Curadoria Docencia Nline
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Resumo
Frente à constante transformação do cenário tecnológico,
ao invés da formação focada no uso aplicado e restrito das
tecnologias digitais, é preciso criar e disseminar metodologias
que se articulem aos saberes e práticas próprias da docência,
articulando proposições teóricas e epistemológicas que não
sigam o ritmo de obsolescência imposto pelo mercado tecno-
lógico. O presente ensaio teórico visa apresentar e constituir
uma discussão em torno da ideia de curadoria como um
conceito e uma estratégia para a docência on-line no sentido
de favorecer práticas de ensino e de aprendizagem a favor da
autoria docente e da socialização dos saberes. Numa pers-
pectiva teórico-metodológica, consideramos a comunicação,
a mobilidade, o hibridismo tecnológico e a liberação do polo
da emissão como elementos chave que podem sustentar a
curadoria como prática de socialização e mediação de saberes,
carregando de potência as experiências de aprendizagem no
contexto da educação on-line.
Palavras-chave: Curadoria; Tecnologias digitais; Docência;
Educação On-line; Práticas Pedagógicas.
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DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1043/el.v17n2p54-72
Abstract
Faced with constantly changing technological scenario, instead
of training focused on applied and restricted use of digital
technologies, it is necessary to create and disseminate metho-
dologies that are linked to their own knowledge and practices
of teaching, combining theoretical and epistemological proposi-
tions that do not follow the pace of technological obsolescence
imposed by the market. This theoretical essay aims to present
and provide a discussion around the idea of curatorship as a
concept and a strategy for online teaching in order to improve
teaching and learning practices in favor of teachers authoring
and socialization of knowledge. In a theoretical-methodological
perspective, we consider communication, mobility, technological
hybridism and release of emission pole as key elements that
could sustain curatorship as a practice of socialization and
mediation of knowledge, enhancing the learning experiences
in the context of online education.
Keywords: Curatorship; Digital technologies; Teaching; On-line
Education; Pedagogical Practices.
Resumen
Ante a la transformación constante del escenario tecnológico,
en lugar de la formación centrada en el uso aplicado y restrin-
gido de las tecnologías digitales, es necesario crear y difundir
metodologías que estén vinculadas a sus propios conocimientos
y prácticas docentes, la combinación de propuestas teóricas y
epistemológicas que no siguen el ritmo de obsolescencia tec-
nológica impuesta por el mercado. Este trabajo teórico tiene
como objetivo presentar y proporcionar una discusión en torno
a la idea de curaduría como un concepto y una estrategia para
la docencia online, para favorecer las prácticas de enseñanza y
de aprendizaje en favor de la autoría docente y la socialización
de los saberes. Desde una perspectiva teórico-metodológica,
consideramos que la comunicación, la movilidad, la hibridez
tecnológica y la liberación del polo de emisión como elementos
clave que pueden sustentar la curaduría como práctica de so-
cialización y mediación de los saberes, llevando potencia a las
experiencias de aprendizaje en el contexto de la educación online.
Palabras-clave: Curaduría; Tecnologías Digitales; Enseñanza;
Educación en Línea; Prácticas Pedagógicas.
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de capacitação para o uso pedagógico desses equipamentos
(EDUCOM, PROINFO, PROUCA, Programa Banda Larga nas
Escolas, Programa Província de São Pedro, entre outros). Mais
recentemente, vemos intensificadas as iniciativas governamentais
e discussões que se orientam a partir de modelos de saturação,
mais conhecidos como modelo 1:1 (um computador por aluno
e professor).
Em termos gerais, a ideia que perpassa e justifica a ado-
ção desse modelo é a de que a saturação dos contextos sociais
(redes educacionais, cidades, Estado, região) seria uma forma
de promover o desenvolvimento tecnológico, seja nas esferas
técnica, pedagógica ou cultural. As diversas demandas advindas
da saturação de uma região com dispositivos digitais, no entendi-
mento dos promotores do modelo 1:1, dariam conta de acelerar
a produção de conhecimento por meio da constituição de redes
de aprendizagem e colaboração entre os agentes envolvidos. No
entanto, até o momento, as primeiras iniciativas de implementa-
ção do modelo 1:1, no Brasil, têm esbarrado nos problemas da
infraestrutura de acesso à internet. A baixa velocidade disponi-
bilizada nas escolas públicas tem sido apontada como um dos
maiores entraves, não atendendo ao princípio da conectividade
(LEMOS, 2009) que demanda esse modelo de saturação. Dessa
forma, o que se tem são experiências mais isoladas no contexto
das próprias escolas, sem que sejam exploradas as possibilidades
que oferece, por exemplo, o recurso da mobilidade inerente aos
dispositivos digitais portáteis.
A reconfiguração – outro princípio proposto por Lemos
(2009) – desses contextos, de fato, tem ficado aquém das expec-
tativas, já que não tem sido possível perceber transformações
mais profundas no âmbito das práticas pedagógicas, dos regimes
de tempo, de espaço e do próprio currículo. Por diversos moti-
vos, inclusive a insegurança em relação ao deixar laptops – bens
públicos – com alunos, os resultados se assemelham aos modelos
com base na utilização dos laboratórios de informática educativa
(LIE). Ou seja, as experiências provocadas pelo modelo 1:1 não
têm se distinguido daquelas relacionadas ao uso de computa-
dores desktop. Por outro lado, o benefício mais evidente que o
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vir a ser absorvidos ou capturados pelas propostas e ideologias
mais dirigidas para o fomento de práticas voltadas apenas para o
consumo – de informações, produtos e conteúdos curriculares.
No que se refere a uma participação propositiva, é notório
o distanciamento das instâncias que elaboram e implementam tais
políticas de aparelhamento das escolas e universidades em relação
aos professores e seus respectivos espaços de formação, seja no
âmbito das licenciaturas, seja na formação em serviço que tem
ficado a cargo das secretarias e coordenadorias pedagógicas. As
estratégias de formação de professores dificilmente levam em
consideração esse novo cenário social, político e pedagógico,
tanto para a atuação no setor público quanto no privado. O apa-
relhamento com tecnologias digitais, seguido de cursos voltados
para “o uso de...”, parece não estar sendo orientado a partir da
perspectiva de professores autores, mas sim consumidores – de
apostilas, de websites, de planos de ensino on-line, roteiros e
instruções programadas, softwares para o reforço e a memorização
etc. Ao contrário, o cenário apresentado tem favorecido a ideia
de educação e ensino fast-food, como já apontava Gentili (2000)
e outros na virada do século XXI.
No caminho da automação de processos e rotinas, a edu-
cação a distância parece enfrentar o maior desafio para superar
essa perspectiva. O encurtamento do tempo de graduação e a
precarização da atividade docente (LAPA e PRETTO, 2010)
respondem a uma demanda crescente por diplomação, muitas
vezes sem considerar a dimensão mais ampla da educação e
da própria profissão docente. A aceleração – de processos, de
resultados e produtos – que tem norteado as políticas e práticas
envolvendo as tecnologias digitais na educação tem sido questio-
nada em relação aos seus efeitos para com a profissão docente
e a própria subjetividade do professor.
Como superar essa perspectiva que situa a aprendizagem
on-line fundamentada apenas no consumo de informações?
Como criar condições para que, através da comunicação on-line,
as aprendizagens sejam entendidas ou significadas como prática
social? Como pensar a ação docente a favor da desaceleração e
da autoria? O presente ensaio tem o propósito de apresentar e
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A curadoria é uma prática comum no campo das artes, e
vem se especializando ao longo da História. Possui métodos pró-
prios que incluem a pesquisa e a seleção aprofundada de obras
relacionadas a um campo temático – um assunto ou um período
histórico – a um artista, grupo de artistas ou escola. A intenção
do curador geralmente é fornecer elementos ou informações
sobre um conjunto de obras de arte a fim de aguçar os sentidos
e o interesse do visitante de uma exposição ou instalação e, ao
mesmo tempo, provocar uma leitura que extrapola a experiência
imediata entre a obra e o visitante. De certa forma, a curadoria
cumpre um papel de mediação entre as obras ou objetos de
arte e o observador/leitor/visitante. Nesse sentido, é possível
afirmarmos, em certa medida, que a curadoria exerce função
pedagógica a favor da apreensão ou aprendizagem sobre uma
obra de arte, coleção ou exposição. No entanto, essa ação de
mediar, segundo Martins (2006), não deve ser entendida como
estar entre a obra e alguém que não sabe, mas sim como alguém
que há de passar pela experiência de saber. A fim de esclarecer
melhor essa ideia da mediação no campo das artes, a autora
retoma o conceito de artista-propositor criado por Lygia Clark
e Hélio Oiticica, que “pretende descolar o professor do olhar
executor, vendo-o como aquele que propõe a experiência com
problematizações e escolhas, gerando “estados de invenção”
(MARTINS, 2006; p. 16).
A atividade do curador vem se transformando ao longo da
História, desde aquela relacionada com a exposição clássica em
museus até as modernas instalações artísticas que oferecem ao
visitante experiências diversificadas no que se refere à ativação
de sentidos para além da visão contemplativa. Essa transfor-
mação fica mais evidente nas instalações artísticas de artistas
contemporâneos que utilizam diversos recursos audiovisuais
para apresentar suas obras, ou até mesmo recursos que integram
o próprio processo de criação de suas obras – por exemplo, a
fotografia digital e a computação gráfica. Mas o que precisa ser
ressaltado nesta questão envolvendo o aspecto pedagógico e de
aprendizagem da curadoria é que raramente o curador expõe
o seu próprio processo de aprendizagem ao organizar uma
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constituir numa metodologia de ensino e de aprendizagem que
se baseia na premissa do estabelecimento de redes de leitores/
observadores/seguidores/visitantes para quem se deseja comu-
nicar ou informar. Nesse sentido, para a prática da curadoria é
imprescindível o reconhecimento da aprendizagem como função
da socialização, uma prática social em essência.
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um terceiro movimento (Figura 1) seria o de retorno aos lugares
de onde se operou o registro das imagens 4 dos objetos públi-
cos a fim de marcá-los digitalmente. Para tanto, o recurso dos
marcadores digitais – por exemplo, os Quick Response Codes
(QRCode) – e os aplicativos leitores desses códigos possibilitam
a ampliação dos sentidos sobre esses objetos. Uma casa antiga,
um banco de praça, um monumento histórico, uma rua podem
ter seus sentidos ampliados a partir da produção de links entre
os ambientes físicos e o digital que levem a leituras e inscrições
diversas sobre tais objetos públicos. Pode-se ter acesso simultâ-
neo às imagens dos objetos in loco e das que foram produzidas
em outros momentos distintos. As controvérsias, os problemas,
as ideias inspiradoras, enfim, sentidos outros que extrapolam os
contextos imediatos, podem ser capazes de produzir novas siner-
gias entre os atores sociais em relação aos lugares que convivem.
Algumas experiências interessantes sobre a utilização
dessas tecnologias têm sido implementadas dentro e fora do
Brasil, como o Porto Alegre CC5 e o ARIS Games.6 O hibridis-
mo tecnológico digital proporcionado pelos atuais dispositivos
digitais, como smartphones e tablets, por meio da integração
num só dispositivo de tecnologias para a produção multimídia
(microfone e câmera), geolocalizadores (GPS, detectores de
movimento) e conectividade por diversos meios (Wi-fi, 3G,
Bluetooth, IR), criam novas perspectivas para a socialização,
reforçando o entendimento de que não se trata mais de meras
ferramentas, mas sim de artefatos culturais que podem pro-
mover a socialização de saberes, ampliando pela comunicação
os sentidos sobre as coisas, situações e pessoas, injetando
movimento na cultura contemporânea.
4
Os registros no formato de fotos e vídeos podem ser criados e marcados geografi-
camente (GEO tag) se houver um GPS integrado ao dispositivo, o que permite o
retorno aos locais percorridos e sua visualização nos serviços de mapas on-line (p.
ex.: Google Maps).
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http://portoalegre.cc/
6
http://arisgames.org/
Discussão
Ao longo do texto, ao tratarmos da educação on-line e suas
tecnologias, e apresentarmos a ideia de curadoria como possibi-
lidade pedagógica nesses contextos, apresentamos alguns termos
técnicos e elementos conceituais cuja nomenclatura pode gerar
algumas controvérsias. Dessa forma, cabe discuti-los a fim de
esclarecer, principalmente, aquilo que não estamos afirmando ou
defendendo, mas sim o que estamos problematizando.
O termo mobilidade foi apresentado como importante para
a reconfiguração dos espaços de socialização e aprendizagens
extraclasse. Se entendermos a mobilidade apenas sob a pers-
pectiva do movimento, do deslocamento dos corpos nos espa-
ços destinados às aprendizagens, não estaremos acrescentando
muita coisa aos muitos trabalhos que versam sobre o ensinar
e aprender fora da sala de aula. Não se trata simplesmente de
sair do espaço escolar ou universitário. O termo mobilidade
(ou mobile learning) diz respeito ao uso de tecnologias digitais
móveis e sem fio (TDMSF), ou seja, está relacionado ao uso
de dispositivos digitais cada vez mais portáteis e integrados às
ações cotidianas. Os smartphones são exemplos de dispositivos
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através do quais convergem diversas tecnologias que dão supor-
te à comunicação e o acesso à informação, integrando telas de
alta resolução gráfica ao poder de gerar, compartilhar e acessar
informações sob diversos formatos (áudio, vídeo, foto, texto,
gráficos, entre outros).
Dessa forma, no que diz respeito à educação e às instituições
educacionais, considerar a mobilidade envolve outro tipo de deslo-
camento: o do polo da emissão (LEMOS, 2007). A reconfiguração
dos espaços educacionais refere-se à reconfiguração de práticas
e saberes, envolvendo tanto as questões pedagógicas e didáticas,
quanto epistemológicas e subjetivas. Fundamentalmente, a mobili-
dade relacionada às TDMSF exige que se considere a comunicação
e a socialização como condições da própria aprendizagem, e não
apenas como meio para divulgar ou informar sobre resultados,
descobertas ou transmitir uma aula. Publicar num blog, do pon-
to de vista comunicacional, é diferente de publicar no mural da
escola. Publicar on-line é abrir espaços de interlocução e partici-
pação que extrapola o contexto local e restrito ao qual estamos
acostumados. Ao mesmo tempo, é abrir espaço para interlocuções
outras que não apenas a do professor, mas também de colegas e
de outros atores, estranhos ou não à comunidade escolar ou uni-
versitária. O caso “Diário de Classe”7 – envolvendo a conflituosa
relação entre a direção de uma escola pública do Estado de Santa
Catarina e uma aluna que criou uma página no Facebook contan-
do sua versão das mazelas que atingiam a escola – ilustra bem o
tipo de reconfiguração que o deslocamento e a liberação do polo
da emissão pode significar, a partir do momento que não existe
apenas a versão oficial da direção da escola sobre seus problemas e
demandas. Nesse caso, a mobilidade e as TDMSF podem catalisar
mudanças de ordem estrutural, no próprio regime de participação
nos processos decisórios de uma instituição, seja ela privada ou
pública. Trata-se, também, de uma abertura e exposição extremada
do cotidiano, onde ficam borradas as fronteiras do público e o que
é de ordem pessoal ou privada, como no caso da divulgação de
vídeos não autorizados que visam provocar constrangimento – o
chamado bullying digital.
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https://pt-br.facebook.com/DiariodeClasseSC
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cultura. O que está em jogo, nesse novo cenário, é a velocidade
e o alcance global dessas transformações, bem como o perigo
iminente de expropriação simbólica operado pelas grandes cor-
porações da mídia digital.
A produção e a veiculação de material instrucional on-line
tem chamado a atenção das grandes organizações, sejam elas
educacionais ou não. Um exemplo que ilustra bem o fato é a
Khan Academy,9 que começou com a iniciativa de um professor
de matemática de publicar videoaulas no serviço Youtube e que,
devido ao número de acessos e repercussão positiva, recebeu
apoio de uma grande fundação para que a iniciativa prosse-
guisse. O material permanece com acesso livre, e incentivou a
onda crescente de instituições de ensino superior que passaram
a disponibilizar on-line acervos bibliográficos, cursos e video-
aulas com acesso aberto. Assim como acontece com os livros
didáticos, é possível encontrar coisas boas e ruins do ponto de
vista epistemológico. O problema é que esse cenário está pau-
latinamente colocando nas mãos dessas grandes organizações
a prerrogativa de distribuir informações e conhecimentos, e o
resultado disso, do ponto de vista sociocultural, ainda é uma
incógnita. Ao que tudo indica, estamos no “olho do furacão”,
tendo apenas uma pequena amostra do que pode vir a ser um
novo colonialismo operado pela via universitária.
Se os tais conteúdos curriculares, ao que tudo indica, pas-
sarão a contar com uma produção e disponibilização massiva
na web por instituições especializadas e reconhecidas nacional
e internacionalmente, a ideia de educação fast-food parece estar
sendo substituída pelos currículos à la carte. Posso aprender
sobre álgebra, aritmética, cinética, magnetismo, romantismo,
iluminismo etc., sem que haja necessariamente um ordenamento
do quê e quando aprender. Mas, e quando se trata de discutir
o por que aprender?
Quando propusemos a ideia de curadoria aberta dos espa-
ços e objetos públicos, de certa forma estamos propondo um
movimento de reação e de problematização do papel docente e
da própria educação nesse novo contexto. A ideia do professor-
9
http://www.fundacaolemann.org.br/khanportugues
Considerações finais
Ao longo do que apresentamos no presente ensaio, conside-
ramos que a ideia de uma curadoria aberta dos objetos e espaços
públicos mediada pelas TDMSF pode vir a se constituir como
uma promissora prática de pesquisa e intervenção nos contex-
tos educacionais, mais particularmente falando, nos contextos
que dispõem de conectividade com a Internet e de dispositivos
digitais móveis.
O conceito de curadoria produzido no campo das artes, as-
sociado à ideia de proporcionar “estados de invenção”, articula-se
muito bem com o campo da educação, à medida que pode inspirar
uma epistemologia e uma prática pedagógica nos contextos edu-
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cacionais capazes de superar as pressões e apelos de consumo e
mercantilização do conhecimento. A curadoria, entendida como
prática de socialização e mediação de saberes, carrega de potência
as experiências de aprendizagem no contexto da educação on-line.
Consideramos que a proposta de uma curadoria aberta dos
espaços públicos mediada pelas TDMSF vem ao encontro da
necessidade de se pensar metodologias que não fiquem restritas
ou atreladas à ideia de software educacional ou de um tecnicismo
que pretende destituir a docência em favor de sistemas que pre-
tendem a automação de processos e a padronização dos saberes
e práticas pedagógicas. Assim, essa proposta pode converter-se
em prática que extrapola o determinismo das interfaces digitais,
já que incorpora preceitos da cultura digital e da socialização a
partir de uma lógica propositiva e participativa nos meios digitais.
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