Pensando A Violencia de Genero Desde A Z PDF
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Conselho Deliberativo
Fernanda Busanello Ferreira (UFG) • Igor Suzano Machado (UFES) • Marília Montenegro (UFPE/UNICAP) • Olga Krel (UFAL) •
Virgínia Leal (UFPE)
Conselho Fiscal
David Oliveira (UFC) • Marcelo Pereira de Mello (UFF-RJ) • José Antônio Callegari (UFF)
COMISSÃO ORGANIZADORA
Alexandre da Maia (UFPE) • Artur Stamford da Silva (UFPE) • Fernando Rister de Sousa Lima (MACKENZIE-SP) •
Manuela Abath (UFPE) • Marcelo Labanca (Unicap) • Maria Lúcia Barbosa (UFPE) • Mariana Pimentel Fischer (UFPE) •
Marília Montenegro (UFPE/Unicap) • Pedro Parini (UFPE) • Virgínia Leal (UFPE)
Comissão Executiva
David Oliveria (UFC) • Fernando Mangianelli Bezzi (USP) • Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros (UNIP/USP) •
Raphael da Rocha Rodrigues Ferreira (Unisanta/USP)
Comissão Científica
Ana Cláudia Torrezan Andreucci (Mackenzie-SP) • Antonio Callegari (UFF) • Alessandra de Lucca (Universidade de Firenze) •
Artur Stamford da Silva (UFPE) • David Oliveira (UFC) • Fernanda Busanello (UFG) • Fernanda Rosenblatt (Unicap) •
Fernando Rister de Sousa Lima (Mackenzie-SP) • Germano Schwartz (UNILASSALE) • Guilherme de Azevedo (UNISINOS) •
Igor Suzano Machado (UFV) • João Paulo Allain Teixeira (UFPE/UNICAP) • José Roberto Xavier (UFRJ) • José Rodrigo
Rodriguez (UNISINOS) • Kelly Gianezini (UNESC) • Leonel Severo Rocha (UNISINOS) • Marcelo Mello (UFF) •
Marília Montenegro (UFPE/Unicap) • Olga Jubert Krell (UFAL) • Orlando Villas Bôas Filho (USP/Mackenzie-SP) •
Rafael Lazzarotto Simioni (FDSM) • Rebecca Sandefur (Universidade de Illnois) • Sandra Regina Martini (UNIRITTER) •
Susana Henriques da Costa (USP) • Virgínia Leal (UFPE)
EDITORAÇÃO
Diagramação
Carolina Leal Pires (UNIBRA)
Normatização e revisão
Os autores
2019 © Todos os direitos reservados. As informações contidas nos artigos são de responsabilidade de seu(s) autor(es).
SUMÁRIO
GP 01 – A CULTURA DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO E AS NOVAS PERSPECTIVAS PARA O
09 ASSEGURAMENTO DOS DIREITOS HUMANOS DA MULHER
Coordenação:
Arnelle Rolim Peixoto (GEDAI/UFC)
Maria da Glória Costa Gonçalves de Sousa Aquino (UFMA)
GP 13 – DIREITO E MIGRAÇÕES
214 Coordenação:
Marcelo Pereira de Mello (UFF)
Luiz Cláudio Moreira Gomes (UFRJ)
Livia Salvador Cani (FBM-ES)
GP 14 – DIREITO E MÚSICA
240 Coordenação:
Germano Schwartz (UNIRITTER)
Martorelli Dantas (UNIFG-PE)
O presente trabalho tem por intuito principal trazer discussões acerca do machismo
presente na violência de gênero estrutural e a forma como esse mecanismo patriarcal (PATEMAN,
1993) reforça as violências multifacetas que ocorrem sobre o gênero feminino em uma sociedade
baseada em uma burocracia de massa que retira dos sujeitos a sua faculdade de pensar e faz com
que pessoas comuns reforcem as violências de gênero, reproduzindo-as de modo banal. (ARENDT,
1999). Os ambientes institucionais que formam as modernas democracias burocráticas (ARENDT,
1999), afastam do indivíduo sua capacidade de juízo sobre suas ações, uma vez que este não mais
consegue observar o resultado das suas ações, uma vez que se coloca como apenas um
mecanismo dentro de uma teia muito maior que se engendra nessas burocracias. É, o que chama
Arendt (2010) da vitória do animal laborans: “*…+ apenas uma das espécies animais que povoam a
Terra – na melhor das hipóteses, a mais desenvolvida” (ARENDT, 2010, p. 104), um ser vivente na
solidão perante ao produto de seu trabalho e de vida, e de manter-se em uma dinâmica na qual o
estar vivo é compartilhado com outros animais viventes, permanecendo “*…+ adstrito à satisfação
de suas necessidades corporais compulsivas, incompartilháveis e significativamente
incomunicáveis.” (CORREIRA, 2013, p. 210). Ou seja, é esse ser solitário e comum, na burocracia
que pode praticar o mal e torná-lo banal, melhor dizendo, torná-lo comum, tendo em vista que a
existência do outro é meramente “animalesca”. Devido à isso, as questões relacionadas as formais
mais diversas de violência, podem se perpetuar na contemporaneidade, e, no caso do trabalho em
si, esse movimento é uma das explicações para a violência de gênero: a ausência do juízo impede
o pensamento crítico, e, nesse espaço de silêncio, o “cumprir” ordenou a invisibilidade do Outro,
no caso, o gênero feminino, ou mesmo a matabilidade do outro, torna-se algo comum, esperado
e, por vezes, até desejado. Esse sintoma é potencializado com os mecanismos de comunicação
midiáticos, quere forçam o machismo no ocidente, moldando esse animal laborans, e sua
suspensão do juízo. A mulher nas mídias é desumanizada de uma forma sutil, pois é “*…+ vista
apenas como um corpo a ser consumido; a violência de veros crimes de de violência doméstica *…+
de ser excluída dos espaços de decisão, de ser futilizada dia após dia por meio da generalização”
10
(CHAVES, 2010, p. 219). A transformação da mulher em um produto de consume midiático é uma
forma de violência de gênero que se aplica na suspensão do juízo praticada pelo animal laborans
da teoria de Arendt. O “homem supérfluo”, que é o que labora, é criado por essa suspensão do
juízo e produze a violência sutil midiática que reforça a discriminação de gênero e culpabiliza a
vítima. Assim, o presente trabalho tem como problema identificar as formas como essa violência
pode ser observada na modernidade, discernindo a participação das mídias no mecanismo da
violência de gênero. O trabalho tem por objetivos apresentar a teoria de Arendt sobre a
banalidade do mal, bem como descrever a forma como esse machismo sútil midiático é tão nocivo
quanto à violência explícita contra o gênero feminino. A metodologia será a bibliografia
documental com método qualitativo, e tem por conclusões parciais o fato de que a banalidade do
mal fomenta, cria e desenvolve o machismo em vários âmbitos, e, sutilmente, se engendra nas
esferas midiáticas, na qual principalmente a objetificação e culpabilização da mulher amplia as
formas de violência de gênero contra esta.
REFERÊNCIAS
ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relatosobre a banalidade do mal. Trad. José
Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Trad. Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2010.
CORREIA, Adriano. Quem é o animal laborans de Hannah Arendt? Rev. Filos. Aurora, Curitiba,
v. 25, n. 37, p. 199-222, jul./dez. 2013.
CHAVES, F. N. A sociedadecapitalista e o feminino: suaestruturafalocêntrica e a questão da
aparência. In: MARCONDES FILHO, C. (org). Transporizações. São Paulo: Eca-Usp, 2010.
PATEMAN, Carole. O contrato sexual. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1993.
PROBLEMA INVESTIGADO
A presente pesquisa tem como objetivo mapear, à luz do feminismo decolonial e
afrodiaspórico, o que se tem conceituado teoricamente como “violência de gênero” ou
“violência contra mulheres” e as violências denunciadas por mulheres situadas na zona do não
ser, confrontando-as, avaliando e explicitando eventuais problematizações que possam
emergir desse encontro. A questão surgiu especialmente do contato com uma pluralidade de
dados estatísticos que sugerem que a evolução concreta do cenário de violência contra
mulheres no Brasil tem se dado de forma distinta para mulheres brancas e negras bem como
com o trabalho de autoras feministas antirracistas que já trazem uma série de produções que
dão sentidos aos dados.
Verifica-se, à luz dos conceitos de zona do ser e de zona do não ser que a elaboração e
implementação de políticas e estratégias de enfretamento à violência contra mulheres é
diretamente influenciada pelos sistemas de opressão, que têm a violência como engrenagem
estruturante. Uma vez explicitado que a violência opera de maneiras distintas na zona do ser e
11
na zona do não ser, torna-se possível empreender o esforço de reconfigurar o que se registra e
entende como violência contra mulheres de modo a visibilizar e efetivamente combater a
violência de gênero imposta a mulheres negras.
OBJETIVOS
O principal objetivo do trabalho é reconfigurar teórico-conceitualmente a noção de
violência de gênero desde perspectivas e experiências amefricanas lidas como inseridas em
uma matriz de poder composta por sistemas de dominação imbricados.
MÉTODO DE ANÁLISE
Realiza-se um estudo bibliográfico, de caráter exploratório, nas obras de Frantz Fanon e
Martín-Baró, que são tomados como principais referenciais para compreender o modus
operandi da violência, seus aspectos, funções e dimensões. Toma-se uma concepção
amefricanizada do feminismo como epistemologia, como modo de compreender a realidade
política a partir da noção de simultaneidade de opressão. Toma-se como premissa a existência
de uma matriz de poder composta por pelo menos quatro sistemas de dominação – o
colonialismo, o capitalismo, o racismo e o cisheteropatriarcado – que se sustentam
mutuamente porquanto articulados de forma complexa e imbricada.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Na medida em que a matriz de poder estabelece um sujeito de direitos que se pretende
universal mas que, contudo, tem raça, gênero, classe, sexualidade e religião definidos, o
direito não se aplica à proteção daquele que não cabem nesse paradigma. Àqueles confinados
à zona do não ser a regra é a violência, mas esta também se opera, ainda que na gramática do
desvio, na zona do ser, que é heterogênea.
A concepção teórica de violência contra mulher deve estar suficientemente aberta de
modo que não se proponha a dar conta de todas as modalidades possíveis e, ao mesmo
tempo, permita que elas sejam reconhecidas como violentas. Em análise sumária, entendo que
as agressões físicas, morais e simbólicas constituem, todas elas, formas de violência que
podem estar presentes em modalidades de violência contra mulheres. Reputo necessário
atribuir à violência contra mulheres enquanto categoria contornos capazes de distingui -la das
modalidades que as violências contra as mulheres podem assumir.
É necessário que se tenha uma chave para identificar e explicitar a violência de gênero
mesmo quando não se tem o reconhecimento jurídico-formal da respectiva modalidade. É
importante que se tenha uma categoria que não se confunda com as agressões que
configuram determinada modalidade de violência para que a caracterização do fato em tese
como violência de gênero não seja capturada por particularismos. Por isso, inicialmente, me
parece que violência de gênero ou violência contra mulheres é uma categoria de violência
estrutural que comporta modalidades de violência institucionais e interpessoais,
caracterizáveis por variadas formas de agressão (física, psicológica, moral, etc.).
12
A RELAÇÃO SOCIOGEOGRÁFICA COMO PROPULSORA DO ABANDONO DA MULHER
NO CÁRCERE FEMININO EM ALAGOAS
13
Até então, observou-se que a questão sociogeográfico em relação presídio Santa Luzia
coloca-se como um obstáculo para a visitação das mulheres, dado que, como única unidade
prisional feminina de todo o estado, abarca em seu seio mulheres advindas das mais diversas
localidades, do sertão ao litoral, fazendo com que seus familiares, principalmente, encontre
obstáculos na distância e, por consequência, no gasto financeiro para custear a visitação periódica.
De mesmo modo, observa-se, desde já, como a categoria de classe precisa ser evidenciada
neste cenário, posto que impossibilita e dificulta o translado de muitas famílias em condição de
vulnerabilidade socioeconômica. Por isso, a necessidade de discussão dos dados observados, a
partir de um viés interseccional. E, por fim, constata-se, centralmente, como essa problemática
não se constituindo um afronte direto ao direito de visita, se manifesta como uma violência
simbólica naturalizada.
Cerca de 100 mulheres por dia sofrem violência doméstica em Pernambuco, segundo
balanço apresentado no início de 2018 pela Secretaria de Defesa Social do estado (QUASE…,
2018). Nas últimas décadas, importantes mecanismos jurídicos foram criados sob o foco de tal
realidade, como a Lei Maria da Penha (2006). Segundo seu art. 1º, a referida Lei, estão entre os
objetivos “criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a
mulher”, e “estabelecer medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência
doméstica e familiar”. O art. 8º discorre sobre medidas preventivas de responsabilidade pública
que visam à desconstrução das condições sociais que perpetuam a violência.
Na realidade prática, no entanto, há uma ausência de políticas públicas efetivas de
prevenção, sobretudo quanto à eficácia do instrumento de Medida Protetiva de Urgência. O que
vê-se, na verdade, é um pedaço de papel sem materialidade preventiva, usado para fins
meramente processuais.
O respaldo do Estado, dessa maneira, vem apenas quando a violência já está posta; não há
um processo de escuta com as acionantes, cujo interesse, muitas vezes, não é ter os seus
companheiros submetidos à violência do cárcere, e sim romper o ciclo de violências. Assim,
buscamos questionar o papel do Sistema de Justiça Criminal (SJC) em tais casos. A partir de uma
criminologia crítica feminista, Vera Regina Pereira de Andrade pontua que:
o SJC é ineficaz para a proteção das mulheres contra a violência porque, entre outros
argumentos, não previne novas violências, não escuta os distintos interesses das vítimas,
não contribui para a compreensão da própria violência sexual e a gestão do conflito e,
muito menos, para a transformação das relações de gênero. O sistema não apenas é
estruturalmente incapaz de oferecer alguma proteção à mulher, como a única resposta
que está capacitado a acionar – o castigo – é desigualmente distribuído e não cumpre as
funções preventivas (intimidatória e reabilitadora) que se lhe atribui. Nesta crítica se
sintetizam o que denomino de incapacidades protetora, preventiva e resolutória do SJC.
(ANDRADE, 2005, p. 75)
A partir dessa crítica, este trabalho objetiva aprofundar um debate acerca da atuação do
Sistema de Justiça Criminal em seu pretenso papel de combater violências direcionadas a minorias
sociais, com recorte para a violência doméstica, analisando qualitativamente como tal violência se
constrói sobre a noção de violência de gênero, numa realidade em que nosso Direito Penal,
essencialmente punitivista, é o mais forte mecanismo posto pelo poder Estatal para responder a
essa questão. Para além, buscamos respostas que possam acolher o problema da violência
doméstica no que transcenda seu estereótipo de manifestações, no universo que constitui
relações de poder viscerais no lar.
Focando nas possibilidades de prevenção de agressões lato sensu que o Estado pode
oferecer, preliminarmente concluímos que a violência doméstica não será combatida de maneira
eficaz sem a busca por possibilidades de atuação que não se restrinjam à esfera penal ou até
mesmo jurídica. Tudo isso ensejando não transformar a dor de tantas que têm suas vidas
15
marcadas pela insegurança em suas próprias casas numa abstração teórica, tratando a pauta com
a urgência que lhe é inerente, mas sem esquecer que nossos olhares imediatos são viciados por
sentimentos punitivos de eficácia simbólica.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, V. R. P. de. A soberania patriarcal: o sistema de justiça criminal no tratamento da
violência sexual contra a mulher. Revista Seqüência, Florianópolis, v. 26, n. 50, p. 71- 102, jul. 2005.
QUASE cem mulheres sofrem violência doméstica a cada dia em pernambuco. JC online. 2018.
Disponível em: jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2018/02/15/quase-cem-
mulheressofrem-violencia-domestica-a-cada-dia-em-pernambuco-327959.php. Acesso em: 14 jun. 2019.
Este resumo tem como objetivo analisar a violência contra a mulher à luz dos Direitos
Humanos, considerando que na trajetória humana a mulher tem sido vítima de uma série de
violências em decorrência do não reconhecimento do seu direito humano enquanto mulher. Foi
na luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, que após um lapso temporal de
17
omissão, o Estado passou a reconhecer esse direito, com a implementação de legislação e politicas
de combate à violência contra a mulher. No entanto, apesar de um conjunto de normas que
disciplinam sobre a temática, os casos de mulheres que tiveram a sua vida ceifada pelo
preconceito, oriundo de uma sociedade patriarcal só cresceu, exigindo por parte do Estado, não
apenas legislação e politicas públicas para uma maior efetivação no enfrentamento a violência
contra a mulher, mas a conscientização dos atores envolvidos no crime, visto que a aplicação da
lei é ineficaz sem essa consciência. Nessa direção, propomo-nos inicialmente a expor a concepção
de Direitos Humanos, tão marginalizada na sociedade, por não concebê-la como um direito de
todo ser humano, independentemente de sua raça, gênero, cor ou credo. E na sequência nos
dedicaremos em situar à construção da Política de Combate a Violência contra a Mulher no Brasil,
desde os tratados internacionais de Direitos Humanos a legislação nacional vigente, bem como,
quais os desafios dessa política para a efetivação do direito humano de toda mulher. Levando em
consideração a construção histórica desvirtuada da figura da mulher, edificada a partir de uma
visão machista e preconceituosa, que ao longo dos anos gerou círculos de violência contra o
gênero feminino. Tal concepção contribuiu para que o Estado fosse omisso a problemática da
violência contra a mulher, incorporando no seu ordenamento jurídico a Lei Maria da Penha de nº
11.340/06, após um largo período de silêncio e aceitação, o que contribuiu para uma série de
arbitrariedades contra a mulher, configurando numa verdadeira violação aos direitos humanos.
Apesar da existência de legislação e de politicas públicas voltadas a proteção do gênero feminino,
compreende-se que a ausência de conscientização sobre o crime imputado, de nada contribuirá
para a sua erradicação, haja vista que fomos marcados por uma sociedade machista e
preconceituosa, prova disso é o número cada vez crescente de mulheres que tiveram sua vida
ceifada por companheiros que tinham nelas o não reconhecimento enquanto sujeito de direito e
sim como um objeto disposto atender seus anseios e devaneios. Assim, todas as formas de
violência e opressão ao gênero humano, são uma violação aos Direitos Humanos, um direito
fundamental, preconizado pela carta magna de 1988 e seus antecessores, tal direito é banalizado
e desvirtuado por não se compreender que os direitos humanos são sinônimos de um direito
inerente a todos os seres humanos, essa condição humana independentemente de fatores
externos nos tornam únicos e iguais entre si.
A violência obstétrica apresenta-se como uma prática estrutural no Brasil e como uma espécie de
violência de gênero que vulnerabiliza direitos fundamentais da mulher, dos nascituros e recém-
nascidos. Esse problema social e de saúde germina no solo mais profundo da cultura, portanto, a
despeito da existência de marcos normativos e políticas públicas destinadas a humanização do
parto, estas são insuficientes quando apartadas de ações específicas para a transformação da
realidade. Essa pesquisa tem como objetivo abordar a recente experiência da reestruturação da política de
assistência à saúde da gestante no município de São José dos Campos/SP. A identificação e compreensão
do problema brotou em 2014 como fruto da iniciativa de movimentos sociais – ÓPIS – Obstetrizes do Vale,
18
Parto do Princípio, Roda Bebêdubem e Centro Dandara de Promotoras Legais Populares - junto ao Núcleo
de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM) da Defensoria Pública Estadual (DPE). Pautadas por
perspectivas feministas, emancipatórias e de empoderamento social, essas protagonistas sociais
privilegiaram a utilização de um modelo sustentável, cooperativo e extrajudicial fundamentado em uma
ampla participação democrática – reuniões administrativas com o Poder Público, Movimentos Sociais e
Especialistas, colhimento de depoimentos, audiência pública, elaboração de cartilha informativa - para o
enfrentamento da violência obstétrica e a humanização do parto. Desse esforço conjunto, nasceu, em
junho de 2018, o Termo de Ajustamento de Conduta nº 01/2018 por meio do qual o município
comprometeu-se a cumprir as leis estaduais nº 10.241/99 a lei nº 15.759/15 que versam,
respectivamente, sobre os direitos dos usuários dos serviços de saúde e o direito ao parto
humanizado nos estabelecimentos públicos de saúde. O TAC estruturou-se em seis eixos centrais:
1. Humanização do atendimento; 2. Direito à informação adequada; 3. Direito ao acompanhante;
4. Respeito à autonomia da mulher; 5. Dever de justificação por escrito das práticas médicas
interventivas; 6. Dever de adequação dos métodos e procedimentos às normativas vigentes. Esses
eixos cuidam diretamente dos problemas identificados durante a gestação do TAC compreendida
entre 2014 e 2018 e, guardadas as circunstâncias dos casos em concreto, essa metodologia foi
pensada para ser replicável em outras localidades. Os resultados serão analisados ao longo dos
próximos anos por meio de relatórios periódicos e visitações in loco. De imediato, já é possível
apontar as seguintes modificações: a readequação da área física do Hospital Municipal com
separação entre Pronto Socorro Obstétrico e Centro Obstétrico; a implantação de um Centro de
Parto Humanizado; a reestruturação das práticas e procedimentos adotados no serviço de
obstetrícia, bem como a capacitação dos profissionais sobre o TAC; livre presença do
acompanhante no pré-parto, parto e pós-parto; diminuição do número de cesárias; regionalização
do atendimento; obrigatoriedade do Plano Individual de Parto; divulgação acessível do TAC nas
maternidades; abertura de curso mensal de natureza informativa para gestantes na rede básica de
saúde; dentre outras. Até o momento, as principais dificuldades práticas vivenciadas são a
resistência cultural e a violência obstétrica como tabu, já que trata-se de uma violência
naturalizada e institucionalizadas, bem como a alteração estrutural de uma política pública em
curso.
Este trabalho tem como objeto de estudo o art. 121, §2º-A, II, dispositivo acrescentado ao
atual Código Penal pela Lei nº 13.104/15, que previu a qualificadora do feminicídio no referido
diploma legal. O feminicídio, disposto no art. 121, §2º, VI, prevê o aumento da pena de reclusão se
o homicídio é cometido contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, que seria
caracterizado no caso de I - violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à
condição de mulher (art. 121, §2º-A).
Porém, antes da supracitada Lei nº 13.104/15, o Código Penal já previa enquanto
qualificadora o motivo torpe (art. 121, §2º, I, CP), definido como “o motivo que atinge mais
profundamente o sentimento ético-social da coletividade” (BITENCOURT, 2006, p. 85). Ora, devemos
cogitar, portanto, que o legislador, ao prever a qualificadora do feminícidio no caso do menosprezo
ou discriminação à condição de mulher, estaria incorrendo em terrível bis in idem, afinal, esta
situação deveria atingir o mais elementar sentimento ético, sendo um evidente motivo abjeto.
19
A necessidade da positivação de tal qualificadora, ao que tudo indica, ocorreria porque a
violência motivada pela condição de ser mulher não estaria sendo enquadrada como motivo
torpe, por não ser percebida como fundamentalmente contrária ao sentimento ético-social da
coletividade. Porém, seria acurado crer que os mesmos aplicadores do Direito que não
enquadravam tais situações na qualificadora de motive torpe passarão a compreender tal crime
como motivado pela discriminação à condição de mulher, aplicando a qualificadora do
feminicídio?
Para compreender melhor os motivos para a elaboração de tal qualificadora e como ela
vem sendo aplicada na prática, pretende-se efetuar uma análise acerca das decisões dos mais
diversos Tribunais do país na aplicação do art. 121, §2º-A, II, CP.
Ademais, como nosso sistema penal vem conceituando a “condição de ser mulher”, tema
sempre abordado no movimento feminista, marcado fortemente pelo questionamento de Simone
de Bevoir no prólogo do Segundo Sexo? (BEAVOIR, 2016, p. 14-16). Nesta perspectiva, devemos
levar em consideração a crítica de Butler aos estudos sobre o gênero e às formas de ação política
que se apoiam em identidades, perquirindo quais grupos e padrões comportamentais estão sendo
excluídos da “condição de ser mulher” (BUTLER, s.d., p. 19).
Por fim, pretende-se suscitar, como questões a serem analisadas após a depuração dos
dados, a problemática abordada por Fraser acerca das coletividades ambivalentes, como o gênero,
que necessitam tanto de políticas afirmativas quanto de políticas transformativas (FRASER, 2001,
p. 232-239) – estas que, em nosso país, aparentam estar sendo renegadas com o aumento do
movimento conservador e as severas críticas traçadas tanto à “ideologia de gênero” quanto ao
próprio movimento feminista.
O objetivo destas críticas não é o de desqualificar o feminicídio, afinal, temos a quinta
maior taxa do mundo (AGÊNCIA BRASIL, 2017) de violência contra a mulher, de maneira que não
se deve insistir apenas com divagações teóricas, renegando as lutas práticas. Contudo, deve ser
questionado desde já se esta tipificação não seria apenas uma tentativa simplista e paliativa de
solucionar um problema multifacetário, mascarando a necessidade de uma abordagem
transformativa a respeito da temática do gênero.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA BRASIL. Taxa de feminicídios no Brasil é a quinta maior do mundo. Publicado em 27 de
agosto de 2017. Disponível em: https://exame.abril.com.br/brasil/taxa-de-feminicidios-no-brasil-
e-a-quintamaior-do-mundo/. Acesso em: 10 jun. 2019.
BEAVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2016.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 2: crimes contra a pessoa.
São Paulo: Saraiva, 2016.
BUTLER, Judith. Is kinship Always already heterossexual? Disponível em:
http://hartza.com/butler2.pdf.
FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça da era pós-socialista. In:
SOUZA, J. (org.) Democracia hoje. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
20
AS EXPRESSÕES DA CULTURA DA VIOLÊNCIA NO ÂMBITO DA SEXUALIDADE:
DESAFIOS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS DA MULHER
Por sua vez, o Relatório Mundial sobre Violência e Saúde, realizado pela Organização
Mundial do Trabalho (OMS) em 2002, apontou que a violência física nos relacionamentos íntimos
normalmente é acompanhada por abuso psicológico e, de um terço a mais da metade dos casos,
por abuso sexual. Dentre 613 mulheres no Japão que alguma vez sofreram abuso, por exemplo,
57% sofreram todos os três tipos de abuso – físico, psicológico e sexual. Menos de 10% dessas
mulheres vivenciaram apenas o abuso físico. O Relatório indica também que as mulheres que são
vítimas de abuso por parte de seus parceiros têm mais depressão, ansiedade e fobias do que as
mulheres que não sofrem nenhum tipo de abuso, conforme estudos realizados na Austrália, nos
Estados Unidos, na Nicarágua e no Paquistão. (OMS, 2002).
A expressa proteção legal, portanto, não alcança a efetiva proteção da mulher, isto
porque, a violência contra a mulher se sustenta em uma cultura da violência de gênero, o que
implica na necessidade de se promover um profundo combate à:
injustiça cultural dos preconceitos, estereótipos e padrões discriminatórios que constrói a
identidade de homens e mulheres, atribuindo-lhes diferentes papéis na vida social,
política, econômica, cultural e familiar. (PIOVESAN; PIMENTEL, 2017).
21
Sendo assim, justifica-se a pertinência de analisar as expressões da cultura da violência no
âmbito da sexualidade, à medida que esta conduz à objetificação da mulher, como norma
socialmente aceita e inquestionável, ao tempo em que se enfatiza que a falha na proteção à
integridade sexual feminina resulta em grave violação dos direitos humanos e atingem as
mulheres em sua dignidade como pessoa humana.
Assim, necessária se faz a busca por explicações que justifiquem o modo de pensar da
sociedade e de legitimar a perpetuação da violência abordada contra as mulheres. Ressalte-se que
o enfoque da análise em questão será, especialmente, pautado no contexto social
contemporâneo.
Nesse sentido, o presente estudo busca apontar os principais desafios que envolvem a
erradicação da violência de gênero, a partir da violência sexual, em um contexto social de
discriminação das mulheres e impunidade para os agressores. Para tanto, utiliza como referencial
metodológico a análise do poder simbólico discutido por Pierre Bourdieu, destacando-se as
categorias de habitus e pré-construções vulgares.
Marilene Pantoja
INTRODUÇÃO
O presente trabalho propõe o estudo de um modelo de violência de gênero, que embora
disseminado nos relacionamentos conjugais, permanece imperceptível para o senso comum, sem
nenhuma previsão em lei. Encoberto por discursos sedutores e comportamentos manipuladores,
submetem a mulher a uma condição de submissão e inferioridade, sem, contudo, assumir
contornos de uma violência tradicional.
A coação não se opera pela força, mas pela manipulação e pela sedução, de tal forma que a
mulher não percebe que está sendo vítima de violência; na grande maioria dos casos, ela assimila
essas condutas opressoras como atos de amor e de cuidado e, então, o seu consentimento deixa
de ser um ato de vontade, para tornar-se a satisfação do desejo do opressor.
JUSTIFICATIVA
Em 2016, um total de 4.645 mulheres foram assassinadas no Brasil, segundo o Anuário de
Segurança Pública (2017), o que representa uma taxa de 4,5 homicídios para cada 100.000
brasileiras. Embora esses dados sejam verdadeiros, eles não representam a realidade da violência de
23
gênero no país. No Brasil, muitos assassinatos perpetrados por homens contra suas companheiras
são subnotificados e passam ao largo da atuação do Estado. Sequer tornam-se dados estatísticos,
porque não chegam ao conhecimento das autoridades que deveriam investigá-los.
Ademais, desse total de mortes, apenas 621 casos foram considerados feminicídios. Os
demais foram tratados como homicídios comuns, e não com a conotação de conflitos de gênero.
Esses dados demonstram como ainda há muita resistência do Estado no reconhecimento da
condição de gênero como determinante do crime de homicídio praticado contra mulheres.
Por outro lado, o crime de estupro tem apresentado índices estatísticos muito elevados.
Em números absolutos, foram levantados pelo 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 49 mil
casos. A despeito da alteração do Código Penal, em 2009, quando a tipificação do crime de
estupro passou a incluir além da conjunção carnal, o ato libidinoso e o atentado violento ao pudor,
permitindo que homens pudessem ser vítimas de tais crimes, historicamente a vítima desse crime
é preponderantemente mulher, com valores que se encontram entre 85 a 88% dos casos. Em
relação aos agressores, estima-se que em torno de 90% ou mais são homens.
De forma mais grave que o homicídio, a subnotificação do estupro mascara a realidade
sobre a ocorrência desse crime.
Segundo o Atlas da Violência 2017, as polícias brasileiras recolheram um total de 49.497
registros de estupros em 2016. A nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)
de 2017 sugere que apenas 10% dos crimes de estupro sejam efetivamente notificados. É
consenso que este é um dos crimes mais subnotificados, em razão de suas características. Muitas
vítimas, por vergonha, medo e até culpa, deixam de denunciar. Outro fator importante diz
respeito ao perfil do autor: na maioria, são pessoas muito próximas da vítima. Dados do IPEA, de
2017, apontam que mais de 50% dos estupros sofridos por crianças e adolescentes foram
praticados por conhecidos, como pais, padrastos, namorados ou amigos. Entre adultos esse índice
se aproxima dos 40%.
Esses dados revelam como dois dos crimes mais graves cometidos contra a mulher, a
despeito de um aparato estatal organizado para punir exemplarmente os responsáveis, ainda são
subnotificados. Isso implica dizer que muitos desses crimes jamais serão investigados e seus
autores jamais serão punidos. Muitas mulheres, que deveriam ser protegidas pelo Estado, irão
permanecer sob a dominação de seu agressor, que estimulado pela impunidade, volta a agredir
suas vítimas, reiteradamente.
Dessa perspectiva, se num contexto mais manifesto, crimes graves ainda são
subnotificados, como homicídio e estupro, num espaço mais reservado, que envolve
comportamentos sutis e dissimulados dos agressores, muitas mulheres, mergulhadas numa
cultura discriminatória e abusiva, silenciam diante da violência sofrida, relativizando a própria dor.
São mulheres que não percebem o limite entre o seu direito e o direito do outro. Permitem-se ser
invadidas em sua integridade física e moral, na sua intimidade e nos seus sentimentos. Não
identificam a violência, tampouco reconhecem a violência do outro, e assim o relacionamento
abusivo passa a ser endossado pela própria vítima.
Pequenos fragmentos de atos violadores da dignidade das mulheres, uma vez
estabelecidos nas relações afetivas, são naturalizados sem que ninguém os questione; eles
simplesmente existem. Não se pode negar que esses arranhões na dignidade da mulher, ainda que
na forma embrionária da violência, tem potencial para evoluir para crimes graves; sim, eles
evoluem.
Porém, o que interessa para esta pesquisa é estudar esse embrião de violência, não apenas
como um perigo futuro para a sociedade, com potencial para se transformar em crimes graves,
24
mas como ações abusivas por si mesmas. Condutas detentoras de autonomia na exata condição
em que são praticadas, independentemente da capacidade de consentimento da vítima estar ou
não comprometida. Por si só, são condutas violentas e, portanto, capazes de violar a dignidade das
vítimas, desafiando todo o sistema de proteção à mulher.
Embora o ordenamento jurídico brasileiro esteja legitimado para apurar a responsabilidade
penal de cada sujeito que eventualmente infrinja a lei, violando quaisquer direitos das mulheres
tutelados pelo Estado, boa parte dos crimes perpetrados contra mulheres não é punida. As razões
dessa inação estatal residem em diversos fatores, inclusive culturais.
Em resposta a esse quadro de impunidades, entrou em vigor no Brasil, em 2006, a Lei
11.340, que ficou conhecida como lei Maria da Penha, em alusão à mulher que, vítima de tentativa
de homicídio por parte de seu companheiro, lutou para evitar sua impunidade, o que lhe causou
seqüelas físicas, inclusive.
Muito festejada pelos movimentos feministas, na época de sua publicação, essa lei
surpreendeu, entretanto, por não trazer, em seu texto tipos penais, ou seja, condutas descritas
como crime; ao contrário, ela utilizou os tipos penais já existentes no Código Penal, para atribuir-
lhes maior rigor na apuração, estabelecendo um rito processual diferenciado para eles, a exemplo
da obrigatoriedade da prisão em flagrante para qualquer crime que fosse cometido contra
mulheres. Com essa teleologia, a citada lei construiu a definição de violência de gênero em cinco
categorias: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, conforme estabelece seu art. 7º, I, II, III,
IV e V, respectivamente.
Assim, o Estado passou a proteger com maior amplitude a violência perpetrada contra a
mulher, no âmbito da unidade doméstica, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto atual
ou passada.
Entretanto, para serem consideradas criminosas, as condutas devem estar previstas na lei
penal, a fim de que o Estado possa movimentar a máquina judiciária. Caso contrário, em respeito
ao princípio da reserva legal, que rege o Direito Penal e exige a previsão em lei de uma conduta
anterior ao cometimento do ato, nada poderia ser feito contra o sujeito que praticasse violência
contra mulher, caso não fosse possível o enquadramento legal daquela conduta.
De um modo geral, esse é o quadro legal no que diz respeito à aplicação da Lei Maria da
Penha: que a conduta esteja prevista em lei como crime e que essa conduta seja cometida no
âmbito da unidade doméstica, familiar ou em razão de uma relação íntima de afeto.
Pensar acerca de condutas que não sejam reconhecidas como criminosas, pela simples
ausência de previsão legal, mas que violam inúmeros direitos das mulheres nas relações conjugais,
impondo-lhes sofrimento, já justifica, por si só, a necessidade deste trabalho. Além disso, essa
forma silenciosa de violência reifica uma cultura machista ainda muito forte e disseminada na
sociedade brasileira, instigadora e motivadora da violência doméstica que vitima milhares de
mulheres anualmente no Brasil.
PROBLEMA
Considerando que a sociedade brasileira é estruturada a partir de uma cultura machista,
onde práticas sexistas são disseminadas e naturalizadas, é possível considerar violência de gênero
a conduta de homens que, inseridos e adaptados nessa cultura, apropriam-se de um discurso
legitimador da superioridade masculina, para impor seus valores e crenças sobre a mulher que,
imersa na mesma cultura, além de não perceber a violência, dissimulada e naturalizada pelo
imaginário social, nega sua condição de vítima, tornando-se conivente com a própria agressão?
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Hipóteses
A mulher não tem consciência da agressão por estar culturalmente tão absorvida da
cultura machista, que não se percebe no lugar de oprimida;
A mulher tem consciência da violência, mas aceita a agressão, por entender que os homens
gozam de privilégios sociais que legitimam suas ações agressivas.
A mulher percebe a relação de dominação, mas sujeita-se à violência como um
instrumento de negociação a ser utilizado na resolução do conflito;
OBJETIVOS
Geral
Compreender se é possível entender como violência de gênero a conduta de homens que,
inseridos e adaptados numa cultura machista, apropriam-se de um discurso legitimador da
superioridade masculina, para impor seus valores e crenças sobre a mulher que, imersa na mesma
cultura, além de não perceber a violência, dissimulada e naturalizada pelo imaginário social, nega
sua condição de vítima, tornando-se conivente com a própria agressão?
Específicos
Relacionar as diversas formas de violência de gênero previstas em lei;
Analisar como a cultura machista interfere nos valores da sociedade e afeta
comportamentos, por meio de leituras dos teóricos sobre o tema;
Identificar discursos estereotipados nas relações afetivas que povoam o imaginário social;
Entrevistar mulheres que vivenciam relacionamentos abusivos, mas que não se percebem
nessa condição;
MÉTODO DE ANÁLISE
A metodologia a ser utilizada no presente estudo utilizará a pesquisa pura, recorrendo aos
teóricos que produziram acervo bibliográfico sobre o tema, que irão subsidiar a pesquisa.
A coleta de dados será por amostragem estratificada por idade, classe social, grau de
instrução e opção religiosa. A pesquisa de campo será realizada, com utilização de entrevistas e
questionários a serem aplicados em homens e mulheres no âmbito das relações afetivas.
O tipo de análise será qualitativo, com vistas a compreender o processo de dominação
masculina, identificando comportamentos a partir do papel social dos atores envolvidos.
O método a ser utilizado será o dedutivo, vez que partirá da generalidade do tema, para
alcançar situações específicas de relacionamentos abusivos.
CONCLUSÃO
Em um universo machista como a sociedade brasileira, em que a superioridade masculina é
historicamente sustentada por um arcabouço sócio-cultural, a desigualdade de gênero encontra-
se infiltrada no tecido social de forma tão impregnada, que passa a ser percebida não como uma
realidade construída, mas como consequência natural da vida em sociedade.
No âmbito das relações afetivas, a naturalização da proeminência masculina determina o
cumprimento de papeis sociais a serem desempenhados por homens e mulheres. Numa relação
amorosa heterossexual, práticas sexistas submetem a mulher a uma condição de inferioridade em
espaços conjugais nem sempre harmônicos, gerando diferentes níveis de conflitos, que podem
variar em intensidade e freqüência, assumindo, na maioria dos casos, contornos de
26
relacionamento abusivo, quase sempre com uso de violência física. Os conflitos emergem e crimes
são perpetrados no âmbito familiar, quase sempre por homens contra suas mulheres.
No mundo inteiro, mulheres são assassinadas e violentadas diariamente por homens que
um dia disseram amá-las, pelo simples fato de serem mulheres.
Agindo com violência, praticando qualquer delito previsto em lei contra sua mulher, o
agressor responderá pelo crime cometido. Denunciado o crime, ele torna-se objeto de
investigação policial, ensejando a prisão do criminoso. Seu registro irá compor as estatísticas
oficiais de violência doméstica, informando acerca do quadro de vulnerabilidade da mulher no
âmbito doméstico e familiar e ensejando políticas públicas de proteção às vítimas.
Evidente que pela própria natureza dos crimes cometidos, a vítima encontra-se numa
condição de vulnerabilidade maior, em razão da coabitação e/ou da dependência afetiva,
sobretudo quando há ameaças recorrentes do agressor. Submetida a essa condição, a mulher
pode optar por não denunciar o seu agressor, seja por temer represálias, seja por desacreditar no
sistema de proteção estatal. Em ambas as hipóteses, entretanto, ela tem ciência de que foi vítima
de violência doméstica, sabe que houve um crime, mas prefere silenciar.
São, portanto, crimes subnotificados, o que implica dizer que os dados estatísticos
apresentados sobre violência de gênero não refletem a realidade do que acontece numa parcela
significativa da sociedade brasileira.
Observa-se, então, que uma vez sendo vítima de qualquer tipo de violência prevista em lei,
praticada no âmbito doméstico e/ou familiar, a mulher pode denunciar seu companheiro, exigindo
a punição estatal correspondente. Pelas razões já demonstradas, ela também pode silenciar
acerca da agressão sofrida. Conforme se observa nas duas hipóteses, a análise reporta-se a crimes,
ou seja, toda conduta humana prevista na lei penal como típica e antijurídica. São práticas
criminosas que estão previstas no ordenamento jurídico de conhecimento de todos os aplicadores
da lei. Nenhuma delas, entretanto, é o objeto desta pesquisa.
Este trabalho se propõe a analisar uma modalidade diferente de violência; uma violência
que não está descrita em nenhum tipo penal, por não ter sido considerada pelo legislador. Ela não
é estudada pelos juristas, tampouco está presente na maioria dos discursos feministas ou nos
debates acadêmicos, mas está poderosamente infiltrada nos relacionamentos afetivos, ditando
regras e definindo papéis sociais. Silenciada por uma forte cultura machista, essa violência torna-
se invisível.
Num ambiente familiar estabelecido num sistema patriarcal, com evidente assimetria de
poder entre seus membros, bastante comum nas estruturas familiares brasileiras, nem sempre as
relações familiares podem se revelar abusivas.
A incidência de inúmeras variáveis no relacionamento entre um homem e uma mulher no
âmbito conjugal pode conduzir a diversas formas de apreensão da realidade e, como
conseqüência, de percepção de uma possível violência dentro de uma relação afetiva. Por
inúmeras razões, uma mulher pode silenciar acerca da violência infligida por seu companheiro. Se,
na maioria das vezes, ela o faz por temer represálias, a intimidação, nesse caso, será sempre um
fator manifesto e concreto de uma violência silenciada.
Essa concretude, traduzida na presença factual do medo da vítima, contudo, pode não ser
tão evidente. Nem sempre uma mulher que silencia sobre a violência praticada por seu
companheiro o faz por medo de represálias.
O medo pode ser apenas a conseqüência de uma causa subjacente, encoberta pelo que
Bourdieu chamou de habitus. Pensar no relacionamento conjugal, dessa perspectiva, implica em
27
afirmar que a subjetividade feminina é individual, mas concomitantemente social e coletivamente
organizada por uma cultura machista. A subjetividade feminina é, portanto, uma subjetividade
socializada.
Há nos relacionamentos afetivos uma espécie de “cumplicidade” nas práticas conjugais,
sustentada por valores e crenças que conduzem a um reforçamento de condutas que, ao serem
gradualmente engendradas na rotina dos casais, podem vir a naturalizar comportamentos
atravessados por discursos machistas, capazes de legitimar práticas abusivas clandestinas,
naturalizando-as dentro da relação. A maneira como os casais apreendem essas linguagens e as
atualizam na rotina dos seus relacionamentos é que demarcará o limite entre um relacionamento
abusivo e um relacionamento equilibrado.
Dessa perspectiva, os relacionamentos afetivos podem se tornar espaços de produção e
reprodução de discriminação da mulher e, portanto, de violência
Algumas vezes, porém, podem ser ambientes de consenso entre dominador e dominado;
lugares de convivência, conveniência e conivência com a violência. É dessa perspectiva silenciosa
da violência e, portanto, distanciada do seu conceito tradicional, que este trabalho se propõe a
analisar os relacionamentos afetivos.
O cotidiano vivenciado pela mulher, nas relações conjugais espalhadas pelo Brasil, aponta
para um gap, um vazio não contemplado pela Lei Maria da Penha, quanto às modalidades de
violência doméstica, onde os relacionamentos se desenvolvem a partir da lógica da superioridade
masculina, que permite a naturalização de abusos e violências contra mulheres, sem a devida
proteção estatal.
O interesse pelo tema resultou da observação despretensiosa, e até mesmo casual, mas
que pela sua recorrência chamou a atenção para uma análise mais cuidadosa. Independente da
classe social, da instrução, da religião, da origem dos casais, é comum encontrar relacionamentos
abusivos dissimulados. São abusadores e vítimas que convivem e se reconhecem como amantes
apaixonados. Não raro, os abusos são percebidos pelas vítimas como excesso de amor, enquanto
que para o abusador esse consentimento inadvertido funciona como reforço positivo,
incentivando sua repetição. Uma vez estabelecido o ciclo da violência, ele reproduzir-se-á
continuamente.
29
MULHERES NO TRÁFICO: UMA ANÁLISE DO DISCURSO DE VIOLÊNCIA NO CRIME DE
TRÁFICO DE DROGAS COMETIDOS POR MULHERES NA CIDADE DO RECIFE NO ANO
DE 2019
30
LEI MARIA DA PENHA E AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: UM ESTUDO DE CASO NA
CIDADE DO RECIFE
A maioria dos delitos que ocorrem no âmbito de violência doméstica e familiar contra a
mulher são ameaça, crimes contra a honra e lesões corporais leves, caracterizados como crimes de
menor potencial ofensivo. Antes da entrada em vigor da Lei Maria da Penha, tais delitos eram
processados e julgados pelo rito dos JECrims, de modo que eram aplicadas as medidas
despenalizadoras nele previstas. Entretanto, críticas foram tecidas a esta sistemática por
entender-se que tal procedimento levava à banalização da violência de gênero praticada em
ambiente doméstico, razão pela qual, ao ser promulgada em 2006, a Lei Maria da Penha
recrudesceu o tratamento dado aos autores de delitos que se dão neste contexto. Nesta toada,
além de imposibilitar a aplicação da Lei nº 9.099/05 aos casos nela abrangidos, alterou o artigo
313 do CPP para incluir no rol de situações que ensejam a decretação de prisão preventiva a
necessidade de assegurar a execução de medidas protetivas de urgência em casos em que o crime
se deu em um contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher. Este artigo investiga o
impacto desta previsão, especificamente no que tange à prisão em flagrante dos ofensores, sob a
ótica, ainda, da efetividade do Projeto Audiência de Custódia nestes casos, após sua
implementação em 2015, de modo a delimitar os aspectos do Projeto neste cenário. Para tanto,
além de revisão bibliográfica, procedemos à observação não-participante das audiências de
custódia de Recife/PE de maio a julho de 2018, bem como à análise documental dos respectivos
autos de prisão em flagrante envolvendo violência de doméstica. Em primeiro plano, pôde-se
notar que o perfil do agressor é de homens negros que residem em bairros periféricos, em
consonância com os dados colhidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2017. Ademais, o
clima de tais audiências é bastante amistoso, sobretudo quando se trata de violência contra a
mulher em que o agressor é seu companheiro ou marido. O comum é que os operadores do
Direito teçam piadas de cunho sexista em frente ao custodiado, levantando suposições sobre a
auto-estima e aparência da mulher ofendida, geralmente rotulada como “mulher que gosta de
apanhar”. Ainda, pelo que pudemos observar, na maioria dos casos o ofensor é colocado em
liberdade provisória cumulada com medidas cautelares, que são aplicadas em “pacote”, de modo
que funcionam como um objeto de barganha entre o magistrado e o flagranteado. É que muitas
das vezes os operadores do Direito aplicam verdadeiros sermões aos agressores no intuito de que
não repitam aquela conduta, após o que lhes advertem de que sua soltura será um ato de
benevolência do magistrado, uma “segunda chance”. Por isso, somente foi convertida a prisão em
preventiva nos casos em que o autuado já havia descumprido medidas protetivas de urgência
anteriormente impostas em seu desfavor em razão de outra(s) violência(s) contra a mesma
vitimada. Assim, nos parece que o dilema da trivialização da violência doméstica contra a mulher
permanece, uma vez que, ao ser colocado em liberdade provisória em sede de audiência de
custódia, o agente pode chegar a conclusão de que o procedimento em nada resultou e de que
sua conduta foi chancelada pelo judiciário, tal qual ocorria antes da entrada em vigor da
11.340/06. Daí decorre o índice de descumprimento de medidas protetivas que levou a inclusão
do artigo 24-A na Lei Maria da Penha, novamente tratando-se apenas as consequências dos
conflitos domésticos e não as suas principais causas, quais sejam, as questões de gênero. Assim
sendo, a rigidez trazida pela Lei Maria da Penha não foi suficiente para reduzir a violência contra a
mulher. Para tanto, é fundamental que se apliem os horizontes para além do modelo de justiça
31
penal tradicional, que se apresenta como instrumento inidôneo para resolver as contendas
domésticas.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Violência Doméstica. Audiência de Custódia.
PROBLEMA INVESTIGADO
Como e por que morrem as mulheres? Até onde isso é responsabilidade do Estado e da
própria sociedade? Os crimes são sempre similares, na maioria das vezes passionais, sentimentos
de posse e violação da autonomia da mulher. O presente trabalho se ocupa em não permitir que
este tipo de crime seja banalizado, naturalizado. É a continuidade deste tipo de estudo que
fortalece o “tipo penal feminicídio”. O problema investigado visa identificar o que é o feminicídio e
os principais motivos que ensejaram a sua tipificação no ordenamento jurídico brasileiro.
Destacaremos os vários indícios que podem identificar um homem abusador antes mesmo de
praticar tais atos que culminam o crime da mulher no país. Os principais tipos de violência sofridos
pelas mulheres são: “violência sexual, violência doméstica ou família, assédio sexual, assédio
moral e feminicídio”. Identificando os sinais para que a mulher tenha ciência de como essas
violências iniciam. Mostrando também o comportamento do homem como indivíduo patriarcal, e
o papel da mulher diante dessa figura machista que leva o Brasil a ser o 5º país do mundo no
ranking em taxa de feminicídios. Constatando-se que a violência é um problema cultural, que vem
desde a Roma Antiga, onde o Pater Famílias, detinha o homem como o poderoso chegando a
vender seus próprios filhos e a mulher sempre submissa. Pois ele era a autoridade maior. Onde a
mulher não tinha voz, e muito menos condição igualitária. Entretanto, os casos de hostilidade
contra a mulher acontecem de forma silenciosa e repetitiva, principalmente no âmbito doméstico.
OBJETIVOS
De acordo com a curva ascendente de feminicídios e a permanência de altos padrões de
violência contra mulheres demonstram a necessidade de mudanças sociais, culturais, legais e
políticas. Os altos índices de violência revelam a urgência com que o problema deve ser
priorizado e superado pelo Estado e também pela própria população. O maior objetivo é não
permitir a banalização desse crime e conscientizar a sociedade e fazer com que ela deixe de ser
conivente e permissiva, chamando-a à responsabilidade para dirimir esta situação. A mulher que
sofre violência, ela é a vítima, e nunca será culpada. Sofre calada e na maioria das vezes vai morrer
calada. Esse ciclo precisa ser rompido. O homem abusador que vende a imagem do protetor, mas
que tem sentimento de posse sobre a mulher, controle sobre seu corpo e até mesmo limitação de
sua emancipação profissional, econômica, social e intelectual. A mulher não precisa de proteção,
precisa ser valorizada e respeitada. Ter o direito de ser o que quiser. Porque se ela quer trabalhar,
ela vai trabalhar. Se quer estudar, ela vai estudar. Se ela não quer mais o homem, ele vai ter que
entender. E o papel e solidariedade das mulheres nesses casos serão muito importantes no
32
âmbito psicológico, onde aquela vítima já não tem forças para sair daquela situação, porque
muitas vezes ela se permite por não ter realmente para onde ir, e no momento em que é apoiada,
a história muda e a mulher ganha força para enfrentar e denunciar o agressor. Assegurando assim,
os Direitos Humanos das Mulheres com leis que lhes foram direcionadas, no enfrentamento à
violência. Sendo a Lei no. 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, a mais notória
nesta temática; criando mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Recentemente, o Brasil sancionou a Lei no. 13.104/2015 (Lei do Feminicídio), instituindo nova
modalidade de homicídio qualificado que prevê como crime hediondo o assassinato de mulheres
por “razões da condição de sexo feminino” – ocorridas em caso de violência doméstica e/ou
familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. É imprescindível que a lei seja
aplicada de forma condizente às diferentes formas de violência sofridas por mulheres em função
de seu pertencimento étnico-racial. Vale ressaltar aqueles que conquanto voltados à população
em geral, essas leis são de grande importância para assegurar os direitos das mulheres.
METODOLOGIA
Essa pesquisa é básica, estratégica com objetivo descritivo e teve como ponto inicial,
mostrar o que é o feminicídio e identificar os principais sinais de um homem abusador. Para se
alcançar os objetivos propostos neste artigo, utiliza-se como metodologia a revisão bibliográfica,
analisando a literatura pertinente a respeito dos indícios que antecedem as agressões, seus
principais conceitos e posicionamentos acerca da temática em questão. Foram utilizados livros,
leis, pesquisas e artigos científicos para um maior aprofundamento no tema, utilizando os
seguintes descritores de forma isolada e associada: ao comportamento patriarcal e o Feminicídio.
O método de análise utilizado será o qualitativo, o qual proporcionará a formulação das discussões
sobre os principais resultados e conclusões.
CONCLUSÕES
Neste artigo abordamos pontos importantes sobre os comportamentos de homens
abusadores, sabotadores. Mostrando e identificando que a agressão moral é o início de várias
outras violências que as mulheres sofrem quando não tomam providências, não reagem. Ao
realizarmos o presente estudo nos deparamos com vários desafios. O primeiro foi situar a
violência psicológica dentro deste fenômeno amplo e complexo que constitui a violência contra a
mulher. O ambiente onde mais ocorre a violência doméstica contra a mulher é o interior da
residência, seguido de suas imediações o que acentua a invisibilidade da violência e seu caráter
privado mas também pode acontecer no âmbito de outras relações ou serem cometidos por
estranhos e até mesmo por outras mulheres. Muitas mulheres são agredidas, fazem o Boletim de
Ocorrência contra o agressor, e depois que o processo já está no Fórum, vai ao Judiciário retirar a
Medida Protetiva, fazendo com que fique totalmente vulnerável ao agressor, e a partir da retirada,
o Judiciário não pode ser responsabilizado pelo que possa vir a ocorrer. No primeiro grito: Eu vou
lhe matar. Não duvide, ele mata. A medida protetiva tem funcionado bastante, no Brasil, mas
necessário se faz que a mulher busque esse direito. As medidas protetivas de urgência previstas
na Lei Maria da Penha são destinadas a dar uma maior efetividade à busca pela proteção à
mulher, vítima de violência no ambiente familiar, afetivo e doméstico. O agressor precisa ser
conscientizado que a mulher não é objeto, e sim uma pessoa, ser humano que merece respeito. É
necessário desconstruir a figura do homem machista, de que eles podem tudo e cessar esse
quadro de agressões e crimes com denúncias das vítimas e da sociedade, resguardando os direitos
humanos da mulher.
33
TRÁFICO INTERNACIONAL DE PESSOAS: A VIOLAÇÃO DE DIREITOS
HUMANOS PERANTE A COMERCIALIZAÇÃO DE SERES HUMANOS
A modalidade criminal que leva o nome de tráfico internacional de pessoas afeta milhares
de vítimas todos os anos ao redor do mundo, sabe-se que esta é responsável pela violação dos
Direitos Humanos em diversos níveis e de diversas formas. A delimitação do presente trabalho se
dá quanto às legislações que tratam sobre o assunto, tanto a nível global quanto apenas no Brasil.
Isso posto, surge o presente problema de pesquisa: em que medida se dá a relação jurídica
entre as Convenções Internacionais sobre o tema e o direito brasileiro como forma de combate ao
Tráfico Internacional de Pessoas. Diante do citado problema de pesquisa, origina-se as seguintes
hipóteses: se a Convenção de Palermo e o direito brasileiro revelam-se eficazes, parcialmente
eficazes ou ineficazes para prevenir, reprimir e punir a prática do tráfico internacional de mulheres
e crianças brasileiras.
Assim, objetivo geral traçado é analisar o tráfico internacional de pessoas com enfoque na
violação dos Direitos Humanos, bem como quanto à aplicação da legislação brasileira e da
Convenção de Palermo. Para tanto, os objetivos específicos delineados são: explorar o Tráfico
Internacional de Pessoas no mundo globalizado apontando o seu desenvolvimento histórico;
identificar as legislações criadas pertinentes, em escala nacional e internacional, bem como
identificar os sujeitos e as medidas tomadas para evitar a ocorrência do crime.
Para o desenvolvimento da monografia jurídica, será utilizado o método de pesquisa
hipotético-dedutivo, o qual tem início com um problema de pesquisa ou uma lacuna no
conhecimento científico, passando pela formulação de hipóteses e por um processo de inferência
dedutiva, que testa a possibilidade da ocorrência do abrangido na referida hipótese (PRODANOV;
FREITAS, 2013). A presente pesquisa terá como fonte meios bibliográficos e documentais, e, como
fontes imediatas jurídico-formais, o estudo da legislação, princípios e Convenções Internacionais,
visando alcançar a compreensão dos fenômenos de estudo dentro do contexto que se encontram.
Por meio da análise feita com base nas cartilhas escritas pelo governo brasileiro, bem como
livros sobre essa temática, é possível observar que o crime do tráfico pode ser considerado como
praticamente invisível, que não recebe o reconhecimento que deveria pela gravidade do
problema. Outro ponto que se extrai do estudo é que, por enquanto, não é possível a extração de
estatísticas precisas e de números e características extremamente precisos, o que é feito são
constatações de possíveis traços, que aparecem com mais frequência, não sendo adequado
confiar cegamente nas descrições e números.
Conclui-se que é fundamental que os Estados mantenham-se frequentemente atualizando
as suas legislações conforme for necessário, visto que o tráfico internacional de pessoas é de
extrema mutabilidade, adaptando-se de acordo com as mudanças econômicas e sociais em todo
mundo. Levando-se em conta o que foi observado, tendo como objetivo principal das medidas
tomadas pelo Estado a proteção a vítima, é indispensável que haja treinamento específico para os
policiais, agentes de fronteira, profissionais da área da saúde, e outros setores, com o intuito de
que não ocorra a revitimização da vítima.
REFERÊNCIAS
PRODANOV, C. C.; FREITAS, E. C. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da
pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo: ASPEUR, 2013. Disponível em:
https://bit.ly/2o3DMCU. Acesso em: 1 mar. 2019.
34
Coordenação:
Jorge Luiz Oliveira dos Santos (UNAMA)
Andreza do Socorro Pantoja de Oliveira Smith(UFPA)
TRANSEXUALIDADE NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: A LUTA PELO
RECONHECIMENTO DA IDENTIDADE DE GÊNERO NO DIREITO BRASILEIRO
Esse estudo traz uma reflexão sobre situação jurídica de crianças e adolescentes
transexuais na sociedade e no direito brasileiro, objetivando contribuir com argumentos neste
campo dos estudos de gênero, ao mesmo tempo em que favorece a visibilidade desse tópico na
academia e na sociedade, criando um espaço aberto a diálogos positivos e confiáveis para que as
pessoas possam reconhecer a identidade trans na infância e na adolescência. A identificação com
o sexo oposto e o eventual desejo de uma pessoa em assumir uma nova identidade de gênero se
formam ainda na infância, sendo possível que algumas pessoas só venham a compreender sua
verdadeira identidade de gênero apenas na adolescência ou na fase adulta. Portanto, se se
descobrir transexual já era um desafio para uma pessoa adulta, ele se torna ainda maior quando
se é uma criança ou um adolescente, seja por eles não conseguirem compreender o que está de
errado com o próprio corpo, seja por terem de se habituar às dúvidas existentes diante de uma
sociedade discriminatória. Como o infante ainda se encontra em desenvolvimento físico e
psíquico, ele precisa do apoio e suporte dos adultos, os quais deverão entender que o menor
transexual poderá optar por receber um tratamento que venha lhe propiciar o seu pleno
desenvolvimento físico, psíquico, moral e sexual, tal como fundamenta o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA). Além da convivência familiar e em sociedade, que podem ser bastante difíceis,
as crianças e os adolescentes transexuais têm, ainda, de enfrentar o bullying e a transfobia nas
escolas. Portanto, o presente estudo irá investigar como a existência desses e de outros desafios
podem afetar no desenvolvimento físico e psíquico dos menores transgênero, assim como será
analisado a possibilidade da retificação do registro civil dessa parcela da população. O objetivo
geral é de compreender os desafios enfrentados pelas crianças e pelos adolescentes transexuais
na sociedade e no sistema judiciário brasileiro, tendo como objetivos específicos a realização de
revisão de literatura sobre a transexualidade na infância e adolescência, estudo sobre o direito ao
nome e ao nome social e a analise a situação jurídica do menor transgênero no direto brasileiro.
Este trabalho se utilizará do método dedutivo e da técnica de procedimento bibliográfico. Com o
desenvolvimento do presente estudo, a expectativa é de criar um espaço aberto de diálogos
positivos e confiáveis para que as pessoas possam reconhecer a identidade trans na infância e na
adolescência e que possam entender que os menores transgênero devem ser tratados em
igualdade como outras pessoas, pois o respeito não cria rótulos. A democracia é direito de todos,
não só da maioria. Os menores transexuais são tidos como minorias, alvos do preconceito e da
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discriminação, merecendo, portanto, tutela diferenciada e mais atenta para terem seus direitos
reconhecidos.
Palavras-chave: Identidade de gênero. Transexualidade. Infância e adolescência.
O Queer surge como reação ao momento biopolítico instaurado pelo tratamento dado à
epidemia da aids, na segunda metade dos anos 1980, a partir de movimentos de resistência
concretizados pelo ACT UP e Queer Nation. Cumpre destacar que a demanda do movimento Queer
não se limita à questão da homossexualidade, mas traz à tona discussões como a
interseccionalidade, a decolonialidade, o não-binarismo, o não-capacitismo, o combate às
violências geradas pelos preconceitos contra corporeidades não-padrão. Segundo Miskolci, em
Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças, a problemática do queer é a abjeção. Não se trata,
portanto, de uma reivindicação pela aceitação e inclusão coletiva, mas uma crítica às normas
culturais de padrão e de normalização. Em Teoria Queer – uma política pós-identitária para a
educação, Louro ensina que, de acordo com as teorias Queer, para romper com os binarismos
estabelecidos e reiterados em nossa lógica ocidental - heterossexualidade/homossexualidade,
homem/mulher, por exemplo – e seus efeitos, tais como a hierarquia, a dominação e a exclusão
de corpos dissidentes, faz-se necessário empreender uma mudança epistemológica. Um ensino
Queer, aqui pensado especialmente o ensino jurídico, deve existir como forma de quebrar os
padrões estabelecidos, questionar e contestar normas vigentes, colocar em discussão o Outro,
problematizar as estratégias normalizadoras, perturbar a ordem que dita as formas “corretas” de
ser. Consoante Bittar, em Educação e metodologia para os direitos humanos: cultura democrática,
autonomia e ensino jurídico, o conhecimento técnico voltado apenas aos exames operatórios -
OAB, provas semestrais, concursos públicos, por exemplo -, se não aliado à leitura da realidade e
da dinâmica da vida social, é alienante e cria profissionais monovalentes e intelectuais distorcidos,
preocupados muito mais com as tecnicidades e com os aspectos instrumentais do que com o
papel social a desempenhar. O estudo em questão propõe-se a analisar o ensino jurídico brasileiro
de maneira global e refletir sobre como um ensino jurídico Queer pode contribuir para a formação
de profissionais do Direito não-mecanizados, interessados na existência e na problemática do
Outro. A metodologia utilizada terá como premissa a pesquisa bibliográfica. Demais recursos
como periódicos e outros documentos serão utilizados com o objetivo de possibilitar o
embasamento do tema em análise. Notadamente, quase toda produção de conhecimento é
realizada a partir de uma perspectiva heterossexista, por meio de um ponto de vista masculino,
branco, ocidental, cristão e heterossexual. Destarte, de forma a agir na contramão do sistema, o
ensino jurídico que se deseja e que se carece deve sensibilizar, promover o pensamento e
recuperar a consciência do Outro. A indiferença e a invisibilidade dos problemas societários
precisam ser superadas, portanto, por um movimento pedagógico que realize uma transformação
desse processo, tendo em vista que as corporeidades não-padrão, que por muito tempo foram
ignoradas e sufocadas, reivindicam reconhecimento.
Palavras-chave: Teorias Queer. Ensino jurídico. Normalização. Diferenças.
37
CRIMINALIZAÇÃO DA LGBTFOBIA: UMA LEITURA FILOSÓFICA DO CASO SOB A
PERSPECTIVA DA LINGUAGEM BUTLERIANA
42
Coordenação:
Erica Babini (UNICAP)
Mariana Chies Santiago Santos (IBCCRIM-SP)
Ana Paula Motta Costa (UFRGS)
VITIMIZANDO PARA PROTEGER: UMA ANÁLISE DAS PROPOSTAS DE POLÍTICAS
PARA ADOLESCENTES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
45
A CONSTRUÇÃO DO POPULISMO PUNITIVO A PARTIR DA ESCOLA PÚBLICA
PERIFÉRICA
O presente artigo visa incitar o debate diante da construção do populismo punitivo a partir
da perspectiva de construção social da realidade, com enfoque na escola pública periférica,
pontuando de que forma o déficit e relações existentes nas escolas públicas periféricas dão
margem à criação e reprodução do populismo punitivo.
A instituição escola pode ser entendida enquanto um dispositivo que possui um papel de
relevância no desenvolvimento nacional, pois, oferece subsídio aos cidadãos para construírem
uma realidade comunitária sob o espectro do dever ser. Isso porque é nela que os indivíduos
internalizam conhecimentos que serão utilizados na dinâmica social, isto é, não há como negar
que uma das principais atribuições da instituição é lecionar aos discentes o modo de agir em
conjunto, a fim de se fortalecer a coesão social. A função da escola reflete o seu próprio exercício
já que termina por se assemelhar, no dia a dia, à sociedade macro.
Se um recorte para identificar quem tem acesso à educação formal é feito, as camadas
mais abastadas terão destaque, pois, ela sempre esteve arraigada ao modo de vida das famílias
privilegiadas, o que é aferível pela construção histórica brasileira. No entanto, por mais que o
advento da educação nas camadas populares seja tardio, não há como negar que o
funcionamento das antigas instituições destinadas à camada privilegiada não interferiu a dinâmica
escolar periférica. Sendo assim, é pertinente pontuar a punição física como traço presente nela
que, na modernidade, foram convertidos em agressões psicológicas.
Essas relações de poder na escola dão suporte à construção da perspectiva de punição
diante dos alunos ao passo que, a partir da incidência contínua de métodos punitivistas não
restaurativos; naturaliza processos de exclusão e punição, o que representa uma semente do
populismo punitivo, a ser ratificado com o passar do tempo por outras esferas como a mídia. Esse
processo auxilia no genocídio e estigmatização da população jovem estudantil e periférica, ao
passo que cria a ideia de potencialidade lesiva na dita classe.
Por isso, reiteramos que, o presente artigo visa incitar o debate diante da construção do
populismo punitivo a partir da perspectiva de construção social da realidade, com enfoque na
escola pública periférica, pontuando de que forma o déficit e relações existentes nas escolas
públicas periféricas dão margem à criação e reprodução do populismo punitivo, fazendo com que
os alunos posteriormente reclamem ações punitivistas mais rígidas, sem a devida compreensão de
que essas possam se voltar a eles; conjuntamente com outros aspectos como a mídia que se
utiliza muitas vezes a escolaridade para diferenciar o jovem perigoso daquele que faz uma
“brincadeira de mau gosto”.
Nesse sentido, é essencial o enfrentamento das questões como meio de resistência social a
partir da compreensão daquilo que se passa com tal parcela da juventude nas escolas. Portanto, o
trabalho ainda objetiva levantar questões que podem servir como subsídios para a mudança social
das escolas públicas periféricas, oferecendo uma espécie de emancipação aos estudantes no que
46
diz respeito à consciência dos processos de violência existentes em seu entorno. O trabalho é
construído a partir da obra “A construção social da realidade” de Thomas Luckmann e Peter L.
Berger, com recortes teóricos de Foucault e David Garland; tendo como método de investigação o
método qualitativo a partir de pesquisas disponibilizadas por instituições como Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas educacionais Anísio Teixeira e o Conselho Nacional de Justiça.
Palavras-chave: Educação. Escola. Direito. Populismo punitivo. Construção social da realidade.
Direito Penal. Mídia. Meios de comunicação.
O Brasil, assim como todo contexto Latino Americano, fez parte do projeto colonizador
europeu, em que, tais nações tiveram suas Instituições estruturadas dentro da perspectiva do
colonizador. Em que pese o senso de punitivismo, em territórios nacionais, predomina o uso do
discurso do Positivismo Criminológico, teoria essa que trata o delito como consequência direta da
constituição biológica dos indivíduos, ensejando assim o chamado “atavismo” e o “homem
delinquente” (Lombroso, 2007). Nisso, tem-se que a criminologia do norte mostrou-se como
principal aparato de controle social dentro dos países do sul, fortalecendo o poder das elites,
mantendo assim um padrão segregacionista em razão da cor da pele, revertendo na idealização do
“inimigo do direito penal”, o qual no Brasil assume a feição dos negros, existindo dessa forma um
sistema paraestatal, em que o uso indiscriminado da violência com a fachada de segurança pública
seria válido, desde que empreendido sobre tal grupo. (HOLANDA, 2014). Assim, é a partir dessa
bagagem histórica de racismo e controle social que o sistema penal brasileiro é parido, nisso,
apesar de, na atualidade se ter uma presunção de Estado Democrático de Direito, o qual não
fomenta as desigualdades, é visto que no âmbito da persecução penal ainda se manifesta o ideário
do positivismo criminológico, já que o mesmo não abdicou da imagem do inimigo penal, sendo
isso observado tanto no encarceramento em massa de pessoas negras (INFOPEN), como também
na impunidade referente aos agentes policiais que ao utilizar de truculência, sob a justificativa de
confronto, assassina a juventude negra de forma massiva (ANUÁRIO DE SEGURANÇA PÚBLICA
2018). Assim, fazendo-se uma análise minuciosa do fluxo processual, vê-se que há uma espécie de
corporativismo entre as Instituições protagonistas de tal sistema (Polícia, Ministério Público e
Judiciário) como uma forma de autoproteção de seus integrantes, ensejando baixa resolução do
casos que envolvam a letalidade policial, a qual fica disfarçada sob o termo de “auto de resistência
(RIBEIRO e COUTO, 2014), sendo tal tema bastante atual, devido a toda polêmica envolvida no
pacote anticrime proposto pelo excelentíssimo juiz Sérgio Moro, o qual concretiza os valores de
uma criminologia estrangeira, demonstrando que a falta de brasilidade dentro dos pensamentos
das ciências criminais torna-se um obstáculo para repensar os paradigmas do sistema penal. A
partir do que foi exposto, compreende-se que a pesquisa tem o objetivo de analisar os efeitos da
impregnação das correntes da criminologia do norte fazem efeito dentro do sistema penal
47
brasileiro no que tange à letalidade policial e o fluxo de processos acerca de tal matéria, sendo
usado para isso a metodologia quantitativa na análise dos dados, como também qualitativa, no
que se refere a revisão bibliográfica.
Palavras-chave: Criminologia do sul. Racismo estrutural. Força letal estatal. Juventude negra.
REFERÊNCIAS
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. São Paulo,
2018.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. 19. reimpressão São Paulo: Companhia das
Letras, 2014.
BRASIL. Infopen - Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Disponível em:
http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-
penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf . Acesso em 14 de junho de 2019.
LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. São Paulo: Ícone, 2007.
RIBEIRO, Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro; COUTO, Vinícius Assis (coord.). Mensur ndo o tem o
do rocesso de homicídio do oso em cinco c it is. Brasília: Ministério da Justiça, Secretaria de
Reforma do Judiciário, 2014.
PROBLEMA
O presente trabalho propõe discorrer sobre as perspectivas fundamentais que delineiam o
Plano Individual de Atendimento e sua importância de consolidação dos Direitos Humanos à
adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. O PIA, instituído pela lei 12.954/12 norteia
as ações da execução da medida socioeducativa e propõe uma construção coletiva e protagonista
dos atores envolvidos no processo socioeducativo, contrariando uma lógica de decisões
uniformizadas sobre uma perspectiva de poder e controle. O adolescente ao iniciar o processo de
cumprimento de sua medida não está alijado de direitos sociais que o legitimam como cidadão,
igual a isso, precisam serem enxergados sob a ótica da proteção integral e pessoa em
desenvolvimento. Entretanto, percebe-se, hiatos entre a operacionalização do princípio da
incompletude institucional e a inserção efetivas dos adolescentes à direitos sociais. O processo de
articulação da socioeducação com as demais políticas é complexo e desnuda os desajustes e falta
49
de clareza nas competências operacionais que dificultam o trabalho em rede. Aqui, se trava uma
luta para que o PIA não incorra por caminhos burocráticos, nem se torne mais um instrumento de
avaliação de medidas socioeducativas. E sim, recurso para a legitimação de direitos humanos.
OBJETIVOS
Este artigo objetiva analisar o Plano Individual de Atendimento a partir das políticas sociais
e sua atual conjuntura de esfacelamento regida pela égide do capital que exaustivamente
sinalizam políticas de um Estado cada vez mais mínimo. E que impõe desafios claros e posturas de
resistência aos operadores dos Direitos Humanos. “Mais exatamente, no capitalismo monopolista,
as funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com as suas funções econômicas”
(NETTO, 1992, p. 25).
MÉTODO DE AN LISE
A metodologia parte de uma perspectiva crítico-dialética do materialismo histórico e da
categoria de totalidade advinda da teoria social. Assim, Embasar-nos-emos a partir de uma
observação ativa, escuta qualificada, acompanhamento técnico individual e experiência em
unidade de semiliberdade, lócus de trabalho da autora deste artigo.
CONCLUS ES
Os resultados, ainda em curso, revelam gargalos quanto a operacionalização das metas
pactuadas no Plano Individual de Atendimento; no que tange as políticas sociais que abarcam os
adolescentes e suas famílias. Tais politicas não podem ser considerada apenas como concessões do
Estado, mas por tensionamentos de lutas sociais. E que as legitimam em um processo de
contradições. Os desafios postos a socioeducação são estruturais, imbuídos de uma agenda anti-
social, mais especificamente, anti-juventude. O olhar para a socioeducação não pode estar
dissociado de uma interseccionalidade de raça, gênero e classe. Isso, segundo Iamamoto (2008),
“exige um profissional culturalmente versado e politicamente atento ao tempo histórico; atento
para decifrar o não-dito, os dilemas implícitos no ordenamento epidérmico do discurso autorizado
pelo poder”. Para tanto, cabe aos atores das políticas de socioeducação uma compreensão que o
processo político não cristalizou-se; encontra-se aberto e em disputa, e capaz de impactar
transformações significativas na vida de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.
Sabe-se que às (aos) adolescentes que praticam ato infracional pode ser aplicada medida
socioeducativa no bojo do procedimento especial de adolescente. Consoante estabelece o art. 112
do Estatuto da Criança e do Adolescente, no elenco das aludidas medidas estão: I - a advertência;
II - obrigação de reparar o dano; III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semiliberdade; VI - internação em estabelecimento educacional. No
presente estudo pretende-se tangenciar as medidas privativas de liberdade, quais sejam:
internação e semiliberdade. As execuções de ambas ficam a cargo do Estado. EmPernambuco, a
instituição responsável por conferir efetividade a essas medidas é a Fundação de Atendimento
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Socioeducativo (FUNASE), a qual possui vinte cinco centros distribuídos por todo o Estado, os
quais atendem adolescentes e jovens que estão submetidos à internação provisória, medida
socioeducativa de internação e semiliberdade. Ocorre que, de todos esses Centros apenas três
são destinados às adolescentes e jovens do sexo feminino, estando estes situados na Cidade de
Recife/PE. Desse modo, as adolescentes oriundas do interior do Estado, quando custodiadas, são
encaminhadas à Capital Pernambucana. De acordo com o Boletim Estatístico da FUNASE, datado
de dezembro do ano de 2019, o Centro de Internação Socioeducativo para adolescentes do Sexo
Feminino (CASE- Santa Luzia), tem capacidade para vinte adolescentes, porém achava-se com
quarenta e seis, ou seja, mais que o dobro da referida capacidade. Como é cediço, diante da
cultura patriarcal ocidental, na qual a mulher sempre esteve atrelada à vida doméstica, ao espaço
privado e à situação de subalternidade em relação ao homem, durante muito tempo a escrita de
sua história foi um tema opaco e sem qualquer relevância, principalmente porque os responsáveis
por essa narrativa, durante muitos séculos foram figuras masculinas. Dessa forma, tanto nas
fontes, quanto nas pesquisas, o que se via era o silêncio, sobre as mulheres (delas e sobre elas),
que se prolongava ainda mais com a escassez de documentos, os quais, quase sempre, não
demonstravam a sua presença (ROIZ, 2008). Embora se saiba da existência, ao longo da história,
de mulheres guerreiras e destemidas que desafiavam o status quo, pouco desse protagonismo
vinha à tona. Desse modo, a invisibilidade social da mulher se reproduz em inúmeros espaços,
ficando mais evidente ainda se tratando de mulheres inseridas em instituições totais. Estas, por
sua vez, segundo Goffman (1987, p.11), tratam-se de “local de residência e de trabalho onde um
grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por
um período considerável de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”. No
caso em comento, tal instituição total trata-se da FUNASE. Diante de todo o exposto, emerge a
seguinte pergunta de pesquisa: a inexistência de Unidades de Ressocialização no interior de
Pernambuco para adolescentes e jovens do sexo feminino violaria os princípios da prioridade
absoluta, do melhor interesse da adolescente e da convivência familiar e comunitária? Como
objetivo geral pretende-se analisar se ausência de Unidades na FUNASE no interior Pernambucano
destinada às adolescentes e jovens do sexo feminino violam os princípios prioridade absoluta, do
melhor interesse da adolescente e da convivência familiar e comunitária. Como objetivos
específicos almeja-se: investigar os porquês do Estado de Pernambuco não instalar Unidades
Socioeducativas no Interior do Estado destinadas às Socioeducandas do sexo feminino; verificar
quais prejuízos advêm da omissão estatal em comento; apontar eventuais soluções para tal
celeuma. Quanto a metodologia busca-se realizar uma pesquisa qualitativa, cuja técnica de coleta
de dados é bibliográfica. Como principal resultado preliminar da pesquisa verifica-se que a falta
de visibilidade das adolescentes e jovens que praticam ato infracional nas políticas públicas e
sociais, nos serviços, programas e articulações política reafirmam a cultura machista e patriarcal
na qual a mulher fica relegada a um segundo plano, sem possibilidade de assumir um lugar de
protagonismo. A ausência de unidades socioeducativas da FUNASE no interior de Pernambuco tem
sido um obstáculo ao permanente vínculo familiar e comunitário das socioeducandas que
cumprem medida socioeducativa na instituição. Ressalte-se que políticas públicas para esse grupo
devem ter prioridade absoluta à luz do que dispõe a Constituição Federal de 1988 e a Lei 8069/90
(ECA), notadamente se considerarmos tratar-se de pessoas em situação peculiar de
desenvolvimento, cujas providências estatais devem primar pelos seus melhores interesses,
buscando, assim, otimizar o processo de ressocialização das referidas socioeducandas.
Obviamente seria irrazoável serem construídas unidades socioeducativas em todas as cidades do
Estado, porém Pernambuco é um Estado vasto com peculiaridades socioculturais e cada região, de
forma que a implantação de centros socioeducativos em pelo menos cada uma dela atenderia aos
primados ora expostos.
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REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei n.º 8.069 de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.
GOFFMAN, E. Manicômios, prisões e conventos. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987.
PERNAMBUCO. Disponível em: http://www.funase.pe.gov.br/estatistica/2018/DEZEMBRO/
BOLETIM_ESTATISTICO_DEZEMBRO_2018.pdf. Acesso em: 1 jun. 2019.
ROIZ, Diogo da Silva. A discreta e sedutora “História das mulheres”. Cadernos Pagu, Universidade
Estadual do Mato Grosso do Sul, 2008.
Lis F io S ori
Professor do Departamento de Ciências Sociais pela PUC MINAS
Sara Luz
Mestranda em Direito pela UNICAP. Advogada.
PROBLEMA INVESTIGADO
O estado de Pernambuco apresenta elevado índice de encarceramento juvenil, impondo a
necessidade de investimentos na área, com melhoria da qualidade e da eficácia do atendimento a
jovens em conflito com a lei, porquanto as unidades lidam com déficit de vagas, cenários de
mortes e não-ressocialização, além de incapacidade de condução dos egressos, resultando no
retorno dos mesmos a práticas ilícitas.
Por outro lado, desde 2012 o Brasil, tem na proposta do sistema nacional da
socioeducação, uma ferramenta imprescindível para a execução das medidas, atribuindo aos
estados membros a elaboração e execução de seus próprios planos de atendimento.
57
A proposta socioeducativa impõe aos estados a elaboração de planos decenais, os quais
orientarão as políticas públicas nesse setor. Assim, faz-se imperioso discutir como essas políticas
públicas têm sido efetivadas no âmbito estadual e quais as consequências para as práticas
socioeducativas.
O cenário de uma punitividade juvenil com características cruéis evidencia um abismo
entre as garantias legais e as propostas das políticas públicas e a realidade de violações que
ocorrem mediante a imputação do direito penal, ainda que juvenil; o que ocorre é uma execução
perversa abrigada por um discurso garantidor de direitos.
A despeito da mudança do paradigma menorista para o paradigma da proteção integral,
percebe-se que a transformação no âmbito normativo não promoveu alterações na efetivação do
direito, as práticas institucionais de responsabilização de adolescentes são extremamente
violentas e violadoras, carregando forte ranço menorista, o que leva a uma interrogação do que
de fato provoca uma ruptura entre a proposta normativa e a execução.
A política pública socioeducativa que se propõe enquanto um sistema normativo de
afirmação de garantias e direitos, muito destoa do exercício quotidiano institucional que submete
o adolescente a uma atuação repressora e punitivista, pautada pela lógica do controle e
disciplinamento.
OBJETIVO
O objetivo deste trabalho, portanto, é avaliar a política pública de socioatendimento do
estado de Pernambuco para entender em que momento e por quê os mecanismos que constituem
a justiça infracional se distorcem entre o processo de proposição normativa e implementação da
norma, e assim poder fazer apontamentos para a melhoria do atendimento a adolescentes em
conflito com a lei.
MÉTODO DE ANÁLISE
Será uma pesquisa bibliográfica e documental que terá por base o Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo (SINASE) e o Plano Estadual Decenal de Atendimento Socioeducativo
do Estado de Pernambuco. Utilizar-se-á o método analítico-dedutivo.
CONCLUSÕES
Em se tratando de sistema infracional, entre o dito e o feito existem incongruências tão
latentes que é imprescindível repensar a política pública do estado, potencializando maneiras de
trazer concretude as propostas de ressocialização propaladas pelos diplomas legais e reduzir o
encarceramento como resposta punitiva do estado, fazendo com que direitos fundamentais sejam
garantidos.
Pois, apesar da política pública do sistema de responsabilização juvenil apresentar
diretrizes normativas promissoras, as práticas do sistema evidenciam uma realidade
mortificadora, de criminalização, torturas, assujeitamentos e violação da dignidade humana, esse
hiato entre o dever ser e o que realmente é, vai se construindo a partir de atuações equivocadas
que obedecem a uma lógica de recrudescimento punitivo que, para além de não solucionar,
agravam os problemas de gerenciamento do sistema de responsabilização juvenil.
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Coordenação:
Andréia Garcia Martin (UEMG)
Juliana Izar Soares da Fonseca Segalla (FJÁU/ANHANGUERA-Jaú)
Carolina Valença Ferraz (UNICAP)
A NECESSIDADE DE INCLUSÃO DA POPULAÇÃO LGBT EM RELAÇÃO AOS
DIREITOS DA SEGURIDADE SOCIAL: REFLEXÕES ACERCA DA POSSIBILIDADE DE
CONCESSÃO DE SALÁRIO-MATERNIDADE A SEGURADOS ADOTANTES EM
UNIÃO HOMOAFETIVA
O mundo tem experimentado, nos últimos tempos, a intensificação alarmante das ondas
de discriminação, além dos discursos de ódio, especialmente tendo como destinatárias finais as
minorias sociais e os grupos vulneráveis que carecem de total proteção. Sob este viés contextual,
o presente estudo busca traçar contribuições, através do direito antidiscriminatório, para que seja
possível evidenciar a (in)efetividade das respectivas ações afirmativas destinadas aos grupos
minoritários no país (PIOVESAN, 2008).
Para tanto, de caráter preliminar, é relevante destacar como se fundamenta o direito da
não discriminação, tendo em vista que diferente do propagado socialmente, a tutela em questão
não gera apenas desrespeito e segregação, ao contrário, a discriminação poderá ser positiva
quando diferenciados determinados grupos sociais na busca de equipará-los, ou, de caráter
negativo, através de preconceitos enraizados socialmente, passando a diferenciar, além de
impossibilitar a devida inclusão dessas minorias sociais e grupos vulneráveis nos diversos âmbitos
coletivos (MOREIRA, 2017).
Dessa maneira, cabe ressaltar que o direito da não discriminação detém por viés de
aplicação a criação de políticas públicas, além de ações afirmativas a serem implementadas ora
pelo Poder Legislativo, ora pelo Poder Executivo, sendo este último a quem também competirá a
sua devida execução (MELLO, 2018).
Nesta senda, a análise supra se dará diretamente nesses órgãos, vislumbrando se os
mesmos buscam, através da discricionariedade, a devida inclusão social das minorias sociais e dos
grupos vulneráveis, deixando de lado os preceitos enraizados na sociedade que discriminam e
segregam negativamente as peculiaridades desses grupos, para que, de forma positiva, possam
alcançar os objetivos da República (BITTAR, 2009).
Para tanto, pretende-se adotar no desenvolvimento do presente estudo o método de
raciocínio dedutivo, tendo em vista que segundo Orides Mezzaroba e Cláudia Servilha Monteiro,
61
tal instrumento metodológico parte de argumentos gerais para particulares, não colocando em
risco a validade da conclusão, tendo em vista que esta se dará na maneira em que os objetivos do
estudo forem devidamente alcançados (MEZZAROBA; MONTEIRO, 2019).
No entanto, quanto ao tipo de abordagem, será utilizado o aparato qualitativo, tendo em
vista que independente do número alcançado, o estudo visa investigar o conteúdo, além da
essência da matéria que enseja a efetividade das ações afirmativas, ou seja, perpassa a análise
quantitativa, já que o estudo almeja fornecer as riquezas que cada detalhe lhe proporcionará.
Por fim, observados os expostos, a pesquisa conseguirá investigar se o direito
antidiscriminatório contribui ou não para a efetividade das ações afirmativas no país, tendo em
vista que se não analisadas, diversas são as formas de exclusão e segregação que esses grupos
passarão a receber nos diversos contextos sociais (RIOS, 2017).
Neste contexto, tendo em vista que a pesquisa ainda se encontra de caráter preliminar,
tornou-se possível concluir que a pós-modernidade brasileira, principalmente através dos âmbitos
legislativo e executivo, tem deixado de lado pautas sociais, impedindo a equidade dessas minorias
e grupos vulneráveis, além de buscar invisibilizá-los, não se atentando à tutela antidiscriminatória
que, em consonância com os preceitos da Constituição da República Federativa do Brasil, buscam
o bem-estar de todos sem qualquer forma de discriminação.
Dessa forma, torna-se de extrema importância analisar o direito antidiscriminatório
principalmente nesses Órgãos, uma vez que ao mesmo compete a criação, além da manutenção
das ações afirmativas que, através das desigualdades existentes, buscam a devida equidade social,
possibilitando que as desigualdades sejam equiparadas na medida das suas respectivas
proporções.
REFERÊNCIAS
BITTAR, Eduardo C. B. Reconhecimento e direito à diferença: teoria crítica, diversidade e a cultura
dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 104,
jan./dez. 2009.
BRASIL. Constituição Federal (1988). São Paulo: Saraiva, 2019.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 33. ed. São Paulo: Malheiros,
2018.
MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no
Direito. São Paulo: Saraiva 2019.
MOREIRA, Adilson José. O que é Discriminação? Belo Horizonte – MG, Letramento, 2017.
PIOVESAN, Flavia. Ações afirmativas no brasil: desafios e perspectivas. Rev. Estud. Fem., v. 16, n.
3, Florianópolis, set./dez. 2008.
RIOS, Roger Raupp; LEIVAS, Paulo Gilberto Cogo; SCHÄFER, Gilberto. Direito da Antidiscriminação
e Direitos de Minoriais: Perspectivas e Modelos de Proteção Individual e Coletivo. Revista direitos
fundamentais democraticos, v. 22, n. 1, jan./abr. 2017.
62
ABANDONO AFETIVO DO FILHO COM DEFICIÊNCIA: A DISCRIMINAÇÃO COMO
INSTRUMENTO DE PRECONCEITO E VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR
PROBLEMA INVESTIGADO
O advento da Constituição Federal de 1988 possibilitou a repersonalização do Direito das
Famílias, o que contribuiu para que houvesse a necessidade de adotar-se novas ferramentas
interpretativas para o respectivo ramo. Um dessas perspectivas é a de que a Afetividade é
elemento estruturante da família contemporânea implicando no fato de os núcleos familiares
atuais serem fundados no cuidado, na convivência familiar, na reciprocidade e no
desenvolvimento pessoal de cada um de seus membros. Não obstante, em que pese essa natureza
de acolhimento a que se pretende no ideal contemporâneo de família, essa realidade nem sempre
é verificada na prática, especialmente se, dentro desse meio familiar, houver uma pessoa que
integra algum grupo vulnerável estigmatizado socialmente, como é o caso das pessoas com
deficiência. Sobre isso, fator relevante de ser destacado é que a família, ao deparar-se com o
diagnóstico da diversidade funcional, em alguns casos, perpassa por um processo de
desestruturação, o qual pode culminar na dissolução do casal e a assunção de responsabilidades
para com o filho apenas por parte de um dos pais, ficando o outro ausente no desempenho desse
cuidado.
No entanto, numa busca de normatização dessas relações, deparamo-nos com um
evidente conflito: o Direito não é capaz de obrigar alguém a amar, sendo esse um valor
inexequível. Para tanto, é necessário compreender o que seria a afetividade para o ambiente
jurídico e quais suas repercussões práticas no caso de abandono de filho com deficiência.
OBJETIVO GERAL
Compreender a Afetividade para o mundo jurídico, assim como compreender a
aplicabilidade do abandono afetivo quando a principal causa circunstancial for a discriminação do
filho com deficiência.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Entender o que seria a afetividade para o ambiente jurídico, a partir da perspectiva de
repersonalização do Direito Privado;
b) Compreender o que seria o abandono afetivo como modalidade de responsabilização civil,
priorizando entender o seu ilícito civil;
c) verificar a possibilidade de aplicação do abandono afetivo em situações em que a principal
causa circunstancial for a deficiência do filho.
63
MÉTODO DE ANÁLISE
Optou-se por revisão bibliográfica, utilizando-se a leitura doutrinária, jurisprudencial e
legislativa para alcançar os objetivos propostos. Ainda nesse sentido, adotou-se o método de
raciocínio analítico-dedutivo, a fim de enriquecer e ampliar o conhecimento existente acerca da
temática estipulada no presente trabalho. Para isso, utilizou-se como material base a Convenção
da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (introduzida no Brasil a partir do Decreto nº
6.949/09), o Estatuto da Pessoa com Deficiência ou Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/15) e o
Recurso Especial 1.159.242/SP STJ (2012), que fala do reconhecimento pelo Judiciário do
Abandono Afetivo como modalidade de responsabilização civil.
CONCLUSÕES
A situação fática que torne omissa a conduta do pai ou da mãe em relação ao dever de
prestar assistência material e imaterial poderá ser entendida como ilícito responsabilizador nas
relações de família para com o filho negligenciado. Logo, pois, pode-se suscitar ainda que se deva
majorar o grau de responsabilização, a fim de punir o causador do dano afetivo, quando a conduta
se fundamentar unicamente em discriminação. Ademais, por se tratar de subjetividades, torna-se
importante a quantificação e a valoração das intensidades do dano causado. Deve-se, também, ter
em mente que há a necessidade de se averiguar e comprovar os elementos da teoria clássica da
responsabilidade civil, não obstando que, na análise do caso concreto, aplique-se a modalidade de
responsabilização in re ipsa.
PROBLEMA INVESTIGADO
Ao discutir os conceitos de identidade e diferença, o primeiro aspecto importante é
compreender que ambos são produzidos socialmente. Dubar (2005) considera a identidade como
resultado do processo de socialização, a partir do qual o ser humano desenvolve maneiras de se
relacionar com as pessoas e com o ambiente que o cerca, tornando-se, assim, um ser social. Tal
socialização possui um caráter dinâmico, em que se permite a construção, desconstrução e
reconstrução de identidades.
Woodward (2000) afirma, ainda, que o conceito de identidade se encontra interligado a
reivindicações essencialistas, sobre quem pertence e quem não pertence a um determinado grupo
identitário. O conceito de identidade também se encontra relacionado a sistemas classificatórios
que demonstram de que maneira as relações sociais são organizadas e divididas. Desse modo, a
identidade é dividida em ao menos dois grupos em oposição - “nós e eles”.
Nessa perspectiva, é impossível pensar e discutir identidade sem pensar também no
conceito de diferença; assim, de acordo com o autor, a diferença pode ser vista como um produto
derivado da identidade. Identidade e diferença são interdependentes, ou seja, a compreensão de
64
uma identidade surge a partir da sua diferenciação das demais identidades. Portanto, é possível
constatar que esses conceitos são construídos no contexto de relações culturais e sociais e não
surgem como algo naturalmente produzido (SILVA 2000).
Nesse sentido, busca-se verificar de que maneira o direito contemporâneo passou a atuar
para garantir o direito à identidade, própria dos diversos grupos sociais, seja no sentido de garantir
a liberdade desses grupos possuírem e expressarem tal identidade, ou no sentido de atuar,
mediante atuação no Estado na formulação de políticas públicas, com o objetivo de reconhecer
identidades historicamente marginalizadas, sobretudo das minorias cujo acesso aos meios de
participação democrática e efetivação de direitos é limitado.
OBJETIVOS
O trabalho tem como objetivo geral abordar questões relacionadas à identidade e à
diferença, bem como a relação destes conceitos com a construção de direitos coletivos. Para isso,
definimos os seguintes objetivos específicos: entender os conceitos de identidade e diferença;
demonstrar como esses conceitos são construídos socialmente e de que modo se encontram
relacionados às estruturas de poder; e explorar os aspectos ligados à luta por reconhecimento e à
construção de direitos coletivos.
METODOLOGIA
Para abordar tais questões iremos realizar uma revisão bibliográfica a partir dos conceitos
que guiam a discussão proposta nesse trabalho. Desse modo, pretende-se compreender a relação
entre os conceitos de “identidade” e “diferença” e posteriormente, de que modo esses conceitos
são importantes na explicação da construção dos direitos coletivos.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Concluímos, assim, que os direitos coletivos são construídos a partir de uma compreensão
que ultrapassa a esfera individual e atingem a coletividade, sendo que os esses direitos e as
garantias atribuídas são reconhecimento das diferenças, as quais escapam às identidades
normalizadas e privilegiadas dentro de uma mesma sociedade.
Portanto, é necessário transcender as identidades hegemônicas para a garantia de direitos
coletivos efetivos, o que implica na ruptura com estruturas de poder e dominação.
REFERÊNCIAS
DUBAR, Claude. A socialização. Construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo:
Martins Porto, 2005.
SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: Identidade e diferença: a
perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 73-102.
WOODWARD, Kathryn. Identidade e diferença: uma introdução teórica e conceitual. In: Identidade
e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2000. p. 7-72.
65
A INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE
BENS: UMA ANÁLISE SOCIOJURÍDICA DA CONDIÇÃO DA PESSOA IDOSA À LUZ
DA CONSTITUIÇÃO
PROBLEMA INVESTIGADO
O Código Civil de 1916, outrora revogado, impunha o regime de separação de bens ao
homem maior de 60 anos e a mulher maior de 50 anos, a fim de conceder proteção à expectativa
sucessória dos eventuais descendentes dos nubentes.
Ultrapassado esse Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002 restou por manter a regra
da obrigatoriedade do regime de separação de bens e por igualar a idade em 60 anos,
contemplando o princípio constitucional da isonomia.
Ainda nesse diapasão, sobreveio a Lei nº 12.344/2010 a qual alterou a redação do inciso II
do art. 1.641 do Código Civil de 2002, aumentando para 70 anos a idade a partir da qual se torna
obrigatório o regime da separação de bens no casamento.
Nesse contexto, o idoso é tratado como se incapaz fosse, ficando impedido de decidir
sobre questões patrimoniais e sendo obrigado legalmente a salvaguardar o seu patrimônio para
seus futuros herdeiros, numa clara violação ao princípio da proibição ao “pacto corvina”.
OBJETIVO GERAL
Dado esse contexto histórico, o presente artigo se propõe a investigar a problemática da
inconstitucionalidade da imposição do regime de separação de bens no casamento para pessoas
idosas maiores de 70 anos, sob uma análise sociojurídica à luz da Constituição Federal de 1988.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Analisar os direitos do idoso no Brasil no tocante ao exercício de sua autonomia e
liberdade patrimonial;
b) Investigar essa problemática da imposição do regime de separação obrigatória para os
maiores de 70 anos à luz dos princípios constitucionais;
c) Analisar a ineficácia da Súmula 377 do STF que, ao pretender proteger o patrimônio da
pessoa idosa, enquanto bem jurídico tutelado, resulta por constituir uma égide tão somente aos
bens adquiridos anteriormente à constância do casamento.
MÉTODO DE ANÁLISE
Para tanto, em busca de atingir os objetivos retro mencionados, será realizada uma
abordagem qualitativa sob o viés exploratório, por meio de revisão bibliográfica, estudo
doutrinário e jurisprudencial, a fim de analisar os fatores e contexto social os quais refletem
diretamente nessa problemática em testilha. O marco teórico será o do Direito Civil-
66
Constitucional, bem como a perspectiva principiológica da autonomia da vontade e
autodeterminação da pessoa, conforme reza o movimento de repersonalização do Direito Civil.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Trata-se de uma verdadeira limitação à autonomia da vontade, unicamente justificada em
razão da idade, a regra que impõe o regime da separação obrigatória de bens aos maiores de 70
anos constitui uma norma restritiva de direitos, violando frontalmente o princípio constitucional
da isonomia, da liberdade e da dignidade da pessoa humana.
Destarte, em que pese a justificativa que impulsionou a sua criação e sustenta a sua
manutenção, o estabelecimento de tal modalidade de regime de bens não constitui uma norma
protetiva, mas sim uma verdadeira sanção a quem, teoricamente, se pretende proteger.
Nesse diapasão, sob o argumento de proteção das vulnerabilidades, o Código Civil limita a
vontade das pessoas maiores de 70 anos, criando um critério de hipossuficiência, puramente
objetivo, que desconsidera a autonomia e capacidade de autodeterminação dessa parcela.
Palavras-chave: Proteção do idoso. Súmula 377 do STF. Regime de separação de bens. Casamento.
O processo formal de abolição do trabalho escravo no Brasil, sendo motivado por fatores
da esfera econômica, foi acompanhado da negligência estatal para com o inserimento das
populações marginalizadas e antes escravizadas no mercado de trabalho. Por conta disso, uma
nova estrutura de escravização surgiu como forma de exploração de capital humano, se apoiando
na necessidade de sobrevivência daqueles que viviam em meio à pobreza extrema. Essa estrutura,
entretanto, só chegou a ser reconhecida institucionalmente na década de 90, através de uma
longa luta pelos direitos trabalhistas antes ignorados pelo poder estatal. Assim, a partir do início
do século XXI, o Brasil se colocou como agente no combate às formas de trabalho precárias,
destacando-se na América Latina pelas suas políticas públicas de garantias da dignidade humana
no meio laboral - como o foi o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, de 2003.
Entretanto, é perceptível que com o passar dos anos tal combate se viu ameaçado por diversos
fatores: de cortes orçamentários e decisões políticas a mudanças estruturais na legislação
trabalhista brasileira, foi aberto espaço para o crescimento da subcontratação e, de tal maneira,
da informalidade e precariedade. É nesse contexto que o presente trabalho busca compreender o
impacto dos mecanismos de terceirização e quarteirização nas relações modernas de trabalho e o
quanto esses mecanismos se tornaram essenciais para a configuração atual da situação análoga à
de trabalho escravo. Para tanto, há busca-se, através de relatos do Ministério Público do Trabalho
em operações de resgate e erradicação de trabalho análogo à escravidão em ambientes urbanos e
67
de pesquisas bibliográficas, as conexões existentes entre flexibilização da terceirização e
potencialização dos casos relatados de infrações laborais que se inserem na seara do trabalho
escravo. Uma vez realizado o estudo aprofundado, é percebida a relação entre a Lei Nº 13.429, de
31 de Março de 2017, também conhecida como “Lei da Terceirização”, que permite a
subcontratação em todas as etapas da produção de um produto, e o crescimento do trabalho sob
condições degradantes e jornada exaustiva, modalidades de trabalho escravo (art. 149, CP). No
contexto brasileiro atual, de altas taxas de desemprego e um alarmante crescimento no número
de trabalhos informais, a terceirização se prova uma ferramenta de controle social e de abuso da
situação vulnerável e precária em que se encontram os trabalhadores marginalizados.
68
Os casos supracitados são apenas alguns exemplos das violações ao direito à moradia
vivenciadas por moradores das regiões que sofreram intervenções com as obras relacionadas a
megaeventos ocorridos no Brasil. O Estado teve papel preponderante nesses acontecimentos.
CONCLUSÃO
Os megaeventos foram transmitidos para a população através do discurso estatal e
propagados pela mídia como uma oportunidade para o crescimento do país. Para que todo o
projeto apresentado ao Comitê Olímpico Internacional fosse devidamente operacionalizado, as
cidades que receberiam os eventos – deveriam passar por uma série de intervenções urbanísticas.
Quando se fala em custo, este não se restringe somente ao financeiro, mas abrange também
o ambiental, o social e o cultural. No caso dos megaeventos, ao se confrontar o discurso oficial com
a realidade experimentada pelos indivíduos, verifica-se que aqueles não foram devidamente
analisados. Pelo contrário, foi privilegiado o interesse particular em detrimento do social. Porém, o
que se constatou na prática foi a ocorrência de violações a direitos humanos em diversas áreas.
A legislação relacionada ao tema moradia (CRFB/88, Estatuto da Cidade, PIDESC e
Comentários da ONU) conferiu grande importância ao tema moradia, cabendo ao Estado efetivar
políticas públicas, proporcionando especial atenção aos indivíduos que vivem em contexto
periférico. Por fim, imprescindível mencionar que o país vive um momento efervescente e de
alteração social, política e jurídica. Neste contexto, os movimentos sociais e sociedade civil
organizada são peças essenciais para questionar o discurso oficial e proporcionar alterações no
status quo social.
REFERÊNCIAS
ARTICULAÇÃO Nacional dos Comitês Populares da Copa e das Olimpíadas. Dossiê de Megaeventos
e violações de Direitos Humanos no Brasil. Versões 2012, 2013, 2014 e 2015. Disponível em:
https://bit.ly/2o3oRsl; https://bit.ly/1luWzg7; https://bit.ly/2p36tLk.
Os tempos atuais exigem que em vários momentos se repita e se reforce o óbvio. Dentre
essas obviedades necessárias, está o fato de que a humanidade é essencialmente diversa e que a
aceitação do outro é parte de nossa natureza social.
Assim, o Constituinte Originário elencou a busca de uma sociedade livre, justa e solidária,
sem preconceitos ou discriminações como um dos objetivos da República Federativa do Brasil,
alicerçando o terreno para uma sociedade que chamaremos de inclusiva, porque todos devem ter
seu espaço e igual dignidade reconhecidos, independentemente de suas diferenças naturais.
A Constituição Federal de 1988 é uma Carta Política que valoriza e protege minorias e
grupos vulneráveis, demonstrando que numa democracia é exigível o respeito a todos (e não só a
vontade da maioria).
Ademais, desde o preâmbulo constitucional se observa que a igualdade é um dos valores
supremos que conduzirão a Lei Maior e é a partir dessa perspectiva que entendemos que inclusão
não é favor, mas sim dever.
69
O exercício da cidadania pressupõe deveres, além de direitos. Destarte, a mesma
Constituição que prevê princípios e direitos fundamentais, também impõe deveres fundamentais,
dentre os quais destacamos o dever de respeito à diferença e o dever de solidariedade.
Já dissemos que cada ser humano é naturalmente único e que a diversidade é marca da
espécie. Todavia, num contexto como o nosso, em que as pessoas são massificadas e
padronizadas, talvez aquele que tem alguma deficiência tenha sua diferença mais claramente
perceptível.
As pessoas com deficiência são uma parcela bastante significativa da população brasileira
e, até por isso, é imprescindível que avencemos na construção dessa sociedade para TODOS.
Evoluímos muito, mas ainda há muita coisa para ser feita para que o indivíduo que tem deficiência
seja reconhecido como sujeito de capacidades e igual valor.
A educação inclusiva é, sem dúvida, o meio mais adequado para transformação social, para
preparar o convívio em meio às diferenças, com naturalidade. Então é importante olhar para a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, internalizada no
ordenamento jurídico brasileiro com equivalência de norma constitucional e que dispõe sobre o
ensino inclusivo em todos os níveis de escolaridade. Somada à Convenção e ao texto
constitucional, note-se no mesmo sentido a Lei Brasileira de Inclusão.
A legislação brasileira, portanto, não permite o ensino exclusivamente segregado e a
proposta deste estudo é justamente relembrar e frisar que, por tudo que já caminhamos,
impossível aceitar retrocessos sociais nessa seara, como querem alguns. Na pesquisa utilizamos o
método descritivo, bibliográfico, de cunho dedutivo.
Por fim, concluiu-se que inclusão não é favor, não é bondade, nem é opcional. Inclusão é
dever legal, moral e é a demonstração de que se compreende o que significa ser humano, por
mais óbvio que possa parecer.
Muitos são os dispositivos de poder em nossa sociedade a nos dizer o que somos e,
principalmente, como deveríamos ser. As instituições sociais como a família, a escola e a Igreja
cumprem seu papel de regulação de corpos e comportamentos, que, de tanto repetidos, são tidos
como “normais” e aqueles que fogem do mesmo, são vistos como “anormais”. Na área médica, o
corpo com deficiência surge ao ser analisado em comparação a um corpo sem deficiência;
observam-se os fatores biológicos, as diferenças estruturais, assim, o que interessa ao modelo
médico é a lesão. Em decorrência dessa análise, surge a diferenciação entre o que seria “normal” e
74
“anormal” e, para muitos, a deficiência não passaria de uma tragédia pessoal biológica, denotando
um comportamento preconceituoso e/ou de pena para com essas pessoas. A revolução na
abordagem desses estudos se deu em 1970, no Reino Unido e nos Estados Unidos, países nos
quais a deficiência passou a pertencer também ao campo das humanidades e, assim como no
feminismo, a política denotou extrema importância à teoria. Os dois tinham como pressuposto o
combate à opressão que os grupos vulneráveis sofriam e falavam da influência do social que era
determinante para a exclusão a que eram submetidos e não algo advindo da natureza. Assim
surgiu o modelo social da deficiência em contraponto ao modelo médico. Com o avanço dos
estudos, o feminismo surgiu com uma crítica ao modelo social, levantando aspectos que
considerava como limitações. Foi através dos estudos feministas da deficiência que se trouxe a
ideia do princípio da igualdade pela interdependência e de uma maior atenção às particularidades
do que é ser uma mulher e ter uma deficiência. Como traz Dubet (2001), “por um lado, as
desigualdades ‘pré-modernas’ continuam a se reduzir e a aspiração à igualdade de oportunidades
e direitos se fortalece. Por outro lado, as desigualdades ‘funcionais’ não se reduzem.”. Aqui no
Brasil, um exemplo de igualdade pré-moderna que vem sendo reduzida é a da inserção das
mulheres no mercado de trabalho e a aspiração pela igualdade neste. Já alguns dos direitos mais
básicos trazidos por estes diplomas legais, como a acessibilidade, ainda não foram efetivados. Os
problemas estruturais, portanto, persistem e isto é algo que afeta ainda mais aqueles que se
encontram em uma escala social mais baixa. As desigualdades, inclusive, na sociedade moderna
derivam de um conjunto de fatores, resultando em desigualdades múltiplas. Por conta destas
diferentes esferas e marcadores sociais que constituem a identidade – como a sua origem,
formação, sexo, raça, etc. – as experiências da desigualdade se fragmentam e se dão de forma
diferenciada. O trabalho de construção de si ocorre justamente através do registro da
multiplicidade destas desigualdades, acabando que, através da vivência de cada um, estas podem
aparecer de forma mais significativa e determinante do que outras. Segundo o IBGE (2010), 45,6
milhões de pessoas no Brasil possuem alguma deficiência. Assim, o objetivo deste trabalho é
observar como os direitos destas pessoas tem se modificado ao longo do tempo, se os mesmos
têm sido efetivados e se eles têm provocado uma mudança na percepção da pessoa com
deficiência no nosso país. Para a realização foi feita uma pesquisa qualitativa, bibliográfica e de
campo com a entrevista de quatro mulheres com deficiência física através do método de
narrativas-bibliográficas. A maior luta que se enfrenta é de que a pessoa com deficiência deixe de
ser vista limitadamente como a lesão que possui e passe a ser primeiramente uma pessoa, com
dificuldades e graus diferenciados de dependência em cada aspecto da vida, assim como todas as
outras, entretanto, apesar dos muitos direitos conquistados, a pessoa com deficiência ainda é
vista pela visão trazida pelo modelo médico.
Palavras-chave: Deficiência. Direitos. Modelo Médico. Modelo Social. Olhar.
76
ANÁLISE DA POLÍTICA PARA PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA DO MUNICÍPIO DE
FORTALEZA QUANTO À INSTRUMENTALIZAÇÃO DO ACESSO ÀS POLÍTICAS
PÚBLICAS DE MORADIA
PROBLEMA INVESTIGADO
Diante da estrutura regressiva do sistema tributário pátrio, em que há uma predominância
da tributação indireta e uma fraca progressividade dos impostos diretos, associada a uma
concessão desmedida de benefícios fiscais ao empresariado e a uma falta de positivação do
Imposto sobre Grandes Fortunas, é cabível perguntar -se se toda essa ordem é respaldada pelo
Poder Judiciário em suas decisões . É possível que o Judiciário, por intermédio de seus arbítrios,
seja, de algum modo, responsável , pela perpetuação de algumas ideias contrárias aos princípios
da igualdade material , da capacidade contributiva, da solidariedade social , da progressividade e
da seletividade, que encontram principal alicerce no objetivo da República Federativa do Brasil de
eliminar as desigualdades sociais e regionais, presente na Carta Magna? Se sim, como isso se
daria? Que possíveis consequências para a sociedade brasileira trariam juízos realizados desse
modo? Esse é o intento da pesquisa proposta: examinar a função dos magistrados na sustentação
da ordem tributária desigual , que ocasiona tantos efeitos negativos para o meio social .
OBJETIVO
Analisar o papel do Poder Judiciário como sustentáculo da ordem tributária desigual dos
dias atuais.
MÉTODO DE ANÁLISE
Para atingir tal intento, primeiramente, far-se-á um exame acerca dos significados dos
princípios tributários protegidos em âmbito constitucional e os subprincípios deles decorrentes,
tais quais: da igualdade, da capacidade contributiva, da solidariedade social, da progressividade e
da seletividade. Depois, será feito um levantamento de dados relativos a determinados tributos
incidentes em âmbito nacional, a fim de averiguar como esses têm sido tratados judicialmente nas
decisões dos magistrados. Posteriormente a tal análise, vai-se investigar os efeitos gerados por
esses acontecimentos fiscais nos campos da desigualdade social e de seus efeitos, com o intuito
de discutir se a tutela jurídica é realmente necessária em relação a esses temas.
CONCLUSÃO PRELIMINAR
Diante do estudo empreendido, é possível já vislumbrar que o Judiciário desempenha um
ofício muito importante na manutenção da desigualdade tributária. Julgamentos meramente
formais e que deixam de lado princípios constitucionais e tributários salutares para o
desenvolvimento da sociedade nos moldes da Carta Magna acabam por conservar e, algumas
vezes, agravar os efeitos negativos ocasionados pela ordem tributária atual, tais como a geração
de desigualdade social , o atraso no crescimento econômico e até fatores que desbocam, inclusive,
na criminalização social . E isso não poderia ocorrer, j á que é função desse Poder exercer a tutela
sobre esses assuntos nos moldes da Constituição Federal . Dentre alguns dos julgamentos
polêmicos, estão os relativos à possibilidade de progressão dos impostos reais e os alusivos à
viabilidade de se conceder isenção fiscal a produtos essenciais por parte do judiciário.
79
CRIMINALIZAÇÃO DA LGBTFOBIA À LUZ DO CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE BRASILEIRO: UMA ANÁLISE DA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (ADO) 26 E DO MANDADO DE
INJUNÇÃO (MJ) 4733
80
A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DAS COMUNIDADES QUILOMBOLAS:
PROCEDIMENTOS JURÍDICOS PARA A MANUTENÇÃO DA COSMOVISÃO
O referido trabalho busca interpelar quanto ao histórico persuasivo de uma sociedade que
perpetua seus preconceitos a partir medo e como consequência deste impõe a repressão como
81
forma de diminuição e repúdio à ascensão das comunidades periféricas ao centro da cidade. Dessa
forma, a pesquisa tem como alvo analisar o caráter sistêmico da discriminação sócio racial advinda
de um processo em que se distribuem condições de subalternidade e de privilégio entre grupos
raciais, e também, observar junto a isto, a construção de uma supremacia elitizada baseada no
poder sendo sustentado pelo medo, seja ele político, econômico ou cotidiano – social. Ainda nesta
perspectiva, o trabalho visa desenvolver um recorte analítico acerca do repúdio que ocorre aos
“Encontros do Passinho” – reuniões de dança popular entre meninos e meninas da periferia nos
centros urbanísticos – visto que essa centralização cultural advinda das áreas periféricas promove
uma discussão em cima da interação dos grupos com os espaços públicos urbanos e o ulterior
despreparo do Poder Público para lidar com as manifestações culturais dos jovens da margem
social, além de um contraponto histórico a diversas formas de manifestações populares
repudiadas anteriormente. Assim, revelar-se-á que há locais que são dominados pela burguesia e
qualquer atividade que fuja ao perfil da classe média é reprimida. Identificar que a faixa etária das
meninas e meninos situa- se entre 12-18 anos, majoritariamente negros advindos da periferia, é o
intuito de sustentar essa análise e confrontar o Poder Público junto a sua falta de preparo.
Ademais, é importante aclarar o arts. 5º e 16º, da lei 8.069 de 13 de julho de 1990 (ECA), com
finalidade de resguardar e alertar o poderio com relação aos direitos dessas crianças e
adolescentes, arrebentando com uma cultura alimentada pelo medo. Procuramos utilizar de uma
metodologia de comparação histórica dos grupos marginalizados de origem periférica, partindo
dos primórdios na capoeira até a mais recente na figura do passinho, além da análise do exposto
no extenso compêndio jurídico brasileiro que garante a legitimidade e proteção de tais
manifestações. Pode-se perceber previamente então, que a repressão aos movimentos culturais
periféricos configura uma forma de racismo institucional, observando que o preconceito está
intimamente ligado com medo da perda de espaço da classe média branca dentro das relações
sociais a fim de depositar a juventude negra periférica na mira da polícia, sob o resguardo de que a
má conduta de tais agentes públicos precisa ser combatida e que, em contrapartida as
manifestações se mostram como uma forma de resistência e autoafirmação da periferia ante a
secularização da exclusão.
Palavras-chave: Medo. Repreensão. Racismo. Passinho.
PROBLEMA INVESTIGADO
A educação inclusiva é a concepção educacional da escola democrática, justa e de
igualdade repleto dos princípios contemporâneos de proteção da universalidade, respeito e
igualdade à diversidade em uma conjuntura de direitos humanos. Contudo, estudiosos da área da
educação inclusiva afirmam que no âmbito escolar contemporâneo reúnem-se episódios em que
82
se manifestam quer seja por meio implícito, velado ou por meio visível, práticas de não aceitação
desses alunos, que questionam as possibilidades de efetivação dessa visão de escola ou que se
põem em contraposição a inclusão.
Nos estudos acerca da educação inclusiva, se deparamos, às vezes, com o descredito sobre
a inclusão social e educacional desse meio, igualmente sobre suas potencialidades. Determinado
modo de descrença decorre, em visões erradas, abundantemente difundidas, sobre as
capacidades de desenvolvimento e aprendizagem das pessoas com deficiência. Aliado as
descrenças, até esse tempo existem educadores que se apresentam resistentes à inclusão.
No plano nacional e internacional o direito à educação, nomeadamente à educação
inclusiva, configura imprescindível ao desenvolvimento da pessoa humana, porquanto assegura
efetivamente a concreção da dignidade e do acesso à cidadania, ao possibilitar as pessoas com
deficiência, como sujeito e não como objeto de práticas caritativas, a participação social pautada
igualdade e liberdade.
Nesse caminho, no que refere-se ao sistema educacional, incisivamente o artigo 205 da
Constituição Federal de 1988, estabelece que a educação é direito de todos e dever do Estado e
da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, com vistas ao
pleno desenvolvimento humano, preparo para o exercício da cidadania e qualificação laboral.
O direito à educação das pessoas com deficiência tem início na inclusão da Convenção
internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência ao ordenamento pátrio, nos padrões
do artigo 5º, §3ª, da Constituição Federal de 1988, internacionalizado pela ordem jurídica
brasileira por meio do Decreto nº 6.949/2009, cuja aprovação seu deu pelo Decreto Legislativo de
nº 186/2008.
OBJETIVOS
Discutir acerca da concretização do Direito à educação inclusiva, como meio de efetivação
do direito ao desenvolvimento humano, fundamentado na implementação de ações e recursos
inclusivos e adequados à superação de toda e qualquer barreira estrutural, social e cultural.
Verificar os principais entraves enfrentados pelas pessoas com deficiência, que não têm
acesso à educação, para efetivação dos direitos considerados fundamentais ao desenvolvimento.
MÉTODO DE ANÁLISE
A metodologia adotada consiste em pesquisa bibliográfica e documental. Será utilizado o
método de abordagem dedutivo, partindo de antecedentes e princípios universais, através de um
estudo doutrinário. A classificação presente em Gil (2010) aponta quatro formas de leituras no
campo da pesquisa bibliográfica partindo da leitura exploratória à interpretativa perpassando pela
leitura seletiva e leitura analítica.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Mostra-se importante a legitimação de um sistema educacional, o qual não apenas
formalmente garanta o acesso e a permanência nas instituições escolares, mas, sim que, com uma
estrutura adequada, onde exista uma qualificação profissional voltada para a diversidade e o
deficiente interaja e participe com os demais, possa fomentar às pessoas racionalidade,
conhecimento e liberdade de escolha, tornando-as aptas a inserção, permanência e respeito no
convívio social.
83
Coordenação:
Camila Holanda Marinho (UECE)
Karyna Batista Sposato (UFS)
Lídia Valesca Pimentel (UNIFB)
ASPECTOS DA CRIMINALIZAÇÃO DO USO DE PSICOATIVOS
A questão das drogas é uma problemática que, atualmente, gera muitas discussões em
vários âmbitos da sociedade. Geralmente, e sem terem como escapar, o uso de drogas é discutido
em âmbitos privados, dentro de casa, em escolas, locais de prática religiosa e, consequentemente,
no âmbito governamental. O seu uso é, em alguns casos, normalizado e incentivado, mas em
outros é totalmente abolido com duras penas aos que não desejarem se submeter às regras
vigentes, e os critérios de definição de quais drogas serão as personagens de que casos não é
baseada em julgamentos científicos, mas em geral atribuídos socialmente. O problema disso é que
criminalizar ações que nem sempre são tão danosas quanto o senso comum acredita pode
fomentar ainda mais o ciclo de violência que assola nosso país, violando, assim, os Direitos
Humanos. A criminalização de qualquer conduta, para ser justificada, precisa ser baseada em
alguma violação a um bem jurídico tutelado - ou seja, algo só pode ser criminalizado ser estiver na
iminência de gerar algum prejuízo ao bem jurídico alheio. A posse para uso pessoal das drogas
selecionadas para serem ilícitas não gera nenhum prejuízo, muito menos vítima (pelo menos
diretamente). A partir do momento que o Estado tolhe o direito de liberdade do indivíduo para
que o mesmo possa comprar e consumir alguma droga, nos deparamos com uma violação no
Estado Democrático de Direito, pois ao indivíduo há apenas a garantia da liberdade de decidir.
Apesar da “Guerra às drogas” ter se provado falha ao decorrer de todos esses anos de repressão,
e o resultado desse controle penal não ter alcançado uma redução no consumo e na produção de
drogas, o governo continua convicto e insiste na ideia de que a forma mais eficaz de exterminar o
mal universal é por intermédio do modelo político proibicionista (e, consequentemente,
punitivista). O problema é que tal postura atinge apenas um público específico e que, na prática,
não é o responsável direto e não é quem realmente lucra com o tráfico de drogas. Maria Gorete
Marques de Jesus (2016) em sua tese de doutorado intitulada “O que está no mundo não está nos
autos: a construção da verdade jurídica nos processos criminais de tráfico de drogas”, aponta que
a maior parte dos indivíduos enquadrados na condição de “traficantes” não possui antecedentes
criminais ou porta armas de fogo, sendo pego com quantidade ínfima de drogas, ressaltando que
em 87% dos casos, a única testemunha é o policial que faz a abordagem. Isso influencia e reflete
de forma paralela na postura das autoridades judiciais que fazem um mapeamento de áreas
específicas consideradas “desviantes” e que possuem um “alto índice de periculosidade”, com o
intuito de agir de forma punitiva - o que comprova a discriminação do sistema penal - e terminam
atingindo, na grande maioria das vezes, um público que não tem acesso ao tráfico em grande
escala e que são, na verdade, meros consumidores/usuários. É notório admitir que a guerra contra
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as drogas não é, de fato, contra as drogas. Essa guerra, como qualquer outra, é contra pessoas.
Tais pessoas, como de costume, são marginalizadas, rotuladas, selecionadas e desprovidas de
poder reativo e aquisitivo - e à medida que forem condenadas e encarceradas, com a condenação
sustentada na justificativa da posse de drogas para uso pessoal, terão suas vidas aniquiladas.
Normalmente, como os indivíduos que são apreendidos com pequenas quantidades de drogas
ilícitas - em boa parte das vezes já são etiquetados, antes mesmo de passarem por um processo
criminal - logo após o desfecho dos trâmites legais é que os mesmos terão a sua imagem, ainda
mais, manchada e rotulada - vista como o “inimigo” do Estado, o “delinquente”. Portanto, esse
tipo de ação por parte do Estado legitima, mais uma vez, a teoria de que a guerra às drogas é,
além de sangrenta e seletiva, completamente defeituosa e ineficaz, visto que o seu grave alvo - os
traficantes de grande porte - nunca serão alcançados. Dito isso, o presente trabalho propõe-se a
discutir alguns aspectos sobre a criminalização indireta de pessoas que normalmente se
enquadram no mero uso pessoal, mas que terminam sofrendo uma série de violações, assim como
respondendo pelo crime de tráfico de drogas que, na contemporaneidade, é o delito que mais
encarcera. A partir de uma extensa revisão bibliográfica fomentada em autores como Salo de
Carvalho, Michel Focault, Achille Mbembe, dentre outros, desenvolvemos esses pontos, que
trouxeram desde já algumas conclusões que merecem ser discutidas.
Diante de uma conjuntura política que parece imutável desde a formação do Estado, com
altos índices de violência e número de prisões que diferem de acordo com a localidade e a cor da
pele, surgiu à idéia de pesquisar acerca do tema: “análise da necropolítica no Estado de Alagoas”.
É importante esclarecer que a apresentação do tema parte da necessidade de aprimorar o estudo
sobre o modo como o Estado de Alagoas age diante das diferentes parcelas de sua população,
como um Estado de Direito para a população branca localizada em bairros nobres, e como um
estado de exceção para a população negra e periférica. Primeiramente utilizado pelo filósofo e
teórico político Achille Mbembe, o termo é a definição do uso do poder político para ditar quem
deve viver e quem deve morrer, o mesmo poder político que, na maioria dos países, é eleito pelo
povo para atender as necessidades básicas do ser humano e lhe dar uma existência digna,
também trabalha para a manutenção da dominação de uns sobre outros considerados menos
dignos. No caso do Estado de Alagoas, em estudo divulgado através do Atlas da Violência 2018,
organizado em parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea), as chances de um homem negro ser morto no Estado equivale as
chances de El Salvador, enquanto as de um homem branco equivale a mesma dos Estados Unidos.
Os índices chocam pelo fato de Alagoas ser um Estado relativamente pequeno, completamente
capaz de oferecer oportunidades iguais a todos os seus habitantes, mas na realidade em sua
capital encontramos diferenças gritantes em um curto espaço de tempo, como se dois Estados
lutassem para ocupar o mesmo espaço. Diante do tema apresentado, se faz necessário trazer a
tona o seguinte problema: Na conjuntura brasileira atual, onde a política da morte atua
abertamente, qual o alcance da Necropolítica em Alagoas, Estado comandado por oligarquias que
são herdadas a cada nova geração e qual o papel do Estado Democrático de Direito diante de clara
violação dos direitos humanos? A metodologia utilizada no estudo foi à pesquisa do tipo teórico,
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utilizando o método dedutivo, tendo como referencial a pesquisa bibliográfica com base em livros,
artigos e periódicos, além de pesquisas quantitativas feitas por fóruns e institutos. Esses dados
convergem para uma melhor análise da conjuntura presente no Estado, onde também serão
analisadas ações do mesmo com relação a força policial em comunidades de baixa renda e em
bairros de classe alta, demonstrando um modo de agir divergente, porém de acordo com o uso da
Necropolítica na região. Preliminarmente conclui-se que a incidência da Necropolítica no Estado
de Alagoas é resoluta de uma atuação excludente advinda do próprio Estado, que atua de
diferentes maneiras, baseado na raça e localidade do indivíduo, separando os poderosos daqueles
que se encontram em posição inferior, sendo que em sua maioria esses poderosos são os mesmos
que controlam e criam essas políticas de exclusão social e superlotação dos presídios, políticas
essas criadas pela oligarquia de Alagoas, presente desde a formação do Estado, na forma de
dominação de terras, criação de currais eleitorais e atuação política na forma de herança familiar.
A política da morte em Alagoas atua na forma de manutenção do poder na mão de poucos para o
domínio de muitos, que sofrem na forma do descaso social presente no Estado, com a atuação de
um estado de exceção para alguns e um Estado de Direito atuante apenas para a classe alta que,
não por acaso, é a mesma que representa a classe política dominante.
O presente estudo tem por finalidade abordar os Direitos Humanos e sua aplicação no
sistema penal brasileiro, dentro da perspectiva de igualdade material e social em respeito e
promoção da dignidade da pessoa humana. Necessário o enfrentamento do assunto visto que,
qualquer ser humano é merecedor do respeito e consideração não só da sociedade, mas também
do Estado o que implica em uma aplicação de direitos dos mais complexos, inclusive direitos
humanos. Tais direitos devem assegurar a pessoa proteção contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, devendo lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida
saudável, além de propiciar e promover vida digna. Em relação ao cárcere, uma prática que ao fim
e ao cabo, ainda continua sendo o mal necessário, no qual a civilização humana, embora com
incontáveis avanços no sistema penal, não conseguiu substituto. São questionamentos que
devemos fazer e oferecer respostas ou antídotos para minimizar os efeitos degradantes da prisão.
Bem como promover a justiça social que, por certo, dependerá da atuação Estatal, tanto no
sentido de promoção quanto no sentido de proteção dos direitos humanos, garantindo o mínimo
existencial e assim contribuindo para que o indivíduo não seja cooptado pelo mundo do crime. Por
objetivo geral busca-se analisar o garantismo e a proteção dos Direitos Fundamentais (Humanos)
do cidadão recluso no sistema prisional cearense, a partir do relatório do Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) que esteve em missão no Ceará no ano de 2019. De
acordo com o Censo Penitenciário do Ceará 2013/2014, a capacidade das unidades prisionais do
Estado para os que estão recolhidos é de 10.636 vagas. De acordo com a SEJUS, 4.440 vagas foram
construídas entre 2007 e 2014. No início da coleta de dados do Censo Penitenciário, em abril de
2013, os dados oficiais da SEJUS informavam que a lotação era de 13.751 detentos e, ao final da
pesquisa, em abril de 2014, era de 16.501. Segundo a Coordenadoria Especial do Sistema Prisional
- COESP e o Núcleo de Estatística, Informações Penitenciárias e Segurança Tecnológica – NEIPSTEC
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em seu último levantamento, em 28 de junho de 2018 na CPPL III, havia um total de 1.274 presos
nesta unidade prisional cearense, com excedente de 330 presos, ou seja, um excedente de 35%.
Levando-se em consideração apenas Penitenciárias e Presídios do Ceará, a capacidade de vagas é
de 9.168, sendo que o total de presos em excesso é de 15.845, um excedente de 6.677, ou seja,
72,8% a mais. O Relatório de Missão ao Estado do Ceará, realizado em abril de 2019, pelo
Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), que visa cumprir uma
obrigação internacional assumida pelo Estado brasileiro por meio de ratificação do Protocolo
Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a tortura e outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, promulgado no Brasil através do Decreto nº 6.085, de 19 de
abril de 2007. O Estado brasileiro se comprometeu, através desse instrumento internacional a
estabelecer, em conformidade com suas diretrizes, um mecanismo preventivo de caráter nacional,
além de poder criar outros mecanismos similares no âmbito dos estados e do Distrito Federal. A
metodologia utilizada no estudo conta análise documental, com levantamento bibliográfico em
livros, revistas, periódicos, além da vivência desse autor, como Vice Presidente da Comissão de
Direito Penitenciário da OAB/CE, onde através de visitas, foi possível fazer entrevistas informais
com detentos nas unidades prisionais do Estado do Ceará e ouvir relatos que apontavam situações
de humilhação e tortura nesse perverso e propositadamente caótico e superlotado sistema
prisional cearense. Por resultados esperados, pretende-se apontar que a dignidade da pessoa
humana é o objetivo maior de um Estado Democrático de Direito, que uma vez violado acarreta
consequências muitas vezes irreversíveis para o cidadão.
As juventudes são comumente retratas pela transgressão, pela crise e pela rebeldia. Suas
caricaturas são ornamentadas de um simbolismo peculiar: abusam das modificações corporais,
reinventam um vocabulário próprio, consomem o legal e o ilegal, se relacionam com o possível e o
diferente, entre tantos outros “clichês juvenis”. A juventude, além de ser uma etapa do ciclo da
vida também é uma situação, um modo de agir e reagir, de compor e impor. Existem elementos
que designam a condição juvenil que não devem ser delimitados exclusivamente por uma faixa
etária, como também podem ser percebidos como um estilo de vida. Pensar as juventudes dentro
de suas pluralidades nos leva a refletir sobre a importância de considerar seus pertencimentos,
seus campos de interação, suas trajetórias e experiências. Mesmo atentos à compreensão das
culturas juvenis a partir da perspectiva cultural e de suas diversidades, recorrentemente as
camuflagens ou confusões de entendimento de suas singularidades são recortadas pelos
processos de desigualdade e injustiça social. Portanto, é importante pensar sobre as “trajetórias
de risco” de jovens pobres que vivem sob “riscos diversos”, em especial, “riscos de vida”. Estes
podem ser visualizados não somente a partir dos números elevados sobre homicídios da
população juvenil, mas também, a partir de dimensões subjetivas de suas trajetórias de vida, que
são muitas vezes ignoradas ou descartadas por aqueles que não se importam com essas vidas.
Para Ulrich Beck, o risco é um estágio entre a segurança e a destruição com a percepção do
indivíduo determinando a maneira como vai pensar e agir. Os riscos são objeto de distribuições de
males e não de bens materiais. Observa-se em trajetórias juvenis como a distribuição dos males
90
está representada no precário acesso a políticas públicas eficazes no campo da educação para eles
não abandonem a escola, de trabalho para empregar seus pais, de transporte para que suas mães
trabalharem mais perto de casa e possam conviver mais com seus filhos. A perversa destruição de
males ainda diz respeito às políticas públicas de segurança que deveria produzir uma polícia que
protege e não que agride as juventudes. Portanto, trata-se de vulnerabilidades e riscos diversos
que marcam a trajetória de uma família. Assim como não se deve associar os riscos condicionados
à ausência ou precariedade no acesso à renda, as vulnerabilidades também estão relacionadas as
fragilidades de vínculos institucionais e as desigualdade de acesso a bens e serviços públicos. Uma
sociedade de risco produz vulnerabilidades difusas colocando determinados grupos em níveis
diferenciados de ameaças, como é o caso dos grupos juvenis, além de produzir ritos de impasse
que desafiam modos de viver seguros. Para José Machado Pais, os ritos de impasse aparecem
quando necessidades essenciais de segurança e autoestima não se satisfazem ou quando
sentimentos de pertença identitária se fragilizam. Quando essas exigências vitais se frustram,
surge uma propensão para a indolência e para anomia, podendo originar condutas violentas,
envolvendo pessoas incapazes de vislumbrar um futuro, como acontece com alguns jovens ou
grupos marginalizados. Com isso, o objetivo dessa pesquisa é analisar ritos de impasse que são
produtores de modos de viver que colocam as vidas dos jovens pobres, negros e nordestinos em
risco. A análise de dará, a partir dos dados da pesquisa “Eles dizem não ao não: um estudo sobre a
Geração N”, realizado pelo Laboratório das Artes e das Juventudes da UFC, Instituto OCA e
Instituto Dragão do Mar na cidade de Fortaleza no ano de 2019, que investigou os sentidos do
trabalho e das situações de risco, os impasses e as vulnerabilidades que atravessam a vida
cotidiana de jovens pobres e negros moradores da periferia da capital do Ceará.
A violência armada tem sido uma característica dos centros urbanos brasileiros e a
quantidade de conflitos letais atingiu níveis impressionante. Em 2016, houve 62.517 homicídios no
Brasil, alcançando a maior taxa da história (30,3 homicídios para cada 100 mil habitantes). Na
região Nordeste, essa taxa cresceu 80% entre 2006 e 2016, sendo 103,2% no Ceará. Um elemento
relevante para a compreensão do fenômeno é o confronto entre grupos criminosos armados,
conhecidas como “facções”, que buscam controle do tráfico de drogas. Nesses territórios houve
expulsão de moradores e a proibição de pessoas passarem entre “fronteiras invisíveis”. Em
Fortaleza, 264 pessoas foram expulsas de suas residências entre novembro de 2017 e abril de
2018. Os grupos criminosos criam uma geografia da criminalidade, com o “faccionamento” de
bairros e comunidades. Não apenas integrantes de facções rivais, mas também moradores de
comunidades “dominadas” não podem se deslocar livremente. A reação das forças de segurança
pública é o recrudescimento das ações ostensivas, deixando a população em um “fogo cruzado”. O
problema da pesquisa é analisar a efetividade do direito à cidade no contexto da violência armada
na periferia de Fortaleza. Esse trabalho é parte dos resultados da pesquisa desenvolvida no curso
de mestrado do autor. A delimitação temporal dá-se no período de agravamento do conflito entre
facções, a partir de 2016, e o início de 2018. Neste ano, a Secretaria de Segurança Pública iniciou a
“Operação Ocupação” e a prefeitura de Fortaleza apresentou o programa Acesso Mais Seguro
para Serviços Públicos Essenciais, em parceria com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha
(CICV). A abordagem teórica sobre o direito à cidade torna-se mais complexa no contexto do
crescimento da violência urbana que insere-se na nova configuração das cidades na América
Latina, especialmente após o advento das políticas neoliberais. Propõem-se diálogos entre autores
como Maricatto, Vainer e Agamben. Como método de análise a pesquisa empírica desenvolve um
processo de observação, com uma aproximação gradual no território pesquisado, a partir do
estabelecimento de relações de confiança do pesquisador. A pesquisa vale-se de diário de campo,
relatando as diversas experiências e diálogos, e entrevistas individuais abertas em profundidade.
As falas dos participantes das pesquisas são analisadas no contexto abordado e confrontadas com
elementos empíricos e teóricos levantados. Além disso, há análise de documentos acessados
durante o trabalho de campo. Como apontamento central, percebe-se uma reconfiguração da
dinâmica da violência urbana em Fortaleza, no período sob análise, que impacta diretamente na
efetivação do direito à cidade. Por um lado, os territórios marcados pelos confrontos armados
entre organizações criminosas geram homicídios, ameaças e expulsões de moradores. Por outro,
as forças de segurança pública tratam o contexto de forma belicista, em combate a um “inimigo”,
produzindo zonas de estado de exceção, onde o direito à cidade e outros direitos relacionados são
suspensos.
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ENTRE A “LOCALIZAÇÃO AMBULANTE” E A TERRITORIALIDADE ITINERANTE? A
FUNÇÃO DO ILEGALISMO NA MANUTENÇÃO DA(S) CRACOLÂNDIA(S) NOS
CENTROS URBANOS
Este trabalho reflete como as mulheres mães dos jovens privados de liberdade nos centros
educacionais lutam pela garantia de direitos dos filhos. A pesquisa foi realizada com oito mulheres
que formam o grupo de Mães e Familiares do Socioeducativo Cearense, para tanto, foram
utilizadas a observação participante, entrevistas estruturas e diários de campo como elementos
metodológicos. O referido grupo foi formado em 2015 no colapso da crise do sistema
socioeducativo. Durante os anos de 2014 e 2015, foram registrados, no Relatório de Inspeções das
Unidades de Internação do Sistema Socioeducativo do Ceará (2016) um total de sessenta
rebeliões, motins e episódios conflituosos envolvendo todas as unidades de atendimento
socioeducativo destinadas aos adolescentes do sexo masculino de Fortaleza. Nessa conjuntura,
origina-se o Grupo de Mães e Familiares. A referida crise foi caracterizada por rebeliões, denúncias
de tortura e maus tratos sofridos pelos jovens internos e pela superlotação, que chegou a atingir o
percentual de 400% em diversas unidades. Neste contexto as mães passaram a construir atos e
manifestações exigindo a garantia de direitos de jovens autores de atos infracionais previsto no
Estatuto da Criança e do Adolescentes (ECA). Ressalto que a pesquisa apontou que os significados
que são atribuídos, ora associados ao termo mãe, invocam diferentes agentes e contextos que
mobilizam determinados significados em torno das lutas travadas em prol da garantia de direitos
sociais, sobretudo ao processo de responsabilização dos jovens em internação. As unidades de
internação parecem espaços onde a violência se mantém e se reproduz, seja pelos jovens ou pelos
funcionários e socioeducadores. Assim, esses espaços de vigília e punição criam discursos
reacionários, como de “reabilitação e inserção” destes sujeitos ao convívio social, no intuito de se
construir, se distanciando a ótica da responsabilização. Sendo assim, a realidade institucional é
distinta da legislação e a situação dos jovens que cumprem medida socioeducativa de internação
configura-se através da violência e de suas múltiplas expressões. A emergência das mães nas
discussões públicas sobre como o sistema socioeducativo funciona perpassa situações intensas de
violências. Podemos pensar que, assim como os movimentos sociais, especificamente, o grupo de
mães e familiares do sistema socioeducativo investe em formas narrativas de contato, na
contextura da dimensão narrativa por meio da qual a violência pode ser visibilizada. Compreender
que as mulheres mobilizam o termo mãe acionando discursos e práticas nos faz pensar, por
exemplo, nas articulações das múltiplas diferenças expressadas pela sexualidade, gênero, raça,
geração, entre outras. Essas articulações são mobilizadas para reivindicação de direitos. Em
relação a minha pesquisa, na reivindicação das mães pelos direitos dos jovens internos.
Percebemos que certas marcas sociais são reconhecidas como tendo mais relevância que outras e
como eixos ou segmentos de classificação sempre contingentes, contextuais e relacionais são
produzidos, objetivados e cristalizados na produção governamental de políticas direcionadas para
determinados sujeitos.
94
UM ESTUDO SOBRE A DESPERSONALIZAÇÃO DO SUJEITO ENCARCERADO:
SUBJETIVIDADE, PUNIÇÃO E CÁRCERE
Este estudo pretende trazer uma análise e reflexão acerca das performances identitárias
sofridas pelos sujeitos que estão em situação de cárcere da Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em
Caruaru -PE. O presente trabalho se propõe a discutir a real condição do sujeito encarcerado em
face a sociedade. Assim, nossa pergunta de pesquisa se fundamenta no fato de compreender:
Quais os marcadores sociais que contribuem para a formação da identidade social de sujeitos
encarcerados na Penitenciária Juiz Plácido de Souza em Caruaru-PE? Com a presente pesquisa
buscamos responder nosso objetivo que foi analisar os marcadores sociais que contribuem para a
formação da identidade social de sujeitos encarcerados da Penitenciária Juiz Plácido de Souza em
Caruaru-PE. E como instrumentalizá-lo delimitou-se na condição de objetivos específicos os
seguintes objetivos: 1) Discutir a concepção teórica sobre o conceito de Identidade; 2) Relacionar
as intercessões entre subjetividade, punição e cárcere; 3) Descrever a construção de identidades
do sujeito encarcerado a partir de suas narrativas e de discursos da comunidade carcerária. Sobre
os Procedimentos Metodológicos utilizados na pesquisa, fundamentamos essa nas lições trazidas
pelo Método Indutivo partindo assim da observação do fenômeno e das descobertas de relação
entre eles. Quanto a abordagem, esta pesquisa se deu na perspectiva Qualitativa. No tocante do
trajeto da presente pesquisa, foi utilizada a pesquisa bibliográfico- exploratória. Quanto a coleta
de dados, a entrevista se deu de maneira narrativa, uma vez que se fez necessário ao pesquisador
formular perguntas ao entrevistado com o objetivo de obter os dados que interessam à pesquisa.
Se tratando da análise dos dados obtidos utilizamos a análise de conteúdo. Com isso, a partir dos
resultados obtidos, se observou por meio das informações fornecidas pelos entrevistados que:
apesar de se encontrarem em situação de cárcere, os sujeitos ainda se reconhecem como agentes
sociais e quando se trata do fator performático de reintegração social, não é esperado por parte
destes, a produção de estigmas em razão de serem ex-presidiários. No entanto, pôde-se constatar
com base nos discursos desses sujeitos as performances identitárias sofridas por estes em razão
do sistema penitenciário como meio panóptico e excludente. Os resultados alcançados nesse
estudo possibilitam a ideia de que este possa contribuir para o debate de uma verdadeira
efetivação da cidadania, da promoção do princípio da dignidade da pessoa humana em razão do
sujeito encarcerado, uma vez que foi encontrado segundo as entrevistas realizadas a produção de
estigma, bem como marcadores que possibilitam a performance de identidade deste sujeito.
95
BIOPOLÍTICA E VIDA NUA: A VIOLÊNCIA LETAL CONTRA A JUVENTUDE NEGRA EM
SERGIPE
A presente pesquisa tem por objetivo analisar os índices da violência letal contra a
juventude negra em Sergipe e refletir, a partir do conceito de vida nua presente na teoria da
biopolítica de Giorgio Agamben, como a violência é operada em face de grupos que histórica e
sistematicamente são mantidos em situação de marginalidade e discriminação, permanecendo no
campo entre a vida e a morte, na gestão biopolítica da vida. A estrutura da biopolítica moderna
determina-se, segundo Agamben (2014), pela decisão sobre o valor ou (des)valor da vida e o
soberano é quem decide, produzindo a vida nua do homo sacer. De acordo com o Atlas da
Violência 2019, os cinco estados com maiores taxas de homicídios de negros estão localizados na
região Nordeste. Em 2017, Sergipe apresentou a quarta taxa mais alta, com 68,8 mortos a cada
100 mil habitantes negros, significativamente maior que a taxa nacional de 43,1. Nesse
levantamento, foi verificado a continuidade do processo de aprofundamento da desigualdade
racial nos indicadores de violência letal no Brasil, e em Sergipe não foi diferente. Mesmo tendo
havido uma redução de 11,3% dos homicídios ocorridos em Sergipe em comparação a
levantamentos anteriores, o estado ainda se destaca em comparação aos índices nacionais. Por
essa razão, a investigação, em desenvolvimento, concluiu provisoriamente que a vida nua não é
um dado natural, mas um produto de um ato jurídico-político e o resultado desta fabricação está
expressa nas formas de vida apreendidas pela política ocidental. Sacer é a vida abandonada,
capturada pela exclusão, restando somente uma vida exposta ao poder soberano. E no momento
presente das democracias ocidentais, em que cada vez mais o avanço do estado de exceção tem
se tornado regra, a vida nua se consolida, com a produção vidas vulneráveis e de corpos matáveis.
Quanto à metodologia, assumiu-se os postulados dos paradigmas interpretativista e qualitativo
em pesquisa científica (DENZIN; LINCOLN, 2006), aliado a procedimento de caráter bibliográfico,
segundo uma modalidade de pesquisa documental (REGINATO, 2017).
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VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS DE CRIANÇAS DESACOMPANHADAS NAS
FRONTEIRAS: O EXEMPLO DO CASO ESPANHOL
O presente trabalho analisa recente decisão adotada pelo Comitê dos Direitos da Criança
da Nações Unidas (ONU) diante do caso de adolescente que cruzou a fronteira da Espanha com o
Marrocos em dezembro de 2014. No episódio, D.D. foi algemado, apreendido e entregue às forças
de segurança do Marrocos, sem sequer ter sido identificado como menor desacompanhado pelo
Estado espanhol, além de não ter sido disponibilizado a ele um advogado ou tradutor. A medida
arbitrária de expulsão automática do território espanhol retrata como muitos países têm agido
frente à onda de imigrantes que chegam diariamente nas suas fronteiras, não só no solo europeu
como nos demais continentes. Nesse caso em particular, o Comitê dos Direitos da Criança da ONU
condenou a política adotada pela Espanha por violar diversos documentos internacionais que
defendem os direitos das crianças, como a proteção ao seu melhor interesse, e a proibição de
tratamento desumano e degradante. Destacando-se que no tocante à Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança, as obrigações aos Estados incluem as crianças e adolescentes que
estejam submetidos à jurisdição do Estado por tentarem penetrar em seu território nacional,
sendo o desfrute dos direitos estipulados na Convenção abrangentes de toda criança e todo
adolescente e não somente aos nacionais. Tal decisão reveste-se de importância por configurar
um precedente no que se refere à proteção das crianças desacompanhadas no cenário
internacional, reforçando que a condição de ser criança ou adolescente deve prevalecer sobre o
fato de ser migrante ou refugiado. Ao analisá-la como um caso emblemático de violação de
direitos humanos de uma população vulnerável que é a criança desacompanhada, são utilizados
os referenciais teóricos de Giorgio Agamben e Hannah Arendt. Na decisão, o Comitê elenca
obrigações aos Estados quanto à identificação do autor e a concessão de asilo, e aponta para
violações a inúmeras determinações da Convenção sobre os Direitos da Criança, em particular o
desrespeito ao princípio da não devolução, pois o Estado não deveria simplesmente retornar com
o menor sem averiguar se havia alguma situação de perigo enfrentada no local de origem. Por fim,
o Comitê recomenda que o Estado espanhol indenize o menor em razão do dano sofrido e evite
que medidas similares sejam tomadas, assim como aja de forma contundente com o intuito de
banir a prática indiscriminada de deportação automática em sua fronteira. O estudo do caso
permite refletir sobre a política adotada pela Espanha em seu significado biopolítico, como política
de exceção que agrava a vulnerabilidade das crianças imigrantes e reforça uma visão do não-
nacional como inimigo, negando-lhe qualquer abrigo. O tema é de inegável atualidade pois expõe
os crescentes desafios que hoje se apresentam para o devido cumprimento de Protocolos e
Tratados Internacionais de proteção de imigração frente às práticas de controle biopolítico no
cenário internacional.
98
MEDIDAS REPRESSIVAS NO SISTEMA PRISIONAL CEARENSE NO PRIMEIRO
BIMESTRE DE 2019: DA INCERTEZA DA EFETIVIDADE AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS
HUMANOS
Os primeiros meses de 2019 têm colocado o Estado do Ceará no debate nacional sobre
Segurança Pública. Após ventilações acerca de uma possível intervenção Federal nas terras
cearenses, observamos um conjunto de medidas nas penitenciárias do Estado, e falas de maior
agressividade de membros do Governo, acerca da guerra do Estado contra as facções criminosas e
o tráfico de drogas. O ano iniciou-se com uma série de ataques ao patrimônio público, que
ocorrem após falas polêmicas do Secretário de Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque.
Nesse contexto de apreensão, as ruas de Fortaleza foram tomadas por policiais militares e
membros da força nacional. A força ostensiva, buscava, a todo custo, propiciar um ambiente de
maior segurança, amenizando o clima de terror instalado após os diversos atentados ocorridos na
Capital e em outras cidades cearenses. Vimos, nos primeiros meses do ano, uma queda de braço
nunca antes tão evidente, entre as forças do Estado e o mundo do Crime Organizado. Nessa
esteira, começou, nos presídios, um conjunto de ações repressivas sob a justificativa de retomar a
ordem e o controle do Estado dentro das unidades prisionais: transferências em massa, revistas
constantes, apreensões de televisores, retirada de tomadas, restrições de visitas e vigilância
constante foram, das medidas, as mais veiculadas pelos meios de comunicação e citadas no
relatório produzido pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos. Membros do
governo começaram a afirmar publicamente que todas essas medidas tinham um objetivo
comum, qual seja, tomar, das mãos das facções, o controle sobre o sistema prisional, para
somente assim resolver guerra que acontecia do lado de fora dos muros. Para estes, haveria uma
relação de causalidade entre a situação dos presídios e o clima de terror provocado pelas facções
por todo Estado. A presente pesquisa investigará as medidas tomadas pelo Governo do Ceará no
interior dos presídios, bem como a efetividade destas ao que pretendiam, diminuir a
criminalidade. Objetiva-se, de forma geral, compreender as violações de Direitos Humanos e a
apologia criada em torno do recrudescimento penal, a fim de observar se, no Estado do Ceará, as
violações de Direitos Humanos e a Necropolítica passaram a figurar como políticas públicas. A
pesquisa está sendo conduzida a partir da coleta e análise de dados, essencialmente qualitativa e
bibliográfica. Partiu o estudo de dois relatórios produzidos pela Comissão de Defesa dos Direitos
Humanos do Estado do Ceará e o Mecanismo Nacional de Combate a Tortura, sobre violações
ocorridas nos dois primeiros meses de 2019. A pesquisa, ainda em curso, buscará também
entrevistas com agentes que trabalham diariamente com os sujeitos submetidos as violações de
Direitos Humanos no sistema prisional, a fim de melhor compreender a realidade a ser exposta. A
análise inicial faz perceber que a redução dos números de homicídios, bem como de outros crimes
que envolvem violência, está presente em todo Brasil, e no mesmo período. O fato evidencia que
há grande possibilidade de algum evento ainda oculto, e não aquele noticiado, a respeito das
ações no Ceará, que fizeram com que os crimes com violência diminuíssem em todo território
nacional. A respeito dessas projeções, pela pouca distância temporal do objeto, nos cabe algumas
indagações, a serem feitas posteriormente quando observadas as medidas e seus objetivos. Por
99
fim, importante é dizer que as violações de Direitos Humanos não são uma suspeita, mas uma
constatação do Mecanismo Nacional de Combate a Tortura, por relatório que vem sendo
explorado na pesquisa. Cumpre o estudo averiguar as violações de Direitos Humanos no Sistema
Carcerário Cearense, agravadas pelas medidas tomadas pelo Governo do Estado a pretexto de
reduzir a violência.
Propõe-se através deste trabalho algumas reflexões sobre aspectos que projetam o que
seria uma estética da fé e sua projeção na cidade do Rio de Janeiro. A hipótese deste trabalho de
pesquisa foi formulada a partir da observação da articulação entre fé, política e percepção que
tem desenhado uma diferente configuração político-social, principalmente na capital fluminense.
Carl Schmitt, em sua Teologia Política, já demonstrara o vínculo entre política, religião e
jurisprudência como uma estrutura de fé. A própria Teoria do Estado foi erigida mediante a
absorção da estrutura da religião no processo de secularização (SCHMITT, 1988; p. 36). A fé
passou a fazer parte do espetáculo da violência que sustenta este Estado (MALAGUTI BATISTA,
2013; p. 65-ss). Um espetáculo como “reconstrução material da ilusão religiosa” (DEBORD, 2003,
p. 20), projetado no fetichismo, seja religioso ou da mercadoria. Neste sentido, se estabelece uma
narrativa sobre a violência que demoniza aquele construído como ameaça a ser abatida. A fé se
transforma, então, no medium da batalha contra o Mal e a conversão religiosa se apresenta como
arma, representada pela vitória (VITAL DA CUNHA, 2015). Esta é a dimensão afetiva da fé,
transformadora e que age sobre o fiel (VITAL DA CUNHA, 2015; p. 238-241). Uma batalha
espetacularizada nas programações religiosas em diversas mídias, responsável por impor uma
“nova ordem de poder da imagem”, como acredita Muniz Sodré (SODRÉ, 2008; p. 70). Neste
discurso de transformação pessoal por intermédio da fé, está implícita uma espécie de promessa
de ascensão e inclusão social, promovendo uma percepção positiva da própria exclusão, retribuída
através do voto. Um voto de fé naquele que promete proteção e cuidado, mas que no exercício do
poder político passa a não representar quem o elegeu. Não se trata, portanto, de uma mudança
na estética da política que toma forma na atualidade, mas novas técnicas agregadas para
potencializar a fé como instrumento político, conforme observa Chauí. A estética da fé seria a
expressão do próprio poder teológico-político (CHAUÍ, 2017; p. 245).Segundo Merleau-Ponty, a
mudança de percepção através da fé em muito diz respeito a maneira como eu vejo o mundo,
como eu me coloco em relação à religião, ou seja, a fé permite ao indivíduo construir um mundo a
partir da sua mudança de percepção do eu-mundo (MERLEAU-PONTY, 1999; p. 595). Esta
concepção está intimamente relacionada à consciência de classe, defende o filósofo. Esta nasceria
da percepção concreta do sincronismo entre sua vida e a vida dos operários e a comunidade de
seus destinos (p. 595), de como se situa no espaço social e se percebe como explorado (p. 595). A
estética da fé espelha a assimilação de uma nova estética de comunicação na qual a fé é
potencializada como linguagem de transformação, de inclusão, de pertencimento e de
empoderamento. A fé passa a compor uma sofisticada técnica política, projetando uma promessa
de libertação, mas, na verdade, apenas transfere as rédeas da dominação. A cada eleição, essa
estética da fé se mostra mais potente no Rio de Janeiro, seja na perseguição a outras religiões,
seja na própria ascensão ao poder, como é possível observar o comportamento de diversos
101
membros do poder legislativo eleitos nos últimos pleitos, em todos os níveis de poder. Crivella,
Witzel e Bolsonaro representam essa estética da fé no Rio de Janeiro.
102
A PRODUÇÃO DO INIMIGO E A MILITARIAÇÃO DA VIDA: UMA ANÁLISE DA
PORTARIA NORMATIVA 3.461 COMO INSTRUMENTO BIOPOLÍTICO CAUCADO EM
UM ESTADO DE EXCEÇÃO
A concepção do inimigo nas sociedades sempre foi um fator a ser levado em conta. Assim,
seja na Europa ou nos Estados Unidos, com a figura do muçulmano e do negro, seja em Israel, com
a Palestina ou no Brasil, que tem como inimigo a população negra, a função da elaboração de um
inimigo é fundamental para a manutenção do poder. Nesse sentido, no Brasil intensificaram-se as
ações de militarização da vida e da política. Isso acontece a partir da adoção de uma lógica
própria, derivada principalmente da ditadura militar, ou seja, a produção de um inimigo interno às
relações sociais é atrelada àquele sujeito que ameaça à ordem e à paz. Mais que isso, aliado a esta
ideia de inimigo, na atual conjuntura das sociedades complexas, as modificações sociais
apresentam-se constantemente atravessadas por momentos denominados como crises,
verificadas tanto no âmbito nacional como internacional. Têm-se a crise do terrorismo, a crise
econômica, crise do sistema penal e em crises de governo. Por estes motivos, torna-se cada vez
mais habitual a adoção de medidas emergenciais objetivando o reestabelecimento da ordem, quer
seja ela pensada em termos econômicos, políticos ou sociais. Assim, utilizando o argumento do
reestabelecimento da ordem, o Estado utiliza medidas de exceção a partir de mecanismos
jurídicos, isto é, quanto mais violento, mais o contexto social se mostra como de crise,
desencadeada pela criminalidade, mais se permite o investimento em ações legais e extralegais.
Nesse contexto, a partir das Jornadas de Junho de 2013 – protestos de ampla escala no Brasil – a
repressão às manifestações vem se mostrando como pauta de controle estatal, isto é, a atuação
ostensiva policial nesses cenários mesclou-se com iniciativas que limitam a liberdade de
expressão, a exemplo de decisões jurídicas restritivas e propostas legislativas, notadamente a
edição da Portaria Normativa 3.461 (Garantia da Lei e da Ordem – GLO), objeto do presente
estudo. Nessa esteira, com a aludida medida, ocorre que foi possibilitada a utilização das forças
armadas contra as forças chamadas de oponentes, isto é, as pessoas, grupos ou organizações cuja
atuação venham a comprometer a ordem pública ou a incolumidade de outras pessoas e do
patrimônio. Assim, seria praticável a eliminação de qualquer indivíduo sob o manto protetor da ‘’
ameaça à ordem pública’’, justamente pela cláusula aberta positivada na portaria. Desse modo, as
Forças Armadas são utilizadas como meio de substituição da segurança pública interna, quando
essas se esgotarem (polícia civil e polícia rodoviária, por exemplo) ou quando houver a
perturbação da ordem, ou seja, não é imprescindível que se esgotem todas as forças regulares de
segurança nacional para a efetiva instauração das operações de GLO; basta a presunção de
possibilidade de perturbação da ordem. Esta, a Portaria Normativa 3.461, promove, segundo os
referenciais adotados, uma abertura ao denominado terrorismo de Estado ou ao Estado de
exceção e dos diversos efeitos da governamentalidade contemporânea. Desse modo, conforme
leciona Giorgio Agamben, o estado de exceção, na verdade, passa a se tornar modelo de governo
dominante na política contemporânea, regra, por assim dizer, mesmo que estejamos imersos na
aura dos ideais democráticos. Ele permite a suspensão de direitos e garantias consagrados
constitucionalmente, no caso, o direito a manifestação, decorrentes de grandes esforços
históricos e assegurados por cláusulas pétreas. Ademais, é possível deduzir que a Portaria em
análise é utilizada como verdadeiro mecanismo biopolítico, de gestão da vida, pois a população
será vista, a um só tempo, como problema científico e político. Assim, a partir de pesquisa de
caráter marcadamente bibliográfica, será feita a consulta de textos legais e normativos (Portaria
103
Normativa 3.461 e a Constituição Federal), bem como o estudo das obras de Michel Foucault
referentes à biopolítica e ao direito. Mais ainda, a análise dos textos deverá priorizar o estado de
exceção proposto por Giorgio Agamben além de outros relacionados à perspectiva de Michel
Dobry, referente a crise.
O objetivo deste trabalho é demonstrar que o sistema carcerário através do fenômeno das
mortes nas prisões é necropolítico, apresentando o como a necropolítica caracteriza e funda o
sistema penal brasileiro e alagoano. Neste sentido, abarcamos as premissas do pensamento de
Achille Mbembe e os fundamentos do autor camaronês em Michel Foucault. A metodologia
empregada é quantitativa através de análise documental buscando quantas pessoas morreram no
sistema carcerário. E qualitativa a partir de análise documental de processos judiciais sem segredo
de justiça no Sistema de Automação da Justiça – SAJ do Tribunal de Justiça de Alagoas- TJ/AL.
Neste trabalho também apresentamos as dificuldades metodológicas em torno do objeto,
principalmente verificando o como as cifras ocultas da criminalidade permeiam e constituem o
fenômeno, neste sentido apresentamos circunstâncias em que a cifra oculta permeia a morte no
cárcere. Mencionamos que o encarceramento em massa no Brasil cresceu 707% de 1990 até 2016,
e que em Alagoas progrediu 131,81% de 2011 a 2019, sendo parte fundamental da necropolítica
no cárcere. Destacamos também as características da necropolítica na América Latina no que
tange o sistema penal – prisões preventivas em excesso, violência policial e a América Latina como
uma gigante instituição de sequestro. Concluímos que a morte no sistema penal é um fenômeno
complexo que tanto Estado, como preso participam da promoção da morte. Apresentamos que
péssimas condições na prisão, excedente carcerário e morte nos cárceres são parte constitutiva
desta instituição de sequestro na realidade latino americana em toda sua história. Nas prisões
brasileiras 4 (quatro) presos morrem por dia, 6.368 presos vieram à óbito nas prisões entre 2014 e
2017, proporcionalmente as mulheres morrem mais do que os homens, e a cada 8 dias 1
adolescente é morto em unidades de internação. Debatemos a catalogação da morte nas
unidades em natural e violenta, entendendo a morte como um aspecto de naturalização,
ressaltando os problemas deste binarismo a partir de análise documental qualitativa. Por fim,
debatemos soluções para a questão das mortes nos cárceres dentro e fora do direito, apontando
saídas a curto, médio e longo prazo, demonstrando que as saídas em vigor não estão tendo êxito.
104
Coordenação:
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth (UNIJUÍ/UNISINOS)
Paulo Velten (UFES)
Daiane Moura de Aguiar (ANHEMBI MORUMBI)
LEI DE MIGRAÇÃO VS. ESTATUTO DO ESTRANGEIRO: AS MUDANÇAS E INOVAÇÕES
TRAZIDAS PELA NOVA LEGISLAÇÃO SOBRE OS INSTITUTOS DA DEPORTAÇÃO,
EXTRADIÇÃO E EXPULSÃO
A migração no Brasil possui legislações que demandam ideias, ainda, da época do Regime
militar nas quais o imigrante era apresentado como uma ameaça à “estabilidade e à coesão social”
do país, prevalecendo o enfoque da segurança nacional, preservando assim os nossos limites
nacionais daqueles que eram vistos apenas como inoportunos e ameaçadores. O fenômeno da
imigração na atualidade tem tomado um objeto bem próximo de nosso cenário local, com
fenômeno nos globais, mas que afeta a sociedade como um todo. Os referidos fatos imigratórios
citados como atuais estão nos milhares de venezuelanos que ultrapassam nossas fronteiras para
buscar melhores condições de vida que já não comportadas em seu país de origem. Vindos para o
Brasil tais imigrantes estão afetados pela lei do imigrante nº13.445 de 24 de maio de 2017
(BRASIL, 2017), o que buscamos analisar nesse trabalho é a efetivação da legislação citada, frente
a realidade dos imigrantes venezuelanos, nesse contexto ainda observamos essa efetividade
frente a determinação das principais garantias da legislação citada, abordando a política
migratória face a universalidade, individualidade e interdependência dos direitos humanos. O
trabalho evidencia analisar alguns casos jornalísticos para então verificarmos se ocorre
concretização da lei dos imigrantes ou se perante a realidade venezuelana não está sendo efetivo
a letra da lei, o que afetaria além da universalidade legal o próprio desrespeito dos direitos
humanos. A metodologia aplicada na pesquisa é a qualitativa de natureza básica, buscando
através da análise também de documentos e bibliografia gerar conhecimentos que contribuam
para o cenário do tema proposto, contribuindo para continuidade dos estudos acerca da
propagação da reflexão acerca da concretização da legislação local e dos direitos humanos para
com os imigrantes. Preliminarmente observa-se que os direitos dos imigrantes nem sempre são
observados de maneira efetiva, tendo em vista inúmeros indicativos como por exemplo, falta de
estrutura adequada para comportar grandes massas, bem como por questões culturais e sociais,
mas da analise acredita-se que não há de forma plena o cumprimento dos direitos humanos e por
si só a observância da legislação seja mundial, quanto local sobre o individuo imigrante que
adentra em nosso solo em busca de auxilio e proteção como é o caso dos venezuelanos.
107
Palavras-chave: Imigrante. Direitos Humanos. Efetividade.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Senado Federal. Lei 13.445, de 24 de maio de 2017. Brasília, 2017. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2017/lei-13445-24-maio-2017-784925-publicacao
original-152812-pl.html. Acesso em: 18 jun. 2017.
108
revogado Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/1980) e buscando assim criminalizar a migração
tais como os Estados Unidos, dentre outros países no mundo.
Palavras-chave: Migração no Brasil. Política migratória. Dignidade da pessoa humana.
A Crimigração é uma teoria que possui suas origens nos Estados Unidos da América
desenvolvida por Juliet Stumpf (2006), a qual investiga a convergência entre imigração e direito
penal e a razão pela qual essa convergência causa problemas. A junção de imigração e crime, ou a
“crimigração”, possui três frentes, na visão de Stumpf. A primeira é o vínculo entre direito penal e
imigração como sistemas de exclusão. A segunda é a semelhança das normas sobre imigração e
normas penais e forma de aplicação de ambas. Por fim, do ponto de vista processual, alguns
aspectos são semelhantes, uma vez que o processamento de questões imigratórias assumem
aspectos do processo penal (VEDOVATO; PEDAGOGA; SAMPAIO, 2016, p. 215).
No Brasil o Estatuto do Estrangeiro regulou a situação jurídica do migrante até 2017, ano
em que referido diploma foi revogado pela Lei de Migração (Lei 13.445/2017). A palavra
estrangeiro traz consigo a noção do estranho, da diferenciação de quem é merecedor da proteção
jurídica e quem deve ficar excluído desta proteção. Nota-se, nesse sentido, que o Estatuto do
Estrangeiro era regido sob a lógica da exclusão. Estrangeiro é quem possui uma nacionalidade
distinta dos cidadãos e, portanto, não possui os mesmos direitos que os nacionais.
Como objetivo do presente trabalho, busca-se investigar qual relação entre direito penal e
direito migratório na realidade brasileira. O Estatuto do Estrangeiro foi elaborado na época da
ditadura civil-militar brasileira, no contexto mundial de guerra fria. Assim, o estrangeiro possuía
dois significados, tanto aquele cidadão brasileiro subversiva (SPRANDEL, Marcia Anita, 2015),
tanto os migrantes de ideologia de esquerda ou os provenientes dos Estados socialistas (DE
MORAES, 2016, p. 123), ambos poderiam entrar potencialmente em relação e ameaçar o regime
ditatorial e a segurança nacional.
A partir da pesquisa bibliográfica e análise de instrumentos legais, constata-se que a Lei de
Migração altera o paradigma até então vigente. No entanto, como conclusão parcial, constata-se
que embora alguns avanços conquistados com o novo diploma legal, o preconceito, sobretudo
com o migrante negro e índio, ainda se fazem presentes na nossa sociedade, como por exemplo, a
inserção do migrante negro no mercado de trabalho (TORELLY , KHOURY, VEDOVATO,
GONÇALVES, 2017). O STF, no RE 608.980/SP, em 2018, apesar de firmar o entendimento
contrário à expulsão de estrangeiro com filhos no Brasil, citou o diploma revogado como
fundamentação e sua não recepção pela Constituição Federal de 1988. Ainda pendente de
regulamentação pelo poder público é o importante instituto da acolhida humanitária o qual foi
previsto na Lei de Migração, e utilizado para a recepção de migrantes haitianos, sírios e,
atualmente, venezuelanos.
109
POLÍTICA MIGRATÓRIA BRASILEIRA: ENTRE A AMPLIAÇÃO DOS DIREITOS DOS
MIGRANTES E A REGULAMENTAÇÃO CONTRA LEGEM DO DECRETO 9.199/2017
110
descartabilidade de tais vidas humanas. Em seu desenvolvimento, inicialmente analisa a existência
de um poder biopatriarcalista, ou seja, um poder constituído pela aliança entre os interesses
capitalistas e patriarcais, típica da modernidade, que atua por meio de técnicas e estratégias
biopolíticas de governança que orienta e controla os corpos, a saúde e a vida de uma população
inteira através da regulação da reprodução, fertilidade e mortalidade. Considera-se que este
biopatriarcalismo, caracterizado no texto a partir dos referenciais teóricos de Giorgio Agamben,
Michel Foucault e Joaquim Herrera-Flores, tem governado vidas a partir da gestão dos fluxos
migratórios da contemporaneidade, e das reações desencadeadas a eles, em plena vigência de um
arcabouço internacional de proteção aos direitos humanos. Conclui, portanto, pela urgência do
desvelamento deste processo progressivo de precarização permanente das vidas humanas que
recai especialmente sobre as vidas femininas, a partir do controle de seus corpos e de sua
capacidade reprodutiva intensificada em meio aos deslocamentos migratórios. Aponta, por fim,
pela urgência na articulação de formas alternativas de resistência ao avanço deste poder. Para sua
realização, utiliza, na investigação o método de abordagem histórico e o método de procedimento
indutivo, em um caráter qualitativo.
Desde o século XV o movimento de migração negra toma maior proporção. Seja nesse
período, vítimas de todo tipo de preconceito resultado do escravismo e da migração forçada, seja
no século XXI com o estreitamento das relações da ponte Brasil-África, o negro continua sendo
colocado à margem da sociedade. Apesar de ser elemento ativo na construção histórica, social e
política do país, percebe-se que os imigrantes, principalmente os negros, sofrem com a precária
inclusão, sendo alvo de preconceito em um país cuja sociedade se torna cada vez mais xenofóbica,
desprezando sua própria história. Nessa perspectiva, o presente trabalho analisa a migração negra
no Brasil sob a luz criminológica da teoria da Escola de Chicago, debatendo acerca da exclusão
social dos afrodescendentes no período contemporâneo e como tal situação se encaixa nas ideias
da subcultura e os reflexos na sociedade como um todo. Igualmente, se analisa a situação precária
de muitos imigrantes, que são recorrentemente submetidos a condições insalubres, impondo
dificuldades a inserção no espaço geográfico e violando a condição de igualdade através do acesso
aos direitos básicos garantidos pela Constituição frente à Lei nº 13.445/2017, que substituiu o
Estatuto do Imigrante de 1968, exigindo uma visão democrática e humana sobre o imigrante, a
qual não vem sendo cumprida de fato pelo Brasil. Diante do quadro apresentado, torna-se
necessário realizar uma análise social que retrate fielmente o dia a dia do imigrante negro no
114
Brasil. É nesse contexto que substancializa-se o presente trabalho, analisando os efeitos da
marginalização desse grupo na sociedade, as origens da violência e suas repercussões com foco,
especificamente, no Estado de Pernambuco. Além da pesquisa de campo, foi utilizado o método
hipotético dedutivo e revisão bibliográfica de forma que os dados obtidos em nossas investigações
possam ser comparados com informações prévias, ressignificando o papel do imigrante negro na
sociedade, que há muito deixa de ser agente passivo do estudo e passa a ser agente ativo da
história. Pretende-se concluir, também, que a marginalização não se dá apenas pela condição de
imigrante, mas agrava-se baseado na etnia da pessoa humana, sendo a xenofobia, portanto,
instrumento para encobrir o preconceito racial contra negros já existente no país, personificando
um já conhecido problema.
O presente estudo tem por objetivo analisar de que modo as disposições do Decreto
regulamentador (Decreto nº 9.911/2017) em relação à Lei de Migrações (Lei nº 13.445/2017)
prejudicam os direitos da população migrante com destino ao Brasil, evidenciando um movimento
pendular entre democracia e autoritarismo que marca o modo como historicamente o país
enfrenta a questão das migrações internacionais. Demonstrar que o Estado brasileiro mesmo com
as alterações legislativas rumo a uma perspectiva comprometida com a democracia e os direitos
humanos (Nova Lei de Migrações– Lei nº 13.445/17) esbarram em práticas autoritárias que nos
foram legadas pela lógica da segurança nacional (Decreto Regulamentador da Nova Lei– Decreto
nº 9.911/2017). Discute-se, portanto, a importância da Lei de Migrações colocando em análise o
dever do estado em assegurar os direitos e garantias, e enfrentar a vulnerabilidade jurídica que a
elas estão ligadas e o retrocesso do Decreto regulamentador com suas diretrizes absolutamente
contrárias e que afrontavam a Constituição Federal em vários de seus dispositivos.
Palavras-chave: Fluxos Migratórios. Biopolítica. Lei de Migração. Decreto Regulamentador.
Direitos Humanos.
Paulo Velten
Pós-doutor e Professor no curso de Direito na UFES
O Estado do Espírito Santo é um campo de pesquisa privilegiado por muitos motivos, entre
eles pode-se destacar o fato de haverem representações de quase todos os ecossistemas
115
brasileiros, bem como pela grande representatividade étnica que compõe o assim comumente
denominado “povo brasileiro”. Quando colonizado era habitado originariamente por indígenas
que, escravizados compunham a maioria da população. No século XIX viu crescer rapidamente o
numero de negros escravizados, vez que se tornou rota do tráfico de escravos, e, em 1873
continha o segundo maior contigente de escravos do Brasil (proporcionalmente à população), algo
em torno de 46% da população do território. A partir daí imigrantes os Itálicos, Germânicos,
Eslavos, Ibéricos, Franceses, Ingleses e outros povos europeus, além dos povos do Oriente Médio,
Chineses e outros asiáticos são atraídos por políticas estatais como forma de substituição da mão
de obra escrava, consequentemente houve um progressivo “embranquecimento” da população
capixaba. Tudo muito bem documentado pela historiografia capixaba. De outro lado, a quase
extinção dos povos indígenas, a exclusão social dos negros como fruto da relação direta com as
políticas públicas estatais desenvolvimentistas adotadas no século XX, não estão tão bem
documentadas assim, exceto por estudos socioantropológicos residuais, entretanto, estão muito
evidentes na geografia e demografia capixaba. Diante disso, o trabalho tem o objetivo de
demonstrar como as referidas políticas do Estado contribuíram para um verdadeiro aparthait
social insituido nessa sociedade. Para tanto o trabalho pretende, a partir da revisão bibliográfica,
da pesquisa documental e mesmo a partir da pesquisa oral, contribuir para a ilustração do racismo
ambiental e geográfico existente no Estado. Como premissa da pesquisa marcará a construção da
Rodovia BR 101 como marco, com o objetivo de demonstrar o fenômeno racial e migratório. Isto
porque, a partir dela ao leste bem com na grande Vitória, estão localizados os aparelhos estatais
repressores como por exemplo os presídios, bem como os bolsões de miséria e pobreza
vinculados hereditariamente aos antigos quilombos, aldeias indígenas ancestrais; submetidos
ainda à constante e interminável tensão com as grandes indústrias estrangeiras dedicadas a
exploração ambiental monocultural. Já em sentido Oeste e também ao sul da grande Vitória
(capital), principalmente nas terras altas e frias, destaca-se a prosperidade produzida pela intensa
migração desenvolvida em pequenas e produtivas propriedades. Em que pese, nada indicar que o
referido sucesso tenha sido fruto de uma bem-sucedida política estatal, pois o trabalho também
demonstrará toda sorte de sofrimentos e mazelas dos imigrantes que um dia para ali conduziram
seus sonhos e temores, fugitivos de uma Europa sangrenta, resolveram embrenhar-se naquelas
matas. Em que pese seja lá, que se econtram, em profundo contraste com o lado leste, os melhors
processos educacionais e assistenciais que o Estado pode oferecer. Assim, partindo da referida
premissa a pesquisa pretende demonstrar que falácia da miscinenação dos “povos migrantes
brasileiros” utilizando o Estado do Espírito Santo como referência, e ao final demonstrar que, cada
um deles se encontra impregnado com uma profunda marca de identificação étnica e, portanto,
racista.
Paulo Velten
Pós-Doutor e Professor no curso de Direito na UFES
119
O IMIGRANTE ABANDONADO À EXCEÇÃO: O CHOQUE ENTRE A LEI DE MIGRAÇÃO
E O DECRETO N. 9.199/17
Tassiana Bezerra
Mestra em Teoria e Filosofia do Direito pela UFPE. Graduada em Direito pela UNICAP. Pesquisadora no Instituto de
Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec). Professora substituta da FASP.
A história das legislações sobre imigração no Brasil é complexa e marcada por um viés
biopolítico. Desde pelo menos o Decreto 4.247 de 1921, durante a República Velha, o imigrante é
abandonado a um regime de exceção legalmente composto. Sem disfarçar seu vies eugenista, o
decreto impede a entrada de indivíduo “mutilado, aleijado, cego, louco, mendigo, portador de
moléstia incurável ou de moléstia contagiosa grave”. Ademais, pelo decreto o imigrante torna-se
problema de segurança nacional, sendo impedida a entrada de indivíduos cuja conduta seja nociva
à “ordem pública ou a segurança nacional”. O governo de Vargas mantém a tônica utilitarista-
eugenista. No Estado Novo, o imigrante foi objeto de decretos e leis que o constituíam a um só
tempo como corpo necessário ao desenvolvimento econômico e, por outro lado, como ameaça
constante ao trabalhador nacional. O Estatuto do Estrangeiro, lei que estava em vigor até 2017, foi
promulgado no período da ditadura e solidificou diversas posições das legislações anteriores. Em
clara contraposição à Constituição de 1988, o estatuto manteve os estrangeiros sob um regime de
exceção, considerando-os um risco à segurança nacional. Notoriamente, os artigos arts. 61, 69 e
139 da Lei 6.815/80 tornavam possível a prisão do estrangeiro sem este ter cometido nenhum
delito, em flagrante desrespeito a princípios constitucionais básicos. Nesse sentido, a Lei de
Migração 13.445/17 representou um avanço no tratamento legal do estrangeiro no Brasil. A lei
adequou a legislação de migração à Constituição de 1988, garantindo entre outros direitos o
princípio de não criminalização do imigrante em seu Art. 3 inc. III. No entanto, a Lei foi aprovada
com 21 vetos. Restaram na carta a mesma estrutura institucional que trata os imigrantes como
questão de segurança nacional, pondo seus direitos sob a discricionariedade do Estado. Nesse
sentido, o Decreto n. 9.199 de novembro de 2017, que regulamentou a Lei de Migração, institui
ainda outro problema. O seu art. 211 prevê que a polícia federal poderá pedir a prisão ou outra
medida cautelar de imigrante sofrendo processo de deportação ou expulsão. Isso vai diretamente
de encontro ao art. 123 da Lei de Migração. Com isso posto, propomos uma pesquisa bibliográfica
jurisprudencial com intuito de analisar esse impasse sob a ótica das noções de homo sacer e de
Estado de Exceção de Giorgio Agamben. Nosso objetivo é mostrar que o decreto representa um
retrocesso ao criminalizar o imigrante, tornando-o passível de prisão sem o cometimento de
nenhum delito. Destarte, a partir de análise dos dispositivos supracitados da Lei de Migração e do
Decreto, bem como de jurisprudência recente, pretendemos mostrar que o decreto erige uma
zona de indeterminação ao suspender garantias constitucionais afirmadas na Lei de Migração.
Capturado nessa zona o imigrante resta abandonado a um estado de exceção, em que a lei aplica-
se desaplicando-se. Preliminarmente, podemos afirmar que apesar dos avanços, a Lei de migração
e o Decreto n. 9.199 ainda mantém vieses biopolíticos. Ademais, ao instaurar uma zona de
indeterminação entre autoritarismo e democracia, o choque entre Lei e Decreto recoloca o
imigrante nas malhas de um Estado de Exceção.
120
Coordenação:
Salo de Carvalho (UFRJ/UNILASALLE)
Renata de Almeida Costa (UNILASALLE)
ENCARCERAMENTO EM MASSA E O JUDICI RIO BRASILEIRO: PROPOSIÇ ES E
ESTRATÉGIAS DE RESISTÊNCIA AO PUNITIVISMO
O presente estudo tem por objetivo promover uma reflexão sobre como podem ser
desenvolvidas estratégias de enfrentamento do encarceramento em massa no campo do sistema
penal brasileiro. Para tanto, será realizada inicialmente uma análise sobre o “giro punitivo” – e o
consequente agigantamento da população carcerária – operado no país (Juliana Borges; René van
Swaaningen). Assumindo-se que o problema do encarceramento massivo é, também, de ordem
política (Alessandro de Giorgi), parte-se da premissa segundo a qual o Estado não pode ser
visualizado de forma maniqueísta ou personalística (Dario Melossi), devendo ser encarado de
forma plural, bem como considerando que o poder, para além de uma pretensa conotação
estritamente repressiva, apresenta caráter positivo e é exercido nas relações mínimas e dispersas
(Michel Foucault). Assim, a justiça penal deve ser tida como um lócus a ser disputado (Pierre
Bourdieu), inclusive, por discursos que têm por base perspectivas críticas e libertárias. Desse
modo, serão destacadas algumas experiências estrangeiras, engendradas pelo próprio Estado, que
suavizaram as tendências carcerocêntricas (Rivera Beiras; Jonathan Simon). Ademais, serão
analisadas algumas questões que resultam na enorme dificuldade de criação de soluções
intrassistêmicas, a partir do judiciário brasileiro, tais como a postura (habitus) punitivista dos
atores jurídicos (Salo de Carvalho), a ambiguidade das políticas criminais oficiais (David Garland), a
irresponsabilidade na sua elaboração – que não é realizada conjuntamente com uma reflexão
sobre o seu impacto no sistema penitenciário (Carolina Ferreira) –, ou mesmo as posturas
contraditórias do Supremo Tribunal Federal em casos concretos, no que diz respeito ao
posicionamento da Corte a respeito à questão. Ao final, pretende-se demonstrar a
imprescindibilidade de ações estratégicas em âmbito forense para a minimização do contigente
carcerário, o que gera a necessidade de se (re)pensar formas de fomentá- las.
122
POLÍCIA, DIREITO E CIÊNCIA EM NOME DO PROGRESSO: A TRADUÇÃO DO
POSITIVISMO E O PROJETO DE CONSTRUÇÃO DA ORDEM NAS PRIMEIRAS
DÉCADAS DA REPÚBLICA BRASILEIRA
O presente artigo tem como principal objetivo analisar o aumento da população carcerária a
partir da criminalização dos chamados grupos vulneráveis e principalmente fazer uma projeção a
partir das políticas criminais atuais, em especial o projeto de lei anticrime apresentado pelo atual
Ministro da Justiça Sérgio Moro tendo por base os dados estatísticos encontrados no INFOPEN,
bem como os dados da Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba entre os anos de
2007 a 2017. As camadas consideradas pobres da população vem sofrendo as consequências do
encarceramento seletivo a bastante tempo, importa salientar que a criminalização desse grupo
tem sido a maior responsável pelo aumento da população carcerária nos últimos anos, sem contar
a formulação de políticas públicas que tornem legais essa criminalização seletiva, sejam essas o
aumento de pena para os crimes considerados “de pobres”, bem como o Projeto de Lei anticrime
apresentado pelo então Ministro da Justiça Sérgio Moro. A soberania estatal exercendo o controle
sobre a mortalidade e definindo a vida como a implantação e manifestação de poder. (MBEMBE,
2018). Nesse aporte torna-se necessário na confecção desse artigo analisar a faixa de renda da
população carcerária, o tipo de crimes cometidos, o tempo o qual o processo judicial demora até o
seu julgamento, a quantidade de prisões provisórias e através desses dados pode-se saber qual o
perfil do encarcerado brasileiro, necessário se faz analisar de onde vem o cerne da criminalização
da pobreza e o porquê da legitimação pelos poderes públicos, seria uma influência do capitalismo
do Estado Moderno no qual a massa de excluídos não se encaixam com os moldes propostos por
esse sistema? O sistema jurídico punitivo do Estado concretiza a seletividade na medida que é
alimentado pela massa de indivíduos oriundos da classe social mais baixa. Falasse-se muito em
freio à criminalidade mas pouco se fala sobre quais as verdadeiras causas dessa problemática. No
livro Ensaio sobre a Cegueira, de José Saramago, os cegos atacados pela epidemia desconhecida
são excluídos, tanto pelo Estado, quanto pela sociedade, sendo então submetidos a viver em um
sanatório. Todavia com o tempo, a capacidade de lotação do espaço é excedida e os ali presentes
se veem em situações subumanas de sobrevivência, podemos comparar com o cenário atual do
sistema prisional brasileiro, com um frontal desrespeito aos direitos humanos, onde a função
ressocializadora é inexistente (GALVÃO, 2016). Importa fazer uma análise a partir da crítica de
Foucault sobre a noção de soberania e sua relação com a guerra e o biopoder no curso Il faut
defende la société no College de France. Quais as causas do aumento da população carcerária? Se
esse aumento tem relação com a criminalização da pobreza? E Porque as políticas públicas são
voltadas para a criminalização dessa classe? O objetivo geral dessa pesquisa é analisar o aumento
da prisionalização no Brasil e sua relação com a criminalização das classes sociais mais baixas. Tem
como objetivos específicos, analisar o endurecimento das penas para determinados crimes
verificando os dispositivos legais e o projeto de lei anticrime e discutir sua relação com a
criminalização das camadas mais pobres da população. O método utilizado será o dedutivo,
analise de dados secundários em especial os dados contidos no INFOPEN e primários coletados
nas Unidades Prisionais do Estado da Paraíba, ou seja coleta de dados documentais, com
124
abordagem qualitativa por um viés exploratório descritivo. Observando a importância de avaliação
do aumento da população carcerária, este trabalho poderá permitir concluir que é indispensável
avaliar essa curva de crescimento prisional e com isso avaliar a efetivação de políticas públicas
para conter a criminalidade, bem como a crimizalização das classes mais pobres e com isso a busca
de uma melhor proteção social e jurídica.
Camila Belinaso
UNILASALLE/Canoas-RS
So hie D ’O mo
UFRGS
A presente investigação tem como objetivo principal analisar, desde um viés criminológico
crítico e feminista, se o recurso ao sistema de justiça criminal para dirimir conflitos sociais,
especificamente coibir a violência contra a mulher, é eficaz. Pretende-se, então, verificar se a ânsia
pela criminalização possui uma efetividade prática e, em caso negativo, quais as mudanças
necessárias, bem como se elas se limitam ao campo jurídico, para coibir as diversas formas de
violência contra a mulher. Ou seja, o foco do trabalho, para além da análise do discurso punitivista
e suas faces dentro do movimento e da teoria crítica feminista, é questionar se é válida a tutela
penal para a coibição de condutas que prejudicam as mulheres na sociedade. Sob esta
perspectiva, utilizar-se-á da Lei nº 13.718, que entrou em vigor no dia 24 de setembro de 2018. A
legislação alterou o Código Penal para, dentre outras medidas, tipificar os crimes de importunação
sexual e de divulgação de cenas de estupro por qualquer meio. Ambos os crimes possuem pena de
reclusão, de um a cinco anos, se o ato não constitui crime mais grave. A nova legislação foi
comemorada por grande parte do movimento feminista brasileiro, que a entendeu como uma
importante vitória para o avanço da luta pelos direitos das mulheres. A fim de cumprir com o
objetivo desta investigação serão analisados os fenômenos sociais patriarcado, poder punitivo e
também feminismo, para que seja possível reflexionar sobre a produção e reprodução de
discursos e saberes misóginos, estruturantes das práticas que estão sendo direcionadas à tutela
penal como forma de resolução. Os métodos de abordagem utilizados são o dedutivo para a
análise de legislação e o dialético para a análise dos fenômenos sociais, enquanto a técnica de
pesquisa utilizada é a bibliográfica.
Daniel Achutti
Professor Doutor da UNILASALLE
F i ne de M g h es B rros
Pós-doutora em Direito Público pela Università degli studi di Roma TRE (bolsista CAPES). Doutora em direito
processual pela PUC Minas. Mestre em direito processual pela PUC Minas. Pesquisadora de Produtividade do CNPq.
Professora de Direito Processual Penal da PUC Minas e da UFOP.
O problema que está sendo investigado pela presente pesquisa é se na realização das audiências de
custódia em Belo Horizonte no marco da pesquisa do CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e
Segurança Pública da UFMG o racismo institucional é uma variável que associada a seletividade penal
possuí impacto nas decisões pela liberdade com ou sem condicionantes ou decretação da prisão. Procura-
se demonstrar a incidência da seletividade do Direito Penal e do racismo institucional nas Audiências de
Custódia em Belo Horizonte por meio da análise de dados produzidos pelo relatório Audiências de Custódia
em Belo Horizonte: Um Panorama. A abordagem metodológica será empírica quantitativa e qualitativa
direta, através da análise do conteúdo dos dados abertos produzidos pelo acompanhamento de 825
audiências de custódia realizado pela pesquisa do CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança
Pública- da UFMG. A categoria raça constituirá o eixo central da análise, e a partir da qual examinaremos as
demais categorias presentes no relatório, bem como os fundamentos orais e escritos encontrados para
decretação da prisão preventiva e liberdade provisória com ou sem condicionantes. A categoria raça,
presente no relatório Audiências de Custódia: Um Panorama, produzido pelo CRISP, foi dividida em três
grupos: brancos, pardos e pretos, será considerado para análise apenas brancos e pretos, como escolha
metodológica de universo a ser pesquisado. Buscar-se-á aprofundar a compreensão sobre o grupo social,
pessoas pretas e brancas levadas a audiências de custódia, localizando e interpretando os pontos comuns e
divergentes que sustentaram a decisão pela prisão ou pela liberdade, com ou sem condicionantes, com o
objetivo de demonstrar que a categoria cor/raça influí na decisão judicial. A pesquisa se inicia a partir da
127
inquietação gerada pelo relatório público produzido pelo CRISP, entre a discrepância de número de prisões
preventivas decretadas entre pessoas na condição de rés pardas (54,5 ), pretas (59,9 ) e brancas (42,3 ).
Obtivemos acesso ao Banco de Dados produzido pela pesquisa e reconhecendo os dados levantados pelos
formulários e disponíveis em planilha de dados, a partir da categoria cor/raça, iniciamos a análise das
informações buscando estabelecer conexões entre a decretação da prisão, a cor/raça das pessoas em
condição de rés. Após entendimento preliminar dos dados levantados, mapeamente das categorias
utilizadas, decisões e fundamentos orais e escritos, optamos, estabelecer uma redução do universo a ser
pesquisado à aqueles em que o tipo penal que deu origem dos autos de prisão em flagrante foi o de furto.
Foram localizados 167 casos, dentre eles 44 de pessoas pretas e 42 brancas. Nesse análise preliminar
chama a atenção a discrepância entre a decisão pelo monitoramento eletrônico, entre pessoas brancas
foram 4 e pretas 8, nenhum arbitramento de fiança entre pessoas pretas, 15 encaminhamentos a
assistência social entre pessoas brancas e 8 entre pessoas pretas. O índice de decretação de prisões
preventivas entre pessoas pretas é de 34 e brancas é de 21 . Considerando a análise, ainda incompleta,
dos dados produzidos pelo estudo realizado pelo CRISP, nos parece razoável como caminho de pesquisa e
reflexão que as audiências de custódia representem um curto circuito, realizado a partir de alterações
legislativas nacionais, mas que como previsto, não impediu o sistema de reproduzir na instituição Judiciário
o racismo.
No direito ocidental moderno, a adjudicação de uma pena sempre toma por pressuposto
lógico a atribuição de culpa a alguém. A culpa constitui, desta forma, sob o ângulo formal, a
justificativa da pena criminal. É a afirmação da culpa, inscrita em um ato jurisdicional que observe
solenidades legais, que torna uma condenação explicável juridicamente e socialmente aceitável.
Em diversos estudos empíricos (NUNEZ, 2018; KANT DE LIMA, 1997 e ABREU, 2018), verifica-se
que a condenação é o produto diversos “arranjos” institucionais, nos quais a culpa não é
necessariamente um elemento a priori que precise ser debatido para justificar uma condenação.
Há nos casos analisados uma fetichização da culpa, ou seja, sob este ângulo, a culpa deixa de ser
um pressuposto lógico da condenação (culpa-justificante) para se constituir como um pressuposto
persuasivo e investido de um poder simbólico, que confere legitimidade à condenação (culpa-
fetiche). Enquanto a culpa-justificante exige o debate dos fatos e das provas, a culpa-fetiche se
contenta com a organização das provas que justificam a pena. A luz das categorias enunciadas, o
artigo procura responder sé possível estabelecer um predomínio do emprego da culpa-fetiche nas
práticas judiciárias brasileiras? Partindo do problema acima explicitado, objetiva-se criar um
modelo de análise que busque, a partir de diversos trabalhos de pesquisa que tiveram por objeto
empírico as atividades práticas jurídicas e judiciárias no Brasil, demonstrar como a fetichização da
culpa transformou-se numa espécie de paradigma que contribui para uma atuação política do
órgão julgador. A pesquisa será realizada pelo método indutivo de investigação. A partir de uma
128
revisão de etnografias sobre as práticas judiciárias brasileiras, pretendemos desenvolver um
modelo explicativo sobre o emprego da culpa no Brasil, para determinar como o emprego prático
da retórica da culpa não corresponde ao “discurso oficial” da “doutrina jurídica” e da
jurisprudência, servindo como mecanismo de legitimação e naturalização do encarceramento.
Como conclusões preliminares, temos que os mecanismos sociais de adjudicação da pena são
diversos no tempo, no espaço e de acordo com os personagens, em alguns casos a culpa é o
principal elemento de adjudicação da pena, noutros casos nem mesmo diante da culpa confessada
há adjudicação da pena. Há nos estudos analisados uma inversão lógica da relação entre culpa e
pena, que implica na necessidade de compreender que a culpa que justifica a condenação, não é
uma culpa que podemos chamar de justificante da pena, que constitui uma causa da pena, ao
contrário, a culpa é mero argumento de normalização da pena, de forma que, invertendo a lógica,
a pena é que se constitui como a “causa da culpa”. Esta culpa que não é o antecedente lógico da
pena, já não é a culpa-justificante, mas sim um objeto reificado, uma culpa-fetiche, sem qualquer
aspiração de ser a representação da prática de um fato reputado como crime.
A presente pesquisa tem por objetivo analisar as mudanças na aplicação das medidas de
segurança em Goiás após a criação do Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator – PAILI, em
2006, buscando examinar a ocorrência de avanços e benefícios dele advindos e, assim, verificar a
possibilidade de sua adoção em âmbito nacional. Idealizado pelo Ministério Público do Estado de
Goiás, em parceria com a Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, buscando atender as alterações
trazidas pela Lei nº. 10.216/2001, o PAILI, compreendendo o caráter terapêutico das medidas de
segurança, revoluciona ao defender liberdade e desinternação dos indivíduos a ela submetidos,
tratando-os de forma humanizada. O programa preza pelo tratamento ambulatorial em
detrimento da internação, criando um projeto terapêutico individualizado aos inimputáveis e
semi-imputáveis submetidos à medida de segurança, de acordo com a necessidade de cada
paciente, havendo esforços e supervisão conjunta do Ministério Público e de toda uma rede de
atenção em saúde mental, visando à reinserção do paciente em sua família e na sociedade.
Valendo-se das informações obtidas pelo Censo de 2011: A custódia e o tratamento psiquiátrico no
Brasil, da professora Débora Diniz da Universidade de Brasília - UnB, bem como pela inspeção
manicomial realizada pelo Conselho Federal de Psicologia, em 2015; buscar-se-á compreender
nesta pesquisa, por meio de uma análise criminológica e interdisciplinar, a realidade nacional dos
pacientes submetidos à medida de segurança em todo o território brasileiro, a fim de compará-la
com o cenário goiano, por meio de estatística e de dados obtidos em mais de dez anos de vigência
do PAILI. Nesse sentido, utilizando-se principalmente do método hipotético dedutivo, pretende-se
verificar a hipótese de que a adoção do PAILI em nível nacional seria viável e benéfíca,
objetivando-se atender aos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira, e assim, romper de vez
com os antigos padrões de aplicação das medidas de segurança, que abandonavam os pacientes à
129
própria sorte nos chamados hospitais de custódia ou manicômios judiciários, em condições
degradantes e sem receber o tratamento adequado, em uma verdadeira espécie de prisão
perpétua, atentando, dessa forma, contra seus direitos fundamentais de liberdade e dignidade.
Salo de Carvalho
Professor adjunto de Direito Penal e Criminologia da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Professor do
corpo permanente do programa de pós-graduação em Direito e Sociedade da UNILASALLE.
A investigação tem como objetivo principal analisar o impacto das ferramentas digitais
para ampliação da participação social no controle das violências institucionais, sobretudo as
violências e os abusos praticados por agentes das polícias. Entendemos fundamental democratizar
a participação social na atividade de controle das agências do sistema punitivo, como um
contraponto ao modelo verticalizado e corporativo exercido pelas próprias intuições no
processamento e apuração das responsabilidades em casos de denúncias de violência policial. Um
marcador perceptível nas pesquisas que tem como enfoque a atuação da polícia brasileira é o alto
grau de violência praticado pelos seus agentes, seja através do significativo índice de letalidade
oriundo de conflitos diretos, seja pela manutenção histórica de práticas autoritárias e violentas.
Assim, serão analisados os processos de naturalização da violência estatal, em especial as
narrativas sobre a violência do sistema penal que predominam nas esferas institucionais, sendo
um dos focos centrais a exploração dos discursos sobre a seletividade racial. A hipótese que
132
conduz a investigação é a de que os mecanismos institucionais internos e externos produzem a
exclusão dos atores sociais, reduzindo a democratização do controle social, aumentando as cifras
obscuras e, ao final, em muitos casos, legitimando corporativamente as práticas violentas dos
agentes estatais. Neste cenário, serão analisadas algumas ferramentas digitais, como, por
exemplo, aplicativos de smartphones, que fornecem alternativas de visibilidade e organização e
resistência da sociedade civil organizada ao quadro de abusos e arbitrariedades por parte das
agências do Estado. O primeiro campo de exploração será a plataforma “Defezap”, projeto
desenvolvido pelo coletivo “Nossas”, uma organização sem fins lucrativos, situada na região
metropolitana do Rio de Janeiro. A ideia inicial é mapear a forma de registro, de controle e de
encaminhamento às autoridades responsáveis dos casos de violência policial que foram noticiados
pelo aplicativo entre 09 de maio de 2016 e 18 de janeiro de 2019, período no qual a ferramenta
esteve ativa. Os referenciais teóricos da pesquisa são fornecidos pela criminologia crítica latino-
americana e pela teoria crítica da sociedade e a abordagem metodológica, em consequência, será
dialética.
Andr Roch S m io
Doutor em Ciências Criminais pela PUCRS. Mestre em Direito pela UFAL. Pós-graduado em Ciências Criminais pela
ESAMC. Graduado em Direito pela UFAL. Professor das disciplinas Direito Penal, Direito Processual Penal e Criminologia.
Coordenador do Grupo de Pesquisa Biopolítica e Processo penal. Membro do Instituto Brasileiro de Processo Penal.
O artigo analisa a nota técnica publicada pelo Ministério da Saúde (“Nova Saúde Mental”),
que pauta novas diretrizes no âmbito da saúde mental e no do uso de drogas, ao alterar a Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS) que atende os pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) com
136
transtornos mentais conforme a Lei Antimanicomial brasileira (Lei 10.216/01). As mudanças mais
marcantes são a criação de hospitais psiquiátricos especializados, a reinstituição da
eletroconvulsoterapia, a abertura de novas comunidades terapêuticas e a internação de crianças e
adolescentes em hospitais psiquiátricos. A proposta no campo das políticas da saúde pública
projeta retrocessos no campo das políticas criminais, especialmente em relação aos doentes
mentais classificados como perigosos que praticaram fato previsto como crime. A hipótese do
presente artigo é a de que os avanços da Reforma Psiquiátrica brasileira, inclusive na área penal,
serão anulados, em uma política de contra-reforma, que parece acompanham um movimento
global, baseado numa racionalidade conservadora e violadora de direitos. Pretende-se, assim,
discutir o impacto da nova política de saúde mental proposta pelo Governo a partir,
fundamentalmente, da Antipsiquiatria (Basaglia) e da Criminologia Crítica (Pavarini), apontando as
semelhanças e as diferenças das propostas antimanicomiais e anticarcerárias.
Mas o positivismo não foi apenas uma maneira de pensar, profundamente enraizada na
intelligentsia e nas práticas sociais e políticas brasileiras; ele foi principalmente uma
maneira de sentir o povo, sempre inferiorizado, patologizado, discriminado e, por fim,
criminalizado. Funcionou, e funciona, como um grande catalizador da violência e da
desigualdade características do processo de incorporação da nossa margem ao
capitalismo central (BATISTA, 2011).
P u Pereir Gon es A es
Professora assistente do curso de Direito – Faculdade de Ciências Agrárias e Humanas da UEMG
Paula R. Ballesteros
Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação da Faculdade de Direito da UnB
Pedro Z ne C s
Mestrando em Direito Penal do PPGD/UERJ. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS.
141
“BONDE DOS 30” E O ESVAZIAMENTO CIENTÍFICO DO TERMO “CRIME
ORGANIZADO”
142
GÊNERO E TRÁFICO DE DROGAS: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS DECISÕES
NAS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA APLICADAS AOS HOMENS E MULHERES NA
CIDADE DO RECIFE NO ANO DE 2019
143
VOZES DO CÁRCERE: NARRATIVAS LGBT NA PENITENCIÁRIA MADRE PELLETIER
Esse trabalho tem como objetivo analisar as formas de aprisionamento da população LGBT
no contexto de uma casa prisional feminina. Para isso, estão sendo explorados dados obtidos por
meio de visita técnica da Comissão Especial de Análise da Violência contra a população LGBT da
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul à Penitenciária Feminina Madre Pelletier, em Porto
Alegre (RS), realizada em 27 de maio de 2019. Em que pese a vasta produção acerca do sistema
penitenciário, os problemáticos cenários que cercam a realidade brasileira seguem sendo temas
atuais para o debate criminológico. No que diz respeito ao processo de criminalização de LGBTs, é
possível identificar as relações sociais de desigualdade próprias do sistema capitalista, apontando-se
para uma relação entre a sociedade punitiva, repressora e higienista e o contexto violento a que são
submetidos lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros no Brasil (IRINEU;
RODRIGUES, 2016). No cenário que envolve uma penitenciária feminina gaúcha, analisaremos três
circunstâncias que foram apontadas nos relatos colhidos durante a visita técnica mencionada
anteriormente. A primeira diz respeito aos transtornos mentais que afetam a maior parte das
mulheres encarceradas, segundo depoimento de uma psicóloga da SUSEPE. A segunda está
relacionada à forma como se dão as revistas íntimas no cotidiano do sistema. A última, por fim, é
uma análise do uso frequente do termo “machorra” pelas mulheres com características associadas à
masculinidade dominante. A narrativa de uma psicóloga que atende as apenadas indica que algumas
mulheres chegam ao sistema prisional com graves transtornos mentais, passando por crises quando
privadas de liberdade. Nesse sentido, importa mencionar estudos que indicam que sintomas
depressivos, por exemplo, não são desencadeados pelo aprisionamento, mas sim durante a vida em
liberdade, em função dos inúmeros fatores que podem ser associados à prevalência dos referidos
problemas mentais, dentre eles, problemas sociodemográficos, baixa renda, problemas clínicos,
histórico familiar conturbado (CANAZARO; ARGIMON, 2010). Ao nos depararmos com as mulheres
com perfil masculinizado, questionamos se identificavam-se como homens transexuais, ao que a
maioria respondeu que não, que não consideravam essa possibilidade, que eram “mulheres de
verdade”. Foram as mesmas que demonstraram resistência completa em se despir diante de
ginecologistas (nunca tendo realizado exames de rotina, inclusive), das mulheres com quem se
relacionavam e de agentes de segurança da penitenciária em revistas. Uma das apenadas narrou
que, em situações de violência, quando encaminhada para a realização de exame de corpo de delito,
deixou de fazer o exame por constrangimento de se despir. São as mulheres que identificam-se
como “machorras”, “paizinho”, e que são as “mais disputadas”, nos termos da cadeia. Um das
hipóteses para explicar esse contexto é o apagamento de identidades transmasculinas,
circunstâncias vinculadas à possibilidade de maior hibridez e diluição dessas diferenças no sistema
prisional, já que as pessoas em privação de liberdade em geral já pertencem a um segmento
populacional vulnerável em termos socioeconômicos, que podem não ter condições concretas para
pensar sobre suas próprias existências (FERREIRA; KLEIN; GOULART, 2019). Essas são algumas
144
questões que podem ser levantadas sobre as formas de manifestação de sexualidade e identidades
de gênero no sistema carcerário. São lógicas que se expressam no cotidiano prisional, mas que são
resultado de um processo de criminalização dos sujeitos em diferentes contextos sociais, com
nuances complexas e próprias do debate da diversidade sexual e de gênero. O acúmulo deste
trabalho, portanto, se insere na linha crítica de debater políticas penais e criminais percebidas na
Penitenciária Madre Pelletier para compreender as contradições existentes nas circunstâncias que
levam a população LGBT a penitenciárias femininas e as condições que encontram nestes locais.
145
Coordenação:
Fabiana Severi (USP-Ribeirão Preto)
José Rodrigo Rodriguez (UNISINOS)
Marcus Dantas (UFJF)
A IMPORTÂNCIA DO DEBATE DOGMÁTICO SOBRE A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E DO
OLHAR FEMINISTA INTERSECCIONAL SOBRE O PROCESSO DIALÉTICO DE
SUBORDINAÇÃO E EXPROPRIAÇÃO DAS MULHERES NA SOCIEDADE BRASILEIRA
No Brasil, estima-se que uma a cada quatro mulheres sofrem violência obstétrica. Diante
desse quadro, nas últimas décadas surgiram diversos movimentos sociais reivindicando a
humanização do parto e defendendo a autonomia e o protagonismo da mulher durante a
gestação, o parto e o pós-parto. A ampliação destes movimentos acarretou uma maior demanda
social reivindicado proteção jurídica e judicial contra esse tipo de violência. Ocorre que os estudos
científicos sobre o tema demonstram que existe uma relutância por parte da doutrina e da
jurisprudência brasileira em dispor sobre o conteúdo normativo e dogmático da violência
obstétrica. Assim, o objetivo do presente trabalho, enquanto fruto e pesquisa de mestrado em
andamento, será analisar como a ausência de um conteúdo jurídico-normativo e dogmático sobre
a violência obstétrica impacta na violação dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das
mulheres. A metodologia utilizada é a de pesquisa bibliográfica, de levantamento e análise
estatísticos e de análise jurisprudencial e legislativa sobre o tema. Os materiais coletados foram
analisados por meio dos métodos qualitativo e materialista dialético à luz da teoria feminista do
direito. Os dados estatísticos coletados demonstram que a construção histórica de nossa sociedade
guardam relação intrínseca com os números elevados da violência obstétrica sofrida pelas
mulheres brasileiras. Ainda, enquanto violência de gênero, a violência obstétrica guarda estreita
relação com os marcadores da desigualdade, quais sejam, de classe, raça/etnia e sexualidade.
Assim, verifica-se que este tipo específico de violência de gênero está inserido dentro de um marco
civilizatório de alienação do parto e de perda da autonomia da mulher na sociedade capitalista.
Com base no estudo propriamente jurídico sobre o tema, verifica-se que essa realidade se reflete
no completo alijamento e cerceamento das mulheres em relação a seus direitos humanos
fundamentais, sexuais e reprodutivos. Em relação ao aspecto dogmático, verifica-se que a ciência
jurídica pouco se aprofunda nas questões estruturais que permeiam a violência de gênero. Assim,
é possível a conclusão de que o Direito ao mesmo tempo em que é fruto e elemento estruturante
da ordem democrática referenciada nos direitos humanos fundamentais, acaba exercendo papel
crucial na oposição sobre o processo de emancipação política e humana da mulher. Assim, buscar-
se-á demonstrar como o conteúdo dogmático sobre o tema envolve, necessariamente, um
processo dialético de subordinação da mulher. Para além disso, buscar-se-á elencar algumas
hipóteses de superação do atual paradigma de expropriação dos corpos das mulheres através do
debate bioético e da teoria feminista do direito.
Palavras-chave: Gênero. Violência Obstétrica. Direitos Humanos.
147
RAÇA, GÊNERO E INTERSECCIONALIDADE: CONTRIBUIÇÕES DO FEMINISMO NEGRO
PARA A SOCIOLOGIA E O DIREITO
Este trabalho tem como objeto as teorias sociológicas sobre o sujeito e seus possíveis
diálogos com o campo do Direito. Tendo como foco de investigação as contribuições do
Feminismo Negro e dos intelectuais negros. Com base em uma revisão bibliográfica buscou-se as
principais críticas e contribuições de teóricas e teóricos negros a noção de sujeito na teoria
sociológica. Bem como, as contribuições destes intelectuais ao campo da teoria crítica e
decolonial. Para tanto foram analisadas obras de autoras como Angela Davis, Patrícia Hill Collins,
Kimberlé Williams Crenshaw entre outras/os intelectuais negras/os brasileiras/os.
Considera-se que as produções teóricas do feminismo negro contribuem para superar
omissões e distorções existentes nas produções sociológicas. Soma-se ainda que o feminismo
negro propõe abordagens que priorizem as intersecções das opressões de gênero, raça, classe,
sexualidade. Conclui-se preliminarmente que o conceito de interseccionalidade pode contribuir
para novas formas de interpretações das relações sociais. No que tange ao campo do Direito tal
conceito, bem como as contribuições do feminismo negro, podem ainda lançar luz sobre as
dinâmicas imbricadas nas desigualdades contemporâneas que afetam as mulheres negras. Pode-
se ainda vislumbrar o papel do Direito na manutenção dos processos de reprodução da
discriminação e violência racial e de gênero.
O presente estudo tem por objeto propor o conceito de niilismo metodológico. Conforme
apresentado em Gouveia (2017), o conceito diz respeito à “tendência da pesquisa em direitos
difusos em ‘falar por’, ou seja, de em nome de uma politização da pesquisa jurídica, assumir a
partir do lugar de fala acadêmico o protagonismo da luta por ampliação, reconhecimento e
efetivação dos direitos difusos”, deixando em segundo plano o interesse e a expressão do titulares
do direito estudado. A percepção de que a pesquisa dogmática empírica em direito possui – ou
pode possuir - uma determinada função social de controle social do poder soberano, conforme
Rodriguez (2003). O tema do qual se parte para investigar a ocorrência deste niilismo
metodológico é a pesquisa dogmática empírica das relações de consumo. Através de uma revisão
148
sistêmica, analisa-se a produção consumerista dos programas de pós-graduação em direito de
nota 5 e 6, defendidos nos últimos cinco anos em nível de doutorado, selecionando aqueles que
tratem da efetividade de direitos consumeristas a uma determinada população. São usados
marcadores como “vulneráveis”, “vulnerabilidade”, “hipervulnerabilidade”, “hipossuficiência” e
“hipossuficiente” na identificação dos trabalhos estudados, geralmente associados a populações
estigmatizadas e excluídas na literatura consumerista. Duas questões centrais são colocadas na
análise: a) há alguma forma de participação dos sujeitos titulares do direito na pesquisa elaborada
(survey, entrevista, pesquisa-ação, observação participante); b) há sobreposição de opressões que
deixaram de ser consideradas nas pesquisas selecionadas. A partir da análise dos resultados
colhidos da revisão sistêmica, propõe-se como a metodologia da análise multinível em oito passos,
construída por Winker e Degele (2011) a partir da sobreposição entre a teoria da
interseccionalidade e a praxiologia social de Pierre Bourdieu. Esta proposta tem como diferencial
articular de forma interdisciplinar, a partir de uma análise que parte das práticas sociais acessíveis
a uma investigação empírica, levando em consideração diversas categorias de diferença em ações
recíprocas, os níveis estruturais, simbólicos e identitários. Em articulação com a teoria crítica de
Neumann trazida por Rodriguez, acredita-se que uma proposta metodológica para a pesquisa
dogmática em relações do consumo pode ser construída de forma a integrar ao processo de
investigação a parte mais interessada no controle do poder soberano: o titular do direito.
REFERÊNCIAS
GOUVEIA, Homero Chiaraba. Direitos difusos e niilismo metodológico: quando a dor do outro se
torna o meu regozijo acadêmico. Anais do CONIDIF. Campina Grande, 2017.
RODRIGUEZ, José Rodrigo. Pesquisa empírica e Estado de Direito: A dogmática jurídica como
controle do poder soberano. In: XV Congresso Nacional do CONPEDI. 2006.
WINKER, Gabriele; DEGELE, Nina. Intersectionality as multi-level analysis: Dealing with social
inequality. European Journal of Women's Studies, v. 18, n. 1, p. 51-66, 2011.
O racismo religioso tem se apresentado como um dos desafios a serem enfrentados pelo
Estado brasileiro nos últimos anos. Tal prática aparece de forma recorrente como meio de
criminalizar lideranças religiosas e destituir práticas ancestrais provenientes das religiões de matriz
afro-indígena. Movimentos sociais de caráter conservador como o movimento pelo direito dos
animais tem se apresentado como adversários bastante significativos desse segmento religioso,
cujas atuações e alegações vêm, geralmente, carregadas de racismo, e favorecem o uso da
pilhagem, prática que configura o uso fraudulento da legislação. Uma vez que alegam estar
defendendo os direitos da coletividade, mas estão na verdade, usando os mecanismos legais e
desencadeando ações políticas para perseguir e criminalizar um segmento específico, seja por
ignorância, seja por discriminação, ou pelas duas opções articuladas. Para além destes, figuram
149
também como protagonistas de tais práticas, representantes das igrejas neopentecostais e
adeptos de religiões de mesmo segmento, que têm como prática recorrente a demonização de
adeptos, práticas e signos das religiões de matriz afro indígena, viabilizando, assim, uma rotina de
conflitos por motivação religiosa. À medida que esses grupos têm avançado na ocupação dos
espaços de poder, os mesmos têm buscado o Estado para reprimir as religiões de matriz afro-
indígena, e, frequentemente, têm encontrado resposta positiva a seus intuitos, seja pela aceitação
expressa, seja pelo silenciamento ou minimização dos conflitos, revelando, assim, o caráter racista
das instituições e do direito brasileiros. É sob tal seara que o presente trabalho analisa o caso da
vereadora Michelle Collins, acusada pelos terreiros de Pernambuco de racismo religioso contra a
orixá Iemanjá, fato que resultou no ajuizamento de uma Ação Civil Pública em face da vereadora
do Recife, e que aponta diversos elementos que favorecem a reflexão acerca dos desdobramentos
do racismo religioso, sobretudo quando aliado ao sexismo e ao discurso de exercício da liberdade
de expressão e liberdade religiosa, muitas vezes utilizados como mecanismos de manipulação em
favorecimento das violências.
Palavras-chave: Racismo Religioso. Racismo Institucional. Violência. Golpe.
150
A REPRESENTATIVIDADE DE MULHERES NAS INSTÂNCIAS LEGISLATIVAS A PARTIR
DO CONCEITO DE POLÍTICA DE PRESENÇA DE ANNE PHILLIPS
151
LEI MARIA DA PENHA: ANÁLISE DAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA NA
CIDADE DO RECIFE À LUZ DO FEMINISMO INTERSECCIONAL
152
SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO SOB A ÓTICA DA DECOLONIALIDADE
Este estudo parte de dois aspectos desenvolvidos por Franz Neumann. O primeiro deles,
delineado na obra O Império do Direito (NEUMANN, 2013), refere-se à possibilidade de se garantir
o contínuo reconhecimento das esferas de liberdade e igualdade por meio de um direito
democrático, uma vez que a democracia propicia ao homem escolher livremente entre iguais
oportunidades, e é o reconhecimento jurídico das esferas de liberdade que abrem espaço para tais
escolhas.
O segundo ponto, trabalhado pelo autor no texto Estado Democrático e Estado Autoritário
(NEUMANN, 1969), é que a tradicional separação de poderes não é capaz de oferecer o aporte
necessário para atender à dinâmica dos movimentos sociais e aprimorar a concretização dos
direitos condizentes com os ideais de liberdade e igualdade. Isso porque, desde Locke, a teoria
sempre pugnou pela proeminência do poder legislativo, levando ao pensamento de que as
153
mudanças sociais só poderiam ser atingidas por meio de leis promulgadas pelo Parlamento,
cenário no qual aos órgãos administrativos e os juízes só restaria a atribuição de aplicar as leis,
negando às forças extraparlamentares a capacidade de criação do Direito.
Em alinhamento com as ideias de Neumann, advém a constatação de que o mundo
contemporâneo se encontra em profunda crise de representação democrática, levando à visão de
que o sufrágio universal não é o mais importante para se definir uma sociedade democrática, em
meio a uma sociedade que, progressivamente, vem perdendo a confiança nos políticos.
E neste aspecto, a constatação de Neumann acerca da possibilidade de que forças
extraparlamentares (administradores e juízes) operem na criação do Direito, fora do lócus da
representação do Parlamento, vem se fortalecendo nos estudos de autores contemporâneos 1.
Pois bem, é neste cenário que se colocam os seguintes questionamentos: a partir dos
aspectos suscintamente abordados da teoria desenvolvida por Neumann, será possível, em um
novo paradigma de separação de poderes, que os juízes assumam o papel de criadores da lei e de
transformação social, na condição de agentes de representação extraparlamentar?
Objetiva-se, portanto, analisar as ideias de Neumann acerca da relação entre Direito e
democracia, considerando suas críticas ao modelo tradicional de separação de poderes e
atrelando-as com a atual crise de representação democrática, de forma a avaliar o papel dos juízes
no processo de mudança social, em um cenário em que as forças extraparlamentares vêm se
fortalecendo em busca do aprimoramento da democracia.
Importa pontuar que os textos de Neumann permanecem atuais e oferecem elementos
significativos para a Teoria Crítica do Direito, com fulcro na observação empírica da atuação dos
juízes na contemporaneidade, no Brasil e em outros países do mundo, em meio à reconhecida
indeterminação do Direito, que leva a diversas críticas à atuação judicial. Eis, então, a importância
deste estudo, desenvolvido por meio da pesquisa bibliográfica e do método dedutivo.
Concluiu-se, preliminarmente, a partir das ideias de Neumann, que é possível que os juízes
participem do processo de mudança social, atuando como agentes de representação
extraparlamentar, na criação e transformação do Direito. Tal consideração alinha-se com a
concepção do autor de que as funções estatais podem ser desligadas de órgãos específicos, e de
que é de suma importância a participação dos cidadãos para influenciar a regulação, já que a
forma do direito é sempre inclusiva de novas demandas e que sua vigência não é um dado natural,
mas dependente de comprovação empírica. Acrescenta-se a este pensamento, que quanto mais
eficazes forem os instrumentos de democratização do Poder Judiciário, mais legítima será sua
atuação.
REFERÊNCIAS
LAVALLE, Adrián Gurza, HOUTZAGER, Peter P., CASTELLO, Graziela. Democracia, pluralização da
representação e sociedade civil. Lua Nova, São Paulo, 67, 2006, p. 49-103.
NEUMANN, Franz. Estado democrático e estado autoritário. Trad. Luiz Corção. Rio de Janeiro:
Zahar Editores, 1969.
NEUMANN, Franz. O Império do direito: teoria política e sistema jurídico na sociedade moderna.
Trad. Rúrion Soares Melo. Prefácio e Revisão da Tradução: José Rodrigo Rodriguez. São Paulo:
Editora Quartier Latin do Brasil, 2013.
Notas:
1
Autores como Lavalle, Houtzager e Castello (2006) entendem que há um espaço, na contemporaneidade, para se
vislumbrar a existência de agentes de representação extraparlamentar. Contudo, apontam somente para a existência
de estruturas administrativas vinculadas ao Poder Executivo, como os Conselhos Gestores Municipais.
154
A SEGREGAÇÃO ESPACIAL NA CIDADE DE SÃO PAULO A PARTIR DO QUARTO DE
DESPEJO
O livro Quarto de despejo: diário de uma favelada escrito por Carolina Maria de Jesus, na
década de 1950, a partir da sua experiência pessoal. A história se passa na favela do Canindé -
localizada na cidade de São Paulo. A primeira produção literária de Carolina apresenta
testemunho do cotidiano na periferia da cidade de São Paulo.
A investigação tem por objetivo geral analisar o processo de territorialização e
espacialização da população negra na cidade de São Paulo a partir da obra literária
supramencionada. Os objetivos específicos são: a) estudar as perspectivas da decolonialidade,
procurando melhor compreensão sobre a relação entre manutenção de relações sociais raciais
para a construção da segregação espacial entre o Centro e Periferia; b) compreender o aspecto do
racismo estrutural atrelado à divisão geográfica da cidade de São Paulo.
As primeiras leituras da obra caroliniana permite compreender uma divisão racial da cidade
de São Paulo. A favela compreendida como quarto de despejo – onde jogam os lixos (JESUS, 2005).
Ainda relaciona a moradia na periferia com a sistemática violação de direitos. Enquanto, o centro
de São Paulo é descrito como um lugar predominantemente branco. A cidadania é experimentada
de forma diferenciada em ambos os espaços.
A trajetória da poetisa evidencia a dificuldade de transportar a fronteira do centro e da
periferia. A ascensão econômica, alcançável com o lançamento do Quarto de despejo: diário de
uma favelada, não resultou na integração ao centro. A poetisa era um elemento indesejável
naquele espaço.
A obra de Carolina será compreendida, aqui, como obras-denúncia. A poetisa a partir de
seu lugar social - mulher, negra e pobre - denuncia as mazelas sociais que estão ao alcance de seus
olhos e o lugar do Estado nesse processo. O marco teórico da pesquisa será os estudos
decoloniais. Esta perspectiva epistemológica foi escolhida por priorizar o conhecimento
desenvolvido por sujeitos subalternos.
O método utilizado será a análise literária permitir a partir da coleta dos dados evidenciar
na obra literária a compreensão da territorialização e a cidadania. Iremos seguir os procedimentos
da análise literária descrita por Moisés Massaud (2007). Logo, buscaremos a inicialmente para a
identificação das força-motrizes da obra literária a partir da qual buscaremos as categorias
(cidadania e territorialidade). Voltamos, assim, para os estudos decoloniais como elementos para
análise crítica da obra.
155
Coordenação:
Bruna Guapindaia Braga da Silveira (ESTÁCIO-PA/USP)
Bruno Takahashi (USP)
Daniela Monteiro Gabbay (FGV-SP/USP)
João Eberhardt Francisco (USP)
Luciana Gross Cunha (FGV/USP)
Maria Cecilia de Araujo Asperti (FGV/USP)
Susana Henriques Costa (USP)
156
A MEDIAÇÃO COMO MÉTODO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NAS TRAGÉDIAS
AMBIENTAIS
A presente pesquisa tem como objetivo principal analisar se a mediação seria um método
adequado na resolução de conflitos ambientais.
Atualmente no Brasil têm-se estudado muito sobre os métodos consensuais de resolução
de conflitos, inclusive, tais métodos estão sendo valorizados pelo judiciário nacional, o Conselho
Nacional de Justiça instituiu a resolução nº 125/2010 que consolidou a política permanente de
incentivo e aperfeiçoamento dos métodos consensuais de conflitos.
A utilização dos métodos de resolução consensual de conflitos possibilita que as partes
dialoguem entre si e, elas mesmas decidam sobre o conflito que as atinge, fazendo com que não
sejam submetidas ao cumprimento de uma decisão judicial.
Contudo, a utilização de métodos de resolução consensual de conflitos pode sofrer
influências de alguns fatores que possibilitariam um acordo indesejado ou até mesmo forçado. Tais
fatores podem ser oriundos da própria característica das partes, da morosidade judicial que faz
com que as partes acabem aceitando um acordo para que não sofram com a morosidade do
sistema de justiça atual e, ainda, da natureza do conflito, uma vez que se trata de direitos
fundamentais e difusos pertencentes às gerações atuais e futuras, não podendo ser objeto de
renúncia pelas partes envolvidas nos conflitos.
Deste modo, pretende-se na presente pesquisa analisar o conceito de mediação, sob a luz
do Código de Processo Civil e doutrinas relacionadas a métodos auto compositivos, para que se
possamos verificar se a mediação poderia ser utilizada em resolução de conflitos ambientais e até
quando é possível a utilização de tal método na resolução destes conflitos.
A pesquisa pretende ainda compreender os conflitos ambientais existentes, sobretudo os
conflitos surgidos com as tragédias ambientais ocorridas recentemente no Brasil, a saber, o
rompimento da barragem da Samarco em Mariana, no ano de 2015, e o rompimento da barragem
da Vale em Brumadinho, no ano de 2019.
157
Para tal compreensão necessária será a análise de artigos sobre as tragédias ambientais
supracitadas e, ainda, a pesquisa de decisões judiciais e acordos firmados entre as empresas o
poder público e as comunidades atingidas.
Com isso, pretende-se verificar até quando métodos auto compositivos podem ser
utilizados para a resolução de conflitos ambientais.
Utilizaremos na pesquisa a metodologia teórico-explanatória, com a revisão bibliográfica
sobre a matéria com a finalidade de buscar fazer uma conexão entre a realidade fática, as
tragédias ambientais ocorridas e o que dispõe a legislação brasileira sobre o tema, sendo
necessária a análise de alguns casos em que os métodos de resolução consensual de conflitos
foram utilizados nas tragédias.
Para o deslinde da pesquisa serão utilizados livros, periódicos, artigos disponibilizados na
internet que tratam de questões relativas a métodos de resolução consensual de conflitos
ambientais, Código de Processo Civil, Constituição Federal, legislações federais e decisões judiciais.
Serão utilizados, ainda a obra “Mediação de Conflitos Coletivos”, de Luciane Moessa de Souza e a
obra “A Ética da Mediação Ambiental”, de Rafael Mendonça.
Palavras-chave: Mediação. Método de resolução de conflitos. Tragédias ambientais.
Elizabete Pellegrini
Doutoranda em Ciência Política pela UNICAMP
159
adquirido a porção territorial em litígio; do outro, a comunidade da Ilha do Artingui alega que
ocupa tradicionalmente aquela área tida como indispensável à reprodução social e cultural das
famílias ali residentes. O MPF defende a tese, corroborada pelos moradores da comunidade, que a
empresa Miriri Alimentos e Bionergia S/A pretende avanças sobre o território tradicionalmente
ocupado para expandir os empreendimentos de carcinicultura já em curso na região.
Paralelamente a essa disputa, que se dá em sede de uma Ação de Reintegração de Posse ajuizada
pela empresa contra parte dos moradores da comunidade, tramita ou tramitaram uma série de
Ações Civis Públicas relativas à exploração da carcinicultura na unidade de conservação. A
pesquisa aqui proposta se debruça sobre os autos das ações judiciais relativas ao conflito
socioambiental em tela com o objetivo de analisar se e em que medida se dá a participação das
comunidades afetadas pelo avanço da carcinicultura na APA da Barra do Mamanguape nos
processos judiciais que tem por objeto a questão, com ênfase especialmente na comunidade da
Ilha do Aritingui que tem sido a mais afetada diretamente.
Palavras-chave: Litígio socioambiental. Conflito territorial. Participação de comunidades locais
afetadas.
A Lei dos Juizados Especiais – Lei nº. 9.099 de1995, institui a criação dos juizados e impõe
critérios para a atuação do mesmo, tais como em processos e julgamentos de causas cíveis de
menor complexidade, como por exemplo, o valor da causa não podendo exceder 40 salários
mínimos. Após sua vigência, houve uma maior possibilidade de acesso à justiça – já que os
processos mais simples são distribuídos a esses juizados, havendo por consequência uma
considerável redução da demanda na Justiça Comum, propiciando, portanto, mecanismos que tem
como objetivo master a promoção da celeridade da Justiça como um todo.
Os Núcleos de Práticas Jurídicas foram institucionalizados com a Portaria nº 1.886 de 1994,
do Ministério da Educação e do Desporto, sendo um órgão ligado ao curso de Direito onde os
alunos podem exercer atividades práticas com auxílio de professores e demais profissionais da
área, fomentando assim o conhecimento prático necessário para a completa formação do
Operador do Direito.
O trabalho, portanto, será concentrado no Núcleo de Práticas Jurídicas do Centro
Universitário Tiradentes, em Maceió/AL. O NPJ em questão, atende principalmente moradores das
comunidades próximas, levando o acesso à justiça a essas pessoas, e garantindo principalmente, a
dignidade da pessoa humana; sendo esse um dos fundamentos da Constituição Federal/88. É
fundamental ressaltar que, no mesmo endereço em que se localiza tal Núcleo, é sediado o 7°
Juizado Cível e Criminal de Maceió, o Núcleo de Assistência Cível e o Núcleo de Assistência
Criminal da Defensoria Pública do Estado de Alagoas. A pesquisa, portanto, visa analisar a
celeridade processual no Núcleo de Práticas Jurídicas do Centro Universitário Tiradentes, com
enfoque no biênio de 2017-2018, que exerce suas funções em parceria da Defensoria Pública e do
160
Tribunal de Justiça do Estado, com a finalidade de evidenciar a importância da associação dos
órgãos públicos às universidades para facilitar o acesso a justiça das populações carentes.
Neste interim, a presente pesquisa tem como objetivo fazer uma análise com os dados
coletados no Núcleo, verificando sua atuação, os primeiros procedimentos a serem tomados
quando alguém busca auxílio, a quantidade de demanda, o benefício das audiências de conciliação
e principalmente os processos que obtiveram êxito. Podendo assim, obter uma conclusão da
importância dos Núcleos de Práticas Jurídicas, dos Juizados Especiais e da Defensoria Pública
Estadual. Terá como metodologia a revisão bibliográfica, revisão documental dos dados coletados,
análise qualitativa e quantitativa.
PROBLEMA INVESTIGADO
O acesso ao Direito por parte dos proprietários de imóveis clandestinos na Comunidade da
Muzema, cidade do Rio de Janeiro, e vítimas de desabamento ocorrido no último mês de abril de 2019.
OBJETIVOS
Identificar a dinâmica de produção do direito relacionado à exploração imobiliária
clandestina de imóveis na comunidade da Muzema na cidade do Rio de Janeiro, e a forma como se
relacionam os atores envolvidos, entre eles os promotores dos empreendimentos (milicianos),
seus adquirentes, o Estado e o Ministério Público, enquanto órgãos fiscalizadores e a Justiça.
MÉTODO DE ANÁLISE
Análise do discurso dos atores, extraído das matérias publicadas na mídia eletrônica por
ocasião do desabamento de dois empreendimentos, utilizando a Teoria Crítica de Pierre Bordieu.
CONCLUSÕES (PRELIMINARES)
O poder simbólico exercido pela milícia sobre os moradores e sobre o Estado fiscalizador,
estabeleceu e garantiu, até o desabamento, o acesso ao direito à moradia, diante da omissão da
Administração Pública.
PROBLEMA DE PESQUISA
“Doutora, mais uma dúvida, diz q foi decorrido o prazo. Isso significa q venceu né?” [sic]. A
frase anterior foi dita em um e-mail por J., esposa e mãe dos filhos de J. C.F., encarcerado há dois
anos pela suposta prática do delito de roubo qualificado (já houve condenação em primeira
161
instância, mas, após provocações recursais, ainda não ocorreu ratificação condenatória pelo
Tribunal ad quem). O réu é assistido judicialmente pelo convênio estabelecido entre a Defensoria
Pública de São Paulo e a Ordem dos Advogados do Brasil, e a presente investigação parte do
estudo dos autos, bem como da relação construída entre a esposa do réu e a defesa, para refletir
criticamente sobre a linguagem empregada no processo penal. Importante ressaltar que J. possui
uma escrita praticamente irrepreensível, o que chamou a atenção de sua defensora logo no
primeiro contato estabelecido entre ambas – entende-se, inclusive, que essa desenvoltura
gramatical é uma peculiaridade responsável por tornar o caso em tela um fértil objeto de
pesquisa, pois suscitou a hipótese de que o processo penal tem deixado de dialogar com
praticamente a totalidade de seus, em tese, interlocutores (e não somente com as camadas
menos escolarizadas da população).
OBJETIVOS
Propor uma reflexão crítica, a partir das peculiaridades de um caso processual penal
verídico em específico, sobre os entraves democráticos e o distanciamento da construção de uma
justiça cidadã trazidos pelo discurso jurídico tradicionalmente ensinado, empregado e perpetuado
dentro das instituições jurídicas.
MÉTODO DE ANÁLISE
Trata-se de pesquisa empírica focada no instrumental “estudo de caso” e embasada
teoricamente em autores da Teoria Crítica, em especial nos escritos sobre discurso, poder e
retórica jurídica de Boaventura de Sousa Santos.
CONCLUSÕES
Os fragmentos da comunicação entre defesa e defendido (ou seus familiares) e a análise
dos discursos produzidos dentro dos autos são interessantes objetos de pesquisa, uma vez que
podem revelar práxis da linguagem jurídica que se impõem como verdadeiras barreiras ao acesso
à justiça universalizado. O debate acadêmico e científico sobre o tema pode funcionar como vetor
de conscientização sobre a necessidade de elaboração de um processo penal mais acessível e
inclusivo.
162
Entende-se por fronteira, as barreiras que separam duas realidades opostas, em que
habitam o “Nós” e o “Outro”. Bauman (1999, p.20), ensina que o espaço habitável por este
(Outro) é caracterizado pela ausência de responsabilidade coletiva, enquanto o habitado por estes
(Nós) é amistoso. Neste sentido, as fronteiras demarcam duas faces da sociedade, em que a
separação está demarcada pelo acesso aos direitos de cidadania.
OBJETIVOS
Geral
• Analisar quais são as fronteiras para o efetivo acesso à justiça que são apresentadas às mulheres
analfabetas.
Específicos
a) Investigar, de maneira quantidade e qualitativa, o déficit educacional, especialmente no tocante
ao domínio de leitura e escrita, de mulheres brasileiras;
b) Compreender quais são as razões que levam ao público em estudo a não frequentar à escola ou
à evasão escolar; c) Analisar os obstáculos existentes para o efetivo acesso à justiça das meninas e
mulheres não alfabetizadas; d) Compreender o tema em estudo à luz da interseccionalidade.
METODOLOGIA
Para a realização desta investigação, será realizada uma pesquisa bibliográfica, visando,
primeiramente, tecer um diagnóstico a partir do referencial teórico adotado. Para tanto,
utilizando do aporte crítico e do método dedutivo, será realizada a coleta de dados em livros,
artigos, periódicos, dados estatísticos e outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referida pesquisa, ainda em fase de execução, parte da compreensão que o acesso à
justiça, tema em que Cappelletti e Garth (1988) são precursores, não é apenas um problema
jurídico, mas principalmente político. Isto posto, requer que haja efetivamente o acesso aos
direitos de cidadania. Neste sentido, é necessário que seja investigado à fronteira dos excluídos da
sociedade brasileira, o que requer o diálogo com Carvalho (2005), Sadek (2001), Santos (1997,
2007, 2009) e outros.
Mais que compreender a relação entre acesso à justiça e desigualdade, destaca-se a
importância de dar um enfoque às mulheres que são analfabetas. Dentre as diversas questões
levantadas como hipótese do trabalho, destaca-se que o déficit educacional mitiga a autonomia e
a emancipação dessas mulheres, as quais, eventualmente, podem viver a mercê de diversas
formas de violência e não terem o empoderamento necessário para romper esse círculo.
Mais do que isso, sem o domínio da leitura e escrita, as mulheres dependem com
frequência de outras pessoas do seu meio para atividades cotidiana e tem os meios de trabalho
restritos à informalidade e aos serviços domésticos. Essa conjuntura possibilita que estas mulheres
não possuam o conhecimento necessário para buscar a efetivação de seus direitos, principalmente
o mais básico deles: o acesso à justiça.
Com enfoque na interseccionalidade, pretende-se analisar quais são as mulheres mais
afetadas pelo analfabetismo e, consequentemente, com maiores obstáculos a serem superados
para o efetivo acesso à justiça.
REFERÊNCIAS
CAPPELLETTI. Mauro; GARTH, Briant. O acesso à justiça. Tradução de Ellen Grace Northfleet. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988.
163
CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o Longa Caminho. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2005.
SADEK, Maria Tereza. Acesso à justiça. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001.
SANTOS, Boaventura do Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 4. ed.
São Paulo: Cortez, 1997.
SANTOS, Boaventura do Sousa. Para uma revolução democrática da justiça. São Paulo: Cortez,
2007.
SANTOS, Boaventura do Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma
ecologia dos saberes. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; MENESES, Maria Paula (org.).
Epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina, 2009.
PROBLEMA INVESTIGADO
Deflagrada em 17 de março de 2014, a Operação Lava-Jato já representa um marco na
história brasileira. Após mais de cinco anos de operação, percebe-se que muitos políticos do
Partido dos Trabalhadores foram presos nesse período, partido que esteve no poder de 2002 a
2016, e que teve um governo pautado nos avanços sociais e na redução das desigualdades. Ao
mesmo tempo, percebe-se um empoderamento político, social e simbólico muito grande do
judiciário nesse período. É bem verdade que julgamentos midiáticos, comparações de juízes a
super-heróis e uma crescente interferência da Justiça na política são bastante notáveis
atualmente. Diante desse cenário é que surge a hipótese: A Lava-Jato reproduz desigualdades ao
disseminar a tese de que a corrupção é o principal problema da sociedade brasileira?
Tal questionamento surge pela percepção de que o avanço da Operação Lava-Jato
coincidiu, com o empoderamento simbólico do Judiciário. Além disso, percebe-se uma notável
retomada do discurso conservador neoliberal, a partir da tese de que a corrupção é o pior
problema do Brasil.
OBJETIVOS
Objetivo Geral
Analisar a reprodução da desigualdade no contexto da Operação Lava-Jato.
Objetivos Específicos
a) Analisar o histórico recente da Operação Lava-Jato. o Entender o fenômeno da
desigualdade a partir de leituras sobre a realidade social brasileira.
b) Analisar a possível incidência de abusos processuais na Operação. o Analisar como a Lava-
Jato alimenta a tese do patrimonialismo.
MÉTODO DE ANÁLISE
Para o presente trabalho será realizada uma análise prévia quanto a corrupção na
formação social brasileira a partir da leitura de Jessé de Souza para entender o fenômeno da
166
desigualdade e da subcidania na formação política brasileira, além do uso do autor Pierre
Bourdieu, para a análise a partir de sua teoria do Poder Simbólico. Além disso, serão comparados
indicadores sociais internacionais quanto a corrupção e a desigualdade no Brasil, para entender
qual desses elementos é mais forte na formação social brasileira.
CONCLUSÕES
O pensamento social brasileiro majoritário defende, de forma inconsistente, que o
patrimonialismo seria o elemento fundamental da formação do Estado brasileiro. Segundo essa
tese, defendida por autores como Sérgio Buarque de Holanda, Raymundo Faoro e Roberto
DaMatta, a formação do Estado brasileiro foi marcada pela confusão entre Estado e Família, de
modo que a apropriação patrimonialista do Estado, na qual o interesse pessoal é privilegiado em
detrimento do interesse público.
Desse modo, o Brasil seria uma sociedade atrasada devido a influencia monárquica
portuguesa em nossa formação. Diante disso, a Operação Lava Jato, a partir de vários abusos
processuais como a banalização das prisões provisórias e o uso midiático das conduções
coercitivas, é utilizada como um mecanismo para difundir ainda mais a tese do patrimonialismo,
permitindo que a pauta neoliberal ganhe força, legitimando privatizações e a “corrupção real” da
evasão fiscal, com a disseminação do discurso de que “imposto é roubo”.
Segundo a Transparência Internacional (2018), o Brasil ocupa a 96º posição, entre 180
países analisados. O Brasil, nesse quesito, se encontra numa posição mediana, assim como é dos
nossos demais indicadores, como o Índice de Desenvolvimento Humano, apresentado pela ONU
(2017) no qual o Brasil figura como o 79º no ranking do IDH. Ao disseminar a tese do
patrimonialismo, a Operação Lava Jato contribui para mascarar que a desigualdade é o verdadeiro
elemento fundamental da formação social brasileira, como bem coloca Jessé de Souza. Com isso, a
Lava Jato é utilizada como mecanismo para a reprodução da desigualdade no Brasil, 10º país mais
desigual do mundo segundo Relatório da ONU.
Over the past decade, 85% of the world’s deltas faced severe floods, impacting over half a
billion people around the globe. Aggravated by climate change, this situation will undoubtedly
worsen, posing governance challenges to coastal cities everywhere, which account for 90% of the
world’s urban areas. Belém, for instance, is the largest urban center in the Amazon River Delta,
where more than half a million people have been the first to endure social-ecological adversities
when facing recurrent flooding. Belém nevertheless experienced the largest urban reform of its
time in Latin America: The Macro-Drainage Project of the Una Watershed relied upon a multilevel
system of governance through which the Inter-American Development Bank (IDB) and local levels
of government spent over 300 million USD. Therefore, Belém is ideal for studying rights-seeking
mobilization against social-ecological hazards after mitigation policies fail.
167
Yet, academics have mostly focused on the rules protecting the Amazonian forest when
studying climate change. Few have reflected on the rights of the population living in Brazil’s urban
Amazon. In this project, I offer a socio-legal contribution to the study of justice for the urban poor
who suffer from climate change, shedding new light on the rights-seeking behavior of, and the
provision of legal assistance for, the immediate victims of climate hazards.
In Brazil, the thousands of poor citizens who have lost their houses and belongings from
floods have the constitutional right to housing and legal aid, which raises two related questions:
How do these impoverished individuals decide to seek legal remedy when their constitutional right
to housing has been violated? What is the role of lawyers in facilitating or hampering access to
justice for these aggrieved citizens? If they turn to the law, they need to count on an insufficient
number of attorneys provided by the state. Although these lawyers have the legal duty to serve the
needy, even they face conflicting demands, needs, and motivations. To examine this situation
thoroughly, I have conducted multi-site interviews, surveys, and observations with legal aid
lawyers, as well as individuals who use and could use legal services in Belém. The data reveal that
the needy lack cultural and financial resources as well as connections to search for and interact
with lawyers. Consequently, even when poor claimants exercise agency and find an attorney, they
struggle to obtain legal relief.
In addressing the questions above, this work engages and bridges two literatures. First, the
study expands on the climate justice scholarship of adaptation to and mitigation of climate
change. This inquiry assesses how individuals who endure climate hazards, as well as the lawyers
who should serve them, recognize this issue as a matter of rights and responsibilities when
mitigating and adaptive measures to deal with such hazards fail. Second, this study builds on socio-
legal research showing how legal actors, tasked exclusively with serving the needy, may have
multiple roles in championing social rights and functioning as gatekeepers of the judicial system.
By questioning whether lawyers may work as agents of reproduction of inequalities, this approach
moves beyond the dominant view that legal aid organizations, and legal actors in general, are the
last resort for vulnerable individuals to redress their grievances. This project thus extends this
literature by discussing how climate-related impacts intertwine with social rights, thereby
highlighting the interconnectedness of the political and legal systems and contributing to law,
sociology, and political science.
PROBLEMA INVESTIGADO
A solução dos conflitos por muito tempo foi enfrentada a partir de um modelo
exclusivamente combativo, desprezando o diálogo entre as partes e focando exclusivamente no
exercício da atividade jurisdicional. Contudo, esse modelo de solução de conflitos se mostrou
incapaz de realizar o acesso à justiça de maneira ampla, à medida que não enfrentava grandes
168
problemas como a celeridade da resposta do juízo à demanda, mas também, e esse aspecto
introduzido por último, a satisfação dos jurisdicionados com o resultado do processo.
Nesse contexto de expansão das formas de solução das lides, a constelação familiar
sistêmica busca romper com a cultura da sentença, instaurando no Poder Judiciário brasileiro uma
dinâmica que enxerga o conflito como agente de mudança social, natural e necessário para a
evolução da sociedade.
OBJETIVOS
Através desse trabalho buscou-se investigar o grau de interferência da implantação da
constelação familiar sistêmica nos tribunais brasileiros na mudança da cultura da resolução de
conflitos, priorizando sobretudo a relação da sociedade com a resposta obtida através do
Judiciário, de forma a alterar a dinâmica desses indivíduos com aqueles que antes enxergavam
como seus oponentes em uma lide processual.
MÉTODO DE ANÁLISE
O método de pesquisa utilizado para a elaboração do trabalho foi o método indutivo,
utilizando como técnicas de pesquisa, a pesquisa bibliográfica e documental.
CONCLUSÕES
A adoção da constelação familiar sistêmica pelo Poder Judiciário brasileiro apesar de ser
constantemente apresentada como um grande sucesso de suscetibilidade a acordos é um método
que vai muito mais além do que meramente garantir a realização da transação ao final da sua
aplicação.
O que se busca na constelação familiar sistêmica é o reequilíbrio das relações sociais de
maneira a não postergar o conflito, mesmo quando já decidido pelo Poder Judiciário. Atua, então,
de forma a detectar os reais problemas que existem na relação entre os participantes da dinâmica
sistêmica e coloca-os a mesa.
A partir desse método é possível verificar uma melhoria na relação das partes tanto
durante o contato delas com os órgãos do Poder Judiciário, mas também na relação existente
entre as mesmas. Mudanças que acabam por restaurar o caminho do diálogo para a resolução dos
conflitos, não perpetuando a cultura da sentença, que por muito tempo vigorou como a grande
alternativa para a solução das querelas.
Assim, a expansão da aplicação de métodos como esse se faz necessária para que cada vez
mais seja possível a implementação de uma cultura da pacificação social, ideal que deveria ser
perseguido pela justiça desde sua fundação, restaurando a ordem da realidade bélica em que
ainda estamos imersos.
169
Coordenação:
Artur Stamford da Silva (UFPE)
Guilherme de Azevedo (UNISINOS)
ÍNDICES: FOTOGRAFIA QUANTITATIVA DA DIFERENÇA INCLUSÃO/EXCLUSÃO
Anne Cabral
Mestre em Direito Político e Econômico pela UPM. Doutoranda em Direito pela UFPE.
PROBLEMATIZAÇÃO
Indicadores sociais constituem-se em metodologias de análise utilizadas desde a
elaboração do documento Toward a Social Report encomendada pelo governo norte americano
como expressão do chamado “movimento por indicadores sociais” (JANNUZZI, 2006, p. 14). Por
sua vez, Sistemas de Indicadores Sociais constituem-se pelo agrupamento organizado, não
aleatório, de indicadores sociais.
Os sistemas de indicadores são conjunto de indicadores referentes a determinado
aspecto, constituído segundo uma lógica específica de estruturação, na qual devem estar
refletidas as múltiplas dimensões que caracterizam o aspecto ou fenômeno da realidade
observado (LIRA, 2009, p.53 apud SUASSUNA, 2014, p. 117).
171
Índices expressam medidas e são comumente utilizados para expressá-las quando da
elaboração de sistemas de indicadores sociais. A título ilustrativo, toma-se, por exemplo, o Índice
de Desenvolvimento Humano – IDH que é o produto de um sistema de indicadores sociais, talvez,
o mais popularmente conhecido.
É possível entender um índice como uma medida quantitativa organizada para expressar
relações de múltiplas variáveis.
Índices podem ser definidos como medidas mais sofisticadas das variáveis criadas a partir
de dados primários. O índice é econômico porque reduz para uma única dimensão um
conjunto de variáveis ligadas a determinado conceito. Além disso, alguns conceitos são
dificilmente medidos de maneira completa por variáveis isoladas. Em muitos casos,
apenas um índice que leva em conta distintos indicadores pode fornecer as informações
necessárias. Por isso, trabalhar com índices torna a pesquisa mais rica em informações. No
entanto, é preciso ter em mente que dificilmente consegue-se chegar a uma medida
inquestionável. (CERVI, 2017, p. 62)
172
A discussão ora levantada, por conseguinte, situa-se no âmbito da observação de segundo
grau com vistas a tecer luzes sobre as operações comunicativas a partir da diferenciação
inclusão/exclusão na construção de um índice.
Por consiguiente, la exclusión debe entenderse como forma cuyo lado interior (inclusión)
se señala como oportunidad de que las personas se tomen en cuenta socialmente, y cuyo
lado exterior se mantiene sin señalar. Por tanto, hay inclusión solo cuando la exclusión es
posible. Únicamente la existencia de personas o grupos no integrables hace visible la
cohesión social y hace posible especificar las condiciones para ello. Pero también, en la
medida en que las condiciones de inclusión se especifican como formas del orden social es
posible denominar el caso opuesto de los excluidos. Este caso – en calidad de estructura
contraria – carga de sentido y de fundamento a la forma del orden social. (LUHMANN,
2007, p. 492)
173
Ao se pretender trabalhar com sistemas de indicadores sociais em direitos fundamentais,
ou seja, direitos humanos positivados, investiga-se se um índice poderia representar uma
fotografia quantitativa da inclusão/exclusão daquele direito.
Para Chris Thornhill (2016) essa expectativa de inclusão total ofertada pela política, através
de direitos humanos constitucionalizados, gera conflitos recorrentes entre interesses de
agrupamentos sociais, sua expectativa de inclusão e a inclusão/exclusão ofertada pelos Estados
Nacionais, daí o autor denominar crises de inclusão dos Estados Nacionais.
Direitos fundamentais constituem, à luz da influência da teoria dos sistemas, na verdade,
expectativas de inclusão (LUHMANN, 2007, p. 499-500), assim índices poderiam representar
medidas de inclusão/exclusão parcial de um determinado direito fundamental.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Na atual conjuntura social e política esse tipo de investigação ora empreendida alinha-se
com a discussão da evolução, em sentido luhmanniano, do sistema direito a partir da carta
constitucional, que traduz o acoplamento estrutural entre os sistemas direito e política
(LUHMANN, 1996b, p. 24).
Nesse ínterim, a título de imaginação científica, é possível fazer a seguinte digressão: se
direitos fundamentais são direitos de inclusão garantidos através de um programa político
positivado constitucionalmente, então, ao menos as normas programáticas da constituição federal
estabelecem um programa a ser concretizado pela sociedade em determinada temporalidade.
Assim, índices em direitos fundamentais podem ser uma força auxiliar às decisões judiciais 2 com,
talvez, o condão de ser elemento definidor para que essas sejam ao mesmo tempo decisões
jurídicas, ou seja, decisões judiciais dotadas de recursividade, por conseguinte, operação do
sistema direito (SILVA, 2016, p. 32), posto que tenderiam a ocorrer no sentido de
diminuir/combater a exclusão recursiva, logo, tenderiam a trazer efetividade para o texto
constitucional.
Em termos práticos, apenas a título imaginativo, se o hipotético índice de efetividade de
direito à saúde no estado de Pernambuco estivesse pontuando 0,348, então, estaria apontando
para uma exclusão recursiva; se esse mesmo índice fosse amplamente conhecido entre os
magistrados; seria possível, então, que no futuro as decisões jurídicas dessa jurisdição tendessem
a sopesar direitos à saúde frente a outros direitos quando dos conflitos que originaram a busca
pela solução jurídica.
O presente ensaio, contudo, apenas debruça-se sobre a investigação do índice enquanto
espectro de medição recursiva da diferenciação inclusão/exclusão.
Ao que se aparenta ser sim possível constituir metodologias de agregação de variáveis
quantitativas, índices, que meçam inclusão/exclusão de direitos sob condições momentâneas e
determinadas, por isso optar-se pela denominação fotografia.
REFERÊNCIAS
CABRAL, Anne; TEIXEIRA, João Paulo Allain. Indicadores sociais como comunicação científica: uma
leitura a partir de Niklas Luhmann. In: Rev. de Teorias do Direito e Realismo Jurídico, Maranhão,
v. 3, n. 2, p. 63-78, ju./dez. 2017. Disponível em: https://www.indexlaw.org/index.php/
teoriasdireito/article/view/2617/pdf. Acesso em: 15 jun. 2019.
CERVI, Emerson U. Manual de métodos quantitativos para iniciantes em ciência política. Volume
1. 1. ed. Curitiba: CPOP-UFPR, 2017.
174
JANNUZZI, Paulo de Martino. Indicadores sociais no Brasil: conceitos, fontes de dados e
aplicações para formulação e avaliação de políticas públicas, elaboração de estudos
socioeconômicos. 3. ed. 2ª Impressão. Campinas: Editora Alínea, 2006.
LUHMANN, Niklas. La Ciencia de la Sociedad. Traducción de Silvia Pappe, Brunhilde Erker y Luis
Felipe Segura; bajo la coordinación de Javier Torres Nafarrate. MEX: Universidad Iberoamericana,
1996.
LUHMANN, Niklas. A Constituição como Aquisição Evolutiva. 1996.
LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. México: Editorial Herder, 2007.
LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes Nasser. 2.
ed. Petrópolis: Editora Vozes, 2010.
MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Técnicas de pesquisa: planejamento e
execução de pesquisas, amostragens e técnicas de pesquisas, elaboração e interpretação de
dados. 3. ed. São Paulo: Editora Atlas, 1996.
PORTAL PNUD BRASIL. Ranking IDH Global 2014. Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento–PNUD. Disponível em: http://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/
rankings/idh-global.html. Acesso em: 29 jun. 2019.
SILVA, Artur Stamford da. Teoria reflexiva da decisão jurídica: direito, mudança social e
movimentos sociais. Direito UnB, v. 2, n. 01, p. 27-52, jan./abr. 2016.
SUASSUNA, Cynthia Carneiro de Albuquerque. Cidade resiliente: sistema de indicadores dos
aspectos institucionais. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 2014.
THORNHILL, Chris. The Foundations of International Human Rights Law: a sociological inquiry.
Revista Brasileira do Sociologia do Direito, v. 3, n. 3, p. 6-66, set./dez. 2016.
Notas:
1
Apesar de se usar em linguagem simples o termo reincidência, o sentido qual está posto termo não pode ser
confundido com repetição, haja vista cada operação comunicativa, ou cada dado quantitativo, ser único, mas podendo
ter havido uma reentrada das informações de maneira semelhante.
2
Não se desconsidera a questão dogmática do direito em relação às suas fontes, apenas não se constitui objeto do
presente ensaio.
PROBLEMA
O advento da Constituição Federal de 1988 trouxe a possibilidade da formação de um
Estado Social no Brasil, entretanto, o país não reunia as mesmas condições estruturais e sociais
que a modernidade periférica (NEVES, 2016), causando dificuldades na diferenciação funcional
desses subsistemas e, consequentemente, na implementação de políticas públicas e efetividade
dos direitos sociais.
175
No caso do Direito à Saúde, objeto desta pesquisa, foram adotadas medidas concretas
objetivando a sua efetividade, especialmente com a criação do Sistema Único de Saúde – SUS, e
outras medidas dela derivadas, como os programas para tratamento de doenças específicas, a
criação da Política nacional de Assistência Farmacêutica, Farmácia Popular, rede de tratamento e
assistência psicossocial, dentre outras.
No final da década de 90 se iniciou o que se convencionou a chamar de judicialização de
políticas públicas, inclusive da saúde, com os cidadãos recorrendo ao Poder Judiciário buscando a
efetividade dos direitos sociais, principalmente, para obterem medidas concretas do Estado.
Jurisprudência marcante sobre o tema é a referente a luta dos portadores de AIDS/HIV que
mudaram o entendimento do STF, que no julgamento do Recurso Extraordinário 271286 RS foi
entendido que o Estado tem a obrigação de fornecer as prestações relacionada àquele direito, no
caso discutido, tinha a obrigação de disponibilizar gratuitamente os medicamentos do chamado
“coquetel” no combate à doença.
Na década seguinte se intensificou o número de ações judiciais discutindo o direito à
saúde, chegando ao atual nível, o qual a judicialização muitas vezes tem sido apontada como um
problema, ante o excesso de ações judiciais que atolam os tribunais e de decisões que pressionam
administrativa e financeiramente os Entes Públicos da Federação.
Pois bem, um caso interessante é o do medicamento denominado Traztuzumabe, cuja sua
principal utilização é no tratamento do câncer de mama e possui um alto custo. Tal medicamento
passou a ser dispensado gratuitamente a partir de ANO apenas para alguns casos específicos,
deixando-se de lado uma hipótese clínica comum, gerando um grande número de ações
objetivado a sua disponibilização. Assim, após anos de constante judicialização e decisões
favoráveis aos autores, o Ministério da Saúde editou a Portaria Conjunta SAS/SCTIE nº 4/2018,
dispensando gratuitamente esta medicação para todas as condições clínicas.
Pois bem, no âmbito da Teoria dos Sistemas Funcionais, a questão relacionada aos direitos
fundamentais, também aplicáveis aos direitos sociais, se encontra no paradoxo da
inclusão/exclusão. Noutros termos, diante da hipercomplexidade das sociedades, a população
tornou-se heterogênea, de forma que grupos populacionais são incluídos em sistemas funcionais
de acordo com sua respectiva função, entretanto, como verdadeiro paradoxo, por sua mesma
função outros grupos populacionais são inteiramente excluídos dos sistemas funcionais (TEUBNER,
2016).
Assim, uma das consequências da modernidade é a dualidade inclusão/exclusão, que se
torna tão perigosa a ponto de questionarmos se esta se sobrepõe aos códigos binários dos
sistemas funcionais, acabando com as diferenciações funcionais, dominando problemas sociais e
políticos (TEUBNER, 2016).
Assim, os direitos fundamentais sociais possuem importância na construção
contrainstituições nos quais “os direitos fundamentais atuam não somente como limites dos
sistemas funcionais perante a autonomia dos indivíduos, mas também como garantia de inclusão
da população em sistemas sociais” (TEUBNER, 2016, p. 248).
Com a constante complexização e diferenciação funcional dos sistemas sociais parciais,
deixou de existir um sistema que supervisione a inclusão/exclusão realizada pelos sistemas sociais
parciais, apesar do sistema da política tentar assumir tal posição. Entretanto a força obrigatória
dos direitos fundamentais perante terceiros podem garantir que as parcelas populacionais
excluídas, sejam incluídas, e assim, garantam acesso à saúde e internet, por exemplo (TEUBNER,
2016).
176
O Direito à Social à Saúde é um exemplo de como os direitos fundamentais sociais podem
auxiliar na já discutida inclusão, uma vez que, considerando-se apenas a rede privada de saúde,
boa parte da população estaria excluída do sistema sanitário. Entretanto, após a CF/88 e a
instituição do Direito à Saúde como uma prestação obrigatória do Estado, tiveram que ser criadas
uma série de mecanismos para inclusão da população há muitos anos excluídas deste sistema
social parcial.
Além da função de inclusão dos direitos fundamentais, estes também apresentam a função
de exclusão, estabelecendo limites e barreiras para tendências expansionistas de outros sistemas
sociais autônomos, especialmente, o da política. Atuam como direitos fundamentais de defesa
contra instituições sociais da sociedade (TEUBNER, 2016).
Por outro lado, os direitos fundamentais podem servir a formar uma esfera de
fundamentabilidade dos sistemas sociais parciais, constituindo um núcleo essencial, o qual reflete
suas demandas expansionistas, assim como proteção à ação de outros sistemas e do próprio
ambiente (WALBER, 2017);
Nesse caso, a demarcação das esferas de fundamentabilidade, também pelos direitos
fundamentais, possibilita ao sistema explorar ao máximo seus potenciais de racionalidade
produzidas, assim como as relações eventualmente construídas com outros sistemas (WALBER,
2017).
Continuando, os direitos fundamentais apresentam função de integração, como a
capacidade de criar relações, sendo verdadeiras estruturas da comunicação e, assim, também o
será com os outros sistemas da sociedade global, possibilitando a comunicação, os acoplamentos
a partir de seus equivalente funcionais em outras ordens da sociedade mundial (WALBER, 2017).
Desse modo, diante de tais observações, cabe questionar se a judicialização da saúde pode
ser importante instrumento de inclusão no sistema sanitário? Ou este fenômeno pode acabar
incorrendo apenas na corrupção sistêmica do direito em relação ao sistema de saúde?
OBJETIVOS
Objetivo geral
Avaliar a judicialização da saúde como um instrumento de inclusão social, sob a
perspectiva do caso do Traztuzumabe.
Objetivos específicos
a) Analisar processos que envolvem o medicamento Traztuzumabe.
b) Analisar a judicialização da saúde a partir da Teoria dos Sistemas Sociais.
MÉTODOLOGIA
O método é importante para conferir legitimidade e credibilidade à pesquisa, indicando
regras, propondo procedimentos e modo a orientar a condução da pesquisa de modo eficaz
(DIONNE; LAVILLE, 2008).
Apesar de tentativas ao longo da história de se desenvolver métodos universais, há de se
seguir metodologias determinadas de acordo com o objeto da pesquisa, assim como os objetivos
almejados (GIL, 2008).
Portanto, para cumprir os objetivos desta pesquisa será realizada uma pesquisa qualitativa
utilizando a Análise de Conteúdo. Este método é utilizado na análise das comunicações, sejam elas
escritas ou documentais, e, através de procedimentos e sistematizações próprias, compreender e
interpretar os seus significados, chegando até seus emissores (BARDIN, 2016).
177
Este método, segundo Bardin (2016), organiza-se em três fases cronológicas: pré-análise;
exploração do material e tratamento dos resultados, inferência e interpretação.
A primeira fase, é a fase de organização, de modo a operacionalizar a pesquisa,
sistematizar as ideias, planejar as fases seguintes, selecionando os documentos, formulando as
hipóteses e os objetivos (BARDIN, 2016). Para deste corpus da pesquisa, serão utilizados os
documentos que integram o processo judicial, reunindo os elementos produzidos até a sentença
de mérito.
Neste ponto, cabe destacar que serão analisados processos concluídos antes da edição da
Portaria Conjunta SAS/SCTIE nº 4/2018 e processos iniciados e concluídos após a edição desta
norma, de forma a compreender os diferentes argumentos elaborados, e fazer a devida relação
com o paradoxo da inclusão/exclusão.
Nesta fase da pesquisa, consoante Bardin (2016), o corpus da pesquisa será selecionado,
feita uma leitura flutuante e, após, elaborados quadros temáticos para posterior análise e
tratamento dos resultados.
Para esta análise, preliminarmente, foram elaborados 3 quadros temáticos referentes a
petição inicial, resposta dos réus e decisões do juiz. Objetivava-se, assim, avaliar os argumentos
trazidos pelas partes que integram o processo, verificando possíveis diferenças argumentativas
nos períodos anteriores e posteriores à edição a citada portaria, bem como como vem decidindo o
juiz.
Desse modo, esta pesquisa qualitativa servirá para avaliar como o direito pode interferir no
paradoxo da inclusão/exclusão dos direitos fundamentais, especialmente, no que tange ao Direito
à Saúde e o sistema sanitário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão da saúde também se tornou um problema relevante na sociedade mundial,
primeiramente por estar relacionada ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, basilar de
diversas constituições do pós-guerra, e por ser considerado direito social, no qual o Estado tem
responsabilidade na sua efetividade.
O seu entendimento como direito subjetivo, exigível do Estado começou a gerar debates
acerca da sua judicialização, quais os limites do que pode e deve o Poder Público fornecer,
desenvolvendo-se diversas teorias, como a do mínimo existencial e da reserva do possível.
Entretanto, para além dessa discussão, verifica-se a necessidade de analisar o paradoxo da
inclusão/exclusão contida nos direitos fundamentais, e, assim, o papel do sistema jurídico neste
processo.
Assim, por meio de suas decisões judiciais, o sistema jurídico apresenta um potencial de
incluir grupos excluídos de outros sistemas parciais da sociedade, como no caso do sistema
sanitário.
Na hipótese aqui discutida, repetidas decisões judiciais possibilitaram que um grupo
populacional, das mulheres portadoras de câncer de mama e de baixa renda, tivessem acesso a
importante medicamento para seu tratamento, assim, foram incluídas no sistema sanitário, ao
menos, por este momento.
Contudo, cabe considerar que esta inclusão pode não ter sido definitiva, este grupo pode
novamente ser excluído, como na necessidade de outros tratamentos, ou por simples alterações
nas normas sanitárias que, por ventura, as deixem amparadas.
178
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF: Senado Federal.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Dispõe sobre as
condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento
dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, set. 1990.
BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. 6. ed. Editora Almedina. São Paulo, 2016.
CARNEIRO, Wálber Araujo. Os Direitos Fundamentais da Constituição e os fundamentos da
constituição de direitos: reformulações paradigmáticas no horizonte do fluxo de sentidos de uma
sociedade complexa e global.
DIONNE, Jean. LAVILLE, Christian. A construção do saber: manual de metodologia da pesquisa em
ciências humanas. Editora UFMG, Belo Horizonte, 2008.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e Técnicas de pesquisa social. 6. ed. Editora Atlas, São Paulo, 2008.
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. 3. ed. 3º tiragem. Editora Martinsfontes, São
Paulo, 2016.
TEUBNER, Gunther. Fragmentos Constitucionais: Constitucionalismo social na globalização.
Editora Saraiva, São Paulo, 2016.
PROBLEMA INVESTIGADO
O presente trabalho propõe-se a investigar como evoluiu a legislação a respeito do
trabalho doméstico remunerado no Brasil bem como os reflexos nos direitos sociais dessa classe
trabalhista, em sua maioria constituída por mulheres negras.
OBJETIVOS
Observar os avanços e os retrocessos das legislações que tratam dos direitos das
trabalhadoras domésticas no Brasil; Identificar de que forma a “PEC das Domésticas” de 2013
beneficiou esta classe trabalhista; Avaliar os possíveis impactos da crescente flexibilização
trabalhista nos direitos sociais de quem exerce o trabalho doméstico remunerado; Observar se há
efetiva participação política da classe no processo democrático brasileiro.
MÉTODO DE ANÁLISE
Levantamento bibliográfico e levantamento de dados sobre esse setor social.
CONCLUSÕES
A formação do Brasil sobre bases colonial e escravocrata foi marcada por peculiaridades
decorrentes sobretudo da Divisão Internacional do Trabalho a qual atribuiu aos países da América
Latina um caráter agro-exportador. Defende-se que, particularmente, no Brasil, a independência
colonial transformou-se em uma dependência política e econômica dos grandes países
180
imperialistas. Esse fato intensificou desigualdades que passaram a caracterizar a realidade
brasileira. Este trabalho busca centrar-se nas desigualdades trabalhistas, profundamente
marcadas pelos desiguais indicadores no que concerne à gênero e raça, de modo que as mulheres
negras estão na base da pirâmide trabalhista. Deste modo, elas são a grande maioria que compõe
a classe do trabalho doméstico remunerado, este proveniente do trabalho escravo. Nesse sentido,
deu-se a escolha do caso das empregadas domésticas, que, embora tenham tido um avanço nos
seus direitos em 2013 com a PEC das Domésticas e o avanço de benefícios em 2015 com a LEI
150/2015, viram-se sujeitas ao crescimento da informalidade. Em 2016, como resultado da crise e
com o impeachment que acometeu no País, as domésticas sentiram o aumento do desemprego e
a regressão de direitos como consequência da perda dos empregos com carteira assinada.
182
A PREPONDER NCIA DO ACESSO EDUCAÇÃO SUPERIOR NAS FORMAS DE
OCUPAÇÃO DE ESPAÇOS NAS ORGANIZAÇ ES DO SISTEMA DO DIREITO
PROBLEMA
De que forma a bioética da proteção viabiliza aos usuários vulnerados do SUS o acesso aos
serviços de atenção especializada?
OBJETIVOS
Verificar se a bioética da proteção é ferramenta hábil ao empoderamento dos usuários dos
serviços de atenção especializada; definir vulnerabilidade no contexto da saúde pública; e
comentar o acesso equitativo aos serviços de atenção especializada no SUS.
184
MÉTODO DE ANÁLISE
Hipotético-dedutivo. A hipótese de que a bioética da proteção permite a capacitação dos
usuários do SUS para que tenham acesso aos serviços de atenção especializada, interagindo de
forma autônoma no contexto da saúde pública, será observada a partir do reconhecimento da
vulnerabilidade daqueles, deduzindo-se desta constatação a necessidade de que sejam integrados
ao processo de tomada de decisões no âmbito da saúde pública.
CONCLUSÕES
Considerando o alto custo a que podem estar associados os serviços de atenção
especializada, e segundo a diretriz do Ministério da Saúde de que as tecnologias ofertadas deverão
ser utilizadas em economia de escala, ou seja, segundo uma relação custo-benefício, a partir da
hierarquização e regionalização daquelas, os pacientes ficam à mercê da alocação de recursos e à
espera da efetiva prestação dos serviços, os quais, por vezes, não são prestados ou não o são de
forma satisfatória/adequada. Vê-se, portanto, que o acesso aos serviços de atenção especializada no
SUS encontra-se fragilizado nos âmbitos político e econômico, não estando imune à desigualdade
social e à iniquidade do acesso à saúde, que se acentuam com a desproporção entre a demanda e a
oferta de serviços; os custos com a prestação da assistência especializada; e a ausência de
informação adequada aos usuários. Assim, a bioética da proteção permite repensar a (i)moralidade
na prestação pública do direito à saúde, de modo a trazer o usuário do serviço público sanitário para
dentro do processo de tomada de decisões em saúde pública, viabilizando, assim, a capacitação dos
usuários vulnerados para que estes tenham acesso aos serviços de atenção especializada,
interagindo de forma autônoma no âmbito da saúde pública.
185
de controle ao corporativismo) e possibilidade de realocação de recursos financeiros de políticas
públicas em favor da manutenção e ampliação de privilégios corporativos.
Palavras-chave: Constituição Federal. Desigualdade social. Democracia. Corporativismo.
Esta pesquisa propõe-se a investigar a exclusão social sob a luz da teoria sistêmica, em
especial sob o enfoque da diferenciação funcional, uma vez que tal processo excludente nas
sociedades de modernidade periférica impede o acesso as prestações sociais. Como método para
verificação do influxo da diferenciação frente aos processos excludentes, bem como a
comprovação de que a exclusão atuaria como um fator impeditivo ao acesso dos indivíduos as
prestações sociais, em especial nas sociedades de modernidade periférica, utilizar-se-á o dedutivo.
Como referencial teórico empregar-se-á a teoria dos sistemas sociais autopoiéticos. Nessa
perspectiva, o estudo desenvolveu-se no sentido de analisar as consequências da exclusão frente
ao acesso aos demais subsistemas, em especial aos de prestações sociais. A existência de uma
pluralidade de operações sociais, bem como de incontáveis oportunidades, escolhas, funções,
práticas e sentidos, conduziram à especialização funcional da sociedade, e para desvendar tais
fenômenos a teoria sistêmica abordaria em primeiro plano o mecanismo da diferenciação da
sociedade moderna justamente sob a ótica da “inclusão” proporcionada pelos inúmeros sistemas
parciais, os quais foram criados para resolução de problemas sociais específicos. A universalidade
emerge com a semântica dos direitos humanos e civis, consagrando o acesso aos subsistemas a
partir da franquia do Estado. Desse modo, a sociedade moderna caracterizar-se-ia pelo princípio
da inclusão e do acesso de toda a população - por meio do Estado de bem-estar - às prestações
que cada um dos sistemas funcionais da sociedade moderna proporciona, e a subsequente
dependência das condutas individuais a tais prestações. Para que a inclusão seja total, os sistemas
que cooperam para a sociedade deveriam ser capazes de distinguir os respectivos graus de
contribuições e envolvimento, o que de fato é impraticável numa sociedade funcionalmente
diferenciada. O ponto de partida à mudança de paradigma na direção da atual teorização dos
fenômenos sociais foi exatamente a dificuldade dos indivíduos em incluir-se nos subsistemas.
Circunstância esta que acabou por elevar a exclusão ao agente diferenciador da modernidade,
sobremaneira nas sociedades periféricas. A diferenciação funcional na medida em que produz o
desenvolvimento de subsistemas no interior dos sistemas, acaba reforçando o efeito da exclusão e
a dependência múltipla dos sistemas funcionais. Dado que todos os subsistemas sociais são
igualmente importantes, pois não podem ser substituídos uns pelos outros, e que as sociedades
funcionalmente diferenciadas estariam em melhores condições para manobrar a seleção e a
restabilização de expectativas numa conjuntura de maior complexidade, a diferenciação funcional
tornar-se-ia a responsável por elevar o debate acerca a exclusão, acarretando também na sua
significativa expansão, uma vez que é impossível o indivíduo estar incluído em todos os
186
subsistemas da sociedade, posto que a inclusão em determinado subsistema não implica
obrigatoriamente à inclusão nos demais, consistindo na perda da uniformidade existente, por
exemplo, nas sociedades segmentárias e centro-periféricas. Sistematicamente é possível assinalar
que a passagem para uma nova forma de observação dos indivíduos, em conjunto com a mudança
estrutural verificada na sociedade, tornaram-se os elementos responsáveis por alterar as
condições e o modo de se perceber as discrepâncias entre inclusão e exclusão frente aos
subsistemas sociais. Logo, a teoria sistêmica distanciou-se do posicionamento segundo o qual a
sociedade moderna diferenciar-se-ia pelo princípio da inclusão, enfrentando assim o problema a
partir da relação entre inclusão e exclusão na sociedade contemporânea. Preliminarmente, a guisa
de conclusão, é possível afirmar que, caso a exclusão não seja abordada como um problema sócio-
estrutural, o bloqueio ao acesso aos subsistemas essenciais - diga-se de prestações sociais -
continuará obstruindo a edificação de uma sociedade mais justa e igualitária.
Aos negros, pano, pão e pau; o lema predominante do Brasil Colônia ilustra o punitivismo
como muito além de uma simples ideologia ou base do modelo socioeconômico à época, mas
verdadeira instituição responsável por controlar todos os passos da máquina de punir, tendo seus
reflexos no sistema penal como o conhecemos. O presente artigo, portanto, objetiva demonstrar a
ideia zaffaroniana de inimigo em terras tupiniquins, partindo da linhagem histórica de uma Nação
gerada e alimentada durante séculos por falsos dogmas, hipocrisia sistemática, fé deturpada e
ideais sanitaristas, corroborando para o surgimento de um corpo jurídico extremamente pelego e
causador do genocídio do povo negro. Partindo-se da noção básica de “instituição de sequestro”
trazida pelos estudos de Foucault, estuda-se a organização do sistema carcerário brasileiro, sua
ruptura com princípios constitucionais básicos, direitos humanos e a ideologia corrompida da pena
privativa de liberdade, longe de ser um mecanismo eficaz de solucionar conflitos. Além disso,
toma-se como base, também, a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, noção central da
bibliografia deste autor. Nesse sentido, os sistemas autopoéticos de Luhmann mostram-se como
fechados, autorreferenciados em sua própria base operativa. Ao mesmo tempo, contudo, o
fechamento é a condição primordial da abertura do sistema ao ambiente, pois ele só é capaz de
responder à causalidade externa por meio dos próprios mecanismos que desenvolve. Para
Luhmann, as diferenças entre o sistema, no seu fechamento operacional e na autorreferência, e o
entorno são processos definidores dos sistemas sociais. Nesse aspecto, a aplicação da teoria
luhmeriana ao caso serve como outra forma de analisar, dentro do sistema carcerário brasileiro, a
construção das mazelas sociais ao longo da história brasileira, como algo interno ao país,
constituindo o sistema, além das influências indesejáveis do entorno, como heranças da
colonização e das intervenções modernas. Com fulcro nas ideias de criminólogos, estudiosos,
historiadores e pesquisadores da América Latina, o foco bibliográfico da pesquisa é destrinchar as
etapas do pensamento punitivo latino a partir do processo de colonização até as noções atuais da
criminologia crítica. É fato que, como diria Galeano, nossas veias foram abertas desde muito cedo;
seja para dar espaço à navegação mercantil das caravelas europeias, seja na miscigenação forçada
de nosso povo, ou, ainda, na exploração territorial. Assim, recebemos uma ideologia
extremamente hostil, pautada no mito da superioridade das raças, racismo estrutural e disputas
entre poderes. O peso dessas heranças se reflete, por exemplo, na permanência firme das classes
perigosas, culminando em atitudes racistas e altamente seletivas de nosso Sistema Penal. Sendo
assim, para que o panóptico foucaultiano funcione, é necessário, antes de tudo, aposentar as
lentes antigas utilizadas por tanto tempo para enxergar o funcionamento do jus puniendi. A
conclusão do artigo, em análise geral, é a de que o encarceramento em massa se constitui como
uma forma dominadora, de conotação puramente racial, econômica ou ambas, para privar a
liberdade daqueles selecionados por um sistema ainda escravista.
Palavras-chave: Cárcere. Criminologia. Foucault. Luhmann. Teoria dos Sistemas.
188
O TRABALHO SEXUAL NA AMÉRICA LATINA- UMA INVESTIGAÇÃO SOCIOLÓGICA
ACERCA DA PARTICIPAÇÃO DAS PROFISSIONAIS DO SEXO NA CONSTRUÇÃO DE
SEUS DIREITOS
Se objetiva aqui propor um debate sobre as relações entre o Estado, em sua dimensão
político-jurídica sob uma perspectiva sistêmica, e a pluralidade heterogênea a ele vinculada,
191
articulada nas expectativas sociais mais diversas, conforme as assimetrias da sociedade mundial
moderna. A partir deste debate, articulado metodologicamente em uma análise da literatura
proposta, encaminha-se a observação analítica das projeções de futuridades, suas expectativas
normativas e de suas possibilidades de sincronização. A problemática de uma comunidade de
múltiplas expectativas que aqui se pretende apresentar circunscreve-se na possibilidade de refletir
a relação entre os grupos sociais diversos abarcados em uma territorialidade estatalmente
delimitada e as suas relações reguladas pela democracia institucional. Interessam, portanto,
sobremaneira as possibilidades de convivência, resistência e abertura a novas alternativas que
compreendam sua História, a pluralidade dos seus modos de vida, e projetem futuridades. Assim,
questiona-se o lugar do Estado e sua configuração jurídico-política em sua capacidade de mediar
satisfatoriamente o dissenso até o limite dos seus aspectos formais. Ora, a manutenção de
estruturas sociais excludentes e demais desigualdades relacionam-se com uma chave de inclusão e
exclusão de determinados grupos que estão intrinsecamente vinculados aos processos de
colonialismo, imperialismo e globalização na constituição de uma sociedade moderna
estruturalmente assimétrica. Tensões raciais, religiosas, sexuais e de gênero mantém relação direta
com o processo supostamente “civilizatório” de exportação de uma universalidade predatória
ocidental que vai conformar a sociedade mundial. Refletir acerca disto significa questionar,
portanto, os marcos pré-estabelecidos de uma violência institucional que perdura no tempo até a
atualidade, circunscritos aí, de pronto, o Estado, o direito e o sistema político, elementos que
servem corriqueiramente à manutenção de privilégios daqueles que projetam futuridades
consolidadas. Neste ínterim, é salutar pensar as implicações do padrão sistêmico de uma
normatividade estatal. Na sociedade hipercomplexa dos dias atuais, os sistemas sociais gerenciam,
em seus códigos e programas, os acessos e bloqueios de diversos atores que permitem uma
coabitação em um mesmo espaço. A própria face do Estado, em seu recorte político e jurídico,
constitui, portanto, uma unidade sistêmica sobre a diversidade. A normatividade em que se
expressa o Direito necessariamente significa o controle sobre o tempo e a regulação de futuros por
meio de expectativas estabelecidas. O horizonte temporal da experiência humana é logicamente
correlato da estrutura social em que ela se insere em uma sociedade multifacetada acentuada em
seu dissenso agudizam-se, logo, os desafios de convivência e disputas nos planos jurídico-político.
Deste modo é que, assim, se impõe o debate acerca da funcionalidade e alcance da política e do
direito na consecução de futuridades plurais. Assim, ao cabo, podemos concluir que o Estado
Democrático de Direito, embora resultado de uma proposição de universalidade homogênea, é
objeto incontroverso de disputa de pluralidades manifestadas no que chamaremos de futuridades
consolidadas e futuridades precárias. Conquanto possa se estabelecer diferentes relações com a
estatalidade, é fato que ela é indispensável na travessia de confrontação às desigualdades sociais e
na promoção de uma melhor convivência das pluralidades heterogêneas em tensão com a
homogeneidade temporal da sociedade moderna. A reconstrução da História, com uma
consistente renegociação de termos, conceitos e costumes, terá seu impacto nos sistemas político
e jurídico, que na sua autorreprodução vão assimilar a variabilidade possibilitada pela gradual
inclusão de grupos heterogêneos aos benefícios dos sistemas sociais. Ademais, a sincronização das
pluralidades temporais põe o Estado na função de mediar de forma mais justa o dissenso
estrutural caracterizador da sociedade moderna, assinalando ao fim o protagonismo da
estatalidade, nos moldes propostos, para uma harmonia de futuridades.
192
Coordenação:
Mônica Rugai Bastos (FAAP)
Douglas de Castro (FGV-SP)
Danielle Mendes Thame Denny (UNISANTOS)
A PROIBIÇÃO DO VÉU ISLÂMICO NA FRANÇA E O DIREITO À FELICIDADE
A doutrina utilitarista, de Bentham e Mill, anuncia ideais de bem estar máximo, de moral
eudeminista, que visa o alcance da felicidade, tanto que a Declaração de Direitos de Virgínia de
1776 e a Declaração de Independência dos Estados Unidos colacionam o direito à busca da
felicidade ou right to pursuit of happiness. Todavia, a referida doutrina foi colocada à prova a
partir dos atentados de 11.09.2001, uma vez que se inicia o combate ao terrorismo e ao islã no
território dos países do Norte Global a partir do debate sobre a proibição do uso de símbolos
religiosos islâmicos nestes países (COLLARES, 2011).
Em 11.04.2011, passou a vigorar na França uma lei que proíbe o uso de véus que cubram
todo o rosto em espaços públicos. A lei aprovada institui multa de 150 euros para aqueles que
usarem véus integrais, bem como multa de 30.000 euros e um ano de prisão para aqueles que
forçarem alguém a usá-lo (SCHUCK, 2013), sob o argumento de a utilização de tais objetos ferirem
a laicidade.
Por laicidade entende-se o princípio que garante a liberdade de consciência, o exercício de
cultos, o respeito ao direito do cidadão escolher de forma livre sobre ter ou não religião
(DOMINGOS, 2008). Por outro lado, a França, que possui cerca de cinco milhões de muçulmanos, é
um dos países que mais discute a questão e é responsável por abrigar a maior população de fé
islâmica no ocidente (DOMINGOS, 2008).
A polêmica sobre o uso de véus na França chegou à Corte Europeia de Direitos Humanos, e
o Governo francês argumentou, em suma, que apesar da lei trazer uma limitação, ela se mostra
necessária em uma sociedade democrática, bem como um dos objetivos da lei é prover a
segurança pública.
A Corte Europeia decidiu, por 15 votos a 2, que a lei questionada não é contrária a
Convenção Europeia de Direitos Humanos, documento do sistema regional europeu de Direitos
Humanos, haja vista que, apesar de gerar efeitos negativos sobre as mulheres muçulmanas, existe
uma justificativa objetiva e razoável para sua adoção.
194
Stuart Mill defende que o direito à liberdade encontra limitação no dano a si mesmo ou a
terceiro. A liberdade individual é capaz de levar a felicidade e, para tanto, Mill defende a liberdade
de opinião, justificando que o efeito da discussão é capaz de demonstrar o caráter de cada um (a
individualidade). Menciona, ainda, que caso o princípio da liberdade fosse adotado, os indivíduos
exerceriam livremente sua vida, adquirindo experiências individualizadas que podem levar a
felicidade, só que deixa a exceção que seria os danos a terceiros.
Com isso, tendo em vista a doutrina dos autores liberais, Jeremy Bentham e Stuart Mill,
conclui-se que a proibição que as pessoas usem suas burcas, véus, nigab como forma de garantir a
segurança pública, não é um argumento suficiente para se dizer que há um dano e, portanto, é
preciso restringir a liberdade. A vedação do uso do referido véu causa danos a quem, por crença
ou costume ou religião, deseja usá-lo. Fere-se a liberdade por mera suposição e viola-se um direito
de terceiro pela atitude de um Estado.
Grazielle Mirandola
Este artigo irá estudar e caracterizar a presença e influência do público LGBT nas mídias
digitais e sociais, bem como o posicionamento das marcas em relação a esse nicho social.
Há quantos anos ouve-se falar da participação LGBT em campanhas publicitárias no Brasil?
Considerando que políticas públicas voltadas ao nicho social em questão foram instauradas
diretamente apenas em 2001. Segundo os autores, a inclusão dos direitos do público LGBT no
Brasil foi um acontecimento tardio em relação às outras minorias, isso graças à discriminação e
preconceito instaurados na cultura. Portanto, trata-se de um fenômeno contemporâneo não só
para o mercado publicitário, mas também para a cultura brasileira como um todo. Este projeto irá
estudar e caracterizar a presença e influência do público LGBT nas mídias digitais e sociais, bem
como o posicionamento das marcas em relação a esse nicho social.
197
Coordenação:
Marco Antonio Loschiavo Leme de Barros (USP/UNIP-SP)
Lucas Fucci Amato (USP/EDB-SP)
Gabriel Ferreira da Fonseca (FACSAL/UNICEUSA/TCE-BA)
Luiz Felipe Rosa Ramos (USP)
LIMITES AO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO NA JURISPRUDÊNCIA DO CONSELHO
ADMINISTRATIVO DE RECURSOS FISCAIS
Ariel Moura
Graduando em Direito pela UNISINOS. Pesquisador-bolsista CNPq (PIBIC) vinculado ao Grupo de Pesquisa
Teoria do Direito sob orientação do Prof. Dr. Leonel Severo Rocha.
201
apuração dos delitos de lavagem de dinheiro foi imprescindível para a retomada das
comunicações do Sistema do Direito nesse âmbito.
Nesse ponto, utilizando-se da concepção sistêmica de atratores (TEUBNER, 2005), buscar-
se-á demonstrar como o ponto de vista econômico na apuração da lavagem de dinheiro promoveu
uma articulação transnacional no Sistema do Direito, retomando sua eficácia social em escala
globalizada nesse delito. Em síntese, os atratores permitem essas aproximações no âmbito do
Constitucionalismo Social (ROCHA; COSTA, 2018).
Como método de análise, será utilizada a Teoria dos Sistemas Sociais (LUHMANN, 2016),
com a utilização da técnica de pesquisa de documentação indireta, revisando bibliografia nacional
e estrangeira.
Em conclusões preliminares, utilizando-se do caso brasileiro, demonstrar-se-á como a
articulação entre comunicações econômicas e jurídicas serviu para a criação de uma linguagem
comum que serve para a apuração dos delitos de lavagem de dinheiro por diversos países. Em
síntese, destaca-se que essa articulação é construída a partir de uma ênfase na produção
internacional de legislação sobre o tema, internalizada pelos diferentes Estados (MACHADO,
2010), com a aplicação dessa legislação pelos tribunais nacionais.
REFERÊNCIAS
LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2016.
MACHADO, Maíra Rocha. As estratégias de intervenção sobre crimes transnacionais e o sistema de
justiça criminal brasileiro. In: NEVES, Marcelo (org.). Transnacionalidade do Direito: novas
perspectivas dos conflitos entre ordens jurídicas. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 131-155.
ROCHA, Leonel Severo; COSTA, Bernardo Leandro Carvalho. Constitucionalismo Social:
Constituição na globalização. Curitiba: Appris, 2018.
TEUBNER, Gunther. Direito Regulatório: crônica de uma morta anunciada. In: TEUBNER, Gunther.
Direito Sistema e Policontexturalidade. São Paulo: Unicamp, 2005.
TEUBNER, Gunther. Fragmentos Constitucionais: constitucionalismo social na globalização. São
Paulo: Saraiva, 2016.
204
REFERÊNCIAS
CNC. Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) - janeiro 2019. CNC, 10
Julho 2019. Disponível em: https://bit.ly/2mHejyN.
DARDOT, P.; LAVAL, C. A Nova Razão do Mundo. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016.
GOMES, O. Transformações Gerais dos Direitos das Obrigações. São Paulo: Rev. dos Tribunais, 1980.
JÚNIOR, J. R. D. C. S.; CAVALCANTI, M. A. F. D. H. Carta de Conjuntura nº 42 - 1º trimestre 2019.
IPEA, 2019. Disponivel em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/9272/1/
cc_42_creditos_e_juros.pdf. Acesso em: 10 jul. 2019.
LAZARATTO, M. O Governo do Homem Endividado. 1. ed. São Paulo: n-1 Editora, 2017.
LÔBO, P. Direito Civil: Volume 2: Obrigações. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
OCDE. Relatórios Econômicos OCDE: Brasil 2018. OCDE, 2018. Disponivel em:
https://www.oecd.org/eco/surveys/Brazil-2018-OECD-economic-survey-overview-Portuguese.pdf.
Acesso em: 10 jul. 2019.
STJ. Vol. 21. Indd. STJ Jus, 2004. Disponivel em: https://ww2.stj.jus.br/docs_internet/revista/
eletronica/stj-revista-sumulas-2011_21_capSumula 283.pdf. Acesso em: 10 jun. 2019.
Clarissa Marques
Pós-Doutorado realizado na The New School of Social Research – NY. Doutorado e Mestrado em Direito pela UFPE.
Professora do Curso de Direito da UPE e do Mestrado em História do Pensamento Jurídico da FADIC. Coordenadora do
Grupo de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio ambiente, Diversidade e Sociedade (GEPT/UPE/CNPq).
Coordenadora do Coletivo Direitos em Movimento (DIMO-UPE). Pesquisadora-colaboradora do Programa
"TransVergente". Advogada em matéria ambiental.
Este trabalho tem como objeto discutir a relação existente entre desigualdade social e
criminalidade, com foco no que os agentes do Estado classificam como crise na segurança pública
no estado do Rio de Janeiro. Para tanto, a metodologia utilizada será a revisão bibliográfica e
análise documental de pesquisas sobre a relação entre fatores econômicos sociais e criminalidade.
O estudo vai procurar associar esses dois problemas que atingem o Rio de Janeiro:
economia e a insegurança, tentando identificar o quanto a crise econômica tem agravado a
segurança pública e, ao mesmo tempo, o quanto a segurança é imprescindível para a retomada do
crescimento econômico fluminense. A hipótese principal deste estudo consiste na ideia de que a
política criminal deve considerar o crime a partir do seu conceito econômico e não apenas jurídico,
conforme defende Becker (1968).
É recorrente a associação dos crimes à desigualdade social e à má distribuição de renda no
Brasil. Segundo Silveira (2008), há no Brasil um discurso hegemônico sobre a prevenção da
criminalidade e da violência, o qual remete sempre à necessidade de aperfeiçoamento das
políticas sociais, com maior distribuição de renda, geração de trabalho, melhores serviços de
educação, saúde, moradia, transporte público, lazer e outros, que embora poucos neguem a
relevância desses fatores, esse discurso alimenta algumas armadilhas.
Em síntese, descrevemos essas armadilhas apontadas por Silveira (2008, p. 146-147): a) A
insinuação de que todas as modalidades de violência e a criminalidade são resultados imediatos
da privação econômica e da desigualdade; b) A segunda armadilha corresponderia à redução do
valor intrínseco e ético dessas políticas sociais à sua capacidade de evitar a violência e o crime, o
que as diminui; c) A terceira consistiria no fato de que até a consecução de um estado de bem
estar social que garanta acesso universal e padrões decentes de moradia, lazer educação, saúde e
transporte, parece exigir esforços macroeconômicos monumentais, que estariam além da
intervenção do cidadão comum; d) Ainda que reconheça a insuficiência dos modelos puramente
reativos de policiamento e de gestão da atividade policial que valorizam o registro sistemático e a
análise das informações, a contínua capacitação dos efetivos, a inteligência policial, a proximidade
com e a comunidade têm apresentado, em diversos locais, resultados positivos na redução da
violência; e) A quinta e última armadilha é a diluição em causas macroestruturais de fatores de
risco bastante conhecidos para a delinquência e criminalidade, os quais podem ser enfrentados
206
por meio de projetos e programas específicos como apoio a famílias vulneráveis, alta evasão e
baixo desempenho escolar, etc.
Vale lembrar que embora o Brasil gaste valores significativos com a segurança, as pessoas
continuam cada vez mais encarceradas em suas residências, coagidas pela criminalidade.
Portanto, é preciso mais do que somente dinheiro para se alcançar resultados melhores na
segurança pública.
Conclui-se que o processo capitalista, as estruturas desiguais e a atividade criminosa com
fins lucrativos contribuem para a manutenção do mercado da criminalidade. Nesse contexto,
acredita-se que a política criminal deve ser planejada para dificultar o lucro do empresário do
crime e aumentar os riscos da atividade delituosa. Medidas como a melhoria das condições
sociais e econômicas podem dificultar o acesso à mão de obra e, associadas ao aumento da
eficiência do aparelho estatal penal para elucidar delitos e prevenir crimes, surtir resultados
positivos para a diminuição dos indicadores criminais.
REFERÊNCIAS
BECKER, Gary Stanley. Crime and punishment: na economic approcah. Journal of Political
Economy, v. 76, n. 1, p. 169-217, 1968.
SILVEIRA, Andréia Maria. A prevenção dos homicídios: desafio para a segurança pública. In: BEATO,
Cláudio (org.). Compreendendo e avaliando projetos de segurança pública. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2008.
Along with Car Wash Operation, a new regulatory scenario regarding corporate governance
emerged in Brazil, represented by documents of best practices, self-regulation and state rules. In
this new context, Law n. 12.846/13 was enacted, which brought the objectivity of corporate
responsibility for acts committed against the public administration. Therefore, the increase of the
importance of adopting measures to ensure that illicit conduct does not happen within the
company and, if it does, to ensure that it has no relation with the company because all the
necessary measures to prevent or stop diversions would have been taken by the company. To the
extent that companies must seek lawful relationships on the part of all related parties and cease
deviations, the need to adopt an effective compliance program grows. However, without a change
in the organizational culture, the compliance program may not achieve its purpose. Thus, the
207
effectiveness of normative compliance goes through the institutional reference process of the
individuals involved, who need to stop boasting deviations and value the correction. Now, there is
a pressure process to institutionalize compliance, which is a mechanism of corporate governance.
Hence, the objective of this proposal is to understand the constitution process of a
corporate governance mechanism that has emerged from the new Brazilian reality. A reality that
exerts pressure on the individuals, both internal and external, to respect the norms and mitigate
the risks regarding the organization in which they are inserted, creating in these individuals the
notion of compliance as an institution.
The analysis is theoretical-empirical analysis, so that the exposed ideas are exemplified. The
research had documentary character. Because of the specificities of Law, since it is a social science,
it is necessary to consider in the construction of this model the ontological aspects, still more
before the study of the cognitive process and the intersubjective relations, that demand a
qualitative analysis. It is present the characteristics of the qualitative research pointed out by
Bryman (1989). The indutivist conception is adopted, constructing generalizations from the studied
situations. The adoption of deductivism to analyze organizational consequences from identifiable
premises is also relevant.
In view of the complex network of actors involved, in the market and in the development of
economic activity, and of new institutional paradigms, such as the process of institutionalization of
compliance, organizations must analyze and interpret the scenario in which they are; (such as the
new Anti-Corruption Law and its regulations), going well beyond analyzing only the formal norms,
since informal norms, which exert strong pressure on individuals, also have normative force and
ability to change reality. With this expanded approach, by analyzing the internal and external
pressures exerted on the parties involved to comply with the standards, organizations are allowed
to weave a solid strategic planning in relation to the best practices of conduct to be implemented
in their corporate environment and with all those involved, implementing an effective mechanism
for institutionalizing compliance, including with respect to governance. This makes it possible to
adapt the operational reality of the company to the economic market, including the integration of
all those involved in the process, such as the workers themselves, fighting against the pan-
ownership of the problem and also against the intrinsic and inherent culture of the actors involved.
The transformation of compliance into an institution stems from various pressures. Without
the involvement of the entire team, the goals are not achieved. This is perhaps one of the
manager's main challenges: to win the commitment of his employees with the elaborate planning.
A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 170, determina que a ordem econômica
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. Nesta
pesquisa, questiona-se se tal dispositivo constitucional consegue assegurar o exercício de empresa
em atenção à sua função social.
A hipótese apresentada sugere que o empreendedorismo com propósito promove uma
mudança na forma de empreender, a partir do consumo consciente e de uma busca por satisfação
208
pessoal, que, conciliada com a busca pelo lucro, promove a justiça social no meio em que está
inserido aquele empresário, enquanto agente econômico.
Assim, o objetivo geral desta pesquisa é identificar o empreendedorismo como uma forma
de concretização do princípio da função social da empresa, a partir da análise dos dados
fornecidos por instituições a exemplo do SEBRAE. São objetivos específicos identificar o conteúdo
da função social da empresa, indicar sinônimos da função social da empresa e compreender o
conceito de empreendedorismo.
O tema da pesquisa ora proposta pode ser tratado em diversos enfoques, ou seja, em uma
perspectiva interdisciplinar, como por exemplo, no campo sociológico (a forma de interação dos
empresários e das pessoas que se relacionam com ele); econômico (a manutenção da atividade e os
impactos econômicos) e sociais (a busca por concretizar valores sociais acima do individualismo).
Assim, resta claro que o tema envolve questões atuais, que podem ser discutidas nos demais
âmbitos, para chegar a uma conclusão positiva e à solução do problema. Por isso, a investigação será
interdisciplinar, por sua natureza e complexidade, pelos seus panoramas complementares.
A pesquisa é proposta na vertente jurídico-sociológica, tendo em vista a opção pela
avaliação e análise das estruturas interiores do próprio Direito, quais sejam, a empresa, o
empresário e a função social, mediante a sua aplicação na sociedade e interação pelos agentes
sociais. Busca-se, assim, dialogar com os dados fornecidos pelos próprios empresários, por órgãos
de registro, livros com relatos de empresários e dados do governo com reflexos na economia.
A linha adotada será a crítico-metodológica, que partirá da compressão da opção legislativa
brasileira e dos dados já presentes no ordenamento atual. Deste modo, pretende-se compreender
qual a forma de incentivar e obrigar o empresário a adotar uma atuação que seja benéfica ao
sistema como um todo, observando a sua função social e a empresarialidade responsável.
A presente pesquisa demonstra que a noção de função quer dizer que o titular de um
direito tem um poder-dever e que, neste sentido, ele não está impedido de fazer algo, mas ele
deve adotar condutas positivas e, efetivamente, fazer algo. Permite, ainda, concluir que o
princípio da função social da empresa está inserido no ordenamento jurídico brasileiro, mas não é
de simples identificação, o que, consequentemente, dificulta a compreensão do seu exato
conteúdo. Verifica-se, assim, que a função social tem como principal fundamento a Constituição
Federal, que atrela o exercício de atividade econômica à promoção da justiça social. Todos os
agentes econômicos, então, devem exercer suas atividades neste sentido.
Matteo Finco
Pesquisador de pós-doutorado da Uniritter. Bolsista PNPD/CAPES.
JUSTIFICATIVA
a) O Banco Central do Brasil é objeto constante de estudos em direito, economia, sociologia e
ciência política, dentre outras razões por ser lócus de grande poder (controla o valor da moeda e a
estabilidade do sistema financeiro). Uma lista (extremamente) parcial de trabalhos é Campilongo
et al. (2002), Erling (2015), Fabiani (2012), Goldberg (2008), Novelli (2002), Raposo (2011), Saddi
(1997, 2000), Sola et al. (2002). Como, novamente, vem a tona o tema da independência do Banco
Central é oportuno investigar o equilíbrio entre o mandato legal de estabilidade do sistema
financeiro/guardião de valor da moeda e a legitimidade da atuação da autarquia com pretensões à
independência,
b) A trajetória do Banco Central do Brasil, criado pela Lei 4595/64, sempre foi objeto de
críticas contundentes pela falta de transparência da autarquia em processos de resolução de
212
bancos falidos onde (no período 1974-88) foram usados recursos públicos para cobrir passivos de
instituições sob intervenção. No período pós Real (pós 94), com a criação dos planos de
reestruturação bancária (PROER, PROES, PROEF), com objetivo de evitar uma crise bancária
concomitante ao plano de estabilização, as críticas retornam, agora no ambiente democrático,
questionando se o interesse público foi contemplado.
c) Os trabalhos em direito sobre o tema, especialmente teses e dissertações com foco
regulatório, tendem a tratar a atuação do Banco Central como "intervenção do Estado na
economia", abordagem já ultrapassada na moderna teoria da regulação. Os trabalhos em direito
do início dos anos 2000 sobre agências regulatórias independentes, não necessariamente o BC,
por exemplo (MATTOS, 2017), discutem como a doutrina de direito administrativo e direito
econômico, em análise estritamente legalista, tratou do assinto.
PERGUNTA DE PESQUISA
Há evidências que a recente práxis do Banco Central
(https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/bcmais), especialmente em sua capacidade
normativa por meio do Conselho Monetário Nacional, caminha em direção a ganhos de
legitimidade que pelo menos parcialmente justifiquem a ambição de independência da autarquia?
BASE EMPÍRICA
Será analisado um estudo de caso para tentar responder à pergunta de pesquisa: a ação
regulatória do BC relacionada à inovação financeira por meio do Laboratório de Inovações
Financeiras e Tecnológicas (SIQUEIRA et al., 2019).
HIPÓTESE DE PESQUISA
A ação de incentivo à inovação do Banco Central com potencial aumento de concorrência e
conveniência para o consumidor final e baseada em arrojada inovação institucional caminha na
direção de aumento de legitimidade.
REFERÊNCIAS
CAMPILONGO, C. F. et al. Concorrência E Regulação No Sistema Financeiro. Max Limonad, 2002.
ERLING, M. L. G. Regulacao Do Sistema Financeiro Nacional. Almedina, 2015.
FABIANI, E. Direito E Credito Bancario No Brasil - Serie Producao Cientifica Direito,
Desenvolvimento e Justica. Saraiva, 2012.
NOVELLI, J. M. N. Instituições, Política E Idéias Econômicas: O Caso Do Banco Central Do Brasil,
1965-1998 (Ciência Política) (Portuguese Edition). FAPESP, 2002.
RAPOSO, E. Banco Central Do Brasil - O Leviata Iberico. Editora PUC-RIO, 2011.
SADDI, J. O Poder E O Cofre. 1997.
SADDI, J. A. Disciplina Constitucional Do Sistema Financeiro Nacional E O Banco Central Do
Brasil. 2000.
SIQUEIRA, A. H. et al. Lift - laboratório de inovações financeiras e tecnológicas. Revista Eletrônica
LIFT/Banco Central do Brasil, v. 1, n. p. 3-25, 2019.
SOLA, L. et al. Banco central, autoridade política e governabilidade democrática. In: SOLA, L. et al.
Banco central: Autoridade política e democratização. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas -
FGV, 2002.
213
Coordenação:
Marcelo Pereira de Mello (UFF)
Luiz Cláudio Moreira Gomes (UFRJ)
Livia Salvador Cani (FBM-ES)
DEMOCRACIA COSMOPOLITA, UNIVERSALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E A
QUESTÃO DA MIGRAÇÃO: RESISTÊNCIA E ENFRENTAMENTOS
O presente trabalho tecerá uma breve análise da universalização dos Direitos Humanos,
sobretudo nas questões relativas à migração, fazendo com que haja uma relativização da
Soberania dos Estados-Nações frente ao Sistema Internacional, na busca pela plena efetivação dos
Direitos Humanos fundamentais.
Nesse contexto, temos a Democracia Cosmopolita e a Governança Global, fortalecendo os
movimentos sociais e que dá azo à cidadania cosmopolita, visando promover a universalização dos
Direitos Humanos. Dessa forma, os indivíduos se organizam em rede e conseguem interferir de
forma direta nas decisões governamentais em âmbito local e nacional, alterando as relações de
força na política.
As ideias de cosmopolitismo inicialmente partiram de pressupostos embasados na
expansão mercantilista que eclodiu nos séculos XVII e XVIII, onde os países já se relacionavam
economicamente de forma massificada, gerando a ideia de que o globo, quanto território, seria
um plano único que pertenceria a todos e o qual todos poderiam integrar de forma uníssona.
Contudo, com a evolução dos tratados e a estruturação da ideia de Estado-soberano, com
referências às políticas nacionalistas fortes que se desenvolveram ao final do Século XX, o conceito
de cosmopolitismo passou por uma restruturação, onde a concepção de um cenário de
governança global encontra-se quase totalmente enfraquecido.
Em contrapartida a essas transformações temos uma crescente nas ideias nacionalistas,
que buscam preservar características do Tratado de Vestfália de Estado-Nação. Observa-se que o
aumento do número de adeptos a discursos nacionalistas, com base em manifestações de idéias
populistas racialmente discriminatórias e marginalizantes, é um reflexo da não compreensão de
um cosmopolitismo em sua essência, o que acaba por gerar a quebra dos parâmetros de
tolerância e boa convivência propostos por Kant em Paz Perpetua, destituindo conceitos políticos
globais anteriormente constituídos, fragmentando as relações entre Estados-Nações e
enfraquecendo a ideia de cosmopolitismo, como podemos observar nas últimas eleições em
215
diversos países, com a ascensão de grupos políticos de direita ou ultradireita, bem como na
discussão em países do bloco europeu tais como Polônia, a fim de saírem da União Européia,
seguindo o exemplo mais recente do Reino Unido.
Além disso, verifica-se que a fabulação da institucionalização de uma cultura cosmopolita,
partindo do pressuposto de englobamento de uma identidade cultural que naturalmente viria a se
sobressair como dominante dentro de um processo de reformulação da identidade cultural dos
povos, produziria um mecanismo de opressão das culturas historicamente marginalizadas, que
poderiam vir a ser totalmente excluídas do processo de construção de uma Democracia
Cosmopolita.
Essas visões antagônicas compõem a mesma realidade e retratam a evolução da
globalização que faz com que os novos enfrentamentos ultrapassem as fronteiras até então
estabelecidas que passam a não mais atender às necessidades de um mundo globalizado.
INTRODUÇÃO
Com o advento da Declaração Universal dos direitos humanos se inicia uma nova ordem
mundial, e neste contexto, destacamos o fato de que os diversos estados que ratificaram os
termos da declaração, possuem particularidades que fazem com que a efetivação desta norma
internacional se torne uma tarefa extremamente complexa.
Os encalços encontrados no processo de implementação da declaração nos estados, nos
faz lembrar a história da Odisseia – poema épico da Grécia, com autoria atribuída a Romero –
razão pela qual faremos uma analogia entre a obra Odisseia e a concretização da Declaração dos
Direitos humanos pelos diferentes lugares no mundo nos últimos 70 anos.
Assim o sendo, e com base no pensamento filosófico de Emanuel Levinnas, e Immanuel
Kant, o presente artigo tem como propósito a demonstração da importante trajetória percorrida
pela declaração de direitos humanos, o contexto contemporâneo acerca de alteridade e
hospitalidade. Mesmo diante das facetas da sociedade moderna, a qual transformou o ser
humano em um mero “objeto”, algum descartável. Que foi no que se transformou o fenômeno
que ocorre com os refugiados, tendo em vista que a falta de empatia da sociedade gera diversos
conflitos.
OBJETIVOS
Analisar os limites e possibilidades de concretização dos direitos apresentados na
Declaração Universal dos Direitos humanos, fazendo uma abordagem histórico, social e política do
216
tema, sobretudo quanto aos limites e possibilidades do direito a hospitalidade universal em um
mundo de seres humanos descartáveis.
METODOLOGIA
O presente trabalho será direcionado pro meio da análise tipológica com fundamento nas
autoras Lakatos e Marconi (2010), A pesquisa bibliográfica levará em consideração os referenciais
teóricos citados nesse artigo, além das fontes de pesquisa SciELO - Scientific Electronic Library
Online, Periódicos Capes, Banco de teses & dissertações Capes, Scopus e Web of Science, as quais
possuem validação científica de maior relevância acerca da temática pesquisada.
RESULTADOS
De todo o esforço empreendido neste estudo, pretende-se refletir que mesmo com todos
os avanços no que se refere aos direitos humanos após a declaração universal dos direitos
humanos, o abismo entre a realidade e a norma ainda é muito grande, vez que é comum
encontrarem-se óbices à eficácia destes direitos.
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 2006.
EICHENBERG, Rosaura; HUNT, Lynn. A Invenção dos direitos humanos. São Paulo: Cia. das Letras,
2009.
HOMERO. Odisséia. Tradução Carlos Alberto Nunes. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997.
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Cia das Letras, 1988
LÉVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem. Petrópolis: Vozes, 1993
LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos na pós-modernidade. São Paulo:
Perspectiva, 2005.
Antonio Raul
O nosso artigo propõe uma tema que se situa em torno da migração causada pela situação
sóciopolítica. De certo modo, os governantes dos países que estão experimentando a migração de
um país para o outro, não criam condições favoráveis para que haja um espaço onde a vida
humana possa se desenvolver. Diante de ameaças às quais a vida humana se submete, a migração
em massa destes povos objetiva encontrar um espaço, encontrar melhores condições favoráveis à
vida humana. Por isso, pretendemos discutir sobre o fenómeno migratório que nos últimos anos
atingiu proporções alarmantes; Este fenômeno é uma ameaça para a estabilidade socioeconómica
e política dos países que oferecem acolhimento aos imigrantes.
Não se pode esquecer da constituição do espaço Europeu depois do advento depois
institucionalização do Acordo de Schengen (UNIÓN EUROPEA, 2006) cerca de trinta e cinco anos,
ou seja, 14 de junho de 1985 que delimitou as fronteiras externas da União Europeia, que
começou quando as migrações extra comunitárias foram um problema para a Europa Ocidental.
Desde a crise do petróleo e a Guerra do Yom Kippur, a preocupação da Europa foi aquela da
217
implementação da assim chamada política da migração zero com objetivo de erradicar a migração
em massa para o ocidente, evitando a desestabilização sócio-económica e política (ARANGO,
2005). Se a Europa encontrava-se então com as fronteiras mais fracas do que se pudesse imaginar,
pensava-se que com a implementação da política de migração zero a migração se mitigaria. Como
por exemplo, o Acordo Schengen, foi pensado como uma ferramenta útil que ia garantir a
construção duma Europa forte, caracterizada pela debilidade das fronteiras e à harmonização da
fiscalidade e reforço das fronteiras externas. Apesar disso, o cenário atual revela que o fenômeno
migratório se mostrou ter crescido amplamente. Lembremo-nos que, neste período em que a
nossa pesquisa se centra, milhares e milhares de imigrantes entraram no espaço europeu.
A adesão ao Acordo Schengen permitiu o avanço das fronteiras externas da União Europeia
para os serviços consulares europeus situados em países do terceiro mundo. Como podemos ver,
foram erguidos muros de difícil acesso para os estrangeiros, assim chamados extracomunitários.
Por um lado, nota-se uma grande dificuldade no que diz respeito às políticas europeias em
matéria de migração, porque as competências sobre a responsabilidades cabem a cada Estado,
cabendo por conseguinte, à União Europeia apresentar orientações gerais, harmonizadas pela
legislação nacional de cada um dos seus membros. Nem a abordagem global da migração (UNIÓN
EUROPEA, 2006) que, em Dezembro de 2005, foi considerada importante na medida em que, com
essa abordagem, se pretendia envolver os países de origem e de trânsito do fluxo migratório para
participarem do processo de gestão da migração, produzindo os resultados que estão em
consonância com os valores humanitários espalhados por toda a Europa.
No Pacto Europeu sobre Imigração e Asilo (PESA), o método comunitário de gestão de
imigração é muito limitado. A partir desta plataforma política, precisamos de procurar os
elementos que possam nos ajudar a entender o Pacto Europeu sobre Imigração e Asilo, uma
ferramenta que oferece as linhas de ação política ajustadas para a gestão de movimentos
migratórios etracomunitários (UNIÓN EUROPEA, 2008). Nesse sentido, queremos refletir sobre o
fluxo migratório dos países do Magrebe e seu impacto socioeconômico e político na Europa
Ocidental.
Encontrar uma solução para a mitigação não é apenas uma questão que preocupe a União
Europeia, mas também para os países de de origem dos imigrantes, ou seja, é da responsabilidade
de todas as partes. Na tentativa de desestimular a migração em massa, verificou-se uma
brutalidade com que os imigrantes são tratados, tratados violentamente, violando de certa forma
os direitos internacionalmente consagrados, resultando em um atentado contra os valores
democráticos e humanitários que regem a Europa muito particularmente Espanha, Itália e
Portugal.
A integração política na Europa deu origem ao encerramento das fronteiras externas para a
livre circulação dos cidadãos europeus. Em 1992, o Tratado de Maastricht criou dois tipos de
cidadania aquela de cidadãos da União Europeia para os nacionais dos países membros,
garantindo-lhes direitos políticos a nível da comunidade (UNIÓN EUROPEA, 2002). Aqui,
consagrou-se a Europa dos cidadãos com um novo modelo do regionalismo político, reforçado na
Carta Constitucional na forma de um Tratado1. A integração europeia foi ocupada pelo
aprofundamento da distinção entre imigrantes comunitários, tornados cidadãos e imigrantes
estrangeiros. Com o crescimento das relações a nível regional, os primeiros desapareceram,
permanecendo assim como cidadãos com plenos direitos, permanecendo o segundo tipo de
imigrantes, que se refere a cidadãos extracomunitários.
Desta forma, foi apresentado o modelo de segurança como uma ferramenta fundamental
para alcançar a liberdade e a nacionalidade como um elemento indispensável para a cidadania
218
europeia. Os imigrantes extracomunitários, estrangeiros, aparecem como o mecanismo de
segurança, podendo gozar de liberdade de circulação.
O fluxo migratório é motivado várias vezes pela busca de uma vida condigna, situação
política, guerras e outros tipos de calamidades que levam à busca de lugares onde for possível
desenvolver a vida. Em relação a estas situações, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948, no art. 13 afirma
o seguinte: "Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das
fronteiras de cada Estado. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o
próprio, e a este regressar". Portanto, todo imigrante tem o direito de ser protegido por seus
direitos, mesmo estando na condição de imigrante. A Declaração Universal dos Direitos Humanos
no seu art. 14 assevera: “Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de
gozar asilo em outros países. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição
legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e
princípios das Nações Unidas”. Neste artigo fica claro em que circunstâncias os imigrantes devem
ser aceitos, aqueles que buscam asilo e que não estão em situação de crime.
Il Pontificio Consiglio Pastorali per Migranti e gli Itineranti (2013), no que diz respeito ao
direito à emigração e à imigração, afirma o seguinte:
Todo ser humano tem direito à liberdade de movimento e residência dentro da
comunidade política da qual é cidadão; e ele também tem o direito, quando legítimos
interesses o aconselham, a imigrar para outras comunidades políticas e estabelecer-se
nelas. Pelo fato de ser cidadão de uma determinada comunidade política, nada perde seu
conteúdo como membro da família humana; e, portanto, pertencendo, como cidadão, à
comunidade mundial.
220
IMIGRAÇÃO E CIDADANIA: A INSERÇÃO POLÍTICA DOS IMIGRANTES NO BRASIL
Ao final da segunda década do século XXI, com o aumento expressivo dos fluxos migratórios ao
redor do mundo todo, estima-se que, apenas para as categorias de deslocamento humano forçado,
173.800 crianças desacompanhadas foram contabilizadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas
para Refugiados (ACNUR), sendo que as crianças, de modo geral, representam 52% do fluxo total de
refugiados no mundo todo, apenas até 2017 – um crescimento de mais de 10% com relação aos dados
da década anterior, até 2009, nos quais as crianças representavam 41% da população refugiada
(UNHRC, 2017). Dessas 173.800 crianças desacompanhadas, 45.500 crianças realizaram o pedido de
asilo individual em 67 países, conforme relatado ao ACNUR, e as outras 138.700 foram identificadas
em operações da própria agência especializada, com a preferência metodológica de redução do
número de crianças nos dados, para evitar a possibilidade de contagem dupla. Nas Américas, um
número cada vez maior de crianças migrantes tem sido identificado pelos órgãos responsáveis, em
razão de inúmeros processos domésticos dos Estados, como a pobreza, a violência de gangues e a
ausência de oportunidades educacionais e econômicas, a grande maioria proveniente de El Salvador,
Guatemala, Honduras e México (UNICEF, 2018). O retorno forçado dessas crianças ao lugar de origem,
muitas vezes, representa um destino severamente pior do que o encontrado nos caminhos de fuga,
por mais arriscados e prolongados que sejam, como a exposição ao tráfico de crianças, à exploração
sexual e altas cargas de stress que podem ser profundamente gravosas ao desenvolvimento cognitivo
completo, devido à liberação constante do hormônio cortisol, que prejudica a funcionalidade do
cérebro (UNICEF, 2018). Para além dos habituais riscos, há uma outra realidade enfrentada pelas
crianças migrantes, que as coloca em maior vulnerabilidade: a detenção infantil. Sob solicitação de
Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu uma Opinião
Consultiva, de número 21/14, em agosto de 2014, acerca da essencialidade do princípio da não-
detenção de crianças, ou da não-privação de liberdade, com o objetivo de colocar fim à detenção
infantil em processos de migração, principalmente nas hipóteses de migração desacompanhada.
Assim, como a OC 21/14 de 2014 influenciou a maneira como os Estados lidam com as hipóteses de
migração infantil desacompanhada, em uma década na qual os processos de migração se
intensificaram, atingindo cifras nunca antes vistas? Sob o ponto de vista metodológico, a fim de
proceder com a melhor abordagem do tema, foi feita opção pelo método analítico-dedutivo de
pesquisa, partindo da pesquisa bibliográfica como técnica de pesquisa.
REFERÊNCIAS
UNHCR. Global Trends: Forced Displacement in 2017. 2017. Disponível em: https://www.unhcr.org
/statistics/unhcrstats/5b27be547/unhcr-global-trends-2017.html. Acesso em: 22 mar. 2019.
UNICEF. Report - Uprooted in Central America and Mexico: Migrant and Refugee Children face a
vicious cycle of hardship and danger. 2018. Disponível em: https://www.unicef.org/lac/media/3116
/file. Acesso em: 22 mar. 2019.
Notas:
O presente trabalho se funda nos estudos preliminares para a elaboração de tese de doutorado sobre a proteção
internacional de crianças migrantes.
222
O MOVIMENTO EUGENISTA BRASILEIRO NAS POLÍTICAS IMIGRATÓRIAS DA
ERA VARGAS
Igor Pinho
Trata-se o presente estudo, da análise dos impactos do movimento eugenista brasileiro nas
políticas imigratórias da Era Vargas. Neste sentido, buscaremos verificar os efetivos reflexos do
pensamento eugenista brasileiro, no perfil dos imigrantes que adentraram no Brasil entre os anos
de 1930 – 1945. Assim, ao longo deste estudo, analisaremos o grau de influência das ideias
eugenistas no corpo burocrático do governo Vargas, bem como arguiremos em que medida o
Movimento Eugenista foi capaz de alterar (ou não), efetivamente o perfil dos imigrantes que
adentraram no Brasil na Era Vargas (1930 – 1945). E para tal estudo, faremos uso de fontes
bibliográficas e comparativas diversas, em que confrontaremos as percepções acerca da
nacionalidade brasileira, sob o viés do pensamento sociológico da década de 1930
(contemporâneo aos eventos aqui estudados), com as interpretações mais recentes sobre o
conceito de nacionalidade (“ideal” ou real, local ou global, ou ainda, de viés eugenista positivo ou
negativo). Assim, transversalmente, avaliaremos o uso do imigrante tido por “ideal”, como fator
eugênico no “branqueamento” da população brasileira, e o quanto este uso teria realmente
alterado o perfil étnico do povo brasileiro.
Para tal, utilizaremos como ferramentas na pesquisa sociojurídica, a análise das teorias,
hipóteses e dados, referentes à imigração e eugenia, bem como seus reflexos segregatórios na
legislação vigente a época. E em breve síntese, para fins do presente estudo, entendemos 1 como
teorias as ideias sistematicamente organizadas sobre o que seria relevante analisar a respeito da
situação problema, como também, entender sobre como e por que, determinados eventos e
processos estão relacionados.
Logo, reafirmamos, a nossa hipótese é averiguar metodologicamente através de dados
oriundos de fontes primárias2, secundárias3 e terciária4, em que medida o movimento eugenista
brasileiro conseguiu efetivamente mudar o perfil dos imigrantes que adentraram no Brasil na Era
Vargas. E em decorrência lógica da premissa anterior, tentaremos compreender se tal condição
teve o condão de alterar o perfil étnico do povo brasileiro e em qual proporção.
Por conseguinte, analisaremos também a implementação e o recrudescimento da Eugenia
nas Constituições da Era Vargas, quais sejam, a Constituição de 1934 (promulgada) e a
Constituição de 1937 (outorgada), vulgarmente conhecida como “polaca”. Dentre outros,
tomaremos como marcos legislativos norteadores, o Decreto 19.482 de 12 de dezembro de 1930,
os Anais da Assembleia Constituinte de 1934, o art. 138, b e g, da Constituição de 1934, e a Lei
Constitucional n° 5 de 10 de março de 1942 (que alterou o art. 166 da Constituição de 1937).
Notas:
1
Ver conforme aduz o Professor Valeriano Costa da Unicamp, em SOCIOLOGIA – Ciências Humanas n° 5, 2010, da
Editora BF&A.
2
Vide leis, censos geográficos e documentos públicos, entre outros.
3
A Historiografia considera como fontes secundárias todos os escritos não contemporâneos aos fatos que narra. Na
presente pesquisa podem ser a análise das obras produzidas pelo pensamento sociológico da geração de 1930, as
interpretações dos “Brasis” de Darc Ribeiro, o conceito de “imigrante ideal” proposto por Koifman, ou ainda,
subsidiariamente, dos estudos internacionais sobre nacionalidade e imigração, de Giddens e Hall, entre outros.
223
4
Uma fonte terciária é uma seleção e compilação de fontes primárias (material original sobre alguma informação)
e secundárias (comentários, análises e crítica baseados nas fontes primárias). Enquanto a diferenciação entre as
fontes primária e secundária é essencial na historiografia, a distinção entre estas e as fontes terciárias é mais
superficial. Exemplos típicos de fontes terciárias são as bibliografias, listas de leituras e artigos sobre pesquisas.
As enciclopédias e manuais de instrução são exemplos de peças que reúnem tanto fontes secundárias como terciárias,
apresentando por um lado comentários e análises, e por outro tratando de proporcionar uma visão resumida do
material disponível sobre a matéria. Vide https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Fonte_terci%C3%A1ria, acessada em 30 de
abril de 2019.
225
CAMPOS DE CONCENTRAÇÃO CEARENSES DE 1932 E MIGRAÇÕES FORÇADAS:
ENTRE A FUGA DA MORTE E O DOMÍNIO TOTAL DA VIDA
Sem dúvidas a invisibilidade social é o cotidiano das pessoas que se encontram em situação
de imigrantes, situação que cria um espaço entre ser pessoas de direito e não ser “ninguém”, em
outros termos, o perpetuação do próprio “homo sacer”, usando o termo de Agamber, uma figura
ou objeto sem qualquer valor no mundo dos homens, totalmente a mercê da “vida nua”, uma
vida completamente destituída de um aparato protetivo, uma vida desamparada, onde os Estados
Soberanos, nesses parâmetros, colocam todo um grupo social a mercê da própria sorte. A
constituição de ser alguém e não ser ninguém passa por todo um campo de atuação é práticas
institucionais (internacionais e internas), que excluem, eliminam e gerenciam todo determinado
grupo social enquanto os tornam excluídos do próprio conceito de sujeito de direitos
fundamentais. A sacralização e exposição a vida nua do Imigrante é amparado principalmente por
uma instituição, o Direito. Pretende-se mostrar nestes termos, como o Direito se coloca no âmbito
interno e externo, no campo legal e formal como instituição meio para garantir a manutenção da
vida nua, e do “Estado de exceção” contínuo dos imigrantes. Como bem observa Foucault, o
Direito produz em seu âmago um fenômeno capaz de permitir e gerenciar o ilegal dentro da
legalidade, ou seja, de produzir e gerenciar legalidades dentro da legalidade, este fenômeno é
denominado por Foucault de “ilegalismo”. O Direito então, enquanto uma instituição política,
produz dentro de seu espaço regulamentador, um fenômeno de gerencias e ingerências de
ilegalidades, onde através da gestão da aplicação da lei, seria permitido e gerenciado as
ilegalidades e arbitrariedades sobre determinadas camadas sociais. O que se objetiva demonstrar
por meio do presente ensaio é que os parcos instrumentos legislativos constantes do nosso direito
interno retratam o loop de manutenção desse estado de exceção. Tomando como ponto de
partida a Lei 13.445/2017, comumente chamada de Lei de Migração, será realizada uma análise do
dito instrumento legislativo tendo como ponto de partida as reflexões realizadas por Agamben,
sobretudo por meio da deportabilidade, da proibição de entrada e da entrada irregular.
Realizando, ainda, uma breve regressão histórica, intenta-se demonstrar como, desde a década de
1930 a legislação brasileira trata os imigrantes como, de fato, seres indesejáveis. Nestes termos,
conclui-se que o Direito permite e gerencia a situação de vida nua e o permanente Estado de
exceção que recai sobre os Imigrantes, tornando possível um espaço em que se aplica e não se
aplica o direito, onde se permite o extermínio do “outro” de forma legal, onde as ilegalidades são
gerenciadas e “normatizadas” para a destruição do Imigrante em prol de um Estado Nacional.
227
OS INTERESSES DOS ESTADOS SOBERANOS E O DIREITO INTERNACIONAL DOS
REFUGIADOS: UMA DINÂMICA CONFLITUOSA NA SOCIEDADE INTERNACIONAL E
QUE PODE CERCEAR DIREITOS HUMANOS
Os interesses dos Estados, assim como os dos refugiados, são legítimos. O direito à
segurança e à proteção existem dos dois lados. Assim, surge o problema: Quais as consequências
de não coadunar o interesse do Estado-nação com a proteção internacional dos refugiados? Na
busca por uma melhor análise desta situação se faz necessário observar a Convenção de Genebra
de 1951, que reflete a forma como efetivar, simultaneamente, estas garantias. A possibilidade de
alinhar os direitos dos refugiados com os dos Estados é de suma importância, pois um país que
cumpre suas obrigações internacionais, inclusive quanto a segurança, encontra-se protegido e
garante o direito dos indivíduos requerentes de refúgio. As consequências do não acolhimento dos
refugiados é imensa. Diversos direitos e garantias fundamentais são violados desde o momento
em que estes indivíduos precisam deixar o seu país de nacionalidade ou residência habitual. No
reforço deste argumento, será abordado dois casos, sendo um sobre a União Europeia, referente
aos refugiados que circulam de barco pelo mar mediterrâneo e outro no Mianmar. O primeiro
caso é um acordo da União Europeia com a Tunísia sobre mobilidade, que aumentou
significativamente o número de mortos e desaparecidos ao mar quando tentaram retorná-los e
readmiti-los ao invés de reassentá-los. O segundo é o caso dos Rohingya, uma minoria mulçumana
do Mianmar, que foi perseguida e precisou fugir do país para Bangladesh, que os aceitou. O
objetivo é apresentar dois casos, com soluções completamente diferentes ao processo de refúgio.
O primeiro demonstra uma visão geral da União Europeia, especificamente na questão do
mediterrâneo, de não assimilar refugiados e as consequências disto. O segundo, sobre
Bangladesh, comprova como a assimilação salva muitas vidas e não traz os malefícios tão temidos
pelos países. Para tanto, o método utilizado será o dedutivo. Dessa forma, concluise, ao observar
os casos que a garantia dos direitos humanos dos refugiados depende dos Estados, de políticas de
mobilidade segura e de assimilação. Além disso, prova-se que a efetivação do direito destes
indivíduos não é um risco ao país, como determina o próprio Estatuto do Refugiado. Os
requerimentos de refúgio ocorrem em todos os lugares do mundo, não apenas em países
desenvolvidos. Os locais que possuem menores condições de acolhida recebem mais refugiados e
os que possuem maiores condições econômicas e sociais, não o fazem. Por isso, os deslocamentos
forçados que deveriam ter mais visibilidade ocorrem nos países mais pobres, que não possuem
estrutura, mas recebem estes indivíduos e garantem seus direitos.
228
A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO E A PROTEÇÃO DOS APÁTRIDAS NO BRASIL
PROBLEMA INVESTIGADO
A proteção das pessoas em situação de apatridia pelo ordenamento jurídico brasileiro,
após a entrada em vigor da Lei n° 13.445/17 Nova Lei de Migração).
OBJETIVOS
Levando-se em consideração que o estado de apatridia é uma condição jurídica de extrema
vulnerabilidade, vez que não há o vínculo da nacionalidade com Estado algum, além do fato de
que o Brasil é, cada vez mais, país de busca por proteção humanitária, o presente trabalho visa
analisar como se dá a proteção jurídica dos apátridas que aqui chegam.
À luz das regras de obtenção de nacionalidade, que são específicas de cada Estado
soberano, cerca de 10 milhões de pessoas no mundo (de acordo com os dados do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR1) vivem em situação de apatridia, não
possuindo documentação básica para o exercício da sua cidadania.
No Brasil, com a entrada em vigor da Nova Lei de Migração, em substituição ao antigo Estatuto
do Estrangeiro, foram implementadas novas regras de naturalização, simplificando o processo,
principalmente para aqueles que não têm nacionalidade. No ano de 2018, pela primeira vez, o Brasil
reconheceu a condição de apatridia de duas refugiadas que estavam em território nacional.
Portanto, o presente trabalho pretende analisar as mudanças trazidas pela Lei n°
13.445/17, a fim de estabelecer como estão sendo protegidos os direitos humanos dos apátridas.
MÉTODO DE ANÁLISE
Para tanto, a metodologia utilizada será o estudo da legislação nacional, bem como da
jurisprudência, apresentando casos concretos, além da análise da doutrina acerca do tema.
CONCLUSÕES
Como a Nova Lei de Migração apresenta um novo paradigma para a política migratória
brasileira, no sentido de dar maior proteção aos direitos humanos e de garantir o direito de
migrar, ela contém dispositivos que facilitam a obtenção da nacionalidade brasileira, pondo fim à
condição de apatridia.
Ressalvamos, no entanto, que, apesar de o direito à nacionalidade ser um direito humano,
garantido pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, e ser a solução para a apatridia, este
trabalho tem como fundamento e como fim maior a proteção dos direitos humanos de qualquer
ser humano, independentemente de vínculo jurídico com algum Estado.
Nesse sentido, pelo estudo da legislação brasileira, conclui-se que ela está de acordo com
as convenções internacionais acerca dos direitos humanos, tendo em vista que dá proteção aos
migrantes em situação de vulnerabilidade, que é o caso dos apátridas.
Palavras-chave: Apatridia. Nova Lei de Migração. Nacionalidade.
Notas:
1
Disponível em: https://www.unhcr.org/figures-at-a-glance.html.
229
O CAMPO COMO MARCO CONTEMPORÂNEO: A SITUAÇÃO JURÍDICA DO
REFUGIADO ATRAVÉS DA RELAÇÃO ENTRE SOBERANIA E BIOPOLÍTICA
ARTICULADA POR GIORGIO AGAMBEN
INTRODUÇÃO
Ao tecer a imagem do Estado Democrático de Direito alicerçado em uma relação de
exceção como conceito que associa controle biopolítico e decisão soberana, Giorgio Agamben
(2014) afirma que o estado de exceção não se configura como um fim ou objetivo em si mesmo,
estando inscrito em um conjunto maior: o das tecnologias de governo. A partir de tal concepção
do funcionamento moderno da política, atribui-se papel essencial no pensamento de Agamben
(2000) à figura do campo de concentração como “paradigma do espaço político moderno, o ponto
onde política transforma-se em biopolítica e o homo sacer, o portador da vida nua, se torna
indistinguível em uma zona cinzenta”. Trata-se do espaço produzido pela lei em que não há
vigência da lei, o espaço das vidas abandonadas e submetidas a quaisquer desígnios do poder
soberano. Nesse sentido, surgem vidas condenadas ao exaurimento: o destino de morte do
muçulmano (AGAMBEN, 2008), imigrantes em situação irregular, o indesejável dos campos de
refugiados na Europa – apenas como exemplos iniciais.
OBJETIVO
As considerações realizadas alinham-se à intenção de revisitar a releitura que Agamben faz
de Michel Foucault, Carl Schmitt e Walter Benjamin (2013) para articular os conceitos de
soberania e biopolítica como intrinsecamente conectados, e, a partir disso, atrelar essa concepção
fundacional da política à crítica que ele realiza acerca da estruturação dos direitos humanos – um
ponto extremamente sensível em que convergem questões sobre discurso, efetivação e utilização
estratégica ocultando interesses políticos. A proteção da vida está atrelada à subjetivação política
que, por sua vez, conecta-se à noção de pertencimento ao Estado-nação, segundo Agamben
(2015, p. 26-27) – sempre que os refugiados representam um fenômeno de massa, os Estados e
organizações humanitárias são incapazes de resolver o problema, a despeito das evocações dos
direitos inalienáveis do homem. Pretende-se, desse modo, demonstrar o funcionamento da
política através de uma lógica de pertencimento, subjetivação e, em seu inverso, abandono;
pensando, a partir daí, o destino das vidas que a nada pertencem, tomando como exemplo
principal o campo e seu fenômeno mais recente, a situação política e identitária do refugiado.
METODOLOGIA
Far-se-á a conexão entre soberania e biopolítica como conceitos que aparecem igualmente
antigos e unidos, diferindo da distinção foucaultiana entre o “fazer morrer e deixar viver” que
teria sido substituído pelo “fazer viver e deixar morrer”. Para isso, retoma-se a obra de Agamben,
em que o autor empreende uma genealogia do poder e do significado do agir e do ser político,
para pensar a noção do pertencimento ao Estado como formador de identidade e de “vida digna a
ser protegida” e a vida outra, desprotegida, tendo como objeto de análise as violações de direitos
e a ausência de tutela efetiva percebida nos campos de refugiados como atualização presente do
campo de concentração teorizado por Agamben.
230
CONCLUSÕES
Se, segundo Agamben (2010, p. 162-167), o campo é o mais absoluto espaço biopolítico,
em que o poder tem diante de si a pura vida sem qualquer mediação, e o marco da biopolítica
moderna é o estado de exceção feito campo (o nómos do moderno), percebe-se que ele reutiliza a
concepção foucaultiana de biopoder para associá-la ao poder soberano que se insere no direito
em uma relação fundacional e decide sobre o estado de exceção. Esse intento é realizado por
meio da retomada da distinção grega entre zoé e bíos, vida em sentido orgânico e político, de
modo que a fundação da pólis abrange a zoé em uma exclusão inclusiva que produz a vida nua, a
inserção do que não é cidadão e permanece integralmente exposto ao poder soberano. Assim, o
biopoder não é um fruto da contemporaneidade e a exceção alicerça a ordem jurídico-política
(AGABEN, 2010, p. 14), criando, desde sempre, vidas suscetíveis à violação, desprotegidas. O
refugiado tratado como desnacionalizado é, assim, expulso da Humanidade (CORRÊA, 2014, p. 25).
Trata-se de uma crítica à vida validada e classificada de acordo com seu pertencimento à ordem
estatal, a partir da biopolítica que produz subjetividade ou produz morte (ESPOSITO, 2010).
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção e genealogia do poder. Revista Brasileira de Estudos
Políticos, [S.l.], v. 108, 2014. Disponível em: http://dx.doi.org/10.9732/P.0034-7191.2014v108p21.
AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. 2. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010.
AGAMBEN, Giorgio. Means without end: notes on politics. Minnesota: Univ. of Minnesota, 2000.
AGAMBEN, Giorgio. Meios sem fim: notas sobre política. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2015.
AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. 1. ed. São Paulo: Editora
Boitempo, 2008.
BENJAMIN, Walter. Sobre a Crítica do Poder como Violência. O Anjo da História. 2 ed. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
CORRÊA, Murilo Duarte Costa. Biopolítica e direitos humanos: Giorgio Agamben e uma
antropolítica evanescente. Revista Profanações, v. 1, p. 22-37, 2014.
ESPOSITO, Roberto. Bios: Biopolítica e Filosofia. Lisboa: Edições 70, 2010.
231
A crise humanitária da República Bolivariana da Venezuela representa um panorama
preocupante no que tange as crianças que permanecem no país, haja vista que, com o fluxo
migratório de venezuelanos para o Brasil, por exemplo, verificou-se à fragilidade da política
migratória brasileira e impulsionou-se também um movimento não só no acolhimento dos
migrantes, através da operação acolhida, mas também um olhar e preocupação na hospitalidade e
integração das crianças, por vezes, desacompanhadas.
Assim, a OIM realizou uma DTM Brasil Nº 2, com ênfase nas crianças e adolescentes,
entre 25.05 e 17.06.2018, em locais de trânsito e assentamentos de venezuelanos em Boa Vista
(BV) e Pacaraima. Através de entrevistas, feitas por meio de uma equipe de 12 pesquisadores,
enalteceu-se as dificuldades de acesso pelas referidas crianças e adolescentes aos serviços
públicos de saúde, educação, moradia, além de tratamento discriminatório e xenofóbico por parte
da população local, dificultando a integração (OIM, 2018), o que enfatiza o alegado pelo IPEA em
2015 ao mencionar que os imigrantes no Brasil enfrentam obstáculos, como preconceito, para o
efetivo gozo de seus direitos (IPEA, 2015).
O CONANDA, órgão brasileiro responsável por tornar efetivos os direitos, princípios e
diretrizes disciplinados no ECA, Lei nº 8.069/90, editou recomendação máxima na priorização dos
direitos de crianças e adolescentes em situação de migração, por meio da atenção prioritária a tais
indivíduos e seus núcleos familiares estabelecendo a busca pela garantia de matrícula de crianças
e adolescentes migrantes em escolas regulares; acesso à alimentação saudável, à convivência
familiar e comunitária, ao lazer, à saúde; o desenvolvimento de ações de prevenção de todas as
formas de violência contra crianças e adolescentes; priorizando ainda ações que promovam a
manutenção da identidade cultural (Portal dos Direitos da Criança e Adolescente, 2019).
A omissão submete, muitas vezes, as crianças e jovens migrantes a ambientes
inadequados ao seu desenvolvimento saudável, como exploração sexual, tráfico de pessoas e
trabalho infantil, o que torna necessário a alteração de tal cenário mediante políticas públicas de
hospitalidade no âmbito federal, estadual e municipal.
A Lei Municipal de São Paulo nº 16.478/2016 sinaliza uma maior garantia e
implementação de direitos e garantias fundamentais do migrante, tentando pôr fim aos
obstáculos e, com isso, se pondo como um possível modelo para o poder público no que tange a
proteção dos migrantes, incluindo as crianças. No entanto, pela análise de dados, de bibliografia,
de orientações da CIDH, ainda há um longo caminho de implementação nas políticas públicas de
acolhimento no Brasil.
Palavras chaves: Crianças. Migração. Hospitalidade. Direitos Humanos.
232
Desde o ano de 2010, o grupo de maior crescimento é o de haitianos, tendo em vista, o
terremoto que atingiu o país e deixou aproximadamente 300.000 mortos aumentando a miséria
que assolava aquele país.
Tendo em vista, o Brasil liderar a missão de paz da ONU, para reconstrução do Haiti, se
tornou um dos principais destinos dos imigrantes haitianos, que vieram em busca de
oportunidades de emprego e educação para os filhos.
Com a chegada de imigrantes haitianos, iniciou vários debates em decorrência das
migrações, tais como: falta de politicas publicas para o acolhimento das famílias, discriminação,
emissão de documentação, interação, havendo dessa forma, uma nova legislação para esses
imigrantes.
Vale ressaltar, que a OIM (Organização Internacional para as Migrações) e IPPDH (Instituto
de Políticas públicas em Direitos Humanos do Mercosul), emitiram um diagnostico sobre a
imigração haitiana para os países-membros: Brasil, Chile e Argentina. Sendo o fluxo migratório dos
haitianos entre 2014 e 2016 foram maior para Brasil e Chile, sendo formado por familiares, dos
imigrantes já instalados nesse país.
Ademais, os imigrantes encontram barreiras sociais, associadas ao preconceito e
discriminações, dificultando a inserção no mercado de trabalho, sem contar que mesmo tendo
formação no pais de origem, encontram apenas trabalhos temporários, , não compatível com sua
formação.
Nicolli Bernardes
Graduada em Sociologia pela UFF. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF.
Há dois anos a política migratória do Brasil passou por algumas mudanças. A legislação que
cuidava dos assuntos referentes à migração no país, o Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980),
conduziu por quase quatro décadas a política migratória brasileira. O Estatuto do Estrangeiro foi
sancionado durante a Ditadura Militar e, portanto, é anterior à Constituição Federal – que apesar
de tratar sobre o assunto em seu conteúdo, notadamente em alguns artigos, tem uma
contribuição sintética. A política migratória ganha espaço nas demandas político-eleitorais,
principalmente nos últimos anos: amplo debate sobre a mudança da política migratória do país; a
promulgação da Lei de Migração (Lei 13.445/2017) em 2017, após inúmeros vetos e mudanças no
Projeto de Lei (PLS 288/2013); aumento do deslocamento de migrantes em toda América Latina,
principalmente com fluxo cada vez maior de venezuelanos emigrando de seu país; ascensão de um
governo conservador, que se posiciona contrário à política migratória recentemente aprovada.
A mudança da legislação do Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980) para a Lei de
Migração (Lei 13.445/2017), promulgada em maio de 2017, trouxe algumas mudanças
importantes quanto às migrações contemporâneas. Principalmente por tratar da migração como
um direito pertencente a todo e qualquer cidadão no mundo, tirando o tema do debate da
segurança nacional, como havia sendo tratado no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980).
Identifica-se na nova Lei uma tentativa por conduzir as migrações pautando-se nos Direitos
Humanos, a fim de reduzir a discriminação e aumentar as chances dos imigrantes em se inserirem
233
no mercado de trabalho – possibilitando, inclusive, a associação sindical, que era vedada ao
imigrante no Estatuto do Estrangeiro (Lei 6.815/1980). Ademais, a Lei de Migração (Lei
13.445/2017) além de tratar das imigrações, dedica-se também a pensar nos emigrantes, ou seja,
nos brasileiros que residem em outros países.
Abre-se, dessa maneira, a tentativa de compreender o comportamento do Brasil em
relação às migrações contemporâneas, observando a sua política migratória nos últimos anos,
principalmente com a mudança da Lei que rege os assuntos migratórios do país, considerando os
novos desafios e demandas que são levantados com as migrações atuais. Por isso, um dos
objetivos centrais é analisar as mudanças e continuidades na política brasileira de migração,
baseando-se tanto na Lei de Migração (Lei 13.455/2017) quanto no Estatuto do Estrangeiro (Lei
6.815/1980) por considerar o grande tempo dessa lei em vigor e o impacto que provoca nos
debates, estudos e, essencialmente, na política migratória que o Brasil assume por tantos anos.
236
DISCUSSÃO
A partir do estudo do caso da fronteira sul do México, propõe-se que a metodologia
aplicada pelos países de recebimento ou de trânsito de grande volume de migrantes é de tal
forma concebida que visa não somente controlar o movimento das pessoas e impedir a entrada
em seu território, mas também classificar, categorizar, distribuir os migrantes, mais
especificamente certos grupos de migrantes (veja por exemplo o aspecto discriminatório de tal
distribuição, denominado “Departheid” por Kalir, 2019), em determinados espaços geográficos.
Esta distribuição funciona também para alojar os indíviduos em diferentes espaços políticos. Tal
aparato de controle intenso, ou de disciplina, funciona em grande escala ao implementar postos
fronteiriços, corredores de passagem, áreas limite de circulação e até mesmo ao “fazer vista
grossa” em certos pontos de passagem ou para indíviduos de certas nacionalidades, possibilitando
o movimento de entrada, permanência, ou saída também “por omissão” do controle estatal
(KALIR; SCHENDEL, 2018). O aparato de controle, contudo, também funciona em pequena escala,
e assume contornos invisíveis na escala nacional ou global ao incorporar a lógica da detenção em
“albergues”, resultando na criação de uma rotina disciplinadora imposta às crianças e
adolescentes migrantes que ali são detidos.
Apresentam-se 3 aspectos pertinentes à discussão, baseados no relato etnográfico obtido
durante a pesquisa de campo realizada. O primeiro aspecto se refere aos locais de detenção das
crianças e dos adolescentes na fronteira sul do México. Apesar do termo “albergue” e da gestão
administrativa dos mesmos pelo sistema governamental de proteção à família, ou seja, fora das
esferas policiais e de controle migratório, mas dentro do âmbito das entidades de assistência
social, narra-se a aproximação dos “albergues” com estabelecimentos prisionais. A observação
etnográfica se concentra em dois “albergues”: um destinado a meninas de até 18 anos e meninos
de até 12 anos; e outro destinado a meninos de 12 a 18 anos. Em ambos observa-se a vigilância, a
utilização dos cadeados, a altura dos muros, as autoridades e sua forma de se relacionar com a
crianças e adolescentes, os horários de alimentação, de banho e de uso dos quartos, as
vestimentas permitidas (roupas, acessórios, cortes de cabelo), e tipo de atividades educacionais
possíveis e fomentadas internamente.
O segundo aspecto pertinente é o perfil das crianças e adolescentes migrantes em
detenção, sua procedência, a descrição do momento em que foram detidas, a situação social em
seus países de origem e as dificuldades encontradas durante o percurso migratório. São
alarmantes as condições de vulnerabilidade encontradas e narradas pelas crianças e adolescentes
migrantes. Por exemplo, no casos das meninas, verificou-se que grande parte das adolescentes
migrantes que se encontravam nos “albergues” tinham sido vítimas de crimes de natureza sexual
e ainda apresentavam marcas do trauma da violência sofrida. Muitas se encontravam grávidas ou
tinham filhos recém-nascidos. Concomitantemente, constata-se a ocorrência da negativa da
detenção de certo grupos de crianças e adolescentes migrantes provenientes de outros países que
não pertencem à América Central, abrindo espaço para a discussão quanto à “conveniência” de se
“albergar” certos grupos de migrantes. O terceiro e último aspecto se refere aos textos e aos
discursos dos textos legais de proteção aplicáveis à criança e ao adolescente migrante, diante do
relato etnográfico e da aplicação prática da legislação pertinente. Com base nas entrevistas
realizadas, relata-se que a detenção migratória de crianças e adolescentes ocorre “de fato”,
porque a legislação migratória a reconhece implicitamente. De acordo com advogados da região
entrevistados, a falta de estrutura do governo federal na localidade fronteiriça para lidar com o
tema, bem como a existência de lacunas legais de regulamentação a nível local fazem com que a
detenção seja “determinada pela prática”. Dessa forma, a detenção de crianças e adolescentes
migrantes, seja em “albergues” ou em outros centros de detenção, parece ser explicada pela
possibilidade de “altos níveis de poder discricionário entre burocratas ‘no nível de rua’, resoluções
237
ad hoc e interpretações instáveis de políticas formais” (MENJÍVAR; KANSTROOM, 2014 apud
KALIR; WISSINK, 2016, tradução nossa).
Propõe-se, portanto, uma discussão sobre a correlação entre a macro e a microesfera de
poder como elemento essencial para a compreensão de um projeto epistemológico de controle
dos migrantes e da sua compreensão como sujeitos políticos, bem como sua circulação em
espaços de soberania (AGAMBEN, 1998). De acordo com Foucault, “a disciplina não é
simplesmente uma arte de distribuir corpos, de extrair-lhes tempo e de acumulá-lo, mas de
compor forças para obter um aparato eficaz” (2009, p. 191, tradução nossa)7. Impõe-se uma
leitura da dinâmica e da colaboração entre esses dois níveis de poder e de aplicação das normas,
que envolve projetos e imaginários locais, regionais e federais de legitimização e de resistência às
violações de direitos humanos. De acordo com os dados colhidos na pesquisa de campo,
combinados com a revisão da literatura pertinente, é aparente que a prática da detenção
migratória de crianças e adolescentes migrantes se comunica com um projeto mais amplo de
retirada de direitos da população migrante em geral, um projeto epistemológico de disciplina das
migrações e dos migrantes como lógica de biopoder.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A dinâmica de funcionamento do sistema migratório mexicano na fronteira sul do México
separa, classifica e categoriza crianças e adolescentes migrantes para a detenção, direcionando-a
por um critério de conveniência que objetiva primordialmente a detenção de crianças e
adolescentes Centro-Americanos. A detenção é praticada não somente em edíficios
(excepcionalmente, no caso de crianças e adolescentes) desenhados para a detenção migratória,
mas também em “albergues” de cunho assistencial e inicialmente criados para a proteção da
criança, do adolescente, e da família. Ao fazê-lo, o Estado cria uma forma de detenção “extra-
legal” e termina por diferenciar na prática não só “crianças e adolescentes” de “crianças e
adolescentes migrantes”, mas também crianças e adolescentes migrantes de diferentes
nacionalidades. Por isso, a detenção migratória é um catalista que decide quem fica ou não no
território, mas também, em qual território jurídico de soberania pertencerá cada criança e
adolescente migrante. O fato de que a maioria das detenções ocorre na fronteira sul do México,
onde se reporta uma menor infra-estrutura do governo federal, corrobora para a “economia de
direitos suspensos” (MENDES, 2006, p. 171) mencionada por Foucault como manifestação da
punição através do poder disciplinar.
O desafio em se alcançar a efetividade dos direitos da criança e do adolescente como
sujeitos plenos de direito é um tópico amplamente discutido e complexo na literatura jurídica, sendo
reconhecido o fato de que boa parte das legislações nacionais ainda adotam uma perspectiva
“adultocêntrica”, ou ainda que não o façam (como é o caso da recente legislação mexicana dos
direitos da crianças e do adolescente, Ley General de los Derechos de las Niñas, Niños y
Adolescentes de 2014) ainda não se produziram as mudanças necessárias nas demais legislações,
nas políticas públicas e nas práticas dos serviços públicos. Nesse espaço em aberto, a
vulnerabilidade e a proteção legal podem ser aproveitadas por outros projetos políticos, como o de
materializar uma política migratória restritiva de direitos. A partir da análise do modus operandi da
detenção migratória de crianças e adolescentes migrantes na fronteira sul do México, torna-se
possível o reconhecimento baseado em Foucault da figura do “indisciplinado”, do “anormal”, que se
associada à juventude migrante que “toma espaços”, “trabalhos”, “invade”; e por meio da atitude
de migrar, resiste à lógica neoliberal de produção de desigualdades que os “expulsa” de maneira
massiva e brutal (SASSEN, 2014). Daí a necessidade de tornar o corpo “dócil’, enquadrá-lo e
discipliná-lo. E por meio de tal “docilização”, e da conveniência da imobilidade violenta que provoca,
espalhar a cultura do medo e disciplinar a migração como um todo.
238
REFERÊNCIAS
AGAMBEN, G. Homo Sacer: Sovereign power and bare life. Stanford: Stanford University Press, 1998.
APPADURAI, A. Fear of Small Numbers: An Essay on the Geography of Anger. Durham and London:
Duke University Press, 2006.
BRYMAN, A. Social Research Methods. 4th ed. Oxford: Oxford University Press, 2012.
CASTAÑEDA, A. Reporte: Programa Frontera Sur o la Política de Persecución de Migrantes en
México. Colegio de la Frontera Norte: Observatorio de Legislación y Política Migratoria, 2015.
COUTIN, S. B. Being en route. American Anthropologist, v. 107, n. 2, p. 195-206, 2005.
FOUCAULT, M. Vigilar y Castigar: nacimiento de la prisión. 2. ed. Siglo Veintiuno Editores, 2009.
HUMAN RIGHTS WATCH. Closed Doors: Mexico's Failure to Protect Central American Refugee and
Migrant Children. Human Rights Watch, 2016.
KALIR, B. Departheid: The Draconian Governance of Illegalized Migrants in Western States.
Conflict and Society: Advances in Research, v. 5, p. 1-22, 2019.
KALIR, B.; SCHENDEL, W. V. Nonrecording states between legibility and looking away. Focaal, v. 77,
p. 1-7, 2018.
KALIR, B.; WISSINK, L. The deportation continuum: convergences between state agents and NGO
workers in the Dutch deportation field. Citizenship Studies, v. 20, p. 34-49, 2016.
KNIGHT, K. T. Placeless places: resolving the paradox of Foucault's heterotopia. Textual Practice, v.
31, n. 1, p. 141-158, 2017.
MENDES, C. L. O corpo em Foucault: superfície de disciplinamento e governo. Revista de Ciências
Humanas, v. 39, p. 167-181, 2006.
MENJÍVAR, C.; KANSTROOM, D. Constructing Immigrant 'Illegality': Critiques, Experiences, and
Responses. New York: Cambridge University, 2014.
Notas:
1
Texto original em espanhol: “Es dócil un cuerpo que puede ser sometido, que puede ser utilizado, que puede ser
transformado perfeccionado.”
2
Veja por exemplo a recente notícia da criação de postos da Guarda Nacional publicada pelo Jornal Aristegui Notícias,
disponível em (espanhol): https://aristeguinoticias.com/1306/multimedia/militarizacion-de-la-frontera-sur-con-la-
guardianacional-criminaliza-a-los-migrantes-academica-enterate/.
3
Disponível na página dedicada a dados estatísticos relacionados à migração no México, em:
http://www.politicamigratoria.gob.mx/work/models/SEGOB/CEM/PDF/Estadisticas/Sintesis_Graficas/Sintesis_2018.pdf.
4
Vale ressaltar que tais dados sobre a quantidade de crianças a adolescentes detidos são questionáveis, tendo em vista que
somente são considerados detidos aqueles que ingressam nas instituições do Instituto Nacional de Migração (INAMI), órgão
responsável pela realização do controle migratório no México. Estima-se portanto, que os número são muito maiores, já que
organismos não governamentais relatam detenções ocorridas em postos policiais, por exemplo, cotidianamente.
5
Vide artigos 112, I, da Ley de Migração Mexicana, em contraste com o mais recente regulamento da Ley General De
Los Derechos De Niñas, Niños Adolescentes, DOF 02/02/2015, “Artículo 111. En ningún momento las niñas, niños o
adolescentes migrantes, independientemente de que viajen o no en compañía de una persona adulta, serán privados
de la libertad en estaciones migratorias o en cualquier otro centro de detención migratoria.”
6
Veja o comunicado do coletivo de ONGs Voces Mesoamericas a respeito, disponível em: http://vocesmeso
americanas.org/wp-content/uploads/2019/05/MODH-La-frontera-sur-es-una-tortura-silenciosa-31-052019.pdf.
7
Texto original em espanhol: “La disciplina no es a simplemente un arte de distribuir cuerpos, de extraerles tiempo
de acumularlo, sino de componer fuerzas para obtener un aparato eficaz.”
239
Coordenação:
Germano Schwartz (UNIRITTER)
Martorelli Dantas (UNIFG-PE)
DIREITO & ROCK: DO JUNHO DE 2013 ÀS ELEIÇÕES DE 2018 NO BRASIL
Germano Schwartz
UNIRITTER
Em 1998, durante uma encruzilhada na carreira multiplatinada do Iron Maiden, na época em que o
contestado Blaze Bayley substituía o vocalista Bruce Dickinson como frontmanda banda ícone
do New Wave of British Heavy Metal, o grupo lançou o subestimado disco Virtual XI. Como o
próprio nome diz, o álbum fala de um mundo em que a virtualidade se sobrepõe aos contatos
reais.
Uma das músicas da obra em referência é aquela que consta do título deste ensaio: When
Two Worlds Collide. Em síntese, no seu refrão, a donzela de ferro canta que quando dois mundos
diversos colidem, sobram somente a raiva e a dor. O problema é que os sobreviventes não
possuem lugar para se esconder, pois aquilo que resta é seu único mundo. Monocromático.
De outro lado, Jim Morrison, frontmando The Doors, escreveu a letra da música que
também intitula este artigo. Ela é a faixa que abre o primeiro disco (The Doors) da banda
californiana. Uma gravação de alta influência até os dias de hoje. O ano era o de 1967.
Contracultura, subversão, puritanismo, entre outros, faziam parte de uma sociedade que se
encontrava em uma encruzilhada. Era a hora ou de manter o status quoou de rompê-lo e avançar
com as mudanças sociais. Em qual direção? Para o outro lado. Break on through to the other side!
O Direito encontra-se nesse exato dilema. Romper e inovar, aceitando novas possibilidades
para sua observação, ou deixar colidir dois mundos (Direito e Sociedade), fazendo com que juristas
não tenham mais onde se abrigar, exceto naquilo que lhes resta: seu feudo composto de normas
jurídicas.
Longe do desencanto apocalíptico pré-século XXI do Iron Maiden, o presente ensaio quer
se juntar à visão de Jim Morrison. Se é sabido que o dia destrói a noite e que a noite divide o dia,
nada mais elementar que evitar a colisão dos mundos, tentando correr para o outro lado.
Nesse sentido, parte-se de um ponto de vista gnosiológico: Direito e sociedade são
interligados (LUHMANN, 2007, p. 350). De uma maneira, será mais bem explicado adiante como a
arte (tal qual o rock) faz parte da sociedade. Por conseguinte, o Direito recebe, também do rock,
influências (SCHWARTZ, 2014). Como o rock será juridicizado, depende, apenas, da autonomia de
cada subsistema da sociedade (Direito e Arte, no caso).
Resta claro, portanto, que a base teórica da análise em comento se dá por meio da teoria
dos sistemas sociais autopoiéticos aplicada ao Direito (TSAD) (ROCHA; SCHWARTZ; CLAM, 2013).
Em grandes linhas, existe um sistema social global que se baseia em comunicações (SCHWARTZ,
241
2014). Subsistemas sociais são gerados por meio de sua autorreprodução, sua auto-organização e
sua autorreferência – ciclo autopoiético estabelecido por Teubner (1989). São sistemas
cognitivamente abertos e operativamente fechados (RABAULT, 2012, p. 65). Diferenciam-se
funcionalmente uns dos outros, tornando-se ambiente um do outro (AGUIRRE, 2012, p. 87-126).
Advém dessa correção sistema verso ambiente, o elemento que possibilita a conexão entre Direito
& Rock.
Tendo esses pressupostos em mente, o artigo pretende responder às seguintes perguntas:
(1) Mas que lado é esse de que fala Jim Morrison?
(2) O que, afinal de contas, o Direito tem a ver com o rock?
(3) Por que a opção pelo rock e não por outro estilo musical para se estabelecerem as conexões –
todas elas, adiante-se, procurando relacionar o Direito com a sociedade - aqui pretendidas
REFERÊNCIAS
AGUIRRE, José Antonio Ibañez. Para Leer a Luhmann. México: Universidad Iberoamericana,
2012, p. 87-126
LUHMANN, Niklas. La Sociedad de La Sociedad. México: Herder, 2007.
RABAULT, Hugues. Un Monde Sans Réalité? En compagnie de Niklas Luhmann: épistémologie,
politique et droit. Laval: Les Presses de l’Université Laval: 2012.
ROCHA, L.; SCHWARTZ, G.; CLAM, J. Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do Direito. 2.
ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
SCHWARTZ, Germano. Direito & Rock. O Brock e as Expectativas Normativas da Constituição de
1988 e o Junho de 2013. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014.
SCHWARTZ, Germano. As Teses Radicais de Luhmann. RECHTD, São Leopoldo, v.6, n.1, 2014.
TEUBNER, Gunther. O Direito como Sistema Autopoiético. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989.
A canção Blackbird foi escrita por Paul McCartney, no ano de 1968, e é uma das mais
icônicas músicas dos Beatles. Na letra, o eu lírico fala a um pássaro negro de asas quebradas e o
incentiva a aprender voar, mesmo que seu canto só seja ouvido na calada da noite e mesmo que
esteja quebrado, aquele é o seu momento. O compositor afirmou que, ao escrever a música,
imaginou não um pássaro negro, mas uma mulher negra, até porque o termo blackbird foi, por
muito tempo, utilizado de forma pejorativa como referência às pessoas negras. Além disso, a
242
música foi gravada dois meses após a morte de Martin Luther King Jr, ativista estadunidense e um
dos principais líderes na luta pelos direitos civis dos negros de seu país.
No mesmo ano, 1968, Maya Angelou, pseudônimo de Marguerite Ann Johnson, também
ativista na luta pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos da América e amiga íntima de
Martin Luther King Jr, escrevia seu primeiro livro, “Eu sei por que o pássaro canta na gaiola”. Neste
livro, uma autobiografia, Maya relata sua relação, na infância e na adolescência, com o racismo, o
abuso e sua libertação, primeiro, por meio da literatura, depois, pela dança e pela música. No livro,
Maya relata a hostilidade, a violência e a desigualdade com as quais precisa lutar desde criança.
Na década de 1960, os movimentos de luta pelos direitos humanos ganhavam cada vez
mais força e, nos Estados Unidos da América, destaca-se a luta pelos direitos civis da população
negra daquele país marcado pela forte segregação racial. Em razão da importância daquela luta e
da força que aquelas pessoas precisavam ter, Paul McCartney decidiu homenageá-las com uma
canção, enquanto Maya Angelou decidiu escancarar para o mundo a luta de uma mulher negra em
uma sociedade que violava diariamente seus direitos. A voz, para ambos, tem um importante
papel, o de atravessar grades.
Neste sentido, por meio de uma análise bibliográfica, buscaremos elucidar o importante
papel da arte, tanto na música como na literatura, para dar voz às lutas pelo reconhecimento de
direitos. Portanto, o objetivo deste trabalho é averiguar a relação do direito com a arte como
forma de reverberar as vozes de minorias cujos direitos são violados, como forma de expor a
necessidade constante de afirmação de direitos humanos, especificamente na luta pelos direitos
civis da população negra. Assim, os primeiros resultados demonstram que a arte tem o poder de
aclarar a existência de direitos e a luta por eles através de uma linguagem acessível, bem como
pode tornar-se um símbolo de lutas, o que aumenta sua visibilidade.
PROBLEMA INVESTIGADO
A pesquisa busca explorar as possíveis correlações entre as estratégias de ruptura artística
presentes no movimento Tropicalista - movimento musical de vanguarda brasileiro, ocorrido no
final dos anos 60 - e as estratégias de revisão da Teoria do Direito presentes no movimento Direito
Achado na Rua, aqui considerado como um movimento vanguardista no direito 1.
OBJETIVO
Analisar as principais características do movimento Tropicalista (BASUALDO, 2007;
CALADO, 1997; FAVARETTO, 1996; VELOSO, 1999), principalmente no que tange aos aspectos que
o fazem um movimento de vanguarda na música, buscar conexões com o movimento Direito
Achado na Rua (CARVARLHO NETTO, 2007; LYRA FILHO, 2005).
MÉTODO DE ANÁLISE
Busca-se no projeto compreender o “Direito Achado na Rua” como um movimento de
vanguarda para a teoria do direito. Esta aproximação, de imediato, abre a possibilidade de se
243
utilizar as teorias literárias e sociológicas que tratam dos movimentos de vanguarda nas artes em
geral. Esta abordagem pode auxiliar na análise das interações entre as dinâmicas socioculturais e
as propostas de renovação que eventualmente surgem na Teoria do Direito.
Uma possível rota é a utilização da Teoria da Vanguarda de Peter Bürger (2017) e seus
críticos, principalmente em seu diagnóstico de que os movimentos de Vanguarda buscaram
superar visão de arte descolada das práxis sociais em direção a uma arte que se incorpora na vida
das pessoas e protesta contra uma ordem vigente.
Além disso, a interpretação do “Direito Achado na Rua” em sua aproximação com o
movimento Tropicalista estimula novas percepções e insights que não seriam possíveis através de
uma análise a partir da comparação com outras teorias do direito.
CONCLUSÕES INICIAIS
Inicialmente, conseguimos identificar algumas características do movimento Tropicalista
que se atualizam no movimento “Direito achado na rua”:
(1) Se propõem a ser um movimento de vanguarda. Há uma evidente intenção de ruptura com
uma determinada tradição anterior. O movimento Tropicalista, nas palavras de Caetano Veloso
pretendia criar “algo diferente de tudo” (VELOSO, 1999). O “Direito achado na rua”, em definições
recentes, mantêm o mesmo espírito de ruptura inicial ao pretender “transformação no modelo de
organização estatal moderno de modo a decolonizá-lo e despatriarcalizá-lo, abrindo-o para o
reconhecimento de suas mobilizações jurídicas emancipatórias” (SOUZA JÚNIOR; FONSECA, 2017).
(2) Reforçam o caráter de ruptura a partir de uma opção estética pelo “chocante” e “pouco
refinado” ao olhar do establishment, ao mesmo em que remetem a algo de base popular. A opção
pelo nome “O Direito Achado na Rua”, ainda no final dos anos 80, e principalmente a sua
manutenção, apesar das críticas e incompreensões que provoca, é exemplar dessa opção estética
consciente. Uma mesma opção se revela no Tropicalismo. Relata Caetano Veloso (1999) que o
Tropicalismo foi influenciado pelo Cinema Novo, e havia uma intenção de assumir e valorizar
padrões que, em um primeiro olhar, poderiam ser rotulados como “feios”, “mal acabados” ou “de
mal gosto”, mas que representava um Brasil real e potente criativamente.
(3) Buscam se afastar do padrão estabelecido sem recorrer às concepções idealizadas. Baseando-
se em Roberto L ra Filho, “O Direito Achado na Rua” pretendia desde seu início oferecer uma
teoria que se afastasse da oposição entre “positivismo/legalismo” e jusnaturalismo, não se
identificando com a defesa dos padrões de direito estabelecidos, nem com uma crítica fundada
em concepções idealizadas de direito. Do mesmo modo, o Tropicalismo buscou se afastar do
establishment musical sem descambar em uma visão idealizada do que seria a música popular
brasileira em seu estado puro, na época defendida pelos Centros Populares de Cultura da UNE.
Para os tropicalistas, as propostas puristas dos CPCs, mesmo possuindo um caráter crítico ao
estabelecido, paralisavam qualquer processo de evolução estética da música brasileira.
(4) Por fim, os movimento mantêm um forte compromisso como a liberdade, entendida como um
valor essencial para a produção da música e do direito.
REFERÊNCIAS
BASUALDO, Carlos (org.). Tropicália – uma revolução na cultura brasileira. São Paulo: Cosac Naify.
2007.
BURGER, Peter. Teoria da Vanguarda. São Paulo: UBU Editora, 2017.
CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: Ed. 34, 1997.
244
CARVALHO NETTO, Menelick de. A Contribuição do Direito Achado na Rua para um
Constitucionalismo Democrático. Observatório da Constituição e da Democracia, C & D. Brasília:
Faculdade de Direito da UnB/Sindjus, n. 14, 2007.
FAVARETTO, Celso. Tropicália: alegoria, alegria. São Paulo: Ateliê Editorial, 1996.
LYRA FILHO, Roberto. O que é direito? São Paulo: Brasiliense, 2005 (coleção primeiros passos, 62).
SOUSA JUNIOR, José Geraldo de (coord). O Direito Achado na Rua: Concepção e Prática. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2015.
SOUZA JUNIOR, José Geraldo de; FONSECA, Lívia Gimenes Dias da. O constitucionalismo achado na rua
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VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
Notas:
1
Essa estratégia de aproximação entre movimentos artísticos e teorias sobre o direito foi inspirada em um artigo de
David Luban denominado “Legal Modernism”, no qual o autor buscar pontos de conexão entre o Critical Legal Studies
e o movimento artístico modernista.
PROBLEMA INVESTIGADO
O ano de 1997 foi um ano de mudança de paradigmas da música brasileira do gueto, o
gueto ou a periferia deixou de ser um lugar apenas de miséria, crime e violência, passando a
exercer certa preponderância nos movimentos culturais brasileiros. Isso só foi possível depois do
lançamento e do sucesso da obra-prima “Sobrevivendo no inferno” do grupo de Racionais MC’s,
que foi aclamada tanto nacionalmente como internacionalmente. A referida obra mudou a visão
da periferia que era recorrente até então, tanto pela população externa, quanto do próprio
morador da comunidade periférica, pois trouxe perspectivas de como o morador da favela é
levado a crer ser um ser menos importante que o resto dos seres, além de além de tentar
ressuscitar o termo “comunidade”, que se mostra de vital importância para a libertação da
população periférica.
Partindo de tais premissas, a pesquisa trará uma investigação explicativa de quais temas
relacionados à Sociologia e ao Direito são abordados pelo álbum. Dentre os principais temas estão
o racismo e a emancipação do povo negro e da periferia, que é encontrado em autores como
Frantz Fanon. Além de outros temas relevantes e atuais como a “Necropolítica”, conceituada pelo
camaronês Achille Mbembe. Tal temática, assim, se mostra de extrema relevância e atualidade,
devido ao momento que vivemos no Brasil e mundialmente.
OBJETIVOS
O presente projeto de pesquisa tem o intuito de analisar temáticas pertinentes trazidas no
disco do grupo de Rap Racionais mc’s, intitulado “Sobrevivendo no inferno”.
245
MÉTODOS DE ANÁLISE
Para obter os resultados e respostas acerca da problematização apresentada neste
resumo, será feita a análise literária sobre o contexto histórico que o disco é apresentado e as
letras de cada música do disco, através da pesquisa explicativa.
O estudo deste trabalho será fundamentado em ideias e pressupostos de teóricos que
apresentam significativa importância na definição e construção dos conceitos discutidos nesta
análise: racismo, machismo, biopolítica, necropolítica, encarceramento em massa, dentre outros
assuntos relevantes. Para tal, tais objetos serão estudados em fontes secundárias como trabalhos
acadêmicos, artigos, livros e afins, que forem selecionados.
Assim sendo, o trabalho transcorrerá a partir do método conceitual-analítico, visto que
utilizaremos conceitos e ideias de outros autores, semelhantes com os nossos objetivos, para a
construção de uma análise científica sobre o nosso objeto de estudo.
O método de pesquisa escolhido favorece uma liberdade na análise de se mover por
diversos caminhos do conhecimento, possibilitando assumir várias posições no decorrer do
percurso, não obrigando atribuir uma resposta única e universal a respeito do objeto.
CONCLUSÕES
O presente trabalho que está em andamento possui algumas conclusões preliminares,
como já dito na apresentação do problema de pesquisa. Primeiramente, deve-se notar a
relevância e a atualidade da temática trazida pelas letras das músicas, pois exibes retratos
inteiramente similares aos que acompanhamos atualmente pelas periferias brasileiras.
Além disso, é de notável semelhança à obra de Frantz Fanon, que escreve diretamente
para a população colonizada, com o que é descrito na obra dos Racionais, que escrevem
diretamente para seu público, ou seja, a população periférica, que, segundo as músicas é
composta por pessoas que sobrevivem no “inferno”.
O trabalho ainda irá além e apresentará várias conclusões, mas todas seguindo a mesma
linha de raciocínio pós-colonial e com a mesma importância e atualidade.
PROBLEMA
Edgard Morin afirma que, no século XX, fomos compelidos a assumir os limites do
conhecimento, sem idealizações, já que a maior certeza percebida é a indestrutibilidade das
incertezas. Neste sentido, o autor destaca a necessidade de fazermos a convergência de diversos
ensinamentos, mobilizarmos diversas ciências e disciplinas para enfrentarmos as incertezas, revendo
os axiomas da lógica clássica, bem como a racionalidade científica tradicional. As incertezas
cognitivas estão referidas a três elementos básicos. Há um elemento cerebral, na medida em que
percebemos que o conhecimento não apenas traduz, mas constrói o real, existindo sempre a chance
de erro. Há um elemento físico, que de certa forma se liga ao primeiro. O conhecimento dos fatos
depende, de forma permanente, da interpretação. Por fim, ele menciona a incerteza mais filosófica
246
de todas, que diz respeito à crise dos fundamentos da certeza na Filosofia e nas ciências. Segundo o
autor, não há como submeter a História a um determinismo econômico-social ou levá-la a obedecer
a um progresso. Ele destaca que o papel da educação não seria apenas o de transmitir informações
e conhecimentos sempre mais numerosos aos alunos, mas viabilizar a transformação existencial do
conhecimento adquirido em sapiência, que deve ser incorporado por toda a vida. Neste sentido,
cabe às teorias críticas do direito enfrentar estas incertezas que afetam várias questões pertinentes
com a ajuda da cultura de humanidades, que inclui as artes em sentido mais amplo. Escolhemos
uma narrativa musical para enfrentar as incertezas que cercam o tema da violência relacionado ao
direito. Escolhemos a musica O MEU GURI lançada em 1981, no álbum ALMANAQUE, de autoria de
Chico Buarque de Hollanda.
OBJETIVOS
As terias dogmáticas fazem um corte narrativo artificial na realidade social, que sabemos
não ser real, como estratégia prática para decidir conflitos. Todavia, elas necessitam do apoio de
estudos zetéticos para se perpetuar como elementos de controle social. Em situações de crise de
legitimidade, elas necessitam de um complemento óptico mais abrangente que ajude o direito a
perceber o enfraquecimento da autoridade jurídica. Um dos temas teóricos mais complexos da
realidade brasileira envolve a possibilidade de distinguirmos o sentido razoável e não razoável da
violência, que vai muito além da simples definição do texto legal. Partimos do pressuposto de que,
no campo investigativo zetético-jurídico, seria possível ampliar esta incerteza cognitiva a partir de
uma análise da música O MEU GURI, integrada a estudos teóricos do sentido jurídico da violência.
A obra musical apresenta uma leitura sensível da consciência subjetiva da mãe de um jovem
envolvido com a violência, ressaltando, uma leitura indicativa da existência de uma crise de
autoridade jurídica, que enfraquece a dicotomia licito/ilícito.
METODOLOGIA
A proposta é nos valermos de uma metodologia interdisciplinar que integre, de forma
articulada e não apenas justaposta, teorias e a música escolhida. A análise da narrativa musical,
que destaca a importância cognitiva do contato com a cultura de humanidades está numa
ampliação de nossa vida subjetiva, que permanece até certo ponto inacessível em nossa vida
concreta. O universo da arte musical faz-nos compreender o que não compreendemos na vida
comum, onde percebemos os outros de forma exterior, ao passo que, na linguagem artística, eles
surgem com todas as dimensões, subjetivas e objetivas. O papel da educação seria o de figurar
como escolas de compreensão humana, capazes de potencializar o nosso humanismo. Podemos
compreender que não podemos reduzir um ser a uma parcela de si mesmo, como geralmente
fazemos no quotidiano, onde somos quase indiferentes às misérias físicas e morais. A música O
MEU GURI expressa, com muita astúcia e sensibilidade, o ponto de vista sobre a violência daquele
narrador excluído do regramento normativo oficial.
CONCLUSÕES
Partindo desta aproximação interdisciplinar, percebemos como a leitura artística de Chico
Buarque faz uma interpretação inteligente, e bastante afinada, do problema da violência, com
autores que problematizam o sentido jurídico da violência como sendo algo restrito a literalidade
do texto normativo. O MEU GURI retrata como a exclusão social das comunidades, marcadas pelo
governo de informalidades normativas e ausência do Estado, exige que façamos uma leitura
normativa mais alargada do que o simples texto legal, que envolve elementos sociais interativos e
valorativos. A música parece colocar em xeque a possiblidade de definirmos o sentido
razoável/jurídico da violência em situações de crise de legitimidade jurídico-política.
Palavras-chave: Música. Violência. Legitimidade.
247
DIREITO E MÚSICA: UMA ABORDAGEM POSSÍVEL PARA A INVESTIGAÇÃO DA
CULTURA JURÍDICA DOS ANOS 1930/30 NO BRASIL
Parte importante da cultura jurídica dos anos 1930 e 1940 no Brasil a ser dimensionada se
liga, em grau de importância, ao surgimento de um sistema normativo trabalhista próprio,
processo do qual a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é síntese e termo. O trabalho adquire,
em comparação com outras áreas jurídicas, um aspecto cotidiano interessante, no sentido de
possibilitar mais facilmente que o discurso da sociedade permeie o discurso dos centros
produtores do direito.
Esta comunicação toma como pressuposto que o processo histórico que redundou em
novas leis trabalhistas foi continuamente comentado pela sociedade. Em particular, um dos
âmbitos em que esse diálogo se operou, com grande acuidade, foi o da canção popular, e, mais
restritivamente ainda, no âmbito do samba carioca. Com efeito, vários compositores da virada dos
anos 1930 e 1940 travaram entre si, na reunião mais ampla de repertório, uma espécie de
contenda a respeito do que significava "o trabalho” – dissenso esse que se revela na noção, por
eles cantada, de malandragem. Essa pluralidade de olhares reproduzia algo de mais geral em
torno da indefinição pelo conceito laboral, instabilidade que a construção da CLT procurou dirimir,
com a previsão de normas especificadas para tanto. Revela, ainda, uma passagem de tempos, em
que a visão do trabalho regulamentado buscava se sobrepor, monologicamente, a outras (a
contrapelo, no entanto, do que diziam as canções).
Os compositores estudados foram três: Ismael Silva, Noel Rosa e Wilson Batista. Juntos,
cobrem mais de uma década de música popular, em picos de produção distintos: Ismael Silva
concentrou suas gravações no começo dos anos 1930; Noel Rosa, no primeiro quinquênio desta
década; e Wilson, dali em diante. Confrontandoos, num repertório de pesquisa, temos como
fatores de interesse: (i) um conjunto polifônico de visões acerca do tema laboral, um continuum
que passa entre malandragem, crime e a pura inação ao ir trabalhar; (ii) conflitos e ambiguidades
entre essas visões, muitas vezes travados em diálogos respondentes entre compositores, outras
vezes constatados no âmbito interno da obra de um único compositor; (iii) e, talvez o que mais
seja interessante, um uso, criativo, de termos e institutos já propriamente trabalhistas como
material composicional disponível à criação estética. Nota-se, ademais, e é importante mencionar,
um número significativo de casos em que o tema do trabalho é decisivo para o próprio desfecho
narrativo da canção.
Do repertório resultante quanto aos três compositores, ao ser operada a sua escuta e
análise, verifica-se a presença de citações nominais a demissões, sindicatos, greves, horas extras
etc. O objetivo da pesquisa foi, portanto, o de mapear todas essas recorrências, constatando o
tipo de uso em que foram feitas, já que muitas vezes aparecem com o uso de recursos de ironia ou
outros deslocamentos frente ao significado “original” – determinado pelas instâncias de produção
do direito stricto sensu. Procurou-se esmiuçar também como, ao longo das datas de gravações, o
perfil dessas citações difere umas das outras – reflexão que, enfim, pôde ser interligada aos ritmos
de transformações sociais e políticas que o trabalho sofria.
A produção de canções, assim, e esta é uma das conclusões parciais, pode ser vista como
uma seara de reflexão das transformações da ordem jurídica. Como receptores da norma, em
alguma medida, compositor e público são afetados pelas mudanças de modo particular, e é
248
interessante procurar delimitar como essa recepção ocorre. Além disso, a conclusão mais ousada
que a pesquisa busca delinear, inflexiva, é que o que a sociedade produz também seria capaz de
afetar a efetividade das ações ligadas à transformação jurídica. Neste período, há intensa troca de
influências entre sambistas e autoridades constituídas, e, ademais, o samba se tratava de um
gênero musical com amplo grau de aceitação social, verificada em diversas esferas de circulação
da música (carnaval, rádio, discos etc.). Logo, também esse papel está por ser mais bem
detalhado, de modo a balizar uma relação profícua entre direito e arte, direito e música. Se a
relação existe, é porque persiste uma cultura jurídica dos anos 1930/1940 da qual tanto o direito
(em sentido estrito) quanto a arte participam.
249
A DECOLONIALIDADE DOS MOVIMENTOS MANGUEBEAT E ARMORIAL: UMA
ANÁLISE COMPARATIVA DA ARTE NA TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS
AUTOPOIÉTICOS APLICADOS AO DIREITO
A questão problema do presente estudo é: Houve, na música “Comida” dos Titãs, uma
reivindicação do direito ao lazer para que seja concretizada uma vida plena que traspassa a mera
sobrevivência e, nesse caso, qual a importância do direito ao lazer para o ser humano atingir a vida
250
digna? Com esta indagação em mente, a pesquisa fundou-se em dois objetivos gerais: o de analisar
a importância do direito ao lazer para o ser humano e o de analisar a reivindicação do direito ao
lazer através da música “Comida” dos Titãs. Elencam-se ainda os seguintes objetivos específicos:
compreender a relação entre o direito e a música; buscar se há uma caracterização do rock como
instrumento de protesto; compreender o que é lazer e sua a importância enquanto direito
fundamental para a realização da vida digna e analisar a letra da música “Comida” através de uma
crítica social de reivindicação de melhor condição de vida como base no direito ao lazer. A presente
pesquisa dividiu-se em três tópicos para tratar adequadamente seus temas. O primeiro buscou
compreender a relação entre direito e arte, especificamente, direito e música – e o gênero rock –,
para entender como esses dois sistemas sociais interagem entre si; ainda nesse tópico houve uma
breve análise do caráter revolucionário e reivindicativo do rock, em especial, do BRock. O segundo
buscou compreender o conceito de lazer e tratou do direito ao lazer como um direito fundamental,
ou seja, como um direito essencial para a vida digna e plena. No último tópico, analisou-se a música
“Comida” como um reclamo social que reivindica melhores condições de vida, a qual pode ser
entendida como crítica a visão quase animalesca de que o homem precisa apenas de suas
necessidades básicas atendidas para viver, ou melhor, sobreviver. Desta forma, conclui-se que de
fato o lazer é parte fundamental da vida humana, ele garante o desenvolvimento crítico e a
diversão; ainda traz a sensação de felicidade e completude que é própria do significado de uma vida
digna. O direito ao lazer é, nesse sentido, definitivamente um direito fundamental e é um
pressuposto do princípio da dignidade da pessoa humana que guia o ordenamento jurídico
brasileiro. Sua importância se reflete, naturalmente, em direitos correlatos a ele: como no direito à
saúde, à educação, às férias, ao descanso, ao desporto, dentre outros. Compreendeu-se, também,
através do estudo que a música Comida, seja propositalmente ou não, transmite a importância do
alimento da alma para a vida plena como é o alimento físico para a sobrevivência. Pode-se entender,
então, que na música estudada não há só a exigência dos direitos que garante a satisfação das
necessidades básicas, como há certamente o clamor pelos direitos que satisfazem os anseios da
alma, mais fortemente expressados na figura do direito ao lazer. Em suma, conclui-se que o direito
ao lazer é necessário para que haja a melhor condição de vida para o indivíduo protestada na música
em tela. A metodologia utilizada na presente pesquisa teve o fim exploratório para compreender a
relação entre a música e o direito e o que é o direito ao lazer e sua importância para o ser humano.
A abordagem foi dedutiva, ao utilizar-se de um panorama geral para entender o tema abordado. O
método de abordagem quanto aos objetivos será qualitativo, pois se busca um conhecimento
valorativo que não será expresso em números e nem de forma exata. Por fim, houve o
levantamento bibliográfico acerca do direito ao lazer, de direito e música e do histórico do rock
como ferramenta de protesto. Na pesquisa documental foram utilizadas fontes primárias como
normas jurídicas brasileiras, especialmente, a Constituição Federal e a CLT, bem como livros e
artigos de revistas voltados para o assunto de direito e arte, direito ao lazer, o lazer e o rock.
Salo de Carvalho
UFRJ/UNILASALLE
251
que embalaram o ativismo contracultural e a luta pelos direitos civis e pelas liberdades individuais
na segunda metade do século passado. Os movimentos beatnik (década de 50), hippie (década de
60) e punk (década de 70), e suas respectivas representações estéticas e sonoras (jazz, rock e
punk, respectivamente), identificados como símbolos da contracultura ocidental, são abordados
em uma dupla dimensão que permite a aproximação com temas próprios da criminologia crítica:
(primeira) os movimentos contraculturais como objeto de investigação e (segundo) o ativismo
político e a estética contracultural como recurso analítico e metodológico. As trajetórias política e
sonora dos movimentos beatnik, hippie e punk, em confronto com as categorias da criminologia
crítica, fornecem recursos para (primeiro) explorar as tensões entre ordem e desordem,
conformismo e desvio, sujeição e resistência na história recente da cultura ocidental; e (segundo)
confrontar o atual estado da política, das artes e das ciências, notadamente das ciências criminais,
em geral, e da criminologia, em particular. O ponto de partida da reflexão é o estudo de Howard
Becker, Outsiders, de 1963. A investigação se constitui como referência primeira não apenas pelo
fato de representar, no plano teórico, a grande viragem criminológica (criminological turn), com a
superação do paradigma etiológico pelo rotulacionismo, condição necessária para a crítica
criminológica, mas, no plano metodológico, por realizar inovadora exploração etnográfica do
ambiente underground dos músicos de jazz de Chicago, nos anos 50. Neste entrelaçamento
conceitual entre ciência e arte contraculturais, a definição da cena jazzística como desviante
permite, na atualidade, analisar a posição da crítica criminológica (contracultura) frente à
criminologia ortodoxa e o papel do criminólogo ativista, posições sempre tensionadas no labirinto
positivista que opõe ciência e política. Os cenários do rock e do punk, sobretudo suas posições de
adesão ou resistência à indústria cultural, permitem sensibilizar a criminologia sobre as formas de
cooptação da crítica pelos discursos de ordem e sobre as estratégias que permitem manter uma
perspectiva pessimista contínua em relação aos poderes punitivos (sistema penal). Ao final, o
ensaio procura atualizar a potência dos movimentos contraculturais no Brasil contemporâne e as
suas representações éticas e estéticas de contraposição às distintas formas de manifestação do
autoritarismo. Os referenciais teóricos e metodológicos do ensaio são fornecidos pela sociologia
do desvio, criminologia crítica e teoria crítica da sociedade.
Palavras-chave: Música Popular. Contracultura. Desvio. Ativismo. Criminologia.
252
Coordenação:
Rogerio Borba da Silva (UVA)
Daniel Braga Lourenço (UNIFG-BA)
REVISITANDO O POVO DO AVENTUREIRO- ILHA GRANDE: UM ESTUDO SOBRE A
PRIMEIRA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
SOLIDARIEDADE INTERESPÉCIES
PROBLEMA INVESTIGADO
Ao se falar do rio Tocantins, é impossível não se recordar da construção da
Usina Hidrelétrica de Tucuruí, na década de 1980, e dos grandes impactos ambientais
ocasionados, além dos aspectos jurídicos, econômicos e sociais, que ela causou em um grande
trecho do rio.
Sabe-se que qualquer obra que causará significativo impacto ambiental, como por
exemplo, postos de gasolina, usinas hidrelétricas, faz-se necessário, preliminarmente, passar por
um processo de Licenciamento Ambiental juntamente aos órgãos competentes.
Durante toda a implementação da Usina Hidrelétrica, nota-se a situação que estampa
cristalinamente a colisão dos direitos humanos – de extremo valor para a sociedade hodierna,
direito ao desenvolvimento em face da proteção às comunidades em torno que foram afetadas
em virtude do empreendimento.
Vale ressaltar que o meio ambiente equilibrado é um direito de todos, caracterizado pelo
dever do Estado e da coletividade a sua proteção, visando as atuais e futuras gerações, conforme
preconizado no art. 225, caput, da Carta Magna.
Para Baracho Junior (2008, p. 19), a realização prática, concreta e efetiva do direito
supracitado também compete a “todos”.
O doutrinador Franco (2009, p. 95) também se posicionou a respeito da temática:
O direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado limita e
obriga a todos, poder público (ressaltando a inclusão de todos os entes federados) e
coletividade (condição essencial de plena eficácia das normas de proteção ambiental) em
razão da sua defesa e preservação para as presentes e futuras gerações.
255
Desta forma, o compromisso constitucional da defesa e preservação ambiental vincula-se
aos atores sociais, ou seja, não se trata apenas de direitos, e sim deveres de proteção ao meio
ambiente.
No final da década de 1950, a região sudeste paraense passou a ser reconhecida como
“fronteira de recursos”, sofrendo enormes mudanças, desde a implantação de energia elétrica e
malha viária até ações que faziam parte de políticas governamentais, como os incentivos fiscais da
SUDAM e os financiamentos especiais do Proterra e do Polamazônia (OLIVEIRA, 2003, p. 42).
O Brasil investiu um total de U$ 5,4 bilhões (cinco bilhões e quatrocentos milhões de
dólares) nos trabalhos de planejamento da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Rio Tocantins,
durante os 9 anos em que se efetuaram as obras de implantação da 1ª etapa. A empresa
responsável pela obra, Camargo Corrêa, tornou-se um das detentoras das maiores fortunas em
âmbito nacional (SUDAM, 1977).
De acordo com o autor, Rodrigues (2000), Tucuruí foi o município escolhido para a
implantação do complexo energético, com uma distância de aproximadamente 300 km da capital
do estado do Pará, não obstante, o lago formado pela barragem atingiu outros municípios, entre
eles: Jacundá, Itupiranga, Goianésia, Breu Branco e Novo Repartimento.
O ano de 1998 foi de marcante no que tange à economia brasileira. Houve inúmeras
mudanças que acarretaram em grandes impactos principalmente às empresas, conforme o
Relatório Anual da Eletronorte citado a seguir:
O ano de 1998 foi um período marcado por transformações no campo econômico e
institucional no cenário brasileiro, como também por fortes turbulências [...] com
impactos profundos na atuação de todas as empresas, sejam privadas ou estatais [...]
Por outro lado, o mercado de energia elétrica no Brasil continuou a crescer de forma
significativa, com menor intensidade nas regiões Sul e Sudeste, mas,
surpreendentemente, com taxas mais elevadas no Centro-Oeste e no Norte, esta última
superando a casa dos 10%, o triplo da média das regiões mais desenvolvidas do país.
Esse volume de recursos materializou-se em obras de grande importância para a
Amazônia, como o Sistema de Transmissão Oeste do Pará [...] e a Usina Hidrelétrica de
Tucuruí, no Pará, contribuindo firmemente par atender a todo o mercado nacional através
do sistema interligado brasileiro.
Fato marcante no sistema de transmissão é a interligação do sistema Norte-Nordeste com
o sistema Sul-Sudeste-Centro-Oeste, com a chamada linha Norte-Sul em 500.000 V e com
mais de 1.000 Km de extensão, disponibilizando a energia de Tucuruí para todo o sistema
nacional [...] (ELETRONORTE, Relatório Anual, 1998, p. 3)
Pouco se preocupou com a vida cerca de 4.300 famílias camponesas atingidas. Da mesma
forma, não houve preocupação com desastrosos impactos ambientais e socioculturais
relacionados aos indígenas diretamente atingidos pela enchente do lago. (RODRIGUES, 2000)
Observa-se, cristalinamente, que milhares de famílias viveram um caos. O projeto
interferiu diretamente na organização familiar das comunidades e na produção dos camponeses,
tendo que buscar outras formas para a sua própria subsistência, além do mais, “centenas de índios
Parakanãs e Gaviões ou foram dizimados ou foram social e culturalmente desagregados”
(RODRIGUES, 2000)
A análise e aprovação de projetos de construção de barragens, especialmente para
grandes projetos hidrelétricos, dentro da legislação atual levando em consideração
também as exigências da Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecida pela Lei 6.938
de 31 de agosto de 1981 e suas modificações, é muito mais complexa e exigente
comparada à aquela existente antes da construção da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Pode-
se considerar mesmo, que as dificuldades para a aprovação de um novo grande projeto de
256
hidrelétrica, sejam maiores do ponto de vista sócio-ambiental (legislação ambiental), do
que do ponto de vista dos problemas técnicos de engenharia os quais são plenamente
absorvidos pela engenharia nacional.
257
CRIMINOLOGIA VERDE E O USO INDISCRIMINADO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL:
UM ESTUDO SOBRE O SILENCIAMENTO DOS DANOS CAUSADOS PELO GLIFOSATO
PROBLEMA
O modo de produção capitalista engendrado na agricultura reproduz, no campo, não
somente a dependência de recursos industriais, mas também as desigualdades econômicas e
sociais que são próprias desse sistema. O Brasil, inserido nessa lógica, desde 2008, ocupa o
primeiro lugar em consumo de agrotóxicos do mundo, amplamente empregados sobretudo nas
monoculturas de base agroexportadora.
O amplo e indiscriminado uso de agrotóxicos, por mais que seja incentivado pelas grandes
corporações e por defensores do agronegócio em razão de baratear o custo das colheitas, é
responsável por degradar o meio ambiente, a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras rurais e,
ainda, dos consumidores finais. Aqui, cabe destacar o Glifosato, princípio ativo que corresponde a
mais da metade do volume total de herbicidas comercializados no Brasil e que, segundo
evidências científicas (IARC, 2015), relaciona-se com a ocorrência de problemas carcinogênicos,
teratogênicos, mutagênicos e endócrinos.
Assim, diante dos diversos estudos publicados acerca da ocorrência dos danos à saúde
causados pelos agrotóxicos, orientamos a pesquisa a partir da seguinte questão: que instrumentos
o Estado, em seu discurso oficial, utiliza para permitir o uso de agrotóxicos, especialmente o
glifosato e, ainda, justificar e legitimar o seu uso como uma política benéfica em favor da vida?
OBJETIVOS GERAL
Desvelar o dano social estatal-corporativo causado pelo amplo emprego de agrotóxicos no
Brasil, com recorte para glifosato, e como as evidências danosas acerca do uso desse produto são
apropriadas – e negadas – pelo Estado que, ao assumir um discurso de segurança alimentar e em
prol do desenvolvimento econômico, justifica o emprego do herbicida como uma política positiva
e em favor da vida.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Situar a pesquisa dentro do campo da criminologia verde.
b) Analisar a questão dos agrotóxicos no Brasil e o dano social causado pelo seu uso, com recorte
para o glifosato.
c) Realizar a análise de conteúdo do objeto empírico da pesquisa, a Nota Técnica 23/2018 da
ANVISA, que fundamentou a Proposta de Resolução de Diretoria Colegiada – RDC submetida à
consulta pública nº 613 sobre a manutenção do ingrediente ativo Glifosato no país e sobre as
medidas decorrentes de sua reavaliação toxicológica. Nesse ponto, pretendemos analisar que
instrumentos o Estado utiliza para permitir e legitimar o uso do glifosato, mesmo apesar das
evidências científicas que relacionam o referido agrotóxico a problemas carcinogênicos,
teratogênicos e mutagênicos.
258
d) Como ferramenta de análise dos resultados, objetivamos, ainda, desenvolver o conceito de
biopoder em Michel Foucault e Giorgio Agamben, até o desenvolvimento do conceito de
Necropoder, de Achille Mbembe, contextualizando tais contribuições teóricas no que toca à
questão dos agrotóxicos.
METODOLOGIA
O método de abordagem será o dialético materialista. Quanto ao procedimento,
utilizaremos o monográfico com pesquisa bibliográfica e documental. O objeto empírico da
pesquisa, a Nota Técnica 23/2018 da ANVISA, será explorado através da técnica de análise do
conteúdo (BARDIN, 2011).
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A questão dos agrotóxicos, ou seja, da permissibilidade de produtos que comprovadamente
geram grande dano social e ambiental e, ainda assim, são utilizados em larga escala, evidencia que a
malha de poder envolvendo os interesses das grandes corporações e das elites agrárias é complexa
e imbricada estruturalmente. Nesse sentido, a ANVISA, ao manter a permissão do glifosato apesar
das inúmeras pesquisas que relacionam o herbicida aos problemas à saúde humana e não humana,
revela que o Estado, ao trazer uma relativização e silenciamento de tais danos, privilegia a
manutenção de um sistema de produção desigual e insustentável em detrimento da vida.
REFERÊNCIAS
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
IARC Monograph 112. Glyphosate. IARC Monogr Eval Carcinog Risks Hum 2015. Disponível em:
https://monographs.iarc.fr/wp-content/uploads/2018/06/mono112-10.pdf.
PROBLEMA INVESTIGADO
Esse trabalho parte do interesse pelo tema da relação entre teoria social e prática social,
em particular o papel do Direito, tomado em sua relação com a sociedade, de promover uma real
transformação no contexto social. Nesse intuito, dedica-se ao estudo da obra de Anthony Giddens.
A escolha por esse autor deu-se em razão de se tratar de um teórico que vem observando
as mudanças sociais advindas especialmente na última metade de século. Trata-se ainda de um
sociólogo que, tendo produzido uma obra de grande envergadura, concilia um estudo da
sociedade como tal com uma abordagem voltada à formulação de uma teoria social, o que, tal
como se entende, consisti também um fator que contribui para enriquecer sua análise. Não
obstante não se dedique ao estudo do Direito, aponta para diversos problemas contemporâneos
de diversas dimensões, inclusive relevantes ao Direito.
Nesse sentido, destaca-se seu trabalho voltado à questão ambiental, abordado em seu livro
A política da mudança climática. A obra em questão expressa a atenção aos temas – certamente
259
relacionados – da mudança climática e da segurança energética, pondo em evidência a tentativa do
autor de explorar as medidas necessárias para conter os efeitos perversos decorrentes da
intervenção humana no meio ambiente. Desse modo, sobressai em sua análise a potencialidade do
trabalho conjunto entre sociologia e política, bem como o papel dos governos e da sociedade civil.
Entende o autor que, a despeito das transformações observadas no cenário global, os
Estados ainda possuem um papel importante a ser exercido estimulando ações concertadas que
visam a contenção do aquecimento global. Ressalta, contudo, que isso não implica uma volta a um
modelo top-down de decisão política, uma vez que, no contexto atual, o Estado é levado a atuar
como um “Estado capacitador”. Ademais, reforça o papel que a tecnologia deve desempenhar no
sentido de conter as consequências da mudança climática e do risco contido no sistema atual de
política energética.
OBJETIVOS
O trabalho em questão tem por objetivo explorar o potencial da obra de Anthony Giddens
voltada ao estudo da intervenção humana no meio ambiente, enfocando os temas da mudança
climática e da segurança energética. Procura-se abordar o caráter interdisciplinar proposto pelo
autor, preocupado em destacar o vínculo do estudo dos sistemas intersociais, da política e da
geopolítica presente nos estudos sociológicos. Dáse, então, destaque à participação, por um lado,
de uma sociologia do direito, capaz de produzir uma compreensão mais profunda dos fatores
sociais envolvidos nas questões tratadas, e, por outro, de um Direito voltado às medidas de
proteção ambiental, em articulação com políticas públicas que também buscam uma intervenção
em prol do meio ambiente.
MÉTODO DE ANÁLISE
A metodologia dessa pesquisa consiste na revisão bibliográfica das principais obras do
autor escolhido, voltadas à análise do tema em questão. Trata-se de um trabalho essencialmente
teórico que busca apreender os conceitos da teoria social aqui abordada, que podem contribuir
para outras análises de caráter empírico e situado. Sublinha-se que o tratamento empreendido
far-se-á sobre o pensamento de Anthony Giddens acerca da temática ambiental e a partir de seu
destaque para a interdisciplinaridade.
CONCLUSÕES
O presente trabalho encontra-se em fase inicial de elaboração de projeto, de modo que as
conclusões extraídas até o momento são parciais. Pelo que se pode apreender, a perspectiva de
Giddens apresenta um potencial heurístico para uma descrição interdisciplinar especialmente
voltada ao estudo da participação da sociologia na elaboração de políticas públicas que visam
tratar dos problemas ambientais advindos da ação humana.
O presente artigo aborda a temática dos crimes ambientais. Sua finalidade é analisar o
direito penal como instrumento de proteção ambiental, focando na (im) possibilidade de aplicação
260
do princípio da insignificância aos crimes ambientais. O problema que orienta a investigação é: a
tutela integral do meio ambiente comporta a aplicação do princípio da insignificância? O trabalho
se desenvolve por meio de uma pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, cujos dados colhidos
foram tratados de forma descritiva e qualitativa. Os referenciais teóricos adotados são: a
Constituição Federal de 1988, a Lei de Crimes Ambientais e a Apelação Cível nº
10035140049376001 julgada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Os resultados parciais
apontam que, a proteção ambiental no âmbito jurídico, em especial no Direito Penal, é mais uma
manifestação em prol do cuidado ao meio ambiente, no sentido de responsabilizar o agente
agressor do meio ambiente pela sua parcela de culpa na destruição do meio em que habita. Assim,
à luz do princípio da proteção integral, não é viável a aplicação do princípio da insignificância aos
crimes ambientais e, nesse sentindo, a doutrina se diverge quanto à aplicação ou não do princípio
da insignificância nos crimes ambientais. A doutrina, que considera inaplicável o princípio da
insignificância aos crimes ambientais, sustenta principalmente a indisponibilidade do bem jurídico
e a dificuldade em se mensurar o dano, de imediato, de modo que qualquer dano causado ao
meio ambiente deva ser repreendido, a fim de se proteger o bem. Porém, em julgado no ano de
2017, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais optou pela aplicação do Princípio da Insignificância,
quando houver inexistência de dano ao bem jurídico tutelado. No entanto, o que se percebeu com
pesquisa é que, a aplicação do princípio da insignificância, na esfera ambiental, é de extrema
complexidade, visto que, ao ser aplicado, deve ser levado em consideração os aspectos da mínima
ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, redução do grau de
reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada, levando
sempre em conta as especificidades de cada caso. Assim, pode-se concluir que a aplicação da
tutela penal em prol da proteção do meio ambiente é inevitável, tendo em vista a necessidade de
se construir um ambiente saudável e equilibrado, sendo, acima de tudo, um ambiente preservado
para as presentes e futuras gerações. Todo dano ao meio ambiente é capaz de provocar efeitos
imensuráveis, além disso, o meio ambiente é um bem de toda a coletividade, cuja proteção é
essencial para a vida no planeta, e para a preservação das presentes e futuras gerações. Diante
dessa complexidade, verifica-se que não é viável a aplicação do princípio da insignificância aos
crimes ambientais, pois os requisitos do instituto são incompatíveis com o bem jurídico tutelado, e
vão de encontro com a ideia de tutela integral do meio ambiente.
PROBLEMA INVESTIGADO
O problema investigado consiste na análise da Sociologia Ambiental do Direito (SAD)
enquanto perspectiva teórica e transdisciplinar para os estudos sociojurídicos. Pretende discutir os
horizontes, aplicações e perspectivas da SAD, enquanto modelo teórico e aplicar para os estudos
jurídicos em chave de leitura socioambiental transversal.
261
OBJETIVOS
O objetivo é apresentação e análise de Projeto de Pesquisa com estudantes de graduação e
pós-graduação, sob a perspectiva da Sociologia Ambiental do Direito. O escopo do projeto é
desenvolver habilidades para a reflexão sociológica e existencial do direito ambiental, propiciando
a um só tempo desenvolvimento das competências técnico-jurídicas e de abordagem crítica
mediante o subsídio da Sociologia Ambiental do Direito. Consiste em pesquisas doutrinárias e
empíricas de caráter socioambiental e jurídico, em três dimensões distintas, a saber: 1.
Construção e avanço da Sociologia Ambiental do Direito; 2. Análise do Direito Ambiental sob a
perspectiva da marginalidade e vulnerabilidade ambientais; 3. Análise das Políticas Públicas
Socioambientais, especialmente aquelas incidentes em três campos preferenciais de análise, a
saber: 1. Direito das Águas; 2. Tutela da Fauna e Flora e de Políticas Públicas de Proteção da
biodiversidade; 3. Política de mobilidade urbana, com respeito à sociodiversidade.
MÉTODO DE ANÁLISE
A análise se orienta pelo método e pressupostos da Sociologia Ambiental do Direito, cujos
elementos descritivos implicam na consideração da dialeticidade, dinamicidade, processualidade
recursiva e conflituosidade próprias do campo ambiental, em chave de leitura sociojurídica. Os
enfoques preferenciais são os direitos socioambientais e as vulnerabilidades presentes nas
tensões e conflitos em torno das apropriações do patrimônio natural, inclusive em seu caráter
simbólico. Os procedimentos metodológicos consistem em: i. levantamento de doutrina,
legislação e jurisprudência ambiental concernente a cinco (05) campos prioritários de pesquisa, a
saber: i. Direito das águas; ii. Direito e biodiversidade; iii. Direito e política de mobilidade urbana;
iv. Análise das políticas socioambientais nos campos referidos, especialmente no tocante aos
aspectos da vulnerabilidade e marginalidade ambiental; v. Direito Penal Ambiental.
O levantamento acima pode ser realizado tanto na perspectiva do direito interno
(ordenamento jurídico brasileiro) quanto de análises comparativas com base em ordenamentos
distintos, em que os elementos suscitados possam ser considerados relevantes para análise em
termos elucidativos;
CONCLUSÕES
O projeto consiste em três (3) ações axiais: i. Levantamento e Sistematização de dados
acerca dos conflitos e da vulnerabilidade socioambiental; ii. Participação em eventos científicos
destinados aos temas analisados; iii. Difusão e popularização dos princípios e direitos na
perspectiva da Sociologia Ambiental do Direito. Como resultados, tem fomentado a elaboração de
subsídios dogmático, legislativo e jurisprudencial nos casos de violação de direitos ambientais,
notamente pela publicação de artigos e textos congêneres; b) contribuir para a sistematização de
dados acerca da vulnerabilidade e marginalidade ambiental; c) contribuir para implantação de
programas de gestão do patrimônio natural em organizações/instituições de Ribeirão Preto; d)
Participação em fóruns regionais de política ambiental; f) envolvimento dos alunos nas atividades
cotidianas de grupos vulneráveis; g) contribuir para o incremento de políticas públicas
socioambientais; h) colaborar com a educação mediante a difusão e popularização terminológica e
nocional afeita ao direito ambiental nas áreas investigadas.
262
A APROPRIAÇÃO DA NATUREZA PELO CAPITAL: O NEOLIBERALISMO E A
EXPLORAÇÃO DA MINERAÇÃO NO BRASIL
Clarissa Marques
Pós-Doutorado realizado na The New School of Social Research – NY. Doutorado e Mestrado em Direito pela UFPE.
Professora do Curso de Direito da UPE e do Mestrado em História do Pensamento Jurídico da FADIC. Líder do Grupo
de Estudos e Pesquisas Transdisciplinares sobre Meio ambiente, Diversidade e Sociedade (CNPq/UPE). Coordenadora
do Coletivo Direitos em Movimento/UPE. Pesquisadora-colaboradora do Programa "TransVERgente" (atuação voltada
para a construção de estratégias de reparação para as comunidades afetadas pela Transposição do Rio São Francisco).
Advogada em matéria ambiental.
263
INTERSEÇÕES ENTRE DIREITO E SOCIOLOGIA AMBIENTAL NA MEDIAÇÃO DE
CONFLITOS AMBIENTAIS
264
MEIO AMBIENTE, PATRIMÔNIO CULTURAL E RESPONSABILIDADE CIVIL EM BELÉM
DO PARÁ: ESTUDO DE CASO DO PALACETE VITOR MARIA DA SILVA
O presente trabalho tem como objetivo desvelar sobre a Responsabilização Civil Ambiental
em face do dano ambiental no Patrimônio Cultural, por meio do estudo de caso concreto do
Palacete Vitor Maria da Silva em área de tombamento, na cidade de Belém do Pará. A pesquisa
salientou, principalmente, nos estudos doutrinários sobre de meio ambiente, patrimônio cultural,
princípios da prevenção e precaução, instrumentos normativos de tutela do patrimônio cultural,
abordando a competência dos entes federativos. Enfatizou-se a análise do instituto da
Responsabilidade Civil Ambiental na eficácia dos direitos fundamentais, e na controvérsia acerca a
Responsabilização do Estado em face do dano ambiental no Patrimônio Cultural, questiona-se: o
Estado deve ser responsabilizado? Do ponto de vista metodológico, utilizou-se pesquisa
bibliográfica e documental, tais como: Ação Civil Pública, decisão judicial, legislações específicas e
jurisprudências emblemáticas de tutela ambiental dos direitos difusos e transindividuais,
imprescindíveis para a preservação do patrimônio cultural, oportunizando, de forma reflexivo-
crítica, o acesso ao conhecimento científico e jurídico acerca do instituto da Responsabilidade Civil
Ambiental, no Direito Constitucional e Ambiental na sociedade amazônica. Conclui-se que é
imperioso entender que instrumentos normativos pautados nas ações coletivas da sociedade,
reguladas pela Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/1985) e Lei da Ação Popular (Lei 4.717/1965),
contribuem para a redefinição da função jurisdicional, possibilitando, desta forma, a atuação
do poder público, além do Ministério Público, que tem como escopo, a tutela aos direitos difusos,
coletivos e individuais homogêneos e, conforme os artigos 216 e 225 da Carta Maior de 1988,
legitima o meio ambiente, inserindo o cultural, na qualidade de uso comum do povo, e que deve
ser tutelado para garantir o interesse difuso de proteção ao patrimônio cultural e material. É
imprescindível ressaltar, para esta pesquisa, a proeminência das decisões judiciais do Tribunal de
Justiça do Estado do Pará, examinadas no caso em tela, pois tais interpretações das decisões
judiciais foram imprescindíveis, uma vez que têm o mesmo propósito de resguardar o patrimônio
cultural edificado, na defesa dos direitos transindividuais, difusos e coletivos do meio ambiente
ecologicamente equilibrado, consolidando o direito humano fundamental como atributo
indispensável para a dignidade da pessoa humana. Outrossim, é relevante evidenciar a
necessidade urgente de educação ambiental e efetivação de políticas públicas de preservação e
valorização do Patrimônio Cultural, pautado pela violação e degradação constante, consolidando
assim, no aniquilamento da memória e história de várias épocas.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Ação Civil Pública. Responsabilidade Civil Ambiental.
265
Coordenação:
Tatiana Cardoso Squeff (UFU)
Cícero Krupp da Luz (FDSM)
Gustavo Pereira (PUCRS)
A IMPORTÂNCIA DO DIREITO HUMANITÁRIO NA LIBÉRIA: INTOLERÂNCIA E
VULNERABILIDADE (2003 A 2016)
Este trabalho pesquisa a influência que as questões humanitárias têm sobre o conflitos
armados modernos, bem como nos elementos do processo de descolonização presente na África,
considerando o tema da Vitimologia. Aborda o Conflito Armado da Libéria em 2003 e as
implicações humanitárias até o ano de 2016. O problema de pesquisa trata do entendimento do
grau de influência das Questões Humanitárias para o apoio às vítimas em Conflitos Armados
Contemporâneos. Busca compreender a relevância da intolerância para o aumento dos danos à
população civil, bem como o grau de vulnerabilidade presente naquela sociedade. A pesquisa
busca, ainda, o entendimento da relevância das questões humanitárias e sua difusão na
contemporaneidade, considerando autores como Franz Fannon, Edward Said, Karl Marx, Eugênio
Raúl Zaffaroni, Eric Hobsbawn, Martin Van Creveld, Michael Howard e Hedley Bull. Apresenta os
diversos elementos do Direito Humanitário e a interação na proteção às vítimas daquele conflito
armado. A pesquisa observa a relevância das diversas tradições teóricas presentes nas relações
internacionais, além de estudos sobre intolerância e vulnerabilidade, e sua relevância para a
discussão para o processo de legitimação do Direito Humanitário e da descolonização. A
metodologia a ser utilizada trata de uma análise qualitativa de indicadores sociais, pesquisa
documental e revisão bibliográfica sobre o tema. A hipótese do trabalho é de que existe um alto
grau de influência da intolerância para o desenvolvimento da vulnerabilidade política para a
população civil e conclui sobre a relevância que intolerância possui em conflitos armados,
presentes no processo de descolonização na África. Os resultados permitirão o entendimento de
métodos e elementos a serem considerados em uma análise sobre conflitos de poder em nível
internacional, bem como a complexidade dos atores envolvidos, considerando a quebra do
monopólio do uso da força e a dispersão da violência. O trabalho encontra-se em
desenvolvimento e está na fase da análise dos indicadores sociais presentes e sua evolução em
uma série histórica.
Palavras-chave: Vitimologia. Direito Humanitário. Relações Internacionais. Intolerância.
Desigualdade.
267
ESTADO, DIREITO E COLONIALIDADE:REFLEXÕES SOBRE A EMANCIPAÇÃO DAS
COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO BRASIL A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DO
“PROJETO SERRO”
A apresentação tem como objetivos principais (I) refletir sobre os problemas que se colocam
para as comunidades tradicionais no interior de Minas Gerais, (II) expor o marco teórico da resposta,
que consiste em uma fundamentação ética do direito à consulta presente Convenção 169 da OIT, e
(III) esclarecer de que modo essa fundamentação aponta para a realização das condições que
possam preservar a autonomia dessas comunidades. Nossa exposição será dividida em três etapas:
em primeiro lugar, apresentaremos um problema específico que se coloca para um
empreendimento de mineração na região do Serro – Minas Gerais (MG). Contrariamente a
determinado dispositivo legal, a mineradora iniciou processo de licenciamento ambiental sem
consulta prévia aos moradores de comunidades tradicionais da região. No propósito de apresentar
uma resposta a essa problemática, colocaremos em evidência, em segundo lugar, o dispositivo legal
em tela, que é o direito à consulta, motivado em parte pela Teoria do Sistema-mundo de Immanuel
Wallerstein. Ainda nessa etapa da exposição, apresentaremos a fundamentação do direito à
consulta a partir da Ética da Libertação de Enrique Dussel. Não obstante, a fundamentação ética do
direito à consulta não teria o efeito que dela se espera se não houvesse um esclarecimento sobre
como garantir, na prática, a realização desse dispositivo legal. Para suprir essa lacuna, veremos, em
terceiro e último lugar, como a ética de Dussel permite responder ao problema de realização das
condições que assegurem a existência e preservação dessas comunidades.
269
fundadano conceito de povo (não de humanidade) que se governa e cuja unidade vincula-se a
umaigualdade substancial, marcada por um momento de fechamento, distinção.
O pensamento do autor podecontribuir, assim, à compreensão crítica de proposta
educacional universalista ancorada em cidadania cosmopolita. Inclusive, numa abordagem terceiro-
mundista do direito internacional (TWAIL, em inglês), crítica ao aspecto de dominação do discurso
dos direitos humanos. DizC.Mouffe, Schmitt é um adversário com quem podemos aprender.
Nesse quadro, é o problema investigado: à luz da crítica schmittiana ao liberalismo e à
pretensão apolítica universalistade organizações interestatais, a proposta da UNESCO de educação
para a cidadania globalcorresponde a consistente modelo normativo, não reduzível a instrumento
ideológico do imperialismo econômico liberal?
O objetivo é analisar tal proposta educacional, a partir da perspectiva de C. Schmitt. Afere
se, adequada aos objetivos que se propõe, pode superaros caminhos que se abrem, na visão do
filósofo, para a atuação das organizações interestatais universalistas: instrumento ideológico
imperialista ou modelo contraditório “pouco claro”. Busca, assim, contribuir com abordagens
críticas ao discurso hegemônico do direito internacional dos direitos humanos universais.
Quanto ao método, vale-se da análise de discurso dos dois principais documentos da
UNESCO dedicados à educação para a cidadania global, Preparando alunos para os desafios do
século XXI (2015) e Tópicos e objetivos de aprendizagem(2016). Isso a partir de perspectiva
hermenêutica pautada em obras de C. Schmitt, em especial oConceito de Político, Nomos da
Terrae Teoria da Constituição, complementada porrevisão bibliográfica do autor e relacionada,
por fim, comabordagens críticas do direito internacional, com enfoque na “TWAIL” e autores
comoM. Mutua e O. Badaru.
Em conclusão preliminar, verifica-se que, ainda que contraponha à pretensão universalista o
respeito às diferenças, propondo areflexão crítica e o questionamento de discursos oficiais, a proposta
da UNESCO não se afasta da perspectiva universalista “apolítica” que tem servido ao imperialismo
econômico. Não nega os pressupostos de uma organização interestatal num mundo capitalista,
promotora de interesses e direitos liberais universalizados. Das opções postas por Schmitt, fica com as
duas: permanece contraditória, servindo ideologicamente ao liberalismo econômico.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi produzido a partir da pesquisa teórica com ênfase no aspecto
bibliográfico, baseando-se na análise de livros como: Descolonizar el saber, reinventar el poder, de
Boaventura de Sousa Santos (2010), Discurso sobre o Colonialismo, de AiméCésaire (1978), A
Colonialidade do saber: eurocêntrico e ciências sociais, perspectivas latino-americanas,
organizado por Eduardo Lander (2005), dentre outros. Foram utilizados, também, estudos
teóricos existentes sobre a temática, a fim de compormos o estado de arte, dentre outras fontes
referenciais, na qual buscamos identificar exemplos e relatos sobre as implicações das
concepções distorcidas de Direitos Humanos para a sociedade, em especial, contra aqueles que se
270
encontram em situação de risco. A escolha pela pesquisa de cunho bibliográfico se deu por esta
valer-se das mais variadas formas de análises.
Partimos da seguinte questão de pesquisa: Qual a relação ou influência que a concepção
eurocêntrica e elitista de direitos humanos ocasiona no processo de efetivação destes mesmos
direitos para os marginalizados? E mais, como a concepção decolonial dos direitos humanos pode
auxiliar no entendimento desta questão social, protegendo os direitos daqueles considerados “não
humanos”?
Nosso intuito de falar sobre esta temática, que abrange o Pensamento Decolonial, os
Direitos Humanos e os marginalizados, surgiu por meio da insatisfação de ver que tais direitos
estavam sendo usados pelo senso comum da sociedade como uma bandeira que apenas os
“humanos do bem” mereciam carregar e desfrutar de tais proteções, sendo que, quando os
mesmos direitos são destinados a um marginalizado, este é taxado como “não humano”, pois não
deveria desfrutar destes mesmos direitos.
No entanto, sendo os Direitos Humanos destinados à pessoa humana, negá-lo a alguém ou
a uma determinada classe social é como se estivesse declarando que esta é formada de seres “não
humanos”, carentes de humanidade, logo, não fazendo jus ao recebimento de tais direitos.
A relação desta temática com o pensamento decolonial advém da cultura eurocêntrica na
qual os direitos humanos foram criados e a sua perpetuação ao longo dos anos, tendo em vista
que tais direitos embrionários visavam à proteção de direitos da classe dominante. A
decolonialidade, neste contexto, é vista como uma possível libertação do pensamento
hegemônico que se encontra tão presente na constituição destes direitos com seu pensamento
abissal. Neste sentido, a relevância acadêmica deste trabalho consiste no oferecimento de uma
nova reflexão sobre a relação de Direitos Humanos em uma visão decolonial e da sua relação com
um tema jurídico-social que engloba os direitos dos “bandidos”.
O termo “bandido” será utilizado para denominar os marginalizados em questão, por ser o
aquele que se aproxima do meio leigo e de como este sujeito é representado no imaginário do senso
comum. A questão em tela não versa apenas sobre o estudo de uma concepção que estuda os
direitos humanos, mas sim sobre a análise de como a história da concepção destes mesmos direitos
influencia na forma de pensá-los, na modernidade. Eis aí a importância social e jurídica deste estudo.
Este trabalho tem como objetivo geral analisar a concepção histórica de direitos humanos,
e a partir disso, fazer uma reflexão com base no pensamento decolonial para questionar se essa
visão eurocêntrica pode ter contribuído para uma concepção onde a humanidade não se aplica a
todos, Além disso, busca encontrar a influência dessa visão na concepção distorcida de direitos
humanos e de como, a partir desta visão, estes mesmos direitos não deveriam ser proporcionado
aos “bandidos”. Tal pesquisa é completada com os objetivos específicos que traçamos como
importante para este trabalho, sendo eles: 1) identificar a origem da segregação entre humanos e
não humanos na concepção eurocêntrica de direitos humanos; e 2) destacar a importância do
estudo da concepção decolonial de direitos humanos para a efetivação dos direitos fundamentais
dos ditos “não humanos” pela sociedade.
Este trabalho tem o intuito de realizar uma pesquisa teórica por meio do levantamento
bibliográfico sobre a concepção histórica de direitos humanos à luz do pensamento decolonial.
Além disso, busca verificar como esta origem eurocêntrica possivelmente influenciou na origem
distorcida de direitos humanos. Como percebido, a pesquisa é necessária para solucionar as
indagações que a contemporaneidade nos propõe. Seu aspecto bibliográfico justifica-se pela
utilização de material elaborado principalmente por livros, artigos de periódicos e materiais
disponibilizados na internet (NORONHA, 2016).
271
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Para além do discurso eurocêntrico dos Direitos Humanos: sujeitos de direito
Após a contextualização sobre o processo histórico dos direitos humanos, podemos
visualizar com mais clareza como surgiu a teoria dominante destes direitos e como ela se
fundamentou, do ponto de vista histórico-geográfico, como resultado das reivindicações políticas
europeias, da luta do parlamentarismo inglês, das revoluções liberais (francesa) e do movimento
advindo da independência americana.
Seguindo a lógica desta concepção, estes direitos correspondem a um projeto moral,
jurídico e político resultado da Modernidade Ocidental que, depois de desenvolvido no continente
europeu foi levado para as demais localidades, como o ocidente, seguindo sua universalização.
¿Son los derechos humanos universales, una invariante cultural, es decir, parte de una
cultura global? Afirmaría que el único hecho transculturales que todas las culturas son
relativas. La relatividad cultural (no el relativismo) también significa diversidad cultural e
incompletude. Significa que consideran fundamentales. Lo que está más elevado es también
lo más generalizado. Así que, la cuestión concreta sobre las condiciones de la universalidad
de una determinada cultura no es en sí misma universal. La cuestión de la universalidad de
los derechos humanos es una cuestión cultural occidental (SANTOS, 2010, p. 68).
272
três orientações: aprender que existe o Sul; aprender a ir para o Sul; aprender a partir do Sul e com
o Sul” (SANTOS, 1995).
E para desenvolver este pensamento, em medos de 1990 um conjunto de pensadores
latino-americanos organizados criou o Projeto “Modernidade e Colonialidade", quais eram:
Enrique Dussel, Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Edgardo Lander, Arthuro Escobar, Fernando
Coronil, Javier Sanjinés, Catherine Walsh, Nelson Maldonado-Torres, Lewis Gordon, Ramon
Grosfoguel, Eduardo Mendieta, Santiago Castro-Gomez, etc. Segundo Mignolo:
El pensamiento des-colonial emergió en la fundación misma de la
modernidad/colonialidad, como su contrapartida. Y eso ocurrió en las Américas, en el
pensamiento indígena y en el pensamiento afrocaribeño. Continuó luego en Asia y África,
no relacionados con el pensamiento des-colonial en las Américas, pero sí como
contrapartida a la re-organización de la modernidad colonial con el imperio británico y el
colonialismo francés. Un tercer momento de reformulaciones ocurrieron en las
intersecciones de los movimientos de descolonización en Asia y África, concurrentes con
la guerra fría y el liderazgo ascendente de Estados Unidos. Desde el fin de la guerra fría
entre Estados Unidos y la Unión Soviética, el pensamiento des-colonial comienza a trazar
su propia genealogia (MIGNOLO, 2008).
Com base nos estudos, podemos destacar que o pensamento decolonial consiste em um
projeto epistemológico que visa contestar o pensamento hegemônico e elitista que assola, ao longo
dos anos, os mais variados ramos da sociedade, como a educação, os direitos, a epistemologia e até
mesmo a idéia do que é moral ou não. Ou, como iremos debater neste trabalho, no que é
considerado humano e não humano. Segundo Immanuel Wallterstein, este hegemonismo do qual
ele chamou de “universalismo europeu”:
O que estamos usando como critério não é o universalismo global, mas o universalismo
europeu, conjunto de doutrinas e pontos de vistas éticos que derivam do contexto
europeu e ambicionam ser valores universais globais – aquilo que muitos de seus
defensores chama de lei natural – ou como tal apresentados (WALLERSTEIN, 2007, p.60).
273
superioridade obriga a desenvolver os mais primitivos, bárbaros, rudes, como exigência moral”
(DUSSEL, 2005, p. 29).
Desta forma, é visível perceber que a concretização dos direitos humanos por via da
racionalidade dos seres contém um caráter excludente, pois desta forma, pode ocorrer diferenças
com relação ao valor de cada envolvido, sendo um mais “digno” que outros.
Desta forma, visualizamos um colonialismo europeu criador de uma cultura jurídica e
política que promove a abstração de sujeitos, quando se refere ao reconhecimento dos direitos.
Conforme Clavero (2014), este colonialismo acabou gerando um legítimo direito do inimigo,
direito este que pode negar direitos.
Desta forma, percebe-se o que acabou ocasionando a inferioridade dos negros, dos índios,
das mulheres, dos marginalizados, dentre outros, foi objeto de um discurso de degradação e
hierarquização da humanidade, que está presente até hoje. Conforme Muzzafar (1999) aduz,
utilizou-se o fato de os mesmos não serem considerados seres humanos integrais para justificar
que determinados sujeitos não tinham direitos. Ou como diria a filósofa Judith Butler, ao se referir
à concepção de vida: “As vidas de quem importam? E ainda: As vidas de quem não importam
como vidas, não são reconhecidas como vivas ou contam apenas ambiguamente como vivas?"
(BUTLER, 2012, p. 10).
Logo, salienta-se para a criação de sujeitos sem direitos e considerados inimigos em
potencial, sendo isto resultado do impacto dos processos de descolonização na concepção de sujeito
universal e de direitos dos seres humanos. Destacando a questão da seletividade da universalidade,
que acabar por gerar efeitos discriminatórios com relação à minoria, excluindo-a deste conceito
universalista. No entanto, de acordo com Wallerstein (2007), tais valores universais não passam de
criações sociais dos estrados dominantes.
Importante discorrer sobre o fato de que, a concepção universalista consagrada pela
Declaração Universal, apesar de prever que os direitos humanos sejam universais, no entanto já está
mais que comprovado que a sua promoção e concretização não ocorrem de maneira universal.
De acordo com Santos (2013), existe uma grande ilusão com relação à trajetória da
consagração dos direitos humanos, acreditando-se que o mesmo percorreu um caminho linear
onde todos foram “agraciados” com tais direitos. Tanto que tal autor discorre sobre a tensão
existente entre o “humano e o não humano”, onde, conforme o mesmo seria fruto da herança da
universalidade deficiente dos primórdios, onde a humanidade distinguia determinados seres
humanos com o discurso que nem todos os seres humanos deveriam se beneficiar da dignidade
humana. Conforme o autor:
A exclusão de alguns humanos que subjaz ao conceito moderno de humanidade precede a
inclusão que os direitos humanos garantem a todos os humanos. A concepção ocidental,
capitalista e colonialista da humanidade não é pensável sem o conceito de sub-
humanidade. Ontem como hoje, mesmo que sob formas distintas (SANTOS, 2013, p. 77).
Conforme o mesmo autor seria possível compreender por que ocorria, ao mesmo tempo e
sem problemas, a escravidão e a proteção dos direitos à liberdade e à igualdade dos seres humanos.
Isto [...] porque subjacente aos direitos humanos está a linha abissal "[...] por via da qual é possível
definir quem é verdadeiramente humano e, por isso, tem direito a ser humano, e quem não é e, por
isso, não tem esse direito” (SANTOS, 2013, p. 77).
Neste momento, chegamos à grande questão deste trabalho: Seriam os “bandidos”
sujeitos detentores dos direitos humanos? Tendo em vista todo o nosso estudo para compreender
da onde vem esta divisão entre o que seria considerado humano e não humano e de como esta
274
concepção ainda é bastante marcante nos dias de hoje. Prova disto corresponde aos
questionamentos acerca da legitimidade ou não dos direitos para os marginalizados.
Podemos discorrer que tais sujeitos estariam do outro lado do conceito do universalismo,
ou seja, à medida que existem aqueles seres que são merecedores de usufruir dos direitos, do
outro lado teríamos aquele sujeito que se encontra fora do conceito universal, logo, este precisa
ser dominado, controlado e até neutralizado.
A figura do marginalizado que tem seus direitos posto em dúvida, pode ser assemelhado
ao homo Sacer proposto por Agamben (2010), corresponde a um ser vivo que se equipara aos
animais, sendo sua vida nua, desqualificada, sem importância para a política e sociedade, situada
à margem da ordem jurídica. Sua vida se torna “matável”, sendo o mesmo morto tal ato não será
considerado homicídio, haja vista que sua vida não é considerada um bem jurídico.
Neste viés, podemos ressaltar que os direitos humanos devem ser assegurados a todos os
sujeitos considerados humanos, destituindo esta concepção universalista racional e propondo o
direito a todos sem discriminação. Haja vista que a negação dos direitos atinge muitas pessoas que, ao
longo da história, foram e continuam sendo privados da maioria dos direitos relacionados a liberdades.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme a explanação do trabalho explorado, foi possível verificar que o advento da
Modernidade serviu como argumento para se discutir o eurocentrismo que assola a teoria dominante
dos direitos humanos. Constatou-se a importância do pensamento decolonial para que fosse possível
pensar os direitos para além da composição universalista dos sujeitos proposto por esta vertente.
Coube analisar de forma crítica sobre o advento da evolução dos direitos humanos ao
longo dos anos para que pudéssemos analisar e constatar o quanto a visão eurocêntrica interferiu
e ainda interfere na efetivação dos direitos para aqueles sujeitos que se encontram fora do
conceito universal de ser humano proposto pela Modernidade.
Para tanto, utilizamos autores que puderam enriquecer o trabalho com suas teses
intrigantes e suas concepções fora do padrão sobre os direitos. Por exemplo, o nosso
embasamento na corrente decolonialista, que estuda a influência da Europa não só nos direitos
humanos, mas também no saber, nas ciências sociais, na epistemologia em si do conhecimento da
linha sul abissal.
Com base nisto, identificamos a concepção de sujeito detentor de direitos que quem
perdurando ao longo dos anos por conta da doutrina dominante eurocêntrica dos direitos
humanos, e como podemos defender os sujeitos marginalizados sendo estes também, também
detentores de tais direitos.
Apesar do senso comum propagar o discurso do ódio e a negação dos direitos a estes seres
marginalizados, é possível verificarmos por meio do embasamento teórico adotado ao longo do
artigo, que os “bandidos”, apesar de sua condição marginalizada, são seres humanos detentores
de direitos. Defender esta exclusão de direitos seria regredir aos primórdios da era Moderna, onde
se acreditava que aqueles que não se adequassem ao conceito universalista de ser humano
proposto, seriam considerados bárbaros, primitivos e selvagens.
Com base nas explanações expostas ao longo deste artigo, percebemos que existe a
possibilidade de que este olhar desumanizador que a sociedade atual direciona aos
marginalizados, esteja relacionada a esta visão etnocêntrico-eurocêntrica que está presente na
teoria dominante dos direitos humanos, que não conseguem ver além dos aspectos liberais da
construção dos direitos do homem.
275
REFERÊNCIA
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SANTOS, Boaventura de Sousa; CHAUI, Marilena. Direitos humanos, democracia e
desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2013.
Toda teoria é construída por alguém para atender determinadas finalidades. Partindo-se deste
pressuposto, pode-se afirmar que o discurso dos Direitos Humanos, enquanto construção teórica,
também não é diferente. Apesar de ser inegavelmente uma conquista histórica, os Direitos Humanos,
enquanto discurso, pode ser utilizado em sentidos antagônicos, seja para legitimar práticas
intervencionistas, seja para legitimar a luta de movimentos políticos. Neste sentido, o presente
trabalho busca investigarde quais formas o discurso dos Direitos Humanos, do ponto de vista liberal, é
276
utilizado para legitimar a ordem internacional hegemônica, as dinâmicas internacionais centro-
periferia e práticas intervencionistas das grandes potências hegemônicas. Para a consecução desta
atividade de pesquisa, realizou-se uma análise histórica, utilizando-se por base o episódio da invasão
do Iraque pelos Estados Unidos da América, bem como uma revisão de literatura, adotando-se a
Teoria Crítica dos Direitos Humanos como marco teórico de análise.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Pensamento Descolonial. Teoria Crítica.
Este trabalho discute a partir da teoria da sociedade mundial luhmanniana a relação entre
as práticas econômicas predatórias praticadas por determinados fundos de cobertura, conhecidos
como fundos abutres, e a consolidação de um direito transacional, capaz de prevenir e combater
condutas abusivas no âmbito global e à luz da narrativa do direito ao desenvolvimento. Para tanto,
sustenta-se, primeiro, a desconstrução da narrativa do direito ao desenvolvimento nacional para
uma construção alternativa e atenta às operações complexas da sociedade mundial. Após a
compreensão de um direito ao desenvolvimento da sociedade mundial, os paradoxos da relação
entre fundos abutres e direito transnacional são apresentados a partir de uma análise comparada
capaz de descrever as operações mútuas que se destacam em casos concretos, ainda que
espacialmente distintos. Subjacente à análise observa-se que tanto os fundos abutres quanto o
direito transnacional refletem uma dinâmica global dos sistemas direito e economia que ultrapassa
qualquer tipo de regionalização. Nesse contexto, na etapa final, é enfatizado a importância da
defesa do direito ao desenvolvimento como um direito de uma única e mesma sociedade mundial,
o que justifica sociologicamente a disputa entre organizações internacionais hegemônicas e
contra-hegemônicas nos programas de reformulação das dívidas soberanas.
Palavras-chave: Sociedade Mundial. Direito Transnacional. Dívidas Soberanas.
INTRODUÇÃO
A compreensão dos problemas e das idiossincrasias das políticas de integração da América
Latina enfrenta uma análise crítica da geopolítica mundial e do Direito Internacional. A América
Latina, sob uma matriz de integração regional eurocêntrica, regionalmente homogênea, e uma
ideologia que envolve categorias metodológicas (centro-periferia, metrópole-colônia, civilização-
barbárie, produção-recepção) suscita considerações relacionais que envolvem as ideias de império
(HARDT e NEGRI, 2001, p. 21) e suas complexidades após a Segunda Guerra Mundial, hegemonia,
globalização, do Direito Internacional, das leis de império, do Estado de Direito, desenvolvimento
econômico, teoria dos transplantes legais e a Escola Direito e desenvolvimento.
Uma das questões a representar desafio é precisamente aquela de como estabelecer um
liame relacional entre as políticas de integração da América Latina e do Brasil engendradas a partir
dos centros de poder local frente a geopolítica mundial e as manifestações normativas veiculadas
pela dogmática do Direito Internacional. A pluralidade de institutos e instrumentos de ordenação-
manipulação de poder veiculados pelo Direito Internacional produzem efeitos contrários aos
interesses geopolíticos da região latino-americana?
278
O Direito Internacional (da integração regional) há de ser concebido como um sistema
complexo, isto é, como sistema no qual a interação entre atores e processos, numa relação
espaço-temporal, que apresenta diversidade e dinâmica próprios. Com efeito, há de ser feita uma
aproximação dos elementos marcantes da geopolítica do conhecimento jurídico (Direito
Internacional) e dos modelos de desenvolvimento econômico, consagrado por organismos
internacionais não-estatais. Dispõe-se a enfrentar o tema das ingerências e condicionamentos
impostos por Organismos Internacionais, com o fim de promover, financiar, implementar o
arcabouço jurídico e político-institucional na América Latina.
Tal lógica, que vincula e aproxima o Direito Internacional à herança colonial, e consagra os
modelos político-institucionais e econômico-sociais de modernidade e pós-modernidade na
região, dá contornos e norteamentos nos ordenamentos jurídicos dos países latinos americanos.
Como estabelecer e conceber um modelo de estudo e ensino de Direito Internacional
emancipatório descolonial (BELLO, 2015, p. 51s), a partir do pluralismo próprio da região, frente a
multiplicidade de institutos e instrumentos de ordenação-manipulação de poder consiste no
objeto central do artigo. A definição de descolonialidade pode ser resumida, na forma aqui
explicita por Enzo Bello (2015, p. 52):
Do ponto de vista descolonial, identifica-se que essas narrativas construídas para
apresentar e justificar a modernidade de modo “natural” e “universal”, buscando-se
desmascará-las através de ferramentas como a “epistemologia do ponto zero” ou “h bris
del punto cero”. Cunhado pelo filósofo colombiano Santiago Castro-Gómez, este termo
identifica na retórica moderna um disfarce linguístico proposital, que apresenta o
conhecimento de forma “espontânea”, “universal” e “neutra”, como se valesse para todos
os contextos de tempo e espaço, de maneira oficial; devendo, portanto, ser assimilado e
reproduzido mundo afora. Trata-se de formulações particulares e contextualizadas que
reivindicam caráter universal, camufladas enquanto tal pelas vestes da autoridade que se
autoatribuem.
279
contextualização normativa da geopolítica revela-se espaço-temporalmente como um grande
circuito de comunicação de poder e regulação.
Não há como se negar que as formulações gerais eurocêtricas possuem elevado nível de
cientificidade, de tempo de maturação e resultem de esforçadas pesquisa, além da elevada
qualidade teórica de seus autores. Da mesma forma, não há como se ignorar esta tradição,
renovada pela constante criação que tanto a caracteriza. Tampouco não há como se desconhecer
quase um milênio de existência de universidades, de instituições de pesquisa e de sua
contribuição. O que aqui se debate é a tendência da recepção automática deste pensamento,
como o costume, desde o colonialismo, desencadeado a partir do século XV: tratava-se da
fundação de pequenas França e Inglaterra, por exemplo, onde se chegava; ao invés de procurar a
opção “germinal”, ou seja, a partir da preciosas ferramentas das culturas e ciências europeias,
compreender a diversidade do Novo Mundo.
Portanto, o colonialismo e o movimento descolonial guardam consigo operacionalidades e
similitudes de dominação política dos povos que demonstram o caráter imperial, veiculados por
leis imperiais (e posteriormente do imperialismo pós-colonial, neoimperial) imbricadas com
narrativas históricas de gestão e governos, intervenções políticas, econômicas de Direito
Internacional e do direito nacional ou doméstico.
Nesta ambiência de Metrópole-Colônia, as leis imperiais de outrora, guardam aproximada
relação com as reformas político-institucionais e jurídicas impostas e condicionadas por
organismos internacionais não-governamentais, engendradas por nações desenvolvidas. O
elemento de descrímen, há de ser ressaltado, no caso da América Latina, nos casos de fluxos
normativos, e é a existência de transferências voluntárias e outras frequentemente violentas,
resultantes da teorização da lei imperial consagradora do processo geral de americanização do
pensamento jurídico.
Esta sistemática de reprodução normativa enfrenta crítica desde o século XIX, seja
relativamente ao continente europeu, seja aplicável às então colônias da América Latina. Na
medida em que a ordem jurídica europeia sofria modificações, a fim de ajustar-se às novas
concepções e movimentos que aconteciam em solo europeu, tais modificação aportaram na
América Latina, com evidente e diferente grau de intensidade. Às noções de direitos humanos, por
exemplo, produzidas pela Revolução Francesa não se demorarem a chegar em diversos países
latino-americanos; embora concebidas por diferentes recepções. No caso dos Estrados Unidos,
com sua independência, a liberdade defendida como elemento da fundação daquela República,
consiste no exemplo maior de political hypocrisy, como lembra David Runciman: “No event in
modern political history has been so marked by the problem of hypocrisy as the American
Revolution. The most elementary reason for this can be summarised in a single word: slavery”
(2008, p. 74). O mesmo se pode dizer do caso brasileiro, constituído sobre a forma liberal de uma
monarquia constitucional, a garantir igualdade, numa sociedade de escravos, com mulheres e
pobres impedidos de qualquer participação em quaisquer processos de decisão política.
Na obra À Questão Judaica, Karl Marx reflete a respeito do conteúdo dos direitos humanos
resultantes da Revolução Francesa, para chamar a atenção dos claros limites ainda que
provenientes de um ambiente revolucionário de queda radical do antigo regime. Desta maneira,
“O direito humano da propriedade privada *do art. 16 da Constituição de 1793] é (à sua vontade),
autoritariamente, sem relação aos outros seres humanos do direito do uso próprio, independente
da sociedade, do direito de gozar de seu patrimônio e de dispor sobre o mesmo” (MARX, 1977, p.
365, tradução dos autores)1. Assim é que s segurança jurídica das relações no âmbito dos direitos
humanos revela-se nada mais do que um egoísmo de um homem contra o outro. Em outras
palavras, os direitos humanos funcionam como um limite do direito de um contra o outro; e não
280
de um com o outro: “Por meio do conceito da segurança jurídica a sociedade burguesa não supera
seu egoísmo. A segurança jurídica representa bem mais a garantia de seu egoísmo (MARX, 1977,
p. 366, tradução dos autores)2.
O equacionamento destas questões denota as premissas, no sentido de se buscar de que
forma, com qual engenharia político-institucional e normativa, os países pertencentes à
geopolítica latino-americana salvaguardam os seus respectivos mercados internos das ingerências
e condicionantes econômico-financeiras dos atores internacionais não-Estatais.
Acresça-se aos efeitos da mundialização padronizada, na matriz constitucional
contemporânea, as condicionantes da fragmentação e a privatização. Tais problemas suscitam a
constitucionalização de regimes regulatórios transnacionais e supranacionais bem como a
emergência de novas formas de colisão entre regimes normativos (latu sensu), que alteram os
mecanismos de funcionamento e exercício do poder estatal. Nas formas emergentes de
administração do Direito e do poder regulatório em nível transnacional e supranacional (HOLMES,
2014, p. 1137), as políticas públicas de desenvolvimento econômico padecem de interferências
determinantes e condicionantes por atores internacionais não-estatais.
O constitucionalismo latino-americano surge como consectário do Estado Plurinacional
(nova definição da Bolívia após sua Constituição de 2009), fruto das vicissitudes históricas,
políticas, econômicas e jurídico-constitucionais. E mais, surge uma Ius Constitutionale Commune
na América Latina (ICCAL), veiculando uma abordagem regional-local sobre o constitucionalismo
transformador. A razão para o Direito Constitucional comum latino-americano se revela nos
seguintes termos (VON BOGDANDY, 2015, p. 3):
Esse enfoque se assenta na inquietante experiência adquirida com as inaceitáveis
condições de vida existentes, e aponta para a transformação da realidade política e social
da América Latina, por meio do fortalecimento da democracia, do Estado de direito e dos
direitos humanos. Os problemas comuns aos países latino-americanos, tais como a
exclusão de amplos setores da sociedade, bem como a deficiente normatividade dos
direitos, são temas centrais dessa abordagem.
O CASO POVO XINGU VERSUS BELO MONTE: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS
PROCESSUAIS E A IMPUNIDADE JURÍDICA PELO DECURSO TEMPORAL
285
Coordenação:
João Paulo Allain Teixeira (UNICAP/UFPE)
Raquel Fabiana Lopes Sparemberger (FMP-RS/FURG-RS)
DO ENTENDIMENTO DAS RELAÇÕES DE PODER MICROFÍSICAS: UMA ANÁLISE DA
BUSCA PELO DIREITO E CONSENSO SOCIAL E A INTERFACE DO PLURALISMO
JURÍDICO EM GRUPOS CULTURAIS- CRATO- CEARÁ
287
O CONSTITUCIONALISMO SOCIAL E SEUS ATRATORES: OBSERVAÇÕES SOBRE A
APURAÇÃO TRANSNACIONAL DA LAVAGEM DE DINHEIRO NA PERSPECTIVA DA
SOCIOLOGIA DAS CONSTITUIÇÕES
288
REFERÊNCIAS
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Curitiba: Juruá, 2016.
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Paulo: Saraiva, 2016.
THORNHILL, Chris. A sociology of Transnational Constitutions: Social foundations of the post-
national legal structure. London: Cambrigde, 2016.
Francesco Bertoldi
Graduando em Direito pela UNISINOS. Pesquisador-bolsista CNPq, vinculado ao Grupo de Pesquisa Teoria do Direito,
sob orientação do Prof. Dr. Leonel Severo Rocha.
289
centralizada e hierárquica da política nacional à uma percepção heterárquica para coordenação
entre múltiplos atores dentro na rede. Dessa forma, percebe-se que a observação mediante a
distinção público/privada não mais explica a realidade do poder no âmbito digital. Ora, a criação
da CGI.br é ligada ao direito positivo brasileiro e à política nacional, porém sua reestruturação e
atuação atual mostra que é por meio dela que o governo brasileiro exerce sua soberania, ou seja,
em um modelo de governança privada, ou seja, tomadas de decisão em uma organização
multisetorial.
REFERÊNCIAS
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autopoiético do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.
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VESTING, Thomas. Legal theory and the media of law. Cheltenham: Edward Elgar Publishing,
2018.
PROBLEMA
As teorias em torno do estado de bem-estar social surgem quase 100 anos antes de sua
real implementação já no Século XX, ante a existência de preocupações reais dos economistas
políticos clássicos, seja liberais ou marxistas, da relação entre capitalismo e bem-estar (ESPINGEN-
ANDERSEN, 1990).
Entretanto, tal modelo foi implementado apenas ao longo do século passado,
especialmente nos países de capitalismo avançado, primeiramente no período entre guerras e
chegando ao auge após a Segunda Grande Guerra (SANTOS; SANTOS NETO, 2008).
No Brasil, a ampliação dos direitos sociais e maior intervenção do Estado na economia se
iniciou na década de 30, expandindo-se ao longo do regime militar e havendo grande proteção dos
Direitos Sociais e consolidação do Estado como promotor de políticas sociais com promulgação da
Constituição Federal de 1988 (GRIN, 2013).
Ao longo da década de 90, o Estado passou a ser cada vez mais demandado, exigindo-lhe a
efetivação dos direitos fundamentais, especialmente dos direitos sociais. A judicialização das
políticas públicas consolidou-se na década seguinte e atualmente, tornou-se fenômeno discutido e
visto, muitas vezes, como uma das mazelas do Poder Judiciário, tendo em vista o aumento
expressivo do número de processos, como nos casos envolvendo o Direito à Saúde.
Contudo, cabe ponderar que os direitos fundamentais, incluído os direitos sociais, possuem
importante função na modernidade, e nas sociedades funcionalmente diferenciadas. Conforme
Teubner (2016), os direitos fundamentais apresentam o paradoxo da inclusão/exclusão, no qual estes
direitos possibilitam a uma parcela da população sua inclusão em alguns sistemas sociais parciais, de
acordo com sua função, todavia, por causa da sua função, outros grupos populacionais são excluídos.
Assim, o constitucionalismo social, e os direitos fundamentais sociais, então, possuem
relevância no combate à exclusão, construindo contrainstituições constitucionalmente garantidas
nos setores parciais da sociedade, “os direitos fundamentais atuam não somente como limites dos
sistemas funcionais perante a autonomia dos indivíduos, mas também como garantia de inclusão
da população em sistemas sociais” (TEUBNER, 2016, p. 248).
Por outro lado, os direitos fundamentais podem servir a formar uma esfera de
fundamentabilidade dos sistemas sociais parciais, constituindo um núcleo essencial, o qual reflete
suas demandas expansionistas, assim como proteção à ação de outros sistemas e do próprio
ambiente (CARNEIRO, 2017).
Entretanto, o atual nível de judicialização dos direitos sociais não pode ser observado
exclusivamente com base em questões atuais, devem ser remontados à incorporação destes ao
ordenamento jurídico nacional, e, principalmente, com a possível construção do estado de bem-
estar social brasileiro e a diferenciação funcional da nossa sociedade.
Para compreender a diferenciação funcional dos países da modernidade periférica, como o
Brasil, Marcelo Neves (2016) discorre sobre a alopoiese, partindo do pressuposto que a sociedade
291
mundial de desenvolveu desigualmente de forma profunda, refletindo diretamente nos outros
sistemas sociais parciais, criando diferenças significativas entre o centro e a periferia da sociedade
mundial. Nesse sentido, assim argumenta:
Parece-me, porém, que a distinção entre a modernidade central e periférica é
analiticamente frutífera, na medida em que, definindo-se a complexidade social e o
desaparecimento de uma moral imediatamente válida para todas as esferas da sociedade
como características da modernidade, verifica-se que, em determinadas regiões
estatalmente delimitadas (países periféricos), não houve de maneira nenhuma a
efetivação adequada da autonomia sistêmica de acordo com o princípio da diferenciação
funcional nem a constituição de uma esfera pública fundada na generalização institucional
da cidadania, características(ao menos aparentes) de outras regiões estatalmente
organizadas (países centrais) (NEVES, 2016, p. 171).
Em verdade, verifica-se o aumento exponencial da complexidade social ocorreu tanto nos países
centrais, ditos desenvolvidos, assim como nos países periféricos, ou subdesenvolvidos, entretanto, os
sistemas funcionais destes últimos não se desenvolveram na mesma velocidade de modo a determinar e
estruturar o processo de complexização, como o foi nos países centrais (NEVES, 2016).
Com os sistemas pouco desenvolvidos na modernidade periférica, estes são dispares em
seu interior assim como entre os outros, resultando em imbricações e sobreposições entre
códigos, dificultando seu normal funcionamento, dependência dos critérios dos sistemas,
permitindo acesso aos resultados do sistema sem observação dos códigos e programas,
impossibilitando a reprodução autopoiética (NEVES, 2016).
Tais problemas, acabam por impedir a autonomia funcional dos sistemas parciais, especialmente
diante do sistema econômica, afetando em grande medida os sistemas políticos e jurídicos e o papel da
Constituição como facilitador do acoplamento estrutural entre estes dois sistemas.
Deste modo, cabe questionar como a formação do Estado de Bem-Estar brasileiro e sua
consequente diferenciação funcional contribuem para a atual judicialização de Políticas Públicas e
sua função no paradoxo da inclusão/exclusão.
OBJETIVO GERAL
Analisar como a formação do Estado de Bem-Estar Social brasileiro e sua diferenciação
funcional contribuem para a atual judicialização de Políticas Públicas e no paradoxo da
inclusão/exclusão.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Analisar a formação do estado de bem-estar social brasileiro.
2. Estudar o processo de diferenciação funcional após a CF/88.
3. Estudar a judicialização de políticas públicas e sua função no paradoxo da
inclusão/exclusão dos direitos fundamentais.
4. Analisar a possibilidade da corrupção sistêmica na judicialização de políticas públicas.
METODOLOGIA
O método é importante para conferir legitimidade e credibilidade à pesquisa, indicando
regras, propondo procedimentos e modo a orientar a condução da pesquisa de modo eficaz
(DIONNE; LAVILLE, 2008).
Apesar de tentativas ao longo da história de se desenvolver métodos universais, há de se
seguir metodologias determinadas de acordo com o objeto da pesquisa, assim como os objetivos
almejados (GIL, 2008).
292
Assim, para a realização da pesquisa aqui proposta, para constituição das bases lógicas da
investigação, será utilizado o método hipotético-dedutivo. Segundo Gil (2008), este método parte
da dificuldade expressa em um problema e de hipóteses formuladas a partir deste, as quais serão
conjecturadas e testadas, objetivando falseá-las ou corroborá-las.
Quanto ao nível da pesquisa social, esta será exploratória, que tem por escopo apresentar
uma visão geral, aproximada acerca de determinado fenômeno ou fato (GIL, 2008). Nesse sentido,
para sua persecução, será realizado levantamento bibliográfico e documental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A judicialização de políticas públicas e a demanda crescente em algumas áreas, como a
saúde, guardam relação com a formação do estado de bem-estar social brasileiro a a sua
diferenciação funcional, especialmente no período após a promulgação da CF/88.
A alopoiese, como denomina Marcelo Neves (2016), contribui para ausência de autonomia
dos sistemas sociais parciais da sociedade, prejudica a relação intersistemas, e a função
constitucional de possibilitar o acoplamento estrutural.
A Carta Magna e as legislações dela decorrentes preveem prestações amplas em relação
aos Direitos Sociais, como saúde, moradia e educação, entretanto, diante de diversos fatores, estes
não são integralmente efetivados, como limitações financeiras, escolhas políticas.
Voltando para Neves (2016), o simbolismo da norma constitucional pode ser atribuída
como efeito/consequência da alopoiese na modernidade periférica, uma vez que há uma clara
tentativa de instituição de uma espécie de Estado Social, entretanto não há todas as condições
sociais, normativas e econômicas possíveis, como havia na modernidade central.
Nesse contexto, acaba por ocorrer, inclusive, uma confusão dogmática acerca das normas
constitucionais programáticas, que ao invés de servirem de norte para a sociedade, um projeto de
futuro, acabam sendo normas dissociadas da realidade, de difícil ou impossível aplicação e
realização social (NEVES, 2016).
Por outro lado, conjuntamente com a já explicitada alopoiese e a legislação simbólica dela
derivada, podem causar o problema da corrupção sistêmica entre os sistemas envolvidos na
judicialização de Políticas Públicas, ante a deficiência de autonomia dos sistemas sociais parciais da
modernidade periférica.
Quanto ao direito, observa-se que este vem sendo influenciado pela economia e a política,
contudo há clara ampliação do discurso jurídico sobre as mais diversas áreas e setores sociais,
sendo submetidos ao discurso jurídico, como a administração, constituição da economia,
educação, relações familiares e de trabalho (FISCHER-LESCANO; MOLLER, 2017).
Tal expansão do sistema jurídico tem sérias consequências, uma vez que transforma todo e
qualquer problema social em um problema jurídico, e o que deveria ser decido a partir do código
de um sistema específico, acaba sendo decidido pelo código lícito/ilícito do sistema jurídico
(FISCHER-LESCANO; MOLLER, 2017).
Por fim, observa-se ampla influência da tentativa de formação de um Estado Social amplo
no Brasil, com o atual nível de judicialização de políticas públicas, especialmente as que envolvem
os direitos sociais. Tal fato se deve, principalmente, a alopoiese da modernidade periférica, com a
formação de sistemas sem autonomia, que pode incorrer na corrupção sistêmica, bem como ao
paradoxo da inclusão/exclusão dos direitos fundamentais.
293
A judicialização pode ser uma alternativa a este paradoxo, um meio de inclusão de parcela
da população nestes sistemas sociais parciais, entretanto, há de ser observad possíveis
consequências negativas, como a corrupção sistêmica e expansão do sistema jurídico.
REFERÊNCIAS
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O objeto desta pesquisa é identificar e descrever a justiça realizada pelo direito. Para
desenvolver a pesquisa, utilizar-se-ão conceitos extraídos da teoria dos sistemas, de autoria do
sociólogo alemão Niklas Luhmann, em razão de a teoria ter buscado fornecer subsídios de
consistência às decisões judiciais, mediante o autocontrole do subsistema do direito. Superou-se a
tese do jusnaturalismo e, ainda, evitou-se o risco de reducionismo da decisão a mero ato decisório
sem compromisso com a função do sistema jurídico. Este avanço em relação aos positivistas e a
294
desqualificação daqueles (jusnaturalistas) talvez tenha sido responsável pela sua classificação
como neopositivista, com a ressalva de que os luhmannianos não aceitam tal rótulo.
A justiça não pode ser vista como um terceiro valor ao lado daqueles que compõem o
esquema binário do código do subsistema jurídico porque isso afetaria a sua estabilidade.
Enquanto observação de caráter normativo e dirigida aos programas condicionais, a justiça se
coloca mais propriamente no plano daquilo que Luhmann denomina “observação de segunda
ordem”, funcionando como autodescrição ou como representação da unidade do direito, o que
faz com que, enquanto tal, seja “canonizada” de modo a tornar-se irrefutável dentro desse
subsistema. Como espécie de norma dirigida a todos os programas condicionais que compõem o
direito, a justiça, que em si não é um programa condicional, consiste apenas em um esquema para
obtenção de razões ou valores que, por sua vez, só se tornam válidos por meio de sua conversão
em programas condicionais.
No que concerne à questão da consistência, Luhmann ressalta que, em sua forma mais
geral, a justiça, enquanto fórmula de contingência, foi tradicionalmente, e ainda hoje continua a
sê-lo, identificada com a igualdade que, por sua vez, expressa um elemento formal que consigna
todos os conceitos de justiça, não obstante signifique apenas regularidade e consistência. Assim
sendo, a igualdade, tal como ocorre com todas as fórmulas de contingência, é vista como princípio
que se autolegitima. Considerada nesses termos, a justiça deixa de ser concebida como afirmação
relativa à essência ou natureza do direito, um princípio fundador da validade jurídica ou um valor
que fizesse o direito parecer algo digno de preferência. A justiça, enquanto fórmula de
contingência, é tradicionalmente associada à igualdade, consistindo no tratamento igualitário e
sólido dos casos jurídicos, o que, em última instância, expressa a própria estrutura do programa
condicional ao qual se volta: “dado o fato ‘x’, ‘ ’ é legal”. Ou seja, tal como já ressaltava Luhmann
em seu livro Rechtssoziologie, a justiça tornar-se-ia a implementação uniforme do direito, por
causa de sua vigência. Isso significa que, na sociedade moderna, o que se pode reputar como
direito justo é a aplicação universal de critérios para a decisão, sem que haja a consideração das
pessoas implicadas. Ora, isso quer dizer que a igualdade passa a funcionar, no âmbito do
subsistema do direito, como postulado regulador da congruência jurídica. Tal como enfatiza Jean
Clam, os efeitos da generalização pela igualdade revelam uma racionalidade sistêmica que, por
meio da validação universal fornecida pelo princípio da igualdade, provoca uma restrição das
possibilidades decisórias do direito (rétrécissement des voies de la décision juridique), que
corresponde a uma redução de complexidade. Nesse sentido, o princípio da igualdade, com o qual
tradicionalmente se associa a justiça, passa a ser um princípio de racionalização do direito,
justamente porque, ao exigir a inclusão de todas as pessoas concernidas, permite que se
generalize a validade desse subsistema, instalando limitações estruturais que inserem as decisões
jurídicas em esquemas binários exclusivos, os quais, por sua vez, favorecem a emergência e a
imposição da comunicação jurídica fundada na dicotomia direito (igual)/não direito (desigual). É
por essa razão que Luhmann pode afirmar que a igualdade contribui para a obtenção de
consistência interna, por parte do direito.
Numa sociedade altamente complexa, entretanto, para se proporcionar justiça é preciso
adaptar a complexidade social à comunicação sistêmica, vale dizer, é preciso moldar a
complexidade externa ao sistema jurídico para, consequentemente, produzir comunicação
adequada.
A propósito, a complexidade adequada é produzida à medida que a redução da
comunicação social ao código binário lícito/ilícito torna possível um decidir consistente. A
positivação do direito proporcionou ao sistema jurídico diferenciação em nível de decisão que
produz comunicação jurídica. O sistema jurídico é constituído pelas decisões em uma única
295
comunicação, cuja reiteração rende a sua autonomia. Essa exposição conceitual serve para afirmar
que o sistema jurídico transforma outras comunicações em comunicações jurídicas, as quais, na
cadeia comunicativa, emitirão outras comunicações, contudo sempre jurídicas, reduzindo, por
conseguinte, a complexidade mediante código binário próprio: lícito/ilícito. Este processo é a
justiça possível de ser proporcionada pelo sistema do direito.
Em pormenores, o sistema do direito está imerso na sociedade. A sociedade, por sua vez,
abriga outros subsistemas que emitem suas próprias comunicações. À medida que o sistema
parcial do direito é chamado a ofertar prestações a outros sistemas – como por exemplo, quando
um contrato não é respeitado –, ele recebe a comunicação do ambiente e a transforma em
comunicação jurídica e, como em um processo reflexivo, reduz a complexidade do litígio mediante
a emissão de uma comunicação jurídica. A emissão de nova comunicação não garante, por si só, a
obediência à decisão emitida. O sistema jurídico pode – e não é pouca coisa, vale dizer –, por
meio de outras comunicações da mesma natureza, fazer com que a expectativa normativa seja
mantida ao longo do tempo. Significa afirmar que a justiça proporcionada pelo direito é também
voltada à transformação de outras comunicações e, quando necessário, à comunicação jurídica.
Contudo, apenas a consistência interna das decisões jurídicas não é suficiente para que sejam
consideradas justas; mais do que isso, é necessário que tenham adequação social, ou seja,
complexidade adequada.
Gunther Teubner sublinha que a justiça como fórmula de contingência ultrapassa
explicitamente a consistência interna; ela não é concebida como imanente ao direito, mas como
transcendente a ele. Assim, para que haja justiça é necessário que a consistência interna se
articule para ter capacidade de dar resposta adequada às demandas plurais advindas do ambiente.
Essa é a dupla exigência a ser adimplida para que se possa falar de justiça como fórmula de
contingência. Por esse motivo, aliás, Teubner sublinha o caráter subversivo da própria justiça. A
justiça, na concepção deste autor, figuraria como uma força interna ao direito que o subverte. A
justiça apareceria como um processo idiossincrático por meio do qual a auto-observação do
direito interrompe, bloqueia e sabota a recursividade rotinizada das operações legais, permitindo
ao direito transcender a si próprio. É por essa razão que a justiça emerge como um paradoxo que,
como observa Marcelo Neves, nunca é superado. Ou seja, trata-se de um paradoxo que pode ser
processado e solucionado em casos concretos, mas nunca superado plenamente, pois sua
superação implicaria o fim do direito como sistema social autônomo. A justiça, portanto, afigura-
se como “experiência do impossível”, o que a torna sempre algo fugidio em relação à busca que se
expressa sempre como um tatear.
O direito não possui uma varinha de condão para o seu aplicador determinar o
desaparecimento da situação ilícita. Ele não pode fazer isso. Não tem superpoderes. Entretanto,
por vezes, o coro social pleiteia o contrário, mas sempre em vão. A modernidade oferece outra
ideia sobre sua função. O ofício do direito, segundo o sociólogo alemão Niklas Luhmann, é garantir
as expectativas normativas ao longo do tempo. A sociedade continuará a acreditar na efetivação
das normas. As comunicações jurídicas garantirão que as expectativas sejam mantidas.
O direito atua no plano da expectativa: continuar-se-á a acreditar na preservação dos
valores contemplados pelas normas. Não é pouca coisa, como afirma Campilongo. Nesse aspecto,
justiça, para Luhmann, é fórmula-contingência, cujo mister é dar consistência às decisões do
sistema jurídico, por meio da redução da complexidade social do ambiente. Daí resulta que as
decisões serão sempre binárias, in casu: lícito/ilícito. O fato de a justiça “possível de ser prestada”
não saciar a vontade social não altera a realidade. Não há como cobrar dos operadores do direito
(advogados, juízes e promotores) outra atitude, ao menos na atualidade. No momento histórico
em que vivemos, só o direito pode fazer com que a sociedade continue a acreditar na sua
296
efetivação, mediante reiterações comunicativas binárias, representadas pelo código: lícito/ilícito.
Em suas operações, o direito opera sempre fechado; quer dizer, com base na binariedade
suprarreferida.
Do exposto, extrai-se que a solução esperada pela sociedade depende muito mais dela do
que propriamente do direito, cujo contexto social é apenas uma parte do ambiente social, no qual
estamos inseridos. Para solucionar tais situações, a bem da verdade, é preciso que se proceda a
uma alteração dos valores sociais, cuja comunicação também virá do interior do direito,
simplesmente porque não se pode acreditar que uma parte (o direito) alterará o todo (a
sociedade). O direito provém da sociedade e não o contrário.
Palavras-chave: Justiça. Consistência. Adequação.
297
Direitos Fundamentais. Para viabilizar a investigação proposta, propõe-se a análise normativa
aliada à pesquisa documental (decisões judiciais, especificamente) e bibliográfica.
Palavras-chave: Assistência Social. Políticas públicas. Separação dos poderes.
298
Para isso, a metodologia da teoria autopoiética sistêmica (BESIO; PRONZINI, 2011) será
utilizada para constituir um sistema de proteção ambiental, abarcando em sua análise subsistemas
estatais, mercadológicos e sociais que abarque dentro de sua construção de intersubjetividade,
observando aquele como um sistema fechado normativamente e aberto cognitivamente a partir
da aplicação do código jurídico legal/ilegal (LUHMANN, 2007).
Após, aplicar-se-á o referido modelo no objeto empírico da audiência pública da etapa III
do empreendimento de exploração e desvio de gás natural da Bacia de Santos - Pré-Sal, ocorrida
em 27 de fevereiro de 2018 no Município de Niterói/RJ de forma a demonstrar como as
populações tradicionais pertencentes naquele sistema produzem sua intersubjetividade perante o
órgão licenciador.
Por fim, a análise do objeto empírico demonstra que a abordagem do fenômeno jurídico a
partir da teoria sistêmica de Niklas Luhmann fornece aos operadores do direito um substrato
ferramental de maior abrangência político-social que a abordagem formal dos modelos de
imputação da realidade às normas, abarcando os diferentes vetores de influência normativa e
possibilitando a aplicação prática desta metodologia a novos objetos.
PROBLEMA INVESTIGADO
A teoria dos sistemas elaborada por Niklas Luhmann representa importante aporte
teórico contemporâneo, destinado à compreensão da complexidade hodierna do fenômeno
social a partir de uma ótica global. Nesse sentido, os pressupostos da teoria sistêmica
luhmanniana – pautada, sobretudo, por um olhar interdisciplinar, característico do autor –
possibilitam uma visão diversificada e inovadora do meio social e de seus elementos.
Nota-se que o autor entende a sociedade a partir de ponto de vista próprio e
diferenciado, percebendo a comunicação como elemento constitutivo dos chamados Sistemas
Sociais, cada um desses sendo um todo unitário a que não cabe estabelecer divisas ou
fronteiras.
Sabendo que, no citado arranjo teórico, o Direito é tido como subsistema social, torna-se
imprescindível estuda-lo e compreender a sua aplicabilidade no meio em que inserido, com base
nos conceitos desenvolvidos por Luhmann.
Na continuidade, identificando o papel essencial da Constituição de um Estado no
ordenamento jurídico, enquanto maior e mais respeitável instância legal posicionada dentro da
hierarquia normativa, nesta pesquisa optou-se pela realização de recorte temático destinado à
299
análise da função da Lei Fundamental no sistema jurídico luhmanianno, a fim de averiguar sua
importância no processo de diferenciação do Direito, e de seu desenvolvimento.
OBJETIVO GERAL
Compreender o conceito de Constituição para Niklas Luhmann e a sua posição na Teoria
dos Sistemas.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Estudar a teoria dos sistemas de Luhmann, com enfoque na ideia de Direito;
b) Entender a função da Constituição segundo a teoria sistêmica de Luhmann;
c) Demonstrar a concepção Luhmanniana da Constituição como aquisição evolutiva.
MÉTODO DE ANÁLISE
Este trabalho pautou-se na técnica da revisão de bibliografia no intuito de assimilar o
cerne da obra de Niklas Luhmann e os pressupostos teóricos atinentes à sua teoria dos sistemas.
Para isso, a pesquisa dotou-se de caráter exploratório, com uso de trabalhos científicos em meio
bibliográfico e digital, e consequente aplicação do método de raciocínio analítico-dedutivo, em
busca de elaborar embasamento teórico destinado a estabelecer uma relação entre a teoria dos
Sistemas de Luhmann e o papel da Constituição no ordenamento jurídico estatal.
CONCLUSÕES
Constata-se que Luhamann avalia a Constituição como espécie de garantia do processo
de evolução sistêmica do Direito. Isso, pois, compreende que o sistema jurídico, a partir do seu
processo de autodiferenciação, desenvolveu-se no sentido de encontrar na Carta Fundamental
novo balizador para a autopoiese sistêmica.
Tal delimitação pelo texto constitucional dá-se, por sua vez, a partir da verificação do
controle de constitucionalidade, o qual transforma o binômio “direito/não direito” em
“constitucional/inconstitucional”, visto que aquele passa a ser o elemento norteador do
processo evolutivo e distintivo no âmbito jurídico.
Se objetiva aqui propor um debate sobre as relações entre o Estado, em sua dimensão
político-jurídica sob uma perspectiva sistêmica, e a pluralidade heterogênea a ele vinculada,
articulada nas expectativas sociais mais diversas, conforme as assimetrias da sociedade mundial
moderna. A partir deste debate, articulado metodologicamente em uma análise da literatura
proposta, encaminha-se a observação analítica das projeções de futuridades, suas expectativas
normativas e de suas possibilidades de sincronização.
A problemática de uma comunidade de múltiplas expectativas que aqui se pretende
apresentar circunscreve-se na possibilidade de refletir a relação entre os grupos sociais diversos
abarcados em uma territorialidade estatalmente delimitada e as suas relações reguladas pela
democracia institucional. Interessam, portanto, sobremaneira as possibilidades de convivência,
300
resistência e abertura a novas alternativas que compreendam sua História, a pluralidade dos
seus modos de vida, e projetem futuridades. Assim, questiona-se o lugar do Estado e sua
configuração jurídico-política em sua capacidade de mediar satisfatoriamente o dissenso até o
limite dos seus aspectos formais. Ora, a manutenção de estruturas sociais excludentes e demais
desigualdades relacionam-se com uma chave de inclusão e exclusão de determinados grupos
que estão intrinsecamente vinculados aos processos de colonialismo, imperialismo e
globalização na constituição de uma sociedade moderna estruturalmente assimétrica. Tensões
raciais, religiosas, sexuais e de gênero mantém relação direta com o processo supostamente
“civilizatório” de exportação de uma universalidade predatória ocidental que vai conformar a
sociedade mundial. Refletir acerca disto significa questionar, portanto, os marcos pré-
estabelecidos de uma violência institucional que perdura no tempo até a atualidade,
circunscritos aí, de pronto, o Estado, o direito e o sistema político, elementos que servem
corriqueiramente à manutenção de privilégios daqueles que projetam futuridades consolidadas.
Neste ínterim, é salutar pensar as implicações do padrão sistêmico de uma
normatividade estatal. Na sociedade hipercomplexa dos dias atuais, os sistemas sociais
gerenciam, em seus códigos e programas, os acessos e bloqueios de diversos atores que
permitem uma coabitação em um mesmo espaço. A própria face do Estado, em seu recorte
político e jurídico, constitui, portanto, uma unidade sistêmica sobre a diversidade. A
normatividade em que se expressa o Direito necessariamente significa o controle sobre o tempo
e a regulação de futuros por meio de expectativas estabelecidas. O horizonte temporal da
experiência humana é logicamente correlato da estrutura social em que ela se insere em uma
sociedade multifacetada acentuada em seu dissenso agudizam-se, logo, os desafios de
convivência e disputas nos planos jurídico-político. Deste modo é que, assim, se impõe o debate
acerca da funcionalidade e alcance da política e do direito na consecução de futuridades plurais.
Assim, ao cabo, podemos concluir que o Estado Democrático de Direito, embora
resultado de uma proposição de universalidade homogênea, é objeto incontroverso de disputa
de pluralidades manifestadas no que chamaremos de futuridades consolidadas e futuridades
precárias. Conquanto possa se estabelecer diferentes relações com a estatalidade, é fato que ela
é indispensável na travessia de confrontação às desigualdades sociais e na promoção de uma
melhor convivência das pluralidades heterogêneas em tensão com a homogeneidade temporal
da sociedade moderna.
A reconstrução da História, com uma consistente renegociação de termos, conceitos e
costumes, terá seu impacto nos sistemas político e jurídico, que na sua autorreprodução vão
assimilar a variabilidade possibilitada pela gradual inclusão de grupos heterogêneos aos
benefícios dos sistemas sociais. Ademais, a sincronização das pluralidades temporais põe o
Estado na função de mediar de forma mais justa o dissenso estrutural caracterizador da
sociedade moderna, assinalando ao fim o protagonismo da estatalidade, nos moldes propostos,
para uma harmonia de futuridades.
301
CONSTITUIÇÕES DA SOCIEDADE MUNDIAL: É POSSÍVEL FALAR EM UMA
IDENTIDADE DEMOCRÁTICA?
TEMA-PROBLEMA
As relações entre democracia e constituição são complexas e, por vezes, paradoxais. Pensar a
democracia exige pensar, filosoficamente, o poder; historicamente, as experiências concretas e,
sociologicamente, a dinâmica institucional. Fundamentos filosóficos como liberdade e igualdade não
podem ser colonizados em experiências unilaterais, o que acaba por exigir uma articulação capaz de
“funcionar” em um ambiente social de elevada complexidade. Essa última exigência torna inviável o
romantismo do retorno à uma democracia direta que nunca existiu – embora não elimine
experiências pontuais –, ao tempo que exige um determinado modo de operação do sistema político
da sociedade complexa. E, do mesmo modo que a democracia não pode ser pensada para o
exercício do poder em um determinado território habitado por indivíduos, é bastante provável que a
aposta em um consenso substancial como pressuposto democrático seja tanto um equívoco
empírico quanto uma utopia inalcançável. Mas, isso significa que a democracia sobrevive sem algo
equivalente ao consenso substancial? A dinâmica agonística da democracia (entre Lefort e Mouffe)
oferece um risco: a abertura ao dissenso e as múltiplas possibilidades de estruturação de
expectativas normativas podem produzir, paradoxalmente, formas totalitárias. Nesse sentido, a
coerência performática da política democrática exige um constitucionalismo adaptado aos perigos
da democracia, capaz de contribuir para bloqueio do totalitarismo. A primeira resposta viria dos
direitos fundamentais. Todavia, os limites “naturais” da semântica constitucional exige um modelo
pragmático que tende à procedimentalização e sobrecarga das organizações decisórias. A semântica
dos direitos fundamentais tende, nesse sentido, a estruturar as mais variadas expectativas do
ambiente social do direito, cabendo às organizações judiciárias – em especial, o Tribunal
Constitucional – decidir sobre os limites a serem impostos ao ambiente e ao próprio sistema
jurídico. A pergunta que se faz é, portanto, a seguinte: até que ponto uma observação sociológico-
sistêmica sobre o fenômeno constitucional não poderia identificar nas experiências do
constitucionalismo moderno identidades constitucionais voltadas para o bloqueio de uma política
democrática não agonística? A sociologia constitucional poderia reconhecer identidades
constitucionais capazes de impedir o fluxo de pretensões normativas capazes de colapsar as
democracias plurais? Se a semântica constitucional dos direitos fundamentais acabou contribuindo
para a contingência e proteção das práticas expansivas de outros sistemas funcionais, por que
determinadas democracias são mais resistentes do que outras às pretensões da política totalitária?
Não teria isso nada a ver com o consenso em torno de alguns princípios?
OBJETIVOS
Verificar, a partir de uma sociologia do constitucionalismo da sociedade complexa mundial,
os limites e as possibilidades de existência de princípios amparado por um nível mínimo de
consenso capaz de proteger e vincular a dinâmica agonística das democracias plurais.
MÉTODO
A articulação das equivalências funcionais entre a fenomenologia hermenêutica e a teoria
dos sistemas, duas formas de lidar com o sentido (compreender e comunicar), exige aquilo que foi
denominado por Luhmann de “método comparativo”.
302
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Já existem estudos quanto à relação entre Constituição e democracia e quanto ao modo de
funcionamento dos direitos fundamentais e de como sua semântica pode, em hiperciclos de
recursividade internos ao sistema, proporcionar o estabelecimento de limites substanciais à
dinâmica democrática, havendo alguns textos já publicados. Todavia, partindo do princípio de que
não há grau zero nem no acontecer da linguagem a ser compreendida, nem naquela que viabiliza
a comunicação, as Constituições nacionais estariam vinculadas a uma rede constitucional
democrática que poderia legitimar a observação de uma identidade constitucional que, em
determinadas condições sociológicas, seriam mais ou menos capazes de proteger a democracia
agonística.
303
Coordenação:
André Augusto Pereira Brandão (UFF)
Carlos Alberto Lima de Almeida (ESTÁCIO)
Delton Ricardo Soares Meirelles (UFF)
COTAS RACIAIS SOB ATAQUE: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DOS PROJETOS DE
REVOGAÇÃO DAS COTAS RACIAIS NO ÂMBITO FEDERAL E NO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
A presente pesquisa busca realizar uma análise discursiva dos projetos de lei que pedem a
revogação das cotas raciais para o ensino superior no âmbito federal e no âmbito estadual no
estado do Rio de Janeiro. Sendo pioneiro no Brasil, o estado do Rio de Janeiro teve seu sistema de
cotas estabelecido primeiramente pela Lei nº 3.524/2000, que reservou 50% das vagas para
estudantes egressos de escolas públicas nos vestibulares das Universidades Estaduais fluminenses.
Em 2001 a Lei nº 3.708/2001 destinou pioneiramente 40% de vagas para candidatos
autodeclarados negros e pardos. E em 2003, estas leis foram substituídas pelo sistema atual,
estabelecido pela Lei nº 4.151/2003. Em 2018, a Lei nº 8.121 prorrogou o sistema de cotas por
mais 10 anos, estabelecendo os percentuais de 20% das vagas para negros, indígenas e alunos
oriundos de comunidades quilombolas, 20% para alunos oriundos de ensino médio da rede
pública, e 5% para estudantes com deficiência, e filhos de policiais civis e militares, bombeiros
militares e inspetores de segurança e administração penitenciária, mortos ou incapacitados em
razão de serviço. No âmbito federal, iniciativas pioneiras existiram, como a Universidade de
Brasília, que em 2004 teve seu sistema de cotas raciais questionado na Arguição de
Descumprimento Federal (ADPF) 186, cujo resultado terminou por declarar a constitucionalidade
das cotas raciais no país. Somente em 2012, a chamada Lei de Cotas (A Lei nº 12.711/2012)
unificou o sistema de reserva de vagas por cotas para todas as universidades federais do país,
estabelecendo o atual sistema de reserva de vagas para escolas públicas, com recortes de raça e
rendimento familiar. Após quase 20 anos de reservas de vagas, no âmbito estadual ou federal, o
sistema de cotas tem sido alvo de diversos estudos que comprovam a sua eficácia enquanto meio
de inserção no ensino superior de grupos tradicionalmente excluídos do acesso a estes espaços.
Mesmo assim, diversos segmentos sociais continuam a realizar críticas ao sistema de cotas, em
especial às cotas raciais. Neste ano, dois projetos de lei tentam revogar as cotas raciais. No
âmbito federal, o Projeto de Lei 1443/2019, da deputada federal Dayane Pimentel, do PSL-BA,
visava à revogação total da Lei de Cotas. Um mês depois da apresentação do projeto, este foi
305
retirado para retificação da proposta, uma vez que, segundo a deputada, a proposta era apenas a
revogação das cotas raciais, e não das demais cotas. No âmbito estadual, o Projeto de Lei
470/2019, apresentado pelo deputado Rodrigo Amorim, do PSL, tem como objetivo acabar com as
cotas raciais nas universidades do estado, mantendo os demais tipos de cotas. O presente
trabalho tem como objetivo realizar uma análise discursiva dos dois projetos de lei apresentados,
principalmente no que tange a argumentação ligada à exclusividade da revogação das cotas raciais
em detrimento dos demais tipos de cotas, assim como da repercussão social destes projetos na
opinião pública. Para tanto, o trabalho se baseia na Análise do Discurso em sua matriz francesa,
principalmente com base na obra da brasileira de Eni Orlandi, e em alguns elementos da obra de
Patrick Charaudeau e Dominick Maingueneau. Como conclusões preliminares, o trabalho aponta
para uma articulação da categoria “cotas raciais” com as ideias de conflito, meritocracia e
igualdade formal, que levam a uma suposição de que as cotas raciais seriam, segundo os campos
políticos que defendem tais projetos, uma injustiça contrária à igualdade formal, que reforça
desigualdades e conflitos sociais, uma vez que não existiria uma dívida histórica a ser reparadas
com as cotas raciais. Ao tentar separar as cotas raciais dos demais tipos de cotas, estes projetos
discursivamente reforçam o imaginário de que não existe racismo no Brasil já que viveríamos em
uma sociedade onde as pessoas na sofreriam desigualdades por conta de sua cor, raça ou etnia.
Palavras-chave: Sistema de Cotas. Análise do Discurso. Cotas Raciais. Racismo. Antirracismo.
A escravidão dos povos africanos no Brasil foi abolida há mais de um século, entretanto, o
preconceito com os descendentes desses povos permanece. Embora o Brasil seja um país laico, a
intolerância religiosa com as religiões não cristãs se faz muito presente, principalmente com as de
matriz africana, o que confirma o racismo velado em solo brasileiro. Na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, a religião está prevista, como uma liberdade, no inciso VI do artigo 5º,
sendo um Direito Fundamental. Importante ressaltar que essa forma de direito é a positivação dos
Direitos do Homem na Constituição nacional, o que viabiliza seu reconhecimento, garantia e cobrança.
Desse modo, tem-se, nesse diploma normativo, assegurada a liberdade a adesão e manifestação de
qualquer religião, assim como a nenhuma. Sabe-se que a religião é uma forma de expressão cultural
coletiva, que resulta em características próprias de cada grupo social. Uma das diversas maneiras de
expressão das religiões é o rito, o qual é utilizado para manifestação das interpretações, explicações
das origens e manutenção do ser humano em uma vida sagrada. Ante o exposto, questiona-se a
condição das religiões de matriz africana no ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo, tem-se
como objetivo compreender o conceito de religião, entender sua relação com cultura e compreender
a sua importância para sociedade. Para tal finalidade, será realizada pesquisa bibliográfica sobre o
tema. De mesmo modo, visa-se verificar a forma como a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988 aborda o tema religião por meio de análise do texto normativo. Por fim, tem-se como
escopo analisar o posicionamento jurisprudencial nacional para entender a postura adotada pelo
Poder Judiciário quando se tem o direito à liberdade de religião em exame. Para tanto, foi escolhido o
Recurso Extraordinário 494601-RS, que trata da constitucionalidade de prática de sacrifício de animais
nas religiões de matriz africana. Para isso será realizada leitura dos votos dos ministros e da decisão do
Supremo Tribunal Federal, assim como análise do vídeo do julgamento do recurso extraordinário em
306
plataforma de vídeo online (Youtube) e realização de pesquisas bibliográficas sobre os temas
abordados no dispositivo em julgamento. Justifica-se a presente pesquisa na necessidade de
apreciação da real condição de existência e preservação da identidade da parcela social que é fruto do
tráfico e escravidão dos povos africanos no Brasil. Por meio desse estudo tem-se como foco verificar a
forma como o racismo é abordado no direito brasileiro e assim buscar meios para assegurar a
multiplicidade de culturas do cenário nacional.
Palavras-chave: Racismo. Religião de matriz africana. Sacrifício animal. Liberdade de religião.
307
e, do mesmo modo, a jurisprudência dos Tribunais de Justiça do Estado da Bahia e sua
correspondência para com a realidade social e as garantias jurídicas do país.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Considerando o contexto sociopolítico atual, é possível perceber que, no que tange aos
direitos dos povos tradicionais na Bahia – seja a nível federal ou estadual -, a questão quilombola
ainda é um vetor para diversas tensões sociais, políticas e, é válido dizer, culturais. No âmbito
jurídico não é diferente. Apesar dos direitos e garantias conquistados pelas lutas dos chamados
povos remanescentes de quilombos e do Movimento Negro, a problemática dos conflitos de terra –
impasse que mais influi sobre o sistema jurídico baiano quando se trata da questão quilombola –
ainda é, nestes espaços de justiça, constantemente eivada, quando não pela dificuldade de
compreensão das diferenças de sociabilidade, por fatores políticos e/ou econômicos alheios ao
direito, o que fica claro ao notar a quantidade de casos na jurisprudência nos quais o resultado do
processo pende contra a comunidade tradicional quilombola em questão. Neste sentido, é possível
concluir: muitos direitos foram positivados, mas ainda se faz necessário materializá-los na dinâmica
social baiana em forma de efetividade jurídica prática, necessidade esta que demanda não apenas o
diploma legal e seus meios de aplicação, mas também a reeducação no modo de se compreender e
lidar com as diferenças culturais, sociais, políticas e jurídicas dos múltiplos povos que compõem o
Estado-nação. E vale ressaltar: se trata de um processo no qual a presença das instituições
adjacentes ao Judiciário – isto é, o Ministério Público e a Defensoria Pública – é imprescindível, visto
possuírem potência educativa no âmbito civil e, paralelamente, no âmbito jurídico.
Destarte, independentemente de quais instituições venham a protagonizar a mudança, é
factual que se trata de uma problemática que demanda solução urgente, uma vez que não se
mantém apenas no contexto jurídico nem se resume a questões cíveis relativas à titulação de
terras, mas, para além disto, custa vidas.
Palavras-chave: Quilombolas. Identidade étnica-territorial. Direitos Quilombolas.
O presente trabalho visa a análise das dinâmicas modernas, tais como o Estado Nacional e o
Direito, enquanto reflexos de um pensamento colonial racista, mantedor de estereótipos e causador
de exclusão e encarceramento, tendo em vista os crescentes números de encarcerados. A discussão a
respeito do assunto tem por finalidade a busca de elementos que comprovem que os fatores como
traços étnicos, raça/cor dos povos explorados pela colonialidade se aplicam à violência numa espécie
de movimento perpetuador de opressões, motivo para maior parte da população carcerária brasileira
ser negra, o que torna fundamental um recorte do pensamento decolonial. Este estudo busca analisar
a maneira como o Estado Nacional, o poder legislativo e o direito, consequentemente, se organizam e
atuam no sentido de promover práticas que comprovam a seletividade criminal. Em razão de
apontamentos inicias, procedeu-se análise de dados estatísticos do infopen bem como levantamentos
de produções bibliográficas mostrando que tal padrão de encarceramento se dá não como quer fazer
crer o senso comum de que esses sujeitos são responsáveis pela maior incidência de crimes, mas por
serem os negros os mais vigiados pelas instituições- que são de maioria branca, rica e masculina, caso
em que resta comprovada a manutenção de padrões de colonialidade no perfil do criminoso no
sistema de justiça criminal ao passo que reafirma o conteúdo discriminatório racial como mecanismo
de identificação. Neste sentido estudo foi galgado em pesquisa bibliográfica e documental. Como
proposta inicial, optou-se pela análise de caráter qualitativo e quantitativo, para tanto se fez
necessária a utilização de metadados e ferramentas de pesquisa disponibilizadas na rede mundial de
computadores bem como na doutrina criminológica critica para que se pudesse alcançar parâmetros
que favorecessem uma argumentação clara e concisa. O estudo baseou-se na análise da bibliografia
proposta no sentido de selecionar conceitos que trouxessem ao texto um melhor argumento no que
se refere a classificação e significado dos termos decolonialidade e decolonialismo. Por isso, utilizou-se
Rita Laura Segato, Thula Rafaela de Oliveira, Anibal Quijano como referências principais a construção
do trabalho. Posteriormente para o levantamento de dados referentes a características do autor, foi
utilizada na pesquisa documental de caráter quantitativo o Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias - infopen, em senso realizado em 2016; tendo sempre o objetivo claro e maior de
verificar a manutenção de padrões de colonialidade no perfil da população carcerária e analisar a
existência de discriminações raciais institucionais nos mecanismos de encarceramento, refletindo a
colonialidade e seletividade de sistema punitivo. Em virtude de dados levantados e pesquisas
realizadas fica claro a prática discriminatória do Estado e suas instituições de formas reiteradas e o
afinco com seus agentes buscam legitimar práticas perniciosas que provocam em suas vítimas dor e
sofrimento, ocasionando estereótipos, discriminação e exclusão da vida em sociedade, colocando- o
309
na posição de marginalidade . Desta forma entende-se que o essa medida do governo ofende, corroe
e aprisiona a dignidade da pessoa humana, por esse motivo quem é responsável pela prática de ato- o
estado- de tamanha lesividade tem o dever de repará-lo e não de promovê-lo. E, por isso, se faz
necessário o exame presente como meio de resposta contra a arbitrariedade punitiva do Estado.
Palavras-chave: Corlonialismo. Racismo estrutural. Sistema prisional.
314
ANÁLISE DECOLONIAL DA POLÍTICA DE PROIBIÇÃO DO USO MACONHA NO BRASIL:
O MODUS OPERANDI DA POLÍCIA MILITAR E O RACISMO INSTITUCIONALIZADO
315
“FAÇO QUESTÃO QUE VOCÊ COLOQUE AÍ: NÓS NÃO CULTUAMOS O DEMÔNIO.”:
VIOLÊNCIA, INTOLERÂNCIA RELIGIOSA E ATUAÇÃO POLÍTICA DE MULHERES DE
TERREIROS EM ANANINDEUA PARÁ
316
Coordenação:
Márcio Pugliesi (USP)
Nuria López (DIGITAL HOUSE-SP)
MÍDIAS SOCIAIS, JUSTIÇA E DEMOCRACIA: UTOPIA OU DISTOPIA?
André Gualtieri
Doutorando em Teoria e Filosofia do Direito pela PUC-SP, com financiamento de pesquisa CAPES. Mestre em Teoria e
Filosofia do Direito pela USP. Graduado pela UFMG.
PROBLEMA INVESTIGADO
O trabalho discorre sobre as possibilidades de aplicação de ferramentas eletrônicas para
examinar a agenda governamental, no estudo da estratégia do Governo Pernambuco. As
ferramentas de TIC são instrumentos que contribuem tanto para a comunicação quanto para o
planejamento e desempenho dos serviços públicos.
As ferramentas computacionais são amigáveis para: desenvolvimento do processo
científico, administração pública e controle social. Segundo a Unesco (2005 apud CUNHA y
MIRANDA, 2013), os avanços nas tecnologias e na Internet abriram oportunidades para
transformar a relação entre governo e cidadãos, ajudando a alcançar os objetivos da boa
governança. Como exemplo prático de como é possível identificar e analisar uma agenda pública,
foi utilizado tanto um softwares pago (NVivo) quanto um gratuito (R). Estas duas ferramentas
podem ser úteis para analisar o conteúdo de dados e informações de várias fontes e formatos.
OBJETIVOS
A investigação parte da seguinte questão: Como identificar e analisar a agenda de um
governo através da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC)?
319
Para responder à questão, foi realizado um estudo sobre as possibilidades de ferramentas
eletrônicas para identificar e analisar a agenda estratégica de um governo. Para isso, as
ferramentas NVivo e R foram utilizadas em uma aplicação prática no estudo do Governo
Pernambucano. O artigo também apresentará um roteiro para a aplicação do método de análise
de conteúdo, descrito com o objetivo de tornar a metodologia replicável para pesquisadores,
cidadãos e servidores públicos.
MÉTODO
A metodologia é composta por uma abordagem mista, principalmente qualitativa, mas
também quantitativa. Realizou-se um estudo exploratório e analítico sobre o uso de ferramentas
eletrônicas NVivo e R para analisar a agenda do Governo de Pernambuco.
Adotou-se o método de análise de conteúdo preconizado por Bardin (2016). Tal método foi
operacionalizado pelos procedimentos dos softwares NVivo e R para a análise dos documentos
oficiais que compõem a Estratégia Pernambucana: PPA, Programas de Governo e Pernambuco
2035.
CONCLUSÕES
Os resultados abordam as vantagens de utilizar as ferramentas de TIC para a análise de
políticas públicas. A identificação de temas mais recorrentes em uma estratégia de governo pode
ser realizada através da matriz de frequências de termos e/ou da nuvem de palavras. Estas
técnicas permitem descobrir a frequência dos vocábulos em um documento específico ou corpus
textual. Na Figura 1 encontra-se a nuvem de palavras.
Figura 1 - Nuvem de palavras
320
Figura 2 - Gráfico de frequências de codificação por fonte e categoria
Analisando os textos foi possível codificar 1682 unidades textuais. Desse montante, os
temas com maior número de referências codificadas foram: Gestão Pública (com 761 recortes
textuais, 45,25% do total referenciado), seguido de Desenvolvimento Social (217 recortes, 12,9%),
Educação (145 recortes, 8,62%), Infraestrutura (125 cortes, 7,43%) e Desenvolvimento Econômico
(97 cortes, 5,77%).
Os temas de menor incidência foram: Transportes (com 83 recortes textuais, 4,93% do
total referenciado), Saúde (79 recortes, 4,7%), Desenvolvimento Rural (70 recortes, 4,16%),
Segurança Pública (69 recortes, 4,1%) e Meio Ambiente (36 recortes, 2,14%).
Cabe ao usuário (pesquisador, cidadão ou funcionário público) escolher qual das
ferramentas eletrônicas atende melhor às suas necessidades. Classificar os temas relevantes é de
grande utilidade na hora de desenhar as políticas públicas. A classificação também serve como
insumo para a tomada de decisão estratégica e planejamento das atividades e ações
governamentais.
PROBLEMA
Os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 são
resultado de séculos de lutas pelo reconhecimento de direitos naturais intrínsecos à espécie
humana, a fim de proteger os indivíduos do excesso estatal. O aumento da violência e a
consequente sensação de insegurança sentida pela sociedade do século XX tem provocado medo
321
generalizado na população, que paulatinamente vem abandonando características sociais e
solidárias, desenvolvendo um estilo de vida cada vez mais individualista. Estes aspectos, aliados ao
avanço tecnológico, podem oferecer conforto e comodidade, mas também geram incertezas,
ansiedade e aumento da sensação de insegurança. Tais elementos parecem estar levando a
sociedade a ignorar a interferência do Estado na seara particular do cidadão. Acerca da relação
entre o medo, o controle social e a expansão do Direito Penal, o estudo analisa a mitigação de
Direitos Fundamentais diante de uma norma penal que tem se tornado cada vez mais rígida.
Acrescenta-se à análise a insegurança de uma sociedade de risco, pós-industrial, marcada pelo
avanço tecnológico descontrolado; também o papel do Direito Penal nesse contexto, sua
utilização e expansão no ordenamento jurídico nacional, como mecanismo solucionador de
conflitos, combinado à ideia de um sistema punitivo panóptico ordenado para sustentar as
demandas disciplinares do modelo econômico atual, conforme já observava Foucault nos anos 70.
Pelo que se percebe, esses novos caminhos estão recuperando conceitos que já deveriam estar
superados, mas que se notam latentes no discurso político atual. Nele, a ideia da necessidade de
modelos punitivos excepcionais que justificam a ruptura de Direitos Fundamentais chancela
intervenções penais extremas contra a sociedade. Motivado por esses fatores, este estudo
debruça-se, em especial, sobre um aspecto da vida particular dos cidadãos brasileiros no debate
sobre o processo de interceptação telefônica e telemática, utilizando como referência a Lei
9.296/96, assim como a quebra de sigilo telefônico e sua previsão legal.
OBJETIVOS
Considerando esse cenário, o objetivo geral desse estudo é identificar se Direitos
Fundamentais como liberdade e privacidade estão, de fato, sendo reiteradamente violados tanto
pelo Estado, sob o argumento de proteção aos cidadãos, quanto por organizações privadas de
tecnologia sob a justificativa de comodidade e inserção sóciodigital.
MÉTODO DE ANÁLISE
A metodologia utilizada será baseada na análise descritiva e dedutiva, a partir de pesquisas
realizadas em livros, artigos, dissertações, teses, assim como análise de leis e jurisprudências.
CONCLUSÕES
Frequentemente, vê-se o Poder Público exceder-se, muitas vezes legitimado pela
população viola Direitos Fundamentais e macula o Estado Democrático de Direito com atitudes
típicas de um Estado de Exceção. Medidas cautelares de caráter excepcional, como interceptações
telefônicas e telemáticas vem, ao longo do tempo, sendo banalizadas, ignorando princípios
fundamentais como privacidade e intimidade. Assim, seja mediante a elaboração de leis
demasiadamente rígidas ou por atuações policiais arbitrárias, pelo crescimento acelerado da
população carcerária, pelo isolamento social e pelo monitoramento constante, características de
uma sociedade dominada pelo medo, o Direito Penal tem perdido seu atributo de ultima ratio, e
tem passado a ser visto como uma verdadeira panacéia jurídico-social.
322
O FIM DO DIREITO À IDENTIDADE (E) DO SUJEITO DE DIREITO? UMA ANÁLISE
ATRAVÉS DA TEORIA DO ESTADO PÓS-DEMOCRÁTICO E A (IN) VIABILIDADE DO
EXERCÍCIO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE NO BRASIL
Guilherme Stefan
Mestrando em Direito da UFRGS. Bolsista de Mestrado da CAPES.
O coworking, uma das novas práticas de organização de negócios, permeia desde relações
puramente trabalhistas e comerciais até aspectos vinculados ao direito de propriedade. A
abrangência das discussões relativas a essa nova prática social, porém, abarcam uma gama ainda
maior de elementos e problemáticas. Nesse sentido, aqui, pretende-se focar em uma discussão
que leve em conta as relações entre os sujeitos inseridos nesses sistemas e a construção dos
espaços. A chamada sociologia urbana e os estudos relativos à produção e regulação do espaço
permitem uma abordagem que leve em conta uma série de problemáticas quanto à dinâmica de
funcionamento dessas novas práticas que, a nosso ver, possuem implicações espaciais e sociais.
Esse trabalho propõe-se a investigar quais as implicações desse modelo de negócios, ancorado em
uma tecnologia de desenvolvimento comercial, no espaço urbano no qual se insere e nas relações
entre seus sujeitos. O objetivo, portanto, é compreender como o coworking produz impactos na
produção do espaço e que tipo de relações de controle são estabelecidas entre os integrantes
desses locais. Aqui, conceitos como o de governamentalidade, produção do espaço e controle
social são considerados pertinentes para a abordagem pretendida. No que se refere à
metodologia a proposta é de realização de uma pesquisa qualitativa em um ambiente de
coworking na cidade de Porto Alegre, optando-se por observação direta e, possivelmente,
entrevistas. Os coworkings engendram uma forma de controle e de governamentalidade entre os
indivíduos que desenvolvem suas atividades nesses locais que está aproximada do modelo
neoliberal de competitividade e de maximização dos lucros. Quanto ao espaço se acredita que os
coworkings constituem uma lógica diferenciada na relação de regulação e de produção do espaço.
324
ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA EM PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS - AS POSIÇÕES
DO TJSP E DO STJ
Nuria López
Doutora e Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela PUC-SP
326
diplomas diretivos éticos e normativos de direito comparado para lançar luz à forma sobre como
começamos a lidar juridicamente com o desenvolvimento de inteligência artificial.
Tassiana Bezerra
Mestra em Teoria e Filosofia do Direito pela UFPE. Graduada em Direito pela UNICAP. Pesquisadora no Instituto de
Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife. Professora substituta da FASP.
327
Vê-se que a ANPD funciona enquanto arquivo selecionando dados que podem ser
compartilhados e aqueles que merecem um sigilo, inclusive requisitando informações a agentes
que realizem operações de tratamento de dados pessoais e definindo os receptores desses dados.
Segundo Foucault, governar seria estruturar o campo de possíveis ações dos sujeitos.
Nesse sentido, governo para Foucault está em compasso com a noção de Controle em Deleuze: o
objetivo é modular as ações dos indivíduos. Assim, a ANDP figura como o órgão que delimita
desde o que seria um dado sensível, até as formas de uso e tratamento dos dados. Ele seria por
excelência o órgão que estrutura o eventual campo de ações possíveis dos dados individuais.
Nesse sentido, pretendemos mostrar essa dupla natureza da ANPD através do dos
conceitos de Foucault e Deleuze. Entendemos que é necessário um constante esforço
interpretativo frente às novas formas de disposição e controle dos indivíduos. Logo, a ANPD é uma
instituição que requer séria atenção. Sua dupla característica de arquivo e governante de dados,
assim como sua ligação à presidência da república, abre caminhos para novas formas de
autoritarismo. No limite ANPD pode figurar como um novo mecanismo de desconstrução da
própria separação entre público e privado.
328
Coordenação:
Lúcio José Dutra Lord (UEMG)
Luísa Helena Marques de Fazio (IMES)
Marco Aurélio Serau Júnior (IBDP)
Plínio Antônio Britto Gentil (PUC-SP/UNIP)
Solange Bassetto de Freitas (UNIP)
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DA DEFICIÊNCIA NA PUBLICIDADE BRASILEIRA: O DIA
DAS MÃES DO BOTICÁRIO NO ANO DE 2019
331
concebida de modo diferenciado. No entanto, atualmente, a lei enfrenta um novo retrocesso: a
alteração da legítima defesa no pacote anticrime, que altera diversos institutos no Direito Penal
processual e material e não diz respeito exatamente à atuação policial, tendo em vista as
excludentes do ilícito e culpabilidade. Por isso, reitera-se que, o presente artigo tem como
finalidade analisar a prejudicialidade na adição de um parágrafo ao artigo 23 do Código Penal que
trata de legítima defesa e resguarda um potencial retrocesso quanto à eficácia da lei 13.641. O
retrocesso se dá pela inclusão de termos vagos à redação, como “escusável medo, surpresa ou
violenta emoção” que oportuniza a insegurança jurídica e responde positivamente à lógica liberal
de resolução de conflitos pelos indivíduos, na tentativa de afastar o aparelho estatal do litígio
desigual entre homens e mulheres. Com isso, percebe-se que a estrutura do sistema penal é
movida na medida em que as implicações relativas ao gênero acabam por representar um recuo
no enfrentamento à violência, não por negar a punição, mas por não substituí-la ao invés de
afirmar-lhe como inexistente, como no caso em que o juiz deixa de aplicar a pena. Por isso, em
função da investigação científica foi utilizado o método dedutivo a partir de pesquisa quantitativa,
com análise de dados fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Fórum Brasileiro de
Segurança Pública; possuindo tal trabalho referencial teórico de Maria Berenice Dias e Marília
Montenegro.
Palavras-chave: Violência doméstica. Violência de Gênero. Maria da Penha. Pacote anticrime.
A mulher negra sofreu muito nos tempos da escravidão e mesmo em pleno século XXI a
igualdade de raça ainda está longe de ocorrer no Brasil. No que concerne ao número de mulheres
aprisionadas no Brasil, de acordo com dados apresentados pelo INFOPEN/MJ (2017), em junho
2016, estavam encarceradas 42.355 mulheres, sendo que Brasil é o 4º país que mais aprisiona
pessoas do sexo feminino, perdendo apenas para os Estados Unidos, China e Rússia. Torna-se
importante enfatizar que do total de mulheres presas apenas 29.584 (72%) estão disponibilizadas
a raça das reeducandas, mas desse total 62% são de mulheres negras. O Brasil tem sido um dos
países que mais encarceram mulheres no mundo, sendo notório que a maioria são de mulheres
negras e pobres. Sendo assim, o que o Brasil tem produzido na promoção da dignidade das
mulheres negras, ou seja, há políticas públicas para que haja a diminuição de aprisionamento da
população feminina negra ou há uma inércia dos entes federativos no território brasileiro para
essa cruel realidade? Salienta-se como objetivo principal buscar analisar as motivações para o
maior encarceramento de mulheres negras no Brasil. Enfatiza-se como objetivos específicos:
contextualizar historicamente a realidade das mulheres negras no Brasil e identificar iniciativas
que visam modificar a cruel realidade da mulher negra nos presídios brasileiros. A pesquisa foi
realizada utilizando-se como método o empírico. Importante evidenciar que diversos fatores
contribuem para o aprisionamento da população negra no Brasil. Vislumbra-se que passaram
apenas 130 anos da dita libertação dos escravos através da Lei nº 3.353/1888, mais conhecida
como Lei Áurea. No entanto, os negros não foram acolhidos pela sociedade brasileira,
continuaram a serem explorados, sendo que a situação foi mais nefasta para as mulheres, pois
332
além das responsabilidades da maternidade, tiveram que trabalhar em condições humilhantes e
em muitos casos sem ter os seus direitos trabalhistas respeitados. A criminalidade para muitas não
é apenas uma escolha, mostra-se em muitos casos como a única forma de sobreviverem. O Brasil,
possui uma dívida histórica para com os negros, promover políticas públicas para melhorar a
educação e construir meios para se obter um trabalho digno é fundamental para que homens
negros e mulheres negras não estejam atrelados ao encarceramento em massa. A vida da
população negra merece atenção e as mulheres negras merecem um olhar especial mediante a
sua condição de vulnerabilidade na sociedade brasileira.
Palavras-chave: Mulheres negras. Sistema Carcerário. Violência de gênero e raça.
PROBLEMA INVESTIGADO
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) tem entre seus elementos a
cidadania e a dignidade da pessoa humana. Determinado modelo teórico faz parte do Título I,
denominado “Dos Princípios Fundamentais” e situa-se no Artigo 1º, II da Carta Magna. O texto
constitucional, no referido título, em seu Artigo 3º, incisos II e III, estabelece como fundamentos
garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades regionais. Igualmente relativo às políticas públicas de superação da miséria, o artigo
6º traz entre os direitos sociais, a assistência aos desamparados. Mais à frente, o artigo 170, do
título “Da Ordem Econômica e Financeira”, destaca a primazia da justiça social, como também
evidencia a redução das desigualdades regionais.
O Programa Bolsa Família regida pela Lei n. 10.836 de 09 de janeiro de 2004, constitui
atualmente a principal ferramenta política brasileira no enfretamento a redução da pobreza,
associando transferência de renda condicionada às famílias em situação de pobreza e extrema
pobreza. Dentre os fatores que contribuíram para a queda da desigualdade, estão os reajustes do
salário-mínimo, a cobertura do Programa Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada e
o aquecimento da economia com a ampliação do mercado de trabalho. No Brasil de hoje, as
políticas sociais estão mudando a vida dos pobres e dos historicamente excluídos.
A Cúpula das Nações Unidas sobre o desenvolvimento sustentável produziu uma nova
agenda mundial, só que agora com metas para serem atingidas até 2030, com os dezessete
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), entre eles: “acabar com a pobreza em todas as
suas formas, em todos os lugares e reduzir a desigualdade dentro dos países”. Enfatiza-se o
empenho e a atenção mundial para combater alguns dos desafios globais como a pobreza, a
desigualdade de gênero, violência e problemas de desenvolvimento sustentável.
333
Acabar com a pobreza segue sendo um dos maiores desafios da humanidade, ainda que o
número de pessoas que vivem em extrema pobreza tenha reduzido. Segundo o Relatório dos ODM
de 2013, elaborado pela ONU, o mundo já alcançou, cinco anos antes do estipulado, a meta de
redução da pobreza extrema à metade do nível registrado em 1990” (IPEA, 2014). No Brasil, 31
milhões de pessoas em 1990 viviam em extrema pobreza.
OBJETIVOS
Discutir sobre o Programa Bolsa Família como política social para o desenvolvimento e
redução das desigualdades.
Debater sobre às políticas de transferência de renda, para superação da pobreza de forma
focalizada.
MÉTODO DE ANÁLISE
A metodologia adotada consiste em pesquisa bibliográfica e documental. Será utilizado o
método de abordagem dedutivo, partindo de antecedentes e princípios universais, através de um
estudo doutrinário. A classificação presente em Gil (2010) aponta quatro formas de leituras no
campo da pesquisa bibliográfica partindo da leitura exploratória à interpretativa perpassando pela
leitura seletiva e leitura analítica.
CONCLUSÕES
Situações que configuram a pobreza e a exclusão social alcançam milhares de famílias, de
maneira que impede a ampliação da cidadania por meio da participação cidadã nos vários espaços da
sociedade. Consequentemente, uma tendência contemporânea começou a orientar a política social de
diversos países que se norteiam em princípios democráticos, inclusive o Brasil, como as políticas de
transferência de renda condicionada, no caso do Programa Bolsa Família, ao cumprimento por parte
dos envolvidos de exigências definidas relacionadas a questões de saúde e educação.
O presente artigo trata-se de uma análise sobre o direito social à Educação como dever
estatal a partir da sua conformação na Constituição Federal de 1988. Tem como objetivo geral
analisar o papel do Estado na efetividade da educação enquanto um direito fundamental social e
335
essencial para a dignidade da pessoa humana, a partir da sua conformação na Constituição
Federal de 1988. Este trabalho se justifica em virtude das dificuldades do Estado em cumprir sua
função enquanto agente financiador e promovedor de uma educação pública, de qualidade,
gratuita e universal, conforme determina a CF/1988 e demais normas infraconstitucionais que
tratam da educação. Para o alcance dos resultados fez-se uso da metodologia qualitativa de cunho
bibliográfico e documental com a análise de normas legais, obras literárias, artigos e periódicos
publicados em sites e revistas reconhecidas no campo acadêmico. Após a análise do conteúdo foi
possível considerar que a educação é um direito social fundamental pertencente ao grupo de
direitos considerados necessários para o mínimo existencial, ou seja, o direito a educação é
fundamental para que haja a dignidade da pessoa humana, e como tal é obrigação do Estado
promover e garantir os meios para a sua efetivação. Porém, este direito tem sido violado pelo
Poder Público, o qual faz uso do princípio da reserva do possível, para justificar o não
cumprimento da normativa legal. Defende-se que a efetividade deste direito depende da tutela
jurisdicional, a qual deve valer-se da determinação constitucional, como o único meio de
constranger o Poder Público a cumprir com esta obrigatoriedade constitucional.
Palavras-chave: Direito Fundamental. Educação. Constituição Federal. Estado.
Atualmente, compreender a figura da religião e sua relação com o tema família, como algo
em constante modificação e impossível de ser classificada, permite construir uma ideia de como
esse conflito vem sendo tratado no cenário social moderno, contornando todas as fronteiras
morais daquilo que a própria sociedade considera “normal” de acordo com o que vem sendo
transmitida de geração a geração.
Considera-se Estado Laico, como um estado neutro no que se refere a religiões, onde suas
doutrinas não interferem na política da Nação e onde a liberdade religiosa é direito fundamental.
O Estado Laico enaltece a tolerância, o respeito a toda e qualquer crença, o qual se contrapõe ao
Estado Teocrático que submete suas decisões políticas a preceitos da religião, cruzando as searas
da política.
Encontra-se com maior frequência, um padrão de famílias monogâmicas e heterossexuais,
devido à tradição ocidental e local de cultura católica e cristã. No momento em que foi percebido
que a estrutura familiar deixou de ser apenas um núcleo econômico e de reprodução para ser um
grande espaço de amor e afeto, surgiram novas e várias representações sociais para ela. A figura
mais recente é o reconhecimento do vínculo familiar homo afetivo, definido pela união de duas
pessoas de mesmo gênero com intuito de formar família e é a que estar a causar maior
repercussão no contexto social atual.
336
Sobre essa nova estrutura familiar, é importante que se diga que o preconceito com a
diversidade sexual e de gênero, advindo de preceitos religiosos e morais, dificultam ainda mais a
difícil tarefa de inclusão social dessas novas famílias na sociedade. Isto porque há legisladores que
confundem as suas ideologias religiosas com a função pública para a qual foram eleitos, levando a
entender que em um Estado laico, a cidadania não contempla todos em geral, causando
intolerância com quem pensa e vive a construção familiar que não se enquadra no padrão social
“correto”.
A LGBTfobia está intimamente relacionada a repressão sofrida por essas novas famílias
fazendo, com isso, que a violência contra a diversidade sexual e de gênero cresça absurdamente,
além de impedir aprovações de projetos que visam proteger estas famílias apresentando outros
que objetivam apenas destruir conquistas deste assunto, boicotando políticas públicas, motivados
pelo simples conflito com suas ideias morais.
Abordando uma metodologia dedutiva-analítica, a pretensão deste estudo é lançar um
debate contemporâneo acerca da atual relação entre a religião e Estado laico, e como os direitos
humanos fundamentais das minorias que não são abrangidas pela religião se encontram
ameaçados devido sua atuação apulso de impor sua ditadura moralista e extremamente
“conservadora” na sociedade, mostrando a luta pelo Estado Laico que vem adquirindo força e
visibilidade no cenário internacional.
O indivíduo nasce livre do preconceito, entretanto, este é desenvolvido em consequência
de um valor cultural aprendido, sendo o fato gerador de seu problema. Os estados devem tomar
medidas para que o princípio da igualdade e da liberdade seja parte integrante da cultura da
sociedade como um todo. Sendo necessário que essa mudança seja realizada a fim de semear a
educação e o respeito pela diversidade sexual e quaisquer outras diferenças que existem entre os
indivíduos.
Palavras-chave: Religião. Homossexualidade. Cristianismo. Intolerância Religiosa. Política.
INTRODUÇÃO
Sob a égide dos estudos sobre realidades femininas, no decorrer da história, nota-se a
importância de recortes metodológicos tais como gênero, raça/etnia e classe social. Somando-se a
tal perspectiva, na retórica hegemônica do período denominado Modernidade, um dos
mecanismos de maior valor social era o trabalho, temática abordada nesta pesquisa.
Para a compreensão marxista, aliada à perspectiva de gênero, toda atividade profissional e
técnica desempenhada na esfera pública estaria disposta no aspecto de trabalho produtivo,
principalmente pelo compensatório monetário. De diferente modo, as atividades realizadas
especialmente da seara domiciliar, como cuidado com a prole e serviços domésticos, teriam
aspectos de trabalho reprodutivo, ou, trabalho improdutivo, também pela ausência de
compensação monetária.
337
Esses padrões de divisão sexual do trabalho, segundo a autora Simone de Beauvoir,
inferem que a segunda espécie de ocupação também possui menor valor social e ainda é
desempenhado, em grande parte das vezes, por indivíduos do sexo feminino. Dá-se ênfase, assim,
aos desdobramentos dessa estrutura no contexto das vidas das mulheres racializadas.
Também na perspectiva histórico-cultural, a filósofa Angela Davis, dispôs, com que,
proporcionalmente, “mais mulheres negras sempre trabalharam fora de casa do que as suas irmãs
brancas. O enorme espaço que o trabalho ocupou na vida das mulheres negras, segue hoje um
modelo estabelecido desde o início da escravatura. Como escravas, o trabalho compulsoriamente
ofuscou qualquer outro aspecto da existência feminina” (DAVIS, 1981, p. 10).
PROBLEMA INVESTIGADO
Ao analisar a realidade do trabalho doméstico, observam-se singularidades que tornam o
Brasil o país com maior número de empregadas domésticas no mundo, e, simultaneamente, de
mercado que mais emprega mulheres negras na Bahia, segundo levantamentos da OIT e da SEI-
BA. Buscando adentrar nesse contexto social carregado de ambivalência no campo das relações de
trabalho, este estudo constitui um esforço de investigar a realidade da classe de trabalhadoras
domésticas de Juazeiro/BA como produto da reprodução social do racismo.
OBJETIVO
Pretende analisar, portanto, a configuração das relações no contexto das trabalhadoras
domésticas desse município, e, com o método interseccional nos aspectos de classe, gênero e raça,
traçar o perfil das trabalhadoras da região e investigar se há violações aos direitos adquiridos com a EC
72/2013; como também se estas seriam pontuais ou se fazem parte de um fenômeno sintomático.
No decorrer da investigação, aproveita-se para trazer foco às novas questões legais
introduzidas pela Reforma Trabalhista e discutir suas implicações frente aos Direitos
Fundamentais e princípios do Direito do Trabalho, como o de não retrocesso.
MÉTODO DE ANÁLISE
Esse estudo foi desenvolvido com uso da pesquisa qualitativa e quantitativa. O tema é
apresentado, primeiramente, em relação à gênese do trabalho doméstico, depois, discute as
implicações de dados estatísticos e relatórios sociais para compreender e identificar como está
organizado o panorama da região estudada. Posteriormente trataremos da investigação de
processos judiciais de reclamantes domésticas do município de Juazeiro/BA, como resultantes de
pesquisa de campo.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Após a análise desses indicadores, identificou-se o perfil das domésticas da região estudada,
assim como se construiu um panorama do trabalho doméstico. Já de antemão, conclui-se, que
possui status não somente de ocupação trabalhista, mas representando uma verdadeira dinâmica
social, cujos obstáculos perpassam alterações legais e históricas, e, por sua própria essência, variam
tão rapidamente quanto às relações sociais, ratificando as teses da Sociologia Jurídica.
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Vol. 2: A Experiência Vivida. Difusão Europeia do Livro, 1967.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm.
DAVIS, Angela. 1944 - Mulheres, raça e classe. 1. ed. Tradução Heci de Regina Candiani. São Paulo:
Boitempo, 2016.
338
O SENTIDO JURÍDICO DE “SITUAÇ ES EXCEPCIONALÍSSIMAS” PARA SUBSTITUIÇÃO
DA PRISÃO PREVENTIVA POR PRISÃO DOMICILIAR PARA MULHER GESTANTE E
MÃE RESPONSÁVEL POR CRIANÇAS
Com a reforma do Código de Processo Penal, trazida pela Lei nº 12.043/2011, foi alterado o
artigo 318, que tratou das hipóteses de conversão da prisão preventiva em prisão domiciliar. Entre
as hipóteses advindas da Reforma, está a do inciso IV que tratou especificamente da gestante, mas
que limitou ao sétimo mês de gravidez, ou em caso de alto risco. A esperança de solução contra esta
limitação veio com a promulgação da Lei nº 13.257/2016 que reduziu a redação do inciso IV para
apenas “gestante” e acrescentou outra hipótese: v) mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade
incompletos. O que surgiu como garantia de um direito à mulher gestante ou mãe presa, todavia,
tendo em vista a redação do artigo 318 estabelecer que o juiz poderá conceder a substituição, não
sendo a ele um poder-dever, diversos Tribunais no país, inclusive o Superior Tribunal de Justiça,
começaram a elencar outros requisitos para concessão além dos critérios dos incisos IV e V do artigo
318. Em face disto, em maio de 2017 o Coletivo de Advogados em Direitos Humanos ingressou no
Supremo Tribunal Federal com o Habeas Corpus coletivo nº 143.641 requerendo que fosse
concedida a revogação da prisão preventiva decretada contra todas as gestantes, puérperas e mães
de crianças, ou sua substituição pela prisão domiciliar, ao insistir que a leitura correta é a de que não
há necessidade de satisfazer-se outras condições, salvo as expressas na própria lei, para a
substituição da prisão preventiva pela domiciliar. Em fevereiro de 2018, decidiu o Supremo Tribunal
Federal por acolher o mandamento para a substituição da prisão preventiva pela domiciliar a todas
as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, assim como às
adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas. Salientou, no entanto, a restrição da ordem nos
casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça contra seus descendentes. Na esteira da
decisão do STF, em 19 de dezembro de 2018 foi promulgada a Lei nº 13.769 que acrescentou ao CPP
os artigos 318-A e 318-B, ao prescrever que, nos casos específicos da mulher gestante ou mãe
responsável por crianças ou pessoas com deficiência, a prisão preventiva aplicada será substituída
pela domiciliar, desde que a indiciada ou acusada não tenha cometido crime com violência ou grave
ameaça a pessoa e não o tenha cometido contra seu filho ou dependente. A primeira face, a
redação deste dispositivo leva ao intérprete e ao aplicador do direito entenderem, invariavelmente,
que, salvo as situações dos incisos I e II do artigo 318-A, a prisão preventiva será sempre substituída
por domiciliar, afinal, o juiz possuiria um poder-dever de aplicação, pois o artigo 318-A substituiu o
termo poderá por será. No entanto, pouco menos de 3 meses da publicação desta Lei, o Superior
Tribunal de Justiça em decisão nos Habeas Corpus nºs 426.526 e 470.549 entendeu que seria
possível os magistrados não concederem a substituição da preventiva pela domiciliar desde que
estejam diante de situações excepcionalíssimas. O objeto da pesquisa é analisar a construção
jurídica em torno da expressão “situações excepcionalíssimas” e buscar entender quais são os
motivos por detrás desta expressão que levam os magistrados a não conceder a substituição da
prisão preventiva pela prisão domiciliar às mulheres. A metodologia desenvolvida é a da pesquisa
documental, considerando como documentos as decisões jurídicas do STJ e do Tribunal de Justiça de
Pernambuco analisadas. As primeiras conclusões encontradas é que as situações para a não
concessão giram em torno de mulheres presas pelo tráfico de drogas, delito que mais encarceram as
mulheres no país (62%, conforme dados do INFOPEN Mulheres de 2018). Vê-se, então, que ao
cunhar a expressão “situações excepcionalíssimas”, buscou o judiciário, ao arrepio da lei, penalizar
mais uma vez as mulheres incriminadas pelo delito de tráfico de drogas.
339
DAS FOGUEIRAS ÀS PRISÕES: A PUNIÇÃO FEMININA EM FOCO COM BASE NAS
EXPERIÊNCIAS EXTENSIONISTAS NO PROJETO RECONSTRUINDO ELOS
A punição feminina sempre foi objeto de estudo nas mais diferentes épocas. Desde a queima
nas fogueiras às prisões contemporâneas a punição feminina é regada por um caráter misógino,
uma herança da tradição patriarcal da sociedade em que a mulher, nada mais é que um objeto
doméstico. Assim, nota-se nas análises de PIMENTEL em sua obra “As mulheres e a vivência pós-
cárcere” (2015) que ao serem condenadas e presas as mulheres sentem-se duplamente punidas, ou
seja, são condenadas não apenas ao cerceamento da liberdade, mas condenadas socialmente por
infringir aquilo que se esperava do seu papel de gênero. Os objetivos principais são: analisar
historicamente as condições e prerrogativas da punição feminina relacioná-las no tempo e espaço e
ligar essas conclusões aos estabelecimentos prisionais visitados sob a vigência do projeto de
extensão Reconstruindo Elos – O presídio feminino Santa Luzia e o Centro Psiquiátrico Jurídico Pedro
Marinho Suruagy. Para isso, utilizou-se o método indutivo, a partir de revisão bibliográfica de obras
filosóficas, sociológicas e jurídicas. Desse modo, a revisão foi aliada à experiência extensionista. A
brutalidade das fogueiras que levou centenas de mulheres à morte sob a égide de serem praticantes
de feitiçaria e adoradoras do demônio ainda fazem-se presentes no ideário punitivista. Na obra de
REMY (1597), a punição feminina na Idade Média estava estritamente ligada a sua condição de
gênero, significa uma mulher que não aceita o papel de sujeição doméstica e que não respeita os
dogmas do cristianismo. Nas obras da escola criminológica Positivista, especialmente de Lombroso e
Ferrero (2017), a condição de criminalidade feminina está diretamente ligada à sexualidade. É
importante notar que a mera condição de não cumprir uma função biológica, para a escola
positivista, já consistiria em uma espécie de “pré-crime” uma vez que estes consideravam o não
cumprimento de uma função biológica e social uma degeneração por si só. A privação de liberdade
nasce após a Revolução Industrial como pena e o cárcere como instituição punitiva por excelência da
nova ordem social capitalista e burguesa. A intenção seguindo a doutrina de PAVARINI (2006) é que
os criminosos devem ser disciplinados, transformados em corpos produtivos, tendo seus corpos
integrados às máquinas. É possível notar que em ambas unidades prisionais, há uma grande
reprodução da lógica patriarcal em que a mulher deve ser reeducada para sua função doméstica. A
maioria dos trabalhos ou atividades oferecidas reproduzem essa condição, são exemplos atividades
como: pinturas de tecidos, manufaturas de pequenos artesanatos de utilidade domésticas, cursos de
corte e costura. Ao longo da história e inclusive na contemporaneidade a mulher é criminalizada não
apenas por infringir o fato típico de uma norma penal. Ao comparar as bruxas queimadas na idade
média, as mulheres degeneradas da escola positivistas e as mulheres que encontramos no cárcere
atual podemos notar que muito há em comum entre elas. Não obstante a diferença de séculos entre
sua existência e a forma de punição adotada, todas foram punidas, em especial, por não cumprirem
um papel social comumente aceito e determinado, por não ser mãe, esposa, dona do lar.
340
UMA ANÁLISE DO FEMINICÍDIO COMO QUALIFICADORA DE HOMICÍDIO: A
NECESSIDADE DO ESTUDO ACERCA DA INEFICÁCIA DAS LEGISLAÇÕES PROTETIVAS
ÀS MULHERES DIANTE DA OMISSÃO DO ESTADO
342
EXPANSÃO ESTATAL, CIDADANIA E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO NO NORTE
DO ESTADO DO MATO GROSSO
A Lei 13.467/2017 trouxe em seu âmago significativas mudanças na Consolidação das Leis do
Trabalho, cumprindo um projeto político e econômico das grandes corporações e ultraliberalismo
global baseado na relativização dos arcabouços de tutelas e precarização das conquistas sociais dos
344
trabalhadores. Uma das desregulamentações das relações trabalhista de maior impacto positivadas
no atual diploma celetista é o reconhecimento da prevalência do negociado sobre o legislado,
constante no art. 611-A, onde há a determinação da prevalência do acordado entre as partes em
detrimento dos direitos positivados na legislação, sobrepondo-se, inclusive, à disposições
constitucionais e internacionais de proteção social dos trabalhadores. Trata-se de manifesto
subterfúgio, no qual se valem os detentores do capital de um importante instrumento de
consecução de melhorias de condições de vida e trabalho (a negociação coletiva), para vilipendiar o
arcabouço trabalhista nacional e internacional. Haja vista que o controle de convencionalidade se
refere à compatibilização das normas de direito interno aos ditames trazidos pelos tratados
internacionais ratificados pelo Brasil, busca-se refletir se a sua aplicação é possível - verificação se o
art. 611-A da Reforma trabalhista está em consonância com os parâmetros convencionais traçados
pelos Tratados e Convenções Internacionais atinentes à temática -; e se seria um meio eficaz de
vedação ao retrocesso social ao qual estamos impelidos pelas recentes mudanças legislativas. Para
tanto, utilizar-se-á o método dedutivo, vez que se partirá da análise das normativas gerais para o
caso específico da aplicação do controle de convencionalidade à prevalência do negociado sobre o
legislado, e a pesquisa é bibliográfica e documental. Espera-se comprovar que o art. 611-A da CLT,
que consubstancia o fenômeno da prevalência do negociado sobre o legislado, afronta os
paradigmas do controle de convencionalidade impostos pelos diplomas internacionais, tanto no
aspecto formal quanto no material; e que seja possível a utilização deste instrumento como critério
hermenêutico à não aplicação do respectivo dispositivo, fundamentado na afronta à dignidade da
pessoa humana e prevalência dos direitos humanos que representam e veemente violação ao
princípio da progressividade que permeiam os direitos sociais.
346
privacidade, exercício da tolerância e combate ao preconceito, ratificados pelos países signatários
dos Tratados de Direitos Humanos das Nações Unidas.
Constitui objeto de estudo o programa Escola Sem Homofobia enquanto ferramenta de
efetivação dos direitos sociais, sexuais e fundamentais da população LGBT, lançado pelo governo
federal no ano de 2011 pelo Conselho Nacional de Combate à Discriminação a partir das ações
propostas no programa Brasil Sem Homofobia, o qual foi criado em 2004 na finalidade o combate à
violência e à discriminação contra a população LGTB e a promoção da cidadania homossexual. Para
tanto, o programa Brasil Sem Homofobia prevê ações em saúde, educação, cultura, trabalho,
justiça e segurança afim de possibilitar ampliação e fortalecimento do exercício da cidadania no
Brasil, por intermédio da conscientização e a mudança de perspectiva dos gestores públicos. Por
sua vez, o programa Escola Sem Homofobia, denominado pejorativamente enquanto "Kit Gay",
constituiu-se de material didático baseado em de diretrizes traçadas pelo Ministério da Educação e
elaboradas pelo Ministério dos Direitos Humanos em parceria com a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que tratavam do conhecimento e
promoção dos direitos humanos da comunidade LGBT. Dentre as atividades descritas no programa
estavam a elaboração de materiais para o combate à homofobia nas escolas, como vídeos,
cartilhas e orientações didáticas para professores.
A questão norteadora do presente estudo se coloca nos desafios da efetivação dos direitos
da população LGBT por meio do programa Escola Sem Homofobia, que obteve sua extinção após a
ascensão de grupos conservadores no Brasil, os quais se opõem aos avanços do ordenamento
jurídico na proteção e reconhecimento dos direitos das minorias sociais. Desse modo, o fenômeno
decorrido da onda conservadora constituiu não somente obstáculo à continuidade do programa,
mas, aos avanços conquistados por meio da mobilização de grupos societários na defesa dos
Direito Humanos, alvos da frente parlamentar propositora de projetos desfavoráveis aos direitos
pleiteados pela população LGBT e demais minorias.
Palavras-chave: Direitos Sociais. LGBT. Política Social. Educação. Homofobia. Conservadorismo.
347
Coordenação:
Marília Montenegro Pessoa de Mello (UNICAP/UFPE)
Roberto Efrem Filho (UFPB)
Mariana Pimentel Fischer Pacheco (UFPE)
UMA ANÁLISE DAS DIRETRIZES NACIONAIS DO FEMINICÍDIO A PARTIR DE UMA
METODOLOGIA JURÍDICA FEMINISTA
INTRODUÇÃO
O cárcere é um ambiente sancionador e disciplinador, deixa marcas por todos/as que
passam por ele. De acordo com a Lei de Execução Penal, nº 7.210/84, não existem diferenças
significativas no tratamento dado aos reclusos e reclusas no sistema prisional, no entanto, o
cárcere feminino é um ambiente dotado de diversas singularidades. Tal fato pode ser verificado
durante visitas semanais proporcionadas pela participação do projeto de extensão “Reconstruindo
Elos”, a partir do qual foi possível observar parte da rotina no Presídio Feminino Santa Luzia,
situado na cidade de Maceió/AL.
OBJETIVOS
Analisar o aspecto socioafetivo relacionado ao abandono familiar e a dificuldade de acesso à
visita no Presídio Feminino Santa Luzia. Para isso, foram observados dados fornecidos pela Secretaria
de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (SERIS) de Alagoas e pelo Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias (Infopen) para averiguação da existência ou não de diferenciações
significativas baseadas em gênero no sistema prisional e, caso existam, quais seriam elas.
METODOLOGIA
Utilizou-se o método indutivo, a partir de revisão bibliográfica e análise de dados
fornecidos pela Secretaria de Estado de Ressocialização e Inclusão Social (SERIS) de Alagoas e pelo
351
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Desse modo, utilizou-se para o
estudo do tema proposto revisões bibliográficas filosóficas, sociológicas e jurídicas
Palavras-chave: Cárcere. Mulheres Encarceradas. Prisões Femininas. Patriarcado. Sistema
prisional.
O presente artigo tem como escopo analisar a aplicação da Lei Maria da Penha (LMP) a
partir da lente do movimento feminista interseccional, levando em conta, especialmente, o
recorte racial. Dessa forma, busca verificar a homogeneização do feminismo como perpetuador,
ou não, da subalternização de minorias, tendo em vista a atuação apartada do movimento
feminista negro. Para isso, atenta-se à três aspectos, primeiro, o exame da construção dos
critérios de raça, classe e gênero e a inserção da militância negra no feminismo branco. Em
seguida, estabelecer um recorte de raça sobre a efetividade da Lei Maria da Penha quando as
vítimas ou infratores são pessoas retintas - objetivando, assim, explorar as consequências de sua
aplicação sobre esta. Assim sendo, a partir de revisão de artigos, busca-se verificar a quais sujeitos
aplica-se essa legislação. Esta aplicação é efetiva? Se não, por quê? Quais as consequências da sua
aplicabilidade? Então, utilizando-se de materiais como o Sumário Executivo do CNJ, realizado pelo
Grupo Asa Branca de Criminologia - com dados socioeconômicos inferidos a partir de pesquisa nos
juizados ou varas das cidades de Recife/PE, Maceió/AL e Belém/ PA - com intuito de explorar quais
são os sujeitos abarcados por essa legislação. Nesse diapasão, e utilizando-se de revisão de
literatura, busca-se verificar se a aplicação da LMP causa revitimização da população negra,
especificamente, de mulheres retintas, em face do sistema de justiça criminal. Dessa forma,
imprescindível a análise do instituto a partir das interseccionalidades feministas, pois é
indispensável a utilização dessas dissimilitudes para a evolução da aplicação da Lei 11.340/2006. O
acolhimento deve ser sua prioridade, não a reprodução do racismo institucional. Ademais,
partindo da perspectiva de que a penalização é sempre a ultima ratio, busca entender quais as
possíveis soluções, tendo em vista à não uniformidade das pessoas que a LMP atinge.
Palavras-chave: Lei Maria da Penha. Feminismo Interseccional. Raça.
O presente artigo deriva da pesquisa desenvolvida pelo Grupo Asa Branca de Criminologia
e financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológica (CNPq), a qual
352
durou dois anos e teve como objetivo compreender como a criminalização das mulheres por
tráfico de drogas e o funcionamento dos órgãos de criminalização a partir de um estudo da polícia
na cidade do Recife.
É fundamental compreender a relação que existe entre o encarceramento feminino e o
crime de tráfico de drogas, pois de acordo com os dados do Departamento Penitenciário Nacional
(DEPEN, 2014, p. 10), a população carcerária feminina brasileira cresceu 567% entre os anos de
2000 a 2014, sendo o crime de tráfico de drogas responsável por encarcerar 62% das mulheres no
Brasil.
Diante de números tão alarmantes, é necessário entender quem são essas mulheres que
estão sendo criminalizadas e quais critérios estão influenciando em suas respectivas
criminalizações. Para alcançar esse objetivo, far-se-á uma análise bibliográfica a respeito da
política de drogas no Brasil, da situação da mulher no Sistema de Justiça Criminal e do feminismo
negro. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com Policiais Militares no Recife no período
compreendido entre 2017 e 2018 e se revelaram um método interessante de pesquisa, por
permitir que os entrevistados pudessem expressar mais suas opiniões e não ficarem restritos a
respostas de um formulário.
A escolha de entrevistar Policiais Militares deriva do fato de que boa parte das ocorrências
relativas ao tráfico de drogas tem início a partir das prisões em flagrante. Nestas, as polícias tem
protagonismo e a primeira narrativa do caso será, muitas vezes, definitiva. No ato do flagrante é o
olhar do policial que vai determinar o enquadramento da mulher enquanto usuária ou traficante,
haja vista a não existência de um critério objetivo na Lei de Drogas, por isto desenvolveu- se a
compreensão que para analisar a temática da mulher no tráfico de drogas é fundamental
entender como a Polícia Militar atua, justamente por estrar no front, realizando a abordagem
inicial.
Alguns entrevistados mencionaram que as mulheres que estão praticando condutas da lei
de drogas são justamente as que não possuem emprego e não conseguem ser absorvidas pelo
mercado de trabalho. Nesse sentido, as mulheres negras são muito mais atingidas, pois conforme
mencionado ao longo do trabalho a cada 1 ponto percentual a mais na taxa de desemprego, as
mulheres negras sofrem, em média, aumento de 1,5 ponto percentual 1.
Na análise qualitativa foi constatado o quanto o corpo dessas mulheres esteve em pauta
durante as entrevistas, sendo visto muitas vezes como o motivo do envolvimento no tráfico, pela
dificuldade de abordagem das mulheres, pelo fato delas possuírem locais para esconder e até
mesmo com a associação à prostituição. Observou-se que essas mulheres não vendem apenas sua
força de trabalho, mas sim as possibilidades que seus corpos oferecem. Nesse sentindo, muitas
vezes as mulheres foram retratadas como meras embalagens para o transporte de drogas e como
“instrumento de ludibriar a polícia”, pelo fato de que elas supostamente elas estariam se
beneficiando do baixo efetivo de mulheres na PM para transportar a droga.
Diante do exposto, pretende-se nesse trabalho o aprofundamento dos achados do campo
colhidos nas entrevistas com policiais militares na cidade do Recife como modo de entender as
peculiaridades atinentes a criminalização das mulheres por tráfico de drogas.
Notas:
1
http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=34371&Itemid=9. Acesso em: 01
abr. 2019.
353
ANTIPROIBICIONISMO: MULHERES QUE SE MOBILIZAM CONTRA A ATUAL
POLÍTICA ANTIDROGAS NO BRASIL
354
antiproibicionistas e seus distintos espaços de atuação social, política e científica, seus princípios
se relacionam estritamente com o projeto feminista de sociedade.
Eloisa Slongo
Mestranda pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Jurídicas-Direitos Humanos pela UFPB
Esta pesquisa analisa a representação criminalizadora dos discursos jurídicos, com base em
um estudo de caso de um processo criminal referente à prática de interrupção de gravidez
voluntária, em maio de 2014, levado a Júri Popular em novembro de 2015, é fruto de um trabalho
monográfico. Trazendo um panorama geral sobre o aborto no Brasil e debatendo sobre o “aborto
clandestino” e a criminalização das mulheres, objetiva-se confrontar as proposições
criminalizadoras das mulheres, propostas pelo judiciário e a restrição da realização do aborto
seguro e gratuito. Os corpos das mulheres são atravessados – e atravessam – o poder e a política,
sendo por eles regulados e controlados. Pode-se afirmar e questionar como os corpos femininos
são regidos, no tocante aos direitos sexuais e reprodutivos e como esse processo se relaciona com
o modelo de produção atual, o capitalismo, expressando-se através do poder patriarcal,
principalmente na concepção de que o corpo da mulher se forja como propriedade. O aborto
provocado implica em uma colisão de interesses que são ponderados pelas mulheres que decidem
fazê-lo. Ainda que compreendam sua ilegalidade, perigos e os contrassensos, trazem à tona uma
perspectiva política de subversividade ao transgredirem as ‘normas legais e culturais’ (FOUCAULT,
2001, p. 72) do dever da maternidade. Apesar de existirem dados, a ilegalidade e a ausência de
interesse por parte do Estado neste quesito, tornam desconhecidos os números reais destas
ocorrências. Estima-se que, no Brasil, cinco milhões de abortos clandestinos ocorram por ano
(BRUNO, 2006, p. 84) e, cerca de um terço ou um quarto deles (havendo divergência entre os
estudos), ainda na adolescência. O aumento da taxa de mortalidade materna tem o aborto como
sua quinta maior causa (NACIONAL, 2014), sendo responsável por 12,5% do total de óbitos
(BRUNO, 2006, p. 86).
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Os anormais. Curso no Collège de France. (1974-75). Tradução Eduardo
Brandão – São Paulo: Martins Fontes, Coleção Tópicos, 2001.
BRUNO, Zenilda Vieira. Abortamento na adolescência. In: CAVALCANTE, Alcilene, Dulce Xavier
(org.). Em defesa da vida: aborto e direitos humanos. São Paulo: Católicas pelo Direito de Decidir,
2006.
NACIONAL, Expressão. Aborto é um dos principais causadores de mortes maternas no Brasil.
Câmara dos Deputados, 2014. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/tv/
materias/expressao-nacional/478093-aborto-e-um-dos-principais-causadores-de-mortes-
maternas-no-brasil.htm>. Acesso em: 12 nov. 2016.
355
OS LIMITES DISCURSIVOS DA FAMÍLIA: DISPUTAS EM TORNO DO
RECONHECIMENTO DA QUALIFICADORA DE FEMINICÍDIO
Esta pesquisa traça problematizações sobre como a noção de família1 atua na produção de
molduras preliminares do que pode ser apreendido como crime de feminicídio. Em síntese, busca-
se com este trabalho: a) identificar quais são as convenções narrativas, baseadas na noção de
família, que atuam na qualificação das mortes de mulheres como feminicídio, a partir das
circunstâncias do crime e das performances desempenhadas por vítimas e acusados; b)
compreender como a noção de família está intimamente imbricada com certos marcadores sociais
da diferença – como gênero, sexualidade e classe – e com a constituição recíproca de práticas e
sentidos de Estado. Para tanto, parte-se da análise de narrativas sobre homicídios conjugais e
feminicídios acionadas por juízes leigos vinculados às Varas dos Tribunais do Júri da Comarca de
João Pessoa, por ocasião de entrevistas semiestruturadas realizadas por esta pesquisadora, em
virtude de Projeto de Iniciação Científica (2015-2017) e de Trabalho de Conclusão de Curso (2018).
Os resultados obtidos com as entrevistas indicam que as mortes violentas de mulheres ganham
especificidade na medida em que se distanciam das narrativas de crimes relacionados ao mercado
de drogas ilícitas, ou seja, das violências constitutivas do “mata-mata” (EFREM FILHO, 2017). Para
os jurados, a qualificação como feminicídio ocorre porque a vítima: “Ela é morta dentro de casa.
Ela é morta sem ficha policial. Ela é morta sem estar na praça. Ela é morta simplesmente pelo fato
de ser mulher”. Observa-se que a casa, como limite geográfico das mortes, marca a noção de
família, por meio da qual a performance da mulher assassinada precisa se adequar às convenções
generificadas e sexualizadas de esposa fiel e de mãe dedicada, e a performance do homem
acusado às convenções de pai atencioso e sujeito trabalhador (CÔRREA, 1983). Nesses termos, a
convenção da família permite que a vítima seja legitimada em plenário, ao tempo em que atua na
feminilização do acusado, distanciando-o, discursivamente, da noção classista de “bandido”, do
“criminoso de carreira” (MISSE, 2010; FACHINETTO, 2012). Ao longo das entrevistas, convenções
são acionadas para argumentar que, em períodos antecedentes ao crime, uma série de direitos e
deveres dos membros familiares foi violada, a exemplo do recurso narrativo ao dever de fidelidade
conjugal feminina e ao dever masculino de ser o provedor do lar. Observa-se uma narrativa linear
de ciclo da violência, em que o descumprimento dessas obrigações promove desentendimentos e
agressões entre o casal e, por fim, culmina no feminicídio. Desse modo, os entrevistados
estabelecem relações indissociáveis entre as mortes de mulheres e as narrativas de violência
doméstica e familiar, consolidadas pela Lei Maria da Penha (nº 11.340/06), embora a legislação de
feminicídio (nº 13.104/15) não esteja restrita às violências exercidas naquelas circunstâncias. Não
obstante isso demonstre certa sedimentação, em esferas de Estado, de uma linguagem de
combate à violência contra a mulher como um fato social inadmissível, por outro lado tem como
consequência prática a dificuldade de reconhecimento de outros cenários de violência de gênero
através da insígnia jurídica do feminicídio. Quanto às implicações nas performances desenvolvidas
pelos sujeitos, constata-se que as convenções narrativas em torno da família estão
fundamentadas em uma matriz cultural que demanda a coerência entre normas de gênero e de
sexualidade, além de outros marcadores sociais da diferença (como classe e raça/etnia), que
“existem em relação entre si e através dessa relação” (McCLINTOCK, 2010, p. 19). Nos entremeios
das disputas por sentidos de Estado, as convenções narrativas em torno da família auxiliam na
produção de “molduras cognoscíveis” do que é feminicídio, e, por consequência, certos sujeitos
356
que vivem e morrem em desconformidade a essa moldura atuam como o exterior constitutivo da
norma legal (BUTLER, 2017).
REFERÊNCIAS
BUTLER, Judith. Quadros de Guerra: quando a vida é passível de luto? Trad. Sérgio Tadeu de
Niemeyer Lamarão e Arnaldo Marques da Cunha. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
CORRÊA, Mariza. Morte em família: representações jurídicas de papéis sexuais. Rio de Janeiro:
Edições Graal, 1983.
EFREM FILHO, Roberto. Mata-mata: reciprocidades constitutivas entre classe, gênero, sexualidade
e território. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade
Estadual de Campinas (UNICAMP). Campinas, SP, 2017.
FACHINETTO, Rochele Fellini. Quando eles as matam e quando elas os matam: uma análise dos
julgamentos de homicídio pelo Tribunal do Júri. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação
em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas. Porto Alegre, RS, 2012, 421 f.
McCLINTOCK. Anne. Couro imperial: raça, gênero e sexualidade no embate colonial. Trad. Plínio
Dentzien. Campinas: Editora da Unicamp, 2010.
MISSE, Michel. Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a
categoria “bandido”. Lua Nova, São Paulo, n. 79, p. 15-38, 2010.
Notas:
1
As palavras grafadas em itálico representam categorias que são postas “sob suspeita”. Por sua vez, as palavras
grafadas entre aspas remetem ao uso feito por outros autores.
A popularização de expressões como Direito Penal mínimo e Direito Penal da ultima ratio,
que derivam dos princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade e da subsidiariedade 1, é
bastante discutida e aplaudida por vários autores no Brasil. Muitas das “reformas” realizadas nos
360
últimos anos, na legislação brasileira, declaravam a “flexibilização do direito penal” e,
principalmente, a redução da pena privativa de liberdade (MELO, 2015, p. 61).
Na contramão desse discurso – que, por sinal, não se refletiu na prática haja vista o
aumento exponencial da população carcerária do país – os movimentos sociais, acreditando uso
do controle social formal para a diminuição da prática delitiva, vêm apostando cada vez mais no
discurso criminalizante como meio de combate às opressões.
É com base nas funções oficialmente declaradas (ou promessas legitimadoras) do sistema
penal que o(s) discurso(s) feminista(s) vem ao longo das últimas décadas apostando na chamada
função simbólica do direito penal2 para reformar a legislação penal.
Dentre elas, a mais recente é a Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, que alterou o
Código Penal para modificar a titularidade da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual.
Antes da Lei n° 13.718/2018 a regra geral era que a ação penal pública fosse condicionada à
representação da vítima e incondicionada nos casos de vulnerabilidade. Se tratando de um ato
sem formalidade ou complexidade a exigência de representação para vítimas maiores e capazes –
condição de procedibilidade para esse tipo de ação penal pública – assegurava à vítima o direito de
autorizar ou não a persecução penal, denotando respeito a seu poder decisório.
Destarte, a presente pesquisa pretende enfrentar as seguintes problemáticas: o controle
social formal realizado pelo direito penal é de fato eficaz em disciplinar o indivíduo que pratica as
várias formas de violência sexual contra a mulher? A retirada do poder de escolha das vítimas de
violência sexual na persecução penal dos agressores era a melhor medida a ser tomada pelo Poder
Legislativo?
Dessa forma, a pesquisa pretende perquirir sobre as potencialidades e limites da alteração
da titularidade da ação penal nos crimes contra a dignidade sexual através de um estudo sobre o
papel que o direito penal geralmente atribui ao gênero feminino, bem como as possíveis relações
entre o sistema penal e o patriarcado e, a partir disso investigar os discursos feministas
criminalizantes e sua relação com a realidade do sistema penal.
Preliminarmente, é possível constatar que com a recente modificação legislativa, o
processo – inclusive em sua fase de investigação – e o julgamento de todos os crimes contra a
dignidade sexual, agora independem da vontade da vítima. Com isso, é retirado da vítima desses
crimes a sua esfera de autonomia para decidir se deseja levar adiante ou não a persecução estatal
tendo em vista os riscos de revitimização e exposição, muitas vezes vexatória, que um processo
penal pode impor.
REFERÊNCIAS
MELLO, Marília Montenegro Pessoa de. Lei Maria da Penha: uma análise criminológico-crítica. 1.
ed. Rio de Janeiro: Revan, 2015.
Notas:
Segundo Nilo Batista: “a subsidiariedade do direito penal, que pressupõe sua fragmentariedade, deriva de sua
consideração como ‘remédio sancionador extremo’, que deve portanto ser ministrado apenas quando qualquer outro
se revele ineficiente; sua intervenção se dá unicamente quando fracassam as demais barreiras protetoras do bem
jurídico predispostas por outros ramos do direito’”(Introdução crítica do direito penal brasileiro. 8 ed. Rio de Janeiro:
Revan, 1988, p. 86-87).
Segundo Vera Regina Pereira de Andrade, os movimentos que defendem essa função sustentam que não estão
essencialmente interessados no castigo, mas sim na utilização do direito penal como um meio de reduzir a relação
desigual de poder entre homens e mulheres (Sistema penal máximo x cidadania mínima: códigos de violência na era
da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 83-84).
361
O RECONHECIMENTO COMO BASE MORAL DE LUTAS FEMINISTAS CONTRA A
VIOLÊNCIA
Isabella Cavalcanti
Bacharel em Direito pela UFPE
O conceito de reconhecimento, utilizado por filósofos como Hegel, vem sendo retomado,
desde a década de 90, por outros autores como Axel Honneth e Judith Butler, que trabalham com
novas teorias do reconhecimento. Honneth, criticando seu antecessor Habermas, que para ele
tratava demais da comunicação, em sua teoria escolheu dar destaque aos conflitos, por observar
que eles são constantes na sociedade. Para ele, os sujeitos estariam em constante conflito por
reconhecimento. O autor analisa as pessoas e conclui que sua motivação para ir à luta é a busca
por esse reconhecimento. Essa busca, para ele, só ocorre se for antecedida de uma experiência de
desrespeito e sofrimento social, isto é, de déficit de reconhecimento. Assim, experiências de
desrespeito e sofrimento social são a força motivadora das lutas sociais. Ou seja, a vivência da
violência é força motriz para que os sujeitos se organizem, lutem e busquem reconhecimento.
O presente artigo trabalhará com o conceito de reconhecimento porque enxergamos que ele
pode nos ajudar a responder um questionament : afinal, toda luta é legítima? Há movimentos
ilegítimos? Se a resposta for positiva, o que diferencia movimentos legítimos dos ilegítimos? Como
justificar de forma eficaz que o movimento feminista possui uma demanda válida e legítima enquanto
outros movimentos, como o neonazista, não devem ser tolerados no contexto atual? O conceito de
reconhecimento pode ajudar nessa questão, funcionando como uma base moral para lutas atuais.
Assim, o objetivo deste trabalho é analisar como o reconhecimento pode ajudar a pensar o
conceito de lutas, lutas essas que são hoje o principal impulso de transformação do direito.
Usaremos como exemplo mobilizações feministas recentes na América Latina, que se organizaram
para reagir à violência sofrida pelas mulheres, como o “Ni una a menos”, analisando como o
conceito de reconhecimento para Honneth, serve a essas lutas. Nesse contexto, a ideia de
reconhecimento tem potencial para ajudar entender o componente moral das lutas atuais e
atender a uma demanda importante: separar uma luta legítima de demandas ilegítimas.
PROBLEMA
Antes de iniciar a apresentação do problema, sente-se a necessidade de deixar claro que
esta reflexão está sendo apresentada em um espaço que se dialoga com pessoas do mesmo
362
referencial teórico, por esta razão não compreendemos como um fator negativo esta análise
sobre o ponto de vista do enfraquecimento de um campo que por ser contra hegemônico é
sistematicamente minoritário. Então registra-se que este trabalho não seria apresentado em
espaço diferente deste. Quando eclodiu o caso “Ne mar”, ou melhor seria o caso “Najila
Trindade”? Muitos pareceres foram dados em redes sociais. Isto é comum em crimes de estupro
que tem repercussão midiática e as pessoas então possuem um espaço de construção de
narrativas sobre a vítima e o acusado. No entanto, este crime tinha uma característica diferente: o
acusado era uma das pessoas mais populares e ricas do mundo: Neymar Jr. Então isto por si só
poderia ser analisado por vários aspectos, mas resolvemos problematizar fora das linhas de
acordo entre criminólogos/as ou pessoas que se referenciam na teoria crítica no geral, nossa
problematização surgiu no momento em que pessoas que são referencia nos estudos críticos
resolveram assumir o caso ao lado do acusado. Recortes feministas, classistas e raciais apareceram
em textos das formas mais variadas. Selecionamos alguns destes textos e nos questionamos: quais
os parâmetros de seletividade penal para a legitimação do punitivismo pelos/as que compõe o
campo da criminologia critica?
OBJETIVOS
Objetivo geral
Este texto se desenvolveu para analisar até que ponto as pessoas que criticam a
seletividade do sistema penal não a reproduz em seus discursos quando quem compõe o banco
dos réus não se insere nas categorias de “proteção” do discurso critico.
Objetivos específicos
Como objetivos específicos tivemos: selecionar textos que davam “pareceres” sobre a
repercussão do caso; avaliar como o processo de ampla defesa foi relativizado pelo acusado ser
Neymar; analisar os pontos de divergência em relação aos discursos dos/as advogados/as de
acusação; elaborar uma crítica sobre a autoridade dos críticos/as analisando se a criticidade
também não gera sensos comuns tidos como verdades absolutas.
MÉTODO DE ANÁLISE
O método utilizado foi o de análise de discurso. Foram selecionadas categorias como
“ampla defesa”, “legitimidade”, “vítima”, “acusado”, “raça”, “gênero”, “classe”, “cultura do
estupro” e “punitivismo”, para avaliar as narrativas propostas nas redes sociais. O critério para
escolha dos textos se baseou em pessoas que escreveram de forma mais elaborada pareceres
sobre o caso e são reconhecidas (de forma ampla ou não) no campo da criminologia crítica.
CONCLUSÃO
Não chegamos até o momento em uma conclusão e não saberemos se isto irá acontecer, o
que consideramos até o presente é a necessidade de refletirmos o quanto nós, que nos
consideramos criminólogos/as críticos/as reproduzimos discursos punitivistas, e como é simples
perdermos a empatia quando quem ocupa o banco dos réus não é quem historicamente estamos
acostumados a reconhecer nele. Acreditamos que é preciso uma autoanalise em um momento de
tantas crises epistemológicas para compreender a autenticidade de nossas criticas e sobre quais
paradigmas sedimentamos nossas narrativas criticas. É inevitável cairmos em contradições, o
sistema penal é muito complexo, no entanto, é necessário também que sejamos antes de mais
nada críticos/as entre nós para saber ate que ponto não estamos construindo uma verdade
seletiva às avessas.
363
ENTRE VÍTIMAS PRECÁRIAS E CRIMINOSOS PRESUMIDOS: SOBRE GÊNERO,
SEXUALIDADE, CRIME E VIOLÊNCIA
O limiar da noite do dia 17 de abril de 2012 marcava o início do tiroteio que pôs fim à vida
de Lucas Mateus da Silva, o Luquinhas, no bairro da Babilônia, em João Pessoa-PB. Segundo o
Promotor de Justiça, Luquinhas, seu companheiro e outro amigo estavam procurando um imóvel
para morarem juntos, momento em que encontraram um apartamento no Condomínio Bangu,
local dominado pelo traficante “Boca de Cobra”. A tentativa de se enturmar com os vizinhos levou
Luquinhas, segundo o representante do Ministério Público, a oferecer maconha aos vizinhos,
instante que, diante da ameaça territorial, Walter do Nascimento, conhecido como Pretinho, e
Patrick da Silva, comandados pelo menor Ícaro, alvejaram Luquinhas, seu companheiro e seu
amigo. Luquinhas não resistiu e morreu; os demais sobreviveram.
A morte de Luquinhas, reivindicada pelo Movimento LGBT da Paraíba enquanto um
assassinato motivado pela homofobia, surge diante de um cenário diverso daqueles acionados
para a constituição da vítima. Em um primeiro plano, para que a vítima possa ser tida enquanto
legítima, esta deve se enquadrar em algumas convenções morais, de modo que, não atendidas
tais convenções, o acionamento da brutalização das mortes surge enquanto alternativa
constitutiva da vítima, conforme notou Efrem Filho (2018). Acontece que, embora Luquinhas
tenha sido morto com três tiros, o Promotor, ao redigir a peça acusatória, aparentemente rejeitou
o movimento de extremar a vítima e seus algozes e classificou as vítimas enquanto “traficantes de
drogas”, de modo que a disputa territorial motivou o assassinato.
Assim, intenciono, no presente trabalho, compreender as relações de poder que cruzam os
autos processuais e a repercussão de categorias como raça, gênero, sexualidade, crime e violência
dentro das narrativas de Estado sobre a morte de LGBT. Valho-me, para tanto, de uma
metodologia de análise de conteúdo através da organização das categorias já mencionadas.
Conclui-se, portanto, que embora diversas cenas de brutalidade e convenções morais
sejam deslocadas para forjar a vítima mais legitima, determinadas pessoas, especialmente aquelas
LGBT cruzadas pela raça, pelo crime, pela prostituição e pelo território, são cunhadas enquanto
vítimas precárias e criminosos presumidos. O gênero e a sexualidade, assim, embora não
componham de modo tão explicito as narrativas sobre a morte de Luquinhas, se fazem por meio
da reinvindicação do crime e da violência. Ao associar, então, o “casal homossexual” ao tráfico de
drogas, as narrativas compostas pelos agentes de Estado não somente disputam o motivo da
morte, mas evidenciam, também, a inexorável ligação do gênero, da sexualidade, do crime, da
violência, do território, da classe e da raça, cruzando estas umas as outras e agindo
interseccionalmente na constituição da vítima.
364
O CONSELHO ESTADUAL DOS DIREITOS DA POPULAÇÃO LGBT ENTRE 2018 E 2019:
UM ESTUDO DE INSPIRAÇÃO ETNOGRÁFICA NO RIO DE JANEIRO
Esse trabalho integra pesquisa de mestrado ainda em desenvolvimento. Esta que parte de
observações de campo feitas no Conselho Estadual dos Direitos da População LGBT, na cidade do
Rio de Janeiro. A pesquisa teve início em 2018, e acompanhou um momento crítico vivido pelo
Conselho: o receio de que, uma vez finda a gestão do governo estadual, houvesse a extinção
daquele espaço consultivo. Medo este fundamentado em experiências anteriores que, consistindo
em iniciativas que buscavam a denunciação da violência contra homossexuais, foram extintos logo
após seu advento por ocasião de uma troca de gestão.
A pesquisa é também um convite a melhor compreender uma política pública tida como
pioneira – a nível nacional e internacional –, diante de um contexto de aparente aumento de
violência contra a população LGBTI1. Compreender a materialização desta prática estatal ganha
ainda mais relevo em se tratando do Brasil, país indicado como número um no ranking de mortes
de LGBTIs no mundo2.
Os objetivos delineados para esta investigação consistem, em primeira análise, em um
detalhamento de como o Conselho se estrutura e se comporta. Exercício importante para pensar
nas transformações dos instrumentos dos quais grupos LGBTs se apossam. E, ademais disso, trata-
se de perspectiva interessante por buscar incorporar à produção do saber jurídico o significado
que os operadores do campo atribuem à Lei e às normas, tendo, assim, acesso a uma percepção
mais completa e democrática dos fenômenos e institutos jurídicos.
Outrossim, enxergar o Conselho através da transição entre dois governos promete ser
vantajoso, uma vez que será possível notar permanências e diferenças. Em suma, com o trabalho
buscamos: a) descrever e analisar, de forma empírica, a organização do Conselho Estadual dos
Direitos da População LGBT do Estado do Rio de Janeiro; b) compreender usos do Direito a partir
de práticas estatais, tomando como referência o Conselho; c) compreender o contexto no qual
está inserido o Conselho e o que nuances sobre a atuação deste dizem sobre o tempo, a história e
as vivências das pessoas LGBTs no Rio de Janeiro.
Para a feitura desta pesquisa, aparenta ser interessante um “mergulho” epistemológico em
outras ciências sociais. Com objetivo de desnaturalizar determinadas verdades consagradas pelo
Direito, parece oportuno cultivar um olhar marcado pelo estranhamento, a fim de tentar encarar a
esfera jurídica através de outras lentes.
É por esta razão que buscamos, a priori, descrever o funcionamento e organização
estrutural do conselho, levando em consideração também como os próprios integrantes o
enxergam. Para tanto, exploraremos os recursos típicos do método etnográfico, a saber: a
observação participante3 (acompanhamento de reuniões mensais), a análise documental (qual o
lastro jurídico do Conselho?), as entrevistas e as conversas informais.
Através deste empréstimo metodológico, tentaremos “domesticar” nosso olhar, mesmo
concordando que, de antemão, um objeto já é transformado simplesmente pelo modo como
alguém o visualiza. É esperado, por fim, que o entre-lugares de uma pesquisa como esta – isto é,
alocada dentro de um programa de pós-graduação em Direito, mas que se inspira nas ciências
365
sociais sobremaneira – seja uma tensão permanente e produtiva que impulsione reflexões sobre a
relação entre sexualidade e instrumentos jurídico-estatais.
Notas:
1
É o que demonstra a matéria “Disque 100, para vítimas LGBT, registrou aumento de 26 depois do 1º turno”.
Disponível em: https://bit.ly/2o5YXUT. Acesso em: 28 jan. 2019.
2
Informação disponível em: https://bit.ly/2LZrt5u. Acesso em: 28 jan. 2019.
3
Utilizando uma definição de Oliveira (2006, p. 24): o pesquisador assume um papel digerível pela sociedade
observada, a ponto de viabilizar uma aceitação senão ótima pelos membros daquela sociedade, pelo menos afável, de
modo a não impedir a necessária interação.
Kalline Lira
UFPE/UERJ
No Brasil, a lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, no seu artigo 5º,
define violência doméstica ou familiar contra a mulher como sendo toda ação ou omissão,
baseada no gênero, que cause morte, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral e
patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação íntima de afeto,
em que o agressor conviva ou tenha convivido com a agredida. Compreende-se que a qualidade
dos serviços ofertados às mulheres em situação de violência depende do número de órgãos
existentes, bem como dos/as profissionais envolvidos/as. Assim, o atendimento à mulher pode ser
influenciado pela representação que os/as profissionais têm sobre a violência doméstica. O
objetivo deste estudo é analisar as representações sociais da violência contra a mulher para os/as
profissionais que atuam na rede de enfrentamento da violência em municípios do Sertão de
Pernambuco. Trata-se de uma pesquisa exploratória e qualitativa, realizada de acordo com a
Teoria das Representações Sociais. A Representação Social (RS) refere-se a um conjunto de
pensamentos, ideias e crenças resultantes das interações sociais, comuns a um dado grupo de
indivíduos. A pesquisa foi realizada em três municípios do sertão de Pernambuco com 150
profissionais que atuam em áreas que compõem a rede de enfrentamento da violência contra a
mulher: assistência social, saúde, educação e segurança pública. A pesquisa utilizou diversos
instrumentos de coleta de dados: questionário de caracterização de sujeitos; questionário de
evocação livre e hierarquização de palavras; e entrevista semiestruturada. A entrevista foi
realizada com 50 participantes. A escolha foi aleatória, sendo realizada com aqueles/as que
aceitavam participar da pesquisa completa. Dos/as 150 profissionais que participaram da
pesquisa, 50 são da área da assistência social; 40 da saúde; 30 da educação e 30 da segurança
pública. A partir da análise dos dados coletados na evocação livre de palavras, pode-se inferir
como provável núcleo central da Representação Social: agressão, covardia, falta de respeito, medo
e preconceito. O núcleo central é a parte mais consensual e estável da representação, e por isso
menos sensível a mudanças em função do contexto externo ou das práticas cotidianas dos
sujeitos. Os termos evocados são reafirmados nas entrevistas, a partir da técnica da análise de
conteúdo. A utilização da Teoria das Representações Sociais como marco teórico permitiu
vislumbrar os aspectos psicossociais que dão sentido a forma como os/as profissionais
compartilham crenças, sentimentos e conhecimentos sobre a violência contra a mulher. De forma
geral, há um entendimento negativo dos/as profissionais no que concerne à violência. Neste
366
sentido, a violência contra a mulher já não é mais tão tolerado como antes, e assim, é mais
facilmente percebida como uma covardia, uma falta de respeito do homem em relação a sua
mulher. Por outro lado, mesmo havendo uma mudança nas relações entre homens e mulheres, a
violência ainda é representada pelo medo: o medo que o homem impõe à mulher através da
possibilidade de agressão; ou mais atualmente, o medo da mulher em denunciar, temendo que
algo mais grave aconteça. A violência relacionada ao contexto sertanejo trazida tanto pelo
coronelismo quanto pelo cangaço faz com que alguns/mas profissionais representem a violência
contra a mulher como algo inerente ao sertão. A violência seria, portanto, cultural, a partir das
raízes sócio-históricas do lugar. Acredita-se que a análise das representações sociais dos/as
profissionais que atuam diretamente com mulheres em situação de violência pode ajudar na
discussão sobre a violência contra a mulher, bem como facilitar a construção de estratégias de
intervenção, combate e prevenção da violência.
Palavras-chave: Representações sociais. Violência contra a mulher. Gênero. Prática profissional.
A violência contra as mulheres persiste como uma violação dos direitos humanos e um
impedimento na conquista da igualdade de gênero (ONU, 2006). No Brasil, em 2018, a taxa era de
4 mulheres mortas para cada grupo de 100 mil mulheres, ou seja, 74% superior à média mundial
(MONITOR DA VIOLÊNCIA, 2019). A crescente inserção do debate de gênero tem como fito coibir a
violência, seja buscando aumentar o rigor da lei ou implantando medidas assistenciais e
preventivas às vítimas. Acontece que existe uma lacuna no que tange à pesquisa e ao estudo
aprofundado da masculinidade, quando se trata da desconstrução de mitos, preconceitos e tabus,
sendo estes fatores bastante relevantes para a discussão desta problemática. E entender esta
questão requer aprofundar estudos relativos à vítima como também ao agressor, na medida em
que supomos que ambos precisam de ajuda, o que segundo Saffioti, (2004) é importante no
sentido de promover uma verdadeira transformação da relação violenta. Segundo Nascimento
(2001), as masculinidades não são outorgadas, mas construídas enquanto experiência subjetiva e
social. Se elas são construídas, podem ser desconstruídas e reconstruídas ao longo da vida de um
homem. O silêncio relacionado à temática homem e violência tornou a população masculina
invisível como objeto de investigação e intervenção. Pesquisas recentes demonstram que o
machismo é o preconceito mais praticado pelos brasileiros, ficando acima do racismo e da
homofobia, ou seja, o preconceito de gênero também chamado de misoginia é responsável por
grande parte dos crimes de feminicídio e de outros tipos de violência contra a mulher (IBOPE
INTELIGÊNCIA, 2017). O machismo virou uma cegueira social decorrente de fatores históricos,
sociais e culturais, pois o homem foi educado para reprimir as suas emoções, e, muitas vezes, até
a agressividade torna-se uma conduta moralmente aceita para provar a masculinidade. Em pleno
século XXI, a sociedade ainda é dominada pelo poder patriarcal, pois os costumes sociais, por
muito tempo, consentiam este tipo de violência e o homem acabou se tornando alvo dos padrões
367
de subjetividade orientado pelas relações desiguais de poder. Para Saffioti (2004), o gênero está
longe de ser um conceito neutro. Pelo contrário, o gênero carrega uma dose apreciável de
ideologia, que seria justamente a ideologia patriarcal, que cobre uma estrutura de poder desigual
entre mulheres e homens. Os objetivos propostos foram compreender a complexa natureza da
violência do homem contra a mulher e apreender como os componentes históricos, sociais e
culturais influenciam a violência de gênero. Do ponto de vista teórico-metodológico, este trabalho
que se encontra em andamento, tomou como referência Heleieth Saffioti e Joan Scott, o tipo de
pesquisa foi a qualitativa e como procedimento metodológico, a pesquisa bibliográfica. Como
conclusões parciais, os dados em relação à violência contra a mulher demostram uma situação
preocupante, pois estamos muito acima da média mundial. A desigualdade de gênero é estrutural,
ou seja, social, histórica e culturalmente a sociedade designa às mulheres um lugar de submissão e
menor poder em relação aos homens. Fatores como, o comportamento da mulher, seu jeito de se
vestir ou exercer sua sexualidade, são justificativas, socialmente aceitas, para que as mulheres
continuem a sofrer violência. Em suma, “as mulheres são vítimas de violência porque são
mulheres” (PASINATO, 2018). Diante disso, coloca-se em evidência a necessidade de se
desenvolver um olhar crítico sobre a masculinidade de forma a romper com a lógica dominante do
patriarcado que, ainda, impera na sociedade brasileira.
Palavras-chave: Violência contra a Mulher. Masculinidade. Patriarcado. Gênero.
368
Observa-se que o Direito é um reflexo das relações de poder, uma vez que se diverge de um
dogma- verdade inquestionável- ao controlar a ordem social vigente, o que culmina na reprodução
da desigualdade social, influenciando de maneira direta, nas penitenciárias femininas, na medida
em que se perpetua a lógica das relações de poder adequadas aos padrões econômico-capitalistas
vigentes. As prisões antes de ser um fenômeno tipicamente jurídico, são instituições econômicas
que ressignificam o indivíduo transgressor, a fim de se produzir uma subjetividade disciplinada,
conforme a ordem econômica.
Destacam-se aqui como resultados parciais, a evidenciação da necessidade de se buscar
alternativas para o sistema prisional e as leis penais, a fim de que possam, de fato, transformar a
realidade de vulnerabilidade das mulheres encarceradas dentro de depósitos do que a sociedade
marginaliza e nega.
O sistema de justiça no Brasil cioso de seus mecanismos de controle estabelece, desde logo
com o nascimento, uma identidade sexual, teoricamente imutável e única, e assim, um parâmetro
cruel que se fundamenta nos braços da lógica opressora do patriarcado e da
cishetoronormatividade, e se encontra no sistema de justiça criminal de uma forma muito mais
contundente. Especificamente sobre o cárcere, que surge como uma forma de manutenção da lei e
ordem, novo paradigma para legitimação do poder estatal tendo por modelo disciplinar o intuito de
moldar corpos, sendo um processo de docilização, para sujeição da vontade e controle da produção
de energia individual voltado ao capitalismo. Com a presença muito forte do movimento Trans no
Brasil, na luta pelos direitos civis, aos poucos é concedido o direito ao “verdadeiro eu”, ou o direito à
diferença. Extraindo a ideia de valorização a existência das múltiplas singularidades. A
transgeneridade resgata e promove tanto os questionamentos sobre o direito à diferença e o limite
da liberdade quanto os sentidos da saúde e doença. A questão que se mantém é sobre a
possibilidade de o sujeito alterar o seu corpo com o propósito de alterar sua identidade sexual, e
quais os limites e possibilidades jurídicos, e até mesmo sobre reconhecimento psíquico de outro
gênero, sem precisar de cirurgia de transgenitalização. Cuja identidade sexual destoa dos padrões
tradicionais, serão aqui chamadas de pessoas de sexualidade divergente, embora a expressão seja
capaz de abranger questões que ultrapassem a identidade de gênero, esta pesquisa cuida
especificamente da transexualidade. Recentemente, na ADI nº 4275, o STF reconheceu “aos
transgêneros que assim o desejarem, independentemente da cirurgia de transgenitalização, ou da
realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, o direito à substituição de prenome e sexo
diretamente no registro civil”, revelando que o registro civil já não se limita a declarar a realidade
biológica. E assim, todos os cartórios do Brasil, por meio da regulamentação da matéria pelo CNJ no
Provimento nº 73 publicado em 29/06/2018, fazem o processo de alteração do nome e gênero nos
documentos. Diante disso, trazendo a reflexão, será que o sistema de justiça criminal caminha para
369
o reconhecimento dos direitos da personalidade da pessoa trans dentro do cárcere? Quais seriam os
efeitos dessa alteração de gênero e nome para a execução penal? É sobre essas questões que se
debruça essa pesquisa, por compreender que o Direito Penal não é suficiente e omisso para atender
a análise dos conceitos que circundam a identidade de gênero. Muitos são os problemas que cercam
a pessoa trans dentro do sistema, pois para os que lá estão não se tem o direito de mudança do
nome, para que estejam nas alas compatíveis ao seu gênero, pois o Estado só reconhece como
legítimo o que está em seus documentos ou amostragem biológica, ou seja, é um direito que é
retirado arbitrariamente. Seria por questões de transfobia? Teria então que uma pessoa trans que
conviver em cárcere com pessoas de um gênero diferente do qual não se identifique, ficando
submetida a traumas físicos e psicológicos? O que justifica essa discriminação? Pensar o espaço
prisional também é pensar em segurança pública, garantias de direitos básicos. A abordagem de tais
questões expostas segue-se por uma metodologia de pesquisa qualitativa e exploratória em que
análise se dá pelo método indutivo, através de trabalho de campo nos cartórios de Alagoas e no
sistema prisional, junto com o movimento social Trans; E bibliográfico usando-se artigos científicos,
teses, livros, que discorrem acerca do assunto proposto. Faz-se necessária à pesquisa legislativa por
meio do estudo de normas relativas a garantias da população trans dentro do sistema de justiça
criminal. Sendo assim, mais do que um conjunto de normas reguladoras da vida social, o Direito é
uma ciência humana, e como tal deve ter nos seres humanos, com seus corpos, identidades e
sexualidades, o núcleo de suas preocupações, e é por isso que este deve estar sempre aberto às
novas demandas e preocupações de núcleos específicos da sociedade.
Palavras-chave: Transgeneridade. Direitos civis. Sistema de justiça criminal. Transfobia.
"EU SÓ QUERIA TER UMA OPORTUNIDADE PARA IR EMBORA, PARA NUNCA MAIS
VOLTAR" - UM ESTUDO DE CASO SOBRE A PENALIZAÇÃO DA MULHER NO
PROCESSO CRIMINAL
376
EPISTEMICÍDIO: UMA ANÁLISE DO RACISMO NA PRODUÇÃO ACADÊMICA
INTRODUÇÃO
O presente trabalho de Iniciação Científica propõe o estreitamento teórico entre o Direito,
de natureza social crítica, e a Linguística Crítica Discursiva ao se basear na Análise Crítica do
Discurso aplicada à Lei 11.340 nas decisões judiciais que apresentam os elementos e meios de
379
prova favoráveis à vítima, com o pormenor de sentenciar o agressor como inocente, resultando
violência simbólica institucional decorrente do comportamento machista, sexista e/ou misógino
por parte do cônjuge e da conduta pautada nos valores sociais de dominação masculina e de
manutenção das relações de poder já estabelecidas na dinâmica social.
Para efetivar este trabalho, analisaremos os textos numa perspectiva sincrônica e das
relações entre língua, história, cultura, relações de poder e sociedade, compreendendo o discurso,
como um modo de representação social e uma ação sobre o mundo e sobre o outro. Além disso,
haverá a aplicação da Análise Crítica do Discurso para identificar os elementos
linguísticodiscursivos que operam no processo de interface entre os “macroaspectos” (contexto
social) e os “microaspectos” (linguísticos). Tem como marco teórico Norman Fairclough, apoiando-
se ainda em Arendt, Baratta, Bourdieu, Colares, Foucault e Thompson.
Vale ressaltar que o acesso às decisões judiciais tem respaldo na Lei nº 12.527/2001, a Lei
de Acesso à Informação. Logo, todos os dados estão disponíveis a acesso público e irrestrito não
necessitando assim de avaliação do comitê de ética.
OBJETIVOS
Analisar decisões judiciais referentes à lei 11340/06 (popularmente conhecida como Lei
Maria da Penha) através da teoria linguística da Análise Crítica do Discurso textualmente orientada,
cuja sentença foi dada favoravelmente ao acusado sem embasamento jurídico (elemento/meio de
prova judicial favoráveis à vítima), apenas a convicção do julgador, configurando assim violência
institucional, com a finalidade de observar os componentes ideológicos, culturais e as relações de
poder e opressão social que compõem representação discursiva feminina e as intervenções da
ideologia patriarcal nas relações de gênero nesses textos judiciais.
Além disso, haverá a aplicação da Análise Crítica do Discurso Jurídico e da Criminologia crítica
no uso dos conceitos relacionados à ideologia, às relações de poder, à legitimação, à dominação, à
representação de gênero e aos modos de operação de ideologia descritos por J. Thompson.
METODOLOGIA
A pesquisa em questão destina-se à investigação dos componentes ideológicos, culturais e
as relações de poder e opressão social que compõem representação discursiva feminina e as
intervenções da ideologia patriarcal decisões judiciais cuja sentença foi dada favoravelmente ao
acusado sem embasamento jurídico, configurando assim violência institucional. Há o uso da
Análise Crítica do Discurso para investigar a tessitura da superfície textual quanto à estrutura dos
constituintes sintáticos mais especificamente o fenômeno da Topicalização, Passivação,
Nominalização e a aplicação dos Operadores Argumentativos, com o objetivo de detectar “Os
Modos De Operação da Ideologia”, descrito por J. Thompson.
Nesse contexto, a pesquisa possui natureza de aplicada, visando desenvolver
conhecimentos para a aplicação prática para encontrar soluções para problemas específicos, e de
caráter explicativo, pois procura trazer à superfície as razões dos discursos e orientações
ideológicas que pautam a relação de dominação e da criminalização entre agressor e vítima.
Em relação a abordagem do problema, o método é qualitativo, realizando uma análise de
interpretações da realidade social para identificar estruturas de dominação naturalizadas em um
contexto definido que não são capazes de serem traduzidas em números
RESULTADOS
Busca-se observar a construção da representação da mulher nas decisões judiciais cujas
sentenças foram dadas favoravelmente aos acusados sem embasamento jurídico, se pautando,
somente, na convicção de cunho ideológico de senso comum patriarcal. e discutir as políticas públicas
380
e seu poder modificador, partindo da esfera privada para a pública. Dessa forma, espera-se constatar a
não aplicação da Lei nº 11.340/2006 através da demonstração da violência institucional e da retirada
da voz feminina, pois, nos autos, ela comprova a violência física, mas tem sua voz calada.
CONCLUSÕES
O trabalho PIBIC está em andamento e, até agora, já foram encontrados diversos trechos
com violência institucional de decisões judiciais com absolvição do réu que cometeu a agressão à
integridade física da mulher. Nesse âmbito, é possível apontar os modos de operação de ideologia
de Thompson e o discurso machista de dominação masculina inseridos nos argumentos judiciais
que fundamentam a não punição do réu. Logo, a ideia inicial da pesquisa se concretizou através
dos métodos já citados de Análise Crítica do Discurso, possibilitando a observação da violência
institucional e das relações de poder no contexto sociológico atual.
REFERÊNCIAS
BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.
BRASIL. Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006 - Lei Maria da Penha. [S.l.], 2006. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 04 out. 2018.
FAIRCLOUGH, Norman. Language and Power. London: Longman, 1989.
FAIRCLOUGH, Norman. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: as
universidades. In: MAGALHÃES, C. (org.) Reflexões sobre a análise crítica do discurso. Belo
Horizonte: Fale: UFMG, 2001.
RESENDE, Viviane de Melo; RAMALHO, Viviane. Análise de discurso crítica. São Paulo: Contexto, 2006.
THOMPSON, J. Ideologia e cultura moderna. Teoria social e crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1999.
WOLKMER, Antônio Carlos. Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
Notas:
Agradeço a UPE pela oportunidade de realizar essa pesquisa, a minha família por todo o apoio e a professora Rebeca
Lins Simões de Oliveira pela orientação e pelos conhecimentos transmitidos.
Carina Turazi
Mestranda em Direito pelo PPGD da UNESC. Graduada em Direito pela UNESC. Pesquisadora do Laboratório de Direito
Sanitário e Saúde Coletiva. Integrante do Núcleo de Estudos em Estado, Política e Direito da UNESC.
PROBLEMA INVESTIGADO
A pesquisa tem como escopo investigar a construção do gênero nos acórdãos e nas decisões
monocráticas proferidas, em segunda instância, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
no julgamento das ações cíveis após a vigência do Código Civil de 2002. Analisa-se como as mulheres
são retratadas e reconhecidas na interpretação e aplicação das normas jurídicas, com enfoque na
construção de sua integridade física, intelectual e moral, assim compreendida como os direitos
fundamentais da personalidade. Questiona-se a linguagem e o discurso sobre o sexo feminino, quem o
faz, os lugares e pontos de vista utilizados, como a instituição aborda a temática, de modo a aferir de
que forma o gênero é utilizado na linguagem jurídica (FOUCAULT, 1988).
OBJETIVOS
Os objetivos são (a) analisar o conceito de gênero sob uma perspectiva interseccional,
considerando os eixos raça e classe, de maneira a aferir como essas variáveis operam em conjunto
nas opressões sofridas pelas mulheres (BIROLI, MIGUEL, 2015); (b) definir os direitos da
personalidade, com suas especificidades aplicáveis às mulheres; (c) verificar as decisões judiciais
relativas à integridade física (vida e corpo vivo ou morto), intelectual (liberdade de pensamento ou
autoria científica e artística) e moral (honra, imagem, intimidade e identidade) das mulheres a
partir da vigência do Código Civil de 2002 e (d) averiguar quais os termos, teses e categorias
jurídicas são recorrentemente aplicáveis nestas decisões judiciais e como abordam o sujeito
mulher, com marco teórico nas teorias feministas do Direito.
MÉTODO DE ANÁLISE
A pesquisa propõe uma análise interdisciplinar, que conjuga os conteúdos pertencentes à Sociologia
Jurídica, ao Direito Civil e ao Direito Constitucional. Os dados coletados serão primários, recolhidos
no sistema de pesquisa da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro,
disponível na rede mundial de computadores. Os termos a serem utilizados são relativos aos direitos
de personalidade, como “honra” e “mulher”, “intimidade” e “mulher”, “abalo psicológico”, “corpo”
e “mulher”, “liberdade sexual”, “imagem” e “mulher”, dentre outros. A metodologia coordena, em
uma primeira etapa, a pesquisa quantitativa, com a seleção dos acórdãos e decisões monocráticas
proferidas pelo Tribunal nos últimos 16 anos – marco temporal escolhido desde a vigência do Código
Civil de 2002. Em uma segunda etapa, propõe-se a investigação qualitativa do conteúdo desses
julgados, que serão escolhidos mediante uma amostragem intencional das decisões relativas aos
corpos, identidades e modos de existência das mulheres.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A efetividade da proteção às mulheres deve considerar não apenas a igualdade formal disposta nas
normas jurídicas, mas também os discursos que envolvem a sua aplicação e interpretação pelos
tribunais (RABENHORST, 2011). Nesse sentido, em que pese o esforço do ordenamento jurídico
386
brasileiro em sedimentar a paridade de direitos entre homens e mulheres, as decisões judiciais se
perfazem em um espaço de manutenção das desigualdades materiais. A evolução e a aplicabilidade
dessas normas devem acompanhar as realidades específicas do ser-feminino, mediante um estudo
crítico dos assuntos afeitos ao gênero, sob a perspectiva das teorias feministas do direito.
REFERÊNCIAS
BIROLI, Fernanda e MIGUEL, Luis Felipe. Gênero, raça e classe: opressões cruzadas e convergências
na reprodução das desigualdades. Mediações, Londrina, v. 20 n. 2, p. 27-55, jul./dez. 2015..
FOUCALT, Michel. História da Sexualidade 1: A vontade de saber. Tradução: Maria Thereza da
Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque, Rio de Janeiro: Edições Graal, 1988.
RABENHORST, Eduardo Ramalho. Encontrando a teoria feminista do direito. Prim@ Facie, v. 9,
p.07-24, 2011.
Este trabalho surge a partir de reflexões e vivências experienciadas nas ações extensionistas
do Grupo Robeyoncé, coordenado, na época, pela professora prof. dra. Marília Montenegro. As
ações visavam orientar mulheres trans e travestis trabalhadoras da prostituição na cidade do Recife,
sobre as possibilidades de retificação de nome e gênero do registro civil com base na recente
regulamentação do Conselho Nacional de Justiça, que permite a alteração via cartório. Essa
desjudicialização foi resultado de uma constante disputa do movimento trans insurgente em um
contexto de patologização desses mesmos corpos que, apesar dos inúmeros processos de
subalternização sofridos, infiltram, no debate público, uma narrativa dissidente a qual foi capaz de
retirar a exigência da cirurgia de transgenitalização para acessar o direito ao nome.
As ações tiveram como locus ruas de grande tráfego durante a noite, assim como cinemas
pornô à tarde. A extensão conversava com as mulheres, tinha panfletos facilitadores, entregava
camisinhas e lubrificantes. Através do diálogo, percebeu-se o ânimo de algumas para a realizar a
retificação, enquanto a rápida recusa de outras para retornar ao trabalho também se fazia presente.
É, nessa conjuntura, que as perspectivas sobre reconhecimento estatal aparecem como
extremamente ambivalentes e dificilmente passíveis de conciliação entre as teorias do
reconhecimento.
Considerando a noção foucaultiana de heterotopia1, deve-se pensar os espaços que
assumem sistematicamente a marca da diferença e da recusa, que se constituem como
contraespaços. Por essas lentes, os cinemas pornô, as ruas e avenidas, em certos lapsos
temporais, são ocupados por algo que remete ao ininteligível, sendo em certa medida considerado
inalcançável, irreconhecível. Esses espaços se realizam pela inversão e suspensão das normas
vigentes, em oposição, assim, aos espaços normalizados.
É fundamentalmente nesses termos que visualizamos as interdependências dessas categorias
criadas pelo poder disciplinar, dado que condiciona a existência do abjeto para o reconhecimento do
normal. A partir disso, deflagra-se a possibilidade da heterotopia lançar mão tanto da reiteração do
387
poder hegemônico ou de um discurso reativo, devido ao entendimento de que o própria existência da
heterotopia é ambígua em si, o que a aproxima do caráter ambivalente das políticas de
reconhecimento estatal, vistos que ambas pressupõem uma estrutura normativa para fazer sentido.
Cabe, por consequência, uma análise acerca das dinâmicas que envolvem espaços e corpos
dissidentes, normalização e reconhecimento estatal, ou seja, relações que dialogam com as
vivências estabelecidas nos espaços de prostituição e as demandas por retificação do registro.
Quais podem ser os efeitos de ser reconhecida pelo Estado? De que forma a vontade de ser
reconhecida molda as estratégias de transgressão? Qual papel o desinteresse por essas políticas
por uma significativa parte delas poderia cumprir?
Este trabalho irradia de perguntas com possíveis respostas mediante o escrutínio teórico e de
práticas extensionistas específicas e de curta duração, reconhecendo-se como uma análise limitada
pelo espaço em que se situa e pelas vivências e marcos teóricos através do qual é escrito, os quais são
construídos a partir de acúmulos pós-estruturalistas, tendo como base a crítica queer e feminista.
Neste trabalho, portanto, a prática extensionista e os referenciais teóricos, então, funcionam, de
maneira tautológica, a possibilitar a análise qualitativa de dados observados durante as ações.
Notas:
1
Heterotopia é um conceito elaborado para se contrapor ao conceito de utopia. Diz respeito a espaços reais formados
na própria sociedade que são como contra-lugares, espécies de utopia realizadas nas quais todos os lugares reais
dessa dada cultura pode ser encontrados e, simultaneamente, são contestados e invertidos. Este tipo de lugares está
fora de todos os lugares, apesar de se poder apontar sua posição geográfica na realidade.
Este resumo é fruto de uma pesquisa financiada pela Fundação de Amparo a Ciência e
Tecnologia do Estado de Pernambuco buscando compreender as operações de criminalização que
conduziram LGBT ao cárcere com o intuito central de entender o papel das representações de
gênero e sexualidade nas agências punitivas.
Mais especificamente, o objetivo da pesquisa é encontrar padrões na racionalidade
adotada pelos juízes e sua conexão com o gênero enquanto categoria de análise. Assim, a
metodologia estruturada é essencialmente qualitativa e utiliza a técnica de pesquisa documental,
tendo como corpus empírico as ações penais e processos de execução penal.
Para tal, o levantamento dos dados passou pela obtenção da lista dos detentos
identificados como LGBT no Complexo do Curado (principal unidade prisional masculina do
estado) pela Secretaria de Ressocialização de Pernambuco; busca nominal dos processos judiciais
na consulta online do Tribunal de Justiça e da Justiça Federal; e pela localização dos autos físicos
nas varas competentes. Ao final, foram analisados vinte e nove processos correspondentes a vinte
e sete dos detentos listados dentre os trinta e oito nomes existentes.
O incurso no campo demonstrou que os caminhos da racionalidade punitiva costumam
reproduzir, em grande medida, os acúmulos criminológicos sobre os padrões de encarceramento
baseados em categorias bastante localizadas em termos de classe e raça.
388
Simultaneamente, é certo que houve casos nos quais experiências específicas de
sexualidade foram determinantes para a compreensão dos fatos, a construção retórica da
narrativa ou a deslegitimação da versão do acusado. Nesses processos, mais do que a orientação
sexual em si, arranjos eróticos estigmatizados parecem ser acionados discursivamente pelo
sistema de justiça criminal.
Por isso, optou-se pela apresentação de três estudos de caso estruturados pela exposição da
narrativa já pontuada por inferências interpretativas seguida da generalização analítica. Aqui, os
aportes teóricos são instrumentalizados apenas à medida que demandam os dados, em influência
da Teorização Fundamentada nos Dados (TFD) como modelo de análise dos materiais empíricos.
O primeiro caso trata da condenação de Jorge1 a cinco meses de privação de liberdade sob
o regime semiaberto por ato obsceno. Ele foi preso após a Polícia Militar visualizar dois homens
mantendo relações sexuais nas proximidades de um banheiro público. Mais tarde, relata-se, no
processo judicial, que ele estaria se prostituindo.
O segundo trata do homicídio cometido por Pedro contra João, com quem mantinha uma
união estável. O delito teria ocorrido em Manguinhos, localidade conhecida pelos encontros
sexuais entre homens, e teria sido motivada pelos ciúmes.
O último trata da execução penal de Márcio, que, após ser preso inicialmente por roubo, é
condenado por tráfico de drogas em virtude de condutas ocorridas no cárcere e, posteriormente,
responde a processo disciplinar também pela posse de entorpecentes. Em ambos, a
homossexualidade e as práticas eróticas do apenado surgem nos discursos das testemunhas como
elementos relacionados à prática do crime.
Embora os casos descritos sejam substancialmente distintos, os autos encontram
semelhanças nos personagens do homossexual racializado e no enredo, que invariavelmente
aposta no comportamento sexual para dar sentido, credibilidade ou coerência às histórias de
criminalização. Nessas narrativas, o desejo e as práticas eróticas são constantemente ligados ao
crime. Em consequência, crime e sexo passam a ser atravessados, fazendo com que o delinquente
seja sexualizado e o homossexual, criminalizado.
Notas:
1
Como forma de resguardar a privacidade dos envolvidos, optou-se por usar nomes fictícios.
A Lei nº 12.015/09 alterou o Título VI do Código Penal de “Dos Crimes Contra os Costumes”
para “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”. Os Doutrinadores apontavam que o Título original
não traduzia a realidade dos bens jurídicos protegidos pelos tipos penais que nele se
encontravam. Contudo, analisando-se que as construções doutrinárias e legislativas não se dão
389
por acaso, faz-se necessário analisar as construções doutrinárias justificadoras e legitimadoras dos
referidos Crimes Contra os Costumes para entender o porquê deste bem jurídico protegido em
1940.
A partir dessa inquietação o trabalho busca analisar os manuais de Direito Penal adotados
como base do ensino relativo aos Crimes Contra os Costumes na segunda metade do século XX e
quais os impactos dessa construção doutrinária sobre o tratamento dado às mulheres brancas e
negras no âmbito desses crimes. Para tanto o trabalho se valerá da lente teórica da criminologia
crítica, da criminologia feminista e do feminismo negro para, através da técnica da documentação
indireta, realizar estudos interpretativos e críticos de fontes documentais e das fontes
bibliográficas.
Se valendo da lente teórica da criminologia crítica, parte-se da ideia de que é importante
que se estude o controle, seus processos de criminalização e vitimização; e observando nossa
formação histórica de contrariedades e percebendo que a ideia de raça aparece como eixo
fundamental da constituição dos padrões de poder latino americanos, faz-se necessário uma
leitura racializada da questão.
Debruçando-se sobre os “Crimes Contra os Costumes” há de se atentar à construção do
discurso relativo a uma suposta “impulsão sexual violenta” características dos negros, que levou a
uma criminalização da sexualidade da mulher negra no Brasil, como aponta Naila (2017) ao
analisar as obras de Nina Rodrigues. Criou-se a figura da mulher negra/mulata de sexualidade
exacerbada e incontrolável, possuidora de uma sensualidade que chegava à morbidez sexual,
sendo assim responsável pela corrupção da “raça superior” no país. Desse modo, a partir dessa
construção, o tratamento dado, aos casos de violências sexuais sofridas pelas mulheres negras
passa a ter um olhar diferenciado se comparado aos casos envolvendo mulheres brancas.
E, sabendo disso, uma vez que o trabalho propõe-se a analisar a dinâmica da construção
Doutrinário-Penal acerca dos, à época, chamados “Crimes Contra os Costumes”, é fundamental
que se olhe a partir da ótica do feminismo negro para que se possa ter uma visão profunda da
dinâmica que se encontra ligada particularmente à mulher negra.
Palavras-chave: Crimes Contra os Costumes. Doutrina Brasileira. Mulheres Negras.
O presente trabalho investiga as formas hodiernas de controle dos corpos femininos, seja
através das normas jurídicas, seja através das normas sociais, isto é, o controle psicossocial. Assim,
a pesquisa em tela tem por objetivo analisar como, historicamente, o Estado patriarcal, através do
ordenamento jurídico pátrio, procurou, e ainda procura, governar os corpos femininos, em
especial a sexualidade das mulheres, intervindo na autonomia da vontade dessas e lhes negando a
392
disposição dos seus próprios corpos. Ainda neste sentido, o presente trabalho também objetiva
circunstanciar a problemática da ‘demonização da mulher sexualmente livre’ - aquelas libertas, ou
melhor, que se libertaram das amarras jurídicas e sociais, no que tange ao exercício da sua
sexualidade – sustentando-se tal análise no exame dos arquétipos femininos de Lilith, Eva e Maria,
e de que forma eles estão situados no imaginário coletivo contemporâneo. Para a consecução
desta atividade de pesquisa, realizou-se uma revisão de literatura, bem como uma análise
documental dos diplomas legais atinentes ao tema (a exemplo do atual Código Penal Brasileiro e
do Código Civil Brasileiro de 1916, entre outros), adotando-se como paradigma de análise a
epistemologia feminista crítica. A título de considerações preliminares, cumpre-se dizer que, ainda
hoje, o Estado e a sociedade, uma vez que se fundam em bases patriarcais e capitalistas, ainda
persistem na tentativa de regular os corpos femininos, principalmente o exercício da sexualidade
feminina, socorrendo-se, para tal, de amarras jurídicas e institucionais. Aquelas mulheres que se
libertam e que negam tais controles são demonizadas e, quando não expulsas do “éden”, postas
em “fogueiras” – ainda que as labaredas atuais sejam diferentes daquelas da Inquisição.
Palavras-chave: Feminismo. Controle dos corpos. Liberdade sexual. Patriarcado.
Notas:
1
Artigo realizado sob a orientação de Carolina Valença Ferraz - Professora Dra. da Universidade Católica de
Pernambuco (UNICAP) e coordenadora do Grupo Frida de Gênero e Diversidade.
O presente artigo terá como temática a inserção das mulheres na política, sua trajetória e
sua importância. Uma vez que as mulheres foram excluídas dos espaços públicos por anos, através
da restrição da sua cidadania. Atualmente, ainda que as mulheres brasileiras não sofram mais
limitações legais relativas a participação política, o Brasil mantém uma cultura que subjuga
mulheres e as restringe as esferas privadas. Mostrando assim a importância de estudar a política
participação feminina.
Para tal, é fundamental definir os conceitos de público e privado. Suas origens são antigas
baseadas no período Clássico e sofreram várias alterações com o passar o tempo. Entretanto, algo
se manteve constante, o governo é sempre da esfera pública e o doméstico da privada.
No período da Antiguidade Clássico os gregos já classificavam as diferenças entre o público
e o privado. O principal capital político da época era o tempo, visto que as funções públicas eram
marcadas pela gratuidade. Era só se afastando das necessidades domésticas que o cidadão teria
liberdade para se dedicar a vida pública. Assim os indivíduos relegados a esfera privada se
encarregavam das necessidades materiais de manutenção do seres humanos ao mesmo tempo
que eram invisíveis socialmente. Os homens, considerados cidadães encarregavam os outros de
suas necessidades de sobrevivência para poderem se dedicar à política. Sendo, os outros, as
mulheres e os escravos (NOGUEIRA, 2011).
A modernidade embora extremamente influenciada por essas ideias, modificou os
conceitos de público e privado. O espaço público passa habitar na lógica da participação e do
poder. A cidadania contraposta com a soberania, sendo navegada por seres racionais dotados de
393
capacidade, independência e responsabilidade. Já a esfera privada continua limitada a intimidade
e a família em uma sociedade marcada pelo mercado e a divisão social do trabalho.
Tais divisões prejudicam a mulher no momento que as colocam naturalmente na esfera
privada, através da associação entre “mulher” e “mãe”, nas quais mulheres não poderiam ser
imparciais devido suas ligações familiares. Assim a mulher que tenta sair da sua posição de
subalterna e participar da esfera pública são mal vistas.
As revoluções do séc. XVI são fundamentais para as construções da modernidade política e
para a criação das definições sobre cidadania e política. A Revolução Americana (1776) de
influência liberal focava-se nas liberdade individuais e na igualdade perante a lei. Já a Revolução
Francesa (1789) levava o lema da liberdade, a igualdade e a fraternidade. A cidadania na tradição
liberal defende o direito de autonomia do individuo frente ao estado, garantindo as liberdades
civis e políticas e a tradição do civismo republicano advém da integração do indivíduo em sua
comunidade, assegurando suas necessidades nas relações recíprocas, é a doutrina do interesse
geral (NOGUEIRA, 2011).
Essas revoluções não incluíram mulheres na categoria de cidadão, confirmando a exclusão
política feminina. Os direitos políticos, como o voto nacional, capacidade civil e o direito ao
trabalho só foram conquistados mundialmente pelas mulheres no século XVIII.
Para conseguir a inserção no conceito de cidadania e a plenitude dos direitos políticos o
movimento feminista ocidental precisou romper com as barreiras do público e privado com o slogan
“O privado é político”. Afirmando que todas as relações de dominação são políticas, o que contribui
para legitimar as reivindicações das mulheres na esfera pública e criticar a ideia do universalismo
abstrato. Após as conquistas dos direitos civis básicos o movimento feminista de segunda onda lutou
pelos direitos políticos e sociais e pela extensão dos direitos de cidadania. Questionando a teoria
política na neutralidade e da separação do público e do privado (NOGUEIRA, 2011).
Passamos então a entender que as identidades são construídas através de processos
políticos e a política é um campo de relações de forças. A ideia de poder é associada ao exercício
de governo e a modernidade obrigada a repensar seu significado, para compreender o poder
como o sistema por meio das relações entre os indivíduos e o coletivo.
O que explica porque a conquista dos direitos positivados não foi suficiente para incluir as
mulheres na política. Pois a exclusão das mulheres das esferas de poder passou a ocorrer com a
naturalização das diferenças pela imposição de papéis sociais que reforçam a a posição de
subalternidade da mulher aprisionando-a na esfera privada. A liberdade masculina é construída
em cima da restrição das mulheres aos atributos do lar. As mulheres ajudam a manter a estrutura
social ao mesmo tempo que são excluídas da sua criação.
A realidade das mulheres brasileiras não é diferente no que se trata de participação
política, tendo uma longa história de lutas por direitos humanos, sexuais e civis. Conquistaram o
direito de voto em 1932, que foi ratificado na Constituição de 1934, mas ainda assim enfrentaram
muitos empecilhos param terem a cidadania plena.
Entretanto as últimas três décadas foram marcantes para as mulheres brasileiras na
política. Os anos 80 foram marcados pela transição democrática que positivou os ideais de
igualdade e proibiu a discriminação com base sexual.
Nos anos de 1990 muitos países foram além da positivação da igualdade feminina e
começara a aplicar políticas afirmativas nas esferas institucionais com o objetivo de aumentar a
participação das minorias nesses ambientes. Com políticas de cotas para cargos eletivos em
governos e para cargos legislativos (ARAÚJO, 2005).
394
As criação de cotas para mulheres foram fundamentais para o aumento da porcentagem
de mulheres no legislativo, segundo dados coletados pela ONU, As cotas em seu objetivo, um
mínimo de 30% de candidaturas, só foram efetivamente atingidas em 2012 para eleições
municipais e em 2014 para eleições estaduais e federais.
Consta-se que em 1994 antes da legislação entrar em vigor mulheres candidatas no Brasil
era de 7,18%. em 2002, com a adoção da lei das cotas, este índice foi elevado a 14,84%, conforme
os dados do próprio Tribunal Superior Eleitoral (LINHARES, 2011).
A representação de mulheres na Câmara dos Deputados em 1995 e 1998 era de apenas 6%
no universo de 513 deputados, e apenas, em 2002, houve um expressivo aumento para 8,19%. No
Senado Federal a representatividade de mulheres é ainda mais reduzida, 2,46% em 1995 e 6,17%
em 2000, do total de 81 senadores. Em 2010, das 930 candidatas à Câmara dos Deputados, apenas
45 mulheres foram eleitas no universo de 513 deputados/as, o que corresponde a 8,77%, ao passo
que os homens ocupam as outras 468 cadeiras, ou seja, 91,23%. Dos 54 senadores eleitos em
2010, apenas 8 foram mulheres, o que representa 14,8% (BARSTED; PITANGY, 2011).
Em 2010, o percentual de mulheres candidatas para as eleições foi de 22,4% do total de
candidaturas para os cargos do Executivo e Legislativo federal e estaduais. As candidaturas para
governador, no entanto caíram para 10,6%. No Senado representaram apenas 13,2%; e para deputada
federal corresponderam a 22,2% e para deputada estadual, 22,7% (BARSTED; PITANGY, 2011).
Ainda assim o crescimento tem ficado abaixo do esperado e do que aconteceu em outros
países que adotaram algum tipo de política de cotas. O que ocorre é que no Brasil a lei não obriga
que cada partido preencha as vagas destinadas para o sexo feminino. Assim a maioria dos partidos
não cumpre a cota mínima.
A maior parte dos estudos identifica na aplicação das cotas a variável explicativa da
mudança na composição numérica das mulheres nos parlamentos latino-americanos. Sendo
importante lembrar que o sistema de cotas corre sempre o risco de institucionalizar as diferenças
entre homens e mulheres, em detrimento de sua igualdade (ARAÚJO, 2016).
Entendendo a trajetória que possibilitou o acesso da mulher aos centros de poder.
Passamos a analisar a importância das mulheres nesses cenários políticos, que papéis elas
exercem e o que elas representam. Para isso é preciso de uma minuciosa análise de dados dos
trabalhos das candidatas eleitas.
Nesse artigo será realizado análise da trajetória das Senadoras brasileiras eleitas na e 55ª
legislatura, no período de 2011 até 2023. As Senadoras são Ana Amélia, PP, RS; Ângela Portela, PDT,
RR; Fátima Bezerra, PT, RN; Gleisi Hoffmann, PT, PR; Ione Guimarães, PTB, GO; Kátia Abreu, PDT, TO;
Lídice da Mata, PSB, BA; Lúcia Vânia, PSB, GO; Mailza Gomes, PP, AC; Maria do Carmo Alves, DEM,
SE; Marinor Brito, PSOL, PA; Marta Suplicy, MDB, SP; Regina Sousa, PT, PI; Rose de Freitas, PODE, ES;
Sandra Braga, MDB, AM; Simone Tebet, MDB, MS; Vanessa Grazziotin, PCdoB, AM.
Cuidando de um estudo da atividade política das senadoras, examinando suas
participações em comissões, as funções desempenhadas, pronunciamentos, relatorias, votações e
demais movimentações Um enfoque especial será dado na participação nas comissões. A escolha
justifica-se devido ao impacto que os projetos debatidos nessas comissões tem para a sociedade,
servindo como uma forma de controle, aprimoramento e organização.
É preciso lembrar também que embora as candidatas suplentes tenham sido incluídas na
tabela sua participação deve ser analisada levando em consideração que elas participaram por
menos tempo, e por isso tiveram um desempenho numérico relativamente menor que as
candidatas titulares.
395
Os dados coletados no Site do Senado Federal estão expressos no Quadro 1 para ilustrar
como será feito parte do trabalho.
Quadro 1 – Participação das Senadoras 55ª legislatura
Com os dados das participações em comissões é possível notar que em primeiro lugar com
a maior quantidade de procedimentos vem a Comissão de assuntos Sociais com 213
requerimentos. Embora seja preciso considerar que 90 dessas petições tenham sido pleiteadas
pela senadora Ana Amélia. Não tendo nenhuma entrada em 5 das senadoras titulares.
O segundo em quantidade de requerimentos é a Comissão de Educação que vem com 191
entradas. Sendo que todas as senadoras titulares fizeram pelo menos um requerimento nessa comissão.
A terceira maior é a Comissão de Direitos Humanos e Legislação participativa com 139
requerimentos. Sendo 69 petições da senadora suplente Regina Sousa.
Já a Comissão de Assuntos Econômicos possui um total de 111 requerimentos. Número
similar a Comissão da Reforma Agrária, que obteve 100 requerimentos ao total, com o diferencial
que 90 dessas petições foram feitas pela Senadora Ana Amélia.
396
Ademais a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo possui 92, requerimentos. A
Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional 70, a Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania 60 e a Comissão de Serviços de Infraestrutura 50 requerimentos.
Por outro lado as Comissões menos movimentadas pelas Senadoras fora a Comissão
Senado do Futuro com 2 procedimentos, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação,
Comunicação e Informática com 8, a Comissão de Transparência, Governança. Fiscalização e a
Controle e Defesa do Consumidor com 7 requerimentos.
Para entender esses dados é importante analisar quais as áreas tiveram mais destaque.
Foram estas a Comissão de assuntos Sociais, a Comissão de Educação e a a Comissão de Direitos
Humanos . A Educação, os Assuntos Sociais e o s Direitos Humanos são áreas comumente
associadas ao feminino por envolverem o cuidado das crianças e da família e dos mais vulneráveis.
Fazendo parte da esfera privada na divisão social. O que mostra que mesmo quando ocupam
cargos públicos mulheres tendem atuar mais em campos tradicionalmente ligados as imposições
sociais femininas.
Entretanto nos elementos coletados também trazem dados surpreendentes como a
quantidade de requerimentos feitos na Comissão de Assuntos Econômicos que ocupa o quarto
lugar em quantidade. Campo que por muito tempo foi considerado masculina, por envolver a
Gestão Governamental e ser de extrema importância para o funcionamento do Poder Executivo.
Ademais a Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo, a Comissão de Relações
Exteriores e Defesa Nacional, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania a Comissão de
Serviços de Infraestrutura também se destacaram.
De forma que a amplitude do tema mostra a necessidade de um Estudo mais profundo na
questão ampliando a coleta de informações e buscando entender suas ramificações político-sociais.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Clara. Partidos políticos e gênero: mediações nas rotas de ingresso das mulheres na
representação política. Rev. Sociol. Polit., n. 24, p. 193-215, jun. 2005.
ARAÚJO, Clara. Valores e desigualdade de gênero. Mediações entre participação política e
representação democrática Civitas. Rev. de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 16, n. 2, abr./jun. 2016.
BARSTED, Leila linhares; PITANGY, Jacqueline. O Progresso das Mulheres no Brasil 2003–2010. Rio
de Janeiro: CEPIA; Brasília: ONU Mulheres, 2011.
NOGUEIRA, Claudia Mazzei. Dicionário crítico do feminismo. Serv. Soc. Soc., São Paulo , n. 105, p.
209-211 , mar. 2011.
O estudo de Biologia, nas salas de aula, não se encontra isolado das atividades e práticas
sociais, se apresenta de forma interligada e influencia e sofre influência da sociedade na qual se
encontra inserido. Similarmente, o Direito, ao longo de sua história, sofreu adaptações de acordo
com o contexto histórico social. A inegável influência das teorias cientificas na construção social
(BOBBIO, 2004) reverbera até os dias atuais através de discursos que utilizam de teorias cientificas
como base da opressão de grupos sociais específicos. O Ensino de Biologia encontra-se em um
momento privilegiado para as problematizações sobre a diversidade sexual e de gênero. No ano
de 2018, foi encarregado, pelo Plano Curricular Nacional, da responsabilidade de ser a única
disciplina do Ensino Médio que aborda; “questões de gênero, as expressões da sexualidade *…+”
(p. 38), com a finalidade de distinguir um posicionamento isento, bem fundamentado do ponto de
vista científico, da simples especulação, do puro preconceito ou de tabus. Com esta configuração,
tornou-se imprescindível o diálogo acerca de sexualidade e de gênero no Ensino de Biologia, muito
além de uma perspectiva apenas biológica, haja vista que as problemáticas envolvendo a
temática, fincadas em visões reducionistas, refletem práticas descontextualizadas e em processos
formativos das e dos estudantes sem respeito às diferenças. Com efeito, o objetivo geral desse
398
estudo abarca a (re) significação das abordagens e sentidos do conceito de sexualidade e de
gênero no Ensino de Biologia para além das lentes cientificas biologizantes. Estudos
recentes (COSTA; SOUZA, 2015; SOUZA; PINHO, 2014) vem mostrando que a disciplina de Biologia,
sem discutir a ciência na sociedade, é uma Biologia compartimentalizada, que não abre espaço
para uma educação de caráter emancipatório e que respeite as pluraridades, impedindo a
formação de cidadãos críticos onde o diálogo, com sujeitos e fontes diversas de
conhecimento, promova saberes críticos que visem ações emancipatórias de transformação
social. A metodologia empregada nesta pesquisa é de caráter qualitativo, com natureza descritiva,
bibliográfica, buscando em livros, artigos, dissertações e periódicos de educação e ensino de
Biologia, bem como em documentos norteadores educacionais como os Parâmetros Curriculares
Nacionais do Ensino de Biologia, a elucidação sobre a importância do Ensino de Biologia para a
construção das identidades de gênero e diversidades sexuais. Os resultados iniciais deste estudo
sinalizam que as discussões acerca das identidades de gênero e diversidades sexuais têm se
configurado um desafio recorrente para as escolas, seja por desconhecimento da abordagem
transversal da temática, seja por falta de formação das docentes e dos docentes, as/os quais se
sentem desconfortáveis e despreparadas/os para desenvolver um trabalho pedagógico
principalmente na Educação Básica (LOURO, 2003; PEREIRA; MONTEIRO, 2015; QUIRINO, 2014),
fatos agravados pelo atual cenário politico brasileiro, com pautas e temas relacionadas aos
costumes sob fortes retrocessos em relação às discussões, resultados de pesquisa e regulações
anteriomente pactuadas e/ou realizadas.
Palavras-chave: Identidades de gênero. Diversidades Sexuais. Ensino de Biologia.
O presente ensaio visa fomentar novas visões sobre o corpo travesti negro dentro do
espaço social e urbano, tendo como protagonista a essência do viajante, proposta dentro da teoria
queer, sendo este conceito discutido principalmente por Guacira Lopes Louro. O corpo travesti
negro e sua cosmovisão pelo espaço, não se trata apenas de um sujeito não-humanizado, mas um
sujeito também à margem, na fronteira.
Considera-se o corpo travesti, um corpo em trânsito, está sempre se modificando e seu
papel no meio social e urbano nem sempre é se adequar aquilo que está posto, mas sim, ir contra
essas determinações. Pensar outras corporeidades é uma pauta importante dentro das questões
queer , mas deve ser também para além disso, uma vez que, “o gênero e a sexualidade guardam a
inconstância de tudo o que é histórico e cultural, por isso às vezes escapam e deslizam” (LOURO,
2018, p. 147). Ir além do que está posto social e moralmente não é ir contra as regras, é ser quem
você deseja verdadeiramente ser. A concepção sexo-gênero-sexualidade determinada para que
todas as relações1 estejam dentro do espectro binário-sexual impossibilita que outras formas de
viver, sentir e amar possam ser concretizadas.
Quando um ser se reconhece enquanto sujeito fronteiriço, ou seja, reconhece-se travesti,
outras possibilidades se abre no campo do entendimento do eu-ser e a cidade-sociedade se fecha,
pois aquilo não está nunca de acordo com as regras postas. Esses não-seres,
399
ao ousarem se construir como sujeitos de gênero e sexualidade precisamente nesses
espaços, na resistência e na subversão das “normas regulatórias”, eles e elas parecem
expor, com maior clareza e evidência, como essas normas são feitas e mantida. (LOURO,
2018, p. 173).
As relações de poder tidas entre Estado e população travesti e negra nunca encontra-se no
centro do debate para novos tensionamentos acerca sobre seus direitos fundamentais e seus
acessos aos espaços. A figura do ser travesti como coloca Louro (2018, p. 1013), uma figura que
ultrapassa a sexualidade e a fronteira entre gênero, assim causando confusão e embaralhamento
no círculo social “comum”, sendo estes marcados como outros sujeitos ou mesmo não-sujeitos.
A política do Estado para o controle dos corpos nos espaços consiste na concepção binária-
heteressexual, sendo todos aqueles outros corpos que subvertem essa ideia sejam lidos como
não-humanos. Essa não-humanidade, não promove a autonomia para o conhecimento do eu-ser
já que, “é no corpo e através do corpo que os processos de afirmação ou transgressão das normas
regulatórias se realizam e se expressam” (LOURO, 2018, p. 956). Essa subversões carregadas
para além das categorias sexo-gênero-sexualidade, são por muitas vezes colocadas dentro daquilo
que é patológico, doentio e incompreensível.
Essa política do poder estatal pela matriz heterossexual-binária deixa marcas, e,
A marcação pode ser simbólica ou física, [...] o que importa é que ela terá, além de efeitos
simbólicos, expressão social e material. Ela poderá permitir que o sujeito seja reconhecido
como pertencendo a determinada identidade, que seja incluído ou excluídos de
determinados espaços; [...] que possa (ou não) usufruir de direitos; que possa (ou não)
realizar determinadas funções ou ocupar determinados postos; [...] que seja, em síntese,
aprovado, tolerado ou rejeitado (LOURO, 2018, p. 963).
Sendo assim, pode-se constatar que tanto o corpo travesti quanto o corpo negro e mais
ainda o corpo travesti negro tem infinitas dificuldades de acessos, sejam esses à saúde, educação,
moradia ou mesmo a transitar no espaço urbano. Não tem direito a corporeidade digna e nem
mesmo a própria identidade. O corpo travesti negro deve se mostrar recluso, mas para o Estado
esse corpo nem mesmo é existente. Mas de alguma forma como afirma Butler (2017), “o mundo
que os conservadores querem destruir, o mundo gay e lésbico, o mundo trans, o mundo
feminista, já é muito poderoso. Eles não têm nenhuma chance de destruí-lo.” As lutas e resistência
pelo direito à vida da população negra e LGBT, tem, mesmo que lentamente aberto portas para
outras possibilidades do eu-ser travesti negro, acessos a sistemas de ensino superior de educação,
ao trabalho forma digno, ao respeito à identidade, ao menos no plano formal. Assim, “é
importante entender que a estrutura colonial tem que acabar, que a luta é um esforço para acabar
com o poder e a dominação coloniais”. Estrutura essa que se mantém em todas as esferas
400
e que causa a morte de muitos fronteiriços, daqueles à margem, do corpo travesti negro que se
descolonizou.
REFERÊNCIAS
LOURO, Guacira Lopes. Um corpo estranho: Ensaios sobre sexualidade e teoria queer. 3. ed. Belo
Horizonte: Autêntica (argos), 2018.
BOITEMPO, TV. Judith Butler no Brasil | Quem tem medo de falar sobre gênero?
[legendado]. 2017. (6m00s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=cozmjJpMakM.
Acesso em: 16 maio 2019.
BOITEMPO, TV. Judith Butler no Brasil | Caminhos divergentes [legendado]. 2017. (5m24s).
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zKY9KmQsMlA. Acesso em: 16 maio 2019.
Notas:
Conceito utilizado para designar a matriz heterossexual que rege as relações de poder, assim como dentro das
concepções binárias em que se existe um ou outro, mas nunca nenhum ou ambos.
404
Coordenação:
Flavianne Nóbrega (UFPE)
Bruno Galindo (UFPE)
Jayme Benenuto (UNILA/UFPE)
Lorena Freitas (UFPB)
VIOLAÇÕES DE DIREITOS SOCIAIS: MASSACRE DE CORUMBIARA E COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
PROBLEMA INVESTIGADO
O artigo reflete pesquisa concernente à violação de direitos humanos, em sua dimensão de
direitos sociais, com base nas evidências do caso conhecido como “Massacre de Corumbiara”, que
tramitou perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Os direitos humanos são imprescindíveis à vida digna e embasada na liberdade e igualdade,
tanto que, hodiernamente, são dotados de dupla proteção, interna, que remonta ao direito
constitucional de cada Estado, e internacional, concernente ao Direito Internacional dos Direitos
Humanos, âmbito em que há uma numerosa gama de normas destinados à sua salvaguarda.
A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), de 1948, é um marco no movimento com
vistas à internacionalização desses direitos, tendo como plano de fundo a Segunda Guerra Mundial,
momento em que as atrocidades observadas despertaram a necessidade de parâmetros basilares de
proteção dos direitos da pessoa humana oponíveis a todos os Estados e por eles respeitados.
Ao lado da DUDH, para o fortalecimento da proteção dos direitos humanos, foram editados
os Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e Pacto Internacional sobre Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, ambos com protocolos adicionais, constituindo-se, assim, a Carta
Internacional dos Direitos Humanos.
Ao lado do sistema global de proteção, engendrado no âmbito das Nações Unidas, estão os
sistemas regionais, quais sejam: americano, africano e europeu.
O sistema americano, assim como os demais sistemas, é dotado de um corpo jurídico
próprio, composto pela Carta da Organização dos Estados Americanos, a Declaração Americana
dos Direitos e Deveres do Homem, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – CADH ou
Pacto de San José da Costa Rica - e o Protocolo Adicional em matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, além de diversos tratados que cuidam de matérias específicas, como tortura,
violência contra as mulheres, desaparecimento forçado, entre outros.
Por sua vez, as instituições que o compõem são a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
406
Enquanto à Corte Interamericana são atribuídas as funções consultiva e jurisdicional, à
Comissão é incumbido de um leque maior de tarefas.
Instituída pela Carta da Organização dos Estado Americanos, a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos teve sua atuação reorganizada pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Seu dever principal consiste na salvaguarda e proteção dos direitos humanos e, dentre suas
atribuições específicas, lhe compete a atuação pertinente em relação a petições e comunicações
relativas a países que reconhecerem expressamente sua competência (artigo 41, CADH).
Quando um Estado é denunciado perante a Comissão, após os trâmites de praxe, há a
possibilidade de adesão a uma solução amistosa (artigo 49, CADH). Caso contrário, será redigido
relatório, encaminhado a seguir aos Estados interessados, contendo os fatos, conclusões e,
facultativamente, proposições e recomendações (artigo 50, CADH). Após o prazo de três meses,
caso não haja solução ou submissão à Corte Interamericana, a Comissão poderá emitir novas
conclusões e recomendações, fixando prazo para que o Estado adote as devidas medidas (artigo
51, CADH). Posteriormente, é supervisionado o cumprimento tanto das resoluções amistosas
quanto das recomendações.
No ano 1995, a Comissão recebeu denúncia em face do Brasil, em virtude do caso que ficou
conhecido como Massacre de Corumbiara (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS,
2004). Ocorrida em Rondônia, na fazenda Santa Elina, a tragédia se insere no contexto da luta por
acesso à terra, tarefa extremamente árdua e necessária no Brasil, em vista da concentração de
terras e latifúndios, frutos, em grande medida, do modelo de colonização e desenvolvimento do
país. Em busca de romper com tal estrutura no âmbito rural, camponeses passaram a chamar a
atenção para a questão, resultando em conflitos, para os quais o poder estatal não confere resposta
adequada (MESQUITA, 2008, p. 111). O caso em questão é bastante paradigmático, tendo por
resultado a morte de nove ocupantes, dois policiais, a prisão e tortura de trezentas e cinquenta e
cinco pessoas e cinquenta e cinco posseiros gravemente feridos (MESQUITA, 2008, p. 117).
Após o trâmite perante a Comissão Interamericana, concluiu-se que o Brasil violou direitos
previstos pelo Pacto de San José da Costa Rica e pela Convenção Americana para Prevenir e Punir
a Tortura (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 2004). No entanto, como cerne
e raiz do massacre, depara-se com o desrespeito a diversos direitos sociais como direito de acesso
à terra, demarcação, moradia, alimentação e, ainda, com a temática da criminalização dos
movimentos sociais.
OBJETIVOS
Objetivo geral
O objetivo geral da pesquisa consiste em fazer um estudo sobre a violação a direitos
sociais, sobretudo de acesso à terra e moradia no Brasil, por meio do caso que se denominou
“Massacre de Corumbiara”
Objetivos específicos
O objetivos específicos serão: (i) discorrer acerca do caso de Corumbiara – pensando no
antes, durante e depois de sua tramitação ante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos,
nos atores envolvidos, nas recomendações exaradas, bem como no cumprimento dessas; (ii)
refletir, com base no caso, nos direitos sociais, como acesso à terra, moradia, demarcação,
alimentação e nas lutas por direitos.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
A concretização dos objetivos propostos pressupõe pesquisa empírica, de caráter
qualitativo, pautada na estratégia metodológica de análise de documentos referentes ao caso
407
Massacre de Corumbiara. A eleição deste caso se deu em virtude de sua apreciação pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, bem como pelo fato de ser emblemático no âmbito de
diversos direitos sociais.
Os documentos pertinentes (relatórios e supervisões de cumprimento) constam no site
oficial da Organização dos Estados Americanos / Comissão Americana de Direitos Humanos
(http://www.oas.org/pt/cidh/), e são relevantes, também, artigos científicos, notícias e
documentários produzidos acerca do caso, notadamente os resultados de pesquisa de campo
publicados por Helena Angélica de Mesquita.
O arcabouço teórico, por sua vez, conta com pesquisa bibliográfica e doutrinária.
CONCLUSÕES PARCIAIS
A exploração de casos submetidos aos sistema americano de direitos humanos e/ou por
ele apreciados permite aquilatar diversos elementos sociojurídicos relevantes, desde a evolução
das noções de direitos humanos, suas implicações práxicas e a existência de transgressões ou
violações por parte dos signatários.
Nesta seara, o caso do Massacre de Corumbiara é paradigmático para a observação do
descaso brasileiro pelos direitos sociais, bem como a sua incapacidade em lidar com conflitos que
envolvam a luta pela conquista de tais direitos.
REFERÊNCIAS
COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório nº 32/04. Caso 11.556.
Corumbiara Brasil, p. 1. Disponível em: http://cidh.oas.org/pdf%20files/Brasil%2011.556%20
Corumbiara%20PUBL%20Port.pdf. Acesso em: 02 jun 2019.
MESQUITA, Helena Angélica de. A luta pela terra no país do latifúndio: quando um conflito por
terra se torna um massacre contra trabalhadores. Campo-Território: Revista De Geografia Agrária,
v.3, n. 6, p. 109-124, ago. 2008.
Signatário de tratados e convenções que versem sobre direitos humanos, o Brasil foi
sentenciado por duas vezes em decorrência de graves violações à dignidade da pessoa humana,
no concernente à prática de tortura e desaparecimento forçado, mais especificamente nos casos
Gomes Lund e outros Vs. Brasil, e Caso Vladimir Herzog e outros Vs. Brasil.
As sentenças foram claras no sentido de reafirmar que o sistema internacional não
reconhece os efeitos jurídicos da Lei de Anistia brasileira, tornando-se imperioso que o Brasil
adotasse medidas para que a referida lei não se torna-se um obstáculo jurídico à investigação e
punição dos casos de tortura cometidos na época do regime ditatorial. Conquanto duas vezes fora
condenado, duas vezes o país quedou-se inerte ante as recomendações proferidas em sede de
sentença internacional. Permanecendo a Lei de Anistia no corpo jurídico-normativo brasileiro,
produzindo até hoje os seus efeitos.
408
Da mais sucinta análise das sentenças da Corte IDH proferidas contra o Brasil, encontra-se
violação a direitos básicos encontrados na Convenção Americana de Direitos Humanos,
principalmente, a relutância do país ante a internacionalização da proteção aos Direitos Humanos,
alegando que a sentença da Corte não pode modificar o sistema jurídico interno, bem como cabe
ao país decidir sobre a maneira de aplicação dos tratados e convenções internacionais.
Dessa forma, tem-se que o país segue com uma dicotomia: internacionalista no papel,
nacionalista na aplicação, flexibilizando os direitos humanos a partir do momento que adota a
postura jurídica da aplicação dos tratados e convenções internacionais como “norma fantasia”.
Sendo assim, o presente artigo objetiva demonstrar a disparidade e grave violação de
direitos humanos evidenciada no não cumprimento das sentenças dos casos acima mencionados,
bem como os reflexos da recente exoneração dos peritos do mecanismo de combate à tortura
brasileiros, afirmando a ida do país na contramão do direito internacional vigente, bem como o
seu afastamento a cada dia da justiça de transição.
Outrossim, visa-se demonstrar os impasses enfrentados pelos organismos de controle
internacional, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte IDH, para que suas
recomendações e disposições sejam efetivamente cumpridos pelos Estados, em especial, pelo Brasil.
Para a presente pesquisa utilizar-se-á o método bibliográfico, através de expoentes
doutrinários como André de Carvalho Ramos, Flávia Piovesan, Boaventura de Sousa Santos e
Antônio Augusto Cançado Trindade, bem como a jurisprudência da própria Corte IDH, através da
análise das sentenças ora proferidas.
Dessa forma, visa-se concluir pela urgente e necessária mudança no sistema político-
jurídico brasileiro, a fim de que passe a compreender que a aceitação a competência da Corte IDH
impõe que o país respeite as recomendações proferidas em sede de sentença, bem como o fato
de estar inserido no sistema internacional, também o incumbe da obrigatoriedade com as normas
de Jus Cogens e do respeito às demais normas internacionais.
PROBLEMA
Após o início do Governo Temer (2016) a Comissão de Anistia tem sofrido com sistemáticas
tentativas de esvaziamento, uma delas é o afastamento de conselheiras e conselheiros. E desde o
início do ano (2019), tem se deparado com uma série de modificações. A exemplo, temos a
409
migração da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (MJ) para o Ministério da Mulher,
Família e Direitos Humanos (MDH).
Um dos marcos legais do processo justransicional brasileiro é a Lei nº 6.683, de agosto de
1979, conhecida como a Lei de Anistia. Em seu artigo 1º, determina que seja concedida anistia
política “a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto
de 1979, cometerem crimes políticos ou conexos com estes *...+”. Porém, a Proposta de Emenda à
Constituição (PEC) nº 6/2019 que trata da Reforma da Previdência propõe alteração ao regime de
anistiado político.
Assim, de forma urgente, faz-se necessário refletir sobre: quais os contornos da PEC nº
6/2019 e seus impactos na dignidade das pessoas anistiadas políticas?
OBJETIVOS
Desse modo, o objetivo geral desta pesquisa consiste em: identificar os contornos da PEC
nº 6/2019 e seus impactos na dignidade das pessoas anistiadas políticas. Tem-se como objetivos
específicos: descrever a estrutura de trabalho da Comissão de Anistia; discutir o desmonte
progressivo da Comissão de Anistia no atual Governo do Brasil; e verificar os efeitos da PEC nº
6/2019 que altera o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), em
relação ao regime de anistiado político.
MÉTODO DE ANÁLISE
A metodologia utilizada nesta pesquisa parte do método indutivo (GIL, 2010) ao eleger o
universo particular da pessoa anistiada política; ao passo que tentaremos explicar no geral as
repercussões dos impactos neoliberais da PEC nº 6/2019.
CONCLUSÕES
Os resultados iniciais dessa pesquisa apontam que a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) nº 6/2019 que modifica o sistema de previdência social, propõe alterações que prejudicam
as pessoas anistiadas. Pois, ao revisar o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), faz com que o/a anistiado/a tenha que optar entre o Benefício de Prestação
Continuada (BCP) ou previdenciário.
Desde 1989, a Venezuela se viu inserida em um novo ciclo político por meio da ascensão ao
poder do Presidente Carlos Andrés Pérez, da Acción Democrática. Seguindo os moldes econômicos
delimitados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo vivenciou momentosde grande
impopularidade, o que resultou uma série de manifestações contrárias ao executivo. Conforme
410
Moniz Bandeira (2003, não paginado), “o povo saiu às ruas para expressar repudio ao pacote
econômico *...+. A violenta série de distúrbios e saques culminou com quase 300 mortos *...+”.
Mais tarde, em fevereiro de 1992, o então tenente-coronel Hugo Chávez tentou aplicar um
golpe de estado. Por mais que o ato tenha sido mal sucedido, Chávez desfrutou de grande
popularidade entre os venezuelanos, resultando na sua eleição em 1998, através do Movimento V
República (MVR) (MONIZ BANDEIRA, 2003).
Com a nova Constituição adotada durante o governo de Chávez, o país se viu frente a
vários impasses com a potência norte-americana, conhecido como o principal país importador de
petróleo venezuelano. Em 2001, o governo já apresentava indícios de inconstância e
incompatibilidade com a política estadunidense.
Em 2013, Chávez veio a óbito e o Vice- Presidente Nicolás Maduro assumiu o exercício da
presidência, se mantendo até hoje no cargo. Em 2014, o país se viu saturado em uma crise
econômica e financeira e em conseqüência disto, o mesmo começou a importar produtos de
primeira necessidade, o que agravou ainda mais a situação da população venezuelana, revertendo
assim em uma grande crise humanitária e migratória. Isso fez com que o país passasse a transmitir
certa preocupação no sistema internacional, criando inúmeros debates acerca da crise em si, da
violação dos Direitos Humanos e, sobretudo, no que tange ao fornecimento do petróleo.
O principal objetivo deste estudo é compreender, através de fatores importantes que
salientam a crise venezuelana, como os países da América Latina – com enfoque na Venezuela –
são inseridos na agenda de Política Externa dos Estados Unidos da América, tendo como recorte o
governo de Donald Trump. Sendo assim, este estudo parte da hipótese de que a política externa
estadunidense para a América Latina é fundamentada em pilares de interesses tanto econômico,
quanto políticos e estratégicos. São objetivos específicos do trabalho:
- Revisão bibliográfica e documental acerca dos fatores que desencadearam e influenciam
a atual crise venezuelana, dando enfoque nas violações de Direitos Humanos;
- Revisão bibliográfica e documental a respeito de como foi consolidada a Política Externa
dos Estados Unidos para países da América Latina, com enfoque na Venezuela;
Por se tratar de uma pesquisa qualitativa que utiliza o levantamento bibliográfico como o
principal suporte, serão utilizadas fontes primárias e secundárias de arquivos relacionados à
temática. Estruturado em 4 partes, contando com a introdução e considerações finais, na primeira
seção os autores visam apresentar as causas elementares que resultaram na crise humanitária,
buscando evidenciar principalmente aspectos acerca das violações maciças dos Direitos Humanos
que ocorrem no território da Venezuela.
Na segunda seção, busca-se apresentar os aspectos principais que envolvem a situação
venezuelana na política externa norte-americana desenvolvida pelo Presidente Donald Trump,
com ênfase na América Latina.
Por se tratar de uma pesquisa delicada, que envolve aspectos econômicos, políticos e
sociais, a escolha desta temática se justifica por simbolizar um estudo em ascensão no contexto
internacional. Com tal crise, muitos venezuelanos deixam seu país de origem para buscar
melhores condições de vida, e com o crescimento nos fluxos migratórios o Brasil se consagra como
um país pioneiro na América Latina ao adotar leis internas para que possa receber os refugiados e
proporcionar ajuda humanitária à população.
REFERÊNCIAS
MONIZ BANDEIRA, Luiz Alberto. Os EUA e a crise na Venezuela. Revista Espaço Acadêmico, ano 2,
n. 20, jan. 2003.
411
UMA ANÁLISE TRANSCONSTITUCIONAL DAS REPERCUSSÕES DOS CASOS GOMES
LUND E HERZOG NA DIMENSÃO MATERIAL DA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO BRASILEIRA
412
O CUMPRIMENTO E IMPLEMENTAÇÃO DAS DECISÕES DO SISTEMA
INTERAMERICANO DE DIREITO HUMANOS: UM ESTUDO DO CASO DO COMPLEXO
DO CURADO VS BRASIL
Flora Oliveira
Mestra em Direito. Professora da UFPE e da Faculdade Imaculada Conceição do Recife. Advogada Trabalhista e
Pesquisadora do GPTEC.
Patrícia Carvalho
Advogada em Recife. Mestre pelo Programa de Pós-graduação Políticas Públicas em Direitos Humanos do Núcleo de
Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza de Almeida da UFRJ.
A violência armada tem sido uma característica dos centros urbanos latino-americanos.
Particularmente no Brasil, a quantidade de conflitos letais atingiu níveis impressionante. Em 2016,
houve 62.517 homicídios no Brasil, alcançando a maior taxa da história (30,3 homicídios para cada
100 mil habitantes). Na região Nordeste, essa taxa cresceu 80% entre 2006 e 2016, sendo 103,2% no
Ceará. Um elemento relevante para a compreensão do fenômeno é o confronto entre grupos
criminosos armados, conhecidas como “facções”, que buscam controle do tráfico de drogas. Nesses
territórios houve expulsão de moradores e a proibição de pessoas passarem entre “fronteiras
invisíveis”. Em Fortaleza, 264 pessoas foram expulsas de suas residências entre novembro de 2017 e
abril de 2018. Os grupos criminosos criam uma geografia da criminalidade, com o “faccionamento”
de bairros e comunidades. Não apenas integrantes de facções rivais, mas também moradores de
comunidades “dominadas” não podem se deslocar livremente ou são expulsos de suas residências.
A reação das forças de segurança pública é o recrudescimento das ações ostensivas, deixando a
população em um “fogo cruzado”. O problema da pesquisa é analisar os aspectos normativos dos
deslocados forçados no contexto da violência armada na periferia de Fortaleza. Para isso,
estabelece-se uma comparação com a regulamentação dos desplazados colombianos, ressalvadas as
416
particulares de cada realidade. Esse trabalho é parte dos resultados da pesquisa desenvolvida no
curso de mestrado do autor. A delimitação temporal dá-se no período de agravamento do conflito
entre facções, a partir de 2016, e o início de 2018. Neste período há um agravamento da violência
armada urbana em diversas capitais do Nordeste brasileiro. No caso da cidade de Fortaleza, objeto
da pesquisa, a “guerra” entre facções criminosas provoca profundos impactos na rotina de
moradores de comunidades periféricas. Isso ensejou a prefeitura de Fortaleza instituir o programa
Acesso Mais Seguro para Serviços Públicos Essenciais, em parceria com o Comitê Internacional da
Cruz Vermelha (CICV), onde são utilizadas metodologias desenvolvidas para contextos bélicos. A
abordagem teórica propõe diálogos entre autores como Maricatto, Vainer e Agamben, articulados
ao contexto do crescimento da violência urbana que insere-se na nova configuração das cidades na
América Latina, especialmente após o advento das políticas neoliberais. Como método de análise a
pesquisa empírica desenvolve um processo de observação, com uma aproximação gradual no
território pesquisado, a partir do estabelecimento de relações de confiança do pesquisador. A
pesquisa vale-se de diário de campo, relatando as diversas experiências e diálogos, e entrevistas
individuais abertas em profundidade. As falas dos participantes das pesquisas demostram situações
empíricas de moradores expulsos de suas residências em decorrência dos conflito com organizações
criminosas. Como resultados, identificou-se a limitação do poder público no Brasil em lidar com a
questão. Inicialmente, por negar o problema ou não considerá-lo para além de aspectos
relacionados à segurança pública. Além disso, ainda são incipientes, insuficientes e ineficazes as
iniciativas normativas para lidar com os deslocamentos forçados. Por outro lado, identificou-se a
Colômbia, especificamente a Ley nº 387 del 1997 como interesse abordagem jurídica de situações de
deslocamentos forçados, no contexto de confrontos armados. No plano do direito internacional, a
Agência da ONU para Refugiados (ANCUR) define os “deslocados internos” em estatuto jurídico
semelhante ao refugiado, com a particularidade de que permanecem sob a jurisdição e tutela de seu
próprio Estado. O estudo comparativo ao contexto colombiano e o tratamento internacional podem
lançar luzes ao problema identificado na pesquisa.
Palavras-chave: Deslocamentos forçados. Violência Armada. Brasil. Colômbia.
O presente artigo tem por objetivo refletir sobre as medidas de reparação impostas pela
Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante Corte IDH) ao Estado brasileiro, na sentença
418
do caso “Povo Indígena Xukuru e seus membros vs. Brasil”. Nesse sentido, busca-se analisar a
efetividade de tais imposições e a possibilidade de servirem como meio de resistência e
perpetuação cultural dessa comunidade tradicional, caso cumpridas em sua integralidade. Assim, a
identidade e as micronarrativas xukurus ganham importância como objetos a serem preservados e
protegidos, tendo em vista os sujeitos históricos envolvidos nos arranjos institucionais e jogos
políticos da modernidade. A partir desse panorama, importa dizer que, apesar de a referida
sentença, em termos conteudísticos, ser uma das menores da Corte IDH, com apenas 55 (cinquenta
e cinco) páginas, os efeitos que esta pretende produzir são inegáveis nas narrativas do povo
originário da Serra do Ororubá, apesar de ainda não finalizados. O documento da Corte, pertencente
à Organização dos Estados Americanos (doravante, OEA), é claro ao responsabilizar o Brasil por
violações ao direito à garantia judicial em prazo razoável, ao direito à propriedade coletiva e ao
direito à proteção judicial (respectivamente, artigos 8, 21 e 25 da Convenção Americana sobre
Direitos Humanos, doravante CADH). No mesmo diapasão, a referida sentença, além de constituir,
ela mesma, uma forma de reparação, determinou que o Estado brasileiro deveria garantir, de
maneira imediata e efetiva, o direito de propriedade coletiva dos xukurus sobre o território
ocupado, concluir o processo de desintrusão deste e efetuar os pagamentos das 1 Graduanda em
Direito pela UFPE. Extensionista do grupo Acesso ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos
(aSIDH) e secretária acadêmica do grupo Pernambuco Model United Nations (PEMUN). 2 Graduanda
em Direito pela UNICAP. Integrante do Grupo Asa Branca de Criminologia e Coletivo Graúna de
Justiça de Transição. indenizações pendentes por benfeitorias de boa-fé, de modo a garantir o
domínio pleno e efetivo do povo Xukuru sobre o que lhes compete da Serra do Ororubá. Ainda,
fixou-se o montante de US$1.000.000,00 (um milhão de dólares), destinados a um fundo de
desenvolvimento comunitário. Todas essas medidas tiveram a fixação de um prazo não superior a 18
meses para os devidos cumprimentos. Por fim, para tal reflexão sobre essa decisão, a metodologia
utilizada para a criação do artigo é a pesquisa jurisprudencial e bibliográfica, buscando como fontes
primárias não só a referida sentença da OEA, como também as demais jurisprudências da Corte
sobre direito indígena e as etnografias do povo xukuru, como, a título de exemplo, o livro “Xukuru,
Memórias e histórias dos índios da Serra do Ororubá”, de Edson Silva. O resultado que se busca
obter com este artigo é uma perspectiva crítica sobre o modo como a sentença da Corte IDH pode
contribuir para a preservação da cultura Xukuru, frente às violações de direitos humanos
constatadas pela própria e as medidas de reparação impostas. Até o momento, conclui-se que a
sentença, apesar de trazer forte simbolismo e potencialidades, causa insegurança jurídica na medida
em que não se sabe como o judiciário brasileiro irá aplicá-la dentro do território nacional.
Entretanto, essa decisão, de fato, pode ser considerada como uma conquista secular no que diz
respeito ao direito à propriedade das comunidades tradicionais, inclusive tendo força de reverberar
em outros julgamentos sobre o tema.
Palavras-chave: Xukuru. Corte IDH. Direitos Humanos.
PROBLEMA INVESTIGADO
Será analisada a jurisprudência da Corte e da Comissão Interamericanas de Direitos
Humanos, acerca da proteção dos direitos dos refugiados e de outros migrantes.
420
OBJETIVOS
Este trabalho visa analisar a jurisprudência do Sistema Interamericano de Direitos
Humanos no que concerne aos migrantes em geral, fazendo um recorte específico em relação aos
refugiados.
O objetivo principal é demonstrar quais são os direitos que vêm sendo violados pelos
Estados americanos, bem como tratar do posicionamento do Sistema acerca dessas questões,
levando-se em consideração o aumento do fluxo migratório no continente americano, o qual
demanda atenção especial dos Estados e, também, dos operadores do Direito.
Ademais, o trabalho tem por fim averiguar o cumprimento das decisões emitidas pelo
Sistema Interamericano, no âmbito interno dos países, com o fim de garantir a proteção dos
direitos humanos.
MÉTODO DE ANÁLISE
Para tanto, a metodologia utilizada será, principalmente, o estudo da jurisprudência da
Corte e da Comissão Interamericanas de Direitos Humanos, passando pelos aspectos doutrinários
e normativos do tema abordado.
CONCLUSÕES
Em termos preliminares, a presente pesquisa conclui no sentido de que o Sistema
Interamericano de Direitos Humanos ainda é pouco utilizado quando se trata de direitos dos
migrantes, havendo pequena quantidade de casos julgados.
Nesse contexto, com a análise da jurisprudência existente, verifica-se que o Sistema
Interamericano, em suas decisões, prima pela proteção dos direitos humanos, em convergência
com os principais documentos e princípios de Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Palavras-chave: Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Jurisprudência. Migração.
427
REFERÊNCIAS
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de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2017.
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ed. Rio de Janeiro: Editora Vozes. 1981.
GREEN, James N. Apesar de Vocês: oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos, 1964-1985.
São Paulo: Companhia das Letras. 2009.
LYNCH, Chistian Edward Cyril; MENDONÇA, José Vicente Santos de. Por uma história constitucional
brasileira: uma crítica pontual à doutrina da efetividade. Revista Direito & PráxisRev, Rio de
Janeiro, v. 08, n. 2, p. 974-1007, 2017.
PERNAMBUCO. Comissão Estadual da Memória e Verdade. Cadernos da memória e verdade. v.4
Recife: Secretaria da Casa Civil do Governo do Estado de Pernambuco, 2016.
Com a busca pela valorização da existência humana no meio social, houve, com o passar do
tempo, a necessidade de formalizar os ideais que pudessem garantir a importância de direitos
necessários para o ser humano. Com isso, formaram-se sistemas internacionais com competência
para tratar destes direitos. No continente americano, foi adotada a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, formando o Sistema
Interamericano de Direitos Humanos, disciplinando os deveres dos estados-membros.
Um exemplo da atuação deste sistema no âmbito nacional, é o caso do Povo Xucuru x
Brasil. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabeleceu em seu ADCT (Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias) que a demarcação de terras indígenas existentes no
território brasileiro seria concluída no prazo de cinco anos, a partir da promulgação da
Constituição. Esse prazo de conclusão, no entanto, nunca foi cumprido, acarretando
consequências irreparáveis em relação a direitos fundamentais dos povos indígenas, como o
direito à vida e à propriedade.
Em março de 2016, a Corte Interamericana de Direitos Humanos recebeu da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (detentora do papel de promover a observância e a defesa
dos direitos humanos) o relatório 12.728, que tratava de um processo moroso – que perdurava
desde a década de 90 – sobre a demarcação das terras do povo Xukuru, oriundos dos municípios
de Pesqueira e Poção, em Pernambuco.
428
Dois anos após o recebimento do relatório, o Brasil foi julgado pela Corte Interamericana
de Direitos Humanos como responsável pela violação do direito à proteção judicial – que assegura
a todas as pessoas o direito de ser ouvida com as devidas garantias, dentro de um prazo razoável –
e pela violação do direito à propriedade coletiva. A decisão da Corte, considerada histórica porque
foi a primeira com a temática indígena prolatada contra o Brasil, condenou o país a garantir de
maneira imediata e concreta o direito de propriedade, com a efetiva demarcação e titulação de
terras, sem que o povo Xukuru sofresse qualquer tipo de invasão ou dano por terceiros ou até
mesmo pelo Estado. Determinou-se, também, uma indenização compensatória no valor de
US$1.000.000,00 (um milhão de dólares), em um período não superior a 18 meses a partir da
notificação da sentença, em virtude das perdas consequentes da violação dos direitos dos
indígenas. Além disso, foi estabelecida pela Corte, a conclusão do processo de desintrusão,
indenizando as pessoas que ocuparam os territórios em determinado período, pelas benfeitorias
realizadas.
OBJETIVOS
Pretende-se diante desses fatos, a partir da publicação de um artigo científico, analisar os
aspectos institucionais que permitem/impedem o cumprimento da sentença proferida pela Corte
Interamericana no Caso Povo Xucuru x Brasil.
MÉTODO DE ANÁLISE
Utilizando como base teórica a obra de Flavianne Nóbrega e de Stefan Voigt, tentaremos
observar os aspectos institucionais e as relações de poder que dificultam o cumprimento das
sentenças proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil, em especial a do
Caso Povo Xucuru x Brasil, por meio de evidências empíricas coletadas junto a órgãos oficiais do
Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.
430
composto por recomendações que buscam melhorar as condições das pessoas que se encontram
em situação de isolamento. Após a realização das inspeções, as recomendações apresentadas nos
relatórios passam a ser monitoradas pelo órgão. O MEPCT/PE está incluído em uma rede de
entidades que atuam na prevenção e combate à tortura em âmbito global e a importância da
instituição e manutenção de um órgão com esta finalidade é fundamental, tendo em vista que
corresponde a mais um legitimado com a função de tutelar Direitos Humanos por meio da analise
das condições da privação e restrição de liberdade. O Estado brasileiro se comprometeu jurídica e
politicamente em instituir tais organismos e nesse sentido, dar vazão para que os mesmos
exerçam sua finalidade é primordial. Diante do exposto, e considerando que de acordo com
Herrera Flores no século XXI, os Direitos Humanos constituem o principal desafio para a
humanidade, o presente trabalho tem como objetivo principal ressaltar a necessidade da
implementação no Brasil de mecanismos estaduais de prevenção e combate à tortura como meio
de fortalecer o sistema nacional e internacional de proteção dos Direitos Humanos, elucidando a
questão sobre qual a importância da instituição da medida cautelar do Curado para o surgimento
de instrumentos de tutela efetiva de direitos, dentre os quais o MEPCT/PE? O trabalho parte do
método bibliográfico e documental, a partir da análise de relatórios de inspeção do Mecanismo
Estadual de Prevenção e Combate à Tortura de Pernambuco.
Mariana Oliveira de Sá
Mestranda em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Constitucional. Graduada em Direito.
432
DO NUNCA MAIS AO NUNCA HOUVE: TENSÕES CONTEMPORÂNEAS SOBRE O
TEMA DA TORTURA NO BRASIL
O período compreendido entre os anos 1964 e 1985 foi concebido no Brasil enquanto
ditadura civil-militar, na qual os agentes das Forças Armadas tomaram o poder e instituíram um
regime autoritário. O Estado brasileiro, sob o regime militar, foi responsável por diversas violações
de direitos humanos, incluindo a prática da tortura. Ocorre, porém, que o problema da tortura no
país não nasce e, tampouco, se encerra com o período ditatorial, sendo possível verificar em toda
a história política do país uma espécie de “mito irracional” que justificaria a violência estatal e
produziria distorções manifestadas em cenários de torturas toleráveis. Tais práticas perpetradas
pelo então governo tem sido amplamente discutidas e estudadas sob diversas óticas e, no
espectro popular, tem ganhado destaque devido a ascensão de figuras e discursos que se
propõem a pautar uma narrativa diversa, relativizando o problema da tortura. Compreende-se, a
partir dessa perspectiva, a necessidade de investigar os aspectos da justiça de transição no Brasil
que, embora seja alvo muitas críticas, na busca pela sua efetivação por sucessivos governos, foram
alcançadas importantes providências como a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos – CEMDP (Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995), a Comissão de Anistia (Lei nº
10.559/2002) e Comissão Nacional da Verdade (Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011). Além
dessas medidas, no tange à prática da tortura, foi instalado o Sistema Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura (SNPCT), que tem por finalidade investigar e fiscalizar os atos compreendidos
enquanto tortura. No entanto, o funcionamento desses órgãos têm sido colocados em cheque
com a chamada “reforma administrativa” do atual governo, que vem trabalhado no sentido de
intervir na existência, funcionamento e autonomia de tais instituições. Tendo em vista esses
aspectos, o presente trabalho tem por objetivo investigar o contexto histórico e social acerca da
tortura no Brasil, a sua prática pelas instituições formais do Estado cometidas para além do
âmbito da ditadura civil-militar, bem como a importância e os impactos dos órgãos que visam a
sua prevenção e combate. Nesse sentido, será feito uma pesquisa bibliográfica acerca da prática
de tortura no Brasil, passando pela revisão literária dos textos legislativos que instauram
organismos de combate e prevenção a tal prática e também pela Convenção Interamericana para
Prevenir e Punir a Tortura, assim como o Protocolo Facultativo à Convenção Contra Tortura e
Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes da Organização das Nações
Unidas, ambos ratificados pelo Estado brasileiro. Pretende-se, ainda, compreender como as
tensões entre o período ditatorial (“nunca mais”) e as narrativas contemporâneas de tortura (“o
eterno retorno”) tem sido instrumentalizadas para a construção institucional de uma revisitação
sobre o problema da tortura, e delineado relativizações estatais dos conceitos de violência, tortura
e humanidade. Desse modo, é possível vislumbrar a construção da ideia de tortura que perpassa o
funcionamento das instituições brasileiras, a importância da manutenção dos organismos de
prevenção e combate a sua prática, e a necessidade de fortalecimento das instituições de controle
para o ajuste da atuação estatal alinhada aos direitos humanos, junto a efetivação de uma justiça
de transição associada aos valores democráticos próprios do Estado de Direito.
433
O ESTADO DO PIAUÍ NO CONTEXTO DA CONSTRUÇÃO DO PROCESSO
TRANSICIONAL BRASILEIRO
Deixou de ser axiomático o papel do Estado territorial moderno como única possibilidade
de solução de problemáticas atinentes à justiça. A sociedade moderna, desde logo entendida
como sociedade mundial, constituiu-se como uma conexão unitária de uma pluralidade âmbitos
de comunicação em relações de concorrência e, simultaneamente, de complementariedade. É a
partir desse pressuposto que o presente trabalho possui como objetivo analisar as dessincronias
existentes entre o Plano Municipal de Educação do Recife (Lei nº 18.147/2015) e a tutela
internacional dos direitos da população LGBTTI. Ou seja, tem-se por fim demonstrar como o Plano
Educacional estabelecido no Recife entra em colisão com direitos humanos e fundamentais
relacionados à população LGBTTI tutelados pelo Direito Internacional Público. A partir do método
qualitativo, busca-se apresentar os resultados por meio das percepções e analises dos materiais
encontrados em pesquisa bibliográfica e documental. Dentre os materiais, serão analisados o que
fora produzido na elaboração do PME (deliberações da sociedade civil e processo legislativo), bem
como as normativas de Direito Internacional Público produzidas no âmbito regional no que diz
respeito a construção da cidadania LGBTTI. No que concerne aos marcos teóricos, serão
analisadas, primeiramente, as reflexões da teoria queer no que tange ao âmbito escolar como
espaço de fundação das marginalidades sociais de subjetividades dissidentes do padrão
cisheterornormativo para depois se adentrar no transconstirucionalismo de Marcelo Neves, numa
tentativa de demonstrar de quais formas o diálogo transconstitucional pode favorecer a
construção de pontes entre os múltiplos níveis de produção do direito, no caso especifico dessa
pesquisa , entre o plano nacional (municipal) e o de direito internacional público (regional). A
partir dos dados até agora coletados, aferiu-se que o poder público municipal, em contrassenso às
propostas elaboradas pela sociedade civil, não só não propôs como retirou do texto do PME
propostas de políticas públicas ligadas à identidade gênero e diversidade sexual, restando
demonstrada a abstenção do Estado no que tange à garantia dos direitos humanos e a construção
de uma cidadania LGBTTI na esfera municipal. O que se desenvolve em dissonância do que vem
sendo implementado em outros níveis de produção do direito em relação ao direito à diversidade,
haja vista que, dentro do âmbito de produção do Direito Internacional Público, tem-se
desenvolvido um arcabouço normativo e jurisprudencial, por meio da OEA e dos órgãos que a
compõe, de promoção e proteção dos direitos fundamentais da população LGBTTI. O que se
436
almeja, portanto, é desenvolver uma reflexão sobre a produção de políticas públicas direcionadas
à diversidade que possam refletir dentro do Estado a realidade de uma sociedade que é complexa
e diversa no agir e no vivenciar. Palavras-chave: Plano de Educação; Direito; LGBTTI; Teoria queer;
Transconstitucionalismo.
PROBLEMA INVESTIGADO
Procura-se investigar como o funcionamento do Sistema Interamericano influencia o
comportamento do Brasil na área de Direitos Humanos.
OBJETIVOS
Objetivo Geral
Analisar a importância do Sistema Interamericano para a proteção e promoção dos direitos
humanos no Brasil e observar o grau de cumprimento das medidas encaminhadas ao país.
Objetivos Específicos
• Descrever o processo de institucionalização, internacionalização e regionalização da proteção
dos Direitos Humanos.
• Contextualizar a criação do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH).
• Apresentar todos os casos em que a Comissão IDH emitiu relatórios com recomendações para o
Brasil e aqueles em que a Corte IDH emitiu sentenças condenatórias.
• Verificar o grau de cumprimento das medidas encaminhadas pelo SIPDH ao Brasil.
MÉTODO DE ANÁLISE
O universo da análise é composto por: todos os casos do sistema de petição que a
Comissão IDH emitiu Relatórios de Mérito para o Estado brasileiro até dezembro de 2018; e, todas
as sentenças emitidas pela Corte IDH até 2017 nas quais o Brasil foi condenado. Desses 18 casos,
12 são recomendações feitas pela CIDH e 6 tratam de sentenças vinculantes dadas pela Corte.
Serão analisadas recomendações da CIDH e os relatórios anuais do cumprimento dessas
recomendações, disponíveis no site da Comissão. Também serão analisadas as sentenças da Corte
e suas resoluções de supervisão de cumprimento de sentenças em etapa de supervisão, que se
encontram no site da Corte IDH. Para demais esclarecimentos, o grau de cumprimento de uma
recomendação (no caso da Comissão) ou de uma reparação (no caso da Corte) é o estado de
cumprimento em que cada medida se encontra. Assim, a pesquisa acompanhará as conclusões da
Comissão e da Corte a esse respeito. A Comissão divide o Estado de cumprimento de cada
recomendação em “cumprimento total”, “cumprimento parcial substancial”, “cumprimento
parcial” e “pendente de cumprimento”. Já a Corte classifica as medidas como “cumprida”,
“cumprimento parcial” e “pendente de cumprimento”. Essas serão as categorias adotadas na
análise. O levantamento não inclui os casos de acordos de solução amistosa, por entender que
houve uma solução efetiva entre o Estado e os peticionários, não havendo necessidade de
437
acompanhamento ao longo do tempo. Também, não inclui os casos em que o Brasil foi absolvido
pela Corte, pois ao ser inocentado, não há sentença a ser cumprida. Assim, será feita uma análise
textual, tabulação dos resultados, montagem de estatísticas a partir dele e, finalmente, a discrição
dos resultados.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A partir de uma análise inicial é possível notar que as respostas do Estado brasileiro são
heterogêneas e, embora haja casos com responsividade negativa, há um esforço para que se
implemente melhorias internas após as condenações. Assim, conclui-se também que os casos em
que o Brasil não mostra reações positivas frente às recomendações ou não cumpre com
integridade as decisões da Corte não torna o Sistema menos eficaz ou mais limitado, uma vez que
ele tem servido à finalidade para o qual foi desenvolvido, atuando e agindo nos casos de violação
de direitos humanos nos países da OEA que aceitaram sua competência.
438
CRIANÇAS, ADOLESCENTES E A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL
439
Coordenação:
Luciana Grassano de Gouvêa Mélo (UFPE)
Ana Pontes (UFRPE)
Marciano Seabra de Godoi (PUC-MG)
A CONSTITUCIONALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO AÇÃO AFIRMATIVA
441
REFLEXOS DO MACHISMO ESTRUTURAL SOBRE A TRIBUTAÇÃO DE RENDIMENTOS:
UM RECORTE DA INJUSTIÇA FISCAL SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO
442
A TRIBUTAÇÃO DE RENDIM A TRIBUTAÇÃO E A IGUALDADE DE GÊNERO: POR UMA
JUSTIÇA FISCAL
Cecília Monte
Mestra em Direito Público pela UFAL
443
As mulheres também são discriminadas no mercado de trabalho, obtendo muitas vezes
uma remuneração inferior as dos homens e, consequentemente, são afetadas na tributação sobre
o consumo, uma vez que os produtos femininos são bem mais caros que os masculinos, como
afirma Heleno Taveira Torres (2019).
Diante do quadro acima exposto, é nítida a importância dessa temática, sobretudo
considerando o momento político e social que atualmente vivencia o Estado Democrático
Brasileiro, com a expectativa de reformas previdenciária e tributária as quais, pelo que se
vislumbra de agora, não tende a favorecer a igualdade de gênero e à justiça fiscal no Brasil.
REFERÊNCIAS
PISCITELLI, Athiane; MASCITTO, Andréa; PRETO, Raquel; GRUPENMACHER , Betina; RODRIGUES,
Catarina; SILVEIRA, Lara Daniela, PAZZELO, Fernandas; CUBAS, Renata. Tributação e gênero: justiça
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Campo Grande, v. 2, n. 1, p. 173-183, jul./dez. 2016. Disponível
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SANCHES, Saldanha. Justiça Fiscal. Lisboa: Fundação Francisco Manoel Santos, 2010.
STOTSKY, Janet G. How Tax Systems Treat Men and Women Differently.Disponível
em: https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/1997/03/pdf/stotsky.pdf.Acesso em: 10 jun. 2019.
TORRES, Heleno Taveira. Desigualdade de gênero e na tributação da mulher prejudicam
desenvolvimento. Revista Consultor Jurídico, 12 jun. 2019. Disponível em:
https://www.conjur.com.br/2019-jun-12/consultor-tributario-desigualdade-tributacao-mulher-
prejudicam-desenvolvimento. Acesso em: 13 jun. 2019.
DEFINIÇÃO DO TEMA-PROBLEMA
As mulheres negras representam o grupo social mais vulnerável e com o menor
rendimento médio mensal no país, conforme indicam dados do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA, 2011) de 1995 a 2015. Os dados também demonstram as disparidades na
distribuição de renda entre homens brancos, mulheres brancas, homens negros e mulheres
negras, exatamente nessa ordem. A pesquisa revela que a pobreza no Brasil tem sexo e cor.
Apesar de todo esse quadro, é possível afirmar que a legislação brasileira assegura a
missão inclusiva e social transformadora adotada a partir de 1988, com a promulgação da
Constituição Federal.
444
O trabalho a ser desenvolvido para o X Congresso da ABrasD objetiva introduzir questões
de gênero e raça no estudo do Direito Tributário, especificamente para analisar os impactos da
regressividade do sistema tributário brasileiro no quadro das desigualdades entre homens,
mulheres, negros e brancos. Nesse sentido, questiona-se: A regressividade do sistema tributário
brasileiro contribui para a aumentar as desigualdades numa perspectiva de gênero e raça?
OBJETIVOS
Objetivos gerais
Avaliar se a regressividade do sistema tributário brasileiro contribui para o acirramento do quadro
de desigualdade social no país, considerando os critérios de gênero e raça.
Objetivos específicos
a) Realizar análise crítica sobre o quadro de desigualdade social no Brasil considerando cortes
de gênero e raça;
b) Analisar as características do sistema tributário brasileiro que o distinguem como um
sistema tributário regressivo;
c) Realizar estudo crítico sobre os impactos da regressividade nas desigualdades de gênero e
raça.
MÉTODO DE ANÁLISE
Considerando os objetivos a serem alcançados, o método de pesquisa adotado será o
hipotético-dedutivo. Será realizada pesquisa bibliográfica sobre o tema, que se reveste de caráter
interdisciplinar, na medida em que irá coordenar conteúdos pertinentes à área da política,
sociologia, economia e direito.
Além disso, será realizada pesquisa quantitativa e qualitativa sobre os trabalhos
desenvolvidos na academia, nos últimos 5 (cinco) anos, a fim de demonstrar a escassez de estudos
sobre o assunto.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A priori é possível afirmar que a regressividade do sistema tributário brasileiro contribui
para acirrar o quadro de desigualdades de gênero e raça.
O sistema tributário regressivo é aquele em que, quanto menor a renda auferida por
determinada parcela da população, maior o impacto da carga fiscal. Além disso, o sistema
tributário regressivo é aquele marcado por uma maior concentração de impostos sobre o
consumo (tributação indireta), que atinge de maneira mais severa a população de baixa renda,
conforme advertido pelo economista francês Thomas Piketty (2014, p. 481).
Assim, considerando que os negros estão em grande medida na base da pirâmide social,
por auferirem rendimentos menores do que os brancos, é possível afirmar que a regressividade do
sistema tributário brasileiro, que atinge de maneira mais severa a população de baixa renda,
contribui para o acirramento das desigualdades de raça.
REFERÊNCIAS
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Retrato das desigualdades de gênero e raça. 4.
ed. Brasília: Ipea, 2011. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores_pobreza_
distribuicao_desigualdade_renda.html. Acesso em: 29 maio 2018.
PIKETTY, Thomas. O capital do século XXI. Tradução de Monica Baumgarten de Bolle. Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2014.
445
DESIGUALDADE DE GÊNERO NO ÂMBITO FISCAL
Este trabalho tem por objetivo principal investigar de que forma a desigualdade de gênero
vem afetando a economia no Brasil, especificamente ao que se refere ao âmbito fiscal brasileiro e
à Justiça Fiscal. Não se descarta, no entanto, que a própria forma de tributação aumente esta
disparidade. Não é nenhuma novidade que, tanto no Brasil quanto na grande maioria dos demais
países, haja a discrepância no que se refere à valorização da mulher, seja no âmbito do trabalho
ou em sua função na própria sociedade, no que tange inclusive, aos direitos fundamentais. Tanto é
notório e verídico o ora alegado, que se fazem necessárias diversas legislações para, ao menos,
tentar minimizar tais condições - a exemplo mundial, tem-se a Convenção da ONU (Organização
das Nações Unidas) sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher.
Mas, de que forma a discriminação sistemática que ocorre pode e interfere na questão fiscal, e de
que forma a justiça fiscal pode restringir esta desigualdade? Eis aqui demonstrada a importância
da realização deste estudo que, muito embora ainda se encontre em desenvolvimento, procura
avaliar suas conexões e interferências. Para tal, utilizou-se de investigações teóricas diversas a
partir de referenciais teóricos-metodológicos que se fundamentam no método histórico-lógico,
analítico sintético e indutivo-crítico. A partir de tais estudos verifica-se, até o momento, que a
formatação da arrecadação brasileira, tendo por base o consumo, afeta drasticamente as famílias
de menor poder aquisitivo. Levando-se em consideração que as mulheres possuem menor acesso
à propriedade, às tomadas de decisões (em diversos âmbitos), aos recursos financeiros e ainda
efetuam várias jornadas de trabalho (inclua-se aqui, o trabalho doméstico e familiar), além de
serem, em diversas ocasiões, as únicas provedoras de suas famílias, a justiça fiscal deve atuar para
minorar tais deficiências. O tratamento deve ser diferenciado para que se possa, com ele,
promover mais harmonia. Não se quer, contudo, mencionar que a utilização mais efetiva da
justiça fiscal solucionará o problema. No entanto, abrirá mais um caminho para que as leis sejam
aprimoradas e auxiliem na transformação da sociedade como um todo.
“I do not wish them *women+ to have power over men; but over themselves.” (Mary Wollstonecraft)
O PROBLEMA
No recente Censo Agropecuário, vários indicadores expuseram a espantosa realidade de
extremas desigualdades no espaço rural. De início, destaca-se um profundo desequilíbrio na
446
concentração fundiária (v.g., de um total de 5.072.152 estabelecimentos que ocupam os
350.253.329 ha do território rural brasileiro, apenas 2.400 estabelecimentos rurais detém área de
quase 52 milhões ha, ao passo que 606.823 estabelecimentos ocupam área de 277.534 ha).
Estudo da OXFAM aponta que desigualdade na distribuição de terras é ainda pior que a
desigualdade na distribuição de renda, quanto à esta, tem-se que o 1% mais rico detém 30% da
renda, ao passo que 1% das propriedades rurais ocupam 45% da área rural.
No que concerne à desigualdade de gênero, há impressionante concentração de terra
entre os homens, que ficam com mais de 87% dos estabelecimentos e ocupam 94% da área rural,
além de possuírem propriedades maiores, em média 84,2 ha, enquanto as mulheres tem
propriedades com tamanho médio de 33,1 ha. De outro lado, as mulheres são o dobro entre os
produtores rurais sem terra. Ou seja, apesar de metade da população ser feminina, são os homens
que dominam os estabelecimentos rurais, tanto em número quanto em tamanho.
Ademais, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação aponta que as
mulheres compõem a maioria da população pobre, representando maior parte da população
economicamente inativa e, quando ocupadas com agropecuária, quase 80% das mulheres não
possuem rendimento. Verifica-se que o trabalho da mulher no meio rural é dividido entre afazeres
domésticos, participação na agricultura e a responsabilidade pelo “quintal” (em que a mulher
labora para consumo da família com pequenos cultivos e trato de animais), de maneira que se por
um lado é reduzida sua possibilidade de participação no mercado agrícola, por outro, sua
atividade essencialmente doméstica se torna “invisível”.
No seio familiar, a desigualdade de gênero no espaço rural promove o fortalecimento da
relação de dependência e subordinação da mulher. O enfrentamento a tal situação impõe a
intervenção Estatal no intuito de redistribuir a propriedade rural entre os gêneros de maneira
mais equânime.
Nesse sentido, algumas medidas vem sendo lentamente implantadas, como a outorga pelo
Incra da titularidade da terra ocupada pela família às mulheres assentadas, a criação de programas
de promoção de igualdade pelo INCRA e Ministério de Desenvolvimento Agrário, além da
concessão de linha de crédito PRONAF Mulher, para implantação de projeto produtivo gerido pela
mulher titular do lote, entre outras tímidas medidas que estimulam a associação feminina.
O que se vê, no entanto, é um insistente descompasso entre a desigualdade de gênero no
espaço rural e as tênues políticas públicas até aqui empreendidas. A busca pela igualdade de
gênero pressupõe atuação bem mais vigorosa, passando sobretudo pela identificação da mulher
como produtora agrícola. É preciso que o Estado promova políticas fiscais mais contundentes,
capazes de estimular o acesso à terra às mulheres, ora via tributação indutora – como utilização
de incentivos fiscais sobre a propriedade rural da mulher; ora via despesas públicas - como a
expansão de linhas de créditos destinados à mulher.
OBJETIVOS
Objetiva-se analisar as raízes da exacerbada desigualdade gênero no que diz respeito à
concentração fundiária entre os homens, estimar a eficácia das políticas públicas implementadas e
avaliar novas proposições e medidas sob a perspectiva fiscal (seja via tributação ou via despesa
pública).
METODOLOGIA
O estudo será desenvolvido essencialmente com base em dados empíricos, sobretudo com
fontes do IBGE (2017), OXFAM (2016), OCDE, FAO (2019), Instituto Escolhas e revisão bibliográfica
(DEERE; LÉON, 2003; GROWN; IMRAAN, s/d.).
447
CONCLUSÃO
O desejo da pesquisa é expor as agruras da desigualdade de gênero no espaço rural e sua
principal consequência: a retroalimentação de uma sociedade incapaz de se desenvolver em
igualdade. Ademais, intenta-se examinar os meios disponibilizados pela justiça fiscal (despesas
públicas e tributação indutora) na batalha contra a desigualdade entre homens e mulheres do campo.
REFERÊNCIAS
DEERE, Carmem Diana; LÉON, Magdalena. Diferenças de gênero em relação a bens: a propriedade
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IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Agropecuário 2017. Rio de Janeiro, v. 7,
p. 1-108, 2017. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3093
/agro_2017_ resultados_preliminares.pdf. Acesso em: 01 de fev. 2019.
OXFAM BRASL. Terrenos da desigualdade. Terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural, nov.
2016. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/. Acesso em: 20 de jun. 2019.
PROBLEMA
“As mulheres trabalham em média 7,5 horas a mais que os homens por semana.” É assim
que começa a exposição do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça no Brasil realizado pelo
IPEA desde 2004, tendo sua última atualização em 2017, quando se analisou o período entre 1995
e 2015 (IPEA, 2017).
Esse volume mais elevado de horas de trabalho se deve ao fato de que elas são as
principais responsáveis pelo trabalho não remunerado. Ou seja, o trabalho de cuidado dos
familiares vulneráveis (crianças, idosos e doentes), além das tarefas domésticas de administração
familiar, ainda está predominantemente concentrado nas mulheres.
Em 2015, 90% das mulheres brasileiras afirmavam realizar trabalhos domésticos,
enquanto apenas aproximadamente 50% dos homens faziam a mesma afirmação. Outro dado
trazido pelo estudo do IPEA é que 94% das mulheres com renda de até um salário mínimo
declararam realizar trabalhos domésticos, porcentagem esta que cai para 79,5% para as mulheres
com renda acima de oito salários mínimos. Já entre os homens, a lógica se inverte: 57% daqueles
que possuem renda mais alta declararam realizar afazeres domésticos, enquanto 49% dos homens
mais pobres realizam o mesmo trabalho.
448
Da breve leitura dos dados expostos, já se infere, no mínimo, que (i) ainda há uma
discrepância quase abismal entre a participação de homens e mulheres no mercado de trabalho
no Brasil, em grande parte pelo fato de o trabalho doméstico e de cuidado ainda ser designado às
mulheres; e que (ii) a redução dessa desigualdade traria benefícios de porte considerável, não só
para as famílias em si, mas para a sociedade e para a economia de um modo geral, que teria uma
maior disponibilidade de rendas circuláveis e um aumento relevante na arrecadação tributária,
principal fonte de recursos para fazer frente às despesas estatais.
Nesse sentido, questiona-se: como o Direito Tributário pode auxiliar ou dificultar as
políticas públicas de redução das desigualdades de gênero?
OBJETIVOS
a) Explanar a evolução da divisão sexual do trabalho, realizando um recorte no histórico
norte-americano pós revolução industrial, até chegar nos dias correntes;
b) Apresentar alguns estudos e experiências vivenciadas em outros países, que demonstram a
importância do Direito Tributário e da Política Fiscal na manutenção, piora, ou eliminação das
desigualdades de gênero no mercado de trabalho;
c) Analisar, brevemente, o modo como a ciência e a legislação tributária se desenvolveram no
Brasil, em uma segregação constante em relação a outras áreas do conhecimento, até mesmo da
Ciência das Finanças, culminando na sucinta exposição dos poucos estudos que foram realizados
aqui, relacionando tributação e gênero.
MÉTODO DE ANÁLISE
O trabalho será elaborado pelo método dialético, investigando-se o tema proposto, para
explorar suas hipóteses e verificar as consequências que se projetam sobre a realidade. Será
utilizado também o procedimento de investigação jurídico-compreensivo, por meio do qual se
promoverá a análise, de forma problemática, do Direito Tributário como política pública
autônoma ou coadjuvante de política pública, em seus diversos aspectos e níveis, identificando as
formas como ele pode contribuir para a redução das desigualdades de gênero.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Preliminarmente, pode-se concluir que uma séria reavaliação e transformação da divisão
sexual do trabalho, com olhares mais atentos e cautelosos para com o trabalho doméstico e do
cuidado, é medida urgente e de extrema relevância, se quisermos construir uma nação
efetivamente livre, justa e solidária, efetivando os ditames da nossa Constituição.
Para isso, a ampliação dos debates é fundamental e, com esta pesquisa, espera-se lançar a
provocação, o estímulo para que tais estudos sejam aprofundados, na busca de propostas e
soluções efetivas sobre como o Direito Tributário pode ser mais bem utilizado na indução de
comportamentos mais condizentes com a realidade que se busca alcançar.
Como se sabe, são ditos como objetivos fundamentais da Constituição Federal de 1998 a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária; assim como a erradicação da pobreza e a
marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais.
449
Acontece que, com um sistema tributário regressivo com o nosso, onde os pobres acabam,
proporcionalmente, sofrendo muito mais com a alta carga tributária em suas vidas que, na maioria
das vezes, não traz o retorno que deveria.
Quando falamos sobre a desigualdade de gênero, existem ainda mais agravantes. Mulheres
ainda ganham menos, se comparado aos homens. Da mesma forma, o número de mulheres que
ocupam cargos de chefia vem aumentando, mas ainda é inferior ao dos homens. Segundo
pesquisa recente realizada pelo IBGE, o salário médio das mulheres corresponde a 79,5% ao dos
homens. A diferença vem diminuindo já que, devido a dupla jornada feminina, muitas mulheres
precisavam trabalhar menos horas fora de casa. Outro dado da pesquisa é o fato e que no ano de
2018, 22,8% das mulheres que exerciam atividade remunerada tinham ensino superior, ao passo
que apenas 18,4% dos homens no mercado de trabalho tinham o mesmo nível de instrução.
A maneira como a sociedade enxerga a mulher contribui para essa desigualdade
permanecer, pela função atribuída a mulher de cuidar dos filhos. Em reportagem ao G1, a gerente
de relacionamento com cliente da Catho expôs o seguinte: “Se o filho fica doente é a mãe que sai
para socorrer. Para uma promoção por exemplo isso pesa”. Segundo ela, as empresas levam isso
em consideração para empregar ou promover uma mulher.
Isso leva a outro ponto extremamente importante: a quantidade de mães solos no Brasil.
Ou seja, mães que não só cuidam, mas são as principais responsáveis pela educação, cuidados e a
carga financeira a ser suportada para criação de seus filhos. Como já se pode imaginar, a
quantidade de mulheres negras e periféricas nessa realidade é maior.
E a partir da clareza desse cenário profissional e social da mulher, bem como o
conhecimento do sistema tributário no nosso país, que sobrecarrega os mais pobres, já que carga
tributária se concentrada no consumo, mulheres acabam sofrendo ainda mais.
Já é fato que consumidoras mulheres sofrem mais com a tributação. Nos Estados Unidos, surgiu
o termo “Pink Tax”: trata-se de uma expressão usada para demonstrar a discriminação que
consumidoras femininas sofrem, diante do preço desigual de produtos de mesma eficácia e destinação,
mas produzidos em uma versão específica para mulheres com preços bem maiores. A deputada
republicana Jackie Speier vem trazendo o assunto para discussão no cenário político há alguns anos.
Na Califórnia, a diferença de preços em serviços os preços dos serviços baseados em
gênero, como cortes de cabelo, já são considerados ilegais, devido ao projeto de lei da deputada
que se tornou lei estadual. Atualmente, a deputada tenta introduzir seu projeto de lei The Pink Tax
Repeal Act a nível federal.
Um estudo realizado na cidade de Nova York – EUA, “A Study of Gender Pricing in New York
City” descobriu que produtos femininos custam, em média, 7% a mais do que produtos similares
destinados a homens. Quando se trata de higiene pessoal, a diferença chega a 13%. O Estudo teve
como base 35 categorias e 794 produtos.
No Brasil, o assunto ainda não é amplamente discutido. Ao contrário, há uma carência de
estudos que tenham como foco a disparidade entre homens e mulheres quando falamos de
tributação e, ainda menor discussão de como assuntos como esse podem trazer impacto na
redução da desigualdade de gênero e social no país.
Diante da análise das pesquisas e reportagens dentro do cenário brasileiro, bem como na
esfera mundial, já é possível concluir que a tributação vem funcionando como mecanismo para
perpetuar a desigualdade de gênero/social existente. O objetivo é trazer o assunto a discussão,
dentro da realidade da mulher brasileira, do sistema tributário atual e dos princípios ditados pela
nossa Constituição.
450
POLÍTICA FISCAL BRASILEIRA E O ACESSO A EDUCAÇÃO: A EFETIVAÇÃO DO DIREITO
FUNDAMENTAL DA MULHER À EDUCAÇÃO
451
tributária brasileira. O objetivo principal deste trabalho é analisar a fonte arrecadatória,
verificando a forma de distribuição. Tendo como objetivo específico analisar o contexto social,
identificar a realidade da população brasileira e informar sobre a relação entre Direito Tributário e
os direitos fundamentais da dignidade humana. Utilizando metodologia de pesquisa qualitativa e
método indutivo, parte-se do estudo do significado e da efetividade, associando a base
principiológica presente no ordenamento jurídico brasileiro, previsto na Constituição Federal de
1988. O presente artigo tem como principal finalidade a demonstração do direito tributário na
perspectiva dos direitos humanos, pois estes não se encontram desvinculados, a necessidade
dessa discussão advém da dissociação do fundamento da tributação, sendo um pouco ignorado no
âmbito jurídico nos últimos tempos.
É válido abordarmos inicialmente que onde há estado, existe o poder de tributar. Devendo
ser entendido Estado no sentido lato sensu da palavra. Tal afirmação ocorre, pois, não poderíamos
ter um governo sem tributação. O tributo objetiva a manutenção da máquina pública, ou seja,
financiar o Estado para que o mesmo possa promover benfeitorias sociais de uso comum, sendo
ligada a necessidade do ser humano.
A atribuição ao Estado e as pessoas para construir uma sociedade solidária, através de uma
justiça social, construindo responsabilidade estatal para aplicação de políticas públicas e
agregando a valores preexistentes. Possuindo como meio para garantir o estado moderno. No
entanto, no fim do século XXI, surgiu o princípio da solidariedade social com a ideia de cidadania.
Ou seja, o poder de tributar deixa de ser uma imposição diante da sede arrecadatória estatal,
passando a ser um meio de realização de políticas públicas, postular a dignidade humana e social.
Devendo-se considerar a pessoa como fim, não como mero instrumento, oferecendo
condições para uma existência digna. Possuindo como base internacional a Declaração Universal
dos Direitos Humanos e a Constituição Federal de 1988, que traz em especial o princípio da
capacidade contributiva, da capacidade econômica, da solidariedade, igualdade e o princípio da
dignidade humana.
A respeito da legislação internacional dos direitos humanos, o direito a igualdade é
reconhecido como integrante ao direito a um padrão de vida adequado, em seu artigo 25 da
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH):
Artigo XXV 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e
a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados
médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de
desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de
subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Já na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 3º, que versa sobre os objetivos
fundamentais:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir
uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III -
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV -
promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação.
452
Ocorre que a todo tempo estamos sendo cobrados por determinados tributos, sendo o
maior deles a espécie denominada de imposto, mas sem a contrapartida efetiva de políticas
públicas. Assim sendo, a maior arrecadação se dá através do imposto sobre circulação de
mercadoria e serviços, ou seja, através do consumo. Desse modo, os grupos vulnerabilizados, que
nesse caso são os mais pobres, sentem uma elevada carga tributária.
É preciso observar que a carga tributária do Brasil encontra-se na média, significa que é
compatível com a média em países desenvolvidos e em desenvolvimento. Porém, esses países
possuem um estado social mais forte, por isso acabamos sentindo a carga tributária brasileira
pesada, concentrando como principal contribuinte o grupo socialmente vulnerabilizado, conforme
supramencionado. E por haver uma má distribuição reflete no questionamento de justiça da carga
tributária, considerando para tanto o contexto social do contribuinte, o retorno da sua
contribuição e essa forte sede de arrecadação.
Desta forma, concluímos que o poder de tributar é instituído como forma de movimentar a
máquina pública diante a sede arrecadatória estatal que possui o objetivo de promover igualdade
tendo como fundamento a aplicação com políticas públicas.
Em contrapartida, a carga tributária acaba sendo desproporcional diante do contexto
social, isso devido à principal fonte de arrecadação ser sobre produtos e serviços atingindo os
socialmente vulnerabilizados.
Restando claro que, de fato, não é carga tributária que é elevada, mas a desigualdade
causada devido a principal fonte arrecadatória, além da má distribuição da receita, fazendo
indagarmos se este poder de tributar é, na verdade, um poder de destruir.
454
Coordenação:
Fernanda Fonseca Rosenblatt (UNICAP)
Raffaella Pallamolla (UNILASALLE)
Daniel Achutti (UNILASALLE)
A HOMOFOBIA E A TRANSFOBIA NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES FAMILIARES: AS
POTENCIALIDADES DA JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO INSTRUMENTO DE
SUPERAÇÃO DA LÓGICA DE ENCARCERAMENTO
A Constituição Federal de 1988 assegura às crianças, aos adolescentes e aos jovens, em seu
artigo 227, múltiplos direitos fundamentais, tais quais os direitos à educação, ao respeito e à
dignidade. No mesmo sentido, o artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe
que a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos
espaços e objetos pessoais do juvenil integram o referido direito constitucional ao respeito. No
âmbito do sistema de justiça juvenil brasileiro, possibilita-se a aplicação de medidas
socioeducativas, previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com
finalidades pedagógicas e protetivas, para adolescentes que pratiquem atos infracionais. Não
obstante tal disposição, na prática, há a prevalência do caráter punitivo e impositivo na execução
de tais medidas, o que reflete em uma aproximação com a “justiça dos adultos”, além da
manifesta seletividade presente em tal modelo de justiça, o qual ecoa padrões histórico-sociais.
Nesse contexto, passam a ser recomendadas – nacional e internacionalmente – propostas
pautadas na ressignificação e pacificação de conflitos, através de práticas dialógicas, tal qual a
Justiça Restaurativa, que paulatinamente assoma-se à realidade brasileira. Inclusive, na
circunjacência da infância e da juventude, tais práticas têm sido consideradas estratégicas para
assegurar a proteção integral à criança e ao adolescente e prevenir a violência, vez que as normas
concernentes ao tema demonstram maior flexibilidade para a aplicação de medidas restaurativas,
como o art. 35, inciso III, da Lei 12.594/2012 do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE). Tal normativo legal obtempera que um dos princípios a serem observados, na execução
das medidas socioeducativas, é o da prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e
objetivem o atendimento às necessidades dos ofendidos, o que dá azo à socioeducação com viés
restaurativo. Partindo dessa premissa, este trabalho se propõe a analisar como os direitos
fundamentais à autonomia e à educação dos infantes e dos juvenis podem ser efetivados através
da aplicação de preceitos da Justiça Restaurativa no sistema de execução socioeducativo, tendo
em vista o caráter emancipatório e pedagógico compreendido em tais práticas. Nesse ínterim, há
457
o escopo de verificar a possibilidade de recuperação do sentido da medida socioeducativa frente
ao escuso caráter sancionador contido nesta atualmente, de modo que o Estado possa de fato
garantir o Princípio da Proteção Integral previsto no artigo 227 da Magna Carta de 1988. Para
tanto, emprega-se o método dedutivo e a técnica de pesquisa documental e bibliográfica,
utilizando como referenciais as obras de Afonso Konzen (2007), Amstutz e Mullet (2012), Cardoso
Neto (2018), Daniel Achutti (2014), Howard Zehr (2008), Kay Pranis (2010), Rafaella Pallamolla
(2009) e Sposato e Silva (2018), entre outros autores renomados na área, assim como baseando-se
no estudo da Lei nº 8.069/90 (ECA), da Constituição Federal de 1988 e de outras normas jurídicas
pertinentes. Enfim, percebe-se que, apesar dos desafios para a concreta aplicação da Justiça
Restaurativa no sistema judicial brasileiro, posto que é cultural e histórico o método punitivo e de
retribuição ao ofensor, a mesma – ao instigar a autorreflexão, responsabilização e ressignificação
do conflito –, tem se mostrado como uma oportunidade de construção de uma Justiça mais
participativa, inclusiva, emancipatória e educacional. Portanto, infere-se que a coadunação entre
as medidas restaurativas e a socioeducação mostra-se como potencial instrumento para efetivar o
caráter pedagógico do sistema executório da justiça juvenil, bem como para assegurar o direito à
autonomia desses jovens, no sentido de incluí-los no processo de resolução do conflito,
disseminando a conscientização e visibilização dos mesmos.
459
Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Empoderamento. Interseccionalidade. Sistema de Justiça
Criminal.
460
JUSTIÇA RESTAURATIVA E CONSTELAÇÃO SISTÊMICA NO JUDICIÁRIO BRASILEIRO:
REPERCUSSÕES PARA UM NOVO OLHAR NO TOCANTE AO ACESSO À JUSTIÇA
PROBLEMA
O Sistema de Justiça Criminal brasileiro com base no olhar retributivo está em crise, posto
que esse modelo fundamentado em políticas de punição e encarceramento não vem colaborando
para a diminuição da violência no país. Ao contrário, percebe-se um aumento dos crimes
patrimoniais e da letalidade (Atlas da Violência, 2019) com um maior índice de homicídios da
população jovem e negra, LGBTI+ e das mulheres, além da superlotação das prisões. Na ocorrência
de um crime, como a violação é contra o Estado – representante da sociedade – exclui-se a vítima
da lide processual e não se constrói a reflexão da responsabilização do ofensor, com o olhar,
apenas, para o factual do ilícito penal, desconsiderando a historicidade das partes envolvidas,
como também as necessidades e os sentimentos. Novos paradigmas, com viés restaurativo e
sistêmico, estão emergindo nos últimos anos no Brasil a fim de solucionar os conflitos,
proporcionar mais equilíbrio nas relações e efetivar a justiça como valor. Assim, o problema de
pesquisa perfaz-se em: quais as contribuições da Justiça Restaurativa e da Constelação Sistêmica
para o Judiciário brasileiro no tocante ao acesso à justiça?
OBJETIVOS
Dessa forma, o objetivo geral eleito da pesquisa consiste em: identificar as contribuições
da Justiça Restaurativa e da Constelação Sistêmica para o Judiciário brasileiro no tocante ao
acesso à justiça. Tem-se como objetivos específicos: descrever a crise do cenário político-jurídico
do Sistema de Justiça Criminal brasileiro no que tange ao acesso à justiça pelo Judiciário; discutir
os pontos e/ou contrapontos dos aportes oferecidos pela Justiça Restaurativa e Constelação
Sistêmica ao Judiciário brasileiro; verificar a possibilidade da intersecção entre Justiça Restaurativa
e Constelação Sistêmica, no âmbito do Sistema de Justiça Criminal brasileiro para dar acesso à
justiça no Judiciário.
MÉTODO DE ANÁLISE
Essa pesquisa se constitui do método dedutivo (GIL, 2010) a partir do universo geral dos
aportes oferecidos pela Justiça Restaurativa e da Constelação Sistêmica, para relacionálas com o
Judiciário Brasileiro (particular).
CONCLUSÕES
Os apontamentos inicias demonstram que o sentido da justiça como valor surge da
modificação da ideia de vingança como compensação de um crime, para a restruturação do
461
equilíbrio social no acolhimento das necessidades e dos sentimentos individuais e relacionais dos
envolvidos no conflito, com a inserção do diálogo e da autorresponsabilidade, de mais
participação da comunidade e através do reconhecimento da repetição de padrões e crenças no
espiral de violência. A partir dos autores como Howard Zehr, Carolyn Boyes-Watson & Kay Pranis,
Bert Hellinger, Ursula Franke, Adhara Campos Vieira e Fabiano Oldoni, Márcia Sarubbi Lippmann &
Márcia Fernanda G. Girardi, identificou-se que a Justiça Restaurativa vem se consolidando no
Judiciário há quase quinze anos, no Brasil, mediante práticas dos círculos de construção de paz e
da mediação de conflitos, e contrapõe-se diretamente ao sistema retributivo estabelecido na lei
penal, apresentando alternativas para o Sistema de Justiça Criminal. Por outro lado, a Constelação
Sistêmica não se contrapõe diretamente ao que está posto como paradigma penalista, mas traz a
oportunidade de modificar a percepção sobre a violência através da abertura do campo
morfogenético e da análise da biografia pessoal dos envolvidos, em conexão com as ordens do
amor, a saber: pertencimento, hierarquia e equilíbrio. Observou-se que uma nova lente sobre a
criminalidade pode ser colocada por meio da Justiça Restaurativa e da Constelação Sistêmica na
possibilidade de trazer mais humanidade para as pessoas envolvidas na situação que gerou o
crime, como também para os operadores do direito. E até agora, não existe a necessidade de que
ambos os métodos de solução de conflitos estejam sendo implantados na prática, em conjunto,
para contribuir com esse novo olhar, mas percebe-se que ao entrar em contato com o lugar do
cuidado do outro e com um espaço para a escuta, a dimensão dos conflitos se torna mais
acolhedora e o acesso à justiça mais efetivo.
PROBLEMA INVESTIGADO
É inquestionável a crise pela qual passa o Sistema Prisional Brasileiro, refletida na
superlotação dos presídios, na dificuldade do acesso à justiça, no descumprimento dos direitos e
princípios básicos elencados na Constituição Federal de 1988 – CF/88. Ressalte-se que, apesar de
estarem sob a tutela do Estado, os detentos não dispõem do acesso aos serviços mínimos,
necessários, para a manutenção da dignidade da pessoa humana, em busca da ressocialização dos
detentos e da manutenção da paz no ambiente prisional.
Por outro lado, apesar de todas as dificuldades existentes, há práticas ressocializadoras
efetivas em algumas unidades prisionais como a da utilização dos princípios da justiça restaurativa
dentro do ambiente prisional em busca de uma cultura de paz em prol da ressocialização dos
detentos nas unidades prisionais.
Desse modo, este trabalho virá indagar: De que forma a Justiça Restaurativa contribui na
ressocialização dos detentos do PJALLB?
OBJETIVO GERAL
Avaliar como a Justiça Restaurativa contribui na ressocialização dos detentos do Presídio
Juiz Antônio Luiz Lins de Barros.
462
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Avaliar a situação atual do sistema prisional e como a Justiça Restaurativa reverbera na
ressocialização dos detentos;
Identificar como a ação dos docentes, através dos círculos restaurativos, contribuiu na
prática pedagógica, para o fortalecimento do processo de ressocialização dos detentos;
Analisar, no contexto prisional, como a Justiça Resturativa contribui para uma melhor
compreensão dos Direitos Humanos no Sistema Carcerário.
MÉTODO DE ANÁLISE
Para alcançar os objetivos em questão, será utilizada como metodologia, para este
trabalho, a opção de uma revisão sistemática da literatura. Em relação à forma da abordagem,
este trabalho será de fundo qualitativo e também interdisciplinar. A pesquisa bibliográfica
norteará o escopo do trabalho. Através dela serão selecionados os aspectos relevantes para a
pesquisa, por meio da análise de material teórico já existente sobre o tema, além de documentos
institucionais, publicações didáticas e publicitárias – de divulgação pública - além de material
disponibilizado em sítios da internet.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A realização de um trabalho neste assunto será interessante por fornecer dados que
poderão subsidiar o posicionamento de pesquisadores e servir de base para pesquisas
comparativas futuras no tocante às contribuições para o processo de ressocialização dos detentos.
Um aspecto relevante do desenvolvimento de um estudo nessa área é a possibilidade desse
trabalho servir de referência e estímulo para a implantação de políticas públicas efetivas no setor
de educação prisional relacionado aos direitos humanos e à filosofia da justiça restaurativa.
463
Não só o tempo do judiciário é distinto do tempo de condução das práticas restaurativas,
como também o olhar sobre o próprio conflito. A JR se propõe a enxergá-lo a partir de seus vários
elementos: sujeitos, emoções, interesses, relações, etc. Desse modo, as vias restaurativas incluem
uma análise de tudo que circunda o conflito, buscando entendê-lo em sua profundidade interpessoal.
O objetivo geral deste trabalho é, portanto, demonstrar a importância das avaliações
qualitativas como metodologia de mensuração dos resultados obtidos com JR. Visa-se distinguir os
métodos quantitativos e qualitativos nas pesquisas avaliativas e analisar a complementaridade
entre a Justiça Restaurativa e o Judiciário a partir da visão de uma administração plural da justiça.
Para isso, será feita uma pesquisa teórica-empírica, com análise de dados coletados pelo
Ciranda, Projeto de Pesquisa e Extensão em Justiça Restaurativa da Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Minas Gerais. O levantamento se dará em uma amostra de 11
questionários avaliativos aplicados entre 2017 e 2018, após a realização de práticas restaurativas
em casos encaminhados pelo Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato
Infracional (CIA/BH).
A abordagem qualitativa destes enfatiza processos e significados que não são mensuráveis
em termos de quantidade, intensidade ou frequência. Os métodos de pesquisa assim pautados
consideram, além de causas e efeitos isolados, as perspectivas e diversidade dos participantes.
Esse enfoque subjetivo é essencial para a análise das práticas restaurativas, que são fundadas em
princípios como o foco nos danos e nas necessidades, e em valores como o respeito – que
dificilmente podem ser quantificados numericamente.
Conclui-se, portanto, que não se trata de forjar, através de linguagem conciliatória ou de
dados sobre a ocorrência de acordos, uma cultura de paz que suprima os conflitos sociais, familiares,
econômicos. Tendo em vista que tanto o sistema oficial de justiça como o de metodologias
autocompositivas visam assegurar uma sociedade justa e pacífica, é a partir dessa
complementaridade que se deve discutir os meios de implementação e institucionalização de
práticas restaurativas. Assim, a Justiça Restaurativa poderá ganhar reconhecimento e ser
incorporada às políticas públicas de modo qualificado e compatível com seus princípios norteadores.
464
retributivo viciado, pois seria um modelo de justiça voltado, precipuamente, não a punir, mas a
reparar os danos e responsabilizar o agente (ACHUTTI; PALLAMOLLA, 2014).
É evidente, contudo, que um conceito engessado de Justiça Restaurativa é uma pretensão
equivocada, haja vista que o termo é multifacetado e se harmoniza bem com a flexibilidade, o que
permite um tratamento caso a caso dos conflitos, no lugar do emprego de respostas-padrão,
típicas de uma “justiça em linha de montagem” (ROSENBLATT; VALENÇA, 2015). Não obstante,
apesar da referida ausência de uma teoria uníssona (ROSENBLATT, 2014b), é inegável a
necessidade de algum ponto basilar compartilhado pelos restaurativistas. Para isso, é necessário
identificar princípios mínimos, sem os quais não se pode apontar como restaurativa uma prática.
Por exemplo, pode-se afirmar que num modelo restaurativo de justiça criminal, “os principais
tomadores de decisão são as próprias partes” (MORRIS, 2002), o que inverte o paradigma
tradicional e remove do monopólio estatal a decisão a ser tomada.
No Brasil, apesar da relativamente escassa literatura acerca do tema restaurativo, algumas
discussões e até práticas foram iniciadas, inclusive no tocante à justiça juvenil. Entretanto,
enquanto em terras estrangeiras a justiça restaurativa se tornou um dos temas mais discutidos da
criminologia e é apontada como um dos mais significativos desenvolvimentos das últimas décadas,
ela permanece como uma temática subdesenvolvida no campo jurídico-penal e criminológico
brasileiro (ACHUTTI, 2014).
Tendo em vista a robusta experiência inglesa no tema, torna-se imperiosa a existência de
uma pesquisa que busque contrapor o vivenciado fora do país com as possibilidades de
experimentação em território nacional, sem perder de vista as especificidades do sistema de
justiça criminal brasileiro, marcado por questões próprias à realidade latino-americana. Ainda, em
razão do Brasil ser um país que adota a lógica retributiva, que foca na penalização de quem
infringe a norma, é relevante a avaliação cautelosa de como seria possível a implementação de um
“oásis restaurativo” em meio a um “deserto punitivo” (ROSENBLATT, 2014a), a fim de que uma
sessão restaurativa não se torne mais uma expressão da força punitiva estatal.
Ressalte-se que o olhar sobre o uso de práticas restaurativas com adolescentes em conflito
com a lei na Inglaterra não se pretende “colonizado”, de busca por práticas “melhores” do exterior
para a pronta importação ao Brasil, devendo haver, também, além de uma revisão de literatura
brasileira e estrangeira sobre justiça restaurativa, uma revisão bibliográfica de trabalhos sobre
transferência de políticas públicas ligadas ao sistema de justiça criminal. Com a revisão de estudos
realizados por David Nelken, é possível estruturar, metodologicamente, o exercício de aprender
com a experiência estrangeira sem cair nas amarras de uma criminologia globalizante que busca
tornar universal algumas verdades eurocêntricas sobre o que representa um sistema de justiça
criminal eficaz. Com efeito, se, por um lado, nem toda prática que funciona bem localmente pode
viajar a outros países, por outro, buscar inspiração em outros países para o desenvolvimento de
novos modelos de justiça, novas práticas e, até, para a antecipação de riscos e desafios na
implementação do novo, é um exercício saudável.
Por último, haja vista a presente pesquisa ainda estar em fase inicial, submete-se à ABraSD
na intenção, também, de receber feedbacks ao seu desenvolvimento.
465
A JUSTIÇA RESTAURATIVA APLICADA NO SISTEMA DE JUSTIÇA INFANTO-JUVENIL
PROBLEMA INVESTIGADO
A Constituição da República consagra a doutrina da proteção integral ao assegurar às
crianças e adolescentes, com prioridade absoluta, a integralidade dos seus direitos fundamentais e
atribuir, solidariamente, a responsabilidade por assegurá-los à família, à sociedade e ao Estado.
Desta maneira, pode-se afirmar que todas as crianças e adolescentes, por serem pessoas em
formação, são credoras de proteção e cuidados especiais.
Com efeito, quando crianças ou adolescentes entram em conflito com a lei mediante a
prática de um ato infracional verifica-se a negligência daqueles que têm o dever de prover-lhes
proteção integral de seus direitos.
A aplicação das medidas socioeducativas devem, portanto, ter o propósito de suprir a falta
do dever de cuidado que deveria ter sido observado para evitar que a criança ou o adolescente se
colocassem em conflito com a lei. Em nenhuma hipótese a aplicação de medida socioeducativa
deveria ser de natureza punitiva.
Tratando-se de ato infracional praticado por criança, a situação resolve-se com a adoção
das medidas previstas no art. 101 do Estatuto da Criança e Adolescente. Tratando-se de
adolescente são cabíveis medidas socioeducativas que podem, inclusive, priva-lo da liberdade.
A realidade, contudo, vem demonstrando que os interesses dos adolescentes são
sobrepujados pela segurança da sociedade. Examinando decisões judiciais, evidencia-se nítido
caráter punitivo e repressivo dos fundamentos utilizados, a despeito da clarividência das normas
constitucionais e do Estatuto da Criança e Adolescente. Neste sentido, decisão do TJMG no HC
1.0000.19.025638-8/000, relatado pelo Des. Paulo Calmon Nogueira da Gama , em acórdão
publicado em 04/04/2019: “mostra-se adequada a imposição da medida de internação provisória
do adolescente em face da necessidade de garantia da ordem pública”.
Verifica-se, assim, que, os mesmos fundamentos da justiça criminal estão presentes na
justiça infanto-juvenil.
Visando à superação desse paradigma punitivista e o atendimento ao melhor interesse dos
adolescentes, em 2016, iniciou-se no âmbito do Juizado da Infância e Adolescência de Belo
Horizonte a adoção da Justiça Restaurativa (JR) com a finalidade de contribuir para promover paz
social, prevenir violência e promover os direitos da juventude.
Transcorrido um triênio é oportuno avaliar a validade das práticas restaurativas como forma
adequada de solução dos conflitos envolvendo adolescentes autores de ato infracional.
OBJETIVO GERAL
Verificar qual é a função e importância da JR aplicada no sistema de justiça infanto-juvenil.
466
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Analisar as situações em que a prática da JR pode ser adotada como forma adequada de
tratamento dos conflitos;
Verificar a aptidão da JR para a construção de relações sociais éticas, respeitosas e
verdadeiras;
Avaliar se a JR é um instrumento de solução de conflitos que promove a pacificação social;
Avaliar o nível de satisfação dos participantes do procedimento restaurativo, satisfação dos
interesses e necessidades das pessoas afetadas pelo ato danoso e a responsabilização do autor do
fato.
MÉTODOS DE ANÁLISE
Com base na vertente jurídico-sociológica a pesquisa buscará compreender a realidade da
justiça infanto-juvenil no município de Belo Horizonte a fim de verificar a eficiência e efetividade
da JR como forma de qualificação da aplicação das medidas socioeducativas e técnica adequada
para a resolução dos conflitos envolvendo adolescentes autores de ato infracional.
CONCLUSÕES
A justiça infanto-juvenil arraigada em um paradigma punitivista, além de não promover o
direito dos adolescentes em conflito com a lei incorre em grave erro jurídico.
A JR é um importante instrumento para a promoção da paz social, garantia dos direitos
fundamentais dos adolescentes em conflito com a lei e que oferece á sociedade uma resposta
adequada para a solução do conflito na medida em que todas as pessoas, direta ou indiretamente
afetadas pelo ato, participam do procedimento.
O presente trabalho traz uma breve reflexão sobre a problemática da violência contra a
população LGBTI no Brasil e sua prevenção através da Justiça Penal. O aumento dos índices de
violência LGBTIfóbica no país revela a necessidade de pensar em outras maneiras de solucionar os
conflitos que fujam da lógica punitiva-retributiva, de maneira que haja a possibilidade de mudança
de condutas e não apenas a mera imposição de uma sanção. Neste sentido, o objetivo do artigo
consiste em verificar se a Justiça Restaurativa, como paradigma alternativo de resolução de
conflitos, pode ser considerada como a estratégia mais adequada no enfrentamento da violência
contra gays, lésbicas, bissexuais, transexuais, travestis e intersexuais. Metodologicamente, a
pesquisa caracterizou-se como exploratória-descritiva, através de revisão bibliográfica, tendo
como referencial os estudos a partir da perspectiva crítica da criminologia e da teoria queer. Ao
final, foi possível concluir que a aplicação de um modelo de justiça que leva em consideração a
multidimensionalidade humana como a Justiça Restaurativa mostra-se relevante, inclusive nos
conflitos de crimes motivados pelo preconceito de orientação sexual e identidade de gênero, uma
vez que a desconstrução do preconceito não pode ser viabilizada através da força bruta ou pela
467
punição normativa isolada, pelo contrário o uso de medidas punitivas apenas agrava atitudes
discriminatórios.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa. LGBTIfobia. Discriminação. Orientação Sexual.
Diante dessa necessidade de partir para “soluções diversificadas”, que reservem o lugar de
ultima ratio às prisões, mormente no campo da infância e da juventude, o presente trabalho se
justifica em seu intento de desvelar os riscos e potencialidades da adoção de práticas de justiça
restaurativa em resposta a atos infracionais cometidas por adolescentes no Brasil.
Assim, busca-se no presente trabalho explorar os riscos e as potencialidades da
implementação da justiça restaurativa no âmbito do judiciário brasileiro. Ainda, identificar práticas
de justiça restaurativa no âmbito da Vara da Infância e Juventude da cidade do Recife, e a partir da
identificação de práticas de justiça restaurativa na referida Vara, avaliar se as mesmas estão sendo
utilizadas como alternativa penal ou reforço punitivo.
Vale ressaltar que conceituar a Justiça Restaurativa é algo que sofre críticas por parte de
alguns teóricos, vez que determinadas conceituações findam por a simplificarem ou a diminuírem
quando na verdade se trata de uma proposta complexa (PELIZZOLI, 2015, p.6). Dito isso, o
conceito majoritariamente aceito é dado por Tony Marshall, que ensina ser a justiça restaurativa
“um processo através do qual todas as partes envolvidas em uma ofensa particular se reúnem
para resolver coletivamente como lidar com a consequência da ofensa e suas implicações para o
futuro” (apud ACHUTTI, 2012, p. 8). O CNJ também define a justiça restaurativa no artigo 1º da
Resolução 225/2016, conceituando-a como:
um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias,
que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais
motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano,
concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturando a seguinte forma:
I – é necessária a participação do ofensor, e quando houver, da vítima, bem como, das
famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com a presença dos representantes da
comunidade direta ou indiretamente atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores
restaurativos; [...]
A justiça restaurativa surge na década de 1970, no Canadá, e chega ao Brasil nos anos 2000
(ROSENBLATT, 2016). Em terras Tupiniquins, ela é originalmente colocada em prática no meio
judicial, sendo incorporada pelo Judiciário em 2005 e dividindo-se em dois tempos: o da
implantação, com os projetos-piloto em São Paulo, Distrito Federal e Rio Grande do Sul; e o da
institucionalização e expansão, marcado pelas Resoluções n. 125/2010 e n. 225/2016, as duas do
Conselho Nacional de Justiça (LEITE, 2017).
O crescimento da população carcerária fez com que, segundo o Departamento
Penitenciário Nacional e o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o número de pessoas
aprisionadas saltasse de 401,2 mil pessoas em 2006 para 726,7 mil pessoas no ano de 2016
469
(INFOPEN, 2017, p. 9). Isso fez com que surgissem as alternativas penais às prisões, no entanto,
como indica Achutti (2012, p. 5), comentando Thomas Mathiesen, devemos “questionar todas as
formas de alternativas que pudessem ser propostas oficialmente a prisão. Dessa forma, a ‘luta
abolicionista’ não tem fim aparente, e é necessário estar sempre pronto para confrontar toda
proposta possível de ampliação da malha prisional”. De fato, as alternativas penais não
provocaram a diminuição carcerária, para isso seria necessária uma mudança estrutural no
próprio sistema penal. Assim, as alternativas penais acabaram aumentando o controle social e o
alcance do direito penal, e, consequentemente, o número de infratores que antes escapavam da
criminalização (LEITE, 2017).
Além da expansão criminal propiciada pelas leis 9.099/95 e 9.714/98, uma vez que crimes
de menor potencial ofensivo passam novamente a ganhar atenção do Estado com a instituição dos
Juizados Especiais Criminais (LEITE, 2017, p. 19-25), no modelo tradicional de resolução de
conflitos, as partes envolvidas ganham papel testemunhal, não tendo o controle ou participação
ativa na deliberação ou juízo de sua lide ou das consequências futuras decorridas dela. Com efeito,
o protagonismo é do Estado, com a atuação de magistrados, promotores e defensores, ganhando
a vítima papel secundário no processo. A importância da justiça restaurativa é realçada ao propor
uma mudança de paradigmas real e efetiva realocando o foco da resposta, de punitiva para outras
possibilidades não punitivas, além de promover uma alternativa desencarceradora, uma vez que a
prisão já se mostrou ineficaz, e não meramente complementar do sistema penal como são as
alternativas trazidas pelas leis supracitadas (LEITE, 2017, p. 20).
Ao olhar a infração como problema social, e não como violação a um bem do Estado,
devolvendo o conflito aos que tem interesse nele, ou seja, vítima, ofensor e comunidade, as
possibilidades de respostas para a resolução do conflito aumentam. A justiça restaurativa
notabiliza a vítima, dando a ela a voz que lhe é tolhida no sistema de justiça tradicional
(ROSENBLATT, 2015). Dessa forma, a resolução dos conflitos se dá de maneira autocompositiva,
descentralizada e horizontal, prezando pelas relações humanas e buscando a responsabilização do
autor do fato por meio da reparação do dano causado – ao invés de reduzir o conflito a um tipo
penal com o quantum predeterminado na tentativa de enquadrar toda dissidência como sendo
sempre a mesma. É dizer, busca-se, com a prática restaurativa, a individualização de cada conflito.
Cumpre ressaltar que para autores como Zehr (2012) ela não tem a finalidade de
reconciliar ou de conseguir perdão, embora esses “efeitos colaterais” possam acontecer se as
partes assim decidirem. Além disso, não se trata de um modelo de administração de conflitos
aplicável apenas para infrações leves, podendo ser aplicada também para infrações tidas como
graves, se observados os princípios que lhe regem e forem tomados os cuidados específicos a cada
empreitada restaurativa (vide CNJ, 2018, por exemplo, para uma discussão sobre os cuidados
necessários ao se aplicar a justiça restaurativa no âmbito da violência doméstica contra a mulher).
Outrossim, ela não se trata de uma “soft option”, nem se faz necessário a substituição do processo
penal diante de qualquer situação, prevalecendo o princípio da subsidiariedade, segundo o qual o
processo penal seria utilizado apenas subsidiariamente, isto é, apenas quando fosse essencial (e,
em termos penais, a prisão permanece como ultima ratio) (LEITE, 2017). Assim, a justiça
restaurativa visa à composição do conflito pelas próprias partes, tendo a vítima voz no processo
restaurativo e mais possibilidades de respostas em um acordo feito com o ofensor do que teria,
por exemplo, nas atuais audiências de conciliação.
Como adiantado acima, o potencial da justiça restaurativa não vem sem limites e
preocupações. Por um lado, ela possui princípios que devem ser observados. São vários, mas para
cumprir com a finalidade da presente pesquisa, sobressai-se os princípios da resposta contingente,
sob o qual deve se esgotar todas as possibilidades antes de dar uma resposta estatal punitiva; o da
470
prevenção geral, que foca em soluções preventivas e não punitivas para o dano; da
subsidiariedade, segundo o qual o estado deve intervir penalmente apenas de maneira subsidiária,
sendo corolário do princípio da intervenção penal mínima; da individuação, em que a resposta
para cada caso deve ser particular a cada um deles, sendo rejeitadas padronizações; da
horizontalidade e autocomposição, sob o qual deve ser buscada a melhor resposta para os
envolvidos, sobressaindo-se a ativa participação dos diretamente afetados pelo delito e a
responsabilização ativa (e não passiva, de quem apenas “aceita” uma punição) do autor do dano
(LEITE, 2017). Por outro lado, cumpre ressaltar o hiato que tem sido observado entre a teoria e
algumas práticas de justiça restaurativa (ROSENBLATT, 2016), o qual tem empurrado a justiça
restaurativa à beira de um abismo de contradições e desafios práticos.
Diante da possibilidade de o dito não ser o feito, esse trabalho pretende investigar as
práticas ditas restaurativas, anunciadas como se implementadas na Vara da Infância e Juventude
de Recife. O olhar desconfiado sobre tais práticas é sugerido por Vitória Dinu, que chama as
mencionadas alternativas de um caso de “quase remissão”, vez que no procedimento da justiça
restaurativa não se concede o benefício do art. 126 do ECA; “ao invés disso, busca-se a construção
de um acordo que, posteriormente, é homologado pelo juízo” (DINU, 2017, p. 102). Percebe-se
que é necessário o crivo seletivo do Ministério Público e de magistrados para designar o que vai
ou não para esse método alternativo de resolução de conflitos, sofrendo, nesse ponto, algumas
críticas por teóricos. Primeiro, como já apontado, a justiça restaurativa não é apenas para
infrações de menor potencial ofensivo. Em verdade, é importante salientar que os crimes de
menor potencial ofensivo não são responsáveis pelo alto número de prisões no Brasil, pelo que
um modelo alternativo de conflitos voltado quase que exclusivamente a esse tipo de criminalidade
não teria o condão de transformar o atual caos do sistema de justiça criminal (ROSENBLATT;
FERNANDEZ, 2015). Para que o encarceramento em massa seja, efetivamente, estagnado e
diminuído, é necessária uma mudança estrutural no sistema como o proposto pela justiça
restaurativa e suas respostas multiformes, e não relegado um papel subsidiário como o tem sido,
corroborando Fabiana Leite:
As práticas penais de mediação comunitária e justiça restaurativa desenvolvidas fora do
sistema penal, não serão consideradas dentro do escopo desta política em função do seu
caráter extrapenal, mas indicam que os conflitos sociais podem e devem se resolver fora
de qualquer instância criminal, em soluções estabelecidas entre os envolvidos. Por tanto,
programas com esta natureza devem ser fomentados por instâncias do governo, pelo
sistema de justiça não punitivo ou organizações da sociedade civil para fazer conter o
controle penal (LEITE, 2017, p. 33).
472
desenvolvidas, realizando-se, assim se espera, os objetivos aqui anunciados. Ainda, será realizada
entrevista semiestruturada com os atores que compões tanto o sistema de justiça tradicional como
os da justiça restaurativa naquela Vara, com o fito de verificar diferenças práticas e teóricas da JR
na Vara da Infância e Juventude de Recife, bem como de identificar se ela tem sido utilizada como
alternativa penal ou reforço punitivo.
REFERÊNCIAS
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administração de conflitos no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2014.
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ZEHR, Howard. Justiça Restaurativa. Tradução de Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2012.
INTRODUÇÃO
O Estado Moderno requer o estabelecimento de centralização política sobre um território
e uma população e, ao passo que se consolidava a partir de uma “colonização interna”, à América
era imposta a dominação colonial, desenvolvendo-se assim a estrutura imperialista e os
mecanismos típicos da colonialidade. A noção de Estado-Nação remete à homogeneidade e, para
tanto, fazia-se necessária a neutralização do “outro”, sobretudo em contextos como o latino-
americano, em que a população local não correspondia ao ideal de modernidade e racionalidade
forjado pelo pensamento colonial com a finalidade de justificar o imperialismo europeu. Assim,
para garantir de forma célere a homogeneidade necessária ao processo colonial, iniciou-se o
extermínio do “outro”. É sob o etos da colonialidade que opera a realidade brasileira,
perpetuando os conceitos que tornaram possível a dominação e extermínio dos povos locais.
Nesse sentido a independência da colônia não representou a ruptura com o pensamento colonial,
mas a rearticulação da colonialidade do poder. Não se pode falar, pois, em democratização das
relações, mas em um processo de exclusão de sujeitos que, ainda que maioria, não compunham o
Estado-Nação de brancos, sendo o conceito de raça o cerne do processo de dominação do outro.
Nesse panorama se edifica o sistema de justiça criminal como um mecanismo de controle e de
perpetuação das estruturas trazidas pela colonialidade. Com efeito, o referido sistema criminaliza
sujeitos de forma seletiva e estigmatizante, (re)produzindo, através do etiquetamento, as
desigualdades de raça, classe e gênero enraizadas na sociedade. Sobre essa estrutura se debruçam
estudos como a Criminologia e a Vitimologia Críticas e os Abolicionismos Penais, de modo a
explicitar as violações praticadas pelo sistema de justiça criminal, e, eventualmente, apontar
caminhos alternativos, como a justiça resrtaurativa. Os conceitos de justiça restaurativa são
difusos, no entanto, apesar da profusão conceitual, é possível apresentá-la como um modelo de
justiça cujo foco está na efetiva reparação, quando possível, dos danos eventualmente produzidos
pela conduta delituosa, recobrando às partes o protagonismo na solução do conflito por meio de
um processo informal e dialogal.
474
OBJETIVOS
Analisar, a partir de uma crítica decolonial, os riscos da importação do modelo de justiça
restaurativa ao Brasil, com o fim específico de explorar os riscos e as potencialidades da
implementação da justiça restaurativa no âmbito do judiciário brasileiro.
METODOLOGIA
Revisão de artigos científicos, capítulos de livro e livros, sobre criminologia crítica,
decolonialidade e Justiça Restaurativa, com ênfase na literatura restaurativa crítica nacional e
estrangeira, a fim de verificar se a produção nacional busca uma reflexão própria sobre a realidade
brasileira, ou se as pesquisas e discussões acadêmicas sobre justiça restaurativa no Brasil se
limitam a revisar a literatura internacional.
CONCLUSÕES
Ainda que as potencialidades sejam inúmeras, é importante cautela ao introduzir práticas
restaurativas no contexto brasileiro, uma vez que as primeiras produções literárias sobre o tema,
assim como grande parte das experiências práticas, são estrangeiras, tendo significativo prestígio
em países europeus. Com efeito, ainda que o número de pesquisadores, mediadores, entusiastas
e incentivos às práticas restaurativas venham aumentando no Brasil, é preciso prudência em um
contexto que opera a partir de uma lógica seletiva e excludente, e em que os mecanismos de
controle social e instituições funcionam como estruturas que possibilitam e legitimam a
manutenção dessa ordem perversa, centrada na colonialidade e seus elementos.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa. Decolonialidade. Sistema de Justiça Criminal.
Com a criação da Lei 11.340/06, denominada Lei Maria da Penha, um dos pontos mais
aclamados pelo senso comum é o fato dessa legislação buscar acabar com o imaginário social
pautado na privatização dos conflitos de violência doméstica. Desde a vigência da referida lei, há
desdobramentos difíceis de serem alcançados no Brasil, principalmente considerando o evidente
movimento jurisprudencial no sentido de dificultar as chances de retratação da vítima. Por outro
lado, tendo em vista que a Justiça Restaurativa trata de um modelo de justiça que se preocupa
menos com os prejuízos estatais de um delito e mais com a vítima e os danos sofridos, nota-se que
práticas restaurativas possuem o potencial para devolver o conflito às partes, diferentemente do
que ocorre no modelo de justiça criminal tradicional em que o conflito é “roubado” pelo Estado
(ACHUTTI, 2014).
Nesse sentido, o presente trabalho, através da pesquisa bibliográfica e análise de dados
empíricos secundários, objetiva analisar a aplicabilidade da Justiça Restaurativa no âmbito da
violência doméstica contra a mulher no Brasil, partindo de experiências estrangeiras, na busca de
475
uma dinâmica restaurativa própria no país, a fim de atender verdadeiramente as demandas da
realidade brasileira, de modo que não se torne mais um instrumento para o reforço punitivo.
Assim, ante as insuficiências inerentes ao próprio sistema, como a revitimização, o modelo
restaurativo entra em cena e confere novas perspectivas de abordagem em relação à violência
doméstica contra a mulher, divergindo da forma tradicional de solução de conflitos penais. Com
efeito, embora seja imprescindível lançar um olhar brasileiro sobre as experiências estrangeiras,
estas ainda possibilitam importantes lições acerca do tema.
Autores como Lunnemann (2015) e Gavrielides (2017) abordam o método de mediação
vítima-ofensor como prática restaurativa basilar em casos de violência doméstica em países
europeus, como Bélgica e Finlândia, por ser uma metodologia capaz de gerar empoderamento às
vítimas. Já no contexto estadunidense, precisamente no Arizona, é utilizado um procedimento
mais abrangente denominado Círculos de Paz (Circles of Peace), que consiste num programa
duradouro, entre 26 e 52 semanas, envolvendo vítima, ofensor, suas famílias, comunidade, grupo
de apoio e profissionais capacitados, que busca reduzir comportamentos violentos nas famílias
dos Estados Unidos. Em contraponto, algumas vítimas se sentem coagidas a participar desses
círculos, o que afastaria um princípio primordial da justiça restaurativa, qual seja, a
voluntariedade. Ademais, esquecendo de vislumbrar a vítima como principal figura do encontro.
Na Áustria, por sua vez, há a utilização da metodologia denominada "espelhamento de
histórias" (mirror of stories), em que, simultaneamente, mas em quartos separados, vítima e
ofensor com mediadores distintos reúnem-se. Cada parte contará a história sob seu ponto de vista
e, posteriormente, os mediadores e as partes encontram-se para a sessão de mediação onde
ocorre o espelhamento de histórias, de modo que os mediadores falam sobre o que ouviram,
podendo ser corrigidos pelas partes, gerando, assim, uma troca de percepções e expectativas. Tal
método de espelhamento de histórias somado ao fato de serem dois mediadores, um homem e
uma mulher, faz da Áustria um país singular em termos de formas inovadoras de resolução de
conflito em casos de violência doméstica.
Não há de se falar em um modelo ideal restaurativo que demonstre ótimos resultados ao
ser aplicado em países estrangeiros e, portanto, deva ser importado ao Brasil. É fato que cada país
possui peculiaridades ao lidar com as práticas restaurativas e com a violência doméstica, dessa
forma, o estudo acerca do tema se presta muito mais a efeitos de provocações sobre novos
caminhos a serem trilhados pela Justiça Brasileira, ou até de forma paralela a ela, do que uma
“salvação” propriamente dita.
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Coordenação:
Kelly Gianezini (UNESC)
Fabíola Garrido (UFRRJ)
10 ANOS DA POLÍTICA PÚBLICA, PROJETO PROFESSOR DE TURMA (PPDT) NO
CEARÁ: IMPLEMENTAÇÃO, DESENVOLIMENTO E PERSPECTIVAS
O desenvolvimento de uma nação perpassa pela qualificação de seu povo. No Brasil utiliza-se o
sistema democrático e neste sistema o exercício da cidadania é essencial. Podemos entender o ato do
voto como um exemplo do uso da cidadania. Desta forma o Projeto Professor Diretor de Turma (PPDT)
vem para contribuir, dentro das escolas de ensino médio do Ceará, com o desenvolvimento do
pensamento e da ação cidadã, com isto levantamos uma questão: será que após 10 anos de
implementação e manutenção desta política pública há este desenvolvimento da cidadania nos jovens
cearenses? Esta pesquisa tem como objeto o PPDT, existente no Estado do Ceará desde 2008, e sua
correlação com o desenvolvimento da cidadania nos jovens de ensino médio. Temos como objetivo
realizar um comparativo dos 10 primeiros anos do projeto PPDT explorando dificuldades enfrentadas,
solucionadas e novas perspectivas, visando suas possibilidades de ampliação e qualificação técnica,
material e humana. A metodologia a ser utilizada será bibliográfica e documental através dos materiais
disponíveis pela Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) do Ceará, juntamente a entrevistas e
questionários aplicados com os agentes desse processo, desde os alunos até os gestores da SEDUC
responsáveis pelo PPDT, passando ainda pelas Coordenadorias Regionais de Desenvolvimento da
Educação (CREDE) de Fortaleza, Baturité e Tauá. Serão realizadas 2 visitas em unidades escolares, para
observarmos a atuação e interação, na prática, de alunos e professores, de cada CREDE. Pretendemos
dar uma abordagem mais qualitativa sobre a temática visando a percepção dos envolvidos, tanto na
ponta, com os executores, quando no planejamento, com os gestores. Por fim, pretendemos com este
artigo dar maior visibilidade a esta política pública adotada no Ceará e mostrar o que o
desenvolvimento da cidadania de forma sistemática e organizada pode trazer a sociedade.
"Água mole, pedra dura, tanto bate até que fura." A máxima popular expressa, parece
fazer alusão a maneira de como determinada parcela da sociedade (que se encontra em zonas
481
periféricas e desiguais em relação a recebimento de recursos por parte do governo), sobrevive
dentro da sociedade brasileira. Essa população segue buscando se enquadrar em certos espaços
que historicamente e desde sempre foram negados a eles. Essa realidade é fruto de uma ideologia
colonizadora que escravizou por anos os povos nativos e importaram emigrantes que foram
escravizados para se fazer valer a manutenção do poderio português sob os, segundos eles,
"selvagens". Sendo portanto, após a "abominação" da escravatura tal povo permaneceu, até os
dias atuais, marginalizado por sua cor, classe social e grau de escolaridade. Diante desse cenário,
repensando o modelo brasileiro de estado democrático de direito, é que este trabalho se volta em
analisar como objeto de estudo o acesso da juventude periférica e indígena a partir das políticas
publicas que possibilitam o ingresso nas faculdades de ensino superior jurídico. que ele enfrenta
quando há ausências de políticas públicas em seu caminho acadêmico e profissional. Tal
problemática se faz pertinente quando se pensa que a periferia é uma parcela significativa da
sociedade, mas que, apesar disso, em sua maioria não ocupa espaços de poder. Tal fato pode ser
alvo de questionamento e inquietação quando se faz um breve recorte de raça dentro de qualquer
tribunal do país e quando se observa os lugares que cada um ocupa. Sendo assim, este trabalho
não se trata de uma análise empírica de campo, mas sim de um levantamento com base em
artigos, dados e a Constituição Federal. Conclui-se, com este breve resumo, que o que se propõe
esse trabalho é entender que a ausência das políticas públicas é um marco crucial para a
inviabilização da presenças dessas minorias dentro dos espaços superiores de ensino, e
consequentemente dos espaços de poder. Buscará, portanto, apontar com base nos princípios
constitucionais e na igualdade material esclarecer a fundamental função da aplicação e dos
investimentos das politicas publicas na educação pública.
Palavras-chave: Periferia. Educação. Políticas Públicas. Direito.
Os movimentos sociais ligados à luta pela reforma agrária no Brasil, pauta que diz respeito
à estrutura formativa do país, esbarra, como há muito é sabido, com a resistência das elites
agrárias e dos valores colonialistas vigentes. Assim, a ineficácia da previsão legal da Reforma
Agrária, como uma competência da União, é contraposta pela luta dos trabalhadores e
trabalhadoras sem-terra, fortemente marcada pelas suas táticas de ocupação de terras e de
reivindicações em torno da Reforma Agrária, demonstrando-se como um afronte ao contínuo
exercício da colonialidade no Brasil.
No entanto, a luta pela reforma agrária vai muito além do que a ocupação de terras e da
conquista de sua posse. É necessário que haja um aparato de serviços que permitam a
permanência desses trabalhadores no campo brasileiro. Nesse sentido, insere-se a problemática
discutida no presente trabalho: a da necessidade de uma educação voltada para a realidade
transgressora desses grupos. Desse modo, busca-se retomar por meio de pesquisadores
brasileiros e latino-americanos, como Darcy Ribeiro (2013), Florestan Fernandes, João Pedro
Stédile, Nelson Maldonado-Torres e, centralmente, a partir da discussão das pedagogias de Paulo
Freire (1967), reflexões que nos permitam apontar dentro no nosso processo de formação de
povo brasileiro o papel revolucionário da luta pela terra e de sua órbita de reivindicações,
482
enfatizando a construção de experiências educativas que reflitam a realidade e contradições dos
movimentos ligados à luta pela reforma agrária, em específico no tocante à construção da
educação popular em suas terras ocupadas ou já conquistadas, analisando os subsídios jurídicos
em torno da problemática.
Para tanto, tomou-se como base a observação e participação em algumas práticas
educacionais desenvolvidas por movimentos ligados à luta pela reforma agrária, sobretudo, do
Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra no estado de Alagoas, bem como do levantamento
bibliográfico de autores já supracitados. Além disso, o presente trabalho se debruça na reflexão de
algumas bandeiras de lutas destes movimentos e da sistematização documental destes, a partir de
dossiês, relatórios e Boletins da Educação, disponibilizados pelo MST, que demonstram o desejo
por uma escola que trate de questões do cotidiano.
Contudo, percebeu-se até aqui uma contradição no que tange à formatação dos espaços
educacionais institucionais ainda quando interiorizados, devido à sua configuração bancária e em
prol da manutenção da ordem. Portanto, vê-se nestes movimentos a busca por uma educação
popular, enquanto uma prática cotidiana e em construção, pautada na emancipação de seus
sujeitos e no rompimento dos valores vigentes na sociedade brasileira, essencialmente agrária e
contrária aos valores que sustentam a luta pela terra.
Palavras-chave: Educação. Emancipação. Direito à educação. Geopolítica do Saber. Reforma
Agrária. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1967.
RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: A formação e o sentido do Brasil. 3. ed. São Paulo: Companhia
das Letras, 2013.
Este artigo busca relacionar os efeitos que a interpretação constitucional realizada por um
grupo político, o movimento “Escola Sem Partido”, pactuante da idéia de que os professores vem
realização doutrinação ideológica dos alunos em sala de aula desvirtuando a função formadora da
escola. Segundo eles, as crianças vêm sendo ensinadas conforme as ideologias do professor,
desvinculando as concepções familiares, relacionadas à religião, política e ideologia de gênero.
Fazendo uso dos direitos fundamentais listados na Constituição Federal, buscam exigir que o
professor não exerça sua profissão livremente, que não expresse opinião particular quanto aos
temas abordados em sala de aula sob pena de censura e até demissão. Neste estudo será
analisado os efeitos da ideologia da “Escola Sem Partido” no ensino brasileiro, seus reflexos no
docente à luz dos princípios jurídicos brasileiro, buscando relacionar as bases jurídicas utilizadas
pelo movimento e sua aplicação na doutrina, assim como relacionar os preceitos fundamentais da
educação defendida pelo movimento e os Direitos Fundamentais. A metodologia utilizada na
elaboração deste artigo foi levantamento bibliográfico utilizando-se a legislação nacional
pertinente, estudos jurídicos existentes e jurisprudência que correspondiam ao tema. Foi realizada
483
a coleta de dados e informações de livros, artigos publicados em revistas especializadas, acórdãos
de tribunais superiores, textos publicados na Internet (com a devida fonte de autoria), e debates
legislativos. Buscar-se-á através do pensamento utilizado por Canotilho e Adeodato, no que tange
as questões constitucionais e de interpretação Constitucional, entender que o operador do direito
não deve subverter a norma para alcanças suas próprias idealizações, sob o risco de
fundamentalismo e autoritarismo. Assim como destacar que a influência mútua também vai
interferir no resultado da interpretação, diante desse pensamento aplicando-se os princípios
basilares da educação brasileira defendidos por Libânio, acrescentará ao estudo a importância da
livre docência. Através da analise bibliográfica foi possível constatar que o ensino defendido pelo
Ministério da Educação e praticado pelos docentes transcende a doutrinação ideológica, e que a
utilização de meios para resumir o professor a mero conteudista, trará sequelas irreparáveis ao
Sistema de Ensino Brasileiro.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Direitos Fundamentais. Educação. Escola sem Partido.
O presente trabalho tem por objetivo analisar quais critérios são estabelecidos para
concessão de benefícios fiscais do ICMS pelo governo Estado do Pará e seus impactos na
implementação de políticas públicas de educação no Município de Belém do Pará. Desta forma,
tem como objetivo geral analisar como se processa o controle das concessões de benefícios fiscais
do ICMS, averiguando os possíveis impactos financeiros e orçamentários dessas concessões nas
políticas de educação das escolas ribeirinhas no município de Belém do Pará. Para o alcance dos
resultados utilizou-se da metodologia de análise indutiva do tipo quantitativo. Trata-se de um
trabalho teórico-empírico, que busca esmiuçar o tema sem a pretensão de esgotá-lo, com uso de
métodos quantitativos, sob o viés da interdisciplinaridade. O tema justifica-se em razão da pouca
literatura acadêmica acerca do assunto, bem como, em virtude da importância das políticas
públicas de educação básica, e da implicação que os benefícios fiscais exercem sobre a eficiência e
eficácia das políticas educacionais, considerada como um direito fundamental do ser humano.
Percebe-se que, os direitos fundamentais relativos à educação e a dignidade humana estão longe
de se tornar realidade, em inúmeros municípios brasileiros. Evidentemente, essa descrição
simplifica um complexo processo de discussão e oposição acerca destas políticas e carecem de
debates e discussões mais republicanas.
Palavras-chave: Renúncias Fiscais. Políticas Públicas. Impacto Financeiro. Educação.
484
A VULNERABILIDADE DE POVOS INDÍGENAS PARTICIPANTES DE PESQUISAS
CIENTÍFICAS E A RELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PROBLEMA
De que forma o consentimento livre e esclarecido viabiliza a efetiva proteção dos direitos
dos povos indígenas participantes de pesquisas científicas?
OBJETIVOS
Analisar a forma como é obtido o consentimento de povos indígenas participantes de
pesquisas científicas, a fim de verificar se esse consentimento é verdadeiramente livre e
esclarecido.
MÉTODO DE ANÁLISE
Qualitativo, a partir do estudo de casos nos quais restou comprovada a vulnerabilidade de
povos indígenas, no contexto das pesquisas científicas, seja por questões socioeconômicas
relacionadas à falta de poder, seja, ainda, porque se encontram em posição desprestigiada em
face dos pesquisadores, que detém o conhecimento, as informações, e podem vir a coagi-los a
participar da pesquisa, por exemplo incutindo no seio desses povos o temor da ocorrência de
doenças graves e incuráveis, ou igualmente aproveitar-se deles, como se cobaias fossem, a partir
da entrega de presentes e doces.
CONCLUSÕES
No Brasil, o Conselho Nacional de Saúde, por meio de resoluções, atento à vulnerabilidade
dos povos indígenas no contexto das pesquisas científicas, e visando prestigiar a
autodeterminação desses e o respeito à sua cultura, tradições e identidade, exige o
consentimento livre e esclarecido do líder ou do coletivo sobre o indivíduo para a realização (e
continuação) da pesquisa, não sendo, contudo, suficiente essa exigência em face da dificuldade
em se obter esse consentimento, o qual, por vezes, se encontra associado à inadequação ou
insuficiência das informações. Por esta razão, sustentar-se-á a necessidade de fortalecimento
(educacional, social, político e econômico) dos povos indígenas a fim de que estes, assimilando as
informações fornecidas, sejam dotados de efetivas condições de consentir com a realização, a
continuação, a finalidade e o método da pesquisa científica, em consonância com suas crenças, de
modo que os benefícios da pesquisa sejam revertidos em prol da comunidade indígena envolvida.
O consentimento livre e esclarecido de povos indígenas participantes de pesquisa científica,
portanto, para além de representar a decisão de participar ou não da pesquisa, a qual não pode se
dar coercitivamente nem por indução, permite que esses povos, dotados de informação
adequada, analisem e avaliem a pesquisa segundo sua organização social, identidade, reprodução
artística e cultural, a fim de que os pretensos benefícios que dela resultar sejam revertidos em prol
da comunidade envolvida.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Carolina Hespanha. Investigação científica em seres humanos: a experiência de
voluntários nos ensaios clínicos de uma nova vacina. 2009. Dissertação (Mestrado em Saúde e
Enfermagem) – Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.
485
GUSMAN, Christine Ranier; RODRIGUES, Douglas Antonio; VILLELA, Wilza Vieira. Trâmites éticos,
ética e burocracia em uma experiência de pesquisa com população indígena. Saúde Social, São
Paulo, v. 25, n. 4, p. 930-942, 2016.
ROGERS, Wendy; BALLANTYNE, Angela. Populações especiais: vulnerabilidade e proteção. RECIIS –
Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde. Rio de Janeiro, v. 2, Sup. 1,
p. 31-41, dez. 2008.
SCHIOCCHET, Taysa. Biocolonialismo e povos indígenas: reflexões jurídicas a partir das pesquisas
genéticas envolvendo os índios karitianas. In: BRAUNER, Maria Claudia Crespo; PIERRE, Philippe
(org.). Direitos humanos, saúde e medicina: uma perspectiva internacional. 2 ed. Rio Grande:
Editora da FURG, 2013. p. 161-182.
Esse artigo é fruto da dissertação intitulada: Educação entre muros e grades: estudo
realizado na “Penitenciária Feminina do Estado do Amapá” que analisou o papel das políticas
públicas educacionais no processo de ressocialização das mulheres presas e egressas do Estado do
Amapá. O lócus da investigação foi o Instituto de Administração Penitenciária do Amapá, mais
especificamente no Anexo da Escola Estadual São José - EESJ que fica no interior da Penitenciária
Feminina. O método utilizado para a concretização desse estudo científico foi o dialético, de
acordo com Gil (2008), ele possibilita uma compreensão dinâmica da realidade, ao considerar os
fatores econômicos, políticos, ou seja, o contexto histórico e social. O trabalho é de cunho
qualitativo, e visa abordar os Reflexos no Amapá do Decreto 7.626 de 24 de novembro de 2011,
que intui O Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional – PEESP, Para alicerçar
esse debate, pesquisamos as normativas, internacionais, nacionais e estadual, que regulamentam
e garantem a educação escolar no espaço prisional, porém averiguamos que a descontinuidade e
o descaso, além da falta de responsabilidade dos servidores públicos e dos Gestores, é sistêmico e
latente no Brasil, se estende dos Governos Municipais, Estadual e Federal, um exemplo, a nível
federal a extinção da SECADI, por meio do Decreto nº 9.465, de 02 de janeiro de 2019. Essa
medida de viés neoliberal representa um retrocesso para diversos setores sociais, dentre eles, a
educação penitenciária. Desse panorama, observamos a falta de reconhecimento pelas iniciativas
de gestores anteriores é a falta de compromisso com a sociedade mais pobre. Sendo que esse é o
púbico que tanto precisa de políticas públicas que atendam aos anseios sociais, pois como as
estatísticas nacionais do DEPEN e a presente pesquisa revelam, são as pessoas das classes
populares, sem acesso à educação e outros direitos sociais que preponderam no ambiente
prisional. Portanto, podemos inferir que boas políticas públicas, ou aprovação de leis, decretos e
portarias, ainda não significam que serão bem aplicadas, enquanto os cargos públicos não forem
ofertados a pessoas que detenham o conhecimento necessário para desempenhar as funções que
o cargo ou função necessita.
486
AS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS E A EDUCAÇÃO NO BRASIL: A TRAJETÓRIA DA
CONSOLIDAÇÃO DA EDUCAÇÃO DE 1934 A 1988
Kelly Gianezini
Doutora em Educação pela UFRGS. Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioeconômico.
495
Coordenação:
José Antonio Callegari (UFF)
Rosalice Pinto (UNL-Portugal)
Virgínia Leal (UFPE)
MÍDIA, DIREITOS HUMANOS E ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO
DEBATE JURÍDICODISCURSIVO CONTEMPORÂNEO
A pesquisa objetiva analisar os diálogos entre mídia e justiça nas discussões sobre os direitos
das mulheres como direitos humanos e sobre a violência de gênero. Dois eventos de natureza jurídica
parecem ter sido relevantes para a acentuação discursiva dessas pautas: a promulgação da lei
13.104/2015 (Lei do Feminicídio) e os dez anos da lei 11.340/2006, a Lei Maria da Penha, completados
em 2016. Tais dispositivos legais são voltados ao enfrentamento da violência de gênero e têm sido
recorrentemente acionados tanto no âmbito do Direito quanto nos textos jornalísticos sobre o tema,
em que entidades ligadas à esfera penal como a Polícia, o Ministério Público e os órgãos do Poder
Judiciário figuram como “definidores primários, isto é, as fontes acreditadas”, a quem cabe
“estabelecer a interpretação primária do tópico em questão” (HALL, 1993, p. 229). Segundo um estudo
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2017 mais de 1,4 milhão de processos relativos à violência
doméstica e familiar tramitaram nos tribunais de justiça estaduais do país, uma média de 13,8
processos para cada mil mulheres brasileiras. Em Pernambuco, no mesmo ano, foram 16,3 mil
decisões tomadas pelos juízes estaduais. “Evidenciou-se uma elevada demanda por Justiça na
reparação de violações do direito a um convívio digno e harmonioso no âmbito das relações
domésticas, familiares e afetivas” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2018, p. 22). Paralelamente aos
altos índices de judicialização da violência contra a mulher, nota-se uma grande circulação de discursos
sobre o tema no campo midiático, tanto em escala nacional quanto local. Citamos como exemplo
disso as coberturas que os veículos de maior circulação no estado - Jornal do Commercio, Diario de
Pernambuco e Folha de Pernambuco - fizeram de três crimes contra mulheres que tiveram ampla
repercussão: o caso Maria Alice Seabra (junho/2015), o caso Remís Carla (dezembro/2017) e o caso
Patrícia Wanderley (novembro/2018). Uma busca nos sites desses periódicos mostrou que as
coberturas dos três casos somaram mais de cem publicações, o que reforça o destaque dado pelos
portais ao tema da violência de gênero no estado. Como resultados desse estudo, identificamos nas
notícias sobre esses casos a presença expressiva de delegados e promotores de justiça atuando como
“definidores primários” (HALL, 1993), cuja “interpretação *dos fatos+ comanda a ação em todo o
tratamento subsequente e impõe os termos de referência que nortearão todas as futuras coberturas
ou debates” (HALL, 1993, p. 230). Esses movimentos dialógicos entre a ordem jurídica e a midiática
atuam fundamentalmente na construção discursiva do que é noticiado pela mídia, pois mídia e justiça
travam uma relação de influência mútua, em que certos temas são sublinhados (ou silenciados)
conforme “aparecem” em maior ou menor grau na pauta do debate público.
Palavras-chave: Discurso. Mídia. Violência de gênero.
497
POR UMA SEMÂNTICA-PRAGMÁTICA DOS ESTUDOS QUALITATIVOS NA PESQUISA
JURÍDICA
499
aplicação dos Operadores Argumentativos, com o objetivo de detectar “Os Modos De Operação
da Ideologia”, descrito por J. Thompson. A fim de concretizar o intuito planejado, analisou-se os
Autos da Sentença judicial no 1001521-57.2017.8.26.0360 (processo eletrônico) e a “Ação de
obrigação de fazer, com pedido de tutela de urgência” interposta pelo Ministério Público do
Estado de São Paulo, também relacionada aos Autos Judiciais. A partir do que foi exposto, tais
análises foram feitas por meio do método de pesquisa qualitativa e bibliográfica e ainda tem um
cunho documental e de fonte de “primeira mão”, que não receberam qualquer tratamento
analítico, ou seja, são totalmente inéditos. Logo, o trabalho se classifica como aplicada e
explicativa, pois também traz à luz dos porquês dos discursos e orientações ideológicas que
culminaram a inversão da criminalização agressor/vítima. Portanto, vide o que foi exposto,
justifica-se a relevância de se buscar a completa investigação do “Caso Janaína”, em que foi
possível verificar a existência da violência institucional e quebra de preceitos constitucionais
referentes à preservação da autonomia da vontade e ao direito ao corpo, o que afronta de todos
os modos os direitos e garantias fundamentais dos seres humanos previstos constitucionalmente
no ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma, vê-se que as relações de poder e opressão social
são consolidadas através de aspectos gramaticais e textuais e assim também se legitima a
ideologia patriarcal existente na sociedade brasileira, repercutindo em decisões judiciais. O
presente trabalho foi desenvolvido no programa de iniciação científica PIBIC, cotejando a análise
do discurso, a ideologia e o Direito com a violência de gênero.
Palavras-chave: Análise Crítica do Discurso. Dignidade da pessoa humana. Violência institucional.
500
trabalho policial-jurídico fundamental é realizado nessas entrevistas policiais com suspeitos na
Inglaterra. É um dispositivo que constitui a fábrica do direito-em-ação.
Palavras-chave: Entrevistas investigativas policiais. Formulação. Análise da conversa
etnometodológica.
Nos anos de 1960, no Brasil, surgiram vários grupos de educação popular, investidos de
pensamentos tais quais os de Paulo Freire, educador popular, e Henrique de Lima Vaz, padre
jesuíta. Um desses grupos de educação popular foi o Movimento de Educação de Base (MEB),
ligado à Igreja Católica, que desenvolveu uma educação voltada à linguagem oral e escrita de
jovens e adultos trabalhadores, principalmente, de áreas rurais. Com inquietações resultantes ao
estudar esse período, surgem perguntas que problematizaram a pesquisa: a) como o MEB
desenvolvia suas atividades sócio-linguísticas a fim de contribuir para a formação de seus
estudantes? b) quais as ideias de linguagem, educação e direito das cartilhas “Viver é Lutar” do
MEB? Os objetivos desta pesquisa é, consequentemente, apresentar as práticas linguístico-
educacionais, utilizadas nas aulas radiofônicas do MEB, sob a educação para os direitos humanos.
É, também, finalidade deste trabalho analisar as ideias sobre educação, direito e linguagem
desenvolvidas pelo MEB nas cartilhas “Viver é Lutar”. A pesquisa é bibliográfica e documental.
Utiliza-se das técnicas da Análise de Conteúdo para o estudo dos seus dados documentais, os
textos das cartilhas “Viver é Lutar”. Depois da análise dos atividades sócio-linguísticas e das
categorias que se propor a estudar chegou-se às seguintes conclusões: a) o MEB reconhece que a
linguagem é um mecanismo de emancipação e libertação, por isso, o movimento aposta em textos
que possam problematizar temas ligados a direitos e deveres. Os textos destinados ao ensino de
Língua Portuguesa partem de questões cotidianas relativas aos estudantes-ouvintes; b) embora as
atividades do MEB fossem em aulas radiofônicas, estudantes e professores eram levados a refletir
e dialogar em um processo de contínuo aprendizado. O método didático do ver-julgar-agir do MEB
reconhece que a educação está além da sala de aula, porque está comprometida na valorização
dos estudantes-ouvintes como sujeitos históricos e sociais que podem transformar a realidade que
o circula; c) esse movimento de educação popular ao se aproximar da realidade dos ouvintes
desenvolve uma educação a partir de uma linguagem ativa em que os estudantes são
protagonistas. A participação dos estudantes-ouvintes está no aprender a aprender, levando-os ao
crescimento pessoal, profissional e social; d) a linguagem oral e escrita é meio de comunicação
para o desenvolvimento em e para os direitos humanos. As salas de aula são salas de cultura,
interação e emancipação. Essa sala é entendida como meio dialógico para evolução do sujeito. O
diálogo é propício para que sejam fomentadas as reflexões sobre liberdades e direitos dos
estudantes do MEB; e) a educação proposta por esse movimento é compreendida como processo
de libertação e transformação. Por isso, a educação não pode ser entendida, a partir dos textos do
MEB, como transmissão de conhecimento, ou ainda, como meio de adaptação dos estudantes ao
mercado de trabalho, mas como ação sócio-linguística de conscientização e politização dos
estudantes-ouvintes; f) o direito, nesse arcabouço textual, enfatiza a dignidade da pessoa humana.
Sentir-se gente e transformar-se para melhor é essencial objetivo educacional do MEB. Assim
sendo, o direito tem aspecto pessoal, social e jurídico, como também, aspecto religioso. Isso tudo
porque o direito está ligado a condição de dignidade humana do sujeito (aspecto pessoal) para o
503
agir social (aspecto social), diante do Estado (aspecto jurídico) e, também, diante de Deus (aspecto
religioso). Sendo assim, nos textos do MEB a linguagem não pode ser resumida, no entanto, a
propósitos mecanicistas de uma educação alfabetizadora apenas, pois é linguagem libertadora e
emancipadora, comprometida com a formação em direitos humanos.
Palavras-chave: MEB. Educação em Direitos Humanos. Linguagem.
O processo judicial tem uma função instrumental importante. Através dele, o cidadão
exerce o seu direito à uma ordem jurídica justa; e o Estado desempenha o seu poder-dever:
aplicar o direito com justiça. Na interface entre direito e linguagem, identificamos a tríplice função
instrumental do processo: discursiva, dialética e dialógica. Partindo da gramática jurídica (código
de processo), podemos identificar as performances comunicativas das partes e do juiz. Como atos
de fala na jurisdição, tais performances contêm expectativas cognitivas de cada participante da
relação processual. Tais expectativas trazem consigo algum tipo de viés de cognição que impacta a
formação, o desenvolvimento e o encerramento válido e regular do processo. A questão suscita
questionamentos sobre a boa-fé processual, as condutas colaborativas e a ética no discurso
processual. A reflexão mostra-se pertinente, no momento em que assistimos a todo o tipo de
manobra processual para confirmar posições pré-concebidas e politicamente concertadas. A
prática judiciária contemporânea, revela que condutas antiéticas e decisões enviesadas
corrompem o alicerce fundamental do Estado Democrático de Direito, transformando o defensor
da ordem jurídica justa em algoz de direitos fundamentais, tais como a ampla defesa e o
contraditório dinâmico. A partir do exame da Constituição Federal, Código de Processo Civil e
análise de processos judiciais, procuramos ao longo dessa investigação observar os atos de fala na
jurisdição em sua tríplice dimensão (sintática, semântica e pragmática). Com esta metodologia,
concluímos que o processo constitui uma comunidade sócio discursiva que se desenvolve em
ambiente institucional segundo os parâmetros de uma gramática jurídica, contendo práticas
discursivas e dialógicas orientadas por interesses que, por vezes, se manifestam a partir de viés de
cognição que tendem a deslegitimar as decisões judiciais proferidas.
Palavras-chave: Processo judicial. Viés de cognição. Atos de fala na jurisdição.
A sociedade brasileira, no que se refere às relações de gênero, tem como um de seus tripés
o binarismo regido por um forte determinismo biológico e pela intervenção de instituições como a
Medicina, a Religião, o Estado e o Direito. É nessa conjuntura que são construídas as “caixas
padronizadoras e disciplinadoras” do “ser homem” e do “ser mulher”, com seus papéis e
comportamentos adequados a um contexto ideal. Diante de tal perspectiva, qualquer outra
performance identitária de gênero que transgrida tais “caixas histórico-culturais” é rechaçada
como existência anormal e, sobretudo, como o contrassenso ameaçador da ordem natural a ser
criminalizado. Esse cenário ilustra a realidade das vivências transgêneras na sociedade brasileira,
panorama que ainda passa por vastas potencializações, destacadamente, no que tange ao Sistema
Prisional. O cárcere enquanto “instituição total”, como declara Goffman (2001), instituição de
isolamento em relação ao mundo exterior (não só físico, mas acima de tudo simbólico), reitera tal
505
contexto social transfóbico, na medida em que, ao exercer seus procedimentos neutralizadores de
individualidades, tanto material como simbolicamente, busca impor a tais sujeitos o padrão por
eles infringido. É como umas dessas práticas que o discurso, enquanto expressão de ideologias,
assume papel fundamental na construção e representação do imaginário social acerca da
transgeneridade e, mais especificamente, das pessoas transgêneras em situação de cárcere. Nesse
sentido, o presente trabalho objetiva, de modo geral, no que tange a representação
transfeminina, analisar discursivamente um corpus de três habeas corpus negados pelo judiciário,
onde as pacientes solicitam soltura com base no direito ao cumprimento de pena em local
condizente com a sua identidade de gênero, direito este decorrente dos Princípios da Humanidade
e da Humanização das penas (art.1º, III, c/c art. 5º XLVII da CRFB/1988 e art. 1º ao 3º da Lei
7.210/1984). Para tal propósito se utiliza dos Modos de Operação de Ideologia de J. Thompson, da
Análise Crítica do Discurso Jurídico e de vertentes da Criminologia Crítica. Como marcos teóricos
centrais o trabalho conta ainda com Foucault, Bourdieu, Baratta e Goffman. Assim, a presente
pesquisa, fruto de Iniciação Científica - PIBIC, de natureza explicativa e qualitativa, tecnicamente
bibliográfica, documental e de aspecto de “fonte de primeira mão”, investiga componentes
ideológicos, culturais e as relações de poder e opressão social que compõem a concepção
discursiva acerca dos corpos transgêneros, componentes que militam em uma ordem estrutural
ideologicamente patriarcal a fim de manter o status quo. Os resultados obtidos preliminarmente
ressaltam o papel de operadores do direito, componentes da ordem estatal, dentre eles juízes e
um ministro do STF, na manutenção da realidade transfóbica, visto que seus discursos ratificam e
legitimam o entendimento social acerca desses sujeitos de direito em um ciclo de perpetuação de
estigmatizações, colocando-os sempre como o inimigo da “normalidade” (binarista).
Palavras-chave: Análise Crítica do Discurso. Transgeneridade. Cárcere.
Laura N. Lora
UBA
Este trabajo tiene por finalidad abordar una temática cuya innovación en la Facultad de
Derecho de la Universidad de Buenos Aires se produce con los aportes de la obra del filósofo y
sociólogo del derecho italiano Pocar, Valerio, Los animales no humanos. Por una sociología de los
derechos, Lora Laura N. (traducción), editada por Ad Hoc en diciembre de 2012 y publicada en
enero de 2013. A partir de aquí se identifica un reiterado uso de conceptos técnicos tales como,
sujetos no humanos de derechos, animales no humanos, sujetos de derechos, titulares de derechos
entre otras expresiones, al momento de debatir el tema relativo al reconocimiento de los derechos
de los animales. Basta una revisión rápida a través de distintos sitios de internet para advertir
como aparece su inclusión en la jurisprudencia, artículos de doctrina, noticias periodísticas,
propuestas de modificaciones legislativas, proyectos de ley, anteproyectos de reformas, charlas y
cursos ofrecidos por distintos Colegios de Abogados, entre ellos Colegio de Abogados a través de
sus Comisiones e Institutos creados en esta década, así como también en las Asociaciones de
Magistrados. Pero resta aun profundizar tanto en las concepciones animalistas y ecologistas
subyacentes a los conceptos y debates, como en las concepciones especistas y antiespecistas,
aunque estas últimas están actualmente siendo abordadas. Por este motivo considero relevante la
propuesta de un programa que profundice el estudio del tema, a partir de un marco sociológico
506
jurídico académicamente sólido con conocimientos interdisciplinarios con acceso al esquema de la
obra de Pocar Valerio, ya que sus elementos teóricos y técnicos pueden ser utilizados como
enunciados básicos para el desarrollo de cualquier investigación. El contenido se compone de
enunciados que pretenden explicitar, de manera profunda, clara, sintética y actualizada, las
premisas fundamentales del tema. Pocar, declara su convicción acerca de que todos los seres
“sencientes” son titulares de derechos y a partir de aquí se propone verificar desde una
aproximación de tipo sociológico y jurídico, si hay en la sociedad humana y con que alcance es
compartida la opinión favorable al reconocimiento de los derechos de los animales y en qué
medida tal opinión se traduce en normas jurídicas
Palavras clave: Animales no humanos. Derechos. Sujetos de derecho.
A prática textual legal, como produto social que é, consolida-se como um discurso
hierárquico e dominante de estruturação da exclusão/discriminação de minorias sociais no
aparato social. Dentre estas, o presente trabalho dispõe-se a analisar a mulher e sua condição no
ordenamento jurídico brasileiro arraigado desde os tempos coloniais, cruciais para o
entendimento dos imaginários de gênero até hoje perpetuados. Isto posto, faz-se necessária uma
metodologia de análise dos textos jurídicos que desmistifique a aura de objetividade e
imparcialidade que envolve o Direito, apresentada na pesquisa em questão através da Linguística
Crítica Discursiva, centralizando-se na representação jurídica da mulher nas então examinadas
Ordenações Manuelinas e Filipinas. Importadas diretamente de Portugal e aplicadas no Brasil até a
promulgação do Código Civil de 1916 (no que toca a atuação civil trazida pelas Ordenações
Filipinas), tais normas lusitanas eram abarcadas por um contexto de influência religiosa que desde
então tem sido salutar na formação de conceitos patriarcais de “mulher” historicamente
amarrados no processo social – que diretamente se relaciona aos valores, textos e normas
jurídicas (LARA; MENDONÇA, 2006 apud CRUZ, 2016) desenvolvidos ao longo do tempo. Assim
sendo, a pesquisa em questão destina-se à investigação dos componentes ideológicos, culturais e
das relações de poder e opressão social dos citados textos jurídicos, assumindo uma metodologia
aplicada de levantamento bibliográfico de análise qualitativa que objetiva a análise desses sob o
ponto de vista da Análise Crítica do Discurso Jurídico, procurando detectar “Os Modos De
Operação da Ideologia” descritos por J. Thompson. Adota-se como marco teórico Norman
Fairclough, apoiando-se ainda em Arendt, Baratta, Bourdieu, Colares e Foucault. É colocado em
questão o impacto que tais ordenamentos provocaram no que trazem os direitos fundamentais à
inviolabilidade da vida, à liberdade, à igualdade, à proibição de tortura ou tratamento desumano
ou degradante, à saúde e ao planejamento familiar na Lei atual, bem como na vida da sociedade
brasileira como um todo, principalmente da mulher, visto que os valores por ora apresentados
(como evidencia a presente pesquisa) são até hoje consolidados – ainda que por vezes silenciados
ou disfarçados – no senso comum. Analisa-se, ainda, que a dominação patriarcal que trazem esses
textos jurídicos denuncia não apenas a estruturação da violência contra a mulher na sociedade,
mas mostra também que tal processo assume diferentes graus de perversidade a depender de
quem é a vítima ou autora do que era por ora ilícito; vê-se a construção de diferentes níveis de
507
opressão dentro da classificação de “oprimida”, a depender da cor da pele ou da classe social com
que a mesma se identifica. O trabalho em questão foi elaborado em programa de iniciação
científica PIBIC/PFA, relacionando diretamente análise de discurso, ideologia, direito e gênero.
Palavras-chave: Gênero. Ordenações. Análise Crítica do Discurso Jurídico.
O presente artigo consiste num fragmento da minha tese doutoral, e que introduz o
estudo da Inspeção do Trabalho brasileira sob a perspectiva sistêmica. O objetivo inicial é
examinar o encerramento operativo que a define, identificando os pontos de acoplamento da
narrativa inspecional-trabalhista com o sistema do direito, no geral, e com o direito do trabalho,
no particular. Decerto que, ao fim e ao cabo, o estudo original visaria a problematizar uma série de
questões importantes, entre as quais a relação “necessariamente” predatória do sistema político
sobre a Inspeção do Trabalho. Todavia, a modesta pretensão deste recorte é tão só jogar uma luz
sobre um dos “mistérios” mais intrigantes do trabalhismo brasileiro. Trata-se, em verdade, de um
grande silêncio narrativo: o da Inspeção do Trabalho, que nos impele a indagar como é possível
que a instituição trabalhista mais antiga do país seja praticamente uma página em branco na
trajetória de construção do “nosso” direito do trabalho. Reverenciando as lições de Claude
Chetcuti, Nelson Mannrich já se referiu à Inspeção do Trabalho como o “exercício de uma
verdadeira Magistratura Social”. Para o autor, haveria um télos que qualifica a Inspeção do
Trabalho também como uma instância criadora do próprio direito do trabalho. Para Mannrich,
portanto, a fiscalização trabalhista realiza uma ressignificação canônica do direito do trabalho, na
medida em que suas ações lhe conferem sentido no mundo concreto. Tomando partido desse
télos que orienta a atuação da Inspeção do Trabalho no Brasil, segundo o “princípio da proteção”
do trabalhador, tão caro ao Direito do Trabalho que se consolidou por aqui, há de se admitir que a
fiscalização trabalhista integra o conjunto das formas institucionais de intervenção estatal nas
relações de trabalho, não se podendo examiná-la fora do contexto e da trajetória do trabalhismo
brasileiro. Em seus primórdios, a Inspeção do Trabalho operava por meio de uma intelectualidade
orgânica que se expressava por uma literatura original e pioneira: a prática trabalhista. A literatura
da prática trabalhista é contemporânea da própria CLT, tendo se convertido numa espécie de
terceira dimensão do intervencionismo estatal, tomado aqui como uma das “ideias” centrais e
determinantes para a construção do Direito do Trabalho, como categoria histórica. Um lugar que
se situa a meio caminho entre a heteronormatividade in abstracto e a Inspeção do Trabalho. Em
termos metodológicos, propôs-se, então, realizar uma recuperação histórica dessa literatura,
desde o ponto em que ela se diferenciou da narrativa dos “juristas-políticos do direito social”,
para, ao final, buscar compreender de que forma ela foi (re)apropriada e silenciada, a ponto de,
praticamente, não deixar rastros na historiografia do juslaboralismo brasileiro.
Palavras-chave: Inspeção do Trabalho. Discurso jurídico. Literatura da prática trabalhista.
508
A RECONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA NARRATIVA DO ABUSO DE PODER ATRAVÉS DO
CINEMA: O TESTEMUNHO DO FILME O FILHO DE SAUL
A eleição presidencial brasileira de 2018 foi marcada por reiterados episódios de denúncias
contra a disseminação de notícias falsas (“fake news”) efetuadas pelo candidato posteriormente
eleito Jair Bolsonaro. Quase sempre circunscritas à sua pauta política reacionária, essas fake news
visavam distorcer e ridicularizar posições políticas mais progressistas, tornando-as moralmente
intragáveis aos olhos de parcela cobiçada do eleitorado. Referida problemática não é, todavia,
particularidade brasileira. Pelo menos desde 2016, as fake news tornaram-se lugar comum na
pauta política mundo afora devido à disseminação de notícias distorcidas pelo então candidato
republicano Donald Trump. Também afeito a polêmicas e ao uso reiterado das redes sociais para
promoção de sua pauta política direitista, Trump usou reiteradamente das fake news para se
contrapor ao legado republicano de Barack Obama. Inclusive, recente pesquisa da Universidade de
513
Oxford aponta que as fake news disseminadas nos EUA em 2018 (quando aconteceram eleições
legislativas para a Câmara dos Deputados e para o Senado) foi maior do que o influxo de tais
notícias durante a corrida presidencial de 2016. A partir desse panorama de direito comparado,
pretende-se problematizar o uso das fake news e de sua contribuição sociológica para a
propagação da “pós-verdade” nos sistemas jurídico e político. Para tanto, será suscitada a teoria
habermasiana do discurso no afã de se demonstrar em que medida a disseminação de notícias
falsas e a sua intencional utilização em processos eleitorais enfraquece, a um só tempo, os
acordos e pressupostos tácitos da comunicação e a produtiva tensão entre constitucionalismo e
democracia, invadindo e colonizando o sistema jurídico. Ademais, pretende-se investigar – a partir
da teoria de Ronald Dworkin – em que medida a disseminação de fake news enfraquece o direito
como integridade e a postura hermenêutica esperada do juiz no sentido de levar o Direito a sério,
eis que o Direito e o aplicador passam a ser compelidos a tratarem de pretensões abusivas
inéditas, típicas de uma modernidade líquida hipercomplexa, globalizada, amplamente
fragmentária. A metodologia de pesquisa consistirá na análise conceitual do fenômeno das fake
news numa perspectiva comparada entre o ocorrido na eleição de Donald Trump nos EUA e a de
Jair Bolsonaro, no Brasil, contrastando-se tais fenômenos (a serem empiricamente dissecados a
partir de dados como aqueles obtidos pela Universidade de Oxford) com a teoria habermasiana do
discurso e com a teoria dworkiniana da integridade no Direito. Segundo o Oxford Dictionary, a
palavra "pós-verdade" (post-truth) consiste num “adjetivo definido como relativo ou referente a
circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública
do que as emoções e as crenças pessoais”. O impacto jurídico-político das fake news tende a
proporcionar justamente um preocupante ambiente sócio-político em que fatos valem menos do
que crenças artificialmente construídas, de maneira a colonizar e a tornar inoperante a regência
do sistema jurídico e, ao mesmo tempo, enfraquecer a democracia representativa e seus
procedimentos constitucionalmente regulados.
Palavras-chave: Fake-news. Pós-verdade. Constitucionalismo.
Pedro Parini
UFPE
A presente pesquisa tem por objetivo investigar, por meio da retórica analítica proposta
por Ottmar Ballweg (1989, p. 230), problemáticas relativas à prisão preventiva por tráfico de
518
drogas, delito incutido no art. 33 da Lei nº. 11.343/06, com fundamento na “garantia da ordem
pública”, um dos requisitos do decreto, disposto no art. 312 do Código de Processo Penal. O
estudo surge diante da percepção de que o termo “ordem pública”, embora elencado pela
legislação, não é por ela conceituado, motivo pelo qual resta aos juízes aplicá-lo ao caso concreto
conforme sua discricionariedade. Ocorre que tal abertura conceitual tem provocado uso excessivo
do instituto; conforme último relatório divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça em agosto de
2018, 40,03% das vagas dos estabelecimentos penais brasileiros estavam ocupadas por detentos
que ainda aguardavam julgamento, ou seja, submetidos à prisão provisória. O relatório atesta,
também, que 28,71% dos detentos passam, em média, mais de 180 dias no cárcere sem
condenação – no relatório do ano anterior, constatou-se que esse tempo médio, em Pernambuco,
era de 974 dias. Esses dados demonstram que o instituto da prisão preventiva é amplamente
utilizado e que seus respectivos decretos se mantêm de forma prolongada, o que pode pôr em
risco o princípio constitucional da presunção de inocência, além do caráter instrumental da
medida, que se diferencia da prisão-pena por possuir apenas a função de evitar a mácula do
processo. Assim, a discussão conceitual acerca da ordem pública perfaz-se em um debate caro ao
âmbito das garantias constitucionais e democráticas. Por esse motivo, a discricionariedade do juiz
não deve se transmutar em arbitrariedade, isto é, é preciso justificar de maneira idônea a opção
pela ultima ratio do sistema penal, no lugar das medidas alternativas à prisão preventiva descritas
em lei – art. 319 do CPP. Propõe-se, nesse sentido, a análise de cinco acórdãos proferidos pelo
Superior Tribunal de Justiça no ano de 2018, selecionados indistintamente através das palavras-
chave “prisão preventiva”, “ordem pública” e “tráfico” no site do tribunal, executada sob a
metodologia da retórica analítica, especificamente sob o esteio da semiótica – âmbito da
linguagem que aborda lacunas normativas, relações entre sinal e objeto e questões relativas ao
uso da língua – e da fronética, a qual permite o estudo da atividade criativa dos tribunais, na
produção de sentido aplicada aos casos concretos. A presente investigação surge, nessa esteira,
diante da percepção de que a linguagem, porosa por definição, facilita a manipulação de conceitos
por tomadores de decisão, o que gera insegurança jurídica. No que concerne à prisão preventiva
com fundamento na ordem pública, seu sentido é criado pelos tribunais, que podem ser guiados
pela doutrina, jurisprudência, opinião pública – são “acordos conceituais”. O que se propõe, nessa
perspectiva, é pensar de que forma são estes realizados e quais são seus efeitos práticos no
contexto das prisões preventivas por tráfico de drogas.
Palavras-chave: Tráfico de drogas. Retórica analítica. Processo Penal.
Rosalice Pinto
IFILNOVA/CEDIS/UNL
A Organização das Nações Unidas (ONU), no Protocolo de Palermo (20113), define o tráfico
de pessoas como “o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento
de pessoas, recorrendo-se à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à
fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou
aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha
autoridade sobre outra para fins de exploração”. Pelo Direito Brasileiro, em outubro de 2016, foi
sancionada uma lei específica, no Código Penal Brasileiro (CPB), intitulada Marco Legal de Tráfico
de Pessoas para combater esse tipo de crime no Brasil. Até então o CPB criminalizava o tráfico de
pessoas apenas para fins de exploração sexual. Partindo do pressuposto de que o Direito procura
dar uma resposta normativa aos anseios sociais, este trabalho, de cunho interdisciplinar,
procurará mostrar de que forma os discursos em circulação, oriundos de várias mídias e
consequentemente de natureza plurissemiótica, procuram representar esta temática de forma a
conscientizar a população, alertando-a para tal problemática. Adotar-se-á também o pressuposto
de que o “sentido” transmitido pelos textos em circulação deve ser construído num processo de
solidariedade recíproca, como salienta Charaudeau (2005, p. 30). Dessa forma, considera-se a
existência de um duplo processo de semiotização na mídia: o de transformação e o de transação.
Através deste, a mídia e suas diversas formas de expressão: televisão, rádio dentre outras
transformam o mundo “a significar” em um “mundo significado”, como salienta Charaudeau
(2006). De forma a atender os objetivos pretendidos, serão analisados exemplares de gêneros
textuais que circularam sobre a temática durante os anos de 2017 e 2018, no Brasil, salientando
alguns elementos textuais a eles atrelados. Estudos prévios de natureza qualitativa evidenciam a
relevância das mídias na divulgação e conscientização dessas mazelas sociais, podendo vir a
suscitar mudanças atitudinais.
Palavras-chave: Direito. Mídias e Discurso(s). Tráfico de pessoas.
520
NÃO CONHECIMENTO E IDEOLOGIA NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: UM
ESTUDO DOS RECURSOS ESPECIAIS NO ANO DE 2008
Este trabalho investiga “recursos não conhecidos” do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o
qual detém, dentre suas funções, a de harmonização da jurisprudência brasileira, daí a relevância da
análise das decisões proferidas por esse Tribunal. Parte-se do pressuposto que as decisões do STJ
influenciam outras (do próprio tribunal e de tribunais inferiores), em especial após o início da
vigência do Código de Processo Civil de 2015. O CPC vigente determina que os tribunais devem
uniformizar sua jurisprudência, bem como devem mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926), e
ainda determina aos juízes e tribunais inferiores o dever de observação de decisões do STJ (art. 927,
III e IV). Assim, esses deveres de uniformização dos tribunais superiores, aliados ao dever de
observação de suas decisões pelos juízes e tribunais inferiores cumprem uma função específica, qual
seja, alinhar o pensamento judicial às decisões das Cortes de Cúpula, sob o pretexto de adoção de
um sistema de precedentes. A pesquisa, quanto à tipologia, será bibliográfica e documental indireta
e a metodologia empregada terá caráter quantitativo e qualitativo explicativo, sendo efetivada a
construção do corpus, através do sítio do Tribunal escolhido, com a aplicação de filtros no sistema
informatizado de busca pela assim chamada “pesquisa livre” contendo a expressão “recurso não
conhecido”, selecionando-se apenas decisões colegiadas disponíveis pela expressão antes
mencionada no ano de 2008, cujo resultado apresentou inicialmente 201 (duzentos e um) acórdãos,
sobre os quais são aplicados os filtros posteriores, com a análise sua qualitativa. Num segundo
momento da construção do corpus, foram descartados todos os acórdãos que não fossem da
espécie “Recurso Especial”, resultando em total de 94 (noventa e quatro) decisões. Após esse
processo, o estudo se debruçou sobre as ementas das decisões, verificando-se a existência ou não
de assentadas sobre o mérito recursal, tendo em vista que, como resultados esperados (com os
filtros realizados) só deveriam ser constatados recursos especiais não conhecidos. A análise inicial
das ementas permitiu verificar que, dentre os recursos não conhecidos, foram encontradas decisões
que fizeram constar na ementa conteúdos de mérito, outras fizeram constar as razões da
inadmissão do recurso e outras ainda fizeram constar os dois tipos de assentada. Procedeu-se,
então, com a classificação dos julgados que ficaram assim categorizados: (1) julgados com conteúdo
de mérito na ementa (25 acórdãos); (2) julgados sem conteúdo de mérito na ementa (35 acórdãos);
(3) julgados com conteúdo misto, ou seja, mérito e motivos da inadmissão na ementa (29 acórdãos)
e (4) julgados fora do escopo (5 acórdãos). Ato contínuo, dentro do caminho metodológico
proposto, passou-se a análise do inteiro de teor dos acórdãos da categoria 1, por amostragem,
recaindo a escolha em três acórdãos, por serem representativos, aplicando-se a Análise Crítica do
Discurso (ACD) de linha anglo-saxônica que tem como referências teóricas Fairclough e Thompson
buscando, a partir dos elementos textuais e contextuais das decisões judiciais, identificar os modos
gerais de operação da ideologia. São traços comuns dos acórdãos investigados: o recurso à
intertextualidade (manifesta e constitutiva); a legitimação, através do uso do argumento de
autoridade (referências a decisões anteriores da própria Corte); o silêncio quanto aos requisitos de
admissibilidade (dissimulação, através da ocultação); além de falta de coesão textual que resulta
numa incoerência para o intérprete, tendo em vista que em todas as decisões analisadas amiúde
521
tem-se a mesma conclusão, qual seja, não conhecimento do recurso, sem nenhuma referência
textual aos fundamentos.
Palavras-chave: Superior Tribunal de Justiça. Recursos especiais não conhecidos. Análise de
mérito/ ideologia.
Virgínia Leal
UFPE
A partir dos resultados obtidos com o projeto “Cartografia da Linguística Forense no Brasil”,
discutido em encontros sobre estudos forenses tanto no Porto/Portugal (2016), quanto em
Florianópolis/Brasil (2017); bem como do crescimento do número de pesquisas sobre
temas/problemas oriundos das relações entre Linguagem e Direito, em eventos acadêmicos variados
e interdisciplinares ou não, vimos a necessidade de ampliar a cartografia para obtermos um mapa do
Brasil no que tange à expansão das investigações e pesquisas relacionadas à área das relações entre
Linguagem e Direito. Além da obtenção de uma fotografia de per si desses estudos, os resultados
poderão apontar zonas de saturação, de sombra, lacunas, necessidade de novos movimentos
interdisciplinares e correlatos (multi e transdisciplinares), que contribuam para uma oferta de
disciplinas, cursos, projetos interinstitucionais, realização de encontros acadêmicos específicos, entre
outras ações. A perspectiva metodológica continua qualitativa, a partir da análise entre temas e
contexto sócio-político no qual eles encontram-se inseridos relativos a alguns descritores. Há também
o uso da abordagem quantitativa ao fazer o levantamento, na Plataforma Lattes do CNPq, dos
Grupos de Pesquisa em Programas de Pós-Graduação avaliados na última quadrienal com no mínimo
nota 4 – uma vez que podem oferecer formação doutoral, caracterizando de fato espraiamento do
campo acadêmico que se debruça sobre as relações entre Linguagem e Direito. A investigação se
justifica à medida que traça um panorama deste estudos por região, áreas temáticas e linhas
teóricas de abordagem. Os resultados já obtidos sinalizam que, além do crescimento do estudo do
texto/jurídico onde quer que ele se materialize ( sentenças, acórdãos, códigos, decreto-lei etc),
realizado tanto no âmbito da Linguística e suas áreas de interface, quanto no do Direito, há uma
eleição saliente de temas como racismo, xenofobia, violência de gênero, entre outros , deixando claro
que, no contexto brasileiro (e há sinais trazidos pelas mídias de que o fenômeno é mundial), a
questão dos Direitos Humanos está “na ordem do dia”.
Palavras-chave: Linguagem e Direito. Plataforma Lattes. Direitos Humanos.
Com a utilização cada vez mais intensa de redes sociais no âmbito virtual qualquer pessoa
torna-se sujeito de discursos que podem consistir em violência de gênero e, consequentemente,
522
vir – a pessoa – a sofrer algum tipo de sanção pelos aparelhos repressores do Estado. Os discursos
em questão são materializados por meio de publicações em redes sociais das mais variadas
formas, ora através de texto escrito, ora através de texto imagético. A análise crítica desses
discursos, com o auxílio da teoria das masculinidades e de uma abordagem jurídica, é o objeto do
presente trabalho. Em estudos envolvendo análise de discurso, tanto os de linha francesa quanto
os de linha anglo-saxônica, encontra-se presente a função da ideologia na operacionalização dos
discursos dos sujeitos em seus papéis sociais. Segundo Norman Fairclough, “as práticas discursivas
são investigadas ideologicamente à medida que incorporam significações que contribuem para
manter ou reestruturar as relações de poder” (FAIRCLOUGH, 1992). No que diz respeito à teoria
das masculinidades, Sora a Barreto Januário explica que “nas relações de poder, estabelece-se a
subordinação das mulheres e a dominação dos homens e refere-se intimamente ao poder do
patriarcado (JANUÁRIO, 2016). R. W. Connell, por sua vez, fala que “a masculinidade não cai dos
céus; ela é construída por práticas masculinizantes, que estão sujeitas a provocar resistência, que
podem dar errado, e que são sempre incertas quanto a seu resultado.” (CONNELL, 1990). Afirma-
se como objetivo geral da pesquisa averiguar, através da Análise Crítica do Discurso, os sentidos
produzidos em publicações de sujeitos-agressores no âmbito das redes sociais quanto à
discriminação de gênero. Como objetivos específicos, pretende-se: 1. Analisar como os discursos
de agressão virtual perpetrada por homens refletem as relações de poder existentes no
patriarcalismo no que tange à discriminação de gênero; 2. Identificar se esses discursos são
tolerados ou rechaçados pela comunidade virtual por meio dos respectivos comentários à
publicação dos sujeitos-agressores. O método científico aplicado é o indutivo, porquanto é a partir
da análise de discursos extraídos das redes sociais que a pesquisa se desenvolve. Esta também é
classificada como qualitativa, porquanto segundo essa tipologia há uma relação dinâmica entre o
mundo real e o sujeito que não pode ser traduzida em números (CRESWELL, 2007).
Levantamentos bibliográfico e documental também serão utilizados, sendo este último extraído
de publicações nos meios eletrônicos. À guisa de conclusão, os resultados preliminares apontam
que os sentidos extraídos dos discursos virtuais denotam violência contra mulheres das mais
variadas formas, sejam estas sutis ou explícitas, fomentando a manutenção do status quo do
mundo patriarcal. Constata-se, portanto, a necessidade de investimento em políticas públicas de
afirmação de direitos e de conscientização da população em geral no concernente à Educação em
Direitos Humanos, além de uma repressão maior do Estado contra essas práticas discriminatórias
que muitas vezes constituem verdadeiros crimes contra a dignidade humana.
Palavras-chave: Análise Crítica do Discurso. Violência contra Mulheres. Masculinidades.
523
Coordenação:
Orlando Villas Bôas Filho (USP/UPM)
Alexandre da Maia (UFPE)
Gustavo Angelelli (UNIV. CRUZEIRO DO SUL)
Raphael da Rocha Rodrigues Ferreira (UNISANTA)
MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO: ENTRE A LICITUDE E ILICITUDE, COMO
RESPOSTA AO AMBIENTE EXTRAJURÍDICO
526
sentido original do texto na mens legislatoris, além de propiciar indícios das eventuais
permanências e mutações que se verificam nas cartas constituintes posteriores.
Dentre os resultados obtidos até o momento, identificamos quatro parêmias conceituais
que expressam a agenda do Apostolado e que tiveram repercussão direta nas ideias que
prevaleceram na Constituição de 1891: 1. ditadura republicana e autonomia local; 2. constituinte e
corpo eleitoral; 3. Estado laico e liberdade espiritual; 4. direitos trabalhistas e incorporação do
proletariado no regime sociocrático (BRASIL, 1926).
REFERÊNCIAS
BRASIL. Assembleia Constituinte. Annaes do Congresso Constituinte da Republica - 1890, Segunda
Edição, Revista, v. 2. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1926. Disponível em:
http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/6/browse?value=Brasil.+Assembleia+Nacional+Con
stituinte+%281890%29&type=subject.
COMTE, Auguste. Appel aux Conservateurs. Paris: E. Thunot, 1855.
KOSELLECK, Reinhart. Uma História dos Conceitos: problemas teóricos e práticos. Estudos
Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 134-146, 1992.
PAIM, Antonio (seleção e introdução). O Apostolado Positivista e a República. Brasília: Câmara
dos Deputados, Editora Universidade de Brasília, 1981.
Este trabalho propõe uma investigação sobre a transformação na percepção social dos
direitos e liberdades individuais nas sociedades contemporâneas. O desenvolvimento da
modernidade ocidental esteve fortemente associado à consolidação do entendimento do Direito
como sendo a expressão da razão humana, composto por um conjunto de direitos individuais e
universais – impulso decisivo para a ideia moderna de cidadania. Estabelecida pela filosofia
iluminista, toda a estrutura jurídica moderna se fundamentou nessa perspectiva e forneceu o
substrato jusfilosófico para a contestação do Absolutismo a partir do século XVII, para o
deslocamento, no âmbito da teoria política, do polo do poder do Estado para os indivíduos
portadores de direitos e, posteriormente, para a própria construção do modelo liberal de
democracia nos séculos XIX e XX. Aquilo que convencionalmente se identifica como “modernidade
jurídica” se estrutura a partir da ideia de liberdades individuais naturais, núcleo central da
cidadania e que se coloca de antemão tanto contra a intervenção do Estado quanto também da
sociedade. Não se trata apenas de proposição jusfilosófica, mas de uma ideia enraizada na
percepção social e nos modos de vida modernos, conferindo grande parte da solidez institucional
da modernidade e, consequentemente, da sua própria segurança ontológica. Tudo isso começa a
se alterar, entretanto, a partir dos processos de implosão dos padrões sociais da modernidade em
fins do século XX, especialmente a partir da década de 1970, inaugurando uma época em que as
referências institucionais e sociais da vida moderna se liquefazem, se pulverizam e se modificam
527
de forma tão dinâmica que não permitem novas formas se cristalizarem em seu lugar. Nesse
contexto a percepção social de direitos e liberdades individuais também é afetada, sendo eles
muitas vezes deslocados da posição central que ocuparam durante grande parte da modernidade,
perdendo o papel catalisador da identidade de cidadania. A inviolabilidade dos direitos e
liberdades individuais, seja frente a atuação do Estado, seja frente a própria sociedade, se
desvincula da noção do justo e do correto e passa a ser relativizada conforme os contextos e as
situações sociais em que os indivíduos se encontram. Quando as pessoas admitem como legítima
e justificável a eventual violação dos direitos individuais, pode-se perceber que o próprio núcleo
central da “modernidade jurídica” está sendo afetado. Para balizar empiricamente essa discussão,
o presente artigo apresenta os resultados de uma pesquisa qualitativa de inspiração etnográfica
envolvendo políticas empresariais de testes de drogas no local de trabalho (prática cada vez mais
comum no ambiente corporativo brasileiro) e a sua recepção por parte dos funcionários. Os
resultados da pesquisa apontam uma clara tensão na definição social da legitimidade de
procedimentos que invadem o sigilo, a privacidade e a intimidade dos indivíduos em nome da
segurança coletiva. Nessa tensão, a inviolabilidade daqueles direitos individuais tão caros aos
modernos resta flagrantemente fragilizada, admitindo-se que a própria liberdade individual possa
muitas vezes ser ela mesma limitada por interesses coletivos (seja da sociedade, seja do Estado)
numa inversão da equação jusfilosófica moderna. Essa fragilização dos direitos e liberdades se
torna ainda mais forte sob o enquadramento do discurso do risco, principalmente envolvendo
segurança ou saúde. Tal reflexão sugere reunir metodologicamente a Sociologia e o Direito numa
composição transdisciplinar para a construção de um conhecimento comum sobre liberdade e
direitos nas sociedades contemporâneas.
INTRODUÇÃO
A pesquisa pretende analisar a construção jurídica do conceito de Estado interventor na
tradição jusadministrativista brasileira e sua relação com a questão da técnica. Para tanto, foca-se
na literatura sobre direito administrativo escrita durante os anos 60 até meados dos anos 70. A
delimitação se fundamenta pois compreende o antes, durante e depois das reformas
administrativas empreendidas de 1964 a 1968 no período de ditadura militar, que configuraram
um Estado descrito por alguns cientistas políticos como tecnicista. Compreender o discurso
jurídico acerca do conceito de Estado, seja de crítica ou legitimação de um ou outro modelo, dá
subsídio para perceber quais as tensões políticas existiam à época. A análise de conflitos
discursivos entre atores sociais relevantes na opinião pública (sobretudo quando envolvem
saberes pretensamente especializados, como o direito administrativo) também permite muitas
vezes esmiuçar e explicar por que determinadas escolhas são tomadas no âmbito de decisão
governamental. Não só, a análise discursiva da literatura jurídica permite observar como os
juristas conseguem, com certa facilidade, direcionar e modelar os debates para além da simples
crítica ou legitimação. O tema se relaciona com o tópico da modernidade pois a técnica seria, por
excelência, o instrumento empregado pelo Estado para que se ultrapassasse o suposto atraso
529
brasileiro, sendo este o fio condutor de um debate que se ramificou complexamente, delineando
os traços conceituais de Estado no Brasil.
OBJETIVO E CONCLUSÕES PARCIAIS
A pesquisa, situada na história do direito administrativo, tem objetivo de analisar como se
construiu o conceito de Estado interventor na literatura jusadministrativista brasileira e sua sua
relação com a questão da técnica.
Embora não fosse uma novidade na época analisada, é praticamente um lugar-comum
entre os autores do período o argumento de que o Estado se fez, historicamente, cada vez mais
presente devido ao avanço tecnológico. A mobilização de um discurso que correlaciona progresso
da técnica à expansão estatal produz efeitos de legitimação e naturalização desta última. Mas não
só a atuação estatal passa a ser mais aceita e incentivada, como o argumento parece ter
impulsionado uma modificação no próprio conceito de Estado.
Os problemas enfrentados por uma sociedade industrial passam a ser outros, demandando
novas respostas e uma remodelagem do aparelho estatal. O perfil de sua projeção conceitual
muda (Estado interventor, Estado social, Estado-providência), para que seja diferenciado e
contraposto ao anterior (Estado liberal, Estado protetor). O discurso, portanto, também produz
um corte, marcando a passagem do antigo para o novo.
METODOLOGIA
As fontes são artigos, manuais, livros sobre direito administrativo publicados no período
entre 1960-1980. Segue-se algumas premissas metodológicas sugeridas pela história dos conceitos
(Koselleck) ao analisar as fontes. O estudo utilizará, conjuntamente, a categoria de “ato de fala” do
contextualismo linguístico, nos moldes propostos por Quentin Skinner. Mesmo cientes que a
junção destas duas metodologias não se efetua de modo pacífico, os lances textuais e retóricos
serão analisados pragmaticamente como “atos de fala” em torno de conceitos-chave.
Este trabalho tem como objetivo investigar de que forma o instituto da pena de morte foi
utilizado no Brasil, a partir da verificação de como esse conceito foi construído no discurso
criminal nacional e da observação das práticas sociais dele resultantes. Desse modo, será
desenvolvido um estudo diacrônico, com foco em dois períodos distintos da história brasileira. Em
um primeiro momento, a discussão será centrada no período após a independência do país,
principalmente, na elaboração legislativa do código penal de 1830 e nos anos posteriores de
consolidação do regime imperial. O segundo momento de análise terá como eixo a proclamação
da República e as discussões que resultaram na edição do código penal republicano, bem como as
consequências da extinção da pena de morte na cultura jurídica brasileira – com uma grande
popularização do discurso positivista e, consequentemente, das críticas à abolição da pena capital.
Nesse sentido, será estudado como essa modalidade punitiva era já bastante frequente, no
530
sistema político colonial português, e como isso terminou por sedimentar, na sociedade brasileira,
um verdadeiro espaço de experiência, com relação às condenações extremas. Entretanto, essa
experiência relativa ao conceito de pena de morte será contrastada com os discursos liberais
iluministas, que irão tensionar a visão que se tinha a respeito da pena capital – a qual passa a ser
considerada por muitos como uma medida aviltante e desmesurada. Toda essa celeuma teve
como cenário um país recém constituído e conturbado, que passava por movimentações políticas
independentistas, além de conviver com o enorme medo das elites à sublevação dos escravos – o
chamado haitianismo. Por tal razão, cumpre verificar como a pena de morte passou a ser utilizada
como um dispositivo político para efetivação do controle da mão de obra servil, especialmente
após a revolta dos malês, na Bahia, bem como outros eventos de violência praticada por
resistências dos negros cativos. Com o tempo, a ideia de pena de morte transformou-se em algo
incongruente à condição humana, a ponto de o imperador Pedro II ter adotado o hábito de
comutar as penas capitais em galés (trabalhos forçados). Contudo, na periferia do centro político
brasileiro ainda foram realizadas algumas execuções judiciais, sendo que somente no ano de 1876
se deu a última execução – correspondente ao enforcamento do escravo Francisco, no município
de Pilar, em Alagoas. Com o advento da República, houve uma rediscussão legislativa do tema,
que culminou com a abolição dessa modalidade punitiva, a partir do código penal republicano de
1890. Não obstante, o crescimento da doutrina positivista fez crescerem as críticas a essa postura
liberal, que era vista por muitos como uma medida de estímulo à criminalidade e violência. A
metodologia do estudo será focada nas chaves heurísticas da Historik de Reinhart Koselleck, como
a observação da ideia de modernidade, progresso e de tempo-sela, nos dois momentos
selecionados para o aprofundamento, a partir do entrecruzamento das categorias meta-históricas
do espaço de experiência e horizonte de expectativas. Ademais, seram verificadas as
características de temporalização, democratização, ideologização e politização do conceito de
pena de morte no Brasil. As perspectivas teóricas serão adaptadas ao cenário histórico brasileiro,
com a ajuda das contextualizações teóricas empreendidas por João Feres Jr. e Valdei Lopes de
Araújo. Ademais, a história conceitual será interligada a varios estudos de história social
relacionados à temática – história criminal. Como fontes históricas primárias serão utilizados
textos de doutrina jurídica, discussões legislativas e publicações em jornais da época.
PROBLEMA INVESTIGADO
Decorre da necessidade de situar o momento presente como algo distinto do precedente a
força da ideia contida no termo “modernidade”. Destaca-se, nesse sentido, o potencial
apresentado pelas teorias sociológicas que buscam compreender a modernidade pela relação que
esta possui com a dimensão espaço-temporal.
A tese de Reinhart Koselleck concebe a sociedade tradicional compreendida, diferentemente
da sociedade moderna, por uma ligação estreita entre “espaço de experiência” e “horizonte de
expectativa”. Com o advento da modernidade, verifica-se o progressivo distanciamento entre essas
categorias, associado à crescente aceleração das mudanças sociais. A modernidade para Anthony
Giddens, por sua vez, é enfocada primordialmente pela mudança que é imposta na relação com o
espaço e o tempo, especialmente no que se refere à mudança nos contextos de interação, que
passam a ocorrer, crescentemente, de forma ausente no tempo e no espaço.
Verifica-se em ambos a concepção de uma sociedade moderna, que se fez emergir a partir
da ideia de “progresso” e da construção de um futuro predizível, passa a presenciar a distância,
que se faz cada vez mais intensa, entre o que fora legado pela tradição e as possibilidades que se
colocam no futuro.
OBJETIVOS
O trabalho em questão tem por objetivo explorar uma tentativa de aproximação da
abordagem de Giddens acerca da transição para a modernidade, através do conceito de
“distanciamento do espaço-tempo”, com a proposta de Koselleck a qual se serve de duas
533
categorias conceituais: espaço de experiência e horizonte de expectativa, para também
compreender a transição para a modernidade a partir da relação com o tempo. Assim, procurar-
se-á abordar alguns aspectos das teorias sociais apresentadas e o seu modo de compreensão e
descrição desta realidade denominada modernidade.
MÉTODO DE ANÁLISE
A metodologia dessa pesquisa consiste na revisão bibliográfica das principais obras dos
autores escolhidos voltadas à análise do tema em questão. Sublinha-se que o tratamento destas
questões far-se-á sobre o panorama teórico de uma sociedade compreendida como a
radicalização da modernidade, denominada “modernidade reflexiva”, na qual a predominância do
risco e da contingência apontam para um cenário sempre incerto e em grande medida
imprevisível.
CONCLUSÕES
O presente trabalho encontra-se em andamento, de modo que as conclusões extraídas até
o momento são tão somente parciais. Pelo que se pode apreender, a perspectiva de Giddens
apresenta um potencial heurístico para uma descrição da modernidade a partir da relação espaço-
temporal e a forma pela qual o indivíduo e a sociedade experimentam tal relação. Trata-se de um
enfoque particularmente interessante para que se capte as características próprias da
modernidade por meio da atenção para com o indivíduo e até mesmo um olhar antropológico.
Entende-se que, quando se aborda o fenômeno da modernidade pelo distanciamento
entre espaço de experiência e horizonte de expectativas (Koselleck) ou como o distanciamento
entre espaço e tempo (Giddens) reforça-se a importância de se ter em conta o aumento do
impacto exercido pelas consequências impremeditadas da ação, especialmente no que toca à
dimensão dos efeitos que essas podem produzir. Ao referir-se ao contexto de uma sociedade
globalizada – característica apontada associada à sociedade da alta modernidade – exponencia-se
a capacidade de ações localizadas repercutirem em escalas não imaginadas anteriormente. Isso se
deve à interligação inerente a esse processo entre os âmbitos locais e globais, o que não pode
mais ser desprezado na condução de tomada de decisões, as quais podem ensejar consequências
de difícil previsão (dada a complexidade e contingência) e de difícil controle.
PROBLEMA INVESTIGADO
No âmbito da teoria da história, o advento da modernidade pode ser compreendido como
uma mudança paradigmática na forma com que nos relacionamos com o nosso próprio passado e,
por consequência, uma mudança também na forma como concebemos a própria ideia de história.
534
Reinhart Koselleck, em particular, foi capaz de demonstrar essa mudança de forma precisa a partir
da análise do deslocamento lexical observado no espaço da língua alemã entre duas expressões
utilizadas para se referir ao fenômeno histórico. No ponto, Koselleck identificará como a palavra
Historie, no curso do século XVIII, vai paulatinamente sendo substituída em favor da palavra
Geshichte, e como a própria palavra Geschichte, que originariamente era uma forma plural, nessa
mesma época se condensa em uma espécie de “coletivo singular” (KOSELLECK, 2006, p. 48-50). Tal
constatação, muito mais do que uma investigação de caráter meramente linguístico-
terminológico, é sintomática de um novo relacionamento com os tempos históricos – mudança de
relacionamento essa que se encontra intimamente relacionada com o aprofundamento da
experiência da modernidade. A nova história, a Geschichte aludida por Koselleck, reivindica para si
uma condição temporal própria: “diferentes tempos e períodos de experiência, passiveis de
alternância, tomaram o lugar outrora reservado ao passado entendido como exemplo”
(KOSELLECK, 2006, p. 47).
Como não poderia deixar de ser, essa nova configuração no trato dos tempos históricos –
que se refere não apenas ao tratamento conferido ao passado, mas também ao presente e ao
futuro, deixando a história de ser vista como um repositório de experiências a orientar a ação
humana (abandono da Historia magistra vitae) – produziu inúmeras consequências em diversos
ramos da vida social, como no âmbito do direito e, particularmente, no âmbito do direito
constitucional. No ponto, chama a atenção como se deu, no âmago da modernidade, a
recuperação do antigo conceito de Constituição e a sua ressignificação, em especial nas
experiências francesa e estadunidense, como mecanismo até então inovador não mais de mera
organização e descrição da estrutura sociopolítica, mas como efetivo mecanismo de medida da
conformidade (ou não) de todos os demais atos jurídicos com o próprio direito e, portanto, de
resolução da produtiva tensão existente entre direito e política. A tematização de tal inovação
profundamente moderna é o propósito da conferência ora proposta.
OBJETIVOS
Almeja-se, a partir de influxos teóricos colhidos (dentre outras) das obras de Niklas
Luhmann (1990), Jürgen Habermas (1995) e Menelick de Carvalho Netto (2003, 2011) aferir de
que forma – e em que termos – se deu a recuperação do conceito de Constituição e a sua
ressignificação ao longo da experiência da modernidade.
MÉTODO DE ANÁLISE
Partindo-se do instrumental teórico-metodológico da história dos conceitos (KOSELLECK,
2006), pretende-se empreender uma análise do deslocamento semântico da ideia de Constituição
no contexto da modernidade à luz das teses de Niklas Luhmann (1990), Jürgen Habermas (1995) e
Menelick de Carvalho Netto (2011), de modo a melhor dimensionar quais foram as inovações
genuinamente modernas dessa apropriação do antigo conceito de Constituição, bem como quais
consequências tal apropriação trouxe para a conformação do moderno Estado de direito.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
A ideia moderna de Constituição se apresenta como aquisição evolutiva da modernidade,
que nela encontrou um eficaz mecanismo de acoplamento estrutural entre direito e política
(LUHMANN, 1990). Muito mais do que uma mera descrição das estruturas sociais, a Constituição
dos modernos passa a funcionar como ato jurídico-político de instituição de uma comunidade
fundada sobre princípios, em que igualdade e liberdade são reciprocamente reconhecidas a todos
e por todos (CARVALHO NETTO; SCOTTI, 2011).
535
REFERÊNCIAS
CARVALHO NETTO, Menelick de. A contribuição do direito administrativo enfocado da ótica do
administrado: para uma reflexão acerca dos fundamentos do controle de constitucionalidade das
Leis no Brasil. Um pequeno exercício de Teoria da Constituição. Fórum Administrativo, Belo
Horizonte, v. 1, n. 1, p. 11-20, 2001.
CARVALHO NETTO, Menelick de. A Hermenêutica Constitucional e os desafios postos aos Direitos
Fundamentais. In: LEITE SAMPAIO, José Adécio (org.). Jurisdição Constitucional e Direitos
Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 141-163.
CARVALHO NETTO, Menelick; SCOTTI, Guilherme. Os direitos fundamentais e a (in)certeza do
direito: a produtividade das tensões principiológicas e a superação do sistema de regras. Belo
Horizonte: Fórum, 2011.
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de
Janeiro: Contraponto Editora; Editora PUC Rio, 2006.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Tradução: Flavio Beno
Siebneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. Vols. 1 e 2.
LUHMANN, Niklas. A Constituição como Aquisição Evolutiva. Tradução realizada para uso
acadêmico a partir do original (“Verfassung als evolutionäre Errungenschaft”. In:
Rechthistorisches Journal, Vol. IX, 1990, pp. 176 a 220), cotejada com a tradução italiana de F.
Fiore (“La costituzione come acquisizione evolutiva”. In: ZAGREBELSKY, Gustavo. PORTINARO,
Pier Paolo. LUTHER, Jörg. Il Futuro della Costituzione . Torino: Einaudi, 1996), por Menelick de
Carvalho Netto, Giancarlo Corsi e Raffaele DeGiorgi. Notas de rodapé traduzidas da versão em
italiano por Paulo Sávio Peixoto Maia (texto não revisado pelo tradutor).
Mário S. F. Maia
Doutor em Direito pela UFPE. Professor de Filosofia do Direito da UFERSA.
INTRODUÇÃO
Numa perspectiva histórico-sociológica, reconhece-se que a sociedade moderna teve um
processo de desenvolvimento e generalização de estruturas, impulsionado inicialmente no século
XV pela expansão da sociedade velho europeia mediante as empresas imperiais, probabilizando
influências globais duradouras em âmbitos como arte, religião, economia, política e direito.
538
A intensificação deste processo nos séculos XVIII e XIX ocorreu mediante inovações e
processos/mecanismos de diferenciação de diversas esferas sociais, dentre as quais o direito
cumpriu um papel fundamental.
OBJETIVO E CONCLUSÕES PARCIAIS
A pesquisa, situada na interseção entre história do direito e sociologia, procura analisar
qual foi o papel das instituições jurídicas coloniais no processo de diferenciação do direito nos
primórdios da modernidade, e entrelaçadamente, na expansão e intensificação da mundialização
da sociedade moderna.
Para isto, concentrar-me-ei nas transformações sofridas pelo direito de polícia durante a
segunda metade do século XVIII vinculadas à regulação régia do Distrito Diamantino entre 1772 e
1808.
Neste período, a coroa portuguesa desempenhou um papel fundamental na produção do
direito, tanto com fins de controle e disciplinamento da população, quanto de direção e
intervenção econômica, expandindo com isto, conceitual e funcionalmente a forma em que até
então era concebido o direito de polícia. A associação semântica à existência de uma “boa ordem”
vai dando passo à ideia da necessidade de uma estruturação racional do Estado, que se vinculava,
no caso examinado, diretamente ao controle mais eficiente da produção diamantífera, fortemente
assolada pelo tráfego. Situação em que as autoridades locais eram indulgentes e inclusive
coniventes.
Proponho que a complexidade e contingência da administração colonial movimentou uma
série de expetativas acerca da nova função da corona (por exemplo, inflação legislativa em
matérias de polícia). Com isto, a ordem jurídica tradicional, até então indisponível para o Príncipe,
começa a desestruturar-se frente a uma emergente concepção voluntarista da lei que
sedimentará o conceito moderno de direito como um âmbito autônomo.
METODOLOGIA
Analisaram-se fontes correspondentes a alvarás, cartas régias, correspondência entre
autoridades e a doutrina da época (Mello Freire, Sousa e S. Paio, Ricardo Nogueira, etc.),
utilizando as ferramentas do contextualismo linguístico (Skinner) e a diferença
Semantica/Estrutura (Luhmann) – assumindo que não são teorias irmãs, com a finalidade de poder
observar as mudanças e refuncionalizações do conceito de polícia que permitam comprovar a
hipótese.
539
Coordenação:
Aleteia Hummes Thaines (UNOSOCIESC)
Celso Fernandes Campilongo (USP)
Fernanda Busanello Ferreira (UFG)
Fernando Rister de Sousa Lima (UPM)
“TRISTE, LOUCA OU M ”: NOTAS SOBRE A PRODUÇÃO SOBRE GÊNERO E LEI
MARIA DA PENHA NOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO, STRICTO SENSU EM
DIREITO (2007-2018)
Francis Noblat
Doutorando e Mestre em Ciências Sociais e Jurídicas pelo PPGSD da UFF. Bacharel em Ciências Sociais pela UFRJ.
Bacharel em Direito e Bacharelando em Filosofia pela UFF. Bolsista de Doutorado da CAPES. Membro e colaborador
do Observatório Fluminense de Estudos Interdisciplinares e Pesquisas Empíricas em Processo e Sistemas de Justiça.
Dizer que há uma crise no ensino do direito tornou-se na atualidade um lugar comum que
funciona para iniciar quase qualquer debate sobre pesquisa, metodologia ou educação superior
nas Faculdades de Direito. O que não qualifica quem assim o faz automaticamente como
543
atualizado. Se a crise do ensino jurídico hoje habita, como uma espécie de ironia waratiana, o
senso comum teórico dos juristas, isto se deve, cabe admitir, a um debate extremamente sério e
estruturante promovido entre as décadas de 1980 e o início dos anos 2000 que mobilizou, além do
próprio Warat, alguns dos principais nomes do Direito brasileiro. A proposta desta pesquisa é
reconstruir o debate travado no período em questão sobre os cursos jurídicos, identificando suas
consequências para a construção da metodologia da pesquisa nos currículos do curso em direito.
Levando-se em consideração documentos oficiais, currículos, bibliografia e eventos organizados
sobre o assunto, o resultado esperado é a proposição daquilo que é praticado como conteúdo
curricular relacionado à “metodologia da pesquisa” nos cursos jurídicos. A partir de uma
perspectiva pós-kuhniana, concebe-se a metodologia da pesquisa em direito como um espaço
curricular para a uma espécie de sociologia da produção científica no direito.
Laura N. Lora
Laura Vanesa Medina
PROBLEMA
Há viabilidade no emprego das competições de moot court como modelo metodológico de
ensino jurídico no Brasil?
OBJETIVO GERAL
Identificar se e como as competições de moot court podem ser aplicadas no ensino jurídico
brasileiro de forma a melhorar a sua qualidade.
545
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Apresentar o modelo das competições de moot court enquanto atividade acadêmica;
b) Identificar se estas competições se enquadram na definição de atividade de ensino;
c) Diferenciar o modelo das competições de moot court de outros métodos, similares ou não,
já aplicados ao ensino jurídico brasileiro, tais como o de estudos de caso e o de julgamentos
simulados;
d) Apontar as vantagens das competições de moot court face aos métodos de ensino e
aprendizagem aplicados ao ensino jurídico brasileiro;
e) Identificar as principais dificuldades de aplicação deste método nas universidades
brasileiras;
f) Sendo viáveis, propor as formas de inclusão de competições de moot court no plano de
ensino das faculdades de Direito brasileiras.
MÉTODO DE ANÁLISE
A pesquisa adotará, como marco teórico, a concepção de Émile Durkheim de que a
educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre aquelas que ainda estão imaturas para a
vida social, de forma a nelas suscitar estados físicos, intelectuais e morais exigidos pelo meio
específico a que se destinam. Diante disso, a pesquisa será conduzida sob perspectiva
interdisciplinar, englobando a Sociologia da Educação, na vertente de Sonia Kruppa, bem como a
Metodologia do Ensino do Direito.
A pesquisa será documental e bibliográfica e implicará na obtenção e análise de dados
secundários, obtidos a partir de documentos produzidos e divulgados sobre e em algumas
selecionadas competições de moot court, inclusive depoimentos e entrevistas de seus
participantes, disponibilizados pelas instituições promoventes, brasileiras e estrangeiras, em
quaisquer formas de registro. Também se analisará dados relevantes a partir das diretrizes
educacionais e as atuais matrizes curriculares para as faculdades de Direito brasileiras, bem como
revisão de bibliografia acerca do ensino, jurídico ou não.
A apreciação desses dados, com o intuito de responder ao problema proposto, será feita
através do método indutivo, partindo-se da observação de competições de moot court
particulares em direção a conclusões amplas acerca de sua aplicabilidade como metodologia do
ensino jurídico no Brasil.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
a) As competições de moot court podem ser adotadas como metodologia de ensino jurídico
no Brasil, através, inicialmente, de sua contemplação como matérias eletivas e do
acompanhamento institucionalizado de professores;
b) As competições de moot court podem ser contempladas como ensino jurídico em seu viés
prático, através do desenvolvimento das habilidades de escrita e oratória, bem como em seu viés
teórico, através do estudo aprofundado e multidisciplinar dos ramos do Direito pertinentes ao
caso fictício proposto;
c) As competições de moot court se distinguem dos métodos utilizados nas disciplinas de
prática jurídica e a elas não se restringe. Podem ser empregadas em quaisquer disciplinas
dogmáticas, servindo-as como mecanismo lógico-estruturante do pensamento jurídico e formador
de conexões sobre os diversos aspectos da temática eleita para o deslinde dos estudos.
546
POR UMA CIÊNCIA MAIS SOCIAL DO DIREITO
A própria origem da ciência do direito é alienada e alienante. Quando Hans Kelsen propôs a
estrutura piramidal do ordenamento jurídico e ergueu barreiras que o separavam de outros campos
do conhecimento, percebeu-se uma clara tentativa de filtrar o aspecto fortemente social, senão
político, que havia no Direito. Era como se, para afirmar sua cientificidade, o Direito precisasse se
tornar puro. A teoria de Kelsen é muito arraigada para que possa ser superada por completo, e essa
herança hoje conflita com pesquisas jurídicas dos mais diversos assuntos, que trazem para o mundo
do Direito temas relevantes no seio social, para os quais se pretende fazer análise jurídica da
situação. Essa proposta levanta o problema de que muito embora o social permeie profundamente
o jurídico, a Sociologia não recebe todo o prestígio que deveria na Academia do Direito. A própria
denominação Sociologia Jurídica passa uma mensagem: é relevante na sociologia somente aquilo
que serve ao Direito, e isso pode ser considerada uma herança de tempos passados. Esse filtro
estabelece barreiras e cria limitações. A falta de prática em pesquisa sociológica resulta em
trabalhos acadêmicos, científicos, sobre situações sociais sem incluir uma análise de fato sociológica
da situação, sem buscar conhecimento em sociólogos de renome para a questão. O atalho criado
entre o fato social objeto de estudo e a análise jurídica empobrece a pesquisa. O Direito é ciência
social aplicada, mas o termo social parece eclipsado pelo termo aplicada. Aplicar o Direito, sem
saber em que exatamente se está aplicando, parece regra. Essa permanente alienação, como dito, é
herança de momentos de um Direito hermético. O objeto de estudo da pesquisa proposta é explorar
os desdobramentos da inclusão profunda da Sociologia na ciência do direito, por meio de método
dedutivo e pesquisa exploratória, bibliográfica e documental. Alguns possíveis desdobramentos já
vislumbrados tornam-se hipóteses de pesquisa a ser testadas. A primeira delas é que situar o Direito
num momento histórico, diferenciado em relação a outros momentos, contribui para que
pesquisador enxergue o caráter cultural de sua pesquisa, e abrande, ou ao menos atenue, os anseios
por verdade absoluta e universalidade dos resultados. Segunda, o conhecimento de diagnósticos
sociais permite perceber o que realmente são possíveis problemas de pesquisa, que comportam
soluções, em contraste com situações que caracterizam um período histórico, cuja modificação
também é histórica.
Mário S. F. Maia
Doutor em Direito pela UFPE. Professor de Filosofia do Direito da UFERSA.
547
profissionalmente na vida de professor. Devido a essa condição concreta do campo jurídico
profissional brasileiro as orientações epistemológicas (na produção científica) e pedagógicas (na
atuação de formação profissional) dos juristas estão imbricadas.
As normas que orientam o afazer concreto do professor de direito exigem que, ao lado do
instrumental dogmático-tecnológico, se articule uma mensagem pedagógica crítica e reflexiva que
em geral é rotulada de “humanista” (ver resolução 09/2004 do CNE). Apesar de normativamente
estabelecida, a pedagogia humanista é pouco concretizada.
Este artigo pretende descrever e refletir sobre uma prática pedagógica concreta
desenvolvida em ambiente institucional de formação jurídica. A atividade pedagógica consiste, em
síntese, no estímulo do olhar filosófico-curioso sobre o fenômeno jurídico a partir da
interpretação de pesquisas sociológicas e antropológicas e de observações diretas no campo
jurídico profissional, especialmente no que se refere a divisão do trabalho no ambiente
institucional forense. Trata-se de materializar uma pedagogia humanista a partir da observação do
fenômeno jurídico pelo prisma epistemológico das ciências socias.
Sob à vista humanista o direito não se materializa nas normas e sim no comportamento
efetivo dos agentes profissionais em atuação no campo. Objetiva-se fazer filosofia sobre o
trabalho concreto dos profissionais do direito no exercício da tarefa cotidiana como agentes de
controle dos conflitos sociais no contexto atual de uma sociedade marcada pela
hiperconflituosidade, onde o direito e o trabalho dos juristas especializados se expandiu para
todos dos campos da vida social.
Paradigmático, nesse contexto, são os estudos de Boudieu sobre o campo jurídico e a
etnografia de Bruno Latour (la fabrique du droit), além da inspiração na primeira geração
institucionalizada de juristas-sociólogos (1960) no Brasil, formados ainda num ambiente
institucional de tendência humanista, a exemplo de Nelson Saldanha, Cláudio Souto, Machado
Neto e Vamireh Chacon.
O estímulo para a observação e reflexão discente sobre a atuação concreta dos
profissionais juristas nos ambientes institucionais de tratamento de conflitos sociais afasta os
juristas em treinamento da visão idealizada do processo de decisão e do cotidiano profissional.
Instaura, portanto, um ângulo de abordagem material. Sob esse prisma material, o direito nas
sociedades complexas é percebido como algo dinâmico; um processo de construção institucional
de verdades marcado pela atuação não ingênua dos agentes jurídicos e pela formação de um
“mercado” de bens simbólicos.
Além disso, a experiencia concreta tem se mostrado “útil” como instrumento pedagógico
de reflexão humanista sobre o fenômeno jurídico na medida em que os discentes, ao realizarem
observações diretas, conseguem compreender com maior facilidade o uso do direito
dogmaticamente organizado, ou seja, a atividade permite que o discente adicione ao seu
repertório analítico elementos importantes para o entendimento de questões humanistas que
lhes são apresentadas, muitas vezes, através de textos difíceis para o estudante no início da
graduação1.
Notas:
1
Possivelmente o principal exemplo dessa literatura humanista “difícil” na doutrina jurídica nacional é o livro de
“Introdução ao Estudo do Direito” de Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2003). Outro trabalho “difícil” é “Ordem e
Hermenêutica” de Nelson Saldanha.
548
DESAFIOS METODOLÓGICOS PARA UMA ABORDAGEM CRÍTICA DA SOCIOLOGIA
DO DIREITO: EXAME DAS PROPOSIÇÕES DO RACIONALISMO CRÍTICO
549
ENTRE O CAMPO ACADÊMICO E O CAMPO JURÍDICO: UM ESTUDO DAS
TRAJETÓRIAS DOS MEMBROS DO CORPO DOCENTE DO PROGRAMA DE PÓS-
GRADUAÇÃO EM DIREITO DA UFRGS
Pedro S. Gomes
Graduando em Ciências Jurídicas e Sociais pela UFRGS. Bolsista PIBIC-CNPq. Membro do GPDS.
Lucas P. Konzen
Professor de Sociologia do Direito da UFRGS. Doutor em Direito e Sociedade pela Universidade de Milão. Membro do
corpo docente do PPGDir-UFRGS. Líder do GPDS.
550
Os resultados indicam que mudanças importantes ocorreram na instituição entre 2001 e
2017. A influência das regras das agências de regulação do campo científico no Brasil, como a
CAPES, forçou uma readequação do PPGDir-UFRGS quanto ao perfil dos docentes recrutados. Por
exemplo, todos os 30 integrantes de 2017 possuem formação em nível de doutorado, ao passo
que apenas 07 de 11 em 2001. Também percebemos a emergência um novo grupo de professores
que mantêm uma trajetória desde o início voltada à pesquisa e à docência, sem vinculação com a
prática jurídica. Este grupo possui um forte investimento de capital econômico familiar que
possibilitou a acumulação de capital cultural. Isso indica que a busca pela profissionalização na
docência e na pesquisa é uma estratégia dos docentes que acompanhou as transformações
institucionais que ocorreram no PPGDir-UFRGS em reação às lógicas dos processos de avaliação da
pós-graduação, evidenciando a maior autonomia alcançada pelo campo acadêmico em relação ao
campo jurídico.
Sérgio Nojiri
Fernando Barroso Filho
INTRODUÇÃO
Este trabalho apresentará a experiência dos discentes da graduação da Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto (FDRP) da Universidade de São Paulo, com levantamentos de dados
sobre órgãos do sistema de justiça realizados em atividades de ensino laboratorial nos primeiros
anos da formação jurídica. O objetivo é discutir o modelo enquanto inovação metodológica ao
ensino jurídico a partir de pesquisas sobre o Sistema de Justiça, de modo que o compartilhamento
de saberes possibilite o aprimoramento de métodos e técnicas, bem como ofereça perspectivas
para pensar a aplicação da pesquisa empírica para a formação jurídica no Brasil.
O novo Projeto Político-Pedagógico (PPP) da FDRP introduziu a disciplina “Laboratório” na
grade curricular, obrigatória aos discentes dos primeiros anos da graduação. Diante das propostas
do novo PPP, o Laboratório busca novas estratégias de ensino e aprendizagem, pautadas pela
inovação, pela aproximação entre as pesquisas acadêmicas e o cotidiano jurídico, assim como a
integração entre pesquisa, ensino e extensão. Distanciando, assim, o ensino da FDRP daquilo que
Paulo Freire chamou de “ensino bancário”, que corrói a criatividade.
Embora obrigatória, existem variados eixos temáticos dos quais os discentes podem
participar. Cada eixo estabelece seus objetos de estudo, métodos, técnicas e objetivos. Este
trabalho refere-se às atividades desenvolvidas pelo eixo “Análise comportamental de atores do
sistema judicial”, coordenado por Sergio Nojiri e Paulo Eduardo Alves da Silva, estudando o
Sistema de Justiça por meio de pesquisas empíricas e abordagens interdisciplinares.
PROBLEMAS INVESTIGADOS
Tal eixo adotou como linha de trabalho o desenvolvimento de análises sobre a
autopercepção dos atores que compõem o sistema de justiça, elegendo semestralmente
determinado ator a ser pesquisado. Nas três edições realizadas até então, foram analisados:
551
I - o Ministério Público e a Defensoria Pública, no que tange ao posicionamento ideológico de seus
membros e de suas respectivas instituições;
II - a Advocacia, quanto ao tratamento eventualmente discriminatório recebido nas relações
interpessoais no ambiente forense;
III - a Magistratura (em andamento), em relação aos reflexos político-sociais de sua atuação.
MÉTODO DE ANÁLISE E OBJETIVOS
Na apresentação, serão discutidos a metodologia e os objetivos adotados em cada edição,
além dos resultados obtidos. Por ora, cumpre dizer que o eixo
a) explorou metodologias quantitativas e qualitativas de pesquisa empírica;
b) mobilizou 26, 32 e 33 discentes em cada edição, respectivamente (filtrando interessados);
c) contou com apresentações dos resultados a representantes dos atores pesquisados (na FDRP) e
à comunidade científica (VIII EPED e IV DIPSIN);
e) articulou conceitos da psicologia social, área do conhecimento interdisciplinar que se encontra
entre a sociologia - cujo foco são as estruturas sociais e as relações entre os grupos - e a
psicologia - cujo foco são os processos cognitivos individuais.
CONCLUSÕES
A experiência da pesquisa laboratorial na graduação se mostra uma próspera possibilidade
metodológica para pesquisas sobre o Judiciário e outras instituições jurídicas, pelo potencial de
colaboração entre os discentes na construção de uma pesquisa empírica ampla, além das
vantagens que se revertem em novas estratégias de ensino do Direito e de sua integração com
pesquisa e extensão, bases das universidades públicas brasileiras. A disciplina é uma manifestação
do espírito modernizador do ensino de Direito, estimulando o espírito crítico.
Por fim, o Laboratório, além de facilitar a inserção de discentes da graduação nos usos de
métodos da pesquisa a científica, possibilita um encontro direto com a realidade judicial e forense
da cidade de Ribeirão Preto, desde os primeiros semestres. Auxiliando, assim, na formação de
profissionais qualificados técnica, científica, tecnológica e academicamente.
552
Coordenação:
Sylvio Gadelha (UFC)
Karina Valença (UFPE)
David Oliveira (UFC)
JORNADAS DE JUNHO SOB À ÓTICA DO DIREITO DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO
Deric B. S. Gonçalves
Graduando em Direito na UFPE
Flavianne Nóbrega
Professora Doutora da UFPE
O presente trabalho parte da questão central “quais fatores são determinantes para que a
atuação midiática favoreça ou prejudique o Estado Democrático de Direito”? Trata-se de uma
dúvida com forte caráter pragmático, ensejando uma análise dos eventos pretéritos a fim de
descortinar as possibilidades para o futuro. Foi possível identificar tal problema a partir do método
556
abdutivo, conforme proposto de Charles S. Peirce, de forma que a inquietação crítica conduz a
hipótese de pesquisa: um bom funcionamento das instituições, no sentido de consolidar o Estado
Democrático de Direito, depende da formação de incentivos por parte da mídia. Nesse sentido, uma
atenção especial é conferida a exposição midiática dos eventos jurídico-políticos na última década,
com destaque para a cobertura da Lava-Jato como um caso prático capaz de evidenciar a relação
entre o contexto brasileiro na contemporaneidade e a mídia. Objetivos Primeiramente, diante do
problema exposto é imperativo (1) identificar os incentivos e constrangimentos, criados ou
relacionados a mídia, surgidos nesta década que conduziram ao presente contexto político-jurídico.
A partir de então, tem-se por objetivo (2) analisar se a relação entre os agentes midiáticos, jurídicos
e políticos, a partir do ano de 2011, aponta indícios de um alicerçamento, decréscimo ou
manutenção do status no Estado Democrático de Direito brasileiro. Desse modo, será possível (3)
elencar, mediante hipóteses, os elementos necessários para a formação de um enredo midiático
apto a corroborar o Estado Democrático de Direito e, inversamente, (4) relacionar fatores, que
aliados a publicização, podem debilitar as instituições, incentivando-as a adotar um direcionamento
contrário a proteção de direitos e garantias individuais igualitárias ou uma retórica anti
constitucional. Metodologia: Para analisar a hipótese de pesquisa, é fulcral entender o
funcionamento institucional, adotandose, assim, uma abordagem baseada na Nova Economia
Institucional, com especial fundamentação teórica dos autores Douglass C. North e Stefen Voigt.
Portanto, as instituições não serão compreendidas apenas como as organismos formalmente
constituídos, mas, considerar-se-os-ão na interação com os comportamentos individuais
coletivamente adotados com regularidade, isto é, com as condutas que não dependem
exclusivamente do desejo pessoal, dada a possibilidade de sanção. Ademais, visando alcançar os
objetivos, adotar-se-á, principalmente pesquisa bibliográfica, reflexões filosóficas condizente com a
metodologia abdutiva e pesquisa ex-post-facto entre a cobertura midiática e a atuação institucional
dos três poderes entre os anos 2011-2019. Conclusões Esperadas Evidentemente, há possibilidade
de, no decurso da pesquisa, contrariar a hipóteses central, alcançando a conclusão da inexistência
de fatores midiáticos capazes de interferir em um desenho institucional impulsionando-o, seja
contrária ou favoravelmente aos princípios do Estado Democrático de Direito. Contudo, acredita-se
ser possível relacionar as consequências da publicização com aspectos econômicos (por exemplo, a
crise econômica brasileira, a partir de 2013, e a atual situação de ilusão fiscal), aspectos axiológicos
(os valores existentes nos diferentes subsistemas sociais), além de depender do desenho
institucional no momento da difusão dos enredos midiáticos.
A democracia não pode ser visualizada como se se tratasse apenas de dizer que ela é uma
substância perfeitamente concluída ou não concluída, como se fosse possível simplesmente
resumir de modo dicotômico que há lugares onde ela existe em sua forma perfeita e há lugares
onde ela não existe de qualquer modo. A democracia é uma construção sempre inacabada
(Dagnino, 2004). Um movimento coletivo e tensionado, o qual para ser avaliado precisa ser visto a
partir de interações entre diferentes agentes sociais. Este tipo de análise permite observar
diferentes conflitos de interesses e projetos políticos de grupos diversos em andamento. A
557
presente pesquisa tem como objetivos analisar como algumas mídias tem se posicionado diante
do crescimento do Escola sem Partido, além de examinar o que tem representado esse projeto de
política pública regulatória para a educação (considerando-a como essencial para a formação da
cidadania no país) a partir de tensões que envolvem conteúdo expresso na Constituição. Nosso
trabalho visa ainda perceber que tipo de posicionamento a justiça brasileira tem tendência de
demonstrar diante de um crescimento político do Escola sem Partido.O corpus desta investigação
é formado por Projetos de Lei elaborados por defensores do Escola sem Partido ente 2014 e 2018,
além de notícias envolvendo temas que se relacionam com este projeto (como intolerância
religiosa e restrição à liberdade de cátedra) e entrevistas realizadas com pessoas que moram na
grande Fortaleza (capital e região metropolitana) no estado do Ceará e defendem bandeiras de
diferentes grupos sociais (como indígena, quilombola, religião afro-brasileira e grupo LGBT). Essa
pesquisa se baseia em uma análise documental acerca dos diferentes PLs que propuseram o
Escola sem Partido entre os anos de 2014 e 2018. Além disso, ela conta com uma análise de
discurso crítica baseada em uma perspectiva de Norman Fairclough (2003) voltada tanto para o
conteúdo das entrevistas quanto para o exame das notícias que foram selecionadas. Entre os
teóricos utilizados nesta investigação, estão Vera da Silva Telles (1990), Paulo Freire (1996),
Viviane de Melo Resende e Viviane Vieira (2006), Michel Foucault (2013) e Achille Mbembe
(2014). Foi possível concluir por parte de algumas mídias um posicionamento político que, antes
de informar, mais demonstrou-se voltada para o objetivo de influenciar a opinião pública e de
certa forma a justiça a se posicionar não de modo a levar esta última a basear-se em preceitos
jurídicos, mas em pressão política. Além disso, concluiu-se que o conteúdo do Escola sem Partido
é uma ameaça a direitos de minorias e à possibilidade de construção de uma educação voltada
para valorização da pluralidade social e da cidadania no Brasil, com uma tendência a silenciar
discussões que precisam ser feitas em âmbito escolar. E embora perceba-se por parte de grupos
conservadores força e vontade para fazer esse projeto de política pública regulatória no campo
educacional ganhar espaço por meio de votação no parlamento, o STF demonstra predisposição
para, barrando o mesmo, sustentar garantias constitucionais, sobretudo no que diz respeito aos
artigos 205 e 206 da Constituição.
O esforço teórico em apresentar a mídia como instituição que orienta o saber social se
perfaz na ideia de que há uma interação simbiótica entre discurso e poder. O discurso midiático se
559
orienta sob a perspectiva de instaurar a verdade na sociedade, isto é, apresenta-se como
mecanismo que viabiliza a manifestação do poder em uma rede de forças que emergem para o
dialogismo e para o referente extralinguístico, ou seja, os valores socio-históricos latentes ao
processo de comunicação. Não é o discurso, ora, um mero conjunto de signos, mas um aparato
que, através do léxico, forma sistematicamente os objetos e a exterioridade a que visa retratar
(FOUCAULT, 1970). O suporte de materialidade do discurso midiático não é, em síntese, o
exercício da democracia de forma plena e arrazoada, ao apresentar fatos e informações com
intuito de prezar pela imparcialidade e pela transmissão da informação de forma isenta; a
contrassenso desse entendimento, observa-se que há um interesse econômico e político
instrumentalizado pelo fato jornalístico verbalizado em manchetes de revistas e/ou telejornais:
não se entende, nesse sentido, a mídia como mediadora de fatos, mas como elemento profícuo
que constitui, também, a realidade social, ao lançar mão de um viés ora informativo ora repressor
dos veículos que se apoderam da linguística, da semiótica e da potencialidade expressivo-
comunicativa dos enunciados e, por conseguinte, dos discursos. Percebe-se, então, que a
construção da história do corpus social se opera na realidade discursiva criada pelos próprios
sujeitos, isto é, a “fala” é convertida em acontecimento e, tratando-se o homem de um ser
discursivo, criado pela linguagem, desvenda a própria existência e os respectivos desdobramentos
do ser existente a partir dos recursos de comunicação. É importante compreender, também, que a
manipulação midiática ocorre baseada no conceito de inteligência coletiva. A inteligência coletiva
é um conceito de um tipo de inteligência compartilhada que surge da colaboração de muitos
indivíduos em suas diversidades. É uma inteligência distribuída por toda parte, na qual todo o
saber está na humanidade, já que ninguém sabe tudo, porém todos sabem alguma coisa, ou seja,
a base e o objetivo da inteligência coletiva são o reconhecimento e o enriquecimento mútuo das
pessoas. (LÉVY, 2007, p. 212). Apesar de ser positivo para a sociedade e de gerar capital social, a
inteligência coletiva não deve servir de parâmetro para tomadas de decisões judiciais. Tal
compartilhamento de saberes, quando postos em meios de comunicação de massa, podem ferir o
princípio da imparcialidade, que é garantido constitucionalmente. Cabe frisar, dessa forma, no que
tange à Operação Lava Jato, iniciada no ano de 2014, que uma sequência de narrativas
anticorrupção adornaram a opinião pública brasileira sob a escusa de combate à imoralidade
política, com crivo no senso comum de que as pautas e, sobretudo, as figuras envolvidas na esfera
de gestão governamental são, necessariamente, pessoas que pensam em prol de benefício próprio
e exclusivo, além de se utilizarem de meios fraudulentos para auferir recurso ou vantagem
destinados à coletividade. É no mensalão, em 2005, que se inicia o marco da “espetacularização”
do medo, não obstante a impunidade que assolava o território brasileiro no âmbito da política, a
instabilidade que circundava o ambiente público deu início a uma busca incessante por combater
o que a mídia reverberava como mal comum à nação e às instituições políticas: a corrupção. A
Operação Lava Jato desfez, desse modo, a separação entre opinião pública e o jus puniendi
estatal, concretizado pelo poder judiciário: o processo de heroicização do juiz Sergio Moro, que foi
comparado em charges a super-heróis da ficção; as reportagens que enalteciam a idoneidade do
juiz vinculado ao caso; a ampla divulgação dos réus como “culpados”, inclusive o aparecimento de
um réu citado já devidamente vestido com a indumentária de presidiário e por trás de celas, numa
clara alusão ao sistema carcerário e em um apelo nítido à frustração dos princípios que orientam o
devido processo legal e a presunção de inocência; o conjunto probatório obtido por diligências
informais, através de entrevistas que se valiam do direito ao sigilo e à liberdade de expressão. A
pesquisa se fundamenta, outrossim, no método de pesquisa bibliográfica, o qual visa à análise de
estudos preexistentes de modo crítico e sistemático acerca dos livros, periódicos, textos,
reportagens de revistas e jornais e aparatos teóricos selecionados, sendo eminentemente
qualitativa, uma vez que pretende enunciar a mídia sob o respaldo da acepção de poder para
Michel Foucault. O conjunto de autores e balizas teóricas empregados na elaboração do trabalho
560
confirmaram a tese de que a verdade real, própria aos processos existentes na Operação Lava
Jato, encontrou sustentáculo nas opiniões orquestradas pelos veículos de massa. Intenta-se, por
fim, que Estado Democrático de Direito, por fim, pode e deve coexistir com a mídia, afinal, é
direito constitucional garantido o acesso à informação e o direito à liberdade de expressão,
entretanto, faz-se necessária uma reflexão acerca das estratégias e influências do discurso e do
poder intrínseco às narrativas midiáticas quanto ao julgamento de uma das maiores ações penais
de cunho político do Brasil: a operação Lava Jato.
Esta pesquisa teve como objetivo identificar e analisar o discurso que um dispositivo
midiático católico, publicado no Rio Grande do Sul, difundiu no Brasil, em 1928, relativo às políticas
públicas instituídas pelo presidente Plutarcho Elias Calles no México, na década de 1920. Dentre
essas manifestações do poder governamental, a Lei Calles, como ficou popularmente conhecida,
tinha por objetivo o controle das expressões religiosas no País, em especial da Igreja Católica. O
caráter anticlerical da lei não foi facilmente aceito, pois, grande parte da população possuía
formação católica, o que promoveu uma rápida e defensiva resposta ao governo. Essa reação deu
origem ao movimento que ficou conhecido como “rebelião cristera”. Buscamos compreender os
eventos ocorridos no México a partir de uma ótica externa, apresentando como a Igreja Católica
brasileira, através de um de seus meios de comunicação, influenciou na construção de uma
ideia/opinião “coletiva”, em nosso país, a respeito da rebelião, e do processo que acarretou na
sentença e execução do Padre jesuíta Miguel Agostín Pro e seu irmão Humberto. Buscamos
entender o porquê de a revista defender a suposição de que as perseguições e execuções se deram
por conta de um viés totalmente ideológico – o do anticlericalismo. Utilizamos como fonte principal
fascículos do periódico intitulado “O ECHO: Revista illustrada para a mocidade brasileira”, de março,
abril e junho de 1928, observando neles as passagens referentes ao movimento mexicano e o juízo
enfático adotado pela revista – induzido ao seu público –, acerca dos eventos ocorridos e sua
repercussão. Como referenciais teóricos utilizamos as perspectivas de biopoder, biopolítica e
normação do filosofo francês Michel Foucault, atrelado ao conceito de contemporaneidade do
filósofo italiano Giorgio Agamben. Como referencial metodológico, utilizamos a perspectiva da
historiadora brasileira Tania Regina de Luca, para a análise dos periódicos.
O presente trabalho procura tratar da proximidade cada vez maior entre o Poder Judiciário,
em suas diversas esferas e ações, com a Mídia e como essa relação pode afetar em decisões
judiciais e modo de agir dos membros do judiciário. É vislumbrado de forma cada vez mais
frequente um sensacionalismo midiático exacerbado em face da atuação do Poder Judiciário,
564
porém é possível perceber também uma relação nefasta por parte do Judiciário que,
aproveitando-se justamente de exposição, ajuda a fortalecer as situações de parcialidade,
enaltecimento ou aprovação de suas ações. Torna-se também objetivo desta pesquisa analisar o
fato de que não é novo que a mídia age como difusora de diversos acontecimentos, sendo essa
sua vital função, entre eles os políticos e jurídicos, fazendo com que os indivíduos mergulhem
numa ilusão conhecedora de todas as informações possíveis. Porém, novidade também não há em
declarar que nem todas as informações difundidas pelos veículos midiáticos muitas vezes não
condizem com a real situação, podendo haver clara manipulação do que será divulgado e como o
será. Existe um interesse real dos dois lados nessa grande simbiose, onde investigações são
noticiadas com um caráter já acusatório e totalmente parcial para alavancar a opinião popular e
destiná-la a um desejo de condenação antes mesmo do julgamento. Com esses elementos pré-
acusatórios, sendo tratados primeiramente na mídia, de forma verdadeiramente sensacionalista,
sem observância do devido processo legal, os membros do judiciário acabam por tratar seus
processos de forma corrompida, podendo impossibilitar a aplicação de garantias aos já
estigmatizados “pré-condenados midiáticos”. A falha do judiciário é essa utilização midiática que
estigmatiza e, maquiavelicamente, acaba por ser realizada por parte do mesmo, com um desejo
de blindar-se por trás da opinião popular, em uma espécie de cruzada pelo “bem-comum”, agindo
não como um operador do Direito, mas como um agente de exceçãoou o Inquisidor de uma Caça
às Bruxas no Século XXI. Então, pode-se perceber previamente que existem dois efeitos imediatos
acerca desta problemática, o primeiro situa-se na utilização da mídia pelo judiciário em proveito
próprio, tendo como consequência por exemplo a influência midiática no vangloriar a figura de um
juiz de primeira instância elevando-o a categoriade herói nacional, e possível nome a vaga de
ministro do STF. Há também o controle realizado pela mídia das decisões judiciais criando um
tribunal de exceção popular. Para tais fins, utilizar-se-á de uma metodologia baseada no estudo
empírico, suplementada pelo método analítico dedutivo a respeito dos casos de grande interesse
midiático e como a atuação judiciária tornou-se afetada a partir disto.
566
Coordenação:
Celly Cook Inatomi (INCT-INEU)
Fabiola Fanti (CEBRAP)
MOBILIZAÇÃO DO DIREITO NA ARENA SOCIOAMBIENTAL: O PAPEL DO MINISTÉRIO
PÚBLICO FEDERAL NA DISPUTA PELA MANUTENÇÃO DE UM TERRITÓRIO
TRADICIONALMENTE OCUPADO NA APA DA BARRA DO RIO MAMANGUAPE
(PARAÍBA)
Marcia Baratto
Doutora em Ciência Política pela UNICAMP
PROBLEMA INVESTIGADO
Qual a relevância dos estudos sobre direito e literatura para a mobilização do direito?
Reconstruindo a trajetória de estudos de James Boyd White, este artigo foca-se em analisar o que
570
significa considerar o direito enquanto prática discursiva e ato de linguagem, buscando ilustrar
como e porquê textos literários podem ser uma fonte proveitosa e instigante para o ensino do
direito. De forma experimental, o artigo termina com uma sugestão de atividade para professores
de sociologia do direito: ler o tema dos direitos indígenas pelas lentes da obra ‘Macunaíma’ de
Mario de Andrade.
OBJETIVOS
Compreender qual o papel das análise entre literatura e direito para o campo de estudos
da mobilização do direito. A prática do direito, enquanto linguagem, também se faz pela literatura,
mas qual a relevância da contraposição entre o direito imaginado na literatura e o direito
imaginado por seus profissionais? Os mundos imaginados dos romances, contos e poesias podem
ilustrar temas do mundo do direito?
MÉTODO DE ANÁLISE
Revisão bibliográfica comparativa e historicamente orientada, focada nos estudos da
mobilização do direito sobre literatura, por meio da obra de James Boyd White.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
O campo da análise do direito é interdisciplinar. Enquanto fenômeno social, o direito é
tematizado por todas as ciências sociais, incluindo a economia, a antropologia, a história, a ciência
política, a sociologia e a filosofia. Ainda, tal qual a economia, conta com profissionais pensadores
que o tratam como uma ‘ciência’ a parte, e o isolamento epistemológico é um projeto de poder
frutífero em tornar os juristas e as suas práticas blindadas de influências externas, ao menos no
plano discursivo. O direito, da perspectiva de seus pensadores e profissionais, projeta para si um
campo autônomo de ação e pensamento.
Analisar esse campo de uma perspectiva externa, mas ao mesmo tempo reveladora de
outros sentidos do jurídico, é uma das ambições de James White. Para o autor, o direito é mais do
que um sistema de regras e normas que tem por objetivo entregar resultados no mundo material.
Ele precisa também ser compreendido como uma atividade intelectual e imaginativa que projeta
sentido para uma vasta gama de atividades humanas. O direito é linguagem, e está aberto para a
interpretação e uso de todos os falantes.
Todavia, qual a relevância desses estudos, que consideram o direito e suas múltiplas
manifestações presentes desde a vida cotidiana, até a abstração das teorias da justiça e do
Estado? O que ‘ganhamos’, enquanto profissionais do ensino, ao dedicamos a compreender como
mundos completamente imaginados traçam seus conceitos, formas, funções e significado sobre o
que é o direito?
Para a mobilização do direito, o ato de imaginar os sentidos das regras, leis, normas e
sentidos de justiça também é constitutivo daquilo que o direito é. A prática do direito não se limita
as decisões do tribunal ou a criação de leis pelo legislativo. Ele está presente na vida cotidiana, na
interação de ativistas sociais, e também no mundo imaginário da literatura. Essa perspectiva
generalista e universalista, do direito enquanto ato de fala e ação, também abre-se a diversidade
de significados que o direito pode assumir. Nesse sentido, as pesquisas sobre direito e literatura
corroboram com uma das premissas da mobilização do direito: o direito não é, como um dado, um
fato reconhecido, ele constitui-se, inclusive por meios e locais fora da institucionalidade do
estado.
White dedicou-se a pensar a junção da literatura e direito no campo do ensino jurídico,
com sugestões práticas para a sala de aula. Como proposta de uso da abordagem iniciada pelo
autor, este texto trará, ao final, uma reflexão sobre os direitos indígenas e na obra de Mario de
571
Andrade, Macunaíma, na qual explora-se a defesa do autor da literatura como porta de entrada
para a compreensão do jurídico.
572
DEVER MORAL A DESOBEDIÊNCIA: UMA ANÁLISE DO DIREITO DE RESISTÊNCIA NA
LUTA POR DIGNIDADE HUMANA
A constituição de 1988, por ter sido elaborada através da ouvida de diversos setores da
sociedade, foi denominada de constituição cidadã, caracterizando a redemocratização da
República Federativa do Brasil. A partir desse momento, surge a ideia da vigência de um regime
democrático de governo que, para além da representação popular, por meio de representantes
eleitos, em tese, possibilitou a efetiva atuação social na tomada de decisões. Essa participação
deu-se com a criação de artifícios processuais tais quais os referendos, plebiscitos dentre outros.
Nas experiências mais recentes, entretanto, observa-se que a enunciação de instrumentos
possibilitadores do exercício da cidadania não são utilizados e, sequer, podem ser alcançados. As
consequências dessa realidade, distante dos ideais consagrados pela Constituição, em primeiro
momento, na manutenção de um sistema que condiciona os indivíduos a qualidade de meros
servos pela impossibilidade de questionarem a atuação do Estado quando este não promove os
diversos direitos e garantias fundamentais, bem como de direitos humanos. Em segundo
momento, tal impossibilidade de contestação dá ensejo à revoltas populares, uma vez que a
sociedade não visualiza a concretização de preceitos fundamentais, a exemplo da saúde,
segurança, qualidade de vida, habitação, dentre outros. A partir do momento que as instituições
falham e não garantem que as demandas sociais sejam respeitadas, surge o direito de resistir às
injustiças através de espaços populares, não-institucionais. Os movimentos sociais são formas
políticas de resistir às arbitrariedades perpetradas pelo Estado. Um dos mecanismos que podem
ser utilizados pelos movimentos é a desobediência civil, isto é, um meio de questionar, em ultima
ratio, a legitimidade da legislação e das práticas estatais. O objetivo do presente trabalho, é
demonstrar como o direito de resistência, utilizando-se por exemplo, da desobediência civil, pode
ajudar na luta contra injustiças. Para viabilizar a investigação proposta, como método de
abordagem, utilizou-se o indutivo, visando uma análise detalhada das bibliografias pertinentes,
com o fito de melhor compreender o passado e entender como a desobediência civil foi utilizada
em determinados momentos e, dessa forma, poder utilizá-la no presente para lutar contra o
autoritarismo estatal. Dessa forma, está claro, portanto que o reconhecimento da legitimidade da
desobediência civil como mecanismo de resistência dos movimentos sociais na luta por Direitos
Humanos, razão pela qual o Estado não deve criminalizar a atuação de desobedientes que visam à
contestação da legitimidade da própria lei.
Palavras-chave: Movimentos Sociais. Desobediência Civil. Direito de Resistência.
573
Coordenação:
Emiliano Maldonado (IPDMS)
Fernando Goya (UNILASALLE)
ANÁLISE DA CONSTRUÇÃO DE UM NÚCLEO DE ASSESSORIA JURÍDICO POPULAR
EM ALAGOAS – ENTRE INSEGURANÇAS E ACERTOS
A ADI 4275, ajuizada pela PGR, possibilitou interpretação conforme a Constituição Federal
do Art.58 da Lei 6.015/1973, no sentido de ser viável a alteração de prenome e gênero de pessoas
transsexuais no registro civil mediante averbação no registro original, independentemente de
cirurgia de transgenitalização. Frente à determinada decisão, o Grupo Robeyonce de Extensão
Universitária iniciou uma série de ações focada na assessoria jurídica de pessoas travestis e
transsexuais, promovendo o conhecimento do público a seu respeito, bem como usufruto.
Foram realizadas intervenções em pontos de prostituição e cinemas pornôs da cidade do
Recife/PE tendo, como forma inicial de abordar as trabalhadoras sexuais, a distribuição de
camisinha e lubrificantes. Após esse vínculo primário, era apresentada a Extensão e explanado
acerca dos direitos garantidos à população “T” (transsexuais, transgêneros e travestis), em
especial o direito fundamental ao nome, assim como as formas de conquistados mesmos,
pautando sempre o processo informativo em princípios paulofreirianos de educação, percebendo
esse momento como uma troca e buscando a autonomia de cada indivíduo.
Desse modo, a Assessoria se colocava à disposição para auxiliar a mulher em todo o
processo burocrático a ser enfrentado para a retificação de nome e gênero, respeitando sempre a
independência de cada indivíduo. Em diversos casos integrantes do Grupo acompanharam as
assessoradas no processo de retificação, percebendo as diversas dificuldades para a conquista do
direito assegurado.
Visto isso, o problema investigado neste trabalho diz respeito, em suma, aos obstáculos
enfrentados pelos extensionistas nas ações de assessoria jurídica desempenhadas junto à
prostitutas travestis e transsexuais da cidade do Recife/PE na luta pelo direito ao nome.
Outrossim, faz-se mister demarcar que esse problema também perpassa intrinsecamente
dificuldades confrontadas pelas próprias trabalhadoras sexuais no seu cotidiano.
O objetivo geral proposto se refere à identificação dos problemas travados tanto pelo
Grupo Robeyonce de Extensão Universitária na promoção da assessoria jurídica, quanto por
578
prostitutas travestis e tarnssexuais no acesso ao direito ao nome. Os objetivos específicos são
atinentes à formulação de possíveis soluções para as problemáticas analisadas, bem como a
percepção sobre a maneira que as organizações da sociedade civil podem auxiliar na conquista do
referido direito fundamental.
A presente investigação foi realizada de maneira empírica, de modo que foram
empregados tanto métodos quantitativos quanto qualitativos. Os primeiros, no que concerne à
obtenção, organização e análise de dados numéricos sobre a quantidade de indivíduos que
participaram das ações, de materiais disponibilizados, pessoas abordadas, contatos recebidos
posteriormente, procedimentos administrativos iniciados, etc. Já a metodologia qualitativa, por
seu turno, foi utilizada na reflexão relativa à substancialidade desses dados, a fim de compreender
principalmente as motivações subjacentes às dificuldades enfrentadasnasações de assessoria,
entre outros objetivos propostos nesta pesquisa.
Ante o exposto, conclui-se parcialmente que as barreiras encontradas nessas ações de
assessoria jurídica decorrem principalmente na dificuldade de abordagem do público alvo e do
desconhecimento por parte dos extensionistas acerca da sistemática de trabalho da prostitutas
envolvidas, a qual envolve especificidades de cada ponto de prostituição, como horários, datas e
fluxo de movimentação, por exemplo. Não obstante, constatou-se até o momento que os
contratempos enfrentados pelas prostitutas no acesso ao direito ao nome são oriundos do
desconhecimento latente no que diz respeito ao mesmo e da desvalorização relativa à relevância
de mudança do nome civil em detrimento de outras necessidades mais imediatas.
Nos tempos contemporâneos, a educação jurídica vem sendo considerada importante eixo
para atenuar o descompasso entre os repertórios legais e as realidades locais/regionais ou, em
palavras outras, para aproximar o Direito do cenário histórico-social em que se insere. À medida
que os debates sobre formação jurídica adquirem centralidade e densidade acadêmico-
institucionais, um novo olhar é direcionado para a educação jurídica e, notadamente, para a sua
pertinência social mediante atividades extensionistas e curriculares. Na América Latina, o
formalismo jurídico forja as noções de Direito, da educação jurídica e da prática profissional, e a
sua superação passa pela construção de um novo pensamento jurídico, pautado pela reflexão
sobre aquilo que está ordenado e consagrado oficialmente, em termos de conhecimento, discurso
e comportamento, e pela possibilidade de conceber outras formas de sua práxis. O conceito de
Direito formalista associa o sistema jurídico à lei e, por conseguinte, considera o conjunto de
normas criadas pelo legislador o âmago do ordenamento jurídico. Sendo assim, para o formalismo
jurídico latino-americano, o Direito é completo, coerente, fechado, e capaz de conferir respostas
únicas a todos os conflitos que possam surgir em uma sociedade. A educação jurídica formalista,
por sua vez, reforça e reproduz esse conceito, e é marcada pela descontextualização, pelo
dogmatismo e pela unidisciplinaridade. À vista disso, esse sistema de educação engendra a
formação de profissionais do Direito desvinculados das realidades das quais fazem parte, e com
dificuldades para enfrentar e tratar adequadamente problemas reais no exercício das profissões
jurídicas. O habitus formalista atua na composição do perfil do bacharel em Direito e, a posteriori,
579
ultrapassa o âmbito da formação, orientando a sua forma de relação com a sociedade e com o
mundo jurídico. Para romper com esse modelo formalista que mantém e reproduz as relações de
poder vigentes, o encadeamento entre teoria e prática vem granjeando cada vez mais
notoriedade. A formação de um pensamento mais crítico, e o avanço nas fronteiras do
conhecimento contribuem para, de um lado, aprimorar a formação jurídica mediante a aquisição
de habilidades e competências profissionais e, de outro, aprofundar o vínculo entre educação e
sociedade. Nessa direção, a prática jurídica universitária vem se constituindo como significante
eixo para cooperar com a qualidade dos processos formativos acadêmicos, bem como com a
democratização do acesso à justiça. Diante disso, pretende-se analisar alguns eventos que
remontam ao diálogo entre educaçãosociedade e que, por sua vez, produzem formações
discursivas que conferem subsídios para a prática jurídica universitária, a exemplo do Manifesto
de Córdoba, das declarações regionais e mundiais sobre educação superior, ou seja, do repertório
discursivo da UNESCO, e do Projeto Tuning América Latina.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho descreve pesquisa etnográfica desenvolvida no contexto das
atividades de Assessoria Jurídica Universitária Popular por estudantes universitários membros do
Coletivo de Assessoria Jurídica Popular – Luiz Gama num estudo de caso em comunidades
quilombolas do município de Juazeiro-BA, diante de uma realidade histórica de fragilização e
afastamento da ancestralidade, assim exemplificados pela perda dos laços com as lutas e
resistência de seus antepassados.
Utilizando-se do Método Freiriano, na perspectiva dialógica e horizontalizada educação
popular em Direitos Humanos, o trabalho propõe reflexões acerca da obrigação com a extensão
universitária e produção de conhecimento jurídico crítico que culmina no processo de
emancipação simultânea de Comunidade e Coletivo.
PROBLEMA INVESTIGADO
Nesse ínterim, explora a multiculturalidade e as fronteiras de etnicidade, enquanto
formadoras do povo quilombola e como a memória coletiva, formada por território, cultura e
tradições, residem na recepção de um marco jurídico que regulamenta essas comunidades.
Investiga-se, ainda, os critérios utilizados pelo Estado na validação de identidades, para que,
então, elas acessem direitos, em contraposição à essência da fundação de quilombos, com
respostas de auto-organização do povo negro à violência institucional.
OBJETIVOS
Busca-se demonstrar, através deste estudo de caso, como estão delineadas as relações
entre as populações quilombolas de Juazeiro/BA e o Poder Público, sobretudo o Poder Judiciário.
580
Além disso, propõe-se investigar como o processo de diáspora negra influenciou no
enfraquecimento da identidade cultural das Comunidades Quilombolas. Nesse contexto, o direito
à memória coletiva surge como instrumento de resistência à dominação colonial, contribuindo ao
processo de autorreconhecimento enquanto sujeitos quilombolas possuidores de direitos, assim
como, ao fortalecimento das Comunidades Tradicionais Quilombolas.
MÉTODO DE ANÁLISE
O presente estudo está consubstanciado em como as transgressões dos direitos
quilombolas pelo Poder Público foram determinantes, ao longo dos anos, para o processo de
enfraquecimento da memória coletiva quilombola, através de pesquisa qualitativa, explicativa,
com ênfase na pesquisa de campo a serem realizadas nas Comunidades Quilombolas de Juazeiro-
BA, ao mesmo tempo que será necessária a pesquisa documental para o cruzamento de dados.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
As Comunidades Tradicionais Quilombolas sofrem com a marginalização imposta a seus
indivíduos desde a época da escravidão, marcando-se por um histórico de resistências e lutas por
seus direitos e memória de seus antepassados. No entanto, a ininterrupta violência institucional
sofrida contribuiu para a vulnerabilização das Comunidades Quilombolas da cidade de Juazeiro/BA
e do contato com sua memória coletiva.
Nesse contexto, o Coletivo de Assessoria Jurídica Popular – Luiz Gama, através do enfoque
na educação jurídica popular, promove atividades que fomentam o conhecimento sobre suas
origens e identificação, com o intuito de fortalecer as Comunidades Tradicionais, bem como, de
preservar a identidade cultural da comunidade, para alcance da justiça social.
Sendo assim, o Direito à Memória atua com ferramenta imprescindível de resistência ao
esquecimento e à marginalização das Comunidades Quilombolas e seu histórico contra
hegemônico, possibilitando a reinvenção da narrativa quilombola e o autoempoderamento desses
sujeitos de direitos.
582
Coordenação:
Ana Cláudia Pompeu Torezan Andreucci (USP/UPM)
Michelle Asato Junqueira (UPM)
Josilene Hernandes Ortolan Di Pietro (UFMS-CPTL)
Laura N. Lora (UBA-Argentina)
Paula Noelia Bermejo (UBA-Argentina)
ADOÇÃO LEGAL EM PERNAMBUCO: ANÁLISE DOS MECANISMOS DE
FUNCIONAMENTO, HABILITAÇÃO E EFETIVAÇÃO NA COMARCA DO RECIFE/PE
Este trabalho versa acerca dos mecanismos – sociais e jurídicos, envoltos no instituto
da adoção legal, considerando que a constituição dos vínculos de parentesco familiar
sofreram uma quebra paradigmática com a positivação da Constituição de 1988
possibilitando a consolidação da afetividade como potencial gerador de tais vínculos. A
adoção, atualmente, é forma genuína de parentalidade, todavia, muitos questionamentos
permeiam o processo jurídico necessário a sua consolidação. Assim, tem-se como objetivos
analisar como se dá o processo de adoção legal em Pernambuco, através da observação dos
dados estatísticos e documentais disponibilizados oficialmente – com o fulcro de identificar
a sua adequação aos parâmetros legais, identificar as fases do processo e traçar perfis de
crianças pretendidas e disponíveis, observando a atuação de recortes sociais no proce sso de
adoção, bem como o lapso temporal no qual se deu o processo. A metodologia da pesquisa
tem caráter exploratório e descritivo, desenvolvendo-se a partir de levantamento
bibliográfico e análise de dados disponibilizados oficialmente pela 2ª Vara de In fância e
Juventude de Recife/PE. Como conclusão, tem-se que, o processo jurídico para efetivação da
adoção ainda está longe do ideal, considerando a interferência de fatores sociais na
celeridade – ou morosidade, do processo, nesta toada, a justificativa para a morosidade é
mais social e política do que jurídica.
Palavras-chave: Afetividade. Recortes sociais. Princípios constitucionais.
584
PRECISAMOS FALAR SOBRE DESAPARECIMENTO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
NO BRASIL: UMA ANÁLISE DO PAPEL PROTAGONISTA DO CIBERATIVISMO PARA O
DEBATE JURÍDICO-SOCIAL
“*...+ essas ferramentas, e outras que poderão vir a existir, têm seu significado
estabelecido não apenas porque são a melhor tecnologia, mais rápida ou elegante, mas
também porque potencializam o que temos de melhor, ou seja, a própria humanidade.
Elas servem para partilharmos nossos desejos, valores, crenças, pensamentos, dúvidas e
necessidades, e permitem que colaboremos uns com os outros na ajuda recíproca ou na
busca pelo alcance de objetivos comuns.” (Elias Goulart)
A presente pesquisa objetivou estudar o consumo da internet pelas crianças e jovens das
escolas públicas estaduais de Recife/PE a partir da análise do fenômeno Cyberbullying.
Considerando o avanço do uso da internet de forma inocente e/ou perversa, por crianças e
jovens, surgem casos de agressões das mais diversas formas. O contato com o sofrimento desse
público aliado a aparente impotência diante do fenômeno, fomentou o desejo de modificar o
cenário a partir da contribuição para o enfrentamento e sugerir possibilidades de combate através
de ações diversas, com base nos mecanismos de proteção jurídica, sobretudo na convenção sobre
os direitos da criança, e em instrumentos jurídicos nacionais e internacionais que reconhecem a
condição de crianças e jovens como sujeitos de direito em desenvolvimento. A análise dessa
temática justifica-se pela pertinência da pesquisa no atual contexto social, posto que, se trata de
um fenômeno crescente e de difícil contenção e reparação. Com o advento da internet, e com a
popularização de aparelhos celulares e demais dispositivos que acessam a rede, passamos a
observar que muitos ilícitos passaram a ter vez na internet. Nesse contexto, surgiu o cyberbullying
ou bullying digital/virtual. Na obra vida para consumo, Bauman discorre acerca da necessidade
que os jovens possuem de expor na Internet a sua intimidade e sua vida privada, o autor chama de
sociedade confessional, sociedade que eliminou a fronteira do que era privado e do que era
público, levando as pessoas que não têm o mesmo afã, a serem rejeitado pelos demais. “A vida
social se confunde com a cibervida, e os jovens passam a maior parte dela em companhia de um
computador, iPod, ou um celular, do que ao lado de seres de carne e osso”. (BAUMAN, 2007, p. 9).
586
Nesta perspectiva, a pesquisa utiliza-se da metodologia de cunho qualitativo, fazendo uso de
livros, documentos e relatórios obtidos das escolas, notícias de revistas e sites, com um viés
exploratório descritivo. Como Problema de pesquisa temos: Qual a interferência do cyberbullying
escolar na vida de crianças e jovens? Sendo o Objetivo geral, analisar o fenômeno do
cyberbuullying entre crianças e jovens de escolas públicas. De modo específico, a pesquisa visa
compreender a partir da perspectiva das crianças e jovens as especificidades do cyberbuullying;
analisar se e como a família influência no comportamento dos jovens e sugerir, como enaltece os
mecanismos de proteção, principlamente a convenção sobre os direitos da criança, políticas
públicas e ações visando o combate do fenômeno a partir dos dados coletados e analisados. De
modo preliminar, a pesquisa teve como resultado, diverssos casos de cyberbullying relatados nas
escolas públicas, questiona-se se há adequado papel do Estado visando o combate ao
cyberbullying nas escolas públicas visitadas.
PROBLEMA INVESTIGADO
A não conformidade do dispositivo da audiência informal, desacompanhada de defesa
técnica, com as garantias processuais previstas constitucionalmente, tais como o devido processo
legal (art.5, LIV, CRFB) e seus princípios correlatos, bem como pela inconvencionalidade da norma,
visto a lesão ao art. 40.2.2 da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança (ONU, 1990),
tratado internacional assinado e ratificado pelo Brasil em 1990.
OBJETIVOS
O objetivo principal do estudo é explicitar esta inconstitucionalidade e inconvencionalidade
do procedimento constante no art. 179 do Estatuto da Criança e do Adolescente, pois, entende-se
que o melhor interesse da criança, princípio basilar deste ramo do direito, está sendo violado.
Além disso, os objetivos específicos são explicar o procedimento da audiência informal,
mostrando as correntes doutrinárias existentes, argumentar sobre o sistema inquisitório presente
na atual legislação brasileira, e, por fim, expor as garantias constitucionais e convencionais que
estão sendo lesadas, quando essa oitiva é realizada sem a defesa técnica.
MÉTODO DE ANÁLISE
A análise de dados escolhida é a de caráter qualitativo, uma vez que se pretende fazer
uma compreensão reflexiva do objeto de estudo. Segundo Creswell (2014, p. 186), no modelo
qualitativo, ‘’ a teoria ou padrão geral de entendimento vai surgir à medida que ela começa com
códigos iniciais, desenvolve-se em termos mais amplos e resulta em uma teoria baseada na
realidade ou na interpretação ampla. ’’
Dessa forma, pretende-se iniciar o trabalho a partir de conceitos gerais a respeito da
audiência informal, estudando as razões para sua existência ou inexistência, aprofundando-se nas
587
possíveis características que o Estatuto da Criança e do Adolescente possa ter herdado do
processo penal brasileiro, e, ao fim, almeja-se explicitar a inconstitucionalidade e a
inconvencionalidade através de jurisprudências a respeito do objeto pesquisado.
CONCLUSÕES
Sendo assim, o enfoque na falta de defesa técnica se dá devido ao flagrante desrespeito as
garantias processuais constantes no instrumento legal, devido a lesão ao devido processo, e a seus
princípios correlatos como o contraditório e a paridade de armas. Logo, é possível afirmar que no
procedimento há um sério desprezo a doutrina da proteção integral introduzida pelos Tratados
Internacionais, a qual deveria ser a base para o Estatuto da Criança e do Adolescente.
Dessa forma, tem-se que o dispositivo se distancia desse cânone e se aproxima de modo
retrógrado a Teoria da Situação Irregular, a qual vigia, no Brasil, desde o Código de Menores de
1927. Nesta compilação, ‘’basicamente, toda e qualquer criança ou adolescente pobre era
considerado “menor em situação irregular”, legitimando-se a intervenção do Estado’’ (LEITE,
2005). Então, o que se faz aqui é um esforço contra o binômio carência/delinquência que dia após
dia criminaliza a pobreza.
Apesar disso, o objetivo do estudo não é pôr um fim a audiência informal, visto que, de
acordo com a jurisprudência, a mesma possui seus benefícios, tais como a promoção do
arquivamento dos autos ou a concessão da remissão (art. 180, I, II, ECA), mas sim torná-la um
procedimento mais justo e paritário. Desse modo, também irá se refletir acerca de sua
substituição pela audiência de custódia.
REFERÊNCIAS
CRESWELL, John. W. Investigação qualitativa e projeto de pesquisa. Escolhendo entre cinco
abordagens. Porto Alegre: Penso, 2014.
LEITE, Carla Carvalho. Da doutrina da situação irregular à doutrina da proteção integral: aspectos
históricos e mudanças paradigmáticas. Juizado da Infância e da Juventude, Porto Alegre, n. 5, p.
09- 23, mar. 2005.
O presente trabalho tem por objetivo principal revisar a literatura brasileira de 1988 a
2018 sobre a maternidade no cárcere e o estigma enfrentado pelas mães em situação de
privação de liberdade e pelos seus filhos. Assim, o problema desta pesquisa trata de analisar
as condições em que nascem e vivem os filhos das mulheres que cumprem pena privativa de
liberdade nos presídios brasileiros, bem como o estigma carregado pelas “mães criminosas” e
repassado aos filhos nessas condições, que acabam cumprindo a pena junto com a mãe, o que
pode ferir diretamente o Princípio Constitucional da Pessoalidade da Pena. Para tanto, será
considerada a estrutura precária do nosso sistema penitenciário e a forma como tal sistema
abriga mães e filhos, sujeitos de direitos, sendo um ambiente projetado em sua essência para
ser ocupado por homens. A pesquisa será baseada em um breve contexto histórico em relação
às penitenciárias brasileiras, a defesa dos Direitos Humanos, sobretudo do ponto de vista
feminista, atentando para a legislação pátria e mundial, principalmente os trat ados
internacionais de Direitos Humanos, a Constituição Federal, a Lei de Execuções Penais e o
Estatuto da Criança e do Adolescente. Os resultados, ainda que preliminares, apontaram para
o descumprimento de normas que são asseguradas em lei, a visão preconceituosa da
sociedade com relação a essas pessoas e a estrutura insalubre e indigna das penitenciárias, ou
seja, a ausência de políticas públicas com foco nas mães e nos seus filhos encarcerados.
Cumpre destacar que a metodologia utilizada está sendo a bibliográfica e a consulta a dados
fornecidos pelos sites oficiais do Conselho Nacional de Justiça, do Ministério da Justiça e do
Departamento Penitenciário Nacional.
Palavras-chave: Pessoalidade da pena. Mães encarceradas. Estigma.
590
CRIANÇAS E CÁRCERE – PERCURSOS METODOLÓGICOS DE UMA PESQUISA EM
ANDAMENTO
PROBLEMA INVESTIGADO
O encarceramento de mulheres é um fenômeno que aumenta de forma significativa no
Brasil nessas últimas décadas. Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal 1 definiu que
mulheres grávidas ou mães de crianças de até 12 anos, sob a punição de prisão provisória, passam
a ter o direito de substituir tal prisão pela domiciliar, pelo menos até que seja julgado o seu caso.
Dessa forma, tutela- se um importante bem jurídico da criança, qual seja a convivência com a
figura materna. É necessário observar o direito à manutenção do vínculo intrafamiliar com a
apenada, evitando a ruptura dos laços que possam ser naturalmente estabelecidos entre mãe e
filho.
593
Ao proferir seu voto na decisão supracitada, o relator do caso, Ministro Lewandowski
chamou a atenção para a “degradação do sistema prisional brasileiro”, afirmando ainda que o atual
modelo de encarceramento transfere a pena da mãe para a criança. Nas palavras do Ministro:
“Temos mais de 2.000 pequenos brasileirinhos que estão atrás das grades com suas mães,
sofrendo indevidamente, contra o que dispõe a Constituição, as agruras do cárcere”.
Estima-se que uma considerável parte das apenadas se constitua em mulheres negras e
pobres, por vezes até as únicas provedoras do sustento da família, sendo assim, os filhos dessas
mulheres já se encontram num estereótipo propenso a uma considerável carga de preconceito. A
situação de encarceramento de suas mães pode agravar ainda mais esse quadro de marginalização,
fazendo com que essas crianças cumpram uma pena por um crime que sequer participaram ou
poderiam ser julgadas. Lemgruber (1999, p 13) atesta que “é impossível passar por uma prisão e
sair sem marcas e feridas. Acontece com todos. Com os que para lá são mandados, para cumprir
uma pena. Com funcionários e visitantes. E, por que não, com pesquisadores”. A autora ainda
esclarece que qualquer pessoa que tem contato com uma prisão sofrerá alguma mudança. Dessa
forma, incluem-se principalmente as maiores vítimas indiretas do cárcere: os filhos dessas
mulheres encarceradas.
A criança que tem sua mãe sob pena privativa de liberdade, estando junto a ela no cárcere
ou não, merece especial atenção da sociedade. A angústia provocada pela privação do vínculo
materno pode atingir de forma determinante a formação do caráter e a saúde emocional dessas
crianças, possibilitando um comprometimento na afetividade e nos posteriores relacionamentos
desses indivíduos. Stella afirma (2006, p 32): “A prisão da mãe reconfigura o ambiente de
desenvolvimento da criança, necessitando de políticas públicas específicas que deem conta da
condição particular desse grupo de crianças”. A mesma autora aponta que manter a criança no
ambiente de encarceramento junto a mãe não corrobora com a melhora deste quadro: “os
presídios femininos, assim como os masculinos, não foram desenvolvidos para propiciar o vínculo
familiar, especialmente entre mãe e filhos, muito menos promover um ambiente adequado para o
desenvolvimento infantil” (STELLA, 2006, p 18).
Nesse sentido, é necessário questionar, por exemplo, se os magistrados paraibanos, tem
considerado o status de mãe da mulher que está sendo julgada, resguardando seu direito
fundamental. Então, pergunta-se: Quais as políticas são adotadas pelos órgãos e agentes
judiciários para proteção dos direitos dessas mulheres encarceradas, especificamente o direito ao
contato familiar, e, ainda, o que se tem feito para proteger os direitos desses filhos que ficam
desprotegidos sem essa convivência com as mães?
OBJETIVOS
O objetivo da pesquisa é observar como o Judiciário e os operadores do direito tem tratado
a questão do encarceramento das mulheres mães de crianças, principalmente no que diz respeito
a garantia do direito humano fundamental à convivência familiar e a partir disto analisar a
aplicação das normas penais sobre os direitos humanos das mulheres em regime de prisão
domiciliar na capital paraibana e seu direito à convivência familiar com os filhos crianças e
adolescentes.
Dessa forma, será possível realizar uma reflexão acerca da prisão domiciliar de mulheres
mães de crianças e adolescentes, com o intuito de preservar o vínculo afetivo entre mãe e filho,
que é fundamental para o desenvolvimento físico e psicológico do infante.
MÉTODO DE ANÁLISE
A pesquisa apresentará um estudo interdisciplinar sobre direitos humanos, abordando
aspectos das ciências jurídicas e sociais, dialogando com conceitos trabalhados pela psicologia
594
jurídica e criminologia crítica. Para alcançar o objetivo pretendido por este trabalho, as atividades
serão realizadas a partir de pesquisa qualitativa de inspiração etnográfica, analisando dados
subjetivos, com auxílio de dados numéricos apenas para embasar melhor a investigação, buscando
uma compreensão mais específica e um recorte de realidade dessas mulheres em regime de prisão
domiciliar, verificando a atuação das autoridades e instituições carcerárias pessoenses e possíveís
violações das normas penais vigentes e dos direitos fundamentais abarcados pela Constituição
Federal.
Além dessa análise jurídica, a observação sociológica nos permitirá um estudo sobre os
impactos negativos e positivos da convivência familiar, principalmente no tocante ao
desenvolvimento físico e psicológico das crianças e adolescentes que tenham mães apenadas.
Assim, o debate envolvendo esta temática dar-se-á com base em uma abordagem metodológica
construtivista, a partir da observação Foucaultiana (FOUCAULT, 2004) sobre o objetivo inicial das
cadeias, a forma de punição e a possibilidade de ressocialização.
A parte prática da coleta de dados dar-se-á pela análise de material nas varas de execução
penal e comissões de direitos humanos do Município de João Pessoa, por meio do método
documental, de modo a observar como tem sido tratada a tutela do direito à convivência familiar
das crianças e adolescentes com as mães apenadas. Por fim, em sua última etapa, após a
observação dos dados coletados, através da análise crítica, buscaremos uma melhor compreensão
da prisão domiciliar em substituição à pena privativa de liberdade das mulheres mães, em especial
no que diz respeito aos direitos humanos e à garantia da convivência familiar com filhos crianças.
CONCLUSÕES
Ao final do trabalho, será apresentada a reflexão sobre a adoção de medidas alternativas à
prisão e demais benefícios penais que colaborem com a redução da população carcerária feminina,
e, especificamente, com a conclusão da análise sobre a aplicação da medida prisão domiciliar das
mães de crianças e adolescentes, em João Pessoa, como substituição ao isolamento prisional,
assegurando o direito à convivência familiar, possibilitando o vínculo afetivo com a mãe e
observando o respeito às normas de Direitos Humanos.
Em virtude disto, esse estudo torna-se relevante aos acadêmicos e demais operadores do
direito, bem como aos órgãos ligados às políticas criminais, pois possibilitará uma melhor
compreensão, análise e até mesmo a expansão do conhecimento acerca dessa parcela da
sociedade que sofre com o encarceramento feminino.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Petrópolis: Vozes, 2004.
LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. 2. ed. rev.
atual. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1999.
STELLA, Claúdia. Filhos de mulheres presas: soluções e impasses para seus desenvolvimentos. São
Paulo: LCTE Editora, 2006.
Notas:
1
O Supremo Tribunal Federal (STF) é a mais alta instância do Poder Judiciário Brasileiro. Sua função institucional
fundamental é a de servir como guardião da Constituição Federal, analisando os casos que envolvam lesão ou ameaça
a esta. Das decisões do STF não cabe recurso a nenhum outro Tribunal.
595
EM MÃOS SEGURAS: DESAFIOS E OPORTUNIDADES DAS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO PARA A INFÂNCIA
596
Dussel e a discussão em torno da Declaração de Independência do Ciberespaço de John Perry
Barlow.
Preliminarmente, observa-se que, apesar da alfabetização digital crescente em relação a
gerações anteriores, as crianças ainda são bastante vulneráveis no âmbito tecnológico. O
baixo grau de criticidade e o caráter em formação são dois aspectos que potencializam os
riscos a que as crianças estão expostas - e é por isso que medidas preventivas são
imprescindíveis para garantir sua segurança e integridade. Nesse sentido, com o fim de
aproveitar os aspectos positivos da internet e afastar os negativos, não apenas instituições
jurídicas e sociais fortalecidas são necessárias para a educação e proteção das crianças
conectadas: também é preciso reiterar o debate nos âmbitos científico e político para
melhores soluções para os crescentes desafios da era digital.
Laura N. Lora
Facultad de Derecho - UBA
Paula N. Bermejo
Facultad de Derecho - UBA
O tema do trabalho é a análise da relação entre Direito e Afeto. O problema que guia a
investigação é saber se o reconhecimento do princípio da afetividade pode contribuir para a
proteção integral da criança e do adolescente, nos moldes consagrados pelo ECA. O objetivo
verificar a aplicação da responsabilidade civil no abandona afetivo como instrumento para
propiciar a proteção integral da criança e do adolescente. A metodologia adotada é a pesquisa
bibliográfica, realizando-se uma análise descritiva e crítica dos dados, obtidos na legislação, na
doutrina e na jurisprudência. O estudo parte da análise histórica da evolução das entidades
familiares até os dias atuais, com ênfase na afetividade, principal elo que une a família
contemporânea. A partir dessa perspectiva, verificou-se que a afetividade tornou-se relevante
componente das análises doutrinárias e jurisprudenciais para a caracterização da responsabilidade
civil e posterior indenização pecuniária decorrente da falta de afeto. A não observância do dever
paterno/materno de cuidado e proteção – em relação não apenas ao aspecto físico, mas também
ao psíquico e ao afetivo, por meio da omissão ou da comissão – que possa acarretar danos físicos e
emocionais ao menor, comprometendo seu desenvolvimento, pode gerar indenização pecuniária.
A Constituição da República e o ECA adotam a doutrina da proteção integral, o que eleva as crianças
e os adolescentes à condição de sujeitos de direito, resguardados de toda forma de negligência. A
todo direito concedido corresponde um dever ou obrigação. Se os filhos têm o direito de convívio
com os pais para o desenvolvimento pleno e sadio de sua formação, aos pais cabe a obrigação de
cuidar, proporcionando o afeto e a segurança necessários a esse desenvolvimento. A falta de afeto
por parte dos genitores pode gerar consequências psicológicas e comprometer o desenvolvimento da
criança e do adolescente, produzindo sequelas de ordem emocional. Ainda que o direito não possua o
condão de obrigar alguém a amar, certo é que a responsabilidade parental impõe aos pais o dever de
proporcionar cuidado e afeto aos filhos. O abandono afetivo aqui tratado não é tão somente o de
cunho material, mas toda e qualquer forma de desamparo ao menor, como a falta de cuidados
médicos, de estudo, de momentos de lazer e a falta de orientação necessária à formação de
598
princípios para a vida adulta. A atual jurisprudência vem decidindo favoravelmente aos casos de
abandono afetivo por parte daqueles que têm o dever de contribuir para o desenvolvimento e a
formação pessoal, social e psíquica das crianças e dos adolescentes. Comprovados os danos
ocasionados pela falta de convívio, a ponto de comprometer psicologicamente o desenvolvimento
do indivíduo, é possível a indenização pecuniária. O Superior Tribunal de Justiça, em 2012,
reconheceu o afeto como valor jurídico, identificando o abandono afetivo como ilícito civil capaz de
dar ensejo à indenização (Recurso Especial 1.159.242/SP). O que se percebeu, em síntese, é que a
responsabilidade pelo abandono afetivo é um instrumento de suma importância para assegurar à
criança e ao adolescente condições salubres para o seu crescimento integral. Entretanto, é
essencial perceber que a responsabilização do genitor ausente não é o único recurso possível para
se alcançar um meio plausível para o desenvolvimento pleno e saudável. Para que se alcance a
proteção integral da criança e do adolescente, no que tange à afetividade, é preciso a adoção de
medidas preventivas, por meio de políticas públicas que sejam aptas a trabalhar aspectos
psicológicos e sociais, tanto dos menores quanto de seus genitores.
OBJETIVO
Este projeto objetiva identificar as metodologias de escuta especializada de crianças e
adolescentes vítimas de violência sexual nos órgãos de proteção aos direitos, na cidade do
Recife, tendo por base a Lei 13.431/2017 e os pressupostos dos direitos humanos. Baseia-se ainda
nos princípios que norteiam as práticas restaurativas - a escuta empática e a comunicação não
violenta – de forma a lançar luz nas posturas, conteúdos, metodologias e instrumentos presentes
nessa escuta e na integração do fluxo de atendimento entre estes, numa perspectiva sistêmica.
PROBLEMA
O Estatuto da Criança e do Adolescente regulamentou uma nova concepção, em
consonância com a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989), a Doutrina de
Proteção Integral, que muda a visão a respeito da criança e do adolescente, delimitando
mecanismos e estimulando a participação destes na vida social, enquanto sujeitos de direitos. No
entanto, muitos desafios ainda se afiguram na garantia de seus direitos, entre eles, o de serem
ouvidos. As dificuldades se ampliam quando são vítimas de violência sexual, onde
constrangimento, a vergonha, o medo e a culpa, aliados a demanda pela fala, aguça seu
sofrimento, fazendo com que essa violação ressoe em seu interior e amplie as dores da violação
pela qual passou. Irene Rizzini (2004, p.13), referindo-se ao tratamento dado a infância e a
599
adolescência na sociedade e nas politicas públicas, traz que em muitos de seus desdobramentos
ainda são marcados por ideias e práticas do passado.
Nessa perspectiva, ainda persiste uma cultura que a considera um ser incapaz, fática e
juridicamente, o que muitas vezes se reflete na atenção e credibilidade dispensada a essa ou em
sua exposição a inúmeras situações onde precisa falar da violência sofrida, sem atenção a seus
sentimentos, ideias e opiniões.
MÉTODO DE ANÁLISE
Pesquisa qualitativa, essa investigação propõe um estudo da atuação dos atores que
constituem a rede de proteção aos direitos da criança e do adolescente da cidade do Recife, na
área geográfica a Região Político-Administrativa 03, incluindo o Conselho Tutelar, o Centro de
Referência Especializado da Assistência Social, uma Unidade Básica de Saúde, uma escola. Incluiu
ainda a Gerência de Policia da Criança e do Adolescente e o Centro de Referência para o Cuidado
de Crianças, Adolescentes e suas famílias em situação de violência, ambos atendem crianças e
adolescentes de todo o município.
A pesquisa propõe a coleta transversal dos dados, via análise documental, bibliográfica,
entrevistas semiestruturadas com os representantes das organizações e observação participante.
Busca recolher, não apenas informações objetivamente registradas nos relatórios e documentos
produzidos, mas capturar os conhecimentos e percepções dos integrantes dos espaços onde
ocorre à escuta de crianças e adolescentes, analisando o significado da experiência para as
pessoas e instituições, os princípios, conteúdos, metodologias e instrumentos utilizados, os
aprendizados produzidos, os desafios presentes e os resultados obtidos.
CONCLUSÕES
Os resultados desta investigação fornecem ampla contribuição à área da infância e
adolescência, por trazer a foco um problema de grave repercussão pessoal e social e cujas
alternativas criadas ainda desafiam o Sistema de Garantia de Direitos. Lança luz a fala e a escuta
de crianças e adolescentes, questionando em que medida ocorre o protagonismo, que novas
abordagens têm sido geradas no âmbito do atendimento especializado, avançando na direção dos
novos paradigmas, que articulem essa prática aos princípios das práticas restaurativas, numa visão
sistêmica, que pode apontar caminhos para uma escuta mais cuidadosa e compassiva. Os
resultados serão compartilhados e validados junto às instâncias envolvidas, servindo de subsídio a
novas práticas protetivas, apoiando a continuidade das ações locais e oferecendo um aporte
teórico e metodológico para o fortalecimento dos organismos do poder público e da sociedade
civil na garantia dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes.
601
Coordenação:
Cynara de Barros Costa (UEPB/UFCG)
Dayse Amâncio dos Santos Veras Freitas (UFPE)
LABELLING APPROACH E COSMOPOLITISMO: ETIQUETAMENTO DE REFUGIADOS
COMO AMEAÇA AO SENTIMENTO COSMOPOLITA
O Direito cosmopolita idealizado por Immanuel Kant em seu tratado “A paz perpétua”,
trata o homem como um cidadão do mundo, não importando o seu Estado. Essa idealização
inspirou as Teorias Liberais das Relações Internacional e, nesse contexto, temos a figura do
refugiado, que, segundo dados da ONU, passam dos 25 milhões por todo o mundo e, apesar dos
avanços trazidos pelos ideais cosmopolitas, enfrentam duras realidades, potencializados pelo
etiquetamento social.
Embora sejam de inominável importância para o desenvolvimento econômico do País de
refúgio, aqueles que estão na situação de Refugiados não encontram, por diversas vezes, as
condições propícias para um refúgio seguro em outro país. Isso se dá, primordialmente, pela
incidência de um verdadeiro rótulo que recai por cima dos refugiados.
Não raras vezes, refugiados são idealizados como possíveis ameaças aos nativos do País de
refúgio, esse discurso nacionalista de proteção indefinida dos próprios costumes, território e
economia é fortemente baseado numa cultura de rotulação, que pode ser explicada através da
teoria do “labelling approach" ou etiquetamento social, teoria desenvolvida na década de 1960,
nos Estados Unidos, que explica como o fenômeno da marginalização do indivíduo interfere nas
relações sociais e na concretização de direitos, principalmente direitos observados no
ordenamento jurídico como universais.
Referida marginalização reflete diretamente no funcionamento das relações sociais entre
os nativos e os refugiados, pois, no momento em que estes são considerados inimigos da
sociedade local, passam a ter seus Direitos Humanos visivelmente maculados, ferindo de forma
irremediável a dignidade humana e a paz entre os povos.
Neste estudo, nos comprometemos a analisar, através de uma perspectiva sociológica, os
impactos que o etiquetamento social produz na relação sociedade-refugiado, e como os rótulos
impostos aos refugiados acabam por ameaçar o sentimento Cosmopolita defendido por Kant em
seus teorias.
603
DESAFIOS À PROTEÇÃO DO IMIGRANTE INDOCUMENTADO NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
Uma das maiores preocupações da Lei 13.445/17, a Nova Lei de Migrações, que substituiu
o austero Estatuto do Estrangeiro, era dar ao ordenamento jurídico brasileiro um caráter mais
humanitário, garantir a tutela da dignidade da pessoa humana e, com isso, romper com a
inclinação autoritária da lei anterior, que em muitos pontos não se adequava à Constituição da
República de 1988. Isso porque, antes da atual crise econômica, o Brasil vivenciou um período de
crescimento econômico e estabilidade que, em conjunto com outros fatores, fez com que o fluxo
migratório para o país praticamente decuplicasse em relação às décadas anteriores. Com isso, o
país recebeu milhares de imigrantes de países como Bolívia, Venezuela, Haiti, Angola, China e
Síria. Muitos deles, porém, chegam ao Brasil em condições precárias, fugindo de desastres
naturais, guerra ou situação de profunda crise humanitária. Sem documentos, porém, a prestação
de assistência e regularização dos estrangeiros se torna um desafio para o Direito, apesar da tutela
normativa. Além da Nova Lei de Migrações, regem essas relações também outros diplomas, tais
como a Lei do Refúgio (Lei nº 9.474/97) e diversos tratados internacionais em matéria de Direitos
Humanos ratificados pelo Brasil, como as Convenções de Havana (1928), Montevidéu (1933) e
Caracas (1954), além de normas soft law típicas do Direito Internacional. Nesse sentido, o objetivo
do presente artigo, que se utiliza do método hipotético-dedutivo e da pesquisa bilbiográfica e
documental, é abordar a questão da proteção do imigrante indocumentado sob a ótica da teoria
dos sistemas sociais, de Niklas Luhmann.
Palavras-chave: Imigrante indocumentado. Lei 13.445/17. Teoria dos sistemas sociais.
606
erradicação da incompreensão, do preconceito e da xenofobia. É necessário que exista um
conjugado entre a legislação brasileira protetiva aos imigrantes, sua efetiva aplicação e o
acompanhamento da sociedade como um todo.
Palavras-chave: Imigrantes. Refugiados. Legislação.
A história da terra muito já fez temer com seu poder de destruição, deixa sempre a
humanidade pouco defesa a seus designíos. Potencializado pelo aumento populacional que elevou
exponencialmente os danos que um desastre natural pode acarretar em uma região. Visto que, o
rápido crescimento populacional levou à multiplicação da produção de lixo, ao aumento do
desmatamento, entre outros fatores que tem feito a humanidade sofrer com o desequilíbrio
ecológico. É a visão de finitude de recursos e de um planeta escasso e único, conectado e
codependente o que inspira este resumo o qual trata da problemática referente à situação de
indefinição do refugiado ambiental. Objetiva dessa forma demostrar a falta de uma legislação
internacional a respeito desta situação, afirmar esta necessidade como urgente, e elucidar a
importância de rápida aceitação de imigrante pelos países circunvizinhos. O método utilizado para
propiciar as bases lógicas da investigação é o indutivo possibilitando que a observação de uma
parcela suficiente de casos particulares permita a conclusão de uma verdade geral. A metodologia
escolhida quando aos meios de investigação é bibliográfica, na qual as fontes escolhidas para
coleta de dados foram artigos científicos, livros, documentos e instrumentos jurídicos nacionais e
internacionais que se relacionem com o assunto do refugiado ambiental, além de possíveis textos
extras que tragam novas perspectivas ao tema, com a análise da situação jurídica atual deste tipo
de refugiado. A proposta de seleção das leituras é seletiva e crítica que desse modo permitirá a
ratificação ou invalidação das hipóteses e proposições a serem levantadas. É pretendido
demonstrar a necessidade de inclusão deste grupo de refugiados no texto da lei 9.474 que trata da
convenção das nações unidas relativa ao estatuto do refugiado e demais tratados internacionais
sobre o tema, e de uma boa definição sobre quem seria o refugiado ambiental e por que é tão
necessária sua inclusão. Acredita-se que os países menos responsáveis pelas mudanças climáticas
que levam a necessidade de refugio, são os mais afetados pela mesma. Assim conclui-se
preliminarmente que esse é um grupo de pessoas em situação de risco em quantidade que
aumenta cada vez mais. Frente à falta de tratados internacionais sobre o assunto, em pleno século
XXI, acredita-se possível constatar a carência de defesa legal, deixando esse grupo sem nem
sequer reconhecimento internacional.
609
Coordenação:
Ana Cláudia Pinho (UFPA)
André Carneiro Leão (FADIC)
Manuela Abath Valença (UFPE/UNICAP)
PSICOPATOLOGIA DA COLONIZAÇÃO E O JUDICIÁRIO: A FALÁCIA DA PRESUNÇÃO
DE INOCÊNCIA
A presente pesquisa tem como escopo a análise dos discursos e práticas relativas ao instituto
do habeas corpus no início do período republicano no Brasil. Para isto, seleciona dois espaços
entendidos como importantes para a modelação do instituto: o discurso dos juristas e parlamentares
da assembleia constituinte de 1890 e 1891 a esse respeito e a prática do instituto no Poder
Judiciário. No que diz respeito ao discurso dos juristas, a análise está centrada na produção dos
constitucionalistas e dos processualistas da época, de modo a perceber que tipos de demandas e
conjunto de casos eram levados em consideração na formação do instituto. Os debates da
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assembleia constituinte, por sua vez, revelam um outro lado acerca do debate acerca da formulação
do habeas corpus: o que o campo político entendia relevante e que projetos de sociedade poderiam
estar aí implicados. Por fim, o estudo dedica-se na análise de ações de habeas corpus impetradas,
entre 1891 e 1901, no Tribunal de Justiça de Pernambuco (antigos Tribunal das Relações e Superior
Tribunal de Justiça do estado de Pernambuco), com a finalidade de verificar, na prática, que direitos
eram demandados nessas ações e que tipo de resposta era fornecida pelo Poder Judiciário.
A atual Lei nº 11.343 de 2006, conhecida como Lei de Drogas, além de ancorar a atual e
rigorosa política de combate as drogas, continua a inspirar críticas pertinentes a sua aplicação no
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plano concreto. Apesar do bem jurídico tutelado pela referida lei ser a saúde pública, na prática o
que se tem é uma atenção em demasiado na punição do sujeito com seu encarceramento e não na
prevenção e tratamento do usuário, corroborando com o aumento substancial no número de
indivíduos que se encontram dentro do sistema penitenciário por ser enquadrado nas condutas
típicas previstas pela lei, sobretudo no crime de tráfico de drogas, contribuindo indubitavelmente
para o quadro atual do (super)encarceramento dos presídios nacionais, onde 40,2% (DEPEN, 2016)
dos presos são temporários. No estado de Alagoas, por sua vez, o número de presos sem julgamento
é ainda maior do que a média nacional, atingindo o percentual de 46,6% (SERIS, 2019) da população
carcerária. Este punitivismo presente na esfera legislativa e no plano concreto, acaba tendo
ramificações que também permeiam o Poder Judiciário, onde a amplitude presente na
caracterização do tráfico de drogas, presente no art. 33 da Lei nº 11.343/06, reflete sua
(des)proporcionalidade ao trazer dezoito núcleos do tipo penal que caracterizam a conduta típica,
associado ao grande escopo fornecido pela prisão preventiva motivada pela garantia de ordem
pública (art. 312 caput, CPP), tornando-se por tanto uma das causas para o crescimento vertiginoso
no número de presos sem julgamento no estado de Alagoas, saindo de 2.828 (43,2% do total) em
2018 para 3.316 em 2019. Nesta perspectiva, o presente trabalho tem o objetivo de investigar se há
uma atual linha punitivista na Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do estado de Alagoas com a
finalidade de manter a prisão preventiva dos indivíduos, por meio da análise dos discursos presentes
nos acórdãos de habeas corpus proferidos entre 2017 e 2018, associado ao levantamento estatístico
de dados acerca da quantidade e diferentes espécies de drogas já que, a falta de parâmetros
legislativos para a diferenciação objetiva entre usuários e traficantes permite a arbitrariedade no uso
da argumentação jurídica, com fulcro na garantia de ordem pública para que os sujeitos, seja qual for
a quantidade ou diversidade de drogas que deu ensejo a sua prisão, permaneça em estado de
cerceamento a sua liberdade, mesmo que não haja contra eles uma sentença penal condenatória,
demonstrando assim a (in)consistência e (im)precisão da quantidade de drogas que fundamenta a
denegação dos habeas corpus dos acusados do delito de trafico de drogas, bem como a substancial
(in)constitucionalidade no uso de um conceito vago como a garantia de ordem pública como
argumento maior para a manutenção da prisão de casos distintos entre si.
REFERÊNCIAS
DEPEN. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, INFOPEN – 2016. Disponível em:
http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-
penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf. Acesso em: 14 jun. 2019.
SERIS. Mapa da População Carcerária – Plantão de 12/06/2019 a 13/06/2019. Disponível em:
https://bit.ly/2o15ekY. Acesso em: 14 jun. 2019.
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PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E DEFENSORIA PÚBLICA: UM RETRATO DA
DEFENSORIA NO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO NA PARAÍBA
PROBLEMA INVESTIGADO
A presunção de inocência está consagrada no ordenamento jurídico brasileiro através
do art. 5º (inciso LVII), da Constituição Federal, o qual prescreve um rol de direitos
fundamentais que devem ser garantidos a todos, sem estabelecer qualquer tipo de distinção.
Além do dispositivo constitucional, o referido direito também está positivado no art. 283 do
Código de Processo Penal Brasileiro e também em tratados internacionais do quais o Brasil faz
parte, como a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948).
Assim como escreveu Ferrajoli, entende-se que o que deve ser comprovado é a culpa e
não a inocência, preservando assim uma ideia inicial que todos são inocentes, e se não houver
provas suficientemente capazes de desconsiderar essa condição, não há o que se falar em
culpa, ainda que com isso, alguém culpado de fato possa se valer dessa prerrogativa
(FERRAJOLI, 2002, p. 441). Segundo o supracitado artigo 283, do Código de Processo Penal,
existem exceções em que essa garantia poderá ser afastada para que se privilegie outros
direitos fundamentais. No entanto, os órgãos jurisdicionais brasileiros têm decretado prisões
cautelares desarrazoadas, que não cumprem os requisitos para imposição de tal remédio
(CORDEIRO; LINHARES, 2017, p. 7). Além disso, vale frisar o destaque feito pela Anistia
Internacional, que denunciou o tratamento uniforme entre presos condenados e aqueles que
ainda não haviam sido julgados (ANISTIA INTERNACIONAL, 2001, p. 24).
Estima-se que cerca de 40% dos presos no Brasil sejam provisórios e que a maior parte
deles seja composta por pobres, negros, analfabetos e jovens (WERMUTH, 2016, p. 11-14). Por
essa razão, em decorrência das condições sociais e econômicas a que esses indivíduos estão
expostos, pode-se presumir que uma parcela considerável desses presos seja assistida da
Defensoria Pública.
Com base nos dados acima, é possível conceber uma relação entre uma atuação
ineficiente da defensoria pública estadual e a quantidade de presos provisórios no estado
paraibano. Dessa forma, permite-se então delimitar o objeto do presente estudo, o qual
compreenderá os casos em que a Defensoria Pública do Estado da Paraíba atue (ou que
devesse atuar) na defesa de seus assistidos que se encontrem sob restrição de liberdade por
meio de prisões cautelares.
O foco da pesquisa consistirá em analisar a atuação de defensores e defensoras públicas
do estado da Paraíba para que se possa constatar se a atuação desses profissionais, diante dos
casos supracitados, é capaz de contornar possíveis “injustiças” praticadas pelo poder judiciário
local na determinação de prisões cautelares e provisórias. Com base nesse exame, seria
possível concluir se a atividade institucional da defensoria contribui para que a garantia da
presunção de inocência seja violada nesse contexto.
Assim, será possível responder então o problema do presente estudo, resumido na
seguinte questão: a atuação por parte da Defensoria Pública do Estado da Paraíba nos
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processos que se encontrem em segunda instância pode contribuir para violação da garantia
constitucional da presunção de inocência através da não reparação do direito nos casos de
prisões cautelares inadequadas?
OBJETIVOS
O objetivo principal da pesquisa é demonstrar se a atuação da Defensoria Pública do
Estado da Paraíba em segunda instância, nos casos que envolvam prisões cautelares de seus
assistidos, pode contribuir para um quadro de violação da garantia de presunção de inocência
desses indivíduos. Para tanto, pretende-se elaborar um conceito sobre a referida garantia por
meio de uma perspectiva garantista dentro do ordenamento jurídico brasileiro e com base nas
interações com o direito internacional dos direitos humanos e a sua importância como
elemento estrutural da democracia brasileira.
Dessa forma, será possível avaliar a atividade da Defensoria através dos casos propostos
pelo estudo para que fique demonstrado se a sua atuação em segunda instância, com relação
aos casos que envolvam prisões cautelares de pessoas hipossuficientes no Estado da Paraíba,
pode ser considerada eficiente. E assim, permitir-se-á demonstrar como a atuação da
instituição contribui para a efetivação do direito consubstanciado no princípio da não-
culpabilidade ou, de outro modo, para a sua violação.
O estudo possibilitará a propositura de ações públicas que visem contornar a situação,
evitando assim outros problemas decorrentes dessa questão principal, como a superlotação
das unidades prisionais do estado da Paraíba que contam com uma quantidade significativa de
presos provisórios. Essa perspectiva corrobora com um levantamento feito no Estado do Rio de
Janeiro, onde apenas um terço dos presos que eram mantidos em restrição de liberdade foram
condenados ao final do processo (LEMGRUBER, 2013, p. 17).
Além de possíveis soluções para problemas pontuais como o que fora citado acima, o
presente estudo ganha relevância por permitir uma análise, ainda que restrita, sobre uma
instituição que representa um dos principais pilares do sistema de justiça brasileiro. As
atividades que a Defensoria Pública deve desempenhar na sociedade paraibana é de suma
relevância para efetivação dos direitos humanos da população mais necessitada no estado.
Elaborar esse panorama sobre a atuação institucional da Defensoria pode revelar obstáculos
desconhecidos até então e novos desafios na busca de garantir e efetivar tais direitos.
MÉTODO DE ANÁLISE
O estudo apresentará uma abordagem interdisciplinar sobre direitos humanos,
abrangendo conceitos das ciências jurídicas e sociais. Isso porque, haverá uma análise do
objeto de pesquisa sob duas óticas. Em relação ao Direito, pretender-se-á averiguar se seria
possível a atuação da Defensoria Pública paraibana contribuir para um quadro de violações
sistematizadas a direitos humanos. Assim, demonstrada essa possibilidade, o estudo passaria a
investigar possíveis transgressões a normas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, sejam
eles direitos fundamentais presentes na Constituição Federal e em outras normas
infraconstitucionais, sejam eles oriundos de tratados internacionais dos quais o Brasil é
signatário. E, pela natureza das mesmas, refletir sobre o impacto desse tipo de violação no
ideal de democracia, sob a perspectiva de Bobbio, consolidado pela construção do estado
democrático de direito protetor de direitos humanos sob o qual o Estado brasileiro está
constituído.
Em seguida, uma análise sociológica permitirá revelar melhores conclusões em relação
a atuação de uma instituição que tem sua atuação voltada para a parcela mais pobre da
sociedade paraibana, propiciando assim uma resposta mais clara e precisa para o problema
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apresentado pelo Projeto de Pesquisa. Através da perspectiva apresentada por Jessé de Souza
em relação a desigualdade no Brasil e por Boaventura Sousa Santos que considera a pobreza
como importante instrumento causador da desigualdade, será dado um enfoque na dificuldade
ao acesso à justiça por parte da população mais carente. Isso porque, devido ao recorte social
que a Defensoria Pública revela por meio de sua atuação, será possível compreender melhor o
funcionamento da instituição que está inserida na sociedade brasileira como patrona de
direitos e garantias de pessoas hipossuficientes, permitindo avançar assim na análise do
contexto social em que ocorrem as violações descritas acima.
Isso será permitido em razão do objeto estabelecer de forma bem definida o espaço e
os sujeitos abrangidos pelo estudo uma vez que serão analisados casos que envolvam prisões
cautelares de apenados que estejam ou estiveram sob a tutela da Defensoria Pública da
Paraíba. Em razão de se buscar ainda uma maior limitação, serão considerados pertinentes
para a pesquisa, especialmente, aqueles que possuam processos que já tenham ou que
devessem ter alcançado a segunda instância, o que possibilitará realizar uma análise dos dados
de forma mais precisa no intuito de responder a indagação proposta como problema do
projeto apresentado.
Compreendido esse enfoque inicial, importa ressaltar que a realidade a ser abordada
pelo estudo será trabalhada a partir da pesquisa qualitativa, uma vez que a pesquisa se
debruçará sobre dados subjetivos e os critérios numéricos servirão apenas para embasar
melhor o estudo. A complexidade do fenômeno a ser tratado permitirá reflexões diversas a
respeito de sua ocorrência e, ainda que possa admitir numerações e descrições mais robustas
sobre ele, a análise estará concentrada em sua natureza (MEZZAROBA, 2014, p. 110), na qual
se justifica ainda mais a necessidade de ser desenvolvida uma pesquisa interdisciplinar, dado
que uma análise metodológica tradicional poderia se mostrar insuficiente para estabelecer
conclusões precisas sobre o referido tema.
Definida a natureza da pesquisa como qualitativa e adentrando então na descrição do
percurso metodológico que se pretende desenvolver no transcorrer da pesquisa, importa dizer
que serão utilizadas estratégias diferentes durante suas diferentes etapas. Inicialmente, por
meio de uma pesquisa bibliográfica, permitir-se-á deduzir os conceitos mais relevantes sobre o
princípio da presunção de inocência e a sua aplicação enquanto garantia individual do ser
humano.
Sob uma lógica garantista, serão trabalhados autores que abordam a condição de
inocência de todo e qualquer ser humano até que uma prova em contrário desconsidere essa
premissa. Essa análise permitirá abordar questões que transpassam e vão muito além do
universo jurídico, trazendo reflexões filosóficas, sociológicas e antropológicas que remetem ao
surgimento da sociedade moderna até os dias atuais, de modo que seja permitido estabelecer
uma compreensão consistente a respeito do assunto. Serão abordados momentos em que o
direito penal se apresentava como uma ideia utilitarista até as concepções mais modernas,
com destaque para o garantismo penal. Como principal referencial teórico, destaca-se a obra
de Luigi Ferrajoli, “Direito e Razão: teoria do garantismo penal”, que elucidará os principais
pontos a respeito da conceituação da presunção de inocência.
Na sequência, a discussão será redirecionada para investigação sobre o modo como a
Defensoria Pública do estado da Paraíba se insere no centro da questão a ser problematizada
pela pesquisa. Para tanto, será abordado um ponto crucial para o trabalho: a relevância da
instituição defensorial na construção, preservação e fortalecimento do modelo democrático
sustentado por Bobbio, especialmente na relação de interdependência entre direitos humanos
e democracia. Depois de apresentadas as características gerais que integram a Defensoria
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Pública nesses diálogos, será analisada, especificamente, a forma como a instituição paraibana
atua em relação a essas questões, de modo a traçar um perfil generalista do seu
comportamento.
Ainda nesse segundo momento, a pesquisa se desenvolverá por meio de uma análise
documental referente aos processos judiciais que tramitam na Paraíba e envolvam presos sem
condenação definitiva que são assistidos (ou que devessem ser) pela Defensoria Pública do
estado. O objetivo será verificar o modo como a instituição trabalha, a partir das suas atuações
nos processos em questão por meio de suas petições ou de outras medidas tomadas
judicialmente ou extrajudicialmente. Nesse momento, a pesquisa documental será a
responsável por instrumentalizar o estudo revelando traços mais concretos, como determinar
se as atividades desempenhadas (ou que devessem ser) por esses sujeitos permite a
possibilidade de a instituição contribuir, de alguma forma, para perpetração dessas violações.
Assim, caso fique comprovado, será possível então descrever a ocorrência de um fenômeno
antagônico, uma vez que caracterizar a instituição defensorial como violadora (ou que
contribua para isso) de direitos de seus representados é desvirtuar, senão por comp leto,
essencialmente, a sua função principal de defender o cidadão hipossuficiente.
Realizar-se-á um levantamento de dados que digam respeito a atuação de defensores e
defensoras públicas estaduais em relação a defesa do direito à presunção de inocência de seus
assistidos, sob a perspectiva do duplo grau de jurisdição. Tais elementos serão extraídos de
documentos públicos institucionais como o já supracitado INFOPEN, do Banco Nacional de
Monitoramento de Prisões, do CNJ e dos Diagnósticos da Defensoria Pública no Brasil,
elaborados pela Secretaria de Reforma do Judiciário, vinculada ao Ministério da Justiça. Além
desses, informações referentes a processos que integrem o Sistema Judiciário paraibano
poderão ser utilizadas para endossar ainda mais o trabalho. Tais informações podem
apresentar um caráter mais amplo (como relatórios específicos das instituições que compõem
o sistema jurídico paraibano), auxiliando a descrever a situação de forma mais abrangente ou
simplesmente se referir a casos pontuais, como processos penais individuais que ajudem a
descrever o fenômeno em questão.
Na última parte, como substrato para a propositura de políticas públicas institucionais
por parte das autoridades públicas do Estado da Paraíba, o fenômeno será analisado de modo
que se possibilite finalizar o raciocínio a respeito do papel desempenhado pela defensoria no
cenário delimitado para o estudo e que seja possível apontar possíveis caminhos a serem
seguidos diante da possibilidade de surgimento ou agravamento do problema apontado.
Devido ao contexto organizacional em que a instituição paraibana está inserida, será possível
utilizar uma abordagem comparativa a fim de contrastar sua atuação com as demais
defensorias públicas que atuam no país e assim buscar alternativas, se for o caso, para que o
propósito primordial de defesa de direitos humanos seja reestabelecido.
Para isso, embora o campo e sujeitos da pesquisa possam ser expandidos para se valer
de atuações e experiências de outras defensorias públicas estaduais, a instrumentalização da
pesquisa permanecerá voltada a um levantamento de dados por meio da pesquisa documental,
que, ao final, serão confrontados com os dados já obtidos no âmbito local. O raciocínio
utilizado nessa parte do estudo partirá de premissas específicas da Defensoria Pública estadual
para validar a hipótese de que a sua atuação coaduna ou não com a violação ao princípio da
presunção de inocência e a partir de então, destacar as diversas possibilidades de
enfrentamento do problema que pode ser gerador de conflitos pontuais mas que também
pode permitir um desequilíbrio maior, abalando a estruturação do estado democrático de
direito.
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Em síntese, tem-se que, após a construção teórica, iniciar-se-á a coleta de dados
referentes a pesquisa documental. O ato seguinte à coleta desses documentos será a sua
observação direta por meio de uma leitura crítica à luz fundamentação teórica já construída. A
análise desses dados analisados permitirá uma compreensão sobre a forma de atuação da
Defensoria Pública do estado da Paraíba. Com base nas conclusões extraídas a partir do
tratamento desses dados, será possível traçar um perfil de atuação da instituição e assim será
possível definir se a instituição atua em favor da preservação ou compactua com a violação do
princípio da presunção de inocência e realizar uma análise sobre esse problema de modo que
se permita expor possíveis soluções.
CONCLUSÕES
Os resultados esperados com a realização desse estudo buscam permitir uma melhor
análise sobre a atuação de uma instituição que a princípio possui o papel de defender direitos
e garantias fundamentais da parte da população mais carente do estado da Paraíba, mas que,
contraditoriamente, pode estar contribuindo para perpetração do quadro de violação ao
princípio da presunção de inocência de seus assistidos. Isso porque, alguns dados coletados até
então, como a quantidade de processos no duplo grau de jurisdição e a quantidade de
sentenças transitadas em julgado na primeira instância no órgão jurisdicional paraibano
apontam para a possibilidade de uma atuação ineficiente da Defensoria Pública estadual na
Paraíba.
Nesse mesmo sentido, há cerca de um ano atrás, a professora Adriana Vieira, até então
pertencente ao quadro do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba
(CCJ-UFPB), chamou atenção para o fato de não existir, naquele momento, nenhuma ação em
que a Defensoria Pública da Paraíba estivesse como parte no Superior Tribunal de Justiça e
nem no Supremo Tribunal Federal. Da mesma forma, os números apresentados pelo IV
Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil, elaborados pela Secretaria de Reforma do
Judiciário, vinculada ao Ministério da Justiça e também relacionados aqueles já mencionados
pelo INFOPEN-2016 podem estabelecer um contexto em que uma ineficiência na atuação
defensorial da instituição pode estar relacionado aos elevados índices de prisões cautelares e
consequentemente ao problema da superlotação das unidades prisionais no estado.
REFERÊNCIAS
ANISTIA INTERNACIONAL. “E es nos tr t m como nim is”. Tortura e maus-tratos no Brasil.
Desumanização e impunidade no Sistema de Justiça Criminal. Londres: Anistia Internacional, 2001.
Disponível em: https://anistia.org.br/wp-content/uploads/2014/09 /Br-Nos-tratam-como-animais-
Tortura-e-legado-da-ditadura-militar.pdf. Acesso em: 18 maio 2018.
CORDEIRO, Nefi; LINHARES, Antônio Carlos Alves. Prisões Cautelares e Presunção de Culpa: notas
históricas sobre esta dialética no Direito Processual Penal Brasileiro. Revista Brasileira de Direitos
e Garantias Fundamentais, Brasília. v. 3, n.1, jan./jun. 2017.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.
LEMGRUBER, Julita. Usos e abusos da prisão provisória no Rio de Janeiro: avaliação do impacto da
Lei 12.403/2011. Rio de Janeiro: Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, 2013.
MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia da Pesquisa no
Direito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
620
WERMUTH, Maiquel Ângelo Dezordi. A Seletividade no Sistema Prisional Brasileiro e a Produção da
Vida Nua (Homo sacer). Prim@ Facie International Journal: Narrativa Criminal, Violência e
Racismo, João Pessoa, v. 15, n. 28, jan/abr. 2016.
Neste trabalho, desenvolveu-se uma pesquisa empírica com o objetivo de investigar o grau
de efetividade da garantia constitucional do habeas corpus, a partir da análise de dados coletados
junto aos acórdãos da Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, proferidos no
mês de janeiro de 2017. De início se pretendeu estabelecer uma amostragem mais ampla, contudo
limitações de recurso impediram a continuidade da pesquisa. O material recolhido foi categorizado
segundo os fundamentos invocados pelos impetrantes para o ajuizamento da ação e também
segundo o teor dos julgamentos proferidos pelo Tribunal. A partir dos dados referentes ao teor dos
julgamentos, pretendeu-se analisar em que nível a garantia do HC tem cumprido seus objetivos
declaradamente visados pelo ordenamento, sobretudo em se considerando a posição privilegiada
que a ação de HC ocupa de um ângulo dogmático, tanto na Constituição quanto no Código de
Processo Penal. Outrossim, a partir dos dados referentes aos fundamentos dos pedidos de HC,
pretendeu-se identificar quais seriam os principais gargalos na proteção à liberdade das pessoas,
levando-se em conta que, dada a funcionalidade do habeas corpus no ordenamento, as situações
mais judicializadas por essa via constituem as mais frequentes violações ao direito de liberdade. Os
dados colhidos revelam um baixo grau de efetividade do habeas corpus, representado pelo
número elevado de ordens que sequer são conhecidas (52,9%), em virtude de questões formais e
contornáveis (p. e. não juntada de documentos do processo originário), e pelo número igualmente
elevado de ordens denegadas (42,3%), significando 95,2% da amostra em que a utilização do HC
foi inócua. As conclusões da pesquisa apontam para uma prática judicial restritiva e castradora
desse instituto, sobretudo se se levam em consideração os dados do mais recente levantamento
nacional de informações penitenciárias, os quais indicam patentes violações ao direito de
liberdade pelo sistema de justiça criminal (p. e. excesso de prisões provisórias, elevando o estado
de Sergipe ao segundo lugar nacional). A análise dos dados foi desenvolvida a partir da
argumentação histórica de Andrei Koerner, pois sua pesquisa sobre a prática judicial do HC no
Brasil de 1841 a 1920 revela que o enfraquecimento desse instituto é consequência de um
processo histórico de neutralização dos efeitos da concessão do writ, abandonando-se três
atribuições estratégias que lhe diziam respeito na tradição inglesa: a responsabilidade da
autoridade coatora, a garantia de um processo rápido para o réu preso, e a supervisão judicial de
sua integridade física. A neutralização dessas potencialidades do instituto traduziu a articulação
entre a prática judicial, as práticas alegais de controle social e a estrutura da sociedade
escravocrata, já que a detenção alegal de escravos e pobres livres era uma prática central na
proteção dos interesses das elites econômicas. Nesse sentido, adotou-se no Brasil um modelo
restritivo de HC, cujo baixo grau de efetividade, conclui-se, é incompatível com o Estado
621
Democrático de Direito, cuja legalidade não admite o condicionamento da prática judicial por
fatores históricos de matriz autoritária.
PROBLEMA
A despeito do artigo 378, do Código de Processo Penal (CPP), permitir, no curso do processo
ou do inquérito, a aplicação provisória de medida de segurança à pessoa acusada portadora de
transtorno mental avaliada como inimputável, em plano abstrato, conjectura-se a tensão entre o
direito humano fundamental à saúde mental e o dever processual estatal de ilidir o risco social que
circunda a liberdade plena do não- imputável, traduzida em respostas repressoras que contrastam
com a lógica antimanicomial.
OBJETIVO GERAL
Propor uma atualização na legislação penal e processual penal a partir de um desenho de
saúde mental antimanicomial1 positivado em normas internas extrapenais (SUS/SUAS) e
documentos internacionais de proteção às pessoas portadoras de transtorno mental, considerando
o acusado diagnosticado como inimputável no curso do processo-crime.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) verificar se Código Penal e o Código de Processo Penal, de espectro autoritário, em sua
literalidade, regulamentam o acompanhamento do acusado inimputável, no curso do processo ou
da investigação, conforme a lógica antimanicomial;
b) analisar o desenho de saúde mental antimanicomial estabelecido pelas normas internas
(SUS/SUAS/Estatuto da pessoa com deficiência, Lei 10.216/2001) e os documentos internacionais
de direitos humanos de proteção às pessoas portadoras de transtorno mental (OMS);
c) verificar se há possibilidade de atualização via interpretativa do Código Penal e de Processo
Penal, com base nesse desenho (antimanicomial), com o escopo de sugerir respostas coesas que
relativizem o espectro repressor-segregador desses diplomas legais, considerada, em
contrapartida, a necessidade de acautelamento processual.
METODOLOGIA
A partir da definição de transtorno mental utilizada pela Organização Mundial de Saúde
(OMS), das premissas do movimento antimanicomial e da definição legal de inimputável, analisar,
qualitativamente, pela via interpretativa, o Código Penal, de Processo Penal e os instrumentos
jurídico-legais acima descritos, adotando-se como marcos teóricos Luigi Ferrajoli (“Direito e Razão:
teoria do garantismo penal”) e Franco Basaglia (“A psiquiatria alternativa: contra o pessimismo da
razão, o otimismo da prática”).
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Revisitando as teorias da culpabilidade, a teoria normativa pura adotada pelo Código Penal
brasileiro, os conceitos de inimputabilidade, de medida de segurança, periculosidade, internação e
622
tratamento ambulatorial, e verificando como esses conceitos são tratados no Código Penal e no
Código de Processo Penal, preliminarmente, concluiu-se que a resposta legal oferecida pelo Direito
Penal e pelo Direito Processual Penal não atendem, em um primeiro plano, à proposta garantista
apresentada pela Constituição Federal e a antimanicomial oferecida pela reforma psiquiátrica,
considerado este um processo político e social complexo e plural, com ênfase na reabilitação e
reinsersão social. Para que o direito fundamental à saúde mental e o dever estatal de ilidir o risco
social e pessoal que circunda a liberdade plena do não- imputável convivam sem se anularem,
apercebeu-se que essa harmonização de polos tensionados somente será possível com a
atualização da resposta terapêutica, conformando-a com a proposta anti-hospitalocêntrica, à vista
dos institutos jurídico- legais vigentes (normas internas extrapenais pertinentes ao Sistema Único
de Saúde e ao Sistema Único de Assistência Social, Estatuto da pessoa com deficiência, Lei
10.216/2001, Constituição Fedeal e documentos internacionais de proteção às pessoas portadoras
de transtorno mental).
Notas:
1
Definição adotada a partir de Franco Basaglia, expoente do movimento antimanicomial iniciado na década de 60
(referência acima).
623
As estatísticas revelam que 74,7% das sentenças continham utilização expressa do inquérito na
fundamentação das mesmas, coadunando com a informação de que o magistrado utilizou-se de
testemunhos em 83,7% dos casos, onde 65,2% destes testemunhos sequer foram repetidos em fase
processual e em 85,6% das vezes pelo menos um dos depoimentos utilizados foi de uma autoridade
policial.
A partir das informações obtidas, a visível ausência do contraditório e ampla defesa,
corroborando com um semblante fascista inerente ao processo penal, é um dos dados mais
preocupantes. O que se observa hodiernamente é uma forte invasão da fase policial nas decisões
proferidas pelos julgadores, ultrapassando suas funções declaradamente oficiais, influenciando, não
raras vezes, o convencimento do Magistrado a respeito de um suposto fato criminoso.
Por fim, em concordância com o pensamento de Deleuze e Guattari, é notório que o fascismo
apresenta regimes moleculares, finos, antes de ressoarem juntos num Estado totalitário. Dessa forma,
percebeu-se que não basta apenas se atentar para a sentença condenatória como um todo, para a
superpopulação dos presídios ou dar total atenção aos regimes históricos autoritários; é
imprescindível o combate aos pequenos fascismos que habitam a todos – principalmente o Direito
Penal.
O estudo que se propõe tem como objeto de discussão o Processo Penal Brasileiro enquanto
um dispositivo, conceito teórico de Foucault, e esse dispositivo tem uma normatividade específica na
prática no campo jurídico criminal paraense. O problema de pesquisa que norteou a elaboração deste
estudo fora em responder a seguinte questão: em que medida a estratégia fundante do Código de
Processo Penal (CPP) no momento de sua elaboração e aplicação, fora direcionada a lidar com
tratamentos diferenciados de formas de vida nas audiências jurídico-penal na fase de instrução? Pelo
tempo e vertente metodológica não se propôs analisar o processo de reforma com que o CPP esteve
pautado nos últimos anos, quer na abordagem da própria escrita, quer na abordagem da sua
interpretação ou aplicação. A guisa de metodologia, utilizou-se a etnografia em audiências criminais
realizadas no ano de 2018 na capital paraense, metodologia empírica que possibilita à coleta de dados
relacionados as práticas e discursos proferidos pelo ator juiz nas audiências criminais na fase de
instrução, de forma a perceber que o processo penal foi criado exatamente para hierarquizar as
formas de vida, identificando um tratamento com base na classe social – como categoria sociológica -,
em que aquilo que estrategicamente foi pensado como para ser uma exceção, passou a ser na prática,
uma regra, como é o caso da prisão processual, do uso das algemas em audiências etc., sem esquecer
o que Casara (2017) tem argumentado no sentido de que no processo penal, a marca é a
transformação de direitos fundamentais em mercadorias. Objetivou-se utilizar da teoria da prática de
Bourdieu, posto que é nesse espaço ou campo – o judicial - que se verifica o lugar manifesto da
violência simbólica e do poder simbólico, tendo em vista que há discursos dos atores envolvidos que
tenham predisposições à hierarquizar as formas de vida e a direcionar o “sistema criminal” aqui
624
investigado apenas um dos seus segmentos, o CPP, de forma a ser analisado criticamente como sendo
um “dispositivo que camufla um tratamento com base na classe social”.
INTRODUÇÃO
A relevância da implementação das audiências de custódia no sistema de justiça criminal
brasileiro pode ser justificada através da urgência ao enfrentamento à prisão cautelar no país, que
se mostra crescente, tornando necessário que se atente às fundamentações utilizadas nas decisões
proferidas nestas audiências, a fim de se compreender de que forma o judiciário atua no tratamento
das medidas cautelares e como justifica a decretação da prisão preventiva ou a concessão da
liberdade provisória – visto que a motivação da decisão exerce tanto uma função política, quanto
uma garantia processual, legitimando-a como ato característico de um regime democrático,
atendendo à indispensável racionalização da atividade jurisdicional.
Observa-se que, segundo o Mapa da Implementação da Audiência de Custódia no Brasil, o
percentual de flagrantes convertidos em preventiva é bastante alto – tem-se, em Pernambuco, o
percentual de cerca de 60% (CNJ, 2017). Essa perpetuação de uma cultura de aprisionamento faz
com que uma exceção constitucional se torne regra. Isso porque, no Brasil, a presunção de
inocência foi adotada pelo constituinte de 1988 como um dos princípios basilares, estando
previsto, no Art. 5º, LVII, da seguinte forma taxativa: “Ninguém será considerado culpado até
trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988). Assim, ao ser admitida a
existência da prisão cautelar no sistema jurídico brasileiro, ela é acatada de forma excepcional, já
que o acusado só poderia ser peso preventivamente em casos de imperiosa necessidade e com
justificação devida e baseada em critérios legais objetivos, de forma que a prisão seja, de fato, de
natureza cautelar.
No entanto, parece haver uma utilização inquisitiva da prisão preventiva, na medida em
que ela é tratada como “arma de combate à criminalidade”, em prol de um discurso de segurança
pública, utilizado em detrimento da concretização de garantias constitucionais. Isto com base no
argumento da “ordem pública”, às custas daqueles indivíduos considerados “perigosos” para o
convívio social. Assim, a medida cautelar parece perder sua finalidade processual para servir às
finalidades do direito penal, funcionando como uma verdadeira pena antecipada. Dessa maneira,
importa compreender de que forma isto se encaixa no contexto de funcionamento do sistema
punitivo como um todo e com sua respectiva manutenção de práticas que não tratam a prisão
como ultima ratio.
OBJETIVOS
Avaliar a potencialidade das audiências de custódia como mecanismo de racionalização das
decretações de prisão preventiva, através de uma análise das decisões proferidas nas audiências
de custódia – se de decretação de prisão preventiva ou concessão de liberdade provisória – e de
seus fundamentos jurídicos e fáticos, apontados pelos magistrados.
625
METODOLOGIA
Para a realização do presente trabalho, foi feita uma pesquisa bibliográfica e, em seguida,
uma análise tanto quantitativa quanto qualitativa de 87 decisões proferidas nas audiências de
custódia acompanhadas pelas pesquisadoras do grupo Asa Branca de Criminologia, na cidade do
Recife, durante o segundo semestre de 2018.
CONCLUSÕES
O modelo das audiências de custódia implementado no país, que aparenta representar um
avanço para o processo penal, ao mesmo tempo, parece estar sendo utilizado como extensão da
ferramenta repressiva do Estado, aumentando o raio de controle social através das prisões
preventivas e da aplicação massiva de outras medidas cautelares. O problema dos presos sem
condenação mostra-se, assim, como sendo uma das expressões máximas de um Estado que, para
muitos, assume a forma de uma “instituição de sequestro”, afastando estes sujeitos do convívio
social e reproduzindo estruturas sociais marcadamente classistas e racistas, sustentadas por um
discurso de ordem e segurança pública.
Palavras-chave: Audiências de Custódia. Prisão Preventiva. Sistema de Justiça Criminal.
É notório que a crise do Direito Penal ganha contornos dramáticos nos dias de hoje,
considerando que a violência cresceu de maneira vertiginosa e, por isso mesmo, a necessidade
de pensar as formas de prevenir e reprimir o crime requerem equilíbrio e profunda
compreensão das circunstâncias que envolvem também o cárcere. Enquanto há os que veem
na privação de liberdade uma forma de expiação de seus erros e reforçam a ideia do mal
necessário, outros enxergam-na tão somente como um mecanismo de controle, de
estigmatização e de marginalização social.
As finalidades e a própria essência da punição padecem de consenso, sobretudo em se
tratando de uma medida que deveria ser utilizada como ultima ratio e, portanto, apenas de
forma excepcional. O fato é que a privação de liberdade é uma realidade que envolve milhares
de pessoas no Brasil. Dentre elas, muitas são presas e voltam a delinquir; outras, no entanto,
curiosamente, acabam não mais voltando à vida de delinquência. O que se busca nesse
trabalho é identificar as nuances que envolvem essa medida de extrema repercussão na vida
do ser humano e de toda a sociedade, mas a partir do paradigma de quem passou pelo cárcere
e a ele não regressou. A literatura sobre a execução da pena privativa de liberdade costuma
dar ênfase aos acentuados números da reincidência e a partir desses dados legislações acabam
sendo alteradas ou criadas e políticas públicas relacionadas ao encarceramento são
desenvolvidas no intuito de tentar atender às pretensões buscadas com a punição.
Ocorre que o próprio conceito de reincidência não encontra uniformidade e, por
conseguinte, também se encontra dificuldade para saber o número de pessoas que não
reincidem. É possível identificar na doutrina quatro espécies distintas de classificação da
recidiva, quais sejam: a genérica; a legal; a penitenciária e a criminal.
Como se pode perceber, a pluralidade de significados acaba afetando
consideravelmente os resultados obtidos pelos pesquisadores em termos percentuais no que
se refere às práticas delitivas reincidentes e, por via de consequência lógica, numa
interpretação inversa, também toca diretamente aos números da não reincidência delitiva.
Ora, é fato que a violência e seus números avassaladores têm ganho notoriedade
extrema no Brasil, reforçando discussões acerca de políticas que se revelem capazes de conter
a criminalidade e, por conseguinte, o massivo encarceramento que se agigantou nos últimos
anos no país.
Não sem razão, muitos reforçam o coro da ineficiência do sistema punitivo e da crise ou
falência do confinamento como meio de ressocialização, mas é urgente redimensionar os
objetivos e funções práticas do sistema penitenciário na vida do encarcerado, inclusive a partir
da esfera do próprio egresso desse organismo estatal que é o que se pretende aferir com esse
trabalho.
Questiona-se se a proposta de ressocialização penal do condenado contemplada na Lei
de execuções penais encontra respaldo naqueles que não mais delinquiram. E, se não é
possível fazer essa correspondência, qual seria, então, o efetivo papel da privação de
627
liberdade como medida punitiva e das práticas de ressocialização realizadas na prisão,
especialmente diante do fato de que muitos não voltam a delinquir?
No intuito de atingir os objetivos propostos nesse trabalho será adotada a metodologia
da revisão de literatura, subsidiada pela pesquisa por meio de fontes indiretas.
629
uma perspectiva qualitativa e descritiva, voltada à análise do fenômeno da negociação no processo
penal e seu cotejo face à epistemologia garantista sufragada pela Constituição da República.
Nesse diapasão, constatou-se conclusivamente que os instrumentos negociais ensejam o
esvaziamento teleológico da garantia da jurisdicionalidade (mormente em seu sentido estrito), na
medida em que permitem a aplicação de uma pena a despeito da inexistência de um processo
penal devidamente instruído.
Outrossim, foi possível constatar que os mecanismos de justiça negocial se afiguram
potencialmente prejudiciais à tutela do princípio da presunção de inocência. Isso ocorre em razão
do inegável contexto de coercibilidade social e jurídica que circunda a propositura do acordo,
responsável por conduzir inocentes a declararem-se culpados devido ao receio de serem mais
severamente punidos. Além disso, verificou-se frontal prejuízo à tutela da inocência em sua
perspectiva probatória, uma vez que, havendo supressão da fase instrutória-processual – assim
como dos direitos a ela correlatos –, não resta possível confrontar a conformidade dos elementos
informativos em relação às normas procedimentais a eles previstas.
Finalmente, pôde-se depreender desses mecanismos o inadmissível fortalecimento de uma
estrutura processual inquisitória. Considerando que os institutos negociais se fundamentam nos
dois elementos mais determinantes da estrutura inquisitorial – quais sejam, o segredo e a
confissão –, conclui-se que esses instrumentos são capazes de reforçar um processo penal cuja
práxis já se revela lastimavelmente contaminada por práticas autoritárias deletérias à Constituição
da República e ao Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
LANGBEIN, John H. On the myth of written Constitutions: the disappearance of criminal jury trial.
Harvard Journal of Law and Public Policy, v. 15, n. 1, 1992.
Com o objetivo de levantar dados acerca do direito de defesa nas audiências de custódia,
foi desenvolvida pesquisa a fim de verificar o tipo de defesa nos casos levados às audiências – se
pública ou privada, bem como a interação dos custodiados com a defesa no ato das audiências. A
metodologia, empregada foram três métodos de coleta de dados, quais sejam a pesquisa
bibliográfica, análise documental do de autos de prisão em flagrante e observação não-
participante das audiências. Na pesquisa bibliográfica sobre o tema, foram revisados artigos
científicos, capítulos de livro e livros que tratam do surgimento da audiência de custódia e sua
implementação no Brasil. Já a partir da observação não participante das audiências e da análise
documental foi possível coletar dados empíricos sobre o funcionamento desse procedimento.
Com previsão na Convenção Americana de Direitos Humanos, tratado sancionado no Brasil desde
1992, as audiências de Custódia apenas passaram a ter aplicação no ano de 2015, por iniciativa do
Conselho Nacional de Justiça, em buscam de implementar no Brasil um procedimento que
garantisse maior observância ao devido processo legal, permitindo contraditório e ampla defesa
por meio da rápida apresentação do preso a um juiz nos casos de prisões em flagrante. Como
resultado da pesquisa houve à constatação da predominância de defesa realizada por defensor
público, que corresponde a número de sessenta audiências das oitenta e sete analisadas. Na
defesa realizada por esses sujeitos, foi possível perceber uma mecanização do procedimento
diante da ausência de sinalização das particularidades de cada caso, bem como a formulação de
pedidos destituídos de justificação. Também predominou nas audiências assistidas a ausência de
qualquer explicação sobre o procedimento ao custodiado ou ainda a utilização de linguagem
inacessível para tal explicação. Quanto aos no relato sobre abuso de autoridade, agressões e maus
tratos sofridos pelo flagranteado, foi possível identificar a constante presença de policiais nas salas
de audiência, fato que pode impactar nos relatos dos presos e na efetividade de sua auto defesa.
Palavras-chave: Audiência. Defesa. Flagranteado.
634
Coordenação:
Carina Barbosa Gouvêa (UFPE)
Jayme Benvenuto (UFPE)
Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco (IESP/UERJ)
ESTADO DE DIREITO E A CRISE DA DEMOCRACIA: UMA ANÁLISE DO USO DO
DIREITO ATRAVÉS DA JUSFILOSOFIA DE LUIS ALBERTO WARAT
PROBLEMA INVESTIGADO
O multipartidarismo constitui-se em uma das características essenciais da democracia
brasileira. Apesar desta previsão constitucional, percebe-se que a tendência na substituição dos
principais cargos do Executivo consiste na oscilação entre direita e esquerda. Nas últimas eleições,
pode-se notar a identificação da esquerda com o Partido dos Trabalhadores (PT) e do movimento
de direita com o candidato Jair Messias Bolsonaro. Partidos que até as eleições de 2014 eram
considerados de direita, passaram a ser acusados de pertencer à ala esquerdista. O
conservadorismo surgiu como fator fundamental para eleição do atual presidente brasileiro,
sendo associado ao movimento de direita e considerado inexistente na ala esquerdista.
OBJETIVO
Pretende-se analisar precipuamente a polarização como meio de enfraquecimento da
democracia brasileira, além de discutir o conservadorismo como características dos governos
democráticos brasileiros.
638
MÉTODOS DE ANÁLISE
Apresenta-se uma metodologia qualitativa ilustrada por meio de conceitos doutrinários e
de notícias jornalísticas noticiadas na eleição presidencial brasileira de 2018.
CONCLUSÕES
A nova direita costuma ser caracterizada como uma tradição conservadora liberal,
pregando por valores como livre mercado, emancipação do individuo em relação ao Estado,
Estado mínimo, privatizações, dentre outros. Possui elementos de continuidade da direita antiga,
porém, não se comporta da mesma maneira. Não se sabe muito bem o que há de novo no perfil
desse eleitorado, porém, constata-se que o autoritarismo e o conservadorismo são duas vertentes
aplicadas por eles. O debate tem se tornado menos politizado do que no período ditatorial.
O Brasil viveu longos períodos de ditadura, saindo da Era Vargas para um período de
dominação militar, até atingir a sua Constituição Cidadã e sua democracia semidireta ou
participativa a partir de 1988. Apesar dessa mudança, em 2010, pode-se perceber uma onda
ultraconservadora ganhando espaço na política brasileira. Na última campanha eleitoral, conceitos
de nazismo e fascismo chegaram a ser utilizados de maneira errada para qualificar partidos ou
candidatos.
Esta nova direita surge como consequência da má atuação do partido de esquerda que
restou oito anos no poder do país. O debate se tornou comprometido. Percebe-se que a atual
polarização gira em torno de pensamentos conservadores e liberais. A ala de esquerda atua em
sentido mais liberal, sem considerar seu aspecto econômico, enquanto a sua oposição tende a
adotar ideais extremamente conservadores. Porém, ao analisar os governos do período
democrático, percebe-se que com a eleição do Lula, dizia-se que estava se pondo fim ao
conservadorismo no Brasil. Na realidade, a mudança não ocorreu como se imagina. Tanto no
governo de Lula, como no mandato de Dilma Rousseff, a direita sempre esteve no poder, vide os
vice-presidentes José de Alencar e Michel Temer. As bases de apoio do governo de Fernando
Henrique Cardoso efetivamente permaneceram no governo de esquerda. Sendo assim, o governo
do PT não deixou de ter valores conservadores. Nas ultimas eleições, porém, pode-se perceber
que o eleitorado e o atual Presidente da República e seu partido pregaram por ideais que
enfraquecem a democracia brasileira, bem como colocam em risco a sua ordem jurídica. E todos
esses princípios foram defendidos em nome dessa polarização, e devido a isto faz-se mister
aprofundar o estudo da temática.
639
Dantas (1985, 1994, 1996, 1999, 2001, 2007, 2008, 2010, 2016) descreve a causa da constituinte,
seu conceito, sua relação com os valores sociais, seus objetivos político-partidários, tendo em vista
que, em um sentido sociológico, toda organização política tem sua constituição.
Uma constituição é legítima, isto é, reconhecida, não só como uma situação de fato, mas
também como ordenamento jurídico, quando a força e autoridade do poder constituinte em que
descansa sua decisão é reconhecida pelo povo. Ela é válida, porque existe uma unidade política,
da qual se trata a constituição, representando o sujeito do poder constituinte que pode fixar o
modo e a forma de sua existência. Neste sentido, destaca-se: é a Constituição, no sentido jurídico
político, um forte agente de controle social, responsável pela manutenção e transmissão dos
chamados valores sociais básicos; apesar de sofrer limitações em seu exercício, em uma
perspectiva sociológica, o poder constituinte as sofre na razão direta dos valores sociais
predominantes na sociedade à época da elaboração do texto constituinte pela Assembleia
Constituinte; e tais valores não são imutáveis e servem de limitadores ao exercício do poder
constituinte, ao qual se impõem graças à atuação da opinião pública e dos chamados grupos de
interesse.
O poder constituinte originário vem sofrendo “fissuras” desde a descolonização onde
grandes potências e organismos internacionais estão intervindo nos processos de constitution-
making nas nações, como por exemplo, no Afeganistão, Camboja, Timor-Leste, Bósnia-
Herzegovina, Afeganistão, Nepal, Haiti, Kosovo, dentre muitas outras. Nestes casos, não foi o
“povo” que utilizou seu poder constituinte para estabelecer suas respectivas ordens
constitucionais. Pelo contrário, os atores externos por meio do uso do poder político e da
interpretação de normas do direito internacional, criaram a possibilidade de que as populações
capturadas dentro dessas ordens fossem reconhecidas como “povo”.
A ideia de internacionalização do poder constituinte, conceituado na presente como
“poder constituinte híbrido”por Gouvêa (2019), representa a abordagem da influência direta e
indireta do direito internacional sobre o conteúdo normativo do direito constitucional, fazendo
com que as regras que devem ordenar as atividades dos cidadãos não sejam produzidas apenas
pelo legislador nacional, o que cria um problema de legitimidade quanto aos órgãos
normatizadores, correspondendo a um grau cada vez mais elevado de penetração do Direito
Internacional no Direito Constitucional.
A teoria da separação dos poderes para a ONU representa a materialização da democracia
e é considerada um de seus elementos essenciais. Toda teoria, pelo fato de receber uma
ideologia, aponta para interesses determinados (LUCAS VERDÚ, 1982, p. 12). E, neste sentido, o
predomínio da dogmática desideologizada, ou seja, apartada de seus interesses e indiferente aos
fins para que se constituiu à organização política que pretende explicar e interpretar, conduz
inexoravelmente ao imobilismo, a petrificação.
Ao descrever a teoria da separação dos poderes, Montesquieu se preocupou, também,
com o universo dogmático do sistema que pretendia implementar quando incorporou elementos
que se constituem um todo perfeito: a independência, a harmonia, a liberdade política e a
cooperação.
É preciso compreender que os espíritos que compõem a teria da separação dos poderes
visam integrar o funcionamento estrutural da caixa de “máquinas da constituição”,
compatibilizando os direitos com a sua estrutura orgânica. A mera menção, nas cartas
constitucionais, do princípio da separação dos poderes pode levar os entes federativos a caminhos
herméticos e solipsistas, agravando a crise do sistema democrático.
640
REFERÊNCIAS
DANTAS, Ivo. Poder Constituinte e Revolução: breve introdução à teoria sociológica do direito
constitucional. 2 ed. Bauru: Jalovi, 1985.
DANTAS, Ivo. Constituição Federal: teoria e prática. Rio de Janeiro: Renovar, 1994.
DANTAS, Ivo. O valor da Constituição (do controle de constitucionalidade como garantia da
supralegalidade constitucional). Rio de Janeiro: Renovar, 1996.
DANTAS, Ivo. Direito constitucional econômico: globalização & constitucionalismo. Curitiba: Jurua
Editora, 1999.
DANTAS, Ivo. Instituições de direito constitucional brasileiro. Curitiba: Juruá Editora, 2001.
DANTAS, Ivo. Constituição & processo. Curitiba: Juruá Editora, 2007.
DANTAS, Ivo. Teoria do Estado contemporâneo. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
DANTAS, Ivo. Novo direito constitucional comparado: introdução, teoria e metodologia. Curitiba:
Juruá, 2010.
DANTAS, Ivo. Teoria do Estado Contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2016
GOUVÊA, Carina Barbosa. A categoria teórico-abstrata do poder constituinte híbrido e a crise dos
sistemas democráticos: materializando novos sentidos para internacionalização do poder
constituinte originário. Relatório Pós Doutoral, Universidade Federal de Pernambuco, 2019.
LUCAS VERDÚ, Pablo. El Derecho Constitucional como Derecho Administrativo (La 'ideología
constitucional' del Professor García de Enterria). Revista de Derecho Político, Madrid, v. 1, n. 13,
p. 7-51, 1982.
Analisar a crise da Venezuela é de suma importância , uma vez que o debate sobre o país
vizinho é permeado por visões que carecem de referencial teórico definido e de ancoragem em
fatos. As informações sobre a Venezuela são desencontradas, parciais e com o plus retórico do
mal contra o bem, esvaziando a complexidade da crise econômica, política, social e democrática
do país.
A Venezuela tem um longo histórico de revoluções, de golpes e tentativas de golpes civis-
militares, ou seja, a crise institucional e democrática vivida pela era Maduro não é novidade, aliás,
pode-se dizer que, contemporaneamente, a crise atual é uma continuidade das crises dos
períodos chavistas.
Tendo como referencial a perspectiva institucionalista, inspirado nos quatro indicadores do
comportamento autoritário, dos autores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, do livro Como as
democracias morrem o presente artigo tem como objetivo compreender se a Venezuela, em
641
específico o governo de Nicolás Maduro, é um governo autoritário. Tais indicadores não serão
usados de forma linear, sendo necessário, para tanto, ponderações dos indicadores através de um
viés crítico, de modo a compreender o comportamento dos autores envolvidos na crise, como a
posição venezuelana e dos Estados Unidos.
Destarte, analisaremos o grau de democracia através dos conceitos de Dahl sobre a
contestação e tolerância à oposição.
Por fim, tentaremos indicar possíveis soluções para a crise na Venezuela, sem pretensões
de esgotar um tema tão complexo como o que se apresenta.
A referente pesquisa, teve como base a natureza qualitativa, com uma proposta de analisar
a bibliografia de autores que trabalham a temática da democracia na contemporaneidade, a fim
de desvelar o processo sociopolítico da Venezuela no governo Nicolás Maduro. O método
bibliográfico, ou de fontes secundárias, abrange informações já tornadas públicas em relação ao
tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas,
monografias, teses, etc. (LAKATOS; MARCONE, 2003).
Dito isso, em conclusões preliminares, podemos indicar que há no governo de Nicolás
Maduro uma sistemática violação da institucionalidade democrática e dos direitos humanos, bem
como a ataques a manifestantes , prisões politicas e violações das regras do jogo democrático.
643
OLIVEIRA, Luciano. Não Fale do código de hamurábi! A pesquisa sócio-jurídica na pós-graduação
em direito. Anuário dos cursos de pós-graduação em direito. Recife: Universidade de
Pernambuco, n. 13, 2003.
STRECK, Lenio Luiz. Entre o ativismo e a judicialização da política: a difícil concretização do direito
fundamental a uma decisão judicial constitucionalmente adequada. Joaçaba, v. 17, n. 3, p. 721-
732, set./dez. 2016.
644
A análise indicou que nas mídias sociais a opinião pública sobre o caso se alinhou à
estrutura da polarização da esfera pública que se observa desde 2014 (ORTELLADO; RIBEIRO,
2018). Um vídeo vazado da intimidade do casal foi usado pelo campo conservador como prova de
que a acusação foi uma “armação” de uma mulher “canalha” nas palavras da deputada Joice
Hasselmann. O caso foi usado como pretexto para atacar a esquerda - especialmente as feministas
- que teria acusado precipitadamente o jogador. A acusação da direita em relação ao campo
progressista é parcialmente verdadeira. Uma postagem publicada no dia 6 de junho pela página
Jornalistas Livres com cerca de 2 mil compartilhamentos é taxativa: “é estupro” a postagem
afirmava em caixa alta (JORNALISTAS LIVRES, 2019). A análise das dez postagens mais
compartilhadas no campo sobre o tema, porém, apresenta uma visão mais nuançada. Algumas
páginas aproveitaram o caso para criticar a visita do presidente Jair Bolsonaro ao jogador (REVISTA
FÓRUM, 2019), para acusar a imprensa de apresentar apenas a visão do homem
(DESINTOXICAÇÃO..., 2019) e para denunciar a cultura do estupro (MÃES..., 2019). O que mais
mobilizou o campo, porém, foi o projeto de lei 3369/19 - batizado jocosamente de Lei Neymar da
Penha - apresentado pelo deputado Carlos Jordy (PSL) que aumenta a pena para denúncias
mentirosas de crimes sexuais (JORDY, 2019).
Nos dois pólos do debate foi possível identificar manifestações públicas com acusações
precipitadas que não identificavam nenhuma complexidade no caso. Todos pareciam saber o que
havia acontecido, saber o suficiente para formar um juízo - juízo público - sem aguardar a
mediação institucional. Princípios constitucionais como o “devido processo legal”, “direito ao
contraditório e à ampla defesa” ou “presunção da inocência” não tiveram nenhuma aplicabilidade
em uma parte das manifestações públicas publicadas nas mídias sociais.
O “caso Ne mar” foi escolhido porque é ilustrativo de inúmeros casos de conflitos de
direitos e denúncias de crimes acontecidos na internet. A publicação de uma denúncia, a
exposição de um suposto agressor já faz parte de um processo de condenação pública, não
mediada por instituições. O objetivo do presente artigo é entender - a partir de um caso concreto
de grande repercussão - os mecanismos do que Denis Salas classifica como populismo penal
“definido como o discurso emotivo que clama por punição em nome das vítimas e contra as
instituições democráticas desqualificadas” (SALAS, 2005, p. 14 apud ALVAREZ, 2010, p. 16).
REFERÊNCIAS
ALMEIDA JR., Octávio. Datena quebra sigilo policial, diz nome de jovem que acusa Neymar de
estupro e é detonado na web; assista. Torcedores. 2 de junho de 2019. Disponível em:
https://www.torcedores.com/noticias/2019/06/datena-quebra-sigilo-jovem-neymar-estupro-
detonado-web. Acesso em: 16 jun. 2019.
ALVAREZ, Marcos César et al (coord.). O papel da vítima no direito penal. Série Pensando o
Direito n. 24/2010. Ministério da Justiça: Brasília, 2010. Disponível em:
http://pensando.mj.gov.br/wp-content/uploads/2015/07/24Pensando_Direito3.pdf. Acesso em:
16 jun. 2019.
DESINTOXICAÇÃO DO ROMANTISMO. Post do Facebook. 4 de junho de 2019. Disponível em:
https://www.facebook.com/desintoxicacaodoromantismo/posts/1870205373080949. Acesso em:
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JORDY, Carlos. Facebook: Posts do Facebook. 6 de junho de 2019. Disponível em:
https://www.facebook.com/carlosjordyoficial/photos/a.522774011231715/1259563074219468/?
type=3&__tn__=-R 7 de junho de 2019. Disponível em:
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2019.
645
JORNALISTAS LIVRES. Tudo de ois do “n o” estu ro. Facebook: Post do Facebook. 5 de junho
de 2019. Disponível em: https://www.facebook.com/jornalistaslivres/posts/1194374057353136
Acesso em: 16 jun. 2019.
LAVIEIRI,Danilo; PEREIRA, Felipe; ADORNO, Luis; RIZZO, Marcel; LOPES, Pedro. Neymar é acusado
de estupro em Paris; mulher registrou BO em SP. UOL Esporte. 1 de junho de 2019. Disponível em:
https://esporte.uol.com.br/futebol/ultimas-noticias/2019/06/01/neymar-e-acusado-de-estupro-
em-paris-mulher-registrou-bo-em-sp.htm. Acesso em: 16 jun. 2019.
MÃES DE MAIO. Facebook: Post do Facebook. 6 de junho de 2019. Disponível em:
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MONITOR DO DEBATE POLÍTICO. Facebook: página do Facebook. Disponível em:
https://www.facebook.com/monitordodebatepolitico/. Acesso em: 16 jun. 2019.
ORTELLADO, Pablo; RIBEIRO, Márcio Moretto. M ing Br zi ’s o itic o riz tion on ine. The
Conversation. 3 de agosto de 2018. Disponível em: https://theconversation.com/mapping-brazils-
political-polarization-online-96434. Acesso em: 16 jun. 2019.
REVISTA FÓRUM. Facebook: Post do Facebook. 6 de junho de 2019. Disponível em:
https://www.facebook.com/forumrevista/posts/2572514092780740 Acesso em: 16 jun. 2019.
O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise da relativização dos valores
constitucionais por parte dos atores jurídicos e a consequente espetacularização do poder
judiciário. Para isto, como caso paradigmático dessa compreensão tem-se a questionável decisão
do STF que entendeu pela possibilidade de início da execução da pena condenatória após a
confirmação da sentença em segundo grau e suas repercussões nas demais instâncias dos órgãos
jurisdicionais. Assim, partindo da citada decisão, por intermédio da metodologia qualitativa,
baseada nas decisões jurisprudenciais mais recentes que versam sobre a (im)possiblidade da
prisão em segunda instância, bem como nas bibliografias que tratam acerca da
(in)constitucionalidade da decisão, a pesquisa se volta para compreender como o poder judiciário
passou de garantidor dos direitos, em especial a garantia da presunção de inocência, a realizador
das expectativas do mercado, bem como dos telespectadores. Nessa ordem de ideias, se a
presunção de inocência é uma garantia fundamental cuja finalidade se expressa na defesa ao
direito de liberdade do indivíduo, a postura do Supremo Tribunal Federal na promoção dos
direitos e garantias fundamentais constitucionais quanto à decisão do HC 126.292/SP pode ser
panorama para uma série de questionamentos. Tendo como referencial teórico Casara, busca-se
problematizar como o judiciário passou a funcionar na lógica de uma indústria de segurança a fim
de realizar uma gestão dos indesejáveis por meio da possibilidade de início da execução da pena
condenatória sem o trânsito em julgado da decisão. Assim, os resultados objetivos buscam
identificar se, por meio desse processo de relativização das garantias constitucionais, pode ser
visualizado um fenômeno de desconstitucionalização das condenações no contexto neoliberal.
Ainda, como resultado objetivo, procura-se problematizar a gestão pelo sistema de justiça criminal
das pessoas que não interessam ao projeto neoliberal. Destarte, de acordo com Wacquant (2007),
essa gestão tem sido, cada vez mais, “concebida e executada não com a finalidade de atender aos
finsdeclarados, ou seja, prevenir novos delitos, punir e recuperar criminosos, pacificar a sociedade,
entre outros, mas com o objetivo de ser exibida, de se tornar um espetáculo.”
648
Demais disso, como conclusões preliminares, pretende-se identificar como o Supremo
Tribunal vem esvaziando sua função contramojaritária, abandonando a pretensão de servir como
garantidor dos direitos fundamentais com a finalidade de atender a razão neoliberal e a “voz das
ruas”. Isto porque, nota-se que, ainda nos dias atuais, o judiciário insiste no dualismo
metodológico, o que é um erro, pois, toda vez que o judiciário – em especial o STF -, fundamenta
uma decisão com base na “voz das ruas” ou na “expectativa da sociedade”, a Constituição de
1988, bem como sua força normativa restam fragilizadas. Para Streck (2018), em um país como o
nosso, sustentar a visão de que a realidade social pode substituir a Constituição é uma
temeridade, pois, dessa forma, “viramos uma espécie de democracia plebiscitária, e pior, um
judiciário plebiscitário.”
Por fim, têm-se ainda como conclusão preliminar, a busca em compreender como a razão
neoliberal passou a condicionar a atuação dos atores jurídicos, fazendo com que o poder judiciário
deixe de reconhecer limites ao exercício do poder para funcionar em sentido contrário, mais
precisamente como instrumento voltado à eliminação dos obstáculos ao interesse do Estado ou
do mercado.
REFERÊNCIAS
CASARA, Rubens R. R. Estado Pós Democrático. Neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017.
STRECK, Lenio Luiz. Se Supremo deve obedecer à voz das ruas, qual é o valor da Constituição? 2018.
Consultor Jurídico - CONJUR. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-abr-28/observatorio-
constitucional-stf-obedecer-voz-ruas-qual-valor-constituicao. Acesso em: 09 jun. 2019.
WACQUANT, Loïc. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos: a onda punitiva.
Rio de Janeiro: Revan, 2007.
PROBLEMA
A tensão nas bases fundantes da organização político-administrativa da sociedade
brasileira na atualidade é o ponto de partida observacional da pesquisa. Não existem dúvidas
650
quanto ao intenso e constante relacionamento entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário,
o que é, perfeitamente, regular. Questionam-se os meandros de funcionamento do sistema
político (elementos, características, implicações, especificidades, autonomia, usurpações etc.),
bem como a adequação e a eficiência das teorias positivadas no texto constitucional, como sendo
as respostas teóricas para o tratamento do fenômeno sócio-político-jurídico de organização da
sociedade brasileira da contemporaneidade. A lógica de coalizões tem grande potencial de
provocar invasões recíprocas e indevidas entre Executivo e Legislativo, alternância de momentos
de submissão e controle de um Poder sobre o outro, bem como omissões e usurpações funcionais
que vão de encontro à Constituição. Nesse passo, indagam-se se as normas de separação de
poderes e de freios e contrapesos, previstas na CF/88, são aptas a permitir a devida e equilibrada
funcionalidade dinâmica dos Poderes da República. Melhor dizendo, coloca-se em discussão a
pertinência de tais teorias de organização da estrutura estatal frente à complexidade crescente da
sociedade.
OBJETIVOS
Objetivo geral
Analisar o relacionamento dinâmico comunicacional entre os Poderes Executivo, Legislativo
e Judiciário, sob o referencial teórico de Niklas Luhmann.
Objetivos específicos
Observar o funcionamento do sistema político da sociedade brasileira contemporânea,
bem como a adequação do tratamento teórico de tal fenômeno previsto no texto constitucional
vigente; e, por fim, apontar disfuncionalidades de tal sistema.
MÉTODO DE ANÁLISE
Pesquisa teórica de natureza documental e bibliográfica, sendo que os procedimentos a
serem abordados terão caráter sociológico-crítico de inspiração funcional-estrutural da teoria
sistêmica de Niklas Luhmann. Método de abordagem de observação de 2ª ordem.
CONCLUSÕES
A teoria clássica da separação de poderes conforma suas bases em três dimensões
ontológicas, quais sejam: funcional (tematizada em Executivo, Legislativo e Judiciário),
institucional (estrutura do Governo, Parlamento e Tribunais) e sócio-estrutural (grandeza
pluralística do povo). Os pressupostos sociais de tal teoria apontavam para uma sociedade de base
feudal e organização pré-moderna. A crítica advém em manter a mesma teoria numa sociedade
moderna, diferenciada funcionalmente, dinâmica, policontextural, comunicacional, relacional,
fluida, complexa e contingente. Os mecanismos de freios e contrapesos trouxeram certo
tratamento dinâmico, porém as bases permanecem ontológicas. Ademais, a descrição do sistema
político identifica concentrações de poder e assimetrias que vão de encontro à autonomia dos
subsistemas da política; as coalizões aproximam operacionalmente os subsistemas administração
e política, o que, por vezes, termina por interferir na execução da função parcial de cada
subsistema, bem como ofende a autonomia sistêmica; o fluxo decisório dominante quando do
processamento dinâmico do sistema político sofre interferências constantes, o que afeta o
objetivo de diminuição da complexidade e a função principal de produzir decisões coletivamente
vinculantes; o código governo/oposição sofre ataques pelo sistema econômico constantemente,
desde as campanhas eleitorais e durante todo o governo; instrumentalização do sistema jurídico
como forma deliberada de ineficiência operacional do sistema político, é a inércia em
implementar direitos fundamentais devido a interesses políticos pessoais, é o custo político
levando as decisões políticas para o cenário jurídico.
651
O DESENHO CONSTITUCIONAL COMO “VELHA POLÍTICA”: O PRESIDENCIALISMO DE
COALIZÃO MOSTRA A SUA FORÇA
PROBLEMA INVESTIGADO
Um dos aspectos mais discutidos sobre o desenho institucional do presidencialismo de
coalizão diz respeito à sua propensão a favorecer práticas patrimonialistas ou, pelo menos, à
tendência que a mecânica peculiar de funcionamento do presidencialismo de coalizão
apresentaria de “naturalizar” o patrimonialismo como estratégia aceitável de ação política.
A hipótese que orienta esse trabalho é a de que confrontar a formação de coalizões sob o
presidencialismo, com o pretexto de combater uma espécie de “corrupção congênita”, é
expressão de prática populista com potencial para deteriorar o ambiente democrático e para
promover problemas para a governabilidade.
OBJETIVOS
• Demonstrar o sentido do “patrimonialismo” a partir do pensamento clássico de Max Weber
(Economia e sociedade).
• Operacionalizar o conceito de “patrimonialismo” no contexto institucional brasileiro a partir de
Raymundo Faoro (Os donos do poder).
• Problematizar a crítica à apropriação do conceito de “patrimonialismo” a partir da obra de Jessé
Souza (A tolice da inteligência brasileira).
• Discutir o papel que os critérios ideológico-programáticos e a práxis patrimonialista exercem sobre a
governabilidade, com base no arranjo institucional e no contexto político pós-Constituição de 1988.
• Problematizar o papel institucional exercido pela fragmentação partidária e o grande poder de
agenda do Executivo.
• Questionar a ideia de “velha política” como equivalente a um arranjo corrupto para gerir coalizões.
MÉTODO DE ANÁLISE
Este trabalho examina a literatura da Sociologia e da Ciência Política com o objetivo de
justificar a formulação da hipótese e de permitir a sua verificação.
CONCLUSÕES
As instituições não podem ser analisadas de uma perspectiva meramente formal-
constitucional. Além disso, a existência de instituições democráticas não implica necessariamente
maior ou menor predominância de práticas patrimonialistas; mas a qualidade das regras de
funcionamento das instituições importam: tendem a ser menores as chances de as práticas
patrimonialistas prevalecerem onde maior for a transparência e mais eficientes forem os
mecanismos de accountability vertical e horizontal, e onde as instituições estiverem menos
sujeitas a rupturas.
Nesse sentido, o desenho constitucional do presidencialismo de coalizão (que acompanhou
o processo de consolidação de instituições formais e informais) não implica necessariamente uma
652
degradação patrimonialista da democracia, pois que esse mesmo arranjo institucional possibilitou
o reforço e a profissionalização de órgãos de controle (especialmente do sistema judicial), que
passaram, progressivamente, a atuar coordenadamente e em rede.
Assim, os mecanismos de accountability podem assegurar que a formação de coalizões sob
o presidencialismo seja baseada em princípios republicanos, de tal forma que se alcance níveis
satisfatórios de governabilidade.
Registre-se que uma condução populista da dinâmica política pelos seus líderes mais
proeminentes tem potencial para pôr em crise a democracia, na medida em que as instituições
formais e informais consolidadas são desprezadas em nome de princípios morais maleáveis.
Por isso, um dos maiores desafios dos sistemas democráticos é conter o Poder Executivo
para que não capture o Legislativo e o Judiciário com o objetivo de atender projetos políticos de
natureza particularista ou antidemocrática. Em vista disso, o presidencialismo de coalizão pode ser
um meio para garantir a governabilidade num ambiente institucional em que os mecanismos de
accountability estejam fortalecidos. Não se descarte que há insuficiências importantes a serem
superadas e que, para incrementar o contrato social da redemocratização, podem ser eficazes
reformas nas regras de funcionamento do presidencialismo de coalizão e nos mecanismos de
supervisão e controle dirigidos às instituições do sistema judicial.
INTRODUÇÃO
A proteção do consumidor por meio de normas estaduais é salutar, na medida em que os
Estados são aptos a regular aspectos importantes, considerando questões sob a perspectiva
regional que poderiam ser deixadas de lado pela legislação federal. Assim, a legislação estadual
655
pode coibir práticas regionais problemáticas de violação ao direito do consumidor. A federação
brasileira foi inspirada na tripartição de poderes, uma vez que os princípios do federalismo e da
separação de poderes são complementares servindo para resolver conflitos sociais (KRELL,2008, p.
40). A essência do federalismo é justamente equilibrar a autonomia das entidades subnacionais,
estimulando a cooperação e a coesão de competências federais. O fortalecimento e a proteção de
direitos fundamentais do consumidor por meio de Constituições estaduais fortalecem a
democracia brasileira, pois impedem uma hegemonia federal que possa degenerar o sistema do
federalismo brasileiro. Existe um elemento jurídico comum do federalismo nos EUA, Canadá,
Austrália, Suíça e Alemanha. Em cada um, as pessoas e o Estado estão submetidos a duas
jurisdições: a do governo federal e a dos Estados, institucionalizando a separação dos três poderes
nos dois âmbitos. Para Montesquieu, a teoria da separação dos poderes é uma base teórica
adequada para entender a ligação entre federalismo e democracia. Nesse sistema, Montesquieu
(2000, p. 141) afirma que o poder só poderia ser limitado por outro poder, sendo a separação dos
poderes perfeitamente compatível com a democracia, principalmente em virtude de o
federalismo ser uma garantia de liberdade . Além disso, a partir da análise da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal em tema de direito do consumidor (que funciona como árbitro do
federalismo), com especial atenção em ADINs julgadas no período de 2014-2019 referentes ao
direito fundamental do consumidor, a fim de responder ao seguinte questionamento: quais os
critérios normativos o STF usa para definir a competência dos Estados membros em tema de
direito do consumidor? Os objetivos da pesquisa consistem em: 1) verificar a influência da teoria
da separação dos poderes de Montesquieu no federalismo; e 2) a importância do fortalecimento
do constitucionalismo subnacional em um país democrático 3) quais critérios o STF tem utilizado
para definir a competência dos Estados membros em tema de direito do consumidor.
Palavras-chave: Separação de poderes. Federalismo. Democracia. Direito do consumidor.
Referências:
MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. Tradução Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
KRELL, Andreas J. Leis de normas gerais regulamentação do poder executivo e cooperação
intergovernamental em tempos de reforma federativa. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2008.
657
atuação, por parte dos legitimados, ganha relevância. Por fim, acredita-se que os resultados
alcançados serão no sentido de que: 1) os ministros do STF, quando fazem alusão ao princípio
da separação dos poderes, são deferentes às escolhas das maiorias políticas, mesmo quando há
retrocesso no âmbito dos direitos sociais; 2) tal postura, embora à primeira vista pareça preservar
o modelo clássico de separação entre os poderes, olvida-se do caráter contramajoritário atribuído
à atuação do Tribunal pela CF/88.
REFERÊNCIAS
HIRSCHL, Ran. Towards juristocracy. The origins and consequences of the constitutionalism.
Cambridge: Harvard University Press. 2004. p. 71-108.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Direito e democracia: a reforma global da justiça. In: PUREZA, José
Manuel; FERREIRA, António Casimiro (org.). A teia global. Movimentos sociais e instituições.
Porto: Afrontamento, 2001. p. 125-176.
O trabalho divide-se em três partes: a primeira trata do cenário mundial marcado pelo
esmorecimento do Estado-nação em meio a um acelerado processo de globalização. Aborda a
proliferação de organismos supranacionais e a crescente interdependência entre os países, o que
reduziu o raio de ação dos governantes e elevou a vulnerabilidade dos Estados nacionais frente às
crises financeiras, ambientais e de segurança. A globalização do mercado financeiro, do mercado de
trabalho, do terrorismo e a perda de competências estatais para organismos internacionais provocou
a erosão das soberanias do Estados e reduziu sua capacidade de lidar com os desafios do século XXI.
A segunda parte examina a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 sob o
ponto de vista de seu título V dedicado à “Defesa do Estado e das Instituições Democráticas”.
Discute, em particular, os aspectos positivos e negativos concernentes à arquitetura institucional
que fornece a estrutura da defesa nacional e segurança pública. Procede à análise das relações
estabelecidas pelas normas constitucionais entre defesa nacional e segurança pública.
A terceira e última parte empreende uma reflexão sobre indicadores que apontam para
a transição da judicialização da política à militarização da política. Embora a militarização da
659
política seja um fenômeno polissêmico, o presente texto a discute sob a perspectiva da pressão
exercida por diferentes segmentos da sociedade para que as Forças Armadas exerçam um
protagonismo na vida política nacional. À fachada de tal fenômeno subjaz a fragilidade das
instituições democráticas que representam um terreno fértil à migração do poder moderador da
toga à espada. Não se deve esquecer, porém, que a judicialização da política já era um indicador
do déficit democrático provocado pela crise da representação política que acometeu tanto o
Poder Executivo como o Poder Legislativo, sobretudo na última década devido aos escândalos de
corrupção que se tornaram mais transparentes em virtude da redemocratização do país.
Propõem-se neste parte o estudo três chaves explicativas para fenômeno da expansão da
militarização da política plano nacional e internacional: a primeira advém da estratégia forjada
pelos EUA, durante o Pós-Guerra Fria, de combate ao tráfico internacional de drogas e, a partir do
11 de setembro de 2001, de combater ao terror. A guerra ao terror, a guerra às drogas e a
concepção bélica da segurança pública fortalecida por meio da securitização se encontrariam nas
raízes da militarização da política. A segunda se ocupa do mito brasileiro que projeta a imagem de
um país pacífico e o relaciona com atuação intestina das FFAA brasileiras ao longo de história. Por
fim, a terceira chave explicativa, ressalta que o fermento da militarização da política brasileira é o
resultado acidental do combate à corrupção cujo resultado foi criminalização da política. Em vez
da criminalização se restringir a condutas de políticos e envolvidos em corrupção, passou-se a
condenar a política como um todo, o fazer político se tornou suspeito, toda sorte de política
tornou objeto de condenação moral. A exaustiva propagação midiática dos escândalos de
corrupção abriu espaço para a condenação da política e não mais somente de políticos. A
generalização da condenação moral do “fazer política” criou um terreno fértil para a atribuição de
um papel messiânico às Forças Armadas e estimulou candidatos a se apresentarem, em plena
corrida eleitoral, como agentes exógenos à política. A fim de convencer boa parte do eleitorado,
farto do saque aos cofres públicos, tornou-se necessário representar o papel de um candidato
“apolítico”. Tal performance adquiriu a validade de um atestado de idoneidade moral imanente,
como se a corrupção fosse exclusividade do mundo político cuja essência seria degeneração do
interesse coletivo. A demonização da política abriu o flanco para o messianismo, para o deus ex
machina, vestido da autoridade moral de quem vem de fora para salvá-la conduzir a nação rumo
ao seu destino. Se toda responsabilidade incide exclusivamente sobre o universo político, então
pavimenta-se o caminho salvacionista a ser trilhado por juízes, empresários, coronéis, capitães,
bombeiros etc. Diante de um Poder Executivo impotente e, assim como o Poder Legislativo,
desgastado por escândalos de corrupção endêmica, o Judiciário assumiu há mais de uma década o
protagonismo na vida nacional e foi alçado a última instância decisória do país. A conclusão
acentua a confusão entre Defesa Nacional e Segurança Pública cristalizada na arquitetura
constitucional da CF de 88. Ao fim o presente trabalho discute o reducionismo constitucional
acentuado pelo 144 da CF dedicado à segurança pública.
PROBLEMA INVESTIGATIVO
As grandes democracias, como a americana e, em boa parte das europeias, rapidamente
abandonaram um dos princípios basilares das economias liberais durante a crise de 2008: o da
660
não intervenção do estado, visando acalmar os mercados e salvar grandes instituições financeiras.
Contrariados, os liberais criticaram o gasto de dinheiro público para salvar da bancarrota aqueles
que geraram a mesma crise. Da mesma forma, a moralidade dos "salvamentos" foi criticada por
boa parte dos eleitores.
Assim, uma das consequências políticas da crise foi a contestação da capacidade técnica
e da moralidade dos banqueiros nas economias democráticas, especialmente pelos políticos
populistas. A própria ascensão desse tipo de governante em diversas partes do mundo, também
se deve ao ambiente de instabilidade econômica e política. O discurso populista sugere uma
tendência ao aumento das críticas à tecnocracia das economias democráticas, já que, é mais
fácil contestar aquela parte da política estatal que o chefe de governo não participa das decisões
e, que, sempre foi hostilizada por estar desconectado com os anseios da população: os bancos
centrais.
Essa estratégia de contestação vem sendo adotada em diversas democracias pelos líderes
populistas eleitos que atravessam crises econômicas ou de credibilidade. Como o presidente dos
Estados Unidos, Donald Trump, Marine Le Pen, da França, Viktor Orbán, da Húngria, Matteo
Salvini, da Itália, Narendra Modi, da Índia, forças pró-Brexit do Reino Unido, entre outros,
tentam intervir na condução da política monetária dos Bancos Centrais em seus países. Para
eles, a autonomia deve ser restringida. Da mesma forma, a manutenção da autonomia da
política monetária pode ser a válvula de escape dos populistas frente aos críticos da política
econômica.
OBJETIVOS
O assunto a ser abordado é o dilema democrático criado pela autonomia dos Bancos
Centrais nas economias democráticas de viés liberal comandadas por líderes populistas. Eis que,
para os liberais, nada mais saudável que uma economia com independência monetária. Porém,
isso pode ser uma armadilha política utilizada pelos populistas. Ainda, propomos um estudo
paralelo sobre as consequências econômicas de políticas intervencionistas nos Bancos Centrais
realizadas por governos populistas.
A presente proposta de estudo versa sobre uma parte da tese da minha dissertação final
de mestrado para o curso de direito da Universidade Veiga de Almeida.
MÉTODOS DE ANÁLISE
O método utilizado é, prioritariamente, o exploratório. A pesquisa se caracteriza, também,
por uma análise bibliográfica e documental, de manuais, documentos, artigos científicos, sites da
internet, entre outros.
CONCLUSÕES PRELIMINARES
Preliminarmente, o que podemos observar pelo estudo inicial que, a contestação da
autonomia dos Bancos Centrais pelos líderes populistas visa a absorção das políticas monetárias
pelo governo, com objetivos políticos e não econômicos. Por outro lado, a manutenção da
independência pode se transformar em uma armadilha política com finalidades antidemocráticas,
contrariando o próprio ideal do liberalismo.
661
RECRUDESCIMENTO SOCIAL E RECESSÃO DEMOCRÁTICA NO BRASIL
CONTEMPORÂNEO: UMA ANÁLISE A PARTIR DOS ESTUDOS DE STEVEN LEVITISKY,
DANIEL ZIBLATT E DAVID RUNCIMAN
662
não foi possível confirmar a plena aderência entre os escritos de Levitsky, Ziblatt e Runciman à
conjuntura política brasileira atual.
REFERÊNCIAS
ABRANCHES, S. et al. Democracia em risco? 22 ensaios sobre o Brasil hoje. São Paulo: Companhia
das Letras, 2019. 371 p.
BEÇAK, R. Democracia: hegemonia e aperfeiçoamento. São Paulo: Saraiva, 2014. 127 p.
COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2018. 559 p.
LEVITSKY, S.; ZIBLATT, D. Como as democracias morrem. São Paulo: Zahar, 2018. 270 p.
RUNCIMAN, D. Como a democracia chega ao fim. São Paulo: Todavia, 2018. 267 p.
Notas:
1
Conforme lição de Prodanov e Freitas (2013, p. 32) é aquele que “inicia-se com um problema ou uma lacuna no
conhecimento científico, passando pela formulação de hipóteses e por um processo de inferênciadedutiva, o qual testa
a predição da ocorrência de fenômenos abrangidos pela referida hipótese” (PRODANOV; FREITAS. Trabalho científico:
métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo: Feevale, 2013. Disponível em:
https://bit.ly/2jYUJvl. Acesso em: 10 jun. 2019).
663
Coordenação:
Evilasio da Silva Salvador (UNB)
Marcio Henrique Pereira Ponzilacqua (USP)
Maria Lúcia Barbosa (UFPE)
Maria Raquel Lino de Freitas (PUC-MG/USP)
PROJETO REFLETIR: O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA EM CURSO PARA A
FORMAÇÃO DOS CONSELHEIROS DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOCIAIS
Este artigo tem como objetivo relatar uma experiência de planejamento e execução do
Projeto Refletir, uma iniciativa voltada para a formação sistemática e multidisciplinar dos
Conselheiros de Políticas Públicas e Sociais, no Estado de Goiás, cujo objetivo é o empoderamento
destes atores para participação nas disputas sociais, econômicas e jurídicas, em torno da aplicação
dos recursos destinados à execução das políticas sociais.
Dentre as principais atribuições destes conselhos estão as mobilizadoras, consultivas,
fiscalizadoras e deliberativas. Contudo, a literatura reitera a afirmativa de que a falta de
capacitação dos conselheiros para incidir sobre as políticas públicas respectivas, ajudam a criar
situações nas quais os Conselhos passam a figurar apenas como uma instância homologadora das
ações do poder público (TATAGIBA, 2005; CARVALHO, s. d.; SANTOS, 2010).
O Projeto Refletir afirma a crença de que os Conselhos são importantes instrumentos para
o reordenamento das políticas públicas, tendo em vista a governança democrática, motivo pelo
qual devem estar preparados para realizar diagnósticos, acerca de determinada situação social,
elaborar proposições, denunciar questões que afetem a efetividade das respectivas políticas
sociais. Neste sentido, o projeto em descrição afirma que, tais funções só serão satisfatoriamente
desempenhadas por atores envolvidos em um processo de capacitação continuada, que os habilite
a conhecer - além dos conceitos sociojurídicos e econômicos que circundam respectiva política
pública social - a realidade local e regional, atendendo assim às múltiplas necessidades do
território no qual exercem a representatividade.
A estruturação do Projeto Refletir afirma a busca pelo desenvolvimento de competências
multidisciplinares dos conselheiros, especialmente ministrando conteúdos sociojurídicos, políticos
e econômicos que os habilitem a uma incidência sistemática e mais qualificada sobre a política
pública confiada a competência formal do Conselho.
Para atingir o objetivo deste artigo, foi revisitada a literatura a respeito da importância dos
Conselhos, na efetivação das políticas públicas, notadamente as sociais, bem como analisados e
registrados os principais pontos da estrutura e da execução do projeto, desde o seu início, até a
data de conclusão deste artigo, no primeiro semestre de 2019.
665
Os procedimentos metodológicos implicaram na análise de todos os registros da iniciativa,
desde o seu nascedouro - tais como atas de reunião; telas de exposição dos proponentes, na
busca de parcerias e financiamento do projeto; fotos etc. Também foram examinados o texto final
do projeto; os diagnósticos que precederam a execução dos pólos; o material utilizado na
capacitação dos conselheiros; as listas de freqüência; os questionários de avaliação aplicados; as
parcerias implementadas ao longo da execução do projeto, com ou sem instrumentos de
formalização e; finalmente, entrevistas com participantes dos pólos nos quais o Projeto já foi
executado.
Ao final da pesquisa, se pretende ter por registrado todo o processo de idealização, de
formalização e de execução da primeira parte do projeto Refletir, além de descritos e inicialmente
analisados os resultados parciais até então obtidos pelo referido projeto.
REFERÊNCIAS
CARVALHO, Juvenilda et al. Conselhos Municipais: sua contribuição para o desenvolvimento local.
Disponível em http://www.anpad.org.br/admin/pdf/enanpad1999-ap-10.pdf.
SANTOS, Mary Delanea Sousa Pinheiro dos. Avaliação das condições de funcionamento do
Conselho Municipal de Saúde do município de Ingazeira–PE. Recife: Fundação Oswaldo Cruz, 2010.
TATAGIBA, Luciana. Conselhos gestores de políticas públicas e democracia participativa: aprofundando
o debate. Revista de Sociologia e Política do Paraná, Curitiba, n. 25, p. 209- 213, nov. 2005.
Camila Lima
Graduanda da Faculdade de Direito do Recife da UFPE
O estado social tem como preceitos basilares a justiça e a igualdade que deve permear
todas as relações, sejam elas de classe, etnia ou gênero. Entretanto as estruturas de poder
668
firmadas em sistemas de opressão e exploração como o patriarcado e capitalismo impedem a
distribuição equânime dos espaços de poder, de fala e de escuta. A naturalização da lógica binária
somada a naturalização da hierarquia entre os componentes dessa lógica (homem e mulher),
levaram a solidificação da ideologia de gênero construída a partir do patriarcado heteronormativo.
Subordinação, invisibilidade, marginalização, homotransfobia e violência doméstica e
são alguns dos problemas de gênero estruturais que evidenciam a imposição da subcidadania
histórica em que as mulheres e a população LGBTQI+ são submetidas na construção cultural
patriarcal e capitalista. Frente a um ódio não reconhecido por aqueles que o praticam, faz -se
necessária a criação de uma política social que pode ser implementada através da educação.
Ante as considerações feitas, o escrito vem problematizar: como se constrói a legitimidade da
educação de gênero como política social e educacional?
Considerando que a produção científica precisa de rigor metodológico para asseverar
sua relevância, o estudo adota para uma construção coesa a análise explicativa unida à
pesquisa bibliográfica de estudos científicos e literários e esforços metodológicos para
complementação do conhecimento empírico adquirido por meio de uma pesquisa participante
instrumentalizada pela observação, participação, construção conjunta e pela técnica de coleta
de entrevista, resultando numa abordagem qualitativa a valorizar a expressão de condições,
opiniões e experiências relacionadas a educação de gênero e seus efeitos.
Tendo como premissa as considerações feitas, o escrito tem como objetivo geral
visualizar uma solução para os problemas de gênero pela implementação da Educação de
Gênero como política educacional e social. Por sua vez, os objetivos específicos são: refletir a
história constitucional na perspectiva de gênero; discutir problemas de gênero; pensar o papel
da educação de gênero como política social e educacional de fomento a igualdade;
demonstrar a execução da Educação de Gênero fazendo uso das atividades e experiências do
Núcleo de Gênero Martha de Hollanda, a desmistificando.
A Carta Magna portadora dos valores e princípios constitucionais e direitos
fundamentais é o símbolo normativo maior das condições indisponíveis de habitação e
coabitação num estado social. Entretanto, sua existência não se faz suficiente para aplicação
real desses preceitos. Esta depende da compatibilidade do comportamento social e do
cumprimento das responsabilidades dos três poderes. A Educação de Gênero é então
apresentada através dos Núcleos de Gênero como uma política possível, adequada e precisa,
destacando que esta é uma medida redistributiva, equalizadora de oportunidades,
emancipatória e preventiva de resultados transformadores, ainda mais se pensados a longo
prazo.
O Núcleo de Gênero Martha de Hollanda, da Escola Técnica Estadual José Joaquim da
Silva Filho, em específico, comprovadamente se mostrou um espaço de acolhimento, estimulo
a conscientização e empoderamento. Os alunos puderam conhecer a história de luta das
mulheres e população LGBTQI+ e aprenderam a desenvolver a empatia cidadã. A escola se
tornou após o núcleo de gênero um lugar em que as diferenças poderiam ser ainda mais
expressas e respeitadas, haja visto que o debate das questões de gênero se tornaram uma
constante por meio de palestras, eventos e produções científicas das quais os alunos eram
protagonistas por intermédio de uma educação dialógica de fomento a igualdade.
669
AN LISE DA APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESERVA DO POSSÍVEL NO BRASIL
670
DECRETO-LEI Nº 477/1969 E O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO NO GOVERNO
BOLSONARO: NOTAS SOBRE O RETROCESSO
PROBLEMA
No Brasil, com a posse do novo presidente eleito Jair Messias Bolsonaro no ano de 2019,
muitos aspectos de governabilidade no plano federal foram modificadas, principalmente no
tocante ao Ministério da Educação (MEC). Por consequência, logo nos primeiros cinco meses do
novo governo, houve a demissão do primeiro ministro nomeado, Ricardo Vélez Rodríguez e a
nomeação do atual ministro, Abraham Weintraub, ambas as gestões contando com diversas
críticas em vários setores da sociedade (BBC, 2019).
Entre os posicionamentos questionáveis por parte do MEC está o envio de uma carta às
escolas de todo o país, para que fosse lida no primeiro dia letivo e após sua leitura, alunos,
professores e funcionários, deveriam ficar perfilados diante da bandeira do Brasil, ensejo em que
seria executado o hino nacional (MEC, 2019). Nessa oportunidade, solicitou ainda que um
representante da escola filmasse trechos da leitura da carta e a execução do hino e encaminhasse
por e-mail ao Ministério da Educação (MEC, 2019).
Em outro contexto, após manifestações estudantis em resposta aos cortes no investimento
destinado à educação (EL PAÍS, 2019), uma nota oficial emitida pelo próprio MEC (2019), ressaltou
que instituições de ensino públicas não podem promover movimentos políticos e “*...+
professores, servidores, funcionários, alunos, pais e responsáveis não são autorizados a divulgar e
estimular protestos *...+” (MEC, 2019).
Nesse sentido, nota-se que tais práticas possuem carácter arbitrário semelhante às
perpetradas pelos militares no âmbito estudantil no período da Ditadura Militar brasileira (1964-
1985), sobretudo ao Decreto nº 477/1969, que versava sobre infrações disciplinares praticadas por
professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino (BRASIL, 1969).
Assim, considerando as medidas adotadas pelo Ministério da Educação em 2019, faz-se
necessário refletir o retrocesso acerca da continuidade de práticas de controle e de cunho
autoritário no âmbito estudantil, mesmo após a redemocratização.
OBJETIVOS
Desse modo, este trabalho tem como objetivo geral analisar o caráter arbitrário das
medidas adotadas pelo Ministério da Educação do governo Bolsonaro entre os meses de janeiro e
maio de 2019. A pesquisa tem como objetivos específicos descrever as violações de Direitos
Humanos no âmbito estudantil na Ditadura Militar brasileira; verificar os desdobramentos do
processo transicional brasileiro e discutir as correspondências entre a postura do MEC em 2019 e
as medidas autoritárias nas instituições de ensinos executadas pelos militares durante o regime
ditatorial.
MÉTODO DE ANÁLISE
Quanto à metodologia utilizada, esta parte do método indutivo (GIL, 2008) haja vista advir
da particularidade dos documentos oficiais emitidos pelo Ministério da Educação do governo
671
Bolsonaro e tentar explicar a generalidade quanto à continuidade de condutas arbitrárias similares
às adotadas no período ditatorial brasileiro.
CONCLUSÕES
Os resultados iniciais deste trabalho indicam que os documentos emitidos pelo Ministério
da Educação nos primeiros cinco meses do governo Bolsonaro possuem caráter de controle
injustificável no atual Estado Democrático de Direito, análogos aos empregados principalmente
nas universidades (CNV, 2014) durante a Ditadura Militar brasileira. Isto evidencia um grau de
conservação das repressões aos estudantes que outrora, no passado autoritário, tiveram
participação expressiva (MÜLLER, 2016) na resistência ao regime militar.
O estudo desenvolve uma discussão acerca da política social de educação no que se refere
às novidades contidas no art.35 do Decreto 9.665/2019, tendo em vista os direitos das pessoas
surdas, previstos no art 2º da Lei 10.436/2002, que garante a Língua Brasileira de Sinais - Libras
como a língua oficial dos surdos, assegura direitos linguísticos e institui a inclusão da Libras como
disciplina curricular obrigatória nas instituições de ensino, bem como a formação de professor,
tradutor/intérprete e de instrutor de Libras.
A questão norteadora do estudo está localizada na intersecção dos direitos já em vigor e os
dispositivos do Decreto 9.665/2019, em especial, a orientação de fomento à criação de Escolas
Bilíngues de Surdos, atribuída à Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos em todo o
território nacional, com oferta de educação integral, em todos os níveis, etapas e modalidades de
ensino, além de implementar políticas de educação bilíngue. O que se analisa, exatamente, na
relação entre ambas referências normativas são as novidades contidas na mais recente e o modo
como ambas podem interferir, de fato, no processo de mterialização dos direitos das pessoas
surdas, especialmente, no que se refere ao âmbito educacional. Buscou-se analisar sobre o modo
como a decisão da institucionalização das Escolas Bilíngues pode contribuir, de fato, para a
inclusão dos sujeitos surdos nos mais diversos espaços da sociedade
O estudo realizado é de natureza teórica e documental, por meio do método interpretativo
dos textos normativos que tratam da questão dos direitos à educação das pessoas surdas, e
também, de estudos teóricos, destacadamente as obras de Karin Strobel, e demais autores
estudiosos do tema na atualidade.
A partir do estudo realizado dos dispositivos do Decreto 9.665/2019, identificamos
existência da previsão de construção de Escolas Bilíngues de Surdos, no qual vem favorecer o
desenvolvimento de ações para educação integral em todos os níveis, etapas e modalidades de
ensino. Concluímos que a possível criação dessas escolas apresnta-se inicialmente, como uma
possibilidade de avanço na escolarização das pessoas surdas, pois proporcionaria um ambiente
escolar adequado ao atendimento das especificidades línguiticas desses sujeitos, contribuindo
para o seu desenvolvimento e potencialidades, no que refere ao seu processo de formação
escolar. O que se questiona é, se esse modelo de educação bilíngue ocasionará além de uma
formação escolar, condições de inclusão desses sujeitos nos demais espaços da sociedade, e não
uma formação segregadora, que poderá dificultar a relação com as outras instituições sociais. Por
673
meio deste estudo, percebemos a necessidade de conhecer as expressões dos próprios sujeitos
surdos, utilizando o método da entrevista de profundidade, no qual analisaremos os impactos
negativos e positivos da criação dessas Escolas Bilíngues de Surdos.
Palavras-chave: Educação. Direito. Pessoa Surda. Inclusão.
O modelo de pena-prisão tem sido alvo de críticas inerentes aos efeitos que decorrem de
sua aplicação ao sujeito infrator, tidos enquanto nocivos e inócuos ao alcance dos objetivos da
pena, quais sejam os de reintegração social e não reincidência criminal. Essas críticas têm ganhado
um contorno cada vez mais delimitado, consolidando opiniões e doutrinas favoráveis à falibilidade
da prisão enquanto modelo de pena, difundidas, majoritariamente pela Criminologia da Reação
Social, que entende ser a prisão uma reação social formal que deturpa a imagem do sujeito
mediante processos estigmatizantes e que a partir desta deturpação implica em sua continuidade
na prática de condutas delitivas. Nesse sentido, posicionamo-nos em defesa do modelo pena-
prisão sob sua concepção programática estruturada pelo arcabouço jurídico, de forma que a
falibilidade deve ser entendida ao modelo pragmático vigente, que em nada se assemelha ao
programático modelo pena-prisão. Para tanto, emprega-se o método de revisão bibliográfica a
analisar a pena em seu processo evolutivo e o emprego do modelo de pena-prisão em cada
sistema teórico de pena, de modo a contextualizá-la na atualidade, e com base nisso, contrapõe-
se o legislado ao efetivado pela prática administrativa pública. Fomenta-se a discussão através do
difundido pela Criminologia da Reação Social acerca da falibilidade da pena-prisão, contrariando-a
à luz de uma concepção para além do efetivado, sob o prisma de uma instituição humanitária e
garantista dos Direitos Humanos em que a prisão tem como punição apenas a restrição de
liberdade, compondo-se internamente por estruturas aptas a possibilitar a reintegração social.
Diante dessa construção, conclui-se que o processo estigmatizante é ínsito a qualquer instituição
social que abarque determinado grupo tido enquanto desviante dos padrões sociais. Assim, não
assiste razão à Criminologia da Reação Social ao imputar a falibilidade do modelo pena- prisão por
razão do estigma que advém com a prisão, pois toda e qualquer instituição social que integre
delinquentes seria automaticamente tida enquanto ausente de possibilidade de êxito aos seus
fins, ainda que nenhuma semelhança tivesse com a prisão, pois seria abarcada por um estigma
inerente à condição estratificada de desviante social, o qual se estende à instituição social, em um
processo de comunicação mútua do estigma. Em contrapartida comunga-se enquanto falido o
modelo pragmático de pena-prisão, uma vez estar dissociado do modelo programático de prisão,
o qual acredita que por sua perspectiva humanitária, assistencial, integrativa, educativa e laboral
seja capaz de alcançar os resultados a que se vislumbra o sistema punitivo-reintegrador através
dos ideais de prevenção e retribuição, e, sobretudo de reintegração social.
Palavras-chave: Pena-prisão. Falibilidade. Pragmático. Programático. Criminologia da Reação
Social. Estigma.
674
A AVALIAÇÃO DO CRITÉRIO DE MISERABILIDADE PELO JUDICIÁRIO BRASILEIRO
PARA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
INTRODUÇÃO
Observa-se que, naturalmente, há um decréscimo na força de trabalho do indivíduo na
proporção que esse aumenta sua idade, fato que pode repercutir no seu poder de consumo,
inserido no modelo de sociedade capitalista ocidental, caso o mesmo não se estruture
financeiramente ao longo de seu vínculo de trabalho. Ademais, não apenas o avanço da idade é
óbice à capacidade de trabalho, abarcando também casos como doentes e grávidas. Diante disso,
origina-se a necessidade de institucionalizar um sistema que garanta ao cidadão a conservação de
seu capital para uso futuro, como meio de preservar o equilíbrio financeiro do mesmo. Esse é
apenas um dos âmbitos exercido pela seguridade social, o da previdência social, visto que também
abarca questões como saúde e assistência social. Nesse sentido, é vislumbrada a proteção dos
chamados riscos sociais, de forma que seja concedido benefícios e serviços que garantam o
sustento e bem-estar da população em geral.
Nesse contexto, para a implantação de direitos positivos pelo Estado normalmente é
necessária o investimento de capital para a materialização dessa garantia, fato que não difere em
relação à assistência social. A garantia do bem-estar social é um respaldo comum para as
sociedades contemporâneas, com a ampliação dos direitos sociais (MASCARO, 2013, p. 112). Logo,
para a percepção desses direitos normalmente é preciso comprovação anterior de fonte de
custeio total, a fim que seja mantido o equilíbrio atuarial e financeiro, o qual atualmente vem
apresentando déficit entre os recursos arrecadados e o valor despendido para pagamento de
benefícios, um dos principais motivos para iminente reforma previdenciária. Em contrapartida,
uma parcela da população não possui capacidade contributiva para que seja arrecadado capital
para que futuramente haja retorno para sua manutenção de vida, fato pelo qual se insere a lógica
assistencial, de modo que existe a atuação do Estado para promoção de subsistência de
indivíduos. Assim, a contribuição do cidadão não é requisito para esse usufruir da assistência, visto
que essa se apoia na lógica da solidariedade, de maneira seja capitado recurso de outras fontes,
como a tributação para a seguridade social, a fim que seja garantido o custeio do sistema.
Com isso, de acordo com o decreto 6.214 de 2007, o benefício de prestação continuada “é
a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso, com idade de
sessenta e cinco anos ou mais, que comprovem não possuir meios para prover a própria
manutenção e nem de tê-la provida por sua família” (BRASIL, 2007). Logo, a assistência específica
do benefício mencionado abarca idosos e deficientes com vulnerabilidade social, que não
consigam garantir o próprio sustento. Ademais, por previsão normativa do mesmo decreto nos
artigos 8º e 9º, tem como requisito para concessão do benefício a comprovação de renda bruta
familiar inferior a um quarto do salário mínimo vigente, divida pelo número de integrantes, ou
seja, per capita.
Nesse sentido, esse critério para verificação da renda dos beneficiários era um requisito
objetivo que levava em consideração apenas como parâmetro o montante financeiro familiar
menor que um quarto do salário mínimo vigente. Em contrapartida, o entendimento
jurisprudencial evoluiu no sentido de que a miserabilidade do requerente pode ser aferida por
675
outros meios de prova que não apenas o objetivo. Tal posicionamento foi recebido por grande
parte da doutrina como uma vitória, para o direito enxergar a realidade social dos cidadãos na
implementação das políticas públicas, contudo, como não há conceito determinado e como ocorre
uma análise casuística do próprio magistrado abre espaço para decisões bastante divergentes,
criando uma insegurança jurídica no sistema. Dentro desse contexto, é substancial analisar as
decisões jurisprudenciais para se verificar em quais elementos os magistrados se apoiam para
conceder o benefício assistenciais e se a decisão levar em consideração a realidade social dos
cidadão para concretizar a assistência social como medida de política pública efetiva no Estado.
OBJETIVO
Objetivo Geral
Examinar a respeito das decisões jurisprudenciais sobre a concessão dos benefícios de
assistência social do idoso e do deficiente, bem como os elementos de convicção que os
magistrados se apoiaram para comprovar a miserabilidade do requerente. Sucedendo-se para
uma análise baseada na regulamentação jurídica, na prática dos tribunais, com foco na atual
divergência sobre o assunto em diversas jurisprudências.
Objetivos Específicos
Verificar a evolução normativa sobre os critérios do benefício de prestação continuada.
Comparar as diferentes formas que as legislações normativas e jurisprudenciais tratam o
tema.
Contrastar com a atuação administrativa que o INSS regula e toma providências sobre a
matéria.
Analisar a constitucionalidade de tais posicionamentos jurisprudenciais e legais do sistema
brasileiro em relação ao requisito social de comprovação de miserabilidade do requerente para a
percepção do benefício assistencial.
Examinar casos em concretos sobre concessão de tais benefícios à luz do ordenamento
jurídico brasileiro.
METODOLOGIA
O método privilegiado no trabalho será o legislativo, a partir da identificação normativa
que o ordenamento jurídico brasileiro dispõe em relação à concessão do benefício de prestação
continuada com foco no critério de miserabilidade. Ademais, o entendimento administrativo da
autarquia previdenciária, INSS, será levado em consideração acerca do assunto. A partir dos
elementos sobre a constitucionalidade das decisões me questão e das especificações de alguns
casos dessa conduta, far-se-á um levantamento doutrinário e jurisprudencial com o objetivo de
identificar no ordenamento jurídico pátrio o posicionamento do Brasil frente à matéria discutida.
Levar-se-á em consideração também o método priori-dedutivo, partindo-se da inferência
de posicionamentos jurisprudenciais dos tribunais acerca da abrangência e evolução das
devoluções dos benefícios não devidos, a fim de examinar as deficiências do atual sistema
normativo, em particular as interpretações sobre o assunto, juntamente com o impacto social
causado.
Portanto, a pesquisa será majoritariamente legislativa e jurisprudencial através do exame
dos diferentes entendimentos acerca da devolução dos valores previdenciários adquiridos
indevidamente mediante o método acima formulado e documental não participativa, com análise
de fontes nacionais, além de fontes da posição administrativa sobre a matéria. Será priorizada a
análise qualitativa do tema em análise, apresentando os reflexos jurisprudenciais sobre o tema,
676
em razão da diferenciação dos entendimentos, e insegurança jurídica gerada nesse assunto, além
dos aspectos administrativos seguidos pela autarquia previdenciária.
CONCLUSÕES
Pelo fato do critério de miserabilidade atualmente na jurisprudência não ser apenas um
elemento objetivo, mas um exame casual, cria uma imprecisão jurídica pois os magistrados podem
levar diferentes pontos para formar sua decisões. Nesse sentido, o cidadão, que já é parte de uma
parcela altamente vulnerável do sistema, pois é idoso ou deficiente sem condições de manter seu
próprio sustento, não se ver protegida pelos serviços estatais que o ente anteriormente se
comprometeu em assumir. Desse modo, esses indivíduos se veem à margem social, intensificando
sua invisibilidade diante da população.
Ademais, como os requerentes de tais demandas jurídicas são vulneráveis esses são
representados pela defensoria pública, ente que conta com uma larga demanda de processos, os
quais por si só já demoram bastante para finalizar na morosidade do judiciário. Desse modo, a
apuração e confirmação de uma concessão de benefício assistencial é realizada após muitos anos
após a propositura da ação, de modo que quando finalmente se comprova que os valores
deveriam ter sido repassados ao cidadão o tempo que esse indivíduo foi deixado à própria sorte já
soma vários anos. Desse modo, o exame da constitucionalidade dos elementos constitutivos para
as decisões judicias sobre a comprovação da miserabilidade do benefício de prestação continuada
é necessário para os direitos do indivíduo serem resguardados, pois o ordenamento jurídico
brasileiro pode ser ofendido intensamente se não aplicado nos moldes que foi idealizado, ou seja,
se as decisões judiciais não observarem, como de fato ocorre, o devido processo legal e a
dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6214.htm. Acesso em: 10
jun. 2019.
MASCARO, Alysson Leandro. Estado e Forma Política. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2013.
O artigo tem por objetivo analisar, numa perspectiva sociojurídica, a realidade de mulheres
catadoras de resíduos em situação de rua e a (in) efetividade do direito à moradia, com ênfase na
política de assistência social e à luz, especialmente, da disposição constitucional atinente à
seguridade social a qual compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes
678
públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à
assistência social (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988). A discussão traça um paralelo com a discussão
relativa à tensão existente entre inclusão e exclusão social do grupo em análise (ALVINO-BORBA;
MATA-LIMA, 2011) e tem como marco teórico a análise, segundo a qual há modos de exploração,
marginalização e privação especificamente marcados pelo gênero (FRASER, 2006). Na
fundamentação teórica, no que concerne à política de assistência social, o trabalho traz o debate
de Behring e Boschetti (2009), Salvador (2010) e Couto (2012).
Desde meados do século XIX os catadores compõem o cenário urbano brasileiro, uma vez
que acompanharam todo o processo de urbanização no país. Para Calderoni (1999), a atividade
dos catadores tende a ser sempre a mais precária e vulnerável possível. Há, portanto, um
paradoxo, pois muito embora estes trabalhadores exerçam uma atividade ambiental essencial,
ainda se encontram submetidos a condições de vida subumanas, logo, carecem de maior atenção
do Direito, bem como do Estado e da Sociedade Civil.
O problema da presente pesquisa funda-se na ideia de que mesmo o direito à moradia
estando elencado entre os direitos e garantias sociais previstos na redação do artigo 6° da
Constituição Federal Brasileira, ainda há um hiato entre o plano normativo e o fático, uma vez que,
em face da baixa capacidade econômica da esmagadora maioria da população, como é o caso das
catadoras em situação de rua. A situação de pobreza não se limita à esfera patrimonial, uma vez
que a privação de capacidades básicas do indivíduo é ainda mais grave (SEN, 2000). Nesse sentido,
toda a construção teórica e normativa ao redor do Direito à Moradia perde o sentido se ele
continuar associado ao direito à propriedade, já que existe um verdadeiro abismo entre a
população pobre e a possibilidade real de adquirir um bem imóvel (MASTRODI, 2015).
O presente artigo foi construído através de pesquisa empírica e tem cunho quanti-qualitativo,
tecendo a análise partir de dados obtidos em pesquisa de campo em Fortaleza/CE. A coleta de
dados se deu com a aplicação de questionários estruturados, tabulados através do software para
análise quantitativa, Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), apresentados na forma
descritiva por meio de tabelas e a amostra foi baseada nos ensinamentos de Triola (2014).
Sob o enfoque quantitativo, o Brasil não apresenta dados oficiais relativos ao grupo
supramencionado (IPEA, 2016). O debate acerca da população em situação de rua teve seu início
recente, no ano de 2009, com o I Censo e Pesquisa Nacional sobre População em Situação de Rua,
daí a importância de se debater, sobretudo, a interseção da política de assistência social e a
efetivação do direito à moradia desse grupo, uma vez que a garantia dos mínimos sociais
perseguidos pelo conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para atender às
necessidades básicas, é que conceitua o direito à assistência social, segundo a Lei Orgânica da
Assistência Social – LOAS.
Preliminarmente, constatou-se que a grande parcela do grupo analisado se encontra em
situação de rua, de mesmo modo, sua maioria não conhece nenhum benefício da assistência social
e somente dois relataram receber. Verificou-se, também, a renda muito aquém do salário mínimo,
baixíssimo nível de escolaridade, altas jornadas de trabalho, condições precárias e extremamente
vulneráveis de sua atividade laboral, bem como o baixíssimo nível de escolaridade, aspectos que
sinalizam claras violações de direitos estabelecidos na CF/88, nos tratados internacionais de
direitos humanos.
REFERÊNCIAS
ALVINO-BORBA, Andreilcy; MATA-LIMA, Herlander. Exclusão e inclusão social nas sociedades
modernas: um olhar sobre a situação em Portugal e na União Europeia. Serv. Soc. Soc., São
Paulo, n. 106, p. 219-240, jun. 2011.
679
BERING, Elaine Rosseti e Boschetti, Ivanete. Política Social: fundamentos e histórias. 6. ed. São
Paulo: Cortez, 2009.
CALDERONI, Sabetai. Os bilhões perdidos no lixo. 4. ed. São Paulo: Humanitás /FFLCH/USP, 1999.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 1 abr. 2019.
COUTO, Berenice Rojas (org.). O Sistema Ùnico de Assistência Social no Brasil: uma realidade em
movimento. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2012.
FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça na era pós-socialista. In:
SOUZA, Jessé (org.). Democracia hoje: novos desafios para a teoria democrática contemporânea.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001.
NATALINO, M. A. C. Estim ti d Po u o em Situ o de Ru no Br si . Texto para Discussão
n 2246. Brasília. IPEA, 2016.
MASTRODI, Josué; ROSSI, Renan. Direito fundamental social à moradia: aspectos de efetivação e
sua autonomia em relação ao direito de propriedade. Revista Direitos Fundamentais e
Democracia, v. 17, n. 17, p. 168-187, jan./jun. 2015. Disponível em:
http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/549/420. Acesso em: 29
mar. 2019.
SALVADOR, Evilásio. Fundo público e seguridade social no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
TRIOLA, Mário F. Introdução à estatística: atualização da tecnologia. 11. ed. Rio de Janeiro: LTC.,
2014.
PROBLEMATIZAÇÃO
A evolução do Estado Moderno, desde a sua concepção liberal até sua atual roupagem
voltada ao bem-estar social, imprimiu uma crescente (mas nem sempre linear) proteção aos
direitos sociais. Não obstante o significativo patamar de conquistas já alcançadas, ainda distantes
de uma efetiva igualdade material, o Estado Social está sujeito a constantes investidas neoliberais,
que buscam desmontar a estrutura de proteção social e, assim, privilegiar os interesses do
mercado financeiro.
Uma frequente pressão do mercado internacional é a privatização da previdência social,
mediante a inserção de um regime de capitalização. Alinhando-se a essa exigência, um das
primeiras medidas do atual Governo foi o encaminhamento da Proposta de Emenda à Constituição
– PEC 6/2019, que estabelece a chamada “Reforma da Previdência”. Entre as várias alterações
pretendidas pela (contra)reforma, destaca-se justamente a substituição do regime de repartição
pelo de capitalização.
680
O desenho formulado pela Constituição Federal de 1988 inseriu a Previdência dentro do
Sistema de Seguridade Social com um regime de repartição, contributivo e solidário, partindo da
ideia da socialização das adversidades e distribuindo igualmente os riscos entre diversos atores
(IBRAHIM, 2015). Isto é dizer que, tendo a nova ordem optado pela adoção do capitalismo em sua
“vertente” do bem-estar social, houve a assunção, pelo Estado, dos riscos inerentes a esse sistema
e, consequentemente, a imposição do compartilhamento do custeio da proteção social em face
desses riscos.
O regime de capitalização, por sua vez, se baseia na chamada “reserva individual”, tal como
nos planos de previdência complementar, em que o acesso à cobertura previdenciária é
proporcional àquilo que o trabalhador foi capaz de “poupar” ao longo da vida, excluindo,
portanto, a responsabilidade do Estado e dos empregadores.
OBJETIVOS
O presente trabalho buscará se debruçar precipuamente sobre a proposta de privatização
da previdência no Brasil, atentando para os seguintes objetivos específicos:
Elencar as substanciais diferenças entre os regimes de repartição e de capitalização;
Analisar os principais argumentos e justificativas em torno da privatização da previdência,
avaliando sua eventual adequação aos fins supostamente propostos;
Analisar, comparativamente, dados estatísticos referentes a países de formação social e
econômica similares à do Brasil que adotaram a capitalização;
Tentar projetar os prováveis efeitos práticos dessa medida e sua efetividade (ou não)
diante da necessária proteção aos direitos sociais.
METODOLOGIA
A metodologia utilizada envolverá, em especial, a técnica de pesquisa bibliográfica, através
do levantamento, leitura e compreensão da bibliografia pertinente ao tema, tais como doutrinas
constitucionalistas e previdenciárias, recorrendo-se, ainda, a textos, livros e artigos em filosofia,
sociologia, economia e teoria política. Além disso, será igualmente essencial a pesquisa
documental, através da análise de dados estatísticos e demográficos presentes em estudos,
relatórios e outros materiais.
CONCLUSÕES
É possível notar, de antemão, que a privatização da previdência representa um tendente
afastamento do princípio da solidariedade, que vem permeando o sistema previdenciário
brasileiro nas últimas décadas e, em última análise, a transferência, ao trabalhador, de todos os
ônus e riscos inerentes ao mundo do trabalho.
Dados recentes da Organização Internacional do Trabalho – OIT (2018) apontam que a
capitalização fracassou na maioria dos países em que foi aplicada, aprofundando seriamente as
desigualdades sociais e mostrando-se insuficiente para a garantia do mínimo existencial, de forma
que muitos deles tiveram que proceder a uma “re-reforma” (reversão total ou parcial). As
experiências revelaram, portanto, que a medida não atendeu satisfatoriamente às promessas de
suprir déficits e equilibrar as contas públicas e que promoveu, na realidade, a desproteção de
grupos socialmente vulneráveis em detrimento dos interesses do setor financeiro.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de
outubro de 1988. Brasília: Senado Federal, 2016.
681
BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição nº 6/2019. Modifica o sistema de previdência social,
estabelece regras de transição e disposições transitórias, e dá outras providências. Disponível em:
https://bit.ly/2GzvWsL. Acesso em: 12 jun. 2019.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 20. ed. Rio de Janeiro, Impetus, 2015.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Reversão da Privatização de Previdência:
Questões chaves. Proteção Social para Todos – Resumo da Matéria – dezembro de 2018.
Disponível em: http://www.diap.org.br/images/stories/oit-resumo-estudo-capitalizacao.pdf.
Acesso em: 12 jun. 2019.
683
Para demonstrar que esse caminho trilhado pela democracia brasileira é ruim para o país,
cumpre esclarecer e apresentar o ciclo vicioso de riqueza e poder, que foi brilhantemente
explicado pelo sociólogo crítico Noam Chomsk , através do documentário chamado “O fim do
Sonho Americano”. Foram quatro anos de entrevista, em que o estudioso demonstrou onde fica a
concentração de riqueza e poder na modernidade, por meio da exposição de 10 princípios.
Sem adentrar especificamente nos dez princípios, pretende-se frisar e estudar onde se
encaixa o ciclo vicioso da concentração de riqueza e poder no nosso País. As instituições
financeiras e as grandes corporações multinacionais do Brasil são os patrocinadores, ou melhor, os
sujeitos que mantém o ciclo vicioso de riqueza e poder, estudado e explanado por Noam
Chomsky, e que este ciclo está funcionando plenamente na atual modernidade líquida, reduzindo
a democracia e o poder de representatividade do povo.
Na modernidade, para Noam, o ciclo vicioso se apresenta no controle das eleições, ou seja,
quando o dinheiro de grandes instituições financia a política dos partidos, isso enfraquece a
democracia, pois quando os candidatos são eleitos, os partidos políticos são forçados a
implementar os interesses das instituições financeiras e corporações multinacionais,
consequentemente, os próprios partidos forçam os parlamentares a legislarem em favor dos
interesses dos banqueiros e dos grandes empresários.
Dessa forma, na pesquisa, é demonstrado que os bancos e as grandes instituições
financeiras estão no topo da estrutura de poder da sociedade brasileira, partindo da premissa de
que utilizam os seus recursos como moeda de troca para que os legisladores – parlamentares –,
legislem em favor dos seus interesses. O objetivo geral do estudo é primeiramente demonstrar o
quanto é prejudicial para a sociedade e a democracia, quando o legislativo é obrigado a
implementar leis que favoreça apenas certa classe social, a chamada elite brasileira que é
constituída por banqueiros e grandes empresários.
Como objetivo específico, demonstrar que a atual regulamentação do Sistema Financeiro
Nacional é um exemplo claro da manutenção de poder dos banqueiros e facilitação da sonegação
fiscal no país. Para isso, a pesquisa científica irá se desenvolver através do método dedutivo por
meio de revisão literária bibliográfica, com a metodologia analítica descritiva, realizando um
exame jurídico sobre as estruturas de poder da sociedade brasileira, esclarecendo que a
manipulação dos banqueiros e grandes empresários dentro do Poder legislativo é ruim para o
estado democrático de direito, para os cofres públicos e para a sociedade.
Esse poder consolidado com a nova regulamentação do SFN com a aprovação da EC nº 40,
é um exemplo claríssimo da representação do ciclo estudado por Noam Chomsky, que favoreceu
nitidamente os seus interesses, considerando que nos bastidores da aprovação da EC n° 40 onde
os banqueiros fizeram uma forte pressão aos parlamentares. Com isso, verifica-se a formação de
um poder invisível na democracia, contrariando a necessidade de transparência e publicidade que
esta exige.
Portanto, percebe-se que a democracia está sendo ameaçada por conta desse poder
invisível de influência, que é formado pelo vínculo da relação do estado com os bancos, qual num
contexto capitalista comandam os fatores reais do poder. Desta maneira, o estado a cada vez mais
deixa de ser sinônimo de poder e esse poder, passa a integrar a cúpula econômica e financeira.
Assim, estado e poder se separam a ponto do poder real e efetivo pois se encontrar nos
bastidores, no poder invisível exercido pelos bancos e multinacionais.
684
POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS À AGROECOLOGIA NO BRASIL: EM PROL DO
DIREITO AO DESENVOLVIMENTO DO HOMEM DO CAMPO
685
práticas agroecológicas, que se coadunam com a necessidade da sustentabilidade e da garantia
dos direitos ao meio ambiente equilibrado e à saúde e à alimentação adequada.
A outra obra que serve de referencial teórico básico da pesquisa é “Desenvolvimento como
Liberdade”, de Armat a Sem (2010), em que ele pontua que o desenvolvimento, de fato, só ocorre
por meio da expansão das liberdades substantivas que os indivíduos desfrutam. Ademais, na visão
do autor, desenvolvimento não se restringe à esfera econômica, mas alcança os âmbitos: social,
cultural, político e individual.
REFERÊNCIAS
LEONEL JÚNIOR, Gladstone. Direito à agroecologia: a viabilidade e os entraves de uma prática
agrícola sustentável. 1. ed. Curitiba: Editora Prismas, 2016.
SEN, Armatya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.
686
crises decorrentes da realidade sócio-econômica de um regime de mercado como substituto do
modelo de organização, centralização e hierarquia empresarial. A norma constitucional, que
concentra um núcleo convergente direitos constitucionais sobre o trabalho, dialoga com a luta de
interpretações que confrontam a norma e o contexto das relações laborais. Assim, a pesquisa
apresenta as problematizações teóricas sobre o papel da carta constitucional em um período em
que a empresa assume um lugar privilegiado da regulamentação do trabalho, através das
ferramentas jurídicas da flexibilidade e dos padrões de precariedade que assumem essa posição.
Como resultado da pesquisa, a tese apresenta as diversas semânticas dessa constitucionalização
do trabalho e problematiza a opção constitucional brasileira em elevar ao status constitucional
diversos direitos trabalhistas culturalmente regulados por normas infraconstitucionais. Ao
verticalizar o debate jurídico sobre a política social do trabalho para a categoria teórica de uma
Constituição do Trabalho, a pesquisa assume um lugar interdisciplinar de estudo e afasta um
tratamento tecnocêntrico sobre o problema investigado.
689
Coordenação:
Flávia Santiago Lima (UPE)
Jairo Lima (UENP)
João Andrade Neto (PUC-MG/FACULDADE ARNALDO)
Vanice Regina Lírio Valle (UNESA)
CRISE FISCAL NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: A JUDICIALIZAÇÃO DA EMENDA
CONSTITUCIONAL 86/2015
A Ação Cível Originária (ACO) é um instrumento jurídico com status constitucional que tem
origem no Supremo Tribunal Federal, por tratar de litígio entre estados estrangeiros ou
organismos internacionais e a União, Estados, DF; entre órgãos da administração indireta e demais
conflitos entre a União, Estados e DF. Muitas ACO`s tramitam por longos períodos de tempo e, de
repente, são encerradas pela alegada perda superveniente do objeto, sem que haja o
enfrentamento judicial da questão que deu origem à ação. Lima e Gomes (2018) observaram que,
os Ministros do STF utilizam-se de argumentos jurídico-processuais para evitar o julgamento
indesejado de certas questões, dentre eles, a perda superveniente de objeto. O uso frequente
desta técnica demonstra que julgadores utilizam o tempo como seu aliado, retardando o
julgamento até que seja verificada a alteração nas circunstâncias de fato que envolvem o litígio e,
por consequência, seja prejudicado o julgamento por perda superveniente do objeto. No âmbito
das Ações Cíveis Originárias, que fatores estão associados ao aumento ou à diminuição das
chances de haver o encerramento por perda superveniente de objeto? Pretende-se analisar o
comportamento autorrestrito do STF no âmbito das ACO’s, identificando as estratégias utilizadas e
quais as situações que teriam maiores chances de haver o resultado perda superveniente de
objeto. De um universo de 3259 ações cíveis originárias, foi sorteada uma amostra de 343 casos,
cobrindo o espaço de temporal entre 1989 até 2019, com intervalo de confiança de 95%, e desvio
padrão de 5%, consoante padrões adotados em estatística aplicadas a estudos empíricos sociais.
Desta forma foram verificadas variáveis relativas ao comportamento judicial, de maneira
especifica ao julgamento das ações cíveis originárias no Supremo Tribunal Federal. As referidas
variáveis foram submetidas à análise por regressão logística (Logit), ferramenta estatística
adequada para testar associações entre uma variável dependente binária e uma série de variáveis
explicativas categóricas, também binárias.
O direito à saúde é um direito social fundamental (JESUS, KAZAM, 2016), tendo sido
assegurada uma seção na CRFB para sua garantia, com o reconhecimento de sua relação com o
direito à vida (ASENSI, PINHEIRO, 2015). A norma constitucional estabeleceu um dever estatal de
garantir acesso universal e igualitário, com parâmetros gerais para a formulação das políticas
públicas na área. Consolidado um amplo debate em torno da judicialização do direito à saúde no
Brasil, a pesquisa aborda a emergência de um novo ator: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a
partir da audiência pública (2009) realizada pelo Supremo Tribunal Federal (MACHADO, DAIN,
2012). Partindo-se do método de abordagem dedutivo, procedeu-se ao levantamento bibliográfico
quanto à expansão da judicialização da saúde, que alcançou mais de 1.778.269 demandas em
2018, segundo dados do próprio CNJ, usualmente atribuída ao ativismo dos tribunais brasileiros,
que redundaria numa “revolução de direitos na saúde” (GAURI; BRINKS, 2008). Estabelecidos os
pressupostos da discussão, a pesquisa analisa a trajetória das medidas tomadas pelo CNJ, na
constituição da denominada “política nacional de saúde”, contemplando as principais
recomendações e resoluções editadas. As iniciativas do Fórum da Saúde do CNJ, cujo objetivo é
695
auxiliar os juízes brasileiros na solução das demandas, a partir de um aparato técnico também
serão analisadas (Resolução 238/2016; fomento à criação e adoção dos Núcleos de Apoio Técnico
ao Judiciário NatJus, criação da plataforma e-NatJus e outros). Pretende-se, ao final, discutir a
efetividade destas medidas e a necessidade de um engajamento entre os poderes na cooperação
para a racionalização da prestação jurisdicional nesta área, reduzindo seus impactos nas políticas
públicas.
696
ATUAÇÃO JUDICIAL NO COMBATE À CORRUPÇÃO E A CRIMINALIZAÇÃO DA
POLÍTICA: FACES DE UMA MESMA MOEDA?
697
A PREVALÊNCIA DO NEGOCIADO SOBRE O LEGISLADO: UMA ANÁLISE CRÍTICO
JURÍDICA DA NOVA ORDEM LEGAL EM FACE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Em meio a crises econômicas e aumento dos índices de desemprego que se fazem sentir
nos países globalizados surgem correntes que defendem que as leis trabalhistas causam certa
instabilidade e insegurança jurídica para a classe patronal e, portanto, defende-se a necessidade
de uma reforma estrutural da legislação. Assim, diante de um contexto histórico de proteção,
considerada por muitos como exacerbada, em meados de 2017, com base em um discurso de
rigidez das leis trabalhistas, o Congresso Nacional aprovou a Lei nº 13.467/17, a qual trouxe como
principal justificativa a necessidade de flexibilização da legislação e a promessa de criação de
novos postos de trabalho. Dentre as alterações trazidas pela denominada Reforma Trabalhista,
está a prevalência do negociado sobre o legislado contida no art. 611-A da nova lei. Importa
destacar a repercussão do tema para a construção social e econômica, uma vez que se faz
necessário preservar o equilíbrio na relação entre trabalho e capital, bem como a igualdade de
condições nas negociações entre empregadores e trabalhadores, principalmente os
hipossuficientes, os quais representam a maioria da classe trabalhadora. Sendo assim, conforme a
perspectiva de uma nova ordem legal na qual ocorre uma valorização das questões negociadas em
detrimento do que está disposto na lei, pode-se inferir que tal disposição poderá enfraquecer os
acordos uma vez que, de acordo com o §2º art. 611-A, não ensejará nulidade a inexistência de
uma contrapartida recíproca nos acordos e convenções, para o caso de supressão ou diminuição
de algum direito do trabalhador. Nesse cenário surge uma questão: flexibilizar a norma em
consonância com valores capitais gera uma dissonância quanto à garantia dos direitos
fundamentais dos trabalhadores. Desse modo, cumpre investigar se a flexibilização trazida pela
reforma trabalhista no tocante aos acordos de trabalho, diante das Convenções da OIT e da
proteção constitucional ao direito laboral, pode ser assimilada com grau de legitimidade no
ordenamento brasileiro. O objetivo inicial da pesquisa é caracterizar as violações aos direitos
fundamentais e sociais do art. 611-A disposto na nova lei. Para responder a esse questionamento
em um primeiro momento, a pesquisa terá caráter exploratório e normativo, fazendo uso de
levantamento bibliográfico e documental referentes ao tema. Pretende-se em uma segunda fase,
partir para uma abordagem fática do tema a partir da investigação e análise de casos específicos.
Como conclusão, pretende-se verificar a possibilidade de diálogo ou conciliação entre a nova regra
e os preceitos constitucionais garantidores dos direitos trabalhistas. Por fim, salienta-se que
devido a uma tendência de flexibilização de direitos, não só trabalhistas, mas em certa medida,
também os civis e os próprios direitos humanos, convém salientar sobre os riscos aos quais a
sociedade está exposta ao aceitar que mudanças tão bruscas aconteçam de forma tão atropelada
pelos legisladores. Não se pode minimizar a importância da classe trabalhadora como responsável
pelo desenvolvimento de um país, bem como os direitos sociais na manutenção da estabilidade
sócio econômica.
698
TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS E O FENÔMENO DO ATIVISMO JUDICIAL COMO
EXPRESSÃO DA ALOIPESE
Niklas Luhmann em sua teoria dos sistemas sociais definiu a sociedade como um conjunto
de sistemas que devem se autorregular e se auto reproduzir através da linguagem, constituindo o
que se chamou de autopoiese social. O Direito, como parte integrante desse sistema deve,
portanto, criar seus próprios mecanismos para que não sofra interferências de sistemas externos,
a exemplo da política, da moral ou da religião a ponto de causar a sua desestruturação normativa.
A Constituição, nesse sentido, pode ser vista como uma das principais formas de tentativa de auto
regulação do direito proposta por Niklas Luhmann. A nossa lei maior prevê, em seu artigo 2,º a
tripartição dos poderes como base do sistema federativo, no entanto, tal perspectiva apresenta
distorções, tendo em vista toda a conjuntura político-social, que reflete em um judiciário que
excede suas competências, que regula e controla os poderes legislativo e executivo, mas que não
é capaz de se autoconter. O objetivo deste trabalho é analisar o ativismo judicial por meio da
teoria dos sistemas sociais de Luhmann. O ativismo judicial, aqui é entendido como o dizer mais
do que a norma jurídica pretende através de procedimentos pertencentes a outros sistemas que
não o Direito para resolver problemáticas eminentemente jurídicas. Tal fenômeno tem se tornado
recorrente no Brasil desde a feitura da Constituição de 1988, tendo sido observado de forma mais
latente a partir da edição da Emenda Constitucional nº 45/2004 que reformou o judiciário e
conferiu poder legislativo atípico à função de estado judicante e torna-se problemático na medida
em que o judiciário passa a interferir na seara política, gerando o fenômeno da quebra da
autonomia, ou alopoiese do Direito, ao mesmo tempo que também possibilita a política intervir no
judiciário, ferindo assim a separação dos três poderes. O problema proposto por este estudo é: o
ativismo judicial é uma expressão da alopoiese social?. A hipótese defendida é a de que o ativismo
judicial é uma distorção funcional do check and balance adotado pela Constituição de 1988, sendo
assim uma expressão da alopoiese social. O presente estudo se insere nos campos do Direito e da
sociologia. No que diz respeito a metodologia adotada neste trabalho, essa pesquisa foi realizada
de forma qualitativa descritiva, documental e bibliográfica e se será apresentada em duas partes:
uma introdutória acerca da teoria dos sistemas sociais de Niklas Luhmann e conceitos correlatos e
uma segunda parte sobre como o ativismo judicial pode ser considerado como uma expressão do
fenômeno da alopoise social. O recorte teórico central é a obra Introdução à teoria dos sistemas
de Niklas Luhmann. Por conseguinte, entendemos que a tentativa de autorregulação do Direito
descrita por Luhmann enfrenta grandes dificuldades de efetivação, devido a atuação atípica do
poder judiciário, por meio do ativismo judicial que se revela uma distorção do modelo tripartite de
poderes e uma expressão do fenômeno da alopoise social que é uma anomia do sistema ideal
proposto por Luhmann na Teoria dos Sistemas Sociais.
699
LEGALISMO VERSUS CONSEQUENCIALISMO? O INQUÉRITO 4435 E A INFLUÊNCIA
DO PRAGMATISMO JURÍDICO NO STF E NO TSE
Nesta pesquisa, pretendo demonstrar que, desde pelo menos os anos 2000, predominam
entre os membros do STF e do TSE duas atitudes que, embora possam levar (e frequentemente
levem) a resultados opostos, se orientam por uma mesma teoria da adjudicação, o pragmatismo
jurídico. O pragmatismo jurídico é a teria da adjudicação segundo a qual a jurisdição tem um papel
predominantemente instrumental, isto é, serve à consecução de determinados fins socialmente
valorizados, que juízes e tribunais devem empenhar-se em realizar (DWORKIN, 2006). Por teoria
da adjudicação, refiro-me a uma concepção da natureza da jurisdição e do papel do Poder
Judiciário, pressuposta por juízes e tribunais e capaz de explicar em larga medida tanto a atitude
judicial em casos específicos quanto a prática jurídica geral – ainda que, de fato, tal concepção não
tenha sido expressamente formulada, nem discutida, e demonstre baixa densidade
argumentativa. As duas vertentes do pragmatismo jurídico que explicam a atitude dos ministros
do STF e do TSE são o consequencialismo e o (por mim denominado) legalismo pragmático. A
vertente consequencialista do pragmatismo jurídico, mais conhecida, avalia o erro ou o acerto das
decisões judiciais de acordo com consequências prognosticadas no momento da decisão, sem
especial preocupação com a legalidade. Já a atitude pragmático-legalista consiste na
instrumentalização da própria legalidade, cuja defesa é incorporada ao discurso oficial, não pelo
valor que tem em si, mas como parte de uma estratégia política (extra- ou intrainstitucional). A
oposição entre as vertentes consequencialista e pragmático-legalista está bem representada no
julgamento do Inquérito 4435, de 14 de março de 2019, selecionado como caso de estudo.
Naquela ocasião, o STF, por maioria, reafirmou a competência da Justiça Eleitoral para o
julgamento de crimes comuns conexos aos eleitorais. De um lado, a tese vencida, sustentada por
ministros consequencialistas, deixava em segundo plano o texto constitucional e defendia a
competência da Justiça Federal para julgar crimes financeiros, com base na suposta falta de
capacidade institucional da Justiça Eleitoral para processar e julgar crimes de maior complexidade,
como os de lavagem de capitais e evasão de divisas. De outro lado, a tese vencedora apelava à
jurisprudência histórica do STF e do STJ para manter a competência da Justiça Eleitoral. Os
ministros que a defendiam expressamente avocavam a si a responsabilidade de serem legalistas.
Todavia, como pretendo demonstrar, o apelo à legalidade era, no caso, tão estratégico quanto o
aceno à opinião pública pelos ministros vencidos. A reconstrução histórico-contextual do caso
demonstra que a própria conexão dos crimes financeiros com os eleitorais, estabelecida em
julgamentos anteriores, se havia operado mediante uma ampliação de sentido do art. 350 do
Código Eleitoral, fundamentada em argumentos estritamente pragmáticos – particularmente, na
necessidade de combate à corrupção. E, entre as consequências do caso, destaca-se a tendência,
estimulada pelo próprio TSE, de designação de zonas eleitorais nas capitais, especializadas no
julgamento de crimes de maior complexidade, a despeito da inexistência de previsão legal que o
autorize – e do potencial prejuízo ao direito de defesa dos réus. Tudo considerado, tanto a
oposição entre juízes consequencialistas, de um lado, e legalistas, de outro, quanto a opção pelo
legalismo no caso são apenas aparentes; o STF e o TSE continuam a se fiar por uma concepção
pragmática da natureza da jurisdição e do seu próprio papel como órgãos do Poder Judiciário.
700
CONDIÇÕES EXÓGENAS PARA A INDEPENDÊNCIA JUDICIAL NA AMÉRICA LATINA
701
CONTROLE DE LEGALIDADE E LEGITIMIDADE NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS
PÚBLICAS: ESTUDO DE CASO DA EXTINÇÃO DE FUNDAÇÕES ESTADUAIS EM FACE
DE APARENTE CONFLITO DE JURISDIÇÃO ENTRE O TRIBUNAL DE CONTAS E O
PODER JUDICIÁRIO
A pesquisa tem como ponto central a forma como a Corte Constitucional Brasileira vem
proferindo suas decisões, levantando questionamentos e instigando investigações acerca da
construção de suas fundamentações. Alinhado a essas inquietações, a apresentação partirá das
hipóteses que: a) após a redemocratização do Brasil, com a promulgação da Constituição de 1988,
o Poder Judiciário brasileiro passou por um processo histórico de empoderamento, o que pode ser
atribuído, ao que alguns doutrinadores chamam de um neoconstitucionalismo principialista; b) o
empoderamento judiciário decorrente deste movimento histórico, acabou por desencadear numa
ausência de constrangimento epistemológico por parte do referido Tribunal, a ponto deste
modificar radicalmente a forma como trata determinadas matérias. Isto acontece em relação aos
julgamentos do Supremo Tribunal Federal que tratam de temas afetos à doutrina da questão
política. Deste modo, o problema central a ser investigado diz respeito às mudanças de postura
dos julgamentos do STF em relação a temas relacionados à doutrina da questão política. O
objetivo do trabalho é verificar como o Supremo Tribunal Federal tem tratado a doutrina da
questão política em seus julgamentos, analisando as modificações da utilização desta doutrina ao
longo do tempo, analisando-se as decisões deste tribunal após a promulgação da Constituição de
1988. Nossa metodologia baseia-se numa revisão teórica; utilizando-se autores como Mark
Tushnet e Louis Michael Seidman, e não só, no que diz respeito à doutrina da questão política; e,
também, num estudo de caso simples, através da análise documental das decisões do Supremo
Tribunal Federal que tenham tratado da doutrina da questão política, tendo como recorte
temporal, a promulgação da Constituição de 1988. De forma preliminar, acreditamos que os
seguintes resultados poderão vir a ser alcançados: a) o empoderamento, ocorrido após a
704
Constituição de 1988, levou a Corte Suprema Brasileira a sentir-se à vontade para alterar, em um
curto espaço de tempo, suas razões de decidir em relação a um mesmo tema; b) após a
redemocratização brasileira, o Supremo Tribunal Federal tem modulado sua jurisprudência em
relação a matérias afetas à doutrina da questão política; de modo que, em momentos
estratégicos, se furtou de adentrar em questões de cunho político; e, em outros, proferiu
decisões eminentemente políticas. Ademais, conclui-se que o trabalho possui uma proposta crítica
e depende do estudo dos casos julgados pelo Supremo Tribunal Federal em relação a temas
ligados à doutrina da questão política, sendo necessário, ainda, uma análise aprofundada das
ideias trabalhadas por Mark Tushnet e Louis Michael Seidman, bem como outros doutrinadores
que trabalham a doutrina da questão política nas decisões do Poder Judiciário.
Marcela Carneiro
705
sistemáticas do que as decisões judiciais, mesmo que levemos em consideração apenas as
emanadas pelas Cortes Superiores do país. Para maior compreensão acerca das decisões e das
razões que as motivam, podem nos ser úteis as análises feitas pelos realistas escandinavos,
principalmente de Alf Ross. A mudança de perspectiva da análise do Direito proposta pelos
realistas escandinavos influenciou em grande escala na secularização dos países nórdicos,
marcado pela racionalização das políticas sociais e pela construção do Estado de bem-estar social
consolidado nestes países. Como realista jurídico, Ross compreende que o Direito produzido pela
via legislativa era válido apenas por uma perspectiva formal, se tornando juridicamente válido
apenas ao se tornar efetivo, eliminando a categoria da validade como distinta da eficácia. Porém,
segundo o autor, a concepção dos cidadãos acerca dos problemas jurídicos não seria critério de
validez, pois a validez não se concretizaria pela maneira pela qual os indivíduos privados aplicam o
Direito, mas sim através da aplicação judicial das normas nas decisões dos juízes. Assim, Ross
compreende que existe uma ideologia normativa subjacente que motiva os juízes, de forma que,
ao estudar e compreender tal ideologia, seria possível prever, em maior ou menor grau, suas
futuras decisões. Porém, no Brasil, país em que percebemos a cada dia um maior ativismo
judiciário, é muito difícil perceber e identificar a ideologia normativa seguida pelos agentes
públicos – sequer conseguimos identificar se ela efetivamente existe. Nesta sina, é de extrema
importância a investigação sobre o embasamento utilizado para tais decisões, afinal, ao passo em
que abrangem limites maiores do que os estabelecidos, fazem jus a um controle mais criterioso
acerca de seus meios e finalidades, que, mais do que revelar a motivação em um caso pontual,
revelam parte da ideologia normativa seguida no país. Para a elaboração da pesquisa, para além
da leitura das obras de Ross, serão analisados casos paradigmáticos julgados pelo Supremo
Tribunal Federal, que, por ser a corte suprema do país, deve, em tese, representar de maneira
mais fiel sua ideologia normativa, traduzindo, em certo nível, a validade das normas em nosso
ordenamento jurídico de acordo com a percepção rossiana. Os acórdãos escolhidos tratarão sobre
diversos ramos do direito, tendo como critérios limitadores para a escolha que se tratem de
ativismo judiciário e que tenham sido alvo de grande repercussão no país, provocando mudanças
paradigmáticas, despertando polêmica ou abordando temas com forte conotação política e social.
Mariana Oliveira de Sá
O presente artigo tem como objetivo analisar as intervenções da justiça eleitoral no âmbito
das universidades públicas, para proibir manifestações de cunho político durante o pleito eleitoral
de 2018. Questiona-se se tal atuação fora adequada, ao utilizar o argumento de propaganda
eleitoral irregular para proibir a utilização de material com manifestações políticas em 16
universidades públicas. Trata-se de pesquisa bibliográfica, com foco na análise das referidas
decisões judiciais, tendo como marco teórico a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) nº 548, julgada em 31 de outubro de 2018, onde discutiu-se a liberdade de
manifestação e pensamento das ideias em universidades. Foram analisados e tabelados os dados
com o fundamento da decisão que determinou a intervenção e a respectiva manifestação que
seria contrária à proibição da legislação eleitoral. O objetivo é analisar as decisões dos juízes
707
eleitorais que determinaram intervenções em universidades federais, para a retirada de
propagandas eleitorais irregulares, de modo a verificar a adequação das mesmas, em contraponto
às liberdades de expressão, de reunião e de cátedra, à luz da ADPF nº 548. Durante as eleições de
2018, foram registradas 17 intervenções em universidades, sendo 16 delas instituições públicas,
em 9 estados, onde juízes eleitorais autorizaram, às vésperas do segundo turno, operações
policiais para investigar supostas propagandas eleitorais irregulares. Ao se comparar a conclusão
das intervenções com o delineamento da propaganda eleitoral pela legislação, foi possível
constatar que, na maciça maioria das vezes, não havia a veiculação de propaganda eleitoral nas
universidades públicas, mas apenas manifestações políticas e ideológicas, seja por meio de faixas
ou eventos públicos. Diante do exposto, a resposta encontrada para o problema de pesquisa
levantado é que a intervenção da justiça eleitoral, no âmbito das universidades públicas, para
proibir manifestações de cunho político, durante o pleito eleitoral, sob o argumento de
propaganda eleitoral irregular, não fora adequada. Essa constatação se assenta em algumas
premissas. A primeira delas é que o material apreendido, na maioria das vezes, não fazia menção a
qualquer candidato, ou seja, não se configurava propaganda eleitoral. A segunda premissa parte
da ideia de que, houve a paralização de aulas e reuniões, bem como palestras e conferências cujo
intuito era a discussão sobre política, e não a realização de propaganda eleitoral, e isso não é
vedado pela legislação eleitoral, é um desdobramento da liberdade de expressão e de reunião.
Não obstante, é preciso ponderar que as universidades são dotadas de autonomia, não cabe à
justiça eleitoral definir o que pode ou não ser debatido no âmbito das mesmas, pois isso configura
violação da liberdade de cátedra. Ademais, a liberdade de expressão – que aqui se desdobra
principalmente na liberdade de manifestação do pensamento, na liberdade de reunião e na
liberdade de cátedra, é direito fundamental com status privilegiado, e não pode sofrer limitações
arbitrárias, o processo eleitoral não pode se sobrepor aos direitos e garantias fundamentais, sob
pena de se esvair-se no autoritarismo e minar a própria democracia. O que houve, então, foi a
violação dos direitos às liberdades de expressão, reunião e cátedra, conforme pode-se concluir na
análise da ADPF nº 548. Isso porque a legislação eleitoral proíbe a realização de propaganda
eleitoral em universidades públicas e privadas, mas não proíbe a liberdade de manifestação, de
expressão, de reunião e de cátedra. Assim, o excesso no exercício do poder de polícia eleitoral, no
âmbito das universidades, acabou por macular preceitos constitucionais fundamentais, tão caros a
democracia, o que é inadmissível no Estado Democrático de Direito.
Nos últimos anos, foi perceptível a adoção de uma postura mais ativista e incisiva do Poder
Judiciário, tornando evidente que as questões anteriormente decididas apenas no âmbito político
passaram a fazer parte de uma realidade de politização desse poder, alargando a noção de
jurisdição e competência dos tribunais. Assim, a mudança paradigmática do constitucionalismo
democrático deu margem a um cenário de maior interação institucional, estimulando a
cooperação entre o Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário – focalizando as
atividades no Supremo Tribunal Federal (STF) –, através da influência e utilização do sistema de
708
freios e contrapesos. Em que pese a ideia ultrapassada de supremacia da Corte ou título de
guardiã da Constituição, o incentivo ao constitucionalismo dialógico fez com que as decisões com
o teor de “última palavra” fossem rediscutidas e trouxessem consequências para a jurisdição
constitucional brasileira. Nesse sentido, a metodologia utilizada no artigo foi a análise qualitativa
da decisão de flexibilização da presunção de inocência na prisão do ex-presidente Lula proferida
pelo STF, com o intuito de, através dessa problemática, analisar a ratio decidendi da interpretação
constitucional da própria Corte juntamente com o Poder Legislativo, no tocante aos direitos
fundamentais colocadas em análise no julgamento. A atuação, tanto representativa como
contramajoritária do Poder Judiciário, diante do atual desprestígio do Poder Legislativo, tem como
foco a proteção de direitos contra os abusos ou omissões dos parlamentares e consiste em
garantir os valores da Constituição, entretanto, por vezes, esse papel acaba ultrapassando limites
racionais e servindo para um papel antidemocrático. Desse modo, os diálogos institucionais
questionam a possibilidade de predomínio de qualquer dos poderes, tornando perceptível que a
atuação dialógica se mostra como um caminho paralelo que pode atender aos interesses da
coletividade e instituir equilíbrio entre os poderes.
A compreensão de política pública e seu ciclo de formação não é fácil, no direito brasileiro
as políticas públicas são programas de ação do governo, utilizados para atingir determinados
objetivos num determinado espaço com tempo certo de duração, que podem transcender os
instrumentos normativos e do programa (BUCCI, 2006). Se a definição do conceito apresenta
dificuldades, a formulação e a gestão das políticas públicas é um grande desafio para o poder
público. O ideal de uma política pública é alcançar seus objetivos sociais a que se propõem através
de resultados mensuráveis (BUCCI, 2006). Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa é analisar a
representatividade da judicialização das políticas públicas de saúde no Brasil nos anos de
2017/2018 em comparação com o orçamento público gasto no mesmo período, e o seu impacto
na efetivação das políticas públicas de saúde, que aponta para a seguinte problemática: Os gastos
orçamentários com processos judiciais no período de 2017/2018 representaram um impacto
significativo para efetivação das políticas públicas direcionadas à saúde? O caminho metodológico
escolhido para o estudo é da pesquisa empírica, através de multimétodos (IGREJA, 2017), com a
análise dos dados através da Jurimetria, método que combina as análises estatísticas simples,
aplicado ao estudo do Direito (YEUNG, 2017), visando demonstrar o impacto da judicialização no
orçamento da saúde nos anos de 2017 e 2018, e a possível efetivação do direito à saúde. O
trabalho utiliza a base de dados virtual da Controladoria Geral da União para a análise do
orçamento para área da saúde de 2017/2018, para confrontá-los com os valores gastos em
demandas judiciais em 2017/2018, através de dados disponibilizado pelo Advocacia-Geral da
União. O orçamento total da União para área da saúde de 2017 foi em torno de R$ 120,36 bilhões
de reais, e em 2018 de R$ 121,86 bilhões de reais. Fazendo um comparativo com os dados de
judicialização de R$ 1,02 bilhão em 2017 e R$ 1,1 bilhão de reais em 2018, os resultados
apresentados nos mostram que os processos judiciais corresponderam a 0,85% do orçamento da
saúde disponibilizado em 2017, e 0,90% do orçamento de 2018. Assim, podemos constatar que os
709
percentuais equivalem a menos de 1% do total do orçamento da União destinados a área da
saúde, que em uma análise preliminar, nos induz a pensar em impacto mínimo quando comparado
com os valores totais dos recursos disponibilizados nos dois períodos em análise. Entretanto, para
tal afirmação será necessária uma análise mais aprofundada, que será feita no decorrer desta
pesquisa.
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido alvo de críticas severas por parte da opinião
pública, em virtude da sua atuação, especialmente em casos sensíveis de maior repercussão. Uma
visão parcial desse fenômeno tende a ver nessa reação uma consequência esperada, face ao
processo de judicialização da política e das relações sociais e ao maior protagonismo assumido
pelo sistema judicial a partir da Constituição Federal de 1988. Entretanto, nesse cenário complexo,
pode-se perguntar o quanto essas polêmicas comprometem ou não a legitimidade do sistema de
justiça diante dos destinatários da atividade jurisdicional. Ou, como, uma vez aberto à crítica
pública e à necessidade de justificar de forma persuasiva suas decisões, o STF manobrou para
reduzir os efeitos perversos de um ativismo voluntarista. Em uma obra seminal, com forte valor
explicativo para as análises dos desafios e constrangimentos impostos ao sistema judicial
brasileiro, Nonet e Selznick enfrentaram o foco do problema proposto, ou seja, os dilemas entre a
integridade e a abertura das instituições judiciais, como estratégias eficientes para lidar com
amplos processos de mudança social. Na perspectiva desses autores, a preservação da integridade
de um sistema de direitos e suas instituições estaria relacionada com sua capacidade de
isolamento em relação aos conflitos reais da ordem social, com o recurso ao tecnicismo da ciência
jurídica e sua pretensa neutralidade. A abertura, por sua vez, seria resultado da pressão exterior
em favor do rompimento desse isolamento e do maior protagonismo das instituições judiciais
dentro desses processos de mudança. O caso brasileiro é um exemplo dessa tendência de
abertura a tais influxos externos, como a explosão de novas demandas e novos temas evidenciam.
O ponto que pretendo desenvolver aqui tem relação com essa maior responsividade do sistema
judicial brasileiro e como o processo de adaptações contínuas a imperativos estranhos ao direito
tem impactado a coerência interna de um dos seus ramos: o direito do trabalho. Ao incorporar no
seu interior as disputas dos grupos sociais ou políticos em conflito e tentar dar respostas
convincentes, o STF atuaria numa linha tênue que separa o ativismo descompromissado e aquele
capaz de assegurar o equilíbrio entre integridade e abertura; em outras palavras, sensibilidade ao
ambiente externo e preservação da coerência interna do direito. O ponto a ser desenvolvido tem
relação com dois casos tomados como paradigmas no campo do direito do trabalho, onde foi
confrontada a prevalência de princípios inscritos na Constituição Federal, como o valor social do
trabalho e a dignidade humana, por oposição aos imperativos da ordem econômica, como a
eficiência do Estado. O primeiro refere-se à decisão sobre a responsabilidade subsidiária da
administração pública para a satisfação dos créditos trabalhistas quando, na condição de
tomadora dos serviços, a sua contratada tenha inadimplido tais obrigações. A segunda decisão
refere-se ao caso da interpretação da regra contida na Lei 13467/17, que autorizava o trabalho em
atividade insalubre por parte da empregada gestante ou lactante, salvo se a própria trabalhadora
apresentasse alguma restrição atestada por médico de sua confiança. Nessas decisões, de ampla
repercussão pública, o STF manobrou com princípios constitucionais em sentidos opostos, fazendo
prevalecer interesses distintos e, essa é uma questão chave, comprometendo a coerência interna
711
do próprio sistema de direitos trabalhistas, oscilando entre o fortalecimento e a negação dos
princípios que estruturam esse ramo do direito. Portanto, a análise exploratória proposta tem
como objetivo indicar como esse movimento de abertura do sistema judicial pode repercutir
preservando, ou não, a coerência interna do direito do trabalho e fortalecendo, ou não, sua
posição como ramo privilegiado para solucionar os conflitos entre empregadores e trabalhadores.
Quando um cidadão deseja ser um dirigente político e ocupar um cargo eletivo, seja no
executivo ou no legislativo, ele deve seguir o fluxo do processo político eleitoral. Este fluxo
começa pela filiação partidária, passando pela seleção de candidaturas dentro do partido e pelas
etapas do processo eleitoral em si, ou seja, ele se submete aos diversos filtros do processo, que
Gallagher e Marsh (1988) chamaram de “porteiros” (gatekeepers). Interessa para esta pesquisa o
primeiro filtro do Poder Judiciário ao processo político eleitoral, superado o filtro partidário, que
são as impugnações de candidaturas, instrumentalizadas pelas Ações de Impugnação de Registro
de Candidaturas (AIRC). O problema a ser investigado nesta pesquisa são as ações de impugnações
de candidaturas nas eleições majoritárias de 2012 e 2016 no estado do Rio de Janeiro. Quais as
causas que ensejaram a aplicação deste filtro do poder Judiciário no processo político eleitoral? O
entendimento jurídico na aplicação destes filtros e das causas varia conforme a instância da
Justiça Eleitoral? São questões que se pretende verificar nesta pesquisa. Desta forma, o objetivo
geral da pesquisa é verificar os casos de impugnações de candidaturas nas eleições majoritárias de
2012 e 2016 no Estado do Rio de Janeiro, visando identificar as causas destas impugnações e as
decisões recursais nas diferentes instâncias da Justiça eleitoral. Persegue-se ainda o objetivo de
discutir a judicialização da política ao analisar o comportamento dos atores do processo político
eleitoral. Trata-se de uma pesquisa basicamente descritiva com predominância de técnicas
quantitativas que se encontra em desenvolvimento. Analisaram-se as AIRCs de 2012 e 2016, cujas
relações foram obtidas através da Lei de acesso à informação. Foi feita análise de conteúdo dos
respectivos Recursos Especiais Eleitorais (RESPE) visando levar dados relevantes para a pesquisa.
Em 2012 o TSE recebeu 8.082 recursos de AIRCs, sendo 2.241 relacionadas às eleições
majoritárias. Deste total, 82 foram de candidaturas do estado do Rio de Janeiro, representando
3,7%. Das 82 AIRCs, 42 resultaram em deferimento de registros na 1ª instância e 40 em
indeferimento. Na fase recursal, 26 candidaturas fluminenses tiveram suas decisões de 1ª
instância alteradas pelo TRE-RJ (18 para deferir o registro e 8 para indeferir) e 56 foram mantidas
(34 de deferimento e 22 de indeferimento do registro de candidaturas). Das decisões do TRE-RJ,
52 foram mantidas pelo TSE e apenas 8 foram modificadas (4 confirmando a decisão do TRE-RJ e 4
modificando). As outras 22 ações cujos recursos chegaram ao TSE perderam seus objetos; em 3 o
recorrente renunciou à candidatura e em 19 constatou-se que independente do resultado do
recurso, este não mudaria o resultado das eleições (candidato não eleito). A principal causa
identificada como motivadora das AIRCs foi inelegibilidade devido à rejeição de contas públicas,
37 casos que representam 45%. Essa causa está relacionada às LC 64/90 e LC 135/10 (Lei da Ficha
Limpa), esta última tendo sido aplicada pela primeira vez nas eleições de 2012. Destas 37 ações
relacionadas à rejeição de contas públicas, 21 resultaram em indeferimento na 1ª instância.
712
Destes indeferimentos 15 foram modificados pelo TRE-RJ para deferir o registro e 12 tiveram essas
reformas de sentença confirmadas pelo TSE. Desta forma, verifica-se um alinhamento
jurisprudencial maior entre o TRE-RJ e o TSE do que entre estes tribunais e os juízes eleitorais da
1ª instância da Justiça Eleitoral. Os principais proponentes de AIRCs foram o Ministério Público
Eleitoral e as coligações concorrentes, um reflexo do processo de judicialização da política
experimentado no Brasil e em diversos locais do mundo. Em relação às eleições de 2016, a
pesquisa ainda encontra-se em desenvolvimento, no entanto já se pode afirmar que são 34 RESPE
relacionados às impugnações de candidaturas fluminenses e que a rejeição de contas públicas
continua sendo uma das principais causas estruturantes das AIRCs.
A presente pesquisa tem como objeto estudar as relações entre Direito e Política a partir
da própria experiência de Estado e suas respectivas. Para tanto, elegeu-se uma estrutura
descritiva, de modo que, no primeiro eixo de reflexões levado a cabo, foram relacionadas as
variações do Estado de Direito com os diversos perfis do Poder Judiciário, desde sua primeira
versão – forjada pelo liberalismo clássico -, passando pela modelagem jurídica do Estado Social até
chegar aos traços do Estado Democrático e Constitucional. Em tal sentido, o estudo evidenciou as
intrínsecas relações entre Direito e Política, buscando compreendê-las desde o Estado Liberal de
Direito quando o ente estatal se encontrava sob a égide do princípio da separação de poderes.
Isso moldou os limites e o alcance da atuação do Poder Judiciário da época, caracterizando-se por
sua postura neutral, retroativa e retrospectiva, bem assim por sua forçosa submissão à lei com
total inibição a qualquer potência criadora. Passando por transformações ao longo dos séculos XIX
e XX, a experiência estatal - com o desenvolvimento do Welfare State - sofre impactos que irão
imprimir mudanças nos requisitos de sua legitimação política. Com isso, o Estado passa a utilizar o
Direito para fixar suas linhas de intervenção política, fazendo do aparato normativo um
instrumento para o alcance de finalidades sociais. A medida de eficácia do Direito passa a ser o
alcance de objetivos sociais pretendidos pela norma, trazendo, como consequência, a expansão
do Direito no âmbito da regulação (ou judicialização) das relações sociais. Dá-se, assim, o
incremento dos encargos da intervenção legislativa e, por conseguinte, sua obstrução. Para sanar
esse problema, o Legislativo (a Política) se socorre do adiamento ou da delegação do poder
decisório, sobrecarregando o sistema jurídico, de forma a expandir os poderes do juiz e politizar,
enfim, a magistratura: as decisões políticas do Estado passaram a ser traduzidas em normas
jurídicas, configurando-se uma forte aproximação entre Direito e Política. Esse período coincide
com a fase do Estado Constitucional, transferindo-se o polo de tensões do Poder Legislativo para o
Poder Judiciário e os Tribunais Constitucionais. O Poder Judiciário, assim, torna-se um espaço cada
vez mais amplo de resolução de litígios, inclusive daqueles que antes não estavam na pauta das
questões ditas “judiciáveis”. Na esteira dessas questões é que foi eleito, para fins de aplicação do
aporte teórico apresentado, o exame de um ato decisório do STF como corpus de análise do
cenário jurídico e político pátrio, com vistas a verificar, por meio da linguagem do julgamento,
como se dá a permeabilidade entre o Direito e a Política, enfocando as estratégias para produzir
os efeitos de sentido de uma decisão legítima, visando ocultar essa tal permeabilidade. Esse se
713
configura como o segundo plano da investigação realizada, merecendo destaque em virtude de
trazer como potência a proposta de um protocolo de análise discursiva aplicado ao estudo de
julgado do Supremo Tribunal Federal/STF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
– ADPF 186/DF), cujo objeto discutiu a constitucionalidade das ações afirmativas relacionadas às
cotas raciais em Universidades Públicas. O exame fez uso da Análise do Discurso francesa para
apreender as estratégias de produção de efeitos de sentido do STF na construção de uma decisão
legítima, sobretudo vislumbrando uma aparente separação entre Direito e Política. Como
conclusão, o estudo constatou que os Ministros do STF, atravessados pela ideologia, fizeram uso
de várias estratégias de produção de sentido para legitimar o seu discurso, dentre elas a fixação
de sentidos oficiais, a crença de que os sentidos são uma evidência extraída do texto legal, a
valorização de que as evidências representam a própria objetividade da interpretação, o efeito
ideológico da completude dos sentidos, a aparência de que foi cumprido um itinerário metódico
para a construção do resultado e de que a decisão é resultado de um saber (razão) e não do
exercício de um poder (vontade).
Este trabalho apresenta uma análise sobre o comportamento autocontido dos ministros do
Supremo Tribunal Federal em sede de Reclamações Constitucionais julgadas por perda
superveniente do objeto. As Reclamações Constitucionais são de competência originária da
Suprema Corte por meio do controle de constitucionalidade difuso, onde o requerente pode
fundamentar três hipóteses de cabimento, sendo elas violação a súmula vinculante, violação a
preceito fundamental e usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal. Foram
analisados três modelos de comportamento judicial, quais sejam, legalista, atitudinal e
715
estratégico, que, através de suas variáveis puderam justificar o comportamento autorrestrito do
ministros e consequente perda de objeto na ação estudada. O presente estudo se deu por
intermédio da coleta de dados, em processos analisados em um espaço temporal de 1989 até
2017, com amostra de 379 casos, com intervalo de confiança de 95%, e desvio padrão de 5%,
padrões aceitos em estudos empíricos. O primeiro resultado obtido foi que o STF, por seletividade,
deixou de julgar 14% das Reclamações Constitucionais, as quais resultaram em perda de objeto. O
outro achado, foi que em comparação com assuntos como direito tributário e previdenciário que
envolvem recursos financeiros, o assunto direito penal que tem ligação direta com direitos e
garantias fundamentais, o Supremo Tribunal Federal tem escolhido deixar de julgar 03 vezes mais,
acarretando a perda de objeto dessas Reclamações Constitucionais. Atualmente, o Judiciário age
como se não tivesse limites e atribuições dadas pela Constituição Federal. No artigo 102,
parágrafo primeiro, alínea l, da Constituição da República confere-se competência ao STF julgar
essa natureza de ação, entretanto não há a palavra selecionar, ou qualquer expressão que remeta
a esse significado. Se o Supremo Tribunal Federal está cheio de demandas para julgar porque há
muitas hipóteses de cabimento de controle difuso e concentrado de constitucionalidade, não cabe
aos ministros solucionarem silenciosamente e extraoficialmente, cabe a quem a Lei Maior conferiu
essa prerrogativa: o Legislativo.
716
Coordenação:
Paulo Eduardo Alves da Silva (USP)
Pedro Heitor Barros Geraldo (InEAC/UFF)
José Mário Wanderley Gomes (UNICAP/CESMAC)
A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS SOB A ÓTICA DA SOCIOLOGIA ECONÔMICA DO
DIREITO: UMA ANÁLISE DA POSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS CUSTAS DE
TRANSAÇÃO NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS
PROBLEMA INVESTIGADO
Diante de um mundo com recursos escassos e a necessidade humana de tomar decisões
perante os conflitos insurgentes - tais quais, são inerentes à existência social – surge a necessidade
de se reavaliar os modelos tradicionais de resolução de disputas e o modo dispendioso - de tempo
e capital - de tratamento destes, visto a áspera situação socioeconômica brasileira e o quantitativo
de processos que assolam nosso judiciário.
Posto isso, atenta-se que o escopo do Direito é a regulação dos comportamentos humanos
para a possibilidade de convívio em sociedade, enquanto a moderna ciência econômica
reconhece, analiticamente, a tomada de decisões do ser humano perante essa escassez de
recursos. Em uma visão histórica mais acurada, essa descrição pode ser bem observada nas
mudanças de paradigmas histórico-epistemológicos entre o jusnaturalismo, o juspositivimo e a
utilização, moderna e contemporânea, do neoconstitucionalismo.
No cenário de litígios e meios de soluções de controvérsias verificados atualmente, é
inegável que o Poder Judiciário não pode ser visto como o único meio de dirimir conflitos, sejam
estes de quaisquer naturezas. Assim, a mediação de conflitos, que ingressou no ordenamento
jurídico por meio da Lei 13.140 de 2015, bem como as modificações no Código de Processo Civil de
2015 (Lei 13.105/2015); foram de extrema importância no que diz respeito à valoração dessas
novas formas de resolução de conflitos, para além do Poder Judiciário.
No entanto, como toda mudança de paradigma histórico passa por uma necessidade social,
carece-se sempre de um instrumental analítico robusto, pela sociedade e pelos juristas, acerca da
tomada de decisão na utilização e aplicação de determinadas novas normas ou instrumentos,
sendo de extrema importância a análise das variáveis que levam à escolha de determinado
procedimento em detrimento de um outro.
718
Nesse sentido, este trabalho visa avaliar a função econômica da cláusula de mediação de
conflitos nos contratos empresariais, dada uma teoria do valor e para além da hermenêutica
jurídica, por meio da Análise Econômica do Direito, que preza pela eficiência dos procedimentos, a
redução do tempo na resolução dos conflitos - visto o tempo que, atualmente, é utilizado pelo
Judiciário - e a necessidade de continuidade e a harmonização das relações em questão.
OBJETIVO GERAL
Examinar a função econômica da mediação de conflitos empresariais, enquanto mudança
socialmente paradigmática, entendendo esse procedimento como uma escolha economicamente
mais eficiente diante dos modelos tradicionais de resolução de disputas.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
a) Investigar o percurso histórico e epistemológico que leva à escolha dos métodos
autocompositivos como meios mais eficientes, diante de uma análise da Teoria do Conflito;
b) Avaliar a escolha pela mediação de conflitos, nos contratos empresariais, a partir da
Teoria do Conflito e da Análise Econômica do Direito, entendendo que esta última é um método
analítico e interdisciplinar de averiguar a eficiência das tomadas de decisões humanas, a partir das
complexas variáveis de comportamento;
c) Averiguar a possibilidade de redução das custas de transação dada a função econômica
da escolha contratual pelo procedimento de mediação, bem como os demais êxitos ofertados por
essa escolha.
MÉTODO DE ANÁLISE
Esta pesquisa adotará o uso de pesquisa bibliográfica, de modo a coletar doutrina
internacional e nacional especializada na temática. Ademais, perceberá, ainda, pesquisa
documental, ao incluir o uso de legislação nacional e internacional, considerando-se, sobretudo, a
Lei de Mediação e as disposições do Código de Processo Civil de 2015, no que tange à dada
importância e valorização dos métodos autocompositivos de resolução de conflitos. Não obstante,
utilizará o método de raciocínio analítico-dedutivo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A insurgência de conflitos motiva não somente o método econômico, como também, a
normativa procedimental do Direito. Ou seja, só existe a necessidade de se analisar o
comportamento humano, na economia, pela escassez dos recursos e, por sua vez, os conflitos são
socialmente gerados por essa escassez. Não obstante, o Direito é a ferramenta para regulação
desses conflitos insurgentes e para a harmonização das relações sociais, permitindo o convívio em
sociedade.
Toda escolha pressupõe um custo, um trade off , que também pode ser denominado como
"custo de oportunidade". O custo de oportunidade é a utilidade com que cada indivíduo goza de
determinado recurso.
Depreende-se que a escolha pelo procedimento de mediação na administração dos
conflitos, sobretudo, nos contratos empresariais, é alternativa que coaduna com os objetivos de
tais contratos. A redução das custas de transação, por meio das variáveis I) redução no tempo no
tratamento do conflito, II) harmonização e continuidade das relações entre as partes do litígio e
III) sigilo das demandas, ante a publicização dos processos judiciais; podem ser analisadas de
modo a auferir os benefícios da opção por tal procedimento.
Palavras-chave: Mediação de conflitos. Análise Econômica do Direito. Redução das custas de
transação.
719
EXECUÇÃO NEGOCIADA DE POLÍTICAS PÚBLICAS COMO MEIO DE ADMINISTRAÇÃO
DE CONFLITOS: ANÁLISE DA TEORIA À LUZ DE DADOS DA REALIDADE DO
JUDICIÁRIO BRASILEIRO E DO ESTUDO DO CASO DA DESOCUPAÇÃO DO EDIFÍCIO
HOLIDAY (RECIFE/PE)
721
A partir desta conclusão, propõe-se que as outras formas de solução de conflitos têm
funcionado como filtros para o direito. Elas tornam o direito menos sensível a determinadas
irritações já que nem todo conflito juridicamente relevante provocará o centro do sistema jurídico
(tribunais) imediatamente, o que por sua vez provoca a redução da pressão exercida pela
complexidade ambiental.
É amplamente difundida na literatura jus-sociológica a ideia de que a sociedade
contemporânea é altamente complexa. Em termos sistêmicos, isso implica dizer que o direito é
instado a garantir expectativas mais diversas e menos difundidas (novos arranjos afetivos,
mudanças no mercado de trabalho decorrentes de inovações tecnológicas, criação de novos
aparatos contratuais decorrentes da internacionalização do fluxo de capitais, etc.). Trata-se de
uma pressão pela adequação social do direito (abertura cognitiva) que e é resistida pela pressão
interna do sistema que luta pela consistência técnica do direito (fechamento operativo). Logo, não
se trata meramente de lidar com o volume de operações submetidas ao tribunal (a máquina
judiciária não é apenas incapaz de lidar com o alto número de conflito de família, mas também de
regular e garantir expectativas advindas do sistema familiar contemporâneo altamente incerto,
diverso e sujeito a mudanças).
Os movimentos de incentivo a outras formas de solução de conflito sempre os associam à
Justiça (“acesso à justiça”, “ordem jurídica justa”). No aparato conceitual da teoria dos sistemas a
justiça é uma fórmula que permite justamente articular as pressões internas por consistência
técnica com as externas por adequação social. A filtragem que os essas outras formas de solução
de conflito proporcionam ao direito permitem a abertura de forma equivalente. Passa a ser
possível garantir expectativas de forma mais ampla e com menores riscos à consistência técnica. É
por isso que a solução mediada ou conciliada costuma ser descrita como "mais justa". Isso não
exclui efeitos perversos da institucionalização dessas formas de solução de conflitos pelo direito
(“cultura acordista”, “flexibilização de regras que visão à proteção de vulneráveis”, entre outras
críticas). Entretanto, propõe-se que esses efeitos são apenas isso, efeitos. As causas dessa política
de institucionalização residem na obsolescência do sistema jurídico, que é instado a evoluir para
responder a inéditos níveis de complexidade social.
Bruno Lamenha
Mestre em Direito Público pela UFAL. Doutorando em Direito pela UFPE.
Desde a Lei n. 7.347/85, o Ministério Público (MP) assumiu a condição de principal legitimado
na defesa judicial de direitos difusos e coletivos, papel reforçado significativamente pelo desenho
institucional estabelecido pelo Constituinte de 1988. A referida norma conferiu legitimidade ativa para
propositura, assunção deste papel em casos de desistência ou abandono da ação civil pública (ACP)
por associação, mas também sua obrigatória participação como “fiscal da lei”.
O universo de renovadas atribuições constitucionais e as garantias de independência, aliados à
ampla capilaridade da instituição no território nacional, asseguraram ao MP o papel de principal
722
propulsor do ativismo judicial nas primeiras décadas pós-1988, viabilizado pelo manejo de
instrumentos típicos de tutela coletiva, especialmente a ação civil pública (ACP), inquérito civil, termo
de ajustamento de conduta (TAC) e recomendação. (ARANTES, 2002).
Nesta trajetória, o MP acumulou significativo capital político, consolidando-se como a terceira
instituição mais confiável aos olhos dos brasileiros, segundo dados do Índice de Confiança na Justiça da
Fundação Getúlio Vargas no último trimestre de 2012. Recentemente, contudo, afirma-se que a
instituição se distanciou da defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos,
privilegiando o combate à corrupção como pauta principal (AVRITZER; MARONA, 2017).
Na última década, assiste-se à emergência de outro importante ator institucional, a Defensoria
Pública, originalmente concebida para prestar orientação jurídica e defesa aos necessitados, mas
reconfigurada nos planos constitucional e legal. Se as ECs 45/2004 e 74/2013 asseguraram às
Defensorias Estaduais e Federal autonomia funcional e administrativa e, aos seus membros, a garantia
da inamovibilidade, a EC 80/2014 promoveu uma ampliação de funções, deslocando-a para a
promoção dos direitos humanos e defesa dos direitos individuais e coletivos aos necessitados (art.
134, CRFB), o que poderia ensejar superposições de atribuições com outras instituições do sistema de
justiça.
Não por acaso, a legitimidade ativa da Defensoria Pública para as ACP´s (Lei 11.448/2007) já
tinha sua constitucionalidade questionada no STF pela Associação Nacional dos Membros do
Ministério Público, na ADI 3943, por “afetar diretamente” as atribuições ministeriais (sic), além de se
afastar da defesa dos hipossuficientes. A ADI foi julgada improcedente em 2015 estabelecendo-se
como critério para atuação a observância das funções estabelecidas no citado art. 134.
Diante deste quadro normativo, como Defensoria Pública, em sua renovada configuração, e
Ministério Público comportam-se na tutela coletiva, a partir de suas atribuições respectivas? Para
responder a esta pergunta, propõe-se uma pesquisa bibliográfica e documental (legislação, processos
administrativos e decisões judiciais), a partir do “novo institucionalismo” (CLA TON; GILLMAN, 1999),
na perspectiva de que as instituições constroem uma “racionalidade limitada” para seus atores e
desempenham papel constitutivo (identidades, preferências e interesses), forjado no contato com
outras instituições. Para tal fim, serão explorados três elementos: (a) normatização da atuação do
Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União nas ACPs; (b) análise qualitativa (argumentos
e fundamentação) das ações que questionam a atuação da DPU nas ACPs perante o STF; (c) estratégias
formuladas em ambas as instituições para a propositura de ACPs.
REFERÊNCIAS
AVRITZER, Leonardo; MARONA, Marjorie. A Tensão entre Soberania e Instituições de Controle na
Democracia Brasileira. Dados, v. 60, n. 2, p. 359-393, 2017.
ARANTES, Rogério Bastos. Ministério público e política no Brasil. São Paulo: Educ/Sumaré, 2002.
CLAYTON, Cornell W.; GILLMAN, Howard (ed.). Supreme Court decision-making: new institucionalist
approaches. Chicago: University of Chicago Press, 1999.
723
CARTOGRAFIA DA CRIAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO
NOS TRIBUNAIS ESTADUAIS DO NORDESTE DO BRASIL
Este trabalho parte de uma constatação feita pelo saudoso professor argentino Luís
Alberto Warat ao final de seu clássico livro “A ciência jurídica e seus dois maridos”: ela (ciência
724
jurídica) deve carregar consigo tanto o enfoque teórico dogmático, quanto o enfoque teórico
zetético. Explicando-a concisamente, veja-se que a obra em questão, pioneira nas relações entre a
literatura e o direito, embasa-se em outra, notadamente a “Dona Flor e seus dois maridos”, de
Jorge Amado, esta qual que narra a estória da vida de Flor com seus dois maridos: Vadinho e Dr.
Teodoro; cada qual marido conta com uma característica específica e demasiadamente polarizada,
afinal, enquanto Vadinho desperta os mais profundos desejos (sexuais) de Flor, Dr. Teodoro lhe
permite calma e estabilidade. O ponto colacionado por Warat está quando da morte de Vadinho,
depois de um intenso carnaval na cidade de Salvador, vez que Flor conhece e casa-se com Dr.
Teodoro, entretanto, começa a ter imaginações com as loucuras vividas juntamente à Vadinho. No
fim das contas, de mesma forma como Flor aceita essa dupla-relação platônica com Vadinho (em
pensamento) e Dr. Teodoro, a ciência jurídica também deve aceitar o seu enfoque a partir da
zetética (Vadinho) – lhe permitindo progresso teórico por meio de questionamentos – e da
dogmática (Dr. Teodoro) – por sua vez, permitindo a segurança do sistema jurídico por meio da
efetividade de sua concretização. A distinção entre a dogmática e a zetética podem ser observadas
em uma passagem histórica sobre Sócrates: enquanto vagava por uma rua, a certa altura do dia,
de Atenas, Sócrates é surpreendido pela passagem de um homem que estava correndo de um
grupo de guardas; ecoa-se, naquele momento, a frase “peguem o ladrão”, a qual é prontamente
afrontada por Sócrates ao questionar ao chefe dos guardas a definição de “ladrão”. Aqui está o
problema deste trabalho. Veja-se que em sua essência, o processo, juntamente com o direito
constitucional, o direito comercial, o direito civil, dentre outros, objetiva responder questões, e
não possibilitar o surgimento de tantas outras. O objetivo que ora propõe-se é, se mesmo diante
dessa observação da função do processo dentro do ordenamento jurídico, poderia ele (processo),
que seja minimamente, ser zetético. A partir de uma perspectiva metodológica dedutiva,
consultando-se obras relacionadas à teoria do direito e ao direito processual, tem-se como
conclusão preliminar que ele, enquanto na função institucional por ele esperada, é impossível de
ser pensado zeteticamente (analiticamente e/ou empiricamente), afinal, quer-se que ele resolva
os conflitos sociais de um Estado e não ocasione outros tantos a partir de infinitos
questionamento. O seu campo de atuação institucional deve ser pragmaticamente finito e
certeiro, o que não obsta a sua análise crítica, posto que, considerando-o um produto da cultura
humana, deve ele estar rente à uma determinada configuração social de um grupo humano.
Neste paper pretendo trabalhar as maneiras como se dá o fazer judicial, pensado por meio
da observação dos rituais judiciários do Tribunal do Júri. A partir de trabalho de campo produzido
para a escrita de minha tese de doutorado, busco apresentar como se dá a produção das decisões,
em contexto e durante a interação dos agentes. Nessa perspectiva, o fazer judicial pode ser pensado
como um processo, de modo que, por meio da observação das relações estabelecidas entre os
agentes – e entre eles e as partes – é possível apreender o direito em ação (Geraldo, 2013, p. 637).
Busco, então, apresentar os rituais judiciários como formas de produção de verdades, sobretudo no
que concerne aos “acordos” que são os meios pelos quais a maior parte dos casos é resolvida. Em
contraste com as “brigas” procuro discutir, por meio do contraste entre os casos ordinários tratados
725
em audiências e sessões plenárias de julgamento, quais as moralidades envolvidas em contexto e,
sobretudo, como esse processo parte de uma conexão entre os agentes do estado: defensores
públicos, promotores de justiça e magistrados. Com isso, pretendo explicitar as relações entre esses
agentes do estado, a partir da ideia de que isso os afasta das demais profissões jurídicas, como
formas de exercício de poder. O método utilizado para a produção do trabalho é o etnografia,
próprio dos trabalhos produzidos no campo da antropologia. Uma das principais conclusões é que a
proximidade dos agentes com a máquina estatal faz com que eles exercitem o poder na produção
de uma verdade negociada, embora não permitida por lei.
PROBLEMA
Como identificar e quais são os influxos negativos da violência de gênero em todas as suas
formas nos procedimentos de mediação familiar nos CEJUSCs de Ribeirão Preto - SP?
726
Existem soluções viáveis, capazes de fazer o procedimento menos desigual a fim de
consolidar o acesso equânime à justiça entre homens e mulheres nesses casos?
OBJETIVOS GERAIS
Identificar e definir quais são os influxos negativos da violência de gênero nos
procedimentos de mediação familiar nos CEJUSCs de Ribeirão Preto - SP e buscar soluções
viáveis capazes de tornar o procedimento de mediação menos desigual.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Buscar-se-á concretizar os objetivos inicialmente delimitando o espaço a ser estudado:
audiências de Direito de família nos casos de divórcio e dissolução de união estável (sem
relatos formais de violência doméstica) com discussão de guarda e regime de visita de filhos
menores, bem como com partilha de bens nos CEJUSCs de Ribeirão Preto - SP, em que ao
menos uma das partes seja acompanhada pela Defensoria Pública Estadual.
Acredita-se que nesse espaço seja possível detectar os elementos de violência de
gênero "invisíveis" que marcam as relações entre casais e tornam as mulheres mais
vulneráveis no procedimento, também será feito recorte de raça e classe social dos sujeitos
envolvidos, traçando todos os possíveis elementos que conduzam à celebração de acordos
desiguais.
Ainda, destaca-se que o trabalho será dividido em duas partes uma de cunho teórico,
com especial enfoque na crítica feminista, principalmente conquanto aos métodos
autocompositivos de solução de conflitos, e a outra de cunho empírico que se debruçará sobre
a observação do espaço de estudo narrado.
MÉTODO DE ANÁLISE
O trabalho será estruturado com base nos ditames investigativos de TRIVIÑOS (1987),
por bases gnosiológicas mais aptas a compreensão dos fenômenos sociais.
Partir-se-á da contemplação inicial do fenômeno e de suas características para o
levantamento de hipóteses, posteriormente, adentrando na dimensão abstrata da situação,
suas relações sócio-históricas, juízos e raciocínios. Para isso, serão utilizados os métodos
bibliográfico, com destaque às obras de Laura Nader e Trina Grillo, e empírico qualitativo, por
meio dos métodos etnográfico de observação participante e aplicação de entrevistas semi
estruturadas, com levantamento de dados a serem analisados pelos recortes fenomenológico,
de crítica de gênero feminista e perspectivas interseccionais.
CONCLUSÕES
A pesquisa encontra-se em fase inicial, com foco na revisão bibliográfica e pesquisa
exploratória. No mês de julho iniciam-se oficialmente os trabalhos de campo, de todo modo,
até o presente momento, levanta-se a hipótese de que de fato as "violências invisíveis", as
estruturas machistas e patriarcais se reproduzem também nos espaços de mediação familiar,
razão pela qual esse procedimento vem prejudicando a parte mais fraca dentro dessa relação,
historicamente, as mulheres e impedindo seu real acesso à justiça.
727
DESENVOLVIMENTO SOCIAL POR EFETIVAÇÃO DE PRÁTICAS DEMOCRÁTICAS NO
CAMPO JUDICIÁRIO: A EXPERIÊNCIA DA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS NO BRASIL
APÓS A CODIFICAÇÃO PROCESSUAL CIVIL DE 2015
INTRODUÇÃO
A adoção dos mecanismos adequados de solução de conflitos no Brasil tomou maior vulto
com a inserção da conciliação e da mediação, em especial desta última, no campo judiciário,
absorvido como requisito objetivo da lide processual. O legislador tornou a mediação uma fase
antecedente à instalação da relação processual, convocando os interessados a promover, em
sessão coordenada por um mediador aquilo que está contido no princípio da autonomia de
vontade das partes.
Espelhado nas hipóteses já aplicadas em países de outros continentes e decorrentes do
Projeto Ford, conduzido por Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p 81), a prática de meios
compositivos, onde as partes pudessem atingir uma solução para o conflito apresentado para a
resolução estatal, foi instituída como uma das formas de acesso, mas também como solução à
celeuma da morosidade da prestação jurisdicional.
Este exercício requer, como ponto de partida, que seja feita a reflexão acerca do papel do
indivíduo na sociedade e que esta atuação, agora vista como um agir, está diretamente conectada
com a participação democrática, porém, não guarda pertinência temática com o desenvolvimento
das etapas processuais, dentro da estrutura maior que é o Poder Judiciário. Isto pode ser apontado
pelo fato de que o indivíduo passa a ter consciência de que, além de ser parte integrante do sistema
democrático do país, é também responsabilizado pelo resultado atingido pelo processo.
A codificação de 2015 veio absorver as diretrizes contidas na Resolução n. 125, de 29 de
novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, passando a compor o quadro estrutural do
Poder Judiciário os Núcleos Permanentes de Conciliação, com a diretriz de reduzir o volume de
processos em tramitação para que o resultado prático pretendido fosse tempestivo, adequado e
eficaz. É necessário ponderar o papel da mediação no contesto da efetividade da prestação
jurisdicional como meio eficaz e não célere, como é almejado pela comunidade. Cabe considerar
que, no período de vacância da codificação processual civil, não houve a cautela de provisionar
insumos materiais, estruturais e de recursos humanos para a absorção destes atores sociais que
são necessários à maquina judiciária.
Noutro ponto, considerá-lo como um método efetivo, demanda reconhecer o preparo dos
envolvidos à prática dialogal necessário ao desenvolvimento das sessões de mediação e,
consequentemente, a solução do conflito. É imperioso fazer um recorte na pesquisa com a
finalidade de indicar que se tratam de conflitos com alta complexidade que são direcionados à
mediação, em especial aquelas relações sociais contínuas, como familiares ou de consumo que se
perpetuam no tempo e no espaço (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 71). Afirmar que em uma única
sessão de mediação haverá o fim do dissídio é bastante superficial, uma vez que a sessão de
mediação restringe a parcos encontros.
Desta forma, a necessidade de efetivação de técnicas dialogais é uma hipótese de
manifestação da democracia participativa no sentido de ampliar o indivíduo para o acesso às
728
garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito, pois não há como consolidar uma
sociedade justa com a castração da fala de quem não está em paridade de armas num conflito sócio-
jurídico. O desenvolvimento deste canal de comunicação proporciona a quem se entra num abismo
de desigualdade a oportunidade de não ser condicionado a algo do qual não tenha o conhecimento,
ou seja, não está o indivíduo se comportando de forma mecânica, como acontece nas audiências de
conciliação e, neste agir, o sujeito encontra a possibilidade de ser ouvido por um auxiliar da justiça.
Com este trinômio – diálogo, participação e entendimento - não só haverá o
desenvolvimento da sociedade, face aos estímulos recebidos, como também pela satisfatividade
do resultado obtido. Este desdobramento atende qualitativamente a perspectiva de efetividade,
todavia não é um processo ágil. Muito menos procedimental. No entanto, é um veículo a atingir a
tutela pretendida, sob a forma jurisdicional, considerando que o resultado advindo das sessões
será convertido num título executivo judicial, por ser uma sentença homologada pelo juízo.
A pesquisa observará ainda os resultados advindos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
de Janeiro, com a finalidade de constatar o acervo de demandas distribuídas, em especial no
Núcleo Permanente de Conciliação, e aqueles submetidos às sessões de mediação como
verificação dos resultados.
DESENVOLVIMENTO
Fixar como ponto de partida a obtenção de uma prestação jurisdicional célere como
método de assegurar a adequação, tempestividade e utilidade do resultado do processo, visando
à satisfação dos litigantes é uma noção equivocada do que se almeja com a demanda e também
com o método escolhido. A leitura de realização da atividade jurisdicional deve ser permeada da
noção de quão consciente se encontra a população que utiliza da mediação como método de
solução adequado de conflitos e o seu grau de exigência em relação ao desempenho do judiciário.
Isto serve como diretriz para verificar a profundidade da crise de confiança no Poder Judiciário,
sendo um aspecto a ser avaliado pelos pesquisadores do assunto, já que esta postura dá origem à
crise de legitimidade do poder jurisdicional (GRECO, 2015, p. 2).
Como avaliar a profundidade desta crise para compor a inserção da mediação neste
contexto como instrumento colaborador da concretização de valores e direitos é o ponto de
equilíbrio a ser encontrado, uma vez que o acesso à justiça é uma das garantias fundamentais dos
cidadãos no Estado Democrático de Direito (GRECO, 2015, p. 9) e este alcance traduz em idênticas
oportunidades a todos os indivíduos sem qualquer barreira de ordem econômica, financeira ou
cultural. A observação da eficácia dos dois sistemas normativos que confluem no campo judiciário,
o primeiro com relação ao desenvolvimento processual e o segundo, intrinsecamente vinculado ao
regimento interno, ambos, contribuem para as portas de entrada e de saída das demandas
apresentadas, viabilizando ao final, o funcionamento sistêmico do judiciário (BASTOS, 2001, p. 55).
Desta forma, é possível conceber que as mudanças sociais que implicam em alterações legislativas
irão contribuir mais ou menos para o problema da eficácia do Poder Judiciário e,
consequentemente, de suas decisões.
Neste raciocínio, é provável que a contribuição para a formação na educação básica dos
cidadãos possa fomentar a cidadania e o reconhecimento da própria dignidade humana e, do acesso
aos seus direito (GRECO, 2015, p. 10). Uma contribuição valorosa nos apresenta Bastos (2001, p. 6),
o conceito de eficácia incorpora processos históricos e também, consenso social, ou seja, a fixação
pelo ordenamento jurídico de padrões valorativos para fatos sociais conflituosos poderá acarretar
um grau maior de antagonismo que minora o consenso. Daí, a eficácia da prestação jurisdicional é
maior do que o ajuste por autonomia de vontade das partes e deve ser dissociada de qualquer
medida temporal. A conexão a ser feita é com a ideia de qualidade do resultado.
729
Por outro ponto de observação, o desafio é cumprir a garantia constitucional de razoável
duração do processo, pois quanto maior a oposição de interesses, maior será a resistência ao
resultado final. Esta postura é amplamente criticada por Leonardo Greco (2015, p. 14) que, numa
análise do acesso ao direito, dá destaque a inadimplência estatal que viciou o campo judiciário.
Explica-se, quanto mais o cidadão estiver consciente de seus direitos de cidadania, educação,
trabalho, saúde, enfim, direitos sociais, a posição de inércia estatal ou deficiência na entrega
destas parcelas contribui na inversão de papéis do poder executivo com o Poder Judiciário,
aumentando o número de demandas onde o Estado é o maior litigante. Boaventura de Souza
Santos (2015, p. 24) também sinaliza que esta substituição do sistema da administração pública
que é primordialmente competente a efetivação das prestações sociais, pela atividade
jurisdicional fomenta o que, hoje, é apontado como judicialização da política. Deve-se atentar para
a condição do cidadão em tomar ciência desta condição, neste prisma, a mediação pode ser o
método de inclusão social objetivando promover a paz social, por ter caráter preventivo e de
tratamento dos conflitos, uma vez que são permeados de sociação, transformação e evolução
social (MORAIS; SPENGLER, 2012, p. 137).
Neste sentido, encontra-se no posicionamento de Cesar Felipe Cury (2015, p. 47) o alerta
feito para o problema do excesso de judicialização, este fenômeno requer uma nova organização
jurídica, com suficiência ao tratamento das questões decorrentes, uma vez que a capacidade de
gerir esta explosão põe em questionamento as rotinas empregadas pela estrutura do Poder
Judiciário denotando a sua fragilidade para lidar com o volume de conflitos. Uma crítica pertinente
formulada por Cury (2015, p. 49) aponta que, muito embora haja a disposição do jurisdicionado
uma diversidade de alternativas a acomodação de conflitos, não há o deslocamento deste fluxo de
demandas repetitivas e massificadas dos tribunais para instituições e organismos privados, uma
vez que a própria legislação comporta esta opção. Diante deste posicionamento, não se pode
deixar de coadunar com a proposta, pois a metodologia implica na efetiva entrega da solução do
conflito para o jurisdicionado, ainda que não tenha atravessado o campo judiciário, sob a forma de
um processo judicial, mas que resolve o atrito sem comprometer a excelência no resultado.
Numa avaliação estrutural do campo judiciário, o volume de processos é tido com o
principal agente comprometedor da eficácia, condição que deve aqui ser lida como celeridade na
tramitação dos processos. A crítica apontada por Santos (2015, p. 42) é no sentido de que a
morosidade prolonga a ansiedade e a incerteza na partes, abalando a confiança mos tribunais,
como meio de resolução de seus conflitos, justamente por avaliar que a justiça se realiza ma
rapidez da decisão dos casos, não obstante a necessária visão de que, e, alguns caos, uma justiça
rápida pode ser uma má justiça (SANTOS, 2015, p. 45).
Se, num passado próximo, as reformas legislativas de natureza processual ocuparam a pauta
do Legislativo para aumentar o desempenho do sistema de justiça, não se verificou, na outra face,
que a morosidade estava vinculada à sobrecarga de trabalho, ao excesso de burocracia, positivismo
e legalismo (SANTOS, 2015, p. 44). Para corroborar esta posição, Bastos (2001, p. 121) destaca que o
Poder Judiciário pode não absorver tal sobrecarga de demandas, de forma que não confere a
resposta e este congestionamento de processos pode não possuir mecanismos necessários para
decidir tais lides nem consiga absorvê-las, causando mudanças desintegradoras.
MATERIAL E MÉTODOS
Trata-se de pesquisa qualitativa, desenvolvida com o auxílio de revisão bibliográfica da
temática proposta, bem como a análise dos relatórios produzidos pelo Tribunal de Justiça do
Estado do Rio de Janeiro.
O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro criou no ano de 2011, através da Resolução
TJ/OE n. 20 de 18 de julho de 2011, o Centro Permanente de Conciliação. Em face do quantitativo de
730
casos submetidos ao Projeto Conciliação Pré Processual ainda seja tímida expressão, corresponde ao
reforço do trabalho do campo judiciário para atingir a sustentabilidade, com a redução de gastos
com insumos, recursos naturais e servidores públicos, como também fomentar a resolução do
conflito sem incluir estes procedimentos na lista dos trinta mais litigantes.
A metodologia de acesso ao projeto se dá pela remessa por correio eletrônico do pedido
para tentar resolver o conflito, antecedendo a distribuição de processo, com a criação de um
endereço eletrônico para os participantes. Verifica-se que trinta empresas integram, com a
finalidade de desjudicializar os conflitos, a saber: Vivo, Claro, TIM, CEG, Itaú, Light, Oi/Telemar,
Net, Casas Bahia, Ponto Frio, Sky, Ricardo Eletro, B2W, Americanas.com, Shoptime, Sou Barato,
Submarino, Santander, Losango, HSBC, Bradesco, Citibank, Unimed, Brastemp. Universidade
Estácio de Sá, gol. Amil, Samsung, Nextel e Britania.
Os relatórios que foram disponibilizados na página da rede mundial de computadores do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro indicam que as mediações realizadas estão
assumindo as mesmas características das audiências de conciliação. Toma-se à guisa de
exemplificação que o conjunto de sessões realizado em 25 de março de 2013, ocorreu com
cinquenta e três processos do Banco Panamericano e que foram submetidos ao ato sem qualquer
preparo prévio. No dia seguinte, outros trinta e cinco processos foram levados às sessões. Os
relatórios das sessões não apresentam resultados conclusivos acerca da continuidade dos
encontros e da situação resultante nos processos, nem mesmo se a tentativa de mediação trouxe
algum resultado, seja positivo, seja negativo.
Este órgão recebeu um volume de 2890 pedidos de submissão a meio alternativo de
solução de conflito, no ano de 2013. Não obstante o fato de que as estatísticas do ano de 2011,
que foram divulgadas no ano de 2013, um volume de mais de meio milhão de processos
distribuídos, com o julgamento de mais de 600 mil, não houve até os dias de hoje a atualização
pelo Tribunal dos relatórios para os anos seguintes, não sendo contributivo para a análise da sua
eficiência. Os resultados obtidos no ano de 2013 foram de 70% do acervo em acordos. A decisão
proferida é um titulo executivo extrajudicial, que viabiliza, em caso de descumprimento, a
natureza executiva. Neste mesmo período, o Tribunal de Justiça Fluminense teve a distribuição de
quase 900 mil processos, com acervo de 500 mil pendentes.
No ano de 2014, em 24 de setembro, a agenda concentrada da Light trouxe noventa e oito
processos, onde a concessionária de serviço público de energia elétrica e de iluminação é parte,
sem que houvesse a divulgação da sessão de mediação.
Numa observação deduzida por Meireles e Marques (2016, p. 120) há uma maior
preocupação com as técnicas e rituais que devem ser desenvolvidos e, por esta linha de raciocínio,
engessa e burocratiza a mediação, que não deve ser dogmatizada, mas sim por se tratar de um
procedimento que não há resposta pronta ou que culmine num resultado planejado, os reflexos são
percebidos nos resultados nas sessões de mediação que são realizadas pelo Núcleo Permanente de
Mediação de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Considerando que todos
os processos convocados foram submetidos às técnicas apresentadas pelo Tribunal de Justiça, é
plausível asseverar que o tratamento atribuído foi muito próximo ao dispensado nos mutirões de
conciliação, posto que o lapso temporal não é suficiente para o desenvolvimento de um canal de
diálogo ou de conversação cognitiva inerentes ao real sentido da mediação.
CONCLUSÃO
O Estado, que assume a postura de regrar a vida em sociedade num parâmetro global, vai
requerer cada vez mais mecanismos de controle e de condução do indivíduo. Refletindo acerca de
uma sociedade onde a zona de colisão de interesses que parece estar muito mais próxima dos
731
ruídos de comunicação entre indivíduos, empresas e Estado, o que leva à conclusão de que
assumir uma postura beligerante é cômodo, é menos oneroso para o indivíduo do que adotar um
caminho para resolução de conflitos. É através de uma prestação jurisdicional capaz de atender às
necessidades do indivíduo, garantindo o acesso democrático às políticas públicas em estado de
igualdade, que torna possível o acesso ao Poder Judiciário para uma singular parcela do que
realmente significa o acesso à Justiça.
O engessamento do Poder Judiciário com planejamento estruturalmente burocratizado
para gerar a maior parcela de confiabilidade possível por parte do indivíduo para que não recaia o
descrédito na sua atuação, fez com que houvesse um prolongamento excessivo na entrega da
prestação final que, pela pesquisa feita com o Projeto de Florença, pode-se pensar em formas que
atingissem o resultado prático pretendido sem enfrentar a jornada de um processo civil clássico,
dentre os quais os mecanismos alternativos de solução de conflitos.
Desta forma, está a mediação apontada como o caminho que traz a resposta para ambas
as partes interessadas, uma prestação célere e num tempo razoável, de forma satisfatória, sendo
um meio consensual de resolução de conflito. De igual forma, este método deve ser visto como
veículo apto a concretizar a cidadania, uma vez que assegurará aos conflitos o rompimento das
desigualdades sociais e econômicas evidenciadas nas relações jurídicas. Deve ser assegurada
ainda a igualdade de armas para a satisfação dos direitos como um direito fundamental a
cidadania, como pilar do Estado Democrático de Direito. A mediação deve ser estudada como
método que trata os conflitos sociais, sejam os de cunho complexo, sejam aqueles de natureza
continuada, de forma a alcançar um resultado final que recomponha a relação jurídica cujos
interesses estão em antagonismo.
Buscar a diminuição dos obstáculos ao acesso à justiça é um dos fatores que levaram o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro a instalar as técnicas de mediação, pelo Núcleo
Permanente de Mediação de Conflitos, que tem promovido sessões com o objetivo de romper as
desigualdades sociais evidenciadas nos processos que são submetidos, mas que tem demonstrado
falhas pontuais que precisam ser revisitadas para que não se haja o desvio funcional do instituto.
Palavras-chave: Mediação de conflitos desenvolvimento social. Democracia participativa. Cultura
do diálogo. Campo judiciário.
REFERÊNCIAS
BASTOS, Aurelio Wander. Conflitos sociais e limites do Poder Judiciário. 2. ed. revista e
atualizada. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2001.
BRASIL. Lei nº. 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como
meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da
administração pública. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-
2015/Lei/L13140.htm. Acesso em: 17 ago. 2016.
BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Resolução n. 125 de 29 de novembro de 2010. Disponível
em: https://bit.ly/2mIRUBp. Acesso em: 29 jun. 2015.
CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto
Alegre: Fabris, 1988.
CURY, Cesar Felipe. A mediação nos tribunais: as novas ferramentas de solução de conflitos.
Justiça & Cidadania, Rio de Janeiro, ed. 178, p. 46-49, jun. 2015.
GRECO, Leonardo. Instituições de processo civil. Volume I. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
732
MEIRELLES, Delton Ricardo Soares. MARQUES, Giselle Picorelli Yacoub. Mediadores. In: HALE,
Durval; PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; CABRAL, Tricia Navarro Xavier (org.). O marco legal
da mediação no Brasil. Comentários à Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015. São Paulo: Atlas,
2016. p. 91-128.
MORAIS. José Luiz Bolzan de; SPENGLER, Fabiana Marion. Mediação e arbitragem: alternativa à
mediação! 3 ed. Revista e atualizada com o Projeto de Lei do novo CPC brasileiro (PL 166/2010),
Resolução125/2010 CNJ. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.
SANTOS, Boaventura de Souza. Para uma revolução democrática da Justiça. Lisboa: Almedina,
2015.
733
Coordenação:
Igor Suzano Machado (UFES)
Paula Pimenta Velloso (UFJF)
QUEM APONTA O DEDO QUE ACUSA? JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E LÓGICA
AUTORITÁRIA – ENSAIO SOBRE O TEXTO AS 10 MEDIDAS CONTRA A CORRUPÇÃO
Refletir sobre o texto das dez medidas, atualmente, já seria refletir sobre algo que passou,
que perdeu força. O debate sobre o conteúdo do projeto, dessa forma, já estaria desatualizado. O
tema da corrupção, até pelos desdobramentos dos acontecimentos da política institucional
brasileira, ganhou outros contornos, possivelmente mais seletivos em relação às práticas a serem
combatidas. Embora o barulho inicial do projeto tenha passado, e até mesmo a campanha em
torno das medidas tenha perdido força, o clima que circundou a iniciativa já está gestado. Do
ponto de vista simbólico, as “medidas” já criaram algumas condições práticas de exercício
hegemônico. As consequências dessa virada podem fomentar questões muito interessantes.
Assim, a pergunta que guiará nosso trabalho, como um todo, pode ser feita da seguinte
forma: do ponto de vista sociológico, como analisar as dez medidas contra a corrupção a partir de
sua lógica interna? Ou ainda, como consequência: qual seria a natureza mesma dessa lógica
interna? Tais perguntas colocam em movimento dois aspectos centrais à análise. O primeiro, mais
analítico, refere-se ao problema, que não é novo, da judicialização da política no Brasil. O
judiciário “capturaria” questões políticas, antes monopólio da representação política. O segundo,
mais teórico, seria a análise de determinada constelação de valores que funcione como base
política para consolidação de modelos institucionais. No caso, a autoridade da lei pode, mobilizada
pelo texto das dez medidas, consolidar uma lógica autoritária – série de encadeamentos mais ou
menos coerentes que indicariam disposição ao autoritarismo.
Nossa hipótese de trabalho, assim, seria justamente perceber, no projeto das dez medidas,
uma lógica autoritária subjacente. Dessa forma, abordaríamos o texto das dez medidas sem entrar
nos seus meandros técnicos, em suma sem examinar a doutrina jurídica propriamente dita. Com
isso, entenderíamos como o projeto toca em questões fundamentais relacionadas à consolidação
do estado democrático de direito. Nesse sentido, as premissas institucionais e políticas
influenciam-se mutuamente. No caso do texto das dez medidas, possivelmente, essa mudança de
sentido representa mudança política mais direta, calcada nas tensões que orbitam o ordenamento
jurídico-liberal.
735
Com tais questões em mente, o argumento do trabalho pode ser divido em três partes.
Inicialmente, será fundamental refletir sobre a judicialização da política no Brasil e seus
desdobramentos institucionais, ou seja, como esse fenômeno repercute na organização de
algumas demandas das instituições jurídicas. A judicialização da política, por exemplo, teria
relação com a reprodução de lógica autoritária subjacente às instituições? Ou ainda, com os
desdobramentos jurídicos do processo das dez medidas, seria possível pensar tal lógica como
política de valores da própria judicialização? Seguindo o raciocínio, embutido na última pergunta,
já num segundo momento de análise, examinando as questões que envolvem diretamente o texto
das dez medidas, o problema central será justamente lê-las a partir de seu ordenamento
normativo, ou seja, quais seriam os valores que estão fundamentando as mudanças sugeridas.
Nesse ponto, cotejaremos as dez medidas com o ordenamento jurídico liberal que, em tese,
perfaz a base do Estado de Direito no Brasil. Uma política de valores, assim, dentro da ótica do que
genericamente podemos chamar de punitivismo, que mobiliza a “ideologia jurídica” de que o
Direito é um agente total de transformação. Talvez, até, se valha do autoritarismo presente na
sociedade brasileira que, direta e indiretamente, faz parte do senso comum da sociedade
brasileira.
Palavras-chave: Judicialização da política. Estado Democrático de Direito. Direito Liberal.
Sociologia do Direito. Dez medidas contra a corrupção.
Sabe-se que o estudo da história do Direito baseia-se, por vezes, em registros escritos que
denotam o pensamento jurídico de cada época, em dada civilização existente em certo lugar do
mundo. Sem sombra de dúvidas, a escrita corresponde à materialização da melhor forma de
manifestação dos atos jurídicos, uma vez que busca perpetuar, com fidedignidade, as
manifestações jurídicas que acompanharam o homem no processo de construção jurídica. As
origens do Direito situam-se anteriormente a formação das primeiras sociedades e isso como já
dito remota a Pré-História, e a povos que não tinham o domínio da escrita. Mas em função do
surgimento da escrita, existem pessoas que confundem o significado do Direito vinculado a Lei
escrita, partindo de uma definição ampla de Direito: ciência do direito ou ao conjunto de normas
jurídicas vigentes em um país (REIS, ). A arqueologia descobriu, recentemente, que os vestígios
mais remotos da escrita jurídica remontam aos antigos povos babilônios e egípcios, os quais se
utilizaram de hieróglifos (símbolos que traduziam palavras), para exprimirem sua crença, sua
cultura, suas tradições, bem como seu pensamento jurídico. Prova disso é o Código de Hamurabi,
um monólito contendo uma compilação de 282 leis da antiga Babilônia (atual Iraque), escritas em
caracteres cuneiformes (talhadas em pedra), baseadas na Lei de Talião (olho por olho, dente por
dente), elaborado na Babilônia, por volta de 1772 a.C. (SANTIAGO, 2008), cujo texto encontra-se
parcialmente preservado e exposto no Museu do Louvre, em Paris. Por sua vez, o povo egípcio
também deixou sua contribuição histórica, contudo, nenhum código ou documento propriamente
legal foi encontrado e o conhecimento sobre o direito da época é baseado em excertos de
736
contratos, decisões judiciais, testamentos e atos administrativos, além de referências à lei em
textos sagrados e na literatura (FACHINI, 2016). Sem diminuir a importância da escrita, é de salutar
importância não se desprezar a existência do Direito, mesmo que de maneira informal, antes
mesmo do surgimento da escrita. É sabido que os povos ágrafos, sejam os homens primatas ou
alguns povos indígenas, também representaram, através de pinturas rupestres, a existência do
direito em seu meio. Ademais, tendo por base que o Direito é uma ciência inerente à convivência
plúrima de indivíduos, inegável sua existência antes mesmo do descobrimento da escrita. Para
esses povos, as regras de convivência eram baseadas na crença nas divindades, nas tradições e no
costume. Tais regras eram propagadas verbalmente, ante a ausência da escrita, e traduzem, em
muitos casos, o reconhecimento de um Direito inerente à existência humana, cuja representação
independe da necessidade de registros escritos, a saber, o Direito Natural.
Como objetivo geral pretende-se analisar a influência da escrita na formação do Direito.
Como objetivos específicos almeja-se: investigar os primeiros povos que adotaram a escrita como
forma de manifestação das suas regras; e verificar quais as contribuições dos povos ágrafos para a
formação do pensamento jurídico. Quanto à metodologia busca-se realizar uma pesquisa
qualitativa, cuja técnica de coleta de dados é bibliográfica. Como principal resultado preliminar da
pesquisa almeja-se apontar a possível indispensabilidade da escrita para o Direito.
REFERÊNCIAS
FACHINI, Tiago. Como era o Direito no Egito Antigo. Jusbrasil. Disponível em: https://tiagofachini.
jusbrasil.com.br/artigos/366939115/como-era-o-direito-no-egito-antigo. Acesso em: 15 jun. 2019.
REIS, Luís Fernando Scherma. O Direito Surgiu Antes da Escrita. Disponível em:
http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=7e44f6169f0ae75b. Acesso em: 14 jun. 2019.
SANTIAGO, Emerson. Código de Hamurabi. InfoEscola. Disponível em:
https://www.infoescola.com/historia/codigo-de-hamurabi/. . Acesso em: 15 jun. 2019.
A presente pesquisa tem por escopo analisar a sociologia nos pareceres de Rui Barbosa de
1882, produzidos quando ele compunha a Comissão de Instrução Pública da Câmara dos
Deputados. À época, o deputado foi encarregado de relatar a aprovação (ou não) do Decreto nº
7.247, de 19 de abril de 1879, que introduziu no Brasil o ensino livre, que se propunha,
principalmente, a efetivar (i) a liberdade de ensinar e aprender, (ii) a liberdade de frequentar as
aulas e (iii) a liberdade de abrir cursos privados. O Decreto, que ficou conhecido como Reforma do
Ensino Livre ou Reforma Leôncio de Carvalho (o Ministro do Império que a efetivou), provocou
várias reações – a maioria negativa – no bojo das discussões sobre o ensino no país. Neste
contexto, Rui Barbosa debruçou-se sobre a questão da educação no Brasil, em nível primário,
secundário e superior.
Em relação ao ensino jurídico, uma das inovações propostas por Rui era a criação de uma
cadeira de Sociologia, que substituiria a cadeira de Direito Natural, presente nas Faculdades de
Direito desde sua criação em 1827. Para os autores que se propõem a historiar a Sociologia
Jurídica enquanto disciplina autônoma, é esta a primeira proposta que previa, em caráter
737
concreto, sua introdução nos currículos. Por suposto, a sociologia pensada e proposta por Rui é
muito diferente daquela que se introduziu nos currículos jurídicos a partir da década de 1960,
tanto em relação ao contexto histórico (final do século XIX), quanto em relação ao objeto
estudado (a sociologia, enquanto disciplina, estava ainda em estado incipiente – a cadeira de
sociologia seria criada por Durkheim apena na virada do século XX).
A proposta de Rui Barbosa (1882, p. 27) tinha por objetivo, em suas palavras, “substituir a
ideologia, isto é, o culto da abstração, da frase e da hipótese, pelos resultados da investigação
experimental, do método científico”). Nesta esteira, vislumbra-se que a proposta do deputado era
combater o Direito Natural ensinado nas Academias – ensino que, fragilizado, seria substituído
com a proclamação da República e a posterior Reforma educacional de 1891 pela cadeira de
Filosofia do Direito.
Nosso objetivo é entender (i) o que Rui Barbosa entendia por “sociologia”, (ii) o motivo
pelo qual ele defendia sua introdução nos cursos jurídicos e, subsidiariamente, (iii) a reação ao
Direito Natural. A metodologia utilizada foi a de seleção e análise bibliográfica, tanto de fontes
primárias, quanto secundárias, sendo que a principal é o parecer sobre ensino secundário e
superior apresentado à Câmara dos Deputados em 1882.
Como conclusão preliminar, podemos observar que a proposta de Rui Barbosa estava em
consonância com seu programa de ensino global para o ensino superior e também dentro do
contexto das “ideias novas” que haviam se difundido pelo Brasil após 1870, com o pensamento de
Augusto Comte, Herbert Spencer e Émile Littré (entre outros). Ainda, a proposta do deputado
baiano dialogava com o cientificismo que então se difundia pelo mundo – em suas palavras, a
ciência era o “mais produtivo emprego das forças do erário nacional, cujos recursos, dependendo-
os neste ramo de serviço, não consumis, antes capitalizais a juros multiplicáveis ao infinito” (1882,
p. 4). A sociologia por ele defendida, entretanto, não possuía nenhum caráter científico e era
antes um ataque ao Direito Natural, tido como abstrato e sem utilidade imediata para os cursos
jurídicos.
Palavras-chave: Rui Barbosa. Sociologia.Direito Natural. Ensino Jurídico.
REFERÊNCIA
BARBOSA, Ruy. Reforma do ensino secundario e superior: parecer e projecto (relativo ao decreto
n. 7247 de 19 de abril de 1879), apresentado em sessão de 13 de abril de 1882. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1882. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/242371.
Acesso em: 04 jun. 2019.
Este artigo explora limites e possibilidades do quadro teórico de Émile Durkheim para
tematizar o contexto brasileiro de considerável aprovação à prática de crimes contra um tipo
social identificado como “bandido”. Essa categoria, construída após um processo de sujeição
criminal, é operacionalizada diante da preocupação coletiva com o controle do crime violento ao
nível das rotinas cotidianas. O resultado é um sentido de legitimidade relativa dos crimes
cometidos contra tal tipo social, constituindo um fenômeno estudado nos campos do Direito,
Sociologia e Antropologia. Diante disso, o problema que se coloca é o seguinte: como explicar o
apoio relevante à prática de crimes contra “bandidos”, se tais crimes também violariam crenças e
sentimentos fortemente localizados no que Durkheim chamou de “consciência coletiva”?
Para problematizar essa aparente contradição revisitamos a obra “A Divisão do Trabalho
Social”, em que o sociólogo teoriza sobre Direito, crime, pena, solidariedade mecânica e
consciência coletiva, cotejando essa leitura com a contextualização e crítica elaboradas por
autores como Tiryakian, José Albertino Rodrigues, Sérgio Constantini e Steven Lukes. Destacamos
quatro limitações da teoria de Durkheim ao enfoque do fenômeno proposto: 1) o deslocamento,
para o campo do patológico, da inobservância dos estados fortes e definidos da consciência
coletiva; 2) o pressuposto de que o Direito seria o único fato externo capaz de simbolizar vínculos
de solidariedade social relevantes; 3) a desconsideração da existência de solidariedades grupais; 4)
a caracterização da dicotomia “sagrado X profano” como exaustiva e mutuamente excludente.
Não obstante, observamos que limites em seu quadro teórico não impedem que ele
contribua, após a incorporação de ajustes sugeridos pela literatura especializada, para a
problematização do tema. Ao incorporar a crítica à visão durkheimniana da sociedade como um
“todo único” e a flexibilidade situacional da categoria do “sagrado”, tecemos algumas
considerações acerca da contradição aparente inicial. Levantamos a possibilidade de que o apoio à
prática de crimes contra determinado tipo social possa coexistir – em “dissociação pragmática” -
com a crença de que a vida e a integridade física, de uma forma abstrata, devem ser respeitadas.
Consideramos que essa possibilidade é razoável, inclusive, porque a gravidade de supostos crimes
e a necessidade de ‘punir’ aqueles que os teriam praticado é frequentemente reivindicada como
justificativa para o apoio dos crimes contra “bandidos”.
Em seguida, utilizando a leitura feita por Anne Rawls sobre a epistemologia de Durkheim,
apontamos que a teoria do autor sobre as funções do ritual religioso poderia ser empregada para
pensar sobre a produção de uma solidariedade grupal através do apoio compartilhado aos crimes
contra “bandidos”. Propomos que tal compartilhamento produz uma solidariedade contínua e
significativa, ainda que à revelia do Direito. Compartilhar o apoio a tais crimes como forma de
reparar uma violência a valores contextualmente sagrados seria uma maneira de grupos sociais
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reafirmarem tais valores, criarem sentido de pertencimento e se diferenciarem de outros grupos
sociais. O apoio aos crimes contra “bandidos” estaria, assim, no centro de uma solidariedade
grupal excludente.
Possuindo caráter exploratório, o presente artigo objetiva contribuir para a investigação
dos limites e possibilidades no uso de um autor clássico da Sociologia para a compreensão de um
fenômeno relacionado ao Direito. Admitir a possibilidade de que o Direito não possua o
monopólio de simbolização da solidariedade social relevante pode constituir um passo importante
para compreender um fenômeno que utiliza uma relação dúbia com o ordenamento jurídico
(reivindica violá-lo “para punir” quem supostamente o violou) como justificativa moral.
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políticas, consolidando a luta pela efetivação dos Direitos Humanos, através da organização do
Movimento Social Afro- Religioso na década de 90 até os dias atuais Portanto, a História de Mãe
Inêz deve ser visibilizada (BUTLER,2018) como amazônida, debatendo o preconceito, racismo
institucional, misoginia e violência contra as mulheres. Salientando a importância do patrimônio
cultural imaterial e conhecimento da legislação para salvaguardar as manifestações afro-religiosas
nos diferentes espaços (público e sagrado), dialogando com os movimentos sociais de mulheres,
afro religiosos, Direitos Humanos, setores institucionais e governamentais em uma hodierna
conjuntura de violações de direitos, perseguições de lideranças afro-religiosas, principalmente
mulheres que destacam-se em trajetórias de lutas e resistências de grupos vulnerabilizados na
Amazônia.
Palavras-chave: História do Direito. Antropologia. Mulheres de Terreiros.
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