Rossetto - A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NAS CIRANDAS INFANTIS DO MST PDF
Rossetto - A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NAS CIRANDAS INFANTIS DO MST PDF
Rossetto - A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO NAS CIRANDAS INFANTIS DO MST PDF
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
CAMPINAS
2016
EDNA RODRIGUES ARAUJO ROSSETTO
CAMPINAS
2016
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): CAPES
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca da Faculdade de Educação
Rosemary Passos - CRB 8/5751
Título em outro idioma: The organization of pedagogical work in the infant Cirandas
of MST: fight and play is part of the life school of little landless
Palavras-chave em inglês:
Human formation
Identity Landless
Childhood Landless
Children cultures
Landless Rural Workers Movement
Área de concentração: Ensino e Práticas Culturais
Titulação: Doutora em Educação
Banca examinadora:
Luiz Carlos de Freitas [Orientador]
Daniela Finco
Márcia Aparecida Gobbi
Antonio Miguel
Lisete Regina Gomes Arelaro
Data de defesa: 23-02-2016
Programa de Pós-Graduação: Educação
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
COMISSÃO JULGADORA:
2016
Aos meus pais, José Rodrigues de Araujo (in memoriam), de quem
orgulhosamente carrego as marcas, e Laudilina Francisco dos Santos (in memoriam),
ainda tão bela e jovem aos seus 87 anos, os quais me deixaram tanta saudade. Ambos
trabalhadores do campo, semianalfabetos, nunca mediram esforços para propiciar a seus
filhos e filhas o acesso a uma educação emancipadora.
Aos meus filhos, Sem Terrinha, Ana Gabriela e Luís Pedro, que enchem minha
vida de alegria e me acompanharam nos estudos e na luta pela terra fazendo acreditar
que é possível uma sociedade de seres humanos emancipados.
Ao Neuri Domingos Rossetto, companheiro de amor, de todos os dias e de todas
as lutas e labutas, lutador incansável contra toda forma de opressão e por um mundo
melhor, exemplo de companheirismo e de amor à causa do povo.
Às minhas irmãs e irmãos que com imenso carinho na sua luta, viveram e
torciam por mim todos os dias, durante esta pesquisa.
A todas as crianças Sem Terrinha que resistem à chuva, ao sol e à fome na luta
pela conquista da terra, tornando possível o sonho de uma reforma agrária mais justa e
solidária.
Ao MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, meu grande educador, por
nutrir-me permanentemente de esperanças na possibilidade da emancipação humana.
AGRADECIMENTOS
- Ao meu orientador Prof. Dr. Luiz Carlos de Freitas e à minha Coorientadora Prof.ª
Dr.ª Ana Lúcia Goulart de Faria, pela acolhida do meu projeto de pesquisa na FE-
Unicamp e pela orientação rigorosa, competente e que, como disse Che, “sem perder a
ternura revolucionária” me propiciou reflexões importantíssimas no processo de
construção do conhecimento.
- Aos Sem Terrinha e às educadoras da Ciranda Infantil Dom Tomás Balduíno, pelas
horas de brincadeiras, trocas de conhecimentos e saberes, como também pelo processo
de pesquisa que construímos durante este estudo.
A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos,
ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, o horizonte
corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais
alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso:
para que eu não deixe de caminhar.
(Eduardo Galeano)
This doctoral research was conducted in the Permanent Children's Ciranda of the
settlement Don Tomás Balduíno and Itinerant Ciranda Paulo Freire in the VI Landless
Rural Workers Movement National Congress. It aims to investigate the organization of
the pedagogical work developed in the Cirandas, analyzing to what extent it contributes
or not to the formation of the Landless Children, in a perspective of a social
transformation. The Cirandas are intentionally designed educational spaces in which
children learn on the go (in movement), to conquer their space in the MST; where they
have the opportunity to participate and understand the process of the struggle for land;
as well as a space for participation of girls and boys in the construction of the Landless
Rural Workers Movement, while being a child and living his childhood. The
methodological procedures were defined in order to unveil the process of human
development experienced by children within the Cirandas and their participation in the
struggle for land along with their families. Data collection was carried out by joint field
observation, semi-structured interviews and documentary research. The material
collected points to some categories: class identity and social struggle, in studies of
Caldart (2000) and Bogo (2007; 2008); values: solidarity and companionship, pointed
out in the MST documents (2005-2011) and the community, self-organization and
children collective, also presented by Pistrak (2002-2009) Freitas (2012) and the MST
documents (2001; 2004; 2011). The results of this research show that the Children
Cirandas play a key role in shaping landless children, at times, more organized, in
others less so, as a consequence of the material conditions and the limitations of the
MST itself. In this process, the boys and girls will recognize themselves as Landless
Childen, identity constructed by the children, strengthening their struggle and belonging
to the Landless Movement. Since to fight and to play is an essential part of this great
school of life, playing, crying, laughing, jumping, fighting and building an
emancipatory education.
Quadro 1: Resumo dos fatos históricos que foram constituindo a Ciranda Infantil no
MST ................................................................................................................................ 53
Quadro 2 - Referente às entrevistas com educadores e educadoras, dirigentes do MST 92
Quadro 3 - Referente às entrevistas com os adolescentes .............................................. 95
Quadro 4 - Referente às observações de campo nas Cirandas Infantis, permanente e
itinerante. ...................................................................................................................... 101
Quadro 5 - Referente a documentos produzidos pelos Sem Terrinha .......................... 103
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 14
1 - A CIRANDA INFANTIL EM MOVIMENTO: “LUTAR TAMBÉM É UMA FORMA DE
ESTUDAR”................................................................................................................................. 29
1.1- A educação em pauta no MST - educar as crianças em movimento na luta pela terra. ....... 33
1.2 Momentos históricos da Ciranda Infantil no MST − brincando, pulando, lutando, vamos
todos cirandar. ............................................................................................................................. 45
1.3 O protagonismo das crianças e sua participação nas Cirandas Infantis dos Movimentos
Sociais do Campo. ....................................................................................................................... 55
1.4 A Ciranda Infantil Paulo Freire no VI Congresso do MST − Sem Terrinha na luta pelo
direito à educação. ....................................................................................................................... 63
1.5 A educação infantil do campo – uma política pública em construção. ................................. 77
2 TECENDO ALGUNS FIOS: OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ....................... 86
2.1- Passos iniciais da pesquisa. .................................................................................................. 87
3 A CIRANDA INFANTIL DO ASSENTAMENTO DOM TOMÁS BALDUÍNO E A
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO: “A LUTA FEZ BROTAR A VIDA,
VIDA DIGNA” ......................................................................................................................... 107
3.1 A regional da Grande São Paulo - De onde vêm esses sujeitos?......................................... 107
3. 2 O Assentamento Dom Tomás Balduíno ............................................................................. 109
3.3 A organização do trabalho pedagógico: o espaço, o tempo e a organicidade dos Sem
Terrinha. .................................................................................................................................... 116
3.4 A organização do trabalho pedagógico: o processo de formação humana das crianças e a
construção do conhecimento. .................................................................................................... 131
4 OS LUTADORES E LUTADORAS, CONTRUTORES E CONTRUTORAS SOCIAIS:
MARCAS ESSENCIAIS NA FORMAÇÃO DOS SEM TERRINHA ..................................... 155
4.1 A construção da identidade Sem Terrinha e a pedagogia da luta social ............................. 164
4.2 A coletividade, a auto-organização e o coletivo infantil. .................................................... 177
4.3 A vivência dos valores: a solidariedade e o companheirismo. ............................................ 192
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................... 205
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................... 226
REFERÊNCIAS FOTOGRÁFICAS ......................................................................................... 237
ANEXO I – Memorial ............................................................................................................... 240
Tessituras das minhas memórias ............................................................................................... 240
ANEXO II – Jornal das Crianças .............................................................................................. 248
14
INTRODUÇÃO
Atualmente, a luta pela terra não é somente contra o grande latifúndio, mas
também contra as grandes empresas do agronegócio, que vêm investindo pesadamente
no campo, expulsando famílias inteiras de suas pequenas propriedades. É importante
ressaltar que esse modo de produção, ao longo do seu desenvolvimento, vai deixando
dívidas não resolvidas para as gerações, presentes e futuras. Dívidas que são frutos das
contradições do próprio sistema capitalista para as quais os movimentos sociais vão
buscando saídas e soluções. Este contexto social é também marcado pela criminalização
dos movimentos sociais do campo.
Essa pesquisa foi marcada, também, por vários momentos difíceis na vida da
pesquisadora, entre eles a perda de um ente querido, minha mãe tão linda, tão bela e tão
sábia em seus quase 90 anos, quanta saudade! Como também foi marcada por encontros
e desencontros – encontros com as gerações de crianças que frequentam e as que já
passaram pelas Cirandas nas diversas atividades do MST1; desencontros das várias
1
Ao me referir ao MST − Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra − utilizarei a palavra
Movimento, com M maiúsculo, ou MST, com todas as letras maiúsculas.
15
atividades adiadas pelo MST, por não ter as condições materiais para realizá-las. Dessa
forma, essa pesquisa talvez apresente alguns limites, que podem ocorrer pelos próprios
limites da pesquisadora para compreender uma realidade tão complexa ou por conta das
contradições que apresenta a sociedade capitalista.
2
A Ciranda Infantil do assentamento Dom Tomás Balduíno não tem um nome especifico, mas todos e
todas no Movimento Sem Terra do estado a conhecem como Ciranda Infantil Dom Tomás. Esse será o
nome com que vou me referir a ela na pesquisa.
3
Na Regional da Grande São Paulo tem poucas as crianças que vivem nas áreas de reforma agrária, não
alcançando 40, no total. No assentamento pesquisado existem 75 crianças e a maioria delas nasceu
depois da conquista da terra.
16
É importante salientar que a luta dos/as camponeses/as pela terra sempre esteve
presente na história do Brasil. Eles e elas, de alguma forma, sempre encontraram
maneiras de resistência através da participação organizada em movimentos sociais a fim
de reivindicar o direito à terra e superar a exclusão que lhes foi imposta historicamente.
Assim, após serem duramente massacradas pelo golpe militar de 1964, as lutas pela
terra reiniciaram de forma desarticulada, na década de 1970, em várias partes do Brasil.
A necessidade de sobrevivência forjou as lutas e transformou em ação o sonho de
trabalhar a terra. A partir dessas ações desarticuladas, os camponeses foram
organizando melhor suas ações, formando vários movimentos de luta pela terra e pela
reforma agrária.
organiza na busca de libertação, ou seja, para superar alguma forma de opressão e para
atuar na produção de uma sociedade transformada. Essa luta é assumida por todos os
membros da família. Silva (2002), na sua pesquisa de mestrado “A educação da
infância entre os trabalhadores rurais sem terra”, no Acampamento Oziel Alves, no
estado de Goiás, realizou um estudo descritivo e explicativo apontando as
preocupações, as inquietações, as tensões e os conflitos vividos pelas crianças nesse
acampamento e mostra as crianças organizadas na luta, juntamente com suas famílias,
por melhores condições de vida. Além disso, apresenta como o MST concebe e pensa o
processo de educação das crianças.
Dessa forma, o MST foi organizando a luta pela educação junto com a luta pela
terra e cada escola implantada nos assentamentos foi uma luta realizada para sua
conquista. Como afirma Freitas (1991, p. 12):
Segundo o MST (2004), a Ciranda Infantil tem por objetivos trabalhar as várias
dimensões de ser criança Sem Terrinha, como sujeitos de direitos, com valores,
imaginação, fantasia, vinculando as vivências do cotidiano, as relações de gênero, a
cooperação, a criticidade e a autonomia. É importante ressaltar que a Ciranda é um
espaço educativo intencionalmente planejado, no qual as crianças aprendem, em
movimento, a ocupar o seu lugar na organização da qual fazem parte. Considerando que
a educação ainda não é a mesma para todos nesta sociedade capitalista, caberia
perguntar: quem define o modelo de formação e a quem cabe proporcioná-la?
25
Uma escola humanista [...] uma escola de liberdade e de livre iniciativa e não
uma escola de escravidão e mecânica. Uma escola onde os filhos dos
proletários devem usufruir de todas as possibilidades, todos os campos livres
para poder realizar a sua própria formação no melhor sentido e, portanto, no
modo mais produtivo para eles e para a coletividade. Uma educação
vinculada aos interesses da classe trabalhadora.
Gramsci (2004) ainda chama a atenção para esse processo de formação, que
deve produzir conhecimento a partir das relações de trabalho, mas o trabalho concebido
em sua dimensão ontológica, como condição de vida, de humanização, já carregando
consigo o interesse da classe trabalhadora como possibilidade de emancipação e
formação humana. Ele aponta que é preciso pensar que a mudança da sociedade passa
por construir uma prática educativa contra-hegemônica.
A emancipação forma uma nova cultura, uma ética livre, a real cidadania.
Quando homens e mulheres, ao longo da história, (...) inventamos a
possibilidade de nos libertar na medida em que nos tornamos capazes de nos
perceber como seres inconclusos, limitados, condicionados, históricos.
Percebendo, sobretudo, também, que a pura percepção da inconclusão, da
limitação, da possibilidade, não basta. É preciso juntar a ela a luta política
pela transformação do mundo. A libertação dos indivíduos só ganha profunda
significação quando se alcança a transformação da sociedade.
Marx (2010, p. 41) ressalta que: “Não há dúvida que a emancipação política
representa um grande progresso. A emancipação política é a revolução da sociedade
burguesa. Todavia, não tenhamos ilusões quanto ao limite da emancipação política”.
Lessa (2007, p. 8) afirma que “A emancipação política é um ‘enorme progresso’ de
constituição histórica da sociabilidade regida pela propriedade privada burguesa”. A
emancipação humana pretendida por Marx (2010) só seria possível com a superação da
propriedade privada, o que para ele significava a emancipação total de todas as
qualidades humanas.
CAPÍTULO I
Atualmente a luta pelo acesso à terra e pela permanência nela vai além da
disputa com o latifúndio. Aparecem, com muita força, as empresas multinacionais que
expulsam os trabalhadores do campo. Conforme afirmado no documento Programa
Agrário do MST5 (2013), as 50 maiores empresas agroindustriais de capital estrangeiro
e nacional passaram a controlar praticamente todo o comércio das commodities
agrícolas no Brasil. Geralmente, uma mesma empresa controla as sementes, os
fertilizantes, os agroquímicos, o comércio e a industrialização de produtos agrícolas, a
produção e o comércio de máquinas agrícolas. Entre 2003 e 2010, as grandes
propriedades passaram de 95 mil para 127 mil unidades. A área controlada por elas
passou de 182 milhões para 265 milhões de hectares, em apenas oito anos. Os grandes e
médios proprietários que representam o agronegócio controlam 85% das terras e,
praticamente, toda produção de commodities para exportação e estima-se que as
empresas estrangeiras devem controlar mais de 30 milhões de hectares de terras no
Brasil.
Estes números, por si só, mostram como o capitalismo tem agido no campo,
promovendo a expropriação dos trabalhadores de seus direitos à terra e ao trabalho. No
Brasil, mais de cinco milhões de famílias encontram-se sem terra. Soma-se a isto, a
presença de trabalho escravo; a brutal concentração de terras – 56% da terra agricultável
5
Esse documento foi elaborado para o debate da Questão Agrária em preparação ao VI Congresso do
MST.
30
Em 1984 o MST teve a primeira escola reconhecida pelo Poder Público, com o
nome de Margarida Maria Alves, no assentamento de Nova Ronda Alta/RS. Na década
de 1990, a necessidade era a alfabetização de jovens e adultos, por conta da
organicidade dos primeiros assentamentos e acampamentos, ou seja, da implementação
das cooperativas nos assentamentos. Nesse mesmo período, surgem as primeiras creches
nos assentamentos onde está organizado o trabalho coletivo nas cooperativas e mais
tarde passaram ser chamadas de Cirandas Infantis. Na metade da década de 1990, em
34
1996, surge o ensino médio técnico e, mais recentemente, os cursos superiores e a pós-
graduação.
Em 1987, o MST criou um setor interno para fazer o debate dessa demanda das
crianças. Assim, o Setor de Educação nasce com esse propósito de elaborar uma
proposta de educação, cujo elemento principal era o debate coletivo de uma concepção
de educação que identificava o processo de formação humana vivido pela coletividade
sem terra. A pergunta que norteava os debates, nesse período, era: que escola e que
educação queremos para as crianças de área de reforma agrária? Outro elemento que
essa educação tinha no seu horizonte era a formação de lutadores e construtores de
novas relações sociais. Segundo Kolling (2012), isso levou a refletir sobre o conjunto de
práticas que faz o dia a dia dos Sem Terra e aprender com as pedagogias que permitem
qualificar a intencionalidade educativa no MST, pondo em ação diferentes matrizes
constituidoras do ser humano como: o trabalho, a luta social, a organização coletiva e a
cultura, elementos que vêm fazendo parte da construção do conhecimento dos sujeitos
Sem Terra.
A luta pela terra e pela reforma agrária não se limita à conquista da terra e, sim,
é uma das primeiras lutas que se faz, e uma luta muito árdua para garantir a
sobrevivência e o direito do trabalhador do campo. Nesse processo de luta, o
Movimento procura construir uma educação vinculada à vida humana e vem
desenvolvendo ações em vários setores, dentre os quais se destaca os projetos
educacionais, como elemento tático para a construção do projeto histórico-socialista. O
trabalho de educação com as crianças no MST tem buscado construir referências
teóricas e práticas, construindo uma escola aberta para a vida, em todas as dimensões
sociais e políticas dos trabalhadores e trabalhadoras do campo.
Com isso, o MST almeja uma educação que tenha no seu centro a pessoa
humana, uma educação preocupada com várias dimensões deste sujeito, voltada para a
cooperação, para os valores humanistas e socialistas e com profunda crença no seu
processo de formação e transformação. A proposta de educação do MST está delineada
em vários documentos produzidos coletivamente pelo Setor de Educação que expressam
uma concepção de educação orientada de acordo com os interesses da classe
trabalhadora, fazendo com que a implantação da proposta educativa do MST seja
permeada por contradições e possibilidades.
6
Os estados em que o Movimento não está organizado atualmente são: Acre, Amazonas, Amapá. A partir
de 2008 o MST inicia sua organização no Estado de Roraima.
7
1) Educação para a transformação social; 2) Educação para o trabalho e a cooperação; 3) Educação
voltada para as várias dimensões da pessoa humana; 4) Educação com/para valores humanistas e
socialistas e 5) Educação como um processo de formação e transformação humana.
8
1) Relação entre teoria e prática; 2) Combinação Metodológica entre processos de ensino e de
capacitação; 3) A realidade como base da produção do conhecimento; 4) Conteúdos formativos
socialmente úteis; 5) Educação para o trabalho e pelo trabalho; 6) Vínculo orgânico entre processos
educativos e processos políticos; 7) Vínculo orgânico entre processos educativos e processos
econômicos; 8) Vínculo orgânico entre educação e cultura; 9) Gestão democrática; 10) Auto-
organização dos/das estudantes; 11) Criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos
educadores/ educadoras; 12)Atitude e habilidade de pesquisa; 13) Combinação entre processos
36
Shulgin (2013, p. 90) afirma que o trabalho pedagógico dever ser conforme “as
forças dos adolescentes e das crianças e com as particularidades da sua idade e as
potencialidades das crianças para que o trabalho tenha efeito e resultado
pedagogicamente”. Conclui-se que não é todo trabalho que é um trabalho social. O
mesmo autor (p. 188) afirma que:
38
Com esse entendimento, o MST foi traçando sua concepção de educação que
acontece em diversos espaços, como, por exemplo, nas marchas, assembleias, escolas,
ocupações, compreendendo que cada espaço deste é educativo e cada escola
conquistada é resultado das lutas e mobilizações que o Movimento vem desenvolvendo
ao longo da sua história. O ponto de partida desse processo educativo é a produção da
existência material da vida, aliada às suas experiências de luta. Segundo Araújo (2007,
p. 58):
Se quisermos formar lutadores por uma nova sociedade, haverá que formá-los
a partir da realidade das lutas sociais que se encontram na prática social.
Teremos que abrir a escola para a ‘vida’ e impedir o isolamento da escola em
relação a esta. Do ponto de vista metodológico, deve emergir desta decisão
um procedimento que retire a centralidade da sala de aula e da aula no
ambiente formativo do aluno. A sala de aula e a aula são um refúgio seguro
contra a vida. A nova forma escolar deve, portanto, estar baseada na vivência
da vida, vivência com propósitos formativos e na criação de seus
instrumentos de inserção.
Essas questões aparecem nas escolas dos assentamentos, pois estas são
vinculadas aos estados, aos municípios, ao sistema educacional, estabelecendo relações
antagônicas e confrontando-se diariamente com a proposta de educação do MST, que
contraria a ordem social vigente, está a serviço dos interesses da classe trabalhadora do
campo e vinculada ao projeto de sociedade que esse Movimento vem discutindo.
valorização do capital e não das pessoas. Caldart (2000, p. 87), em seus estudos, define
a Pedagogia do Movimento Sem Terra como:
A autora chama atenção para outras dimensões educativas para além da escola,
quando fala no Movimento como educativo, isto é, sugere que a educação se dá em
vários espaços para além da escola: no cotidiano de trabalho e convivência nos
assentamentos e acampamentos, nos processos de luta, na participação nas várias
instâncias do Movimento, encontros, assembleias, nas marchas, indo além dos espaços e
das práticas educativas, sistematizados, organizados e planejados como a escola, os
encontros, os cursos. Caldart (2000), em seu estudo sobre o MST, afirma que o
Movimento na sua trajetória histórica de luta pela terra, pela reforma agrária e pela
transformação da sociedade, ao colocar em movimento a sua pedagogia aciona várias
matrizes pedagógicas, como por exemplo:
Nos estudos de Caldart (2000, p. 87), ela afirma que “os Sem Terra se educam à
medida que se organizam para lutar, se educam também por tomar parte de uma
organização que lhes é anterior, quando considerados como pessoa ou família
específica”. Nesta perspectiva, a pedagogia da luta social se consolida na medida em
que está intimamente vinculada à pedagogia da organização coletiva, de modo a se
tornar uma cultura do coletivo que ultrapassa a vida da organização e a esfera da luta
política, atingindo a vida social dos indivíduos em sua totalidade.
escolas espalhadas pelo Brasil afora, que são permanentemente bombardeadas pelas
políticas educacionais mercadológicas, implementadas pelos governos estaduais e
municipais.
Os processos de transformação social são os que fazem a história e eles são obra
de sujeitos coletivos e não apenas de indivíduos. Sujeitos que são enraizados em uma
coletividade. Esta matriz pedagógica apresenta também as diferentes formas de
cooperação desenvolvidas nos acampamentos e assentamentos, a partir dos princípios,
valores e objetivos da organização, visando trabalhar e lutar por um novo jeito de fazer
o desenvolvimento do campo.
9
Nos seus estudos, Gramsci atribuiu aos intelectuais o papel de organizadores da cultura. Segundo o
autor, o “intelectual orgânico” é aquele que surge em ligação direta com os interesses da classe que
ascende ao poder, ao mesmo tempo que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não
apenas no campo econômico, mas também no social e político. As classes dominantes em geral
possuem seus intelectuais orgânicos, cuja função é fazer com que os dominados pensem com a cabeça
da classe dominante. Do mesmo modo, a classe trabalhadora possui seus intelectuais, cuja função é
desenvolver as ideias contra hegemônicas.
44
10
Para melhor aprofundamento sobre as cooperativas do MST, recomendamos o estudo de Christoffoli
(2000) e MST (1991) − Sistema Cooperativista dos Assentamentos – SCA.
11
De acordo com Clodomiro S. Morais (1986), o laboratório de produção, é um ensaio prático e real no
qual se busca introduzir em um grupo social a consciência organizativa, de que se necessita para atuar
em práticas organizadas coletivamente. Para melhor aprofundamento ver: Caderno de Formação n. 11,
do Movimento Sem Terra, intitulado “Elementos sobre a Teoria da Organização no Campo”.
46
Sem creche não poderei curtir todos eles’. O prazer do convívio das crianças
nas primeiras creches (ditas) selvagens, italianas e francesas, por exemplo,
levou pesquisadoras feministas a observarem como são as crianças quando
estão fora da família, o que levará, nos anos 1980, o próprio movimento
feminista a levantar a bandeira também de creches para as crianças pequenas
e não só para suas mães trabalhadoras. A primeira orientação para a educação
das crianças em creches realizada no Brasil foi feita pelo Conselho Nacional
dos Direitos da Mulher (CNDM) e pelo Conselho Estadual da Condição
Feminina (CECF) denominada ‘Creche-urgente’. Hoje, conquistamos, já no
papel, tanto o direito trabalhista dos ‘trabalhadores e trabalhadoras, rurais e
urbanos’ para que seus filhos e filhas sejam educados/as em creches e pré-
escolas, como o direito de todas as crianças de 0 a 6 anos de serem, por opção
de suas famílias, educadas fora da esfera privada por profissionais formadas
para isso (e não antecipar a escola obrigatória).
Para Faria (2005), a creche era uma conquista para as mulheres que desejavam,
além da maternidade, o direito de viverem outras experiências. Nas palavras destas
mulheres, a creche era vista como um local que favoreceria a concretização destes
desejos. Segundo a autora (2005, p. 132) “é a creche que vai garantir o direito de ser
mãe, trabalhar, estudar e namorar e, para as crianças, a creche representa um local que
possibilita o convívio com as diferenças, tanto em relação a seus pares quanto em
relação aos adultos”.
Segundo Arelaro (2005), nessa luta pelas creches, as mulheres do campo, que
levam suas crianças para o local de trabalho, também já demonstram sua insatisfação. A
Autora (2005, p. 43) afirma que:
Com esse entendimento que as crianças precisam ter um lugar próprio para
brincar, se relacionar etc., é que nas cooperativas foram criados os setores de creches e
refeitórios coletivos para dar condições às mulheres Sem Terra participarem do trabalho
coletivo, viabilizando o processo produtivo do assentamento. A experiência de
cooperativas se deu mais acentuadamente em algumas regiões Sul e Sudeste do país.
Bihain (2001, p. 27) relata que, no início, as Cirandas Infantis aconteciam em:
[...] uma casa sem divisórias e sem o mínimo de estrutura para acolher as
crianças, para alimentá-las, para oferecer-lhes seus horários de sono, seus
momentos de lazer e de brincar. Enfim, era um espaço sem atrativos, sem
ocupações, sem conforto. O atendimento era feito por crianças maiores e
algumas jovens educadoras leigas.
48
O debate interno no MST era outro, não era a participação das crianças na
coletividade, no entanto, isso não quer dizer que não havia preocupação com elas, mas
não era fundamental. Em algumas cooperativas podia-se perceber essa questão, até pelo
espaço que era reservado para a creche, sempre o que sobrava, ou seja, o que não servia
para nada. Às vezes, as educadoras precisavam pintar, lavar ou bater o chão quando não
tinha piso, tampar os furos das paredes, para deixar o espaço mais habitável para receber
as crianças.13 No entanto, é importante ressaltar que, mesmo com toda essa dificuldade,
os educadores e as educadoras participavam do debate da cooperativa e tinham
consciência dos objetivos da organização, e que assim, o trabalho com as crianças já
tinha como norte a coletividade.
12
Essa cooperativa resistiu até 1997. A Ciranda funcionou no mesmo período encerrando seus trabalhos
junto com a cooperativa.
13
Muitas educadoras diziam que geralmente esses espaços pareciam muito mais com um depósito das
crianças e elas tinham que trabalhar muito para superar esses limites.
49
pois essa é uma estrutura muito cara para manter num padrão mais digno, mesmo assim,
as cooperativas vêm organizando da melhor forma possível esse espaço.
Assim que formou a frente de educação infantil14. O MST organizou a ida das
pessoas que compunham essa Frente a Cuba, para conhecerem a experiência de
educação infantil daquele país. A prática pedagógica de Cuba foi uma das inspirações
para o início do trabalho com as crianças no setor de educação, em muitos estados, antes
de definir como se chamariam esses espaços que chegaram a ser denominados de
“Círculos Infantis”, inspirados na experiência cubana.
Entre os anos de 1996 e 1997, muito foi debatido nos estados sobre a proposta
de educação infantil e também sobre o nome que levaria o espaço dedicado à educação
das crianças. Foi em uma reunião do Setor de Educação Nacional, no ano de 1997, que
se decidiu que esse espaço se chamaria Ciranda Infantil.
O nome Ciranda Infantil não surge por acaso, ele surge expressando aquilo
que o MST sonhava para as crianças das áreas de assentamento e
acampamentos no que se refere aos processos educativos para essa faixa
etária. O nome ciranda nos lembra criança em ação. E essa ação dá-se na
brincadeira coletiva. Vai além do brincar juntos, pois é um espaço de
construção de relações através de interações afetivas, de solidariedade, de
sociabilidade, de amizade, de fraternidade, de solidariedade, de linguagem,
de conflitos e de aprendizagem.
O lema trabalhado no ENERA foi: “Movimento Sem Terra: com escola, terra e
dignidade”. Este lema assumiu, com mais força, a educação como um direito a ser
construído e conquistado pelos assentados e acampados. Assim, alguns desafios foram
apontados para os próximos períodos, tais como:
A luta pela terra é uma luta em família, e a presença das crianças cria novas
necessidades para a organização do Movimento. Assim, o espaço e a vivência
no acampamento passam, obrigatoriamente, a envolver não somente adultos,
mas, necessariamente, novos sujeitos: as crianças. Todo esse processo vai
materializando a preocupação do Movimento e do Setor de Educação com
esses novos sujeitos, que não são passivos, muito ao contrário, aprendem a
53
Quadro 1: Resumo dos fatos históricos que foram constituindo a Ciranda Infantil no
MST
1.3 O protagonismo das crianças e sua participação nas Cirandas Infantis dos
Movimentos Sociais do Campo.
15
Essa marcha foi organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Comissão
Pastoral da Terra (CPT), Via Campesina e Grito dos Excluídos. Outros movimentos também fizeram
parte da marcha, como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos
Trabalhadores Desempregados (MTD), o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), pelo
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), pelo Centro de Mídia Independente (CMI), pela
Conferência Nacional dos Bispos Brasil (CNBB), além de representantes de outras entidades.
16
Grito de ordem das crianças que participaram da marcha de 2005.
56
17
dirigente do Setor de formação do MST resume o significado da experiência da
Ciranda da Marcha:
Para mim a experiência da Ciranda da Marcha foi inédita, pois não sei se já
aconteceu uma experiência dessas, na história do Brasil. Imagine 12 mil
pessoas e crianças marchando. Isso só foi possível porque foi organizada a
Ciranda para que, no fim do dia, não tivesse caso de crianças perdidas; isso
quer dizer que crianças, para o MST, é coisa séria. Por mais que a Ciranda
teve muitos problemas, vejo que essa ciranda foi um caso inédito até para nós
do MST, pois foi naquele momento, que nós enquanto dirigentes, nos demos
conta que as crianças também eram sujeitos que construíam a marcha junto
com nós, ou seja, a marcha não era só com os adultos, as crianças estavam lá
fazendo história.
Edgar Kolling, em entrevista, afirma que o MST não tinha se preparado para
receber tantas crianças e isso foi um limite para a organização naquele momento.
Segundo Kolling:
17
Dirigente do Setor de formação do MST, atualmente é estudante do mestrado da Via Campesina em
parceria com a Unesp.
18
Rosana Fernandes, nos últimos anos vem colaborando no debate sobre a infância no MST, atualmente
ela é estudante do mestrado da Via Campesina em parceria com a Unesp e está contribuindo com a
direção política da Escola Nacional Florestan Fernandes.
57
pensar a Ciranda Infantil, pois hoje no MST as crianças vêm e esperam que
tenham um espaço organizado com qualidade para elas. Por isso, vejo que
precisamos manter esse debate sobre infância sem terra, pois compreendemos
que a Ciranda Infantil possibilita que as crianças desde bem pequenas sintam-
se sujeitos desse processo na luta pela terra.
Uma vez que a condição de sem terra envolve toda família, no MST, o lugar
da criança, não é outro, se não o da própria luta; e é nesse contexto educativo
que se engendram também grande parte das experiências de suas infâncias.
Desse modo, pensar a infância no MST requer admitir que não existe uma
realidade homogênea que a caracteriza, uma vez que condicionantes como
classe, etnia, cultura e gênero colocam as crianças em confronto com
diferentes experiências socioculturais [...]. Contudo, pode-se identificar que
alguns elementos são comuns na constituição das experiências socioculturais
das crianças que estão envolvidas na luta pela terra, como a condição de
viverem suas infâncias no contexto do mundo rural, pertencerem à classe
trabalhadora e fazerem parte do MST. Esse último elemento talvez seja o que
mais as identifica enquanto coletividade e mais as diferencia em relação às
outras crianças – que também vivem no meio rural e da mesma forma
pertencem à classe trabalhadora. Mais do que ser filho e filha de acampados e
assentados, a participação vai possibilitando também a construção de uma
identidade coletiva, quando passam a perceber-se como Sem Terrinha.
Com esse entendimento foi que o MST começou um debate mais aprofundado
sobre a infância Sem Terra em suas instâncias: Direção Nacional, Coordenação
Nacional e em vários Setores, como: Frente de Massa; Cultura; Saúde; Produção,
Cooperação e Meio Ambiente; Comunicação; Educação etc. A realidade vivenciada
pelas crianças na Ciranda Infantil da marcha, portanto, contribuiu para que o debate da
educação fosse, mais uma vez, colocado na agenda do MST.
As crianças Sem Terra, muitas vezes, chamam atenção pela sua fragilidade
(desnutrição), gerando a morte nos primeiros anos de suas vidas. Ou, em outros
momentos, nos confrontos com a polícia, nos despejos violentos, ou ainda, sendo
motivo para desencadear campanhas de arrecadação de alimentos para que elas não
morram de fome. Segundo Barros (2013, p. 177):
latifundiários que se diziam donos das terras ocupadas pelas crianças e suas
famílias. A história da luta pela terra no Brasil é também a história das
crianças dessa luta.
Os cursos formais realizados pelo MST, junto com os movimentos sociais que
compõem a Via Campesina e em parceria com as universidades, também criaram a
possibilidade de começarem a olhar para suas crianças e organizar o espaço da Ciranda
Infantil.
19
Gisele e Jeniffer eram estudantes da I turma do curso de Pedagogia da Terra em parceria com a UFSCar.
Anotações de caderno de campo durante a apresentação dos seminários dos estágios de educação
infantil, em fevereiro de 2011. Atualmente estamos com a II turma de Pedagogia da Terra, com 50
estudantes, em parceria com a mesma universidade.
20
Maria Estélia é dirigente do Setor de educação do estado de Rondônia e atualmente é estudante do
mestrado da Via Campesina, em parceria com a Unesp.
60
Para as crianças, a Ciranda foi uma festa, como podemos ver nas suas falas das
durante o encontro:
Hoje já brinquei de roda, pulei corda, brinquei de boi, joguei peteca, pintei,
ouvi histórias, ah, e comi um lanche delicioso.
21
Daiane Hohn Carlos é dirigente do MAB no estado do Pará, atualmente é estudante do mestrado da Via
Campesina em parceria com a Unesp.
61
Daiane Carlos afirma que, durante os quatro dias de Encontro, discutiu-se com
as crianças a importância da água e da energia, para que elas, desde pequenas,
compreendam que a energia é um bem público, é um bem de todos. É importante
salientar que o discurso das grandes empresas, ao construírem uma barragem afirma que
é para o desenvolvimento do país, mas as famílias atingidas não têm acesso a esse
desenvolvimento. Ao contrário, antes das barragens tinham casas e depois da barragem
já não têm; antes não tinham energia e com a barragem elas continuam sem energia;
antes a conta da energia era cara, depois da barragem ela continua cara e as famílias
atingidas não podem pagar, assim, as promessas de desenvolvimento para todos da
região não se concretizam, são para poucos.
Ao refletir sobre esse processo, pode-se afirmar que o avanço das grandes
empresas no campo, afeta diretamente a vivência da infância do campo, esse tempo tão
importante da vida. Com esse entendimento, as crianças escreveram uma carta onde
apontam seus direitos, pedem ajuda aos adultos e dizem que estarão sempre por perto.
22
Anotações no caderno de campo. Fala colhida durante a Ciranda do Encontro Nacional do MAB
realizado nos dias 2 a 5 set. 2013, no estado de São Paulo.
23
Idem.
24
Anotações no caderno de campo. Fala colhida durante uma atividade com as crianças na Ciranda do
Encontro Nacional do MAB realizado nos dias 2 a 5 set. 2013, no estado de São Paulo.
62
1. Educação de qualidade;
2. Na escola ter merenda boa e educadores para nos ensinar;
3. Alimentação saudável, sem agrotóxicos, com muita fruta, verdura e de
vez em quando uns docinhos;
4. Ter terra para plantar e casa para morar. Que tenha espaço para a
gente brincar do mesmo jeito, ou melhor, que a gente tinha antes da
barragem;
5. Precisamos ter parquinhos para a gente se divertir;
6. Nossos rios livres e limpos para podermos nadar e brincar muito.
Então, pedimos que vocês, que são grandes, nos ajudem e nos ensinem como
garantir esses direitos e outros mais. E podem contar com as crianças
atingidas que estaremos por perto e, claro, lá na Ciranda.
Com toda essa riqueza, verifica-se que cada Ciranda Infantil organizada pelos
movimentos sociais é uma conquista, no sentido de potencializar o processo de
formação das novas gerações, pois a participação das crianças na luta também é um
espaço de formação para meninos e meninas desses movimentos sociais, que afirmam e
reafirmam o seu compromisso com a transformação social, desde bem pequenos.
Marcos, em entrevista, diz:
25
Carta elaborada pelas crianças, educadores e educadoras da Ciranda Infantil no encontro do MAB.
Disponível em:<http://www.mabnacional.org.br/>. Acesso em: 10 set. 2013.
63
interagem entre elas e com os adultos, expressam as suas opiniões sobre a luta, sobre a
escola, sobre a Ciranda Infantil, enfim, sobre a sociedade, dando pistas das mudanças
necessárias a serem feitas, pensando na transformação da realidade.
26
Essas imagens foram registradas pela pesquisadora, no período do VI Congresso do MST. A imagem 4
é também da arte dos Sem Terrinha durante a mobilização no MEC, e está disponível em:
http://caritas.org.br/criancas-do-mst-ocupam-ministerio-da-educacao-por-escolas-do-campo/24510.
Acesso em: 16 de 22 de fevereiro de 2014.
64
2 - Arte dos Sem Terrinha no MEC 3 - Arte dos Sem Terrinha no MEC
27
Joelma é uma Sem Terrinha e, atualmente, participa no coletivo da juventude do Movimento.
66
luta pela terra e cobrar do Governo a realização da reforma agrária ─ dirigiram-se para a
terceira audiência com Ministério da Educação para exigir melhorias na educação do
campo. O então ministro, Fernando Haddad, recebeu uma comissão de crianças que
colocou suas dificuldades para estudar e pediu medidas do governo para impedir o
fechamento de escolas e a construção de novas unidades no campo. Segundo Ramos28,
“nessa audiência as crianças colocaram a pauta de reivindicação delas, mas não
sentimos nenhuma sensibilidade por parte do ministro, com toda essa realidade vivida
pelas crianças no campo”.
Refletindo sobre as três audiências podemos notar que cada uma foi bem
diferente da outra; podemos afirmar que todas elas foram pensadas no sentido de dar
voz e escutar as crianças, isso por parte do MST e da Via Campesina. Por parte do
Poder Público, representado pelo Ministro da Educação, na terceira audiência foram
ignoradas a pauta de reivindicações, a voz e o protagonismo das crianças do campo.
28
Márcia Mara Ramos é dirigente do setor de educação do estado de São Paulo; faz parte da frente da
infância em nível nacional e atualmente está fazendo o mestrado na Unicamp, na Faculdade de
Educação. Trecho de entrevista realizada na Secretaria Nacional do MST, no dia 29 set. 2013.
29
O programa de Reforma Agrária Popular é a proposta para o meio rural, assinado por diversos
Movimentos Socais do Campo. Corresponde ao novo período histórico de luta pela terra contra a
hegemonia do capital financeiro e ofensiva do agronegócio. A proposta é um conjunto de medidas
necessárias para alterar uma situação e atingir um objetivo dos Movimentos Sociais que estão na luta
67
identidade, a luta pela reforma agrária etc. Esses temas foram trabalhados de diferentes
formas através de teatros, músicas, poesias, desenhos, brincadeiras, painéis e cartazes
etc. Em todas essas atividades foram retratadas a realidade do campo e trabalhou-se
muito com as crianças a ideia do direito de viver e estudar no campo. Além dessas
atividades, as crianças produziram um manifesto à sociedade, reproduzido a seguir:
Tem gente que tem preconceito com os Sem Terra e com os Sem Terrinha.
Nos acampamentos e assentamentos do MST tem animais, pessoas, escolas,
árvores e plantações. A plantação é muito importante para nós, não tem como
viver sem alimentos.
pela Terra. O Programa Agrário contém propostas para realização da reforma agrária, melhoria das
condições de vida no campo e organização da agricultura para beneficiar toda a sociedade, buscando
valorizar e garantir trabalho a todas as pessoas na construção da dignidade entre os camponeses, como
também no restabelecimento de relações harmônicas do ser humano com a natureza. Informação do
documento “Nossa proposta de Reforma Agrária Popular”. Disponível em:<http://www.mst.org.br>.
Acesso em: 11 set. 2014.
68
Queremos também uma alimentação saudável para que nós, os estudantes não
passem mal na escola. Em nossas escolas precisamos de atividades
extracurriculares, fazer da escola um lugar de lazer, aberta para a comunidade
nos finais de semana. Precisamos de cursos de informática, piscina de
natação, quadra esportiva e muito mais.
30
Anotações do caderno de campo. Flavinha é dirigente do estado de Pernambuco, faz parte do setor de
educação e coordena a frente da infância no MST. Pedro é um Sem Terrinha de 3 anos e meio do estado
de Pernambuco.
69
Meus colegas, quando eu falar que ocupamos o MEC eles não vão acreditar,
vão ficar pedindo para contar como é o ministério.
Eu adorei fazer essa ocupação no MEC, foi diferente de outras lutas que já
participei, foi uma luta pelos nossos direitos da educação. Ah, sem falar que
os palhaços estavam bem divertidos eu brinquei muito com eles.
Minha escola está precisando de reforma, está caindo aos pedaços está muito
ruim mesmo. Sem falar do ônibus escolar que está cada vez pior.
Na minha escola falta tudo, às vezes falta até merenda, faltam muitas coisas,
brinquedos, nós junto com as professoras que fizemos um parque infantil de
pneus que é muito bom, brincamos muito nele.
31
Essas falas foram colhidas durante a mobilização no MEC e depois na Ciranda Infantil no dia 12 fev.
2014.
70
─ Você estuda?
─ Sim
32
A equipe de médicos era composta por filhos e filhas dos assentados que já se formaram em Cuba e
atualmente atendem nos assentamentos e acampamentos do MST.
71
descer dos ônibus. Quando elas desceram, os pais e mães não paravam de aplaudir seus
filhos e filhas por estarem na luta. Alguns comentavam33:
Ah, meu filho de 2 anos e meio e já participou na luta pelo seu direito, eu só
fui para luta depois de adulta, estou muito feliz por ele ter já participado, ir
conhecendo nossa realidade da luta.
Eu achei essa mobilização das crianças muito boa, pois as escolas delas são
esquecidas pelo Poder Público, quem sabe assim elas serão lembradas.
Meus dois filhos participaram, estou ansiosa para ver o que eles vão falar.
33
As falas das mães foram colhidas no momento em que elas estavam chegando para pegar as crianças
após a mobilização infantil no MEC.
34
Anotações do caderno de campo. Essa fala foi colhida durante na Ciranda Infantil Paulo Freire do VI
Congresso do MST de 10 a 14 fev. 2014
72
35
Anotações do caderno de campo durante a reunião do Setor de Educação, novembro de 2013. Cristina
Vargas é dirigente Nacional do Setor de Educação.
73
Isto significa o jeito, a forma como o MST vem organizando a participação ativa
das pessoas que compõem a sua base social. Segundo Bogo (1999, p. 31):
O primeiro núcleo é dos bebês de até um ano de idade (para cada bebê existe
uma educadora ou educador responsável);
36
Anotações do caderno de campo durante o tempo de observação na Ciranda do assentamento Dom
Tomás Balduíno e durante a Ciranda Paulo Freire no VI Congresso do MST, em Brasília no mês de
fevereiro de 2014.
75
Finco (2007, p. 96) coloca que “a brincadeira agita, desperta desejos, permite
formas inovadoras e inesperadas de ser”. A autora (2007, p. 114-115) afirma que:
76
Eu gostei da Ciranda, das brincadeiras e o teatro foi muito legal sem falar da
nossa ida ao MEC, o Ministro teve que descer para nos receber.
37
Essas falas foram colhidas durante na Ciranda Infantil Paulo do VI Congresso do MST em fev. 2014.
38
Rosimeire teve sua primeira atuação na militância no MST nas Cirandas Infantis, primeiro na Ciranda
Infantil do seu assentamento Nova Santa Rita; depois na Ciranda Infantil do Iterra. Atualmente ela é
dirigente nacional do Setor de Formação.
77
40
Esta Conferência Nacional por uma Educação do Campo contou com a participação de 1.100 delegados
representantes de Movimentos Sociais, como: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST),
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento de Atingidos por Barragens (MAB),
Comissão Pastoral da Terra (CPT), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
(CONTAG), além dos ribeirinhos, pescadores e extrativistas, assalariados rurais, quilombolas e
indígenas. Também esteve presente na Conferência, representantes de universidades, organizações não
governamentais (ONGs), Secretarias Estaduais e Municipais de Educação e de outros órgãos de gestão
pública com atuação vinculada à educação e ao campo, assim como, trabalhadores, educadores e
educandos das escolas do campo.
41
A Pedagogia da Alternância surge na França em 1935, a partir da falta de condições dos jovens e
crianças da roça em poderem estudar. Nasce com esse nome porque em sua proposta pedagógica ela
alterna-se em dias nos quais os estudantes ficam com a família e dias que vai para a escola. No Brasil, a
Pedagogia da Alternância se torna realidade a partir de 1969 no Espírito Santo. Hoje existem os
CEFFAs (Centros de Formação Familiares em Alternância) que compreendem, no Brasil, três
experiências significativas, que são: as EFAs (Escolas Famílias Agrícolas), as CFR (Casas Familiares
Rurais) e as ECR (Escolas Comunitárias Rurais) que estão unidas em torno de uma mesma pedagogia, a
saber: a Pedagogia da Alternância. Além disso, existem diversos movimentos sociais que lutam pela
terra e têm diversos cursos superiores de ensino médio em parceria com as universidades que trabalham
com a pedagogia da alternância. Eles também trabalham com o tempo comunidade (dias que os
estudantes ficam inseridos na comunidade fazendo os trabalhos, tantos dos estudos e pesquisas) e tempo
escola (período em que ficam nas escolas ou universidade e fazem os estudos das disciplinas e
pesquisas).
79
42
Esses dados estão no relatório publicado pelo MEC intitulado de “Oferta e demanda de educação
infantil no campo” e organizado pela Prof.ª Maria Carmen Silveira Barbosa, em 2012. Essa amostra
alcançou 21,1 mil professores (dos quais 5,8 mil moram em zona rural), 39,5 mil crianças de 0 a 3 anos
e 151 mil crianças entre 4 e 6 anos.
82
cultura adulta e urbanocêntrica se faz necessário. Silva, Pasuch e Silva (2012, p. 36)
ressaltam que “essas práticas pedagógicas são descontextualizadas, sem sentido para as
crianças, e não reconhecem que grande parte dos municípios brasileiros possui o
mesmo perfil e nem a diversidade de movimentos que existem no campo”. Ter um
espaço de educação infantil que respeite essas especificidades das crianças se faz
necessário;
às crianças do campo por parte do Poder Público. De acordo com Gonçalves (2013, p.
116):
Nesse sentido, não há como negar que nas áreas rurais, a maioria das crianças
não tem acesso às creches e pré-escolas e, quando tem, as condições materiais são muito
precárias. Assim, se faz necessário que o Poder Público, juntamente com os
movimentos sociais do campo que já têm experiências na área da educação infantil,
façam algumas reflexões em conjunto no sentido de ir avançando no debate e na
implementação da educação infantil do campo. Alguns desses debates vêm sendo
realizados pelos movimentos sociais juntamente com algumas universidades, como, por
exemplo:
Assim, pensar a educação infantil do campo só faz sentido se isso permitir que
as crianças possam vivenciar uma concepção de educação vinculada aos interesses da
85
CAPÍTULO II
Nesse sentido, faz-se necessário entender a realidade, como aquilo que existe
concretamente, e a possibilidade, como aquilo que se pode produzir quando as
condições são propícias. Reconhecer as possibilidades é admitir que elas transformam a
realidade em condições determinadas como, por exemplo, a luta básica do MST que é
pelo rompimento da propriedade privada da terra, mas é, ao mesmo tempo, pela
propriedade socializada. Ao se apropriarem da terra, os integrantes do MST propõem a
cooperação e, para que esta seja possível, é preciso que haja a propriedade da terra.
Assim, ao mesmo tempo que o MST luta pela propriedade da terra, ele luta também
para que ela seja coletivizada, ou seja, luta pela superação da propriedade
individualizada.
Cidade e campo não estão em uma contradição que tenha a mesma natureza
da contradição capital/trabalho. Por quê? Porque eu não supero por um dos
polos. Não se trata de a cidade vencer ou do campo vencer. O campo não
destrói a cidade ou a cidade destrói o campo! Não é assim que nós queremos
a superação. A contradição entre a cidade e o campo foi criada a mando de
um sistema social, que é o sistema capitalista.
nas minhas pesquisas – isso desde o magistério – tive como foco as crianças, buscando
compreender melhor esse ser social, no sentido de contribuir com este tema.
Desta forma, o que era tão conhecido tornou-se muito desconhecido; precisei
iniciar todo o processo. O meu primeiro contato foi com a direção da regional para
marcar uma reunião com os dirigentes do setor de educação do local. Depois disso,
entrei em contato com as educadoras da Ciranda Infantil no Assentamento Dom Tomás
Balduíno e apresentei a proposta da pesquisa, o objetivo e sua importância na
perspectiva de compreender melhor o processo de formação dos Sem Terrinha.
43
Rossetto (2009) pesquisa intitulada “Essa ciranda não é minha só, ela é de todos nós: a educação das
crianças sem terrinha no MST”.
44
Essa é uma discussão nova e pouco recorrente em todo o conjunto do Movimento, a Comuna Urbana
Dom Helder Câmara, localizada no município de Jandira/SP. A experiência da Comuna Urbana Dom
Helder Câmara, teve início em 2001 com a ocupação de uma área pertencente a CBTU (Companhia
Brasileira de Trens Urbanos), por aproximadamente 300 famílias, no bairro Vila Esperança em Jandira.
Somente em 2011 as famílias mudaram para as casas novas. Na Comuna, além das casas de residência
das famílias, existe um espaço coletivo que contempla uma padaria comunitária, área para geração de
renda, teatro e oficina de instrumentos musicais, quadra esportiva e vestiário, viveiro, praça central,
anfiteatro, escola infantil etc.
89
Todas autorizaram, mas muitas pediram para não revelar o nome dos filhos.
Portanto, os nomes das crianças citados são fictícios e foram elas próprias que
escolheram. Muitas foram se nomeando com nomes de seus colegas, outras como
gostariam de ser chamadas ou de serem reconhecidas na pesquisa. Esta foi a forma que
encontrei de protegê-las, mas considerando-as como sujeitos de direto, com
possibilidade de autoria e participação na pesquisa.
Segundo Barbosa (2012), “a pessoa que realiza pesquisa com crianças cria
espaços comuns, quando o adulto desenvolve uma relação respeitosa com os modos de
ser das crianças e se interessa por aquilo que elas pensam, desejam”. Ainda segundo a
mesma autora (2012, p. 244):
Com esse entendimento ético, respeitoso, e acima de tudo tendo a clareza de que
as crianças são sujeitos ativos, protagonistas, lutadores, lutadoras, construtoras e
construtores de uma sociedade, que os Sem Terrinha, de idade de 3 a 12 anos, da
Ciranda Infantil, participaram deste estudo. É importante salientar que, durante todo o
processo de observação, a frequência na Ciranda Infantil Dom Tomás variava de 30 a
40 crianças.
verificando em que medida ele contribui, ou não, no processo de formação humana dos
Sem Terrinha, numa perspectiva de transformação da sociedade.
Para tanto, faz-se necessário estabelecer uma relação constante e dinâmica entre
as perguntas da pesquisa e o trabalho de campo, com relação aos objetivos a serem
alçados, sempre fazendo uma reflexão do contexto no qual os sujeitos estão inseridos. A
pesquisa qualitativa oferece melhores condições para desvelar meus objetivos pelo fato
de permitir um contato direto, como pesquisadora, com o campo de estudo,
considerando as visões de mundo e as relações entre os sujeitos pesquisados e eu, a
pesquisadora. Permite, também, analisar a organização do trabalho pedagógico,
verificar como se dá o processo de formação das crianças Sem Terrinha pelas Cirandas
Infantis, as suas múltiplas dimensões político-pedagógicas e apontar suas contradições e
possibilidades.
91
A escolha dos dirigentes para serem entrevistados teve como critério o seu
envolvimento com o trabalho na Frente da Infância dentro do MST. É importante
salientar que dois desses dirigentes, hoje no setor de formação, iniciaram suas atividades
no MST como educadores da Ciranda Infantil. Essas entrevistas foram todas realizadas
durante atividades na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF).
92
Estudo semelhante foi realizado por Fagundes (1997), cujas entrevistas com os
ex-usuários da creche tinham como propósito reconstruir a história da creche da
Unicamp e compreender as questões que a rotina de trabalho colocava para esse espaço.
Ela mapeou 21 jovens da primeira turma, de 14 e 15 anos de idade, destes, ela fez
contato com dez jovens por considerar um número significativo para atender os
objetivos da pesquisa, tendo participado das entrevistas cinco jovens. Para realização
dessas entrevistas a autora (FAGUNDES, 1997, p. 25) afirma que:
Esses elementos foram sendo trabalhados no grupo para que eles fossem se
lembrando da história e a memória começasse a fluir. Observando essa metodologia,
também senti necessidade de realizar as entrevistas com os meninos e as meninas
maiores, com o propósito de observar o processo de formação humana vivenciado por
eles e elas na Ciranda Infantil.
A escolha das crianças que foram entrevistadas também seguiu alguns critérios,
tais como: ter participado de Cirandas itinerantes ou permanentes, dos encontros dos
Sem Terrinha, ou ter participado das Cirandas desde que o setor de educação organizou
as primeiras, em 1998. Com os critérios elaborados, localizei 15 crianças em diversos
Estados do Brasil46. Entrei em contato com todas elas. Ao todo, foram dez entrevistas,
sendo que oito foram gravada durante algumas atividades dos Sem Terrinha e duas
preferiram responder às perguntas por escrito. Essas entrevistas permitiram fazer uma
análise do processo de formação dos Sem Terrinha. Segundo Demartini (2005, p. 11):
46
Os 15 adolescentes mapeadas moram nos seguintes Estados: quatro em São Paulo, uma no Ceará, duas
no Distrito Federal, duas em Rondônia, três no Paraná, uma no Rio Grande do Sul, uma no Pará e uma
no Espírito Santo.
95
utilizei fotos47 do período em que elas participaram das Cirandas. Fiz uma seleção de
fotos, conforme o momento histórico que cada uma delas vivenciou na Ciranda Infantil
ou nos encontros dos Sem Terrinha, e enviei a elas para, posteriormente, conversarmos
sobre os temas da pesquisa.
47
É importante salientar que, como membro do Coletivo Nacional do Setor de Educação do MST,
acompanho a Ciranda Infantil desde 1998 e tenho um arquivo pessoal com fotos de muitas Cirandas e de
muitas atividades, durante todo esse tempo.
96
Ao terminar cada atividade, buscava fazer as anotações das falas das crianças.
Depois de certo tempo, já mais próxima delas, senti necessidade de introduzir outro
elemento nessa coleta de dados, o gravador. Para fazer uso desse instrumento, pedi
autorização às crianças e às educadoras, bem como aos pais e mães das crianças, para
gravar os áudios durante o período em que estava realizando a observação, como
97
A Ciranda Infantil Dom Tomás Balduíno possui cinco educadoras, sendo que:
uma educadora cuida da alimentação das crianças, possui o ensino médio e está fazendo
o curso de pedagogia; outra cuida da produção de alimento no roçado, fazendo
experiências com as crianças, tem ensino médio técnico em agroecologia; e três
educadoras cuidam da parte da coordenação, das atividades pedagógicas, entre outras, e
têm nível superior (pedagogia, filosofia e letras), com especialização (educação do
campo, estudos latinos e artes e linguagem).
Conhecer os meninos e as meninas pelo nome fez toda a diferença, pois cada
vez que eu os chamava pelo nome enxergava claramente a satisfação desses Sem
Terrinha. Isso, também, facilitou minha participação nas brincadeiras, tais como: cobra
cega, corre cotia, passa anel, pular corda, pique, esconde-esconde. É importante
salientar que as gravações das brincadeiras ocorreram todos os sábados de março a maio
de 2012 – finalizando esse primeiro período de observação com nove sábados, pois
ocorreu de, em alguns, não ter atividade na Ciranda Infantil. Assim, de junho a setembro
de 2013, retomei as observações e realizei uma segunda parte, que totalizou 12 sábados,
e, como no primeiro período, nesse também ocorreu de não acontecer alguns encontros.
Ao todo foram 21 sábados em que participei em atividades na Ciranda Infantil naquele
assentamento. Cada encontro teve a duração de 6 horas, totalizado 126 horas de
observação.
A fotografia ajuda-nos a tomar posse das coisas transitórias que têm direito a
um lugar nos arquivos de nossa memória. Assim, a possibilidade de olhar
para a imagem congelada, motiva-nos a ver e rever inúmeras vezes a cena
retratada, aguçando a memória, a imaginação, a criação e a reconstituição da
própria história vivida, pelas imagens e nas imagens.
Durante a pesquisa fui me aproximando cada vez mais dos Sem Terrinha,
fazendo parte do grupo e tornando natural a minha participação em suas brincadeiras.
Corsaro (2005), em seus estudos em uma escola de educação infantil em Bolonha, Itália,
conta que a dificuldade com a língua foi o elemento que o aproximou das crianças, que
o consideravam “incompetente” por não saber falar italiano. Corsaro (2005, p. 452)
afirma que:
Para minha surpresa, minha aceitação pelas crianças italianas foi muito mais
fácil e rápida que pelas crianças americanas. Para as crianças italianas, assim
que começava a falar meu limitado italiano, tornava-me esquisito, engraçado
e fascinante. Era não apenas um adulto atípico, mas também um adulto
incompetente – não apenas uma criança grande, mas uma espécie de criança
grande simplória.
Dessa forma, nos meus estudos, conquistar a confiança das crianças foi
necessário para ouvir falar a respeito de suas amizades, seus desejos, suas estripulias,
suas lutas, suas conquistas, enfim, compartilhar suas vidas no assentamento. Como as
crianças sabiam da pesquisa e uma das suas atividades na Ciranda Infantil era a
elaboração de um jornal, um dia uma das crianças propôs: “vamos brincar de fazer
jornal: quem vai ser o repórter? Quem quer ficar na roda para ser entrevistado?”. E já
99
Poder contar com o gravador na hora das brincadeiras foi fundamental, não só
para registrar as vozes das crianças, mas porque seria difícil recordar tudo aquilo que foi
dito por elas. Com esse recurso, além de ouvir as falas, pude escutar os gritos, os
choros, os combinados entre as crianças na hora de se esconder, as batidas de palmas e o
silêncio, todos esses elementos foram considerados importantes para a pesquisa, pois
cada um tem seu significado especial para todos nós que estávamos na Ciranda Infantil
naquele dia, naquele horário. Por isso, como pesquisadora, fiquei vigilante a todos eles.
Tive, também, o cuidado de socializar com as crianças suas falas, momentos que
pareciam uma festa, pois algumas riam ouvindo suas próprias vozes, e outras, às vezes,
ficavam caladas, pensativas. Depois de ter passado um tempo, alguns me procuravam e
diziam: “Sabe, eu queria complementar o que está no gravador, eu posso?” Ou, ao
contrário, queriam retirar o que tinha sido gravado. Claro que cada pedido das crianças
foi atendido. Sempre escutava as suas falas junto com as educadoras, para que elas não
ficassem na dúvida sobre o que tinha sido gravado, pois entendo que, mais do que dar
voz às crianças é preciso escutá-las, saber quais os seus desejos, seus movimentos,
entender suas peraltices, suas brincadeiras etc.
Demartini (2005, p. 2) afirma que “cada vez mais, se faz necessário aprender a
escutar as crianças”. Quinteiro (2005, p. 21), outra estudiosa dessa temática, afirma que:
“pouco se escuta e pouco se pergunta às crianças e, ainda assim, quando isto acontece, a
100
‘fala’ apresenta-se solta no texto, intacta, à margem das interpretações e análises dos
pesquisadores”. Abramowicz (2003, p. 20) afirma que:
Para Freire ( 1991, p. 135). “Escutar vai além da possibilidade auditiva de cada
um. Escutar, significa a disponibilidade permanente por parte do sujeito que escuta para
a abertura à fala do outro, ao gesto do outro, às diferenças do outro.” Para Oliveira
(2011, p. 104) em sua pesquisa com os bebês, também chama a atenção para essa escuta
das vozes infantis. Ela afirma:
48
A escola Laudenor de Souza tem várias experiências na área da agroecologia e na formação de jovens e
adultos.
101
Agrovila III e
Gestores Público do
Município de Itaberá
– SP
6 Carta dos Sem 2009 Afirmação da identidade dos Sem
Terrinha do Rio de Terrinha; organização coletiva; luta pela
Janeiro aos amigos e terra e pela educação; valores como
amigas dos Sem companheirismo e solidariedade.
Terrinha do MST
7 Carta dos Sem 2011 Afirmação da identidade dos Sem
Terrinha de Minas Terrinha; luta pela terra e pela educação;
Gerais para as valores como companheirismo,
autoridades do solidariedade; organização coletiva.
Estado
8 Carta das Crianças 2013 Afirmação da identidade de criança do
Atingidas por campo; luta pela terra, por educação e
Barragens para o moradia de qualidade; luta pelo direito de
MAB uma alimentação saudável sem venenos.
9 Manifesto dos Sem 2014 Afirmação da identidade Sem Terrinha;
Terrinha à Sociedade luta pela educação, pela terra e pelo direito
Brasileira a uma alimentação saudável sem venenos;
luta contra o agronegócio.
Quanto ao tema “Ciranda Infantil e infância Sem Terra”, objeto de estudo dessa
pesquisa, localizei: Alves (2001), Silva (2002) e Correia (2004), que desenvolveram
estudos com as crianças de acampamentos; Ferreiro (2002), sobre o lúdico nos
encontros dos Sem Terrinha; Felipe (2009) que realizou sua pesquisa sobre a infância e
105
suas leituras; Barros (2013), que analisou o jornal e a revista Sem Terrinha produzida
pelo MST; Martins (2006), que desenvolveu sua pesquisa sobre as linguagens e os
desenhos das crianças e Bihain (2001), Rossetto (2009), Luedke (2013) e Freitas (2015),
que desenvolveram suas reflexões sobre as Cirandas Infantis do MST. Além desses
estudiosos e estudiosas sobre a educação, a infância e a reforma agrária, busquei a
contribuição de alguns pesquisadores da sociologia da infância, como Florestan (2004),
Corsaro (2011), Faria (1999, 2005 e 2011), Gobbi (2005, 2012) dentre outros.
A análise dos dados tem por objetivo organizar e sumariar os dados de forma
tal que possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto para a
investigação e a interpretação dos dados tem como objetivo a procura do
sentido mais amplo das respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros
conhecimentos anteriormente obtidos.
CAPÍTULO III
Chico Buarque
49
É o processo como o Movimento organiza as pessoas para as primeiras lutas pela terra, ou seja, para a
realização das ocupações de terra que não cumpre sua função social. O trabalho de base é uma forma de
organizar a participação do povo em luta que pressupõe a superarão de uma cultura autoritária e o
personalismo e contribuir para que o povo seja protagonista nas decisões da luta. Para melhor
aprofundamento, ver o Caderno de Formação n. 38: “Método de trabalho de base e organização
popular”, MST, 2009.
108
trabalhadores da cidade. A proposta das Comunas da Terra vem sendo discutida com o
objetivo de organizar um novo modelo de assentamento, uma concepção diferenciada,
de se fazer reforma agrária, segundo Matheus (2003, p. 36):
valores construídos durante a caminhada e para que conquistem novos territórios para a
classe trabalhadora.
Fonte: Mapa do assentamento Dom Tomás Balduíno. Disponível em: < http://www.usina-ctah.org.br/domtomas.html50>.
50
Mapa organizado pela equipe de técnicos da USINA quando estavam construindo as casas do
Assentamento Dom Tomás Balduíno. Ele retrata como estão organizados os coletivos e as moradias.
Disponível em: http://www.usina-ctah.org.br/domtomas.html. Acesso em: 17 nov. 2015.
110
Além desse público, o trabalho de base tinha como objetivo organizar as famílias
mais empobrecidas dos bairros da periferia da cidade de São Paulo. O MST tinha como
estratégia política dar mais visibilidade à luta pela terra nos grandes centros urbanos,
estabelecendo contatos com outros movimentos sociais organizados da cidade e ganhar
a simpatia da sociedade.
Após a mudança para os lotes, foi construído um poço artesiano que tem
capacidade para abastecer apenas dois setores, no caso, o roxo e o vermelho, devido à
proximidade do local onde foi perfurado, restando ao setor verde o fornecimento
semanal de água por caminhão pipa. Depois de certo tempo, esse setor também
construiu um posto artesiano para abastecer as famílias. A energia elétrica foi um
processo mais rápido: desde 2004 há luz elétrica para todas as famílias, consequência do
projeto Luz Para Todos, parceria do Governo Federal com o Governo Estadual.
No mesmo ano de 2005, foi liberado o primeiro crédito de fomento 51, para que
as famílias comprassem algumas ferramentas, insumos para o solo, sementes, mudas e
alimentos. O crédito é uma das principais maneiras de desenvolvimento do
assentamento, pois a maioria das famílias não tem recursos para investir no que é
necessário para o trabalho na agricultura e demais projetos não agrícolas como, por
exemplo, as oficinas de costura, oficinas de marcenarias etc.
Com relação às casas para moradia, somente em junho de 2006 foi assinado o
contrato de financiamento do projeto. Esse contava com verba de fundo perdido e o
empréstimo não precisaria ser devolvido, pois se trata de recurso oriundo de contas
perdidas. As casas foram construídas em forma de mutirão pelos próprios assentados,
com assessoria de uma equipe de técnicos52 e, em 2007, deu-se a inauguração das
moradias. É importante salientar que os modelos e o tamanho das casas foram
discutidos com cada família, sempre com acompanhamento de um arquiteto.
51
Uma das linhas de fomento é Programa Nacional De Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf)
Programa de crédito que permite acesso a recursos financeiros para o desenvolvimento da agricultura
familiar. Beneficia agricultores familiares, assentados da reforma agrária e povos e comunidades
tradicionais, que podem fazer financiamentos de forma individual ou coletiva, com taxas de juros
abaixo da inflação. Facilita a execução das atividades agropecuárias, ajuda na compra de equipamentos
modernos e contribui no aumento da renda e melhoria da qualidade de vida no campo. Para maiores
informações consulte A cartilha de Políticas públicas para agricultura familiar, do Ministério do
Desenvolvimento Agrário. Disponível em:
<http://www.mda.gov.br/portalmda/sites/default/files/ceazinepdf/politicas_publicas_baixa.pdf >. Acesso
em: 9 nov. 2015.
52
A Usina foi equipe responsável pelos projetos das casas. Ela é formada por um grupo de extensão
universitária da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, orientado pelo
professor Reginaldo Roconi, iniciou a discussão de projeto das habitações nesse Assentamento de
Reforma Agrária próximo a São Paulo. Para saber mais acesse: <http://www.usina-
ctah.org.br/domtomas.html>.
113
A comercialização dos produtos tem sido feita nas feiras dos bairros mais
próximos ao assentamento. Os assentados também vendem diretamente, para famílias
de cidades vizinhas, uma cesta de produtos orgânicos toda semana. Essas famílias são
articuladas pelos assentados. Afirma Roseli, na entrevista:
Nós, Sem Terrinha, no dia 3 de junho de 2005 será realizada uma marcha na
cidade de Franco da Rocha reivindicando transporte escolar para as 45
crianças do assentamento. Pois com a recusa do Prefeito Seixas em cumprir
sua obrigação legal, nós somos obrigadas a andar 6 km por dia para irem à
escola. Além disso, ele até agora não cumpriu também com a obrigação da
coleta de lixo no assentamento e da inclusão das famílias assentadas no
Programa de Saúde da Família.
53
Trecho da entrevista realizada dia 10 de setembro de 2013.
54
Documento do arquivo do Setor de Educação da Regional Grande São Paulo.
55
Trecho da entrevista com a Sem Terrinha Débora, de 12 anos, realizada em agosto de 2013.
115
afirma que “quando estava lá na praça, as pessoas passavam e perguntavam o que estava
acontecendo e nós entregava a carta para elas e depois elas nos mostravam o dedo
dando positivo para nós, aprovando nossa luta”.
Era período de chuva, essa deixava grandes buracos nas estradas, isso
atrapalhava até ônibus da escola passar dentro do assentamento. Na Ciranda
nós tivemos a ideia de escrever cartas para o Itesp pedindo que eles
consertassem a estrada. Todos os dias nós escrevíamos as cartas contando da
estrada e do perigo que ela nos oferecia. As professoras colocavam no
correio.
Para Gabriel, só depois de muita luta é que conseguiram o trator para consertar a
estrada. Segundo ele
Uma das características da Regional da Grande São Paulo é que ela organiza as
Cirandas Infantis desde as suas primeiras ocupações. Esse espaço é um dos primeiros
que foram estruturados para garantir a viabilidade da construção dos barracos de
moradia dos acampados e também dos espaços coletivos. Segundo Roseli, nos primeiros
dias é mais “um cuidar das crianças”.
Hoje, o espaço físico da Ciranda Dom Tomás é uma casa de moradia, cedida por
um morador do assentamento, pois o espaço onde estava organizada anteriormente foi
destinado para o posto de saúde. Com a conquista dos assentados de ter médicos da
família, esse foi requisitado pelo setor de saúde do MST. Assim, o novo espaço da
Ciranda foi adaptado para as crianças e está organizado da seguinte forma: uma sala
pedagógica, onde são realizadas diversas atividades (pintura, desenhos, colagem etc.) e
reuniões da coordenação. Uma área grande, coberta, que serve para brincadeiras, jogos
etc.; uma cozinha onde foi adaptado também o refeitório; um banheiro; dois quartos,
sendo que um é usado pelas crianças pequenas para repouso (quando há essa
necessidade) e o outro é usado para leitura, contação de histórias, pesquisas e é onde
estão organizadas algumas prateleiras com diversos livros. Observa-se alguns espaços
usados para as atividades da Ciranda Infantil Dom Tomás56.
56
As fotos são do arquivo do Setor de Educação da Regional da Grande São Paulo.
118
Esses processos podem ser muito complexos, pois ao planejar uma atividade
pode ser necessário conciliar com ela no tempo outras atividades futuras. [...]
Na fase entre o início do planejamento e a realização de uma atividade
surgem novas condições e novas possibilidades [...] ou às vezes na realidade
as atividades acontecem de maneira diferente do que foi previsto no
planejamento.
57
Durante a pesquisa tive acesso ao planejamento da Ciranda Dom Tomás (2012) e ao projeto político-
pedagógico de 2011; ao projeto político-pedagógico da Ciranda Saci Pererê, da ENFF (2012); ao
projeto político-pedagógico da Ciranda Infantil Pequeno Colibri do Iterra (2010) e ao planejamento da
Ciranda Itinerante Paulo Freire, do VI Congresso do MST (2013).
122
As relações de gênero
Agroecologia/agrotóxicos
Alimentos saudáveis
Trabalhar as sementes crioulas
Cada núcleo de base tem dois coordenadores (uma menina e um menino) que
participam da direção coletiva da Ciranda Infantil. A estrutura organizativa também
prevê a participação dos educadores e da comunidade assentada, em função das
atividades educativas e da execução de cada uma delas. É importante salientar que o
assentamento não conta com cooperativas, sendo assim, a Ciranda é um espaço de
responsabilidade de todos/as os/as assentados/as. Observando o PPP (2011) e o
cotidiano da Ciranda, a sua organicidade está constituída da seguinte forma:
a) Assembleia geral das crianças – Esse espaço é reservado para as crianças aprovarem
suas decisões. Aqui as crianças discutem e aprovam as atividades, como também
apresentam suas propostas para a Ciranda Infantil. Nesse espaço, há uma participação
de todas as crianças. É importante destacar que as educadoras também participam das
assembleias.
núcleos de base que as crianças assumem suas responsabilidades, opinam e ajudam nas
tomadas de decisões.
Além dos núcleos de base das crianças, tem o núcleo de base dos educadores que
é formado por todos os adultos – os educadores, o pessoal da cozinha etc. – que estão
envolvidos no cotidiano da Ciranda. Os núcleos de base infantil têm nomes de flores,
bichos, nome de time de futebol, pensadores da educação e da luta pela terra.
Segundo Caldart e Daros et al. (2013, p. 162) “os tempos educativos desdobram
o princípio de construir uma escola preocupada com os processos de formação humana,
e não apenas com a escolarização.” Assim, a organização dos tempos educativos tem
uma intencionalidade política e pedagógica garantindo as demandas de formação das
crianças. Os tempos educativos, na pedagogia do MST, têm como princípio a
coletividade e a formação, na perspectiva mais ampla, e, segundo as autoras (2013, p.
164):
125
Dessa forma, pensar a educação das crianças nas Cirandas Infantis é pensar e
implementar um processo que envolve os tempos educativos, compreendendo as
contradições para transformá-las em possibilidades. Isso significa que esse trabalho
pedagógico deve ser planejado com o objetivo de contribuir no processo de educação
desses sujeitos, tornando-o um processo de formação humana mais plena. Assim, para
organizar o ambiente educativo é preciso saber fazer as escolhas e tomar as decisões a
cada situação que ocorre na Ciranda, em cada tempo que constitui o dia a dia, buscando
a coerência com os objetivos, os valores e os princípios que orientam o projeto de
sociedade que o Movimento está construindo.
É importante salientar que esses tempos e espaços não são neutros e não
acontecem de forma linear, pois as crianças e as educadoras, que estão construindo esse
processo de mudança, estão inseridas numa sociedade capitalista muito contraditória.
Segundo Freire (1991, p. 46) é “impossível pensar a prática educativa, sem pensar a
questão do tempo, de como usar o tempo para a aquisição do conhecimento, não apenas
na relação educador-educando, mas na experiência da vida inteira, diária, da criança na
escola.”
Tempo acolhida – esse momento é realizado na chegada das crianças, por meio de
músicas, brincadeiras, gritos de ordem etc. tornando o ambiente acolhedor para recebê-
las.
58
Anotações do caderno de campo durante o período de observação na Ciranda Infantil de junho a
setembro de 2013.
127
Tempo trabalho – esse momento é destinado, por exemplo, para a limpeza geral da
Ciranda e envolve as crianças e os assentados, principalmente se tiver que fazer alguns
reparos no espaço. Esse espaço também é dedicado aos experimentos na horta e outras
atividades do dia a dia da Ciranda Infantil.
Os elementos que estão ao seu redor, na natureza, fazem parte deste rico
ambiente que constituem a vida no campo. Esta forte relação que têm com a
natureza e com os animais constitui grande parte das brincadeiras, presentes
na vida das crianças.
Zeiher (2004, p. 176) afirma que “as crianças nas suas atividades confrontam-se
com elementos do seu meio ambiente, [...] identificam as dinâmicas sociais que
exprimem nas possibilidades de ações efetivas das crianças.” Desse modo, pode-se
afirmar que as crianças Sem Terrinha usufruem de amplos espaços e têm possibilidades
de brincar não somente com brinquedos industrializados, mas buscam alternativas
interagindo com a natureza que está ao seu redor. Segundo o MST (2011, p. 33): “A
criança também aprende brincando, aguça sua curiosidade e desperta criatividade, por
isso, a importância de valorizarmos o brincar e de brincarmos com as crianças.”
129
Um dos pais, seu José está chegando com uma bandeira do MST e algumas
ferramentas (machado, facão, foice) para ajudar na construção do parque
infantil. Ele chegou junto com seu filhinho Davi de 3 anos. O pequeno ficou
por ali enquanto todos e todas trabalhavam. Ele começou a brincar com as
ferramentas e o pai logo pediu para não mexer alertando do perigo. Ele
deixou, mas ficou procurando algo para fazer. Depois de uns 40 minutos
(mais ou menos) chegou dona Célia e sua filha a Maria Clara, de 4 anos. As
duas crianças menores e únicas que estava na construção do parque foram
brincar e, às vezes, tentavam ajudar as crianças maiores a lixar os brinquedos
que estavam prontos. Elas mais brincavam do que lixavam. Depois do lanche
da tarde os dois pequenos já cansados de ir de um lado para o outro, sentaram
em um lugar cheio de folhas secas e começaram a brincar de fazer estrada
130
A construção do parque durou dois fins de semana e, durante esse processo, ouvi
muitos comentários das crianças sobre este espaço de brincadeiras e também sobre a
importância delas estarem participando da sua construção. Como também parecia haver
certa frustração daquelas que não participaram dessa atividade.
Pode-se perceber nas falas das crianças a satisfação de terem esse espaço
disponível para suas brincadeiras e peraltices. Segundo o MST (2011, p. 33) “é
importante garantir os espaços específicos para as crianças brincarem − como, por
exemplo, o parque infantil”. No entanto, mesmo tendo esse espaço disponível, sabemos
que elas vão continuar a brincar em todos os lugares dos assentamentos e
acampamentos, que permitem que os Sem Terrinha despertem sua curiosidade e seu
desejo de criar e inventar novas brincadeiras, pondo sua imaginação para voar. Zeiher
(2004, p. 175) afirma que:
131
_______________________________________________________________
EDITORIAL: Olá Galera, Tudo bem? Nós, Crianças e Adolescentes que participam da
Ciranda do Assentamento D. Tomas Balduíno resolvemos fazer um jornal para entregar
no Encontro dos Sem Terrinha que vai acontecer no dia 30 de abril de 2011. As notícias
foram escritas coletivamente e os assuntos foram sobre os temas que tratamos neste um
ano de funcionamento. Esperamos que vocês gostem do nosso jornal. Fizemos uma
eleição para escolher o nome e depois de uma disputa muito forte o nome vencedor foi
esse: JORNAL DAS CRIANÇAS.
59
Durante a pesquisa tive acesso a quatro jornais, sendo os números 1, 2, 3 e 4 de 2011, que se encontram
nos anexos dessa pesquisa.
60
O Jornal Sem Terrinha é publicado como encarte do Jornal Sem Terra e chega à todas as escolas e
Cirandas de todos os estados onde o Movimento está organizado. O Jornal Sem Terrinha é discutido e
elaborado conjuntamente pelos setores de educação, comunicação e cultura.
133
.
FOTOS DA INAUGURAÇÃO DA CIRANDA
ALIMENTAÇÃO
Tomaz, homens, mulheres, jovens e crianças Hoje vai ter sol de pipoca.
devem conservar as estradas não deixando que a (Repórteres: Maicom e Jhonathan).
chuva volte a levar a terra e fazer grandes
buracos. (Repórter: Thiago). SURPRESA
FEIRA DA CIRANDA
OS ANIMAIS
Não ataca fogo à natureza, porque mata os No início de abril o Assentamento recebeu uma
animais e não se cria mais nada. (Repórteres: visita. A visita vinha da Comunidade de Santa
Ednei e Iago). Gema de Santo André. No dia eles visitaram o
Assentamento e compraram na feirinha que os
assentados organizaram. Compraram várias
HOJE VAI CHOVER
coisas como: conserva de pimenta, mel, figo em
calda feito pela Cleide, licor de uva, vinhos
feitos pela Roseli. Banana, mexerica, inhame,
alface, abóbora, beterraba, cenoura, cebolinha,
mandioca, galinhas caipira, queijo, trufas. A
feira teve a participação de vários produtores do
Assentamento
Hoje vai ter sol. Pela manhã vai ter chuva. Pela As crianças da Ciranda participaram
tarde vai ter chuva de ovo de bombom. À noite contribuindo com produtos da cesta da qual
vai ter chuva de caldo de cana. foram vendidos 25 números e o dinheiro
arrecadado foi gasto com uma bicicleta para a
Hoje vai ter sol de bala
Ciranda. O valor arrecadado foi de 75 reais. O
Hoje vai ter sol de banana.
setor de saúde também participou da feira com :
Hoje vai ter sol de bolo.
xampu, pomadas, xaropes , óleo para banho e
Hoje vai ter chuva de uva.
sabonetes. (Repórter: José Gabriel).
135
A escolha dos temas para serem trabalhados no Jornal das Crianças se dá nos
núcleos de base das crianças e a escrita das notícias é feita coletivamente. Depois, as
crianças escolhem o que querem escrever, desenvolvem a pesquisa sobre o tema,
elaboram, leem e debatem no núcleo de base e ajudam cada uma a finalizar sua escrita.
Às vezes, algumas crianças dão sugestão de temas que ainda não foram trabalhados com
elas. Boa parte dos temas é discutida com antecedência na Ciranda Infantil e as crianças
completam as informações pesquisando na biblioteca e entrevistando os próprios
assentados e assentadas. Além dos temas, escrevem sobre os acontecimentos no
assentamento. Geralmente os textos são feitos por uma, por duas ou três crianças.
Roseli, em entrevista, afirma que:
Nunca coloque fogo na mata para não matar os animais, as árvores. Muitas
das vezes o lixo nos atrapalha. Mas o lixo pode ser reciclado ou reutilizado.
136
Com um tipo de lixo, por exemplo: garrafa Pet, lata de alumínio, caixa de
leite, caixa de sapato etc., podemos reutilizar e fazer brinquedos. Podemos
enfeitar o pote de manteiga para guardar alguma coisa. Reciclar é mais
difícil, porque é fazer o material novamente. Por exemplo, para fazer a
garrafa novamente temos que derreter. Podemos vender latinha, fio de cobre
e outros materiais. Vamos cuidar da natureza que é dever de todos!
No dia 23 de maio fiz uma entrevista com Nice. Ela veio do Assentamento
Irmã Alberta falar sobre como plantar sementes e o tempo certo para se
plantar. Ela disse que a mesma terra não é a mesma em qualquer lugar para
plantar. A Nice ensinou como tratar a semente, guardar e a fazer mudas nas
plantações das casas aqui no assentamento. Fizemos mudas para plantações
de abóbora, uva, cenoura, salsinha, alface, morango, amora, abacaxi,
cebolinha, melancia, milho, banana etc. No assentamento encontramos
diversos tipos de plantas cultivadas pelos assentados, todas são orgânicas.
61
Trecho da entrevista com Roseli, realizada em setembro de 2013.
62
Trecho da entrevista com Marilene, realizada em agosto de 2013.
137
63
Anotações do caderno de campo, março de 2012.
139
É importante ressaltar que depois de pronto o jornal das crianças é lido para toda
a comunidade do Assentamento Dom Tomás Balduíno, no anfiteatro. A leitura é
realizada pelos autores e autoras que fizeram cada reportagem. Normalmente, os pais
ficam muito orgulhosos dos filhos e filhas e, algumas vezes, ficam surpresos com a
capacidade de leitura, pesquisa, entrevistas e desenhos dos Sem Terrinha. As atividades
desenvolvidas na Ciranda Infantil, como o Jornal das Crianças, cumprem um papel de
informação e formação, não só das crianças como também de toda a família do
assentamento.
A entrevistada avalia que a atividade foi muito importante para as crianças, pois
“elas e eles ficam conhecendo um pouco da realidade da vida dos acampados que está
no processo de luta pela terra e também passam a conhecer com mais propriedade a luta
dos seus pais”64.
A fogueira foi muito legal, seu José contou como foi feita a ocupação do
assentamento e como foi a luta pela terra dos nossos pais e mães. Teve
também muitas piadas, história de terror, brincadeiras e batata doce.
64
Trecho da entrevista com Marilene, realizada em agosto de 2013.
65
Trecho da entrevista com Roseli, realizada em setembro de 2013.
141
Nessa atividade observei uma participação muito grande dos pais e mães das
crianças, tanto nas atividades programadas no planejamento como na contação de
história, cantoria e, por isso, cada um sabia qual era sua responsabilidade; também nas
tarefas de preparar o jantar, o lanche etc., para garantir que tudo acontecesse conforme a
programação planejada. Muitos pais e mães, que já tinham realizado sua tarefa, ao
trazerem as crianças, ficaram por ali observando o trabalho que estava sendo
desenvolvido e depois de certo tempo retornaram para suas casas.
Eu achei bem boa a tarde cultural, as vezes nós assistimos filmes bem
engraçados, teve um dia que nós assistimos um que falava das galinhas.
Eu gosto bastante da tarde cultural nós assistimos teatro teve uma peça que
foi muito engraçada: as aventuras de pepino, ela foi muito boa.
142
Um dia na tarde cultural nós fizemos o aniversário de Irma Aberta, foi muito
legal, teve muito bolo.
A tarde cultural é bem legal tem dias que jogamos futebol brincamos
contamos história; outro dia teve a peça de teatro Algo de Negro, que foi bem
legal. No começo foi um pouco assustador. Mas depois eu entendi melhor a
mensagem da peça.
Eu gosto das tardes culturais teve um dia que Gláucia pintou o rosto das
crianças. As crianças deram nome aos fantoches e elas apresentaram uma
peça de teatro com eles, foi muito engraçado.
Eu gosto do Paulo Freire, eu sei que ele foi um bom professor e se preocupou
com a educação dos mais pobres.
Eu sei que Paulo Freire foi uma pessoa importante para a educação e que ele
gostava do MST, por isso já gosto muito dele.
Eu gostei da tarde socialista sobre Paulo Freire penso que foi uma bela
homenagem para as educadoras e para nós saber mais um pouquinho sobre a
vida dele.
Através das conversas, filmes, painel cartaz, que tive contato na Ciranda
Infantil que passamos a conhecer e ter contatos com o pensamento de pessoas
importantes para a luta como exemplo: Paulo Freire, Florestan Fernandes,
Che, Olga e muitos outros.
66
Fernanda Matheus é do estado de São Paulo, regional de Itapeva, entrevista realizada durante o
Encontro Regional dos Sem Terrinha.
67
Raíza é de Brasília, entrevista realizada numa atividade do MST, na qual ela estava presente na ENFF.
68
Ana Gabriela é do estado de Rondônia, entrevista realizada na ENFF.
144
Depois dos fuxicos prontos, as crianças enfeitaram uns potinhos que a Ciranda
havia ganhado. Cada um escolheu o fuxico preferido e colou num potinho. Algumas
crianças e educadoras, depois que aprenderam a técnica criaram novos modelos.
Segundo Bruna70 “se as pessoas do assentamento quiserem aprender a fazer fuxico,
podemos combinar um encontro na Ciranda. É possível fazer broches, cintos, colares,
enfeites de cabelo, sacolas e muitas outras coisas”.
69
Dandara do Estado de Rondônia entrevista realizada numa atividade do MST na ENFF .
70
Anotações do caderno de campo, Bruna, 7 anos, setembro de 2013.
145
Nós fizemos uma máquina de tirar foto de papelão e de papel cartão, também
uma de lata, com a máquina de lata nós tiramos fotos de verdade, foi muito
dez. Com a de papel cartão dava para ver as coisas de ponta cabeça. Nós
revelamos as fotos foi bem bacana.
Além dessas oficinas, presenciei mais uma oficina que tinha por objetivo
produzir uma música que faria parte do CD “Plantando Ciranda 3”71. Nas oficinas, se
reuniram os Sem Terrinha, os educadores, as educadoras, os tocadores, as tocadoras e
os/as cantantes, em roda, e, brincando, falaram sobre a música, compuseram versos,
contaram a que vieram e de onde vieram, colocando em cantigas seus sonhos e
realidades. Segundo documento do MST (2014, p. 2):
Foi assim que surgiu este verdadeiro mutirão de cantoria [...]. A criançada
animada ora compunha as letras, ora cantava as canções, ora fazia desenhos
pra colorir a Ciranda. Enquanto outros tocavam, experimentavam
instrumentos, ritmos e juntavam notas musicais que deram forma às melodias
e rimas que aqui apresentamos.
71
O CD plantando Ciranda 3 foi lançado na Ciranda Paulo Freire do VI Congresso Nacional do MST.
Acompanha o CD um caderno com as músicas produzidas pelas crianças.
146
De manhã cedo vejo a bandeira ao sol, de casa em casa vou chamar pro
futebol.
Depois de estudar, no rio vou nadar, juntar o Sem Terrinha pra brincar
Dessa forma, analiso que o envolvimento das crianças nos diversos tempos
educativos e, também, nas diversas atividades da Ciranda, como nas oficinas, na
elaboração do jornal, nas festas, nas avaliações, no planejamento, nas assembleias das
crianças, nos núcleos de base, nos mutirões etc. constitui-se num processo de formação
147
das crianças. Podemos observar isso pelas falas das crianças, por exemplo, sobre a
reforma agrária, sobre a luta pela terra, sobre o uso de venenos na produção, defendendo
uma produção agroecológica, como também na atitude delas em relação aos colegas, às
educadoras e em relação às famílias. Segundo Roseli,
Outra atividade muito importante para as crianças são os Encontros dos Sem
Terrinha, que vêm sendo realizados em todo o Brasil, desde 1994. Nesse espaço as
crianças, brincam, cantam, ouvem histórias, reivindicam seus direitos, principalmente,
os de ter acesso a escolas de qualidade.
O encontro de 2010 teve como tema: “Sem Terrinha: por escola terra e
dignidade” e contou com 400 crianças. Teve as seguintes oficinas: piada e palhaço,
contação de histórias, percussão, construção de brinquedo, dança cacuriá, danças
brasileiras, capoeira, pipas, hip hop, jogos teatrais, maquete, maculelê, confecção de
máscara, corpo e movimento.
O lúdico enquanto manifestação humana nos encontros dos sem terrinha tem
um conteúdo ontológico fundamental que é a liberdade e não está
desvinculada da vida, pois as brincadeiras dos encontros se identificam com
as lutas do mundo e, por isso, chamam para um novo jogo, em um novo
contexto, verdadeiramente livre em busca de uma verdadeira e total
emancipação humana.
149
Como sempre, tiveram várias oficinas, só que dessa vez foram organizadas por
idade, sendo as de música, acrobacia, estêncil, blog, construção de brinquedo e história
para as crianças maiores (de 7 a 12 anos); para os menores (de 3 a 6 anos) foram
atividades de dança, desenho e história. E para os bebês (1 e 2 anos) houve atividades de
massagem, músicas e história de fantoche.
Marília e Andréa também relataram sua oficina como muito participativa e significativa:
E existem outros já conhecidos como: “Quem são vocês? Sem Terrinha outra
vez; o que é que trazem? Esperança e nada mais. Esta onda pega? Esta onda já pegou,
pra anunciar que o Sem Terrinha já chegou”, ou “Bandeira, bandeira, bandeira
vermelhinha. O futuro da nação está nas mãos dos Sem Terrinha” e, ainda, “Estrela que
brilha, que brilha sem parar, levanta Sem Terrinha vamos nos organizar.” São gritos que
carregam os objetivos e a esperança de organização dos próprios trabalhadores. Eles só
foram possíveis porque essas crianças estão inseridas numa experiência que está
construindo novas possibilidades de vida.
Eu gostei das oficinas, sempre aprende coisas novas e ainda faço muitos
amigos em cada oficina.
Uma das marcas que trago desse processo de formação nos Encontros dos
Sem Terrinha foi uma reunião com o secretário de educação lá em São Paulo.
Estávamos em uma comissão, cinco crianças, mas os dirigentes do setor de
educação e todo mundo olhava para nós, como se fossemos extraterrestres.
Primeiro ficamos meios assustados com toda aquela segurança, pois até então
aquilo era novo para nós, mas isso não nos intimidou. Entramos, colocamos
nossa pauta, lembro que tinha bastante reivindicação sobre as escolas, e
quando saímos tinha uma sensação entre nós crianças de dever cumprindo
por estar ali representando todas as crianças do estado de São Paulo. Depois
da reunião foram socializadas as negociações com todas as crianças do
encontro. O que mais me indignou foi o chá de cadeira que o secretário de
educação deu em nós, mesmo com audiência marcada ele demorou muito até
nos atender. E também ao colocar os pontos de pautas ele sempre perguntava
para os dirigentes e não para nós que estava com a pauta. Essa audiência foi
um aprendizado para todos nós Sem Terrinha que estava no encontro.
72
Fabinho é um educador dos Sem Terrinha e participou dos primeiros encontros estaduais em São Paulo .
152
Essas falas retratam bem o aspecto político e pedagógico dos Encontros dos Sem
Terrinha e acredito que, hoje, nenhum adulto tem coragem de dizer que não vai
acontecer porque não tem dinheiro; as próprias crianças colocam os pais para irem junto
com elas buscar recursos para garantir o encontro. Em entrevista, Edgar Kolling afirma
que:
Admitir que uma criança ao nascer já é um ser pensante, que ela já é pessoa,
é posição científica radicalmente diferente do que se admitia até então. E,
ainda hoje, não admitida por muitos intelectuais e gestores de sistemas de
ensino. Muitos cursos de formação de professores de nível superior ainda não
admitem essas novas ‘verdades’ pedagógicas, e muito da nossa formação, da
nossa cultura pedagógica e social, ainda está presa à concepção de que a
função da escola é ‘preparar a criança para’ e não admite que ela, na condição
de criança, já é muitas e variadas coisas.
Assim, pode-se afirmar que a Ciranda Infantil poderia até ser uma creche, uma
escola de educação infantil73, mas o diferencial é justamente por estar vinculada a um
movimento da luta política e social, assim, faz parte dessa organização social, o que é
essencial no seu projeto de educação e no seu projeto histórico.
73
É importante salientar que na área da educação infantil existem vários professores e professoras que
desenvolvem uma educação numa perspectiva emancipatória. Acredito que o mesmo vem acontecendo
em outras áreas do ensino.
153
Isso não quer dizer que no assentamento não deve ter uma creche ou escola de
educação infantil, até porque isso é um direito das crianças. No entanto, se o MST
quiser dar continuidade à sua obra coletiva, não poderá mais fazer sem a presença das
crianças na Ciranda Infantil, pois elas estão em todos os espaços participando da
construção desse Movimento, Como disse Benjamin (1984, p. 87), “a pedagogia
proletária demonstra a sua superioridade ao garantir às crianças a realização de sua
infância. O campo onde isto acontece não precisa ser isolado do espaço da luta de
classe”. Faria (2002, p. 61), também afirma que: “sendo a infância uma produção
histórica, não poderemos, hoje, na sociedade capitalista, pensá-la em abstrato, referindo-
nos à criança independentemente de sua classe social”.
Dessa forma, a Ciranda busca educar os Sem Terrinhas e, muitas vezes, as ações
da luta, vão se tornando referências nas suas brincadeiras, por exemplo, quando nos
acampamentos as crianças brincam de fazer reuniões ou imitam os discursos dos
dirigentes acampados. Isso só é possível porque as crianças estão presentes nas
mobilizações junto com suas famílias, estão num movimento de luta e por estarem nesse
lugar (assentamento e acampamento) elas têm todo o contato com esse processo de
formação. Marx e Engels (2011, p. 85) afirmam que:
O setor mais culto da classe operária compreende que o futuro de sua classe
e, portanto, da humanidade, depende da formação da classe operária que há
de vir. Compreende, antes de tudo, que as crianças e os adolescentes terão de
ser preservados dos efeitos destrutivos do atual sistema.
Nos 30 anos de luta pela terra do MST, a juventude Sem Terra vem
participando dos vários setores do Movimento, isso lhe possibilita vivenciar na sua
militância alguns valores, concepções etc., que lhes foram proporcionados desde
crianças e que vêm vivenciando desde que passaram pelas Cirandas itinerantes ou
permanentes e pelos Encontros dos Sem Terrinha. Pistrak (2002 p. 31) afirma que:
CAPITULO IV
Para formar sujeitos históricos capazes de lutar pela terra, pela reforma agrária
popular e pela transformação da sociedade, o MST vem investindo em ações com todas
as famílias assentadas e acampadas. Assim, para desenvolver essa luta, uma das
primeiras atividades que o MST usou no seu processo histórico, foram as ocupações de
terra. Foram elas que impulsionaram, tencionaram a luta e denunciaram a concentração
de terra e de riqueza em nosso país. Ao realizar as ocupações, o MST reivindica um
direito constitucional, conforme o Estatuto da Terra, Lei n. 4.504, de 30 de novembro de
1964, em seu Capitulo I, Art. 2°: “É assegurada a todos a oportunidade de acesso à
propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei.”
A Constituição Federal de 1988 também fala que a propriedade privada deve atender a
função social. O Art. 5º Inciso XXIII assegura que “a propriedade atenderá a sua função
social” como também o Art. 170, inciso III reafirma “a função social da propriedade”.
No seu Art. 186 afirma que:
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de
reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social,
mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com
cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos,
a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
Essas leis, citadas anteriormente, permitem que os sujeitos Sem Terra tenham
suas primeiras experiências de luta pela realização da reforma agrária. Segundo Rosa
(2012, p. 512), as ocupações de terra têm servido, ao menos, a dois fins:
a) promover o direito do acesso à terra para quem deseje fazer um uso social
justo de sua propriedade;
74
Comentário feito por Luiz Carlos de Freitas no exame de qualificação da pesquisa intitulado
“Organização do trabalho pedagógico da Ciranda Infantil do MST: possibilidades e contradições”, em
10 de novembro de 2014.
158
A atenção à criança no MST não existe porque isso é bonito para nossa
história, ela existe porque há concentração de terras em nosso país e existem
famílias que lutam por seu direito a terra e à vida. A criança participa da
ocupação, nasce embaixo da lona preta e, portanto, se torna parte dessa luta,
se torna Criança Sem Terra. Assim, o lugar da criança no MST é em todo
lugar; ela é parte da nossa organização e parte fundamental da nossa história.
É importante ressaltar que nessa atenção dada às crianças, não se trata de isolar
da realidade, e nem de colocar a vida das crianças em risco, mas ao contrário, colocar
em contato com a vida, vivendo a sua realidade, e criar condições que permitam que
participem da luta pela terra de uma melhor maneira possível. Edgar Kolling, em
entrevista, diz:
Por mais que no acampamento tenha essa possibilidade, dos vários espaços de
brincadeiras, como Edgar nos apresentou, existem também os conflitos, os vários
despejos, a falta de comida, de casa, de escola etc., o que, muitas vezes, leva as crianças
a não gostarem de viver ali, causando um estranhamento em algumas pessoas que estão
na luta pela terra. Isso leva a refletir suas indignações nesse momento, mesmo sendo o
um espaço transitório, pois não é fácil viver num lugar onde as condições são tão
precárias. No entanto, esse é apenas o primeiro passo de uma luta árdua pela
transformação da realidade.
Passar fome, frio ou muito calor debaixo dos barracos de lonas não é o que o
MST quer para os Sem Terrinha, nem para os sujeitos Sem Terra que dele fazem parte,
mas os acampamentos são instrumentos de luta que mostram para a sociedade as
desigualdades sociais em nosso país. Freitas (2009, p. 95) chama atenção dizendo “nem
se aprende e nem se luta espontaneamente. A luta é uma dura necessidade que ensina” e
Arroyo (2003, p. 32) completa dizendo que “a luta pela vida educa por ser o direito mais
radical da condição humana”.
159
A Ciranda Infantil, além de ser uma conquista importante para nós mães,
pais e crianças, ela nos permitiu ter uma compreensão de uma infância, que
tem direito de brincar, de pular, de correr, de lutar, de estudar. Isso hoje tem
um significado para nos educadores do movimento muito maior, e sem
dúvida muitas das nossas crianças hoje que tem acesso a Ciranda Infantil tem
uma infância menos sofrida do que as crianças que viveram nos primeiros
assentamentos do Movimento, quando não tinha as Cirandas Infantis. Pois
elas não tinham nem como encontrar seus amigos, mesmo os que moravam
mais próximos; às vezes se encontravam somente nos fins de semana quando
os pais ou as mães as levavam à área coletiva do assentamento.
75
Maria Estélia é dirigente do Setor de educação do estado de Rondônia e atualmente é estudante do
mestrado da Via Campesina em parceria com a Unesp.
160
É importante ressaltar que esse processo não se deu de forma linear, houve
muitas discussões, nos diversos setores do Movimento Sem Terra, para que as crianças
fossem vistas. Houve momentos no processo histórico da luta, em que as crianças eram
vistas como problemas para a organização. No caso do setor de educação, as crianças se
tornaram pauta das reuniões quando as dirigentes do setor foram se tornando mães e
levando seus filhos e filhas para as reuniões. Assim, começaram a discutir de que forma
as mães dirigentes, militantes, estudantes e pesquisadoras, poderiam realizar suas ações
sem ficar longe dos seus pequenos. Foi quando surgiu a ideia dos primeiros espaços
conquistados pelas crianças, mães e pais militantes do MST.
A formação humana é acima de tudo, ‘forma de ação’ por isso não se pode
imaginar a teoria separada da prática. [...] uma decisão não pode vir
desacompanhada de profundas reflexões e de organização das forças que
executarão esta decisão. Entendemos com profundidade a decisão quando
vamos para ação, é por meio dela que o conteúdo passa de abstrato para
concreto.
Freitas (2009) também chama atenção, dizendo que este processo de formação
se desenvolve calcado em uma matriz multilateral do ser humano (cognitivo, afetivo,
artístico-estético, físico-corporal, moral-ético, ecológico). Essa matriz possibilita uma
formação humana que vai além do cognitivo. Sendo assim, a teoria e a prática
impulsionam uma formação humana mais alargada. Segundo Caldart (2014, p. 103)
Frigotto (2012) também diz que uma concepção mais alargada de educação. Ele
fala sobre a educação omnilateral, termo que vem do latim e sua tradução literal
significa “todos os lados ou dimensões”, afirmando:
relações de produção, o que não significa dizer que ela se resuma a estas, mas
sim que os processos educativos, entre eles os escolares, não estão alheios às
relações sociais que os engendram.
Não foi por acaso que o MST vem construindo espaços de participação das
crianças no processo de luta pela terra e em todas as ações que desenvolve. É na luta de
classes que se vai construindo práticas educativas e os Sem Terrinha se educam à
medida que se organizam para lutar, pois já perceberam que sem luta a realidade não
muda, não transforma a sociedade. Benjamim (1984, p. 90), no texto: Pedagogia
Comunista, nos ajuda a entender esse processo, afirmando que:
76
Esse Cartaz é do I Encontro Estadual dos Sem Terrinha de São Paulo em 1996, arquivo do setor de
educação do estado de São Paulo.
165
O nome Sem Terrinha surgiu por iniciativa das crianças que participaram do
Primeiro Encontro Estadual das Crianças Sem Terra do Estado de São Paulo,
em 1996. Elas começaram a se chamar assim durante o encontro e o nome
acabou sendo incorporado à identidade das crianças que participam do MST
em todo Brasil
77
O texto completo do manifesto encontra-se disponível no arquivo do setor de educação do estado de
São Paulo.
167
intencionalidade nos objetivos das Cirandas Infantis78 que, segundo documento do MST
(2004, p. 39) é:
78
Esses objetivos também foram encontrados nos projetos políticos-pedagógicos das Cirandas Infantis –
Paulo Freire do VI Congresso do MST, na Ciranda Infantil do Assentamento Dom Tomás, no PPP da
Ciranda Infantil Pequeno Colibri e no PPP da Ciranda Infantil Saci Pererê.
168
Dessa forma, a identidade está ligada à dialética pela “unidade e luta dos
contrários”. Para Bogo (2008), uma não pode existir sem que haja o seu oposto, porém
com contradições antagônicas e não antagônicas, uma depende da outra para existir
com suas próprias características. A identidade se relaciona com o movimento das
negações constantes, seja na sua contradição principal, seja nas demais contradições.
Segundo Bogo (2008, p. 37):
As identidades estão presentes nas lutas socais, nas lutas de classes, nas lutas
entre ‘povos’ e na formulação de projetos para a superação do capitalismo.
Desse processo, fazem com que, da unidade e luta dos contrários, surgem
novas identidades com capacidade de compreenderem e intervirem nos
processos das negações futuras. As identidades são constituídas de uma
forma ou de outra, elas apresentam expectativa de continuidade histórica
ainda a ser realizada.
Sem Terra é mais do que sem-terra, exatamente porque é mais do que uma
categoria social de trabalhadores que não tem terra; é um nome que revela
uma identidade, uma herança trazida e que já pode ser deixada aos seus
descendentes, e que tem a ver com uma memória histórica, e uma história de
luta e contestação social. [...] Esta identidade fica mais forte à medida que se
materializa em um modo de vida.
A criança Sem Terra, no MST, passou a ser considerada um ser social que
integra a totalidade de um projeto em construção. As crianças, ao participarem da luta
social, educam-se para uma postura diante da vida, o que é fundamental para o
fortalecimento da sua identidade.
Querido MST,
Somos filhos e filhas de uma história de lutas. Somos um pedaço da luta pela
terra e do MST. Estamos escrevendo esta carta pra dizer a você que não
queremos ser apenas filhos de assentados e acampados. Queremos ser SEM
TERRINHA, pra levar adiante a luta do MST.
No nosso país há muita injustiça social. Por isso queremos começar desde já
a ajudar todo mundo a se organizar e lutar pelos seus direitos. Queremos que
as crianças do campo e da cidade possam viver com dignidade. Não gostamos
de ver tanta gente passando fome e sem trabalho pra se sustentar.
Ser verdadeiros Sem Terrinha, honrando este nome e a terra que nossas
famílias conquistaram.
Ajudar nossas famílias a plantar, a colher, ter uma mesa farta de alimentos
produzidos por nós mesmos e sem agrotóxicos.
Divulgar o MST e sua história, usando nossos símbolos com grande orgulho.
Ainda não temos 15 anos, mas nos comprometemos a trabalhar para que você
MST, tenha muitos 15 anos de lutas e de conquistas.
Carta dos Sem Terrinha do Rio Grande do Sul aos seus professores.
Esteio, 12 de outubro de 2000.
18 de novembro de 2008.
Nós, Sem Terrinha, reivindicamos melhorar a estrada, pois quando chove não
é possível chegar à escola de Engenheiro Maia, porque o ônibus não passa e
se alguém fica doente, não consegue ir para a cidade. Ah, e precisa reformar
o ônibus escolar, pois tem goteira quando chove e os bancos estão estragados.
Queremos ter uma Alimentação saudável na escola, ter arroz, feijão, saladas,
legumes, carne, peixe e suco natural e ter ventilador, pois a escola é muito
quente.
Carta do 12º Encontro Estadual dos Sem Terrinha do Rio de Janeiro aos
amigos e amigas dos Sem Terrinha do MST
19 de outubro de 2009.
79
As cartas completas estão disponíveis nos arquivos do setor de educação nacional.
172
Outubro de 2011.
Durante a pesquisa, pude observar na fala das crianças, sua força na luta pela
terra e na construção de sua a identidade80:
Eu sou Sem Terrinha porque eu participo da luta pela terra junto com meus
pais, com meus companheiros.
(Isabela, 5 anos).
Eu também sou Sem Terrinha, pois ajudo meus pais a plantar na roça e cuidar
da terra, não usando venenos para não matar a vida que existe nela.
(Ester, 8 anos).
80
Falas colhidas durante algumas brincadeiras das crianças do Assentamento Dom Tomás, em preparação
ao Encontro do Sem Terrinha da Regional da Grande São Paulo, em outubro de 2012.
173
Ser Sem Terrinha é participar das Cirandas e dos encontros dos Sem
Terrinha, pois lá nós negociamos nossos direitos como ter acesso a escola de
qualidade, nós vamos à secretaria de educação falar com o secretário.
(David, 11 anos).
Sem Terrinha não é porque nós somos pequenos é porque nós somos do MST
que luta pela terra.
(Daniela, 9 anos).
Ah, ser Sem Terrinha é você não ter vergonha de dizer que você é acampada
ou assentada, que você é do MST.
(Gleisson, 8 anos).
Concordo com Freitas (2011, p. 130) quando afirma que: “O Movimento não
pode se descuidar dessa porta de entrada, da educação, pois nestes locais se produz uma
nova escola, uma nova forma de educar”. Entretanto, mesmo considerando a Ciranda
Infantil uma dessas portas de entrada, pode ocorrer que educadores e educadoras
desenvolvam atividades pedagógicas que não tenham nada a ver com o projeto
educativo do MST. E esse, se preocupar somente com a formação da juventude, pode
prejudicar o processo de formação humana que tem uma intencionalidade de construção
de projeto de sociedade socialista.
Para o MST, trabalhar esse pertencimento, essa identidade, essa resistência com
as crianças Sem Terrinha se faz necessário até mesmo para sua própria sobrevivência,
não no sentido de futuros dirigentes, mas no sentido de construção do projeto histórico
174
É importante salientar que esses encontros das crianças sem terra na atualidade
são muitos importante no Movimento, outubro é considerado o mês da jornada de luta
dos Sem Terrinha e os encontros, a cada ano, superam alguns desafios, desde a busca
por recursos para pagar os ônibus, até a sua própria organização. Os Sem Terrinha
também foram reeducando o olhar dos adultos, para com as crianças, no sentido de
observar que essas são capazes e têm grandes ideias. Atualmente, nenhum Estado tem
coragem de dizer para as crianças que não vai acontecer nada no mês de outubro. Todos
realizam as atividades, estadual ou localmente, no assentamento ou acampamento.
175
A Ciranda Infantil, a luta pela escola, os encontros dos Sem Terrinha, são
práticas educativas que, no processo histórico, as crianças colocaram na agenda do
Movimento. Como disse Fabinho81: “Pois a luta pela terra ainda não acabou, não
morreu, pois a sociedade capitalista continua muito forte e cada dia deixando muito
mais gente na condição de Sem Terra.”
81
Fabinho, educador da Regional de Itapeva, entrevista realizada no dia 19 de outubro de 2013.
176
A luta social que efetivamente forma sujeitos sociais, é aquela que se projeta
como práxis revolucionária, aquela que se coloca na perspectiva da luta de
classes e para a transformação mais radical da sociedade e das pessoas,
fazendo os sujeitos compreenderem, na prática, a dimensão da historicidade.
Assim sendo, a luta social se consolida na medida em que os sujeitos estejam
intimamente vinculados à organização coletiva, de modo a se tornar uma
cultura do coletivo, que ultrapassa a vida do Movimento e a esfera da luta
política, atingindo a vida dos indivíduos em sua totalidade.
82
As Normas Gerais do MST são um conjunto de normas e princípios que regem o Movimento em nível
nacional. As normas nasceram e foram criadas na mesma medida que o Movimento. Foram sendo
instituídas nos diversos coletivos que integram o Movimento e evoluindo conforme as necessidades da
organização. As Normas Gerais do MST foram aprovadas em três coletivos diferentes: no primeiro
Congresso Nacional, nos cinco encontros nacionais, realizados anualmente de 1984 a 1989, e nas
reuniões da coordenação nacional que são realizadas trimestralmente. Todo esse acúmulo foi editado
pela primeira vez em 1989 em um pequeno livreto de bolso. Essas normas norteiam o MST na sua
totalidade e são abertas a todos os estados fazerem complementos, conforme a realidade local. As
Normas Gerais são compostas de 15 capítulos que deixam claro o que é o Movimento. Os seus
princípios, as plataformas de lutas, as instâncias do Poder Nacional, os critérios gerais dos membros das
instâncias, os princípios organizativos das instâncias, a organização interna, a articulação das mulheres,
os símbolos e meios de comunicação, as finanças, as normas gerais dos assentamentos, as relações
internacionais, as instâncias estaduais e locais, a personalidade jurídica e os assuntos gerais.
178
o MST (2005, p. 82), “a única forma de termos de fato uma direção coletiva é se as
famílias assentadas e acampadas estiverem organizadas em núcleos e possam discutir os
problemas enviando sugestões para a direção”.
Encontro Nacional – Este acontece a cada dois anos. Nesta instância, são definidas as
pautas de lutas imediatas, de acordo com a conjuntura da sociedade e as necessidades
dos estados. Sua composição, caráter, local e data são definidos pela direção nacional.
Direção Nacional - Esta tem como função pensar, discutir e propor as linhas políticas
para o Movimento, procurando garantir a sua efetivação. Planejar as estratégias de lutas
em conjunto com a coordenação nacional; acompanhar os setores. Elaborar o método de
trabalho e promover constantemente a formação política dos participantes do
Movimento. Esta instância é composta por dois membros (um homem e uma mulher),
eleitos nos encontros estaduais, referendados no Encontro Nacional, para um período de
dois anos.
Essas instâncias e esses setores são criados também nos estados onde o MST
está organizado. Em âmbito estadual, para melhor participação de todos e todas, são
organizadas as brigadas ou as regionais83 e em cada assentamento e acampamentos as
famílias são organizadas por núcleos de base compostos aproximadamente por 10
famílias baseadas nas proximidades do local de moradia. A orientação é que todos os
membros do MST devam pertencer a um núcleo para fazerem parte do Movimento e
continuar o processo de formação e mobilização. Segundo Silva e Valério (2013, p. 5):
Cada núcleo é coordenado por um homem e uma mulher, uma pessoa para
secretariar e um representante por setor do Movimento, que, junto com os demais
representantes de outros núcleos, formam os setores no assentamento ou acampamento.
É importante ressaltar que o núcleo de base é o um jeito como os assentados e
acampados organizam para participar da vida do Movimento Sem Terra.
83
O estado de São Paulo, por exemplo, é organizado por regional e o estado do Paraná é organizado por
brigada, cada estado organiza sua base conforme sua realidade e condições.
180
Os Sem Terrinha vão desenvolvendo novas relações nesse coletivo infantil, tanto
pelo jeito de dividir as tarefas, quanto ao pensar no bem-estar do conjunto das famílias,
e vão percebendo que a organicidade do MST é cada vez mais complexa. Então, as
Cirandas Infantis, ao assumir a educação das crianças, também precisam desempenhar
as tarefas que lhes cabem neste processo de fortalecimento da organicidade, tendo
182
Pistrak (2009, p. 125) chama a atenção para essa questão ao afirmar que:
Essa questão pode se responder assim: nossa época é uma época de luta e
construção, sendo construção que parte da base, construção apenas possível e
bem-sucedida nas condições em que cada membro da sociedade compreenda,
claramente, o que precisa construir (isso se dá a formação na atualidade) e
por quais caminhos realizar esta construção.
núcleos de base é mais frequente, por ter um número grande de crianças, para melhor
organização das atividades. Roseli, em entrevista, afirma que:
A escola será à base desse coletivo infantil no dia em que se constituir como
centro da vida infantil e não somente como o lugar de sua formação; quando
for capaz de transformar os interesses e as emoções individuais em fatos
sociais, fundados na iniciativa coletiva e na responsabilidade correspondente,
através da auto-organização.
Eu gosto muito do meu núcleo, ele chama ‘Paulo Freire’, mas tem vezes que
a gente brigava porque alguns não querem respeitar as decisões coletivas do
núcleo e isso era muito ruim.
Observando as falas das crianças pode-se perceber que o núcleo de base infantil
possibilita uma participação bem intensa dos Sem Terrinha na tomada de decisões,
como, na escolha das brincadeiras, dos estudos, das místicas, nos mutirões para fazer o
jornal das crianças, nos ensaios de música para gravar CD etc. Em cada atividade, as
crianças discutem para ver qual a melhor maneira de encaminhá-las. Em entrevista,
Roseli fala que a escolha dos nomes dos núcleos foi exemplo disso:
84
Anotações do caderno de campo 24 de maio de 2013. Falas colhidas durante uma atividade em que as
educadoras estavam planejando com as crianças a sua participação na Ciranda Infantil.
186
A não separação é importante para aquele coletivo de crianças, uma vez que
as pequenininhas vão aprendendo com as grandes, se desafiando e tentando
fazer o mesmo que elas e, ao mesmo tempo, as crianças maiores se
preocupam com as pequenas, respeitam seu ritmo, ajudando-as. Há uma troca
importante entre as maiores e as pequenininhas, na qual elas se educam entre
elas, compartilhando as culturas infantis.
85
O VI Congresso do MST ocorreu de 10 a 14 de fevereiro de 2014.
86
A mobilização no MEC com as crianças foi no dia 12 de fevereiro de 2014.
188
A atividade no MEC foi bem interessante, pois cada núcleo fez seus cartazes e
viu como ia manifestar sua indignação com o descaso em que se encontra a educação
nos assentamentos e acampamento. Um exemplo dessa atividade foi o painel que o
núcleo dos bebês fez com argila:
87
Ao observar essa atividade das educadoras e educadores com os bebês, fiquei imaginando como ia ser a
reação das mães se estivessem presentes vendo todo o processo.
88
Fotos registradas pela pesquisadora, durante a atividade de construção de um painel com os bebês no
dia 11 de fevereiro de 2014. Atividade com argila envolvendo os bebês da Ciranda Infantil Itinerante
Paulo Freire do VI Congresso do MST.
189
Outra questão bem interessante foi a organização nos ônibus para que cada núcleo de
base não ficasse separado, tanto na ida para o MEC como na volta para a Ciranda,
lembrando que eram 850 crianças de todas as idades.
Essa organização aconteceu o tempo todo nessa atividade, as crianças, junto com
as educadoras, cuidaram para que todas e todos se alimentassem, para que ficassem bem
e não ficassem para trás. O cuidado que os educadores e educadoras tiveram com as
crianças foi fundamental, desde a chegada, quando um dos policiais se aproximou e os
educadores negociaram, colocando a importância de elas estarem ali, pois estavam
reivindicando seus direitos.
Por outro lado, é importante ressaltar que os núcleos de base não precisam ter
um único formato, rígido, é importante que sejam mais flexíveis, pois, é no processo
que as crianças vão se apropriando do debate da luta, fortalecendo sua identidade e
vendo porque o MST luta contra essa sociedade capitalista. Segundo Pistrak (2002, p.
56):
Segundo Freire (1989, p 13) O educador precisa “buscar junto com as crianças
as respostas para suas inquietações do “existir no mundo”, fazendo a historia com a
criança, possibilitando a participação nas decisões de todas as situações do processo
educativo.” As crianças se reconhecem nesse Movimento, nessa luta por outra
sociedade, o que, entretanto, não quer dizer que elas já tenham uma consciência de
191
classe, mas que elas vão fortalecendo esse pertencimento a uma classe social. Em
entrevista, Ângelo89 nos disse como percebeu o quanto isso é complexo e exige dos
educadores e educadoras, um conhecimento do projeto histórico que está sendo
construído no MST:
Esse debate eles vão se apropriando nos cursos de formação que o MST organiza
para os educadores e educadoras infantis, e nas vivências do dia a dia da própria
Ciranda Infantil.
89
Ângelo é dirigente do setor de formação no estado de São Paulo, na regional de Promissão e,
atualmente, está fazendo o mestrado da Via Campesina.
192
não quer dizer que seja bom ou ruim, pois os eles não deixam o Movimento Sem Terra,
mas é um limite que o Movimento precisa ir superando no processo de formação dos
seus dirigentes, pois os educadores têm um papel importante, principalmente, se
pensarmos que eles são responsáveis por conduzir o processo de formação dos meninos
e meninas sem terra.
90
As fotos 13, 14, 15 são do arquivo do setor de educação em nível nacional, desenhos enviados para as
crianças palestinas; a foto 16 é da brigada que foi na colheita das oliveiras. Disponível em:
<www.mst.org.br>. Acesso em: 15 maio 2015.
193
África: Brigada Samora Machel (A brigada está com base na África do Sul,
mas é para toda África Austral); Venezuela: Brigada Apolônio de Carvalho;
Cuba: brigada dos estudantes de medicina (não tem nome); Venezuela:
Turma Elenira Resende (estudantes de medicina); Palestina: Brigada Gassan
Kanafani (vai uma vez por ano para ajudar na colheita da azeitona); Cone
Sul: a brigada do Iala Guarani e, Haiti: Brigada Dessalines.
91
Augusto Juncal é do setor de relações internacionais do MST, atualmente é membro da Brigada Samora
Machel, na África do Sul. Palestra proferida num seminário internacional no dia 15 de maio de 2015, na
ENFF. Anotações de caderno de campo.
92
Luiz Paulo é coordenador da ENFF, faz parte da brigada em solidariedade ao Haiti, é estudante do
Mestrado em Desenvolvimento Territorial da América Latina e Caribe, trecho de relato de experiência
na turma, anotações do caderno de campo.
196
Palestina Livre
Palestina Livre:
Oh palestina
Menino livre
Em entrevista realizada com Daiane, ela afirma que é preciso trabalhar esses
valores com as crianças, pois:
93
Delwek Matheus é dirigente nacional de MST, é estudante do Mestrado em Desenvolvimento Territorial
da América Latina e Caribe e fez parte da brigada; essa fala foi anotada durante o relato de experiência
que ele fez para a turma do mestrado da Via Campesina.
94
Essa música foi gravada pelos Sem Terrinha do Pará e está no CD da infância Sem Terra Plantando
ciranda 3; também está disponível em um vídeo no link:
<https://www.youtube.com/watch?v=XNAm0SQQeOk>. Acesso: 9 jul. 2015.
197
Para o MST (2005), os valores são princípios e convicções de vida que movem
as práticas de vida do ser humano. São eles que produzem a necessidade de viver pela
causa da liberdade e da justiça. Segundo o MST (2005, p.15), “valores não são meros
conteúdos teóricos. São vivências que precisam ser amadurecidas e praticadas no
cotidiano”. Segundo Caldart (2003, p. 55):
Tudo que sou hoje vem da minha formação de lá da base nas Cirandas e nos
encontros do Sem Terrinha e do trabalho que era feito aqui no assentamento
com as crianças. Foi lá que aprendi que os valores da solidariedade,
companheirismo, do respeito ao ser humano, são princípios de vida se
queremos construir outra sociedade. Foi lá nos encontros dos Sem Terrinha,
na Ciranda Infantil que aprendi isso e hoje eu trabalho com as crianças esses
valores que apreendi lá na minha infância.
O MST tem se preocupado muito com o cultivo de valores, porque sabe que os
estes são traduzidos em modos de vida e, dessa maneira, as novas gerações de lutadores
e lutadoras do povo têm possibilidade de vivenciar. Caldart (2003, p. 6) nos alerta:
“valores somente existem através das pessoas, suas vivências, postura, convicções, e
eles não nascem com cada um; são aprendidos, cultivados através de processos
coletivos de formação, de educação”. No processo de pesquisa, tive a oportunidade de
presenciar algumas cenas dessa vivência entre as crianças.
Fernanda, uma Sem Terrinha que atualmente contribui nas Cirandas Infantis
afirma:
Desde os 3 anos de idade que participo da ciranda e dos encontros dos Sem
Terrinha e de outras atividades do Movimento, acredito que todas elas
contribuíram muito para minha formação porque ainda hoje, cultivo valores
de companheirismo, solidariedade, amor pela terra, enfim de ser uma Sem
Terrinha que não tem vergonha de lutar pela terra, pois nós também somos
Sem Terra como nossos pais.
Desse modo, a Ciranda vai sendo esse espaço pedagógico de participação das
crianças nesse Movimento, que tem a luta pela terra, a reforma agrária e a
transformação da sociedade, como referência em suas ações educativas. A participação
é um dos caminhos que o MST vem realizando para, nesse processo, formar sujeitos
construtores e construtoras da sua própria história. Anjos (2013, p. 205) afirma que:
Nessa mesma direção, Caldart (2000 p. 317) aponta que: “olhar para o
movimento social como sujeito pedagógico significa retornar uma vez à reflexão sobre
educação como formação humana e suas relações com a dinâmica social na qual se
inserem os sujeitos sociais”. Esses elementos nos permitem pensar que não é só tendo
acesso à terra que eles estarão emancipados, mas os modos de tratar a terra, de produzir,
de cuidar uns dos outros e a vivência do seu cotidiano, são fatores que possibilitam um
processo de formação humana mais emancipadora.
Nesse contexto, a Ciranda não é somente o espaço físico, ela tem uma
intencionalidade política e pedagógica no processo de educação das novas gerações com
outros valores contra-hegemônicos. Assim, a responsabilidade de educar os Sem
Terrinha não é somente do pai ou da mãe, mas é de todos e todas que fazem parte do
Movimento, pois elas participam dos espaços de debate político, nas relações
estabelecidas com os adultos e entre elas, e do processo da luta pela terra.
E a Ciranda nos ajuda a conceber as crianças Sem Terra, como sujeitos que
fazem parte e constroem esse Movimento, junto com os adultos. Elas se constroem e
nos constroem também, pois os meninos e meninas Sem Terra nos ajudam a repensar e
a mudar nosso olhar para os Sem Terrinha, nos ajudam vê-los de outro jeito, não como
os coitadinhos, “dos que falta”, “dos sem”, mas como crianças de um período histórico.
Ter a educação como tática na luta por transformação social é colocá-la na estratégia
202
política para se alcançar tal fim, isso implica pensá-la enquanto prática social, inserida
na realidade, em que “a história da sociedade é a história de lutas de classes” (MARX;
ENGELS, 1986, p. 81). Segundo Bogo (2008, p. 178):
da sociedade, mas trazendo essas questões para o seu dia a dia buscando dar-lhes
significado na construção do projeto histórico. Para isso, os educadores e educadoras
precisam estar atentos a essas questões significativas, para construir junto com as
crianças, uma educação para além do capital. É nessa construção de uma educação para
além do capital que os Sem Terrinha, desde bem pequenininhos, com seus gestos,
olhares, choros, silêncios, abraços, festa, fome, chuva, sol, terra, ritmos, lutas,
descobertas, sonhos, imaginação, vão compondo as cem linguagens, ao que Malaguzzi,
(1999, p. 1) chama a atenção:
Dizem-lhe:
de descobrir um mundo que já existe
e de cem roubam-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe:
que o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia
a ciência e a imaginação
o céu e a terra
a razão e o sonho
são coisas
que não estão juntas.
Dizem-lhe enfim:
que as cem não existem.
A criança diz:
Ao contrário as cem existem.
205
CONSIDERAÇÕES FINAIS
(BOGO, 1999)95
Diante disso, retomo a questão inicial desta pesquisa, que me ajudou no caminho
percorrido até aqui: a organização do trabalho pedagógico das Cirandas Infantis do
MST – nos assentamentos, centros de formação, marchas, reuniões, congressos etc. –
contribuem para a formação das crianças Sem Terrinha na perspectiva da emancipação
humana?
Para responder a esta questão, que delineou este trabalho, levantei a hipótese de
que a organização do trabalho pedagógico, que inclui as dimensões da organicidade, da
auto-organização e da participação na luta pela terra cumpre um papel fundamental na
formação humana dos meninos e das meninas Sem Terra. Formação que não prioriza o
objetivo das crianças serem, ou não, futuros militantes ou dirigentes do Movimento,
mas preocupada com a apropriação, pelas crianças, de elementos fundamentais, que
95
Versos da poesia “Sonhos e Tempo” de Ademar Bogo, em homenagem aos 15 anos do MST.
206
permitam a elas pensar, lutar e entender a sociedade de hoje. Portanto, como sujeitos
históricos, estarão participando da construção de uma nova sociedade e exercitando
desde já a condição de dirigente, na concepção gramsciana.
Dessa forma, as crianças Sem Terra emergem enquanto sujeitos que constroem
sua participação histórica na luta pela terra, desenvolvendo e assumindo o sentido de
pertença a essa luta. Observo que as Cirandas Infantis, enquanto experiências
autônomas de educação, apresentam elementos que possibilitam pensar na construção
de uma política pública para a Educação Infantil do Campo numa perspectiva
emancipatória.
concentrações de terra e de riquezas afeta todos e todas que produzem sua vida no
campo e na cidade.
Merece destaque, neste contexto, o valor histórico da luta pela reforma agrária
empreendida pelo MST, mesmo com todos os desafios que surgem no momento em que
se procura transformar as relações de produção. Compreende-se, então, que a análise da
realidade perpassa valores culturais, visão de mundo e a escolha de parâmetros
científicos, capazes de dar sustentação a essa análise.
Considerado todos os dados já citados, teço agora alguns desafios que foram
sendo desvelados durante a pesquisa:
Ter acesso aos espaços aos bens materiais e imateriais muitas vezes é bem difícil
para as crianças Sem Terra, pois boa parte desses se encontra nas cidades, das quais os
assentamentos estão sempre distantes.
Os dados desta pesquisa também indicaram que, para construir uma educação
emancipatória, não basta apenas a intencionalidade de transformação social na
programação do cotidiano, ou no Projeto Político-Pedagógico, se estes conteúdos não
são trabalhados e vinculados a um projeto de transformação da sociedade e alimentados
cotidianamente mediante práticas de transformação da realidade.
compreensão de que a luta pela terra não se encerra apenas com a sua conquista, é
preciso ir além, a sociedade precisa ser transformada”.
Os dados mostram que, de certa maneira, as crianças Sem Terra têm acesso aos
livros, revistas, jornais, alimentação, escola etc. no seu processo de formação humana.
Isso se expressa no cotidiano das Cirandas Infantis que vêm construindo um projeto de
sociedade junto com as crianças Sem Terra e com toda a base social do MST. Esse
projeto exige dos educadores e educadoras pensar a educação das crianças em outras
condições, para além das necessidades da vida, pensar em outras relações, outros
princípios visando transformar a sociedade. Silva (2014, p. 116) afirma que “foram os
princípios socialistas influenciados pela revolução russa de 1917, [...] como uma
experiência histórica concreta, que repercutiam no mundo todo, com sonhos
revolucionários”.
folia, pois entendo que as Cirandas são espaços necessários para as crianças
experimentarem a sua autonomia e todas as dimensões humanas, tais como: a artística, a
lúdica, a do imaginário e do trabalho.
currículos dos cursos de graduação das universidades, não dão conta da complexidade
vivenciada pelos educadores e educadoras, que estão na tarefa revolucionária de educar
os meninos e meninas Sem Terra. É necessário que o Movimento organize cursos
específicos para além da escola, sobre pedagogias descolonizadoras, pedagogias
libertárias, para os educadores e educadoras infantis, no sentido de proporcionar
reflexões para realizar as atividades com as crianças. Durante o processo da pesquisa,
aconteceram poucos cursos, organizados pelo Movimento.
Isso implica em uma reflexão mais consciente da sua experiência, num mundo
carregado de interesses sociais contra-hegemônicos. Por isso a defesa de uma formação
específica para os educadores e educadoras que atuam no campo, pois boa parte deste
ideário pedagógico que os movimentos sociais do campo vêm construindo é algo novo.
Pode-se afirmar que, participando das lutas sociais, os educadores e educadoras infantis
também estarão vivenciando um processo de formação, como já citado anteriormente,
pois o processo da luta e da organização também educa. Ribeiro (2001, p. 13) afirma
que: “A luta é um aprendizado de um novo modo de ser e de fazer a sociedade; a luta é
também pela produção de um saber comprometido se juntando aos saberes históricos
acumulados pelos agricultores, em suas lidas seculares com a terra, com o
conhecimento”.
Cirandas Infantis está exigindo do MST, cada vez mais, um aprofundamento teórico e
prático.
As crianças Sem Terra, seus pais e mães, são frutos de uma sociedade capitalista
que fez, e continua fazendo, estragos na vida das pessoas, deixando marcas. Dessa
maneira, pensar os espaços próprios para as crianças, como o parque infantil
alternativo97, a Ciranda Infantil, o campo de futebol, a creche, a pré-escola, a pracinha,
os Encontros dos Sem Terrinha etc., possibilita que elas continuem sendo sujeitos
protagonistas dessa luta, sem deixarem de ser crianças.
96
Esse espaço foi construído para ser o posto de saúde do assentamento. Enquanto não funcionava o
posto de saúde, ali funcionavam a Ciranda Infantil e a Biblioteca.
97
O parque infantil alternativo é um parquinho feito com madeiras, cordas e pneus, que o MST vem
construindo nos assentamentos para as crianças.
214
autonomia das crianças, como também é uma forma de resistência na luta pela terra, e
tem uma intencionalidade vinculada ao projeto de educação do Movimento.
Analiso que “fazer com” é educar sujeitos que valorizem o modo de vida, a
memória histórica, a cultura. É criar possibilidades de as crianças serem protagonistas
do processo de transformação da realidade. Como mostrou esta pesquisa, a elaboração
do jornal das crianças na Ciranda Infantil Dom Tomás é um exemplo desse “fazer com”
os Sem Terrinhas. Quando as crianças passaram a debater os temas para a elaboração do
jornal, ele ganhou outra importância, ou seja, ganhou vida na comunidade, deixou de ser
elaborado pelas educadoras para as crianças e passou a ser elaborado com elas.
O “fazer com” é também demonstrar que os meninos e meninas Sem Terra têm
capacidade de elaboração, de defender e construir um projeto de sociedade, sem perder
a dimensão lúdica e revolucionária da sua classe. E, por parte dos educadores e
educadoras, demonstrar a responsabilidade de construir coletivamente o processo de
formação humana das crianças.
Dessa maneira o “fazer com, o fazer para e o fazer sobre” as crianças Sem Terra
se coloca como possibilidades e desafios permanentes para os educadores e educadoras,
no sentido de pensar também a sua própria formação. É importante colocar que essas
três dimensões pedagógicas não acontecem separadas, mas estão interligadas entre si e
têm vínculo com a luta e com as resistências da classe trabalhadora. Entender esse
processo se faz necessário para melhor saber conduzir coletivamente o processo de
218
formação humana das crianças, colocando-as no interior dos grandes objetivos do MST:
a luta pela terra, a luta pela reforma agrária e a luta pela transformação da sociedade.
Os dados demonstram, ainda, que as crianças Sem Terra são muito solidárias e
companheiras da classe trabalhadora, apesar de estarem inseridas numa sociedade
capitalista que não cultiva esses valores. No entanto, isso não quer dizer que elas não
vivam alguns valores capitalistas. Elas estão imersas nesse mar de contradições, num
processo vivo de transformação de suas realidades em que os valores capitalistas e os
valores contra-hegemônicos se chocam, convivem, negam-se e se inter-relacionam.
98
É um carrinho de mão usado para carregar os alimentos colhidos, como é usado para carregar todos os
pertences que serão usados no roçado. Ele também é usado na construção civil para carregar tijolos,
cimento etc.
220
Outro ponto muito interessante que foi demonstrado nessa prática educativa foi
a capacidade de organização e o cuidado das crianças. Elas sempre estavam cuidando
umas das outras, sempre perguntavam onde estava a amiga, a colega, a companheira. Na
hora de voltar para a Ciranda Infantil era possível ouvir as crianças também contando,
junto com educadores e educadoras, todas as crianças que estavam no ônibus. Os Sem
Terrinha buscavam sempre estar em pequenos grupos e mais próximos das crianças que
estavam no seu núcleo de base, ou com as do mesmo estado de origem. Na mobilização
do MEC, como já citei anteriormente, participaram 850 crianças de todos os estados do
Brasil e nenhuma criança ficou perdida. Essa mobilização demonstrou, acima de tudo, a
capacidade de organização das crianças Sem Terrinha.
As ações vividas nas mobilizações pelos Sem Terrinha exigem que as crianças
aprendam a tomar decisões, respeitem a organização coletiva, participem do debate,
fiquem atentas às decisões e desenvolvam o sentido de pertença à organização. Dessa
221
A participação das crianças Sem Terra nas mobilizações vem sendo apontada
como uma atividade que tem contribuído no processo de formação humana delas, pois,
enquanto crianças do campo estão construindo juntamente com suas famílias um projeto
da classe trabalhadora.
Elas expressam isso nos seus desejos, nas suas artes, nas suas brincadeiras, nas
mobilizações, na luta pela terra, na resistência e pertencimento, e também nos seus
modos de ser e conhecer o mundo.
Terrinha e um lugar de viverem todas as dimensões da infância, uma vez que a Ciranda
Infantil é parte da vida das crianças.
Assim, podemos dizer que educar os Sem Terrinha é sempre começar de novo o
caminhar. É a preservação do projeto de sociedade que o MST está construindo junto
com as crianças. É cuidar dos pequenos, pois eles e elas têm possibilidades de continuar
levando em frente a história do Movimento, a história da humanidade.
A Ciranda Infantil no MST não é um lugar somente para “liberar” pais e mães
para o trabalho ou para ações de militância. É certamente um local de encontros,
brincadeiras, do coletivo infantil; é também um espaço que possibilita a participação
dos/das Sem Terrinha na luta pela terra empreendida pelo Movimento. Essas vivências
dos meninos e meninas Sem Terra diferem-se da vida das crianças que vivem em
grandes cidades, como também se distanciam e se aproximam da infância imersa nas
populações empobrecidas espalhadas pelo mundo.
Ordem e Progresso
Zé Pinto
226
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Figura 12: ROSSETTO Edna Rodrigues Araújo. Arquivo pessoal. Fotografia do painel
dos bebês na Ciranda Infantil Itinerante Paulo Freire, do VI Congresso do MST, registro
de documentação pedagógica, 2014.
Figura 13: Fotografia das crianças Sem Terra em solidariedade às crianças palestinas.
Arquivo do Setor de Educação Nacional, registro de documentação pedagógica, 2013.
239
Figura 15: Fotografia da brigada que foi na colheita das oliveiras, em 2013. Disponível
em: <www.mst.org.br>. Acesso em: 15 maio 2015.
240
ANEXOS
ANEXO I – Memorial
(Paulo Freire)
Tenho nas minhas raízes uma forte ligação com o modo de vida no campo, pois
sendo filha de lavradores, trago as marcas das culturas camponesas traduzidas no
trabalho coletivo por meio dos mutirões, da partilha, da vida em comunidade, dos gestos
de solidariedade, das festas da colheita. A minha infância foi própria das crianças
camponesas do meu tempo: entre o trabalho na lavoura com a minha família e as
brincadeiras, de jogar bolinha de gude, esconde-esconde, subir em árvores e levar
muitos tombos, como também, tomar banhos de rio e de cachoeiras.
Meu contato inicial com o mundo letrado, foi com o antigo ABC, comecei a
conhecer as letras, com muitas dificuldades, a juntar as sílabas e, finalmente, decodificar
algumas palavras com um professor que morava conosco, contratado pelo meu pai para
ensinar suas filhas e filhos99 e às outras crianças que moravam na fazenda. Esse período
foi de muitos castigos e de palmatória. Quando comecei, em 1971, a frequentar uma
escola pública no Povoado de Nova Lídice, município de Medeiros Neto/BA, já estava
cursando a 1ª série primária. Fazia diariamente uma caminhada de 6 km entre a ida e a
volta para a escola, da qual não gostava e tenho péssimas lembranças, principalmente
dos castigos – em pé ou de joelhos – por não saber ler e escrever. Depois, mudamos
99
A minha família era bem grande, eu tinha 15 irmãos, sendo que 6 faleceram com poucos dias de vida de
uma doença chamada mal de sete dias, hoje sei que foi de tétano no umbigo.
241
Por parte da minha família, minha educação foi centrada em valores como
solidariedade, humanidade, honestidade, humildade, coerência, respeito ao próximo,
valores fundamentais na minha infância.
Ter aceitado este convite significou a busca por acrescentar algo novo à minha
formação e no meu trabalho como educadora. Enfrentando os novos desafios, a vivência
coletiva em realidades diferentes às quais estava acostumada no meu cotidiano ajudou-
me a inovar nas minhas experiências pedagógicas. Assim, comecei a trabalhar como
educadora no Assentamento 1º de abril e estava disposta a construir novos
conhecimentos e a contribuir dentro das minhas possibilidades com o setor de Educação
no estado da Bahia.
100
Neste período, no MST, ainda se denominava a formação continuada dos educadores e educadoras de
“capacitação pedagógica”.
101
Para melhor aprofundamento sobre o assunto ver Educação em Movimento: Formação de Educadores
e Educadoras no MST, Editora Vozes, 1997, Roseli Caldart.
102
Este curso não é um curso regular como os cursos de pedagogia da terra, pois este se deu nos moldes
mais de formação de educadores e também de produção de material para as escolas de assentamentos e
acampamentos.
103
Fundep: Fundação de Desenvolvimento, Educação e Pesquisa da Região Celeiro do Estado, com sede
na cidade de Três Passos/RS, criada, em 1989, pelos Movimentos Sociais do Campo.
243
coletivamente, como todo material do setor de Educação, este tinha que expressar toda a
experiência e concepção de educação infantil no MST.
Mais uma vez, meu olhar como pesquisadora se voltou para as crianças e a
minha pergunta era: Qual era a formação continuada desenvolvida com os educadores e
educadoras das escolas do campo? Como esta formação contribuiria para a melhoria de
sua experiência pedagógica no cotidiano com as crianças do campo?
Faria e toda uma teoria produzida pela Sociologia da Infância. Em junho de 2009 fiz a
defesa da minha dissertação, cujo tema foi: Essa ciranda não é minha só, ela é de todos
nós: a educação das crianças sem terrinha no MST.
Nessa pesquisa analisei a Luta pela terra e pela educação no Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e apresento o processo de luta pela terra e pela
educação apontando os princípios filosóficos e pedagógicos do projeto educativo do
MST e também dos Encontros dos Sem Terrinha. Reflito sobre A participação das
crianças na luta pela terra, trazendo as Cirandas Infantis (itinerantes e permanentes), e
também outro espaço das crianças Sem Terra, o “Parque Infantil Alternativo”. Analiso
A Ciranda Infantil “Ana Dias” no assentamento agrovila III, da Regional de Itapeva, e
algumas práticas educativas, tais como: a jornada pedagógica, o coletivo infantil e o dia
cultural.
Desse modo, meu interesse pelo debate e pesquisa sobre a infância Sem Terra
surgiu a partir da minha trajetória histórica, como sujeito participante do processo de
luta pela terra, e da minha participação na construção das experiências de educação
desenvolvidas pelo MST desde os processos de mobilização pelo acesso às cirandas
infantis até a construção coletiva da proposta de educação do MST.
e-mail: [email protected]
248
A Gláucia pintou o rosto das crianças. Fizeram teatro e as crianças deram nomes aos
outros fantoches que elas apresentaram. Outra coisa que aconteceu foi que alguns pais
colocaram as traves no campo de futebol. Agradecemos à Doutora Patrícia que doou muitos
ovos de Páscoa que foram distribuídos para todas as crianças. Obrigado a todos que
colaboraram para o nosso encontro, à Doutora Patrícia e aos pais que colocaram as traves no
campo de futebol. {Repórter: Gleisson}
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LIMPEZA DO ESPAÇO
AS PLANTAÇÕES NA CIRANDA E
AS PLANTAÇÕES NO
ASSENTAMENTO AS AVENTURAS DE PEPINO
VIVER NO ASSENTAMENTO
Pimenta, cebolinha
alface, coentro,
banana, morango,
pêra, maracujá,
VOCÊ SABIA?
BIBLIOTECA
EDITORIAL
No mutirão do parquinho
vieram muitos pais e ajudaram a
colocar os brinquedos. Tiveram que
lixar os brinquedos e fazer cimento
para colocar. Depois do trabalho teve
lanche para todos: bolo, chocolate,
bolacha doce e bolacha salgada.
(Repórter: Gleisson)
O MUTIRÃO
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No mutirão do parquinho
vieram muitos pais e ajudaram a
Sábado, dia 30 de julho, eu , a colocar os brinquedos. Tiveram que
minha família e mais pessoas de outras 14 lixar os brinquedos e fazer cimento
famílias viemos para ajudar a montar o para colocar. Depois do trabalho teve
parquinho. Lixamos o gira-gira e o lanche para todos: bolo, chocolate,
escorregador e agora é só pintar. Mas nós bolacha doce e bolacha salgada.
já brincamos no parque. (Repórter: Gleisson)
OUTRAS OPINIÕS
Eu não pude vir no mutirão do parque mas pelo que meus amigos disseram foi
legal e sem dúvida no próximo mutirão eu não vou faltar. (Repórter: Vitor)
Eu, Gabriel, vim com meu pai ajudar a montar o parquinho. Umas pessoas
estavam lixando e outras pessoas montando os brinquedos. (Repórter: Gabriel)
ACAMPAMENTO
(Repórter:Talita)
jantamos e fomos ensaiar para o teatro. O primeiro teatro a ser apresentado foi “Tio
visita uma fazenda” que foi o teatro que eu era o personagem Tio. Depois teve o teatro
dos “Três Porquinhos” e outros mais infantis. Teve muitos doces teve a fogueira .
Colocamos cadeiras em volta, contamos piadas e cantamos parlendas e teve histórias de
terror, que a Maria Telina e a Jade contaram. Mas o que eu achei mais legal foi a
participação das educadoras e dos meus colegas. (Repórter: David)
A fogueira foi muito legal, com muitas piadas, história de terror, brincadeiras e
doces. Também teve filme. (Repórter: Ednei)
PLENÁRIA
Nossa plenária está ficando cada vez mais bonita e colorida, porque as crianças
da Ciranda estão sempre cuidando e limpando. Assim fica cada vez melhor.
(Repórter: Jonas)
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ABELHAS
QUEIMADAS
Queimada é muito perigoso. Temos que ter muito cuidado para que não pegue
fogo em lugar nenhum do Assentamento. (Repórter: Isabela)
Muitas das vezes o lixo nos atrapalha. Mas o lixo pode ser reciclado ou
reutilizado. Com um tipo de lixo: por exemplo: garrafa Pet, lata de alumínio, caixa de
leite, caixa de sapato etc, podemos reutilizar e fazer brinquedos. Podemos enfeitar o
pote de manteiga para guardar alguma coisa. Reciclar é mais difícil, porque é fazer o
material novamente. Por exemplo para fazer a garrafa novamente temos que derreter.
Podemos vender latinha, fio de cobre e outros materiais. Vamos cuidar da natureza
que é dever de todos! ( Repórter: David)
1-Não derrube o mato, nem mesmo um só pé de pau. Não cortar árvores, porque parte
do oxigênio vem das árvores , se desmatar, a natureza vai virar um deserto e vai virar
um inferno a vida na Terra. (David)
4- Não colocar fogo nas plantas, não cortar árvores e matas, não caçar os animais, não
criar bois e bodes soltos senão eles vão acabar com as plantas. (Karen)
RESPEITO À NATUREZA
Vamos respeitar: Árvore, Limão, Toco, Flor, Mato, Terra, Planta, Palmeira.
(Repórter: Michael)
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EDITORIAL
Olá. Este jornal criado pelas crianças tem como objetivo registrar as várias
atividades que elas fazem na ciranda da Comuna da Terra Dom Tomas Balduíno. Quero
aqui registrar como tudo começou. Em 7 de setembro de 2001 um grupo de pessoas
ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) após varias reuniões
decidiram ocupar um espaço para chamar a atenção dos nossos governantes para a
situação das famílias moradoras na cidade de São Paulo (cortiços , favelas, albergues e
em situação de rua), ocupamos então um espaço de uma fábrica falida em Arujá.
HISTÓRIA DO
ASSENTAMENTO COMUNA DA
TERRA DOM TOMAS BALDUINO
A primeira ocupação do
Assentamento Comuna da Terra Dom
Tomas Balduíno do MST foi no dia 7 de
setembro de 2001, em Arujá. No dia 10
de setembro de 2011 teve uma grande
festa comemorando os 10 anos do
Assentamento que reuniu muitas
pessoas e fizemos dois campeonatos:
um de futebol e um de damas. O
vencedor do futebol foi a Equipe
Amarela e da dama foi a Ester. Depois
teve um teatro bem interessante. Depois
um bolo bem gostoso feito pela tia da
Thalita. O Cleiton, do Banco do Brasil,
distribuiu duas caixinhas de leite para
cada criança. Eu agradeço pela
colaboração de todos. Repórter:
Gleisson.
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OBSERVAÇÃO DO PAINEL DE
FOTOGRAFIAS
ANIVERSÁRIO DA IRMÂ
ALBERTA
ANIVERSARIANTES DO MÊS
BIBLIOTECA
Foi a Thalita que fez aniversário no
dia 10 , a Isabela que fez no dia 16 e o A biblioteca foi organizada também
Daniel Sotero que fez no dia 21. Cantamos pelo Jesuíno e pelo Mauro que fizeram as
parabéns, comemos cachorro quente, estantes para as crianças do D. Tomas
tomamos refrigerantes e comemos bolo. Balduíno e para as crianças da Ciranda, que
Fomos embora para casa contentes. lixaram a madeira Quando precisamos fazer
algum trabalho é só pedir ajuda para a
Repórter: Ester
Maria ou a Rosely. Elas ajudam a procurar
o livro da Biblioteca. Na Biblioteca tem
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A BELA
Repórter: Michael
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A POLUIÇÃO
Repórter: Daniela
bom . Assim esta é mais uma história de brinquedos e enfeites, as fibras da folha
um final feliz. Repórter: Vanderley bananeira para fazer artesanato. Foi esta
atividade que fizemos para perceber
como podemos diminuir o lixo do
assentamento construindo objetos
interessantes. O Gabriel e a Daniela
trouxeram várias caixas vazias. Com
criatividade, bom gosto, alegria e boa
vontade, as crianças fizeram fantoches
representando diferentes figuras
utilizando as
Mãe Terra
Desde o princípio da vida o ser humano recebe os frutos da mãe terra. É ela
quem o alimenta e sede espaço para criar esperança de vida digna. Mas é o próprio ser
humano que desrespeita a mãe terra colocando fogo, cortando árvores, destruindo as
nascentes, jogando veneno.
Assim, o fogo destrói a vida da mãe terra porque queima todos os nutrientes que
ela possui. Esses nutrientes são uma camada composta de folhas e plantas secas que
servem para proteger o solo dos impactos da chuva, evitando a erosão. Também essa
cobertura misturada a outros elementos como: esterco de gado, porco, galinha, húmus
de minhoca, biofertilizantes, se transformam em um rico adubo que serve para o
crescimento das plantas.
Depois do fogo a terra demora para recuperar novamente. Por isso, precisamos
cuidar de quem cuida da gente. No lugar de colocar fogo é melhor roçar porque o mato
roçado se transforma em camada protetora para a terra. Podemos também capinar
porque o ato da capina vai afofando a terra e ajuda a segurar a água porque ela também
tem sede. No lugar de tirar os nutrientes com o fogo coloque adubo orgânico a cada
planta que você colocar na terra. Você vai ver que a terra ficará muito feliz e você estará
retribuindo o cuidado que ela tem com cada ser humano, devolvendo frutos bonitos e
gostosos.