Presidencialismo de Coalizao Sergio Abranches PDF
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dados- Revista de Ci~ncias Sociais, Rio de Janeiro. vol. 31, n. 1, 1988, pp. 5 a J4
mobilidade social. Finalmente, parte que visivelmente têm se beneficiado da Essa coincidência de situações tão compõem-se na reprodução das. desi-
não menos significativa da população ação estatal. contrastantes define uma formação so- gualdades. Elevam-se, portanto, as
vive em condições de destituição simi- A multiplicação de demandas exa- cial com características distintas quer das taxas potencial e real de conflito. Este
lares àquelas que prevalecem nos países cerba a tendência histórica de interven- nações industriaÍizadas, que apresentam permaneceu reprimido de várias manei-
mais pobres. ção ampliada do Estado. Este desdobra- maior homogeneidade social, quer das ras, da repressão aberta à sutil imposição
se em inúmeras agências, que desenvol- r, chamadas "nações plurais", divididas de barreiras elitistas, políticas, econômi-
1
No plano macropolítico, verificam- vem diversos programas, beneficiando por clivagens regionais e culturais muito cas, sociais e culturais à sua plena mani-
se disparidades de comportamento, diferentes clientelas. Proliferam os in- poderosas, mas cujos diferentes "blocos festação. Embora alguns destes elemen-
desde as formas mais atrasadas de clien- centivos e subsídios, expande-se a rede cultutais" apresentam relativa homoge- tos de contenção forçada do conflito te-
telismo até os padrões de comportamen- de proteção e regulações estatais. Esse neidade interna, como nos casos da Ho- nham desaparecido com a desarticula-
to ideologicamente estruturados. Há um movimento .tem o resultado, aparente- landa, Bélgica ou Áustria. Trata-se de ção do regime autoritário, muitos deles
claro "pluralismo de valores", através mente contraditório, de limitar progres- um caso de heterogeneidade econômi- permanecem em operação. Convivem,
do qual diferentes grupos associam ex- sivamente a capacidade de ação gover- ca, social, política e cultural bastante assim, focos largos e irresolutos de
pectativas e valorações diversas às insti- namental. O governo enfrenta uma mais elevado, seja na base técnica e nos conflito e barreiras à sua livre manifesta-
tuições, produzindo avaliações acentua- enorme inércia burocrático-orçamen- níveis de produtividade na economia, se- ção. Mais ainda, o quadro institucional
damente distintas acerca da eficácia e da tária, que torna extremamente difícil a ja no perfil de distribuição de renda, seja não desenvolveu mecanismos novos que
legitimidade dos instrumentos de repre- eliminação de qualquer programa, a nos graus de integração e organização permitam processar esses conflitos de
sentação e participação típicos das de- redução ou extinção de incentivos e das classes, frações de classe e grupos forma legítima, democrática e institucio-
mocracias liberais. Não se obtém, por- subsídios, o reordenamento e a racio- ocupacionais, apenas para mencionar al- nalizada.
tanto, a adesão generalizada a um deter- nalização do gasto público. Como cada gumas dimensões mais salientes do pro- Em síntese, a estrutura econômica
minado perfil institucional, a um modo item já incluído na pauta estatal torna-se blema. Responde, porém, a uma mesma alcançou substancial diversidade e
de organização, funcionamento e legiti- cativo desta inércia, sustentada tanto pe- lógica histórica e estrutural de expansão, grande complexidade; a estrutura social
mação da ordem política. Esta mesma lo conluio entre segmentos da burocra- tornando suas diferentes partes contem- tornou-se mais diferenciada, adquiriu
"pluralidade" existe no que diz respeito cia e os beneficiários privados, quanto porâneas do mesmo movimento geral, maior densidade organizacional, persis-
aos objetivos, papel e atribuições do Es- pelo desinteresse das forças políticas que ainda que não coetâneas nas suas dinâ- tindo, porém, grandes descontinui-
tado, suscitando, de novo, matrizes ex- controlam o Executivo e o Legislativo micas internas. dades, marcada heterogeneidade e pro-
tremamente diferenciadas de demandas em assumir os custos associados a mu- O avanço do capitalismo industrial, fundas desigualdades. Daí resultaram
e expectativas em relação às ações do danças nas pautas de alocação e regula- no Brasil, é, assim, caracterizado por maiores amplitude e pluralidade de inte-
setor público, que se traduzem na acu- ção estatais, restringe-se o raio de ação forte "assincronia", associada a seu ca- resses, acentuando a competitividade e
mulação de privilégios, no desequilíbrio do governo e reduzem-se as possibili- ráter retardatário em relação à ordem o antagonismo e alargando o escopo do
permanente entre as fontes de receita e dades de redirecionar a intervenção do capitalista mundial e à heterogeneidade conflito, em todas as suas dimensões.
as pautas de gasto, bem como no intenso Estado. Verifica-se, portanto, o enfra- histórica de suas estruturas internas. As Ao mesmo tempo, o Estado cresceu e
conflito sobre as prioridades e as orien- quecimento da capacidade de governo, forças do progresso atingem desigual- burocratizou-se e a organização política
tações do gasto público. Simultanea- seja para enfrentar crises de forma mais mente esta malha díspar, determinando seguiu estreita e incapaz de processar
mente, e por causa deste mesmo perfil eficaz e permanente, seja para resol- ritmos diversos e conjunturas estrutural- institucionalmente toda essa' diversi-
múltiplo e fracionado das demandas, ver os problemas mais agudos que emer- mente diferenciadas. As decisões de in- dade, de agregar e expressar com eficá-
acumulam-se insatisfações e frustrações gem de nosso próprio padrão de desen- vestimento e as opções distributivas san- cia e regularidade a pluralidade de inte-
de todos os setores, mesmo daqueles volvimento. 1 cionamou exacerbam este movimento. resses e valores.
O desenho e o funcionamento das insti- O dilema institucional brasileiro
Esta contradição aparente entre o crescimento e diversificação das formas de intervenção do
Estado e o enfraquecimento simultâneo da capacidade de controle do governo sobre as políticas tuições o convalidam ou, mais grave ain- define-se pela necessidade de se encon-
públicas não é uma peculiaridade brasileira. Porém, ela se agrava, neste caso, tanto em função das da, procuram simplificá-lo artificial- trar um ordenamento institucional sufi-
I mente, determinando transbordamen-
características de nOSSQ padrão de desenvolvimento, quanto pelos efeitos do autoritarismo sobre cientemente eficiente para agregar e
as pautas de relacionamento entre sociedade e Estado, quanto, ainda, pela dinântica da transição
do autoritarismo para a nova ordem institucional, em formação. Ver, a respeito da relação entre
intervenção do Estado e controle das políticas públicas, F. Lehner e K. Schubert, "Party
r
j
tos incontroláveis de insatisfações e frus-
trações, que reduzem drasticamente os
limites de sua legitimidade. Os constran-
processar as pressões derivadas desse
quadro heterogêneo, adquirindo, assim,
Govemment and the Control of Public Policy", European loumal 0/ Polítical Research, n.12, bases mais sólidas para sua legitimidade,
1984, pp. 131-46. gimentos externos e os impulsos internos que o capacite a intervir de forma mais
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J
eficaz na redução das disparidades e na Todo processo de mudança de re- zindo sobrecarga na agenda prática do nalizados elegitimosde mediação e arbi-
integração da ordem social. gime implica, em maior ou menor grau, Estado. tragem. Os riscos de crises institucionais
O objetivo deste artigo é anali6ar descontinuidades e desajustes entre a Contudo, as próprias dificuldades cíclicas permanecem altos e pratica-
alguns componentes desse dilema, espe- composição de forças que promove o políticas, a serem contornadas com tem- mente inevitáveis. Este é um problema
ciflcamente no que diz respeito ao arran- trânsito imediato entre a velha e a nova po e habilidade, reduzem a capacidade sério, que tem raízes históricas, e que
jo constitucional que regula o exercício ordem e o conjunto de forças políticas de formulação de programa positivo e requer soluções de curto prazo - para o
da autoridade política e define as regras que efetivamente conduzirá a (re )cons- seletivo que condicione politicamente a período de trabalho constituinte - e de
para resolução de conflitos oriundos da trução institucional. Além disso, a pró- administração dos negócios públicos às longo prazo, através de inovações
diversidade das bases sociais de susten- pria mudança excita as expectativas de novas prioridades. Até porque, a desar- constitucionais, de responsabilidade da
tação política do governo e dos dife- todos que se sentiam lesados no período ticulação progressiva da institucionali- Assembléia Nacional Constituinte. 3
rentes processos de representação. O anterior, suscita a esperança de mudan- dade autoritária incorpora novas forças A probabilidade de acumulação de
conflito entre o Executivo e o Legislati-
vo tem sido elemento historicamente
ças, sem a consciência clara de que a • ao processo decisório, sem que já este- conflitos em múltiplas dimensões, preca-
comunhão de princípios políticos não as- jam em pleno funcionamento os novos riamente contidos pelo pacto mais gené-
crítico para a estabilidade democrática segura, nem contém necessariamente, mecanismos de processamento e seleção rico de transição democrática - que foi
no Brasil, em grande medida por causa elementos de consenso sobre as políticas institucionalizada de interesses, ajusta- brevemente revigorado durante o perío-
dos efeitos da fragmentação na composi- concretas e as soluções a serem imple- dos às novas diretivas políticas e aos do de sucesso do Plano Cruzado-, bem
ção das forças políticas representadas no mentadas pelo novo governo, tampouco princípios democráticos de decisão e re- como de sucessão de ciclos de instabili-
Congresso e da agenda inflacionada de quanto à direção que se dará ao processo lacionamento social. Prevalece uma cer- dade, aumenta na proporção em que as
problemas e demandas imposta ao Exe- de mudança. ta informalidade pré-institucional nas energias da nova direção política (no Le-
cutivo. Este é um dos nexos fundamen- Adicionalmente, há uma contradi- transações políticas, superposta à conti- gislativo e no Executivo) são consumi-
tais do regime político e um dos eixos ção inexorável entre a necessidade práti- nuidade da gestão através de um apare- das na administração de crises. Além
essenciais da estabilidade institucional, ca de administrar o cotidiano, com ins- lho estatal marcado ainda pelas distor- disso, a contenção dos múltiplos focos
tema das seções seguintes.2 trumentos ainda do passado, e a imposi- ções produzidas pelas regras burocráti- setoriais de antagonismo, que emergi-
ção política e moral da reforma político- co-autoritárias de direção PQlítica. rão, muito provavelmente, de forma
institucional, que requer, forçosamente, No plano político, é como se o go- quase endêmica, no governo e fora dele,
A CRISE INSTITUCIONAL planejamento e complexas negociações. verno precedesse o regime. A desgasta- entre os parceiros da Aliança Democrá-
As pressões da conjuntura, associa- da e ilegítima emenda constitucional, tica e no interior dos próprios partidos,
A transição, inaugurada com a ins- das à persistência da crise econômico- que regulou o antigo regime, tem seu pode desgastar rapidamente a liderança
talação da Nova República, correspon- social, exigem pronta ação governamen- espaço de vigência definido pela conve- da coalizão. Vem daí a necessidade de
deu ao esgotamento do modelo político tal. Mas a solução - se obtida dos niência política e administrativa. Deixa, rápida institucionalização de procedi-
anterior e à falência do conjunto das problemas do dia é garantia insuficiente portanto, um amplo vazio constitucional mentos de negociação e resolução de
instituições específlcas do regime autori- de estabilidade e paz social mais perma- no que se refere à regulação do campo conflitos que evitem que todas as crises
tário. Vivemos, em função do quadro nentes. A instauração de uma nova or- jurídico-político. Mais ainda: é ineficaz desemboquem nas lideranças e, sobre-
econômico-social e da derrocada da ve- dem libera demandas antes reprimidas, na definição do escopo de autonomia e tudo, na Presidência.
lha ordem; uma situação de alta propen- que se somam àquelas já inscritas na interdependência dos poderes. A insta- Não são apenas o arcabouço consti-
são à instabilidade. pauta decisória, mas inatendidas, produ- lação da Assembléia Nacional Consti- tucional, o sistema político e a estrutura
tuinte exacerba os problemas oriundos estatal que se encontram em transição,
dessa fluidez institucional, reavivando na qual convivem elementos não-
2 Para uma análise mais detalhada das características sócio-econômicas do processo de desenvolvi-
mento brasileiro e suas implicações institucionais, ver Sérgio H.H. Abranches, "A Recuperação os conflitos entre Legislativo e Executi- residuais do antigo regime e novos prin-
Democrática: Dilemas Políticos e Institucionais", Estudos Econômicos, vol. 15, n.3, 1985, pp. vo, os quais se processam sem limites cípios, que amadurecerão no território
443-63, trabalho que o presente atualiza e aprofunda no que diz respeito ao argumento político- definidos e amplamente compartilhados da república democratizada. Também a
institucional. A preseJ,lte análise não pretende ajudar a elucidar todo o dilema institucional e na ausência de mecanismos institucio- estrutura geral de organização e repre-
brasileiro, mas apenas seu componente político e, especificamente, aquele associado ao regime
constitucional de governo. Há, evidentemente, outros elementos políticos importantes na sua
determinação, sobretudo aqueles que se referem ao corporativismo não-consociacional e ao Para uma análise mais detalhada desse processo de "desinstitucionalização", que institui um
controle democrático das políticas públicas. Como há, também, os componentes sociais e econõ- governo sem regime, e seus efeitos politicos, ver meu artigo"A Busca de Nova Institucionalidade
Ioicos deste dilema institucional, que merecem tratamento em separado. Democrática(?)", Cadernos de Conjuntura, n.3, Iuperj, Rio de Janeiro, dezembro de 1985.
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sentação de interesses sociais encontra- pela coexistência, nem sempre pacífica, nais das 17 democracias mais estáveis e - têm mais de três partidos com repre-
se em fluxo, requerendo um ancoradou- de elementos institucionais que, em relevantes do após-guerra e do Brasil, sentação superior a 5% na câmara popu-
ro institucional mais legítimo, mais mo- conjunto, produzem certos efeitos re- em distintos momentos. Pode-se verifi- lar e outros três países possuem pelo
derno e mais aberto. correntes e, não raro, desestabiliza- car que o Brasil compartilha, com a
Soluções estáveis para a crise eco- dores. Constituem o que se poderia clas- menos três partidos nesta condição (o
maioria, vários elementos: mais da me-
nômico-social não dependem apenas de sificar, com acerto, as bases de nossa tade desse grupo de países (9/17) adota o número médio de partidos, para o
medidas macroeconômicas consisten- tradição republicana: o presidencialis- sistema proporcional de representação conjunto, é 4). Apenas os Estados Uni-
tes. Requerem, concomitantemente, mo, o federalismo, o bicameralismo, o parlamentar; a maioria (13/17) tem dos, a Inglaterra e a Nova Zelândia são
uma reforma organizacional do Estado multipartidarismo e a representação parlamentos bicamerais; 70% - (12/17) sistemas bipartidários, por este critério.
que estabeleça nexos mais sólidos com a proporcional. Seria ingênuo imaginar
sociedade; a criação de espaços para for- que este arranjo político-institucional se Tabela 1
mulação de ações concertadas; a recupe- tenha firmado arbitrária ou fortuita- Características Institucionais das PrIncipais Democracias Ocidentais e do BrasU (1946-1;4)
ração da estrutura e da capacidade de mente ao longo de nossa história. Na (Dados referentes aos outros países -1970's)
planejamento. Estas mudanças no qua- verdade, expressa necessidades e
dro administrativo e organizacional do contradições, de natureza social, econô- País Regime Eleitoral1 EStrutura do Forma de N? Partidos2 % Grandes
Estado, associadas a novas regras insti- mica, política e cultural, que identificam Parlamento1 Governo +5%
tucionalizadas de convivência entre os histórica e estruturalmente o processo
Alemanha Místo(Prop. Maj.) Bicameral Pariam. 03 28
agentes econômicos e o governo, são de nossa formação social. Tais caracte- Austrália Ma joritári04 Bicameral Pariam. 03 00
factíveis antes mesmo da definição, pela rísticas compõem uma ordem política Áustria Proporcional Bicameral Pariam. 03 19
Constituinte, do novo regime. que guarda certas singularidades impor- Bélgica Proporcional Bicameral Pariam. 06 16
Existem, entretanto, elementos dé tantes no que diz respeito à estabilidade Canadá Maj. Distrital Bicameral Pariam. 04 00
Dinamarca Proporcional Unicameral Pariam. 05
nosso dilema institucional que só pode- institucional de longo prazo, sobretudo 00
EUA Maj. Distrital Bicameral Preso 02 00
rão ser equacionados pelo processo quando analisadas à luz das transforma- Finlândia Proporcional Unicameral Pres. s 06 42
constituinte e que se encontram no ções sociais por que passou o País nas França Maj. Distrital Bicameral Pariam. 04 74
caminho critico da estabilidade demo- últimas quatro décadas, do grau de hete- Holanda Proporcional Bicameral Pariam. 07 49
crática de nosso País. rogeneidade estrutural de nossa socie- Itália Proporcional Bicameral Pariam. 05 43
Japão Maj. Distrital6 Bicameral Pariam. 04 20
dade e da decorrente propensão ao Noruega Proporcional Bicameral Pariam. 05 00
REGIMES DEMOCRÁTICOS E conflito. N. Zelândia Maj. Distrital Unicameral Pariam. 02 00
REPRESENTAÇÃO DE INTERESSES Estas singularidades aparecem mais Inglaterra Maj. Distrital Bicameral Pariam. 02 13
nitidamente quando confrontadas com Suécia Proporcional Bicameral Pariam. OS 00
Suíça? Proporcional Bicameral Colegiado 05 74
A ordem institucional da Nova Re- outros modelos de organização demo- Brasil (1946) Proporcional Bicameral Pres. 05 80
.pública só será definida, no plano ma- crática. Toda comparação tem algo de Brasil (1986) Proporcional Bicameral Pres. 04
cropolítico, com a nova Constituição. arbitrário. Querer aplicar regras de or- % Proporcional 69%
No entremeio, aplicam-se, seletiva- ganização observadas em outras forma- % Distrital 41%
mente, dispositivos preexistentes e for- ções sociais, com história e estruturas % Bicameral 88%
% Pariam. 88%
talece-se aquela tendência, já referida, à diversas, corresponderia a um exercício Média N? Partidos 04
informalidade de acordos e regras, que de engenharia institucional artificial e 14
pode e deve ser compensada por mudan- exótico. Mas a observação de experiên-
ças institucionais e organizacionais de cias distintas pode tomar mais saliente 1. Fonte: V. Herman e F. Mendel, ParlíamenlS ofthe World, Londres, MacMillan, 1977.
curto prazo. Mas será a defmição de aquilo que já temos em comum com ou- 2. Fonte: T. Mackie e R. Rose, The lnternational Almanae of Eleetoral History, Nova Iorque, Free
Press, 1974.
uma institucionalidade de longo prazo tras democracias e o que há de específico 3. Fonte: A. Lijphart, "Power-Sharing versus Majority Rule ... ", QP. cit.
que determinará as possibilidades de e problemático em nossa vivência, esti- 4. O sistema australiano é majoritário por transferência simples.
evolução democrática mais estável do mulando a busca de soluções a ela apro- 5. Presidencialista, mas o parlamento pode demitir o gabinete.
País. priadas. 6. Regime majoritário, mas com distritos plurinominais.
7. O Executivo é composto por um Conselho Federal, de sete membros, eleitos pelo parlamento. O
A dinâmica macropolítica brasilei- A Tabela 1 apresenta um sumário presidente e vice-presidente são escolhidos entre os sete, para mandatos de um ano. Inexiste o voto de
ra tem se caracterizado, historicamente, das principais características institucio- desconfiança.
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o Brasil praticou o modelo presi- ciedade que tenham identidade e prefe- Caso polar é a Holanda, de multi- com efetiva representação parlamentar.
dencialista, federativo, proporcional e rências específicas. Os sistemas propor- partidarismo exacerbado: sete partidos Assim, a garantia de representação a
multipartidário ao longo da República cionais ajustam-se melhor à diversi- tinham representação superior a 5% na minorias significativas não determina,
de 1946 e retornou a ele com a Nova dade, permitindo admitir à representa- Tweede Kamer, a câmara popular, em necessariamente, a inviabilidade de
República. Na Assembléia Nacional ção a maioria desses segmentos signifi- 1970. Mais de 15 partidos disputaram maiorias estáveis, embora implique,
cativos da população e, ao mesmo tem- aquelas eleições. Destes, três obtiveram com freqüência, a necessidade de coali-
Constituinte, existem quatro partidos
com mais de 5% de cadeiras na Câmara, po, coibir a proliferação artificial de le- •
! 10% ou mais dos votos o Católico zões governamentais.
tornando o nosso multipartidarismo ri- gendas, criadas para fins puramente Popular (17,7% ), o Trabalhista (27,3 % ) Novamente o exemplo polar da Ho-
gorosamente médio e desmentindo a eleitorais e sem maior relevância sócio- eo Liberal (14;4% )-, votação que lhes landa é elucidativo a respeito: o número
preocupação exagerada, hoje corrente, política. assegurou, respectivamente, 18, 28,7 e de partidos com representação parla-
com a "proliferação excessiva de par- Alguns exemplos permitem ilustrar 14,7% das cadeiras na Tweede Kamer. mentar efetiva representa menos da me-
tidos" . melhor este raciocínio. A Inglaterra Outros três partidos obtiveram entre 5 e tade do número de partidos eleitorais.
Por que exagerada? Em primeiro (Reino Unido) aparece na Tabela 1 co- 10% dos votos o Radical (5%), o Por outro lado, os dados da Tabela 1
lugar, porque o próprio sistema eleitoral mo um sistema bipartidário: apenas os Anti-Revolucionário (8,8%) e a União mostram que, apesar de ser grande o
atua como regulador desse processo, in- partidos Conservador e Trabalhista têm Cristã Histórica (5%) - , que se traduzi- número de partidos com expressão
centivando ou desincentivando a forma- conseguido, nas últimas décadas, obter ram em 4,7, 9,3 e 4,7% das cadeiras, parlamentar, apenas 49% dos governos,
ção de partidos, na medida em que torna mais de 5% das cadeiras na House of respectivamente. no após-guerra, constituiram-se com
os custos, em votos, proibitivos para pe- Commons. Entretanto, nas sete eleições Enquanto o regime inglês de repre- base em grandes coalizões. A França,
quenas legendas de ocasião. A regra de realizadas entre 1950 e 1970, pelo menos sentação apresenta um forte potencial por exemplo, um sistema majoritário-
cálculo do quociente partidário e o modo sete partidos disputaram cadeiras parla- de exclusão de minorias significativas, distrital, com quatro partidos controlan-
de distribuição de sobras são mais efi- mentares. A maioria dos pequenos par- o holandês reflete aproximadamente o do mais de 5% das cadeiras na câmara
cientes, nesse sentido, que qualquer tidos é de base regional, como o Nacio- pluralismo existente na sociedade e o popular, teve 74% de seus governos ba-
coerção legal. nalista Irlandês. Dois são partidos na- conseqüente perfil de preferências. Este seados em grandes coalizões.
Evidentemente, não é por acaso cionais, com identidade programática potencial de exclusão, em situações de Para as 17 democracias incluídas na
que uma determinada sociedade apre- própria e longa tradição na história polí- maior heterogeneidade social, pode Tabela 1, verifica-se que o número mé-
senta tendência ao multipartidarismo - . tica do país: o Liberal e o Comunista. Os transformar-se em sério risco à estabili- dio de partidos parlamentares é 4 (a me-
moderado ou exacerbado. O determi- comunistas disputam as eleições regu- dade da ordem política, anulando a sua diana é 5), com uma variação que tem
nante básico dessa inclinação ao fracio- larmente desde 1922, embora com pe- aparente superioridade, que seria, se- como limite inferior os sistemas biparti-
namento partidário é a própria plurali- quena expressão eleitoral; os liberais, gundo alguns autores, a produção de dários e, como limite superior, o multi-
dade social, regional e cultural. O siste- desde 1885, já tendo sido majoritários maiorias estáveis. Se essas maiorias fo- partidarismo holandês, com seus sete
ma de representação, para obter legiti- em várias legislaturas, em décadas pas- rem muito artificiais, resultado da regra partidos parlamentares. Já o quadro
midade, deve ajustar-se aos graus irre- sadas. No período referido, a votação do de representação e não das escolhas elei- partidário-eleitoral é bastante distinto:
dutíveis de heterogeneidade, para não Partido Liberal variou entre 2,6 e torais, dificilmente contribuirão para a o número de partidos que disputam as
incorrer em riscos elevados de deslegi- 11,2%; em cinco das sete eleições men- legitimidade do sistema de represen- eleições varia de 2 a 15 e o número mé-
timação, ao deixar segmentos sociais cionadas, foi superior a 5%. No entanto, tação. dio de partidos eleitorais é 7. Em suma,
significativos sem representação ade- a representação parlamentar dos libe- A segunda razão pela qual a preo- a própria dinâmica eleitoral contém ele-
quada. rais variou, no mesmo período, de um cupação com a proliferação de partidos mentos de auto-regulação que reduzem
Os sistemas majoritários, embora mínimo de 1% a um máximo de 1,9%, é exagerada refere-se ao fato de que os a fragmentação parlamentar, em rela-
admitam o multipartidarismo no plano tornando-o um partido inefetivo no pla- regimes proporcionais, mesmo quando ção à fragmentação eleitoral.
eleitoral, reduzem fortemente as possi- no parlamentar. No período Thatcher, a adotam critérios de transformação de Além disso, a capacidade de formar
bilidades de equilíbrio pluripartidário votação do Partido Liberal ampliou-se, votos em cadeiras que promovem a maiorias estáveis e a necessidade de re-
no plano parlamentar., Em ambientes atingindo a casa dos 20-25% dos votos. máxima proporcionalidade e não desin- correr a coalizões não são exclusiva-
sociais plurais, tendem a estreitar exces- Entretanto, sua representação parla- centivam a fragmentação partidária, mente determinadas pela regra de re-
sivamente as faixas de representação, mentar persistiu fortemente defasada apresentam diferenças ponderáveis presentação, nem pelo número de parti-
com o risco de simplificar as clivagens e em relação à sua posição nas escolhas entre o número de partidos que dispu- dos, mas também pelo perfil social dos
excluir da representação setores da so- populares. tam as eleições e o número de partidos interesses, pelo grau de heterogenei-
12 13
dade e pluralidade na sociedade e por e freqüência bastante menores que as ainda mais a preocupação com a alegada ção, torna-se mais fácil compreender o
fatores culturais, regionais e lingüísti- observadas no caso brasileiro. Nas elei- exacerbação de nosso multi partida- efeito do fracionamento parlamentar e
cos, entre outros, que não são passíveis ções francesas de 1967 e 1968, coligações rísmo. seu significado na análise do "grau de
de anulação pela via do fegime de repre- eleitorais obtiveram 35,3 e 28,7% dos A Tabela 2 apresenta algumas me- multipartidarismo". Observa-se que os
sentação. Ao contrário, a tentativa de. votos e 34,5 e 18,7% das cadeiras, res- didas de concentração ou dispersão da sistemas bipartidários reais aqui analisa-
controlar a pluralidade, reduzindo arti- pectivamente. Na Itália, em 1968, coli- força dos partidos nas câmaras popu- dos apresentam, efetivamente, tanto ín-
ficialmente o número de partidos repre- gações capturaram 14,5% dos votos e lares, o que permite avaliar mais fina- dices de fracionamento próximos a 0,50,
sentados no parlamento e aumentando 14,4% das cadeiras. Finalmente, no Ja- mente a questão da formação de maio- quanto relativo equilíbrio de forças
as distorções distributivas na relação vo- pão, em 1958, alianças eleitorais parla- rias. A primeira coluna apresenta o ín- entre os dois partidos efetivos no parla-
to/cadeira, pode tornar-se um forte ele- mentares conseguiram 33% dos votos e dice de fracionamento partidário nomi- mento (IC e ICA). Apenas para ilustrar,
mento de deslegitimação e instabili- 35% das cadeiras. Mas, neste particular, nal de Rae. 5 Apesar da terminologia, a proporção de cadeiras do segundo par-
de fato, o Brasil destaca-se como des-
dade.
Nesta visão mais relativizada dos
limites e possibilidades dos regimes de
viante. Coligações e alianças represen-
tam a exceção, não a regra, naquelas
°
este índice é de fácil compreensão: varia tido na Inglaterra era de 46%.
de ai, ou seja, da concentração abso-
luta das cadeiras, em um sistema unipar- Os sistemas tripartidários apresen-
democracias, enquanto no Brasil, a par- tam índices de fracionamento entre 0,55
representação partidário-eleitoral em tidário, à dispersão extrema, na verdade
tir de 1950, passaram, progressiva- e 0,60. Todos os três são, de fato, casos
democracias estáveis, o caso brasileiro irrealizável na prática, em que cada ca-
mente, a constituir a regra. Basta verifi- limítrofes, que apresentam altos índices
não apresenta desvios notáveis. Ne- deira corresponderia a um partido dife-
car que, em 1950, alianças e coligações de concentração, similares aos dos siste-
nhum momento de sua história parla- rente e o índice atingiria a unidade. Um
receberam 20% dos votos e em 1962 este mas bipartidários. Na Áustria, por
mentar entre 1946 e 1964, nem na Nova sistema bipartidário perfeito (FP =
percentual atingiu quase 50%. 4 exemplo, o índice de concentração de
República, caracteriza-se pela exacer- 0,50) seria considerado o ponto de dis-
cadeiras pelos dois maiores partidos
bação do multipartidarismo no Con- É possível perceber, até intuitiva- persão (ou fracionamento) intermediá-
'(ICA) é de 0,95, restando, portanto, ao
gresso. mente, que a possibilidade de alianças e rio e os sistemas multipartidáríos ocupa-
terceiro partido, apenas 5% das cadei-
Um traço da legislação eleitoral coligações amplia adicionalmente o riam o continuum a partir de, aproxima-
ras. Este índice é de 0,98 para a Inglater-
brasileira não analisado neste trabalho, campo de escolhas eleitorais, elevando a damente,0,55.
ra. A Austrália, embora apresente um
que tem merecido a atenção dos analis- fragmentação partidária, na medida em O Quadro 1 apresenta as três medi-
índice de concentração mais elevado pa-
tas, refere-se à possibilidade de coliga- que não apenas garante a sobrevivência das mais elucidativas da Tabela 2, distri-
ra o maior partido, apresenta maior dis-
ções eleitorais. De fato, por razões le- parlamentar de partidos de baixa densi- buídas de acordo com uma classificação
persão entre os outros dois, o que faz
gais ou desincentivos embutidos nos sis- dade eleitoral, mas também multiplica dos sistemas partidário-parlamentares:
com que o índice de concentração acu-
temas eleitorais, as coligações são pouco as possibilidades de escolha além das os índices de fracionamento partidário-
mulado caia para 0,84 - ainda muito
freqüentes nas democracias constantes fronteiras das legendas partidárias. Este parlamentar (FP), de concentra~ão de alto quando comparado aos dos sistemas
da Tabela 1. Certamente, a ampliação problema será reexaminado mais cadeiras pelo maior partido (IC) e de
multipartidários.
das coligações, como ocorreu nas elei- adiante, quando da análise daquilo que concentração de cadeiras pelos dois
ções de fins da década de 50 e início dos diferencia a experiência institucional maiores partidos (ICA). FP é forte e O primeiro grupo de democracias
anos 60, no Brasil, subverte o quadro brasileira das experiências democráticas negativamente correlacionado com os multipartidárias é constituído por
partidário, confundindo o alinhamento que lograram estabilidade e maturi- outros dois, na medida em que são todos aqueles países que têm quatro partidos
entre legendas e contaminando as iden- dade. O importante a considerar é que, I medidas de concentração (R de Pearson com representação parlamentar igualou
tidades partidárias. Esta é uma caracte- .t, = - 0,92 e - 0,94, e R de Spearman =
mesmo com a alta incidência de alianças superior a 5%. Aí se incluem duas le-
rística distintiva do modelo brasileiro e coligações eleitorais, uma vez recom- - 0,91 e - 0,97, respectivamente). gislaturas brasileiras do período pré-64 e
em comparação com as democracias posto o alinhamento partidário, no pla- Conjuntamente, descrevem o perfil de a Assembléia Nacional Constituinte. Há
"maduras". Dos 17 países aqui contem- no parlamentar, o Brasil não apresenta distribuição de cadeiras na câmara po- dois casos desviantes neste grupo. O pri-
plados, apenas três apresentam alguma índices de fracionamento muito des- pular. A classificação dos sistemas ba- meiro é o da França que, embora tenha
incidência de coligações eleitorais para a toantes daqueles observados nas demo- seou-se no número de partidos com mais quatro partidos com pelo menos 5% das
câmara popular, porém com intensidade cracias proporcionais, o que qualifica de 5% de cadeiras. Com esta apresenta- cadeiras na Assemblée Nationale, apre-
4 Para uma análise das alianças e coligações no Brasil e correspondentes referências bibliográficas, 5 Para maiores detalhes, cf. D. Rae, The Political Consequences of Electoral Laws, New Haven,
ver Olavo Brasil de Lima Junior, Os Partidos Polfticos Brasileiros, Rio de Janeiro, Graal. 1983. Yale University Press, 1967.
14 15
senta um índice de fragmentação corres· democracias bipartidárias do Quadro 1. 1968 era um sistema multipartidário pe. Quadro 1
culiar. caracterizado pela hegemonia Fradooamento Parlamentar em Democracias
pondente a um sistema bipartidário Examinando·se os índices de concentra· Seledonadas
concentrado e inferior aos índices das ção, verifica-se que, de fato, a França de dos gaullistas, que concentravam 76%
das cadeiras da Assembléia. Não por Sistemas Bipartiddrios" FP IC ICA
acaso, um sistema em crise. Contudo,
em anos anteriores, o sistema multi par· Nova Zelândia 0,47 0,63 1,0
~
Tabela 2 tidário francês apresentáva índices intei· Inglaterra 0,52 0,52 0,98
ramente compatíveis com os dos outros Sistemas Tripartiddrios
ÍDdices de Fracionalização Parlamentar, Coneentraçio, Oposição e Grandes Coalizões para Democradas sistemas multipartidários com fraciona·
Seledonadas (1970's) e Brasil (45, 50, 54, 58, 62 e 87) mento médio. O índice de fracionamen· Austrália 0,59 0,54 0,84
to parlamentar (FP) da Assemblée Na· Alemanha 0,57 0,46 0,91
~
Áustria 0,55 0,51 0,95
fiana/e, em 1967, por exemplo, era de
Países FP IC 10 ICA GR.COAL. 0,66, e o índice de concentração (IC), de Sistemas Multipartidários
0,49. com Fracionamento Médio
Dinamarca 0,75 0,40 0,60 0,58 Canadá 0,65 0,41 0,81
°°
Austrália 0,59 0,54 0,46 0,84
O segundo caso desviante é o do França 0,42 0,74 0,86
Alemanha 0,57 0,46 0,54 0,91 28 Brasil, na legislatura de 1951, que apre- Japão 0,63 0,55 0,79
Áustria 0,55 0,51 0,49 0,95 19 senta um índice de fracionamento parla- Brasil (1946) 0,64 0,53 0,80
Bélgica 0,78 0,32 0,68 0,61 16 mentar mais elevado, característico de Brasil (1951) 0,76 0,37 0,64
Canadá 0,65 0,41 0,59 0,81 Brasil (1986) 0,65 0,53 0,77
Fmlândia
França
0,82
0,42
0,27
0,74
0,73
0,26
0,45
0,86
°
42
74
sistemas multipartidários com fraciona-
mento mediano. Novamente, encontra· Sistemas Multipartidários
Itália 0,72 0,42 0,58 0,70 43 se a explicação nos índices de concentra- com Fracionamento Mediano
Holanda 0,84 0,29 0,71 0,46 49 ção. O maior partido concentrava uma Dinamarca 0,75 0,40 0,58
Japão 0,63 0,55 0,45 0,79 20 proporção relativamente pequena das
Noruega 0,72 Bélgica 0,78 0,32 0,61
0,49 0,51 0,62
N. Zelândia
Inglaterra
0,47
0,52
0,63
0,52
0,37
0,48
1,00
0,98
°
O
13
cadeiras (IC = 0,37) e havia um relativo
equih'brio entre os três maiores (PSD,
Itália
Noruega
0,72
0,72
0,42
0,49
0,70
0,62
Suécia 0,70 0,47 0,67
Suécia 0,70 0,47 0,53 0,67 O UDN e PTB): a diferença na proporção Suíça
Suíça 0,82 0,24 0,76 0,47 74 0,82 0,24 0,47
de cadeiras do primeiro para o segundo Brasil (1955) 0,78 0,35 0,58
Brasil 45 0,64 0,53 0,47 0,80 80"
Brasil 50 0,76 0,37 0,63 0,64
e do segundo para o primeiro era de 10 Brasil (1959) 0,78 0,35 0,56
Brasil 54 0,78 0,35 0,65 0,58 pontos percentuais. Esta "concentração Brasil (1963) 0,78 0,29 0,57
Brasil 58 0,78 0,35 0,65 0,56 -competitiva" determinava, de um lado, Sistemas Multipartidários
Brasil 62 0,78 0,29 0,71 0,57 a maior dispersão do poder parlamentar com Alto Fraciomimento
Brasil 87 0,65 0,53 0,47 0,77 ** entre os três partidos e, de outro, uma
acentuada distância entre estes e os par· Finlândia 0,82 0,27 0,45
Holanda 0,84 0,29 0,46
Fontes: Lúcia Hippolito, De Raposas e Reformistas ... , op. cit., e T. Mackie e R. Rose, The lnternational tidos menores, estabilizando a represen-
Almanac... , op. cit.; os índices foram desenvolvidos por D. Rae. The PQlitical Consequences... , op. cito tação efetiva em quatro partidos. Isto Fonte: lnternational Almanac... , op. cito
tornava, porém, a legislatura de 1951 • Os critérios utilizados para a classificação do
FP - Fracionalização Parlamentar.
um sistema partidário-parlamentar de Quadro 1 foram os seguintes: sistemas bipartí-
IC índice de Concentração de Cadeiras pelo Maior Partido: proporção de cadeiras obtidas pelo maior transição, indicando o movimento na di· dários - dois partidos com mais de 5% na cá-
partido. mara popular; tripartidários - três partidos
reção da consolidação de um quadro com mais de 5%; multipartidários com fraciona-
10 Índice de Oposição. multipartidário com cinco partidos mento médio quatro partidos com mais de
lCA - Índice de Concentração de Cadeiras Acumuladas pelos Dois Maiores Partidos: soma da propor- parlamentares efetivos. De fato, as le- 5% (este é o número médio de partidos efetivos
í,
ção de cadeiras obtidas pelos dois maiores partidos. gislaturas seguintes, de 1955, 1959 e da amostra); com fracionamento mediano -
1963, fazem parte do conjunto de siste- cinco partidos com mais de 5% (esta é a media-
* No período 1946-64, 80% dos governos foram grandes coalizões na do número de partidos da amostra); com alto
** O governo atual corresponde a uma grande coalizão, mas atribuir-lhe um percentual careceria de
mas multipartidários com fracionamen· fracionamento - seis ou mais partidos com
sentido. to mediano. mais de 5%.
16 17
Estes constituem o segundo bloco cinco partidos parlamentares efetivos l' também por pressões subjacentes que Norte, que, aliás, tem recebido freqüen-
de democracias multipartidárias, aque- o poder parlamentar dividido entre os apontam para um provável reali- temente, por parte dos analistas, a deno-
las que, juntamente com as que apresen- três maiores. Essa estabilização é indica- nhamento das forças partidárias. Poder- minação de "presidencialismo impe-
tam sistemas com alto fracionamento, da pela regularidade do índice de fracio- se-ia esperar que, se não forem alteradas rial". A França de De GauHe foi forte-
caracterizam-se por graus elevados de namento (0,78) nas três últimas legisla- as regras de representação proporcio- mente presidencialista, mas trata-se de
heterogeneidade ou pluralismo social turas. As duas primeiras apresentam-se nal, o novo sistema partidário brasileiro uma forma mista, na qual o parlamento
as sociedades plurais. Seus sistemas como sistemas de transição: a primeira. torne-se um sistema multipartidário tem o poder de destituir o ministério. A
multipartidários e seus regimes propor- empolgada pela forte representação com fracionamento mediano. França da coabitação é parlamentarista
cionais respondem, efetivamente, a essa conferida ao Partido Social Democráti- Independéntemente dessa possibi- - o primeiro-ministro é o efetivo Chefe
pluralidade irredutível, e não por acaso co PSp, partido que assumira a lide- lidade, que apontaria para certas regula- do governo, embora o presidente rete-
a dinâmica democrática é consociacio- rança do processo de institucionalização ridades em nosso processo político, as- nha um feixe considerável de atribuições
nal na quase totalidade dos países aí da nova ordem; a segunda, refletindo a sentadas em características estruturais e poderes. A Finlândia é considerada,
incluídos. 6 Os índices de fracionamento rápida mudança no alinhamento parti- de nossa sociedade e em traços bastan- tecnicamente, regime de gabinete, pois
parlamentar desses sistemas variam dário, com o crescimento do PTB, que te fortes de nosso padrão político- seu presidencialismo é qualificado pelo
entre 0,70 e O,80. A Suíça é, claramente, representava os setores urbanos e mais institucional, pelo menos uma coisa é poder de dissolução do gabinete pelo
um caso limítrofe, que oscila entre o progressistas do movimento de institu- evidente: as peculiaridades institucio- parlamento. Finalmente, na Suíça não
fracionamento mediano e o alto, entre cionalização da democracia populista. A nais que compõem o nosso dilema políti- existe o voto de confiança, mas o Execu-
cinco e sete partidos parlamentares efe- última legislatura apresenta uma distri- co não dizem respeito ao nosso regime tivo é comandado por um Conselho Fe-
tivos (FP = 0,82 e IC = 0,24). Final- buição mais igualitária da representação de representação, nem ao nosso sistema deral, de sete membros, eleito pelo
mente, tem-se os dois casos de alto fra- entre os três maiores partidos, que se partidário; compartilhamos as princi- parlamento. O presidente e o vice-
cionamento, Finlândia e Holanda, com anuncia na queda do índice de concen- pais características de ambos com a presidente do Conselho são escolhidos
mais de cinco partidos parlamentares tração (lC) para 0,29/ maioria das democracias estáveis do entre seus membros, para mandatos
efetivos, índices de fracionamento Vale ainda mencionar, a esse res- mundo. anuais.
parlamentar superiores a 0,80 e índices peito, a proximidade dos índices obser- Mais significativo do que as seme- É nas combinações mais freqüentes
de concentração em torno de 0,30. vados para a atual Assembléia Nacional lhanças entre as experiências brasileiras entre características institucionais, e não
O Brasil, como se vê, não apresenta Constituinte e a primeira legislatura da e outros regimes democráticos talvez se- em sua presença isolada, que a lógica e a
qualquer desvio importante, neste parti- "República de 46": tanto o índice de ja aquilo que diferencia o modelo brasi- especificidade de cada modelo emer-
cular, em relação a várias - na verdade fracionamento parlamentar quanto os leiro - traços até agora permanentes de gem. É também aí que se revela a na-
a maioria - das democracias estáveis do índices de concentração atingem valores nossa organização, nos ciclos democráti- tureza do regime até agora praticado
Ocidente. Tem um sistema multiparti- muito próximos. Não pretendo retirar cos, e que persistiram, com as distorções no Brasil. Não existe, nas liberais-de-
dário, com fracionamento parlamentar conclusões a respeito dessa coincidên- inevitáveis, nos períodos autoritários. mocracias mais estáveis, um só exem-
entre o médio e o mediano, índices em cia, mas creio ser razoável considerar a plo de associação entre representação
nada dessemelhantes àqueles observa- possibilidade de que, agora, como PRESIDENCIALISMO DE proporcional, multipartidarismo e presi-
dos em vários países que gozam de esta- antes, o sistema partidário-parlamentar COALIZÃO:
dencialismo. A França da V República,
bilidade democrática e alta legitimi- que emerge do processo de transição e A ESPECIFICIDADE 00 MODELO que já teve seu período de inclinação
dade. inaugura o processo de institucionaliza- BRASILEIRO presidencialista, é, como se viu, um re-
O exame do que ocorreu no perío- ção democrática, após prolongado ciclo gime misto, de representação majoritá-
do 1946-64 indica uma trajetória bas- autoritário, é, ele mesmo, de transição. A primeira característica que marca ria-distrital e multipartidário com fra-
tante clara na direção da consolidação Caracteriza-se pela forte representação a especificidade do modelo brasileiro, cionamento médio. O sistema dos EUA
de um sistema multipartidário, com fra- de um só partido, identificado com a no conjunto das democracias aqui anali- é presidencialista; bipartidário e majori-
cionamento parlamentar mediano, com liderança mesma desse processo, como sadas, é o presidencialismo. A gran- tário-distrital. As democracias propor-
de maioria (76% : 13/17) dos regimes cionais são todas multipartidárias e
6 Sobre as democracias consociacionais, ver A. Lijphart, The Politics 01 Accommodarion, Berke- liberais-democráticos do após-guerra parlamentaristas, com as duas exceções
ley, University of California Press, 1968, e "Consociational Democracy", World Politics, vol. é parlamentarista. Na verdade, a única mencionadas da Suíça e da Finlândia,
XXI, n.2, 1969.
1 Sobre a evolução e o desempenho da "República de 46", ver Wanderley Guilherme dos Santos, democracia puramente presidencialista elas mesmas constituindo modelos com
Crise e Castigo. São Paulo, Vértice, 1987. é a dos Estados Unidos da América do razoável grau de especificidade.
18 19
Essa composição de regimes, pela heterogeneidade interna. Observe-se, um só partido majoritário. Essa correla- mente a grandes coalizões, um, a Fran-
agregação de suas principais regras insti- também, que são sociedades com maior ção entre fragmentação partidária, di- ça, tem regime majoritário-distrital,
tucionais de representação e controle, já grau de pluralismo e diferenciação versidade social e maior probabilidade parlamentarista, e sistema multipartidá-
seria suficiente para esclarecer as varia- sociais. 8 São amplamente conhecidas as de grandes coalizões beira o truísmo. É rio com fracionamento médio. A Itália
ções mais importantes entre distintos clivagens culturais e religiosas que mar- nas sociedades mais divididas e mais tem regime proporcional, parlamenta-
modelos de democracia. Há, contudo, cam o panorama social holandês. 9 A conflitivas que a governabilidade e a es- rista, e sistema multipartidário com fra-
um elemento ligado ao funcionamento Finlândia é uma sociedade fortemente tabilidade institucional requerem a for- cionamento mediano. Holanda .e Fin-
macropolítico dessas democracias fragmentada, na fronteira entre a Euro- mação de alianças e maior capacidade lândia têm regimes proporcionais, siste-
portanto empírico - que as separa na pa Ocidental e a Eslávica, tendo sofrido de negociação. mas multipartidários com alto fraciona-
própria lógica de seu movimento. Trata- influências marcantes da Rússia e da Porém, muitas análises do caso bra- mento, mas a primeira é parlamentarista
se da necessidade, mais ou menos fre- Suécia e apresentando importantes divi- sileiro e, sobretudo, a imagem que se e a outra presidencialista com controle
qüente, de recurso à coalizão interparti- sões sócio-culturais. 10 Não é menor a tem passado para a opinião pública do parlamentar sobre o gabinete. Se adicio-
dária para formação do Executivo (gabi- propensão ao conflito, derivada de hete- País é que nossas mazelas derivam todas namos os outros três casos de recurso
nete). A última coluna da Tabela 1 apre- rogeneidades na estrutura sócio-econô- de nosso sistema de representação e das "moderado" a grandes coalizões, a va-
senta a freqüência com que essas demo- mica, na ItáHall e na França. 12 Em am- fragilidades de nosso quadro partidário. riação se amplia ainda mais: a Alema-
cracias foram governadas por "grandes bos os países existem estruturas multi- O que fica claro, no entanto, é que nos- nha tem regime misto majoritário-
coalizões", nos períodos de 1918-40 e partidárias ideologicamente diferencia- sos problemas derivam muito mais da distrital/ proporcional, sistema triparti-
1945-70. Na última linha encontra-se a das e polarizadas. incapacidade de nossas elites em compa- dário e é parlamentarista. A Áustria, de
proporção de "grandes coalizões" no Três outros países apresentam mo- tibilizar nosso formato institucional com regime proporcional, é parlamentarista
Brasil, entre 1946 e 1964. Vale notar que derada incidência de grandes coalizões o perfil heterogêneo, plural, diferencia- e tripartidária. E, finalmente, o Japão,
o primeiro governo da Nova República (em torno de 20%): a Alemanha, o Ja- do e desigual de nossa ordem social. A de regime majoritário distrital, é parla-
instalou-se com base em uma grande pão e a Áustria. Alemanha e Áustria unidade lingüística, a hegemonia do ca- mentarista e tem sistema multipartidá-
coalizão e as alterações ministeriais já também caracterizam-se por clivagens tolicismo e a recusa ideológica em reco- rio com fracionamento médio. Ou seja,
promovidas pelo Presidente da Repúbli-' sociais ou regionais importantes. 13 O Ja- nhecer nossas diversidades e desigual- não há correlação entre características
ca mantêm a Aliança Democrática. Mas pão tem enfrentado dificuldades de dades raciais têm obscurecido ó fato de institucionais do regime e do sistema
seria precipitado atribuir alguma fre- compatibilizar efetivamente seu quadro que a sociedade brasileira é plural, mo- partidário e o recurso a grandes coali-
qüência a este período. institucional ocidentalizado e suas ca- vida por clivagens subjacentes pronun- zões. Aliás, tome-se como exemplo final
O que se pode verificar é que qua- racterísticas sócio-culturais mais per- ciadas e que não se resumem apenas à Inglaterra e Suécia. A primeira, de fato
tro países apresentam proporção signifi- manentes. 14 dimensão das classes sociais; têm impor- um sistema bipartidário quase perfeito
cativa de governos de coalizão (freqüên- A freqüência de coalizões reflete a tantes componentes sócio-culturais e re- no plano parlamentar, majoritária-
cia> 40%), abrangendo mais parceiros fragmentação partidário-eleitoral, por gionais. distrital, teve, no período analisado por
que o necessário para obter maioria. sua vez ancorada nas diferenciações só- As regras de representação e o sis- Lijphart, 13% de seus governos basea-
simples no parlamento. Evidentemente, cio-culturais; é improvável a emergência tema partidário expressam essa plurali- dos em grandes coalizões. A segunda,
essas coalizões são marcadas por maior sistemática de governos sustentados por dade; não a podem regular, simplifican- fortemente proporcional, com sistema
do-a ou homogeneizando aquilo que é multipartidário medianamente fracio-
estruturalmente heterogêneo. Basta ver nado, jamais recorreu a grandes coali-
8 Cf. A. Lilphart, "Power-Sharing versus Majority Rule: Patterus ofCabinet Formation in Twenty
Democracies", Govemment and Oppositíon, vol. 16, nA, 1981, pp. 395-413.
que as sociedades que precisam recorrer zões no período.
9 Cf. A. Lijphart, "The Netherlands: Continuity and Change in Voting 'áéhavior", in R. Rose, ed., a grandes coalizões apresentam impor- Apenas uma característica, associa-
Electoral Behavior: A Comparative Handbook, Nova Iorque, Free Press, 1974, pp. 227-71. tantes variações institucionais. Isto indi- da à experiência brasileira, ressalta co-
10 Cf. P. Pesonen, "Finland: Party Support in a Fragmented System", in R. Rose, ed., Electoral ca, precisamente, que a regra institucio- mo uma singularidade: o Brasil é o único
Behavior ... , op. cit., pp. 271-315. nal adapta-se à realidade social, garan- país que, além de combinar a proporcio-
11 Cf. S.H. Barnes, "Italy: Relígion and Qass in Electoral Behavior, in R. Rose, ed., Electoral
Behavíor ... , op. cit., 171-~27.
tindo, assim, a representatividade e a nalidade, o multipartidarismo e o "pre-
12 Cf. P. Converse, Polítical Representation in France, Cambridge, The Belknap Press, 1986. estabilidade da ordem política. sidencialismo imperial", organiza o
13 Cf., para o caso da Alemanha, D.W. Urwin, "Germany: Continuity and Change in Electoral O reexame dos dados até aqui apre- Executivo com base em grandes coali-
Politics", in R. Rose, ed., Electoral Behavior ... , op. cit., pp. 109-71. sentados ilustra essa afirmação. Dos zões. A esse traço peculiar da institucio-
14 Cf. R.A. Scalapino e J. Masumi, Parties and Politics in Contemporary Japan, Berkeley, Universi-
ty of California Press, 1962.
quatro países que recorreram freqüente- nalidade concreta brasileira chamarei, à
20 21
falta de melhor nome, "presidencialis- mo no eixo partidário-parlamentar, tor- Tabela 3
mo de coalizão", distinguindo-o dos re- na-se necessário que o governo procure Coalizões Partidárias no Executivo Brasileiro
Período 1946-641
gimes da Áustria e da Finlândia (e a controlar pelo menos a maioria qualifi-
França gaullista), tecnicamente parla- cada que lhe permita bloquear ou pro-
mentares, mas que poderiam ser deno- mover mudanças constitucionais.
Governo N?Partidos % Cadeiras % Cadeiras % Cadeiras N?Partidos
minados de "presidencialismo de gabi- A Tabela 3 ilustra bem o padrão de na Coalizão na C. D. no Senado no Congresso naCâmara2
nete" (uma não menos canhestra deno- coalizões governamentais na República
minação, formada por analogia com o de 46. O Brasil teve, no período, 13
termo inglês cabinet government). Fica ministérios diferentes, tomando-se por Dutra
evidente que a distinção se faz funda- critério alterações na composição do ga- I Ministério
De 01.46 a 10.46 03 87% 91% 86% 10 (04)
mentalmente entre um "presidencialis- binete que promoveram mudança na 11 Ministério
mo imperial", baseado na independên- ocupação de ministérios pelos diferentes De 10.46 a 03.50 03 82% 86% 81% 10 (04)
cia entre os poderes, se não na hegemo- partidos. Por este critério, por exemplo, III Ministério
nia do Executivo, e que organiza o mi- a presidência de Kubitschek teve apenas .De 03.50 a 01.51 02 64% 73% 64% 12 (06)
nistério como amplas coalizões, e um um ministério, embora tenha havido vá- Vargas
I Ministério
presidencialismo "mitigado" pelo rias mudanças de titulares de diferentes De 01.51 a 06.53 04 89% 91% 89% 12 (06)
controle parlamentar sobre o gabinete e pastas. Mas a substituição de ministros II Ministério
que também constitui este gabinete, manteve rigorosamente o controle parti- De 06.53 a 09.54 04 85% 89% 85% 12 (06)
eventual ou freqüentemente, através de dário original dos ministérios, alteran- Café Filho
grandes coalizões. o. Brasil retorna ao do-se apenas o estado de origem dos I Ministério
De 09.54 a 04.55 85% 91% 89% 12 (06)
04
conjunto das nações democráticas, sen- titulares. Observe-se que, em nenhum 11 Ministério
do o único casó de presidencialismo de caso, o governo sustentou-se em coali- De 04.55 a 11.55 05 82% 89% 80% 12 (06)
coalizão. zões mínimas. O caso mais próximo des- NereuRamos
De 11.55 a 01.56 68% 70% 67% 12 (06)
É preciso compreender melhor a ta situação foi o último ministério parla-
Kubitschek4
dinâmica do presidencialismo de coali- mentarista da presidência Goulart, tipi- De 01.56 a 01.61 04 68% 70% 67% 12 (06)
zão no Brasil. A Nova República repete camente um ministério de crise. As Quadros
a de 1946 que, por sua vez, provavel- coalizões controlavam, na quase totali- De 01.61 a 08.61 06 92% 91% 93% 12 (06)
mente manteve resquícios da República dade dos casos, larga maioria na Câma- Goulart
I MinistérioS
Velha, sobretudo no que diz respeito à ra, no Senado e no Congresso Na- De 09.61 a 07.62 05 83% 89% 86% 13 (05)
influência dos estados no governo fede- cional. II Ministério
ral, pela via da "política de governa- Dependendo da distribuição das ca- De 07.62 a 09.62 04 79% 87% 79% 13(05)
dores". A lógica de formação das coali- deiras parlamentares entre os partidos, III Ministério
zões tem, nitidamente, dois eixos: opaJ- pode tornar-se impraticável formar coa- De 09.62 a 01.63 03 56% 74% 59% 13 (05)
IV Ministério
tidário e o regional (estadual), hoje co- lizões mínimas. Se, por exemplo, a pro- De 01.63 a 06.63 05 85% 85% 85% 13 (05)
mo ontem. É isto que explica a recorrên- porção de cadeiras de um partido não V Ministério
cia de grandes coalizões, pois o cálculo for suficiente para alcançar a maioria De 06.63 a 04.64 04 63% 65% 63% 13 (05)
relativo à base de sustentação política do simples e a adição de qualquer outro
governo não é apenas partidário- partido ultrapassar esta marca, é inevi-
parlamentar, mas também regionaL tável a constituição de uma grande coali- Fonte: Lúcia Hippolito, De Raposas e Reformistas ... , op. cito
Adicionando-se à equação os efeitos po- zão, se o presidente considerar arrisca- Obs.:
líticos de nossa tradição constitucional, do, inconveniente ou mesmo inviável 1. Foram consideradas novas coalizões aquelas mudanças de ministério que atteraram a distribuição de
de constituições extensas, que extrava- governar com minoria. Não foi esta, po- ministérios entre os partidos.
sam o campo dos direitos fundamentais rém, a situação brasileira no período 2. Os valores entre parênteses correspondem aos partidos com mais de 3%.
3. As coalizões possíveis foram calculadas com base no número de partidos no ministério.
para incorporar privilégios e prerrogati- 1946-64. A última coluna da Tabela 3 4. Neste governo, não houve mudanças na distribuição de ministérios entre os partidos. Houve trocas
vas particulares, bem como' questões apresenta o número de coalizões míni- importantes de ministros dentro do mesmo partido e entre os estados.
substantivas, compreende-se que, mes- mas possíveis, em cada ministério, le- 5. Os três primeiros ministérios de Goulart foram parlamentaristas.
22 23
vando-se em conta apenas os partidos nAo sepia apenas a lógica partidário- Essa capacidade de controle minis- preferenciais de suas regiões, denotan-
que participaram das grandes coalizões, parlamentar, como já indiquei acima. terial nem sempre correspondeu ao peso do sua liderança nos blocos regionais de
em cada governo. Não se considerou o Al6m di.to, pode-se ver que, embora dos partidos no Congresso, sobretudo nosso sistema político. É o caso da Ba-
o PSD"'nAo apresente domínio forte, no que se refere aos partidos menores. hia, de Pernambuco, do Ceará e do Rio
número de coalizões mínimas possíveis,
tomando por base os partidos parlamen- no COQjunto, controlou, por maior pe- Alguns exemplos demonstrarão a dife- Grande do Sul.
tares efetivos, o que, em alguns momen- ríodQ de tempo, a maioria dos ministé- rença entre o peso parlamentar e o peso Qaadro3
tos, subestima os graus de liberdade na rios e.tratépcos. Basta comparar o total governamental dos partidos. No primei- Composição RegionaI_ MInistérios - 1!146164
formação de coalizões mínimas possí- (36% dOi ministros) com as porcenta- ro ministério Dutra, o PR detinha 3% Estados N~ Ministérios %
veis. Em todos os casos havia pelo me- genl para, por exemplo, os ministérios das cadeiras no Congresso e participa- RJIDF/GB 22 17
ção equivalente a 10% no governo. No SP 33 24
nos uma coalizão mínima possível. da Justiça (68%), Fazenda (47%) e Via- MG 24 18
Conclui-se, portanto, que o cálculo do- ção e Obras Públicas (47%). O PTB primeiro ministério Vargas, o PSD
BA 17 13
minante requeria coalizões ampliadas, controlou OI ministérios da Agricultura controlava 39% das cadeiras no Senado RS 10 07
seja por razões de sustentação partidá- (59%) e Trabalho, Indústria e Comércio e 45% das vagas no gabinete. A UDN, o PE 10 07
(79% ), mantendo-se como o principal PTB e o PSP tinham a mesma proporção CE 07 05
rio-parlamentar, seja por razões de Outros 12 09
ocupante do Ministério do Trabalho e de mini,stérios, embora aquela contro-
apoio regional. Total 135 100
Previdência Social (44%) a partir de lasse 26% do Congressso, o PTB, 16% e
o
Quadro 2 apresenta o controle 1961. O PSP fez 40% dos ministros da o PSB, 8%. No governo Café Filho,
de ministérios pelos diferentes partidos Saúde, ministério criado na segunda PSD e UDN controlavam o ministério A combinação do critério partidá-
que participaram de coalizões gover- presidência de Vargas. O PR nomeou em equilíbrio numérico perfeito, embo- rio com o regional pode diminuir as dife-
namentais. 15 O número de partidos 30% dos ministros da Educação e Cultu- ra o PSD suplantasse a UDN, emforça renças de "qualidade" entre ministé-
admitidos ao governo é maior do que a ra, também a partir da divisão do Minis- parlamentar, por proporção nunca infe- rios. Na medida em que ministérios me-
média de partidos parlamentares efeti- tério da Educação e Saúde, o qual havia rior a 10 pontos percentuais (no Senado nos estratégicos tomam-se jurisdições
vos, que foi de cinco partidos - uma sido hegemonicamente controlado pelo a diferença era de 27 pontos). O PTB e o mais ou menos cativas de partidos ou
pista de que a formação de coalizões PSD. PR participavam marginalmente, com estados, abre-se a possibilidade de que
os mesmos 9%, a despeito de o primeiro as lideranças políticas criem redes ou
ter representação parlamentar mais de conexões burocrático-clientelistas que
15 pontos superior à do segundo. Evi- elevem os "prêmios" (pay-offs) associa-
psp Sem Total dentemente, essas igualdades são mais dos a ministérios secundários. Dai não
. . . . . . .
PSD UDN PrB PSB PDC PR.
pIIrtido numéricas, pois os ministérios não têm se poder subestimar, por exemplo, a
N N N N fJi, N fJi, todos o mesmo valor político. E, como participação relativamente elevada de
MIaiItIrias N N N N
se viu, PSD e PTB controlavam os mi- partidos como o PR e o PSP em certos
JaBt. 15 68 02 09 02 09 02 0901 05 - - - - - 22 100
- - nistérios estratégicos. Mas não é menos ministérios. E o mesmo é verdade em
R.Ext. 06 40 05 33 01 (J7 03 20- - - -
- - 15 100
Faz. 09 47 02 11 02 11 - 01 05 - - - 05 25 19 100 significativo que PR e PSP, de tão baixa relação aos estados. Alguns ministérios
Via.çlo 08 46 02 12 03 18 - - - - - 01 06 03 18 17 100 densidade parlamentar, tenham predo- de "direção política", como Justiça,
Agr. 04 23 01 06 10 59 - 01 06 01 06 - - - 17 100 minado na ocupação de determinados Trabalho, Indústria e Comércio e Rela-
Ed.eSadde 04 80 01 20 - - - - - -- - -- - 05 100
ministérios ao longo desse período, o ções Exteriores, eram ocupados pelo
T.I.C. 01 (J7 - - 11 79 - - - - - 02 14 14 100
que se explica, em grande medida, pelo critério partidário. Outros, que podem
Sadde 04 27 - --- 02 13 - - - - 06 4() 03 20 15 100
MEC 01 10 - - 01 10 01 10 01 10 03 30 01 10 02 20 10 100 eixo regional das coalizões. ser caracterizados como "ministérios de
T.P.S. 01 14 - 03 44 01 14 01 14 - - - 01 14 (J7 100 O Quadro 3 mostra a participação gastos" ou de "clientelas", eram ocupa-
MIC 02 4() 01 20 01 20 - - - - 01 20 - - - - 05 100 dos estados nos ministérios. Mais impor- dos pelo critério regional. Era o caso,
Minas 01 20 04 80 - -(J7 - - - -06 -04 -08 -05 - - 05 100
tante que anotar a sabida predominân- por exemplo, do Ministério da Educa-
Total 56 37 18 12 36 24 05 04 03 16 11 151 -
cia do triângulo RJISPIMG, é verificar a ção e Saúde, cativo da Bahia até o seu
Fonte: L. Hippolito, De Raposas e Reformistas: o PSD e a Expemncia Democrática Brasileira (1945-64). clara existência de uma lógica regional desmembramento. A partir daí, o Mi-
Rio de Janeiro, paz e Terra, 1985. subjacente à formação das coalizões go- nistério da Saúde passou a ser utilizado
vernamentais e o fato de que alguns es- para atender ao Partido Social Progres-
15 ~s .maiores percentuais de controle partidário, para cada ministério, aparecem no quadro em
ItálIco.
tados aparecem como representantes sista - PSP, passando ao controle de
24 25
São Paulo. O Ministério de Viação e somavam mais que a maioria simples no Ambos os riscos estão presentes na que minimizem o número de parceiros e
Obras Públicas teve 43% de seus titu- parlamento. Porém, a dispersão do presidência Sarney. O PMDB é hetero- maximizem as proximidades ideológicas
lares oriundos do Rio de Janeiro (ou controle ministerial pelos partidos varia, gêneo interna e regionalmente. Líderes entre eles. Esta estratégia teria por obje-
DF;ouGB).OMECpassouparaoeixo determinando coalizões mais e menos de facções e governadores do partido tivo reduzir os riscos e contrariedades
partidário, predominando ministros concentradas. De qualquer forma, a podem corttrastar sua autoridade, o que, associados a alianças mais amplas e di-
paulistas e do Rio, mas com 30% de seus maior parte dos governos brasileiros aliás, tem ocorrido com freqüência. Por versificadas mencionados acima. 16
titulares oriundos do PRo Finalmente, apresenta índices de fragmentação rela- outro lado, o presidente sabidamente
não conta com a total confiança de seu Entretanto, em formações de maior
havia os ministérios politica e economi-. tivamente altos, com exceção da presi-
partido adotivo, fato que eleva a proba- heterogeneidade e conflito, aquela es-
camente estratégicos, como Fazenda e dência Dutra e do atual ministério Sar-
bilidade de rompimento. Como o tratégia é insuficiente ou inviável.
Agricultura, cuja ocupação se dava pela ney. No primeiro caso, o PSD dominava
amplamente o ministério (em tomo de PMDB é amplamente majoritário no Nestes casos, a solução mais provável é a
combinação dos critérios partidário e re-
Congresso, tal rompimento obrigaria o grande coalizão, que inclui maior núme-
gional. Na Fazenda, predominaram o 50% dos postos). No segundo, o PMDB
presidente a governar em minoria e exa- ro de parceiros e admite maior diversi-
PSD e São Paulo (47 e 41 %, respectiva- detém mais de 70% dos postos.
mente), e na Agricultura, o PTB e Per- cerbaria o conflito entre Legislativo e dade ideológica. Evidentemente, a pro-
Tanto o alto fracionamento gover-
nambuco (59% em ambos os casos). Executivo. babilidade de instabilidade e a com-
namental, quanto uma grande coalizão
Uma outra maneira de examinar es- O raciocínio acima aponta para o plexidade das negociações são muito
concentrada, representam uma faca de
nó górdio do presidencialismo de coali- maiores. Estes contextos, de mais eleva-
sas coalizões, pela ótica partidária, seria dois gumes. O primeiro confere maiores
calcular um "índice de fracionamento zão. É um sistema caracterizado pela da divisão econômica, social e política,
graus de liberdade para manobras inter-
governamental", similar àquele utiliza- instabilidade, de alto risco e cuja susten- caracterizam-se pela presença de forças
nas, por parte do presidente, que pode
tação baseia-se, quase exclusivamente, centrífugas persistentes e vigorosas, que
do para a análise do sistema partidário- retirar força exatamente da manipula-
estimulam a fragmentação e a polariza-
parlamentar. Um valor de O indicaria ção das posições e dos interesses dos no desempenho corrente do governo e
na sua disposição de respeitar estrita- ção. Requerem, portanto, para resolu-
que um só partido controla todo o minis- vários parceiros da aliança.· Porém, ao
mente os pontos ideológicos ou progra- ção de conflitos e formação de "consen-
tério. A unidade representaria um go- mesmo tempo, na medida em que seu
máticos considerados inegociáveis, os sos parciais", mecanismos e procedi-
verno em que cada ministério estivesse partido não detenha maioria parlamen-
quais nem sempre são explícita e coeren- mentos institucionais éomplementares
sob controle de um partido diferente. tar, ou mesmo governamental, o presi-
temente fixados na fase de formação da ao arcabouço representativo da liberal-
dente toma-se, em parte, prisioneiro de
democracia.
compromissos lJlúltiplos, partidários e coalizão.
Quadro"
fDdicede Fradonamento Govenwnental regionais. Sua autoridade pode ser A formação de coalizões envolve
1!)46.64 e 1987 contrastada por lideranças dos outros três momentos típicos. Primeiro, a
partidos e por lideranças regionais, so- o DILEMA INSTITUCIONAL DO constituição da aliança eleitoral, que re-
Governos FG bretudo os governadores. É a dinâmica PRESIDENCIALISMO DE quer n~ociação em torno de diretivas
Dutra 0,64 do duplo eixo das coalizões nacionais. COALIZÃO programáticas mínimas, usualmente
Vargas 0,71 Uma coalizão concentrada, por sua amplas e pouco específicas, e de princí-
CaféFJlho 0,77 vez, confere ao presidente maior auto- A teoria empírica das coalizões, pios a serem obedecidos na formação do
NereuRamos 0,75 noinia em relação aos parceiros menores embora excessivamente descritiva e as- governo, após a vitória eleitoral. Segun-
Kubitschek 0,75
Quadros da aliança, mas o obriga a manter mais sentada na lógica das preferências indi- do, a constituição do governo, no qual
0,81
Goulart (parlamentarista) 0,78 estreita sintonia com seu próprio parti- viduais, permite identificar algumas predomina a disputa por cargos e com-
Goulart 0,80 do. Se o partido majoritário é heterogê- questões que ajudam a compreensão da promissos relativos a um programa mi-
Sarney 0,44 neo internà e regionalmente, obtém-se o intrincada dinâmica política e institucio- nimo de governo, ainda bastante genéri-
mesmo efeito: a autoridade presidencial nal associada a governos de aliança. Em co. Finalmente, a transformação da
é confrontada pelas lideranças regionais geral, a análise de estruturas políticas e aliança em coalizão efetivamente gover-
Os índices de fracionamento gover- e de facções intrapartidárias. Mas o risco sociais mais homogêneas e estáveis in- nante, quando emerge, com toda força,
namental contribúem com esclareci- maior, neste caso, adviria de um rompi- duz a uma ênfase maior em coalizões o problema da formulação da agenda
mento adicional das grandes coalizões mento do partido com o presidente,
brasileiras. Todos os governos basea- deixando-o apenas com o bloco de parti- 16 Toda a parte inicial desta seção reproduz, em parte. a seção V de meu artigo "A Recuperação
ram-se em coalizões entre partidos que dos minoritários da aliança. Democrática ...... op. cito
26 27
r
real de polfticas, positiva e substantiva, Boa parte das manobras de -cada e de calcular corretamente a amplitude capacidade de formular e implementar
e das condições de sua implementação. partido destina-se não somente a' in- de sua legitimidade e autoridade junto políticas substantivas. Uma coalizão
É o trânsito entre o segundo e o fluenciar os outros partidos, mas princi- às bases e de sua credibilidade perante a pode formar-se com base em amplo
terceiro momentos que está no caminho palmente a persuadir suas próprias opinião pública. Em outras palavras, consenso político e ser liquidada pela
crítico da consolidação da coalizão e que bases e, acima de tudo, suas facções competência na negociação de sacrifí- divergência quanto a princípios e orien-
determina as condições fundamentais de parlamentares e seus militantes, dos be- cios recíprocos, resguardando os inte- tações de política econômica e social
sua continuidade. A formação do gover- nefícios da coalizão. i7 resses coletivos, e extensão real de seu corrente. Esta pode produzir seu pro-
no, a elaboração de seu programa de Por isso mesmo, a adesão a princí- mandato para fazer concessões em gressivo fracionamento e dificultar, sis-
ação e do calendário negociado de even- pios mínimos para. orientação de políti- nome da estabilidade da coalizão e do tematicamente, a formulação e imple-
tos têm impacto direto sobre a estabili- cas ou a diretrizes programáticas assume sucesso da gestão governamental. mentação de ações governamentais im-
dade futura. Numa estrutura multiparti- relevância na medida em que possa re- No que se refere às bases e facções prescindíveis, a administração de pro-
dAria, marcada pelo fracionamento, o duzir as divergências intrapartidárias e parlamentares, o fator decisivo é a in- gramas e a alocação de recursos. Mais
sucesso das negociações, na direção de engajar o conjunto do partido na reali- tensidade de sua adesão aos princípios que isto, pode comprometer irremedia-
um acordo e~lícito que compatibilize zação de objetivos amplamente com- em questão. O risco desse delicado fazer velmente o relacionamento com as bases
as divergências e potencialize os pontos partilhados. contas é conceder em áreas considera- majoritárias de sustentação do governo,
de consenso, é decisivo para capacitar o Do ponto de vista da negociação das inegociáveis pelas bases. Não é um estimulando a polarização e a radicali-
sistema político a atender ou conter legi- com os outros partidos, busca-se enfati- processo de cálculo tão racional e explí- zação.
timamente demandas políticas, sociais e zar os princípios compatíveis e comple- cito quanto a teoria descreve, mas é bas- A existência de distâncias muito
econômicas competitivas e a formular mentares e contornar aqueles que sejam tante consciente, embora seja feito nu- grandes na posição ideológica e progra-
um programa coerente e efetivo. Nesse divergentes. O problema é que, em cir- ma ampla faixa de incerteza. Esta, po- mática e, principalmente, na ação
acordo têm importância tanto a substân- cunstâncias de crise, entre os pontos de rém, nunca é tão grande nas questões concreta dos componentes da coalizão
cia das medidas quanto o seu calendário. divergência encontram-se questões inar- mais importantes, e a consulta perma- pode comprometer seriamente sua esta-
Somente assim é possível estabelecer redáveis da agenda de políticas de go- nente permite evitar que se subverta o bilidade, a menos que existam subcon-
uma base concreta de compromisso, ali- verno, tais como controle da inflação, as consenso básico do partido. juntos capazes de encontrar meios de
cerçada na seleçãe encadeada de me- prioridades para o gasto público ou a O maior risco ao .desempenho da suprir esses ,!azios com opções recipro-
didas, que evita, ao mesmo tempo, a política salarial. O dilema que se apre- coalizão está no quadro institucional do camente aceitáveis. Mais que do peso da
sobrecarga inicial de reivindicações sentá é a identificação do limite de tole- Estado para decidir, negociar e imple- oposição dos "de fora" - sobretudo em
contraditórias e a frustração precoce rância dos parceiros, que depende da mentar políticas. Isto porque, como o se tratando de grandes coalizões - , o
dos principais setores que compõem a posição das lideranças políticas e de fa- potencial de conflito é muito alto, a ten- destino do governo depende da habili-
coalizão. A observância desses compro- tores a elas externos - ligados à sua dência é retirar do programa mínimo, ou dade dos "de dentro" em evitar que as
missos, ainda que ajustada às circuns- relação com as bases, os grupos de mili- compromisso básico da aliança, as ques- divisões internas determinem a ruptura
tâncias, constitui um dos requisitos es- tantes e as facções parlamentares - , de tões mais divisivas, deixando-as para ou- da aliança.
senciais para a legitimidade e con- um lado, e da reação dos interesses orga- tras fases do processo decisório. Viabili- A ruptura é, freqüentemente, pre-
tinuidade da coalizão. nizados na sociedade, de outro. É exata- za-se o pacto político de constituição do cedida por um "fracionamento polariza-
Esse é, naturalmente, um processo mente por isto que a manutenção da governo, mas sobrecarrega-se a pauta do" , no qual cada segmento nega legiti-
de negociação e conflito, no qual os par- coalizão depende decisivamente do de decisões, na etapa de governo, pro- midade aos demais. Esta deslegitimação
tidos na coalizão se enfrentam em mano- desempenho corrente do governo, a priamente dito, com temas conflitivos e recíproca compele cada parceiro a se
bras calculadas para obter cargos e in- despeito dos acordos e compromissos não negociados. Para que o processo distanciar dos outros e a enfatizar, mais
fluência decisória. Tal processo se faz formulados na sua constituição. decisório não seja bloqueado e desesta- radicalmente, suas diferenças. Ex-
por uma combinação de reflexão e cál- No que diz respeito às lideranças, bilize a coalizão no futuro, torna-se, en- pande-se o espaço da competição, rom-
culo, deliberação e improviso, ensaio e isso implica a capacidade de negociar a tão, indispensável um esforço de pendo os limites da tolerância, e reduz-
erro, da qual resulta a fisionomia do inclusão recíproca de políticas contrá- construção institucional que viabilize se a autonomia das lideranças e a autori-
governo. rias aos princípios diretivos dos partidos acordos setoriais, à medida que os dade de seus mandatos. A superação
conflitos forem surgindo. negociada dos conflitos torna-se cada
17 Cf. G. Luebbert, "A Theory oI GO\-'emment FOrnlation", Comparative Political Studíes, vol. 17, Não é demais insistir que, no limite, vez mais difícil, porque a polarização
n.2, 1983, pp. 229-64. o futuro das coalizões depende de sua amplia desmesuradamente as conces-
28 29
sões necessárias de parte a parte. Corre- maneiras: pelo abandono dos parceiros mento da aliança é a dissolução do gabi- tando que as crises na coalizão levem a
latamente, aumentam as dificuldades de menores, situação na qual o presidente nete e a tentativa de recomposição de um conflito indirimível entre os dois pó-
persuasão das facções parlamentares e passa a contar apenas com seu partido e uma coalizão de governo. Caso estafra- los fundamentais da democracia presi-
dos militantes para que apóiem tais é forçado a alinhar-se com suas posições casse, recorre-se a eleições gerais, bus- dencialista. O Império tinha no poder
concessões. Além disso, a crescente fra- majoritárias; ou pelo rompimento do cando uma nova correlação eleitoral de moderador um mecanismo deste tipo. A
gilidade da posição das lideranças as tor- presidente com seu partido, que o deixa forças. No caso do presidencialismo de República Velha não adotou nada seme-
nam mais relutantes em encampar posi- em solitário convívio com partidos mi- gabinete, demite-se o ministério, pre- lhante, mas o equilíbrio deu-se através
ções que lhes possam custar o apoio das noritários e a cujos quadros é estranho. servando-se a autoridade presidencial. da política de governadores, estabeleci-
bases. Em ambos os casos, resultam, em grau No caso do presidencialismo de coali- da por Campos Salles. Nos Estados Uni-
Em certo sentido, dificilmente uma variável, o enfraquecimento da autori- zão, é o próprio presidente quem deverá dos da América do Norte, a Suprema
grande coalizão governante terá condi- dade executiva e maior potencial de demitir o ministério e buscar a recupera- Corte tem poderes que lhe permitem
ções de estabilidade, em períodos de conflito entre Legislativo e Executivo. ção de sua base de apoio, em um mo- intervir nos conflitos constitucionais
crise aguda, sem um amplo apoio políti- No presidencialismo, a instabili- mento em que enfrenta uma oposição entre Executivo e Legislativo. No Brasil
co-social, que ultrapasse os limites daS dade da coalizão pode atingir direta- mais forte e que sua autoridade está en- da República de 46 e no Brasil pré-
lideranças partidárias e envolva todos os mente a presidência. É menor o grau de fraquecida. Será tanto pior a situação do constituinte da Nova República, preci-
segmentos sociais politicamente organi- liberdade de recomposição de forças, presidente se estiver rompido com seu samente os casos mais claros de presi-
zados. São vários os exemplos de pactos através da reforma do gabinete, sem que partido, pois aí estará enfrentando não dencialismo de coalizão, este mecanis-
explícitos, e até formalmente contrata- se ameace as bases de sustentação da apenas a oposição da maioria, mas a mo inexiste.
dos, que obtiveram sucesso na estabili- roaJPo governante. No Congresso, a desconfiança de seus aliados naturais. Governos de coalizão têm como re-
zação de coalizões em momentos críti- polarização tende a transformar "coali- Um cenário possível é aquele em quisito funcional indispensável uma ins-
cos da história de vários países. 18 zOes ~ndárias" e facções partidárias que o presidente torna-se cativo da von- tância, com força constitucional, que
As cisões internas e a instabilidade Cltn "walizóes de veto", elevando peri- tade de seu partido, delegando sua pró- possa intervir nos momentos de tensão
a elas inerentes são naturais em qual- goamnente a probabilidade de paralisia pria autoridade - situação de equilíbrio entre o Executivo e o Legislativo, defi-
quer governo de coalizão, embora decisória e conseqüente ruptura da or- precaríssimo e de alto risco para a pró- nindo parâmetros políticos para resolu-
adquiram contornos mais graves em dem pqlítica. 19 pria estabilidade da ordem democrática. ção dos impasses e impedindo que as
épocas de crise. Requerem, portanto, Por illO mesmo, governos de coali- Cenário alternativo seria aquele eO) que contrariedades polítiCas de conjuntura ~ I
uma série de mecanismos institucionais do· requerem procedimentos mais ou o presidente resolve enfrentar o partido, levem à ruptura do regime. Por outro
que regulem este conflito, promovam m'" inltitucionalizados para solucio- confrontar o parlamento e afirmar sua lado, este instrumento de regulação e
soluções parciais e estabilizem a aliança, nar diBputas interpartidárias internas à autoridade numa atitude bonapartista equilíbrio do regime constitucional
mediante acordos setoriais de ampla le- coaHr.lo. Existe sempre um nível supe- ou cesarista altamente prejudicial à nor- serve, no presidencialismo de coalizão,
gitimidade. rior dé arbitragem, que envolve, neces- malidade democrática. A submissão do para reduzir a dependência das institui-
sariamente·, as lideranças partidárias e Congresso ou a submissão do presidente ções ao destino da presidência e evitar
Mas, evidentemente, mesmo o ple-
representam, ambas, a subversão do re- que esta se torne o ponto de convergên-
no funcionamento desta estrutura insti- do U,pslativo e tem, como árbitro final,
gime democrático. E este é um risco cia de todas as tensões, envolvendo dire-
tucional complementar aos mecanismos o presidente. Na medida em que este
sempre presente, pois a ruptura da tamente a autoridade presidencial em
típicos da democracia liberal não é ga- seja o único ponto para o qual conver- aliança, no presidencialismo de coali- todos os conflitos e ameaçando desesta-
rantia suficiente de estabilidade, conti- getp todas as divergências, a presidência
zão, desestabiliza a própria autoridade bilizá-Ia em caso de insucesso.
nuidade e sucesso de grandes e hetero- IOfr.r4 danosa e desgastante sobrecarga
presidencial. Em síntese, a situação brasileira
gêneas coalizões. E aí residem o risco e tenderá a tornar-se o epicentro de to-
Esses cenários demonstram o dile- contemporânea, à luz de seu desenvolvi-
maior das coalizões e a especificidade do dasucmes.
No CílIO de regimes parlamentaris- ma institucional do presidencialismo de mento histórico, indica as seguintes ten-
presidencialismo de coalizão. Como
coalizão. Ele requer um mecanismo de dências: (a) alto grau de heterogenei-
disse, a coalizão pode romper-se de duas tas, o resultado imediato do enfraqueci-
arbitragem adicional àqueles já mencio- dade estrutural, quer na economia, quer
nados, de regulação de conflitos, que na sociedade, além de fortes dispari-
18 Cf. P. Merkl, "Coalition Politics in West Germany", in S. Groennings, E.W. Keeleye M.
Leyerson, eds., The Study 01 Coalition Behavior, Novalorque, Holt, Rinehart & Winston, 1970.
sirva de defesa institucional do regime dades regionais; (b) alta propensão ao
19 Como ocorreu na República de 46. Ver a respeitO, Wanderley Guilherme dos Santos, Sessenta e assim como da autoridade presiden- conflito de interesses, cortando a estru-
Quatro: Anatomia da Crise, São Paulo, Vértúlc. 1986. cial e da autonomia legislativa - , evi- tura de classes, horizontal e vertical-
30 31
mente, associada a diferentes manifesta- País. Sua própria heterogeneidade, a ABSTRACT
ções de clivagens inter e intra-regionais; ambigüidade e fragilidade das referên- Coalition Presidentialism: The BrazilÚln
(c) fracionamento partidário- cias nacionais e as contradições a elas lnstitutional Dilemma
parlamentar, entre médio e mediano, e inerentes contribuem para firmar esta
This article presents an analysis of the major regime has specificities which characterize íts re-
alta propensão à formação de governos combinação entre proporcionalidade e structural traits of the Brazilian polítical svstem. gime as an instability-prone form of presidential-
baseados em grandes coalizões, muito presidencialismo de coalizão. De outro from which what is called the Brazilian institution- ism: coalition presidentialism. This specific form
provavelmente com índices relativa- lado, não há evidência persuasiva de que aI dilemma stems. This dilemma is defined as the has as its maio structural components: a strong
mente elevados de fragmentação gover- a solução parlamentarista ou a represen- need for an institutional arrangement that can presidency; multipartyism; proportíonal repre-
namental; (d) forte tradição presiden- tação majoritária, ou mesmo o biparti- efficiently aggregate and manage social, economic sentation; federalism and coalition govemment.
and political pressures arising from a very asyn- Since 1946, all formally democratic govemments
cialista e proporcional. A primeira indi- darismo, pudessem oferecer salvaguar- chronic process of development, from which a in Brazil have adopted this pattem.
cando, talvez, a inviabilidade de consoli- das suficientes à instabilidade e à exacer- strongly heterogeneous social organization has re- Such a pattem requires additional conflict
dação de um regime parlamentarista pu- bação do conflito. Os contrapesos esta- sulted. management mechanisms, since govemment coa-
ro. A segunda, apontando para a natural rão, possivelmente, em outro plano de For tbe purposes of t~s work - a segment of litions based on very heterogeneons interest
necessidade de admitir à representação institucionalidade, que permita evitar a a broader analytical project - the author has structures - are extremeIy unstable, and undeI
os diversos segmentos da sociedade plu- fragmentação polarizada de nosso siste- chosen to examine the constitutional and politicaI presidentialism tend to destabilize the regime ít-
elements of this dilemma, particularIy the pattem self.
ral brasileira; (e) insuficiência e inade- ma político. of the relationsbip between the Executive and Regulating diversity, granting political repre-
quação do quadro institucional do Esta- Creio que nosso dilema institucio- Congress. sentation to the many beterogeneous interest for-
do para resolução de conflitos e inexis- nal resolve-se com instrumentos que mations and simultaneousIy ensuríng regime
A comparative analysis of the aggregate insti- stability under a strong presidency in cyclical
tência de mecanismos institucionais pa- permitam regular a diversidade, convi-
tutional characteristics of democratic regimeS- conflict with Congress ís the Brazilian instituti-
ra a manutenção do "equilíbrio constitu- ver com ela, pois nosso quadro sócio- leads the autbor to conclude that tbe Brazilian onal dilemma.
cional". cultural e econômico faz da diferença
uma destinação - nossa Fortuna, na
Muitos analistas tendem a interpre- RÉSUMÉ
acepção de Maquiavel-, mas é da nos-
tar a história institucional brasileira no sa ViriU, de nossa capacidade de criar as PrésidentúIlisme de CoaIitíon: Le Dilemme
sentido da inadequação, seja do presi- instituições necessárias, que poderão lnstitutionnel Brésilien
dencialismo, seja da representação pro- advir a normalidade democrática e a
porcional, para a estabilidade democrá- Cet article a pour but d'analyser les princi- sent comme une forme de présldentialisme encline
possibilidade de justiça social. Se ser- paux traits structurels du systême poütique brési- à l'instabilité: le présidentialisme de coalition. Les
tica. Não é, definitivamente, a inclina- mos diversos e contrários é inevitável, a üen sur lesquels s'embranchent ce que l'auteur principales composantes de cette forme spécifique
ção do raciocínio aqui empreendido. Ao desordem e o autoritarismo não devem appelle le dilemme institutionnel brésilien. Selon sont: une présidence forte, la pluralité de partis, la
contrário, sustento que, de um lado, es- constituir nosso fado e nossa tragédia. la définition qu'il en foumit, ce dilemme consiste représentation proportionneUe, le fédéralisme et
ta tradição político-institucional res- dans la nécessité de mettre sur pied un arrange- un gouvemement de coalition. Depuis 1946, tons
ponde à específica dinâmica social do (Recebido para publicação em novembro de 1987) ment institutionnel qui permette de grouper et de les gouvemements démocratiques de l'histoire dÍl
gérer efficacement les pressions sociales, écono- Brésil ont adopté ce modêle.
miques et politiques survenant d'un processns de
développement en lui-même três marqué par une Un teI modele exige des mécanismes supplé-
absence de synchronisme dont il a résulté une mentaires de gestion des conflits car les gouveme-
organisation sociaJe fortement hétérogêne. ments de coalition, par le fait qu'ils so'nt basés sur
des structures d'intérêts três hétérogenes, sont ex-
Pour les buts de l'article - qui fait en réalité
trêmement instables. En outre, sous un régime
partie d'un_aIDple projet analytique -l'auteur a
choisi d'étudier les éléments constitutionnels et présídentialiste, ils tendent à destabiliser Ie régime
lui-même.
politiques de ce dilemme. II s'attache, en particu-
lier, aux modeles de rapports existants entre I'Exé- Le dilemme institutionnel brésilien consiste à
cutif et le Congres. équilibrer les diversités, inclure dans la représen-
Se basant sur l'analyse comparative de l'en- tation des formations d'intérêts tres hétérogênes
semble des caractéristiques ínstitutionnelles des et, simultanément, assurer la stabilité du régime
régimes démocratiques, l'auteur conclut que le sons une présidence forte qui se trouve périodi-
régime brésilien a des spécificités qui le caractéri- quement en conflit avec le Congrês.
N.E. - As versões inglesa e francesa dos resumos deste número são de autoria de Diane Rose
Grasklaus e Anne Marie Minon Oliveira.
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