Nas Trilhas Da Jurema PDF

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DOI: http://dx.doi.org/10.

1590/0100-85872018v38n1cap05

N as Trilhas da Jurema

Rodrigo de Azeredo Grünewald*


*Universidade Federal de Campina Grande – Campina Grande
Paraíba - Brasil

Introdução

No Brasil, algumas espécies de plantas são chamadas de jurema. Esse mesmo


nome é aplicado, em contextos rituais variados, a bebidas elaboradas a partir dessas
plantas, mas também a outras não elaboradas a partir delas. Além de beberagens,
partes das plantas podem ser ainda usadas para banhos, para serem (de)fumadas etc.
Desde o período colonial, registra-se no Brasil o uso ritual da jurema entre popula-
ções indígenas, além da recorrência de usuários da jurema em meios rurais e urbanos.
Além disso, vários contextos e usos da jurema podem ser salientados desde os usos
pelas populações tradicionais até experimentações contemporâneas realizadas por
psiconautas que buscam experimentar seus aspectos místicos e aprimorar receitas a
fim de obterem as melhores extrações psicoativas, inclusive para testar novas hipó-
teses acerca da composição e de ações bioquímicas da jurema. Tais experimentações
são acompanhadas de uma quase total liberdade de recriações de settings rituais, que
são periodicamente reelaborados por indivíduos que reúnem grupos de adeptos.
Neste texto, apresento um leque de trilhas espirituais que se formaram a partir
da planta jurema, qualificando seus contextos e suas transmutações. Em função dis-
so, este artigo não pretende retomar e reforçar a ideia de um “complexo da jurema”
(Mota e Barros 1990; Nascimento 1994; Mota 2005) – como já o fiz anteriormente
(Grünewald 2008) –, mas seguir caminhando sobre trilhas abertas por aventureiros
espirituais que se verificam desde a época colonial até a atualidade com um conjunto
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de experimentalismos em torno daquilo que se convencionou chamar, em cada con-


texto com seu significado próprio, de jurema. Cabe especialmente ressaltar o vigor
da jurema na atualidade, quando vários dos seus usos, quer tradicionais ou pós-mo-
dernos, vêm sendo cultural e politicamente reforçados, ampliando mais ainda uma
fragmentação espiritual em torno das várias coisas que se chamam de jurema.
Se a noção de complexo da jurema já pudesse incorporar a miscibilidade freyre-
ana ressaltada por Assis e Labate (2014) para o caso do Santo Daime, são estes
autores, com uma perspectiva mais diacrônica, quem nos servem também como uma
forma de paralelo para a abordagem que faremos ao colocarmos, nos caminhos aber-
tos pelas matas sagradas a partir dos juremais do semiárido nordestino, o nosso fio
condutor para a apresentação de dados referentes a “co-tradições” que, em fluxos ou
“correntes culturais” (Barth 1984), foram configurando tradições rituais, espirituais
ou religiosas em vários lugares do Brasil. Se Assis e Labate sustentam que a expansão
do Santo Daime para além de fronteiras amazônicas e brasileiras é um fenômeno
original e sui generis, mas integrado à dinâmica da diáspora das religiões brasileiras e
colaborando para entender as ambivalências do panorama religioso atual (Assis e La-
bate 2014:12), no caso da jurema aqui em análise, sua plasticidade aparece também
de forma exuberante – porém mais plural – percorrendo tradições que a sustentam
de maneiras mais ou menos porosas. Aqui não se examina a expansão numérica de
uma religiosidade ou mesmo em termos de sua miscibilidade ou de suas dissidências
e rearrumações em torno de um determinado campo religioso (Bourdieu 1987), isto
é, um “campo ayahuasqueiro” – quer no sentido lhe atribuído por Goulart (2004) ou
por Barros (2016) –, com relação à diversidade de religiosidades ayahuasqueiras ou
até de diálogos para fora deste campo, como as religiosidades orientais, umbanda,
new age, xamanismo indígena etc. Neste artigo veremos não uma, mas diferentes
religiosidades, de base e origem em contextos (e campos) diversos, embora algumas
vezes umas apareçam como desdobramentos de outras.
Por fim, essa menção ao campo ayahuasqueiro (ou daimista) é relevante na
medida em que a ayahuasca e a jurema – embora com origem entre povos indígenas
de contextos bem distintos e geograficamente bem distantes – se encontraram em
determinado momento e passaram a caminhar juntas em alguns contextos – inclusive
na composição de uma jurema pós-moderna, que veio a ser chamada de juremahuasca
(Labate 2004). No caso da jurema utilizada contemporaneamente por psiconautas,
sua própria chegada ao Brasil foi por intermédio de uma pessoa que havia sido ligada
ao meio daimista. As primeiras duas pessoas que, tendo aprendido com ela a preparar
essa bebida no Brasil (mais especificamente no Rio de Janeiro, em janeiro de 1997),
eram também ligadas ao campo ayauasqueiro. Logo em fins da década de 1990 e
início da década seguinte funcionou em Piabetá (RJ) a primeira instituição religiosa
oficialmente registrada (Centro Enteogênico Flor de Jurema), onde a jurema, mis-
turada ou não com peganum harmala – e às vezes ainda ao próprio daime (“judai-
me”) – era utilizada por pessoas fardadas do Santo Daime que ali presidiam rituais
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baseados, sobretudo, no arcabouço musical daimista. Fardamentos ali eram realiza-


dos com a mesma estrela do Santo Daime e demais ritos próprios àquela doutrina.
Enfim, os primeiros psiconautas brasileiros a utilizarem a jurema são originários do
campo ayahuasqueiro e trazem para a experimentação com a jurema uma perspectiva
nitidamente religiosa – ao contrário do contexto europeu – como já avançada por
mim em outro texto (Grünewald 2008).
Mais ainda, além dessa jurema, que vou chamar de pós-moderna, há que se le-
var em conta aspectos de outros campos religiosos nos quais a jurema se faz presente,
se entrelaçando às religiosidades e espiritualidades ali manifestas, como no caso dos
indígenas do Nordeste do Brasil, o catimbó, a umbanda e a religiosidade chamada
mesmo simplesmente de jurema. Tais religiosidades, ainda, perpassam folguedos de
algumas regiões do Nordeste do Brasil nos quais a jurema também se apresenta como
uma força fundamental para a sustentação de tais tradições.
Seguindo a Asad (1993), levamos aqui em consideração de uma maneira geral
as juremas como fenômenos que variam no tempo e nos lugares. Tudo o que conhe-
cemos como jurema vem de contextos históricos posteriores ao contato colonial. A
jurema, inclusive, foi marca de oposição entre o colonial e o nativo – muitas vezes
com um viés mesmo pós-colonial. Não me parece possível refletir uma história dos
usos da jurema sem colocá-la em conexão com o pensamento colonial e moderno que
assimetricamente a relegou a um espaço subalterno. Na pós-modernidade também,
alguns dos novos sujeitos sociais (Velho 1995) com seu experimentalismo atual bus-
cam a crítica dessa assimetria por meio do misticismo com a jurema, tentando barrar
em alguma medida a arrogância da ciência médica e da modernidade como um todo,
cuja razão não permite aos indivíduos escutar o mundo (cosmos) mais amplo. De
fato, enquanto o conceito de religião tem uma aplicabilidade estrutural consistente
ao catolicismo em sua morfologia clássica no Brasil, os misticismos que emergiram
dentro ou ao redor dele, seja por revelações, sincretismos etc, faz com que tenhamos
dificuldade de aplicar tal conceito às religiosidades que têm na jurema seu elemento
essencial – mesmo que essas sejam chamadas, por certos grupos de nativos, de “reli-
gião”. Além disso, na perspectiva que assumo, as religiosidades da jurema em exposi-
ção aqui teriam ainda sentidos cambiantes conforme suas interpretações a partir de
performances locais.
As histórias dessas religiosidades são construídas pelas pessoas que as fazem
na ação, contestando e negociando significados em contato com tradições religiosas
(espirituais, místicas) diversas com as quais entram em contato – especialmente com
setores do catolicismo e da umbanda – e a partir de um lugar dialógico no qual vão
construindo sua existência cultural. Aqui, como Asad, vemos “não apenas um tra-
balho incessante de criação humana, mas também um caráter instável e híbrido de
sua criação” (Asad 1993: 2). Além disso, as pessoas que experimentam essas religio-
sidades (e as próprias religiosidades), mesmo que localizadas, não devem ser pensadas
como enraizadas, pois movimento e comunicação são fundamentais para suas com-
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posições de uma maneira geral. Autenticidade não é algo inato ou primordial, mas
fruto da agência humana constante e historicamente criativa, procedendo inclusive
a cópias, empréstimos culturais etc., que acabam por configurar e reconfigurar novas
religiosidades que são fruto da mistura a qual vai se acompanhar, consequentemente,
de novas identidades culturais autênticas e igualmente mestiças, relacionais e inven-
tivas. Claro que todos esses movimentos não são apenas espontâneos, mas cingidos
por constrangimentos diversos que deveriam nos fazer ressaltar questões de poder,
que incluem na mobilidade – como podemos refletir a partir de suposições do Asad
acerca de Arendt (Asad 1993: 11) – processos de criação de significados e definição
de identidades. Contudo, no espaço deste artigo, não cabe um exercício tão extenso
e voltado a casos específicos, mas sim fazer um passeio por contextos variados e com
um tom mais evocativo.
No mais, concluindo meus direcionamentos epistemológicos, quero dizer que
trago por background ainda perspectivas iniciadas com a virada pós-moderna e a
antropologia da experiência, as quais, para além de elementos convencionais, vão
nos direcionar o olhar para os ruídos e elementos estruturalmente arredios presentes
nas sociedades. De fato, a virada pós-moderna enunciada por Turner (1987) busca
evidenciar coisas que escapam das classificações e dos paradigmas da ordem, com foco
nas falhas, hesitações, fatores pessoais, componentes situacionais de performance que
são incompletos, elípticos e, por isso, com força para a criatividade genuína (Turner
1987:77). Embora este não seja um texto etnográfico, a forma de etnografia coerente
com tal perspectiva pode ser, por exemplo, encontrada em Babcock (1999), que sugere
a descrição de justaposições, pastiche e inconsistência funcional nos textos antropo-
lógicos, os quais, como no nosso caso, deve celebrar (para os contextos analisados) a
coexistência de itens culturais originados em diferentes lugares e momentos históricos.
Nesse sentido, aqui não se busca descrever formas culturais autênticas, não existe uma
jurema autêntica, mesmo porque – como lembraria Bruner (2004) – a cultura está
continuamente mudando e existem muitas variantes de uma mesma cultura.
Interessa-me ainda a antropologia da experiência na medida em que ela volta
sua atenção para a experiência e suas expressões enquanto significado nativo (Bruner
1986). No entanto, se experiência tem sido recentemente uma questão importante
para se demarcar os espaços da religião e da espiritualidade, nem por isso, em conso-
nância agora com Geertz (2001), noções vinculadas a sentido, identidade e poder de-
vem ser deixadas de lado para se “captar as tonalidades da devoção em nossa época”
(Geertz 2001:152), ou para, mais amplamente, procedermos à descrição daquilo que
se pode destacar quando nos debruçamos sobre o que se vem chamando de religião.
De qualquer modo, o importante – e que sustenta a composição deste artigo
– é termos em mente, em consonância com Barth (2000a), que a realidade é muito
mais ampla do que a consciência e as experiências das pessoas. Mesmo as realidades
construídas por grupos de rituais não abrangem a totalidade das sociedades ou con-
textos religiosos onde se situam. Para Barth, “os vários horizontes limitados das pesso-
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as se ligam e se sobrepõem, produzindo um mundo maior que o agregado de suas res-


pectivas práxis gera, mas que ninguém consegue visualizar. A tarefa do antropólogo é
mostrar como isso se dá, e mapear esse mundo maior que surge” (Barth 2000a:137).
Este artigo se constrói sobre dados de campo coletados sistemática e assis-
tematicamente entre pessoas dos diversos contextos aqui examinados, bem como
conversas informais, entrevistas realizadas presencialmente, mas também conversas
telefônicas, questionários aplicados pela internet, além da participação em inúmeros
rituais. Tudo isso ao longo de mais de duas décadas. O artigo baseia-se também em
dados históricos e bibliográficos, bem como em dados coletados por terceiros.
Como já avançamos posições teórico-metodológicas nesta introdução, seguirei
neste artigo com uma contextualização dos usos da jurema sem a apresentação de
uma parte teórica formal, procurando avançar tenuemente por meio da diversidade
que envolve uma série de expressões em torno da jurema. Mais que se ater na litera-
lidade do texto, convido o leitor a um exercício alegórico e a buscar viajar para além
das linhas escritas; a voar e mergulhar, deslizar e fluir pela jurema.

Plantas, bebidas, performances e representações: a jurema em contextos


tradicionais

As plantas chamadas de jurema envolvem uma quantidade de espécies com si-


milaridades botânicas. Dentre essas, destaco a Mimosa Tenuiflora (Wild.) Poiret, geral-
mente chamada de jurema preta. Ela tem sua ocorrência mais marcante no semiárido
do Nordeste brasileiro. Para o momento, ressalto que, em partes dessa planta, mais
concentradamente nas entrecascas das raízes, encontram-se largas concentrações do
alcaloide N, N-dimetiltriptamina (DMT), que é considerado um alucinógeno pela
medicina moderna. Já para seus experimentadores, ela é tida como um enteógeno,
tendo em vista sua capacidade de promover experiências místicas.
São múltiplas as formas de preparo e de consumo da jurema. Desde os usos
indígenas a outros contextos tradicionais, registram-se (Grünewald 2008) várias
plantas e outros ingredientes que podem eventualmente ser adicionados à jurema
para seu uso ritual. Não sabemos de estudos arqueológicos que nos informem sobre
o uso da jurema em tempos pré-coloniais. De qualquer forma, nossa viagem só pode
começar na região Nordeste do Brasil, pois é lá que estão as primeiras referências ao
que chamamos inicialmente de jurema.

A jurema no interior do Nordeste

No semiárido nordestino, onde a jurema se apresenta mais recorrente e onde,


no meu entendimento experiencial, suas cascas contêm concentrações muito maio-
res de DMT – a ver pela própria coloração fortemente avermelhada, que só apare-
ce como característica das juremas em solos secos –, não temos registros históricos
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de seu uso em momentos pré-coloniais ou mesmo coloniais. Parece ter havido um


proposital silenciamento na historiografia dos evangilzadores jesuítas e franciscanos
sobre o uso dessa planta, embora ritos tenham sido registrados, como os descritos, por
exemplo, por Pompa (2003). Já elementos arqueológicos que podem ser vinculados à
jurema foram coletados por Hohenthal Jr. na década de 1950, fazendo parte de uma
de suas coleções (Grünewald e Palitot 2011).
De fato, só a partir de 1938, com a Missão de Pesquisas Folclóricas, levada a
efeito por iniciativa de Mario de Andrade (Carlini 1993), é que o toré, performance
mais corriqueira entre os indígenas do interior do Nordeste, vai começar (no caso
acima entre os Pankararu) a ser sistematicamente registrado. Nessa mesma época,
aparecem os primeiros registros dos usos da jurema, mais especificamente por Carlos
Estevão de Oliveira (1942), que em 1938 registrou a festa do Ajucá com o uso da
jurema também entre os Pankararu de Itaparica em Pernambuco. Foi também entre
os Pankararu em Tacaratu que Gonçalves de Lima (1946) isolou a nigerina (depois
reclassificada como N, N-dimetiltriptamina – DMT) a partir da jurema indígena.
Daí em diante, com Estêvão Pinto (1956) ou Hohenthal Jr. (1954 e 1960), a dança
cerimonial do toré e o uso da jurema a ela associada passam a ser constantes na etno-
logia dos índios do interior do Nordeste e, muitas vezes, esmiuçadas nas etnografias
mais recentes desenvolvidas a partir de fins da década de 1980, como se observa nas
dissertações de Mota (1987), Batista (1992), Grünewald (1993), Nascimento (1994)
e trabalhos posteriores. De fato, o uso da jurema passou a ser emblemático das et-
nicidades dos índios do Nordeste e fundamental para suas cosmologias, de modo a
sobressair como marca característica da indianidade do índio nordestino.
Embora o toré e o uso ritual da jurema em contextos públicos (geralmente
festivos) e privados para fins variados (geralmente cura) sejam recorrentes a prati-
camente todos os povos indígenas do Nordeste do Brasil, cada um deles desenvol-
veu sua maneira específica de lidar com a jurema e de elaboração ritual. Não tenho
conhecimento empírico da maioria dessas populações, especialmente daquelas que
performam o praiá ou que tenham ainda o espaço ritual do ouricuri, embora uma li-
teratura sobre seus rituais já seja relativamente extensa. Buscar descrever os detalhes
ou nuances dos usos da jurema em cada um dos registros apontados nessa literatura
seria algo demasiado para a proposta deste artigo. Assim, passo aqui a caracterizar
sumariamente como a jurema é utilizada entre os Atikum, povo indígena habitante
da Serra do Umã, em Carnaubeira da Penha, sertão de Pernambuco, e com o qual
tenho vasta experiência empírica.
Primeiramente, vale dizer que houve uma difusão da prática ritual do toré
entre os índios do Nordeste a partir da década de 1930, o que perdura até os dias
atuais. De fato, para o reconhecimento de territórios indígenas a partir daquela déca-
da, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI) requeria a realização de torés por parte dos
indígenas como atestado de indianidade (Grünewald 1993; 2002; 2005a; 2005b). A
partir de uma ampla rede comunicativa (Léo Neto e Grünewald 2012), muitos grupos
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indígenas emergentes passaram a aprender com outros grupos indígenas (ou retomar
e revigorar a partir de suas próprias experiências) tal ritualística, fundada em larga
medida no uso da jurema.
Se o toré tem uma dimensão pública com ou sem consumo de jurema, é nos
rituais mais discretos que a jurema ganha maior centralidade como uma bebida sa-
cramental, ou enteógeno – termo cunhado por Ruck, Bigwood, Staples, Ott e Wasson
(1979) e que se refere ao advento de Deus na pessoa. Para tais rituais, a casca da raiz
(preferencialmente) ou do caule da jurema – geralmente a jurema preta sem espinhos
(Grünewald 2008) – é colhida em matas, pilada ou macerada com pedras, esfregadas
com as mãos em água fria e postas a descansar. Mais tarde, o bagaço da jurema será
retirado e a bebida, consagrada (geralmente com fumaça de cachimbo) para uso em
rituais, nos quais os indígenas entram em contato com os encantados e outros seres
invisíveis. A cura é a bebida da jurema misturada a alho e cachaça. Sobre esta bebida
se coloca fogo para evaporar o álcool – embora o gosto alcoólico permaneça presente.
O mel é um elemento recorrente nesses rituais, tendo importante função como ali-
mento dos caboclos, canindés e outros seres das matas a ponto de pensarmos em termos
de um complexo do mel associado à jurema indígena (Léo Neto e Grünewald 2012).
Assim como a jurema utilizada não deve possuir espinhos, o mel dos rituais deve, por
homologia, ser preferencialmente de abelhas sem ferrão (Ibid).
Embora efeitos visionários e outros de caráter alucinatório sejam relatados com
o uso dessas juremas, em geral, as alterações de percepção são apreendidas enquanto
fenômenos espirituais ou mediúnicos mais amplos – embora seja recorrente o alerta de
que a jurema pode embebedar. Efeitos propriamente alucinatórios não são procurados
nesses rituais, que buscam uma comunhão espiritual mais ampla com os invisíveis, se-
jam eles do céu, das matas, dos rios ou do mar. Sejam espíritos de índios já mortos, se-
jam seres que não tenham sua contrapartida no mundo físico, sejam seres indefiníveis.
Por fim, outro elemento essencial nos ritos de jurema são os cachimbos. Em Atikum,
por exemplo, eles são feitos da raiz da jurema e muitos dos cachimbos podem ser muito
antigos – ao que parece, do tempo que foram aldeados em uma missão no início do sé-
culo XIX. Em sua iconografia, os cachimbos trazem diversos elementos significativos:
como um importante cachimbo entre esses índios que, bem grande, tem desenhado
estrelas, cruzeiros, igrejas, peixe (sultão do rio) e um conjunto de três linhas quebradas
que se entrelaçam numa forma vertical, entendida por eles como a corrente da jurema.
Os cachimbos podem conter tabaco, velame ou ainda outras plantas como alfazema,
alecrim do mato etc. Não encontrei relatos do uso das folhas da jurema nos cachimbos
indígenas, embora isso seja cantado em música, como em tradicional toante para Mes-
tre Carlos. Esses cachimbos são geralmente confeccionados com as raízes da própria
juremeira e são usados muito menos para se fumar que para defumação realizada com
o soprar da fumaça pelo bico do cachimbo com o fornilho na boca.
Se sabemos que as folhas da jurema preta podem conter tanta concentração
de DMT no inverno nordestino (época das chuvas) quanto as cascas da raiz – além
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de apresentar triptofano e triptamina, como alerta Nicasio et al. (citados por Gau-
jac 2013) –, não parece ser o efeito dessa substância fumada (o que prescindiria de
inibidor de MAO para ser psicoativa – sem falar que a DMT é facilmente absorvida
no pulmão) o que os índios buscam em seus rituais. Com a fumaça dos cachimbos,
os índios visam geralmente afastar energias negativas e a purificação (Léo Neto e
Grünewald 2012). Por fim, nos contextos desses rituais encontramos também a pre-
sença de muitos elementos católicos (cruz, Jesus, Virgem Maria, santos etc.) e ainda
daqueles de origem supostamente africana, como os orixás e seus correlatos.
Quanto ao ritual em si, os indígenas geralmente o iniciam – após silvarem fora
da casa ritual com apitos de madeira anunciando aos seres físicos e invisíveis que o
ritual vai começar – sentados com orações e alguns toantes que abrem a corrente.
Depois disso, a jurema é servida e os índios então passam a cantar seus toantes ou
cantigas, sempre acompanhadas somente pelo maracá, que é um chocalho indígena
de cabaça (Crescentia cujete) com sementes no interior. Além do maracá, a batida
dos pés é muito importante não só pelo ritmo, mas para dar força ao ritual dançado
em uma roda que gira no sentido anti-horário. Um puxador canta os toantes, sempre
acompanhado por um coro, que atua em resposta ao puxador. Isso pode ser carac-
terizado como canto responsorial. Se os toantes são na grande maioria das vezes
cantados em português, ao final deles, de forma complementar, o puxador costuma
articular melodicamente fonemas (Ha; Nah; Hê, Hey; Hô) considerados por muitos
como a “língua indígena” – o que é uma importante marca, considerando-se que são
indígenas que conhecem apenas a língua portuguesa. Por vezes também, os toantes
podem ser complementados por outras vocalizações que pedem em português ajuda
a Jesus ou à Virgem Maria. Depois desses complementos melódicos, costuma-se dar
vivas a Deus, à Mãe de Deus, aos santos católicos, ao próprio povo indígena, a outros
povos, aos presentes e aos ausentes, aos visitantes, ao cacique e ao pajé etc. A jurema
pode ser servida uma ou mais vezes durante os rituais, mulheres menstruadas não
costumam bebê-la, bem como as crianças, que participam do ritual bebendo poncho
de maracujá. Os adolescentes, menos experientes, costumam beber menos jurema
que os homens adultos, que são os que mais a consomem nos rituais. Durante o
desenrolar do ritual, algumas pessoas (geralmente mulheres), irradiam, enramam ou
manifestam os encantados e ainda outros seres do mundo espiritual, como Zé Pelintra,
personagem sobrenatural típico do catimbó ou da umbanda regional. Por fim, esses
rituais não são idênticos nem mesmo dentro de uma aldeia indígena, pois vários con-
dutores de rituais podem trabalhar com correntes distintas. Os especialistas nesses
rituais são os detentores da ciência do índio (Grünewald, 1993; 2002; 2005b).
Esta é, portanto, uma apresentação sumária da jurema entre os Atikum. Pelo
que foi exposto, deve ter ficado claro o quanto essa religiosidade tem de mestiça.
Com largos elementos católicos e também oriundos do catimbó e da umbanda que
ali passaram a se fazer presentes por meio dos mais variados mecanismos culturais
durante a história particular do toré Atikum.
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No entanto, além do indígena, outros usos da jurema na região rural do inte-


rior do Nordeste podem ser salientados. No sertão, assim como no litoral (como ve-
remos), a jurema entrelaçada com a umbanda também se alastrou. Assunção (2006)
descreveu as reelaborações umbandistas no sertão nordestino e de como essa religio-
sidade mantém vínculos com o catimbó por meio da presença marcante dos mestres,
da manutenção de algumas sequências rituais, da feitura do juremeiro1 e de receituá-
rios de plantas.
De fato, os fluxos de co-tradições (Barth, 1984) rituais se encruzilhando nos
sertões são notórios. Por exemplo, alguns condutores de rituais de jurema em aldeias
indígenas trabalham com elementos do catimbó ou da umbanda, com especial refe-
rência a Zé Pelintra e aos mestres (todos oriundos do litoral) bem como aos orixás de
origem africana (esses, na maioria das vezes, aparecem somente nas músicas). Mas,
se isso ocorre no plano ritual, não deixa também de se estender ao plano étnico.
Serradela (2016) descreve o torégira no quilombo-indígena de Tiririca das Crioulas no
município de Carnaubeira da Penha (PE), que mescla o catolicismo popular, o espiri-
tismo kardecista, a umbanda e o toré dos índios da região. A jurema aí consumida é
preparada da mesma forma como os índios da região fazem. Além de as indumentá-
rias para os rituais com essa bebida (que ocorrem apenas uma vez por mês) serem a
mesma dos índios, a musicalidade também é a mesma. Nessa localidade, a jurema é
tão central que é assunto recorrente de educação na escola da comunidade.
Outro exemplo interessante é o Templo de Umbanda Cristã Santo Antonio de
Ouro Fino, em Trindade – no sertão pernambucano, quase na fronteira com o Piauí.
Alí a jurema bebida é a da tradição indígena, contudo, é uma casa de “Umbanda
Cristã” com uma liturgia característica da umbanda, mas cujo “culto à jurema sagra-
da descende das tribos indígenas e do catimbó de jurema”2. Para eles, beber jurema,
feita sem adição de álcool, mas só com água e mel, significa limpar o corpo, purificar
a alma e receber a ciência espiritual deixada pelo Rei Salomão. A jurema promove
um “encontro com as forças astrais superiores” e, segundo os adeptos, só os que a
beberam sentiram uma sensação maravilhosa como a que sentiram “os discípulos
do Mestre Jesus no dia de pentecostes”. Apesar de a musicalidade seguir aos toantes
e às cantigas indígenas e serem acompanhados pelos maracás, pode haver também
palmas, pontos riscados, momentos de evangelização e outros elementos que giram em
torno da “árvore da vida”, que é a jurema, transmissora da ciência.
Queremos ainda lembrar que, de fato, não só usos litúrgicos foram feitos com
a jurema no Nordeste em seus processos de apropriação por pessoas e grupos não
indígenas. Como já apontado por Grünewald (2005b), por exemplo, cangaceiros do
bando de Lampião haviam aprendido a fazer jurema na Serra do Umã, onde habitam
os Atikum, e a bebiam em situações que envolviam violência e bebedeiras alcoólicas.
Movimentos messiânicos também fizeram uso da jurema, como aquele que se
reunia em torno da Pedra do Reino. Neste, segundo Pereira da Costa (2004), a jure-
ma seria misturada com o manacá enquanto usada pelos índios e, ao mesmo tempo,
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com as propriedades do álcool e ópio. Essa mistura da jurema com o manacá foi cha-
mada de vinho encantado em Pedra Bonita (Pedra do Reino), movimento sebastianis-
ta, corporalmente representado por João Ferreira, mameluco que tinha o tratamento
de santidade (Pereira da Costa 2004:57).
Acreditamos que muitos sertanejos, em seus sítios de pequenos agricultores,
detenham conhecimentos em torno da jurema e desempenhem rituais domésticos uti-
lizando, cada qual à sua maneira, essa bebida dentro do espectro do catolicismo popu-
lar, enquanto operado por leigos (Maués 2002), e da privatização do catolicismo (Steil
2001). Contudo, isso não foi por nós pesquisado e não temos notícias acadêmicas sobre
tais possíveis usos, a não ser por meio de conversas informais não averiguadas empiri-
camente – principalmente para fins de entendimento da intencionalidade de seu uso.

O catimbó-jurema-umbanda do litoral do Nordeste

As primeiras referências que temos sobre a jurema datam do século XVIII. Sa-
be-se que o Tribunal do Santo Ofício foi extremamente rigoroso com os “rituais gen-
tílicos”, no âmbito dos quais muitos “índios foram acusados de beber jurema e ‘descer
demônios’, enquanto o mestre tocava o maracá entoando a dança embalada pela can-
toria indígena”3. Exemplo disso, como se lê no mesmo texto, foi o depoimento levado
por um índio Tabajara (litoral sul da Paraíba) “pessoalmente à Mesa do Santo Ofício,
em Lisboa, em 1720”. Já em 1739, a Junta das Missões Ultramarinas se reuniu na ca-
pitania de Pernambuco para avançar investigações sobre “transgressões indígenas” e
descobriram que carmelitas estavam compartilhando de práticas da jurema que eram
consideradas “diabólicas” pelo Santo Ofício (Apolinário, Freire & Diniz 2011).
Ainda, no período entre 1739 e 1744 registra-se um trâmite jurídico de um
processo do Conselho Ultramarino envolvendo o Santo Ofício e os índios de Per-
nambuco e Paraíba em função do uso da jurema. Há ainda notícias sobre mortes e
prisões de “índios feiticeiros”, em nome do Santo Ofício, que faziam uso da jurema
em 1739, e que nos anos seguintes foram relatadas ao Rei D. João V (Oliveira 2011).
Mas não só na Paraíba e em Pernambuco, pois sabemos que em 1758 um índio da
aldeia de Mepibu, no Rio Grande do Norte, foi preso por ter feito “adjunto de jure-
ma” (Cascudo 1978). Em uma comunicação de 1788, de autoria do padre José Mon-
teiro de Noronha, citada por Gonçalves de Lima (1946), já há evidências de certa
“tolerância” aos índios Amanajó usuários da bebida jurema (que seria “narcótica”
e preparada com as cascas da raiz da planta) que lutavam nas guerras a favor dos
colonizadores (Gonçalves de Lima 1946: 60). No século seguinte, rituais com uso de
jurema passam a ser descritos – a exemplo do relato de 1816, de Henry Koster (1978),
referente ao litoral norte de Pernambuco. Neste século, a jurema foi mencionada por
alguns escritores e até exaltada no âmbito do romantismo, a exemplo da publicação
de José de Alencar (1865) no contexto cearense. Vale notar que todos esses são con-
textos de índios do tronco Tupi.
120 Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 38(1): 110-135, 2018

E foi justamente a partir da conjuntura de destribalização indígena Tupi no


litoral paraibano que registramos uma renovação do uso ritual da jurema com o nas-
cimento de um xamanismo que continha elementos não indígenas em sua configu-
ração (Grünewald 2005b). Foi assim na cidade de Alhandra, onde emergiu um culto
que se distanciou do viés étnico e centrou-se mais na percepção das cidades da jurema
e seus mestres (Cascudo 1937; Bastide 1945). O catimbó aí emergente nem por isso
esteve deslocado da resistência indígena ao colonialismo (Vandezande 1975; Salles
2010). Já no século XX, o catimbó – que foi se transmutando para uma religiosidade
chamada simplesmente de jurema – é alcançado pela umbanda que, com toda sua
plasticidade processual característica, foi reconfigurando aquela tradição religiosa e o
uso da jurema a ela associada. Mas, nem por isso, usos tradicionais do catimbó-jure-
ma e indígenas deixaram de ser praticados.
Assim como para os indígenas do sertão, também o catimbó começou a ser
registrado no final dos anos 1930 pela mesma Missão de Pesquisas Folclóricas. Nesta
década, os primeiros registros sobre a jurema no catimbó foram iniciados na região
litorânea do Nordeste (Cascudo 1937), até alcançarem suas formas monográficas a
partir dos anos 1970 (Vandezande 1975). Aqui seguiremos mais de perto uma con-
textualização da jurema a partir do estado da Paraíba, onde essa corrente se apresenta
muito viçosamente desde sua origem.
Com relação ao catimbó, podemos insinuar uma história que delimita o início
dessa prática religiosa em Alhandra, cidade do litoral sul paraibano. Foram experien-
tes jurememeiros deslocados do cenário étnico da aldeia Aratagui, dos índios Tabaja-
ras, os responsáveis pela configuração das mesas de catimbó – especialmente os fami-
liares de Inácio Gonçalves de Barros, último regente dos índios daquela aldeia. Como
já salientado em outro lugar (Grünewald 2005b), Inácio tinha uma irmã índia, Maria
Gonçalves de Barros (conhecida por Maria do Acais), a quem ele ensinou o preparo
da jurema. Inácio teve também uma filha, Maria Eugênia Gonçalves de Barros, que
também ficou conhecida por Maria do Acais (chamada pelos familiares de “Maria
do Acais segunda”). Essa segunda Maria do Acais transitava, segundo Salles (2010),
entre Alhandra e Recife, região litorânea a partir da qual o catimbó se desenvolveu e
se difundiu para outras localidades.
Segundo Barros (2011), “a prática da Jurema nordestina, também conhecida
como Catimbó, é resultante de um longo processo de misturas ocorridas em função
do contato entre índios, europeus e africanos” (Barros, 2011:112). Segundo essa au-
tora, o aldeamento indígena de Aratagui foi consolidado no início do século XVII. Já
no âmbito da política pombalina, em 1765 “o aldeamento de Aratagui foi elevado à
condição de vila, sob a denominação de Alhandra. Em decorrência desse processo,
índios de várias etnias foram reunidos em um mesmo espaço territorial” (ibid). Mui-
tos desses índios foram, segundo Salles (2010), trazidos do interior, ou seja, do sertão
do Nordeste (especialmente Paraíba e Pernambuco), onde, tenhamos em lembrança,
a jurema é de uso recorrente entre os indígenas.
Grünewald : Nas Trilhas da Jurema 121

Do processo de redistribuição de terras aí efetivado, segundo Salles, surgiram


as propriedades de Estiva e Acais, em Alhandra, onde surgiu o catimbó-jurema a
partir da família de Inácio Gonçalves de Barros. Tal localidade é de tal importância
no universo mítico relativo ao culto da jurema que veio a ser efetivado, na década
passada, um processo de patrimonialização nela centrado. Inclusive, tal processo não
se deu sem conflitos, uma vez tendo contado, segundo Lima Segundo (2015), com a
participação e até com a protagonização de agentes externos ao campo local, espe-
cialmente pessoas da cidade de João Pessoa “que procuraram se apropriar de certos
espaços e de elementos da Jurema Sagrada”, tal como o presidente da Federação
Cultural Paraibana de Umbanda, Candomblé e Jurema (FCP-UMCANJU), que se
considera “o guardião da Jurema Sagrada” (e isso “é fortemente questionado pelos
juremeiros” locais), o qual, seguido pela

Sociedade Yorubana Teológica de Cultura Afro-Brasileira, do Rio de


Janeiro, pleitearam junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Arqui-
tetônico do Estado da Paraíba (IPHAEP), a identificação e o registro do
Sítio Acais como patrimônio cultural do Estado, ainda em 2009, para
fins de tombamento, fundamentado num estudo sobre a presença da
Cidade do Acais, esta baseada na histórica atividade religiosa da família
de Maria do Acais (Lima Segundo 2015: 80).

A deliberação positiva do IPHAEP saiu em novembro deste mesmo ano. Con-


tudo, os juremeiros de Alhandra não vêm legitimidade nos representantes de centros
espíritas afro-brasileiros de outras localidades como representantes do que chamam
de “Jurema Sagrada”.
Na origem do catimbó, trabalhava-se com os mestres, invocados a partir de
linhas entoadas em rituais nos quais a jurema era consumida com ajuda de prínci-
pes (copos) e princesas (bacias de porcelana). Para a realização do ritual usava-se o
maracá e o cachimbo. Bebidas alcóolicas eram servidas aos mestres, que sempre as
solicitavam (Grünewald 2005b). Além dessa família do Acais, tão bem pesquisada
por Salles (2010) e Lima Segundo (2015), vários outros juremeiros realizaram mesas
de catimbó em toda a região litorânea do Rio Grande do Norte a Alagoas (Salles
2010; Assunção 2014), especialmente nas zonas rurais, mas também em pequenas
cidades. Esses rituais não foram institucionalizados e seus protagonistas se dedicavam
ao atendimento de pessoas que os procuravam com problemas de saúde, amorosos,
de trabalho e outros do cotidiano, quase sempre tendo suas aflições recebidas pelos
mestres para serem solucionadas; mestres esses que ainda atuavam vaticinando para
os consulentes.
Para Bastide, catimbó (ou cachimbó), seria “a antiga festa da jurema” que se
transformou por meio das “camadas inferiores da população do Nordeste” (Bastide
1945: 205). Para esse autor, seria a ingestão da jurema que permitiria aos juremeiros
122 Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 38(1): 110-135, 2018

“viajar pelo mundo do sobrenatural, que é concebido como um outro mundo natural, com
seus seres encantados que se subdividem em estados, e esses, por sua vez, em cidades”.(ibid:
208). Nesse mundo encantado, além de aldeias, cidades e estados, haveria também,
segundo Cascudo (1937), reinos.
Vale ressaltar que no catimbó sempre se atribuiu à jurema o poder de con-
duzir a pessoa ao mundo dos encantos, contudo, não seria só a bebida que teria esse
poder, mas seria fundamental a postura espiritual do indivíduo que o capacitaria para
penetrar no mundo invisível (Grünewald 2005b; Salles 2010). Ao catimbó, se atri-
buía pelos pesquisadores da primeira metade do século XX a ideia de predominância
da feitiçaria europeia em sua dinâmica (Cascudo 1978). Apesar disso – e embora
com cosmologia miscigenada –, destaca-se a origem indígena na constituição dessa
religiosidade.
Quanto às cidades da jurema, essas são as moradas dos mestres juremeiros, cujas
“vidas no mundo espiritual”, segundo Lima Segundo (2015), “se interrelacionam
com a própria existência da árvore” (Lima Segundo 2015: 67). Sendo assim, espaços
rurais com a presença de juremeiras (árvores de jurema) vinculadas a determinados
mestres é algo importante para a força dessa religiosidade. De fato, assim como
para os indígenas do Nordeste, juremal não se refere apenas a um lugar com densa
concentração de juremeiras, mas, no plano cosmológico, a um lugar (cidade ou reino)
no plano invisível, onde habitam os mestres e outros seres (aí especialmente no caso
dos indígenas). Neste sentido, seguindo proposta de Mircea Eliade, Lima Segundo ar-
ticula a jurema com o arquétipo da “árvore cósmica”, que vincula o homem com suas
verdades míticas (Ibid: 56). Para Salles (2010), por fim, a jurema, sendo “a ‘cidade’
do mestre, sua ‘ciência’”, ela é “o símbolo maior do culto” (Salles 2010:17-18). Da
mesma forma como para os indígenas do Nordeste, aqui também a noção de ciência
emerge em termos complexos, sendo um componente central dessa tradição mística.
Apesar de essa religião ter seu berço na Paraíba, com sua cosmologia própria,
uma repressão policial aos juremeiros se consolidou na década de 1930 e se perpe-
tuou até os anos 1960, período este no qual esses atores religiosos mantinham-se
rezando os que os procuravam de modo muito discreto. De fato, seus lugares de culto
eram destruídos durante os anos de perseguição aos adeptos do catimbó. Em 1966, o
governador da Paraíba promulgou uma lei regulamentando os espaços para “o exer-
cício dos cultos africanos na Paraíba”, indicando, contudo, que tais práticas religiosas
deveriam ficar subordinados à Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba,
responsável por regular as suas atividades (Lima Segundo, 2015:71).
Com essa prerrogativa concedida à umbanda (como já havia ocorrido em
outros estados), essa religiosidade avançou fortemente sobre os juremeiros. Motta
(2005) sustenta a ocorrência de três etapas do “processo de acumulação cultural”
no catimbó. A primeira delas estaria “ligada à introdução da figura do mestre e de
técnicas mágicas de origem europeia” (Motta, 2005:285). A segunda corresponderia
a uma influência do espiritismo kardecista que, antes mesmo da criação da umbanda,
Grünewald : Nas Trilhas da Jurema 123

codificava um “mediunismo popular” (Ibid: 286). A última remeteria à influência das


religiões “afro-cariocas” (Ibid), que provocou alterações significativas no catimbó,
por meio de mudanças ou inovações nos rituais, com acréscimos de estilos, instru-
mentos musicais e rituais, sacrifício de animais, seres sobrenaturais (como os exus)
etc. – aspectos até então desconhecidos dos juremeiros, os quais apenas ofereciam
cachaça ou cigarros aos mestres.
Por outro lado, essa umbandização do catimbó foi uma forma de a jurema en-
contrar legitimidade num novo contexto político, social e territorial. A umbanda é
uma religião caracteristicamente urbana e, nesses espaços, a jurema conquistou seu
lugar. Não mais as árvores, mas partes de seus troncos, as tronqueiras, são colocadas
em espaços especiais, geralmente pejis, onde são consagradas como se fossem a planta
viva. É assim que, segundo Lima Segundo, “hoje, sob a influência da umbanda em
todo campo religioso juremeiro, as Cidades da Jurema, como morada dos mestres,
passam a ser representadas pelos pejís de Jurema, onde são colocadas as tronqueiras”
(Lima Segundo 2015:72).
Assim, em sua forma mais elementar ou primária, mas também nas configu-
rações mais variadas decorrentes de sua açambarcação pela umbanda, com toda sua
plasticidade característica, o termo jurema é usado como sinônimo de muitas dessas
expressões religiosas. O mesmo catimbó, que ainda se pratica escassamente em pe-
quenas residências, bem como variadas formas de umbanda no Nordeste recebem o
nome genérico de jurema. Dentro dessas casas de umbanda (ou “jurema”) há espaços
para cultos e rituais próprios à jurema, muitas vezes como nas clássicas mesas do
catimbó, trabalhando-se para os mestres que são chamados de suas cidades para vir
interagir com os suplicantes terrenos.
Este é o caso da jurema arriada, ou jurema de chão; ritual realizado em muitas
das casas de umbanda da região Nordeste no qual os adeptos sentam-se em banqui-
nhos e, com seus maracás e cachimbos, chamam os mestres de suas cidades a partir
da ciência dos pontos riscados e outros elementos.

A expansão da jurema do litoral para outras áreas

A jurema, do catimbó à umbanda, se expandiu e se difundiu não apenas pelo


litoral, mas adentrando também fortemente na Zona da Mata, agreste e sertão, além
de outras regiões do país. Desde Goiana, na Paraíba, e se estendendo por toda a zona
da mata pernambucana, a jurema tem densa recorrência e vitalidade, calçando (dando
proteção) os Maracatus rurais e também o de Recife, o Cavalo Marinho e outros fol-
guedos da região. Nos Caboclinhos da Paraíba e de Pernambuco, ocorre a celebração
da Caçada do Bode – a qual “não existe sem jurema” (Salles 2015: 7) –, operada no
calçamento dos caboclos, dos grupos em geral, dos instrumentos musicais e de outros
objetos litúrgicos, que, sacralizados, ficam protegidos durante o Carnaval. Em todos
esses ritos, a celebração está centrada na bebida jurema, que, embora contenha uma
124 Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 38(1): 110-135, 2018

variedade de elementos alcoólicos e botânicos em sua composição, tem obrigatoria-


mente que ter como base fundamental na sua feitura a casca da árvore da jurema.
Já no agreste paraibano, segundo Barros (2011), a prática religiosa da

jurema compõe-se de um complexo de concepções e representações em


torno da planta de mesmo nome e se fundamenta no culto de possessão
aos mestres, e caboclos com o objetivo de curar os doentes e resolver os
problemas práticos da vida cotidiana. Esse complexo ainda inclui a bebi-
da preparada com a casca da jurema e o uso do cachimbo. A bebida, no
entanto, no atual contexto, não possui efeitos alucinógenos (possivel-
mente em nenhum momento ela tenha possuído), visto ser preparada
apenas com uma pequena quantidade de partes da planta e misturada
a outras bebidas industrializadas e ervas aromáticas; seu efeito parece,
muito mais simbólico (Barros, 2011:113).

Nessas casas, na cidade de Campina Grande, na Paraíba, a bebida jurema é


recorrentemente referida como xerequeté, e costuma ser distribuída fartamente entre
os participantes dos ritos (inclusive os convidados), que chegam, segundo Barros,
a levar para casa garrafas pet com a bebida após os ritos. Segundo essa autora, que
frequentou diversas juremas naquela cidade, o sabor e o efeito da bebida seriam simi-
lares à ingestão de um licor caseiro (Ibid: rodapé 55).
No universo dos terreiros de jurema de Campina Grande, os ritos e as entida-
des próprias ao catimbó foram acrescidos dos que chegaram com a umbanda. Barros
discorre minuciosamente sobre as dinâmicas dessas casas e os processos de fluxos
e negociações de tradições entre elas e seus “tipos” de rituais, tais como as juremas
arriadas (ou jurema de chão), as juremas de mesa (ou mesa branca) e os toques de jurema
(também conhecidos como giras ou torés) (Ibid:124). Cabe-me aqui somente ressaltar
que a jurema ganhou espaços rituais próprios dentro da umbanda no agreste, com
destaque para o quarto de jurema com seus assentamentos. Dentre esses, destacam-se
as tronqueiras, que são “troncos cortados da árvore da Jurema que simbolizam o as-
sentamento do mestre”, que fica geralmente apoiado “em um alguidar de barro, onde
se encontra também uma faca peixeira, utilizada por ocasião da iniciação do neófito,
um cachimbo, rolos de fumo, moedas, sementes e outros objetos” (Ibid: 137). Essas
tronqueiras deveriam ser extraídas da árvore da Jurema. Segundo Barros, em Campi-
na Grande há casas onde “é possível ainda encontrar o próprio tronco da Jurema, que
ali cresceu, foi cortada e construiu-se no seu entorno o pegi. Em outras, embora cada
vez se torne mais raro, ainda é possível encontrar os rituais sendo realizados embaixo
da própria árvore” (Ibid). Ocorre, contudo, que a expansão urbana avançou sobre as
matas no seu entorno, dificultando o ritual de corte das tronqueiras, que passaram
a ser adquiridas em casas especializadas. Além disso, líderes religiosos entrevista-
dos por Barros afirmam que essa comercialização vem colocando “à disposição dos
Grünewald : Nas Trilhas da Jurema 125

consumidores troncos de qualquer espécie de madeira, principalmente da Algaroba,


árvore não nativa, que pode ser explorada conforme autorização do Ibama, e que,
coincidentemente, se assemelha a árvore da Jurema” (Ibid:138).
Por fim, não só ao Nordeste ficaram restritos os rituais de jurema. Em função
da migração, a jurema se difundiu para vários estados do país, principalmente para o
Sudeste. Assim como em São Paulo, por exemplo, no Rio de Janeiro se registram ca-
sas de umbanda com jurema, umas mais ou menos fiéis ao catimbó-jurema originário.
No bairro de Jacarepaguá, na cidade do Rio de Janeiro, José Ribeiro (1991) já anota-
va a presença ali da jurema. Atualmente, podemos destacar o ritual de jurema realiza-
do no âmbito da casa de Umbanda da Irmandade Cercado de Boiadeiro no bairro de
Sepetiba, também na cidade do Rio de Janeiro, onde há uma árvore de Jurema, cujas
cascas são utilizadas no preparo da bebida jurema, que leva ainda adição de vinho.
No entanto, se todo esse trânsito da jurema entre indígenas e casas religiosas
diversas que de formas próprias carregam tradições rituais e de conhecimento em
torno da jurema se processa dentro de campos legitimados como religiosos – ou de
tradições rituais, como indígenas e outros que se afirmam católicos e têm na jurema
uma tradição ritual e espiritual –, há formas relativamente recentes de usos da jurema
que foram elaboradas a partir de bases científicas modernas e que foram apropriadas
para novas experimentações místicas por parte de psiconautas, que muitas vezes se
propõem à condução de ritos religiosos com a jurema assim configurada.

A jurema no contexto psiconáutico

Já apontei em outros lugares (Grünewald 2005b, 2008) como uma nova forma
de elaborar uma bebida jurema foi criada no México como uma análoga da ayahuasca
– uma anahuasca, segundo seu criador Jonathan Ott (1995) – a pedido da presidente
de uma ONG holandesa preocupada em substituir a ayahuasca por um enteógeno
de mais fácil acesso para seus projetos terapêuticos na recuperação de adictos em
drogas naquele país. Se a ayahuasca (bebida também chamada de daime, hoasca,
entre outros nomes nativos) tem em sua composição psicoativa betacarbolinas do
tipo harmina ou harmalina e o alcaloide DMT provenientes respectivamente do cipó
da banisteriopsis caapi e das folhas da psycotria viridis, plantas essas que juntas fazem a
compsição da bebida ritual, a jurema preparada como análoga da ayahuasca passou a
ser composta por sementes de peganum harmala (harmal; arruda da Síria), riquíssimas
em hamina e harmalina, e entrecascas de raiz de jurema preta (inicialmente mexica-
na), muito rica em DMT.
Essa mistura de jurema com peganum foi introduzida no Brasil em janeiro de
1997 e, logo no mês seguinte, no Rio de Janeiro, se iniciaram trabalhos espituais a
partir do uso dessa beberagem, que foi batizada por Labate (2004) de “juremahuas-
ca”. Essa autora, aliás, ao escrever sobre a reinvenção da ayahuasca em contextos ur-
banos, foi pioneira ao apontar um primeiro uso ritual da juremahuasca no Brasil (RJ).
126 Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 38(1): 110-135, 2018

Posteriormente, Albuquerque (2002) e Grünewald (2002; 2005b; 2008) avançaram


mais densamente na descrição/apresentação dos trabalhos que se multiplicavam com
esses usos rituais/experimentais.
Assim, a partir da segunda metade da década de 1990 surgiu um novo en-
teógeno que passou a ser chamado simplesmente de jurema por seus usuários. No
Brasil, de fato, esse psciconautismo se processou associado principalmente às tradi-
ções daimistas, umbandistas e orientais no âmbito geral do contexto da Nova Era
ou daquilo que Soares (1994) chamou de “misticismo alternativo no Brasil”. Bre-
vemente, psiconautas são pesquisadores experimentalistas que, mesmo amparados
pela racionalidade científica e preocupados com efeitos fisiológicos e bioquímicos,
estão interessados nos estados místicos acessados por meio da ingestão de psicoativos.
O termo psiconauta, inaugurado por Ernst Jünger (1970), tem sua origem no grego
(psiché e naútés) e significa literalmente viajante da alma ou mente. Esse termo, a meu
ver, poderia ser aplicado inclusive a muitos atores sociais que desde o início da huma-
nidade buscaram o transe a partir da pesquisa e da experimentação com elementos
botânicos, conforme nos lembra Luz (2015). Hoje em dia, com a ciência moderna,
os psiconautas são experts no conhecimento molecular das plantas e de sua atuação
no cérebro humano. Certamente, poderíamos estender o termo psiconautismo às ex-
perimentações com as substâncias psicóticas sintéticas, as quais poderiam ainda ser
consideradas enteógenas, caso façam manifestar o divino na pessoa.
Entretanto, as experimentações que foram levadas a efeito no Brasil não se
esgotavam na navegação mística baseada simplesmente na molécula da DMT. Muito
pelo contrário, desde os primeiros agentes rituais dessa nova jurema no Brasil, o dí-
namo místico da experiência passava a se moldar tendo mais como pedra de toque a
jurema como uma força espiritual própria da natureza brasileira. Afinal, aqui temos
não só vigorosas juremas nativas, mas a jurema, de um modo geral, é referência nas
artes sacras de diversas religiosidades brasileiras, sendo cantada em músicas religiosas
e populares, invocada em rituais e representada em pinturas que são penduradas nas
mais diversas paredes. Se todo esse referencial estava à disposição de experimentalis-
tas místicos brasileiros, então coube um trabalho de bricolagem simbólica e ritual na
configuração de novas formas cerimoniais. A energia dessa nova planta/bebida – e do
peganum harmala também, que abriu portas para um sincretismo inusitado com forças
do Oriente Médio, do Islã, principalmente sua vertente mística, o sufismo – devia
ser trabalhada no plano intuitivo característico da metodologia espiritual que busca
navegar no plano cósmico. Soares (1994) bem mostrou como essas relações passaram
a ser operadas no âmbito de uma “nova consciência religiosa”.
Estou chamando esses novos sujeitos religiosos de pós-modernos na medida em
que suas identidades são fluidas, que eles vão de encontro com uma arrogância pró-
pria da modernidade, tentando trazer de novo as mais diversas vozes nativas como
sujeitos com conhecimentos tão importantes e legítimos quanto os porta-vozes das
grandes tradições religiosas, filosóficas e científicas. Ainda, tal perspectiva vê legiti-
Grünewald : Nas Trilhas da Jurema 127

midade espiritual nas novas religiosidades sincréticas que surgem e fluem efemera-
mente tanto em suas composições quanto em suas diretrizes. O cosmos está à disposi-
ção para quem quiser nele viajar e muitas naus com muitas características podem ser
erigidas para essas aventuras da alma, que, reconhecendo a imanência do sagrado,
busca transcender o racionalismo, e se permitir alcançar, pela experiência, estados
mais profundos de existência, os quais são divinizados.
Por fim, em termos da retórica da cura, esses usos da jurema estão muito mais
atrelados à retórica psicanalítica ou do mundo espírita próprio ao universo das religio-
sidades afro-brasileiras ou do espiritismo kardecista do que ao modelo do neo-xama-
nismo. Cura é algo buscado por algumas das pessoas que procuram os condutores
de rituais com essa jurema transmutada. Contudo, trata-se de curas não exatamen-
te para doenças psiquiátricas da atualidade, como ansiedade, depressão, compulsão
etc., mas para algo que se imagina como um processo de melhora da vida física e
mental. De fato, a noção de cura operada em tais contextos espirituais ou religiosos
tem um caráter processual interminável pelo qual as pessoas vão adicionando novos
significados para a vida e o bem estar, transformando o sentido de ser uma pessoa
saudável e promovendo transformações nos estados existenciais (Csordas 2008).
Aqueles grupos de juremeiros que inicialmente promoviam rituais em fins dos
anos 1990 e início do atual milênio ou não a usam mais ou o fazem esporadicamente
e para poucas pessoas. Desses primeiros sujeitos da juremahuasca mapeados no Brasil
até os dias atuais, novos psiconautas surgiram em busca das possibilidades psicoati-
vas/espirituais da jurema. A difusão desse conhecimento se deu de maneiras diversas,
embora tal movimento não tenha ganhado a dimensão quantitativa que se imaginava
na virada para o século XXI. Parece que poucos são os que praticam rituais em tor-
no da juremahuasca no Brasil, considerando seu potencial místico (ou simplesmente
psicoativo) e a facilidade com que se encontra, se coleta e se prepara a bebida para
consumo. Queremos atentar para o fato de que essa jurema misturada com peganum
harmala é chamada de “jurema” pelos seus usuários em todos os casos examinados –
mas metade deles não gosta da aplicação do termo psiconautismo à prática espiritual
que realiza. De fato, se os psiconautas europeus são experts nos efeitos fisiológicos e
bioquímicos da jurema, os brasileiros, mesmo sabendo do assunto, o relegaram, de
uma maneira geral, ao plano específico dos cientistas modernos e, achando-se talvez
mais que modernos, preferiram manter-se atentos aos ensinamentos que poderiam
vir dos planos misteriosos/sagrados. A maioria desses sujeitos considera aquilo que faz
enquanto trabalho espiritual (empenho consciente para conectar forças místicas e co-
loca-las em operação) no campo das religiosidades. Raros são os que se dizem experi-
mentadores somente. “Ter uma experiência” é muitas vezes tido como não ter víncu-
lo a uma coletividade que se organiza em torno de uma religiosidade e, portanto, não
é algo que indique pertencimento. Apesar disso, o termo experiência foi incorporado
por muitos dos participantes dos ritos e foi e continua sendo por frequentadores de
antigos e atuais grupos rituais. Em paralelo ao termo experiência, podemos destacar
128 Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 38(1): 110-135, 2018

o termo trabalho, que já indica um comprometimento com o fomento espiritual da


casa, uma dedicação a realizar algo na corrente da casa, junto à coletividade. Se
podemos esquematicamente estabelecer uma dicotomia entre espiritualidade e reli-
giosidade a partir dos polos indivíduo versus sociedade, individual e coletivo, isso não
quer dizer, entretanto, que experiência e trabalho estejam como homólogos aí, pois,
muito pelo contrário, parecem operar sínteses.
Além disso, o termo trabalho é recorrente a todos os contextos tradicionais
de uso da jurema, bem como é corrente no meio daimista. Quando a juremahuasca
começa a ser feita no Brasil e durante sua difusão entre os grupos promovedores de
rituais, o termo trabalho sempre predominou, uma vez que todos esses dirigentes
rituais e seus adeptos, eram egressos do meio daimista e habituados ao uso do termo
trabalho no Daime (Santo Daime ou Barquinha), bem como na Umbanda. O termo
sessão, tal como utilizado na União do Vegetal (UDV), embora tenha sido usado
por uma ou outra pessoa para os ritos com jurema, não teve maior expressividade.
Quando estrangeiros vêm ao Brasil, costumam buscar por cerimônias com jurema,
pré-identificando tais rituais como vinculados ao mundo dos nativos e utilizando,
portanto, categoria própria ao universo do xamanismo indígena, principalmente do
norte-americano, que se espalhou pelo Brasil trazendo outras noções agora essenciais
para estruturação de uma cosmologia geral em torno do universo dos usuários de
plantas de outras substâncias naturais psicoativas, como medicinas da floresta. A jure-
mahusca, embora não tenha sido por vários anos vinculada ao neo-xamanismo (mas
a ayahuasqueiros ecléticos e ecumêmicos), mais recentemente está atrelada também
a essa retórica, embora de forma bastante difusa.
Mapeando as modulações que vêm ocorrendo com essa jurema pós-moder-
na na última década, desde a publicação de Grünewald em 2008, na Paraíba, no
Rio Grande do Norte, no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Santa Catarina, tem
sido possível verificar o surgimento de novos grupos de juremeiros pós-modernos
que buscam o encontro com divindades e/ou mergulhar na experiência de autoe-
xploração da alma, cura e iluminação. Mais recentemente, parece que esses neo-
juremeiros da atualidade, embora mantendo-se alguns poucos ligados aos núcleos
religiosos daimistas e outros, já se alinham mais propriamente à perspectiva psico-
náutica com a jurema, buscando harmonizar, como também o faziam os primeiros
neo-juremeiros da década de 1990, certos elementos culturais de forma a compor
uma linha de trabalho espiritual própria. É perceptível que tais sujeitos transitam entre
sentidos e significados múltiplos, afirmando identidades espirituais/religiosas híbridas
e até ambíguas, ao mesmo tempo, entretanto, que sustentam uma retórica que busca
legitimar tais atividades não só como razoáveis, mas enquanto positivas e portadoras
de comunicações divinas verdadeiras. Embora muito de suas bricolagens tenha por
base elementos de tradições religiosas, esotéricas ou filosóficas conhecidas, muitos
elementos novos são também enxertados nessas novas configurações ou performan-
ces espirituais. Assim, além desses últimos que são próprios a cada casa e se referem a
Grünewald : Nas Trilhas da Jurema 129

músicas, orações, trabalhos corporais, meditações etc., em suas sessões podemos ob-
servar variadamente elementos do Santo Daime, da Barquinha, da UDV, dos índios
do Nordeste, da umbanda, do candomblé, do espiritismo, do xamanismo indígena em
geral, do sufismo, hinduísmo, budismo (o Caminho do Meio é uma filosofia meio que
lugar comum na retórica de vários desses atores), yoga, técnicas de respiração, Reiki,
danças, pinturas, improvisação musical etc.

Considerações finais

Temos visto neste artigo que não há informações sobre os usos da jurema no
período pré-colonial. Podemos inferir que os nativos do Nordeste do Brasil usavam a
jurema tanto para fins xamânicos quanto para rituais coletivos como, por exemplo,
para fins festivos ou comemorativos, embora não possamos precisar a extensão geo-
gráfica desses usos entre litoral e interior. Já informações coletadas no contexto co-
lonial mostram como a jurema foi alvo da inquisição portuguesa (Wadsworth 2006).
De fato, as breves informações sobre prisões de juremeiros aqui destacadas indicam
a imposição de uma religião oficial que obstaculizava qualquer expressão de espiri-
tualidade nativa de se manifestar, a não ser que muito bem camufladas e, principal-
mente, miscigenadas. Silenciar as religiosidades nativas e os veículos para suas ma-
nifestações, como a jurema, parece ter sido uma importante estratégia colonial para
garantir legitimidade, unidade e domínio religioso. Mas as práticas indígenas rituais
com a jurema continuaram se processando no interior paralelamente à escravidão e
à evangelização católica. Depois que as missões foram extintas, os índios misturados
mantiveram de forma ativa ou latente uma espiritualidade em torno da jurema, até
os processos de etnogênese, quando voltaram a fortalecer sua ligação com a jurema
reconsagrando suas essências étnicas.
No litoral, a jurema também apresenta uma continuidade, apesar da coloni-
zação. Se aldeamentos foram extintos e indígenas, dispersos, a jurema ganhou nova
direção a partir do surgimento das linhas dos mestres do catimbó, também sincrética,
como vimos. Mas enquanto o toré com jurema dos índios do interior era requisito
como marca de indianidade, pela visão do SPI, e deveria ser exibido, o catimbó,
associado pelas autoridades à feitiçaria, devia ser perseguido, porque não era mais
associado a um viés étnico, mas sim a feiticeiros que individualmente podiam tra-
balhar a serviço de consulentes – como, possivelmente, qualquer xamã o faria. Esse
xamanismo urbano, no entanto, foi combatido até a liberação da umbanda na déca-
da de 1960, quando essa religião se aproxima formalmente dos juremeiros, os quais
passam a negociar culturalmente sua associação a essa religiosidade mais abrangente.
De fato, não se falava em uma religião dos juremeiros, mas referia-se a juremeiros de-
terminados que faziam trabalhos. A negociação da umbanda com essas casas de jure-
meiros foi a de fazer entrar nelas elementos próprios aos cultos umbandistas, fazendo
assim com que tais casas conseguissem alvarás para funcionamento. Com o tempo, a
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feição umbandista dessas casas cresceu e a antiga prática propriamente catimbozeira


de se beber jurema com um maracá, cachimbo e mais um ou outro artefato deu lugar
a tambores, giras e uma bebida feita de uma variada mistura alcoólica que, muitas
das vezes, nem jurema tem na sua composição. Essa religiosidade nascida no litoral
paraibano – chamada de jurema, de catimbó, de umbanda, mas também de catimbó-
jurema, de umbanda de jurema, de catimbó-umbanda – se espalhou para o interior,
para a zona da mata, para outras cidades do litoral nordestino, para a região Sudeste
do país e possivelmente ainda para outras regiões. Até em aldeias no interior de várias
sociedades indígenas nordestinas ela se faz presente representando a religiosidade
oficial indígena, sendo o toré, em algumas delas, apenas uma de suas facetas.
No contexto metropolitano psiconáutico contemporâneo, a jurema emerge
pelo seu potencial psicoativo e sincrético, importantíssimo para um novo misticismo
pós-moderno que procura ir além da rigidez das doutrinas das religiosidades enteo-
gênicas que operam na atualidade, e sem se aprisionar ainda à perspectiva científica
da bioquímica. As novas possibilidades de bricolagens são totalmente abertas a expe-
rimentações espirituais e dentro dos próprios grupos de juremeiros parece que os in-
divíduos não precisam necessariamente pensar do mesmo jeito para frequentarem os
rituais. Muito pelo contrário, são espaços mais dialógicos, com mais abertura às dife-
renças do que as igrejas ayahuasqueiras, casas de umbanda etc. Embora todas tenham
suas regras para manutenção da ordem e da egrégora, não há uma verdade fechada
(uma doutrina única, nem mesmo um Deus único) para a maioria dos promotores
desses rituais, que aceitam parcialmente a imputação do termo psiconauta –, pois o
psiconautismo opera com fragmentos doutrinários, permitindo aos participantes de
rituais remontarem quebra-cabeças constantemente e infinitamente a partir de suas
experiências místicas, formando novos entendimentos sobre Deus ou, pelo menos,
acerca do sobrenatural.
Por fim, embora tradições religiosas sejam aqui conscientemente incorpora-
das nessas bricolagens, o caráter exotérico é menos relevante quando o que se quer
mesmo é vivenciar a religião como experiência, sendo, portanto, os conhecimentos
esotéricos sempre os privilegiados. Menos propensas a formar novas religiões, como
no caso das ayahuasqueiras, aqui os indivíduos parecem ter prerrogativas diante da
sociedade, como o de afirmarem religiosidades específicas. Longe de prevalecer uma
perspectiva simbolista, aqui a criatividade predomina. Os altares individuais das pes-
soas que frequentam uma mesma casa ritual são, por vezes, bastante distintos.
De fato, a bebida jurema, embora um enteógeno em todos os contextos expos-
tos e sendo psicoativa mesmo sem a adição de betacarbolinas, só é capaz de provocar
alucinações tais como as oferecidas pela ayahuasca no contexto pós-moderno. Entre
os indígenas, apesar do caráter místico, os usos pesquisados da jurema têm feito so-
bressair um caráter de tradição ritual – ou tradição de conhecimento, como avança-
ria Barth (2000b) – que une grupos sociais em torno de práticas importantes para um
sistema de crenças, que envolve inclusive a construção da identidade desses povos a
Grünewald : Nas Trilhas da Jurema 131

partir de elementos muitas vezes previamente sincréticos e geralmente abertos a no-


vas transações culturais. No caso do catimbó-jurema-umbanda, o mesmo se dá, exce-
tuando-se o caso da identidade étnica. São tradições exotéricas que são transmitidas,
negociadas, incrementadas, atualizadas, misturadas e que ordenam coletivamente o
plano de experiências místicas. Em ambos os casos, o que prevalece é uma tradição
ritual (ou religiosa) que deve ser fortalecida. Com os pós-modernos dá-se o oposto.
A experiência mística e o conhecimento esotérico terá predominância sobre as tra-
dições arrumadas para servirem de fios condutores para tais experiências. Tais tradi-
ções são usadas como settings rituais. O que importa é a psicoatividade da jurema. E
quanto mais psicoativa melhor. O pensamento recai sobre a substância, a molécula
de DMT e sua capacidade de se manifestar enquanto molécula do espírito (Strassman
2001). Hinários do Santo Daime, pontos de umbanda, mantras, meditação com mú-
sica new age, técnicas de respiração, silêncio, nudez etc., tudo são settings possíveis e
intercambiáveis que servem para as pessoas testarem suas experiências. As pessoas
que se aglutinam em torno de núcleos rituais de jurema não estão querendo criar uma
tradição religiosa determinada e representante de um conjunto de pessoas que detêm
conhecimentos exotéricos e doutrinários. O que importa é experimentar. Claro que
há, por exemplo, casos de igrejas do Santo Daime que com certa regularidade faziam
trabalhos com jurema a partir dos seus hinários e dentro da linha doutrinária deixada
por Sebastião Mota. Também há o caso de trabalhos alternativos de daimistas que
faziam hinários com o daime e depois bebiam a jurema dentro daquela tradição dai-
mista, alegando assim poder chamar linha de caboclos. No caso dos umbandistas ou
catimbozeiros, embora sejam muitos deles informados acerca da juremahuasca, não a
misturam, nem se interessam em usá-la. Um dirigente de um catimbó-jurema do Rio
Grande do Norte acredita que o psiconautismo desvaloriza as tradições juremeiras
em favor de experimentalismos que visam até a recreação.

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Notas
1
O termo juremeiro é bastante problemático, porque tem significados distintos de acordo com os con-
textos. O uso do termo, quando empregado, varia no tempo e no lugar. Não vou discutir neste artigo
os contextos de gênese do nome e seus significados locais. Usarei juremeiro indistintamente para me
referir tão somente à pessoa que faz uso da jurema.
2
Como se lê no site da instituição, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=C_YkiR
-s2L0>, acessado em 19 jul. 2016.
3
Ver em: <http://oridesmjr.blogspot.com.br/2012/02/inquisicao-no-brasil.html>, acessado em 04 abr.
2018.

Recebido em: 30/05/2017


Aceito em: 01/03/2018

Rodrigo de Azeredo Grünewald ([email protected])


Grünewald : Nas Trilhas da Jurema 135

Resumo:

Nas Trilhas da Jurema

O nome jurema está associado a plantas, bebidas e até religiosidades específicas. Todas
essas referências estão pautadas em fenômenos místicos, aqui percebidos em termos
substantivos e históricos. Neste artigo, vamos examinar contextos de usos da jurema
relativos, principalmente, aos indígenas, ao catimbó, à umbanda e ao psiconautismo
neo-juremeiro pós-moderno. As tradições rituais serão examinadas de modo dinâmico
e processual, mostrando seus entrelaçamentos culturais. Contrapor as tradições de
conhecimentos exotéricos e esotéricos deverá também ser um esforço, principalmente
ao se evocar a constituição de novas formas de uso ritual da jurema.

Palavras-chave: jurema; índios; catimbó; umbanda; psiconautismo.

Abstract:

On the Trails of Jurema

The name jurema is associated with plants, beverages and even specific religions. All
these references are based on mystic phenomenon, here found in substantive and his-
torical terms. In this article we will examine uses of jurema contexts relating mainly
to indigenous, catimbó, umbanda and the postmodern neo-juremeiro psiconautism.
Ritual traditions are examined in a processual and dynamic way, showing their cultural
meshes. Oppose the traditions of exoteric and esoteric knowledge should also be an
effort, especially by the creation of new forms of ritual use of jurema.

Keywords: jurema; indigenous; catimbó; Umbanda; psiconautism.

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