Caminho Iniciático

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Caminho Iniciático

Moacir Amaral, 2009

Busca é o movimento da consciência que se sente separada do resto;


contraída e identificada consigo mesma, a consciência quer resolver o problema
da separação. A consciência, isolada em si mesma, sofre. Busca para curar a
dor da separação. Presa na roda do tempo e do espaço; presa no espírito e na
alma e no corpo; presa na cadeia de causas e consequências; enredada em
crenças, sentimentos, pensamentos, idéias e ideais, busca a Unidade perdida.
Busca a totalidade. Busca ser o que não é. Quer ser a totalidade. Quer ser o
caminho, a verdade e a Vida.

Vida é movimento e transformação constante, e a consciência, isolada e


identificada consigo mesma está sempre um passo atrás. Ao circunscrever-se,
a consciência, que é fluxo – verbo –, torna-se em substantivo. E age como
substantivo, ou sujeito. Sempre querendo parar a Vida para compreendê-la;
sempre cortando-a em pedaços para encontrar o todo. Sempre do lado de fora.

Não vivemos em um mundo fragmentado. O mundo é uma totalidade que


não compreendemos. Vivemos na Unidade. Falamos isso, mas não sabemos o que
é isso. A Vida flui na Unidade. Não sabemos como começou e não sabemos se
terminará. Vemos que aparece em formas e mais formas, mas não vemos a Vida,
vemos a transformação e reconhecemos nela a substância formada e um
princípio informacional modelando a forma a partir de dentro; portanto forma
e informação. Olhamos a unidade que é a Vida e a vemos como duas coisas;
“coisas” que não coisas, são apenas dois aspectos da mesma Vida: mente e
matéria. Um, que aparece como dois.

Substância, ou forma, é matéria; informação é mente. Mente e


substância aparecem como duas correntes de energia: consciência e vitalidade;
a corrente quente da vitalidade, o fogo da vida; e a corrente fria da
consciência, a luz da percepção. Consciência é a função perceptiva da mente.
Vitalidade é a função renovadora da substância. A consciência circunscrita,
identificada consigo mesma na mente é o espírito; a vitalidade circunscrita,
identificada consigo mesma na matéria é o corpo. Mente é o campo mental ou
espiritual, espírito é o campo individualizado. Matéria é o campo material ou
substancial, corpo é o campo individualizado.

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Vitalidade e consciência constituem o mundo como o conhecemos. Estão
sempre juntas (não são duas coisas, é um fluxo só!), embora tenham
características opostas. A vitalidade expande a substância e diminui a
consciência, funcionando na inconsciência e promovendo a inconsciência. A
consciência paralisa e limita a vitalidade, diminuindo a vitalidade e a
inconsciência e aumentando a consciência. Assim as formas são criadas no fluxo
da transformação que é a Vida. Consciência e vitalidade substancializam,
movem e informam a transformação e se, em determinado momento, a
vitalidade se retira, a transformação cessa e as formas quedam abandonadas,
como substância inanimada que se deposita na matéria, e como memória e
informação que se deposita na mente. A Vida nunca abandona o Universo,
seguindo, seguindo sempre. Forma é o que aparece quando na transformação
que é a Vida a corrente da vitalidade se interrompe naquele local.

Vivemos em transformação. Em fluxo, em fluir – verbo no infinitivo. É o


nosso olhar, olhar da “nossa” consciência pessoal, separada e identificada
consigo mesma, que secciona a transformação perene que é a Vida em formas e
mais formas, em pedaços e mais pedaços. Aliás, quanto menor o pedaço mais
interessante a explicação, mais verdadeiro parece.

É o nosso olhar que secciona a transformação em forma e informação. É


o nosso olhar que secciona a experiência viva em material ou mental, ou
corporal e espiritual. Ao nosso olhar, o que é só um, aparece como se fosse dois.
E assim nos enganamos e nos confundimos. Seja o olhar do corpo, seja o olhar
da alma, seja o olhar do espírito, nosso olhar sempre centrado em si mesmo.
Como falamos em alma, aproveitamos para esclarecer que alma é o campo que
nasce das reações internas quando espírito e corpo competem entre si; e das
reações da pessoa nos encontros e confrontos com os outros.

É o nosso olhar que secciona e fragmenta o mundo. Nosso olhar fraciona


a Vida em segmentos no tempo localizados no espaço. Nosso olhar é um olhar
com ponto de vista e ponto de fuga. Sem consciência de si mesmo não existe o
ponto de referência para a visão, e na inconsciência não existe visão alguma. É
a consciência de mim mesmo que, em mim, aparentemente fragmenta a Unidade.
Aliás, outra palavra para Unidade é a palavra Universo, o verso único, sem
dorso.

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Não é a mente que fragmenta o Universo. Mente é o vasto campo
informacional do fluxo da Vida e matéria é o vasto campo substancial do fluxo
da Vida. Mente e matéria são face e dorso do Mesmo. Mente é também
conhecida como campo espiritual, ou mundo espiritual, ou “campo Ponto Zero, o
campo dos campos” (Laszlo, 2008). O campo mental, com sua inteligência
universal e impessoal, sensível e perceptiva, flui como consciência, junto da
vitalidade que é o fluxo a partir do campo material.

Tampouco é a consciência que fragmenta o viver. Minerais, plantas e


animais vivem na consciência e estão perfeitamente integrados no Todo. É a
“consciência de si mesmo”, ou consciência pessoal que divide o Universo em dois:
eu e o resto! E nesse estado de consciência, um estado de ser que parece fora
do Ser, toda a dor e fragmentação aparente do mundo. É na consciência de mim
mesmo que a multiplicidade se cria.

Assim nasce o sofrimento humano. Nasce de sentir-se um eu separado do


resto, isolado no Universo. A insatisfação, o tédio e o medo só existem nesse
estado de separação. Vínculos e pertencimentos, ou falta de vínculos e
sentimentos de exclusão só são questões nesse estado de separação.
Problemas de comunicação só aparecem nesse estado de separação.
Propriedade das coisas, sentimentos de posse, exploração da natureza,
destruição da terra, existem nesse estado de separação. A exploração do
homem pelo homem, os abusos e perversões sociais e pessoais são expressões
desse estado de separação. Religiões e a busca da Unidade, chamada busca
espiritual, são o coroamento desse estado de separação.

Caminho Iniciático é o caminho que a consciência, centrada em si mesmo


como um eu individualizado quer percorrer para despertar para o Ser essencial,
para ser o que é.

II

Vida, em seu fluir, é um movimento criador infinito, criando formas e


mais formas; repetindo-se e sendo sempre diferente. Metamorfoseando-se e
trazendo uma variedade infinita, sempre com o mesmo princípio. Mente e

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matéria aparecem na Vida ao olhar observador da consciência individualizada,
ou consciência pessoal: a pessoa.

Consciência e vitalidade aparecem simultaneamente, como vimos acima,


como uma só energia, mas vistas como diferentes por apresentarem diferentes
dinâmicas no fluir, assim aparecendo como duas correntes diferentes de
energia manifesta, como já mencionamos acima. Para fins didáticos podemos
dizer que uma flui da mente para a matéria e a outra flui da matéria para a
mente.

Lembrando mais uma vez que as duas vão sempre juntas, onde tem uma
tem a outra, em diversas proporções, mas sempre os dois aspectos juntos; o
que acontece é que parece que predomina a vitalidade na corrente energética
que vai da matéria em direção à mente; e parece que predomina a consciência
na corrente energética que vai da mente em direção à matéria. Devido a essa
predominância é que dizemos que são duas correntes; uma corrente ascendente
e a outra uma corrente descendente, pois tomamos como referência a cabeça e
as pernas com os pés. Os pés na terra e a cabeça no céu; a terra está embaixo
dos nossos pés, e o céu está acima de nossas cabeças. Experimentamos, assim,
a noção espacial de um eixo vertical da cabeça aos pés, ou ainda mais profundo:
do espírito ao corpo.

À propósito, a terra é material, sólida, escura e pesada, rígida e fixa ao


nosso olhar; e o céu é leve, transparente, luminoso, quase imaterial, cheio de
movimento e plasticidade, ilimitado à nossa visão. Se os tivéssemos que
representar geometricamente, escolheríamos o quadrado para representação
da terra, e o círculo para representação do céu; também representaríamos o
espírito como círculo, e o corpo como quadrado, seguindo o mesmo raciocínio.
Essa informação nos será muito útil abaixo.

A corrente da vitalidade, sensível e carregada de mente, carregada de


consciência que vive nela, move e organiza a matéria em direção ao espírito,
aprimorando-o como instrumento vivo. A corrente da consciência sensível e
carregada de matéria, carregada de vitalidade que vive nela, move e
substancializa o espírito permeando-o de matéria, formando corpos e
aprimorando-os como instrumento para a consciência.

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Repetindo: as duas correntes são simultâneas, não é primeiro uma e
depois a outra, embora à nossa visão possa parecer assim. Uma não existe sem
a outra em si. Como o símbolo chinês do Tai Chi, conhecido de todos, onde um
círculo apresenta-se com duas “baleias se acasalando”, uma preta e a outra
branca, na preta um ponto branco, e na branca um ponto preto; a figura toda
simbolizando as duas correntes de energia yin e yang, que em seu fluir
constroem o universo e todos os seres, estando sempre juntas, uma dentro da
outra, como uma coisa só. Consciência e vitalidade são o yin e o yang da Vida, e
criam todas as coisas e seres vivos.

Ao observarmo-nos e observarmos outros seres humanos, reconhecemos


o corpo, como algo individual e separado dos outros corpos; mas também
reconhecemos que a biografia de cada um é algo único e singular, apontando
para um princípio que a individualiza e distingue de todas as outras histórias
pessoais. Fica assim evidente a presença de um princípio individualizante que se
expressa no corpo como um “Eu” ao longo de toda sua biografia. Esse é o
princípio espiritual, ou espírito que já falamos. O “Eu sou” no ser humano. Um
“núcleo individualizado de consciência” – termo cunhado por Theda Basso e
Aidda Pustilnik nas aulas da escola iniciática que fundaram, a Dinâmica
Energética do Psiquismo (Basso e Pustilnik, 2000).

Assim, podemos dizer que em todo ente humano vemos sempre esses
dois aspectos que o identificam e o individualizam: uma consciência de si mesmo,
ou princípio espiritual, que o leva a reconhecer-se como distinto e separado dos
outros e dizer “Eu sou” para si mesmo; e um corpo físico, ou princípio material
que lhe dá substância e corporalidade, que pode ser identificada e reconhecida
pelos outros.

A vitalidade e a consciência, fluindo a partir do corpo e do espírito


coloca cada ente humano em relação uns com os outros. A relação estabelece
um diferente nível de experiência para a cada um. Na corrente ascendente
cria-se o vínculo emocional e todas suas mazelas, como aceitação e abandono,
acolhimento e rejeição, cuja gama de reações se apresentam como as distintas
emoções. Na corrente descendente cria-se o vínculo espiritual ou kármico,
influência do campo de memórias, com suas leis e padrões de relacionamento.

Seguindo o fluxo ascendente, a vitalidade permeada pela consciência leva


as pessoas a buscarem uma ordem para as relações, a criarem normas e leis que

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regulam os relacionamentos, a se organizarem socialmente, procurando regular
o fluxo do poder e da autoridade, e conter o abuso que surge por uns usarem o
poder sobre os outros. Seguindo o fluxo descendente, a consciência permeada
pela vitalidade, leva cada entidade a buscar sua expressão singular, ser autor
de seus dias e assumir a responsabilidade pela sua expressão e suas
consequências para todos os outros, incluindo a si mesmo. Isso caracteriza um
novo nível de experiência para cada um.

Continuando a acompanhar o fluxo ascendente podemos reconhecer um


quarto nível de experiência para a pessoa onde, diante das dificuldades
relacionais, aparecem os ideais de comportamento e relacionamento, como a
cooperação e a solidariedade, como a compaixão e a paz. Ao mesmo tempo que
no fluxo descendente se configura também um quarto nível, onde aparece o ego,
essa pérola da consciência de si mesmo, um caroço de pensamento, coroando de
si mesma a experiência da pessoa, se apresentando como a Unidade, e querendo
Ser, em liberdade, confiança e amor.

Vemos assim que onde se configura o ser humano, oito níveis estão
presentes, em quatro pares simultâneos, segundo os fluxos descendente e
ascendente. Podemos numerá-los aos pares, cada par expressando um mesmo
nível, em seus aspectos espiritual e corporal dependendo da orientação do
olhar: “Identidade espiritual” e “corpo” como primeiro par; “vínculos kármicos”
e “vínculos emocionais”, segundo par; “expressão individual e responsabilidade”
e “ordem e leis sociais”, o terceiro par; e “egoidade” e “ideais” como quarto par.
Visto de forma esquemática, teríamos o seguinte:

1 – Identidade espiritual, Eu sou


2 – Vínculos Kármicos
3 – Expressão Individual, Autoria e Responsabilidade
4 – Egoidade querendo ser a Unidade, a liberdade e o amor

4 – Ideais de compaixão, cooperação, solidariedade e paz


3 – Autoridade, Ordem, Poder e Leis Sociais
2 – Vínculos Emocionais e Sentimentais
1 – Corpo, identidade física

Todos esses pares aparecem simultaneamente constituindo e


estruturando o ser humano e sua manifestação, caracterizando-o como uma

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entidade multidimensional, pois cada um desses níveis aparece como uma
dimensão diferente da experiência humana, correspondendo a um grau
diferente de consciência, com diferentes abrangências, constituindo as
diferentes dimensões do ser humano.

Assim como reconhecemos cada um desses pares – níveis, dimensões – no


ser humano, podemos reconhecer cada um deles em qualquer entidade
institucional criada pelo ser humano.

Compreender esses níveis é compreender a entidade humana em toda


extensão de seu drama e comédia. Espírito, alma e corpo acontecendo no fluir
da vitalidade e da consciência, que hora se localiza como que se fixando em um
dos níveis, ou em um de seus aspectos, bloqueando e interrompendo o que
aparentemente seria um fluxo saudável; e ora abarca todas essas dimensões,
como um todo, fluindo livremente, no que aparentemente seria um fluxo
saudável.

Compreender esse fluxos é compreender a natureza da saúde e da


doença, no ser humano e nas instituições humanas. Compreender esses níveis é
compreender todas as entidades que se individualizam e aparecem no mundo.

Será isso mesmo? Será que esses níveis, esses oito níveis, abarcam
realmente toda entidade humana e todas as entidades existentes? Não.
Percebemos que falta algo essencial.

III

No nosso livro “Triângulos – Estruturas de Compreensão do Ser Humano”


(Basso e Amaral, 2007), apresentamos esses níveis como triângulos, de acordo
com a percepção interior de Theda Basso, que reconheceu em seu próprio
corpo esses níveis, como locais de expressão de padrões estruturadores, como
princípios informativos não-locais impregnados em cada região do corpo,
condicionando e condicionados pelas vivências do ser humano como consciência
individualizada corporificada.

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Representamos esses níveis como triângulos porque assim apareceram
em seu corpo, na percepção interior de Theda. E de fato, foi uma
representação acurada de cada um desses níveis. Triângulos, quando isósceles,
são figuras geométricas que provocam a impressão de movimento, e indicam
movimento em uma direção ao apontar na direção de seu ângulo diferente –
triângulo isósceles é aquele que tem dois ângulos iguais e o terceiro, diferente.
Representando cada triângulo isósceles com uma base horizontal onde estão
adjacentes seus dois ângulos iguais (visíveis ou virtuais) e seu ângulo oposto
apontando para cima ou para baixo, de acordo com o fluxo que queiramos
representar, pudemos criar assim a imagem de um fluxo ascendente e de um
fluxo descendente, obedecendo o mesmo eixo vertical. Temos então quatro
triângulos “ascendentes” e quatro triângulos “descendentes” (cuja base e
ângulos iguais são virtuais, aparecendo como que “abertos”, intencionalmente
apoiados no círculo).

Ao percebê-los localizados no corpo, experimentamos representá-los


sobrepostos ao “Homem Vitruviano” de Leonardo da Vinci, o que nos ajudou a
descobrir seus ângulos e aprimorar suas relações. A bem da verdade, o Homem
Vitruviano de Leonardo é, em si mesmo, um tratado simbólico e humano
profundo, pois apresenta o ser humano apoiado simultaneamente em um
quadrado e em um círculo. Já vimos um pouco do simbolismo por trás do
quadrado e do círculo.

No quadrado, o ser humano aparece parado, com os pés juntos e os


braços estendidos, formando uma cruz; no círculo parece estar em movimento,
aparecendo com braços e pernas abertos, formando uma estrela de cinco
pontas. Ao sobrepormos nossos triângulos à essa imagem poderosa, estamos
ampliando seu poder simbólico, acrescentando informações às informações já
expressas; criou-se assim uma nova expressão simbólica cujo poder
informacional se revela graficamente ao olhar, indo diretamente ao corpo e à
vitalidade e diretamente à mente e à consciência. Vejamos:

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Triângulos, estruturas de compreensão do ser humano.

O primeiro triângulo descendente, cujo ângulo descendente repousa


acima da coroa cefálica e se abre para o círculo, representando o princípio
identificador e individualizador do espírito, a consciência que se circunscreve,
o “Eu sou”. Enquanto o primeiro triângulo ascendente cuja base repousa no
quadrado e sobe pelas pernas até a base do períneo, representa a base que é o
próprio corpo e as forças da vitalidade; pernas que nos carregam pela vida
afora, assim como nosso corpo nos situa no mundo.

O segundo triângulo descendente, cujo ângulo descendente repousa na


região frontal, também aberto para o círculo, representando os vínculos
kármicos e as influências mórficas e padronizantes do Campo de memória
universal; enquanto o segundo triângulo ascendente tem sua base, paralela à
base do quadrado repousando sobre o ápice do primeiro triângulo ascendente,
abarcando a região do baixo ventre, representando os vínculos relacionais
emocionais e toda sua carga condicionadora do ser humano em seus
relacionamentos.

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O terceiro triângulo descendente, cujo ângulo descendente repousa na
garganta, se abrindo para o círculo, representando o impulso para a expressão
individual, a autoria, e a tomada de responsabilidade pelos próprios atos; e o
terceiro triângulo ascendente com sua base também paralela à base do
quadrado, repousando sobre o vértice ascendente do segundo triângulo,
abarcando a região do plexo solar e os princípios da autoridade e da ordem
organizadora da esfera social, com suas leis, normas e poder.

E os quartos triângulos, que se encontram na região cardíaca. O quarto


descendente representando a coroação do princípio individualizante no
aparecimento do eu, o ego centralizador da consciência e responsável pelo
egoísmo humano, querendo Ser, ser a Unidade, a liberdade, a confiança e o
amor; enquanto o quarto ascendente representa os ideais humanos buscados
pelo ego como a compaixão, a cooperação, a solidariedade e a paz, e nunca
alcançados pela consciência identificada consigo mesma.

Os ideais humanos mais elevados não são atributos da consciência que se


individualizou. Os ideais humanos mais elevados, como a Unidade, a liberdade, a
confiança, o amor, a compaixão, a paz, a solidariedade e a cooperação
verdadeiras, não vive no âmbito desses níveis ou quatro pares de triângulos.
São absolutos, não-condicionados, incondicionais, sem motivo e sem finalidade
posto que só acontecem em liberdade, e onde há qualquer condição, por mínima
que seja, não é liberdade, não é amor. Os ideais humanos mais elevados não são
ideais; só são ideais para a consciência que se separou ao isolar-se em si mesma
identificando-se onde deveria estar ausente. Os ideais humanos mais elevados
são realidades na Unidade, no Ser infinitivo e Presente; além do tempo e do
espaço, sem começo e sem fim, na Vida que acontece, fluindo em
transformação perene, indivisa e inteira.

Ser humano não se limita ao que pode ser nomeado e conhecido. Ser
humano, como a Vida, está imerso no desconhecido e ilimitado, onde vive seu
potencial criador, um campo de infinitas possibilidades, que não é o campo
espiritual, ou mental, posto que o campo espiritual, ou mente, é apenas um dos
aspectos da Vida. Que também não é o campo material, embora os
materialistas acreditem que a matéria seja o campo das infinitas possibilidades,
sendo responsável pelo surgimento da consciência, da noção de espírito, e do
próprio Deus. Tanto uma visão como a outra erram ao ignorar que campo mental
e campo material são simultâneos e uma coisa só, que chamamos “a Vida”. A

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Vida aparece no Ser. Ser é a condição fundamental onde surge a Vida com
todos seus aspectos. E Ser é ilimitado e infinitivo. Tudo que parece acontecer
acontece no Ser, o que é o antes e é o depois; e é o durante também. Ser, um
verbo infinitivo, ação, movimento sem começo e sem fim. O que não pode ser
nomeado, nem conhecido.

Para nomear o inominável e representá-lo no âmbito dos triângulos


percebemos um quinto triângulo descendente e ímpar, cujo ângulo descendente
e seus lados adjacentes tocam o quadrado e o redondo simultaneamente, nos
pontos em que estes se cruzam, e se prolongam ao infinito, como o Um que
aparece como dois. O quinto triângulo é um paradoxo, pois representa o que não
pode ser representado: o campo de infinitas possibilidades do Tao, ou Deus,
aquele que não tem nome nem forma, incognoscível e imanifesto, onde toda
manifestação aparece e parece acontecer. Ser essencial da própria Vida, fluxo
perene de transformação, verbo infinitivo. A Unidade.

O ser humano inteiro está representado nos triângulos; corpo, alma e


espírito estão representados nos triângulos. O primeiro descendente traz as
coisas do espírito; o primeiro ascendente traz as coisas do corpo. Os segundos
e terceiros e quartos triângulos, descendentes e ascendentes, trazem as
coisas da alma, sendo que os quartos triângulos trazem o perfume da Unidade à
alma, e os anseios da alma pela Unidade, mascarados pelo ego e pelos ideais. A
Totalidade, seu Ser essencial, infinito potencial criador, sempre livre, onde “o
que é” é Amor, também está representado nos triângulos, como o quinto
triângulo. O mistério dos triângulos é o cinco que aparece como oito – o quinto
triângulo que aparece como oito triângulos, quatro pares complementares. Um
só. Caminho iniciático é o despertar para o Ser essencial, nos termos da DEP, é
o despertar para o quinto triângulo; a desidentificação da consciência das
impregnações e limitações que aparecem como os quatro pares de triângulos,
descendentes e ascendentes. Caminho iniciático é a “busca”, a realização do
quinto triângulo.

Assim podemos entender o que fica óbvio: o que buscamos nunca iremos
encontrar no âmbito dos quatro pares de triângulos, ou seja, no âmbito de
corpo, alma e espírito. O que buscamos, a Unidade e seus absolutos, como a
liberdade, a confiança, o amor e a paz, jamais estarão no âmbito do corpo, da
alma ou do espírito; nem na consciência autoidentificada nem na consciência
corporificada, em nenhum estado de consciência, nem na inconsciência. O que

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buscamos não é um estado de espírito tampouco; não é um determinado estado
especial entre estados, a ser alcançado através de uma prática, ou de um
método, nem de um processo no tempo.

Buscamos Ser, a Unidade, o fim da ilusão de separação. Buscamos o que é;


o que sempre foi e sempre será, o que sempre é, sem depender de pré-
requisitos ou pré-condições. Não devemos comprar, nem vender, gato por lebre.
Como disse Jesus, chamado Cristo, “a César o que é de César e a Deus o que é
de Deus”. Devemos dar aos quatro pares de triângulos o que é do tempo e do
espaço, o que é condicionado e preso na roda de causa e efeito, entre causas e
conseqüências; e dar ao quinto triângulo o que é da Totalidade, ou Unidade, e
que nenhuma ação no tempo irá produzir, pois não existe caminho para o que é.
O que é, já é. Isso é Ser. Caminho Iniciático é o caminho para aprender o que
não pode ser ensinado.

Quando Theda recebeu o mandato para criar a Escola DEP de seu mestre
interior, ou Campo de Sabedoria Universal, ela recebeu como: “Faça uma escola
para ensinar o que ninguém ensina”; o que é que ninguém ensina? O que não pode
ser ensinado. “Faça uma escola onde se aprenda o que não pode ser ensinado”. E
o que é isso que não pode ser ensinado? O caminho para ser o que se é. Pois já
se é o que se é. Para ser o que se é não existe caminho. Já somos o que somos.
Sempre somos o que somos. Isso não requer tempo, nem processo no tempo.
Não seremos o que somos no futuro; não alcançaremos esse estado de “ser o
que somos”. Ser o que somos não é um estado de ser. É Ser. Simplesmente ser.
Caminho Iniciático é ser, não é um caminho no tempo. É fora do tempo e é fora
do espaço.

IV

É no âmbito dos quatro pares de triângulos que a pessoa se forma, como


reflexo do que é chamado de “desenvolvimento da consciência”. Quando por
volta do terceiro ano de idade a consciência na criança se dá conta de si mesma
e a criança passa a falar “Eu” ao referir-se a si mesma, diz-se que ela começa a
entrar no estado pessoal de consciência, saindo de um estado pré-pessoal.
Nesse novo estado ela passa a ser uma referência para si mesma, e a psique
ganha maior estabilidade e consistência. Ela se torna uma pessoa. Esse passo

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tem a ver com a maturação cerebral, que se prolonga até o fim do
desenvolvimento do lobo pré-frontal por volta dos 21 anos de idade, quando se
diz que o jovem entrou na idade adulta.

A consciência pessoal passa por um longo treinamento para se adequar às


normas sociais, desenvolver seus dons em talentos e habilidades, ganhar uma
profissão e encontrar o seu lugar na sociedade em que vive. A consciência
pessoal recebe um condicionamento social pela educação; seja a educação laica
ou religiosa, formativa ou profissionalizante. Assim, temos a pessoa,
impregnada pela sociedade e cultura onde vive; impregnações que não são as
únicas, pois existem as impregnações que vêm do seu condicionamento genético
e lhe dá as características fenotípicas corporais (primeiro triângulo
ascendente) e as que vêm de seu condicionamento espiritual que o impulsiona
para a individuação (primeiro triângulo descendente).

O processo de individuação é entendido como o ápice do desenvolvimento


humano para algumas correntes de conhecimento, por se confundir com a busca
da Totalidade. Acredita-se que o espírito, ou “Eu sou”, ou Si mesmo (como
chamam os junguianos), é a Totalidade, por ser uma “estrutura” do campo
espiritual, ou mental; mas agora sabemos que o próprio campo mental ou
espiritual é apenas um dos aspectos do fluxo infinito que é a Vida, esse fluxo
infinitivo de Ser.

A consciência pessoal é sempre condicionada, impregnada que é pelas


coisas da cultura, pelo campo de memórias universais – o hindu fala em Akasha,
a astrofísica contemporânea sugere ser o mesmo campo Ponto Zero (Laszlo,
2008) –, pelas normas sociais, pelas limitações genéticas e espirituais – sua
individualidade. A roda de causa e efeito se prolongando indefinidamente, indo
além do corpo, num tempo que continua sempre, que aparece como uma série de
reencarnações, em um processo de desenvolvimento que nunca se completa;
mas é desse processo que surge a noção do transpessoal, do que vai além da
pessoa.

Acredita-se que o espírito imortal guia a pessoa em sua vida terrena


para o desenvolvimento da alma. Cada acontecimento da vida como desafios e
exercícios para o desenvolvimento de novas capacidades e novos estados de
ser, em um processo que não se interrompe com a morte do corpo e a morte da
pessoa. Acredita-se que a pessoa morre, mas o espírito continua, passa por

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experiências no pós-morte, voltando a reencarnar para completar suas lições
inacabadas, enfrentar novas lições vindas do futuro, a aprender e realizar seus
ideais, em um processo contínuo, até atingir a Unidade como espírito pleno.
Espírito que é visto como a essência da pessoa e que sobrevive à pessoa, como
realidade transpessoal, a reencarnar seguidamente, tantas reencarnações
quanto necessárias até atingir a plenitude do “espírito realizado”, em um mundo
puramente espiritual, entre seres puramente espirituais, que já completaram
seu desenvolvimento e vivem na unidade do mundo espiritual. Que pode então
encarnar livremente, para ajudar os outros no caminho, e é visto na terra como
indivíduo pleno, que é o “Eu sou”, um Deus encarnado, que está no corpo, mas é
além do corpo, que é imortal e eterno, vivendo ao lado de Deus, como seu igual.
Crença que nos prende na armadilha do tempo e da continuidade, acenando com
a imortalidade no fim de um processo de desenvolvimento contínuo;
imortalidade que é vista como o fim da busca, posto que traz a felicidade
eterna, e a tão sonhada Unidade. Prometendo gato e entregando lebre.

O trabalho de consciência permite que esses padrões se revelem e


percam sua carga condicionadora do fluxo de consciência e vitalidade. Em geral
se encontram impregnados em cada nível da manifestação humana, espírito,
alma e corpo, condicionando e limitando o fluxo da Vida, distorcendo a
vitalidade e a consciência, levando às mais diversas patologias, sejam do
organismo, sejam nos grupos, atingindo a sociedade e suas instituições, assim
como o todo da cultura; o que por sua vez atua sobre a consciência e sobre a
vitalidade intensificando as distorções e patologias, como num círculo vicioso.

O trabalho de consciência que é um trabalho simultâneo de vitalidade e


consciência, permite a interrupção desses círculos viciosos e até a instalação
de círculos virtuosos. Mas é preciso entender os limites desse trabalho, senão
estaremos vendendo, ou comprando, gato por lebre. Nenhum trabalho nos
levará à Unidade, simplesmente porque nunca saímos da Unidade, apenas
acreditamos que estamos fora dela, pela circunscrição corporal e espiritual,
pela consciência identificada consigo mesma e com o corpo.

Trabalho de consciência é a simultânea mobilização da atenção no fluxo


de consciência e da intenção no fluxo da vitalidade. Atenção e intenção
mobilizadas organizam a consciência de maneira semelhante ao que acontece
com a luz no raio laser: transforma-a em um poderoso instrumento de
percepção e penetração no inconsciente, movendo expandindo o fluxo de

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consciência por outras regiões da mente – mente que está em tudo o que existe,
junto com a matéria, e é o arcabouço informacional de tudo o que existe; isso a
amplia a estados que a pessoa experimenta como não-usuais de consciência
onde muitos segredos se desvelam, e resignificações acontecem. Conexões
transpessoais podem acontecer, vindas tanto do passado quanto do futuro, no
tempo que se mostra finito e circular. Padrões ancorados em crenças
impensáveis revelam-se à consciência assim ativada, liberando-a de cargas que
as vezes se mostram muito antigas. A consciência identificada está
identificada com uma memória, ou um padrão, uma crença; podemos dizer que a
consciência fica aprisionada em uma memória, seja de “uma criança interior em
sofrimento”, seja de “um trauma emocional por uma relação abusiva no passado”,
seja de “um acontecimento de uma outra vida”; e assim por diante.

O trabalho de consciência, como o estamos chamando aqui, pode levar a


consciência a se desidentificar de todos os objetos e crenças, produzindo uma
vida aparentemente muito mais confortável e eficiente, mas não pode ajudá-la
a desidentificar-se de si mesma, uma vez que é realizado pela própria
consciência identificada consigo mesma. Como Ken Wilber falou em seu “A
Consciência sem Fronteiras” (1991): “É por isso que tudo que se tenta fazer, ou
não fazer, é enganoso, e representa apenas mais resistência e mais separação.
Tudo que o indivíduo faz é enganoso porque ele o está fazendo. Seu eu é
resistência e, portanto, não pode por fim à resistência”. Além do que, “podemos
levar o cavalo à beira dágua, mas não podemos fazê-lo beber”, segundo bom
senso popular.

A consciência é uma função da mente na matéria. Função de percepção e


experimentação e registro. Não existe por si mesma, mas apenas como função.
Consciência é o movimento que separa, ao cindir o acontecer com sua luz
distintiva, e sua capacidade de circunscrever-se em si mesma, criando a noção
de “si mesma” e aparecer como consciência de si mesma. Quando nos
perguntamos pela Origem de tudo, é fácil projetarmos a gênese como gênese
pela consciência.

Contemplamos o vasto movimento da totalidade, sem começo e sem fim,


projetamos e encontramos a grandiosa imagem do vasto movimento da
totalidade aparecendo como mente e matéria simultaneamente, semelhante à
luz, que é uma só, um fluxo só que aparece simultaneamente como onda e
partícula; consciência e vitalidade simultaneamente; o vasto movimento

15
circunscrevendo-se sobre si mesmo, dando-se conta de si mesmo, tornando-se
consciente de si mesmo, como um Deus criador que aparece no movimento
indistinto da totalidade criando uma bolha de consciência de Si mesmo onde
todo universo aparece, com todas suas criaturas.

Um gesto autocriador magnificente que, para os hindus, faz surgir


Brahman em Parabrahman; para os taoístas, faz surgir o Tai Chi no Tao; para os
gregos, faz surgir o Cosmos no Caos; para a cultura judaico-cristã, faz surgir o
“Deus criador” em “Deus sem nome e sem forma”; mas essencialmente falando,
faz surgir a Vida no Ser. É claro que não aconteceu assim, pois não houve um
começo lá atrás, distante no tempo. Nada começou. A Origem é a consciência
observadora que imagina ao contemplar a imensidão sem começo e sem fim.
Imagina, assim como faz tudo o que faz: para não desaparecer imediatamente.
E continuar identificada, existindo “para sempre”.

A mais complexa identificação da consciência, a que passa quase que


totalmente despercebida e ficando no inconsciente, é a identificação consigo
mesma. A desidentificação da “consciência identificada consigo mesma” de si
mesma é a morte da identificação, a morte de si mesma, não como consciência,
mas como si mesma. É a morte do eu. Morre a individualidade e o individualismo,
o ego e o egoísmo. Morre o eu, morre o espírito, “morre” o corpo como
instrumento do espírito. O corpo continua vivo como instrumento da própria
Unidade. Ainda que se continue usando a palavra “eu” para referir-se aos atos
da “pessoa”, ali não há nenhum sentimento, nem crença, de ser um eu. Iluminado
pela Unidade, em plenitude e graça. Ninguém alcançou a iluminação; não existe
ninguém ali. Só a Unidade existe. Até que um dia o corpo morre, e tudo acaba,
pois o que ali vive, está fora da roda de nascimentos e mortes, está fora da
roda do karma, fora do tempo e do espaço. A Vida vive ali, sem ninguém vivendo
ali: Ser essencial (lembre-se: Ser é verbo no infinitivo). Unidade.

Todo processo ocorre no tempo. Um tempo infinito não faz o atemporal.


Unidade não é do tempo, assim como a liberdade, a confiança e o amor.
Temporal é tudo aquilo que começa e acaba. Atemporal é o fim do tempo. O
verdadeiro des-envolvimento não é um processo no tempo, é a morte do tempo.
Tempo é o conhecido. É um acordar. Quando estamos sonhando, acordar não é
um processo no tempo, é um ato súbito e descontínuo, é o fim do sonho.
Acordar é ver o que é. Semelhante ao autoconhecimento. Caminho Iniciático é o
“caminho” do autoconhecimento.

16
Autoconhecimento é ver o que se é. Conhecer-se a si mesmo. Educação
verdadeira é o autoconhecimento. É além do corpo, da alma e do espírito. Não é
pessoal. Só acontece no momento presente, nem antes nem depois. Nenhum
processo no tempo pode realizar. É além da arte, da religião e da ciência.
Embora seja uma arte. A arte de distinguir o gato da lebre. A arte de
distinguir o verdadeiro do falso e o falso do verdadeiro, e não tomar um pelo
outro. Autoconhecimento é o caminho iniciático. É ser em seu Ser essencial,
além do seu estar individual e pessoal. Um campo de infinitas possibilidades.

Unmani Liza Hyde, diz em seu site na Internet (2009), traduzido


livremente por mim:

Reconheça quem você é, e saiba que não existe, nem nunca existiu nenhuma
separação. Absoluta Totalidade, absoluta Unidade, absoluto Amor, isto é o
que você é. Ainda assim, buscar é um jogo dramático que a vida joga consigo
mesma. Buscar preencher aquele vazio na minha vida que parece ser tão
doloroso. Buscar algum tipo de segurança ou satisfação permanente, na
esperança de que um dia eu vou encontrar o que estou buscando. O que quer
que seja, o que está acontecendo agora nunca parece ser suficiente...

“Homem: conhece-te a ti mesmo” exortam os sábios de todas as eras.


“Penso, logo existo” e Descartes pensou que estava a conhecer-se a si mesmo.
Autoconhecimento não é pensar em si mesmo nem sobre si mesmo.
Autoconhecimento não é pensar. Conhecer-se a si mesmo e reconhecer a ilusão
de si mesmo, e a verdade de si mesmo. É ver o que é. É reconhecer os
condicionamentos e impregnações que iludem a consciência; reconhecer os
desejos e os medos, a busca de prazer e o evitar a dor; a busca de segurança e
permanência na identificação consigo mesma e prisão na roda da fortuna, a
roda da sorte e do azar, da causa e do efeito. É ver-se como pessoa
insatisfeita e incompleta em busca da Unidade, que é além do pessoal e do
transpessoal. A Unidade não se relaciona com a pessoa de forma alguma, nem
com o corpo, nem com o espírito transpessoal. É acordar para o que é, é o fim
da consciência pessoal. É Presença.

Autoconhecimento não é um caminho de conhecimento, não é um trabalho


de consciência. Não é um processo no âmbito dos quatro pares de triângulos
descendentes e ascendentes. Um processo nesse âmbito dos triângulos é um
caminho de conhecimento, é um trabalho de consciência. E como todo caminho
de conhecimento, todo trabalho de consciência, desenvolve habilidades,

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prepara para enfrentar certos desafios, torna a vida mais confortável, permite
um melhor trânsito social, ser melhor na sua área de atuação, aperfeiçoar-se
em seus talentos, enfim, sair-se bem no cotidiano, realizando sonhos e desejos,
conquistando o sucesso. Mas isso não é autoconhecimento. O autoconhecimento
não produz tudo isso também? Pode produzir, é claro! Mas essa não é a meta do
autoconhecimento. Autoconhecimento é a realização da verdade acerca de si
mesmo. É um ato livre de qualquer condição, qualquer motivo ou finalidade. O
ser humano livre é o que é, não está interessado em tornar-se o que não é; está
em paz. Ama. Isso é Ser. Autoconhecimento é jornada iniciática.

Autoconhecimento é acordar para o quinto triângulo. É a morte do eu, do


primeiro ao quarto triângulo descendente e do primeiro ao quarto triângulo
ascendente. Simultaneamente. O corpo continua vivo, expressando a Realidade,
a Unidade. Presença caminhando pela terra. Um corpo aberto à Presença. Um
campo aberto ao amor. Confiança é total. Expressão única, singular, sempre
nova, momento por momento, da Verdade eterna de Ser. Até o dia em que
desaparece também o corpo. Então o que resta é o que sempre esteve presente.
O fim da ilusão de ser um indivíduo, uma pessoa. É o desaparecimento da
consciência de si mesmo, pessoal e transpessoal. É a jóia da humanidade. O que
todos buscam e ninguém encontra.

A “consciência de si mesmo”, o Eu, pode experimentar um gostinho disso,


pode sentir o perfume da Presença, mas nunca vai alcançá-la, nunca vai se
tornar Presença, nunca vai ser Presença. Presença não é espírito, nem alma,
nem corpo. Em Presença não existe ninguém presente experimentando; nem é
algo, ou alguém, que venha em nossa direção. O que acontece é o
desaparecimento do experimentador e da consciência de si mesmo. Esse
desaparecimento é o que Tony Parsons (2003) e Richard Sylvester (2008)
chamam de "acordar" e de “liberação”, que é o que aconteceu com o Buda, com
Krishnamurti, entre outros, e com “eles” mesmos.

Sentir o perfume da Presença é algo que acontece no cotidiano, nos


caminhos de conhecimento, nos trabalhos de consciência, em momentos de
inteireza, com alteração e expansão da consciência, que se desidentifica de si
mesma temporariamente, e se percebe nos recônditos da mente e da matéria,
em momentos inesperados, durante uma prática meditativa; durante um
exercício físico; durante um momento de silêncio; durante uma caminhada na
natureza; durante o tráfego intenso; em meio à uma grande dor ou um grande

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prazer. Momentos súbitos depois de um esforço intenso ou dedicação profunda
a uma determinada atividade. O perfume da Presença é sentido e
experimentado; um momento fugaz. Deixa aquela saudade impossível, aquele
anseio profundo, uma tristeza sem pé nem cabeça. Momentos numinosos, que
nos marcam fundo. Com certeza, todos experimentamos isso. Presença é mais
próxima de nós do que nós mesmos. Está sempre aqui. Nunca foi embora. Nós é
que aparentemente nos encolhemos. E adormecemos em nós mesmos. Nem
existimos de fato. Caminho Iniciático é o “caminho” que começa e termina no
que é. Começa e termina antes mesmo de começar. Sem ninguém a caminhar.

Reconto aqui, livremente, uma conversa de Krishnamurti com um amigo, de


seu livro “A Única Revolução” (2001). É assim:

Estamos conversando sobre nossa própria vida, não fazendo suposições sobre
a vida de outras pessoas. De fato, estamos juntos como dois amigos, neste lugar
tranqüilo, investigando nossos problemas. Somos sérios, interessados e
comprometidos com a solução dos problemas humanos, porque sentimos, como duas
pessoas, que nós somos o mundo e o mundo é o que nós somos.

"Parece uma coisa interminável esta busca inglória, esta constante


introspecção e análise, esta vigilância. Já tentei de tudo; todos os ensinamentos de
muitas escolas, muitos sistemas de meditação – você sabe, todas as
promessas disponíveis. Continuo incompleto, vazio por dentro".

Por que você não começa pelo outro lado, o lado que você não conhece? Da
outra margem, a qual você não tem possibilidade de ver desta margem? Comece do
desconhecido, ao invés de começar do conhecido; pois esse constante exame e análise
somente fortalecem e condicionam ainda mais o conhecido. Se a mente vive a partir
do outro lado, então esses problemas não existem.

"Mas, como vou começar do outro lado? Eu não o conheço, não sei onde está,
não posso vê-lo”.

Quando você pergunta: “Como vou começar do outro lado?” – você está ainda
perguntando a partir deste lado. Portanto, não pergunte isto, mas comece do outro
lado; do lado que você não conhece nada; comece de outra dimensão, que o
pensamento, por mais astuto que seja, não pode apreender.

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"Não posso imaginar como começar de outro lado. Em verdade, não
compreendo essa asserção vaga; essa afirmação que, para mim, não tem significado
nenhum. Só posso ir onde conheço”.

Mas, o que é que você conhece? Você só conhece o que já está acabado,
concluído. Você só conhece o passado. E estamos dizendo: comece daquilo que você
não conhece, e viva a partir daí. Se você diz: "Como vou viver a partir desse lugar?" –
então você está convidando o padrão do passado. Mas, se você vive a partir do
desconhecido, você está vivendo em liberdade, agindo a partir da liberdade e isso,
afinal, é amor. Se você diz: "Eu sei o que é o amor" – então você não sabe. Pois o amor
não é conhecimento, não é memória, nem a lembrança de um prazer. E como não é uma
memória, nem uma lembrança, então viva daquilo que você não conhece.

“Realmente não sei do que você está falando. Você está tornando as coisas
ainda mais difíceis".

Estou propondo uma coisa muito simples. E estou dizendo que, quanto mais
você procura, mais você tem para procurar. O próprio procurar é o condicionamento, e
cada passo constrói um caminho que não leva a parte alguma. Você quer que novos
passos sejam dados para você; ou você quer dar seus próprios passos esperando que o
levem a uma dimensão totalmente diferente. Mas, de fato, você não sabe o que tal
dimensão é, então sejam quais forem os passos que você dê, só poderão levá-lo àquilo
que já é conhecido. Assim, largue tudo isso e comece do outro lado. Fique em silêncio,
e você vai descobrir.

"Mas eu não sei como ficar em silêncio".

Aí está você de novo perguntando "como", querendo “saber como” para depois
“fazer certo”, e não há um fim para o "como". Todo saber está do lado errado. Se
você sabe, você já está morto. Ser não é saber.

VI

Você quer?

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Referências:

Basso, T. e Pustilnik, A. - “Corporificando a Consciência”, ICDEP, São Paulo,


2000, pág. 18.

Basso, T. e Amaral, M. - “Triângulos – Estruturas de Compreensão do Ser


Humano”, Edição do Autor, São Paulo, 2007.

Hyde, U.L. - www.not-knowing.com – 2009, pagina de rosto.

Krishnamurti, J. - “A Única Revolução”, Terra sem Caminho, RJ, 2001, pág 145.

Laszlo, E. - “Ciência e Campo Akáshico”, Cultrix, São Paulo, 2008.

Parsons, T. - “All There Is”, Open Secret, Inglaterra, 2003, pág. 108.

Sylvester, R. - “The Book of No One”, Non-Duality, Inglaterra, 2008, pág. 143.

Wilber, K. - “A Consciência sem Fronteiras”, Cultrix, São Paulo, 1991.

Leituras Complementares:

Balsekar, R.S. - “The Ultimate Understanding”, Watkins, Inglaterra, 2002.

Foster, J. “The Revelation of Oneness”, Non-Duality, Inglaterra, 2008.

Krishnamurti, J. - “Krishnamurti’s Notebook – full text”, KFA, USA, 2003.

Renard, G.R. - “The Disappearance of the Universe”, Hay House, USA, 2004.

Roberts, B. - ‘The Experience of No-self”, University of N.YorK, USA, 1992.

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