CARACTERIZAÇÃO HIDROGEOLÓGICA DA OCORRÊNCIA DE Aquífero Termal No DF PDF

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CARACTERIZAÇÃO HIDROGEOLÓGICA DA OCORRÊNCIA DE

AQUÍFERO TERMAL NO DISTRITO FEDERAL

José Eloi Guimarães CAMPOS¹ & Luciano Soares da CUNHA¹


(1) Universidade de Brasília, Instituto de Geociências. Campus Darcy Ribeiro - Asa Norte. CEP 70910-970. Brasília/DF. Endereços
eletrônicos: [email protected]; [email protected].

Introdução
Caracterização do meio físico local
Clima
Geologia
Filitos - Grupo Canastra
Formação Ribeirão do Torto - MNPpa
Formação Serra da Meia Noite - MNPpr3
Formação Ribeirão Contagem - MNPq3
Formação Córrego do Sansão - MNPpr4
Coberturas Regolíticas
Hidrogeologia
Descrição dos Aquíferos
Domínio Intergranular
Domínio Fraturado
Resultados e discussões
Caracterização dos Sistemas de Fraturas
Modelo Conceitual de Fluxo
Condicionantes do Artesianismo e do Termalismo
Datação das Águas
Método
Resultado
Considerações finais e conclusões
Referências

RESUMO - Esta pesquisa objetivou determinar as causas do aquecimento das águas termais recentemente descobertas no sul do
Distrito Federal. A temperatura da água é de 28,9ºC, obtida em poço artesiano jorrante com profundidade de 150 m e vazão de 250
m3/h, sendo classificada como água mineral hipotermal na fonte. A pesquisa consistiu da caracterização física da área, comparando
dados regionais já conhecidos com dados localmente obtidos. Na área em estudo ocorrem tipos litológicos atribuídos às formações
Ribeirão do Torto, Serra da Meia Noite, Ribeirão Contagem e Córrego do Sansão do Grupo Paranoá, filitos do Grupo Canastra, além
de coberturas representadas por latossolos e pequenas ocorrências de outros solos. A região está inserida na borda sul do Domo
Estrutural de Brasília com mergulho da envoltória das camadas para sul/sudeste. Na região ocorrem aquíferos fraturados associados
aos sistemas Paranoá e Canastra, sendo as águas aquecidas associadas ao Subsistema R3/Q3. A partir da relação destes dados com
conceitos de fluxo da água subterrânea em meios fraturados discutiu-se um modelo conceitual para explicar a elevação da
temperatura da água acima da média regional, sendo este o único caso conhecido de água termal no Distrito Federal. Neste modelo os
principais condicionantes para a ocorrência de água aquecida são: o fluxo regional da água subterrânea, gradiente geotérmico e
existência de fraturas abertas a profundidade mínima de 300 m.
Palavras-chave: Hidrotermalismo, aquífero fraturado, gestão de recursos hídricos.

ABSTRACT - The aim of this research is the determination of the causes of heating of thermal waters in the south of the Federal
District, Brazil. The temperature of the water is 28.9ºC, obtained in an artesian well with 150 m depth and 250 m3/h discharge,
classified as hypothermal. The research included the physical characterization of the area, comparing regional data with the local
environment. In the study area the rocks types are correlated to the Ribeirão do Torto, Serra da Meia Noite, Ribeirão Contagem and
Córrego do Sansão formations of the Paranoá Group, fillite of the Canastra Group, and soil cover represented by oxisol and small
occurrences of other soil types. The region is situated in the south border of the Brasilia Structural Dome where the axis of the main
fold and rock layers dips to southeast - south. In the region there are fractured aquifers associates to the Paranoá and Canastra
systems and the warm groundwater are associates to R3/Q3 Subsystem. By the integration of these data with concepts of groundwater
flow in fractured aquifers, a possible conceptual flow model to explain the higher temperature of the water (with comparison to the
regional), where this is the only known thermal water case in the Federal District. In this model, the main conditionings for the
thermal water occurrence are the regional water flow, geothermal gradient and the existence of open fractures and faults at least up to
300 m depth.
Keywords: hydrothermalism, fractured aquifer, water resources management.

INTRODUÇÃO
As águas subterrâneas podem apresentar geotérmico. No primeiro caso as águas são
temperaturas anômalas, superiores à média da aquecidas a partir do calor emanado por
temperatura da atmosfera em sua área de intrusões, câmaras magmáticas ou caldeiras
recarga. O aquecimento das águas subterrâneas vulcânicas. Há também a possibilidade de haver
pode ser alcançado por dois processos: contato entre águas meteóricas e estas
associação com magmatismo ou por grau estruturas em profundidade. No segundo caso, o

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aquecimento se dá sem o vínculo com o calor No Distrito Federal e Entorno existem
de estruturas magmáticas em profundidade, mas poços de elevada vazão (maior que 150 m 3/h)
exclusivamente pelo grau geotérmico vinculado apenas na região de São Sebastião, na porção
ao gradiente local. central do DF. Contudo, nesta área ocorrem
A distinção da origem do aquecimento aquíferos físsuro-cársticos onde as vazões
das águas pode ser realizada pela determinação anômalas já são esperadas. Recentemente, um
de corpos magmáticos jovens em profundidade, poço exploratório construído no sul do Distrito
pela composição química das águas e com uso Federal na divisa com o Goiás, município de
de geotermômetros específicos. No Brasil há Cidade Ocidental (Figura 1), apresentou vazão
dois casos emblemáticos que exemplificam anômala superior a 250 m3/h com temperatura
tipos de hidrotermalismo com origem da água de 28,9oC.
contrastante: Caldas Novas, em Goiás, em que O objetivo dessa pesquisa é a realização
o aquecimento é vinculado ao grau geotérmico de estudos de caracterização hidrogeológica
(Campos et al. 2005) e Poços de Caldas, em que subsidiarão os planos para a gestão
Minas Gerais, em que as águas têm sustentável do aquífero local e regional. O
temperaturas anômalas devido ao fluxo de calor problema está relacionado à própria explotação
oriundo de magmatismo Cretáceo (Cruz & das reservas hídricas subterrâneas e ao risco de
Peixoto 1991). se proceder a sobrexplotação do aquífero na
Diante da inexistência de estudos de área. A exploração dos recursos hídricos
caracterização detalhada de aquíferos termais e subterrâneos sem os devidos estudos de
de vazões anômalas na região sul do Distrito caracterização hidrogeológica pode
Federal e Entorno torna-se imprescindível a comprometer a sustentabilidade do sistema.
elaboração de diagnósticos confiáveis e de um Foram realizadas análises isotópicas da
plano de gestão para a exploração da água água quente para se determinar a idade da água
subterrânea para fins termais e, para outros usos e estabelecer o mecanismo de circulação da
que demandam elevado consumo (exemplo água no sistema aquífero (recarga e sentido de
abastecimento urbano). fluxo).

Figura 1. Localização da área de estudo. Área localizada no limite sul entre Goiás e Distrito Federal.

Nesta perspectiva, a partir dos estudos na região em estudo problemas relacionados à


hidrogeológicos pretende-se evitar que ocorram degradação do aquífero termal. Geralmente, os
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problemas ligados à exploração de água a manutenção de toda a estrutura já instalada
subterrânea estão relacionados à exaustão das (clubes, hotéis e pousadas).
reservas hídricas subterrâneas em função do No Distrito Federal a ocorrência em
bombeamento com vazões muito superiores às estudo é a primeira que pretende explorar este
taxas de realimentação e contaminação devido à atrativo das águas termais para fins comerciais.
infiltração de cargas poluentes. Exemplo Dessa forma ainda é possível planejar a
clássico do problema de sobrexplotação é utilização da água, sem comprometer a
observado na região sudeste do estado de Goiás sustentabilidade do sistema aquífero na região
(região de Caldas Novas e Rio Quente) onde o e, principalmente, evitar que o bombeamento da
bombeamento da água quente sem água subterrânea interfira nas nascentes que
planejamento vem comprometendo a alimentam a rede de drenagem superficial.
sustentabilidade do sistema, colocando em risco

CARACTERIZAÇÃO DO MEIO FÍSICO LOCAL

Clima Grupo Canastra é constituído por clorita filitos,


O clima do Distrito Federal é definido quartzo-sericita filitos e metarritmitos
como tropical, com concentração da associados a lentes de quartzitos e mármores
precipitação pluviométrica no período de verão finos e o Grupo Bambuí é caracterizado por
(entre os meses de novembro e março) e a metassiltitos argilosos, metargilitos e raras
época seca coincide com os meses de inverno intercalações de camadas arcoseanas (Freitas-
(junho a agosto). A sazonalidade que marca o Silva & Campos 1998).
clima é caracterizada pela continentalidade da Especificamente na área em estudo e
região e é associada ao padrão de circulação de adjacências ocorrem tipos litológicos atribuídos
massas de ar oriundas da zona tropical, com às formações Ribeirão do Torto, Serra da Meia
forte componente nordeste a leste (Baptista Noite, Ribeirão Contagem e Córrego do Sansão
1998). No período de inverno, caracterizado por do Grupo Paranoá, filitos do Grupo Canastra
estabilidade climática e reduzida precipitação, (Figura 2), além de coberturas de caráter
ocorre a inversão térmica por radiação na eluvionar compostas por espessos latossolos,
camada inferior da atmosfera, a qual é além de ocorrências de outros solos. A região
responsável pela ocorrência da bruma seca e está inserida na borda sul do Domo Estrutural
pela acumulação de fumaça e particulados de Brasília com mergulho da envoltória das
oriundos das atividades humanas, como, por camadas para sul/sudeste.
exemplo, a queimada.
A precipitação anual média dos últimos Grupo Canastra - MNPcz
30 anos é de 1.500 mm/ano e as isoietas variam O Grupo Canastra é caracterizado por
de desde 1.600 mm/ano na porção oeste do clorita filitos, clorita-quarzto filitos e
território até 1.250 mm/ano na região leste. metarritmitos. Quando alterados apresentam
cores rosada, amarelada e amarronzada e
Geologia quando menos intemperizados mostram tons
No Distrito Federal e entorno próximo esverdeados. Localmente ocorrem intercalações
ocorrem conjuntos litoestratigráficos atribuídos de quartzitos finos, que por serem mais
aos grupos Paranoá e Canastra resistentes à denudação, sustentam o relevo,
(Mesoproterozóica) e Bambuí e Araxá como é o caso dos morros localizados na região
(Neoproterozóica), os quais ocupam rebaixada do relevo (Freitas-Silva 1991).
respectivamente 65, 15, 15 e 5% da área total Os filitos apresentam foliação principal
do território do DF (Freitas-Silva & Campos com direção geral norte-sul e com ângulo de
1998 e Campos 2004). mergulho variável desde subverticais até
O Grupo Paranoá é representado por horizontais. Dobras do tipo chevrons apertados
uma sequência psamo-pelito-carbonatada, o ou mais abertos são observadas nos maiores
Grupo Araxá é composto por xistos variados cortes de estradas.
além de lentes de quartzitos finos e micáceos; o

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Figura 2. Mapa geológico da área estudada.

Formação Ribeirão do Torto - MNPpa com as ardósias da formação sotoposta,


A Formação Ribeirão do Torto é passando a um aumento progressivo de
composta por ardósias de cor cinza quando intercalações de metassiltitos e delgadas
frescas e roxas quando alteradas, sendo a camadas de quartzitos, com um espesso nível
presença de duas clivagens ardosianas de quartzito no topo e Superior composta por
penetrativas a feição mais diagnóstica (Freitas- um conjunto de metarritmitos com
Silva & Campos 1998). intercalações de bancos centimétricos de
Estas rochas ocorrem apenas em restrita quartzitos e metassiltitos laminados, também
área na porção noroeste da área estudada em culminado com um espesso nível de quartzito
região de maior dissecação da rede de ou laminado (Freitas-Silva & Campos 1998).
drenagem. Na área em estudo estas rochas ocorrem
na porção norte da poligonal, onde os
Formação Serra da Meia Noite - MNPpq3 afloramentos são apenas restritos aos vales das
A Formação Serra da Meia Noite é drenagens.
caracterizada pela alternância de estratos
milimétricos a métricos de quartzitos (finos a Formação Ribeirão Contagem - MNPpr3
médios), metassiltitos argilosos, metargilitos Os quartzitos desta formação afloram na
sílticos e metalamitos. Em função da presença forma de matacões próximo à quebra de relevo
de duas intercalações mais espessas de que marca a borda sul da Chapada de Brasília.
quartzitos, esta unidade foi dividida em duas São representados por quartzitos brancos ou
subunidades, (Freitas-Silva & Campos 1998): amarelados, silicificados e intensamente
Inferior iniciada por um contato gradacional fraturados. Nos blocos maiores podem ser
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identificadas estratificações cruzadas tabulares topografia suave, baixo pH das águas de
e acanaladas. Localmente no interior da infiltração e presença de zonas fraturadas.
chapada podem ocorrer na forma de matacões Na área ocorrem latossolos vermelhos,
métricos e exposições in situ isoladas. Próximo vermelho-amarelos e localmente neossolos
ao topo e à base desta formação ocorrem quartzarênicos. O contato entre os latossolos e
intercalações de metarritmitos, os quais são as areias é gradacional. O pacote que inclui os
caracterizados pela alternância rítmica de solos e as rochas alteradas (oxidadas) pode
camadas de metapelitos e metapsamitos com ocupar até 100 metros, a partir daí podem
ampla predominância dos termos arenosos ocorrer rochas frescas (geralmente com
(Freitas-Silva & Campos 1998). coloração cinza escuro a preto).
Próximo à superfície e em zonas de Os solos apresentam textura arenosa
fraturas em maiores profundidades, os com porosidade variável em razão da
quartzitos são avermelhados a arroxeados e, quantidade de areia no material original. Os
onde são mais maciços, apresentam tons solos derivados das porções pelíticas dos
esbranquiçados e amarelados. As melhores metarritmitos são mais vermelhos e argilosos,
exposições foram observadas no Setor enquanto os desenvolvidos dos quartzitos ou
Habitacional Tororó (extremo nordeste da área dos metarritmitos mais arenosos são mais claros
estudada). e apresentam maior permeabilidade.

Formação Córrego do Sansão - MNPpr4 Hidrogeologia


Os metarritmitos da Formação Córrego O Distrito Federal está situado no limite
do Sansão estão limitados a uma faixa na entre as províncias hidrogeológicas do Escudo
porção inferior da quebra de relevo que marca a Central e do São Francisco. Em ambos os casos
borda da Chapada de Brasília e o início da área a região é amplamente dominada por aquíferos
de estudo. Na porção basal este conjunto fraturados e físsuro-cársticos recobertos por
apresenta espessos pacotes de metassiltitos solos e rochas alteradas com características
argilosos maciços de cor rosada que passam físicas e espessuras variáveis (que em conjunto
para colorações esbranquiçadas com a evolução compõem sistemas aquíferos intergranulares).
do intemperismo. Em direção ao topo da As principais informações sobre a
estratigrafia, ocorre um conjunto rítmico com hidrogeologia do Distrito Federal estão
intercalações centimétricas regulares de disponíveis em Romano & Rosas (1970),
quartzitos e metapelitos, com espessuras de 1 a Barros (1992), Amore (1994), Mendonça
2 centímetros e apenas localmente superando (1993), Campos & Freitas-Silva (1998 e 1999),
20 centímetros (Freitas-Silva & Campos 1998). Zoby (1999), Souza (2001), Cadamuro (2002),
Joko (2002), Moraes (2004), Campos (2004) e
Coberturas Regolíticas Lousada (2005).
Dentro deste conjunto estão No Distrito Federal e entorno onde a
enquadrados os solos e regolitos de caráter geologia é caracterizada por rochas
autóctone que se formaram em função dos metamórficas recobertas por espessos solos,
processos de intemperismo e denudação, podem ser diferenciados três grandes grupos de
durante o desenvolvimento da peneplanização aquíferos, que correspondem à classificação
regional do Distrito Federal no Cenozóico maior dos reservatórios subterrâneos de água,
(Novaes Pinto, 1994 e Martins & Baptista Domínio Aquífero Intergranular (ou Poroso),
1998). Domínio Aquífero Fraturado e Domínio
A gênese destas coberturas está Aquífero Físsuro-Cárstico. A caracterização
vinculada a processos de laterização, as quais mais precisa dos vários sistemas aquíferos no
alcançam espessuras maiores que 20 metros, Distrito Federal requer a subdivisão em
contudo o regolito sobre zonas fraturadas pode subsistemas, evidenciando a real diversificação
superar 40 metros de espessura. O ataque das unidades litoestratigráficas. A Tabela 1
químico é dominado pela intensa lixiviação de mostra a sinopse do quadro hidrogeológico do
filossilicatos, em função do clima com estações Distrito Federal.
chuvosas e secas bem diferenciadas, relevo com

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Vazão Média
DOMÍNIO SISTEMA SUBSISTEMA Litologia/Solo Predominante
(m3/h)
Latossolos Arenosos e
Sistema P1 < 0,8
Neossolos Quartzarênicos.
Sistema P2 Latossolo Argilosos.
Freático - < 0,5
Sistema P3 Plintossolos e Argissolos.
Cambissolo e Neossolo
Sistema P4 < 0,3
Litólico.
S/A 12,5 Metassiltitos.
A 4,5 Ardósias.
Paranoá Quartzitos e metarritmitos
R3/Q3 12,0
arenosos.
Fraturado
R4 6,5 Metarritmitos argilosos.
Canastra F 7,5 Filitos micáceos.
Bambuí - 6,0 Siltitos e arcóseos.
Araxá - 3,5 Mica xistos.
Metassiltitos e lentes de
Paranoá PPC 9,0
Físsuro- mármores.
Cárstico Calcifilitos, quartzitos e
Canastra F/Q/M 33,0
mármores.
Tabela 1. Resumo da classificação dos Domínios, Sistemas/Subsistemas aquíferos do Distrito Federal com respectivas
vazões médias. Fonte: Adaptado de Campos & Freitas-Silva (1999). Destacado em negrito os subsistemas presentes na
área em estudo.

As vazões dos poços tubulares variam de deficiência de drenagem apresentam valores


desde zero (poços secos) até mais de 150 m 3/h. entre 10-6 e 10-7 m/s. Os latossolos e nitossolos
A ampla variabilidade de potencial dos da área estudada, em função do grande teor de
aquíferos é resposta à grande variação da argila, também apresentam valores baixos.
geologia, tipos de solos e geomorfologia. Apenas os latossolos da Chapada e Brasília
com textura arenosa apresentam condutividade
Descrição dos Aquíferos alta na superfície e moderada em profundidade.
Domínio Intergranular Este quadro mostra que a provável área
Os aquíferos do Domínio Intergranular de recarga apresenta zona não saturada com
são caracterizados pelos meios geológicos onde boas condições de infiltração. Na área estudada
a porosidade é do tipo intergranular, ou seja, a os baixos valores de condutividade hidráulica
água ocupa os poros entre os minerais funcionam como um sistema de proteção do
constituintes do material geológico (rocha ou aquífero termal, pois, de forma geral os
solo). Na área em estudo esse domínio é materiais de cobertura apresentam baixa
essencialmente representado pelos solos e pelo condutividade hidráulica.
manto de alteração das rochas. A caracterização
dos aquíferos desse domínio está vinculada a Domínio Fraturado
vários parâmetros, dos quais dois são Os aquíferos do domínio fraturado são
destacados: a espessura e a condutividade caracterizados pelos meios rochosos onde os
hidráulica (permeabilidade), sendo que ambas espaços ocupados pela água são representados
são diretamente controladas pela geologia e por descontinuidades planares, ou seja, planos
pelos solos em que cada tipo de aquífero está de fraturas, microfraturas, juntas, zonas de
inserido. cisalhamento e falhas. Como no Distrito
Os resultados mostram que os solos da Federal o substrato rochoso é representado por
região apresentam condutividades hidráulicas metassedimentos, os espaços intergranulares
baixas a muito baixas. Os cambissolos são foram preenchidos durante a litificação e o
considerados praticamente impermeáveis, metamorfismo. Dessa forma, os eventuais
sendo que próximo a 100 cm a condutividade reservatórios existentes nas rochas
cai para ordem de grandeza de 10-8 m/s. Os proterozoicas estão inclusos no Domínio
gleissolos pela própria natureza pedogenética Fraturado, onde os espaços armazenadores de
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água são classificados como porosidade quanto maior a concentração de quartzitos
secundária. maior a produtividade dos aquíferos e quanto
Por estarem restritos a zonas que variam maior a presença de material argiloso
de alguns metros a centenas de metros, os (metassiltitos e ardósias) maior a ocorrência de
aquíferos do Domínio Fraturado são livres ou poços secos ou de muito baixa vazão.
confinados, de extensão lateral variável, A classificação desse domínio em
fortemente anisotrópicos e heterogêneos, quatro conjuntos distintos, denominados de
compondo o sistema de águas subterrâneas sistemas aquíferos Paranoá, Canastra, Araxá e
profundas. Com raras exceções, esse domínio Bambuí é feita com base no contexto geológico,
está limitado a profundidades pouco superiores análise estatística dos dados de vazões e feições
a 250 metros sendo que em profundidades estruturais.
maiores há uma tendência de fechamento dos Na área, o Sistema Paranoá foi
planos de fraturas em virtude do aumento da subdividido nos seguintes subsistemas: R3/Q3 e
pressão. R4, enquanto o Sistema Canastra é integrado
Os parâmetros hidrodinâmicos são pelo Subsistema F (Campos & Freitas-Silva
muito variáveis em função do tipo de rocha e, 1998).
inclusive, variando significativamente em um As águas subterrâneas desse domínio
mesmo tipo litológico. O principal fator que apresentam exposição à contaminação
controla a condutividade hidráulica dos atenuada, uma vez que os aquíferos do Domínio
aquíferos desse domínio é a densidade das Intergranular sobrepostos funcionam como um
descontinuidades do corpo rochoso. filtro depurador natural, que age como um
Esses aquíferos são aproveitados a partir protetor da qualidade das águas mais profundas.
de poços tubulares profundos e apresentam A recarga dos aquíferos desse domínio
vazões que variam de zero até valores se dá através do fluxo vertical e lateral de águas
superiores a 100 m3/h, sendo que a grande de infiltração a partir da precipitação
maioria apresenta descarga entre 5 e 12 m3/h. A pluviométrica. A morfologia da paisagem é um
existência de poços secos é controlada pela importante fator controlador das principais
variação da fração granulométrica sendo que áreas de recarga regionais.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Caracterização dos Sistemas de Fraturas tipos de rochas, contudo o caráter dúctil dos
Como há poucas exposições rochosas na materiais pelíticos leva a uma maior dificuldade
poligonal do condomínio e seu entorno de manutenção das fraturas abertas em
próximo, a avaliação e mapeamento das profundidade. A tendência de fechamento das
descontinuidades (sistemas de fraturas) foi aberturas em profundidades ocorre pela pressão
realizada em uma área mais ampla, incluindo o litostática que tende a aumentar com o aumento
vale do córrego Caxeta e parte do vale do rio da carga.
Saia Velha a oeste. Na região foram delimitadas duas
A metodologia adotada foi a análise famílias principais de fraturamento com
macrorregional dos lineamentos estruturais, atitudes gerais: N30W e N60W, subverticais.
partindo-se do princípio de que a teoria dos Essas estruturas controlam a incisão da rede de
fractais é perfeitamente aplicável ao estudo das drenagem local sendo o córrego da Água
descontinuidades estruturais causadas por Quente de direção N60E e seus tributários
esforços tectônicos. diretos com direção N30W.
O maciço rochoso foi submetido a Além destes, ainda ocorrem fraturas
esforços tectônicos durante o Ciclo Orogenético subhorizontais com atitudes muito variáveis, as
Brasiliano de idade Neoproterozoica (~ quais não puderam ser sistematizadas em
600Ma.). Em virtude do comportamento rúptil grupos definidos.
das rochas da unidade de metarritmitos a As famílias de faturamento estão
dissipação do stress compressivo gerou uma relacionadas a origens diversas, em momentos
série de descontinuidades em direções bastante específicos da evolução tectônica, sendo as de
variadas. De forma geral, o grau de direção N10-20E consideradas como fraturas de
fraturamento foi equivalente entre os diversos alívio da extensão principal e as de direção NW
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e NE, como fraturas do par conjugado No Distrito Federal, as áreas de recarga
consideradas como fraturas de cisalhamento. estão em áreas topograficamente mais elevadas
As fraturas abertas podem alcançar até 8 representadas pelas áreas de chapadas. A área
mm de largura, contudo a maioria não supera 2 de recarga que alimenta o aquífero pelo poço é,
ou 3 mm de abertura média (observações portanto, a região de chapada situada na porção
realizadas na região em estudo e em outras norte da área em estudo. O substrato geológico
áreas do Distrito Federal). destas áreas é composto principalmente por
quartzitos da Unidade Q3, o que facilita a
Modelo Conceitual de Fluxo formação de solos muito espessos e
A ocorrência de água com temperatura permeáveis.
anômala, na área em estudo, é devida A distância da área de descarga em
exclusivamente ao modelo de fluxo, uma vez relação à área de recarga define se o fluxo é
que não há anomalias térmicas de origem regional ou local. Fluxo local é o que possui
magmática na região. Para a compreensão do área de descarga próxima à área de recarga.
comportamento do fluxo da água subterrânea Este possui maior velocidade e depende de alto
foram determinados os regimes de fluxo gradiente topográfico. Fluxo regional possui
hidrogeológico incluindo sistemas regionais e área de descarga mais distante e menor
locais, áreas de recarga e descarga, o controle e velocidade devido ao baixo gradiente
influência do sistema fraturado, seu topográfico (inclinação /distância). O fluxo
confinamento no condicionamento e explicação regional poderia explicar as temperaturas
do hidrotermalismo. anômalas, pois águas que chegam a
Fluxo de água subterrânea é a migração profundidades maiores tem temperatura maior
da água pela rocha ou solo através de seus devido ao grau geotérmico. Se os poços
poros, que no caso das rochas em estudo são interceptam zonas de fluxo regional teriam,
representados por descontinuidades como portanto, água com maior temperatura. A
fraturas, plano de acamamento e foliação. Pode- análise na escala de estudo mostra que o
se definir uma linha de fluxo como o caminho comportamento das linhas de fluxo pode ser
de uma partícula percorrido na água visto como similar a um modelo em meio
subterrânea. Dessa forma, pode-se analisar e isotrópico, uma vez que o Subsistema R3/Q3 é
representar espacialmente como é a migração um meio fraturado e o fluxo pode estar
da água subterrânea. Na área estudada, o fluxo canalizado em fraturas que alcançam
da água subterrânea do domínio fraturado profundidades maiores. Dessa forma, o modelo
ocorre principalmente ao longo do Subsistema de linhas de fluxo é tal que o fluxo regional
R3/Q3, o qual apresenta valores de vazão migra para regiões mais profundas em fraturas
maiores que o Subsistema R4 (Tabela 1), que é das unidades R3 e Q3 do Grupo Paranoá
a litologia aflorante no local em que o poço foi emergindo novamente canalizado em fraturas
construído. conectadas a fraturas da Unidade R4.
Hubbert (1940) em uma análise dos Outra análise na determinação do
parâmetros que controlam o fluxo de água regime de fluxo é que águas provindas de fluxo
subterrânea, concluiu que o gradiente da carga local possuem maior influência de águas
hidráulica é responsável pelo controle da meteóricas e são hidroquimicamente muito
velocidade, da direção e do sentido do fluxo em parecidas com águas da área de recarga. Águas
um aquífero homogêneo. O mesmo raciocínio de fluxo regional, porém, estão localizadas em
pode ser adaptado para sistemas anisotrópicos, zonas de menor influência da superfície e, além
em que além do gradiente da carga hidráulica, disto, ficam maior tempo em contato com a
as direções das anisotropias também rocha devido à menor velocidade do fluxo
apresentam papel relevante. Como o nível regional. Portanto, estas últimas possuem
d’água subterrânea tende a seguir o padrão do características hidroquímicas mais
relevo, a declividade topográfica é o principal influenciadas pela composição da rocha
controle do fluxo. Na área de estudo o aquífero reservatório. Portanto, análises hidroquímicas
não é homogêneo, mas o relevo também é o são uma importante ferramenta na
principal agente de fluxo, determinando áreas determinação de fluxo local e regional.
de recarga e descarga e áreas de fluxo local e
regional.
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Condicionantes do Artesianismo e do Neste caso o sistema é considerado do tipo
Termalismo aquífero fraturado artesiano, em que a água
Na área de estudo as litologias são armazenada no Subsistema R3/Q3 é confinada
correlacionadas às formações Ribeirão do pelos metarritmitos do Subsistema R4, que
Torto, Serra da Meia Noite, Ribeirão da naturalmente apresentam menor densidade de
Contagem e Córrego do Sansão do Grupo fraturas e fraturas com menor grau de
Paranoá. Na Tabela 1 é possível ver que os dois interconexão.
subsistemas de aquífero do domínio fraturado As linhas de fluxo local e regional são
relativo a estas litologias possuem vazões direcionadas pelas fraturas de forma que os
distintas. O Subsistema R4 com menor poços que interceptam as anisotropias
condutividade hidráulica funciona como vinculadas ao fluxo regional apresentam
camada confinante para o subsistema R3/Q3. temperaturas maiores. Por outro lado, poços
Desta forma, poços que estão sobre o Sistema que interceptem fraturas que recebam fluxo
R4 e que alcançam profundidades que local não apresentam temperaturas acima da
interceptam fraturas no Subsistema R3/Q3 são média. Ou ainda, poços que interceptem
jorrantes. fraturas com fluxo regional, mas numa
O modelo conceitual de fluxo para a profundidade mais rasa também terão água de
área em estudo é apresentado na Figura 3. temperatura baixa.

Figura 3. Representação esquemática do modelo conceitual do aquífero na região sul do Distrito Federal. O Poço A
representa situação de captação seca, pois não intercepta fraturas. O Poço B representa captação de águas do sistema de
fluxo regional, com elevada vazão potencial e possibilidade de se interceptar águas naturalmente aquecidas.

No modelo considerado há possibilidade estudado. Neste caso, se considera que o fluxo


de ocorrência de três diferentes sistemas de descendente frio deve alcançar mais de 300
fluxo hidrogeológico na região: fluxo local, metros de profundidade. O aquecimento gerado
fluxo intermediário e fluxo regional. pelo grau geotérmico deve diminuir a densidade
O sistema local é observado em grande das águas que migram para porções mais rasas
parte na migração da água subterrânea nas através de fraturas com atitude distinta.
coberturas de solos sendo que o exutório são as Para a determinação da profundidade de
nascentes de contato ou depressão existentes circulação das águas foi utilizado o
nas cabeceiras de drenagens e em grotas geotermômetro Sílica conforme equação: T oC =
intermitentes. {1309/(5,19 – log SiO2)} – 273,15 (proposta
O sistema regional é o responsável pelo por Truesdell 1984) e a composição química da
aquecimento das águas observadas no poço água (Tabela 2).

São Paulo, UNESP, Geociências, v. 34, n. 2, p.210-223, 2015 218


Tabela 2. Composição química média de duas análises de águas provenientes do poço em estudo. T em oC, CE em
µS/cm, pH adimensional e demais substâncias em mg/l.
K Cl Ca Fe Na SO4 HCO3 Mg Si STD pH T CE
0,68 0,03 16,4 2,4 0,27 4,33 95,0 10,6 8,12 112,6 7,15 28,9 161,6

A aplicação do geotermômetro Sílica atmosféricos, sendo oxidado (14CO2) e


resulta em uma temperatura de 32,65oC e misturado com o CO2 inativo (Cabral 1978).
implica em uma percolação de águas a pelo Nesta forma, ele é facilmente assimilado na
menos 330 metros, uma vez que a temperatura biosfera e hidrosfera e incorporado no ciclo do
média da água de recarga é de 21,5oC. A carbono (Kalin 1999). Qualquer material que
temperatura de 28,9oC observada na água na contenha o CO2 atmosférico: organismos vivos
saída do poço é explicada pela mistura de águas ou água ou que tenha processos de reação com
de sistema de fluxo local (mais frias) com águas o gás deverá ter atividade de 14C igual ao
do fluxo regional (aquecidas pelo grau composto atmosférico durante o período em
geotérmico). que o material estiver em equilíbrio com a
O próprio confinamento do aquífero reserva atmosférica de carbono. Como é
contribui para o direcionamento do fluxo para facilmente diluído em água, o CO2 atmosférico
as fraturas, pois, a pressão da água subterrânea está presente nas chuvas na forma de H2CO3,
em aquíferos confinados é maior do que a cuja reação pode ser descrita: CO2 + H2O <=>
pressão atmosférica, fazendo o fluxo convergir H2CO3. Na superfície, o ácido carbônico reage
para as fraturas presentes no Subsistema R4, em com o cálcio e com o magnésio da crosta,
direção à superfície potenciométrica. O modelo formando os carbonatos.
de convergência de fluxo para as fraturas Determinação de idades de água
poderia ser comparado ao caso de um poço que subterrânea a partir de análise de 14C refere-se
intercepta a camada confinante e faz com que o ao tempo decorrido desde que a água foi isolada
fluxo convirja em direção à superfície do contato com a atmosfera, última entrada de
potenciométrica. Desta forma, no modelo carbono, e a data da análise da amostra. A idade
proposto, o sistema de fraturas e o do radiocarbono é determinada por comparação
confinamento do aquífero é que são da atividade de 14C de uma amostra com a
determinantes para temperaturas da água mais atividade tida como a inicial, sendo o tempo
elevada que a média local e regional. computado pela equação de decaimento
Porém, mesmo com o modelo de radioativo (Stuiver & Polach 1977 e Fallon et
confinamento aliado às fraturas, é mais al. 2010):
provável que as fraturas que recebem fluxo
regional sejam mais profundas que a média de
ocorrência de fraturas abertas no Distrito Onde:
Federal que é até 200m. Isso porque não há t = intervalo de tempo decorrido desde
registro de ocorrência de poços com que o material foi isolado (anos) no subsolo,
temperaturas anômalas no Distrito Federal considerando que não houve novo aporte de
apesar do elevado número de poços carbono, até o momento da análise.
construídos. ASN = atividade específica do 14C da
amostra, gramas de 14C por grama do C total
Datação das Águas (pmc)
Método A0N = atividade específica inicial do
O decaimento radioativo do 14C com radiocarbono (padrão moderno referido ao ano
emissão de radiação gama é utilizado como 1950).
método de datação em processos ambientais
sendo o ciclo de meia vida de 5.568 anos Atividade de radiocarbono pode ser
(National Bureau of Standards 1961 e Leavitt usada na determinação de idades de água
1990). subterrânea, numa escala de até quarenta mil
Radiocarbono é produzido naturalmente anos, contribuindo para o entendimento dos
na alta atmosfera pelo bombardeamento de 14N sistemas: áreas de recarga e fluxos de água
por nêutrons secundários, gerados pela (Carey et al. 2004 e Leavitt 1990).
interação dos raios cósmicos e os gases
220
São Paulo, UNESP, Geociências, v. 34, n. 2, p.210-223, 2015
A medida de radiocarbono pode ser feita A coleta foi feita de forma direta
por diversos métodos, dentre eles, o de utilizando frasco de vidro com tampa
contagem direta dos átomos de radiocarbono rosqueável. Antes da coleta da amostra o poço
(acelerador com espectrômetro de massa). A foi deixado em vazão espontânea com a
imprecisão na determinação dos valores iniciais abertura da válvula por trinta minutos. Esta
de radiocarbono, quando da entrada da água no ação é considerada necessária para que a água
subsolo, conduz a erros na estimativa da das porções profundas do aquífero fraturado
velocidade de fluxos de água subterrânea substitua toda a água estagnada na coluna de
(Cabral 1978). revestimento. A amostra de 2,5 litros foi
A imprecisão nas datações por enviada para o Centro de Análises de
radiocarbono está relacionada à variação da Radiocarbono - SSAMS da Universidade
concentração de 14C na atmosfera; intercâmbio Nacional da Austrália, onde foi realizada a
e distribuição do 14C entre a atmosfera e os análise a partir do método do acelerador com
reservatórios terrestres, e por fim, pela incerteza espectrômetro de massa.
da frequência da desintegração radioativa. Por
isso, as datações com utilização de Resultado
radiocarbono, referem-se a idades relativas, A idade de radioisótopo determinada
devendo-se considerar uma margem de erro. De neste estudo refere-se ao tempo decorrido entre
acordo com Fontugne (2005), os parâmetros a recarga, seu tempo de circulação no aquífero
que controlam o nível de 14C referem-se a e o ponto onde a amostra foi coletada. Também
produção do radioisótopo na alta atmosfera, que há a possibilidade de que a idade represente a
é controlada pelo fluxo de partículas cósmicas mistura de águas em circulação no aquífero
incidentes e a intensidade do campo magnético com águas estagnadas nas porções mais
terrestre, e por último, as trocas e a distribuição profundas do aquífero.
entre os diferentes reservatórios de carbono Na possibilidade de misturas de águas
relacionados aos oceanos, a biosfera e a de idades diferentes, águas presentes em zonas
atmosfera. Antes de 1950, excetuando-se as mais profundas terão menor concentração 14C
alterações climáticas, as modificações impostas que as águas mais jovens, tendendo a aumentar
pelos demais processos às taxas de a idade destas idades com o aumento da
radiocarbono na atmosfera são tidas como profundidade. Nesse caso, não é possível por
pouco expressivas não excedendo os valores da esse método estabelecer a distinção entre águas
“atividade moderna”. O termo “atividade de recargas diferentes, pois a idade obtida se
moderna” refere-se à atividade de radiocarbono refere à média da mistura.
pós 1950, período de aumento do nível de 14C Os dados da Tabela 3 mostram que a
atmosférico, promovido pelas explosões água tem idade de 4.290 anos AP (antes do
nucleares e intensificação do uso de presente) com um erro de 60 anos AP, isto é, a
combustíveis fósseis. água datada pode ter idade que varia de 4.230
anos AP até 4.350 anos AP.
Percentual de
Nome da Conteúdo
δ13C Erro Carbono Erro Erro Idade 14C Erro
Amostra de 14C
moderno
4.290 anos
AV-01 -14,6‰ ±3 58,6 ±0,51 -413,9 ±5,1 ±60
AP
Tabela 3. Resultado da análise do Carbono 14 para datação da água subterrânea obtida no Poço P4.

O principal indicador da não interação não sendo afetado pelo possível aporte de
entre as águas e seu reservatório é a ausência de Carbono a partir das rochas que compõem os
carbonatos no aquífero, uma vez que os reservatórios.
reservatórios são representados por quartzitos, A análise local (até 2 km de raio), semi-
metarritmitos argilosos e filitos. Este dado regional (entre 2 e 15 km de raio) e regional
indica que não deve haver contribuição (maior que 15 até 40 km) indica que as áreas de
significativa de Carbono oriundo da interação recarga possíveis para a manutenção do fluxo
das águas com seu reservatório. em direção à poligonal de estudo apenas pode
A avaliação do δ13 C mostra que a idade ser atribuída à Chapada de Brasília, situada
de 4.260 ± 60 anos AP é um dado confiável, entre 12 e 20 km a norte da região em estudo.
São Paulo, UNESP, Geociências, v. 34, n. 2, p.210-223, 2015 220
Esta conclusão é baseada nos seguintes Considerando a possibilidade
argumentos: simplificada da presença de fluxo laminar no
- Esta região é a mais elevada em um raio de 40 sistema aquífero anisotrópico a partir de uma
km; relação linear, fica claro que as águas infiltradas
- Esta chapada apresenta relevo suave ondulado nas porções mais distais da Chapada de Brasília
e é recoberta por solos arenosos, os quais necessitariam de 1.152 anos para migrar desde
mostram condutividade hidráulica muito alta; a zona de recarga até a região de explotação na
- As rochas que sustentam a chapada área.
apresentam reologia mais propícia para manter Assim, a água deveria ter no máximo
fraturas abertas a maiores profundidades. 1.150 anos e não 4.260 anos como mostrado
Todas as condicionantes descritas pela análise do Carbono 14. Como a avaliação
anteriormente não se repetem em um raio de 40 do dado de datação pelo radiocarbono mostra
km, sendo a cota topográfica um dos que se trata de uma informação confiável e
parâmetros mais importantes para condicionar a coerente com os dados, é necessário propor
zona de recarga preferencial. uma análise de cenário para melhor
A seguir é apresentada uma análise entendimento da idade obtida.
inversa para a avaliação do resultado da idade A explicação mais realista para a idade
da água a partir dos dados hidrodinâmicos e da obtida é a presença de fluxo estagnado em
área de recarga. porções mais profundas do aquífero, isto é,
A velocidade linear de fluxo pode ser condição sem fluxo em que parte da água fica
obtida pela equação: v = K. Grad h / Ifi, onde: retida em fraturas profundas. Neste caso as
 v - velocidade linear média de fluxo; águas de cerca de 1.150 anos AP se misturam
 K - condutividade hidráulica média em diferentes proporções com águas mais
(em aquífero anisotrópico); antigas de forma a se alcançar idades maiores
 Grad h - gradiente hidráulico; que 4.000 anos AP.
 Ifi - Índice de fraturas interconectadas As águas mais antigas devem compor
(equivalente à porosidade efetiva). parte da reserva permanente contidas em
fraturas muito profundas que estão
Para aplicação da equação foram naturalmente abaixo do nível de base dos
considerados os seguintes parâmetros: exutórios e, portanto, não podem migrar em
 K da ordem de grande de 10-7 m/s, direção a área de descarga. Tais águas apenas
valor relativo a média do Subsistema podem entrar no sistema de fluxo se a porção
R3/Q3; do aquífero em que estão contidas for
 Grad h de 0,011, equivalente a um submetida a bombeamento. Neste caso, o
desnível de 220 m em 20 km de linha rebaixamento da superfície potenciométrica
de fluxo; resultará na criação de um gradiente hidráulico
 Ifi de 2%, valor coerente com o sistema que forçará o fluxo de uma região de maior
fraturado em estudo. carga hidráulica para outra de menor carga
A velocidade calculada do fluxo é de hidráulica.
5,5 x 10-7 m/s ou de 17,35 m/ano.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E CONCLUSÕES

A análise conjunta de todos os dados Subsistema R3/Q3 também ocorre como


permite enumerar as seguintes conclusões: aquífero livre nas áreas de afloramento das
Na área estudada, a água subterrânea formações Serra da Meia Noite e Ribeirão
ocorre em mais de um tipo de meio, incluindo Contagem. O domínio intergranular é
aquíferos do tipo intergranular (associado aos representado pelos sistemas P1 e P4.
solos) e aquíferos fraturados, em unidades A presença de fraturas abertas a
rochosas dos grupos Paranoá e Canastra. O profundidades maiores que 300 metros e o
principal aquífero da região, o Subsistema sistema de fluxo regional são considerados os
R3/Q3 é caracterizado como fraturado-artesiano principais controles do aquecimento da água.
em que as rochas argilosas da Unidade R4 No modelo proposto os poços interceptam
funcionam como camada confinante. O fraturas ligadas ao sistema de fluxo regional.
221 São Paulo, UNESP, Geociências, v. 34, n. 2, p.210-223, 2015
Este é o único caso descrito de água com As águas com maior temperatura não
temperatura anômala no Distrito Federal. devem ser utilizadas para o abastecimento
Existem outros casos de áreas com geologia e público, devendo ser aplicadas apenas para os
geomorfologia similares, mas não há fraturas fins de balneário (uso em piscinas aquecidas).
abertas a maiores profundidades e sistema de Para o abastecimento público os aquíferos mais
fluxo regional capazes de resultar no aumento rasos com águas com temperaturas inferiores a
da temperatura da água. 23ºC devem ser priorizadas.
O uso para fins balneários das águas O tempo de bombeamento diário de 16
quentes nessa região poderá ocasionar a horas é compatível com o sistema aquífero
construção de novos poços. Para que não haja fraturado em exploração, sendo que as demais 8
sobrexplotação e contaminação dos horas diárias são importantes para a
reservatórios de água subterrânea recomenda-se recuperação dos níveis e para a limitação dos
seguir procedimentos técnicos para a cones de depressão na região.
construção de novos poços, como manter a A viabilização das captações está
distância mínima de 500 m entre os poços, vinculada a construção e operação de uma
isolamento da parte mais rasa do poço, uso de bateria de poços e às práticas de recarga
filtros para otimizar a capacidade do poço, artificial. Após início de operação dos poços, os
medidas de vazões dos poços na construção e níveis estáticos deverão ser monitorados
em sua manutenção. continuamente sendo fundamental a instalação
A idade das águas obtida pelo método de hidrômetros e piezômetros desde as fases de
do radiocarbono 14C resulta em 4.260 ±60 anos construção dos poços.
AP. Este valor se mostrou incoerente com o Em função da grande vazão do poço
modelo de fluxo proposto para o sistema (maior que 250 m3/h) é muito provável que a
aquífero em estudo. Desta forma, esta idade é construção de novos poços com maior
explicada pela mistura de águas armazenadas e profundidade resulte no aumento da
estagnadas em fraturas profundas (que temperatura das águas. Estima-se que, caso
compõem parte das reservas permanentes) com existam entradas de água entre 300 e 350
águas mais jovens relacionadas a fluxo local e metros de profundidade, a temperatura da água
intermediário. possa ser incrementada entre 4 e 6ºC.

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