P-278 - Missão Secreta Na Lemúria - William Voltz

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(P-278)

MISSÃO SECRETA
NA LEMÚRIA
Autor
WILLIAM VOLTZ

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
SKIRO
Enquanto Perry Rhodan e sua Crest III — que se
encontra a mais de cinqüenta milênios distante do tempo
real do ano 2.404 — só consegue escapar, a muito custo, de
uma nova investida da parte dos senhores de Andrômeda,
Mory Rhodan-Abro, esposa do Administrador-Geral, tentou
encontrar uma possibilidade para o regresso dos que se
encontram retidos no passado.
A operação de Mory falhou, e a seguir os homens de
Reginald Bell entraram novamente em ação. Um novo plano
para resgatar os que se encontram sumidos no tempo, toma
forma. Astronautas e técnicos do Império Solar dão início à
“Operação Secreta Miosótis”, também chamada “Não te
esqueças de mim”.
O tender da frota Dino-3 ilude o alçapão do tempo,
penetrando no passado para levar ajuda a Perry Rhodan.
Apesar dos homens da Dino-3 já não terem mais futuro
para si mesmos, cuidaram do futuro de Perry Rhodan e do
seu Império Solar, colocando memotransmissores em pontos
estrategicamente importantes.
A mensagem dos mortos ajudou aos vivos a abandonar
a galáxia e voar até a Nebulosa de Andrômeda, de onde um
salto de cinqüenta mil anos deve ser preparado.
Pioneiros e preparadores do caminho desse ousado
empreendimento são nove sujos vagabundos espaciais e o
rato-castor Gucky, que pousam em “Missão Secreta na
Lemúria”...

= = = = = = = Personagens Principais:...= = = = = = =
Perry Rhodan, Atlan, L. Papageorgiu, Don Redhorse, Tako
Kakuta, André Noir, Brazos Surfat, O. Doutreval e Chard
Bradon — Homens da Crest III que fazem o papel de
vagabundos, para iludir o tempo.
Assaraf — Um astronauta alariano.
Tannwander — Chefe de uma organização subversiva.
Nevis-Latan — Um dos senhores da galáxia.
Gucky — O rato-castor é tratado como “bagagem”.
1

No nosso Universo o que não falta são malucos.


E nove deles nós viemos a conhecer no dia 17 de outubro de 2.404. Esta data refere-
se ao tempo real, pois a Crest ainda se encontrava, como antes, no ano 49.488 a.C.
Nós havíamos chegado às bordas da Nebulosa de Andrômeda há quatorze dias.
Rhodan e Atlan fizeram questão de que, antes de mais nada, devíamos nos informar
muito bem sobre a situação dentro da Nebulosa de Andrômeda — e foi o que fizemos.
Corvetas haviam sido lançadas, e em rápidas missões em leque, tinham examinado todo o
setor espacial que ficava diante de nós. Isto, naturalmente, não acontecera sem alguns
incidentes, pois os comandantes das naves auxiliares precisavam tomar todo o cuidado
para que suas unidades não fossem descobertas. De modo algum os senhores da galáxia
deviam descobrir que nós tínhamos conseguido abandonar a Via Láctea, para penetrar na
Nebulosa de Andrômeda.
Agora já se tinha como certo de que os lemurenses que haviam fugido da Terra,
haviam povoado, em primeira linha, o centro da Nebulosa de Andrômeda. Fora do centro
eram travadas lutas violentas entre maahks e lemurenses. Entrementes, confirmara-se que
a verdadeira pátria dos maahks era a Nebulosa de Andrômeda. As armas dos respiradores
de metano, entretanto, não eram absolutamente tão boas como no tempo real. E nada
mais restara aos maahks do que retirar-se para a galáxia vizinha. Esta distância quase
inacreditável foi transposta por eles, com a ajuda de estações intermediárias no espaço
cósmico intergaláctico, que serviam às imensas naves, como postos de abastecimento e
reparos. Os lemurenses nem desconfiavam dessa extensa emigração. Não nos era muito
claro, também, se os halutenses, que a este tempo dominavam a Via Láctea, sabiam de
alguma coisa acerca da penetração dos maahks, na região por eles controlada.
Nos dias passados, constantemente havíamos rastreado naves maahks, em fuga,
tendo também topado com planetas de metano completamente destruídos. Os lemurenses
emigrados atacavam com suas armas muito superiores, destruindo tudo impiedosamente.
Eles conquistaram a Nebulosa de Andrômeda, penetrando na mesma, em forma de leque,
saindo do seu centro, até as franjas da nebulosa.
Icho Tolot e os cientistas a bordo da Crest III tinham calculado que o planeta Vario,
que cinqüenta mil anos mais tarde seria um mundo deserto e o alçapão do tempo dos
senhores da galáxia, devia ser a sede do poder lemurense. Os senhores da galáxia só
podiam ter surgido, no decorrer dos milênios, em Vario. Icho Tolot partia da premissa de
que o formidável transmissor do tempo só podia ter surgido em Vario, porque este mundo
estava destinado à conservação das camadas superiores lemurenses. E baseado nisto, o
halutense deduziu que os chamados senhores da galáxia deviam ser um povo pequeno.
Mas a teoria de Tolot tinha lacunas. Para fechar estas lacunas, nós tínhamos que
voar até o único planeta do sol gigante Big Blue, para ficarmos sabendo o que se passava
ali. Além disso, Vario era nossa única esperança para conseguirmos chegar novamente ao
tempo real. Portanto, havia duas razões muito importantes para visitarmos este planeta.
Quando topamos com os nove malucos, a Crest III estava voando na direção do
sistema Tefa. Ali, Rhodan pretendia ainda fazer algumas averiguações, antes de
tomarmos o rumo de Big Blue.
O primeiro contato com os malucos foi feito pelos aparelhos, muito sensíveis, de
rastreamento, do ultracouraçado. Os rastreadores de massa deram o sinal, e o computador
central calculou que, a uma distância de pouco mais de um ano-luz, um corpo metálico
voava através do espaço cósmico, a uma velocidade relativamente pequena.
Rhodan, que verificava todas as avaliações imediatamente, chamou-me à sala de
controles principal. O Chefe não perdia uma só oportunidade para esclarecer-me a
respeito de todas as tarefas de um oficial. A bordo do ultracouraçado havia cerca de uma
dúzia de aspirantes a oficial. Eu, Lastafandemenreaos Papageorgiu, era um deles. Os
aspirantes a oficial tinham que tirar serviço, alternadamente, na sala de comando da Crest
III, para irem se acostumando à vida cheia de responsabilidades de um oficial. Talvez
quisessem, deste modo, descobrir se, entre nós, havia alguém que pudesse fraquejar.
Porém, dentro da sala de comando, eu nunca tive muito tempo para pensar nisso. O chefe
e os oficiais de bordo cuidavam para que eu estivesse constantemente ocupado.
Quando cheguei perto de Perry Rhodan, ele entregou-me uma tira estreita de
plástico.
— Olhe bem para isso, Papageorgiu — exigiu ele. — O que me diz sobre isso?
Eu sou um rapaz alto, com quase dois metros de altura, e sempre tenho dificuldade
de encontrar um uniforme que me sirva. Minhas mãos parecem pás, e eu consigo quebrar
uma tábua, facilmente, com um soco.
Apesar disso, quando me vejo diante do Chefe, sempre tenho a impressão de ser um
pouco baixo demais. Nervosamente virei aquela tira de plástico por entre os dedos, de um
lado para outro. Depois lancei um olhar para Atlan, em busca de socorro — pois ele
estava sentado praticamente à nossa frente. O arcônida olhou para mim, com a cara mais
inexpressiva, como se estivesse dizendo: “Faz essa cachola funcionar!”
— Parece ser um destroço — disse eu, cautelosamente.
Esperei que Rhodan sorrisse, concordando, mas ele não o fez.
— Por que acha que se trata de um destroço — a matéria que foi rastreada?
— Se fosse uma nave intacta, estaria voando mais rapidamente — retruquei. — E,
pelo menos, estaria com algum sistema de proteção contra rastreamento ligado.
— Há muitas razões para que até mesmo uma nave intacta tenha que voar
lentamente — ponderou Rhodan, olhando para mim. — Por que chegou à conclusão de
que esta nave estaria fazendo uso de seus propulsores de velocidade ultraluz, se estivesse
em condições de fazê-lo?
Eu levantei a tira de plástico e disse:
— Sir, a avaliação verificou que esta nave está voando em rumo direto para o
sistema de Tefa. Sua velocidade é de pouco menos da velocidade simples da luz. Isso
significa que, à distância atual, ainda precisará de três meses para chegar ao seu provável
destino. Caso a nave estivesse intacta, estaria voando mais depressa, para alcançar o
sistema de Tefa em algumas horas.
Rhodan deu-me as costas, sem que eu ficasse sabendo se ele concordava comigo ou
não.
— Vamos aproximar-nos um pouquinho mais, coronel — disse ele para Cart Rudo.
Quando a distância diminuíra tanto que a nave desconhecida já era um ponto
brilhante nas telas de imagem do rastreamento, Rhodan mandou lançar três corvetas. Os
comandantes das naves auxiliares receberam ordens para aproximar-se, cautelosamente,
do objeto desconhecido. A Crest III ficaria à retaguarda.
Minutos mais tarde, chegou a primeira comunicação. Gucky, que se encontrava a
bordo de uma das corvetas, informava pelo rádio, que a bordo da nave, antiqüíssima,
encontravam-se nove homens, cujo destino era realmente o sistema Tefa. Os propulsores
ultraluz de sua nave de 46 metros de diâmetro haviam pifado. Provavelmente outros
aparelhos, a bordo desta espaçonave, também já não mais funcionavam.
— Eu acho que isso é exatamente o que procuramos — disse Atlan, de repente.
Eu olhei-o, perplexo, já que não entendi o sentido de suas palavras. Rhodan,
entretanto, parecia entender perfeitamente o que o seu amigo arcônida estava querendo
dizer, pois anuiu, concordando.
— Vamos aproximar-nos ainda mais, coronel — ordenou ele a Cart Rudo. —
Segurem a pequena nave com raios de tração, até que a tenhamos abordado.
Eu fiquei de olhos presos na tela de imagem. Perplexo, eu me indagava por que
Rhodan e o arcônida demonstravam tamanho interesse nessa nave de aspeto pré-histórico.
Se tivéssemos azar, acabaríamos tendo chateações. Caso a tripulação de nove homens nos
descobrisse em tempo, certamente enviaria alguma mensagem radiofônica, antes do
comando de abordagem ter penetrado na nave. E então a presença da Crest III na
Nebulosa de Andrômeda deixaria de ser um segredo.
— Esses nove rapazes parecem ser muito negligentes, sir — observou o Major Don
Redhorse. — Caso contrário, eles não estariam voando por aqui, com a maior calma, sem
qualquer proteção contra rastreamentos. Afinal de contas, têm que levar em conta que
podem ser atacados pelos maahks.
Rhodan levantou-se e fez-me um sinal com a cabeça.
— O que me diz de uma pequena excursão? — perguntou ele.
— O senhor está querendo dizer que eu devo acompanhar o comando de
abordagem? — consegui perguntar.
— O senhor vai chefiá-lo — corrigiu-me ele. — Dirija-se imediatamente para o
hangar.
Eu estava tão nervoso que cheguei a tropeçar, passando, quase sem vê-lo, do
elevador antigravitacional. Enquanto pairava para baixo, procurei controlar meu
nervosismo. Eu sabia que, através do intercomunicador, o Coronel Rudo estaria
arregimentando um comando de abordagem. Os homens já estariam esperando por mim
no hangar. Eu estava convencido de que iríamos voar até a nave desconhecida, em trajes
espaciais apropriados. Era demasiadamente complicado, para isso, lançar uma nave
auxiliar.
Quando pus os pés no hangar, logo vi cinco homens, esperando por mim, perto da
eclusa. Um deles estava com o meu traje espacial.
— Sou o cabo McClelland, sir! — disse o homem, entregando-me o traje. — Por
ordem do Coronel Rudo, nós vamos acompanhá-lo.
Eu admirei a sua calma. Meio sem jeito, vesti o traje. McClelland ajudou-me a
fechar o capacete. O sibilar do aparelho de oxigênio demonstrava que eu já não mais
respirava o ar esterilizado da Crest III. Imediatamente liguei o rádio-capacete.
— Cada um está com sua arma? — perguntei.
Fiz o possível para que minha voz tivesse um tom autoritário, mas não consegui me
livrar da impressão de que a pergunta saíra meio tremida.
Os homens disseram que sim.
— A bordo da nave estranha há nove membros da tripulação — disse eu para
McClelland. — Não seria melhor reforçarmos o comando de abordagem com mais alguns
homens? — antes mesmo de terminar a frase, eu já estava arrependido da pergunta. Eu
jamais deveria ter-me exposto, desse modo, ao cabo.
— Nós somos homens testados na luta — disse McClelland. — Cada um de nós dá
conta de pelo menos três adversários.
Engoli em seco. Eu bem que merecera essa estocada. Os astronautas que deviam
acompanhar-me estavam, silenciosos, de pé, junto da eclusa. Eu teria preferido que eles
estivessem conversando, entre si, sobre alguma coisa. Eram cinco rapazes magros, de
poucas palavras, rijos e com aquele humor macabro que permitia-lhes suportar a idéia de
que estavam a cinqüenta mil anos no passado.
Finalmente chegou o sinal para a partida. Sem perder mais tempo, McClelland fez a
eclusa deslizar para um lado. Eu tinha certeza que a Crest III agora estaria segurando a
nave estranha. Apesar de saber que o inimigo não tinha qual quer possibilidade de
rastrear seis homens que se aproximavam de sua nave, o meu coração bateu mais forte.
Não conseguia livrar-me do pensamento de que atirariam em nós, tão logo saíssemos de
dentro da eclusa.
— Podemos ir, sir — disse McClelland, indiferente.
Eu entrei na eclusa. O cabo ficou do meu lado. Evidentemente ele notara que eu
estava inseguro. O pensamento de que o Coronel Rudo lhe dera alguns bons conselhos a
respeito de minha pessoa fez com que o sangue me subisse à cabeça.
Eu estava de pé, na borda da eclusa, olhando para o espaço sideral. Bem perto,
pouco acima de nós, “pendia”, imóvel, a nave estranha, iluminada pelos holofotes da
Crest III. Aquela nave espacial esférica, de 46 metros de diâmetro, não tinha nada de
imponente. Sua superfície era irregular e recoberta de manchas de ferrugem. Ali, onde em
outros tempos devia ter havido antenas e outros aparelhos auxiliares, agora só se via
ainda varas quebradas e metais abaulados. A eclusa era um quadrado, meio irregular, por
cima do qual um artista espacial pouco talentoso escrevera em letras tefrodenses a
palavra Eskila. Este, aparentemente, era o nome da nave.
De repente, a parede da eclusa da Eskila deslizou para um lado. Uma figura
baixinha surgiu na entrada. E fazia sinais para nós. Primeiramente achei que devia ser um
dos membros da tripulação, mas logo depois notei que se tratava de Gucky, que
naturalmente teleportara para dentro da eclusa da nave, abrindo-a para nós. Entendi então
que Perry Rhodan e os oficiais da Crest III estavam dirigindo a operação. Nem pensavam
em deixar aos cuidados de um aspirante a oficial uma missão dessas. Naturalmente eu e
os meus acompanhantes também tínhamos alguma coisa para fazer, porém se fizéssemos
o menor erro, imediatamente outros homens tomariam o nosso lugar. Isso naturalmente
feriu o meu orgulho, mas, por outro lado, tranqüilizou-me bastante.
Com um impulso saltei para fora e pairei “para cima”. Bem perto da eclusa tive que
corrigir o rumo do meu vôo com a ajuda do projetor, caso contrário teria ultrapassado a
Eskila. McClelland passou por mim, pousando, antes de todos nós, na eclusa. Gucky,
entrementes, desaparecera.
Iluminamos todo o interior da câmara da eclusa. A mesma estava um verdadeiro
caos. Por todos os lados a tinta descascava. O chão estava cheio de sujeira. Alguém
acionara, imprudentemente, a central de lubrificação, porém o fizera generosamente
demais, de modo que por quase todas as conexões gotejava o lubrificante em excesso.
McClelland dirigiu-se a uma das alavancas de controle.
— Com esta, podemos fechar a parede externa da eclusa — disse ele.
Perguntei-me como é que ele podia ter tanta certeza.
— Experimente-a — ordenei eu.
Ele puxou a alavanca para baixo. A eclusa fechou-se. O cabo jogou um feixe de luz
sobre outra alavanca, que ficava diretamente abaixo da primeira, que ele acabara de
acionar.
— Esta serve para a parede interna — disse ele, com firmeza.
Todos puxamos nossas armas, e McClelland fez a parede interna da eclusa deslizar
para o lado. Vimos, diante de nós, um recinto pouco iluminado, no qual também reinava
um caos indescritível.
Por toda a parte viam-se pilhas de caixas, que se misturavam, por terem caído. A
maioria das caixas estava arrebentada. O seu conteúdo espalhara-se pelo chão. Nas
paredes havia prateleiras, nas quais a tripulação, aparentemente com a maior pressa,
colocara todos os tipos imagináveis de coisas.
Bem no meio do recinto, entretanto, estava, de pé, um homem barbado que mais
parecia um gigante, vestindo um uniforme que parecia tão descuidado quanto era
esquisito. O homem olhou-nos com visível calma. Trazia no seu cinturão uma arma
pesada tão formidável, que um homem mais fraco certamente só conseguiria carregá-la
curvado. Uma das mãos do barbudo estava na sua arma, a outra ele enfiara no cinturão,
segurando-a com o polegar. Estava mastigando alguma coisa. Os seus olhos mal podiam
ser vistos atrás das sobrancelhas muito espessas. Ele tinha alguma coisa de viking, mas
também algo de vagabundo espacial.
O homem, entretanto, não parecia absolutamente um astronauta, cuja nave acabara
de ser conquistada.
Nós abrimos nossos capacetes, depois de nos certificarmos que o ar, neste recinto,
era respirável. Em tefrodense, sem erros, o barbudo perguntou:
— O que é que os senhores querem a bordo de minha nave?
Precisei de alguns segundos para reconquistar o meu controle.
— O senhor é o comandante dessa... dessa nave?
Os seus lábios protuberantes se mexeram, depois ele cuspiu alguma coisa, que
saltou de um lado para o outro, no chão, como uma bolinha de borracha.
— Comandante? — repetiu ele, negligente. — Nós não precisamos de comandante.
Depois ele aproximou-se alguns passos de mim. Ele fedia a óleo lubrificante e
roupas úmidas, além de exalar o cheiro de algum tempero parecido com alho. O seu
uniforme chegava a estar duro de tão sujo. E quem o vestia parecia não ter mais tomado
qualquer banho, há anos.
— Quer dizer que o senhor não está sozinho a bordo...? — perguntei, apesar de já
conhecer a resposta.
— Meus oito amigos estão dormindo, lá embaixo — dignou-se ele a informar-me.
— Quer que eu os acorde, só porque o senhor resolveu nos fazer uma visita?
— O senhor já deu uma olhada nas telas de imagem de sua nave? — perguntei eu,
irritado. — Assim, logo verá o que aconteceu.
Ele puxou uma caixinha do bolso, tirou-lhe calmamente um quadrado de goma de
mascar, que enfiou na boca.
— Por que deveria fazer isso? — ele puxou uma caixa para perto, para sentar-se
nela. — Nenhuma das telas funciona.
— O quê? — deixou escapar o cabo McClelland. — O senhor está voando como
um cego pelo espaço? Sir, eu acho que esse sujeito está querendo passar-nos a perna.
O barbudo deu um pontapé numa peça de reposição cilíndrica que estava à sua
frente, no chão. E ficou olhando enquanto a mesma rolava para junto dos pés de um dos
meus acompanhantes.
— Meu nome é Assaraf — disse o astronauta estranho. — Se quiserem comprar
alguma coisa, digam o que desejam. Se, entretanto, vieram apenas para bisbilhotar por
aqui, é melhor que se retirem antes que eu fique com raiva.
— O senhor não está entendendo a situação, Assaraf — retruquei. Em silêncio eu
admirava a calma e decisão daquele sujeito sujo, sentado, diante de mim, naquela caixa.
Provavelmente ele sabia muito bem a sorte que esperava a ele e aos seus amigos.
Naturalmente ele esperava poder nos amedrontar, e talvez até fazer com que
recuássemos, se agisse inteligentemente. — Nós precisamos de sua nave — continuei eu.
— E agora estamos justamente tratando de conquistá-la para os nossos fins — eu fiz um
sinal com a cabeça para McClelland. — Tire a arma deste homem, cabo.
Assaraf riu, irônico.
McClelland dirigiu-se, resoluto, ao homem.
— Eu sou um pacífico marcador alariano — disse Assaraf. — Estão querendo me
causar dificuldades? — e ele realmente fez uma tentativa para sorrir, pacificamente.
— Queremos — confirmou McClelland, com cara de poucos amigos, esticando a
mão e exigindo-lhe a arma. Eu levantei o meu desintegrador, apontando-o para a cara
suja de Assaraf. Erguendo os ombros o mercador entregou sua gigantesca arma de mão
para McClelland. — Mas isso é um verdadeiro canhão — murmurou McClelland.
— Acorde os seus amigos! — ordenei ao alariano.
Ele levantou-se, dirigindo-se para a saída traseira do recinto.
— Pare aí! — gritei-lhe eu. — Não acha mesmo que nós o deixaremos sair? Use o
seu intercomunicador.
— Intercomunicador? — ele riu, irônico. — Não funciona.
— Afinal, o que é que funciona a bordo dessa bela nave? — gritou-lhe McClelland,
irritado.
— Os relógios — retrucou Assaraf, muito sério. — E são extraordinariamente
importantes. Com sua ajuda podemos verificar exatamente o tempo que cada um de nós
tem que ficar de serviço.
— Por que estes aparelhos não são consertados? — quis saber eu.
Assaraf coçou a cabeça de cabelos pretos, nos quais, em minha opinião devia haver
legiões de piolhos.
— Seria uma desonra para um mercador alariano fazer trabalhos pesados — disse
ele. — Dentro de aproximadamente três meses devemos chegar ao sistema Tefa. E por lá
colocarão em ordem nossos propulsores ultraluz. Nós pagamos bem.
McClelland agitou o seu desintegrador diante da cara do alariano.
— O senhor não vai voar para parte alguma! O senhor é nosso prisioneiro.
— Vá acordar os outros membros da tripulação — resolvi intervir.
Assaraf juntou do chão uma peça de máquina de forma angular, dirigindo-se até
uma espécie de console de controles. Bem diante do mesmo ele deixou-se cair de joelhos.
Ergueu um alçapão, que primeiramente resistiu aos seus esforços, cedendo finalmente.
Em seguida bateu violentamente com a peça metálica na parte interna do elevador.
Coloquei-me perto do mercador. Pelo alçapão aberto subia uma nuvem de um fedor
terrível. Quase fechei meu capacete novamente, porém, neste caso, teria sido difícil
comunicar-me com Assaraf.
— Arre! — fez McClelland. — O senhor garante que lá embaixo alguém consegue
viver?
O alariano não se dignou a nos responder, berrando alguns nomes através do
alçapão aberto. Pouco mais tarde, algumas figuras, parecendo sonolentas, vieram subindo
pela escada de metal. Eram oito homens sujos, fedorentos, que precisavam urgentemente
entrar em contato com água de banho. Um dos homens trazia consigo um saco de couro
alongado, numa das mãos. Tomou um gole, gargarejou com prazer e depois cuspiu um
jato, da grossura de um dedo, por entre uma falha dos seus dentes, diretamente aos pés de
McClelland. Depois arrotou desaforadamente e voltou-se para Assaraf:
— Quem são essas figuras engraçadas? — queria ele saber.
— Quer que lhe dê um pontapé no traseiro, sir? — perguntou um dos meus
acompanhantes, cheio de boa vontade.
— Espere mais um pouco — retive o astronauta. — Estes homens são nossos
prisioneiros. Têm o direito de serem tratados decentemente. Afinal de contas, nós
precisamos da nave deles.
— São piratas — declarou Assaraf aos seus homens. — Eles me tiraram a minha
baionga — e ele apontou para a pesada arma que agora estava no cinturão de
McClelland.
Os nove alarianos começaram a discutir entre si. Discutiam se deviam entregar a
nave sem luta, ou se, talvez, fosse melhor oferecer resistência. Não consegui livrar-me da
sensação de que os acontecimentos escapavam, cada vez mais, de minha ingerência.
Gostaria que um dos oficiais da Crest III surgisse, para esquentar um pouco as coisas aos
nove alarianos. Provavelmente na sala de comando da Crest III deviam estar achando
muita graça de minha situação.
Apertei os dentes com força.
— Vamos levar esses sujeitos para a Crest — decidi finalmente. Ordenei a três de
meus acompanhantes que tirassem seus trajes espaciais. Com estes, os mercadores
deviam ser levados, três de cada vez, para a nave-capitânia do Império Solar.
McClelland interveio:
— O senhor acha que é aconselhável levar estes homens, imediatamente, para a
Crest, sir? — e ele apontou, significativamente, para o seu próprio nariz.
Eu anuí, furioso. Talvez os oficiais do ultracouraçado acabariam encerrando suas
risadas zombeteiras, a respeito da falta de jeito de um aspirante a oficial, logo que lhes
chegasse ao nariz uma amostrinha do cheirinho “bom” dos alarianos.
Olhei o meu relógio. O primeiro comando de abordagem, por mim chefiado,
chegara a um fim incruento e com sucesso, em menos de meia hora. Apesar disso, não
senti nenhuma satisfação.
Ao olhar aquelas novas figuras sujas e maltrapilhas, e ao lembrar-me do estado em
que se encontrava a sua velha nave, eu certamente não tinha razões para me sentir
orgulhoso.
— Mais uma vitória dessas — disse eu para McClelland — e nós estamos perdidos.
Ele olhou-me, espantado. Aparentemente devia estar pensando que eu era alérgico
ao cheiro de alho.
2

Depois que os nove alarianos estavam a bordo da Crest III, tínhamos dois grandes
problemas para resolver.
O primeiro era o seguinte: Como é que poderíamos fazer com que os nove
mercadores utilizassem as instalações sanitárias e os banheiros do ultracouraçado.
O segundo problema era: Haveria nove membros da tripulação, suficientemente
malucos, para fazer o papel dos nove alarianos?
O segundo problema acabou mostrando-se de solução fácil, pois os nove homens já
haviam sido escolhidos, em pouco menos de meia hora, depois que os planos de Atlan
foram transmitidos a todos os membros da tripulação. O primeiro problema, entretanto,
era praticamente insolúvel. Primeiro, tentamos com bons conselhos, porém os alarianos
não queriam saber de nada quanto à higiene. E quando aplicávamos a força, esses sujeitos
durões sabiam como emporcalhar novamente, em pouco tempo, os seus corpos,
recentemente banhados. O pior é que os mercadores, cada vez mais, ganhavam a simpatia
da tripulação. Faziam até apostas sobre se tal ou tal oficial conseguiria dar banho num ou
noutro alariano, ou obrigá-lo a escovar os dentes.
Homens sensíveis corriam, de cara pálida, pela nave, vomitando em segredo, depois
de terem se aproximado demais de um alariano, mas por nada neste mundo nem um único
deles confessaria de que achava esses porcalhões repelentes. Todos os banheiros ficavam
sitiados por assistentes, porque cada um que tivesse tempo não queria perder a
oportunidade de ver o cerimonial de banho de um alariano. Dentro de poucas horas,
tinham curso, a bordo, os mais desencontrados boatos. Um destes dizia que o Major
Bernard fora visto correndo atrás de Assaraf, com uma bomba de inseticida, para livrar o
cabelo do alariano de sua legião de piolhos. Infelizmente tive pouca oportunidade de me
ocupar com o problema dos banhos, pois eu era um dos nove homens que, a partir de
agora, tinham que comportar-se — tinham que ser — um mercador alariano.
As primeiras conseqüências dessa ordem eu comecei a sentir apenas quatro horas
depois de nosso regresso. Eu não podia mais tomar banho. Fazer a barba e cortar os
cabelos me foram proibidos. Tinha que temperar minha comida com alho, de cuja
existência a bordo da Crest III, até agora, eu nem suspeitava. O meu uniforme, muito bem
tratado e passado, foi trocado pelas roupas de Assaraf, de modo que, dez horas depois que
os mercadores se tornaram nossos prisioneiros, eu fedia mais que qualquer um deles.
Alguns rapazes da tripulação, que não iam muito com minha cara, aproveitaram-se dessa
situação.
A caminho de minha cabine eles me atacaram, puxando-me, à força, para baixo de
uma ducha. Todos os protestos, todas as ordens e afirmações quanto à minha verdadeira
identidade, não foram levados em consideração. Eles me esfregaram, com um escovão,
sabão e água quente, durante dez minutos, até que finalmente o Major Don Redhorse pôs
um fim naquilo tudo, e eu tive que dar um jeito de repor a sujeira da qual acabavam de
me livrar. Foi um milagre que Redhorse tenha podido livrar-me, pois ele não fedia menos
que eu. Pois também fazia parte dos nove homens que deviam participar da missão
planejada.
Depois de vinte horas, eu já nem mais conseguia sentir meu próprio mau cheiro. A
esta hora a Eskila já não existia mais há bastante tempo. Um único e certeiro tiro da Crest
III a pulverizara. Antes, entretanto, nós havíamos trazido, para bordo da Crest III, um
escaler de salvamento da nave alariana.
Felizmente minha aparência externa não me impedia de pensar.
— A partir deste instante o senhor chama-se Assaraf, e é um mercador alariano —
dissera Atlan. — Nunca deverá esquecer-se disso. Lastafandemenreaos Papageorgiu está
morto, entendeu?
Eu entendi.
Afinal de contas, dava para cheirá-lo.
***
O fato de que eu agora me chamava Assaraf não impedia que eu designasse os nove
mercadores como malucos. Somente doidos poderiam ter voado para dentro de uma
armadilha com tamanha inconsciência. Eles haviam se sentido seguros demais. Pelos
papéis que trouxemos da Eskila para a Crest III, era possível verificar que o planeta natal
dos mercadores se chamava Alara IV. Este mundo fora povoado, há cerca de duzentos
anos atrás, pelos lemurenses. Os nove prisioneiros eram descendentes desses
colonizadores. Mas agora eles não tinham mais praticamente qualquer das virtudes que
destacavam seus parentes lemurenses. Diziam-se mercadores, mas não passavam de
vagabundos do espaço cósmico, sujos, violentos, muito espertos nos negócios, e sovinas.
Tudo isso foi possível deduzir, pelos seus “papéis”.
Eles se diziam homens de negócio, mas o eram, talvez apenas na extensão de um
sujeito que tem uma bodega e oferece à venda uma mercadoria “maravilhosa” para
manter firme na boca um par de dentaduras.
Também nossos nove prisioneiros tinham esse tipo de “mercadorias”. Entretanto,
uma delas era até bem valiosa. Tratava-se de alguns blocos de quartzos osciladores, que
eram usados pela frota lemurense na fabricação de instalações condutoras de fogo. Este
tesouro, nós havíamos conseguido pôr em segurança a bordo da Crest III, junto com o
escaler salva-vidas.
Alguns dos cientistas da Crest haviam examinado o computador da Eskila. O que
veio confirmar a suposição de Icho Tolot de que o planeta Vario era o mais importante
centro comercial e de governo do centro de Andrômeda. Nos documentos dos alarianos,
entretanto, Vario era sempre mencionado com o nome de Lemúria. Na Lemúria vivia a
classe alta dos lemurenses fugitivos, que haviam dado a este novo mundo ò nome do
continente terrano afundado. Como único planeta do sol gigante azul Big Blue, Lemúria
tinha uma posição dirigente entre os planetas coloniais dos lemurenses.
***
A caminho da sala de descanso no convés intermediário, encontrei-me com Perry
Rhodan. Quase não o reconheci, pois o seu rosto estava coberto por uma barba ruiva, cor
de cobre. O Administrador-Geral amarrara o seu cabelo, muito comprido, numa espécie
de “rabo-de-cavalo”. A cor da pele de Rhodan, assim como a minha, agora era bem
morena. Nós dois nos parecíamos muito com alarianos de verdade. Drogas biológicas
haviam feito crescer nossas barbas e os cabelos, em poucas horas. Tanto a pele como os
cabelos haviam sido pintados artificialmente.
— Olá, Assaraf! — saudou-me Rhodan, batendo-me amistosamente no ombro. —
Está indo para a reunião?
— Sim, sir! — gemi eu.
E fiz todo o possível para ignorar o cheiro que o Administrador-Geral exalava.
— Esse “Sir”, no futuro, o senhor terá que desaprender — lembrou-me Rhodan. —
Nós somos nove alarianos e vamos comportar-nos como eles.
— Vou fazer um esforço — garanti-lhe eu.
Ao chegarem à sala de reuniões, os outros sete homens há estavam presentes. Numa
poltrona muito confortável, Gucky estava agachado. Apesar do rato-castor fazer parte de
nossa missão, ele não precisava mascarar-se. Nem mesmo com uma barba enorme ele se
pareceria com um alariano. Atlan pensara numa outra solução, para o caso do rato-castor.
Atlan, que estava sentado na borda de uma mesa, balançando suas pernas
compridas, parecia um legítimo viking. Ao lado dele, Tako Kakuta, o teleportador,
parecia um tanto raquítico. Considerando seu pequeno tamanho físico, o mutante tentara
ganhar a parada com o mau cheiro do seu corpo. André Noir, o hipno, parecia um velho
bonachão. Junto dele, Don Redhorse era uma figura imponente. Seu rosto marcante de
índio americano era emoldurado por uma barba muito negra. E o corpo musculoso
ameaçava arrebentar o uniforme alariano que envergava. Atrás de Redhorse estava, de pé,
o único homem que sentia prazer em não precisar mais fazer a barba e tomar banho: o
sargento Brazos Surfat. Surfat parecia ter sido criado para este empreendimento. Era
flagrantemente visível que ele se sentia muito bem naquela sua fantasia. Ao contrário de
Olivier Doutreval, que odiava toda falta de higiene física e fazia a cara mais infeliz do
mundo.
O novo homem que fazia o papel de um alariano era o Tenente Chard Bradon.
Redhorse, mais uma vez, soubera reunir seus famigerados amigos para acompanhá-lo.
Porém, se quisesse ser honesto, tinha que reconhecer que eles eram realmente os mais
adequados para esta missão.
— Olá, Schintas! — cumprimentou Atlan ao seu amigo terrano.
Nós já nos tínhamos acostumado a nossos nomes alarianos. Se chegássemos, algum
dia, a alcançar Vario, não podíamos tolerar erros. Atlan agora chamava-se Ob Tolareff.
Perry Rhodan sentou-se, ao lado de Atlan, em cima da mesa.
— A Crest tomou o rumo de Big Blue — disse o Administrador-Geral. — Duas
corvetas, que mandamos na frente, entrementes, voltaram. A cerca de seis anos-luz de
Vario, eles encontraram um planeta gigante, com uma atmosfera de hidrogênio-metano-
amoníaco, destruído pelos lemurenses. Enquanto nós tentaremos alcançar Vario, a Crest
ficará estacionada, em segurança, na superfície deste ex-mundo dos maahks. Todo o
planeta irradia radiatividade, portanto não precisaremos temer visitas desagradáveis nem
dos maahks nem dos lemurenses.
Atlan enfiou a mão no bolso interno de sua roupa, e puxou para fora um pacote de
papéis.
— Conforme todos sabem, nós recebemos, de nossos prisioneiros, uma
documentação preciosa. Entrementes, eu mandei preparar outros papéis por especialistas
da Crest. Trata-se de cartas de recomendação de alguns soberanos, de cartas com elogios
de chefes estranhos, e coisas semelhantes. Tudo isso deverá ser o bastante para convencer
os lemurenses de que somos alarianos.
Ele pulou da mesa e puxou uma caixa de baixo da mesa. Abriu-a e trouxe à luz a
formidável arma de Assaraf.
— Aqui está a sua arma, Assaraf — disse ele para mim. Com certo esforço segurei
a baionga. A mesma pesava certamente mais de dez quilos, mas não tive outra
alternativa, e dei um jeito para prendê-la no meu cinturão. E agora Rhodan falou
novamente:
— O planeta Vario, que agora se chama Lemúria, é nossa única chance de
regressarmos ao tempo real. Portanto, temos que fazer tudo para chegarmos à superfície
desse planeta, para efetuar sindicâncias e investigações. Estou convencido que, em
Lemúria, vamos encontrar um dos senhores da galáxia. Provavelmente ele vive ali,
incógnito, mas certamente ocupando uma alta posição. Hoje, cerca de cinqüenta mil anos
antes do nosso tempo, o poder dos senhores da galáxia ainda não está consolidado.
Entretanto, podemos ter certeza de que eles têm um espião nesta época importante e neste
planeta importante. Além disso, é muito provável que os senhores da galáxia originaram-
se da classe alta dos Grão-Mestres Conselheiros da Lemúria. A suspeita de Icho Tolot de
que os senhores da galáxia devem ser um povo pequeno, certamente demonstrará ser um
fato. Porém tudo isso, no momento, só nos interessa em segunda linha. Nossa meta terá
que ser uma só — conseguir chegar ao tempo real.
Rhodan baixou a cabeça e se calou. De repente dei-me conta do peso da
responsabilidade que este homem carregava nos ombros, e o quanto ele sofria por saber-
se cortado, em cinqüenta mil anos, dos acontecimentos que, para ele, e para o Império
Solar, eram tão vitais.
Atlan tirou um aparelhinho do seu bolso, levantando-o bem alto, para que todos
pudéssemos vê-lo.
— Este é um indicador de impulsos. Ele nos levará a um dos senhores da galáxia, se
um destes seres vive na Lemúria. Nós sabemos que todos os senhores da galáxia têm um
ativador celular implantado — ele ligou o aparelho. Um zunido muito fraco fez-se ouvir.
— São os ativadores de Rhodan, de Kakuta, de Noir e o meu próprio, que o aparelho
assinala — declarou ele. — Nossos próximos passos já são conhecidos de todos. A Crest
pousa num planeta maahk radiativo. Nós seremos lançados da nave-capitânia numa
corveta, tomando o rumo de Vario. Logo que surgimos, vindos do espaço linear, nós
saímos de bordo, com o escaler salva-vidas alariano, e estouramos a corveta. Às
autoridades da Vigilância lemurense, vamos afirmar que, nessa explosão, nossa
insubstituível Eskila foi destruída. Todo o resto vai depender de como os lemurenses vão
reagir a essa história.
— Eu ainda me pergunto que papel deverei fazer nessa missão? — quis saber
Gucky.
Atlan pegou um monte de pano que estava do seu lado, sobre a mesa. Desdobrou-o,
e todos puderam ver que se tratava de um saco, muito sujo, e cheio de buracos.
— Você faz parte de nossa bagagem — disse o arcônida. Gucky perdeu o fôlego.
— Querem transportar-me nesse saco? — perguntou ele, incrédulo.
— Sem dúvida — confirmou Atlan. — O sargento Surfat é quem vai carregar você.
Ninguém vai pensar, jamais, que nesse saco está enfiado um rato-castor. Pois nós vamos
comportar-nos como verdadeiros selvagens, logo que entrarmos em contato com os
lemurenses.
Gucky pôs-se de pé, cheio de brios. Lançou um olhar ameaçador para Surfat, e
disse:
— Eu não quero mais me chamar Gucky, se deixar que me carreguem dentro deste
saco, por livre e espontânea vontade.
— Está bem, você passa logo a chamar-se Zvonimir — sugeriu Atlan.
— Zvonimir? — gemeu o rato-castor, cobrindo o rosto com ambas as patas.
Atlan abriu a boca do saco, e sugeriu:
— Experimente, para ver se você cabe aqui.
Guck desmaterializou, indignado.
— Vai ter que tomar muito cuidado com ele, Borg — disse Rhodan para Surfat.
O sargento agora chamava-se Borg.
Surfat riu, nervosamente, espalhando com isso uma nuvem de intenso cheiro de
alho.
— Depois que o tenho dentro do saco, ele não sai mais — prometeu ele.
E eu praticamente estava convencido disso. Com o mau cheiro que Brazos Surfat
carregava consigo, o pobre baixinho certamente estaria inconsciente a maior parte do
tempo.
3

Antigamente, quando ainda havia cabines de telefones públicos na Terra, sempre


aparecia gente pronta para conquistar um novo recorde mundial, apertando-se em grupos,
numa cabine telefônica — sem levar em conta os braços quebrados e as luxações que
acabavam sofrendo durante a empreitada. No dia seguinte, era possível ler-se nos jornais
que determinado grupo de jovens de determinada cidade conseguira quebrar o antigo
recorde mundial, tendo conseguido meter vinte e sete pessoas numa única cabine
telefônica. Que a metade dos recordistas tinha baixado ao hospital, naturalmente ninguém
dizia.
O escaler salva-vidas, que nós havíamos posto em segurança, antes da destruição da
Eskila, não era muito maior que uma cabine telefônica. Atlan e Rhodan, que deviam ficar
nos controles, enfiaram-se, em primeiro lugar, através da eclusa. A um sinal deles, de que
já estavam devidamente sentados nos seus lugares, seguiram-nos Noir e Kakuta, os dois
mutantes.
— Muito bem — disse o Major Don Redhorse, satisfeito. — Agora já podemos
ligar a ignição automática. Ele curvou-se por cima da bomba, que estava no hangar,
acionando o contador de tempo. Um minuto depois da saída da nave auxiliar da Crest III
do espaço linear, ela seria destruída num raio atômico. Portanto tínhamos muito pouco
tempo para nos pormos em segurança com o escaler salva-vidas.
O Tenente Chard Bradon, que agora chamava-se Fash Barat, entrou na micronave.
Seguiram-no Olivier Doutreval e Brazos Surfat, que carregava, às costas, o saco com
Gucky. As condições dentro do escaler, entrementes, eram de grande aperto, e as pragas e
palavrões que chegavam, através da eclusa, até Redhorse e minha esposa, certamente
fariam honra aos mais legítimos alarianos. Eu ajeitei a baionga e fiz um esforço para
passar pela eclusa. Surfat ainda se encontrava na diminuta câmara da eclusa, mas eu fui
empurrando-o para a frente, simplesmente porque, atrás de mim, Redhorse exigia
também o seu lugar.
— Tudo pronto? — veio uma voz abafada, lá da frente. Devia ser Perry Rhodan.
— Pare de me enfiar seus cotovelos pontudos nas costelas! — queixou-se Surfat
comigo.
— É a baionga — retruquei eu. Fiz um esforço para encolher a barriga, para melhor
acomodar a enorme arma, mas não consegui. Suando e bufando, Surfat conseguiu
penetrar mais meio metro no interior do escaler. O ar dentro da navezinha certamente
assemelhava-se mais ao de um botequim de quinta categoria.
Escutei Redhorse praguejar na eclusa. Com saudades pensei na Crest III, que agora
estava a seis anos-luz distante de nós, estacionada num planeta-metano. Ali, pelo menos,
havia lugar bastante.
Redhorse meteu ambos os punhos nas minhas costas. Fui empurrado contra Surfat.
Gucky começou a protestar em altos brados. O saco, no qual ele estava enfiado,
abaulava-se, pois o rato-castor esperneava como um possesso.
— Eu não posso me mexer! — resmungou Surfat, indignado. — Por que não presta
mais atenção, seu grego fedorento!
— Em primeiro lugar — respondi, com raiva — eu não sou um grego, mas um
mercador alariano. E em segundo lugar, não tenho mais lugar à minha disposição que
cada um de vocês.
— Silêncio! — gritou Rhodan, lá da frente, dos controles.
— O senhor pode fechar a eclusa! — gritou o Major Redhorse.
Trepidando, a parede externa da eclusa deslizou, fechando-se. Tudo que eu podia
fazer era ficar de pé, sem me mexer, e esperar. O suor me escorria do rosto. Depois de
poucos minutos, que me pareceram intermináveis, finalmente veio o sinal de que a
corveta estava saindo do espaço linear. Quase ao mesmo instante abriu-se a eclusa do
hangar, e o escaler salva-vidas foi lançado ao espaço cósmico, como um foguete. Os
técnicos da Crest III haviam feito uma revisão em regra na pequena nave, de modo que
não havia perigo de qualquer acidente. A pressão exercida, pela repentina aceleração, foi
absorvida pelos neutralizadores.
— A corveta explodiu! — gritou Atlan, de onde estava sentado.
Perry Rhodan sacrificara a corveta, para alcançar a sua meta. O caminho para o
tempo real certamente ainda exigiria sacrifícios bem maiores de nós, se é que, algum dia,
nós conseguiríamos cruzar esta barreira.
O escaler, agora, voava diretamente para dentro do sistema de Big Blue. Não
precisamos esperar muito tempo, até ouvir estalidos no alto-falante do rádio normal. E
uma voz estridente fez-se ouvir.
— Parem imediatamente o seu vôo, fiquem onde estão, e se identifiquem!
— Parar? Damos graças por estar voando — retrucou Atlan, imperturbável. —
Nossa nave, a Eskila, há poucos momentos atrás foi atacada e destruída por espaçonaves
dos maahks.
Uma risada zombeteira fez com que o alto-falante da pequena central de
radiocomunicação vibrasse intensamente.
— Aqui fala o Comandante Zabot, da frota de vigilância lemurense — disse aquela
voz estridente. — Parem o vôo, antes de varrermos vocês do espaço!
— Nós exigimos indenização pela nossa grande nave — gritou Atlan, como um
possesso. — Disseram e espalharam por aí que este setor do espaço era evitado pelos
maahks, mas isso é uma mentira.
Zabot uivava de tanto rir.
— Vocês só podem ser alarianos — disse ele, com muito custo, e com falta de ar.
— Se não estou muito enganado, essa nave lamentável de vocês explodiu sozinha, ao
mergulhar no espaço normal. Não seria a primeira vez que uma coisa dessas acontece.
Todo mundo sabe que os alarianos deixam suas naves espaciais apodrecer.
— Como disse que é o seu nome? — quis saber Atlan.
— Zabot — repetiu o comandante estranho. — Minha esquadrilha terá alcançado o
seu escaler em poucos instantes, e vai rebocá-los com um raio de tração.
— Está bem, Zabot, eu tratarei de dar um jeito para que o seu comportamento
malcriado não fique sem a devida resposta.
A comunicação foi interrompida. Eu estava tremendo, de tão agitado. Sem que eles
nos tivessem visto, os lemurenses achavam que éramos alarianos. Não podíamos ter
desejado um sucesso maior, em nosso primeiro encontro com os habitantes de Vario.
— O escaler escapou ao meu controle — disse Rhodan, depois de algum tempo. —
Isso significa que os lemurenses já nos agarraram. E, deste modo, aconteceu exatamente
o que nós queríamos.
Consegui levantar um braço, para limpar o suor do rosto.
— Será que não consegue parar quieto? — gritou Surfat.
— Já é hora de sairmos aqui de dentro, caso contrário acabaremos nos matando
mutuamente esmagados — disse o Tenente Bradon.
As costas largas de Surfat não me deixavam olhar para a frente. Eu não conseguia
levantar-me totalmente. Nesse caso bateria com a cabeça no teto. Olhei para trás, e vi,
bem diante da minha, a cara risonha de Redhorse. O cheiene não parecia sofrer nem com
o fedor nem com o calor.
— Logo vamos ter que dar nosso primeiro espetáculo — disse ele.
Eu mordi o lábio inferior. O major parecia sentir que eu estava nervoso. Apesar de
termos conosco Gucky e dois mutantes, teríamos que fazer tudo para não termos um
conflito direto com os lemurenses. Em primeiro lugar, porque era certo que na Lemúria,
ou Vario, havia um espião dos senhores da galáxia.
Quando já pensávamos que Zabot não mais se interessaria por nós, mais uma vez
fomos contatados pelo rádio.
— Quantos homens encontram-se a bordo da pequena nave?
— Nove — retrucou Atlan. — Toda a tripulação da Eskila pôde pôr-se em
segurança, e escapar ao ataque dos maahks.
Ouvimos Zabot bocejar.
— Por que não param de me contar essa história boba? — sugeriu ele. — Afinal de
contas, de mim não poderão exigir nenhuma indenização.
— Onde é que vai nos deixar? — quis saber Atlan.
— Num campo vizinho ao espaçoporto — informou-nos Zabot. — Ali já estão
sendo esperados. Não sei o que pretendem fazer com vocês, mas, se não houver nada de
anormal contra, lhes concederão asilo na Lemúria.
Os minutos seguintes passaram sem que outras palavras fossem trocadas pelo rádio.
O escaler foi puxado para bordo de uma nave lemurense. Recebemos ordens para
permanecermos a bordo, até que a nave de vigilância tivesse pousado em Lemúria, onde
nos deixaria.
— Dentro do nosso escaler é muito apertado — protestou Atlan, contra essa ordem.
— Exigimos que nos deixem sair, imediatamente.
— Coloquei três homens diante da eclusa de sua pequena nave — disse Zabot. —
Logo que apenas um de vocês puser uma cabeça para fora, mando atirar.
Um berreiro de raiva de nossa parte foi a resposta. Desta vez não tivemos que nos
esforçar para fingir o que estávamos sentindo. Cada minuto que tínhamos que
permanecer dentro daquela nave minúscula era um martírio.
— Espero que a manobra de pouso não leve mais muito tempo — disse André Noir.
— Receio que não vamos mais agüentar isso aqui por muito tempo.
— Dê graças por não ter um bebê grego gigante pisando-lhe os calos — murmurou
Surfat. — Sem levar em conta que tenho que carregar Gucky, ainda tenho o privilégio
de...
— Não desperdice nosso ar precioso, Brazos — recomendou Redhorse.
Surfat resmungou alguma coisa sobre a repressão à sua livre opinião; evitou,
entretanto, de fazê-lo em voz alta.
Zabot parecia ter prazer em nos deixar tomar esse suadouro. Passou-se pelo menos
uma hora, até ouvirmos novamente a sua voz. De meu lugar eu não conseguia ver a tela
de imagem do escaler.
— Nós agora pousamos. Podem abrir a eclusa.
Ouvi Atlan suspirar. A eclusa deslizou para um lado. Fiquei admirado porque
Redhorse não caiu logo para fora. A luz do sol, muito forte, penetrou imediatamente na
nave. Pisquei muito ao olhar para fora. A princípio consegui distinguir apenas os
contornos de um edifício maior, cujas paredes brancas refletiam a luz do sol. Dei-me
conta de que a nave de vigilância já nos pousara, voltando imediatamente para o espaço
outra vez.
— O que ainda está esperando, Flentras? — gritou Rhodan ao Major Redhorse.
Redhorse deu um daqueles gritos dos índios americanos, e saltou da eclusa. Surfat
deu-me um empurrão, que me obrigou a seguir Redhorse imediatamente. De algum modo
consegui aterrissar de pé, apesar de cambaleante, naquela forte luz solar. O escaler estava
rodeado de robôs. Atrás dos robôs estavam alguns lemurenses, que nos olhavam,
intrigados. Um carro do corpo de bombeiros e um transportador estavam prontos para
entrar em ação, caso fosse necessário. Mais ao fundo, consegui ver uma fileira de prédios.
Aquilo deviam ser as torres de controle e os edifícios da administração do espaçoporto.
Olhar para o outro lado do espaçoporto era impossível, pois o nosso escaler o impedia.
Tudo o que eu vi pareceu-me tão terrano que quase levei um choque. Tive que fazer
um esforço para lembrar-me de que estava em Vario e não na Terra.
Praguejando muito, apareceu o que restava da tripulação do escaler, saltando para
fora do mesmo. Erguendo os braços, Atlan gritou para os lemurenses que queria
imediatamente falar com o comandante do espaçoporto.
Os robôs formaram uma espécie de corredor polonês. Um homem alto, vestindo um
uniforme cinza, veio ao nosso encontro. Usava um bigodinho muito fino. Suas narinas
mexiam-se, nervosas. Ele evidentemente não sabia muito bem como deveria comportar-
se diante de nós.
— O meu nome é Vulling — apresentou-se ele. — Sou o chefe do comando técnico
de emergência do espaçoporto. Ouvi dizer que, quando do seu mergulho para dentro de
nosso sistema, houve um incidente.
Todos nós rimos, zombeteiros.
— Incidente? — trovejou Atlan. Ele pôs ambas as mãos nas cadeiras, rolando os
olhos. — Nós fomos assaltados. Estamos arruinados. Nossas mulheres e filhos vão ter
que passar fome, porque os senhores não tiveram competência suficiente para oferecer-
nos a segurança devida — ele passou a mão nos cabelos, despenteando-os ainda mais, e
bateu forte, com ambos os pés, no piso de plástico do espaçoporto. Nós uivávamos e
berrávamos todos ao mesmo tempo, fazendo ameaças, que, se fossem efetivadas, nem
mesmo uma frota gigante de vinte mil homens seria suficiente para enfrentar.
Apesar disso, Vulling mostrou-se impressionado.
Ele recuou e olhou para o chão, para não mostrar o seu nojo pelo fedor que nosso
grupo exalava. Via-se claramente que ele teria gostado de ordenar aos robôs para atirar
em nós. Os acompanhantes lemurenses de Vulling não tomaram qualquer iniciativa para
vir em ajuda do seu chefe. Pareciam aliviados em poder olhar-nos de uma distância
apropriada.
— O seu caso, infelizmente, não é de minha esfera — disse Vulling, com forçada
cordialidade. — Se os senhores tiverem um pouco de paciência, eu estou pronto a...
— O quê? — gritou Atlan. Deu um passo na direção de Vulling e bateu-lhe no
peito. — Um Ob Tolareff não espera! Leve-me imediatamente ao comandante do
espaçoporto.
— Preciso pedir-lhes que não se tornem agressivos — gritou Vulling. E apontou
para os robôs. — Ou será que tenho que usar de força, para chamá-los à ordem? Antes de
falarem com o comandante, talvez seja melhor que se refresquem um pouco...
Atlan voltou-se para nós, e sorriu, irônico.
— Vocês ouviram? — gritou ele, entusiasmado. — Vamos encher a cara.
Vulling disse, chocado:
— O que eu quis dizer é que os senhores poderiam refrescar-se um pouco nos
banheiros de nossa administração. Não mencionei álcool, de modo algum.
Começamos a gritar impropérios na direção de Vulling. Surfat atirou-lhe alguns
dentes de alho, e Atlan fez um sinal de desprezo.
Vulling pareceu reconhecer que, sem o uso de armas, ele dificilmente conseguiria
dominar-nos. Apontou, chateado, para o transportador, parado à espera, e exigiu que
embarcássemos.
Atlan pescou de um bolso um rolo de papel e balançou-o diante da cara de Vulling.
— Aqui estão nossos documentos. Por eles, poderá verificar a fortuna que
mantínhamos a bordo.
Vulling chegou a tapar o nariz, fugindo para o assento do chofer do transportador.
Eu estava de cabeça quente de tanto gritar. Meu nervosismo passara inteiramente. O
papel que eu devia representar começava a me divertir muito.
Subimos no veículo, tomando lugar num dos bancos.
— Vamos levá-los à administração? — quis saber o chofer de Vulling.
Vulling respondeu rapidamente:
— Não, não! Antes de mais nada vamos levá-los às oficinas. Lá, neste momento,
não há muito movimento — ele ligou um rádio portátil, mas não falou suficientemente
alto para que pudéssemos entender o que dizia.
— Provavelmente está falando com seus superiores — disse Rhodan.
Vulling lançou um olhar para trás. Franziu a testa, quando viu que nós havíamos
colocado os pés no banco da frente. Aparentemente, entretanto, ele dera-se conta de que
seria inútil pedir-nos que nos comportássemos como gente civilizada.
Atlan levantou-se e foi até o assento do motorista. Bateu no ombro de Vulling tão
fortemente que o lemurense chegou a gemer.
— O que é que vamos fazer nas oficinas? — quis saber Atlan. — Espero que não
esteja querendo nos enganar quanto aos nossos direitos...
— Por favor, seja sensato — pediu Vulling. — Afinal, há coisas mais importantes
que a sua nave destruída.
Como a um comando secreto, nós nos levantamos do banco e começamos a gritar.
Vulling viu-se obrigado a garantir que nossa nave era a coisa mais importante que ele
conhecia, mas que levaria algum tempo para fazer com que os seus superiores também
aceitassem essa idéia.
Acalmados, desse modo, voltamos a nos sentar. Até agora ninguém ainda tivera a
idéia de controlar nossa bagagem, ou lançar um olhar em nossos documentos. Ninguém
parecia duvidar de que nós éramos realmente uma horda de vagabundos espaciais da pior
espécie.
O transportador parou diante de um pavilhão comprido, com telhado abaulado. De
ambos os lados havia enormes portas de correr, que, entretanto, estavam abertas. O
telhado era de vidro. Alguns homens, vestindo macacões de mecânicos, saíram lá de
dentro, olhando-nos, intrigados. Vulling ordenou-lhes que voltassem novamente ao
trabalho. Perto do pavilhão-oficina havia um pequeno edifício. Foi para lá que Vulling
nos levou. Entramos num recinto fresco, mobiliado com mesas e bancos. Nas paredes
havia autômatos com bebidas e comidas.
Sem dar maior atenção a Vulling, nós nos reunimos em volta dos autômatos.
— Ei! — gritou Atlan ao lemurense. — Nós não temos dinheiro para tirar alguma
coisa dessas máquinas.
— Isso não me interessa — retrucou Vulling, irritado.
— Eu agora irei comunicar suas exigências aos meus superiores. Preciso,
entretanto, pedir-lhes insistentemente para não deixarem esse recinto. Vou postar alguns
robôs do lado de fora, que evitarão a saída de qualquer um dos senhores, empregando
força, se for necessário — e rapidamente ele saiu da sala.
Atlan quebrou a vidraça de um dos autômatos, e abasteceu-nos de bebidas.
— Não creio que um legítimo alariano pensaria duas vezes antes de quebrar a
máquina, para, deste modo, conseguir uns refrescos — disse ele.
Rhodan levantou a mão num gesto de aviso.
— É possível que, por aqui, haja microfones de escuta — disse ele.
Depois de termos esvaziado o autômato, Vulling voltou trazendo consigo um
homem mais baixo, que, ao entrar, esfregou as mãos, satisfeito, aproximando-se de nós
rapidamente. O acompanhante de Vulling era calvo e a sua testa estava coberta de suor.
— Infelizmente fiquei sabendo só tarde demais de sua chegada — disse ele. — Meu
nome é Juvenog. Sou o agente comercial alariano em Lemúria.
Todos nós ficamos olhando aquele homem, de boca aberta. Tínhamos contado com
tudo. Mas nunca em encontrarmos, na Lemúria, um legítimo alariano.
E ali estava ele, diante de nós, sorrindo satisfeito.
— Esses sujeitos destruíram o autômato — ouviu-se a voz irritada de Vulling,
quebrando aquele silêncio repentino.
4

Juvenog vestia uma jaqueta xadrez, de grandes quadrados, sobre cuja gola ele
enlaçara, artisticamente, uma espécie de xale-gravata bastante sujo. Suas calças estavam
manchadas com todo tipo de restos de comida. As solas dos sapatos já descolavam, e a
cor das suas meias contrastava violentamente com o restante de sua vestimenta.
Não havia dúvida — Juvenog era um alariano. Que dançava, muito alegre e
satisfeito, à nossa volta.
— Isso fez-lhes perder a fala, não é mesmo? — gritou ele, entusiasmado. — Mas eu
vou cuidar bem de vocês.
Falou e logo saiu correndo para fora novamente. Com muito custo eu abafei um
suspiro de alívio.
— Ele vai correr de uma autoridade para outra, para atender aos seus desejos —
observou Vulling. — Mas não creio que ele tenha algum sucesso.
Portanto havia a perspectiva de que nós não veríamos Juvenog novamente tão cedo.
E eu não me importava muito especialmente com isso. Fiquei observando Vulling que se
aproximara do autômato do qual retirava, com muito cuidado, cacos de vidro, da vidraça
partida.
— Simplesmente partida — disse ele, amargamente. — Provavelmente acham que
podem permitir-se qualquer coisa, é isso?
— Onde está o seu chefe? — quis saber Rhodan.
Vulling passou os dedos no seu bigodinho. Era evidente que ele recebera ordens
para continuar se ocupando com a gente. E isso não lhe era absolutamente agradável.
— Devo conduzi-los ao Edifício Dois, da Administração — disse ele, meio
chateado. — Ali querem examinar os seus documentos.
— Ora, até que enfim! — berrou Atlan, dirigindo-se rapidamente para a porta.
Lá fora, estava um transportador, e nós embarcamos. Desta vez não havia motorista,
de modo que Vulling teve que assumir pessoalmente o volante. Os edifícios, nesta parte
do espaçoporto, haviam sido ordenados em forma de ferradura, de modo que não era
possível ver, daqui, o campo de pouso propriamente dito. Duas naves espaciais,
pequenas, estavam paradas bem perto das oficinas. Na sua parte externa viam-se reflexos
de arcos voltaicos, sinal de que os mecânicos estavam ocupados em trabalhos de reparos.
De nosso escaler, nada mais se via. Certamente eles o deviam ter colocado num dos
pavilhões, para examiná-lo mais detidamente. Isso pouco me importava. Afinal, a
pequena nave era um legítimo produto alariano.
Rhodan e Atlan conversavam em voz muito baixa. Provavelmente discutiam a
melhor maneira de nos comportarmos durante o exame dos documentos.
A maior parte de nossos papéis eram legítimos. As falsificações haviam sido
executadas com tanta precisão que não havia perigo de que algum oficial lemurense
pudesse ver a diferença. Ainda assim, o pensamento no exame, que tínhamos diante de
nós, me deixava um tanto inseguro. Nós havíamos feito exigências aos lemurenses. Isso
os levaria a examinar tudo, muito detidamente, pelo menos para dar uma aparência de sua
boa vontade e solicitude.
Vulling parou diante de um edifício bem alto. A subida até o portal tinha um renque
de árvores, semelhantes a palmeiras, de ambos os lados. Atrás destas, vimos jardins
floridos, com chafarizes, iluminados artisticamente, com belos efeitos luminosos. O
perfume das muitas flores chegava até nós.
Vulling olhou para o portal, com uma cara bem infeliz. Junto da porta de vidro
havia duas sentinelas armadas.
— O que ainda está esperando? — resmungou Atlan, que notou a hesitação de
Vulling.
Vulling fez-nos um sinal, e nós o seguimos até o portal. Eu podia imaginar que
estávamos sendo seguidos por muitos olhos. As duas sentinelas fizeram continência,
quando nós passamos. Surfat fez uma de suas mãos deslizar, por brincadeira, pelas
insígnias de um dos homens. O guarda controlou-se magistralmente, mas quando olhei
para trás, vi que o rapaz tinha os olhos cheios de água. O fedor de Surfat certamente
havia sido um pouco insuportável demais para ele.
Chegamos a uma ante-sala recoberta de tapetes, e que estava agradavelmente fresca.
No meio do recinto havia um pedestal, sobre o qual haviam montado uma escultura
luminosa. Letreiros luminosos mostravam aos lemurenses, que aqui tinham assuntos a
tratar, o caminho certo para as diferentes salas. Eu li alguns dos nomes, e verifiquei que
os lemurenses tinham um grande número de Missões Coloniais.
Do outro lado do recinto, ficava a recepção. Por baixo de uma tabuleta, na qual lia-
se a palavra INFORMAÇÕES, um homem baixo estava recostado num balcão forrado de
madeira. Ele olhou para nós, como se não quisesse acreditar no que via. Notei que ele
tentava fazer sinais para Vulling, em segredo, porém o chefe do Comando Técnico de
Emergência estava nervoso demais para prestar-lhe atenção.
— Vamos ter que esperar um pouco — disse Vulling para nós. — Logo nos
chamarão.
Atlan apontou para algumas poltronas e bancos, que se encontravam junto das
entradas aos diversos elevadores.
— Vamos nos sentar! — sugeriu ele.
— Por favor, não! — pediu Vulling. — Os senhores vão arruinar o estofamento das
poltronas com suas roupas.
— O que é que são algumas poltronas, comparadas com nossa nave insubstituível?
— gritou Redhorse para Vulling.
Brazos Surfat foi quem chegou primeiro nas poltronas. Quando se tratava de
aproveitar qualquer comodidade, Surfat sempre era o primeiro a aproveitar-se dela. Sem
soltar o saco com Gucky, digno de pena, o sargento deixou-se cair, gemendo, numa
poltrona. Com os pés, ele puxou uma segunda poltrona mais para perto, para esticar suas
pernas. Logo depois tínhamos ocupado todas as poltronas existentes. Conversamos em
voz muito alta, assobiando atrás de uma garota que saíra de um dos elevadores, e
rapidamente fugiu porta a fora, logo que nos viu.
Vulling foi até a recepção e ficou conversando com o homem das “Informações”.
Por seus gestos era evidente que ele estava bem próximo de um colapso nervoso.
Passou-se meia hora, sem que alguém se importasse conosco. Atlan fez-me um
sinal.
— Queremos tomar alguma coisa — disse ele.
Eu anuí. Lentamente fui até onde se encontrava Vulling, recostado, exausto, no
balcão da recepção.
Bati com o punho fechado com tanta força no balcão que algumas canetas chegaram
a voar para o chão.
— Estamos com sede! — gritei para Vulling. — Vai nos deixar aqui, torrando?
Vulling refugiou-se atrás do balcão, curvando-se por cima de um videofone. Por
suas palavras deduzi que ele mandou ligar para a cantina.
— Diga-lhes que estamos com pressa — disse eu, ameaçadoramente, para Vulling.
— Caso contrário, vamos lá fora, tomar água no chafariz.
Vulling deu um gemido. Eu voltei para o meu lugar. Antes de nos trazerem alguma
coisa para beber, um alto-falante chamou o nome de Vulling, pedindo que ele subisse
com os “hóspedes alarianos”. Nós rimos, zombeteiros, batendo, entusiasmados, nas
costas de Vulling.
Ao entrarmos no elevador, Vulling enfiou-se num canto. Ele fechara os olhos, e mal
respirava. Parecia que, a qualquer instante, ele poderia desmaiar. O elevador parou, e pela
porta aberta podia ver-se um corredor muito largo. Também aqui, aparelhos de ar-
condicionado mantinham uma temperatura agradável. Luz indireta iluminava o corredor.
Murais enormes mostravam motivos das conquistas espaciais lemurenses. O edifício
diferenciava-se muito pouco de semelhantes na Terra. Não pude deixar de sentir uma
ponta de saudade. Tive que fazer um esforço para continuar representando o meu papel
de vagabundo espacial. De passagem cheguei até a pensar na possibilidade de recomeçar
uma nova vida, aqui em Vario. Mas isto significaria ter que deixar a Frota Solar e todos
os meus amigos.
Vulling bateu numa porta e ficou parado, esperando. A porta deslizou para um lado.
Vulling apontou para minha arma e sibilou:
— Tire essa coisa, antes de entrar na sala.
— Está ficando louco? — gritei-lhe eu, entrando na sala, e pisando forte num tapete
de, pelo menos, um centímetro de altura.
As duas paredes laterais do recinto eram formadas pelas superfícies de gigantescos
aquários. Peixes multicoloridos nadavam nos mesmos. Os efeitos de luz davam a
impressão de que os bichinhos se encontravam bem no meio da sala. O teto era uma
espécie de planetário. Eu pensei estar olhando nas profundezas insondáveis do cosmo, ao
levantar os olhos.
A parede dos fundos era inteiramente tomada por um gigantesco mapa, também
iluminado. Todos os continentes da Lemúria constavam do mapa. Diante do mesmo havia
uma mesa simples. Numa cadeira giratória, estava sentado um homem esguio, parecendo
enérgico, que girava uma caneta entre os dedos, e nos olhava interrogativamente.
Imediatamente senti que estava diante de um homem perigoso. Ele não tinha nem o
nervosismo de Vulling, nem a cordialidade ruidosa de Juvenog.
O homem tinha cabelos ralos, louros, penteados para trás com uma risca lateral.
Seus dedos eram excepcionalmente longos. O rosto do homem era dominado por um par
de olhos cinza-esverdeados. Na pupila destes olhos parecia haver um fogo pronto para
irromper. O lemurense devia ser um homem passional, mas continuava sentado ali como
se nada pudesse tirá-lo de sua calma.
Vulling, atrás de nós, disse:
— O sujeito alto não quis deixar a sua arma lá fora, Ostrum.
O olhar de Ostrum voltou-se para mim, aparentemente só de passagem, mas eu senti
que ele gravava todos os detalhes.
— Certamente gosta muito desse seu canhão, não? — perguntou Ostrum.
Eu pigarreei. A sua voz me surpreendera. Soava cordial, mas essa cordialidade era
apenas superficial. Um quê de cortante, pragmático, oscilava na mesma, uma certa
intransigência, que me fez ficar com um pé atrás.
— É uma baionga — retruquei. — Por que deveria deixá-la lá fora?
Ostrum disse:
— É difícil negociar sob a mira de arma — e os senhores estão querendo negociar
comigo, ou não?
Atlan tirou-me dessa situação difícil e perigosa.
— Depende de quem o senhor é, Ostrum — disse ele. — Não imagine que nós
vamos deixar que nos despachem através de um pequeno burocrata.
— Quer que chame a guarda? — perguntou Vulling, horrorizado.
— Para quê? — quis saber Ostrum. — Afinal de contas esses astronautas não
podem saber que eu sou o lugar-tenente do comando dos serviços de segurança
lemurenses. E sou, ao mesmo tempo, conselheiro para assuntos da frota espacial
lemurense.
— De nada nos servem esses títulos todos — disse Rhodan, furioso. — Nós
precisamos de dinheiro, para comprar uma nova nave espacial.
— O Comandante Zabot informou-me do incidente no qual os senhores perderam a
sua nave — disse Ostrum. — Por isso não vamos perder tempo com brincadeirinhas de
criança. Ninguém lhes acredita que perderam a sua nave, por ter sido a mesma destruída
pelos maahks. Os maahks dão graças por não terem que se meter conosco — Ostrum
girou o seu cadeirão e levantou-se. Eu fiquei admirado em ver que ele era tão baixo.
Enquanto estivera sentado, ele me parecera bastante grande. — A sua nave espacial
morreu de velha — disse ele, zombeteiro.
— Os senhores não querem nos pagar! — gritou Atlan, furioso. — Acham que
podem amedrontar-nos. Mas não vamos aceitar uma recusa.
— Não estou lhes recusando nada, mas quero negociar — declarou Ostrum. —
Mostrem-me seus documentos.
Atlan tirou um maço de papéis sujos do bolso, e jogou-os sobre a mesa de Ostrum.
Ostrum empurrou os documentos para um lado, sem dar-lhes atenção.
— Vou mandar examinar todos eles — prometeu ele.
— Quanto tempo vai levar isso? — perguntou Redhorse. Ostrum ergueu os ombros.
— Isso não tem a menor importância. Imagino que estão precisando de uma nova
nave espacial. Os senhores têm dinheiro, ou conseguiram salvar alguns objetos de valor,
com que poderiam pagar uma nave menor?
Olivier Doutreval deu um passo para a frente e abriu uma pequena caixa, que trazia
consigo. Virou-a, despejando três blocos de quartzos oscilantes sobre a mesa, diante de
Ostrum. Os blocos cintilavam como cristais. Ostrum passou a língua nos lábios.
— Quartzos oscilantes! — disse ele, tentando controlar o seu entusiasmo. — Com
estes os senhores poderão adquirir três espaçonaves do tamanho da Eskila.
A inquietação que de repente tomou conta dele tinha algo de animalesco. Ele fixou
os valiosos quartzos como uma ave de rapina olha a sua presa. Ostrum era um homem
influente em Vario, disso não podia haver mais dúvida. E eu podia imaginar como ele
tinha chegado a essa sua posição influente. Sua ânsia por riquezas o havia instigado a
progredir.
— Coloque esse negócio outra vez na caixa, Rousander-Bel — disse Atlan para
Doutreval.
Doutreval adiantou-se um passo, mas bateu contra um obstáculo invisível. Perplexo,
ele tateou com as mãos por aquela parede transparente. Ostrum erguera uma barreira
energética entre ele e nós. Os quartzos ficavam além da barreira — do lado de Ostrum,
— Seu ladrão sujo! — gritou Atlan.
Olivier Doutreval, que agora se chamava Rousander-Bel, tamborilou com ambos os
punhos fechados contra o campo energético.
— Eu não estou querendo roubá-los — disse Ostrum.
— Os quartzos oscilantes, assim como os seus documentos, serão apenas
examinados. Caso eles demonstrem ser verdadeiros, os senhores receberão de mim um
preço adequado. Naturalmente vamos ter que deduzir as despesas que estamos tendo com
a sua hospedagem — ele estendeu o braço. — Para fora com eles, Vulling!
Nós nos recusamos a deixar o recinto, mas quando cinco lemurenses, de cara feia e
armados, apareceram na porta, não tivemos outra alternativa que a de seguir Vulling.
Ostrum com toda certeza era um dos homens mais poderosos deste planeta, mas não
era nenhum dos senhores da galáxia. O aparelhinho que Rhodan trazia consigo não tinha
dado qualquer sinal.
— Vão levá-los, num transporte, até a cidade — disse Vulling, enquanto
deixávamos o edifício. — Juvenog telefonou, avisando que encontrou alojamento para os
senhores. Ali poderão morar até que tudo esteja regularizado.
— O senhor certamente está contente por livrar-se de nós? — disse André Noir.
Vulling sorriu, chateado. Eu não imaginava que ele ainda conseguiria sorrir, depois
de tudo.
— Olhe, eu já estava até me acostumando com os senhores — declarou ele.
***
O carro, com o qual nos levaram à cidade, era um veículo pré-histórico,
provavelmente o mais antigo que Vulling conseguira encontrar. Eu achei que aquilo
certamente era uma vingança pessoal dele, já que nós o havíamos tratado tão mal.
Ficamos acocorados, nos fundos, no chão do veículo. Não havia janelas. Por isto nós
tínhamos aberto um dos lados da portinhola dos fundos, amarrando-a com uma corda, de
modo que pudéssemos olhar para a rua. Constantemente nos ultrapassavam. Nosso carro
balançava, fazendo roncar o motor, cada vez que tinha que subir uma pequena ladeira.
Surfat abrira um pouco o saco, de modo que Gucky pudesse pôr a cabeça para fora, para
respirar um pouco de ar fresco. O rato-castor estava de mau humor. Nós conversávamos
em voz baixa, apesar do motorista, com o barulho que o carro fazia, não poder ouvir
nada, de modo algum. De vez em quando o ouvíamos praguejar. Ele amaldiçoava o seu
veículo, sua profissão, seus passageiros e todos os seus antepassados.
Quando nos aproximamos da cidade, vimos os primeiros edifícios de ambos os
lados da rua. A luz do sol do fim da tarde espalhava-se nas suas paredes de vidro. Bem lá
no alto, em cima de antenas, viam-se grandes pássaros amarelos, esperando o anoitecer.
O pedacinho de céu que conseguíamos ver através da porta aberta brilhava num vermelho
chamejante.
Passamos por uma estátua, cujo ponto central era uma nave espacial. Era a primeira
nave lemurense que pousara em Vario, vinda da Terra. Eu cheguei a sentir um calafrio,
pensando nas distâncias que os lemurenses tinham vencido. Muito antes de nosso tempo,
eles já haviam ousado o salto através do grande vazio.
De repente surgiu, atrás de nós, um planador, dirigido por uma moça. A moça abrira
a carlinga e fazia-nos sinais. Rapidamente Surfat empurrou Gucky novamente para dentro
do saco.
— O que será que ela quer de nós? — perguntou Kakuta.
— É curiosidade — disse Redhorse. — Provavelmente ela ouviu falar de nossa
chegada.
Com uma manobra ousada a moça dirigiu o seu planador até bem atrás de nosso
carro, ligando então a sua antigravidade.
— Olá, rapazes! — gritou ela. — Para onde estão levando vocês?
Ela erguera o seu cabelo bonito, para o alto da cabeça, o que lhe dava um aspecto
muito atraente. Era extraordinariamente bonita, e irradiava uma grande alegria de viver.
— Quem é a senhorita? — quis saber Atlan, ríspido.
— Trabalho para a maior agência noticiosa da cidade — declarou ela. — Talvez
vocês possam dar-me uma entrevista?
Ela trepou para fora da carlinga, jogou-nos uma corda magnetizada, e veio
deslizando até nós, no interior do carro. Tirou a corda das mãos de Doutreval, perplexo, e
prendeu-a bem, no metal do chão.
— Arre! — fez ela, torcendo o seu narizinho. — Quando foi que vocês tomaram
banho pela última vez?
— Isso também faz parte da entrevista? — quis saber Rhodan, nada cordial.
— Não, na realidade não — confessou ela. — Eu gostaria de saber, sobretudo, o
que aconteceu com a nave de vocês?
Antes de podermos responder, o carro freou, repentinamente. Eu perdi o equilíbrio e
caí contra Surfat. O motorista abriu uma janelinha e enfiou a cabeça pela mesma, para
ver-nos melhor.
— Desapareça! — gritou ele para a moça.
— Ela é uma repórter! — disse Atlan. — Nós queremos responder-lhe algumas
perguntas.
— Repórter? — o motorista riu, ironicamente. — Ela é do Quaiong Hotel, e vai
tentar espremer tudo de vocês, antes de chegarmos lá.
— Seu velho estraga-prazer — disse a moça, sem mostrar-se com raiva. Ela retirou
a corda magnética e voltou para o seu planador. Depois fez-nos um sinal, e segundos
mais tarde tinha sumido.
Atlan bateu contra a parede da frente. O motorista abriu a janelinha e perguntou o
que estava acontecendo.
— Que hotel é esse, que o senhor acabou de mencionar? — quis saber Atlan.
— Nós o chamamos de Hotel Cosmos — retrucou o lemurense. — É lá que
alojamos tudo que aparece por aqui, vindo do espaço sideral.
— Também membros de povos estelares estranhos? — perguntou Redhorse.
O motorista anuiu.
— Naturalmente — resmungou ele, e fechou novamente a janelinha.
— Aposto que entre eles existem telepatas — disse André Noir. — E com toda
certeza, também alguns espertalhões que se ocuparão da gente.
O carro saiu da rua principal, dirigindo-se, fazendo um barulhão danado e soltando
muito escapamento, para um enorme edifício, no alto do qual tremulavam incontáveis
bandeiras. Eu estava de pé, junto da porta do carro, debruçando-me para fora, de modo
que pudesse olhar para a frente.
— Acho que chegamos ao nosso destino — disse eu para os meus camaradas.
Logo em seguida o veículo parou. Vindo da entrada do hotel, um homem veio
correndo ao nosso encontro. O mesmo me parecia conhecido. E logo depois o reconheci.
— Olá! — gritou Juvenog. — Estou contente em ver vocês aqui. Agora finalmente
vamos poder sentar-nos confortavelmente e conversar um pouco.
***
Juvenog conduziu-nos, com ruidosa alegria, através da entrada principal do hotel. O
porteiro era uma criatura gigante, estranha, com pele escamosa e mãos que pareciam
garras. Diante do seu balcão estavam instaladas duas armas energéticas de grande
potência.
— Para que estas armas? — voltou-se Atlan, desconfiado, para Juvenog.
O alariano sorriu, candidamente.
— De vez em quando surgem dificuldades — disse ele, encolhendo os ombros. —
Aqui vivem seres de mais de cinqüenta planetas. Isso nem sempre se passa sem atritos.
Jorgo dá um jeito de manter a ordem, quando as brigas, de diversas formas de vida,
desandam.
— Esse hotel mais me parece uma prisão — disse Kakuta.
Juvenog riu estrepitosamente. A ante-sala era escura. Sete diferentes elevadores
levavam para o alto. Num corredor lateral, junto dos elevadores, havia um bar. Uma
figura alta, de aspecto estranho, desfigurada, estava encostada no balcão. Não se virou,
apesar de estarmos fazendo um barulho que certamente qualquer um escutaria.
— Aquele é Rutoz — explicou Juvenog. — Está constantemente embriagado. Ele
vai acabar morrendo, ali mesmo, no bar.
— Por que ele está aqui? — perguntei. Juvenog estalou os dedos.
— O planeta dele foi colonizado. O seu povo não era muito progressista. E não
sobreviveu às mudanças introduzidas pelos lemurenses. Rutoz é o último do seu povo.
Juvenog conduziu-nos para dentro de um elevador, antes de continuar:
— A maioria dos hóspedes deste hotel é de sobreviventes de algum povo estelar.
Mas também há turistas curiosos ou diplomatas, que moram aqui. Em diversos quartos
até são criadas, artificialmente, condições de atmosferas e pressões de mundos estranhos,
para que os hóspedes possam sentir-se mais confortáveis.
— Quem é que paga nossa estada? — quis saber Atlan.
— Vocês possuem alguma coisa? — perguntou Juvenog, interessado.
— Não — disse Atlan, áspero. — Tudo que tínhamos, agora está nas mãos de
Ostrum.
— Ele é um vigarista — disse Juvenog.
O elevador subiu. Poucos minutos depois, entramos num quarto confortavelmente
mobiliado. Música ambiente era fornecida por um alto-falante invisível.
— Sintam-se em casa — disse Juvenog, atirando-se num sofá.
— Nós podemos nos movimentar livremente? — quis saber Rhodan. — Ou só
vamos poder deixar esta casa à força?
Juvenog tirou o seu xale-gravata, jogando-o negligentemente ao chão.
— Eu sou hóspede deste hotel. E vocês podem movimentar-se tão livremente como
eu. Mas não se preocupem, os lemurenses não vão esquecê-los. Serão constantemente
vigiados, sempre que deixarem o hotel.
— Eu gostaria de estar novamente em casa — disse Redhorse.
Juvenog riu, irônico.
— E onde seria isso? — perguntou ele, com a voz mudada.
— Como assim? — resmungou Redhorse. — Nós somos do mesmo planeta que o
senhor!
— Eu não sou nenhum idiota — disse Juvenog. — Desde o primeiro instante eu
sabia que vocês não são alarianos. Tudo agora vai depender de quanto vão querer pagar,
para que eu não leve o segredinho de vocês para Ostrum.
***
Eu tirei a baionga do meu cinturão e apontei o cano, com um diâmetro de cinco
centímetros da arma pesada, para o rosto de Juvenog. O seu sorriso desvaneceu-se. Esta
era a primeira vez que eu apontava a arma alariana para alguém. E tive que segurá-la com
ambas as mãos.
— Vamos com calma — disse Juvenog, roucamente.
— Eu tomei minhas providências. Se vocês me matarem, Ostrum fica sabendo, uma
hora mais tarde, quem vocês são.
Atlan sentou-se do seu lado, no sofá.
— O senhor estava interessado numa conversinha amigável, Juvenog — lembrou-
lhe ele. — E é isto que nós vamos fazer.
Ele fez um sinal para André Noir. O hipno concentrou-se. Poucos minutos depois
Juvenog caiu para trás, inerte.
— Isso é o bastante, Beratog — disse Atlan para Noir.
— Pode guardar a sua arma, Assaraf — disse ele para mim.
Surfat abriu o saco de provisões, e Gucky esgueirou-se para fora.
— Você tem que ler os pensamentos desse homem, baixinho — disse Perry
Rhodan. — Procure descobrir como ele iria mandar avisar Ostrum.
Durante algum tempo o quarto ficou em silêncio. Juvenog estava estirado no sofá,
como paralisado, porém via-se nitidamente que ele ainda respirava. Gotículas de suor
cobriam a sua cabeça calva. A veia carótida, no seu pescoço, pulsava fortemente.
— Ele tem um mensageiro-robô — disse Gucky. — Caso Juvenog não estiver de
volta dentro de duas horas o robô toma o caminho do espaçoporto.
— Onde é que está enfiado esse robô? — quis saber Rhodan.
Novamente o rato-castor concentrou-se.
— Aqui no edifício — disse ele. — No último andar. Ali Juvenog tem dois quartos
— ele bateu as duas patas.
— Eu vou teleportar para os quartos de Juvenog e destruir o robô — sugeriu ele.
— Isso é muito arriscado — disse Rhodan, não concordando. — Tako Kakuta vai
encarregar-se dessa tarefa. Explique-lhe onde ficam estes quartos, para que ele não acabe
pousando num recinto errado.
— E por que eu não posso fazer isso? — quis saber Gucky, furioso. — Durante o
tempo todo eu tenho que ficar metido nesse saco fedorento.
— Se alguém vir você, acabou-se tudo — disse Rhodan. — Caso alguém veja Tako,
nós sempre podemos pensar numa desculpa.
Gucky acabou concordando, chateado, com seu triste destino. Entretanto, recusou-
se terminantemente a voltar para dentro do saco. Por insistência de Rhodan ele acabou
metendo-se num banheiro que ficava ao lado. Kakuta desmaterializou.
— Tire a lembrança deste incidente de Juvenog — disse Rhodan para Noir. —
Quando ele voltar a si, ele deve ter esquecido tudo. Faça com que ele acredite que nós
somos legítimos alarianos.
Noir precisou de menos de dois minutos, para preparar o alariano. Antes de Juvenog
despertar, Kakuta voltou. Foi até o banheiro para lavar as mãos. Além do correr da água,
ouvimos as suas palavras.
— Foi tudo muito simples — disse o pequeno mutante com cara de criança. — Eu
simplesmente reprogramei o robô. Caso Juvenog, nas duas próximas horas, não regressar,
o robô marchará para o bar, lá embaixo, indo buscar alguma coisa para beber. De Ostrum,
ele não sabe mais nada.
Kakuta enxugou as mãos no vento que saía do aparelho de condicionamento do ar, e
voltou novamente para o quarto onde nós nos encontrávamos.
— Ele está acordando! — disse Doutreval, apontando para o sofá.
Juvenog piscou os olhos, espantado, erguendo-se no sofá. Passou a mão na testa,
como se quisesse afugentar uma lembrança desagradável.
— O que aconteceu? — perguntou ele.
— O senhor pegou no sono — declarei eu. — Devia estar completamente exausto
— Juvenog sacudiu a cabeça, perplexo. Levantou-se e foi até o intercomunicador. Logo
encomendou alguma coisa para beber, do bar. Poucos minutos depois fomos servidos
pela mesma moça que se apresentara a nós como repórter, no caminho do espaçoporto
para cá.
— Então — assim nos vemos outra vez — disse-lhe Rhodan. — Ainda está
interessada numa entrevista?
— Eu fiz isto por ordem do meu chefe — retrucou ela, áspera.
— E quem é ele?
— Nevis-Latan — retrucou ela.
— Ele é, a um só tempo, conselheiro e chefe de todos os serviços de transporte em
Lemúria. Por isso o senhor só o encontrará muito raramente no hotel — interveio
Juvenog.
— A moça recebeu dele a ordem de examinar cuidadosamente todos os hóspedes do
hotel, antes que estes ponham os pés aqui dentro.
— E onde está Nevis-Latan agora? — quis saber Atlan.
— Ele está sempre viajando. Isso faz parte do seu trabalho — disse a moça.
Juvenog sacudiu a cabeça, pensativo.
— Eu não entendo por que ele ainda se dá ao trabalho de administrar este hotel —
disse ele.
— Ele se interessa por povos estelares estranhos — disse a moça. — Este interesse
o distrai um pouco do seu trabalho.
— A senhorita parece conhecê-lo muito bem — disse Rhodan.
Ela colocou, em silêncio, garrafas e copos sobre a mesa, e retirou-se.
— Um hotel muito estranho — disse Atlan, refletindo.
— E, evidentemente, também um proprietário ainda mais estranho.
— Esqueça isso! — sugeriu Juvenog, abrindo uma garrafa. Ele encheu os copos e
colocou o seu próprio contra a luz. — Há sempre um motivo para festejar — disse ele,
batendo com a mão espalmada, satisfeito, na coxa.
— Nisso o senhor tem toda razão — disse Noir, sorrindo. Não pude deixar de notar
o traço de zombaria na sua voz.
***
Quando Juvenog ficou embriagado, ele subiu na mesa, cantou canções alarianas e
começou a dançar. Lá fora, entrementes, escurecera. Pela janela aberta, eu podia ver uma
parte da cidade iluminada. As lâmpadas vermelhas, tipo pisca-pisca, indicadoras das
pistas de vôo, formavam uma padronagem caótica contra a escuridão do céu noturno. Por
toda a parte cintilavam colunas luminosas de anúncios.
Juvenog tropeçou e teria caído de cima da mesa, se eu não o tivesse segurado.
Ainda antes que eu o deitasse no sofá, ele já estava dormindo. Gucky abriu a porta do
banheiro, com raiva.
— Quem sabe eu agora posso tirar uma soneca — disse ele, cheio de esperança. —
Vocês têm mesmo que cair na orgia, em vez de se incomodarem com coisas mais
importantes?
— O que é que você acha de darmos um pequeno passeio noturno? — quis saber
Atlan, de Perry Rhodan.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Despertaria suspeitas, se todos nós saíssemos, juntos, do hotel. Você poderá ir
dar uma olhada na cidade, Assaraf e Modrug poderão acompanhá-lo.
Modrug era o nome alariano de Tako Kakuta. Ele pôs o copo sobre a mesa e
levantou-se.
Rhodan olhou para mim, de modo penetrante.
— O senhor não está embriagado, está?
— Não, sir! — consegui dizer.
— Meu nome é Schintas! — repreendeu-me Rhodan. — Esses erros não devem
acontecer!
Eu pedi desculpas. Junto com Atlan e Kakuta eu deixei o recinto, mas só depois de
ter colocado novamente a baionga no meu cinturão. Descemos no elevador, sem
encontrar ninguém. Lá embaixo, diante do bar, estavam três astronautas, muito ruidosos.
O curioso ser, que se chamava Rutoz, continuava encostado no balcão. Parecia bêbado
demais para prestar atenção em nós.
Sem sermos molestados, deixamos o Quaiong Hotel. Jorgo fez-nos um sinal, como
quem está com sono, quando saímos para a rua. Um vento fresco bateu-me no rosto. O
ruído contínuo do tráfego noturno fez-me esquecer que eu estava numa cidade estranha.
Indecisos, olhamos em volta.
— Duvido muito que, nestas roupas, irão nos deixar entrar em locais freqüentados
pelas pessoas importantes desta cidade — disse Tako Kakuta. — Mas é justamente ali
que temos que procurar, se quisermos falar com pessoas importantes.
— Nós somos alarianos — disse Atlan, decidido. — Quero ver quem vai se atrever
a nos proibir de entrar onde quer que seja.
— Para que direção deveríamos ir? — perguntou Kakuta. — O centro da cidade fica
para lá. Quem sabe tomamos um táxi?
— Infelizmente não temos dinheiro — disse eu. Olhei para trás, para a entrada do
hotel, onde vi, parada, a moça que se apresentara a nós como sendo repórter, mas que
trabalhava no hotel. Quando notou que eu olhava para ela, imediatamente sumiu para
dentro do hotel.
— Estamos sendo observados, Ob Tolareff — disse eu, para Atlan.
— Já vi — retrucou o arcônida. — É melhor irmos logo andando, para dar uma
olhada por aí.
Poucos minutos mais tarde chegamos à rua principal. Pensei que iríamos despertar
muita atenção, porém, para meu espanto, havia apenas poucos lemurenses que se viravam
para olhar-nos, ao passar. Subimos para uma das esteiras rolantes, que se movimentava
em direção ao centro da cidade. Com muita freqüência encontrávamos astronautas, que
iam em direção da zona de diversões da cidade.
Achei que não valeria a pena seguirmos estes homens. Estávamos à procura de
personalidades responsáveis. E estas dificilmente iriam procurar estes estabelecimentos
duvidosos.
A esteira rolante sumia dentro de um túnel, mas nós saltamos antes, e atravessamos
a rua. Do outro lado havia alguns edifícios altos. Entre as imensas vitrines passavam,
ininterruptamente, plataformas antigravitacionais, que levavam os curiosos para todos os
lugares.
— Não poderíamos tentar comprar alguma coisa? — achou Kakuta.
— Sem dinheiro? — disse eu, zombeteiro.
— Talvez eles nos dêem crédito — disse o teleportador. Deixamos as grandes lojas
de departamentos para trás.
Numa rua lateral, descobrimos alguns restaurantes que pareciam de luxo.
Planadores luxuosos estavam estacionados diante dos mesmos. Do alto, das coberturas,
descia música até nós. Ficamos parados, à sombra da entrada de um dos edifícios, para
observar quem entrava e saía desses restaurantes.
Todos os freqüentadores que observamos estavam vestidos elegantemente. Também
o comportamento deles dava mostras de que se tratavam de gente da alta sociedade
lemurense.
— Estes restaurantes não são para o bico de gente sem importância ou vagabundos
espaciais — suspirou Kakuta. — Vamos ter que pensar noutra coisa para entrarmos em
contato com as camadas altas da sociedade lemurense.
— Nada de complexos de inferioridade — disse Atlan. Ele saiu da sombra do
edifício e dirigiu-se diretamente a um dos restaurantes.
— Nós não temos dinheiro — disse Kakuta. — Se nos deixam entrar, logo vão nos
pôr na rua novamente.
Sem dar ouvidos ao mutante, Atlan apressou os passos. Na entrada, muito
iluminada, do restaurante, havia dois porteiros uniformizados que nos olharam friamente.
— Por aqui não há trabalho para vocês — disse um dos homens, quando paramos.
— Trabalho? — berrou Atlan, furioso. — Quem foi que lhe disse que queremos
trabalhar? O que nós queremos é nos divertir um pouco, aí dentro.
Um dos lemurenses gemeu audivelmente, enquanto o outro sorria ironicamente.
— Três piadistas — disse ele ao seu colega. Depois sua expressão assumiu a do seu
posto, e ele disse, enfaticamente: — Vamos, sumam daqui!
Eu desapertei a baionga do cinturão, e apertei-lhe o cano na barriga. O seu queixo
caiu. Ele começou a tremer. O segundo lemurense nem ousou se mexer. Evidentemente
ele achava que eu mataria o seu amigo, se ele cometesse um erro.
— Nós agora vamos entrar — disse Atlan, cordialmente. — E nem tentem vir atrás
de nós, para nos buscar novamente.
Ele abriu a porta, com violência. Música e um rumor de vozes indistintas chegou
aos meus ouvidos. Eu enfiei a baionga novamente no meu cinturão, e segui Atlan e
Kakuta, que já haviam entrado. De golpe, fez-se um silêncio geral. Os lemurenses nos
olhavam, espantados, das mesas onde estavam sentados. A orquestra parara de tocar,
Atlan fez um sinal para os músicos.
— Vamos, continuem! — gritou ele, sorrindo. Escolhemos, para nós, uma mesa
bem no meio do salão.
De uma das mesas, bem perto da nossa, levantaram-se duas senhoras, indignadas, e
deixaram o restaurante.
Um lemurense muito alto aproximou-se de nossa mesa. Pela expressão do seu rosto,
não era possível entender o que ele sentia ao nos ver ali, mas provavelmente ele não
estava muito feliz com a nossa presença.
— Bertchap! — gritou Atlan, para o homem. Bertchap era uma bebida alcoólica,
muito forte, que Juvenog nos fizera tomar.
O lemurense juntou as mãos, estalando os dedos. Ele tossiu e olhou, cheio de si, à
sua volta. Era evidente que queria chamar a atenção dos outros presentes para a sua
pessoa. Provavelmente queria demonstrar-lhes de que modo se punha na rua três
vagabundos espaciais.
— Eu não vim aqui para servi-los — disse ela. — Devo pedir-lhes, insistentemente,
para que deixem imediatamente o restaurante. De outro modo serei obrigado a notificar a
polícia.
Kakuta deu uma risada irônica, colocando ambas as pernas em cima da mesa. Para
fazê-lo, recostou sua cadeira bem para trás, balançando-se calmamente. Eu levantei-me e
peguei o lemurense pela gola.
— Três canecas de Bertchap! — disse eu, baixinho. — Caso contrário,
despedaçamos este lindo restaurante a tiros.
Ele chegou a empalidecer, sob a maquilagem que usava. Girou a cabeça para um
lado para não ter que cheirar o meu mau hálito. Dei-lhe um empurrão que o fez
cambalear.
E foi aterrissar na única cadeira livre da nossa mesa.
— Evidentemente ele está querendo tomar um trago com a gente — disse Atlan.
De uma das mesas vizinhas aproximou-se de nós um lemurense de ombros muito
largos, que lançou um olhar de desprezo ao maitre do restaurante. Eu vi imediatamente
que tínhamos um homem importante diante de nós. A maneira como ele se portava
denotava isso claramente. Ele usava a sua roupa cara com negligente arrogância.
— Estão tendo dificuldades? — perguntou-nos ele.
— Não querem nos servir uma bebida — queixei-me eu.
Por um rápido instante ele olhou-me fixamente, depois o seu olhar passou por
Kakuta, indo finalmente parar em Atlan. Sua experiência dizia-lhe que Atlan era o nosso
chefe. Com um movimento da mão ele mandou embora o intrigado lemurense, depois ele
mesmo sentou-se na cadeira vazia.
— Nós não gostaríamos de interromper a sua conversa — disse Atlan, apontando
para a moça que o lemurense deixara sozinha.
— Eu escolho minhas companhias de acordo com pontos de vista muito precisos —
disse o homem, sorrindo. — Agora é a vez dos senhores. O meu nome é Greinsch. Sou
conselheiro da Indústria na Lemúria.
Eu recostei-me na minha cadeira. Greinsch tinha um perfil duro. Ao falar, o seu
queixo ficava saliente. As suas mãos tinham o aspecto de alguém que já trabalhara muito.
Os olhos quase sumiam sob as pesadas pálpebras.
— O que é que o senhor achou tão interessante em nós? — quis saber Atlan.
— Só o fato dos senhores serem alarianos — retrucou Greinsch. Trouxeram-nos três
canecos de Bertchap. Nossa conversa estacou por um instante. — Sabe, eu sou um
homem muito rico — continuou Greinsch, finalmente. Ele estalou os dedos. — A riqueza
não é nada de especial, mas me ajuda a fazer com que outros lemurenses façam
exatamente aquilo que eu quero.
— Este é um ponto de vista muito saudável — interveio Kakuta.
Greinsch tomou um gole enorme, sem contrair o rosto.
— Quantos quartzos oscilantes traziam consigo, quando pousaram na Lemúria? —
perguntou ele, diretamente.
— Uma boa quantidade — disse Atlan, furioso. Ele curvou-se para a frente, e
fechou ambas as mãos, batendo com os punhos sobre a mesa. — Mas agora não os temos
mais.
Greinsch sorriu.
— Ostrum? — foi a sua suposição.
— Sim — disse Atlan. — Ele nos roubou. Mas nós não deixaremos este planeta,
antes de sermos indenizados por esta fortuna perdida, bem como por nossa nave
destruída.
Greinsch disse:
— Vocês falam muito alto e fedem como ratos. Eu, entretanto, tenho minhas
dúvidas se isso basta para conseguirem sucesso em sua empreitada.
— Acha que para isso vamos precisar de outras coisas? — perguntou Atlan, na
expectativa. — Está pensando em quê?
— Em boas relações — respondeu Greinsch. Atlan recostou-se na cadeira.
— O senhor certamente não é barato, Greinsch — disse ele.
— Nada é barato neste Universo — disse o conselheiro, filosófico.
— Diga o seu preço — exigiu Atlan. Greinsch olhou para todos os lados.
— Aqui não vamos poder negociar — disse ele. Tirou um cartão do bolso,
entregando-o a Atlan. — Aí tem o meu endereço. Dentro de quatro horas, venham à
minha casa.
Atlan apontou para a moça, que Greinsch tinha deixado sozinha minutos atrás.
— É ela, que agora exige a sua presença?
— Cada coisa tem a sua hora, conforme eu já disse — declarou Greinsch. — E
agora a hora é dela.
— Ele sabe o que quer — disse Atlan, depois que o conselheiro se afastara. O
arcônida levantou-se. Eu tomei rapidamente a bebida que restava no meu copo.
— Ainda temos quatro horas — protestou Kakuta.
— É que eu gosto de dar uma olhada na casa de um homem desses, antes de entrar
nela — disse Atlan.
Ao sairmos do restaurante, já nos esperavam. Diante da entrada havia um planador,
com as turbinas ligadas. Lá de cima, caiu sobre nós uma espécie de rede de neblina. O
planador esvaiu-se diante dos meus olhos. Eu fiz um esforço para respirar, quando de
repente um mal-estar terrível me fez vomitar.
Depois perdi definitivamente os sentidos.
5

No negrume infinito boiava uma luz trepidante. Aquilo fazia mal aos meus olhos,
mas era meu único ponto de referência com a realidade e a prova de que eu ainda estava
vivo. Fiz um esforço para abrir os olhos completamente.
Eu estava amarrado em cima de uma espécie de cavalete baixo. Perto de mim, em
leitos semelhantes, estavam deitados Atlan e Kakuta. O recinto em que nos achávamos
era pequeno e nu. Do teto pendia uma lâmpada muito forte.
Se levantasse a cabeça um pouco, podia ver a porta. A mesma era de metal, sem ser
pintada. Um pouco acima do meio, havia uma portinhola de observação.
— Devo libertar-me das minhas cordas? — perguntou Kakuta.
— Não — recusou Atlan. — Vamos esperar, até sabermos o que querem de nós.
— Acha que Greinsch pode estar metido nisso? — perguntei.
Mas não tive resposta. O arcônida, aparentemente, estava pensando com muita
intensidade. Não podíamos ter certeza de que Greinsch nos preparara uma armadilha. Por
que, nesse caso, ele teria insistido para passarmos em sua casa? Provavelmente ele agora
estaria esperando, inutilmente, por nós. Fiquei me indagando quanto tempo teria passado,
desde que havíamos saído daquele restaurante no centro da cidade. O recinto, no qual
agora nos encontrávamos, não tinha nenhuma janela, de modo que era impossível ver se
ainda era noite.
— Eles lançaram algum narcótico em cima da gente, quando saímos do restaurante
— disse Kakuta. — O mesmo teve um efeito tão fulminante, que eu nem tive mais tempo
de dar um salto de teleportação.
— O que foi uma sorte — disse Atlan. — Se o senhor tivesse teleportado, os
lemurenses agora já saberiam que nós não somos alarianos.
Nós ficamos em silêncio. Eles me haviam tirado a baionga, de modo que as forças
parapsíquicas de Kakuta agora eram nossa única arma. Entretanto, o mutante só poderia
usar os seus dons se houvesse perigo de vida para nós.
Finalmente a porta foi aberta. Um ser de aspecto estranho entrou. Um tronco magro
estava assentado sobre pernas curtas. O corpo ficava bastante recuado, em relação às
pernas, como se tivesse, acima do quadril, uma forte prega. O crânio do ser parecia
deformado. Duas mechas de um louro esbranquiçado pendiam, do meio da cabeça até a
nuca. Os olhos da criatura pareciam ser fixos. E brilhavam, muito úmidos.
— Rutoz! — gritou Atlan.
Agora eu sabia por que esse ser me parecera conhecido. Já o vira, por duas vezes,
no bar do Quaiong Hotel. Juvenog não dissera que Rutoz jamais abandonava o balcão do
bar?
— O senhor tem olhos bons — disse Rutoz, com uma voz estridente, que saía de
algum lugar das profundezas de sua garganta. Suas mãos, de quatro dedos, descreveram
um grande círculo no ar. — Lastimo ter-lhes causado esse incômodo — disse ele.
— O que é que o senhor quer? — quis saber Atlan.
— Se está interessado em nos roubar, temos que desapontá-lo. Outros já chegaram
na sua frente.
Rutoz movimentou o seu corpo assimétrico em nossa direção, até encontrar-se de
pé, entre os leitos sobre os quais estávamos amarrados. Ele dava mais a impressão de um
bufão do que de um ser perigoso, mas essa impressão podia ser falsa.
— Eu trabalho para Nevis-Latan — declarou Rutoz. — É o proprietário do Quaiong
Hotel.
— Isso também já sabemos, entrementes — disse Atlan.
— É comum o proprietário do hotel mandar raptar os seus hóspedes?
Rutoz fez ouvir alguns ruídos estranhos. Levei alguns segundos, para dar-me conta
de que ele estava rindo. Isso me tranqüilizou. Inteligências de mundos desconhecidos, na
maioria dos casos, eram mais pacíficas, se possuíam senso de humor.
— Eu consigo detectar energia psiônica — disse Rutoz, depois de ter-se acalmado
um pouco. — Esta é a razão por que fico o tempo todo no bar, sem precisar pagar,
podendo beber o quanto quiser. Eu trabalho para o proprietário do hotel.
— Isso quer dizer que o senhor é telepata? — perguntou Atlan, assustado.
— De modo algum — negou Rutoz. — Apenas sinto quando, próximo de mim,
energia psiônica é irradiada. Pouco depois que o senhor e seus amigos entraram no
Quaiong Hotel, senti um desses golpes energéticos.
Lembrei-me do salto de teleportação de Kakuta, para o apartamento de Juvenog, e
também na rápida intervenção hipnótica de Noir, sobre Juvenog. Rutoz estivera, lá
embaixo, no bar, e captara as interferências parapsíquicas. Forçosa-mente ele devia ter
pensado em nós como ponto de origem dessa irradiação energética. Raciocinei
febrilmente. Se Rutoz informasse Nevis-Latan, era apenas uma questão de tempo para os
lemurenses ficarem sabendo que nós não éramos alarianos. E não levaria muito tempo
para que também o espião dos senhores da galáxia fosse informado sobre isso. E neste
caso, praticamente nos seria tolhida toda e qualquer possibilidade de regressar ao tempo
real.
Fechei os olhos. Nós tínhamos sido muito imprudentes.
— O senhor já informou a alguém dessa sua descoberta? — perguntou Atlan, ao
estranho.
— Não — disse Rutoz. — Os homens que me ajudaram a trazer os senhores até
aqui não sabem do que se trata. Eu os peguei, e eles desapareceram. E nunca farão
perguntas.
Eu respirei, aliviado. Nem tudo, ainda, estava perdido.
— Qual é a vantagem que o senhor leva, se informar ao conselheiro sobre a sua
descoberta? — perguntou Atlan.
Rutoz agachou-se na altura de minhas pernas, no meu leito. Os seus olhos úmidos,
entretanto, estavam fixados em Atlan.
— Nevis-Latan me deveria um agradecimento — declarou ele. — E eu poderia
passar a vida inteira naquele bar, sem precisar de dinheiro.
— E isso seria a realização de todos os seus desejos? — gritei eu, furioso. — É
impossível que o senhor possa ser tão primitivo!
Rutoz virou-se para mim.
— Eu sou o último do meu povo — disse ele. — Faça de conta que o senhor é o
último dos alarianos, na medida em que é alariano. Qual seria a sua meta nessa vida?
Eu desviei os olhos dele. Ele riu novamente, mas desta vez o som era duro e
amargurado.
— Talvez eu silencie — disse ele finalmente. — Mas, nesse caso, os senhores terão
que ajudar-me na minha vingança.
— Quem é que o senhor quer vingar? — perguntou Tako Kakuta.
— O meu povo — retrucou Rutoz.
— De que forma?
Rutoz ergueu-se, e começou a andar de um lado para o outro, no recinto.
— Eu quero destruir este planeta — disse ele, como se se tratasse da coisa mais
natural deste mundo.
— Nisso — disse Atlan — nós não podemos ajudá-lo, porque é impossível. Mas
talvez os seus inimigos também sejam os nossos. Liberte-nos e volte conosco ao hotel.
Juntos, com nossos amigos, então poderemos discutir a sua situação.
Rutoz hesitava. Atlan fez um sinal para Kakuta. O mutante teleportou até a porta e
fez um sinal, cordial, para Rutoz. As cordas com que Tako estivera amarrado haviam
ficado sobre o leito. Rutoz ficou estarrecido.
— O senhor acha mesmo que está à nossa altura? — perguntou Atlan.
Rutoz baixou a cabeça. Eu percebi que ele sentia-se infeliz. Ele era um ser solitário,
com um plano maluco na cabeça. Rutoz estava sendo explorado por um conselheiro
lemurense.
Tako Kakuta aproximou-se de nós e libertou Atlan e a mim das cordas. Rutoz não
interferiu. Nós o rodeamos, esperando.
— O senhor vai nos atraiçoar? — perguntou Atlan.
— Eu não sei quem vocês são e de onde vêm — disse Rutoz. — De qualquer modo,
entretanto, não são alarianos.
— Nós somos perdidos, como o senhor — declarou Kakuta. — Provavelmente
nunca mais conseguiremos chegar à nossa pátria. Mas não deixamos de tentar tudo para
conseguir voltar para lá. Por que o senhor não quer nos apoiar e ajudar nisso?
Rutoz esticou-se.
— Eu não tenho mais uma pátria — disse ele.
— Talvez o senhor possa encontrar uma novamente... conosco — disse Atlan,
contemporizando. — Eu também era um solitário, até reunir-me a esse povo.
Rutoz sacudiu a cabeça. Eu sabia o que ele estava pensando. Entre ele e Atlan havia
uma enorme diferença. Atlan praticamente não se diferenciava em nada, fisicamente, de
um terrano. Rutoz, ao contrário, sempre permaneceria um estranho. Eu sabia que nós não
poderíamos ajudá-lo. Mas, mesmo assim, agora estávamos dependendo dele.
— A quem pertence esta casa? — perguntou Atlan.
— Nós estamos no Quaiong Hotel — disse Rutoz, de boa vontade. — Este recinto
fica nos porões.
— Alguém viu quando chegamos aqui?
— Não — disse Rutoz. — É de manhã, muito cedo. Além disso, eu pousei, com o
planador, no telhado. Depois trouxe-os para baixo num elevador. Os senhores agora
podem voltar para os seus quartos.
— Podemos ter certeza que o senhor vai silenciar? — perguntou Atlan.
— Um momento — disse Rutoz. — Eu vou fornecer-lhes a certeza de que
necessitam.
Ele deixou o recinto e bateu a porta atrás de si. Nós nos entreolhamos, espantados.
De repente, ouvimos, lá de fora, um forte sibilar, seguido logo de um golpe surdo.
Corremos para a porta. Eu cheguei a ela primeiro e abri-a rapidamente. Lá fora, no
chão do corredor mal iluminado, estava caído Rutoz. Uma de suas mãos ainda estava
fechada em volta da baionga. Ele se matara com a pesada arma. Eu recuei, horrorizado,
cambaleando até encostar-me à parede. Depois de um tempo, aparentemente
interminável, ouvi a voz de Atlan.
— Ele está morto — disse o arcônida. — Mais certeza do que isso o pobre-diabo
nunca poderia ter nos dado.
— Nevis-Latan certamente vai sentir a sua falta — disse Kakuta com uma raiva, só
abafada com dificuldade.
Nós passamos por cima do corpo do morto, procurando o caminho do elevador.
Sem encontrar ninguém, chegamos ao andar no qual morávamos. No hotel tudo estava
muito quieto. Ao entrarmos no quarto, já estávamos sendo aguardados.
O Conselheiro Greinsch estava sentado no sofá, sorrindo-nos amavelmente.
— Uma vez que não vieram ao encontro marcado, eu tomei a liberdade de negociar
com os seus amigos — disse ele.
Rhodan lançou-nos um olhar para prevenir-nos. Eu passei por todos, dirigindo-me
ao banheiro. Gucky estava acocorado, à meia-luz.
— Eu estou aqui, como sentado em cima de brasas — murmurou-me ele. — Eu
senti que eles mantinham vocês presos no porão, mas não me atrevi a intervir.
— Está tudo na mais perfeita ordem, baixinho — disse eu. Abri a torneira de água
fria e deixei escorrer o líquido na minha nuca. Depois de alguns minutos, já me sentia um
pouco melhor.
— Aquele sujeito, aí fora, não é nenhum dos senhores da galáxia — disse Gucky.
— Mas ele está querendo fazer um negócio sujo.
Eu fiquei ouvindo o rumor de vozes pela porta entreaberta. Fechei a torneira e pus-
me novamente de pé.
— O que aconteceu? — quis saber o rato-castor. — Por que você não vai lá para
dentro?
— Não posso — consegui dizer, finalmente.
— Por causa de Greinsch?
— Não sei. Não consigo me esquecer de Rutoz.
— De certo modo eles eram os ancestrais de vocês — disse Gucky. Mas não havia
nenhuma censura em sua voz.
— Pelo amor dos céus! — gritei eu. — Você terá que teleportar imediatamente ao
porão para ir buscar a baionga. Nós a deixamos ao lado de Rutoz. Não podemos deixar
que isso nos ponha em relação com a morte dele.
— E o que você acha se eu fizer Rutoz também desaparecer? — perguntou Gucky.
— Se eles o examinaram, logo ficarão sabendo que tipo de arma o matou.
— Para onde você pretende levá-lo?
— Deixe comigo, eu encontrarei um lugarzinho para ele — garantiu o rato-castor.
Eu admirei a sua maneira decidida de enfrentar as coisas. Eu acho que não teria
forças de voltar, uma vez mais, de livre e espontânea vontade, para aquele porão.
— Ei, Assaraf! — gritou uma voz embriagada, de dentro do quarto. — Onde é que
você se meteu?
— Já estou indo — gemi eu. — Tenha cuidado, baixinho! — ainda consegui
murmurar para Gucky.
Quando entrei no quarto, Greinsch olhou para mim, sorrindo, compreensivo.
— Não é qualquer um que consegue tomar Bertchap e sobreviver, meu amigo —
disse ele, de bom humor. — O senhor parece que não está muito bem das pernas.
Eu encaminhei-me diretamente para ele. E vi que ele empalidecia. Surfat e
Doutreval ergueram-se rapidamente, colocando-se entre mim e o conselheiro.
— Não se esqueça que queremos fechar um negócio com ele — resmungou Surfat.
— Não se esqueça disso, meu rapaz!
Eu relaxei, deixando-me cair numa poltrona. Não ouvi a respeito do que os outros
conversavam com Greinsch. Aquilo para mim não tinha a menor importância, e não me
interessava absolutamente.
Quando clareou — Greinsch já se fora há bastante tempo — eu caí num sono
inquieto. Gucky voltara novamente, trazendo a baionga consigo. Rutoz ele escondera
num canal dos esgotos da cidade.
Uma coisa ficara clara para mim nesta noite: Não se podia pensar apenas em si
mesmo. Pois, neste caso, era possível entrar em desespero. E senti uma renovada
admiração por Perry Rhodan. Ele precisava constantemente dominar-se a si mesmo, se
quisesse manter-se fiel à sua meta, de abrir o caminho das estrelas para a raça humana.
“Cruzador do Império Solar “Crest II”

Dados Técnicos:
1.500 metros de diâmetro real. 24 andares principais com aproximadamente 2.000
homens em sua tripulação.
1. Canhão conversor com cúpulas deslizantes.
2. Hangares com eclusas.
3. Desintegradores na parte superior e inferior da esfera, em cada uma, 24 unidades.
4. Aparelhagens de rastreamento.
5. Rastreamento ótico.
6. Bancos de dados e produção de energia e instalações.
7. Central energética e instalações de máquinas.
8. Geradores de campos energéticos protetores.
9. Sala de comando de controle de todos os setores
da nave.
10. Computadores positrônicos.
11. Conversor de Kalup para propulsão hiper linear.
12. Protuberância equatorial com turbinas de jatos e
reatores atômicos de fusão.
13. Alojamentos da tripulação e passageiros.
14. Centro de lazer: Piscina
15. Cinema
16. Geradores para transmissores e antigravidade.
17. Elevadores antigravitacionais, aprox. 30
18. Antigravidade para grandes objetos.
19. Compressores de ar comprimido para apoios
telescópicos.
20. Apoio (trens de pouso) telescópicos, com pratos
de apoio basculantes, com o apoio central
principal — 11 unidades.
6

Não há um dia igual a outro. Especialmente quando se é astronauta. Quando,


entretanto, olhamos para trás, tentando ordenar os dias de acordo com os acontecimentos,
então eles nos aparecem como um único dia, e este dia é totalmente preenchido pela luta
pela sobrevivência.
As viagens espaciais apresentam aos homens um constante desafio. Quem as
executa, quem participa delas, tem a obrigação constante de subsistir, a obrigação de
sempre vencer. Jamais poderá cansar-se de seus esforços.
Essas sentenças — que eu ainda lembrava muito bem dos meus tempos de cadete —
me vieram à cabeça, quando, algumas horas após o meu regresso ao hotel, acordei com o
corpo todo dolorido. Havia um gosto ruim na minha boca. O cheiro do meu próprio corpo
começou a me dar nojo. Ouvia as vozes dos outros. Estavam conversando sobre
Greinsche Ostrum, Rhodan, Atlan e os dois mutantes só precisavam dormir muito pouco.
Os ativadores de células, que tinham implantados, permitiam-lhes passar apenas com
poucos minutos de descanso. Também Gucky, em relação a isso, era pouco exigente,
apesar de estar sempre dizendo o contrário.
Brazos Surfat, que estava sentado do outro lado da mesa num poltrona, curvou-se
para a frente, empurrando-me um prato.
— O desjejum de Vossa Excelência — observou ele, com zombaria. — Vossa
Excelência deseja os seus ovos moles ou duros?
— Não estou me sentindo muito bem — disse eu. —
Acho que não vou comer nada.
— A comida foi trazida, há meia hora atrás, por uma mocinha encantadora —
informou-me Surfat. — Se Vossa Excelência não estivesse dormindo, poderia ter-se
deliciado com a beleza da garota.
— Duvido que ela se interessaria por um porcalhão — disse eu, abatido.
Antes de podermos continuar nossa conversa, ouvimos, através da porta fechada,
um barulhão, vindo de fora. Logo em seguida, alguém batia, violentamente, com os
punhos fechados contra a porta.
— Abram! — gritou uma voz, em tom de ordem. — Abram, imediatamente!
Gucky veio correndo do banheiro, e enfiou-se rapidamente no saco que Surfat já
mantinha aberto para ele. Rhodan dirigiu-se lentamente para a porta.
— Quem está aí? — quis saber ele.
— Vulling! — veio a resposta. — Vim com alguns policiais, para prendê-los.
Eu levantei-me de um salto, para pegar a baionga. Rhodan fez-me um sinal para que
me acalmasse.
— Naturalmente isso é uma piada? — gritou ele, sem abrir a porta. — A troco de
que teve essa idéia?
— Foi Ostrum quem me mandou. Seus documentos não estão em ordem.
Nós nos entreolhamos, espantados.
— Isso certamente é apenas um blefe do conselheiro, para deixar-nos mais dóceis
— murmurou Atlan. — É impossível que eles tenham descoberto as falsificações.
Os lábios de Rhodan se estreitaram, quando novamente bateram fortemente na
porta. Escutamos o arrastar agitados de pés e vozes alvoroçados. Imediatamente eu me
senti desperto inteiramente. Surfat amarrou o saco, no qual o rato-castor se escondera
novamente.
— Vamos deixar que nos prendam? — perguntou Atlan, com a voz abafada. — Se
os lemurenses realmente estão desconfiados, é melhor fugirmos.
— Vamos continuar representando nossos papéis — decidiu Rhodan. Depois ele
gritou, levantando a voz: — Nenhum alariano irá de livre e espontânea vontade para uma
prisão lemurense. Se vocês quiserem nos prender, vão ter que nos tirar daqui de dentro.
Ouvimos Vulling gritar desaforos. Eu podia imaginar que ele não se sentia bem,
naquela missão.
Logo ouvimos um ruído sibilante. A fechadura da porta ficou incandescente. Logo
em seguida caiu ao chão. Alguém, do outro lado, deu um pontapé na porta. A mesma
abriu-se inteiramente. Dois lemurenses, irromperam no quarto, com as armas erguidas.
Um deles não chegou muito longe. Rhodan passou-lhe a perna, fazendo-o ir ao chão.
Outro praticamente correu para dentro do punho fechado de Redhorse, também
estatelando-se no chão, com um gemido. Isso fez com que os outros agissem com mais
cautela.
— Por favor! — gritou Vulling, do corredor. — Tomem juízo!
Algumas bombas lacrimogêneas voaram para dentro. Imediatamente meus olhos
começaram a lacrimejar. Tossindo muito, tentei chegar à entrada. Eu sentia que estava
prestes a desmaiar. Coloquei-me no chão e arrastei-me sobre as mãos e os joelhos para a
frente. Depois tirei a baionga do cinturão e apontei-a para a parede, por cima da porta. Eu
tinha visto Rutoz, e sabia que efeito esta formidável arma tinha. Mesmo assim apertei o
gatilho.
A parede, por cima da porta, desmoronou inteiramente, caindo para o lado do
corredor, em ruínas. A moldura da porta partiu-se. Ouvi alguém, atrás de mim, arrebentar
as vidraças da janela, de modo que a fumaça pudesse sair. Lá de fora vinham os gritos
dos lemurenses furiosos. Novamente explodiram bombas de fumaça. Desta vez porém a
fumaça era amarelada.
— Eu os avisei! — berrou Vulling. A sua voz foi a última coisa que escutei, antes
de perder os sentidos.
***
Acordei num recinto comprido, de paredes metálicas, cinzentas, com duas
luminárias compridas no teto. Os homens, com os quais eu viera para Vario, estavam
todos deitados no chão, perto de mim. Só Gucky desaparecera. Isso pude ver logo que
lancei um olhar para o saco vazio que Surfat segurava na mão. Senti um frio no
estômago. Será que os lemurenses tinham descoberto o rato-castor? Mas, tinha quase
certeza de que Gucky devia ter fugido para um esconderijo seguro.
Rhodan, Atlan e o Major Redhorse já haviam voltado a si novamente.
— Espero que o baixinho esteja em segurança — disse Rhodan, baixando a voz. —
Certamente ele fugiu antes de todos desmaiarmos.
— Eu nem quero pensar na possibilidade dele encontrar-se nas mãos dos homens de
Ostrum — murmurou Atlan.
Brazos Surfat voltou a si. Imediatamente sua mão tateou o saco vazio. Ao verificar
que Gucky sumira ele estremeceu e levantou-se de um salto.
— Não se preocupe, Borg — disse Rhodan. — Eles vão nos devolver nossos
objetos de valor.
Rhodan lançou um olhar significativo ao teto. Seria melhor agir com cuidado, a
partir de agora. Se aqui houvesse alguma aparelhagem de escuta, os lemurenses poderiam
ficar desconfiados se falássemos alguma coisa errada.
— Onde estamos? — gaguejou Olivier Doutreval, que voltava a si lentamente.
— Numa prisão lemurense — declarou Atlan, furioso. — Os que nos trouxeram
para cá, certamente logo irão entrar em contato conosco.
— Talvez o Conselheiro Greinsch possa nos ajudar — disse eu, esperançoso. — Ou
Juvenog.
— Não podemos confiar nisso — retrucou Rhodan. — Temos que dar um jeito de
sair daqui sem depender de ajuda estranha.
Em silêncio esperamos que alguém aparecesse. Porém os lemurenses pareciam ter
se esquecido de nós. Talvez a intenção de Ostrum era de deixar-nos nervosos, obrigando-
nos a um longo período de espera. Ou — raciocinei — talvez ele tivesse realmente
conseguido agarrar Gucky... Nesse caso, nós tínhamos que contar com o fato de que o
rato-castor, neste instante, estivesse sendo submetido a um rigoroso interrogatório. Se
Ostrum era um espião dos senhores da galáxia, ele certamente conhecia meios que
deixariam inoperantes as paraforças do rato-castor.
O Conselheiro Ostrum não era nenhum dos senhores da galáxia, pois não possuía
um ativador de células. Entretanto, era bem possível que ele trabalhasse para eles.
Tinham-nos deixado tudo que trazíamos, somente a baionga desaparecera, Até
mesmo o marcador de impulsos, que sinalizava a existência de todo ativador celular,
rastreando-os, e que era usado, como um relógio de pulso, por Perry Rhodan, ainda se
encontrava no pulso do Administrador-Geral. Ostrum, aparentemente, apenas tinha nos
mandado prender para nos intimidar. Mais cedo ou mais tarde ele nos enviaria para um
acampamento de prisioneiros em algum planeta-presídio, para, assim, ficar sozinho na
posse dos quartzos oscilantes.
Entretanto, agora, além de Ostrum, ainda um segundo conselheiro sabia de nossa
valiosa propriedade: Greinsch. Caso Ostrum tentasse garantir apenas para si os quartzos
oscilantes, certamente teria dificuldades com Greinsch. E não apenas isso — Greinsch
certamente comunicaria o fato a todos os outros Grão-Mestres Conselheiros. E Ostrum
acabaria metido numa situação muito difícil.
Para evitar estas dificuldades, de saída, Ostrum tentava apressar este negócio o mais
possível. Quanto mais eu pensava nisso, mais me convencia de que não havia, na
realidade, muito perigo para nós.
Falei com Atlan e Rhodan sobre minhas deduções.
— Eu também penso igualmente, a respeito de nossa situação — concordou
Rhodan. — Ostrum está tentando provocar-nos. Eu receio, entretanto, que estamos diante
de um julgamento provisório, durante o qual esse conselheiro de mãos sujas pretende
fazer-nos condenar.
Antes de podermos continuar a conversa, a porta foi aberta inesperadamente. Dois
lemurenses armados entraram, colocando-se um de cada lado da porta. Três homens
entraram, apontando-nos suas armas. Um sujeito atarracado, uniformizado, gritou-nos:
— Vamos! Levantem-se!
— Afinal de contas, o que aconteceu? — gritou-lhe Atlan, em voz muito alta. —
Nós não vamos tolerar que nos tratem desse jeito!
O atarracado riu, zombeteiro.
— Vocês ainda vão ter que tolerar muito mais que isso! Como, por exemplo, serem
levados para Oskus, o planeta-presídio da Lemúria.
— O quê? — gritou Rhodan. — Por que fomos castigados desse modo? Nós
exigimos um julgamento correto.
— Já houve um julgamento, com o Conselheiro Ostrum servindo de juiz —
explicou o lemurense. — Vocês foram condenados como agitadores e por fraude. A
sentença foi de dez anos de banimento.
Ostrum, portanto, agira até mais depressa do que temíamos. Não tivemos outra
alternativa que a de deixar nossa cela. Entramos num corredor à meia-luz e vimos que ali
mais quatro guardas esperavam por nós. Eles nos olhavam, de cara fechada. Ostrum
escolhera homens durões e intransigentes para nos guardar. Fomos levados a um elevador
e dali para o telhado.
No telhado estava estacionado um grande planador. Era um dia meio chuvoso. Um
vento fresco soprou-me no rosto. Um dos guardas empurrou-me para a frente, tocando-
me com o cano de sua arma nas costas. Ninguém dava a menor atenção aos nossos
protestos.
— O planador vai levá-los ao espaçoporto — disseram-nos. — Ali uma nave já está
à espera de vocês.
Lancei um olhar preocupado para Rhodan. Achei que já era hora de fazermos
alguma coisa. De modo algum devíamos deixar que nos transportassem para este planeta-
presídio. Isso significaria que nossa procura por um dos senhores da galáxia terminaria
por aqui.
— Queremos falar com Ostrum — exigiu Atlan, quando nos levaram, um depois do
outro, para o planador. — Estamos prontos para renegociar com ele.
O lemurense atarracado fez um gesto desinteressado. Ostrum também dera suas
instruções, até mesmo para este caso. Estava claro que ele queria ver-se livre de nós,
antes que a situação ficasse crítica para ele.
Chegados ao interior do planador, verifiquei que a carlinga do piloto era separada
de nossos lugares por uma espécie de vidro blindado. Tanto o piloto como seu ajudante
estavam armados. Além disso, ainda entraram, conosco, mais quatro guardas. Os
lemurenses estavam com pressa. Provavelmente a espaçonave já estava pronta para a
partida.
O planador pairou para o alto, saindo de cima do telhado. Por que Rhodan não
ordenava que Tako Kakuta abandonasse o planador? Ele estava esperando até que fosse
tarde demais? O mutante, agora, era o único que poderia ajudar-nos. Entretanto,
continuamos a voar em frente, sem que nada acontecesse.
De repente, um dos guardas deu um grito de aviso. Eu segui a direção do seu dedo
que apontava para determinado lugar. Por cima de nós pairava um outro planador. O seu
exterior era inteiramente preto. Não trazia qualquer marca, nem os costumeiros sinais de
identificação. Nossos acompanhantes sacaram de suas armas e conversavam, muito
agitados, entre si. O piloto acelerou, porém o planador negro imediatamente ajustou a sua
velocidade à do nosso.
— O que significa isso? — resmungou Surfat.
— Silêncio! — gritou o lemurense atarracado. — Quem abrir a boca, leva um tiro!
O nervosismo de nossos acompanhantes crescia. Perguntei-me por que o piloto não
pedia reforços, através do rádio, caso o planador negro fosse-lhe algum tipo de ameaça.
Porém o seu pedido de socorro provavelmente significaria um fim à operação de nosso
rapto. Ostrum não tinha o consentimento de todas as autoridades públicas para esta sua
ação.
A tripulação do planador negro estaria querendo nos ajudar, ou também significava
um perigo para nós?
Eu não queria arriscar-me, para falar com Rhodan ou com Atlan. Os lemurenses
eram capazes de executar a ameaça do seu chefe, e atirariam em nós, caso não
silenciássemos.
Aquele objeto voador desconhecido continuou nos seguindo. O planador, no qual
nós nos encontrávamos, não tinha armas de bordo.
Ao chegarmos à zona limítrofe da cidade, o aparelho estranho de repente baixou
mais. Os guardas deram um grito. Eu notei a tentativa desesperada do piloto de escapar
do perseguidor, executando uma manobra arriscada. Todas as tentativas, entretanto,
fracassavam, diante da perícia de vôo do outro piloto.
E então nosso planador recebeu o primeiro impacto. O choque fez com que o vidro
blindado entre a carlinga do piloto e nossos lugares se estilhaçasse. O piloto começou a
praguejar. Eu segurei-me firme, nos braços do meu assento. Estávamos pairando ainda a
apenas trinta metros acima do chão. Por baixo de nós estendia-se um parque gigantesco,
com chafarizes, muitas flores e pequenos edifícios. Um olhar pela carlinga transparente
mostrou-me que, lá embaixo, muitos lemurenses estavam se reunindo para observar
aquela curiosa perseguição aérea.
Novamente o planador negro desceu violentamente. Desta vez o choque foi tão
forte, que eu acabei voando para fora do meu assento. A carlinga, por cima de nós, ficou
destroçada, com um estouro, parecendo uma explosão. Uma chuva de cacos de vidro
espalhou-se sobre nós. O planador balançava incontrolavelmente. O piloto gritava,
ininterruptamente, mas, com o barulho que os guardas faziam, era impossível entender o
que ele dizia.
E então acabamos caindo no meio do parque. O impacto da queda fez com que eu
rodopiasse dentro do pequeno espaço em que nos encontrávamos. Bati contra Surfat, que
deu um grito abafado. Da carlinga do piloto subiam chamas.
Eu já nem pensava mais nos guardas lemurenses. O que me interessava era sair de
dentro desse aparelho o mais depressa possível. Quando trepei por cima das ruínas, vi que
o planador negro havia pousado a poucos metros apenas do aparelho sinistrado. Figuras
mascaradas, envoltas em capas azuis-escuras, saltaram para fora. Vinham com armas nas
mãos.
Vi dois de nossos guardas saírem cambaleantes, com as mãos para cima. Nós nos
colocamos ao lado deles, à espera.
— Parece que somos gente importante — disse Rhodan, sarcástico. — Estão
arriscando muita coisa por nossa causa.
Antes de termos tempo para nos orientarmos sobre os acontecimentos, fomos
levados ao planador negro. Nossos guardas ficaram para trás.
— Recomendações para Ostrum! — gritou um dos mascarados, zombeteiro.
Quando todos os homens se encontravam a bordo, o aparelho desconhecido deu
partida. Com aceleração total, ele subia e seguiu adiante, logo depois alcançando o mar
aberto.
Um de nossos libertadores veio até o recinto dos passageiros e tirou a sua máscara.
Sua arma permanecia no cinturão. Eu respirei aliviado. Desta vez, portanto, não estavam
aplicando a força bruta para apoderar-se de nossas riquezas.
— Quase chegamos tarde demais — disse o desconhecido. — Ostrum agiu com
tanta rapidez, que quase foi impossível a operação de salvamento.
— Como foi que o senhor nos descobriu? — perguntou Rhodan, espantado.
— Através de Vulling — retrucou o homem.
Rhodan deixou escapar um assobio entre os dentes.
— O chefe do Comando Técnico de Emergência, portanto, espiona para Greinsch.
O lemurense ergueu as sobrancelhas. Era evidente que ele estava espantado.
— Greinsch? — repetiu ele, sem entender. — Por que o senhor acha que
trabalhamos para Greinsch?
Rhodan encolheu os ombros.
— Foi apenas uma suposição — disse ele então. — Mas, se o senhor não é um dos
homens de Greinsch, para quem executou toda essa manobra?
— Para Tannwander — respondeu o nosso libertador.
— Tannwander? Suponho que ele seja um Grão-Mestre Conselheiro?
O lemurense riu. Ele era alto, e tinha os cabelos encaracolados. O seu queixo
saliente e forte dava-lhe uma aparência de brutalidade.
— Se Tannwander fosse um conselheiro, seria um conselheiro da subversão —
disse ele para Rhodan.
Eu deixei-me cair num assento. Isso queria dizer que os sem-lei da Lemúria também
começavam a se interessar por nós. Achei que devia ter-se espalhado que nós devíamos
ter trazido conosco algumas toneladas de quartzos oscilantes. Iria ser difícil convencer os
dirigentes lemurenses, que não era bem assim.
— Ninguém nos perseguirá? — quis saber Atlan.
— Esta foi nossa primeira ação, nesse terreno — retrucou o lemurense. — Portanto
a polícia precisará de algum tempo para recuperar-se do susto. Entretanto, eu duvido que
eles intervirão. Pois os homens de Ostrum têm todos os motivos para diminuir a
importância desse incidente. Eu garanto que eles fizeram do mesmo um acidente de
trânsito. Ostrum sabe que perderá o seu posto, se os outros conselheiros ficarem sabendo
de sua intervenção em conta própria.
— Quer dizer que, por isso, Tannwander pode raptar-nos, sem perigo? — disse
Redhorse.
— Correto — disse o lemurense. — Só tivemos que aguardar o momento certo para
isso.
— Isso quer dizer que nenhum dos conselheiros poderá tomar qualquer represália
contra Tannwander? — perguntei.
O lemurense, que mais parecia um huno, olhou para mim.
— Existe um conselheiro que pode ser um perigo, até mesmo para Tannwander —
disse ele. — Porém este, no momento, não está na cidade. Até que ele volte, os outros
conselheiros já terão entrado em acordo.
— O senhor está falando de Nevis-Latan, não é mesmo? — Rhodan chegou a
curvar-se para a frente, interessado.
O lemurense anuiu. Debaixo de nós surgiu uma ilha, no mar aberto. Suas margens
eram formadas de uma costa íngreme, e algumas praias de areias brancas. No interior,
viam-se extensas florestas tropicais.
— Ali fica o reino de Tannwander — disse o lemurense. — Os senhores vão gostar
da ilha.
7

O vôo de entrada no reino de Tannwander aconteceu de modo inteiramente


diferente daquele que eu imaginara. Eu esperara que o planador pousaria em algum lugar
numa clareira da selva, porém o piloto levou o aparelho da costa íngreme até bem perto
da superfície do mar. Na rocha vimos um corte abaixo, mas com, pelo menos, cem
metros de largura.
— Uma gruta! — disse Chard Bradon.
O planador aproximou-se da entrada da caverna, enquanto ondas altas chegavam a
bater na sua parte inferior. Os holofotes foram ligados. Com muita habilidade o piloto
mergulhou o aparelho para dentro da gruta. Os holofotes iluminavam um gigantesco
hangar. Numa primeira olhada, cheguei a ver uma dúzia de outros planadores e aviões.
Na amurada de um cais, pude ver diversos submarinos ancorados.
Operários aparentemente mecânicos, ocupavam-se diligentemente por toda a parte.
— O senhor não vai me dizer que esta ilha não é do conhecimento das autoridades
oficiais? — disse Rhodan ao lemurense, que ficara conosco na cabine.
O homem sorriu.
— Tannwander tem meios de evitar que seja descoberto. Não apenas por ter
intermediários nos postos mais elevados, que nos avisam em tempo útil, ele possui
também possibilidades técnicas de evitar a descoberta destas instalações subterrâneas.
O planador pousou num lugar que lhe parecia predeterminado. Imediatamente o
veículo voador foi rodeado por diversos lemurenses, que o prenderam. Nós saímos do
aparelho. Ninguém nos ameaçou com armas. Mesmo os homens do lado de fora do
planador pareciam aceitar nossa presença como uma coisa muito natural.
Fomos levados a um pequeno birô. Nosso acompanhante pediu uma ligação. Levou
alguns minutos até que ele, finalmente, pudesse falar com Tannwander.
— Os alarianos estão aqui, Tannwander — disse ele, sem rebuços. — Quer falar
com eles imediatamente?
— Sim — veio a resposta. — Traga esses caras até aqui.
A voz parecia muito clara, quase como a de uma mulher. Olhei para Doutreval, que
estava perto de mim, intrigado. Será que Tannwander era uma lemurense?
Deixamos o birô e fomos levados a um corredor que ia dar diretamente nas
profundezas do rochedo. O teto do corredor consistia de rochas, sem maior tratamento.
As paredes e o piso, entretanto, haviam sido revestidos de material plástico. O corredor
desembocava num pavilhão, recheado de máquinas. O ruído das instalações era tão forte,
que não podíamos conversar. Minha suposição era de que aqui devia ser produzida a
energia que alimentava o reino de Tannwander. O corredor seguinte, no qual entramos
depois, era decididamente maior que o primeiro, e inteiramente revestido. Uma esteira
rolante levou-nos rapidamente adiante. Chegamos a um recinto hemisférico, em cuja
parede dos fundos havia três portas.
Nosso acompanhante lemurense — continuava sendo o homem musculoso do
planador — fez um gesto convidativo com a mão, em direção à porta central.
— Os senhores podem entrar — disse ele. — Tannwander já está à sua espera.
Vi que Rhodan levou o seu pulso para junto do ouvido. Evidentemente estava
testando se o assinalador de impulsos dizia-lhe alguma coisa. O Administrador-Geral
balançou a cabeça. Não parecia que, nesta ilha, iríamos encontrar um dos senhores da
galáxia.
Perry Rhodan, decidido, abriu a porta. Eu esperava alguma visão fabulosa, mas
imediatamente senti-me decepcionado. O que havia diante de nós era um birô muito
simples. Eu entrei por último, fechando a porta atrás de mim. Nas paredes viam-se
quadros com pinturas muito cheias de colorido. Um rapaz, trajando roupa esportiva,
ocupava-se em encher diversos copos. Ao entrarmos, ele interrompeu o que fazia, e nos
sorriu.
Apontou para algumas poltronas e, inclusive, um banquinho. Nós nos sentamos nos
mesmos.
— Onde está Tannwander? — perguntou Atlan.
O jovem lemurense sorriu. Colocou os copos cheios numa bandeja, e trouxe, a cada
um de nós, algo para beber. Depois enxugou cuidadosamente as mãos numa toalha de
papel. Foi até a pequena escrivaninha e deixou-se cair na sua grande cadeira giratória.
— Tannwander sou eu — disse ele, naquela sua voz clara.
— Foi o senhor que mandou construir tudo isso aqui? — perguntou Rhodan,
perplexo. — Eu acho que, para isso, o senhor ainda é um pouco jovem demais.
— Tenho vinte e dois anos — disse o rapaz, cordialmente. — O homem que
mandou construir estas instalações foi meu tio. Infelizmente já não vive mais. Há dois
anos sou eu quem dirige nossa organização. E meus homens lhes confirmarão que a dirijo
muito bem.
— De qualquer modo, o nosso rapto foi um golpe de mestre — confessou Atlan.
O rapaz atrás da escrivaninha anuiu, como se aquela ação fosse algo do seu
quotidiano. Tive a impressão de que este lemurense era perigoso. Apesar de sua
juventude ele dava a impressão de um homem calmo e superior.
— Não quero mais esconder-lhes por que foram trazidos para cá — disse
Tannwander. — Nossa organização não faz nada por simples obséquio. Mais cedo ou
mais tarde, nós pretendemos estender nossa organização também ao espaço sideral. Para
isso precisamos de espaçonaves. E quem quer construir astronaves, precisa de quartzos
oscilantes.
— E o senhor acha que nós poderíamos arranjar-lhe alguns? — perguntou Rhodan,
sarcástico. — Quantos lemurenses, imagina o senhor, já nos roubaram?
— Um — retrucou Tannwander sobriamente. — Foi Ostrum. Ele possui todos os
quartzos oscilantes que os senhores trouxeram consigo.
— Nesse caso, o senhor sabe onde poderá ir buscar esse negócio — interveio Atlan.
— O senhor tem muito mais chance de chegar a eles do que nós. Se Ostrum nos agarrar
mais uma vez, manda-nos para um planeta-presídio.
Tannwander examinou as pontas dos seus dedos. Ele tinha estendido as mãos diante
dele sobre a mesa. Parecia pensar antes de responder. Finalmente pediu que tomássemos
nossa bebida.
— Eu não bebo — disse ele. — O álcool me deixa cansado — depois ele sorriu para
Surfat, que cheirava, desconfiado, a bebida no seu copo. — Não se preocupe, se eu
quisesse matá-los, não teria me dado a todo esse trabalho, só para fazê-lo com veneno.
Fiquei admirado ouvindo aquele rapaz falando desse modo. Apesar disso, parecia
errado duvidar de suas palavras. Era evidente que ele sabia muito bem o que estava
fazendo. E não apenas isso, os homens de sua organização pareciam dar-lhe apoio total.
Depois de termos bebido, Tannwander disse:
— Se trabalharem comigo, em conjunto, eu lhes garanto que voltarão para Alara IV.
— Este é o único preço que o senhor está disposto a pagar por nossos quartzos
oscilantes? Um vôo gratuito para Alara IV? — perguntou Atlan, zombeteiro.
Tannwander chegou a fazer uma ligeira reverência.
— Eu tenho certeza — disse ele na sua voz quase de menino — que os senhores
preferem um vôo desses, ao caminho para o degredo.
Ele levantou-se.
— Se quiserem poderão agora conversar, sem serem perturbados, sobre a minha
proposta — disse ele. — Caso estejam dispostos a um trabalho em conjunto, eu lhes
explicarei como devemos proceder.
Ele fez menção de deixar o escritório, por uma porta que ficava atrás de sua
escrivaninha. Estava tão incrivelmente seguro que nem chegou a levar em consideração a
possibilidade de qualquer dificuldade.
— Espere! — a voz de Rhodan fez o lemurense voltar. — O senhor poderá fazer-
nos um favor.
Tannwander ergueu as sobrancelhas.
— Eu nunca faço um favor a ninguém. Faço negócios.
— Existe alguma repartição do governo onde todos os Grão-Mestres Conselheiros
se reúnam, em determinadas ocasiões? — quis saber Rhodan.
— Sim, em Stolark. É a maior cidade, do outro lado da Lemúria. Os conselheiros,
em intervalos regulares, reúnem-se ali.
— Quando será a reunião seguinte? — perguntou Rhodan.
— Ela começa depois de amanhã — respondeu Tannwander.
— E todos os conselheiros estarão presentes? Inclusive Nevis-Latan?
— Naturalmente — disse Tannwander. — É muito raro que um dos conselheiros
deixe de comparecer a essas reuniões.
Rhodan levantou-se e aproximou-se da escrivaninha. Ele apoiou-se no tampo com
ambas as mãos.
— O senhor poderia dar um jeito para que nós pudéssemos comparecer a essa
reunião, como assistentes? — perguntou Rhodan, ansioso.
Tannwander olhou-o, desconfiado, mas logo um sorriso aflorou-lhe aos lábios.
— Ora, será uma satisfação — disse ele. — Ostrum vai ficar espantado, quando vê-
los, do meu lado, na galeria do público. As sessões, em sua maior parte, são públicas —
ele tornou-se sério outra vez. — O que é que o senhor espera resolver, participando,
como assistente, nesta reunião? Nenhum dos conselheiros poderá ajudá-lo, enquanto
estiver sendo observado pelos outros.
Rhodan apontou para uma caneta.
— É suficiente, se nós lhe dermos, de papel-passado, dois terços dos quartzos
oscilantes? Por isso, o senhor nos arranja um vôo gratuito para Alara IV e nos permite
assistir a essa reunião. O terço restante, nós lhe passaremos legalmente quando nossas
exigências tiverem sendo cumpridas. Como o senhor vai conseguir o material de Ostrum,
é problema seu.
Tannwander agora anuiu lentamente.
— Ostrum não poderá causar-me dificuldades. Eu apresentarei minhas exigências
publicamente. Os outros conselheiros irão pressioná-lo de tal modo que ele me passará,
sem discutir, os quartzos oscilantes.
Ele fechou a porta e voltou à sua escrivaninha. E espalhou na mesma alguns
contratos impressos.
— Os senhores têm um motivo especial em querer assistir a uma sessão dos
conselheiros, não é mesmo? — quis saber ele, enquanto preenchia os contratos.
— Eu lhe garanto que isso nada tem a ver com o senhor — disse Rhodan.
Cinco minutos mais tarde, nós assinávamos os contratos com Tannwander.
Assinamos com nossos nomes alarianos. Tannwander ofereceu-nos ainda algo para beber,
e deu a mão a cada um de nós. Mas nisso ele não parecia exageradamente cordial. Dava,
isto sim, a impressão de um homem de negócios bastante competente.
Uma hora mais tarde, Tannwander conduziu-nos a um grande salão coletivo.
Lastimou não poder dar-nos quartos individuais. Aconselhou-nos a experimentar tudo o
que a cozinha lemurense tinha de bom, e depois descansar.
Quando, naquele começo de noite, os homens de Tannwander entraram no salão,
exigiram que nós fôssemos tomar um banho, ou, então, que deixássemos a sala.
Declinaram, claramente, de dormir conosco na mesma sala. Tannwander, mandando
chamar, resolveu o problema.
Nove camas foram roladas para fora, para o corredor. As refeições eram servidas
em dois turnos, de modo que nunca estaríamos sentados à mesma mesa, com os
lemurenses.
Quando, dois dias depois, partimos para Stolark, Gucky ainda não regressara. Nós
já estávamos ficando seriamente preocupados com a sorte do rato-castor. Só muito
raramente tínhamos uma oportunidade de conversarmos a sós. Tannwander, ou um dos
seus representantes, estava constantemente por perto. Não pareciam desconfiar de nós,
mas Tannwander era um homem cuidadoso, que queria evitar qualquer tipo de incidente.
Fiquei aliviado quando Tannwander finalmente veio procurar-nos para avisar que o
planador para o vôo para Stolark estava pronto para partir.
***
Chovia a cântaros quando Stolark surgiu abaixo de nós. O tempo correspondia ao
nosso mau humor. Até agora não tínhamos recebido notícias de Gucky. Também
Tannwander, por alguma razão, parecia carrancudo, brigando ininterruptamente com o
piloto. A chuva batia forte contra o planador, escorrendo pelos vidros transparentes da
carlinga.
Stolark pareceu-me uma gigantesca massa cinzenta de aço, cimento-armado e
matéria plástica. A cidade ficava junto a um oceano o qual, tal como as montanhas, para
o interior do país, formava uma fronteira natural.
— Quando aqui começa a chover, pode levar dias até a chuva parar novamente —
informou-nos Tannwander. Ele parecia estar sentindo frio, pois esfregava constantemente
as mãos para aquecê-las. Passamos voando por cima da cidade. Ainda era muito cedo, de
manhã, e só poucos aparelhos passavam por nós. Os balões-sinaleiras, que pairavam por
toda parte no ar, brilhavam molhados. Um planador da polícia seguiu-nos por um trecho.
Os seus ocupantes exigiram que moderássemos a nossa velocidade.
— Não quero arranjar problemas com a polícia — gritou Tannwander para o piloto.
— Estou voando à velocidade permitida — defendeu-se o homem. — Veja o senhor
mesmo, chefe.
Tannwander apenas resmungou, mas respirou aliviado, quando o aparelho policial
desapareceu dentro de algumas nuvens baixas. Quando Tannwander foi para trás, para
comer alguma coisa na pequena cantina, o piloto nos murmurou:
— É sempre assim, quando ele tem que deixar a ilha. Ele não se sente bem fora do
seu reino.
Então também Tannwander tinha suas fraquezas. Quando o jovem lemurense
novamente veio para a frente, estava com uma caneca com uma bebida fumegante na
mão.
Aproximou-se bastante dos controles e apontou para baixo.
— Estão vendo aquele prédio com o telhado muito saliente?
Nós dissemos que sim, e Tannwander nos disse que se tratava do Palácio do
Governo.
— Ali fala-se mais bobagens do que em qualquer outra parte neste mundo — disse
ele, com desprezo. — Isso, só porque todos os dez conselheiros possuem os mesmos
direitos. Às vezes, eles se unem, apenas porque sofrem pressões de associações de
interesses ou do povo. Cada um pensa somente nos seus interesses particulares.
Durante algum tempo ficamos dando voltas por cima do grande edifício. O mesmo
não me parecia muito imponente. Diante da entrada principal havia uma praça, na qual
via-se um monumento. Tannwander olhou o seu relógio.
— Vai demorar ainda algum tempo, até que comece a reunião — disse ele, para
consolar-nos. — Apesar disso vamos tomar nossos lugares, imediatamente. As sessões
dos conselheiros são muito procuradas. Infelizmente ainda existem muitos lemurenses
que ficam ouvindo as baboseiras deles, cheios de respeito.
O piloto pousou o planador num local do parque, não muito longe de nosso destino.
Tannwander ordenou-lhe que nos aguardasse. As ruas eram todas cobertas, e nós
podíamos ouvir a chuva caindo sobre o material transparente, enquanto nos
aproximávamos do edifício do governo.
— Stolark não é uma cidade bonita — disse Tannwander.
Eu já notara, há muito tempo, que ele não acharia cidade alguma bonita. Ele
acostumara-se à sua vida sem amarras na ilha. Talvez tivesse sido criado, desde criança,
para comandar a organização do tio, depois da morte deste. Não era possível
simplesmente tachar Tannwander de criminoso. Ele fazia aquilo que achava ser natural,
pois jamais pensara em outra coisa, como digna de ser feita. No fundo, ele era apenas
uma vítima de uma educação estranha. Mais cedo ou mais tarde, Tannwander tentaria
mudar toda a Lemúria, de acordo com sua concepção. E nisto, certamente, encontraria a
morte.
As entradas para o prédio do governo estavam enfeitadas com bandeiras.
Tannwander olhou para a entrada do edifício, franzindo a testa.
— Os senhores vão ter dificuldade de entrar no edifício — profetizou ele. — A
vestimenta de vocês não está, propriamente, de acordo com a dignidade da casa.
— Acha que deveríamos, antes, ter trocado de roupa? — perguntou Atlan.
— Bobagem — disse Tannwander, decidido. — Eu os farei entrar ali, não importa a
sua aparência.
Ele estava de mau humor, mas a sua autoconfiança era a mesma. Pareceu-me um
garoto de quem tivessem tirado o brinquedo, e que agora queria vingar-se disso.
Ele foi na frente. Uma porta da entrada principal estava aberta, e por trás da mesma
via-se dois lacaios em uniforme vermelho, que olhavam nossa aproximação, cheios de
interesse e desconfiança.
— As galerias para o público já estão abertas? — quis saber Tannwander.
A sua pergunta foi ignorada. Um dos uniformizados evitou nossa entrada,
simplesmente colocando-se no meio da porta.
— Estes homens são seus acompanhantes? — perguntou ele para Tannwander,
apontando para nós.
— São mercadores alarianos — foi a resposta, de má vontade, de Tannwander. —
Eles vieram para ver nossos costumes. Querem aprender.
O lacaio olhou-nos de modo depreciativo.
— Os seus amigos certamente têm muito que aprender. Especialmente quanto à
limpeza. Por favor trate de ficar, com estes homens, nas últimas filas da galeria. Caso
houver problemas, os senhores terão que deixar a casa.
Ele saiu do caminho. Eu presumi que ele tinha-se afastado levado pelos olhares
penetrantes de Tannwander, e não apenas pelos argumentos do jovem lemurense.
— Usem a escada! — gritou-nos o homem, pouco cordialmente.
Tannwander conduziu-nos pela escada, ao andar superior. Ali fomos recebidos por
outro uniformizado.
— Eles os deixaram entrar, lá embaixo? — perguntou ele, espantado.
— O senhor acha que nós somos capazes de atravessar paredes? — resmungou
Tannwander, irritado.
O lemurense ergueu as mãos, como para acalmá-lo, e levou-nos à sala de
audiências. Como se houvesse um acordo silencioso entre ele e os seus colegas da
entrada, ele levou-nos à última fila, apontando-nos os lugares. Mais ou menos no meio da
galeria, havia algumas crianças, evidentemente alguma escola visitante. Na primeira fila,
viam-se, sentados, três mulheres e um homem.
Tannwander esperou até que o homem desapareceu, depois fez-nos um sinal.
— Vamos lá para a frente! — decidiu ele.
As mulheres e o lemurense abandonaram seus lugares, logo que nos sentamos na
primeira fila.
— O homem não vai atrever-se a nos correr daqui — disse Tannwander,
zombeteiro. — Ele terá que calcular que vai criar um tumulto. O que, para ele,
significaria sua demissão.
A reunião dos dez Grão-Mestres Conselheiros teria lugar numa espécie de
plataforma redonda, que formava o ponto central do grande salão, abaixo de nós. Nesta
plataforma, via-se uma mesa redonda. Deste modo, nenhum conselheiro poderia reclamar
da preferência por lugar à testa da mesa. Nas entradas para a sala de sessões viam-se
sentinelas armados. Eles não se dignavam a olhar para os assistentes da galeria, mas
certamente fazia parte de suas tarefas prestar atenção nos assistentes.
Nós conversamos em voz abafada, porque não queríamos nos arriscar a ser postos
no olho da rua. Tannwander estava sentado entre Perry Rhodan e o arcônida. O
lemurense estava olhando, chateado, à sua frente. Eu voltei-me para Bradon, que estava
sentado perto de mim.
— Acha que vamos encontrar um dos senhores da galáxia por aqui? — perguntei
eu, num murmúrio.
Ele ergueu os ombros.
— Os dez mais importantes homens da Lemúria irão reunir-se aqui. Caso exista,
neste planeta, um senhor da galáxia, nós podemos presumir, quase com certeza, que ele
ocupa uma posição de chefia.
O tempo passou, sem que nada de especial acontecesse. As galerias enchiam-se
lentamente. Eu ouvi como os outros assistentes falavam sobre nós. Nos lemurenses mais
novos, nós éramos motivo de riso, os mais velhos, entretanto, não deixavam de
demonstrar sua indignação.
— Quando é que isso, finalmente, vai começar? — voltou-se Atlan a Tannwander.
O lemurense apontou para o salão de reuniões, lá embaixo.
— Raramente isso começa sem um atraso — disse ele. Finalmente, pelo menos duas
horas transcorridas desde a nossa chegada, ouvimos um sinal de campainha. A este sinal
todos os lemurenses na galeria levantaram-se. Tannwander fez-nos um sinal para que
também o fizéssemos.
De repente ecoou uma música estridente. Ao seu compasso, os dez conselheiros
entraram, em passo lento, um ao lado do outro, no salão de reuniões. Imediatamente
reconheci Ostrum e Greinsch. Pareceu-me que Ostrum estava nervoso, pois mexia
ininterruptamente no zíper de sua jaqueta. Os conselheiros rodearam a mesa, na qual se
sentariam, demonstrando, com uma ligeira inclinação, seu respeito mútuo — um respeito
que eles provavelmente não sentiam realmente. Depois que eles se sentaram, a música foi
interrompida. Também os assistentes sentaram-se outra vez.
— Vai começar! — observou Tannwander.
Eu vi quando Perry Rhodan levantou o braço. Ele fez-nos um sinal com a cabeça.
Os seus olhos mal podiam ser vistos, atrás daquelas suas espessas sobrancelhas ruivas. Eu
senti que alguma coisa de decisivo aconteceria agora.
— Nós o encontramos! — disse o Administrador-Geral com voz rouca.
Eu imediatamente entendi a significação de suas palavras. Um dos dez Grão-
Mestres Conselheiros usava um ativador de células. O indicador de impulsos dera o sinal.
Nós estávamos, neste mesmo edifício, na presença de um dos senhores da galáxia.
***
A sessão transcorreu com torturante lentidão. Eu mal escutava o que estava sendo
falado. Os problemas de política interna dos lemurenses não me interessavam
absolutamente. Mas não podia tirar os olhos daqueles conselheiros, pois um deles tinha
que ser um dos senhores da galáxia. Greinsch e Ostrum não entravam em consideração,
pois já havíamos nos defrontado, sem que o aparelhinho tivesse assinalado alguma coisa.
Voltei-me para o Tenente Bradon.
— Quem é que o senhor acha que possa ser? — perguntei.
Bradon coçou a sua barba ruiva. Provavelmente ele não podia imaginar, tal como
eu, quem seria o senhor da galáxia. Tannwander pareceu notar nosso nervosismo, pois
perguntou a Atlan se estava decepcionado com a reunião.
— Há algum perigo, se nós sairmos antes de terminar? — perguntou Rhodan.
— De modo algum — retrucou o lemurense. Nós nos levantamos de nossos lugares.
Apesar de não fazermos nenhum ruído, pude ver que Ostrum, de repente, olhou para as
galerias. Ficou de boca aberta. Eu esperei que ele desse o alarme, porém o homem nada
fez.
Eu toquei em Don Redhorse com a mão, e apontei em silêncio para a sala de
reuniões, lá embaixo. O major anuiu. Ele também notara a reação de Ostrum. Na ante-
sala, Tannwander esperáva-nos.
— E então? — perguntou ele, zombeteiro. — Esta demonstração de diplomacia
lemurense correspondeu às suas expectativas?
— De certo modo — disse Rhodan. Ele segurou o lemurense pelo braço. — O
senhor precisa ajudar-nos mais uma vez.
— Depende — retrucou Tannwander, hesitante.
— Quanto tempo demoram estas reuniões? — perguntou Rhodan, interessado.
— Alguns dias, pelo menos. Os conselheiros vão ficar discutindo e brigando até o
final do dia, e depois vão dormir.
Rhodan anuiu.
— Todos eles moram em Stolark?
— Sim, mas em hotéis diferentes. Privadamente eles não gostam de se relacionar —
Tannwander sorriu, com desprezo. — O que é que eu posso fazer pelos senhores?
— O fato dos conselheiros morarem em diferentes hotéis torna nossa tarefa mais
difícil — disse Rhodan. — Tannwander, o senhor tem que nos arranjar os endereços de
todos os conselheiros, com exceção de Ostrum e Greinsch. E depois disso, terá que levar-
nos, esta noite, a cada um dos hotéis onde se hospeda um conselheiro.
Tannwander sacudiu a cabeça, admirado.
— O senhor vai ter que me explicar isso melhor — pediu ele. — Não entendo o que
vai ganhar com isso. Estão querendo assaltar um conselheiro?
Rhodan ergueu a manga de sua jaqueta em frangalhos e mostrou o pequeno
aparelho de rastreamento para Tannwander.
— Um dos conselheiros tem um aparelho, cujo impulso nós captamos.
Naturalmente não sabemos de que conselheiro se trata, mas precisamos descobri-lo.
— Por quê? — perguntou Tannwander, áspero.
Ele estava ficando cada vez mais desconfiado. Eu achei errado que Rhodan lhe
tivesse mostrado o aparelho detector de impulsos.
— Alara IV tem um contato em Lemúria. Nós não sabemos quem é — Rhodan
sorriu, sem jeito. — Ainda — acrescentou ele.
— O senhor acha que um dos conselheiros trabalha para Alara IV? — Tannwander
sacudiu-se de tanto rir. — Mas isso é absurdo!
— O aparelhinho demonstra que nós temos razão — disse Rhodan, furioso. — Se
nós conseguirmos chegar ao homem certo, o senhor poderá poupar-se tempo e dinheiro,
Tannwander. Nosso amigo, então, se preocupará com o nosso regresso para Alara IV.
— Hum! — fez Tannwander, refletindo. — Não acredito numa só palavra do que
está dizendo, mas vou ajudá-los, porque me diverte trabalhar contra os conselheiros... No
mais tardar amanhã, entretanto, preciso voltar para a ilha. Até lá, o senhor terá que
encontrar o seu homem.
— Pode contar com isso — garantiu-lhe Rhodan, decidido.
Tannwander olhou-nos com os seus olhos penetrantes.
— E mais uma coisa! Caso me traírem, nossa organização vai castigá-los. Não
existe lugar algum, onde poderão escapar de nossa vingança.
Ele realmente ainda era um rapazola, mas não havia dúvida alguma de que estava
falando sério. Porém Tannwander agora passara para a retaguarda. Eu esperei a noite,
febrilmente. Ele, finalmente, nos levaria à nossa meta? Mas até mesmo se
encontrássemos o senhor da galáxia nossas preocupações continuariam. Precisávamos
obrigar este homem pertencente aos senhores da galáxia a nos mostrar o caminho para o
tempo real, pois isto ele certamente não faria de livre e espontânea vontade.
***
Passamos o dia numa diminuta taberna, cujo proprietário aparentemente não ligava
para quem a freqüentava. Seus fregueses lemurenses, não eram muito mais limpos do que
nós. Nossa presença nada lhe significava. Tannwander ficou brincando com um fliperama
onírico. Com um pequeno rádio portátil ele entrou em contato com o piloto do seu
planador, avisando-o de que teria que continuar esperando por nós.
Pela tarde parou de chover, mas Big Blue não conseguiu penetrar com seus raios
através da espessa camada de nuvens. Tannwander continuava mal-humorado e de
poucas palavras. Quando não estava brincando no fliperama onírico, telefonava, na
pequena cabine telefônica nos fundos do bar. Fez com que o ligassem com os diversos
hotéis. Deste modo, ficamos sabendo onde todos os conselheiros estavam hospedados.
— O endereço de Borganon eu não consigo obter — disse Tannwander. — Ele
provavelmente está morando em casa de amigos. Vou telefonar para uma agência
governamental, logo que a sessão terminar. Talvez de lá me informem onde o conselheiro
passará a noite.
Perry Rhodan olhou para a lista de nomes que estava sobre a sua mesa.
— Por onde vamos começar? — perguntou ele.
— Eu sugiro que, antes de mais nada, nos preocupemos com Nevis-Latan — disse o
Major Redhorse. — Tudo que ouvimos falar dele até agora faz com que ele me pareça
suspeito.
— E o que me diz de Trahailor? — perguntou Atlan.
— Ele é conselheiro de Serviços de Informações e da Polícia. De acordo com o que
disse Tannwander, ele é informado sobre tudo que acontece na Lemúria. E não é só isso,
ele também chegou ao poder através de maquinações pouco escrupulosas.
— Muito bem — disse Rhodan. — Nós começamos com Trahailor. Depois damos
uma olhada em Nevis-Latan. Caso não tivermos êxito, nos voltaremos para os demais.
A porta do fliperama onírico bateu com força, e Tannwander saiu lá de dentro.
Curiosamente, os sonhos que ele experimentava o ajudavam a superar o seu mau humor.
— Vou dar uma olhada lá fora — disse ele.
— Já está escurecendo — chamou-lhe a atenção Atlan.
— Não volte muito tarde. Talvez vamos precisar da noite toda.
Tannwander saiu, mas segundos depois estava de volta. Fechou a porta atrás de si.
Vi na sua expressão que acontecera alguma coisa. Sem dar-nos uma explicação, ele
dirigiu-se ao bar e puxou uma arma energética pequena e chata do bolso. Com ela
ameaçou o dono do bar.
— Vamos! Feche essa bodega! — ordenou ele ao proprietário da casa.
O lemurense ficou olhando-o, como quem perdeu a fala. A sua mão deslizou para o
telefone. Tannwander empurrou-o para longe.
— Adiante! — gritou ele, enérgico. — Eu não sei esperar!
Atlan e Rhodan levantaram-se de um salto.
— O que foi que aconteceu? — quis saber o arcônida.
Tannwander não tirou os olhos do dono do bar.
— Os homens de Ostrum estão aí fora. O conselheiro deve tê-los reconhecido na
sala de sessões. E imediatamente mandou seus cães de guarda atrás de nós.
— O que é que podemos fazer? — quis saber Atlan.
O lemurense empurrou o dono do bar à sua frente, sem se importar com os dois
fregueses lemurenses que, além de nós, ainda permaneciam no bar. Tannwander obrigou
o homem a trancar a porta e a apagar as luzes dos reclames.
— Isso não nos ajudará muito — disse Tannwander. — Os homens de Ostrum têm
aparelhos de busca e armas consigo — ele ligou o seu pequeno rádio portátil, e ordenou
ao piloto, que nos esperava próximo do edifício do Governo, para que levantasse vôo
imediatamente. Descreveu a rua onde nós estávamos. — Pouse bem próximo do bar! —
ordenou ele, para terminar.
— No meio da rua? — eu ainda ouvi a voz incrédula do piloto. — Isso vai nos dar
problemas.
— Faça o que estou dizendo! — gritou Tannwander. — Problemas vamos ter de
todo jeito.
Ele obrigou o dono do bar a mostrar-nos o caminho para os fundos da casa. Poucos
minutos depois estávamos numa escadaria. Tannwander empurrou o homem para trás, e
apontou para um elevador.
— Vamos subir! — decidiu ele.
Não tivemos outra alternativa que a de seguir suas instruções. O dono do bar fugiu,
aliviado, de volta para dentro de sua casa.
— O que vamos fazer lá em cima, se o planador vai pousar diante do bar? — gritou
o Tenente Bradon, enquanto nós nos comprimíamos dentro do pequeno elevador.
— Até o aparelho surgir por aqui, os homens de Ostrum já arrombaram a porta do
bar — disse Tannwander. — Vamos tentar conseguir um planador, lá em cima, no
telhado. Caso não o conseguirmos, fugimos pelos telhados. Vai ser difícil nos livrarmos
dos homens de Ostrum. Eu espero que Waynton os distraia o bastante, para que eles
acabem nos perdendo.
Waynton era o nome do piloto.
O elevador parou. Saímos para o ar livre. Em cima do telhado nenhum planador
estava estacionado. Tannwander chegou bem na beira e olhou para baixo. O caminho de
fuga, através de outros telhados, éra-nos impedido, já que o prédio em cima do qual nos
encontrávamos era bem mais baixo que os que lhe ficavam vizinhos.
— E agora? — perguntou Rhodan.
Tannwander mordeu o lábio. Pela primeira vez eu o via indeciso.
— Desta vez vamos fazê-lo à nossa maneira — disse Rhodan. Ele aproximou-se do
jovem lemurense e deu-lhe um soco bem assestado. Gemendo, Tannwander caiu de
joelhos. Rhodan tirou-lhe a arma, e fez um sinal para que Kakuta se aproximasse. —
Leve-o até um telhado, por perto, Tako — disse ele. — Depois volte, e venha nos buscar.
Kakuta não fez outras perguntas. Curvou-se por cima do rapaz inconsciente e um
segundo mais tarde desmaterializara. Logo depois voltava sem Tannwander.
— Tudo em ordem! — disse ele, lacônico. — Ele está deitado no telhado de um
edifício grande, do outro lado da rua.
— Vai dar conta de todos nós? — quis saber Atlan, duvidando.
O pequeno japonês sorriu.
— Estou em forma — disse ele. — É apenas uma distância curta.
Ele desmaterializou com Surfat e Chard Bradon. Desta vez, demorou um pouco
mais até voltar.
— Tannwander estava justamente voltando a si — informou ele. — Entretanto ele
não viu nada, porque Surfat logo o mandou novamente ao reino dos sonhos.
— Agora é a sua vez, Assaraf — disse Rhodan e aproximou-se de mim. Kakuta
segurou-nos pelas mãos, depois tudo sumiu à minha volta. Rematerializamos sobre o
outro telhado. O sargento Surfat ainda estava de cócoras ao lado de Tannwander,
observando-o no chão.
— Ainda está dormindo — disse ele a Rhodan.
Kakuta já saltara de volta. Poucos instantes mais tarde ele voltava com Redhorse e
Doutreval. Já demonstrava sinais de cansaço. Estes saltos rápidos, com dois homens,
exigiam muito de suas forças.
— Descanse um pouco — aconselhou Rhodan.
Kakuta sacudiu a cabeça e desmaterializou. Quando voltou novamente, cambaleava.
Atlan e André Noir estavam com ele.
— Os lemurenses já estão a caminho do telhado — informou-nos Atlan. — Seus
aparelhos mostram-lhes o caminho. E vão ficar embasbacados quando notarem que
desaparecemos. Eles que quebrem a cabeça por algum tempo.
Rhodan ocupou-se com Tannwander, ainda inconsciente. Lentamente o chefe da
organização subversiva da Lemúria voltava a si. Seu primeiro olhar foi para a arma.
— Tome — disse Rhodan, colocando a arma energética no bolso interno do paletó
de Tannwander. — Por enquanto, estamos em segurança.
Tannwander ergueu-se de um salto, esfregando a nuca. Dirigiu-se à beira do telhado
e olhou para o outro lado da rua.
— Como é que isso funciona? — perguntou ele, perplexo. — Como é que
chegamos até aqui?
— Um truque alariano — retrucou Rhodan, sorrindo.
Tannwander riu. Uma vez que notou que nós não queríamos dar-lhe maiores
informações, silenciou.
— Terá que dizer a Waynton que nos venha apanhar aqui — insistiu Rhodan.
— Com isso, apenas chamaríamos a atenção dos auxiliares de Ostrum para nós —
disse Tannwander. — Vamos a pé. — e como se fosse a coisa mais natural, o rapaz
novamente assumiu a chefia.
Eu fiquei me indagando o que poderia fazer-lhe perder a calma.
No telhado não havia nenhuma saída para o elevador, porém quando descemos para
o andar abaixo, encontramos a porta. Por sorte não encontramos ninguém. Enquanto
descíamos, Tannwander disse:
— Por quanto tempo ainda vão insistir em que são alarianos?
— E o que poderíamos ser, a não ser alarianos? — disse Rhodan.
— Os senhores trabalham para alguma grande organização — disse o lemurense. —
Sua maneira de se apresentar e de ser, já me fez duvidar da história que me contaram há
mais tempo.
— E o que pretende fazer agora? Informar os conselheiros? — perguntou Atlan.
— Não — disse Tannwander. — O senhor esquece que nós assinamos contratos. E
minha assinatura tem o seu valor.
— A nossa também — resmungou Redhorse.
Tannwander olhou para ele. Ele mostrou os dentes, num sorriso feio.
— Isso eu duvido — disse ele.
O elevador parou. A porta deslizou para um lado. Nós saímos, sem saber o que nos
esperava. Nos encontrávamos no salão de uma loja de departamentos lemurense, muito
iluminada. Sem importar-nos com os lemurenses presentes, deixamos a casa, pela porta
da frente. E nem demos atenção a um desesperado gerente que gritava atrás de nós.
Chegados à rua, nos apressamos em encontrar uma rua lateral de pouco movimento.
— Chame o seu piloto — exigiu Atlan, novamente.
— Eu não sou louco — recusou-se Tannwander. — Logo fariam a radiogoniometria
do meu chamado.
Ele olhou o seu relógio.
— A sessão dos conselheiros deve estar terminando. Se quiserem, podemos agora
iniciar a busca.
Ele conduziu-nos através de diversas ruas laterais, até chegarmos diante dos fundos
de um imenso edifício.
— Este é o Emmed-Hotel. Aqui está hospedado Trahailor — ele fez um sinal com a
cabeça, para Rhodan. — E então, o seu aparelhinho está dizendo alguma coisa?
— Nada — disse Rhodan. — Mas isso não quer dizer nada. Não sabemos da
incidência dos impulsos do aparelho que nosso homem carrega. Na galeria do edifício do
governo ele estava a menos de trinta metros de nós.
— Além disso não temos certeza se Trahailor já chegou aqui — acrescentou
Redhorse.
— Espere aqui — sugeriu Tannwander. — Eu irei até a recepção, lá na frente, e
pergunto pelo número do quarto de Trahailor. Também vou tentar me informar se ele já
voltou ou não.
— Acha que lhe fornecerão estas informações? — perguntou Rhodan, duvidando.
Tannwander apenas riu. Depois que ele desapareceu, nós recuamos para a sombra
de um portal escuro. Era a entrada dos fornecedores, que durante o dia vinham entregar
suas mercadorias no Emmed-Hotel. Aqui, estávamos em relativa segurança.
— Espero que Gucky não cometa alguma tolice — disse Atlan. — Se ele for
esperto, fica no seu esconderijo, até que possa comunicar-se novamente conosco, sem
perigo.
— Acha que podemos confiar em Tannwander? — perguntou o Tenente Bradon. —
Talvez fosse melhor que André Noir... isto é, quero dizer, Beratog, preparasse o menino
um pouquinho...
— Acho isso desnecessário — recusou Rhodan. — Tannwander é presunçoso, mas
ele vai se ater aos nossos compromissos. Na condição de hipnotizado, suas reações
sofrerão.
Depois de alguns minutos, Tannwander voltou. Veio diretamente para o portal,
como se soubesse exatamente onde nos encontrávamos.
— O seu amigo já está no hotel — disse ele. — O apartamento dele fica no último
andar.
— Então vamos! — disse Rhodan.
Tannwander segurou-o pelo braço.
— Só um momentinho! Não podemos ir pela entrada principal. O Emmed-Hotel é
tão elegante que até os ratos fazem uma reverência ao porteiro, antes de penetrar nele.
— O que é que o senhor sugere? — quis saber Atlan. Tannwander apontou para o
portal escuro, entrando mais para o fundo. Nós o seguimos, até chegarmos a uma porta
maciça.
— Vamos entrar pelo poço do elevador de carga — disse ele. — O elevador vai até
o telhado. Lá em cima ficam os grandes depósitos de bebidas e os quartos dos
empregados. Por dentro do poço há degraus de metal, utilizados pelos mecânicos quando
vêm fazer os serviços de manutenção.
— Como é que o senhor sabe disso? Perguntou, talvez, na entrada principal?
Tannwander riu, divertido.
— Eu não sei, apenas me limito a basear-me nas minhas experiências anteriores.
Perry Rhodan bateu na porta.
— E como é que passamos por aqui?
O jovem lemurense não respondeu. Curvou-se para a fechadura e tirou do bolso sua
pequena arma energética. Por pouco tempo o escutamos fazer, depois ele usou a arma.
Um feixe de luz diminuto saiu pelo cano.
— Eu tirei a cobertura e agora estou queimando a fechadura. Depois de pronto,
coloco novamente a cobertura por cima da fechadura. Deste modo evitamos que o meu
trabalho seja descoberto cedo demais.
— No hotel, com toda certeza, existe um aparelho de rastreamento — supôs Atlan.
— Certamente agora já sabem que houve alguma descarga energética.
— Pode ser — disse Tannwander. — Entretanto, o golpe energético foi tão fraco
que não é possível localizá-lo. A polícia do hotel vai achar que o impulso veio da rua.
Desejei que o que Tannwander estava dizendo fosse verdade. Caso contrário,
poderia acontecer que já estivessem esperando por nós, quando entrássemos no poço do
elevador.
Tannwander deu um empurrão e abriu a porta. Um depois do outro penetramos num
corredor, que apenas uma lâmpada fraca iluminava parcamente. Nas paredes havia,
estacionados, pequenos veículos de transporte de carga.
O elevador de carga era uma simples plataforma, rodeada de grades de metal.
— Por que não subimos de elevador? — quis saber Brazos Surfat.
Tannwander apenas olhou-o com um olhar de desprezo. Ele pulou por cima da
grade metálica, puxando-se depois para dentro do poço. Nós o seguimos. Conforme
Tannwander supôs, havia realmente degraus metálicos, pelos quais era possível subir.
— Não faz sentido todos nós subirmos — disse Rhodan. E apontou para mim e
Kakuta. — Modrug, o senhor e Assaraf acompanham Tannwander e a mim. Tolareff fica
aqui com os outros, para evitar que tenhamos alguma surpresa desagradável.
Tannwander ia na frente, trepando para cima com grande habilidade. Seguiam-no
Kakuta e Rhodan. Eu fazia a retaguarda. Dentro do poço estava escuro, porém, através de
fendas nas portas, podíamos ver em diversos lugares que a luz estava acesa em muitos
andares do hotel.
— Parem! — disse Rhodan, de repente, num grito abafado.
Eu vi que ele levava o registrador de impulsos ao ouvido. Tannwander olhou para
baixo.
— Estou recebendo impulsos — disse Rhodan. — Ao que parece Trahailor é nosso
homem.
Tannwander gemeu.
— Está satisfeito, agora? — quis saber ele.
— Precisamos chegar até ele — pediu Rhodan. — Se quiser, não precisa
acompanhar-nos. Diga-nos apenas o número do apartamento do conselheiro.
— Ele ocupa todo um andar. É fácil encontrá-lo — ele soltou uma de suas mãos,
para fazer um gesto impaciente.
— Mas eu continuarei acompanhando-os.
Finalmente alcançamos o telhado. A porta foi aberta sem dificuldade. Logo depois
nos achávamos ao ar livre. Aliviado eu inalei aquele ar fresco da noite.
Tannwander apontou para umas construções de cobertura, iluminadas, do outro lado
do telhado.
— Ali moram os empregados do hotel — declarou ele.
— Temos que ter cuidado, para não sermos vistos.
Ele conduziu-nos até a beira do telhado, curvando-se por cima do mesmo.
— Aquelas duas janelas grandes pertencem ao apartamento de Trahailor — disse
ele.
Eu olhei para baixo. As janelas estavam iluminadas, porém as vidraças eram opacas.
Ouvi o leve zunir do registrador de impulsos. As palmas de minhas mãos estavam
úmidas, de tão nervoso que estava. Rhodan e Kakuta, ao contrário, permaneciam
completamente calmos. Eles estavam acostumados a estas situações.
— Como é que podemos chegar ao apartamento de Trahailor? — perguntou
Rhodan.
Tannwander levou-nos para o outro lado do telhado, tomando o cuidado de evitar as
luzes que saíam das janelas dos quartos do pessoal do hotel. Nós nos movimentávamos
sem fazer o menor ruído. Ao ouvirmos vozes, todos se jogaram ao chão, ficando de
bruços. Ouviram-se passos. Alguém riu, depois o silêncio voltou. Tannwander fez um
sinal. Nós nos levantamos imediatamente e corremos, agachados, para a frente.
Depois, logo nos encontramos diante de uma escada, que descia, iluminada.
— Agora a coisa vai ficar perigosa! — murmurou o lemurense.
Rhodan colocou-lhe uma mão no ombro.
— Agora nós seguimos, sozinhos, meu jovem amigo. O que temos que liquidar com
Trahailor não é do seu interesse, apenas do nosso.
Os lábios de Tannwander comprimiram-se, até parecerem duas tiras estreitas.
— Nós não o atraiçoaremos! — garantiu-lhe Rhodan, rapidamente.
Parecia que o lemurense ia protestar, porém depois ele voltou-se, abruptamente, e
desapareceu na escuridão. Rhodan fez-nos um sinal com a cabeça e desceu a escadaria.
Aquela claridade, entretanto, deixou-me ainda mais nervoso. A cada instante eu esperava
ver algum empregado do hotel, vindo ao nosso encontro.
— Os impulsos! — disse Rhodan, de repente. — Pararam!
Ele saiu correndo. Kakuta ficou nos seus calcanhares. Eu não tive outra alternativa
senão acompanhá-los. Perguntei-me o que a interrupção dos impulsos poderia significar.
Trahailor tomara o elevador para descer, ou acontecera alguma outra coisa?
A escadaria desembocava num corredor, revestido de tapetes. No teto havia grandes
lustres de cristal. Entretanto, não tínhamos tempo para prestar atenção nessas coisas.
— Ali fica o apartamento de Trahailor! — Rhodan apontou-nos a direção.
Chegamos até a porta. Estava apenas encostada. Eu sentia o meu coração bater
fortemente.
Rhodan bateu na porta. No interior nada se mexeu. Também no corredor tudo
permanecia em silêncio. Rhodan ergueu as sobrancelhas. Trocou um olhar rápido com
Kakuta.
Depois abriu a porta inteiramente.
O conselheiro para Assuntos de
Comunicação e Polícia, Trahailor,
estava estendido no chão, logo atrás da
porta. Eu vi imediatamente que ele já
não vivia. O seu queixo pendia,
flácido, os olhos estavam revirados.
Deixei escapar um grito, logo abafado,
e recuei. Rhodan curvou-se por cima
do morto, rasgando a camisa do
homem, no peito.
— Nada de ativador celular! —
disse ele, espantado.
Virou Trahailor de barriga para
baixo. Sangue manchava o tapete.
Rhodan ergueu-se novamente.
Por cima do seu ombro pude ver que uma faca de catapulta estava enfiada nas costas do
lemurense. Só podia ser uma faca de catapulta, pois o cabo praticamente sumira no corpo
de Trahailor. Facas de catapulta eram arremessadas por pistolas de ar comprimido.
— Alguém o assassinou pouco antes de chegarmos aqui — disse Rhodan, em voz
baixa. — Alguém que usa um ativador de células!
Agora tudo me parecia mais claro. Trahailor recebera visita pouco antes de nossa
chegada. Sem de nada desconfiar, Trahailor deixara o seu visitante entrar. Logo após
cometer o crime, o portador de ativador celular fora embora. Por esta razão nós tínhamos
podido rastrear os impulsos apenas por pouco tempo.
— Este crime pode ser debitado à conta de um dos senhores da galáxia — disse
Tako Kakuta. — Nós chegamos tarde demais. A busca terá que prosseguir.
— Talvez Tannwander possa ficar sabendo quem foi o visitante de Trahailor —
disse eu.
— Acha que o senhor da galáxia teria cometido o engano de se mostrar a alguém?
Ele, com toda certeza, terá um álibi.
Eu voltei o meu rosto, para que Rhodan não pudesse ver o quanto a visão de
Trahailor, assassinado, me perturbara. A brutalidade usada pelo assassino deixou-me
horrorizado. O motivo do crime parecia claro: O senhor da galáxia queria consolidar o
seu poder na Lemúria. E com toda certeza tinha interesse em assumir o cargo ocupado
por Trahailor.
Saímos do apartamento fechando a porta. Sem sermos vistos, chegamos ao telhado.
Tannwander esperava no alto da escada.
— Mas isso foi uma entrevista muito rápida — disse ele, zombeteiro.
— Nem chegamos a ter uma entrevista — disse Rhodan, numa voz natural. — O
conselheiro já estava morto.
— Morto? O que quer dizer isso?
— Isso quer dizer que vamos ter que continuar procurando — disse o
Administrador-Geral.
8

Nós saímos do Emmed-Hotel pelo mesmo caminho pelo qual havíamos entrado. Em
poucas palavras, Rhodan informou a Atlan e aos outros homens o que tinha acontecido.
Ao chegarmos ao ar livre, verificamos que recomeçara a chover. As ruas laterais não
eram cobertas.
— Leve-nos agora ao hotel de Nevis-Latan — disse Rhodan ao lemurense.
Inesperadamente, Tannwander puxou a sua arma. Apontou-a para Perry Rhodan e
recuou um passo.
— Isso eu não vou fazer — disse ele. — Eu não sei quem os senhores são, e que
fins têm em mira, mas sei que assassinaram Trahailor. Fui suficientemente maluco para
trazê-los a este hotel. Nevis-Latan provavelmente será a sua próxima vítima.
— Ouça-me bem, por um momento — disse Rhodan, irritado. — Não vá cometer
nenhuma bobagem.
Tannwander continuou recuando lentamente sem baixar a arma. Logo em seguida,
entretanto, ele levou uma de suas mãos à cabeça. Cambaleou e deixou cair a arma.
— Isso basta, André — disse Rhodan para Noir. — Deixe-o livre.
Redhorse, entrementes, juntara a arma energética do lemurense. Tannwander olhou-
nos, como quem não quer acreditar. Murmurou alguma coisa. Rhodan esperou até que o
lemurense já estivesse novamente sob controle.
— Eu lhe asseguro que nós não matamos Trahailor — disse ele, com insistência. —
O senhor está agora sob nosso poder, entretanto nada faremos contra sua pessoa. Apenas
peço-lhe que nos ajude mais uma vez. Se não o fizer de livre e espontânea vontade,
podemos obrigá-lo, do mesmo modo como o obrigamos a largar a arma.
Tannwander ficou parado ali, com os punhos cerrados. A presunção exagerada do
seu valor fora profundamente abalada no rapaz. Eu pude notar que ele lutava,
internamente, consigo mesmo. Não sabia como devia comportar-se. Seu inconsciente
exigia que ele se vingasse por aquela humilhação. Mas o momento atual dizia-lhe que
nada poderia fazer contra nós.
— Quem são os senhores? — quis saber ele, com veemência. — De onde vêm?
— Não somos nem lemurenses nem alarianos — disse Rhodan. — Provavelmente
não acreditaria na verdade, do mesmo modo como não acredita na história que nós lhe
contamos. Estamos procurando, neste planeta, por um homem, que não é um lemurense,
mas que está tentando dirigir os destinos deste planeta.
— De que planeta vêm os senhores? — quis saber Tannwander.
Rhodan voltou-se para Atlan.
— Talvez deveríamos contar-lhe tudo — disse o arcônida, calmo.
— Viemos da Terra — disse Rhodan. — Da Lemúria.
— Não! — gritou Tannwander. — A Lemúria não existe mais. Nosso planeta natal,
do qual os meus ancestrais fugiram, agora é um deserto de gelo.
— Exatamente — confirmou Rhodan. — Nós viemos de um outro período do
tempo.
Tannwander deu uma gargalhada. Sacudiu a cabeça e aproximou-se, de punhos
fechados, de Rhodan. Sem dificuldades o Administrador-Geral livrou-se do ataque. Fez
um sinal a Noir.
— Tire dele a lembrança daquilo que lhe contamos. Faça também com que esqueça
da morte de Trahailor. Depois, ele nos conduzirá até Nevis-Latan.
— Jamais! — berrou Tannwander, querendo livrar-se das mãos de Rhodan.
Logo depois, entretanto, sua resistência diminuiu. Rhodan soltou-o. Mais uma vez
estávamos à sombra do portal escuro. André Noir precisou de um quarto de hora para
deixar Tannwander dócil. Quando o liberou, o lemurense comportou-se como se nada
tivesse acontecido.
— Trahailor foi um rebate falso — disse Perry Rhodan. — Agora chegou a vez de
Nevis-Latan.
Neste instante, os alarmes começaram a soar por todo o Emmed-Hotel.
— Eles descobriram que alguém arrombou alguma dependência do hotel — disse
Tannwander. — Está na hora de sumirmos daqui.
Ele não podia saber o que realmente tinham encontrado no hotel. A notícia da morte
de Trahailor rapidamente se espalharia pela cidade. E estas notícias nós não poderíamos
esconder de Tannwander. André Noir teria que intervir constantemente. Porém esta não
era a principal dificuldade. A morte de Trahailor mobilizaria os outros conselheiros. Era
questionável que ainda os encontraríamos nos seus hotéis, depois disso.
***
Os passantes, que encontrávamos, não nos davam maior atenção que antes.
Atravessamos o parque, não respeitando nem um canteiro de flores, e nos
escondemos, por alguns instantes, num pavilhão de ferramentas, quando Tannwander viu
dois membros da polícia local se aproximando. Pouco depois, alcançamos uma rua, que
se lançava, em forma de viaduto, por cima de outras ruas de tráfego intenso, mais abaixo.
— Precisamos passar pelo viaduto — disse Tannwander.
— Lá em cima, o tráfego parece intenso — disse Rhodan. — Não há um outro
caminho que pudéssemos tomar?
Tannwander apontou para um lugar abaixo da rua.
— Está escutando esse rumorejar? — perguntou ele.
— É o canal principal que atravessa a cidade. Através dele podemos chegar até sob
o Taru-Hotel.
Rhodan anuiu.
— Vamos pelo canal — decidiu ele.
— É perigoso — avisou Tannwander.
Nós seguimos quase a cem metros abaixo do viaduto, até chegarmos a um declive.
O rumorejar de água agora podia ser ouvido nitidamente.
Seguimos ao longo do declive, até que encontramos uma entrada para o canal.
— Às vezes a água está tão alta, que é difícil passar — declarou nosso
acompanhante lemurense. — O canal desemboca no mar. Entretanto nós vamos ter que
enfrentá-lo em direção contrária.
O lemurense assumiu a ponta. Nós o seguíamos cuidadosamente. O marulhar da
água agora estava tão próximo que eu temia, a cada segundo, cair no canal. Logo em
seguida, entretanto, o solo amolecido sob os meus pés acabou. Senti o metal duro de uma
passarela. Minhas mãos encontraram a borda superior da proteção lateral.
Bem junto de mim, caminhava Surfat. Doutreval estava atrás de mim. O fedor era
terrível, mas nós já nos havíamos acostumado, nestes últimos dias, ao mau cheiro. Depois
de sairmos desse canal, provavelmente haveria alguma oportunidade, em algum lugar,
para tomar um banho. Jamais em minha vida eu estivera tão sujo — sujo por ordem
superior.
Chegamos a um lugar onde o teto do canal era interrompido. A luz que caía, lá de
cima, era o suficiente para podermos reconhecer o que havia em volta. Aquele caldo sujo,
que fluía em relativa velocidade, chegava quase até a passarela metálica. Depósitos das
paredes do canal mostravam-me que a água, muitas vezes, já devia ter subido bem acima
do seu nível atual. Tanto a passarela como as balaustradas estavam carcomidas pela
ferrugem. As paredes estavam recobertas de cogumelos de mofo. Este era o outro lado
dessa moderna cidade lemurense.
Nós nos movimentávamos silenciosamente através do canal. Cada passo exigia
redobrada atenção, pois a passarela metálica era escorregadia e irregular.
Eu achei que devia ter se passado pelo menos uma hora, após nossa entrada no
canal, quando Tannwander finalmente mandou-nos parar.
— Chegamos ao nosso destino. Por cima de nós, está o Taru-Hotel.
— Aqui está completamente escuro — retrucou Atlan. — Como é que o senhor
pode saber que este é o lugar certo?
Eu ouvi Tannwander rir na escuridão. Ele soava seguro de si mesmo, como sempre.
— Eu passei tempo suficiente nos canais das grandes cidades da Lemúria, antes de
assumir a chefia da organização de meu tio — disse ele. — Os senhores não devem
esquecer que eu tenho sido perseguido desde os meus doze anos de vida. Conheço todos
os esconderijos que existem em Stolark.
— Suponhamos que sua afirmação esteja correta — disse Rhodan. — Como é que
podemos chegar lá em cima?
— Há dois caminhos — anunciou o lemurense. — Um segue através de um braço
lateral do canal. Os esgotos do hotel passam por ele ao canal principal. Este caminho
oferece perigo de vida, e eu não tenho certeza de que possa ser utilizado. O segundo
caminho passa por uma abertura do canal, que sai para a rua lá em cima.
— Para a rua? — perguntou Rhodan, espantado. — Pensei que a rua estivesse muito
acima do canal.
— Aqui já não está mais — resmungou Tannwander, impaciente. — O teto do canal
é, ao mesmo tempo, o piso da rua.
— E lá em cima... há muito tráfego?
— Bastante — retrucou Tannwander. — Afinal de contas, trata-se de uma via
principal.
— Isso significa que não podemos ir todos juntos —- decidiu Rhodan. — Modrug,
o senhor e Assaraf acompanham-me até lá em cima. Os demais esperam aqui.
— Sem minha ajuda o senhor não conseguirá chegar ao hotel — profetizou-nos
Tannwander. — Provavelmente já serão agarrados, no momento em que suspenderem o
tampão do canal.
— Quer me dizer que está com medo que nos aconteça alguma coisa? — quis saber
Rhodan, divertido.
— De modo algum — retrucou Tannwander. — Mas quem os vir saindo de dentro
do canal vai querer investigar se não têm acompanhantes. O que pode acabar sendo
perigoso para mim.
Rhodan riu, roucamente.
— Não se preocupe. Nós vamos ter que chegar a este hotel, custe o que custar. Por
isso, vamos ser muito cuidadosos.
Tannwander não respondeu. Uma de suas virtudes era que ele jamais discutia
quando verificava que alguém tomara uma decisão definitiva.
— Como é a situação, de ambos os lados da rua? — quis saber Perry Rhodan.
— No lado oposto, existe uma fileira de edifícios, com portas fechadas. Ali não
poderá esconder-se, já que nem conseguiria atravessar a rua, sem ser visto.
— Muito bem — disse Rhodan, calmo. — Como são as coisas, do nosso lado?
— Nós nos encontramos na altura dos jardins do hotel — disse Tannwander. —
Mas devo avisá-los: O jardim é murado. Não tentem passar por cima do cercado, pois o
mesmo fica ligado ao sistema de alarme e rastreamento, desde que, por diversas vezes,
houve arrombamentos no Taru-Hotel.
— Que desagradável para o senhor! — disse Atlan, zombeteiro.
— Sempre existem outros caminhos, para penetrar num edifício, quando se deseja
fazê-lo — declarou Tannwander, sem se perturbar.
O lemurense conduziu-nos, a Rhodan, o teleportador e a mim, até o tampão do
canal. Na parede do canal havia degraus de metal, pelos quais podíamos subir.
— Não acha que devia pensar melhor, mais uma vez? — disse Tannwander.
Ele não obteve resposta. Rhodan subiu primeiro, depois Kakuta e eu o seguimos.
Consegui ouvir as mãos de Rhodan tateando na parte inferior do tampão do canal, depois
ressoou um ruído metálico. De repente, um raio de luz passou por uma pequena fresta,
para dentro das águas sujas do canal. E agora já podia ouvir-se o ruído dos motores dos
veículos. Passaram-se alguns minutos. Rhodan observava a rua.
— Não há pedestres — disse ele. — Quando saltarmos para fora, temos que prestar
atenção para não entrarmos nos feixes de luz dos veículos. Diante do muro do jardim do
hotel há uma depressão do terreno, que é, ao mesmo tempo, o limite da rua. É para ali que
temos que ir, em primeiro lugar.
Eu tremia de frio e nervosismo. Rhodan afastou o tampão de vez. Por um instante,
pude ver o seu rosto barbado à luz da iluminação da rua. Os cabelos quase cobriam-lhe o
rosto, em desalinho. Se ele fosse visto, agora, pelo motorista de algum carro, este
certamente começaria a acreditar na existência de fantasmas.
— Os senhores não devem seguir-me imediatamente — disse Rhodan para mim e
Kakuta. — Esperem até que a distância entre alguns veículos seja tão grande que não haja
perigo de serem descobertos.
Por um instante ele ainda ficou agachado no degrau de cima, depois, com um
impulso, saiu de dentro do canal. Sem ruído, saiu logo correndo. Tako Kakuta seguiu-o
poucos segundos depois. Eu subi ainda mais, de modo que pudesse olhar para fora do
buraco.
A rua estava molhada pela chuva e brilhava à luz dos faróis dos veículos e da
iluminação pública. Os carros passavam por mim em alta velocidade. Eu podia ver os
motoristas. Os olhares deles eram dirigidos para a frente apenas, mas até mesmo se
olhassem para os lados eu certamente não seria descoberto, já que o buraco ficava no
escuro. Apesar disso, de repente senti-me como que paralisado. Os edifícios do outro lado
da rua em parte estavam iluminados, e atrás das janelas pude ver as sombras de
lemurenses. Voltei a cabeça. Em diagonal, diante de mim, estava o hotel, um edifício
enorme, muito iluminado. O jardim do hotel, entretanto, ficava em completa escuridão.
Senti uma lerdeza jamais sentida antes em minhas pernas. Não faltou muito e eu
teria soltado o degrau metálico, para precipitar-me no canal, lá embaixo. Somente a
lembrança dos homens, que em algum lugar, lá do outro lado da rua, esperavam por mim,
evitou que eu desistisse de tudo.
Puxei-me para fora do buraco do canal. Por um instante fiquei deitado, respirando
forte, na rua molhada, enquanto o rumor dos motoristas dos veículos parecia aumentar
cada vez mais. Eu continuei em frente, esgueirando-me através de poças de água,
passando por cima da beira da rua, para o declive.
Rhodan e Kakuta estavam agachados no chão, um do lado do outro, fazendo-me um
sinal. Quando me encontrei junto deles, a minha tensão de repente passou.
Dali podíamos ver a entrada principal do hotel. Constantemente carros de luxo
paravam diante da mesma. Também na área de estacionamento de planadores o tráfego
era intenso. Por esse caminho, era impossível entrar no hotel.
— Talvez basta que nos aproximemos um pouco mais, para podermos ouvir os
impulsos — disse Rhodan.
Kakuta olhou para o telhado.
— Acha que devíamos arriscar um salto? — perguntou ele.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Antes de mais nada, faça uma teleportação conosco para dentro do jardim do
hotel. Talvez possamos penetrar no hotel, a partir dali.
Kakuta agarrou-nos pelos braços. Nós desmaterializamos. Praticamente no mesmo
instante rematerializamos nossos corpos do outro lado do muro, sem que os aparelhos de
rastreamento, dos quais Tannwander falara, nos pudessem detectar. Nós estávamos, de
pé, entre arbustos da altura de um homem, num caminho pavimentado com lajotas
plásticas.
Seguimos este caminho para nos aproximarmos do hotel. No lado dos fundos havia
uma enorme varanda.
— E agora? — perguntou o teleportador.
Rhodan observava as entradas. Todas elas iam dar na recepção. E ali havia tanto
movimento que não poderíamos ousar penetrar no edifício por esse caminho.
— Precisamos subir num balcão! — decidiu Rhodan apontando para cima.
Cada apartamento tinha um balcão. Alguns dos apartamentos estavam iluminados.
— Salte conosco para um dos andares do meio — ordenou Rhodan ao mutante. —
Escolha um balcão às escuras.
Kakuta agarrou o meu braço. Inconscientemente eu recuei, mas a sua mão parecia
de ferro. Se ele sentiu que eu estava nervoso, não deixou-o perceber. Antes de eu poder
dizer alguma coisa, encontrei-me, junto com meus dois acompanhantes, num balcão que
ficava mais ou menos no quarto andar. Rhodan ergueu a manga de sua jaqueta. Podia-se
ouvir claramente o zunido do aparelhinho de rastreamento.
— Nevis-Latan! — disse Rhodan, com a voz embargada. — Eu bem que o imaginei
Ele deve estar, em algum lugar, neste hotel.
Agora já sabíamos quem era o senhor da galáxia, e onde ele estava hospedado.
— Ele deve estar morando em algum lugar nos andares centrais do edifício —
achou Tako Kakuta. — Acha que vamos ter tempo suficiente para dar uma busca em
todos os apartamentos?
Rhodan fez que não. Apontou para o balcão ao lado. Os quartos ao qual ele
pertencia tinham as janelas iluminadas. Rhodan apontou para uma das janelas.
— Vamos perguntar onde o conselheiro mora.
Antes que eu ou Kakuta pudéssemos fazer alguma coisa, Rhodan deu um pontapé
numa das grandes vidraças, estilhaçando-a, e saltou para dentro do quarto. Eu vi os dois
lemurenses levantarem-se de um salto, muito assustados. Kakuta penetrou no quarto. Eu
o segui. Com poucos saltos, Rhodan alcançara os lemurenses.
— Se gritarem, estão perdidos! — disse ele, ameaçador. O nosso aspecto foi
suficiente para fazer com que os dois silenciassem. Provavelmente temiam que este seria
o seu fim.
— Sentem-se! — ordenou Rhodan.
Quase que ao mesmo tempo, os dois lemurenses sentaram-se.
— Qual é o número do apartamento de Nevis-Latan? — quis saber Rhodan.
Quando nenhum dos dois respondeu, Rhodan segurou o maior pela gola do paletó,
levantando-o violentamente da cadeira. Se eu não soubesse, com certeza, que este homem
era o Administrador-Geral do Império Solar, eu o teria tomado por um criminoso, capaz
de qualquer coisa. Entretanto, Rhodan jamais deixaria levar-se a fazer qualquer mal aos
dois lemurenses.
Porém, nenhum destes dois homens sabia disso.
— Eu perguntei-lhes uma coisa! — resmungou Rhodan. O lemurense fechou os
olhos. O seu corpo tremia todo.
— O conselheiro mora nos apartamentos seis e sete, neste... neste andar —
conseguiu ele dizer.
Rhodan empurrou-o de volta sobre a cadeira.
— Estes dois apartamentos ficam deste lado do hotel?
— Sim — gemeu o homem. — O número seis fica afastado do nosso apenas por
dois quartos.
— Ótimo — anuiu Rhodan. — Modrug, o senhor fica com esses homens. Assaraf e
eu vamos fazer uma visitinha ao conselheiro. Se esses
dois sujeitos fizerem alguma bobagem, acabe com eles
— com um tiro!
— Certamente! — disse Kakuta, de cara fechada,
enfiando uma de suas mãos num bolso. Se os lemurenses
pudessem saber que nenhum de nós trazia uma arma,
provavelmente teriam se atirado em cima do pequeno
teleportador. Mas, deste modo, ficaram sentados,
tremendo de medo.
Rhodan fez-me um sinal com a cabeça, e nós
voltamos para o balcão. Rhodan contou as janelas.
— No número seis a luz está acesa — disse ele. —
Só espero que encontremos o nosso amigo.
— Pretende simplesmente penetrar lá? — perguntei
eu, estupefato.
— Naturalmente! — retrucou Rhodan. — Nós
temos que aproveitar esta chance.
Trepamos até o balcão do número seis, sempre
apertando-nos bem contra a parede. Depois olhamos para
dentro do recinto iluminado.
O Grão-Mestre Conselheiro Nevis-Latan estava, de
pé, no meio da sala. Ele era um homem alto, de
aparência solene, com sobrancelhas grossas e cabelos
cortados bem curtos. Suas mãos carnudas movimentavam-se rapidamente, sublinhando
com seus gestos as palavras que dizia aos outros homens que se encontravam com ele na
sala. Os lemurenses presentes traziam consigo aparelhos fotográficos e blocos de papel.
— Repórteres! — sibilou Rhodan. — Não podemos entrar aí agora.
— Talvez esses rapazes saiam logo — disse eu.
— Provavelmente eles o estão entrevistando, sobre a morte de Trahailor. Se eles
soubessem que têm, diante de si, um assassino!
— O que pretende fazer, sir?
— Será que nunca aprende? — perguntou ele. — Eu me chamo Schintas!
Nós vimos que Nevis-Latan fez um gesto impaciente, e saiu da sala. Os repórteres o
perseguiram como um enxame de insetos. Eu olhei para Rhodan e vi que ele tinha ambas
as mãos fechadas. Podia imaginar o que se passava em sua cabeça.
Nós tínhamos encontrado o senhor da galáxia... Somente este homem poderia dizer-
nos como poderíamos regressar ao tempo real. Porém parecia impossível nos
aproximarmos dele, agora.
— Sir — disse eu, hesitante. — Quero dizer, Schintas. Vamos penetrar no quarto
dele?
Rhodan bateu no aparelhinho de rastreamento.
— Não vale a pena. Os impulsos silenciaram. O conselheiro provavelmente pegou o
elevador e desceu. Não sabemos para onde ele irá. O melhor é voltarmos daqui.
Apesar de sua voz parecer calma, eu podia sentir que ele querelava com o destino.
Qualquer atraso poderia significar novos perigos para o Império Solar.
— Nós vamos encontrar novamente a sua pista — disse eu.
— Pelo menos vamos tentar encontrá-la — concordou Rhodan comigo.
Voltamos até onde se encontrava Kakuta e os dois mutantes.
— Continuem quietos, como até agora — avisou Rhodan, ameaçador.
Saímos para o balcão. Kakuta teleportou conosco até o declive junto da rua.
Alguns minutos mais tarde, nós nos encontrávamos novamente, junto com os
outros, dentro do canal.
— Vocês não o encontraram? — saudou-nos Atlan.
— Nevis-Latan é um dos senhores da galáxia! — disse Rhodan. — Entretanto ele
nos escapou. E não sabemos para onde ele foi.
— Eu acho que já os acompanhei por muito tempo — disse Tannwander, chateado.
— E não posso mais cuidar dos senhores.
Eu mal ouvia o que ele estava dizendo. Encostei-me na parede do canal e fechei os
olhos. Na realidade eu devia estar desesperado. Mas estava apenas cansado. Perry
Rhodan continuaria tentando encontrar, para nós, um caminho ao nosso tempo. Alguma
coisa de sua firme determinação também tomara conta de mim. Talvez eu estivesse no
caminho certo para me tornar um oficial competente.

***
**
*
O rato-castor Gucky e os “Vagabundos Espaciais”
tentam apoderar-se de Nevis-Latan, um dos senhores da
galáxia. Pois somente este homem tem a possibilidade
de derrubar a barreira do tempo que separa Perry
Rhodan e os homens da Crest do “tempo-real” do ano
2.404...
Esta aventura continuará no próximo número da
série Perry Rhodan, sob o título “Os Conquistadores do
Tempo”.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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