Manual - Apav - Unisexo Apoio Violencia Sexual

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APAV

ISBN: 978-972-8852-54-2 Rua José Estêvão, 135 – A


1150 – 201 Lisboa
Título: Manual Unisexo - para o Portugal
atendimento a vítimas adultas de violência
sexual Telef. +351 21 358 79 00
Fax: +351 21 887 63 51
2013 © APAV – Associação Portuguesa de
Apoio à Vítima [email protected]
www.apav.pt
Agradecimentos

Dirigimos um agradecimento especial a Sónia Martins, investigadora da Universidade


do Minho, pela partilha dos resultados do seu estudo “Vitimização e perpetração
sexual em jovens adultos: da caracterização da prevalência às atitudes”.

Agradecemos também a todos os colegas da APAV que colaboraram para a produção


deste Manual: Daniel Cotrim, Frederico Moyano Marques, João Lázaro, Juliana Moya,
Manuela Santos, Maria de Oliveira e Rosa Saavedra.

Por fim, não poderíamos deixar de agradecer a todos os voluntários/as e estagiário/as


do Gabinete de Apoio à Vítima de Coimbra.
INDÍCE
APRESENTAÇÃO 7

COMPREENDER 13
DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL E CARACTERIZAÇÃO DAS SUAS DIFERENTES FORMAS 13

CARACTERIZAÇÃO DA PREVALÊNCIA DA VIOLÊNCIA SEXUAL EM JOVENS ADULTOS 17


A REALIDADE INTERNACIONAL 17
A REALIDADE PORTUGUESA 20
A REALIDADE PORTUGUESA NO ENSINO SUPERIOR 23

CONTEXTOS E DINÂMICAS ASSOCIADAS À VIOLÊNCIA SEXUAL 27


A VIOLÊNCIA SEXUAL NAS RELAÇÕES DE INTIMIDADE 28
A VIOLÊNCIA SEXUAL COMETIDA POR DESCONHECIDOS 32
OBSTÁCULOS À DENÚNCIA DE EXPERIÊNCIAS DE VITIMAÇÃO SEXUAL 33

CARACTERIZAÇÃO DA VÍTIMA E FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À VITIMAÇÃO SEXUAL 35


FATORES DE RISCO INDIVIDUAIS 40
FATORES DE RISCO RELACIONAIS 44
FATORES DE RISCO COMUNITÁRIOS 46
FATORES DE RISCO SOCIAIS 46

CARACTERIZAÇÃO DO/A AGRESSOR/A E FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À PERPETRAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL 47


FATORES DE RISCO INDIVIDUAIS 49
FATORES DE RISCO RELACIONAIS 54
FATORES DE RISCO COMUNITÁRIOS 56
FATORES DE RISCO SOCIAIS 57

O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ENQUANTO AMBIENTE DE RISCO PARA A OCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL 58

CONSEQUÊNCIAS DA EXPERIÊNCIA DE VITIMAÇÃO SEXUAL 59


SÍNDROME DO TRAUMA DA VIOLAÇÃO E CICLO DA RECUPERAÇÃO 66

REFLEXÃO ACERCA DAS CRENÇAS SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL 69

BIBLIOGRAFIA 73

PROCEDER 79
O PROCESSO DE APOIO A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL 79
O PAPEL DO PROFISSIONAL NO ATENDIMENTO A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL 79
Perfil do profissional 80
Orientações globais para a atuação do profissional 82
O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VÍTIMA 84
INTERVENÇÃO NA CRISE E INTERVENÇÃO CONTINUADA (4,3) 85
Intervenção na crise 86
Intervenção continuada 94
O APOIO AOS FAMILIARES DA VÍTIMA ADULTA DE VIOLÊNCIA SEXUAL (13) 96
CONFIDENCIALIDADE E SEGURANÇA 97
TRABALHO EM COOPERAÇÃO 101

APOIO PSICOLÓGICO A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL 104


PRESSUPOSTOS DO APOIO PSICOLÓGICO 104
Princípios Operativos 106
OBJETIVOS DO APOIO PSICOLÓGICO 108
FASES DO PROCESSO DE APOIO PSICOLÓGICO 108
Fase inicial do processo 108
Fase de desenvolvimento do processo 110
Fase de finalização do processo 111
SESSÃO DE APOIO PSICOLÓGICO 112
LIMITES DO APOIO PSICOLÓGICO 114

APOIO JURÍDICO A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL 115


ENQUADRAMENTO LEGAL DA VIOLÊNCIA SEXUAL 115
Crimes contra a liberdade sexual 117
Agravação das penas dos crimes sexuais 119
Proibição do Assédio sexual no local de trabalho na legislação laboral 120
Outros crimes relacionados com os crimes sexuais 120
A VÍTIMA ADULTA DE VIOLÊNCIA SEXUAL E O PROCESSO PENAL 124
Breve descrição da tramitação processual penal 125
Sistema de acesso ao direito e aos tribunais 149
Indemnização pelo estado às vítimas de crimes violentos 156
EXAMES MÉDICO-LEGAIS: ORIENTAÇÕES PARA OS PROFISSIONAIS (15, 23) 158

APOIO SOCIAL A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL 169


APOIO SOCIAL 171
MODELOS DE INTERVENÇÃO 172
Modelo de Intervenção na Crise 172
Modelo Centrado em Tarefas 174
ÁREAS DE INTERVENÇÃO E RECURSOS COMUNITÁRIOS 178
Acolhimento 178
Alimentação 182
Saúde 183
Plano de Segurança 187

BIBLIOGRAFIA 189
APRESENTAÇÃO

O Manual Unisexo – para o atendimento a vítimas adultas de violência sexual


foi desenvolvido pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima no âmbito do
Projeto Unisexo – prevenção da violência sexual no ensino superior.
Este projeto, financiado pelo Fundo Social Europeu através do QREN/POPH, Eixo Página | 7
7 – Igualdade de Género, medida 7.3 – Apoio Técnico e Financeiro às
Organizações Não Governamentais, gerido pela Comissão para a Cidadania e a
Igualdade de Género, teve a duração de 24 meses, com início em Setembro de
2011 e finalização em Agosto de 2013. O Projecto Unisexo contou com as
parcerias do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e do
Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, tendo sido também
estabelecido um protocolo de colaboração com a Associação Académica de
Coimbra.

O Projeto Unisexo surgiu da vontade e necessidade identificada pela APAV de


tornar mais presente e efetiva a prevenção da violência sexual junto dos
estudantes do ensino superior, um grupo específico, largamente documentado
como de especial risco para o envolvimento em situações de violência sexual,
facto que se poderá sobretudo explicar pelas características específicas do
contexto social em que estes jovens habitualmente se encontram integrados: o
contexto universitário. Trata-se, por norma, de um contexto de descoberta,
marcado pela exploração pessoal e grupal, pela emancipação em relação à
estrutura familiar de origem, pela procura de novas experiências e necessidade
de ultrapassar limites, condimentada com o natural aumento da atividade
sexual, a frequência de locais de risco e o envolvimento em atividades e
comportamentos de risco, tais como o consumo excessivo de álcool e/ou de
substâncias aditivas, particularmente nos momentos festivos próprios da
vivência académica.

Neste sentido, para além do Manual que é apresentado neste espaço, este
Projeto desenvolveu um conjunto de eventos e materiais de informação e
sensibilização dirigidos aos estudantes universitários, foi desenvolvida a
campanha publicitária de prevenção “Depois do Não! Pára” cujo lançamento
coincidiu com as festas académicas de Coimbra (Festa das Latas e Queima das
Fitas), realizaram-se grupos de discussão com estudantes universitários no
âmbito da parceria com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de
Coimbra, foram dinamizados workshops de prevenção da violência sexual junto
dos estudantes do ensino superior, foi dinamizado o “Seminário Unisexo – uma
reflexão sobre a violência sexual e a violência na intimidade no ensino superior”,
que contou com investigadores e especialistas de várias áreas (direito,
medicina, psicologia, sociologia, medicina-legal) que muito contribuíram para
alargar a discussão e reflexão sobre esta problemática.
O apoio às vítimas de violência sexual, aos seus familiares e/ou amigos é, desde
a sua fundação, uma preocupação e prioridade da APAV, visível através da
importância atribuída à qualificação dos seus TAV para o apoio e resposta
ajustada às necessidades identificadas nestas vítimas, mas também pela
consciencialização da população em geral e de grupos específicos para a
Página | 8
importância do reconhecimento e da procura de apoio perante experiências de
vitimação sexual.

A atuação da APAV ao nível do apoio a vítimas de violência sexual encontra-se


também retratada nas suas estatísticas. A este respeito, os dados da APAV em
2012 revelaram que os crimes sexuais corresponderam a cerca de 10% de todos
os crimes contra as pessoas registados, destacando-se o crime de violação, que
correspondeu a 31% dos crimes sexuais identificados.

Sabemos contudo que estes dados podem representar uma leitura subestimada
relativamente à verdadeira dimensão da violência sexual, em virtude dos
obstáculos associados à revelação de uma experiência de vitimação sexual. A
exposição da intimidade, o medo de não ser acreditada seja pela família, pelo
sistema judicial, pelas estruturas e/ou pessoas às quais possa revelar ou pedir
apoio, a própria desvalorização social da violência sexual, em particular dos atos
sexuais de menor gravidade, e as situações de violência sexual que ocorrem no
seio dos relacionamentos de intimidade, são fatores que podem levar muitas
vítimas de violência sexual a permanecerem em silêncio, nunca chegando a
revelar às autoridades judiciais ou às estruturas de apoio o crime de que foram
alvo, nem a procurar ajuda especializada.

A literatura indica-nos, no entanto, que quanto mais precocemente a vítima de


violência sexual for acompanhada por serviços e técnicos especializados, mais
facilmente poderá recuperar do impacto negativo provocado pela vitimação. No
caso da violência sexual, a intervenção e acompanhamento efetuados junto da
vítima logo após o crime pode ser fundamental para salvaguardar os direitos da
vítima no âmbito do processo-crime, garantir a sua segurança e saúde física e
mental, bem como para a apoiar no regresso às atividades do quotidiano, na
recuperação da autoestima e do controlo sobre a sua própria vida.

E foi precisamente com a expectativa de proporcionar à vítima o acesso a


serviços e a técnicos especializados e informados que o Manual Unisexo – para
o atendimento a vítimas adultas de violência sexual foi desenvolvido. Este
Manual pretende, assim, ser uma fonte de conhecimento e de informação
válida para os vários profissionais que trabalham ou possam vir a ter contacto
profissional com vítimas adultas de violência sexual, em particular com
estudantes do ensino superior, proporcionando uma reflexão teórica sobre a
problemática da violência sexual e indicando procedimentos a adoptar para o
apoio e intervenção multidisciplinar junto das vítimas de violência sexual.

O Manual está, por isso, dividido numa parte COMPREENDER e numa parte
PROCEDER, que funcionam como capítulos autónomos.
Página | 9
Na parte COMPRENDER pretende-se definir e caracterizar a violência sexual nas
suas diferentes formas, analisar algumas dinâmicas e contextos relacionais
habitualmente associados às situações de violência sexual, caracterizar a vítima
e o/a agressor/a, indicando, respetivamente, alguns dos fatores de risco
frequentemente apontados pela literatura para a vitimação e perpetração,
abordar o contexto do ensino superior como ambiente de risco para a
ocorrência de violência sexual, referir algumas das consequências físicas,
psicológicas, emocionais, relacionais e sociais da vitimação sexual, terminando
com uma breve reflexão em torno de algumas das crenças genericamente
aceites relativamente à violência sexual e que constrangem a recuperação e a
procura de apoio por parte da vítima, assim como a resposta dos recursos
externos (formais e informais) ao conhecimento e atuação neste tipo de
situações.

Na parte PROCEDER pretende-se apontar os principais passos para o


desenvolvimento de um processo de apoio a vítimas adultas de violência sexual.
Neste capítulo salienta-se o papel do profissional no atendimento a vítimas
adultas de violência sexual e a importância do apoio aos familiares da vítima
Distingue-se ainda a intervenção na crise e a intervenção continuada, bem como
a necessidade de garantir a confidencialidade e segurança ao longo do processo
de apoio e de promover o trabalho em cooperação interinstitucional. É também
efetuada uma descrição dos três tipos de apoio prestados pela APAV às vítimas
adultas de violência sexual — apoio psicológico, jurídico e social — com o
propósito de dotar os profissionais de informações concretas, práticas e úteis
para uma intervenção adequada.

Com este Manual a APAV pretende contribuir para o desenvolvimento de uma


compreensão alargada sobre o fenómeno da violência sexual contra vítimas
adultas, bem como estimular as boas práticas no atendimento profissional que
é realizado neste domínio.

Natália Cardoso
(Gestora do Projecto Unisexo)

Ana Raquel Simão


(Coordenadora Pedagógica do Projecto Unisexo)
Página | 10
Página | 12
COMPREENDER

DEFINIÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL E CARACTERIZAÇÃO DAS SUAS DIFERENTES


FORMAS Página | 13

A violência sexual pode ser definida como qualquer ato sexual ou tentativa de
ato sexual, avanço ou comentário sexual indesejado perpetrado por uma pessoa
contra outra 1.
A violência sexual integra uma ampla gama de comportamentos, contactos e
interações de natureza sexual não consentidos, tais como (19, 23):

• Comportamentos sexualmente abusivos, nos quais se poderão


mencionar diversas formas de contactos sexuais indesejados pela vítima,
como toques, carícias e/ou beijos forçados nos órgãos genitais, seios,
ânus e/ou outra parte do corpo.
• Comportamentos sexualmente abusivos que não implicam o contacto
físico/sexual direto entre vítima e agressor/a. Alguns exemplos poderão
ser:
o Os atos de voyeurismo, no qual uma pessoa invade, “espia” e/ou
regista (através de fotos, vídeos, etc.) a vida íntima ou privada de
outra pessoa, sem o seu consentimento;
o O exibicionismo, em que uma pessoa expõe intencionalmente
outra, sem que esta o consinta ou deseje, à sua nudez e/ou aos
órgãos sexuais;
o A exposição indesejada a material de natureza pornográfica;
o Os comentários sexuais ou outras formas de agressão verbal de
natureza sexual realizados por uma pessoa contra outra,
percecionados como indesejados, desconfortáveis e/ou ofensivos;
• Comportamentos sexualmente coercivos, em que uma pessoa impõe
sobre outra uma conduta sexual indesejada, por intermédio de
estratégias de manipulação, como a argumentação continuada, as falsas
promessas, as ameaças de término na relação (nos casos em que existe
entre vítima e agressor/a uma relação de intimidade) e/ou a ameaça de
agressão física, e/ou do abuso de uma posição de autoridade.
• Violação, que consiste na penetração fisicamente forçada e/ou coagida,
por intermédio da força, da ameaça e intimidação e/ou pelo abuso de
autoridade, da vagina e/ou ânus, usando o pénis, outras partes do corpo
(ex.: dedos) e/ou objetos. Pode, igualmente, envolver o contacto não

1
Nesta definição assume-se a vítima como maior de idade ou adulta. Perante a ocorrência de atos de violência sexual contra menores, a questão
do consentimento não é colocada, na medida em que se considera que os últimos não se encontram, do ponto de vista do seu desenvolvimento,
capazes de tomar decisões em relação à sua sexualidade.
consentido entre a boca e os órgãos genitais e/ou ânus. A tentativa,
ainda que não sucedida ou consumada, de efetuar estes atos contra uma
pessoa também é uma forma de violência sexual.

Página | 14 A Organização Mundial de Saúde alerta ainda para algumas formas de violência
sexual, sobretudo cometidas contra o sexo feminino, tais como (19):

• Casamento forçado;
• Negação do direito de acesso à contraceção ou a outras medidas de
proteção contra as infeções sexualmente transmissíveis;
• Esterilização forçada;
• Aborto forçado;
• Gravidez forçada;
• Mutilação genital feminina;
• Testes de virgindade;
• Prostituição forçada;
• Tráfico para fins de exploração sexual;
• Escravatura sexual.

Alguns autores incluem também no conceito de violência sexual o controlo dos


direitos reprodutivos da mulher (11), o que no Código Penal Português também é
contemplado através do crime de “procriação artificial não consentida”.

A violência sexual inclui ainda os atos sexuais, ou tentativas de atos sexuais,


ou qualquer outro tipo de interações de natureza sexual relativamente aos
quais a vítima não esteja capaz de consentir ou concordar, de forma informada
e/ou consciente (por exemplo, devido a uma condição física e/ou mental
incapacitante ou por um estado de intoxicação provocado pelo consumo de
substâncias).

Neste domínio, alguns autores têm recentemente referido uma forma


diferenciada de violação, denominada de violação por incapacitação ou
intoxicação, que se distingue da anteriormente descrita pelo facto de, neste
caso, a vítima não apresentar condições físicas e/ou mentais para consentir a
prática de qualquer ato ou interação sexual, devido ao seu estado de
intoxicação pelo consumo de substâncias (como o álcool ou drogas)
intencionalmente provocado pelo/a agressor/a ou tendo este aproveitado tal
condição (23).

Os atos sexuais acima descritos, seja pela natureza não consentida e/ou pela
incapacidade de a vítima prestar o seu consentimento em relação ao desejo
de se envolver em qualquer interação de cariz sexual, representam uma
violação do direito de tomar decisões livres em relação à própria conduta
sexual, pelo que são legalmente puníveis no Código Penal Português2.

Página | 15
PODEMOS, PORTANTO, AFIRMAR QUE EXISTE VIOLÊNCIA SEXUAL
QUANDO:

• a vítima não consente livremente a participação no ato sexual;


• a vítima é convencida, por vários meios, a aceitar a participação
no ato sexual que, na verdade, não desejava (pela ameaça, pela
manipulação psicológica e/ou pela pressão verbal);
• a vítima se encontra incapacitada ou incapaz de fornecer o seu
livre consentimento, por exemplo, quando está sob efeito de
álcool ou de outras substâncias, se está a dormir ou
mentalmente incapacitada de compreender a situação, mesmo
que não tenha sido usada, nestas circunstâncias, qualquer força
física ou intimidação.

Se o conceito de consentimento, seja pela sua ausência e/ou pela incapacidade


de ser claramente manifestado, se revela crucial na conceptualização da
violência sexual e das suas diferentes formas de expressão, é igualmente
determinante desconstruir a perceção de que a violência sexual pressupõe o
uso da força física.
Várias são as estratégias que podem ser adotadas pelo/a agressor/a para a
prática de atos sexuais, de entre as quais o uso (ou a ameaça de uso) da força
física é um exemplo. Não obstante, podem ser utilizadas estratégias mais subtis,
que não implicam o uso da força física. Aliás, a pressão ou coerção verbal é
apontada como frequentemente utilizada para a consumação da violência
sexual. Contudo, a menor intrusividade física deste tipo de estratégias pode
constranger ou dificultar o reconhecimento de uma interação sexual não
consentida como uma experiência de vitimação sexual.

2
Para mais informações sobre esta matéria, queira consultar o capítulo ENQUADRAMENTO LEGAL DA VIOLÊNCIA SEXUAL.
As diferentes estratégias poderão ser organizadas nas seguintes categorias
genéricas (23):

• Pressão psicológica
o ameaçar terminar a relação;
Página | 16
o fazer falsas promessas sobre o futuro da relação;
o mostrar desagrado perante o não consentimento inicial;
o criticar a sexualidade ou a aparência da outra pessoa.
• Persistência e pressão verbal
o pressionar continuadamente a outra pessoa com argumentos
verbais.
• Ameaça
o ameaçar o uso da força física;
o ameaçar o uso de armas;
o ameaçar a divulgação pública de factos íntimos da vítima;
o ameaçar a integridade física ou a vida de familiares, amigos ou
outras pessoas significativas na vida da vítima.
• Abuso de autoridade
o aproveitar uma relação laboral hierarquicamente superior com a
vítima.
• Constrangimento e/ou restrição física
o tirar vantagem sobre um estado de intoxicação da vítima;
o provocar intencionalmente a intoxicação da vítima através da
administração não autorizada de determinadas substâncias (ex.:
drogas; drogas da violação, como o Rohyonol, Ketamina e GHB;
álcool);
o imobilizar a vítima (ex.: amarrar; prender).
• Uso da força física
o pontapear, esbofetear, esmurrar;
o usar armas.

Apesar de poderem ser apontados alguns fatores de risco 3 que aumentam a


probabilidade de vitimação sexual, é importante não esquecer que qualquer
pessoa pode ser vítima de violência sexual, independentemente do sexo, da
orientação sexual (heterossexual, homossexual, bissexual ou transsexual), do
tipo de relacionamento que estabelece com o/a potencial agressor/a (ex.:
casamento, namoro, parentesco, amizade, ocasional, trabalho ou mesmo
ausência de relacionamento), ou dos contextos em que se movimenta (ex.:
casa, trabalho, escola/universidade, internet).

3
Para mais informações, queira consultar o capítulo CARACTERIZAÇÃO DA VÍTIMA E FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À
VITIMAÇÃO SEXUAL.
CARACTERIZAÇÃO DA PREVALÊNCIA DA VIOLÊNCIA SEXUAL EM JOVENS
ADULTOS

A sensibilidade da temática e os diversos obstáculos associados à revelação de


uma experiência de vitimação sexual 4 contribuem para que muitas vítimas não
revelem, nem partilhem as suas experiências de vitimação sexual. Estes Página | 17
obstáculos contribuem também para explicar a reduzida proporção de casos de
violência sexual que são denunciados às autoridades competentes.
Algumas investigações têm mencionado que, em média, apenas uma em cada
cinco vítimas do sexo feminino denuncia a sua experiência de vitimação sexual
às autoridades competentes (19). Para as vítimas do sexo masculino prevê-se
que a proporção das que denunciam a sua experiência de vitimação sexual
seja ainda mais reduzida. Nestes casos específicos os obstáculos que dificultam
a relevação encontram-se especialmente agudizados, nomeadamente a culpa, a
vergonha, o receio de desacreditação, de que a sua orientação sexual seja
questionada e as crenças irracionais ou pensamentos irrealistas relativamente
ao efeito da experiência sexual na própria virilidade e masculinidade (19, 26).
Deste modo, facilmente se depreende que a recolha ou a obtenção de dados
relativamente à prevalência da vitimação sexual e da perpetração de violência
sexual se apresenta bastante limitada, dificultando também a apreensão da real
dimensão do fenómeno. Portanto, a leitura e interpretação dos resultados
obtidos em estudos efetuados junto da população não se revelam
particularmente clarificadores, pelo facto de retratarem uma realidade
subestimada em relação à efetiva dimensão da violência sexual na população.

A REALIDADE INTERNACIONAL

Um estudo conduzido pela Organização Mundial de Saúde (O.M.S.) em 2005,


que contou com a colaboração de diversos países, procurou, entre outras
questões em análise, mensurar a prevalência da violência sexual na população
adulta. Para o efeito, foram entrevistadas mais de 24.000 mulheres, com idades
compreendidas entre os 15 e os 49 anos, de áreas rurais e urbanas de 10 países
(19)
.
Os resultados indicam que entre 6% e 59% das entrevistadas relataram ter sido
vítimas de violência sexual praticada por um parceiro íntimo em algum
momento da vida até aos 49 anos de idade e, por sua vez, entre 3% e 12%
asseguraram ter sofrido violência sexual por parte de um não parceiro em

4
Consulte OBSTÁCULOS À DENÚNCIA DE EXPERIÊNCIAS DE VITIMAÇÃO SEXUAL, para mais informações.
algum momento da vida entre os 15 e os 49 anos de idade. Entre 3% e 24% das
mulheres relataram que a sua primeira experiência sexual foi forçada (19).
A variabilidade destes dados indica não só a grande dificuldade em avaliar
fenómenos de maior sensibilidade, como também informa dos papéis
Página | 18 desempenhados pelo contexto sociocultural e pela posição e estatuto da
mulher na sociedade na relevação de experiências de vitimação sexual.

Um estudo de vitimação nos relacionamentos íntimos e de vitimação sexual


efetuado em 2010 nos Estados Unidos da América indicou que 18% das
mulheres inquiridas foram, em algum momento das suas vidas, vítimas de
violação e, numa proporção significativamente inferior, cerca de 1% dos
homens entrevistados relataram ter sido vítimas de violação em algum
momento da sua vida. Na maioria das situações a agressão sexual foi cometida
por alguém conhecido ou mesmo por alguém com quem a vítima mantém ou
manteve uma relação de intimidade. No que respeita a outras formas de
violência sexual que não a violação, os valores de prevalência detetados
apresentaram-se similares entre homens e mulheres, na medida em que
aproximadamente 5% dos homens e 6% das mulheres asseguraram ter
experienciado, nos dozes meses anteriores à data da entrevista, coerção sexual,
contactos sexuais indesejados e experiências sexuais indesejadas (8).

A prevalência da vitimação sexual na população universitária tem sido alvo de


particular interesse junto da comunidade científica. O particular interesse por
esta população poderá ser explicado pelo fácil acesso dos investigadores a esta
amostra populacional (já que muitas destas investigações são promovidas por
docentes/investigadores provenientes de estabelecimentos de ensino superior),
mas também pelo elevado número de fatores de risco evidenciados pelos
estudantes de ensino superior, sobretudo associados ao seu estilo de vida
durante a frequência universitária 5, diferenciando-os claramente dos restantes
grupos populacionais pela elevada probabilidade de envolvimento em
experiências de violência sexual.
Os estudos mais recentes apresentam, como seria expectável, taxas de
prevalência muito variáveis, o que se explica, entre outros aspetos, pelas
diferentes formas de violência sexual que cada estudo procura avaliar, pela
forma como estas são descritas ou definidas, pelas estratégias utilizadas na
recolha de informação (ex.: entrevistas individuais; inquéritos individuais,
inquéritos online, inquéritos telefónicos) e pelo intervalo de tempo

5
Consulte O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ENQUANTO AMBIENTE DE RISCO PARA A OCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL, para
mais informações.
relativamente ao qual o estudo se reporta (ex.: vitimação sexual experienciada
ao longo da vida; vitimação sexual experienciada nos últimos dozes meses).
Um estudo de 2001 com estudantes universitários de ambos sexos concluiu que
53% das mulheres foi alvo de algum tipo de coerção sexual e cerca de 3% referiu
ter sido alvo de violação (Forbes et al., 2001) (23). Página | 19

Já um estudo de 2002, também com estudantes universitários de ambos os


sexos, obteve taxas de prevalência da vitimação sexual de 30% e 39% para,
respetivamente, participantes do sexo masculino e feminino (Harned, 2002) (23).
Num estudo de 2004 efetuado com estudantes universitários do sexo feminino,
40% referiu ter sido alvo de contactos sexuais indesejados no peito e nos órgãos
sexuais. Também 40% destas mulheres mencionou ter sido exposta a atos de
masturbação e a atos de exibicionismo praticados por outrem e 58% confessou
ter sido perseguida ou assediada por um homem, de uma forma indesejada ou
que a perturbou. Já 10% assegurou ter sido forçada à prática de atos sexuais
através de pressões verbais e psicológicas, pelo menos uma vez na vida. Este
estudo concluiu ainda que a maioria dos atos foi cometida por alguém que a
vítima conhecia (ex.: amigos, familiares, namorados) e que as agressões sexuais
mais intrusivas tinham sido consumadas por alguém com quem mantinham uma
relação de intimidade (Kury, Chovay, Obergfell-Fuchs & Eoessner, 2004) (23).
Um estudo de 2006 com mulheres universitárias concluiu que 27% das
participantes foi alvo de alguma forma de contacto sexual indesejado desde a
entrada no ensino superior e mais de 19% assegurou ter sido vítima de
penetração anal, vaginal e/ou oral forçada (Gross, Winslett, Roberts & Grohn, 2006)
(23)
.

Um estudo de 2009 indica que cerca de 19% das estudantes universitárias foram
vítimas de violação ou tentativa de violação, em algum momento do seu
percurso académico (21).

Estes estudos, pese embora de enorme diversidade percentual,


permitem concluir que a violência sexual representa um fenómeno
particularmente prevalente na população universitária, motivo pelo
qual deverá ser merecedor de esforços específicos ao nível da
intervenção e prevenção.
Não obstante, evidencia-se alguma negligência e dificuldade em aceder à
prevalência da vitimação sexual para o sexo masculino, pelo excessivo foco na
vitimação sexual contra o sexo feminino, ainda que este último seja, de facto,
aquele que evidencia maior risco de vitimação sexual.
Página | 20 Ainda assim, alguns estudos que se dedicam à análise da vitimação sexual
contra o sexo masculino poderão ser citados. Em 2002, um estudo com homens
universitários, constatou que 45% dos participantes terá sido alvo de alguma
forma de coerção sexual através da pressão verbal por parte da companheira e
11% ter-se-á envolvido em atos sexuais não desejados, após ter sido intoxicado
com álcool e/ou drogas pela companheira (Russell et al., 2002) (23). Já em 2007, um
estudo com estudantes universitários do sexo masculino, concluiu que 18% dos
inquiridos foi alvo de alguma forma de violência sexual, tendo cerca de 6%
sofrido contactos sexuais não desejados, 6% referiu ter sido alvo de
violação/tentativa de violação e 5% mencionou ter sido vítima de coerção
sexual (Gidycz, Warkentin & Orchowski, 2007) (23).

A aferição de taxas de prevalência da perpetração de violência sexual junto de


jovens do sexo masculino a frequentar o ensino superior, tanto de forma
autónoma, como em complemento da recolha de dados acerca da vitimação
sexual, tem também sido alvo de interesse por parte dos investigadores.
De forma genérica, os resultados obtidos em diversas investigações apontam
para taxas de prevalência da perpetração masculina de violência sexual entre os
15% e os 25%. No entanto, há referência a outros estudos com níveis de
perpetração mais elevados, a oscilar entre os 25% e os 42% (23).
Estes estudos também permitem inferir o menor investimento da comunidade
científica relativamente à obtenção de dados acerca da perpetração feminina
de violência sexual, ainda que o sexo masculino apresente maiores índices de
perpetração destas formas de violência.

A REALIDADE PORTUGUESA

Segundo os dados das Estatísticas Oficiais da Justiça, lançados pela Direção-


Geral da Política de Justiça6, no qual se encontram reunidos os crimes
registados pelas autoridades policiais em Portugal, os crimes sexuais,
denominados por crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual,

6
Para mais informações estatísticas, consulte http://www.siej.dgpj.mj.pt
representam apenas 0.53% (2.134 crimes) de um universo de 404.813 crimes
registados em 2012. Do total de crimes sexuais registados, cerca de 37% (779
crimes) correspondem a situações de abuso sexual de crianças, adolescentes e
menores dependentes, ao passo que o crime de violação totaliza
aproximadamente 18% (375 crimes) dos crimes sexuais registados. Pode ainda
dizer-se que, de uma forma geral, o registo de crimes contra a liberdade e Página | 21
autodeterminação sexual, tem descido, ainda que de forma ligeira, desde 2009
a esta parte.
Numa leitura linear das estatísticas, poder-se-ia concluir que a menor
representatividade destes crimes, sobretudo o da violação, é informativa da
reduzida probabilidade de ocorrência ou da raridade do fenómeno, por
comparação com crimes de outra natureza.

No entanto, os dados registados deverão ser interpretados com cautela,


devendo assumir-se de antemão a possibilidade de o retrato que fornecem
acerca da dimensão da violência sexual em Portugal se apresentar
subestimado, muito por culpa dos obstáculos associados à revelação de uma
experiência de vitimação sexual.
O Relatório Anual de Segurança Interna 2012, divulgado pelo Sistema de
Segurança Interna do Ministério da Administração Interna, especifica ainda que,
de entre os inquéritos por violação investigados, os casos em que a vítima
conhecia ou era próxima (familiar, inclusive) do/o autor/a do crime prevalece
em relação às situações em que o crime foi cometido por alguém
desconhecido, com os últimos a totalizarem 24%, enquanto os primeiros
perfazem um total de 59% (25).

Este relatório indica igualmente que as vítimas de violação em idade adulta são
maioritariamente do sexo feminino e situam-se nas faixas etárias dos 21 e 30
anos (34%), seguindo-se o grupo etário entre os 31 e os 40 anos (16%) e, por
último, o grupo entre os 41 e os 50 anos de idade (15%). Por outro lado, todos
os arguidos constituídos eram do sexo masculino, com especial incidência para
o intervalo etário entre os 21 e os 30 anos de idade (25).
Resultados similares foram também encontrados na análise dos casos de
violação de menores, nos quais as vítimas são maioritariamente do sexo
feminino, metade das quais com idades compreendidas entre os 16 e os 18
anos de idade. Os arguidos são, como no caso anterior, na grande maioria das
ocasiões, do sexo masculino (25).

Por sua vez, os dados estatísticos da APAV em 2012 permitem concluir que os
crimes sexuais correspondem a cerca de 10% de todos os crimes contra as
pessoas registados pela Associação. Destaca-se o crime de violação, com um
total de 79 registos, o que corresponde a uma proporção de
aproximadamente 31% dos crimes sexuais identificados. Já no que respeita aos
crimes sexuais registados no âmbito da violência doméstica, foram identificados
um total de 403 crimes de natureza sexual. Mais uma vez merece destaque a
violação, ao contabilizar um total de 57 delitos, o que corresponde a 14% dos
crimes sexuais registados naquele contexto particular (5).
Página | 22 É possível ainda concluir que a vítima de crimes de natureza sexual é
maioritariamente do sexo feminino (93%) e com idade variável, pese embora
possam ser realçadas as vítimas com idades compreendidas entre os 18 e os
34 anos (cerca de 22% das vítimas). Em cerca de metade das situações (48%),
o/a autor/a dos atos era (ex) cônjuge ou (ex) companheiro/a (6).

ESTES DADOS PERMITEM CONCLUIR, EM CONSONÂNCIA COM O QUE É


REFERIDO PELA LITERATURA SOBRE ESTA TEMÁTICA, QUE:

• A violência sexual na idade adulta parece afetar sobretudo o


sexo feminino e, de entre este grupo, destacam-se
especialmente as mulheres mais jovens (abaixo dos 30 anos de
idade);
• A violência sexual parece ser maioritariamente perpetrada por
indivíduos do sexo masculino, com particular destaque para a
faixa etária dos jovens adultos (abaixo dos 30 anos), íntimos da
vítima;
• O sexo e a idade parecem produzir algum impacto no aumento
do risco de envolvimento em experiências de vitimação sexual e
de perpetração de violência sexual.

Por outro lado, no Inquérito de Vitimação de 1994, o último inquérito de


vitimação criminal de nível nacional efetuado em Portugal, elaborado pelo
extinto Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Justiça (GEPMJ),
verificou-se que, das 7.500 mulheres inquiridas com 16 ou mais anos de idade,
residentes no país, nenhuma relatou um crime de violação, embora nesse ano
os dados policiais tenham registado 498 inquéritos iniciados pelo crime de
violação. As reações culturais de silêncio, o contexto social visto como repressor
e culpabilizante da sexualidade feminina, bem como o facto de a maior parte
dos entrevistadores serem homens, são as causas apontadas para a inexistência
de dados(1).
Também o inquérito de vitimação criminal efetuado pela APAV, no âmbito no
Projecto CIBELE – estudos sobre a prevenção do crime e vitimação urbana, com
o apoio da Comissão Europeia, procurou aferir a dimensão da criminalidade,
ocorrida em 2001, na Área Metropolitana de Lisboa (3). Relativamente às
ofensas sexuais, verificou-se que os inquiridos apenas terão considerado como
violência sexual os atos menores, como os de atentado ao pudor, Página | 23
provavelmente omitindo a violência sexual ocorrida no contexto privado. Neste
estudo é referido que a maioria das ofensas sexuais identificada pelas vítimas
ocorreu em locais públicos, durante o período noturno, tendo sido cometidas
por agressores desconhecidos e do sexo masculino. A maioria das situações não
envolveu o uso da força física e a ocorrência não foi comunicada às autoridades
por desvalorização do ato experienciado.

Este e outros estudos desta natureza partem do pressuposto de que os


números da criminalidade que são obtidos a partir de inquéritos de vitimação
criminal se encontram mais próximos da realidade criminal do que aqueles
que se encontram espelhados nas estatísticas oficiais, sobretudo pelo facto de
conseguirem aceder a um conjunto de atos percebidos como ilícitos que não
foram denunciados às autoridades policiais.

A REALIDADE PORTUGUESA NO ENSINO SUPERIOR

Os estudos dedicados à recolha de dados de prevalência da violência sexual


entre alunos do ensino superior são relativamente recentes em Portugal, o que
poderá ser explicado pelo facto de apenas nos últimos anos se procurar aferir a
dimensão da violência ocorrida em relacionamentos íntimos fora do contexto
da conjugalidade.

Num estudo efetuado no ano letivo 2003/2004 com 318 jovens universitários
portugueses, procurou avaliar-se a prevalência de diferentes formas de
violência nas relações de intimidade (abuso físico, agressão psicológica e
coerção sexual), tendo sido concluído que, ao nível da violência sexual, cerca de
26% dos participantes assegurou ter sido alvo de coerção sexual por parte
do/a parceiro/a íntimo/a e aproximadamente 19% assumiu ter perpetrado
atos de coerção sexual contra o/a parceiro/a íntimo/a (24).
Um outro estudo de âmbito nacional, realizado nos anos letivos de 2004/2005 e
2005/2006, com 4.667 jovens, com idades compreendidas entre os 13 e os 29
anos, de diferentes níveis de ensino (ensino secundário, ensino profissional e
ensino superior), com o objetivo de obter a prevalência da violência nas
relações de intimidade juvenil (abuso físico, psicológico e sexual), acedeu a
taxas de prevalência da vitimação sexual e da perpetração sexual bastante
reduzidas, pois apenas 2% dos participantes que, à data de realização do
estudo, estavam envolvidos numa relação íntima referiu ter sido alvo de
alguma forma de vitimação sexual e aproximadamente 2% assumiu ter
forçado o/a seu/sua parceiro/a íntimo/a à prática de atos sexuais (10).
Página | 24 Um outro estudo português, publicado em 2007, no qual participaram 596
jovens de Portugal Continental, com idades compreendidas entre os 15 e os 24
anos, procurou também proceder à caracterização dos comportamentos
violentos nas relações de namoro. No que à vitimação sexual diz respeito, cerca
de 12% dos participantes admitiu ter sofrido contactos sexuais indesejados,
quase 2% referiu ter sido alvo de uma tentativa de violação e menos de 1%
confessou ter sido vítima de uma violação. Já no auto relato de
comportamentos de perpetração sexual, entre 29 e 33% dos participantes
assumiu ter forçado o/a parceiro/a íntimo/a a contactos sexuais indesejados
(nomeadamente, carícias e beijos) e cerca de 2% confessou ter já forçado o/a
parceiro/a íntimo/a à prática de relações sexuais (Rodrigues, 2007) (23).

Dois outros estudos (23), realizados entre 2007 e 2010, dedicaram-se em


exclusivo à recolha de dados de prevalência da violência sexual em jovens do
ensino superior (nomeadamente, nas suas diferentes formas de expressão, a
saber: toques sexuais indesejados, coerção sexual, tentativa de violação e
violação). Para o efeito, num desses estudos foi recolhida informação, através
do preenchimento de um conjunto de questionários em suporte papel, junto de
uma amostra de 1.000 estudantes do ensino superior, com idades
compreendidas entre os 18 e os 24 anos, provenientes de 24 estabelecimentos
de ensino superior de diferentes regiões de Portugal Continental. Já no segundo
estudo, que contou com a participação de 1.366 estudantes do ensino superior,
residentes em diferentes regiões de Portugal Continental, os participantes
colaboraram na investigação através do preenchimento online dos mesmos
instrumentos de avaliação.
Dos 1.000 participantes que colaboraram no primeiro estudo, cerca de 29%
referiu ter sofrido pelo menos um ato sexual não consentido ao longo da sua
vida. A maioria destas experiências sexuais foi cometida contra o sexo
feminino. Da leitura da prevalência dos diferentes tipos de vitimação sexual,
poderemos dizer que os mais frequentemente experienciados pelos
participantes foram os toques sexuais indesejados, referidos por
aproximadamente 26% dos participantes. Seguem-se, por ordem decrescente
de prevalência, a coerção sexual (experienciada por cerca de 10% dos
participantes), a tentativa de violação e a violação, experienciados por cerca de
5% e 4% dos participantes, respetivamente.

Ainda que numa proporção ligeiramente inferior, cerca de 27% dos


participantes do segundo estudo referiu ter sofrido, em algum momento da
sua vida, pelo menos um ato sexual não consentido. Ao nível da prevalência
dos diferentes tipos de vitimação sexual, os contactos sexuais indesejados
mantiveram-se como os mais frequentemente sofridos pelos participantes
(cerca de 21%), seguindo-se a coerção sexual (aproximadamente 12%), a
tentativa de violação (com valores percentuais próximos dos 11%) e a violação
(com cerca de 9%). Página | 25

Já no que diz respeito às experiências de vitimação sexual dos participantes


após a entrada no ensino superior, cerca de 17% dos participantes do primeiro
estudo assumiu ter sido alvo de algum tipo de comportamento sexual não
consentido nos doze meses anteriores à data de participação no estudo. Como
no caso anterior, a maioria das vítimas que se auto identificou é do sexo
feminino (cerca de 52%). Do total de vítimas, a maioria (87%) referiu ter sido
alvo de toques sexuais indesejados, seguindo-se 29% das vítimas que assegurou
ter sido alvo de coerção sexual, 14% que confessou ter sido alvo de tentativa de
violação e 13 % de violação.
No segundo estudo a prevalência de experiências de vitimação sexual ocorridas
nos doze meses anteriores à participação na investigação apresenta-se acima da
que foi encontrada nos participantes do primeiro estudo. Assim, 24% dos
participantes referiu ter sido alvo de algum ato sexual forçado nos últimos
doze meses. Do total de vítimas assinaladas para este período temporal, a
maioria (64%) confessou ter sido alvo de contatos sexuais indesejados, 32%
relatou ter sido vítima de coerção sexual, aproximadamente 31% terá sido alvo
de uma tentativa de violação e também cerca 31% terá sido vítima de violação.
A maioria das vítimas (55%) de algum tipo de contacto sexual não desejado ao
longo da vida referiu que o “uso de álcool e/ou outras drogas” esteve
envolvido no episódio de vitimação.
Cerca de 47% referiu que foi alvo de pressão psicológica para praticar os atos,
ao passo que aproximadamente 39% referiu ter sido alvo de pressão verbal por
parte do/a agressor/a para a prática dos atos sexuais não desejados. Em menor
dimensão surgem as situações em que a vítima terá sido alvo de ameaças e do
uso da força física e/ou de armas (com valores percentuais próximos dos 10% e
dos 9%, respetivamente).

A maioria das experiências de vitimação sexual relatadas pelos participantes


foi cometida por alguém que a vítima conhecia.
Assim, no primeiro estudo, 29% das vítimas de violência sexual terá sido
sexualmente agredida pelo/a namorado/a, 15% por um/a amigo/a, 11% por
um/a ex-namorado/a, 10% por um/a conhecido/a de uma noite (ou seja, no
âmbito de uma relação ocasional), 3% terá sido agredida por alguém
desconhecido e, por fim, 0.7% terá sido alvo dos comportamentos sexuais
indesejados de um/a familiar.
Já no segundo estudo, 33% das vítimas terá experienciado pelo menos um ato
sexual que não consentiu por alguém com quem mantinha uma relação de
namoro, 25% apontou um/a amigo/a como autor/a dos atos sexuais não
desejados, 14% indicou alguém conhecido de uma noite, 11% referiu o/a
seu/sua ex-namorado/a como autor/a dos atos. Aproximadamente 6% das
Página | 26
vítimas referiu que os atos sexuais forçados dos quais foi alvo foram praticados
por um/a familiar e apenas 4% apontou alguém desconhecido como autor/a do
crime.

Os dados obtidos em ambos os estudos (23) parecem indicar que:

• Os valores de prevalência da vitimação sexual no ensino


superior em Portugal encontram-se numa dimensão
semelhante àquela que tem vindo a ser retirada de diversos
estudos internacionais efetuados junto da população
universitária;
• As experiências de vitimação sexual parecem assumir um
caráter reiterado ou mesmo continuado, na medida em que
muitos dos participantes que assinalaram ter sido alvo de atos
sexuais não consentidos apontaram também a ocorrência de
mais do que uma experiência de vitimação sexual;
• As formas menores de violência sexual (ex.: contactos sexuais
não desejados) são mais frequentes do que as que revelam
maior intrusividade física e sexual;
• A recolha de informação sobre experiências de vitimação sexual
com maior grau de intrusividade (violação e tentativa de
violação) através de métodos menos evasivos (como a
participação em estudos através do preenchimento eletrónico
de questionários) parece facilitar a revelação e reduzir o
embaraço das vítimas em assumir uma experiência de
vitimação sexual; este aspeto poderá ser explicado pela
ausência de contacto direto entre investigador/a e inquirido/a
ou entrevistado/a e, sobretudo, pelo anonimato que a
participação online garante;
• O mesmo parece acontecer em relação à revelação da relação
existente entre vítima e agressor/a na medida em que houve,
no segundo estudo, um maior número de vítimas que se sentiu
à-vontade para se posicionar em relação à relação que tinha
com o/a autor/a dos atos e para assumir a sua relação mais
próxima e de parentesco com o/a autor/a do delito;
• As estratégias que não envolvem o uso da força física, de armas
e/ou da ameaça são frequentemente utilizadas pelo/a
agressor/a para a prática dos atos sexuais. Página | 27

Ambos os estudos(23) procuraram igualmente avaliar a prevalência da


perpetração de violência sexual através do autorrelato dos participantes.
De entre os participantes que colaboraram no primeiro estudo,
aproximadamente 11% assumiu que cometeu pelo menos um ato sexual não
consentido, em algum momento da sua vida. A maioria dos participantes que
assumiu a perpetração de atos sexuais sem o consentimento do/a parceiro/a
era do sexo masculino. Especificamente, cerca de 8% referiu ter perpetrado
contactos sexuais indesejados contra outra pessoa, 4% terá praticado coerção
sexual e, em menor dimensão, surgem os participantes que referem ter
cometido violação e tentativa de violação (ambos com valores percentuais
próximos dos 2%). Cerca de 8% dos participantes referiu a prática de atos
sexuais não consentidos nos doze meses anteriores à data de participação no
estudo.

Já no que respeita aos participantes que colaboraram no segundo estudo, 6%


assumiu ter cometido pelo menos um ato sexual não consentido contra outra
pessoa, em algum da sua vida. Quando se analisa os valores de perpetração em
função do tipo de ato sexual conclui-se que 4% dos participantes referiu ter
praticado algum tipo de contacto sexual indesejado, seguindo-se aqueles que
referiram ter praticado coerção sexual, tentativa de violação e violação (todos
com taxas de perpetração na ordem dos 2%). Cerca de 5% dos jovens
participantes indicou a prática de atos sexuais não consentidos nos doze
meses anteriores à data de participação no estudo.

CONTEXTOS E DINÂMICAS ASSOCIADAS À VIOLÊNCIA SEXUAL

Mais do que uma estratégia de obtenção de prazer sexual ou de satisfação das


necessidades sexuais, a violência sexual representa uma forma de agressão
com vista à (re) aquisição de poder, controlo e dominação sobre outra pessoa
(26)
.
Muito embora não se pretenda descurar o papel da satisfação de necessidades
sexuais na prática de atos sexualmente forçados, a motivação que sustenta o
cometimento de violência sexual é frequentemente de natureza não sexual, ou
seja, os atos sexuais forçados são utilizados enquanto ferramenta ou meio para
obter ou readquirir controlo, dominação ou poder sobre outra pessoa, através
Página | 28
da sua humilhação, atemorização e sujeição ao domínio de alguém.

Ainda que este pressuposto possa estar especialmente associado às situações


de violência sexual em que existe um relacionamento prévio (mais ou menos
próximo) entre vítima e agressor/a, também poderá aplicar-se às situações em
que estes não se conhecem.
Assim, para além da satisfação do desejo sexual, outros propósitos poderão
motivar a perpetração de violência sexual, nomeadamente (18, 26):

• O controlo, a dominação e a manifestação de superioridade face à vítima;


• A libertação de emoções negativas, como a raiva ou a frustração,
associadas ou não à figura da vítima;
• A obtenção de prazer sexual através da tortura e sofrimento que é
infligido à vítima (ao invés da obtenção de prazer sexual através do sexo);
• A compensação pela não realização ou insatisfação em outras áreas ou
níveis de funcionamento;
• O reforço da sua performance sexual;
• A desconstrução ou minimização de inseguranças e ansiedades em torno
da sexualidade (sobretudo ao nível da masculinidade);
• A afirmação da própria identidade (identidade sexual incluída).

A VIOLÊNCIA SEXUAL NAS RELAÇÕES DE INTIMIDADE

A argumentação acima descrita facilmente pode ser aplicada às situações em


que a violência sexual é cometida no seio de uma relação íntima, como é o caso
da violência sexual nos relacionamentos de namoro ou de conjugalidade.

A violência sexual cometida nestes contextos relacionais poderá também


dever-se à aceitação de um conjunto de direitos e deveres na relação
diferenciados em função do género, isto é, de diferenças naquilo que é
esperado ao nível do comportamento (sobretudo sexual) de um homem e de
uma mulher numa relação de namoro. Estas expectativas em relação aos papéis
de género resultam de uma socialização segundo os valores patriarcais que
reforçam a submissão feminina, a dominação masculina e as desigualdades de
género na relação íntima (23).
Estes valores, que são interiorizados desde a infância, contribuem para que os
atos sexualmente forçados que ocorrem no domínio íntimo não sejam
reconhecidos pela vítima como uma forma de violência. Naturalmente que Página | 29
esta dificuldade em identificar e enquadrar os comportamentos sexuais não
consentidos no campo da violência também limita as hipóteses de ocorrer um
pedido de ajuda ou a denúncia da situação, aumentando, por sua vez, a
probabilidade de a violência sexual assumir uma natureza continuada.

Estes constrangimentos encontram-se especialmente agravados pelas


circunstâncias e dinâmicas específicas da violência sexual nas relações íntimas
(23)
:

• Normalmente não é utilizada força física, nem qualquer arma para a


concretização dos atos, pelo que a probabilidade de existirem lesões
físicas que, de algum modo, possam comprovar a ocorrência do ato é
reduzida;
• A resistência da vítima a uma investida sexual por parte de alguém com
quem mantém uma relação de compromisso é naturalmente menor do
que aquela que seria esperada caso o/a agressor/a fosse alguém
desconhecido/a. A ausência de resistência clara é socialmente
interpretada como uma falha da vítima, pelo que lhe é atribuída culpa e
responsabilidade pelo que aconteceu e, por sua vez, a conduta do/a
agressor/a é minimizada e o seu impacto negativo atenuado;
• Na eventualidade de existir alguma resistência inicial por parte da vítima
(seja física e/ou verbal), as estratégias de pressão e manipulação do/a
agressor/a acabam por convencer a vítima a consentir a participação nos
atos sexuais não desejados;
• A violência sexual ocorre habitualmente no domínio privado (ou seja,
em casa da vítima, em casa do/a agressor/a, na casa em que ambos
vivem ou em outro local privado) pelo que, à partida, a probabilidade de
os atos praticados serem testemunhados por alguém, para além dos
principais intervenientes (vítima e agressor/a), é reduzida.

Para além dos obstáculos associados às dinâmicas que caracterizam a violência


sexual nas relações íntimas, a negação social do contexto íntimo como um
contexto em que a violência sexual é possível prejudica o reconhecimento
social da experiência de vitimação e provoca, muitas vezes, a estigmatização
da vítima (quando a violência sexual é revelada), pela responsabilização que lhe
é atribuída e pela desacreditação do seu discurso e da sua experiência.
A VIOLÊNCIA SEXUAL NAS RELAÇÕES OCASIONAIS

A violência sexual nas relações ocasionais envolve a prática de atos sexuais


Página | 30 forçados ou não consentidos por parte de alguém que a vítima conhece ou
conheceu recentemente, sendo os níveis de intimidade, de compromisso e de
conhecimento mútuo claramente reduzidos ou até inexistentes.

Este contexto relacional é mais comum nos locais em que as interações sociais
com pessoas que não integram a rede social próxima são frequentes (ex.:
bares, discotecas, festas) e pode ser precedida por um período de cortejamento
por parte do/a agressor/a (18).
Para a compreensão do risco aumentado de violência sexual neste tipo de
relacionamentos, é crucial perceber algumas dinâmicas que estão associadas a
estes relacionamentos e as expectativas sociais em relação ao comportamento
e papel sexual de ambos os géneros neste tipo de situações.
Assim, perante um convite, investida ou proposta sexual, é esperado que (23):

• As mulheres mostrem resistência;


• Os homens persistam nas suas investidas até que consigam concretizar o
ato.

Este duplo padrão não só penaliza as mulheres que manifestem interesse em


relação à participação num ato sexual, como desrespeita a recusa da mulher e
atenua ou legitima os atos do agressor.

Por sua vez, o reduzido conhecimento entre os dois elementos coloca alguns
entraves na qualidade da comunicação e na capacidade de compreensão
mútua (23):

• Há uma elevada preocupação em causar boa impressão junto da outra


pessoa;
• A capacidade de negar de forma assertiva o envolvimento sexual é
menor;
• O risco de os indicadores comportamentais serem mal interpretados
(sobretudo enquanto convites ou pistas indicativas de disponibilidade
sexual) é elevado.
Há também algumas variáveis situacionais que habitualmente estão presentes
nos casos de violência sexual nas relações ocasionais:

• O uso da força física é mais frequente;


• É habitual estas relações ocorrerem em contextos festivos;
Página | 31
• Os contextos festivos, aliados ao consumo aumentado de álcool, podem
exacerbar o envolvimento em relações ocasionais e, por sua vez, o risco
de violência sexual nesse tipo de interação sem compromisso;
• É mais frequente a violência ocorrer após o consumo de álcool (tanto por
parte do/a agressor/a como por parte da vítima);
• Estas relações parecem ser especialmente frequentes durante o ensino
superior, apresentando a população universitária um risco
particularmente aumentado de vitimação sexual em relações ocasionais.

No que às variáveis situacionais diz respeito, é importante destacar o papel do


álcool.
O álcool é socialmente interpretado de modo distinto em função do género do
consumidor e da sua intervenção na situação violenta.

Assim:

• Os homens são socialmente percebidos como sexualmente mais


agressivos quando consomem álcool. Já as mulheres são socialmente
percebidas como sexualmente mais disponíveis quando consomem
álcool;
• O consumo prévio do/a agressor/a acaba por desculpabilizar ou
minimizar os atos praticados, na medida em que é socialmente
legitimado por discursos como “não estava em si quando praticou os
atos”. No entanto, o consumo de álcool por parte da da vítima é
socialmente punido e utilizado como argumento para a sua
responsabilização e culpabilização, com discursos como “estava a pedi-
las”.

Os efeitos cognitivos do consumo de álcool podem precipitar a ocorrência de


violência (18, 23):

• O consumo prévio do/a agressor/a pode levar a que os indicadores


comportamentais da potencial vítima, muito embora neutros na sua
natureza, sejam interpretados como encorajadores da atividade sexual,
sendo ignoradas as pistas comportamentais que indiquem desinteresse
pelo envolvimento sexual;
• O consumo prévio da vítima pode afetar a sua capacidade de emitir
pistas assertivas e claras relativamente ao seu desinteresse em envolver-
se sexualmente.

Página | 32

A VIOLÊNCIA SEXUAL COMETIDA POR DESCONHECIDOS

A violência sexual (sobretudo a violação) cometida contra uma mulher por


alguém do sexo masculino e estranho à vítima, através do uso da força física
e/ou de armas, em período noturno, num local público e pouco movimentado,
corresponde a uma visão estereotipada e disseminada junto da população em
relação ao que consiste uma violação.
Esta descrição encontra-se, no entanto, distante da realidade que caracteriza o
fenómeno da violação e é desmentida pelos detalhes da experiência de
vitimação sexual fornecidos pelas vítimas em diversos estudos dedicados a esta
temática:

• A maioria dos casos de violência sexual ocorre entre pessoas conhecidas,


sobretudo pessoas próximas;
• O contexto físico no qual ocorrem estas experiências de vitimação difere
do estereótipo difundido no senso comum: a maioria das situações de
violência sexual ocorre em locais privados, apenas frequentados pela
vítima e/ou pelo/a agressor/a;
• Da visão estereotipada acima descrita, apenas o risco diferencial de
vitimação e de perpetração em função do sexo se encontra próximo da
realidade: de facto, a maioria das situações de violência sexual (violação
sobretudo) são cometidas contra o sexo feminino, ao passo que, por
outro lado, a maioria dos agressores são do sexo masculino. Tal não
significa que as mulheres não possam ser agressoras sexuais, nem tão
pouco que os homens não possam ser vítimas de violência sexual.

Pese embora a ausência de relação entre vítima e agressor/a, o/a autor/a do


ilícito pode agir, como já foi referido, motivado pelo desejo sexual, mas também
por propósitos de natureza não sexual.
Nos casos em que o/a agressor/a é alguém desconhecido (18):

• Os contextos físicos podem ser variados, tais como locais públicos pouco
movimentados ou sem vigilância, espaços mais privados, como a casa da
vítima ou o veículo do/a agressor/a, etc.;
Página | 33
• O/a agressor/a pode (ou não) estabelecer contacto anterior com a vítima
com vista à preparação do ataque;
• O/a agressor/a recorre sobretudo a estratégias como o uso da força
física, de armas, de ameaças para a prática dos atos;
• A vítima pode ou não evidenciar comportamentos de resistência física
e/ou verbal;
• A probabilidade de denúncia é maior.

OBSTÁCULOS À DENÚNCIA DE EXPERIÊNCIAS DE VITIMAÇÃO SEXUAL

Como já foi referido, os crimes de natureza sexual apresentam taxas de


denúncia às autoridades policiais muito reduzidas. Ainda assim, os casos de
vitimação sexual que correspondem ao estereótipo generalizado da violação (ou
seja, a violação que ocorre contra uma vítima do sexo feminino cometida por
alguém do sexo masculino e desconhecido) são mais facilmente denunciados
(23)
.

A probabilidade de denúncia é também maior quando houve:

• Uso de armas para o cometimento do ato sexual forçado;


• Uso de violência física para a prática dos atos;
• Lesões físicas na vítima.

Os constrangimentos associados à denúncia de experiências de vitimação


sexual são, todavia, particularmente aumentados quando (7):

• A violência sexual é perpetrada por alguém que a vítima conhece ou


com quem mantém ou manteve uma relação de maior intimidade
(tanto as que envolvem compromisso como as ocasionais);
• A violência sexual é cometida por alguém do mesmo sexo;
• A vítima é do sexo masculino;
• A violência sexual ocorreu durante a prática de prostituição;
• A vitimação ocorreu em contexto prisional;
• A vítima atribui a si mesma alguma responsabilidade pelo que
aconteceu (ex.: acha que deveria ter resistido de forma mais clara; estava
alcoolizada).

Os desafios ou obstáculos associados à denúncia poderão ser explicados pela


Página | 34
interpretação efetuada pela vítima em relação à experiência e pelas reações
sociais subsequentes, nomeadamente:

• A vítima pode ter dificuldade em definir a sua experiência como uma


forma de vitimação (18, 23):
o a violência sexual é mais difícil de identificar quando não implica o
uso de estratégias como a força física, a ameaça ou o recurso a
armas;
o a violência sexual é mais difícil de ser reconhecida (pela vítima,
mas também socialmente) quando a vítima não apresenta lesões
físicas que façam prova da agressão e/ou quando não ofereceu
resistência;
o a vitimação sexual é mais difícil de identificar quando ocorre no
âmbito de uma relação íntima;
o é mais difícil reconhecer uma experiência de vitimação sexual
quando existe historial de atividade sexual consentida com o/a
agressor/a;
o existem processos cognitivos de dissociação e negação da
experiência sexual não consentida que naturalmente dificultam o
seu reconhecimento.

• Há sentimentos e pensamentos posteriores à experiência de vitimação


sexual que podem dificultar a denúncia (23):
o auto culpabilização;
o autorresponsabilização (ainda que parcial) pelo que aconteceu;
o vergonha;
o humilhação e impotência;
o medo de eventuais retaliações do/a agressor/a e/ou de o/a
prejudicar (particularmente quando se trata de alguém próximo).

• O receio em relação às reações sociais associadas à revelação da


experiência pode também revelar-se um obstáculo (23):
o receio de ser considerada culpada pelo que aconteceu;
o medo de que a sua experiência seja desacreditada;
o receio de estigmatização ou isolamento social.
• Pode também existir alguma descrença em relação à capacidade de
atuação do sistema de justiça criminal e dos órgãos policiais:
o pode entender que nada poderá ser feito;
o pode conceber a sua experiência como menor, sendo
desnecessário o envolvimento da polícia;
o pode avaliar o sistema de justiça como ineficaz na resposta às suas Página | 35
necessidades.

No caso das vítimas do sexo masculino, existe ainda um conjunto de


obstáculos associados às expectativas e papéis de género, tais como (26):

• medo de que a sua sexualidade e/ou virilidade seja questionada;


• medo de que as outras pessoas pensem que são homossexuais;
• medo de serem ridicularizadas pelo facto de não terem sido capazes de
impedir a violência.

CARACTERIZAÇÃO DA VÍTIMA E FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À


VITIMAÇÃO SEXUAL

Durante décadas de investigação em torno das explicações da criminalidade,


procurou-se depreender as causas internas, orgânicas, psicológicas e sociais que
explicassem o comportamento do/a autor/a de um ato ilícito. Só a meio do
século passado surge algum interesse pela figura da vítima.

Numa fase inicial da Vitimologia, foi defendido que o crime deveria ser
compreendido pela dinâmica estabelecida entre a vítima e o/a autor/a do
crime. A vítima, e mais especificamente o seu comportamento, foi entendido
como uma importante fonte de estímulos para explicar o comportamento do/a
agressor/a.
Alguns conceitos culpabilizadores da conduta da vítima surgiram no discurso
vitimológico da altura, entre os quais se destaca o conceito de vítima nata que,
resumidamente, postulava que certas pessoas, em virtude de uma
predisposição para desempenhar o papel de vítima, atraiam criminosos. Surgiu
também a noção controversa de crime precipitado pela vítima que,
genericamente, defende que a vítima, pela sua atitude ou comportamento,
pode desencadear a motivação criminal do/a agressor/a (22).

Particularmente polémica revelou-se a adaptação desta noção de precipitação


do crime pela vítima à violação, defendendo que a violação seria precipitada
pela vítima, seja porque inconscientemente desejou o ato e/ou porque se
comportou de uma forma que terá provocado a atuação do/a agressor/a (ex.:
pelo uso de roupas provocantes ou reveladoras, pelo consumo de álcool, pela
má reputação, pelo acordo prévio para o estabelecimento de uma interação
sexual seguido de negação) (22).

Como é possível depreender, esta posição não só culpabilizava e


Página | 36 responsabilizava a vítima pelos atos sexualmente forçados sobre si cometidos,
como desresponsabilizava o/a autor/a do ato em relação à própria conduta,
concebendo-o/a como uma figura sem qualquer controlo sobre os próprios
comportamentos, cujos atos seriam hétero determinados (em vez de auto
determinados) pela conduta ou predisposição da vítima.

Esta posição acabou por ser contestada por diversos movimentos,


nomeadamente a abordagem feminista, pelo modo como minimizava e
desresponsabilizava os atos do/a agressor/a, pela culpa que atribuía à vítima
pelos atos dos quais foi alvo e pela defesa de preconceitos sociais associados
aos papéis de género (ex.: a sexualidade masculina não é controlável; a mulher
deve ser recatada, discreta e respeitável) (22).

A noção de precipitação foi, em abordagens mais recentes da Vitimologia,


substituída pela ideia de vulnerabilidade, entendendo que há indivíduos mais
vulneráveis à vitimação, por razões estruturais (como, por exemplo, a posição
social, o nível socioeconómico, a idade, o sexo) e comportamentais (ex.: maior
exposição a contextos ou situações de risco que aumentam a vulnerabilidade
à vitimação). O conceito de maior vulnerabilidade à vitimação é, desta forma,
distanciado da noção de culpabilização da vítima.
Esta nova postura vitimológica salienta, por isso mesmo, a importância de se
aceder aos fatores que aumentam a vulnerabilidade de determinados
indivíduos à vitimação. Para este efeito, a crescente utilização dos inquéritos de
vitimação criminal, surgidos como instrumentos alternativos de mensuração da
criminalidade, revelou-se crucial:

• Permitindo desvendar um volume de crimes que não eram denunciados


às autoridades (sobretudo os crimes ocorridos em contexto familiar e os
crimes sexuais);
• Possibilitando a definição de perfis de vitimação, isto é, de um conjunto
de variáveis comummente encontradas nas vítimas, nos/as autores/as de
um determinado crime e nas circunstâncias temporais e espaciais do
delito.
As variáveis que parecem aumentar a probabilidade de uma
determinada pessoa experienciar uma situação de vitimação podem
ser provenientes de diferentes níveis de funcionamento ou dos
contextos em se movimenta (nomeadamente, individual, relacional, Página | 37
comunitário, social e mesmo físico e temporal).

Assim, poderá afirmar-se que a violência, enquanto fenómeno complexo e


multideterminado, e, por consequência, a vitimação por qualquer forma de
violência resultam da combinação de um conjunto de fatores presentes nos
diferentes níveis de funcionamento da vida de um determinado indivíduo (13).
Estes fatores podem ser denominados por fatores de risco e representam
condições ou características que contribuem para o aumento da probabilidade
de um determinado indivíduo experienciar uma situação violenta.
Desta forma, a maior vulnerabilidade à vitimação poderá ser explicada por (13):

• FATORES DE RISCO INDIVIDUAIS: dizem respeito às características


sociodemográficas, biológicas, cognitivas, psicológicas, emocionais de um
determinado indivíduo e à sua história de vida, bem como à forma como
estas determinam ou têm impacto nos seus comportamentos.

Exemplo: as experiências prévias de vitimação na infância e na adolescência


podem aumentar a probabilidade de experiências de vitimação na vida adulta.

• FATORES DE RISCO RELACIONAIS: compreendem o impacto das relações


sociais mais próximas, isto é, da qualidade do relacionamento com
pessoas significativas (ex.: pares, parceiros íntimos, familiares, amigos),
no aumento da probabilidade de experienciar uma situação violenta.

Exemplo: o envolvimento em relações íntimas conflituosas, em que existe


desequilíbrio de poder entre os elementos do casal pode aumentar o risco de
ocorrência de violência interpessoal.

• FATORES DE RISCO COMUNITÁRIOS: referem-se às características dos


contextos comunitários em que as relações sociais são estabelecidas,
como o local de trabalho, o local de formação escolar ou profissional
e/ou a vizinhança, por exemplo.

Exemplo: a ausência de coesão social numa determinada comunidade,


caracterizada pela desorganização, pela ausência ou dificuldade de acesso a
estruturas comunitárias de apoio e pela ausência de articulação
interinstitucional, pode aumentar o risco de ocorrência de violência.

• FATORES SOCIAIS: dizem respeito a um conjunto de fatores sociais mais


abrangentes que, de algum modo, contribuem para o aumento da
Página | 38 violência, nomeadamente, a desigualdade económica, social e de género,
as normais formais e informais que legitimam a violência (ou a
minimizam), as medidas educativas, económicas, sociais e políticas.

Exemplo: a aceitação de papéis tradicionais de género pode aumentar o risco


de violência contra a mulher.

É fundamental interpretar estes fatores de risco enquanto condições


que contribuem para o aumento do risco de vitimação criminal e não
enquanto causas ou razões pelas quais um determinado indivíduo é,
ou foi, em algum momento da sua vida, alvo de um ato violento ou
criminal.

Do mesmo modo, é importante não esquecer que a maior


probabilidade de uma determinada pessoa ser vítima de violência
não pode ser atribuída ou explicada pela presença de um único fator
ou condição de risco.

Aliás, as investigações neste domínio indicam que o aumento do risco de


vitimação se explica por uma constelação de fatores de risco e que estes podem
ter um efeito aditivo, ou seja, quanto maior o número de fatores de risco
presentes, maior poderá ser a probabilidade de ocorrência da violência.

Por outro lado, há alguns fatores de risco cuja relevância na ponderação do


risco de vitimação varia ao longo da vida, sendo, por exemplo, mais
determinantes num determinado período da vida e menos em outros.

Exemplo: a frequência de ensino superior assume-se como uma variável de


risco de vitimação sexual especialmente revelante na altura em que um
indivíduo se encontra efetivamente a frequentar o ensino superior (pelas
características intrínsecas ao estilo de vida adotado durante a vida académica
e que aumentam, nesse período, pela exposição diferencial a contextos de
risco, a vulnerabilidade à vitimação sexual) 7. No entanto, o papel da frequência
de ensino superior na determinação do risco de violência sexual em outras
fases da vida adulta será, à partida, menos relevante.

Os pressupostos acima descritos aplicam-se naturalmente aos fatores de risco


que aumentam a probabilidade de um indivíduo ser alvo de uma experiência Página | 39
de vitimação sexual.

Dito de outro modo:

A maior vulnerabilidade à vitimação sexual não poderá ser explicada


pela presença de um único fator de risco, mas antes pelo modo como
os vários fatores de risco presentes interagem entre si e contribuem,
como um todo, para o aumento da probabilidade de vitimação
sexual num determinado momento da vida.

No que respeita à caracterização da vítima de violência sexual,


poderá dizer-se que não existe um perfil pré-estabelecido ou pré
determinado, não sendo possível identificar um conjunto de
características que estejam presentes de forma universal e
indiferenciada em todas as vítimas de violência sexual. No entanto,
existem características que, com frequência, surgem em algumas
vítimas de violência sexual.

Em seguida serão descritos alguns dos fatores de risco que frequentemente são
apontados pela literatura e/ou pelo resultado da recolha de dados estatísticos
(em estudos de prevalência e em estatísticas oficiais da criminalidade).

7
Este tópico será abordado com maior detalhe em O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ENQUANTO AMBIENTE DE RISCO PARA A
OCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL.
FATORES DE RISCO INDIVIDUAIS (4, 9, 10, 19, 23)

Características sociodemográficas

Página | 40 O sexo feminino apresenta risco especialmente aumentado de vitimação


sexual. A maior vulnerabilidade do sexo feminino à vitimação sexual poderá ser
corroborada pelos resultados obtidos em diversos estudos de prevalência e
também pelas estatísticas de criminalidade reunidas pelas autoridades de
justiça.
De entre o sexo feminino, as jovens adultas (especialmente entre os 16 e os 24
anos) apresentam-se como um grupo de especial vulnerabilidade.
No entanto, o sexo masculino também pode ser vítima de violência sexual
sendo-o, todavia, em menor proporção do que o sexo feminino. De entre o sexo
masculino, merecem especial destaque:

• os homens homossexuais e bissexuais, cuja probabilidade de vitimação


sexual é maior do que aquela que se verifica para os homens
heterossexuais;
• o contexto institucional, prisional sobretudo, no qual o sexo masculino
surge como grupo de especial vulnerabilidade à vitimação sexual.

O nível educacional (e a frequência de ensino superior 8) e o nível


socioeconómico também são apontados como fatores de risco para a vitimação
sexual:

• O nível educacional pode aumentar o risco de vitimação sexual na


medida em que quanto maior a formação educativa, maiores serão as
capacidades de resistir ou discordar de normas patriarcais que legitimam
a violência sexual contra a mulher;
• Indivíduos de níveis socioeconómicos mais elevados encontram-se mais
protegidos face à possibilidade de vitimação sexual, pelo facto de terem
maior facilidade de acesso a ferramentas ou estratégias que diminuem o
risco de vivência de uma situação violenta (ex.: maior capacidade para
pedir ajuda, acesso mais fácil a estruturas ou profissionais de apoio,
maior conhecimento e consciência acerca dos seus direitos enquanto
cidadãos). Por outro lado, indivíduos de níveis socioeconómicos mais
baixos, pelas limitações no acesso a estes procedimentos de proteção e

8
Pese embora a frequência de ensino superior se apresente como uma característica individual, a variável ensino superior será
seguidamente abordada com maior detalhe, sendo conceptualizada enquanto contexto físico e social no qual os indivíduos que
o frequentam apresentam um risco de vitimação sexual particularmente aumentado, por comparação com a população em
geral.
pela habitual residência em zonas de maior precariedade, apresentam
maior risco de vitimação sexual.

Experiências prévias de vitimação


A história de vitimação sexual (na infância, na adolescência e/ou na idade Página | 41
adulta) pode revelar-se um importante fator para o aumento da probabilidade
de ocorrência de revitimação sexual.
O risco de revitimação sexual parece encontrar-se especialmente aumentado
quando um episódio ou episódios de vitimação sexual ocorreram durante a
infância, podendo essa experiência de vitimação ter originado processos de
sexualização traumática, com implicações negativas na sexualidade ao longo do
ciclo de vida. A sexualização traumática diz respeito ao facto de o
desenvolvimento sexual ter sido iniciado de forma precoce e abrupta, levando
ao estabelecimento de esquemas cognitivos distorcidos relativamente ao sexo:

• associação ou confusão entre sexo e violência;


• conceptualização dos atos sexuais não desejados como forma de
expressão de afeto;
• associação da sexualidade à obtenção de atenção, afeto e aceitação por
parte de terceiros;
• dificuldade em identificar o envolvimento em atos sexuais não
consentidos enquanto forma de violência e, em associação, menor
probabilidade de oferecer resistência.

As experiências prévias e potencialmente traumáticas ao nível da sexualidade


podem ainda moldar negativamente a autoimagem e a autoestima da vítima.

Outras experiências de vitimação na infância e/ou adolescência (sobretudo as


que ocorrem em contexto familiar) também parecem refletir-se no aumento do
risco de vitimação sexual:

• vitimação direta (violência física, emocional e psicológica);


• vitimação indireta (exposição à violência interparental).

Aceitação da violência
A aceitação e adoção de atitudes que promovem a minimização ou a
legitimação da violência sexual, sobretudo centradas nos papéis e estereótipos
de género, contribuem para o aumento de risco de vitimação sexual e para a
vitimação sexual continuada, na medida em que, ao negarem a existência de
violência sexual e/ou ao minimizarem o seu impacto, também funcionam
enquanto impedimento para a procura de apoio ou para a denúncia das
experiências de vitimação.
Alguns exemplos de crenças legitimadoras da violência sexual e que se
encontram especialmente interiorizadas em indivíduos socializados segundo os
Página | 42 papéis convencionais de género são 9:

• As mulheres quando dizem que não, querem é dizer que sim.


• A violação ocorre porque a vitima provocou o/a agressor/a (ex.: através
da roupa, do seu comportamento sedutor).
• As mulheres desejam secretamente ser violadas.
• Os homens não conseguem controlar a excitação sexual.
• Nos relacionamentos não existe violação porque o sexo faz parte.

Características psicológicas e funcionamento mental


A presença de dificuldades emocionais, como a Depressão, as Perturbações de
ansiedade (Ansiedade Social 10 e Perturbação de Stress Pós-traumático 11) e baixa
autoestima, apresenta-se como fator de risco para a vitimação sexual
(sobretudo por comportamentos sexualmente coercivos).

Também os défices ao nível das competências relacionais e sociais, tais como


reduzida assertividade e menor capacidade de resistir à pressão de terceiros,
aumentam o risco de vitimação sexual e, particularmente, o risco de vitimação
por comportamentos sexualmente coercivos nos quais são utilizadas estratégias
de pressão ou manipulação verbal pelo/a potencial agressor/a.

As dificuldades emocionais e os défices nas competências relacionais parecem


aumentar a vulnerabilidade à vitimação sexual pelo facto de a maior fragilidade
da vítima contribuir para uma redução na probabilidade de resistir às investidas
de um/a agressor/a, dado que é facilmente manipulável, ludibriada e
persuadida ao envolvimento sexual indesejado, sem que haja uso da força física,
da restrição e/ou do constrangimento físico da vítima.

9
Estas e outras crenças serão analisadas e desconstruídas no capítulo REFLEXÃO ACERCA DAS CRENÇAS SOBRE A VIOLÊNCIA
SEXUAL.
10
A Ansiedade Social caracteriza-se pelo medo acentuado e persistente de situações sociais ou de desempenho nas quais o
indivíduo poderia sentir embaraço. A exposição à situação social ou de desempenho provoca, quase que invariavelmente, uma
resposta imediata de ansiedade (2).
11
A Perturbação de Stress Pós-Traumático refere-se ao desenvolvimento de sintomas característicos após a exposição a um
stressor traumático extremo, que envolveu a experiência pessoal, o testemunho e/ou o conhecimento de situações em que
ocorreu um evento real ou ameaçador que implicou morte, ferimento grave ou outra ameaça à própria integridade física (ou à de
terceiros). Esse acontecimento provocou medo intenso, impotência ou horror (2).
A existência de perturbações ao nível da função sexual e a ansiedade e
desconforto emocional associados à sexualidade podem aumentar o risco de
vitimação sexual (sobretudo pelo impacto que têm na interação sexual com o/a
parceiro/a íntimo):

• ansiedade e/ou insegurança face à sexualidade; Página | 43


• vergonha ou angústia perante situações de interação sexual;
• desejo sexual reduzido, aversão sexual, dispareunia (dor genital durante
a interação sexual), vaginismo (contração involuntária dos músculos da
vagina), entre outras disfunções sexuais.

Algumas das razões mais frequentes para a presença de perturbações ou


sintomas de desconforto no campo sexual podem estar relacionadas com
experiências sexuais traumáticas no passado (entre as quais, experiências de
abuso sexual na infância, mas também interações sexuais pouco satisfatórias ou
mal sucedidas).

Consumo de álcool e/ou drogas


O consumo de álcool antes do ato sexual não desejado aumenta o risco de que
este seja efetivamente concretizado, na medida em que a capacidade de
detetar situações de perigo se encontra diminuída e a capacidade para resistir
e/ou expressar de forma assertiva o não consentimento é também menor.
O consumo de álcool é um fator de risco de vitimação sexual, sobretudo pela
forma como esse comportamento é interpretado ou utilizado pelo/a potencial
agressor/a:

• consumir álcool é socialmente interpretado como um indicador de maior


disponibilidade sexual;
• o/a potencial agressor/a poderá selecionar a sua vítima por saber de
antemão dos seus comportamentos de consumo (prevendo maior
facilidade ou menor resistência na concretização do ato quando o alvo
está alcoolizado/a);
• o/a potencial agressor/a poderá intencionalmente colocar o seu alvo
num estado de intoxicação que limite a sua capacidade de resistência.
Profissões de risco

A prática de prostituição, sobretudo a que ocorre em contexto de rua, aumenta


o risco de vitimação sexual pelo maior número de parceiros sexuais e, por sua
vez, pela maior probabilidade de, em alguma dessas interações, se ser
Página | 44 confrontado/a com um/a agressor/a sexual.

O estigma social em torno dos trabalhadores do sexo contribui ainda para a


perpetuação da vitimação sexual já que a probabilidade de denúncia é menor e
a possibilidade de descrédito por parte das autoridades competentes e pela
sociedade em relação ao relato da vítima é elevada.

FATORES DE RISCO RELACIONAIS (4, 10, 19, 23)

Qualidade/grau de intimidade dos relacionamentos

A maioria das experiências de vitimação sexual ocorrem, ao contrário do que é


frequentemente difundido publicamente, no contexto de relações de
proximidade entre a vítima e agressor/a (ex.: relações de intimidade; relações
familiares; relações de amizade; relações de trabalho). De entre estas,
destacam-se as relações de intimidade ou de compromisso (casamento/união
de facto e namoro).

Na mesma linha, o grau de intimidade entre vítima e agressor/a aumenta o


risco de vitimação sexual (sobretudo para as formas de violência sexual mais
intrusivas, ou seja, para as que implicam penetração). A coabitação (associada
ao grau de compromisso relacional) contribui também para o aumento do risco
de vitimação sexual, sabendo-se que os contextos privados (ex.: casa da vítima,
casa do/a agressor/a, habitação de ambos) se entendem como privilegiados
para a ocorrência de vitimação sexual.
Por outro lado, o menor grau de intimidade e compromisso também pode ser
fator de risco para a vitimação sexual. Este encontra-se especialmente presente
nas relações ocasionais que, pela falta de conhecimento entre os
intervenientes, sobretudo no que respeita às expectativas relativamente à
interação sexual e pelas dificuldades na comunicação clara e assertiva em
relação aos limites pessoais, são referidos como contextos relacionais de risco.
Assim, o envolvimento em relações casuais ou ocasionais é também fator de
risco de vitimação sexual.
Para além da intimidade e do compromisso, também a qualidade da relação
entre vítima e potencial agressor/a se pode configurar enquanto variável de
risco:

• Nos casos em que existe uma relação íntima entre vítima e agressor/a, a
presença de dinâmicas de funcionamento como o desequilíbrio de poder Página | 45
entre parceiros e/ou a assimetria de papéis (ex.: conceção subordinada
do papel da mulher na relação) aumenta o risco de vitimação sexual;
• A baixa qualidade da comunicação pode apresentar-se como fator de
risco de vitimação sexual, especialmente nos casos em que a relação é
casual: o conhecimento entre parceiros é menor, as falhas na
comunicação são mais prováveis e a preocupação em corresponder às
expectativas dos parceiros é maior.

Ao nível dos relacionamentos íntimos, outros fatores de risco podem ser


apontados, nomeadamente:

• falta de experiência relacional;


• elevado número de parceiros sexuais:
o apresentado como fator de risco, especialmente pelo modo como
atua na perceção e interpretação que um eventual parceiro/a
sexual poderá fazer relativamente à facilidade de concretizar uma
interação sexual;
o entendido também enquanto fator de risco pela exposição
diferencial a contextos relacionais de risco, na medida em que
aumenta a probabilidade de em uma dessas interações com um/a
parceiro/a sexual ocorrer algum tipo de contacto sexual não
desejado.

Papel do grupo de pares

A associação com pares que sustentam crenças e atitudes que legitimam ou


minimizam a violência sexual também poderá revelar-se um fator de risco
importante para a ocorrência de atos sexuais não desejados.

Especificamente, o envolvimento com pares que pressionam no sentido da


participação em atos sexuais ou que têm uma posição jocosa em relação ao
assunto (ex.: apalpar alguém na brincadeira) pode diminuir a capacidade de
resistência em relação a atos sexuais não desejados e, deste modo, aumentar o
risco de vitimação sexual.
Também o isolamento social em relação aos pares e outros significativos (ex.:
família) pode revelar-se fator de risco de vitimação sexual, sobretudo pela
ausência ou redução de mecanismos informais de suporte, apoio e proteção.
FATORES DE RISCO COMUNITÁRIOS (4, 10, 19, 23)

Pese embora a investigação acerca do impacto do contexto comunitário no


aumento do nível de risco de vitimação sexual seja relativamente escassa (por
Página | 46 comparação com o investimento na identificação de fatores individuais e
relacionais), alguns fatores de risco podem ser apontados (ainda que sejam
transversais a muitas formas de violência e não apenas à violência sexual),
nomeadamente:

• pobreza e desorganização da comunidade e das suas estruturas;


• ausência de coesão social;
• ausência de recursos comunitários para pedir ajuda;
• violência e criminalidade na comunidade;
• degradação física das estruturas da comunidade.

FATORES DE RISCO SOCIAIS (4, 10, 19, 23)

Neste âmbito destacam-se as perceções sociais que, de algum modo, possam


justificar a violência sexual, assim como a (in)ação das políticas sociais, legais e
judiciais, tais como:

• Tolerância e normalização social dos atos sexuais não desejados,


particularmente nos casos em que ocorrem no âmbito de uma relação
íntima, associada à aceitação de ideias generalizadas e estereotipadas
relativamente aos papéis de género, nomeadamente:
o o direito do homem ao sexo;
o a incontrolabilidade da libido masculina;
o a interpretação enviesada da resistência da mulher como
indicador de disponibilidade sexual;
o o dever de submissão da mulher relativamente às investidas ou
propostas sexuais do seu parceiro, entendendo-se a relação sexual
como uma obrigação;
• Discursos culturais sobre o género, relações de poder e afeto,
legitimadores do controlo e subjugação da mulher;
• Estruturas patriarcais rígidas, em que a ideologia da superioridade
masculina é forte, sendo predominantes as assimetrias entre homens e
mulheres;
• Ausência (ou não aplicação) de sanções sociais que penalizem a
perpetração de contactos sexuais indesejados;
• Perceção de impunidade legal perante a prática de determinados atos
sexuais não desejados (sobretudo os menos severos ou os que ocorrem
no âmbito de relações de intimidade);
Página | 47
• Falta de conhecimento das autoridades relativamente a determinadas
formas de violência sexual e/ou determinados contextos em que estas
podem acontecer (especialmente no contexto relacional íntimo);
• Tratamento negligente ou brando por parte das autoridades (ex.:
policiais) relativamente aos casos de violência sexual (sobretudo os que
decorrem no âmbito de uma relação prévia entre a vítima e o/a
agressor/a ou no âmbito das já referidas profissões de risco);
• Disseminação de mensagens nos media, no desporto e na pornografia
que reforçam ou validam a violência sexual, a “objetificação” da mulher e
a polarização do papel sexual do homem e da mulher;

CARACTERIZAÇÃO DO/A AGRESSOR/A E FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À


PERPETRAÇÃO DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Os primeiros esforços para compreender o comportamento do/a agressor/a


sexual focaram-se na identificação de características internas (biológicas,
psicológicas e, especificamente, psicopatológicas) que pudessem explicar a
perpetração de atos violentos. Muito embora alguns atos de violência sexual
possam ser explicados por características ou condições biológicas (como, por
exemplo, o funcionamento do Sistema Nervoso Central) ou por perturbações
psicopatológicas (por exemplo, perturbações de personalidade, parafilias), tal
compreenderá apenas cerca de 5% dos ilícitos, tendo em conta a reduzida
prevalência de indivíduos sinalizados que apresentem este tipo de
problemáticas ou condições.

A compreensão do comportamento sexualmente agressivo e/ou violento


progrediu para uma abordagem cada vez mais compreensiva e complexa,
assumindo-se a sua natureza multideterminada, na qual as características
internas de cada indivíduo são consideradas em conjunto com o contexto
social e cultural no qual se manifestam. Dito de outro modo, o comportamento
sexualmente agressivo e/ou violento é, como qualquer outro comportamento,
seja ele adequado ou não, circunstanciado ou moldado por fatores individuais e
por fatores contextuais relativos ao ambiente relacional próximo, cultural e
social no qual se expressam (23).
Alguns exemplos da natureza multideterminada do comportamento agressivo
encontram-se refletidos nas teorias criminológicas que foram surgindo e que
abordavam, cada vez com maior preponderância, o papel das relações que o
indivíduo estabelece com a sua rede mais próxima, com a comunidade e com a
sociedade:
Página | 48
• a família tem um papel essencial na aprendizagem de comportamentos
violentos, sobretudo através da sua transmissão enquanto forma
ajustada de atingir um determinado objetivo;
• o envolvimento com pares desviantes pode ser um contexto relacional
privilegiado para a interiorização de normas de conduta desviantes e
para a aprendizagem de comportamentos criminais;
• a não adesão às normas sociais e/ou a aceitação de normas desviantes
como orientadoras da conduta também ajudam a explicar o
comportamento agressivo;
• a falta de oportunidades legítimas para atingir o sucesso pode explicar o
facto de se procurar atingir os mesmos fins por meio de estratégias
menos legítimas (como o crime ou a violência);
• a desorganização social e a ausência de supervisão podem ajudar
também a explicar a ocorrência de atos ilícitos.

No que diz respeito à caracterização do/a agressor/a sexual, importa salientar


a sua heterogeneidade enquanto grupo, muito embora se possa reunir um
conjunto de características que se encontram presentes ou que sejam comuns.

De igual modo, convém ainda realçar que os/as agressores/as sexuais não
possuem qualquer característica física (aparência, por exemplo) que os
distinga da restante população.

Em consonância com o que foi referido na caracterização da vítima e


dos fatores de risco associados à vitimação, o risco de perpetração de
violência sexual está também associado à presença de fatores de
risco nos diferentes domínios de funcionamento da vida de um
determinado indivíduo.
No entanto, e apesar de a quantidade de fatores de risco ser importante na
ponderação do risco de perpetração de violência, também deverá atender-se ao
efeito combinado que os fatores existentes possam provocar. Isto significa que,
apesar dos diversos fatores de risco individuais, relacionais, comunitários e
sociais que possam ser identificados, existem alguns fatores ou condições que,
quando presentes, apresentam maior peso no aumento do risco de perpetração Página | 49
sexual (ex.: passado de ofensas sexuais) (16).

Seguidamente serão enumerados alguns dos fatores de risco que


frequentemente são apontados pela literatura e/ou pelo resultado da recolha
de dados estatísticos (em estudos de prevalência e em estatísticas oficiais da
criminalidade).

FATORES DE RISCO INDIVIDUAIS (19, 23)

Características sociodemográficas
O sexo masculino é representado em diversos estudos (bem como nas
estatísticas oficiais da criminalidade) como o principal responsável pela
perpetração de violência sexual.
No entanto, os indivíduos do sexo feminino também podem ser agressores
sexuais, muito embora pareçam cometer sobretudo formas menores de
violência sexual (ex.: contactos sexuais não desejados pelo parceiros).

No que respeita à idade, o perfil do/a agressor/a assemelha-se ao da vítima, na


medida em que o grupo de maior risco de perpetração são os jovens adultos.

A frequência de ensino superior também é apontada enquanto fator individual


de risco de perpetração de violência sexual. Como referido anteriormente, a
frequência universitária não representa, em si mesma, uma variável de risco. O
risco de perpetração de violência sexual é maior pelo estilo de vida
habitualmente adotado durante a frequência de ensino superior, sobretudo ao
nível do envolvimento num conjunto de comportamentos de risco e da
movimentação em contextos sociais, que criam as condições ideais para a
concretização de atos sexualmente agressivos e/ou violentos. Aliás, a frequência
de ensino superior parece estar especialmente associada a uma forma
específica de violência sexual (facto que também poderá ser explicado pela
maior adoção de condutas de risco em determinados contextos festivos típicos
do ambiente académico): existe maior risco de perpetração de violação por
incapacitação/intoxicação da vítima 12.

Experiências prévias de vitimação


Página | 50
Do mesmo modo que a presença de experiências passadas de vitimação sexual
se conceptualiza enquanto fator de risco de vitimação sexual, também
representa um importante contributo para o aumento da probabilidade de
perpetração de violência sexual na vida adulta. Também por processos de
sexualização traumática, no qual o desenvolvimento sexual da criança e/ou
jovem ocorre de forma abrupta e precoce, numa altura do desenvolvimento em
que não se encontraria preparada para integrar uma experiência sexual, há
vítimas de violência sexual na infância e/ou adolescência que interiorizam
guiões de conduta sexual em que se encontra presente uma associação clara
entre sexo e violência. Estes guiões podem ser posteriormente transpostos para
os relacionamentos da vida adulta.

Também as experiências de vitimação direta (vitimação por maus tratos


físicos, psicológicos e emocionais e/ou por negligência física e/ou emocional) e
indireta (testemunho de violência na família de origem) representam uma
condição de risco para a perpetração de violência no futuro, sobretudo marcada
pelo efeito da aprendizagem de condutas violentas em contexto familiar e pela
sua replicação em outros contextos relacionais.

Passado de ofensas sexuais


A adoção prévia de comportamentos violentos ao nível sexual é fator de risco
para a reincidência em condutas sexualmente violentas. Este aspeto poderá ser
corroborado pelos elevados índices de reincidência encontrados nos agressores
sexuais (15).

Aceitação da violência

A concordância com atitudes e crenças legitimadoras da violência sexual


representa, para além do risco de vitimação sexual que lhe pode estar
associado, um importante fator de risco para a concretização de atos sexuais
indesejados.
Neste domínio, o sexo masculino apresenta, de forma geral, um maior grau de
concordância com determinadas crenças que justificam a violência sexual

12
Poderá encontrar informação mais detalhada sobre esta temática em O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ENQUANTO AMBIENTE
DE RISCO PARA A OCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL.
contra o sexo oposto, minimizando a violência cometida, responsabilizando as
vítimas pela sua ocorrência ou negando a sua existência em determinadas
circunstâncias (ex.: “entre um casal não existe violência sexual.”).

Características psicológicas e funcionamento mental Página | 51

Algumas das características que aumentam o risco de perpetração de violência


sexual são do domínio cognitivo, sobretudo ao nível da distorção cognitiva e da
interpretação enviesada de determinadas situações relacionais. As distorções
cognitivas podem ocorrer antes e/ou após a concretização de qualquer ato
sexualmente forçado.

A probabilidade de surgirem distorções cognitivas em determinadas situações


relacionais é maior quando conjugada com a adoção de outros
comportamentos de risco, como é o caso do consumo de álcool, que será
seguidamente abordado com maior detalhe.

Antes da concretização do ato, o/a potencial agressor/a pode, por exemplo:

• Interpretar comportamentos verbais e não-verbais da potencial vítima


como um convite para uma interação sexual (ex.: o uso de roupas mais
ousadas e/ou o consumo de álcool por parte da potencial vítima é
interpretado como uma expressão de disponibilidade sexual);
• Entender a resistência da potencial vítima como indicadora de interesse e
de consentimento da relação sexual.

Após a concretização do ato, o/a potencial agressor/a pode, por exemplo:

• Negar, total ou parcialmente, os comportamentos sexualmente


agressivos e/ou violentos, por intermédio de um conjunto de
racionalizações (ex.: argumentando que os factos relatados pela vítima
não correspondem à verdade ou que a vítima mentiu como forma de
vingança ou retaliação);
• Afirmar, total ou parcialmente, a sua participação nos atos sexualmente
agressivos e/ou violentos, muito embora minimizando a sua
responsabilidade pelos atos realizados e/ou pelas consequências ou
impacto que estes possam ter tido na vítima (ex.: alegando que a vítima
tinha mostrado interesse sexual);
• Atribuir os seus atos a causas externas não controláveis (ex.: o
comportamento da vítima, o consumo de substâncias), minimizando a
responsabilidade pessoal pela sua ocorrência.
Importa também destacar o facto de estas distorções cognitivas (sobretudo as
que minimizam ou negam a perpetração de atos sexualmente forçados)
representarem um fator de risco aumentado para a reincidência na
perpetração de violência sexual.
Página | 52
Ainda no domínio cognitivo, a presença de fantasias sexuais violentas, que
colocam a mulher numa posição de submissão e de vulnerabilidade, aliadas a
uma perceção hostil relativamente à mulher, aumentam o risco de perpetração
de atos sexuais não desejados.

A presença de determinados comportamentos, como o consumo de


pornografia violenta, de álcool e/ou drogas e a masturbação compulsiva,
reforçam este tipo de fantasias, atuando como agentes facilitadores da prática
de comportamentos sexuais não desejados contra uma vítima real.
Indivíduos com características antissociais ou com personalidade antissocial
também apresentam risco aumentado de perpetração de violência sexual.
Resumidamente, a antissocialidade caracteriza-se por um padrão consistente de
desrespeito e violação dos direitos dos outros, observáveis pelo/a (2):

• insucesso na conformidade às normas;


• desonestidade através, por exemplo, do uso repetido da mentira, de
subterfúgios ou da manipulação de outros para proveito ou prazer
pessoal;
• impulsividade, elevada irritabilidade e agressividade;
• desrespeito temerário pela sua segurança ou dos outros;
• irresponsabilidade consistente;
• ausência de remorsos relativamente ao sofrimento causado nos alvos das
suas condutas (sobretudo através da racionalização ou das distorções
cognitivas acima descritas).
Algumas das dimensões comportamentais e emocionais que caracterizam a
personalidade antissocial também podem representar em si mesmas fatores de
risco aumentado para a perpetração de atos sexuais não desejados,
nomeadamente:

• insensibilidade e/ou superficialidade afetiva;


• egocentrismo;
• baixa autoestima;
• agressividade;
• impulsividade;
• desonestidade e/ou manipulação.
Outras perturbações ao nível do funcionamento psicológico e mental que
aumentam a probabilidade de perpetração de violência sexual podem ser
apontadas:

• Psicopatia;
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• Perturbação mental grave (ex.: esquizofrenia);
• Problemas aditivos;
• Ideação suicida/homicida.

A existência de défices ao nível das competências de relacionamento


interpessoal também representa um fator de risco, nomeadamente:

• estratégias ineficazes de comunicação;


• pobres competências ao nível da resolução de conflitos, visíveis pela
utilização de estratégias verbalmente e/ou fisicamente agressivas para
atingir os objetivos ou resolver situações problemáticas;
• dificuldades na tomada de perspetiva do outro e de empatia.

Consumo de álcool e/ou drogas


O consumo de álcool e/ou de determinadas drogas desempenha um papel
desinibidor do comportamento, podendo aumentar o risco de perpetração de
violência sexual.
Os consumos podem reduzir as inibições sociais e prejudicar a capacidade de
raciocínio, de comunicação e de interpretação de situações relacionais,
podendo ocorrer interpretações cognitivas enviesadas relativamente aos
indicadores de disponibilidade sexual expressos por parte de potenciais
vítimas, ou seja, há a possibilidade de pistas inócuas serem avaliadas como
sinais claros de vontade ou de desejo de interação sexual.
No entanto, o efeito do consumo de substâncias no aumento do risco de
perpetração de violência sexual sustenta-se, mais do que nos efeitos fisiológicos
e mentais diretamente provocados pela sua ingestão, na interpretação e
aceitação social que é efetuada em relação ao efeito dos consumos. Pode, de
outra forma, afirmar-se que é, de um modo geral, socialmente aceite que o
consumo de álcool e/ou de drogas provoque um efeito de desinibição do
comportamento, desculpabilizando-se ou tolerando-se a ocorrência de atos
sexualmente agressivos e/ou violentos que ocorrem nessas circunstâncias.
Também as expectativas pessoais dos consumidores relativamente aos efeitos
da ingestão deste tipo de substâncias assumem um papel preponderante na
violência sexual: o/a consumidor/a antecipa que os seus consumos prévios
possam desinibi-lo/a e/ou distanciá-lo/a da adoção de comportamentos
normativos e, ao mesmo tempo, atenuar a sua responsabilidade pessoal face
aos atos concretizados.
Também os contextos sociais nos quais os consumos de álcool habitualmente
ocorrem propiciam a ocorrência de atos sexualmente violentos ou agressivos:
Página | 54 os consumos de álcool tendem a ocorrer em contextos situacionais de risco (ex.:
festas, bares, discotecas) que, por si só, estão associados a uma maior
probabilidade de ocorrência de violência sexual.
O consumo de álcool e drogas tem sido também associado a algumas formas de
violência sexual perpetradas em grupo (denominado na literatura sobre o tema
por gang rape).

FATORES DE RISCO RELACIONAIS (19, 23)

Qualidade/ grau de intimidade dos relacionamentos

A preferência por relações íntimas sustentadas em vínculos ou ligações de


natureza sexual (ao invés de emocional) representa um indicador de risco
aumentado de perpetração de violência sexual.

Outros fatores de risco ao nível das relações sexuais podem ser referidos:

• elevado número de parceiros sexuais;


• início precoce da atividade sexual;
• recurso a estratégias de cortejamento ou conquista sexual mais
agressivas;
• necessidade constante de atividade sexual;
• frustração sexual.

O grau de intimidade entre a vítima e agressor/a é um fator de risco para a


perpetração de violência sexual:

• A existência de uma relação de compromisso legitima ou obriga à


interação sexual (ainda que sem o consentimento claro do/a outro
parceiro/a), sobretudo assente na aceitação dos papéis convencionais de
género (ex.: a mulher tem a obrigação de aceitar). O elevado grau de
compromisso representa, aliás, um fator de risco aumentado para a
ocorrência de atos sexuais indesejados de natureza mais intrusiva;
• Por outro lado, o risco de perpetração de atos sexuais não desejados
menos intrusivos (carícias, beijos e/ou toques não desejados) é maior
nos casos em que o compromisso relacional é menor (ex.: entre
conhecidos ou nos relacionamentos ocasionais). As relações ocasionais
são também um contexto de risco para a perpetração de atos sexuais
não consentidos pelo/a parceiro/a e encontram-se particularmente Página | 55
associadas a determinadas situações sociais de risco (ex.: festas
académicas) e a comportamentos de risco (ex.: consumo de
substâncias).

Funcionamento familiar e qualidade dos relacionamentos familiares

Indivíduos que na infância e adolescência foram educados em ambientes


familiares caracterizados pelo recurso à violência (pessoalmente experienciada
ou observada), pela ausência de afetividade ou negligência emocional e por
modelos patriarcais que reforçam a desigualdade entre géneros, têm maior
probabilidade de adotarem condutas violentas (inclusive de natureza sexual)
nos seus relacionamentos da vida adulta. Tal poderá ser explicado pelo facto de
a família, enquanto contexto de socialização primária, representar o palco no
qual a aprendizagem dos elementos mais novos é efetuada. Esta aprendizagem
ocorre sobretudo através de processos de observação e imitação dos
comportamentos dos modelos de conduta (ex.: pais) e também se aplica à
aprendizagem de comportamentos violentos.

Papel do grupo de pares


A associação ou envolvimento com pares sexualmente agressivos e desviantes
representa um fator de risco para adoção de condutas sexuais não desejadas
por terceiros, essencialmente explicadas pelo/a:

• pressão dos pares para a adoção de condutas não normativas;


• necessidade de aceitação pelo grupo e de pertença ao grupo;
• desejo de reconhecimento e aprovação por parte do grupo;
• receio de rejeição pelo grupo;
• necessidade de afirmação da masculinidade ou de construção de
identidade sexual;
• normalização e interiorização de condutas que, à luz das normais sociais,
representam atos reprováveis;
• difusão grupal da responsabilidade pelas condutas violentas e
consequente atenuação da responsabilidade pessoal pela prática de atos
ilícitos;
• aprendizagem privilegiada de comportamentos violentos através da
observação e imitação de modelos de conduta;
• envolvimento em outros comportamentos de risco que aumentam a
probabilidade de perpetração de violência sexual (ex.: consumo e/ou
intoxicação de álcool e/ou drogas).

A pertença a grupos claramente masculinizados, caracterizados por códigos de


Página | 56
conduta próprios, pelo exagerado sentido de masculinidade e pelo incentivo ao
contacto físico mais agressivo, pode representar, pelas mesmas razões que
acima foram abordadas, um fator de risco de perpetração de violência sexual.

Alguns exemplos de grupos tipicamente masculinizados podem ser:

• associações estudantis;
• equipas desportivas;
• gangues.

FATORES DE RISCO COMUNITÁRIOS (19, 23)

Alguns fatores ou condições que aumentam a probabilidade de cometimento de


atos sexualmente violentos ou agressivos podem ser apontados (ainda que
sejam transversais a muitas formas de violência e não apenas à violência
sexual), nomeadamente:

• pobreza;
• elevados níveis de violência e crime na comunidade;
• falta de oportunidades de emprego;
• dificuldades no acesso a oportunidades legítimas (ex.: através de
oportunidades profissionais) de obtenção de sucesso profissional,
pessoal ou outro;
• falta de apoio institucional;
• tolerância na comunidade em relação a casos de violência sexual,
observável pelos comportamentos de recusa de intervenção e de defesa
da vítima por parte de testemunhas que estavam presentes na altura em
que uma determinada situação de violência sexual teve lugar (ou que
tomaram posteriormente conhecimento da situação de violência
ocorrida);
• reduzidas sanções na comunidade para autores de violência sexual
como, por exemplo, o repúdio claro desse tipo de conduta.
FATORES DE RISCO SOCIAIS (19, 23)

Neste âmbito destacam-se as perceções sociais generalizadas na população e


que, de algum modo, possam justificar a violência sexual, assim como o impacto
das políticas sociais, legais e judiciais na prevenção e punição da violência
sexual: Página | 57

• Normas sociais que legitimam ou toleram a violência sexual, a


superioridade masculina, a importância de preservação do seu poder,
domínio e honra, e o seu direito à satisfação das necessidades sexuais
através da mulher (sobretudo no âmbito do casamento);
• Estruturas patriarcais rígidas, em que a ideologia da superioridade
masculina é forte, sendo predominantes as assimetrias entre homens e
mulheres;
• Falta de conhecimento das autoridades e tratamento negligente
relativamente a determinadas formas de violência sexual e/ou
determinados contextos em que estas podem acontecer (especialmente,
no contexto relacional íntimo);
• Leis e políticas pouco afirmativas relativamente à punição legal dos/as
autores/as de atos de violência sexual e/ou pouco protetoras dos
direitos das vítimas, materializada no pobre apoio que é prestado às
vítimas, na desvalorização do papel da vítima no processo penal, na
dúvida perante a veracidade do relato da vítima ou em relação à sua
credibilidade e na minimização ou negação de determinadas formas de
violência sexual, motivada por determinadas características da vítima
(ex.: o seu comportamento provocatório, a sua roupa ousada, o facto de
ser trabalhadora do sexo ou de a sua moralidade e virtude serem
questionáveis);
• Falta de atuação legal e política perante a violação do direito à
igualdade de género;
• Difusão nos media, no desporto e na pornografia de imagens
distorcidas relativamente à sexualidade e ao papel esperado da mulher
nesse âmbito;
• Constrangimentos macro económicos que obrigam a cortes nos apoios
sociais do estado, no acesso a determinadas formas de tratamento e/ou
reabilitação, ou a serviços especializados de apoio.
O CONTEXTO UNIVERSITÁRIO ENQUANTO AMBIENTE DE RISCO PARA A
OCORRÊNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL

Vários estudos fazem referência ao facto de a população universitária


Página | 58 apresentar taxas de prevalência de vitimação sexual acima dos valores que
têm vindo a ser encontrados para a população em geral.

Estes dados corroboram a ideia de que os jovens que frequentam o ensino


superior, com particular destaque para o sexo feminino, se apresentarem
como um grupo de especial vulnerabilidade à vitimação sexual. Ainda que o
risco particularmente aumentado de vitimação sexual deste grupo possa ser
explicado por fatores de risco como os que acima foram abordados, a especial
vulnerabilidade deste grupo advém sobretudo do ambiente físico e social no
qual se movimentam, no contexto específico da Universidade.

O tipo de atividades e o estilo de vida praticado durante a frequência


universitária poderão explicar o maior risco de ocorrência de
violência sexual.

Relativamente a esta matéria, alguns aspetos poderão ser apontados (23):

• A experiência universitária é vista como um período de exploração;


• A frequência de ensino superior é, em muitas ocasiões, a primeira
experiência de emancipação em relação aos pais;
o Alguns estudos indicam que os jovens que continuam a viver com
os pais durante a frequência universitária são alvos menos
prováveis de violência sexual, na medida em que se encontram
naturalmente menos expostos a contextos de risco (23);
• A movimentação em contextos sociais de elevado risco é mais frequente
(como bares, discotecas, festas académicas, praxes);
• A adoção de condutas de risco é mais provável, como o consumo
excessivo de álcool e de drogas ilícitas e o aumento da atividade sexual;
o A violação por intoxicação/incapacitação é a forma de violação
mais comum entre os estudantes universitários, sobretudo após as
situações festivas nas quais os comportamentos de consumo são
especialmente generalizados;
• A aceitação e a prática de atitudes que encorajam a dominação do
homem sobre a mulher e a sua exploração e “objetificação” podem ser
reforçadas durante o período universitário;
• É mais provável a associação com pares que legitimam ou apoiam a
desigualdade de géneros e a subordinação feminina em favor da
Página | 59
dominação masculina.

As circunstâncias acima descritas parecem criar a oportunidade perfeita para a


perpetração de atos sexuais forçados, na medida em que (22):

• O potencial alvo da vitimação sexual será a vítima que, na interpretação


ou seleção efetuada pelo/a potencial agressor/a, está mais exposta a
contextos ou situações de risco (em que a probabilidade de interação
com agressores é maior) e que, como tal, é avaliada como menos
protegida, mais vulnerável e de acesso mais facilitado;
• O contexto espacial e temporal proporciona as condições ideais para a
prática bem-sucedida do ato, com elevada probabilidade de sucesso e
baixo nível de risco;
• A vigilância é reduzida (presença de testemunhas, por exemplo) e, como
tal, o risco de ser visto/a ou “apanhado/a” durante a concretização dos
atos é diminuído.

CONSEQUÊNCIAS DA EXPERIÊNCIA DE VITIMAÇÃO SEXUAL

A violência sexual pode causar um conjunto diversificado de consequências


negativas na saúde e bem-estar físico e mental da vítima.

Todavia, importa salientar que nem sempre a violência sexual provoca dano
físico ou lesões físicas na vítima, dependendo tal consequência do/a
comportamento do/a agressor/a durante a concretização do ato sexual
indesejado, ou seja, do uso ou não da força física, do recurso a
armas/instrumentos, das estratégias de constrição física utilizadas para
concretizar o ato (ex.: prender ou amarrar a vítima) e do tipo de violência sexual
infligida (ex.: a penetração vaginal, anal e o sexo oral causam, à partida, mais
lesões físicas do que, por exemplo, os contactos sexuais indesejados menos
intrusivos).
A ausência de lesões físicas na vítima não deve, em momento algum,
ser interpretada como prova de que a violência sexual não aconteceu
Página | 60 e/ou de que a vítima fantasiou ou mentiu, relatando factos que não
correspondem à realidade.

Por outro lado, é relativamente consensual que o impacto de uma


experiência de vitimação sexual é sobretudo sentido na deterioração
do funcionamento e bem-estar psicológico, emocional e social. Aliás,
a violência sexual (especificamente, a violação) é frequentemente
apontada como o crime mais traumático da população adulta.

Todavia, o impacto psicológico da vitimação sexual não parece estar associado


à dimensão do dano físico causado pela experiência, ou seja, não é de todo
linear que as vítimas que experienciam uma situação de vitimação sexual mais
intrusiva, com mais lesões físicas (genitais e não genitais), apresentem níveis
mais elevados de desajustamento psicológico e emocional (23).

Importa também realçar que, especialmente no que diz respeito ao impacto


psicológico e social, os sintomas de disfuncionamento caracterizam-se pela
diversidade e variabilidade de duração, existindo também a possibilidade de as
vítimas de violência sexual não exibirem qualquer sintoma a este nível.

A enorme variabilidade ao nível da presença ou ausência de sintomas, do tipo


de sintomas, bem como da sua duração poderá explicar-se por um conjunto de
circunstâncias ou características anteriores ou posteriores à violência sexual,
denominadas por varáveis moderadoras (7,23). As variáveis moderadoras podem
contribuir para o aumento ou, pelo contrário, para a atenuação do impacto
negativo da experiência de vitimação sexual.

Podem organizar-se em três grandes grupos:

• Variáveis relativas às circunstâncias da violência sexual, nomeadamente,


o grau de violência física exercida, o uso ou não de armas pelo/a
agressor/a, a existência de perigo de vida (ou, a perceção de perigo de
vida sentido pela própria vítima), a severidade das lesões, a natureza
única ou continuada da violência, o número de agressores e o grau de
relação entre vítima e agressor/a;

• Variáveis relativas às características da vítima, como a idade, a existência


ou não de experiências anteriores de vitimação sexual, o funcionamento
psicológico atual, a presença ou não de antecedentes psiquiátricos em si Página | 61
ou na sua família, a perceção relativamente à vulnerabilidade do local em
que a violência sexual teve lugar e/ou à sua invulnerabilidade ao crime,
bem como ao significado que atribuiu à experiência;

• Variáveis relativas à resposta e reação do meio envolvente,


nomeadamente, a tendência social para a culpabilização da vítima, o tipo
de apoio prestado pela rede social mais próxima (familiares e amigos) e o
tipo e a qualidade do apoio e tratamento institucional a que teve acesso
(nomeadamente, sistema de justiça criminal, autoridades policiais,
serviços de saúde, serviços de apoio a vítimas).
Página | 62
QUADRO I: CONSEQUÊNCIAS DA EXPERIÊNCIA DE VITIMAÇÃO SEXUAL (7, 12, 26)
• Contusões e equimoses
• Lacerações nos tecidos
• Lesões por arma branca e/ou por arma de fogo
Associadas ao uso da • Lesões de agarramento violento
força física, da o Marcas de restrição física (nos tornozelos, pulsos e/ou no pescoço)
restrição física o Marcas e/ou lesões provocadas pelo uso de fivelas, cintos, cordas e/ou outros instrumentos
e/ou de • Lesões de defesa
armas/instrumentos • Lesões figurativas, provocadas pela pressão exercida no corpo da vítima e/ou no vestuário ou por agarramento
• Lesões de mordedura
• Lesões anais e/ou retais
• Morte decorrente de lesões fatais sofridas antes, durante ou depois da concretização do ato sexualmente violento
• Equimoses (ex.: nódoas negras)
• Abrasões
FÍSICAS

Lesões genitais • Inflamação


• Corrimento
• Prurido genital constante
• Infeções sexualmente transmissíveis 13:
o VIH/SIDA
o Hepatite
o Clamídia
o Candidíase
o Gonorreia
o Herpes genital
o Vírus do papiloma humano
Problemas na saúde o Sífilis
sexual e reprodutiva o Vaginites
• Infeções genitais
• Gravidez não desejada

13
Para mais informações sobre as Infeções Sexualmente Transmissíveis, consulte o portal de Saúde Sexual e Reprodutiva: http://www.apf.pt
• Aborto
• Infertilidade
• Dor pélvica e/ou doença inflamatória pélvica
14
• Disfunções sexuais : perturbações nos processos do ciclo de resposta sexual (desejo, excitação, orgasmo e resolução) ou dor
associada à interação sexual
o Dor durante o ato sexual
o Diminuição do desejo sexual
o Ausência ou dificuldade em adquirir ou manter resposta de excitação sexual adequada ou em atingir orgasmo
• Infeções do trato urinário
• Dores menstruais
• Sensação de vulnerabilidade, desamparo e/ou desespero
• Auto culpabilização
• Raiva
• Irritabilidade
• Híper vigilância
PSICOLÓGICAS, EMOCIONAIS

• Vergonha
E COMPORTAMENTAIS

Reações a
• Medo
curto-prazo
• Ansiedade
(durante e logo após
• Tristeza profunda
a experiência de
• Apatia
vitimação)
• Confusão
• Dificuldade em identificar o acontecimento como real (sensação de estar a viver um pesadelo)
• Insensibilização afetiva
• Sensação de entorpecimento
• Baixa autoestima
• Dificuldades de memória (especificamente em relação ao evento traumático)
Reações a • Perturbação de Stress Pós-Traumático
longo-prazo: • Outras Perturbações de Ansiedade:
Perturbações e/ou o Perturbação obsessivo-compulsiva 15

14
Muito embora as disfunções sexuais possam estar associadas a uma condição médica, nos casos de violência sexual decorrem sobretudo do impacto psicológico da vitimação, pelo que encontrar-se-ão
também incluídas nas consequências psicológicas, emocionais e comportamentais.

Página | 63
Página | 64
sintomas de o Fobia 16
perturbação mental o Ansiedade Social
• Depressão Major 17
• Dependência de Substâncias
• Distúrbios de sono, como insónias, pesadelos (sobretudo associados à revivência do acontecimento traumático)
• Sintomatologia depressiva, como crises de choro, auto culpabilização, apatia, tristeza, irritabilidade, desinteresse por
atividades anteriormente apreciadas, tentativas de suicídio/ideação suicida, baixa auto estima
• Sintomas de ansiedade e de medo como híper vigilância, evitamento de pensamentos ou comportamentos, comportamentos
de fuga, flashbacks
• Perturbações da função sexual:
o Vaginismo: contração involuntária dos músculos da vagina que impede a concretização do coito
Problemas no
o Dispareunia: dor genital ou pélvica profunda durante a relação sexual
comportamento
o Diminuição do desejo sexual
sexual
o Aversão sexual: repulsa e esquiva ativa do contacto sexual genital com um/a parceiro/a sexual
o Transtornos ao nível da excitação sexual ou ao nível do orgasmo
• Dores de cabeça
• Fadiga
• Tonturas
• Fraqueza
• Desmaios
• Tensão muscular
Sintomas/queixas de
• Náusea
mal-estar sem razão
médica aparente • Desordens gastro intestinais
• Perda de apetite
• Perda de peso
• Consumo excessivo de álcool, drogas e tabaco

15
A Perturbação Obsessiva-compulsiva caracteriza-se pela presença de obsessões (pensamentos) ou compulsões (comportamentos) recorrentes, relativamente aos quais o indivíduo tem consciência da sua
irracionalidade, muito embora não os consiga controlar. As obsessões ou compulsões apresentam-se suficientemente severas para consumirem tempo ou causarem sofrimento acentuado ou prejuízo significativo (2).
16
A Fobia representa um medo acentuado e persistente relativamente a objetos ou situações claramente discerníveis e circunscritos. A exposição ao estímulo fóbico provoca, quase que invariavelmente, resposta
imediata de ansiedade e comportamentos de evitamento (2).
17
A Depressão Major caracteriza-se pela presença de vários episódios depressivos, durante os quais há um humor deprimido ou perda de interesse ou prazer por quase todas as atividades. É também marcada pela
presença de outros sintomas, como: alterações no apetite ou peso, sono e atividade psicomotora; diminuição da energia; sentimentos de desvalia ou culpa; dificuldades no pensamento, concentração ou na tomada
de decisão; ideação suicida ou pensamentos recorrentes sobre a morte, planos ou tentativas de suicídio (2).
Comportamentos de • Comportamentos sexuais de risco:
risco o Envolvimento com múltiplos parceiros
o Não utilização de métodos de contraceção e/ou de métodos de proteção face às infeções sexualmente transmissíveis
• Condução perigosa e/ou sob o efeito de substâncias
• Envolvimento em comportamentos desviantes: agressão, violência e crime (ex.: pequenos delitos)
• Diminuição da quantidade e/ou qualidade dos relacionamentos sociais
• Evitamento de situações sociais
• Isolamento social
RELACIONAIS E SOCIAIS
• Rejeição e/ou estigmatização pela rede social próxima (ex.: parceiros íntimos, familiares, amigos)
• Sentimentos de desconfiança e de ausência de controlo das relações
• Dificuldade em manter relacionamentos mais íntimos

Página | 65
SÍNDROME DO TRAUMA DA VIOLAÇÃO E CICLO DA RECUPERAÇÃO

De entre os vários sintomas indicativos do impacto negativo provocado pela


experiência de vitimação, destacam-se as perturbações e/ou os sintomas de
perturbação mental e psicológica acima listadas. Estas assumem prevalências
Página | 66
elevadas, sobretudo junto das vítimas de violação, com particular destaque para
a perturbação de stress pós-traumático (identificada em 17% a 65% das vítimas
de violação) (23).

O marcado impacto (particularmente ao nível do funcionamento psicológico)


provocado pela violência sexual (sobretudo a violação) suscitou o interesse da
comunidade científica que, através da avaliação de mulheres vítimas de
violação, identificou uma constelação de sintomas comuns.

Esta constelação de sintomas de desajustamento e de desorganização em


resposta ao stress causado pela experiência de violência sexual foi
denominado de Síndrome do Trauma de Violação (Rape Trauma Syndrome) (7,
12, 14, 26)
.

A Síndrome do Trauma de Violação caracteriza-se por um padrão típico de


reações da vítima à experiência de violência vivida. Apesar das diferenças
individuais que as variáveis moderadoras podem explicar, esta Síndrome é
marcada pela manifestação de sintomas físicos e somáticos, psicológicos e
comportamentais:

• Sintomas físicos e somáticos:


o Doenças e sintomas que não foram causados pela violência sexual,
mas que, por surgirem após a experiência sexualmente traumática,
lhe são associados ou atribuídos;
o No Quadro I são apresentados alguns desses sintomas ou queixas, tais
como insónias, pesadelos, fraqueza, desconforto gastrointestinal,
perda de apetite, desmaios, fraqueza, náuseas, tensão muscular,
infeções no aparelho reprodutor e no sistema urinário.

• Sintomas psicológicos:
o As queixas de mal-estar e desconforto psicológico estão sobretudo
associadas a sintomas de ansiedade, de stress pós-traumático e de
depressão.

• Sintomas comportamentais:
o Dizem respeito às consequências relacionais e sociais indicadas no
Quadro I, às consequências no funcionamento sexual e a
comportamentos de externalização (como o envolvimento em
condutas de risco - por exemplo, o consumo de substâncias).

A Síndrome do Trauma de Violação é marcada por um ciclo de reação ou de


recuperação da crise que foi precipitada pela violência sexual experienciada.
Este processo de reação ou de recuperação apresenta duas fases: Página | 67

1. Fase aguda (ou de desorganização)


Trata-se do primeiro estádio, que se verifica logo após a violência experienciada,
e é caracterizado pela manifestação de reações emocionais intensas, indicativas
de desregulação emocional (ex.: mudanças de humor, com choro intenso e
risos; calma aparente e raiva), pela tentativa de “mascarar” ou controlar a
manifestação de emoções negativas e pela presença de alguns sintomas físicos.
Algumas dessas manifestações poderão ser indicadas:

• Negação, estratégia de autodefesa observável através de


discursos/expressões do tipo “Não acredito que me tenha acontecido
isto a mim!”;
• Auto responsabilização e culpabilização, visível em expressões como
“Que fiz eu para merecer isto?”;
• Desejo de vingança e raiva;
• Confusão e desorientação, visível, por exemplo, pela dificuldade em
saber como agir perante o que lhe aconteceu e/ou em saber como,
onde ou a quem pedir ajuda;
• Ansiedade, medo e desânimo;
• Auto desvalorização;
• Vergonha;
• Lesões físicas, especialmente nas zonas do corpo diretamente
afetadas pela violência sexual;
• Problemas de sono;
• Alterações no apetite;
• Tensão muscular;
• Irritação gastrointestinal;
• Problemas genitais e infeções sexualmente transmissíveis.

Pode durar alguns dias ou algumas semanas.

Esta reação inicial intensa à experiência de vitimação pode ser negativamente


afetada por um conjunto de noções culturalmente enraizadas e
genericamente aceites relativamente à violência sexual e, sobretudo, pela sua
aceitação e interiorização por parte das pessoas e/ou estruturas às quais a
vítima recorre no momento da crise 18. Dito de outra forma, a vítima poderá, no
momento em que procura ajuda ou apoio de terceiros para a resolução da
situação de crise, ser responsabilizada ou culpabilizada pelos comportamentos
de que foi alvo, o que poderá precipitar ou agudizar a forte reatividade
emocional associada a esta fase.
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2. Fase de recuperação e reorganização
É marcada pelo início da reorganização e prossecução da vida da vítima através
da integração, mais ou menos adaptativa, da experiência traumática na sua
história de vida. Tal poderá caracterizar-se pelo foco das atenções em áreas da
vida entretanto negligenciadas, tais como a introdução de mudanças no estilo
de vida e nas rotinas, de alterações no funcionamento social, na conduta
profissional e/ou no comportamento sexual. Importa, todavia, esclarecer que a
referida reorganização não significa que o evento experienciado tenha sido
esquecido ou desprovido de significado para a vítima.

Esta é também uma fase em que a emocionalidade associada ao evento


traumático, pese embora existente, é menos intensa, frequente e/ou
desestruturante. É, por isso, provável que a memória em relação ao
acontecimento vivido continue a provocar algum tipo de reação emocional.
Depende do impacto das variáveis moderadoras acima apontadas.

Ainda que o impacto de uma experiência de vitimação sexual seja


especialmente sentido pela vítima que diretamente foi alvo da
exposição a uma situação potencialmente traumática, a natureza
desta forma de violência poderá provocar também um forte impacto
negativo junto das pessoas mais significativas na vida da vítima,
nomeadamente no/a parceiro/a íntimo, nos seus familiares e amigos
próximos.

Nesta matéria, vários estudos apontam para a possibilidade de a rede mais


próxima da vítima desenvolver sintomas de desconforto psicológico e
emocional, tais como culpa, vergonha, raiva, depressão e ansiedade, numa
dimensão similar àquela que é apresentada pela vítima direta do crime.

18
Para mais informações sobre as noções e ideias culturalmente enraizadas relativamente à violência sexual queira consultar
REFLEXÃO ACERCA DAS CRENÇAS SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL.
No caso das vítimas de violação, o impacto vicariante da experiência de
vitimação é particularmente sentido pelo/a parceiro/a íntimo/a que, para
além destes sintomas psicológicos e emocionais, poderá também duvidar, de
algum modo, da credibilidade da vítima, o que poderá trazer implicações
negativas para o funcionamento do casal, sobretudo ao nível da qualidade da
comunicação e da sexualidade. Salienta-se ainda os obstáculos que a vitimação Página | 69
vicariante do/a parceiro/a íntimo/a poderá provocar na sua capacidade de
prestar à vítima direta o apoio que necessita (22, 23).

REFLEXÃO ACERCA DAS CRENÇAS SOBRE A VIOLÊNCIA SEXUAL

As crenças e atitudes sobre a violência sexual dizem respeito a um conjunto de


ideias e argumentos, genericamente falsos, relativamente à vítima de violência
sexual ou ao/à autor/a da violência. Muito embora desfasados da realidade,
encontram-se socialmente enraizados, sendo fortemente aceites como
verdadeiros pela população em geral (18, 20).

Estas visões distorcidas relativamente ao fenómeno da violência sexual (e


sobretudo em relação aos seus principais intervenientes) podem contribuir
para a vitimação secundária da vítima, pela (26):

• atenuação da responsabilidade do/a agressor/a;


• minimização da gravidade dos atos cometidos contra a vítima;
• culpabilização da vítima pelos atos sobre si infligidos;
• negação da própria experiência de vitimação.

Em seguida serão abordados algumas destas crenças.

A violação acontece sobretudo na rua e em locais isolados.


Ainda que um contexto físico com essas características possa, de facto,
constituir uma oportunidade para a prática de atos ilícitos, a rua não representa
o contexto de maior risco de ocorrência de violência sexual. Pelo contrário, os
contextos privados são os que revelam maior risco (ex.: casa da vítima, casa
do/a agressor/a, casa de ambos), pelo facto de a privacidade proporcionada
pelo espaço físico diminuir a probabilidade de os atos serem testemunhados
por terceiros. A privacidade do espaço físico também aumenta o risco de a
vitimação sexual assumir uma natureza continuada (sobretudo quando ocorre
no âmbito de uma relação de intimidade).
A violação é cometida por estranhos.
As investigações sobre a prevalência da violência sexual têm concluído que a
maioria das violações é, na verdade, cometida por alguém que a vítima
conhece, sobretudo por pessoas com quem mantém ou manteve uma relação
bastante próxima (ex.: (ex) cônjuge; (ex) namorado/a; familiar; amigo/a). Pelo
Página | 70
contrário, os mesmos estudos apontam também o facto de uma reduzida
proporção de violações ser cometida por desconhecidos, sendo que alguns
estudos obtiveram neste domínio valores percentuais abaixo dos 5%.

A violência sexual é cometida por indivíduos com perturbações mentais.


A maioria dos/as agressores/as sexuais identificados não apresenta qualquer
perturbação mental que possa justificar a violência sexual concretizada. A
atribuição ao/à agressor/a de alguma patologia ou condição mental poderá ser
uma tentativa de o/a desresponsabilizar criminalmente pelos atos
concretizados, ao colocar em causa a sua imputabilidade.

A violência sexual tem como principal motivação a satisfação do desejo sexual


do/a agressor/a.
A violência sexual deve ser principalmente entendida enquanto um ato de
violência, que visa a dominação, subjugação, humilhação e controlo da vítima, e
não apenas como um meio ou estratégia utilizado pelo/a agressor/a para obter
gratificação sexual. Do mesmo modo, a eventual frustração sexual do/a
agressor/a, a ausência de parceiro/a íntimo/a com quem possa estabelecer
relações sexuais regulares e satisfatórias e a dificuldade em controlar o desejo
e/ou a excitação sexual representam argumentos de negação da
responsabilidade pelos atos concretizados, bem como de minimização do
impacto físico e psicológico que a violência sexual possa provocar na vítima.

A violação envolve sempre violência física severa e/ou o uso de armas.


O/A agressor/a poderá não necessitar de recorrer ao uso da força física e/ou de
armas para imobilizar a vítima e concretizar a violação. Através, por exemplo, do
uso da ameaça, e sobretudo pelo impacto desta na perceção de risco de vida da
vítima, o/a agressor/a poderá constranger a vítima à prática de atos sexuais que
na verdade não consentiu. A incapacitação da vítima através da sua intoxicação
com substâncias (ou, o aproveitamento do/a agressor/a relativamente a um
estado prévio de intoxicação da vítima) também pode ser usada como
estratégia facilitadora da concretização da violação, sem que haja recurso a
qualquer ato de violência física, arma ou ameaça.

Só se considera que existe violência sexual quando há penetração forçada.


A violência sexual abrange todos os atos sexuais relativamente aos quais a
vítima não forneceu de forma livre e consciente o seu consentimento. A
penetração forçada é apenas um exemplo de um comportamento sexualmente
violento, existindo outros que também podem ser apontados, tais como obrigar
à prática de sexo oral ou de masturbação, carícias indesejadas nos órgãos
sexuais, forçar à exposição, visualização ou participação em filmes ou a atos de
natureza erótica ou pornográfica, forçar à prática de atos sexuais com outras
pessoas, entre outros.
Página | 71
Os atos sexuais não desejados só são considerados violência sexual se a vítima
mostrar resistência.
Qualquer ato sexual que seja praticado sem o consentimento livre e consciente
da outra pessoa é considerado violência sexual.
O argumento da ausência de resistência é extremamente culpabilizador da
vítima, pelo facto de atribuir ao seu comportamento a responsabilidade pelos
atos sobre si praticados. A falta de reação física por parte da vítima durante a
concretização do ato sexual não pode, em momento algum, ser entendida como
um indicador de que esta consente a interação sexual, tendo em conta que tal
reação pode ser explicada pelo intenso medo (pela perceção de risco de vida,
por exemplo) experienciado durante a agressão. Por outro lado, a questão da
resistência (física) deverá ser analisada com precaução na medida em que, na
verdade, poderá aumentar o risco de o/a agressor/a recorrer a estratégias cada
vez mais violentas e perigosas para a vida e integridade física da vítima com
vista à consumação do ato sexual forçado. Por sua vez, é importante realçar que
em muitas situações o/a agressor/a coloca a vítima numa posição em que esta
não está capaz de mostrar resistência (seja porque a colocou num estado de
inconsciência e/ou porque a restringiu fisicamente).

A vítima tem sempre alguma responsabilidade pela violência sexual.


A responsabilidade pela prática não consentida de atos sexuais deve ser sempre
imputada ao agente que os concretizou e nunca ao alvo da violência sexual. No
entanto, no discurso generalizado sobre a violência sexual surgem variados
argumentos que responsabilizam a vítima pela violência de que foi alvo,
particularmente associados ao modo como esta terá, de algum modo,
precipitado ou provocado a violência sexual (ex.: pela sua aparência, pela forma
como se veste, pelo seu comportamento sedutor e/ou promíscuo, pelo facto de
consumir álcool, pelos locais que frequenta). Importa, portanto, salientar que a
vítima, independentemente dos comportamentos que adota e da forma como
estes são socialmente interpretados, não pode, em momento algum, ser
responsabilizada pelos comportamentos do/a agressor/a.

Quando a mulher diz que não, na verdade quer dizer que sim.
Este falso argumento legitimador da prática de atos sexuais não desejados
encontra-se associado às crenças e suposições socialmente aceites e enraizadas
relativamente ao comportamento sexual que é expectável ou desejável por
parte do sexo feminino (ex.: é esperado e fica bem que a mulher demonstre
alguma resistência inicial perante um convite ou proposta sexual). A resistência
da mulher é, deste modo, interpretada (de forma enviesada) pelo/a potencial
parceiro/a como um incentivo à sua persistência e insistência com vista à
concretização da interação sexual.
Importa ainda salientar que um não deve ser interpretado como aquilo que é:
uma recusa. A mulher tem o direito de decidir e escolher livremente todas as
Página | 72
suas experiências sexuais, mesmo que não correspondam às expectativas
dos/as parceiros/as, cabendo a estes o dever de aceitar as decisões tomadas.

As verdadeiras vítimas de violação denunciam rapidamente o crime às


autoridades.
Os diversos estudos de vitimação criminal indicam que os crimes sexuais
representam a tipologia de ilícitos com as taxas de denúncia mais reduzidas. A
ausência de denúncia às autoridades não pode ser interpretada como indicativa
do descrédito do relato da vítima ou da não veracidade da sua experiência de
vitimação. A decisão de denúncia de uma experiência sexualmente violenta
representa um momento de enorme dificuldade e desafio para a vítima,
existindo diversos obstáculos que dificultam a sua concretização, tais como:
desconhecimento relativamente ao assunto e/ou aos procedimentos legais para
oficializar a denúncia; desvalorização da experiência de vitimação ou não
reconhecimento enquanto crime; vergonha, receio de ser desacreditada e/ou
responsabilizada pelo que lhe aconteceu; receio da estigmatização social; receio
de prejudicar o/a agressor/a (particularmente nos casos em que é alguém
próximo); receio das ameaças do/a agressor/a; desconfiança em relação à
capacidade de atuação do sistema de justiça criminal.

Nas relações de namoro e/ou nas relações conjugais não existe violação.
Independentemente da relação existente entre vítima e agressor/a, qualquer
ato sexual que seja praticado sem que a vítima o tenha consentido deve ser
considerado uma forma de violência sexual. Importa também realçar que a
existência de uma relação de compromisso não obriga à prática de atos sexuais,
tendo ambos os parceiros envolvidos na relação o direito de recusar praticar
qualquer conduta sexual contra a sua vontade. Por sua vez, as relações sexuais
consentidas que foram estabelecidas entre o casal no passado não devem ser
interpretadas enquanto consentimento tácito ou subentendido para a prática
de atos sexuais no presente e no futuro.
BIBLIOGRAFIA

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(26) World Health Organization (2003). Guidelines for medico-legal care for
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Página | 76
Página | 78
PROCEDER

O PROCESSO DE APOIO A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL


Página | 79
O processo de apoio à vítima de violência sexual é desenvolvido quando existe
um conjunto articulado de diligências, tais como, vários atendimentos,
contactos com outras instituições, sessões de apoio psicológico, auxílio na
elaboração de peças processuais, durante um determinado período de tempo.
Este processo conta naturalmente com a participação ativa da vítima e
eventualmente dos seus familiares e/ou amigos.

O processo de apoio pode compreender diferentes tipos de apoio (emocional,


jurídico, psicológico e social), sendo, nesta matéria, essencial o papel do
profissional e a cooperação entre técnicos e/ou serviços.

O PAPEL DO PROFISSIONAL NO ATENDIMENTO A VÍTIMAS ADULTAS DE


VIOLÊNCIA SEXUAL

Atender e apoiar vítimas de violência sexual, bem como os seus familiares e


amigos, exige ao profissional um conhecimento claro sobre os procedimentos
mais adequados, sobre as ações e estratégias de intervenção que devem ser
desenvolvidas ou implementadas e sobre a organização e gestão de um
processo de apoio.

O profissional que presta apoio e assistência a vítimas de violência sexual deve


estar devidamente qualificado para o efeito e as suas funções deverão
encontrar-se enquadradas no trabalho de uma determinada instituição, pública
ou privada, governamental ou não-governamental, de voluntariado social ou
não.

Com habilitações académicas variadas, o profissional pode exercer, entre


outras, as profissões de assistente social, jurista, psicólogo, médico, enfermeiro,
e trabalhar em diferentes instituições ou serviços, tais como os serviços sociais
de um hospital, do tribunal, serviços médico-legais, organizações de apoio à
vítima, segurança social.
Perfil do profissional

O apoio a vítimas de violência sexual exige que o profissional detenha um


determinado perfil de competências.
Página | 80

O perfil de competências poderá ser categorizado em duas


dimensões centrais: competência técnica e competência pessoal.
Entendendo-as como competências não mutuamente exclusivas, é
crucial o comprometimento do profissional com a sua implementação
e constante atualização.

As competências pessoais dizem respeito às características pessoais e à


personalidade do profissional e ao modo como estas se adequam à missão à
qual procura responder. Estas competências são primordiais em qualquer
profissão de natureza assistencial, assumindo-se, por isso mesmo, como
particularmente determinantes para os profissionais que trabalham no apoio
direto a pessoas em dificuldade ou em situação de crise (de que são exemplos
as vítimas de violência sexual).
Estas competências poderão desdobrar-se em sub-dimensões:

• Competências relacionais: referem-se ao modo como o profissional gere


habitualmente as suas relações humanas, sendo naturalmente vantajoso
que o seu padrão comportamental neste domínio seja caracterizado por
uma conduta relacional pacífica e apaziguadora para com os que lhe
estão próximos. Este tipo de características é um bom indicador da sua
competência para conviver e relacionar-se com todas as pessoas
implicadas num processo de apoio;
• Competências de autogestão emocional: diz respeito ao modo como o
profissional, enquanto pessoa, gere e regula a manifestação das suas
emoções, particularmente perante situações e circunstâncias de maior
desafio e exigência. A elevada exigência emocional associada à prestação
de apoio a vítimas de violência sexual permite depreender o importante
papel desempenhado pelas competências de autogestão emocional do
profissional na qualidade do seu trabalho. Assim, um profissional que não
consiga, por exemplo, manter a serenidade e a compostura perante um
caso que choca pelos pormenores violentos não estará capacitado para
continuar o processo;
• Tolerância e respeito: o profissional deve demonstrar um
comportamento não etnocêntrico, respeitando os valores e costumes
culturais das vítimas, dos seus familiares e amigos, desde que não
colidam com as normas institucionais ou leis vigentes;
• Compaixão e empatia pelo sofrimento da vítima: o profissional deve ser
Página | 81
sensível à situação vivida e relatada pela vítima, seus familiares e amigos.
Tal implica que o profissional deve ser capaz de intuir e compreender os
significados e sentimentos da vítima, seus familiares e amigos,
relativamente à situação experienciada, bem como empatizar com o
desconforto e mal-estar que provocam. Não pode isto significar “ter
pena” da vítima, mas antes ser capaz de a compreender, procurando
apreender a realidade vivida segundo a perspetiva da própria vítima. Dito
de outra forma, é importante que o profissional seja capaz de se imaginar
“na pele” da vítima. Ser compassivo ou empático não pode, no entanto,
significar que o profissional se descontrole e chore com a vítima. Tal
conduta ou reação poderá provocar, ainda que inadvertidamente,
impacto negativo na vítima e na qualidade do processo de apoio, já que a
vítima poderá deixar de conceber o profissional como alguém qualificado
e preparado para a prestação de apoio, sendo possível o aparecimento
de alguma auto responsabilização ou culpa pelo desconforto causado a
terceiros, bem como de evitamento de determinados assuntos para não
transtornar o profissional. Caso tal suceda, é também crucial que o
profissional tenha a consciência de que não se está a respeitar
devidamente os interesses e bem-estar da vítima, pelo facto de estar a
inviabilizar o acesso a um apoio de qualidade que supra as suas
necessidades e auxilie na resolução dos problemas que apresenta.

Por sua vez, as competências técnicas dizem respeito à natureza do trabalho


técnico que o profissional deve desenvolver com as vítimas de violência sexual.

São competências objetivas que se podem desdobrar em algumas sub-


dimensões:

• Competências académicas (e/ou experiência profissional e/ou as suas


aptidões): estão associadas à detenção de um curso superior ou
licenciatura numa área relacionada com as exigências do processo de
apoio. Assim, se o apoio à vítima exigir conhecimentos ao nível do
Direito, só o profissional dessa área se encontra apto para o
operacionalizar. Por outro lado, se a vítima necessitar de apoio
psicológico, só os Psicólogos podem responder a tal necessidade. Caso
haja necessidade de apoio social, apenas o Trabalhador Social está apto
para o concretizar;
• Formação específica sobre vítimas de crime: é importante que o
profissional seja detentor de formação específica no âmbito de apoio a
vítimas de crime, com particular enfoque no apoio a vítimas de crimes
sexuais. O profissional estará apto a desenvolver de forma adequada a
tarefa de apoio quando revela um bom domínio em relação aos
Página | 82
pressupostos teóricos necessários, aos recursos sociais e de apoio
disponíveis, às boas práticas no apoio a vítimas de crimes, bem como às
questões éticas exigíveis;
• Competências específicas exigidas para a prática profissional na
instituição ou serviço onde está integrado.

Outro aspeto ao qual o profissional que trabalha com vítimas de violência sexual
deve atender refere-se a um conjunto de condições pessoais que transcendem
as competências adquiridas pela formação pessoal e profissional. Assim, o
profissional deve zelar pela manutenção de condições pessoais para o
cumprimento adequado das responsabilidades, fazendo uso de estratégias
simples como:

• ter uma atitude positiva perante o stress, ou seja, encarar o stress como
um desafio a ser ultrapassado e não como algo incontornável e
incontrolável;
• partilhar experiências relativas aos casos em curso com os outros
profissionais da equipa de trabalho;
• reconhecer e respeitar os limites do próprio corpo, assegurando períodos
mínimos de descanso e relaxamento;
• reconhecer e respeitar as normas básicas de saúde, mantendo uma dieta
equilibrada e evitando o consumo de tabaco, cafeína ou álcool;
• introduzir o exercício físico regular na rotina semanal;
• investir em atividades prazerosas e que respeitem o gosto pessoal para
ocupar os tempos livres.

Complementarmente, o profissional deve ser capaz de identificar os momentos


em quem, face à ausência de condições pessoais – decorrente da vivência das
pressões quotidianas e/ou de outros problemas –, não está capaz de intervir
junto das vítimas (5).

Orientações globais para a atuação do profissional

Os serviços e profissionais que se dedicam à prestação de apoio a vítimas de


crimes sexuais desempenham um papel importante no modo como a vítima
processa os acontecimentos que experienciou, atuando também no curso da
sua recuperação, cabendo-lhes a responsabilidade de evitar ao máximo a
ocorrência de fenómenos de vitimação secundária (7).

É possível identificar algumas orientações globais para a atuação adequada dos


profissionais no apoio à vítima. No quadro I encontram-se sistematizadas
algumas dessas orientações (14). Página | 83

QUADRO I – ORIENTAÇÕES GLOBAIS PARA A ATUAÇÃO ADEQUADA DOS PROFISSIONAIS NO


(14)
APOIO À VÍTIMA
Objetivos Atitudes
Valorizar a denúncia • Reforçar a coragem e civismo ao comunicar o crime
• Escuta empática
Validar a experiência
• Normalizar as reações apresentadas
• Dar informação de forma inteligível
Reestabelecer o
• Não substituir a vítima na tomada de decisões
controlo
• Respeitar as escolhas da vítima
Romper a ideia de
• Fornecer informações sobre o crime e sua prevalência
“vulnerabilidade única”
• Não criticar
• Enquadrar as reações da vítima no contexto emocional do ato
Prevenir a • Valorizar tentativas prévias de proteção (no caso de crimes
culpabilização continuados), ainda que possam ter sido ineficazes
• Evitar, e recomendar à família da vítima, a utilização de
expressões do tipo “porque é que não…” e “devias ter…”
• Recomendar o retomar progressivo de atividades
Prevenir o evitamento • Evitar a hiperprotecção por familiares e amigos (sem
negligenciar a segurança da vítima)
• Não aconselhar a vítima a “esquecer tudo” e recomendar às
Promover o pessoas próximas que não o façam
processamento • Sugerir a partilha de sentimentos e receios com aqueles em
emocional e cognitivo quem confia, recomendando aos últimos que mantenham uma
da experiência posição de disponibilidade para a escuta, sem pressionarem à
partilha
• Discutir estratégias de segurança
Prevenir novos crimes
• Elaborar, se necessário, um plano de segurança com a vítima
Prevenir o isolamento • Mobilizar o suporte social

Já no que diz respeito ao apoio a vítimas de violência sexual (mulheres ou


homens vítimas), o profissional deve também ter em conta algumas orientações
específicas e cuidados particulares, tais como:

• reforçar o facto de acreditar na vítima;


• não culpabilizar a vítima pelos atos de que foi alvo, nem emitir juízos de
valor:
o para o efeito, é central que o profissional seja isento, tanto quanto
possível, de juízos que reforcem a interiorização ou legitimação de
mitos e crenças associados à violência sexual;
o a existência de juízos de valor pode colocar em causa o processo
de apoio;
o assim, sugere-se que as questões a colocar à vítima sejam
preferencialmente neutras, como “O que aconteceu…?” Ou “Como
é que…?”. A colocação de questões como “Porque é que…?”
Página | 84
sugerem culpa;
• examinar as suas próprias atitudes e crenças face à violência sexual;
• controlar e evitar a manifestação de sentimentos de surpresa, choque,
aversão aquando do relato da vítima;
• respeitar a confidencialidade;
• dar a oportunidade à vítima de escolher se quer ser atendida por um
profissional do sexo feminino ou do sexo masculino.

Quando a vítima de violência sexual é do género masculino será importante que


o profissional dedique especial atenção aos seguintes aspetos (17):

• estereótipos sobre a vitimação sexual masculina;


• expectativas de conduta relativamente ao género masculino;
• retrato dos homens homossexuais nos meios de comunicação social;
• desequilíbrio de poder entre géneros;
• socialização e sexualização da criança de acordo com o género;
• uso de linguagem não apropriada.

A compreensão das consequências da vitimação sexual masculina exige também


conhecimentos sobre a forma como este fenómeno é socialmente percebido e
reconhecido e acerca das expectativas comportamentais associadas à conduta
do género masculino. A ridicularização social da vitimação sexual masculina e a
interiorização dos valores defendidos pela sociedade patriarcal ao nível da
dominação masculina influenciam negativamente o modo como a vítima
perceciona e atribui significado à sua experiência de vitimação e a forma como
as estruturas de apoio e os profissionais respondem a esta forma de vitimação.

O PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VÍTIMA

O profissional deverá ter em conta, desde o início da sua intervenção, que o


objetivo do apoio à vítima de violência sexual é responder e satisfazer
adequadamente as suas necessidades. Para que tal seja possível, o profissional
deve identificar as necessidades que, na perspetiva da vítima, são mais urgentes
e prioritárias, antecipando igualmente a possibilidade de estas divergirem
daquelas que o profissional sinaliza enquanto prioridade de intervenção (5, 4).
Ao longo do processo de apoio devem ser sempre estudadas em conjunto com a
vítima as estratégias e possíveis respostas às necessidades apresentadas. Assim:

• o profissional deve construir e analisar com a vítima as várias alternativas


de resolução dos problemas;
• cabe ao profissional informar a vítima dos seus direitos e respeitá-los; Página | 85
• cabe à vítima, enquanto sujeito ativo, tomar as respetivas decisões;
• o profissional deverá respeitar a dignidade da vítima, aceitando as suas
decisões e escolhas racionais.
Para que o princípio da autonomia seja de facto garantido, deverá promover-se
uma decisão informada por parte da vítima, cujos pressupostos são os
seguintes:

• a vítima deve ser informada sobre os seus direitos, alternativas possíveis


e procedimentos a adotar perante cada uma das alternativas, devendo
esta informação ser fornecida de modo a que a vítima a compreenda na
íntegra, tendo, como tal, em consideração a sua capacidade de
assimilação;
• a vítima deve estar na posse das capacidades necessárias para poder
decidir em consciência;
• a vítima não pode ser coagida ou forçada a tomar uma determinada
decisão, competindo ao profissional avaliar o grau de liberdade de cada
pessoa para determinada decisão.

INTERVENÇÃO NA CRISE E INTERVENÇÃO CONTINUADA (4,3)

A intervenção com vítimas de violência sexual deverá ser


diferenciada em função da natureza do seu pedido, do momento que
a vítima se encontra a viver, ou seja, se está ou não numa situação de
crise, e da altura em que recorre aos serviços de apoio.

A vítima de violência sexual, em particular a de violação, que recorre aos


serviços de apoio logo após a experiência de vitimação (no próprio dia ou nos
dias seguintes à sua ocorrência) encontra-se habitualmente a viver uma
situação de crise, na qual os seus recursos pessoais e sociais são percebidos
como insuficientes para responder adequadamente a uma situação de elevada
exigência. Para o efeito, necessita de forte apoio emocional, bem como da
operacionalização de uma série de tarefas de intervenção que ajudarão à sua
recuperação e reorganização, reduzindo o impacto negativo da vitimação e
garantindo a sua segurança e bem-estar físico e psicológico após o
Página | 86
acontecimento traumático.

No entanto, importa salientar que uma intervenção no momento de crise não


será um trabalho estanque e isolado. Pelo contrário, poderá evoluir para uma
intervenção de continuidade, que se desenrola por um período de tempo mais
longo, conforme as necessidades concretas de cada vítima, do ponto de vista
psicológico e emocional, prático e jurídico, entre outras. Por estas razões a
intervenção poderá exigir alguma continuidade no tempo e
multidisciplinariedade.

Por outro lado, é relativamente frequente existirem vítimas de violência sexual


que recorrem aos serviços de apoio apenas algum tempo depois do impacto e
das reações imediatas à experiência vivida, sobretudo pelo facto de
reconhecerem que algumas das queixas ou sintomas ainda estão presentes
e/ou interferem com o seu quotidiano e bem-estar (ex.: dificuldades em dormir;
dificuldades em manter novos relacionamentos íntimos e/ou em manter
relações sexuais).

Assim, consideram-se dois tipos de intervenção, que abordaremos com maior


detalhe seguidamente:

• intervenção na crise;
• intervenção continuada.

Intervenção na crise

Devido ao carácter repentino ou surpreendente e ao modo como coloca em


causa a vida e/ou a integridade física e/ou psicológica da vítima (de forma real
ou percebida), uma experiência de vitimação é, independentemente da sua
natureza, um acontecimento potencialmente traumático, que pode gerar uma
situação de crise.

A duração e a intensidade da crise dependem essencialmente de três fatores:

• grau da violência exercida sobre a vítima;


• capacidade da vítima para enfrentar o problema;
• auxílio (formal e informal) recebido após o episódio traumático.

A situação de crise é observável através das seguintes manifestações:


Página | 87
• Reações psicológicas, tais como choro, pânico, confusão, angústia,
vergonha, baixa autoestima, culpa, revolta, perturbações
psicossomáticas, predomínio de memórias sobre o evento;
• Pressões sociais e económicas que propiciam o bloqueamento,
associadas ao desconhecimento dos seus direitos.

Estes dois traços definem a negatividade da situação de crise. A intervenção na


crise deve, no entanto, centrar-se na oportunidade de mudança que a situação
de crise também comporta.

O apoio prestado num momento de crise é crucial, obrigando a uma


intervenção imediata, rápida e eficaz junto da vítima de crime. A
intervenção em crise deve, por isso, ser intensiva, focalizada e
limitada no tempo, dirigindo-se para a resolução de problemas atuais
e respondendo a objetivos específicos.

Esta intervenção é particularmente indicada para vítimas de violência sexual ou


de violência nas relações de intimidade quando a vitimação ocorreu há menos
de 48 horas.

A intervenção em crise deve procurar responder aos seguintes objetivos:

• romper com a ideia de caso único;


• ajudar a vítima a lidar com fantasias acerca do impacto da violência,
evitando a catastrofização;
• lidar com a procura de explicações;
• lidar com sentimentos de culpa da vítima (explicando as estratégias do/a
agressor/a e as dificuldades inerentes à revelação);
• evitar o silenciamento ou a pressão “para esquecer” ou para perdoar;
• evitar tentativas de “fazer justiça com as próprias mãos”;
• promover a esperança na recuperação e resolução do problema;
• explicar os procedimentos legais e médicos necessários.
A intervenção na crise comporta duas fases:

Num primeiro momento de intervenção, o profissional deve reconhecer o


estatuto de vítima, mostrando-se disponível para:
Página | 88
• escutar a sua versão dos factos e circunstâncias do crime;
• validar a experiência vivida;
• respeitar as suas reações psicológicas, os seus valores, dificuldades,
condições de vida e necessidades;
• facilitar e promover a libertação de emoções e sentimentos negativos;
• enquadrar as reações apresentadas como compreensíveis, possíveis e
naturais no âmbito de uma experiência de vida difícil.

Numa segunda fase, é importante:

• contribuir para a tomada de consciência de que o estatuto de vítima


representa uma forma de desgaste da autoestima;
• ter uma atitude positiva relativamente às potencialidades da vítima;
• incentivar uma visão mais perspicaz e realista da sua condição,
promovendo a segurança e a prevenção da revitimação.

Deverá ainda pautar-se pelas seguintes etapas:

• cessar a violência, com o objetivo de desencadear procedimentos de


proteção em relação à vítima;
• avaliar o risco e a segurança da vítima e dos seus familiares;
• estabelecer relação e comunicação adequada com a vítima e com seus
familiares;
• identificar os principais problemas;
• lidar com os sentimentos e fornecer apoio;
• explorar alternativas possíveis;
• formular um plano de ação;
• disponibilizar acompanhamento.

Neste tipo de intervenção, devem adotar-se as seguintes estratégias:

• Explorar as características da fase aguda (de reorganização): Neste


período, a vítima em crise responde facilmente à ajuda, pelo que o
contacto inicial é fundamental. O profissional deve tentar obter a
confiança da vítima, estabelecer entendimento e identificar claramente
os eventos recentes mais relevantes, sobretudo aqueles que levaram à
procura de ajuda. Através de uma conversa acerca das últimas 48 horas
obtém-se muita informação útil, que permitirá identificar os problemas-
chave.
• Clarificar: É importante clarificar quais são as exigências a que a vítima
tem de fazer face, incluindo obrigações práticas. O profissional deve estar Página | 89
atento ao estado de saúde mental da vítima, nomeadamente, se existem
ideações suicidas, qual o grau de ansiedade, de agitação e de angústia e,
em particular, se a sua condição mental permite responder
adequadamente às obrigações práticas decorrentes da vitimação.
• Avaliar: O profissional deve avaliar a existência e qualidade do apoio
proporcionado pela rede de suporte primária (família e/ou amigos).
Desta forma, é possível aceder a uma perspetiva alargada em relação ao
funcionamento da vítima, tanto no passado, quanto no presente, à forma
como resolve ou resolveu os problemas e à qualidade dos recursos
disponíveis. Esta avaliação deverá ser efetuada numa altura em que a
vítima já se encontre mais estável do ponto de vista emocional, pelo que
deverá prever-se a sua realização para sessões ou atendimentos
subsequentes.
• Diminuir a ativação e a angústia: É comum a vítima encontrar-se numa
situação de ativação e de angústia. Conversar com a vítima de uma forma
segura e tranquilizante é uma estratégia adequada para reduzir estes
sintomas.
• Reforçar a comunicação adequada: Deverá comunicar-se de forma
natural com a vítima (sem negligenciar a seriedade da situação vivida),
prestando-lhe atenção e desencorajando o comportamento agitado,
persistente ou não comunicativo.
• Mostrar interesse e encorajar: O profissional deve demonstrar interesse,
disponibilidade para escutar e compreender, e empatia. Deve estimular a
esperança numa resolução positiva (pese embora realista), o que
promoverá a autoconfiança da vítima.

Podem elencar-se algumas tarefas importantes que os profissionais, no âmbito


da intervenção na crise com vítimas de violência sexual, devem desenvolver (3):

• Empoderamento. O profissional deve auxiliar a vítima a encontrar as suas


próprias potencialidades para a resolução dos problemas, reforçando as
suas capacidades e o seu poder de decisão. O primeiro aspeto a referir
pode ser, entre outras, a coragem que a vítima de violência sexual teve, e
está a ter, ao quebrar o silêncio, pedindo ajuda a uma instituição.

• Validação dos direitos e das decisões da vítima. O profissional deve


informar devidamente a vítima sobre os seus direitos e os procedimentos
judiciais, bem como sobre os constrangimentos de vária ordem que
podem surgir, respeitando as suas decisões, nomeadamente quanto à
não apresentação da queixa-crime, mas ajudando a perceber as
vantagens e desvantagens de cada potencial decisão. Uma das vantagens
que podem ser associadas à decisão de denunciar poderá ser a
Página | 90
tranquilização da vítima pelo facto de assumir uma atitude ativa perante
o crime de que foi alvo. Outra vantagem que poderá ser apontada pelo
profissional prende-se com o facto de a vítima, ao queixar-se, estar a
contribuir preventivamente para que outras pessoas não sejam vítimas
do/a mesmo/a agressor/a. As desvantagens prendem-se com as
dificuldades que a vítima poderá vir a enfrentar ao longo do processo
judicial, nomeadamente as eventuais dificuldades da investigação
criminal e as suas próprias dificuldades emocionais, tais como a vergonha
sentida e a necessidade de reviver o acontecimento traumático de cada
vez que for solicitada a relatar os factos.

• Compreensão da opressão que sente, durante o processo de tomada de


decisão, dado que se encontra mais frágil, num cenário de incertezas e
de medos. As suas tomadas de decisão poderão, por isso, tornar-se
difíceis e inseguras, sendo possível a desistência, insegurança e/ou
incerteza em relação a decisões tomadas previamente.

• Preservação dos meios de prova do crime. O profissional deverá alertar a


vítima para a necessidade de preservar os meios de prova do crime, caso
pretenda apresentar queixa-crime 1.

• Encaminhamento para a Polícia, urgências do hospital, para o Gabinete


Médico Legal ou para a Delegação do Instituto Nacional de Medicina
Legal e Ciências Forenses (INMLCF). Se a vítima ainda não recorreu a
estas entidades, o profissional deverá, num primeiro momento,
encaminhar a vítima para um hospital da área geográfica
correspondente. Os exames médico-legais poderão ser realizados no
próprio hospital, caso seja possível a chamada do perito médico-legal que
se encontra de prevenção, ou posteriormente, no Gabinete médico-legal
ou na Delegação do INMLCF mais próximo da sua área de residência. A
vítima quando se dirigir ao gabinete médico-legal ou delegação do
INMLCF, poderá, em princípio, apresentar queixa-crime nesse local. A
queixa-crime poderá ainda ser apresentada na Guarda Nacional
Republicana, na Polícia de Segurança Pública, na Polícia Judiciária, ou
ainda diretamente no Ministério Público.

1
Para mais informações, queira consultar A VÍTIMA ADULTA DE VIOLÊNCIA SEXUAL E O PROCESSO PENAL
• Acompanhamento pessoal. O profissional deverá estar disponível para
acompanhar a vítima pessoalmente em todas as diligências que são
próprias do processo de apoio (ex.: ir ao hospital, esquadra, medicina-
legal, etc.).

Neste acompanhamento deve excluir-se o uso de transportes públicos, Página | 91


por não oferecerem a comodidade e discrição que exige um tratamento
confidencial do caso. Será mais adequado o uso de veículos discretos,
caso a instituição os possa disponibilizar, ou veículos de familiares e/ou
amigos, onde a vítima se poderá sentir mais confortável. O uso de
ambulância apenas deverá ser equacionado quando a vítima necessita de
cuidados de saúde imediatos. Sempre que possível deve dispensar-se a
ambulância para evitar que a entrada da vítima no veículo (e mesmo a
sua chegada ao hospital) atraia a atenção e curiosidade alheias (em
particular nas pequenas comunidades), com perguntas incomodativas do
tipo: O que se passou? Quando esta questão é colocada por pessoas
conhecidas da vítima, a profissional deve ter o cuidado de formular
previamente com a vítima uma versão diferente do crime, afastando a
natureza sexual da vitimação, por exemplo, indicando um roubo com
violência. Esta versão pode ser útil à vítima por evitar o conhecimento
alheio sobre a violência de que foi alvo, o que poderia agravar a situação
de crise.

O profissional deverá evitar deixar a vítima sozinha, disponibilizando-lhe


todo o apoio que necessitar, nomeadamente o contacto com outros
profissionais, evitando a repetição desnecessária do relato dos factos (a
repetição poderá aumentar a crise por obrigar à revivência da situação
traumática). Assim, por exemplo, à chegada ao hospital, o profissional
deverá poupar a vítima à inscrição ao balcão, fornecendo aos
responsáveis pela inscrição todos os dados necessários. Deve ainda
revelar particular cuidado ao referir a causa de entrada no hospital, para
evitar que outras pessoas, alheias aos serviços de saúde, tomem
conhecimento do que sucedeu. Se possível, o profissional deverá
providenciar a entrada de urgência no hospital, de modo a que a vítima
seja imediatamente atendida.

A postura do profissional durante o acompanhamento deverá pautar-se


pela serenidade e confiança. Por isso, não deverá manifestar qualquer
ansiedade ou outra emoção negativa junto da vítima que possa, de
algum modo, agudizar o estado de crise em que se encontra. Mesmo que
seja necessário que o profissional revele alguma intolerância em relação
a algum impedimento ou insuficiente facilitação por parte de algum
técnico ou instituição, com a finalidade de continuar uma adequada
intervenção na crise, tal nunca deverá acontecer na presença da vítima.
É importante, neste acompanhamento ao hospital, providenciar o acesso
a testes de gravidez e de despiste de infeções sexualmente
transmissíveis. No caso de gravidez, a vítima tem direito à contraceção de
emergência (vulgo, pílula do dia seguinte), que é administrada nas 72
Página | 92
horas seguintes ao momento em que ocorreu a possível gravidez, e, caso
já não seja possível esta alternativa, à interrupção da gravidez, nos
termos e prazos previstos na Lei 2.

• Otimização de todos os recursos existentes na instituição. O profissional


deverá colocar à disposição da vítima todos os recursos (ex.: materiais,
humanos, etc.) que, na instituição ou serviço, estão disponíveis para
facilitar o processo de apoio e possibilitar uma relação de proximidade.
Será importante, por exemplo, o uso de espaços físicos discretos dentro
da instituição, o uso do telefone ou outros meios de comunicação para
contactar com familiares e/ou amigos.

• Facilitação de contactos. O profissional poderá ajudar a vítima no


contacto com familiares e/ou amigos, que poderão ser muito
importantes no processo de apoio. A pedido da vítima, poderá vir a ser
contactada uma pessoa específica, amigo ou familiar, que a vítima deseja
para a apoiar neste momento difícil. É importante que o profissional
tenha alguns cuidados no contacto a efetuar, dado que uma notícia desta
natureza poderá provocar reações negativas nos familiares e amigos.
Assim, este contacto deverá ser previamente planeado pelo profissional
que, ao abordar o amigo ou familiar, não o deve chamar pelo seu grau de
parentesco ou relação com a vítima, mas pelo nome próprio. De seguida,
o profissional deverá identificar-se devidamente, com o seu nome e
referência à instituição a que pertence, informando, de imediato que a
pessoa em causa está em segurança, embora tenha sido vítima de um
crime. É natural que o amigo ou familiar questione qual o crime de que
foi vítima, ao que o profissional poderá responder indicando a natureza
sexual do crime, mas escusando-se a revelar pormenores.

Neste momento é importante que o profissional tranquilize o familiar ou


amigo, referindo que foi a vítima quem pediu para efetuar o contacto,
por se encontrar muito fragilizada para o fazer, salientando que esta se
encontra a ser apoiada e que não está só. Deve solicitar-se claramente ao
familiar ou amigo para manter sob confidencialidade a situação da qual

2
De acordo com o art. 142º, nº1, alínea d) do Código Penal Português não é punível a interrupção da gravidez se
esta resultou de crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras
16 semanas de gravidez. No mesmo artigo, alínea e) prevê-se que a interrupção da gravidez não seja punível se
for realizada por opção da mulher nas primeiras 10 semanas de gravidez.
tomou conhecimento. Nesse sentido, profissional deve recomendar
serenidade e discrição em todos os seus movimentos, para que outras
pessoas não suspeitem do acontecimento. Pode recomendar que, se
necessário, indique a versão do acontecimento enquanto roubo com
violência. O profissional deverá também acordar com o familiar ou amigo
a importância do seu apoio, a curto e a longo prazo. A curto prazo a Página | 93
vítima pode necessitar que lhe traga roupas limpas, documentos pessoais
e outros objetos de necessidade. A longo prazo, a vítima necessitará de
apoio emocional por parte do familiar ou amigo.

Outro aspeto importante a salientar junto do familiar ou amigo é que a


vítima não poderá ser culpabilizada pela experiência que viveu,
especialmente se suspeitar, pelas suas atitudes durante a conversação,
que o familiar ou amigo o poderá vir a fazer.
Caso se trate de um contacto telefónico e a vítima estiver presente
durante a conversação e manifestar vontade de falar, o profissional
deverá anunciar ao familiar ou amigo que a vítima irá, afinal, falar-lhe.

Por fim, deverá combinar-se o local de encontro com o familiar ou amigo


(hospital, esquadra de polícia, etc.).
Se não for possível falar ao familiar ou amigo no sentido de obter roupas
limpas para a vítima, o profissional deverá providenciá-las, respeitando,
tanto quanto possível, o gosto da vítima.

• Promoção da segurança e domínio da sua própria vida. O profissional


deverá auxiliar a vítima a formular um plano de segurança pessoal que
lhe permita lidar melhor com a insegurança provocada pela experiência
de vida. Este plano englobará estratégias de prevenção da
violência/revitimação (sabendo como a prever, estabelecendo
comportamentos, premeditar qual a melhor reação a ter, etc.) e de
sobrevivência à violência (como se defender no momento em que está a
ser agredida, para onde fugir, o que deverá trazer sempre consigo, etc.).
Nesta matéria os familiares e/ou amigos poderão propiciar uma
colaboração importante pois poderão estar junto da vítima durante todo
o dia, pernoitando com ela e acompanhando-a à rua.
A insegurança da vítima poderá ser real, isto é, pode existir perigo real de
ser novamente agredida pelo/a mesmo/a agressor/a. Pode igualmente
tratar-se de uma reação psicológica, natural depois do acontecimento
traumático vivido. Em ambas as situações será importante haver um
acompanhamento próximo da vítima.

• Acordar com a vítima uma continuação da intervenção. Ao despedir-se


da vítima o profissional deverá acordar com ela um encontro para breve,
entregando-lhe por escrito os seus contactos (na instituição ou serviço
onde trabalha), horários e outras informações importantes, pois o estado
fragilizado em que se encontra poderá impedir que memorize facilmente
tais informações. É igualmente importante aconselhar a vítima a guardar
esses contactos num local seguro, apenas conhecido por si e/ou por
alguém da sua total confiança. Se possível, o profissional poderá obter da
Página | 94
vítima permissão para a contactar por telefone, carta ou e-mail, de modo
a assegurar que haverá, pelo menos, um contacto posterior entre os dois.
Este contacto posterior poderá ser muito importante para a recuperação
da crise, pois poderá ser necessária uma intervenção continuada.

Intervenção continuada

Após o apoio de intervenção na crise, poderá, tendo em conta o impacto


psicológico da experiência de vitimação e a necessidade de reorganização da
vida da vítima, ser necessário implementar uma intervenção continuada.

Idealmente, tal deverá contar com o profissional que esteve, desde o início do
processo, envolvido no apoio à vítima. Este profissional deverá ser capaz de,
devido ao envolvimento prévio, conhecer melhor as circunstâncias da crise e os
fatores que a potenciaram, identificar as necessidades que deverão ser
satisfeitas e definir o tipo de apoio de que a vítima mais necessita.

Por outro lado, o profissional também deverá ter consciência de que a vítima
poderá não desejar receber qualquer apoio da sua parte, pelo facto de, por
exemplo, associar aquele profissional em particular à revivência do
acontecimento traumático. Nesse sentido, o profissional deverá respeitar
inteiramente a vontade da vítima, encaminhando-a para outro profissional (da
mesma instituição ou de outra), com o propósito de facilitar e garantir um
processo de recuperação pleno.

Independentemente disso, é essencial garantir que a vítima tenha acesso a


serviços de apoio ou consulta psicológica, psicoterapêutica ou psiquiátrica aos
quais possa recorrer, caso tenha necessidade.

O apoio psicológico, psicoterapêutico ou psiquiátrico poderá ser


importante para ajudar a vítima a minimizar o desconforto e
desajustamento psicológico e emocional causado pela experiência de
vitimação, a processar o evento vivido e a reorganizar-se.
Este apoio poderá ser particularmente determinante durante o processo de
investigação criminal.

O processo de investigação criminal poderá ser penoso para a vítima, sobretudo


pela sua morosidade, o que poderá desencadear a sensação de estar ligada há
muito tempo a um acontecimento doloroso da sua vida, que, muito embora Página | 95
passado, permanece presente no seu quotidiano. Destaca-se, neste âmbito, a
fase de inquérito 3, na qual haverá a necessidade de revisitar/reviver, diante de
uma pessoa estranha, a cena da violência, o que poderá significar a revivência
de todos os sentimentos negativos que dela resultaram.

Por sua vez, outros momentos ou acontecimentos associados ao andamento do


processo no sistema judicial podem revelar-se particularmente ansiógenos:

• ausência de informação sobre o estado do processo de investigação;


• possibilidade de arquivamento do processo após fase de inquérito;
• necessidade de prestar declarações e revisitação de sentimentos e
pensamentos desagradáveis associados ao evento traumático;
• possibilidade de ser colocada em causa a credibilidade do seu
testemunho;
• possibilidade de se cruzar com o/a autor/a do crime (sendo este/a
alguém desconhecido ou próximo da vítima);
• resultado pouco favorável do julgamento (ex.: sentença não
condenatória).
T
Assim, a vítima deverá ser acompanhada pelo profissional durante o processo
de investigação por forma a evitar o surgimento de uma nova situação de crise.
É importante que a vítima atravesse todo o processo judicial com a segurança
de que o apoio do profissional não lhe faltará e que aquele problema não lhe diz
respeito apenas a si. O profissional deverá, por isso, manter uma postura de
constante encorajamento da vítima, ajudando a prever as dificuldades e a
antecipar possíveis cenários, antevendo resultados e reações.

Para além do suporte e acompanhamento psicológico durante o


processo judicial, é crucial articular com profissionais da área jurídica
com vista ao aconselhamento especializado neste domínio.

3
Para mais informações sobre esta matéria, consulte A VÍTIMA ADULTA DE VIOLÊNCIA SEXUAL E O PROCESSO
PENAL.
Estes profissionais poderão auxiliar devidamente a vítima na solicitação de
patrocínio judiciário, se não puder custear as despesas, quer do advogado, quer
do processo judicial, se a ele tiver direito, de modo a que seja representada em
Tribunal, caso o processo-crime prosseguir até uma acusação e consequente
julgamento.
Página | 96

Na APAV, a intervenção continuada consiste na disponibilização dos


seguintes serviços especializados de apoio:

• Apoio Psicológico
• Apoio Jurídico
• Apoio Social

Estes apoios serão abordados com maior detalhe nos próximos capítulos do
presente Manual.

O APOIO AOS FAMILIARES DA VÍTIMA ADULTA DE VIOLÊNCIA SEXUAL (13)

A qualidade do suporte e do apoio providenciados pelos familiares à vítima de


violência sexual são determinantes para a sua recuperação. No entanto, nem
sempre os entes próximos se encontram em devidas condições, sobretudo
devido ao impacto decorrente do conhecimento ou da notícia da situação, de
desempenharem esta tarefa. É, por isso mesmo, crucial que o profissional avalie
o impacto da revelação junto dos familiares mais próximos, a destes reação à
notícia e a capacidade para envidarem esforços para proteger e auxiliar a vítima
no processo de recuperação.

Os familiares de uma vítima de violência sexual podem reagir de forma


diversificada à revelação da experiência de vitimação, tendo em conta as
características da agressão sexual, as condições ou circunstâncias em que
ocorreu e o grau de conhecimento relativamente ao/à autor/a da agressão.

A descoberta da violência sexual praticada contra um elemento da família pode


alterar a organização, o funcionamento e o bem-estar individual, conjugal e
familiar:
• pode potenciar situações de crise;
• pode ocorrer a manifestação de sentimentos de culpa e de auto
responsabilização, sobretudo pelo facto de não terem conseguido
proteger a vítima ou por não terem evitado que esta fosse sujeita à
experiência;
Página | 97
• os familiares poderão manifestar sintomas de desconforto psicológico e
emocional similares aos que se encontram junto das vítimas diretas de
crime e/ou manifestar uma afetação geral do seu funcionamento global
(inclusive do ponto de vista profissional e social);
• podem questionar a veracidade dos atos relatados pela vítima ou duvidar
da sua ocorrência;
• podem surgir desejos de vingança, de “fazer justiça pelas próprias mãos”
e sentimentos de revolta;
• podem manifestar-se dificuldades relacionais e de comunicação entre os
familiares e a vítima, sobretudo pelo desconforto e constrangimento em
abordar da situação;
• podem “invadir” a vítima com questões sobre o acontecimento,
contribuindo para o desajustamento psicológico e emocional da vítima
direta.

Assim, o profissional deve:

• compreender e esclarecer que as reações manifestadas são parte


integrante de um estado emocional que, tendo em conta a situação
traumática, pode ser inevitável para os familiares, principalmente os mais
próximos da vítima;
• considerar a possibilidade de ser necessário apoiar em simultâneo os
familiares da vítima, tendo em conta o impacto psicológico e emocional
provocado pelo conhecimento da vitimação de um ente próximo;
• promover o diálogo e a confiança entre os familiares e a vítima,
envolvendo-os no processo de apoio.

CONFIDENCIALIDADE E SEGURANÇA (4, 5)

Um dos aspetos mais importantes de um processo de apoio a vítimas de


violência sexual são as questões relacionadas com a confidencialidade e com a
segurança.
O dever de confidencialidade decorre de três princípios que os profissionais
não devem esquecer:

• Estão a trabalhar com pessoas em estado de sofrimento, devendo-lhes o


máximo respeito perante a situação delicada e íntima que lhes é
Página | 98
apresentada.
• Devem, normalmente, respeito a uma ética profissional ou a um código
deontológico da sua profissão, que consagra o conceito de segredo
profissional.
• Devem ter em atenção que qualquer fuga de informação, deliberada ou
acidental, poderá simultaneamente fazer perigar toda a intervenção que
se está a desenvolver e colocar em risco a integridade física, e até mesmo
a vida, das pessoas que se está a apoiar, bem como, em vários casos, dos
seus familiares e/ou amigos e, igualmente, dos colegas de trabalho e
respetivos familiares e/ou amigos.

Manter a confidencialidade dos processos de apoio é condição


imprescindível para o atendimento adequado às vítimas de violência
sexual.

É a cada profissional que compete velar pela confidencialidade, impondo


prudência tanto no seu próprio comportamento como no dos restantes
intervenientes no processo. Para que mantenhamos fidelidade a esta condição
é necessário que, no quotidiano, o profissional tenha especiais cuidados no
contacto com terceiros, aos quais não se pode fornecer informações acerca do
processo de apoio sem a prévia autorização da vítima. Destes terceiros,
excetuam-se, no entanto, os profissionais das instituições implicadas no mesmo
processo de apoio, ou seja, a rede de cooperação institucional.

Alguns procedimentos podem auxiliar na manutenção da confidencialidade e


segurança do processo de apoio.

Assim, no local de trabalho, deve-se:

• manter toda a documentação relativa a processos de apoio encerrada


em armários equipados com fechadura;
• impedir que esta documentação, ou cópias, saia do local de trabalho;
• não expor ou consultar esta documentação em locais frequentados por
utentes;
• assegurar a privacidade da vítima e/ou familiares durante o próprio
atendimento;
• não permitir que o espaço do local de trabalho seja fotografado ou
Página | 99
filmado enquanto a vítima e/ou seus familiares estiverem presentes;
• não falar do processo de apoio nas zonas de espera e/ou presença de
terceiros e/ou da vítima.

Por sua vez, fora do local de trabalho, o profissional não deve:

• identificar-se em público como profissional de apoio a vítimas de crimes


e de violência;
• utilizar o veículo pessoal em determinadas diligências relacionadas com
processos de apoio, designadamente o transporte de vítimas;
• fornecer à vítima e/ou seus familiares quaisquer informações sobre a
vida pessoal ou dos colegas de trabalho (ex.: fornecer o contacto
telefónico de casa; comentar onde mora; referir que locais costuma
frequentar);
• utilizar o apelido nos processos de apoio, especialmente ao telefone;
• discutir processos de apoio com familiares e/ou amigos e conhecidos, ou
em público com outros profissionais, ainda que omitindo nomes e
lugares;
• abordar processos de apoio na comunicação social ou em encontros (ex.:
colóquios; congressos; outros eventos públicos) sem a prévia autorização
do coordenador/ superior hierárquico;
• fornecer exemplos pormenorizados do trabalho com histórias de vida e
processos de apoio recentes, mesmo ocultando nomes de pessoas e
lugares;
• encaminhar jornalistas ou investigadores para vítimas, familiares e/ou
amigos da vítima sem o seu consentimento prévio e sem os alertar para
os cuidados a ter no que toca à preservação da sua privacidade.
Já ao telefone, o profissional deve ter presente que as mensagens ou os
próprios telefonemas podem, em certos casos, ser intercetados pelos
agressores, o que poderá conduzir ao agravamento do processo de vitimação.

Assim, deve adotar os seguintes procedimentos:

• não telefonar à vítima ou aos seus familiares sem o seu prévio


consentimento ou sugestão;
• utilizar um telefone cujo número seja confidencial;
• caso o telefonema não seja atendido pela pessoa com quem se pretende
conversar, optar por fingir que foi engano, de forma a não levantar
suspeitas, ao invés de simplesmente desligar a chamada;
• não deixar mensagens em atendedor de chamadas automático, mesmo
em atendedores de telemóveis;
Página | 100
• não fornecer quaisquer informações a terceiros (salvo profissionais de
outras instituições) que nos telefonem, mesmo que se identifiquem
como familiares ou amigos da vítima e/ ou refiram ter autorização desta
para o fazer, sem que a vítima e/ou ou seus familiares o tenham
mencionado de antemão;
• não confirmar ou infirmar a existência de um determinado processo de
apoio, podendo apenas anotar a identificação do interlocutor e referi-lo
posteriormente à vítima e/ou seus familiares.

Quando o profissional está com a vítima deve também ajudá-la a guardar


confidencialidade sobre o seu próprio processo de apoio, sobretudo nos casos
em que a vítima coabita com o/a agressor/a:

• ajudar a estabelecer os dias e horas em que não é arriscado dirigir-se à


instituição ou serviço;
• ajudar a formular um eventual pretexto para apresentar ao/à agressor/a;
• definir com a vítima as precauções a ter no uso do seu próprio telefone:
o ter em conta que, quando a vítima coabita com o/a agressor/a,
pode haver a possibilidade de acesso a fatura detalhada, mesmo
do telefone fixo;
o o telemóvel também pode permitir que o/a agressor/a, caso tenha
acesso ao aparelho, consulte todas as chamadas efetuadas e
recebidas, pelo que pode ser aconselhável apagar todos os
registos, e sempre que possível usar um telefone público ou de
amigo ou familiar, para o qual o profissional também possa
telefonar.
• recomendar precaução em relação a objetos denunciadores ou suspeitos
(ex.: cartões da instituição, números de telefone), devendo estes ser
devidamente ocultados em locais da casa insuspeitos ou, de preferência,
em casa de pessoas de confiança;
• aconselhar a vítima perante a eventualidade de ser perseguida pelo/a
agressor/a (mudar de percurso, procurar local onde haja outras pessoas);
• ajudar a vítima a refletir sobre quem escolher, de entre os familiares e
amigos, para confidenciar com segurança a sua situação e o processo de
apoio.
Perante a possibilidade de o profissional ser confrontado pelo/a agressor/a,
deve conhecer-se previamente alguns dos seus comportamentos e estratégias
típicas e os procedimentos de segurança que se devem adotar:

• normalmente os autores dos crimes não se identificam como tal,


podendo apresentar-se (mesmo ao telefone) como vítimas ou familiares Página | 101
e/ou amigos da vítima ou até como um profissional de uma outra
instituição:
o é, por isso, conveniente que o profissional esteja atento a esta
possibilidade e que não forneça quaisquer informações
relativamente aos processo de apoio, nem sequer confirme se
determinada pessoa está ou não a ser apoiada pela instituição
enquanto vítima de crime e violência.
• Deve ter-se em atenção que, se o/a agressor/a se revelar realmente
perigoso, deve solicitar-se o apoio policial.

TRABALHO EM COOPERAÇÃO (4, 5)

O trabalho em colaboração e cooperação constante com outros


profissionais de outras instituições e serviços é fundamental para
desenvolver adequadamente o processo de apoio a vítimas de
violência sexual.

Só desta forma o processo de apoio se pode desenvolver com a eficiência e


qualidade desejadas.

Deste modo, devem desenvolver-se parcerias com a comunidade local que


facilitem o trabalho e agilizem as respostas às necessidades da vítima ao nível
da obtenção de bens e serviços necessários à resolução do problema.
Para o efeito, o profissional deve:

Facilitar - tornar eficaz a comunicação e a relação entre os vários profissionais


dos outros serviços e instituições.

Negociar - criar espaços e pontos de encontro entre os vários profissionais,


tentando encontrar aspetos positivos e mecanismos de equilíbrio entre os
interesses e as vontades de cada um e salientando as vantagens recíprocas que
decorrem da parceria.

Dinamizar - dar visibilidade e delimitar a compreensão dos problemas,


mobilizando os vários profissionais para a sua resolução comum.
Página | 102
Assim, abordaremos positivamente determinados problemas que
habitualmente afetam o trabalho interinstitucional, tais como:

Formalidade - deve procurar diminuir-se os efeitos negativos de uma excessiva


formalidade no contacto diário entre as instituições (ex.: excesso de trâmites
burocráticos; inacessibilidade ao contacto e conversação com profissionais),
pois esta pode revelar-se prejudicial ao processo de apoio, tanto ao nível da
rapidez como da eficácia e celeridade na resolução do problema.

Falta de sentido prático - deve manter-se uma visão prática das exigências do
processo de apoio ao nível do contacto com outras instituições.

Tempo - deve rentabilizar-se o tempo disponível para cumprir uma determinada


exigência do processo (ex.: encaminhamento urgente para os serviços médico-
legais; envio de um relatório no prazo de uma hora para a polícia), sem atrasar
ou prejudicar o trabalho de outros serviços e instituições.

Falta de gentileza no trato - deve pautar-se a articulação com todos os


profissionais com quem se contacta no âmbito do processo de apoio pela
simpatia, educação e gentileza (ex.: ao telefone; pessoalmente; por carta; outro
meio).

Falta de contacto personalizado - deve contactar-se pessoalmente com os


profissionais de outras instituições e serviços, visitando e reunindo com estes
para empreender uma relação mais informal e desprendida, que permita tornar
mais fáceis as diligências dos processos de apoio que tenham em comum. Esta
postura trará seguramente melhores resultados para o processo de apoio.

Maus entendimentos - devem evitar-se maus entendimentos ou


desentendimentos das mensagens ou solicitações por parte de outros
profissionais, pois tal pode criar constrangimentos na relação entre instituições
e serviços, com prejuízos consideráveis para o processo de apoio.

Insuficiência de comunicação - deve evitar-se a insuficiência de informações


partilhadas com profissionais de outras instituições ou serviços, pois esta pode
limitar ou atrasar o trabalho no processo de apoio (ex.: se um profissional enviar
a outro profissional um relatório descuidado, omisso ou pouco claro, o último
não disporá de muitas informações válidas para trabalhar adequada e
eficazmente no processo de apoio).

Falta de visão global - deve evitar-se a adoção de uma perceção redutora


relativamente ao processo de apoio, que o limite, em exclusivo, ao próprio
serviço ou instituição. Pelo contrário, deve assumir-se como imprescindível a Página | 103
participação ativa de outros profissionais exteriores ao serviço ou instituição,
envolvendo-os no processo de apoio.

Isolamento - não se deve compactuar com uma cultura de isolamento praticada


por certas instituições e serviços, envidando, pelo contrário, esforços para
conhecer e promover o trabalho conjunto com profissionais exteriores aos
serviços ou instituições.

Competição negativa – não de deverá compactuar com uma cultura de


competição, praticada por instituições e serviços, empreendendo trabalho
conjunto com profissionais externos, sem tentar destacar as competências
pessoais.
APOIO PSICOLÓGICO A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL (4, 5, 7)

Página | 104
O apoio psicológico procura proporcionar uma experiência
terapêutica à vitima e/ou à família e tem como propósito a
minimização dos efeitos negativos do impacto do episódio
traumático vivido.

Responde, assim, à necessidade identificada na vítima, nos seus familiares e/ou


amigos de apoio para o restabelecimento do funcionamento e bem-estar
psicológico e emocional. Numa situação de violência sexual, a vítima poderá não
ser a única a necessitar de um acompanhamento desta natureza, na medida em
que os familiares e/ou amigos que lidam direta e indiretamente com a mesma,
poderão igualmente sentir o peso da responsabilidade de lidar com esta
revelação.
A finalidade do apoio psicológico deve ser compreendida em função do tipo de
utente a que se destina, pressupondo-se o conhecimento prévio do profissional
acerca das reações da vítima e das consequências que a violência experienciada
acarreta, sob o ponto de vista físico, psicológico e social.

Enquanto serviço especializado, o apoio psicológico deverá ser exclusivamente


implementado por profissionais com habilitação superior em Psicologia e
cujas habilitações e experiência tenham sido devidamente reconhecidas pela
respetiva ordem profissional que regula o acesso e o exercício da profissão de
Psicólogo. Em virtude da especialização que este tipo de apoio exige, nenhum
outro profissional pode, por isso, desenvolver acompanhamento psicológico
e/ou terapêutico com a vítima de violência sexual, seus familiares e/ou amigos.

PRESSUPOSTOS DO APOIO PSICOLÓGICO

São poucas as vítimas de violência sexual que procuram acompanhamento


psicológico imediatamente após a experiência de vitimação e, algumas vezes, só
o procuram porque os sintomas perduram ao longo do tempo.
Neste campo, têm sido aplicadas várias formas de intervenção, seja em grupo
ou individualmente, desde as terapias breves de orientação dinâmica, às
técnicas de dessensibilização sistemática e exposição, terapias cognitivas, treino
de inoculação do stress, tratamento das disfunções sexuais, terapias narrativas
e construtivistas (7).
Página | 105
Independentemente da abordagem escolhida, o essencial é que o profissional
tenha os devidos conhecimentos sobre as dinâmicas, os fatores de risco e o
impacto da violência sexual, assim como consciência dos mitos e atitudes
culturais acerca da violência sexual. Assim, enunciam-se algumas medidas que,
independentemente do modelo de intervenção selecionado, devem ser
consideradas para o sucesso da intervenção psicológica com a vítima:

• O profissional deve estabelecer com a vítima uma aliança terapêutica e


uma relação de suporte, não estigmatizante e não preconceituosa;
• O profissional deve avaliar adequadamente o impacto da experiência de
vitimação, estando particularmente alerta perante indicadores de forte
desajustamento psicológico, emocional e comportamental, tais como:
comportamentos de evitamento de locais/pessoas (um dos sintomas
associados à perturbação de stress pós-traumático); funcionamento
social e comportamento profissional; conduta sexual; risco de suicídio;
• O profissional deve ainda avaliar uma possível comorbilidade com outras
perturbações ou problemas mentais, encaminhando para outros técnicos
e/ou serviços específicos mais especializados, se necessário;
• O questionamento deve ser oportuno e sensível, facilitando o discurso da
vítima. Ao longo do questionamento não deve esquecer-se de abordar os
seguintes aspetos: que relação mantinha (ou não) com o/a agressor/a;
em que local ou em que circunstância ocorreu; que tipo de violência foi
exercido; que pensamentos e emoções ocorreram na altura do crime; de
que forma a vítima sentiu a sua vida em jogo; que perceção a vítima tem
quanto à forma como o crime a afetou (nas várias áreas da sua vida); a
quem contou o sucedido e que reações o “confidente” teve; de que
forma procurou reagir e lidar com a situação;
• O profissional deve validar os sentimentos, pensamentos e a história de
vitimação relatada pela vítima, procurando saber que sentimentos esta
desperta, sem esquecer, no entanto, que o acontecimento traumático
não invalida os outros aspetos positivos da vida;
• O profissional deverá ajudar a vítima a lidar com os sentimentos de culpa
e de vergonha, desconstruindo e desafiando eventuais mitos e crenças
associadas à violência sexual que sejam tomados como verdades
absolutas pela vítima;
• Cabe ao profissional providenciar informação acerca das possíveis
reações ao incidente, normalizando e desdramatizando os seus sintomas,
para que a vítima os veja como uma consequência normal e mesmo
esperada do incidente, assim como do curso natural da recuperação,
facilitando expectativas positivas quanto a esse mesmo processo;
• O profissional deve ajudar a vítima a encontrar estratégias que diminuam
os evitamentos cognitivos e comportamentais e a lidar eficazmente com
a possibilidade de revivência do acontecimento e da ocorrência de
Página | 106
pensamentos intrusivos, como os sentimentos de ineficácia,
incompetência e desesperança, de raiva, culpa e vergonha, promovendo
o aumento da autoestima e o estabelecimento de relações de confiança.

Princípios Operativos
Quando é prestado Apoio Psicológico, deverá ter-se em conta os seguintes
princípios operativos:

• O contrato terapêutico

Ao iniciar o Apoio Psicológico, deverá estabelecer-se com a vítima de violência


sexual um conjunto de regras e procedimentos: o contrato terapêutico. Neste
contrato, deve encontrar-se claramente estabelecido o horário, a frequência e a
duração das sessões de Apoio Psicológico. Também deverá ser salientado que as
sessões não poderão prolongar-se para além do período contratado (45 a 50
minutos), salvo se alguma razão ponderosa o justificar. No momento do
estabelecimento do contrato terapêutico deve, ainda, explicar-se a importância
da assiduidade e da pontualidade nas sessões.

• Regras básicas

Para além do contrato terapêutico, há quatro regras básicas que deverão estar
sempre presentes:

o Respeitar a neutralidade: a neutralidade significa responder à


vítima sem acrescentar opiniões pessoais, autorrevelações,
manipulações e outras respostas desenquadradas do Apoio
Psicológico, permitindo a livre expressão emocional e afetiva da
vítima sem constrangimentos introduzidos pelo psicólogo. Importa
alertar para o facto de a postura neutra do psicólogo não significar
indiferença ou falta de preocupação em relação à vítima, já que o
relacionamento com esta será sempre pautado pelo respeito e
afeto;
o Respeitar o anonimato: o psicólogo deve evitar autorrevelações,
isto é, expor a sua vida privada e pessoal dentro do registo
terapêutico. A relação que o psicólogo estabelece com a vítima ou
com os seus familiares e amigos deve ser profissional;

Página | 107
As formas mais comuns de violação do anonimato são:

• A expressão de opiniões pessoais em relação a assuntos e problemas


trazidos pela vítima para o atendimento;
• A revelação de atitudes, sentimentos, reações e/ou fantasias pessoais
em resposta ao discurso da vítima, incluindo reações pessoais aos
sentimentos, fantasias e perceções manifestas ou latentes em relação
ao psicólogo;
• A revelação de aspetos da vida pessoal (ex.: morada; planos de férias;
orientações políticas e religiosas; passatempos e interesses);
• A prestação de informação detalhada relativa ao estado de saúde do
profissional para justificar o cancelamento de sessões;
• Qualquer tentativa para justificar um aspeto da técnica terapêutica,
uma intervenção particular ou as razões para uma atitude ou reação
particular;

A neutralidade e o anonimato são dois aspetos do registo


terapêutico, que se encontram inter-relacionados, básicos para o
funcionamento e estabelecimento de uma boa relação terapêutica.
Eventuais modificações nestas duas regras básicas implicam
alterações graves na relação terapêutica e produzem ou salientam
determinados movimentos defensivos ou patológicos, tanto no
psicólogo como na vítima.

o Respeitar a privacidade: a privacidade é uma condição necessária


para o bom desenvolvimento do Apoio Psicológico, pois incute na
vítima sentimentos de segurança e de proteção. Assim, os contactos
entre o psicólogo e a vítima devem ocorrer exclusivamente dentro
do espaço destinado ao Apoio Psicológico, evitando conversações
fora do espaço físico no qual decorrem as sessões de Apoio
Psicológico

o Respeitar o sigilo: o sigilo impõe que nenhuma informação, de


qualquer natureza, seja transmitida a terceiros sem o
consentimento da vítima.
OBJETIVOS DO APOIO PSICOLÓGICO

Tal como foi mencionado anteriormente, o apoio psicológico a vítimas de


violência sexual pode implicar o recurso a técnicas e estratégias de diferentes
Página | 108 origens, escolas e formações. Deve, no entanto, reger-se pela objetividade,
orientando-se para as necessidades e problemas da vítima, ou seja, para
aquilo que é enunciado como queixa, sintoma ou sofrimento, decorrente da
experiência de vitimação.

O apoio psicológico tem, assim, como principais objetivos:

• Alívio e melhoria dos sintomas;


• Redução do desconforto e de comportamentos disfuncionais;
• Reforço dos mecanismos de defesa adaptativos;
• Melhoria da sua adaptação ao meio;
• Melhoria das capacidades de julgamento da realidade;
• Consolidação de uma identidade própria;
• Reforço da autoestima;
• Maximização a autonomia;
• Restabelecimento do equilíbrio psicológico.

FASES DO PROCESSO DE APOIO PSICOLÓGICO

Fase inicial do processo

A qualidade da fase inicial do processo de apoio é vista como essencial no Apoio


Psicológico, pelo que, por um lado, se considera a empatia, a confiança e a
disponibilidade para a mudança como dimensões centrais no estabelecimento
da relação e, por outro lado, a recolha e análise da informação e a definição da
estratégia de intervenção psicológica.

No início do Apoio Psicológico o psicólogo deve:

• Não exigir da vítima ou dos seus familiares uma exposição ordenada e


sistemática dos factos porque, normalmente, não estarão capacitados
para o fazer;
• Deixá-los falar sem interrupção enquanto o fizerem espontaneamente e,
quando terminarem o discurso espontâneo, estimular a conversação com
alguma questão concreta e breve;
• Dizer e mostrar à vítima que acredita sempre no que está a contar,
mesmo que pareça estar a fantasiar ou a ocultar informação.

Desde o início do Apoio Psicológico o psicólogo deve efetuar um breve resumo


do que foi abordado, com uma dupla finalidade:
Página | 109
• Assegurar que a vítima ou os seus familiares percebam que são
escutados com atenção;
• Permitir-lhes que possam complementar ou corrigir o seu discurso ou
possibilitar ao técnico o esclarecimento de alguns pontos que não
compreendeu ou que não assimilou corretamente.

A fase inicial do processo de apoio corresponde, em média, às três primeiras


sessões.

Relativamente à estruturação da estratégia de intervenção, pode recorrer-se a


guiões para recolha de informação, isto é, a instrumentos que permitem
registar informação útil e de forma sistematizada no sentido orientar a
intervenção. Contudo, é conveniente que o profissional não se centre
excessivamente num guião preparado de antemão, mas que o atualize ao longo
da sessão de apoio, assegurando que o processo de apoio à vítima decorrerá
num clima de comunicação informal.
A avaliação inicial deve ser, desde logo, terapêutica - ao mesmo tempo que se
mapeia, através da narrativa do utente e dos sentimentos expressos, os
recursos afetados e os que se encontram disponíveis, deverá promover-se um
clima de confiança e de facilitação da expressão emocional.
A entrevista clínica pretende uma avaliação da vítima com o objetivo de definir
as suas necessidades de intervenção. Desta forma, nela se procura aceder aos
problemas e pedido da vítima, recolher dados a partir de técnicas de
diagnóstico apropriado (quando necessário) e discutir com o utente as várias
opções, dando-se então início ao processo terapêutico. Em suma, e
independentemente do quadro teórico, a entrevista clínica tem uma finalidade
comum: trabalhar para que a vítima se sinta melhor, tendo por base uma
relação terapêutica de qualidade.
O psicólogo pode recorrer a várias técnicas que facilitam a obtenção da
informação, tais como:

• Questionamento – Consiste em fazer perguntas fechadas (ex.: “Como se


chama?”) ou abertas (ex.: “O que pensa sobre isso?”) para a obtenção de
informação;
• Confrontação – Consiste em comparar conteúdos discrepantes sobre o
mesmo tema para esclarecer dúvidas do profissional ou devolver
incongruências verbais/comportamentais à/ao utente;
• Silêncio – Serve sobretudo para dar espaço à reflexão;
• Reestruturação – Consiste em reorganizar a informação partilhada pela
Página | 110
vítima de uma outra forma, permitindo uma mudança de perspetiva
sobre o tema;
• Interpretação – Consiste em dar ou acrescentar sentido a algo que foi
expresso pela vítima;
• Focagem – Consiste em selecionar de entre toda a informação partilhada
pela vítima, a que parece mais relevante ou prometedora de ulteriores
desenvolvimentos;
• Ecoar – Consiste na repetição de uma palavra ou de uma interrogação
sobre qualquer coisa que acabou de ser dita, para assinalar à vítima o
reconhecimento emocional, sintonia e atenção dedicada pelo
profissional. O ecoar pretende, para além do estabelecimento do vínculo
relacional, permitir ao utente, no momento em que se vai desviar de um
tema problemático ou demasiado ansiogénico, o retorno ao assunto;

Realça-se ainda que a observação do comportamento da vítima ao longo da


entrevista e em todo o processo de apoio é um aspeto fundamental e que
deverá ser considerado. O profissional deve centrar-se não só no discurso
verbal, como também na comunicação não-verbal, isto é, na postura, no olhar,
nos silêncios e nas expressões faciais.

Fase de desenvolvimento do processo

Tendo em conta que a fase de desenvolvimento do Apoio Psicológico


corresponde à implementação das estratégias de intervenção psicológica
previamente definidas, deverá ser dada continuidade à recolha e análise de
informação, considerando os objetivos, os princípios operativos, as regras e as
técnicas que anteriormente foram referidas.

Esta fase corresponde, em média, a cerca de quatro sessões.

Deverão ser realizadas sessões semanais ou quinzenais (dependendo da


situação e/ou da disponibilidade da vítima) em que inicialmente se procede a
uma avaliação rápida, e posteriormente a uma intervenção focada nos
problemas atuais apresentados.
Esta fase do processo de apoio deve, assim, focar-se nas problemáticas mais
relevantes ou urgentes identificadas durante a avaliação efetuada, construindo
estratégias de resolução de problemas que promovam a reorganização da
vítima e a assimilação da experiência. Na concretização dos seus objetivos o
psicólogo pode socorrer-se de algumas técnicas tais como:
Página | 111
• Sugestão - Induzir uma ideia ou sentimento para sugerir cenários
alternativos;
• Securização - Tranquilizar e reforçar a autoestima da vítima através da
expressão de concordância com uma ideia, pensamento, atitude ou
decisão;
• Aconselhamento - Recomendar atitudes ou decisões com vista a reforçar
aspetos saudáveis da personalidade da vítima, reduzir sintomas ou evitar
crises;
• Catarse - Facilitar a expressão de sentimentos e emoções;
• Educação - Esclarecer a vítima sobre assuntos ou situações relevantes;
• Clarificação - Tornar mais claro o foi dito pela vítima para maior
compreensão acerca dos seus sintomas, afetos e comportamentos;
• Confrontação - Para uma maior discriminação das realidades externas e
internas e promoção do autoconhecimento.

É importante observar a importância que o problema assume para a vítima.


Através da indagação e da orientação, pode seguir-se um sentimento,
pensamento ou comportamento com suficiente profundidade, de modo a que
se torne claro, para o profissional e para a vítima, como isto se relaciona com o
padrão comportamental que se está a procurar modificar. Uma outra técnica
útil para a compreensão do problema consiste em reformular aquilo que a
vítima transmitiu.

Fase de finalização do processo

A finalização de um caso é um processo contínuo e gradual, que começa na


primeira sessão.

Muitas vezes, é difícil definir qual o momento adequado para finalizar o Apoio
Psicológico. Assim, a forma mais útil de decidir quando terminar consiste em
rever os objetivos e relembrar à vítima o que já conseguiu atingir, isto é:

• Procurar averiguar qual o significado que a vítima atribui à violência de


que foi alvo e em que medida o processo contribuiu para ela se sentir
“mais forte”;
• Antecipar estratégias de prevenção e proteção;
• Quando tiver respostas positivas por parte da vítima: quando souber que
esta adquiriu as competências necessárias para manter as melhorias
alcançadas.

Contudo, após a finalização do Apoio Psicológico, é importante o profissional


Página | 112
proceder a um seguimento do caso, por exemplo de seis em seis meses, para
colher informação sobre os resultados obtidos após o termo do Apoio
Psicológico.

Em suma:

O Processo de Apoio Psicológico visa proporcionar uma experiência significativa


para a vítima, levando-a a uma integração progressiva. A mudança que se
deseja obter/atingir é aquela que a vítima é capaz de construir, tendo em conta
os seus recursos (internos e externos).

SESSÃO DE APOIO PSICOLÓGICO

Numa sessão de Apoio Psicológico deve ter-se em conta os seguintes objetivos:

• Facilitar a expressão emocional: o profissional deve estimular a vítima a


partilhar os seus sentimentos, assegurando-lhe e demonstrando-lhe que
esta expressão será aceite sem julgamentos de qualquer tipo;
• Facilitar a comunicação: o profissional deve tornar visíveis os problemas
relacionados com a comunicação e realçar as falhas existentes, tanto na
relação vítima – psicólogo, como na relação vítima – família/amigos;
• Facilitar à vítima a compreensão dos seus problemas e das suas
respostas: o profissional deve elucidar a vítima quanto à natureza do
crime, ou crimes, que sofreu e referir-lhe que o que sente é vivido por
outras pessoas em situações idênticas: esta atitude ajudá-la-á a
identificar problemas e possíveis soluções;
• Mostrar interesse e empatia: nesta matéria é também importante o
comportamento não-verbal do Psicólogo e o recurso ao reforço e a
interjeições que informem que está a escutar e a compreender tudo o
que é dito pela vítima;
• Fortalecer a autoestima: é importante fortalecer a autoestima da vítima
para poder promover uma alteração de comportamento e proporcionar
uma saída positiva da crise. Para alcançar este objetivo, o profissional
deve encorajá-la sempre que faça algum progresso, bem como discutir os
motivos de eventuais fracassos;
• Facilitar a resolução de problemas: este objetivo refere-se a um
processo sistemático que incorpora uma abordagem colaborativa e
faseada, no sentido de ajudar a vítima a enfrentar as dificuldades, a
tomar decisões e a resolver os problemas, mediante a orientação para as Página | 113
soluções. Tal significa que as decisões e a resolução de problemas são da
responsabilidade da própria vítima, não do Psicólogo.

Existem três abordagens possíveis para dar início a uma sessão de Apoio
Psicológico:

• Simplesmente não dizer nada, o que vai permitir que a vítima transmita
imediatamente o que se passa;
• Formular uma questão aberta semi-directiva, como, por exemplo: Como
se passaram consigo as coisas durante esta semana? Ou Como se sentiu
desde que nos vimos na última vez? Ou De que gostaria de falar hoje?;
• Perguntar algo mais específico, que se pode referir a qualquer tema
mencionado na sessão anterior ou relativo a qualquer «tarefa»
anteriormente acordada. Esta opção coloca nas mãos do Psicólogo a
responsabilidade de dirigir a sessão.

Qualquer que seja a abordagem escolhida será sempre importante o


profissional analisar o estado emocional e o humor da vítima. Trata-se de
indicadores que devem ser considerados na definição da sessão de Apoio
Psicológico, sinalizando eventuais necessidades de reajustar a abordagem
prevista para a sessão, as tarefas, os assuntos a abordar, entre outros aspetos.

O final de uma sessão raramente é planeado. No entanto, é importante que o


profissional efetue boa gestão do tempo de que dispõe para a sessão, de modo
a que o final não seja abrupto, nem seja possível à vítima manipular o tempo
para além daquele que está estipulado. Assim, o Psicólogo deverá estar sempre
consciente do tempo disponível, de modo a não permitir, por exemplo, que a
vítima se envolva num problema altamente emocional minutos antes do final da
sessão. Pode, por isso, informar a vítima, embora não mais do que uma ou duas
vezes, do tempo que falta para o fim da sessão.
LIMITES DO APOIO PSICOLÓGICO

Embora o Apoio Psicológico possa ser complementado por outro tipo de apoio
mais especializado ao nível da saúde mental, é importante que o profissional
Página | 114
tenha conhecimentos no que respeita a fatores de risco e a indicadores de
estagnação no processo de recuperação, para saber em que circunstâncias deve
encaminhar a vítima de violência sexual para o serviço de apoio adequado, por
exemplo para serviços de Psiquiatria, de Sexologia, etc.

Assim, deve:

• Confirmar se existem fatores de risco para o desenvolvimento de


perturbações mentais, tais como existência de psicopatologias no
passado;
• Verificar se ocorrem reações de stress pós-traumático, como sobre
excitação, evitação e revisitação mental da experiência.

Aferir o estilo adotado para lidar com a experiência traumática e os recursos


internos e externos existentes.
APOIO JURÍDICO A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

O apoio jurídico à vítima de violência sexual deve ser prestado Página | 115
exclusivamente por juristas, no entanto é de grande utilidade que qualquer
profissional tenha conhecimentos gerais para se situar adequadamente no
processo de apoio e trabalhar diretamente com os juristas.

As três grandes vertentes do apoio jurídico à vítima de violência sexual podem


ser elencadas da seguinte maneira:

• Informar a vítima acerca dos seus direitos;


• Elucidar acerca das várias etapas do processo-crime;
• Auxiliar a vítima a elaborar requerimentos e peças processuais que ela
possa, por si, assinar, ou seja, quando não é necessária a intervenção de um
advogado. São exemplo destes requerimentos, o pedido de apoio judiciário,
a denúncia, a queixa, o pedido de indemnização civil, o pedido de suspensão
provisória do processo criminal, ou o pedido de indemnização dirigido ao
Ministério da Justiça (Comissão de Proteção às Vítimas de Crime).

ENQUADRAMENTO LEGAL DA VIOLÊNCIA SEXUAL

O Código Penal Português distingue dois grupos de crimes sexuais: crimes


contra a liberdade sexual e crimes contra a autodeterminação sexual.

Os crimes contra a autodeterminação sexual visam uma proteção mais ampla


das crianças e jovens (a proteção relativa a estes crimes abrange, em regra, as
crianças com idade inferior a 14 anos e em alguns casos específicos os jovens
entre os 16 e os 18 anos), protegendo-os dos contactos sexuais precoces, que
mesmo com consentimento da criança ou jovem, podem interferir no seu
desenvolvimento e autodeterminação sexual.

Os crimes sexuais contra pessoas adultas estão enquadrados nos crimes


contra a liberdade sexual (que também podem ser cometidos contra crianças
e jovens). Nestes crimes penalizam-se todas as atividades sexuais cometidas
sem o consentimento da vítima. O valor jurídico que se pretende proteger é,
pois, a liberdade sexual, ou seja a possibilidade de cada um decidir sobre a sua
vida sexual, a cada momento, com quem quiser e como quiser, sem ver a sua
capacidade de decisão condicionada e desrespeitada por qualquer tipo de
pressão ou violência, incluindo as situações em que a pessoa se encontra
incapaz de decidir e resistir (por exemplo, por se encontrar inconsciente por
estar em coma, a dormir, sob efeito de substâncias ou qualquer outra situação
que a incapacite) 4.
Página | 116
Segundo o Código Penal Português os crimes contra a liberdade sexual (no que
respeita a adultos) incluem:

• Coação sexual
• Violação
• Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência
• Abuso sexual de pessoa internada
• Fraude Sexual
• Procriação artificial não consentida
• Lenocínio
• Importunação sexual

A legislação nacional do trabalho contempla ainda o assédio sexual no trabalho 5


como contraordenação.

Quase todos os crimes contra a liberdade sexual são crimes semipúblicos,


dado que, independentemente da gravidade, se pretende salvaguardar a
intimidade da vítima, deixando à sua disposição a decisão de iniciar o
procedimento criminal.

Excetuam-se o crime de lenocínio e o crime de abuso sexual de pessoa


internada que são crimes públicos, iniciando-se o processo-crime com a notícia
do crime junto de um órgão do polícia criminal (PSP, GNR, PJ), do Ministério
Público ou junto de um Gabinete ou Delegação do INML, podendo a denúncia
ser feita por qualquer pessoa que tenha conhecimento dos factos criminosos.

Podemos também elencar, como veremos mais à frente, alguns crimes que
embora não estejam incluídos no capítulo relativamente aos crimes contra a
liberdade e autodeterminação sexual, poderão, num sentido mais lato, ser

4 (9)
Segundo o Comentário Conimbricense ao Código Penal , trata-se aqui da “autoconformação da vida e da
prática sexuais da pessoa: cada pessoa adulta tem o direito de se determinar como quiser em matéria sexual, seja
quanto às práticas a que se dedica, seja quanto ao momento ou ao lugar em que a elas se entrega ou ao(s)
parceiro(s), também adulto(s), com quem as partilha – pressuposto que aquelas sejam levadas a cabo em privado
e este(s) nelas consinta(m). Se e quando esta liberdade for lesada de forma importante a intervenção penal
encontra-se legitimada e torna-se necessária”.
5
Art. 29º do Código de Trabalho Português (Lei 7/2009).
considerados crimes sexuais, como a mutilação genital feminina ou o tráfico de
pessoas para fins de exploração sexual.

Crimes contra a liberdade sexual 6


Página | 117

Para uma melhor compreensão dos comportamentos incluídos em cada um dos


crimes contra a liberdade sexual, passar-se-á a elencar, de seguida, cada crime.

• Coação Sexual (art. 163º do CP)


O crime de coação sexual existe sempre que a vítima é constrangida,
obrigada, pressionada, através de violência ou ameaça grave, ou, depois
de, para esse fim, o agente a ter tornado inconsciente, ou posto na
impossibilidade de resistir, a sofrer ou a praticar, com o agente do crime
ou com outrem, um ato sexual de relevo. A pena de prisão pode ir de 1 a
8 anos.
Incluem-se também as situações em que, não sendo usada violência ou
ameaça grave, existe um abuso de autoridade resultante de relação
familiar, dependência hierárquica, económica ou de trabalho, sendo
nestes casos a pena de prisão até três anos.

• Violação (art. 164º do CP)


Considera-se que existe crime de violação sempre que, através de um ato
de violência física ou psíquica, ameaça grave, ou tornada inconsciente e
incapacitada de resistir, a vítima é forçada a praticar cópula, coito anal ou
oral com o agressor ou outrem, ou a sofrer a introdução vaginal ou anal
de partes do corpo ou objetos, sendo que a pena de prisão se situa dos 3
até aos 10 anos.
O crime de violação inclui também as situações em que, não tendo sido
usada violência ou ameaça grave, o agente se aproveita de autoridade
resultante de uma situação de dependência hierárquica, familiar,
económica ou de trabalho, sendo punido, nestes casos, com pena de
prisão até 3 anos.

• Fraude Sexual (art. 167º do CP)


Quem aproveitando-se de forma fraudulenta de erro sobre a sua
identidade pessoal, praticar com outra pessoa cópula, coito anal ou oral,
penetração vaginal ou anal com partes do corpo ou objetos ou ato sexual
de relevo, está sujeito a pena de prisão até um ano, no caso do ato sexual
de relevo, e até dois anos nas restantes situações.

6
Para mais informações, queira consultar QUADRO II/ TABELA DE CRIMES, no fim deste capítulo.
• Lenocínio (art. 169º do CP)
Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer
ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição ou a prática de
atos sexuais de relevo é punido pelo crime de lenocínio.
A pena é agravada se o agente/agressor usar de violência, ameaça grave,
Página | 118
ardil, manobra fraudulenta, ou de abuso de autoridade resultante de
uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, ou
se aproveitar de incapacidade psíquica da vítima. A pena pode ir de seis
meses a oito anos de prisão.

• Importunação sexual (art. 170º do CP)


Este crime acontece sempre que o agente/agressor importunar outra
pessoa praticando atos de caracter exibicionista ou constrangendo-a a
contacto de natureza sexual. A medida punitiva aplicada poderá ser pena
de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.

• Procriação artificial não consentida (art. 168º do CP)


Quem praticar ato de procriação artificial em mulher, sem o seu
consentimento, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
Alguns juristas consideram que este crime está erradamente incluído nos
crimes contra a liberdade sexual, dado que não está em causa a proteção
da liberdade de autoconformação da vida e da prática sexual da pessoa,
mas antes o que se visa proteger é uma forma específica de liberdade
pessoal da mulher, a liberdade de e para a maternidade (9).
No entanto, a OMS (25) inclui este comportamento na violência sexual
num sentido lato, por interferir na saúde e direitos reprodutivos e sexuais
da mulher sem o seu consentimento.

• Abuso sexual de pessoa incapaz de resistência (art. 165º do CP)


Quem praticar ato sexual de relevo ou cópula, coito anal ou oral,
penetração vaginal ou anal com partes do corpo ou objetos, com pessoa
inconsciente ou incapaz, por outro motivo, de opor resistência,
aproveitando-se do seu estado ou incapacidade, é punido com pena de
prisão de seis meses a oito anos no caso de ato sexual de relevo, e entre
dois a 10 anos nas restantes situações.

• Abuso sexual de pessoa internada (art. 166º do CP)


Quem aproveitando-se das funções ou do lugar que, a qualquer título
exerce ou detém em estabelecimento prisional, Hospital ou outros
estabelecimentos destinados a assistência, recuperação, tratamento,
educação ou correção, praticar ato sexual de relevo ou cópula, coito anal,
coito oral, penetração vaginal ou anal com partes do corpo ou objetos,
com pessoa que aí se encontra internada e que de qualquer modo lhe
esteja confiada ou se encontre a seu cuidado. O crime é punido com
pena de prisão que pode ir de seis meses aos cinco anos no caso dos atos
sexuais de relevo de um a oito anos de prisão nas restantes situações.

Página | 119
Agravação das penas dos crimes sexuais

As penas dos crimes contra a liberdade sexual (exceto relativamente ao crime


de lenocínio e ao de importunação sexual) podem vir a ser agravadas, conforme
o previsto no art. 177º do Código Penal, conforme possam estar presentes
determinadas circunstâncias 7:

• Nos crimes de coação sexual, violação, abuso de pessoa incapaz de


resistência, fraude sexual, procriação artificial não consentida, lenocínio
e importunação sexual, a pena é agravada em um terço, nos seus limites
mínimo e máximo se a vítima for:
o ascendente, descendente, adotante, adotado, parente ou afim até
ao segundo grau do agente; ou
o se encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela, ou de
dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o
crime for praticado com aproveitamento dessa relação. 8
• Nos crimes de coação sexual, violação, abuso sexual de pessoa incapaz
de resistência, abuso sexual de pessoa internada e fraude sexual, a pena
é agravada de um terço (nos limites mínimo e máximo) se o agente do
crime for portador de doença sexualmente transmissível.
• Nos crimes de coação sexual, violação, abuso sexual de pessoa incapaz
de resistência, abuso sexual de pessoa internada, fraude sexual e
procriação artificial não consentida, a pena é agravada de metade (nos
limites mínimo e máximo) se da conduta do agente resultar gravidez,
ofensa à integridade física grave, transmissão de agente patogénico que
crie perigo para a vida (ex.: HIV/Sida, Hepatite B), suicídio da vítima ou
mesmo a morte.
Quando, concomitantemente com um crime sexual (por exemplo, violação), foi
também cometido um crime de ofensas à integridade física grave ou de
homicídio, apenas se considera que haverá concurso efetivo de crimes quando o
resultado possa ser imputado ao agente a título de dolo (9).

7
Referimo-nos aqui apenas às circunstâncias agravantes relativas aos crimes contra a liberdade sexual; para mais
informações sobre a agravação das penas dos crimes contra a autodeterminação sexual deve consultar-se o art.
177º do Código Penal.
8
Exceto nos casos em que, no próprio tipo de crime, já se encontra previsto o aproveitamento deste tipo especial
de relação entre o agente e a vítima, como é o caso dos crimes de coação sexual, violação ou lenocínio.
Proibição do Assédio sexual no local de trabalho na legislação laboral

O assédio sexual no local de trabalho é um conceito que começa apenas a ser


valorizado a partir da década de 70, sendo um problema que começa por ser
Página | 120 extensivo apenas aos trabalhadores do sexo feminino, constituindo uma forma
de discriminação baseada no sexo, envolvendo comportamentos indesejados
pelas vítimas, e que se consideram violadores da sua liberdade e dignidade (2).

A conotação sexual destes comportamentos levados a cabo no local de


trabalho, frequentemente praticados pelos superiores hierárquicos das
vítimas, leva a que muitas vezes sejam suportados de forma passiva, dado o
receio de represálias, de não ser acreditada por falta de provas, ou perda de
emprego.

Além da proteção penal dada às situações mais graves, como o crime de coação
sexual e o de violação, em que o agente é alguém com quem a vítima mantém
uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, os casos
de assédio sexual estão também previstos e proibidos na legislação de trabalho,
sendo considerados uma contraordenação grave.

Assim, o art. 29º do Código de Trabalho Português (Lei 7/2009) entende que
constitui assédio sexual o comportamento indesejado de caracter sexual, sob a
forma verbal, não-verbal ou física, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou
constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente
intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

Outros crimes relacionados com os crimes sexuais

O Código Penal prevê na tipificação de outros crimes a relação que estes podem
ter com os crimes sexuais. É o caso do crime de rapto (art. 161, nº1, b) ) cuja
tipificação prevê que o este possa ser um meio para a prática de crimes contra a
liberdade e autodeterminação sexual, bem como o caso do crime de homicídio
que é qualificado quando determinado para excitação ou para satisfação do
instinto sexual (art. 132º, nº2, c)) por revelar especial censurabilidade ou
perversidade, prevendo uma pena de prisão de 12 a 25 anos.

Outra situação que poderá suceder será a devassa da vida privada (art. 192º do
Código Penal), sempre que o agente, com intenção de devassar a vida privada,
nomeadamente a intimidade da vida familiar ou sexual:
• intercetar, gravar, registar, utilizar, transmitir ou divulgar conversa,
comunicação telefónica, mensagens de correio eletrónico ou faturação
detalhada;
• captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar a imagem das pessoas ou
de objetos ou espaços íntimos;
Página | 121
• observar ou escutar às ocultas pessoas que se encontrem em lugar
privado;
• ou divulgar factos relativos à vida privada ou a doença grave de outra
pessoa. Nestes casos a pena pode ser de prisão até um ano ou de multa
até 240 dias.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) (25) inclui nos atos de violência sexual
outras situações de âmbito criminal que, pese embora não estejam incluídas
nos capítulos referentes aos crimes sexuais estão previstas noutros tipos legais
de crime, sendo atos que, no conceito da OMS, estão relacionados com os
direitos sexuais e reprodutivos, e por essa razão devem também ser abrangidos
numa visão mais ampla da violência sexual.

São exemplo dessas outras formas de violência sexual:

• escravatura sexual
• assédio sexual (no trabalho ou escola: para obter melhor trabalho ou
melhores notas)
• tráfico de seres humanos para prostituição forçada
• gravidez forçada
• esterilização forçada
• aborto forçado
• casamento infantil e casamento forçado
• mutilação genital feminina
• testes de virgindade

Todos estes comportamentos são punidos pela legislação penal portuguesa,


sendo que, os que não estão tipificados especificamente, estão incluídos
noutros tipos de crime, tais como o crime de coação, de intervenções e
tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, ofensas à integridade física, simples
ou graves. Além disso, alguns destes comportamentos são também ilegais do
ponto de vista do direito civil, como acontece com o casamento forçado e o
casamento de menores de 16 anos.
Das situações descritas pela OMS destacamos o caso da mutilação genital
feminina (MGF), pois, dado que este comportamento pode comprometer de
forma definitiva e, em muitos casos irreversível, a sexualidade feminina, para
além do grande sofrimento que é causado às crianças e jovens sujeitas a esta
prática.
De acordo com a OMS a mutilação genital feminina é definida como “a remoção
total ou parcial da parte externa dos órgãos genitais femininos ou outras
ofensas sobre os órgãos genitais femininos por razões culturais ou outras não
Página | 122
terapêuticas 9 (12).
De facto, este ato está previsto e punido no Código Penal Português no âmbito
do art. 144º referente às ofensas à integridade física graves:

Art. 144º (Ofensas à integridade física grave)


Quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa de forma a

• Privá-lo de importante órgão ou membro, ou a desfigurá-lo grave e


permanentemente;
• Tirar-lhe ou afetar-lhe, de maneira grave, a capacidade de trabalho, as
capacidades intelectuais, de procriação ou de fruição sexual, ou a
possibilidade de utilizar o corpo, os sentidos ou a linguagem;
• Provocar-lhe doença particularmente dolorosa ou permanente, ou
anomalia psíquica grave ou incurável; ou
• Provocar-lhe perigo para a vida;

É punido com pena de prisão de dois a dez anos.

Estes atos estão relacionados com práticas culturais específicas de


determinadas comunidades que, sendo migrantes, transportam os seus hábitos
culturais para o país de acolhimento. A mutilação genital feminina é originária
de várias regiões de África e do Médio Oriente (e mesmo da Ásia), não
necessariamente relacionada com a religião muçulmana, e é praticada nas
comunidades migrantes oriundas dessas regiões que se estabeleceram na
Europa, Estados Unidos da América, América do Sul e outros países onde esta
prática é condenada. Em Portugal destacam-se as comunidades oriundas da
Guiné Bissau, sendo que, de acordo com alguns estudos (8) neste país de língua
oficial portuguesa o índice de prevalência é que entre 44% a 50% das mulheres
sejam afetadas pela MGF. É de salientar, porém, que desde 2011 a legislação da
Guiné Bissau bane a prática de MGF, o que é já um passo significativo. Ainda de
acordo com dados da Desert Flower Foundation, estima-se que na União
Europeia mais de 500 mil raparigas e mulheres sejam afetadas ou ameaçadas

9 (12)
Segundo a classificação da OMS , atualizada em 2008, existem quatro tipos de MGF: 1) Remoção total ou
parcial do clitóris ou da pele que cobre o clitóris – clitoridectomia; 2) Remoção total ou parcial do clitóris e dos
lábios menores, com ou sem excisão do lábio maior – excisão; 3) Estreitamento do orifício vaginal com criação de
um selo de cobertura através do corte e aposição do lábio menor e/ou lábio maior, com ou sem a excisão do
clitóris – infibulação; 4) Todos os demais procedimentos nocivos para os órgãos genitais femininos por razões não
médicas, como por exemplo: alongamento, perfuração, corte ou cauterização.
pela prática da MGF, no entanto nenhum país europeu aceita, de forma
explícita, a ameaça de MGF como razão para pedido de asilo.
Independentemente do respeito devido a todas as culturas e religiões
considera-se importante não ceder ao relativismo cultural relativamente a um
ato que constitui uma violação grave dos direitos humanos e dos direitos Página | 123
sexuais e reprodutivos das mulheres afetadas.

De acordo com o parecer dos juristas da Amnistia Internacional Portugal não há


necessidade em Portugal de autonomizar a MGF como crime, dado que a
proteção dada pelo art. 144º (ofensas à integridade física graves) é suficiente e
adequada. Este documento, propõe algumas linhas orientadoras,
nomeadamente a necessidade de um estudo aprofundado sobre a prática da
MGF em Portugal, um estudo sobre a proibição dos responsáveis em levar
mulheres ou jovens para outro país onde se pratique legalmente a MGF, a
necessidade de formação dos aplicadores da lei e a necessidade de um
policiamento de proximidade junto das comunidades onde poderá ocorrer a
MGF, a formação deontológica dos profissionais de saúde e a sensibilização da
comunidade médica para refletir acerca da denúncia de casos concretos às
autoridades, bem como a formação e sensibilização da sociedade civil sobre a
MGF.
Outro crime que importa destacar e que se relaciona frequentemente com os
crimes sexuais é o crime de tráfico de pessoas, constante no art. 160º do
Código Penal, incluído no capítulo referente aos crimes contra a liberdade
pessoal.
A tipificação do crime de tráfico de pessoas envolve as seguintes
características: uma ação que pode consistir, por exemplo, no transporte ou
acolhimento da vítima; no uso de um meio específico com o objetivo de
enganar ou coagir a vítima (como a violência e abuso de autoridade), tendo por
finalidade um tipo de exploração (exploração para o trabalho, exploração
sexual, extração de órgãos).

Frequentemente são as mulheres ou crianças e jovens do sexo feminino as


principais vítimas do tráfico de pessoas para exploração sexual. É importante,
no entanto, não confundir o tráfico de pessoas para exploração sexual com o
crime de lenocínio, que como já vimos, pune o fomento, favorecimento ou
facilitação da prostituição com intenção lucrativa, não cabendo na tipificação do
lenocínio o transporte, aliciamento, alojamento da vítima através de violência,
ardil, rapto, etc., com fins da exploração sexual, elementos específicos do crime
de tráfico de pessoas.
Segundo o Observatório de Tráfico de Seres Humanos (OTSH) (18) a nível global a
exploração sexual foi a forma mais observada de tráfico (79%), seguida do
trabalho forçado (18%). A exploração das mulheres é mais frequente e visível
nos centros urbanos ou nas estradas e, por esta razão, é uma das formas de
tráfico mais sinalizada.
Em Portugal, e segundo o OTSH, embora também sejam mais sinalizadas
situações de tráfico para o fim da exploração sexual, o tráfico para fins de
Página | 124 exploração laboral é mais confirmado pelas polícias. Segundo o Relatório Anual
de Segurança Interna (RASI) de 2012 (24) em Portugal foram sinalizados 25
situações relativas a exploração sexual, estando 12 em estado pendente e 10
não confirmadas, havendo, portanto, 12 potências vítimas. Destas vítimas 4 são
menores de idade, sendo que a maioria é do sexo feminino e de nacionalidade
romena.
Salienta-se que em Portugal encontra-se ainda em vigor o II Plano Nacional
contra o tráfico de seres humanos (Resolução do Conselho de Ministros
94/2010) que enumera um conjunto de 45 medidas estruturais em torno de
quatro áreas estratégicas: “conhecer, sensibilizar e prevenir; educar e formar;
proteger e assistir; investigar criminalmente e cooperar” (21).

A VÍTIMA ADULTA DE VIOLÊNCIA SEXUAL E O PROCESSO PENAL

É importante que a vítima de violência sexual seja esclarecida acerca


da forma como irá decorrer o procedimento criminal, ajudando,
desta forma, a situar-se no processo, elucidando-a sobre as várias
etapas e respetivos conteúdos e intervenientes, e explicando-lhe
qual o papel que pode assumir.

Este esclarecimento será tão mais relevante quanto se deseja a desmistificação


do processo-crime pela vítima: é fundamental colaborar com a vítima no
abandono de determinadas ideias pré-concebidas, usualmente relativas à
complexidade e solenidade

Por essa razão é importante garantir a plena compreensão, por parte da vítima,
da informação transmitida, evitando a utilização de linguagem demasiado
técnica, e menos acessível.
Breve descrição da tramitação processual penal

O processo penal é constituído por quatro fases, sendo uma facultativa, a saber:
Fase de Inquérito; Fase de Instrução (facultativa); Fase de Julgamento; Fase de Página | 125
Recurso.
No entanto, uma mais abrangente compreensão do processo penal implica o
cruzamento com outros conceitos e elementos importantes do processo penal,
tais como, a notícia do crime, a produção da prova, as medidas de coação, o
segredo de justiça, entre outros.
Assim sendo, a descrição que se segue levar-nos-á a percorrer e compreender o
processo penal, analisando, de forma abreviada, cada aspeto que o constitui,
para que se possa informar adequadamente a vítima de crimes sexuais.

Crimes públicos, semipúblicos e particulares


Antes de avançarmos compete-nos saber distinguir a classificação entre crimes
públicos, semipúblicos e particulares.
O Código Penal opera esta distinção com base, essencialmente, na gravidade
dos ilícitos, ou seja, no maior ou menor desvalor que o comportamento do
agente assume face aos valores sociais vigentes.
Esta distinção implica consequências diferentes para o processo criminal:

• nos crimes públicos, o início do procedimento nunca está dependente da


vontade da vítima, dado que está em causa a proteção de toda a
comunidade;
• nos crimes particulares, onde está em causa a violação de bens de
natureza pessoal, o papel da vítima é fundamental no desenvolvimento
do procedimento, dando espaço para que a vítima, de acordo com os
seus próprios critérios meça em concreto a gravidade que o
comportamento ilícito acarretou para si e decida sobre a continuidade ou
não do processo. Assim nestes crimes, o procedimento depende não só
da queixa-crime, efetuada pela própria vítima mas também que esta se
constitua assistente e elabore uma acusação particular;
• nos crimes semipúblicos, o início do procedimento está dependente da
expressão da vontade da vítima através da queixa crime.
Relativamente aos crimes semipúblicos há, contudo, uma nuance importante:
relativamente a certos crimes a lei tempera o critério da gravidade dos ilícitos
com o princípio da proteção da intimidade e privacidade da vítima.
É o que acontece com quase todos os crimes contra a liberdade sexual,
quando cometidos sobre adultos, que são, apesar da sua indubitável
gravidade, crimes semipúblicos, o que tem como principal consequência o
facto do procedimento criminal só se iniciar mediante a produção de uma
declaração da vontade da vítima, consubstanciada na apresentação da queixa.
Página | 126
Sabendo-se que o procedimento criminal vai inevitavelmente acarretar a
exposição de aspetos de abordagem particularmente difícil, deixa-se na
disponibilidade da vítima o impulso necessário ao início do procedimento
criminal.

Para saber se um crime é público, semipúblico ou particular, deve atender-se à


letra da lei:

• quando esta nada diz, o crime é público;


• quando se estabelece que o procedimento criminal depende de queixa, o
crime é semipúblico;
• quando a lei refere que o procedimento criminal depende de queixa e de
acusação particular, o crime é particular.
Estas referências podem estar contidas no próprio artigo que prevê o crime ou
podem aparecer um pouco mais à frente num artigo autónomo.

Notícia do crime

Quase todos os crimes contra a liberdade sexual são, como já vimos, crimes
semipúblicos (exceto os crimes de abuso sexual de pessoa internada e de
lenocínio, que são crimes públicos), ou seja, para que o processo-crime se inicie
é necessário que seja a própria vítima a denunciar o crime às autoridades.
O Ministério Público apenas dá início ao processo-crime após a receção da
queixa-crime, abrindo de imediato o inquérito. A queixa-crime pode ser feita
em qualquer esquadra da PSP, posto da GNR, piquete da PJ, ou mesmo no
Gabinete Médico-legal onde a vítima efetua os exames médico-legais.

A queixa-crime pode ser feita verbalmente ou por escrito, não


obedecendo a formalidades especiais, e deve conter o maior número
de elementos e informações acerca da situação, indicando o dia e
hora, o local e as circunstâncias em que o crime foi cometido,
identificando, se possível, o agressor e enumerando as eventuais
testemunhas e outros meios de prova.
Não há lugar ao pagamento de qualquer taxa de justiça, a não ser que,
cumulativamente esteja presente um crime particular (injúrias, difamação).

A queixa pode ser apresentada: Página | 127


• Na forma tradicional:
o Nos serviços do Ministério Público, junto dos tribunais, dirigida
por escrito, ao Excelentíssimo Senhor Procurador Adjunto;
o Nas autoridades que tenham a obrigação legal de transmitir a
queixa ao Ministério Público: PSP, GNR, PJ, Delegações e
Gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal e
Ciências Forenses.
• Por via eletrónica: o Sistema de Queixa Eletrónica (SQE) constitui um
balcão único virtual que faculta a apresentação por via eletrónica de
denúncias de natureza criminal pelos cidadãos que tenham sido
ofendidos ou tomaram conhecimento da prática de um crime contra
terceiros. Não se destina a responder a situações de emergência ou às
que necessitam de uma intervenção rápida das forças ou serviços de
segurança, designadamente quando o crime se encontra a ser cometido.
A denúncia pode ser apresentada por pessoas singulares devidamente
identificadas, nacionais ou estrangeiras, residentes em Portugal ou
presentes em território nacional. Para aceder basta que o cidadão digite
a expressão “queixas eletrónicas” num motor de busca à sua escolha.
Assim que a denuncia tenha sido submetida o SQE produz
automaticamente um documento confirmativo da receção da mesma,
enviando um e-mail para a caixa de correio do denunciante com
indicação de um link para uma página de validação em que o cidadão
terá de inserir o número de registo da denúncia que apresentou; de
seguida o cidadão deve autenticar (certificação) a submissão da queixa
por um dos seguintes meios: assinatura digital com recurso ao cartão de
cidadão; confirmação a partir de uma conta Via CTT; confirmação
presencial junto de qualquer posto da GNR, esquadra da PSP, balcão do
SEF, ou estação dos CTT. Subsequentemente o SQE regista a
autenticação, posto o que as participações confirmadas são enviadas à
entidade competente.
No entanto, a queixa eletrónica poderá não ser o sistema mais adequado
relativamente aos crimes sexuais mais graves, quando praticados contra
adultos, que não sejam crimes públicos, dado que terá de ser a própria
vítima a fazer a queixa, tendo mais vantagens em faze-lo diretamente
num órgão de polícia criminal, gabinete médico-legal ou no Ministério
Público; até porque poderão ser necessárias diligências urgentes, como
os exames médico-legais, recolha de indícios no local de crime, etc.
Ministério Público

O Ministério Público é uma das entidades com um papel mais ativo ao longo de
todo o procedimento. É constituído por um corpo de magistrados com um
conjunto muito vasto de atribuições.
Página | 128

Em sede de processo penal, compete-lhe:

• receber as denúncias, queixa e participações e apreciar o seguimento a


dar-lhes;
• dirigir o inquérito;
• deduzir acusação e sustentá-la efetivamente na instrução e no
julgamento;
• interpor recursos, ainda que no exclusivo interesse da defesa;
• promover a execução de penas e medidas de segurança.

No que respeita à informação às vítimas, o Ministério Público deve:

• informar a vítima da notícia do crime, sempre que tenha razões para crer
que ela não a conhece (nos casos de crimes públicos participados por
terceiros);
• informar a vítima sobre o regime do direito de queixa e as suas
consequências processuais, bem como o regime jurídico do apoio
judiciário;
• informar a vítima (sem prejuízo do disposto no art. 82º-A do CPP)10,
sobre o regime e serviços responsáveis pela instrução de pedidos de
indemnização a vítimas de crimes violentos e de pedidos de
adiantamento às vítimas de violência doméstica, bem como da existência
de instituições públicas, associativas ou particulares, que desenvolvam
atividades de apoio às vítimas de crimes;
• informar a vítima, em especial nos casos de reconhecida perigosidade
potencial do agressor, das principais decisões judiciárias que afetem o
estatuto deste (ex.: libertação de arguido detido).

10
Art. 82º-A do Código de Processo Penal: Reparação da vítima em casos especiais: 1 – Não tendo sido deduzido
pedido de indemnização civil no processo penal ou separado, em caso de condenação, o tribunal pode arbitrar
uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos, quando particulares exigências de proteção à vítima o
imponham.
Fase de Inquérito

A fase de inquérito é dirigida pelo Ministério Público, assistido pelos órgãos de


polícia criminal (PJ, PSP, GNR e SEF) e tem como objetivos:

• averiguar sobre a prática ou não de um crime; Página | 129


• saber quem o praticou.
2
É portanto uma fase de investigação, em que se pretende recolher prova
indiciadora de que determinada pessoa praticou um crime.
A lei deixa ao critério do Ministério Público quais as diligências que devem ser
realizadas, sendo, contudo, obrigatória a audição do arguido.

Estas diligências são, na sua grande parte, efetuadas pelos órgãos de polícia
criminal, importando fazer aqui uma referência à repartição de competências
entre estes.

Polícia Judiciária:
No que concerne aos denominados crimes contra as pessoas, a competência de
investigação da PJ resume-se ao homicídio doloso e às ofensas à integridade
física de que venha a resultar a morte, aos crimes contra a liberdade e contra a
autodeterminação sexual a que corresponda, em abstrato, pena superior a
cinco anos de prisão, desde que o agente não seja conhecido, ou sempre que
sejam expressamente referidos ofendidos menores de 16 anos ou outros
incapazes e aos crimes de tráfico de pessoas com o emprego de coação grave,
extorsão ou burla relativa a trabalho, escravidão, sequestro, rapto e tomada de
reféns.
Serviço de Estrangeiros e Fronteiras:
Compete ao SEF a investigação dos crimes de auxílio à imigração ilegal,
associação de auxílio à imigração ilegal, angariação de mão-de-obra ilegal,
casamento de conveniência e violação da medida de interdição de entrada, e
outros com estes conexos, nomeadamente o tráfico de pessoas.

PSP e GNR:
Têm competência para todos os outros crimes contra as pessoas, que não estão
no âmbito da Polícia Judiciária e do SEF.

Apesar da queixa-crime ou denúncia poder ser apresentada em qualquer órgão


de polícia criminal, que depois encaminhará para o que for competente para a
investigação, é importante ter presente esta repartição de competências numa
ótica de celeridade: se a queixa ou denúncia for desde logo apresentada no
órgão de polícia criminal competente para a respetiva investigação, este pode
iniciar de imediato a investigação, sem prejuízo da comunicação ao Ministério
Público, enquanto entidade que dirige o inquérito.

Meios de prova
Página | 130
É nesta fase de investigação que se concentra o período processual de recolha
da prova, pelo que será importante conhecer os meios de prova e de obtenção
de prova previstos legalmente. Estes meios também se podem aplicar durante a
fase de instrução (ainda em sede de investigação) e durante a fase de
julgamento, enquanto momento de produção e apreciação da prova.

O objetivo dos meios de prova previstos no Código de Processo Penal é apurar:

• a existência ou inexistência do crime


• a punibilidade ou não punibilidade do arguido
• a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.

A prova não pode ser obtida mediante tortura, coação ou ofensa da


integridade física ou moral das pessoas, e no caso de assim suceder será nula,
ou seja não poderá ser considerada.

Prova testemunhal

O testemunho pessoal é um dos principais e mais utilizados meios de prova. A


testemunha é ouvida sobre factos de que tenha conhecimento direto, ou seja,
aqueles que viu, ou mais concretamente, que chegaram até si através dos
sentidos.
Se o depoimento da testemunha resultar do que ouviu dizer a certas pessoas,
tal só servirá como meio de prova se essas pessoas também forem chamadas a
depor como testemunhas.

Em regra, qualquer pessoa chamada a prestar depoimento é obrigada a fazê-lo.

Mas há exceções:

• Descendentes, ascendentes, irmãos, afins até ao segundo grau,


adotantes, adotados e cônjuge do arguido;
• Ex-cônjuge do arguido, ou pessoa, do outro ou do mesmo sexo, que com
ele conviva ou tenha convivido em condições análogas às dos cônjuges,
relativamente a factos ocorridos durante o casamento ou a coabitação;
• Pessoas obrigadas a segredo profissional (embora estas, em
determinados casos, possam ser obrigadas a testemunhar).

De entre os deveres da testemunha, os mais importantes são:


Página | 131
• Apresentar-se, no tempo e local devidos, à autoridade que a convocou;
• Obedecer às indicações que lhe forem dadas quanto à forma de prestar
depoimento;
• Responder com verdade às perguntas que lhe forem feitas (sob pena de
vir a ser acusada da prática do crime de falsidade de testemunho).

Para efeitos de notificações, a testemunha não é obrigada a dar a morada da


sua residência, podendo optar por indicar o seu local de trabalho ou outro
domicílio (um Gabinete de Apoio à Vítima, por exemplo), de modo a evitar
eventuais constrangimentos ou retaliações.
A testemunha pode fazer-se acompanhar por advogado sempre que tenha que
prestar depoimento, não podendo contudo este intervir na inquirição.

A testemunha tem direito a ser compensada pela sua participação no processo


(designadamente pelas despesas realizadas). A compensação a que as
testemunhas têm direito cifra-se entre 1/16 e 1/8 de Unidade de Conta por
cada deslocação ao tribunal, sendo determinada em concreto consoante a
distância percorrida pela testemunha e o tempo que tiver que despender.

Proteção das testemunhas

Está legalmente prevista a aplicação de medidas para proteção de


testemunhas em processo penal quando a sua vida, integridade física ou
psíquica, liberdade ou bens patrimoniais de valor consideravelmente elevado
sejam postos em perigo por causa do seu contributo para a prova dos factos
que constituem objeto do processo.

Estas medidas podem abranger os familiares das testemunhas, as pessoas que


com elas vivam em condições análogas às dos cônjuges e outras pessoas que
lhes sejam próximas.

Os meios de proteção de testemunhas podem ser os seguintes: ocultação;


teleconferência, reserva do conhecimento da identidade da testemunha e
medidas e programas especiais de segurança (desdobrando-se estas em
medidas pontuais de segurança e em programa especial de segurança.
A aplicação destas medidas está dependente de decisão judicial, que pode ser
tomada oficiosamente em alguns casos, ou a requerimento do Ministério
Público, do arguido, assistente ou testemunha, e desde que estejam
preenchidos todos os requisitos legais que indiciem risco elevado de
intimidação da testemunha e desde que ponderosas razões de proteção o
Página | 132
justifiquem.

Entre as medidas que podem ser adotadas, incluem-se algumas especificamente


destinadas a proteger as denominadas testemunhas particularmente
vulneráveis: quando num determinado ato processual deva participar uma
testemunha especialmente vulnerável (vulnerabilidade essa que pode resultar
da sua diminuta ou avançada idade, do seu estado de saúde ou do facto de ter
de depor contra pessoa da própria família ou de grupo social fechado em que
esteja inserida numa situação de subordinação ou dependência), a autoridade
judiciária competente deverá providenciar para que, independentemente da
aplicação de outras medidas, tal ato decorra nas melhores condições possíveis,
com vista a garantir a espontaneidade e a sinceridade das respostas.

O depoimento da testemunha especialmente vulnerável deve ter lugar o mais


brevemente possível.

O juiz, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, pode proceder à


inquirição daquela no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa,
se necessário, ser tomado em conta no julgamento. O Ministério Público, o
arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da
hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes,
sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do defensor.

A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com


vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das
respostas, devendo a vítima ser assistida no decurso do ato processual por um
técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente
designado pelo tribunal.

A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, os


advogados constituídos e o defensor, por esta ordem, formular perguntas
adicionais.
A tomada de declarações para memória futura não prejudica a prestação de
depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não
puser em causa a saúde física ou psíquica de pessoa que o deva prestar.

Os depoimentos e declarações das vítimas, quando impliquem a presença do


arguido, são prestados através de videoconferência ou de teleconferência, se o
tribunal, designadamente a requerimento da vítima, o entender como
necessário para garantir a prestação de declarações ou de depoimento sem
constrangimentos, podendo, para o efeito, solicitar parecer aos profissionais de
saúde que acompanhem a evolução da situação da vítima. A vítima é
acompanhada na prestação das declarações ou do depoimento, por profissional
de saúde que lhe tenha vindo a dispensar apoio psicológico ou psiquiátrico. Página | 133

Logo que se aperceba da especial vulnerabilidade da testemunha, a


autoridade deverá designar um técnico do serviço social ou outra pessoa
especialmente habilitada para o seu acompanhamento.

Em qualquer fase do processo, o juiz, a requerimento do Ministério Público,


pode determinar o afastamento temporário da testemunha especialmente
vulnerável da família ou do grupo social fechado em que se encontra inserida,
podendo ser acolhida em serviços do Instituto de Segurança Social, em
instituições particulares de solidariedade social que tenham acordo com o
Estado Português ou em casa da rede pública de apoio a mulheres vítimas de
violência, se a violência sexual ocorrer neste contexto.

Declarações para memória futura

Um dos princípios estruturantes ou informadores do processo penal é o


princípio da imediação das provas. Este princípio manifesta-se em duas
vertentes: no dever de apreciar ou obter os meios de prova mais diretos –
utilização dos meios de prova originais – e na receção da prova pelo órgão
legalmente competente – os sujeitos processuais devem conhecer direta e
pessoalmente das provas, para obterem uma visão conjunta dos fundamentos.

A imediação respeita predominantemente à audiência de julgamento: as


testemunhas são inquiridas na audiência e não lhes devem ser lidos os seus
depoimentos anteriores, precisamente para garantir a receção imediata e direta
da prova pelo tribunal. Só excecionalmente e quando impossível a receção
direta da prova pode ser admitida uma forma indireta.

Uma das exceções é precisamente o incidente de declarações para memória


futura: em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de
testemunha, assistente, parte civil, perito, consultor técnico, ou nos casos de
vítima de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e
autodeterminação sexual, pode o juiz de instrução – durante as fases de
inquérito e instrução – ou o juiz de julgamento – na fase de julgamento,
previamente à audiência – proceder à sua inquirição, a fim de que o
depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento. Em caso
de processo por crime contra a liberdade e autodeterminação de menor, à
vítima são sempre tomadas declarações para memória futura, desde que não
tenha entretanto atingido a maioridade, devendo esta tomada de declarações
realizar-se em ambiente informal e reservado e sendo o menor acompanhado
por um técnico especialmente habilitado.
Página | 134
A inquirição é feita pelo juiz, podendo em seguida o Ministério Público, o
defensor do arguido e os advogados do assistente e das partes civis inquirir
diretamente a vítima.

Em suma: de modo a garantir uma prova importante para o apuramento dos


factos, permite-se a sua produção antecipada, podendo depois o auto de
declarações resultante ser lido em audiência de julgamento. Contudo, a tomada
de declarações para memória futura não significa obrigatoriamente que a vítima
não prestará depoimento em julgamento, desde que seja possível e não puser
em causa a sua saúde física ou psíquica.

Outros meios de prova

• Declarações do arguido, assistente e partes civis:


O arguido é ouvido várias vezes ao longo do processo. Se tiver havido
detenção (se não for julgado em processo sumário) o primeiro
interrogatório terá de realizar-se nas 48 horas subsequentes. O arguido é
presente ao juiz de instrução que, depois de o inquirir sobre os factos
que lhe são imputados, vai validar ou não a detenção e aplicar-lhe, se
assim entender necessário, uma medida de coação. Caso não seja
presente de imediato ao juiz de instrução, o arguido detido é ouvido
sumariamente pelo Ministério Público que depois, ou o liberta, ou
providencia a sua apresentação ao juiz de instrução. O arguido nunca
presta juramento pelo que não está legalmente obrigado a dizer a
verdade (salvo quanto à sua identificação pessoal), e pode mesmo
recusar-se a responder sem que isso signifique que confessa os factos
imputados.
O assistente e as partes civis prestam declarações a requerimento seu ou
do arguido ou quando a autoridade judiciária achar conveniente. Embora
não prestem juramento estão obrigadas a responder com verdade.

• Prova por acareação:


Acareação é o ato que consiste em colocar frente a frente duas ou mais
pessoas (arguidos, assistentes, testemunhas ou partes civis) sempre que
houver contradição nas suas declarações.
• Prova por reconhecimento:
Pode ser feito o reconhecimento de uma determinada pessoa ou de um
objeto relacionado com o crime.

• Reconstituição do facto:
Página | 135
Havendo necessidade de apurar se certo facto poderia ter ocorrido de
determinada forma, pode proceder-se à sua reconstituição, que consiste
na reprodução, o mais fiel possível, das condições em que o facto terá
ocorrido e na repetição do modo de realização do mesmo.

• Prova pericial 11:


Recorre-se à prova pericial quando a apreciação dos factos exige
especiais conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos: nestes casos,
o Tribunal, oficiosamente ou a requerimento dos interessados, vai
solicitar os serviços de alguém especializado. Por exemplo: pode ser
necessário um psicólogo que avalie a personalidade e,
consequentemente, a perigosidade do arguido.
Ordenada a perícia, o Ministério Público, o arguido, o assistente e as
partes civis podem designar para assistir à realização da mesma um
consultor técnico da sua confiança, ao qual é facultada a possibilidade de
propor a efetivação de determinadas diligências e de formular
observações e objeções.
Finda a perícia, os peritos elaboram um relatório, no qual mencionam as
suas conclusões devidamente fundamentadas, podendo ser-lhes pedidos
esclarecimentos.

• Prova documental:
Em qualquer altura do processo é possível apresentar documentos,
embora a altura mais apropriada para o fazer seja durante a investigação
(inquérito e, caso haja, instrução). Mas pode, por exemplo, requerer-se a
junção aos autos de um documento em pleno julgamento, só que aí o juiz
só o aceitará se o considerar relevante e, mesmo assim, condenará em
multa quem o apresentar, a não ser que se prove ter sido impossível
apresentá-lo mais cedo.

Em processos de violência sexual, assumem particular importância ao nível da


prova documental os relatórios médicos relativos ao atendimento da vítima
em hospital ou centro de saúde em consequência de agressões.

11
É neste âmbito que se incluem os exames médico-legais, que pela sua importância destacamos em secção
autónoma que poderá encontrar mais adiante neste manual: EXAMES MÉDICO-LEGAIS: ORIENTAÇÕES PARA OS
PROFISSIONAIS EM CONTACTO COM VÍTIMAS ADULTAS DE CRIMES SEXUAIS.
Meios de obtenção de provas

Após enumerar os meios de prova, o Código de Processo Penal trata dos meios
de obtenção dessas mesmas provas, para que a investigação, sem perder
eficácia, se paute por critérios legais, no intuito de nunca por em causa os
Página | 136
direitos fundamentais das pessoas.

Estão previstos os seguintes meios de prova:

• Exames (de pessoas, lugares, objetos): o objetivo é inspecionar os


vestígios que o crime possa ter deixado relativamente ao modo, ao lugar
onde foi praticado e às pessoas que o cometeram ou sobre o qual foi
cometido.
• Revistas: se há indícios que alguém oculta na sua pessoa objetos
relacionados com o crime ou que possam servir como prova, essa pessoa
pode ser sujeita a revista, desde que haja autorização de autoridade
judiciária.
• Buscas: se há indícios de que os objetos referidos, o arguido ou outra
pessoa que deva ser detida, se encontram num lugar não livremente
acessível ao público, pode esse lugar, mediante despacho de autoridade
judiciária, ser alvo de busca.
• Apreensões: trata-se de apreender objetos que tenham servido ou
estivessem destinados a servir a prática de um crime; constituírem
produto, lucro, preço ou recompensa pela prática do crime; tivessem
sido deixados pelo agente no local do crime; quaisquer outros suscetíveis
de servir de prova. As apreensões são autorizadas, ordenadas ou
validadas pela autoridade judiciária.
• Escutas telefónicas: a interceção e gravação de conversas telefónicas -
bem como a comunicação entre presentes ou através da internet – só
pode acontecer durante a fase de inquérito e tem de ser autorizada por
despacho fundamentado do juiz de instrução, mediante requerimento do
Ministério Público.
• Realização de exames médico-legais: os exames médico-legais a uma
vítima são perícias médicas integrantes do sistema judicial, que têm por
finalidade a verificação de marcas no corpo da vítima que tenham sido
produzidas pela violência infligida (ex: arranhões; rubores; feridas;
hematomas; outras lesões.) e a pesquisa de materiais, biológicos ou não,
no seu corpo e/ou nas suas roupas e objetos que tenham sido deixados
ou eventualmente utilizados pelo/a agressor/a (Ex: sangue, esperma;
fluídos vaginais; pele; cabelos; fibras).
Decisão do Ministério Público (e/ou do assistente)

Findo o inquérito o Ministério Público ou/e o assistente (nos caso dos crimes
particulares) toma uma decisão, que pode ser de arquivamento do processo, de
acusação, ou em certos casos, de suspensão provisória do processo.
Página | 137
Quanto aos crimes públicos e semipúblicos:

O Ministério Público toma uma decisão:

• se não recolheu prova bastante de que houve crime, e/ou de que o


arguido não o praticou, e/ou se o procedimento criminal for inadmissível
(por ex. por o crime ser semipúblico e não ter havido queixa, ou por o
arguido ter entretanto morrido, ou por ter havido prescrição), profere
despacho de arquivamento;
• se, apesar de haver indícios suficientes, o Ministério Público considerar
que o arguido deve ser dispensado da pena (nos casos em que a lei penal
o admite), pode, com a concordância do juiz de instrução, proferir
despacho de arquivamento;
• se, havendo prova bastante, o crime for punível com pena de prisão não
superior a cinco anos, pode o Ministério Público, oficiosamente ou a
requerimento do arguido ou do assistente, determinar, com a
concordância do juiz de instrução (e desde que, relativamente ao
arguido, o grau de culpa não seja elevado e não haja condenação ou
suspensão provisória anteriores por crime da mesma natureza,
suspender provisoriamente o processo, impondo ao arguido
determinadas regras de conduta que, se cumpridas durante o prazo
fixado, levarão o Ministério Público a, findo esse período, proferir
despacho de arquivamento;
• se considerar que foram recolhidos indícios suficientes de que houve
crime e de quem o praticou, e entender não haver lugar a nenhuma das
duas soluções anteriores, o Ministério Público profere despacho de
acusação.

Quanto aos crimes particulares:

Nestes crimes, a decisão de acusar ou não cabe ao ofendido (que entretanto, e


obrigatoriamente, se constituiu assistente): finda a investigação, o Ministério
Público notifica-o para que ele, atendendo às diligências desenvolvidas durante
o inquérito, decida se deduzirá acusação.
Requerimento de abertura de instrução:

Se não concordarem com a decisão final do inquérito, têm legitimidade para


requerer a abertura da instrução:
Página | 138
• o arguido – se o Ministério Público e/ou o assistente acusaram, e o
arguido não concorda com a acusação, pode, com o intuito de tentar
evitar a sua submissão a julgamento, requerer a abertura da instrução;
• o assistente – se o Ministério Público proferiu despacho de
arquivamento, mas o assistente considera que há indícios suficientes que
permitem levar o arguido a julgamento; ou, mesmo tendo o Ministério
Público acusado, o assistente não concorda com o teor dessa acusação,
pode requerer a abertura da instrução (apenas o pode fazer nos crimes
públicos e semipúblicos, porque, como nos crimes particulares a decisão
final do inquérito pertence ao assistente, não faria sentido que ele
requeresse a abertura da instrução para comprovar judicialmente a sua
própria decisão).

Instrução

Esta é uma fase facultativa: só há instrução se, nos termos atrás requeridos, for
requerida pelo arguido e/ou pelo assistente. Se tal não tiver sucedido, o
processo, findo o inquérito, ou segue diretamente para julgamento (se tiver
havido acusação), ou é arquivado.

A instrução é dirigida por um juiz – o juiz de instrução – que vai confirmar ou


não a decisão final do inquérito: o juiz de instrução vai apreciar os indícios
probatórios recolhidos durante o inquérito, e vai, se achar conveniente, levar a
cabo outras diligências probatórias – atos de instrução - (com a colaboração dos
órgãos de polícia criminal).

O arguido e/ou o assistente podem requerer a realização de diligências


probatórias, mas o juiz só as efetuará se as considerar relevantes (a não ser o
interrogatório do arguido que, se for requerido, é obrigatoriamente realizado).

Há depois lugar a um debate perante o juiz de instrução – o debate instrutório -


no qual participam o Ministério Público, o arguido, o seu defensor, o assistente
e o seu advogado. Neste debate, os intervenientes vão discutir se, das
diligências levadas a cabo durante o inquérito e a instrução, decorrem indícios
suficientes que permitam submeter o arguido a julgamento.
Estamos portanto perante uma segunda fase de investigação, que visa a
comprovação judicial da decisão final do inquérito.
A fase de instrução termina com uma decisão do juiz de instrução:

• se o juiz de instrução considerar que, durante o inquérito e a instrução,


foram recolhidos indícios suficientes que justifiquem levar o arguido a
julgamento, profere despacho de pronúncia pela prática do(s) crime(s);
Página | 139
• caso contrário, o despacho será de não pronúncia.

Quanto à possibilidade de recorrer da decisão instrutória há que distinguir:

• o despacho de não pronúncia é sempre recorrível;


• o despacho de pronúncia que pronuncie o arguido apenas pelos factos
constantes da acusação do Ministério Público é irrecorrível;
• nos restantes casos (pronúncia por factos constantes do requerimento
do assistente para a abertura da instrução, ou por factos constantes em
processo por crime particular, tendo a instrução sido requerida pelo
arguido), o despacho de pronúncia é recorrível.

Segredo de Justiça

A regra é a de que o processo é público em todas as suas fases, quer


relativamente aos sujeitos processuais (publicidade interna) quer para o público
em geral (publicidade externa).
A publicidade do processo implica:

• Assistência, pelo público em geral, à realização dos atos processuais;


• Narração dos atos processuais pelos meios de comunicação social;
• Consulta do processo e obtenção de cópias e certidões de quaisquer
partes dele.

Pode, contudo, o Juiz de Instrução, a requerimento do arguido, assistente ou


ofendido e ouvido o Ministério Público, restringir a publicidade externa,
determinando a sujeição do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de
justiça, por entender que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos
ou participantes processuais.

Sempre que o Ministério Público entender que os interesses da investigação ou


os direitos dos sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação
ao processo, durante a fase de inquérito, do segredo de justiça, ficando essa
decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo de 72 horas.

Nestes casos em que tiver sido determinado o segredo de justiça pode o


Ministério Público, durante o inquérito, opor-se à consulta de auto, obtenção de
certidão e/ou informação por sujeitos processuais caso considere,
fundamentadamente, que tal pode prejudicar a investigação ou os direitos dos
participantes processuais ou das vítimas, cabendo a decisão ao Juiz de
Instrução.
Página | 140
O segredo de justiça vincula todos os sujeitos e participantes processuais, bem
como as pessoas que, por qualquer título, tiverem tomado contacto com o
processo ou conhecimento de elementos a ele pertencentes (o que pode ser o
caso, por exemplo, de profissionais que apoiam vítimas de crime, que, ainda
que não tenham tomado contacto direto com o processo, podem ter
conhecimento de partes deste através do que lhes foi transmitido pela vítima).

No entanto, em caso de processo de crime de tráfico de pessoas ou


crime contra a liberdade e a autodeterminação sexual, os atos
processuais – incluindo o julgamento, decorrem em regra, com
exclusão da publicidade.

Julgamento

Se no fim do inquérito houve acusação (ou se, tendo havido instrução, o juiz de
instrução proferiu despacho de pronúncia) o processo segue para o tribunal de
julgamento.

Depois de um primeiro contacto com o processo, o juiz profere um despacho,


no qual marca a data de julgamento, de modo a que entre esta e o dia em que
os autos foram recebidos não decorram mais de dois meses. A partir do
momento em que é notificado deste despacho, o arguido tem um prazo de 20
dias para apresentar a sua contestação e o rol de testemunhas (contudo, e ao
contrário do que sucede no processo civil, caso o arguido não apresente
contestação, não são dados como provados os factos que lhe são imputados).

A audiência de julgamento é pública, e o tribunal pode ser:

• singular: constituído apenas por um juiz;


• coletivo: constituído por três juízes;
• de júri: constituído por três juízes, quatro jurados efetivos e quatro
suplentes.

A competência material do tribunal é definida, em regra, com base na pena


aplicável ao crime em causa, sendo que o tribunal singular julga os crimes cuja
pena máxima não ultrapasse os cinco anos, o tribunal coletivo julga os crimes Página | 141
cuja pena máxima seja superior a cinco anos, e o tribunal de júri julga os crimes
cuja pena máxima seja a cinco anos, e o tribunal de júri julga os crimes cuja
pena máxima seja superior a oito anos e a sua intervenção tenha sido requerida
pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido (tem sido muito rara a
sua intervenção).

Na audiência de julgamento, visa-se:

• debater e apurar a matéria de facto – saber o que se passou -, através da


produção de prova: o juiz tem que formar a sua convicção com base
naquilo que é apresentado na audiência;
• discutir a questão jurídica.

Os meios de prova apresentados no decurso da audiência são submetidos ao


princípio do contraditório, isto é, todos os sujeitos processuais têm a
oportunidade de analisar e questionar os elementos probatórios: inquirir
testemunhas e peritos, observar documentos, etc.

O arguido pode ser afastado da sala de audiência durante a prestação de


declarações, se o tribunal considerar, por exemplo, que a sua presença pode
inibir o declarante de dizer a verdade ou se o declarante for menor de 16 anos e
houver razões para crer que a sua audição na presença do arguido poderia
prejudicá-lo gravemente.

As declarações prestadas oralmente em audiência são sempre documentadas,


em regra através de gravação áudio ou audiovisual.

Encerrada a audiência, será proferida decisão, que se denominará:

• sentença, se emanada de tribunal singular;


• acórdão, se proferida por tribunal coletivo ou de júri;

Esta decisão pode ser total ou parcialmente condenatória ou absolutória.


Recurso

Recurso é o meio de impugnação de uma decisão judicial (proferida por


juiz(es)): a regra é a de que as decisões judiciais são recorríveis, pelo que se
pode interpor recurso não só da sentença (ou acórdão) mas de qualquer decisão
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proferida por juiz ao longo do processo (salvas as exceções legalmente
previstas). Pode, por exemplo, logo na fase de inquérito, interpor-se recurso da
decisão judicial que aplique ao arguido uma medida de coacção, ou (como atrás
se referiu), no fim da instrução, recorrer do despacho de não pronúncia.

Os recursos são apreciados:

• pelos Tribunais da Relação (apreciam matéria de facto e de direito);

e/ou (uma vez que há situações que admitem duplo grau de recurso)

• pelo Supremo Tribunal de Justiça (apenas reexamina matéria de direito).

Há duas espécies de recursos:

• ordinários (quando a decisão recorrida ainda não transitou em julgado);


• extraordinários (se a decisão já tiver transitado em julgado).

De entre os recursos extraordinários há ainda que distinguir:

• recursos para fixação de jurisprudência (quando, sobre a mesma


questão de direito e com base na mesma legislação, tenha havido
decisões diferentes dos tribunais superiores); o prazo para interposição
deste recurso é de 30 dias contados a partir do trânsito em julgado do
acórdão proferido em último lugar;
• recursos de revisão (servem para "atacar" decisões injustas já transitadas
em julgado - se o recurso tiver provimento, o julgamento será repetido).

Processo Sumário

Serve para julgar as pessoas detidas (por autoridade judiciária ou policial ou por
qualquer outra pessoa desde que esta, no prazo máximo de duas horas, tenha
entregue a pessoa detida a autoridade judiciária ou policial) em flagrante delito,
isto é, no momento em que estão a cometer o crime, tenham acabado de o
cometer ou sejam, logo após o crime, perseguidos por qualquer pessoa ou
encontrados com objetos ou sinais que mostrem claramente que acabaram de o
cometer ou de nele participar. Pode dar-se como exemplo o caso da pessoa que
é detida depois de partir o vidro de um automóvel e se preparava para furtar o
que encontrasse no seu interior.
Como daqui já resulta a séria probabilidade de que o detido tenha cometido o Página | 143
crime, prescinde-se das fases de investigação (inquérito e instrução), sendo
aquele apresentado imediatamente ou no mais curto prazo possível (sem
exceder as 48h) ao Ministério Público junto do tribunal competente para
julgamento, para que este, depois de, se o julgar conveniente, o interrogar
sumariamente, o apresentar imediatamente a julgamento. Caso o arguido tenha
requerido prazo para preparação da sua defesa, o Ministério Público pode
interrogá-lo, para validação da detenção e libertação. Se o julgar conveniente, o
Ministério Público pode apresentar o arguido ao juiz de instrução para efeitos
de aplicação de medida de coação.
O julgamento, sempre perante tribunal singular, realiza-se dentro das 48 horas
subsequentes à detenção, podendo este prazo ser alargado para 5 dias, quando
houver interposição de um ou mais dias não úteis. Contudo, a apresentação do
arguido a julgamento pode ser adiada até ao limite de 20 dias após a detenção,
sempre que o arguido tiver requerido prazo para preparação da sua defesa,
quando o Ministério Público entenda que é necessário proceder à recolha de
prova essencial para a descoberta da verdade ou quando tal seja essencial para
obter a comparência de testemunhas ou para a junção de exames, relatórios
periciais ou documentos, cujo depoimento ou junção o juiz considere
imprescindíveis para a boa decisão da causa.
Nos crimes semipúblicos, a detenção só se mantém quando, em ato a ela
seguido, o titular do direito de queixa o exercer. Nos crimes particulares, não há
lugar a detenção em flagrante delito, mas somente à identificação do infrator.
A vítima pode constituir-se assistente ou intervir como parte civil se assim o
solicitar, mesmo que só verbalmente, no início do julgamento.
Esta forma de processo não é aplicável a casos de criminalidade altamente
organizada, crimes de discriminação racial, religiosa ou sexual, tortura e crimes
contra a segurança do Estado.

O Assistente

O assistente é o ofendido/queixoso que assume a posição de colaborador do


Ministério Público.
Compete ao assistente:

• intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as


diligências que considerar necessárias (pode, por exemplo, requerer a
aplicação de uma medida de coação ao arguido/ agressor);
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• deduzir acusação independentemente da do Ministério Público;
• nos crimes particulares, deduzir acusação particular, mesmo que o
Ministério Público não acuse;
• recorrer das decisões que o afetem, mesmo que o Ministério Público não
recorra.

O assistente é obrigatoriamente representado por advogado, que pode ser


oficiosamente nomeado, ao abrigo do regime do apoio judiciário, se aquele não
tiver recursos económicos.

Constituindo-se como assistente, o ofendido não pode ser ouvido como


testemunha, embora possa prestar declarações perante o Tribunal (sem que
preste juramento), ficando sujeito ao dever da verdade.

A constituição como assistente é um direito que o ofendido de qualquer crime


pode exercer, desde que tenha nisso interesse direto. Nos crimes particulares é
obrigatória a constituição como assistente para que o processo-crime prossiga.
A constituição de assistente pode ocorrer em qualquer fase do processo, exceto
nos crimes particulares, em que se deve requerer a constituição no prazo de 10
dias após a apresentação da queixa.

Nos casos em que não é concedido apoio judiciário, o ofendido deve pagar taxa
de justiça. A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é auto
liquidada no montante de 1 Unidade de Conta, podendo ser corrigida, a final,
pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho
do processo e a concreta atividade processual do assistente.

Medidas de Coação

Medida de coação é uma restrição à liberdade do arguido, e que pode ser


aplicada no decurso do processo-crime para acautelar certos interesses, tais
como:

• Perigo de fuga;
• Perigo para a obtenção e conservação da prova do crime;
• Perigo para a ordem pública;
• Perigo de continuação da atividade criminosa.
Todas as medidas de coação são aplicadas por Juiz, exceto a medida de Termo
de Identidade e Residência, que pode ser também aplicada pelo Ministério
Público ou por órgão de polícia criminal.

Após a constituição de arguido pela prática do crime de violência doméstica, o


tribunal pondera, no prazo máximo de 48 horas, a aplicação, sem prejuízo das Página | 145
demais medidas de coação previstas no Código de Processo Penal e com
respeito pelos pressupostos gerais e específicos de aplicação nele referidos, de
medida ou medidas de entre as seguintes:

• não adquirir, não usar ou entregar, de forma imediata, armas ou outros


objetos e utensílios que detiver, capazes de facilitar a continuação da
atividade criminosa;
• sujeitar, mediante consentimento prévio, a frequência de programa para
arguidos em crimes no contexto da violência doméstica;
• não permanecer na residência onde o crime tenha sido cometido ou
onde habite a vítima;
• não contactar com a vítima, com determinadas pessoas ou frequentar
certos lugares ou certos meios.

A aplicação destas medidas deve obedecer a três princípios: necessidade,


proporcionalidade e adequação.

Necessidade porquanto a aplicação de uma medida apenas deve ocorrer caso as


exigências cautelares do caso a imponham.
Proporcionalidade pois a restrição da liberdade do arguido deve ocorrer na
medida da gravidade do comportamento de que este é suspeito.

Adequação no sentido de que a restrição à liberdade pessoal do arguido vá de


encontro ao comportamento de cuja prática este é suspeito.

O não cumprimento pelo arguido da medida de coacção imposta leva, em


princípio, à aplicação de outra mais gravosa.

Estão previstas no Código de Processo Penal as seguintes medidas:

• Termo de identidade e Residência


• Caução
• Obrigação de Apresentação Periódica
• Suspensão do exercício de profissão, de função, de atividades e de
direitos
• Proibição e imposição de condutas
• Obrigação de permanência na habitação
• Prisão preventiva

Meios técnicos de controlo à distância


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Vigilância eletrónica:
O tribunal, com vista à aplicação de medidas de coacção, injunções e regras de
conduta no âmbito da suspensão provisória do processo ou penas acessórias,
que envolvam a proibição de contactos do agressor com a vítima, pode, sempre
que tal se mostre imprescindível para a proteção desta, determinar que o
cumprimento daquelas medidas seja fiscalizado por meios técnicos de controlo
à distância.

O juiz solicita prévia informação aos serviços encarregados do controlo à


distância sobre a situação pessoal, familiar, laboral e social do arguido ou do
agente.

A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende do


consentimento do arguido ou do agente e, nos casos em que a sua utilização
abranja a participação da vítima, depende igualmente do consentimento desta.
A utilização dos meios técnicos de controlo à distância depende ainda do
consentimento das pessoas que o devam prestar, nomeadamente das pessoas
que vivam com o arguido ou o agente e das que possam ser afetadas pela
permanência obrigatória do arguido ou do agente em determinado local.

O consentimento do arguido ou do agente é prestado pessoalmente perante o


juiz, na presença do defensor, e reduzido a auto. Sempre que a utilização dos
meios técnicos de controlo à distância for requerida pelo arguido ou pelo
agente, o consentimento considera-se prestado por simples declaração deste no
requerimento.

As vítimas prestam o seu consentimento aos serviços encarregados da execução


dos meios técnicos de controlo à distância por simples declaração escrita, que o
enviam posteriormente ao juiz.

Estes consentimentos são revogáveis a todo o tempo.


Libertação do arguido ou condenado:
Sempre que considerar que pode haver perigo para a vítima, o tribunal tem o
dever de a informar:

• A data da libertação do arguido que se encontra em prisão preventiva;


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• A data da libertação de preso no termo do cumprimento da pena de
prisão;
• Da data da libertação de preso para início do período de liberdade
condicional;
• Da fuga de preso.

Pedido de Indemnização Civil

A vítima de crime pode pedir uma indemnização ao agressor pelos


danos que tenha sofrido.
Essa indemnização é requerida através da formulação de um pedido
de indemnização civil, efetuado no respetivo procedimento criminal.

É dever do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal informar os


eventuais lesados da possibilidade de pedirem aquela indemnização, das
formalidades a observar, do prazo a cumprir e das provas a apresentar.

O lesado/demandante civil deve manifestar o interesse em deduzir o pedido de


indemnização até ao encerramento do inquérito, sendo depois notificado do
despacho de acusação, para deduzir o pedido no prazo de 20 dias. Se não tiver
manifestado esse interesse, pode deduzir o pedido até 20 dias após a
notificação do arguido do despacho de acusação.

Quando o pedido é apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, é


deduzido na acusação ou no prazo em que esta deva ser formulada (nos 10 dias
subsequentes ao encerramento do inquérito).

A falta de contestação pelo demandado civil não implica confissão dos factos
alegados pelo lesado/demandante civil.
O pedido de indemnização civil deve abranger os seguintes danos:

Danos Patrimoniais, que englobam:

• Dano Emergente, prejuízo causado nos bens ou nos direitos existentes à


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data da lesão. Por exemplo, tratamentos hospitalares, despesas com
medicamentos, deslocações a consultas médicas, etc.;
• Lucro Cessante, os benefícios que o lesado deixou de obter devido à
prática do crime. Por exemplo, salários que a vítima deixou de receber
enquanto esteve incapacitada para o trabalho.

Danos Morais (ou não patrimoniais): são os prejuízos que, sendo insuscetíveis
de avaliação pecuniária, dado estar em causa a saúde, o bem-estar, a honra e o
bom nome da vítima, apenas podem ser compensados com a obrigação
monetária imposta ao autor do crime. Por exemplo, dor física e dor psíquica
(resultante de deformações físicas sofridas), perda do prestígio ou reputação,
etc.

Só é obrigatória a representação por advogado se o valor da indemnização


pedida exceder a alçada do tribunal de 1ª instância. Quando a indemnização
pretendida for inferior a este valor, pode o próprio lesado efetuar o pedido
através de simples requerimento, que não está sujeito a formalidades especiais,
podendo consistir em declaração em auto, com as indicações do prejuízo
sofrido e das provas.

Compete ao Ministério Público formular o pedido de indemnização nos casos


em que o lesado não dispõe de meios económicos, bem como nos restantes
casos em que a representação lhe é atribuída por lei.

Se o pedido de indemnização não for apresentado nos prazos estabelecidos, no


processo penal ou em separado, o tribunal, nos casos em que o arguido é
condenado, pode arbitrar uma quantia como reparação pelos prejuízos sofridos
pela vítima, quando se impõem particulares exigências de proteção desta (se,
por exemplo, em consequência do crime, ficar em situação de carência
económica).

Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser
interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil.
Sistema de acesso ao direito e aos tribunais

O sistema de acesso ao direito e aos tribunais destina-se a assegurar Página | 149


que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua
condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios
económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus
direitos.

Sabendo que as vítimas de violência doméstica poderão ter que desencadear ou


intervir em diversos processos judiciais, designadamente o processo-crime, o
divórcio, a regulação das responsabilidades parentais, etc., importa descrever
de que forma poderão beneficiar do sistema de acesso ao direito e aos
tribunais.

A finalidade deste sistema é garantir que mesmo os mais desfavorecidos


tenham acesso à justiça, mediante o auxílio do Estado, compreendendo duas
vertentes:

• Informação jurídica: incumbe ao Estado, através da criação, pelo


Ministério da Justiça, de serviços de acolhimento nos tribunais e serviços
judiciários, dar a conhecer o direito e o ordenamento legal, com vista a
proporcionar um melhor exercício dos direitos e o cumprimento dos
deveres legalmente estabelecidos;
• Proteção jurídica: garante o acesso à justiça aos mais desfavorecidos,
sendo concedida para questões ou causas judiciais concretas ou
suscetíveis de concretização em que o/a utente tenha um interesse
próprio e que versem sobre direitos diretamente lesados ou ameaçados
de lesão.

Concretiza-se através de duas modalidades:

• Consulta Jurídica: consiste no esclarecimento técnico sobre o direito


aplicável a questões ou casos concretos, a prestar em gabinetes de
consulta jurídica, no escritório dos advogados que adiram ao sistema de
acesso ao direito ou por entidades públicas ou privadas sem fins
lucrativos com legitimidade para o efeito;
• Apoio Judiciário: inclui estas quatro principais possibilidades: dispensa
de taxa de justiça e demais encargos com o processo; nomeação e
pagamento da compensação de advogado; pagamento faseado de taxas
de justiça e demais encargos com o processo; pagamento faseado da
compensação de advogado.

Poderão ser beneficiários de proteção jurídica nas modalidades de Consulta


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Jurídica e Apoio Judiciário:

• Os cidadãos nacionais e da União Europeia;


• Os estrangeiros e os apátridas com título de residência válido num
Estado-Membro da União Europeia (aos estrangeiros sem título de
residência válido num Estado da União Europeia é reconhecido o direito
a proteção jurídica na medida em que ele seja atribuído aos portugueses
pelas leis dos respetivos Estados – princípio da reciprocidade);

Insuficiência Económica

Todos os que pretendam usufruir deste regime têm que demonstrar que se
encontram em situação de insuficiência económica, isto é, que, tendo em conta
fatores de natureza económica e a respetiva capacidade contributiva, não têm
condições para suportar pontualmente os custos de um processo ou de uma
consulta jurídica.

A apreciação da insuficiência económica é apurada tendo em conta:

• O número de pessoas do agregado familiar (pessoas que vivem em


economia comum com o requerente da proteção jurídica);
• O rendimento líquido completo do agregado familiar. Soma da receita
líquida do agregado familiar (depois da dedução do imposto sobre o
rendimento e das contribuições obrigatórias para regimes de proteção
social) com o montante da renda financeira implícita calculada com base
nos ativos patrimoniais (bens imóveis, bens móveis sujeitos a registo,
participações sociais e valores mobiliários);
• Deduções relevantes para efeitos de proteção jurídica. Encargos com
necessidades básicas do agregado familiar e encargos com a habitação
do agregado familiar.
O rendimento relevante para efeitos de proteção jurídica é o montante que
resulta da diferença entre o valor do rendimento líquido completo do agregado
familiar e o valor da dedução relevante para efeitos de proteção jurídica.
A estes elementos são aplicadas fórmulas de cálculo que permitirão apurar:

• Se o requerente não tem condições para suportar qualquer quantia


relacionada com os custos de um processo, devendo igualmente
beneficiar de consulta jurídica gratuita;
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• Se o requerente tem condições objetivas para suportar os custos de uma
consulta jurídica sujeita ao pagamento prévio de uma taxa, mas não tem
condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um
processo, beneficiando de apoio judiciário na modalidade de pagamento
faseado;
• Se o requerente não se encontra em situação de insuficiência económica.

O requerente pode solicitar, por motivo justificado, que a apreciação da


insuficiência económica tenha em conta apenas o rendimento, património e
despesa dele próprio ou dele e de alguns elementos do seu agregado familiar.
Tal pode suceder em situações em que o requerente se encontre em litígio com
algum elemento do seu agregado familiar (por exemplo, em casos de violência
doméstica), não fazendo sentido considerar o rendimento e património deste
para o apuramento da capacidade económica do requerente, uma vez que, na
prática, não poderá contar com aquele rendimento e património.

Se, perante um caso concreto, o dirigente máximo dos serviços de segurança


social competente para a decisão sobre a concessão da proteção jurídica
entender que a aplicação dos critérios legais conduz a uma manifesta negação
do acesso ao direito e aos tribunais pode decidir de forma diversa daquela que
resulta da aplicação daqueles critérios.

Em caso de dúvida sobre a verificação de uma situação de insuficiência


económica, pode ser solicitado pelo dirigente máximo do serviço de segurança
social que aprecia o pedido que o requerente autorize, por escrito, o acesso a
informações e a documentos bancários e que estes sejam exibidos perante tal
serviço e, quando tal se justifique, perante a administração tributária.

Procedimentos para obtenção de proteção jurídica

O apoio judiciário aplica-se em todos os tribunais, qualquer que seja a forma do


processo, nos julgados de paz e noutras estruturas de resolução alternativa de
litígios. Aplica-se também nos processo de contraordenação e nos processos
que corram nas conservatórias (como por exemplo os processos de divórcio por
mútuo consentimento).

O requerimento deve ser apresentado em qualquer serviço de atendimento ao


público da segurança social antes da primeira intervenção processual, exceto se
a situação de insuficiência económica for superveniente, caso em que deve ser
apresentado antes da primeira intervenção processual que ocorra após o
conhecimento da situação de insuficiência económica.

Se se verificar insuficiência económica superveniente, o requerente deve juntar


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ao processo judicial em curso documento comprovativo da apresentação do
pedido de apoio judiciário, suspendendo-se o prazo para pagamento da taxa de
justiça e demais encargos com o processo até à decisão definitiva sobre este
pedido.

Podem efetuar o requerimento de proteção jurídica:

• O interessado na sua concessão;


• Ministério Público em representação do interessado;
• O advogado, advogado estagiário ou solicitador, em representação do
interessado, bastando para comprovar essa representação as assinaturas
conjuntas do interessado e do patrono.

O requerimento é formulado em impressos específicos para o efeito,


disponibilizados gratuitamente pelos serviços de segurança social, podendo ser
apresentado pessoalmente, por fax, correio ou através da Internet, neste caso
através do preenchimento do respetivo formulário digital. O formulário digital
está disponível em www.apav.pt: a vítima e a lei / apoio judiciário / Ministério
da Justiça / formulário digital)

Este requerimento deverá ser acompanhado pelos documentos referidos no


impresso. Se todos os elementos necessários à prova da insuficiência económica
não forem entregues com o requerimento de proteção jurídica, os serviços de
segurança social notificam o interessado para que este os apresente no prazo
de 10 dias, sob pena de indeferimento do pedido.

Estão isentos de impostos, emolumentos e taxas os requerimentos, certidões e


quaisquer outros documentos pedidos para fins de proteção jurídica.
Quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de ação
judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver
em curso naquela ação interrompe-se com a junção aos autos do documento
comprovativo da apresentação do requerimento, reiniciando-se ou a partir da
notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao
requerente da decisão de indeferimento.

A audiência prévia do requerente de proteção jurídica tem obrigatoriamente


lugar, por escrito, nos casos em que está proposta uma decisão de
indeferimento, total ou parcial, do pedido formulado.
Se aquele não se pronunciar no prazo que lhe for concedido, a proposta de
decisão converte se em decisão definitiva.

A decisão sobre a concessão de proteção jurídica compete ao dirigente máximo


dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente,
devendo ser notificada ao requerente e, se o pedido envolver a designação de Página | 153
patrono, também à Ordem dos Advogados.

O prazo para conclusão deste procedimento administrativo e respetiva decisão


é de 30 dias e é contínuo (não se suspendendo durante as férias judiciais). Se
este lapso de tempo decorrer sem que a referida decisão seja proferida,
considera-se tacitamente deferido o pedido.
Neste caso, é suficiente a menção em tribunal da formação do ato tácito e,
quando estiver em causa um pedido de nomeação de patrono, a tramitação
subsequente é a seguinte:

• Quando o pedido tiver sido apresentado na pendência de ação judicial, o


tribunal em que a causa está pendente solicita à Ordem dos Advogados
que proceda à nomeação de patrono;
• Quando o pedido não tiver sido apresentado na pendência de ação
judicial, incumbe ao interessado pedir a nomeação de patrono junto da
segurança social, para que esta, no prazo de dois dias úteis, solicite a
nomeação à Ordem dos Advogados.

A decisão não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo


suscetível de impugnação judicial pelo interessado ou, no caso de o pedido ter
sido apresentado na pendência de ação judicial, pela parte contrária. O recurso
de impugnação é dirigido ao serviço de segurança social que apreciou o pedido,
no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão, dispondo depois aquele
serviço de 10 dias para decidir: ou revoga a decisão ou, mantendo-a, envia o
processo para o tribunal competente.

A decisão que defira o pedido de proteção jurídica especifica as modalidades e a


concreta medida do apoio concedido. O apoio judiciário mantém-se até ao final
do processo, incluindo eventuais recursos, qualquer que seja a decisão sobre a
causa. É extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele para o
qual foi concedido, sendo-o também para o processo principal quando
concedido em qualquer processo que decorra em apenso. Mantém-se ainda
para as execuções fundadas em sentença proferida em processo em que essa
concessão se tenha verificado.

No caso de deferimento do pedido de apoio judiciário nas modalidades de


dispensa ou de pagamento faseado de taxas de justiça e demais encargos com o
processo, deve o requerente juntar aos autos documento comprovativo da sua
concessão no momento em que deveriam apresentar o documento
comprovativo do pagamento da taxa de justiça.

Não havendo decisão final quanto ao pedido de apoio judiciário no momento


em que deva ser efetuado o pagamento de taxa de justiça e demais encargos do
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processo judicial, procede-se do seguinte modo:

• Se não for ainda conhecida decisão do serviço de segurança social


competente, fica suspenso o prazo para proceder ao respetivo
pagamento até que tal decisão seja comunicada ao requerente;
• Sendo havido já decisão do serviço de segurança social concedendo
apoio judiciário em modalidade de pagamento faseado, o pagamento da
primeira prestação é devido no prazo de 10 dias contados da data da sua
comunicação ao requerente, sem prejuízo do posterior reembolso das
quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão;
• Tendo havido já decisão negativa do serviço da segurança social, o
pagamento é devido no prazo de 10 dias contados da data da sua
comunicação ao requerente, sem prejuízo do posterior reembolso das
quantias pagas no caso de procedência da impugnação daquela decisão.

A nomeação de patrono, sendo concedida, é realizada pela Ordem dos


Advogados, sendo notificada ao requerente e ao patrono nomeado. A
nomeação de patrono oficioso, pela Ordem dos Advogados, destinado à
propositura de uma ação, depende de juízo sobre a existência de fundamento
legal da pretensão, feito em sede de consulta jurídica.

O beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à


Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o
seu pedido.

Cancelamento e caducidade da proteção jurídica


A proteção jurídica é cancelada, quer na sua totalidade, quer relativamente a
algumas das suas modalidades:

• Se o requerente ou o respetivo agregado familiar adquirir meios


suficientes para poder dispensá-la;
• Quando se prove por novos documentos a insubsistência das razões pela
qual foi concedido;
• Caso os documentos que serviram de base à sua concessão sejam
considerados falsos por decisão com trânsito em julgado;
• Se, em recurso, for confirmada a condenação do requerente como
litigante de má-fé;
• Se, em ação de alimentos provisórios, for atribuída ao requerente uma
quantia para custeara ação;
• Se o requerente a quem tiver sido concedido apoio judiciário em
modalidade de pagamento faseado não proceder ao pagamento de uma
prestação e mantiver esse incumprimento no termo do prazo que lhe for
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concedido para proceder ao pagamento em falta acrescido de multa
equivalente à prestação em falta.

A proteção jurídica pode ser retirada oficiosamente ou a requerimento do


Ministério Público, da Ordem dos Advogados, da parte contrária ou do patrono
nomeado, sendo o requerente sempre ouvido.

Se o requerente adquirir meios suficientes, deverá declarar estar em condições


de dispensar a proteção jurídica em alguma ou em todas as modalidades
concedidas, sob pena de ficar sujeito às sanções previstas para a litigância de
má-fé.

Caso se verifique que o requerente de proteção jurídica possuía à data do


pedido ou adquiriu no decurso do processo ou no prazo de quatro anos após o
seu termo, meios económicos para pagar honorários, despesas, custas, imposto,
emolumentos, taxas e quaisquer outros encargos de cujo pagamento haja sido
declarado isento, é instaurada ação para cobrança das respetivas importâncias
pelo Ministério Público ou qualquer outro interessado.

Pode mesmo ser instaurado procedimento criminal se, para beneficiar da


proteção jurídica, o requerente cometer crime.

A proteção jurídica extingue-se por morte da pessoa singular ou extinção ou


dissolução da pessoa-coletiva a quem foi concedida (salvo se os sucessores na
lide, no incidente da sua habilitação, juntarem cópia do requerimento de apoio
judiciário e o mesmo vier a ser deferido) ou se decorrer um ano após a sua
concessão sem que tenha sido prestada consulta ou instaurada ação em juízo
por razão imputável ao requerente.

Da decisão que determine o cancelamento ou verifique a caducidade da


proteção jurídica cabe impugnação judicial.
Indemnização pelo estado às vítimas de crimes violentos

O regime jurídico de proteção às vítimas de crimes violentos consta da Lei


104/2009, de 14 de Setembro.
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A proteção às vítimas de crimes violentos consiste na atribuição a


essas vítimas de uma indemnização por parte do Estado, quando a
mesma não possa ser satisfeita pelo delinquente e desde que o
prejuízo tenha causado uma perturbação considerável do nível e
qualidade de vida do lesado. Foi criada uma Comissão no seio do
Ministério da Justiça (Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes),
que instrui os pedidos de indemnização e decide sobre os mesmos.

Podem requerer esta indemnização:

• as vítimas de danos graves para a respetiva saúde física ou mental


diretamente resultantes de atos de violência praticados em território
português;
• em caso de morte da vítima, as pessoas a quem a lei concede o direito a
alimentos e as que vivessem em união de facto com a vítima;
• as pessoas que auxiliaram a vítima ou colaboraram com as autoridades
na prevenção da infração, perseguição ou detenção do delinquente,
relativamente aos prejuízos que por causa disso sofreram.

Devem verificar-se cumulativamente as seguintes condições:

• da lesão ter resultado uma incapacidade permanente, uma incapacidade


temporária absoluta de pelo menos 30 dias, ou a morte;
• o prejuízo ter provocado uma perturbação considerável do nível e
qualidade de vida da vítima ou, no caso de morte, do requerente;
• a vítima não ter sido, efetivamente, indemnizada através do pedido
deduzido em processo crime, ou ser razoável prever que o agressor e
responsáveis civis não repararão o dano, ou o agressor nem sequer ser
conhecido, ou o agressor não poder ser acusado ou condenado.
Nos casos de crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual ou de
crimes contra menores, pode ser dispensada a verificação da primeira
condição se circunstâncias excecionais e devidamente fundamentadas assim o
aconselharem.

Este regime legal de indemnização pelo Estado não se aplica nos seguintes Página | 157
casos:

• quando o dano for causado por um veículo terrestre a motor (nos casos
em que o responsável não é conhecido ou não beneficie de seguro
automóvel - que é obrigatório -, o Fundo de Garantia Automóvel garante,
verificados certos requisitos, o pagamento de indemnizações por danos
decorrentes deste tipo de sinistros);
• quando forem aplicáveis as regras sobre acidentes de trabalho ou em
serviço (casos em que a responsabilidade é da entidade empregadora
que, em princípio, a terá transferido para uma companhia de seguros).

A indemnização é fixada em termos de equidade, tendo como limite máximo


340 UC. Este limite máximo é reduzido para metade no caso de a não concessão
de qualquer indemnização ao requerente no âmbito do processo penal ou fora
dele se dever a facto unicamente imputável ao requerente, nomeadamente por
não ter deduzido pedido de indemnização cível ou por dele ter desistido.

Esta indemnização pode também ser reduzida ou excluída tendo em conta:

• a conduta da vítima ou do requerente antes, durante ou após a prática


dos factos;
• as suas relações com o autor ou o seu meio; ou
• se se mostrar contrária ao sentimento de justiça ou à ordem pública.

O pedido de indemnização pode ser apresentado até um ano a partir da data do


facto criminoso ou, se houver processo criminal, até um ano após a decisão que
lhe põe termo. A vítima que à data do ato de violência fosse menor pode
apresentar o pedido até um ano depois de atingida a maioridade ou de ser
emancipada.

O Ministro da Justiça pode relevar o requerente do efeito da caducidade


quando justificadas circunstâncias tiverem impedido a apresentação do pedido
em tempo útil.
O adiantamento da indemnização pode ser requerido, designadamente:

• pela vítima;
• associações ou outras entidades privadas que prestem apoio às vítimas
de crimes (por solicitação e em representação destas);
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• entidades públicas, incluindo o Ministério Público.

O pedido, que deve ser deduzido em formulário próprio, é enviado para a


Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes. Está isento do pagamento de
quaisquer custas ou encargos para a vítima, podendo inclusivamente os
documentos e certidões necessárias para a instrução deste processo ser obtidos
gratuitamente.

Quem obtiver ou tentar obter uma indemnização nos termos deste regime com
base em informações falsas ou inexatas pode ser punido com pena de prisão até
3 anos ou multa.

Em caso de urgência (situação de grave carência económica) pode ser requerida


à Comissão a atribuição de uma provisão por conta da indemnização que vier a
ser atribuída.

A vítima de um crime cometido no território de outro Estado Membro da União


Europeia, que tenha a sua residência habitual em Portugal, pode apresentar
pedido de indemnização perante a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes
Violentos do Ministério da Justiça. Caberá a esta comissão apoiar a vítima na
dedução deste pedido (fornecendo-lhe os formulários adequados, ajudando-a
no seu preenchimento e informando-a acerca dos documentos necessários, por
exemplo) transmitir o pedido à autoridade competente do Estado-Membro em
que o crime foi consumado e auxiliar na instrução do mesmo. Em sentido
inverso, a vítima de um crime violento praticado em território português que
tenha a sua residência habitual noutro Estado-membro poderá apresentar o seu
pedido de indemnização perante a autoridade competente do seu Estado de
residência. Esta autoridade deverá transmitir o pedido à comissão portuguesa,
que fará a instrução do pedido e determinará a quantia a pagar pelo Estado
Português.

EXAMES MÉDICO-LEGAIS: ORIENTAÇÕES PARA OS PROFISSIONAIS (15, 23)

Os exames médico-legais a vítimas de violência sexual são perícias médicas


integrantes do sistema judicial, no âmbito da produção da prova, cuja finalidade
é verificar as marcas no corpo da vitima que tenham sido causadas pela
violência sexual, assim como a pesquisa e recolha de materiais, biológicos ou
não, no seu corpo e/ou nas suas roupas e objetos que tenham sido deixados
pelo agressor.

Importância dos exames médico-legais Página | 159

A realização dos exames médico-legais numa vítima de violência sexual é de


extrema importância, porque podem vir a demonstrar meios de prova,
aplicáveis num processo judicial.

Detetar, sinalizar, diagnosticar, tratar e proteger as vítimas destes crimes são


passos fundamentais para evitar ou minimizar as suas graves consequências
psicossociais e, algumas vezes, físicas. O seu diagnóstico e intervenção deverão
ser interdisciplinares, sendo que os profissionais envolvidos no apoio e
acompanhamento de vítimas de crimes sexuais devem atuar de forma
articulada, no respeito pelo papel e competências de cada um, tendo sempre
como principal objetivo o interesse e proteção da vítima. Torna-se assim
importante que os profissionais que intervêm nestes casos estejam conscientes
dos fatores de risco e os indicadores (sinais e sintomas) deste tipo de crimes,
sabendo orientar de forma conveniente as vítimas, não só no que diz respeito à
investigação criminal mas, também, ao seu apoio e proteção, conhecendo as
técnicas de abordagem das vítimas para evitar uma possível vitimação
secundária.

Relativamente à investigação criminal, é fundamental o interesse na produção


da prova médico-legal, cujo objetivo é esclarecer a Justiça no que concerne às
questões bio-psico-sociais através da seleção, colheita, preservação e análise de
vestígios e da descrição e interpretação das lesões e suas sequelas. Para além da
atividade probatória, o serviço público de Medicina Legal realiza também
atividades de foro assistencial e de formação/investigação, estes dois
parâmetros incluem o acolhimento, acompanhamento e orientação clínica,
psicológica, social e legal das vítimas de violência, avaliando o perigo e risco em
que as mesmas se encontram, assim como o risco para possíveis ou potenciais
vitimas. Estas atividades perspetivam-se num sentido preventivo, através do
forte caráter observatório dos fenómenos de violência e dos seus efeitos sobre
as vítimas, que caracteriza a Medicina Legal.

Em suma, a Medicina Legal tem um leque de atividades, que lhe conferem um


papel de destaque no acompanhamento de casos de violência sexual,
colocando-a numa posição privilegiada para a compreensão do processo de
vitimação, em particular no que diz respeito às suas consequências.
As vítimas podem ser encaminhadas para os serviços médico-legais através das
entidades judiciais ou judiciárias, dos hospitais ou de associações de apoio às
vítimas. A própria vítima, ou os seus representantes, podem solicitar a
realização de perícia médico-forense, tendo em conta que os serviços médico-
legais, legalmente, têm capacidade para receber queixa ou denúncia (artigo 4º
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da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto).

Preparação da vítima para os exames médico-legais


A realização de exames médico-legais é muito importante pois podem constituir
importantes meios de prova no processo judicial. Ainda que alguns profissionais
entendam que a sua realização não acrescentará informações úteis ao processo
judicial, além de que poderão contribuir para a vitimação secundária, importa
não descurar a sua utilidade no domínio judicial (pela recolha de indícios da
violência concretizada contra a vítima) e também na reparação da própria
vítima de crime e de violência: o exame médico-legal pode constituir um
momento tranquilizador e reparador perante a violência e o(s) crime(s)
vivenciados.

É importante, portanto, que o profissional que acompanha a vítima,


nomeadamente numa intervenção na crise ou já no âmbito de um
processo de apoio continuado, tenha a preocupação de aconselhar à
vítima a ida imediata ao Instituto Nacional de Medicina Legal e
Ciências Forenses ou a um hospital (onde poderá ser vista por um
perito).

Assim, o profissional, no âmbito do processo de apoio a vítimas de violência


sexual, deve:

• Fazer um planeamento da ida: o profissional deverá organizar a ida da


vítima ao local/serviço onde os exames médico-legais têm lugar (ex:
hospitais; gabinetes médico-legais ou nas delegações do Instituto
Nacional de Medicina Legal).
• Avaliar a urgência: o profissional deverá analisar a real urgência da
situação, isto é, se a ida ao local/serviço para realização de exames
médico-legais deverá realizar-se o mais rapidamente possível, ou se, pelo
contrário, poderá preparar-se de um modo menos urgente. Se a
vitimação não é uma ocorrência recente (ex: sendo o(s) progenitor(es)
o(s) agressor(es) há vários anos) ou se foi vítima há muito tempo e só
agora o revelou (ex: ter sido vitimada uma vez, há muito tempo por um/a
agressor/a desconhecido/a), poderá preparar-se esta ida com mais
tempo. Nesta situação, os exames poderão ser realizados logo que a
vítima e os profissionais puderem, devendo tomar-se em consideração, Página | 161
entre outros aspetos, a discrição e a confidencialidade necessárias,
procurando não levantar suspeitas no meio onde a vítima se move
habitualmente. Assim, procurar-se-á um horário favorável, uma
deslocação discreta e um conjunto de desculpas a aplicar caso alguém
externo ao processo de apoio questione a ausência da vítima.
No entanto, nas situações de violência sexual a realização destes exames
impõe-se imediatamente. Pouco tempo após a prática de qualquer
violência sexual, quando esta é descoberta ou revelada, é importante
planear a deslocação ao local/serviço de realização de exames médico-
legais, nos quais poderão ser registadas as lesões sofridas e/ou ser
recolhidos vestígios do/a agressor/a. A recolha de material genético do/a
agressor/a torna-se particularmente importante pois poderá conduzir à
obtenção de um perfil de ADN revelador da sua identidade.
Mesmo nestas situações, porém, é importante não colocar o interesse da
diligência à frente do interesse da vítima, de forma a não atropelar o
estado de fragilidade emocional em que se encontra.

• Preparar a vítima: é importante preparar a vítima para a realização de


exames médico-legais, bem como acompanhá-los ao local onde são
realizados, estando, se possível, ao seu lado durante a realização de cada
exame.
O profissional deve explicar à vítima que os exames médico-legais não
lhe causaram sofrimento e que se baseiam num cuidado de saúde que
deve ser tido em conta. Deve ser explicada a finalidade do exame, que
consiste na recolha de indícios que poderão servir de meio de prova
quanto à prática do crime e/ou à identidade do agressor. A vítima deve
estar ciente em que consiste o exame pericial e é fundamental o seu
consentimento para a realização do mesmo. A vítima tem o direito de
recusar, e neste caso, o perito deve explicar quais as implicações da sua
recusa.

A explicação que o profissional dará à vítima relativamente aos exames


médico-legais deve observar os seguintes aspetos:

o Conversar calmamente: o profissional, apesar de toda a urgência


que possa haver na ida para o local/serviço onde se efetuam
exames médico-legais, deve conversar calmamente com a vítima,
explicando-lhe devidamente que é que é necessário ir ao médico
ou ao hospital. Na preparação da ida é importante privilegiar e
dando especial atenção ao seu (provável) estado de fragilidade
emocional.
o Explicar a razão: o profissional deverá explicar claramente que os
exames médico-legais têm por finalidade a recolha de indícios no
Página | 162
seu corpo que tenham sido produzidos ou tenham sido deixados
pela violência contra si cometida. Deve explicar-se, ainda, que tais
indícios poderão vir a servir de meio de prova quanto à prática
do/s crime/crimes e/ou à identidade do/a agressor/a.

• Lidar com as expectativas: em muitos casos, a expectativa em relação aos


resultados é muito elevada, sobretudo quando ainda se está sob efeito
do impacto da descoberta da vitimação. O profissional deverá, por
conseguinte, procurar lidar com as expectativas, bem como com as
(eventuais) frustrações, que a vítima e familiares possuem em relação
aos resultados dos exames.

É importante recordar que os resultados podem não ser reveladores de


que a vítima foi vítima de violência sexual e que tal trará algumas
dificuldades para o curso do processo judicial. Alguns dos motivos para o
carácter inconclusivo dos exames são os seguintes:
o elevado período de tempo decorrido entre o episódio de violência
sexual e o momento da realização do exame médico-legal; por
exemplo, as lesões genitais decorrentes de um episódio de
violência sexual são de rápida cicatrização;
o as estratégias utilizadas pelo/a agressor/a com o objetivo de
eliminar/minimizar eventuais vestígios da violência infligida, por
exemplo, “higienizar” a vítima após ter concretizado a violência,
concretizar atos de violência menos intrusivos, como acariciar os
órgãos sexuais;
o a natureza da violência exercida pelo/a agressor/a contra a vítima
(formas de violência menos intrusivas que não deixam quaisquer
marcas físicas, como toques, violência verbal;

• Levar roupa lavada: o profissional deve indicar à vítima que leve roupa
lavada para vestir após a realização dos exames médico-legais, caso a
roupa que esta utiliza no momento é a mesma que tinha vestido durante
a vitimação. O profissional deve tentar assegurar que a roupa a vestir
depois dos exames pertença ao guarda-roupa habitual da vítima, pois
será com peças realmente suas que se sentirá melhor. Se não for possível
que alguém vá a casa buscar a roupa, o profissional deve comprar ou
retirar de uma reserva da sua instituição as peças necessárias, que
respeitem o estilo de vestir e os tamanhos utilizados pela vítima.
• Levar os documentos da vítima: é importante que o profissional leve os
documentos da vítima para que esta possa ser devidamente identificada
pelos serviços competentes.

Página | 163
Preservação de vestígios

Os vestígios são vitais para o sucesso de uma investigação criminal, pois é


através destes que poderá ser possível provar a culpa ou inocência de um
determinado suspeito. Porém, a investigação poderá ser comprometida se a sua
recolha e preservação não for devidamente protegida, correndo o risco de
existir deterioração ou contaminação dos mesmos.

Os vestígios podem ter diversas classificações consoante a sua localização: local


do crime, no acesso ao local do crime, na vítima, no autor do ato criminoso e
nos instrumentos por este utilizados. Os crimes que envolvem o contacto direto
entre uma vítima, o perpetrador e um objeto (como por exemplo a violação) são
particularmente férteis para a recolha de vestígios físicos. A identificação,
recolha e preservação do sémen numa alegada vítima de violação sexual é de
extrema importância porque comprova que existiu uma relação sexual, no
entanto a ausência do mesmo não significa que não ocorreu uma violação
sexual. De forma a proteger estes vestígios e evidencias (sémen, fios de cabelo,
sangue, fibras, tiras de pele, etc.), todas as peças de roupa utilizadas na altura
do crime devem ser cuidadosamente removidas e embaladas.

Assim, é importante que o profissional que acompanha a vítima a aconselhe,


sempre que possível, a preservar os eventuais vestígios até à realização dos
exames:

• Abstinência de banho: o profissional deve recomendar a abstinência de


banho, tanto por imersão, como por duche, ou mesmo com pouca água
ou passagem de panos molhados ou secos pela pele. Qualquer tipo de
banho poderá destruir vestígios da violência no corpo da vítima.
• Abstinência de toques: deve-se recomendar à vítima que não mexa nas
partes do seu corpo que estão sujas depois da violência, evitando a
destruição e/ou eventual contaminação dos vestígios.
• Conservação de roupa, acessórios e outros objetos: recomendar à vítima
a conservação da roupa, acessórios e objetos. A roupa (ex.: calças;
cuecas; camisolas; meias), acessórios (ex.: brincos; piercings; relógio;
pulseiras) e/ou objetos que estejam relacionados com a violência sofrida
(ex.: cinto; faca; corda; preservativo usado) deverão ser acondicionados
num saco de papel fechado e guardado em lugar seco, sem humidade. É
importante esclarecer, também, a vítima que será prejudicial para a
preservação de vestígios da violência sexual guardar a roupa e os
acessórios num saco de plástico, pois a atmosfera do seu interior pode
causar a alteração do material genético presente, mediante o
Página | 164
crescimento de bactérias.
O profissional deverá, contudo, compreender que a vontade da mulher
vítima despir as roupas e de se lavar está estreitamente ligada à vontade
de que o(s) crime(s) não tivessem acontecido, ganhando repulsa por tudo
o que no seu corpo estiver que seja do agressor. Poderá dizer-lhe que
entende a sua vontade, mas que tudo o que tem no corpo e nas roupas,
por pouco visível que seja, poderá ser importante para descobrir e/ou
provar a identidade do agressor.
• Urgência: O profissional, em particular no caso de intervenção na crise,
deve recomendar à vítima que decida realizar os exames médico-legais o
mais rapidamente possível. Não só os indícios podem desaparecer
passadas poucas horas, como, e principalmente, será muito o
desconforto da vítima de violência.
QUADRO II - TABELA DE CRIMES
Crime Ação Típica Categoria Moldura Penal

A - Constranger outra pessoa,


por meio de violência, ameaça Página | 165
grave, ou depois de, para esse
fim, a ter tomado inconsciente Semipúblico.
ou posto na impossibilidade de
resistir, a sofrer ou a praticar, A - Prisão de 1 a 8
consigo ou com outrem, ato anos.
sexual de relevo.

Coação Sexual B - Constranger outra pessoa,


abusando da autoridade B - Prisão até 3
resultante de uma relação Público quando anos.
familiar, de tutela ou curatela, resultar suicídio
ou de dependência hierárquica, ou morte da Há agravações.
económica ou de trabalho, a vítima ou quando
sofrer ou a praticar, consigo ou for praticado
com outrem, ato sexual de contra menor.
relevo.
A - Constranger outra pessoa,
por meio de violência, ameaça
grave, ou depois de, para esse
fim, a ter tomado inconsciente A - Prisão de 3 a 10
ou posto na impossibilidade de Semipúblico. anos.
resistir, a sofrer ou a praticar,
consigo ou com outrem,
cópula, coito anal ou coito oral.

B - Constranger outra pessoa,


Violação abusando da autoridade
resultante de uma relação Público quando
familiar, de tutela ou curatela, resultar suicídio
ou de dependência hierárquica, ou morte da B - Prisão até 3
económica ou de trabalho, a vítima ou quando anos.
sofrer ou a praticar, consigo ou for praticado
com outrem, cópula, coito anal contra menor. Há agravações.
ou coito oral; sofrer introdução
vaginal ou anal de partes do
corpo ou objetos.
Aproveitamento do estado de
inconsciência ou incapacidade
da pessoa para praticar com A - Prisão de 6
ela: meses a 8 anos de
Abuso sexual
A - Ato sexual de relevo. prisão.
de pessoa
Semipúblico.
Página | 166 incapaz de
B - Cópula, coito anal e/ou oral,
resistência
penetração vaginal ou anal com
pates do corpo ou objetos. B - Prisão de 2 a 10
anos.
Aproveitamento das funções
ou do lugar que se exerce ou
Abuso sexual detém em estabelecimento
de pessoa prisional, Hospital ou outro
internada estabelecimento destinado a
assistência ou tratamento, ou
estabelecimento de educação
ou correção, para praticar com
a pessoa que se encontre
internada ou ao seu cuidado: Público.
A - Ato sexual de relevo. A - Prisão de 6
Abuso sexual meses a 5 anos.
de pessoa B - Cópula, coito anal, coito
internada oral, penetração vaginal ou B - Prisão de um a 8
(Cont.) anal de partes do corpo ou anos.
objetos.
Aproveitamento fraudulento
de erro sobre identidade
A - Prisão até um
pessoal para praticar:
ano.
A - Ato sexual de relevo.
Fraude sexual Semipúblico.
B - Prisão até 2
B - Cópula, coito anal e/ou oral,
anos.
penetração vaginal ou anal com
pates do corpo ou objetos.
Procriação Praticar ato de procriação
artificial não artificial em mulher sem o seu Prisão de 1 a 8 anos.
Semipúblico.
consentida consentimento.
Profissionalmente ou com Prisão de 6 meses a
intenção lucrativa, fomentar, 5 anos.
favorecer ou facilitar o Se forçado: prisão
Público.
exercício por outra pessoa de de 1 a 8 anos.
Lenocínio
prostituição. Há agravações.
Aliciar, aceitar, transportar,
alojar ou acolher pessoa para
fins de exploração sexual,
exploração do trabalho ou
extração de órgãos, por meio
de violência, rapto ou ameaça
grave; através de ardil ou Página | 167
manobra fraudulenta; com
abuso de autoridade resultante Prisão de 3 a 10
de uma relação de anos
Público.
dependência hierárquica,
Tráfico de
económica, de trabalho ou Há agravações
pessoas
familiar; aproveitando-se de
incapacidade psíquica ou de
situação de especial
vulnerabilidade da vítima; ou
mediante a obtenção do
consentimento da pessoa que
tem o controlo sobre a vítima.
Raptar outra pessoa, por meio
de violência, ameaça ou
astúcia, com intenção de:
- Submeter a vítima a extorsão;
- Cometer crime contra a
Prisão de 2 a 8 anos.
liberdade ou a
autodeterminação sexual da
Rapto Público. Há agravações
vítima;
- Obter resgate ou recompensa;
- Constranger a autoridade
pública ou um terceiro a uma
ação ou omissão, ou a suportar
uma atividade.
Ofender o corpo ou a saúde de
outra pessoa.
Grave, se da ofensa resultar:
- Privação de importante órgão
ou membro ou desfiguração
grave e permanente;
- Afetação grave da capacidade
Ofensa à
de trabalho, das capacidades
integridade Simples: prisão até
intelectuais, de procriação ou Simples:
física 3 anos ou multa.
fruição sexual, ou a semipúblico.
(previsão da
possibilidade de utilizar o
Mutilação Grave: prisão de 2 a
corpo, os sentidos ou a Grave: público.
Genital 10 anos.
linguagem;
Feminina)
- Provocação de doença
particularmente dolorosa ou
permanente, ou anomalia
psíquica grave ou incurável;
- Provocação de perigo para a
vida.
Comportamento indesejado de
caracter sexual, sob a forma
verbal, não-verbal ou física,
Assédio sexual praticado aquando do acesso
no trabalho ao emprego ou no próprio
(contra emprego, trabalho ou
Página | 168
ordenação formação profissional, com o Contraordenação
prevista no art. objetivo ou o efeito de muito grave
29 do Código perturbar ou constranger a
de Trabalho pessoa, afetar a sua dignidade,
Português). ou de lhe criar um ambiente
intimidativo, hostil,
degradante, humilhante ou
desestabilizador.
APOIO SOCIAL A VÍTIMAS ADULTAS DE VIOLÊNCIA SEXUAL

O Apoio Social é da competência dos trabalhadores sociais, em especial dos


técnicos de Serviço Social (geralmente conhecidos por Assistentes Sociais), mas
também pode ser executado por técnicos de Política Social e por outros
profissionais da área do Trabalho Social, devidamente qualificados. Página | 169

Segundo a International Federation of Social Workers, o Trabalho Social é o


“exercício da profissão de assistente social ou trabalhador social que promove
uma mudança social, a resolução de problemas no contexto de relações
humanas e a capacidade e empenhamento das pessoas na melhoria do seu
bem-estar. O trabalho social focaliza a sua intervenção no relacionamento das
pessoas com o meio que as rodeia. Os princípios de direitos humanos e de
justiça social são elementos sociais para o trabalho social”.

O Trabalho Social designa o conjunto de profissões sociais específicas


e complementares pertencentes a um ramo de atividade profissional,
abrangendo todos os profissionais que intervêm no campo da ação
social.

A missão do trabalhador social é acompanhar e auxiliar determinados tipos de


populações, procurando favorecer a sua inserção e respeitando a autonomia
das pessoas. A sua intervenção recai em áreas muito diversificadas, tais como a
educação, a animação, a informação e orientação, o apoio psicossocial e gestão
de serviços ou equipamentos.

Existem três tipos de trabalhadores sociais profissionais:

• O centrado na família (ex.: mediador familiar; terapeuta familiar;


assistente social);
• O centrado na educação (ex.: monitor social; educador social);
• O centrado na animação (ex.: animador sociocultural).

Há que salientar que mais do que o conteúdo da sua missão (enquanto


trabalhador social), é a cultura profissional e o local de trabalho que delimitam
as fronteiras entre estas profissões e que apesar de ser crucial que os diferentes
profissionais trabalhem em parceria junto de uma mesma realidade social, as
interpretações que dela fazem são diferenciadas, consoante a sua cultura e
formação profissional. Os diferentes profissionais diferem também nas
metodologias, métodos e estratégias empregues durante o processo de
intervenção social.

Importa refletir os propósitos fundamentais da intervenção do Trabalho Social:


Página | 170
• Facilitar a inclusão de grupos sociais excluídos, marginalizados,
vulneráveis ou em risco;
• Promover o bem-estar e solucionar problemas, intervindo com
indivíduos, famílias, grupos e comunidades;
• Desencadear dinâmicas que levem à participação das populações na
defesa e dinamização de melhores condições sociais;
• Trabalhar com as pessoas na formulação, implementação e defesa de
políticas coerentes com os princípios éticos da profissão;
• Defender com e para as pessoas, mudanças nos condicionalismos
estruturais relacionados com a exclusão e marginalidade social;
• Desencadear procedimentos de proteção de pessoas, que pela sua
condição ou situação de risco, não estão capazes de o fazer por si
próprias.

Os objetivos do Trabalho Social pretendem induzir mudanças positivas no


funcionamento psicológico e social dos indivíduos, nas suas famílias, grupos e
ambientes de forma a diminuir as vulnerabilidades existentes e a providenciar
oportunidades para a existência de uma vida social mais satisfatória. Procura-se,
portanto, auxiliar no desenvolvimento e promoção das suas capacidades no
exercício de influências interpessoais e do desempenho de papéis sociais
apreciados.

No Trabalho Social intervêm, assim, os seguintes sectores:

• Segurança Social e Proteção Social (Centros Distritais de Solidariedade e


Segurança Social e Instituições Particulares de Solidariedade Social);
• Trabalho e Desemprego (Centros de Emprego e Centros de Formação
Profissional);
• Saúde (Centros Hospitalares, Centros de Saúde, Unidades de Saúde e
Instituições de
• Saúde Mental);
• Educação e Estabelecimentos de Ensino;
• Autarquias Locais (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia);
• Justiça e Reinserção Social (Estabelecimentos Prisionais e Direcção-Geral
de Reinserção Social);
• Departamentos de recursos humanos de empresas e outras organizações
ou comissões locais.

As atividades desenvolvidas por estes sectores são bastante diversificadas,


podendo referir-se as seguintes:
Página | 171
• Determinar as necessidades e problemas sociais, emocionais e
económicas das pessoas, providenciando serviços de acordo com a
especificidade das necessidades detetadas;
• Desenvolver recursos, programas e políticas sociais, de forma a satisfazer
as necessidades da comunidade;
• Promover programas sociais e serviços de saúde através da pesquisa e do
encorajamento das comunidades e organizações para se tornarem
responsáveis pela identificação das suas necessidades;
• Ajudar as pessoas a promoverem o seu funcionamento social e/ou
pessoal através da disponibilização de serviços inexistentes ou do
encaminhamento para serviços já em funcionamento;
• Coordenar e trabalhar com organizações governamentais ou não-
governamentais, privadas, cívicas, religiosas, empresariais e/ou
comerciais para combater os problemas sociais através da
consciencialização e da aplicação de programas que respondam aos
problemas sinalizados;
• Investigar, planear e desenvolver programas e políticas sociais e de
saúde.

APOIO SOCIAL

Existem vários trabalhadores sociais que podem apoiar/acompanhar, com


diferentes metodologias, métodos e técnicas, as vítimas de violência sexual. O
Apoio Social fica obviamente beneficiado com uma exigente formação
académica.

Consoante as problemáticas apresentadas pela vítima de violência


sexual o Trabalhador Social atua em situações de crise e de
emergência, mas também dá resposta aos problemas de natureza
pessoal e social do dia-a-dia. Utiliza uma variedade de práticas,
técnicas e ações em consonância com a abordagem holística do ser
humano e do ambiente que o rodeia.
Para que possa intervir de forma correta, o Trabalhador Social terá de elaborar
o diagnóstico social. O diagnóstico social é uma das primeiras fases do processo
de intervenção social e um elemento fulcral de toda a prática social. Trata-se de
um processo contínuo e de uma tentativa de conhecer uma determinada
realidade, necessitando, ao mesmo tempo, de ser oportuno, completo, claro e
Página | 172
preciso. A elaboração de um diagnóstico social necessita da aplicação de uma
metodologia de pesquisa-ação, com base numa atitude de curiosidade científica
permanente.

Segundo Idánez & Ander-Egg (1), o Diagnóstico Social é como um «processo de


elaboração e sistematização de informação que implica conhecer e
compreender os problemas e necessidades dentro de um determinado
contexto, as suas causas e evolução ao longo do tempo, assim como fatores
condicionantes e de risco e as suas tendências previsíveis; permitindo uma
discriminação dos mesmos segundo a sua importância, estabelecendo
prioridades e estratégias de intervenção – de maneira a que se possa
determinar a sua viabilidade – e considerando para tal envolvidos, tanto os
meios disponíveis como as forças e atores sociais envolvidos nos mesmos».

MODELOS DE INTERVENÇÃO

Após a elaboração de um diagnóstico social sobre a situação social da vítima o/a


trabalhador social irá intervir consoante um modelo de intervenção. Iremos,
assim, abordar, de forma sucinta, o Modelo de Intervenção na Crise e o Modelo
Centrado em Tarefas visto que é uma atuação imediata do/a trabalhador/a
social numa situação de crise, neste caso com uma vítima de violência sexual.

Modelo de Intervenção na Crise

Podemos dizer que este modelo não é inovador, visto que, por norma, todos os
trabalhadores sociais trabalham em situações de crise. Tem origem no quadro
do trabalho de saúde mental, e na prevenção mais do que no tratamento (19).

A intervenção em tempo de crise é uma atuação imediata e que o/a


trabalhador/a social realiza as seguintes etapas ao longo da crise (19):

• Avalia o risco e a segurança dos/as utentes e outros;


• Estabelece uma relação e uma comunicação adequada com os/as
utentes;
• Identifica os problemas principais;
• Lida com os sentimentos e fornece apoio;
• Explora alternativas possíveis;
• Formula um plano de ação;
• Fornece apoio de acompanhamento.
Página | 173

Existem, assim, três fases fundamentais neste modelo:

• Fase inicial: onde a análise tem lugar, a perceção do evento e assunção


dos mesmos; atende-se aos problemas emergentes decorrentes da crise
e estabelece-se o contato entre o/a utente e o/a trabalhador/a social,
colocando um grande cuidado na primeira entrevista e consolidando uma
relação de confiança e segurança;
• Fase Intermédia: em que os problemas são abordados usando as
capacidades do/a utente, ajudando-o/a a ter uma visão realista da
situação, as suas capacidades e as possibilidades de mudança, e mobilizar
os recursos disponíveis no meio ambiente, para promover a melhoria da
crise;
• Fase Final: enfrentar a crise. O/A utente começa a encontrar a solução
para os seus problemas e ver novas formas de lidar com eles. Assume o
progresso e sente-se com vontade/força para novos desafios e adquirir o
controlo de situações difíceis. O/A profissional deve preparar a despedida
para prevenir novas crises ou situações que possam prejudicar a
recuperação.

Assim, para que o/a utente recupere a harmonia e a confiança em si mesmo/a é


necessário desenvolver os seguintes passos que constituem a reintegração:

• Corrigir a perceção cognitiva conforme os/as utentes forem adquirindo


uma ideia mais ajustada dos acontecimentos que efetivamente os/as
afetaram;
• Gerir os sentimentos pretendendo conseguir que o/a utente liberte toda
a carga emocional e sentimentos opressivos;
• Desenvolver novos comportamentos para lidar com os problemas.

Assim, a intervenção em tempo de crise é uma atuação imediata na qual o/a


Trabalhador Social focaliza o problema do momento e, portanto, não pode
demorar-se em estudos e pesquisas prolongados. Requer do/a Trabalhador
Social uma assimilação prévia e profunda dos conhecimentos descritos e
experiência em aplicá-los, pois muitas vezes a sobrevivência do utente depende
da rapidez da intervenção. Na maioria das crises das vítimas de violência sexual,
a intervenção situa-se no nível de comunicação com o/a utente.
Modelo Centrado em Tarefas

O modelo centrado em tarefas diz respeito ao desempenho de tarefas


específicas e concretas, é de aplicação breve e tem como objetivo contribuir
Página | 174 para melhoria das competências das pessoas, de modo a que estas
desenvolvam capacidades para lidarem com problemas inerentes.

O principal elemento deste modelo é a seleção de problema específico e as


várias tarefas para superá-lo. O/A trabalhador social e o/a utente estabelecem
um contrato ou compromisso num determinado tempo para atingir as metas. É
um modelo diretivo, ancorado no presente e em soluções muito específicas
para resolver os problemas com o/a utente, por isso este tem de determinar os
objetivos para combater os problemas selecionados. As expressões como
"trabalho participativo por objetivos", e "planificação de um curto prazo
centrado numa tarefa"; e os cinco elementos básicos: problema, objetivo,
tarefa, tempo e contrato, definem a própria natureza deste modelo.

Esquematicamente o procedimento a seguir a partir deste modelo combina as


seguintes ações (16):

• Identificar o problema que é do interesse do/a utente;


• Identificar as tarefas específicas a desenvolver;
• Verificar com o/a utente o que é necessário para alcançar o sucesso;
• Acordar explicitamente um contrato/ compromisso e uma avaliação
contínua dos resultados alcançados.

Esta estratégia de intervenção tem quatro finalidades (19, 20):

• Ajudar os/ as utentes a resolver os problemas concretos que os afetam;


• Realizar uma intervenção delimitada por objetivos precisos e eleitos
pelos/as utentes num tempo previamente definido;
• Não procura uma mudança de personalidade, mas sim uma mudança de
um problema específico;
• Proporcionar uma experiência gratificante, aumentando a auto-estima na
solução de problemas, de modo que a pessoa melhore a sua capacidade
de lidar com as dificuldades.

É um modelo direcional por excelência e tem definido e acordado os objetivos a


cumprir. Este modelo atua na crise/ no problema concreto apresentado e
definido pela vítima de violência sexual.
Método: Trabalho social de casos

O/a trabalhador social deve centralizar-se na intervenção individualizada e


personalizada com cada vítima de violência sexual, utilizando assim o Método
de Casos (ou Casework).
Página | 175
Este método debruça-se sobre o indivíduo com o objetivo de procurar
compreender o que o rodeia e o modo como isso afeta a sua relação consigo
próprio e com os outros. O Trabalho Social de Casos caracteriza-se assim, numa
relação íntima entre a adaptação do indivíduo e o melhoramento das condições
sociais, definindo-se desta forma como a capacidade do sujeito de participar
ativamente no seu processo de socialização e de ajustar-se a si mesmo. A
melhor ajuda que se presta à pessoa, é consciencializá-la da sua possibilidade de
se aperfeiçoar.

O Método de Casos pode resumir-se em quatro etapas básicas (11):

• Estudo e diagnóstico do Problema;


• Programação/ Desenho da intervenção;
• Execução / implementação da intervenção;
• Avaliação.

A ordem acima apresentada é uma abstração lógica de sua sequência linear,


mas nunca pode ser uma ordem rígida, porque, na prática, é difícil distinguir
esta sequência. Em algumas situações de emergência social, como no caso das
vítimas de violência sexual que exigem uma intervenção rápida e eficaz, o/a
trabalhador social pode saltar as primeiras etapas – o diagnóstico e a
programação/ desenho da intervenção -, indo diretamente para a ação/
intervenção.

Nas duas primeiras fases, há uma relação dialética com todo o processo, sendo
que o sucesso de cada uma depende do êxito da anterior. O êxito da
intervenção está principalmente dependente do estudo e do diagnóstico do
problema.
O diagnóstico deve ser elaborado com base na informação recolhida no
primeiro atendimento, não sendo, no entanto, estanque, isto é, irá sendo
reajustado ao longo do processo de apoio, quer em função de novos elementos,
quer em função da evolução e apropriação do processo e de papéis pela vítima.

Devemos concentrar-nos no diagnóstico da situação relacional, social e


institucional da vítima, atendendo às suas necessidades peculiares, de forma a
tornar possível uma adequada mediação entre a vítima e as redes primária e
secundária de suporte chamadas a intervir no processo de apoio. Visa-se a
obtenção de bens e serviços que permitam a autonomização da vítima,
satisfazendo assim as necessidades sociais desencadeadas pela vitimação.

Devemos esclarecer junto da vítima, desde o início do processo de apoio, qual o


seu papel nesse mesmo processo, desmistificando a ideia muitas vezes
Página | 176
existente de que solucionará todos os seus problemas, como que por magia. É
fundamental afastar tal pressuposto, clarificando quais as suas funções e
limitações no âmbito daquele processo. O confronto com a inexistência de tal
omnipotência pode ser interpretado pela vítima como uma recusa de ajuda da
nossa parte, o que pode desencadear em si sentimentos de revolta, pelo que se
torna essencial a clarificação dos papéis não só deste mas também de todos os
agentes sociais envolvidos.

Técnicas

O Trabalho Social é uma profissão interventiva, socialmente construída, inserida


na divisão sociotécnica do trabalho. O/a Trabalhador Social tem a tarefa de
responder com competência às causas sociais, apresentadas no seu quotidiano
profissional, pois a natureza da profissão exige a utilização de instrumentos e
técnicas articuladas com as dimensões teórica e éticas da profissão.

O trabalho direto com as vítimas de violência sexual, permite reconhecer as


oportunidades, desafios e os limites para a ação do profissional. Conhecer as
limitações, potencialidades e as respostas possíveis, é condição fundamental
para um exercício profissional competente.
Consideram-se essenciais os instrumentos técnico-operativos utilizados na
intervenção com as vítimas, em que o papel do profissional de serviço social,
pode realizar no exercício das suas funções, contribuindo de forma positiva,
para um acompanhamento eficaz junto das vítimas de violência sexual,
familiares e amigos. Destacamos algumas das técnicas mais comuns dentro
deste género de intervenção.

• Pesquisa:
Os técnicos, no seu meio de trabalho, possuem inúmeras informações e
conhecimentos sobre as vítimas com as quais intervêm. A pesquisa é um
instrumento que possibilita conhecer, explorar e sistematizar dados que,
inevitavelmente originam uma produção de conhecimento sobre a
violência sofrida e a dinâmica de respostas comunitárias face à
intervenção desejada. As metodologias qualitativas são as mais
recomendadas nesta área, pois permitem percecionar o fenómeno da
violência sexual que permaneceram durante muito tempo invisível,
dando espaço e lugar às vítimas de violência sexual.
• A Entrevista:
A entrevista com o/a Trabalhador Social pode ser a primeira conversa
realizada com a vítima de violência sexual que, quando chega à entidade Página | 177
de apoio, pode ainda manifestar efeitos da agressão ou violência sofrida.
Este primeiro contacto individual possibilita a escuta social e o
acolhimento da vítima. O atendimento pode desenvolver-se num
processo de escuta da queixa e do motivo que levou a vítima a procurar
ajuda. Neste espaço, a vítima pode expor as suas preocupações, queixas
e necessidades. No processo de entrevista é importante que o/a
trabalhador social escute e observe. A observação permite perceber as
reações e emoções expressas pela vítima, assim como, perceber recursos
alternativos de apoio que disponha. É através desta observação e recolha
de informação, que o profissional vai desenvolver um possível
diagnóstico da situação. O profissional deve primar pela escuta sem
julgamentos, deve procurar manter compreensão relativamente ao que
está a ser transmitido e, refletir em relação aos encaminhamentos úteis
para a vítima.
Esta entrevista, pode repetir-se sempre que o profissional entenda que é
útil recolher mais informação para melhor ajudar a vítima. Porém, tal
deve ser explicado à vítima, para que não entenda como uma invasão da
sua intimidade.
• Reuniões com a equipa multidisciplinar:
As reuniões com a equipa multidisciplinar – assistente social, psicólogo,
médico, enfermeiro, advogado – são decisivas para o encaminhamento
necessário de situações desta natureza. O Assistente Social pode ter o
primeiro contacto com as vítimas de violência sexual, como já foi referido
anteriormente, onde se pode realizar a primeira entrevista e, de onde
pode resultar um conjunto de informações importantes que podem ser
passadas a toda a equipa. As reuniões permitem aos profissionais, o
conhecimento do diagnóstico e as necessidades reais da vítima. O
profissional de serviço social pode dinamizar a equipa técnica e a rede de
comunicação entre os profissionais envolvidos no processo de apoio.
• Elaboração de Relatórios:
A elaboração de relatórios é de fundamental importância, uma vez que
são os mesmos a conter toda a informação sobre o caso que o
profissional acompanha. Muitos dados resultantes de um
acompanhamento pormenorizado com a vítima, são essenciais para
posteriores encaminhamentos tais como, o encaminhamento para Casa
Abrigo, caso a situação se adequa a esta resposta de intervenção. O
papel do profissional de serviço social assume extrema responsabilidade,
pois pode evitar encaminhamentos desadequados ao caso em especifico,
por falta de conhecimento e/ou falta de registo de dados relevantes.

Página | 178
ÁREAS DE INTERVENÇÃO E RECURSOS COMUNITÁRIOS

Tendo em conta os vários contextos em que a violência sexual pode ocorrer,


nomeadamente no seio de uma relação de intimidade, é possível que algumas
vítimas de violência sexual apresentem necessidades básicas ao nível do
acolhimento, da alimentação e da saúde. Vejamos cada uma dessas
necessidades:

Acolhimento

Esta resposta social, comumente usada para situações de violência conjugal, no


intuito de proteger a vítima e seus filhos, poderá também ser um recurso a
utilizar em situações de violência sexual, não só quando os crimes sexuais se
desenrolam no contexto de um relacionamento íntimo, mas também em
situações em que se apresente necessário o afastamento temporário da vítima
da sua residência por motivos de segurança.

Analisando a questão do acolhimento, é importante referir que as possíveis


respostas à satisfação desta necessidade são diferentes, consoante se trata de
um acolhimento imprevisível ou planeado.

No caso de a saída de casa surgir imprevisivelmente e se apresentar como


necessidade imediata, é frequentemente imprescindível a articulação com o
Instituto de Segurança Social (ISS), bem como com os tribunais. Portanto, exige-
se um trabalho entre o sistema social e o sistema judicial.

A necessidade de um acolhimento imediato emerge na crise: no caso de vítimas


de violência sexual no âmbito de uma relação de intimidade é frequente que a
vítima abandone a casa de morada de família sem previamente o ter planeado.
Fá-lo por recear pela sua segurança e mesmo pela vida. Por outro lado, é
também possível que algumas vítimas de violência sexual noutros contextos que
não o da violência conjugal, possam necessitar de encaminhamento urgente
para uma casa abrigo por razões de segurança e falta de recursos pessoais e na
rede de suporte primária.
Após saírem de casa, muitas vezes durante a noite, algumas vítimas concluem
que não têm para onde ir, solicitando ajuda profissional.

Temos nesta fase um papel preponderante para o restante processo de apoio,


pelo que deve ser perspicaz e firme, mas também acolhedor. O nosso papel
prende-se essencialmente com três funções: Página | 179

• Valorizar o ato de pedir ajuda, prestando apoio emocional,


• Elaborar o diagnóstico da situação;
• Avaliar o risco.

Tais funções não se esgotam, de forma alguma, neste momento, antes


encontrarão a sua continuidade ao longo do processo de apoio.

Através do diagnóstico realizado, é identificada a rede primária de apoio, o que


permitirá analisar quais os recursos da vítima, designadamente a possibilidade
de acolhimento em casa de familiares ou amigos.

Os casos em que tal não se torna exequível são múltiplos: em primeiro lugar, o
suporte fornecido pela família pode apresentar-se num registo punitivo; por
outro lado, ainda que a vítima tenha o apoio de familiares e amigos, no caso de
violência sexual num contexto de intimidade, a morada destes é, geralmente,
conhecida do agressor, o que levanta questões ao nível da segurança de todos
os atores sociais envolvidos.

A rede secundária de apoio torna-se assim frequentemente necessária. Cabe-


nos assegurar a articulação com esta rede, facilitando a relação entre a vítima e
os serviços chamados a intervir neste processo, sendo competentes os
seguintes:

• Linha Nacional de Emergência Social – 144. Este é um serviço do Instituto


de Segurança Social, criado com o objetivo de dar resposta a situações de
emergência social, incluindo casos de violência doméstica. É um serviço
telefónico gratuito que proporciona um atendimento personalizado 24
horas por dia e 365 dias por ano;

• Na Região Autónoma dos Açores, a emergência social relativa ao


acolhimento de vítimas de violência doméstica é realizada pelas Equipas
Multidisciplinares da Rede Regional de Prevenção e Combate à Violência
Doméstica, do Instituto para o Desenvolvimento Social dos Açores
(anterior Instituto de Acçao Social) e da Direção Regional da Igualdade de
Oportunidades. Estas Equipas Multidisciplinares pode ser contactadas
pelas Polícias, Serviços Regionais de Saúde e Ministério Público,
funcionando 24 horas por dia e 365 dias por ano;

• Estruturas sociais de apoio a indivíduos em situação específica de sem


abrigo. Frequentemente, as vítimas, ao serem obrigadas pelas
Página | 180
circunstâncias a abandonarem a sua casa sem planeamento prévio, ficam
numa situação de sem abrigo: não dispondo de rede de suporte primária,
torna-se necessário acionar a rede de suporte secundária. Neste sentido,
estruturas sociais de apoio a indivíduos em situação de sem residência
são chamadas a intervir. Também na prestação deste apoio, as estruturas
sociais diferem consoante as zonas geográficas. Por tal motivo, cabe-nos
realizar o levantamento e diagnóstico da rede de suporte secundária
existente em cada concelho e área envolvente;

• Santas Casas da Misericórdia. Em algumas zonas do país, as Santas Casas


da Misericórdia prestam um apoio fundamental no acolhimento de
pessoas idosas em lares, assegurando um trabalho de ação de social aos
agentes sociais envolvidos. Prestam resposta ao nível do acolhimento e
da alimentação;

• Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS). Em vários distritos


do país existem casas de abrigo vocacionadas para acolher pessoas em
situação de sem abrigo. São IPSS que têm dinâmicas organizativas
peculiares. Não podem ser equiparadas a casas de abrigo ou centros de
acolhimento, uma vez que têm uma característica que as distingue das
restantes: regra geral, as pessoas apenas podem pernoitar e fazer a
primeira refeição e a última do dia.
Ou seja, não podem permanecer durante o dia. Alguns destes albergues
têm uma ala destinada exclusivamente ao acolhimento de famílias,
sendo no entanto as dinâmicas organizativas idênticas para toda a
população;

• Casas de Abrigo. Desde 1991 que tem vindo a ser publicada legislação no
sentido de garantir a proteção adequada às vítimas de violência
doméstica, nomeadamente através da criação de casas de abrigo. Estas
casas encontram-se distribuídas pelo país, destinadas ao acolhimento de
vítimas de violência doméstica. Devemos saber exatamente que critérios
usam para o acolhimento. Por exemplo, no caso de uma vítima idosa,
teremos que saber qual a idade limite que apontam para acolher.
Existem também outros centros de acolhimento que se destinam a
outros problemas, as regras e a intervenção não foram estruturadas a
pensar nas particularidades das vítimas, pelo que não se encontram
adaptadas às reais necessidades destas. Por esta razão, caso a vítima de
violência sexual o seja no âmbito de uma situação de violência
doméstica, devemos fazer o possível para que a vítima seja acolhida
numa casa vocacionada para estas vítimas, de forma a reduzir a
possibilidade de ocorrência de episódios de vitimação secundária. As
casas abrigo, independentemente da população-alvo, encontram-se Página | 181
quase sempre lotadas, pelo que é muito difícil conseguir-se uma vaga de
imediato.
Uma vez mais, devemos conhecer o funcionamento e requisitos das casas
abrigo, de forma a poder informar corretamente a vítima, não lhe
criando falsas expectativas. Esta deve ficar ciente de que uma eventual
resposta positiva pode não surgir tão brevemente quanto desejável, pelo
que, em situações de urgência, pode ter que recorrer-se a outras
alternativas. Devemos também saber se a vítima coloca a hipótese de
mudar de zona geográfica e da pertinência dessa mudança, sendo a
avaliação do risco uma vez mais imprescindível;

• Pensões/residenciais. Esta deve ser a última alternativa a que


recorremos, uma vez que é sempre uma resposta inapropriada e
desajustada, mas que serve, muitas vezes, de tábua de salvação. As
instituições dispõem geralmente de verbas económicas bastante
reduzidas para usar este recurso. Por outro lado, pode mesmo causar
uma situação de vitimação secundária: são pensões/residenciais em que
o ambiente não é o mais agradável e em que os quartos são exíguos,
para além de nem sempre não garantirem condições de segurança. No
entanto, em situação de urgência, pode tornar-se realmente um recurso
inevitável.
Todas as respostas analisadas até ao momento são de carácter
temporário, pelo que devem ser percecionadas, tanto pelos profissionais
como pela vítima, como uma ponte para a obtenção de recursos que
viabilizem a sua autonomia e independência.
Esta autonomização pressupõe uma resposta habitacional de carácter
definitivo, que demonstra ser um importante pilar no processo de rutura
com a situação de vitimação. Esta resposta prende-se, na esmagadora
maioria das vezes, com o arrendamento de uma casa. Nesta fase do
processo de apoio, devemos contactar outras instituições ou serviços,
sempre que a vítima demonstre carência económico-social.

• Serviços locais do Instituto de Segurança Social (ISS e Serviços locais do


Instituto para o Desenvolvimento Social dos Açores). Devemos
encaminhar ou ajudar a vítima a contactar os serviços locais do ISS (o da
anterior morada de família e o da nova morada), os quais poderão
proporcionar um apoio para o pagamento inicial de renda de uma casa.
Devemos analisar com a vítima, os seus recursos e a possibilidade de no
futuro vir a fazer face ao encargo. O objetivo principal da atribuição do
apoio é a pertinência deste para a futura autonomia de vítima. Neste
sentido, apenas reunidas as condições para assegurar a autonomia e
estabilidade socioeconómica da vítima é que o apoio é facultado.
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Compete-nos ainda sensibilizar estes serviços e os poderes políticos para
a importância da desburocratização dos serviços sociais, numa ótica de
celeridade, com respostas adequadas e em tempo realmente útil.

• Câmaras municipais – serviços de ação social e de habitação social. Não


obstante ser da competência do poder local a atribuição de habitações
sociais, podemos contactar com estes atores no sentido de obter
informações acerca do processo do munícipe. Assim, encontrar-se-á
capaz de informar rigorosamente a vítima acerca do ponto da situação
para, posteriormente, esta, com o apoio daquele, poder definir com
maior exatidão o seu projeto de vida e o plano de intervenção necessário
à sua implementação.

Alimentação

Concomitantemente à sua saída de casa e necessidade de uma resposta social


ao nível da habitação, a vítima fica desprovida de bens básicos, encontrando-se
numa situação de vulnerabilidade. Neste contexto surgem por vezes
necessidades ao nível alimentar.

Para assegurar a satisfação destas necessidades, devemos encaminhar ou ajudá-


la a contactar algumas instituições:

• Instituto de Segurança Social (ISS) e Instituto para o Desenvolvimento


Social dos Açores (IDSA): Os serviços locais da Segurança Social podem,
num primeiro momento, proporcionar respostas imediatas, de forma a
garantir a satisfação de uma necessidade tão elementar quanto esta;
• Instituições Particulares de Solidariedade Social vocacionadas para a
prestação destes bens:
Existem algumas instituições nacionais ou locais, como o Banco Alimentar
Contra a Fome (verificar qual a IPSS, Junta de Freguesia entre outras, que
faz a distribuição dos bens) a AMI ou a Cruz Vermelha, que visam a
prestação de apoio em bens alimentares a cidadãos que se encontrem
em situação de elevada carência económica temporária ou de longa
duração.
Após a avaliação das necessidades e da situação concreta por parte do
TAV, os profissionais destes serviços podem prestar apoio esporádico ou
continuado ao/a utente, até que o mesmo reorganize o seu projeto de
vida.

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• Refeitório/Cantina Social:
Estes Refeitórios/ Cantinas Sociais têm como objetivo satisfazer as
necessidades básicas e sensibilizar e informar sobre as respostas mais
adequadas tendo em conta as problemáticas da população que recorre
àquele serviço. Podem prestar apoio, para além do fornecimento de
refeições, na higiene pessoal, tratamento de roupas e atividades
ocupacionais.
As entidades responsáveis pelos Refeitórios/ Cantinas Sociais são Centros
Distritais do Instituto de Segurança Social e IPSS que dispõem destes
serviços.

Mais uma vez se repete que compete ao TAV efetuar o levantamento das
diversas instituições existentes na sua área de intervenção, seus objetivos gerais
e específicos, bem como os seus procedimentos e normas de funcionamento. Só
assim está habilitado a proceder a um adequado encaminhamento da vítima.

Saúde

Ação de Saúde sobre Género, Violência e Ciclo de Vida (ASGVCV) 12

O Ministério da Saúde criou um modelo de intervenção integrada sobre a


violência interpessoal ao longo do ciclo de vida, com a designação de Ação de
Saúde sobre Género, Violência e Ciclo de Vida (ASGVCV) foi criada pelo
Despacho nº 6378/2013 de 16 de Maio e visa dar uma resposta ao fenómeno da
violência interpessoal, por parte dos serviços de saúde, de uma forma cada vez
mais concertada, articulada e eficiente.

A ASGVCV privilegia a intervenção assente na articulação entre serviços e entre


profissionais, com responsabilidade na prevenção da violência ao longo do ciclo
de vida, em particular os prestadores de cuidados diretos à população.

12
Para mais informações queira consultar o Despacho nº 6378/2013 de 16 de Maio
Constituem objetivos desta medida, de acordo com o Despacho, os seguintes:

• Promover a igualdade e, em particular, a equidade em saúde,


independentemente do sexo, idade, condição de saúde, orientação
sexual, etnia, religião e condição socioeconómica;
Página | 184
• Prevenir a violência interpessoal, nomeadamente a violência doméstica,
o stalking, a violência no namoro, a violência contra idosos, a violência
vicariante e o tráfico de seres humanos;
• Fomentar a articulação funcional dos núcleos de ação de saúde para
crianças e jovens em risco (ASCJR) com a intervenção no domínio da
violência em adultos, promovendo uma intervenção integrada.

O Despacho prevê também a criação de Equipas para a Prevenção da Violência


em Adultos, para operacionalizar a ASGVCV, que terá como competências:

• Contribuir para a informação prestada à população e sensibilizar os


profissionais administrativos e técnicos, dos diferentes serviços, para a
igualdade de género e a prevenção da violência ao longo do ciclo da vida;
• Difundir informação de caráter legal, normativa e técnica sobre o
assunto;
• Incrementar a formação e preparação dos profissionais, na matéria;
• Coletar e organizar a informação casuística sobre as situações de
violência atendidas nos agrupamentos de centros de saúde (ACES) e
hospitais;
• Prestar apoio de consultadoria aos profissionais e equipas de saúde no
que respeita à sinalização, acompanhamento ou encaminhamento dos
casos;
• Gerir, a título excecional, as situações clínicas que, pelas características
que apresentem, possam ser acompanhadas a nível dos cuidados de
saúde primários ou dos hospitais, conforme aplicável, e que, pelo seu
caráter de urgência em matéria de perigo, transcendam as capacidades
de intervenção dos outros profissionais ou equipas da instituição;
• Fomentar o estabelecimento de mecanismos de cooperação
intrainstitucional no domínio da violência interpessoal, quer no âmbito
das equipas profissionais dos ACES, quer a nível das diversas
especialidades, serviços e departamentos dos hospitais;
• Estabelecer a colaboração com outros projetos e recursos comunitários
que contribuam para a prevenção e acompanhamento dos casos;
• Mobilizar a rede de recursos internos dos ACES e dinamizar a rede social,
de modo a assegurar o acompanhamento dos casos;
• Assegurar a articulação funcional, em rede, com as outras equipas a nível
de cuidados primários e a nível hospitalar que intervenham neste
domínio.
O diploma esclarece ainda que a coordenação, o acompanhamento e a
execução da ASGVCV cabem, a nível regional, às Administrações Regionais de
Saúde (ARS), enquanto a coordenação da ASGVCV, a nível nacional, é feita
através de um grupo de acompanhamento, a funcionar na dependência da
Direção-Geral da Saúde.
Página | 185
Para mais informações consultar o Despacho e o site www.dgs.pt.

Taxas Moderadoras

É dispensada a cobrança de taxas moderadoras no âmbito das seguintes


prestações de cuidados de saúde (Decreto-lei nº 128/2012 de 21 de Setembro,
procede à primeira alteração ao Decreto-lei nº 113/2011 nº 113/2011 de 29 de
Novembro que regula o acesso às prestações do SNS por parte de utentes no
que respeita ao regime das taxas moderadoras e à aplicação de regimes
especiais de benefícios - desempregado):

• Consultas de planeamento familiar e atos complementares prescritos no


decurso destas;
• Consultas, sessões de hospital de dia, bem como atos complementares
prescritos no decurso destas, no âmbito de doenças neurológicas
degenerativas e desmielinizantes, distrofias musculares, tratamento da
dor crónica, quimioterapia de doenças oncológicas, radioterapia, saúde
mental, deficiências de fatores de coagulação, infeção pelo vírus da
imunodeficiência humana/sida e diabetes;
• Cuidados de saúde respiratórios no domicílio;
• Cuidados de saúde na área da diálise;
• Consultas e atos complementares necessários para as dádivas de células,
sangue, tecidos e órgãos;
• Atos complementares de diagnóstico realizados no decurso de rastreios
organizados de base populacional e de diagnóstico neonatal, promovidos
no âmbito dos programas de prevenção da Direção-Geral da Saúde;
• Consultas no domicílio realizadas por iniciativa dos serviços e
estabelecimentos do SNS;
• Atendimentos urgentes e atos complementares decorrentes de
atendimentos a vítimas de violência doméstica;
• Programas de tratamento de alcoólicos crónicos e toxicodependentes;
• Programas de tomas de observação direta;
• Vacinação prevista no programa nacional de vacinação e pessoas
abrangidas pelo programa de vacinação contra a gripe sazonal;
• Atendimento em serviço de urgência, no seguimento de:
o Referenciação pela rede de prestação de cuidados de saúde
primários para um serviço de urgência;
o Admissão a internamento através da urgência.

Página | 186
Número de Emergência Médica (112 – Número Europeu de Emergência)
e Linha Saúde 24

Portugal dispõe de um número de emergência médica (112 – Número Europeu


de Emergência) - a chamada é gratuita e está acessível de qualquer ponto do
país a qualquer hora do dia - que é composto por um Sistema Integrado de
Emergência Médica (SIEM). Este sistema é composto por um conjunto de
entidades que cooperam com um objetivo: prestar assistência às vítimas de
acidente ou doença súbita. Essas entidades são a Polícia de Segurança Pública
(PSP), a Guarda Nacional Republicana, o INEM - Instituto Nacional de
Emergência Médica, os Bombeiros, a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) e os
Hospitais e Centros de Saúde.

O INEM é o organismo do Ministério da Saúde responsável por coordenar o


funcionamento, no território de Portugal Continental, do SIEM. O sistema
começa quando alguém liga 112 - o Número Europeu de Emergência. O
atendimento das chamadas cabe à PSP, nas centrais de emergência. Sempre
que o motivo da chamada tenha a ver com a saúde, a mesma é encaminhada
para os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM.

Sempre que o CODU aciona um meio de emergência procura que o mesmo seja
o que está mais perto do local da ocorrência, independentemente da entidade a
que pertence (INEM, Bombeiros ou CVP).

Em termos de unidades, Portugal dispõe de urgências espalhadas por todo o


país. Para além destes serviços, o utente também tem ao seu dispor SAP -
Serviço de Atendimento Permanente, em que podem obter consultas 24 horas
por dia. As farmácias asseguram os medicamentos à população.
Para além do Número Europeu de Emergência, os utentes têm ainda ao dispor
uma linha de saúde, aberta 24 horas por dia (Linha Saúde 24 – 808 24 24 24 -
custo chamada local), esta Linha é uma iniciativa do Ministério da Saúde, que
pretende contribuir e melhorar a acessibilidade aos serviços e racionalizar a
utilização dos recursos existentes através do encaminhamento dos Utentes para
as instituições integradas no Serviço Nacional de Saúde mais adequadas.
Disponibiliza:

• Triagem, Aconselhamento e Encaminhamento em situação de doença,


acessível através do telefone ou via chat para pessoas com necessidades
especiais; Página | 187
• Aconselhamento Terapêutico para esclarecimento de questões e apoio
em matérias relacionadas com medicação, através do telefone;
• Assistência em Saúde Pública, nomeadamente temas relacionados com a
Gripe, Verão/Calor e Emergências/Intoxicações, acessível através do
telefone, formulário de contacto, correio eletrónico e fax;
• Informação Geral de Saúde, nomeadamente a localização das unidades
de saúde englobadas na rede de prestação do Serviço Nacional de Saúde,
bem como farmácias, acessível através do telefone, formulário de
contacto, correio eletrónico e fax.
Segundo a Constituição, os cidadãos têm direito a saúde tendencialmente
gratuita. Os utentes têm de pagar as suas consultas, tratamentos e cirurgias,
embora para alguns utentes seja gratuito devido aos seus rendimentos, com por
exemplo, reformados por invalidez.

Plano de Segurança

A definição de um Plano de Segurança, no caso das vítimas de violência sexual,


constitui um passo importante no processo de apoio. Podemos começar por
explorar com a vítima o que esta pode fazer para aumentar a sua segurança.
Uma conversa simples sobre aspetos práticos pode ser suficiente para que este
plano esteja claro na mente da vítima. Mas, em muitos casos, pode não ser
suficiente, sobretudo se tivermos em conta que pode estar em estado de
confusão, motivado ou potenciado pelo medo.

Por isso, é de toda a utilidade que convidemos a vítima a escrever, numa


simples folha branca, uma lista de tarefas que constituem o seu próprio Plano
de Segurança. Vejamos alguns aspetos que poderemos sugerir:

• Quanto à segurança durante um ato violento: o que pode a vítima fazer


para reagir a um ato de violência (por exemplo, proteger a cabeça, o
peito, a barriga, gritar por socorro à porta, afastar-se de divisões da casa
onde existem facas e tesouras, ou armas de fogo, que portas existem em
casa e para onde, combinar com os vizinhos que devem chamar a Polícia
se ouvirem gritos, etc.);
• Quanto a uma possível fuga de casa: o que pode a vítima fazer se tiver
que fugir de casa repentinamente (para casa de quem vai, que meio de
transporte usar, que documentos, roupas e objetos levar consigo, etc.);
• Que objetos ter sempre preparados para levar, em caso de fuga: o que a
vítima deve ter sempre preparado em caso de fuga, como uma mochila
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com roupas, documentos, dinheiro, números de telefone, etc.);
• Quanto a proteger-se do agressor estando em casa: o que pode a vítima
fazer se estiver em sua casa e o agressor tentar entrar (por exemplo,
trancar as portas e janelas, colocar alarme, avisar a Polícia de que está a
ser ameaçada e perseguida, avisar familiares e amigos, etc.);
• Quanto a preparar a independência económica em caso de separação: o
que a vítima pode fazer para assegurar alguma independência, caso
esteja a premeditar separar-se do agressor (por exemplo, abrir uma
conta no banco e ir depositando algum dinheiro; arrendar uma casa; a
quem pedir ajuda, etc.);
• Que instituições e serviços existem para apoiar vítimas de violência
doméstica: fazer uma lista de instituições e serviços a que a vítima pode
pedir apoio, em situação de crise (por exemplo, unidades de saúde,
misericórdias, IPSS, etc.);
• Que contactos telefónicos deve a vítima ter consigo: fazer uma lista de
números de telefone importantes para ter sempre à mão e/ou fixados de
memória, de modo a poder usá-los em situação de crise (número da GNR
ou da PSP, número de um familiar, número de amigos, etc.);
• Quanto à segurança no local de trabalho ou em público: o que a vítima
pode fazer para aumentar a sua segurança no local onde trabalha, ou
estando num local público (por exemplo, informar o superior do que se
passa; pedir a um colega para fixar as pessoas que lhe telefonam para o
local de trabalho; planear o que fazer depois de sair do local de trabalho
e informar um colega do que vai fazer; o que fazer se, usando automóvel,
acontecer uma avaria; que transportes públicos tomar e avisar um colega
deste trajeto; mudar de itinerários em relação aos que fazia quando vivia
com o agressor; etc.);
• Quanto à segurança e à saúde mental: o que a vítima pode fazer para
manter a sua saúde mental, durante ou após o relacionamento violento
(por exemplo, não isolar-se; manter Apoio Psicológico ou Psiquiátrico;
aprender e repetir frases como Eu posso ser feliz, ou Eu quero ser feliz, ou
Eu vou ser feliz; ler, escrever, ouvir música, conversar com amigos, falar
dos seus sentimentos, praticar desporto; etc.).
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