém, para meu espanto, havia apenas poucos lemurenses que se viravam
para olhar-nos, ao passar. Subimos para uma das esteiras rolantes, que se movimentava
em direção ao centro da cidade. Com muita freqüência encontrávamos astronautas, que
iam em direção da zona de diversões da cidade.
Achei que não valeria a pena seguirmos estes homens. Estávamos à procura de
personalidades responsáveis. E estas dificilmente iriam procurar estes estabelecimentos
duvidosos.
A esteira rolante sumia dentro de um túnel, mas nós saltamos antes, e atravessamos
a rua. Do outro lado havia alguns edifícios altos. Entre as imensas vitrines passavam,
ininterruptamente, plataformas antigravitacionais, que levavam os curiosos para todos os
lugares.
— Não poderíamos tentar comprar alguma coisa? — achou Kakuta.
— Sem dinheiro? — disse eu, zombeteiro.
— Talvez eles nos dêem crédito — disse o teleportador. Deixamos as grandes lojas
de departamentos para trás.
Numa rua lateral, descobrimos alguns restaurantes que pareciam de luxo.
Planadores luxuosos estavam estacionados diante dos mesmos. Do alto, das coberturas,
descia música até nós. Ficamos parados, à sombra da entrada de um dos edifícios, para
observar quem entrava e saía desses restaurantes.
Todos os freqüentadores que observamos estavam vestidos elegantemente. Também
o comportamento deles dava mostras de que se tratavam de gente da alta sociedade
lemurense.
— Estes restaurantes não são para o bico de gente sem importância ou vagabundos
espaciais — suspirou Kakuta. — Vamos ter que pensar noutra coisa para entrarmos em
contato com as camadas altas da sociedade lemurense.
— Nada de complexos de inferioridade — disse Atlan. Ele saiu da sombra do
edifício e dirigiu-se diretamente a um dos restaurantes.
— Nós não temos dinheiro — disse Kakuta. — Se nos deixam entrar, logo vão nos
pôr na rua novamente.
Sem dar ouvidos ao mutante, Atlan apressou os passos. Na entrada, muito
iluminada, do restaurante, havia dois porteiros uniformizados que nos olharam friamente.
— Por aqui não há trabalho para vocês — disse um dos homens, quando paramos.
— Trabalho? — berrou Atlan, furioso. — Quem foi que lhe disse que queremos
trabalhar? O que nós queremos é nos divertir um pouco, aí dentro.
Um dos lemurenses gemeu audivelmente, enquanto o outro sorria ironicamente.
— Três piadistas — disse ele ao seu colega. Depois sua expressão assumiu a do seu
posto, e ele disse, enfaticamente: — Vamos, sumam daqui!
Eu desapertei a baionga do cinturão, e apertei-lhe o cano na barriga. O seu queixo
caiu. Ele começou a tremer. O segundo lemurense nem ousou se mexer. Evidentemente
ele achava que eu mataria o seu amigo, se ele cometesse um erro.
— Nós agora vamos entrar — disse Atlan, cordialmente. — E nem tentem vir atrás
de nós, para nos buscar novamente.
Ele abriu a porta, com violência. Música e um rumor de vozes indistintas chegou
aos meus ouvidos. Eu enfiei a baionga novamente no meu cinturão, e segui Atlan e
Kakuta, que já haviam entrado. De golpe, fez-se um silêncio geral. Os lemurenses nos
olhavam, espantados, das mesas onde estavam sentados. A orquestra parara de tocar,
Atlan fez um sinal para os músicos.
— Vamos, continuem! — gritou ele, sorrindo. Escolhemos, para nós, uma mesa
bem no meio do salão.
De uma das mesas, bem perto da nossa, levantaram-se duas senhoras, indignadas, e
deixaram o restaurante.
Um lemurense muito alto aproximou-se de nossa mesa. Pela expressão do seu rosto,
não era possível entender o que ele sentia ao nos ver ali, mas provavelmente ele não
estava muito feliz com a nossa presença.
— Bertchap! — gritou Atlan, para o homem. Bertchap era uma bebida alcoólica,
muito forte, que Juvenog nos fizera tomar.
O lemurense juntou as mãos, estalando os dedos. Ele tossiu e olhou, cheio de si, à
sua volta. Era evidente que queria chamar a atenção dos outros presentes para a sua
pessoa. Provavelmente queria demonstrar-lhes de que modo se punha na rua três
vagabundos espaciais.
— Eu não vim aqui para servi-los — disse ela. — Devo pedir-lhes, insistentemente,
para que deixem imediatamente o restaurante. De outro modo serei obrigado a notificar a
polícia.
Kakuta deu uma risada irônica, colocando ambas as pernas em cima da mesa. Para
fazê-lo, recostou sua cadeira bem para trás, balançando-se calmamente. Eu levantei-me e
peguei o lemurense pela gola.
— Três canecas de Bertchap! — disse eu, baixinho. — Caso contrário,
despedaçamos este lindo restaurante a tiros.
Ele chegou a empalidecer, sob a maquilagem que usava. Girou a cabeça para um
lado para não ter que cheirar o meu mau hálito. Dei-lhe um empurrão que o fez
cambalear.
E foi aterrissar na única cadeira livre da nossa mesa.
— Evidentemente ele está querendo tomar um trago com a gente — disse Atlan.
De uma das mesas vizinhas aproximou-se de nós um lemurense de ombros muito
largos, que lançou um olhar de desprezo ao maitre do restaurante. Eu vi imediatamente
que tínhamos um homem importante diante de nós. A maneira como ele se portava
denotava isso claramente. Ele usava a sua roupa cara com negligente arrogância.
— Estão tendo dificuldades? — perguntou-nos ele.
— Não querem nos servir uma bebida — queixei-me eu.
Por um rápido instante ele olhou-me fixamente, depois o seu olhar passou por
Kakuta, indo finalmente parar em Atlan. Sua experiência dizia-lhe que Atlan era o nosso
chefe. Com um movimento da mão ele mandou embora o intrigado lemurense, depois ele
mesmo sentou-se na cadeira vazia.
— Nós não gostaríamos de interromper a sua conversa — disse Atlan, apontando
para a moça que o lemurense deixara sozinha.
— Eu escolho minhas companhias de acordo com pontos de vista muito precisos —
disse o homem, sorrindo. — Agora é a vez dos senhores. O meu nome é Greinsch. Sou
conselheiro da Indústria na Lemúria.
Eu recostei-me na minha cadeira. Greinsch tinha um perfil duro. Ao falar, o seu
queixo ficava saliente. As suas mãos tinham o aspecto de alguém que já trabalhara muito.
Os olhos quase sumiam sob as pesadas pálpebras.
— O que é que o senhor achou tão interessante em nós? — quis saber Atlan.
— Só o fato dos senhores serem alarianos — retrucou Greinsch. Trouxeram-nos três
canecos de Bertchap. Nossa conversa estacou por um instante. — Sabe, eu sou um
homem muito rico — continuou Greinsch, finalmente. Ele estalou os dedos. — A riqueza
não é nada de especial, mas me ajuda a fazer com que outros lemurenses façam
exatamente aquilo que eu quero.
— Este é um ponto de vista muito saudável — interveio Kakuta.
Greinsch tomou um gole enorme, sem contrair o rosto.
— Quantos quartzos oscilantes traziam consigo, quando pousaram na Lemúria? —
perguntou ele, diretamente.
— Uma boa quantidade — disse Atlan, furioso. Ele curvou-se para a frente, e
fechou ambas as mãos, batendo com os punhos sobre a mesa. — Mas agora não os temos
mais.
Greinsch sorriu.
— Ostrum? — foi a sua suposição.
— Sim — disse Atlan. — Ele nos roubou. Mas nós não deixaremos este planeta,
antes de sermos indenizados por esta fortuna perdida, bem como por nossa nave
destruída.
Greinsch disse:
— Vocês falam muito alto e fedem como ratos. Eu, entretanto, tenho minhas
dúvidas se isso basta para conseguirem sucesso em sua empreitada.
— Acha que para isso vamos precisar de outras coisas? — perguntou Atlan, na
expectativa. — Está pensando em quê?
— Em boas relações — respondeu Greinsch. Atlan recostou-se na cadeira.
— O senhor certamente não é barato, Greinsch — disse ele.
— Nada é barato neste Universo — disse o conselheiro, filosófico.
— Diga o seu preço — exigiu Atlan. Greinsch olhou para todos os lados.
— Aqui não vamos poder negociar — disse ele. Tirou um cartão do bolso,
entregando-o a Atlan. — Aí tem o meu endereço. Dentro de quatro horas, venham à
minha casa.
Atlan apontou para a moça, que Greinsch tinha deixado sozinha minutos atrás.
— É ela, que agora exige a sua presença?
— Cada coisa tem a sua hora, conforme eu já disse — declarou Greinsch. — E
agora a hora é dela.
— Ele sabe o que quer — disse Atlan, depois que o conselheiro se afastara. O
arcônida levantou-se. Eu tomei rapidamente a bebida que restava no meu copo.
— Ainda temos quatro horas — protestou Kakuta.
— É que eu gosto de dar uma olhada na casa de um homem desses, antes de entrar
nela — disse Atlan.
Ao sairmos do restaurante, já nos esperavam. Diante da entrada havia um planador,
com as turbinas ligadas. Lá de cima, caiu sobre nós uma espécie de rede de neblina. O
planador esvaiu-se diante dos meus olhos. Eu fiz um esforço para respirar, quando de
repente um mal-estar terrível me fez vomitar.
Depois perdi definitivamente os sentidos.
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No negrume infinito boiava uma luz trepidante. Aquilo fazia mal aos meus olhos,
mas era meu único ponto de referência com a realidade e a prova de que eu ainda estava
vivo. Fiz um esforço para abrir os olhos completamente.
Eu estava amarrado em cima de uma espécie de cavalete baixo. Perto de mim, em
leitos semelhantes, estavam deitados Atlan e Kakuta. O recinto em que nos achávamos
era pequeno e nu. Do teto pendia uma lâmpada muito forte.
Se levantasse a cabeça um pouco, podia ver a porta. A mesma era de metal, sem ser
pintada. Um pouco acima do meio, havia uma portinhola de observação.
— Devo libertar-me das minhas cordas? — perguntou Kakuta.
— Não — recusou Atlan. — Vamos esperar, até sabermos o que querem de nós.
— Acha que Greinsch pode estar metido nisso? — perguntei.
Mas não tive resposta. O arcônida, aparentemente, estava pensando com muita
intensidade. Não podíamos ter certeza de que Greinsch nos preparara uma armadilha. Por
que, nesse caso, ele teria insistido para passarmos em sua casa? Provavelmente ele agora
estaria esperando, inutilmente, por nós. Fiquei me indagando quanto tempo teria passado,
desde que havíamos saído daquele restaurante no centro da cidade. O recinto, no qual
agora nos encontrávamos, não tinha nenhuma janela, de modo que era impossível ver se
ainda era noite.
— Eles lançaram algum narcótico em cima da gente, quando saímos do restaurante
— disse Kakuta. — O mesmo teve um efeito tão fulminante, que eu nem tive mais tempo
de dar um salto de teleportação.
— O que foi uma sorte — disse Atlan. — Se o senhor tivesse teleportado, os
lemurenses agora já saberiam que nós não somos alarianos.
Nós ficamos em silêncio. Eles me haviam tirado a baionga, de modo que as forças
parapsíquicas de Kakuta agora eram nossa única arma. Entretanto, o mutante só poderia
usar os seus dons se houvesse perigo de vida para nós.
Finalmente a porta foi aberta. Um ser de aspecto estranho entrou. Um tronco magro
estava assentado sobre pernas curtas. O corpo ficava bastante recuado, em relação às
pernas, como se tivesse, acima do quadril, uma forte prega. O crânio do ser parecia
deformado. Duas mechas de um louro esbranquiçado pendiam, do meio da cabeça até a
nuca. Os olhos da criatura pareciam ser fixos. E brilhavam, muito úmidos.
— Rutoz! — gritou Atlan.
Agora eu sabia por que esse ser me parecera conhecido. Já o vira, por duas vezes,
no bar do Quaiong Hotel. Juvenog não dissera que Rutoz jamais abandonava o balcão do
bar?
— O senhor tem olhos bons — disse Rutoz, com uma voz estridente, que saía de
algum lugar das profundezas de sua garganta. Suas mãos, de quatro dedos, descreveram
um grande círculo no ar. — Lastimo ter-lhes causado esse incômodo — disse ele.
— O que é que o senhor quer? — quis saber Atlan.
— Se está interessado em nos roubar, temos que desapontá-lo. Outros já chegaram
na sua frente.
Rutoz movimentou o seu corpo assimétrico em nossa direção, até encontrar-se de
pé, entre os leitos sobre os quais estávamos amarrados. Ele dava mais a impressão de um
bufão do que de um ser perigoso, mas essa impressão podia ser falsa.
— Eu trabalho para Nevis-Latan — declarou Rutoz. — É o proprietário do Quaiong
Hotel.
— Isso também já sabemos, entrementes — disse Atlan.
— É comum o proprietário do hotel mandar raptar os seus hóspedes?
Rutoz fez ouvir alguns ruídos estranhos. Levei alguns segundos, para dar-me conta
de que ele estava rindo. Isso me tranqüilizou. Inteligências de mundos desconhecidos, na
maioria dos casos, eram mais pacíficas, se possuíam senso de humor.
— Eu consigo detectar energia psiônica — disse Rutoz, depois de ter-se acalmado
um pouco. — Esta é a razão por que fico o tempo todo no bar, sem precisar pagar,
podendo beber o quanto quiser. Eu trabalho para o proprietário do hotel.
— Isso quer dizer que o senhor é telepata? — perguntou Atlan, assustado.
— De modo algum — negou Rutoz. — Apenas sinto quando, próximo de mim,
energia psiônica é irradiada. Pouco depois que o senhor e seus amigos entraram no
Quaiong Hotel, senti um desses golpes energéticos.
Lembrei-me do salto de teleportação de Kakuta, para o apartamento de Juvenog, e
também na rápida intervenção hipnótica de Noir, sobre Juvenog. Rutoz estivera, lá
embaixo, no bar, e captara as interferências parapsíquicas. Forçosa-mente ele devia ter
pensado em nós como ponto de origem dessa irradiação energética. Raciocinei
febrilmente. Se Rutoz informasse Nevis-Latan, era apenas uma questão de tempo para os
lemurenses ficarem sabendo que nós não éramos alarianos. E não levaria muito tempo
para que também o espião dos senhores da galáxia fosse informado sobre isso. E neste
caso, praticamente nos seria tolhida toda e qualquer possibilidade de regressar ao tempo
real.
Fechei os olhos. Nós tínhamos sido muito imprudentes.
— O senhor já informou a alguém dessa sua descoberta? — perguntou Atlan, ao
estranho.
— Não — disse Rutoz. — Os homens que me ajudaram a trazer os senhores até
aqui não sabem do que se trata. Eu os peguei, e eles desapareceram. E nunca farão
perguntas.
Eu respirei, aliviado. Nem tudo, ainda, estava perdido.
— Qual é a vantagem que o senhor leva, se informar ao conselheiro sobre a sua
descoberta? — perguntou Atlan.
Rutoz agachou-se na altura de minhas pernas, no meu leito. Os seus olhos úmidos,
entretanto, estavam fixados em Atlan.
— Nevis-Latan me deveria um agradecimento — declarou ele. — E eu poderia
passar a vida inteira naquele bar, sem precisar de dinheiro.
— E isso seria a realização de todos os seus desejos? — gritei eu, furioso. — É
impossível que o senhor possa ser tão primitivo!
Rutoz virou-se para mim.
— Eu sou o último do meu povo — disse ele. — Faça de conta que o senhor é o
último dos alarianos, na medida em que é alariano. Qual seria a sua meta nessa vida?
Eu desviei os olhos dele. Ele riu novamente, mas desta vez o som era duro e
amargurado.
— Talvez eu silencie — disse ele finalmente. — Mas, nesse caso, os senhores terão
que ajudar-me na minha vingança.
— Quem é que o senhor quer vingar? — perguntou Tako Kakuta.
— O meu povo — retrucou Rutoz.
— De que forma?
Rutoz ergueu-se, e começou a andar de um lado para o outro, no recinto.
— Eu quero destruir este planeta — disse ele, como se se tratasse da coisa mais
natural deste mundo.
— Nisso — disse Atlan — nós não podemos ajudá-lo, porque é impossível. Mas
talvez os seus inimigos também sejam os nossos. Liberte-nos e volte conosco ao hotel.
Juntos, com nossos amigos, então poderemos discutir a sua situação.
Rutoz hesitava. Atlan fez um sinal para Kakuta. O mutante teleportou até a porta e
fez um sinal, cordial, para Rutoz. As cordas com que Tako estivera amarrado haviam
ficado sobre o leito. Rutoz ficou estarrecido.
— O senhor acha mesmo que está à nossa altura? — perguntou Atlan.
Rutoz baixou a cabeça. Eu percebi que ele sentia-se infeliz. Ele era um ser solitário,
com um plano maluco na cabeça. Rutoz estava sendo explorado por um conselheiro
lemurense.
Tako Kakuta aproximou-se de nós e libertou Atlan e a mim das cordas. Rutoz não
interferiu. Nós o rodeamos, esperando.
— O senhor vai nos atraiçoar? — perguntou Atlan.
— Eu não sei quem vocês são e de onde vêm — disse Rutoz. — De qualquer modo,
entretanto, não são alarianos.
— Nós somos perdidos, como o senhor — declarou Kakuta. — Provavelmente
nunca mais conseguiremos chegar à nossa pátria. Mas não deixamos de tentar tudo para
conseguir voltar para lá. Por que o senhor não quer nos apoiar e ajudar nisso?
Rutoz esticou-se.
— Eu não tenho mais uma pátria — disse ele.
— Talvez o senhor possa encontrar uma novamente... conosco — disse Atlan,
contemporizando. — Eu também era um solitário, até reunir-me a esse povo.
Rutoz sacudiu a cabeça. Eu sabia o que ele estava pensando. Entre ele e Atlan havia
uma enorme diferença. Atlan praticamente não se diferenciava em nada, fisicamente, de
um terrano. Rutoz, ao contrário, sempre permaneceria um estranho. Eu sabia que nós não
poderíamos ajudá-lo. Mas, mesmo assim, agora estávamos dependendo dele.
— A quem pertence esta casa? — perguntou Atlan.
— Nós estamos no Quaiong Hotel — disse Rutoz, de boa vontade. — Este recinto
fica nos porões.
— Alguém viu quando chegamos aqui?
— Não — disse Rutoz. — É de manhã, muito cedo. Além disso, eu pousei, com o
planador, no telhado. Depois trouxe-os para baixo num elevador. Os senhores agora
podem voltar para os seus quartos.
— Podemos ter certeza que o senhor vai silenciar? — perguntou Atlan.
— Um momento — disse Rutoz. — Eu vou fornecer-lhes a certeza de que
necessitam.
Ele deixou o recinto e bateu a porta atrás de si. Nós nos entreolhamos, espantados.
De repente, ouvimos, lá de fora, um forte sibilar, seguido logo de um golpe surdo.
Corremos para a porta. Eu cheguei a ela primeiro e abri-a rapidamente. Lá fora, no
chão do corredor mal iluminado, estava caído Rutoz. Uma de suas mãos ainda estava
fechada em volta da baionga. Ele se matara com a pesada arma. Eu recuei, horrorizado,
cambaleando até encostar-me à parede. Depois de um tempo, aparentemente
interminável, ouvi a voz de Atlan.
— Ele está morto — disse o arcônida. — Mais certeza do que isso o pobre-diabo
nunca poderia ter nos dado.
— Nevis-Latan certamente vai sentir a sua falta — disse Kakuta com uma raiva, só
abafada com dificuldade.
Nós passamos por cima do corpo do morto, procurando o caminho do elevador.
Sem encontrar ninguém, chegamos ao andar no qual morávamos. No hotel tudo estava
muito quieto. Ao entrarmos no quarto, já estávamos sendo aguardados.
O Conselheiro Greinsch estava sentado no sofá, sorrindo-nos amavelmente.
— Uma vez que não vieram ao encontro marcado, eu tomei a liberdade de negociar
com os seus amigos — disse ele.
Rhodan lançou-nos um olhar para prevenir-nos. Eu passei por todos, dirigindo-me
ao banheiro. Gucky estava acocorado, à meia-luz.
— Eu estou aqui, como sentado em cima de brasas — murmurou-me ele. — Eu
senti que eles mantinham vocês presos no porão, mas não me atrevi a intervir.
— Está tudo na mais perfeita ordem, baixinho — disse eu. Abri a torneira de água
fria e deixei escorrer o líquido na minha nuca. Depois de alguns minutos, já me sentia um
pouco melhor.
— Aquele sujeito, aí fora, não é nenhum dos senhores da galáxia — disse Gucky.
— Mas ele está querendo fazer um negócio sujo.
Eu fiquei ouvindo o rumor de vozes pela porta entreaberta. Fechei a torneira e pus-
me novamente de pé.
— O que aconteceu? — quis saber o rato-castor. — Por que você não vai lá para
dentro?
— Não posso — consegui dizer, finalmente.
— Por causa de Greinsch?
— Não sei. Não consigo me esquecer de Rutoz.
— De certo modo eles eram os ancestrais de vocês — disse Gucky. Mas não havia
nenhuma censura em sua voz.
— Pelo amor dos céus! — gritei eu. — Você terá que teleportar imediatamente ao
porão para ir buscar a baionga. Nós a deixamos ao lado de Rutoz. Não podemos deixar
que isso nos ponha em relação com a morte dele.
— E o que você acha se eu fizer Rutoz também desaparecer? — perguntou Gucky.
— Se eles o examinaram, logo ficarão sabendo que tipo de arma o matou.
— Para onde você pretende levá-lo?
— Deixe comigo, eu encontrarei um lugarzinho para ele — garantiu o rato-castor.
Eu admirei a sua maneira decidida de enfrentar as coisas. Eu acho que não teria
forças de voltar, uma vez mais, de livre e espontânea vontade, para aquele porão.
— Ei, Assaraf! — gritou uma voz embriagada, de dentro do quarto. — Onde é que
você se meteu?
— Já estou indo — gemi eu. — Tenha cuidado, baixinho! — ainda consegui
murmurar para Gucky.
Quando entrei no quarto, Greinsch olhou para mim, sorrindo, compreensivo.
— Não é qualquer um que consegue tomar Bertchap e sobreviver, meu amigo —
disse ele, de bom humor. — O senhor parece que não está muito bem das pernas.
Eu encaminhei-me diretamente para ele. E vi que ele empalidecia. Surfat e
Doutreval ergueram-se rapidamente, colocando-se entre mim e o conselheiro.
— Não se esqueça que queremos fechar um negócio com ele — resmungou Surfat.
— Não se esqueça disso, meu rapaz!
Eu relaxei, deixando-me cair numa poltrona. Não ouvi a respeito do que os outros
conversavam com Greinsch. Aquilo para mim não tinha a menor importância, e não me
interessava absolutamente.
Quando clareou — Greinsch já se fora há bastante tempo — eu caí num sono
inquieto. Gucky voltara novamente, trazendo a baionga consigo. Rutoz ele escondera
num canal dos esgotos da cidade.
Uma coisa ficara clara para mim nesta noite: Não se podia pensar apenas em si
mesmo. Pois, neste caso, era possível entrar em desespero. E senti uma renovada
admiração por Perry Rhodan. Ele precisava constantemente dominar-se a si mesmo, se
quisesse manter-se fiel à sua meta, de abrir o caminho das estrelas para a raça humana.
“Cruzador do Império Solar “Crest II”
Dados Técnicos:
1.500 metros de diâmetro real. 24 andares principais com aproximadamente 2.000
homens em sua tripulação.
1. Canhão conversor com cúpulas deslizantes.
2. Hangares com eclusas.
3. Desintegradores na parte superior e inferior da esfera, em cada uma, 24 unidades.
4. Aparelhagens de rastreamento.
5. Rastreamento ótico.
6. Bancos de dados e produção de energia e instalações.
7. Central energética e instalações de máquinas.
8. Geradores de campos energéticos protetores.
9. Sala de comando de controle de todos os setores
da nave.
10. Computadores positrônicos.
11. Conversor de Kalup para propulsão hiper linear.
12. Protuberância equatorial com turbinas de jatos e
reatores atômicos de fusão.
13. Alojamentos da tripulação e passageiros.
14. Centro de lazer: Piscina
15. Cinema
16. Geradores para transmissores e antigravidade.
17. Elevadores antigravitacionais, aprox. 30
18. Antigravidade para grandes objetos.
19. Compressores de ar comprimido para apoios
telescópicos.
20. Apoio (trens de pouso) telescópicos, com pratos
de apoio basculantes, com o apoio central
principal — 11 unidades.
6
Nós saímos do Emmed-Hotel pelo mesmo caminho pelo qual havíamos entrado. Em
poucas palavras, Rhodan informou a Atlan e aos outros homens o que tinha acontecido.
Ao chegarmos ao ar livre, verificamos que recomeçara a chover. As ruas laterais não
eram cobertas.
— Leve-nos agora ao hotel de Nevis-Latan — disse Rhodan ao lemurense.
Inesperadamente, Tannwander puxou a sua arma. Apontou-a para Perry Rhodan e
recuou um passo.
— Isso eu não vou fazer — disse ele. — Eu não sei quem os senhores são, e que
fins têm em mira, mas sei que assassinaram Trahailor. Fui suficientemente maluco para
trazê-los a este hotel. Nevis-Latan provavelmente será a sua próxima vítima.
— Ouça-me bem, por um momento — disse Rhodan, irritado. — Não vá cometer
nenhuma bobagem.
Tannwander continuou recuando lentamente sem baixar a arma. Logo em seguida,
entretanto, ele levou uma de suas mãos à cabeça. Cambaleou e deixou cair a arma.
— Isso basta, André — disse Rhodan para Noir. — Deixe-o livre.
Redhorse, entrementes, juntara a arma energética do lemurense. Tannwander olhou-
nos, como quem não quer acreditar. Murmurou alguma coisa. Rhodan esperou até que o
lemurense já estivesse novamente sob controle.
— Eu lhe asseguro que nós não matamos Trahailor — disse ele, com insistência. —
O senhor está agora sob nosso poder, entretanto nada faremos contra sua pessoa. Apenas
peço-lhe que nos ajude mais uma vez. Se não o fizer de livre e espontânea vontade,
podemos obrigá-lo, do mesmo modo como o obrigamos a largar a arma.
Tannwander ficou parado ali, com os punhos cerrados. A presunção exagerada do
seu valor fora profundamente abalada no rapaz. Eu pude notar que ele lutava,
internamente, consigo mesmo. Não sabia como devia comportar-se. Seu inconsciente
exigia que ele se vingasse por aquela humilhação. Mas o momento atual dizia-lhe que
nada poderia fazer contra nós.
— Quem são os senhores? — quis saber ele, com veemência. — De onde vêm?
— Não somos nem lemurenses nem alarianos — disse Rhodan. — Provavelmente
não acreditaria na verdade, do mesmo modo como não acredita na história que nós lhe
contamos. Estamos procurando, neste planeta, por um homem, que não é um lemurense,
mas que está tentando dirigir os destinos deste planeta.
— De que planeta vêm os senhores? — quis saber Tannwander.
Rhodan voltou-se para Atlan.
— Talvez deveríamos contar-lhe tudo — disse o arcônida, calmo.
— Viemos da Terra — disse Rhodan. — Da Lemúria.
— Não! — gritou Tannwander. — A Lemúria não existe mais. Nosso planeta natal,
do qual os meus ancestrais fugiram, agora é um deserto de gelo.
— Exatamente — confirmou Rhodan. — Nós viemos de um outro período do
tempo.
Tannwander deu uma gargalhada. Sacudiu a cabeça e aproximou-se, de punhos
fechados, de Rhodan. Sem dificuldades o Administrador-Geral livrou-se do ataque. Fez
um sinal a Noir.
— Tire dele a lembrança daquilo que lhe contamos. Faça também com que esqueça
da morte de Trahailor. Depois, ele nos conduzirá até Nevis-Latan.
— Jamais! — berrou Tannwander, querendo livrar-se das mãos de Rhodan.
Logo depois, entretanto, sua resistência diminuiu. Rhodan soltou-o. Mais uma vez
estávamos à sombra do portal escuro. André Noir precisou de um quarto de hora para
deixar Tannwander dócil. Quando o liberou, o lemurense comportou-se como se nada
tivesse acontecido.
— Trahailor foi um rebate falso — disse Perry Rhodan. — Agora chegou a vez de
Nevis-Latan.
Neste instante, os alarmes começaram a soar por todo o Emmed-Hotel.
— Eles descobriram que alguém arrombou alguma dependência do hotel — disse
Tannwander. — Está na hora de sumirmos daqui.
Ele não podia saber o que realmente tinham encontrado no hotel. A notícia da morte
de Trahailor rapidamente se espalharia pela cidade. E estas notícias nós não poderíamos
esconder de Tannwander. André Noir teria que intervir constantemente. Porém esta não
era a principal dificuldade. A morte de Trahailor mobilizaria os outros conselheiros. Era
questionável que ainda os encontraríamos nos seus hotéis, depois disso.
***
Os passantes, que encontrávamos, não nos davam maior atenção que antes.
Atravessamos o parque, não respeitando nem um canteiro de flores, e nos
escondemos, por alguns instantes, num pavilhão de ferramentas, quando Tannwander viu
dois membros da polícia local se aproximando. Pouco depois, alcançamos uma rua, que
se lançava, em forma de viaduto, por cima de outras ruas de tráfego intenso, mais abaixo.
— Precisamos passar pelo viaduto — disse Tannwander.
— Lá em cima, o tráfego parece intenso — disse Rhodan. — Não há um outro
caminho que pudéssemos tomar?
Tannwander apontou para um lugar abaixo da rua.
— Está escutando esse rumorejar? — perguntou ele.
— É o canal principal que atravessa a cidade. Através dele podemos chegar até sob
o Taru-Hotel.
Rhodan anuiu.
— Vamos pelo canal — decidiu ele.
— É perigoso — avisou Tannwander.
Nós seguimos quase a cem metros abaixo do viaduto, até chegarmos a um declive.
O rumorejar de água agora podia ser ouvido nitidamente.
Seguimos ao longo do declive, até que encontramos uma entrada para o canal.
— Às vezes a água está tão alta, que é difícil passar — declarou nosso
acompanhante lemurense. — O canal desemboca no mar. Entretanto nós vamos ter que
enfrentá-lo em direção contrária.
O lemurense assumiu a ponta. Nós o seguíamos cuidadosamente. O marulhar da
água agora estava tão próximo que eu temia, a cada segundo, cair no canal. Logo em
seguida, entretanto, o solo amolecido sob os meus pés acabou. Senti o metal duro de uma
passarela. Minhas mãos encontraram a borda superior da proteção lateral.
Bem junto de mim, caminhava Surfat. Doutreval estava atrás de mim. O fedor era
terrível, mas nós já nos havíamos acostumado, nestes últimos dias, ao mau cheiro. Depois
de sairmos desse canal, provavelmente haveria alguma oportunidade, em algum lugar,
para tomar um banho. Jamais em minha vida eu estivera tão sujo — sujo por ordem
superior.
Chegamos a um lugar onde o teto do canal era interrompido. A luz que caía, lá de
cima, era o suficiente para podermos reconhecer o que havia em volta. Aquele caldo sujo,
que fluía em relativa velocidade, chegava quase até a passarela metálica. Depósitos das
paredes do canal mostravam-me que a água, muitas vezes, já devia ter subido bem acima
do seu nível atual. Tanto a passarela como as balaustradas estavam carcomidas pela
ferrugem. As paredes estavam recobertas de cogumelos de mofo. Este era o outro lado
dessa moderna cidade lemurense.
Nós nos movimentávamos silenciosamente através do canal. Cada passo exigia
redobrada atenção, pois a passarela metálica era escorregadia e irregular.
Eu achei que devia ter se passado pelo menos uma hora, após nossa entrada no
canal, quando Tannwander finalmente mandou-nos parar.
— Chegamos ao nosso destino. Por cima de nós, está o Taru-Hotel.
— Aqui está completamente escuro — retrucou Atlan. — Como é que o senhor
pode saber que este é o lugar certo?
Eu ouvi Tannwander rir na escuridão. Ele soava seguro de si mesmo, como sempre.
— Eu passei tempo suficiente nos canais das grandes cidades da Lemúria, antes de
assumir a chefia da organização de meu tio — disse ele. — Os senhores não devem
esquecer que eu tenho sido perseguido desde os meus doze anos de vida. Conheço todos
os esconderijos que existem em Stolark.
— Suponhamos que sua afirmação esteja correta — disse Rhodan. — Como é que
podemos chegar lá em cima?
— Há dois caminhos — anunciou o lemurense. — Um segue através de um braço
lateral do canal. Os esgotos do hotel passam por ele ao canal principal. Este caminho
oferece perigo de vida, e eu não tenho certeza de que possa ser utilizado. O segundo
caminho passa por uma abertura do canal, que sai para a rua lá em cima.
— Para a rua? — perguntou Rhodan, espantado. — Pensei que a rua estivesse muito
acima do canal.
— Aqui já não está mais — resmungou Tannwander, impaciente. — O teto do canal
é, ao mesmo tempo, o piso da rua.
— E lá em cima... há muito tráfego?
— Bastante — retrucou Tannwander. — Afinal de contas, trata-se de uma via
principal.
— Isso significa que não podemos ir todos juntos —- decidiu Rhodan. — Modrug,
o senhor e Assaraf acompanham-me até lá em cima. Os demais esperam aqui.
— Sem minha ajuda o senhor não conseguirá chegar ao hotel — profetizou-nos
Tannwander. — Provavelmente já serão agarrados, no momento em que suspenderem o
tampão do canal.
— Quer me dizer que está com medo que nos aconteça alguma coisa? — quis saber
Rhodan, divertido.
— De modo algum — retrucou Tannwander. — Mas quem os vir saindo de dentro
do canal vai querer investigar se não têm acompanhantes. O que pode acabar sendo
perigoso para mim.
Rhodan riu, roucamente.
— Não se preocupe. Nós vamos ter que chegar a este hotel, custe o que custar. Por
isso, vamos ser muito cuidadosos.
Tannwander não respondeu. Uma de suas virtudes era que ele jamais discutia
quando verificava que alguém tomara uma decisão definitiva.
— Como é a situação, de ambos os lados da rua? — quis saber Perry Rhodan.
— No lado oposto, existe uma fileira de edifícios, com portas fechadas. Ali não
poderá esconder-se, já que nem conseguiria atravessar a rua, sem ser visto.
— Muito bem — disse Rhodan, calmo. — Como são as coisas, do nosso lado?
— Nós nos encontramos na altura dos jardins do hotel — disse Tannwander. —
Mas devo avisá-los: O jardim é murado. Não tentem passar por cima do cercado, pois o
mesmo fica ligado ao sistema de alarme e rastreamento, desde que, por diversas vezes,
houve arrombamentos no Taru-Hotel.
— Que desagradável para o senhor! — disse Atlan, zombeteiro.
— Sempre existem outros caminhos, para penetrar num edifício, quando se deseja
fazê-lo — declarou Tannwander, sem se perturbar.
O lemurense conduziu-nos, a Rhodan, o teleportador e a mim, até o tampão do
canal. Na parede do canal havia degraus de metal, pelos quais podíamos subir.
— Não acha que devia pensar melhor, mais uma vez? — disse Tannwander.
Ele não obteve resposta. Rhodan subiu primeiro, depois Kakuta e eu o seguimos.
Consegui ouvir as mãos de Rhodan tateando na parte inferior do tampão do canal, depois
ressoou um ruído metálico. De repente, um raio de luz passou por uma pequena fresta,
para dentro das águas sujas do canal. E agora já podia ouvir-se o ruído dos motores dos
veículos. Passaram-se alguns minutos. Rhodan observava a rua.
— Não há pedestres — disse ele. — Quando saltarmos para fora, temos que prestar
atenção para não entrarmos nos feixes de luz dos veículos. Diante do muro do jardim do
hotel há uma depressão do terreno, que é, ao mesmo tempo, o limite da rua. É para ali que
temos que ir, em primeiro lugar.
Eu tremia de frio e nervosismo. Rhodan afastou o tampão de vez. Por um instante,
pude ver o seu rosto barbado à luz da iluminação da rua. Os cabelos quase cobriam-lhe o
rosto, em desalinho. Se ele fosse visto, agora, pelo motorista de algum carro, este
certamente começaria a acreditar na existência de fantasmas.
— Os senhores não devem seguir-me imediatamente — disse Rhodan para mim e
Kakuta. — Esperem até que a distância entre alguns veículos seja tão grande que não haja
perigo de serem descobertos.
Por um instante ele ainda ficou agachado no degrau de cima, depois, com um
impulso, saiu de dentro do canal. Sem ruído, saiu logo correndo. Tako Kakuta seguiu-o
poucos segundos depois. Eu subi ainda mais, de modo que pudesse olhar para fora do
buraco.
A rua estava molhada pela chuva e brilhava à luz dos faróis dos veículos e da
iluminação pública. Os carros passavam por mim em alta velocidade. Eu podia ver os
motoristas. Os olhares deles eram dirigidos para a frente apenas, mas até mesmo se
olhassem para os lados eu certamente não seria descoberto, já que o buraco ficava no
escuro. Apesar disso, de repente senti-me como que paralisado. Os edifícios do outro lado
da rua em parte estavam iluminados, e atrás das janelas pude ver as sombras de
lemurenses. Voltei a cabeça. Em diagonal, diante de mim, estava o hotel, um edifício
enorme, muito iluminado. O jardim do hotel, entretanto, ficava em completa escuridão.
Senti uma lerdeza jamais sentida antes em minhas pernas. Não faltou muito e eu
teria soltado o degrau metálico, para precipitar-me no canal, lá embaixo. Somente a
lembrança dos homens, que em algum lugar, lá do outro lado da rua, esperavam por mim,
evitou que eu desistisse de tudo.
Puxei-me para fora do buraco do canal. Por um instante fiquei deitado, respirando
forte, na rua molhada, enquanto o rumor dos motoristas dos veículos parecia aumentar
cada vez mais. Eu continuei em frente, esgueirando-me através de poças de água,
passando por cima da beira da rua, para o declive.
Rhodan e Kakuta estavam agachados no chão, um do lado do outro, fazendo-me um
sinal. Quando me encontrei junto deles, a minha tensão de repente passou.
Dali podíamos ver a entrada principal do hotel. Constantemente carros de luxo
paravam diante da mesma. Também na área de estacionamento de planadores o tráfego
era intenso. Por esse caminho, era impossível entrar no hotel.
— Talvez basta que nos aproximemos um pouco mais, para podermos ouvir os
impulsos — disse Rhodan.
Kakuta olhou para o telhado.
— Acha que devíamos arriscar um salto? — perguntou ele.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Antes de mais nada, faça uma teleportação conosco para dentro do jardim do
hotel. Talvez possamos penetrar no hotel, a partir dali.
Kakuta agarrou-nos pelos braços. Nós desmaterializamos. Praticamente no mesmo
instante rematerializamos nossos corpos do outro lado do muro, sem que os aparelhos de
rastreamento, dos quais Tannwander falara, nos pudessem detectar. Nós estávamos, de
pé, entre arbustos da altura de um homem, num caminho pavimentado com lajotas
plásticas.
Seguimos este caminho para nos aproximarmos do hotel. No lado dos fundos havia
uma enorme varanda.
— E agora? — perguntou o teleportador.
Rhodan observava as entradas. Todas elas iam dar na recepção. E ali havia tanto
movimento que não poderíamos ousar penetrar no edifício por esse caminho.
— Precisamos subir num balcão! — decidiu Rhodan apontando para cima.
Cada apartamento tinha um balcão. Alguns dos apartamentos estavam iluminados.
— Salte conosco para um dos andares do meio — ordenou Rhodan ao mutante. —
Escolha um balcão às escuras.
Kakuta agarrou o meu braço. Inconscientemente eu recuei, mas a sua mão parecia
de ferro. Se ele sentiu que eu estava nervoso, não deixou-o perceber. Antes de eu poder
dizer alguma coisa, encontrei-me, junto com meus dois acompanhantes, num balcão que
ficava mais ou menos no quarto andar. Rhodan ergueu a manga de sua jaqueta. Podia-se
ouvir claramente o zunido do aparelhinho de rastreamento.
— Nevis-Latan! — disse Rhodan, com a voz embargada. — Eu bem que o imaginei
Ele deve estar, em algum lugar, neste hotel.
Agora já sabíamos quem era o senhor da galáxia, e onde ele estava hospedado.
— Ele deve estar morando em algum lugar nos andares centrais do edifício —
achou Tako Kakuta. — Acha que vamos ter tempo suficiente para dar uma busca em
todos os apartamentos?
Rhodan fez que não. Apontou para o balcão ao lado. Os quartos ao qual ele
pertencia tinham as janelas iluminadas. Rhodan apontou para uma das janelas.
— Vamos perguntar onde o conselheiro mora.
Antes que eu ou Kakuta pudéssemos fazer alguma coisa, Rhodan deu um pontapé
numa das grandes vidraças, estilhaçando-a, e saltou para dentro do quarto. Eu vi os dois
lemurenses levantarem-se de um salto, muito assustados. Kakuta penetrou no quarto. Eu
o segui. Com poucos saltos, Rhodan alcançara os lemurenses.
— Se gritarem, estão perdidos! — disse ele, ameaçador. O nosso aspecto foi
suficiente para fazer com que os dois silenciassem. Provavelmente temiam que este seria
o seu fim.
— Sentem-se! — ordenou Rhodan.
Quase que ao mesmo tempo, os dois lemurenses sentaram-se.
— Qual é o número do apartamento de Nevis-Latan? — quis saber Rhodan.
Quando nenhum dos dois respondeu, Rhodan segurou o maior pela gola do paletó,
levantando-o violentamente da cadeira. Se eu não soubesse, com certeza, que este homem
era o Administrador-Geral do Império Solar, eu o teria tomado por um criminoso, capaz
de qualquer coisa. Entretanto, Rhodan jamais deixaria levar-se a fazer qualquer mal aos
dois lemurenses.
Porém, nenhum destes dois homens sabia disso.
— Eu perguntei-lhes uma coisa! — resmungou Rhodan. O lemurense fechou os
olhos. O seu corpo tremia todo.
— O conselheiro mora nos apartamentos seis e sete, neste... neste andar —
conseguiu ele dizer.
Rhodan empurrou-o de volta sobre a cadeira.
— Estes dois apartamentos ficam deste lado do hotel?
— Sim — gemeu o homem. — O número seis fica afastado do nosso apenas por
dois quartos.
— Ótimo — anuiu Rhodan. — Modrug, o senhor fica com esses homens. Assaraf e
eu vamos fazer uma visitinha ao conselheiro. Se esses
dois sujeitos fizerem alguma bobagem, acabe com eles
— com um tiro!
— Certamente! — disse Kakuta, de cara fechada,
enfiando uma de suas mãos num bolso. Se os lemurenses
pudessem saber que nenhum de nós trazia uma arma,
provavelmente teriam se atirado em cima do pequeno
teleportador. Mas, deste modo, ficaram sentados,
tremendo de medo.
Rhodan fez-me um sinal com a cabeça, e nós
voltamos para o balcão. Rhodan contou as janelas.
— No número seis a luz está acesa — disse ele. —
Só espero que encontremos o nosso amigo.
— Pretende simplesmente penetrar lá? — perguntei
eu, estupefato.
— Naturalmente! — retrucou Rhodan. — Nós
temos que aproveitar esta chance.
Trepamos até o balcão do número seis, sempre
apertando-nos bem contra a parede. Depois olhamos para
dentro do recinto iluminado.
O Grão-Mestre Conselheiro Nevis-Latan estava, de
pé, no meio da sala. Ele era um homem alto, de
aparência solene, com sobrancelhas grossas e cabelos
cortados bem curtos. Suas mãos carnudas movimentavam-se rapidamente, sublinhando
com seus gestos as palavras que dizia aos outros homens que se encontravam com ele na
sala. Os lemurenses presentes traziam consigo aparelhos fotográficos e blocos de papel.
— Repórteres! — sibilou Rhodan. — Não podemos entrar aí agora.
— Talvez esses rapazes saiam logo — disse eu.
— Provavelmente eles o estão entrevistando, sobre a morte de Trahailor. Se eles
soubessem que têm, diante de si, um assassino!
— O que pretende fazer, sir?
— Será que nunca aprende? — perguntou ele. — Eu me chamo Schintas!
Nós vimos que Nevis-Latan fez um gesto impaciente, e saiu da sala. Os repórteres o
perseguiram como um enxame de insetos. Eu olhei para Rhodan e vi que ele tinha ambas
as mãos fechadas. Podia imaginar o que se passava em sua cabeça.
Nós tínhamos encontrado o senhor da galáxia... Somente este homem poderia dizer-
nos como poderíamos regressar ao tempo real. Porém parecia impossível nos
aproximarmos dele, agora.
— Sir — disse eu, hesitante. — Quero dizer, Schintas. Vamos penetrar no quarto
dele?
Rhodan bateu no aparelhinho de rastreamento.
— Não vale a pena. Os impulsos silenciaram. O conselheiro provavelmente pegou o
elevador e desceu. Não sabemos para onde ele irá. O melhor é voltarmos daqui.
Apesar de sua voz parecer calma, eu podia sentir que ele querelava com o destino.
Qualquer atraso poderia significar novos perigos para o Império Solar.
— Nós vamos encontrar novamente a sua pista — disse eu.
— Pelo menos vamos tentar encontrá-la — concordou Rhodan comigo.
Voltamos até onde se encontrava Kakuta e os dois mutantes.
— Continuem quietos, como até agora — avisou Rhodan, ameaçador.
Saímos para o balcão. Kakuta teleportou conosco até o declive junto da rua.
Alguns minutos mais tarde, nós nos encontrávamos novamente, junto com os
outros, dentro do canal.
— Vocês não o encontraram? — saudou-nos Atlan.
— Nevis-Latan é um dos senhores da galáxia! — disse Rhodan. — Entretanto ele
nos escapou. E não sabemos para onde ele foi.
— Eu acho que já os acompanhei por muito tempo — disse Tannwander, chateado.
— E não posso mais cuidar dos senhores.
Eu mal ouvia o que ele estava dizendo. Encostei-me na parede do canal e fechei os
olhos. Na realidade eu devia estar desesperado. Mas estava apenas cansado. Perry
Rhodan continuaria tentando encontrar, para nós, um caminho ao nosso tempo. Alguma
coisa de sua firme determinação também tomara conta de mim. Talvez eu estivesse no
caminho certo para me tornar um oficial competente.
***
**
*
O rato-castor Gucky e os “Vagabundos Espaciais”
tentam apoderar-se de Nevis-Latan, um dos senhores da
galáxia. Pois somente este homem tem a possibilidade
de derrubar a barreira do tempo que separa Perry
Rhodan e os homens da Crest do “tempo-real” do ano
2.404...
Esta aventura continuará no próximo número da
série Perry Rhodan, sob o título “Os Conquistadores do
Tempo”.