James Hillman - Psicologia Arquetípica PDF
James Hillman - Psicologia Arquetípica PDF
James Hillman - Psicologia Arquetípica PDF
~~~C(Q)[L(Q)CGJ~~
~~@[UJ~U~~~~~
Urn Breve Relato
Tradu¢o
LUCIA ROSENBERG
GUSTAVO BARCELLOS
EDITORA CULTRIX
SAO PAULO
~Tftu1o do original:
Archetypal Psychology
A Brief Account
\
Sumtirio
Copyright © 1983 by James Hillman.
Listagem Campleta dos Trabalhos de James Hillman INTRODU<;AO - Gustavo Barcellos 7
© 1988 by James Hillman. PREFAcIO - James Hillman 17
PARTE 1
em si e mais como urn aprofundamento e urn avan<;o das possa agora livrar-se de ser pensada sempre em termos
ideias originadas no trabalho do psic610go suf~o Carl de opostos, sempre presa nas sizlgias, seja com animus,
-Gustav -Jung. Por isso e diffcil falar em psicologia ar- com sombra, com self. Podemos ver que anima, alma,
quetipica como urna linha ou uma escola. Simplesmente, esta por tudo e em tudo, nao 50 na interioridade femi-
nao faz sentido. nina do homem. Esta no homem e na mulher. Anima
G ---, , .Hillman, seguindo urna tradi~ao essencialmente re- pertence a todas as coisas, exatamente como a possibili-
tqmada por Jung, fala de alma, de urn senti do de alma. dade de interioridade de todas as coisas. Anima refere-
Adma de tudo, alma aqui e entendida como "urn a se, numa s6 palavra, a interioridade. Ai podemos ter, en-
perspectiva, ao contrario de uma substancia, urn pon- fim, uma metodologia com a qual entender e penetrar
.toldeyista sobre as coisas, rna is do que uma coisa em os misterios que nos apaixonam e perseguem.
si'VSeus textos e os de seus amigos falam da alma Para essa perspectiva, a area mais fundamental do
do mundo, do amor, do puer, do senex, da guerra, da trabalho de Jung e naturalmente a teoria arquetipica. E
psicoterapia, da imagina~ao, do estado da cultura, dos para la que voltamos a nossa aten~ao. Estamos nos ref~
sonhos, da masturba~ao, da arquitetura, examinam os rindo aqui ao trabalho de Jung na maturidade, onde 0
detalhes das figuras mlticas em busca de uma psic<r conceito de arquetipo ganha a -profundidade e 0 alcance
-patologia descrita numa linguagem mais rica e sensu- que ele apontava desde 0 inicio. Como comenta 0 pr6prio
, _al.~-JEalam, portanto, de muita coisa. Falam, acima de Hillman, ha urn aprofundamento constante no trabalho
. . - Judo, de: anima. Falam de anima de uma maneira li- de Jung: do pessoal para 0 universal, da consciencia para
bertaria, que identifica anima imediatamente com alma, o inconsdente, do particular para 0 coletivo, enfim, dos
. cQm)psique.Retomam, assim, 0 sentido, presente em tipos para os arque-tipos. -
IJHPg,~;d~ desfazer a ilusao subjetivizante de que a ani- Diferentemente de Freud, que regularmente revisa-
.- .1XlC},:.esta -em n6s em vez de n6s estarmos na anima. Hill- va suas ideias em busca de urna teoria sistematica, Jung
'-r!1fn,"diz que ."porque tom amos a anima personalisti- nao revisava nada. Jung nao tern, nesse sentido, uma
.i.~C!m~Ilte, ou-,porque ela engana 0 ego dessa forma, per- mente critica, aristotelica. Ele construfa em cima do que
';~~iS.~m\R~JO significado. mais amplo de anima".2 Esse sig- ja tinha, num modo peculiar de aprofundamento.4 E tam-
;'.I}~f\~~.Qo)-?1ais amplo constela a alma como perspectiva bern nesse espirito que me parece inscrever-se 0 trabalho
.;g~!i~Clme.nte.;psicol6gica: esse in anima, nos diz Jung, da psicologia arquetipica.
,.-lIser humane e ser na alma des de 0 come~0".3 A formula~ao do conceito de arquetipo e encarada
-·-fISj-A.nit~a~Oianos depois da morte de lung, essa ani- como a contribui~aomais radical e importante de Jung
;--:r.na{ qe\:9q:anosf:es~a. "balsaquiana", talv.ez esteja se tor- para a hist6ria do pensamento psicol6gico no Ocidente. ,
: -i:~9.W~$.1mJmrus; mdependente. Com Hillman talvez ela o conceito de arquetipo aqui parece fundamental nao 50 .
'. :.;";.
10 Introdu¢o: A Anima 30 Anos P6s-Jung Introdu¢o: A Anima 30 Anos p6~,-Jimg. ". .jr~;~·
. . '.~:
porque refletea profundidade do trabalho de Jung, mas Uma imagem.e sempre mais abrangente, mrus.coinple,ca~
tambem porque leva a reflexao psicologica para alem da que urn concelto. . '.··.;i"r/:,
preorupa¢o clinica e dos modelos dentificos: "arquetipico Nessa perspectiva, a imagem, em sonhos, nas fantii;;.
pertence a toda a cultura, a todas as formas de atividade sias, na poetica, nos mitos e na sua maneira de' revelar
humana....Assim, os vfnculos primaIios da psicologia ar- os pa.dr5es c:rquetipicos, e sempre 0 primeiro dado psi-
quetipica sao mais com a cultura e a imagina<;ao do que cologI.~o: ~ Imagens sao ~ meio atraves do qual toda a
com a psicologia medica e empirica".5 expenenCla se toma possIve!. Elas tern uma qualidade
Hillman nos faz enxergar os arquetipos como as es- autonomal' independente, e indicam complexidade:' em
truturas basicas da imagina<;ao.. enos diz que a nature- t~da i~':.gem ha uma mUlti pIa rela<;ao de significados, de
za fundamental dos arquetipos so e acessivel a imagi.~ diSPOSI<;oeS, de proposi<;5es presentes simultaneamente.
na<;ao e apresenta-se como imagem. . Nossa dificuldade em compreende-las, por exemplo, nos
Se 0 conceito basico da psicologia arquetipica e en- sonhos, vern de nosso vido de linearidade. Nossa inca-
tao 0 arquetipo, sua area de atua<;ao focaliza-se na i11Ul- pacidade de experimentar e vivenciar a simultaneidade
gem. Encontramos a psicologia arquetipica voltada para de significados de cada imagem vern da necessidade de
o trabalho com a imagina<;ao, voltada para ressuscitar transforma-las em hist6ria, em temporalidade: uma coisa
nosso interesse pela capacidade espontanea da psique de por vez" uma coisa depois da outra. Aqui, como sem-
criar imagens. Hillman cita Jung quando diz que "ima- pre, 0 mite d? desenvolvimento: nossa abordagem forte-
gem e psique"6, radica1izando assim a ideia de que a rea- mente evolutiva dos eventos nos faz ver primeiro 0 de-
lidade psiquica e constitufda de imagens. senvolvimento. Mas no reino do imaginal, todos os pro-
Dessa forma, "ficar com a imagem" transformou-se cessos que pertencem a uma imagem sao ineren tes a ela
num.a regra basica no metodo da psicologia arquetipica. e estao presentes ao mesmo tempo, todo 0 tempo.
"Fiear com a imagem" ira influenciar todo 0 procedimen- Nessa enfase tao grande e radical com relac;ao a ima-
to terapeutico, especialmente no que toca a questao da ?em na vida psfquica, cabe-nos en tao buscar por uma
interpreta<;ao. As imagens psfquicas sao encaradas como Imagem que nos facilite penetrar mais diretamente, e den-
fenomenos naturais, sao espontaneas, quer seja no indi- tro de, s~a pro~ria retorica, na perspectiva da psicologia
wduo, quer na cultura, e necessitam, na verda de, ser ex- arquehplca. A llnagem-chave que assim nos aparece e
perimentadas, cuidadas, acariciadas, entretidas, enfim, res- profundidade. Desde Freud, Adler, e passando natural-
pondidas. As imagens necessitam de reladonamento, nao mente por Jung e seus colaboradores, falamos de uma
deexplica<;ao. No momento em que interpretamos, trans- psicologia profunda. Com Hillman, percebemosa exten-
formamos 0 que era essendalmente natural em conceito, sao da metafora. Vma psicologia profunda e aquelaque
em'linguagem conceitual, afastando-nos do fenomeno. avan<;a para 0 inconsciente, e na metafora 0 inconsdente
12 Introdu¢o: A Anima 30 Anos P6s-lung IntrodUt;iio: A Anima 30 Anos P6s-lung 13
e aquele terreno de experieneias que esta mais abaixo da Na psicologia arquetfpica, a dire<;ao vertical se con-
consdeneia, subposto. "0 campo da psicologia profunda funde, alem do mais, com a dire<;ao para 0 suI. Aqui, ~
tern sido sempre direcionado para baixo, quer seja na diferentemente que em Jung, onde se convencionou 0 di-
dire<;ao de mem6rias enterradas na infancia, quer em lema de Leste/Oeste, Norte e Sul tomam-se geografias
dire<;ao a mitologemas arcaicos". 7 simb6licas, ao mesmo tempo que culturais e etnicas. A
A metMora do profundo leva a psicologia arquetipi- Viena de Freud ou a Zurique de Jung sao lugares da fan-
ca a urna dire<;ao sempre de aprofundamento vertical e tasia e "siiuam as ideias numa imagem geogrMica".9 As-
a obriga, nesse sentido, a concentrar-se na depressao como sim, a psicologia arquetfpica, em suas bases, afasta-se da
oparadigma da psicopatologia, tal qual a histeria para Hngua alema e da visao de mundo judeu - protestante
Freud,ou a esquizofrenia para Jung. A depressao leva 0 do "norte" europeu ariano, apolonico, positivista, raeio-
sUjeito necessariamente para baixo, para urn aprofunda- nalista, dentificista em dire<;ao ao "suI" mediterraneo, a
mento em si mesmo. Diminui 0 ritmo, desacelera 0 in- Greeia da mitologia classica, onde os padrOes arquetfpi-
telecto, aproxima 0 horizonte. Talvez nada hoje em dia cos sao elaborados em hist6rias, em mitos, e a ItaIia da
consiga para n6s 0 que consegue a depressao, e por isso Renac;cen<;a com Fieino, e depois com Vico em Napoles
sua presen<;a tao marcante: esfor<;os da farmacologia a no seculo XVill, rom suas imagens e seu hurnanismo sen-
parte, na depressao somos lan<;ados irremediavelmente no sual. Aqui, segundo Hillman, "a cultura da imagina<;ao
vale da alma. e a maneira de viver carregavam aquilo que seria for-
A preocupa<;ao com profundidade e depressao mulado ao norte como 'Psicologia"'.l0
tambem permite a psicologia arquetipica uma critica a Ao faze-Io, a psicologia estara certamente deslocan-
cultura, na medida em que "uma sociedade que nao do a morada da alma do cerebro para 0 cora<;ao.
permite a seus indivfduos deprimir-se nao pode en- A dire<;ao vertical, a metMora do profundo, adma de
contrar sua profundidade e deve ficar permanente- tudo leva a psicologia arquetfpica e a contribui<;ao essen-
,mente inflada numa perturba<;ao manfaca disfar<;ada de cial de Hillman a mostrar finalmente sua verdadeira mar-
'crescimento' ".B ca, sua verdadeira importancia: novamente, enxergar in-
}:i~);: Tudo isso afasta a psicologia arquetfpica das teriormente como uma possibilidade em todas as coisas, .
tradw;Oes interpretativas horizontalizantes de sintomas, e a buscar em cada evento algo mais profundo. "0 'in-
'SQnhos;fantasias, enfim imagens, e constela a pr6pria terior refere-se aquela atitude dada pela anima que per-
:anaIiSe~ comodescidil: urn procedimento que deseja apro- cebe a vida psfquica dentro da vida natural. A pr6pria
fundar-sei que de fato come<;a pOl' baixo, procurando os vida natural toma-se 0 vaso no momento em que reco-
.i" sophos,;p~. inc6nsciente, aquilo que esta naturalmente nhecemos que ela possui urn significado interior, no mo-
.:.,,:apaixo;dasida'cotidiana. mento em que vemos que ela tambem sustenta e carre-
14 Introdu~iio: A Anima 30 Anos P6s-Jung Introdu¢o: A Anima 30 Anos Pas-lung 15
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ga psique. A anima faz vasos em todos'os lugares, em aprofundamento dos eventos em experiencias. A opus da
qualquer lugar, ao ir para dentro."l1 psicologia e necessariamente a alma. '
Nenhuma outra perspectiva dentro da psicologia Podemos nos aproximar urn pouco mais do usa que
analitica parece-nos demonstrar de modo tao integral e a psicologia arquetipica faz da palavra alnla contrastan-
coerent~ como e possivel, e enriquecedor levar as catego- dc:a, como de fato 0 faz em diversos trabalhos 0 proprio
rias do pensamento junguiano para a analise e a com- Hillman, com seu oposto, espmto. Este contraste serve
preensao tambbn das coisas do mundo, tambem para acima de tudo, para clarificar nosso caminho com~
aquila que esta do lade de fora dos consultorios de psico- ~sicologos, de volta it alma. Se a alma e aquilo que esta
logia. Hj.llman e seus companheiros insistem em escre- la no fundo, nas profundezas, 0 espirito esta nas alturas.
ver e refletir sobre a alma do mundo, a anima mundi, A alma e rnultipla, pessoal, feminina, metaforica' 0 es-
mostrando a alma como possibilidade de todas as coi- 0
pirito e unitario, concentrado, masculino, radonal. con-
sas. 0 dinheiro, a organiza<;ao urbana, 0 transporte pu- traste serve para nos rnostrar que a analise nao e' urna
blico, os tetos, 0 caminhar, os esportes, a AIDS" as edifi- o~p~<;ao espiritual. ''Ha uma diferen<;a entr~-{oga, me-
ca¢es e a propria arquitetura forC;l,m e sao temas de ar- d1ta<;ao transcendental, contempla<;ao religiosa e recolhi-
tigos e livros. mento, e ate mesmo Zen, por urn lado, e a psicoterapia
Portanto, alma e a metruora-chave, e indica na ver- por outrO."13 A alma nos remete aos sonhos e as ima~
dade' aquilo de que se esta falando. 0 que esta por baixo, gens; 0 ;spirito nos conduz it ilumina<;ao e aos milagres.
na dire<;ao vertical, na profundeza, e a alma. Alma refere- Na metMora famosa de Hillman, 0 espfrito esta nos pi-
se a profundidade, tern a ver com profundeza. Em Hill- cos, a alma esta nos vales.
man, alma refere-se a uma perspectiva reflexiva entre nos Para terminar, urna nota sobre pskopatologia. A alma
e os eventos. A alma deve ser a metruora prinuma da
/I volta sempre as suas mesmas feridas, ela insiste nas mes-
psicologia", nos diz ele12, uma metMora ja etimologica- mas figuras e emo<;5es, vemos os mesmos temas nos so-
mente determinada: psicologia, logos da psique, significa nhos p~r muit~s e muitos anos. Desse angulo, a psico-
o dLc;;curso ou a narrativa ou a verdadeira fala da alma. patolog1a em Sl aponta para a circularidade da alma. A
A alma, no entanto, deve ser imaginada, nao defini- alma repete-se infinitamente, e na repeti<;ao estci uma ten-
da. 13 uma metruora, e ao mesmo tempo urn campo de tativa de aprofundamento. A alma volta constantemente
experiencias. , as suas feridas para extrair delas novos significados; volta
, .; Essa metruora, alem de tudo, toca a analise direta- em busca de uma experiencia renovada. Ficamos fami-
mente, que, na perspectiva de uma psicologia arquetipi- liarizados com nossos complexos e nosso sofrimento. 0
ca,nao intenciona a cura da alma, mas facilitar aquilo ego, .i~entificado com 0 arquetipo do her6i, chama a
que Hillman define como cultivo da alma: de novo, urn repeti<;ao de neurose. Mas na repeti<;ao, na drcularidade,
,16 dntfodu¢o: A Anima 30 Anos P6s-]ung
J.H.
Dallas, outubro de 1982
Parte 1
- ",.,,:-
Assim como todas as imagens podem ganhar este senti- do novos dados para nos oferecer - e esse sentimento
do arquetipico, da mesma forma toda a psicologia pode de ser amado pelas imagens... chame-o de amor imagi:"
ser arquetipica... 'Arquetfpico' aqui refere-se a urn movi- nal" (Hillman 1979a, p. 196). Esta experiencia da imagem
mento que se faz mais do que a uma coisa que existe." como mensageira - e a sensa<;ao abenc;oada que uma
(Hillman 1977b, pp. 82-83). imagem po de trazer - lembra 0 sentido neoplatonico de
. Aqui, a psicologia arquetipica revela-se estritamente imagens como 'daimones' e anjos (mensageiros). ''Talvez
como uma psicologia dos arquetipos, uma mera analise - quem sabe? _0 essas imagens etemas sejam aquilo que
das estruturas do ser (Deuses em seus mitos), e, ao en- os homens entendem por destino." (CW 7, §183)
fatizar a fun<;ao valorativa do adjetivo "arquetipico", res- Embora uma imagem arquetipica apresente-se
titui as imagens seu lugar primordial como sendo aque- carregada de significado, este nao e dado simplesmente
Ie que da valor psiquico ao mundo. Qualquer imagem como uma revelac;ao. Ele deve ser elaborado atraves do
denominada "arquetfpica" e imediatamente valorada "trabalho com a imagem" e do "trabalho com 0 sonho"
como universal, trans-hist6rica, basicamente profunda, ge- (Hillman 1977b, 1979a), que pode ser realizado· de
radora, extremamente intencional, e necessaria. maneira concreta e fisica, como nas artes, no movimen-
Vma vez que "arquetipico" denota tanto a for<;a in- to, no jogo e nas terapias ocupacionais; porem, 0 quee
tencional ("instinto" em Jung) como 0 campo mftico de mais importante (porque menos fixamente simb6lico), este
personifica<;5es (''Deuses'' em Hillman), uma imagem ar- trabalho e feito sendo "fiel a imagem" como uma pene-
quetipica e .animada como urn animal (uma das mais tra<;ao psico16gica daquilo que e realmente apresentado,
freqiientes metMoras de Hillman para imagem) e como incluindo 0 nivel de consciencia que esta tentando esta
uma' pessoa a quem se ama, se teme, com quem se deli- hermeneutica. 0 trabalho com a imagem s6 podera ser
cia"e inibido por, e assim por diante. Como for<;a inten- legitimad~ como tal se tiver impHcito 0 envolvimento de
cional' e pessoal, essa imagem apresenta uma rei vindica- uma perspectiva subjetiva, assumida desde 0 principio,
<;ao -' .moral, er6tica, intelectual, estetica - e demanda pois esta tambem e parte da imagem e de sua fantasia.
uma resposta. E uma "presen<;a que afeta" (Armstrong o trabalho com a imagem requer tanto a cultura es-
J97Heque oferece urna rela<;iio afetiva. Parece conter urn tetica quanta 0 conhecimento adquirido em mitos e sfm-
son,.hecimento'anterior (informa<;ao codificada) e uma bolos para uma apreciac;ao da universalidade das ima-
direc;ao instintiva a urn destino, como se profetica, gens. Esse trabalho requer tambem uma serie de taticas
.progn6stica. Jmagens "em sonhos querem 0 nosso bern, (Hillman e Berry 1977), muitas vezes experiencias lin-
. . ap6iam-nose:nos encorajam a ir adiante, compreendem- gUfsticas e foneticas (Sardello et al. 1978; Severson 1978;
'lios~mais,profundamente que n6s mesmos, expandem Kugler 1979b), etimo16gicas (Lockhart 1978; 1980;
:;nOS5a:"sensualidade
..... .
. . ~
e espirito, estao continuamente crian- Kugelman), gramaticais e sintaticas (Ritsema 1976;
:;\;}g;,l,;\,,',
~41~~~:<·;;,.·:·~· .:
38 lmagem Arquetipica
lmagem Arquetipica ···--·39 •
Hillman 1978a). Outras hiticas referentes a emoc;ao, tex-
tura, repetic;5es, invers6es e reafinnac;5es foram descritas l6gica como ontologicamente, que 0 verdadeiro trabalho
por Berry (1974). com a imagem nao apenas da urn sentido de tempo para
A intenc;ao primaria deste trabalho verbal com a alma, ou faz de eventos temporais eventos de alma
imagens e a "recuperac;ao da alma no discurso" (Sardel- mas tambem cna 0 tempo na alma. '
10 1978a), 0 que ao mesmo tempo revela os aspectos er6-
ticos e esteticos das imagens - que elas cativam, sedu-
zem, persuadem, tern urn efeito ret6rico sobre a alma
alem de seu conteudo simb6lico. 0 trabalho com ima-
gens restaura 0 sentido poetico original· das mesmas, li-
bertando-as de servir a urn contexto narrativo, tendo que
contar uma hist6ria com suas irnplicac;6es lineares, se-
. ;.
qiienciais e causais que favorecem depoimentos, na
primeira pessoa, das a<;5es e intenc;5es egocentricas de urn
sujeito personalista. A diferenc;a entre imagem e narrati-
va (Berry 1974; Miller 1976a) e fundamental para a dis-
tinc;ao no estilo imaginativ~ entre psicologia arquetipica
politeista e as psicologias tradicionais que sao ego centra·,
das e constituem narrac;5es epicas.
Tres desenvolvimentos posteriores na teoria das
imagens arquetipicas mere cern atenc;ao. 0 trabalho de
Paul Kugler (1978, 1979a) elabora uma teoria actistica das
imagens como estrutu.ras de significado invariavel a par-
te do significado lingilistico, etimo16gico, semantico e
gintatico. Boer e Peter Kugler (1977) correlacionaram ima-
gens arquetipicas corn a teoria de percep<;ao de J. J. Gib-
son, afirrnando que imagens arquetipicas sao diretamente
proporcionadas pelo ambiente (e nao sao subjetivas), de
tal fonna que "a psicologia arquetipica e realismo miti-
co". Casey (1979) leva adiante a ideia de que imaginac;ao ., ..... )
pecffica descri~ao junguiana como uma figura personifi- ( pertencem ao proprio "cultivo da alma", sua continua
cada e fun~ao da imagina~ao (E. Jung 1957; Hillman a.tividade de fantasia, e esses relatos- chamados
1973c, 1974b), confere urn rico imaginario, patologias e "psicologia" devem ser tornados mais como fic¢o do qu~
qualidades de sentimento aquilo que de outra forma como respostas positivistas sobre a natureza da alma. A
poderia se tomar apenas um conceito filos6fico. alma so pode ser objeto de estudo quando for tambem-
o ser humane esta inserido no ambito da alma; alma reconhecida como 0 sujeito que se estuda atraves das
e a metMora que inclui 0 humano. "Dasein como esse in fic\5es e metMoras da objetividade. Examinar afirma\Oes
anima supera infinitamente 0 homem" (Ayens 1982a, p. pelas suas implica\Oes psiquicas e urn principio estra-
185). Mesmo que a vida humana seja somente uma tegico da psicologia arquetipica e fomece seu metoda
manifesta¢o da psi que, uma vida hurnana e sempre uma tatico chamado "psicologizar ou enxergar atraves" 2
vida psicologica - que e como a psicologia arquetipica (HilJman 1975a, pp. 113-64). 0 metoda pOe em pratica a
Ie a n~ao aristotelica da alma como vida e a doutrina no\ao de inconsdente: tudo 0 que e afirmado contem na
crista da alma como imortal, isto e, alem das fronteiras afirma\ao uma inconsciencia. "IncQnsciente" envolve
dos limites do individuo. Vma psicologia humanista ou implicar;ao e suposir;ao (Berry 1974), isto e, .0 que esta por
personalista ira sempre perder a perspecti va completa da dentro ou por baixo. Assim, afirma<;5es de qualquer natu-
alma a qual se estende para alern do comportamento pes- reza iraQ de toda maneira tQrnar-se psicologicas, ou
soal, humano. Este movimento que situa 0 homem den- revela\Oes da psique, quando seu literalismQ e subvertido
tro da psique (e nao a psique dentro do homem) reve de tal fQrma que permita a apari\ao de suas suposiC;5es.
toda a atividade human a como psicol6gica. Cada parte A estrategia implica que a psicologia nao pode ser limi-
do comportamento humano, qualquer que seja 0 seu tada a urn campo entre outros, uma vez que a psique
conteudo manifesto ou literal, e sempre tam'bem uma afir- mesmo permeia todos os campos e coisas do mundo.
mat;aO psicologica.
Se toda a afirma~ao tern urn conteudo psicologico, Anima e Ret6rica
entao cada afirma~ao pode ser examinada pelo seu signi-
ficado psicologico, por aquilo que ela significa pa.ra a Ao falar de alma como uma metdfora primaria, em
alma. Os discursos sobre a alma em si -- sobre 0 que lugar de definir a alma substantivamente e tentar deduzir
ela. e, suas rela\Oes corporais, suas origens e desenvol- seu status ontologico de demonstra~5es empfricas ou
vimento, de que consiste e como fundona - sao preo- argurnentos teologicos (metafisicos), a psicologia arque-
cupa<;5es da psicologia somente porque estes sao os meios tipica reconhece que a realidade psiquica esta inextrica-
pelos quais a alma se revela em teImos conceituais. Eles velmente envoI vida com ret6rica. A perspectiva da alma
e inseparavel da maneira de falar em alma, uma maneira
Alma Alma 45
que evoca a alma, puxa-a para a vida, enos induz a uma siveis comportamentos ou 0 de circunscrever as fonnas
perspectiva psicologica. Em sua preocupac;ao com a de energias transpessoais (no senti do neoplatonico), mas
retorica, a psicologia arquetipica vern contando com re- abrir as quest5es da vida a reflexao transpessoal e cul-
cursos poeticos e literanos para ampliar sua visao, sempre turalmente imaginativa. Podemos assim enxergar nossas
trabalhando como "enxergar atraves" de metaforas vidas cotidianas tanto encaixadas na vida dramatica e
mecanicistas e personalistas (empregadas por outras psico-- cosmogonica das figuras rniticas quanto enobreddas por
i logias) de forma a recuperar a alma daqueles literalismos. ela (Bedford 1981). 0 estudo da mitologia permite reco-
, 0 metoda retorico exige a pilhagem polemica de reser- nhecer eventos em contraste com seu fundo mitico. 0
vas alheias. mais importante, contudo, e que 0 estudo da mitologia
torn a-nos capazes de perceber e experimentar a vida da
Alma e Mito alma rniticamente.
(Leistung), definida como cogni~ao, conota~ao, inten~ao, subjetividade autocentrada e a restitui as suas profunde-
percep<;ao e assim por diante. zas na alma, permitindo a reapari('ao da alma no mundo
Assim, aquele senti do de fraqueza (Lopez-Pedraza, das coisas.
1977,1982), de inferioridade (Hillman 1977c), de mortifi- . .A ~e-anima~ao das coisas em termos metaf6ricos ja
ca~ao (Berry 1973), de masoquismo (Cowan 1979), de es-
fOl mdlcada por Vico (5. N. II, I, 2) que escreveu,
curidao (Winquist 1981) e de fracasso (Hillman 1972b) e " metMora ... da senti do e paixao a objetos inanimados."
inerente ao metoda metaf6rico em si, 0 qual anula a Como a perspectiva metaf6rica da nova vivacidade a
defini~ao da consciencia como urn controle sobre os fenD-
alma, ela tambem re-vitaliza areas supostamente "des-al-
menos. A metmora, como 0 metoda do logos da alma; ~a?as" e nao psicol6gicas: os eventos do corpo e da me-
basicamente resulta na entrega ao que e dado, 0 que per-· dIana, 0 mundo ecol6gico, os fenomenos cu1turais da ar-
mite a aproxima~ao do misticismo (Avens 1980). quitetura e transporte, educa~ao, alimenta~ao, lin-
A transposi~ao metaf6rica - esse movimento de "U- guagem e sistemas burocraticos. Tudo isso foi examinado
dar com a morte" que ao mesmo tempo re-desperta a co~o. imagens metaf6ricas e sofreu intensa revisao psi-
consciencia para urn sentido de alma - ' e 0 ponto cen- C?loglca por Sardello e seus alunos, primeiro na Univer-
tral da tarefa da psicologia arquetfpica, sua inten~ao sldade de Dallas e posteriormente no The Dallas Insti-
maior. Assim como Freud e Jung tentaram descobrir 0
tute of r:umc:nities and Culture. A perspectiva metaf6rica,
"erro" fundamental da cultura ocidental de maneira a que reve fenomenos do mundo como imagens, pode en-
resolver affiiseria do homem encapsulado no declinio do contrar "senti do e paixao" onde a mentalidade cartesiana
Ocidente, a psicologia arquetipica especifica esse erro ve a mera extensao de objetos des-almados e inanima-
como uma perda da alma, perda que ela depois identi-
d?s. Des:a ~orma, a base ~~tica da alma tira a psicolo-
ficani com a perda das imagens e do senti do do ima- gIa dos llmltes do laboratono e do consu1t6rio, e ate da
ginario. A conseqiiencia foi urna intensifica~ao da subjeti-
subjetividade pessoal do individuol' e a transforma numa
vidade (Durand 1975), que aparece tanto dentro de urn
p~ico~ogia. das cois~ como encarna~5es de imagens com
egocentrismo fechado como na hiperatividade, ou fa-
VIda mtenor, as COlsas como uma exposi~ao da fantasia.
natismo pela vida, da consciencia ocidental (isto e, seten-
Para a psicologia arquetipica, "fantasia" e "reaUdade"
trional) a qual perdeu sua rela~ao com a morte e com 0
trocam de lugar e de valor. Primeiro, elas nao sao mais
mundo das trevas.
opo~ta:" Segundo, a fantasia nunca e apenas mentalmente
o processo de re-imaginar e de re-animar a psique subJetlva, mas esta sempre sendo vivid a e encarnada
. cultural, o~jetivo da psicologia arquetipica, necessita de
(Hillman 1972a, pp. xxxix-xl). Terceiro, 0 que quer que
. ::.patologizar, pois somente esse enfraquecimento, ou
~eja nsica ou literal mente "real", e sempre tambem uma
.:2~;des7strutura~ao" (Hillman 1975a), quebra ume
lmagem de fantasia. Entao 0 mundo da chamada reali-
" .. ~/~~}~.;;;) ...
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52--- ~: - Alma eEsptrito Alma e Espfrito
frances) / urn modo de construir 0 mundo, de tal forma como sua tare fa imaginar a linguagem espiritual da
que as coisas aparecem puramente como coisas (sem face, "verdade", da "fe", da ''lei'', e assim por diante, como
animac;ao, ou interioridade), sujeitas a vontade, separadas uma ret6rica do espirito, mesmo que 0 espirito seja obri-
umas das outras, mudas, sem sentido ou paixao. gado, por essa mesma ret6rica, a tomar sua posic;ao ver-
Ha uma posic;ao que e particularmente obstinada em dadeira e fielmente, isto e, literalmente.
prender-se a fantasia de que a fantasia esta sempre acon- Mais ainda, a diferenc;a entre alma e espfrito protege
tecendo, e essa e a instanda do espirito. Aparece como a terapia psico16gica de ser confundida com disciplinas
objetividade cientifica, metafisica e como teologia. E espirituais - orientais ou ocidentais - e da ainda uma
quando a psicologia arquetipica criticou essas abordagens outra razao para a psicologia -arquetipica evitar empres-
foi como parte de uma estrategia mais ampla para dis- timos de tecnicas de meditac;ao e/ou condicionamentos
tinguir os metodos e a ret6rica da alma daqueles do espi- operantes, os quais conceituam eventos psiquicos em
rito, de tal forma que a alma nao seja mais obrigada a termos espiri tuais.
abrir mao do seu estilo para preencher as obrigac;5es re-
queridas per uma perspectiva espiritual, quer seja filosO-
fica, cientifica ou religiosa. Para que a psicologia seja pos-
sivel e preciso que se mantenha a diferenc;a entre alma e
espirito (Hillman 1976; 1975a, pp. 67-70; 1977a).
Algumas vezes a posic;ao do espirito com sua ret6rica
de ordem, numero, conhecimento, permanencia e l6gica
autodefensiva foi discutida como "senex" e sutumina (Vi-
tale 1973; Hillman 1975d); outras vezes, por causa da sua
ret6rica de c1aridade e observac;ao independente, foi dis-
cutida como apolfnea (Hillman 1972c); em outras ocasi5es,
devido a sua ret6rica de unidade, fundamentalida-
de, identidade, foi denominada de "monoteista"; e em
outros contextos ainda, de ''her6ica'' e tambem de "puer"
(1967b) .
. Ao reconhecer que a perspectiva do espirito deve
situar-se em posic;ao superior (como a alma situa-se em
posic;ao inferior) e deve falar em termos transcendentes,
fundamentais e puros, a psicologia arquetipica concebe
Cultivo da Alma 55
numa imagem geografica. Assim e 0 "sul" na imagina<;ao quando a psicologia esta identificada com as perspec-
da· psicologia arquetfpica. tivas da geografia psiquica setentrional.
"Sul" e tanto urn espa<;o etnico, cultural e geogrMi- Monografias de Robert Avens (1980, 1982a,b)
co como tambem simb6lico. Ele e tanto a cultura Medi- mostram que a psicologia arquetipica e nada men os que
terrane a, suas imagens e fontes textuais, sua humanidade uma formula<;ao paralela de certas filosofias orientais.
concreta e sensual, seus Deuses, suas Deusas e mitos, seus Como estas, ela tambem dissolve ego, ontologia, subs tan-
generos tragi co e picaresco (em lugar do heroismo epico dalidade, literalismos do self e divis5es entre este e as
do Norte); como e tambem uma instancia simb6lica coisas -- todD 0 aparato conceitual que a psicologia
"abaixo das fronteiras" que nao considera a regiao da setentrional constr6i a partir do ego her6ico e em sua
alma apenas de uma perspectiva moralista setentrional. defesa - numa realidade psiquica da imagina<;ao experi-
o inconsdente, assim, pode ser radicalmente re-visto e mentada sem media<;ao. 0 "esvaziamento" dos po-
pode tambem ser localizado "la ao Norte" (como ariano, sitivismos ocidentais, comparavel a urn exercicio Zen ou
apolonico, alemao, positivista, voluntarioso, racionalista, a urn caminho ao Nirvana, e precisamente 0 que tern feito
cartesiano, protestante, cientffico, personalista, monoteista, a psicologia arquetfpica, embora por vias completamente
etc.). Ate mesmo a familia, em vez de uma fonte de neu- ocidentais, onde "oddentais" refere-se a uma psicologia
roses "setentrionais", pode ser re-avaliada como a base da alma como e imaginada na tradi<;ao do SuI.
dos la<;os ancestrais e sociais.
Ao mencionar esta divisao fundamental na hist6ria
cultural do Ocidente, a psicologia arquetfpica ques-
tiona 0 dilema convencional de "Leste e Oeste". Pos-·
turas geralmente atribuidas ao "Leste" estao inc1uidas
dentro da pr6pria orienta<;ao da psicologia arquetipi-
ca. Tendo re-orientado a consciencia em dire<;ao a fa-
tores nao-eg6icos - as personifica<;5es multiplas da
alma, a elabora<;ao da base imaginal dos rnitos, a direta
imedia<;ao das experiencias sensoriais acoplada.s a am-
bigiiidade de suas interpreta<;5es, e a fenomenologia
radicalmente relativa do pr6prio "ego", como apenas
uma fantasia da psi que - a psicologia arquetipica tor-
na superfluo 0 movimento em dire<;ao as disciplinas
orientais que tiveram de ser encontradas no Leste
Psicologia Politeista e Religiiio 63
para re-despertar a consciencia reflexiva e para trazer cr'iando apelos ern cada vida humana e dando as atitudes
uma nova reflexao para a psicopatologia. pessoais mais do que uma significac;ao pessoal. Os DeUses
(4) a perspectivismo da psicologia arquetipica requer sao, pOl"tanto, os Deuses da religiao e nao simplesmente
urn aprofundamento da subjetividade alem da mera pers- denomi~1a<;Oes, categorias, dispositivos ex machina. Eles sao
pectiva nitzscheana ou das instandas existendais. Perspec- respeitados como poderes, pessoas e criadores de valor.
tivas sao formas de visao, ret6rica, valores, epistemologia Mantem-se, todavia, uma distinc;ao entre politefsmo
e estilos vividos que perduram independentemente da como psicologia e como religiao. Esta distinc;ao e diffdl
individualidade empirica. Para a psicologia arquetipica, porque a "analise profunda leva a alma, a qual inevi-
pluralismo, multipliddade e relativismo nao bastam: eles tavelmente envolve a analise corn religiao e ate corn teo-
sao apenas generalidades filos6ficas. A psicologia neces- logia, enquanto que ao mesmo tempo a religiao vivida,
sita espedficar e diferendar cada evento, 0 que s6 pode experimentada, e originaria da psi que human a e como
ser feito diante do varia do background das flgurac;5es ar- tal e urn fenomeno psico16gico" (Hillman 1967a, p. 42).
queHpicas, ou daquilo que 0 politeismo denomina a
Quando a alma e a primeira metcifora, psicologia e a
Deuses, no sentido de tomar a multipliddade autentica religiao devem estar entrelac;adas e sua distinc;ao seria
e precisa. Assim, a questao que ela levanta em cada even- arbitraria ou ambigua. A questao do politeismo e apre-
to nao e par que ou como, mas sim 0 que espedficamente sentada pela pr6pria alma tao logo sua perspectiva vi-
esta sendo apresentado e fundamentalmente quem, qual vende 0 mundo como animado e sua pr6pria natureza
figura divina esta falando nesse estilo de conscienda, nes- como f('Pleta de diversidade dinamica. au seja, tao logo
sa forma de apresentac;ao. Dessa maneira, uma psicolo- a alma se liberte da dominac;ao do ego, a questao do poli-
gia politeista e necessaria para justificar urn "universo teismo aparece ..
pluralista" (William James 1909), para coerendas dentro Alem disso, a psicologia arquetipica "nao esta af para
dele, e para a predsao de sua diferendaC;ao. adorar os Deuses gregos ou nenhum outro de qualquer
A analogi a politeista e tanto religiosa quanta nao-re- alta cultura politeista ... Nao estamos ressuscitando uma
ligiosa (Miller 1972, 1974; Bregman 1980; Scott 1980; fe morta, pois nao estamos preocu pados com fe"
Avens 1980). Os Deuses sao tornados de fonna essendal, (Hillman 1975a, p. 170; cf. A. H. Armstrong 1981). as
como fundarnentos, de tal modo que a psicologia apon- Deuses da psicologia nao sao criveis, nem pod em ser
ta para alem da alma e nao pode nunca ser meramente tornados literalmente, ou imaginados teologicamente. "A
agnestica. A dimensao sagrada e sacrifidal - 0 instinto religiao aborda os Deuses corn ritual, prece, sacrificio,
religioso, como Jung 0 chama - recebe urn lugar de adoraC;ao e credo... N a psicologia arquetipica, os Deuses
. 8!a.nde'valor; e, na verdade, e predsamente na atrac;ao sao imaginados. Sao abordados atraves de metodo psi~
. pelos'Deuses que 0 valor entra no campo psicol6gico, co16gicos de personificac;ao, de patologizac;ao, de psico-
66 Psicologia Politefsta e Religiiio Psicologia Politefsta e Religiiio '67
logizac;ao. sao fonnulados ambiguamente, como metaforas tint~ religioso e inerente a psique, como afinnava Jung,
para tipos de experiencias e .Icomo pessoas limitrofes en~ao qualquer tentativa da psicologia de fazer justic;a a
numinosas. Sao perspectivas c6smicas das quais a alma pSI que devercl reconhecer sua natureza religiosa. '
participa" (ibid., p. 169). Esta participac;ao se faz princi- Vma visao politeista difere de urn panteismo indife-
palmente de modo reflexivo: os Deuses sao descobertos rendado, de urn vitalismo sagrado, de urn animismo
no reconhecimento da perspecti va e da sensibili.dade naturalista - os quais do ponto de vista da consdencia
psicol6gica de cada urn para com as configurac;5es que ~o~o~e.ist~, tenden: a s~r dassificados como "pagao e ll
dominam 0 seu pr6prio estilo de vida e pensamento. Os pnmItivo . Na pSlcologm arquetipica, os Deuses nao sao
Deuses, para a psicologia, nao tern que ser vivenciados uma energia primal espalhada pelo universo, nem s~o
num encontro mistico dire to ou em efigies, quer sejam imaginados como poderes magicos independentes que
figuras concretas ou definic;5es teoI6gicac;. agem sobre n6s atraves das coisas. Os Deuses sao
Vma fala atribuida a Hegel declara: "0 que e imaginados como a inteligibilidade formal do mundo
necessario e urn 'monoteismo de razao e corac;ao, urn po- fenomenol6gico, pennitindo a cada coisa ser discernida
liteismo de imaginac;ao e de arte'" (Cook 1973). Desde pela sua inteligibilidade inerente e pelo seu lugar espe-
que a psicologia arqueupica e imaginativa, ela requer que cifico de pertinencia a este ou aquele kosmos (padrao or-
os primeiros prindpios sejam imaginativos e 0 politeismo denado ou organizac;ao). Os Deuses sao lugares, e os mi-
toma-se necessario, embora ela nao assurna a separac;ao tos abrem espac;o para eventos psiquicos que sO se tor-
radonalista entre corac;ao e arte, entre sensibilidades valo- narao patol6gicos num mundo humano. Oferecendo abri-
rativas e estE~ticas. go e altar, os Deuses podem ordenar e tomar inteligivel
A o·itica da religiao teol6gica da continuidade aquela todo 0 mundo fenomeno16gico da natureza e da conscien..;
feita por Freud e Jung, embora em moldes ainda mais cia humana. Todos os fenomenos sao "salvos" pel a aC;ao
radicais. A psicologia arquetipica nao tenta rever a de situa-Ios, 0 que de imediato lhes concede valor. Des-
religiao judeu-crista como ilusao (Freud) nem transfonna- cobrimo~ 0 lugar de cada coisa atraves de semelhanc;as,
la em unilateral (Jung). Ela troca 0 ambito geral da a analogla dos eventos com as configurac;5es miticas. Este
questao para urna posic;ao politeista. Neste (mico golpe, modo foi corrente durante milenios de nossa cultura na
leva as criticas de Freud e Jung as ultimas consequen- alquimia, na astrologia planetaria, na filosofia natural e
cias - a morte de Deus como fantasia monoteista, ao na medicina, tendo cad a urn deles estudado as coisas
mesmo tempo restaurando a totalidade dos Deuses em microc6smicas em confonnidade com os Deuses macro-
todas as coisas e, porque nao dizer, revertendo a pr6pria c6sn:ico~ (Moore 1982; Boer 1980). Era esta questao de
psicologia ao reconhecimento de que ela tamberri e urna localzzaqao que era enderec;ada aos oraculos gregos: "A
atividade religiosa (Hillman 1975a, p. 227). Se urn ins- quais deuses ou her6is devo eu rezar ou pagar sacrificio
68 }'sicplogia Politefsta eReligiao
da Tragedia de Nietzsche e na importante pesquisa do do excepcional, mas 0 excepcional nao pode ser
grande clacissista e enciclopedista alemao Whilhein Hein- entendido pela ampliac;ao do lugar-comum. 0 excepcio-
rich Roscher, cujo Ephialtes (1900), uma monografia sobre nal e crucial tanto 16gica quanto causalmente, porque ele
Pan e 0 Pesadelo, foi subtitulada como "A My tho- introduz... a categoria mais compreensfvel."
pathological Study" (d. Hillman 1972a). Precisamente porque 0 mite apresenta 0 excepcional,
As relac;5es entre mitos e psicopatologia sao elabo- o estranho, a dimensao mais-que-humana, ele oferece
radas nurna serie de estudos: Lopez-Pedraza (1977) so- background para os sofrimentos de alrnas in extremis, isto
bre Hermes e (1982) sobre os Titas; Berry (1975) sobre e, aquilo que a rnedicina do seculo XIX chama
Demeter/Persefone e (1979b) sobre Eco; Moore (1979a) 'psicopatologia'. 0 duplo movimento entre patologia e
sobre Artemis; Micklem (1979) sabre Medusa; Hillman mitologia, mais do que tudo, implica que 0 pato16gico
(1970a, 1975d) sobre Saturno, (1974a) sobre Atena e esta sempre acontecendo na vida humana na medida ern
An.anke, (1972c) sobre Eros e Dionisio, (1972a) sobre Pan que a vida desempenha fantasias rnfticas. A psicologia ar-
e (1967b) sobre 0 puer aeternus ou a figura jovem divina quetipica ainda chama a atenc;ao para 0 fato de que e
nas varias rnitologias; M. Stein (1973) sobre Hefestos e principalmente atraves dos ferimentos na vida humana
(1977) Hera. Nestes estudos, 0 mite e examinado pelas que os Deuses entram (e nilo atraves de eventos
suas implicaC;6es patol6gicas. A herrneneutica comec;a com pronunciadarnente sagrados ou mfsticos), porque a pato-
os mitos e as figuras mfticas (nao corn urn caso), fazen- logia e a maneira mais palpavel de testemunhar os po-
do uma leitura em direc;ao a profundeza para a compre- deres que estao aMm do controle do ego e mesmo da
ensao psico16gica das fantasias que estao ocorrendo no insuficiencia da perspectiva eg6ica.
comportarnento. Esta recorrencia constante do "patologizar" e definida
Assim, a psicologia arquetipica segue 0 metoda como "a autonomia da psique de criar dcenc;a, morbi-
epistr6fico (reversao) de Corbin, retornando ao principio dez, desordem, anorrnalidade e sofrimento ern qualquer
superior no sentido de poder encontrar espac;o e com- aspecto do seu comportamento e de experiendar e ima-
preensao para 0 menor - as imagens antes de seus ginar a vida atraves desta perspectiva deforrriada e afli-
exemplares. A imaginac;ao torna-se urn metoda para a ta" (Hillman 1975a, p. 57). Nao ha cura para 0 patologi-
investigac;ao da psicopatologia. Este metodo helmeneuti- zar; ha, isto sim, uma re-avaliac;ao.
co tarnbem e essencialmente neoplatonico; e a maneira o fato do patologizar ser tambem uma "perspectiva
mais indicada para decifrar as configurac;5es grotescas e deforrnada" explica seu lugar no trabalho da irnaginac;ao
patologizadas da psicologia da Renascenc;a. Como diz o qual, de acordo com Gaston Bachelard (1884-1962) _
Wind ern seu "Observations Method" (1967, p. 238): "0 outra fonte irnportante da tradic;ao arquetlpica - deve
lugar-comum pede ser compreendido como uma reduc;ao acontecer atraves da "deforrnac;ao das imagens oferecidas
72 }Jsic07?atolo~
Psicopatologia 73
~la percepc;ao" (Bachelard 1943, p. 7). 13 esse olho patolo- A psicologia arquetipica, no entanto, da tres passos adi-
gtzado que, como 0 do artista e 0 do psicanalista, im- ante da antipsiquiatria. Primeiro, ela examina a pr6pria
pede que os fenomenos da alma sejam inocentemente perspectiva de normaliza<;ao no senti do de mostrar suas
compreendidos como meramente naturais. De acordo com "anormalidades" e propens5es patol6gicas. Segundo, ao
J~ng ,(e sua pesquisa em alquimia), 0 trabalho psicol6-
contrario de Szasz e Laing, a psicologia arquetipica man-
gIco e urn opus contra naturam. Esta ideia Hillman (1975a, tern a existencia real da psicopatologia como tal, inerente
pp. ~96) ap~0£:lnda ao ~tacar.a "falacia naturalista" que a realidade psiquica. Ela nem nega e nem tenta encon-
domma a malOna das pSlcologIas normativas. trar causa para a psicopatologia fora do ambito da alma:
Uma outra direc;ao da conexao mythos/pathos come<;a na polftica, no poder profissional, ou nas conven<;5es so-
com uma. f?:ma espe~ca de patologia, procurando por ciais. Terceiro, porque 0 patologizar e inerente a psique,
suas posslbilidades lll1ticas, como se descobrindo "0 Deus ele tambem e necessario. A necessidade de patologizar
na doen<;a". Os exemplos sao: Lockhart (1977), cancer; deriva, por urn lado, dos Deuses que mostram padr5es
'Moore (1979b), asma; l..everanz (1979), epilepsia; Hawkins de psicopatologia, e, por outro, cia alma a qual se toma
(1979), enxaqueca; Severson (1979), doen<;as da pele; atenta ao seu destine na morte exatamente atraves da in-
Kugelmann, glaucoma; Sipiora (1981), tuberculose. cansavel e assombrosa capacidade inventiva da psique de
. Ea tambem reflex5es mais genericas sobre patologia patologizar.
revlSta dentro de urna hermeneutica arquetipica: R. Stein Como 0 paradigma da psicopatologia em Freud foi
(19~4) sobre as desordens psicossexuais; Guggenbiihl- a histeria (e a paranoia) e em Jung foi a esquizofrenia, a
C~rug (197:) ~bre ? problema do poder arquetipico nas
psicologia arquetipica tern tratado, ate agora, prin-
atitudes medicas; Ziegler (1980) sobre medicina arquetipi- ci palmente da depressao (Hillman 1972c, 1975a,c,d, 1979a;
ca; Sardello (1980a) sobre medicina, doen<;a e corpo. Esses Vitale 1973; Berry 1975, 1978b; Guggenbiihl-Craig 1979;
trabalhos encaram 0 cerpo, a patologia e seu tratamento Miller 1981b; Simmer 1981) e perturba<;5es de humor
livr~s do positivismo da tradi<;ao clinica e empirica que (Sardello 1980b). A depressao tambem fomeceu urn foeo
o seculo XX herdou da medicina materialista e dentifi- para a K'-llturkritik, urn ataque a conven<;5es rnedicas e
cista do seculo XIX, bem como sua visao de sa tide sociais que nao perrnitem urn aprofundamento vertical da
doen<;a, e do poder her6ico do papel do medico. ' depressao.
.. ' '. N~ .certo senti do, essa posic;ao esta pr6xima da an- Uma sociedade que nao perrnite a seus individuos
tipsIqrnatrta de Thomas Szasz e de R. D. Laing. Cada urn Jldeprirnir-se" 4 nao pode encontrar a sua profundidade e
encara ascondi<;5es' "anormais" como existencialmente deve ficar permanentemente inflada numa perturba<;ao
humanas e assim fundamentalmente normais. Ton1am-se maniaca disfar<;ada de "crescimento". Hillman (1975a, p.
condi<;5es psiquiatricas quando vistas psiquiatricamente. 98) liga 0 horror ocidental a depressao com a tradi<;ao
74 Psicopatologia
Se a analise "termina", entao ela e govemada por urn como intendonais. Mas 0 terapeuta nao literaliza essas in-
tempo linear. Casey (1979, p. 157) eXpOe esta hip6tese: ten<;Oes, e assim a terapia segue 0 metoda freudiano de res-
" ...0 tempo da alma nao e presumivelmente continuo ... e tri<;ao e absten<;a:o. Ela se move ao longo de uma via negati-
descontfnuo, nao simplesmente em termos de rupturas ou W, tentando desliteralizar todas as formula<;Oes de inten¢o
lacunas... mas tendo muitas manifesta<;5es, varios tipos e de tal fo.ma que a analise permane<;a ligada as imagens
modalidades. A policentl'icidade da psi que demanda nao reais.
menos que isto, ou seja, urn tempo polimorfo ..." 0 fato o foco e a atmosfera especffiros do modo de trabalho
de as analises terem se tornado cad a vez mais long as da psicologia arquetipica e seu distandamento da analise
desde 0 principio com Freud e Jung deve ser compreen- dassica podem ser encontrados entre diversas pub1ica~Oes
dido como urn fenorneno da temporalidade da alma: ''E por duas raz5es: nao ha programa de treinamento (nao
a alma, de qualquer maneira, que esta tornando todo esse ha didatica), e nenhum trabalho sozinho exp5e a teoria
tempo extra, e deve estar fazendo isso por suas pr6prias da pratic:a da terapia. (Publica<;5es particularmente rele-
raz5es que tern aver primeiramente com ... estar toman- vantes sao: Guggenbiihl-Craig 1970, 1971, 1972, 1979; Ber-
do mais tempo do mundo para assim encorajar a flo- ry 1978a, 1981; Hillman and Berry 1977; Grinnell 1973;
rescenda de seu pr6prio tempo imaginal" (ibid., p. 156). Frey, Bosnak et.a!. 1978; Giegerich 1977; Hillman 1975a,
A prMica esta enraizada na visao de Jung da psique 1972a, 1964, 1977b,c, 1975c, 1974a; Hartman 1980; New-
como inerentemente intendona1: todo e qualquer evento man 1980; Watkins 1981).
psiquim tern telos. A psicologia arquetipica, contudo, nao o distandamento da analise dassica nao esta tanto
anunda esse telos. A intendonalidade qualifica os eventos na fonna da terapia mas em seu foeo. A psicologia ar-
psiquicos, mas nao e para ser literalizada a parte das ima- quetipica concebe a terapia, assim como a psicopatologia,
gens as quais ela pertence. Assim a psirologia arquetipica como a representa\.ao da fantasia. Em vez de prescrever
se abstem de instituir metas para a terapia (individua<;a:o ou ou empregar a terapia para a patologia, ela auto-exami-
totalidade) e para seus fenomenos tais como sintomas ou so- na a fantasia da terapia (de tal forma que a terapia nao
nha3 (comp"~saQ5es, avisos, indica¢es proreticas). A inten<;ilo perpetua a patologia literal, a qual traz a terapia a tona
permanece com urna perspectiva sobre os eventos, na des- e e tr~i.da a tona por uma terapia literal). A psicologia
cri<;ilo original de Jung da visao prospectiva versus a mo arquetiplca procura remeter a terapia as suas noQ3es de
redutiva. Fonnula<;6es positivas sabre 0 teles da analise Ie- si mesma (Giegerich 1977), tentando suspender a re-
yam apenas a teologia e a objetivos dogmaticos. A psicolo- pressao da inconsdenda da pr6pria terapia.
gia arquetipica encoraja 0 sentido de inten<;a:o como terapeu- Em "The Fiction of Case History", Hillman (1975c)
tiro em si porque ele intensifica 0 interesse do padente em examina 0 modelo de caso usado por Freud, e por analis-
fenomenos psiquicos, induindo os sintomas mais censuraveis, tas desde entao, como urn estilo de narrativa. De uma
78 A Pratica da Terapia A Pratica da;~r.phn1il1
" '. . ~. . :..".. .' .,: ' : :. .'
s6 vez 0 problema dos casos e os problemas contados neiro de 1977) afirma: A nossa pode ser· charnada.d~·
1/
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er6tico. Sempre que a psi que for levada em considerac;ao
ou for tomada como uma perspectiva em relac;ao' aos
acontecimentos, 0 enredo er6tico ira necessariarnente apa-
recer porque 0 tandem mito16gico' necessita de sua apa-
ric;ao conjunta. Enquanto 0 mite de Apuleio detalha os
obstaculos na relac;ao entre amor e alma, R. Stein (1974)
13. Eros desenvolveu uma abordagem arquetfpica aos impedimen-
tos incestuos05 na familia os quais previnem 0 eros de
tomar-se psicologico e a psi que de tomar-se er6tica.
Desde 0 principio, a psicologia profunda tern reco- A ideia de urn tandem mftico como base datranS-
nheddo 0 papel especial de eros em seu trabalho. Na ver- ferenda foi primeiramente sugerida pela teoria edfpica de
dade, a psicanaIise tern sido muito mais uma eroto- Freud e elaborada por Jung em sua teoria de, animal ani-
analise, :nqu~n~o uma analise da alma, uma vez que sua mus (CW 16). A psicologia arquetfpica continuou a des-
perspectiva baslca com relac;ao a alma tern sido libidinal crever uma variedade de tandens: Senex e Puer (Hillman
~ onipresenc;a de eros na terapia e na teoria de todas ~ 1%7b); Venus e Vulcano (M. Stein 1973); Pan e as Nin-
psicologias profundas e reconhedda sob 0 termo tecnico fas (Hillman 1972a); Apolo e Dafne; Apolo e Dioniso;
de transferencia. Hermes e Apolo (Lopez-Pedraza 1977); Zeus e Hera (M.
, A psicologia arquetfpica, analogamente a teoria Stein 1977); Artemis e Puer (Moore 1979a); Eco e Nard;.
alqufmica da psicologia da transferencia de Jung, imagi- so (Berry 1979b); Demeter e Persefone (Berry 1975); Mae
na a trans~erencia em contraste com urn background mfti- e Fillio (Hillman 1973b). Guggenbiihl-Craig discutiu as
co - 0 mttologema de Eros e Psique do asno de ouro de fantasias arquetipicas que operam na relaC;ao padente-
Apuleio (Hillman 1972c, pp. 63-125) - assim des-his tori- terapeuta (1971) e na dfade do casamento (1977). Esses
cizando .e des-personalizando a fenomenologia do amor tandens fornecem a oportunidade para 0 exame das di-
na terapla, bem como em qualquer paixao humana. "Ao versas formas de relac;5es er6ticas, suas ret6ricas e
reconhecer a primazia da imagem, pens amen to ar- ° expectativas, os diferentes estilos de sofrimento e as reci-
q~etfpico libera psique e lo~os para urn Eros que e ima- procidades entrelac;adas que cada tandem imp5e. Esses
"gt~~l ~Bed~ord 1981, p. 245). A transposiC;ao imaginal e tandens sao imaginados ocorrendo tambem intrapsiquica-
, mttica tm~hca que todo e qualquer fenomeno er6tico, in- mente, como padr5es das relac;5es entre complexos num
", Flu~n?o os sintomas er6ticos, bus cam consciencia psi- individuo.
,~~l?gtca ~que todo e qualquer fenomeno psiquico, in- Vma vez que 0 amor da alma e tambem 0 arnor da
",. ,dllmdo smtomas neur6ticos e psic6ticos, buscarn 0 abrac;o
'.< ',' ",
imagem, a psicologia arquetfpica considera a transferenda,
00 1:.r05
., ~ ~'.: .:
=======================7====~
induindo suas mais extremas demonstra~5es sexualizadas,
como sendo urn fenomeno da imagina~ao. Em nenhum
outro lugar a impessoalidade do mite toea a vida huma-
na mais pessoalmente. Assim a transferencia e 0 para-
digma para a elabora~ao das rela~Oes do pessoal elite-
ral. com 0 impessoal e imaginal. A transferencia e, por-
tanto, nada menos do que 0 eros exigido pelo proprio
despertar da realidade psiquica; e esse despertar imp5e 14. Teoria da Personalidade: Personificar;ao
papeis arquetipicos ao paciente e ao terapeuta, ressaltan-
do 0 do "paciente pskoI6gico", que se refere aquele que
sofre ou esm. apaixonado pela psique. Por esta rmo er6ti- A teoria de personalidade da psicologia arquetipica
ca - nao medica - a psicologia arquetipica prefere 0 difere fundamentalmente das principais visOes de perso-
termo "paciente" ao inves de cliente, analisando, orien- nalidade na psicologia ocidental. Se 0 patologizar per-
tando, etc. As lutas er6ticas em qualquer relacionamento tence a alma e nao deve ser combatido pelo ego forte, e
sao tambem lutas psicolOgicas com imagens e, a medida se a terapia consiste em dar apoio as for~as contra-eg6i-
que esta psychomachia procede nurna terapia arquetipica, cas, as figuras personificadas que sao alienigenas ao ego,
ha urna transforma~ao do arnor, de uma repressao e/ou entao a teoria da psicopatologia e a da terapia assumem
obsessao com imagens a urn paulatino amor por elas, a uma teoria de personalidade que nao e egocentrada.
urn reconhecimento de que 0 pr6prio amor esta enraiza- o primeiro axiorna desta teoria baseia-se nos ultimos
do em imagens, enraizado em sua continua apari¢o cria- desenvolvimentos da teoria dos complexos de Jung (1946)
tiva, e no arnor aquela alma humana particular na qual a qual afirma que toda personalidade e essencialmente
elas se manifestarn. mUltipla (CW 8, §388 ss.). Personalidade mUltipla e a hu-
manidade em sua condi~ao natural. Em outras culturas,
essas multiplas personalidades tern nomes, 10caliza<;5es,
energias, fun~Oes, vozes, formas angelicais e animais, e
ate mesmo formula~Oes te6ricas como diferentes tipos de
alma. Na nossa cultura, a multiplicidade de person ali.:.
dade e vista tanto como uma aberra~ao psiquiatrica ou,
na melhor das hip6teses, como introje~Oes desintegradas .
ou personalidades parciais. 0 medo psiquiatrico da per~
sonalidade multipla indica a identifica~ao da personali.;
dade com uma capacidade parcial, 0 "ego", quee por
Teoria da Personalidade: Personificat;iio 89
88 Teoria da Personalidade: Personificat;ao
ses:enta, ~/1i~Ier nos setenta e Giegerich em 1982. A inspi- Sonoma State, California (Gordon Tappan), e na Univer;-
ra~o plaroruca em Eranos, seu interesse pelo espfrito nurn sidade de Dallas (Robert Sardello). Em 1976 Hillman, e
tempo de crise e decadenda, 0 compromisso mutuo que Berry juntaram-se aos docentes do Departamento. de Re-
transcende a espedaliza<;ao academica e 0 efeito educati- ligioes da Universidade de Siracusa) Nova York, e· em
vo de Eros na alma foram, juntos, formativos nas dire<;6es colabora<;ao com David Miller trabalharam mais a fundo
que a psicologia arquetipica tomou subsequentemente. os problemas do pensamento monoteista e politeista.Em
Uma segunda linha biogrMica pode ser encontrada janeiro de 1977, parcialmente patrocinado por uma bolsa
num determinado perfodo (abril de 1969) no Warburg do Rockfeller Brothers Foundation, a psicologia arquetipi-
~titute em Londres e no confronto de LopeZ-Pedraza, ca promoveu seu primeiro Semimlrio Intemacional' na
Hillman e Berry com a tradi<;ao das imagens ciassicas Universidade de Dallas, reunindo algumas das pessoas
(pagas, politefstas) na psi que ocidental. Aqui eles encon- mencionadas neste artigo; Outras conferencias e semina-
trar~ terreno para a psicologia na imagina<;ao cultural, rios foram dados na Unlversidade de Notre-Dame, India-
espeClalmente a Mediterranea, a qual permitiria 0 retor- na (Thomas Kapadnskas), na Universidade de Duquesne,
no da psicologia de seus desvios causados pela ciencia Pensilvania, e na Universidade do Novo Mexico, (Ho-
natural e pel a espiritualidade oriental. Terceiro, foi a re- ward McConeghey). Em janeiro de 1978, a Universidade
edi~ao (1970) em; Z~rique do antigo jornal junguiano de Dallas nomeava Hillman Professor de Psicologia e Se-
Sprmg como urn orgao do pens amen to arquetipico e 0 nior Fellow no Institute of Philosophie Studies (Robert
lan~ento de outras publica<;5es, bern como seminarios Sardello) e Berry como Professora Visitante.
sobre leituras psico16gicas de imagens renascentistas. Enqt:.anto isso, Lopez-Pedraza era nomeado Confe-
- r.; Quarto: desenvolvimentos subsequentes aconteceram rendsta em mitologia e psicologia na Faculdade de Le-
-no hemisferio ocidental. Em fevereiro de 1972, 0 convite tras da Universidade de Caracas. Com a inaugura<;ao
-para ministr~ as ~amosas Dwight Harrington Terry Lec., (1981) do Dallas Institute of Humanities and Culture (cujo
Jur~s; na Uruversldade de Yale permitiram a Hillman corpo docente induiu Sardello, Thomas, Moore, Stroud,
;{197Sa)apresentar a primeira formula<;ao abrangente da Berry, Hillman, Guggenbiihl-Craig) a psicologia ,arquetipi-
_;p~icolpgia arquetipica. Isso foi seguido pelo encontro de ca voltou-se para a "alma no mundo" (anima mundz) cia
Hillman e Berry como conferencistas visitantes da Facul- ddade. A "cidade" toma-se 0 paciente, 0 lugar do pa-
dadeide·Psicologiade Yale, onde sua associa<;ao com 0 tologizar e 0 loclls onde a imagina<;ao da alma e realiza-
Jil6sofodessa,Universidade Edward Casey direcionou seu da na terra, exigindo uma perspectiva arquetipicamente
:tr~p_alho . para ,mutuas e~plora<;5es da filosofia da imagi- psico16gica para 0 exame de suas doen<;as;
.na<;ape.:da,.fenomenologIa. Em meados dos anos 70, pro- N enhum pais europeu respondeu com maior atenc;ao
;gramas},de.;pos-gradua<;ao estavam sendo instalados ern a esse pensamento revisionista do que a ltalia. Urn grande~
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Notas