Joana de Avis o Retrato Da Princ Esa Santa e Os Conflitos Entre Realeza e Fé PDF

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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano XI, n.

33,
Janeiro/Abril de 2019 - ISSN 1983-2850
/ Joana de Avis: o retrato da Princesa Santa e os conflitos entre realeza e fé, p. 99-126 /

Joana de Avis: o retrato da Princesa Santa e os


conflitos entre realeza e fé
Natália Silva Teixeira Rodrigues de Oliveira1
Anna Flávia Arruda Lanna Barreto2

DOI: http://dx.doi.org/10.4025/rbhranpuh.v11i33.44004

Resumo: Este artigo reflete sobre a vida e os conflitos de Joana de Avis, demonstrando a
oposição entre a responsabilidade real e a vocação religiosa da princesa Santa, à luz do
papel da mulher nobre no contexto da Idade Média. Para tanto, utilizou, como fontes
principais, a narrativa hagiográfica Memorial da Infanta Santa Joana Filha Del Rei Dom Afonso
V e o Retrato de Santa Joana Princesa. Por meio do manuseio do primeiro, objetivou-se
estabelecer uma relação de composição entre hagiografia e historiografia, de modo a
compreender alguns elementos da vida da Infanta Joana a partir da interpretação da
narrativa; e, do segundo, para buscar, no retrato de Joana, aspectos que possam enquadrá-
la no contexto histórico em que viveu. As conclusões ressaltam a necessária e produtiva
relação intertextual entre a hagiografia e a história, além da multiplicidade de diálogos que
a história permite estabelecer, a exemplo da literatura e da arte do retrato.
Palavras-chave: Joana de Avis, Princesa Santa, hagiografia, historiografia, arte do retrato

Joan of Avis: the portrait of the Holy Princess and the conflicts between
royalty and faith
Abstract: The present work sought to reflect on the life and conflicts of Joan of Avis,
demonstrating the opposition between the royal responsibility and the religious vocation
of the Holy Princess, in light of the role of the noble woman in the context of the Middle
Ages. In order to do so, he used as main sources two documents, namely: the
hagiographic narrative of the Infanta Santa Joana's Daughter of the King Dom Afonso V
and the Portrait of the Santa Joana The Princess. Through the manipulation of the first, it

1 Doutora em Direito/Universidade Federal de Minas Gerais, Doutoranda em Estudos


Medievais/Universidade Nova de Lisboa, Professora Adjunta e Pesquisadora do Centro
Universitário UNA/Belo Horizonte-MG. Email: [email protected]
2 Doutora em História/Universidade Federal de Minas Gerais, Pós-Doutora em
História/Universidade Federal de Minas Gerais, Professora Adjunta e Pesquisadora do Centro
Universitário UNA/Belo Horizonte-MG. Email: [email protected]

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Janeiro/Abril de 2019 - ISSN 1983-2850
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was aimed to establish a relationship of composition between hagiography and


historiography, in order to understand some elements of the life of the Infanta Joana
from the interpretation of the narrative; And, from the second, to look for, in the artistic
image constructed in the portrait of Joan, aspects that can fit it in the historical context in
which it lived. The conclusions were in the sense of the necessary and productive
intertextual relation between hagiography and history, in addition to the multiplicity of
dialogues that history allows to establish, such as literature and the art of portraiture.
Keywords: Joan of Avis, Princess Santa, hagiography, historiography, portrait art

Joana de Avis: el retrato de la Princesa Santa y los conflictos


entre realeza y fe
Resumen: Este artículo refleja la vida y los conflictos de Juana de Avis, demostrando la
oposición entre la responsabilidad real y la vocación religiosa de la princesa Santa, a la luz
del papel de la mujer noble en el contexto de la Edad Media. Para ello, utilizó, como
fuentes principales, la narrativa hagiográfica Memorial de la Infanta Santa Joana Hija Del
Rei Don Afonso Ve el Retrato de Santa Juana Princesa. Por medio del manejo del
primero, se objetivó establecer una relación de composición entre hagiografía e
historiografía, de modo a comprender algunos elementos de la vida de la Infanta Joana a
partir de la interpretación de la narrativa; y del segundo, para buscar, en el retrato de
Juana, aspectos que puedan enmarcarla en el contexto histórico en que vivió. Las
conclusiones resaltan la necesaria y productiva relación intertextual entre la hagiografía y
la historia, además de la multiplicidad de diálogos que la historia permite establecer, a
ejemplo de la literatura y del arte del retrato.
Palavras clave: Joana de Avis, Princesa Santa, hagiografía, historiografía, arte del retrato

Recebido em 06/08/2018 - Aprovado em 16/11/2018

1 Introdução

Senhor, Pai Santo, fonte de toda a santidade, nós vos


louvamos e agradecemos, porque enriquecestes a vossa
Igreja com a vida da bem-aventurada Joana Princesa, que
testemunhou simplicidade, humildade, devoção à paixão de
Cristo e amor ao próximo (DIOCESE, 2017).

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1.1 Hagiografia, discurso e narrativa: uma breve reflexão


Já na Igreja Antiga, iniciou-se o culto cristão aos santos, mas, foi na Idade Média
que os textos hagiográficos se difundiram e se consolidaram, momento em que foram
produzidos os principais documentos, em razão do fortalecimento do cristianismo e da
admiração a determinados personagens pelo comportamento exemplar e notável com que
se apresentavam à Cristandade.
Conforme Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva, entre os primeiros
pesquisadores da hagiografia destacam-se Jean Bolland e os “bolandistas”3, assim
denominados em razão do nome do seu fundador:

Estes visavam principalmente a crítica das fontes,


verificando o que entendiam por “valor histórico”
desses documentos e preparando edições dos textos
hagiográficos. Os esforços em tornar públicas as
hagiografias consideradas autênticas foram
acompanhadas pela produção de algumas obras de
síntese, manuais, objetivando, sobretudo, reconstruir a
história de tais textos e discutir sua natureza e suas
características. Nesse sentido, foram publicados, dentre
outros títulos, Legends of saints, de Hippolyte Delehaye,
em sua primeira edição em inglês datada de 1907;
L’hagiographie, ses sources, ses méthodes, son historie, da autoria
de René Aigrain, em 1953; Manuale di Agiologia.
Introduduzione alla letteratura agiografica, de Réginald
Grégoire, de 1986 (SILVA, 2008, p. 7).

3 De acordo com Igor S. Teixeira, “os bolandistas foram os grandes responsáveis, a partir do século
XVII, pela compilação de vidas de santo – Acta Sanctorum – e também pela cunhagem do conceito
‘hagiografia’. [...] Os bolandistas – grupo de pesquisadores reunidos por Jean Bolland (1596-1665)
com o objetivo de pesquisar, fazer crítica documental e compilar relatos sobre os santos para cada
dia do ano – publicaram os dois primeiros volumes sobre os santos de janeiro em 1643 e em 1709
chegaram ao décimo nono volume. Segundo René Aigrain, no século XVIII, os bolandistas
conheceram seu apogeu e queda em relação ao prestígio e subvenção de pesquisas. O
reaparecimento do grupo ocorreria no século XIX, especificamente em 1837, quando da fundação
de um novo centro em Bruxelas. O já citado Hippolyte Delehaye ocupou a presidência entre 1912 e
1940, sendo um dos maiores expoentes, para Aigrain, do novo trabalho bolandista” (TEIXEIRA,
2013, p. 198-200).

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Entretanto, a partir de um novo olhar historiográfico, vislumbrou-se a


possibilidade daqueles documentos servirem, não apenas como relatos do
comportamento notável dos santos e com o objetivo de culto, mas, também, como
fontes históricas do período medieval. A relação entre hagiografia e historiografia, então,
passa a ser refletida à luz de inevitáveis questionamentos: a hagiografia pode ser
considerada um gênero literário ou histórico? É discurso ou narrativa? Qual seria a sua
validade documental, especialmente no que concerne à história medieval?
Entre os estudos clássicos, a exemplo de autores como Hippolyte Delehaye e
Michel de Certeau, aquela relação foi construída no campo da oposição entre
historiografia e hagiografia. Tais autores, em especial Delehaye, eram bolandistas, o que
explica, numa certa medida, a defesa por esta oposição.
Esclarece Cristina Sobral que, para os bolandistas, a maioria dos estudos era
“constituída por textos cujo discurso tinha sido objeto de uma formalização (panegírica,
épica, romanesca), que dificultava a sua historicidade” (SOBRAL, 2005, p. 97), havendo
uma preferência pelo dito simbólico (LUCAS, 1990/1991), maravilhoso, mitológico, ou
seja, narrativas estereotipadas, que acabavam por fragilizar a sua validade enquanto
discurso historiográfico. Conforme Igor S. Teixeira, para Michel de Certau, a hagiografia
se distingue da historiografia, tendo em vista alguns aspectos:

A historiografia, por estar situada na tensão entre a


realidade implicada pela operação científica e a realidade
enquanto experiência do vivido, é produto dos
procedimentos adotados pelo historiador: desde o
inventário dos documentos às interpretações possíveis
das séries documentais montadas. A hagiografia
transmite, por sua vez, um outro regime de verdade: a
verdade do sagrado, a edificação inspirada pelo culto aos
santos. Essas reflexões de Michel de Certeau, na
verdade, estão baseadas num dos estudos mais clássicos
sobre a literatura hagiográfica, a saber, a obra de
Hippolyte Delehaye, Les Légendes Hagiographiques, de
1905. Nas primeiras páginas de sua obra, este estudioso
das vidas de santos estabeleceu alguns critérios para
diferenciar não somente a história da hagiografia, como
também as características inerentes às literaturas que não
necessariamente estão relacionadas com a realidade, a
saber, a fábula, o mito, o conto, a legenda e o romance.

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Para Delehaye, essas narrativas não estão sujeitas às


severas leis da história e suas especificidades permitem
identificar melhor as características da hagiografia
(TEIXEIRA, 2013, p. 194)4.

Porém, como bem esclarece Cristina Sobral, “a tentativa de acantonar a


hagiografia num lugar exclusivo não produziu instrumentos úteis para a compreensão dos
textos medievais” (SOBRAL, 2005, p. 97), o que provoca uma reflexão sobre textos ditos
híbridos, ou seja, que apresentam tanto características literárias, como também
historiográficas, viabilizando a sua utilização também como fontes dos estudos medievais.
Identifica a autora tanto o “corpus historiográfico” quanto “traços definidores da
hagiografia”, exatamente pelo compartilhar da historiografia com “o caráter edificante e
pedagógico e a intertextualidade bíblica e litúrgica, típicos da hagiografia” (SOBRAL,
2005, p. 98)5.
Cristina Sobral conclui, enfim, que o discurso hagiográfico transforma o
maravilhoso subjetivo em maravilhoso objetivo 6, formulando uma regra: “quanto menor
é a distância entre o tempo narrado e o tempo hagiográfico, menor é a presença do
maravilhoso e mais subjetivo ele se apresenta; quanto maior a distância maior a presença
e a objetividade do maravilhoso” (SOBRAL, 2005, p. 102).
Com isso, a hagiografia pode ser considerada como um início, um start para as
investigações históricas, que ultrapassam os aspectos meramente religiosos e simbólicos

4Sobre Hippolyte Delehaye, Igor S. Teixeira faz um importante esclarecimento: “Sobre o tempo de

composição da obra de Delehaye, as formas de se entender as relações entre mito e história estão
permeadas também pelas ideias da história como ciência e do mito enquanto forma de expressão e
entendimento primitivo – não sistemático – do mundo. A história como ciência, no século XIX,
também chamada de positivista, tinha um compromisso com a crítica documental, a objetividade da
verdade, bem como com a ênfase nas documentações o ciais e na entronização dos grandes fatos e
personagens do passado” (TEIXEIRA, 2013, p. 198).
5 Em outro artigo, entretanto, a autora destaca que ainda faltam uma atenção mais específica às

recensões exaustivas do corpus, bem como as edições críticas, pois, estas são instrumentos essenciais
ao hagiólogo, permitindo que sejam feitas “a contextualização funcional dos textos, perspectivados
sociologicamente, culturalmente ou literariamente”, numa função interdisciplinar, ou seja, global.
Mesmo porque, essa capacidade de dialogar com a realidade, oferecendo “modelos de
comportamento” e registrando novas interpretações desses modelos, viabiliza uma evolução social
e cultural (SOBRAL, 2007, p. 2).
6Sobre o maravilhoso cristão, discorre Jacques Le Goff: “O sobrenatural, o miraculoso, que

constituem o que é o princípio do cristianismo, parecem-me diferentes, por natureza e função, do


‘maravilhoso’, embora tenham marcado com seu selo o maravilhoso cristão. O maravilhoso da
época cristã parece-me pois substancialmente encerrado dentro dessas heranças anteriores, de que

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da vida dos santos. Por este motivo, ela deve ser compreendida como fonte dos estudos
medievais, pois, para além das narrativas literárias sobre os comportamentos exemplares,
modelos de vida santificada, é possível identificar diversos outros campos, como “o
gênero, os intercâmbios culturais, a leitura, a organização social, a morte, a sexualidade, o
corpo, as rotas de peregrinação e de comércio, as expressões artísticas, em especial no
tocante à pintura, à arquitetura e à escultura, etc.” (SILVA, 2008, p. 7) 7.
Estabelecer, assim, uma relação consistente entre a narrativa literária da vida dos
santos e o discurso histórico, bem como se libertar das concepções clássicas, que
advogavam a tese da oposição entre as duas construções, só fazem crescer as
possibilidades de pesquisas medievais a partir do manuseio de tais documentos como
fontes historiográficas.

2 A vida e os conflitos de Joana de Avis: servir à realeza ou à vocação religiosa?


Alguns personagens da história medieval portuguesa tanto se destacaram pela
vida e obra cristãs que foram, mais tarde, beatificados ou até mesmo santificados, a
exemplo de Joana de Avis e da Rainha Santa Isabel. Retratadas pela hagiografia, seu culto
foi difundido em belas narrativas literárias, que, pela natureza, também se mostraram
bastante úteis para se alcançar determinados elementos do medievo português, sobretudo
no que concerne à valorização do sagrado, à influência das ordens mendicantes, ao papel
da mulher neste contexto, construindo um legado muitas vezes imprescindível para a
compreensão daqueles espaços e tempos.
Dentre essas narrativas, destaca-se a obra sobre a Princesa Santa Joana, Códice
quinhentista “Crónica da Fundação do Mosteiro de Jesus, de Aveiro, e Memorial da
Infanta Santa Joana Filha Del Rei Dom Afonso V" 8.

encontramos alguns elementos ‘maravilhosos’ nas crenças, nos textos, na hagiografia. Na literatura
encontram-se quase sempre um maravilhoso cujas raízes são pré-cristãs” (LE GOFF, 2010, p. 17).
7 Mesmo porque, conforme a mesma autora, “assim, como consideramos o gênero uma construção

cultural, também definimos santidade como o conjunto de comportamentos, atitudes e qualidades


que, num determinado lugar e tempo, são critérios eleitos por um grupo para considerar um
indivíduo como venerável” (SILVA, 2008, p. 46).
8De acordo com os Manuscritos do Museu de Aveiro, a Crônica de Fundação do Mosteiro de Jesus

de Aveiro destaca-se por ser “Em este Liůhe scrito e/ se contem ho nacimē/ to pricipio e fundamēto des/te
moesteyro e Casa de Jhū/Nosso Sōr desta villa de aveyro./ qpessoas ho fundarō noshe difficios e Casa. [1467-
1529], 1717-1748, 1773” e constitui-se num “Pergaminho de coloração amarela e papel manual
avergoado de coloração amarela com marca de água. Letra manuscrita gótica a tinta sépia e
vermelha 30,5 x 21,5 cm. Convento de Jesus de Aveiro PT/MA/COD 9. Códice composto por
duas partes. A primeira, em pergaminho, contém a Crónica da Fundação do Mosteiro de Jesus de
Aveiro, o Memorial da Infanta Santa Joana, o Memorial das Religiosas que professaram e faleceram
no Mosteiro de Jesus e o Memorial das servidoras que entraram e faleceram no Mosteiro de Jesus.

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Figura 1 - Crônica da Fundação do Mosteiro de Jesus, de Aveiro, e Memorial da Infanta Santa


Joana Filha Del Rei Dom Afonso V.
Fonte: https://www.drcc.gov.pt/Manuscritos_Museu_de_Aveiro.pdf .

Joana de Portugal, Joana de Avis ou a Infanta Santa Joana era filha do rei Dom
Afonso V e da sua primeira esposa, a Rainha Dona Isabel. Nasceu em Lisboa, a 06 de
fevereiro de 1452, e faleceu em Aveiro em 12 de maio de 1490, local onde foi considerada
sagrada por sua devoção à Ordem dos Dominicanos, fervorosa adepta dos hábitos
cristãos mendicantes, embora não tenha conseguido firmar formalmente os votos
religiosos.
Tanto Joana quanto o irmão João, mais tarde o rei Dom João II, receberam os
nomes pela devoção de sua mãe a São João. Tendo ficado órfãos da mãe muito cedo, ela
logo aos três anos e ele com cerca de um ano, os príncipes viveram em um reino
povoado de intrigas e conluios. Recaíram suspeitas, inclusive, que todos, sua mãe, seu pai,
o rei Dom Afonso V, seu irmão e ela própria tenham sido envenenados. Tais fatos não
eram incomuns neste período da história, tanto a conturbação dos reinos, discórdias e
ambições dos inimigos, decorrentes das entremeadas relações de poder, como, também,

Esta parte, do antigo Cartório do Convento, tem o texto a duas colunas, com iniciais capitais
vermelhas, algumas com filigrana a sépia ou violeta. Tem ainda iniciais a tinta sépia, realçadas a
amarelo, e quase todos os cadernos apresentam reclamos. Este manuscrito foi em grande parte
escrito na mesma data e atribuído a Margarida Pinheira”. Manuscritos do Museu de Aveiro. Dos sécs.
XV/XVI aos sécs. XIX/XX, p. 64. Disponível em:
https://www.drcc.gov.pt/Manuscritos_Museu_de_Aveiro.pdf . Acesso em: 10 jul. 2017.

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as mortes por envenenamento, dado ser o veneno um meio insidioso, camuflado e, não
poucas vezes, cruel.
Três mulheres representaram um papel singular na vida e formação da Infanta
Joana, após a morte da sua mãe: a tia materna, Infanta Dona Filipa, que fora responsável,
por ordem do rei Dom Afonso V, pelos cuidados da sobrinha; a fidalga Dona Brites de
Meneses, mulher culta, que desempenha o papel de cuidadora dos príncipes até 1458
quando da sua entrada para o Mosteiro de São Marcos e, por fim, Dona Beatriz de
Vilhena. Desde os nove anos, Joana de Avis, membra de uma família culta e dada aos
hábitos da leitura, passa a se interessar pelo latim e pelos estudos da gramática e das
letras9.Tal característica a destaca, tendo em vista que, naquele contexto, nem sempre as
mulheres, mesmo as nobres, tinha acesso ou mesmo interesse pelos hábitos intelectuais.
Também desde muito nova, Joana já apresentava sinais de que era bastante
devota à vida religiosa, caridosa e adepta dos hábitos cristãos mendicantes ligados aos
dominicanos. Assim apresenta a narrativa hagiográfica “Memorial da muito excelente princesa e
muito virtuosa Senhora a senhora Infante dona Joana nossa Senhora”, que tinha, como objetivo
central, destacar a vida virtuosa e cristã da Princesa Santa, digna de imitação e louvor:

E façamos dignos serviços – Justa e Razoada Cousa he


põor em scryto E lenbrãca . ho spicial dom e graça . que
Nosso Senhor Jhesu fez a este moesteyro e Casa sua è
trazer a ella a muy sclarecida E excelente Senhora E
princesa deste Regno de portugall a Senhora Iffante
dona Johana nossa Senhora dotado a (fol. 48 r a). E
afremosetando a de tanta nobreza de todas virtudes .
graça singular E does do spiritu santo des sua minynyce .
que bem Como strella da manhã Clara e Resplandecete.
na vida e morte . alumiou e honrou este Regno. E todos
que sua muito sancta vida . converssacõ virõ. E seu
virtuoso exemplo quisero seguir. E muito mais esta Casa
E ord˜e de nosso padre sam domingos na qual entrou e

9 Mayra Rúbia Garcia (2003, p. 25) assim dispõe sobre a natureza intelectual da corte de Afonso V:
“A corte transformara-se em um centro de estudo e de formação intelectual e a Casa Real protegeu
as Letras, as Artes e até a Universidade. Sua esmerada educação já vinha de longa tradição nessa
dinastia: D. Duarte (1433 – 1438), seu avô paterno, foi homem culto, possuidor de uma biblioteca
muito rica para o seu tempo. Assim, não apenas seu avô paterno, como também D. Pedro, seu avô
materno, foi um homem letrado.”

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perseverou atee ho seu muito santo ffy . É toda sua muy


perfeyta vida10. (sic)

Mesmo fazendo parte de uma corte intelectual, o que, por si só, já emoldurava a
vida cortesã e repleta de riquezas e farturas, a Infanta não se seduzia e não se interessava
pelos arroubos da realeza, mantendo-se firme na condução da sua vida de fé e devoção
humilde e discreta. Mesmo porque, não raro era o estreito contato entre a Infanta e
religiosos que frequentavam a corte, além daquelas já citadas damas, que foram
responsáveis por sua criação e formação, estarem vinculadas à ordem mendicante
dominicana, conforme explica Mayra Rúbia Garcia:

As soberanas contribuíam constantemente para


solucionar os problemas materiais de conventos e
mosteiros, principalmente os das ordens mendicantes.
Os conventos e mosteiros femininos protegidos e
visitados pelas rainhas incluíam número considerável de
comunidades vivendo sob a Regra de Santo Agostinho
adotada pela Ordem Dominicana. D. Joana, portanto,
teria tido contato, dentro da corte, com os religiosos
dessas ordens mendicantes. Uma das mais importantes
posições para os eclesiásticos na corte era a de
confessor, pela especial proximidade com o monarca,
sendo que este, bem como a rainha e os infantes, tinham
plena liberdade para escolher seus confessores
(GARCIA, 2003, p. 36).

Por este motivo, a vida de Joana de Avis foi permeada de conflitos, que exigiram
da Infanta uma postura muito marcante no que concerne ao exercício de sua fé frente aos
deveres, que lhe impunham a condição de pertencer à realeza portuguesa, como, por
exemplo, o casamento11.

10PINHEIRA, Margarida. Crónica da Fundação do Mosteiro de Jesus de Aveiro e Memorial da Princesa D.


Joana. Margarida Pinheira (atr.) – Séc. XV-XVI (1513). Museu de Aveiro – Secção de Reservados –
Inv.º 33/CD. Escrito em português arcaico.
11Georges Duby explica a função do casamento no contexto da Idade Média: “Em proporção

variável segundo a região, segundo as etnias, as tradições romanas e as tradições bárbaras se


combinam nos materiais de que ele é construído; de qualquer maneira, no entanto, ele tem seu
fundamento na noção de herança. Seu papel é assegurar sem prejuízo a transmissão de um capital
de bens, de glória, de honra, e de garantir à descendência uma condição, uma ‘posição’ pelo menos

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Mas, algumas participações políticas também podem ser atribuídas à princesa, já


que, antes do nascimento do irmão, o rei Dom João II, chegou até mesmo a ser sagrada
como princesa herdeira da Coroa de Portugal. A mais importante delas foi o exercício da
regência em 1471, por ocasião da ausência do seu pai, o rei Dom Afonso V e do irmão
João, em razão de uma missão à África, pelas regiões de Arzila e Tânger. Embora os
afazeres políticos tenham ficado mesmo nas mãos do Dom Fernando I, Duque de
Bragança, a Infanta soube bem representar o pai, comunicando à nobreza portuguesa e
estrangeira a vitória de Dom Afonso V e de João II.
Importante destacar que, durante tal ocasião, a Princesa Joana passou a se vestir
com humildade, sempre de preto e sem qualquer luxo, sendo que, somente quando do
retorno do pai e irmão da missão, livres de quaisquer infortúnios, a Infanta Santa renova
suas vestes luxuosas de princesa. Será, inclusive, na cerimônia de retorno do rei e filho,
que a Infanta, após um belo discurso12, comunica a sua intenção de entrar para um

igual àquela de que se beneficiavam os ancestrais. Todos os responsáveis pelo destino familiar, isto
é, todos os homens que detém algum direito sobre o patrimônio e’, à frente deles, o mais velho, a
quem aconselham e que fala em nome deles, consideram conseqüentemente (sic) como seu direito
principal casar os jovens e casá-los bens. Ou seja, por um lado ceder as moças, negociar da melhor
maneira possível seu poder de procriação e as vantagens que elas podem legar à sua prole; por
outro, ajudar os rapazes a encontrar esposa. A tomá-la alhures, numa outra casa, a introduzi-la
nessa casa onde ela deixará de depender de seu pai, de seus irmãos, de seus tios, para ser submetida
a seu marido, ainda que condenada a ser para sempre uma estrangeira, um pouco suspeita de traição
furtiva nesse leito em que ela penetrou, onde ela vai preencher sua função primordial: dar filhos ao
grupo de homens que a acolhe, que a domina e que a vigia” (DUBY, 2011, p. 15).
12 Sobre as palavras ditas pela Princesa Joana, não poderia faltar a este estudo uma referência à “Loa

da Princesa”, um dos romances que compõem as “Sextilhas”, de Gonçalves Dias. Sobre esta obra,
destaca Maria Aparecida Ribeiro: “Constituídas por quatro romances compostos em redondilha
maior pela ‘mão’ de Frei Antão de Santa Maria de Neiva, dominicano de existência histórica que
Gonçalves Dias recortou da História de São Domingos de Frei Luís de Sousa, as Sextilhas
contemplam um tempo não propriamente medieval, pois que giram em torno de uma figura
pertencente à Idade Média — Gonçalo Hermigues —e de duas já da Idade Moderna — a Princesa
Santa Joana e o rei D. João II. É, no entanto, medieval o espírito que as informa, como era
medieval o espírito de Afonso V, ‘o Africano’, ‘o Último Cruzado’, pai da Princesa freira e do Rei
Sereníssimo. A ‘Loa da Princesa Santa’ baseia-se no texto de Frei Luís de Sousa e narra a história da
Princesa Joana, desde o momento em que pediu ao pai, Afonso V, que a oferecesse a Deus como
reconhecimento pelas vitórias obtidas em África até ao momento de sua entrada para o Mosteiro de
Jesus em Aveiro. O narrador — Frei Antão de Santa Maria de Neiva, pertencente ao século XV e
que esteve de facto relacionado com a entrada de Santa Joana para as dominicanas de Aveiro, mas
ficcionalizado por Gonçalves Dias como vendo o que se passa no século XVI — lamenta o tempo
presente, confrontando-o com o passado. Relembra, assim, episódios da vida da Princesa narrados
por Frei Luís de Sousa no seu mencionado livro: a maneira airosa e rica com que ela se vestiu para
receber o pai, a recusa aos que pretendiam a sua mão, a pintura que de seu rosto fizeram vários
artistas, as noites passadas a rezar no oratório, os cilícios que usava e as penitências que se impunha,

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mosteiro e seguir a vida religiosa, o que lhe é permitido pelo pai, mesmo diante da sua
notória insatisfação para com a decisão da filha.
Na Idade Média, a função da mulher na sociedade era casar-se, obedecendo às
estratégias de poder das linhagens nobres, procriar e ser submissa ao homem da casa,
quer esse seu marido ou filho mais velho. O amor verdadeiro estava ausente nos
casamentos medievais marcados apenas pelo sentimento de obrigação de manutenção das
linhagens, dos seus valores e de seus patrimônios. Aos casados não era permitido entregar-se
ao verdadeiro amor, que “adquire-se pela experiência psicológica, por um cotidiano de
análise interior, por uma certa madureza, enfim, e uma certa plenitude física e moral, que a
donzela ainda não atingira" (LAPA, 1973, p. 13). Nesse contexto, a opção das donzelas pela
vida religiosa era praticamente a única possível caso não se casasse. As cantigas de amor dos
trovadores medievais portugueses expressam a impossibilidade da plenitude amorosa na coita
do amor, que faz sofrer e morrer o infeliz namorado. A maioria dos trovadores era nobre e
pertencia à baixa aristocracia13.
Embora não fosse um fenômeno estranho às mulheres nobres na Idade Média o
despertar de uma vocação religiosa 14, a compreensão do pai não é partilhada pelo irmão,

o lava-pés que ainda em Lisboa, na corte, costumava fazer a doze mendigas na Quinta-Feira Santa,
a liberdade que deu aos escravos mouros que lhe foram trazidos por seu pai. De todas as falas da
Princesa, no entanto, a mais relevante é aquela que evidencia a comunhão de Santa Joana com o
espírito de cruzada e que se conjuga com igual ponto de vista do próprio narrador, traduzido por
ele numa espécie de refrão em que exalta um tempo anterior: Santa Joana — aliás de acordo com a
própria narrativa de Frei Luís de Sousa—invoca a ‘usança antiga’, o exemplo dos reis que,
vencedores na guerra, buscavam ‘as coisas melhores/que de os seus reinos haviam" e ofertavam-
nas a Deus, ‘fazendo sacrifícios mui subidos’.” (RIBEIRO, 1998, p. 902).
13 A cantiga de amor é o primeiro produto romântico da literatura portuguesa. O amor nestas cantigas

visava um aperfeiçoamento do sentimento amoroso. Tratava-se de uma sociedade controlada, que


acreditava que a sublimação do sentimento amoroso levaria a uma elevação da pessoa humana, através
do amor. Essa literatura demonstra a existência de um convencionalismo quase que obrigatório tanto
nas cantigas como nas relações entre o homem e a mulher. A poesia portuguesa impressiona pela sua
tristeza e fatalismo. Em geral, após uma vida inteira de devoção a um amor infeliz, o namorado morria
de amor. Senhor, por que eu tant' afã levei. gran sazon á, por Deus, que vos non vi; e, pero mui longe de vós vivi,nunca
aqueste verv' antig' achei: quan longe d'olhos tan longe de coraçon. A minha coita, por Deus, non á par, que por vós levo
sempr' e levarei; e, pero mui de vós morei, nunca pud' este verv' antig' achar: quan longe d'olhos tan longe de coraçon. E tan
gran coita d' amor ei migo,que o non sabe Deus, mal pecado; pero que vivo muit' alongadode vós, non ach' est verv' antigo:
quan longe d'olhos tan longe de coraçon. Cantigas d'amor (Nunes), n.261. (Apud LAPA, 1973, p. 134) .
14 Mesmo no espaço religioso, a mulher, no contexto do medievo, deveria ser controlada pelo

homem, e se ela demonstrasse força e temperança, conforme dispõe Maria Filomena Andrade,
“esta vantagem excepcional parece-lhe provir da bondade da providência, da complacência de Deus
que nela pôs alguns grãos de virilidade. Daqui deduzem os padres que a mulher deve estar
permanentemente sob a tutela masculina. Na Igreja ela dependerá do sacerdote, no mosteiro,
encerrada e separada do mundo, haverá a preocupação de mantê-la sob a estreita vigilância e

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o futuro rei Dom João II, que empreende uma maior oposição ao destino da Infanta que
o próprio Dom Afonso V. Na realidade, a resistência do pai e depois do irmão deve-se ao
papel principal que a mulher exercia no seio da nobreza medieval, em especial a que
pertencia à uma família real, ou seja, a de se destinar ao casamento com outros nobres,
estabelecendo, assim, fortes laços de poder a produzir herdeiros e herança, muitas vezes
servindo de fator para aumentar o território de influência e, portanto, incrementar as
relações de fidelidade, forjadas entre nobres. A intenção de se casar, entretanto, nunca
esteve entre os planos de Joana, já que seus objetivos estavam vinculados à vida religiosa,
dos quais se recusava a abrir mão desde tenra idade:

Passados hos ãnos da minynice da dita Senhora Iffante


E princesa dona Johãna Creciia è tanta alteza de
fremosura . ètender . E saber . que assy Como era còtra
natureza e Cousa desacustumada segundo a ordè do
styllo e ègenho natural. Assy cõvertiaa todos hos que a
viã è admiracã e spanto dado louvores a deus. Assy è
aquella tenrra Idade governava seu stado e Regiia seu
paaco . Como se fosse de perfeyta hydade. [...]
Em aquelle tèpo veyo aa noticya desta Senhora Iffante a
grande e muito louvada fama de virtudes E grade vida
que fazia húa Senhora chamada dona lyanor de meneses
filha do ilustre Senhor e Conde de vyana o qual se
chamava o conde dõ Duarte de meneses, muy assynado
antre todos os Senhores e grãdes deste Regno per
excelècia de Cavalarias E aalem disso ser muito
cheguado per sangue e parètesco aos Reys de Portugal e
Castella . Por quaaes Rezoões e Causa . sendo ella hùa
soo filha do dito Conde . lhe Cometyã grãdes e altos
Casamentos cõ duques etc. Ella sèpre os desprezou . e
nuca quis Conssètyr (sic)15.

dependência do ramo masculino da ordem, não dispensando a presença, sempre importante e


onipresente, do confessor e diretor espiritual” (ANDRADE, 2000, p. 72).
15PINHEIRA, Margarida. Crónica da Fundação do Mosteiro de Jesus de Aveiro e Memorial da Princesa D.

Joana. Margarida Pinheira (atr.) – Séc. XV-XVI (1513). Museu de Aveiro – Secção de Reservados –
Inv.º 33/CD.

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Portanto, foi também por esta postura firme que a Princesa Santa se destaca na
história medieval portuguesa, pois, afinal, não era comum uma mulher, naquele contexto,
conseguir reagir às determinações pouco maleáveis impostas ao sexo feminino, e, em
especial, a que pertencia a uma família real. Ao gênero feminino na Idade Média quase
não era permitido fazer opções, escolhas, sendo estas determinadas pelos varões16. Não
foi fácil à Infanta Joana fazer valer o seu dom, preferindo impor-lhe martírios e
privações17 a ceder aos anseios de casamento do pai e do irmão.
Desta forma, após recusar várias propostas de união, a Infanta Santa Joana
ingressa no convento dominicano de Jesus, em Aveiro, mesmo que tenha sido obrigada,
em diversas ocasiões, retornar à corte para o exercício das funções da realeza. Muito
embora tenha alcançado a graça de não ser obrigada a um casamento indesejado e que
poderia lhe castrar a vocação religiosa, a vida conflituosa de Joana exigiu, muitas vezes, o
cumprimento dos seus deveres de princesa na corte de Avis.
O comportamento da Infanta, marcado por sua não submissão à imposição do
casamento e por uma vida de privações e caridade, levará à sua beatificação em 1693.
Joana de Avis, assim, passa a integrar o rol de personagens reais femininos que
despertaram o culto cristão no contexto medieval português, sendo uma de suas
principais representantes.

2.1 A Princesa Santa Joana e o Mosteiro de Jesus de Aveiro


Os espaços devocionais femininos no contexto do medievo português, em
especial no âmbito da ordem dos dominicanos, como o Mosteiro de Jesus, retratam o que
Gilberto Coralejo Moiteiro (2013, p. 79) alude como “princípios normativos que regem e

16 “A mulher era, na sociedade medieval, considerada essencialmente, sob duas perspectivas. Se


assegurava a geração, sendo a portadora da vida, era ela também que transportava, para fora da casa
paterna, parte dos bens patrimoniais da família e, por isso, devia ser bem casada ou então colocada
num convento, protegida dos assédios da sua própria fraqueza e concupiscência. Garante da família
era, no entanto, relegada para Segundo plano, pois, nada decidia por ela” (ANDRADE, 2000, p.72).
17 Não era incomum a auto imposição de sacrifícios, inclusive, um dos símbolos que Joana mais se

referia era a coroa de espinhos de Cristo. Conforme relatado na hagiografia da Princesa: “Depois
que a forçava ho quebràto e sõpno de sua delicada carne . Contra a manhaã è Ronpèdo há alva
tornava a estar è devotas orações . E desy tornava sse a irmuy passo e làcava sse é sua Cama . que
nõ podessè saber nem étender ho que aviia feyto . Nùca desvestia nè mudava a camisa da lãa que
debaixo acarâ da Carne trazia streyta e apertada . Mas de dia e de nocte á veraão de continuo trazia
ataa que mais a nõ podia sofre. por a multidão dos piolhos que criava co que era cõstrangida a tyrar
e vestir outra a qual lhe lavava e trazia e dava muy secretamente a sobredida sua Covilheyra e
criada. PINHEIRA, Margarida. Crónica da Fundação do Mosteiro de Jesus de Aveiro e Memorial da Princesa
D. Joana. Margarida Pinheira (atr.) – Séc. XV-XVI (1513). Museu de Aveiro – Secção de Reservados
– Inv.º 33/CD.

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inspiram as religiosas de Aveiro”: clausura, penitência e caridade. O historiador relaciona


esses três princípios à própria essência do culto cristão na sociedade medieval, que se
concebia pelo além e àquilo que ele implicava para a salvação, compreendendo o que “a
ordem divina” determinava como prática indispensável ao alcance da vida eterna
(MOITEIRO, 2013, p. 79).
Apesar das idas e vindas, Joana de Avis conseguiu viver boa parte da sua vida no
Convento de Jesus de Aveiro18, desde o ano1472 até à sua morte, procurando seguir os
hábitos, regras e estilo da vida das monjas da ordem mendicante, cumprindo fielmente
aqueles três princípios (caridade, clausura e penitência), além da sua entrada no espaço do
mosteiro ter também gerado um efeito simbólico na nobreza portuguesa:

O ingresso da filha do monarca, D. Joana, no cenóbio,


em 1472, terá decerto constituído um poderoso factor
de atração das linhagens portuguesas da época, que terão
reproduzido os mesmos comportamentos de
aproximação à coroa por parte da aristocracia em busca
de reconhecimento e manutenção do seu domínio social
e económico. Essa terá sido uma boa razão para que as
filhas da nobreza titulada procurassem uma casa
religiosa situada num lugar marcado pelo seu
afastamento dos centros nevrálgicos do reino. Mas se
atendermos às estratégias matrimoniais das altas
instâncias da aristocracia, somadas à busca de amparo
por parte de jovens e viúvas, antevemos, por um lado, a
criação de largas descendências agregadas por
proximidade familiar e, por outro lado, a formação de

18Sobre o Mosteiro de Jesus de Aveiro, as suas primeiras referências dependeram de uma mulher
que vivenciou os eventos e escreveu uma crônica entre 1513 e 1525, Margarida Pinheira, sendo que,
conforme esclarece Gilberto Coralejo Moiteiro, este e “outros códices – de natureza litúrgica e não
litúrgica – que integravam a livraria conventual, assim como o cartório monástico[...] constituem o
quadro documental actualmente disponível ao historiador”. Para o referido autor: “as bases do
projecto estão lançadas. Mas que modo de vida têm estas mulheres em mente? A problemática das
origens da comunidade está envolta numa certa incerteza que decerto encontra explicação no facto
de não ser ainda dotada de uma feição institucional. O silêncio de que se revestem esses tempos,
marcados pela escassez documental, constitui a meu ver um indício da forma de vida que aquelas
mulheres adoptam, não estando excluída a possibilidade de elas próprias se encontrarem dominadas
por alguma hesitação, motivada por uma certa desconfiança social relativamente a modelos de
vivência religiosa femininos considerados demasiado autónomos. Estaremos perante um beatério,
um recolhimento, um oratório ou uma beguinaria...” (sic) (MOITEIRO, 2013, p. 8).

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verdadeiros clãs no interior dos mosteiros (MOITEIRO,


2013, p. 23).

Esta referência se faz de particular importância, pois, a entrada de uma princesa,


uma nobre da realeza, num monastério, poderia representar, diante de determinadas
circunstâncias, uma expressão de poder feminino, já que, à mulher, sobretudo na
condição de Joana, estava reservado o papel do casamento. Sobre o tema, dispõe Maria
Filomena Andrade (2000, p. 72):

Resta perguntar pelo papel da mulher, elevada aos


altares, ou pelo menos cultuada como santa pelo povo
(fama sanctitatis), no contexto desta sociedade sacralizada.
Esta questão transporta-nos um marco de observação
privilegiado das dinâmicas de promoção e poder em que,
paradoxalmente, “servindo-se” da religião, participam
algumas mulheres. Os processos históricos de
protagonismo feminino tocam de perto a questão das
fissuras de um sistema social e cultural consagrado pela
religião que foram aproveitadas pelas mulheres para
diminuir as limitações, inerentes ao seu estatuto em
relação aos papeis sociais e eclesiais dominantes.

Ressalta-se que a vida da Infanta no Convento não pode ser separada da vida de
duas outras mulheres, a sua prima Leonor e D. Beatriz Leitoa, a fundadora do Mosteiro
de Jesus de Aveiro, além da figura marcante de Frei Antão de Santa Maria:

Joana e Leonor, duas mulheres unidas pela vontade e


pelo parentesco, certas da sua vocação e empenhadas
em encontrar o melhor lugar para aí poderem cumprir
aquilo a que se sentem impelidas. O que as une encontra
o seu mote numa terceira mulher – Beatriz Leitoa – a
protagonista de um projeto de vida comum que ganha
corpo num lugar distante, afastado dos principais
centros de vida religiosa, mas que se afirma em
qualidade, na observância dos princípios indispensáveis
ao alcance da santidade. Na intersecção de todas elas
encontra-se Fr. Antão de Santa Maria, frade da Ordem

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de S. Domingos, um homem reconhecido pela sua


idoneidade, discernimento e virtudes, que conhece de
perto o convento conduzido por Beatriz e os
documentos orientadores da ordem que ele próprio
governa. Mas, segundo a autora da narrativa, a
aproximação destas personagens não depende tanto de
factos humanos. Conhecendo Deus os propósitos
daquelas duas jovens, como o melhor dos conselheiros,
Ele cria as condições para que a fama da comunidade
aveirense lhes chegue aos ouvidos, a elas e a muitas
famílias que, pelos mesmos motivos, procuram levar as
suas parentes para junto de tão reconhecida guia
(MOITEIRO, 2013, p. 47).

O referido espaço foi fundado numa pequena casa por D. Beatriz Leitoa e D.
Mécia Pereira, entre os anos de 1458 e 1460, e autorizado pela bula "Pia Deo et Ecclesiae
desidere", do Papa Pio II, em 16 de maio de 1461, tendo as obras de sua construção
iniciado logo após. Passa, então, a funcionar como um convento mendicante, vinculado à
Ordem Dominicana feminina de 1465 até 1874, quando falece a última freira, e o local é
entregue à Ordem Terceira Dominicana, passando a funcionar um colégio feminino até
1910. Após este ano, converte-se em Museu, classificado como “monumento nacional”19.

19Sobre o destino do Mosteiro de Jesus de Aveiro, de acordo com o Arquivo Nacional da Torre do
Tombo, “em 1834, no âmbito da ‘Reforma geral eclesiástica’ empreendida pelo Ministro e
Secretário de Estado, Joaquim António de Aguiar, executada pela Comissão da Reforma Geral do
Clero (1833-1837), pelo Decreto de 30 de Maio, foram extintos todos os conventos, mosteiros,
colégios, hospícios e casas de religiosos de todas as ordens religiosas, ficando as de religiosas,
sujeitas aos respectivos bispos, até à morte da última freira, data do encerramento definitivo. Os
bens foram incorporados nos Próprios da Fazenda Nacional. Em 1874, a 2 de Março, foi extinto
por morte da última religiosa, a prioresa D. Maria Henriqueta de Jesus. História custodial e
arquivística. Em 1912, os documentos, que se encontravam na Biblioteca Nacional, foram enviados
pela Inspecção das Bibliotecas e Arquivos para a Torre do Tombo.
Parte da documentação esteve integrada na designada Colecção Especial. Entre os anos de 1938 e
1990, sempre que possível e considerando a sua proveniência, a documentação foi reintegrada nos
fundos, numa tentativa de reconstituição dos cartórios de origem. Estes documentos foram
ordenados cronologicamente, constituídos maços com cerca de 40 documentos, aos quais foi dada
uma numeração sequencial. No final da década de 1990, foi abandonada a arrumação geográfica
por nome das localidades onde se situavam os conventos ou mosteiros, para adoptar a agregação
dos fundos por ordens religiosas”. (sic) Disponível em:
http://digitarq.arquivos.pt/details?id=4380642. Acesso em: 10 jul. 2017.

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Joana de Avis foi a mais ilustre benfeitora do Mosteiro, vivendo nele boa parte
da sua curta existência e falecendo entre as freiras em 12 de maio de 1480, em
decorrência de uma doença que lhe acometeu no período da peste, que devastava
Portugal. Tendo chegado a chaga na cidade em 1479, a Infanta foi obrigada a ir para o
Convento de Santa-Clara-de-Coimbra, mas, em seu regresso a Aveiro, caiu gravemente
doente até o seu falecimento na Sala do Lavor, com apenas 38 anos. Encontra-se
sepultada em um belo túmulo localizado no Museu de Aveiro, onde funcionou o antigo
espaço do Mosteiro20.
A Infanta nunca foi canonizada, tendo alcançado, entretanto, a beatificação em
1693, pelo Papa Inocêncio XIII, por meio da Breve Sacrosancti Apostolatus cura, após um
complexo processo iniciado em 1626. Apesar de não ser santificada, Joana é conhecida
em Portugal como a “Princesa Santa Joana”, tendo, inclusive, passado a ser a padroeira da
Diocese de Aveiro, em substituição a Santa Ana, a partir de 1965, por determinação do
Papa Paulo VI. Desde esse ano, a data da sua morte foi decretada como feriado nacional,
ocorrendo procissões de culto à “Santa Joana”.
Portanto, o legado de Joana de Avis, não só para o Mosteiro de Jesus, mas, para
toda a comunidade de Aveiro, pode ser considerado um dos mais notáveis da história
medieval portuguesa, sendo que vários documentos e bens do seu espólio estão entre o
acervo do Museu de Aveiro. Dentre esse espólio, destacam-se:

A Carta de doação de um terreno da Princesa D. Joana


ao Mosteiro de Jesus de Aveiro, em 1476 (o único
documento assinado pelo punho da Infanta), o
documento que descreve o cerimonial da tomada do
hábito da Princesa (1491), o primeiro processo de
beatificação da Santa Princesa, e, por último, a Crónica
da Fundação e Memorial da Princesa D. Joana, da
autoria da cronista Marguarida Pynheira, religiosa coeva
da Princesa Santa Joana. [...] No tesouro do Convento
de Jesus, ora na coleção do Museu de Aveiro, guardam-
se em relicários de prata um anel do seu cabelo, a camisa
com que morreu, o seu rosário e o seu cinto. O seu

20“O seu magnífico túmulo desenhado pelo arquitecto João Antunes foi encomendado por Frei
Pedro Monteiro por ordem de D Pedro II. Uma arca paralelepipedal de mármores policromados
embutidos, que assenta num bloco tendo em cada lado uma Fénix esculpida, quatro anjos nos
cantos a suportá-la e é rematada pelas armas reais” (MONTEIRO, 2014, p. 26).

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retrato obra de Nuno Gonçalves é das peças mais


valiosas do Museu. (MONTEIRO, 2014, p. 24-25).

No referido Museu ainda existem salas destinadas exclusivamente a reviver a


história da Princesa Santa Joana, contendo cartas, livros e outros documentos da própria
Infanta, além de iconografias e escritos de vários religiosos sobre a sua vida, sem contar o
espaço destinado a abrigar o seu túmulo.
Nas palavras de Maria Filomena Andrade, descortina-se a importância do poder
feminino num tempo e num espaço dominados pelos homens. Pode-se dizer que a Idade
Média, apesar de notoriamente conhecida como a “idade dos homens”, encontrou, em
notáveis mulheres, uma força de resistência transparecida pela vida de santidade, como
foi o caso de Joana de Avis:

Progressivamente a mulher vai revelando uma força que se


patenteia nas aspirações de santidade de muitas destas
senhoras, na maioria leigas, que procuram, no meio em que
se encontram, uma vida de inteira dedicação a Deus e ao
próximo. Para a mulher, este novo enquadramento permitir-
lhe-á esboçar outras formas de espiritualidade que assumem
um papel fundamental na renovação da Igreja e mesmo na
sociedade civil. Muitas delas, cultuadas pelo povo, tornam-
se primeiro beatas pela vox populi e, só depois, são admitidas
aos altares (ANDRADE, 2000, p. 81).

Para além da Joana, a Princesa Santa, resta, ainda, a Joana da estética, da arte do
Retrato e seus significados. Busca-se, assim, na multiplicidade, na complexidade das
fontes, alcançar os elementos da construção da história.

3 Arte, história e significado: o Retrato da Princesa Santa Joana


As diversas formas de se construir o saber histórico, as fontes, metodologias
diversificadas e as múltiplas áreas da historiografia têm exigido, cada vez mais, não só
uma interpenetração, mas, ultrapassando o seu próprio campo, um diálogo com outras
áreas do conhecimento. As soluções estanques, limitadas ao tecnicismo puro e sem
conexão com a transdisciplinaridade já não são suficientes para a compreensão do
problema, exigindo que o pesquisador seja capaz de buscar em várias fontes os substratos
para as suas conclusões. Mesmo porque, a noção de patrimônio artístico e cultural é
ampla e se insere na compreensão dessa multidisciplinaridade e na necessidade de sua

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preservação, de sua memória, uma vez que a sua própria existência e identidade, de uma
forma específica, só se dão em razão de um estilo ou forma de vida do homem no
passado. José Mattoso (2002, p. 15) define o significado amplo do que seria esse “fazer
história”:

Quer dizer, uma observação que procura captar todas as


suas dimensões: não apenas as aparentes e imediatas,
mas também as ocultas, não apenas as mensuráveis, mas
os que as coisas evocam ou simbolizam, não apenas o
que nelas é classificável segundo os parâmetros das
diversas taxonomias científicas, mas também o que só
pode ser captado num registro poético. A apreensão do
real em todas as suas facetas implica que se ponham em
jogo todas as faculdades de observação, não apenas as
racionais, mas também as volitivas, o que corresponde a
dizer que os sentidos do corpo e do espírito se deverão
abrir de tal modo ao real, que ele seja como que
interiorizado, absorvido, captado em nós mesmos. Este
exercício é, por isso, um ato de amor. Um amor na plena
acepção da palavra, isto é, que não é contaminado pela
tentação de possuir, dominar ou destruir, mas que
mantém intacta a alteridade, a radical separação do
sujeito e do objeto, e que tenta estabelecer a relação com
ele través do verbo interior, em todas as suas dimensões:
o cântico de admiração, o diálogo do gesto, a descoberta
do símbolo, o desencadeamento da palavra poética.

Nessa vertente, inclui-se a história da arte que, na esfera da sua metodologia, é


extremamente importante para se alcançar vestígios desse passado. Conceituada por Carla
Alexandra Gonçalves como “uma ciência que explica os factos (sic) artísticos numa
torrente temporal e espacial específica, trazendo ao presente os elementos materiais do
passado” (2013, p. 73), é, necessariamente, interdisciplinar.
Isso não só por ser a iconografia, em que se insere a obra de arte, uma das mais
ricas fontes históricas de um determinado período, mas, também, porque é por meio do
conhecimento do estilo, dos traços, da vida e da maneira de ver do artista que, muitas
vezes, o historiador consegue alcançar elementos culturais, sociais, religiosos e, até
mesmo, políticos de um espaço e de um tempo histórico.

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Daí a iconografia do retrato e a sua particular importância para a compreensão


da história, em especial, do período medieval. Sobre o termo “retrato”, tem-se a
explicação de Rivadávia Padilha Vieira Júnior (2010, p. 141):

O termo retrato, assim como o significado do processo


de retratar, ainda gera discussão entre os estudiosos da
área. Como apresenta Lorne Campbell, em latim, as
palavras para retrato (imago, effigiese simulacrum) poderiam
ter vários outros significados, da mesma forma que a
palavra imagem foi, e continua ser, um termo amplo em
seu significado. O autor esclarece que os italianos
durante os séculos XV e XVI fizeram uso da expressão
ritrattoe do verbo ritrarreno sentido de “processar” ou
“reproduzir”, embora também tenham feito uso da
palavra para obras artísticas que atualmente não seriam
classificadas como retrato.

Tem-se, assim, que a aliança entre a interpretação da arte do retrato e dos seus
criadores - os artistas, com as demais fontes historiográficas, como, no caso em tela, o
discurso hagiográfico, se fazem muito produtiva para a compreensão da história.
Nesse contexto, se insere a intepretação do retrato da Princesa Santa Joana e em
que a observação desta iconografia pode viabilizar o alcance da vida da personagem
retratada, a responder os questionamentos feitos neste estudo.
Historicamente, a referida obra de arte é uma pintura feita a óleo,
provavelmente de autoria do artista português Nuno Gonçalves21, datada do período

21 Nuno Gonçalves Pintor foi um dos artistas portugueses reconhecido como um dos grandes
mestres da pintura do século XV, sendo mesmo considerado um artista universal, apesar do seu
trabalho ter restado perdido durante muito tempo. O mais provável é que tenha pertencido ao meio
cultural abrigado na corte de Afonso V por volta do ano de 1450, daí atribuir a ele o “Retrato da
Princesa Santa Joana”, embora tal autoria ainda não seja completamente confirmada. A obra
principal de Nuno Gonçalves foi “Os Painéis de São Vicente de Fora”, composta por seis painéis e
descobertos em 1882, no Paço Patriarcal de São Vicente de Fora em Lisboa, hoje encontrando-se
exposta no Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa. Em razão de tal obra, o artista foi
considerado, pelo escritor Francisco Hollanda, um dos grandes pintores renascentistas, conforme
esclarece José de Figueiredo: “Que se saiba, foi Francisco de Hollanda o escritor que primeiro se
referiu ao autor dos quadros de São Vicente. Nomeia-o duas vezes, na sua obra Da Pintura Antiqua,
constituída por dois livros e existente na Biblioteca Real de Madrid. É, portanto, o testemunho
quase de um contemporâneo, pois Nuno Gonçalves ainda vivia e trabalhava em 1471 e Hollanda
concluiu estes dois livros, um em 1548, o outro, no começo de 1549. Hollanda, que, de regresso da

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Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano XI, n. 33,
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/ Joana de Avis: o retrato da Princesa Santa e os conflitos entre realeza e fé, p. 99-126 /

entre 1472 e 1475. O Retrato da Princesa Joana faz parte do acervo do Museu de Aveiro,
local onde funcionou, por mais de quatro séculos, o Mosteiro, palco da vida religiosa da
Infanta Santa22.

Itália, e com uma grande ilustração, mas sem o estofo de um grande artista, chega, sobretudo, com
o espírito cheio de regras e preceitos e não compreende o encanto da nossa escola de pintura de
então, ainda hoje admirável, precisamente pelo seu naturalismo vitalizador e pela consequente
desobediência às formulas que foram a causa da decadência da arte italiana da Renascença, deante
dos quadros de Nuno Gonçalves, teve, apesar d’isso um momento de espanto pela grandeza do seu
valor, e, sem hesitação, ele que tudo condenemna, inclue o seu autor na sua Tavoa dos famosos pintores
modernos a que eles chamam águias. [...] Ahi, n’essa referencia, que vem quasi no fim do livro segundo
Da Pintura Antiquia, não nos dá Hollanda o nome do pintor o altar de S. Vicente de Lisboa. Essa
indicação é, porém, esclarecida com outra, em que Hollanda, na mesma obra, nos diz o nome do
artista portuguez que tanto o enthusiasmou. ‘Quero fazer menção de hum Pintor Portuguez que
merece memoria, pois em tempo meio bárbaro quis imitar n’alguma maneira o cuidado e a discrição
dos antigos Italianos Pintores; e este foi Nuno Gonçalves, Pintor de el-rei D. Affonso, que pintou
na Sé de Lisboa o altar de S. Vicente, e creio que também he da sua mão hum Senhor atado à
coluna, que dous homens não açoutando, em huma capella do mosteiro de Trindade, etc’.” (sic)
(FIGUEIREDO, 1910, p. 71-72).
22 Conforme ficha catalográfica, tem-se as características da obra: “N.º de Inventário:1/A.

Supercategoria: Arte. Categoria: Pintura. Denominação: Retrato de Santa Joana Princesa. Autor:
Nuno Gonçalves (atr.). Local de Execução: Lisboa(?). Centro de Fabrico: Lisboa (?).
Oficina/Fabricante: Lisboa(?). Datação:1472 d.C. - 1475 d.C. - Época Moderna. Matéria: Óleo.
Suporte: Madeira de castanho. Técnica: Pintura. Dimensões (cm): altura: 60; largura: 40; Descrição:
Busto da Princesa Santa Joana, de frente, em traje de corte. Cabelo comprido de cor clara; cabeça
cingida por crespina em ouro, com pedraria e pérolas. Vestido com decote rendado, pronunciado
em bico. Mão direita sobre o colo, parcialmente coberta por uma madeixa de cabelo, apresentando
um anel no dedo indicador. Incorporação: Outro - Extinção das ordens religiosas - Nacionalização
dos bens da Igreja. Origem/Historial: Retrato provavelmente trazido por D. Filipa (filha do Infante
D. Pedro, Duque de Coimbra) para o Convento de Jesus de Aveiro, local onde permanece”.
Disponível em:
http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=95841.
Acesso em: 11 jul. 2017.

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Figura 2 - O Retrato da Princesa Joana


Fonte: http://www.snpcultura.org/novas_igrejas_de_todos_os_tempos_poliptico.html

Pela observação da imagem da pintura (Figura 2), a Princesa Santa Joana é


retratada com o pescoço e parte do colo desnudos, de frente, em rico traje rendado da
corte, nas cores terracota e pérola, decotado em estilo “V”. Os belos cabelos compridos
arruivados e ligeiramente anelados, na cabeça um arranjo de crespina em ouro, com
pedraria e pérolas. A mão direita entrelaçada entre os cabelos, à frente do peito,
apresentando um anel no dedo indicador, o braço ornado com uma pulseira. Os lábios
são finos e pequenos, e seu nariz alongado, assim como o formato do seu rosto. A face
rosada, os olhos miúdos foram retratados com a área branca visível também na parte

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inferior, entre a íris e a pálpebra, e não escondem uma certa apatia, uma tristeza, o mais
provável é que caracterize a vida conflituosa da Princesa.
Pelo que se percebe, Joana se apresenta muito séria, quase soturna,
possivelmente por não aparentar alegria em ser retratada como foi, sem nenhum
ornamento religioso, podendo concluir que a Princesa fora pintada em sua imagem de
realeza, com a pose e a representação deste papel. Sem o rosário ou sem a coroa de
espinhos, Joana de Avis, no Retrato, não parece estar em sua inteireza, na relevância da
sua completitude. Apesar disto, mesmo diante da intenção do artista de apresentá-la
apenas como a “Princesa Joana”, na arte do retrato a sua face santa pode ser
compreendida pela observação da sua expressão, o que demonstra a sutileza das mãos do
pintor.
Importante relatar, ainda, que o Retrato da Princesa é uma obra do século XV e,
portanto, já na esteira do Renascimento, o que pode ter provocado no artista uma estética
não tão intensamente voltada para a religiosidade, como no período medieval,
apresentando aspectos próprios do retrato moderno, cuja estética foi uma das mais
notáveis experiências artísticas renascentistas23. Ressalta-se, porém, que os períodos
históricos são meros marcos temporais, sendo, assim, permeados por permanências e
rupturas, e, no aspecto da arte, embora cada período possa carregar consigo
características específicas, não se pode determinar uma ruptura total, mas, antes, um
estreito contato entre estilos e formas, sobretudo quando se pensa num tempo em

23 “O retrato moderno, de todos os gêneros pictóricos do Renascimento, é o que transmite a


sensação de uma mais reiterada e vívida comunicação com o espectador. A literatura e a
documentação da época reconhecem várias situações onde os retratos são destinatários do afeto de
apaixonados, do ressentimento de um amante abandonado, do consolo de amigo ou do ódio do
rival. Por volta do século XV o gênero do retrato moderno já era comum nas cortes da Península
Ibérica, havendo inclusive testemunhos de monarcas que beijavam os retratos de princesas
estrangeiras com as quais haviam firmado acordos matrimoniais, e que se desfaziam destes retratos
após estas já estarem em sua companhia. Dentre os fatores que contribuíram com o surgimento do
retrato moderno na Península Itálica três se destacam. Primeiramente a tradição medieval,
representada pelas séries dinásticas, as imagens devocionais e o naturalismo da arte gótica. Em
segundo lugar o redescobrimento da Antiguidade, ilustrada por esculturas e moedas romanas – que
tem sua importância complementar e análoga ao retrato pintado, sendo responsável pelo prestígio
do retrato de perfil realizado no Quattrocento. Por fim, o Humanismo, ao final do século XIV e
começo do XV, fez despertar a consciência de indivíduo no homem renascentista, propiciando a
personalização de traços particulares nos rostos dos retratados. Ao longo do século XV criam-se
diferentes categorias padrão para o gênero retratístico na pintura. Além do retrato de perfil, há o de
três quartos, o de corpo inteiro secular ou religioso, entre outros. Soma-se a estas novas tipologias,
uma série de atributos e simbolismos que permitem identificar e colocar em evidência qualidades e
virtudes dos retratados” (VIEIRA JÚNIOR, 2010, p. 145-146).

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movimento entre o medievo e o moderno, como foi aquele em que provavelmente Nuno
Gonçalves tenha pintado a obra “O Retrato da Princesa Joana”:

Falar da função das imagens supõe naturalmente uma


distinção conforme as épocas, os lugares, os tipos de
objetos. É preciso, sobretudo, evitar a pretensão de
identificar de maneira unívoca a função de uma imagem.
As características que as definiram não devem estar
dissociadas da diversidade de suas formas, suportes,
materiais e dimensões, assim como a destinação dada a
elas. A imagem era inseparável de seus usos, de forma
alguma era uma composição neutra. Essa interatividade
entre ela e quem a vê – ou que, mais exatamente, é visto
por ela – não é inteiramente nova entre os séculos XIII
e XV, mesmo que não tenha sido jamais tão intensa
quanto nos meios devotos e místicos desta época
(VIEIRA JÚNIOR, 2010, p. 140)24.

A Infanta, que talvez não tenha refletida na pintura a imagem que tanto desejou
verter em sua vida de humildade, penitência e caridade, encerra em seus olhos profundas
indagações: na estampa do retrato, serás Joana, a Santa, ou Joana de Avis, a Princesa?
Afinal, pelas mãos sutis do artista, não terá ele alcançado, na construção da estética, os
conflitos de uma “Princesa Santa”?

24Conforme explicita Georges Duby: “No entanto, durante esse milênio as coisas não pararam de
se transformar na Europa emergente, e em determinados momentos tão depressa quanto hoje. Ao
afetarem as relações sociais e os diversos componentes da formação cultural, as transformações
modificaram as condições da criação artística. Os núcleos do poder deslocaram-se, e à medida que
o “pensamento selvagem” pouco a pouco refluiu, ao mesmo tempo e que se restringia a influência
dos homens da Igreja, acentuou-se a influência da terceira função da arte. Por isso, no espírito dos
contemporâneos foi se ampliando imperceptivelmente o lugar daquilo que no edifício, no objeto,
na imagem não é funcional “mas proporciona apenas o simples prazer” (DUBY, 2002, p.17).
Talvez por essa imagem do prazer, o poeta português Porfírio Silva, referindo-se ao Retrato da
Princesa Santa Joana, assim inicia a declamação de um poema dedicado a Joana de Avis, constante
da sua obra “Monstros antigos”: “Princesa, cai entre os cabelos como moldura dos seios e dos
ombros, o colo descoberto, quão tentador pode ser o colo de uma mulher a qualquer hora…”.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=NXLxNDW58Pc. Acesso em 11 jul. 2017.

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4 Considerações finais
O presente trabalho proporcionou o conhecimento dos principais aspectos da
vida e dos conflitos da Princesa Santa Joana, a intensidade da manifestação da sua fé,
mesmo diante da responsabilidade dos deveres da realeza. Pertencer à corte de Avis, além
de permitir o contato com a vida cultural, desenvolveu na Infanta Joana o senso político,
sem, contudo, chegar a impedi-la de exercer a sua vocação religiosa.
A oposição ao dever do casamento, por exemplo, fez de Joana um exemplo de
resistência feminina num contexto de dominação masculina, tendo em vista a importância
e o simbolismo dos laços matrimoniais na Idade Média. Casar, entre nobres, significava
união de poderes entre “iguais”, uma vez que, no período medieval, não era concebível o
casamento entre membros de estamentos diversos, pois, a mobilidade social era
praticamente inexistente. Desta feita, não casando, Joana de Avis abdicava de seu
principal dever como mulher nobre e, mais do que isto, pertencente à realeza: união de
poderes, ampliação e fortalecimento do domínio real. O múnus do casamento
caracterizava, no âmbito da nobreza, a expressão feminina das relações de fidelidade.
A Princesa Santa, portanto, acabou por exercer importantes papéis na história
medieval portuguesa e, da realeza ao mosteiro, muitas vezes, concebeu sua vida numa
aparente contradição, transitando em meio à importância das vestes de princesa e à
humildade da vocação religiosa. Na demonstração dessa vida dual, tanto no cumprimento
dos deveres religiosos quanto no contexto da realeza, Joana de Avis pautou-se pelos
valores da penitência, da clausura e da caridade, desde o sacrifício moral do exercício da
regência até o sacrifício físico das chagas provocadas pela coroa de espinhos que usou em
diversas ocasiões. Todos estes fatores, aliados à morte prematura da Princesa, com apenas
38 anos, vitimada pela peste, tornaram Joana de Avis um ícone da devoção cristã em
Portugal.
Assim, pela análise tanto da “Crónica da Fundação do Mosteiro de Jesus, de
Aveiro, e Memorial da Infanta Santa Joana Filha Del Rei Dom Afonso V”, quanto do
“Retrato da Santa Joana Princesa”, foi possível alcançar elementos da sua vida, além da
compreensão do contexto da Idade Média portuguesa, servindo tais documentos como
fontes historiográficas de particular relevância para o desenvolvimento do estudo. Se a
observação da iconografia do retrato permitiu a conexão da imagem com a vida da
Princesa e seus conflitos, a interpretação da narrativa hagiográfica viabilizou conhecer a
Infanta em seu contexto e em sua época.
A presente pesquisa possibilitou compreender que a abordagem teórica da
hagiografia deve ultrapassar as discussões que conduzam ao reducionismo de criar
dicotomias na análise do discurso, ou seja, se é historiográfico ou literário. Além disso, é
por meio da iconografia do retrato que se alcança a imagem, torna palpável a vivência e

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os olhares entre o historiador e o personagem retratado na arte.


É, pois, a prevalência de um viés global, aquele “acto de amor” (sic), descrito por
José Mattoso (2002), interconectado, tendo em vista que a relação do homem com Deus
é uma “relação do indivíduo com o ideal”, cuja interpretação perpassa necessariamente o
contexto histórico e a análise retórica do modelo discursivo, além de se destacar na
imagem, em permanentes diálogos e significados.

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