Dissertação Pedrosa Andrea PDF
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AUTOR:
ANDRÉA REGO PEDROSA
ORIENTADORA:
PROFESSORA DOUTORA
LÚCIA MARIA SÁ ANTUNES COSTA
i
PAISAGEM, SISTEMA, LUGAR.
SISTEMAS DE LUGARES NAS PRAÇAS DE CAMPO GRANDE.
ANDRÉA REGO PEDROSA
APROVADO POR:
___________________________________________________________
PROFESSORA DRA. LUCIA MARIA SÁ ANTUNES COSTA
(ORIENTADORA PROURB – FAU/UFRJ)
___________________________________________________________
PROFESSOR DR. EUGENIO FERNANDES QUEIROGA
(PUC-CAMPINAS/ FAUUSP)
____________________________________________________________
PROFESSOR DR. CRISTÓVÃO FERNANDES DUARTE
(PROURB – FAU/UFRJ)
ii
P372 Pedrosa, Andrea de Almeida Rego,
CDD 711.4098153
iii
Para os meus filhos, Antônio Pedro e Guilherme.
iv
AGRADECIMENTOS
Agradeço à professora Lúcia Costa, pelo acolhimento em seu grupo de pesquisa, despertando-me
para o universo investigativo. Suas delicadas, porém precisas observações conduziram-me
durante o processo de escrita da dissertação, para a absorção de um novo e enriquecedor
aprendizado.
Agradeço à Lílian Fezzler Vaz, Mônica Bahia Schlee e Andréa Borde, que gentilmente atenderam
às minhas solicitações de informações, contribuindo com empréstimo de material bibliográfico, e a
Luciana Andrade, por apresentar o tema espaço público de forma inovadora na disciplina “Espaço
Público e Favelas”. Agradeço também aos bolsistas Márcia Cristina Santos, Alice Oliveira, Ingrid
Krause, Tatiana Domingos, Luciana Ezequiel e Yuri Torres, que me auxiliaram no
desenvolvimento de desenhos, tabelas e imagens. A toda a equipe de professores e funcionários
do PROURB, que me proporcionaram a oportunidade de reaproximação com os estudos sobre a
paisagem urbana, através das disciplinas curriculares ministradas, das inúmeras palestras e da
criação de novos laços com outros profissionais que atuam no campo do Paisagismo e
Urbanismo.
Agradeço em especial a minha família; aos meus pais Archimedes e Maria Lucia que me
acolheram em sua casa e me proporcionaram o carinho e o silêncio dos quais eu tanto
necessitava no início deste projeto.
Ao meu querido André que fez tantas vezes um duplo papel, de pai e mãe, para que eu pudesse
prosseguir neste projeto, e pela compreensão, o carinho, e as críticas construtivas que fez aos
meus textos. E finalmente, aos meus filhos Antônio Pedro e Guilherme, pela surpreendente
curiosidade que demonstraram em relação ao meu trabalho, e pela maturidade com a qual
compartilharam esse breve e intenso tempo comigo.
v
RESUMO
vi
ABSTRACT
This work deals with the open public space system analysing a specific typologie, the
public square, while interprets the landscape as a system and as a cultural realm. We
discuss the relevance and the dynamics of the public square in contemporary cities,
noticing the uses and appropriations in nine similar areas, located in a periphery district
called Campo Grande, in the suburbs of the city of Rio de Janeiro. This research reflects
about the everyday life relationship among individuals and those squares, revealing its
transformation in meanigful places, with caracter, identity and distinct features, meanwhile
perceives a configuration of an interconnected system, based on local uses wich were
named a “place system”.
vii
ÍNDICE
INTRODUÇÃO 1
PAISAGEM, SISTEMA, LUGAR 3
AS PRAÇAS DE CAMPO GRANDE 5
PERSPECTIVAS TEÓRICAS 8
METODOLOGIA 12
ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO 18
Capítulo 1
ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS 26
INTRODUÇÃO 27
ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS 27
ENFOQUES E DIMENSÕES 27
A RECREAÇÃO NOS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS 31
TIPOLOGIAS EM ENFOQUES CONTEMPORÂNEOS 38
A PRAÇA 40
O LUGAR DA PRAÇA 40
OS ARQUÉTIPOS DAS PRAÇAS 48
SOBRE AS PRAÇAS NO RIO DE JANEIRO 53
SUMÁRIO 58
Capítulo 2
CAMPO GRANDE 59
INTRODUÇÃO 59
PANORAMA HISTÓRICO 61
DAS SESMARIAS ÀS FAZENDAS 61
DAS FAZENDAS AOS LOTEAMENTOS 68
DADOS DO CAMPO GRANDE DE HOJE 76
PLANOS, PROJETOS E POLÍTICAS URBANAS 84
AS LEIS DE LOTEAMENTOS 87
PERFIL DA ÁREA DE ESTUDO 89
SUMÁRIO 95
viii
Capítulo 3
AS PRAÇAS 96
INTRODUÇÃO 97
PERFIL DOS USUÁRIOS 97
AUSÊNCIA FEMININA E INFANTIL 107
OBTENDO SEGURANÇA 109
OS NOMES DAS PRAÇAS 112
AS PRAÇAS 116
SUMÁRIO 116
Capítulo 4
SISTEMAS DE LUGARES 140
INTRODUÇÃO 141
OS USOS E AS APROPRIAÇÕES 141
ATIVIDADES E EQUIPAMENTOS 142
A QUESTÃO DA VEGETAÇÃO 156
SÍMBOLOS E MARCOS ESPACIAIS 164
CONTROLE E CONFLITOS 178
MONOTONIA, PADRONIZAÇÃO E MODELOS 184
SISTEMAS DE LUGARES 187
SUMÁRIO 189
BIBLIOGRAFIA 198
ANEXOS 205
ANEXO 1: DADOS SOBRE OS LOTEAMENTOS 206
ANEXO 2: FREQUÊNCIA A OUTRAS PRAÇAS 208
ANEXO 3: MODELO DE QUESTIONÁRIO 211
ANEXO 4: MODELO DE MAPA DE COMPORTAMENTO 213
ANEXO 5: ENTREVISTADOS E ROTEIRO DAS ENTREVISTAS 214
ix
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras fatigadas de informar.
(...)
Dou respeito às coisas desimportantes
E aos seres desimportantes.
Prezo a velocidade
Das tartarugas mais que a dos mísseis
Tenho em mim esse atraso de nascença.
(...)
Tenho abundância de ser feliz por isso.
(...)
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos como as boas moscas.
MANOEL DE Barros.
x
INTRODUÇÃO
Normalmente, atribuímos existência aos espaços e às coisas,
mas na realidade, sem nós, elas não existiriam.
Pensar um espaço como existente, significa pensar em si próprio.
FERNANDO FREITAS FUÃO.
2
INTRODUÇÃO
MEINIG (1979) nos lembra que o significado de uma paisagem não é o mesmo para todas
as pessoas; ela não é necessariamente resultado daquilo que está diante de nossos
olhos, mas também do que pensamos a seu respeito. Ele argumenta que a maneira
como a compreendemos, possibilita reconhecê-la e analisá-la de diversas formas: como
exclusivo domínio da natureza ou habitat do ser humano; como artefato, problema ou
ideologia; como fator de riqueza econômica; como um processo de acumulação histórica;
como estética ou obra de arte, ou ainda, como um sistema1, onde o equilíbrio de
inúmeros processos, tanto naturais como artificiais, interagem entre si, formando uma
infinidade de redes e fluxos, em uma visão característica das ciências ecológicas.
Nenhuma dessas formas de compreender a paisagem está necessariamente isolada;
elas se interpenetram, originando novas formas de se compreendê-la.
LOW (2000, p.36) reconhece que os espaços são também produtos de um sistema de
relações sociais e econômicas. O ambiente construído deve ser encarado como um
conjunto de espaços, mais do que como uma coleção de objetos, porque tanto as
relações entre as suas partes, como as relações dessas partes com os seres humanos,
se tornam conjugadas dentro de um mesmo sistema. O estudo desse sistema nos
permite compreender como se dão as relações entre economia, sociedade e cultura
dentro da paisagem urbana. RAPOPORT (citado por LOW, 2000, p.48) enfatizou que o
desenho da paisagem construída funciona também, como um sistema de comunicação
que pode ser decodificado facilmente pelos seus usuários.
3
para uma “boa forma urbana”, embasados em valores e dimensões aplicáveis a qualquer
entorno espacial, sugerindo que a combinação dos sistemas de fluxos das pessoas e das
coisas, e os espaços adaptados para elas, determinariam uma espécie de “entorno de
conduta”. Quando os fluxos e as coisas são recombinados, podem dar lugar a novos
universos, que por sua vez irão originar novos entornos de conduta.
SANTOS (2002, p.62,63) nos apresenta uma conceituação sobre o espaço geográfico,
definindo-o como um conjunto de fixos e fluxos. Os elementos fixos em cada entorno
permitem ações que modificam o próprio entorno; essas ações são os fluxos; resultado
direto ou indireto das ações que se instalam nos fixos. O autor nos oferece uma segunda
categoria de análise do espaço, desta vez, definindo-o como um conjunto indissociável
de objetos e ações; o sistema de objetos e de ações. O sistema de objetos condiciona a
forma como se dão as ações, e o sistema de ações leva a criação de novos objetos, ou
permanece atuando sobre os objetos preexistentes. Nas constantes transformações do
espaço, percebemos refletida, a dinâmica do sistema de objetos e ações.
De acordo com RELPH (1976) o conceito de lugar, abrange mais que sua aparência física,
abarcando muitos significados; ele envolve a integração entre natureza e cultura; tem um
componente histórico distinto, pode ser caracterizado por crenças humanas. Inúmeros
atributos além destes transformam lugar em uma entidade única. Lugar também não
pode ser visto como um fenômeno simples, pois abriga uma infinidade de sutilezas e
significâncias tão variadas como as diferentes experiências e os diversos focos de
propósitos ou intenções dos seres humanos. Lugar é também uma entidade única e
diferenciada para cada um de nós. Lugares são também, interconectados por um sistema
de interações espaciais; uma “estrutura de circulação”. Para NORBERG-SCHULTZ (1980) os
seres humanos reconhecem e organizam o espaço como um sistema de lugares.
Poderíamos dizer que as estruturas físicas das paisagens podem ser apreendidas como
a conjugação de diversos sistemas; os de espaços livres, dos espaços construídos, e dos
espaços naturais. Ao longo do tempo estas estruturas sofrem inúmeras ações de
transformação, reconhecíveis ou não, como os fluxos das coisas e das pessoas, das
informações, das relações sociais e econômicas, e da cultura, configurando a dinâmica
que SANTOS (2002) nos apresenta como “sistemas de objetos e sistemas de ações”. O
que denominamos sistemas de lugares são resultado das interações entre os processos
de transformação das estruturas, aliados aos atributos adquiridos de lugar e aos seus
significados, refletidos no espaço.
4
Essa pesquisa trata do tema Sistemas de Espaços Livres Públicos, através de
considerações sobre o cotidiano de um conjunto de praças, observadas como elementos
inter-relacionados e integrados, os Sistemas de Lugares.
O Rio de Janeiro é uma cidade na qual a relação estabelecida através dos anos entre os
seus habitantes e a esplendorosa natureza que a cerca, está exposta e evidente nos
seus espaços livres. Qualquer exposição sobre a cidade sempre procura exibir um
panorama aéreo, o que parece redimi-la de quaisquer circunstâncias desfavoráveis, as
quais não queiramos dar conhecimento, tal a sua avassaladora beleza quando apreciada
à distância. Esse trabalho, não pretende ver a cidade do alto, pelo contrário. Não tem a
intenção de fazer uma tomada aérea mostrando a exuberância natural carioca,
explorando suas paisagens. Pretende dirigir o olhar para longe, para um lugar
aparentemente pouco importante, para uma periferia. Ele está direcionado a uma região
distante, quase uma outra cidade dentro desta cidade; o bairro de Campo Grande.
Essa pesquisa observa o sistema de espaços livres públicos cariocas, na forma de uma
tipologia específica; a praça pública suburbana, periférica, que segue um modelo
projetual padronizado e destina-se a princípio, à recreação de uma camada populacional
que não tem um repertório de escolhas amplo em relação ao lazer. Este trabalho tem a
intenção de provocar questionamentos sobre a qualidade urbana desses espaços,
compreendendo os contextos que lhes dão origem, seu vocabulário gráfico, e a vida
pública que neles ocorre. Também questiona a sua validade como equipamento de lazer
e a sua importância na configuração da paisagem urbana carioca. Através da utilização
2
LEWIS, P. F. 1979, p.13, Axioms for Reading the Landscape, In: The Interpretation of Ordinary Landscapes, 1979,
Oxford University Press, New York.
5
de métodos que observam as praças como equipamentos de vizinhança e de uma
estreita aproximação com os seus freqüentadores, procuramos destacar do cotidiano, os
valores, desejos e necessidades de quem as utiliza, e a integração ente os espaços.
Construídas ou reformadas quase todas durante a mesma gestão política, essas praças
públicas foram implementadas em bloco para atender antigas demandas da população,
aproveitando a temporada do pleito eleitoral. Elas seguem o mesmo padrão monolítico
para equipamentos urbanos voltados às classes de média-baixa renda. O desenho e os
equipamentos existentes estão relacionados a recursos projetuais empregados a partir da
introdução do traçado modernista ao paisagismo brasileiro, e das padronizações
derivadas dos sistemas de recreação. Como as praças desta pesquisa resultam das
obrigatoriedades contidas nas leis de loteamentos, elas não têm uma localização que
obedeça a uma lógica de conjunto, já que as determinações das leis não asseguram a
sua boa distribuição. Assim, algumas praças têm distância de apenas uma quadra,
embora pertençam a loteamentos diferentes, enquanto outras áreas mais extensas não
possuem nenhuma praça.
6
públicos da nossa realidade urbana, com uma análise específica na vivência e
experiência cotidiana dos seus usuários. Esse é um estudo sobre a paisagem cultural,
compreendida como resultado da ação da cultura, ao longo do tempo, sobre a paisagem
natural (CORRÊA E ROSENDAHL, 1998) e diante da qual, os seres humanos vão
estabelecer e encontrar a sua identidade, criar seus laços sociais e extrair seus
significados culturais (GROTH, 1997).
Um argumento contrário ao estudo dessas praças poderia ser o de que elas são um
objeto pouco interessante de investigação, devido à sua pobreza estilística e
desimportância como monumento artístico, histórico, ou arquitetônico. Em oposição a
esse argumento, buscamos configurar um arcabouço teórico que contemplasse estudos
contemporâneos sobre a paisagem cultural e os seus paradigmas.
3
In: Frameworks for Cultural Landscape Study, 1997, p.3.
7
públicos da cidade do Rio de Janeiro. Para obter respostas a esses questionamentos,
buscamos estruturar um arcabouço teórico embasado em pressupostos que enfocam a
paisagem como um sistema dinâmico, englobando tanto as estruturas físicas que a
compõem, como as ações que sobre ela incidem; e do entendimento dos significados
simbólicos da paisagem como reflexos da cultura de um grupo atuando ao longo do
tempo sobre um lugar (CORREA & ROSHENDAL, 1997; SANTOS, 2002).
COSGROVE (1998, p. 111) nos oferece uma forma de leitura do simbolismo das
paisagens, adotando uma perspectiva da cultura como expressão do poder. Ele
argumenta que as paisagens podem ser classificadas como aquelas da cultura
dominante, ou das culturas alternativas. As paisagens da cultura dominante seriam
aquelas que representam o poder cultural de um grupo sobre outros; poder esse,
derivado da possibilidade de exercer o controle dos meios de vida e dos excedentes
sociais produzidos por uma comunidade. A paisagem da cultura dominante pode se
8
comunicar através da própria cultura; ou se expressar através do desenho das
paisagens, ou dos seus usos e celebrações rituais. Como exemplo, o autor cita a
contraposição entre o geometrismo da paisagem construída, representando o domínio da
razão humana, sobre as formas orgânicas da natureza.
Jacobs (2003), foi na década de 60, uma crítica ferrenha aos princípios do planejamento
urbano funcionalista, dos quais em parte, resultam as configurações físicas e os recursos
projetuais das praças públicas investigadas. Por isso, buscamos seus parâmetros críticos
e ponderações a respeito das ruas e dos parques de bairro novaiorquinos, que mesmo
distantes no tempo, ainda permanecem atuais e aplicáveis, principalmente no que se
refere à padronização do desenho urbano, à diversidade tipológica dos espaços livres
públicos e as razões da vitalidade de um lugar. Para Jacobs (2003) a simples reprodução
ilimitada de áreas verdes urbanas tornou-se uma panacéia, se apartada da sua
qualidade. Assim como Jacobs, para nós, a pura e simples implantação de praças
públicas não basta; é imprescindível que esteja acompanhada de uma visão qualitativa e
sistêmica dos espaços.
9
No Brasil, estudos como o de Costa (1993) sobre o Parque do Flamengo fizeram uso de
uma perspectiva qualitativa para a compreensão dos significados dos parques urbanos
para os seus usuários e para a cidade, explorando os valores sociais e culturais refletidos
nas formas de apropriação do espaço. A abordagem multidisciplinar e inovadora deste
estudo se encontra na compreensão da paisagem como produto da ação da cultura, e do
exame da experiência que os indivíduos têm no lugar. Low (2000) conduz essa mesma
perspectiva de forma a localizar as relações e as práticas sociais no espaço construído
das plazas latino-americanas, e como essas práticas comunicam significados através da
experiência e de seus símbolos, sintetizadas em um conceito denominado por ela como a
“espacialização da cultura”. Para Low (2000) o espaço não é neutro; ele é produzido e
reproduzido como um sítio para lutas sociais, políticas e econômicas. Assim como Costa
(1993), e Low (2000), adotamos a perspectiva qualitativa para a compreensão dos
significados, símbolos e valores dos espaços, concretizando essa ótica através do exame
das experiências dos indivíduos nas praças públicas de Campo Grande. Acreditamos
como LOW (2000) que as praças são um território revelador dos embates políticos e
econômicos urbanos e que o seu desenho traz a marca desses processos.
Os estudos de LYNCH (1989) foram um dos primeiros a observar critérios sensíveis, como
indispensáveis para aperfeiçoar a qualidade do meio urbano. Os critérios de seu estudo
deveriam agir agregados a soluções físicas concretas e só poderiam ter êxito se
associados a sua eficiência, e a sua distribuição justa e universal. A vitalidade, ou o
atendimento dos requisitos básicos biológicos dos seres humanos; o sentido, ou grau de
percepção e estruturação mental dos habitantes de um lugar; a adequação do espaço às
atividades que abriga; e o acesso e o controle do espaço pelos seus diversos agentes;
são parâmetros tanto implícitos como explícitos utilizados nas análises das praças deste
estudo.
10
CARR ET AL (1992), discípulos de LYNCH, fizeram um estudo sobre os espaços livres
públicos norte-americanos e europeus, buscando os parâmetros mais valorizados pelos
indivíduos, conjugados às necessidades, direitos e conexões com o espaço. Mais
pragmático que LYNCH, esse trabalho se dirige àqueles que lidam com os espaços
públicos diretamente, e fornecem subsídios para o aperfeiçoamento dos processos de
desenho e gestão. Com o mesmo objetivo, MARCUS ET AL (1998) analisam diversos
estudos de casos detalhadamente, cujas categorias de análise estão organizadas sempre
sob a padronização de determinados critérios. Para tipologias norte-americanas como
praças, plazas corporativas, parques de vizinhança e pocket parks, entre outras, são
fornecidas diretrizes e recomendações para o desenho. Para esta pesquisa, os estudos
de caso relacionados aos parques de vizinhança serviram como referência, já que nossas
praças públicas são tipologias similares a esses parques, ressalvadas as diferenças
culturais e formais. Ambos os autores contribuíram para as análises de ordem prática e
objetiva sobre os usos das praças, e na categorização dos itens, resultando em uma
tabela-síntese, inserida no final do Capítulo 3.
Tanto LYNCH (1989) como GOMES (2000) fazem uma abordagem sobre o controle do
espaço, um dos temas que se destacaram nas observações dos usos das praças. LYNCH
(1989) nos apresenta alguns condicionantes deste controle que se tornaram referência
para este estudo. Já GOMES (2000) aplica os conceitos de cidadania ao espaço público
carioca, traçando um paralelo entre cidadão e usuário; procurando desvendar no suporte
físico-espacial as modificações nas expressões de cidadania. Ele alega que as restrições
ao controle e ao acesso ao espaço público urbano nas cidades brasileiras refletem essas
mudanças. Nas praças, essas restrições empreendidas pelos próprios usuários, são
conseqüências da ausência do poder público. Desta forma, a disputa pelo controle pode
resultar em um funcionamento harmônico do espaço ou na imposição de regras de
determinados grupos sobre outros, conforme será discutido no Capítulo 4.
11
através da observação em diferentes escalas e contextos, e da leitura profunda do lugar
no próprio lugar, desenhos de praças mais sensíveis podem ser criados. As
considerações de Queiroga, contrapondo a megalópole globalizada e o lugar da praça,
contribuíram para construção das nossas abordagens sobre a relevância das praças
públicas nas periferias das cidades contemporâneas brasileiras, assim como as nossas
análises em diferentes escalas sobre este conjunto de praças; desde as ações históricas
que impulsionaram a partilha das terras, até os usos e as apropriações no lugar.
METODOLOGIA <<
Dois princípios básicos foram eleitos para a confecção desta pesquisa; o primeiro seria a
interpretação da paisagem cultural do bairro de Campo Grande sob um ponto de vista
global e sistemático (CARNEIRO & MESQUITA, 2000; TELLES, 1997) e o segundo seria uma
estreita aproximação com as pessoas que freqüentam as praças públicas do bairro, com
o objetivo de investigar e identificar os significados, os valores latentes, seus desejos e
necessidades com relação aos espaços (APUR, 1981; COSTA, 1993). Esses dois
princípios permearam os métodos de pesquisa utilizados durante todo o desenvolvimento
deste trabalho.
12
dos locais nos quais habitam. Esses métodos conjugados trabalham para a obtenção das
respostas às questões que se quer esclarecer nos espaços públicos. Para o
desenvolvimento dessa pesquisa também se optou pela combinação de métodos
quantitativos e qualitativos (COSTA, 1993; CARNEIRO & MESQUITA, 2000; VIERA, M. 2001;
LOW, 2000).
A organização norte-americana Project for Public Spaces4 - PPS (2002) apresenta alguns
métodos para coletas de informações destacados de um universo que acredita ser “tão
variado como os próprios espaços públicos”. Esses métodos estão agrupados em
técnicas de observação no sítio da pesquisa e técnicas de avaliação da percepção
humana do espaço. No primeiro grupo estariam os mapas de comportamento e a
avaliação de fluxos e evidências físicas. No segundo grupo estariam as entrevistas e os
questionários. Este trabalho fez uso de algumas dessas técnicas, coletando dados em
campo na primeira fase, através da aplicação de questionários e de mapas de usos e
comportamentos, e da observação de evidências físicas. Posteriormente, foram feitas
entrevistas com usuários e com os envolvidos nos diversos níveis de confecção,
implantação e gestão das praças públicas de Campo Grande. Cada visita as praças foi
registrada em diários de campo (LOW, 2000; VIEIRA, M. 2001) que passaram a existir
como relatos complementares à pesquisa.
4
PPS, Project for Public Spaces, fundada no ano de 1975, é uma organização com base em Nova York, não lucrativa, que
oferece assistência técnica para pesquisa, educação, planejamento e desenho de espaços livres públicos. O trabalho que
tornou a organização internacionalmente conhecida é o de William H. Whyte – The Social Life of Public Spaces (ver
bibliografia).
5
Ver Anexos 3 e 4, modelo de questionário e mapa de comportamento.
13
respostas da população se descortinavam. Todos os questionários foram aplicados em
campo pela própria pesquisadora.
Registros fotográficos foram utilizados como ferramenta auxiliar durante toda a pesquisa
de campo, com a intenção de desvendar por meio de imagens, as características físicas,
os objetos e símbolos, as atividades mais praticadas, as apropriações e os inúmeros
acontecimentos que praças públicas como as de Campo Grande poderiam comportar. Os
registros foram feitos sob diferentes ângulos e também em diferentes dias e horários da
semana; tanto em dias ensolarados, como em dias nublados ou chuvosos. Conforme
relatado por LOW (2000), durante a pesquisa, a presença da câmera fotográfica também
forneceu a muitas pessoas a desculpa que necessitavam para uma primeira abordagem
com o intuito de conversar com o pesquisador. A observação de evidências físicas
pretendeu, através de traços como marcas, caminhos, restos ou lixo, destacar situações
e hábitos incomuns não imediatamente percebidos, e que poderiam sugerir, a presença
ou a ausência de determinado tipo de equipamento, desenho, ou procedimento no local.
14
Entrevistas informais semi-estruturadas foram feitas individualmente com dois grupos
distintos; representantes de usuários (políticos) e das associações de bairro e
profissionais-chave (representantes técnicos e gestores) da administração pública
(COSTA, 1993). As entrevistas possuíam um roteiro de tópicos pré-estabelecido, mas com
pequenas variações de acordo com o grupo entrevistado. O que se desejava era apenas
conduzir os temas deixando o entrevistado, porém, desenvolver livremente as suas
respostas. Ao todo foram feitas 6 entrevistas, com duração média de uma hora,
transcritas integralmente, das quais foram destacados alguns pequenos trechos,
utilizados para explicitar algumas observações da pesquisa (Ver Anexo 5).
15
do Parque Estadual da Pedra Branca (CARNEIRO & MESQUITA, 2000). A existência de
espaços livres potenciais na cidade de Recife conforme observado por CARNEIRO &
MESQUITA (2000) evidencia a criatividade popular expressa na apropriação de terrenos
vazios para o lazer. Em Campo Grande, foram encontrados alguns terrenos baldios ou
abandonados, apropriados pela população para jogos de futebol, mas locais com
potencial interesse paisagístico, sob o ponto de vista da vegetação, nesse polígono, não
existem mais.
Uma das propostas foi avaliar qualitativa e quantitativamente as áreas de praças, através
de uma zona teórica de atração, à semelhança da metodologia empregada no trabalho
efetuado pela APUR (1989) para a cidade de Paris, que hierarquizou as “áreas verdes”
(praças, parques ou jardins) sob a ótica reverberada de alcance à vizinhança, à cidade e
a região metropolitana. O trabalho francês apresenta tanto o quantitativo de habitantes
atendidos como os não atendidos em cada área, o que significa caminhar além do
simples quantitativo de áreas verdes por número de habitantes de uma cidade7; índice
superficial que não é capaz sozinho, de expressar a real relação população - espaços
livres. Neste trabalho não foi possível fazer o mesmo, já que não seria possível efetuar
um censo demográfico com o número exato de habitantes daquela região, somente para
esta pesquisa. No entanto, foram traçados alguns mapas avaliando as praças de Campo
Grande tendo em vista critérios de vizinhança. Estes mapas estão no final do Capítulo 3.
7
O bairro de Campo Grande tem 18.051.517,95 m2 de área de unidades de conservação (parques) e 8.271.353,53 de área
de proteção ambiental. O índice de área verde por habitante é de aproximadamente 88,5 m2. Fonte; Armazém de Dados
do Município do Rio de Janeiro/IBGE, In: <http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br>. Acesso em maio de 2005.
16
17
ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO <<
18
final do capítulo, nos aproximamos mais da área de estudo, através de um rápido perfil
de sua situação urbana.
19
20
21
22
23
24
25
1
ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS
1
ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS
INTRODUÇÃO
Este capítulo pretende discutir os sistemas de espaços livres públicos e a inserção das
praças públicas neste sistema. Primeiramente, será feita uma abordagem sobre enfoques
e dimensões correntes relacionados ao tema, abrindo caminhos para a identificação da
relevância das praças nas cidades atuais. A formação e o estabelecimento de espaços
voltados à recreação serão discutidos, objetivando contextualizar a origem dessa
ideologia, refletida em praças como aquelas encontradas nesta pesquisa. Alguns estudos
e planos recentes, confeccionados para diferentes cidades e que se destinaram a
planejar sistemas de espaços livres públicos serão abordados, destacando-se o tema da
diversidade e complexidade das tipologias contemporâneas. Finalmente, traçaremos uma
breve evolução das praças nas historiografias européia e carioca, procurando
compreendê-las tanto em seu contexto histórico como em sua dinâmica atual.
Os espaços livres voltados ao uso público são definidos habitualmente como aqueles
espaços não edificados do tecido urbano, correspondendo às áreas de circulação de
pedestres, aos corredores do sistema viário, e as áreas remanescentes da implantação
de edifícios ou do parcelamento do solo (MACEDO, 1990; GALENDER, 1995; VAZ, 1999;
VIEIRA, M., 2001). Essa primeira definição sugere que tais espaços se limitam às suas
dimensões morfológicas, mas eles são também lugares embebidos de valores
simbólicos, sociais e culturais. Por princípio, os espaços livres públicos são locais que
tem como condição básica à oferta de livre acesso (LYNCH, In: CARNEIRO & MESQUITA
2002, p.24) permitindo às pessoas agirem livremente, sem coerção ou discriminação; e a
convivência da diversidade, onde “as ações e os comportamentos são regidos por
códigos de conduta e regras de civilidade” (GOMES, p.162, 2002).
27
a uma função ecológico-ambiental, adequando-se à tendência de integrar as áreas
naturais às estruturas urbanas, dentro de um mesmo sistema de paisagens. Podem
imprimir identidade a um entorno, beneficiando estética e economicamente uma cidade
(PPS, 2002). Quando devidamente valorizados, tornam-se capazes de se transformar em
elos de ligação, e de mobilização da comunidade, interligando as memórias afetivas,
tanto pessoais como coletivas das pessoas (HAYDEN, 1997). A sua dinâmica é essencial
como contrapartida aos ritmos da vida cotidiana, provendo canais acessíveis para
ocorrência dos fluxos e trocas entre os habitantes de um lugar (CARR ET AL, 1992).
Podem ter um suporte físico permanente ou efêmero9, ao adquirir uma função específica
em um determinado período de tempo. Quando planejados, resultam da convergência ou
da prevalência de valores culturais, sociais e ideológicos, dos atores participantes dos
processos que envolvem criação, desenho ou gestão dos espaços. Esses atores podem
originar-se do poder público, de equipes técnicas e multidisciplinares, e das comunidades
envolvidas nos processos. A qualidade de um espaço livre público pode ser ampliada
com a participação comunitária e a integração entre seus atores; mas se a sua confecção
e o seu desenho atenderem a maior parte dos requerimentos que o originaram, e se a
condução de sua execução e gerenciamento for satisfatória, a probabilidade de obtenção
de sucesso será ampliada (CARR ET AL, 1995). A manutenção adequada e a melhoria dos
espaços públicos também têm a capacidade de irradiar os seus benefícios para o
entorno, estimulando melhoramentos nos espaços privados, ampliando a auto-estima dos
habitantes de um lugar10 (QUEIROGA, 2003).
CARR ET AL (1992, p.79) relatam que a partir da segunda metade do sec. XX, os
enfoques sobre os espaços livres públicos passaram a reintroduzir a natureza nas
cidades reintegrando as áreas naturais remanescentes ao meio urbano,
interconectando-as com os espaços livres públicos voltados à recreação. No Brasil,
8
Podemos exemplificar com o uso das calçadas ou mesmo das ruas, apropriadas por grupos de pessoas que desejam
usufruir ar fresco e conversar, ou de postos de gasolina que reúnem grupos de jovens, ancorados por lojas de
conveniência, na cidade do Rio de Janeiro.
9
Um suporte efêmero é aquele moldado temporariamente para o uso do público, como por exemplo, arquibancadas
montadas e desmontadas especialmente para grandes eventos, ou a sombra de uma árvore ou de uma edificação.
10
O projeto Rio Cidade-Leblon, por exemplo, concluído no ano de 199x, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo,
valorizou não só o aspecto econômico, mas também a auto-estima dos moradores do bairro do Leblon.
28
trabalhos mais recentes focalizam a estruturação urbana, no que diz respeito às inter-
relações entre espaços edificados e livres, a partir da interação entre o suporte físico
natural, a história e a cultura. SCHLEE (1999, p.86) constata que o conjunto dos espaços
livres públicos e edificados da cidade do Rio de Janeiro é produto “da justaposição e
interpenetração com o ambiente físico natural original e seus diferentes ecossistemas”.
CARNEIRO & MESQUITA (2000, p.24) fazem uma abordagem ecológico-ambiental, tanto
dos espaços livres públicos, como dos remanescentes naturais, no contexto urbano da
cidade do Recife, com vistas à conjugação de um planejamento ambiental sustentável, e
ao ordenamento dos seus espaços livres públicos, de forma integrada.
“Os espaços públicos são locais onde uma enorme variedade de pessoas
pode interagir com outras que não necessariamente já conhecem, e nas
quais podem se engajar em uma variedade de atividades públicas ou
privadas, embora ambos, usos e usuários, tenham sempre uma limitação
de ação”. SMITHSONIAN (1999).
LOW (2000, p.34) não acredita que a acessibilidade, e a diversidade plena sejam
possíveis nesses espaços comerciais, de acesso restrito, argumento com o qual
11
SIMTHSONIAN, Greg (1999). Histories of Jewish and Porto Rican Neighboors, In: <http:// www.columbia.edu >. Acesso em
19 de julho de 2003.
12
A Plaza a qual nos referimos aqui é uma tipologia norte-americana, espaço livre normalmente apêndice de edificações
que funcionam como sede de grandes corporações e empresas. Definição de Carr et al (1992).
29
concordamos plenamente. Ela acredita que os espaços deste tipo, principalmente nos
EUA e Europa, são antes de tudo, locais voltados ao comércio e consumo da classe
média. LOW distingue as plazas das cidades latino-americanas, dos espaços comerciais
como malls e shoppings argumentando que as plazas latinas funcionam como uma
arena, onde grupos sociais e culturais diversos interagem, no mesmo tempo-espaço, sem
restrições à acessibilidade. A autora reconhece, no entanto, a falácia, pois essa interação
dos diversos, aparentemente uma regra, não ocorre em todas as plazas de uma mesma
cidade, ou na maior parte dos espaços livres públicos das cidades latino-americanas.
Estudos que observam os conceitos de cidadania e seus reflexos no meio urbano nos
mostram que nas cidades brasileiras, os fenômenos da privatização e morte ou
decadência dos espaços livres públicos têm suas próprias nuances. GOMES (2002, p.169
30
a 191) alerta para a fragmentação e o fechamento dos espaços livres públicos das
cidades contemporâneas brasileiras, que deveriam estar abertos para a construção de
“As classes populares, (na cidade do Rio de Janeiro) são as usuárias majoritárias,
sobretudo nos fins de semana, dos grandes centros de lazer ou das grandes praças
da cidade, como Quinta da Boa Vista, Parque do Flamengo, Campo de São
Cristóvão, Largo do Machado, Praça Serzedelo Correia, Campo de Santana,
Passeio Público...”
Gomes (2002).
Segundo QUEIROGA (2004, p.3) “apenas os estratos de renda mais elevados possuem
mobilidade capaz de aproveitar os recursos territoriais e paisagísticos das grandes
metrópoles”. No caso da cidade do Rio de Janeiro, GOMES (2002) conclui que os grandes
parques urbanos ou as pracinhas suburbanas são as poucas alternativas possíveis e
acessíveis para o lazer e a recreação das classes populares [fig. 1/2].
Os primeiros espaços livres públicos foram as praças e as ruas das cidades. Em geral,
eles abrigavam a circulação, as manifestações públicas, festas populares ou religiosas, e
o comércio; caracterizando-se de certa forma, pela coabitação entre um certo caos e a
liberdade de ação (SEGAWA, 1994). A criação dos primeiros parques nas insalubres
cidades européias em processo de industrialização e desenvolvimento, a partir do século
31
32
XIX, foi impulsionada pelo surgimento de novas necessidades urbanas, como a higiene, a
educação das classes trabalhadoras e o embelezamento das cidades. Os parques eram
locais para o passeio e para a contemplação da natureza (LEGATES & STOUT, 2003;
KOSTOFF, 1992; COSTA, 1993). Segundo SEGAWA (1994) os parques eram um espaço
hierarquizado socialmente, em oposição à polivalência e ao ambiente festivo e
popularesco das praças. A freqüência aos parques exigia novas atitudes e regras de
comportamento, e um maior controle das ações individuais, de acordo com uma nova
organização social que emergia. Mesmo que existam registros referindo-se a existência
de terrenos de jogos no final do século XVI, provavelmente, o surgimento da recreação
ativa e externamente controlada, entre outras atividades físicas e culturais nos parques e
praças públicas, surgiu paralelamente às novas regras sociais que se estabeleciam,
somadas às inovações científicas da época, de cunho higienista.
KOSTOFF (1992, p.170) relata que desde o surgimento dos primeiros parques ingleses a
existência de campos para atividades esportivas e recreacionais sempre foram uma
questão controversa, já que é evidente a incompatibilidade entre a contemplação e a
prática de esportes em áreas próximas. Ele crê que somente após o estabelecimento dos
esportes organizados, em torno de 1870, iniciou-se uma tendência a favor da criação de
campos de esportes nos parques. Tal direcionamento ganhou força nos EUA, quando
novos parques foram criados no final do século XIX, desenvolvendo-se conjugados ao
planejamento urbano, articulados a recente ótica de sistematização dos espaços livres
públicos; como praças, eixos viários, parques e cinturões agrícolas (LEGATES & STOUT,
2003; LAMAS, 2004; COSTA, 1993).
Os espaços livres especificamente voltados para recreação ativa ou para a prática dos
esportes, emergiram nos EUA, no final do século XIX e início do XX, [fig. 1/3], voltados
especialmente às crianças de distritos imigrantes e pobres das cidades norte-americanas,
como uma forma de controle social13 (MARCUS ET AL, 1998; CARR ET AL, 1992; COSTA,
1993). A introdução de campos de atletismo e quadras de esportes foi o principal foco dos
governos municipais nessas eras de reforma, associadas à recreação organizada por
líderes treinados especialmente para tal tarefa. Posteriormente, já nos anos 30, essas
áreas de recreação já tinham sido absorvidas e aceitas como uma característica básica
no planejamento das cidades norte-americanas (COSTA, 1993, p. 54; MARCUS ET AL,
1998). CRANZ acredita que esse período “foi marcado pela padronização de elementos
em um pacote básico municipal” (1982, p.122; In: CARR ET AL, 1992, p.67);
13
The Playground and Park Reform Era, ou Era da Reforma dos Grandes Parques e Playgrounds.
33
34
“Isso era particularmente verdadeiro para os playgrounds onde o desenho padrão
consistindo de balanço, escorrega, gangorra, bancos e equipamentos de ginástica
(...) tornaram-se norma nas cidades norte-americanas”.
A ideologia da recreação organizada, no Rio de Janeiro, surgiu em torno dos anos 30,
quando a urbanização carioca convivia, tanto com as novas diretrizes e pensares norte-
americanos para as cidades, como com a escola francesa de planejamento urbano,
referência para a arquitetura brasileira desde o século XIX15. Em 1937, MARTINS (In: Rev.
Municipal de Engenharia, p.369) em reportagem especial para a revista que representava
a administração pública do Distrito Federal, recomendava a adoção das tipologias dos
sistemas de recreação norte-americanos, apontando os playlots16, playgrounds, playfields,
neighborhood parks, parkways, e reservations, como as principais tipologias integrantes
dos sistemas de recreação supervisionadas por recreadores treinados, e mantidas pela
municipalidade ou por entidades filantrópicas. Este pensamento está resumidamente
expresso no final da reportagem;
14
Mumford (2004, p.541), descreve o princípio de organização da vizinhança como aquele que pretendia colocar dentro de
uma distância percorrível a pé todas as facilidades necessárias diariamente para o lar e a escola. O local dos folguedos
infantis deveria ficar no máximo a 500m das casas a que servia, e o mesmo princípio se aplicava com variações à distância
da escola primária e a área de mercado local. O principio da vizinhança é perceptível em projetos utópicos de cidades,
como as cidades jardim.
15
É a época em que se discute o Plano Agache, do urbanista francês de mesmo nome, que já prevê um grande sistema de
parques para a cidade. Pode-se observar na criação do Parque do Flamengo o ápice desta ideologia da recreação
controlada, nos trabalhos de Medeiros (1975) que participou da equipe de confecção da recreação infantil do parque.
16
Playgrounds para várias faixas etárias, campos de esportes, parques de vizinhança, vias parques e reservas.
35
36
O paisagista norte-americano ECKBO em 1939 (In: TREIB, 1992, p.79) criticou a divisão
funcionalista que considerava o lazer, e a recreação humana, em função de apenas um
fator dominante; o trabalho. Ele recomendava para o habitante de cidades como Nova
York e Chicago, um sistema flexível que provesse todos os tipos de recreação, para
pessoas de todas as idades, sexos e interesses. Para o desenvolvimento desses
sistemas, ECKBO sugeria um padrão dimensional e tipológico, em atendimento a um
número específico de famílias, considerando “um equilíbrio sistemático” das seguintes
tipologias; play lot, para crianças em fase de alfabetização; children playground, para
crianças de 6 a 15 anos; district playfield, para jovens e adultos; urban parks; country
parks e greenbelts; áreas especiais (praias, campos de golfe, piscinas, estádios); e
finalmente os conectores do sistema, as parkways e freeways17. ECKBO acreditava que a
oferta de espaços livres devia-se muito mais a qualidade e a variedade tipológica do que
a quantidade propriamente dita. A forma de obter esse resultado qualitativo adviria da
análise acurada das necessidades das pessoas, e do estudo das questões intangíveis
relacionadas a um agrupamento humano. Jane Jacobs, vinte anos depois, em 1961,
(2003, p.121) corroborou essas críticas em seu livro Vida e Morte de Grandes Cidades.
17
Tradução livre. Área de brincar, área de recreação para crianças, campo de jogos, parques urbanos, parques rurais,
cinturões verdes, vias parques, auto-estradas.
37
TIPOLOGIAS EM ENFOQUES CONTEMPORÂNEOS <<
Estudos, planos e projetos confeccionados nos últimos 20 anos do século XX, para as
áreas verdes das cidades de Paris (APUR, 1989), Lisboa (TELLES, 1997), e Recife
(CARNEIRO & MESQUITA, 2000) fizeram uso de uma visão sistemática dos seus espaços
livres para alcançar diferentes objetivos. Os planos e os estudos aqui apresentados têm
em comum, a indissociável seleção de tipologias, resultantes da associação de diferentes
conceitos e critérios, independentemente do momento histórico em que surgiram, da
cultura e do perfil das áreas com as quais aqueles planos tiveram que lidar. Os usos e as
funções dos espaços livres – quer estejam voltados ao equilíbrio ambiental, a recreação,
ou a outras finalidades – foram, em todos este estudos, um critério básico para a análise
tipológica e a composição sistemática que se sucedeu. As classificações e denominações
encontradas nesses planos, dizem respeito, muito mais à prática dos processos
projetuais e administrativos, onde a organização por forma e função é relevante, do que
as práticas sociais e as conexões das pessoas com os espaços, por ocasião da
confecção dos estudos.
Os estudos sobre Paris (APUR, 1989) incidiram sobre as tipologias dos jardins, parques e
praças urbanas abertos ao público da cidade, considerados como um conjunto de áreas
verdes. Portando uma visão pragmática, o estudo enxerga essas áreas como um sistema
de usos integrado, sempre priorizando a sua acessibilidade, objetivando avaliar a
quantidade de habitantes atendidos e o seu nível de satisfação, identificando as
carências qualitativas e quantitativas dos espaços e a necessidade de implantação de
novos. Os planos para Paris têm uma abordagem pouco flexível, caracterizada mais
pelos aspectos estatísticos, relegando os aspectos simbólicos da paisagem. Como maior
qualidade, está o enfoque das áreas verdes como equipamentos de vizinhança,
metodologia utilizada para embasar a análise das praças desta pesquisa. As tipologias
encontradas nos planos sobre Paris utilizaram como critérios para classificação, a
superfície territorial, o tratamento paisagístico, os tipos de equipamentos, as categorias
de usuários e a frequência, resultando então na seguinte classificação: parques
polivalentes e jardins de quadras polivalentes (com múltiplos usos), parques
especializados e jardins de quadras não polivalentes (de uso exclusivo).
O Plano Verde de Lisboa (TELLES, 1997) utilizou como critério fundamental a integração
da denominada Estrutura Verde ao tecido edificado. O Plano observa os vários sistemas
existentes dentro da cidade e da região metropolitana, explorando principalmente o viés
morfológico e ecológico; procurando compatibilizar tanto os sistemas urbanos históricos
38
com os modernos, como os sistemas de usos e tipologias de áreas verdes, em uma visão
holística da paisagem. Assim, as propostas e bases normativas que definiram o plano
estão referenciadas ao suporte ecológico, ao sistema de vistas, e aos seguintes
subsistemas; sistemas de utilização das estruturas verdes, compostos pelo denominado
sistema de recreio (jardins, parques, praças); sistemas associados e de equipamentos
(campis universitários, cemitérios); mistos (quintas, hortas, jardins familiares) e de
proteção de estruturas naturais. Acreditamos que esta forma de sistematização, baseada
nos usos parece determinar que algumas funções estariam restritas a tipologias
específicas de espaços livres, quando na realidade, elas podem estar sobrepostas em
qualquer uma das tipologias mencionadas.
Os Espaços Livres de Recife (CARNEIRO & MESQUITA, 2000), trazem um painel das
tipologias de espaços livres existentes na cidade, identificados, quantificados e
classificados, sob uma ótica ecológico-ambiental, tendo em vista o seu ordenamento para
uma futura expansão do sistema. Os espaços foram classificados da seguinte maneira:
de equilíbrio ambiental (unidades de conservação, cemitérios, campi universitários,
espaços de valorização ambiental), de recreação (faixas de praia, parques, praças,
páteos, largos, jardins e quadras polivalentes) e potenciais (terrenos vazios, margens de
rios e canais, campos de pelada, recantos e locais de valor paisagístico ambiental). Essa
classificação procurou destacar a articulação e a importância de cada espaço dentro da
paisagem urbana, apresentando também uma amostra dos locais, parques e praças mais
representativos da cidade do Recife - já que são esses os tipos de espaços livres
públicos predominantes nas paisagens recifenses.
18
Se fizermos um rebatimento das tipologias norte-americanas para a cidade do Rio de Janeiro poderíamos lembrar da
Quinta da Boa Vista como um tipo similar.
19
No Rio de Janeiro, o Passeio Público e o Campo de Santana.
20
Similares as nossas praças residenciais.
21
São pequenos espaços de uso controlado, funcionando como pequenos oásis urbanos. Como exemplos estão
Greenacre e Paley Park, em Nova York.
22
A Praça dos Expedicionários e a praça Floriano, ou Cinelândia no centro do Rio são exemplos.
23
A praça entre os edifícios do Centro Empresarial Botafogo e do Mourisco, são exemplos na cidade do Rio de Janeiro.
39
memoriais), mercados temporários24, ruas restritas ao tráfego25, trilhas urbanas
integradas26, playgrounds, espaços livres ou jardins privados gerenciados por uma
comunidade com acesso restrito, vias parques, ciclovias, atriuns, shoppings centers,
espaços públicos apropriados pela população27, e finalmente as frentes das águas
urbanas28 [figs. 1/4, 1/5, 1/6, 1/7].
Estes planos e estudos nos mostram que os espaços livres públicos estão sob um novo
enfoque, onde as áreas edificadas, o suporte natural e geográfico, a história, a cultura e
os ecossistemas urbanos, estão integrados em um único sistema de paisagens. O
desenvolvimento de uma diversidade de tipologias que variam de acordo com a época, a
cultura e a sociedade de um país, a incerteza entre o que é público e privado e a
segregação social, tornam mais e mais complexa a tarefa de entender como e onde se
situam as praças públicas no contexto atual das cidades.
A PRAÇA
As praças podem ser consideradas o espaço livre público por excelência (QUEIROGA,
2003/ 2004; KOSTOFF, 1992; CHIAVARI, 1996; VAZ, 1999; CARR & AL, 1992; ZUCKER, 1959;
MARCUS & FRANCIS, 1998). Elas são espaços ancestrais “que se confundem com a
própria origem do conceito ocidental de urbano” (SEGAWA, 1996, p.31). Quando são
capazes de capturar a permanência das pessoas que a elas se dirigem, não apenas
transitoriamente, mas com um propósito, tornam-se um destino e uma intenção, fator que
lhes imprime singularidade e as diferencia das ruas ou de outros espaços voltados
24
Ainda no Rio de Janeiro, temos as feiras de antiguidades, a Babilônia Feira Hype e as diversas feiras de livros
espalhadas pelas ruas e praças da cidade acontecendo nos fins de semana.
25
São ruas fechadas para o lazer, lembram as ruas de vilas ou ruas suburbanas cariocas (que na verdade são fechadas
por grades). Neste caso os automóveis só entram para estacionar em suas próprias casas.
26
As trilhas as quais se refere são trilhas naturais que interligam parques, com as ruas e avenidas arborizadas, as
greenways, as trilhas históricas, etc...
27
Em Nova York são as escadarias de alguns prédios públicos; no Rio podem ser as ruas e até determinados trechos de
praias como o “Coqueirão” de Ipanema.
28
Calçadões de praia, entorno dos corpos d’água como o da Lagoa Rodrigo de Freitas.
29
Chiavari, M. P. 1999, p.185. “Sé, Carmo e Largo do Palácio. Espaços Públicos de Belém no Período Colonial”, In:
Seminário – A Praça na Cidade Portuguesa.
40
41
42
43
44
primariamente à circulação. A forma das praças tem influência sobre a sua função; sua
tridimensionalidade e “fechamento” são considerados fatores essenciais para permitir o
desenvolvimento de relações sociais (KOSTOFF, 1992; CUNHA, 1999). Acreditamos,
porém, que as praças são definidas muito mais pelos eventos que nela ocorrem, e pelo
contexto nas quais se inserem, do que pela sua forma ou desenho (QUEIROGA, 2004).
Para VIEIRA, M. (2001, p.98) em sua pesquisa sobre o Largo da Carioca, as praças
podem ter a morfologia definida pelo movimento, aglomeração ou adaptação dos
usuários ao espaço. Para FREITAS (2000, p.25) a natureza formal das praças está
condicionada pelos sistemas de ações que a determinaram e pelo conjunto de usos e
atividades que interagem com as formas, dando-lhes significado.
Cada uma é portadora de um sentido comunitário cujo significado social confunde-se com
o espírito e a cultura do local onde se insere (SEGAWA, In: SCHLEE, 1999, p.86). As
denominações que as praças recebem em diferentes países despertam em nosso
imaginário associações com morfologias variadas, diferentes épocas, e significados
sociais e culturais diversos – praça, largo, piazza, place, plaza, place d’armes, squares...
Ao longo dos séculos as praças têm hospedado atividades cotidianas, coletivas e rituais;
trocas comerciais, abastecimento de água, jogos, assembléias, procissões religiosas,
manifestações políticas, castigos e celebrações. Locais de forte simbolismo e visibilidade,
as praças foram e ainda são cortejadas pelo poder, que as ornamenta com os seus
símbolos. CUNHA (1999, p. 238) crê que a história européia foi de certa forma “uma
história de praças”. VAZ (1999, p.140) acredita que;
45
manipula o simbolismo destes potentes espaços públicos, exemplificando com o caso do
Zócalo, a plaza central da cidade do México, arquétipo das plazas latino-americanas. O
Zócalo tem suportado interferências de líderes sucessivos que desfazem o trabalho de
seus antecessores em busca de visibilidade política. Esse, porém, não é um fenômeno
isolado. Podemos dizer que hoje a manipulação política não só das praças, mas de
qualquer espaço público ainda ocorre; a interferência ou realização de obras e melhorias
em espaços públicos continua contribuindo para a visibilidade dos políticos, ou de certas
políticas urbanas.
SITTE (1989) ao final do século XIX, fez duras críticas às reformas de sua cidade natal,
Viena, observando as modificações por ocasião da derrubada das muralhas da cidade, e
ao parcelamento em lotes do solo remanescente. Para SITTE, um apaixonado pela
arquitetura das cidades medievais, os espaços das praças tornaram-se reféns do tráfego
de veículos, perdendo a tridimensionalidade que as tornava peculiar, na relação do plano
com o entorno construído (SITTE, 1989; KOSTOFF, 1992; QUEIROGA, 2003, 2004). ZUCKER
(1959) por sua vez, ignorou as praças surgidas após o sec. XIX em seus estudos,
acreditando que a intencionalidade da forma e seus traços artísticos já teriam
desaparecido.
30
Sem, porém, conseguir explicar porque algumas praças renascentistas de vastas dimensões não parecem desertas,
como a Piazza San Marco, ressaltando porém, essa agradável excessão.
46
“Uma cidade precisa de praças públicas; elas são os maiores espaços públicos
que a cidade possui. Mas quando são excessivamente largos, não só parecem
como dão a sensação de um deserto”.
Teriam as praças, perdido as suas funções tradicionais? KOSTOFF (1992, p.172) nos diz
que as velhas praças das antigas cidades européias ainda são utilizadas, em um
processo de eterna adaptação às novas necessidades de seus freqüentadores. No
transcorrer do sec. XX, a estrutura formal das praças e aquelas funções originais
realmente se modificaram. Diversos autores enumeram algumas razões pelas quais
esses processos têm ocorrido (KOSTOFF, 1992; CUNHA, 1999; VIEIRA, 2000; QUEIROGA,
2003/2004); elas deixaram de ser veículos de comunicação, substituídas pela imprensa e
pelos meios audiovisuais, interferindo no exercício pleno da sociabilidade, que pode ser
exercitada “entre quatro paredes”, bastando ter acesso à internet; não abrigam mais a
fonte para o fornecimento de água, nem o mercado da cidade; não existe mais a
necessidade de um espaço físico representativo do poder central ou exibição da força
política ou religiosa. Em alguns casos, as praças podem ter se transformado em “espaços
de design”, em um fenômeno que se espalhou por muitos países, inclusive pelo Brasil,
quando as praças se transformam em planos estéticos, desertos e escultóricos,
abrigando desenhos ou elementos marcantes, que não têm necessariamente alguma
interligação com a recriação de um ambiente de sociabilidade, permanência e
diversidade social, nem com a cultura local (KOSTOFF, 1992; LORZING, 2001). No Rio de
Janeiro, o projeto Rio Cidade deixou em alguns bairros, exemplos de praças, portais e
outros espaços deste tipo. Em Campo Grande, observamos a inserção de “esculturas”
que homenageiam o rico passado do cultivo da laranja, em locais de grande movimento
ou forte visibilidade. Acreditamos que esses desenhos nem sempre privilegiam a
sociabilidade. [fig. 1/8].
Alguns autores (QUEIROGA, 2003, 2004; CUNHA, 1999) questionam se ainda faz algum
sentido dirigir nossa atenção à praça, se a discussão é anacrônica, ou se ainda é válido
defender a criação de condições para a sua edificação. Se nos voltarmos a uma análise
que objetive especificidades brasileiras, iremos compreender que nas nossas cidades os
fenômenos não podem ser observados sob uma ótica reducionista. Nas praças ainda é
possível desvendar-se diferentes temporalidades, e o estabelecimento e desenvolvimento
de relações cotidianas, manifestações cívicas e culturais da sociedade ao sentido
intersubjetivo das racionalidades comunicativas de Habermas31 (QUEIROGA, 2003, 2004).
31
O sentido intersubjetivo refere-se às razões do cotidiano, contrapostas às razões sistêmicas ou do mundo globalizado,
configurando o conceito das razões comunicativas de Habermas.
47
QUEIROGA (2003, 2004) adota uma abordagem geográfica e santosiana32 do espaço,
resultado das articulações entre sistemas de objetos x sistemas de ações. A
contraposição entre as razões globais e locais dentro das megalópoles brasileiras é
destacada para justificar como a vida pública continua se desenvolvendo nas praças
suburbanas, ao mesmo tempo em que é reforçada pela estrutura que em oposição, a
renega, a da megalópole globalizada. O autor formula uma categoria de análise abstrata,
à qual batiza de “pracialidades” ou um “estado de praça”.
Seu principal argumento, portanto seria observar a pracialidade como uma forma de
usufruir o espaço, como uma teia de relações sociais e comportamentais que
transcendem a pura dimensão física e institucional do lugar. As pracialidades
independem de vinculação com a propriedade e com o sistema de objetos para existir,
podendo ocorrer em qualquer espaço livre público, se manifestando também através da
apropriação. QUEIROGA (2003) argumenta ainda que as sutilezas observadas nas
variadas manifestações das pracialidades sugerem que as soluções de desenho e os
modelos projetuais estabelecidos, devem ser mais sensíveis aos usos e ritmos
cotidianos, prevalecendo o contexto do lugar sobre a forma, variações estilísticas ou
função. Concordamos com sua argumentação quando sugere que os projetos merecem
ser revisados qualitativamente, adquirindo mais flexibilidade e adaptabilidade, já que sua
transformação através da apropriação é inevitável, reforçando a lógica da observação
prévia e entendimento da dinâmica do lugar. QUEIROGA (2003) também argumenta que a
maior dificuldade dos arquitetos ao projetar uma praça, ou espaços livres, é a falta de
autonomia destes espaços; sua dinâmica sempre dependerá da presença das pessoas e
dos usos que abrigar, não importando os programas para as quais foram destinadas.
32
“Santosiana” faz referência ao geógrafo Milton Santos.
48
49
gregas, abrigando funções urbanas importantes como direito, governo, religião, indústria
e sociabilidade (ZUCKER, 1959; MUMFORD, 2004). Segundo MUMFORD (2004, pg.166)
eram lugares destinados tanto à palavra como a troca de mercadorias, mas suas funções
aproximadamente no séc. V antes de Cristo, e eram os centros dinâmicos das cidades
gregas, abrigando funções urbanas importantes como direito, governo, religião, indústria
mais persistentes e antigas eram de ser o ponto de encontro comunal. Descritas como
espaços abertos de propriedade pública, com formato “amorfo e irregular”, elas
representavam a cidade em sentido horizontal, podendo abrigar qualquer tipo de
edificação dentro de uma estrutura urbana não unitária (MUMFORD, 2004; CHIAVARI,
1996).
(MUMFORD, 2004; ZUCKER, 1959; CHIAVARI, 1996). Em Roma, o fórum era não só o
centro da vida pública, mas de todo o Império, pois era o símbolo da união das várias
tribos estrangeiras que habitavam a cidade. “Recintos abertos” de traçado complexo,
esses espaços foram aos poucos se fechando com colunatas. Inicialmente, eram
circundados por templos sagrados, tavernas e “stands” de mercados, mas ao longo do
tempo, essa combinação de funções foi se modificando, e os fóruns perderam a função
comercial (embora a administração central do comércio permanecesse) tornando-se
locais exclusivamente de domínio público, passando a possuir prédios da justiça, e casas
do conselho, além dos templos e santuários, cada edificação desempenhando um papel
próprio no cotidiano urbano (KOSTOFF, 1992; MUMFORD, 2004).
Com a transição para o período medieval, igrejas e praças foram sendo implantadas
sobre fundações ou ruínas dos fóruns, em cidades de antiga colonização romana
(ZUCKER, 1959; KOSTOFF, 1992; CHIAVARI, 1996). O recanto aberto era quase uma regalia
no emaranhado e denso tecido intramuros destas cidades – e a maioria dessas praças
tinha cunho religioso (SEGAWA, 1996). Segundo SEGAWA (p.32, 1996) áreas abertas não-
religiosas, quando existentes no espaço urbano, serviam para recreação ou uso militar.
KOSTOFF (1992) nos diz que a relação entre os páteos religiosos e as praças urbanas,
pode ser considerada como uma relação evolutiva. Enquanto praças se desenvolveram
50
em páteos fronteiriços às igrejas33, praças de mercado estabeleceram-se nas
proximidades, já que os locais onde os fiéis se encontravam com freqüência eram os
mais atrativos ao comércio que despontava (MUMFORD, 2004). Praças se distribuíram a
partir do alargamento de vias, nas próprias vias, nas entradas e portões das
cidades,externa ou internamente aos seus muros, nos centros das cidades (ZUCKER,
1959; KOSTOFF, 1992).
No final da Idade Média, juntamente com a libertação do jugo dos senhores feudais e a
reconstrução da vida pública, as cidades tornaram-se os locais mais apropriados para a
expressão de idéias políticas e sociais. Praças tornaram-se o coração das cidades; não
só abrigavam os mercados como eram palco de execuções, celebrações e difusão das
notícias. Passaram a aliar em um mesmo espaço a função de repositório das
manifestações populares, e as manifestações oficiais e ideológicas do poder instituído
(MARCUS ET AL, 1998; ZUCKER, 1959, SEGAWA, 1996).
No Novo Mundo a plaza representa o centro cívico da cidade (ZUCKER, 1959, p.136; LOW,
2000, CHIAVARI, 1996). No início da colonização das Américas o governo espanhol enviou
instruções exatas para a construção das cidades aos administradores das colônias.
33
Zucker (1959) nos diz que a praça diante da igreja, parvis, é geralmente dominada por um só edifício que se distingue
dos demais em importância, o que a diferencia especialmente da praça de mercado.
34
A forma pela qual conhecemos São Marcos resulta de inúmeras reformas e acréscimos, sendo as mais importantes
ocorridas entre os anos de 1536 e 1640. A última modificação se deu no início do sec XIX! (ZUCKER, 1959; KOSTOFF, 1992)
51
Essas instruções promulgadas em 1573 - as Ordenanzas de Población35, previam entre
outras recomendações a localização e o tamanho ideal das praças, a configuração dos
elementos de seu entorno, levando-se em conta o crescimento futuro da população,
quase que reproduzindo fielmente as recomendações dos tratados renascentistas
(KOSTOFF, 1992; LOW, 2000; DERENJI, 1999). Autores como LOW (2000) e DERENJI (1999)
acreditam em uma ordem inversa; crêem que os tratados arquitetônicos renascentistas
teriam sido influenciados pelas novas praças da América espanholas, construídas antes
da sua publicação.
Ainda segundo KOSTOFF (1992, p.161) praças centrais, praças comerciais e habitações
foram compatíveis até certo período, em que negócios e moradia necessitavam
compartilhar a mesma edificação ou vizinhança. O enriquecimento de alguns e o desejo
de grupos socialmente similares se destacarem dos outros, impulsionou o
desenvolvimento das praças residenciais, geralmente planejadas e empreendidas por
uma só agência privada, com atividades públicas limitadas e atividades comerciais não
predominantes. Até o séc. XIX os habitantes de praças residenciais pertenciam em geral
as classes mais abastadas ou à nobreza. Na França, no início do sec. XVII, a tendência
às praças residenciais se desenvolve a partir da implantação das places royales; espaços
abertos, rodeados por moradias, sem lojas ou edifícios públicos, no máximo uma igreja,
fechada apenas pelas suas próprias casas (MUMFORD, 2004). Como características
principais das places royales predominavam a repetição de fachadas e a acentuação do
centro com um monumento significativo. Nas praças residenciais reconhecemos a
cristalização das idéias predominantes e atitudes culturais da época, na dedicação
35
Leis das Índias. Os historiadores fornecem datas diferentes para a criação das leis e a sua promulgação. Essas datas
variam do ano de 1523 até o de 1573, que preferi adotar.
52
exclusiva do espaço ao usufruto das classes superiores. A Place des Vosges (1629) em
Paris pode ser considerada o arquétipo da place royale (ZUCKER, 1959; MUMFORD, 2004).
53
SOBRE AS PRAÇAS DO RIO DE JANEIRO <<
VAZ (1999) e FREITAS (2000) apontam complicadores que incidem em qualquer estudo
historiográfico sobre as praças cariocas, principalmente sobre os três primeiros séculos
de colonização. Em geral, referem-se à escassa iconografia existente, à variação na
nomenclatura dos lugares, e a incerteza sobre motivações impulsionadoras das
modificações na morfologia e na toponímia de um determinado espaço. VAZ (1999,
p.142) relata que a própria denominação “praça” é discutível, já que alguns historiadores
acreditam que nos séculos XVIII e XIX ela se voltava mais ao caráter cívico de um lugar,
enquanto “largo” seria a denominação dada aos outros tipos de espaços. Para esta breve
colocação sobre as praças cariocas, consideraremos “largos” a denominação dos
antecedentes das praças.
Nas cidades coloniais brasileiras, praças de formato quase sempre irregular, geralmente
denominadas largos, formavam-se em função do poder civil (pelourinho, Casa da Câmara
e Cadeia), eclesiástico (a igreja matriz, igrejas ou conventos), e do comércio (SILVA,
1999, p.226; VAZ, 1999, p.140). Geralmente elas se distribuíam seqüencialmente ao
longo da “Rua Direita”36 que desembocava nos campos ou no rossio – essas as áreas
limítrofes da cidade. As edificações que simbolizavam o poder em uma praça poderiam
estar dispersas e distribuídas em inúmeras edificações ao longo dos vários largos (REIS,
1995, p.12). Essa sucessão de largos, páteos e terreiros articulava a trama urbana
constituindo a sua estrutura e identidade (CHIAVARE, 1996, p.383; FREITAS, 2000, p.65).
Os equipamentos existentes nos largos eram relacionados à vida material e religiosa da
população da época; os chafarizes para o abastecimento da água; o cruzeiro, marco
religioso; e o pelourinho e a forca, como representantes da lei e do poderio colonial
português (VAZ, 1999, p.142).
As primeiras praças cariocas se originaram nos adros e páteos fronteiriços das capelas e
igrejas, onde a vida religiosa e social se desenvolvia (CHIAVARI, 1996, p.383; FREITAS,
2000, p.65). Ao longo do tempo os adros passaram a se abrir para as ruas, recebendo
novas denominações como largos (ou terreiros) abrigando procissões e festas religiosas.
FREITAS (2000) afirma que o primeiro espaço livre público com características de praça a
se formar na cidade do Rio de Janeiro foi o Largo da Misericórdia. O Largo existia em
função da Igreja da Misericórdia e caracterizava-se por concentrar atividades comerciais
e religiosas. Curiosamente este espaço preserva a denominação de Largo da
36
Segundo Silva (1999, p.232) quase todos os estrangeiros que visitavam o Rio fizeram menção às praças em seus
relatos de viagem. Von Martius teria descrito oito ruas direitas, estreitas e paralelas atravessando a parte mais antiga da
cidade.
54
Misericórdia desde os primeiros registros que dele se conhecem, apesar de ter perdido
seu formato original e identidade no século XX, após a derrubada do Morro do Castelo.
Para CHIAVARI (1996) os adros do Outeiro da Glória, e dos Mosteiros de São Bento e
Santo Antonio, instalados no alto dos morros, parecem ainda conservar as características
morfológicas similares aos adros originais da primeira fase da colonização.
37
O Passeio não é exatamente uma praça, mas foi selecionado porque foi edificado sobre um aterro.
38
Um só campo aterrado, o Campo da Cidade, deu origem a outros quatro campos caracterizados cada um por sua vez, a
partir da construção de diferentes igrejas, conforme relatado por Vaz (1999); N. Sra do Rosário, São Domingos,
Lampadosa e Santana. O da Lampadosa originou a praça Tiradentes.
55
várias vezes. Foi chácara particular, abrigou a população marginalizada da cidade;
instalou-se a igreja da Lampadosa, foi palco de manobras militares, até que se voltou às
artes, principalmente às cênicas, quando em seu entorno teatros e cafés-concertos foram
construídos. Para CHIAVARi (1996, p.386) a praça Tiradentes tem algumas características
especiais; ausência de prédios institucionais em seu entorno, a presença da natureza
projetada, o centro marcado pela estátua eqüestre de D. Pedro I. Ela sugere que este
esquema projetual se reproduziu de maneira empobrecida nas praças dos novos bairros
residenciais que foram surgindo desde o sec. XIX.
Durante o século XIX, o Rio de Janeiro deixou de ser uma cidade colonial, a partir da
transformação da sua forma urbana e da transferência das classes mais abastadas para
os bairros da Zona Sul (ABREU, 1987). Nesta época, também foi sendo pavimentado o
tipo de desenvolvimento do século seguinte, caracterizado pelo parcelamento do solo em
lotes, onde o largo - a praça, já começava a perder o seu significado anterior,
constituindo-se apenas em mais um elemento embelezador dos loteamentos, quando
existia. CHIAVARI (1996, p.386) acredita que já nessa época;
No último terço do século XIX, a introdução dos bondes impulsionou fortemente a nova
distribuição populacional, enquanto a cidade se inseria na nova ordem econômica
mundial, “consolidando-se como capital política, administrativa e cultural do país” (ABREU,
1987, p.59).
A reforma Passos, na primeira década do século XX, foi o ápice destes processos
iniciados no século anterior, numa tentativa atrasada em quase meio século, de imprimir
ao centro da cidade a estética francesa do século XIX - monumentalidade nas edificações
e nas largas avenidas. Passos fez várias obras de embelezamento em algumas praças
com a instalação de estátuas imponentes ou melhoria nos jardins, como nas Praças XV,
no Largo da Glória e do Machado, na Praça São Salvador, Onze de Junho e Tiradentes
(ABREU, 1987, p. 61). As obras de Passos também removeram muitos quiosques,
equipamento comum a muitas praças da cidade, e inauguraram alguns coretos de
música39, além de mictórios públicos40 (BRENNA, 1985).
39
Na praça XV foi inaugurado o pavilhão musical, projetado por técnicos municipais e seu desenho foi motivo de inúmeros
debates (BRENNA, 1985).
40
Evidências da existência de banheiros públicos em praças existem na iconografia, como na praça Edmundo Rego, no
Grajaú que abrigou um banheiro administrado e limpo pela municipalidade, já demolido. Acredita-se que tenha
permanecido até meados do séc.XX.
56
As administrações municipais que sucederam a de Passos investiram em obras viárias,
em planos diretores, e na confecção de um código de obras; novos instrumentos de
administração urbana. As obras, tanto para abertura de novas ruas e avenidas, como
para consolidação das existentes, dominaram os calendários de investimentos na
cidade41 (REIS, 1977). As praças e jardins públicos inseridos em locais onde a pressão
imobiliária e a valorização do solo eram ampliadas com as urbanizações e o crescimento
da cidade, começaram a perder a atenção da administração pública, passando a ser
cobiçadas para construção. Na administração do Prefeito Pedro Ernesto (1936 a 1937)
no afã de se construírem escolas públicas, elegiam-se praças ou jardins públicos como
terreno ideal, destruindo esses espaços, ou expondo os alunos a acidentes, já que os
locais selecionados ficavam geralmente em áreas de grande movimento de veículos
(REIS, 1977, p.106).
No início do século XX, o prolongamento dos trilhos dos bondes até as praias, numa
associação entre o capital privado e o estado, incrementou o surgimento de muitos e
novos loteamentos em Copacabana (ABREU, 1987). As casas e os quintais residenciais
foram desaparecendo paulatinamente e dando lugar aos edifícios, em um tipo de
estruturação urbana que já não mais comportava a existência de largos, só de grandes
praças. Assim como Copacabana, Ipanema e Leblon tiveram um processo de
urbanização similar, com a substituição de casas e quintais por edifícios de
apartamentos. Na administração do Prefeito Negrão de Lima, já no término da década de
50, foram feitos diversos investimentos em duas grandes praças de Copacabana;
Serzedelo Correia e Edmundo Bittencourt. Entre os anos 50 e 60, conjuntos de
brinquedos padronizados para recreação foram instalados em 172 diferentes playgrounds
das praças da cidade (REIS, 1977).
A partir dos anos cinqüenta a cidade dirige seu crescimento para a Zona Oeste, em
direção à Barra da Tijuca. O Plano Piloto da Barra da Tijuca, elaborado por Lucio Costa
em 1969, tinha como um dos objetivos salvaguardar o meio ambiente da região, evitando
a verticalização ocorrida nos outros bairros litorâneos, como Copacabana, Ipanema e
Leblon, através do zoneamento e do controle de sua expansão. O Plano, ancorado na
utilização do automóvel, determinou zonas residenciais confinadas em condomínios,
cujas áreas de lazer coletivas se distribuiriam entre os prédios. As praças públicas
propostas pelo Plano Piloto são em sua maioria, rótulas de tráfego. As praças que
pertencem a condomínios fechados, não podem ser consideradas públicas, já que o
41
A abertura de grandes avenidas como a Portugal na Urca, Atlântica em Copacabana, Beira-Mar, Maracanã, Epitácio
Pessoa na Lagoa, foram obras executadas durante a administração Carlos Sampaio (até 1922). Já a Avenida Presidente
Vargas, e a reconstrução da Av. Atlântica, foi realizada durante a administração Henrique Dodsworth (1937 a 1945).
57
acesso é restrito aos não-moradores. Na verdade, a presença da praia, o traçado do
plano, e a escala de bairro induzem relações diferentes entre espaços públicos e
população.
42
É claro que existem exceções! Praças como a General Osório e a Nossa Senhora da Paz (Ipanema), as Praças do Lido,
Serzedelo Correia, Edmundo Bittencourt (Copacabana), São Perpétuo, já citada (Jardim Oceânico) entre outras, são muito
utilizadas pela população local, mesmo estando em bairros oceânicos.
58
SUMÁRIO
Este capítulo procurou contextualizar a praça pública carioca, e sua inserção dentro de
um sistema maior - o sistema de espaços livres públicos. Discutimos o papel que as
praças podem desempenhar para as camadas populares, acreditando que parte das
funções tradicionais representadas por elas ainda não desapareceram. Consideramos
também, que as tentativas de se tratar de forma sistêmica as praças cariocas, nos
grandes planos, projetos e leis já traçados para a cidade, ou na atuação cotidiana das
menores escalas da administração municipal, ainda não frutificaram, principalmente no
que tange à sua integração com outros espaços livres públicos da cidade, ou com os
espaços destinados à reserva ambiental.
59
2
CAMPO GRANDE
2
CAMPO GRANDE
INTRODUÇÃO
60
os significados de uma paisagem rural para uma inteiramente nova, inserida em um
contexto urbano e industrial, mas estruturada sobre os seus antigos alicerces.
PANORAMA HISTORICO
Segundo FROES & GELABERT (2004) é necessário que se faça uma distinção entre o
campo grande e o sertão. O sertão se estendia das serras do Gericinó, da Tijuca, da
Pedra Branca, Bangu até o Cabuçú, enquanto que Campo Grande foi a denominação
dada a um dos povoados que se formou nessas paragens, já no século XIX, após a
43 Sesmaria: a origem da palavra é incerta. Diz-se que a palavra origina-se do vocábulo semear, ou da palavra sesma,
significando a sexta parte “porque na sua origem as sesmarias pagavam de pensão a sexta parte dos frutos da terra
(Gonçalves, 2004, p.48)“. A sesmaria era doada sem ônus (foro ou pensão), exceto o dízimo da ordem de Cristo (Froes &
Gelabert, p.19, 2004). O sesmeiro tinha um prazo de três anos para tornar a terra produtiva.
44 A freguesia é a povoação sob o aspecto eclesiástico. Outro regime de doação de terras denominava-se “data de terra”,
que se destinava principalmente à pequena exploração, o que serviu de base para formação de pequenos núcleos
coloniais. Exigia para isso apenas pouca mão de obra, geralmente a familiar e poucos recursos. Com a data da terra
surgem as pequenas e médias propriedades, ou os sítios (FROES & GELABERT, p.34, 2004).
61
62
inauguração da estação de Campo Grande no ramal da estrada de ferro que ia até Santa
Cruz.
O desbravamento daquela “grande extensão de terra que estava situada para além das
terras do Irajá”, seguiu, inicialmente, as trilhas indígenas, perigosas e de difícil acesso.
Os caminhos se abriram para os primeiros povoadores, de fato, após a abertura da
Estrada Real [fig. 2/2], que ligava a Praça XV até a Fazenda de Santa Cruz (em torno de
1808) pertencente aos jesuítas. Em 1928, alguns trechos da Estrada Real foram
incorporados à primeira estrada Rio - São Paulo, denominada rodovia Washington Luís.
A Avenida Cesário de Melo, atualmente importante eixo viário e comercial do bairro,
também pertenceu a Estrada Real (FROES & GELABERT, 2004; C.G. XVIIIª R.A, 1976;
ANDRADE, 1998).
A administração das terras cariocas foi, por um longo tempo, inserida dentro do sistema
eclesiástico que as dividiu em freguesias para facilitar a sua administração. As freguesias
limitavam inicialmente o território de jurisdição religiosa, mas terminaram por abranger
também a jurisdição administrativa. A criação de uma freguesia significava o
reconhecimento da importância de um núcleo populacional, e as matrizes eram
instaladas em igrejas. A Freguesia de Irajá, a qual pertenceu a de Campo Grande, foi
criada em 10 de fevereiro de 1647 conforme nos relata COARACY (1965, p.192);
45
Segundo Brasil Gerson, Campo Grande conserva uma interessante característica que é conservar ainda hoje, os nomes
de seus desbravadores, nos rios, nas ruas, nos morros, campos e estradas. (História das Ruas do Rio, 1965).
63
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65
66
Freguesia de N. Srª do Desterro de Campo Grande. Somente em 1757, quase um século
depois, foi concedido o alvará, que correspondia ao título da criação de uma freguesia
(FROES & GELABERT, p.56, 2004). Campo Grande só passou para uma administração civil
de fato, não mais fundamentada na eclesiástica, quando se tornou 14º distrito fiscal em
decreto de 5 de maio de 1941. Antes disso a Freguesia de Campo Grande teve seus
limites alterados várias vezes; em 1857; em 1894; em dezembro de 1902, quando foram
traçados os limites da 6ª Circunscrição Fiscal Suburbana; e ainda em 1917, quando o
Distrito Federal teve o seu território dividido em circunscrições fiscais (FROES &
GELABERT, 2004). Em 1926 foi desmembrada uma grande parte do território para
constituir o distrito de Realengo. Campo Grande torna-se definitivamente um bairro por
decreto de criação, em julho de 1981 (ARMAZÉM DE DADOS).
As sesmarias foram sendo divididas ao longo dos anos, quer por partilha entre herdeiros,
quer por venda ou mesmo por doação. Algumas foram retomadas como terras
devolutas47, passando a pertencer ao patrimônio público. Entre elas, terras imensas que
iam de São João de Meriti até Campo Grande e Grumari, doadas em 1650,
desmembradas em 1680 na Fazenda do Gericinó, e em 1907 adquiridas pelo Governo
Federal para utilização como campos de treinamento e manobras do exército, o Campo
de Instrução do Gericinó (C.G. XVIIIª R.A, 1976). A propósito dos maciços e das áreas
militares, o Maciço da Pedra Branca, que se constitui em um obstáculo natural, o campo
do Gericinó, a área da Vila Militar, e o Campo dos Afonsos, ao sul, interromperam o
46 O PEU, ou Projeto de Estruturação Urbana de Campo Grande - XVIIIª RA, foi instituído pela Lei Complementar nº 72, de
27 de julho de 2004, e abrange os bairros de Campo Grande, Senador Vasconcellos, Cosmos e Inhoaíba,.
Segundo o PEU, a Estrada do Cabuçú é a principal via de penetração à área delimitada pela Estrada da Cachamorra e o
Maciço da Pedra Branca, a área central do bairro. A importância da estrada interliga-se à sua vinculação como indutora da
ocupação desta área.
47 Como geralmente faltavam recursos para o cultivo de tão grandes extensões de terra, o sesmeiro cultivava apenas o
trecho da sesmaria que lhe era possível, devolvendo legalmente o restante das terras, que recebia assim, a denominação
de “terra devoluta”. As terras simplesmente abandonadas eram denominadas “terras de sobejo” (Gonçalves, 2004, p.34).
67
crescimento natural da cidade na direção oeste, “impedindo a completa conurbação entre
as duas grandes malhas urbanas” (ANDRADE, 1998, p.31; BERNARDES & SOARES, 1965,
p.157).
48
O café chegou ao Rio de Janeiro vindo do Maranhão em 1760, quando foi plantado nos jardins do convento dos padres
barbadinhos (Abreu, 1992). No início do sec. XIX a exportação de café começou a crescer no Brasil. Em torno de 1840 o
Brasil já era o maior produtor mundial de café, entre 1870/80 o café já representava 56% das exportações nacionais e em
1920, 70% das exportações. O auge do ciclo prosseguiu até meados da década de 30. Fonte: Grande Enciclopédia
Larousse Cultural, vol.5, Ed. Nova Cultural.
49
Proibição do tráfico de escravos (1850), Leis do Ventre Livre (1871) e Sexagenários (1885), e por fim, a Abolição da
Escravatura em 13 de maio de 1888.
50
Em 1861 o Major Gomes Archer, por iniciativa do Conselheiro Ferraz foi chamado ao reflorestamento da Fazenda da
Tijuca também devastada pelo plantio de café. Foi de sua Fazenda Independência, às margens do Rio Cabuçu, que
vieram as mudas plantadas para o que hoje é a floresta da Tijuca. O Major está enterrado no cemitério de Campo Grande.
68
O grande marco de transição de um Campo Grande rural para urbano51 foi a extensão
para a Zona Oeste da Estrada de Ferro Central do Brasil, através da criação do ramal
ferroviário de Santa Cruz. Esse ramal foi implantado para facilitar o escoamento da
produção de café, e para possibilitar a comunicação mais rápida com o centro da cidade.
A estação de Campo Grande foi inaugurada em 2 de dezembro de 1878. Pequenos
núcleos urbanos passaram a se desenvolver e a se expandir em torno das estações
ferroviárias de Bangu, Campo Grande e Santa Cruz. Essa expansão se deu através da
conjugação do transporte ferroviário com o serviço de bondes; a finalidade dos bondes
era em geral, o transporte de cargas até a ferrovia. Em 1868, o serviço público de bondes
a tração animal começou a ser oferecido no município do Rio de Janeiro; em Campo
Grande, a historia dos bondes começou quase 25 anos depois, em 1894, através da
concessão à Companhia de Carris Urbanos (C.G. XVIIIª R.A., 1976). “Os bondes por
muito tempo serviram à expansão agropecuária da região até a construção das estradas”
52
(FROES & GELABERT, p.209, 2004) [fig. 2/5 e 2/6].
O cultivo da laranja, durante a grande depressão econômica no final dos anos 20, quando
o preço e as vendas do café brasileiro despencaram no mercado externo, apresentou-se
para os exportadores e para o Estado, como uma alternativa viável, espraiando-se assim
pelas regiões de Campo Grande e pela Baixada Fluminense. Os nossos maiores
compradores e investidores eram os europeus - Inglaterra, e a Argentina [fig. 2/7].
51
O Código Nacional Tributário define zona urbana como aquela que possui pelo menos dois dos seguintes elementos:
meio-fio, pavimentação, água, esgoto, iluminação pública, escola ou posto médico a menos de 3 km. (In: ANDRADE, 1998,
p.7).
52
Em 1898 a linha de bondes entre Campo Grande e Santa Clara foi inaugurada. Nessa época os bondes funcionavam por
tração animal (puxados por burros). Esse sistema vigorou até 1915, quando os bondes foram substituídos por bondes
elétricos. Em 1909 foi feita uma extensão de 7 km na linha. Em 1910 foi fundada a Companhia de Carris Urbanos de
Campo Grande. Os bondes, com o passar dos anos, foram perdendo as funções de transporte de cargas, passando a
transportar passageiros e cargas menores, até sua total extinção em 1967.
69
70
71
72
Ao longo do tempo o desenvolvimento da citricultura em larga escala começou a
enfrentar inúmeras dificuldades; não era executado um preparo adequado do solo; a
mão-de-obra convocada para o trabalho de colheita era despreparada e carecia de
especialização, resultando em uma produção pequena e cara. Durante a Segunda
Guerra Mundial o interesse inglês pela compra de nossa laranja diminuiu; o transporte
das frutas através da navegação transatlântica em navios frigoríficos estrangeiros foi
interrompido, pois os navios não aportavam mais no Rio; não existia armazenamento
adequado da produção; o transporte das chácaras para a ferrovia era deficiente e
milhares de frutos não eram colhidos, apodrecendo nos pés (ABREU, 1997). Desta forma
abriu-se caminho para a “praga fumageira”, que associada aos outros fatores já descritos,
e a proibição pelo Governo Federal da exportação de laranja53, deram-lhe o golpe final.
Começaram então a surgir os loteamentos, dando início a um novo processo de redivisão
das terras, em função da especulação com as terras dos antigos laranjais e do
acomodamento da população que tinha ido trabalhar nesta cultura e nas indústrias em
desenvolvimento54. Dessa forma as grandes fazendas, assim como as de menores
dimensões, que por muitos anos fizeram a riqueza daquela região foram
desaparecendo55. O período áureo da citricultura se estendeu, aproximadamente, até o
final da década de 30.
Em 1928 foi aberta a primeira estrada Rio - São Paulo, atraindo a construção de uma
estrutura de comércio e serviços criada para atender ao fluxo de veículos, dando novo
impulso ao desenvolvimento econômico da região já em decadência pelo declínio da
cultura da laranja (PEU de Campo Grande). FROES & GELABERT (p.193, 2004) relatam
que;
“Os laranjais localizados em pontos de fácil comunicação foram sendo retalhados e
loteados em terrenos de 300 a 400 m2. A zona citrícola passou a ser povoada por
funcionários e operários que não tinham condições de morar mais perto da cidade.
Campo Grande foi o núcleo urbano que mais cresceu, tanto que na década de 40
apresentou um crescimento populacional de 70%. Nos anos 50 vinha gente de
todo o país. A topografia contribuiu para isso, além da rede de serviços existente
(escola, saúde, comércio). As hortas foram sumindo. Os loteamentos em muito
contribuíram para a depressão da produção agrícola. A área cultivável foi
encolhendo pelo incentivo ao retalhamento das terras planas, próximas às vias de
comunicação”.
53
Não havia laranja suficiente para abastecer o mercado interno (ABREU, 1997).
54
Segundo Abreu, 1997, “durante o período de 1906/46, haviam sido registradas apenas 176 plantas de loteamentos,
desmembramentos ou reloteamentos no território do município. No período de 1947/57, 1561 plantas de novos
loteamentos deram entrada para pedir aprovação da prefeitura”.
55
ANDRADE (1998, p.35), citando Galvão (1962) nos conta que o sertão carioca perdeu 9.000 hectares de áreas rurais
registradas em 10 anos, passando de 48.000 hectares em1940 para 39.000 em 1950.
73
Entre os anos 50 e 70, os principais acontecimentos que caracterizaram a marcha urbana
para a Zona Oeste já estavam inteiramente estabelecidos; o desenvolvimento de núcleos
habitacionais, comerciais e industriais, em torno das ferrovias e rodovias; a migração da
população das áreas mais valorizadas da cidade para a periferia; a criação do Sistema
Financeiro da Habitação e a multiplicação de inúmeros e novos loteamentos.
Próximo à antiga Rio - São Paulo, no km 43 da Avenida Brasil, foi criado o Distrito
Industrial de Campo Grande, como resultado de políticas oficiais para implantação de
grandes indústrias. No período entre 1939 e 1945, algumas indústrias se instalaram
empregando mão-de-obra local e reunindo trabalhadores especializados vindos da
metrópole, servindo “como catalisadoras de povoamentos espontâneos ou organizados”
(BERNARDES & SOARES, 1987). Um maior crescimento industrial no bairro de Campo
Grande, no entanto, só ocorreu após os anos 80 (FROES & GELABERT, p.195, 2004).
A partir dos anos 60, devido à supervalorização das áreas mais nobres e centrais da
cidade, ocorreu um fluxo migratório direcionado a Zona Oeste. A supervalorização das
áreas ocorreu em função de políticas públicas que buscavam a sua modernização, e da
implantação de novas leis de zoneamento, incentivando fluxos migratórios para as
periferias, em busca de moradia mais barata. A implantação do Sistema Financeiro de
56
Bernardes & Soares em texto escrito nos anos 60 (1987, p.58) alertam que são as vias secundárias, irradiadas a partir
das estradas de ferro é que possibilitaram a ocupação da área interna dessa região, e não as estradas principais, como Via
Dutra ou Avenida Brasil. Para as autoras o entorno das rodovias tinha um valor especulativo muito alto na época, o que
impediu a imediata implantação de comercio e industrias de menor escala.
74
Habitação a partir dos anos 60; a construção de conjuntos habitacionais, de loteamentos
e casas populares, possibilitou à população de baixa renda adquirir lotes e residências
nessas áreas menos valorizadas da cidade57. A inflação e os problemas econômicos
brasileiros crescentes deram a sua contribuição ao fluxo migratório, desvalorizando a
moeda e empobrecendo o país e sua população. Os loteamentos clandestinos e
irregulares também se multiplicaram58, de acordo com o informado pelo PEU de Campo
Grande;
Ao longo dos anos 70, e aprofundando-se nos anos 80 e 90, o processo de ocupação
irregular tornou-se mais forte com a instalação de favelas, ocupações urbanas precárias,
invasões de terras e loteamentos ilegais. A tendência do município de expandir o território
urbano em direção à Zona Oeste permaneceu. O desenvolvimento do bairro de Campo
Grande como centro comercial e de serviços, o transformou em centro regional, atraindo
a população dos outros bairros e regiões vizinhas.
57
A implantação de “habitações oficiais” na Região Administrativa de Campo Grande (6.800 unidades), é considerada
“inferior ao das vizinhas RAs de Bangu e Santa Cruz, que juntas abrigam mais de 50.000 unidades” (ANDRADE, 1998).
58
Segundo Lago (1990, p.24, In: ANDRADE,1998, p.5) “loteamentos irregulares são aqueles cujo projeto é aprovado pela
autoridade municipal e que não obtém o aceite das obras pelo fato do loteador não tê-las concluído, apesar de ter efetivado
a venda de lotes. Loteamentos clandestinos são aqueles que não têm projeto aprovado pela autoridade municipal. Neste
caso, além da não conclusão das obras de urbanização, há normalmente irregularidades quanto ao título de propriedade
da terra”.
Portal de Campo Grande. História do bairro. Disponível em <http:// www.pcg.com.br>. Acesso em 2 de outubro de 2003.
59
75
“Um sistema que atendia inicialmente a uma demanda rural, transformou-se no
principal arcabouço viário (...), pois de fato, o processo de loteamento da região
se deu, principalmente sobre um sistema viário não estruturado e destituído de
uma hierarquia clara. Os loteamentos se sucedem e seus sistemas internos de
ruas vão se articulando e formando a nova malha viária”.
A formação das praças do bairro de Campo Grande está atrelada aos processos de
divisões e subdivisões de terras, e a implantação de eixos viários e ferroviários. As
primeiras capelas e igrejas em fazendas determinaram a criação de praças fronteiriças às
igrejas, como a Praça Dom João Esberard, onde se encontra a matriz de Campo Grande,
a Igreja de Nossa Senhora do Desterro. Com a implantação da estrada de ferro e do
sistema de bondes, que provocaram um crescimento urbano orientado para o interior da
região, as pracinhas surgiram espontaneamente nos pequenos povoados, ou defronte
das próprias estações, como ocorreu na antiga Praça Treze de Maio, estação de bondes
do Monteiro, que se tornou Praça Dr. Raul Boaventura, agora em frente à rodoviária [fig.
2/9]. Em um outro processo, surgiram, já no século XX, os loteamentos que passaram a
abrigar praças determinadas pela legislação de parcelamento de terras e uso do solo.
A maior parte dos imóveis existentes na região administrativa é residencial (56%), sendo
que apenas 6,25% são imóveis voltados para o comercio e serviços, um índice
baixíssimo que informa de imediato a carência de serviços no bairro (PLANO ESTRATÉGICO
60
Dados de fevereiro de 2002. Fonte: Armazém de Dados; <wwwarmazemdedados.rio.rj.br>.
61
O PEU define dois tipos de domicílios: domicílio particular permanente e domicílio particular improvisado.
76
77
78
79
II, 1995). O tipo de ocupação que prevalece é a horizontal, porém densa, e distribuída em
pequenos lotes com até 600 m2. A tipologia predominante é a habitação unifamiliar com
dois pavimentos, colada na divisa dos lotes. Nas décadas de 60 e 80, o crescimento
populacional da XVIII Região Administrativa alcançou índices mais elevados que os do
resto do município. Posteriormente, entre os anos de 1991 e 2000, a população do bairro
cresceu quase 29%. Campo Grande possui 7 conjuntos habitacionais implantados pela
CEHAB, dois nos anos 70 e o restante nos anos 80. O PEU nos informa que existe um
déficit habitacional na região, e que “ao aumento populacional das últimas décadas não
correspondeu o de número de domicílios”, fazendo com que um considerável contingente
populacional tenha ido morar em favelas ou loteamentos irregulares. O bairro de Campo
Grande possui 7 favelas 62, a primeira surgiu entre os anos 40 e 50, duas nas décadas de
60/70 e quatro nas décadas de 80/90. Como já visto anteriormente, os loteamentos
constituíram-se no tipo de assentamento característico. Os loteamentos regulares
localizam-se principalmente no bairro de Campo Grande. No restante da RA, a maioria
dos lotes ainda é do tipo irregular ou clandestino.
62
Dados do cadastro do IPLAN Rio, 1995, destacados do PEU de Campo Grande.
63
In: <http://www.rio.rj.gov.br/smac>.
80
O Projeto de Estruturação Urbana de Campo Grande (PEU), instituído por lei em 2004,
traz uma análise precisa das condições atuais de desenvolvimento urbano dessa Região
Administrativa. O bairro de Campo Grande, devido as suas características, dimensões
geográficas, importância como centro comercial, e heterogeneidade de usos, foi dividido
em sete diferentes regiões de estudo. São elas; a área Central do Bairro, junto à estação
ferroviária; duas áreas ao sul da estrada de ferro, à direita e à esquerda da Estrada da
Cachamorra, três áreas ao norte da estrada de ferro, e uma acima da Avenida Brasil.
Foram mapeados “os principais marcos nos processos de ocupação, as formas de
ocupação, os usos predominantes, e o potencial de urbanização” de cada trecho.
O centro do bairro, núcleo histórico de origem, caracteriza-se por concentrar grande parte
da atividade comercial e de serviços da região, e se diferencia pelo denso uso do solo,
apresentando uma forte tendência a verticalização. A importância desse centro, como já
sublinhado, não se atém somente ao bairro, mas se expande para todos os outros bairros
da RA. A área à direita da Estrada da Cachamorra corresponde também à área de estudo
desta pesquisa. A proximidade com o centro do bairro lhe confere características
ambíguas; ao mesmo tempo em que apresenta um grande número de lotes agrícolas e
loteamentos residenciais, próximos a áreas de preservação ambiental (Parque Estadual
da Pedra Branca), sofre pressão para um desenvolvimento mais intenso. Conforme
diagnosticado pelo PEU, a legislação para esse trecho reflete essa ambigüidade nas
próprias leis de zoneamento, sobrepondo áreas de uso intensivo e de interesse agrícola64.
As três áreas ao norte da estrada de ferro têm características distintas umas das outras.
A área mais relevante fica próxima do centro de bairro, e abriga o primeiro shopping
construído nesta região, o West Shopping, cuja praça de alimentação tornou-se para a
população de uma determinada faixa de renda, um novo espaço livre público. Seu raio de
influência impulsiona o adensamento das proximidades, com incentivos à instalação de
condomínios voltados à classe média. Este trecho, no entanto, ainda possui grandes
vazios não urbanizados. As outras duas áreas têm apresentado uma tendência à
sobreposição e ao conflito de usos, com a construção de novos assentamentos,
convivendo com zonas industriais, ou comerciais. A região ao norte da Avenida Brasil é
considerada pelo PEU a área mais heterogênea, não só do bairro, mas da RA. Próxima
ao Parque Municipal Ecológico do Mendanha, ela possui multiplicidade de usos, nos
quais despontam o uso residencial, o agrícola e o industrial. Existem ainda grandes
glebas vazias, tornando a região alvo de disputas e conflitos pela utilização das terras
para uso agrícola ou residencial. [fig.2/11 e 2/12].
64
Essa sobreposição de leis do Plano Diretor Decenal ocorria à época do diagnóstico do PEU.
81
82
83
PLANOS, PROJETOS E POLÍTICAS URBANAS
Em junho de 1992 foi instituído por lei complementar, o Plano Diretor Decenal da Cidade
do Rio de Janeiro, como uma extensão, detalhamento e aperfeiçoamento do plano
anterior. O plano estabeleceu diretrizes, normas e instrumentos, a implementar em um
prazo de dez anos, tendo em vista a ordenação do território municipal, o uso e ocupação
do solo; a implantação do sistema de planejamento, e a promoção de políticas setoriais
(PLANO DIRETOR DECENAL DO RIO DE JANEIRO). No que tange ao bairro de Campo Grande,
os objetivos se ampliaram, observando-se, porém, a ausência de uma estratégia mais
clara e abrangente (ou de um programa, ou de políticas públicas) relacionadas à
implantação de uma maior diversidade de espaços livres públicos. As principais diretrizes
do plano sugerem a criação de áreas livres públicas de lazer ou reserva ambiental com
um impacto maior a nível metropolitano do que local, dentro de toda a AP, apontando
locais específicos para intervenção, como a criação da Reserva Ecológica do Mendanha
(já criada); o reflorestamento, a manutenção e o controle ecológico do Maciço da Pedra
Branca; a integração ao patrimônio paisagístico do município da igreja de N. Sra do
84
Desterro e do Morro de São Luis Bom, entre outros morros, e a implantação de um
sistema cicloviário, entre outras recomendações.
O projeto Rio Cidade Campo Grande65, de 1994, foi uma intervenção urbanística,
inserida no programa específico dos diversos projetos Rio Cidade, que marcaram
fortemente a primeira gestão do Prefeito César Maia. Intervindo de forma restrita na
área central do bairro, esperou-se o desestímulo do seu uso intensivo, através do
incentivo à ocupação das áreas adjacentes a esse núcleo (PEU de Campo Grande).
Outro objetivo era balancear a divisão espacial entre veículos e pedestres, favorecendo
o segundo e contemplando melhorias no Centro Comercial e em parte de seu mais
importante eixo viário, a Rua Cesário de Melo. Foi também implantado o binário de
Campo Grande, modificando o tráfego interno da RA. Procurou-se também, valorizar o
calçadão com desenho criado pelo paisagista Roberto Burle Marx, na Rua Coronel
Agostinho. O projeto também previu o plantio de 1.122 árvores na área central do bairro
(PEU de Campo Grande; Rio Cidade, 1996).
O primeiro Plano Estratégico foi apresentado em 1995, como uma parceria entre a
administração pública e a iniciativa privada, e oferecido, não como um plano de governo,
mas como “estratégias assumidas, programas de consenso, ações com objetivo,
definições de necessidades e proposições de projetos exeqüíveis”, não possuindo,
portanto, força de lei como o Plano Diretor. O Plano Estratégico II – As Cidades da
Cidade, constituiu-se no desdobramento e detalhamento do primeiro, mergulhando a
fundo nas heterogeneidades regionais da metrópole, procurando traçar alternativas para
o desenvolvimento de cada uma, em respeito às suas particularidades (PLANO
65
Foi elaborado por Nilton Montarroyos e equipe, em 1994 e executado em 1996 pela Construtora Metropolitana S.A. Ao
todo a administração pública implantou 15 projetos na primeira fase do Rio Cidade em diferentes bairros do município (In:
RIO DE JANEIRO, Prefeitura da Cidade. Rio Cidade. O Urbanismo de volta as ruas. RJ: Mauad, Consultoria e
Planejamento Editorial Ltda, 1996.
66
O projeto de Arborização Urbana em Campo Grande foi feito pela equipe de Arborização da Fundação Parques e Jardins
da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, órgão ligado a Secretaria de Meio Ambiente.
85
ESTRATÉGICO II). A inclusão de orçamento participativo, e a representatividade, tanto da
sociedade como do governo em todas as etapas de elaboração, além do seu
acompanhamento, são aspectos inovadores do plano. Inovadora é também, a admissão
de que um planejamento nos “moldes tradicionais”, de escopo funcionalista, não
permitiria a constante re-elaboração que esse plano tem a pretensão de incorporar em
sua evolução.
67
A Supervia - Concessionária de Transporte Ferroviário S.A., é um consórcio criado a partir da privatização da ferrovia,
que reúne o Banco Mundial, governos federal e estadual. Iniciou suas operações em novembro de 1998. Fonte:
http://www.supervia.com.br, acesso em 1 de agosto de 2005.
86
se “instrumento fundamental para a concretização de um sistema contínuo de
planejamento”. O PEU reitera a vinculação do bairro de Campo Grande com os bairros
vizinhos, e da XVIII RA com as R.A.’s limítrofes, sublinhando a importância do
planejamento municipal integrado metropolitano. Acreditamos que esta mesma ótica
integrada de planejamento deveria ser incorporada aos sistemas de espaços livres
públicos, desde o enfoque ponto a ponto, nas menores instâncias administrativas - intra-
loteamentos, por exemplo - até as maiores, intra-bairros, Regiões Administrativas, Áreas
de Planejamento e regiões metropolitanas. Concordamos, assim, com aqueles que
reconhecem no bairro de Campo Grande;
AS LEIS DE LOTEAMENTOS
A espinha dorsal dessa legislação é sustentada primeiramente pelo Decreto “E” 3.800 de
20 de abril de 1970, ou Regulamento de Parcelamento da Terra (RTP)68, que versa sobre
abertura de logradouros, loteamento e desmembramento, e pela Lei Federal 6.766 de 19
de dezembro de 1979, que traz determinações sobre uso e o parcelamento do solo
urbano, e seus desdobramentos (ANDRADE, p.7 e 18, 1998). O artigo 52 do RTP (1970)
determinou que loteamentos superiores a 30.000 m2 deveriam conceder obrigatoriamente
68
Fonte: Código de Obras do Estado da Guanabara, ano 1973, Gráfica Auriverde, Ltda.
87
6% de sua área total para o Estado, para implantação de praças e jardins, ou outros
serviços públicos, excluídas as áreas “non aedificandi” (áreas forçosamente livres de
edificações) e as reservadas aos logradouros públicos. Lotes com áreas inferiores a
30.000 m2 deveriam ter reservada por lote, 12 m2 para área de recreação69. Áreas
reservadas a escolas somariam mais 2% de área a ser doada ao estado, totalizando 8%
de área a doar, por loteamento. A Lei Federal 6.766 (1979) passou a exigir que os
loteamentos destinassem para o sistema de circulação, implantação de equipamento
urbano e comunitário70, e para os espaços livres de uso público, áreas proporcionais à
densidade de ocupação prevista para a gleba, com uma porcentagem não inferior a 35%
de sua área total. A Lei Federal 9.785, de 29 de janeiro de 1999, alterou a 6.766,
determinando que os espaços livres de uso público, o sistema de circulação, e os
equipamentos urbanos e comunitários devem ser proporcionais à densidade de ocupação
“prevista pelo plano diretor municipal, ou aprovada por lei municipal para a zona em que
se situem”. Assim, O PEU de Campo Grande (2004), como um desdobramento das
recomendações do Plano Diretor Decenal, determinou no artigo 53;
O PEU isentou de doação gratuita ao município lotes com áreas de até 10.000 m2. Os
lotes destinados a equipamento urbano comunitário público, e a escola, deverão ter área
mínima de 4% da área total do lote do grupamento, no caso do lote ser destinado a
equipamento urbano comunitário público. O PEU mantém as proporções de 6% para
espaços livres públicos e escolas, excluindo os logradouros públicos, mas percebe-se
que a lei procura isentar da obrigatoriedade de cessão de áreas livres, os loteamentos
voltados à baixa renda, ou favelas, com o intuito de tornar flexíveis as exigências para
regularização fundiária.
69
Dois regulamentos que antecederam o RTP, Decreto 1.359, de 15 de julho de 1931, e o decreto 6000 de 1º de julho de
1937, determinavam porcentagens bem diferentes de áreas de reserva para praças e escolas em loteamentos. O primeiro
(1931), foi curiosamente, objeto de acalorados pareceres e debates na época, pois determinava 26% de área reservada
aos logradouros e espaços livres públicos, área considerada excessiva pelos loteadores. A prefeitura do “Districto Federal”
(Rio de Janeiro) tinha o direito de exigir mais 4% para localização de edifícios públicos e parques em loteamentos cuja área
2
excedesse 30.000 m , podendo chegar a 30% (PDF, 1932). O segundo (1937) determinou para utilização de parques,
2,
jardins e logradouros públicos com mais de 30.000 m uma doação à prefeitura de 4%, mais 2% para instalação de escola,
totalizando 6% (CÓDIGO DE OBRAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, 1937). A diferença entre as áreas doadas para espaços
livres públicos foi alterada em 20%, em apenas 5 anos.
70
A lei considera comunitários equipamentos públicos, os de educação, cultura, saúde, lazer e similares. Consideram-se
urbanos, os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas
pluviais, rede telefônica e gás canalizado.
71
São considerados equipamentos urbanos comunitários públicos aqueles destinados às creches, cultura, saúde,
recreação, lazer, esportes, administração, abastecimento, ação social e segurança pública.
88
Exposto o panorama geral da legislação sobre o parcelamento da terra até a atualidade,
concluímos que os loteamentos, aos quais pertencem as praças investigadas, realizadas
a partir do final da década de 50, e regularizadas entre as décadas de 60 e 80, foram
regidos pelo RTP. Quase todos apresentam como parâmetros, coeficientes entre 4 e 6%
de áreas cedidas para implantação de espaços livres públicos, e aproximadamente 2%
para área de escola. Algumas dessas praças esperaram pelo decreto de regulamentação
que lhes conferiu o título de praça por quase dez anos (Praças Catulle Mendes e Olga
Costa Leite), embora a média geral tenha sido de cinco anos após a aprovação do
loteamento. Essas informações são encontradas no Anexo 1, e no Mapa de
Loteamentos, ao final deste capítulo.
72
Segundo o PEU, a Estrada do Cabuçú é a principal via de penetração à área delimitada pela Estrada da Cachamorra e o
Maciço da Pedra Branca, a área central do bairro. A importância da estrada interliga-se à sua vinculação como indutora da
ocupação desta área.
73
O programa Favela Bairro é coordenado pela Secretaria Municipal de Habitação. É um programa que visa “integrar a
favela a cidade dotando-a de infra-estrutura urbana, de serviços públicos, equipamentos e políticas sociais”. O programa
Bairrinho compartilha a mesma proposta do programa Favela Bairro, implantar infra-estrutura urbana, equipamentos e
serviços públicos, mas em comunidades de menor porte, entre 100 e 500 domicílios. Fonte: <http: www.rio.rj.gov.br/smh>.
74
Fonte: Borde, Andréa et allii (1999). Favela Bairro Jardim Moriçaba: Proposta Técnica. Rio de Janeiro: IPP, SMH.
89
A divisa leste-sul oferece a vista do Parque Estadual da Pedra Branca, dos morros do
Veloso e do Moriçaba, e da região do Rio da Prata; a divisa sul, do morro do Cabuçú e a
noroeste da Serra da Posse. Lynch (1999) conceitua a característica mais marcante de
um lugar ou aquela que possui a probabilidade de evocar uma forte imagem em qualquer
observador dado, como imaginabilidade ou legibilidade. Buscamos este conceito, para
acentuar que a legibilidade deste lugar está intrinsecamente interligada à onipresença
dos morros que cercam a região, e podem ser amplamente avistados de qualquer local,
dominando a paisagem.
75
O programa Águas do Rio é um programa de valorização ambiental e tem por objetivo contribuir para a recuperação dos
corpos d’água, utilizando mão-de-obra dos moradores das próprias comunidades beneficiadas – os Guardiões dos Rios.
76
CIEP são escolas modulares construídas em concreto pré-moldado, montadas no local. O projeto padrão é de Oscar
Niemeyer e a concepção tem três construções distintas; Prédio Principal, Salão Polivalente e uma Biblioteca.
Fonte:http://www.pdt.org.br.
77
As escolas são a Mafalda Teixeira de Alvarenga, Rubens Faria Neves e a Prof. Gonçalves.
90
biroscas, pequenas mercearias, mercadinhos de hortifrutigranjeiros, algumas pequenas
padarias, bares e oficinas de automóveis.
As árvores estão em sua maior parte, presentes no entorno das praças e dentro dos lotes
residenciais, mas não nas ruas78. Uma exceção é a Rua Sananduva, que possui alguns
exemplares de Delonix regia (flamboyant), Cassia fistula (cássia) [fig. 2/13] e Terminalia
Cattapa (amendoeira). Nas praças, os espécimes mais encontrados são; amendoeira,
cassia, Mangifera indica (mangueira), algumas Licania tomentosa (oitis) e Clitoria
fairchildiana (sombreiro), e Ficus benjamina (ficus).
A área escolhida para a pesquisa de campo, possui um conjunto de 8 praças, uma delas
inserida dentro de um terreno que pertence a um CIEP, o Xapecó. Somadas a essas
áreas, foram detectadas outras duas; uma área de formato triangular utilizada como
campo de pelada, a Praça Hélio Ferreira, descoberta apenas no final da pesquisa por
estar atrás dos portões de um condomínio, e uma segunda, junto à capelinha de São
Jerônimo, cujo terreno frontal está sendo aplainado para a inserção de uma quadra [fig.
2/14]. Esses locais receberam intervenções do poder público a partir de 2000, realizadas
78 As propostas do PEU procuram evitar o uso intensivo do solo e manter uma tipologia habitacional bastante valorizada
na região – as casas com quintal. Assim, sugerem uma taxa de permeabilidade (TP), que deixa livre de construção ou
pavimentação, um percentual de cada lote, exigindo também, o plantio de uma árvore, de forma a amenizar o fator
climático e manter um maior conforto ambiental.
91
92
93
por diferentes secretarias e órgãos municipais, como a Fundação Parques e Jardins,
RioUrbe, Secretaria de Meio Ambiente, Secretaria de Esportes e Lazer, e Fundação Rio
Esportes. Devido às inúmeras sobreposições de competências dentro da administração
pública, só foi possível precisar qual foi o órgão interventor em algumas dessas praças.
Algumas praças, tampouco foram objeto de projeto ou desenho, tendo sido obras
inseridas dentro de contratos de manutenção, mantendo-se, portanto, sem nenhum
registro gráfico.
79
As áreas do loteamento destinadas à confecção de praças públicas são oficializadas por decreto municipal.
80
Ver Perspectivas Teóricas na Introdução, página 9.
94
SUMÁRIO
95
96
3
AS PRAÇAS
96
3
AS PRAÇAS
INTRODUÇÃO
Este capítulo trata diretamente dos sistemas de objetos e ações representados pelas
praças investigadas, descortinando os usos e as apropriações manifestos nos seus
espaços. Este capítulo traz informações tanto sobre os usuários, como sobre o conjunto
das nove praças investigadas, através de uma primeira análise interpretativa dos dados
coletados em campo. Inicialmente, apresentaremos o perfil geral dos freqüentadores,
analisando os aspectos sócio-econômicos, obtidos a partir dos resultados da aplicação
de métodos no sítio como, questionários e mapas de comportamento, aos quais já nos
referimos na introdução. Posteriormente iremos discorrer sobre alguns temas que se
destacaram nas respostas aos questionários, e em conversas informais; a exclusão
feminina e infantil, permeada por questões interligadas à segurança no bairro.
Apresentaremos as praças através de sua nomenclatura; a primeira e a mais curiosa
forma de apropriação pelas comunidades locais. Em seguida, será exposta uma tabela,
embasada na metodologia investigativa empregada por MARCUS ET AL, em estudos de
caso sobre espaços livres públicos (1998), ancorada em observações sobre os usos, os
usuários, equipamentos, fatores positivos e negativos. Finalizamos com mapas gerais,
desenhos e imagens, configurando um panorama das praças investigadas.
Os dados obtidos nos questionários mostram que nas nove áreas, o principal
freqüentador é em sua maioria a criança na pré-adolescência, o adolescente e o jovem,
estudante do ensino fundamental, cuja idade vai variar dos 10 aos 19 anos,
predominantemente do sexo masculino81. O GRÁFICO 1, correspondente as faixas etárias,
81
As tabelas do Armazém de Dados do Município do RJ/IBGE, do ano de 2000, definem qüinqüenalmente as faixas
etárias dos habitantes do bairro de Campo Grande, tendo início em 0/4 anos e terminando em 80 anos ou mais. Na tabela
sobre residentes por faixa etária, a soma dos habitantes de 0 a 9 anos corresponde a 49.465 indivíduos (16,63%); de 10 a
19, 53.414 (17,95%); de 20 a 29, 51.349 (17,23%); de 30 a 39, 46.802 (17,26%); de 40 a 49, 42.145 (14%); de 50 a 59,
26.535 (9%) e finalmente acima de 60 anos a soma total corresponde a 27.784 (9,3%) indivíduos. Observando esses
97
demonstra que 57% dos indivíduos têm entre 10 e 19 anos, e o GRÁFICO 2, Gênero,
confirma a predominância de 66% de indivíduos do sexo masculino, no total das áreas
pesquisadas. Esse índice se repete em quase todas as praças tendo como exceção,
Zeca Russo, onde foi encontrado um grupo de adolescentes do sexo feminino,
totalizando 64%. Os mapas de comportamento ratificaram esses resultados; das pessoas
observadas exercendo alguma atividade nas praças, 72%, ou 354 pessoas de um total de
495, pertencem ao sexo masculino.
m ais de 59
50 a 59
40 a 49 34%
30 a 39 Total masculino
20 a 29 feminino
10 a 19 66%
0a9
0 20 40 60 80 100
pessoas
ma is d e 5 9 ma is d e 5 9
50 a 59 50 a 59
40 a 49 40 a 49
30 a 39 30 a 39
20 a 29 20 a 29
10 a 19 10 a 19
0a9 0a9
0 2 4 6 8 10 12 0 2 4 6 8 10 12
pessoas pessoas
números podemos facilmente perceber que a maior parte dos habitantes encontra-se nas faixas etárias entre os 10 e 19
anos e que o número de idosos corresponde quase à metade deste valor. As tabelas referentes a sexo mostram uma
primazia dos indivíduos do sexo feminino, 154.914 (52%) contra 142.580 (48%) do sexo masculino. O número total de
habitantes do bairro é de 297.494 pessoas.
82
Esse nome corresponde à alcunha da praça, e não ao nome oficial, tema discutido adiante neste mesmo capítulo.
98
Xapecó, que corresponde à praça inserida no CIEP Lamartine Babo, entre todas
apresentou maior porcentagem de crianças de 0 a 9 anos (33%) e de jovens de 10 a 19
anos (45%) respectivamente, totalizando 78% dos freqüentadores encontrados. Esse
resultado nos faz refletir sobre as razões para implantação improvisada de recreação
infantil dentro do terreno do CIEP. A escola, referência e pólo de atração para as crianças
e jovens das redondezas, não funciona nos finais de semana ou nas férias, ainda que
nessa época alguns se reúnam regularmente em suas proximidades. Parece que Xapecó
foi inserida para atender a demanda de espaços livres próximos ao CIEP, como um apoio
fora da temporada de aulas. Essa de fato é uma das razões de sua existência, mas não a
única, como veremos mais tarde.
Os dados obtidos comprovam que 50% do total dos indivíduos estão cursando o ensino
fundamental, o que corresponderia a estar entre a primeira e a oitava séries do primeiro
grau, conforme nos mostra a TABELA 1. O índice de jovens cursando o ensino médio ou
2º grau é de 17%. Entre todos os indivíduos que responderam aos questionários, 96
pessoas, apenas 2 não são escolarizados. Ao cruzar os dados sobre escolaridade, com
os resultados relativos à faixa etária predominante (de 10 a 19 anos), e ao sexo
99
(masculino), chegaremos à conclusão de que a maior parte dos adolescentes é de
meninos que estão, na realidade, entre a quarta, e a oitava séries do ensino
fundamental83. Os GRÁFICOS 4 E 4A84 apresentam a situação escolar dos entrevistados; o
GRÁFICO 3 representa o nível geral de escolaridade e o 3A representa aqueles que tem a
escolaridade concluída.
1%
superior 2%
fundam ental
total
10%
0 20 40 60 80 100
pes s oas
GRÁFICOS 4 E 4A - ESCOLARIDADE
Profissão Profissão
T odas as praças T odas as praças
estudante
4% estudante/trabalha DESEMPREGADO
13%
1% outros
aposentado/pensioni
11% servidor público
sta
total
0 20 40 60 80 100
pessoas
GRÁFICOS 5 E 5A – PROFISSÃO
83
O ensino fundamental chamado de ensino do primeiro grau tem a duração total de 9 anos e consta de: classe de
alfabetização, primeira a quarta série e da quinta a oitava série. O segundo grau, ou ensino médio vai da primeira a terceira
série (3 anos) e corresponde aos antigos cursos clássico e científico.
84
Segundo dados do Armazém de Dados do Município do RJ/IBGE, existem 75 escolas municipais e 25 estaduais na
Região Administrativa de Campo Grande e a média de anos de estudo é de 5,9 anos por habitante. A Região
Administrativa é formada pelos bairros de Campo Grande, Cosmos, Santíssimo e Inhoaíba.
100
TABELA 1 – ESCOLARIDADE (%)
Quanto ao acesso, a pesquisa mostra um índice de 85% de indivíduos que chegaram nas
praças a pé e demoraram até 5 minutos para cumprir o percurso, conforme exibem os
GRÁFICOS 5 e 5A. Isto vem confirmar resultados de pesquisas anteriores (APUR, 1989;
COSTA, 1993; VIEIRA, M. 2001; MONTEIRO, 1998; MARCUS & FRANCIS, 1998) realçando o
valor dos espaços livres públicos como equipamento de proximidade. Um número irrisório
veio de carro ou ônibus. Entre aqueles que alcançaram as praças de bicicleta, 8% moram
nas proximidades e estão usando este veículo apenas para brincar em volta da praça,
sozinhos ou com um grupo de amigos. Esse alto índice de usuários que alcançam as
praças a pé, ratifica o funcionamento em caráter praticamente exclusivo para os
moradores da sua vizinhança. Essa constatação permite classificá-las e compreendê-las
como “equipamentos de proximidade” (APUR, 1989) em conformidade com o que já foi
apresentado na introdução a respeito deste conceito85.
ônibus
3%
carro
m e ios
2%
até 5m in Total
7% bic ic leta
de 5 a 15m in
de15 a 30m in a pé
m ais de 1h
0 20 40 60 80 100
88% pe ssoa s
GRÁFICOS 6 E 6A – ACESSO
85
Sob uma ótica puramente funcional, também poderíamos apontar similaridades entre os “neighborhood parks” (CARR ET
AL,1992, MARCUS ET AL, 1998; JACOBS, 2003; LAMAS, 2004) e as nossas praças públicas. Ver Introdução, página 15,
Metodologia.
101
Moradores questionados sobre freqüência a outros locais, apontaram repetidamente a
freqüência a três praças, nessa ordem: Mangueira, BNH e Campo do Mundial. Quase
todas as praças foram citadas, exceto a Olga Costa Leite. Bosque apresentou o maior
índice de indivíduos que declararam não freqüentar outras praças além daquela, 89% -
este dado pode sugerir um bom índice de satisfação com o lugar. Na Zeca Russo, 100%,
declararam freqüentar outros lugares. Essas informações encontram-se na TABELA 2,
logo abaixo;
Entre os indivíduos pesquisados, 56% são freqüentadores diários, conforme nos mostra o
GRÁFICO 6. Xapecó e BNH são as únicas praças que apresentaram um maior índice de
freqüentadores somente nos finais de semana. No BNH, os freqüentadores de fim de
semana correspondem aos adultos e idosos que trazem os filhos e netos para brincar.
Quanto aos horários de freqüência, conforme nos mostra o GRÁFICO 7A, pouco mais de
dois terços preferem utilizar as praças livremente a partir do horário vespertino, no final
da tarde - que pode ser considerado o horário de pico de freqüência, ou à noite. Pela
manhã, as praças ficam quase sempre ociosas, exceto aos finais de semana. Como já
constatado por diferentes estudos (JACOBS, 2003; WHYTE, 1989; CARR ET L, 1992;
MARCUS ET AL, 1998), é necessário uma mistura funcional ampla de freqüentadores, para
que os espaços livres, não permaneçam sub utilizados durante a maior parte do dia. Nas
praças de Campo Grande a mistura funcional de usos ou de freqüentadores praticamente
não existe; os “ritmos” e compromissos diários tampouco diferem uns dos outros. Esse
tipo de comportamento está ligado aos horários de escola, de almoço, enfim do cotidiano
das pessoas que permanecem no bairro durante a semana. A homogeneidade social, de
ocupações, de acontecimentos e horários contribui para ocasionar esses períodos vazios
de utilização.
102
Freqüência em tod as as praças Ho rário em to das as praças
9%
3% 5% diariamente 24% 19%
manhã
2% fim-de-semana
8% almoço
1 x por semana
tarde
2 x por semana
56% fim de tarde
25% 3 x por semana
19% noite
1 x por mês 30%
o dia todo
mais de 4h
8% 8% 10% até 30min
de 30min a 1h mais de 3h
15%
tempo
GRÁFICOS 8 E 8A - PERMANÊNCIA
103
(1989) observou em seus estudos sobre espaços livres públicos centrais em Nova York,
que os lugares onde as pessoas permanecem mais tempo são em geral, locais livres de
problemas; são próximos; são geralmente freqüentados por pessoas em grupos, e se
oferecem simpáticos aos solitários, funcionando como ponto de encontro ou permitindo a
contemplação. COSTA (1993), por exemplo, já havia constatado que os usuários
residentes nas proximidades do Parque do Flamengo se identificam de tal maneira com o
parque, que o consideram como o quintal, ou o jardim da sua casa; opinião compartilhada
também por aqueles que residem a uma longa distância e visitam o parque somente aos
finais de semana. Essa identificação com o espaço foi observada por VIEIRA, M. (2001)
no Largo da Carioca. Ela acredita que aqueles que permanecem durante todo o dia, ou
interrompem o seu fluxo diário ao passar pelo Largo da Carioca, identificam-se com a
receptividade do lugar, a diversidade humana, a vitalidade e a movimentação no espaço,
que sugere “abertura e generosidade”.
104
A tabela abaixo, a de número 3 nos informa o tempo de permanência de acordo com a
faixa etária.
Sociabilidade <<
A pesquisa demonstrou que mais da metade, 56%, dos indivíduos, vão acompanhados
pela família ou pelos amigos. As mulheres, em geral, chegam acompanhadas por algum
membro da família, como filhos, irmãos (de quem vieram tomar conta), tias, mãe ou avós.
Os desacompanhados representam 44% das pessoas, geralmente são do sexo
masculino e acreditam que mais cedo ou mais tarde, irão encontrar alguém conhecido ou
alguma atividade da qual possam participar. Campo do Mundial apresentou o maior
índice de pessoas solitárias, do sexo masculino; as possibilidades de encontro ou
diversão existentes neste espaço onde o futebol predomina, parecem atrair muitos
indivíduos solitários (WHYTE, 1989). Esses dados estão expostos nas tabelas 4 e 4A.
subtotal
subtotal
subtotal
Sexo F M F M
Total
praça
Total
praça
1 5 1 6 3 2 5 11 1 3 3 6 1 4 5 11
2 - 4 4 2 3 5 9 2 2 4 6 - 3 3 9
3 - 5 5 2 4 6 11 3 3 3 6 - 5 5 11
4 - 3 3 4 5 9 12 4 1 4 5 1 6 7 12
5 - 6 6 3 4 7 13 5 2 3 5 - 8 8 13
6 6 1 7 2 2 4 11 6 3 1 4 3 4 7 11
7 3 1 4 6 1 7 11 7 4 - 4 3 4 7 9
8 3 1 4 1 4 5 9 8 1 6 7 2 - 2 9
9 - 3 3 3 3 6 9 9 3 5 8 - 1 1 9
TOTAL 17 25 42 25 32 54 96 TOTAL 22 29 51 10 35 45 96
% 18 26 44 26 33 56 100 % 23 30 53 10 36 47 100
105
Segurança <<
Esta pesquisa demonstrou que no tocante à segurança nas praças, GRÁFICO 9, 72% das
pessoas consideram a segurança entre boa e ótima; 15% a consideram regular e 13,5%,
apenas, a consideram ruim ou péssima. Observando a tabela 5A, que avalia a segurança
por tempo de permanência podemos perceber nitidamente que quanto maior a
permanência, melhor é a avaliação da segurança. Parece à primeira impressão, que os
usuários se encontram satisfeitos e se sentem totalmente tranqüilos nas praças, porém é
necessário relatar que essa satisfação envolve outros aspectos, que ultrapassam a
sensação de segurança dentro do perímetro das praças, demonstrando ser essa uma
questão social maior, interligada à segurança do próprio bairro. Uma das razões para a
certeza de se sentir seguro nas praças está aliada a solução implantada no bairro pela
própria população, para obter segurança, exposta um pouco mais à frente, ainda neste
capítulo.
ótima
boa
14% 5% 8%
péssim a regular
15% Total
ruim
regular ruim
boa
péssima
ótim a
58% 0 20 40 60 80 100
pessoas
GRÁFICO 9 - SEGURANÇA
TEMPO SEXO
M % F % TOTAL TOTAL%
106
AUSÊNCIA FEMININA E INFANTIL
“Movimento nas praças só tem no final do dia. O pessoal sai pra trabalhar e não
deixa os filhos na rua, não! Quando não tá na escola tá dentro de casa. As
crianças ficam com a avó, com a vizinha – “com a mulher que toma conta dos
meus filhos””.
O desequilíbrio entre os sexos nos espaços livres públicos, já foi notado por inúmeros
autores em diferentes estudos, tanto no Rio de Janeiro como em outras cidades ao redor
do mundo. Os clássicos trabalhos de WHYTE (1989), CARR ET AL (1992) e MARCUS ET
FRANCIS (1999) creditam, a ausência feminina e infantil nos parques e praças urbanos à
falta de segurança. WHYTE (1989, p.18) verificou que as plazas mais utilizadas de Nova
York tendem a possuir uma proporção de mulheres superior a media. CARR ET AL (1992)
crêem que as mulheres ainda se sentem vulneráveis nos espaços públicos, mesmo nos
dias atuais. O medo de sofrer algum ataque sexual, de roubo, e da violência, atemorizam
as mulheres que preferem não freqüentá-los, nem levar suas crianças. Barreiras visuais e
usuários de drogas são fatores que também desencorajam-nas a saírem. VIEIRA, M.
(2001) notou que as mulheres se sentem constrangidas quando percebem que são
poucas em algum evento que agrega muitos homens no Largo da Carioca. VIEIRA, F.
(2001, p.144) notou a predominância masculina na área do Varadouro, em João Pessoa,
logo na primeira visita. Posteriormente sua pesquisa constatou que as mulheres se
86
Cosgrove, Denis (1998, p.121).
107
sentem inseguras e demonstram se sentir pouco à vontade no lugar. O mesmo ocorre
com as poucas mulheres que se atrevem a assistir algum jogo no Campo do Mundial, e
que estando lá, terminam por se sentir constrangidas. Na mesma praça, nos finais de
semana, algumas crianças são eventualmente encontradas acompanhadas dos pais,
enquanto as mães estão cuidando dos afazeres domésticos. O diário de campo da
pesquisa registrou essas situações;
CRANZ (citado por MARCUS & FRANCIS, p. 86, 199x) reconhece que “as mulheres
continuam a constituir uma minoria definitiva entre os usuários de um parque, e que elas
deveriam começar a demandar o justo compartilhamento dos recursos desses parques”.
HAYDEN (citada por LEGATES & STOUT, 2002, p. 452) propõe que os arquitetos e
planejadores urbanos passem a considerar as mudanças sociais derivadas da inserção
108
109
das mulheres no mercado de trabalho, e as conseqüências para seus filhos, em novos
projetos, que tanto se aproximem dessas mudanças na distribuição dos espaços
interiores como nos projetos de espaços livres públicos.
OBTENDO SEGURANÇA
“Essa segurança própria é uma questão que surgiu na Zona Oeste há uns dois ou
três anos. A população se sentiu ameaçada pelas facções do crime organizado
que existem por aí, e então sempre aparece uma pessoa que diz – eu vou colocar
uma segurança aqui, você vai ter que pagar para a gente tomar conta do bairro e
tal – e aí, como a comunidade não tem polícia militar, a instituição tá arrasada, a
comunidade tá dando o seu jeito né! O povo vai dando um jeito, a pessoa paga
todo o mês 10 reais, e aquele dinheiro é revertido para aqueles seguranças que
tomam conta daquela comunidade”.
110
das praças e nos equipamentos urbanos87. As despesas geralmente são rateadas entre
os moradores, e dependendo do “condomínio”, variam entre R$ 10,00, dez e R$ 20.00,
vinte reais por casa. Os “seguranças” costumam andar de bicicleta em torno dos
loteamentos. À noite eles utilizam apitos para informar que estão circulando, sendo por
isso chamados de apoio ou de grilos da noite. Como informou uma senhora no BNH;
Esse procedimento está longe de ser um consenso entre os moradores. Parece existir
uma certa “lei do silêncio” e uma concordância muda entre todos; é como se os grilos da
noite tivessem o poder de resolver tudo à sua maneira. Um grupo de adolescentes que
passava a tarde na Zeca Russo, informou após alguma hesitação, que o grupo de apoio
é formado por “pessoas de confiança” dos traficantes locais. E como não existe
policiamento efetivo, esses traficantes impõem a lei na área. Muitos estão assustados
com a situação, como Antônio, 43 anos freqüentador do BNH;
“A segurança daqui é paga pela comunidade, e não faz nada. Somos forçados a
pagar senão aí mesmo é que acontece alguma coisa”.
Nas grandes cidades, a percepção de que o lugar esteja livre de ameaças é tão relevante
quanto a inexistência de barreiras físicas que atrapalhem o domínio visual pleno do
espaço (CARR ET AL, 1992). As praças analisadas não possuem barreiras físicas, exceto a
própria topografia, nem elementos como agrupamentos densos de árvores, edificações
abandonadas, ou reentrâncias, que possam funcionar como esconderijos. Tampouco
87
A principal causa de óbitos não relacionados às doenças no bairro, é derivada de homicídios (PLANO ESTRATÉGICO II).
111
acolhem desabrigados, pois toda a comunidade impede invasões por construções
indesejáveis ou a instalação de populações marginais. Alguns moradores entretanto,
informaram que em horários de menor movimento, nas praças BNH, Mangueira, e Olga
Costa Leite, encontram-se indivíduos traficando drogas, em atitude discreta, misturando-
se ao movimento local de pessoas.
Segundo JACOBS (2003, p.30) quando as pessoas usam menos as ruas elas se tornam
ainda mais inseguras. Porém, para que as ruas e praças sejam largamente utilizadas,
condições adequadas devem ser criadas para tal. A iluminação, obviamente, influencia a
sensação de segurança de uma praça, e certamente vai ser fator determinante na sua
utilização noturna. Sair à noite para as ruas e praças é um hábito comum, principalmente
no verão, quando o apelo pelo usufruto de ares mais frescos é quase uma necessidade.
Entretanto, a carência de iluminação pode se transformar em uma barreira para a
frequência noturna. Campo do Mundial, por exemplo, é pleno de vitalidade durante o dia,
mas à noite torna-se inseguro devido à ausência de luz, afastando os seus usuários para
a vizinha Mangueira, muito mais iluminada. Na Xapecó, segundo informações dadas
pelos usuários, os equipamentos de iluminação foram colocados pelos próprios
moradores com o auxílio do apoio, resultando no afastamento dos marginais e traficantes
de drogas, assim, ampliando a sensação de segurança. De acordo com o que relatou um
adolescente;
“Aqui dá para descansar, sentado nas pedras. As pessoas que vem aqui são
legais, não tem usuário de drogas. Depois que fizeram a iluminação isso acabou”.
112
significar uma das primeiras formas de apropriação simbólica do espaço (COSTA, 1995).
Ao observamos a nomenclatura das nove praças selecionadas por esta pesquisa,
percebemos que tanto os nomes oficializados pelas autoridades públicas municipais,
como os apelidos e alcunhas vulgares que a população lhes atribui, representam códigos
diferenciados que refletem a apropriação dos diversos grupos e atores que atuam sobre
aqueles espaços, conferindo-lhes diferentes identidades.
No Rio de Janeiro, as alcunhas populares são uma forte faceta da cultura urbana e
podem fazer referência a características físicas de um lugar, de um objeto, ou a locais
que se transformam em marcos espaciais. Aliados a conhecida irreverência do carioca, e
a sua maneira de evidenciar particularidades, as alcunhas urbanas se constituem em
uma linguagem simbólica comunicando imagens grupalmente elaboradas. Apelidos como
“frade”, e “Praça do Ó” 88, são exemplos típicos deste tipo de apropriação e identificação
do espaço, assim como os apelidos populares pespegados nas praças pesquisadas de
Campo Grande.
88
Frade - balizador em concreto de formato trapezoidal que tem como função impedir o estacionamento irregular em
calçadas; Praça do Ó - praça localizada no início do bairro da Barra da Tijuca cujo nome oficial é Praça São Perpétuo.
89
O RTP ou Regulamento de Parcelamento da Terra dispõe sobre a nomenclatura das ruas e praças dos novos
loteamentos na subseção V, do artigo 31 ao 45. Ele recomenda os nomes de brasileiros falecidos e ilustres; da fauna,
flora, história, do folclore, da bíblia; datas especiais; nomes de personalidades estrangeiras de indiscutível projeção
internacional, etc... O RTP não recomenda; nomes múltiplos, cacofônicos ou repetidos; ”denominações inexpressivas,
vulgares”, ou nomes de pessoas que não se enquadrem nesse regulamento.
90
DaMatta (1987) nos conta que um missionário norte-americano, Daniel P. Kidder, que viveu no Rio de Janeiro em
meados do sec.XIX demonstrou surpresa ao descobrir os nomes estranhos das ruas e sua notável metonímia, ou unidade
de “continente e conteúdo”, como por exemplo, a Rua Direita, a Rua dos Pescadores, Rua do Ourives e Rua da Quitanda.
113
administração pública. Alguns usuários das praças reconhecem esta questão, como
Alessandro, morador do entorno da praça Ribeiro do Couto que afirmou candidamente;
“A prefeitura dá um nome depois que vem e faz alguma coisa, mas o que
permanece mesmo é o nome antigo que ela mesma deveria valorizar”.
Nas áreas da pesquisa encontramos alguns exemplos de praças que são reconhecidas
pelo nome ou apelido de algum indivíduo importante, pelo nome de um time de futebol,
ou pelo nome de uma árvore. A Monte Santo é identificada por 100% dos que
responderam aos questionários, pelo nome de Zeca Russo, “que mora naquele portão
verde em frente à praça”. “Foi ele que conseguiu reformar a praça” informou uma menina
de uns 8 anos. No Xapecó, o responsável pela instalação dos equipamentos no lugar
deixou a sua marca em uma espécie de portal e assim, passou a denominar a praça.
Alguns apelidos permanecem mesmo que a sua motivação original esteja se perdendo,
como a da Praça Camiranga, largamente conhecida como Praça da Mangueira. Ela foi –
logicamente - assim chamada, porque abrigava grandes mangueiras em seu entorno,
dizimadas por uma praga. Atualmente começa a ser apelidada também de Mangueirinha,
mesmo nome do time de futebol dos jogadores veteranos do bairro.
A praça do loteamento Vila Santa Rita, ainda sem denominação oficial, é algumas vezes
chamada de “Rala Côco”. Segundo Daniela, uma jovem moradora, a praça foi apelidada
assim porque:
Praça Borba é conhecida como a praça do BNH. O loteamento popular onde se insere,
foi implantado pelo Banco Nacional da Habitação. A legalização de seu nome é recente e
de acordo com informações dos moradores, não veio acompanhada de nenhuma obra de
114
melhoria do local. Ribeiro do Couto é conhecida como Bosque, embora ali não exista um
bosque. Com topografia em aclive e pedras grandes no terreno, esse local apresenta em
seu topo uma grande pedra que proporciona uma vista privilegiada do Parque Estadual
da Pedra Branca. Mas isso não parece, porém, fornecer dados suficientes para
esclarecer as razões do apelido. A motivação só se torna mais clara, quando começamos
a perceber que o apelido está interligado a uma função específica daquele local; acolher
à noite entre suas pedras, casais de namorados das redondezas.
Concluímos que para referenciar as praças ao longo da dissertação, seria mais simples
adotar as alcunhas populares que prevaleceram todo o tempo sobre as oficiais.
Tentamos não imprimir nenhum juízo de valor, pois foi com essas denominações que
passamos a reconhecê-las e a identificá-las. Na tabela a seguir encontra-se uma listagem
com os nomes oficiais e populares e sua relação com os entrevistados.
91
Ainda não possui nome oficializado por decreto.
92
Nesse caso não conseguimos descobrir qual era o nome popular predominante, porque existem ainda 4 nomes
diferentes.
115
AS PRAÇAS
SUMÁRIO
Este capítulo iniciou a exposição dos dados coletados na pesquisa de campo. Foram
apresentadas questões específicas como; ausência infantil e feminina, segurança, e uma
evidência imediatamente reconhecível de apropriação dos espaços das praças; sua
nomenclatura, que as diferencia e as identifica em meio às demais. Em seguida, foram
expostas graficamente, através de mapas, imagens e planos gerais. A análise dos dados
coletados em campo prossegue no próximo capítulo, com um enfoque sobre os usos e as
apropriações do lugar.
116
MAPA_RAIO_INFLUÊNCIA
c
a
b
d
f
e
Praça Olga Costa Leite. Quadra de saibro (a), quadra cimentada (b),
área infantil atrás da quadra (c) , área de ginástica (d) e área de mesas (e) e lixeira quebrada (f).
Fotomontagem sobre fotografias da autora.
Fig. 3/19
140
4
SISTEMAS DE LUGARES
4
SISTEMAS DE LUGARES
INTRODUÇÃO
141
OS USOS E AS APROPRIAÇÕES
Avistamos sábado pela manhã, quase cem homens preparando-se para jogar ou assistir
aos jogos de futebol no Campo do Mundial [figura 4/1]. Esses jogos, em geral são
programados para os horários matutinos dos fins de semana, por instrutores contratados
pela municipalidade, ou pelos próprios moradores. O sucesso desses eventos esportivos
é indubitável; a atividade tem a capacidade de agrupar indivíduos adultos, solitários ou
em grupo, em torno de um embate que costuma atrair times das redondezas,
uniformizados, com técnicos próprios, juiz, e até torcida organizada. Os mapas de
comportamento nessa praça indicaram que a maior parte destes indivíduos prefere
assistir aos jogos que jogar, e entre essas pessoas é possível encontrar muitos rapazes e
142
143
idosos. A partir da conceituação de WHYTE (1980) poderíamos dizer que esses eventos
esportivos contribuem para provocar estímulos para a triangulação, ou seja; o processo
pelos quais estímulos externos incrementam ligações entre as pessoas, propiciando
conversas e encontros entre aqueles indivíduos conhecidos, ou desconhecidos.
MEDEIROS (1975, p.105), acredita que a “atividade esportiva atende bem às três funções
básicas de uma ritualização positiva do comportamento, a saber; comunicação, redução
de conflitos e unificação”. As quadras esportivas são territórios para o desenvolvimento
de programas educacionais e comportamentais na comunidade, além de representarem
um terreno fértil para dinâmicas de grupo, onde o futebol, ou outros esportes,
praticados como atividades controladas, possuem a capacidade simbólica de “atualizar
tantas outras convulsões reprimidas no exercício comum da vida moderna” (GOMES,
2000, p.238).93 As quadras são uma espécie de “campo” multifuncional; qualquer uma,
com qualquer dimensão ou propósito, pode abrigar jogos de futebol ou outros esportes;
todas podem ter utilidades diferenciadas, como ocorre eventualmente no próprio Campo
do Mundial, onde até campeonatos “de pipa” acontecem. Nas quadras também surgem
oportunidades de construção de um engajamento social ativo (CARR ET AL, 1992), por
ocasião de eventos como festas folclóricas, como as festas juninas, e da participação no
desenvolvimento na vida urbana e social do bairro, e nas reuniões de associações de
moradores.
CARNEIRO & MESQUITA (2000, p.48) em sua pesquisa sobre os espaços livres do Recife,
concluíram que existe um número considerável de praças com quadras de jogos na
cidade. No Recife, as quadras de jogos têm sido introduzidas como parte do mobiliário
em muitas praças, em detrimento de outros usos, alterando funções originais,
provavelmente como forma de atender as necessidades esportivas de seus habitantes.
Em inúmeras praças cariocas, o mesmo processo identificado pelas autoras em Recife
ocorre regularmente, na busca ao atendimento das “necessidades esportivas” de um
grupo que se revelou dominante na utilização de certo tipo de praças94; os homens. Não
importa, nesse caso, se são praças novas, ou antigas; com vocação funcional para jogos
de futebol ou não; se suas dimensões comportam quadras esportivas ou não; a pressão
da população para que sejam instaladas é muito forte. No Campo do Mundial, porém a
93
Realmente, as quadras são o palco para as inúmeras atividades esportivas controladas que visam incentivar o
desenvolvimento social e afastar os jovens da criminalidade. O município, através da Secretaria de Esportes e Lazer,
possui alguns programas operando em quadras de praças de Campo Grande como o “Kit Esportes e Lazer” e o programa
“Germinal MEL”, mas a população os considera insuficientes e acredita que eles deveriam abarcar um maior número de
praças e operar ao longo do ano, inclusive durante o período de férias escolares.
94
Isso não é regra em toda a cidade. Em muitas praças da Zona Sul do Rio, a população faz pressão para eliminar os
jogos de futebol das praças de forma a selecionar os freqüentadores dos espaços e diminuir o barulho causado pela
atividade.
144
perspectiva é diferente; esta praça tem funcionado como campo de futebol ao longo dos
anos, sem nenhuma alteração funcional no espaço, desde o início de sua utilização. Suas
dimensões são propícias para abrigar um campo de futebol; sua função está estabelecida
não só na vizinhança, como no próprio bairro. Apesar de sua positividade, ela abriga
situações como o domínio irregular do uso e a privatização do espaço público, temas que
veremos desenvolvidos ainda neste capítulo.
145
146
“O que gosto mais de fazer aqui é jogar ping-pong, porque muita gente joga de
uma vez só”.
Verônica, 18 anos.
Andar de bicicleta, e soltar pipa livremente foram outras brincadeiras observadas que
apresentam grande sucesso. Brincar como atividade lúdica não depende
necessariamente de equipamentos de recreação instalados. O espaço da praça
juntamente com seu entorno, transforma-se no próprio brinquedo; equipamentos, árvores,
quadras, casas, todos representam objetos passíveis de se transmutar em objetos
lúdicos.
“O taco é assim: você pega três gravetos, faz com eles um triângulo e põe um
círculo em volta no chão e bota os gravetos e fica com um pedaço de pau e uma
bolinha tentando acertar o triângulo. Eles fazem e brincam, não precisa de campo,
gramado, nada disso, só tem que ter espaço para o taco na hora que as crianças
tão brincando porque é com força”.
Lucinha, vereadora.
O uso desses brinquedos apresenta algumas limitações. Como são brinquedos em ferro,
e em geral estão localizados a pleno sol, obviamente esquentam muito, principalmente no
verão, quando mesmo pela manhã ou à noite, costumam queimar as mãos das crianças.
Quase sempre estão quebrados, como já colocados no parágrafo anterior; o piso que os
recebe normalmente é inadequado, variando de pisos gramados e irregulares, até uma
brita fina96, que em caso de queda dos equipamentos provoca ferimentos e arranhões.
96
A brita fina foi uma solução imposta pela Secretaria de Meio Ambiente na gestão do Secretário Eduardo Paes, na qual
foram reformadas algumas dessas praças. A solução política para a questão do piso, não foi boa; pedras não são solução
ideal para superfícies de impacto.
147
148
Outro aspecto dos equipamentos infantis padronizados é que o alcance para faixas
etárias acima de 6 anos é pequeno; conforme lamentou Alan;
“O escorrego e o balanço são muitos pequenos. São para criança pequena e tem
poucos brinquedos”. Alan, 10 anos.
149
150
151
privilegiam estímulos visuais e a inatividade física, como os videogames e a televisão,
associados à ausência de estímulos associativos da imaginação e de experiências
sensoriais, impedem as crianças de desenvolverem o seu pleno potencial criativo. No
entanto, a apropriação de objetos não convencionais, como acontece nessa praça com
as manilhas, cria oportunidades, tanto para Alan como para seus amigos, de usufruir
descobertas e desafios, através de um engajamento social e físico ativo, e de
desenvolver a criatividade e a imaginação sobre as estruturas de um objeto inteiramente
inesperado.
Os usos das praças pesquisadas não fogem às regras habituais em qualquer espaço de
recreação; crianças pequenas raramente vão desacompanhadas; seus horários de
freqüência são sempre os menos calorentos, de manhã bem cedo, ou no finalzinho da
tarde. Nesses horários as praças estão tranqüilas, e é quando avós, pais
desempregados, irmãs e irmãos acompanham as crianças, quase sempre por um curto
espaço de tempo. Percebemos que em algumas praças, prevalece a ausência de um
arranjo espacial indutor de encontros entre diferentes grupos nas proximidades da
recreação infantil, ou seja; de lugares agradáveis para sentar, preferencialmente na
sombra, e que favoreçam uma permanência prolongada daqueles que cuidam de
crianças (WHYTE, 1980; CARR ET AL, 1992; MARCUS ET al, 1998). A carência deste
conforto está presente na maior parte das praças e não se limita apenas às áreas de
recreação infantil.
“Elas gostam mesmo além de trazer os filhos é de sentar nos bancos e bater um
papo, ver quem está aqui, porque não tem nada para fazer, além de deixar as
crianças brincarem. Aí todos os pais se conhecem por intermédio das crianças...
não tem outra coisa, tá um calorão, vai ficar em casa?”.
Ailton, membro da Associação de Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).
Os bancos, nestes locais são padronizados tanto no que se refere ao material como
dimensões. Geralmente, são em concreto, são fundeados ao solo e têm dimensões fixas,
podendo ser moldados in loco, ou ser pré-moldados. Nem todos estão implantados em
áreas de sombra; em geral, os bancos ao sol são solenemente desprezados. São
distribuídos de maneira uniforme, em linha, em torno das quadras ou nas bordas das
praças junto às calçadas, quando elas existem. Esse tipo de distribuição, em linha e ao
sol, embora de forma alguma seja um empecilho, os impede de ser socialmente
confortáveis em algumas situações [fig. 4/6]. Segundo concluiu WHYTE (p. 28/29, 1980), o
conforto dos bancos não parece ter tanta importância, e sim, a maneira pela qual se
152
153
distribuem, o que permitiria escolhas; sentar onde quiser e com quem quiser. Observando
Xapecó e Bosque, praças cujos bancos mais utilizados são as próprias pedras no alto do
terreno, proporcionando uma bela visão da paisagem circundante, percebemos que o
conforto nesse caso pouco importa.
A utilização dos bancos nos locais pesquisados está inegavelmente atrelada ao conforto
que a sombra proporciona. No BNH, os moradores pintam os bancos fixos de concreto
periodicamente, para que além de “mais bonitos” não “esquentem” tanto. Moradores da
Mangueira declararam não gostar dos bancos em concreto;
“Não gosto dos bancos. Eles são irregulares e quebram, é tudo frágil”. Mauro e
“seus representantes”, 14 anos.
“Gosto mais dos bancos e das mesas, não para jogar, mas para sentar e
conversar”. Cínara, 12 anos.
Mesas de jogos são quase sempre os locais preferidos para sentar, porque a sua
distribuição é mais cuidadosa; são distribuídas em conjuntos, de 3 ou 4, o que
proporciona a reunião de diferentes grupos para conversar, especialmente quando estão
sob a sombra da copa de uma árvore. As mesas de jogos também são locais para
esperar o tempo passar observando os acontecimentos cotidianos. Quando elas não
estão em área já sombreada, a tendência é a população pedir alguma espécie de abrigo
ou cobertura, pedido que raramente é atendido, porque implica na instalação de
estruturas fixas nas praças, proibidas por lei. A sombra desejada irá surgir daqui a alguns
anos, após o crescimento de alguma árvore plantada entre as mesas, não restando
alternativa, a não ser esperar. Outra questão é a concretização da sua função original;
“mesa de jogos para idosos” que ocorre esporadicamente, conforme relatado por
moradores do entorno de algumas praças. Os moradores da Olga Costa Leite relataram a
existência de um grupo fixo de idosos jogando durante os fins de semana. Avistamos no
Zeca Russo dois meninos jogando damas com feijões e pedrinhas. Aílton, da Associação
de Moradores do Jardim das Hortências (AMOJAH), ou Praça da Mangueira, porém,
confirma o uso rarefeito das mesas pelos idosos;
“Estamos tentando fazer isso (com que os idosos usem as mesas de jogos), mas
ainda não conseguimos. O pessoal não usa muito. Ali tens uns garotos que jogam
sueca, aqui tem buraco e damas. Como não tem a dama (as peças) a gente
emprestou e sumiu tudo, igual à bola”. Ailton, membro da Associação de
Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).
154
QUADRO 1 – AS MUITAS ATIVIDADES PRATICADAS NAS PRAÇAS97.
97
Segundo a pesquisa de campo e o relato dos moradores. Nem todas as atividades relatadas foram avistadas ou são
habituais.
155
A QUESTÃO DA VEGETAÇÃO <<
“Eu acho que tem uma expressão que foge ao nosso entendimento. (...) no dia da
inauguração da praça eu comecei a conversar com uma senhora e ela falou
assim; - Agora eu tomo conta daqui. Eu não tenho nada nessa vida, venho para
cá e cuido das plantas. A vida dessas pessoas às vezes é um inferno e você
coloca um jardim na frente delas e a vida muda completamente”.
Vera Dodsworth, Presidente da Fundação Parques e Jardins.
Nas praças, uma das formas de apropriação mais comuns é a interferência dos usuários
nos jardins e árvores existentes. O estabelecimento dessas relações entre usuário e
vegetação, começa quando algum morador espontaneamente planta ou “adota” alguma
árvore, regando-a regularmente, criando protetores para impedir o vandalismo de mudas,
colocando golas98 improvisadas, criando canteiros de flores onde eles não existem. As
praças transformam-se em extensões das habitações; da mesma maneira que qualquer
um de nós pode cuidar do jardim que deseja ter no “seu” lugar, ou na sua casa, o espaço
das praças torna-se terreno possível para a sua criação. A oportunidade de criar permite
o desenvolvimento do senso de pertencimento, e o estabelecimento de uma nova
identidade com o entorno habitado, tantas vezes homogêneo e monótono. As praças
ressurgem como “espaços existenciais”, conforme conceituou NORBERG-SCHULTZ (1980,
p.9), referindo-se aos lugares “onde podemos experimentar nossas vidas como
98
As golas funcionam como berços para as árvores; ali o vegetal está em contato com a terra e com os nutrientes
necessários à sua sobrevivência. As golas improvisadas em anel de concreto ou pneus, em geral, são impróprias contendo
o crescimento do vegetal.
156
significativas” através da “graça do florescimento e do crescimento” oferecido pela
presença da natureza. Desde que “a presença da vegetação é a manifestação de uma
realidade viva” (p.25) esse relacionamento contínuo, simboliza o desejo humano de
acompanhar e compreender as próprias mutações refletidas no espaço ao longo do
tempo.
157
158
[
159
A inserção de canteiros ou jardins pela população é uma forma comum de apropriação e
uma atitude recorrente nessas praças. Quase todas elas apresentam algum tipo de
plantio efetuado pelos freqüentadores, em golas de árvores ou no terreno, e a
“tradicional” pintura branca na base de troncos de árvores e palmeiras. Com orientação
adequada talvez esse interesse da população pudesse ser revertido em benefício do
poder público e dos próprios usuários das praças, através da educação ambiental. No
Xapecó, por exemplo, a topografia em desníveis foi explorada para a implantação de
arbustos e forrações. Algumas golas de pneus, ou de manilhas, foram improvisadas em
torno de árvores e canteiros, e pintadas com cores vibrantes. Nas faixas entre as pedras
do terreno, pequenos agrupamentos de flores vermelhas foram plantados dentro de
“canteiros” em pneus pintados de cores diversas [4/9]. No Xapecó, não são somente os
jardins que estão pintados; as pedras, com desenhos e mensagens religiosas [4/10], os
brinquedos, os bancos improvisados com restos de tábuas e os troncos das árvores,
também estão pintados nas cores da bandeira brasileira, como lembrança da última Copa
do Mundo (2002)100. Essa praça, que se destaca pela convivência com o Ciep, é sem
dúvida, a praça mais colorida e “decorada” entre todas as investigadas.
Uma das questões surgidas durante a pesquisa, refere-se ao tamanho das mudas de
árvores implantadas não só nas praças, como também nas ruas, e a sua depredação
constante. Mudas muito pequenas são mais frágeis e suscetíveis ao vandalismo, dessa
forma, o seu porte inapropriado é um facilitador para a depredação. A população
impaciente com o lento crescimento das árvores, e ansiosa pela sombra imediata,
costuma plantar outras espécies de crescimento mais acelerado [fig. 4/11]. Plantios no
entorno de escolas, ou em locais onde exista aglomeração de adolescentes, costuma
terminar em depredação. Informar o tempo de desenvolvimento do vegetal, e os
benefícios que a sua presença pode trazer para a comunidade no futuro são tarefas para
uma educação ambiental efetiva, o que poderia reverter esse quadro de depredação e
vandalismo.
100
Por ocasião da Copa do Mundo de futebol, os espaços públicos cariocas são incentivados a se enfeitar com as cores da
bandeira brasileira para disputar, em seu bairro, qual foi o mais bem “decorado”.
101
Ficus benjamina é uma árvore de origem exótica, grande porte e crescimento muito rápido.
160
161
162
“A depredação de mudas é presente. Tenta entender, o cara chega e tem prazer
em quebrar a muda. É sempre próximo a escolas, a locais onde existem
aglomerações de jovens (...). Nas escolas e seu entorno vandalizado seria uma
pré-condição a educação ambiental”. Lourenço, Diretor da 7ª DOC, da Fundação
Parques e Jardins.
163
está nos equipamentos e mobiliário, mas também está no descaso com a vegetação e na
desinformação da população e dos órgãos públicos em relação a sua relevância. O
jardim, como já ilustrado, tem importância fundamental para o ser humano e para as
cidades, tanto sob o aspecto ambiental urbano, como sob aspectos transcendentes. Sua
ausência nas praças é incompreensível. Se os empecilhos relacionam-se a recursos
financeiros e humanos, a administração pública poderia repartir com a própria população
a responsabilidade pela criação ou a manutenção dos mesmos. Quanto às árvores, é
necessário um investimento em mudas com o porte e a qualidade compatível com as
dificuldades inerentes ao meio urbano.
BNH Sábado, dia 25 de setembro de 2004, 14:30 horas, anotações do diário de campo.
“Assim que cheguei observei uma movimentação na praça, com a instalação de bancos de
igreja junto à quadra e a montagem de um equipamento de som. Era um culto da igreja
Metodista que, segundo aqueles que o estavam montando, pretendia atrair fiéis - “já que
eles não vão ao templo, nós vamos até eles”. Puxaram a eletricidade de um poste em
frente à quadra, montaram tudo e se preparavam para começar. Algumas pessoas das
redondezas foram chegando vagarosamente; a maioria homens. O movimento estava
grande. Aposentados observando o movimento, mesas de jogos servindo como mesas
para as pessoas conversarem, adolescentes em bando sob a sombra conversando,
crianças jogando bola na quadra. Meninas, nenhuma. No momento mais de 50 pessoas
estão na praça”.
102
O marco espacial ao qual nos referimos não deve ser confundido com o marco apresentado no livro “A Imagem da
Cidade” de Kevin Lynch, junto aos outros elementos de orientação espacial como as vias, os nós, os bairros e limites. Os
marcos aos quais nos referimos são símbolos do domínio do espaço por um determinado grupo.
164
valendo-se daquele espaço para tornar pública essa intenção. Ressaltamos que o BNH é
a praça mais próxima da Igreja de Santa Rita, católica, e objeto de devoção manifesto por
alguns dirigentes das comunidades próximas.
“Na Zona Oeste tem muito essa questão da religião evangélica. Você sabe,
quanto mais pobre a população que não tem acesso a determinadas informações
(...) eles se acham donos das praças (...) tem um dado importante na Zona Oeste,
quem era macumbeiro virou evangélico; macumbeiros só se vêem nas
cachoeiras”. Lucinha, vereadora.
Marcos religiosos e cultos evangélicos não são o único tipo de apropriação religiosa a
ocorrer nas praças. Rala Côco possui um templo cristão construído na parte mais alta da
praça, em local bem visível tanto para quem chega a pé como de automóvel. O templo,
com acesso precário e aparência inacabada, certamente foi construído com mínimos
103
Ver Introdução, Perspectivas Teóricas e no Capítulo 1, página 27..
104
A história das praças no Brasil está ligada à igreja católica; muitas das primeiras praças cariocas por exemplo, foram os
adros das igrejas. Ver o primeiro capítulo; “Sobre as praças no Rio de Janeiro”.
165
166
167
recursos [fig.4/14]. A construção de igrejas e templos dentro das praças não é uma
situação legalmente reconhecida pela administração municipal, no entanto, essas
construções existem. É usual alguns políticos e moradores planejarem ou induzirem a
utilização do espaço das praças, que acreditam ideal para instalar equipamentos públicos
como creches e postos de saúde, reproduzindo infinitamente uma distorção histórica na
hora de compreender a relevância dos espaços públicos como equipamentos urbanos a
serviço de toda a comunidade (não apenas de alguns) [fig.4/15]. A Praça Rala Côco, por
exemplo, recém reformada, mantém uma área não urbanizada, reservada para
implantação de equipamentos públicos como posto de saúde ou creche. Esses
equipamentos nunca serão implantados porque é proibido – e o trecho não urbanizado
permanecerá como coletor de lixo, sujo e abandonado, em contraste com o restante da
praça.
“Eu falei com a Mitra, mas não adianta porque ali nada é legalizado (...) aí tivemos
que fazer um projeto de derrubar a igreja. Não tem uma parte com entulho? Ali é
para construir a creche (...) se a gente urbanizasse toda a praça depois não
poderíamos fazer a creche”. Lucinha, vereadora.
168
169
170
“As praças em geral já têm ambulantes. Às vezes projetamos a colocação de 2 ou
3 quiosques padronizados, e retiramos os outros. Tem que ter água, luz, esgoto e
armazenamento. Nós projetamos dois na Vila Santa Rita”. Renato Dantas, Diretor
de Projetos da RioUrbe.
“A praça da Santa Rita, quando ficou pronta eu disse assim: vão querer colocar
quiosque aqui porque vai faturar no verão! (...) O primeiro que colocar um tijolo lá
eu vou chamar a polícia! Porque não tendo nenhum não tem problema, o problema
é você deixar um, aí, quem é que não vai querer ter um quiosque sem pagar nada,
colocar lá a cerveja, aí chega um cara para vender pó e fica lá encostado...”
Lucinha, vereadora.
“(...) estão pedindo para eu falar com o presidente. Se ele autorizar (...) vamos na
prefeitura, tem que marcar o espaço. Vamos escolher onde guarda o material,
mas no quiosque tem que ter banheiro, até a prefeitura vai cobrar isso. (...) O ideal
é vender de tudo, querem que funcione depois das 17 horas”. Ailton, membro da
Associação de Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).
105
Decreto 6929/1987, Decreto 14.608/1996, Decreto nº 17746/ 22-07-1999 (Regulamentação no uso das praças) e lei
1876/ 29-06-1992.
106
Fundação Parques e Jardins, Secretaria de Meio Ambiente e da Fazenda.
171
172
173
174
comércio de alimentos nas praças, ou próximo delas, atrai as pessoas, injetando
vitalidade nos lugares, mas também atrai problemas como o alcoolismo e o tráfico de
drogas. Para que os quiosques efetivamente funcionem, o poder público está obrigado,
além de garantir a segurança, a lidar com a questão da fiscalização, controlando a venda,
a qualidade, e o armazenamento dos produtos para que não ofereçam perigo à saúde
pública, evitando também o depósito de resíduos alimentares e lixo.
“Eu acho uma questão complicadíssima. Na Zona Oeste tem que ter na medida
em que faz parte da economia possível para aquela comunidade. Mas tem que
ser uma coisa muito organizada, tem que ser controlado, tem que ter um número
fixo. Se juntar um monte, acaba atraindo um número muito grande de pessoas, os
moradores em volta vão reclamar (...) tem quiosque que cumpre bem o seu papel
e tem o que é bagunça (...) Passa por vários aspectos com a prefeitura tomando
conta pelo momento em que a sociedade vive”. Vera Dodsworth, Presidente da
Fundação Parques e Jardins.
“O problema ali é que tem que ser praça ou campo de futebol. Ou é praça ou é
campo, porque o campo está sempre beneficiando alguém que com certeza aluga
aquele espaço. Aquilo ali foi uma situação política como sempre, um pedido para
se manter o campo. Eu acho errada essa situação do cara, alguém estar se
beneficiando do campo, usufruindo financeiramente daquilo, e se ele tem um
probleminha na praça ele vem acionar a FPJ”. Lourenço, Diretor da 7ª DOC da
Fundação Parques e Jardins.
107
Citação do Arquiteto Adilson Roque dos Santos – a praça é um clube.
175
176
177
Outro marco simbólico observado foi a sede da associação de moradores de bairro,
demarcando no território visível, e a princípio neutro, a sua função. Mangueira e Bosque
possuem suas sedes instaladas nas praças. São edificações pequenas, quase sempre
trancadas, em alvenaria, sinalizadas com o nome da associação, e abrigam
eventualmente os responsáveis, ou seus diretores, que também detém a chave dali. É o
local de onde emanam algumas regras da vida pública do bairro; onde são decididas as
formas de se obter benefícios para a comunidade e quais as questões comunitárias mais
urgentes a resolver [fig. 4/20].
Como o poder público não tem presença forte nessas praças, o uso e o acesso ao
espaço são controlados a maior parte do tempo diretamente pela própria comunidade e
seus usuários, e indiretamente pelos políticos atuantes na área, um dos canais mais
velozes para obtenção de benefícios urbanos e sociais. Percebemos que as ações
destes grupos refletem em parte, alguns modelos de controle do espaço existentes em
outras zonas da cidade do Rio de Janeiro, de características sociais e econômicas
distintas. Os grupos sociais que controlam as praças de Campo Grande tentam utilizar as
mesmas ferramentas de pressão para obtenção de benefícios em seus bairros, como o
tráfico de influências, o “você sabe com quem está falando” (DA MATTA, 1985, p.67) e o
domínio territorial; só que esses grupos têm que lidar com uma realidade sócio-
econômica diferente. LYNCH (1981, p.154) acredita que existem formas não concretas de
controle, que ele classifica como direitos “não legais” sobre o espaço. 108
LYNCH os divide
em direito a presença, que é o direito de estar em um lugar, sem no entanto, excluir
outros indivíduos; direito ao uso e ação, que corresponde à possibilidade de comportar-se
livremente, respeitando, porém, os limites do outro; o direito à apropriação e modificação;
e finalmente, o direito de dispor do próprio direito sobre o espaço. Esses direitos podem
ser explícitos ou implícitos, informais ou ilegítimos, eficazes ou ineficazes. Os direitos de
uso e controle devem ser congruentes entre si, isto é, quanto maior o domínio dos
108
Refere-se ao direito de propriedade como direito legal.
178
usuários sobre um espaço, mais eles controlam a sua própria permanência nele (p.152).
Encontramos no local pesquisado, um pouco de todas essas manifestações de “direitos
não legais” sobre os espaços descritos por Lynch.
Entre os direitos descritos, aqueles mais afetados pelo tipo de controle que é exercido
nas praças são os direitos à presença, e ao uso e ação, manifestos pela restrição à
permanência e ao acesso de alguns indivíduos, o que gera a maioria dos conflitos
existentes. Ainda, de acordo com os critérios de LYNCH (1981), podemos destacar
algumas das características principais do controle nessas praças; é informal109, mas
legitimado pelas pessoas; é explícito e claro, pois as “regras” de uso, respeitadas ou não,
são aceitas como necessárias. Em alguns locais, logicamente, são mais eficazes e
alcançam uma maior congruência que em outros.
“Eu não moro, mas só convivo aqui. O presidente (da associação de moradores) é
meu amigo e eu vim ajudar. Eu trabalho para o Governador Garotinho e para o
Zito, mas o meu trabalho é aqui. O que me pedem eu faço, eu sou quebra galho
de tudo. Essa praça é da prefeitura, e a associação não tem nada haver com o
César Maia e Garotinho, mas somos nós que tomamos conta”. Ailton, membro da
Associação de Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).
O controle sobre o uso do espaço geralmente é empreendido por algum morador mais
antigo e respeitado, ou pelo presidente da associação de moradores do loteamento, e
seus conhecidos. Esse poder é raramente exercido por um só indivíduo, e necessita do
apoio dos possuidores de maiores recursos financeiros, ou daqueles que tem conhecidos
no meio político, de forma a pressionar a administração pública por benefícios para a
comunidade, não importando quais instâncias governamentais serão acionadas. O
controlador em geral, exerce duas funções; a primeira é fazer a manutenção periódica do
lugar e dos equipamentos; a segunda é afastar os intrusos e “favelados” para longe dali,
mantendo o território livre para os moradores do entorno. A terceira função seria
organizar a programação de atividades não rotineiras como festas, eventos religiosos e
campeonatos esportivos, distribuindo-os de acordo com os interesses que prevalecem
naquele momento:
“Dia 22, vai ter uma festa da igreja batista, a praça será limpa o presidente (da
associação) pediu para programar, tanto é que ele me comunicou ontem. Ta tudo
certo para o dia da festa, nesse dia a praça é da igreja batista. Esse dia não tem
bola na praça, está tudo agendado lá na associação de moradores, com horário e
109
Embora nem sempre seja assim, às vezes a municipalidade incorpora essas ações, sustentando financeiramente o
controlador do espaço, e incentivando a escolha do controlador através de assembléia comunitária. Existia um projeto
denominado “guardião da praça”. O guardião era eleito pelos moradores do loteamento, recebia da prefeitura e prestava
contas à comunidade. Antigos moradores sentem falta desse projeto.
179
tudo”. Ailton, membro da Associação de Moradores da Praça da Mangueira
(AMOJAH).
“Os favelados vêm zoar. É que eles não deixam ninguém em paz jogar, brincar.
Apagaram a luz do poste. Aterrorizar para eles é diversão”. Cínara, 12 anos.
Mangueira.
180
ações e o vandalismo são necessariamente praticados pelos que vêm “de fora”. Essas
atitudes podem estar sinalizando, que “o vandalismo é resultado da competição pelos
espaços existentes e freqüentemente um protesto específico contra a inadequação do
provimento, gerenciamento e manutenção dos espaços livres” (CARR ET AL, 1992, p.359).
“Para as crianças quando não é tão bom, quando não tem brinquedo para todas
brincarem, elas jogam caco de vidro. O balanço, por exemplo, está sempre
quebrado”. Patrícia Maria, 18 anos. Zeca Russo.
O outro lado nos revela que a restrição ao livre acesso prejudica principalmente as
crianças pequenas das favelas, que desejam utilizar o espaço e não possuem outras
opções de lazer.
“É um preconceito, não tem nada haver! Na favela não tem área de praça, se no
bairro formal tem área de praça, a criança vai brincar aonde? Vai brincar na praça,
pô! Só que quando ela chega na praça a turminha já sabe e começa a
discriminar”. Lucinha, vereadora.
A quadra polivalente pequena111 tornou-se o local preferido da Rala Côco, porque além do
piso cimentado, pode ser trancada à chave. O cercamento é um aspecto positivo, pois é
comum a bola ultrapassar os limites da quadra, indo cair nas residências vizinhas,
incrementando as brigas existentes entre vizinhos e os usuários das praças. Por outro
lado, a quadra trancada à chave impede a plena utilização e afasta as meninas, pois são
os rapazes e os homens que retém as chaves, e controlam o seu uso. Mariana, 15 anos,
nos contou que;
“Normalmente os garotos não deixam a gente jogar aqui. Gosto da praça em si.
Gosto de jogar, mas não consigo, só no Zeca Russo”. Mariana, 15 anos, Rala
Côco.
111
A quadra polivalente pequena normalmente permite a prática de três esportes conjugados em um mesmo espaço: vôlei,
futebol de salão e basquete.
181
As meninas só têm oportunidade de jogar na quadra quando existe uma programação
“externa”, promovida pela administração municipal. Essa programação funciona
esporadicamente. Sua continuidade poderia permitir a criação de uma nova mentalidade
de aceitação entre os meninos (e os homens). CARR ET AL (1992) acreditam que se as
exigências de um grupo restringem seriamente a liberdade de outros, o gerenciamento
local ou a administração pública, poderiam intervir para reverter as disputas. O controle
externo constante, no entanto, pode se transformar em uma camisa de força para a
municipalidade; as quadras ou campos de futebol deveriam se manter democraticamente
em uso na maior parte do tempo, independentemente de qualquer tipo de controle
externo, abrigando qualquer sexo ou faixa etária.
Frequentemente, solicitações por controle externo são colocadas pelas próprias mulheres
como a melhor solução para permitir que o espaço também seja utilizado por elas.
Lucimar, 31 anos, acredita que é necessário mais que um programa municipal de
atividades só pra elas, sugerindo que para regularizar o uso do espaço alguma mulher da
comunidade fique por ele permanentemente responsável;
“Poderia existir uma área só para meninas ou uma programação especial para nós.
A chave da quadra poderia ficar com as meninas ou com uma mulher que vai
entender melhor como é a praça”. Lucimar, 31 anos, Rala Côco.
Essas questões de uso entre homens e mulheres também são comuns entre os adultos e
os jovens do sexo masculino. Normalmente os homens afastam os adolescentes das
praças em determinados horários. Para estes jovens resta jogar e brincar apenas em
horários calorentos, ou dias chuvosos, porém menos disputados. De acordo com o que
nos relata Fabricio, 12 anos;
“Os caras maiores vem da Santa Rita tirar a gente daqui de noite. Só quando tem
treino eles não fazem isso.” Fabrício, 12 anos. BNH.
MEDEIROS (In; COSTA, 1993, p. 206 a 210) acreditava que o princípio para o
funcionamento dos diversos playgrounds espalhados pelo Parque do Flamengo estaria
baseado na oferta de um tipo de recreação organizada com intenção educacional, para
pessoas de todas as faixas etárias, associada a um padrão de equipamentos
recreacionais. Para que essa ideologia funcionasse a contento, ela advogava a presença
de recreadores ou animadores sócio-culturais que poderiam pertencer ou não à
comunidade, cuja função seria promover as atividades de recreação controladas. Para
MEDEIROS, a função recreacional educativa estaria indiscutivelmente interligada a um
rígido controle, tanto do espaço, através do cercamento e do controle de acesso, como
182
do comportamento dos seus usuários, através do acompanhamento por educadores. As
idéias de Medeiros, compatíveis com alguns ideais que marcaram uma época, “caíram no
gosto do poder público”, tornando-se regra geral e modelo arquitetônico para inúmeros
parques, mas também para praças de todas as dimensões implantadas pela cidade do
Rio de Janeiro. O resultado inesperado é que quando o controle externo não está
presente, essas áreas podem não funcionar da forma prevista, prejudicando justamente
aqueles que pretende beneficiar, como as crianças e idosos, tornando-se por fim, um
campo de provas para o desenvolvimento de conflitos, onde o mais fraco sempre perde.
Quando a programação contínua das atividades de recreação não ocorre, o resultado
provoca locais sub utilizados e perigosos.
“Nós da associação pega o dinheiro, vai lá e conserta. Nós mesmos, não vem
ninguém aqui consertar nada. O presidente da associação dá o dinheiro do bolso
dele e conserta. Aqui não tem remuneração de nada. Eu fui no Zeca Russo, vai lá
ver tá tudo quebrado é triste”. Ailton, membro da Associação de Moradores da
Praça da Mangueira (AMOJAH).
112
Secretaria Municipal de Esportes e Lazer.
183
MONOTONIA, PADRONIZAÇÃO E MODELOS
“Você sabe o padrão qual é né, tudo igual (...) pode passar em tudo que é praça
que é a mesma coisa, mas é o padrão, é o que tem né!(...) a gente não pode nem
pedir outro tipo de coisa e nem fazer (...) De graça assim, vai gastar para fazer é
padrão e acabou.” Ailton, membro da Associação de Moradores da Praça da
Mangueira (AMOJAH).
113
Segundo o PEU a maioria dos trabalhadores trabalha na própria RA ou em RAs próximas, não significando que este
seja um bairro dormitório.
184
Projetadas ou não, muitas praças sofrem a imposição de limitações que se superpõem às
condições esperadas para satisfazer a qualidade requerida para aquele espaço.
Freqüentemente, os custos de implantação das obras podem sofrer interferências que
irão empobrecer o conteúdo do projeto, quando um investimento maior seria necessário
para a obtenção de boa qualidade funcional e edificada.
“(...) quanto é para fazer a praça? Quem decide são os arquitetos e não eu. Aí eu
tenho conhecimento: Lucinha, vai ficar em R$ 380.000,00. Aí eu digo: pô essa
praça é de ouro é? Ta muito cara, o prefeito não vai aceitar. Baixa o valor desse
projeto para fazer com 300 mil”. Lucinha, vereadora.
“(...) eles reproduzem aquilo que deu certo numa praça para todas as outras (...)
porque a comunidade nunca teve nada então ela vê aquele e quer tudo igual”.
Lucinha, vereadora.
“Fazer praça hoje é muito fácil (...) hoje você tem a Riourbe, a Secretaria de Obras
e a de Esportes e Lazer, todas elas fazem projeto e executam, o IPP faz projetos,
existem muitas pessoas, arquitetos paisagistas e escritórios, que trabalham o
paisagismo do espaço público em geral (...) difícil é mantê-lo, fazer a conservação
não como foi construído, mas a sua adaptação, a reavaliação dos espaços”.
Sylvia Coelho, Diretora de Planejamento da Fundação Parques e Jardins.
E já que a praça pública padrão é muitas vezes moeda de troca entre o político e a
população, quase todas as secretarias municipais são incentivadas a desenhá-las
disputando entre si os projetos, o que por sua vez, permitirá que possam ser velozmente
construídas, em um processo que à primeira instância aparenta ser bastante vantajoso
para todos os lados. Assim, existe uma competição de responsabilidades e de
mentalidades responsáveis, que privilegiam um aspecto só do desenho, de acordo com
185
a divisão político-administrativa dos serviços urbanos, ou com aspectos estilísticos do
desenho, ao invés de integrá-lo em seus vários aspectos.
“Eu não acho que os projetos deles tragam um passado. São coisas muito
recentes aplicadas de qualquer maneira, e certos conceitos básicos de projeto
terminam esquecidos. Se nós pecamos porque não vestimos o terno certo para o
freguês certo eles pecam mais ainda... porque eles não têm de forma nenhuma a
vivência da praça”.
Ronaldo Benevello, Diretor de Projetos da Fundação Parques e Jardins.
“Não tem nada de divertido para minha idade”. Suelen, 13 anos. Zeca Russo.
186
“Aqui tinha funk, pagode, axé e rock dos anos 70. Há uns três anos atrás a obra
foi inaugurada. O Conde e a Lucinha114 brigaram pelo território da praça, mas o
Zeca Russo, que é parente da Lucinha, é que manda (...) Queremos as atividades
antigas de volta”. Trecho de conversa informal com adolescentes e jovens que
freqüentam o Zeca Russo.
LYNCH (1981, p.200) discute os modelos de desenho urbano115 afirmando que um dos
problemas do modelo, é que ele só faz referência a formas completas “concentrando-se
mais nas coisas do que nas conseqüências destas coisas para os seres humanos”. Se
nos voltarmos aos conceitos de SANTOS (1994) poderemos dizer que os modelos quase
sempre se referenciam mais nos objetos do que nos sistemas de objetos e de ações.
Compreendemos com isto, que a forma pretensamente completa de um espaço ignora a
realidade das mudanças contínuas, e que os processos de transformação urbanos
devem ser freqüentemente observados para possibilitar o aperfeiçoamento dos
desenhos. Não se trata, pois, de rejeitar o uso de modelos e padrões, extremamente
úteis como ponto de partida para se compreender e organizar a realidade, mas de
reconhecer a sua necessidade constante de adaptação, já que nenhum modelo fica
cristalizado no tempo. Trata-se, pois, da defesa dos parâmetros da realidade que
permanecem nos lugares, e não de políticas, obras ou desenhos específicos.
SISTEMAS DE LUGARES
114
Candidato a prefeito na ocasião e vereadora responsável pela área.
115
Lynch, na verdade, discute uma escala de modelos muito maior, as de desenhos de cidades, mas a discussão sobre
modelos me pareceu válida para a escala da praça.
187
permeia os processos que as envolvem, desde a sua concepção. De acordo com o
conceito proposto por COSGROVE (1998), essas praças são paisagens excluídas, já que
não estão permanentemente incorporadas às políticas públicas urbanas e ao contexto
das paisagens relevantes da cidade. Essas praças também estão desprovidas de um
enfoque paisagístico e sistêmico que as observe como elementos integrados ao meio
ambiente e à cidade.
QUEIROGA (2003) acredita que as condições de um lugar, sejam elas sociais, formais,
funcionais ou culturais, propiciam ou limitam os objetos e as ações que dão suporte ao
desenvolvimento das pracialidades. Durante a pesquisa encontramos nas praças
inúmeras insuficiências e deficiências estruturais. Observamos também, a construção de
uma escala de valores refletida na especialização funcional de cada espaço, decorrente
justamente dessas deficiências. As deficiências existentes em determinada praça, são
compensadas pelos usos possíveis em outra, originando uma espécie de
“hierarquização” dos espaços. Esse processo desemboca em intensa articulação dos
usos, através da valorização de alguns elementos de um lugar sobre os de outro. As
apropriações contribuem para a construção desta fisionomia hierarquizada; os diferentes
usos se conectam, através da movimentação das pessoas em busca das funções
preferidas em cada lugar, ou das vantagens que determinado espaço oferece.
A partir das experiências da população, cada praça surge como uma entidade única
dentro do conjunto pesquisado, identificada por distinções coincidentes entre grupos de
indivíduos. Acreditamos que essas distinções ocorrem provavelmente, devido a uma
oferta excessiva de praças públicas similares, muito próximas e não caracterizadas por
diferenças funcionais. Mas a atratividade e a predileção por um local logicamente não
residem apenas nisso; existem outras razões associadas a essas distinções, como a
identidade e o senso de pertencimento ao lugar, sensação de conforto, de controle e de
organização do espaço, tranqüilidade, beleza, possibilidade de encontro; aliados as
outras questões como a localização da praça, os equipamentos, as atividades, as
pessoas que as freqüentam.
QUEIROGA (2003) nos diz que um desenho inadequado de praça pode enfraquecer o seu
uso. Concordamos com essa colocação, ressalvando, no entanto, que quase todas as
praças desta pesquisa parecem possuir um desenho “inadequado”; mas que mesmo
assim, em conjunto, mostraram-se possuidoras de um contexto propício para o
desenvolvimento dos significados de praça pública. NORBERG-SCHULTZ (1980) ressalta
que as condições econômicas de um lugar oferecem uma estrutura para o transcorrer da
188
vida, mas não determinam necessariamente os seus significados, que têm certamente,
uma razão mais profunda. De fato, o estabelecimento dos significados de um lugar para
um indivíduo, não dependem de uma abordagem sócio-econômica ou funcional do
espaço, que tende a desconsiderar as questões intangíveis de um grupo ou de um lugar.
QUEIROGA (2003) acredita que dentro do trabalho do arquiteto na praça, considerar
somente forma e função como ponto de partida é um equívoco, já que a praça é o lugar
do imprevisto, das diversidades e das práticas sociais conflitantes.
SUMÁRIO
189
190
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Considerações Finais têm como objetivo trazer o resumo da dissertação, destacando
suas principais conclusões. O tema geral deste trabalho é o sistema de espaços livres da
cidade do Rio de Janeiro, direcionado a uma tipologia específica deste sistema; a praça
pública. Após pesquisa empírica, foi selecionado como recorte espacial e estudo de caso,
um conjunto de nove praças públicas próximas, localizadas no bairro de Campo Grande.
Essas praças localizam-se em loteamentos voltados à população de baixa renda, têm
desenho e equipamentos padronizados, recursos de implantação limitados e manutenção
praticamente inexistente. Algumas praças deste conjunto foram projetadas e passaram
por obras recentes datando do mesmo período administrativo municipal (entre 2000 e
2003), enquanto outras não. Decidimos enfocar os usos e as apropriações nas praças
muito mais do que a sua morfologia, já que partimos do pressuposto de que a forma
desses espaços também é definida pela sua utilização.
192
praça, e excluídas; como aqueles locais que não têm relevância dentro da cidade, e por
isso ficam a maior parte do tempo esquecidas.
A evolução dos conceitos de espaços livres públicos como sistemas de recreação foram
investigados com o intuito de se compreender os modelos de desenhos e equipamentos
das praças atuais. Suas raízes datam do final do século XIX, mas foi durante o
movimento moderno que esses modelos foram aperfeiçoados, dando origem às tipologias
para recreação, apoiadas em critérios funcionais como gênero e faixa etária, e
proporcionais em quantidade e dimensões, ao número de habitantes, e a índices de
áreas verdes. O Rio de Janeiro absorveu esses modelos na distribuição funcional e nos
tipos de equipamentos, na implantação das áreas de recreação em alguns parques e
praças públicas. Concluímos que a ausência de um olhar geral e integrado sobre os
espaços livres públicos e sua integração com o meio ambiente urbano têm gerado
distorções relativas aos seus aspectos funcionais, à sua distribuição e a quantidade de
população atendida. Em seguida, apresentamos um painel das tipologias de espaços
livres públicos contemporâneos em planos de diferentes cidades. A exposição desses
planos procura ofertar diferentes enfoques e intenções de projeto ou gestão, adotados
193
em diferentes culturas, para reafirmar a forma sistêmica de observação dos espaços
livres públicos.
194
recortada por importantes eixos viários que colaboraram para impulsionar o seu
desenvolvimento urbano, como a Estrada Real, nos primeiros séculos de colonização; a
Estrada de Ferro Central do Brasil no final do século XIX, e a Avenida Brasil e rodovia
Rio-São Paulo, no século XX.
O século XX no bairro é apresentado através das avaliações feitas pelo projeto de lei
recém aprovado para a RA, o PEU de Campo Grande (2004). O capítulo também
apresenta as políticas públicas para a região, e estuda as determinações para
implantação de equipamentos urbanos como ruas, escolas e praças públicas na
legislação de loteamentos. Acreditamos que as leis que garantem a existência dos
equipamentos públicos urbanos na cidade terminam também por condicioná-los. Assim, o
loteador geralmente seleciona para a implantação de praças os piores terrenos dos
loteamentos, já que eles têm que ser doados ao município. Não é também levada em
conta a proximidade entre praças de diferentes loteamentos, quanto as similaridades no
aspecto funcional, o que termina por torná-las todas iguais. Além disso, depois de
implantadas, raramente recebem alguma atenção do poder público, principalmente no
que é relacionado à manutenção. As praças tornam-se paisagens residuais e excluídas,
tanto territorialmente como em seu significado tradicional de praça (COSGROVE, 1998).
Isso, porém não as impede de possuir um forte potencial para o desenvolvimento das
pracialidades (QUEIROGA, 2003, 2004), conforme veremos nos capítulos seguintes. O
capítulo finaliza com o perfil do recorte espacial pesquisado, mapa geral dos usos, e traz
plantas baixas e imagens de cada praça.
195
Fechando o capítulo apresentamos as praças através de sua nomenclatura, de uma
tabela-síntese, de mapas, plantas baixas e imagens. Sintetizamos os dados como, usos,
usuários, fatores positivos e negativos e equipamentos existentes em uma tabela-síntese.
Essa tabela baseou-se na metodologia de análise dos espaços livres públicos, ofertada
por MARCUS ET AL (1998). Seguimos com mapas que aplicam a metodologia explicada na
Introdução, inspirada nos trabalhos feitos pela APUR (1989) em Paris. Em nosso trabalho
também estudamos as áreas de praças em relação às suas vizinhanças e a origem dos
seus usuários. Concluímos através da observação da sobreposição das zonas de
influência das praças, que algumas estão muito próximas, representando um bom
quantitativo na distribuição desses equipamentos – o que não é necessariamente um
indicativo de qualidade dos espaços. Através da observação das origens percebemos
que muitos usuários partem de locais que ultrapassam as vizinhanças imediatas,
tornando o raio de 500m em torno de cada praça uma questão apenas teórico-
instrumental.
O último capítulo mostra os usos e as apropriações nas praças investigadas, além dos
elementos mais valorizados pela população em seu uso cotidiano. Primeiramente, foram
analisadas as relações entre as atividades e os equipamentos oferecidos. Como
atividade predileta, os onipresentes jogos de bola prevaleceram, correspondendo às
preferências dos adolescentes e adultos do sexo masculino, maioria absoluta de
freqüentadores. Na área da pesquisa, onde foram encontradas poucas crianças, os
brinquedos padronizados demonstraram ter uma importância quase secundária em meio
às outras possibilidades lúdicas que as praças podem oferecer. Quanto ao mobiliário,
estes apresentaram uma necessidade de reavaliação, em relação ao desenho,
acabamento e distribuição. As mesas de jogos comprovaram ser um equipamento muito
útil para conversas, mais do que para jogos. As manchas de sombra mostraram-se fator
preponderante e determinante dos horários de freqüência.
196
A apropriação dos espaços livres públicos através da instalação de símbolos e marcos
espaciais como símbolos religiosos, vestiários, e sedes de associações de moradores,
expõem uma ambigüidade entre a expressão do poder pelo grupo dominante e a
capacidade de organização comunitária. Relatos sobre a existência de conflitos e brigas
demonstraram que na ausência do poder público alguns grupos mais fortes costumam se
beneficiar economicamente ao controlar o uso dos campos de futebol e quadras.
Percebemos que atividades que dependem do poder público ou das regras estabelecidas
pela própria comunidade para ocorrer organizadamente, resultam muitas vezes na
exclusão de grupos minoritários como mulheres, crianças e idosos, transformando as
intenções de universalizar os tipos de usuários, em mera intenção.
197
dimensão ao espaço, que vai além do tempo e da técnica; a dimensão do cotidiano, tão
claramente percebida e expressa por SANTOS (1994, p.38);
“Essa é uma nova dimensão do espaço, uma verdadeira quinta dimensão. (...) por
meio do lugar e do cotidiano, o tempo e o espaço, que contém a variedade das
coisas e das ações, também incluem uma multiplicidade infinita de perspectivas.
Basta não considerar o espaço como simples materialidade, isto é, como domínio
das necessidades, mas como teatro obrigatório da ação, isto é, o domínio da
liberdade.”
198
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203
ANEXOS
ANEXO 1
DADOS GERAIS DOS LOTEAMENTOS
LOTEAMENTO 2
Projeto da Fundação Parques e Jardins e da RIOURBE
Praça 3 - BNH
PRAÇA BORBA
PAL 27.158 de outubro/novembro de 1967
Nº lotes 128
Lotes comerciais populares 4
Lotes comerciais proletários 1
Lotes proletários 12
Lotes populares 117
Área total do terreno 31.780,00 m2
Área da escola 636,00 m2
Área de praça 1.272,00 m2
Projeto de loteamento e arruamento popular
Decreto E de criação de praça nº 2.854 de 22 de maio de 1969
A escola não foi construída
LOTEAMENTO 3
Projeto e obras da Fundação Parques e Jardins
Praça 4 – Campo do Mundial
PRAÇA CATULLE MENDES
PAL 30.490 de dezembro de 1956
Nº lotes 394
Lotes comerciais 54
Lotes proletários 340
Área total do terreno 165.862,00 m2
Área de praça 6.634,88 m2
Área de escola 3.322,00 m2
Decreto E de criação de praça nº 1.068 de 11 de abril de 1966
205
LOTEAMENTO 5/ PARQUE VITÓRIA
Projeto e obras da RIOURBE
Praça 6 - Morrinho
PAA/ PAL 9.172/ 30.443 de agosto de 1972
Praça Vitória Quinhões
Nº lotes 68
Área total do terreno 17.350,00 m2
Área da praça 829,00 m2
Loteamento sem área de escola
Decreto municipal de criação de praça 1.642 de 13 de julho de 1978
LOTEAMENTO 7
Praça 8 – Bosque
PAA/ PAL 9.814/ 35.386 de maio de 1978
Praça Ribeiro do Couto
Nº lotes 139
Área total do terreno 46.321,00 m2
Área da praça 2.212 m2
Área de escola 1.502,00 m2
Decreto de criação de praça 2.288 de 18 de setembro de 1979
LOTEAMENTO 9
Praça Hélio Ferreira
Loteamento com área de reserva para praça e jardins
PAL nº 42.968, ano 1992
Nº lotes 198
Área de praça 3.084,00 m2
Reserva de arborização 4.486,71 m2
Área de reserva de jardins 148,20 m2
Área total do loteamento 77.090,50 m2
Decreto municipal de criação de praça nº 14.123 de 16 de agosto de 1995
206
LOTEAMENTO 10/ JARDIM AUGUSTA
PAA/PAL 6.744/20.508
Nº lotes 144
Área total do terreno 83.965,00 m2
Loteamento sem área de praça
2% para área de escola, 1.769,00 m2
LOTEAMENTO 11
PAA/PAL 28.073/8701 de 29 de janeiro de 1969
Nº lotes 50
Área total do terreno 13.659,02 m2
Loteamento sem área de praça e escola
LOTEAMENTO 12
PAL nº 28.490, ano 1989
Nº lotes 11
Área total do terreno 3.360,00 m2
Loteamento sem área de praça e escola
LOTEAMENTO 13
PAA/PAL 36.238/9.938, ano 1979
Nº lotes 24
Área total do terreno 7.780,00 m2
Loteamento sem área de praça e escola
LOTEAMENTO 14
PAA/PAL 44.450/11.246, de 14 de outubro de 1997.
Nº lotes 18
Área total do terreno 8.615,06 m2
Área de praça 450,42 m2
Área de reserva de jardins 114,93 m2
A praça ainda não tem decreto de criação.
LOTEAMENTO 15
PAA/PAL 6.047/18.057, de 17 de abril de 1953
Loteamento proletário
Nº lotes 74
Área total do terreno 23.810,00 m2
LOTEAMENTO 16
PAA/PAL 14.279/20.815, de 10 de junho de 1949
Nº de lotes 89
Sem área de praça ou escola
LOTEAMENTO 17
PAL 20.889, novembro de 1956
Nº lotes 2, ambos comerciais.
Área total do terreno 3.148,00 m2
Área dos lotes 1.288,00 m2
Sem área de praça ou escola
207
ANEXO 2
FREQÜÊNCIA A OUTRAS PRAÇAS
208
J Praça Mangueira
K Praça Mangueira
L Não
PRAÇA 5 - Praça Camiranga
A Praça perto da Rua Moraes
B Às vezes
C Praça do Bosque
D Praça BNH; Zeca Russo; Tucano
E Praça Adelaide; Mundial
F Zeca Russo
G Tucano; Marinha
H Tucano; Marinha
I Não
J Praça do Bosque
K Não
L Não
M Não
PRAÇA 6 - Praça Vitória Quinhões
A Não
B Não
C Praça Mangueira; Adelaide; Cpo Mundial
D Não
E Não
F Praça BNH
G Praça BNH; Zeca Russo
H Não
I Não
J Não
K novo Campo Grande perto do colégio Santa Mônica
PRAÇA 7 - Praça Monte Santo
A Praça Mangueira; Cachoeira do Rio da Prata
B Praça Mangueira; Pça BNH
C Praça Tucano; Mangueira; Cpo Mundial; Rala-Coco
D Praça Tucano; Mangueira; Cpo Mundial; Rala-Coco; Cpo Moinho
E Campo Mangueira
F Praça do Moinho
G Praça da Mangueira
H Praça da Mangueira; Bosque; BNH
I Praça da Mangueira; Bosque
J Praça da Mangueira; Bosque; BNH
K Praça do Bosque
PRAÇA 8 - Praça Ribeiro de Couto
A Não
B Praça Mangueira ; Campo Mundial
C Não
D Não
E Não
209
F Não
G Não
H Não
I Não
PRAÇA 9 - Praça Olga Costa Leite
A Não
B Não
C Não
D Vila Eunice
E Praça do Borba; Campo Mundial; Brejinho
F Não
G Praça do Bosque
H Não
I Praça do Bosque
210
ANEXO 3
QUESTIONÁRIO
LOCAL:
OBSERVADOR: HORA: DATA: ___/___/______
DIA DA SEMANA: S T Q Q S S D
Apresentação:
Meu nome é Andréa. Estou cursando Mestrado em Urbanismo na Universidade Federal do Rio de
Janeiro e estou fazendo uma pesquisa sobre as praças cariocas. Você poderia colaborar comigo
respondendo a este questionário? Muito obrigado.
8. Com quem?
14. Porque?
16. Porque?
18. Porque?
211
20. Qual?
23. Quais?
26. Teria mais alguma coisa sobre este lugar que você gostaria de dizer?
212
ANEXO 4
MAPA DE COMPORTAMENTO
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
213
ANEXO 5
ENTREVISTADOS E ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
VEREADORA LUCINHA
Quais os seus compromissos com a população, qual a região em que atua, há quanto tempo, qual
a sua interferência na viabilização de uma praça; quais os benefícios que as praças trazem para a
população; quem são os usuários e quais os horários de utilização; porque a frequência feminina é
tão pequena; como se processa a segurança; como avalia a sombra e a vegetação; quais são os
programas comunitários existentes e atuantes; se conhece as leis que determinam quais
atividades são permitidas nas praças; qual o seu conhecimento sobre os conflitos; o que acha da
qualidade das obras e dos projetos executados; como avalia comparativamente as praças; como
avalia a distribuição das atividades; como é o processo de destinação de recursos para implantar
uma praça; se reconhece diferenças entre espaços livres na cidade; o que acha da padronização
de atividades e equipamentos; quais os problemas na implantação de quiosques e banheiros; o
214
que acha da implantação de pistas de skate, churrasqueiras, quadras de vôlei de areia, do futebol,
das brincadeiras infantis, dos mendigos; nomenclatura conhecida; marcos edificados nas praças.
RENATO DANTAS
Qual o papel da Riourbe nos projetos, na implantação e na manutenção das áreas; se tem
conhecimento de planos e projetos específicos para a Zona Oeste; como são os processos de
confecção dos projetos; como é a participação dos agentes que atuam nesses processos; o que
acha dos projetos e da padronização dos equipamentos; se percebe diferenças entre projetos
realizados por diferentes órgãos; como vê a manutenção das praças públicas na cidade; conhece
programas específicos para praças da zona oeste; como vê a instalação de quiosques; quais
atividades acredita funcionam melhor nas praças; porque a frequência feminina é tão pequena;
como é a participação comunitária nos projetos e manutenção; quando vai ser implantado um
conjunto de praças próximas, você acha que elas poderiam ser diferentes umas das outras.
VERA DODSWORTH
Qual o papel da Fundação Parques e Jardins nos projetos, na implantação e na manutenção das
áreas; quais dificuldades a FPJ encontra para cumprir suas metas; como administra as praças
públicas; conhece a legislação relativa a praças; como administra as praças da Zona Oeste;
quantas praças existem na Zona Oeste e na cidade; conhece programas específicos para praças
da zona oeste; quais os benefícios de uma praça para a população; como são os processos de
confecção dos projetos; como é a participação dos agentes que atuam nesses processos; o que
acha dos projetos e da padronização dos equipamentos; o que acha da execução dos projetos e
das construtoras; se percebe diferenças entre projetos realizados por diferentes órgãos; como vê a
manutenção das praças públicas na cidade; como é feita a nomenclatura de um espaço; como vê
215
a instalação de quiosques, de eventos, das festas, dos marcos edificados; quais são os programas
municipais funcionando nas praças.
LOURENÇO
Quais as funções da Diretoria de Conservação; quais os benefícios de uma praça para a
população; como a DOC administra as praças; quais os pedidos mais comuns de manutenção;
quais equipamentos e funções você acredita que funcionam melhor nas praças; o que acha da
padronização de projetos; o que acha dos quiosques e eventos; conhece a legislação de praças;
quais os conflitos de uso existentes; quais as diferenças entre os projetos de praças de diferentes
órgãos municipais; quais programas municipais estão presentes nas praças; você conhece as
praças investigadas nessa pesquisa.
216