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PAISAGEM, SISTEMA, LUGAR.

SISTEMAS DE LUGARES NAS PRAÇAS DE CAMPO GRANDE.

AUTOR:
ANDRÉA REGO PEDROSA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM URBANISMO


APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

ORIENTADORA:
PROFESSORA DOUTORA
LÚCIA MARIA SÁ ANTUNES COSTA

RIO DE JANEIRO, 15 DE DEZEMBRO DE 2005


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO – PROURB

i
PAISAGEM, SISTEMA, LUGAR.
SISTEMAS DE LUGARES NAS PRAÇAS DE CAMPO GRANDE.
ANDRÉA REGO PEDROSA

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO EM URBANISMO


APRESENTADA À COORDENAÇÃO DO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM URBANISMO – PROURB DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO,
COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À OBTENÇÃO DO
GRAU DE MESTRE EM URBANISMO.

APROVADO POR:

___________________________________________________________
PROFESSORA DRA. LUCIA MARIA SÁ ANTUNES COSTA
(ORIENTADORA PROURB – FAU/UFRJ)

___________________________________________________________
PROFESSOR DR. EUGENIO FERNANDES QUEIROGA
(PUC-CAMPINAS/ FAUUSP)

____________________________________________________________
PROFESSOR DR. CRISTÓVÃO FERNANDES DUARTE
(PROURB – FAU/UFRJ)

RIO DE JANEIRO, 15 DE DEZEMBRO DE 2005

ii
P372 Pedrosa, Andrea de Almeida Rego,

PAISAGEM, SISTEMA, LUGAR: SISTEMAS DE LUGARES NAS PRAÇAS DE CAMPO


GRANDE/ ANDRÉA DE ALMEIDA REGO PEDROSA.
Rio de Janeiro: UFRJ/ FAU, 2005, x, 221 f: il.; 30 cm.

Orientador: Lucia Maria Sá Antunes Costa

Dissertação (mestrado) – UFRJ/ PROURB/ Programa de Pós- Graduação em


Urbanismo, 2005.

Bibliografia: p.200 - 205.

1. Espaços públicos – Rio de Janeiro (RJ) 2. Praças públicas - Rio de Janeiro


(RJ). 3. Campo Grande (Rio de Janeiro, RJ). I. Lucia Maria Sá Antunes Costa.
II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. III. Título.

CDD 711.4098153

iii
Para os meus filhos, Antônio Pedro e Guilherme.

iv
AGRADECIMENTOS

Agradeço à professora Lúcia Costa, pelo acolhimento em seu grupo de pesquisa, despertando-me
para o universo investigativo. Suas delicadas, porém precisas observações conduziram-me
durante o processo de escrita da dissertação, para a absorção de um novo e enriquecedor
aprendizado.

Agradeço à Lílian Fezzler Vaz, Mônica Bahia Schlee e Andréa Borde, que gentilmente atenderam
às minhas solicitações de informações, contribuindo com empréstimo de material bibliográfico, e a
Luciana Andrade, por apresentar o tema espaço público de forma inovadora na disciplina “Espaço
Público e Favelas”. Agradeço também aos bolsistas Márcia Cristina Santos, Alice Oliveira, Ingrid
Krause, Tatiana Domingos, Luciana Ezequiel e Yuri Torres, que me auxiliaram no
desenvolvimento de desenhos, tabelas e imagens. A toda a equipe de professores e funcionários
do PROURB, que me proporcionaram a oportunidade de reaproximação com os estudos sobre a
paisagem urbana, através das disciplinas curriculares ministradas, das inúmeras palestras e da
criação de novos laços com outros profissionais que atuam no campo do Paisagismo e
Urbanismo.

Às equipes das bibliotecas e órgãos públicos, e em especial aos funcionários do Arquivo da


Cidade e da Secretaria de Urbanismo, que gentilmente me auxiliaram no recolhimento dos dados
iconográficos ou documentais. A Promáquinas Indústria e Comércio S.A. pelo fornecimento do
combustível que viabilizou os meus longos passeios até a região de Campo Grande.

Àqueles entrevistados que disponibilizaram o seu tempo para responder as entrevistas,


contribuindo com diferentes experiências e opiniões sobre o tema desse trabalho, a praça. Aos
meus colegas da Fundação Parques e Jardins, que direta ou indiretamente me auxiliaram, através
de incentivo, da troca de informações, ou da tolerância às minhas ausências, indispensáveis para
a realização dessa pesquisa, que é, de certa forma, resultado dos questionamentos surgidos em
nossas observações sobre os mais diversos aspectos que envolvem o cotidiano das praças.

Agradeço em especial a minha família; aos meus pais Archimedes e Maria Lucia que me
acolheram em sua casa e me proporcionaram o carinho e o silêncio dos quais eu tanto
necessitava no início deste projeto.

Ao meu querido André que fez tantas vezes um duplo papel, de pai e mãe, para que eu pudesse
prosseguir neste projeto, e pela compreensão, o carinho, e as críticas construtivas que fez aos
meus textos. E finalmente, aos meus filhos Antônio Pedro e Guilherme, pela surpreendente
curiosidade que demonstraram em relação ao meu trabalho, e pela maturidade com a qual
compartilharam esse breve e intenso tempo comigo.

v
RESUMO

PEDROSA, Andréa de Almeida Rego: Paisagem Sistema. Sistemas de Lugares nas


Praças de Campo Grande. Rio de Janeiro; UFRJ. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, 2005. Dissertação de Mestrado em Urbanismo.

Este trabalho observa os sistemas de espaços livres públicos analisando a tipologia


específica da praça pública, à medida que interpreta a paisagem como sistema e como
domínio da cultura. Discutimos a relevância e a dinâmica da praça pública nas cidades
contemporâneas, através da observação dos usos e apropriações em um conjunto de
nove praças públicas de configuração similar, no bairro periférico de Campo Grande, no
subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Esta pesquisa reflete sobre o cotidiano dessas
praças, observando as relações entre os indivíduos e o espaço, procurando desvendar
sua transformação em locais significativos, com caráter, identidade e características
distintas, ao mesmo tempo em que identifica a configuração de um sistema conectado,
embasado nos usos de cada local, ao qual denominamos “sistema de lugares”.

vi
ABSTRACT

PEDROSA, Andréa de Almeida Rego: Paisagem Sistema. Sistemas de Lugares nas


Praças de Campo Grande. Rio de Janeiro; UFRJ. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, 2005. Dissertação de Mestrado em Urbanismo.

This work deals with the open public space system analysing a specific typologie, the
public square, while interprets the landscape as a system and as a cultural realm. We
discuss the relevance and the dynamics of the public square in contemporary cities,
noticing the uses and appropriations in nine similar areas, located in a periphery district
called Campo Grande, in the suburbs of the city of Rio de Janeiro. This research reflects
about the everyday life relationship among individuals and those squares, revealing its
transformation in meanigful places, with caracter, identity and distinct features, meanwhile
perceives a configuration of an interconnected system, based on local uses wich were
named a “place system”.

vii
ÍNDICE

INTRODUÇÃO 1
PAISAGEM, SISTEMA, LUGAR 3
AS PRAÇAS DE CAMPO GRANDE 5
PERSPECTIVAS TEÓRICAS 8
METODOLOGIA 12
ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO 18

Capítulo 1
ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS 26
INTRODUÇÃO 27
ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS 27
ENFOQUES E DIMENSÕES 27
A RECREAÇÃO NOS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS 31
TIPOLOGIAS EM ENFOQUES CONTEMPORÂNEOS 38
A PRAÇA 40
O LUGAR DA PRAÇA 40
OS ARQUÉTIPOS DAS PRAÇAS 48
SOBRE AS PRAÇAS NO RIO DE JANEIRO 53
SUMÁRIO 58

Capítulo 2
CAMPO GRANDE 59
INTRODUÇÃO 59
PANORAMA HISTÓRICO 61
DAS SESMARIAS ÀS FAZENDAS 61
DAS FAZENDAS AOS LOTEAMENTOS 68
DADOS DO CAMPO GRANDE DE HOJE 76
PLANOS, PROJETOS E POLÍTICAS URBANAS 84
AS LEIS DE LOTEAMENTOS 87
PERFIL DA ÁREA DE ESTUDO 89
SUMÁRIO 95

viii
Capítulo 3
AS PRAÇAS 96
INTRODUÇÃO 97
PERFIL DOS USUÁRIOS 97
AUSÊNCIA FEMININA E INFANTIL 107
OBTENDO SEGURANÇA 109
OS NOMES DAS PRAÇAS 112
AS PRAÇAS 116
SUMÁRIO 116

Capítulo 4
SISTEMAS DE LUGARES 140
INTRODUÇÃO 141
OS USOS E AS APROPRIAÇÕES 141
ATIVIDADES E EQUIPAMENTOS 142
A QUESTÃO DA VEGETAÇÃO 156
SÍMBOLOS E MARCOS ESPACIAIS 164
CONTROLE E CONFLITOS 178
MONOTONIA, PADRONIZAÇÃO E MODELOS 184
SISTEMAS DE LUGARES 187
SUMÁRIO 189

CONSIDERAÇÕES FINAIS 191

BIBLIOGRAFIA 198

ANEXOS 205
ANEXO 1: DADOS SOBRE OS LOTEAMENTOS 206
ANEXO 2: FREQUÊNCIA A OUTRAS PRAÇAS 208
ANEXO 3: MODELO DE QUESTIONÁRIO 211
ANEXO 4: MODELO DE MAPA DE COMPORTAMENTO 213
ANEXO 5: ENTREVISTADOS E ROTEIRO DAS ENTREVISTAS 214

ix
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras fatigadas de informar.
(...)
Dou respeito às coisas desimportantes
E aos seres desimportantes.
Prezo a velocidade
Das tartarugas mais que a dos mísseis
Tenho em mim esse atraso de nascença.
(...)
Tenho abundância de ser feliz por isso.
(...)
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos como as boas moscas.
MANOEL DE Barros.

x
INTRODUÇÃO
Normalmente, atribuímos existência aos espaços e às coisas,
mas na realidade, sem nós, elas não existiriam.
Pensar um espaço como existente, significa pensar em si próprio.
FERNANDO FREITAS FUÃO.

2
INTRODUÇÃO

Paisagem, Sistema, Lugar <<

MEINIG (1979) nos lembra que o significado de uma paisagem não é o mesmo para todas
as pessoas; ela não é necessariamente resultado daquilo que está diante de nossos
olhos, mas também do que pensamos a seu respeito. Ele argumenta que a maneira
como a compreendemos, possibilita reconhecê-la e analisá-la de diversas formas: como
exclusivo domínio da natureza ou habitat do ser humano; como artefato, problema ou
ideologia; como fator de riqueza econômica; como um processo de acumulação histórica;
como estética ou obra de arte, ou ainda, como um sistema1, onde o equilíbrio de
inúmeros processos, tanto naturais como artificiais, interagem entre si, formando uma
infinidade de redes e fluxos, em uma visão característica das ciências ecológicas.
Nenhuma dessas formas de compreender a paisagem está necessariamente isolada;
elas se interpenetram, originando novas formas de se compreendê-la.

LOW (2000, p.36) reconhece que os espaços são também produtos de um sistema de
relações sociais e econômicas. O ambiente construído deve ser encarado como um
conjunto de espaços, mais do que como uma coleção de objetos, porque tanto as
relações entre as suas partes, como as relações dessas partes com os seres humanos,
se tornam conjugadas dentro de um mesmo sistema. O estudo desse sistema nos
permite compreender como se dão as relações entre economia, sociedade e cultura
dentro da paisagem urbana. RAPOPORT (citado por LOW, 2000, p.48) enfatizou que o
desenho da paisagem construída funciona também, como um sistema de comunicação
que pode ser decodificado facilmente pelos seus usuários.

A visão sistemática da paisagem caracteriza a evolução de muitos estudos de


paisagismo e urbanismo. ALEXANDER ET AL (1977, p.xiii) em A Pattern Language, nos
mostrou um sistema de estruturas urbanas, forjado sobre padrões formais fundamentais
articuláveis entre si. Esses padrões se desenvolvem em uma infinidade de escalas;
desde a escala metropolitana até o interior de uma residência. Quando superpostos ou
adaptados, possibilitam a elaboração de novas estruturas urbanas. Como fio condutor de
sua linguagem de padrões está a percepção de que quaisquer elementos construídos
não estão isolados no mundo, mas que também podem ter o poder de modificar o seu
entorno e se autocorrigir, ao mesmo tempo em que tornam o mundo mais coerente e
integrado. Com uma visão teórica menos estrutural, LYNCH (1981) reuniu critérios gerais
1
“Sistema – 1. Conjunto de elementos entre os quais haja alguma relação. 2. Disposição das partes ou de elementos de
um todo, coordenados entre si, e que formam uma estrutura organizada.” Fonte: Dicionário Aurélio, Ed. Nova fronteira. RJ,
2000.

3
para uma “boa forma urbana”, embasados em valores e dimensões aplicáveis a qualquer
entorno espacial, sugerindo que a combinação dos sistemas de fluxos das pessoas e das
coisas, e os espaços adaptados para elas, determinariam uma espécie de “entorno de
conduta”. Quando os fluxos e as coisas são recombinados, podem dar lugar a novos
universos, que por sua vez irão originar novos entornos de conduta.

SANTOS (2002, p.62,63) nos apresenta uma conceituação sobre o espaço geográfico,
definindo-o como um conjunto de fixos e fluxos. Os elementos fixos em cada entorno
permitem ações que modificam o próprio entorno; essas ações são os fluxos; resultado
direto ou indireto das ações que se instalam nos fixos. O autor nos oferece uma segunda
categoria de análise do espaço, desta vez, definindo-o como um conjunto indissociável
de objetos e ações; o sistema de objetos e de ações. O sistema de objetos condiciona a
forma como se dão as ações, e o sistema de ações leva a criação de novos objetos, ou
permanece atuando sobre os objetos preexistentes. Nas constantes transformações do
espaço, percebemos refletida, a dinâmica do sistema de objetos e ações.

De acordo com RELPH (1976) o conceito de lugar, abrange mais que sua aparência física,
abarcando muitos significados; ele envolve a integração entre natureza e cultura; tem um
componente histórico distinto, pode ser caracterizado por crenças humanas. Inúmeros
atributos além destes transformam lugar em uma entidade única. Lugar também não
pode ser visto como um fenômeno simples, pois abriga uma infinidade de sutilezas e
significâncias tão variadas como as diferentes experiências e os diversos focos de
propósitos ou intenções dos seres humanos. Lugar é também uma entidade única e
diferenciada para cada um de nós. Lugares são também, interconectados por um sistema
de interações espaciais; uma “estrutura de circulação”. Para NORBERG-SCHULTZ (1980) os
seres humanos reconhecem e organizam o espaço como um sistema de lugares.

Poderíamos dizer que as estruturas físicas das paisagens podem ser apreendidas como
a conjugação de diversos sistemas; os de espaços livres, dos espaços construídos, e dos
espaços naturais. Ao longo do tempo estas estruturas sofrem inúmeras ações de
transformação, reconhecíveis ou não, como os fluxos das coisas e das pessoas, das
informações, das relações sociais e econômicas, e da cultura, configurando a dinâmica
que SANTOS (2002) nos apresenta como “sistemas de objetos e sistemas de ações”. O
que denominamos sistemas de lugares são resultado das interações entre os processos
de transformação das estruturas, aliados aos atributos adquiridos de lugar e aos seus
significados, refletidos no espaço.

4
Essa pesquisa trata do tema Sistemas de Espaços Livres Públicos, através de
considerações sobre o cotidiano de um conjunto de praças, observadas como elementos
inter-relacionados e integrados, os Sistemas de Lugares.

AS PRAÇAS DE CAMPO GRANDE <<

“Nossa paisagem humana é a nossa biografia não intencional, e todas as


nossas saliências e cacoetes culturais, nossas qualidades comuns do
dia-a-dia, estão lá para aqueles que souberem procurá-las”. 2

A observação dos espaços livres e edificados nos permite conhecer o caráter e a


simbologia de uma cidade. Em sua configuração estão representadas as marcas culturais
e históricas do seu desenvolvimento, das ideologias que atuaram em diferentes épocas e
das práticas sociais dos seus cidadãos.

O Rio de Janeiro é uma cidade na qual a relação estabelecida através dos anos entre os
seus habitantes e a esplendorosa natureza que a cerca, está exposta e evidente nos
seus espaços livres. Qualquer exposição sobre a cidade sempre procura exibir um
panorama aéreo, o que parece redimi-la de quaisquer circunstâncias desfavoráveis, as
quais não queiramos dar conhecimento, tal a sua avassaladora beleza quando apreciada
à distância. Esse trabalho, não pretende ver a cidade do alto, pelo contrário. Não tem a
intenção de fazer uma tomada aérea mostrando a exuberância natural carioca,
explorando suas paisagens. Pretende dirigir o olhar para longe, para um lugar
aparentemente pouco importante, para uma periferia. Ele está direcionado a uma região
distante, quase uma outra cidade dentro desta cidade; o bairro de Campo Grande.

Essa pesquisa observa o sistema de espaços livres públicos cariocas, na forma de uma
tipologia específica; a praça pública suburbana, periférica, que segue um modelo
projetual padronizado e destina-se a princípio, à recreação de uma camada populacional
que não tem um repertório de escolhas amplo em relação ao lazer. Este trabalho tem a
intenção de provocar questionamentos sobre a qualidade urbana desses espaços,
compreendendo os contextos que lhes dão origem, seu vocabulário gráfico, e a vida
pública que neles ocorre. Também questiona a sua validade como equipamento de lazer
e a sua importância na configuração da paisagem urbana carioca. Através da utilização

2
LEWIS, P. F. 1979, p.13, Axioms for Reading the Landscape, In: The Interpretation of Ordinary Landscapes, 1979,
Oxford University Press, New York.

5
de métodos que observam as praças como equipamentos de vizinhança e de uma
estreita aproximação com os seus freqüentadores, procuramos destacar do cotidiano, os
valores, desejos e necessidades de quem as utiliza, e a integração ente os espaços.

As praças públicas objeto desta pesquisa, foram projetadas por técnicos da


administração municipal, tendo sido construídas pelo poder público ou por empreiteiras
terceirizadas, sobre áreas destinadas ao lazer, em loteamentos residenciais regidos pelas
leis de uso e parcelamento do solo urbano. Elas têm como características mais
importantes, além de sua proximidade geográfica, a similaridade funcional e morfológica,
a alternância de períodos de uso intensivo com os de grande ociosidade, e uma oscilante
manutenção.

Construídas ou reformadas quase todas durante a mesma gestão política, essas praças
públicas foram implementadas em bloco para atender antigas demandas da população,
aproveitando a temporada do pleito eleitoral. Elas seguem o mesmo padrão monolítico
para equipamentos urbanos voltados às classes de média-baixa renda. O desenho e os
equipamentos existentes estão relacionados a recursos projetuais empregados a partir da
introdução do traçado modernista ao paisagismo brasileiro, e das padronizações
derivadas dos sistemas de recreação. Como as praças desta pesquisa resultam das
obrigatoriedades contidas nas leis de loteamentos, elas não têm uma localização que
obedeça a uma lógica de conjunto, já que as determinações das leis não asseguram a
sua boa distribuição. Assim, algumas praças têm distância de apenas uma quadra,
embora pertençam a loteamentos diferentes, enquanto outras áreas mais extensas não
possuem nenhuma praça.

Esses tipos de praças têm sido implantadas em regiões em processo de desenvolvimento


urbano, e se multiplicado nos novos loteamentos e subúrbios periféricos, caracterizando
a paisagem da Zona Oeste. No entanto, à margem da pobreza estilística e das limitações
do seu traçado, elas mascaram e abrigam uma riqueza enorme e variada de usos e
possibilidades, derivadas das intenções criadas pelos seus usuários. Os habitantes do
entorno, ao se apropriarem dessas praças genéricas, lhes imprimem identidade,
modificando-as de acordo com os seus recursos sociais e culturais. Por essas razões as
praças se tornam um instigante objeto de investigação.

Esse estudo visa compreender um sistema de objetos e de ações - as praças do bairro


de Campo Grande - percebido como articulação entre poder público e sociedade,
condicionando sua própria existência e perpetuando a forma como ocorrem essas ações
(SANTOS, 2002). Estudamos uma tipologia freqüente dentro do sistema de espaços livres

6
públicos da nossa realidade urbana, com uma análise específica na vivência e
experiência cotidiana dos seus usuários. Esse é um estudo sobre a paisagem cultural,
compreendida como resultado da ação da cultura, ao longo do tempo, sobre a paisagem
natural (CORRÊA E ROSENDAHL, 1998) e diante da qual, os seres humanos vão
estabelecer e encontrar a sua identidade, criar seus laços sociais e extrair seus
significados culturais (GROTH, 1997).

Um argumento contrário ao estudo dessas praças poderia ser o de que elas são um
objeto pouco interessante de investigação, devido à sua pobreza estilística e
desimportância como monumento artístico, histórico, ou arquitetônico. Em oposição a
esse argumento, buscamos configurar um arcabouço teórico que contemplasse estudos
contemporâneos sobre a paisagem cultural e os seus paradigmas.

“As paisagens cotidianas, comuns, são importantes e merecedoras de estudo. No


cerne dos estudos sobre a paisagem cultural está uma questão simples e direta:
Como nós podemos compreender melhor o ambiente cotidiano como vital para o
significado cultural e a experiência ambiental? Uma palavra crítica nesta
formulação é comum. A experiência diária é essencial para a formação dos
significados humanos. Quando somente monumentos ou o design de alto-estilo
são tomados seriamente, o ambiente diário passa a ser encarado superficialmente
ou desvalorizado”.
Paul Groth3.

As praças selecionadas para o desenvolvimento desta pesquisa são, sobretudo, um


conjunto de objetos físicos e relações humanas; elas são um genuíno produto de forças
sociais e políticas, algumas vezes antagônicas e que se retroalimentam, adquirindo um
valor de uso e de troca, principalmente de trocas políticas. As praças de Campo Grande
são fruto de ações e gestos repetitivos, são espaços produzidos e reproduzíveis
(LEFEBVRE 1991, p.71). Mas a despeito de serem um produto, percebemos a formação da
individualidade de cada espaço, o desenvolvimento de conexões, e a sua transformação
em lugares.

Este trabalho surgiu do desejo de encontrar respostas para a necessidade relativa à


criação e ao consumo dos espaços livres públicos contemporâneos; como valorizá-los e
construí-los a partir da interação direta com seus usuários, e quais seriam as limitações
que rondam esses processos. Estes questionamentos surgiram a partir da minha
experiência profissional diária como parte da “engrenagem” da máquina pública, da
necessidade de compreender as complexas e interdisciplinares relações urbanas, além
das principais expectativas daqueles que utilizam cotidianamente os espaços livres

3
In: Frameworks for Cultural Landscape Study, 1997, p.3.

7
públicos da cidade do Rio de Janeiro. Para obter respostas a esses questionamentos,
buscamos estruturar um arcabouço teórico embasado em pressupostos que enfocam a
paisagem como um sistema dinâmico, englobando tanto as estruturas físicas que a
compõem, como as ações que sobre ela incidem; e do entendimento dos significados
simbólicos da paisagem como reflexos da cultura de um grupo atuando ao longo do
tempo sobre um lugar (CORREA & ROSHENDAL, 1997; SANTOS, 2002).

PERSPECTIVAS TEÓRICAS <<

O caráter multidisciplinar que envolve estudos contemporâneos sobre espaços livres


públicos, aliados à compreensão sistemática da paisagem, têm ao longo das últimas
décadas, direcionado os enfoques teóricos e práticos das suas diversas questões. Alguns
enfoques têm mostrado ênfase nas questões ambientais, na história urbana, na
morfologia, nas funções e usos, e na percepção ambiental. Inúmeros estudos trazem à
tona as práticas sociais cotidianas, os significados e os valores dos lugares,
aperfeiçoando métodos para a observação e o entendimento de questões interligadas a
cultura e a simbologia; outros estudos tentam desvendar questões práticas e de gestão
dos espaços livres públicos na observação direta dos fatos cotidianos e seus suportes,
em atendimento às necessidades básicas dos seres humanos.

O arcabouço teórico desta pesquisa está embasado no entendimento de que a paisagem


cultural das praças públicas de Campo Grande resulta de uma composição que engloba
dentro de um mesmo sistema os processos culturais, sociais, econômicos e políticos que
lhes dão origem, atuando sobre as estruturas físicas da paisagem. Esse pressuposto está
articulado a estudos que observam os usos, as apropriações e os significados simbólicos
dos espaços livres públicos, em associação com a historiografia referente ao bairro de
Campo Grande.

COSGROVE (1998, p. 111) nos oferece uma forma de leitura do simbolismo das
paisagens, adotando uma perspectiva da cultura como expressão do poder. Ele
argumenta que as paisagens podem ser classificadas como aquelas da cultura
dominante, ou das culturas alternativas. As paisagens da cultura dominante seriam
aquelas que representam o poder cultural de um grupo sobre outros; poder esse,
derivado da possibilidade de exercer o controle dos meios de vida e dos excedentes
sociais produzidos por uma comunidade. A paisagem da cultura dominante pode se

8
comunicar através da própria cultura; ou se expressar através do desenho das
paisagens, ou dos seus usos e celebrações rituais. Como exemplo, o autor cita a
contraposição entre o geometrismo da paisagem construída, representando o domínio da
razão humana, sobre as formas orgânicas da natureza.

De acordo com COSGROVE (1998) as paisagens da cultura alternativa podem ser


residuais, emergentes ou excluídas. As residuais são os fragmentos de lugares outrora
simbólicos em outras épocas ou culturas, cujo significado foi modificado ou ainda está
para ser descoberto; as emergentes são muitas vezes representações de utopias
transitórias; e as excluídas, são aquelas não incorporadas pela sociedade ao contexto
das paisagens relevantes. Essa conceituação teórica é pertinente para esta pesquisa,
desde que as praças públicas de Campo Grande podem ser entendidas como uma
sobreposição dessas paisagens simbólicas. Elas podem ser consideradas como da
cultura dominante, com a sua racionalidade e padronização impostas verticalmente pelo
poder público sobre uma população com um menor poder de barganha econômico. As
praças podem também ser observadas como paisagens residuais, já que geralmente são
instaladas nos locais menos favoráveis dos loteamentos e imagina-se que elas não
guardam mais nenhuma similaridade com os considerados valores e significados
originais das praças. Essas praças também são, certamente, paisagens excluídas, já que
não estão voltadas às particularidades femininas, conforme veremos adiante, no Capítulo
3; e porque depois de implantadas, quase sempre se tornam paisagens esquecidas pela
administração municipal, em contraste com outras áreas da cidade, como na Zona Sul,
por exemplo, para as quais recursos ou alternativas para gestão de espaços livres são
sempre previstos ou estão em discussão.

Jacobs (2003), foi na década de 60, uma crítica ferrenha aos princípios do planejamento
urbano funcionalista, dos quais em parte, resultam as configurações físicas e os recursos
projetuais das praças públicas investigadas. Por isso, buscamos seus parâmetros críticos
e ponderações a respeito das ruas e dos parques de bairro novaiorquinos, que mesmo
distantes no tempo, ainda permanecem atuais e aplicáveis, principalmente no que se
refere à padronização do desenho urbano, à diversidade tipológica dos espaços livres
públicos e as razões da vitalidade de um lugar. Para Jacobs (2003) a simples reprodução
ilimitada de áreas verdes urbanas tornou-se uma panacéia, se apartada da sua
qualidade. Assim como Jacobs, para nós, a pura e simples implantação de praças
públicas não basta; é imprescindível que esteja acompanhada de uma visão qualitativa e
sistêmica dos espaços.

9
No Brasil, estudos como o de Costa (1993) sobre o Parque do Flamengo fizeram uso de
uma perspectiva qualitativa para a compreensão dos significados dos parques urbanos
para os seus usuários e para a cidade, explorando os valores sociais e culturais refletidos
nas formas de apropriação do espaço. A abordagem multidisciplinar e inovadora deste
estudo se encontra na compreensão da paisagem como produto da ação da cultura, e do
exame da experiência que os indivíduos têm no lugar. Low (2000) conduz essa mesma
perspectiva de forma a localizar as relações e as práticas sociais no espaço construído
das plazas latino-americanas, e como essas práticas comunicam significados através da
experiência e de seus símbolos, sintetizadas em um conceito denominado por ela como a
“espacialização da cultura”. Para Low (2000) o espaço não é neutro; ele é produzido e
reproduzido como um sítio para lutas sociais, políticas e econômicas. Assim como Costa
(1993), e Low (2000), adotamos a perspectiva qualitativa para a compreensão dos
significados, símbolos e valores dos espaços, concretizando essa ótica através do exame
das experiências dos indivíduos nas praças públicas de Campo Grande. Acreditamos
como LOW (2000) que as praças são um território revelador dos embates políticos e
econômicos urbanos e que o seu desenho traz a marca desses processos.

Os estudos de LYNCH (1989) foram um dos primeiros a observar critérios sensíveis, como
indispensáveis para aperfeiçoar a qualidade do meio urbano. Os critérios de seu estudo
deveriam agir agregados a soluções físicas concretas e só poderiam ter êxito se
associados a sua eficiência, e a sua distribuição justa e universal. A vitalidade, ou o
atendimento dos requisitos básicos biológicos dos seres humanos; o sentido, ou grau de
percepção e estruturação mental dos habitantes de um lugar; a adequação do espaço às
atividades que abriga; e o acesso e o controle do espaço pelos seus diversos agentes;
são parâmetros tanto implícitos como explícitos utilizados nas análises das praças deste
estudo.

Através de observações diretas das apropriações e de uma metodologia de aproximação


com o usuário, WHYTE (1980) trouxe uma contribuição prática e metodológica para esta
pesquisa que vai além das reflexões críticas. As conclusões sobre as razões que tornam
um local pleno (ou não) de vitalidade em seu estudo sobre os espaços públicos de Nova
York passaram pelas análises de campo dos vários componentes estruturais que
deliberaram para o seu sucesso. A metodologia de observação de usos de Whyte
funcionou como uma forte referência para este trabalho, principalmente no que se refere
às análises dos equipamentos das praças.

10
CARR ET AL (1992), discípulos de LYNCH, fizeram um estudo sobre os espaços livres
públicos norte-americanos e europeus, buscando os parâmetros mais valorizados pelos
indivíduos, conjugados às necessidades, direitos e conexões com o espaço. Mais
pragmático que LYNCH, esse trabalho se dirige àqueles que lidam com os espaços
públicos diretamente, e fornecem subsídios para o aperfeiçoamento dos processos de
desenho e gestão. Com o mesmo objetivo, MARCUS ET AL (1998) analisam diversos
estudos de casos detalhadamente, cujas categorias de análise estão organizadas sempre
sob a padronização de determinados critérios. Para tipologias norte-americanas como
praças, plazas corporativas, parques de vizinhança e pocket parks, entre outras, são
fornecidas diretrizes e recomendações para o desenho. Para esta pesquisa, os estudos
de caso relacionados aos parques de vizinhança serviram como referência, já que nossas
praças públicas são tipologias similares a esses parques, ressalvadas as diferenças
culturais e formais. Ambos os autores contribuíram para as análises de ordem prática e
objetiva sobre os usos das praças, e na categorização dos itens, resultando em uma
tabela-síntese, inserida no final do Capítulo 3.

Tanto LYNCH (1989) como GOMES (2000) fazem uma abordagem sobre o controle do
espaço, um dos temas que se destacaram nas observações dos usos das praças. LYNCH
(1989) nos apresenta alguns condicionantes deste controle que se tornaram referência
para este estudo. Já GOMES (2000) aplica os conceitos de cidadania ao espaço público
carioca, traçando um paralelo entre cidadão e usuário; procurando desvendar no suporte
físico-espacial as modificações nas expressões de cidadania. Ele alega que as restrições
ao controle e ao acesso ao espaço público urbano nas cidades brasileiras refletem essas
mudanças. Nas praças, essas restrições empreendidas pelos próprios usuários, são
conseqüências da ausência do poder público. Desta forma, a disputa pelo controle pode
resultar em um funcionamento harmônico do espaço ou na imposição de regras de
determinados grupos sobre outros, conforme será discutido no Capítulo 4.

QUEIROGA (2003,2004) estabelece um paralelo entre as razões sistêmicas (praticadas a


nível global e seus reflexos na escala da megalópole brasileira) e comunicativas ou inter-
subjetivas (aquelas do mundo vivido, na escala do espaço da praça) de Habermas; com
as teorias de espaço do geógrafo MILTON SANTOS (1994, 1996), que estrutura o espaço
concreto como resultado de um sistema de objetos e de ações. Propõe configurar
diferentes escalas de análise dos espaços livres públicos e das praças, cujas
contradições e permanência devem ser compreendidas através da abordagem em uma
escala global, megalopolitana, levando em consideração também as dimensões locais,
ou o que denomina “níveis pessoais de apropriação do lugar”. Dessa forma, isto é,

11
através da observação em diferentes escalas e contextos, e da leitura profunda do lugar
no próprio lugar, desenhos de praças mais sensíveis podem ser criados. As
considerações de Queiroga, contrapondo a megalópole globalizada e o lugar da praça,
contribuíram para construção das nossas abordagens sobre a relevância das praças
públicas nas periferias das cidades contemporâneas brasileiras, assim como as nossas
análises em diferentes escalas sobre este conjunto de praças; desde as ações históricas
que impulsionaram a partilha das terras, até os usos e as apropriações no lugar.

As orientações e as argumentações dessa pesquisa decorrem da associação de estudos


teóricos e práticos sobre os espaços livres públicos, acima abordados. Os teóricos
destacam críticas à arquitetura funcionalista, estudam os significados da paisagem
através dos valores humanos associados aos entornos urbanos, e procuram
compreender as manifestações da cultura e das práticas sociais sobre a paisagem. Os
estudos práticos observam as transformações das paisagens empreendidas através das
apropriações e apresentam categorizações metodológicas e tipológicas de análise. Não
se pretende, porém, classificar os estudos referenciados como teóricos ou práticos,
distinção efetuada neste parágrafo apenas para efeito de estruturação da abordagem
teórica da pesquisa.

METODOLOGIA <<

Dois princípios básicos foram eleitos para a confecção desta pesquisa; o primeiro seria a
interpretação da paisagem cultural do bairro de Campo Grande sob um ponto de vista
global e sistemático (CARNEIRO & MESQUITA, 2000; TELLES, 1997) e o segundo seria uma
estreita aproximação com as pessoas que freqüentam as praças públicas do bairro, com
o objetivo de investigar e identificar os significados, os valores latentes, seus desejos e
necessidades com relação aos espaços (APUR, 1981; COSTA, 1993). Esses dois
princípios permearam os métodos de pesquisa utilizados durante todo o desenvolvimento
deste trabalho.

LEGATES (2003) nos diz que as melhores pesquisas realizadas em estudos


contemporâneos sobre as questões urbanas freqüentemente combinam dois métodos: o
quantitativo e o qualitativo. Os métodos quantitativos são aqueles que geralmente
envolvem a análise de dados usando técnicas estatísticas. Os métodos qualitativos
pretendem possibilitar uma abordagem mais ampla da percepção que os indivíduos têm

12
dos locais nos quais habitam. Esses métodos conjugados trabalham para a obtenção das
respostas às questões que se quer esclarecer nos espaços públicos. Para o
desenvolvimento dessa pesquisa também se optou pela combinação de métodos
quantitativos e qualitativos (COSTA, 1993; CARNEIRO & MESQUITA, 2000; VIERA, M. 2001;
LOW, 2000).
A organização norte-americana Project for Public Spaces4 - PPS (2002) apresenta alguns
métodos para coletas de informações destacados de um universo que acredita ser “tão
variado como os próprios espaços públicos”. Esses métodos estão agrupados em
técnicas de observação no sítio da pesquisa e técnicas de avaliação da percepção
humana do espaço. No primeiro grupo estariam os mapas de comportamento e a
avaliação de fluxos e evidências físicas. No segundo grupo estariam as entrevistas e os
questionários. Este trabalho fez uso de algumas dessas técnicas, coletando dados em
campo na primeira fase, através da aplicação de questionários e de mapas de usos e
comportamentos, e da observação de evidências físicas. Posteriormente, foram feitas
entrevistas com usuários e com os envolvidos nos diversos níveis de confecção,
implantação e gestão das praças públicas de Campo Grande. Cada visita as praças foi
registrada em diários de campo (LOW, 2000; VIEIRA, M. 2001) que passaram a existir
como relatos complementares à pesquisa.

Os questionários tiveram como objetivo buscar dados estatísticos, ao lado de dados


como preferências e valores comuns à maioria. A intenção foi configurar o perfil dos
freqüentadores das praças, distinguindo desde características sócio-econômicas, faixa
etária e gênero; até a sua origem, modalidades de acesso, frequência e permanência5. Ao
todo foram aplicados noventa e seis questionários entre os meses de agosto e dezembro
de 2004, durante quinze visitas a nove praças do bairro. A maior parte das visitas foi feita
nos finais de semana, em horários variados, quando a frequência aumentava de forma
considerável, e antes do verão. A aplicação dos questionários também originou algumas
conversas informais com a população, todas elas devidamente registradas, contribuindo
com novos dados qualitativos.
Os questionários foram construídos a partir de modelos pré-existentes extraídos de
pesquisas de campo similares (VIEIRA, 2001; COSTA, 1993; FREITAS, 2000), ou da
metodologia oferecida pela bibliografia (MARCUS & FRANCIS, 1998; CARR ET AL, 1992,
PPS, 2000). A estrutura principal do questionário foi sofrendo adaptações, à medida que
as limitações sócio-econômicas e a capacidade de receber estímulos e produzir

4
PPS, Project for Public Spaces, fundada no ano de 1975, é uma organização com base em Nova York, não lucrativa, que
oferece assistência técnica para pesquisa, educação, planejamento e desenho de espaços livres públicos. O trabalho que
tornou a organização internacionalmente conhecida é o de William H. Whyte – The Social Life of Public Spaces (ver
bibliografia).
5
Ver Anexos 3 e 4, modelo de questionário e mapa de comportamento.

13
respostas da população se descortinavam. Todos os questionários foram aplicados em
campo pela própria pesquisadora.

Paralelamente, foi feita uma pesquisa documental e iconográfica para o levantamento de


dados sobre a região estudada, que incluiu a coleta de dados cadastrais, levantamento
fotográfico e pesquisas em arquivos e em projetos existentes em órgãos públicos
municipais.

Algumas dificuldades tornaram o trabalho mais complicado à medida que a pesquisa de


campo avançava, reconduzindo a uma reavaliação das dimensões desta investigação. O
clima despontou como uma das primeiras complicações, seguido da segurança. Os
horários de frequência costumam se restringir à medida que o dia se torna mais quente, e
se o calor é excessivo a população não vai às praças. Geralmente a população as
freqüenta de manhã bem cedo ou no final da tarde. Nos finais de semana a extensão do
tempo de permanência se estende um pouco mais, possibilitando melhores descobertas
– assim, depois de certo período, as visitas foram deslocadas para os sábados e
domingos.

Os mapas de usos e comportamento foram feitos na mesma ocasião que os


questionários. Os mapas tiveram como objetivo principal contabilizar e localizar os grupos
de indivíduos, caracterizando os usos, as atividades mais praticadas e os locais mais
utilizados nas praças. Os mapas foram feitos em dias e horários variados, e os dados,
registrados sobre tabelas, ou em croquis feitos no próprio local, sobre base cadastral
digitalizada do município.

Registros fotográficos foram utilizados como ferramenta auxiliar durante toda a pesquisa
de campo, com a intenção de desvendar por meio de imagens, as características físicas,
os objetos e símbolos, as atividades mais praticadas, as apropriações e os inúmeros
acontecimentos que praças públicas como as de Campo Grande poderiam comportar. Os
registros foram feitos sob diferentes ângulos e também em diferentes dias e horários da
semana; tanto em dias ensolarados, como em dias nublados ou chuvosos. Conforme
relatado por LOW (2000), durante a pesquisa, a presença da câmera fotográfica também
forneceu a muitas pessoas a desculpa que necessitavam para uma primeira abordagem
com o intuito de conversar com o pesquisador. A observação de evidências físicas
pretendeu, através de traços como marcas, caminhos, restos ou lixo, destacar situações
e hábitos incomuns não imediatamente percebidos, e que poderiam sugerir, a presença
ou a ausência de determinado tipo de equipamento, desenho, ou procedimento no local.

14
Entrevistas informais semi-estruturadas foram feitas individualmente com dois grupos
distintos; representantes de usuários (políticos) e das associações de bairro e
profissionais-chave (representantes técnicos e gestores) da administração pública
(COSTA, 1993). As entrevistas possuíam um roteiro de tópicos pré-estabelecido, mas com
pequenas variações de acordo com o grupo entrevistado. O que se desejava era apenas
conduzir os temas deixando o entrevistado, porém, desenvolver livremente as suas
respostas. Ao todo foram feitas 6 entrevistas, com duração média de uma hora,
transcritas integralmente, das quais foram destacados alguns pequenos trechos,
utilizados para explicitar algumas observações da pesquisa (Ver Anexo 5).

Inicialmente, pretendia-se investigar todas as praças públicas, existentes ao sul da via


férrea do bairro de Campo Grande6. Essa tarefa, entretanto, logo demonstrou ser
demasiado complexa devido ao tempo que seria necessário despender para cumpri-la. A
opção foi então, a de tentar reduzir este universo para um número máximo de dez praças
públicas, próximas umas das outras, para tornar factível o trabalho de campo. A redução
de área pareceu a mais adequada para viabilizar as tentativas de descobrir algum tipo de
inter-relação e integração entre as praças, além de permitir observações mais precisas e
detalhadas, resultando na ampliação da qualidade da pesquisa.

O segundo passo foi escolher as dez praças a investigar, através da observação da


distribuição e da concentração das praças em mapas cadastrais. O bairro de Campo
Grande é recortado por importantes e extensos eixos viários, como a Av. Brasil e a
Estrada de Ferro que praticamente o secionam em três faixas. Na região mais ao Sul da
Estrada de Ferro, a malha urbanizada encontra-se contida entre a ferrovia e os acidentes
naturais, e vai se tornando rarefeita nas proximidades do Parque Estadual da Pedra
Branca. Foi então destacado um polígono entre a estação central ferroviária e o parque,
delimitado por duas longas estradas, cujas praças se apresentaram relativamente
próximas umas das outras. Na terceira etapa, foi feita uma visita ao local, que logo
confirmou esta área, escolhida de forma empírica em mapas, como o recorte espacial
possível para o desenvolvimento deste estudo [fig.1 e 2].

Durante o trabalho de campo, procurou-se também detectar espaços potenciais de uso


público, como aquelas áreas utilizadas como campos de futebol, terrenos particulares
abandonados, ou locais de potencial interesse paisagístico, já que a região está próxima
6
Nos cadastros do município do Rio de Janeiro, existem aproximadamente 45 praças públicas ao sul da linha férrea.
Estima-se um total de 232 praças na Região Administrativa de Campo Grande, e 2000 em toda a cidade do Rio de Janeiro.
Fonte: Fundação Parques e Jardins, 2003.

15
do Parque Estadual da Pedra Branca (CARNEIRO & MESQUITA, 2000). A existência de
espaços livres potenciais na cidade de Recife conforme observado por CARNEIRO &
MESQUITA (2000) evidencia a criatividade popular expressa na apropriação de terrenos
vazios para o lazer. Em Campo Grande, foram encontrados alguns terrenos baldios ou
abandonados, apropriados pela população para jogos de futebol, mas locais com
potencial interesse paisagístico, sob o ponto de vista da vegetação, nesse polígono, não
existem mais.

Uma das propostas foi avaliar qualitativa e quantitativamente as áreas de praças, através
de uma zona teórica de atração, à semelhança da metodologia empregada no trabalho
efetuado pela APUR (1989) para a cidade de Paris, que hierarquizou as “áreas verdes”
(praças, parques ou jardins) sob a ótica reverberada de alcance à vizinhança, à cidade e
a região metropolitana. O trabalho francês apresenta tanto o quantitativo de habitantes
atendidos como os não atendidos em cada área, o que significa caminhar além do
simples quantitativo de áreas verdes por número de habitantes de uma cidade7; índice
superficial que não é capaz sozinho, de expressar a real relação população - espaços
livres. Neste trabalho não foi possível fazer o mesmo, já que não seria possível efetuar
um censo demográfico com o número exato de habitantes daquela região, somente para
esta pesquisa. No entanto, foram traçados alguns mapas avaliando as praças de Campo
Grande tendo em vista critérios de vizinhança. Estes mapas estão no final do Capítulo 3.

7
O bairro de Campo Grande tem 18.051.517,95 m2 de área de unidades de conservação (parques) e 8.271.353,53 de área
de proteção ambiental. O índice de área verde por habitante é de aproximadamente 88,5 m2. Fonte; Armazém de Dados
do Município do Rio de Janeiro/IBGE, In: <http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br>. Acesso em maio de 2005.

16
17
ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO <<

A dissertação se divide em quatro capítulos. Primeiramente apresentamos alguns


fundamentos essenciais para a compreensão e a leitura das paisagens; o principal
relaciona-se ao enfoque da paisagem como sistema (MEINIG, 1979; LOW, 2000;
ALEXANDER, 1977; LYNCH, 1981, SANTOS, 2000). A introdução expõe brevemente o objeto
empírico e os objetivos pretendidos, destacando as razões que levaram à sua escolha;
além de pôr à vista o arcabouço teórico e a metodologia utilizada para enfrentá-lo em
campo. A construção da dissertação é feita em diferentes etapas, que pretendem
conduzir o leitor a se aproximar cada vez mais do objeto de estudo. Estas etapas seguem
a estratégia organizada para estruturar este trabalho; discussões sobre os espaços livres
públicos e a inserção das praças neste sistema; revisão bibliográfica sobre a história do
bairro e sobre os fatores que dão origem as praças como essas da investigação; e
finalmente a pesquisa de campo, que buscou identificar os usos e os usuários das praças
de Campo Grande e suas particularidades.

A intenção do primeiro capítulo é contextualizar as praças na história e na dinâmica


urbana atual, inserindo-as nas discussões e enfoques correntes sobre os espaços livres
públicos. O desenvolvimento funcional e formal das praças, que pela sua
representatividade histórica são consideradas os espaços públicos por excelência, é
lembrado para a compreensão dos processos que originaram as praças na cidade do Rio
de Janeiro. A essa exposição estará agregada uma discussão sobre a validade das
praças como suporte da vida pública contemporânea. As características que as praças
trazidas pelos colonizadores portugueses tomaram na cidade auxiliam a desvendar
brevemente a evolução desta tipologia na cidade carioca, até a atualidade.

O segundo capítulo traz, através de uma revisão bibliográfica, um panorama do


desenvolvimento do bairro de Campo Grande e região, para contextualizar os
loteamentos que caracterizam a formação do tecido urbano nesta zona da cidade, e a
inserção das praças nesta estrutura. A exposição de planos e políticas urbanas tem o
objetivo de desvendar de que maneira a administração pública tem dirigido sua atenção
para o planejamento de espaços livres na região. As leis de parcelamento como
ferramenta reguladora do uso do solo, são discutidas, para mostrar de que forma
induzem a implantação de equipamentos urbanos, desenhando a cidade, sem que
necessariamente sejam obtidos resultados satisfatórios na distribuição, forma, ou
dimensionamento desses equipamentos - como ocorre algumas vezes com as praças. No

18
final do capítulo, nos aproximamos mais da área de estudo, através de um rápido perfil
de sua situação urbana.

Os terceiros e quarto capítulos dedicam-se à análise interpretativa dos dados extraídos


da pesquisa de campo. No terceiro capítulo, as praças de Campo Grande são
introduzidas ao leitor através de seus usuários. Seus principais freqüentadores, e as
questões relacionadas a segurança do espaço e a presença feminina, são temas que
adquiriram destaque durante a pesquisa de campo, e estão aqui expostos. A primeira
forma de apropriação do espaço através de seus apelidos populares, apresenta as
praças. Em seguida, mapas, tabelas e fotografias as sintetizam graficamente em
conteúdo e contexto. Finalmente, no quarto e último capítulo, serão expostas as
principais observações feitas sobre as formas de apropriação e uso. Destacaram-se,
durante a pesquisa, as relações entre os usuários e os equipamentos instalados, os
indivíduos e a vegetação; questões relativas ao domínio do espaço e aos conflitos
decorrentes; e a simbologia dos marcos espaciais instalados. São também discutidas a
pouca diversidade urbana e os efeitos da padronização dos desenhos. Fechando o
capítulo apresentamos a nossa conclusão, expondo a percepção e a transformação deste
conjunto de praças públicas pelos seus freqüentadores em um sistema de usos, unidos
em uma espécie de “rede” de utilização. Nas Considerações Finais um sumário da
pesquisa estará associado às principais conclusões obtidas ao longo deste trabalho.

19
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25
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ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS
1
ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS

INTRODUÇÃO

Este capítulo pretende discutir os sistemas de espaços livres públicos e a inserção das
praças públicas neste sistema. Primeiramente, será feita uma abordagem sobre enfoques
e dimensões correntes relacionados ao tema, abrindo caminhos para a identificação da
relevância das praças nas cidades atuais. A formação e o estabelecimento de espaços
voltados à recreação serão discutidos, objetivando contextualizar a origem dessa
ideologia, refletida em praças como aquelas encontradas nesta pesquisa. Alguns estudos
e planos recentes, confeccionados para diferentes cidades e que se destinaram a
planejar sistemas de espaços livres públicos serão abordados, destacando-se o tema da
diversidade e complexidade das tipologias contemporâneas. Finalmente, traçaremos uma
breve evolução das praças nas historiografias européia e carioca, procurando
compreendê-las tanto em seu contexto histórico como em sua dinâmica atual.

OS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS

ENFOQUES E DIMENSÕES <<

Os espaços livres voltados ao uso público são definidos habitualmente como aqueles
espaços não edificados do tecido urbano, correspondendo às áreas de circulação de
pedestres, aos corredores do sistema viário, e as áreas remanescentes da implantação
de edifícios ou do parcelamento do solo (MACEDO, 1990; GALENDER, 1995; VAZ, 1999;
VIEIRA, M., 2001). Essa primeira definição sugere que tais espaços se limitam às suas
dimensões morfológicas, mas eles são também lugares embebidos de valores
simbólicos, sociais e culturais. Por princípio, os espaços livres públicos são locais que
tem como condição básica à oferta de livre acesso (LYNCH, In: CARNEIRO & MESQUITA
2002, p.24) permitindo às pessoas agirem livremente, sem coerção ou discriminação; e a
convivência da diversidade, onde “as ações e os comportamentos são regidos por
códigos de conduta e regras de civilidade” (GOMES, p.162, 2002).

Os espaços públicos podem ser observados como detentores de múltiplas funções


relacionadas ao bem estar e à prática das atividades humanas. Podem estar associados

27
a uma função ecológico-ambiental, adequando-se à tendência de integrar as áreas
naturais às estruturas urbanas, dentro de um mesmo sistema de paisagens. Podem
imprimir identidade a um entorno, beneficiando estética e economicamente uma cidade
(PPS, 2002). Quando devidamente valorizados, tornam-se capazes de se transformar em
elos de ligação, e de mobilização da comunidade, interligando as memórias afetivas,
tanto pessoais como coletivas das pessoas (HAYDEN, 1997). A sua dinâmica é essencial
como contrapartida aos ritmos da vida cotidiana, provendo canais acessíveis para
ocorrência dos fluxos e trocas entre os habitantes de um lugar (CARR ET AL, 1992).

O sucesso de um espaço público pode resultar de processos de planejamento e


interação entre a municipalidade e os cidadãos, ou se originar de processos
espontâneos, como no caso da apropriação por diferentes grupos que elegem um espaço
qualquer para o desenvolvimento de suas atividades, sem que eles tenham
necessariamente equipamentos específicos ou tenham sido destinados a um
determinado tipo de utilização (CARR ET AL, 1995; VIEIRA, M., 2001; MARCUS ET AL, 1998).
8

Podem ter um suporte físico permanente ou efêmero9, ao adquirir uma função específica
em um determinado período de tempo. Quando planejados, resultam da convergência ou
da prevalência de valores culturais, sociais e ideológicos, dos atores participantes dos
processos que envolvem criação, desenho ou gestão dos espaços. Esses atores podem
originar-se do poder público, de equipes técnicas e multidisciplinares, e das comunidades
envolvidas nos processos. A qualidade de um espaço livre público pode ser ampliada
com a participação comunitária e a integração entre seus atores; mas se a sua confecção
e o seu desenho atenderem a maior parte dos requerimentos que o originaram, e se a
condução de sua execução e gerenciamento for satisfatória, a probabilidade de obtenção
de sucesso será ampliada (CARR ET AL, 1995). A manutenção adequada e a melhoria dos
espaços públicos também têm a capacidade de irradiar os seus benefícios para o
entorno, estimulando melhoramentos nos espaços privados, ampliando a auto-estima dos
habitantes de um lugar10 (QUEIROGA, 2003).

CARR ET AL (1992, p.79) relatam que a partir da segunda metade do sec. XX, os
enfoques sobre os espaços livres públicos passaram a reintroduzir a natureza nas
cidades reintegrando as áreas naturais remanescentes ao meio urbano,
interconectando-as com os espaços livres públicos voltados à recreação. No Brasil,

8
Podemos exemplificar com o uso das calçadas ou mesmo das ruas, apropriadas por grupos de pessoas que desejam
usufruir ar fresco e conversar, ou de postos de gasolina que reúnem grupos de jovens, ancorados por lojas de
conveniência, na cidade do Rio de Janeiro.
9
Um suporte efêmero é aquele moldado temporariamente para o uso do público, como por exemplo, arquibancadas
montadas e desmontadas especialmente para grandes eventos, ou a sombra de uma árvore ou de uma edificação.
10
O projeto Rio Cidade-Leblon, por exemplo, concluído no ano de 199x, na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo,
valorizou não só o aspecto econômico, mas também a auto-estima dos moradores do bairro do Leblon.

28
trabalhos mais recentes focalizam a estruturação urbana, no que diz respeito às inter-
relações entre espaços edificados e livres, a partir da interação entre o suporte físico
natural, a história e a cultura. SCHLEE (1999, p.86) constata que o conjunto dos espaços
livres públicos e edificados da cidade do Rio de Janeiro é produto “da justaposição e
interpenetração com o ambiente físico natural original e seus diferentes ecossistemas”.
CARNEIRO & MESQUITA (2000, p.24) fazem uma abordagem ecológico-ambiental, tanto
dos espaços livres públicos, como dos remanescentes naturais, no contexto urbano da
cidade do Recife, com vistas à conjugação de um planejamento ambiental sustentável, e
ao ordenamento dos seus espaços livres públicos, de forma integrada.

Na definição fundamental de CARR ET AL (1992, p.19) os espaços livres públicos devem


ter três características universais: devem corresponder às necessidades básicas dos
usuários; devem ser universalmente acessíveis, provendo a liberdade de ação e a sua
apropriação; e finalmente, devem ser significativos, ou permitir a criação de conexões
entre as pessoas e os lugares, as suas memórias e o mundo. Para SMITHSONIAN11 (1999)
que procura redirecionar esta discussão, a definição DE CARR ET AL (1992) é ingênua e
relega uma outra dimensão; a dimensão legal dos espaços livres públicos, tornando-se
limitada para ser utilizada “nessa era de parcerias público-privadas”. Para ele, a
dimensão legal afeta diretamente as características definidas por CARR ET AL. GULICK
(In: LIGHT ET AL, 1998, p.136) também já havia afirmado que dentro do contexto urbano
contemporâneo, existe uma dimensão legal, pressupondo a existência de uma
propriedade física formalmente possuída por alguma instituição pública ou privada. Por
essa razão, ele desafia as definições correntes, configurando outra, na qual acredita
estar incorporando além daqueles espaços dos quais fala a literatura, como as ruas e as
praças públicas, os espaços de propriedade privada, ou seja, os shoppings, os malls, e
as plazas comerciais 12, ou quaisquer outros espaços construídos e inseridos em um
espaço comercial.

“Os espaços públicos são locais onde uma enorme variedade de pessoas
pode interagir com outras que não necessariamente já conhecem, e nas
quais podem se engajar em uma variedade de atividades públicas ou
privadas, embora ambos, usos e usuários, tenham sempre uma limitação
de ação”. SMITHSONIAN (1999).

LOW (2000, p.34) não acredita que a acessibilidade, e a diversidade plena sejam
possíveis nesses espaços comerciais, de acesso restrito, argumento com o qual

11
SIMTHSONIAN, Greg (1999). Histories of Jewish and Porto Rican Neighboors, In: <http:// www.columbia.edu >. Acesso em
19 de julho de 2003.
12
A Plaza a qual nos referimos aqui é uma tipologia norte-americana, espaço livre normalmente apêndice de edificações
que funcionam como sede de grandes corporações e empresas. Definição de Carr et al (1992).

29
concordamos plenamente. Ela acredita que os espaços deste tipo, principalmente nos
EUA e Europa, são antes de tudo, locais voltados ao comércio e consumo da classe
média. LOW distingue as plazas das cidades latino-americanas, dos espaços comerciais
como malls e shoppings argumentando que as plazas latinas funcionam como uma
arena, onde grupos sociais e culturais diversos interagem, no mesmo tempo-espaço, sem
restrições à acessibilidade. A autora reconhece, no entanto, a falácia, pois essa interação
dos diversos, aparentemente uma regra, não ocorre em todas as plazas de uma mesma
cidade, ou na maior parte dos espaços livres públicos das cidades latino-americanas.

Dois importantes questionamentos têm sido confrontados com os significados tradicionais


dos espaços livres públicos, desafiando a sua permanência nas cidades: sua decadência,
denominada por SENNETT (1998) como a morte do espaço público, e a sua privatização.
A questão da morte dos espaços públicos é uma discussão recorrente, mas que se
defronta com parâmetros que variam de acordo com a cultura e o desenvolvimento
econômico do lugar. GULICK (1998) acredita que essa discussão deve ser transferida para
as cidades globais, ou de espaços urbanos resultantes de um capitalismo avançado. A
polarização social e a segregação espacial, estabelecidas em grandes centros
econômicos e comerciais, impulsionariam as discussões sobre a decadência de praças
não comerciais e a utilização dos espaços livres públicos por diferentes categorias
marginais da sociedade. Concordamos com este argumento, mas ressalvamos que este
adquire nuances mais complexas quando refletido para as grandes e heterogêneas
cidades brasileiras, pois, enquanto alguns territórios urbanos apresentam exatamente o
panorama descrito pelo autor, outros refletem características que vão variar de acordo
com os padrões culturais e graus de desenvolvimento sócio-econômico da região da
cidade. QUEIROGA (2004, p.2) corrobora essa idéia, acreditando que as diferentes
capacidades de modernização dos diversos pontos de um território irão determinar uma
grande variação na estrutura das paisagens, conseqüentemente produzindo impactos
sobre os espaços públicos. Assim, novos espaços e novas tipologias poderão se originar
do tipo de propriedade e gerenciamento, da flexibilidade de usos que porventura possam
abrigar, da diversidade dos usuários, da sistematização e articulação com outras
tipologias, das novas tecnologias e ideologias urbanas, da história, da difusão e da
convivência no meio urbano, das temporalidades, da fragmentação das cidades, entre
outros infindáveis parâmetros [fig. 1/1].

Estudos que observam os conceitos de cidadania e seus reflexos no meio urbano nos
mostram que nas cidades brasileiras, os fenômenos da privatização e morte ou
decadência dos espaços livres públicos têm suas próprias nuances. GOMES (2002, p.169

30
a 191) alerta para a fragmentação e o fechamento dos espaços livres públicos das
cidades contemporâneas brasileiras, que deveriam estar abertos para a construção de

novas sociabilidades, ou para a diversificação social. Essas reconfigurações espaciais


têm reflexos sobre a cidadania, já que impulsionam a criação de novas regras de
comportamento e civilidade. O autor identifica quatro tipos de manifestações comuns em
muitas metrópoles brasileiras; a apropriação privada dos espaços, exemplificada na
instalação de estruturas fixas como grades em edificações ou áreas de lazer; a
progressão das identidades territoriais, quando determinados grupos ocupam um
território e impõe regras e comportamentos próprios a outros grupos; o emuralhamento
da vida social, impulsionado pela insegurança nas cidades; e o crescimento das ilhas
utópicas, uma forma de isolamento, encerrada em condomínios fechados, onde a
diversidade é inexistente e “o status social é a senha de acesso”. No tocante ao lazer,
GOMES (2002) acredita que às classes mais populares, que não gozam do privilégio de
freqüentar determinados locais, resta ocupar ou freqüentar aqueles espaços urbanos
possíveis, onde o acesso a elas não se restringe.

“As classes populares, (na cidade do Rio de Janeiro) são as usuárias majoritárias,
sobretudo nos fins de semana, dos grandes centros de lazer ou das grandes praças
da cidade, como Quinta da Boa Vista, Parque do Flamengo, Campo de São
Cristóvão, Largo do Machado, Praça Serzedelo Correia, Campo de Santana,
Passeio Público...”
Gomes (2002).

Segundo QUEIROGA (2004, p.3) “apenas os estratos de renda mais elevados possuem
mobilidade capaz de aproveitar os recursos territoriais e paisagísticos das grandes
metrópoles”. No caso da cidade do Rio de Janeiro, GOMES (2002) conclui que os grandes
parques urbanos ou as pracinhas suburbanas são as poucas alternativas possíveis e
acessíveis para o lazer e a recreação das classes populares [fig. 1/2].

A RECREAÇÃO NOS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS <<

Os primeiros espaços livres públicos foram as praças e as ruas das cidades. Em geral,
eles abrigavam a circulação, as manifestações públicas, festas populares ou religiosas, e
o comércio; caracterizando-se de certa forma, pela coabitação entre um certo caos e a
liberdade de ação (SEGAWA, 1994). A criação dos primeiros parques nas insalubres
cidades européias em processo de industrialização e desenvolvimento, a partir do século

31
32
XIX, foi impulsionada pelo surgimento de novas necessidades urbanas, como a higiene, a
educação das classes trabalhadoras e o embelezamento das cidades. Os parques eram
locais para o passeio e para a contemplação da natureza (LEGATES & STOUT, 2003;
KOSTOFF, 1992; COSTA, 1993). Segundo SEGAWA (1994) os parques eram um espaço
hierarquizado socialmente, em oposição à polivalência e ao ambiente festivo e
popularesco das praças. A freqüência aos parques exigia novas atitudes e regras de
comportamento, e um maior controle das ações individuais, de acordo com uma nova
organização social que emergia. Mesmo que existam registros referindo-se a existência
de terrenos de jogos no final do século XVI, provavelmente, o surgimento da recreação
ativa e externamente controlada, entre outras atividades físicas e culturais nos parques e
praças públicas, surgiu paralelamente às novas regras sociais que se estabeleciam,
somadas às inovações científicas da época, de cunho higienista.

KOSTOFF (1992, p.170) relata que desde o surgimento dos primeiros parques ingleses a
existência de campos para atividades esportivas e recreacionais sempre foram uma
questão controversa, já que é evidente a incompatibilidade entre a contemplação e a
prática de esportes em áreas próximas. Ele crê que somente após o estabelecimento dos
esportes organizados, em torno de 1870, iniciou-se uma tendência a favor da criação de
campos de esportes nos parques. Tal direcionamento ganhou força nos EUA, quando
novos parques foram criados no final do século XIX, desenvolvendo-se conjugados ao
planejamento urbano, articulados a recente ótica de sistematização dos espaços livres
públicos; como praças, eixos viários, parques e cinturões agrícolas (LEGATES & STOUT,
2003; LAMAS, 2004; COSTA, 1993).

Os espaços livres especificamente voltados para recreação ativa ou para a prática dos
esportes, emergiram nos EUA, no final do século XIX e início do XX, [fig. 1/3], voltados
especialmente às crianças de distritos imigrantes e pobres das cidades norte-americanas,
como uma forma de controle social13 (MARCUS ET AL, 1998; CARR ET AL, 1992; COSTA,
1993). A introdução de campos de atletismo e quadras de esportes foi o principal foco dos
governos municipais nessas eras de reforma, associadas à recreação organizada por
líderes treinados especialmente para tal tarefa. Posteriormente, já nos anos 30, essas
áreas de recreação já tinham sido absorvidas e aceitas como uma característica básica
no planejamento das cidades norte-americanas (COSTA, 1993, p. 54; MARCUS ET AL,
1998). CRANZ acredita que esse período “foi marcado pela padronização de elementos
em um pacote básico municipal” (1982, p.122; In: CARR ET AL, 1992, p.67);

13
The Playground and Park Reform Era, ou Era da Reforma dos Grandes Parques e Playgrounds.

33
34
“Isso era particularmente verdadeiro para os playgrounds onde o desenho padrão
consistindo de balanço, escorrega, gangorra, bancos e equipamentos de ginástica
(...) tornaram-se norma nas cidades norte-americanas”.

No início do século XX, o surgimento do ideário funcionalista de Le Corbusier, regido


pelos paradigmas da Carta de Atenas causou um forte impacto no planejamento urbano.
Uma das principais propostas para as cidades modernistas, em que a hegemonia do
automóvel era indiscutível sobre o pedestre, era a construção de torres isoladas sobre
grandes parques, formando um imenso sistema, onde cada torre representava uma
unidade de vizinhança14 (LAMAS, 2004, p.344). Na Carta, os espaços livres eram
classificados em dois tipos; indiretos, em grandes superfícies determinadas pela escala
do automóvel, representando os grandes parques ou vias arborizadas, e os diretos; ou
aqueles espaços que cercavam a

habitação, como parques de vizinhança, playgrounds e campos de esportes


(LPM/UNESP, 2003; COSTA, 1993, LEGATES & STOUT, 2003).

A ideologia da recreação organizada, no Rio de Janeiro, surgiu em torno dos anos 30,
quando a urbanização carioca convivia, tanto com as novas diretrizes e pensares norte-
americanos para as cidades, como com a escola francesa de planejamento urbano,
referência para a arquitetura brasileira desde o século XIX15. Em 1937, MARTINS (In: Rev.
Municipal de Engenharia, p.369) em reportagem especial para a revista que representava
a administração pública do Distrito Federal, recomendava a adoção das tipologias dos
sistemas de recreação norte-americanos, apontando os playlots16, playgrounds, playfields,
neighborhood parks, parkways, e reservations, como as principais tipologias integrantes
dos sistemas de recreação supervisionadas por recreadores treinados, e mantidas pela
municipalidade ou por entidades filantrópicas. Este pensamento está resumidamente
expresso no final da reportagem;

“A formação de sistemas de recreio (...) será também uma medida de


grande alcance social e educativo, proporcionando a nossa população
infantil, locais adequados a seus divertimentos, e acabando com o triste
espetáculo dos jogos no meio das ruas”.
Martins (1937).

14
Mumford (2004, p.541), descreve o princípio de organização da vizinhança como aquele que pretendia colocar dentro de
uma distância percorrível a pé todas as facilidades necessárias diariamente para o lar e a escola. O local dos folguedos
infantis deveria ficar no máximo a 500m das casas a que servia, e o mesmo princípio se aplicava com variações à distância
da escola primária e a área de mercado local. O principio da vizinhança é perceptível em projetos utópicos de cidades,
como as cidades jardim.
15
É a época em que se discute o Plano Agache, do urbanista francês de mesmo nome, que já prevê um grande sistema de
parques para a cidade. Pode-se observar na criação do Parque do Flamengo o ápice desta ideologia da recreação
controlada, nos trabalhos de Medeiros (1975) que participou da equipe de confecção da recreação infantil do parque.
16
Playgrounds para várias faixas etárias, campos de esportes, parques de vizinhança, vias parques e reservas.

35
36
O paisagista norte-americano ECKBO em 1939 (In: TREIB, 1992, p.79) criticou a divisão
funcionalista que considerava o lazer, e a recreação humana, em função de apenas um
fator dominante; o trabalho. Ele recomendava para o habitante de cidades como Nova
York e Chicago, um sistema flexível que provesse todos os tipos de recreação, para
pessoas de todas as idades, sexos e interesses. Para o desenvolvimento desses
sistemas, ECKBO sugeria um padrão dimensional e tipológico, em atendimento a um
número específico de famílias, considerando “um equilíbrio sistemático” das seguintes
tipologias; play lot, para crianças em fase de alfabetização; children playground, para
crianças de 6 a 15 anos; district playfield, para jovens e adultos; urban parks; country
parks e greenbelts; áreas especiais (praias, campos de golfe, piscinas, estádios); e
finalmente os conectores do sistema, as parkways e freeways17. ECKBO acreditava que a
oferta de espaços livres devia-se muito mais a qualidade e a variedade tipológica do que
a quantidade propriamente dita. A forma de obter esse resultado qualitativo adviria da
análise acurada das necessidades das pessoas, e do estudo das questões intangíveis
relacionadas a um agrupamento humano. Jane Jacobs, vinte anos depois, em 1961,
(2003, p.121) corroborou essas críticas em seu livro Vida e Morte de Grandes Cidades.

“(...) as cidades norte-americanas atuais, movidas pela ilusão de que as


áreas livres são um bem em si e de que quantidade equivale a qualidade,
estão torrando dinheiro em parques, playgrounds e vazios urbanos muito
extensos, muito abundantes, muito supérfluos, mal localizados e, portanto,
muito monótonos e incômodos de usar”.

Concordamos que para observação de critérios qualitativos sobre quantitativos,


deveríamos considerar questões tangíveis como características econômicas, sociais e
geográficas do lugar; e intangíveis, como o respeito às suas riquezas culturais. A
concretização dos projetos deveria resultar de uma organização que levasse em conta as
inter-relações entre as tipologias existentes, em prol das variações funcionais, e de sua
atratividade, privilegiando também padrões de construção adequados e duráveis. Esses
seriam alguns dos parâmetros essenciais para o planejamento qualitativo e quantitativo
dos espaços públicos voltados à recreação em qualquer entorno urbano.

17
Tradução livre. Área de brincar, área de recreação para crianças, campo de jogos, parques urbanos, parques rurais,
cinturões verdes, vias parques, auto-estradas.

37
TIPOLOGIAS EM ENFOQUES CONTEMPORÂNEOS <<

Estudos, planos e projetos confeccionados nos últimos 20 anos do século XX, para as
áreas verdes das cidades de Paris (APUR, 1989), Lisboa (TELLES, 1997), e Recife
(CARNEIRO & MESQUITA, 2000) fizeram uso de uma visão sistemática dos seus espaços
livres para alcançar diferentes objetivos. Os planos e os estudos aqui apresentados têm
em comum, a indissociável seleção de tipologias, resultantes da associação de diferentes
conceitos e critérios, independentemente do momento histórico em que surgiram, da
cultura e do perfil das áreas com as quais aqueles planos tiveram que lidar. Os usos e as
funções dos espaços livres – quer estejam voltados ao equilíbrio ambiental, a recreação,
ou a outras finalidades – foram, em todos este estudos, um critério básico para a análise
tipológica e a composição sistemática que se sucedeu. As classificações e denominações
encontradas nesses planos, dizem respeito, muito mais à prática dos processos
projetuais e administrativos, onde a organização por forma e função é relevante, do que
as práticas sociais e as conexões das pessoas com os espaços, por ocasião da
confecção dos estudos.

Os estudos sobre Paris (APUR, 1989) incidiram sobre as tipologias dos jardins, parques e
praças urbanas abertos ao público da cidade, considerados como um conjunto de áreas
verdes. Portando uma visão pragmática, o estudo enxerga essas áreas como um sistema
de usos integrado, sempre priorizando a sua acessibilidade, objetivando avaliar a
quantidade de habitantes atendidos e o seu nível de satisfação, identificando as
carências qualitativas e quantitativas dos espaços e a necessidade de implantação de
novos. Os planos para Paris têm uma abordagem pouco flexível, caracterizada mais
pelos aspectos estatísticos, relegando os aspectos simbólicos da paisagem. Como maior
qualidade, está o enfoque das áreas verdes como equipamentos de vizinhança,
metodologia utilizada para embasar a análise das praças desta pesquisa. As tipologias
encontradas nos planos sobre Paris utilizaram como critérios para classificação, a
superfície territorial, o tratamento paisagístico, os tipos de equipamentos, as categorias
de usuários e a frequência, resultando então na seguinte classificação: parques
polivalentes e jardins de quadras polivalentes (com múltiplos usos), parques
especializados e jardins de quadras não polivalentes (de uso exclusivo).

O Plano Verde de Lisboa (TELLES, 1997) utilizou como critério fundamental a integração
da denominada Estrutura Verde ao tecido edificado. O Plano observa os vários sistemas
existentes dentro da cidade e da região metropolitana, explorando principalmente o viés
morfológico e ecológico; procurando compatibilizar tanto os sistemas urbanos históricos

38
com os modernos, como os sistemas de usos e tipologias de áreas verdes, em uma visão
holística da paisagem. Assim, as propostas e bases normativas que definiram o plano
estão referenciadas ao suporte ecológico, ao sistema de vistas, e aos seguintes
subsistemas; sistemas de utilização das estruturas verdes, compostos pelo denominado
sistema de recreio (jardins, parques, praças); sistemas associados e de equipamentos
(campis universitários, cemitérios); mistos (quintas, hortas, jardins familiares) e de
proteção de estruturas naturais. Acreditamos que esta forma de sistematização, baseada
nos usos parece determinar que algumas funções estariam restritas a tipologias
específicas de espaços livres, quando na realidade, elas podem estar sobrepostas em
qualquer uma das tipologias mencionadas.

Os Espaços Livres de Recife (CARNEIRO & MESQUITA, 2000), trazem um painel das
tipologias de espaços livres existentes na cidade, identificados, quantificados e
classificados, sob uma ótica ecológico-ambiental, tendo em vista o seu ordenamento para
uma futura expansão do sistema. Os espaços foram classificados da seguinte maneira:
de equilíbrio ambiental (unidades de conservação, cemitérios, campi universitários,
espaços de valorização ambiental), de recreação (faixas de praia, parques, praças,
páteos, largos, jardins e quadras polivalentes) e potenciais (terrenos vazios, margens de
rios e canais, campos de pelada, recantos e locais de valor paisagístico ambiental). Essa
classificação procurou destacar a articulação e a importância de cada espaço dentro da
paisagem urbana, apresentando também uma amostra dos locais, parques e praças mais
representativos da cidade do Recife - já que são esses os tipos de espaços livres
públicos predominantes nas paisagens recifenses.

Nos estudos de CARR ET AL (1999) encontramos um panorama das tipologias que se


desenvolveram a partir dos anos 50 nos EUA, configurando os sistemas contemporâneos
de espaços livres norte-americanos. Os parâmetros utilizados para a configuração
tipológica foram a forma do lugar, a localização mais comum, dimensões, gerenciamento
e manutenção, equipamentos existentes, usos e usuários. Os tipos definidos são; parques
públicos (central parks18, downtown parks – novos ou históricos19, commons, neighborhood
parks20, pocket-parks21) praças e plazas (praças centrais22, plazas corporativas23 e

18
Se fizermos um rebatimento das tipologias norte-americanas para a cidade do Rio de Janeiro poderíamos lembrar da
Quinta da Boa Vista como um tipo similar.
19
No Rio de Janeiro, o Passeio Público e o Campo de Santana.
20
Similares as nossas praças residenciais.
21
São pequenos espaços de uso controlado, funcionando como pequenos oásis urbanos. Como exemplos estão
Greenacre e Paley Park, em Nova York.
22
A Praça dos Expedicionários e a praça Floriano, ou Cinelândia no centro do Rio são exemplos.
23
A praça entre os edifícios do Centro Empresarial Botafogo e do Mourisco, são exemplos na cidade do Rio de Janeiro.

39
memoriais), mercados temporários24, ruas restritas ao tráfego25, trilhas urbanas
integradas26, playgrounds, espaços livres ou jardins privados gerenciados por uma
comunidade com acesso restrito, vias parques, ciclovias, atriuns, shoppings centers,
espaços públicos apropriados pela população27, e finalmente as frentes das águas
urbanas28 [figs. 1/4, 1/5, 1/6, 1/7].

Estes planos e estudos nos mostram que os espaços livres públicos estão sob um novo
enfoque, onde as áreas edificadas, o suporte natural e geográfico, a história, a cultura e
os ecossistemas urbanos, estão integrados em um único sistema de paisagens. O
desenvolvimento de uma diversidade de tipologias que variam de acordo com a época, a
cultura e a sociedade de um país, a incerteza entre o que é público e privado e a
segregação social, tornam mais e mais complexa a tarefa de entender como e onde se
situam as praças públicas no contexto atual das cidades.

A PRAÇA

O LUGAR DA PRAÇA <<

“A praça é o lugar da ausência e é, ao mesmo tempo,


o conjunto das coisas construídas que a definem”.29

As praças podem ser consideradas o espaço livre público por excelência (QUEIROGA,
2003/ 2004; KOSTOFF, 1992; CHIAVARI, 1996; VAZ, 1999; CARR & AL, 1992; ZUCKER, 1959;
MARCUS & FRANCIS, 1998). Elas são espaços ancestrais “que se confundem com a
própria origem do conceito ocidental de urbano” (SEGAWA, 1996, p.31). Quando são
capazes de capturar a permanência das pessoas que a elas se dirigem, não apenas
transitoriamente, mas com um propósito, tornam-se um destino e uma intenção, fator que
lhes imprime singularidade e as diferencia das ruas ou de outros espaços voltados

24
Ainda no Rio de Janeiro, temos as feiras de antiguidades, a Babilônia Feira Hype e as diversas feiras de livros
espalhadas pelas ruas e praças da cidade acontecendo nos fins de semana.
25
São ruas fechadas para o lazer, lembram as ruas de vilas ou ruas suburbanas cariocas (que na verdade são fechadas
por grades). Neste caso os automóveis só entram para estacionar em suas próprias casas.
26
As trilhas as quais se refere são trilhas naturais que interligam parques, com as ruas e avenidas arborizadas, as
greenways, as trilhas históricas, etc...
27
Em Nova York são as escadarias de alguns prédios públicos; no Rio podem ser as ruas e até determinados trechos de
praias como o “Coqueirão” de Ipanema.
28
Calçadões de praia, entorno dos corpos d’água como o da Lagoa Rodrigo de Freitas.
29
Chiavari, M. P. 1999, p.185. “Sé, Carmo e Largo do Palácio. Espaços Públicos de Belém no Período Colonial”, In:
Seminário – A Praça na Cidade Portuguesa.

40
41
42
43
44
primariamente à circulação. A forma das praças tem influência sobre a sua função; sua
tridimensionalidade e “fechamento” são considerados fatores essenciais para permitir o
desenvolvimento de relações sociais (KOSTOFF, 1992; CUNHA, 1999). Acreditamos,
porém, que as praças são definidas muito mais pelos eventos que nela ocorrem, e pelo
contexto nas quais se inserem, do que pela sua forma ou desenho (QUEIROGA, 2004).
Para VIEIRA, M. (2001, p.98) em sua pesquisa sobre o Largo da Carioca, as praças
podem ter a morfologia definida pelo movimento, aglomeração ou adaptação dos
usuários ao espaço. Para FREITAS (2000, p.25) a natureza formal das praças está
condicionada pelos sistemas de ações que a determinaram e pelo conjunto de usos e
atividades que interagem com as formas, dando-lhes significado.

A praça é um dos elementos integrantes dos sistemas de espaços livres públicos


urbanos e antecede a criação dos parques públicos (KOSTOFF, 1992). As funções das
praças têm variado através dos séculos, e estiveram sem pre relacionadas a variações
de uso e aos tipos de atividades refletidas em seus aspectos formais. Para CHIAVARI
(1996, p.381):

“A praça é o espelho da identidade e da cultura de uma comunidade”.

Cada uma é portadora de um sentido comunitário cujo significado social confunde-se com
o espírito e a cultura do local onde se insere (SEGAWA, In: SCHLEE, 1999, p.86). As
denominações que as praças recebem em diferentes países despertam em nosso
imaginário associações com morfologias variadas, diferentes épocas, e significados
sociais e culturais diversos – praça, largo, piazza, place, plaza, place d’armes, squares...
Ao longo dos séculos as praças têm hospedado atividades cotidianas, coletivas e rituais;
trocas comerciais, abastecimento de água, jogos, assembléias, procissões religiosas,
manifestações políticas, castigos e celebrações. Locais de forte simbolismo e visibilidade,
as praças foram e ainda são cortejadas pelo poder, que as ornamenta com os seus
símbolos. CUNHA (1999, p. 238) crê que a história européia foi de certa forma “uma
história de praças”. VAZ (1999, p.140) acredita que;

“A história das praças é pautada pela história da urbanização e do poder”.

O poder representativo de algumas praças como fonte de símbolos culturais e do poder


cívico, mesmo com o passar dos séculos não se perdeu como relata LOW (2000, p.32),
em seu denso estudo sobre o significado político e cultural das plazas latino-americanas.
Para LOW, as plazas ainda são “espaços físicos e metafóricos para debates públicos
sobre governança, identidade cultural e cidadania”. Ela nos conta que o poder político

45
manipula o simbolismo destes potentes espaços públicos, exemplificando com o caso do
Zócalo, a plaza central da cidade do México, arquétipo das plazas latino-americanas. O
Zócalo tem suportado interferências de líderes sucessivos que desfazem o trabalho de
seus antecessores em busca de visibilidade política. Esse, porém, não é um fenômeno
isolado. Podemos dizer que hoje a manipulação política não só das praças, mas de
qualquer espaço público ainda ocorre; a interferência ou realização de obras e melhorias
em espaços públicos continua contribuindo para a visibilidade dos políticos, ou de certas
políticas urbanas.

As praças, enfocadas como tipologias específicas da civilização ocidental, caracterizam-


se por uma intencionalidade que se manifesta em sua estrutura física e na relação com
os elementos que a circundam; ou seja, na relação do vazio, com seus edifícios e os
seus planos marginais (LAMAS, 2004, p.100). Por muito tempo as praças foram elementos
cuja arquitetura era significativa e marcante, considerada por alguns autores como SITTE
(1989) e ZUCKER (1959) verdadeiras obras de arte; um aspecto na fisionomia das praças
avaliado como irremediavelmente perdido nas cidades modernas (LAMAS, 2000;
KOSTOFF, 1992).

SITTE (1989) ao final do século XIX, fez duras críticas às reformas de sua cidade natal,
Viena, observando as modificações por ocasião da derrubada das muralhas da cidade, e
ao parcelamento em lotes do solo remanescente. Para SITTE, um apaixonado pela
arquitetura das cidades medievais, os espaços das praças tornaram-se reféns do tráfego
de veículos, perdendo a tridimensionalidade que as tornava peculiar, na relação do plano
com o entorno construído (SITTE, 1989; KOSTOFF, 1992; QUEIROGA, 2003, 2004). ZUCKER
(1959) por sua vez, ignorou as praças surgidas após o sec. XIX em seus estudos,
acreditando que a intencionalidade da forma e seus traços artísticos já teriam
desaparecido.

As críticas às praças modernas já nas últimas décadas do séc. XX reafirmaram-se


pautadas, não mais em relação aos seus aspectos estéticos, mas sim, aos morfológicos
e funcionais. ALEXANDER ET AL (1977, p. 311), relacionaram a ausência de uma dinâmica
vital nas praças modernas às suas dimensões exageradas30, impostas pelos planejadores
urbanos, que lhes recomendaram um tamanho máximo ideal:

30
Sem, porém, conseguir explicar porque algumas praças renascentistas de vastas dimensões não parecem desertas,
como a Piazza San Marco, ressaltando porém, essa agradável excessão.

46
“Uma cidade precisa de praças públicas; elas são os maiores espaços públicos
que a cidade possui. Mas quando são excessivamente largos, não só parecem
como dão a sensação de um deserto”.

Teriam as praças, perdido as suas funções tradicionais? KOSTOFF (1992, p.172) nos diz
que as velhas praças das antigas cidades européias ainda são utilizadas, em um
processo de eterna adaptação às novas necessidades de seus freqüentadores. No
transcorrer do sec. XX, a estrutura formal das praças e aquelas funções originais
realmente se modificaram. Diversos autores enumeram algumas razões pelas quais
esses processos têm ocorrido (KOSTOFF, 1992; CUNHA, 1999; VIEIRA, 2000; QUEIROGA,
2003/2004); elas deixaram de ser veículos de comunicação, substituídas pela imprensa e
pelos meios audiovisuais, interferindo no exercício pleno da sociabilidade, que pode ser
exercitada “entre quatro paredes”, bastando ter acesso à internet; não abrigam mais a
fonte para o fornecimento de água, nem o mercado da cidade; não existe mais a
necessidade de um espaço físico representativo do poder central ou exibição da força
política ou religiosa. Em alguns casos, as praças podem ter se transformado em “espaços
de design”, em um fenômeno que se espalhou por muitos países, inclusive pelo Brasil,
quando as praças se transformam em planos estéticos, desertos e escultóricos,
abrigando desenhos ou elementos marcantes, que não têm necessariamente alguma
interligação com a recriação de um ambiente de sociabilidade, permanência e
diversidade social, nem com a cultura local (KOSTOFF, 1992; LORZING, 2001). No Rio de
Janeiro, o projeto Rio Cidade deixou em alguns bairros, exemplos de praças, portais e
outros espaços deste tipo. Em Campo Grande, observamos a inserção de “esculturas”
que homenageiam o rico passado do cultivo da laranja, em locais de grande movimento
ou forte visibilidade. Acreditamos que esses desenhos nem sempre privilegiam a
sociabilidade. [fig. 1/8].

Alguns autores (QUEIROGA, 2003, 2004; CUNHA, 1999) questionam se ainda faz algum
sentido dirigir nossa atenção à praça, se a discussão é anacrônica, ou se ainda é válido
defender a criação de condições para a sua edificação. Se nos voltarmos a uma análise
que objetive especificidades brasileiras, iremos compreender que nas nossas cidades os
fenômenos não podem ser observados sob uma ótica reducionista. Nas praças ainda é
possível desvendar-se diferentes temporalidades, e o estabelecimento e desenvolvimento
de relações cotidianas, manifestações cívicas e culturais da sociedade ao sentido
intersubjetivo das racionalidades comunicativas de Habermas31 (QUEIROGA, 2003, 2004).

31
O sentido intersubjetivo refere-se às razões do cotidiano, contrapostas às razões sistêmicas ou do mundo globalizado,
configurando o conceito das razões comunicativas de Habermas.

47
QUEIROGA (2003, 2004) adota uma abordagem geográfica e santosiana32 do espaço,
resultado das articulações entre sistemas de objetos x sistemas de ações. A
contraposição entre as razões globais e locais dentro das megalópoles brasileiras é
destacada para justificar como a vida pública continua se desenvolvendo nas praças
suburbanas, ao mesmo tempo em que é reforçada pela estrutura que em oposição, a
renega, a da megalópole globalizada. O autor formula uma categoria de análise abstrata,
à qual batiza de “pracialidades” ou um “estado de praça”.

“Pracialidade é uma prática espacial própria da esfera da vida pública, que


pode se estabelecer em diferentes momentos para diferentes sistemas de
objetos integrantes da paisagem urbana”. Queiroga (2003, p.139).

Seu principal argumento, portanto seria observar a pracialidade como uma forma de
usufruir o espaço, como uma teia de relações sociais e comportamentais que
transcendem a pura dimensão física e institucional do lugar. As pracialidades
independem de vinculação com a propriedade e com o sistema de objetos para existir,
podendo ocorrer em qualquer espaço livre público, se manifestando também através da
apropriação. QUEIROGA (2003) argumenta ainda que as sutilezas observadas nas
variadas manifestações das pracialidades sugerem que as soluções de desenho e os
modelos projetuais estabelecidos, devem ser mais sensíveis aos usos e ritmos
cotidianos, prevalecendo o contexto do lugar sobre a forma, variações estilísticas ou
função. Concordamos com sua argumentação quando sugere que os projetos merecem
ser revisados qualitativamente, adquirindo mais flexibilidade e adaptabilidade, já que sua
transformação através da apropriação é inevitável, reforçando a lógica da observação
prévia e entendimento da dinâmica do lugar. QUEIROGA (2003) também argumenta que a
maior dificuldade dos arquitetos ao projetar uma praça, ou espaços livres, é a falta de
autonomia destes espaços; sua dinâmica sempre dependerá da presença das pessoas e
dos usos que abrigar, não importando os programas para as quais foram destinadas.

OS ARQUÉTIPOS DAS PRAÇAS <<

As ágoras são consideradas as antecessoras das praças. Para a cultura ocidental as


ágoras representam um marco civilizatório, tanto do ponto de vista sociológico como do
arquitetônico; a ágora é o arquétipo da praça ocidental (CHIAVARI, 1996). Surgiram
aproximadamente no séc. V antes de Cristo, e eram os centros dinâmicos das cidades

32
“Santosiana” faz referência ao geógrafo Milton Santos.

48
49
gregas, abrigando funções urbanas importantes como direito, governo, religião, indústria
e sociabilidade (ZUCKER, 1959; MUMFORD, 2004). Segundo MUMFORD (2004, pg.166)
eram lugares destinados tanto à palavra como a troca de mercadorias, mas suas funções
aproximadamente no séc. V antes de Cristo, e eram os centros dinâmicos das cidades
gregas, abrigando funções urbanas importantes como direito, governo, religião, indústria
mais persistentes e antigas eram de ser o ponto de encontro comunal. Descritas como
espaços abertos de propriedade pública, com formato “amorfo e irregular”, elas
representavam a cidade em sentido horizontal, podendo abrigar qualquer tipo de
edificação dentro de uma estrutura urbana não unitária (MUMFORD, 2004; CHIAVARI,
1996).

Ao contrário da ágora, o fórum romano, é descrito muitas vezes como um espaço de


formato regular, cujas atividades variadas ocorriam em “um grau maior de ordem formal”
edificação dentro de uma estrutura urbana não unitária (MUMFORD, 2004; CHIAVARI,
1996).

(MUMFORD, 2004; ZUCKER, 1959; CHIAVARI, 1996). Em Roma, o fórum era não só o
centro da vida pública, mas de todo o Império, pois era o símbolo da união das várias
tribos estrangeiras que habitavam a cidade. “Recintos abertos” de traçado complexo,
esses espaços foram aos poucos se fechando com colunatas. Inicialmente, eram
circundados por templos sagrados, tavernas e “stands” de mercados, mas ao longo do
tempo, essa combinação de funções foi se modificando, e os fóruns perderam a função
comercial (embora a administração central do comércio permanecesse) tornando-se
locais exclusivamente de domínio público, passando a possuir prédios da justiça, e casas
do conselho, além dos templos e santuários, cada edificação desempenhando um papel
próprio no cotidiano urbano (KOSTOFF, 1992; MUMFORD, 2004).

Com a transição para o período medieval, igrejas e praças foram sendo implantadas
sobre fundações ou ruínas dos fóruns, em cidades de antiga colonização romana
(ZUCKER, 1959; KOSTOFF, 1992; CHIAVARI, 1996). O recanto aberto era quase uma regalia
no emaranhado e denso tecido intramuros destas cidades – e a maioria dessas praças
tinha cunho religioso (SEGAWA, 1996). Segundo SEGAWA (p.32, 1996) áreas abertas não-
religiosas, quando existentes no espaço urbano, serviam para recreação ou uso militar.
KOSTOFF (1992) nos diz que a relação entre os páteos religiosos e as praças urbanas,
pode ser considerada como uma relação evolutiva. Enquanto praças se desenvolveram

50
em páteos fronteiriços às igrejas33, praças de mercado estabeleceram-se nas
proximidades, já que os locais onde os fiéis se encontravam com freqüência eram os
mais atrativos ao comércio que despontava (MUMFORD, 2004). Praças se distribuíram a
partir do alargamento de vias, nas próprias vias, nas entradas e portões das
cidades,externa ou internamente aos seus muros, nos centros das cidades (ZUCKER,
1959; KOSTOFF, 1992).

No final da Idade Média, juntamente com a libertação do jugo dos senhores feudais e a
reconstrução da vida pública, as cidades tornaram-se os locais mais apropriados para a
expressão de idéias políticas e sociais. Praças tornaram-se o coração das cidades; não
só abrigavam os mercados como eram palco de execuções, celebrações e difusão das
notícias. Passaram a aliar em um mesmo espaço a função de repositório das
manifestações populares, e as manifestações oficiais e ideológicas do poder instituído
(MARCUS ET AL, 1998; ZUCKER, 1959, SEGAWA, 1996).

No período renascentista as praças ganham relevância formal, adquirindo novas


simbologias e um formato regular, contrastando com a maior parte dos espaços de
crescimento não ordenado da Idade Média (CARR ET AL, 1992). ZUCKER (1959) nos diz
que os renascentistas eram planificadores de cidades; a ordem humana e a tentativa de
estabelecer limites espaciais definidos eram as regras básicas das praças do
Renascimento. Algumas características do período eram o desejo freqüente de unidade
espacial, através do emprego de arcadas conectando os elementos em torno das praças,
e o uso de monumentos, como fontes e mastros para organizá-las e referenciá-las
simbolicamente no meio urbano. ZUCKER (1959) refere-se a Piazza São Marcos em
Veneza como a praça símbolo desta época34. No entanto, o desejo renascentista de
organização geométrica, perspectiva e ordem matemática, diante da densa realidade
edificada de algumas cidades medievais européias, tornavam a inserção de espaços com
estas qualidades uma empreitada difícil. CHIAVARI (1996, p.382) acredita que somente
nas colônias espanholas do Novo Mundo foi possível implantar tal regularidade e
organização no desenho das praças.

No Novo Mundo a plaza representa o centro cívico da cidade (ZUCKER, 1959, p.136; LOW,
2000, CHIAVARI, 1996). No início da colonização das Américas o governo espanhol enviou
instruções exatas para a construção das cidades aos administradores das colônias.

33
Zucker (1959) nos diz que a praça diante da igreja, parvis, é geralmente dominada por um só edifício que se distingue
dos demais em importância, o que a diferencia especialmente da praça de mercado.
34
A forma pela qual conhecemos São Marcos resulta de inúmeras reformas e acréscimos, sendo as mais importantes
ocorridas entre os anos de 1536 e 1640. A última modificação se deu no início do sec XIX! (ZUCKER, 1959; KOSTOFF, 1992)

51
Essas instruções promulgadas em 1573 - as Ordenanzas de Población35, previam entre
outras recomendações a localização e o tamanho ideal das praças, a configuração dos
elementos de seu entorno, levando-se em conta o crescimento futuro da população,
quase que reproduzindo fielmente as recomendações dos tratados renascentistas
(KOSTOFF, 1992; LOW, 2000; DERENJI, 1999). Autores como LOW (2000) e DERENJI (1999)
acreditam em uma ordem inversa; crêem que os tratados arquitetônicos renascentistas
teriam sido influenciados pelas novas praças da América espanholas, construídas antes
da sua publicação.

KOSTOFF (1996) afirma que a coordenação de praças dentro de um sistema de desenho


urbano, foi uma preocupação que teve início nos períodos renascentista e barroco. Nas
cidades barrocas, praças foram inseridas no encontro de avenidas radiais. Em cidades
mais antigas os sistemas foram criados através da interligação dos espaços livres
existentes com novas praças. Em novas cidades ou extensões de cidades recém-
planejadas, esquemas formais foram desenvolvidos obedecendo a regras abstratas de
composição, aplicadas ao plano urbano de forma integral. No barroco, as praças foram
assumindo uma rica variedade de formas geométricas, harmonizando-se com esquemas
imaginários caprichosos. Posteriormente, praças se desenvolveram como resultado das
pressões de tráfego, incorporadas em novos planos urbanísticos como decorrência dos
cruzamentos viários (KOSTOFF, 1992, p.194).

Ainda segundo KOSTOFF (1992, p.161) praças centrais, praças comerciais e habitações
foram compatíveis até certo período, em que negócios e moradia necessitavam
compartilhar a mesma edificação ou vizinhança. O enriquecimento de alguns e o desejo
de grupos socialmente similares se destacarem dos outros, impulsionou o
desenvolvimento das praças residenciais, geralmente planejadas e empreendidas por
uma só agência privada, com atividades públicas limitadas e atividades comerciais não
predominantes. Até o séc. XIX os habitantes de praças residenciais pertenciam em geral
as classes mais abastadas ou à nobreza. Na França, no início do sec. XVII, a tendência
às praças residenciais se desenvolve a partir da implantação das places royales; espaços
abertos, rodeados por moradias, sem lojas ou edifícios públicos, no máximo uma igreja,
fechada apenas pelas suas próprias casas (MUMFORD, 2004). Como características
principais das places royales predominavam a repetição de fachadas e a acentuação do
centro com um monumento significativo. Nas praças residenciais reconhecemos a
cristalização das idéias predominantes e atitudes culturais da época, na dedicação

35
Leis das Índias. Os historiadores fornecem datas diferentes para a criação das leis e a sua promulgação. Essas datas
variam do ano de 1523 até o de 1573, que preferi adotar.

52
exclusiva do espaço ao usufruto das classes superiores. A Place des Vosges (1629) em
Paris pode ser considerada o arquétipo da place royale (ZUCKER, 1959; MUMFORD, 2004).

Em Londres, entre os séculos XVII e XVIII, praças residenciais se desenvolveram, mas


com características formais simplificadas, talvez porque a tradição do espaço público
como local de reuniões e trocas comerciais, não fosse tão evidente como no restante da
Europa (CARR ET AL, 1992). As praças inglesas típicas eram quase sempre residenciais, e
podem ser definidas como um jardim gramado, emoldurado pela arquitetura do entorno,
sem preocupações estilísticas ou consistentes no que diz respeito à repetição de
fachadas (ZUCKER, 1959, p.165 e 199). Quando as primeiras se estabeleceram, ainda
não eram planificadas nem compostas por jardins; somente no sec XVII elas passaram a
abrigar estas características. Eram geralmente cercadas, e trancadas com chaves,
sempre ao alcance dos proprietários de residências próximas. A importância das praças
londrinas repousava principalmente no seu potencial como centro de recreação para as
vizinhanças (ZUCKER, 1959, p.199). Elas eram, porém, entidades fechadas e não
relacionadas entre si, e mesmo que geograficamente próximas, não existiam nem em
função de axes ou de sistemas de vistas, resultado de composições visuais ou artísticas,
características do renascimento e do barroco. Sua função era proporcionar privacidade
ao pedestre, conforto às residências próximas e isolar a vizinhança imediata do cotidiano
do entorno (ZUCKER, 1959, p. 201).

Acreditamos que praças medievais, renascentistas e barrocas, squares londrinas e


places royales, tanto nos aspectos formais como em sua estrutura pública, podem ser
consideradas como os modelos de praças tomados pelos urbanistas que traçaram planos
de cidades baseados em conceitos de vizinhança, em busca da reprodução de uma
escala perdida com o avassalador crescimento urbano pós séc. XIX. Quando a linha reta
e a malha quadrangular tornaram-se predominantes no planejamento urbano, com as
ruas tornando-se mais importantes que as praças às quais deveriam estar integradas, as
novas praças deixaram de ser um elemento compositivo da vida pública, para se adequar
às normas de tráfego e ao novo uso do solo, sobrepondo novas funções às antigas e
perdendo a escala humana.

53
SOBRE AS PRAÇAS DO RIO DE JANEIRO <<

VAZ (1999) e FREITAS (2000) apontam complicadores que incidem em qualquer estudo
historiográfico sobre as praças cariocas, principalmente sobre os três primeiros séculos
de colonização. Em geral, referem-se à escassa iconografia existente, à variação na
nomenclatura dos lugares, e a incerteza sobre motivações impulsionadoras das
modificações na morfologia e na toponímia de um determinado espaço. VAZ (1999,
p.142) relata que a própria denominação “praça” é discutível, já que alguns historiadores
acreditam que nos séculos XVIII e XIX ela se voltava mais ao caráter cívico de um lugar,
enquanto “largo” seria a denominação dada aos outros tipos de espaços. Para esta breve
colocação sobre as praças cariocas, consideraremos “largos” a denominação dos
antecedentes das praças.

Nas cidades coloniais brasileiras, praças de formato quase sempre irregular, geralmente
denominadas largos, formavam-se em função do poder civil (pelourinho, Casa da Câmara
e Cadeia), eclesiástico (a igreja matriz, igrejas ou conventos), e do comércio (SILVA,
1999, p.226; VAZ, 1999, p.140). Geralmente elas se distribuíam seqüencialmente ao
longo da “Rua Direita”36 que desembocava nos campos ou no rossio – essas as áreas
limítrofes da cidade. As edificações que simbolizavam o poder em uma praça poderiam
estar dispersas e distribuídas em inúmeras edificações ao longo dos vários largos (REIS,
1995, p.12). Essa sucessão de largos, páteos e terreiros articulava a trama urbana
constituindo a sua estrutura e identidade (CHIAVARE, 1996, p.383; FREITAS, 2000, p.65).
Os equipamentos existentes nos largos eram relacionados à vida material e religiosa da
população da época; os chafarizes para o abastecimento da água; o cruzeiro, marco
religioso; e o pelourinho e a forca, como representantes da lei e do poderio colonial
português (VAZ, 1999, p.142).

As primeiras praças cariocas se originaram nos adros e páteos fronteiriços das capelas e
igrejas, onde a vida religiosa e social se desenvolvia (CHIAVARI, 1996, p.383; FREITAS,
2000, p.65). Ao longo do tempo os adros passaram a se abrir para as ruas, recebendo
novas denominações como largos (ou terreiros) abrigando procissões e festas religiosas.
FREITAS (2000) afirma que o primeiro espaço livre público com características de praça a
se formar na cidade do Rio de Janeiro foi o Largo da Misericórdia. O Largo existia em
função da Igreja da Misericórdia e caracterizava-se por concentrar atividades comerciais
e religiosas. Curiosamente este espaço preserva a denominação de Largo da
36
Segundo Silva (1999, p.232) quase todos os estrangeiros que visitavam o Rio fizeram menção às praças em seus
relatos de viagem. Von Martius teria descrito oito ruas direitas, estreitas e paralelas atravessando a parte mais antiga da
cidade.

54
Misericórdia desde os primeiros registros que dele se conhecem, apesar de ter perdido
seu formato original e identidade no século XX, após a derrubada do Morro do Castelo.
Para CHIAVARI (1996) os adros do Outeiro da Glória, e dos Mosteiros de São Bento e
Santo Antonio, instalados no alto dos morros, parecem ainda conservar as características
morfológicas similares aos adros originais da primeira fase da colonização.

Enquanto algumas cidades brasileiras, como as cidades mineiras, estruturavam seus


sistemas de vias em torno das igrejas, o Rio de Janeiro foi incorporando o mar à sua
arquitetura, e se estruturando ao longo da sua “marinha”. O comércio se desenvolveu ao
longo da marinha carioca, concentrando-se nos alargamentos das praias, ou em alguns
largos; no entanto, nenhuma praça de mercado dos tempos coloniais, imperiais ou
republicanos, permaneceu. O mesmo pode se dizer a respeito dos pelourinhos (VAZ,
1999). O largo mais importante do Rio, do Paço, depois praça XV, cresceu em
importância após a chegada da família imperial ao Brasil. Fechado pelas construções que
o margeavam, era escancarado para o oceano. O Largo do Paço logo se tornou o
verdadeiro centro e a porta de entrada da cidade colonial; inicialmente concentrava a
igreja e o convento que lhe deu origem, acumulando depois em seu entorno os edifícios
públicos mais importantes (VAZ, 1999, p.146; SCHLEE, 1999, p.108).

Algumas praças se originaram de aterros executados no sec XVIII. Os largos do Moura e


do Carmo (mais uma antiga denominação da praça XV) localizaram-se sobre aterros
litorâneos, enquanto outros largos instalaram-se sobre aterros de lagoas; da antiga Lagoa
de Santo Antonio surgiu o Largo da Carioca, e a Lagoa do Boqueirão deu lugar ao
Passeio Público37. O Largo da Carioca tem no bojo de sua história uma íntima relação
com a religião, devido a presença do Convento de Santo Antônio; com a água, porque o
seu chafariz foi o mais importante da cidade; e com os transportes urbanos, já que em
meados do século XIX abrigou uma estação de bondes. Atualmente, abriga uma estação
de metrô. Esta grande esplanada tem em sua configuração, o traçado do paisagista
Roberto Burle Marx (VIEIRA, M., 2001; SCHLEE, 1999).

Os campos e os rossios são também precursores de largos e praças, como a praça


Tiradentes e a praça Onze, que não mais existe, senão como marco referencial no
imaginário popular (VAZ, 1999). A praça Tiradentes, “conhecida até o final do século
XVIII, como Campo dos Ciganos”38 (SCHLEE, 1999, p.112) teve sua destinação modificada

37
O Passeio não é exatamente uma praça, mas foi selecionado porque foi edificado sobre um aterro.
38
Um só campo aterrado, o Campo da Cidade, deu origem a outros quatro campos caracterizados cada um por sua vez, a
partir da construção de diferentes igrejas, conforme relatado por Vaz (1999); N. Sra do Rosário, São Domingos,
Lampadosa e Santana. O da Lampadosa originou a praça Tiradentes.

55
várias vezes. Foi chácara particular, abrigou a população marginalizada da cidade;
instalou-se a igreja da Lampadosa, foi palco de manobras militares, até que se voltou às
artes, principalmente às cênicas, quando em seu entorno teatros e cafés-concertos foram
construídos. Para CHIAVARi (1996, p.386) a praça Tiradentes tem algumas características
especiais; ausência de prédios institucionais em seu entorno, a presença da natureza
projetada, o centro marcado pela estátua eqüestre de D. Pedro I. Ela sugere que este
esquema projetual se reproduziu de maneira empobrecida nas praças dos novos bairros
residenciais que foram surgindo desde o sec. XIX.
Durante o século XIX, o Rio de Janeiro deixou de ser uma cidade colonial, a partir da
transformação da sua forma urbana e da transferência das classes mais abastadas para
os bairros da Zona Sul (ABREU, 1987). Nesta época, também foi sendo pavimentado o
tipo de desenvolvimento do século seguinte, caracterizado pelo parcelamento do solo em
lotes, onde o largo - a praça, já começava a perder o seu significado anterior,
constituindo-se apenas em mais um elemento embelezador dos loteamentos, quando
existia. CHIAVARI (1996, p.386) acredita que já nessa época;

“A praça tornou-se uma fatia de terreno que a especulação imobiliária


renunciou construir para utilizar como elemento de embelezamento e
valorização do novo loteamento, obedecendo com sua vegetação às
exigências higienistas da época, para se transformar progressivamente
num nó de tráfego”.

No último terço do século XIX, a introdução dos bondes impulsionou fortemente a nova
distribuição populacional, enquanto a cidade se inseria na nova ordem econômica
mundial, “consolidando-se como capital política, administrativa e cultural do país” (ABREU,
1987, p.59).
A reforma Passos, na primeira década do século XX, foi o ápice destes processos
iniciados no século anterior, numa tentativa atrasada em quase meio século, de imprimir
ao centro da cidade a estética francesa do século XIX - monumentalidade nas edificações
e nas largas avenidas. Passos fez várias obras de embelezamento em algumas praças
com a instalação de estátuas imponentes ou melhoria nos jardins, como nas Praças XV,
no Largo da Glória e do Machado, na Praça São Salvador, Onze de Junho e Tiradentes
(ABREU, 1987, p. 61). As obras de Passos também removeram muitos quiosques,
equipamento comum a muitas praças da cidade, e inauguraram alguns coretos de
música39, além de mictórios públicos40 (BRENNA, 1985).

39
Na praça XV foi inaugurado o pavilhão musical, projetado por técnicos municipais e seu desenho foi motivo de inúmeros
debates (BRENNA, 1985).
40
Evidências da existência de banheiros públicos em praças existem na iconografia, como na praça Edmundo Rego, no
Grajaú que abrigou um banheiro administrado e limpo pela municipalidade, já demolido. Acredita-se que tenha
permanecido até meados do séc.XX.

56
As administrações municipais que sucederam a de Passos investiram em obras viárias,
em planos diretores, e na confecção de um código de obras; novos instrumentos de
administração urbana. As obras, tanto para abertura de novas ruas e avenidas, como
para consolidação das existentes, dominaram os calendários de investimentos na
cidade41 (REIS, 1977). As praças e jardins públicos inseridos em locais onde a pressão
imobiliária e a valorização do solo eram ampliadas com as urbanizações e o crescimento
da cidade, começaram a perder a atenção da administração pública, passando a ser
cobiçadas para construção. Na administração do Prefeito Pedro Ernesto (1936 a 1937)
no afã de se construírem escolas públicas, elegiam-se praças ou jardins públicos como
terreno ideal, destruindo esses espaços, ou expondo os alunos a acidentes, já que os
locais selecionados ficavam geralmente em áreas de grande movimento de veículos
(REIS, 1977, p.106).

No início do século XX, o prolongamento dos trilhos dos bondes até as praias, numa
associação entre o capital privado e o estado, incrementou o surgimento de muitos e
novos loteamentos em Copacabana (ABREU, 1987). As casas e os quintais residenciais
foram desaparecendo paulatinamente e dando lugar aos edifícios, em um tipo de
estruturação urbana que já não mais comportava a existência de largos, só de grandes
praças. Assim como Copacabana, Ipanema e Leblon tiveram um processo de
urbanização similar, com a substituição de casas e quintais por edifícios de
apartamentos. Na administração do Prefeito Negrão de Lima, já no término da década de
50, foram feitos diversos investimentos em duas grandes praças de Copacabana;
Serzedelo Correia e Edmundo Bittencourt. Entre os anos 50 e 60, conjuntos de
brinquedos padronizados para recreação foram instalados em 172 diferentes playgrounds
das praças da cidade (REIS, 1977).

A partir dos anos cinqüenta a cidade dirige seu crescimento para a Zona Oeste, em
direção à Barra da Tijuca. O Plano Piloto da Barra da Tijuca, elaborado por Lucio Costa
em 1969, tinha como um dos objetivos salvaguardar o meio ambiente da região, evitando
a verticalização ocorrida nos outros bairros litorâneos, como Copacabana, Ipanema e
Leblon, através do zoneamento e do controle de sua expansão. O Plano, ancorado na
utilização do automóvel, determinou zonas residenciais confinadas em condomínios,
cujas áreas de lazer coletivas se distribuiriam entre os prédios. As praças públicas
propostas pelo Plano Piloto são em sua maioria, rótulas de tráfego. As praças que
pertencem a condomínios fechados, não podem ser consideradas públicas, já que o
41
A abertura de grandes avenidas como a Portugal na Urca, Atlântica em Copacabana, Beira-Mar, Maracanã, Epitácio
Pessoa na Lagoa, foram obras executadas durante a administração Carlos Sampaio (até 1922). Já a Avenida Presidente
Vargas, e a reconstrução da Av. Atlântica, foi realizada durante a administração Henrique Dodsworth (1937 a 1945).

57
acesso é restrito aos não-moradores. Na verdade, a presença da praia, o traçado do
plano, e a escala de bairro induzem relações diferentes entre espaços públicos e
população.

Algumas praças cariocas surgiram em função dos meios de transportes. Outras se


transformaram em nós modais, abrigando estações de bondes, de ferrovias, ou estações
de metrô, e conseqüentemente, pontos de ônibus ou pontos de táxi, como o Largo do
Machado, ou a Praça Sãens Pena. Atualmente, grandes e boas praças de outrora,
abrigam populações marginalizadas enquanto se degradam, aguardando interferências
que só irão ocorrer em função da implantação de novas estações de metrô, como por
exemplo, a praça General Osório, em Ipanema - gradeada há dois anos. Esses locais
destinam-se ao convívio de funções e usos tradicionais das praças, quando possível,
com um intenso tráfego de veículos e pedestres, em determinadas horas do dia, em
busca das estações de metrô, ferrovias, pontos finais de ônibus ou táxis.

Os playgrounds dos edifícios e os shoppings centers têm substituído, física e


funcionalmente as antigas praças, deslocando o interesse das ruas para lugares mais
seguros, processo que tem ocorrido em todas as zonas da cidade (GOMES, 2000;
CHIAVARI, 1996; VAZ, 1999). Assim, o espaço público por excelência do carioca da Zona
Sul e da Barra da Tijuca quase sempre é mesmo a praia42. Numa arriscada síntese,
poderíamos dizer que um panorama das praças públicas cariocas pracializadas, ou seja,
daqueles locais que permitiriam uma prática espacial interligada aos significados da
praça pública (QUEIROGA, 2003/2004), seria dessa forma; grandes e representativas
praças de bairro, gradeadas ou não, com usos tradicionais; praças de condomínios
fechados, restritas ao uso público; largos; sobras de terreno; campinhos de futebol;
rótulas de tráfego; esplanadas suporte de estações de transportes, como o metrô,
podendo conviver ou não com os usos tradicionais; praças monumento, com um
monumento ou uma obra de arte fincada no centro, como elemento mais importante; e as
pracinhas de bairro, derivadas ou não, dos projetos de loteamentos.

42
É claro que existem exceções! Praças como a General Osório e a Nossa Senhora da Paz (Ipanema), as Praças do Lido,
Serzedelo Correia, Edmundo Bittencourt (Copacabana), São Perpétuo, já citada (Jardim Oceânico) entre outras, são muito
utilizadas pela população local, mesmo estando em bairros oceânicos.

58
SUMÁRIO

Este capítulo procurou contextualizar a praça pública carioca, e sua inserção dentro de
um sistema maior - o sistema de espaços livres públicos. Discutimos o papel que as
praças podem desempenhar para as camadas populares, acreditando que parte das
funções tradicionais representadas por elas ainda não desapareceram. Consideramos
também, que as tentativas de se tratar de forma sistêmica as praças cariocas, nos
grandes planos, projetos e leis já traçados para a cidade, ou na atuação cotidiana das
menores escalas da administração municipal, ainda não frutificaram, principalmente no
que tange à sua integração com outros espaços livres públicos da cidade, ou com os
espaços destinados à reserva ambiental.

59
2
CAMPO GRANDE
2
CAMPO GRANDE

“Ao lado de cada estação (ferroviária), casas iam se dispondo


espontaneamente, algumas lojas surgiam, uma pracinha
tomava forma e aos poucos (os povoados) iam crescendo (...) inicialmente
(...) alinhavam-se às margens dos trilhos, para só depois,
crescerem num sentido transversal à linha férrea”.
SOARES & BERNARDES (1987, p.59)

INTRODUÇÃO

O principal objetivo deste capítulo é identificar e compreender os sistemas de objetos e


ações representados pelos processos sociais e econômicos que estruturaram a
paisagem cultural do bairro de Campo Grande. Pretendemos mostrar os contextos
históricos que deram origem aos sucessivos processos de subdivisão de terras, até
culminar nos loteamentos, cujas regras legais de implantação dão origem a espaços
livres públicos residuais (COSGROVE, 1998) como as praças públicas desta pesquisa.
A primeira parte deste capítulo é uma breve revisão bibliográfica da literatura referente ao
histórico de desenvolvimento da Zona Oeste. Na segunda parte, serão explorados os
aspectos atuais do bairro e expostos alguns planos e projetos já confeccionados para a
região. É importante frisar que para este capítulo, a pesquisa não se ateve somente ao
bairro de Campo Grande, desde que é impossível isolar o seu desenvolvimento dos
bairros próximos, devido ao grau de centralidade e relevância que Campo Grande
adquiriu dentro da Região Administrativa.
Da capitania de São Vicente nos tempos coloniais, até o retalhamento da terra em
loteamentos, foi um longo caminho. Como principal característica de desenvolvimento da
Zona Oeste, está a prevalência do perfil rural por quase quatro séculos; desde meados
do sec. XVI até quase final do século XX. ANDRADE (1998) nos informa que três aspectos
foram determinantes na estruturação urbanística da Zona Oeste; primeiramente a forma
de parcelamento da terra; em segundo lugar, a instalação do ramal da estrada de ferro de
Santa Cruz, que estendeu a ferrovia até Campo Grande; e por último, o sistema de
estradas de rodagem. Além destes, acrescentamos ainda três aspectos socioeconômicos
essenciais que impulsionaram os anteriores; os ciclos agrícolas, a especulação com as
terras e os fluxos migratórios.
A literatura sobre o desenvolvimento desta região, principalmente nos tempos coloniais é
escassa, mas acreditamos estar forjando mesmo que de forma incompleta, um
entendimento dos sistemas de objetos e ações que foram ao longo do tempo modificando

60
os significados de uma paisagem rural para uma inteiramente nova, inserida em um
contexto urbano e industrial, mas estruturada sobre os seus antigos alicerces.

PANORAMA HISTORICO

DAS SESMARIAS ÀS FAZENDAS <<

Enquanto a cidade do Rio de Janeiro se espalhava pela margem ocidental da Baía de


Guanabara, primeiramente por seus morros, depois tomando terreno das várzeas e das
praias (CRULS, 1965), a distante Zona Oeste, o campo grande, o sertão, ia sendo
vagarosamente ocupado, sendo dividido em sesmarias43 que lhe conferiram
características de desenvolvimento distintas do restante da cidade, ainda hoje claramente
impressas em sua fisionomia. Esse desenho específico resultou da conjunção de fatores
históricos, sócio-culturais, geográficos, estratégico-militares, e religiosos.

A preocupação com a ocupação dessa região teve início aproximadamente um quarto de


século após a data de fundação da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro em 1565,
por Estácio de Sá. A conquista ao solo do campo grande se deu primeiramente a partir
da divisão em sesmarias, subdivididas em freguesias44, posteriormente repartidas em
fazendas e sítios. Em um período de aproximadamente 200 anos (de 1588 a 1789) foram
doadas pelo menos quarenta sesmarias naquela região; dez delas correspondem
atualmente aos bairros de Campo Grande, Santíssimo, Cosmos, Senador Augusto
Vasconcelos e Inhoaíba, que por sua vez, configuram hoje em dia a XVIIIª R.A [fig. 2/1].
O atual bairro de Campo Grande é fruto das terras de algumas sesmarias do campo
grande, e por terras da sesmaria de Guaratiba (FROES & GELABERT, p.17, 2004).

Segundo FROES & GELABERT (2004) é necessário que se faça uma distinção entre o
campo grande e o sertão. O sertão se estendia das serras do Gericinó, da Tijuca, da
Pedra Branca, Bangu até o Cabuçú, enquanto que Campo Grande foi a denominação
dada a um dos povoados que se formou nessas paragens, já no século XIX, após a

43 Sesmaria: a origem da palavra é incerta. Diz-se que a palavra origina-se do vocábulo semear, ou da palavra sesma,
significando a sexta parte “porque na sua origem as sesmarias pagavam de pensão a sexta parte dos frutos da terra
(Gonçalves, 2004, p.48)“. A sesmaria era doada sem ônus (foro ou pensão), exceto o dízimo da ordem de Cristo (Froes &
Gelabert, p.19, 2004). O sesmeiro tinha um prazo de três anos para tornar a terra produtiva.
44 A freguesia é a povoação sob o aspecto eclesiástico. Outro regime de doação de terras denominava-se “data de terra”,
que se destinava principalmente à pequena exploração, o que serviu de base para formação de pequenos núcleos
coloniais. Exigia para isso apenas pouca mão de obra, geralmente a familiar e poucos recursos. Com a data da terra
surgem as pequenas e médias propriedades, ou os sítios (FROES & GELABERT, p.34, 2004).

61
62
inauguração da estação de Campo Grande no ramal da estrada de ferro que ia até Santa
Cruz.

O desbravamento daquela “grande extensão de terra que estava situada para além das
terras do Irajá”, seguiu, inicialmente, as trilhas indígenas, perigosas e de difícil acesso.
Os caminhos se abriram para os primeiros povoadores, de fato, após a abertura da
Estrada Real [fig. 2/2], que ligava a Praça XV até a Fazenda de Santa Cruz (em torno de
1808) pertencente aos jesuítas. Em 1928, alguns trechos da Estrada Real foram
incorporados à primeira estrada Rio - São Paulo, denominada rodovia Washington Luís.
A Avenida Cesário de Melo, atualmente importante eixo viário e comercial do bairro,
também pertenceu a Estrada Real (FROES & GELABERT, 2004; C.G. XVIIIª R.A, 1976;
ANDRADE, 1998).

A administração das terras cariocas foi, por um longo tempo, inserida dentro do sistema
eclesiástico que as dividiu em freguesias para facilitar a sua administração. As freguesias
limitavam inicialmente o território de jurisdição religiosa, mas terminaram por abranger
também a jurisdição administrativa. A criação de uma freguesia significava o
reconhecimento da importância de um núcleo populacional, e as matrizes eram
instaladas em igrejas. A Freguesia de Irajá, a qual pertenceu a de Campo Grande, foi
criada em 10 de fevereiro de 1647 conforme nos relata COARACY (1965, p.192);

“A propósito de Irajá, a freguesia compreendia inicialmente as terras que hoje


formam Inhaúma, Campo Grande, Jacarepaguá e Guaratiba. Cabe observar que
essa zona, ficando além das posses dos jesuítas, foi muito procurada pelos
primitivos colonos e eram nela numerosos os engenhos de açúcar, dos mais
prósperos do seu tempo”.

A Freguesia de Campo Grande foi destacada em 1673 da Freguesia de N. Srª da


Apresentação de Irajá. A matriz instalou-se na capela de N. Srª. do Desterro de Campo
Grande, [fig. 2/3 e 2/4] que foi construída por um de seus primeiros povoadores, o Sr.
Manoel Barcelos Domingos, hoje nome de rua no centro do bairro45. A igreja localiza-se
na praça Dom João Esberard, um dos espaços livres públicos mais antigos da região. O
desmembramento dessas freguesias, entretanto, não significou a criação imediata da

45
Segundo Brasil Gerson, Campo Grande conserva uma interessante característica que é conservar ainda hoje, os nomes
de seus desbravadores, nos rios, nas ruas, nos morros, campos e estradas. (História das Ruas do Rio, 1965).

63
64
65
66
Freguesia de N. Srª do Desterro de Campo Grande. Somente em 1757, quase um século
depois, foi concedido o alvará, que correspondia ao título da criação de uma freguesia
(FROES & GELABERT, p.56, 2004). Campo Grande só passou para uma administração civil
de fato, não mais fundamentada na eclesiástica, quando se tornou 14º distrito fiscal em
decreto de 5 de maio de 1941. Antes disso a Freguesia de Campo Grande teve seus
limites alterados várias vezes; em 1857; em 1894; em dezembro de 1902, quando foram
traçados os limites da 6ª Circunscrição Fiscal Suburbana; e ainda em 1917, quando o
Distrito Federal teve o seu território dividido em circunscrições fiscais (FROES &
GELABERT, 2004). Em 1926 foi desmembrada uma grande parte do território para
constituir o distrito de Realengo. Campo Grande torna-se definitivamente um bairro por
decreto de criação, em julho de 1981 (ARMAZÉM DE DADOS).

Os maiores proprietários de terras nessa região foram primeiramente os jesuítas, que


implantaram lavouras de cana-de-açúcar e construíram engenhos com base na mão-de-
obra escrava. No começo dos setecentos, o que no “recôncavo e no sertão não estava sob
a jurisdição dos jesuítas, era da alçada da Freguesia do Irajá, inclusive a baixada à vista
do Maciço da Pedra Branca” (GERSON, 1965). Os jesuítas contribuíram grandemente para
melhorias na região construindo pontes, estradas, canais de captação de águas para
irrigação, e drenagem (PLANO ESTRATÉGICO II). A expulsão dos jesuítas das colônias, em
meados do século XVIII (1759), contribuiu para a decadência da cultura da cana-de-açúcar
e para a desvalorização de suas terras, dando início ao primeiro processo reconhecido de
desfragmentação das fazendas (PEU, 200446). Nessa ocasião os jesuítas eram donos de
quase a metade das terras do município (C.G. XVIIIª R.A., 1976).

As sesmarias foram sendo divididas ao longo dos anos, quer por partilha entre herdeiros,
quer por venda ou mesmo por doação. Algumas foram retomadas como terras
devolutas47, passando a pertencer ao patrimônio público. Entre elas, terras imensas que
iam de São João de Meriti até Campo Grande e Grumari, doadas em 1650,
desmembradas em 1680 na Fazenda do Gericinó, e em 1907 adquiridas pelo Governo
Federal para utilização como campos de treinamento e manobras do exército, o Campo
de Instrução do Gericinó (C.G. XVIIIª R.A, 1976). A propósito dos maciços e das áreas
militares, o Maciço da Pedra Branca, que se constitui em um obstáculo natural, o campo
do Gericinó, a área da Vila Militar, e o Campo dos Afonsos, ao sul, interromperam o

46 O PEU, ou Projeto de Estruturação Urbana de Campo Grande - XVIIIª RA, foi instituído pela Lei Complementar nº 72, de
27 de julho de 2004, e abrange os bairros de Campo Grande, Senador Vasconcellos, Cosmos e Inhoaíba,.
Segundo o PEU, a Estrada do Cabuçú é a principal via de penetração à área delimitada pela Estrada da Cachamorra e o
Maciço da Pedra Branca, a área central do bairro. A importância da estrada interliga-se à sua vinculação como indutora da
ocupação desta área.
47 Como geralmente faltavam recursos para o cultivo de tão grandes extensões de terra, o sesmeiro cultivava apenas o
trecho da sesmaria que lhe era possível, devolvendo legalmente o restante das terras, que recebia assim, a denominação
de “terra devoluta”. As terras simplesmente abandonadas eram denominadas “terras de sobejo” (Gonçalves, 2004, p.34).

67
crescimento natural da cidade na direção oeste, “impedindo a completa conurbação entre
as duas grandes malhas urbanas” (ANDRADE, 1998, p.31; BERNARDES & SOARES, 1965,
p.157).

DAS FAZENDAS AOS LOTEAMENTOS <<

Ao final do século XIX, as lavouras de cana-de-açúcar já tinham sido substituídas pelas


de café, então consolidado como principal produto de exportação da economia nacional48.
FROES & GELABERT (2004, p.166) afirmam que a cultura da cana declinou, não só por
causa do crescimento da cultura do café, mas também porque a mão-de-obra escrava
começou a escassear, transferida para as minas de ouro e diamantes das Geraes. As
conseqüências das leis49 que foram aos poucos eliminando parte dessa mão-de-obra, já a
partir de 1850, foram sendo amenizadas, primeiramente, pela imigração de portugueses
e espanhóis, depois, italianos, sírios e libaneses. Esses imigrantes, somados aos
descendentes dos escravos livres e dos colonos, fizeram parte de uma sociedade rural
coesa que perdurou nesta região até os anos 50.

Ao contrário da cana-de-açúcar só cultivada na baixada, o café pôde ser introduzido nos


Maciços da Pedra Branca, do Mendanha e nas demais serras. O plantio do café, iniciado
no Rio e São Paulo se alastrou enormemente, tornando-se “base de riqueza e prestígio”
na região (C.G. XVIIIª R.A, 1976) contribuindo, no entanto, para a devastação de boa
parte da mata tropical úmida, levando ao esgotamento do solo50; em um processo que
deixou profundas cicatrizes não só nesta região, mas em todo o território fluminense. A
principal propriedade cafeeira carioca foi a Fazenda do Mendanha, cujo café foi
introduzido em 1781, vinte anos depois de chegar à cidade (GERSON, 1965; ABREU,
1992). A cultura de café foi rapidamente suplantada pela produção do Vale do Paraíba
(ANDRADE, p.33, 1998), que tinha melhores condições de produção, sendo depois
transferida para as regiões de “terra roxa” do Paraná.

48
O café chegou ao Rio de Janeiro vindo do Maranhão em 1760, quando foi plantado nos jardins do convento dos padres
barbadinhos (Abreu, 1992). No início do sec. XIX a exportação de café começou a crescer no Brasil. Em torno de 1840 o
Brasil já era o maior produtor mundial de café, entre 1870/80 o café já representava 56% das exportações nacionais e em
1920, 70% das exportações. O auge do ciclo prosseguiu até meados da década de 30. Fonte: Grande Enciclopédia
Larousse Cultural, vol.5, Ed. Nova Cultural.
49
Proibição do tráfico de escravos (1850), Leis do Ventre Livre (1871) e Sexagenários (1885), e por fim, a Abolição da
Escravatura em 13 de maio de 1888.
50
Em 1861 o Major Gomes Archer, por iniciativa do Conselheiro Ferraz foi chamado ao reflorestamento da Fazenda da
Tijuca também devastada pelo plantio de café. Foi de sua Fazenda Independência, às margens do Rio Cabuçu, que
vieram as mudas plantadas para o que hoje é a floresta da Tijuca. O Major está enterrado no cemitério de Campo Grande.

68
O grande marco de transição de um Campo Grande rural para urbano51 foi a extensão
para a Zona Oeste da Estrada de Ferro Central do Brasil, através da criação do ramal
ferroviário de Santa Cruz. Esse ramal foi implantado para facilitar o escoamento da
produção de café, e para possibilitar a comunicação mais rápida com o centro da cidade.
A estação de Campo Grande foi inaugurada em 2 de dezembro de 1878. Pequenos
núcleos urbanos passaram a se desenvolver e a se expandir em torno das estações
ferroviárias de Bangu, Campo Grande e Santa Cruz. Essa expansão se deu através da
conjugação do transporte ferroviário com o serviço de bondes; a finalidade dos bondes
era em geral, o transporte de cargas até a ferrovia. Em 1868, o serviço público de bondes
a tração animal começou a ser oferecido no município do Rio de Janeiro; em Campo
Grande, a historia dos bondes começou quase 25 anos depois, em 1894, através da
concessão à Companhia de Carris Urbanos (C.G. XVIIIª R.A., 1976). “Os bondes por
muito tempo serviram à expansão agropecuária da região até a construção das estradas”
52
(FROES & GELABERT, p.209, 2004) [fig. 2/5 e 2/6].

Os investimentos do Estado em transportes coletivos, a partir do estabelecimento da


citricultura no início do século XX provocaram um novo processo de parcelamento das
terras das fazendas que ainda prevaleciam na região. Segundo o PEU de Campo
Grande, nessa ocasião “um novo fluxo de empreendimentos deslocou-se para oeste,
redefinindo a sua estrutura fundiária”. De acordo com FROES & GELABERT (p.181, 2004);

“Desde os primeiros tempos de ocupação portuguesa havia laranjais na região em


larga escala. A citricultura se desenvolveu de fato depois de 1920, devido à
facilidade de financiamento de capitais ingleses e com o interesse de valorizar as
terras nas adjacências do Rio de Janeiro. Homens de negócio fomentaram o
movimento pela cultura da laranja, fizeram grandes plantações em velhas
fazendas, facilitaram as vendas das terras divididas em pequenos sítios e
organizaram viveiros para a expansão desta cultura”.

O cultivo da laranja, durante a grande depressão econômica no final dos anos 20, quando
o preço e as vendas do café brasileiro despencaram no mercado externo, apresentou-se
para os exportadores e para o Estado, como uma alternativa viável, espraiando-se assim
pelas regiões de Campo Grande e pela Baixada Fluminense. Os nossos maiores
compradores e investidores eram os europeus - Inglaterra, e a Argentina [fig. 2/7].

51
O Código Nacional Tributário define zona urbana como aquela que possui pelo menos dois dos seguintes elementos:
meio-fio, pavimentação, água, esgoto, iluminação pública, escola ou posto médico a menos de 3 km. (In: ANDRADE, 1998,
p.7).
52
Em 1898 a linha de bondes entre Campo Grande e Santa Clara foi inaugurada. Nessa época os bondes funcionavam por
tração animal (puxados por burros). Esse sistema vigorou até 1915, quando os bondes foram substituídos por bondes
elétricos. Em 1909 foi feita uma extensão de 7 km na linha. Em 1910 foi fundada a Companhia de Carris Urbanos de
Campo Grande. Os bondes, com o passar dos anos, foram perdendo as funções de transporte de cargas, passando a
transportar passageiros e cargas menores, até sua total extinção em 1967.

69
70
71
72
Ao longo do tempo o desenvolvimento da citricultura em larga escala começou a
enfrentar inúmeras dificuldades; não era executado um preparo adequado do solo; a
mão-de-obra convocada para o trabalho de colheita era despreparada e carecia de
especialização, resultando em uma produção pequena e cara. Durante a Segunda
Guerra Mundial o interesse inglês pela compra de nossa laranja diminuiu; o transporte
das frutas através da navegação transatlântica em navios frigoríficos estrangeiros foi
interrompido, pois os navios não aportavam mais no Rio; não existia armazenamento
adequado da produção; o transporte das chácaras para a ferrovia era deficiente e
milhares de frutos não eram colhidos, apodrecendo nos pés (ABREU, 1997). Desta forma
abriu-se caminho para a “praga fumageira”, que associada aos outros fatores já descritos,
e a proibição pelo Governo Federal da exportação de laranja53, deram-lhe o golpe final.
Começaram então a surgir os loteamentos, dando início a um novo processo de redivisão
das terras, em função da especulação com as terras dos antigos laranjais e do
acomodamento da população que tinha ido trabalhar nesta cultura e nas indústrias em
desenvolvimento54. Dessa forma as grandes fazendas, assim como as de menores
dimensões, que por muitos anos fizeram a riqueza daquela região foram
desaparecendo55. O período áureo da citricultura se estendeu, aproximadamente, até o
final da década de 30.

Em 1928 foi aberta a primeira estrada Rio - São Paulo, atraindo a construção de uma
estrutura de comércio e serviços criada para atender ao fluxo de veículos, dando novo
impulso ao desenvolvimento econômico da região já em decadência pelo declínio da
cultura da laranja (PEU de Campo Grande). FROES & GELABERT (p.193, 2004) relatam
que;
“Os laranjais localizados em pontos de fácil comunicação foram sendo retalhados e
loteados em terrenos de 300 a 400 m2. A zona citrícola passou a ser povoada por
funcionários e operários que não tinham condições de morar mais perto da cidade.
Campo Grande foi o núcleo urbano que mais cresceu, tanto que na década de 40
apresentou um crescimento populacional de 70%. Nos anos 50 vinha gente de
todo o país. A topografia contribuiu para isso, além da rede de serviços existente
(escola, saúde, comércio). As hortas foram sumindo. Os loteamentos em muito
contribuíram para a depressão da produção agrícola. A área cultivável foi
encolhendo pelo incentivo ao retalhamento das terras planas, próximas às vias de
comunicação”.

53
Não havia laranja suficiente para abastecer o mercado interno (ABREU, 1997).
54
Segundo Abreu, 1997, “durante o período de 1906/46, haviam sido registradas apenas 176 plantas de loteamentos,
desmembramentos ou reloteamentos no território do município. No período de 1947/57, 1561 plantas de novos
loteamentos deram entrada para pedir aprovação da prefeitura”.
55
ANDRADE (1998, p.35), citando Galvão (1962) nos conta que o sertão carioca perdeu 9.000 hectares de áreas rurais
registradas em 10 anos, passando de 48.000 hectares em1940 para 39.000 em 1950.

73
Entre os anos 50 e 70, os principais acontecimentos que caracterizaram a marcha urbana
para a Zona Oeste já estavam inteiramente estabelecidos; o desenvolvimento de núcleos
habitacionais, comerciais e industriais, em torno das ferrovias e rodovias; a migração da
população das áreas mais valorizadas da cidade para a periferia; a criação do Sistema
Financeiro da Habitação e a multiplicação de inúmeros e novos loteamentos.

Nos anos 50 foram realizados importantes investimentos em transportes públicos na


Zona Oeste; foi inaugurada em 1952 a Rodovia Presidente Dutra, que substituiu a antiga
Rio-São Paulo, ou Rodovia Washington Luís. A Washington Luís atravessava todo o
município carioca, diferentemente da Via Dutra, que toma o rumo nordeste do estado a
partir de Vigário Geral. Assim, a construção da Via Dutra causou uma forte redução no
fluxo de veículos que atravessavam a Zona Oeste. A compensação desta perda de fluxos
veio através das obras de extensão da Avenida Brasil (1954)56, que ajudaram a
reincrementar o desenvolvimento econômico da região, orientando a expansão em
direção à periferia urbana. Surgiram, então, de forma acelerada, loteamentos destinados
à população de baixa renda, localizados a princípio, nos terrenos mais valorizados, e
posteriormente, em áreas agrícolas de acesso precário, ocupadas geralmente por
posseiros e arrendatários (BERNARDES & SOARES, 1987, p.59). Enquanto isso, atividades
comerciais cresciam e se concentravam em torno das estações ferroviárias,
principalmente ao redor da estação de Campo Grande.

Próximo à antiga Rio - São Paulo, no km 43 da Avenida Brasil, foi criado o Distrito
Industrial de Campo Grande, como resultado de políticas oficiais para implantação de
grandes indústrias. No período entre 1939 e 1945, algumas indústrias se instalaram
empregando mão-de-obra local e reunindo trabalhadores especializados vindos da
metrópole, servindo “como catalisadoras de povoamentos espontâneos ou organizados”
(BERNARDES & SOARES, 1987). Um maior crescimento industrial no bairro de Campo
Grande, no entanto, só ocorreu após os anos 80 (FROES & GELABERT, p.195, 2004).

A partir dos anos 60, devido à supervalorização das áreas mais nobres e centrais da
cidade, ocorreu um fluxo migratório direcionado a Zona Oeste. A supervalorização das
áreas ocorreu em função de políticas públicas que buscavam a sua modernização, e da
implantação de novas leis de zoneamento, incentivando fluxos migratórios para as
periferias, em busca de moradia mais barata. A implantação do Sistema Financeiro de

56
Bernardes & Soares em texto escrito nos anos 60 (1987, p.58) alertam que são as vias secundárias, irradiadas a partir
das estradas de ferro é que possibilitaram a ocupação da área interna dessa região, e não as estradas principais, como Via
Dutra ou Avenida Brasil. Para as autoras o entorno das rodovias tinha um valor especulativo muito alto na época, o que
impediu a imediata implantação de comercio e industrias de menor escala.

74
Habitação a partir dos anos 60; a construção de conjuntos habitacionais, de loteamentos
e casas populares, possibilitou à população de baixa renda adquirir lotes e residências
nessas áreas menos valorizadas da cidade57. A inflação e os problemas econômicos
brasileiros crescentes deram a sua contribuição ao fluxo migratório, desvalorizando a
moeda e empobrecendo o país e sua população. Os loteamentos clandestinos e
irregulares também se multiplicaram58, de acordo com o informado pelo PEU de Campo
Grande;

“A grande maioria desses loteamentos irregulares realizados nos anos 60 destinou-


se à população de baixa renda que depois de adquirir o lote, autoconstruiu a
moradia”.

Ao longo dos anos 70, e aprofundando-se nos anos 80 e 90, o processo de ocupação
irregular tornou-se mais forte com a instalação de favelas, ocupações urbanas precárias,
invasões de terras e loteamentos ilegais. A tendência do município de expandir o território
urbano em direção à Zona Oeste permaneceu. O desenvolvimento do bairro de Campo
Grande como centro comercial e de serviços, o transformou em centro regional, atraindo
a população dos outros bairros e regiões vizinhas.

O desenvolvimento do sistema viário foi de suma importância na conformação da


morfologia do bairro. Historicamente formada pela redivisão de grandes glebas e
fazendas, e pelo desenvolvimento de um sistema radial a partir das estações
ferroviárias, a região manteve durante suas transformações, as estradas e caminhos
originais entre fazendas [fig. 2/8]. O tecido intersticial entre essas estradas foi sendo
paulatinamente loteado, principalmente no século XX. A configuração atual é formada
pela alternância de grandes vazios e áreas urbanas densificadas, formando um “tecido
regular e descontínuo; a ocupação resultante do loteamento isolado de grandes áreas”
(Portal de Campo Grande)59. Segundo Andrade (1998, p.24), a mudança do transporte
ferroviário para o rodoviário não levou a qualquer renovação da estrutura viária da
Região Administrativa de Campo Grande, que permaneceu inalterada, conservando
suas antigas estradas e caminhos. Assim ele observou que;

57
A implantação de “habitações oficiais” na Região Administrativa de Campo Grande (6.800 unidades), é considerada
“inferior ao das vizinhas RAs de Bangu e Santa Cruz, que juntas abrigam mais de 50.000 unidades” (ANDRADE, 1998).
58
Segundo Lago (1990, p.24, In: ANDRADE,1998, p.5) “loteamentos irregulares são aqueles cujo projeto é aprovado pela
autoridade municipal e que não obtém o aceite das obras pelo fato do loteador não tê-las concluído, apesar de ter efetivado
a venda de lotes. Loteamentos clandestinos são aqueles que não têm projeto aprovado pela autoridade municipal. Neste
caso, além da não conclusão das obras de urbanização, há normalmente irregularidades quanto ao título de propriedade
da terra”.
Portal de Campo Grande. História do bairro. Disponível em <http:// www.pcg.com.br>. Acesso em 2 de outubro de 2003.
59

75
“Um sistema que atendia inicialmente a uma demanda rural, transformou-se no
principal arcabouço viário (...), pois de fato, o processo de loteamento da região
se deu, principalmente sobre um sistema viário não estruturado e destituído de
uma hierarquia clara. Os loteamentos se sucedem e seus sistemas internos de
ruas vão se articulando e formando a nova malha viária”.

A formação das praças do bairro de Campo Grande está atrelada aos processos de
divisões e subdivisões de terras, e a implantação de eixos viários e ferroviários. As
primeiras capelas e igrejas em fazendas determinaram a criação de praças fronteiriças às
igrejas, como a Praça Dom João Esberard, onde se encontra a matriz de Campo Grande,
a Igreja de Nossa Senhora do Desterro. Com a implantação da estrada de ferro e do
sistema de bondes, que provocaram um crescimento urbano orientado para o interior da
região, as pracinhas surgiram espontaneamente nos pequenos povoados, ou defronte
das próprias estações, como ocorreu na antiga Praça Treze de Maio, estação de bondes
do Monteiro, que se tornou Praça Dr. Raul Boaventura, agora em frente à rodoviária [fig.
2/9]. Em um outro processo, surgiram, já no século XX, os loteamentos que passaram a
abrigar praças determinadas pela legislação de parcelamento de terras e uso do solo.

DADOS DO CAMPO GRANDE DE HOJE

A XVIII Região Administrativa contém o segundo maior bairro em extensão do município


do Rio de Janeiro depois de Santa Cruz, ocupando aproximadamente 78% do seu
território60; o bairro de Campo Grande. A população da RA é de aproximadamente
300.000 habitantes. Apenas 25,5% dos responsáveis pelos domicílios particulares
permanentes61 têm renda comprovada; desse total 31% tem renda média mensal entre
um e três salários mínimos; 20% entre três e cinco salários e 26% entre 5 e 10 salários
mínimos [fig 2/10]. A maior parte dos moradores residem em casa própria (88,5%). O
índice de desenvolvimento humano do bairro de Campo Grande, o IDH, composto pelos
índices de longevidade, educação e renda é o mais baixo do município (0,766), sendo
esta região, de acordo com o Plano Estratégico, a única da cidade que ainda não atingiu
o mesmo patamar do restante do município (0,842).

A maior parte dos imóveis existentes na região administrativa é residencial (56%), sendo
que apenas 6,25% são imóveis voltados para o comercio e serviços, um índice
baixíssimo que informa de imediato a carência de serviços no bairro (PLANO ESTRATÉGICO

60
Dados de fevereiro de 2002. Fonte: Armazém de Dados; <wwwarmazemdedados.rio.rj.br>.
61
O PEU define dois tipos de domicílios: domicílio particular permanente e domicílio particular improvisado.

76
77
78
79
II, 1995). O tipo de ocupação que prevalece é a horizontal, porém densa, e distribuída em
pequenos lotes com até 600 m2. A tipologia predominante é a habitação unifamiliar com
dois pavimentos, colada na divisa dos lotes. Nas décadas de 60 e 80, o crescimento
populacional da XVIII Região Administrativa alcançou índices mais elevados que os do
resto do município. Posteriormente, entre os anos de 1991 e 2000, a população do bairro
cresceu quase 29%. Campo Grande possui 7 conjuntos habitacionais implantados pela
CEHAB, dois nos anos 70 e o restante nos anos 80. O PEU nos informa que existe um
déficit habitacional na região, e que “ao aumento populacional das últimas décadas não
correspondeu o de número de domicílios”, fazendo com que um considerável contingente
populacional tenha ido morar em favelas ou loteamentos irregulares. O bairro de Campo
Grande possui 7 favelas 62, a primeira surgiu entre os anos 40 e 50, duas nas décadas de
60/70 e quatro nas décadas de 80/90. Como já visto anteriormente, os loteamentos
constituíram-se no tipo de assentamento característico. Os loteamentos regulares
localizam-se principalmente no bairro de Campo Grande. No restante da RA, a maioria
dos lotes ainda é do tipo irregular ou clandestino.

O bairro tem um índice - que também é o maior da RA - de aproximadamente 60 m2 de


espaços livres por habitante, aí incluídos, as praças, os parques, largos e jardins, entre
outros (PLANO ESTRATÉGICO II, 1995). Como a Região Administrativa contém duas
grandes reservas ambientais; o Parque Ecológico Municipal do Mendanha ao norte, e o
Parque Estadual da Pedra Branca a leste, imaginamos que esse índice médio certamente
não expressa a heterogênea realidade existente, que alterna áreas fortemente
urbanizadas com grandes vazios correspondentes às reservas ambientais. O parque do
Mendanha localiza-se no Maciço do Gericinó-Mendanha e o segundo, no Maciço da
Pedra Branca. O Parque Estadual da Pedra Branca, criado em 1974, é considerado um
dos maiores parques estaduais em área urbana do mundo, possuindo uma área total de
12.500 hectares. Tem grande relevância como reserva ambiental, já que a região toda
atravessou inúmeros processos de desmatamento, durante o longo período de
predominância agrícola, principalmente devido ao cultivo de café. O Parque Natural
Municipal Ecológico do Mendanha é um parque um pouco mais jovem e menor; foi
inaugurado em 2002. Situa-se nas Serras do Mendanha e Quitungo, e sua área é de
1.450 hectares. Ambos abrigam vegetação remanescente da Mata Atlântica (SECRETARIA
DE MEIO AMBIENTE/SMAC63).

62
Dados do cadastro do IPLAN Rio, 1995, destacados do PEU de Campo Grande.
63
In: <http://www.rio.rj.gov.br/smac>.

80
O Projeto de Estruturação Urbana de Campo Grande (PEU), instituído por lei em 2004,
traz uma análise precisa das condições atuais de desenvolvimento urbano dessa Região
Administrativa. O bairro de Campo Grande, devido as suas características, dimensões
geográficas, importância como centro comercial, e heterogeneidade de usos, foi dividido
em sete diferentes regiões de estudo. São elas; a área Central do Bairro, junto à estação
ferroviária; duas áreas ao sul da estrada de ferro, à direita e à esquerda da Estrada da
Cachamorra, três áreas ao norte da estrada de ferro, e uma acima da Avenida Brasil.
Foram mapeados “os principais marcos nos processos de ocupação, as formas de
ocupação, os usos predominantes, e o potencial de urbanização” de cada trecho.

O centro do bairro, núcleo histórico de origem, caracteriza-se por concentrar grande parte
da atividade comercial e de serviços da região, e se diferencia pelo denso uso do solo,
apresentando uma forte tendência a verticalização. A importância desse centro, como já
sublinhado, não se atém somente ao bairro, mas se expande para todos os outros bairros
da RA. A área à direita da Estrada da Cachamorra corresponde também à área de estudo
desta pesquisa. A proximidade com o centro do bairro lhe confere características
ambíguas; ao mesmo tempo em que apresenta um grande número de lotes agrícolas e
loteamentos residenciais, próximos a áreas de preservação ambiental (Parque Estadual
da Pedra Branca), sofre pressão para um desenvolvimento mais intenso. Conforme
diagnosticado pelo PEU, a legislação para esse trecho reflete essa ambigüidade nas
próprias leis de zoneamento, sobrepondo áreas de uso intensivo e de interesse agrícola64.

As três áreas ao norte da estrada de ferro têm características distintas umas das outras.
A área mais relevante fica próxima do centro de bairro, e abriga o primeiro shopping
construído nesta região, o West Shopping, cuja praça de alimentação tornou-se para a
população de uma determinada faixa de renda, um novo espaço livre público. Seu raio de
influência impulsiona o adensamento das proximidades, com incentivos à instalação de
condomínios voltados à classe média. Este trecho, no entanto, ainda possui grandes
vazios não urbanizados. As outras duas áreas têm apresentado uma tendência à
sobreposição e ao conflito de usos, com a construção de novos assentamentos,
convivendo com zonas industriais, ou comerciais. A região ao norte da Avenida Brasil é
considerada pelo PEU a área mais heterogênea, não só do bairro, mas da RA. Próxima
ao Parque Municipal Ecológico do Mendanha, ela possui multiplicidade de usos, nos
quais despontam o uso residencial, o agrícola e o industrial. Existem ainda grandes
glebas vazias, tornando a região alvo de disputas e conflitos pela utilização das terras
para uso agrícola ou residencial. [fig.2/11 e 2/12].
64
Essa sobreposição de leis do Plano Diretor Decenal ocorria à época do diagnóstico do PEU.

81
82
83
PLANOS, PROJETOS E POLÍTICAS URBANAS

A inclusão integral da Zona Oeste e da XVIII R.A. em planos urbanísticos e políticas


públicas para a cidade do Rio de Janeiro começou a despontar realmente a partir do
último decênio do século XX, quando se evidencia a sua importância como vetor de
expansão urbana do município. Sob este prisma, o bairro de Campo Grande destacou-se,
demonstrando ao longo das últimas décadas, ser o principal propulsor do
desenvolvimento desta R.A. O grande desafio torna-se compatibilizar os diversos usos
para os quais a região está vocacionada; o agrícola, o industrial, e o residencial, sem
provocar mais impactos no meio ambiente, possibilitando retorno econômico e qualidade
urbana, beneficiando a população (PLANO ESTRATÉGICO II). Dos planos enfocados a
seguir, apresentados em ordem cronológica, procurou-se destacar aqueles itens que
digam respeito principalmente ao bairro de Campo Grande, ou referentes às questões
ambientais, ou a implantação de espaços livres públicos.

O Plano Urbanístico para o Município do Rio de Janeiro, de 1977, o PUB-Rio, observou o


município em um sentido macro, estabelecendo a divisão da cidade em cinco Áreas de
Planejamento, as AP’s, integrando o bairro de Campo Grande na AP5. O PUB também
instituiu a criação dos Planos de Estruturação Urbanística, os PEU’s, objetivando criar
políticas setoriais para o desenvolvimento econômico das diferentes regiões do município
(SECRETARIA DE URBANISMO/ SMU).

Em junho de 1992 foi instituído por lei complementar, o Plano Diretor Decenal da Cidade
do Rio de Janeiro, como uma extensão, detalhamento e aperfeiçoamento do plano
anterior. O plano estabeleceu diretrizes, normas e instrumentos, a implementar em um
prazo de dez anos, tendo em vista a ordenação do território municipal, o uso e ocupação
do solo; a implantação do sistema de planejamento, e a promoção de políticas setoriais
(PLANO DIRETOR DECENAL DO RIO DE JANEIRO). No que tange ao bairro de Campo Grande,
os objetivos se ampliaram, observando-se, porém, a ausência de uma estratégia mais
clara e abrangente (ou de um programa, ou de políticas públicas) relacionadas à
implantação de uma maior diversidade de espaços livres públicos. As principais diretrizes
do plano sugerem a criação de áreas livres públicas de lazer ou reserva ambiental com
um impacto maior a nível metropolitano do que local, dentro de toda a AP, apontando
locais específicos para intervenção, como a criação da Reserva Ecológica do Mendanha
(já criada); o reflorestamento, a manutenção e o controle ecológico do Maciço da Pedra
Branca; a integração ao patrimônio paisagístico do município da igreja de N. Sra do

84
Desterro e do Morro de São Luis Bom, entre outros morros, e a implantação de um
sistema cicloviário, entre outras recomendações.

O projeto Rio Cidade Campo Grande65, de 1994, foi uma intervenção urbanística,
inserida no programa específico dos diversos projetos Rio Cidade, que marcaram
fortemente a primeira gestão do Prefeito César Maia. Intervindo de forma restrita na
área central do bairro, esperou-se o desestímulo do seu uso intensivo, através do
incentivo à ocupação das áreas adjacentes a esse núcleo (PEU de Campo Grande).
Outro objetivo era balancear a divisão espacial entre veículos e pedestres, favorecendo
o segundo e contemplando melhorias no Centro Comercial e em parte de seu mais
importante eixo viário, a Rua Cesário de Melo. Foi também implantado o binário de
Campo Grande, modificando o tráfego interno da RA. Procurou-se também, valorizar o
calçadão com desenho criado pelo paisagista Roberto Burle Marx, na Rua Coronel
Agostinho. O projeto também previu o plantio de 1.122 árvores na área central do bairro
(PEU de Campo Grande; Rio Cidade, 1996).

Dois projetos de reflorestamento implantados pela Secretaria de Meio Ambiente, estão


presentes no bairro; o reflorestamento na região próxima a favela Jardim Moriçaba, junto
às encostas do Maciço da Pedra Branca, executado com participação comunitária, a
partir das enchentes causadas pelas chuvas de 1996, e o projeto de Arborização Urbana
de Campo Grande, iniciado em janeiro e concluído em julho de 2002, que procurou
através do plantio de espécies arbustivas e arbóreas, contribuir para amenizar as
condições climáticas adversas do bairro, também auxiliando na redução da poluição
atmosférica e sonora, em 220 logradouros públicos da região noroeste do bairro66.

O primeiro Plano Estratégico foi apresentado em 1995, como uma parceria entre a
administração pública e a iniciativa privada, e oferecido, não como um plano de governo,
mas como “estratégias assumidas, programas de consenso, ações com objetivo,
definições de necessidades e proposições de projetos exeqüíveis”, não possuindo,
portanto, força de lei como o Plano Diretor. O Plano Estratégico II – As Cidades da
Cidade, constituiu-se no desdobramento e detalhamento do primeiro, mergulhando a
fundo nas heterogeneidades regionais da metrópole, procurando traçar alternativas para
o desenvolvimento de cada uma, em respeito às suas particularidades (PLANO

65
Foi elaborado por Nilton Montarroyos e equipe, em 1994 e executado em 1996 pela Construtora Metropolitana S.A. Ao
todo a administração pública implantou 15 projetos na primeira fase do Rio Cidade em diferentes bairros do município (In:
RIO DE JANEIRO, Prefeitura da Cidade. Rio Cidade. O Urbanismo de volta as ruas. RJ: Mauad, Consultoria e
Planejamento Editorial Ltda, 1996.
66
O projeto de Arborização Urbana em Campo Grande foi feito pela equipe de Arborização da Fundação Parques e Jardins
da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, órgão ligado a Secretaria de Meio Ambiente.

85
ESTRATÉGICO II). A inclusão de orçamento participativo, e a representatividade, tanto da
sociedade como do governo em todas as etapas de elaboração, além do seu
acompanhamento, são aspectos inovadores do plano. Inovadora é também, a admissão
de que um planejamento nos “moldes tradicionais”, de escopo funcionalista, não
permitiria a constante re-elaboração que esse plano tem a pretensão de incorporar em
sua evolução.

As estratégias propostas pelo PLANO ESTRATÉGICO II para o Plano Regional de Campo


Grande, foram inseridas em temas variados, como urbanismo, meio-ambiente, sistema
viário, economia, transportes, esportes e lazer, cultura e turismo, entre outros. No
entanto, no bojo deste plano, observa-se a ausência de uma abordagem objetiva sobre
sistemas de espaços livres públicos, na verdade, um tema inserido e pulverizado em
outras temáticas, como urbanismo, meio-ambiente, esportes e lazer. As estratégias
tendem mais à concretização de objetivos ambientais e reestruturação dos sistemas
viários. A participação comunitária na elaboração de espaços livres do cotidiano, como
praças e ruas, por exemplo, também ainda não transparece nas sugestões do plano.

Entre as inúmeras propostas do Plano Estratégico, especificamente para o bairro de


Campo Grande e seus espaços livres públicos, destacamos; a recuperação de praças
com a implantação de equipamentos para práticas de atividades de esportes e lazer;
utilização das faixas marginais de cursos d’água para criação de áreas de lazer;
arborização de ruas e plantio de arbustos ornamentais ao redor de construções
deterioradas, com a participação dos moradores; implantação de Rodovias Cênicas;
tratamento paisagístico de canteiros e jardins nas principais ruas e praças da região
criando “Corredores Verdes”; ajardinamento da linha férrea em parceria com a Supervia67;
e a implantação de ciclovia interligando os bairros da RA.

O PEU de Campo Grande, ferramenta de ação planificadora instituída através de lei


complementar em 27 de julho de 2004, é um desdobramento do Plano Diretor Decenal, e
pode ser considerado o mais importante, entre todos os planos anteriormente
apresentados. O Projeto de Estruturação Urbana para a XVIIIª Região Administrativa foi o
principal guia deste capítulo da pesquisa, por configurar uma análise completa, tanto da
R.A. como dos seus bairros. O PEU está embasado no respeito às diretrizes previamente
elaboradas pelo Plano Diretor Decenal para a Área de Planejamento 5, e pretende tornar-

67
A Supervia - Concessionária de Transporte Ferroviário S.A., é um consórcio criado a partir da privatização da ferrovia,
que reúne o Banco Mundial, governos federal e estadual. Iniciou suas operações em novembro de 1998. Fonte:
http://www.supervia.com.br, acesso em 1 de agosto de 2005.

86
se “instrumento fundamental para a concretização de um sistema contínuo de
planejamento”. O PEU reitera a vinculação do bairro de Campo Grande com os bairros
vizinhos, e da XVIII RA com as R.A.’s limítrofes, sublinhando a importância do
planejamento municipal integrado metropolitano. Acreditamos que esta mesma ótica
integrada de planejamento deveria ser incorporada aos sistemas de espaços livres
públicos, desde o enfoque ponto a ponto, nas menores instâncias administrativas - intra-
loteamentos, por exemplo - até as maiores, intra-bairros, Regiões Administrativas, Áreas
de Planejamento e regiões metropolitanas. Concordamos, assim, com aqueles que
reconhecem no bairro de Campo Grande;

“Um forte potencial para a implantação de políticas voltadas à viabilização de


novos espaços livres públicos, pois, além de atrair a população dos bairros
vizinhos, oferece um bom percentual de áreas livres por habitante, permitindo a
criação de uma estratégia para a ampliação na qualidade e na quantidade dessas
áreas”.
(ANDRÉA BORDE, 2004)

AS LEIS DE LOTEAMENTOS

Os desenhos das áreas de praças, inseridos nos loteamentos residenciais investigados


por esta pesquisa, resultam de uma série de processos, que em sua gênese, pouco
refletem de processos criativos ou artísticos que possam ter impulsionado aqueles que
trabalham com desenho urbano ou paisagismo. Surgiram como decorrência de leis, tanto
federais, como estaduais e municipais, sobre parcelamento e uso do solo urbano, e das
leis de zoneamento municipal, que impulsionam o melhor aproveitamento possível
daquela gleba, terminando por limitar e determinar seu dimensionamento, mas não a
localização dos espaços livres públicos dentro do loteamento, sua relação com os lotes,
ou sua distribuição em relação aos loteamentos contíguos.

A espinha dorsal dessa legislação é sustentada primeiramente pelo Decreto “E” 3.800 de
20 de abril de 1970, ou Regulamento de Parcelamento da Terra (RTP)68, que versa sobre
abertura de logradouros, loteamento e desmembramento, e pela Lei Federal 6.766 de 19
de dezembro de 1979, que traz determinações sobre uso e o parcelamento do solo
urbano, e seus desdobramentos (ANDRADE, p.7 e 18, 1998). O artigo 52 do RTP (1970)
determinou que loteamentos superiores a 30.000 m2 deveriam conceder obrigatoriamente

68
Fonte: Código de Obras do Estado da Guanabara, ano 1973, Gráfica Auriverde, Ltda.

87
6% de sua área total para o Estado, para implantação de praças e jardins, ou outros
serviços públicos, excluídas as áreas “non aedificandi” (áreas forçosamente livres de
edificações) e as reservadas aos logradouros públicos. Lotes com áreas inferiores a
30.000 m2 deveriam ter reservada por lote, 12 m2 para área de recreação69. Áreas
reservadas a escolas somariam mais 2% de área a ser doada ao estado, totalizando 8%
de área a doar, por loteamento. A Lei Federal 6.766 (1979) passou a exigir que os
loteamentos destinassem para o sistema de circulação, implantação de equipamento
urbano e comunitário70, e para os espaços livres de uso público, áreas proporcionais à
densidade de ocupação prevista para a gleba, com uma porcentagem não inferior a 35%
de sua área total. A Lei Federal 9.785, de 29 de janeiro de 1999, alterou a 6.766,
determinando que os espaços livres de uso público, o sistema de circulação, e os
equipamentos urbanos e comunitários devem ser proporcionais à densidade de ocupação
“prevista pelo plano diretor municipal, ou aprovada por lei municipal para a zona em que
se situem”. Assim, O PEU de Campo Grande (2004), como um desdobramento das
recomendações do Plano Diretor Decenal, determinou no artigo 53;

“A cessão gratuita, ao município, de lote ou de edificação, e respectivo lote


destinados a equipamento urbano comunitário público71, ou a escolas,
será relacionada à área do lote ou grupamento (de edificações), e ao
número total de unidades residenciais”.

O PEU isentou de doação gratuita ao município lotes com áreas de até 10.000 m2. Os
lotes destinados a equipamento urbano comunitário público, e a escola, deverão ter área
mínima de 4% da área total do lote do grupamento, no caso do lote ser destinado a
equipamento urbano comunitário público. O PEU mantém as proporções de 6% para
espaços livres públicos e escolas, excluindo os logradouros públicos, mas percebe-se
que a lei procura isentar da obrigatoriedade de cessão de áreas livres, os loteamentos
voltados à baixa renda, ou favelas, com o intuito de tornar flexíveis as exigências para
regularização fundiária.

69
Dois regulamentos que antecederam o RTP, Decreto 1.359, de 15 de julho de 1931, e o decreto 6000 de 1º de julho de
1937, determinavam porcentagens bem diferentes de áreas de reserva para praças e escolas em loteamentos. O primeiro
(1931), foi curiosamente, objeto de acalorados pareceres e debates na época, pois determinava 26% de área reservada
aos logradouros e espaços livres públicos, área considerada excessiva pelos loteadores. A prefeitura do “Districto Federal”
(Rio de Janeiro) tinha o direito de exigir mais 4% para localização de edifícios públicos e parques em loteamentos cuja área
2
excedesse 30.000 m , podendo chegar a 30% (PDF, 1932). O segundo (1937) determinou para utilização de parques,
2,
jardins e logradouros públicos com mais de 30.000 m uma doação à prefeitura de 4%, mais 2% para instalação de escola,
totalizando 6% (CÓDIGO DE OBRAS DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, 1937). A diferença entre as áreas doadas para espaços
livres públicos foi alterada em 20%, em apenas 5 anos.
70
A lei considera comunitários equipamentos públicos, os de educação, cultura, saúde, lazer e similares. Consideram-se
urbanos, os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas
pluviais, rede telefônica e gás canalizado.
71
São considerados equipamentos urbanos comunitários públicos aqueles destinados às creches, cultura, saúde,
recreação, lazer, esportes, administração, abastecimento, ação social e segurança pública.

88
Exposto o panorama geral da legislação sobre o parcelamento da terra até a atualidade,
concluímos que os loteamentos, aos quais pertencem as praças investigadas, realizadas
a partir do final da década de 50, e regularizadas entre as décadas de 60 e 80, foram
regidos pelo RTP. Quase todos apresentam como parâmetros, coeficientes entre 4 e 6%
de áreas cedidas para implantação de espaços livres públicos, e aproximadamente 2%
para área de escola. Algumas dessas praças esperaram pelo decreto de regulamentação
que lhes conferiu o título de praça por quase dez anos (Praças Catulle Mendes e Olga
Costa Leite), embora a média geral tenha sido de cinco anos após a aprovação do
loteamento. Essas informações são encontradas no Anexo 1, e no Mapa de
Loteamentos, ao final deste capítulo.

A partir deste momento apresentaremos um breve perfil da área de estudo destacando


suas principais características.

PERFIL DA ÁREA DE ESTUDO

Localizada ao sul da linha férrea, a área de estudo encontra-se praticamente na divisa


entre os bairros de Campo Grande e Senador Vasconcelos, ambos pertencentes a XVIIIª
Região Administrativa. A área é delimitada por duas estradas de mão dupla, com traçado
longo e regular; a Estrada do Cabuçu72 que faz a ligação noroeste-sudeste, e a Estrada
do Pré, que faz a ligação nordeste-sudoeste. Os outros limites são dados ao norte, pela
Rua Micronésia, possuidora de traçado irregular e descontínuo, e a leste, por duas
diferentes vias; a Estrada do Moriçaba e a Rua do Turista. Esta última dá acesso a favela
São Jerônimo, que passa atualmente por obras de estruturação urbana pertencentes ao
programa “Bairrinho”, similar ao programa Favela Bairro73, porém, direcionado a
comunidades menores, implementados pela Secretaria Municipal de Habitação. No
encontro das Estradas do Moriçaba e do Pré localiza-se outra favela, Jardim do Bairro
Moriçaba74, também objeto de estruturação urbana, mas dentro do programa Favela
Bairro.

72
Segundo o PEU, a Estrada do Cabuçú é a principal via de penetração à área delimitada pela Estrada da Cachamorra e o
Maciço da Pedra Branca, a área central do bairro. A importância da estrada interliga-se à sua vinculação como indutora da
ocupação desta área.
73
O programa Favela Bairro é coordenado pela Secretaria Municipal de Habitação. É um programa que visa “integrar a
favela a cidade dotando-a de infra-estrutura urbana, de serviços públicos, equipamentos e políticas sociais”. O programa
Bairrinho compartilha a mesma proposta do programa Favela Bairro, implantar infra-estrutura urbana, equipamentos e
serviços públicos, mas em comunidades de menor porte, entre 100 e 500 domicílios. Fonte: <http: www.rio.rj.gov.br/smh>.
74
Fonte: Borde, Andréa et allii (1999). Favela Bairro Jardim Moriçaba: Proposta Técnica. Rio de Janeiro: IPP, SMH.

89
A divisa leste-sul oferece a vista do Parque Estadual da Pedra Branca, dos morros do
Veloso e do Moriçaba, e da região do Rio da Prata; a divisa sul, do morro do Cabuçú e a
noroeste da Serra da Posse. Lynch (1999) conceitua a característica mais marcante de
um lugar ou aquela que possui a probabilidade de evocar uma forte imagem em qualquer
observador dado, como imaginabilidade ou legibilidade. Buscamos este conceito, para
acentuar que a legibilidade deste lugar está intrinsecamente interligada à onipresença
dos morros que cercam a região, e podem ser amplamente avistados de qualquer local,
dominando a paisagem.

A região dista aproximadamente 2 km da estação ferroviária de Campo Grande, que


referencia geograficamente o centro de bairro e o centro da RA. O principal acesso ao
interior, para quem vem da estação, corresponde ao cruzamento da Estrada do Cabuçu
com a Avenida Mariana, uma via linear que termina em um pequeno largo e que ladeia o
Rio Cabuçu–Mirim, chamado pela população de “valão”. Um dos lados da avenida abriga
a invasão de uma pequena comunidade beira-rio, beneficiada recentemente pelas obras
de canalização empreendidas pela empresa municipal RIOÁGUAS, inseridas dentro do
programa Águas do Rio75. O sistema de transportes públicos percorre as estradas do
Cabuçú e Pré, nas quais se encontram serviços de ônibus urbanos ligando a área de
estudo ao centro do município. O transporte para o interior, a partir das duas estradas, é
feito por poucos microônibus ou através de transporte alternativo - “vans” e “kombis” –
veículos capazes de vencer com facilidade a largura de alguns logradouros estreitos.
Quase todas as ruas são pavimentadas, exceto algumas ruas menores, ruas sem
denominação oficial, ou as mais próximas da favela de São Jerônimo. O entorno das
praças quase sempre possui “quebra-molas”.

A igreja mais representativa é a de Santa Rita, cristã, marco geográfico e referencial do


lugar (LYNCH, 1989; SANTOS, 2002), localizada na confluência das avenidas Mariana e
rua Gabriel Habib. Dessa igreja partem iniciativas como procissões, festas populares e
reuniões comunitárias. A maior escola é o CIEP76 Lamartine Babo, no loteamento Vila
Santa Rita. Além desta, existem duas escolas particulares, uma creche municipal
defronte à Praça Monte Santo, e escolas também municipais, que atendem do jardim à 8ª
série77. O incipiente comércio está instalado em vias mais largas como a Avenida
Mariana, Seridó e Glicônia, e na Rua Sananduva. O comércio é geralmente composto por

75
O programa Águas do Rio é um programa de valorização ambiental e tem por objetivo contribuir para a recuperação dos
corpos d’água, utilizando mão-de-obra dos moradores das próprias comunidades beneficiadas – os Guardiões dos Rios.
76
CIEP são escolas modulares construídas em concreto pré-moldado, montadas no local. O projeto padrão é de Oscar
Niemeyer e a concepção tem três construções distintas; Prédio Principal, Salão Polivalente e uma Biblioteca.
Fonte:http://www.pdt.org.br.
77
As escolas são a Mafalda Teixeira de Alvarenga, Rubens Faria Neves e a Prof. Gonçalves.

90
biroscas, pequenas mercearias, mercadinhos de hortifrutigranjeiros, algumas pequenas
padarias, bares e oficinas de automóveis.

Toda a região possui fornecimento de serviços de água e esgotamento sanitário, mas


ainda não existe fornecimento de gás encanado. A rede pública de iluminação está
presente na maioria das ruas e praças, apesar de algumas praças apresentarem
deficiência na iluminação, conforme queixa de alguns moradores, como veremos adiante,
no Capítulo 4. O recolhimento do lixo e a varrição das ruas e praças, conforme relato dos
moradores, são feitos às vezes pela própria comunidade, que adere a programas do tipo
“garis comunitários” promovidos pela Comlurb; ou por particulares que retiram o lixo nas
portas das casas e o transportam em caçambas de madeira puxadas por cavalos, até um
terreno baldio qualquer, onde finalmente o queimam. Muitos utilizam as ruas e o terreno
das praças como canteiros de obras ou como depósito de entulho de obras particulares.
O item de mobiliário urbano mais comum é o telefone público – orelhão; o fraldário, e a
lixeira padronizada.

As árvores estão em sua maior parte, presentes no entorno das praças e dentro dos lotes
residenciais, mas não nas ruas78. Uma exceção é a Rua Sananduva, que possui alguns
exemplares de Delonix regia (flamboyant), Cassia fistula (cássia) [fig. 2/13] e Terminalia
Cattapa (amendoeira). Nas praças, os espécimes mais encontrados são; amendoeira,
cassia, Mangifera indica (mangueira), algumas Licania tomentosa (oitis) e Clitoria
fairchildiana (sombreiro), e Ficus benjamina (ficus).

A área escolhida para a pesquisa de campo, possui um conjunto de 8 praças, uma delas
inserida dentro de um terreno que pertence a um CIEP, o Xapecó. Somadas a essas
áreas, foram detectadas outras duas; uma área de formato triangular utilizada como
campo de pelada, a Praça Hélio Ferreira, descoberta apenas no final da pesquisa por
estar atrás dos portões de um condomínio, e uma segunda, junto à capelinha de São
Jerônimo, cujo terreno frontal está sendo aplainado para a inserção de uma quadra [fig.
2/14]. Esses locais receberam intervenções do poder público a partir de 2000, realizadas

78 As propostas do PEU procuram evitar o uso intensivo do solo e manter uma tipologia habitacional bastante valorizada
na região – as casas com quintal. Assim, sugerem uma taxa de permeabilidade (TP), que deixa livre de construção ou
pavimentação, um percentual de cada lote, exigindo também, o plantio de uma árvore, de forma a amenizar o fator
climático e manter um maior conforto ambiental.

91
92
93
por diferentes secretarias e órgãos municipais, como a Fundação Parques e Jardins,
RioUrbe, Secretaria de Meio Ambiente, Secretaria de Esportes e Lazer, e Fundação Rio
Esportes. Devido às inúmeras sobreposições de competências dentro da administração
pública, só foi possível precisar qual foi o órgão interventor em algumas dessas praças.
Algumas praças, tampouco foram objeto de projeto ou desenho, tendo sido obras
inseridas dentro de contratos de manutenção, mantendo-se, portanto, sem nenhum
registro gráfico.

Todas as praças pesquisadas estão regularizadas e são reconhecidas oficialmente79. Em


comum, quase todas estão localizadas em áreas menos favoráveis dos terrenos dos
loteamentos; em locais de maior declividade, por exemplo. Autores, como COSTA (1993),
FREITAS (2000) e KOSTOFF (1992) já haviam percebido que muitas praças, ou parques
identificam-se com os significados de paisagens residuais, conforme propôs COSGROVE
(1998), transformando-se em paisagens residuais, ou surgindo a partir delas80. A
paisagem residual deste conjunto de praças pesquisadas, porém, abarca mais de um
significado; elas tanto podem ser resíduos formais dos terrenos loteados, como podem
ser paisagens residuais ao sentido da subvalorização da relevância e dos significados da
praça. Assim, elas resultariam somente da impossibilidade de se auferir algum benefício
monetário, e das obrigatoriedades das leis de loteamentos. Imagina-se dessa forma que
elas não mais se revestem dos significados de praça, ou das pracialidades como nos diz
QUEIROGA (2003,2004). A pesquisa demonstrou, no entanto, que não é bem assim,
conforme veremos nos próximos capítulos.

79
As áreas do loteamento destinadas à confecção de praças públicas são oficializadas por decreto municipal.
80
Ver Perspectivas Teóricas na Introdução, página 9.

94
SUMÁRIO

Este capítulo estudou os sistemas de objetos ações que transformaram as paisagens


rurais da Zona Oeste em paisagens urbanas. Nesse contexto, procuramos compreender
como se constituíram os seus espaços livres públicos, principalmente suas praças. As
praças do bairro surgiram próximas às igrejas ou capelas; no centro de novos povoados;
próximas às estações de estradas de ferro; ou inseridas em loteamentos. Procuramos
também, compreender as ações empreendidas pelo poder público relacionadas ao
desenvolvimento da Zona Oeste, expressas nos diversos projetos e planos para a região.
Destacamos a legislação que dá “forma” ao tipo de assentamento considerado pelo PEU
o predominante na Zona Oeste: os loteamentos, e conseqüentemente, aos tipos de
praças públicas que encontramos nesta pesquisa. Apresentamos o perfil da área de
estudo para, no próximo capítulo, conhecermos os usos e apropriações dos usuários nas
praças.

95
96
3
AS PRAÇAS

96
3
AS PRAÇAS
INTRODUÇÃO

Este capítulo trata diretamente dos sistemas de objetos e ações representados pelas
praças investigadas, descortinando os usos e as apropriações manifestos nos seus
espaços. Este capítulo traz informações tanto sobre os usuários, como sobre o conjunto
das nove praças investigadas, através de uma primeira análise interpretativa dos dados
coletados em campo. Inicialmente, apresentaremos o perfil geral dos freqüentadores,
analisando os aspectos sócio-econômicos, obtidos a partir dos resultados da aplicação
de métodos no sítio como, questionários e mapas de comportamento, aos quais já nos
referimos na introdução. Posteriormente iremos discorrer sobre alguns temas que se
destacaram nas respostas aos questionários, e em conversas informais; a exclusão
feminina e infantil, permeada por questões interligadas à segurança no bairro.
Apresentaremos as praças através de sua nomenclatura; a primeira e a mais curiosa
forma de apropriação pelas comunidades locais. Em seguida, será exposta uma tabela,
embasada na metodologia investigativa empregada por MARCUS ET AL, em estudos de
caso sobre espaços livres públicos (1998), ancorada em observações sobre os usos, os
usuários, equipamentos, fatores positivos e negativos. Finalizamos com mapas gerais,
desenhos e imagens, configurando um panorama das praças investigadas.

PERFIL DOS USUÁRIOS

Gênero e faixa etária <<

Os dados obtidos nos questionários mostram que nas nove áreas, o principal
freqüentador é em sua maioria a criança na pré-adolescência, o adolescente e o jovem,
estudante do ensino fundamental, cuja idade vai variar dos 10 aos 19 anos,
predominantemente do sexo masculino81. O GRÁFICO 1, correspondente as faixas etárias,

81
As tabelas do Armazém de Dados do Município do RJ/IBGE, do ano de 2000, definem qüinqüenalmente as faixas
etárias dos habitantes do bairro de Campo Grande, tendo início em 0/4 anos e terminando em 80 anos ou mais. Na tabela
sobre residentes por faixa etária, a soma dos habitantes de 0 a 9 anos corresponde a 49.465 indivíduos (16,63%); de 10 a
19, 53.414 (17,95%); de 20 a 29, 51.349 (17,23%); de 30 a 39, 46.802 (17,26%); de 40 a 49, 42.145 (14%); de 50 a 59,
26.535 (9%) e finalmente acima de 60 anos a soma total corresponde a 27.784 (9,3%) indivíduos. Observando esses

97
demonstra que 57% dos indivíduos têm entre 10 e 19 anos, e o GRÁFICO 2, Gênero,
confirma a predominância de 66% de indivíduos do sexo masculino, no total das áreas
pesquisadas. Esse índice se repete em quase todas as praças tendo como exceção,
Zeca Russo, onde foi encontrado um grupo de adolescentes do sexo feminino,
totalizando 64%. Os mapas de comportamento ratificaram esses resultados; das pessoas
observadas exercendo alguma atividade nas praças, 72%, ou 354 pessoas de um total de
495, pertencem ao sexo masculino.

Faixa Etária Sexo


todas as praças todas as praças

m ais de 59

50 a 59

40 a 49 34%

30 a 39 Total masculino
20 a 29 feminino
10 a 19 66%
0a9

0 20 40 60 80 100

pessoas

GRÁFICO 1 – FAIXA ETÁRIA GRÁFICO 2 – GÊNERO

As praças Olga Costa Leite e Mangueira82 apresentaram um predomínio absoluto de


jovens entre 10 a 19 anos. Somente na Mangueira, esse contingente correspondeu a
84% dos indivíduos. Ao analisarmos as praças individualmente, percebemos, no entanto,
que esse predomínio jovem tem exceções em dois locais: no BNH e no Campo do
Mundial, que apresentam certo equilíbrio entre os freqüentadores de quase todas as
faixas etárias, conforme nos mostra o GRÁFICO 3 e 3A.

P raça 3 Idade P raç a 4 Idade

ma is d e 5 9 ma is d e 5 9
50 a 59 50 a 59

40 a 49 40 a 49
30 a 39 30 a 39

20 a 29 20 a 29

10 a 19 10 a 19

0a9 0a9

0 2 4 6 8 10 12 0 2 4 6 8 10 12

pessoas pessoas

GRÁFICO 3 E 3A – FAIXA ETÁRIA; BNH E CAMPO DO MUNDIAL

números podemos facilmente perceber que a maior parte dos habitantes encontra-se nas faixas etárias entre os 10 e 19
anos e que o número de idosos corresponde quase à metade deste valor. As tabelas referentes a sexo mostram uma
primazia dos indivíduos do sexo feminino, 154.914 (52%) contra 142.580 (48%) do sexo masculino. O número total de
habitantes do bairro é de 297.494 pessoas.
82
Esse nome corresponde à alcunha da praça, e não ao nome oficial, tema discutido adiante neste mesmo capítulo.

98
Xapecó, que corresponde à praça inserida no CIEP Lamartine Babo, entre todas
apresentou maior porcentagem de crianças de 0 a 9 anos (33%) e de jovens de 10 a 19
anos (45%) respectivamente, totalizando 78% dos freqüentadores encontrados. Esse
resultado nos faz refletir sobre as razões para implantação improvisada de recreação
infantil dentro do terreno do CIEP. A escola, referência e pólo de atração para as crianças
e jovens das redondezas, não funciona nos finais de semana ou nas férias, ainda que
nessa época alguns se reúnam regularmente em suas proximidades. Parece que Xapecó
foi inserida para atender a demanda de espaços livres próximos ao CIEP, como um apoio
fora da temporada de aulas. Essa de fato é uma das razões de sua existência, mas não a
única, como veremos mais tarde.

Os outros locais, surpreendentemente, não apresentaram nem individualmente, nem em


conjunto, uma presença importante de crianças de 0 a 9 anos. As crianças nesta faixa
etária representaram apenas 8% do total dos indivíduos encontrados em todas as praças.
Os mapas de comportamento ratificaram esses resultados: crianças de 0 a 9 anos
contabilizaram somente 28% do total de indivíduos exercendo alguma atividade. Esse
fato causou surpresa, porque se acreditava que um grande contingente de crianças
dessas comunidades utilizava a recreação infantil, assim justificando a existência dessas
áreas em todas as praças.

A presença de idosos surpreendeu por ser pouco marcante, representando somente 5%


dos freqüentadores encontrados. Os mapas de comportamento - ver síntese no final
deste capítulo - comprovam esse fato; de 495 pessoas observadas exercendo alguma
atividade, somente 4 indivíduos ou pouco menos de 1%, eram idosos. Os jovens e
adultos a partir de 20 anos apareceram de forma equilibrada em quase todas as praças,
variando de 8% a 11% do total de indivíduos. Eles estão em sua maioria, tomando conta
de outras crianças, jogando ou assistindo a jogos de futebol e vôlei.

Escolaridade e Ocupação <<

Os dados obtidos comprovam que 50% do total dos indivíduos estão cursando o ensino
fundamental, o que corresponderia a estar entre a primeira e a oitava séries do primeiro
grau, conforme nos mostra a TABELA 1. O índice de jovens cursando o ensino médio ou
2º grau é de 17%. Entre todos os indivíduos que responderam aos questionários, 96
pessoas, apenas 2 não são escolarizados. Ao cruzar os dados sobre escolaridade, com
os resultados relativos à faixa etária predominante (de 10 a 19 anos), e ao sexo

99
(masculino), chegaremos à conclusão de que a maior parte dos adolescentes é de
meninos que estão, na realidade, entre a quarta, e a oitava séries do ensino
fundamental83. Os GRÁFICOS 4 E 4A84 apresentam a situação escolar dos entrevistados; o
GRÁFICO 3 representa o nível geral de escolaridade e o 3A representa aqueles que tem a
escolaridade concluída.

N ív e l de Escolaridade Escolaridade concluída


T odas as praças T odas as praças

1%
superior 2%
fundam ental
total

téc nic o 5% m édio

médio téc nic o


s uperior
fundamental

10%
0 20 40 60 80 100
pes s oas

GRÁFICOS 4 E 4A - ESCOLARIDADE

Quanto à ocupação, os GRÁFICOS 5 e 5A confirmam que 64% são exclusivamente


estudantes. Adultos desocupados encontrados nas praças, 11%, (sempre do sexo
masculino) são em geral aposentados ou estão desempregados, 4%. O restante dos
freqüentadores possui empregos de nível técnico ou sem formação específica, 13%. As
ocupações citadas estão no ramo da construção civil: ladrilheiros, pedreiros e pintores;
em nível técnico: técnico em farmácia, técnico em edificações; domésticos: serventes e
empregadas domésticas, e outros: motoristas de caminhão, professores de futebol
(geralmente ex-jogadores), operadores de telemarketing, auxiliares de escritório, e até
mesmo um barman.

Profissão Profissão
T odas as praças T odas as praças
estudante

4% estudante/trabalha DESEMPREGADO
13%
1% outros
aposentado/pensioni
11% servidor público
sta
total

servidor público aposentado/pensionista


estudante/trabalha
7% outros estudante
64%
DESEMPREGADO

0 20 40 60 80 100
pessoas

GRÁFICOS 5 E 5A – PROFISSÃO

83
O ensino fundamental chamado de ensino do primeiro grau tem a duração total de 9 anos e consta de: classe de
alfabetização, primeira a quarta série e da quinta a oitava série. O segundo grau, ou ensino médio vai da primeira a terceira
série (3 anos) e corresponde aos antigos cursos clássico e científico.
84
Segundo dados do Armazém de Dados do Município do RJ/IBGE, existem 75 escolas municipais e 25 estaduais na
Região Administrativa de Campo Grande e a média de anos de estudo é de 5,9 anos por habitante. A Região
Administrativa é formada pelos bairros de Campo Grande, Cosmos, Santíssimo e Inhoaíba.

100
TABELA 1 – ESCOLARIDADE (%)

NIVEL COMPLETO INCOMPLETO CURSANDO


FUNDAMENTAL 10 9 50
MEDIO 5 4 17
TÉCNICO 2 ______ ______
SUPERIOR 1 ______ ______
SUBTOTAL 18 13 67
NÃO ESCOLARIZADOS 2
SUBTOTAL 98
TOTAL 100

Modalidades de acesso, freqüência e permanência <<

Quanto ao acesso, a pesquisa mostra um índice de 85% de indivíduos que chegaram nas
praças a pé e demoraram até 5 minutos para cumprir o percurso, conforme exibem os
GRÁFICOS 5 e 5A. Isto vem confirmar resultados de pesquisas anteriores (APUR, 1989;
COSTA, 1993; VIEIRA, M. 2001; MONTEIRO, 1998; MARCUS & FRANCIS, 1998) realçando o
valor dos espaços livres públicos como equipamento de proximidade. Um número irrisório
veio de carro ou ônibus. Entre aqueles que alcançaram as praças de bicicleta, 8% moram
nas proximidades e estão usando este veículo apenas para brincar em volta da praça,
sozinhos ou com um grupo de amigos. Esse alto índice de usuários que alcançam as
praças a pé, ratifica o funcionamento em caráter praticamente exclusivo para os
moradores da sua vizinhança. Essa constatação permite classificá-las e compreendê-las
como “equipamentos de proximidade” (APUR, 1989) em conformidade com o que já foi
apresentado na introdução a respeito deste conceito85.

T e mpo de ace sso, todas as praças Acesso, todas as praças

ônibus
3%
carro
m e ios

2%
até 5m in Total
7% bic ic leta
de 5 a 15m in
de15 a 30m in a pé

m ais de 1h
0 20 40 60 80 100
88% pe ssoa s

GRÁFICOS 6 E 6A – ACESSO

85
Sob uma ótica puramente funcional, também poderíamos apontar similaridades entre os “neighborhood parks” (CARR ET
AL,1992, MARCUS ET AL, 1998; JACOBS, 2003; LAMAS, 2004) e as nossas praças públicas. Ver Introdução, página 15,
Metodologia.

101
Moradores questionados sobre freqüência a outros locais, apontaram repetidamente a
freqüência a três praças, nessa ordem: Mangueira, BNH e Campo do Mundial. Quase
todas as praças foram citadas, exceto a Olga Costa Leite. Bosque apresentou o maior
índice de indivíduos que declararam não freqüentar outras praças além daquela, 89% -
este dado pode sugerir um bom índice de satisfação com o lugar. Na Zeca Russo, 100%,
declararam freqüentar outros lugares. Essas informações encontram-se na TABELA 2,
logo abaixo;

TABELA 2 – FREQÜÊNCIA A OUTRAS PRAÇAS (%)


PRAÇA S.Rita/ Xapecó Borba/ C.Mendes/ Camiranga/ V.Quinhões/ Monte Santo/ R.Couto Olga
Rala Côco BNH C.Mundial Mangueira Morrinho Zeca Russo Bosque C.
Leite
SIM 63,6 89 72,8 50 69,2 36,4 100 11 43,5
NÃO 36,4 11 27,2 50 30,8 63,6 0 89 56,5
% 100

Entre os indivíduos pesquisados, 56% são freqüentadores diários, conforme nos mostra o
GRÁFICO 6. Xapecó e BNH são as únicas praças que apresentaram um maior índice de
freqüentadores somente nos finais de semana. No BNH, os freqüentadores de fim de
semana correspondem aos adultos e idosos que trazem os filhos e netos para brincar.
Quanto aos horários de freqüência, conforme nos mostra o GRÁFICO 7A, pouco mais de
dois terços preferem utilizar as praças livremente a partir do horário vespertino, no final
da tarde - que pode ser considerado o horário de pico de freqüência, ou à noite. Pela
manhã, as praças ficam quase sempre ociosas, exceto aos finais de semana. Como já
constatado por diferentes estudos (JACOBS, 2003; WHYTE, 1989; CARR ET L, 1992;
MARCUS ET AL, 1998), é necessário uma mistura funcional ampla de freqüentadores, para
que os espaços livres, não permaneçam sub utilizados durante a maior parte do dia. Nas
praças de Campo Grande a mistura funcional de usos ou de freqüentadores praticamente
não existe; os “ritmos” e compromissos diários tampouco diferem uns dos outros. Esse
tipo de comportamento está ligado aos horários de escola, de almoço, enfim do cotidiano
das pessoas que permanecem no bairro durante a semana. A homogeneidade social, de
ocupações, de acontecimentos e horários contribui para ocasionar esses períodos vazios
de utilização.

102
Freqüência em tod as as praças Ho rário em to das as praças

9%
3% 5% diariamente 24% 19%
manhã
2% fim-de-semana
8% almoço
1 x por semana
tarde
2 x por semana
56% fim de tarde
25% 3 x por semana
19% noite
1 x por mês 30%

GRÁFICOS 7 E 7A – FREQUÊNCIA E HORÁRIO

Quanto ao tempo de permanência 25% das pessoas declararam permanecer mais de


três horas nas praças, 20% mais de uma hora, enquanto 16% alegaram permanecer mais
de quatro horas ou o dia todo, conforme nos mostram os GRÁFICOS 8 e 8A. Aqueles que
alegaram permanecer até 30 minutos, e entre 30 minutos e uma hora, são normalmente
idosos e estão quase sempre sozinhos descansando, observando o espaço,
acompanhando o movimento das pessoas ou esperando por alguém. Aqueles usuários,
porém, que prolongam sua estadia entre uma e três horas, informaram que esse período
não representa um tempo corrido, expondo assim uma característica singular. Como a
maioria esmagadora dos freqüentadores mora nas proximidades, eles vão e vêm com
intervalos de no máximo uma hora entre cada visita. Os intervalos são para voltar para
casa, ir ao banheiro, almoçar, fazer um lanche, ir para a casa de um amigo, porque algum
responsável chamou, para estudar... Na verdade, esse tipo de movimento sugere que as
praças são para a maior parte desses adolescentes, nada mais que elementos comuns
da experiência cotidiana, representando um prolongamento de sua própria casa; ponto de
partida para tomar posse do mundo (RELPH, 1976, p.40).

Perm anência em tod as as p raças Perm anên cia em to das as praças

o dia todo

mais de 4h
8% 8% 10% até 30min
de 30min a 1h mais de 3h
15%
tempo

mais de 1h mais de 2h Total


mais de 2h mais de 1h
mais de 3h
de 30min a 1h
25% mais de 4h
até 30min
20% o dia todo
14% 0 5 10 15 20 25 30
pessoas

GRÁFICOS 8 E 8A - PERMANÊNCIA

Muitos estudos observaram diferentes modalidades de frequência e permanência em


diferentes espaços livres públicos (VIEIRA, M., 2001; COSTA, 1993; WHYTE, 1989). WHYTE

103
(1989) observou em seus estudos sobre espaços livres públicos centrais em Nova York,
que os lugares onde as pessoas permanecem mais tempo são em geral, locais livres de
problemas; são próximos; são geralmente freqüentados por pessoas em grupos, e se
oferecem simpáticos aos solitários, funcionando como ponto de encontro ou permitindo a
contemplação. COSTA (1993), por exemplo, já havia constatado que os usuários
residentes nas proximidades do Parque do Flamengo se identificam de tal maneira com o
parque, que o consideram como o quintal, ou o jardim da sua casa; opinião compartilhada
também por aqueles que residem a uma longa distância e visitam o parque somente aos
finais de semana. Essa identificação com o espaço foi observada por VIEIRA, M. (2001)
no Largo da Carioca. Ela acredita que aqueles que permanecem durante todo o dia, ou
interrompem o seu fluxo diário ao passar pelo Largo da Carioca, identificam-se com a
receptividade do lugar, a diversidade humana, a vitalidade e a movimentação no espaço,
que sugere “abertura e generosidade”.

A identificação de um indivíduo com o entorno está muito mais na experiência do que na


aparência física da cidade ou da paisagem. Assim, uma das chaves para a compreensão
desta permanência intervalada pode estar na construção da identidade entre os
indivíduos e as praças, através da experiência de torna-la um prolongamento de suas
casas. Essa transmutação da praça em quintal de casa vai sendo paulatinamente
construída dentro do cotidiano destes indivíduos desde que nascem. As praças
funcionam como ponto de encontro, como verdadeiros “portos seguros”. Podemos dizer
que os espaços das praças também contrastam com as limitações dos espaços
domésticos e escolares da maioria desses adolescentes, ou com as dimensões e
perspectivas de suas próprias vidas, proporcionando o usufruto da amplidão espaço-
temporal além da possibilidade de conviver socialmente.

104
A tabela abaixo, a de número 3 nos informa o tempo de permanência de acordo com a
faixa etária.

TABELA 3 – PERMANÊNCIA POR FAIXA ETÁRIA


IDADE 0/9 10/19 20/29 30/39 40/49 50/59 +59 TOTAL T%
TEMPO
dia todo 1 5 _ 2 _ _ _ 8 8
+ 4hrs _ 7 2 _ 1 _ _ 10 10
+ 3hrs 4 13 2 _ 1 _ _ 20 21
+ 2hrs 1 10 2 _ _ 2 _ 15 16
+ 1hr 1 10 1 _ 1 2 4 19 20
30min/1hr 2 3 2 2 2 1 2 14 15
até 30min _ 6 1 1 _ _ 2 10 10
TOTAL 9 54 11 5 5 5 8 96 100

Sociabilidade <<

A pesquisa demonstrou que mais da metade, 56%, dos indivíduos, vão acompanhados
pela família ou pelos amigos. As mulheres, em geral, chegam acompanhadas por algum
membro da família, como filhos, irmãos (de quem vieram tomar conta), tias, mãe ou avós.
Os desacompanhados representam 44% das pessoas, geralmente são do sexo
masculino e acreditam que mais cedo ou mais tarde, irão encontrar alguém conhecido ou
alguma atividade da qual possam participar. Campo do Mundial apresentou o maior
índice de pessoas solitárias, do sexo masculino; as possibilidades de encontro ou
diversão existentes neste espaço onde o futebol predomina, parecem atrair muitos
indivíduos solitários (WHYTE, 1989). Esses dados estão expostos nas tabelas 4 e 4A.

TABELA 4 – ACOMPANHADO TABELA 4A – ENCONTRO MARCADO

Não/ Sim/Fam. Sexo Não Sim


Sozinho Amigos F M F M
subtotal

subtotal

subtotal

subtotal

Sexo F M F M
Total

praça
Total

praça
1 5 1 6 3 2 5 11 1 3 3 6 1 4 5 11
2 - 4 4 2 3 5 9 2 2 4 6 - 3 3 9
3 - 5 5 2 4 6 11 3 3 3 6 - 5 5 11
4 - 3 3 4 5 9 12 4 1 4 5 1 6 7 12
5 - 6 6 3 4 7 13 5 2 3 5 - 8 8 13
6 6 1 7 2 2 4 11 6 3 1 4 3 4 7 11
7 3 1 4 6 1 7 11 7 4 - 4 3 4 7 9
8 3 1 4 1 4 5 9 8 1 6 7 2 - 2 9
9 - 3 3 3 3 6 9 9 3 5 8 - 1 1 9
TOTAL 17 25 42 25 32 54 96 TOTAL 22 29 51 10 35 45 96
% 18 26 44 26 33 56 100 % 23 30 53 10 36 47 100
105
Segurança <<

Esta pesquisa demonstrou que no tocante à segurança nas praças, GRÁFICO 9, 72% das
pessoas consideram a segurança entre boa e ótima; 15% a consideram regular e 13,5%,
apenas, a consideram ruim ou péssima. Observando a tabela 5A, que avalia a segurança
por tempo de permanência podemos perceber nitidamente que quanto maior a
permanência, melhor é a avaliação da segurança. Parece à primeira impressão, que os
usuários se encontram satisfeitos e se sentem totalmente tranqüilos nas praças, porém é
necessário relatar que essa satisfação envolve outros aspectos, que ultrapassam a
sensação de segurança dentro do perímetro das praças, demonstrando ser essa uma
questão social maior, interligada à segurança do próprio bairro. Uma das razões para a
certeza de se sentir seguro nas praças está aliada a solução implantada no bairro pela
própria população, para obter segurança, exposta um pouco mais à frente, ainda neste
capítulo.

S egurança em todas as praças Segurança em todas as praças

ótima

boa
14% 5% 8%
péssim a regular
15% Total
ruim
regular ruim

boa
péssima
ótim a
58% 0 20 40 60 80 100
pessoas

GRÁFICO 9 - SEGURANÇA

TABELA 5 – SEGURANÇA POR SEXO

TEMPO SEXO

M % F % TOTAL TOTAL%

Péssima+ ruim 5 5,2 8 8,3 13 13,5


regular 11 11,5 3 3,1 14 14,6
Boa+ ótima 48 50 21 21,9 69 71,9
TOTAL 64 66,7 32 33,3 96 100

TABELA 5A – SEGURANÇA POR TEMPO DE PERMANÊNCIA

SEGURANÇA PERMANÊNCIA TOTAL TOTAL


até 30min 30min a 1h +1h +2h +3h +4h dia todo %
Péssima+ ruim 4 1 3 1 3 2 2 16 16,6
regular 1 5 1 3 3 - 2 15 15,6
Boa+ ótima 4 9 14 14 11 5 8 65 67,8
TOTAL 9 15 18 18 17 7 12 96 100

106
AUSÊNCIA FEMININA E INFANTIL

“A organização e o uso do espaço pelas mulheres pressupõem um conjunto


muito diferente de significados simbólicos que aquele dos homens”.86

A ausência quase que absoluta de mulheres, e conseqüentemente, de crianças


pequenas acompanhando as suas mães, é um aspecto importante do cotidiano das
praças de Campo Grande. Pessoas do sexo feminino, quando encontradas, são quase
sempre adolescentes. O predomínio do sexo masculino está sempre atrelado a uma
proporção média de uma mulher para cada três homens, em todas as praças. A única
exceção a essa regra pôde ser apreciada na Zeca Russo, onde o número de indivíduos
do sexo feminino inverteu essa proporção, abrigando mulheres dos 7 aos 18 anos, na
maioria adolescentes de 12 ou 13 anos. Em relação às crianças, a proporção média é de
uma criança para cada dez adultos, pelo menos onde elas foram encontradas. Na Rala
Côco, Mangueira e Olga Costa Leite, crianças abaixo dos dez anos de idade
simplesmente não foram avistadas. A vereadora Lucinha acredita que além das questões
de segurança, o fato das mães trabalharem delegando a outras pessoas o cuidado dos
seus filhos, contribui para a pouca presença infantil, como deixa subentendido neste
depoimento;

“Movimento nas praças só tem no final do dia. O pessoal sai pra trabalhar e não
deixa os filhos na rua, não! Quando não tá na escola tá dentro de casa. As
crianças ficam com a avó, com a vizinha – “com a mulher que toma conta dos
meus filhos””.

O desequilíbrio entre os sexos nos espaços livres públicos, já foi notado por inúmeros
autores em diferentes estudos, tanto no Rio de Janeiro como em outras cidades ao redor
do mundo. Os clássicos trabalhos de WHYTE (1989), CARR ET AL (1992) e MARCUS ET
FRANCIS (1999) creditam, a ausência feminina e infantil nos parques e praças urbanos à
falta de segurança. WHYTE (1989, p.18) verificou que as plazas mais utilizadas de Nova
York tendem a possuir uma proporção de mulheres superior a media. CARR ET AL (1992)
crêem que as mulheres ainda se sentem vulneráveis nos espaços públicos, mesmo nos
dias atuais. O medo de sofrer algum ataque sexual, de roubo, e da violência, atemorizam
as mulheres que preferem não freqüentá-los, nem levar suas crianças. Barreiras visuais e
usuários de drogas são fatores que também desencorajam-nas a saírem. VIEIRA, M.
(2001) notou que as mulheres se sentem constrangidas quando percebem que são
poucas em algum evento que agrega muitos homens no Largo da Carioca. VIEIRA, F.
(2001, p.144) notou a predominância masculina na área do Varadouro, em João Pessoa,
logo na primeira visita. Posteriormente sua pesquisa constatou que as mulheres se
86
Cosgrove, Denis (1998, p.121).

107
sentem inseguras e demonstram se sentir pouco à vontade no lugar. O mesmo ocorre
com as poucas mulheres que se atrevem a assistir algum jogo no Campo do Mundial, e
que estando lá, terminam por se sentir constrangidas. Na mesma praça, nos finais de
semana, algumas crianças são eventualmente encontradas acompanhadas dos pais,
enquanto as mães estão cuidando dos afazeres domésticos. O diário de campo da
pesquisa registrou essas situações;

Campo do Mundial, 13 de novembro de 2004, 10:00 horas, anotações do diário de campo.


“Pleno sábado de sol e não fazia calor. Véspera de feriado, a praça estava repleta de
jogadores. Havia 2 mulheres apenas, e quando tentei abordá-las para responderem aos
questionários, se recusaram constrangidas. Informaram estar se sentindo mal por estar ali
pela primeira vez, já que não moravam nas redondezas. Perguntei a um dos homens que se
preparava para jogar onde estavam as mulheres àquela hora, e ele me respondeu que sua
esposa foi levar a filha à natação no clube Vasco da Gama, e que no fim de semana
costumava ficar com os filhos, já que trabalhava a semana inteira. As outras mulheres,
segundo ele, deveriam estar em casa fazendo o almoço. Perguntei se havia algum horário
em que as mulheres freqüentavam a praça, e ele me respondeu que à noitinha e à noite
sim, elas iam com as crianças para a praça. As crianças também eram em número pequeno
e as poucas com quem conversei vieram acompanhadas dos pais”.

A ausência feminina nas praças investigadas não se restringe, porém, apenas à


sensação de insegurança ou constrangimento. Certamente, os tipos de atividades
propostas nos programas de projetos e as atitudes dos freqüentadores do sexo
masculino, que rejeitam compartilhar atividades com as mulheres, influenciam a sua
ausência [fig.3/1]. Essa pesquisa constatou a insatisfação de muitas adolescentes quanto
ao impedimento em participarem de jogos de vôlei e futebol nas praças investigadas, e
descortinou a solução que acreditam ser a única possível para resolver esse problema: o
controle externo, questão a ser discuta no próximo capítulo. Ginástica localizada foi uma
das poucas atividades mencionadas pelas meninas como especialmente dirigida a elas;
mas como ocupa o espaço das quadras, não tem continuidade, já que os jogos de bola
são sempre prioritários. A aparente universalidade dos programas de projetos tem
esquecido de considerar as diferenças entre os gêneros, desta forma, reforçando a
construção de uma paisagem exclusivamente masculina nas praças.

“Nossos projetos são universais, são para todas as faixas etárias”.


Renato Dantas, Diretor de Projetos da Riourbe.

CRANZ (citado por MARCUS & FRANCIS, p. 86, 199x) reconhece que “as mulheres
continuam a constituir uma minoria definitiva entre os usuários de um parque, e que elas
deveriam começar a demandar o justo compartilhamento dos recursos desses parques”.
HAYDEN (citada por LEGATES & STOUT, 2002, p. 452) propõe que os arquitetos e
planejadores urbanos passem a considerar as mudanças sociais derivadas da inserção

108
109
das mulheres no mercado de trabalho, e as conseqüências para seus filhos, em novos
projetos, que tanto se aproximem dessas mudanças na distribuição dos espaços
interiores como nos projetos de espaços livres públicos.

OBTENDO SEGURANÇA

Os locais que não oferecem uma sensação de segurança comunicam significados


negativos, anunciando os lugares como perigosos ou pouco acolhedores (CARR ET AL,
1992, p.190). Esse, de fato, não é um sentimento que aflore imediatamente para os
visitantes das praças; a primeira sensação é de absoluta tranqüilidade, quase como se
estivéssemos em uma cidade do interior, segura e pacata. De fato, durante toda a
pesquisa de campo, nenhum tipo de policiamento foi avistado nem dentro das praças,
nem nas ruas do entorno. Se problemas como assaltos, roubo e violência não aparentam
ser comuns, nem são evidentes; e a segurança pública, conforme informações dos
moradores está ausente, como essas questões, se existentes, são solucionadas quando
surgem? Segundo a vereadora Lucinha, um dos políticos mais atuantes na área, a
solução desses problemas partiu da própria comunidade, conforme relatou;

“Essa segurança própria é uma questão que surgiu na Zona Oeste há uns dois ou
três anos. A população se sentiu ameaçada pelas facções do crime organizado
que existem por aí, e então sempre aparece uma pessoa que diz – eu vou colocar
uma segurança aqui, você vai ter que pagar para a gente tomar conta do bairro e
tal – e aí, como a comunidade não tem polícia militar, a instituição tá arrasada, a
comunidade tá dando o seu jeito né! O povo vai dando um jeito, a pessoa paga
todo o mês 10 reais, e aquele dinheiro é revertido para aqueles seguranças que
tomam conta daquela comunidade”.

Esse é um procedimento comum às classes mais abastadas da cidade do Rio de Janeiro,


que devido à falência do sistema de segurança pública, tentam se proteger da violência
como podem, contratando a sua própria “polícia”. De forma análoga, nessa região de
Campo Grande, cada loteamento se responsabiliza pela sua própria segurança
contratando pessoas de dentro da sua comunidade. Os seguranças particulares são
homens adultos e jovens que estão em geral desempregados, ou até são ex-policiais.
Esta pesquisa constatou que entre as suas funções estão; impedir os roubos de
automóveis; impedir invasões e roubos a residências; impedir a prática de atos sexuais
nas ruas; impedir adolescentes de organizarem festas, fazer barulho ou utilizarem drogas
nos espaços públicos, principalmente à noite; e reprimir o vandalismo nos equipamentos

110
das praças e nos equipamentos urbanos87. As despesas geralmente são rateadas entre
os moradores, e dependendo do “condomínio”, variam entre R$ 10,00, dez e R$ 20.00,
vinte reais por casa. Os “seguranças” costumam andar de bicicleta em torno dos
loteamentos. À noite eles utilizam apitos para informar que estão circulando, sendo por
isso chamados de apoio ou de grilos da noite. Como informou uma senhora no BNH;

“Nunca tivemos problemas, moro aqui há 22 anos. À noite temos segurança


própria, os grilos da noite, que andam de bicicleta com apitos. A comunidade
paga”. Maria, 65 anos.

Esse procedimento está longe de ser um consenso entre os moradores. Parece existir
uma certa “lei do silêncio” e uma concordância muda entre todos; é como se os grilos da
noite tivessem o poder de resolver tudo à sua maneira. Um grupo de adolescentes que
passava a tarde na Zeca Russo, informou após alguma hesitação, que o grupo de apoio
é formado por “pessoas de confiança” dos traficantes locais. E como não existe
policiamento efetivo, esses traficantes impõem a lei na área. Muitos estão assustados
com a situação, como Antônio, 43 anos freqüentador do BNH;

“A segurança daqui é paga pela comunidade, e não faz nada. Somos forçados a
pagar senão aí mesmo é que acontece alguma coisa”.

Outro aspecto importante relativo à segurança de um espaço livre público é a


acessibilidade visual, pois possibilita às pessoas exercerem um mínimo controle sobre o
que está acontecendo (CARR ET AL, 1992; MARCUS ET FRANCIS, 1999; COSTA, 1993;
JACOBS, 2000). Nas praças Rala Côco e Bosque, o acesso visual é dificultado pela
topografia dos terrenos em aclive. No Bosque, a insegurança causada pela falta de
domínio visual do espaço afeta as crianças que se sentem ameaçadas porque acreditam
que, de algum lugar, fora do seu campo de visão, poderá inesperadamente surgir alguém
desconhecido ou assustador. Na Rala Côco, a topografia impede que se perceba quando
motocicletas decidem atravessar a praça de um lado para outro, em alta velocidade,
oferecendo risco de atropelamento.

Nas grandes cidades, a percepção de que o lugar esteja livre de ameaças é tão relevante
quanto a inexistência de barreiras físicas que atrapalhem o domínio visual pleno do
espaço (CARR ET AL, 1992). As praças analisadas não possuem barreiras físicas, exceto a
própria topografia, nem elementos como agrupamentos densos de árvores, edificações
abandonadas, ou reentrâncias, que possam funcionar como esconderijos. Tampouco

87
A principal causa de óbitos não relacionados às doenças no bairro, é derivada de homicídios (PLANO ESTRATÉGICO II).

111
acolhem desabrigados, pois toda a comunidade impede invasões por construções
indesejáveis ou a instalação de populações marginais. Alguns moradores entretanto,
informaram que em horários de menor movimento, nas praças BNH, Mangueira, e Olga
Costa Leite, encontram-se indivíduos traficando drogas, em atitude discreta, misturando-
se ao movimento local de pessoas.

Segundo JACOBS (2003, p.30) quando as pessoas usam menos as ruas elas se tornam
ainda mais inseguras. Porém, para que as ruas e praças sejam largamente utilizadas,
condições adequadas devem ser criadas para tal. A iluminação, obviamente, influencia a
sensação de segurança de uma praça, e certamente vai ser fator determinante na sua
utilização noturna. Sair à noite para as ruas e praças é um hábito comum, principalmente
no verão, quando o apelo pelo usufruto de ares mais frescos é quase uma necessidade.
Entretanto, a carência de iluminação pode se transformar em uma barreira para a
frequência noturna. Campo do Mundial, por exemplo, é pleno de vitalidade durante o dia,
mas à noite torna-se inseguro devido à ausência de luz, afastando os seus usuários para
a vizinha Mangueira, muito mais iluminada. Na Xapecó, segundo informações dadas
pelos usuários, os equipamentos de iluminação foram colocados pelos próprios
moradores com o auxílio do apoio, resultando no afastamento dos marginais e traficantes
de drogas, assim, ampliando a sensação de segurança. De acordo com o que relatou um
adolescente;

“Aqui dá para descansar, sentado nas pedras. As pessoas que vem aqui são
legais, não tem usuário de drogas. Depois que fizeram a iluminação isso acabou”.

OS NOMES DAS PRAÇAS

CARR ET AL (1992, p. 205) argumentam que as interações entre um grupo de pessoas e o


lugar podem ser facilitadas pelos atributos físicos do sítio ou por símbolos no espaço.
Eles nos lembram que as celebrações rituais, os signos de linguagem de um grupo, ou
mesmo os nomes que são dados a um local, podem reforçar essas interações. LYNCH
(1999, p.76) acredita que os nomes têm o poder de conferir identidade a um local,
mesmo quando eles carecem de uma certa heterogeneidade, que os distinguam uns dos
outros. Para Relph (1976) os lugares são estruturados pelo ser humano primeiramente
através do seu nome; sendo, nomear um lugar, uma das ações que interligam o homem
mais intimamente ao seu território. O ato de identificar um local pelo seu nome pode

112
significar uma das primeiras formas de apropriação simbólica do espaço (COSTA, 1995).
Ao observamos a nomenclatura das nove praças selecionadas por esta pesquisa,
percebemos que tanto os nomes oficializados pelas autoridades públicas municipais,
como os apelidos e alcunhas vulgares que a população lhes atribui, representam códigos
diferenciados que refletem a apropriação dos diversos grupos e atores que atuam sobre
aqueles espaços, conferindo-lhes diferentes identidades.

No Rio de Janeiro, as alcunhas populares são uma forte faceta da cultura urbana e
podem fazer referência a características físicas de um lugar, de um objeto, ou a locais
que se transformam em marcos espaciais. Aliados a conhecida irreverência do carioca, e
a sua maneira de evidenciar particularidades, as alcunhas urbanas se constituem em
uma linguagem simbólica comunicando imagens grupalmente elaboradas. Apelidos como
“frade”, e “Praça do Ó” 88, são exemplos típicos deste tipo de apropriação e identificação
do espaço, assim como os apelidos populares pespegados nas praças pesquisadas de
Campo Grande.

A nomenclatura oficial de uma praça é dada através de decreto municipal, aprovado


somente após as obras de urbanização. No início do processo, o vereador que
representa a comunidade traz o nome sugerido por ele próprio ou pela população, para a
câmara municipal de vereadores. Os nomes sugeridos normalmente fazem referência a
algum morador ilustre que se destacou, ou deu alguma contribuição à comunidade;
professores, presidentes de associação de moradores, advogados, comerciantes,
membros de famílias importantes, religiosos89. Os nomes oficiais podem até ter algum
elemento de ligação com a população, mas parecem não ter “força” para se estabelecer.
COSTA (1995) acredita que “as denominações oficiais geralmente não obtém sucesso,
porque não encontram nenhum eco nas experiências ou entendimento que as pessoas
têm dos lugares”. Assim, existe uma contraposição entre o nome oficial “burocrático”, e a
alcunha estabelecida pelo imaginário popular90. O batismo oficial de uma praça é o
procedimento burocrático necessário por ocasião da confecção das obras e das
melhorias urbanas, e de sua regularização; ou seja, em troca da atenção da

88
Frade - balizador em concreto de formato trapezoidal que tem como função impedir o estacionamento irregular em
calçadas; Praça do Ó - praça localizada no início do bairro da Barra da Tijuca cujo nome oficial é Praça São Perpétuo.
89
O RTP ou Regulamento de Parcelamento da Terra dispõe sobre a nomenclatura das ruas e praças dos novos
loteamentos na subseção V, do artigo 31 ao 45. Ele recomenda os nomes de brasileiros falecidos e ilustres; da fauna,
flora, história, do folclore, da bíblia; datas especiais; nomes de personalidades estrangeiras de indiscutível projeção
internacional, etc... O RTP não recomenda; nomes múltiplos, cacofônicos ou repetidos; ”denominações inexpressivas,
vulgares”, ou nomes de pessoas que não se enquadrem nesse regulamento.
90
DaMatta (1987) nos conta que um missionário norte-americano, Daniel P. Kidder, que viveu no Rio de Janeiro em
meados do sec.XIX demonstrou surpresa ao descobrir os nomes estranhos das ruas e sua notável metonímia, ou unidade
de “continente e conteúdo”, como por exemplo, a Rua Direita, a Rua dos Pescadores, Rua do Ourives e Rua da Quitanda.

113
administração pública. Alguns usuários das praças reconhecem esta questão, como
Alessandro, morador do entorno da praça Ribeiro do Couto que afirmou candidamente;

“A prefeitura dá um nome depois que vem e faz alguma coisa, mas o que
permanece mesmo é o nome antigo que ela mesma deveria valorizar”.

Nas áreas da pesquisa encontramos alguns exemplos de praças que são reconhecidas
pelo nome ou apelido de algum indivíduo importante, pelo nome de um time de futebol,
ou pelo nome de uma árvore. A Monte Santo é identificada por 100% dos que
responderam aos questionários, pelo nome de Zeca Russo, “que mora naquele portão
verde em frente à praça”. “Foi ele que conseguiu reformar a praça” informou uma menina
de uns 8 anos. No Xapecó, o responsável pela instalação dos equipamentos no lugar
deixou a sua marca em uma espécie de portal e assim, passou a denominar a praça.
Alguns apelidos permanecem mesmo que a sua motivação original esteja se perdendo,
como a da Praça Camiranga, largamente conhecida como Praça da Mangueira. Ela foi –
logicamente - assim chamada, porque abrigava grandes mangueiras em seu entorno,
dizimadas por uma praga. Atualmente começa a ser apelidada também de Mangueirinha,
mesmo nome do time de futebol dos jogadores veteranos do bairro.

“O nome dessa praça é Camiranga, poucos conhecem, mas Mangueirinha até no


centro de Campo Grande, o pessoal conhece”.
Ailton, membro da Associação de Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).

Praça Catulle Mendes, ou Campo do Mundial é um daqueles casos em que quase


ninguém faz a menor idéia do seu nome oficial, tão estabelecida e integrada está a
função-nome desta praça à sua vizinhança. O nome Campo do Mundial tem origem
simples; é onde o time local do “Mundial” sempre jogou bola.

“Agora o presidente (da associação de moradores) sabe o nome. Ele só ficou


sabendo depois que outro dia o cara da RIOLUZ chegou procurando a Catulle
Mendes e ninguém sabia onde era. Sempre foi Mundial (...) não gravei ainda esse
nome”.
Ailton, membro da Associação de Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).

A praça do loteamento Vila Santa Rita, ainda sem denominação oficial, é algumas vezes
chamada de “Rala Côco”. Segundo Daniela, uma jovem moradora, a praça foi apelidada
assim porque:

“Antes da reforma todo mundo se ralava...”

Praça Borba é conhecida como a praça do BNH. O loteamento popular onde se insere,
foi implantado pelo Banco Nacional da Habitação. A legalização de seu nome é recente e
de acordo com informações dos moradores, não veio acompanhada de nenhuma obra de

114
melhoria do local. Ribeiro do Couto é conhecida como Bosque, embora ali não exista um
bosque. Com topografia em aclive e pedras grandes no terreno, esse local apresenta em
seu topo uma grande pedra que proporciona uma vista privilegiada do Parque Estadual
da Pedra Branca. Mas isso não parece, porém, fornecer dados suficientes para
esclarecer as razões do apelido. A motivação só se torna mais clara, quando começamos
a perceber que o apelido está interligado a uma função específica daquele local; acolher
à noite entre suas pedras, casais de namorados das redondezas.

Concluímos que para referenciar as praças ao longo da dissertação, seria mais simples
adotar as alcunhas populares que prevaleceram todo o tempo sobre as oficiais.
Tentamos não imprimir nenhum juízo de valor, pois foi com essas denominações que
passamos a reconhecê-las e a identificá-las. Na tabela a seguir encontra-se uma listagem
com os nomes oficiais e populares e sua relação com os entrevistados.

NOMENCLATURA DAS PRAÇAS

Total de 96 Nome oficial Nome popular A B C D


QUESTIONÁRIOS PREDOMINANTE
APLICADOS
11 Inominada91 da Vila Santa Rala Côco __ 11 0 5
Rita
9 Inominada do Ciep Xapecó __ 7 2 3
Lamartine Babo
11 Borba BNH 4 7 3 2
12 Catulle Mendes Campo 0 9 2 1
do Mundial
13 Camiranga Mangueira 1 10 0 1
11 Vitória Quinhões Morrinho 5 3 1 3
11 Monte Santo Zeca Russo 0 11 0 1
9 Ribeiro do Couto Bosque 1 7 0 3
9 Olga Costa Leite Ainda não tem92 1 5 3 4

A – conhecem o nome oficial


B – conhecem por um nome popular qualquer
C - não sabem nome oficial ou popular
D - quantidade de nomes populares diferentes

91
Ainda não possui nome oficializado por decreto.
92
Nesse caso não conseguimos descobrir qual era o nome popular predominante, porque existem ainda 4 nomes
diferentes.

115
AS PRAÇAS

Neste capítulo apresentaremos as nove praças, de acordo com as propostas de análise


da Metodologia desta dissertação. Primeiramente, o leitor encontrará uma tabela síntese,
inspirada nos trabalhos de MARCUS ET AL (1998) que analisa os equipamentos, os usos e
usuários, além dos aspectos positivos e negativos de cada praça. Seguimos com um
mapa sobre os usos, que expõe a situação territorial do conjunto de praças, isto é, a
relação entre as praças e outros referenciais significativos da paisagem. O segundo
mapa inicia a aplicação da metodologia de análise dos espaços livres públicos como
equipamentos de proximidade (APUR, 1989) de acordo com o já descrito na Metodologia,
exposto em transparências. O terceiro mapa aponta a origem dos indivíduos
entrevistados que freqüentam as praças. No final do capítulo prosseguimos expondo as
imagens individuais de cada uma. Desta maneira pretendemos configurar um panorama
das áreas investigadas. No próximo capítulo, observaremos ações correspondentes às
práticas cotidianas, representadas pelas apropriações e as dinâmicas sócio-culturais no
lugar.

SUMÁRIO
Este capítulo iniciou a exposição dos dados coletados na pesquisa de campo. Foram
apresentadas questões específicas como; ausência infantil e feminina, segurança, e uma
evidência imediatamente reconhecível de apropriação dos espaços das praças; sua
nomenclatura, que as diferencia e as identifica em meio às demais. Em seguida, foram
expostas graficamente, através de mapas, imagens e planos gerais. A análise dos dados
coletados em campo prossegue no próximo capítulo, com um enfoque sobre os usos e as
apropriações do lugar.

116
MAPA_RAIO_INFLUÊNCIA

praças públicas pesquisadas

zona de influência teórica: 250 m


MAPA_ORIGEM_USUÁRIOS

praças públicas pesquisadas

zona de influência teórica: 250 m

origem usuários interrogados


123
124
125
126
127
128
129
130
131
132
133
134
135
136
137
138
139
A

c
a
b

d
f
e

Praça Olga Costa Leite. Quadra de saibro (a), quadra cimentada (b),
área infantil atrás da quadra (c) , área de ginástica (d) e área de mesas (e) e lixeira quebrada (f).
Fotomontagem sobre fotografias da autora.

Fig. 3/19

140
4
SISTEMAS DE LUGARES
4
SISTEMAS DE LUGARES

“Mesmo no (...) subúrbio as pessoas lançam raízes e


desenvolvem uma preocupação sobre o lugar onde vivem.(...)
Nós não podemos sair julgando essas experiências como menores
(no caso porque a arquitetura não tem expressão e é padronizada),
mesmo porque ela ainda envolve intenções,esperanças
e temores dos homens e mulheres”.
EDWARD RELPH.

INTRODUÇÃO

Este capítulo pretende discutir e expor os sistemas de ações perpetuados no cotidiano


das praças pelos seus diversos atores, através dos usos e apropriações no espaço. A
partir do resultado dos questionários e mapas de comportamento, discutiremos o
relacionamento entre atividades previstas para os equipamentos padronizados,
instalados em quase todas as praças, e os seus usuários. No final da seção encontra-se
uma tabela com o elenco de atividades mais praticadas. Enfocaremos em seguida, temas
que emergiram de conversas informais, e entrevistas com profissionais envolvidos nos
processos que rondam as praças: o relacionamento do ser humano com a vegetação; a
questão do acesso, do controle e dos conflitos subseqüentes, gerados por antagonismos
surgidos nos usos; e a territorialização do espaço, através da tentativa de certos grupos
de demarcar seu território implantando símbolos e marcos espaciais; atitude permeada
pela confusão entre os significados de público e privado.
No final do capítulo, discutiremos brevemente a homogeneidade das estruturas urbanas e
sociais dessa periferia, e o seu contraponto; a formação de uma paisagem significativa,
configurada pelas diferentes especializações nos usos das praças, dentro de um contexto
propício à criação de um sistema dinâmico de objetos e de ações, originando sistemas de
lugares, onde as pracialidades, de acordo com o conceito proposto por QUEIROGA (2003,
2004) podem se desenvolver plenamente.

141
OS USOS E AS APROPRIAÇÕES

ATIVIDADES E EQUIPAMENTOS <<

A partir da aplicação dos questionários e das observações de campo, quatro atividades


surgiram repetidamente como as principais motivações a impulsionar as pessoas até as
praças e nelas permanecer. São elas: jogar futebol (15%); brincar (13,5%); conversar
(9%) e cuidar de crianças (9%). Elas são as mais freqüentes, totalizando 46,5%, das
atividades prediletas praticadas em todas as praças. A seguir, faremos uma análise de
cada uma delas, juntamente com o suporte físico que lhes é destinado; as quadras, os
brinquedos, os bancos e as mesas de jogos.

Os jogos de bola ocorrem constantemente em quase todas as praças, em quadras


polivalentes ou campos de futebol, de maneira improvisada ou como atividade
programada. Mas somente em uma praça eles possuem um caráter realmente festivo: no
Campo do Mundial. Campo do Mundial é uma praça exclusivamente masculina, voltada
ao uso do campo de futebol que ali está instalado e ocupa praticamente todo o perímetro,
quase tudo girando em torno dele; jogadores de futebol, rapazes que tomam conta do
espaço e tratam de manter as faixas de piso repintadas, cuidando dos alambrados que o
cercam; homens que vêm ao local para assistir regularmente os jogos ou participar dos
torneios; brinquedos que funcionam esporadicamente como passatempo das crianças,
enquanto os pais estão jogando bola. Campo do Mundial é conhecido por praticamente
todos os indivíduos interrogados pelos questionários, e muitos declararam visitá-lo
regularmente. Podemos dizer que esta praça foi escolhida como a referência central
imaginária da região, conforme as argumentações de SANTOS (1988, p.52) que crê que a
noção de centralidade espacial urbana surge, quando os julgamentos de várias pessoas
coincidem, ao “elegerem” um local qualquer como centro e referência de um lugar.

Avistamos sábado pela manhã, quase cem homens preparando-se para jogar ou assistir
aos jogos de futebol no Campo do Mundial [figura 4/1]. Esses jogos, em geral são
programados para os horários matutinos dos fins de semana, por instrutores contratados
pela municipalidade, ou pelos próprios moradores. O sucesso desses eventos esportivos
é indubitável; a atividade tem a capacidade de agrupar indivíduos adultos, solitários ou
em grupo, em torno de um embate que costuma atrair times das redondezas,
uniformizados, com técnicos próprios, juiz, e até torcida organizada. Os mapas de
comportamento nessa praça indicaram que a maior parte destes indivíduos prefere
assistir aos jogos que jogar, e entre essas pessoas é possível encontrar muitos rapazes e

142
143
idosos. A partir da conceituação de WHYTE (1980) poderíamos dizer que esses eventos
esportivos contribuem para provocar estímulos para a triangulação, ou seja; o processo
pelos quais estímulos externos incrementam ligações entre as pessoas, propiciando
conversas e encontros entre aqueles indivíduos conhecidos, ou desconhecidos.

MEDEIROS (1975, p.105), acredita que a “atividade esportiva atende bem às três funções
básicas de uma ritualização positiva do comportamento, a saber; comunicação, redução
de conflitos e unificação”. As quadras esportivas são territórios para o desenvolvimento
de programas educacionais e comportamentais na comunidade, além de representarem
um terreno fértil para dinâmicas de grupo, onde o futebol, ou outros esportes,
praticados como atividades controladas, possuem a capacidade simbólica de “atualizar
tantas outras convulsões reprimidas no exercício comum da vida moderna” (GOMES,
2000, p.238).93 As quadras são uma espécie de “campo” multifuncional; qualquer uma,
com qualquer dimensão ou propósito, pode abrigar jogos de futebol ou outros esportes;
todas podem ter utilidades diferenciadas, como ocorre eventualmente no próprio Campo
do Mundial, onde até campeonatos “de pipa” acontecem. Nas quadras também surgem
oportunidades de construção de um engajamento social ativo (CARR ET AL, 1992), por
ocasião de eventos como festas folclóricas, como as festas juninas, e da participação no
desenvolvimento na vida urbana e social do bairro, e nas reuniões de associações de
moradores.

CARNEIRO & MESQUITA (2000, p.48) em sua pesquisa sobre os espaços livres do Recife,
concluíram que existe um número considerável de praças com quadras de jogos na
cidade. No Recife, as quadras de jogos têm sido introduzidas como parte do mobiliário
em muitas praças, em detrimento de outros usos, alterando funções originais,
provavelmente como forma de atender as necessidades esportivas de seus habitantes.
Em inúmeras praças cariocas, o mesmo processo identificado pelas autoras em Recife
ocorre regularmente, na busca ao atendimento das “necessidades esportivas” de um
grupo que se revelou dominante na utilização de certo tipo de praças94; os homens. Não
importa, nesse caso, se são praças novas, ou antigas; com vocação funcional para jogos
de futebol ou não; se suas dimensões comportam quadras esportivas ou não; a pressão
da população para que sejam instaladas é muito forte. No Campo do Mundial, porém a

93
Realmente, as quadras são o palco para as inúmeras atividades esportivas controladas que visam incentivar o
desenvolvimento social e afastar os jovens da criminalidade. O município, através da Secretaria de Esportes e Lazer,
possui alguns programas operando em quadras de praças de Campo Grande como o “Kit Esportes e Lazer” e o programa
“Germinal MEL”, mas a população os considera insuficientes e acredita que eles deveriam abarcar um maior número de
praças e operar ao longo do ano, inclusive durante o período de férias escolares.
94
Isso não é regra em toda a cidade. Em muitas praças da Zona Sul do Rio, a população faz pressão para eliminar os
jogos de futebol das praças de forma a selecionar os freqüentadores dos espaços e diminuir o barulho causado pela
atividade.

144
perspectiva é diferente; esta praça tem funcionado como campo de futebol ao longo dos
anos, sem nenhuma alteração funcional no espaço, desde o início de sua utilização. Suas
dimensões são propícias para abrigar um campo de futebol; sua função está estabelecida
não só na vizinhança, como no próprio bairro. Apesar de sua positividade, ela abriga
situações como o domínio irregular do uso e a privatização do espaço público, temas que
veremos desenvolvidos ainda neste capítulo.

A onipresente implantação de quadras esportivas tem demonstrado ser uma opção


recorrente nos programas de implantação dessas praças suburbanas e periféricas,
paisagens excluídas do roteiro de gestão pública urbana (COSGROVE, 1998). Elas são
convenientes, porque ao mesmo tempo em que ocupam o espaço “vazio” das praças,
abrigam atividades esportivas, apreciadas por uma grande parcela da população; e a um
custo relativamente baixo. O maior problema aparente associado às quadras, é o controle
do seu uso, tanto no que diz respeito aos horários de utilização, como em relação a quem
vai utilizar o espaço (MARCUS ET AL, 1998; CARR ET AL, 1992). Quem tem a capacidade de
exercer o controle sobre o seu funcionamento é sempre o depositário de algum poder
sobre a comunidade. Posteriormente iremos estudar os aspectos geradores dos conflitos
e suas conseqüências nos usos das quadras, em uma seção desenvolvida especialmente
sobre este tema.

Evidentemente, o futebol e as possibilidades que o seu suporte físico, a quadra,


oferecem, são aparentemente, o atrativo de maior sucesso em algumas praças, mas não
são os únicos. Os adolescentes e os jovens que freqüentam esses espaços vão praticar
muitas outras atividades além do futebol. Uma das atividades de maior sucesso são os
jogos de ping-pong, pouco cobiçados pelos adultos. As mesas de ping-pong em concreto
fixo ao solo costumam agregar em seu entorno, a qualquer hora, e em qualquer dia da
semana, crianças e adolescentes. Normalmente os usuários trazem a rede e as bolinhas,
ou algum adulto nas redondezas se responsabiliza por guardar estes acessórios. Nos
finais de semana as mesas de ping-pong estão sempre cheias, com adolescentes ou
crianças menores se revezando para jogar durante toda à tarde, incluindo muitas
meninas [fig. 4/2]. Essa imagem democrática de vitalidade e integração entre sexos e
diferentes faixas etárias, não é comum a todas as praças, pois somente duas possuem
este equipamento: a Olga Costa Leite e a Rala Côco. Durante uma visita à Praça Rala
Côco, em um fresco domingo vespertino, encontramos as mesas de ping-pong repletas, e
conhecemos Verônica, de 18 anos, que assim definiu esta atividade, declarada como a
sua predileta;

145
146
“O que gosto mais de fazer aqui é jogar ping-pong, porque muita gente joga de
uma vez só”.
Verônica, 18 anos.

Andar de bicicleta, e soltar pipa livremente foram outras brincadeiras observadas que
apresentam grande sucesso. Brincar como atividade lúdica não depende
necessariamente de equipamentos de recreação instalados. O espaço da praça
juntamente com seu entorno, transforma-se no próprio brinquedo; equipamentos, árvores,
quadras, casas, todos representam objetos passíveis de se transmutar em objetos
lúdicos.

“O taco é assim: você pega três gravetos, faz com eles um triângulo e põe um
círculo em volta no chão e bota os gravetos e fica com um pedaço de pau e uma
bolinha tentando acertar o triângulo. Eles fazem e brincam, não precisa de campo,
gramado, nada disso, só tem que ter espaço para o taco na hora que as crianças
tão brincando porque é com força”.
Lucinha, vereadora.

Os equipamentos infantis padronizados95 [figura 4/3] estão em todas as praças


investigadas, mas geralmente são implantados em quantidades inferiores às
demandadas por cada espaço. A maior parte dos brinquedos costuma estar quase
sempre quebrada, devido à insuficiência e a falta de periodicidade na sua manutenção.
Por outro lado, a sua implantação é muito mais simbólica (e até política) do que uma
necessidade indispensável, embora eles tenham uma função a desempenhar durante um
determinado ciclo da vida das crianças, principalmente na faixa etária de 5 a 8 anos.

“Alguns vereadores da região têm brinquedos de cores características (amarelo e


preto). Eles colocam os brinquedos e os refletores (na praça) em época de
eleição. Se o político perdeu, eles tiram tudo e levam para outro lugar”.
Otto, técnico da Fundação Parques e Jardins, em entrevista por telefone.

O uso desses brinquedos apresenta algumas limitações. Como são brinquedos em ferro,
e em geral estão localizados a pleno sol, obviamente esquentam muito, principalmente no
verão, quando mesmo pela manhã ou à noite, costumam queimar as mãos das crianças.
Quase sempre estão quebrados, como já colocados no parágrafo anterior; o piso que os
recebe normalmente é inadequado, variando de pisos gramados e irregulares, até uma
brita fina96, que em caso de queda dos equipamentos provoca ferimentos e arranhões.

96
A brita fina foi uma solução imposta pela Secretaria de Meio Ambiente na gestão do Secretário Eduardo Paes, na qual
foram reformadas algumas dessas praças. A solução política para a questão do piso, não foi boa; pedras não são solução
ideal para superfícies de impacto.

147
148
Outro aspecto dos equipamentos infantis padronizados é que o alcance para faixas
etárias acima de 6 anos é pequeno; conforme lamentou Alan;

“O escorrego e o balanço são muitos pequenos. São para criança pequena e tem
poucos brinquedos”. Alan, 10 anos.

Equipamentos infantis sempre estão presentes nas praças, mesmo se as condições


físicas e as dimensões do espaço não são as ideais para a sua implantação. Quando
necessário, entra em cena a criatividade popular. Xapecó, local de espaço reduzido e
urbanização improvisada, possui dois balanços de câmaras de pneus pendurados em
arbustos; uma solução de sucesso, criada pela própria população para substituir
balanços comuns, insuficientes para a demanda, e impossíveis de se adaptarem a
topografia em declive do lugar. No Bosque e na Olga Costa Leite, as crianças aproveitam
os desníveis do terreno para escorregar sobre papelões - brincadeira prolongada, às
vezes perigosa, mas que costuma proporcionar muita diversão [fig.4/4]. Eventualmente
surgem novidades e atrações inusitadas para incrementar as brincadeiras.

Zeca Russo, Domingo, 12 de dezembro de 2004, 16:30 horas, anotações do diário de


campo.
“Final de tarde, a praça está cheia de jovens de todas as idades brincando. As primeiras
pessoas que encontro são meninos brincando nas manilhas que se localizam na ponta da
praça (Rua Sananduva). Eles estão pulando, se escondendo ou brincando dentro delas.
Pergunto o nome da brincadeira e fico sabendo que é pique-pega ou pique - esconde, um
nome mais do que comum para uma brincadeira que parece mais nova que as outras. E de
fato é uma grande diversão, porque os meninos dão muitas gargalhadas e gritam bastante.
Aplico o questionário em dois deles e todos se agrupam à minha volta. São meninos
aparentemente muito pobres, dois são menos tímidos que os outros e todos devem ter por
volta de 10 anos de idade. Declaram com veemência que “essa sim, é a melhor brincadeira
daqui”. Não há meninas nessa brincadeira”.

No Zeca Russo, algumas manilhas em concreto foram jogadas em um canto sombreado


da praça, e estão esperando o que parece ser o início ou conclusão de uma obra de
drenagem. As crianças se apropriaram de tal forma das manilhas que elas se tornaram a
melhor diversão da praça. Servem para brincar de pique, para conversar, para se
esconder. Conforme novamente relatado por Alan [fig. 4/5];

“Gosto das manilhas porque é um brinquedo diferente”. Alan, 10 anos.

SERPA (1995, p.183) relata que na Europa é crescente a crítica ao planejamento de


espaços infantis, e que esses espaços “tem servido mais para manter o status quo
vigente, sem se preocupar em suprir as necessidades de movimento da criança, exigindo
da sua criatividade e capacidade de superar problemas concretos”. ALMEIDA (p.50, 1997)
alega que o automatismo da vida contemporânea, com a prevalência de atividades que

149
150
151
privilegiam estímulos visuais e a inatividade física, como os videogames e a televisão,
associados à ausência de estímulos associativos da imaginação e de experiências
sensoriais, impedem as crianças de desenvolverem o seu pleno potencial criativo. No
entanto, a apropriação de objetos não convencionais, como acontece nessa praça com
as manilhas, cria oportunidades, tanto para Alan como para seus amigos, de usufruir
descobertas e desafios, através de um engajamento social e físico ativo, e de
desenvolver a criatividade e a imaginação sobre as estruturas de um objeto inteiramente
inesperado.

Os usos das praças pesquisadas não fogem às regras habituais em qualquer espaço de
recreação; crianças pequenas raramente vão desacompanhadas; seus horários de
freqüência são sempre os menos calorentos, de manhã bem cedo, ou no finalzinho da
tarde. Nesses horários as praças estão tranqüilas, e é quando avós, pais
desempregados, irmãs e irmãos acompanham as crianças, quase sempre por um curto
espaço de tempo. Percebemos que em algumas praças, prevalece a ausência de um
arranjo espacial indutor de encontros entre diferentes grupos nas proximidades da
recreação infantil, ou seja; de lugares agradáveis para sentar, preferencialmente na
sombra, e que favoreçam uma permanência prolongada daqueles que cuidam de
crianças (WHYTE, 1980; CARR ET AL, 1992; MARCUS ET al, 1998). A carência deste
conforto está presente na maior parte das praças e não se limita apenas às áreas de
recreação infantil.

“Elas gostam mesmo além de trazer os filhos é de sentar nos bancos e bater um
papo, ver quem está aqui, porque não tem nada para fazer, além de deixar as
crianças brincarem. Aí todos os pais se conhecem por intermédio das crianças...
não tem outra coisa, tá um calorão, vai ficar em casa?”.
Ailton, membro da Associação de Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).

Os bancos, nestes locais são padronizados tanto no que se refere ao material como
dimensões. Geralmente, são em concreto, são fundeados ao solo e têm dimensões fixas,
podendo ser moldados in loco, ou ser pré-moldados. Nem todos estão implantados em
áreas de sombra; em geral, os bancos ao sol são solenemente desprezados. São
distribuídos de maneira uniforme, em linha, em torno das quadras ou nas bordas das
praças junto às calçadas, quando elas existem. Esse tipo de distribuição, em linha e ao
sol, embora de forma alguma seja um empecilho, os impede de ser socialmente
confortáveis em algumas situações [fig. 4/6]. Segundo concluiu WHYTE (p. 28/29, 1980), o
conforto dos bancos não parece ter tanta importância, e sim, a maneira pela qual se

152
153
distribuem, o que permitiria escolhas; sentar onde quiser e com quem quiser. Observando
Xapecó e Bosque, praças cujos bancos mais utilizados são as próprias pedras no alto do
terreno, proporcionando uma bela visão da paisagem circundante, percebemos que o
conforto nesse caso pouco importa.

A utilização dos bancos nos locais pesquisados está inegavelmente atrelada ao conforto
que a sombra proporciona. No BNH, os moradores pintam os bancos fixos de concreto
periodicamente, para que além de “mais bonitos” não “esquentem” tanto. Moradores da
Mangueira declararam não gostar dos bancos em concreto;

“Não gosto dos bancos. Eles são irregulares e quebram, é tudo frágil”. Mauro e
“seus representantes”, 14 anos.

“Gosto mais dos bancos e das mesas, não para jogar, mas para sentar e
conversar”. Cínara, 12 anos.

Mesas de jogos são quase sempre os locais preferidos para sentar, porque a sua
distribuição é mais cuidadosa; são distribuídas em conjuntos, de 3 ou 4, o que
proporciona a reunião de diferentes grupos para conversar, especialmente quando estão
sob a sombra da copa de uma árvore. As mesas de jogos também são locais para
esperar o tempo passar observando os acontecimentos cotidianos. Quando elas não
estão em área já sombreada, a tendência é a população pedir alguma espécie de abrigo
ou cobertura, pedido que raramente é atendido, porque implica na instalação de
estruturas fixas nas praças, proibidas por lei. A sombra desejada irá surgir daqui a alguns
anos, após o crescimento de alguma árvore plantada entre as mesas, não restando
alternativa, a não ser esperar. Outra questão é a concretização da sua função original;
“mesa de jogos para idosos” que ocorre esporadicamente, conforme relatado por
moradores do entorno de algumas praças. Os moradores da Olga Costa Leite relataram a
existência de um grupo fixo de idosos jogando durante os fins de semana. Avistamos no
Zeca Russo dois meninos jogando damas com feijões e pedrinhas. Aílton, da Associação
de Moradores do Jardim das Hortências (AMOJAH), ou Praça da Mangueira, porém,
confirma o uso rarefeito das mesas pelos idosos;

“Estamos tentando fazer isso (com que os idosos usem as mesas de jogos), mas
ainda não conseguimos. O pessoal não usa muito. Ali tens uns garotos que jogam
sueca, aqui tem buraco e damas. Como não tem a dama (as peças) a gente
emprestou e sumiu tudo, igual à bola”. Ailton, membro da Associação de
Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).

154
QUADRO 1 – AS MUITAS ATIVIDADES PRATICADAS NAS PRAÇAS97.

Futebol, Handebol, Vôlei, Basquete, Queimado, Ping-pong, Malhar nos


aparelhos, Capoeira, Ginástica feminina.
Baralho, Damas, Andar de bicicleta, Pular corda, Brincar de Pipa, Pique,
Escorregar na grama, Brincar nos brinquedos, Brincar nas manilhas,
Brincar.
Conversar, Encontrar amigos, Ver o movimento, Assistir o jogo, Torcer,
Namorar, Paquerar, Passear, Se distrair, Se divertir, Observar, Refletir,
Apreciar a natureza, Ficar sentado.
Cuidar da quadra, Cuidar de crianças, Levar e buscar crianças na escola,
Esperar para ir à escola.
Dar aulas de esportes, Vender pipoca, Vender bebidas, Vender bolas.

97
Segundo a pesquisa de campo e o relato dos moradores. Nem todas as atividades relatadas foram avistadas ou são
habituais.

155
A QUESTÃO DA VEGETAÇÃO <<

A necessidade de conviver com elementos da natureza faz parte das características


biológicas herdadas de nossos ancestrais. Esses elementos podem estar associados às
memórias passadas, como aquelas da infância, já que são capazes de despertar o
imaginário infantil (FARAH, 1998). É assim, por exemplo, quando na infância criamos o
nosso lugar, ao elegermos uma árvore, uma caverna, ou um jardim como o nosso “centro
de significados” (RELPH, 1976, p.11) A fruição de ambientes naturais tem o poder de
trazer benefícios psicológicos, propiciados pela simples possibilidade de contemplá-los.
Sua existência e proximidade são importantes fatores a influenciar o nível de satisfação
da população com o entorno que habitam (FARAH, 1998). CARR ET AL (1992) acreditam
que a vegetação, especialmente a que se encontra no meio urbano, adquire importância
porque traz qualidade aos ambientes construídos, sublinhando a sensação de
positividade que proporcionam, estabelecendo oportunidades favoráveis para a interação
de diferentes grupos sociais num mesmo espaço. A convivência com a vegetação
também potencializa qualidades restauradoras como o relaxamento, especialmente se as
experiências cotidianas são estressantes, com excesso de estímulos e demandas.

“Eu acho que tem uma expressão que foge ao nosso entendimento. (...) no dia da
inauguração da praça eu comecei a conversar com uma senhora e ela falou
assim; - Agora eu tomo conta daqui. Eu não tenho nada nessa vida, venho para
cá e cuido das plantas. A vida dessas pessoas às vezes é um inferno e você
coloca um jardim na frente delas e a vida muda completamente”.
Vera Dodsworth, Presidente da Fundação Parques e Jardins.

Nas praças, uma das formas de apropriação mais comuns é a interferência dos usuários
nos jardins e árvores existentes. O estabelecimento dessas relações entre usuário e
vegetação, começa quando algum morador espontaneamente planta ou “adota” alguma
árvore, regando-a regularmente, criando protetores para impedir o vandalismo de mudas,
colocando golas98 improvisadas, criando canteiros de flores onde eles não existem. As
praças transformam-se em extensões das habitações; da mesma maneira que qualquer
um de nós pode cuidar do jardim que deseja ter no “seu” lugar, ou na sua casa, o espaço
das praças torna-se terreno possível para a sua criação. A oportunidade de criar permite
o desenvolvimento do senso de pertencimento, e o estabelecimento de uma nova
identidade com o entorno habitado, tantas vezes homogêneo e monótono. As praças
ressurgem como “espaços existenciais”, conforme conceituou NORBERG-SCHULTZ (1980,
p.9), referindo-se aos lugares “onde podemos experimentar nossas vidas como

98
As golas funcionam como berços para as árvores; ali o vegetal está em contato com a terra e com os nutrientes
necessários à sua sobrevivência. As golas improvisadas em anel de concreto ou pneus, em geral, são impróprias contendo
o crescimento do vegetal.

156
significativas” através da “graça do florescimento e do crescimento” oferecido pela
presença da natureza. Desde que “a presença da vegetação é a manifestação de uma
realidade viva” (p.25) esse relacionamento contínuo, simboliza o desejo humano de
acompanhar e compreender as próprias mutações refletidas no espaço ao longo do
tempo.

Sob uma perspectiva prática, observamos que a arborização geralmente se distribui


linearmente em parte do perímetro de algumas praças, como no Campo do Mundial; com
indivíduos isolados, como na Olga Costa Leite e no Bosque; ou em todo o seu perímetro,
mesmo que de forma irregular, correspondendo ao restante das áreas. A regra geral é a
não existência de árvores nas áreas centrais das praças. Nenhuma delas possui jardins,
apesar de algumas possuírem demarcação de canteiros, como a Olga Costa Leite e o
Morrinho. O desconforto decorrente da insolação excessiva é arrebatador - essas praças
no verão só apresentam freqüência noturna. Os equipamentos metálicos fervem ao sol,
reduzindo drasticamente as possibilidades de uso. Alguns locais são objetos de
programas de arborização urbana, mas as mudas de árvores sofrem vandalismo ou são
roubadas. Diferentes órgãos municipais, cada um com a sua área de atuação
específica99, além de empreiteiros, firmas e escritórios contratados pelo poder público,
projetam ou implantam praças, e por essa razão muitas vezes não existe integração entre
programas de projetos. Dessa maneira, enquanto para alguns locais está prevista a
implantação de vegetação, em outros, os projetos objetivam somente os aspectos
urbanísticos, esquecendo completamente a vegetação [fig 4/7].

O conforto ambiental proporcionado pela sombra influencia a frequência dos usuários em


relação ao horário de partida e chegada ao lugar, ao tempo de permanência, e em
relação ao trecho da praça a utilizar. A sombra é um dos fatores determinantes da
relevância de um espaço (CARR, 1992; LYNCH, 1989; WHYTE, 1989) e corresponde a
satisfação de uma das necessidades básicas individuais de conforto. Nas praças menos
arborizadas, algumas crianças só utilizam as quadras quando chove ou quando o tempo
está nublado [fig.4/8]. Em uma cidade tropical como o Rio de Janeiro, a sombra é um dos
fatores essenciais para o conforto climático e ambiental, e se não pode ser
imediatamente oferecida pelo esplendor de uma grande copa de árvore, poderia ser,
então, implantada de forma “artificial”, ou seja, através de estruturas fixas ou efêmeras,
substituídas posteriormente pela sombra de uma árvore, como no caso das mesas de
jogos, por exemplo.
99
Todos os órgãos municipais projetam praças, nem sempre através da troca de experiências ou consultoria integrada
entre si. Praças são projetadas pela Fundação Parques e Jardins, Riourbe, Instituto Pereira Passos, Secretaria de
Habitação, Esportes e Lazer, Meio Ambiente.

157
158
[

159
A inserção de canteiros ou jardins pela população é uma forma comum de apropriação e
uma atitude recorrente nessas praças. Quase todas elas apresentam algum tipo de
plantio efetuado pelos freqüentadores, em golas de árvores ou no terreno, e a
“tradicional” pintura branca na base de troncos de árvores e palmeiras. Com orientação
adequada talvez esse interesse da população pudesse ser revertido em benefício do
poder público e dos próprios usuários das praças, através da educação ambiental. No
Xapecó, por exemplo, a topografia em desníveis foi explorada para a implantação de
arbustos e forrações. Algumas golas de pneus, ou de manilhas, foram improvisadas em
torno de árvores e canteiros, e pintadas com cores vibrantes. Nas faixas entre as pedras
do terreno, pequenos agrupamentos de flores vermelhas foram plantados dentro de
“canteiros” em pneus pintados de cores diversas [4/9]. No Xapecó, não são somente os
jardins que estão pintados; as pedras, com desenhos e mensagens religiosas [4/10], os
brinquedos, os bancos improvisados com restos de tábuas e os troncos das árvores,
também estão pintados nas cores da bandeira brasileira, como lembrança da última Copa
do Mundo (2002)100. Essa praça, que se destaca pela convivência com o Ciep, é sem
dúvida, a praça mais colorida e “decorada” entre todas as investigadas.

“(...) nós plantamos as (árvores) novas, porque as da prefeitura são muito


pequenas e demoram muito para crescer. Aquelas ali 101 já estão daquele tamanho!
A prefeitura mandou uma palmeira que ia dar flor, mas que nada, ela não cresceu,
não vingou. As grandes, nós é que plantamos, e aquelas pequenas ali são da
prefeitura. Elas têm mais de um ano. A que nós plantamos tem menos de um ano e
olha só o tamanho delas!”. Ailton, membro da Associação de Moradores da Praça
da Mangueira (AMOJAH).

Uma das questões surgidas durante a pesquisa, refere-se ao tamanho das mudas de
árvores implantadas não só nas praças, como também nas ruas, e a sua depredação
constante. Mudas muito pequenas são mais frágeis e suscetíveis ao vandalismo, dessa
forma, o seu porte inapropriado é um facilitador para a depredação. A população
impaciente com o lento crescimento das árvores, e ansiosa pela sombra imediata,
costuma plantar outras espécies de crescimento mais acelerado [fig. 4/11]. Plantios no
entorno de escolas, ou em locais onde exista aglomeração de adolescentes, costuma
terminar em depredação. Informar o tempo de desenvolvimento do vegetal, e os
benefícios que a sua presença pode trazer para a comunidade no futuro são tarefas para
uma educação ambiental efetiva, o que poderia reverter esse quadro de depredação e
vandalismo.

100
Por ocasião da Copa do Mundo de futebol, os espaços públicos cariocas são incentivados a se enfeitar com as cores da
bandeira brasileira para disputar, em seu bairro, qual foi o mais bem “decorado”.
101
Ficus benjamina é uma árvore de origem exótica, grande porte e crescimento muito rápido.

160
161
162
“A depredação de mudas é presente. Tenta entender, o cara chega e tem prazer
em quebrar a muda. É sempre próximo a escolas, a locais onde existem
aglomerações de jovens (...). Nas escolas e seu entorno vandalizado seria uma
pré-condição a educação ambiental”. Lourenço, Diretor da 7ª DOC, da Fundação
Parques e Jardins.

Um dos símbolos da ausência do poder público na manutenção destas praças não só

163
está nos equipamentos e mobiliário, mas também está no descaso com a vegetação e na
desinformação da população e dos órgãos públicos em relação a sua relevância. O
jardim, como já ilustrado, tem importância fundamental para o ser humano e para as
cidades, tanto sob o aspecto ambiental urbano, como sob aspectos transcendentes. Sua
ausência nas praças é incompreensível. Se os empecilhos relacionam-se a recursos
financeiros e humanos, a administração pública poderia repartir com a própria população
a responsabilidade pela criação ou a manutenção dos mesmos. Quanto às árvores, é
necessário um investimento em mudas com o porte e a qualidade compatível com as
dificuldades inerentes ao meio urbano.

SÍMBOLOS E MARCOS ESPACIAIS <<

A apropriação do espaço designa a conduta dos seres humanos em direção à construção


de ligações afetivas e simbólicas com um entorno espacial (CHOAY, 1998). A
possibilidade de mudar cenários, adicionar, remover ou alterar elementos, temporária ou
permanentemente, reafirma a posse do lugar e representa a liberdade de exercer um
direito sobre o espaço habitado (CARR, 1992, p.186). Essas intervenções representam a
extensão das histórias cotidianas e retratam manifestações das estruturas sócio-culturais
de uma comunidade. Nas praças públicas de Campo Grande, além de percebermos
essas interferências nas formas de uso, elas se evidenciam na construção de marcos
espaciais102 e no estabelecimento de símbolos no território. Esses símbolos e marcos
espaciais têm grande representatividade, comunicando, tanto para os seus
freqüentadores como para os seus visitantes eventuais, quem está dominando o lugar.

BNH Sábado, dia 25 de setembro de 2004, 14:30 horas, anotações do diário de campo.
“Assim que cheguei observei uma movimentação na praça, com a instalação de bancos de
igreja junto à quadra e a montagem de um equipamento de som. Era um culto da igreja
Metodista que, segundo aqueles que o estavam montando, pretendia atrair fiéis - “já que
eles não vão ao templo, nós vamos até eles”. Puxaram a eletricidade de um poste em
frente à quadra, montaram tudo e se preparavam para começar. Algumas pessoas das
redondezas foram chegando vagarosamente; a maioria homens. O movimento estava
grande. Aposentados observando o movimento, mesas de jogos servindo como mesas
para as pessoas conversarem, adolescentes em bando sob a sombra conversando,
crianças jogando bola na quadra. Meninas, nenhuma. No momento mais de 50 pessoas
estão na praça”.

102
O marco espacial ao qual nos referimos não deve ser confundido com o marco apresentado no livro “A Imagem da
Cidade” de Kevin Lynch, junto aos outros elementos de orientação espacial como as vias, os nós, os bairros e limites. Os
marcos aos quais nos referimos são símbolos do domínio do espaço por um determinado grupo.

164
valendo-se daquele espaço para tornar pública essa intenção. Ressaltamos que o BNH é
a praça mais próxima da Igreja de Santa Rita, católica, e objeto de devoção manifesto por
alguns dirigentes das comunidades próximas.

A apropriação religiosa do local é testemunha dos primeiros indícios do fenômeno da


progressão das “identidades por território”, identificado por GOMES (2002)103, resultando
em restrição àqueles que não seguem as regras estabelecidas pelo grupo,
especialmente, àquelas compatíveis com as crenças religiosas. Além de fincarem seus
marcos religiosos no solo “comunidades evangélicas colonizam as praças, ocupando-as
com pastores e sacerdotes, utilizando microfones, acompanhados por seus seguidores”
(GOMES, 2002, p.181) [fig. 4/12]. A manifestação no BNH, registrada no diário de campo,
foi encontrada em um domingo ensolarado à tarde, quando um grupo de evangélicos
trouxe os bancos da igreja, e os arrumou na praça em frente à quadra; energia elétrica foi
“puxada” dos refletores e foi instalado um palco com banda de música104. Moradores das
redondezas foram atraídos pelo som do culto e acorreram rapidamente lotando o espaço
[fig.4/13]. O culto itinerante dominou a praça pública de forma restrita, utilizando o local
como templo apenas durante algumas horas; o objetivo era arrebanhar mais “fiéis”,

No Bosque, Campo do Mundial e Mangueira, marcos religiosos de igrejas evangélicas


estão localizados em lugares bem visíveis, evidenciando a doutrina evangélica à qual
pertencem os moradores daquele entorno. Curiosamente, em oposição ao observado no
Parque do Flamengo (COSTA, 1997), não foram encontradas velas, ou oferendas de
Umbanda em nenhuma das praças observadas, ficando claro o domínio por cultos
evangélicos, e a aparente rejeição a cultos afro-brasileiros.

“Na Zona Oeste tem muito essa questão da religião evangélica. Você sabe,
quanto mais pobre a população que não tem acesso a determinadas informações
(...) eles se acham donos das praças (...) tem um dado importante na Zona Oeste,
quem era macumbeiro virou evangélico; macumbeiros só se vêem nas
cachoeiras”. Lucinha, vereadora.

Marcos religiosos e cultos evangélicos não são o único tipo de apropriação religiosa a
ocorrer nas praças. Rala Côco possui um templo cristão construído na parte mais alta da
praça, em local bem visível tanto para quem chega a pé como de automóvel. O templo,
com acesso precário e aparência inacabada, certamente foi construído com mínimos

103
Ver Introdução, Perspectivas Teóricas e no Capítulo 1, página 27..
104
A história das praças no Brasil está ligada à igreja católica; muitas das primeiras praças cariocas por exemplo, foram os
adros das igrejas. Ver o primeiro capítulo; “Sobre as praças no Rio de Janeiro”.

165
166
167
recursos [fig.4/14]. A construção de igrejas e templos dentro das praças não é uma
situação legalmente reconhecida pela administração municipal, no entanto, essas
construções existem. É usual alguns políticos e moradores planejarem ou induzirem a
utilização do espaço das praças, que acreditam ideal para instalar equipamentos públicos
como creches e postos de saúde, reproduzindo infinitamente uma distorção histórica na
hora de compreender a relevância dos espaços públicos como equipamentos urbanos a
serviço de toda a comunidade (não apenas de alguns) [fig.4/15]. A Praça Rala Côco, por
exemplo, recém reformada, mantém uma área não urbanizada, reservada para
implantação de equipamentos públicos como posto de saúde ou creche. Esses
equipamentos nunca serão implantados porque é proibido – e o trecho não urbanizado
permanecerá como coletor de lixo, sujo e abandonado, em contraste com o restante da
praça.

“Eu falei com a Mitra, mas não adianta porque ali nada é legalizado (...) aí tivemos
que fazer um projeto de derrubar a igreja. Não tem uma parte com entulho? Ali é
para construir a creche (...) se a gente urbanizasse toda a praça depois não
poderíamos fazer a creche”. Lucinha, vereadora.

Outra forma de apropriação tenta vagarosamente conquistar espaço; a instalação de


estruturas para o comércio de alimentação. Como algumas praças foram objeto de
“urbanização” recente, quase todas as estruturas foram afastadas para fora das praças.
Quiosques podem se instalar de forma mais ou menos invasiva. Em comum, a maior
parte se instala nas edificações do entorno das praças de maneira ilegal/informal.
Normalmente, um morador abre a porta de sua sala ou garagem e nela monta um balcão
de vendas, fechando e abrindo as portas quando lhe é conveniente, funcionando
principalmente à noite, para dar suporte a quem está na praça, e eventualmente durante
o dia, para quem circula à sua volta [fig.4/16]. Campo do Mundial e Mangueira têm
exemplos variados de estruturas de alimentação.

Situação recorrente é a instalação de bares em “trailers” fixos de forma bastante precária;


as instalações elétricas são improvisadas e “puxadas” do poste mais próximo, o banheiro
é a própria praça ou a residência de vizinhos (alguns até cobram por isso). Cobertos com
telha ondulada e de estrutura metálica, os trailers se instalam onde as calçadas forem
mais largas e permitirem o espalhamento de mesas e cadeiras; tanto faz se as mesas
irão se espalhar nas calçadas, ruas ou praças. No Xapecó, a situação encontrada é
exatamente a descrita. Zeca Russo também possui dois trailers instalados dessa
maneira, mas fora da área da praça.

168
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170
“As praças em geral já têm ambulantes. Às vezes projetamos a colocação de 2 ou
3 quiosques padronizados, e retiramos os outros. Tem que ter água, luz, esgoto e
armazenamento. Nós projetamos dois na Vila Santa Rita”. Renato Dantas, Diretor
de Projetos da RioUrbe.

“A praça da Santa Rita, quando ficou pronta eu disse assim: vão querer colocar
quiosque aqui porque vai faturar no verão! (...) O primeiro que colocar um tijolo lá
eu vou chamar a polícia! Porque não tendo nenhum não tem problema, o problema
é você deixar um, aí, quem é que não vai querer ter um quiosque sem pagar nada,
colocar lá a cerveja, aí chega um cara para vender pó e fica lá encostado...”
Lucinha, vereadora.

A legislação atual restringe a instalação de estruturas fixas e quiosques de alimentação105


dentro do espaço das praças. De acordo com as regras, nenhum quiosque fixo, somente
o de flores, é tolerado. O comércio ambulante em praças e parques é permitido desde
que com prévia autorização dos órgãos encarregados pelo licenciamento106, e em áreas
específicas. Para todos os efeitos são permitidos apenas ambulantes como pipoqueiros,
vendedores de balas e cachorro quente, entre outros. Nas praças pesquisadas em
Campo Grande eles aparecem diariamente em torno das 17 horas, para alegria das
crianças [fig.4/17]. A legislação, porém, já se transformou em um confuso instrumento. No
Campo do Mundial, por exemplo, está instalado na calçada um quiosque de alimentação
fixo, coberto por um telheiro, que funciona também como abrigo para quem está no ponto
de ônibus, e é colorido com as cores da atual gestão municipal – o abóbora do tipo
Comlurb – [fig.4/18].

“(...) estão pedindo para eu falar com o presidente. Se ele autorizar (...) vamos na
prefeitura, tem que marcar o espaço. Vamos escolher onde guarda o material,
mas no quiosque tem que ter banheiro, até a prefeitura vai cobrar isso. (...) O ideal
é vender de tudo, querem que funcione depois das 17 horas”. Ailton, membro da
Associação de Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).

(...) quando você vai fazer o projeto urbanístico e contempla 2 ou 3 quiosques


dentro da praça, é quando já tinha uma condição anterior (...) aí o cara chega e
fala assim, vamos urbanizar, dá para manter o quiosque?”“. Lourenço, Diretor da
7ª DOC, Fundação Parques e Jardins.

Na verdade, esse tipo de comércio ressurge, e se contrapõe às regulamentações porque


existe uma demanda da população para que permaneça, mesmo que a sua implantação
possa significar muitas vezes a privatização de parte dos espaços das praças. É uma
estratégia de sobrevivência”, ou um complemento salarial para classes sociais menos
favorecidas (COSTA, 1995; VIEIRA, M., 2001). Não podemos negar que a existência do

105
Decreto 6929/1987, Decreto 14.608/1996, Decreto nº 17746/ 22-07-1999 (Regulamentação no uso das praças) e lei
1876/ 29-06-1992.
106
Fundação Parques e Jardins, Secretaria de Meio Ambiente e da Fazenda.

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173
174
comércio de alimentos nas praças, ou próximo delas, atrai as pessoas, injetando
vitalidade nos lugares, mas também atrai problemas como o alcoolismo e o tráfico de
drogas. Para que os quiosques efetivamente funcionem, o poder público está obrigado,
além de garantir a segurança, a lidar com a questão da fiscalização, controlando a venda,
a qualidade, e o armazenamento dos produtos para que não ofereçam perigo à saúde
pública, evitando também o depósito de resíduos alimentares e lixo.

“O lixo e o armazenamento de bebidas, são o problema. Acho que quiosques na


Lagoa e nas praias funcionam, mas não nas praças”. Ronaldo Benevello, Diretor
de Projetos da Fundação Parques e Jardins.

“Eu acho uma questão complicadíssima. Na Zona Oeste tem que ter na medida
em que faz parte da economia possível para aquela comunidade. Mas tem que
ser uma coisa muito organizada, tem que ser controlado, tem que ter um número
fixo. Se juntar um monte, acaba atraindo um número muito grande de pessoas, os
moradores em volta vão reclamar (...) tem quiosque que cumpre bem o seu papel
e tem o que é bagunça (...) Passa por vários aspectos com a prefeitura tomando
conta pelo momento em que a sociedade vive”. Vera Dodsworth, Presidente da
Fundação Parques e Jardins.

Outro tipo de marco foi encontrado no festivo Campo do Mundial: um vestiário em


alvenaria, com banheiro. O vestiário foi construído pela comunidade para que times de
outras localidades pudessem trocar de roupa, antes e após as partidas de futebol [fig.
4/19]. Percebe-se o desejo de transmutar aquela praça pública em uma sede de
associação esportiva107, ou um clube fechado, onde só entram aqueles que dominam os
códigos do lugar. Essa questão é perpassada pela privatização do espaço público, desde
que a maior parte dessas pessoas que dominam o espaço, em muitos casos, cobram
aluguel pelo uso da quadra ou do vestiário. A construção de vestiários, nada mais é do
que a montagem de uma infra-estrutura que ratifica, e dá mais poder a quem domina a
quadra; permitindo a uns poucos indivíduos apropriarem-se de um espaço público e obter
vantagens financeiras a partir dele. Como nos diz GOMES (2000, p.177) na ausência de
normas que regulamentem o direito de cada um, a tendência natural é o uso de artifícios,
oscilando entre “a força ou a intimidação, para maximizar os interesses particulares de
quem os mobiliza”.
“(...) o cara toma conta da quadra, aluga bola e rede e cobra pelo uso da quadra”.
Ronaldo Benevello, Diretor de Projetos da Fundação Parques e Jardins.

“O problema ali é que tem que ser praça ou campo de futebol. Ou é praça ou é
campo, porque o campo está sempre beneficiando alguém que com certeza aluga
aquele espaço. Aquilo ali foi uma situação política como sempre, um pedido para
se manter o campo. Eu acho errada essa situação do cara, alguém estar se
beneficiando do campo, usufruindo financeiramente daquilo, e se ele tem um
probleminha na praça ele vem acionar a FPJ”. Lourenço, Diretor da 7ª DOC da
Fundação Parques e Jardins.

107
Citação do Arquiteto Adilson Roque dos Santos – a praça é um clube.

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176
177
Outro marco simbólico observado foi a sede da associação de moradores de bairro,
demarcando no território visível, e a princípio neutro, a sua função. Mangueira e Bosque
possuem suas sedes instaladas nas praças. São edificações pequenas, quase sempre
trancadas, em alvenaria, sinalizadas com o nome da associação, e abrigam
eventualmente os responsáveis, ou seus diretores, que também detém a chave dali. É o
local de onde emanam algumas regras da vida pública do bairro; onde são decididas as
formas de se obter benefícios para a comunidade e quais as questões comunitárias mais
urgentes a resolver [fig. 4/20].

CONTROLE E CONFLITOS <<


LOW (2000, p. 50) nos diz que o espaço físico no nível urbano é geralmente organizado
pela própria comunidade, que reproduz a estrutura de poder à qual está subordinada.
Para ela, o espaço público urbano não é somente o fruto de uma correspondência entre
arranjos espaciais e significados, mas é também reflexo de uma ordem cultural; ordem
esta que é produzida, manipulada e compreendida por designers, políticos e usuários,
sempre dentro de um contexto histórico, e sócio-econômico em mutação.

Como o poder público não tem presença forte nessas praças, o uso e o acesso ao
espaço são controlados a maior parte do tempo diretamente pela própria comunidade e
seus usuários, e indiretamente pelos políticos atuantes na área, um dos canais mais
velozes para obtenção de benefícios urbanos e sociais. Percebemos que as ações
destes grupos refletem em parte, alguns modelos de controle do espaço existentes em
outras zonas da cidade do Rio de Janeiro, de características sociais e econômicas
distintas. Os grupos sociais que controlam as praças de Campo Grande tentam utilizar as
mesmas ferramentas de pressão para obtenção de benefícios em seus bairros, como o
tráfico de influências, o “você sabe com quem está falando” (DA MATTA, 1985, p.67) e o
domínio territorial; só que esses grupos têm que lidar com uma realidade sócio-
econômica diferente. LYNCH (1981, p.154) acredita que existem formas não concretas de
controle, que ele classifica como direitos “não legais” sobre o espaço. 108
LYNCH os divide
em direito a presença, que é o direito de estar em um lugar, sem no entanto, excluir
outros indivíduos; direito ao uso e ação, que corresponde à possibilidade de comportar-se
livremente, respeitando, porém, os limites do outro; o direito à apropriação e modificação;
e finalmente, o direito de dispor do próprio direito sobre o espaço. Esses direitos podem
ser explícitos ou implícitos, informais ou ilegítimos, eficazes ou ineficazes. Os direitos de
uso e controle devem ser congruentes entre si, isto é, quanto maior o domínio dos
108
Refere-se ao direito de propriedade como direito legal.

178
usuários sobre um espaço, mais eles controlam a sua própria permanência nele (p.152).
Encontramos no local pesquisado, um pouco de todas essas manifestações de “direitos
não legais” sobre os espaços descritos por Lynch.

Entre os direitos descritos, aqueles mais afetados pelo tipo de controle que é exercido
nas praças são os direitos à presença, e ao uso e ação, manifestos pela restrição à
permanência e ao acesso de alguns indivíduos, o que gera a maioria dos conflitos
existentes. Ainda, de acordo com os critérios de LYNCH (1981), podemos destacar
algumas das características principais do controle nessas praças; é informal109, mas
legitimado pelas pessoas; é explícito e claro, pois as “regras” de uso, respeitadas ou não,
são aceitas como necessárias. Em alguns locais, logicamente, são mais eficazes e
alcançam uma maior congruência que em outros.

“Eu não moro, mas só convivo aqui. O presidente (da associação de moradores) é
meu amigo e eu vim ajudar. Eu trabalho para o Governador Garotinho e para o
Zito, mas o meu trabalho é aqui. O que me pedem eu faço, eu sou quebra galho
de tudo. Essa praça é da prefeitura, e a associação não tem nada haver com o
César Maia e Garotinho, mas somos nós que tomamos conta”. Ailton, membro da
Associação de Moradores da Praça da Mangueira (AMOJAH).

O controle sobre o uso do espaço geralmente é empreendido por algum morador mais
antigo e respeitado, ou pelo presidente da associação de moradores do loteamento, e
seus conhecidos. Esse poder é raramente exercido por um só indivíduo, e necessita do
apoio dos possuidores de maiores recursos financeiros, ou daqueles que tem conhecidos
no meio político, de forma a pressionar a administração pública por benefícios para a
comunidade, não importando quais instâncias governamentais serão acionadas. O
controlador em geral, exerce duas funções; a primeira é fazer a manutenção periódica do
lugar e dos equipamentos; a segunda é afastar os intrusos e “favelados” para longe dali,
mantendo o território livre para os moradores do entorno. A terceira função seria
organizar a programação de atividades não rotineiras como festas, eventos religiosos e
campeonatos esportivos, distribuindo-os de acordo com os interesses que prevalecem
naquele momento:

“Dia 22, vai ter uma festa da igreja batista, a praça será limpa o presidente (da
associação) pediu para programar, tanto é que ele me comunicou ontem. Ta tudo
certo para o dia da festa, nesse dia a praça é da igreja batista. Esse dia não tem
bola na praça, está tudo agendado lá na associação de moradores, com horário e

109
Embora nem sempre seja assim, às vezes a municipalidade incorpora essas ações, sustentando financeiramente o
controlador do espaço, e incentivando a escolha do controlador através de assembléia comunitária. Existia um projeto
denominado “guardião da praça”. O guardião era eleito pelos moradores do loteamento, recebia da prefeitura e prestava
contas à comunidade. Antigos moradores sentem falta desse projeto.

179
tudo”. Ailton, membro da Associação de Moradores da Praça da Mangueira
(AMOJAH).

A eficácia do controle também é variável, dependendo o seu sucesso, da habilidade


política do controlador, da sua capacidade de agregar pessoas, comunicabilidade,
capacidade de agir rapidamente e impor medo e respeito no território. A maneira como é
conduzido esse controle do espaço não é uma unanimidade para o conjunto de usuários,
mas, mesmo assim, as praças cujo controle dos usos é aparentemente a mais eficaz,
coincidentemente são as preferidas pela população – Mangueira, Campo do Mundial e
Olga Costa Leite. Como a polícia e a administração pública permanecem distantes a
maior parte do tempo - exceto em época de eleições - esses pequenos administradores
têm atuação semelhante à dos xerifes vistos em filmes de caubói... Por essa razão, eles
são denominados pela própria população como os “xerifes” das praças.

Os conflitos, normais e inevitáveis, surgem se não existe um consenso geral entre os


habitantes a respeito dos direitos e “regras” que vigoram naquele lugar (LYNCH, 1981,
p.154). Os pequenos conflitos cotidianos dizem respeito aos horários estabelecidos para
o uso das quadras, nos horários considerados “nobres” (fim de tarde, à noite e fins de
semana) normalmente entre homens e meninos, e entre meninos e meninas. Os conflitos
maiores trazem o vandalismo e as marcas da reprodução de um modelo de segregação
urbana já existente na cidade do Rio de Janeiro, onde diferentes classes sociais habitam
a mesma vizinhança, mas não usufruem os mesmos benefícios urbanos. Quando
aqueles que não pertencem a certos grupos se sentem excluídos, exigem o seu quinhão
de espaço, provocando a instabilidade. Alguns jovens referem-se às invasões
inesperadas das gangues e dos favelados110 que tentam usufruir o espaço, demonstrando
a segregação entre os dois grupos; dos moradores que acreditam serem os únicos que
detém o direito de usufruir a praça, e dos favelados.

“Os favelados vêm zoar. É que eles não deixam ninguém em paz jogar, brincar.
Apagaram a luz do poste. Aterrorizar para eles é diversão”. Cínara, 12 anos.
Mangueira.

O vandalismo dos denominados favelados se manifesta na “invasão” das quadras,


quebra dos refletores de iluminação, perturbação no horário das atividades esportivas
dirigidas, na interrupção de eventos e festas locais e na invasão da praça por
motocicletas e automóveis. Pixações, lixo e sujeira abandonados na praça por grupos
que não são bem aceitos na área são comuns. Seria injusto, porém, afirmar que essas
110
Ser favelado nesse polígono é uma grande ofensa e sinal claro de discriminação, principalmente para os jovens. Na
Mangueira os jovens se referiam a uma amiga como favelada o tempo todo, já que ela mora em uma região com menos
recursos e vem do local - o Tangará – de onde “descem os bagunceiros que vem zoar na praça, só para se divertir”.

180
ações e o vandalismo são necessariamente praticados pelos que vêm “de fora”. Essas
atitudes podem estar sinalizando, que “o vandalismo é resultado da competição pelos
espaços existentes e freqüentemente um protesto específico contra a inadequação do
provimento, gerenciamento e manutenção dos espaços livres” (CARR ET AL, 1992, p.359).

“Para as crianças quando não é tão bom, quando não tem brinquedo para todas
brincarem, elas jogam caco de vidro. O balanço, por exemplo, está sempre
quebrado”. Patrícia Maria, 18 anos. Zeca Russo.

O outro lado nos revela que a restrição ao livre acesso prejudica principalmente as
crianças pequenas das favelas, que desejam utilizar o espaço e não possuem outras
opções de lazer.

“É um preconceito, não tem nada haver! Na favela não tem área de praça, se no
bairro formal tem área de praça, a criança vai brincar aonde? Vai brincar na praça,
pô! Só que quando ela chega na praça a turminha já sabe e começa a
discriminar”. Lucinha, vereadora.

Um dos meios de controle material e simbólico se manifesta através da manipulação do


acesso a um espaço (LYNCH, 1981, p.155). O exemplo mais freqüente está no caso da
utilização das quadras de esportes, cercadas com alambrados, onde alguns grupos
conseguem exclusividade e controle do uso através da posse das chaves,
freqüentemente cobrando aluguel.

“O presidente deixou a chave da quadra comigo e a chave fica aqui, geral, da


associação, da quadra... Tudo tem chave, até o refletor, eu também não deixo as
bolas, a rede, é tudo comigo!” Ailton, membro da Associação de Moradores da
Praça da Mangueira (AMOJAH).

A quadra polivalente pequena111 tornou-se o local preferido da Rala Côco, porque além do
piso cimentado, pode ser trancada à chave. O cercamento é um aspecto positivo, pois é
comum a bola ultrapassar os limites da quadra, indo cair nas residências vizinhas,
incrementando as brigas existentes entre vizinhos e os usuários das praças. Por outro
lado, a quadra trancada à chave impede a plena utilização e afasta as meninas, pois são
os rapazes e os homens que retém as chaves, e controlam o seu uso. Mariana, 15 anos,
nos contou que;

“Normalmente os garotos não deixam a gente jogar aqui. Gosto da praça em si.
Gosto de jogar, mas não consigo, só no Zeca Russo”. Mariana, 15 anos, Rala
Côco.

111
A quadra polivalente pequena normalmente permite a prática de três esportes conjugados em um mesmo espaço: vôlei,
futebol de salão e basquete.

181
As meninas só têm oportunidade de jogar na quadra quando existe uma programação
“externa”, promovida pela administração municipal. Essa programação funciona
esporadicamente. Sua continuidade poderia permitir a criação de uma nova mentalidade
de aceitação entre os meninos (e os homens). CARR ET AL (1992) acreditam que se as
exigências de um grupo restringem seriamente a liberdade de outros, o gerenciamento
local ou a administração pública, poderiam intervir para reverter as disputas. O controle
externo constante, no entanto, pode se transformar em uma camisa de força para a
municipalidade; as quadras ou campos de futebol deveriam se manter democraticamente
em uso na maior parte do tempo, independentemente de qualquer tipo de controle
externo, abrigando qualquer sexo ou faixa etária.

Frequentemente, solicitações por controle externo são colocadas pelas próprias mulheres
como a melhor solução para permitir que o espaço também seja utilizado por elas.
Lucimar, 31 anos, acredita que é necessário mais que um programa municipal de
atividades só pra elas, sugerindo que para regularizar o uso do espaço alguma mulher da
comunidade fique por ele permanentemente responsável;

“Poderia existir uma área só para meninas ou uma programação especial para nós.
A chave da quadra poderia ficar com as meninas ou com uma mulher que vai
entender melhor como é a praça”. Lucimar, 31 anos, Rala Côco.

Essas questões de uso entre homens e mulheres também são comuns entre os adultos e
os jovens do sexo masculino. Normalmente os homens afastam os adolescentes das
praças em determinados horários. Para estes jovens resta jogar e brincar apenas em
horários calorentos, ou dias chuvosos, porém menos disputados. De acordo com o que
nos relata Fabricio, 12 anos;

“Os caras maiores vem da Santa Rita tirar a gente daqui de noite. Só quando tem
treino eles não fazem isso.” Fabrício, 12 anos. BNH.

MEDEIROS (In; COSTA, 1993, p. 206 a 210) acreditava que o princípio para o
funcionamento dos diversos playgrounds espalhados pelo Parque do Flamengo estaria
baseado na oferta de um tipo de recreação organizada com intenção educacional, para
pessoas de todas as faixas etárias, associada a um padrão de equipamentos
recreacionais. Para que essa ideologia funcionasse a contento, ela advogava a presença
de recreadores ou animadores sócio-culturais que poderiam pertencer ou não à
comunidade, cuja função seria promover as atividades de recreação controladas. Para
MEDEIROS, a função recreacional educativa estaria indiscutivelmente interligada a um
rígido controle, tanto do espaço, através do cercamento e do controle de acesso, como

182
do comportamento dos seus usuários, através do acompanhamento por educadores. As
idéias de Medeiros, compatíveis com alguns ideais que marcaram uma época, “caíram no
gosto do poder público”, tornando-se regra geral e modelo arquitetônico para inúmeros
parques, mas também para praças de todas as dimensões implantadas pela cidade do
Rio de Janeiro. O resultado inesperado é que quando o controle externo não está
presente, essas áreas podem não funcionar da forma prevista, prejudicando justamente
aqueles que pretende beneficiar, como as crianças e idosos, tornando-se por fim, um
campo de provas para o desenvolvimento de conflitos, onde o mais fraco sempre perde.
Quando a programação contínua das atividades de recreação não ocorre, o resultado
provoca locais sub utilizados e perigosos.

“Quando a SMEL112 está presente ela beneficia geral, a criança, o pequenininho, a


atividade para o idoso de ginástica, mas infelizmente tem um problema de
educação, se você não está atuando aqui o mais forte é que vai entrar, é a
rapaziada, eles vão entrar aqui e vão dominar”. Lourenço, Diretor da 7ª DOC, da
Fundação Parques e Jardins.

Outro tipo de controle é aquele relacionado à periodicidade na manutenção dos espaços.


Os habitantes das praças pesquisadas procuram solucionar alguns problemas com os
quais a administração pública nem sempre consegue lidar; a manutenção periódica dos
equipamentos esportivos e infantis; a limpeza do espaço; a capina do mato; a questão da
segurança; a presença do tráfico de drogas; iluminação adequada. A presença do poder
público têm se mostrado insuficiente para alcançar a diversidade de questões que
necessitam ser solucionadas em tempo hábil e com constância. Deste modo, abrem-se
oportunidades para o controle das praças, assumido pelas comunidades, suas
associações de moradores, ou associações religiosas, realizado através do intercambio
de interesses comuns, da utilização dos recursos disponíveis, da barganha com políticos,
líderes do tráfico de drogas e comunidades religiosas.

“Nós da associação pega o dinheiro, vai lá e conserta. Nós mesmos, não vem
ninguém aqui consertar nada. O presidente da associação dá o dinheiro do bolso
dele e conserta. Aqui não tem remuneração de nada. Eu fui no Zeca Russo, vai lá
ver tá tudo quebrado é triste”. Ailton, membro da Associação de Moradores da
Praça da Mangueira (AMOJAH).

112
Secretaria Municipal de Esportes e Lazer.

183
MONOTONIA, PADRONIZAÇÃO E MODELOS

Ao visitarmos as praças repetidamente, percebemos além de uma constante sensação


de monotonia, ausência de vitalidade. JACOBS (2003) notou que a ausência de
diversidade e vitalidade urbanas em alguns distritos de Nova York devia-se em parte, à
homogeneidade dos usos residenciais, que transformavam os lugares em “apagados e
sem vida”. O recorte espacial investigado também reflete forte homogeneização no uso
do solo. A região é exclusivamente residencial; a diversidade de usos (residencial,
comércio, serviços) é praticamente inexistente, e o bairro normalmente é monótono, e
vazio. A vitalidade é diretamente afetada pelo movimento pendular, que transfere
diariamente a população residente no bairro para o centro da cidade ou bairros
próximos113. De dia, durante a semana, só habitam o bairro aqueles que estão
desempregados, ou são jovens ou idosos demais para trabalhar.

Essas características, associadas ao contexto sócio-econômico de seus habitantes, a


precariedade nos incrementos de serviços urbanos, e as questões relacionadas à
segurança, certamente têm influência sobre a vitalidade e os usos das praças (e das
ruas, e do bairro...). Mas existem outros fatores além destes, que irão contribuir para
afetar essa dinâmica. Refiro-me primordialmente a monotonia oferecida pelas atividades
padronizadas, solidificadas em projetos, desenhos ou obras de praças públicas,
implantadas de maneira aleatória ou proposital, carecendo de uma visão integradora. A
questão é a reprodução de modelos e padrões de projetos que não levam em conta a
proximidade de outras praças públicas de mesmo talhe e função, e as características das
populações que irão desfrutá-las. Não se está questionando aqui, nem se esse modelo
de espaço público, tão comum nas periferias cariocas, a “pracinha”, ainda é válido como
equipamento social, de recreação, de lazer, ou ambiental, no contexto megalopolitano no
qual vivemos, e sim, se o desenho e a programação de atividades e funções
recreacionais que esses lugares contêm, satisfazem, funcionam, têm razão de existir
dessa forma, com esse traçado, se são a melhor opção de projeto.

“Você sabe o padrão qual é né, tudo igual (...) pode passar em tudo que é praça
que é a mesma coisa, mas é o padrão, é o que tem né!(...) a gente não pode nem
pedir outro tipo de coisa e nem fazer (...) De graça assim, vai gastar para fazer é
padrão e acabou.” Ailton, membro da Associação de Moradores da Praça da
Mangueira (AMOJAH).

113
Segundo o PEU a maioria dos trabalhadores trabalha na própria RA ou em RAs próximas, não significando que este
seja um bairro dormitório.

184
Projetadas ou não, muitas praças sofrem a imposição de limitações que se superpõem às
condições esperadas para satisfazer a qualidade requerida para aquele espaço.
Freqüentemente, os custos de implantação das obras podem sofrer interferências que
irão empobrecer o conteúdo do projeto, quando um investimento maior seria necessário
para a obtenção de boa qualidade funcional e edificada.

“(...) quanto é para fazer a praça? Quem decide são os arquitetos e não eu. Aí eu
tenho conhecimento: Lucinha, vai ficar em R$ 380.000,00. Aí eu digo: pô essa
praça é de ouro é? Ta muito cara, o prefeito não vai aceitar. Baixa o valor desse
projeto para fazer com 300 mil”. Lucinha, vereadora.

As limitações de conhecimento e informação da população que irá usufruir o espaço


também contribuem para a aceitação e a perpetuação de modelos que brevemente serão
questionados. Aceitar “a regra do jogo” é a primeira maneira de concretizar objetivos
primários e obter atenção.

“(...) eles reproduzem aquilo que deu certo numa praça para todas as outras (...)
porque a comunidade nunca teve nada então ela vê aquele e quer tudo igual”.
Lucinha, vereadora.

Pressionados pelos prazos curtos das gestões políticas, as quais absorvem a


implantação de praças como moeda de troca para obtenção de votos, e pelo atendimento
a custos limitados destinados às áreas periféricas da cidade, técnicos do poder público
ou da iniciativa privada que projetam ou implantam praças públicas, tomam muitas vezes
como modelo, projetos que não são adequados à nossa realidade (estrangeirismos), ou
repetem indefinidamente uma padronização questionável, mas conveniente, porque é
rapidamente executável e de baixo custo.

“Fazer praça hoje é muito fácil (...) hoje você tem a Riourbe, a Secretaria de Obras
e a de Esportes e Lazer, todas elas fazem projeto e executam, o IPP faz projetos,
existem muitas pessoas, arquitetos paisagistas e escritórios, que trabalham o
paisagismo do espaço público em geral (...) difícil é mantê-lo, fazer a conservação
não como foi construído, mas a sua adaptação, a reavaliação dos espaços”.
Sylvia Coelho, Diretora de Planejamento da Fundação Parques e Jardins.

E já que a praça pública padrão é muitas vezes moeda de troca entre o político e a
população, quase todas as secretarias municipais são incentivadas a desenhá-las
disputando entre si os projetos, o que por sua vez, permitirá que possam ser velozmente
construídas, em um processo que à primeira instância aparenta ser bastante vantajoso
para todos os lados. Assim, existe uma competição de responsabilidades e de
mentalidades responsáveis, que privilegiam um aspecto só do desenho, de acordo com

185
a divisão político-administrativa dos serviços urbanos, ou com aspectos estilísticos do
desenho, ao invés de integrá-lo em seus vários aspectos.

“Eu não acho que os projetos deles tragam um passado. São coisas muito
recentes aplicadas de qualquer maneira, e certos conceitos básicos de projeto
terminam esquecidos. Se nós pecamos porque não vestimos o terno certo para o
freguês certo eles pecam mais ainda... porque eles não têm de forma nenhuma a
vivência da praça”.
Ronaldo Benevello, Diretor de Projetos da Fundação Parques e Jardins.

A limitação de variedade funcional das praças, associada a pouca diversidade urbana do


entorno, tem reflexos na população, que se sente entediada. Esse sentimento é
especialmente expresso pelos jovens, já que eles são os principais usuários das praças,
que é a mais importante opção de espaço livre público acessível. A partir de uma certa
fase de suas vidas, naturalmente a percepção que possuem das praças vai se
modificando. Os atributos mais valorizados, a tranqüilidade, a amizade e a existência de
um lugar como a praça para freqüentar vão se perdendo, e vão sendo substituídos pelas
sensações de limitação e mesmo de aprisionamento.

“Não tem nada de divertido para minha idade”. Suelen, 13 anos. Zeca Russo.

Os desejos de afastar a monotonia surgiram refletidos nas expectativas para trazer de


volta os usos antigos de algumas praças enfocadas nesta pesquisa. A praça Zeca Russo
era um grande descampado utilizado como campo de futebol, mas também abrigava
outras atividades, funcionando como um espaço inseguro, mas dinâmico e vital.
Modificada pela última reforma que ocupou quase todo o espaço da praça com o padrão
recreacional, quadras de esportes e área infantil, o local tornou-se decadente [fig.4/21].
Os adolescentes pediram a volta de feiras de artesanato, shows de música, parquinho,
circo; enfim, todos os eventos que acreditam, conferia vitalidade ao lugar, mas que
traziam problemas como acúmulo de lixo, tráfico de drogas, violência e
desentendimentos. As obras que implementaram a padronização dessas atividades
permitiram a previsibilidade das ações aos controladores do espaço.

“Quando a praça não estava urbanizada tínhamos parquinho de diversões, circo,


show, cantores, feirinha... a obra espantou isso tudo. Não tinha quadra
demarcada, nem alambrado. Agora não temos como praticar outras atividades. O
Zeca Russo é que pediu para melhorar a praça. Temos que chamar essas
atividades de volta”. Trecho de conversa informal com adolescentes e jovens que
freqüentam o Zeca Russo.

186
“Aqui tinha funk, pagode, axé e rock dos anos 70. Há uns três anos atrás a obra
foi inaugurada. O Conde e a Lucinha114 brigaram pelo território da praça, mas o
Zeca Russo, que é parente da Lucinha, é que manda (...) Queremos as atividades
antigas de volta”. Trecho de conversa informal com adolescentes e jovens que
freqüentam o Zeca Russo.

LYNCH (1981, p.200) discute os modelos de desenho urbano115 afirmando que um dos
problemas do modelo, é que ele só faz referência a formas completas “concentrando-se
mais nas coisas do que nas conseqüências destas coisas para os seres humanos”. Se
nos voltarmos aos conceitos de SANTOS (1994) poderemos dizer que os modelos quase
sempre se referenciam mais nos objetos do que nos sistemas de objetos e de ações.
Compreendemos com isto, que a forma pretensamente completa de um espaço ignora a
realidade das mudanças contínuas, e que os processos de transformação urbanos
devem ser freqüentemente observados para possibilitar o aperfeiçoamento dos
desenhos. Não se trata, pois, de rejeitar o uso de modelos e padrões, extremamente
úteis como ponto de partida para se compreender e organizar a realidade, mas de
reconhecer a sua necessidade constante de adaptação, já que nenhum modelo fica
cristalizado no tempo. Trata-se, pois, da defesa dos parâmetros da realidade que
permanecem nos lugares, e não de políticas, obras ou desenhos específicos.

Acreditamos que cada praça investigada está constantemente em processo de


adaptação relativo aos usos e as intenções dos seus usuários. Embora concebidas
isoladamente dentro dos mesmos critérios e padrões, ao longo do tempo ocorre a
inevitável particularização da identidade de cada praça inserida no sistema inter-
relacionado de funções, construindo um conjunto de elementos articulados, e diferentes
significados, originando sistemas integrados à paisagem e a vida dos seres humanos.

SISTEMAS DE LUGARES

“Somente um sistema de lugares significativo pode fazer


uma vida humana verdadeiramente possível”.
NORBERG-SCHULTZ (1980).

Os nove espaços pesquisados são capazes de perpetuar os significados de praça, ou as


pracialidades de QUEIROGA (2003). As praças são locais de espacialização da cultura
(LOW, 2000), onde está evidente na leitura de sua estrutura física o domínio cultural que

114
Candidato a prefeito na ocasião e vereadora responsável pela área.
115
Lynch, na verdade, discute uma escala de modelos muito maior, as de desenhos de cidades, mas a discussão sobre
modelos me pareceu válida para a escala da praça.

187
permeia os processos que as envolvem, desde a sua concepção. De acordo com o
conceito proposto por COSGROVE (1998), essas praças são paisagens excluídas, já que
não estão permanentemente incorporadas às políticas públicas urbanas e ao contexto
das paisagens relevantes da cidade. Essas praças também estão desprovidas de um
enfoque paisagístico e sistêmico que as observe como elementos integrados ao meio
ambiente e à cidade.

QUEIROGA (2003) acredita que as condições de um lugar, sejam elas sociais, formais,
funcionais ou culturais, propiciam ou limitam os objetos e as ações que dão suporte ao
desenvolvimento das pracialidades. Durante a pesquisa encontramos nas praças
inúmeras insuficiências e deficiências estruturais. Observamos também, a construção de
uma escala de valores refletida na especialização funcional de cada espaço, decorrente
justamente dessas deficiências. As deficiências existentes em determinada praça, são
compensadas pelos usos possíveis em outra, originando uma espécie de
“hierarquização” dos espaços. Esse processo desemboca em intensa articulação dos
usos, através da valorização de alguns elementos de um lugar sobre os de outro. As
apropriações contribuem para a construção desta fisionomia hierarquizada; os diferentes
usos se conectam, através da movimentação das pessoas em busca das funções
preferidas em cada lugar, ou das vantagens que determinado espaço oferece.

A partir das experiências da população, cada praça surge como uma entidade única
dentro do conjunto pesquisado, identificada por distinções coincidentes entre grupos de
indivíduos. Acreditamos que essas distinções ocorrem provavelmente, devido a uma
oferta excessiva de praças públicas similares, muito próximas e não caracterizadas por
diferenças funcionais. Mas a atratividade e a predileção por um local logicamente não
residem apenas nisso; existem outras razões associadas a essas distinções, como a
identidade e o senso de pertencimento ao lugar, sensação de conforto, de controle e de
organização do espaço, tranqüilidade, beleza, possibilidade de encontro; aliados as
outras questões como a localização da praça, os equipamentos, as atividades, as
pessoas que as freqüentam.

QUEIROGA (2003) nos diz que um desenho inadequado de praça pode enfraquecer o seu
uso. Concordamos com essa colocação, ressalvando, no entanto, que quase todas as
praças desta pesquisa parecem possuir um desenho “inadequado”; mas que mesmo
assim, em conjunto, mostraram-se possuidoras de um contexto propício para o
desenvolvimento dos significados de praça pública. NORBERG-SCHULTZ (1980) ressalta
que as condições econômicas de um lugar oferecem uma estrutura para o transcorrer da

188
vida, mas não determinam necessariamente os seus significados, que têm certamente,
uma razão mais profunda. De fato, o estabelecimento dos significados de um lugar para
um indivíduo, não dependem de uma abordagem sócio-econômica ou funcional do
espaço, que tende a desconsiderar as questões intangíveis de um grupo ou de um lugar.
QUEIROGA (2003) acredita que dentro do trabalho do arquiteto na praça, considerar
somente forma e função como ponto de partida é um equívoco, já que a praça é o lugar
do imprevisto, das diversidades e das práticas sociais conflitantes.

SUMÁRIO

Esse capítulo começou analisando os resultados da pesquisa de campo relacionados aos


usos e apropriações observados nas praças, como as atitudes dos usuários, as
atividades, e sua relação com os equipamentos. Em seguida, foi exposta a importância
da vegetação, como um elemento simbólico do espaço e agente de conforto ambiental, e
a implantação de símbolos e marcos espaciais. Apresentamos as questões mais
evidentes relacionadas a disputa pelo controle do território das praças. No final do
capítulo discutimos a padronização dos espaços das praças e a sua articulação, criando
um contexto propício para o desenvolvimento dos significados de praça, na configuração
do sistema de lugares.

189
190
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As Considerações Finais têm como objetivo trazer o resumo da dissertação, destacando
suas principais conclusões. O tema geral deste trabalho é o sistema de espaços livres da
cidade do Rio de Janeiro, direcionado a uma tipologia específica deste sistema; a praça
pública. Após pesquisa empírica, foi selecionado como recorte espacial e estudo de caso,
um conjunto de nove praças públicas próximas, localizadas no bairro de Campo Grande.
Essas praças localizam-se em loteamentos voltados à população de baixa renda, têm
desenho e equipamentos padronizados, recursos de implantação limitados e manutenção
praticamente inexistente. Algumas praças deste conjunto foram projetadas e passaram
por obras recentes datando do mesmo período administrativo municipal (entre 2000 e
2003), enquanto outras não. Decidimos enfocar os usos e as apropriações nas praças
muito mais do que a sua morfologia, já que partimos do pressuposto de que a forma
desses espaços também é definida pela sua utilização.

Para descortinar as questões dos usos e apropriações, a pesquisa se dividiu nas


seguintes etapas principais; aproximação com os usuários e com os lugares através de
uma extensa pesquisa de campo; levantamento historiográfico do bairro onde se
localizam; investigação sobre a origem das áreas de recreação e dos desenhos
padronizados; e conceituação teórica do tema praça pública, e sua inserção no contexto
contemporâneo dos espaços livres públicos.

Na Introdução, entrelaçamos conceitos sobre a paisagem cultural a partir do enfoque de


diferentes teóricos como MEINIG (1979), LOW (2000) e SANTOS (2002), e estudiosos da
forma urbana como ALEXANDER ET AL (1977) e LYNCH (1981). Nosso objetivo foi destacar
os diversos aspectos na formulação sistêmica da paisagem, enfatizando essa perspectiva
na compreensão dos espaços livres públicos. Logo após, justificamos a escolha deste
conjunto de praças em Campo Grande e as principais características que compartilham
umas com as outras, para em seguida, apresentar os principais pressupostos teóricos
que embasaram este trabalho e permeiam nossas discussões e argumentações.
Destacamos da obra de MILTON SANTOS (2002) a conceituação de espaço como um
sistema de objetos e sistema de ações. Os objetos são representados pelas praças
públicas, cuja dinâmica ocorre a partir das ações cotidianas de seus usuários e dos
atores envolvidos nos seus processos de gênese e gestão. Os significados de praça
pública foram associados ao conceito de pracialidades proposto por QUEIROGA (2003,
2004). Finalmente, de acordo com a leitura do simbolismo das paisagens de COSGROVE
(1998) classificamos o conjunto de praças como paisagens residuais; isto é, como
espaços que parecem não agregar mais em sua estrutura os significados tradicionais de

192
praça, e excluídas; como aqueles locais que não têm relevância dentro da cidade, e por
isso ficam a maior parte do tempo esquecidas.

O enquadramento teórico foi também se desdobrando paralelamente à apresentação dos


subtemas explorados durante a pesquisa; padronização gráfica, ausência de diversidade,
quantidade versus qualidade (JACOBS, 2003); métodos de pesquisa de campo (WHYTE,
1989; MARCUS ET AL, 1998; CARR ET AL, 1992; COSTA, 1993); requisitos essenciais e
sensíveis para os espaços livres públicos, (LYNCH, 1989; CARR ET AL, 1992); controle e
acesso ao espaço (LYNCH, 1989; GOMES, 2000; COSTA, 1993); relevância das praças na
cidade globalizada e a idéia de pracialidades (QUEIROGA, 2003/2004, SANTOS, 2002). No
final da Introdução foram expostas a metodologia empregada e a organização geral da
dissertação.

No primeiro capítulo procuramos compreender a inserção e a relevância da tipologia


praça dentro do universo dos espaços livres públicos. Concluímos que as questões
referentes a privatização dos espaços livres públicos originam uma diversidade de
enfoques que inegavelmente, variam de acordo com a cultura e a estrutura da sociedade
cuja vida pública esses espaços possibilitam o desenrolar. Nas cidades brasileiras essas
discussões adquirem contornos específicos, tanto relacionados às nossas estruturas
culturais como as diferentes temporalidades que muitas vezes convivem em uma mesma
metrópole.

A evolução dos conceitos de espaços livres públicos como sistemas de recreação foram
investigados com o intuito de se compreender os modelos de desenhos e equipamentos
das praças atuais. Suas raízes datam do final do século XIX, mas foi durante o
movimento moderno que esses modelos foram aperfeiçoados, dando origem às tipologias
para recreação, apoiadas em critérios funcionais como gênero e faixa etária, e
proporcionais em quantidade e dimensões, ao número de habitantes, e a índices de
áreas verdes. O Rio de Janeiro absorveu esses modelos na distribuição funcional e nos
tipos de equipamentos, na implantação das áreas de recreação em alguns parques e
praças públicas. Concluímos que a ausência de um olhar geral e integrado sobre os
espaços livres públicos e sua integração com o meio ambiente urbano têm gerado
distorções relativas aos seus aspectos funcionais, à sua distribuição e a quantidade de
população atendida. Em seguida, apresentamos um painel das tipologias de espaços
livres públicos contemporâneos em planos de diferentes cidades. A exposição desses
planos procura ofertar diferentes enfoques e intenções de projeto ou gestão, adotados

193
em diferentes culturas, para reafirmar a forma sistêmica de observação dos espaços
livres públicos.

Prosseguimos com estudos sobre a evolução das praças, discutindo a sua


representatividade histórica, a diluição dos seus significados ao longo do tempo, e as
mudanças de seus valores que acompanharam as modificações estruturais nas cidades
ocidentais, e na cidade do Rio de Janeiro. Buscamos principalmente nos estudos de
ZUCKER (1959), KOSTOFF (1992 e MUMFORD (2004), informações sobre a evolução formal
e funcional desses espaços em cidades ocidentais. A evolução das praças em terras
cariocas foi observada nos estudos de VAZ (1999) e CHIAVARI (1992). As praças públicas
sempre foram locais de trocas comerciais, de informações, das manifestações públicas.
Muitas surgiram espontaneamente nas cidades medievais, adquirindo posteriormente, no
período renascentista, uma configuração mais cuidadosa, intencional. As praças se
transformaram definitivamente a partir do séc. XIX, quando a escala urbana se agigantou
e as configurações das cidades priorizaram a divisão em lotes e os fluxos de circulação
de veículos, tornando as praças apenas desenhos complementares aos eixos viários. No
Rio de Janeiro, muitas delas se originaram de largos, terreiros, campos ou rossios, ou de
páteos fronteiriços de igrejas. O levantamento das origens das praças cariocas nos
permitiu compreender a representatividade que adquiriram ao longo do desenvolvimento
da cidade. Concluímos que, os significados e os valores das praças públicas
permaneceram, embora as praças tenham se transformado e se fragmentado, diluindo-se
em meio à diversidade dos espaços livres públicos contemporâneos. A convivência das
diversidades se perdeu especialmente naqueles espaços não universalmente acessíveis.
Consideramos, no entanto, que o “espírito de praça” como nos diz QUEIROGA (2003/2004)
não desapareceu, principalmente em alguns enclaves suburbanos, onde temporalidades
diversas ainda convivem; onde racionalidades locais se opõem às globais. Ao término do
capítulo, trouxemos em um exercício livre, ligeiro panorama sobre as praças cariocas,
mencionando rapidamente variadas tipologias e funções que apresentam na atualidade.

O segundo capítulo trata objetivamente do bairro e da Região Administrativa de Campo


Grande, a XVIIIª RA, mostrando quais fatores históricos e econômicos imprimiram as
características de paisagem urbana à região. Através dos trabalhos de FROES &
GELABERT (2004) e de um diagnóstico elaborado pela própria XVIIIª Região
Administrativa nos anos 70, associados aos clássicos estudos de GERSON (1964) e
CRULS (1964), construímos um perfil da região. A mudança de fisionomia rural para
urbana e os processos de ocupação ocorreram através do retalhamento das terras;
primeiramente sesmarias, depois fazendas, sítios e por fim os loteamentos. A região foi

194
recortada por importantes eixos viários que colaboraram para impulsionar o seu
desenvolvimento urbano, como a Estrada Real, nos primeiros séculos de colonização; a
Estrada de Ferro Central do Brasil no final do século XIX, e a Avenida Brasil e rodovia
Rio-São Paulo, no século XX.

O século XX no bairro é apresentado através das avaliações feitas pelo projeto de lei
recém aprovado para a RA, o PEU de Campo Grande (2004). O capítulo também
apresenta as políticas públicas para a região, e estuda as determinações para
implantação de equipamentos urbanos como ruas, escolas e praças públicas na
legislação de loteamentos. Acreditamos que as leis que garantem a existência dos
equipamentos públicos urbanos na cidade terminam também por condicioná-los. Assim, o
loteador geralmente seleciona para a implantação de praças os piores terrenos dos
loteamentos, já que eles têm que ser doados ao município. Não é também levada em
conta a proximidade entre praças de diferentes loteamentos, quanto as similaridades no
aspecto funcional, o que termina por torná-las todas iguais. Além disso, depois de
implantadas, raramente recebem alguma atenção do poder público, principalmente no
que é relacionado à manutenção. As praças tornam-se paisagens residuais e excluídas,
tanto territorialmente como em seu significado tradicional de praça (COSGROVE, 1998).
Isso, porém não as impede de possuir um forte potencial para o desenvolvimento das
pracialidades (QUEIROGA, 2003, 2004), conforme veremos nos capítulos seguintes. O
capítulo finaliza com o perfil do recorte espacial pesquisado, mapa geral dos usos, e traz
plantas baixas e imagens de cada praça.

O terceiro capítulo traz informações sobre os freqüentadores e as praças pesquisadas,


iniciando a análise interpretativa dos dados colhidos na pesquisa de campo. A pesquisa
constatou que o perfil sócio-econômico dos usuários é formado majoritariamente por
indivíduos do sexo masculino, na faixa etária entre 10 e 19 anos, estudantes do ensino
fundamental, levando até 5 minutos para alcançar a praça a pé. A maior parte dos
freqüentadores se sente seguro e prefere os horários vespertinos, geralmente,
permanecendo mais de uma hora nos locais. Chamou nossa atenção a ausência
feminina e infantil nas praças. Os resultados da pesquisa sugerem que as mulheres não
vão às praças por três razões principais; insuficiência de atividades específicas para elas,
insegurança, e sobrecarga de tarefas domésticas. A ausência infantil está interligada a
ausência das mães; crianças abaixo de 8 anos não freqüentam as praças
desacompanhadas. A questão da insegurança mostrou estar além da dimensão das
praças e por isso, foi analisada isoladamente.

195
Fechando o capítulo apresentamos as praças através de sua nomenclatura, de uma
tabela-síntese, de mapas, plantas baixas e imagens. Sintetizamos os dados como, usos,
usuários, fatores positivos e negativos e equipamentos existentes em uma tabela-síntese.
Essa tabela baseou-se na metodologia de análise dos espaços livres públicos, ofertada
por MARCUS ET AL (1998). Seguimos com mapas que aplicam a metodologia explicada na
Introdução, inspirada nos trabalhos feitos pela APUR (1989) em Paris. Em nosso trabalho
também estudamos as áreas de praças em relação às suas vizinhanças e a origem dos
seus usuários. Concluímos através da observação da sobreposição das zonas de
influência das praças, que algumas estão muito próximas, representando um bom
quantitativo na distribuição desses equipamentos – o que não é necessariamente um
indicativo de qualidade dos espaços. Através da observação das origens percebemos
que muitos usuários partem de locais que ultrapassam as vizinhanças imediatas,
tornando o raio de 500m em torno de cada praça uma questão apenas teórico-
instrumental.

O último capítulo mostra os usos e as apropriações nas praças investigadas, além dos
elementos mais valorizados pela população em seu uso cotidiano. Primeiramente, foram
analisadas as relações entre as atividades e os equipamentos oferecidos. Como
atividade predileta, os onipresentes jogos de bola prevaleceram, correspondendo às
preferências dos adolescentes e adultos do sexo masculino, maioria absoluta de
freqüentadores. Na área da pesquisa, onde foram encontradas poucas crianças, os
brinquedos padronizados demonstraram ter uma importância quase secundária em meio
às outras possibilidades lúdicas que as praças podem oferecer. Quanto ao mobiliário,
estes apresentaram uma necessidade de reavaliação, em relação ao desenho,
acabamento e distribuição. As mesas de jogos comprovaram ser um equipamento muito
útil para conversas, mais do que para jogos. As manchas de sombra mostraram-se fator
preponderante e determinante dos horários de freqüência.

Os usuários relacionam-se com a vegetação de forma curiosa e intensa. Existe um


interesse pela vegetação refletido no cuidado com as árvores e na criação de canteiros e
jardins. Concluímos que essas relações têm sido pouco exploradas como fonte de
valorização da comunidade, e desperdiçadas como elos entre a municipalidade e a
população. A proposição de legitimar esse relacionamento, através da regulamentação
de trabalhos comunitários nas praças, e da educação ambiental, talvez fosse uma forma
de a administração pública compartilhar responsabilidades com a própria população e
gerenciar com mais eficiência os espaços públicos da cidade.

196
A apropriação dos espaços livres públicos através da instalação de símbolos e marcos
espaciais como símbolos religiosos, vestiários, e sedes de associações de moradores,
expõem uma ambigüidade entre a expressão do poder pelo grupo dominante e a
capacidade de organização comunitária. Relatos sobre a existência de conflitos e brigas
demonstraram que na ausência do poder público alguns grupos mais fortes costumam se
beneficiar economicamente ao controlar o uso dos campos de futebol e quadras.
Percebemos que atividades que dependem do poder público ou das regras estabelecidas
pela própria comunidade para ocorrer organizadamente, resultam muitas vezes na
exclusão de grupos minoritários como mulheres, crianças e idosos, transformando as
intenções de universalizar os tipos de usuários, em mera intenção.

No final do capítulo, discutimos a padronização dos projetos, a utilização de praças como


moeda de troca política, e o empobrecimento da diversidade urbana, para a qual contribui
a repetição indefinida dos mesmos modelos. Em seguida, trazendo uma visão oposta,
destacamos a transformação desse conjunto de praças padronizadas em um verdadeiro
sistema integrado, repleto de significados, um genuíno sistema de lugares. Assim, o fato
desse conjunto de praças não ter sido constituído de forma sistemática, não o impede de
funcionar como um sistema, ou de se transformar no que denominamos de sistema de
lugares. Os próprios usuários constroem uma hierarquização sistêmica dos espaços a
partir da sua experiência cotidiana, da valorização diferenciada de cada lugar, e de
critérios de usos; mas também de outros parâmetros como o senso de pertencimento e a
identificação com os lugares. A partir de nossas conclusões, acreditamos que as praças
pesquisadas estão imbuídas de um forte potencial para o desenvolvimento das
pracialidades (QUEIROGA, 2003; 2004). Uma visão conjunta e sensível dos vários espaços
das praças nesses tipos de loteamentos periféricos, ao nível do usuário e da apropriação
do lugar, poderia resultar em espaços livres públicos mais integrados, e diversificados
(APUR, 1989; CARNEIRO & MESQUITA, 2000).

Podemos observar com nitidez o valor e os significados que as praças públicas de


Campo Grande têm para a população do bairro, locais onde desenvolvem ou constroem
parte de suas potencialidades. Nas praças se evidencia a capacidade humana de
adaptação aos espaços, em uma rede de diferentes significados, potencializando a
capacidade de coesão comunitária, e de valorização do lugar vivido. Entender os
processos que dão origem às praças e as ações dos atores que neles se envolvem,
significa reconhecer a necessidade de mudar posturas cristalizadas perante o objeto.
Acreditamos que para atuar sobre o meio urbano temos que adicionar uma nova

197
dimensão ao espaço, que vai além do tempo e da técnica; a dimensão do cotidiano, tão
claramente percebida e expressa por SANTOS (1994, p.38);

“Essa é uma nova dimensão do espaço, uma verdadeira quinta dimensão. (...) por
meio do lugar e do cotidiano, o tempo e o espaço, que contém a variedade das
coisas e das ações, também incluem uma multiplicidade infinita de perspectivas.
Basta não considerar o espaço como simples materialidade, isto é, como domínio
das necessidades, mas como teatro obrigatório da ação, isto é, o domínio da
liberdade.”

198
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Acesso em 2 de outubro de 2003.

203
ANEXOS
ANEXO 1
DADOS GERAIS DOS LOTEAMENTOS

LOTEAMENTO 1/ VILA SANTA RITA


Obras e projeto da RIOURBE
Praça 1 - Inominada da Vila Santa Rita, Rala Côco
Praça 2 – Ciep Lamartine Babo, Xapecó
PAL. 25396 de dezembro de 1957
Nº lotes 1000
Praça inominada da Vila Santa Rita
Projeto de loteamento e arruamento da área situada à estrada do Pré de propriedade da firma
Hinterland S. A.
A praça não tem decreto de criação, o terreno era destinado a ser escola.
Área total do terreno 394.487,00 m2
Área de escola 7.894,00 m2
Área de praça 15.980,00 m2
Área dos lotes 265.080,00 m2

LOTEAMENTO 2
Projeto da Fundação Parques e Jardins e da RIOURBE
Praça 3 - BNH
PRAÇA BORBA
PAL 27.158 de outubro/novembro de 1967
Nº lotes 128
Lotes comerciais populares 4
Lotes comerciais proletários 1
Lotes proletários 12
Lotes populares 117
Área total do terreno 31.780,00 m2
Área da escola 636,00 m2
Área de praça 1.272,00 m2
Projeto de loteamento e arruamento popular
Decreto E de criação de praça nº 2.854 de 22 de maio de 1969
A escola não foi construída

LOTEAMENTO 3
Projeto e obras da Fundação Parques e Jardins
Praça 4 – Campo do Mundial
PRAÇA CATULLE MENDES
PAL 30.490 de dezembro de 1956
Nº lotes 394
Lotes comerciais 54
Lotes proletários 340
Área total do terreno 165.862,00 m2
Área de praça 6.634,88 m2
Área de escola 3.322,00 m2
Decreto E de criação de praça nº 1.068 de 11 de abril de 1966

LOTEAMENTO 4/ JARDIM DAS HORTÊNCIAS


Praça 5 - Mangueira
PAL 30.316 de junho de1972
Praça Camiranga
Nº lotes 203
Área da praça 2.750,00
Área da escola 905,00 m2
Área total do terreno 45.000,00 m2
Área de reserva para jardins 108,00 m2
Decreto municipal de criação de praça nº 1400 de 13 de janeiro de 1978

205
LOTEAMENTO 5/ PARQUE VITÓRIA
Projeto e obras da RIOURBE
Praça 6 - Morrinho
PAA/ PAL 9.172/ 30.443 de agosto de 1972
Praça Vitória Quinhões
Nº lotes 68
Área total do terreno 17.350,00 m2
Área da praça 829,00 m2
Loteamento sem área de escola
Decreto municipal de criação de praça 1.642 de 13 de julho de 1978

LOTEAMENTO 6/ JARDIM MONTE SANTO DOS GARCIAS


Praça 7 – Campo do Zeca Russo
PAL 23.793
Termo nº 203 de vinculação de lotes referentes ao lote 2 na estrada das Hortências assinado em
23/06/1972
Praça Monte Santo
Projeto de loteamento proletário comercial e arruamento no terreno do Rio da Prata do Cabuçu.
Nº de lotes 198
Nº lotes proletários 187
Nº lotes comerciais 11
Área total do terreno 99.000,00 m2
Escola é 2% da área do loteamento, 1.980,00 m2
Área de praça 4% ou 3.960,00 m2
Decreto municipal de criação de praça de 26 de abril de 1977

LOTEAMENTO 7
Praça 8 – Bosque
PAA/ PAL 9.814/ 35.386 de maio de 1978
Praça Ribeiro do Couto
Nº lotes 139
Área total do terreno 46.321,00 m2
Área da praça 2.212 m2
Área de escola 1.502,00 m2
Decreto de criação de praça 2.288 de 18 de setembro de 1979

LOTEAMENTO 8/ JARDIM AUGUSTA II


Projeto e obras da RIOURBE
Praça 9 – Olga Costa Leite
PRAÇA OLGA COSTA LEITE
PAA/PAL 8.770/28.369 de junho de 1969
Nº lotes 68
Área total do terreno 22.223,51 m2
Área da praça 2.280,00 m2
Área da escola 1.330,00 m2
Loteamento de 4ª categoria
Decreto de criação de praça 2.050 de 5 de março de 1979

LOTEAMENTO 9
Praça Hélio Ferreira
Loteamento com área de reserva para praça e jardins
PAL nº 42.968, ano 1992
Nº lotes 198
Área de praça 3.084,00 m2
Reserva de arborização 4.486,71 m2
Área de reserva de jardins 148,20 m2
Área total do loteamento 77.090,50 m2
Decreto municipal de criação de praça nº 14.123 de 16 de agosto de 1995

206
LOTEAMENTO 10/ JARDIM AUGUSTA
PAA/PAL 6.744/20.508
Nº lotes 144
Área total do terreno 83.965,00 m2
Loteamento sem área de praça
2% para área de escola, 1.769,00 m2

LOTEAMENTO 11
PAA/PAL 28.073/8701 de 29 de janeiro de 1969
Nº lotes 50
Área total do terreno 13.659,02 m2
Loteamento sem área de praça e escola

LOTEAMENTO 12
PAL nº 28.490, ano 1989
Nº lotes 11
Área total do terreno 3.360,00 m2
Loteamento sem área de praça e escola

LOTEAMENTO 13
PAA/PAL 36.238/9.938, ano 1979
Nº lotes 24
Área total do terreno 7.780,00 m2
Loteamento sem área de praça e escola

LOTEAMENTO 14
PAA/PAL 44.450/11.246, de 14 de outubro de 1997.
Nº lotes 18
Área total do terreno 8.615,06 m2
Área de praça 450,42 m2
Área de reserva de jardins 114,93 m2
A praça ainda não tem decreto de criação.

LOTEAMENTO 15
PAA/PAL 6.047/18.057, de 17 de abril de 1953
Loteamento proletário
Nº lotes 74
Área total do terreno 23.810,00 m2

LOTEAMENTO 16
PAA/PAL 14.279/20.815, de 10 de junho de 1949
Nº de lotes 89
Sem área de praça ou escola

LOTEAMENTO 17
PAL 20.889, novembro de 1956
Nº lotes 2, ambos comerciais.
Área total do terreno 3.148,00 m2
Área dos lotes 1.288,00 m2
Sem área de praça ou escola

207
ANEXO 2
FREQÜÊNCIA A OUTRAS PRAÇAS

15) Você costuma ir a outros lugares além deste? Quais?


PRAÇA 1 - Inominada Vila Sta Rita
A A outra praça Jorge Moura
B Praça de trás; Praça da Adelaide; Praça Tucano; Praça Hortênsia; Praça Cosico
C Praça Rua Camaipi; Ciep
D Não
E Outra Praça Perto
F Não
G Costumava ir à Praça das Hortênsias quando não existia esta
H Não
I D.Ivete
J D.Ivete / Tucano/ BNH e Adelaide
K Não
PRAÇA 2 - Ciep Lamartine Babo
A Praça BNH; Centro Esportivo
B Perto do rio
C Ciep Mundial
D Praça BNH
E Praça do Cosico; Vila Adelaide; Pça do Tucano
F Praça Mundial
G Praça do BNH
H Praça do BNH
I Não
PRAÇA 3 - Praça Borba
A Não
B Campo Mundial
C Não
D Praça Mangueira; Mundial; Brejinho; Sapê; Adelaide; Parteuse
E Campo Grande; Campo Mundial
F Praça próxima à Igreja
G Não
H Brizolão
I Brizolão/ Campo Mundial/ Vit.Quinhões
J Brizolão/ Vit.Quinhões
K Vit.Quinhões
PRAÇA 4 - Praça Catulle Mendes
A Não
B Não
C Outra perto
D Praça da Mangueira
E Não
F Não
G Praça São Jorge
H Não
I Praça Mangueira

208
J Praça Mangueira
K Praça Mangueira
L Não
PRAÇA 5 - Praça Camiranga
A Praça perto da Rua Moraes
B Às vezes
C Praça do Bosque
D Praça BNH; Zeca Russo; Tucano
E Praça Adelaide; Mundial
F Zeca Russo
G Tucano; Marinha
H Tucano; Marinha
I Não
J Praça do Bosque
K Não
L Não
M Não
PRAÇA 6 - Praça Vitória Quinhões
A Não
B Não
C Praça Mangueira; Adelaide; Cpo Mundial
D Não
E Não
F Praça BNH
G Praça BNH; Zeca Russo
H Não
I Não
J Não
K novo Campo Grande perto do colégio Santa Mônica
PRAÇA 7 - Praça Monte Santo
A Praça Mangueira; Cachoeira do Rio da Prata
B Praça Mangueira; Pça BNH
C Praça Tucano; Mangueira; Cpo Mundial; Rala-Coco
D Praça Tucano; Mangueira; Cpo Mundial; Rala-Coco; Cpo Moinho
E Campo Mangueira
F Praça do Moinho
G Praça da Mangueira
H Praça da Mangueira; Bosque; BNH
I Praça da Mangueira; Bosque
J Praça da Mangueira; Bosque; BNH
K Praça do Bosque
PRAÇA 8 - Praça Ribeiro de Couto
A Não
B Praça Mangueira ; Campo Mundial
C Não
D Não
E Não

209
F Não
G Não
H Não
I Não
PRAÇA 9 - Praça Olga Costa Leite
A Não
B Não
C Não
D Vila Eunice
E Praça do Borba; Campo Mundial; Brejinho
F Não
G Praça do Bosque
H Não
I Praça do Bosque

210
ANEXO 3
QUESTIONÁRIO

LOCAL:
OBSERVADOR: HORA: DATA: ___/___/______
DIA DA SEMANA: S T Q Q S S D

Apresentação:
Meu nome é Andréa. Estou cursando Mestrado em Urbanismo na Universidade Federal do Rio de
Janeiro e estou fazendo uma pesquisa sobre as praças cariocas. Você poderia colaborar comigo
respondendo a este questionário? Muito obrigado.

1. Onde você mora?

2. De que forma veio para cá?


a pé de bicicleta de carro de ônibus de moto

3. Quanto tempo demorou a chegar aqui?


até 5min entre 5 e15min entre 15 e 30min 1 hora mais de uma hora

4. Com que freqüência você vem aqui?


diariamente fim-de-semana _____ por semana

5. Em qual horário costuma vir?


de manhã na hora do almoço à tarde fim de tarde à noite

6. Quanto tempo costuma ficar?


até meia hora entre 30 min e 1 hora mais de 1 hora
mais de 2 horas mais de 3 horas mais de 4 horas
o dia todo

7. Você veio sozinho ou acompanhado?

8. Com quem?

9. Você veio encontrar com alguém?


sim não

10. Com quem?

11. Porque motivo você vem aqui?

12. O que você faz aqui normalmente?

13. O que você mais gosta daqui?

14. Porque?

15. O que você menos gosta daqui?

16. Porque?

17. O que você acha da segurança daqui?


péssima ruim regular boa ótima

18. Porque?

19. Você tem alguma sugestão para melhorar esse lugar?


sim não

211
20. Qual?

21. Qual nome pelo qual você conhece este local?

22. Você costuma ir a outras praças ou lugares além deste?


sim não

23. Quais?

24. Qual o seu grau de instrução?


fundamental médio graduação pós-graduação
cursando___série cursou até___série

25. Qual a sua ocupação no momento?

26. Teria mais alguma coisa sobre este lugar que você gostaria de dizer?

SEXO: Masc. Fem.


NOME:
IDADE:

212
ANEXO 4
MAPA DE COMPORTAMENTO

LOCAL: _____________ HORA: ______________ OBSERVADOR: __________


DIA DA SEMANA: S T Q Q S S D DATA: ___/___/________

GRUPO‘ SEXO IDADE ATIVIDADE


F M CRI ADO ADU IDO

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

20

21

22

213
ANEXO 5
ENTREVISTADOS E ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

Grupo A – Representantes dos usuários:


Presidente de Associação de Moradores do loteamento Jardim das Hortências,
Ailton.
Político – Vereadora Lucinha.

Grupo B – Representantes dos envolvidos com projetos:


Ronaldo Benevello – Gerente de Projetos da Fundação Parques e Jardins.
Renato Dantas - Gerente de Projetos da RioUrbe.
Sylvia Coelho – Diretora de Planejamento da Fundação Parques e Jardins.

Grupo C – Representantes do gerenciamento e manutenção:


Vera Dodsworth – Presidente da Fundação Parques e Jardins.
Lourenço – Diretor da 7ª DOC – Diretoria de Conservação da Fundação Parques e
Jardins.

ROTEIRO DAS ENTREVISTAS

Grupo A – Representantes dos usuários:

AÍLTON, XERIFE DA PRAÇA DA MANGUEIRA


Qual a importância e o significado das praças para a população; quais são as funções e as
atividades da associação de moradores; relações da associação de moradores com os políticos e
com os usuários das praças; quem utiliza as praças; como são solucionados os conflitos mais
comuns; porque a frequência feminina é tão pequena; a segurança; qual a nomenclatura
conhecida; qual a avaliação da qualidade do espaço e dos equipamentos padronizados pela
população, como avalia a distribuição das atividades, como avalia comparativamente as praças;
quais são os problemas na implantação de quiosques e banheiros; o que acha da vegetação –
árvores e jardins, poda, sombra, qualidade das mudas; quais são os programas municipais e
comunitários existentes; como é feita a manutenção geral, a limpeza; os marcos edificados na
praça; como são viabilizadas reformas e modificações no espaço; o que acha do vandalismo.

VEREADORA LUCINHA
Quais os seus compromissos com a população, qual a região em que atua, há quanto tempo, qual
a sua interferência na viabilização de uma praça; quais os benefícios que as praças trazem para a
população; quem são os usuários e quais os horários de utilização; porque a frequência feminina é
tão pequena; como se processa a segurança; como avalia a sombra e a vegetação; quais são os
programas comunitários existentes e atuantes; se conhece as leis que determinam quais
atividades são permitidas nas praças; qual o seu conhecimento sobre os conflitos; o que acha da
qualidade das obras e dos projetos executados; como avalia comparativamente as praças; como
avalia a distribuição das atividades; como é o processo de destinação de recursos para implantar
uma praça; se reconhece diferenças entre espaços livres na cidade; o que acha da padronização
de atividades e equipamentos; quais os problemas na implantação de quiosques e banheiros; o

214
que acha da implantação de pistas de skate, churrasqueiras, quadras de vôlei de areia, do futebol,
das brincadeiras infantis, dos mendigos; nomenclatura conhecida; marcos edificados nas praças.

Grupo B – Representantes dos envolvidos com projetos:

RONALDO BENEVELLO, SYLVIA COELHO


Qual o papel da Fundação Parques e Jardins nos projetos, na implantação e na manutenção das
áreas; quais os benefícios de uma praça para a população; como são os processos de confecção
dos projetos; como é a participação dos agentes que atuam nesses processos; o que acha dos
projetos e da padronização dos equipamentos; se percebe diferenças entre projetos realizados por
diferentes órgãos; como vê a manutenção das praças públicas na cidade; conhece programas
específicos para praças da zona oeste; como vê a instalação de quiosques, de eventos, das
festas, dos marcos edificados; quais atividades acredita funcionam melhor nas praças; porque a
frequência feminina é tão pequena; como é a participação comunitária nos projetos; o que acha da
manutenção; quando vai ser implantado um conjunto de praças próximas, você acha que elas
poderiam ser diferentes umas das outras; o que acha da execução dos projetos e das
empreiteiras.

RENATO DANTAS
Qual o papel da Riourbe nos projetos, na implantação e na manutenção das áreas; se tem
conhecimento de planos e projetos específicos para a Zona Oeste; como são os processos de
confecção dos projetos; como é a participação dos agentes que atuam nesses processos; o que
acha dos projetos e da padronização dos equipamentos; se percebe diferenças entre projetos
realizados por diferentes órgãos; como vê a manutenção das praças públicas na cidade; conhece
programas específicos para praças da zona oeste; como vê a instalação de quiosques; quais
atividades acredita funcionam melhor nas praças; porque a frequência feminina é tão pequena;
como é a participação comunitária nos projetos e manutenção; quando vai ser implantado um
conjunto de praças próximas, você acha que elas poderiam ser diferentes umas das outras.

Grupo C – Representantes do gerenciamento e manutenção:

VERA DODSWORTH
Qual o papel da Fundação Parques e Jardins nos projetos, na implantação e na manutenção das
áreas; quais dificuldades a FPJ encontra para cumprir suas metas; como administra as praças
públicas; conhece a legislação relativa a praças; como administra as praças da Zona Oeste;
quantas praças existem na Zona Oeste e na cidade; conhece programas específicos para praças
da zona oeste; quais os benefícios de uma praça para a população; como são os processos de
confecção dos projetos; como é a participação dos agentes que atuam nesses processos; o que
acha dos projetos e da padronização dos equipamentos; o que acha da execução dos projetos e
das construtoras; se percebe diferenças entre projetos realizados por diferentes órgãos; como vê a
manutenção das praças públicas na cidade; como é feita a nomenclatura de um espaço; como vê

215
a instalação de quiosques, de eventos, das festas, dos marcos edificados; quais são os programas
municipais funcionando nas praças.

LOURENÇO
Quais as funções da Diretoria de Conservação; quais os benefícios de uma praça para a
população; como a DOC administra as praças; quais os pedidos mais comuns de manutenção;
quais equipamentos e funções você acredita que funcionam melhor nas praças; o que acha da
padronização de projetos; o que acha dos quiosques e eventos; conhece a legislação de praças;
quais os conflitos de uso existentes; quais as diferenças entre os projetos de praças de diferentes
órgãos municipais; quais programas municipais estão presentes nas praças; você conhece as
praças investigadas nessa pesquisa.

216

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