Língua Brasileira de Sinais - Libras
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Circulação Interna
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O Mundo do Surdo
Todos os dias, acordamos, lavamos o rosto, tomamos nosso café da manhã e saímos para
trabalhar. Ao lavarmos o rosto, o barulho da água saindo pela torneira nos anima para começar o dia. Na
cozinha, a torradeira apita e nos avisa que a torrada está pronta. No caminho para o trabalho, o som dos
automóveis nos orienta para atravessarmos a rua.
Mas... e se você não pudesse ouvir? Não se animaria para trabalhar, queimaria a torrada e não
conseguiria atravessar a rua?
Existe um grupo de pessoas que lida com esta situação todos os dias, pessoas que não ouvem e
precisam absorver o mundo com os olhos. Muitas situações que poderiam ser um problema são
contornadas facilmente. A beleza do som da água é substituída pela beleza de sua imagem jorrando pela
torneira, a torradeira acende, e, no caminho para o trabalho, o risco de atravessar a rua é menor, já que os
olhos não podem se distrair por um momento.
Você sabe de quem estamos falando? Sim, estamos nos referindo às pessoas surdas. Pessoas que
não fazem de sua condição um limite para alcançar seus objetivos, e sim, uma ponte para descobrir novas
fronteiras, novas formas de ver e viver o mundo.
O mundo do surdo é especial e diferente. É um mundo cercado de luz, cores, movimento,
expressões de tristeza e alegria e tudo o que se pode captar com os olhos.
Fonte: PEREIRA, Rachel de C. “Surdez. Aquisição de Linguagem e Inclusão Social. Ed. Revinter, 2008.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................3
UNIDADE 1 - ASPECTOS HISTÓRICOS.................................................4
1.1 A história dos surdos no Brasil e no mundo ...................................4
1.2. Breve retrospectiva da Educação de surdos no Brasil ....................7
1.3. As comunidades surdas no Brasil .................................................13
1.3.1.Os Surdos enquanto minoria Lingüística....................................14
1.3.2. As Comunidades Surdas do Brasil e sua Cultura .......................15
1.3.3 Os Surdos e suas organizações no Brasil ....... ............................16
REFLETINDO SOBRE O ASSUNTO........................................................17
UNIDADE 2 - A DEFICIÊNCIA AUDITIVA ..........................................18
2.1. O que é Deficiência: definição e necessidades específicas ..........18
2.2. A Deficiência Auditiva: classificação, grau e causas ...................18
2.3. O deficiente auditivo e a família ........................... .......................19
UNIDADE 3 - LÍNGUA DE SINAIS E INCLUSÃO ...............................33
3.1 O que é LIBRAS .............................................. ..............................33
ATIVIDADES DE SÍNTESE................................................................34
3.2 Como se comunicar com o surdo ............................................. ......36
3.2.1. Interação social na comunidade surda ............................. ..... ......36
3.2.2. Como facilitar um ambiente de língua de sinais ................... ......36
3.3.3. Como aprender LIBRAS..............................................................36
3.3 - O professor que atua com alunos surdos...............................................37
REEFLETINDO SOBRE O ASSSUNTO.............................................37
3.4- Capacitação continuada dos professores .................................. ......38
REEFLETINDO SOBRE O ASSSUNTO..............................................39
3.5 Interação professor/aluno...................................................................39
REEFLETINDO SOBRE O ASSSUNTO..............................................39
3.6 Os Intérpretes ................ ....................................................................40
REEFLETINDO SOBRE O ASSSUNTO.....................................................42
UNIDADE 4 - LIBRAS EM MOVIMENTO.................................................43
REFERÊNCIAS .................................. ........................................... ..............47
ATIVIDADES AVALIATIVAS.....................................................................49
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Introdução
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UNIDADE 1
ASPECTOS HISTÓRICOS
Não é a surdez que define o destino das pessoas, mas o resultado do olhar da
sociedade sobre a surdez. (Vygotsky)
1.1 A história dos surdos no Brasil e no mundo
Na história da humanidade, a primeira referência encontrada sobre os Surdos foi entre os Hebreus.
Na Antiguidade, os Surdos eram encarados como seres incompetentes.
Aristóteles ensinava que os que nasciam surdos, por não possuírem
linguagem, não eram capazes de raciocinar. Essa crença, comum na
época, fazia com que, na Grécia, os Surdos não recebessem educação
secular, não tivessem direitos, fossem marginalizados (juntamente
com os deficientes mentais e os doentes) e que muitas vezes fossem
condenados à morte. No entanto, em 360 a.C., Sócrates declarou que
era aceitável que os Surdos se comunicassem com as mãos e o corpo.
Em Roma, circulavam ideias semelhantes acerca dos Surdos, vendo-os como seres imperfeitos, sem
direito a pertencer à sociedade. Era comum lançarem as crianças surdas (especialmente as pobres) ao rio
Tibre, para serem cuidadas pelas Ninfas. O imperador Justiniano, em 529 a.C., criou uma lei que
impossibilitava os Surdos de celebrar contratos, elaborar testamentos e até de possuir propriedades ou
reclamar heranças (com exceção dos Surdos que falavam).Em Constantinopla, as regras eram
basicamente as mesmas. No entanto, lá os Surdos realizavam algumas tarefas, tais como o serviço de
corte, como pajensdas mulheres, ou como bobos, de entretenimento do sultão.
Mais tarde, Santo Agostinho defendia a ideia de que os pais de filhos Surdos estavam a pagar por
algum pecado que haviam cometido. Acreditava que os Surdos podiam comunicar por meio de gestos,
que, em equivalência à fala, poderiam salvar suas almas.
Na Idade Média, a Igreja Católica tratava os Surdos como seres sem alma imortal, uma vez que
eram incapazes de proferir os sacramentos.
Constam em registros que, em 700 d.C., John Beverley ensinou um Surdo a falar pela primeira vez.
Por essa razão, ele foi considerado por muitos como o primeiro educador de Surdos.
Foi no fim da Idade Média e inicio do Renascimento que a perspectiva religiosa deu lugar à razão e
a deficiência passou a ser analisada sob a óptica médica e científica.
Na Idade Moderna distinguiu-se, pela primeira vez, surdez de mudez (Surdez é a dificuldade parcial
ou total no que se refere à audição e mudez problema ligado à voz). A expressão surdo-mudo deixou de
ser a designação do Surdo.
Pedro Poncede León inicia, mundialmente, a história dos Surdos, tal como a conhecemos hoje em
dia. Além de fundar uma escola para Surdos,em Madrid, ele dedicou grande parte da sua vida a ensinar os
filhos Surdos, de pessoas nobres. Estes, de bom grado, e encarregavam-lhe os filhos, para que pudessem
ter privilégios perante a lei (assim, a preocupação geral em educar os Surdos, na época, era tão somente
econômica). León desenvolveu um alfabeto manual, que ajudava os Surdos a soletrar as palavras (há
quem defenda a ideia de que esse alfabeto manual foi baseado nos gestoscriados por monges, que
comunicavam entre si, pelo fato de terem feito voto de silêncio).
Nesta época, era costume que as crianças que recebiam este tipo de educação e tratamento fossem
filhas de pessoas que tinham uma situação econômica boa. As demais eram colocadas em asilos com
pessoas das mais diversas origens e problemas, pois não se acreditava que pudessem se desenvolver em
função da sua “anormalidade”.
Juan Pablo Bonet (1579-1629) aproveita o trabalho iniciado por León e escreve um livro (1620)
sobre as maneiras de ensinar os Surdos a ler e escrever, por meio do alfabeto manual. Bonet proibia o uso
da língua gestual, optando pelo método oral. Neste período, o oralismo começou a aparecer como
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filosofia educacinal, mas o interesse era que o surdo aprendesse a ler e escrever para ser capaz de assinar
a herança. Não se pensava em socializá-los, os interesses eram apenas político-econômicos.
No seculo XVIII, Charles Michel de L’Épée, nascido em 1712, ensinava, numa
primeira fase, os Surdos, por motivos religiosos. Responsável pela criação dos sinais
metódicos, ou seja, um sistema baseado na Língua de Sinais, muitos o consideram criador
da língua gestual. Embora saibamos que a mesma já existia antes dele, L’Épée reconheceu
que essa língua realmente existia e que se decenvolvia (embora não a considerasse uma
língua com gramática). Os seus principais contributos foram:
• criação do Institudo Nacional de Surdos- Mudos, em Paris (primeira escola de Surdos do mundo);
• reconhecimento do Surdo como ser humano, por reconhecer a sua língua;
• adoção do método de educação coletiva;
• reconhecimento de que ensinar o Surdo a falar seria perda detempo, antes deviam ensinar-lhe a língua
gestual.
Anos mais tarde, Thomas Braidwood fundou uma escola de Surdos, em Edimburgo (a primeira escola
de correcção da fala da Europa) ensina o significado das palavras e sua pronúncia, valorizando a leitura
orofacial. Samuel Heinicke, professor surdo, educado no Instituto de Paris, ensinou vários Surdos a falar,
criando e definindo o método hoje conhecido comooralismo.
Thomas Hopkins Gallaudet (1787-1851; viajava a Europa para conhecer os métodos de ensino a
surdos. Laurent Clerc, surdo francês educador formado pela Escola de Paris conhececor
da Língua de Sinais francesa, acompanhou Thomas Hopkins Gallaudet, educador ouvinte,
aos EUA, juntos fundam uma escola para surdos, Gallaudet instituiu nessa escola a
Língua Gestual Americana, passou ainda a ser usado o inglês escrito e o alfabeto manual.
Anos mais tarde, Edward Miner Gallaudet, filho de Thomas Gallaudet e também
educador de surdos, funda a primeira faculdade para surdos em Washington.
Em 1838, foi fundada a Sociedade Central -de Assistência e Educação de Surdos-Mudos - a
primeira associação de Surdos do mundo.
Na segunda metade do século XVIII, surgiam duas tendências distintas na educação dos surdos: o
gestualismo (ou método francês) e o oralismo (ou método alemão). A maioria dos surdos defendia o
gestualismo enquanto que apenas os ouvintes apoiavam o gestualismo.
O Congresso de Milão, em 1880, foi um momento que marcou a História dos surdos, pois o
oralismo se fortaleceu, uma vez que um grupo de ouvintes tomou a decisão de excluir a língua gestual do
ensinode surdos, substituindo-a pelo oralismo (o comitê do congresso era unicamente constituído por
ouvintes.) Emconseqüência disso, o oralismo foi a técnica preferida na educação dos surdos durante fins
do século XIX e grande parte do século XX.
Assim, uma década depois do Congresso de Milão, acreditava-se que o ensino da língua gestual
quase tinha desaparecido das escolas em toda a Europa, e o oralismo espalhava-se para outros
continentes. Em resultado da evolução nos campos da tecnologia e da ciência, no século XX,
particularmente no campo da surdez, a educação dos surdos passou a ser dominada pelo oralismo (que
encara a surdez como algo que pode ser corrigido).
Texto complementar
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A história da educação do surdo data de cerca de 400 anos, sendo que, nos seus primórdios, havia
pouca compreensão da psicologia do problema, e os indivíduos deficientes eram colocados em asilos. A
surdez, e a consequente mudez, eram confundidas com uma inferioridade de inteligência. É verdade,
porém, que a ausência da linguagem influi profundamente no desenvolvimento psico-social do indivíduo.
Felizmente, o deficiente auditivo pode aprender a se comunicar utilizando a língua dos sinais, ou a
própria língua falada.
Os primeiros educadores de surdos surgiram na Europa, no século XVI, criando diferentes
metodologias de ensino, as quais se utilizavam da língua auditiva-oral nativa, língua de sinais, datilologia
(representaçãomanual do alfabeto) e outros códigos visuais, e podendo ou não associar estes diferentes
meios de comunicação.
A partir do século XVIII, a língua dos sinais passou a ser bastante difundida, atingindo grande êxito
do ponto de vista qualitativo e quantitativo, e permitindo que os surdos conquistassem sua cidadania.
Porém, devido aos avanços tecnológicos que facilitavam o aprendizado da fala pelo surdo, o
oralismo começou a ganhar força a partir da segunda metade do século XIX, em detrimento da língua de
sinais, que acabou sendo proibida. A filosofia oralista, baseia-se na crença de que a modalidade oral da
língua é a única forma desejável de comunicação para o surdo, e que qualquer forma de gesticulação deve
ser evitada.
Na década de 60, a língua dos sinais tornou a ressurgir associada à forma oral, com o aparecimento
de novas correntes, como a Comunicação Total e, mais recentemente, o Bilinguismo.
A Comunicação Total defende a utilização de todos os recursos linguísticos, orais ou visuais,
simultaneamente, privilegiando a comunicação, e não apenas a língua. Já o Bilinguismo acredita que o
surdo deve adquirir a língua dos sinais como língua materna, com a qual poderá desenvolver-se e
comunicar-se com a comunidade de surdos, e a língua oficial de seu país como segunda língua.
No Brasil, a educação dos surdos teve início durante o segundo império, com a chegada do
educador francês HernestHuet. Em 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual
Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), que inicialmente utilizava a língua dos sinais, mas
que, em 1911, passou a adotar o oralismo puro.
Na década de 70, com a visita de Ivete Vasconcelos, educadora de surdos da Universidade
Gallaudet, chegou ao Brasil a filosofia daComunicação Total, e, na década seguinte, a partir das pesquisas
da Professora Linguista Lucinda Ferreira Brito sobre a Língua Brasileira de Sinais e da Professora Eulalia
Fernandes, sobre a educação dos surdos, o Bilinguísmo passou a ser difundido. Atualmente, estas três
filosofias educacionais ainda persistem paralelamente no Brasil.
Texto complementar 2
Cristina B. F de Lacerda
A educação de surdos é um assunto inquietante, principalmente pelas dificuldades que impõe e
por suas limitações. As propostas educacionais direcionadas para o sujeito surdo têm como objetivo
proporcionar o desenvolvimento pleno de suas capacidades; contudo, não é isso que se observa na prática.
Diferentes práticas pedagógicas envolvendo os sujeitos surdos apresentam uma série de limitações, e
esses sujeitos, ao final da escolarização básica, não são capazes de ler e escrever satisfatoriamente ou ter
um domínio adequado dos conteúdos acadêmicos. Esses problemas têm sido abordados por uma série de
autores que, preocupados com a realidade escolar do surdo no Brasil, procuram identificar tais problemas
(Fernandes 1989, Trenche 1995 e Mélo 1995) e apontar caminhos possíveis para a prática pedagógica
(Góes 1996 e Lacerda 1996). Nesse sentido, parece oportuno refletir sobre alguns aspectos da educação
de surdos ao longo da história, procurando compreender seus desdobramentos e influências sobrea
educação na atualidade.
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Durante a Antiguidade e por quase toda a Idade Média pensava-se que os surdos não fossem
educáveis, ou que fossem imbecis. Os poucos textos encontrados referem-se prioritariamente a relatos de
curas milagrosas ou inexplicáveis (Moores 1978).
É no início do século XVI que se começa a admitir que os surdos podem aprender através de
procedimentos pedagógicos sem que haja interferências sobrenaturais. Surgem relatos de diversos
pedagogos que se dispuseram a trabalhar com surdos, apresentando diferentes resultados obtidos com
essa prática pedagógica. O propósito da educação dos surdos, então, era que estes pudessem desenvolver
seu pensamento, adquirir conhecimentos e se comunicar com o mundo ouvinte. Para tal, procurava-se
ensiná-los a falar e a compreender a língua falada, mas a fala era considerada uma estratégia, em meio a
outras, de se alcançar tais objetivos.
Entretanto, era freqüente na época manter em segredo o modo como se conduzia á educação dos
surdos. Cada pedagogo trabalhava autonomamente e não era comum a troca de experiências. Heinické,
importante pedagogo alemão, professor de surdos, escreveu que seu método de educação não era
conhecido por ninguém, exceto por seu filho. Alegava ter passado por tantas dificuldades que não
pretendia dividir suas conquistas com ninguém (Sánchez 1990). Assim, torna-se difícil saber o que era
feito naquela época; em consequência, muitos dos trabalhos desenvolvidos se perderam.
Afigura do preceptorera muito freqüente em tal contexto educacional. Famílias nobres é
influentes que tinham um filho surdo contratavam osserviços de professores/preceptores para que ele não
ficasse privado da fala e consequentemente dos direitos legais, que eram subtraídos daqueles que não
falavam. O espanhol Pedro Ponce de Leon é, em geral, reconhecido nos trabalhos de caráter histórico
como o primeiro professor de surdos.
Nas tentativas iniciais de educar o surdo, além da atenção dada à fala, a língua escrita também
desempenhava papel fundamental. Os alfabetos digitais eram amplamente utilizados. Eles eram
inventados pelos próprios professores, porque se argumentava que se o surdo não podia ouvir a língua
falada, então ele podia lê-la com os olhos. Falava-se da capacidade do surdo em correlacionar as palavras
escritas com os conceitos diretamente, sem necessitar da fala. Muitos professores de surdos iniciavam o
ensinamento de seus alunos através da leitura-escrita e, partindo daí, instrumentalizavam-se diferentes
técnicas para desenvolver outras habilidades, tais como leitura labial e articulação das palavras.
Os surdos que podiam se beneficiar do trabalho desses professores eram muito poucos, somente
aqueles pertencentes às famílias abastadas. £ justo pensar que houvesse um grande número de surdos sem
qualquer atenção especial e que, provavelmente, se vivessem agrupados, poderiam ter desenvolvido
algum tipo de linguagem de sinais através da qual interagissem.
A partir desse período podem serdistinguidas, nas propostas educacionais vigentes, iniciativas
antecedentes do que hoje chamamos de “oralismo” e outras antecedentes do que chamamos de
“gestualismo’”.
Em seu início, no campo da pedagogia do surdo, existia um acordounânime sobre a conveniência
de que esse sujeito aprendesse a língua que falavam os ouvintes da sociedade na qual viviam; porém, no
bojo dessa unanimidade, já no começo do século XVIII, foi aberta uma brecha que se alargaria com o
passar do tempo e que separaria irreconciliavelmente oralistas de gestualistas. Os primeiros exigiam que
os surdos se reabilitassem, que superassem sua surdez, que falassem e, de certo modo, que se
comportassem como se não fossem surdos. Os proponentes menos tolerantes pretendiam reprimir tudo o
que fizesse recordar que os surdos não poderiam falar como os ouvintes. Impuseram a oralização.para que
os surdos fossem aceitos socialmente e, nesse processo, deixava-se a imensa maioria dos surdos de fora
de toda a possibilidade educativa, de toda a possibilidade de desenvolvimento pessoal e de integração na
sociedade, obrigando-os a se organizar de forma quase clandestina. Os segundos, gestualistas, eram mais
tolerantes diante das dificuldades do surdo com a língua falada e foram capazes de ver que os surdos
desenvolviam uma linguagem que, ainda que diferente da oral, era eficaz para a comunicação e lhes abria
as portas para o conhecimento da cultura, incluindo aquele dirigido para a língua oral. Com base nessas
posições, já abertamente encontradas no final do século XVIIÍ, configuram-se duas orientações
divergentes na educação de surdos, que se mantiveram em oposição até a atualidade, apesar das mudanças
havidas no desdobramento de propostas educacionais.
Como representante mais importante do que se conhece como abordagem gestualista está o
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“método francês” de educação de surdos. O abade Charles M. De L’Epée foi o primeiro a estudar uma
língua de sinais usada por surdos, com atenção para suas características lingüísticas. O abade, a partir da
observação de grupos de surdos, verifica que estes desenvolviam um tipo de comunicação apoiada no
canal viso-gestual, que era muito satisfatória. Partindo dessa linguagem gestual, ele desenvolveu um
método educacional, apoiado na linguagem de sinais da comunidade de surdos, acrescentando a esta
sinais que tornavam sua estrutura mais próxima à do francês e denominou esse sistema de “sinais
metódicos”. A proposta educativa defendia que os educadores deveriam aprender tais sinais para se
comunicar com os surdos; eles aprendiam com os surdos e, através dessa forma de comunicação,
ensinavam a língua falada e escrita do grupo socialmente majoritário.
Diferentemente de seus contemporâneos, De L’Epée não teve problemas para romper com a
tradição das práticas secretas e não se limitou a trabalhar individualmente com poucos surdos. Em 1775,
fundou uma escola, a primeira em seu gênero, com aulas coletivas, onde professores e alunos usavam os
chamados sinais metódicos. Divulgava seus trabalhos em reuniões periódicas e propunha-se a discutir
seus resultados. Em 1776, publicou um livro no qual divulgava suas técnicas. Seus alunos manejavam
bem a escrita, e muitos deles ocuparam mais tarde o lugar de professores de outros surdos. Nesse período,
alguns surdos puderam destacar-se e ocupar posições importantes na sociedade de seu tempo. O abade
mostrava-se orgulhoso de que seus discípulos não só liam e escreviam em francês, mas que podiam
refletir e discutir sobre os conceitos que expressavam, embora houvesse avaliações contrárias que
indicavam haver profundas restrições nesse suposto êxito. Existem vários livros datados dessa época,
escritos por surdos, que abordam suas dificuldades de expressão eos problemas ocasionados pela surdez
(Lane e Fischer 1993).
Para De L’Epée, a linguagem de sinais é concebida como a língua natural dos surdos e como
veículo adequado para desenvolver o pensamento e sua comunicação. Para ele, o domínio de uma língua,
oral ou gestual, é concebido como um instrumento para o sucesso de seus objetivos e não como um fim
em si mesmo. Ele tinha claras a diferença entre linguagem e fala e a necessidade de um desenvolvimento
pleno de linguagem para o desenvolvimento normal dos sujeitos.
Contemporaneamente a De L’Epée havia renomados pedagogos oralistas que o criticavam e que
desenvolviam outro modo de trabalhar com os surdos, como, por exemplo, Pereira, em Portugal, e
Heinicke, na Alemanha. Heinicke é considerado o fundador do oralismo e de uma metodologia que ficou
conhecida como o “método alemão”. Para ele, o pensamento só é possível através da língua oral, e
depende dela. A língua escrita teria uma importância secundária, devendo seguir a língua oral e não
precedê-la. O ensinamento através da linguagem.de sinais significava ir em contrário ao avanço dos
alunos (Moores 1978). Os pressupostos de Heinicke têm até hoje adeptos e defensores.
Em conseqüência do avanço e da divulgação das práticas pedagógicas com surdos, foi realizado,
em 1878, em Paris, o I Congresso Internacional sobre a Instrução de Surdos, no qual se fizeram
acalorados debates a respeito das experiências e impressões sobre o trabalho realizado até então. Naquele
congresso alguns grupos defendiam a ideia de que falar era melhor que usar sinais, mas que estes eram
muito importantes para a criança poder se comunicar. Ali, os surdos tiveram algumas conquistas
importantes, como o direito áassinar documentos, tirando-os da “marginalidade” social, mas ainda estava
distante a possibilidade de uma verdadeira integração social.
Em 1880, foi realizado o II Congresso Internacional, em Milão, que trouxe uma completa
mudança nos rumos da educação de surdos e, justamente por isso, ele é considerado um marco histórico.
O congresso foi preparado por uma maioria oralista com o firme propósito de dar força de lei às suas
proposições no que dizia respeito à surdez e à educação de surdos. O método alemão vinha ganhando
cada vez mais adeptos e estendendo-se progressivamente para a maioria dos países europeus,
acompanhando o destaque político da Alemanha no quadro internacional da época.
As discussões do congresso foram feitas em debates acaloradíssimos. Apresentaram-se muitos
surdos que falavam bem, para mostrar a eficiência do método oral. Com exceção da delegação americana
(cinco membros) e de um professor britânico, todos os participantes, em sua maioria europeus e ouvintes,
votaram oor aclamação a aprovação do uso exclusivo e absoluto da metodologia oralista e a proscrição da
linguagem de sinais. Acreditava-se que o uso de gestos e sinais desviasse o surdo da aprendizagem da
língua oral, que era a mais importante do ponto de vista social. As resoluções do congresso (que era uma
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instância de prestígio e merecia ser seguida) foram determinantes no mundo todo, especialmente na
Europa e na América Latina.
As decisões tomadas no Congresso de Milão levaram a que a linguagem gestual fosse
praticamente banida como forma de comunicação a ser utilizada por pessoas surdas no trabalho
educacional. A única oposição clara feita ao oralismo foi apresentada por Gallaudetque, desenvolvendo
nos Estados Unidos um trabalho baseado nos sinais metódicos do abade De L’Epée, discordava dos
argumentos apresentados, reportando-se aos sucessos obtidos por seus alunos (Sachs 1990, Lane 1989).
Com o Congresso de Milão termina uma época de convivência tolerada na educação dos surdos
entre a linguagem falada e a gestual e, em particular, desaparece a figura do professor surdo que, até
então, era frequente. Era o professor surdo que, na escola, intervinha na educação, de modo a
ensinar/transmitir um certo tipo de cultura e de informação através do canal visogestual e que, após o
congresso, foi excluído das escolas.
Assim, no mundo todo, a partir do Congresso de Milão, o oralismo foi o referencial assumido e as
práticas educacionais vinculadas a ele foram amplamente desenvolvidas e divulgadas. Essa abordagem
não foi, praticamente, questionada por quase um século. Os resultados de muitas décadas de trabalho
nessa linha, no entanto, não mostraram grandes sucessos. A maior parte dos surdos profundos não
desenvolveu uma fala socialmente satisfatória e, em geral, esse desenvolvimento era parcial e tardio em
relação à aquisição de fala apresentada pelos ouvintes, implicando um atraso de desenvolvimento global
significativo. Somadas a isso estavam as dificuldades ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita:
sempre tardia, cheia de problemas, mostrava sujeitos, muitas vezes, apenas parcialmente alfabetizados
após anos de escolarização. Muitos estudos apontam para tais problemas, desenvolvidos em diferentes
realidades e que acabam revelando sempre o mesmo cenário: sujeitos pouco preparados para o convívio
social, com sérias dificuldades de comunicação, seja oral ou escrita, tornando claro o insucesso
pedagógico dessa abordagem (Johnson et aí. 1991, Fernandes 1989).
Nada de realmente importante aconteceu em relação ao oralismo até o início dos anos 50, com as
novas descobertas técnicas e a possibilidade de se “protetizar” crianças surdas muito pequenas. Era um
novo impulso para a educação voltada para a vocalização. Foram desenvolvidas novas técnicas para que a
escola pudesse trabalhar sobre aspectos da percepção auditiva e de leitura labial da linguagem falada,
surgindo assim um grande número de métodos, dando ensejo a momentos de nova esperança de que, com
o uso de próteses, se pudessem educar crianças com surdez grave e profunda a ouvir e,
consequentemente, a falar.
Para os oralistas, a linguagem falada é prioritária como forma de comunicação dos surdos e a
aprendizagem da linguagem oral é preconizada como indispensável para o desenvolvimento integral das
crianças. De forma geral, sinais e alfabeto digitais são proibidos, embora alguns aceitem o uso de gestos
naturais, e recomenda-se que a recepção da linguagem seja feita pela via auditiva (devidamente treinada)
e pela leitura orofacial (Trenche 1995).
Os métodos orais sofrem uma série de críticas pelos limites que apresentam, mesmo com o
incremento do uso de próteses. As críticas vêm, principalmente, dos Estados Unidos. Alguns métodos
prevêem, por exemplo, que se ensinem palavras para crianças surdas de um ano. Entretanto, elas terão de
entrar em contato com essas palavras de modo descontextualizado de interlocuções efetivas, tornando
alinguagem algo difícil e artificial. Outro aspecto a ser desenvolvido é a leitura labial, que para a idade de
um ano é, em termos cognitivos, uma tarefa bastante complexa, para não dizer impossível. É muito difícil
para uma criança surda profunda, ainda que “protetizada”, reconhecer, tão precocemente, uma palavra
através da leitura labial. Limitar-se ao canal vocal significa limitar enormemente a comunicação e a
possibilidade de uso dessa palavra em contextos apropriados. O que ocorre praticamente não pode ser
chamado de desenvolvimento de linguagem, mas sim de treinamento de fala organizado de maneira
formal, artificial, com o uso da palavra limitado a momentos em que a criança está sentada diante de
desenhos, fora de contextos dialógicos propriamente ditos, que de fato permitiriam o desenvolvimento do
significado das palavras. Esse aprendizado de linguagem é desvinculado de situações naturais de
comunicação, e restringe as possibilidades do desenvolvimento global da criança.
Na década de 1960, começaram a surgir estudos sobre as línguas de sinais utilizadas pelas
comunidades surdas. Apesar da proibição dos oralistas no uso de gestos e sinais, raramente se encontrava
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uma escola ou instituição para surdos que não tivesse desenvolvido, às margens do sistema, um modo
próprio de comunicação através dos sinais.
A primeira caracterização de uma língua de sinais usada entre pessoas surdas se encontra nos
escritos do abade De L’Epée. Muito tempo se passou até que o interesse pelo estudo das línguas de sinais
de um ponto de vista lingüístico fosse despertado novamente, o que ocorreu nos anos 60 com os estudos
de Willian Stokoe (1978).
Ao estudar a Língua de Sinais Americana (ASL), Stokoe encontra uma estrutura que, de muitos
modos, se assemelha àquela das línguas orais. Argumenta que, assim como da combinação de um número
restrito de sons (fonemas) cria-se um número vastíssimo de unidades dotadas de significado (palavras),
com a combinação de um número restrito de unidades mínimas na dimensão gestual (queremas) pode-se
produzir um grande número de unidades com significados (sinais). Propôs também em sua análise que um
sinal pode ser decomposto em três parâmetros básicos: O lugar no espaço onde as mãos se movem, a
configuração da(s) mão(s) ao realizar o sinal e o movimento da(s) mão(s) ao realizar o sinal, sendo estes
então os “traços distintivos” dos sinais.
Esses estudos iniciais e outros que vieram após o pioneiro trabalho de Stokoe revelaram que as
línguas de sinais eram verdadeiras línguas, preenchendo em grande parte os requisitos que a lingüística de
então colocava para as línguas orais.
O descontentamento com o oralismo e as pesquisas sobre línguas de sinais deram origem a novas
propostas pedagógico-educacionais em relação à educação da pessoa surda, e a tendência que ganhou
impulso nos anos 70 foi a chamada comunicação total. “A Comunicação Total é a prática de usar sinais,
leitura orofacial, amplificação e alfabeto digital para fornecer inputs lingüísticos para estudantes surdos,
ao passo que eles podem expressar-se nas modalidades preferidas” (Stewart 1993, p. 118). O objetivo é
fornecer à criança a possibilidade de desenvolver uma comunicação real com seus familiares, professores
e coetâneos, para que possa construir seu mundointerno. A oralização não é o objetivo em si da
comunicação total, mas uma das áreas trabalhadas para possibilitar a integração social do indivíduo surdo.
A comunicação total pode utilizar tanto sinais retirados da língua de sinais usada pela comunidade surda
quanto sinais gramaticais modificados e marcadores para elementos presentes na língua falada, mas não
na língua de sinais. Dessa forma, tudo o que é falado pode ser acompanhado por elementos visuais que o
representam, o que facilitaria a aquisição da língua oral e posteriormente da leitura e da escrita (Moura
1993).
Entretanto, a forma de implementar a comunicação total mostra- -se muito diferente nas diversas
experiências relatadas; nota-se que muitas foram as maneiras de realizar essa prática envolvendo sinais,
fala e outros recursos.
Práticas reunidas sob o nome de comunicação total, em suas várias acepções, foram amplamente
desenvolvidas nos Estados Unidos e em outros países nas décadas de 1970 e 1980 e muitos estudos foram
realizados para verificar sua eficácia. O que esses estudos têm apontado é que, em relação ao oralismo,
alguns aspectos do trabalho educativo foram melhorados e que os surdos, no final do processo escolar,
conseguem compreender e se comunicar um pouco melhor. Entretanto, segundo essas análises avaliativas,
eles apresentam ainda sérias dificuldades em expressar sentimentos e ideias e comunicar-se em contextos
extra-escolares. Em relação à escrita, os problemas apresentados continuam a ser muito importantes,
sendo que poucos sujeitos alcançam autonomia nesse modo de produção de linguagem. Observam-se
alguns poucos casos bem-sucedidos, mas a grande maioria não consegue atingir níveis acadêmicos
satisfatórios para sua faixa etária. Em relação aos sinais, estes ocupam um lugar meramente acessório de
auxiliar da fala, não havendo um espaço para seu desenvolvimento. Assim, muitas vezes, os surdos
atendidos segundo essa orientação comunicam-se precariamente apesar do acesso aos sinais. É que esse
acesso é ilusório no âmbito de tais práticas, pois os alunos não aprendem a compreender os sinais como
uma verdadeira língua, e desse uso não decorre um efetivo desenvolvimento lingüístico. Os sinais
constituem um apoio para a língua oral e continuam, de certa forma, “quase interditados” aos surdos.
O que a comunicação total favoreceu de maneira efetiva foi o contato com sinais, que era
proibido pelo oralismo, e esse contato propiciou que os surdos se dispusessem à aprendizagem das lín-
guas de sinais, externamente ao trabalho escolar. Essas línguas são frequentemente usadas entre os
alunos, enquanto na relação com o professor é usado um misto de língua oral com sinais.
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Diante desse panorama é possível constatar que, de alguma maneira, as três principais
abordagens de educação de surdos (oralista, comunicação total e bilinguismo) coexistem, com adeptos
de todas elas nos diferentes países. Cada qual com seus prós e contras, essas abordagens abrem espaço
para reflexões na busca de um caminho educacional que de fato favoreça o desenvolvimento pleno dos
sujeitos surdos, contribuindo para que sejam cidadãos em nossa sociedade.
As línguas de sinais não são universais, cada língua de sinais tem sua própria estrutura gramatical.
Assim, como as pessoas ouvintes em países diferentes falam diferentes línguas, também as pessoas surdas
por toda parte do mundo, que estão inseridas em “Culturas Surdas”, possuem suas próprias línguas,
existindo, portanto, muitas línguas de sinais diferentes, como: Língua de Sinais Francesa, Chilena,
Portuguesa, Americana, Argentina, Venezuelana, Peruana, Portuguesa, Inglesa, Italiana, Japonesa,
Chinesa, Uruguaia, Russa, Urubus-Kaapor, citando apenas algumas. Estas línguas são diferentes umas das
outras e independem das línguas orais-auditivas, utilizadas nesses e em outros países, por exemplo: o
Brasil e Portugal possuem a mesma língua oficial, o português, mas as línguas de sinais destes países são
diferentes, o mesmo acontece com os Estados Unidos e a Inglaterra, entre outros. Também pode
acontecer que uma mesma língua de sinais seja utilizada, por dois países, como é o caso da língua de
sinais americana que é usada pelos surdos dos Estados Unidos e do Canadá.
Embora cada língua de sinais tenha sua estrutura própria, surdos de países com línguas de sinais
diferentes comunicam-se mais rapidamente uns com os outros; fato que não ocorre entre falantes de
línguas orais, que necessitam de um tempo bem maior para um entendimento. Isso se deve à iconicidade
dessas línguas e à capacidade que as pessoas surdas têm de desenvolver e aproveitar gestos e pantomimas
para a comunicação e estarem atentos às expressões faciais e corporais das pessoas nessas situações de
fala.
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Hoje a raça humana está dividida nos espaços geográficos delimitados politicamente, e cada
nação tem sua língua ou línguas oficiais como, por exemplo, o Canadá que possui a língua inglesa e a
francesa. Os países que possuem somente uma língua oficial são, politicamente, monolíngues, os que
possuem duas ou mais são bilíngues.
Mas, em todos os países, existem minorias linguísticas que, por motivo de etnia e/ou imigração,
mantêm suas línguas de origem, embora as línguas oficiais dos países onde estas minorias coabitam, ou
politicamente fazem parte, sejam outras. Este é o caso das tribos indígenas no Brasil e nos Estados Unidos
e dos imigrantes que se organizam e continuam utilizando suas línguas de origem, como nos Estados
Unidos e na França. Os indivíduos destas minorias geralmente são discriminados e precisam se tornar
bilíngues para participarem das duas comunidades, uma vez que eles estão inseridos em comunidades
linguísticas que utilizam línguas distintas.
Nesses casos, pode-se falar de bilinguismo social, já que uma comunidade, por algum motivo,
precisa utilizar duas línguas.Há também o bilinguismo individual, que é a opção de um indivíduo para
aprender outra língua além da sua materna, embora isso não seja uma necessidade de sua comunidade
linguística.
Trazendo essa temática para os Surdos, em todos os países, eles são minorias linguísticas como
outras, mas não devido à imigração ou à etnia, já que a maioria nasce de famílias que falam a língua
oficial da comunidade maior, à qual também pertence por etnia; eles são minorias linguísticas por se
organizarem em associações nas quais o fator principal de agregação é a utilização de uma língua gestual-
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visual por todos os associados. Sua integração está no fato de poderem ter um espaço onde não há
repressão ou discriminação devido ao fato de poderem se expressar da maneira que mais lhes satisfazem,
para manterem entre si, uma situação prazerosa no ato de comunicação.
Quando imigrantes vão para outros países, formando minorias linguísticas ou guetos, a língua que
trazem, geralmente, é a língua oficial de sua cultura, sendo respeitada, enquanto língua, no país para onde
imigram, mas as línguas dos Surdos, por serem de outra modalidade - gestual-visual - e por serem
utilizadas por pessoas consideradas “deficientes” - por não poderem, na maioria das vezes, expressarem-
se como ouvintes - eram desprestigiadas e, até bem pouco tempo, proibidas de serem usadas nas escolas e
em casa de criança surda com pais ouvintes.
Este desrespeito, fruto de um desconhecimento, gerou um preconceito e pensava-se que este tipo
de comunicação dos Surdos não poderia ser língua e, se os surdos ficassem se comunicando por
"mímica”, eles não aprenderiam a língua oficial de seu país. Mas as pesquisas que foram desenvolvidas
nos Estados Unidos e na Europa mostraram o contrário. Se uma criança surda puder aprender a língua dos
sinais da Comunidade Surda da cidade à qual será inserida, ela terá mais facilidade em aprender a língua
oral-auditiva da Comunidade Ouvinte, à qual também pertencerá (Felipe, 1991).
Considerando que todas as línguas, em essência, são sistematizadas a partir de universais
linguísticos, que as tornam linguagem humana; é preconceito e ingenuidade dizer, hoje, que uma
determinada língua é superior a qualquer outra, mesmo em relação à modalidade, já que elas independem
dos fatores econômicos ou tecnológicos, não podendo ser classificadas em desenvolvidas,
subdesenvolvidas ou, ainda, primitivas (Felipe, 1889).
As línguas se transformam a partir das comunidades linguísticas que as utilizam. Uma criança
surda precisará se integrar à Comunidade Surda de sua cidade para poder ficar com um bom desempenho
na língua de sinais desta comunidade.
Portanto, como os surdos estão em duas comunidades precisam manter esse bilinguismo social, e
uma língua ajuda na compreensão da outra.
1.3.2. As Comunidades Surdas do Brasil e sua Cultura
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através dessa, é conviver com pessoas que, em um universo de barulhos, depara-se com pessoas que estão
percebendo o mundo, principalmente, pela visão, e isso as torna diferentes e não necessariamente
deficientes.
A diferença está no modo de apreender o mundo, que gera valores, comportamento comum
compartilhado e tradições sócio interativas, a este modus vivendi pode-se caracterizar como “Cultura
Surda”.
Nessa perspectiva, pode-se apreender uma atitude Surda, ou seja, as pessoas Surdas não querem
ser vistas como Deficientes Auditivos, o que implica uma visão negativa da surdez. A atitude surda está
em ser membro de uma comunidade, aceitar e ser aceito como membro desta cultura surda, isso quer
dizer ter atitudes:
1. audiológica: ser uma pessoa que não escuta;
2. política: lutar pelos direitos de cidadania, respeito de sua cultura e aceitação das diferenças;
3. linguística: usar a língua de sinais como meio mais natural de comunicação;
4. social: estar envolvido com associações de surdos, frequentar escolas especiais, ter família
e/ou amigos surdos.
Há pessoas surdas em todos os estados brasileiros e muitasdestas pessoas vêm se organizando e
formando associações pelo país. Como o Brasil é muito grande e diversificado, estas comunidades se
diferenciam regionalmente em relação a hábitos alimentares, vestuários e situação sócio-econômica, entre
outras diferenças, e são estes fatores que geram também variações lingüísticas regionais.
A “Cultura Surda” é muito recente no Brasil, tem pouco mais de cento e vinte anos e somente
agora o interesse em se registrar, através de filmes, as narrativas pessoais de surdos idosos para se
conhecer, um pouco, sua história, o que tem sido objeto de interesse de pesquisadores.
Convivendo-se um pouco com as Comunidades Surdas, é possível perceber características
peculiares como:
• A maioria das pessoas Surdas prefere um relacionamento mais íntimo com outra pessoa Surda,
talvez pela própria identidade e facilidade de comunicação;
• Suas piadas envolvem a problemática da incompreensão da surdez pelo ouvinte, que
geralmente é o “português” que não percebe bem, ou quer dar uma de esperto e se dá mal;
• Seu teatro já começa a abordar questões de relacionamento, educação e visão de mundo
própria do universo do Surdo, como, por exemplo, fez a Companhia Surda de Teatro, no Rio de Janeiro;
• O Surdo tem um modo próprio de olhar o mundo onde as pessoas são expressões faciais e
corporais. Como fala com as mãos, evita usá-las desnecessária e exageradamente e, quando está se
comunicando com outra pessoa surda, por polidez, sempre concentra sua atenção no rosto e olhos de seu
interlocutor, uma vez que o desviar dos olhos pode representar desinteresse ou desrespeito;
• O Surdo sempre evita tocar outro surdo por trás para evitar o constrangimento de um susto, a
menos que, por brincadeira, seja justamente essa a intenção do ato.
Mas ainda há muito a ser pesquisado nessa área.
As Comunidades urbanas Surdas no Brasil têm como fatores principais de integração a Libras, os
esportes e interações sociais, por isso têm uma organização hierárquica formada por: 1 Confederação
Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS); 5 Federações Desportivas e 32 associações/sociedades em
várias capitais e cidades do interior, além de outras entidades que desenvolvem trabalho com surdos e que
estão filiadas à Feneis, segundo seu cadastro.
ACBDS, fundada em 1984, tem como proposta o desenvolvimento esportivo dos surdos do
Brasil, por isso promove campeonatos masculino e feminino em várias modalidades de esporte a nível
nacional. Seus representantes são escolhidos através de voto secreto dos representantesdas Federações.
Como toda associação, a organização de cada comunidade é feita através de estatutos que as
regulam e estabelecem os ciclos de eleições, quando os associados se articulam em chapas para poderem
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Fonte:
http://www.feneis.com.br/arauivos/As%20L%C3%ADnauas%20de%20Sinais%20e%20as%20Comuniàades%20Snrdas.doc
1. De acordo com o texto “Os surdos enquanto minoria linguística”, explique por que os
surdos são considerados minorias lingüísticas.
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2. De acordo com a citação de KAKUMASU1968, no Brasil existem duas línguas de sinais.
Explicite-as.
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UNIDADE 2
A DEFICIÊNCIA AUDITIVA
Vários autores, buscam, de alguma forma, conceituar e definir o que seria a deficiência, suas causas
e efeitos. Assim, deficiência é o termo utilizado para definir a ausência ou a disfunção de uma estrutura
psíquica, fisiológica ou anatômica, referindo-se à biologia da pessoa (www.wikipedia.org).
Desde 1971, a Organização Mundial de Saúde (OMS), realiza estudos que buscam a distinção entre
deficiência, incapacidade e/ ou menos-valia ou impedimento. De acordo com essas pesquisas, a FUNDEP
(2005, p.21) define que:
Conceituar a surdez não é tarefa simples diante de um contexto histórico, social e educacional, pois
exige profundo conhecimento sobre a perda auditiva do sujeito, a forma que ele vê e ouve o mundo, o seu
relacionamento com as pessoas e como ele se vê inserido na sociedade que o cerca.
Denomina-se deficiência auditiva a diminuição da capacidade de percepção normal dos sons, sendo
considerado surdo o indivíduo cuja audição não é funcional na vida comum, e parcialmente surdo aquele
cuja audição, ainda que deficiente, é funcional com ou sem prótese auditiva, impedindo o indivíduo de
ouvir a voz humana. (RINALDI, 1997, p. 25).
A perda parcial ou total da audição pode ser congênita ou adquirida. Uma pessoa com audição
normal pode captar intensidade entre 0 a 20 decibéis (dB) e entre 250 a 4000 Hertz. Para detectar os
níveis ou perda da audição através de um teste audiométrico, geralmente são usadas as frequências de
500Hz, 1000Hz e 2000Hz, captando assim a intensidade do som entre 10 a 25 dB, considerado surdez
mínima ou leve, e mais de 90 dB é considerado surdez profunda.(LIMA, ROSSI e SANTOS 2003, p. 36 a 37)
Conforme Rinaldi (1997), pelo menos uma em cada mil crianças nasce profundamente surda,
muitas pessoas desenvolvem problemas auditivos ao longo da vida, por causa de acidentes ou doenças.
Estima- se que 10% da população mundial possuam, algum problema auditivo e que 1,5% da população
brasileira (2,5 milhões) é deficiência auditiva.
Quem ouve normalmente consegue perceber um barulho mínimo, medido em 15 decibéis, aqueles
que não ouvem entre 15 a 40 decibéis são considerados deficientes auditivos leves. No caso de portadores
dedeficiência auditiva profunda, o barulho de uma britadeira quebrando um asfalto acima de 90 decibéis
não é notado.
A surdez traz para o indivíduo grandes dificuldades na percepção dos sons, havendo também uma
perturbação no conhecimento do meio em que vive e na relação oral. Essas dificuldades são indicadas
pelo grau de comprometimento e pela capacidade intelectual de cada indivíduo, podendo este apresentar
também uma maior emotividade, menor autodomínio, profundo sentimento de inferioridade, ou seja, esse
indivíduo sente-se incapaz.
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Deste modo, qualquer problema que ocorra em alguma parte do ouvido externo (meato acústico) ou
médio (membrana timpânica), pode causar uma deficiência na audição, comprometendo o
desenvolvimento intelectual, social e cultural do indivíduo. É denominada deficiência auditiva para
indicar uma perda de audição, ou seja, uma diminuição na capacidade de escutar os sons. (GESUELI,
KAUCHARKJE E SILVA, 2003, p. 36 a 37)
Portanto, o indivíduo só é considerado deficiente auditivo se for diagnosticado por exames
específicos e, dependendo do local do ouvido em que está o problema, temos diferentes tipos e grau de
deficiência auditiva, que podem ser classificadas como condutiva, mista ou neurossensorial.
Este tópico visa prestar esclarecimentos necessários aos professores, de forma que possam
orientar pais quanto à aceitação da diferença e quebrar preconceitos, além de viabilizar a integração do
surdo na comunidade onde vive. Para que se consiga atingir o objetivo almejado, faz-se necessário firmar
parceria entre família, escola e comunidade.
Esta unidade, em particular, trata das funções e do papel da família nesse trabalho.
Pretende-se oferecer subsídios para que o professor envolva a família no processo educacional dos filhos
surdos, orientando-a na busca e na utilização dos serviços comunitários, prioritariamente, nos da área
educacional.
O professor deverá ser capaz de:
• Orientar os pais de alunos surdos, através de palestras e estudos: sobre a prevenção e a identificação
da surdez, sobre o programa de estimulação precoce, bem como sobre sua atuação (da família) em
toda a vida do filho.
• Informar os pais sobre os serviços comunitários disponíveis nas áreas de saúde, psicologia,
assistência social e educação, para que possam buscar o atendimento adequado a seu filho. Quando um
dos membros da família nasce surdo, essasmudanças podem ser acrescidas de outras, às vezes muito
mais traumáticas: maior tensão e ansiedade, possibilidade de surgimento de conflitos e até mesmo
desintegração familiar. O conjunto dessas emoçõese reações, aliado à falta de conhecimento a respeito
da surdez, gera uma situação de estresse (“conjunto de reações do organismo a agressões de ordem
física, psíquica, infecciosa, e outras, capazes de perturbar-lhe a homeostase”), (Ferreira, 1986). O
estresse gera sentimentos que trazem sensação de insegurança, de medo, de impotência, de
incapacidade para resolver situações novas.
Em todas as famílias, podem ser identificados períodos de estresse, na vivência com filho surdo,
que seguem os seus estágios de desenvolvimento físico, psicológico e social:
Texto Complementar 3
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A criança surda pode passar a não querer usar o aparelho porque percebe o sofrimento que esta
diferença causa em seus pais.Para que a criança surda use o aparelho de amplificação sonora individual é
importante ouvir esses pais, entender junto com eles o que representa este aparelho, o quanto ele é
imprescindível para seu filho, pois ele amplifica os sons do ambiente possibilitando que a criança
“perceba” os sons, mas isto não irá modificar sua condição de pessoa surda na sociedade.
No trabalho com os pais não é suficiente orientá-los sobre como estimular a audição dos filhos.
Os pais precisam ser ouvidos em suas preocupações e orientados para poderem escutar os sons que seu
filho começa emitir, e saber que este som transmite significado, ou seja, constitui linguagem. Atitude
semelhante de uma mãe com um filho ouvinte, quando o bebê emite “pá” a mãe dá sentido completando a
palavra “papai” ou “papa”, “você quer comer”, etc.
A partir dos 2 a 3 anos, a criança busca conhecer o mundo, se torna cada vez mais consciente de
si como pessoa no convívio com outras crianças e adultos.
A criança surda também busca este conhecimento, a partir do uso de sinais espontâneos,
expressões faciais, que precisam ser valorizadas e significadas pelos pais e professores como formas de
comunicação.Com o início da escolaridade em creches e instituições de educação infantil comum, ou
especial, a criança começa a partilhar com outros das brincadeiras, das conversas, da atenção em relação a
professora.
Neste período de socialização, a criança surda precisa ser exposta a uma linguagem
compreensível para ela, assim poderá expressar seus desejos, suas necessidades, utilizando e/ou sons.
O desafio do trabalho precoce com a criança surda está em criar situações de comunicação, que
favoreça a expressão e interação contínua da criança com as pessoas, utilizando-se do olhar, dos gestos,
dos sinais, da linguagem oral, etc.
Ao professor cabe saber que a linguagem se adquire naturalmente por meio da interação e que a
fala é uma das manifestações da linguagem, assim como os sinais, a escrita são formas de estabelecer a
comunicação e possibilitar a representação do pensamento.
A partir da intervenção precoce com os pais e com a criança, podemos diminuir as dificuldades
dos pais em aceitar seu filho diferente, e ajudá-los a ter uma visão mais realista e positiva das verdadeiras
possibilidades de desenvolvimento de seu filho surdo.
Fonte: httD://www.entreamiaos.com.br/textos/dinfam/fam.htm
Texto Complementar 4
RESUMO
O artigo propõe uma reflexão psicolinguística sobre as construções conceituais de crianças surdas
no que diz respeito à escrita. O trabalho revela, a partir de um diálogo com as ideias de Emília Ferreiro e
Ana Teberosky, que a psicogênese da escrita vivenciada por crianças surdas, que têm a língua de sinais
como primeira língua e língua de instrução, se desenrola de forma diferente ao que é vivido por crianças
ouvintes em processo inicial de construção da escrita. As principais especificidades dessa aquisição
relacionam-se: a não-fonetização da escrita, a uma intensa exploração dos aspectos viso-espaciais da
escrita e ao uso dos parâmetros fonológicos da língua de sinais como elemento regulador e organizador da
escrita. Tais peculiaridades exigem, portanto, que a escola e o professor alfabetizador revejam suas
concepções sobre o processo de escrita no surdo, pensando em (novas) práticas pedagógicas que
considerem a realidade bilíngue e sua relação não-sonora com a escrita.
Palavras-chave: Surdez. Psicogênese da escrita. Língua de sinais.
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Introdução
Desde que se tornou evidente o fracasso das práticas oralistas em promover um aprendizado
efetivo para o surdo, multiplicaram-se em todo o mundo investigações das mais diversas ciências -
neurologia, psicologia, linguística, educação - comprovando o valor das línguasde sinais e a influência
positiva que elas têm na construção do desenvolvimento e da aprendizagem dessas pessoas. Os
movimentos sociais organizados pelos surdos e essas - relativamente recentes- descobertas científicas
funcionaram como questionamentos ao pensamento fonocêntrico que por tanto tempo orientou a
educação para surdos, abrindo caminho para o rompimento com a visão de surdez como patologia e para
o reconhecimento do surdo como sujeito bilíngue.
Entende-se assim que, embora o surdo esteja inserido em uma sociedade e em um núcleo familiar
cuja maior parte utiliza a língua oral majoritária, ele também está ligado - direta ou indiretamente - a
espaços e pessoas que se comunicam por uma língua de sinais. Reconhecer, portanto, a condição bilíngue
do surdo implica aceitar que ele transita por essas duas línguas e, mais do que isso, que ele se constitui e
se forma a partir delas. A língua de sinais, historicamente tão rechaçada, passa a ser percebida como parte
positiva da vida do surdo, como elemento indispensável para garantir sua apropriação dos elementos
culturais, de integração à sociedade e de acesso ao conhecimento - acadêmico ou não além de um bom
desenvolvimento cognitivo e afetivo.
De fato, a língua de sinais, ainda que “proibida”, jamais deixou de existir na vida do surdo, porém
estava lá de forma tolhida, marginal, fora das salas de aula e de qualquer outro espaço “oficial” que o
ouvinte tivesse (também) participação. A mudança de concepção em relação à surdez, a partir de uma
visão interacionista, sócio-antropológica, devolve à sala de aula a língua “proibida” e, assim, instala
condições para que as práticas pedagógicas voltadas para o surdo sejam rediscutidas eredimensionadas,
evoluindo para tornar-se um espaço mais dialógico, de produção e transmissão - de fato! - do
conhecimento, de formação humana a partir do respeito e do reconhecimento positivo pela e da diferença.
É inegável a importância do retorno da língua de sinais aos espaços pedagógicos ocupados pelo
surdo, respondendo e resolvendo antigas problemáticas que há muito obstacularizam a escolarização
desses sujeitos. Mas é verdade também que novas questões se colocam no cerne dessa discussão sobre a
escola e a aprendizagem do surdo e que, evidentemente, mesmo não se caracterizando como um
“problema”, exigem da escola e dos pesquisadores novas reflexões. Reconhecer a condição bilíngüe do
surdo é, portanto, apenas o começo de uma longa e intrigante travessia de descobertas e desafios. O
acolhimento necessário e imprescindível da língua de sinais, como primeira língua do surdo e língua
escolar, devolve ao surdo a esperança, ao mesmo tempo em que nos convoca a pensar sobre os processos
e práticas construídos - agora - à luz dessa nova condição. A subjetividade do surdo e todos os processos
relacionados a ela ganham novas nuanças, delineando-se talvez de forma diferente ao que supúnhamos
acontecer quando a língua de sinais era - radicalmente - negada e as práticas pedagógicas eram, quase
exclusivamente, mediadas pela língua oral. Se for modificada a forma do mundo interagir com o surdo,
entende-se que também vão se alterar os modos como o surdo se relaciona com o mundo, nas
apropriações e leituras que fará da realidade ao seu redor.
Dentre esses processos relacionados à escola e a aprendizagem, a escrita e a leitura parecem ser os
que mais demandam essas novasreflexões, principalmente porque (e às vezes exclusivamente) é por meio
desses dois processos que a condição bilíngüe do surdo se constrói e se revela. Uma criança surda, ainda
que exposta intensivamente a interações por meio da língua oral, pouco ou nenhuma apropriação fará
dessa língua majoritária, porque está numa modalidade incompatível com sua realidade sensorial.
Entretanto, quando essa mesma língua é apresentada em uma modalidade escrita, torna-se acessível às
possibilidades visuais do surdo, favorecendo sua apropriação.
Sendo a língua de sinais a primeira língua do surdo, é válido destacar que o encontro desses
sujeitos com a escrita - da língua majoritária -Í é precedido e possibilitado pela língua de sinais. Quanto
mais efetivo é o acesso da criança surda à língua de sinais, melhores chances ela tem de fazer uma
apropriação mais consistente da escrita. Para grande parte dos surdos, a linguagem evolui através da
língua de sinais, que amplia as possibilidades cognitivas e conceituais para nomear e categorizar a
realidade ao seu redor, bem como perpassa os objetos de conhecimento com o qual se deparam. A escrita
certamente é um desses objetos, particularmente importante, porque, como a língua de sinais, veicula
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conceitos que nomeiam a realidade; só que, ao contrário,dessa última - e de qualquer outra língua não
escrita- está “presa” ao papel, com menores possibilidades de contextualização natural. Portanto, embora
a escrita também se constitua de signos que veiculam conceitos, materializa-se em um formato que
dificulta a construção do sentido por ela mesma, sendo necessário buscar na língua não-escrita os
elementos conceituais para atribuir sentido aos signos escritos.
A língua de sinais instrumentaliza o surdo a interpretar e a produzir palavras, frases e textos da
língua escrita, assumindo papel semelhante ao que a oralidade desempenha quando se trata da apropriação
da escrita pelo ouvinte. A primeira língua de uma criança norteia, promove e facilita o acesso à escrita, e
é justamente por isso que somos levados a pensar que surdos e ouvintes monolíngues terão vivências
diferenciadas em relação à construção da escrita. Ao contrário do que acontece a esses últimos, os surdos
não vão aprender uma escrita que intenciona representar a língua pela qual eles organizam a realidade. O
processo de significação se daria da língua de sinais para a língua portuguesa escrita ao invés de ser da
língua portuguesa oral para a língua portuguesa escrita.
Certamente nos dois casos são necessários ajustes às diferenças e às peculiaridades estruturais de
cada uma dessas modalidades (oral x escrita e gestual x escrita). Entretanto, no caso dos surdos, essas
diferenças se acentuam, pois não se restringem apenas à modalidade da língua e, sim, a própria língua.
Conceituam e comunicam-se em uma língua, mas irão se alfabetizar em outra, diferente sintática,
morfológica e foneticamente daquela pela qual eles lêem a realidade. É em função disso que o
acolhimento à condição bilíngue do surdo exige da escola e dos pesquisadores novas reflexões sobre os
processos de leitura e escrita nesses sujeitos. Reconhecer que o surdo (precisa) partir da língua de sinais
para chegar (mais eficazmente) à língua portuguesa é reconhecer também a inadequação do velho e
conhecido discurso - oralista - que situa(va) a produção de escrita dessas pessoas como “caótica”,
“incorreta” e fruto da “patologia do não ouvir”. É também lançar um novo olhar sobre as irregularidades
que costumam caracterizar os textos escritos desses sujeitos, considerando a sua diferença linguística e,
principalmente, a forma como a escola lida com essa diferença.
Nesse sentido, Fernandes (1999) e Adjuto (2001), investigando textos produzidos por
adolescentes e adultos surdos, observaram que muitas das irregularidades morfossintáticas identificadas
coincidiam com construções próprias da língua de sinais. O “equívoco” encontrava- se exatamente nos
elementos textuais, cujo funcionamento era mais diferenciado de uma língua para outra, como, por
exemplo, o uso dos artigos, dos conectivos em geral e a flexão de verbos e adjetivos. Constatar esse
atravessamento da língua de sinais na escrita da língua portuguesa nos permite ressignificar todas as
adjetivações pejorativas que tradicionalmente são feitas à escrita dessas pessoas, especialmente, porque é
possível observar que a mistura de parâmetros da primeira e da segunda língua não é um fenômeno que
acontece exclusivamente com escritores surdos. A condição de segunda língua que o Português tem na
vida do surdo promove nesse sujeito um estranhamento semelhante ao que nós, ouvintes, temos quando
nos deparamos com uma língua estrangeira. Interpretar ou produzir uma escrita estranha à própria língua
confronta nossa organização de linguagem e nosso conhecimento gramatical, exigindo uma produção de
novas significações que só conseguiremos construir tendo como base a nossa língua materna.
O surdo, como qualquer sujeito bilíngue, busca na língua que mais domina os elementos para
significar a outra língua, o que produz uma inevitável e interessante aproximação entre as duas línguas. O
encontro - ou melhor dizendo, “confronto” - entre as duas línguasé esperado e revela as riquezas, as
especificidades que marcam o universo discursivo de sujeitos bilíngues. Sobre isso, Maher (1997) chama
atenção para a relação conflitante e assimétrica que costuma caracterizar a existência das diferentes
línguas na vida de sujeitos bilíngues diglóssicos, onde uma e outra disputam funções e posições na vida
de seus usuários. No caso dos surdos, sensorialmente impedidos de ter acesso à língua portuguesa na
modalidade oral, o “palco” dessa disputa será precisamente a escrita.
Língua de sinais e a construção inicial da escrita da criança surda
Perceber a realidade bilíngue do surdo e entender que ele parte da língua de sinais para chegar à
compreensão da língua portuguesa escrita ajuda-nos a repensar os processos de escrita e leitura em
sujeitos surdos, mas não é esse o único elemento que deve ser considerado nessa reflexão. A
especificidade linguística do surdo também envolve o seu alheamento - total ou parcial - à realidade
sonora e a constatação de que a escrita chegará a ele mediada não apenas por outra língua, mas por uma
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atravessamento da língua de sinais nas primeiras construções de escrita dessas crianças. Tal qual acontece
com os surdos mais velhos, já leitores, produtores de escrita num âmbito formal, (ver Adjuto, 2001, e
Fernandes, 1999), também para crianças em processo de alfabetização o percurso de significação da
escrita se dá sobre as mesmas condições de diálogo entre línguas. Para realizar um ato de leitura e/ou
escrita da língua majoritária oral, a criança surda usa como referência a língua de sinais. Vivência um
processo semelhante ao de outras crianças bilíngües, já que, ao escrever, tem que dar não apenas uma
significação ao grafismo, mas incorporar diferenças fonológicas, sintáticas e morfológicas nessa
significação que será atribuída, caracterizando sua ação de leitor/ escritor (também) como atos de
tradução. Para a criança surda que se encontra diante da tarefa de alfabetizar-se o desafio é dobrado, pois
não apenas precisa aprender a modalidade escrita de uma língua, mas também aprender a própria língua.
No caso das crianças surdas usuárias da língua de sinais, a busca de significações na própria
língua para produzir a escrita de uma outra língua é ainda mais complexa, se considerarmos a condição
material da língua de sinais. As “palavras”, nessa língua, não se constroem a partir de sons que se
combinam, mas de mãos que se movimentam no espaço e que se organizam de forma simultânea e não-
linear. Partir do corpo para chegar em letras que não intencionam representá-lo é certamente um
diferencial importante na relação da criança com a escrita e que deve repercutir nas apropriações que esse
sujeito fará desse objeto.
O reconhecimento truncado e tardio da condição bilíngüe do surdo nos coloca em uma situação
ainda inicial de compreensão das especificidades que marcam a relação do surdo com a escrita.
Certamente, a língua de sinais desempenha um papel nesse processo,cuja importância, embora já
percebida, não foi nem devidamente e nem completamente detalhada pela psicolinguística, ou pela
pedagogia. Acolhemos os resultados dos estudos (Machado, 2000; Gesueli, 1998; Quadros, 1997) que
apontam para o uso de estratégias de exploração dos elementos viso-espaciais da escrita como fator
promotor do avanço nesse processo, mas entendemos também que apenas a utilização dessas estratégias
não parece dar conta de todas as demandas que um escritor tem. Constantemente, nos deparamos com a
tarefa de produzir escritas, cuja grafia padrão não nos é familiar, sendo necessário antecipá-la, predizer
mentalmente como essa escrita será feita. Para os ouvintes, embora existam pistas contextuais
(semânticas, pragmáticas) e gramaticais (conhecimento sobre formação de palavras; sufixos e prefixos
que indicam determinadas categorias gramaticais), é por meio da fala que a grafia será prognosticada e,
mesmo com as irregularidades entre fala e escrita, a criança conseguirá produzir um significante, pelo
menos, semelhante ao esperado.
O que acontece, entretanto, quando essa mediação da fala não existe? Como é que uma criança
surda pode prever a escrita de uma palavra nunca vista antes? Fundamentados em uma perspectiva
construtivista, psicogenética, entendemos que qualquer criança, seja ela surda ou ouvinte, relaciona-se de
forma ativa, construindo hipóteses sobre a realidade ao seu redor. Dessa forma, descartamos a
possibilidade de que uma criança surda, ao se deparar com a escrita da língua portuguesa, não desenvolva
ideias sobre esse objeto. A apropriação que uma criança faz da realidade em que transita é sempre
umaação inteligente, na qual ela estabelece comparações e análises, o que nos leva a pensar que
dificilmente a construção de uma escrita - mesmo que nunca vista antes - seja aleatória. Ao contrário,
mesmo que divergindo de uma escrita padrão, essa refletirá as concepções e os conceitos que a criança
pode construir sobre o “que” essa escrita representa e “como” se dá essa representação.
A pesquisa
Considerando que é através da mediação da língua de sinais que o surdo representa e conceitua à
escrita, hipotetizamos que as teorias iniciais da criança sobre o que é escrita e como se dá essa
representação fundamentar-se-ão também na língua de sinais. Intencionamos investigar a interface dessa
língua (de sinais) com a língua portuguesa escrita ao longo do processo inicial, enfocando especialmente
a construção do significante. Dessa forma, optamos pela elaboração de uma atividade de pesquisa para a
qual a criança fosse convidada a escrever palavras correspondentes aos sinais que eram apresentados um a
um.
Como nosso interesse volta-se para as construções conceituais mais iniciais sobre a escrita,
direcionamos a investigação para sujeitos que estão em processo de alfabetização e que ainda não são
considerados pela escola como leitores/escritores, no sentido formal do termo. Para tanto, foram
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entrevistadas 15 crianças com idades variando entre 4 e 11 anos e nível de escolaridade entre jardim e 2a
série. Todas são crianças surdas com perda auditiva severa ou profunda, estudantes de uma escola
bilíngüe na cidade de Recife e que têmcomo professores profissionais surdos ou ouvintes usuários
fluentes da LIBRAS, assegurando, assim, que a aprendizagem da escrita da língua portuguesa ocorra
mediada pela língua de sinais.A interação da pesquisadora com as crianças deu-se por meio da língua de
sinais, o que significa que, para produzira escrita pedida, a criança tinha como referência, ao invés de
sons, uma ou mais de uma configuração de mão (CM), que realizava determinado movimento em uma
região do corpo ou próximo a ele.
A fim de melhor compreender as estratégias de “tradução” da criança, apresentamos sinais com
diferentes composições (formações):
a) por “inicialização”: CM do sinal igual a CM da primeira letra da palavra correspondente;
b) por “empréstimo lexical”: o sinal é quase uma soletração num ritmo alterado;
c) por não fazer referência a nenhum empréstimo lingüístico e
d) por grupo de sinais compostos em dois (ou mais) radicais, cuja tradução na língua portuguesa é de
uma palavra não-composta. Procurando perceber as estratégias norteadoras para prever uma escrita,
quando não se podem explorar os elementos e a organização espacial que eles assumem na grafia padrão,
apresentamos às crianças, além de sinais familiares, cuja escrita provavelmente seria conhecida, também
sinais familiares, cuja escrita não seria familiar e, ainda, um último grupo de sinais em que provavelmente
nem a escrita e nem o próprio sinal eram conhecidos da criança.
Entre palavras e sinais: a escrita em questão
Analisando a produção gráfica das 15 crianças, conseguimos perceber diferentes formas de
apropriação desse sistema que, se por umlado coincidem com as construções conceituais já anunciadas
pela psicogenética (ver Ferreiro &Teberosky, 1985; Machado, 2000), por outro, nos apresentam novas e
peculiares estratégias que revelam um funcionamento de escrita próprio a esses sujeitos bilíngües, não-
ouvintes e usuários de uma língua viso-espacial.
Em um universo de crianças de 4 a 11 anos, cursando do jardim a 2a série, apresentam-se
diferentes níveis de domínio da língua de sinais e da língua portuguesa escrita, determinando, também,
diferentes possibilidades de uso de uma ou outra língua como elemento de inspiração e apoio para as
escritas a serem produzidas. Quanto maior é o domínio das duas línguas, mais significativa parece ser a
análise, a comparação que a criança faz dessas línguas, encontrando elementos convergentes - ou não -
que serão utilizados para nortear suas hipóteses.
Independentemente do grau de profundidade que essas análises assumem e da compreensão que a
criança possui sobre “como” se dá a representação da escrita, foi percebido que a língua de sinais é usada
como elemento de significação da escrita por crianças de todos os níveis conceituais, idades e séries.
Mesmo nos estágios mais iniciais, onde a escrita - embora já esteja diferenciada do desenho enquanto
forma gráfica de representação da realidade - busca ainda na imagem apoio e complementação do sentido,
é possível perceber o atravessamento da língua de sinais.
É bem interessante observar nas produções de algumas das crianças mais novas que a primeira
consideração feita ao significante sinalizado, quando existe uma demanda de escrita, manifesta-se de
forma figurativa. É curioso, porém extremamente pertinente, já que as possibilidades conceituais dessas
crianças sugerem o apoio da imagem e conduzem a uma produção de escrita em profunda sintonia com o
desenho.O desenho, como representação figurativa da realidade, é confortável para os escritores
iniciantes, pois assegura a objetividade e a significação que sua escrita ainda não consegue passar. Apesar
disso, é um recurso limitado - pois nem todos os conceitos podem ser desenhados - que declina em grau
de importância à medida que a criança percebe que a escrita é uma representação da linguagem, sendo
seus elementos arbitrários diante do sentido que veiculam e autônomos em relação a qualquer elemento
figurativo que os acompanhe.
A evolução no processo de construção da escrita conduz ao reconhecimento desse sistema como
representação da linguagem, o que para uma criança ouvinte significa aproximar esse sistema da
fala/oralidade.
Ao observar as construções de escrita de alguns dos sujeitos surdos dessa pesquisa, ficamos
inclinados a pensar que a impossibilidade de traduzir em desenho todos os conceitos pedidos impulsiona
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essas crianças a buscarem também na linguagem as diretrizes para produzir sua escrita. A.D. (6 anos) e
M.J. (5 anos), ambos da turma da alfabetização, produziram as primeiras escritas (“casa”, “flor”, “Brasil”)
acompanhadas da imagem do objeto ou de um símbolo correspondente a ele, de forma semelhante ao que
acontece com crianças ouvintes.
Entretanto, quando se depararam com sinais cujo significado era desconhecido ou de difícil
representação através do desenho, reestruturaram a imagem de forma que o que passou a ser desenhado
foi o próprio sinal (rever).
Essa é certamente uma estratégia exclusiva da criança surda, já que a LIBRAS é uma língua
visual e por isso pode ser, ao contrário de qualquer língua oral, “desenhada”, representada
figurativamente. É também, inegavelmente, uma construção original, inteligente e que parece auxiliar a
criança surda a perceber que a escrita se propõe a representar a linguagem - nome das “coisas” - e não a
própria “coisa”, já que, embora ainda recorra à imagem, passa a representar não mais o significado e sim
o significante.
Transformara escrita em representação da linguagem é, sem dúvida, uma evolução, um avanço
em direção à compreensão formal, alfabética da escrita. Neste caso, porém, o significante que foi
representado não corresponde àquele que nossa escrita se propõe a registrar, já que faz referência à
LIBRAS e não à língua portuguesa. Imaginamos que, para uma criança surda em processo de construção
inicial da escrita, não exista a compreensão de que a escrita que está ao seu redor e que demanda que ela
aprenda não faz referência à língua pela qual ela nomeia a realidade.
Essa consciência, se existir, será posterior. Entretanto, mesmo uma criança surda usuária da
língua de sinais convive e interage cotidianamente com representações de escrita da língua portuguesa
espalhadas por todos os lugares, nos mais diferentes tipos de portadores de texto (cartazes, letreiros,
jornais, livros, rótulos etc.), o que lhe permite chegar também à compreensão de que, se a tarefa é
“escrever", alguma referência a esse sistema de letras que se organizam linearmente terá que ser feita.
Talvez, por isso, todo o restante de estratégias que identificamos nessas 15 crianças faz, de
alguma forma, referência aos elementos da língua portuguesa escrita. Abandonar uma concepção de
escrita que registra exclusivamente os elementos da língua de sinais não quer dizer, entretanto, que essa
língua deixará de nortear as produções escritas da criança surda, ao contrário, ela estará bem presente,
marcando de diferentes formas essa escrita.
A língua de sinais continuará sendo apoio, lugar de reflexão e de atribuição de sentido ao texto
que será escrito, à diferença de que agora não vai haver uma ‘escrita” dos sinais, mas uma escrita com os
sinais, onde a palavra escrita é, na maioria das vezes, resultado de um diálogo (ou, porque não dizer,
confronto) entre os elementos e as características dos dois sistemas, das duas línguas.
A ideia de que existe uma relação entre escrita e linguagem conduz sujeitos surdos e ouvintes a
estabelecer correspondências entre o que é “falado” - sinalizado - e o que é escrito. Isso parece
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serespecialmente válido quando é necessário produzir uma escrita para sinais cujo significado é
desconhecido ou ainda quando não se conhece a grafia padrão equivalente a esse sinal. Em várias das
escritas das crianças pesquisadas, observa-se que a palavra escrita, embora não tivesse nenhuma - ou
quase nenhuma - semelhança ortográfica com a escrita correta, fazia referência a outro(s) sinal(is)
fonologicamente semelhante(s) ao sinal apresentado. Vejamos alguns exemplos:
Exemplo 1
Exemplo 2
Não conhecer o significado do que precisa ser “grafado” parece ser desconfortável e contrariar a
natureza da leitura e da escrita (Smith, 1989). Se o significado não está dado, busca-se no significante
uma forma de chegar o mais próximo dele. Neste caso, escolheu-se um sinal que tem um ou mais dos
parâmetros fonológicos iguais, preferencialmente aquele cuja escrita padrão, equivalente na língua
portuguesa, já fosse familiar e produziu a escrita equivalente a esse
É interessante observar que a comparação que a criança estabeleceu entre os dois significantes
sinalizados não desconsidera as diferenças - mesmo que só as perceba após a intervenção da pesquisadora
- e que isso é transposto para a escrita. Se há apenas uma pequena diferença no nível fonológico dos
sinais (por exemplo, a configuração da mão de apoio e o movimento em relação aos sinais “centro” e
“importação”), é razoável que exista apenas uma pequena diferença ortográfica (como, por exemplo, o
“s” acrescentado à palavra “centro” para representar o sinal “importação”).
É possível, ainda, perceber a relação que a criança estabelece entre aspectos fonológicos do signo
“falado” e aspectos ortográficos do signo escrito, mesmo quando as escritas produzidas são
aparentemente aleatórias, ou seja, completamente divergentes da ortografia de uma escrita correta -
mesmo que equivalente a outro sinal.
Exemplo 1: Ab. 2a
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(Sinal "Desculpe1)
Escritas produzidas:
“Vis Sis” ( ab. 2ª série)
“Fazoesapiuv” (Li. 2ª série)
“Fez maisno” ( Y. 2ª série)
Da mesma forma, observou-se essa lógica conduzindo a escrita de sinais que são compostos - ou
seja, possuem dois ou mais radicais -, mas que, quando são traduzidos para a língua portuguesa,
apresentam apenas um radical. Diversas crianças produziram escritas com dois ao invés de apenas um
Radical.
Desde o início, o processo de (re)construção da escrita, pelo qual passa a criança surda, revela a
existência de um sujeito ativo que analisa, compara com lógica e complexidade os elementos das duas
línguas pelas quais transita. Partir de um sinal para chegar a uma palavra é propor inevitavelmente uma
aproximação entre as duas línguas, um confronto entre letras, linearidade, mãos, movimento e espaço. A
familiaridade maior certamente é com a língua de sinais, o que faz com que a criança busque no
significante dessa língua elementos para construir a escrita. Apesar disso, a língua portuguesa se apresenta,
impondo seu funcionamento, suas regularidades, convocando os pequenos escritores a incluí-la em sua
pauta de reflexões. Como resultado deste “embate”, o que aparece é um sujeito cuja maior parte das
estratégias para escrever considera igualmente os parâmetros do sinal e da escrita e busca elementos
comuns entre eles. Mas existirão esses pontos comuns?
Quais seriam, do ponto de vista da criança surda, os espaços de interface da Língua Brasileira de
Sinais com a Língua Portuguesa? Os pontos comuns existem sim, não apenas do ponto de vista da
criança, mas como interface real das duas línguas. Parecem ser dois os principais elementos de
aproximação: um primeiro seria o alfabeto digital, a transformação das letras do alfabeto da língua
portuguesa - e que, portanto, compõe a escrita - em configuração de mão. Ou seja, um parâmetro que é
próprio da língua portuguesa (a letra) se converte em um parâmetro formador da língua de sinais (a CM).
É interessante esclarecer que não é exatamente o alfabeto digital, enquanto soletração das
palavras, que é usado pelas crianças como estratégia de chegar até a escrita. Ocasionalmente, muitas das
crianças usam da datilologia antes de ler ou escrever uma palavra, mas, independente disto ocorrer ou
não, existe a compreensão de que 26 das 46 configurações de mão que elas usam - não para soletrar, mas
para compor o sinal - podem ser convertidas em letras e isso é considerado quando, diante de um sinal,
ela precisa produzir uma escrita.
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O outro elemento, que possibilita interface das duas línguas, está nos empréstimos lingüísticos
que existem na LIBRAS. Esse, que é um recurso presente não só na LIBRAS, mas em diversas outras
línguas, reflete o trânsito lingüístico de seus usuários, que utilizam elementos pertencentes à outra(s)
língua(s) que, mesmo sendo “estrangeiras”, participam significativamente da vida daquela comunidade
para compor sua própria língua.
No caso dos empréstimos da LIBRAS, os elementos apropriados são obviamente da língua
portuguesa ou de outras línguas de sinais (Ferreira Brito, 1995). Aqui, gostaríamos de destacar dois
desses empréstimos lingüísticos que estão diretamente ligados ao elemento de intercessão das duas
línguas (o alfabeto digital citado a pouco): o “empréstimo lexical” e a “inicialização". Nessas duas
formas, o sinal é formado levando-se em consideração a primeira ou todas as letras que compõem a
palavra correspondente a ele, sendo mais uma vez as letras - parâmetros próprios à escrita - convertidas
em configurações de mão - parâmetros próprios à língua de sinais.
Nesse sentido, observou-se que em um terço de todas as produções das 15 crianças pesquisadas
aparece o uso dessa estratégia de converter a(s) configuração(ções) de mão do sinal apresentado em uma
(a primeira) ou mais letras da palavra a ser produzida.
Um último exemplo é especialmente ilustrativo desse movimento da criança surda em
correlacionar dois sistemas, buscando aproximar os dois significantes, ainda que as possibilidades de
“transcrição” sejam reduzidas. Diante do sinal “Iguatemi” - cujo significado é desconhecido, já que é um
sinal utilizado apenas em Fortaleza -, algumas crianças não apenas converteram a CM [1]na letra “i” (o
que é possível pois a letra “i” tem como representação no alfabeto digital essa CM), como também
tentaram transformar a segunda CM [5] em letra, mesmo não sendo ela equivalente a nenhuma das 26
letras do alfabeto digital. Comparando a produção de três crianças abaixo, tem-se a impressão de que a
conversão foi motivada pelo conjunto CM + movimento de tamborilar os dedos, que parecem se
assemelhara um “m” em cursiva.
Considerações finais
O retorno da língua de sinais à realidade social do surdo, especialmente aos espaços pedagógicos
destinados a ele, tem não apenas possibilitado transformações nas condições de desenvolvimento e
aprendizado desses sujeitos, como também aberto condições para que sua realidade bilíngüe e sua
especificidade lingüística entre oficialmente na pauta das reflexões obrigatórias sobre a educação de
surdos. Nesse sentido, voltamos nosso olhar para o polêmico, controverso e intrigante tema da escrita
com a modesta intenção de perceber elementos que, até então, com a nossa fonocêntrica perspectiva, não
foi possível alcançar.
A confirmação da imprescindibilidade da língua de sinais no processo de construção de escrita do
surdo é certamente o primeiro - e mais evidente - resultado que essa investigação sugere e que não
poderíamos deixar de explicitar. A língua de sinais participa desde o início desse processo, mediando a
relação entre a criança e a escrita, funcionando como apoio e lugar de reflexões sobre esse novo objeto do
conhecimento, de forma semelhante ao papel que a oralidade exerce quando esse processo é vivenciado
pela criança ouvinte. Parece ser por meio da língua de sinais, assim como da análise dos aspectos viso-
espaciais da escrita, que a criança surda constrói os caminhos que, substituindo a fala, lhe conduzem a
uma compreensão mais avançada do sistema de escrita.14 A análise da escrita aproxima esta criança das
regularidades desse sistema, mas apenas isto não parece ser o suficiente para prever, antecipar escritas
nunca vistas
É por meio da língua de sinais, dos seus parâmetros de composiçãoespecialmente da configuração
de mão - que essa predição torna- se possível. Em seu processo de (re)construção da escrita, a criança
surda analisa, disseca o significante sinalizado, estabelecendo comparações com o significante escrito e
buscando elementos comuns entre eles.
O escritor surdo não (parece) estabelece(r) a relação entre o que se fala e o que se escreve, mas
consegue, através da mediação da língua de sinais, superar uma perspectiva inicial mais global, na qual a
escrita é vista como uma representação dos objetos, e chegar a uma compreensão de escrita como
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representação da linguagem.
Essa é uma evolução conceitual importantíssima. Apesar disso, não podemos deixar de considerar
que essa representação não fará referência à língua de sinais. A língua escrita que surdos e ouvintes
aprendem corresponde a uma representação gráfica da língua majoritária oral. Por isso, torna-se
importante que a escola promova uma ação pedagógica capaz de favorecer a compreensão de que escrita
e sinais não são apenas modalidades diferentes de uma mesma língua, mas, sim, línguas diferentes com
organizações morfológicase fonológicas diferenciadas.
Não há duvida de que a língua de sinais sempre funcionará para o surdo como o lugar de sentido e
de reflexão sobre a escrita, mas uma adequada intervenção pedagógica deve ser capaz de contribuir para
que as diferenças entre as línguas sejam percebidas e para que o surdo possa produzir uma escrita que
respeite as regularidades da língua portuguesa.
Da mesma forma, é fundamental que a escola e os educadores possam perceber a escrita do surdo
à luz de todas as especificidades que marcam essa construção. A ausência da regulação oral e o
atravessamento da língua de sinais conduzem à construção de hipóteses diferentes daquelas já bem
conhecidas pelo professor alfabetizador. Ignorá-las seria perpetuar a concepção equivocada cujas
diferenças, que se manifestam na escrita do surdo, são sempre interpretadas como caóticas e aleatórias,
reforçando assim injustamente a imagem de péssimos escritores. Há lógica e regularidade na escrita
inicial da criança surda, mas essa não é uma lógica sonora e isso, certamente, se choca com as práticas
alfabetizadoras ainda tão arraigadas à ideia de que para escrever é preciso falar.
As dificuldades que o surdo apresenta em relação à produção e interpretação de texto certamente
apontam para a relação diferente que ele tem com a língua portuguesa, mas, principalmente, parecem ser
conseqüência das limitações da escola em lidar com essa diferença. Apesar de todos os fracassos, muitas
escolas ainda insistem em alfabetizar o surdo nos mesmos moldes do que fazem com o ouvinte, utilizando
a fala, o som como pauta de compreensão da escrita, estabelecendo formas de análise do texto e da
palavra a partir de unidades da fala. Os surdos, na sua grande maioria, não fonetizam a escrita, o que torna
todas essas estratégias inócuas e confirmam a inadequação de se ter procedimentos metodológicos que
preconizam o (bom) desempenho oral como requisito indispensável à alfabetização.
Notas
1. A autonomia que a escrita adquire como lugar de representação e atribuição de sentido não é negada. Entretanto,
no processo inicial de aquisição, a escrita, conforme afirma Vigotski (1991), constitui-se de um sistema de
símbolos e signos de segunda ordem e precisa da linguagem não-escrita como “elo" entre ela e a realidade. A
internalização demanda, necessariamente, operações mentais mediadas por signos, e a linguagem é o sistema
semiótico mais privilegiado para fazer essa mediação.
2. Isso é válido para as escritas alfabéticas das civilizações ocidentais, como é o caso da escrita da língua
portuguesa.
3. A realização dessa atividade foi parte das investigações referentes à pesquisa de mestrado da autora (ver
Peixoto, 2004).
4. Foram apenas 1 criança de jardim (4 anos) e duas - de 5 e 6 anosde alfabetização. O restante tinha entre 7 e 11
anos e estavam distribuídas na 1a e 2a séries.
5. Interessa-nos compreender que recursos são utilizados para substituir o som/fala na regulação da escrita.
Crianças com perda leve ou moderada poderiam vir a fonetizar a escrita.
6. São 3 os principais parâmetros de composição do sinal: a configuração de mão (CM), o ponto de articulação
(PA) e o movimento(M).
7. Sobre a forma de composição dos sinais e empréstimos da LIBRAS, consultar Ferreira Brito (1995).
8. Para isso, selecionamos sinais regionais de outros estados que não eram utilizados em Recife, bem como sinais
técnicos.
9. Alias, conforme sugere Góes (1999), mesmo em surdos adultos já alfabetizados não parece existir compreensão
de que escrita e língua de sinais não são apenas modalidades diferentes, mas também línguas diferentes. Essa é uma
compreensão metalinguística, que certamente não se dá espontaneamente, mas na medida em que a escola orienta
suas práticas pedagógicas para promover sua compreensão.
10. Segundo Maher (1997), a relação diglóssica é conflituosa e assimétrica e há sempre uma língua dominante
tentando enfraquecer e “abocanhar” funções próprias da língua dominada, o que certamente desencadeará essa
posição de defesa e resistência da língua dominada. Certamente, para o surdo que vivência o bilinguismo
diglóssico, a escrita vai se constituir como lugar privilegiado de encontro da Língua Portuguesa (dominante) e
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UNIDADE 3
LÍNGUA DE SINAIS E INCLUSÃO
TEXTO COMPLEMENTAR 5
Tentarei traçar, porém, um percurso que aponte para o significado dessas Línguas de Sinais no trabalho
educacional dos surdos e que possa efetivamente auxiliar o professor nesses novos tempos da inclusão
escolar.
“A LIBRAS, como toda Língua de Sinais, é uma língua de modalidade gestual-visual porque utiliza,
como canal ou meio de comunicação, movimentos gestuais e expressões faciais que são percebidos
pela visão; portanto, diferencia-se da Língua Portuguesa, que é uma língua de modalidade oral-
auditiva por utilizar, como canal ou meio de comunicação, sons articulados que são percebidos pelos
ouvidos. Mas, as diferenças não estão somente na utilização de canais diferentes, estão também nas
estruturas gramaticais de cada língua.” (Revista da FENEIS, número 2:16)
Para que as Línguas de Sinais tenham chegado ao ponto de seremreconhecidas como línguas
naturais, entendendo o conceito natural em oposição a código e linguagem, avaliaram-se, evidentemente,
as semelhanças existentes entre as mesmas e as línguas orais.
Uma dessas semelhanças, seguindo a linha saussuriana, a existência de unidades mínimas
formadoras de unidades complexas, pode ser observada em todas as Línguas de Sinais espalhadas pelo
mundo, possuidoras dos níveis fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático.
A existência de registros diversos (por categoria profissional, status social, idade, nível escolar
etc.), além de dialetos regionais, também referendam as semelhanças com as línguas orais.
A busca por uma “norma culta” vem sendo observada nos últimos anos nos encontros è
publicações realizados por surdos, pelos instrutores de LIBRAS e pelos intérpretes de LIBRAS, indicando
que a gramaticalização formal da LIBRAS está em via de ser agilizada. Resumidamente, podemos
afirmar que:
“Os sinais são formados a partir da combinação do movimento das mãos com um determinado
formato em um determinado lugar, podendo este lugar ser uma parte do corpo ou um espaço em frente ao
corpo. Estas articulações das mãos, que podem ser comparadas aos fonemas e às vezes aos morfemas, são
chamadas de parâmetros, portanto, nas Línguas de Sinais podem ser encontrados os seguintes parâmetros:
1. Configuração das mãos: são formas das mãos, que podem ser da datilologia (alfabeto manual)
ou outras formas feitas pela mão predominante (mão direita para os destros), ou pelas duas mãos do
emissor ou sinalizador. Os sinais APRENDER, LARANJA e ADORAR têm a mesma configuração de
mão;
1. Ponto de articulação: é o lugar onde incide a mão predominante configurada, podendo esta
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tocar alguma parte do corpo ou estarem um espaço neutro vertical (do meio do corpo até à cabeça) e
horizontal (à frente do emissor). Os sinais TRABALHAR, BRINCAR, CONSERTAR são feitos no
espaço neutro e os sinais ESQUECER, APRENDER e PENSAR são feitos na testa;
2. Movimento: os sinais podem ter um movimento ou não. Os sinais citados acima tem
movimento, com exceção de PENSAR que, como os sinais AJOELHAR, EM-PÉ, não tem movimento;
3. Orientação: os sinais podem ter uma direção e a inversão desta pode significar ideia de
oposição, contrário ou concordância número- -pessoal, como os sinais QUERER E QUERER-NÃO; IR e
VIR;
4. Expressão facial e/ou corporal:muitos sinais, além dos quatro parâmetros mencionados acima,
em sua configuração tem como traço diferenciador também a expressão facial e/ou corporal, como os
sinais ALEGRE e TRISTE. Há sinais feitos somente com a bochecha como LADRÃO, ATO-SEXUAL.
Na combinação destes quatro parâmetros, ou cinco, tem-se o sinal. Falar com as mãos é, portanto,
combinar estes elementos que formam as palavras e estas formam as frases em um contexto.” (Revista da
FENEIS, número 2:16)
ATIVIDADES DE SÍNTESE
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TEXTO COMPLEMENTAR 5
LEI N.° 10.436 de 24 de abril de 2002
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais -
Libras e outros recursos de expressão a ela associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e
expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria,
constituem um sistema lingüístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comunidades de
pessoas surdas do Brasil.
Art. 2o Deve ser garantido, por parte do poder público em geral e empresas concessionárias de
serviços públicos, formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão da Língua Brasileira de Sinais
- Libras como meio de comunicação objetiva e de utilização corrente das comunidades surdas do
Brasil.
Art. 3o As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à
saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de
acordo com as normas legais em vigor.
Art. 4o O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito
Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia
e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras,
como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente.
Parágrafo único. A Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá substituir a modalidade
escrita da língua portuguesa.
Art. 5o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
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• Para passar entre duas pessoas que estejam conversando em LIBRAS, encolha a cabeça
levemente e peça desculpa enquanto passa. Não fique aguardando até que os mesmos parem e
agradeçam ou respondam de outra forma.
• Para passar por trás de pessoas que estejam conversando em LIBRAS, dê um toque gentil nos
ombros. Este gesto faz com que as pessoas saibam que devem se afastar para o lado, deixando
você passar.
• Quando você estiver olhando para uma pessoa conversando em LIBRAS e outras pessoas
tentarem cruzar na sua frente, peça à pessoa mais perto que recue, explicando que você não pode
ver e pedindo que essa pessoa faça as outras recuarem também.
• Pedir ao falante para ficar no lugar onde ele será mais visível.
• Quando uma pessoa conversando em LIBRAS ficar em uma posição que dificulta a visão,
diga-lhe para se afastar do lugar, para que você possa vê-lo melhor. Quando fizer o pedido,
explique o motivo.
• Deslocar-se para que outra pessoa lhe veja e seja vista. Quando acontecer de sua posição
fechar o campo de visão de um participante na conversa, desloque-se para deixar o outro
visível e capaz de ver.
• Observe todas as conversas entre instrutor x turma, instrutor x aluno, instrutor x surdo e surdo
x surdo.
• Focalize o rosto da pessoa que está se comunicando com você através de LIBRAS, não as
mãos. Mantenha contato olho no olho, numa conversa em LIBRAS.
• Desenvolva comportamento ativo na conversa, isto é, acene com a cabeça, responda CERTO,
VERDADE e etc. A pessoa surda pode parar e repetir as informações porque você não acenou
para indicar que entendeu. Isso não é um comportamento de um instrutor surdo para ensinar o
aluno, é cultural. As pessoas têm um papel muito ativo em conversas em LIBRAS.
• Participe tanto quanto possível tentando acrescentar comentários, concordando ou
discordando. Quanto mais você participar, mais você irá reter o que aprendeu. Não se
preocupe com os
• erros, eles são uma parte do processo de aprendizagem. Não se preocupe com o sinal que você
perdeu, procure entender o sentido da conversa. Se um determinado sinal aparece muitas vezes
e você não tem ideia do sentido, pergunte a um instrutor. Evite pedir ao colega para traduzir
em português, pois, você perderia uma experiência valiosa da comunicação em LIBRAS que
pode fortalecer e facilitar a compreensão.
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• Deixe o português (sua voz) do lado de fora da sala de aula. Não traduza na cabeça quando
você olha os outros conversando em LIBRAS. Não se preocupe com memorização, a repetição
e o contexto vão ajudá-lo a adquirir a língua.
• Mantenha o ambiente de LIBRAS durante os intervalos quando os surdos estiverem presentes.
Ao fazer observações com relação às ações pedagógicas, deve- se, de antemão, buscar avaliá-los
em ambiente real de ensino e suas interações com os alunos surdos e ouvintes. Identificar entre as falas e
as ações dos professores a formação e a revelação de suas estratégias de pensamento, denominadas aqui
de tramas pedagógicas. Estas vão compondo seus fazeres educacionais, ou seja, o desenvolvimento das
atividades diárias, sendo, portanto, valiosíssima toda experiência no trabalho com o surdo. Outro ponto
importante neste processo diz respeito ao ensino e aprendizagem do aluno surdo em sala regular,
conforme o autor Januário (1996, p. 27) descreve:
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A importância dos cursos de capacitação é abordada por Koslowski (2000) como sendo um
objetivo da inclusão. O autor relata a necessidade de propiciar suporte técnico aos professores de classe
comum. Os dados concordam com os achados de Lacerda (2006), que afirma que a realidade da
educação brasileira é de um quadro docente com formação inadequada.
As sociedades contemporâneas vivem um ritmo acelerado de transformações sociais, econômicas,
políticas e culturais, exigindo profundas mudanças em todas as áreas do conhecimento humano. No
âmbito educacional, essas mudanças traduzem-se pela complexidade das funções atribuídas ao professor
e à escola, exigindo-lhes uma abertura
ao mundo moderno. Do professor, são cobradas novas competências, esperando-se, da sua parte,
não mais, somente, a transmissão de conteúdos disciplinares, mas a responsabilidade pelo exercício de
uma nova cidadania que concilia a valorização da diversidade cultural e a aceitação das diferenças.
Conhecer e aceitar as diferenças, conviver e aprender a lidar, pedagogicamente, com elas é um dos itens
que as novas exigências educacionais propõem aos professores. O autor Perrenoud (2002) dá sua
contribuição quando propõe:
Que a qualificação do profissional da educação deve ser calcada numa abordagem por
competências que têm como suportes: aumentar o sentido do trabalho escolar modificando a
relação do saber com os alunos em dificuldade; favorecer a pedagogia diferenciada e colocar os
professores em movimento, incitando-os a falar de suas ações pedagógicas.
Tal abordagem está em harmonia explícita com os princípios da inclusão escolar dos alunos que
apresentam necessidades educacionais especiais. As novidades de como ensinar a alunos surdos em salas
de aula regulares têm provocado nos professores algumas rupturas em sua vida profissional exigindo-lhes
a busca de novas competências para a atuação docente. Novas estratégias de ensino foram buscadas,
através de uma formação específica que atendesse o novo processo que se iniciava: ensinar alunos surdos
junto a alunos ouvintes. Ao retratar a capacitação específica e a formação continuada dos professores para
a educação de pessoas surdas, é importante ressaltar que as escolas receberam os alunos surdos ao longo
do tempo, fato que comprova a necessidade de capacitaçãodos professores. O uso dos conhecimentos
adquiridos nos cursos de formação continuada e capacitação mostra-se, então, indispensável (crucial) para
se proceder ao ensino e aprendizagem dos alunos surdos e ouvintes. É necessário trabalhar todas as
possibilidades para assegurar o aprendizado dos alunos, incluindo aqui a metodologia e aos recursos
pedagógicos utilizados para capacitar os professores, instruindo-os de forma que sejam capazes de
trabalhar o aluno surdo com mais facilidade.
Outro ponto importante é a comunicação, sendo esta necessária na interação pedagógica entre o
professor (ouvinte) e o aluno (surdo). Dificilmente um professor do séc. XIX poderia imaginar que um
sistema de comunicação para surdos poderia chegar ao “Status” que chegou. Os valores apreendidos ao
longo destes dois séculos são bastante significativos, pois novas abordagens demonstraram a
possibilidade de atender a comunidade surda de maneira eficaz e construir uma identidade própria,
caracterizada por um sistema de comunicação edificado na experiência e no labor diário daqueles que
sentiram a necessidade de buscar novos horizontes diante dos problemas encontrados.
Contudo, sabe-se, categoricamente, que aprender LIBRAS não é o suficiente. O envolvimento no
universo da Linguagem de Sinais requer mais que simplesmente codificar e interpretar sinais, exigindo
maior aprofundamento e prática constante, de modo que a dinâmica do aprendizado se completará a cada
etapa do conhecimento que se pretende. Para o surdo, não é fácil adentrar o mundo dos ouvintes; a
recíproca também é verdadeira. O preconceito e a indiferença também colaboram para distanciar mais
“estes mundos”, ainda desconhecidospara a maioria da população global, que, apesar de paralelos,
representam particularidades lingüísticas como qualquer idioma, de qualquer continente, diferenciando-
se apenas na construção de suas representações no exercício da comunicação. As ações pedagógicas dos
professores revelam, muitas vezes, que poucos conhecem sobre seus alunos surdos e que estes não são
capazes de aprender como os demais alunos que ouvem. Então, as estratégias de ensino são dirigidas,
basicamente, aos alunos que ouvem, e a presença do aluno surdo, muitas vezes, não é notada pelo
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professor; quase sempre é percebível que o sistema não contribui para a total inclusão do aluno surdo
junto com o aluno ouvinte, querem muitas vezes manter a homogeneidade, ao contrário do que prega a
verdadeira inclusão. Geralmente, os professores manifestam, em seus discursos, a importância do uso da
língua brasileira de sinais para a comunicação entre professor e aluno surdo em sala de aula. No entanto,
essa forma de comunicação em sala de aula, é inexistente, porque poucos participam de cursos de língua
de sinais ao longo de suas vidas profissionais. Experiências educativas realizadas na Inglaterra levaram à
percepção de que muitos dos alunos que apresentavam dificuldades de aprendizagem não eram
ensinados de maneira correta, e que a deficiência centrava-se na pedagogia que deveria estimular, de
forma diferenciada, todas as crianças (Rizkallah e Garola, 1999).
A organização do atendimento a alunos com necessidades especiais foi descrita de acordo com a
Orientação da Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais n° 01/2005. Os alunos poderão ser
atendidos em escolas comuns, centros de educação especial, escolas especializadas e serviços
especializados, os quais visam apoiar, complementar ou substituir os serviços educacionais comuns.
Dizer que há um bom relacionamento entre surdos e ouvintes, é quase que utópico. Como pode
haver um bom relacionamento entre ambos, se a maioria dos brasileiros desconhece a linguagem dos
sinais?
Assim, mesmo que as universidades incluam a disciplina de LIBRAS em sua grade curricular
(que já é lei), algumas escolas ofereçam salas de aula preparatórias para inclusão do surdo às turmas
chamadas de regulares, e a sociedade comece a se mobilizar para dar mais visibilidade a esta proposta de
inclusão social, teremos mais alguns anos para ver, não apenas mais um surdo tentando se destacar na
sociedade - a exemplo da 2a colocada no Brasil 2008 - mas um número mais significativo de cidadãos (ou
cidadãs) brasileiros com características de comunicação diferentes que souberam buscar o seu lugar na
sociedade, apesar dasdificuldades encontradas.
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regulares. Para você, o que seria necessário para uma real inclusão destes alunos nas escolas e na
sociedade? Faça uma reflexão e responda com suas próprias palavras.
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Você sabia?
No Brasil, o Dia do Surdo é comemorado em 26 de setembro, pois, nesta data, foi inaugurada a
primeira escola para surdos no país (1957), chamada Instituto Nacional de Surdos do Rio de janeiro,
atual Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES.
3.6 Os Intérpretes
TEXTO COMPLENTAR 6
Introdução
O trabalho do intérprete em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é recente e a legitimidade da
sua importância ainda está em processo de consolidação, uma vez que o reconhecimento da LIBRAS1 en-
quanto língua dos surdos ocorreu há apenas cinco anos. Com a sua oficialização, em abril de 2002
(BRASIL, 2002), houve um avanço na direção da inclusão dos surdos no ensino regular. Apesar disso,
essa inclusão ainda não é satisfatória, já que as pessoas com necessidades especiais necessitam de uma
série de condições que, na maioria das vezes, não têm sido propiciadas pela escola (LACERDA, 2006),
dentre elas, a presença de um intérprete na sala de aula.
De início, convém comentar que a oficialização da LI BRAS ocasionou implicações de diversos
aspectos: social - o surdo tem direito a intérpretes em contextos públicos; subjetivo - o surdo necessita de
uma língua para se constituir enquanto sujeito; cognitivo - o surdo precisa de uma língua para pensar,
terapêutico - a utilização da abordagem bilíngüe no contexto clínico; e educacional - o surdo necessita
que os conteúdos escolares sejam interpretados a partir da LIBRAS por um intérprete.
A história da constituição do intérprete de língua de sinais iniciou-sepor meio de atividades
voluntárias que foram valorizadas na medida em que os surdos passaram a desenvolver o exercício da
cidadania e em paralelo com a proposta de educação bilíngüe (QUADROS, 2004). No Brasil, o trabalho
com intérpretes iniciou-se nos anos 1980, principalmente, em função de serviços religiosos e informais.
Nesse contexto, a FENEIS2 passou a organizar encontros de intérpretes de LIBRAS.
As discussões sobre o intérprete enquanto profissional, segundo Famularo (1999), são
relativamente recentes. Conforme a autora, no Congresso da Federação Mundial de Surdos, realizado na
Finlândia em 1987, houve a recomendação para que a formação de intérpretes de língua de sinais contasse
com as mesmas exigências daquelas vinculadas aos intérpretes das línguas estrangeiras orais. Já em
congresso realizado pela mesma Federação, na Áustria, foi estabelecida uma Comissão de Interpretação,
o que demonstrou um avanço nas discussões da comunidade surda mundial.
No Brasil, em 22 de dezembro de 2005, criou-se o Decreto n° 5.626 que considera como tradutor
e intérprete da língua de sinais e da língua portuguesa aquele que interpreta de uma língua fonte para
outra língua alvo. Segundo tal decreto, a formação desse intérprete deve efetivar-se por meio de curso
superior de Tradução e Interpretação, com habilitação em LIBRAS/ língua portuguesa. Essa formação
permite que o intérprete da LIBRAS atue na educação infantil, na educação fundamental e na
universidade.
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No entanto, convém ressaltar que, no Brasil, o intérprete encontra possibilidades restritas para o
seu exercício profissional, com baixa remuneração e difícil acesso a cursos referentes à sua área de atua-
ção, os quais são geralmente ofertados nos grandes centros urbanos (PIRES; NOBRE, 2000). Por essas
razões, ainda é escasso o número de pessoas habilitadas para cumprir essa função. Desta forma, os
contextos educacionais que efetivamente contam com a prática de intérpretes em sala de aula são
limitados, principalmente, no ensino fundamental e universitário (PIRES; NOBRE, 2000).
Desde o início do século XX, os surdos que freqüentavam a escola regular apresentavam, de
forma geral, dificuldades na aquisição da língua portuguesa. Contudo, naquela época, eram mais escassas
as medidas específicas de apoio à educação da comunidade surda. Os surdos que se matriculavam no
ensino regular tinham que se adaptar aos mesmos modelos pedagógicos usados na educação dos ouvintes.
Entretanto, tais modelos não atendiam as necessidades próprias de educação do surdo, gerando
dificuldades no processo de escolarização dessa população. Como resultado, um número significativo de
surdos, apesar de passarem por anos de escolarização, apresentavam várias dificuldades com relação ao
seu desempenho acadêmico, quando comparados com ouvintes (GUARINELLO, 2007).
Atualmente, a política de educação no Brasil tem o objetivo de viabilizar uma educação
integradora, ou seja, uma educação organizada de forma a atender a todos, incluindo os portadores de
necessidades especiais dentro da escola regular (ALENCAR, 1994). Essa políticaencontra-se explicitada
em propostas curriculares, nas quais o Ministério da Educação propõe que as escolas regulares devem
oferecer, em sua organização, atividades em classe comum e serviços de apoio especializados para os
surdos (BRASIL, 2002).
A inserção do intérprete na sala de aula pode ser entendida como uma maneira de minimizar as
dificuldades dos surdos, já que, em geral, esses encontram uma desigualdade lingüística dentro da sala de
aula, por não ter uma língua compartilhada com seus colegas e professores ouvintes. Segundo Lacerda
(2002), ainda são poucas as escolas atentas a essa problemática, ou seja, poucas são as escolas que têm
permitido ou proposto a inserção do intérprete em sala de aula como possibilidade para solucionar, ou
minimizar, problemas lingüísticos enfrentados pela comunidade surda no cotidiano escolar.
Lacerda (2000) realizou um estudo com o objetivo de investigar a dinâmica e peculiaridades das
relações pedagógicas estabelecidas em uma sala de aula, na qual foi inserida uma criança surda e uma
intérprete. Por meio da análise da organização do trabalho pedagógico nesta sala de aula, a autora
concluiu que a inclusão desejada e descrita na lei não é efetivamente alcançada, mesmo com a presença
do intérprete. Para a autora, há a necessidade da realização de um projeto educacional amplo, que assuma
â surdez com suas características próprias, por meio de revisões das estratégias pedagógicas, da
organização do espaço acadêmico e de um currículo que contemple as necessidades da comunidade surda.
Quando se insere um intérprete da LIBRAS em uma sala de aula, abre-se a possibilidade de o
aluno surdo receber a informação escolar nessa língua, por meio de uma pessoa competente. Ao mesmo
tempo, o professor ouvinte pode ministrar suas aulas sem se preocupar em como passara informação em
sinais, atuando em sua língua de domínio. Pode-se afirmar que, nesse caso, a condição linguística especial
do surdo é respeitada, o que aumenta a chance de ele desenvolver-se e construir novos conhecimentos
satisfatoriamente (LACERDA, 2000).
Kelman (2005) ressalta a importância do intérprete para o aluno surdo em uma sala de aula
regular. Essa autora realizou um estudo com o objetivo de descrever os papéis que o intérprete assume em
contextos educacionais inclusivos. Para isso, aplicou questionários junto a esses profissionais. Nesse
estudo, a autora afirma que os intérpretes assumem onze diferentes papéis dentro da sala de aula. O
primeiro deles é o de ensinar ao surdo a língua portuguesa como segunda língua. Também foi citado
como papel do intérprete, dentro da sala de aula, o ensino da própria língua de sinais aos surdos e
ouvintes, a fim de facilitar a comunicação destes com os alunos surdos O intérprete também é responsável
pela adequação curricular, que acontece em forma de omissão de alguns conteúdos, pois alguns
professores relatam que os alunos ouvintes ficam inquietos ao precisarem esperar pelos alunos surdos.
Outro papel exercido pelo intérprete que atua em sala de aula é participar do planejamento das aulas e
integração junto com o professor, para que o conteúdo seja ministrado da melhor forma possível para os
surdos. Em relação aos alunos surdos, ointérprete deve orientá-lo, explicando detalhadamente os
exercícios e conteúdos trabalhados, assegurando-se de que houve entendimento por parte do aluno.
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No entanto, o intérprete também deve promover a autonomia deste aluno. O intérprete tem
também o papel de orientar e interpretar a comunicação entre colegas surdos e ouvintes e de utilizar a
comunicação multimodal, ou seja, usar diversos canais de comunicação para garantir a compreensão de
significados. Por último, ele também deve promover a tutoria, orientando o surdo na organização de suas
atividades acadêmicas. Kelman (2005) também enfatizou que as diferentes atuações do intérprete
possibilitam discussões pedagógicas entre o intérprete e o professor, ressaltando que este pode ser um
argumento promotor da inclusão.
Várias dúvidas referentes aos papéis do intérprete vêm sendo discutidas por diversos
pesquisadores. Segundo Rosa (2003), primeiramente, o intérprete deve inteirar-se do conteúdo a ser
interpretado. Pois, se o intérprete não domina a língua de sinais ou a língua portuguesa, comprometerá o
seu trabalho de interpretação. Além disso, qualquer interpretação exige também que o intérprete seja
conhecedor do assunto tratado em sala de aula.
Segundo Famularo (1999), a interpretação não é tarefa fácil, uma vez que não envolve meramente
um ato mecânico de substituir palavras de uma língua para outra. O intérprete deve conhecer com
profundidade tanto a língua portuguesa quanto a LIBRAS para que compreenda as intenções de quem
fala, encontrando os termos equivalentes possíveis. Para a autora, a interpretação é um processo que
envolve a necessidade de tomar decisões sintáticas, semânticas e pragmáticas.
Entretanto, a interpretação não pode ser vista apenas como uma tomada de decisões sobre a
organização dos níveis lingüísticos. Nesse sentido, é relevante entender o contexto da formação do
intérprete e de suas dificuldades na prática educacional. Essa formação deve envolver discussões sobre
concepção de linguagem, de língua, de tradução, de interpretação. A interpretação não é uma decodifica-
ção, como se o sentido estivesse na língua. A partir do momento em que consideramos que um discurso é
um efeito de sentido entre os interlocutores, conforme Pêcheux (1990), evidenciamos o quanto do
intérprete está presente na interpretação. Ou seja, entre uma língua e outra há um sujeito que atribui
sentidos em uma língua e tenta constituir sentidos em outra. Entende-se, nessa visão, que a linearidade da
linguagem é uma ilusão.
É fato amplamente conhecido que muitos intérpretes não têm domínio do assunto que vão
interpretar, gerando a supressão, adição ou confusão de informações, o que faz com que o surdo,
constantemente, mesmo contando com a ajuda de um intérprete, não tenha acesso a mesma informação
que os seus pares ouvintes.
Dessa forma, vale salientar que a colocação do intérprete em sala de aula não significa que a
questão de educação dos surdos está resolvida. Já que nem todos os surdos conhecem e utilizam a língua
de sinais, o que faz com que o trabalho do intérprete seja direcionado apenas aos surdos usuários desta
língua. Além disso, a presença do intérprete não assegura que questões metodológicas particulares de
cada escola sejam consideradas, ou ainda que o currículo aborde peculiaridades e aspectos culturais da
comunidade surda.
Tendo em vista que a universidade, enquanto agência de formação, é capaz de produzir
conhecimento e de qualificar os recursos humanos envolvidos, este artigo pretende discutir e explicitar
questões relativas ao trabalho de intérpretes de língua de sinais em uma universidade e dois centros
universitários particulares da cidade de Curitiba.
Fonte: http://www.scielo.br/scielo.DhD?script=sciarttext&pid=S1413- 65382008000100006&lna=Dt&nrm=iso
ATIVIDADE DE REFLEXÃO
Quais as vantagens de se ter o intérprete de LIBRAS em sala de aula?Quais os papéis que
o intérprete de LIBRAS exerce em sala de aula?
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UNIDADE 4
LIBRAS EM MOVIMENTO
Agora, vamos aprender a nos cumprimentar. Treinem estes movimentos com alguém.
Todo surdo tem um sinal que o representa. Em vez de chamá-lo pelo nome, você o chama pelo
sinal que passará a representá-lo, como uma característica forte ou uma marca no corpo. Ex.: uma
cicatriz no rosto.
Você já pensou na marca que o representa? Escolha um sinal para você ou pergunte a alguém o
que mais lhe marca. Pode treinar agora!
• Localização no tempo:
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• Expressões faciais:
INTERROGATIVAS
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Números em libras:
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ATIVIDADES AVALIATIVAS
1) Com base no texto A história dos surdos no Brasil e no mundo, qual era a visão de
Aristóteles sobre os nascidos surdos na Antiguidade? E quais as conseqüências?
4) Com base no texto: As comunidades surdas no Brasil e sua cultura, cite as características de
uma comunidade surda.
5) Com a garantia de direitos à educação para todos, no Brasil, o que surgiu e quais foram as
reivindicações apresentadas pelos surdos?
6) “Na segunda metade do século XVIII, surgiam duas tendências distintas na educação dos
surdos”. Quais foram esses tendências , e o que foi estabelecido no Congresso de Milão?
“A sociedade surda possui sua própria identidade, história e cultura, e o reconhecimento disso é parte
fundamental para a integração e justiça social dos surdos e ouvintes. (GESSER)”
BOM TRABALHO!
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