Manual - Apav - Unisexo Apoio Violencia Sexual
Manual - Apav - Unisexo Apoio Violencia Sexual
Manual - Apav - Unisexo Apoio Violencia Sexual
COMPREENDER 13
DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL E CARACTERIZAÇÃO DAS SUAS DIFERENTES FORMAS 13
BIBLIOGRAFIA 73
PROCEDER 79
O PROCESSO DE APOIO A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL 79
O PAPEL DO PROFISSIONAL NO ATENDIMENTO A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL 79
Perfil do profissional 80
Orientações globais para a atuação do profissional 82
O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VÍTIMA 84
INTERVENÇÃO NA CRISE E INTERVENÇÃO CONTINUADA (4,3) 85
Intervenção na crise 86
Intervenção continuada 94
O APOIO AOS FAMILIARES DA VÍTIMA ADULTA DE VIOLÊNCIA SEXUAL (13) 96
CONFIDENCIALIDADE E SEGURANÇA 97
TRABALHO EM COOPERAÇÃO 101
BIBLIOGRAFIA 189
APRESENTAÇÃO
Neste sentido, para além do Manual que é apresentado neste espaço, este
Projeto desenvolveu um conjunto de eventos e materiais de informação e
sensibilização dirigidos aos estudantes universitários, foi desenvolvida a
campanha publicitária de prevenção “Depois do Não! Pára” cujo lançamento
coincidiu com as festas académicas de Coimbra (Festa das Latas e Queima das
Fitas), realizaram-se grupos de discussão com estudantes universitários no
âmbito da parceria com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra, foram dinamizados workshops de prevenção da violência sexual junto
dos estudantes do ensino superior, foi dinamizado o “Seminário Unisexo – uma
reflexão sobre a violência sexual e a violência na intimidade no ensino superior”,
que contou com investigadores e especialistas de várias áreas (direito,
medicina, psicologia, sociologia, medicina-legal) que muito contribuíram para
alargar a discussão e reflexão sobre esta problemática.
O apoio às vítimas de violência sexual, aos seus familiares e/ou amigos é, desde
a sua fundação, uma preocupação e prioridade da APAV, visível através da
importância atribuída à qualificação dos seus TAV para o apoio e resposta
ajustada às necessidades identificadas nestas vítimas, mas também pela
consciencialização da população em geral e de grupos específicos para a
Página | 8
importância do reconhecimento e da procura de apoio perante experiências de
vitimação sexual.
Sabemos contudo que estes dados podem representar uma leitura subestimada
relativamente à verdadeira dimensão da violência sexual, em virtude dos
obstáculos associados à revelação de uma experiência de vitimação sexual. A
exposição da intimidade, o medo de não ser acreditada seja pela família, pelo
sistema judicial, pelas estruturas e/ou pessoas às quais possa revelar ou pedir
apoio, a própria desvalorização social da violência sexual, em particular dos atos
sexuais de menor gravidade, e as situações de violência sexual que ocorrem no
seio dos relacionamentos de intimidade, são fatores que podem levar muitas
vítimas de violência sexual a permanecerem em silêncio, nunca chegando a
revelar às autoridades judiciais ou às estruturas de apoio o crime de que foram
alvo, nem a procurar ajuda especializada.
O Manual está, por isso, dividido numa parte COMPREENDER e numa parte
PROCEDER, que funcionam como capítulos autónomos.
Página | 9
Na parte COMPRENDER pretende-se definir e caracterizar a violência sexual nas
suas diferentes formas, analisar algumas dinâmicas e contextos relacionais
habitualmente associados às situações de violência sexual, caracterizar a vítima
e o/a agressor/a, indicando, respetivamente, alguns dos fatores de risco
frequentemente apontados pela literatura para a vitimação e perpetração,
abordar o contexto do ensino superior como ambiente de risco para a
ocorrência de violência sexual, referir algumas das consequências físicas,
psicológicas, emocionais, relacionais e sociais da vitimação sexual, terminando
com uma breve reflexão em torno de algumas das crenças genericamente
aceites relativamente à violência sexual e que constrangem a recuperação e a
procura de apoio por parte da vítima, assim como a resposta dos recursos
externos (formais e informais) ao conhecimento e atuação neste tipo de
situações.
Natália Cardoso
(Gestora do Projecto Unisexo)
A violência sexual pode ser definida como qualquer ato sexual ou tentativa de
ato sexual, avanço ou comentário sexual indesejado perpetrado por uma pessoa
contra outra 1.
A violência sexual integra uma ampla gama de comportamentos, contactos e
interações de natureza sexual não consentidos, tais como (19, 23):
1
Nesta definição assume-se a vítima como maior de idade ou adulta. Perante a ocorrência de atos de violência sexual contra menores, a questão
do consentimento não é colocada, na medida em que se considera que os últimos não se encontram, do ponto de vista do seu desenvolvimento,
capazes de tomar decisões em relação à sua sexualidade.
consentido entre a boca e os órgãos genitais e/ou ânus. A tentativa,
ainda que não sucedida ou consumada, de efetuar estes atos contra uma
pessoa também é uma forma de violência sexual.
Página | 14 A Organização Mundial de Saúde alerta ainda para algumas formas de violência
sexual, sobretudo cometidas contra o sexo feminino, tais como (19):
• Casamento forçado;
• Negação do direito de acesso à contraceção ou a outras medidas de
proteção contra as infeções sexualmente transmissíveis;
• Esterilização forçada;
• Aborto forçado;
• Gravidez forçada;
• Mutilação genital feminina;
• Testes de virgindade;
• Prostituição forçada;
• Tráfico para fins de exploração sexual;
• Escravatura sexual.
Os atos sexuais acima descritos, seja pela natureza não consentida e/ou pela
incapacidade de a vítima prestar o seu consentimento em relação ao desejo
de se envolver em qualquer interação de cariz sexual, representam uma
violação do direito de tomar decisões livres em relação à própria conduta
sexual, pelo que são legalmente puníveis no Código Penal Português2.
Página | 15
PODEMOS, PORTANTO, AFIRMAR QUE EXISTE VIOLÊNCIA SEXUAL
QUANDO:
2
Para mais informações sobre esta matéria, queira consultar o capítulo ENQUADRAMENTO LEGAL DA VIOLÊNCIA SEXUAL.
As diferentes estratégias poderão ser organizadas nas seguintes categorias
genéricas (23):
• Pressão psicológica
o ameaçar terminar a relação;
Página | 16
o fazer falsas promessas sobre o futuro da relação;
o mostrar desagrado perante o não consentimento inicial;
o criticar a sexualidade ou a aparência da outra pessoa.
• Persistência e pressão verbal
o pressionar continuadamente a outra pessoa com argumentos
verbais.
• Ameaça
o ameaçar o uso da força física;
o ameaçar o uso de armas;
o ameaçar a divulgação pública de factos íntimos da vítima;
o ameaçar a integridade física ou a vida de familiares, amigos ou
outras pessoas significativas na vida da vítima.
• Abuso de autoridade
o aproveitar uma relação laboral hierarquicamente superior com a
vítima.
• Constrangimento e/ou restrição física
o tirar vantagem sobre um estado de intoxicação da vítima;
o provocar intencionalmente a intoxicação da vítima através da
administração não autorizada de determinadas substâncias (ex.:
drogas; drogas da violação, como o Rohyonol, Ketamina e GHB;
álcool);
o imobilizar a vítima (ex.: amarrar; prender).
• Uso da força física
o pontapear, esbofetear, esmurrar;
o usar armas.
3
Para mais informações, queira consultar o capítulo CARACTERIZAÇÃO DA VÍTIMA E FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À
VITIMAÇÃO SEXUAL.
CARACTERIZAÇÃO DA PREVALÊNCIA DA VIOLÊNCIA SEXUAL EM JOVENS
ADULTOS
A REALIDADE INTERNACIONAL
4
Consulte OBSTÁCULOS À DENÚNCIA DE EXPERIÊNCIAS DE VITIMAÇÃO SEXUAL, para mais informações.
algum momento da vida entre os 15 e os 49 anos de idade. Entre 3% e 24% das
mulheres relataram que a sua primeira experiência sexual foi forçada (19).
A variabilidade destes dados indica não só a grande dificuldade em avaliar
fenómenos de maior sensibilidade, como também informa dos papéis
Página | 18 desempenhados pelo contexto sociocultural e pela posição e estatuto da
mulher na sociedade na relevação de experiências de vitimação sexual.
5
Consulte O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ENQUANTO AMBIENTE DE RISCO PARA A OCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL, para
mais informações.
relativamente ao qual o estudo se reporta (ex.: vitimação sexual experienciada
ao longo da vida; vitimação sexual experienciada nos últimos dozes meses).
Um estudo de 2001 com estudantes universitários de ambos sexos concluiu que
53% das mulheres foi alvo de algum tipo de coerção sexual e cerca de 3% referiu
ter sido alvo de violação (Forbes et al., 2001) (23). Página | 19
Um estudo de 2009 indica que cerca de 19% das estudantes universitárias foram
vítimas de violação ou tentativa de violação, em algum momento do seu
percurso académico (21).
A REALIDADE PORTUGUESA
6
Para mais informações estatísticas, consulte http://www.siej.dgpj.mj.pt
representam apenas 0.53% (2.134 crimes) de um universo de 404.813 crimes
registados em 2012. Do total de crimes sexuais registados, cerca de 37% (779
crimes) correspondem a situações de abuso sexual de crianças, adolescentes e
menores dependentes, ao passo que o crime de violação totaliza
aproximadamente 18% (375 crimes) dos crimes sexuais registados. Pode ainda
dizer-se que, de uma forma geral, o registo de crimes contra a liberdade e Página | 21
autodeterminação sexual, tem descido, ainda que de forma ligeira, desde 2009
a esta parte.
Numa leitura linear das estatísticas, poder-se-ia concluir que a menor
representatividade destes crimes, sobretudo o da violação, é informativa da
reduzida probabilidade de ocorrência ou da raridade do fenómeno, por
comparação com crimes de outra natureza.
Este relatório indica igualmente que as vítimas de violação em idade adulta são
maioritariamente do sexo feminino e situam-se nas faixas etárias dos 21 e 30
anos (34%), seguindo-se o grupo etário entre os 31 e os 40 anos (16%) e, por
último, o grupo entre os 41 e os 50 anos de idade (15%). Por outro lado, todos
os arguidos constituídos eram do sexo masculino, com especial incidência para
o intervalo etário entre os 21 e os 30 anos de idade (25).
Resultados similares foram também encontrados na análise dos casos de
violação de menores, nos quais as vítimas são maioritariamente do sexo
feminino, metade das quais com idades compreendidas entre os 16 e os 18
anos de idade. Os arguidos são, como no caso anterior, na grande maioria das
ocasiões, do sexo masculino (25).
Por sua vez, os dados estatísticos da APAV em 2012 permitem concluir que os
crimes sexuais correspondem a cerca de 10% de todos os crimes contra as
pessoas registados pela Associação. Destaca-se o crime de violação, com um
total de 79 registos, o que corresponde a uma proporção de
aproximadamente 31% dos crimes sexuais identificados. Já no que respeita aos
crimes sexuais registados no âmbito da violência doméstica, foram identificados
um total de 403 crimes de natureza sexual. Mais uma vez merece destaque a
violação, ao contabilizar um total de 57 delitos, o que corresponde a 14% dos
crimes sexuais registados naquele contexto particular (5).
Página | 22 É possível ainda concluir que a vítima de crimes de natureza sexual é
maioritariamente do sexo feminino (93%) e com idade variável, pese embora
possam ser realçadas as vítimas com idades compreendidas entre os 18 e os
34 anos (cerca de 22% das vítimas). Em cerca de metade das situações (48%),
o/a autor/a dos atos era (ex) cônjuge ou (ex) companheiro/a (6).
Num estudo efetuado no ano letivo 2003/2004 com 318 jovens universitários
portugueses, procurou avaliar-se a prevalência de diferentes formas de
violência nas relações de intimidade (abuso físico, agressão psicológica e
coerção sexual), tendo sido concluído que, ao nível da violência sexual, cerca de
26% dos participantes assegurou ter sido alvo de coerção sexual por parte
do/a parceiro/a íntimo/a e aproximadamente 19% assumiu ter perpetrado
atos de coerção sexual contra o/a parceiro/a íntimo/a (24).
Um outro estudo de âmbito nacional, realizado nos anos letivos de 2004/2005 e
2005/2006, com 4.667 jovens, com idades compreendidas entre os 13 e os 29
anos, de diferentes níveis de ensino (ensino secundário, ensino profissional e
ensino superior), com o objetivo de obter a prevalência da violência nas
relações de intimidade juvenil (abuso físico, psicológico e sexual), acedeu a
taxas de prevalência da vitimação sexual e da perpetração sexual bastante
reduzidas, pois apenas 2% dos participantes que, à data de realização do
estudo, estavam envolvidos numa relação íntima referiu ter sido alvo de
alguma forma de vitimação sexual e aproximadamente 2% assumiu ter
forçado o/a seu/sua parceiro/a íntimo/a à prática de atos sexuais (10).
Página | 24 Um outro estudo português, publicado em 2007, no qual participaram 596
jovens de Portugal Continental, com idades compreendidas entre os 15 e os 24
anos, procurou também proceder à caracterização dos comportamentos
violentos nas relações de namoro. No que à vitimação sexual diz respeito, cerca
de 12% dos participantes admitiu ter sofrido contactos sexuais indesejados,
quase 2% referiu ter sido alvo de uma tentativa de violação e menos de 1%
confessou ter sido vítima de uma violação. Já no auto relato de
comportamentos de perpetração sexual, entre 29 e 33% dos participantes
assumiu ter forçado o/a parceiro/a íntimo/a a contactos sexuais indesejados
(nomeadamente, carícias e beijos) e cerca de 2% confessou ter já forçado o/a
parceiro/a íntimo/a à prática de relações sexuais (Rodrigues, 2007) (23).
Este contexto relacional é mais comum nos locais em que as interações sociais
com pessoas que não integram a rede social próxima são frequentes (ex.:
bares, discotecas, festas) e pode ser precedida por um período de cortejamento
por parte do/a agressor/a (18).
Para a compreensão do risco aumentado de violência sexual neste tipo de
relacionamentos, é crucial perceber algumas dinâmicas que estão associadas a
estes relacionamentos e as expectativas sociais em relação ao comportamento
e papel sexual de ambos os géneros neste tipo de situações.
Assim, perante um convite, investida ou proposta sexual, é esperado que (23):
Por sua vez, o reduzido conhecimento entre os dois elementos coloca alguns
entraves na qualidade da comunicação e na capacidade de compreensão
mútua (23):
Assim:
Página | 32
• Os contextos físicos podem ser variados, tais como locais públicos pouco
movimentados ou sem vigilância, espaços mais privados, como a casa da
vítima ou o veículo do/a agressor/a, etc.;
Página | 33
• O/a agressor/a pode (ou não) estabelecer contacto anterior com a vítima
com vista à preparação do ataque;
• O/a agressor/a recorre sobretudo a estratégias como o uso da força
física, de armas, de ameaças para a prática dos atos;
• A vítima pode ou não evidenciar comportamentos de resistência física
e/ou verbal;
• A probabilidade de denúncia é maior.
Numa fase inicial da Vitimologia, foi defendido que o crime deveria ser
compreendido pela dinâmica estabelecida entre a vítima e o/a autor/a do
crime. A vítima, e mais especificamente o seu comportamento, foi entendido
como uma importante fonte de estímulos para explicar o comportamento do/a
agressor/a.
Alguns conceitos culpabilizadores da conduta da vítima surgiram no discurso
vitimológico da altura, entre os quais se destaca o conceito de vítima nata que,
resumidamente, postulava que certas pessoas, em virtude de uma
predisposição para desempenhar o papel de vítima, atraiam criminosos. Surgiu
também a noção controversa de crime precipitado pela vítima que,
genericamente, defende que a vítima, pela sua atitude ou comportamento,
pode desencadear a motivação criminal do/a agressor/a (22).
Em seguida serão descritos alguns dos fatores de risco que frequentemente são
apontados pela literatura e/ou pelo resultado da recolha de dados estatísticos
(em estudos de prevalência e em estatísticas oficiais da criminalidade).
7
Este tópico será abordado com maior detalhe em O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ENQUANTO AMBIENTE DE RISCO PARA A
OCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL.
FATORES DE RISCO INDIVIDUAIS (4, 9, 10, 19, 23)
Características sociodemográficas
8
Pese embora a frequência de ensino superior se apresente como uma característica individual, a variável ensino superior será
seguidamente abordada com maior detalhe, sendo conceptualizada enquanto contexto físico e social no qual os indivíduos que
o frequentam apresentam um risco de vitimação sexual particularmente aumentado, por comparação com a população em
geral.
pela habitual residência em zonas de maior precariedade, apresentam
maior risco de vitimação sexual.
Aceitação da violência
A aceitação e adoção de atitudes que promovem a minimização ou a
legitimação da violência sexual, sobretudo centradas nos papéis e estereótipos
de género, contribuem para o aumento de risco de vitimação sexual e para a
vitimação sexual continuada, na medida em que, ao negarem a existência de
violência sexual e/ou ao minimizarem o seu impacto, também funcionam
enquanto impedimento para a procura de apoio ou para a denúncia das
experiências de vitimação.
Alguns exemplos de crenças legitimadoras da violência sexual e que se
encontram especialmente interiorizadas em indivíduos socializados segundo os
Página | 42 papéis convencionais de género são 9:
9
Estas e outras crenças serão analisadas e desconstruídas no capítulo REFLEXÃO ACERCA DAS CRENÇAS SOBRE A VIOLÊNCIA
SEXUAL.
10
A Ansiedade Social caracteriza-se pelo medo acentuado e persistente de situações sociais ou de desempenho nas quais o
indivíduo poderia sentir embaraço. A exposição à situação social ou de desempenho provoca, quase que invariavelmente, uma
resposta imediata de ansiedade (2).
11
A Perturbação de Stress Pós-Traumático refere-se ao desenvolvimento de sintomas característicos após a exposição a um
stressor traumático extremo, que envolveu a experiência pessoal, o testemunho e/ou o conhecimento de situações em que
ocorreu um evento real ou ameaçador que implicou morte, ferimento grave ou outra ameaça à própria integridade física (ou à de
terceiros). Esse acontecimento provocou medo intenso, impotência ou horror (2).
A existência de perturbações ao nível da função sexual e a ansiedade e
desconforto emocional associados à sexualidade podem aumentar o risco de
vitimação sexual (sobretudo pelo impacto que têm na interação sexual com o/a
parceiro/a íntimo):
• Nos casos em que existe uma relação íntima entre vítima e agressor/a, a
presença de dinâmicas de funcionamento como o desequilíbrio de poder Página | 45
entre parceiros e/ou a assimetria de papéis (ex.: conceção subordinada
do papel da mulher na relação) aumenta o risco de vitimação sexual;
• A baixa qualidade da comunicação pode apresentar-se como fator de
risco de vitimação sexual, especialmente nos casos em que a relação é
casual: o conhecimento entre parceiros é menor, as falhas na
comunicação são mais prováveis e a preocupação em corresponder às
expectativas dos parceiros é maior.
De igual modo, convém ainda realçar que os/as agressores/as sexuais não
possuem qualquer característica física (aparência, por exemplo) que os
distinga da restante população.
Características sociodemográficas
O sexo masculino é representado em diversos estudos (bem como nas
estatísticas oficiais da criminalidade) como o principal responsável pela
perpetração de violência sexual.
No entanto, os indivíduos do sexo feminino também podem ser agressores
sexuais, muito embora pareçam cometer sobretudo formas menores de
violência sexual (ex.: contactos sexuais não desejados pelo parceiros).
Aceitação da violência
12
Poderá encontrar informação mais detalhada sobre esta temática em O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ENQUANTO AMBIENTE
DE RISCO PARA A OCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL.
contra o sexo oposto, minimizando a violência cometida, responsabilizando as
vítimas pela sua ocorrência ou negando a sua existência em determinadas
circunstâncias (ex.: “entre um casal não existe violência sexual.”).
• Psicopatia;
Página | 53
• Perturbação mental grave (ex.: esquizofrenia);
• Problemas aditivos;
• Ideação suicida/homicida.
Outros fatores de risco ao nível das relações sexuais podem ser referidos:
• associações estudantis;
• equipas desportivas;
• gangues.
• pobreza;
• elevados níveis de violência e crime na comunidade;
• falta de oportunidades de emprego;
• dificuldades no acesso a oportunidades legítimas (ex.: através de
oportunidades profissionais) de obtenção de sucesso profissional,
pessoal ou outro;
• falta de apoio institucional;
• tolerância na comunidade em relação a casos de violência sexual,
observável pelos comportamentos de recusa de intervenção e de defesa
da vítima por parte de testemunhas que estavam presentes na altura em
que uma determinada situação de violência sexual teve lugar (ou que
tomaram posteriormente conhecimento da situação de violência
ocorrida);
• reduzidas sanções na comunidade para autores de violência sexual
como, por exemplo, o repúdio claro desse tipo de conduta.
FATORES DE RISCO SOCIAIS (19, 23)
Todavia, importa salientar que nem sempre a violência sexual provoca dano
físico ou lesões físicas na vítima, dependendo tal consequência do/a
comportamento do/a agressor/a durante a concretização do ato sexual
indesejado, ou seja, do uso ou não da força física, do recurso a
armas/instrumentos, das estratégias de constrição física utilizadas para
concretizar o ato (ex.: prender ou amarrar a vítima) e do tipo de violência sexual
infligida (ex.: a penetração vaginal, anal e o sexo oral causam, à partida, mais
lesões físicas do que, por exemplo, os contactos sexuais indesejados menos
intrusivos).
A ausência de lesões físicas na vítima não deve, em momento algum,
ser interpretada como prova de que a violência sexual não aconteceu
Página | 60 e/ou de que a vítima fantasiou ou mentiu, relatando factos que não
correspondem à realidade.
13
Para mais informações sobre as Infeções Sexualmente Transmissíveis, consulte o portal de Saúde Sexual e Reprodutiva: http://www.apf.pt
• Aborto
• Infertilidade
• Dor pélvica e/ou doença inflamatória pélvica
14
• Disfunções sexuais : perturbações nos processos do ciclo de resposta sexual (desejo, excitação, orgasmo e resolução) ou dor
associada à interação sexual
o Dor durante o ato sexual
o Diminuição do desejo sexual
o Ausência ou dificuldade em adquirir ou manter resposta de excitação sexual adequada ou em atingir orgasmo
• Infeções do trato urinário
• Dores menstruais
• Sensação de vulnerabilidade, desamparo e/ou desespero
• Auto culpabilização
• Raiva
• Irritabilidade
• Híper vigilância
PSICOLÓGICAS, EMOCIONAIS
• Vergonha
E COMPORTAMENTAIS
Reações a
• Medo
curto-prazo
• Ansiedade
(durante e logo após
• Tristeza profunda
a experiência de
• Apatia
vitimação)
• Confusão
• Dificuldade em identificar o acontecimento como real (sensação de estar a viver um pesadelo)
• Insensibilização afetiva
• Sensação de entorpecimento
• Baixa autoestima
• Dificuldades de memória (especificamente em relação ao evento traumático)
Reações a • Perturbação de Stress Pós-Traumático
longo-prazo: • Outras Perturbações de Ansiedade:
Perturbações e/ou o Perturbação obsessivo-compulsiva 15
14
Muito embora as disfunções sexuais possam estar associadas a uma condição médica, nos casos de violência sexual decorrem sobretudo do impacto psicológico da vitimação, pelo que encontrar-se-ão
também incluídas nas consequências psicológicas, emocionais e comportamentais.
Página | 63
Página | 64
sintomas de o Fobia 16
perturbação mental o Ansiedade Social
• Depressão Major 17
• Dependência de Substâncias
• Distúrbios de sono, como insónias, pesadelos (sobretudo associados à revivência do acontecimento traumático)
• Sintomatologia depressiva, como crises de choro, auto culpabilização, apatia, tristeza, irritabilidade, desinteresse por
atividades anteriormente apreciadas, tentativas de suicídio/ideação suicida, baixa auto estima
• Sintomas de ansiedade e de medo como híper vigilância, evitamento de pensamentos ou comportamentos, comportamentos
de fuga, flashbacks
• Perturbações da função sexual:
o Vaginismo: contração involuntária dos músculos da vagina que impede a concretização do coito
Problemas no
o Dispareunia: dor genital ou pélvica profunda durante a relação sexual
comportamento
o Diminuição do desejo sexual
sexual
o Aversão sexual: repulsa e esquiva ativa do contacto sexual genital com um/a parceiro/a sexual
o Transtornos ao nível da excitação sexual ou ao nível do orgasmo
• Dores de cabeça
• Fadiga
• Tonturas
• Fraqueza
• Desmaios
• Tensão muscular
Sintomas/queixas de
• Náusea
mal-estar sem razão
médica aparente • Desordens gastro intestinais
• Perda de apetite
• Perda de peso
• Consumo excessivo de álcool, drogas e tabaco
15
A Perturbação Obsessiva-compulsiva caracteriza-se pela presença de obsessões (pensamentos) ou compulsões (comportamentos) recorrentes, relativamente aos quais o indivíduo tem consciência da sua
irracionalidade, muito embora não os consiga controlar. As obsessões ou compulsões apresentam-se suficientemente severas para consumirem tempo ou causarem sofrimento acentuado ou prejuízo significativo (2).
16
A Fobia representa um medo acentuado e persistente relativamente a objetos ou situações claramente discerníveis e circunscritos. A exposição ao estímulo fóbico provoca, quase que invariavelmente, resposta
imediata de ansiedade e comportamentos de evitamento (2).
17
A Depressão Major caracteriza-se pela presença de vários episódios depressivos, durante os quais há um humor deprimido ou perda de interesse ou prazer por quase todas as atividades. É também marcada pela
presença de outros sintomas, como: alterações no apetite ou peso, sono e atividade psicomotora; diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa; dificuldades no pensamento, concentração ou na tomada
de decisão; ideação suicida ou pensamentos recorrentes sobre a morte, planos ou tentativas de suicídio (2).
Comportamentos de • Comportamentos sexuais de risco:
risco o Envolvimento com múltiplos parceiros
o Não utilização de métodos de contraceção e/ou de métodos de proteção face às infeções sexualmente transmissíveis
• Condução perigosa e/ou sob o efeito de substâncias
• Envolvimento em comportamentos desviantes: agressão, violência e crime (ex.: pequenos delitos)
• Diminuição da quantidade e/ou qualidade dos relacionamentos sociais
• Evitamento de situações sociais
• Isolamento social
RELACIONAIS E SOCIAIS
• Rejeição e/ou estigmatização pela rede social próxima (ex.: parceiros íntimos, familiares, amigos)
• Sentimentos de desconfiança e de ausência de controlo das relações
• Dificuldade em manter relacionamentos mais íntimos
Página | 65
SÍNDROME DO TRAUMA DA VIOLAÇÃO E CICLO DA RECUPERAÇÃO
• Sintomas psicológicos:
o As queixas de mal-estar e desconforto psicológico estão sobretudo
associadas a sintomas de ansiedade, de stress pós-traumático e de
depressão.
• Sintomas comportamentais:
o Dizem respeito às consequências relacionais e sociais indicadas no
Quadro I, às consequências no funcionamento sexual e a
comportamentos de externalização (como o envolvimento em
condutas de risco - por exemplo, o consumo de substâncias).
18
Para mais informações sobre as noções e ideias culturalmente enraizadas relativamente à violência sexual queira consultar
REFLEXÃO ACERCA DAS CRENÇAS SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL.
No caso das vítimas de violação, o impacto vicariante da experiência de
vitimação é particularmente sentido pelo/a parceiro/a íntimo/a que, para
além destes sintomas psicológicos e emocionais, poderá também duvidar, de
algum modo, da credibilidade da vítima, o que poderá trazer implicações
negativas para o funcionamento do casal, sobretudo ao nível da qualidade da
comunicação e da sexualidade. Salienta-se ainda os obstáculos que a vitimação Página | 69
vicariante do/a parceiro/a íntimo/a poderá provocar na sua capacidade de
prestar à vítima direta o apoio que necessita (22, 23).
Quando a mulher diz que não, na verdade quer dizer que sim.
Este falso argumento legitimador da prática de atos sexuais não desejados
encontra-se associado às crenças e suposições socialmente aceites e enraizadas
relativamente ao comportamento sexual que é expectável ou desejável por
parte do sexo feminino (ex.: é esperado e fica bem que a mulher demonstre
alguma resistência inicial perante um convite ou proposta sexual). A resistência
da mulher é, deste modo, interpretada (de forma enviesada) pelo/a potencial
parceiro/a como um incentivo à sua persistência e insistência com vista à
concretização da interação sexual.
Importa ainda salientar que um não deve ser interpretado como aquilo que é:
uma recusa. A mulher tem o direito de decidir e escolher livremente todas as
Página | 72
suas experiências sexuais, mesmo que não correspondam às expectativas
dos/as parceiros/as, cabendo a estes o dever de aceitar as decisões tomadas.
Nas relações de namoro e/ou nas relações conjugais não existe violação.
Independentemente da relação existente entre vítima e agressor/a, qualquer
ato sexual que seja praticado sem que a vítima o tenha consentido deve ser
considerado uma forma de violência sexual. Importa também realçar que a
existência de uma relação de compromisso não obriga à prática de atos sexuais,
tendo ambos os parceiros envolvidos na relação o direito de recusar praticar
qualquer conduta sexual contra a sua vontade. Por sua vez, as relações sexuais
consentidas que foram estabelecidas entre o casal no passado não devem ser
interpretadas enquanto consentimento tácito ou subentendido para a prática
de atos sexuais no presente e no futuro.
BIBLIOGRAFIA
(5) APAV (2013). Estatísticas APAV. Relatório anual 2012. Lisboa: Unidade de
Estatística APAV.
(6) APAV (2013). Estatísticas APAV. Violência sexual 2012. Lisboa: Unidade
de Estatística APAV.
(8) Black, M. C., Basile, K. C., Breiding, M. J., Smith, S. G., Walters, M. L.,
Merrick, M. T., Chen, J., & Stevens, M. R. (2011). The National intimate
partner and sexual violence survey (NISVS): 2010 summary report.
Atlanta: National Center for Injury Prevention and Control & Centers for
Disease Control and Prevention.
(9) Burton, S., Kitzinger, J., Kelly, L., & Regan, L. (1998). Young people’s
attitudes towards violence, sex and relationships: a survey and focus
group study. Research report. Edinburgh: Zero Tolerance Charitable Trust.
(18) Jerin, R. A. & Moriarty, L. J. (2010). The victims of crime (pp. 121-139). US:
Pearson Prentice Hall.
(19) Jewkes, R., Sen, P., & Garcia-Moreno (2002). Sexual violence. In E. G.
Krug, L. L. Dahlberg, J. A. Mercy, A. B. Zwi & R. Lozano (Eds.), World
report on violence and health (pp.147-181). Geneva: World Health
Organization.
(21) Krebs, C. P., Linquist, C. H., Warner, T. D., Fisher, B. S., & Martin, S. L.
(2009). College women’s experiences with physically forced, alcohol- or
other drug-enabled, and drug-facilitated sexual assault before and since
entering college. Journal of American College Health, 57(6), 639-647.
Outro aspeto ao qual o profissional que trabalha com vítimas de violência sexual
deve atender refere-se a um conjunto de condições pessoais que transcendem
as competências adquiridas pela formação pessoal e profissional. Assim, o
profissional deve zelar pela manutenção de condições pessoais para o
cumprimento adequado das responsabilidades, fazendo uso de estratégias
simples como:
• ter uma atitude positiva perante o stress, ou seja, encarar o stress como
um desafio a ser ultrapassado e não como algo incontornável e
incontrolável;
• partilhar experiências relativas aos casos em curso com os outros
profissionais da equipa de trabalho;
• reconhecer e respeitar os limites do próprio corpo, assegurando períodos
mínimos de descanso e relaxamento;
• reconhecer e respeitar as normas básicas de saúde, mantendo uma dieta
equilibrada e evitando o consumo de tabaco, cafeína ou álcool;
• introduzir o exercício físico regular na rotina semanal;
• investir em atividades prazerosas e que respeitem o gosto pessoal para
ocupar os tempos livres.
• intervenção na crise;
• intervenção continuada.
Intervenção na crise
1
Para mais informações, queira consultar A VÍTIMA ADULTA DE VIOLÊNCIA SEXUAL E O PROCESSO PENAL
• Acompanhamento pessoal. O profissional deverá estar disponível para
acompanhar a vítima pessoalmente em todas as diligências que são
próprias do processo de apoio (ex.: ir ao hospital, esquadra, medicina-
legal, etc.).
2
De acordo com o art. 142º, nº1, alínea d) do Código Penal Português não é punível a interrupção da gravidez se
esta resultou de crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras
16 semanas de gravidez. No mesmo artigo, alínea e) prevê-se que a interrupção da gravidez não seja punível se
for realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas de gravidez.
tomou conhecimento. Nesse sentido, profissional deve recomendar
serenidade e discrição em todos os seus movimentos, para que outras
pessoas não suspeitem do acontecimento. Pode recomendar que, se
necessário, indique a versão do acontecimento enquanto roubo com
violência. O profissional deverá também acordar com o familiar ou amigo
a importância do seu apoio, a curto e a longo prazo. A curto prazo a Página | 93
vítima pode necessitar que lhe traga roupas limpas, documentos pessoais
e outros objetos de necessidade. A longo prazo, a vítima necessitará de
apoio emocional por parte do familiar ou amigo.
Intervenção continuada
Idealmente, tal deverá contar com o profissional que esteve, desde o início do
processo, envolvido no apoio à vítima. Este profissional deverá ser capaz de,
devido ao envolvimento prévio, conhecer melhor as circunstâncias da crise e os
fatores que a potenciaram, identificar as necessidades que deverão ser
satisfeitas e definir o tipo de apoio de que a vítima mais necessita.
Por outro lado, o profissional também deverá ter consciência de que a vítima
poderá não desejar receber qualquer apoio da sua parte, pelo facto de, por
exemplo, associar aquele profissional em particular à revivência do
acontecimento traumático. Nesse sentido, o profissional deverá respeitar
inteiramente a vontade da vítima, encaminhando-a para outro profissional (da
mesma instituição ou de outra), com o propósito de facilitar e garantir um
processo de recuperação pleno.
3
Para mais informações sobre esta matéria, consulte A VÍTIMA ADULTA DE VIOLÊNCIA SEXUAL E O PROCESSO
PENAL.
Estes profissionais poderão auxiliar devidamente a vítima na solicitação de
patrocínio judiciário, se não puder custear as despesas, quer do advogado, quer
do processo judicial, se a ele tiver direito, de modo a que seja representada em
Tribunal, caso o processo-crime prosseguir até uma acusação e consequente
julgamento.
Página | 96
• Apoio Psicológico
• Apoio Jurídico
• Apoio Social
Estes apoios serão abordados com maior detalhe nos próximos capítulos do
presente Manual.
Falta de sentido prático - deve manter-se uma visão prática das exigências do
processo de apoio ao nível do contacto com outras instituições.
Página | 104
O apoio psicológico procura proporcionar uma experiência
terapêutica à vitima e/ou à família e tem como propósito a
minimização dos efeitos negativos do impacto do episódio
traumático vivido.
Princípios Operativos
Quando é prestado Apoio Psicológico, deverá ter-se em conta os seguintes
princípios operativos:
• O contrato terapêutico
• Regras básicas
Para além do contrato terapêutico, há quatro regras básicas que deverão estar
sempre presentes:
Página | 107
As formas mais comuns de violação do anonimato são:
Muitas vezes, é difícil definir qual o momento adequado para finalizar o Apoio
Psicológico. Assim, a forma mais útil de decidir quando terminar consiste em
rever os objetivos e relembrar à vítima o que já conseguiu atingir, isto é:
Em suma:
Existem três abordagens possíveis para dar início a uma sessão de Apoio
Psicológico:
• Simplesmente não dizer nada, o que vai permitir que a vítima transmita
imediatamente o que se passa;
• Formular uma questão aberta semi-directiva, como, por exemplo: Como
se passaram consigo as coisas durante esta semana? Ou Como se sentiu
desde que nos vimos na última vez? Ou De que gostaria de falar hoje?;
• Perguntar algo mais específico, que se pode referir a qualquer tema
mencionado na sessão anterior ou relativo a qualquer «tarefa»
anteriormente acordada. Esta opção coloca nas mãos do Psicólogo a
responsabilidade de dirigir a sessão.
Embora o Apoio Psicológico possa ser complementado por outro tipo de apoio
mais especializado ao nível da saúde mental, é importante que o profissional
Página | 114
tenha conhecimentos no que respeita a fatores de risco e a indicadores de
estagnação no processo de recuperação, para saber em que circunstâncias deve
encaminhar a vítima de violência sexual para o serviço de apoio adequado, por
exemplo para serviços de Psiquiatria, de Sexologia, etc.
Assim, deve:
O apoio jurídico à vítima de violência sexual deve ser prestado Página | 115
exclusivamente por juristas, no entanto é de grande utilidade que qualquer
profissional tenha conhecimentos gerais para se situar adequadamente no
processo de apoio e trabalhar diretamente com os juristas.
• Coação sexual
• Violação
• Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência
• Abuso sexual de pessoa internada
• Fraude Sexual
• Procriação artificial não consentida
• Lenocínio
• Importunação sexual
Podemos também elencar, como veremos mais à frente, alguns crimes que
embora não estejam incluídos no capítulo relativamente aos crimes contra a
liberdade e autodeterminação sexual, poderão, num sentido mais lato, ser
4 (9)
Segundo o Comentário Conimbricense ao Código Penal , trata-se aqui da “autoconformação da vida e da
prática sexuais da pessoa: cada pessoa adulta tem o direito de se determinar como quiser em matéria sexual, seja
quanto às práticas a que se dedica, seja quanto ao momento ou ao lugar em que a elas se entrega ou ao(s)
parceiro(s), também adulto(s), com quem as partilha – pressuposto que aquelas sejam levadas a cabo em privado
e este(s) nelas consinta(m). Se e quando esta liberdade for lesada de forma importante a intervenção penal
encontra-se legitimada e torna-se necessária”.
5
Art. 29º do Código de Trabalho Português (Lei 7/2009).
considerados crimes sexuais, como a mutilação genital feminina ou o tráfico de
pessoas para fins de exploração sexual.
6
Para mais informações, queira consultar QUADRO II/ TABELA DE CRIMES, no fim deste capítulo.
• Lenocínio (art. 169º do CP)
Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer
ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de
atos sexuais de relevo é punido pelo crime de lenocínio.
A pena é agravada se o agente/agressor usar de violência, ameaça grave,
Página | 118
ardil, manobra fraudulenta, ou de abuso de autoridade resultante de
uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou
se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima. A pena pode ir de seis
meses a oito anos de prisão.
Página | 119
Agravação das penas dos crimes sexuais
7
Referimo-nos aqui apenas às circunstâncias agravantes relativas aos crimes contra a liberdade sexual; para mais
informações sobre a agravação das penas dos crimes contra a autodeterminação sexual deve consultar-se o art.
177º do Código Penal.
8
Exceto nos casos em que, no próprio tipo de crime, já se encontra previsto o aproveitamento deste tipo especial
de relação entre o agente e a vítima, como é o caso dos crimes de coação sexual, violação ou lenocínio.
Proibição do Assédio sexual no local de trabalho na legislação laboral
Além da proteção penal dada às situações mais graves, como o crime de coação
sexual e o de violação, em que o agente é alguém com quem a vítima mantém
uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, os casos
de assédio sexual estão também previstos e proibidos na legislação de trabalho,
sendo considerados uma contraordenação grave.
Assim, o art. 29º do Código de Trabalho Português (Lei 7/2009) entende que
constitui assédio sexual o comportamento indesejado de caracter sexual, sob a
forma verbal, não-verbal ou física, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou
constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente
intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
O Código Penal prevê na tipificação de outros crimes a relação que estes podem
ter com os crimes sexuais. É o caso do crime de rapto (art. 161, nº1, b) ) cuja
tipificação prevê que o este possa ser um meio para a prática de crimes contra a
liberdade e autodeterminação sexual, bem como o caso do crime de homicídio
que é qualificado quando determinado para excitação ou para satisfação do
instinto sexual (art. 132º, nº2, c)) por revelar especial censurabilidade ou
perversidade, prevendo uma pena de prisão de 12 a 25 anos.
Outra situação que poderá suceder será a devassa da vida privada (art. 192º do
Código Penal), sempre que o agente, com intenção de devassar a vida privada,
nomeadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:
• intercetar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa,
comunicação telefónica, mensagens de correio eletrónico ou faturação
detalhada;
• captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar a imagem das pessoas ou
de objetos ou espaços íntimos;
Página | 121
• observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar
privado;
• ou divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra
pessoa. Nestes casos a pena pode ser de prisão até um ano ou de multa
até 240 dias.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) (25) inclui nos atos de violência sexual
outras situações de âmbito criminal que, pese embora não estejam incluídas
nos capítulos referentes aos crimes sexuais estão previstas noutros tipos legais
de crime, sendo atos que, no conceito da OMS, estão relacionados com os
direitos sexuais e reprodutivos, e por essa razão devem também ser abrangidos
numa visão mais ampla da violência sexual.
• escravatura sexual
• assédio sexual (no trabalho ou escola: para obter melhor trabalho ou
melhores notas)
• tráfico de seres humanos para prostituição forçada
• gravidez forçada
• esterilização forçada
• aborto forçado
• casamento infantil e casamento forçado
• mutilação genital feminina
• testes de virgindade
9 (12)
Segundo a classificação da OMS , atualizada em 2008, existem quatro tipos de MGF: 1) Remoção total ou
parcial do clitóris ou da pele que cobre o clitóris – clitoridectomia; 2) Remoção total ou parcial do clitóris e dos
lábios menores, com ou sem excisão do lábio maior – excisão; 3) Estreitamento do orifício vaginal com criação de
um selo de cobertura através do corte e aposição do lábio menor e/ou lábio maior, com ou sem a excisão do
clitóris – infibulação; 4) Todos os demais procedimentos nocivos para os órgãos genitais femininos por razões não
médicas, como por exemplo: alongamento, perfuração, corte ou cauterização.
pela prática da MGF, no entanto nenhum país europeu aceita, de forma
explícita, a ameaça de MGF como razão para pedido de asilo.
Independentemente do respeito devido a todas as culturas e religiões
considera-se importante não ceder ao relativismo cultural relativamente a um
ato que constitui uma violação grave dos direitos humanos e dos direitos Página | 123
sexuais e reprodutivos das mulheres afetadas.
Por essa razão é importante garantir a plena compreensão, por parte da vítima,
da informação transmitida, evitando a utilização de linguagem demasiado
técnica, e menos acessível.
Breve descrição da tramitação processual penal
O processo penal é constituído por quatro fases, sendo uma facultativa, a saber:
Fase de Inquérito; Fase de Instrução (facultativa); Fase de Julgamento; Fase de Página | 125
Recurso.
No entanto, uma mais abrangente compreensão do processo penal implica o
cruzamento com outros conceitos e elementos importantes do processo penal,
tais como, a notícia do crime, a produção da prova, as medidas de coação, o
segredo de justiça, entre outros.
Assim sendo, a descrição que se segue levar-nos-á a percorrer e compreender o
processo penal, analisando, de forma abreviada, cada aspeto que o constitui,
para que se possa informar adequadamente a vítima de crimes sexuais.
Notícia do crime
Quase todos os crimes contra a liberdade sexual são, como já vimos, crimes
semipúblicos (exceto os crimes de abuso sexual de pessoa internada e de
lenocínio, que são crimes públicos), ou seja, para que o processo-crime se inicie
é necessário que seja a própria vítima a denunciar o crime às autoridades.
O Ministério Público apenas dá início ao processo-crime após a receção da
queixa-crime, abrindo de imediato o inquérito. A queixa-crime pode ser feita
em qualquer esquadra da PSP, posto da GNR, piquete da PJ, ou mesmo no
Gabinete Médico-legal onde a vítima efetua os exames médico-legais.
O Ministério Público é uma das entidades com um papel mais ativo ao longo de
todo o procedimento. É constituído por um corpo de magistrados com um
conjunto muito vasto de atribuições.
Página | 128
• informar a vítima da notícia do crime, sempre que tenha razões para crer
que ela não a conhece (nos casos de crimes públicos participados por
terceiros);
• informar a vítima sobre o regime do direito de queixa e as suas
consequências processuais, bem como o regime jurídico do apoio
judiciário;
• informar a vítima (sem prejuízo do disposto no art. 82º-A do CPP)10,
sobre o regime e serviços responsáveis pela instrução de pedidos de
indemnização a vítimas de crimes violentos e de pedidos de
adiantamento às vítimas de violência doméstica, bem como da existência
de instituições públicas, associativas ou particulares, que desenvolvam
atividades de apoio às vítimas de crimes;
• informar a vítima, em especial nos casos de reconhecida perigosidade
potencial do agressor, das principais decisões judiciárias que afetem o
estatuto deste (ex.: libertação de arguido detido).
10
Art. 82º-A do Código de Processo Penal: Reparação da vítima em casos especiais: 1 – Não tendo sido deduzido
pedido de indemnização civil no processo penal ou separado, em caso de condenação, o tribunal pode arbitrar
uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, quando particulares exigências de proteção à vítima o
imponham.
Fase de Inquérito
Estas diligências são, na sua grande parte, efetuadas pelos órgãos de polícia
criminal, importando fazer aqui uma referência à repartição de competências
entre estes.
Polícia Judiciária:
No que concerne aos denominados crimes contra as pessoas, a competência de
investigação da PJ resume-se ao homicídio doloso e às ofensas à integridade
física de que venha a resultar a morte, aos crimes contra a liberdade e contra a
autodeterminação sexual a que corresponda, em abstrato, pena superior a
cinco anos de prisão, desde que o agente não seja conhecido, ou sempre que
sejam expressamente referidos ofendidos menores de 16 anos ou outros
incapazes e aos crimes de tráfico de pessoas com o emprego de coação grave,
extorsão ou burla relativa a trabalho, escravidão, sequestro, rapto e tomada de
reféns.
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras:
Compete ao SEF a investigação dos crimes de auxílio à imigração ilegal,
associação de auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obra ilegal,
casamento de conveniência e violação da medida de interdição de entrada, e
outros com estes conexos, nomeadamente o tráfico de pessoas.
PSP e GNR:
Têm competência para todos os outros crimes contra as pessoas, que não estão
no âmbito da Polícia Judiciária e do SEF.
Meios de prova
Página | 130
É nesta fase de investigação que se concentra o período processual de recolha
da prova, pelo que será importante conhecer os meios de prova e de obtenção
de prova previstos legalmente. Estes meios também se podem aplicar durante a
fase de instrução (ainda em sede de investigação) e durante a fase de
julgamento, enquanto momento de produção e apreciação da prova.
Prova testemunhal
Mas há exceções:
• Reconstituição do facto:
Página | 135
Havendo necessidade de apurar se certo facto poderia ter ocorrido de
determinada forma, pode proceder-se à sua reconstituição, que consiste
na reprodução, o mais fiel possível, das condições em que o facto terá
ocorrido e na repetição do modo de realização do mesmo.
• Prova documental:
Em qualquer altura do processo é possível apresentar documentos,
embora a altura mais apropriada para o fazer seja durante a investigação
(inquérito e, caso haja, instrução). Mas pode, por exemplo, requerer-se a
junção aos autos de um documento em pleno julgamento, só que aí o juiz
só o aceitará se o considerar relevante e, mesmo assim, condenará em
multa quem o apresentar, a não ser que se prove ter sido impossível
apresentá-lo mais cedo.
11
É neste âmbito que se incluem os exames médico-legais, que pela sua importância destacamos em secção
autónoma que poderá encontrar mais adiante neste manual: EXAMES MÉDICO-LEGAIS: ORIENTAÇÕES PARA OS
PROFISSIONAIS EM CONTACTO COM VÍTIMAS ADULTAS DE CRIMES SEXUAIS.
Meios de obtenção de provas
Após enumerar os meios de prova, o Código de Processo Penal trata dos meios
de obtenção dessas mesmas provas, para que a investigação, sem perder
eficácia, se paute por critérios legais, no intuito de nunca por em causa os
Página | 136
direitos fundamentais das pessoas.
Findo o inquérito o Ministério Público ou/e o assistente (nos caso dos crimes
particulares) toma uma decisão, que pode ser de arquivamento do processo, de
acusação, ou em certos casos, de suspensão provisória do processo.
Página | 137
Quanto aos crimes públicos e semipúblicos:
Instrução
Esta é uma fase facultativa: só há instrução se, nos termos atrás requeridos, for
requerida pelo arguido e/ou pelo assistente. Se tal não tiver sucedido, o
processo, findo o inquérito, ou segue diretamente para julgamento (se tiver
havido acusação), ou é arquivado.
Segredo de Justiça
Julgamento
Se no fim do inquérito houve acusação (ou se, tendo havido instrução, o juiz de
instrução proferiu despacho de pronúncia) o processo segue para o tribunal de
julgamento.
e/ou (uma vez que há situações que admitem duplo grau de recurso)
Processo Sumário
Serve para julgar as pessoas detidas (por autoridade judiciária ou policial ou por
qualquer outra pessoa desde que esta, no prazo máximo de duas horas, tenha
entregue a pessoa detida a autoridade judiciária ou policial) em flagrante delito,
isto é, no momento em que estão a cometer o crime, tenham acabado de o
cometer ou sejam, logo após o crime, perseguidos por qualquer pessoa ou
encontrados com objetos ou sinais que mostrem claramente que acabaram de o
cometer ou de nele participar. Pode dar-se como exemplo o caso da pessoa que
é detida depois de partir o vidro de um automóvel e se preparava para furtar o
que encontrasse no seu interior.
Como daqui já resulta a séria probabilidade de que o detido tenha cometido o Página | 143
crime, prescinde-se das fases de investigação (inquérito e instrução), sendo
aquele apresentado imediatamente ou no mais curto prazo possível (sem
exceder as 48h) ao Ministério Público junto do tribunal competente para
julgamento, para que este, depois de, se o julgar conveniente, o interrogar
sumariamente, o apresentar imediatamente a julgamento. Caso o arguido tenha
requerido prazo para preparação da sua defesa, o Ministério Público pode
interrogá-lo, para validação da detenção e libertação. Se o julgar conveniente, o
Ministério Público pode apresentar o arguido ao juiz de instrução para efeitos
de aplicação de medida de coação.
O julgamento, sempre perante tribunal singular, realiza-se dentro das 48 horas
subsequentes à detenção, podendo este prazo ser alargado para 5 dias, quando
houver interposição de um ou mais dias não úteis. Contudo, a apresentação do
arguido a julgamento pode ser adiada até ao limite de 20 dias após a detenção,
sempre que o arguido tiver requerido prazo para preparação da sua defesa,
quando o Ministério Público entenda que é necessário proceder à recolha de
prova essencial para a descoberta da verdade ou quando tal seja essencial para
obter a comparência de testemunhas ou para a junção de exames, relatórios
periciais ou documentos, cujo depoimento ou junção o juiz considere
imprescindíveis para a boa decisão da causa.
Nos crimes semipúblicos, a detenção só se mantém quando, em ato a ela
seguido, o titular do direito de queixa o exercer. Nos crimes particulares, não há
lugar a detenção em flagrante delito, mas somente à identificação do infrator.
A vítima pode constituir-se assistente ou intervir como parte civil se assim o
solicitar, mesmo que só verbalmente, no início do julgamento.
Esta forma de processo não é aplicável a casos de criminalidade altamente
organizada, crimes de discriminação racial, religiosa ou sexual, tortura e crimes
contra a segurança do Estado.
O Assistente
Nos casos em que não é concedido apoio judiciário, o ofendido deve pagar taxa
de justiça. A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto
liquidada no montante de 1 Unidade de Conta, podendo ser corrigida, a final,
pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho
do processo e a concreta atividade processual do assistente.
Medidas de Coação
• Perigo de fuga;
• Perigo para a obtenção e conservação da prova do crime;
• Perigo para a ordem pública;
• Perigo de continuação da atividade criminosa.
Todas as medidas de coação são aplicadas por Juiz, exceto a medida de Termo
de Identidade e Residência, que pode ser também aplicada pelo Ministério
Público ou por órgão de polícia criminal.
A falta de contestação pelo demandado civil não implica confissão dos factos
alegados pelo lesado/demandante civil.
O pedido de indemnização civil deve abranger os seguintes danos:
Danos Morais (ou não patrimoniais): são os prejuízos que, sendo insuscetíveis
de avaliação pecuniária, dado estar em causa a saúde, o bem-estar, a honra e o
bom nome da vítima, apenas podem ser compensados com a obrigação
monetária imposta ao autor do crime. Por exemplo, dor física e dor psíquica
(resultante de deformações físicas sofridas), perda do prestígio ou reputação,
etc.
Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser
interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.
Sistema de acesso ao direito e aos tribunais
Insuficiência Económica
Todos os que pretendam usufruir deste regime têm que demonstrar que se
encontram em situação de insuficiência económica, isto é, que, tendo em conta
fatores de natureza económica e a respetiva capacidade contributiva, não têm
condições para suportar pontualmente os custos de um processo ou de uma
consulta jurídica.
Este regime legal de indemnização pelo Estado não se aplica nos seguintes Página | 157
casos:
• quando o dano for causado por um veículo terrestre a motor (nos casos
em que o responsável não é conhecido ou não beneficie de seguro
automóvel - que é obrigatório -, o Fundo de Garantia Automóvel garante,
verificados certos requisitos, o pagamento de indemnizações por danos
decorrentes deste tipo de sinistros);
• quando forem aplicáveis as regras sobre acidentes de trabalho ou em
serviço (casos em que a responsabilidade é da entidade empregadora
que, em princípio, a terá transferido para uma companhia de seguros).
• pela vítima;
• associações ou outras entidades privadas que prestem apoio às vítimas
de crimes (por solicitação e em representação destas);
Página | 158
• entidades públicas, incluindo o Ministério Público.
Quem obtiver ou tentar obter uma indemnização nos termos deste regime com
base em informações falsas ou inexatas pode ser punido com pena de prisão até
3 anos ou multa.
• Levar roupa lavada: o profissional deve indicar à vítima que leve roupa
lavada para vestir após a realização dos exames médico-legais, caso a
roupa que esta utiliza no momento é a mesma que tinha vestido durante
a vitimação. O profissional deve tentar assegurar que a roupa a vestir
depois dos exames pertença ao guarda-roupa habitual da vítima, pois
será com peças realmente suas que se sentirá melhor. Se não for possível
que alguém vá a casa buscar a roupa, o profissional deve comprar ou
retirar de uma reserva da sua instituição as peças necessárias, que
respeitem o estilo de vestir e os tamanhos utilizados pela vítima.
• Levar os documentos da vítima: é importante que o profissional leve os
documentos da vítima para que esta possa ser devidamente identificada
pelos serviços competentes.
Página | 163
Preservação de vestígios
APOIO SOCIAL
MODELOS DE INTERVENÇÃO
Podemos dizer que este modelo não é inovador, visto que, por norma, todos os
trabalhadores sociais trabalham em situações de crise. Tem origem no quadro
do trabalho de saúde mental, e na prevenção mais do que no tratamento (19).
Nas duas primeiras fases, há uma relação dialética com todo o processo, sendo
que o sucesso de cada uma depende do êxito da anterior. O êxito da
intervenção está principalmente dependente do estudo e do diagnóstico do
problema.
O diagnóstico deve ser elaborado com base na informação recolhida no
primeiro atendimento, não sendo, no entanto, estanque, isto é, irá sendo
reajustado ao longo do processo de apoio, quer em função de novos elementos,
quer em função da evolução e apropriação do processo e de papéis pela vítima.
Técnicas
• Pesquisa:
Os técnicos, no seu meio de trabalho, possuem inúmeras informações e
conhecimentos sobre as vítimas com as quais intervêm. A pesquisa é um
instrumento que possibilita conhecer, explorar e sistematizar dados que,
inevitavelmente originam uma produção de conhecimento sobre a
violência sofrida e a dinâmica de respostas comunitárias face à
intervenção desejada. As metodologias qualitativas são as mais
recomendadas nesta área, pois permitem percecionar o fenómeno da
violência sexual que permaneceram durante muito tempo invisível,
dando espaço e lugar às vítimas de violência sexual.
• A Entrevista:
A entrevista com o/a Trabalhador Social pode ser a primeira conversa
realizada com a vítima de violência sexual que, quando chega à entidade Página | 177
de apoio, pode ainda manifestar efeitos da agressão ou violência sofrida.
Este primeiro contacto individual possibilita a escuta social e o
acolhimento da vítima. O atendimento pode desenvolver-se num
processo de escuta da queixa e do motivo que levou a vítima a procurar
ajuda. Neste espaço, a vítima pode expor as suas preocupações, queixas
e necessidades. No processo de entrevista é importante que o/a
trabalhador social escute e observe. A observação permite perceber as
reações e emoções expressas pela vítima, assim como, perceber recursos
alternativos de apoio que disponha. É através desta observação e recolha
de informação, que o profissional vai desenvolver um possível
diagnóstico da situação. O profissional deve primar pela escuta sem
julgamentos, deve procurar manter compreensão relativamente ao que
está a ser transmitido e, refletir em relação aos encaminhamentos úteis
para a vítima.
Esta entrevista, pode repetir-se sempre que o profissional entenda que é
útil recolher mais informação para melhor ajudar a vítima. Porém, tal
deve ser explicado à vítima, para que não entenda como uma invasão da
sua intimidade.
• Reuniões com a equipa multidisciplinar:
As reuniões com a equipa multidisciplinar – assistente social, psicólogo,
médico, enfermeiro, advogado – são decisivas para o encaminhamento
necessário de situações desta natureza. O Assistente Social pode ter o
primeiro contacto com as vítimas de violência sexual, como já foi referido
anteriormente, onde se pode realizar a primeira entrevista e, de onde
pode resultar um conjunto de informações importantes que podem ser
passadas a toda a equipa. As reuniões permitem aos profissionais, o
conhecimento do diagnóstico e as necessidades reais da vítima. O
profissional de serviço social pode dinamizar a equipa técnica e a rede de
comunicação entre os profissionais envolvidos no processo de apoio.
• Elaboração de Relatórios:
A elaboração de relatórios é de fundamental importância, uma vez que
são os mesmos a conter toda a informação sobre o caso que o
profissional acompanha. Muitos dados resultantes de um
acompanhamento pormenorizado com a vítima, são essenciais para
posteriores encaminhamentos tais como, o encaminhamento para Casa
Abrigo, caso a situação se adequa a esta resposta de intervenção. O
papel do profissional de serviço social assume extrema responsabilidade,
pois pode evitar encaminhamentos desadequados ao caso em especifico,
por falta de conhecimento e/ou falta de registo de dados relevantes.
Página | 178
ÁREAS DE INTERVENÇÃO E RECURSOS COMUNITÁRIOS
Acolhimento
Os casos em que tal não se torna exequível são múltiplos: em primeiro lugar, o
suporte fornecido pela família pode apresentar-se num registo punitivo; por
outro lado, ainda que a vítima tenha o apoio de familiares e amigos, no caso de
violência sexual num contexto de intimidade, a morada destes é, geralmente,
conhecida do agressor, o que levanta questões ao nível da segurança de todos
os atores sociais envolvidos.
• Casas de Abrigo. Desde 1991 que tem vindo a ser publicada legislação no
sentido de garantir a proteção adequada às vítimas de violência
doméstica, nomeadamente através da criação de casas de abrigo. Estas
casas encontram-se distribuídas pelo país, destinadas ao acolhimento de
vítimas de violência doméstica. Devemos saber exatamente que critérios
usam para o acolhimento. Por exemplo, no caso de uma vítima idosa,
teremos que saber qual a idade limite que apontam para acolher.
Existem também outros centros de acolhimento que se destinam a
outros problemas, as regras e a intervenção não foram estruturadas a
pensar nas particularidades das vítimas, pelo que não se encontram
adaptadas às reais necessidades destas. Por esta razão, caso a vítima de
violência sexual o seja no âmbito de uma situação de violência
doméstica, devemos fazer o possível para que a vítima seja acolhida
numa casa vocacionada para estas vítimas, de forma a reduzir a
possibilidade de ocorrência de episódios de vitimação secundária. As
casas abrigo, independentemente da população-alvo, encontram-se Página | 181
quase sempre lotadas, pelo que é muito difícil conseguir-se uma vaga de
imediato.
Uma vez mais, devemos conhecer o funcionamento e requisitos das casas
abrigo, de forma a poder informar corretamente a vítima, não lhe
criando falsas expectativas. Esta deve ficar ciente de que uma eventual
resposta positiva pode não surgir tão brevemente quanto desejável, pelo
que, em situações de urgência, pode ter que recorrer-se a outras
alternativas. Devemos também saber se a vítima coloca a hipótese de
mudar de zona geográfica e da pertinência dessa mudança, sendo a
avaliação do risco uma vez mais imprescindível;
Alimentação
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• Refeitório/Cantina Social:
Estes Refeitórios/ Cantinas Sociais têm como objetivo satisfazer as
necessidades básicas e sensibilizar e informar sobre as respostas mais
adequadas tendo em conta as problemáticas da população que recorre
àquele serviço. Podem prestar apoio, para além do fornecimento de
refeições, na higiene pessoal, tratamento de roupas e atividades
ocupacionais.
As entidades responsáveis pelos Refeitórios/ Cantinas Sociais são Centros
Distritais do Instituto de Segurança Social e IPSS que dispõem destes
serviços.
Mais uma vez se repete que compete ao TAV efetuar o levantamento das
diversas instituições existentes na sua área de intervenção, seus objetivos gerais
e específicos, bem como os seus procedimentos e normas de funcionamento. Só
assim está habilitado a proceder a um adequado encaminhamento da vítima.
Saúde
12
Para mais informações queira consultar o Despacho nº 6378/2013 de 16 de Maio
Constituem objetivos desta medida, de acordo com o Despacho, os seguintes:
Taxas Moderadoras
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Número de Emergência Médica (112 – Número Europeu de Emergência)
e Linha Saúde 24
Sempre que o CODU aciona um meio de emergência procura que o mesmo seja
o que está mais perto do local da ocorrência, independentemente da entidade a
que pertence (INEM, Bombeiros ou CVP).
Plano de Segurança
(16) Martínez, M. J. (2005). Modelos teóricos del Trabajo Social. Murcia: Diego
Marín.
Página | 190 (17) NHS Greater Glasgow (s.d.) Staying Afloat: A guide to providing support to
male survivors of sexual abuse. Disponível em:
www.rapecrisisscotland.org.uk/publications/leaflets
(18) Observatório do Tráfico de Seres Humanos, Direção- Geral de
Administração Interna (2013). Relatório Anual Tráfico de Seres Humanos 2021:
Actualização dos Dados do RASI. Disponível em: www.otsh.mai.gov.pt
(19) Payne, M. (2002). Teoria do Serviço Social Moderno (1ªed.). Coimbra:
Quarteto Editora.
(20) Ranquet, D. M. (1996). Los Modelos en Trabajo Social (3ªed.). Rio de
Janeiro: Agir Editora.