Ditadura e Classes Sociais No Brasil As PDF
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DOI: http://dx.doi.org/10.18817/ot.v16i27.650
Resumo: O presente artigo dedica-se a analisar a dinâmica da sociedade civil brasileira ao longo da
ditadura civil-militar (1964-1988), atentando para a trajetória das formas organizativas do
empresariado e dos trabalhadores. Enfatizamos especificamente as formas de associação dos
empresários da indústria da construção, percebendo como o Estado ditatorial agiu em relação a esses
agentes, em contraste com a política direcionada aos operários do mesmo setor. Verificamos uma
intensa repressão às formas de organização popular durante o regime e livre funcionamento das
associações empresariais, que se multiplicaram, fortaleceram-se e ampliaram seus canais de ação junto
ao aparelho de Estado, com poder de pautar em certa medida as políticas estatais implementadas no
período. Concluímos que esse fenômeno levou à redefinição da arena da luta de classes na sociedade
brasileira e afetou a forma como se deu o processo de transição política e a correlação de forças com o
advento da Nova República.
Abstract: This article analyzes the dynamics of the Brazilian civil society during the civil-military
dictatorship (1964-1988), considering the trajectory of the organizational forms of the businessmen
and the workers. We specifically emphasize the forms of association of entrepreneurs in the
construction industry, perceiving how the dictatorial State acted in relation to these agents, in contrast
to the policy directed to the workers of the same sector. We verified an intense repression of the forms
of popular organization during the regime and free operation of the business associations, which
multiplied, strengthened and expanded their channels of action with the aid of the State apparatus,
holding the power to govern, to some extent, the State policies implemented in the period. We
conclude that this phenomenon led to the redefinition of the arena of class struggle in the Brazilian
society and affected the way in which the process of political transition took place and the correlation
of forces with the advent of the New Republic.
Resumen: El presente artículo se dedica a analizar la dinámica de la sociedad civil brasileña a lo largo
de la dictadura civil-militar (1964-1988), atentando para la trayectoria de las formas organizativas del
empresariado y de los trabajadores. Enfatizamos específicamente las formas de asociación de los
empresarios de la industria de la construcción, percibiendo cómo el Estado dictatorial actuó en
relación a esos agentes, en contraste con la política dirigida a los obreros del mismo sector.
Verificamos una intensa represión a las formas de organización popular durante el régimen y libre
1
Artigo submetido à avaliação em agosto de 2018 e aprovado para publicação em janeiro de 2019.
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Algumas das pesquisas desenvolvidas recentemente foram as seguintes: LEMOS, Renato Luis do Couto Neto
e. O Grupo Permanente de Mobilização Industrial (GPMI) e o regime ditatorial no Brasil pós-64. In:
BRANDÃO, Rafael Vaz da Motta; CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira; MARTINS, Monica de Souza Nunes
(Org.). Política Econômica nos Anos de Chumbo. Rio de Janeiro: Consequência, 2018, p. 71-102; BORTONE,
Elaine de Almeida. O Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e a ditadura empresarial-militar: os casos
das empresas estatais e da indústria farmacêutica (1964-1967). 2018. Tese (Doutorado em História) – UFRJ,
Rio de Janeiro, 2018; MORAES, Rafael. O governo Castello Branco e a Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo: as bases do milagre (1964-1967). América Latina en la Historia Económica, México: Unam, v. 23,
n. 2, p. 64-90, maio/ago. 2016; LOUREIRO, Felipe Pereira. O empresariado paulista e o governo Castelo
Branco (1964-1967): notas sobre a montagem da ditadura militar no Brasil. In: SEMINÁRIO NACIONAL
DIMENSÕES DO EMPRESARIADO BRASILEIRO, 1., 2017., Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro:
UFRRJ/Uerj, 2017, p. 1-16.
3
Para estudos recentes sobre trabalhadores, sindicatos e repressão a esses grupos durante a ditadura, ver, por
exemplo, CORRÊA, Larissa Rosa. Disseram que voltei americanizado: relações sindicais Brasil-Estados
Unidos na ditadura militar. Campinas: Edunicamp, 2017; MEDEIROS, Leonilde Servolo de. Governos
militares e trabalhadores do campo: políticas públicas, modernização e mudança social. In: BRANDÃO;
CAMPOS; MARTINS, op. cit., p. 159-184; FONTES, Paulo; CORRÊA, Larissa. As falas de Jeronimo:
trabalhadores, sindicatos e a historiografia da ditadura militar brasileira. In: ESTEVEZ, Alejandra et. al.
Mundos do trabalho e ditaduras no Cone Sul (1964-1990). Rio de Janeiro: Multifoco, 2018. p. 119-149.
4
Sobre a nomenclatura do golpe e da ditadura como de caráter civil-militar, apoiamo-nos em DREIFUSS, René
Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981.
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sobre o tema e também para perceber a forma diferenciada como a ditadura lidou com as
associações e sindicatos desses agentes. Para isso, acessamos fontes primárias produzidas
pelas associações empresariais do setor e também revistas que acompanham as atividades da
indústria da construção.
Dessa forma, Gramsci criticou a divisão liberal feita entre Estado e sociedade e
que advoga por princípios como o de “auto-regulação do mercado” e “não-intervenção do
Estado na economia”. Assim, para a compreensão do Estado em uma perspectiva teórica
totalizante e dialética, baseada nas reflexões do autor, há de se conhecer como se dá a
organização da sociedade civil e como os grupos estão distribuídos e associados em entidades
sociais.
Sobre as formas organizativas na sociedade civil e suas formas de atuação,
principalmente em regimes democráticos, Gramsci desenvolveu interessantes notas, que
podem ajudar a compreender a questão a ser decifrada neste artigo:
5
BOBBIO, Norberto. Gramsci e la concezione della società civile. Milão: Feltrinelli, 1976. p. 21, grifo nosso.
6
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere: vol. 3 - Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000 [1932-1934]. p. 47.
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Esse trecho da obra dos Cadernos do Cárcere parece bastante fértil para os
propósitos aqui colocados. Ele indica que forças sociais organizam-se no sentido de
influenciar o resto da população, inclusive em situações de sufrágio. Usando ironia, o autor
indica como essas “minorias ativas” tentam difundir seus interesses particulares,
apresentando-os como interesses nacionais, de todos. Assim, o exercício da democracia
caracteriza-se justamente não pela expressão dos interesses de todos, ou mesmo das maiorias,
mas sim de uns poucos grupos sociais altamente organizados que conseguem exercer um
mecanismo de liderança e direção sobre os outros grupos sociais. Ao final da citação, Gramsci
indica que nem sempre essa operação funciona, justamente por conta do questionamento e
resistências de outros segmentos sociais, como as classes subalternas, e muitas vezes o
resultado do processo democrático não ocorre da forma como prevista ou demandada pelos
grupos dominantes da sociedade. Nessas ocasiões, ele subentende a possibilidade de quebra
de ordem e imposição de um regime à força.
Essas reflexões parecem convenientes para o que vamos trabalhar ao longo desse
artigo. Analisaremos justamente a trajetória de alguns aparelhos da sociedade civil que se
pautaram no sentido de difundir seus valores, projetos e concepções de mundo para o resto da
sociedade e também inscrevendo-os junto às agências que compõem o aparelho de Estado,
atuando no sentido de pautar as políticas públicas e influenciar a agenda estatal. Não obstante,
em alguns momentos delicados da história brasileira, alguns desses organismos defenderam a
quebra da ordem institucional, no sentido justamente de proporcionar um cenário mais
propício para a defesa de seus interesses "particulares/nacionais".
7
GRAMSCI, op. cit., p. 82.
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8
GRAMSCI, op. cit.
9
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003 [1999].
10
MARINHO, Pedro Eduardo Mesquita de Monteiro. O centauro imperial e o ‘partido’ dos engenheiros: a
contribuição das concepções gramscianas para a noção de Estado ampliado no Brasil Império. In:
MENDONÇA, Sonia Regina de (Org.). Estado e historiografia no Brasil. Niterói: EdUFF; Faperj, 2006. p. 55-
70.
11
PIÑEIRO, Théo Lobarinhas. Os simples comissários: negociantes & política no Brasil Império. Niterói: Eduff,
2014.
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12
SILVA, José Luiz Werneck da. Isto é o que me parece: a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (1827-
1904) na formação social brasileira: a conjuntura de 1871 a 1877. 1979. Dissertação (Mestrado em História) -
UFF, Niterói, 1979; RODRIGUES, José. O moderno príncipe industrial: o pensamento pedagógico da
Confederação Nacional da Indústria. Campinas: Autores Associados, 1998; LEOPOLDI, Maria Antonieta
Parahyba. Política e interesses na industrialização brasileira: as associações dos industriais, a política
econômica e o Estado. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
13
MENDONÇA, Sonia Regina de. O ruralismo brasileiro. São Paulo: Hucitec, 1997.
14
MATTOS, Marcelo Badaró. Escravizados e livres: experiências comuns na formação da classe trabalhadora
carioca. Rio de Janeiro: Bom Texto, 2008.
15
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social. Rio de Janeiro: Difel, 1977.
16
VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
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17
Organização que foi analisada por Renato Raul Boschi em BOSCHI, Renato Raul; DINIZ, Eli. Empresariado
nacional e Estado no Brasil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1978.
18
DREIFUSS, op. cit. Sobre o Ipes, ver também as pesquisas de ASSIS, Denise. Propaganda e cinema a serviço
do Golpe: 1962-1964. Rio de Janeiro: Mauad; Faperj, 2001; RAMÍREZ, Hernan. Corporaciones em el poder:
institutos económicos y acción política em Brasil y Argentina; Ipes, Fiel y Fundación Mediterránea. San
Isidoro: Lenguaje Claro, 2007; BORTONE, Elaine de Almeida. A participação do Instituto de Pesquisas e
Estudos Sociais (Ipes) na Reforma Administrativa da Ditadura Civil-Militar. 2013. Dissertação (Mestrado em
Administração) - UFF, Niterói, 2013; SPOHR, Martina. American Way of Business: o empresariado brasileiro
e norte-americano no golpe empresarial-militar de 1964. 2016. Tese (Doutorado em História) – UFRJ, Rio de
Janeiro, 2016.
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19
IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.
20
TOLEDO, Caio Navarro de. O Governo Goulart e o Golpe de 64. São Paulo: Brasiliense, 1982.
21
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas: a esquerda brasileira; das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo:
Ática, 1987.
22
SCHWARZ, Roberto. O pai de família e outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1975.
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23
FONTES, Virgínia. O Brasil e o Capital-Imperialismo: teoria e história. Rio de Janeiro: EdUFRJ, 2010. p.
224-225.
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24
SINGER, Paul Israel. A crise do Milagre: interpretação crítica da economia brasileira. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1976.
25
LOBO, Eulália Maria Lahmeyer; LISBOA, Fátima Sebastiana Gomes; SIMÕES, Mariza. O regime militar e a
reorganização sindical, 1965-1970. In: LOBO, Eulália Maria Lahmeyer (Org.). Rio de Janeiro operário. Rio
de Janeiro: Access, 1992. p. 393-438.
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26
HONORATO, Cézar Teixeira (Org.). O Clube de Engenharia nos momentos decisivos da vida do Brasil. Rio
de Janeiro: Venosa, 1996.
27
MATTOS, Romulo Costa. Pelos pobres! as campanhas pela construção de habitações populares e o discurso
dobre as favelas na Primeira República. 2008. Tese (Doutorado em História) - UFF, Niterói, 2008.
28
APEOP (GUEDES, Henrique). A outra face do empreiteiro. São Paulo: Pini, 1977.
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29
SOUSA, Nair Heloísa Bicalho de. Operários e política: estudo sobre os trabalhadores da construção civil de
Brasília. 1978. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – UnB, Brasília, 1978.
30
SINICON. Ata da Reunião de Fundação do Sinicon. 10 de março de 1959. Rio de Janeiro: Sinicon, 1959.
31
PRADO, Lafayette. Transportes e corrupção: um desafio à cidadania. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997. p. 287.
32
SINICON. Informe Sinicon. Rio de Janeiro: Sinicon, no 1, ano I, Edição de 6 de fevereiro de 1984.
33
SINICON. Estatuto Social e Regulamento Eleitoral. Rio de Janeiro: Sinicon, 2004.
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Estudos Sociais (Ipes). Poland teve uma participação muito ativa no golpe de 1964 e levou
outros empresários do Sinicon a colaborar e participar das atividades do Ipes.34 Próximo de
empresas multinacionais e de alguns oficiais militares, como o coronel Golbery do Couto e
Silva – de quem era extremamente próximo –, Poland saiu armado de casa na noite do golpe
para a casa do jornalista David Nasser e de lá operou uma série de contatos e ações que deram
suporte à derrubada da democracia e do governo constitucional.35 O envolvimento do Sinicon
na rede de organizações envolvida na iniciativa golpista indica como naquele momento
algumas organizações com perfil de classe tiveram um posicionamento claro em meio à
polarização da sociedade e processo decisório do golpe de Estado.
34
DREIFUSS, op. cit.
35
CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras criadas: David Nasser e O Cruzeiro. São Paulo: EdSENAC-SP, 2001.
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Guanabara e Clube de Engenharia, que tinham interesses e viam vantagens na união das duas
federações. Assim, mais do que um ato do Estado forte contra uma sociedade fraca, deve-se
levar em conta que a fusão, no mínimo, teve o suporte de organizações empresariais.36
De forma similar, várias medidas tomadas após o AI-5 foram dadas como
simplesmente autoritárias e fruto do contexto francamente ditatorial inaugurado pelo ato. Em
1969, através de decretos-lei, com o Congresso nacional fechado, o Executivo legislou em
questões econômicas, a respeito de temáticas que antes deveriam passar pela Câmara e pelo
Senado. O Decreto 64.345, de 10 de abril de 1969, instituiu a reserva de mercado no
segmento de obras públicas e projetos. A medida proibia a atuação de empresas estrangeiras
atuando nesse setor no país em empreendimentos contratados por órgãos públicos. Assim, a
partir de então, qualquer projeto de obra ou empreendimento público deveria ser contratado
exclusivamente junto a uma empresa nacional, com sede no país e capital de controle de
brasileiros.37
A medida pode parecer uma iniciativa nacionalista ou um simples gesto
autoritário do regime. No entanto, de forma similar ao que ocorreu na fusão, o mesmo foi
precedido por uma intensa campanha realizada por organizações empresariais do segmento da
engenharia. A movimentação inaugurada em 1964 chamada "A engenharia é nossa" ou "Em
defesa da engenharia nacional" foi uma iniciativa de empresários do Clube de Engenharia que
se opunham à política do governo Castelo Branco de privilegiar firmas estrangeiras para
realização de projetos de obras e planejamento de empreendimentos no país. Esses
empresários receberam o apoio de outras associações, como o Instituto de Engenharia de São
Paulo e outros, e passou a demandar a isonomia com empresas de fora ou um leve
favorecimento para empresas nacionais. Usaram como modelo a legislação norte-americana
do período Eisenhower, o Buy American Act, que determinava a prioridade a empresas norte-
americanas nas compras governamentais. Eles usaram seus meios de influência, como o
acesso à imprensa, a inserção no Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura) – que
chegou a impedir o registro de empresas estrangeiras para operar no país – e a aproximação
com militares, sobretudo os "nacionalistas autoritários"38 presentes no governo Castelo, como
36
FERREIRA, Marieta de Moraes; GRYNSZPAN, Mário. A volta do filho pródigo ao lar paterno? A fusão do
Rio de Janeiro. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 14, n. 28, p. 74-100, 1994.
37
CAMARGOS, Regina Coeli Moreira. Estado e empreiteiros no Brasil: uma análise setorial. 1993. Dissertação
(Mestrado em Ciência Política) – UNICAMP, Campinas, 1993.
38
STEPAN, Alfred. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro:
Artenova, 1975 [1971].
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o ministro Artur da Costa e Silva e seus assessores, Afonso de Albuquerque Lima e Mario
David Andreazza39.
De forma a ilustrar o caráter da campanha liderada pelo Clube de Engenharia, que
redundou na elaboração de um livro contendo as propostas expressas pelos seus formuladores,
segue o texto da Introdução da obra preparada como resultado da campanha:
Esta divulgação é tanto mais oportuna quanto o nôvo Govêrno Federal demonstra
estar consciente do problema e atento às necessidades nacionais, conforme incisivos
pronunciamentos de seu escalão superior.
Dessa forma, surge a real perspectiva de que o processo de sufocamento da
engenharia brasileira tenha paradeiro e de que sejam tomadas medidas concretas de
defesa e estímulo dêsse setor essencial ao crescimento econômico do País.40
Desde a sua fundação, a ABEMI mantém estreita relação com a Petrobras, tendo
seus associados participado dos esforços de desenvolvimento dos empreendimentos
da Petrobras nos últimos 42 anos, projetando e construindo refinarias, plataformas
off shore, terminais, dutos, etc.42
41
CHAVES, Marilena. Indústria da construção no Brasil: desenvolvimento, estrutura e dinâmica. 1985.
Dissertação (Mestrado em Economia Industrial) - UFRJ, Rio de Janeiro, 1985.
42
O Globo. Nota de esclarecimento. 22 de novembro de 2006. p. 3
43
O Globo. 20 de novembro de 2006. p. 3
44
O Empreiteiro. Edição de novembro de 1980, n. 155.
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Construção Pesada do Estado de São Paulo (Sinicesp). O órgão competia com a Apeop e
abrangia empresas com perfil rodoviário, atuando junto ao DER-SP. É digno de nota e
representativo do processo de ampliação seletiva da sociedade civil o fato de o sindicato
expor com orgulho em sua memória o documento do Ministério do Trabalho, assinado por
Jarbas Passarinho e emitido em 1968, autorizando o organismo a funcionar como
representação sindical com registro na estrutura do Estado. O sindicato teve um poder
crescente na ditadura e conta com publicações, como a revista Infra-estrutura, e premiações,
como a Moeda do Mérito Rodoviário Washington Luís.45
O Sinicesp atuava junto ao aparelho de Estado paulista com críticas, mas também
no sentido da “colaboração”. Dessa forma, em 1971, a Apeop e o Sinicesp fizeram convênio
com o DER-SP para definir as obras rodoviárias prioritárias para o ano de 1972, em grupo de
trabalho liderado pela Secretaria Estadual de Fazenda. A elaboração de projetos e sugestão de
diretrizes políticas era outra marca da atuação da Apeop, havendo caso emblemático em 1972,
quando a associação reclamou dos efeitos da centralização de recursos na esfera federal,
destacando que a medida havia reduzido as verbas estaduais disponíveis para obras. A Apeop
defendeu então a redução dos gastos de custeio pelo governo paulista, de modo a liberar
maior contingente financeiro para os investimentos, propondo as seguintes medidas:
A citação, que traz diretrizes para as políticas estatais indica como essas
organizações empresariais tinham interesse e estavam atentas às ações estatais e como elas
faziam demandas e requisições no sentido de defender seus projetos e interesses.
De forma similar ao Sinicesp, houve a formação de organizações em Minas e no
Rio. Assim, em 1968, foi fundado o Sindicato da Construção Pesada de Minas Gerais
(Sicepot-MG), sediado em Belo Horizonte, por iniciativa de 55 empresas do estado. O
sindicato abrange as empreiteiras mineiras, possui um centro de memória e tem intensa
inserção junto a agências estaduais, como o DER-MG e a Cemig.47
45
SINICESP [Luiz Roberto de Sousa Queiroz]. A saga da construção pesada em São Paulo. Vinhedo, SP: Avis
brasilis, 2008.
46
O Empreiteiro. Edição de janeiro de 1972, n. 48.
47
SICEPOT-MG. Rumo ao futuro: a construção pesada e o desenvolvimento de Minas. Belo Horizonte: Sicepot-
MG, 2005.
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48
SICEPOT-MG. Rumo ao futuro... op. cit., p. 183.
49
AEERJ. AEERJ 30 Anos: 30 anos de obras públicas no Rio de Janeiro (1975-2005). Rio de Janeiro: AEERJ,
2005.
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O trecho do livro sobre a história da Aeerj relata a boa relação que a entidade
mantinha com o prefeito da cidade do Rio de Janeiro, engenheiro e nomeado diretamente pela
ditadura. A menção ao encontro entre empresários e o alcaide é indicativa da inserção
empresarial no aparelho de Estado no período e bom trânsito que os empreiteiros da Aeerj
mantinham junto ao poder político municipal.
Outras organizações de empresários vieram à tona ao longo da ditadura. Assim,
após o choque internacional do petróleo e, em meio à guinada política para a realização de
investimentos no setor ferroviário, foi fundada em 1977 a Associação Brasileira da Indústria
Ferroviária (Abifer). A entidade abrangia firmas relacionadas à realização de obras e
equipamentos ferroviários e defendia a ampliação das inversões na malha de estradas de ferro
ao longo do território brasileiro.51
Para além do setor de infraestrutura, o mercado imobiliário desenvolveu-se no
período, em meio aos investimentos proporcionados pelo BNH e a expansão da construção de
imóveis nas cidades brasileiras, com o êxodo rural e a intensa urbanização do período. Assim,
em 1971, foi criada no Rio de Janeiro a Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado
Imobiliário (Ademi-RJ). Essa entidade reúne uma série de empresas relacionadas ao mercado
de imóveis da cidade, em particular as construtoras. Há uma atuação da mesma junto ao poder
municipal e interesse sobre políticas de valorização do terreno, fornecimento de serviços
públicos, zoneamento urbano etc.52
Sobre o contexto no qual a associação foi formada, a própria página eletrônica da
Ademi assim indica:
50
AEERJ, op. cit., p. 42-3.
51
O Empreiteiro. Edição de maio de 1984, n. 198.
52
CAMPOS, Pedro Henrique Pedreira. Estranhas catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar.
Niterói: Eduff, 2014.
53
www.ademi.webtexto.com.br. Acesso em: 5 abr. 2007.
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54
O Empreiteiro. Edição de janeiro de 1972, n. 48.
87
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55
O Empreiteiro. Edições de julho e outubro de 1968, n. 6; 9.
56
O Empreiteiro. Edição de julho de 1968, n. 6.
57
REGINATTO, Ana Carolina. A nova Constituição e o Código de Mineração de 1967: a consolidação do
capital multinacional e associado no setor mineral brasileiro. In: PICCOLO, Monica (Org.). Ditaduras e
democracias no Mundo Contemporâneo. São Luís: Eduema, 2016. p. 41-72.
58
POÇAS, Bernardo Galheiro. 1964-1979: a luta pela hegemonia na petroquímica brasileira. 2013. Dissertação
(Mestrado em História) – UFF, Niterói, 2013.
59
MINELLA, Ary. Banqueiros: organizações e poder político no Brasil. Rio de Janeiro: Anpocs; Espaço e
Tempo, 1988.
88
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Em vias de conclusão
60
IANNI, Octavio. A ditadura do Grande Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
61
SOUSA, op. cit.
62
KLAUSMEYER, Maria Luiza Cristora. O peão e o acidente de trabalho na construção civil no Rio de
Janeiro: elementos para uma avaliação do papel da educação nas classes trabalhadoras. 1988. Dissertação
(Mestrado em Educação) - FGV, Rio de Janeiro, 1988.
63
O Empreiteiro. Edição de maio de 1980, n. 148.
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