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LOGÍSTICA

REVERSA

autor
MARCELO ELIAS DOS SANTOS

1ª edição
SESES
rio de janeiro  2015
Conselho editorial  solange moura; roberto paes; gladis linhares

Autor do original marcelo elias dos santos

Projeto editorial  roberto paes

Coordenação de produção  gladis linhares

Projeto gráfico  paulo vitor bastos

Diagramação  bfs media

Revisão linguística  joice karoline vasconcelos dos santos, jessyca r. de andrade e


marina constantino cantero

Revisão de conteúdo  luis alberto gravina belmiro

Imagem de capa  sergey khakimullin | dreamstime.com

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

E42l Elias, Marcelo


Logística reversa / Marcelo Elias dos Santos
Rio de Janeiro : SESES, 2015.
208 p. : il.

isbn: 978-85-5548-117-8

1. Desenvolvimento sustentável. 2. Responsabilidade social.


3. Produto logístico I. SESES. II. Estácio.
cdd 174.2

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

1. Evolução da Questão Ambiental 7

1.1  Evolução da questão ambiental e social no mundo e


no ambiente empresarial 10
1.2  A nova revolução industrial 16
1.3  Desenvolvimento sustentável 18
1.4  A sustentabilidade 20
1.4.1  Sustentabilidade ambiental e Sustentabilidade integrada 21
1.5  O meio ambiente como um problema
(e oportunidade) de negócios 24
1.6  Modelos de gestão ambiental empresarial 31
1.6.1  Produção de Consumo Sustentável (PCS) 31
1.6.2 Ecoeficiência 32
1.6.3  Produção mais limpa 35

2. Gestão Social e Ambiental 49

2.1  Definição de Responsabilidade Social 53


2.2  Argumentos favoráveis e contrários ao
engajamento das empresas em ações sociais 56
2.3  Princípios da responsabilidade social 58
2.4  Reconhecimento da responsabilidade social e
engajamento das partes interessadas 61
2.5  Responsabilidade Social Empresarial (RSE) 65
2.6  Ética empresarial 69
2.7  Princípios diretivos e políticas empresariais 71
2.7.1  Declaração universal dos direitos humanos 72
2.7.2  Agenda 21 74
2.7.3  Declaração sobre o meio ambiente e o desenvolvimento 75
2.7.4  Carta da Terra 76
2.7.5  Objetivos de Desenvolvimento do Milênio 79
2.7.6  Pacto Global 80
2.8  Instrumentos de responsabilidade social 82
2.8.1  Normas internacionais de gestão 83
2.8.2  Comunicação com partes interessadas 86
2.8.2.1  Balanço social 86
2.8.2.2  Indicadores Ethos de Responsabilidade Social 87
2.8.2.3  Global Report Initiatives 87
2.8.3  Compatibilidade entre sistemas de gestão 88

3. Avaliação do Ciclo de Vida 93

3.1  História da avaliação do ciclo de vida 99


3.2  Princípios e estrutura da Avaliação do Ciclo de Vida 101
3.2.1  Princípios da ACV 103
3.2.2  Fases de uma ACV 104
3.2.3  Sistemas de produto 105
3.2.4  Análise de inventário de ciclo de vida (ICV) 105
3.2.5  Avaliação de impacto do ciclo de vida (AICV) 107
3.2.6  Interpretação do ciclo de vida 107
3.3  Modelo de caracterização para a avaliação de
impacto do ciclo de vida 108
3.3.1  Eco-indicator 99 109
3.3.2  EDIP 1997 – EDIP 2003 110
3.4  Avaliação do ciclo de vida e rotulagem ambiental 111
3.4.1  Programas de rotulagem ambiental Tipo I 115
3.4.1.1  Alemanha - The Blue Angel 115
3.4.1.2  Canadá - EcoLogo 116
3.4.1.3  Japão - EcoMark 116
3.4.1.4  Brasil - Qualidade ambiental 116
3.4.1.5  Países Nórdicos – Nordic Ecolabel 116
3.4.1.6  Taiwan – Green Mark 116
3.4.2  Programas de rotulagem ambiental Tipo II e Tipo III 117
3.5  Aspectos ambientais no desenvolvimento de produto 119
4. Logística Reversa de Bens de
Pós-Consumo 129

4.1  A Logística Reversa 133


4.2  Os Canais de Distribuição Reversos (Cdrs) 138
4.2.1  Exemplos de canais de distribuição reversos 142
4.2.2  Logística Reversa de Pós-Consumo 145
4.2.3  Descartabilidade dos Bens 148
4.2.4  Canais Reversos de Bens de Pós-Consumo 150
4.2.5  Fluxos logísticos direto e reverso dos bens 152
4.2.6  Ciclos reversos abertos e fechados de reciclagem 153
4.2.7  Canais de Distribuição de Pós-Consumo de
Bens Duráveis e Semiduráveis 154
4.2.8  Canais de distribuição reversos de pós-consumo de
bens descartáveis 157
4.2.9  Aterros Sanitários e Lixões 158

5. Logística Reversa dos Bens de


Pós-Venda e Desafios Brasileiros 163

5.1  O produto logístico de pós-venda 167


5.2  Canais de distribuição reversos de bens de pós-venda 168
5.3  Fluxos reversos de pós-venda 168
5.4  Categorias de fluxos reversos de pós-venda 170
5.5  Objetivos estratégicos da logística reversa de pós-venda 177
5.5.1  Objetivo econômico 177
5.5.2  Objetivo da competitividade 178
5.5.3  Objetivo legal 179
5.6  Política integrada relativa aos produtos 179
5.6.1  Resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos (REEE). 182
5.6.2  Gestão de veículos em fim de vida 187
5.7  Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). 188
5.7.1  Logística reversa de pilhas e baterias 194
5.7.2  Logística reversa de lâmpadas fluorescentes 196
5.7.3  Logística reversa de pneus 197
5.8  Desafio para logística reversa 199
1
Evolução da
Questão Ambiental
Neste capítulo estudaremos o conceito de desenvolvimento sustentável como
uma nova visão de desenvolvimento que não envolve somente o meio ambien-
te natural, mas também inclui aspectos socioculturais numa posição de des-
taque. Assim, disponibilizaremos informações e conceitos que possam ter
alcance e utilidade no seu dia-a-dia, e permitam uma visão crítica sobre o de-
senvolvimento, qualidade de vida e aspectos econômicos, culturais e ambien-
tais envolvidos na perspectiva do consumo. Você também estudará alguns as-
pectos do tema sustentabilidade, a nova revolução industrial, diferença entre
desenvolvimento sustentável e crescimento econômico e modelos de gestão
ambiental empresarial.

Neste momento, pare um pouco a sua leitura e tente escrever em no máximo vinte pala-
vras o que você entende por desenvolvimento sustentável. Não se preocupe em acertar
ou errar, apenas expresse o que você pensa a respeito desse conceito. Na sequência,
consulte dez pessoas sobre o que elas pensam sobre desenvolvimento sustentável.
Peça para elas escreverem sua opinião em duas linhas e então, após ter todas as res-
postas, circule a palavra chave de cada resposta, ou seja, a palavra que melhor expressa
o que foi relatado. Faça o mesmo com a sua opinião.
Pronto! Agora podemos continuar.

Após essa atividade você irá perceber que praticamente todas as pessoas
já ouviram falar do termo desenvolvimento sustentável e têm ao menos uma
ideia do que significa essa expressão. Durante a avaliação das respostas, você
irá notar que a presença de palavras como futuro, necessidades, meio ambiente
e preservação.

•  Você poderá pensar, será que essas “definições” estão corretas?


Provavelmente sim. Todavia, as opiniões poderão ser de pessoas que nun-
ca estudaram formalmente o conceito de desenvolvimento sustentável e não
apresentem a base do conceito. Por outro lado, pessoas que tenham estudado
formalmente o desenvolvimento sustentável podem não saber descrever corre-
tamente o significado da expressão.
•  O fato de não descrever corretamente o conceito ocorre por falta de inter-
nalização do conceito. Após estudar esse capítulo, esperamos que você passe a
fazer parte do grupo que compreendeu corretamente a essência do conceito e

8• capítulo 1
assim, com uma visão apropriada do desenvolvimento sustentável contribua
para o sucesso da organização em que trabalha e para o desenvolvimento do
grupo social no qual convive.

OBJETIVOS
Ao final deste capítulo esperamos que você:

•  Reflita sobre a evolução da questão ambiental e social no mundo e no ambiente empresarial;


•  Entenda o que é desenvolvimento sustentável e sustentabilidade;
•  Compreenda a importância dos modelos de gestão ambiental empresarial.

capítulo 1 •9
1.1  Evolução da questão ambiental e social
no mundo e no ambiente empresarial

Na Idade Antiga e na Idade Média, a agricultura e o trabalho em metal foram aperfei-


çoados e a cultura foi sistematizada por meio da escrita, determinando o começo das
civilizações. A sociedade moderna, no final do século XVII, vivenciou uma transforma-
ção radical no âmbitoda cultura e da tecnologia. Nessa fase, com os avanços médicos
e com a Revolução Industrial, a população explodiu, alcançando 1 bilhão de pessoas
em 1850, 2 bilhões por volta de 1930, 4 bilhões em 1975 e 5,3 bilhões em 1990
(HELENE e BICUDO, 1994, p. 10).

“Meio ambiente é tudo o que envolve ou cerca os seres vivos” (BARBIERI, 2007,
p. 05). O que envolve os seres vivos e as coisas ou o que está ao seu redor é o Planeta
Terra com todos os seus elementos, tanto naturais, quanto alterados e construídos.
Assim, por meio do meio ambiente se entende o ambiente natural e o artificial, isto
é, o ambiente físico e o biológico e o que foi alterado, destruído e construído pelos
humanos, como as áreas urbanas, industriais e rurais (BARBIERI, 2007).

MULTIMÍDIA
Na seção Multimídia, você será convidado a assistir ao curta-metragem Ilha das Flores. Esse
vídeo exemplifica alguns dos problemas que serão discutidos nesse capítulo. O curta-metra-
gem relata a saga de um tomate desde o momento que foi cultivado até ser rejeitado para o
consumo. Essa é uma produção histórica e muito reconhecida, que expõe muitos dos proble-
mas econômicos, sociais e ambientais da nossa sociedade. A história é cativante e fácil de
seguir, sendo reservada para o final a parte mais comovente.
https://www.youtube.com/watch?v=e7sD6mdXUyg

“O ser humano, dentre todas as espécies animais existentes, é a que apre-


senta a maior capacidade de adaptação ao meio ambiente natural” (DIAS, 2011,
p. 1). A capacidade de adaptação da espécie humana se tornou possível porque
o homem cria ao seu redor um ambiente próprio, que se difere do meio natural
que é denominado de cultural.

10 • capítulo 1
Durante os últimos 200 anos a capacidade de intervenção do homem na
natureza agravou o problema ambiental na Terra. É possível verificar essa si-
tuação na contaminação do ar, água e solo, sendo um dos problemas mais vi-
síveis a destinação dos resíduos de qualquer tipo (sólido, líquido ou gasoso)
que sobram do processo produtivo e que afetam o meio ambiente e a saúde das
pessoas (DIAS, 2001).
Os principais casos de desastres ambientais que tiveram grande repercus-
são no século XX estão listados na tabela 1.1

ANO DESCRIÇÃO

1947 Explosão de navio carregado de amônia no Texas.

1956 Contaminação da baía de Minamata, Japão.

1966 Vazamento de GLP na cidade de Feyzin, França.

1976 Contaminação por dioxina em Seveso, Itália.

1978 Explosão de caminhão tanque em San Carlos, Espanha.

1984 Vazamento de 25 toneladas de isocianato de metila em Bhopal, Índia.

1986 Acidente na usina de Chernobyl.

1986 Contaminação do Rio Reno com 30 toneladas de pesticidas.

1989 Acidente com o navio tanque Exxon-Valdez.

Tabela 1.1 – Principais acidentes ambientais do século XX. Fonte: Adaptado de Dias (2011).

capítulo 1 • 11
Todos esses desastres iniciaram um movimento envolvendo organizações e
indivíduos de todo tipo com o objetivo de proteger o planeta e buscar soluções
para questões como a poluição, redução da camada de ozônio, mudanças cli-
máticas e proteção da biodiversidade (BARBIERI, 2007; DIAS, 2011; HELENE e
BICUDO, 1994). Neste processo, o trabalho anônimo de milhares de ativistas de
organizações não-governamentais, que em todo o mundo operaram nos planos
local, nacional e internacional, fortaleceram as redes de uma sociedade civil
emergente sendo chamados por Vieira (2001), em seu livro de “Argonautas1 da
cidadania”.
Sobre essa questão, Vieira (2001) e Barbieri (2007) explicam que o proces-
so de globalização dos problemas ambientais também contribuiu para o en-
fraquecimento dos Estados nacionais, que perderam a capacidade de formular
políticas nacionais autônomas e de garantir os princípios fixados no Tratado de
Vestfália2 em 1648, territorialidade, soberania, autonomia e legalidade.
Nesse contexto, as relações internacionais não poderiam mais ser expli-
cadas apenas em termos de relações entre Estados e mercados sendo que nas
últimas décadas a sociedade civil se agrupou em torno do interesse público er-
guendo as bandeiras da democracia política, diversidade cultural e desenvol-
vimento sustentável, se confrontando no espaço internacional com os interes-
ses dos Estados e das corporações. Um dos principais objetivos desses atores
não-estatais foi assegurar normas que regulassem as operações das empresas
(VIEIRA, 2001).
Nesse contexto, também podemos citar a globalização acelerada que não é
um fenômeno recente na história, a novidade é a rapidez com que mercados de
alcance mundial foram ampliados, por causa dos sistemas de transportes, das
tecnologias de informação e comunicação. A internet consolidou o processo, ao
ligar o mundo todo em rede de computadores. E assim, os negócios passaram
a ser potencialmente globais, iniciando pelo mercado financeiro (MARTINS,
2008).
“A preocupação com o estado do meio ambiente não é recente, mas foi nas
últimas três décadas do século XX que ela entrou definitivamente na agenda
dos governos de muitos países e de diversos segmentos da sociedade civil orga-
nizada (BARBIERI, 2007, p. 01).

1  Os Argonautas são personagens da mitologia grega que teriam ido até Cólquida em busca do Velocíno de Ouro
(GASPARETTO JUNIOR, 2013).
2  Ou Paz de Vestfália corresponde a um conjunto de tratados elaborados que encerrou a Guerra dos Trinta anos.

12 • capítulo 1
Conforme explica Dias (2011, p. 15) “até o ano de 1962, os problemas de-
rivados da relação do homem com o meio ambiente foram abordados de for-
ma muito superficial”. Nesse ano, Rachel Carson publicou o livro Silent Spring
(Primavera Silenciosa), que teve uma grande repercussão por expor os perigos
do inseticida DDT3 .
O livro Primavera Silenciosa funcionou como um alarme que incentivou vá-
rios países a realizarem uma vasta inspeção em rios, mares e terras em busca
de danos causados ao meio ambiente. Como consequência a poluição figurou a
partir de então como um grande problema ambiental no mundo.
No ano de 1968, três encontros foram importantes para equacionar o en-
frentamento dos problemas ambientais na década de 70 e posteriores:

•  Em abril de 1968, reuniram-se em Roma, Itália, cientistas, educadores e


industriais com o objetivo de discutir e questões atuais sobre o futuro do ho-
mem. Esse encontro deu origem ao Clube de Roma que tinha como objetivo
entender promover o entendimento de componentes econômicos, político, na-
turais e sociais que formam o sistema global.
•  Em 1968 a Assembléia das Nações Unidas decidiu realizar em 1972, na
cidade de Estocolmo, na Suécia, uma Conferência Mundial sobre o Meio
Ambiente Humano.
•  Em setembro de 1968, a Unesco promoveu em Paris uma conferência so-
bre a conservação e o uso racional dos recursos da biosfera que foi a base para o
Programa Homem e a Biosfera (MAB).

Esses eventos, especialmente a publicação do relatório do Clube de Roma e


Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, incentivaram
o surgimento de preocupações normativo-institucionais no âmbito da ONU
bem como nos Estados e instituições financeiras que posteriormente transfor-
maram assessorias em departamentos encarregados da questão ambiental.
O principal mérito da Conferência foi iniciar uma abordagem dos proble-
mas ambientais sob uma ótica global de desenvolvimento, o que representou
o início da formulação do conceito de desenvolvimento sustentável (DIAS,
2011). Pois até a realização dessa conferência “os maiores problemas ambien-
tais eram percebidos como de alcance local” (HELENE e BICUDO, 1994, p. 15).

3  No livro A Primavera Silenciosa, Rachel Carson demonstrou que o DDT se acumulava no tecido adiposo dos
animais, inclusive do homem, com a ameaça de provar câncer e problemas genéticos.

capítulo 1 • 13
Como explicam os autores, de modo geral, as preocupações eram direcionadas
à qualidade do ar, contaminação da água e do solo de pequenas áreas ou por
desastres ambientais.
Para entender as implicações desses acontecimentos na realidade brasileira, leia
o texto “Vale da Morte” foi símbolo de Cubatão. Na década de 80, a cidade era co-
nhecida como Vale da Morte, sendo que o município foi apontado pela ONU como a
cidade mais poluída do mundo devido ao impacto ambiental causado.

“Vale da Morte” foi símbolo de Cubatão


Cubatão foi a primeira cidade do país a se industrializar. Foi o símbolo da transformação
do Brasil rural no Brasil industrial na década de 50. A cidade foi escolhida porque reu-
nia vários atributos. Ficava num vale protegido pela Serra do Mar (o que mais tarde se
revelou um pesadelo por dificultar a dispersão de poluentes), tinha abundância de água
(a usina Henry Borden foi inaugurada em 1926), e estava no meio do caminho entre o
planalto e o porto de Santos, já o maior do país.
Em 1955 foi inaugurada a Refinaria Presidente Bernardes, da Petrobras, e na década
seguinte a Cosipa, que atraíram uma série de indústrias que passaram a usar seus
subprodutos como insumos ou combustível.
No início da década de 80 as pessoas conviviam com o aumento de doenças pul-
monares. Mas o ponto de inflexão foi a percepção do elevado número de crianças
recém-nacidas com anencefalia (sem cérebro). “Chegou um momento que o coveiro do
cemitério de Cubatão se recusou a enterrar as crianças com anencefalia, ele ficou mui-
to assustado. Graças a percepção desse homem, Cubatão ganhou atenção nacional e
internacionalmente” diz o biomédico Paulo César Naoum. Ele foi um dos responsáveis
por associar a poluição à alta incidência de anencefalia no município, em 1983.
Naoum avaliou quase 500 amostras de sangre da população e constatou que 35%
delas estavam intoxicadas por poluentes. Essa intoxicação se manifestava por um au-
mento do nível de uma hemoglobina alterada chamada metahemoglobina. Baseado
nessa constatação ele lançou a hipótese. Se uma mulher tivesse aquele nível de me-
tahemoglobina no primeiro mês de gestação, não chegaria oxigênio suficiente para o
desenvolvimento das células do embrião.
A partir daquele momento todo mundo ficou preocupado. (...). Em 1983 as emis-
sões de material particulado no pólo industrial chegavam a alucinantes 363 mil to-
neladas ao ano. Eram constantes os episódios críticos de poluição do ar na área in-
dustrial, que extrapolavam a casa dos 500 mcg/m3 (estado de emergência) por dia.

14 • capítulo 1
O padrão de qualidade da legislação brasileira para o intervalo de 24 horas é de
150 mcg/m3. Um documentário de uma TV francesa traduziu ao mundo o que isso
significava: as crianças da Vila Parisi nunca haviam visto flores nem borboletas, o que
deu ao bairro a alcunha de Vale da Morte.
O então governador Franco Montoro criou o programa de controle da poluição ambien-
tal em Cubatão, dividido em projetos, começando com o controle de fontes de poluição
do ar, água e solo de maior potencial poluidor, classificadas como primárias, entre 1983
e 1994. As empresas passaram a usar os mesmos filtros das correspondentes no ex-
terior, instalaram lavadores de gases e unidades para tratar efluentes pluviais. Há 20
anos, na Eco 92, a ONU outorgava o selo verde a Cubatão, elegendo a cidade como
exemplo de recuperação ambiental. (...).

Quadro 1.1 – “Vale da Morte” foi símbolo de Cubatão. Fonte: Adaptado de Pires (2012).

ATENÇÃO
Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causa-
da por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta
ou indiretamente, afetem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades
sociais e econômicas; a biota; e as condições dos recursos ambientais (MMA, 2009, p. 15).

Como apresenta o texto, após um trabalho em conjunto do governo, in-


dústrias e população se promoveu a recuperação da saúde local e as fontes po-
luentes que existiam na época foram controladas. A volta do Guará-vermelho
a região é a prova concreta de que a qualidade de vida retornou a Cubatão e a
cidade se tornou um exemplo de preservação ao meio ambiente mostrando que
é possível se desenvolver de maneira sustentável.
Seguindo com os acontecimentos históricos, em 1983 a Assembléia Geral
da ONU, como reflexo das preocupações ambientais, criou a Comissão Mundial
sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CMMAD), presidida pela primei-
ra-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, como o objetivo de investigar
as relações entre meio ambiente e o desenvolvimento (DIAS, 2011).

capítulo 1 • 15
Definitivamente a inserção da questão ambiental como limitante ao de-
senvolvimento surgiu com a divulgação do relatório da Comissão Mundial
de Meio Ambiente, Nosso Futuro Comum (1987). O relatório vinculou econo-
mia e ecologia, estabelecendo com muita precisão o eixo em torno do qual se
deve discutir o desenvolvimento (DIAS, 2011). O relatório foi referência e base
para os debates da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD), que aconteceu no Rio de Janeiro em 1992, a par-
tir da qual se divulgou o conceito de desenvolvimento sustentável.

1.2  A nova revolução industrial


Muitos problemas ambientais decorrem do uso do meio ambiente para obter
os recursos naturais necessários para produzir os bens que as pessoas precisam
e do descarte de materiais e energia não aproveitados no meio ambiente. Mas
essa relação nem sempre causou a degradação da natureza, em função da rela-
ção que os seres humanos mantinham com a natureza e também da escala de
produção e consumo estabelecida (BARBIERI, 2007).
“O aumento da escala de produção tem sido um importante fator que es-
timula a exploração dos recursos naturais e eleva a quantidade de resíduos”
(BARBIERI, 2007, p. 07). Alguns autores sustentam que os povos que se sentem
parte da natureza apresentam um comportamento exemplar em relação ao uso
dos recursos naturais. Por outro lado, o ser humano deslocado dos elementos
naturais contribui para o aumento dos problemas naturais. Assim, a degrada-
ção observada atualmente seria fruto da crença de que a natureza existe para
nos servir. Mas segundo Barbieri (2007), foi o aumento da escala de produção e
consumo que provocou os problemas ambientais que hoje conhecemos.
A Revolução Industrial é normalmente citada como uma referência no iní-
cio dos problemas ambientais. Grande parte das emissões ácidas, de gases de
estufa e de substâncias tóxicas resulta de atividades industriais em todo o mun-
do. A revolução iniciou na Inglaterra no século XVIII e se espalhou pelo plane-
ta, promoveu o crescimento e aumentou as perspectivas de maior geração de
riqueza (DIAS, 2011).
A industrialização gerou vários problemas ambientais, como: concentra-
ção populacional, consumo excessivo de recursos naturais, contaminação do
ar, solo e água. A urbanização foi um dos maiores movimentos da Revolução

16 • capítulo 1
Industrial e criou um novo ambiente nas cidades. Essas cidades conviviam
com esses problemas ambientais e eram cobertas de fumaça e impregnadas de
imundície, sendo que os serviços públicos básicos, abastecimento de água, es-
gotos sanitários, espaços abertos, não acompanhavam a migração das pessoas
(DIAS, 2011).
Nesse contexto, entende-se que muitas das medidas que visam maior con-
trole do meio ambiente atingem os processos produtivos da empresas, seus
produtos, e tornam-se uma arma comercial de países e regiões na proteção dos
mercados. Para Dias (2011) é evidente uma nova ordem mundial para ser equi-
tativa deve ser baseada no equilíbrio das opções de transformação produtiva.
Ao mesmo tempo em que as empresas discutem a questão do desenvolvi-
mento sustentável, surge também, o questionamento sobre a real conexão en-
tre a preservação do meio ambiente e o desempenho econômico. No ambiente
empresarial, a percepção de que boas práticas ambientais podem trazer retor-
no a empresa é crescente, embora a relação entre essas ações e o desempenho
financeiro seja inconclusivo (MACHADO FILHO, 2013).
“Uma grande mudança no contexto institucional é o processo de integração
dos mercados que tem induzido as empresas a elevarem seus padrões de com-
portamento ético” (MACHADO FILHO, 2013, p. 14). Assim, a forma peculiar
como algumas empresas conduziam à ética nos ambientes de convivência está
sendo transformada principalmente nas organizações inseridas na economia
global como no caso das multinacionais.
Contribuíram para formação desse novo cenário o crescimento do número
de organizações ecológicas, que se dedicam aos temas relacionados ao meio
ambiente. As Organizações Não-Governamentais Internacionais (ONGIs), em-
bora não tenham o mesmo peso de outros atores, conseguem se contrapor aos
Estados, empresas multinacionais e agências militares com propostas, críticas
e até mesmo ações concretas (DIAS, 2011).
Trata-se de organizações independentes sem fins lucrativos que trabalham
globalmente para promover dirietos humanos, desenvolvimento sustentável,
proteção ambiental, resposta humanitária e outros bens públicos. Essas orga-
nizações atuam em vários países e culturas, assim como um diferente leque de
pessoas, sistemas econômicos, sociais e políticos. Exemplos de organizações
dessa natureza que se baseiam na liberdade de expressão, agremiação e asso-
ciação para atuarem são o World Wildlife Fund (WWF) e o GreenPeace.

capítulo 1 • 17
CONEXÃO
Visite o site oficial do WWF no Brasil para conhecer sua história e entender sua atuação no
país que iniciou com o Programa de Preservação do Mico-leão-dourado.
Disponível em: <http://www.wwf.org.br/>.
Visite também o site do GreenPeace para conhecer sua história e a primeira ação da
organização que foi contra a usina nuclear de Angra. Chegando por mar, ao bordo do navio
Rainbow Warrior, os ativistas fixaram 800 cruzes no pátio da usina, simbolizando o número
de mortos no acidente de Chernobyl. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/pt

O surgimento das ONGIs representa a organização da sociedade civil em


torno de temas de seu interesse como energia, biodiversidade, águas, flores-
tas, animais, etc. O trabalho das ONGIs, segundo Dias (2011) exerce uma forte
pressão em diversos níveis de organização política, com atuação em temas glo-
bais e participação efetiva em eventos sobre os temas relacionados. Essa nova
realidade caracteriza uma mudança de atitude por parte das organizações do
setor privado e público da economia, que precisam cada vez mais considerar a
opinião pública quando se trata de questões ambientais.

1.3  Desenvolvimento sustentável

Com a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente Humano, realizada em
Estocolmo em 1972, começa a segunda fase que se estende até 1992 e se caracte-
riza pela busca de uma nova relação entre o meio ambiente e desenvolvimento. Essa
Conferência foi marcada pelo antagonismo entre dois blocos: os países desenvolvidos,
preocupados com a poluição e o esgotamento de recursos estratégicos e os demais
países, que defendiam o direito de usarem seus recursos para crescer e assim te-
rem acesso aos padrões de bem-estar alcançados pelas populações dos países ricos
(BARBIERI, 2007, p. 35).

A Conferência de Estocolmo, em 1972, contribuiu para criar uma nova vi-


são sobre os problemas ambientais e a forma como a sociedade promove seu
sustento. Como citado anteriormente, uma das maiores contribuições dessa

18 • capítulo 1
conferência foi relacionar o meio ambiente e as formas de desenvolvimento.
Desse vínculo, surgiu um novo conceito, denominado de desenvolvimento sus-
tentável (BARBIERI, 2007).
Em 1987, World Commission on Environment and Development (1987), de-
finiu o desenvolvimento sustentável como o desenvolvimento que satisfaz as
necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das gerações vin-
douras satisfazerem as suas próprias necessidades. Conforme a comissão, ou-
tros objetivos foram estabelecidos:

a) retomar o crescimento como condição necessária para erradicar a


pobreza;
b) mudar a qualidade do crescimento para torná-lo mais justo;
c) atender as necessidades humanas essenciais de emprego;
d) manter um nível populacional sustentável;
e) conservar e melhorar a base de recursos;
f) reorientar a tecnologia e administrar os riscos; e
g) incluir o meio ambiente e a economia no processo decisório.

ATENÇÃO
Inúmeras são as previsões relativas à escassez de água, em conseqüência da desconsideração da
sua esgotabilidade. A água é um dos recursos naturais fundamentais para as diferentes atividades
humanas e para a vida, de uma forma geral. O Brasil detém 13% das reservas de água doce do
Planeta, que são de apenas 3%. Esta visão de abundância, aliada à grande dimensão continental
do País, favoreceu o desenvolvimento de uma consciência de inesgotabilidade, isto é, um consumo
distante dos princípios de sustentabilidade e sem preocupação com a escassez. A elevada taxa de
desperdício de água no Brasil, 70%, comprova essa despreocupação (MMA, 2009, p. 38).

Dessa forma o desenvolvimento sustentável representa um compromisso


com o gerenciamento e a preservação dos recursos para as futuras gerações e o
atendimento as necessidades básicas de todos os humanos (BARBIERI, 2007).
A passagem de um modelo de desenvolvimento predatório a um sustentável
tem várias implicações segundo Dias (2011). Implica em uma mudança da nos-
sa visão e relação com a natureza, um manejo racional dos recursos naturais e
modificar a organização produtiva e social.

capítulo 1 • 19
Para Dias (2011) tal definição dá margem a interpretações que de modo geral po-
dem sugerir um desequilíbrio entre os eixos fundamentais do conceito de sustenta-
bilidade, que são: crescimento econômico, preservação ambiental e equidade social.
Ao priorizar um desses eixos, abandona-se o conceito e prioriza-se o interesse de gru-
pos isolados do contexto geral, que compreende a sociedade como um todo.

1.4  A sustentabilidade

“A empresa preocupada com a sustentabilidade é a empresa que pratica a responsa-


bilidade social e ambiental, mantendo uma postura ética e responsável com todos os
seus públicos e, com isso, provando ser uma empresa que procura contribuir para o
desenvolvimento sustentável” (MARTINS, 2008, p. 20).

O conceito de desenvolvimento sustentável está sustentado no equilíbrio


dinâmico de três fatores resumidos por Elkington (1999) no Triple Bottom Line
(TBL), reunidos nos 3Ps: People (Povo, ser humano), Profit (Negócios, empresa,
produção) e Planet (Planeta e meio ambiente). Ou seja, a sustentabilidade seria
voltada para o crescimento dos negócios, da produção e, portanto, das empre-
sas, mas ao mesmo tempo para o bem-estar do ser humano e a proteção da na-
tureza, conforme demonstra a figura 1.1:

Social

Sustenta-
bilidade
Ambiental Econômico

Figura 1.1 - Triple Bottom Line. Fonte: Elkington (1999, s/p).

20 • capítulo 1
Como pode ser observado na figura 1.1 a sustentabilidade apresenta três di-
mensões, que são: a social, a ambiental e a econômica. Do ponto de vista econô-
mico as empresas precisam ser economicamente viáveis. O papel da organiza-
ção deve ser cumprido na sociedade considerando o aspecto da rentabilidade.
Sobre o aspecto social, a empresa deve proporcionar boas condições de traba-
lho aos seus funcionários entendendo a diversidade cultural e necessidades de
cada um. Do ponto de vista ambiental, a empresa deve trabalhar a ecoeficiência
de seus processos, ter uma produção limpa, e desenvolver uma cultura da sus-
tentabilidade adotando uma postura ambiental responsável (DIAS, 2011).
“O mais importante na abordagem das três dimensões da sustentabilidade
empresarial é o equilíbrio dinâmico necessário e permanente que devem ter, e
que tem de ser levado em consideração pelas organizações” (DIAS, 2011, p. 45).
Essa é uma nova forma de encarar o progresso, o desenvolvimento de uma co-
munidade, de um país, de uma residência, uma escola ou uma pequena vila.

1.4.1  Sustentabilidade ambiental e Sustentabilidade integrada

Ao tratar as externalidades de países desenvolvidos, as experiências em outras


áreas não garantem uma avaliação positiva quanto à sustentabilidade. De cer-
to modo, para Oliveira; Montaño e Souza (2009), a imprecisão do conceito de
sustentabilidade se reflete na operacionalização, e proporciona a busca de in-
teresses específicos.
Na possibilidade de apresentarem diferentes definições, a aplicação do
conceito de sustentabilidade apresenta dois caminhos possíveis: estabelecer
um arranjo equilibrado entre os três pilares da sustentabilidade e integrar os
valores ambiental e social ao contexto econômico, sem alteração no equilíbrio
das forças que os mantêm (OLIVEIRA; MONTAÑO e SOUZA, 2009). A figura 1.2
demonstra os dois modelos de sustentabilidade.

capítulo 1 • 21
econômico econômico
Ver. Industrial
Ver. Francesa
Desenvolvimento
séc. XVIII
(garantias individuais)

Desenvolvimento
econômico-social social econômico social
séc. XIX econômico
(garantias sociais)

Rel. Brundtland
Desenvolvimento
Sustentável social econômico
séc. XX-XXI econômico social
(garantias coletivas)

ambiental
ambiental

Sustentabilidade ambiental Sustentabilidade integrada

Figura 1.2 – Sustentabilidade ambiental e Sustentabilidade integrada. Fonte: Adaptada de


Oliveira; Montaño e Souza (2009, p. 10).

Na figura 1.2 é possível perceber o desequilíbrio das esferas que compõem


a sustentabilidade integrada em relação a ambiental. Esse fato demonstra que
a agenda econômica só cederá espaço a ambiental e social caso haja uma mu-
dança no arranjo das forças decisórias no contexto das organizações.
É preciso diferenciar uma decisão integrada de desenvolvimento de uma
decisão sustentável considerando que a primeira não se baseia nos limites am-
bientais e a segunda reconhece a falta de temas ambientais e sociais no proces-
so decisório, sugerindo que esses novos valores possam ser incorporados na
mesma intensidade que o econômico.
Assim, ao trabalhar a sustentabilidade ambiental, a empresa busca o equilíbrio
das decisões que envolvem aspectos econômicos, ambientais e sociais, o que, além
de tudo significa uma mudança de postura definida na missão da empresa e também
repassada aos colaboradores no dia a dia (OLIVEIRA; MONTAÑO e SOUZA, 2009).
As ações necessárias para promover a sustentabilidade ambiental segundo
o Ministério do Meio Ambiente MMA (2009) devem ser vistas como um conjun-
to único, uma vez que nenhuma ação, de forma isolada, é capaz de propiciar
ganhos significativos no enfrentamento dos atuais desafios socioambientais.

22 • capítulo 1
Para compreender como a questão da sustentabilidade ambiental vem sen-
do tratada no âmbito das organizações, leia o texto “A linha Natura Ekos” e en-
tenda como uma linha de produtos levou a sustentabilidade para o centro dos
negócios da Natura. A nova linha de produtos incorporou várias substâncias
que eram usadas por comunidades indígenas tradicionais. Assim, a Natura,
além de comprar a matéria-prima, estabeleceu parcerias com essas comunida-
des para compartilhar os benefícios resultantes da exploração dos recursos.

A Linha Natura Ekos


“Um produto é sustentável quando é ambientalmente correto, socialmente justo e eco-
nomicamente viável”. Esta definição foi incorporada pela Natura, expressando a adoção
plena do conceito de sustentabilidade. Associada a esta diretriz, a empresa procurava
fazer com que todos os seus produtos expressassem o conceito Bem-Estar-Bem, com
o qual procurava retratar um jeito de ser, de ver o mundo e agir sobre ele. Propunha a
relação harmoniosa do indivíduo consigo próprio, sintetizando a dinâmica decorrente
das relações do indivíduo com o outro e com o mundo.
A Natura sempre expressara sua preocupação em valorizar e preservar a natureza,
empregando embalagens recicláveis, refis e fórmulas biodegradáveis, que procuravam
evitar a poluição ambiental. Como expressão concreta desses conceitos explicitados
pela Natura, surgiu em 2000 a proposição de criar a Ekos, associando o conhecimento
científico à tradição do conhecimento popular e preservando a biodiversidade brasileira.
Os produtos Ekos, derivados de sementes, folhas e óleos extraídos das florestas, eram
certificados para assegurar que o processo de extração não afetaria a sustentabilidade
dos ecossistemas brasileiros. Passos explicitava:
“A Ekos materializa o que se busca de valores nossos; princípios ativos naturais,
consciência e responsabilidade. A empresa reafirma as suas origens” A Ekos era co-
erente com as tendências de mercado e com a amplitude de possibilidades ofertadas
pela flora brasileira. Dentro do território brasileiro, estavam 22% das espécies exis-
tentes no planeta. Destas, somente 1% haviam sido catalogadas até o início de 2001.
Dentre os poucos ativos catalogados, somente 8% haviam sido estudados para uso
fitoterápico. Um dos gerentes da Natura enfatizou que “no segmento de cosméticos,
essa proporção sempre foi bem menor, dando uma idéia do enorme potencial de cres-
cimento e aplicação destes ativos naturais em nossa indústria”.

capítulo 1 • 23
A Natura sempre soube que a biodiversidade brasileira era um atrativo para o merca-
do internacional; contudo, a falta de tradição no uso sustentado de recursos naturais
representava um obstáculo às ações empresariais. O conceito de sustentabilidade pas-
sou a constituir o grande desafio, mas também a grande oportunidade para a Natura
desenvolver estratégias inovadoras em seu negócio. Para os três presidentes, não se
tratava apenas de uma nova porta para os negócios. A decisão da Diretoria foi unânime
em ampliar as ações da Natura junto às comunidades de onde eram extraídos esses
insumos, conforme atesta Leal:
“Só me interessa estar nesse negócio se for para fazer diferente; se for para interferir
positivamente nas questões sociais e ambientais das comunidades de onde extraímos
nossos princípios ativos. De outra forma, somente para fazer dinheiro, não me interessa.
Preferiria retirar-me dos negócios da Natura e seguir com minha vida”. (...).

Quadro 1.2 – A Linha Natura Ekos. Fonte: Adaptado de Fischer e Casado (2003, p. 04).

1.5  O meio ambiente como um problema


(e oportunidade) de negócios

“Toda ação humana tem algum impacto ambiental. Isso porque, ao comer, produzir, via-
jar, consumir, o ser humano pratica uma ação que de alguma forma mexe com o meio
ambiente. Do mesmo modo a empresa, para funcionar, depende de matérias-primas e
outros insumos que foram extraídos do meio ambiente ou tem algum impacto ambiental
direto ou indireto” (MARTINS, 2008, p. 37).

“A produção de bens e serviços que atendam às necessidades e aos desejos


humanos requer recursos ou fatores de produção, dos quais o trabalho e os re-
cursos naturais sempre estiveram presentes em todas as épocas” (BARBIERI,
2007, p. 08). Os recursos naturais são bens originais dos quais todos os seres
humanos dependem. Dessa forma, produzir é converter bens e serviços natu-
rais para atender as necessidades humanas .

24 • capítulo 1
Geralmente os recursos naturais são classificados como renováveis (ener-
gia solar, ar, água, plantas, animais, etc.) e não renováveis (areia, argila, carvão,
petróleo, etc.). Essa é uma classificação muito utilizada, mas temporal huma-
na. Como explica Barbieri (2007), a ideia de esgotamento considera a noção de
tempo e a perspectiva de tempo dos humanos nem sempre é a mesma de que
necessita certo recurso para se renovar. Assim, recurso renovável é aquele que
pode ser obtido indefinidamente de uma mesma fonte, enquanto o não renová-
vel possui uma quantidade finita.

MULTIMÍDIA
Para iniciarmos o estudo desse tema, assista ao documentário “Uma verdade inconveniente”
disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=MwxMrnDkbPU
O documentário foi realizado pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos, Al Gore, e
apresenta um conjunto de informações sobre as mudanças climáticas e suas consequências
para os seres humanos.

Recursos naturais

Recursos naturais Recursos naturais Recursos naturais

Não se alteram com o uso: Alteram-se com o uso: Esgotam-se com o uso:
(energia direta solar, (ar, água, espaço, beleza (petróleo, carvão mineral,
ventos, marés) cênica, navegabilidade gás natural, energia nuclear)
dos rios e lagos, polinização,
Alteram-se com o uso: assimilação de poluentes, Esgotáveis, mas podem ser
esgotam-se, mantêm-se ciclo de nutrientes, reutilizados e reciclados:
ou aumentam (colheita regulação do clima, (areia, argila, granito, metais)
anual, rebanhos, animais retenção de sedimentos,
selvagens, cardumes, filtro solar, biodiversidade,
lenha, madeira, solo) controle natural de pragas)

Figura 1.3 – Recursos naturais. Fonte: Adaptado de Tivy e O’Hare (1991).

O agravamento das condições ambientais provocou o aumento da consciên-


cia dos cidadãos sobre a importância da preservação do meio ambiente. Assim,
a sociedade está aumentando as exigências em relação aos sujeitos diretamen-
te envolvidos, especialmente administração pública e empresas (DIAS, 2011).

capítulo 1 • 25
“Como qualquer ser vivo, o ser humano retira recursos do meio ambiente para
prover sua subsistência e devolve as sobras” (BARBIERI, 2007, p. 20). Dessa forma,
concluímos que “(...) Não somos sustentáveis porque estamos ameaçando a capaci-
dade de suporte do planeta e dos diferentes ecossistemas (...)” (HELENE e BICUDO,
1994, p. 26). Isso porque as sobras das atividades humanas são denominadas de po-
luição e está, suja, corrompe, contamina, degrada e mancha o meio natural.
Podemos entender a capacidade de suporte de um ecossistema como “a ca-
pacidade de um ecossistema ou de uma região para suportar sustentadamente
um número máximo de população humana sob um dado sistema de produção”
(JUNK, 1995, p. 52). Nesse sentido, o conceito de capacidade de suporte de um
ecossistema está relacionado com a sustentabilidade. Os dois conceitos con-
sideram o número de indivíduos que podem sobreviver de determinada área,
deixando nela seus resíduos, sem degradá-la (HELENE e BICUDO, 1994).
Sob o aspecto do tempo, a capacidade de suporte pode ser classificada em
instantânea ou sustentável. A capacidade de suporte instantânea reflete a taxa
de exploração correspondente à manutenção da sobrevivência e da reprodução
de determinada população, durante determinado período de tempo. A capaci-
dade de suporte sustentável reflete as taxas de exploração de recursos naturais
disponíveis, que não levem à sua degradação por determinada população, ao
longo do tempo (HELENE e BICUDO, 1994).
Para compreender a importância da capacidade de suporte é preciso en-
tender o papel das comunidades tradicionais e sociedades sustentáveis. Para
Helene e Bicudo (1994, p. 29) “os povos indígenas são, atualmente, os únicos
guardiões de habitats naturais preservados nas partes mais remotas dos cinco
continentes”. Esses territórios prestam ao planeta importantes serviços ecoló-
gicos: regulam os ciclos hidrológicos, mantêm a estabilidade climática local e
global e detêm um patrimônio inestimável de diversidade biológica e cultural.
Esses povos, utilizam os recursos naturais, mas priorizam a preservação,
pois suas vidas estão vinculadas a condição natural da terra. Na maioria das
comunidades, desenvolvem apenas o necessário para o sustento e satisfação
das necessidades da comunidade sem produzir excedentes.
Para estudar o conceito de comunidades tradicionais, vinculado a capaci-
dade de suporte do ambiente, você deve ler o texto “Produção de batatas nos
Andes: técnicas de manejo tradicionais” e verificar como a pressão para pro-
duzir batatas mais “comerciais” para os mercados urbanos acabou reduzindo
diversidade genética da região Andina.

26 • capítulo 1
Produção de batatas nos Andes: técnicas de manejo tradicionais
Os Andes são o local de origem das batatas, tubérculo que é, hoje, consumido mun-
dialmente. Por toda esta vasta cadeia de montanhas, espécies silvestres crescem lado
a lado com variedades locais, desenvolvidas pelos próprios plantadores, constituindo
a base da dieta local há séculos. Embora muitos ainda cultivem grande variedade de
batatas, sua diversidade genética está sendo ameaçada pelos governos e pelas forças
do mercado, que estão impondo a prática da monocultura.
Belisário, entretanto, não é um dos fazendeiros “modernos”, que o governo equatoriano
gostaria de ver espalhados pelo país: ele não usa pesticidas nem planta as variedades
desenvolvidas em laboratório, promovidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Agríco-
las (INIAP) do seu país. Contudo, conhece e planta uma infinidade de plantas: um tipo
de batata que é mais resistente a determinada doença, outro que suporta melhor os
insetos do solo, outro que tolera mais as pesadas geadas da madrugada e outro, ainda,
que pode sobreviver às estiagens prolongadas.
O sabor das batatas é, também, muito importante para a população local, além de ou-
tras razões que contribuem para sua grande aceitação:

•  as técnicas de plantio são as tradicionais, dispensando os gastos com defensivos,


fertilizantes, irrigação, etc., próprios do plantio das variedades modernas;
•  a população sabe que as variedades promovidas pelo governo necessitam de um
tempo de cozimento mais longo, o que, além de demandar mais lenha, causa proble-
mas, porque impede que elas sejam cozidas junto com as variedades locais (as pessoas
têm o hábito de comer vários tipos de batata na mesma refeição);
•  a técnica de se plantar nas diversas atitudes e de se usarem as espécies do alto para
plantar no baixo diminui a incidência de viroses, já que os vírus não se reproduzem nas
alturas, por causa do frio. As espécies do INIAP não podem sequer ser plantadas em
regiões altas porque morrem com o frio.
Tudo estaria resolvido, entretanto, se, além de produzir o suficiente para o consumo
doméstico, os agricultores não precisassem vender os excedentes para sobreviver. As
variedades alcançam bom preço no mercado local, já que as pessoas as conhecem e as
apreciam. Mas os habitantes das cidades estão habituados apenas às novas variedades
e não querem pagar mais pelas variedades locais.
Essa pressão para produzir batatas mais “comerciais” para os mercados urbanos acaba sendo
uma das principais razões para a redução da diversidade genética. Em certas regiões do país,
as variedades locais já desapareceram por completo, tendo sido substituídas por três ou qua-
tro variedades cujo plantio é incentivado pelo governo – todas elas em monocultura extensiva.

capítulo 1 • 27
Para atender às exigências do mercado, a maior parte dos agricultores acaba vendendo seu
gado para comprar mais terra e plantar as variedades do governo. Em conseqüência, tornam-
se dependentes das espécies, dos pesticidas, dos fertilizantes químicos (já que não podem
mais contar com o esterco natural) e, principalmente, dos preços desses insumos e do produ-
to final, estabelecidos pelo mercado internacional.
Enquanto o preço das batatas tem caído sistematicamente, o preço dos fertilizantes e dos
defensivos agrícolas só tem subido. Paralelamente, a pobreza genética das variedades de
espécies do INIAP tem acarretado a disseminação de pragas e a diminuição da produtividade.
Em resposta à tremenda perda de diversidade genética havida em várias regiões do Equador
nos últimos anos; os plantadores resolveram preservar e desenvolver o que eles consideram
parte de sua herança andina: “Nossa cultura índia não é apenas a nossa música ou trajes das
nossas mulheres. É também a maneira como produzimos o nosso alimento e as plantas que
nós e os nossos pais desenvolvemos para tanto”.

Quadro 1.3 – Produção de batatas nos Andes: técnicas de manejo tradicionais. Fonte: Third
World Resurgence apud Helene e Bicudo (1994).

Agora que você leu o texto sobre a origem do problema das batatas, assista
ao vídeo “Cordilheira dos Andes cultiva mais de 4,2 mil tipos de batatas” que
explica o trabalho de recuperação que está sendo realizado no Peru, mas que
beneficia toda a Cordilheira dos Andes, para recuperar espécies tradicionais de
batatas4. O vídeo está disponível na seção Leitura Complementar.
O texto e o vídeo apresentam um exemplo da utilização dos recursos natu-
rais por uma comunidade e a importância do respeito a capacidade de supor-
te da região. Nesse exemplo podemos verificar que as técnicas tradicionais da
comunidade e a variedade de batatas fazem parte do patrimônio cultural das
pessoas e contribuem para a sustentabilidade da comunidade.
Há uma estreita dependência das comunidades tradicionais com o meio
ambiente, retirando dele sua sobrevivência e exercendo um controle local so-
bre ele (HELENE e BICUDO, 1994). Os métodos utilizados pelas culturas tradi-
cionais relacionados a sobrevivência foram desenvolvidos ao longo de gerações
e estão mesclados a ritos e práticas religiosas. Todo o conhecimento é vincula-
do as atuais práticas de manejo e garantem a subsistência das comunidades, ao
mesmo tempo que garantem a preservação do ambiente.

4  O Centro internacional de La papa (CIP), trabalha com o objetivo de proteger os 4.235 tipos de batatas plantados
e comidos ao longo da Cordilheira dos Andes, da Venezuela ao Chile. Assista ao vídeo.

28 • capítulo 1
Após o lançamento da linha Ekos que foi apresentado nessa mesma unida-
de, a Natura intensificou a busca por novos princípios ativos que poderiam ser
incorporados a essa linha. O ponto forte da empresa é a sua capacidade de in-
teragir com as comunidades locais, sertanejos e ribeirinhos dedicados à coleta
de recursos naturais, apresentando a empresa e a proposta da certificação aos
comunitários, ao mesmo tempo em que procura conhecer as características
das comunidades tradicionais.
Nesse momento, leia o texto “As comunidades tradicionais” que relata o for-
talecimento das alianças do Projeto Ekos.

As comunidades tradicionais
As matérias-primas vegetais e os óleos naturais utilizados na Ekos eram oriundos das
regiões mais longínquas, extraídos por habitantes de comunidades e vilas localizadas
desde o norte do País, na extensa Amazônia Brasileira até o sul, nas faixas preservadas
da Mata Atlântica nativa. A extensão territorial do Brasil e as distâncias físicas entre as
regiões de extração e as plantas industriais da empresa aumentavam a complexidade
desse processo produtivo. Do mesmo modo, essa complexidade impactava os projetos
de atuação social que a empresa pretendia desenvolver para as comunidades envolvi-
das com a produção da Ekos.
ESTADO ATIVO
Amazonas Andiroba
Amapá Castanha do Brasil e Copaíba
Rondônia Cupuaçu
Pará Cumaru
Piauí Buriti
Bahia Cacau e Guaraná
Minas Gerais Maracujá
São Paulo Pitanga
Paraná Camomila e Macela do campo
R.Grande do Sul Mate verde
Regiões de extração de insumos para o projeto Ekos.

As comunidades tradicionais dessas regiões viviam em grupos pequenos de cerca de


150 pessoas, separadas entre si por distâncias imensas e por marcantes diferenças
socioculturais. Encontravam-se ilhadas por acidentes de relevo, pela densa floresta e
pela carência de meios de locomoção e acesso. Caracterizavam-se pela forte vincu-
lação às tradições, conhecimentos e culturas seculares, que marcaram seu contato e
sua lida com a terra e seus frutos.

capítulo 1 • 29
Distantes dos centros urbanos, esses grupos careciam de condições mínimas de
saúde, educação e informação em geral, restringindo sua visão de mundo ao que se
passava nos limites de sua aldeia. A maior parte dessas comunidades não era suprida
de serviço telefônico ou energia elétrica. Algumas delas possuíam geradores de ener-
gia, que as habilitavam a usarem alguns aparelhos elétricos básicos, algumas horas
por dia. O acesso em transporte precário consumia muito tempo e oferecia muitos
riscos e dificuldades.
Essas comunidades se organizaram de diversas formas, para se constituírem como
parceiros da aliança no projeto Ekos. Eram representadas por uma entidade coletiva,
capitaneada por um líder na comunidade ou organizavam-se como cooperativas de
trabalho. Havia ainda a figura do produtor individual, que trabalhava na coleta para ga-
rantir sua sobrevivência e que aceitou as orientações sobre como fazer seu trabalho,
assegurando os princípios da sustentabilidade exigidos pela empresa.
Tais comunidades retiravam sua sobrevivência da terra há várias gerações. Portanto,
tinham alguma noção da importância dos recursos que extraíam da natureza. Mas,
embora respeitassem a natureza, muitas vezes desconheciam os efeitos devastadores
que algumas de suas práticas acarretavam para o meio ambiente. Fatores como esse
podiam gerar resistência às orientações vindas da empresa.
As comunidades tinham outras peculiares questões culturais: por exemplo, o trabalho
infantil como meio de socialização e de comunicação da cultura às novas gerações.
A parceira Natura, cuja política de Responsabilidade Social era comprometida com
programas nacionais de erradicação do trabalho infantil, teve que compreender e
assimilar tais diferenças culturais para efetivar as alianças com essas populações.
Em decorrência dessas características, quando a Natura iniciou o projeto Ekos, surgiu
nas comunidades locais um conjunto contraditório de expectativas e percepções:
desconfiança sobre as intenções da empresa e esperança de que ela fosse resolver
todos os problemas de sobrevivência das comunidades.

Quadro 1.4 – As Comunidades tradicionais. Fonte: Adaptado de Fischer e Casado


(2003, p. 08).

Você percebeu que a Natura trabalha conjuntamente com diversas comuni-


dades em todo o país, os encontros da organização com as comunidades sem-
pre priorizaram a informalidade.

30 • capítulo 1
“A gente chega na comunidade e vai andando, falando que vai ter uma reunião ‘para a
gente conhecer vocês e vocês conhecerem a gente... eu sou da Natura’. Falamos isso
para deixar claro que não há nenhum vínculo com a cooperativa ou outro grupo que já
exista na comunidade. A primeira reunião é sempre à noite, fora do horário de trabalho
das pessoas, pois queremos ter todo mundo lá: vão adultos, crianças, homens e mulhe-
res e até animais de estimação (...) No primeiro momento, eu apresento a Natura e se
alguma fornecedora vai comigo se apresenta também. Em seguida, peço que se apre-
sentem: quantos são na comunidade, que produtos têm, se contam com algum apoio de
alguma organização da sociedade civil, como estão estruturados, se há cooperativas.”
(FISCHER e CASADO, 2003, p. 08).

Para a empresa, as reuniões ajudam a levantar dados de outros produtos


ainda não catalogados pelas fornecedoras, que podem representar novos ati-
vos para o futuro. E para as comunidades as visitas significam uma oportuni-
dade de melhoria nos processos e aprendizagem em relação a preservação dos
recursos.

1.6  Modelos de gestão ambiental


empresarial

Dentre os conceitos mais trabalhados pelas organizações no âmbito interna-


cional e nacional, estão a Ecoeficiência e a Produção mais Limpa que se rela-
cionam e contribuem para o Sistema de Gestão Ambiental nas empresas. Os
dois conceitos têm como objetivo fazer com que os recursos naturais se tornem
efetivamente em produtos e não produzam resíduos.

1.6.1  Produção de Consumo Sustentável (PCS)

“a produção afeta o consumo (por exemplo, quando restaurantes com práticas susten-
táveis estimulam que os clientes também as adotem em suas casas), mas o consumo
também afeta a produção (na medida em que as escolhas dos turistas influenciam as
decisões de como os donos de hotéis destinam seu lixo)” (PNUMA, 2014, p. 11).

capítulo 1 • 31
Após a apresentação do conceito de desenvolvimento sustentável pelo docu-
mento “Nosso Futuro Comum”, publicado em 1987 pela Comissão Brundtland,
a sociedade entendeu que o modelo de desenvolvimento adotado pelos países
industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento utilizava em
excesso os recursos naturais e não se comprometia com a capacidade de supor-
te dos ecossistemas (PNUMA, 2014).
Alguns anos depois como desdobramento do Plano de Joanesburgo, aprova-
do na Rio 92, teve início o Processo de Marraqueche, assim chamado pelo fato
da reunião ter sido realizada na cidade do Marrocos e que foi concebido para
dar aplicabilidade ao conceito de Produção e Consumo Sustentáveis (PCS).
Dessa forma, PCS refere-se à aplicação de uma abordagem integrada entre
produção e consumo com vistas à sustentabilidade, entendendo-se que existe
uma relação de influência e dependência recíproca entre essas duas dimensões
da ação humana. Em outras palavras, a PCS corresponde a práticas de produ-
ção e consumo que respeitem princípios e no longo prazo irão garantir a sus-
tentabilidade ambiental do ponto de vista local e global.

1.6.2  Ecoeficiência

A ecoeficiência relaciona o emprego de materiais e energia de forma eficiente à redu-


ção de custos e impactos ambientais. Uma das referências mundiais da ecoeficência
é a DuPont, sendo 10% de seu investimento em pesquisa — para substituir suas ma-
térias-primas de origem fóssil por insumos de origem vegetal, considerados "limpos".
Atualmente, 10% dos produtos da empresa já não usam derivados de petróleo em sua
composição (PLANETA SUSTENTÁVEL, 2015, s/p).

Vinculado ao conceito de produção sustentável, o termo ecoeficiência surgiu ao


ser utilizado em 1992 pelo World Business Council for Sustainable Development
(WBCSD) ou Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável (CEBDS), na publicação do livro Changing Course.
A partir de então, o conceito é uma forma de considerar os impactos am-
bientais no desenvolvimento dos negócios. Ou seja, ao trabalharem a sustenta-
bilidade de forma integrada, as empresas, enfatizam o modelo de ecoeficiência
ao integrar soluções ambientais com ganhos financeiros (NAGEL e MEYER,
1999).

32 • capítulo 1
Para o CEBDS (2015) a ecoeficiência pode ser obtida pela entrega de bens e
serviços com preços competitivos que satisfaçam as necessidades humanas e
tragam qualidade de vida, reduzindo progressivamente impactos ambientais
dos bens e serviços, através de todo o ciclo de vida, em linha com a capacidade
estimada da Terra em suportar.
Barbieri (2007) informa que esse modelo de gestão ambiental empresarial
baseia-se na ideia de que a redução de materiais e energia por unidade de pro-
duto aumenta a competitividade da empresa, ao mesmo tempo em que res-
guardo o meio ambiente, seja como fonte de recursos ou depósito de resíduos.
O modelo indica que as empresas devem promover uma relação com o con-
sumidor para reduzir os impactos do consumo, assumindo, por exemplo, a res-
ponsabilidade estendida do produto, que estudaremos no capítulo 5.
“A reciclagem interna e externa é muito valorizada pela ecoeficiência, dife-
rentemente da P+L (Produção mais Limpa), na qual essa é a opção de segun-
do e terceiro níveis” (BARBIERI, 2007, p. 138). Entende-se que a preocupação
com os produtos na P+L é basicamente prevenir a poluição durante a produção
enquanto para a ecoeficiência, preocupa-se com os impactos ambientais do
produto e sua durabilidade. Mesmo com algumas diferenças, os dois modelos
possuem muitas semelhanças e são propostas similares.
Nesse momento leia com atenção a tabela 1.2 que apresenta um exemplo de
ecoeficiência na indústria química.

EMPRESA: 3M do Brasil Ltda. - Fábrica Sumaré

ATIVIDADE PRINCIPAL: Indústria química

PORTE DA EMPRESA: Grande

MERCADO DE ATUAÇÃO: Regional, nacional e internacional.

Adesivos, abrasivos, tapetes de PVC, esponjas


PRODUTOS PRINCIPAIS: de poliuretano e produtos médicos.

capítulo 1 • 33
PRODUÇÃO MÉDIA ANUAL: 36.500 t de produtos diversos ou 25.000 itens

MUNICÍPIO: Sumaré

Identificação da oportunidade
•  A empresa fabrica um adesivo à base de borracha sintética, vendido para outras em-
presas que o utilizam na fabricação de fraldas descartáveis e absorventes higiênicos.
•  O transporte desse adesivo do local de sua fabricação até as fábricas de absorventes
higiênicos e fraldas era feito em caixas de papelão siliconizado, para evitar a adesão do pro-
duto à própria embalagem. O papelão não podia ser reciclado pelos métodos tradicionais,
por conter silicone, fazendo com que os compradores do produto tivessem como resíduos,
cerca de 24 t/ano dessas caixas, gerando custos extras para o seu gerenciamento.

Medidas adotadas

•  Para a solução do problema, em 2001, a 3M desenvolveu uma embalagem de borracha


sintética compatível com o material constituinte do adesivo, eliminando o uso da caixa de
papelão. A nova embalagem é totalmente incorporada ao adesivo, quando de sua apli-
cação, eliminando, assim, os problemas de gerenciamento das embalagens do produto.
Investimentos

•  O investimento da empresa no desenvolvimento dessa nova embalagem foi de


US$ 95.000, com a compra de equipamentos.
Resultados obtidos
•  A substituição da embalagem resultou na eliminação da geração de 24 t /ano de re-
síduos de embalagens (caixas de papelão siliconizado), evitando a derrubada de cerca
de 2.800 árvores e promovendo uma redução de 54%, no custo unitário das embala-
gens, relativa à eliminação dos custos com o gerenciamento e à disposição final das
caixas de papelão siliconizadas.
•  As mudanças promoveram, ainda, redução de 6% no custo interno de produção do
adesivo e aumento de 12% nas vendas do adesivo para outras empresas.

Tabela 1.2 – Eliminação do descarte de embalagens siliconizadas. Fonte: Adaptado de


CETESB (2002).

34 • capítulo 1
Você acompanhou um exemplo de reutilização de componente pela 3M
onde a solucionou, o problema das caixas de papelão com silicone ao desenvol-
ver uma embalagem de borracha sintética compatível com o adesivos que eram
transportados. Assim, a embalagem passou a ser incorporada ao produto no
momento da sua utilização.

1.6.3  Produção mais limpa

“O princípio básico da metodologia de Produção mais Limpa (P+L) é eliminar a polui-


ção durante o processo de produção, não no final. A razão: todos os resíduos que a
empresa gera custaram-lhe dinheiro, pois foram comprados a preço de matéria- prima
e consumiram insumos como água e energia. Uma vez gerados, continuam a consumir
dinheiro, seja sob a forma de gastos de tratamento e armazenamento, seja sob a forma
de multas pela falta desses cuidados, ou ainda pelos danos à imagem e à reputação da
empresa” (CEBDS, 2015, p. 07).

Como estudamos no início desse capítulo , houve um momento em que as


pessoas não se preocupavam com as questões ambientais. Todos os resíduos
do processo produtivo eram lançados na água, ar e solo, sem que houvesse um
controle efetivo por parte das empresas (CEBDS, 2015).
A diversificação das atividades aumentou ainda mais a geração de resíduos
e os órgãos ambientais passaram a exigir das organizações controle e tratamen-
to de suas emissões atmosféricas, resíduos sólidos e águas servidas. Os grandes
acidentes ambientais que aconteceram também sensibilizaram as empresas
para essa questão e muitas revisaram seus processos.

COMENTÁRIO
Pense nisto! “Transforme suas matérias-primas em produtos e não em resíduos! Com a P+L
podemos: evitar a geração de passivo ambiental e de custos ambientais, o que é do interes-
se da empresa; reduzir os impactos ambientais, o que interessa aos órgãos ambientais e à
sociedade; e – o que talvez ainda não esteja tão claro para você neste momento – melhorar
a qualidade dos produtos, a saúde e a segurança dos trabalhadores” (CEBDS, 2015, p. 10).

capítulo 1 • 35
Com o tempo a responsabilidade pelos crimes ambientais passou a ser co-
letiva e surgiram também as certificações de empresas pela ISO 14001. Ou seja,
comprovantes de que as empresas cumprem a legislação ambiental e estão
comprometidas com a preservação dos recursos naturais.
Porém, “muitas empresas, mesmo certificadas, começaram a perceber que
o custo ambiental, ou seja, o custo para tratar seus resíduos, aumentava na
mesma proporção do crescimento da produção” (CEBDS, 2015, p. 08). Assim,
produzir mais era sinônimo de gerar mais resíduos e gastar mais para tratá-los.
A resposta para a questão: “Como produzir mais com menores custos ambien-
tais?” é deixar de gerar resíduos e isso é possível com a identificação de oportunida-
des de melhoria que levam em conta aspectos técnicos, ambientais e econômicos.
A Produção mais Limpa (P+L) consiste na aplicação contínua de uma estra-
tégia ambiental preventiva integrada aos processos, produtos e serviços para
aumentar a ecoeficiência e reduzir os riscos ao homem e ao meio ambiente
(PNUMA, 2004). Aplica-se a:

inclui conservação de recursos naturais e energia,


PROCESSOS eliminação de matérias-primas tóxicas e redução da
PRODUTIVOS: quantidade e da toxidade dos resíduos e emissões;

envolve a redução dos impactos negativos ao longo


PRODUTOS: do ciclo de vida de um produto, desde a extração de
matérias-primas até a sua disposição final; e

estratégia para incorporação de considerações am-


SERVIÇOS: bientais no planejamento e entrega dos serviços.

Na área governamental:

•  falta de comprometimento governamental na priorização de ações de


P+L, em função do desinteresse da sociedade pelas questões ambientais;
•  falta de suporte legislativo e legislação adequada que privilegie ações de
caráter preventivo;

36 • capítulo 1
•  falta de conhecimento sobre a qualidade ambiental, decorrente da inexis-
tência ou inadequação de rede de monitoramento que permita um diagnóstico
ambiental eficiente.

Na indústria:

•  falta de interesse e participação limitada na implementação de ações de


P+L, devido ao desconhecimento de alternativas tecnológicas e comportamen-
to reativo dos empresários.
•  dificuldade em realizar novos investimentos, decorrente do desconheci-
mento de linhas de crédito em P+L.

No âmbito geral:

•  falta de conscientização sobre o tema P+L;


•  dificuldade em manter e desenvolver centros de pesquisa dedicados ao
conhecimento de tecnologias limpas e materiais alternativos.
•  falta de coordenação e sinergia entre os vários atores evolvidos com o
tema, governo, indústria e sociedade.

Para reverter o cenário de dificuldades identificadas nos países, o relatório


apresentou as seguintes recomendações:
•  elaborar políticas que orientem a aplicação de ações P+L;
•  identificar e praticar ações de P+L mais próximas a população;
•  divulgar casos de sucesso e incorporar a P+L na educação ambiental;
•  intensificar as atividades de capacitação e conscientização sobre P+L;
•  estimular o uso da rotulagem ambiental;
•  estimular a formação de redes e parcerias para divulgação de ações da P+L;
•  criar linhas de financiamento específicas para P+L.

“Todas as matérias-primas, água e energia que entram na empresa são


transformadas em produto que vai ser vendido ou saem da empresa como re-
síduos sólidos, efluentes líquidos ou emissões atmosféricas, os quais devem
ser tratados” (CEBDS, 2015, p. 108). Seguindo essa lógica, quanto menor for à
quantidade de resíduo gerado, menores serão os custos de tratamento.

capítulo 1 • 37
Um fato a ser considerado no contexto da P+L é acrescentar o custo do trata-
mento o valor pago pela matéria-prima que, após serem processadas, transfor-
maram-se em resíduos. Esse detalhe faz notar que todos os resíduos que estão
sendo gerados pela empresa foram anteriormente adquiridos com o preço de
matéria-prima. Dois exemplos, segundo a CEBDS (2015) são:

•  Grãos com impurezas: as impurezas têm preço de grãos, pois esses são
comprados por peso.
•  Chapas ou barras de aço para fabricação de peças: os cavacos gerados fo-
ram pagos pelo preço de matéria-prima.

Para implantar a P+L em uma empresa são necessárias dezoito etapas,


tabela 1.3. Segundo a CEBDS (2015) o sucesso depende da disciplina na execu-
ção das tarefas e ausência de prorrogação de prazos.

COMPROMETIMENTO DA DIREÇÃO DA EMPRESA


- Apoiar os funcionários para que o programa aconteça na empresa. O com-
TAREFA 01 prometimento do proprietário ou da direção da empresa é fundamental para o
sucesso.
SENSIBILIZAÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS
- Reunir os funcionários para comunicar sobre o programa, a importância da
TAREFA 02 participação de todos e prazos.
FORMAÇÃO DO ECOTIME
- A identificação do Ecotime consiste em localizar os funcionários que conhecem
TAREFA 03 a empresa mais profundamente ou são responsáveis por áreas importantes.

APRESENTAÇÃO DA METODOLOGIA
- Nessa etapa são realizadas reuniões técnicas para apresentar os objetivos de
TAREFA 04 cada etapa da metodologia e como alcançá-los.
PRÉ-AVALIAÇÃO
TAREFA 05 - Identificar como está o Licenciamento Ambiental da empresa.
ELABORAÇÃO DOS FLUXOGRAMAS DO PROCESSO
TAREFA 06 - Realizar um avista na fábrica e elaborar os fluxogramas qualitativos.
TABELAS QUANTITATIVAS REFERENTES AOS FLUXOGRAMAS GLOBAL E INTERMEDIÁRIO
- Preencher os dados quantitativos em tabelas referentes aos fluxogramas
TAREFA 07 global e intermediário.
INDICADORES
TAREFA 08 - Definir os indicadores com base nos dados coletados.
AVALIAÇÃO DOS DADOS COLETADOS
TAREFA 09 - Fase das medições específicas que serão utilizadas no Balanço Específico.

38 • capítulo 1
BARREIRAS
- Nessa etapa pode surgir alguma barreira quanto aos altos valores de resíduos
TAREFA 10 gerados e de consumo de materiais de cada área avaliada.
SELEÇÃO DO FOCO DE AVALIAÇÃO E PRIORIZAÇÃO DAS AÇÕES
- Com base na análise anterior e recursos a equipe deverá definir etapas,
TAREFA 11 processos, produtos ou equipamentos que serão priorizados para as efetivas
medições e realização dos balanços de massa.
BALANÇOS DE MASSA E/OU ENERGIA
- Após definir os pontos críticos, deverá ser planejada a realização do balanço
TAREFA 12 de massa ou energia.
AVALIAÇÃO DE CAUSAS DE GERAÇÃO DOS RESÍDUOS
- Feito o balanço de massa o Ecotime deverá avaliar as causas da geração de
TAREFA 13 cada resíduo identificado.
GERAÇÃO DE OPÇÕES DE MELHORIA
- Momento de identificar oportunidades de mudar a situação, ou seja, opções
TAREFA 14 de P+L para deixar de gerar o resíduo.
AVALIAÇÃO TÉCNICA, AMBIENTAL E ECONÔMICA
TAREFA 15 - Avaliação técnica, econômica e ambiental de cada opção identificada.
SELEÇÃO DA OPÇÃO
- Dentre as opções avaliadas deverão ser escolhidas aquelas que apresentem
TAREFA 16 a melhor condição técnica e maiores benefícios ambientais e econômicos.
IMPLEMENTAÇÃO
- Em função da disponibilidade financeira, inicie a implementação pelas ações
TAREFA 17 mais simples e de menor custo que geralmente são a maioria.
PLANO DE MONITORAMENTO E CONTINUIDADE
- Após a implementação é necessário estabelecer um plano de monitoramento
TAREFA 18 para avaliar o desempenho ambiental.

Tabela 1.3 – Cronograma de atividades P+L. Fonte: Adaptado de CEBDS (2015).

Nas organizações nós temos o processo produtivo e os produtos que são fa-
bricados, certo? Quase isso! Temos as pessoas, o processo, os produtos e os re-
síduos que na maior parte das vezes são inertes ao processo. Para exercer qual-
quer tipo de tarefa precisamos das pessoas e da sua colaboração, por isso, elas
precisam ser sensibilizadas e na P+L não é diferente.
A maior barreira para implementação da P+L é a resistência as mudanças
como um problema cultural, por dificuldade de acesso a informação e finan-
ciamento. É importante destacar que a P+L nem sempre requer a aplicação de
novas tecnologias e equipamentos, geralmente seu apoio começa com boas
práticas de operação. As técnicas mais utilizadas são:

•  Boas práticas de operação;


•  Substituição de materiais;

capítulo 1 • 39
•  Mudança de tecnologia;
•  Reciclagem interna;
•  Redesenho de produtos;

A P+L pode ser aplicada a processos usados em qualquer indústria, a produ-


tos em si e a vários serviços providos na sociedade. Verifique nos dois exemplos
que seguem a identificação de uma oportunidade, as medidas adotadas e o re-
sultado a ação.

Ford Motor Company Brasil Ltda Unidade In-


EMPRESA: dustrial de Taubaté

ATIVIDADE PRINCIPAL: Indústria Mecânica

PORTE DA EMPRESA: Grande

MERCADO DE ATUAÇÃO: Internacional

Motores, transmissões (câmbio/diferencial) e


PRODUTOS PRINCIPAIS: componentes de chassis automotivos

192.000 motores, 216.000 transmissões e


PRODUÇÃO MÉDIA ANUAL: 860.000 componentes de chassis

MUNICÍPIO: Taubaté

Identificação da oportunidade

•  Na fabricação de motores, transmissões e componentes de chassis, são realizados processos


de usinagem de peças metálicas, gerando um total médio de 375 t/mês de cavacos metáli-
cos. Esses cavacos, oriundos dos diferentes tipos de processo e impregnados com diferentes

40 • capítulo 1
tipos de óleos e emulsões oleosas de corte, eram depositados em três caçambas mó-
veis, para a separação do óleo/emulsões dos cavacos, pelo processo de decantação. A
quantidade total de óleo/emulsões decantada era da ordem de 35,2 t/mês, represen-
tando, aproximadamente, 9,5 % do peso total do cavaco gerado. Os óleos/emulsões
decantados no fundo das caçambas móveis eram drenados e conduzidos diretamente
para um canalete impermeabilizado interligado à rede coletora de efluentes industriais
e, por gravidade, seguiam para a ETE-Estação de Tratamento de Efluentes.

Medidas adotadas

•  Os óleos/emulsões de corte utilizados em cada etapa dos processos foram reavaliados


e divididos em oito famílias de óleos. Foi implantada uma coleta seletiva dos cavacos
metálicos impregnados com óleo/emulsões, a partir das famílias de óleos definidas. Para
permitir tal coleta seletiva, cinco novas caçambas móveis com capacidade de 12 t cada
foram cedidas pela empresa coletora de cavacos, em regime de parceria. Também foi
necessário construir sete novos mini-tanques em alvenaria, com capacidade de 250 litros
cada, impermeabilizados e revestidos com chapa metálica de aço para receber as oito
famílias de óleos/emulsões, decantadas nas caçambas móveis.
•  Dos mini-tanques, por um processo de bombeamento, os óleos/emulsões são separa-
dos e armazenados em contêiners e passam por um processo de análise físico-química
para verificação e eventual ajuste químico das condições técnicas. A partir dessa determi-
nação eles são reutilizados no processo de corte de que são originários ou encaminhados
para outros equipamentos dentro da empresa, cujas operações permitam o uso de óleo/
emulsões de corte com características menos exigentes. Caso os óleos/emulsões não
apresentem condição de uso, eles são enviados para a ETE.
•  A implantação das medidas, principalmente no que se refere às obras civis, treinamento
de pessoal e estabelecimento de logística com a empresa que faz a remoção de cavacos,
ocorreu ao longo dos meses de fevereiro, março e abril de 2002, entrando em regime de
operação em maio/2002.
Investimentos

•  Bomba pneumática para sucção do material dos mini-tanques R$ 2.000,00


•  Obras civis para construção dos 7 mini-tanques R$ 8.000,00
•  Total de investimentos R$10.000,00
Tempo de retorno dos investimentos 1 mês

capítulo 1 • 41
Resultados obtidos

•  Redução na compra de óleo para corte, da ordem de 1.400 litros/mês, representando


uma economia da ordem de R$ 11.000,00/mês.
•  Redução média de 1% no consumo de água da unidade industrial, representando
20.000 litros água/mês e uma economia de cerca de R$ 78,00/mês.
•  Redução de 88% da quantidade de óleo enviada para a ETE, com redução de 3% do
volume geral de efluentes líquidos a serem tratados, gerando uma economia de 3% no
consumo de produtos químicos utilizados na ETE ou R$ 120,00/mês.

Tabela 1.4 – Reuso de óleos e emulsões na indústria mecânica. Fonte: Adaptado de CETESB
(2002).

O exemplo acima tratou do reuso de óleos e emulsões na indústria mecâ-


nica. Observa-se que já havia um processo para captação do óleo impregnado
no cavaco, todavia, não era um procedimento eficiente. Os resultados da ação
demonstram ganhos financeiros e ambientais como a redução do consumo de
água e a utilização dos óleos que são separados.

Companhia Brasileira de Bebidas –


EMPRESA: Filial Jaguariúna

ATIVIDADE PRINCIPAL: Produção de Bebidas

PORTE DA EMPRESA: Grande

MERCADO DE ATUAÇÃO: Nacional e Internacional

PRODUTOS PRINCIPAIS: Cerveja, Chope, Isotônicos e Água mineral

42 • capítulo 1
PRODUÇÃO MÉDIA ANUAL: 5.000.000 hl de bebidas

MUNICÍPIO: Jaguariúna

Identificação da oportunidade
•  No processo de fabricação de bebidas existe um elevado consumo de água, em
função dos processos de limpeza de equipamentos, geração de vapor, pasteurização,
bem como a água incorporada aos produtos, neste caso, cerveja, chope, isotônicos e
água mineral.
•  A água utilizada pela empresa é captada do rio Jaguari, pertencente à Bacia do Rio
Piracicaba, Classe 2, de acordo com a Resolução CONAMA 20/86, e submetida a
tratamento físico-químico antes de sua utilização. Em vista do intenso crescimento po-
pulacional e industrial da região, a Bacia do Rio Piracicaba vem apresentando níveis
críticos de abastecimento de água, especialmente nos períodos de estiagem.
•  Com relação aos indicadores de consumo de água, foi relatado que antes de 2000,
a unidade de Jaguariúna apresentava um consumo médio de 7,20 litros de água por
litro de bebida produzida, sendo esse valor considerado superior à média das demais
unidades do mesmo grupo.
•  O consumo excessivo de água, aliado ao problema de escassez de água na região
motivaram a empresa a identificar oportunidades para redução do uso de água no pro-
cesso produtivo e em outras áreas da fábrica.

Medidas adotadas

•  A empresa criou um grupo de trabalho, composto por funcionários de vários setores


da fábrica, especialmente aqueles que poderiam apresentar consumo significativo de
água. A confirmação das áreas de maior consumo foi realizada com a instalação de
medidores de vazão calibrados em diversos pontos da empresa. Após a fase de moni-
toramento e avaliação, foram implementadas as seguintes ações:
- redução do volume de água de limpeza dos equipamentos - as condições de assepsia
dos tanques são asseguradas, por meio de vistorias e uso de indicadores ( por ex: uso
de indicador de pH);

capítulo 1 • 43
Investimentos
- reuso das águas de descarte do pasteurizador – as águas, antes descartadas, são
segregadas e armazenadas em um tanque para posterior uso na limpeza dos pisos;
- eliminação dos vazamentos – são realizadas inspeções programadas e manutenção
em dutos, uniões, cotovelos, registros e válvulas existentes nos diversos setores;
- recuperação das águas de lavagens dos filtros (retrolavagem) da Estação de Trata-
mento de Água (ETA), por meio de bombas e dutos que conduzem a água recuperada
para a entrada da ETA;
- reuso dos produtos de limpeza, em até 30 vezes, utilizando-se controle analítico da
concentração da solução para assegurar a sua qualidade e ação de desinfecção, as-
sepsia, higienização, necessários ao processo;
- treinamentos para conscientização dos funcionários, por meio de campanhas para
uso racional da água;
- normatização e otimização do consumo de água dos banhos nos vestiários, com subs-
tituição de
algumas torneiras comuns por automáticas, sob pressão. Foram eliminados cinqüenta e
três banheiros, sem prejuízo da higiene e assepsia necessária aos funcionários;
- eliminação de 60% das torneiras destinadas à irrigação dos jardins e
- detecção, seguido da eliminação de vazamentos em tubulações subterrâneas.
Investimentos
•  O investimento total das medidas implantadas foi de R$ 97.500,00, incluindo: insta-
lação do sistema de recuperação da água de lavagem dos filtros na ETA, aquisição de
torneiras, registros, válvulas, mão-de-obra e outros materiais não especificados.
Resultados obtidos
•  As medidas implantadas resultaram na redução do indicador de consumo de
água, que passou de 7,20 hl água/hl bebida produzida para 5,89 hl água/hl bebi-
da em 2002, economizando cerca de 1,3 litros de água por litro de bebida produ-
zida. Considerando uma produção anual de 5.108 litros de bebidas e consumo
de 200 litros de água/ hab. dia, tem-se que esta economia representa aproxima-
damente 650.000 m3 de água não captada do rio Jaguari, suficiente para o con-
sumo de uma população de aproximadamente 9.600 habitantes durante um ano.

44 • capítulo 1
O uso racional de água na empresa resultou em economia anual R$ 249.503,00, de-
corrente da redução do uso de insumos (produtos químicos, energia), mão-de-obra etc,
nos sistemas de tratamento, sendo:
R$ 46.348,00/ano no tratamento de água e
R$ 203.155,00/ano tratamento de efluentes industriais.

Tabela 1.5 – Redução do consumo de água na indústria de bebidas. Fonte: Adaptado de


CETESB (2003).

O segundo exemplo tem como tema o uso da água em uma planta indus-
trial. Também nesse caso é possível perceber que após algumas medidas a em-
presa obteve ganhos ambientais e financeiros com a ação implementada.
Há divergências sobre o fato de uma única empresa ser sustentável. Todavia,
podemos estabelecer que a contribuição individual das organizações para
sociedade possui uma grande importância. A ecoeficiência é uma meta para
ser alcançada e as práticas de P+L constituem o caminho para chegar até ela.
Conceitos e instrumentos como a Responsabilidade Social e a Engenharia do
Ciclo de Vida, apóiam essa estratégia e serão estudados nos próximos capítulos.

LEITURA
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DE ONDE VEM A CASTANHA da Natura Ekos?”. Produção: Natura. Divulgação. Brasil:, Natura, 2015.
Disponível em: <http://naturaekos.com.br/biodiversidade/castanha/>. Acesso em: 05 abril 2015.
ILHA DAS Flores. Direção: Jorge Furtado. Produção: Casa de Cinema de Porto Alegre. Brasil,
Rio Grande do Sul, 1989. (documentário, 13 min.). Disponível em: <http://portacurtas.org.br/
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UMA VERDADE Inconveniente. Produção de: Davis Guggenheim. Documentário. Estados Unidos:
Paramont Pictures, 2006. (1h 40 min.). Disponível em: <http://vimeo.com/24857305>.

capítulo 1 • 45
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VIEIRA, L. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. São Paulo: Editora
Record, 2001. 403 p.
WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT. Our common future. United
Kingdom: Oxford University Press, 1987.
WWF - World Wide Fund for Nature. Quem somos? Disponível em: <http://www.wwf.org.br/>.
Acesso em: 05 abril 2015.

capítulo 1 • 47
48 • capítulo 1
2
Gestão Social e
Ambiental
Nesse capítulo iremos estudar o conceito de responsabilidade social, mas an-
tes de continuar, leia os textos “O beco ao lado” e “O título funerário” apre-
sentados no quadro 2.1. Esses textos reatam dois episódios que ocorreram
em 2001 quando o ABN AMRO Real tentava colocar de lado o pensamento
de que responsabilidade social só poderia ser obtida através da filantropia.
Nessa época o banco buscava um foco estratégico, com responsabilidade cor-
porativa com o objetivo de fazer a coisa certa de maneira sistemática.

O beco ao lado
Um dos diretores do banco mencionou um beco sujo e abandonado ao lado do banco
que servia como ponto de distribuição de drogas e de assaltantes. Mudar o mundo
não seria um objetivo crível se o banco não fosse capaz de transformar o beco vizinho.
Ao invés de depender da polícia, o banco decidiu assumir a responsabilidade. Com o
envolvimento da comunidade local, um jardim foi criado, a calçada e iluminação foram
substituídas e dois quiosques, empregando jovens de famílias de baixa renda, foram
instalados, tornando a rua segura e agradável. “A partir daquele ponto sabíamos o que
precisava ser feito. Se cada um de nós mudasse o beco vizinho, poderíamos mudar o
mundo, um executivo mencionou.
O título funerário
Um empregado do banco vendeu um título que não venceria por décadas a um senhor
de 70 anos e que levaria a um prejuízo caso fosse liquidado antecipadamente. Quando
a família do cliente descobriu sobre o caso, utilizou a Internet para denunciar a falta
de ética profissional do banco. Os líderes rapidamente cancelaram a transação, mas o
dano já havia sido causado. A lição: é melhor perder um negócio do que um relaciona-
mento. Fábio disse:
Não seríamos capazes de construir uma marca baseada na satisfação do cliente, res-
ponsabilidade social e sustentabilidade ambiental se não adequássemos nossa cultura.
A partir desse ponto, sabíamos que as ações deveriam ser implementadas a partir de
dentro do próprio banco.

Quadro 2.1 – O beco ao lado e O título funerário. Fonte: Adaptado de Kanter e Reisen de
Pinho (2006, p. 5).

50 • capítulo 2
Agora que você leu os textos percebeu que os dois eventos enviaram sinais
importantes que serviram como símbolos. Sobre esses eventos, qual foi o even-
to positivo e qual foi o negativo? Pense também sobre as oportunidades que
surgiram com as situações e os desafios que a partir de então o banco deveria
enfrentar.
“A incorporação de aspectos sociais nas decisões e ações estratégicas em-
presariais é hoje o maior desafio das corporações de todos os portes em todo o
mundo” (SEBRAE, 2005, p. 7). O mercado recebe melhor as empresas que não
poluem, poluem menos ou deixam de poluir e não as organizações que despre-
zam as questões ambientais e priorizam o lucro (DONAIRE, 1999).
O termo responsabilidade social começou a ser utilizado na década de 1970,
apesar de alguns aspectos da responsabilidade social já serem trabalhados des-
de o final do século XIX. No passado, o foco da responsabilidade social eram
os negócios. Sendo o termo “responsabilidade social empresarial” (RSE) mais
conhecido que responsabilidade social (ABNT, 2010).
Inúmeras razões contribuíram para a conscientização sobre a responsa-
bilidade social como a globalização, maior mobilidade e acessibilidade. Com
mais disponibilidade de comunicação, as pessoas no mundo inteiro podem
acompanhar as decisões e atividades das organizações próximas e distantes e
as questões ambientais e sociais têm alcance maior
Um grande desafio hoje é incorporar a responsabilidade social na gestão
empresarial. Como não é mais possível tratar aspectos de planejamento, cus-
tos, finanças, mercado, tecnologia isoladamente, é preciso reunir a responsa-
bilidade social ao cenário gerencial, uma vez que as organizações possuem um
novo papel na construção do desenvolvimento social (SEBRAE, 2005).
“A característica essencial da responsabilidade social é a disposição da or-
ganização de incorporar considerações socioambientais em seus processos
decisórios, bem como a accountability1 pelos impactos de suas atividades na
sociedade e no meio ambiente (ABNT, 2010). Isso implica um comportamento
transparente que contribua para o desenvolvimento sustentável, esteja em con-
formidade com as leis aplicáveis e seja consistente com as normas internacio-
nais de comportamento.
1  Condição de responsabilizar-se por decisões e atividades e prestar contas destas decisões e atividades aos
órgãos de governança de uma organização, a autoridades legais e, de modo mais amplo, às partes interessadas da
organização (ABNT, 2010).

capítulo 2 • 51
OBJETIVOS
Ao final deste capítulo esperamos que você:

•  Entenda o significado do termo responsabilidade social e o seu desdobramento nas res-


ponsabilidades econômicas, legais e éticas.
•  Entenda a relação entre sustentabilidade e responsabilidade social.
•  Conheça os argumentos favoráveis e contrários as ações de responsabilidade social cor-
porativa.
•  Compreenda que as organizações em todo o mundo, assim como suas partes interessadas,
precisam se tornar cientes da necessidade e dos benefícios do comportamento socialmente
responsável.

52 • capítulo 2
2.1  Definição de Responsabilidade Social

A responsabilidade social da empresa vai além da filantropia. Na maioria das defini-


ções se descreve como as medidas constitutivas pelas quais as empresas integram
preocupações da sociedade em suas políticas e operações comerciais, em particular,
preocupações ambientais, econômicas e sociais (UNCTAD, 2003, s/p).

Nos últimos anos o interesse sobre Responsabilidade Social tem aumenta-


do de forma significativa. Muitas empresas estão buscando mecanismos para
demonstrar como são socialmente responsáveis. Todavia, como se trata de um
conceito novo, há muitos debates em andamento e é importante compreender
como surgiu e se aplica esse conceito (MACHADO FILHO, 2013).
“O objetivo da responsabilidade social é contribuir para o desenvolvimento
sustentável” (ABNT, 2010, p. vii). O desempenho da organização em relação à
sociedade em que atua e ao seu impacto no meio ambiente se tornou uma parte
importante na avaliação de seu desempenho e de sua capacidade de continuar
a operar de forma eficaz. Em longo prazo, todas as atividades das organizações
dependem da saúde dos ecossistemas do mundo o que gera uma investigação
sensível por parte de seus stakeholders.
Existem várias definições para responsabilidade social, todavia, segundo a
ABNT (2010, p. 3), compreende a responsabilidade de uma organização pelos
impactos de suas decisões e atividades na sociedade e no meio ambiente, por
meio de um comportamento ético e transparente que:

•  contribua para o desenvolvimento sustentável, inclusive a saúde e bem


-estar da sociedade;
•  leve em consideração as expectativas das partes interessadas;
•  esteja em conformidade com a legislação aplicável e seja consistente com
as normas internacionais de comportamento;
•  esteja integrada em toda a organização e seja praticada em suas relações.

capítulo 2 • 53
Para Martins (2008, p. 15) a responsabilidade social pode ser descrita como:

A nova forma de gerir e administrar os negócios, gerando mais valor para a empresa e
os acionistas, e também para a sociedade em geral, a partir de postura ética, de cuida-
dos, responsável, com os diferentes públicos de relacionamento, com as redes em que
essa empresa está inserida”

Dias (2011, p. 173) informa que o conceito de responsabilidade social:

Promove um comportamento empresarial que integra elementos sociais e ambientais


que não necessariamente estão contidos na legislação, mas que atendem às expecta-
tivas da sociedade em relação à empresa

Todavia, o conceito elaborado por Carroll (1979 apud Barbieri e Cajazeira,


2012, p. 53) continua sendo o mais aceito, pois relata que a responsabilidade so-
cial das empresas “compreende as expectativas econômicas, legais, éticas e dis-
cricionárias que a sociedade tem em relação às organizações em dado período”.

Responsabilidades
Voluntárias

Responsabilidades
Éticas

Responsabilidades
Legais

Responsabilidades
Econômicas

Figura 2.1 – Pirâmide da responsabilidade social empresarial. Fonte: Carroll (1991, p. 47


apud DIAS, 2012, p. 32).

54 • capítulo 2
A figura 2.1 demonstra a responsabilidade legal posicionada após a respon-
sabilidade econômica, o que indica que a empresa deve cumprir sua missão
econômica dentro da legalidade. Na sequência, a responsabilidade ética, que
está na terceira dimensão da pirâmide de Carroll, representa o comportamen-
to esperado pela sociedade por parte da empresa, mesmo que a atividade em
questão não faça parte das obrigações legais ou dos negócios da organização.
Finalmente, a responsabilidade discricionária (ou voluntária) surge sem uma
indicação definida da sociedade, ficando a cargo de escolhas e julgamentos
individuais.
Apesar do sucesso, o modelo de Carroll recebeu críticas por sugerir uma hie-
rarquia entre as quatro responsabilidades e, também por colocar a responsabi-
lidade filantrópica no topo da pirâmide sugerindo que ela é a mais importante.
A partir dessas constatações um novo modelo foi apresentado por Schwartz e
Carroll (2003 apud Barbieri e Cajazeira, 2012, p. 57), onde foram utilizados cír-
culos para indicar os três campos de domínio da responsabilidade social: eco-
nômico, legal, ético, figura 2.2.

Exclusivamente
ético

Econômico/ Legal/
ético ético
Econômico/
legal/ético

Exclusivamente Econômico/ Exclusivamente


econômico legal legal

Figura 2.2 – Modelo dos três domínios da Responsabilidade Social Empresarial. Fonte: Adap-
tada de Schwartz & Carroll (2003, p. 509 apud BARBIERI e CAJAZEIRA, 2012, p. 57).

capítulo 2 • 55
No novo modelo a filantropia deixou de ter uma dimensão específica. Na
maioria dos casos é difícil separar as atividades éticas de atividades filantrópi-
cas. Além do mais, as atividades filantrópicas podem ter realizadas apenas por
interesses econômicos.
Em alguns casos, a responsabilidade social empresarial é confundida com
filantropia ou ação social. Oliveira (2008) explica que a ação social corresponde
as doações ou projetos que beneficiam, por exemplo, uma comunidade e a fi-
lantropia é a ação social com projetos não ligados ao negócio da empresa como
doações a instituições beneficentes. Por outro lado, a responsabilidade social
envolve atitudes com as partes interessadas.
As partes interessadas possuem interesses que podem afetar as decisões de
uma organização. O interesse dá a parte uma participação na organização que
não precisa ser formalizada ou mesmo reconhecida. As partes interessadas po-
dem também ser chamadas de stakeholders .
Em resumo, os argumentos que suportam ou vão contra as ações das or-
ganizações consideram aspectos ideológicos e pragmáticos, como a visão dos
stakeholders.

CONCEITO
Stakeholders: Qualquer pessoa ou grupo que tem interesse ou possa ser afetado pelas
ações de uma organização. Exemplos: público interno, fornecedor, consumidor, cliente, ins-
tituição pública, comunidade, proprietários, sindicatos, órgãos governamentais, entre outros
(BARBIERI e CAJAZEIRA, 2012, p. 247).

2.2  Argumentos favoráveis e contrários ao


engajamento das empresas em ações sociais

Os argumentos que defendem as ações sociais são baseados em aspectos éticos


ou instrumentos racionais (MACHADO FILHO, 2013). Os argumentos éticos
são derivados de princípios religiosos, referencial filosófico ou normas sociais
prevalecentes. Esses argumentos sugerem que a empresa deve se comportar de
uma maneira socialmente responsável por que é moralmente correto agir as-

56 • capítulo 2
sim. O argumento instrumental em favor da responsabilidade social é baseado
em um tipo de cálculo racional, segundo o qual o comportamento socialmente
responsável beneficiará a empresa como um todo, ao menos no longo prazo.
Os argumentos contra as ações sociais são baseados na função institucional
das organizações ou na perspectiva de direitos de propriedade. O conceito de
função institucional assume que outras instituições, como o governo, sindica-
tos, igrejas e organizações civis, existem para realizar o tipo de função requeri-
da pela responsabilidade social.
Outro argumento colocado por Machado Filho (2013), indica que os gesto-
res de empresas de mercado não possuem habilidades ou tempo para imple-
mentar ações de cunho público. Esse fato se sustenta na premissa do autoin-
teresse, de acordo com o qual a resultante para a sociedade seria melhor se as
empresas se concentrassem em seu objetivo de gerar lucro.
Outro argumento contrário às ações de cunho social é baseado no direito de
propriedade, também enraizado na análise econômica neoclássica. Esse argu-
mento defende que os administradores devem, em primeiro lugar, aumentar
o valor do acionista. Nessa perspectiva a empresa deve utilizar seus recursos e
engajar-se em atividades delineadas para incrementar lucros tanto quanto pos-
síveis dentro das regras do jogo, qual seja, engajar-se em um mercado livre e
competitivo sem fraudes (MACHADO FILHO, 2013).
Machado Filho (2013), afirma que mesmo com relação ao componente da
responsabilidade filantrópica podem existir convergências. A relação coope-
rativa entre empresa e sociedade é justificada pelo fato da empresa se benefi-
ciar de um ambiente positivo de relacionamento social, por meio de melhoria
de imagem ou reputação que gere criação de valor no longo prazo. Outra si-
tuação acontece quando os acionistas obtêm algum retorno não-pecuniário a
partir de uma postura socialmente positiva, em concordância com os demais
stakeholders.
Dessa forma, a empresa teria retorno econômico pelo aumento da sua repu-
tação. No caso dos acionistas obterem outros tipos de retornos não-pecuniários
de ações sociais, mesmo sem ganhos econômicos, também não haveria desali-
nhamento de interesses.

capítulo 2 • 57
2.3  Princípios da responsabilidade social
Conforme a ABNT (2010), a responsabilidade social possui sete princípios que apre-
sentam como objetivo aumentar a contribuição para o desenvolvimento sustentável.
Mesmo quando essa contribuição se apresenta como um desafio para a organização
convém que seu comportamento seja pautado em normas, diretrizes ou regras de
conduta de modo a respeitar as diversidades sociais, ambientais, jurídicas, culturais,
políticas e organizacionais assim como diferentes condições econômicas.
Os princípios citados pela ABNT (2010) na norma de “Diretrizes de
Responsabilidade Social” são:

Accountability

O princípio é: convém que a organização preste contas e se responsabilize por


seus impactos na sociedade, na economia e no meio ambiente.
Nesse princípio destaca-se o fato da empresa aceitar uma investigação apro-
priada e também responder a essa investigação. Esse princípio, tem como re-
sultado um impacto positivo para sociedade, pois engloba aceitar a responsabi-
lidade por erros, tomando as medidas cabíveis para remediá-los e adotar ações
para evitar que se repitam.
Convém que uma organização preste contas e se responsabilize por:

•  impactos de suas decisões e atividades na sociedade, no meio ambiente e


na economia, especialmente consequências negativas significativas; e,
•  medidas tomadas para evitar a repetição de impactos negativos não inten-
cionais ou imprevistos.

Transparência

O princípio é: convém que uma organização seja transparente em suas decisões


e atividades que impactam na sociedade e no meio ambiente.
As organizações devem divulgar de forma clara suas políticas, decisões e
atividades pelas quais é responsável, inclusive os impactos na sociedade e no
meio ambiente. Essas informações devem estar acessíveis para aqueles que
tenham sido afetados ou possam vir a ser afetados de modo significativo pela
organização.

58 • capítulo 2
Convém que a organização seja transparente em relação a:

•  propósito, natureza e localização de suas atividades;


•  identificação de qualquer controle acionário na atividade da organização;
•  como suas decisões são tomadas, implementadas e analisadas; e,
•  critérios para avaliar seu próprio desempenho em relação à responsabili-
dade social.

Comportamento ético

O princípio é: convém que uma organização comporte-se eticamente.


O comportamento da organização deve se basear nos valores de honestida-
de, equidade e integridade. Esses valores indicam a preocupação com pessoas,
animais e meio ambiente, assim com o interesse de lidar com o impacto de
suas atividades nos interesses das partes interessadas.
Convém que uma organização promova ativamente o comportamento ético
por meio de:

•  identificação e declaração de seus valores e princípios fundamentais;


•  desenvolvimento e uso de estruturas de governança; e,
•  identificação, adoção e aplicação de padrões de comportamento ético.

Respeito pelos interesses das partes interessadas

O princípio é: convém que uma organização respeite, considere e responda aos


interesses de suas partes interessadas.
Além de atender os objetivos dos seus proprietários, conselheiros, clientes
ou associados, outros indivíduos ou grupos podem também ter direitos, reivin-
dicações ou interesses específicos que devem ser considerados.
Convém que a organização:

•  reconheça e tenha a devida consideração pelos interesses e direitos legíti-


mos de suas partes interessadas e responda às preocupações por elas expressas;
•  reconheça que algumas partes interessadas podem afetar significativa-
mente as atividades da organização; e,
•  avalie e considere a capacidade relativa das partes interessadas de estabe-
lecer contato, engajar-se e influenciar a organização.

capítulo 2 • 59
Respeito pelo estado de direito

O princípio é: convém que uma organização aceite que o respeito pelo estado
de direito é obrigatório.
O estado de direito refere-se à supremacia da lei e, à ideia de que nenhum indi-
víduo ou organização está acima da lei e que o governo também está sujeito à lei.
Convém que uma organização:

•  cumpra requisitos legais em todas as jurisdições em que opera, mesmo


que essas leis e regulamentos não sejam fiscalizados adequadamente; e,
•  assegure-se de que suas relações e atividades estejam em conformidade
com a estrutura legal pretendida e aplicável.

Respeito pelas normas internacionais de comportamento

O princípio é: convém que uma organização respeite as normas internacionais


de comportamento, ao mesmo tempo em que adere ao princípio de respeito
pelo estado de direito.

•  Em situações onde a legislação ou sua implementação não prevê salva-


guardas socioambientais adequadas, convém que a organização esforce-se
para respeitar no mínimo as normas internacionais de comportamento.
•  Em países onde a legislação ou sua implementação contradigam as nor-
mas internacionais de comportamento, convém que a organização esforce-se
para respeitar essas normas até onde seja possível.

ATENÇÃO
No contexto jurídico, cumplicidade é definida como estar envolvido em um ato ou omissão
com efeito substancial no cometimento de um ato ilegal. Fora do contexto jurídico, a organi-
zação pode ser considerada cúmplice quando colaborar com o cometimento de atos indevi-
dos por outros que desrespeitem ou não sejam consistentes com normas internacionais de
comportamento que a organização, por meio do exercício da due diligence, saiba ou convém
que saiba que provocariam impactos negativos na sociedade, na economia ou no meio am-
biente (ABNT, 2010, p. 12).

60 • capítulo 2
Respeito pelos direitos humanos

O princípio é: convém que uma organização respeite os direitos humanos e re-


conheça tanto sua importância como sua universalidade.
Convém que uma organização:

•  respeite e, sempre que possível, promova os direitos previstos na Carta


Internacional dos Direitos Humanos;
•  respeite a universalidade desses direitos, ou seja, reconheça que eles são
aplicáveis em todos os países, culturas e situações de forma unívoca;
•  em situações em que os direitos humanos não estejam protegidos, tome me-
didas para respeitar os direitos humanos e evite tirar vantagens dessas situações.

2.4  Reconhecimento da responsabilidade


social e engajamento das partes interessadas

O reconhecimento da responsabilidade social envolve a identificação dos im-


pactos resultantes das atividades da organização, e também como esses pro-
blemas são abordados de forma a contribuir para o desenvolvimento sustentá-
vel (ABNT, 2010). Nesse sentido, o reconhecimento da responsabilidade social
também envolve o reconhecimento das partes interessadas da organização.
Para abordar sua responsabilidade social, a organização deve compreender
três valores como destaca ABNT (2010):

•  Entre a organização e a sociedade: convém que a organização compreen-


da como suas decisões e atividades impactam a sociedade e o meio ambiente.
Também é importante compreender as expectativas da sociedade quanto ao
comportamento responsável no tocante a esses impactos.
•  Entre a organização e suas partes interessadas: a organização deve identi-
ficar suas partes interessadas que compreendem os indivíduos ou grupos cujos
interesses poderiam ser afetados pelas decisões e atividades da organização.
•  Entre partes interessadas e sociedade: espera-se que a organização en-
tenda a relação entre os interesses das partes interessadas que são afetados pela
organização, por um lado, e as expectativas da sociedade por outro. Embora as
partes interessadas sejam parte da sociedade, elas podem ter um interesse con-
flitante com as expectativas da sociedade.

capítulo 2 • 61
Sociedade
e Meio
Ambiente
Impactos

Organização
Expectativas

Impactos

Partes
interessadas
Interesses

Figura 2.3 – Relação entre a organização, suas partes interessadas e a sociedade. Fonte:
ABNT (2010).

Como demonstra a figura 2.3, ao reconhecer sua responsabilidade social, a


organização deverá considerar as três relações apresentadas. Provavelmente, a
organização, suas partes interessadas e a sociedade terão perspectivas diferen-
tes, pois seus objetivos podem não ser os mesmos.
Uma forma eficaz para a organização entender as questões relacionadas a
responsabilidade social é entendendo os seguintes temas: governança organi-
zacional, direitos humanos, práticas de trabalho, meio ambiente, práticas le-
ais de operação, questões relativas ao consumidor, envolvimento e desenvolvi-
mento da comunidade.
Conforme a ABNT (2010), esses temas cobrem os impactos econômicos,
ambientais e sociais mais prováveis que deverão ser tratados pela organização.
A orientação de cada questão inclui uma série de ações que a organização deve-
ria realizar e expectativas de como ela deve se comportar.
Para que uma organização identifique questões relevantes e estabeleça suas
prioridades em relação a responsabilidade social, é preciso abordar os temas
apresentados na figura 2.4.

62 • capítulo 2
Visão holística

Envolvimento e
desenvolvimento Direitos
da comunidade humanos

Questões
relativas ao Organização Práticas
consumidor de trabalho

Práticas
Meio
leais de
ambiente
operação

Interdependência

Figura 2.4 – Temas centrais. Fonte: ABNT (2010).

Ao abordar esses temas e questões centrais e integrar a responsabilidade


social em suas decisões e atividades, uma organização pode obter alguns bene-
fícios importantes como melhoria das práticas de gestão de risco, melhoria da
reputação da organização e geração de inovação.
Para encerrar os estudos desse tópico, leia o texto “O CEO e o cliente” e
análise a atitude do CEO em responder a cliente e também o conteúdo de cada
resposta.

O CEO e o Cliente": Trechos de um Diálogo entre


Fábio Barbosa e Sônia Mesquita.
Sônia Mesquita: Nunca pensei que você responderia minha carta. Eu a escrevi porque
queria descobrir como mudar a situação em um país com tantos problemas como o
Brasil. Um grande problema são nossas taxas de juros. Como você explica taxas tão
altas?

Fábio Barbosa: Realmente, as taxas de juros são altas. Para reduzi-las, precisamos
entender e agir sobre as causas que são a raiz do problema e não focar as taxas em si.
Permita-me simplificar o assunto, começando com a lei de oferta e procura. Quando o
dinheiro é escasso, como é o caso do Brasil atualmente, a tendência é que o dinheiro se

capítulo 2 • 63
torne mais caro. Também há impostos que são cobrados sobre certas transações finan-
ceiras, encarecendo os produtos e serviços bancários. É do nosso interesse aumentar
a oferta de crédito dos bancos para que possamos fortalecer as bases das nossas
atividades empresariais e assim facilitar o crescimento econômico sustentável. Porém,
antes disso, há muitos outros pontos que devem ser considerados, tais como inflação,
depósitos compulsórios, mudanças legislativas e a existência de uma economia infor-
mal. Embora uma discussão sobre taxas de juros não inclua apenas essas questões,
com diálogo e participação de todos os setores da economia, poderemos nos tornar um
banco ainda melhor para nossos clientes.

Sônia Mesquita: Eu me aborreço pela forma com que os bancos tratam seus clientes.
Muitas vezes, a equipe do banco é cortês a qualquer um com terno e gravata. Ao mes-
mo tempo, eles subestimam pessoas com uma aparência mais simples. Mas esses são
precisamente os clientes que mais se beneficiariam de assistência especializada sobre
suas finanças.

Fábio Barbosa: Concordo com você. É por isso que temos trabalhado para conscien-
tizar nossa equipe de que clientes satisfeitos é que viabilizam nosso negócio. E para
satisfazer nossos clientes, devemos todos, independentemente da nossa área, dar o
melhor de nós mesmos.

Sônia Mesquita: O que você quer dizer por dar o melhor de si?

Fábio Barbosa: Bem, isso não deveria ser algo artificial, como obrigar a equipe a dar
bom dia a qualquer um que entrasse numa agência. É algo mais profundo que isso.
Membros da equipe que se sentem respeitados pelo banco serão educados com os
clientes. Se algum empregado não se entende com a organização, ele ou ela jamais
terá a atitude certa para lidar com o público. No mais recente estudo interno que reali-
zamos, descobrimos que mais de 90% dos nossos empregados se sentem orgulhosos
de trabalhar para o banco e 89% dizem que eles gostam do que fazem. Esse nível de
satisfação nos ajuda a atingir nossas metas.

Sônia Mesquita: Teoricamente, todos pagam impostos para que o Estado retorne esse
dinheiro sob a forma de serviços. Na prática, porém, muitas pessoas deixam de pagar
seus impostos porque eles acreditam que uma boa parte desse dinheiro não é usado em
benefício da sociedade. Isso acaba criando um enorme círculo vicioso. Conheço muitas
pessoas que se indignam ao pagar por uma escola particular para seus filhos porque nos-
sas escolas públicas não são boas o bastante. Não é difícil quebrar esse círculo vicioso?

64 • capítulo 2
Fábio Barbosa: Aqueles que não pagam não têm direito de reclamar sobre serviços
ruins. Seria hipócrita não pagar seus impostos e então reclamar sobre buracos na estra-
da. A solução do problema começa com uma mudança nos valores. Devemos mudar os
valores das pessoas e do país. Ao longo da nossa história, criamos um ambiente onde
se tornou aceitável estar acima da lei. Eu me lembro de quando estava na escola. Eu
sempre fui um bom aluno, mas ao chegar na faculdade, como eu queria fazer parte do
grupo, eu dizia aos outros estudantes que não tinha estudado para uma prova e havia
ficado assistindo à TV porque qualquer um que estudasse estava por fora. Quando fui
ao exterior, descobri exatamente o contrário. Lá, qualquer um que não estudasse quan-
do deveria é que estava por fora. Foi um choque cultural, mas me ajudou a perceber
como nossa sociedade cultiva valores errados. Felizmente, porém, isso está mudando.

Sônia Mesquita: Eu me preocupo com essa onda de terceirizações. Essa é uma ferra-
menta usada por muitas empresas para se tornarem mais competitivas. Para competir,
muitos dos fornecedores só podem oferecer serviços de baixo custo não registrando
seus empregados.

Fábio Barbosa: A terceirização não é má em si mesma, mas depende de como é feita.


A terceirização pode gerar mais empregos ou desenvolver ainda mais as cooperativas.
No banco, desenvolvemos um grupo de trabalho onde discutimos com os fornecedores
formas de colocar a responsabilidade social e corporativa em prática. Se todos fizermos
nossa parte, mudaremos o mundo.

Sônia Mesquita: Concordo que cada um de nós precisa oferecer um pouco do nosso tem-
po para consertar o que está errado. Me agrada que o ABN Amro Real realmente esteja
determinado a praticar uma nova forma de capitalismo. Veja essa reunião por exemplo...
Ela realmente mostra que o banco está disposto a conversar com a sociedade.

Quadro 2.2 – O CEO e o Cliente: Trechos de um Diálogo entre Fábio Barbosa e Sônia
Mesquita. Fonte: Adaptado de Kanter e Reisen de Pinho (2006, p. 28).

2.5  Responsabilidade Social Empresarial (RSE)


A Responsabilidade Social Empresarial pode ser descrita como uma nova forma
de administrar os negócios, gerando mais valor para a empresa e para os acionis-
tas, e também para a sociedade, a partir de postura ética, de cuidados, responsá-
vel, com os públicos que a empresa se relaciona (MARTINS, 2008, p. 15).

capítulo 2 • 65
Fornecedores: A empresa pode ter uma relação responsável, ética, com os seus for-
necedores quando procura contribuir com o crescimento sustentável dos negócios
desses fornecedores. Isso acontece quando a empresa torna clara para os fornecedo-
res a sua política, as suas posturas de responsabilidade social e ambiental, motivando
esses fornecedores a seguir a mesma trilha, em benefício deles mesmos, da comuni-
dade onde atuam, do país e do planeta. Exemplo clássico é quando uma empresa deixa
explícito que não irá de forma alguma adquirir produtos ou matérias-primas resultantes
de mão de obra infantil ou de destruição ambiental.

Público interno: Uma empresa responsável com seu público interno é aquela que
segue as exigências da legislação trabalhista e pratica política salarial compatível, mas
também procura, acima de tudo, o desenvolvimento pessoal dos colaboradores. Para
isso investem capacitação permanente e contribui para a elevação da consciência de
cidadania. Isso tudo em um ambiente de trabalho saudável, seguro, de respeito em
todos os sentidos.

Clientes e consumidores: A empresa social e ambientalmente responsável está pre-


ocupada em fornecer produtos e serviços que tenham esse valor agregado, ou seja,
que sejam fruto de práticas corretas, éticas, em termos trabalhistas, sociais e ambien-
tais. A propaganda enganosa está absolutamente descartada. A empresa responsável
também mostra preocupação com o destino do seu produto, com os resíduos gerados
pelo seu consumo, assim como com a informação clara, transparente, sobre todos os
seus componentes. Os produtos e serviços fornecidos não devem agredir o meio am-
biente nem a saúde dos consumidores e clientes.

Meio ambiente: Empresa responsável é aquela que se preocupa e procura evitar ou


minimizar impactos ambientais decorrentes de suas atividades. Impactos ambientais ao
longo de toda a cadeia produtiva, desde a extração da matéria-prima, a elaboração e o
desenvolvimento do produto, sua comercialização e destinação como resíduo. A preo-
cupação com o meio ambiente interno, em benefício dos colaboradores, é obviamente
essencial. Do mesmo modo, a empresa responsável está atenta e procura contribuir
para a melhoria das condições ambientais da comunidade, da bacia hidrográfica e da
região onde está inserida.

Comunidade: A empresa responsável em termos sociais e ambientais se conside-


ra corresponsável pelo desenvolvimento da comunidade onde está inserida. Por isso,
contrata mão de obra da comunidade, contribui para valorizar a sua cultura, apóia suas
organizações, investe em oportunidades educacionais iguais para os seus membros.

66 • capítulo 2
Governo e sociedade em geral: O relacionamento ético, transparente, responsável,
com os órgãos governamentais e a sociedade geral é outra dimensão da responsabili-
dade social e ambiental. É possível contribuir com propagandas e projetos em benefício
da sociedade em geral, estimular a consciência de cidadania de seus colaboradores no
sentido da importância do processo eleitoral e outras formas de atuação política e cida-
dã. A imagem da empresa como um todo deve refletir a consciência de que a corrupção
é antiética e contrária aos interesses de todos.

Quadro 2.3 – Públicos com os quais a empresa se relaciona. Fonte: Adaptado de Martins
(2008, p. 15-18).

Como destaca o quadro 2.3, a empresa que procura praticar a responsa-


bilidade social e ambiental é aquela que está preocupada com os impactos e
efeitos de suas ações nos colaboradores, fornecedores, clientes, meio ambiente
comunidade e sociedade em geral e no governo.
Para Dias (2011) a concepção de SER implica novo papel da empresa dentro
da sociedade, extrapolando o âmbito do mercado, e como agente autônomo no
seu interior, imbuído de direitos e deveres que fogem ao âmbito exclusivamente
econômico. A empresa é vista cada vez mais como um sistema social organizado
em que se desenvolvem relações diversas, além das estritamente econômicas.
Para refletir sobre a RSE leia o texto “Influenciando fornecedores”, que ex-
põe o início do relacionamento do ABN AMRO REAL com seus fornecedores
disponível no quadro 2.4.

Em 2001, logo depois que as discussões informais sobre sustentabilidade foram reali-
zadas, um executivo do banco, enquanto usava a garagem privativa da matriz do banco,
notou um grupo de empregados do serviço externo de limpeza almoçando entre a fu-
maça do escapamento dos carros. O que poderia passar despercebido ou simplesmen-
te ignorado agora era visto como uma aberração a ser reportada à direção do banco.
José Luiz lembra-se:
Era inaceitável pensar que a responsabilidade era da empresa contratada e não nos-
sa. Devíamos assim analisar não apenas nossos clientes e empregados, mas também
nossos fornecedores. Como poderíamos desenvolver relacionamentos com empresas
que degradavam o ambiente, utilizavam mão-de-obra infantil ou não pagavam seus en-
cargos trabalhistas?

capítulo 2 • 67
Assim, o ABN AMRO REAL mobilizou-se para forjar um novo tipo de relacionamento
com seus 4.000 fornecedores ativos, começando com um esforço piloto. O comitê de
mobilização de fornecedores (...) selecionou 15 empresas bem diversificadas (...) indo
desde empresas gigantescas com profissionais altamente treinados, como a IBM, até
pequenos prestadores locais de serviços. A idéia por trás da combinação de empresas
aparentemente tão diferentes entre si era criar um processo de aprendizado mútuo. Os
fornecedores selecionados foram convidados a uma reunião na matriz da empresa, em
novembro de 2001, para discutir o conceito ainda vago de Banco de Valor. Nenhum
dos fornecedores sabia o que seria discutido mas todos temiam que envolvesse o corte
de despesas. Um executivo de TI descreveu as reações:
Quando chegamos ao banco, estávamos nervosos em relação ao que aconteceria.
Mesmo tendo um relacionamento antigo, não era comum sermos chamados para dis-
cussões de qualquer tipo. Como estávamos perto do fim do ano, nossa primeira reação
foi a de que seria uma renegociação de contratos. Quando o CEO entrou e começou a
falar, meu primeiro pensamento foi: O que quer que isso seja, é sério. (...).
O objetivo do ABN AMRO REAL não era revisar contratos. Fábio e Maria Luiza queriam
que os fornecedores se juntassem ao banco e adotassem os princípios de responsa-
bilidade social.
“Fiquei aliviado e entusiasmado com a reunião”, disse Ione Antunes, proprietária da
Help Express, uma pequena empresa de couriers. Os motoboys eram famosos pelas
loucuras no trânsito, devido aos elevados níveis de estresse. A Help Express, que já
oferecia melhores salários e benefícios que seus concorrentes, foi estimulada a es-
crever um código de ética (por exemplo, proibir que seus motoboys fechassem outros
motoristas) e envolver mais seus empregados no auxílio de comunidades carentes. (...).
As reuniões de encontros com fornecedores continuaram e outras 45 empresas fo-
ram convidadas. Em uma típica reunião em 2003, 150 pessoas ouviram uma palestra
oferecida pelo Instituto Ethos e se dividiram em 7 pequenos grupos para comparar
anotações sobre suas auto-avaliações quanto à responsabilidade social. (...).
O compartilhamento de idéias levou a projetos em conjunto. Advanta, um fornecedor de
TI, começou um programa de qualificação tecnológica para jovens de comunidades ca-
rentes próximas à sua matriz. A NEC (entre outros) forneceu o equipamento enquanto
outro fornecedor o instalou e empregados da Advanta cuidaram do treinamento. Dois
centros com capacidade para quase 1.000 estudantes foram criados.

68 • capítulo 2
Em 2003, novas diretrizes para relacionamento com fornecedores foram definidas por
uma força-tarefa subordinada ao departamento de compras, que vinha trabalhando
para sistematizar os procedimentos de responsabilidade sócio-ambiental. A idéia não
era desenvolver uma lista negra contendo fornecedores que não se adaptassem aos
princípios, mas um manual que estimulasse boas práticas em relação à administração
de recursos humanos e ao relacionamento com a comunidade.
Foi pedido aos fornecedores que assinassem termos de serviço declarando que co-
nheciam as políticas do banco, que desejavam segui-las e que o ABN AMRO REAL
também poderia monitorar e avaliar a aderência às obrigações contratuais através de
inspeções. Maria Luiza explicou que o banco poderia fazer exigências para aderência
legal e transparência, mas não podia ir além e forçar os fornecedores a atender a todas
às suas exigências de responsabilidade social.
O ABN AMRO REAL sugeriu a seus fornecedores de mobília que obtivessem um selo verde
(certificação da madeira) para suas linhas de produção, sinalizando que poderia desqualificar
fornecedores que não aderissem a essa regra. Surgiram novos fornecedores que atendiam a
essas exigências, inclusive com preços competitivos. Mas isso ainda era um esforço marginal
dentro de um universo extremamente complexo e ainda desconhecido de possibilidades.

Quadro 2.4 – Influenciando fornecedores. Fonte: Adaptado de Kanter e Reisen de Pinho


(2006, p. 11-12).

Ao ler o texto “Influenciando fornecedores” você percebeu que no caso


apresentado os empresários se conscientizaram de que a empresa não é so-
mente uma unidade de produção e distribuição de serviços que atendem a de-
terminadas necessidades da sociedade, mas que deve atuar de acordo com uma
responsabilidade social que se concretiza entre outros aspectos na melhoria da
qualidade de vida dos próprios funcionários.

2.6  Ética empresarial

“O ser humano vive em sociedade, convive com outros seres humanos e, portanto, ca-
be-lhe pensar e responder à seguinte pergunta: “Como devo agir perante os outros?”.
Trata-se de uma pergunta fácil de ser formulada, mas difícil de ser respondida. Ora,
essa é a questão central da Moral e da Ética” (ME, 2007, p. 49).

capítulo 2 • 69
“A ética é um padrão moral não governado por lei que focaliza as conse
quências humanas das ações” (MACHADO FILHO, 2013, p. 33). Exige um com-
portamento que atinja padrões mais altos que os estabelecidos por lei, acima
de ações calculadas para produzir um benefício tangível. Complementando, a
ética trata de juízos de valor, qualificando a conduta humana do ponto de vista
do bem e do mal, seja a determinada sociedade ou de modo absoluto.
Conforme Machado Filho (2013), a ética propõe teorias que destacam dife-
rentes stakeholders. Existem duas visões sobre a ética, que podem gerar inter-
pretações conflituosas do que seria ético ou antiético, visão consequencialista
e não-consequencialista. A primeira sugere que a avaliação moral de uma ação
está ligada aos resultados que a ação produz, irá produzir ou intensiona produ-
zir. E a segunda, sugere que é a natureza do ato que importa, não o resultado.
Tais teorias e argumentos demonstram a complexidade do tema ética. O
conceito de ética já é complexo quando aplicado ao comportamento humano,
e mais ainda quando se trata de organizações. Uma empresa é um conjunto
de indivíduos, ou ainda, um conjunto de contratos que colocam juntos cola-
boradores com interesses diferentes, geralmente conflitantes. Dessa forma,
Machado Filho (2013) comenta que as empresas não se comportariam de for-
ma ética ou antiética, mas, sim, os indivíduos.
Uma empresa comprometida com a sustentabilidade apresenta uma série
de contribuições como economia forte, com produção e geração de renda; pro-
teção ao meio ambiente em benefício das atuais e futuras gerações; e desenvol-
vimento integral da sociedade, com justiça social, inclusão, respeito à diversi-
dade e valorização da cultura loca.

Sustentabilidade para quê?


Economia forte para o país e a empresa.
Terra protegida pelo bem de todas as gerações.
Informação como base produtiva.
Comunidade fortalecida por ações em rede e valorização da sua cultura.
Abertura no olhar, abertura para novos caminhos.

70 • capítulo 2
Atitude sustentável
Esperançosa para os envolvidos.
Transformadora de realidades.
Inovadora nas metodologias.
Construtiva nos processos.
Atenta para o futuro, sempre otimista.

Métodos sustentáveis
Específicos no foco.
Tempo definido para uma ação.
Indicadores para medir ações e resultados.
Comunicação e documentação.
Afinados com objetivos nobres, positivos, mas realísticos.

Quadro 2.5 – Para ser sustentável, a empresa procura ser triplamente ética. Fonte: Martins
(2008, p. 22).

O quadro 2.5 indica que para ser sustentável, a empresa precisa ser ética em
triplo. Na primeira linha estão os objetivos maiores de toda organização, que
compreendem a economia forte, terra protegida, informação como base pro-
dutiva, comunidade fortalecida e abertura no olhar. A segunda linha destaca a
atitude assumida e os métodos adotados.
Acrescenta-se a esse contexto a complexidade da atuação das empresas em
ambientes diversos, quando alguns padrões são aceitos em determinados am-
bientes e rechaçados em outros. Assim, a conduta das empresas, nas suas práti-
cas, pode variar em função do ambiente institucional no qual ela opera.

2.7  Princípios diretivos e políticas empresariais

No campo estratégico, as políticas empresariais e as definições básicas sobre respon-


sabilidade social da empresa podem ser ancoradas em princípios diretivos presentes
em documentos que representem consensos internacionais (BARBIERI e CAJAZEIRA,
2012, p. 138).

capítulo 2 • 71
As iniciativas de diferentes origens, que buscam conduzir à gestão responsável
das empresas, são dividas em dois grupos. Os princípios diretivos que podem servir
para a formulação de políticas empresariais de responsabilidade social como con-
tribuição para o desenvolvimento sustentável. O segundo grupo será visto no pró-
ximo tópico e trata dos instrumentos gerenciais que oferecem procedimentos es-
pecíficos sobre responsabilidade social para que as diretrizes se tornem realidade.

2.7.1  Declaração universal dos direitos humanos

“Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua
fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na
igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso
social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, … a Assembleia
Geral proclama a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal
comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações…” (DUDH, 2015, s/p).

A Declaração dos Direitos Humanos (DUDH) é um documento marco na his-


tória dos direitos humanos. Ela foi elaborada por representantes de diferentes
origens jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo, a DUDH foi procla-
mada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de Dezembro
de 1948, através da Resolução 217 A (III). Ela estabeleceu, pela primeira vez, a
proteção universal dos direitos humanos (DUDH, 2015).
Desde sua adoção, em 1948, a DUDH foi traduzida em mais de 360 idiomas
e inspirou as constituições de muitos Estados e democracias recentes. A decla-
ração é formada por um preâmbulo e 30 artigos que enunciam os direitos e li-
berdades fundamentais de todos os humanos por meio do princípio básico da
igualdade e da não discriminação (BARBIERI e CAJAZEIRA, 2012).

MULTIMÍDIA
Assista a entrevista “Brasileiro no Sudão do sul explica crise no país”, realizada com Amadeu
Manto que lidera a missão de observadores militares no estado de Northem Bahr el Ghazal.
Ele explica por telefone, como a crise está afetando os civis. Disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=HC1a136euzo

72 • capítulo 2
“Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos,
independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou
qualquer outra condição” (DUDH, 2015, p. s/p). Os direitos humanos incluem
o direito à vida e à liberdade, à liberdade de opinião e de expressão, o direito ao
trabalho e à educação, entre muitos outros.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece as obrigações
dos governos de agirem de determinadas maneiras ou de se absterem de certos
atos, a fim de proteger os direitos humanos e as liberdades de grupos ou indi-
víduos. Desde o estabelecimento das Nações Unidas em 1945, seus objetivos
fundamentais tem sido promover o respeito aos direitos humanos para todos.
Barbieri e Cajazeira (2012), explicam que embora os direitos humanos te-
nham sido elaborados com foco nos entes públicos, como os Estados, eles tam-
bém devem ser observados nas organizações, pois é nelas que muitos direitos
se realizam, como os direitos relacionados ao trabalho, que incluem o direito
ao salário igual por trabalho igual, o direito ao repouso, o direito a um padrão
de vida suficiente para assegurar a saúde e o bem-estar e o direito à educação e
de participar da vida cultural da comunidade.
Os direitos da DUDH fazem parte do direito positivo brasileiro, como o di-
reito ao repouso e lazer, a limitação de horas da jornada de trabalho e férias
remuneradas. Todavia, o objetivo é que os dirigentes de empresas se compro-
metam em adotá-los, mesmo se o país onde a empresa estiver instalada não
tenha incorporado os direitos elencados na declaração em sua legislação. Caso
eles sejam incorporados a legislação nacional, a empresa deve cumprir as leis
do país, já que uma das dimensões da responsabilidade social é a responsabi-
lidade legal. Ainda nesse caso, ao comprometer-se com esses direitos de modo
efetivo e no nível estratégico demonstra a importância que os dirigentes atri-
buem a esses direitos.

MULTIMÍDIA
Assista ao filme “Após 20 anos da Conferência de Viena, direitos humanos são mais impor-
tantes do que nunca”, ele demonstra que mesmo após os progressos das últimas décadas
desde a convocação de uma conferência global de direitos humanos em Viena, milhões de
pessoas ainda sofrem com a falta de direitos básicos. Disponível em: <https://youtu.be/
I4bTmVyAXDg>

capítulo 2 • 73
2.7.2  Agenda 21

“A Agenda 21 está voltada para os problemas prementes de hoje e tem o objetivo,


ainda de preparar o mundo para os desafios do próximo século. Reflete um consenso
mundial e um compromisso político no nível mais alto no que diz respeito a desenvolvi-
mento e cooperação ambiental. O êxito de sua execução é responsabilidade, antes de
mais nada, dos Governos. Para concretizá-la são cruciais as estratégias, os planos, as
políticas e os processos nacionais” (MMA, 2015, s/p).

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento


de 1992 foi reconhecida como sendo o mais importante encontro do final do sé-
culo passado. A Cúpula da Terra chamou a atenção do mundo para a dimensão
global dos perigos que ameaçavam a vida no Planeta e, para a necessidade de uma
aliança entre todos os povos em prol de uma sociedade sustentável (ONU, 1995).
A Eco-92 foi mais um passo nessa caminhada, os acordos assinados durante
a conferência fortaleceram as esferas filosóficas, jurídicas e políticas que fun-
damentaram os atos futuros. No sentido de assegurar a realização dos compro-
missos assumidos durante a conferência, os participantes prepararam uma
agenda de trabalho para o próximo século: a Agenda 21. Na Agenda 21 foram
listados os problemas prioritários, os recursos e meios para enfrentá-los e as
metas para as próximas décadas.
É importante destacar que a implementação da Agenda 21 não depende ex-
clusivamente dos governos. As mudanças que são necessárias em termos de
valores, de modelos produtivos e padrões de consumo configuram uma verda-
deira revolução cultura. A Agenda 21 é dessa forma, ao mesmo tempo, o mapa e
o roteiro para a construção de uma sociedade sustentável (ONU, 2015).
Para o MMA (2015), a Agenda 21 pode ser definida como um instrumento
de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes
bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social
e eficiência econômica. No contexto brasileiro, é um instrumento de planeja-
mento participativo para o desenvolvimento sustentável do país, resultado de
uma consulta à população.
Barbieri e Cajazeira (2012), destacam que um dos objetivos da Agenda 21 é
tirar as recomendações e os planos de ações acordados nesses documentos das
prateleiras dos órgãos oficiais e da esfera exclusiva dos governos centrais para

74 • capítulo 2
que diferentes segmentos da sociedade possam contribuir para o alcance dos
resultados esperados.
Uma ação que já realiza esse trabalho é a Agenda 21 Local, que trata do
processo de planejamento participativo de um território que envolve a im-
plantação, de um Fórum de Agenda 21. Esse fórum é composto por governo
e sociedade civil, sendo responsável pela construção de um Plano Local de
Desenvolvimento Sustentável, que estrutura as prioridades locais por meio de
projetos e ações de curto, médio e longo prazo.

2.7.3  Declaração sobre o meio ambiente e o desenvolvimento

Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável.


Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza” (ONU, 1992).

A Declaração sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento também foi apro-


vada na Conferência do Rio de Janeiro em 1992. Ela é constituída por 27 prin-
cípios voltados para orientar a formulação de políticas públicas e acordos in-
ternacionais que respeitem o interesse de todos, o desenvolvimento global e a
integridade do meio ambiente (BARBIERI e CAJAZEIRA, 2012).

CONEXÃO
Para conferir todos os princípios da Declaração sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento
consulte o site da ONU, acesse: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/rio92.pdf

Barbieri e Cajazeira (2012) explicam que os princípios são aplicáveis às or-


ganizações, como o princípio 15:

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser ampla-
mente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver
ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não
será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para
prevenir a degradação ambiental” (ONU, 1992, s/p).

capítulo 2 • 75
Esse princípio condena a transferência de sujeira para outros países, por
ser uma postura execrável do ponto de vista moral e dos objetivos do desen-
volvimento sustentável, a adoção desse princípio segundo Barbieri e Cajazeira
(2012) requer que a empresa procure resolver seus problemas socioambientais
e não transferi-los para os fornecedores, ou subcontratados ou membros do ca-
nal de distribuição2.

2.7.4  Carta da Terra

A Carta da Terra parte de uma visão integradora e holística. Considera a pobreza, a


degradação ambiental, a injustiça social, os conflitos étnicos, a paz, a democracia, a
ética e a crise espiritual como problemas interdependentes que demandam soluções
includentes. Ela representa um grito de urgência face as ameaças que pesam, sobre a
biosfera e o projeto planetário humano. Significa também um libelo em favor da espe-
rança de um futuro comum da Terra e Humanidade.”
Leonardo Boff

A Carta da Terra é outra fonte de princípios diretivos para políticas empre-


sariais que surgiu para incluir questões que não foram tratadas pela Declaração
do Rio de Janeiro de 1992. Em 1997 sob a coordenação de Maurice Strong (ONU)
e Mikhail Gorbachev (Cruz Verde Internacional) foi redigido o primeiro esboço
da Carta da Terra.
O documento está dividido em quatro partes referentes aos seguintes prin-
cípios básicos:

•  Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade;


•  Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor;
•  Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas e
sustentáveis;
•  Garantir a generosidade e a beleza da Terra para as atuais e as futuras
gerações.

2  Para entender a resolução de um caso envolvendo o Princípio 14, leia a reportagem “Ibama encontra 290
toneladas de lixo vindas da Inglaterra no Porto de Santos”. Disponível no tópico Leitura Recomendada.

76 • capítulo 2
Os temas apresentados pela Carta da Terra podem ser aplicáveis as empre-
sas, pois a Carta não está restrita às questões relacionadas ao direito internacio-
nal público, como no caso da Declaração do Rio de Janeiro de 1992 (BARBIERI e
CAJAZEIRA, 2012). Os 16 princípios estão divididos em gerais que representam
compromissos com o futuro do planeta e demais princípios para consecução
desses compromissos, conforme o tabela 2.1.

Respeitar a Terra e a vida em toda sua diversidade


• Princípio 1 – respeitar a Terra e a vida em toda sua diver-
sidade;
• Princípio 2 – cuidar da comunidade da vida com compreen-
PARTE 1 são, compaixão e amo;
• Princípio 3 – construir sociedades democráticas que sejam
justas, participativas, sustentáveis e pacíficas; e,
• Princípio 4 – garantir a generosidade e a beleza da Terra
para as atuais e as futuras gerações.

Integridade ecológica
• Princípio 5 – proteger e restaurar a integridade dos siste-
mas ecológicos da Terra;
• Princípio 6 – prevenir o dano ao ambiente como o melhor
método de proteção ambiental;
PARTE 2 • Princípio 7 – adotar padrões de produção, consumo e re-
produção que protejam as capacidades regenerativas da
Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário; e,
• Princípio 8 – aprofundar o estudo da sustentabilidade eco-
lógica e promover a troca aberta e uma ampla aplicação do
conhecimento adquirido.

capítulo 2 • 77
Justiça econômica e social
• Princípio 9 – erradicar a pobreza como um imperativo ético,
social, econômico e ambiental;
• Princípio 10 – garantir que as atividades econômicas e ins-
tituições em todos os níveis promovam o desenvolvimento
humano de forma equitativa e sustentável;
• Princípio 11 – afirmar a igualdade e a equidade de gêne-
PARTE 3 ro como pré-requisitos para o desenvolvimento sustentável
e assegurar o acesso universal à educação, ao cuidado da
saúde e às oportunidades econômicas; e,
• Princípio 12 – defender, sem discriminação, os direitos de
todas as pessoas a um ambiente natural e social, capaz de
assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem
-estar espiritual, dando especial atenção aos direitos dos
povos indígenas e minorias.

Democracia, não violência e paz


• Princípio 13 – reforçar as instituições democráticas em to-
dos os níveis e garantir-lhes transparência e credibilidade no
exercício do governo, a participação inclusiva na tomada de
decisões e no acesso à justiça;
• Princípio 14 – integrar na educação formal e aprendizagem
PARTE 4 ao longo da vida, os conhecimentos, valores e habilidades
necessárias para um modo de vida sustentável;
• Princípio 15 – tratar todos os seres vivos com respeito e
consideração; e,
• Princípio 16 – promover uma cultura de tolerância, não vio-
lência e paz.

Tabela 2.2 – Princípios da Carta da Terra. Fonte: Adaptado de MMA (2015).

Como pode ser observado no princípio 7, a Carta da Terra estimula os governos e


organizações a adotar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as
capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário.

78 • capítulo 2
2.7.5  Objetivos de Desenvolvimento do Milênio

Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) foram definidos pela co-


munidade internacional com base em compromissos assumidos em grandes
conferências mundiais realizadas na década de 1990, que debateram temas
como o desenvolvimento social, meio ambiente, gênero, direitos humanos e
população (ODM, 2015).
Após esses debates, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou em
Nova Iorque, no ano 2000, a Cúpula do Milênio, quando líderes de 191 países,
entre eles o Brasil, definiram as metas para tornar o mundo melhor e mais justo
até 2015. Elas ficaram conhecidas como ODM. São eles:

1 2 3
Promover a
4
Reduzir a
Erradicar a Atingir o
extrema ensino básico igualdade de mortalidade
pobreza universal. gênero e a infantil.
e a fome. autonomia das
mulheres.

5 6 7
Garantir a
8
Estabelecer
Melhorar Combater o
a saúde HIV/AIDS a sustentabilidade uma parceria
materna. malária e outras ambiental. mundial para o
doenças. desenvolvimento.

Figura 2.5 – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Fonte: Adaptado de ODM Brasil (s/d, s/p).

O estabelecimento desses objetivos e metas procura acelerar a operacio-


nalização do conceito de desenvolvimento sustentável, com ações específicas
tanto de políticas públicas, quanto da sociedade em geral. Conforme Barbieri
e Cajazeira (2012) eles são endereçados tanto para os governos, quanto para
qualquer organização da sociedade civil. As empresas podem adotá-los para es-
tabelecer compromissos específicos e, com isso, dar uma contribuição efetiva
ao desenvolvimento sustentável.
Para alcançar o desenvolvimento do milênio foram estabelecidos 8 obje-
tivos que deveriam ser atingidos pelos países até o ano de 2015, por meio de
ações concretas dos governos e da sociedade civil.

capítulo 2 • 79
• Erradicar a extrema pobreza e a fome: reduzir pela metade, entre 1990 e 2015, a
proporção da população com renda inferior a um dólar PPC5 por dia.
• Atingir o ensino básico universal: garantir que todas as crianças, de ambos os sexos,
terminem um ciclo completo do ensino básico.
• Promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres: eliminar a disparidade
entre os sexos nos ensinos primário e secundário, se possível até 2005, em todos os
níveis de ensino.
• Reduzir a mortalidade infantil: reduzir em dois terços, entre 1990 e 2015, a mortalida-
de de crianças menores de cinco anos.
• Melhorar a saúde materna: reduzir em três quartos, entre 1990 e 2015, a taxa de
mortalidade materna.
• Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças: Até 2015, deter a propagação do
HIV/Aids e a incidência da malária e de outras doenças importantes e começado a
inverter a tendência atual.
• Garantir a sustentabilidade ambiental: integrar os princípios do desenvolvimento sus-
tentável nas políticas e programas nacionais e reverter a perda de recursos ambientais.
• Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento: avançar no desenvolvi-
mento de um sistema comercial e financeiro aberto, fundamentado em regras, previsí-
vel e não discriminatório.

Quadro 2.6 – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Fonte: Adaptado de PNUD (2015, s/p).

O Brasil cumpriu a maioria das metas dos ODM antes de 2015, mas o grande
destaque é a redução da fome e da pobreza. Em 1990 eram 36,2 milhões de bra-
sileiros que viviam na extrema pobreza e em 2003, o Brasil adotou metas mais
rigorosas que as internacionais, de reduzir a pobreza a um quarto do nível de
1990, e conseguiu superar a meta em 2008.

2.7.6  Pacto Global

A maior parte dos ecossistemas mundiais estão em destruição. Prevê-se que as mu-
danças climáticas e o crescimento da população mundial exacerbarão estes desafios.
(...) O setor privado tem um papel decisivo nesta empreitada, e está cada vez mais.

80 • capítulo 2
adotando a Sustentabilidade – definida pelos resultados de longo prazo obtidos pelas
empresas em termos financeiros, sociais, ambientais e éticos, em sua agenda. Por meio
do Pacto Global das Nações Unidas, mais de 6.000 empresas foram comprometidas a
conduzir seus negócios em plena sintonia com princípios nas áreas dos Direitos Huma-
nos, Trabalho, Meio Ambiente e Combate à Corrupção (ONU, 2015, s/p).

O Pacto global é uma iniciativa desenvolvida pelo ex secretário-geral da


ONU, Kofi Annan, com o objetivo de mobilizar a comunidade empresarial in-
ternacional para a adoção, em suas práticas de negócios, de valores fundamen-
tais e internacionalmente aceitos nas áreas de direitos humanos, relações de
trabalho, meio ambiente e combate à corrupção refletidos em 10 princípios. A
iniciativa teve a participação de agências das Nações Unidas, empresas, sindi-
catos, organizações não-governamentais e demais parceiros necessários para
a construção de um mercado global mais inclusivo e igualitário (ONU, 2015).
As empresas participantes do Pacto Global são diversificadas e representam
diferentes setores da economia, regiões geográficas e buscam gerenciar seu
crescimento de uma maneira responsável, que contemple os interesses de suas
partes interessadas. O Pacto Global, não é um instrumento regulatório, e sim
uma iniciativa voluntária que procura fornecer diretrizes para a promoção do
crescimento sustentável e da cidadania.

Direitos Humanos
• Princípio 1 – as empresas devem apoiar e respeitar a proteção de direitos humanos
reconhecidos internacionalmente;
• Princípio 2 – assegurar-se de sua não participação em violações destes direitos.

Trabalho
• Princípio 3 – as empresas devem apoiar a liberdade de associação e o reconhecimen-
to efetivo do direito à negociação coletiva;
• Princípio 4 – a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou compulsório;
• Princípio 5 – a abolição efetiva do trabalho infantil;
• Princípio 6 – eliminar a discriminação no emprego.

capítulo 2 • 81
Meio Ambiente
• Princípio 7 – as empresas devem apoiar uma abordagem preventiva aos desafios
ambientais;
• Princípio 8 – desenvolver iniciativas para promover maior responsabilidade ambiental;
• Princípio 9 – incentivar o desenvolvimento e difusão de tecnologias ambientalmente
amigáveis.

Contra a Corrupção
• Princípio 10 – as empresas devem combater a corrupção em todas as suas formas,
inclusive extorsão e propina.

Quadro 2.7 – Dez princípios universais. Fonte: Adaptado de ONU (2015).

O objetivo do Pacto Global é encorajar o alinhamento das políticas e práti-


cas empresariais com os valores e os objetivos aplicáveis internacionalmente
e universalmente acordados. Gomes e Moretti (2007) consideram que o pac-
to é um apelo aos dirigentes do mundo dos negócios para que eles se empe-
nhem nas questões relacionadas aos direitos humanos, trabalhistas e questões
ambientais.

2.8  Instrumentos de responsabilidade social

A responsabilidade social conclama todos os setores da sociedade a assumirem a res-


ponsabilidade pelos impactos que suas decisões geram na sociedade e meio ambiente.
Nesse sentido, os setores produtivos e empresariais ganham um papel particularmente
importante, pelo impacto que geram na sociedade e seu poder econômico e sua capa-
cidade de formular estratégias e concretizar ações (INMETRO, 2015, s/p).

Para cumprir com os objetivos estratégicos, diversos instrumentos geren-


ciais foram elaborados sendo que alguns deles apresentam princípios diretivos
estudados no tópico anterior. O tabela 2.3, apresenta alguns desses instrumen-
tos, relacionados à responsabilidade social sob a ótica da sustentabilidade.

82 • capítulo 2
OBJETIVOS EXEMPLOS

Norma ISO 9001


Norma ISO 14001
Prover orientações processuais
Norma SA 8000
específicas para implementar e
Norma AA 1000
manter sistemas de gestão, pro-
Norma OHSAS 18001
gramas e atividades, facilitando a
Norma ABNT NBR 16001
mensuração de resultados.
Norma AFNOR SD 21000
Norma ISO 26000

Garantir a transparência da comu- Balanço social


nicação com suas partes interes- Indicadores Ethos de Responsabilidade Social
sadas. GRI – Global Report Initiatives

Projeto Sigma
Garantir a integração e compati-
Guia ISO 72
bilidade entre sistemas de gestão.
PAS 99

Tabela 2.3 – Instrumentos normativos de gestão sustentável. Fonte: Zadek e Ligteringen


(2006, apud BARBIERI e CAJAZEIRA, 2012, p. 168).

As ferramentas apresentadas no Quadro 9 são compatíveis com as várias


instâncias da gestão empresarial e se aplicam, a cada uma das dimensões da
sustentabilidade: as dimensões sociais, econômicas e ambientais (BARBIERI e
CAJAZEIRA, 2012). As diversas ferramentas procuram atender a complexidade
do tema responsabilidade social sendo o processo de escolha uma das fases
mais importantes.

2.8.1  Normas internacionais de gestão

A International Organization for Sstandartization (ISO) é um organismo inter-


nacional com sede em Genebra, na Suiça. Ela foi criada em 1946 e tem como
associados organismos de normalização de cerca de 160 países. Seu objetivo

capítulo 2 • 83
é criar normas que facilitem o comércio e promovam boas práticas de gestão
e o avanço tecnológico, além de disseminar conhecimentos. As normas mais
conhecidas são a ISO 9000, para gestão da qualidade, e a ISO 14000, para gestão
do meio ambiente.
No Brasil, a única representante da ISO e um dos seus fundadores é a
Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), também reconhecida pelo
governo brasileiro como Fórum Nacional de Normalização.

LEITURA
Neste momento leia o artigo “Influência da demanda ambiental na acreditação de organis-
mos de avaliação da conformidade”, que está disponível no tópico Leitura Complementar. O
artigo explica a função de cada organização que participa e colabora com a rede de acredi-
tação e certificação no Brasil.

As normas ISO 14000 são uma família de normas que buscam estabelecer
ferramentas e sistemas para a administração ambiental de uma organização.
De fato, procuram padronizar algumas ferramentas de análise como a audito-
ria ambiental e a análise do ciclo de vida (DIAS, 2011).
Conforme Dias (2011), as normas ambientais possuem como eixo central a
norma ISO 14001, que estabelece os requisitos necessários para a implantação
de um Sistema de Gestão Ambiental (SGA). O objetivo é conduzir a organização
dentro de um SGA certificável, estruturado e integrado à atividade geral de ges-
tão, especificando os requisitos que devem apresentar e que sejam aplicáveis a
qualquer tipo e tamanho de organização.
A consolidação da ISO na concepção de normas de gestão foi viabilizada
pelo enorme sucesso da ISO 9001 e pela criação do conceito de certificação de
sistema de gestão, tornando possível a comprovação do seu desempenho por
meio de uma auditoria de terceira parte (BARBIERI e CAJAZEIRA, 2012).
A norma AS 8000 foi criada em 1998, pela Social Accountability International
(SAI), a partir da necessidade de padronização das atividades sociais em indús-
trias globais, após o caso Nike. Para muitos especialistas essa norma é a mais
propícia para aplicação global em processos de auditoria de locais de traba-
lho, podendo ser aplicada em instalações de qualquer porte, região ou setor
industrial.

84 • capítulo 2
Antes de continuar, leia o quadro a seguir que descreve o Caso Nike e a im-
portância dos grupos que influenciam ou afetam as empresas, ou são influen-
ciados ou afetados por elas, mas não estão engajados em transações e tampou-
co são essenciais para sobrevivência delas.

ESTUDO DE CASO
O sucesso dos tênis da Nike e de sua estratégia comercial, associando-se aos superstars
do esporte, como Michael Jordan e Tiger Woods, levaram a companhia a obter um valor
recorde de suas ações: US$ 76,00 por ação em 1997. Entretanto, no ano fiscal de 1998,
a companhia teve perdas surpreendentes, chegando ao primeiro prejuízo em 13 anos.
Suas ações caíram na Bolsa de Valores de Nova York para um valor de US$ 42,00 por
ação. Essa perda está ligada às denúncias feitas pela imprensa e entidades da sociedade
civil acusando a empresa de pagar salários desumanos na Indonésia, dar péssimas condi-
ções de trabalho no Vietnã e de utilizar trabalho forçado na China.
O trabalho feminino para a fabricação do material esportivo na Indonésia tinha uma
jornada de 60 horas semanais e o salário era de US$ 1,60 por dia. Ou seja, além de não
pagar o salário mínimo local, o que evidencia uma infração legal, a opinião pública chocou-
se ao saber que um trabalhador indonésio, que produzia tênis da marca Nike, precisaria
trabalhar 44.492 anos para receber o equivalente ao contrato da empresa com o astro do
esporte norte-americano Michael Jordan.
A primeira reação da empresa foi não reconhecer sua responsabilidade diante dos
fatos denunciados. Ela procurou se esquivar da responsabilidade, alegando que suas ope-
rações eram terceirizadas. Porém, o argumento da Nike de que a fabricação dos tênis
nas mãos de terceiros lhe eximia da responsabilidade social foi considerado insuficiente
e cínico não só aos olhos dos denunciantes, mas também de grandes contingentes de
consumidores, que deixaram de comprar os tênis da marca. Esse fato fez com que o presi-
dente da Nike, Phil Knight, promovesse uma reestruturação significativa na empresa, que
passou a adotar em todas as fábricas espalhadas em diversos países normas de trabalho
exigidas pela legislação norte-americana. No processo de reestruturação, a Nike contou
com a participação da Business for Social Responsability, uma organização empresarial
não lucrativa sediada em São Francisco, Califórnia, que tem entre seus objetivos prover
soluções sobre responsabilidade social aos seus membros.

Quadro 2.8 – Caso Nike. Fonte: Cusman (2004 apud BARBIERI e CAJAZEIRA, 2012, p. 28-29)

capítulo 2 • 85
A norma AS 8000 parte do princípio de que a empresa deve cumprir as leis
nacionais relativas aos empregados e terceirizados e adotar as disposições das
convenções da OIT concernentes aos Direitos e Princípios Fundamentais no
Trabalho, mesmo quando não foram incorporados à legislação do país.
Após a criação dessa norma, surgiram outras iniciativas de normalização
no campo da responsabilidade social. A norma AA 1000 define práticas para a
prestação de contas a fim de assegurar a qualidade da contabilidade, da audito-
ria e do relato social e ético e a norma OHSAS 18001 é um padrão para sistemas
de gestão da segurança e da saúde ocupacional.
No campo da responsabilidade social, a norma-guia SD 2100 propõe re-
comendações para ajudar a adaptar, técnica e culturalmente, um sistema de
gerenciamento para que ele venha a integrar os objetivos do desenvolvimento
sustentável dentro de uma organização. Já a norma brasileira de responsabili-
dade social é a NBR 16001, que estabelece requisitos mínimos para a criação e
operação de um sistema de gestão de responsabilidade social. Ela foi criada em
2004, e uma nova versão foi publicada em 2012, incluindo recomendações da
ISO 260003 que estabelece diretrizes sobre responsabilidade social.

2.8.2  Comunicação com partes interessadas

2.8.2.1  Balanço social

O balanço social é o relatório feito por uma empresa sobre sua ação em res-
ponsabilidade social corporativa em determinado ano, compreendendo suas
relações com os interlocutores imediatos, a sociedade e o setor público e le-
gislativo (MARTINS, 2008). O relatório deve envolver as iniciativas próprias, ou
realizadas em parceria, que ajudam na promoção do desenvolvimento social na
comunidade onde a empresa atua.
Para Iudícibus et al. (2000) o balanço social tem como objetivo demonstrar
o grau de responsabilidade social assumido pela empresa e assim prestar con-
tas à sociedade pelo uso do patrimônio público. Tinoco (2001) acrescenta que
o balanço social é um instrumento de gestão que visa evidenciar informações
econômicas e sociais aos mais diferentes usuários, entre estes os funcionários.
Para Martins (2008) a elaboração do balanço deve seguir indicadores de or-
ganizações reconhecidas, como o Instituto Ethos e o Ibase. Caso a empresa seja

3  Assista ao filme “ISO 26000 a norma de responsabilidade social” disponível no tópico Leitura Complementar
para entender a dimensão e a importância dessa norma de responsabilidade social.

86 • capítulo 2
filiada, deve citar a relação entre diversas informações com os indicadores do
GRI. Da mesma forma se for adepta do Pacto Global, deve citar a relação com
os principais princípios, assim como com os Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio.

2.8.2.2  Indicadores Ethos de Responsabilidade Social

O Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social desenvolveu indi-


cadores que servem como ferramentas para avaliar a política de responsabili-
dade social e ambiental, assim como para a elaboração de relatórios de susten-
tabilidade e balanços sociais e ambientais.
A missão do instituto é mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir
seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na cons-
trução de uma sociedade sustentável e justa. O instituto ajuda as instituições a:

•  compreender o conceito do comportamento empresarial socialmente


responsável;
•  implementar políticas e práticas que atendam a elevados critérios éticos;
•  assumir suas responsabilidades com aqueles que são atingidos por suas
atividades;
•  demonstrar a seus acionistas a relevância de um comportamento
responsável;
•  identificar formas inovadoras e eficazes de atuar em parceria com as co-
munidades; e,

Para entender o uso dos indicadores Ethos veja o vídeo “Política de uso dos
indicadores Ethos”, disponível no tópico Leitura Complementar. Nesse vídeo o
diretor-presidente do Instituto Ethos Jorge Abrahão fala sobre a política de uso
dos indicadores.

2.8.2.3  Global Report Initiatives

A Global Reporting Initiative (GRI), promove a elaboração de relatórios de sus-


tentabilidade que pode ser adotada por todas as organizações. A estrutura GRI
inclui as diretrizes para a elaboração de relatórios, estabelece os princípios e
indicadores que as organizações podem usar para medir e comunicar seu de-
sempenho econômico, ambiental e social (GRI, 2015).

capítulo 2 • 87
A GRI é uma organização não-governamental composta por uma rede mul-
tistakeholders, que foi fundada em 1997. Sua missão é uma economia global
sustentável onde organizações podem medir seus desempenhos e impactos
econômicos, sociais e ambientais bem como os relacionados à governança, de
maneira responsável e transparente.

2.8.3  Compatibilidade entre sistemas de gestão

Sobre a dificuldade existente no dia a dia das empresas em integrar os diver-


sos sistemas gerenciais implantados, Barbieri e Cajazeira (2012) destacam que
os sistemas certificados requerem auditorias periódicas e muitas vezes essas
auditorias se sobrepõem quando os sistemas não estão integrados. Além do
custo, as auditorias aumentam o clima de tensão entre as áreas, o que exige
constantemente a integração dos sistemas implantados.
Com o objetivo de superar essa dificuldade, foram desenvolvidos alguns ins-
trumentos como o Projeto Sigma e as normas de integração de sistemas da ISO.
O Projeto Sigma foi lançado em 1999 com o apoio do Departamento de
Indústria e Comércio do Reino Unido. A partir de uma abordagem baseada no
ciclo PDCA, o Projeto Sigma sugere que a integração ocorra de acordo com a
seguinte sequência de fases:

liderança e visão → planejamento → entrega → monitoramento, análise crítica e relato.

Na primeira fase, a empresa define sua visão, a sua missão, as estratégias


e os princípios operacionais no longo prazo voltados para o desenvolvimento
sustentável. Na segunda fase a organização define o que deve ser feito para me-
lhorar seu desempenho. A fase de entrega envolve as ações que melhoram o
desempenho e, por último, fechando o ciclo, essas ações são monitoradas, ana-
lisadas e relatadas.
O Guia ISO 72 fornece orientação para o desenvolvimento e a compatibili-
zação para sistemas genéricos de gerenciamento, abrangendo qualidade, meio
ambiente, saúde, segurança e aspectos sociais. Inspirado nesse guia o BSI PAS
99, também baseia-se na ideia de que sistemas gerenciais separados possuem
requisitos comuns, de modo que eles podem ser integrados.

88 • capítulo 2
LEITURA
APÓS 20 ANOS da Conferência de Viena, direitos humanos são mais importantes do que nunca.
Produção de DUDH. Brasil: ONU, 2013. Disponível em: <https://youtu.be/I4bTmVyAXDg>. Acesso
em: 19 abr. 2015.
BRASILEIRO NO SUDÃO do Sul explica crise no país. Produção de DUDH. Brasil: ONU, 2014.
Disponível em: <https://youtu.be/HC1a136euzo>. Acesso em: 19 abr. 2015.
IBAMA ENCONTRA 290 TONELADAS DE LIXO vindas da Inglaterra no Porto de Santos. Produção
de Globo São Paulo. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/SaoPaulo/0,,MUL1220980-
5605,00-ibama+encontra+toneladas+de+lixo+vindas+da+inglaterra+no+porto+de+santos.html>.
Acesso em: 19 abr 2015.
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c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/raega/article/view/32299/20506>. Acesso em: 20 abr. 2015.

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90 • capítulo 2
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capítulo 2 • 91
92 • capítulo 2
3
Avaliação do Ciclo
de Vida
Para iniciar os estudos desse capítulo assista a animação “História das coi-
sas” disponível no tópico Leitura Complementar. A animação fala sobre a ob-
sessão da sociedade em descartar “coisas” e o impacto desse comportamento
no meio ambiente. O filme aborda a degradação ambiental, resultado da ação
de empresas de manufatura que priorizam o lucro.
Nesse momento, após ver a animação, pense sobre o sistema de produção
linear que você viu na animação e sobre todas as fases que compõem esse pro-
cesso. Relembre também os conceitos de obsolescência programada e obso-
lescência perceptiva e em seu caderno escreva dois exemplos para cada um dos
conceitos de obsolescência.
Pronto? Agora você pode continuar sua leitura.
Durante as décadas de 1960 e 1970 as ações ambientais relacionadas com os
produtos eram de fim de tudo (end-of-pipe) e soluções para a recuperação. Em
1980 e 1990 a ecoeficiência tornou-se a palavra de ordem e foi caracterizada por
redesenhar produtos existentes. A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV), Ecodesign,
Ecologia Industrial e os Rótulos Ambientais entraram no léxico ambiental com
o foco em identificar oportunidades para reduzir resíduos e poluição em seto-
res que utilizavam muita matéria-prima.
Muitas organizações ainda estão na fase de reparação e utilizam metodolo-
gias como EcoDesign, Design for the Environment e Environmentally Bening
Manufacturing que são tentativas para mudar a atual situação. Por outro lado,
outras empresas olham para sustentabilidade com foco não apenas na ecoefi-
ciência (impactos ambientais e econômicos), mas também para os impactos
sociais e aspectos éticos das suas operações (HAUSCHILD, JESWIET e ALTING,
2005).
A Avaliação do Ciclo de Vida é conhecida pela expressão do berço à cova (cra-
dle to grave), berço indicando o nascedouro dos insumos primários mediante a
extração de recursos naturais e cova, o destino final dos resíduos que não serão
reusados ou reciclados (GUARNIERI, 2011). Esse ciclo não deve ser confundido
com o ciclo mercadológico, pelo qual um produto segue desde a sua introdu-
ção no mercado até a sua retirada do mercado, passando por crescimento da
demanda, maturidade e declínio (BARBIERI, 2007).

94 • capítulo 3
Materiais Energia Água

Extração da Disposição
Fabricação Distribuição Uso
matéria-prima final

Emissões Emissões Resíduo Resíduo


para o ar para a água sólido Tóxico

Figura 3.1 – Ciclo de vida sem os impactos ambientais. Fonte: Coltro (2007a).

De acordo com o conceito do berço à cova (cradle to grave), tudo que é pro-
duzido e consumido deve ser incinerado ou disposto em um aterro sanitário,
ou seja, enterrado. Nesse caso, Guarnieri (2011) explica que a cova é o destino
comum para todos os produtos e materiais. Todavia, os resíduos que são enter-
rados ou incinerados, por serem tóxicos, podem liberar substâncias nocivas ao
meio ambiente e à saúde humana.
Considerando esse contexto, o conceito do berço à cova não pode mais ser
considerado viável economicamente e ambientalmente e muito menos eficien-
te, pois muitos resíduos podem ser reinseridos no processo produtivo e não de-
vem ser incinerados ou dispostos em um aterro sanitário .

ATENÇÃO
Aterro para lixo residencial urbano com pré-requisitos de ordem sanitária e ambiental. Deve
ser construído de acordo com técnicas definidas, como: impermeabilização do solo para que
o chorume não atinja os lençóis freáticos, contaminando as águas; sistema de drenagem
para chorume, que deve ser retirado do aterro sanitário e depositado em lagoa próxima que
tenha essa finalidade específica, vedada ao público; sistema de drenagem de tubos para os
gases, principalmente o gás carbônico, o gás metano e o gás sulfídrico, pois, se isso não for
feito, o terreno fica sujeito a explosões e deslizamentos (CETESB, 2015, s/p).

capítulo 3 • 95
Dessa forma, um novo conceito de ciclo de vida visa propor solução para o
desafio da sustentabilidade dos negócios. Este conceito é chamado de modelo
do berço ao berço (cradle to cradle) e propõe que a sociedade continue com o
consumo e desenvolvimento, porém, deve ser alimentado o ciclo biológico da
Terra e o ciclo tecnológico das indústrias (BARBIERI, 2007). Assim, o que não
pode ser utilizado como nutriente para o meio ambiente, deverá ser quebrado
em elementos que possam ser reabsorvidos pelas indústrias como matérias
-primas de qualidade (GUARNIERI, 2011).
O modelo do ciclo de vida indica que o projeto dos produtos e dos proces-
sos produtivos sejam feitos de forma a possibilitar que todos os materiais uti-
lizados para a fabricação do produto final, após o seu descarte possam ser to-
talmente reutilizados em novos produtos e processos, aumentando a vida útil
destes bens. Portanto, no conceito do berço ao berço, o reprocessamento do
produto descartado possibilita a criação de um novo produto que possua quali-
dade igual ou superior ao original.
Além desses fatores, é importante que os processos de produção sejam realiza-
dos de forma ambientalmente correta, como através da Produção mais Limpa e do
uso de matérias-primas eco-friendly1 , como as feitas de materiais biodegradáveis ou
de fácil revalorização. Nesse sentido, são geradas novas formas de construção e utili-
zação de recursos naturais, que viabilizam a agregação de valor aos resíduos, esten-
dendo sua vida útil e reinserindo-os no ciclo de negócios produtivo novamente.
Guarnieri (2011) destaca que muitas empresas utilizam o modelo do berço ao
berço como a Ford que possui uma planta industrial em River Rouge (Michigan,
EUA) que serve como base para criar produtos inovadores. A Adidas que divulgou
sua intenção de utilizar 40% de Better Cotton2 até 2015 e 100% até 2018. E a Nike
que está testando uma nova borracha “limpa” que será um nutriente para biológico
para o meio ambiente e poderá causar um impacto em muitos setores industriais.
De acordo com os exemplos, o conceito de logística reversa é totalmen-
te aplicável e atua no sentido de viabilizar a aplicação do modelo do berço ao
berço, pois propõe o retorno dos resíduos gerados nos processos produtivos e
de vendas ao ciclo produtivo, proporcionando a revalorização e preservação do
meio ambiente (GUARNIERI, 2011).

1  O termo em inglês aplica-se às atitudes ecologicamente corretas, tomadas por empresas instituições ou pessoas.
Atesta que elas agem em concordância com o que há de mais sustentável naquele segmento. Sua tradução para o
português seria “amigo da natureza” (ECOD, 2015).
2  O Better Cotton é o algodão produzido com uma relevante redução do consumo de água e pesticidas na cultura
e produção.

96 • capítulo 3
Ao decidir adotar processos de design e gerenciamento do ciclo de vida eco-
ecoeficientes, a empresa precisa considerar em primeiro lugar a ética nos ne-
gócios e o respeito ao consumidor. Poucas organizações estão preparadas para
adotar o conceito do berço ao berço, pois, isso depende de grandes mudanças
estruturais, culturais e quebra de paradigmas. O novo ciclo de vida dos produ-
tos, sob o aspecto do modelo berço a berço é apresentado na figura 3.2.

Manufatura
Matéria-prima Produtos
finais

Reciclagem
CICLO DE VIDA Embalagem
Remanufatura

Coleta Transporte
seletiva
Uso
Reuso

Figura 3.2 – Ciclo de vida ambiental berço à berço. Fonte: Guarnieri (2011).

Como podemos observar na figura 3.2, no ciclo de vida ambiental o produto


tem sua vida estendida, pois depois da manufatura, o produto passa por todos
os processos logísticos usuais, todavia no lugar de ser disposto em aterros ou
lixões ele por ser reusado, reciclado ou remanufaturado, tornando-se matéria
-prima e novamente sendo incluído no processo.
“O ciclo de vida de um produto engloba todas as fases por que ele passa:
a extração de matérias-primas, a manufatura, as fases de sua distribuição, a
aquisição, o uso, chegando aos processos envolvidos com o final de seu ciclo
de vida” (CAMPOS, 2006, 22). Assim, o ciclo de vida de um produto não termina
com sua entrega ao cliente. Quando os produtos se tornam obsoletos, são dani-
ficados ou não funcionam, devem ter um encaminhamento para ser adequada-
mente descartados, reparados ou reaproveitados: esse encaminhamento fica a
cargo da logística reversa.

capítulo 3 • 97
Ao estimar o custo para um produto, todas as fases do seu ciclo de vida de-
vem ser consideradas, inclusive seu fluxo reverso. Da mesma forma, uma análi-
se ambiental do produto deve observar o impacto dele durante a sua vida útil e,
também, seu destino ao finalizar sua vida útil. Ou seja, é necessário fazer uma
abordagem sistêmica, para que todas as fases do ciclo de vida sejam observadas
e adequadamente atendidas (CAMPOS, 2006).

OBJETIVOS
Ao final deste capítulo esperamos que você:

•  Conheça os princípios e estrutura da Avaliação do Ciclo de Vida.


•  Conheça dois modelos de caracterização para a Avaliação de Impacto do Ciclo de Vida.
•  Entenda a relação entre Avaliação do ciclo de vida e rotulagem ambiental.
•  Conheça a classificação dos diversos tipos de rotulagem ambiental.
•  Compreenda a importância dos aspectos ambientais no desenvolvimento de produto.

98 • capítulo 3
3.1  História da avaliação do ciclo de vida

“Os estudos de ACV tiveram início na década de 60, com a crise do petróleo, que levou
a sociedade a se questionar sobre o limite da extração dos recursos naturais, especial-
mente de combustíveis fósseis e de recursos minerais. Os primeiros estudos tinham
por objetivo calcular o consumo de energia e, por isso, eram conhecidos como “análise
de energia”. Estes estudos envolviam a elaboração de um fluxograma de processo com
balanço de massa e de energia” (COLTRO, 2007, p. 7).

A Avaliação do Ciclo de Vida tem sua origem nas décadas de 1970 e 1980
quando foram realizados os primeiros estudos ambientais sobre os recipientes
de bebidas utilizados pela Coca Cola. Um pesquisador britânico, Ian Bousted,
usou uma abordagem similar em 1970 para estimar o total de energia usada
para fabricar diferentes tipos de embalagens (JENSEN, et al., 1997).
As primeiras orientações para a ACV foram publicadas em 1993. O guia pu-
blicado foi denominado de “Code of Practice” e desenvolvido por um grupo
de trabalho da SETAC – Society of Environmental Toxicology and Chemistry
(BARBIERI, 2007). O guia apresentou a ACV como um termo geralmente acei-
to como método para avaliar o desempenho ambiental. Atualmente, as orien-
tações seguem o conjunto de normas internacionais ISSO 14040, que mesmo
sendo mais detalhadas, não contemplam o mesmo nível de detalhamento
quanto ao melhoramento proposto no guia da SETAC (JENSEN et al., 1997).
Coltro (2007) destaca que o interesse por estudos de ACV enfraqueceu após
a crise do petróleo. Porém, a ACV ressurgiu na década de 80 em decorrência do
crescente interesse pelo meio ambiente. A partir de 1990, os estudos de ACV
se expandiram e foram impulsionados pela normalização proporcionada pela
série de normas ISO 14040, com consequente aumento do número de estudos,
publicações, conferências e congressos.
Para Curran (2012) o conceito de ciclo de vida estava plenamente desenvolvido
quando a política ambiental se tornou uma questão importante em todas as so-
ciedades industrializadas, no final dos anos sessenta e no início dos anos setenta.
Ficou claro nessa época que as medidas de fim-de-tubo eram cada vez mais caras.
De modo geral, os estudos consideram que os impactos ambientais não de-
vem ser considerados de forma pontual, em uma determinada etapa do pro-
cesso, mas por meio de uma avaliação global de toda a cadeia do produto. Ao

capítulo 3 • 99
considerar essa visão, a manufatura está se tornando cada vez mais responsável
pela performance do produto, a partir de seus estágios, desde a extração da ma-
téria-prima até a disposição final (OMETTO, 2005).

Fabricação /
produção

Recursos /
extração

Transporte /
distribuição

Fim da vida /
reciclando

Use /
consumo

Figura 3.3 – Fases consideradas em uma ACV. Fonte: Adaptado de HydroQuébec (2015).

Em geral, podemos distinguir entre dois tipos de estudos de ACV, para um


único produto e uma comparação entre dois produtos.
O primeiro caso é usado para realizar uma avaliação ambiental de um úni-
co produto e determina onde no ciclo de vida de um determinado produto, o
impacto ambiental potencial é mais significativo. Por exemplo, o maior impac-
to relacionado ao produto pode estar na extração da matéria-prima (África do
Sul), na fase de manufatura (Itália), no estágio de transformação (Alemanha),
no estágio de uso (Brasil) ou durante o transporte entre os países. Para as em-
presas essa informação pode ser importante para buscar novos fornecedores
eco-frindly, e estabelecer novas metas ambientais, planos de ação e até mesmo
um sistema de gestão ambiental.
Por outro lado, a comparação do desempenho ambiental entre dois produ-
tos é relevante para o desenvolvimento de novos produtos e para certificar que
as melhorias ambientais em produtos eco-friendly são reais.

100 • capítulo 3
3.2  Princípios e estrutura da Avaliação do Ciclo
de Vida

“No suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste
tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás”
Gênesis 3:19

A Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) é um instrumento de gestão ambiental


aplicável a bens e serviços. O ciclo de vida que interessa à gestão ambiental refe-
re-se aos aspectos ambientais de um bem ou serviço em todos os seus estágios,
desde a origem dos recursos, até a disposição final dos resíduos de materiais e
energia após o uso, passando por todas as etapas intermediárias, como benefi-
ciamento, transportes e estocagens (BARBIERI, 2007). A ACV também permite
identificar quais estágios do ciclo de vida têm contribuição mais significativa
para o impacto ambiental do processo ou produto estudado (COLTRO, 2007).
Com o aumento da conscientização sobre a importância da proteção am-
biental e os possíveis impactos associados aos produtos e serviços, tanto na fa-
bricação como no consumo, aumentaram o interesse no desenvolvimento de
métodos para melhor compreender e lidar com as consequências do desenvol-
vimento. Uma das técnicas com esse objetivo é a avaliação do ciclo de vida.
Os estudos de ACV podem subsidiar as seguintes situações conforme a
ABNT (2009):

•  a identificação de oportunidades para a melhoria do desempenho am-


biental de produtos em diversos pontos de seus ciclos de vida;
•  o nível de informação dos tomadores de decisão na indústria e nas organi-
zações governamentais ou não-governamentais;
•  a seleção de indicadores de desempenho ambiental relevantes, incluindo
técnicas de medição; e
•  marketing (por exemplo, na elaboração de uma declaração ambiental de
produto).

capítulo 3 • 101
A ACV destaca os aspectos ambientais e os impactos ambientais potenciais ao lon-
go do ciclo de vida de um produto, desde a aquisição das matérias-primas, produção,
uso tratamento pós-uso, reciclagem até a disposição final, ou seja, do berço ao túmulo.
Um estudo de ACV possui as seguintes fases:

•  a fase de definição de objetivo e escopo;


•  a fase de análise de inventário;
•  a fase de avaliação de impactos; e
•  a fase de interpretação.

O escopo de uma ACV inclui o nível de detalhamento e sua abrangência


pode variar dependendo do objetivo do estudo em particular. A fase de análise
de Inventário do Ciclo de Vida (ICV) é a segunda fase e compreende a coleta dos
dados necessários para o alcance dos objetivos do estudo. A fase de Avaliação
de Impacto do Ciclo de Vida (AICV) é a terceira fase e tem como objetivo prover
informações adicionais para ajudar na avaliação dos resultados do ICV de um
sistema de produto. Por fim, na fase de interpretação os resultados de um ICV
ou AICV, são sumarizados e discutidos como base para conclusões, recomen-
dações e tomada de decisão de acordo com a definição de objetivo e escopo.
Geralmente, as informações desenvolvidas em um estudo de ACV ou ICV podem
ser usadas como parte de um processo decisório muito mais abrangente (ABNT,
2009). A ACV é dentre várias técnicas de gestão ambiental (por exemplo, avaliação de
risco, avaliação de desempenho ambiental, auditoria ambiental e avaliação de im-
pacto ambiental) e pode não ser a técnica mais apropriada para todas as situações.
Tipicamente, ela não enfoca os aspectos econômicos ou sociais de um produto, mas
a abordagem do ciclo de vida pode ser aplicada a esses outros aspectos.
A ACV é mais do que uma ferramenta ou metodologia, segundo Barros e
Lemos (2008, p. 8) “é um sistema de criação, gerenciamento, estruturação e di-
vulgação de produtos, embalagens e processos relacionados com outras infor-
mações gerenciais”. Os autores explicam que quem adota a ACV volta-se para
“além das suas fronteiras” e está sempre disposto a ampliar a sua colaboração
e comunicação com todos os participantes da sua cadeia de valor.
Outro fato importante é que a ACV não considera a exposição ao risco, mas
a quantidade e o real impacto das emissões ambientais, ao identificar quando,
onde e como são liberadas para o meio ambiente. Nesse contexto, o estudo de
ACV é usado para responder algumas questões específicas, tais como:

102 • capítulo 3
Como dois processos diferentes de
Quais são as contribuições das
fabricação para o mesmo produto podem
diferentes fases do ciclo de vida do
ser comparados em termos de utilização
produto para as emissões ambientais
dos recursos naturais e das emissões
totais?
ambientais?

Tabela 3.1 – Por que fazer uma ACV? . Fonte: Barros e Lemos (2008)

3.2.1  Princípios da ACV

Pensar no ciclo de vida significa ir além do tradicional enfoque nos processos de


produção local, incluindo o impacto ambiental e socioeconômico de um produto
ao longo do todo o seu ciclo de vida (BARROS e LEMOS, 2008). Para que a condução
e planejamento de uma ACV sejam fundamentais, há adoção de alguns princípios:

a ACV considera todo o ciclo de vida de um produto, des-


PERSPECTIVA DE de a extração e aquisição de matérias-primas, através da
CICLO DE VIDA produção de energia e materiais, manufatura, uso, trata-
mento de fim de vida até a disposição final.

a ACV enfoca os aspectos e impactos ambientais de um


FOCO AMBIENTAL sistema de produto.

ABORDAGEM a unidade funcional define o que está sendo estudado


RELATIVA e todas as análises subsequentes são relativas àquela
E UNIDADE unidade funcional.
FUNCIONAL

ABORDAGEM as fases individuais de uma ACV utilizam os resultados


INTERATIVA das outras fases.

capítulo 3 • 103
a transparência é um princípio orientador importante na
TRANSPARÊNCIA execução de ACVs, de modo a assegurar uma interpre-
tação adequada dos resultados.

a ACV considera todos os atributos ou aspectos do am-


COMPLETEZA biente natural, da saúde humana e dos recursos.

as decisões são embasadas nas ciências naturais e se


PRIORIDADE DA isto não for possível, outras abordagens científicas po-
ABORDAGEM dem ser utilizadas ou pode-se recorrer a convenções
CIENTÍFICA internacionais.

3.2.2  Fases de uma ACV

Conforme ABNT (2009) os estudos de ACV compreendem quatro fases. A rela-


ção entre essas fases é apresentada na figura 3.4.

•  definição de objetivo e escopo; •  avaliação de impacto; e


•  análise de inventário; •  interpretação.
•  avaliação de impacto;

Estrutura da avaliação de ciclo de vida

Definição de
objetivo e escopo
Aplicações diretas
- Desenvolvimento e
aperfeiçoamento de produtos
Análise de - Planejamento estratégico
Interpretação
inventário - Elaboração de políticas públicas
- Marketing
- Outras
Avaliação de
impacto

Figura 3.4 – Fases de uma ACV . Fonte: ABNT (2009)

104 • capítulo 3
Os resultados da ACV podem ser subsídios úteis para uma variedade de proces-
sos decisórios. A interpretação do ciclo de vida utiliza um procedimento sistemáti-
co para identificar, conferir, qualificar, avaliar e apresentar as conclusões baseadas
nas constatações de uma ACV, com o objetivo de satisfazer aos requisitos da aplica-
ção descritos no objetivo do estudo. A interpretação do ciclo de vida pode também
viabilizar a vinculação entre ACV e outras técnicas de gestão ambiental ao enfatizar
as potencializadas e os limites de uma ACV com relação à sua definição de objetivo.

3.2.3  Sistemas de produto

A ACV modela o ciclo de vida de um produto por meio de seu sistema de produ-
to, que desempenha uma ou mais funções definidas. “A propriedade essencial
de um sistema de produto é caracterizado pela sua função e não pode ser defini-
da somente em termos dos produtos finais” (ABNT, 2009, p. 12). Os sistemas de
produtos são compostos por processos elementares ligados uns aos outros por
fluxos de produtos intermediários e de resíduos para tratamento. A subdivisão
de um sistema de produtos nos processos elementares que o compõem facilita
a identificação das entradas e saídas do sistema de produto.
Exemplo:

•  Fluxos elementares entrando no processo elementar: petróleo bruto ex-


traído do solo e radiação solar.
•  Fluxos elementares deixando o processo elementar: emissões para o ar,
descargas para a água e o solo e radiação.
•  Fluxos de produtos intermediários: materiais básicos e subcomponentes.
•  Fluxos de produtos entrando ou deixando o sistema: materiais reciclados
e componentes para reuso.

3.2.4  Análise de inventário de ciclo de vida (ICV)

A condução de uma análise de inventário é um processo interativo que envolve


a coleta de dados e procedimentos de cálculo para quantificar as entradas e sa-
ídas de um sistema de produto. À medida que dados são coletados e se amplia
o conhecimento sobre o sistema, novos requisitos ou limitações dos dados po-
dem ser identificados, requerendo mudança nos procedimentos de coleta de
dados de modo que os objetivos do estudo possam ainda ser satisfeitos.

capítulo 3 • 105
A coleta de dados pode demandar muitos recursos, assim, convém que res-
trições práticas quanto à coleta de dados sejam consideradas. Os dados podem
ser classificados em:

•  entradas de energia, entradas de matéria-prima, entradas auxiliares;


•  produtos, co-produtos e resíduos;
•  emissões atmosféricas, descargas para a água e solo; e
•  outros aspectos ambientais.

Em seguida à coleta de dados, são realizados os procedimentos de cálculo,


incluindo:

•  validação dos dados coletados;


•  a correlação dos dados aos processos elementares; e
•  a correlação dos dados aos fluxos de referência e à unidade funcional.

Cada uma dessas etapas é necessária para gerar os resultados do inventário


do sistema, para cada processo elementar, referidos à unidade funcional esta-
belecida para o sistema de produto a ser modelado. O cálculo dos fluxos ener-
géticos também deve considerar os diferentes combustíveis e fontes de energia
elétrica utilizados e a eficiência de conversão e distribuição do fluxo de energia
(ABNT, 2009).
É importante destacar que um estudo de avaliação do ciclo de vida, devi-
do à quantidade de dados que necessita ser coletada, somente se torna viável
caso exista a disponibilidade de um banco de dados nacional constituído por
inventários do ciclo de vida dos principais insumos empregados pela sociedade
como matérias-primas e energia.
No Brasil o uso da técnica de ACV está sendo aprimorada ao mesmo tempo
em que contribui para ampliar o banco de dados regional. Um exemplo é o
estudo “Inventário do ciclo de vida do papel offset produzido no Brasil” dispo-
nível no tópico Leitura Complementar, que elaborou um Inventário do Ciclo
de Vida (ICV) para o papel offset produzido no Brasil. O papel offset pertence a
categoria de papéis de imprimir e, atualmente, representa o tipo de papel mais
produzido no país.

106 • capítulo 3
3.2.5  Avaliação de impacto do ciclo de vida (AICV)

A fase de avaliação de impacto da ACV tem como objetivo estudar os impactos


ambientais potenciais, utilizando os resultados do ICV. Geralmente, nessa fase
são associados dados do inventário com categorias de impacto específicas e in-
dicadores de categoria, tentando dessa forma entender tais impactos.
Os elementos da fase de AICV são apresentados na figura 3.5.

Seleção de categorias de impacto, indicadores de


categoria e modelos de caracterização

Correlação de resultados do ICV


(classificação

Cálculo de resultados dos indicadores de


categoria (caracterização)

Resultados dos indicadores de categoria, resultados da AICV


(perfil da AICV)

Elementos opcionais
Cálculo da magnitude dos resultados dos indicadores
relativamente a informações de referência (normalização)

Agrupamento

Ponderação

Figura 3.5 – Elementos da fase de AICV . Fonte: ABNT (2009)

É importante destacar que a AICV enfoca somente as questões ambientais


que foram definidas no objetivo e escopo do estudo, não sendo uma avaliação
completa de todas as questões ambientais do sistema estudado.

3.2.6  Interpretação do ciclo de vida

Na interpretação as constatações da análise de inventário e da avaliação de im-


pacto são consideradas em conjunto. É conveniente que a interpretação forne-
ça resultados que sejam consistentes com o objetivo e escopo definidos e que
levem a conclusões, expliquem limitações e provejam recomendações.

capítulo 3 • 107
A interpretação também tem como objetivo fornecer uma apresentação
compreensível, completa e consistente dos resultados de uma ACV e as cons-
tatações podem tomar a forma de conclusões e recomendações aos tomadores
de decisão.
Finalmente, os resultados e conclusões da ACV devem ser relatados para o
público-alvo, enfocando os dados, métodos e pressupostos aplicados no estudo
assim como as limitações associadas.

3.3  Modelo de caracterização para a


avaliação de impacto do ciclo de vida

Em uma AICV, as substâncias são avaliadas de acordo com sua capacidade de


gerar impactos ao meio ambiente. Assim, após sua emissão, elas podem agir
diretamente sobre o meio ou sofrer transformações que podem gerar consequ-
ências sobre a saúde humana, a qualidade do meio e na disponibilidade de re-
cursos (SOUZA, 2010). Essas alterações biológicas, físicas e químicas recebem
a denominação de “mecanismo ambiental”.
As alterações do mecanismo ambiental são tratadas em “categorias de im-
pacto”, ou seja, classes que representam tópicos ambientais de interesse den-
tro das quais os resultados do inventário do ciclo de vida podem ser alocados
(SOUZA, 2010). A norma ISO não especifica as categorias de impacto a serem
incluídas em métodos de AICV. Conforme Souza (2010) essa abertura é dada
porque novos conceitos acerca de riscos ambientais surgem com o avanço do
conhecimento científico. Todavia, os métodos existentes atualmente englo-
bam diferentes categorias, de acordo com meios possíveis de realizar a caracte-
rização de impactos.
Nesse contexto, compreendem-se os métodos de AICV como ferramentas
utilizadas para modelar a rede de causas e efeitos de diferentes substâncias (in-
ventário) sobre o meio e quantificar o impacto (SOUZA, 2010). Dentre os méto-
dos de AICV existentes, os mais utilizados, são: Eco-indicator 99, EDIP 97, EDIP
2003, EPS 2000, (Dutch) Handbook on LCA, Impact 2002+, JEPIX, LIME, Swiss
Ecoscarcity e TRACI.
A seguir serão descritos dois métodos de AICV.

108 • capítulo 3
3.3.1  Eco-indicator 99

O método Eco-indicator 99 é uma versão atualizada do Eco-indicator 95 e foi


desenvolvido como parte da Política Integrada de Produto (IPP) (conceito que
será estudado nas próximas unidades), do Ministério Holandês de Moradia,
Planejamento Espacial e Ambiental (VROM) (MENDES, 2013).
O método Eco-Indicator 99 é amplamente utilizado por designers e em em-
presas, sendo uma poderosa ferramenta para agregar resultados da Avaliação
do Ciclo de Vida (ACV) de maneira compreensível. Uma das aplicações preten-
didas é o cálculo de uma única pontuação, eco-indicadores, que possa ser usa-
da no dia-a-dia para tomada de decisão.
A partir dos requisitos básicos, o número de itens a serem ponderados deve
ser o menor possível e os itens ponderados devem ser fáceis de explicar, são
abordadas três áreas de danos (MENDES, 2013).

•  Saúde humana (Daly): quantidade e duração das doenças e a perda de


anos de vida pela morte prematura devido aos impactos ambientais. Inclui mu-
danças climáticas, depleção de ozônio, radiação ionizante, efeitos respiratórios
e efeitos carcinogênicos;
•  Qualidade do ecossistema (% de espécies que desapareceram): efeito na
diversidade de espécies, especialmente para plantas e organismos menores.
Inclui ecotoxidade, acidificação, eutrofização e uso da terra.
•  Recursos (energia requerida): necessidade de geração de energia no fu-
turo para extrair recursos minerais e fósseis de menor qualidade. As perdas na
agricultura e de recursos como areia e cascalho são relacionadas aos impactos
do uso da terra.

Esse método apresenta escopo de aplicação global para as categorias de im-


pacto mudança climática, depleção do ozônio e consumo de recursos. As cate-
gorias de acidificação e eutrofização são baseadas em modelos com escopo de
aplicação regional direcionado para a Holanda e a categoria de impacto uso da
terra é um modelo para aplicação na Suíça.
Há eco indicadores para: materiais, processos de produção, processos de
transporte, processos de geração de energia e cenários de disposição. A pon-
deração é feita por um painel, cujos valores padrão são fornecidos (MENDES,
2013).

capítulo 3 • 109
3.3.2  EDIP 1997 – EDIP 2003

O método Environmental Design of Industrial Products (EDIP) foi desenvolvi-


do na Dinamarca durante um período de quatro anos por meio do programa
Danish EDIP, o qual representa a Universidade Técnica da Dinamarca (DTU),
cinco indústrias dinamarquesas, a Confederação das Indústrias Dinamarque-
sas e a Agência de Proteção Ambiental Dinamarquesa, além de ser financiado
pelo Ministério do Meio Ambiente da Dinamarca.
O EDIP 97 aborda as categorias de impacto dentro dos seguintes grupos:
impactos ambientais, consumo de recursos e impactos no ambiente de traba-
lho. As categorias de impacto avaliadas pela versão mais atual EDIP 2003 são:
aquecimento global, depleção de ozônio, acidificação, eutrofização terrestre,
eutrofização aquática, formação de ozônio fotoquímico, toxicidade humana,
ecotoxicidade e ruído.
Os fatores de ponderação para as categorias de impacto se baseiam nos ob-
jetivos políticos dinamarqueses, europeus ou globais. Os fatores de normaliza-
ção são disponíveis como valores de impactos anuais para um cidadão comum
para todas as categorias de impacto. O EDIP 2003 possui fatores de caracteriza-
ção locais para mais de quarenta regiões europeias e fatores de caracterização
locais genéricos compatíveis baseados na média europeia de ponderação auxi-
liando a aplicação em todo o ciclo de vida (MENDES, 2013).
Caro aluno (a)!
Nesse momento pause a sua leitura para estudar o texto complementar
“Avaliação do ciclo de vida do álcool etílico hidratado combustível pelos méto-
dos EDIP, Exergia e Emergia” disponível no tópico Leitura Recomendada. Na
tese de Ometto (2005) você poderá conferir a aplicação de categorias de impac-
tos do método EDIP.
Nesse estudo o produto avaliado é o álcool etílico hidratado combustível,
por ser passível de melhorias ambientais durante seu ciclo de vida e de grande
importância estratégica para o Estado de São Paulo e para o Brasil. O objetivo
foi à avaliação do ciclo de vida do álcool etílico hidratado combustível utilizan-
do o método EDIP (OMETTO, 2005).
Os principais resultados do EDIP para a pesquisa de Ometto (2005) são rela-
cionados no quadro 3.1.

110 • capítulo 3
• A atividade da colheita de cana apresenta o maior potencial de impacto para o con-
sumo de recursos renováveis, o aquecimento global, a formação fotoquímica de ozônio
troposférico, a acidificação e a toxidade humana.
• O preparo do solo apresenta maior potencial para o consumo de recursos não reno-
váveis e para a ecotoxidade da água.
• O trato cultural apresenta maior influência na eutrofização e na ecotoxidade do solo.
• Pela exergia, verifica-se que, para cada litro de álcool consumido, há uma perda de
exergia pelas emissões atmosféricas de seu ciclo de vida, considerando que 25% da
cana colhida seja crua, equivalente à exergia de, aproximadamente, 1,38 litro de álcool.
• Pela emergia, 69% do consumo de energia solar equivalente é realizado pelo veículo
automotor.
• Indica-se a eliminação da queimada, a redução do uso de agrotóxicos, de combustível
fóssil e formas mais eficientes de uso do álcool combustível.

Quadro 3.1 – Principais resultados da pesquisa. Fonte: Adaptado de Ometto (2005).

3.4  Avaliação do ciclo de vida e rotulagem


ambiental 3

“Os rótulos e as declarações ambientais, popularmente denominados selos ou rótulos


verdes, indicam atributos ambientais em produtos e serviços, que podem tomar a forma
de afirmações, símbolos aplicados nos produtos ou nas suas embalagens, informações
em comunicação direta com os consumidores” (BARBIERI, 2007, p. 116).

Os consumidores procuram cada vez mais utilizar produtos e serviços am-


bientalmente saudáveis. Uma questão referente a esse novo tipo de consumi-
dor é a prática de diferenciar produtos e serviços pelo desempenho ambiental.
Barbieri (2007) afirma que o surgimento de rótulos e selos verdes em muitos
países é um indicador da importância do desempenho ambiental com critério
para definir as escolhas na hora de realizar suas compras.

3  A rotulagem ambiental (eco-labeling) é voltada para os consumidores e a certificação ambiental (eco-certification)


para as indústrias de recursos e venda por atacado

capítulo 3 • 111
A rotulagem ambiental é um ato voluntário de certificação de desempenho
ambiental que é praticada em todo o mundo. O rótulo ambiental identifica a
preferência ambiental de um produto ou serviço dentro de uma categoria es-
pecífica de produto ou serviço baseando-se em considerações sobre o ciclo de
vida, sendo concedido por programas de rotulagem ambiental de terceira par-
te, imparciais (COLTRO, 2007b).
O objetivo dos rótulos e declarações ambientais é atrair consumidores ou
usuários que se preocupam com o meio ambiente, destacando as qualidades
do produto ou serviço em termos ambientais. Os rótulos e declarações ambien-
tais podem ser tornar instrumentos da estratégia de marketing da empresa na
medida em que diferenciam os produtos e serviços em função dos seus impac-
tos ambientais.
Enfim, não faltam pressões para que as empresas adotem medidas de pro-
teção ao meio ambiente e os selos e certificados sejam tratados como ferramen-
tas de comunicação sobre os aspectos ambientais do produto ou serviço. Nesse
contexto, as organizações buscam certificações que atendam ao contexto que
atuam de acordo com as informações apresentadas no tabela 3.2.

TIPO I TIPO II TIPO III


ISO 14024 ISO 14021 ISO 14025

Sistema de premiação Declaração na forma de


Informação quantificada
aprova/reprova texto ou logo

Pode ser apresentado


Licença concedida por
Melhorias devem ser de diversas formas, por
terceira parte para uso do
quantificáveis exemplo, texto, gráfico,
rótulo (logo)
ilustração

Voluntário Voluntário Voluntário

112 • capítulo 3
TIPO I TIPO II TIPO III
ISO 14024 ISO 14021 ISO 14025

Normalmente baseia-se Critérios múltiplos, base-


Critérios múltiplos, basea-
em critério único, mas ados em estudo de ava-
dos em impactos do ciclo
pode ser de múltiplos liação do ciclo de vida do
de vida do produto
critérios produto

Conjunto de dados am-


bientais quantitativos de-
Conjunto de critérios e ava- Autodeclaração, sem
terminados por terceira
liação do produto determi- envolvimento de terceira
parte, mas que devem
nados por terceira parte parte
ser submetidos a uma
revisão crítica

Exemplos:
Blue Angel – Alemanha
Nordic Swan – Países Exemplo: Feito com x% Exemplo: Folhe da Volvo
Nórdicos de material reciclado para o automóvel S80
The Flower – União Euro-
péia

Tabela 3.2 – Classificação da rotulagem ambiental. Fonte: Global Ecolabelling Network


(2004)

Os rótulos ambientais têm por objetivo aperfeiçoar os produtos de modo


a torná-los menos agressivos ao meio ambiente do que os produtos tradicio-
nais, além de desempenhar suas funções com alta qualidade, consumindo o
mínimo possível de recursos naturais (THE BLUE ANGEL, 2015). O rótulo verde
mais antigo é o Anjo Azul (Umweltzeichen), criado pelo órgão ambiental do go-
verno federal da Alemanha em parcerias com outras entidades independentes
(BARBIERI, 2007). No entanto, os critérios para rotulagem foram normalizados
pela ISO somente no final da década de 90 por meio da série de normas ISO
14020 relativas à rotulagem ambiental:

capítulo 3 • 113
•  ISO 14020 – Environmental labels and declarations – General principles
(1998);
•  ISO 14021 - Environmental labels and declarations – Type II Self-declared
environmental claims (1999);
•  ISO 14024 - Environmental labels and declarations – Type I environmen-
tal labeling – Principles and procedures (1999);
•  ISO/TR 14025 - Environmental labels and declarations – Type III environ-
mental declarations (2000).

As normas NBR ISO 14020, NBR ISO 14021 e NBR ISO 14024 foram interna-
lizadas no Brasil pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), sendo
os três tipos de rótulos ambientais normalizados pela ISO:

Rótulo Ambiental Tipo I: conhecido como “Selo Verde”, baseia-se em critérios múl-
tiplos obtidos de estudos de ACV setoriais e tem por objetivo reduzir os impactos am-
bientais da categoria de produto selecionada. O “Selo Verde” consiste em um símbolo
impresso no rótulo da embalagem e é concedido por um programa de terceira parte
(normalmente um Órgão de Certificação nacional, que no caso do Brasil é a ABNT)
que fornece uma licença autorizando o uso do rótulo ambiental. Os dados das ACVs
setoriais são utilizados como orientação na definição dos parâmetros de controle das
categorias de produtos;
Rótulo Ambiental Tipo II: declarações de cunho ambiental que a empresa divulga
no rótulo das embalagens de seus produtos e que fazem referência ao desempenho
ambiental do produto, como por exemplo “reciclável”, “consumo de energia reduzido”,
etc. As autodeclarações foram normalizadas pela ISO com o objetivo de evitar o uso de
expressões indefinidas, tal como “produto verde”.
Rótulo Ambiental Tipo III: contém uma série de dados ambientais quantitativos ba-
seados em estudos de ACV desenvolvidos por terceira parte especificamente para o
produto em questão, devendo ser submetido a uma revisão crítica. Por ser complexo,
este rótulo tende a ser mais aplicado em relações comerciais ao invés de ser divulgado
ao público em geral.

Quadro 3.2 – Tipos de rótulos ambientais. Fonte: CETEA (2015).

114 • capítulo 3
Em síntese, os rótulos do Tipo I são os clássicos “selos verdes”. Os do Tipo II
são as declarações efetuadas pelos próprios fabricantes, as autodeclarações. E
os do Tipo III consistem, essencialmente, no estabelecimento de categorias de
parâmetros a partir de uma ACV e na divulgação dos dados quantitativos para
esses parâmetros, todos verificados por uma terceira parte (BARROS e LEMOS,
2008).
Para entender os detalhes dos procedimentos de acreditação e certifica-
ção leia o artigo de Santos et al., (2013), “Influência da demanda ambiental na
acreditação de organismos de avaliação da conformidade” disponível no tópi-
co Leitura Complementar. O artigo esclarece o papel de cada organização que
compõe e sustenta o processo de acreditação e certificação no Brasil.

3.4.1  Programas de rotulagem ambiental Tipo I

A norma NBR ISO 14024, que trata do Rótulo Tipo I, estabelece os princípios e
procedimentos para o desenvolvimento de programas de rotulagem ambiental,
incluindo a seleção, os critérios ambientais e as características funcionários
dos produtos (BARROS e LEMOS, 2008). A norma estabelece também os proce-
dimentos de certificação para concessão do rótulo ambiental por meio de audi-
toria realizada por um órgão independente chamado de “terceira parte”.
Conforme Coltro (2007b) existem 28 programas principais de rotulagem
ambiental Tipo I e sete desses programas são responsáveis pela certificação de
mais de mil produtos. No Brasil há apenas selos verdes setoriais, como no setor
de papel e celulose.

3.4.1.1  Alemanha - The Blue Angel

Em 1977, a Alemanha desenvolveu o primeiro programa de rotulagem am-


biental, denominado “Anjo Azul”. Segundo Tachizawa (2011, p. 77), “o rótulo
ambiental alemão é representado pelo “anjo azul”, símbolo do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente, e contém a descrição da razão pela qual
o selo foi conferido”:

capítulo 3 • 115
3.4.1.2  Canadá - EcoLogo
O Canadá possui um programa de rotulagem ambiental que ajuda os consumi-
dores a identificarem produtos e serviços que são menos prejudiciais ao meio
ambiente. O EcoLogo, possui três pombas interligadas em forma de folha que
simbolizam consumidores, indústria e governo trabalhando juntos para me-
lhorar o meio ambiente (GUÉRON, 2003).

3.4.1.3  Japão - EcoMark

“O programa de proteção de Produtos Ecologicamente Saudáveis, conhecido


como EcoMark, foi criado em 1989 pela Associação Japonesa de Meio Ambiente,
(...) sob supervisão e orientação do Ministério do Meio Ambiente.”(TACHIZAWA,
2011, p. 78). O programa busca a proteção da terra e do meio ambiente sendo que
uma grande variedade de produtos é contemplada pelo rótulo EcoMark.

3.4.1.4  Brasil - Qualidade ambiental

É a certificação de produtos e serviços com qualidade ambiental que atesta,


através de uma marca colocada no produto ou na embalagem, que determina-
do produto ou serviço apresenta menor impacto ambiental em relação a outros
produtos “comparáveis” (LADVOCAT, 2010).

3.4.1.5  Países Nórdicos – Nordic Ecolabel

O rótulo Nordic Ecolabel avalia o impacto de um produto no ambiente ao longo


de todo o ciclo de vida. Isto significa que os critérios compreendem todo o ciclo
de vida dos produtos e seus problemas ambientais. Alguns critérios são exclu-
sivamente climáticos, tais como os relacionados a utilização de combustível
fóssil ou consumo de energia (NORDIC ECOLABEL, 2015).

3.4.1.6  Taiwan – Green Mark

O primeiro Green Mark é o programa de rotulagem ecológica voluntária


Chinês, que foi fundado em 1992 com o objetivo de incentivar a produção e o
mundo ambientalmente. A partir de 2012 o programa emitiu certificados para

116 • capítulo 3
mais de 6.000 produtos em 117 categorias de produtos incluindo produtos de
limpeza, material de escritório, eletrodomésticos, produtos de informática e
materiais de construção (ECOLABEL INDEX, 2015).

3.4.2  Programas de rotulagem ambiental Tipo II e Tipo III

O Rótulo Tipo II, tratado na norma NBR ISO 14021, especifica os requisitos
para as autodeclarações ambientais, incluindo textos, símbolos e gráficos, no
que se refere aos produtos. Nesse caso o rótulo não está vinculado a uma audi-
toria de certificação independente, ou realizada por produtores, comerciantes,
distribuidores ou por quem se beneficie de tal reivindicação, para informar aos
consumidores as qualidades ambientais de seus produtos.
A autodeclaração é uma afirmação de qualidade ambiental do produto,
como, por exemplo:

•  Um texto ou símbolo informando que o produto foi elaborado com certo


material reciclado;

65%

65%

65%

Figura 3.6 – Valor percentual quando se utiliza o Ciclo de Mobius4 . Fonte: ABRE (s/d, s/p).

4  O ciclo de Möbius é o símbolo internacional da reciclagem e quando acompanhado por uma percentagem, indica
que o produto é fabricado a partir de materiais reciclados. Sem menção de uma percentagem, significa que o produto
é reciclável. A utilização do ciclo de Möbius não é controlada por uma autoridade reconhecida. Todavia, há variações
do ciclo utilizadas em países como Taiwan que utilizam o espaço negativo (observe o espaço branco no centro da
imagem para ver as quatro flechas).

capítulo 3 • 117
•  Um equipamento que economiza energia, ver a figura 3.7, selo Procel;

Figura 3.7 – Selo Procel. Fonte: Banricoop (s/d, s/p).

•  O produto atum em conservas, que foi pescado com dispositivos que sal-
vam os golfinhos das redes; e
•  o refrigerador que não contém substâncias nocivas a camada de ozônio.

Conforme Barros e Lemos (2008) para evitar fraudes às autodeclarações


devem ser verificáveis, referirem-se a aspectos relevantes e serem específicas e
claras, evitando expressões como “produto verde”, “ecológico”, “amigo da ter-
ra”, “da natureza”, “da Mata Atlântica” etc.
Por outro lado, o rótulo Tipo III, tratado na norma ISO 14025, considera as
relações comerciais das empresas, conhecidas como B2B (business to busi-
ness). Barros e Lemos (2008) o Tipo III traz informações sobre dados ambien-
tais dos produtos, quantificados de acordo com um conjunto de parâmetros
previamente selecionados e baseados na ACV.
O rótulo do Tipo III certifica apenas os produtos que necessitam de melhoria
ambiental e que, tenham realizado um ganho ambiental em relação aos demais
produtos da sua categoria. Essa certificação é realizada por entidades independen-
tes, de terceira parte. Na prática, os atributos dos produtos são comunicados aos
consumidores de forma que eles possam compará-los com outros similares.

118 • capítulo 3
Apesar de voluntárias, um edital internacional pode incluir o Selo Verde
Tipo III entre seus pré-requisitos, sem que seja considerada uma barreira co-
mercial. Um exemplo é o Rótulo Tipo III da Forest Conservation Program Label,
emitido pela SCY, e que informa que a madeira utilizada foi obtida em uma
floresta com manejo ambiental certificado.

3.5  Aspectos ambientais no desenvolvimento


de produto

O DfE (design for environment ou Ecodesign) é a integração de aspectos relacio-


nados a saúde humana e questões ambientais no desenvolvimento de produto
ou serviço com base em avaliação do ciclo de vida (HAUSCHILDet al., 2005). O
DfE é uma política organizacional de instituições e empresas envolvidas estra-
tegicamente com as questões ambientais (QUEIROZ e GARCIA, 2007).
Segundo Queiroz e Garcia (2007) a estratégia de DfE proporciona um estí-
mulo à inovação, novas oportunidades de negócio, diminuição de custos e au-
mento da quantidade do produto, além de definir a base do desenvolvimento
tendo em vista:

•  Função;
•  Desempenho;
•  Segurança e saúde;
•  Marketing do produto; e
•  Requisitos legais e regulatórios aplicados ao produto.

As vantagens e benefícios de apresentar metas de DfE, além do objetivo de


agregação de valor ao produto com benefícios para a organização em termos de
competitividade, são:

•  Baixar custos;
•  Otimizar o uso de materiais e energia;
•  Diminuir a disposição de resíduos;
•  Desenvolver processos mais eficientes;
•  Estimular inovação e criatividade;

capítulo 3 • 119
•  Identificar novos produtos;
•  Atingir e prever expectativas dos consumidores;
•  Trabalhar a imagem da empresa;
•  Aumentar a fidelidade do consumidor;
•  Atrair investidores com consciência ambiental;
•  Motivar os empregados; e
•  Melhorar a comunicação interna e externa da organização.

As organizações apresentam diversas questões econômicas e ambientais


relacionadas ao DfE, como:

•  Atividade dos competidores;


•  Necessidades, requisitos e demandas dos consumidores;
•  Atividades dos fornecedores; e
•  Atividades dos reguladores e legisladores.

Conforme Queiroz e Garcia (2007), outras questões relacionadas ao desen-


volvimento de produto integrando aspectos ambientais são:

atingir seus propósitos em termos de tempo de vida de


FUNCIONALIDADE prateleira, utilidade, aparência, entre outros.

consideram todos os impactos e aspectos relevantes am-


CONCEITOS E bientalmente, uma vez que, uma escolha pode contribuir
CRITÉRIOS com determinado indicador ambiental, o qual influencia o
equilíbrio de um determinado setor social específico ou não.

procuram soluções ótimas, sendo em alguns casos, ne-


cessárias estratégias apropriadas por tipo de produto,
pois, por exemplo, uma redução de massa pode afetar a
TROCAS taxa de reciclagem, um produto mais robusto pode apre-
sentar custos não acessíveis socialmente ou um material
específico pode afetar a durabilidade e segurança do pro-
duto, entre outros.

120 • capítulo 3
A comunicação é parte integrante da incorporação dos aspectos ambientais
no desenvolvimento de produtos. A informação externa à organização contri-
bui no aumento do valor agregado para os tomadores de decisão, e na divulga-
ção das propriedades no uso e fim-de-vida dos produtos, já a comunicação in-
terna aos empregados da organização é uma divulgação da política da empresa
(QUEIROZ e GARCIA, 2007).
Os objetivos ambientais relacionados à estratégia do produto são: o menor
impacto ambiental, mantendo ou aumentando a funcionalidade do produto,
conservação de recursos, reciclagem, recuperação de energia e prevenção da
poluição, redução de resíduos e outros impactos ao meio ambiente. As etapas
de um planejamento de DfE, são apresentadas na figura 3.8.

Planejamento

Ideias de projeto

Projeto conceitual

Conceito de projeto
Melhoria Contínua

Projeto detalhado

Solução de projeto

Protótipo/teste

Protótipo

Produção e lançamento
no mercado
Produto

Revisão do produto

Figura 3.8 – Etapas do planejamento do DfE. Fonte: Queiroz e Garcia (2007).

De fato, produtos com ecodesign são flexíveis, confiáveis, duráveis, modu-


lares e reutilizáveis. Além de apresentar interessantes características econômi-
cas, sociais e atendimento de alguma demanda ecológica.

capítulo 3 • 121
Na prática, a integração das considerações ambientais devem encontrar sua
posição entre as demais prioridades consideradas durante o desenvolvimento
de um novo produto, como demonstra a figura 3.9.

Design
Durabilidade Segurança

Materiais Tecnologia
Desenvolvimento do produto

Meio ambiente
Custos
- ciclo de vida
- todos os impactos relevantes
Legislação

Figura 3.9 – Diferentes requisitos observados durante o desenvolvimento do produto.


Fonte: Hauschildet al., (2005)

O processo de desenvolvimento de um produto é a arte de encontrar a me-


lhor abordagem entre muitos requisitos estabelecidos por diferentes partes in-
teressadas para o novo produto. Nesse processo, o peso dado ao desempenho
ambiental não deve ser maior do que o atributo que lhe dá a vantagem competi-
tiva mais forte. Todavia, muitas vezes, a melhoria ambiental pode ser alcançada
sem que se comprometa a vantagem competitiva.
A vida de um produto começa com o conceito de design inicial. O desafio do
ecodesign é pensar o novo produto desde a ideia com aspectos ambientais, pois,
essas questões são determinadas na fase de concepção e se forem deixadas para
fases mais adiantadas incorrerão em maiores custos (HAUSCHILDET al., 2005).
Caro aluno (a)!
Ao estudar o conceito de EcoDesign entende-se que é legítima a preocupa-
ção da sociedade e do governo em relação aos resíduos sólidos. Porém, é pre-
ocupante a ideia de que os materiais de embalagens devem se degradar rapi-
damente no meio ambiente, pois, não há uma solução fácil para a gestão do
resíduo sólido. Necessariamente a o problema só será solucionado com edu-
cação ambiental, consumo sustentável e gerenciamento integrado do resíduo
sólido urbano.

122 • capítulo 3
Para compreender o tema das embalagens biodegradáveis, leia o quadro 3.3.

O mito da degradação de embalagens


(...).
Deve-se quebrar o paradigma de que, na gestão de resíduo sólido, “ser biodegradável
ou degradável é bom para o meio ambiente”.
É um equívoco muito comum pensar que a decomposição de materiais no meio am-
biente seria uma solução para a gestão de resíduo sólido urbano (RSU). Não é possível
considerar normal que resíduos sejam jogados diretamente no meio ambiente, supondo
que este teria condições para processar/decompor tais materiais. A responsabilidade
da sociedade sobre a gestão de seus resíduos deve ser assumida.
Produtos como detergentes, amaciantes, shampoos, condicionadores etc. devem ser
biodegradáveis, pois são necessariamente descartados no esgoto e a característica
de biodegradabilidade é muito útil no tratamento de esgoto, que normalmente utiliza
processos biológicos. Porém, se o esgoto doméstico, mesmo altamente biodegradável,
for enviado diretamente para os rios ou para o mar, o impacto sobre o meio ambiente
é grande. (...).
A política nacional de resíduos sólidos (PNRS), Lei n 12.305, de 2 de agosto de 2010,
tem entre seus princípios e objetivos: a proteção da saúde pública e da qualidade am-
biental; a não geração; a redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos
sólidos e a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; o estímulo à adoção
de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços; a adoção, desen-
volvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos
ambientais; o incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de
matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados; a gestão
integrada de resíduos sólidos etc.
Assim, a degradação de resíduos no meio ambiente não está alinhada com os objetivos
da PNRS.
Ao invés do mito ambiental que afirma ser um problema materiais de embalagem (plás-
tico, alumínio, aço, vidro) durarem centenas de anos, deve-se ensinar crianças, jovens e
adultos que ao invés de um “mundo descartável e degradável” onde os materiais seriam
jogados na natureza para se degradar, deve-se consumir sustentavelmente, sejam os
produtos de fonte renovável ou não, reciclar materiais inertes e reaproveitar o poder
calorífico dos materiais com potencial energético e evitar o desperdício de alimentos.

capítulo 3 • 123
Existe um custo ambiental para produção dos materiais de embalagem, desde a ex-
tração dos recursos naturais até seu processamento, custo este que não deve ser
desperdiçado. Ou seja, materiais que não se degradam permitem sua revalorização no
pós-consumo com maior facilidade, permitindo que o material seja usado mais de uma
vez. Com isso, poupam-se recursos naturais, água e energia, ou seja, os recursos do
meio ambiente são utilizados de maneira sustentável.
Materiais degradáveis não constituem solução para o problema de resíduos sólido ur-
bano, pois mesmo degradáveis (bio ou não) requerem coleta e continuam a ocupar
lugar em aterros, uma vez que a taxa de biodegradação não é tão rápida nesses am-
bientes. Além disso, se a biodegradação ocorre em aterros, há produção de gases de
efeito estufa, como Dióxido de Carbono (CO2) e Metano (CH4), sendo este último um
dos maiores problemas na gestão de aterros tanto ao longo de sua vida útil como após
o fechamento e revitalização das áreas ocupadas (...).

Quadro 3.3 – Principais resultados da pesquisa. Fonte: Adaptado de Garcia (2013).

LEITURA
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capítulo 3 • 127
128 • capítulo 3
4
Logística Reversa
de Bens de
Pós-Consumo
A partir de agora estudaremos como a velocidade de lançamento de produtos,
o rápido crescimento do comércio eletrônico, a busca por competitividade por
meio de novas estratégias de relacionamento entre empresas e, principalmen-
te, a conscientização ecológica relativa aos impactos que os produtos provocam
no meio ambiente, estão modificando as relações de mercado em geral e justi-
ficando de maneira crescente as preocupações estratégicas das empresas, do
governo e da sociedade em relação aos canais de distribuição reversos.
Nas guerras era preciso realizar movimentação, suprimento e manutenção de
forças militares para que fosse possível vencer. A partir dessas ações e de seu plane-
jamento, surgiu a logística, termo com origem no verbo francês loger, que significa
alojar, acolher, acomodar e suprir (PIGNATTI DE FREITAS; JABBOUR, 2013).
Com o tempo, o conceito de logística desenvolveu-se e começou a ser uti-
lizado por empresas em geral, no sentido de reduzir custos, diminuir prazos
de entrega, gerenciar a disponibilidade de produtos, flexibilizar a fabricação,
aumentar a confiança na entrega, facilitar a gestão de pedidos, na redefinição
de processos e adequação dos negócios.
Conforme Novaes (2001), por logística se entende o processo de planejar,
implementar e controlar, de maneira eficiente, o fluxo e a armazenagem de
produtos, bem os serviços e as informações associadas, cobrindo desde o pon-
to de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos
do consumidor. Porém, após a década de 1950 com a expansão dos mercados
consumidores, a logística tornou-se alvo do interesse das organizações e, com a
ajuda de computadores, desenvolveu-se, tornando-se um diferencial estratégi-
co e gerando vantagem competitiva a algumas empresas.
Dessa forma, em meados da década de 1970, o grande consumo e a produ-
ção capitalista começaram a ser encarados como os responsáveis pela degra-
dação ambiental que o planeta vinha e vem sofrendo (PIGNATTI DE FREITAS;
JABBOUR, 2013). Assim as pessoas começaram a apresentar um novo posicio-
namento, a cultura do consumo caracterizada pela ideia do ciclo “compre-use-
disponha” e adotada sem questionamento até recentemente, abriu espaço para
uma nova cultura, que pode ser sintetizada pelo ciclo “reduza-reuse-recicle”,
conforme a figura 4.1 (LEITE, 2009).

130 • capítulo 4
Cultura de sustentabilidade
· Cultura de consumo · Comprar
· Comprar · Usar
· Usar · Reutilizar, reparar, reciclar, recuperar

Figura 4.1 – Cultura de consumo versus cultura de sustentabilidade. Fonte: Adaptada de


Pignatti de Freitas e Jabbour (2013, p. 280).

Essa mudança resultou em intensos debates a respeito da degradação


ambiental, os quais geraram importantes documentos que visam a despertar
globalmente uma consciência ambiental, ou seja, uma consciência do engaja-
mento das organizações públicas, privadas ou do terceiro setor na busca de um
desenvolvimento sustentável.
Preocupadas com a responsabilidade que lhes era atribuída e com o intuito
de realizar uma gestão ambiental mais eficaz, as organizações começaram a me-
lhorar o seu desempenho ambiental por meio de “práticas de gestão ambiental”.
Dentre as práticas estava a realização da gestão complementar dos processos, fo-
cando nos materiais residuais e nas suas formas de armazenamento, descarte e
transporte, garantindo a preservação do meio ambiente e da qualidade de vida.
Assim, surgiu segundo Pignatti de Freitas e Jabbour (2013) o conceito de logística
reversa, conhecida também por logística inversa ou logística reversível.
Para o Conselho de Logística Reversa do Brasil, CLRB (2015), a logística rever-
sa planeja, opera e controla o fluxo físico e de informações do retorno de bens de
pós-venda e pós-consumo ao ciclo de negócios ou ao ciclo produtivo. O que é feito
por canais reversos distribuição, agregando-lhes valores de diversas naturezas:
econômica, ecológica, legal, de prestação de serviços e de imagem corporativa.
Conforme Pignatti de Freitas e Jabbour (2013) até pouco tempo atrás, a lo-
gística reversa não possuía relevância, pois representava uma porcentagem pe-
quena do volume de distribuição, embora ocorresse na prática. A figura 4.2 é
uma representação esquemática dos processos logísticos direto e reverso.

capítulo 4 • 131
Materiais novos Processo logístico direto

Suprimentos Produção Distribuição

Materiais
reaproveitados Processo logístico reverso

Figura 4.2 – Representação esquemática do processo logístico direto e reverso.


Fonte: Adaptado de Lacerda (2009).

Todavia, um conceito muito mais amplo sustenta o conceito de logística re-


versa, o de ciclo de vida do produto. O ciclo de vida é baseado no ciclo de vida
biológico, por exemplo: planta-se uma semente (introdução); ela brota (cresci-
mento); crescem as raízes e surgem folhas, flores e frutos (maturidade); e, final-
mente, após um período como adulta, a planta murcha e morre (declínio). Para
Lacerda (2009), os produtos também possuem um ciclo de vida que transpassa
essas quatro fases.
Do ponto de vista logístico, a vida de um produto não termina com sua en-
trega ao cliente, e sim com o seu retorno ao ponto de origem para ser adequada-
mente descartado, reparado ou reaproveitado. Em uma indústria de vidros, por
exemplo, com o conceito de logística reversa, o produto pode assumir um ciclo
de vida infinito, como no caso do alumínio que pode ser reciclado sem perder
qualidade, figura 4.3.
©© MATTHEW DINES | DREAMSTIME.COM

Figura 4.3 – Ciclo de vida infinito do alumínio.

132 • capítulo 4
OBJETIVOS
Ao final deste capítulo esperamos que você:

•  Entenda as diversas possibilidades de retorno dos bens ao ciclo produtivo e de negócios;


•  Identifique as diferentes categorias de canais de distribuição reversos;
•  Identifique as principais características do produto logístico de pós-consumo.
•  Entenda as variáveis que contribuem para a descartabilidade crescente dos bens em geral;
•  Entenda a importância dos fluxos logísticos reversos dos produtos.

4.1  A Logística Reversa

A alta visibilidade atual da logística reversa pode ser explicada pela grande quantidade
e variedade de produtos que vão para o mercado (...). Produtos com reduzidos ciclos
de vida mercadológicos são elaborados para satisfazer pessoas de diferentes sexos,
diversas idades e etnias (...). Isso propicia rápida obsolescência, complexos sistemas lo-
gísticos de distribuição e controle, bem como o aumento de produtos de pós-consumo
a serem retornados (LEITE, 2009, p. xii).

A logística pode ser entendida como uma das mais antigas e inerentes ativi-
dades humanas na medida em que sua principal missão é disponibilizar bens e
serviços gerados por uma sociedade, nos locais, no tempo, nas quantidades e na
qualidade em que são necessários aos utilizadores. Conforme Leite (2009), embora
seja decisiva em operações militares históricas, sua introdução como atividade em-
presarial tem sido gradativa ao longo da história empresarial, de uma simples área
de estocagem de materiais a uma área estratégica no atual cenário concorrencial.
Nesse cenário de alta velocidade de resposta, torna-se necessária a locali-
zação logística das empresas fornecedoras, o controle e o transporte de supri-
mento de componentes com alta frequência e em pequenas quantidades, o
contrato de compra e venda de longo prazo, a garantia de qualidade dos com-
ponentes que entram na linha de produção, o rigor no cumprimento dos prazos

capítulo 4 • 133
e quantidades, entre outros aspectos, exigindo planejamento, operação e con-
trole logístico de alto desempenho nos níveis estratégico, tático e operacional.
“A logística empresarial assume um papel relevante no planejamento e con-
trole do fluxo de materiais e produtos desde a entrada na empresa até sua saída
como produto finalizado (LEITE, 2009, p. 3)”. O processamento dos pedidos e o
serviço oferecido aos clientes são diferenciais estratégicos nas empresas, regu-
lando, dessa forma, as quantidades a serem produzidas e os modelos a serem
fabricados, sua sequência de fabricação, as quantidades e as datas de entrega
das matérias-primas e os componentes diretos da fabricação, os estoques de
insumos e de produtos intermediários e acabados, dentre outros, tornam-se
fundamentais para o cumprimento das estratégias empresariais.
Na década de 1980, o advento de computadores pessoais, os sistemas de co-
municação e a digitalização das informações permitiram acelerar o ritmo em-
presarial, reduzindo os tempos de comunicação e as distâncias pelos espaços
virtuais. Contribuiu para esse processo o advento do código de barras que per-
mitiu a identificação de produtos e materiais em diversos estágios de seu fluxo,
digitalizando as informações e modificando a velocidade desses fluxos.
Para conhecer a origem do código de barras leia o texto “A Origem do Código
de Barras”, disponível no tópico Leitura Recomendada.
©© ALAIN LACROIX | DREAMSTIME.COM

Figura 4.4 – Código de barras.

A partir desse período a logística empresarial adquiriu um novo status nas


empresas com o desafio de desempenhar um papel estratégico no planejamen-
to das redes operacionais. Com a implantação de sistemas de gestão empresa-
rial informatizados, Enteprise Resources Planning (ERP) foram introduzidos
diversos módulos de gerenciamento das operações em geral, em particular das
operações logísticas (LEITE, 2009).

134 • capítulo 4
O mercado mundial de prestação de serviços ficou cada vez mais atrativo
a grupos internacionais e nacionais, desencadeando desdobramentos, aqui-
sições e fusões de empresas para entrar nesse novo segmento de serviços.
Simultaneamente, empresas líderes em seus segmentos, buscam novas formas
de obter competitividade ao identificarem novas possibilidades de aumento da
eficiência em custos e serviços aos clientes por meio de uma visão sistêmica da
cadeia de suprimentos.
A figura 4.5 apresenta as quatro áreas operacionais da logística empresarial
atual. Destacam-se a logística de suprimentos, a responsabilidade das ações
necessárias para suprir a empresa dos insumos materiais; a logística de apoio
à manufatura, responsável por planejamento, armazenamentos e controle dos
fluxos internos. Há ainda a logística de distribuição, que se ocupa da entrega
dos pedidos recebidos, e a logística reversa, a mais nova área da logística, res-
ponsável pelo retorno dos produtos de pós-venda e de pós-consumo e de seu
endereçamento a diversos destinos (LEITE, 2009).

Mercado Mercado
Organização
fornecedor consumidor

Logística de
Logística de Logística de
apoio à
suprimentos distribuição
manufatura

Reintegração ao
Logística Pós-venda
ciclo de negócios
reversa Pós-consumo
ou produtivo

Figura 4.5 – Áreas de atuação da logística empresarial.

O mercado atual exige das empresas simultaneamente, competir, cooperar e


inovar em ambientes globalizados, em constantes mudanças, com a introdução
frequente de novos produtos, com clientes sensíveis a serviços, requerendo de suas
atividades velocidade de resposta de forma que se adaptem a essas circunstâncias.
Nos últimos anos, a Logística Reversa (RL) tornou-se um campo de im-
portância para todas as organizações, devido as crescentes preocupações
ambientais, legislação, responsabilidade social e sustentabilidade, deixando
de ser uma área operacional para se transformar em uma área de estratégia

capítulo 4 • 135
empresarial (LEITE, 2009). Assim, a RL torna-se uma importante ferramenta
estratégica quando é utilizada sob a forma de agregação de valor econômico ou
de obediência a legislação ou de reforço de marca e imagem empresarial.
RL se refere a sequência de atividades requeridas para coletar os produtos
usados pelos consumidores com a finalidade de reutilizar, reparar, remanufa-
turar, reciclar ou descartá-los (AGRAWAL et al., 2015).
De acordo com o American Reverse Logistics Executive Council, logística
reversa é definida como:

Logística Reversa é o processo de planejamento, implementação e controle da efici-


ência e custo efetivo do fluxo de matérias-primas, estoques em processo, produtos
acabados e as informações correlacionadas do ponto do consumo ao ponto de origem
com o propósito de recapturar valor ou para uma disposição apropriada (ROGERS e
TIBBEN-LEMBKE, 1998, p. 17).

Recentemente mais empresas estão adotando essa ferramenta estratégica


para obter benefícios econômicos e melhorar a imagem da organização. As em-
presas também estão compreendendo que o melhor entendimento do retorno
dos produtos e uma logística reversa eficiente pode se transformar em vanta-
gem competitiva (AGRAWAL et al., 2015).
Embora muitas empresas já tenham percebido que a RL é uma necessidade
para uma gestão sustentável, não há consenso sobre o tempo de adaptação e
funcionamento dos sistemas de RL. Todavia, algumas empresas já somam be-
nefícios como a General Motors, Canon, Dell, Hewlett-Packard e Kodak que é
capaz de reutilizar até 80% das câmeras usadas.
Os processos logísticos direto e reverso são demonstrados na figura 4.6.
Os produtos utilizados são recolhidos e classificados em diferentes categorias
como reparação, recondicionamento, reciclagem, reutilização ou descarte.

136 • capítulo 4
Matéria-prima Manufatura Distribuição Varejo Consumidor

Aquisição de
produtos

Reciclar Remanufaturar Reuso Reparar

Coleta

Inspeção e
Disposição
classificação
Processo
logístico direto

Processo
logístico reverso Descarte

Figura 4.6 – Processo logístico direto e reverso. Fonte: Agrawal et al. (2015).

Os processos chaves são identificados como aquisição de produtos, coleta,


inspeção e classificação e descarte.
O desafio das atividades logísticas é integrar a dimensão ambiental no contexto
da tomada de decisão dos gestores de logística (WU; DUNN, 1995). Quase totalida-
de das melhorias ambientais que podem ser empreendidas por uma determinada
firma depende da contribuição das atividades logísticas para se efetivar.
Essa contribuição é necessária porque, além da reestruturação cultural da
empresa, deve haver o encontro entre os objetivos dos fabricantes, distribuido-
res e varejistas e dos consumidores de forma geral. Com a integração desses ob-
jetivos, cria-se um ciclo de logística reversa entre diversos agentes interessados,
como mostra a figura 4.7.

Fornecedor Indústria Cliente

Logística reversa Logística reversa


Logística reversa

Figura 4.7 – Ciclo de logística reversa. Fonte: Adaptada de Pignatti de Freitas e Jabbour (2013).

capítulo 4 • 137
4.2  Os Canais de Distribuição Reversos
(Cdrs)

Muitos fabricantes acham que o seu trabalho está encerrado quando o produto sai da
fábrica. No entanto, eles deveriam tomar cuidado com a maneira como o produto é le-
vado para outros países. Deveriam, enfim, ter uma visão de “canal total”, para entender
melhor a distribuição do produto até o usuário final (KOTLER e KELLER, 2006, p. 688).

O marketing e a logística empresarial trabalham em conjunto os temas canais


de distribuição e distribuição física dos bens produzidos. Essa parceira justifica-
se pela oportunidade dos custos envolvidos e também possibilidade de oferecer
níveis diferenciados de serviços em um mercado globalizado e competitivo.
A distribuição representa para a empresa o último passo antes de colocar
o produto à venda no mercado (COMETTI, 2009). Leite (2009) considera que a
distribuição tem cada vez mais importância para as empresas, tendo em vista
os crescentes volumes transacionados, decorrentes da globalização dos produ-
tos e das fusões de empresas, e a necessidade de se ter o produto certo, no local
e tempo certo, atendendo a padrões de níveis de serviço diferenciados e garan-
tindo seu posicionamento competitivo no mercado.
Os canais de distribuição diretos, ou apenas canais de distribuição, são
constituídos pelas diversas etapas pelas quais os bens produzidos são comer-
cializados até chegar ao consumidor final, seja uma empresa, seja uma pessoa
física. A distribuição física dos bens é a atividade que realiza a movimentação e
disponibiliza esses produtos ao consumidor final.
“A crescente necessidade de matérias-primas e a grande geração de produ-
tos de pós-consumo são algumas das explicações do surgimento dos canais re-
versos” (SOUZA et al., 2012). A preocupação com esses canais é recente, ou seja,
às etapas, às formas e os meios em que uma parcela desses produtos, com pou-
co uso após a venda, retorna ao ciclo produtivo, readquirindo valor, no mesmo
mercado original, em mercados secundários, por meio de seu reaproveitamen-
to, de seus componentes ou e seus materiais constituintes (LEITE, 2009).
“Os canais normalmente descrevem o movimento de produtos da sua
origem até chegar ao usuário” (KOTLER e KELLER, 2006, p. 472). Todavia,
esse movimento não se encerra com sua entrega ao cliente, os produtos são

138 • capítulo 4
consumidos, sua utilidade se esgota, os bens tornam-se obsoletos, danificam-
se ou estragam (COMETTI, 2009).
Sobre os canais reversos, Kotler e Keller (2006) informam que eles são im-
portantes nos seguintes casos: a) reutilização de produtos ou contêineres (como
tambores para produtos químicos); b) no recondicionamento de produtos (como
circuitos impressos ou computadores) para revenda; c) na reciclagem de produ-
tos (com papel); e d) no descarte de produtos e embalagens (como lixo reciclável).
Vários intermediários atuam nos canais reversos, incluindo os centros de remis-
são dos fabricantes, grupos comunitários, intermediários tradicionais como os
de latas e garrafas de refrigerantes, especialistas em coleta de lixo, centros de re-
ciclagem, agentes de reciclagem de lixo e usinas de processamento.
Um canal de distribuição transfere mercadorias dos fabricantes para os
consumidores, ele preenche as lacunas de tempo, local e posse que separam
as mercadorias e os serviços daqueles que deles precisam ou desejam. Porém,
as empresas também precisam estabelecer estratégias para gerenciar o fluxo
reverso de produtos que é proporcional ao fluxo direto. Para verificar como a
Hewlett-Packrd administra essa questão, leia o quadro 4.1.

Todos os meses, a Hewlett-Packrd (HP), a segunda maior fabricante de computadores


do mundo, manda 1,7 milhão de toneladas de eletrônicos quebrados ou indesejados
rumo a seu fim, ou recomeço, num centro de reciclagem em Roseville, Califórnia. No
entanto, a empresa, juntamente com sua parceira de reciclagem, a Noranda Inc. ainda
recicla menos de 1 por cento do hardware que fabrica. Pressionados pelas reclama-
ções sobre o descarte de seus produtos, incluindo o envio de equipamentos antigos
para serem sucateados em países asiáticos com leis ambientais mais brandas, os fa-
bricantes de computadores associaram-se à EPA (a agência de proteção ambiental do
governo norte-americano), a grupos ambientais e a uma entidade sem fins lucrativos
chamada Product Stewardship Institute e, assim, criaram a National Electronics Pro-
duct Stewardship Initiative, cujo objetivo é desenvolver um padrão de reciclagem para
os Estados Unidos. Mas o processo tem se mostrado lento. Na falta de um padrão,
fabricantes de eletrônicos como a HP e a Dell lançaram campanhas criativas para in-
centivar o público a reciclar.

capítulo 4 • 139
No dia do Planeta Terra, no centro de suporte da Starbucks em Seattle, e no dia seguin-
te no terminal rodoviário Grand Central, de Nova York, a HP recebeu computadores e
periféricos produzidos por qualquer fabricante e os reciclou sem custo. A HP também
incentivou consumidores individuais e empresas a contratá-la para reciclar PCs e mo-
nitores antigos por meio de seu programa Recicle-pelo-correio, que custa de 15 a 46
dólares dependendo do tamanho do equipamento.

Quadro 4.1 – Hewlett-Packard. Fonte: Kotler e Keller (2006, p. 472).

Os canais reversos de reciclagem e de remanufatura de alguns materiais e


produtos tradicionais são conhecidos há muitos anos, por exemplo, o dos me-
tais em geral e a remanufatura de componentes de automóveis, que represen-
tam importantes nichos de atividades econômicas. Todavia, os textos com a
organização de seu conhecimento são recentes segundo Leite (2009).
Provavelmente a falta de interesse situa-se em sua desvalorização econô-
mica, quando comparado aos canais de distribuição diretos. Os volumes tran-
sacionados nos canais reversos são, em geral, uma fração daqueles dos canais
diretos dos bens produzidos. O valor relativo dos materiais ou dos bens que
retornam é baixo se comparado ao dos bens originais, nem sempre dimensio-
nados corretamente, pelo fato de que nem sempre as condições naturais do
mercado permitem identificar e equacionar os diversos fatores que impedem o
fluxo de maior volume. Para muitos setores empresariais e em algumas regiões,
o retorno de produtos de pós-venda ainda é considerado um problema a ser so-
lucionado enquanto em outras localidades é visto como uma oportunidade de
acréscimo de valor patrimonial.
Nessa unidade serão analisadas duas categorias de canais de distribuição
reversos, definidas como de pós-consumo e de pós-venda, cujos fluxos estão
descritos na figura 4.8.

140 • capítulo 4
Fluxos

R R
Mercado D Mercado
E E
secundário I secundário
V V
R
E E
E
R R
T
S S
O
O O
S
S S

Reciclagem
Mercado
primário
Desmanche
Retorno
Reúso

Disposição
Pós-venda Pós-consumo final

Figura 4.8 – Canais de distribuição diretos e reversos. Fonte: Leite (2009).

Na figura 4.8 é apresentado o fluxo dos produtos nos canais de distribuição di-
retos, desde as matérias-primas virgens, ou seja, primárias, até o mercado. O flu-
xo direto pode se processar por meio de diversas possibilidades conhecidas como
etapas de atacadistas ou distribuidores, chegando ao varejo e ao consumidor final.
Os canais de distribuição reversos de pós-consumo são constituídos pelo
fluxo reverso de uma parcela de produtos e de materiais constituintes origina-
dos no descarte dos produtos, após finalizada sua utilidade original, retornam
ao ciclo produtivo de alguma maneira. Esse canal se caracteriza por produtos
oriundos de descarte após o uso e que podem ser reaproveitados de alguma for-
ma e, em último caso, descartados (COMETTI, 2009).
Existem três subsistemas reversos: os canais reversos de reúso, de manu-
fatura e de reciclagem. A figura 4.8 apresenta a possibilidade de uma parcela
desses produtos de pós-consumo ser dirigida a sistemas de destinação final,

capítulo 4 • 141
seguros ou controlados, que não provocam poluição, ou seguros, que provocam
impactos maiores no meio ambiente (LEITE, 2009).
Os canais de distribuição reversos de pós-venda são constituídos pelas di-
ferentes formas e possibilidades de retorno de uma parcela de produtos, com
pouco ou nenhum uso, que fluem no sentido inverso, do consumidor ao varejis-
ta ou ao fabricante, do varejista ao fabricante, entre as empresas, motivados por
problemas relacionados à qualidade em geral ou a processos comerciais entre
empresas, retornando ao ciclo de negócios de alguma maneira.
Mesmo existindo muitas interdependências, a distinção é necessária, por que
os canais de distribuição reversos pelos quais fluem os produtos, assim como os
objetivos estratégicos e as técnicas operacionais utilizadas em cada área de atua-
ção, pós-venda e pós-consumo, geralmente não são as mesmas (COMETTI, 2009).

4.2.1  Exemplos de canais de distribuição reversos

Todo produto ou todo material constituinte utilizado pode ser revalorizado de


alguma maneira por meio da logística reversa (LEITE, 2009). Há uma grande
diversidade nos canais de distribuição reversos em diferentes setores de ati-
vidade econômica e entre os diferentes produtos descartados ou devolvidos.
Alguns casos típicos em cada categoria de canais de distribuição reversos são
apresentados por Leite (2009).

•  Canal reverso de reúso: leilões de empresas.

A venda industrial de materiais em leilões em forma de sucatas e equipamen-


tos usados é um exemplo de canal reverso de grande importância que constitui
uma forma primária de pós-consumo, em que são adquiridos e coletados bens de
pós-consumo ou pós-uso: bens de ativo fixo em condições de uso, como máqui-
nas, equipamentos, móveis, utensílios, veículos, partes de equipamentos, sobras
industriais, e excessos de estoques de insumos e matérias-primas.
Trata-se de um canal reverso de grande importância, com características
econômicas e logísticas de realce, pelo volume de comércio envolvido. O quadro
4.2 descreve o leilão da sucata que foi resultado do desmonte de 17 aviões, 16
Boeings e um Airbus A300, que pertenceram à Vasp.

142 • capítulo 4
A Justiça vai leiloar o material decorrente do desmonte de 17 aviões que pertencem à
massa falida da Vasp. Serão abertos nesta sexta-feira os lances pela internet. O leilão
presencial está marcado para o dia 30, às 14h, na Casa de Portugal, em São Paulo.
A empresa aérea teve a falência decretada pela Justiça paulista em 2008, e confirma-
da pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em junho deste ano.
São 16 Boeings e um Airbus A300, que juntos somam 448 toneladas de sucata. O
preço mínimo de cada lote foi fixado entre R$ 15 mil e R$ 60 mil. O valor varia con-
forme o peso e corresponde a R$ 1.000 por tonelada. Os recursos arrecadados serão
destinados ao pagamento de credores da empresa aérea.
Os 17 aviões a serem leiloados estão nos seguintes aeroportos: Cumbica-SP (4, sendo
um deles o Airbus), Salvador (3), Brasília (3), Recife (2), Manaus (2), Viracopos-SP (1),
Galeão-RJ (1) e Confins-MG (1). Todos foram vistoriados e classificados pela Agência
Nacional de Aviação Civil (Anac) como não aproveitáveis para aviação.
Outros bens pertencentes à massa falida da Vasp, como cadeiras, mesas, quadro e
armários, também irão a leilão. Os lances eletrônicos podem ser feitos até 26 de setem-
bro. O leilão faz parte do programa Espaço Livre - Aeroportos, do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) e será realizado pela 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de
São Paulo, responsável pelo processo de falência da Vasp.

Quadro 4.2 – Leilão da massa falida da Vasp. Fonte: UOL Economia (2013).

Após a leitura do quadro 4.2, entende-se que o esse canal de distribuição


reverso representa um importante comércio, destinando bens e materiais para
subcanais reversos de extensão de utilidade dos bens (reúso), industriais, sub-
canais de distribuição de equipamentos de segunda mão, subcanais reversos
de desmanche ou desmontagem dos produtos e subcanais reversos dos mate-
riais constituintes ou sucatas em geral para industrias de transformação.

•  Canal reverso de pós-venda: e-commerce.

O comércio eletrônico, especialmente o sistema business-to-business1


(B2B), com grandes quantidades comercializadas tem experimentado enorme
1  B2B é o comércio virtual entre empresas, também chamado de comércio eletrônico, mercado virtual, e-business,
shopping virtual ou market place. A diferença entre um projeto B2C (Business to Consumer) e um B2B é que,
enquanto o primeiro diz respeito ao comércio entre uma empresa e um consumidor, o B2B se trata da comercialização
entre duas empresas.

capítulo 4 • 143
crescimento em todo o planeta. Conforme Leite (2009), o comércio eletrônico
entre a empresa e o consumidor final apresenta as mesmas características do
comércio de vendas por catálogo. Ambos pertencem ao setor de “canal direto
de vendas”, ou seja, um nível de devoluções por não conformidade com as ex-
pectativas do consumidor de 10% no Brasil, o que o caracteriza como um dos
mais importantes canais de distribuição reversos de bens de pós-venda.
As preocupações da logística de distribuição no e-commerce são diferentes,
pois o produto logístico tradicional apresenta embalagens unitilizadas e paleti-
zadas, os clientes são conhecidos e a demanda é previsível. Todavia, no caso do
e-commerce, os produtos a serem entregues são de pequeno porte, acomoda-
dos em embalagens individuais, normalmente os clientes são desconhecidos e
a demanda a ser satisfeita é solicitada pelo pedido.

CARACTERÍSTICA LOGÍSTICA TRADICIONAL LOGÍSTICA DO E-COMMERCE


Tipo de carregamento Paletizado Pequenos pacotes
Clientes Conhecidos Desconhecidos
Estilo de demanda Empurrada Puxada
Fluxo de estoque pedido Unidirecional Bidirecional
Tamanho médio do pedido Mais de $1000 Menos de $100
Destinos dos pedidos Concentrados Altamente dispersos
Responsabilidade Um único elo Toda cadeia de suprimentos
Demanda Estável e consistente Incerta e fragmentada

Tabela 4.1 – Lógistica tradicional versus e-logistic. Fonte: Fleury e Monteiro (2003).

A tabela 4.1 demonstra que é necessário o desenvolvimento de sistemas


logísticos específicos para atender as demandas do e-commerce. Conforme
Fleury e Monteiro (2003), o maior gargalo do e-commerce não se encontra na
atividade de entrega física, mas no atendimento do pedido que compreende o
processamento do pedido, gestão do estoque, coordenação com fornecedores
e separação e embalagem das mercadorias.

O exemplo do e-commerce é importante em função do elevado volume de


retorno do pós-venda, esse fato exige maior empenho das empresas do setor
para estabelecer redes logísticas reversas com tecnologia semelhante às adota-
das na logística de distribuição direta.

144 • capítulo 4
•  Canal reverso de pós-consumo: embalagens descartáveis.

As embalagens, em geral, compreendem outro canal reverso de importân-


cia econômica crescente. Elas podem ser primárias, de contenção de produtos,
secundárias, ou de contenção das primárias ou unitizadas para o transporte.
Segundo Leite (2009) trata-se de um segmento que tem se adaptado e contri-
buído de forma significativa para as modificações mercadológicas e logísticas
requeridas na distribuição física, garantindo elevada eficiência e tornando-se
altamente descartável.

4.2.2  Logística Reversa de Pós-Consumo

“Os bens industriais apresentam ciclos de vida útil de algumas semanas ou


de muitos anos, após os quais são descartados pela sociedade, de diferentes
maneiras, constituindo os produtos de pós-consumo e os resíduos sólidos em
geral (LEITE, 2009, p. 8)”. Os canais de distribuição reversos de pós-consumo
compreendem as diferentes formas de processamento e de comercialização
dos produtos de pós-consumo desde a sua coleta até sua reintegração ao ciclo
produtivo como matéria-prima secundária.
Os bens industriais classificados como duráveis ou semisuráveis, Figura 8, após
seu desembaraço pelo primeiro consumidor, tornam-se produtos de pós-consu-
mo. Em alguns casos, quando apresentam condições, abastecem o mercado de
segunda mão sendo comercializados até atingirem o final de sua vida útil. Os tipos
mais comuns são veículos, eletrodomésticos, produtos de informática e vestuário e
outros produtos que possuem um mercado de segunda mão constituído.
Assim, os canais reversos de reúso são definidos como aqueles em que se
tem a extensão do uso de um produto de pós-consumo ou de seu componen-
te, com a mesma função para a qual foi originalmente concebido, ou seja, sem
nenhum tipo de remanufatura (CLM, 1993). Após os bens atingirem seu fim
de vida útil, eles podem seguir por dois grandes sistemas de canais reversos de
revalorização: o canal reverso de remanufatura e o de reciclagem. Na impossibi-
lidade dessas revalorizações os bens seguem para a disposição final em aterros
sanitários ou são incinerados.
Para Leite (2009) manufatura é o canal reverso no qual os produtos podem ser
reaproveitados em suas partes essenciais, mediante a substituição de alguns com-
ponentes complementares reconstituindo-se um produto com a mesma finalidade

capítulo 4 • 145
e natureza original. Quanto ao desmanche, Leite (2009) destaca que é um proces-
so industrial no qual um produto durável de pós-consumo é desmontado em seus
componentes. As partes em condições de uso ou de remanufatura são separados
e destinados à remanufatura industrial e os materiais para os quais não existem
condições de revalorização são enviados para a reciclagem industrial.
A reciclagem, por sua vez, é o canal reverso de revalorização em que mate-
riais constituintes dos produtos descartados são extraídos industrialmente,
transformando-se em matérias-primas secundárias ou recicladas, que serão
reincorporadas à fabricação de novos produtos. Os metais são os melhores
exemplos, pois são extraídos de diferentes produtos descartados e constituem
matérias-primas secundárias a serem reintegradas ao ciclo produtivo, fechan-
do seu ciclo de reciclagem.
A disposição final é o último local de destino para o qual são enviados pro-
dutos, materiais e resíduos em geral sem condições de revalorização. Os resí-
duos são direcionados para um aterra sanitário, seguro do ponto de vista eco-
lógico, nele os resíduos sólidos são estocados entre camadas de terra para que
ocorra sua absorção natural, ou são incinerados, obtendo-se a revalorização
pela queima e extração e extração de sua energia residual.
Dessa forma, o fluxo reverso dos bens de pós-consumo nos canais de distri-
buição reversos de bens de pós-consumo refere-se a uma parcela do total existen-
te, sendo a outra parte destinada a disposições seguras ou não seguras. Conforme
Leite (2009) esses produtos ou materiais de pós-consumo, quando não retornam
ao ciclo produtivo de alguma forma, em quantidades adequadas, constituem-se
em acúmulos que excedem, em alguns casos, as diversas possibilidades e capaci-
dades de estocagem, transformando-se em problemas ambientais.
O valor econômico e a correspondente importância da cadeia produtiva re-
versa são funções de diversos fatores, por exemplo, o ferro que a economia rever-
sa representa 40% de sua cadeia produtiva direta, e o alumínio que a economia
reversa representa 30% da respectiva cadeia direta confirmam a importância da
economia de alguns casos de canais de distribuição reversos de pós-consumo.
Os impactos ambientais dos produtos e por processos industriais, contri-
buem para a mudança dos hábitos de consumo de alguns países, bem como a
percepção das empresas sobre a importância dos canais reversos sobre a ima-
gem corporativa. Os conceitos, técnicas e procedimentos visto até aqui são al-
ternativas para reduzir o impacto dos produtos no meio ambiente e justificam

146 • capítulo 4
o interesse crescente pelas oportunidades e riscos dos canais de distribuição
reversos do pós-consumo.
Como a preocupação da logística reversa é o estudo dos processos e cami-
nhos que os bens percorrem após o término de sua vida útil, a classificação dos
bens de utilidade que adotamos, refere-se a duração da sua vida útil.
Os bens e os seus materiais constituintes transformam-se em produtos deno-
minados “de pós-consumo” e podem ser enviados a destinos tradicionais, como in-
cineração ou aterros sanitários, que são considerados meios seguros de estocagem
e eliminação ou retornar ao ciclo produtivo, por meio dos canais de “desmanche”,
“reciclagem” ou “reuso” em uma extensão de sua vida útil segundo Leite (2009).
As alternativas de retorno ao ciclo produtivo constituem a principal preo-
cupação do estudo da logística reversa e dos canais de distribuição reversos
de pós-consumo. “A vida útil de um bem é entendida como o tempo decorrido
desde sua produção original até o momento em que o primeiro possuidor se
desembaraça dele” (LEITE, 2009, p. 38). Esse desembaraço pode se dar pela ex-
tensão de sua vida útil, com novos possuidores ou pela disponibilização por ou-
tras vias, como a coleta de lixo urbano, as coletas seletivas, as coletas informais,
entre outras, passando-o a condição de bem de pós-consumo.
Os produtos fabricados pelo homem apresentam durações de vida útil que
se estendem desde alguns dias até algumas décadas. Dessa maneira, para efei-
to da abordagem da logística reversa e dos canais de distribuição reversos de
pós-consumo dos materiais, consideram-se três categorias de bens produzi-
dos: os bens descartáveis, os bens semiduráveis e os bens duráveis. Em casos
intermediários, podem haver dificuldades de classificação, sendo assim, Leite
(2009) estabelece as seguintes características gerais:

•  Bens descartáveis: são os bens que apresentam duração média de vida


útil média de algumas semanas, raramente superior a seis meses. Essa catego-
ria de bens produzidos constitui-se de produtos de embalagens, brinquedos,
materiais para escritório, suprimentos para computadores, artigos cirúrgicos,
pilhas, fraldas, jornais, revistas, entre outros.
•  Bens duráveis: são os bens que apresentam duração média de vida útil va-
riando de alguns anos a algumas décadas. São bens produzidos para a satisfação de
necessidades da vida social e incluem os bens de capital em geral. Fazem parte des-
sa categoria os automóveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, máquinas e equi-
pamentos industriais, edifícios de diversas naturezas, aviões, navios, entre outros.

capítulo 4 • 147
•  Bens semiduráveis: são os bens que apresentam duração média de vida
útil de alguns meses, raramente superior a dois anos. Trata-se de uma categoria
intermediária que, sob o foco dos canais de distribuição reversos dos materiais,
apresenta características de bens duráveis, ou de descartáveis. São bens como
baterias de veículos, óleos lubrificantes, baterias de celulares, computadores e
seus periféricos, revistas especializadas, dentre outros.

4.2.3  Descartabilidade dos Bens

Após a segunda guerra mundial, o acelerado desenvolvimento tecnológico ex-


perimentado pela humanidade permitiu a introdução constante de novas tec-
nologias e de novos materiais que contribuem para a melhoria do desempenho
técnico, para a redução dos preços e dos ciclos de vida útil de grande parcela
dos bens de consumo duráveis e semiduráveis.
Esses materiais, essas tecnologias e a obsolescência mercadológica planeja-
da permitem a satisfação dos conceitos de diferenciação entre as empresas no
mercado. Por exemplo, as várias famílias de materiais plásticos tornam-se rapi-
damente mais baratas do que os metais usados na confecção de inúmeros com-
ponentes, com desempenhos equivalentes ou até melhores em alguns casos.
Eletrodomésticos, automóveis, computadores, embalagens e equipamen-
tos de telecomunicações têm seus custos reduzidos e uma obsolescência ace-
lerada, gerando produtos com ciclos de vida cada vez mais curtos. Conforme
Leite (2009) os valores residuais desses bens, após a obsolescência de qualquer
natureza (moda, status, tecnologia, novos recursos etc.) ou o desgaste natural,
quando comparados com os valores de novos produtos, não ensejam consertos.
Essas tendências têm sido acompanhadas por modificações criativas nos
hábitos mercadológicos e logísticos de empresas modernas, exigindo velocida-
de no fluxo logístico em geral e tornando ainda mais importantes as decisões
relativas à seleção dos canais de distribuição diretos e à consequente adequa-
ção do gerenciamento da distribuição física dos produtos.
Alguns sinais de tendência à descartabilidade nos mostram a verdadeira
dimensão do aumento da velocidade na distribuição dos produtos e o preço
que a sociedade deve pagar por essas adaptações. As seguir serão apresentadas
algumas situações:

148 • capítulo 4
•  Lançamento de novos produtos: a velocidade de lançamento de produtos
é uma das características da competitividade das empresas, utilizando uma série
de procedimentos de projetos simultâneos que permitem ganhos extraordiná-
rios na época de lançamento de novos produtos. Essa “corrida” de lançamentos
é imposta pela redução dos ciclos de vida mercadológicos dos produtos, devido a
fatores como moda, status de um novo modelo, novas tecnologias etc.
•  Lixo urbano: se trata de um fenômeno ocorrido em todas as grandes me-
trópoles mundiais, resultado de urbanização constante das últimas décadas e
as mudanças de hábitos de consumo. De acordo com a Associação Brasileira de
Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (2010), a geração diária de
Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) em 2009, de cerca de 180 mil toneladas, é 6,6%
superior a geração observada em 2008.
•  Produção de eletrônicos: em 2008 a quantidade de computadores em uso
no mundo superou a marca de 1 bilhão de unidades. O crescimento de vendas
aumentou em todas as partes do mundo em função do crescimento da globali-
zação e da velocidade de lançamentos de produtos mais baratos e com constan-
tes modificações tecnológicas.
•  Produção de materiais plásticos: é notável a visibilidade da poluição de
excessos provocada pelos materiais plásticos, em particular as garrafas, que so-
brenadam em córregos e rios e são depositadas impropriamente em diversos
locais nas grandes metrópoles, gerando uma imagem corporativa negativa à
cadeia produtiva direta desses produtos.

Sobre o tema, veja o curta “Plastic Bag” , disponível no tópico Leitura recomen-
dada, que conta os dilemas existências de um saco plástico de supermercado que vai
permanecer por séculos no meio ambiente. O filme é comovente e a última frase dita
pelo plástico é: “Queria que me fizessem de forma que eu pudesse morrer”.
Conforme os exemplos citados, a descartabilidade é crescente, e tanto a lo-
gística reversa de pós-consumo como a de pós-venda serão decisivas no equa-
cionamento dessas enormes quantidades de bens descartados. A figura 4.9 re-
sume algumas da ideia apresentadas até agora sobre o tema.

capítulo 4 • 149
Tecnologia Marketing Logística
· Introdução dos plásticos · Lançamento de novos produtos · Embalagens descartáveis
· Miniaturização eletrônica · Obsolescência planejada · Velocidade de resposta
· Informática · Moda · Custo

Descartabilidade crescente dos produtos

Figura 4.9 – Descartabilidade crescente. Fonte: Leite (2009).

Conforme Leite (2009) o aumento da quantidade e a redução da vida útil dos


produtos aumentam a quantidade de bens que precisam ser manipulados nos
canais de distribuição diretos, exigindo giros de estoques crescentes, o que faz
com que novos produtos ocupem rapidamente o lugar dos antigos.
Essa situação coloca em risco a imagem e a reputação das empresas, por
razões de má utilização dos produtos e embalagens após o uso, de garantia de
destino correto dos produtos com validade, de garantia de reaproveitamento
adequado e certificado, entre outras possibilidades. Assim, com ciclo cada vez
menor, os produtos duráveis serão descartáveis em ciclos menores, transfor-
mando-se em produtos semiduráveis, enquanto os produtos anteriormente de-
nominados de semiduráveis passarão a ser descartáveis.

4.2.4  Canais Reversos de Bens de Pós-Consumo

Os canais de distribuição reversos de bens de pós-consumo constituem-se nas


diversas etapas de comercialização e industrialização pelas quais fluem os re-
síduos industriais e os diferentes tipos de bens de utilidade ou seus materiais
constituintes, até sua reintegração ao processo produtivo, por meio dos subsis-
temas de reúso, remanufatura ou reciclagem (LEITE, 2009).
É importante destacar que essas etapas apresentam características diferen-
tes em diversos países, motivadas pela disponibilidade de diferentes fontes de
resíduos de pós-consumo, diferentes legislações e regulamentos e hábitos de
consumo da sociedade. A figura 4.10 apresenta as diversas possibilidades de
comercialização e tratamento dos bens e materiais de pós-consumo nos canais
de distribuição reversos.

150 • capítulo 4
Fabricante de matérias-primas novas

Resíduos Fabricante de produtos Materiais


industriais (duráveis/descartáveis) reciclados

Consumidor final Materiais


(empresa/pessoa física) secundários

Bens de consumo

Descartáveis/semiduráveis Duráveis/semiduráveis

Coleta Coleta Coleta Desmanche Reuso


informal seletiva do lixo

Sobras Componentes
Intermadiários
(sucateiros)
Incineração
Remanufatura
Indústria de reciclagem

Figura 4.10 – Canais de pós-consumo diretos e reversos. Fonte: Leite (1998).

A figura 4.10 não apresenta todas as possibilidades dos diversos produtos e


materiais, mas representa as importantes redes reversas dos principais mate-
riais e produtos conhecidos. Para Leite (2009) o dinamismo das cadeias rever-
sas crescerá nos próximos anos, em função das novas condições de sensibilida-
de ecológica e das regulamentações legislativas.
Ainda sobre a figura 4.10, entende-se que os bens de consumo duráveis,
semiduráveis, descartáveis e os resíduos industriais, após extinto seu uso ori-
ginal, são descartados ou disponibilizados pelos proprietários-consumidores,
iniciando-se os diversos canais de distribuição reversos. Após serem disponi-
bilizados, uma parcela dos bens de pós-consumo pode fluir e ser coletado por
um dos tipos de coleta descritos, sendo reintegrados ao ciclo produtivo de di-
ferentes maneiras: como bens de segunda mão, materiais constituintes, dando
origem a uma série de atividades comerciais (MAGALHÃES, 2011).

capítulo 4 • 151
4.2.5  Fluxos logísticos direto e reverso dos bens

“A quantidade de produtos de pós-consumo ou de seus materiais constituintes


que fluem nos canais reversos variam entre os diferentes tipos de produtos fa-
bricados” (LEITE, 2009, p. 51). A quantidade de produtos ou de materiais cons-
tituintes que fluem na cadeia de distribuição direta são denominados fluxos
diretos, enquanto as que fluem no sentido reverso são denominadas fluxos re-
versos de materiais ou de produtos.
Na figura 4.11 apresenta o equilíbrio entre fluxos diretos e reversos desta-
cando o desequilíbrio entre a intensidade do fluxo direto (FD) e do fluxo reverso
(FR) como causa de poluição.

Retorno ao
ciclo produtivo

Canais diretos
Canais diretos

F (D) F (D) / F(R) Logística reversa


F (D) de pós-consumo

Produtos de pós-consumo
FR = FD → Equilíbrio → F(R) = F(D)

Figura 4.11 – Relação entre fluxo direto e reverso. Fonte: Leite (2000).

Segundo Leite (2009) a comparação entre os fluxos diretos e reversos e a me-


dida de suas intensidades devem levar em conta o período analisado. O fluxo
reverso de um bem durável será processado após alguns anos após o fluxo di-
reto do mesmo material, caso não seja possível comparar essas quantidades.
No caso de bens descartáveis, como o ciclo de retorno ao processo produtivo é
curto, pode-se adotar o mesmo curto período de tempo para comparar o fluxo
reverso e o fluxo direto.

152 • capítulo 4
4.2.6  Ciclos reversos abertos e fechados de reciclagem

Uma parcela dos bens de pós-consumo poderá ser reintegrada ao ciclo produ-
tivo, fluindo pelos canais reversos de reciclagem, ocorrendo a revalorização de
seus materiais constituintes, podendo ser reintegrados ao ciclo produtivo na
fabricação de um produto similar ao que lhe deu origem ou a um produto dis-
tinto (LEITE, 2009).
Dessa forma, foram estabelecidas duas categorias de ciclos reversos de re-
torno ao ciclo produtivo: canais de distribuição reversos de ciclo aberto e de
ciclo fechado.
Os canais de distribuição reversos (CDRs) abertos são constituídos pelas
diversas etapas de retorno dos materiais dos produtos de pós-consumo, como
metais, plásticos, vidros, papéis etc., nos quais esses materiais são extraídos de
produtos de pós-consumo, com o objetivo de reintegrá-los ao ciclo produtivo e
substituir matérias-primas novas.
Caracteriza essa classe o retorno ao ciclo produtivo de todo o ferro e aço pro-
venientes de sua extração de bens como automóveis. Portanto, os canais aber-
tos, não distinguem os produtos de origem do pós-consumo, mas têm seu foco
na matéria-prima que os constitui. Outra característica dos canais reversos é a
especialização por natureza do material constituinte.
A figura 4.12 apresenta exemplos de dois materiais, destacando alguns bens
de origem e alguns produtos realizados com sua reintegração.

Automóveis
Chapas
Navios
Vergalhões
Pontes Extração do
Barras
Máquinas material ferroso
Lingotes
Eletrodomésticos
etc.
etc.

Embalagens Sacos de lixo


Tambores Potes e vasos
Brinquedos Extração do Móveis
Utensílios domésticos material plástico Peças mecânicas
Computadores Peças elétricas
etc. etc.

Figura 4.12 – Exemplos de ciclos reversos abertos. Fonte: Leite (2009).

capítulo 4 • 153
O Projeto do Produto para Reciclagem (Design for Recycling) formata os pro-
dutos de modo que facilite a desmontagem, utilize um número reduzido de mate-
riais, de ligas e misturas de materiais de naturezas diferentes no mesmo produto. A
quantidade de plásticos nos componentes de automóveis, por exemplo, apresenta
problemas nas linhas de desmontagem reversas, como observou-se na Figura 8.
Por outro lado, os canais de distribuição reversos de ciclo fechado são cons-
tituídos por etapas de retorno de produtos de pós-consumo, nas quais os mate-
riais constituintes de determinado produto descartado, ao fim de sua vida útil,
são extraídos para a fabricação de um produto similar ao de origem.
Conforme Leite (2009) nesses casos, por interesses tecnológicos, econômicos,
logísticos ou de outra ordem, todas as fases da cadeia produtiva reversa são espe-
cializadas para revalorização do material constituinte de determinado produto.
As baterias de veículos são um exemplo dessa categoria de canal reverso em que
os materiais principais são liga de chumbo e a carcaça de plástico polipropileno.
Uma das características dos canais reversos fechados é apresentar alta efici-
ência no fluxo reverso em razão da importância econômica do uso de seu mate-
rial constituinte, conforme os exemplos da tabela 4.2.

PRODUTOS DE ORIGEM DE PÓS-CON-


PRINCIPAIS MATERIAIS EXTRAÍDOS NOVO PRODUTO
SUMO
Eliminação de impurezas e
Óleos lubrificantes usados Óleos lubrificantes novos
acréscimo de aditivos
Baterias de veículos descartadas Plástico e extração do chumbo Baterias de veículos novas
Latas de alumínios de embalagens
Extração da liga de alumínio Latas de alumínio novas
descartadas

Tabela 4.2 – Exemplos de canais reversos de ciclo fechado. Fonte: Leite (2009).

4.2.7  Canais de Distribuição de Pós-Consumo de Bens Duráveis e


Semiduráveis

Um bem durável é composto por uma série de componentes com diferentes


durações e que poderão ser substituídos ao longo da vida útil do bem, dando
origem a fluxos e canais reversos próprios (LEITE, 2009). Assim, a figura 4.13,
apresenta as diversas possibilidades de retorno ao ciclo produtivo dos bens du-
ráveis e semiduráveis bem como de seus componentes.

154 • capítulo 4
Fabricante de matérias-primas

Fabricação dos bens duráveis

Resíduos
industriais Mercado primário

Bens de pós-consumo

Bens duráveis descartados Bens de pós-venda Componentes substituídos

Em condições de reutilização Sem condições de reutilização


Remanufatura do bem
Processadores de sucata Desmanche (linha de Mercado
(sucata de obsolescência) montagem reversa) secundário

Materiais residuais Componentes Remanufatura


Resíduos
comerciais integros

Indústria de reciclagem Disposição final Mercado de componentes


de segunda mão
Mercado de reciclados

Figura 4.13 – Canais reversos dos bens duráveis. Fonte: Leite (2009).

Leite (2009) explica que a disponibilização do bem durável ou semidurável


ou o fim de sua vida útil para o primeiro utilizador são motivados por obsoles-
cência de natureza tecnológica ou de desempenho, pela moda ou pelo status
adquirido com a aquisição de um novo bem, por acidentes no transporte de dis-
tribuição dos bens ou por acidentes com o próprio bem, no caso de automóveis.
Dessa forma, as empresas disponibilizam os bens duráveis e semiduráveis
de seu ativo fixo, por meio de leilões, concorrência ou simplesmente pela venda
direta. Por outro lado, as pessoas físicas disponibilizam os bens duráveis por
meio de coletas informais (catadores), de sistemas reversos organizados ou
ainda por meio de doações. De qualquer forma, ainda é grande a dificuldade
de desembaraço dos bens no fim de sua vida útil e a gradativa imputação de
responsabilidade de criação e organização de redes reversas aos fabricantes.
Existindo condições e interesse de uso do bem, ele poderá ser coletado
nessas fontes e encaminhado ao mercado de segunda mão, como forma de

capítulo 4 • 155
revalorização. A aquisição é realizada por comerciantes estabelecidos, em-
presários de remanufatura especializados por tipo de bem, como automóveis,
computadores, etc. (MAGALHÃES, 2011).
No caso do canal reverso de remanufatura, empresas industriais, comerciais
e de serviços que trabalham com o processo de retorno dos produtos ou compo-
nentes duráveis de pós-consumo, carcaças, recapturam o valor. Nessas empresas,
após serem classificados, segredados, transportados, os produtos são limpos,
desmanchados e submetidos a testes nos seus componentes para seu eventual
reaproveitamento, sendo um novo produto montado e distribuído para venda.
O quadro 4.3 apresenta o exemplo da Xerox onde a logística reversa e os cui-
dados na montagem da rede reversa, em nível internacional, fazem parte da
estratégia empresarial, com bons resultados.

Como estratégia de comercialização de suas copiadoras, a empresa Xerox estabele-


ceu, desde 1960, uma rede reversa de seus produtos, utilizando a coleta do tipo take
back, desmontagem dos produtos, seleção de destino e sua reutilização, com ou sem
remanufatura, em produtos novos de suas linhas, oferecendo as mesmas garantias e
repassando as economias de custos aos clientes, além da recompra dos equipamentos,
garantindo um nível de competitividade elevado no mercado. O projeto do produto foi
idealizado para facilitar a desmontagem e seus componentes têm alta intercambiabili-
dade, garantindo flexibilidade em sua reutilização.

Quadro 4.3 – Canal reverso de reúso e remanufatura de copiadoras da Xerox. Fonte: CLM (1993).

Quanto aos canais de distribuição reversos de reciclagem de bens duráveis,


pode-se afirmar que eles constituem uma etapa quase final no reaproveitamen-
to dos bens duráveis, quando os processos anteriores de reúso e remanufatura
não puderam ser utilizados.
Portanto, encerrado o ciclo de revalorização de reúso do bem, ou seja, após
ele ter sido reutilizado algumas vezes e por não apresentar condições de uti-
lidade por diversas razões, será disponibilizado e coletado como um bem em
“fim de vida”, sendo destinado ao processamento de sucata ou ao desmanche,
onde será desmontado e serão extraídos seus materiais constituintes e outros
resíduos (LEITE, 2009; MAGALHÃES, 2011).

156 • capítulo 4
4.2.8  Canais de distribuição reversos de pós-consumo de bens
descartáveis

No caso dos canais reversos, os produtos de pós-consumo têm suas origens na


disponibilização do bem em domicílios urbanos, em empresas e indústrias. Ha-
vendo coleta seletiva urbana, os produtos descartáveis são separados dos resídu-
os orgânicos domiciliares, ao passo que, nos casos em que não existe esse tipo de
coleta seletiva, os produtos descartáveis são misturados aos resíduos orgânicos.
O fluxo reverso dos bens descartáveis e semiduráveis é apresentado na figu-
ra 4.14, iniciando pelos três tipos de coleta utilizados para sua captação após
a disponibilização: coleta do lixo urbano, a coleta seletiva e a coleta informal.

Fabricante de matérias-primas novas


Materiais
reciclados
Fabricante de produtos
(semiduráveis/descartáveis)

Consumidor final
(empresa/pessoa física)

Bens de pós-consumo

Semiduráveis descartáveis

Coleta Coleta Coleta


informal seletiva do lixo

Aterros
Seleção
Catadores

Seleção

Intermediários sucateiros
Incineração
Indústria de reciclagem

Figura 4.14 – Canais de distribuição dos bens descartáveis. Fonte: Leite (2009).

capítulo 4 • 157
O processo de recuperação inicia-se com a coleta, no qual os tipos dos pro-
dutos são localizados, selecionados, coletados e transportados (SOUZA et al.,
2012). Após a coleta, observa-se que uma parcela dos materiais são comercializa-
dos com intermediários sucateiros cuja principal função é consolidar e realizar a
prensagem, afim de melhorar a densidade para facilitar o transporte.
Os materiais podem ser comercializados com fabricantes de matérias-primas
originais, como no caso do ferro e do aço, que são comercializados diretamente
com as siderúrgicas. Os produtos reciclados geram materiais secundários que
são comercializados com as indústrias de fabricação de bens diversos ou com as
indústrias de fabricação de matérias-primas, em substituição em parte, as maté-
rias primas novas.
O desenvolvimento da sociedade tende a aumentar as necessidades de coleta
de lixo. Em décadas anteriores, observou-se o aumento de resíduos pela substi-
tuição de embalagens retornáveis por descartáveis, pelo aumento de conteúdos
de materiais plásticos nos produtos. Quando não existe outro sistema de capta-
ção de descartados, o lixo urbano é o destino natural de tudo o que se torna inser-
vível no domicílio, materiais orgânicos e inorgânicos, de diferentes tamanhos,
misturados e colocados à disposição dos órgãos públicos que se apropriam dele,
em geral por legislação.

4.2.9  Aterros Sanitários e Lixões

Após a coleta de lixo urbano domiciliar, não havendo escoamento reverso for-
mal e estruturado, via coleta seletiva, as quantidades descartadas dos domicí-
lios, são dispostas e se acumulam em aterros urbanos e em outros locais menos
adequados, conhecidos como lixões (MAGALHÃES, 2011), figura 4.15.
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Figura 4.15 – Lixão.

158 • capítulo 4
O aterro sanitário é um sistema de disposição de lixo projetado para esse
fim, no qual são utilizadas técnicas de engenharia sanitária de recobrimento
do material em camadas, sistemas de escoamento de líquidos e emanação de
gases produzidos pelos materiais orgânicos, impermeabilização do solo, entre
outras, visando evitar a contaminação de lençóis freáticos e a degradação am-
biental nas regiões vizinhas (LEITE, 2009).

Figura 4.16 – Aterro sanitário do município de São Carlos - SP. Fonte: Cedido exclusivamente
pelo autor Marcelo Elias Santos para este livro.

Na figura 4.16, pode-se observar algumas das características de um aterro


sanitário como a cobertura do lixo compactado por terra sendo realizada por
uma máquina, também observa-se a presença de uma estrutura de arame pre-
enchida com pedras que ao final do processo receberá uma chaminé acoplada
para captação do gás metano. Na imagem ainda aparecem algumas aves, figu-
ras sempre presentes nesses ambientes.
Portanto, o aterro sanitário é um sistema tecnicamente projetado para certa
vida útil, ou seja, para suportar certa quantidade de lixo, e que ao atingir a satu-
ração, deve ser substituído por outro local. Em razão do aumento da quantidade
de lixo, os aterros sanitários têm sua vida útil reduzida, e os novos projetos são
localizados em regiões mais afastadas, gerando custos operacionais e logísticos.

capítulo 4 • 159
Figura 4.17 – Captação de chorume no aterro sanitário do município de São Carlos - SP.
Fonte: Cedido exclusivamente pelo autor Marcelo Elias Santos para este livro.

Além das características citadas os aterros sanitários possuem lagoas que


servem para a coleta do chorume2. A preparação técnica, no caso dos aterros,
é o que os diferencia dos lixões utilizados em larga escala por questões eco-
nômicas. Na prática, esses locais atraem uma legião de pessoas, os chamados
catadores, que selecionam diversos materiais não orgânicos: plásticos, vidros,
papéis, latas, brinquedos, etc, para venda ao elo seguinte da cadeia reversa, os
sucateiros, ou as empresas de beneficiamento de sucata.

LEITURA
PLASTIC BAG. Produção de Adam Spielberg. United States: Adam Spielberg, 2009. (18
min.). Disponível em: <https://vimeo.com/48549103>. Acesso em: 02 maio 2015.
SUPER INTERESSANTE. Descubra a origem do código de barras. 2012. Disponível em:
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em: 17 maio 2015.

2  Trata-se de uma substância liquida resultante do processo de decomposição do material orgânico.

160 • capítulo 4
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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capítulo 4 • 161
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162 • capítulo 4
5
Logística Reversa
dos Bens de
Pós-Venda e
Desafios Brasileiros
Algum dia você já deve ter questionado o que acontece com as revistas antigas
expostas em bancas de jornal, quiosques e lojas de departamentos assim que
chegam as novas edições. Na prática, quando expira o prazo de exposição e de
venda do produto na banca, inicia-se a distribuição reversa das publicações.
É isso que estudaremos nesse capítulo, o retorno dos produtos com pouco ou
nenhum uso que são devolvidos entre os elos da cadeia de distribuição direta
e pelo consumidor final.
A qualidade dos serviços logísticos ofertados é o principal responsável para
uma relação duradoura e a fidelização de clientes. Compõem a qualidade do
serviço características como, rapidez, confiabilidade nas entregas, frequência,
disponibilidade de estoques e mais recentemente a prestação de serviços em
assistência técnica que agregam valor ao cliente. A figura 5.1 apresenta essas
características ao relacionar pós-consumo e pós-venda.

Logística reversa Cadeia de Logística reversa


de pós-consumo distribuição direta de pós-venda

· Reaproveitamento Consumidor · Liberação de


de componentes. área de loja.

· Reaproveitamento Bens de · Redistribuição


de materiais. pós-venda de estoques.

Bens de
pós-consumo

· Imagem corporativa
· Competitividade

Figura 5.1 – Agregador de valor. Fonte: Leite (2009).

As empresas líderes de mercado buscam um relacionamento eficiente entre


clientes e fornecedores, ao adequarem os produtos e processos às necessidades
dos clientes. O objetivo maior é fidelizar o cliente e para tanto é formada uma
corrente virtual que ao longo de seus elos agrega valor de diferentes formas ao
produto, que é percebido pelo consumidor.
Conforme Leite (2009) a assistência técnica de pós-venda é uma atividade
de grande impacto na fidelização do cliente e na imagem de marca e empre-
sarial. Para o SEBRAE (2015) os serviços dessa natureza são percebidos pelos

164 • capítulo 5
consumidores como um atributo do produto, tanto quanto a qualidade, o pre-
ço, o design e seu rendimento. Sua organização, portanto, é de grande impor-
tância principalmente para empresas de bens duráveis em geral.
Dessa forma, a logística reversa de pós-venda é entendida como a área espe-
cífica de atuação da logística reversa que se ocupa do planejamento, da opera-
ção e do controle do fluxo físico e das informações logísticas correspondentes
de bens de pós-venda (LEITE, 2009). O objetivo estratégico é agregar valor a um
produto devolvido por razões comerciais, erros no processamento dos pedidos,
garantia dada pelo fabricante, defeitos, avarias, entre outros.
Leia o quadro 5.1 e conheça a ferramenta que os Correios disponibilizam
para as empresas operacionalizarem a logística reversa de bens de pós-venda
no comércio eletrônico.

Após a venda e entrega do produto, acabou o atendimento ao cliente? Talvez não!


O artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor - CDC - concede um prazo de sete
dias para o cliente se arrepender da compra realizada fora do estabelecimento comer-
cial, em lojas virtuais, por exemplo. Ao exercer esse direito, o consumidor pode desfazer
a compra e solicitar a devolução do valor pago e este deverá ser devolvido, de imediato,
monetariamente atualizado.
O cliente recebe a mercadoria, abre a caixa, monta o produto para começar a usá-lo,
porém o produto não está funcionando. Ele rapidamente acessa o site da loja para pro-
curar informações sobre devolução de produtos. Se nesse momento sua loja não tiver
bem definida uma política de devolução e troca de mercadorias ou se as informações
não chegam com rapidez a esse cliente, você corre um sério risco de ver comentários
desagradáveis sobre a sua loja nas redes sociais.
O objetivo é tirar todas as dúvidas do cliente e atendê-lo com eficiência. Mas, como o
cliente vai devolver o produto? Ou como é que você conseguirá fazer uma troca com o
cliente morando em outro estado.
Os Correios podem ajudar você a atender esses acasos específicos com um excelente
serviço de pós-venda: a Logística Reversa.
Então imagine um cliente nervoso! Ele envia e-mail para a loja e em seguida liga para
saber se alguém já leu o e-mail. Aproveita para reclamar da demora de uma resposta.
Nesse meio tempo alguns posts nada amigáveis foram disparados no Twitter.

capítulo 5 • 165
Por telefone, o gerente da loja faz o atendimento, lembrando que a loja possui contrato
com os Correios:
O Senhor não se preocupe. Estou encaminhando nesse momento, por e-mail, um e-
ticket com o Código de Autorização de Postagem, daí basta se dirigir a uma agencia
própria dos Correios para despachar o celular com defeito e depois nós estaremos
encaminhando outro para o Senhor.
O gerente faz isto através do sistema de Logística Reversa no site dos Correios. Este
sistema emite o e-ticket. e informa sobre a coleta do objeto pela agência. Esta informa-
ção é muito importante, pois o Gerente não precisa aguardar o retorno do produto para
encaminhar o outro. Assim não perde tempo e atende o cliente de forma rápida e a loja
ganha alguns posts positivos no Twitter.

Quadro 5.1 – Ferramenta de logística reversa dos correios. Fonte: Correios (2015).

Uma diferença importante é que os bens de pós-venda caracterizam-se por


apresentarem pouco ou nenhum uso, distinguindo-se dos produtos de pós-
consumo, que são utilizados até o fim da vida útil, ou até não apresentarem
utilidade ao primeiro possuidor, que os disponibiliza ou comercializa.
As empresas preocupam-se estrategicamente com a flexibilidade de retorno de
mercadorias, essa visão empresarial permite ampliar a visão dos fluxos logísticos
para além da entrega dos produtos ao mercado. Empresas modernas utilizam a lo-
gística reversa de pós-venda como oportunidade de acréscimo de valor de diferen-
tes naturezas que será percebido pelo cliente ao longo da cadeia de distribuição.

OBJETIVOS
Ao final deste capítulo esperamos que você:

•  Identifique as principais características dos produtos que retornam ao ciclo de negócios;


•  Compreenda as razões que justificam as devoluções dos produtos de pós-venda;
•  Diferencie a operação da logística reversa de pós-venda da de pós-consumo;
•  Entenda as implicações que o produto logístico de retorno ao ciclo de negócios propicia;
•  Entenda os conceitos e instrumentos da Política Integrada do Produto da União Européia;
•  Conheça a legislação brasileira com foco no produto.

166 • capítulo 5
5.1  O produto logístico de pós-venda

“O produto logístico de pós-venda, de natureza durável, semidurável ou descartável, cons-


titui-se de bens comercializados por meio dos diversos canais de distribuição mercado-
lógicos e que são devolvidos sem uso ou com pouco uso, por diferentes motivos, pela
própria cadeia de distribuição direta ou pelo consumidor final (LEITE, 2009, p. 187).

Em estudos anteriores, verificou-se que a redução do ciclo de vida e a ten-


dência a descartabilidade afetam grande parte dos produtos, incentivam o au-
mento do volume de modelos e tipos comercializados e os estoques nas empre-
sas, refletindo no volume operacionalizado pela logística reversa.
Para a logística reversa o tempo de retorno é um fator muito importante,
com a obsolescência cada vez mais rápida dos diversos modelos de produtos
lançados, as organizações precisam se preparar para receber as quantidades
excedentes com a liberação de espaço e preparação da operação que envolve o
retorno desses produtos.
Diferentes tipos de produtos apresentam quantidades diferentes circulan-
do nos canais reversos, ou seja, algumas características influenciam direta-
mente nas quantidades como, sazonalidade, ciclo de vida comercial, giro de
estoques, sistemas de comercialização, obsolescência, condições tecnológicas
de remanufatura, entre outros.
Você já se perguntou sobre as baterias que “morrem” após 18 meses de se-
rem estreadas, impressoras que bloqueiam ao chegar a um número determina-
do de impressões, lâmpadas que se fundem às mil horas. Porque, apesar dos
avanços tecnológicos, os produtos de consumo duram cada vez menos? Para en-
tender essas questões, assista ao documentário “Obsolescência Programada”
disponível no tópico Leitura Recomendada.

capítulo 5 • 167
5.2  Canais de distribuição reversos de bens
de pós-venda

Os bens industriais de pós-venda que retornam à cadeia de suprimentos,


sendo reintegrados ao ciclo de negócios, por meio de uma diversidade de for-
mas de comercialização e de processamentos, constituem a categoria de flu-
xo reverso denominada, canais de distribuição reversos de pós-venda (LEITE,
2009). Os motivos para os produtos retornarem são variados: validade, esto-
ques excessivos no canal de distribuição, por estarem em consignação ou por
apresentarem problemas de qualidade e defeitos.
Esse tipo de canal é importante para as organizações do ponto de vista es-
tratégico e econômico. Segundo Leite (2009) pesquisas realizadas nos Estados
Unidos, Reino Unido e Brasil mostram níveis de devoluções médios de 5% a
60% entre setores de atividade econômica diferentes. Esses percentuais reve-
lam a importância econômica e estratégica na busca por diferentes objetivos
empresariais, que justificam a preocupação crescente com o fluxo reverso de
pós-venda.
O fluxo reverso de bens de pós-venda pode se originar de várias formas, por
problemas de desempenho do produto ou por garantias comerciais, ao mes-
mo tempo, pode se originar em diferentes momentos da distribuição direta,
ou seja, do consumidor final para o varejista ou entre membros da cadeia de
distribuição direta.
Os problemas mais comuns são as avarias de transporte e os defeitos em
garantia, enquanto os comerciais são os erros de pedido, limpeza de canal nos
elos da cadeia de distribuição, os excessos de estoques, o fim de estações, o fim
da vida comercial do produto, os estoques obsoletos, entre outros.

5.3  Fluxos reversos de pós-venda


Diferente dos produtos de pós-consumo, que possuem estruturas específicas
em seus canais reversos, o retorno dos produtos nos canais reversos de pós-ven-
da utiliza, os próprios agentes da cadeia de distribuição direta. Leite (2009) ex-
plica que os produtos poderão retornar de consumidores finais para o varejista
ou para o fornecedor, dependendo do canal de distribuição original, do vare-

168 • capítulo 5
jista para o fabricante ou para o distribuidor-atacadista, ou da empresa cliente
para a empresa fornecedora, nos casos de canais empresariais.
Nesse contexto, a logística reversa de pós-venda deve equacionar as diver-
sas possibilidades de coleta desses produtos em diferentes elos da cadeia de
distribuição direta, estabelecer as condições de consolidação e selecionar os
produtos e os destinos dados em cada caso. Na figura 5.2, são apresentadas as
fases da distribuição direta e as correspondentes fases reversas após a disponi-
bilização dos produtos como pós-venda.

Mercado Mercado
Reciclagem
secundário secundário de Fornecedor
industrial
de produtos componentes

Fabricante
Desmanche Seleção de destino Remanufatura

Fluxo
Reparos ou Distribuidor
de
consertos retorno
Consolidação

Fases Retorno ao Varejo


reversas consumidor
final

Coletas
Consumidor

Produtos de pós-venda

Figura 5.2 – Fluxos reversos de pós-venda. Fonte: Leite (2009).

A figura 5.2 destaca os diversos destinos dados a uma parcela de produtos


que retornam pela cadeia reversa, entre os quais estão o envio para mercados
primários e secundários dos próprios produtos, com pouca ou nenhuma alte-
ração em sua natureza, e o envio para desmanche ou remanufatura, na impos-
sibilidade de seu reaproveitamento.

capítulo 5 • 169
O quadro 5.2, apresenta alguns exemplos de retorno existentes.

O setor de prestação de serviços de pós-venda


O serviço de garantia e assistência técnica de pós-venda tem sido utilizado como uma
das formas de fidelização de clientes. Empresas de prestação de serviços de logística
reversa têm se especializado na execução rápida e precisa de recepção diagnóstico,
conserto e entrega de aparelhos em geral.
O setor editorial
Apresenta grande fluxo reverso, devido ao fato de o sistema de comercialização normal-
mente prever o retorno ao crescimento de pontos de venda em grandes lojas de varejo, à
grande quantidade de lançamentos e ao natural curto ciclo de vida das edições em geral.
A quantidade de publicações e de editoras em todos os setores editoriais crescem em
todo o planeta. O sistema de produção gráfica desse setor está baseado em produção
em escala e deve incluir os custos da logística reversa, que podem atingir alguns dóla-
res por livro ou revista. Novas tecnologias de produção gráfica permitem prever lotes
econômicos de produção menores do que os atuais e, em consequência, consentiram
grande agilidade para o setor, o que se traduziria na redução de devoluções e maior
comercialização via internet.
O varejista de moda
O varejista de produtos de moda, após as liquidações ao público em geral, deve nego-
ciar seus estoques remanescentes com empresas liquidadoras para permitir a entrada
dos estoques da nova estação. De modo geral, não existem condições de negociação
de retorno entre as empresas fornecedoras e o varejo, restando a via de mercados se-
cundários para o escoamento dos estoques, no mesmo país ou em outro país.

Quadro 5.2 – Exemplos de canais de distribuição reversos de bens de pós-venda. Fonte:


Leite (2009).

5.4  Categorias de fluxos reversos de pós-venda


A logística reversa de pós-venda deve planejar, operar e controlar o fluxo de re-
torno dos produtos de pós-venda devolvidos por diversos motivos. Na Figura 3,
esses motivos são agrupados nas categorias, comerciais, garantia/qualidade e
por substituição de componentes.

170 • capítulo 5
Bens de pós-venda

Comerciais Garantia/qualidade Substituição de componentes

Contratuais Não contratuais Validade de Conserto Remanufatura


produtos reforma de componentes

Retorno ao Desmanche
Disposição Remanufatura
ciclo de
final de produtos
negócios Reciclagem

Mercado Mercado Mercado Mercado


primário de secundário de secundário de secundário de
bens bens matérias-primas componentes

Figura 5.3 – Categorias de retorno de pós-venda. Fonte: Leite (2009).

A figura 5.3 resume as diversas categorias de retorno dos bens de pós-venda utili-
zadas na logística reversa. São destacados também parte dos canais reversos de pro-
dutos de pós-consumo, como destaque para a interdependência entre os fluxos.
Destacam-se, na classificação dos retornos comerciais, duas grandes subdi-
visões, quadro 5.3: retornos contratuais e retornos não-contratuais, que envol-
vem movimentos logísticos reversos de mercadorias devolvidas devido a erros
de expedição, excesso de estoque no canal de distribuição, em consignação,
liquidação de estação, pontas de estoque, etc., que segundo Leite (2009) são
retornadas ao ciclo de negócios por meio de redistribuição.

RETORNOS NÃO-CONTRATUAIS

•  Devoluções em vendas diretas ao consumidor final


Em diversos países, existem legislações regulamentando as devoluções de mercado-
rias em certas condições, motivadas por erros diversos do fornecedor na venda direta
por meio de varejistas, na venda por catálogo, pela internet etc., que devem ser tratadas
pela logística reversa em seu retorno.

capítulo 5 • 171
RETORNOS NÃO-CONTRATUAIS

•  Devoluções para atendimento de reclamação de consumidor final sobre a qualidade


ou defeito encontrado no produto
Exemplos comuns nesse caso são os produtos alimentícios, cosméticos, farmacêuticos
etc., em ocasiões em que o cliente final detecta problemas de alguma natureza no
produto ou na embalagem. Em geral, o contato com a empresa é realizado pela área de
SAC – Serviço de Atendimento ao Consumidor, que encaminha a reclamação e orienta
a operação de substituição. A operação d logística reversa deve equacionar a chegada
de um novo produto ao cliente final e em geral ocupar-se com a coleta do produto ou
embalagem defeituosa para posterior verificação e feedback de qualidade.

•  Devoluções por erros de expedição


Esse tipo de devolução comercial está relacionado com a operação normal entre em-
presas e nas vendas diretas ao consumidor, quando mercadorias são devolvidas no ato
do recebimento pelo mesmo transporte de entrega ou em prazo relativamente curto,
não havendo nenhum acordo comercial entre as partes, a não ser os constantes das
práticas comerciais normais e legais do país.

RETORNOS COMERCIAIS CONTRATUAIS

•  Retorno de produtos em consignação


Os contratos de produtos de vendas em consignação prevêem seu retorno quando o
prazo contratual expira, sendo o retorno das mercadorias excedentes providenciando
normalmente pelo cedente das mercadorias.

172 • capítulo 5
RETORNOS COMERCIAIS CONTRATUAIS

•  Retorno de embalagens retornáveis


Do ponto de vista logístico e de sua função, as embalagens de produtos podem ser
classificadas em três tipos principais: embalagens primárias que estão em contato direto
com o produto; embalagens secundárias de reunião de certo número de embalagens
primárias e embalagem de unitização de reunião de embalagens secundárias. Existem
muitas classificações, mas sob o ponto de vista da logística reversa a classificação mais
adequada refere-se ao seu tempo de vida útil, embalagens descartáveis e retornáveis.

•  Retorno de ajuste de estoques no canal


A devolução de estoques dos bens de pós-venda por ajustes de estoques no canal normal-
mente envolve duas empresas, e os produtos devolvidos serão revalorizados por meio do
envio, ao mercado secundário, entendido como um mercado apropriado para esses casos.

•  Excesso de estoques no canal


Empresas em épocas de promoção muitas vezes antecipam aos clientes estoques que
nem sempre serão vendidos nas quantidades esperadas, dando origem a excessos que
precisam ser retomados.

•  Baixa rotação do estoque


Trata-se de ocasiões em que, por diferentes motivos, o giro de determinado produto
deixa de ser interessante para o cliente.

•  Introdução de novos produtos


A descontinuidade de um produto e a entrada de seu substituto poderá ocasionar mo-
vimentos de retorno dos modelos antigos, liberando área de loja ao cliente.

capítulo 5 • 173
RETORNOS COMERCIAIS CONTRATUAIS

•  Moda ou sazonalidade de produtos


Da mesma maneira que na situação anterior, porém com certa sazonalidade, é comum que
empresas varejistas precisem disponibilizar mercadorias ao final de uma estação de moda.

Quadro 5.3 – Categorias de retornos comerciais no varejo e na internet. Fonte: Leite (2009).

Quanto à seleção e destino dos produtos devolvidos, existem várias formas


e caminhos diferentes possíveis, que podem ser examinados e destinados a um
canal reverso de melhor acréscimo de valor monetário ou de outra natureza
pretendido pela empresa.
A devolução por causa de defeito de qualidade requer decisão de natureza téc-
nica em um dos elos da cadeia de distribuição direta para definir o destino dos
bens devolvidos, que poderão ser dirigidos ao mercado secundário, a processos de
remanufatura, a reciclagem de materiais ou a um dos sistemas de disposição final.
Em função do custo de transporte dos bens, essa avaliação se torna muito
difícil e prejudica o processo de revalorização. Em algumas vezes não compen-
sa retornar o produto que não apresenta condições de reutilização ao longo da
cadeia. Os destinos mais comuns são os apresentados por Leite (2009).

•  Venda no mercado primário


Os produtos de retorno, devido a ajustes de estoques nos canais de distri-
buição diretos, normalmente possuem condições gerais de reenvio ao mercado
primário, ou seja, o mercado original, com a marca do fabricante, e por meio de
redistribuição.
•  Reparações e consertos
No caso de exigências dessa natureza, os produtos de retorno serão destina-
dos às reparações necessárias e poderão ser comercializados no mercado pri-
mário ou, mais frequentemente, no secundário.
•  Doação
A doação normalmente é o destino de produtos retornados quando existe
interesse de fixação da imagem por parte do fabricante e em geral é associada a
produtos com certo grau de obsolescência.

174 • capítulo 5
•  Desmanche
O destino de desmanche ocorre quando o bem retornado apresenta-se sem
condições de funcionamento para a utilidade de projeto e existe valor de uso
em seus componentes.
•  Remanufatura
O processo de remanufatura ocorre quando os componentes do desmanche
de bens retornados apresentam defeitos e devem ser refeitos para encaminha-
mento ao mercado secundário.
•  Reciclagem industrial
Da mesma maneira que os produtos de pós-consumo, tanto os subconjun-
tos quanto as partes da estrutura dos bens são comercializados com empresas
especializadas na reciclagem dos materiais constituintes desses produtos.
•  Disposição final
Não havendo outra solução para agregar valor de qualquer natureza ao produto
retornado ou a suas partes ou materiais, eles são destinados a aterros sanitários ou
ao processo de incineração, dependendo das peculiaridades de cada país ou região.
Para encerrar os estudos deste tópico, leia o quadro 5.4 “Distribuição de re-
vistas em bancas”. O estudo de caso reforça a ideia de que o produto logístico
de pós-venda constitui-se em bens com pouco ou nenhum uso que retornam ao
ciclo de negócios, devido ao fato de serem devolvidos para ajustar condições lo-
gísticas de canais de distribuição entre os elos da cadeia de distribuição direta.

O setor editorial de revistas é apontado pela literatura como um dos mais expressivos
em termos de retorno de produtos, devido à alta perecibilidade das revistas em geral. O
caso estudado restringiu-se à distribuição reversa de revistas em bancas de jornal de
rua e em quiosques de lojas de departamento.
O processo logístico de distribuição de publicações no território nacional inicia-se com
o recebimento da publicações das editoras clientes. As publicações são separadas e
organizadas em lotes, em quantidades previamente definidas pela área de logística em
função das vendas nas regiões atendidas. O modal de transporte predominante é o
rodoviário e em alguns casos são utilizados o aéreo e o fluvial. Grande número de cen-
tros de distribuição regional (CDRs) no país se encarregam de distribuir as publicações
para os pontos de venda no varejo, as bancas e revistarias. O sistema de venda é de
consignação em cascata ao longo da cadeia direta, ou seja, da empresa distribuidora
para os centros de distribuição e destes para as bancas e revistarias em cada região.

capítulo 5 • 175
A distribuição reversa das publicações, Figura 4, inicia-se ao expirar o prazo de exposição
e venda do produto nas bancas. É emitido pela área de distribuição um documento deno-
minado “chamada de encalhe” que avisa ao varejista sobre o término do prazo para a ven-
da da publicação. O varejista devolve ao CDR toda a publicação não vendida e é realizado
o acerto financeiro das publicações vendidas e respectivas comissões. O CDR, por sua
vez, encarrega-se de devolver à empresa toda a publicação recebida de seus varejistas e
de fazer o acerto financeiro das publicações vendidas. As revistas não vendidas passam a
ser chamadas de “encalhe”. O retorno físico do encalhe após as consolidações nos CDRs
é encaminhado à empresa; ele é conferido e é feita a consolidação final de retorno em
lotes padrão, o que facilita o controle e manuseio posterior das publicações devolvidas.
Na fase de seleção de destino, as publicações podem ser devolvidas à editora cliente, ser
destinadas à armazenagem na própria empresa, com possível utilização em mercados
secundários, ou à reciclagem, transformando-se em aparas de papel.
©© TAN WEI MING | DREAMSTIME.COM

Figura 5.4 – Revistas.

Cerca de 50 a 60% das publicações retornam sob a forma de encalhe, o que justifica a
preocupação com a estruturação do canal reverso como forma de recuperar parte do valor
investido na realização das publicações e garantir o controle do faturamento da empresa.
A revalorização econômica também pode acontecer por meio da venda de publicações
encalhadas em mercados secundários, ou seja, países que falam a língua portuguesa.
[...]. Os produtos retornados podem servir para atividades de marketing, sendo utiliza-
dos como “degustação”, considerada reúso pela literatura consultada e que consiste
em oferecer ao cliente um exemplar de determinada revista para sua experimentação.
A empresa aloca de forma dedicada recursos de mão-de-obra ao tratamento de enca-
lhe, além dos custos de movimentação interna com o uso de empilhadeiras, armazena-
mento e transporte.

176 • capítulo 5
O tratamento do encalhe pode servir como fonte para projetos que visem a educação
e o bem-estar social. O encalhe também pode atender solicitações dos clientes por
edições passadas. Essa atividade objetiva estreitar as relações entre a empresa e o
cliente, buscando sua fidelidade.

Quadro 5.4 – Distribuição de revistas em bancas. Fonte: Leite (2009).

5.5  Objetivos estratégicos da logística


reversa de pós-venda

Sob o aspecto das diferentes possibilidades dos fluxos reversos de pós-venda, a


logística reversa planejará a operação reversa, cuidará da operação de retorno
dos bens de pós-venda e controlará os respectivos fluxos nesses canais reversos,
visando agregar-lhes valor de alguma natureza.
A revalorização econômica dos bens retornados é a revalorização mais evi-
dente dos bens de pós-venda seguida da obediência às legislações ecológicas
e a busca de competitividade, por meio da diferenciação dos serviços. Assim
como nos canais de pós-consumo, é difícil separar esses objetivos na prática
empresarial. Na sequência, são apresentados os objetivos econômicos, de dife-
renciação mercadológica no varejo, de prestação de serviços no pós-venda, de
obediência à legislação e de proteção de imagem.

5.5.1  Objetivo econômico

Para Leite (2009, p. 204) o objetivo econômico da logística reversa, em determi-


nado canal de pós-venda, “é a visão estratégica de recapturar valor financeiro
do bem de pós-venda de alguma maneira”. Destacam-se canais reversos de re-
valorização de realocação de estoques em excesso, revalorização de ativos em
fim de estação ou promoção de venda e recaptura de valor de bens com proble-
mas de qualidade em geral.
Em todos os casos, a agilidade logística de revalorização é fundamental,
pois, o tempo não é favorável à recuperação de valor.

capítulo 5 • 177
Revenda no mercado primário: compreende os bens retornados pelo rema-
nejamento de estoques, por motivos comerciais, entre áreas ou regiões diferen-
tes, de forma geral conservam as características de novos sem alterarem as em-
balagens alcançando assim os mesmos níveis de preço dos originais.
Venda no mercado secundário: são os produtos que retornam ao longo da
cadeia de distribuição direta e não podem voltar ao mercado original. Dentre
os principais motivos destacam-se mercadorias em fim de estação ou aquelas
que passaram por reformas ou remanufatura e retornaram ao mercado de re-
posição de peças.
Provavelmente você já tenha observado produtos refurbished em alguns
anúncios na internet. Quando falamos de computadores, a palavra refurbished
refere-se àqueles que foram devolvidos ao fabricante para a correção de algum
problema ou pequeno defeito e que, depois de consertados, foram novamente
comercializados. Para entender compreender melhor o tema e tirar as dúvidas
leia a matéria ”Quando vale à pena comprar um produto refurbished?”, dispo-
nível no tópico Leitura Recomendada.
Ganhos econômicos por meio de desmanche: o objetivo é a revalorização
dos produtos por meio do reuso, por meio do desmanche dos bens, aproveitan-
do o valor residual dos componentes, por meio da remanufatura do bem, por
meio da reciclagem e finalmente com a disposição final.

5.5.2  Objetivo da competitividade

A logística empresarial tem permitido uma diferenciação mercadológica por


meio de serviços perceptíveis aos clientes, melhorando as condições operacio-
nais e propiciando resultados palpáveis, oferecendo níveis de serviços como
prazos de entrega, confiabilidade de entrega, disponibilidade de estoque,
quantidade das remessas, flexibilidade (LEITE, 2009).
A logística reversa permite as empresas oferecerem serviços que as tornem
mais competitivas em seus mercados ao oferecer o gerenciamento dos produ-
tos de pós-venda, reduzir a quantidade de mercadoria retornada e organizar o
retorno e realocação do estoque do cliente.

178 • capítulo 5
5.5.3  Objetivo legal

Vários fatores aumentaram a preocupação com o relacionamento entre for-


necedores e clientes, dentre eles, a quantidade de produtos, a diversidade, a
complexidade de modelos e redução do ciclo de vida intensificaram as relações
entre fabricantes e consumidores finais.
Nesse contexto, Leite (2009) acrescenta que a conscientização trazida pelos no-
vos sistemas de comunicação, a questão da cidadania toma forma em diversas so-
ciedades, instituindo-se legislações com o objetivo de proteger o consumidor final.
Pós-venda de produtos: compreende a garantia de informações antes, du-
rante e após a compra do bem, sobre consertos e reparos de produtos e compo-
nentes, recall de produtos em casos de problemas descobertos pelo fabricante,
sobre prazos de validade e trocas.
Serviços de pós-venda: compreende a regulamentação obre as informações dos
serviços, sobre prazos de reparos e consertos, sobre conteúdo da assistência técnica.
Antigamente não existia uma lei que protegesse as pessoas que comprassem um
produto ou contratassem qualquer serviço. Se você comprasse um produto estraga-
do, ficava por isso mesmo. Se o vendedor quisesse trocar, trocava, mas se não qui-
sesse trocar, você ficava no prejuízo e não tinha a quem recorrer. Em março de 1991
entrou em vigor a Lei n. 8.078, conhecida como Código de Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor tem como objetivo regular as relações entre for-
necedores e clientes finais de produtos e serviços. Para compreender melhor o tema
leia a “Cartilha do consumidor”, disponível no tópico Leitura Recomendada.

5.6  Política integrada relativa aos produtos


A política integrada relativa aos produtos (IPP) é uma abordagem que procura
reduzir os impactos ambientais ao avaliar todas as fases do ciclo de vida dos
produtos, utilizando instrumentos de gestão que atuem na produção e consu-
mo dos produtos (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPÉIAS, 2001). A IPP
concentra-se nos pontos de decisão que influenciam fortemente os impactos
ambientais do ciclo de vida dos produtos e que manifestam potencial para me-
lhoria, como o design ecológico dos produtos, a escolha informada do consu-
midor e o princípio “poluidor-pagador” (KANCELKIS et al., 2010).

capítulo 5 • 179
CONCEITO
A palavra recall, de origem inglesa, é utilizada no Brasil para indicar o procedimento, previsto
em lei, e a ser adotado pelos fornecedores, de chamar de volta os consumidores em razão
de defeitos verificados em produtos ou serviços colocados no mercado, evitando, assim, a
ocorrência de acidentes de consumo (PROCON-SP, 2015).

Com a grande variedade de produtos no mercado e os diferentes interes-


sados envolvidos ao longo do ciclo de vida, não é possível aplicar apenas uma
medida política. Dessa forma, a IPP é uma política que se integra as políticas
existentes nos países e recorre a um conjunto de ferramentas, voluntárias e
obrigatórias, que podem ser usadas para atingir os seus objetivos. Essas fer-
ramentas incluem instrumentos econômicos, legislação, acordos voluntá-
rios, gestão ambiental, rotulagem ambiental e ecodesign (COMISSÃO DAS
COMUNIDADES EUROPÉIAS, 2001).
Dessa forma, a IPP pode ser entendida como uma política ambiental que
visa estimular de maneira contínua cada parte destas fases e atores para a redu-
ção dos impactos causados pelos produtos e serviços, melhorando seu desem-
penho ambiental. No quadro 5.5 são apresentadas as principais características
dessa abordagem.

•  Política
O papel das autoridades públicas na abordagem IPP deve ser, na maior parte dos casos,
mais de facilitação do que de intervenção direta. A ideia geral é que a política deve cen-
trar-se em definir os principais objetivos e proporcionar aos diversos intervenientes meios
e incentivos para alcançarem esses objetivos. Nesse contexto, a IPP poderá também ser
útil na procura de soluções com orientação empresarial para problemas ambientais, em
contato e colaboração com os intervenientes, e na preparação de legislação.
•  Integrada
O termo “integrada” representa a integralidade do ciclo de vida dos produtos, abrangen-
do todas as fases, desde a de extração de matérias-primas até às de produção, distri-
buição, utilização, reciclagem/valorização e destino final, e bem assim de uma ampla
abordagem que integra vários instrumentos visando o objetivo de “ecologização” dos
produtos, com base na cooperação com os intervenientes.

180 • capítulo 5
•  Relativa aos produtos
Em princípio, todos os produtos e serviços são incluídos no âmbito desta política, cujo
objetivo é conseguir uma melhoria global nos impactos ambientais dos produtos. Na
prática, as ações poderão incidir em todos ou somente alguns produtos, selecionados
com base na discussão com os intervenientes por força da sua importância e do seu
potencial de melhoria.

Quadro 5.5 – Abordagem da Política Integrada de Produtos. Fonte: Adaptado da Comissão


das Comunidades Européias (2001).

Conforme a Comissão das Comunidades Européias (2001) a estratégia da


política integrada relativa aos produtos (IPP) baseia-se nas três etapas do pro-
cesso de decisão que condicionam o impacto ambiental do ciclo de vida dos
produtos, ou seja, na aplicação do princípio do poluidor-pagador quando da
fixação dos preços dos produtos, na escolha informada dos consumidores e na
concepção ecológica dos produtos:

•  A fixação dos preços dos produtos:


Se todos os preços refletirem o custo ambiental real dos produtos, o mer-
cado pode otimizar os desempenhos ambientais dos mesmos. A aplicação do
princípio do poluidor-pagador permitiria resolver esta lacuna do mercado ao
obrigar à integração dos custos ambientais no preço.
A ideia mais importante tendo em vista a implementação do princípio do
poluidor-pagador consiste na aplicação de taxas de impostos diferenciadas em
função dos desempenhos ambientais dos produtos como, por exemplo, na apli-
cação de taxas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) mais baixas para os
produtos com rótulo ecológico ou de outros impostos ou taxas ecológicas.

•  A escolha informada dos consumidores:


A educação dos consumidores e das empresas é uma das principais formas
de aumentar a procura de produtos que respeitam o ambiente e de tornar o
consumo mais ecológico.
Outra forma de apoiar a escolha dos consumidores consiste no fornecimen-
to de informações técnicas compreensíveis, relevantes e credíveis, através da
rotulagem dos produtos ou de outras fontes de informação de fácil acesso.

capítulo 5 • 181
•  A concepção ecológica dos produtos:
Para desenvolver a concepção ecológica dos produtos é necessário incitar as
empresas a produzir e publicar informações sobre o impacto ambiental dos pro-
dutos ao longo de todo o seu ciclo de vida. Os Inventários do Ciclo de Vida (ICV)
e as Análises do Ciclo de Vida (ACV) constituem bons instrumentos. A definição
de orientações em matéria de concepção ecológica, bem como de uma estratégia
global de integração do ambiente no processo de concepção, poderiam ser utiliza-
das como instrumentos de promoção do conceito de ciclo de vida nas empresas
(KANCELKIS et al., 2010).
É muito importante que o ambiente seja tomado em consideração no pro-
cesso de normalização. A utilização da nova abordagem destinada à promoção
da concepção ecológica constitui igualmente uma possível área de atuação.
Entende-se que a estratégia da política integrada relativa aos produtos baseia-
se nas três etapas do processo de decisão que condicionam o impacto ambiental do
ciclo de vida dos produtos, ou seja, na aplicação do principio do poluidor-pagador,
na escolha informada dos consumidores e na concepção ecológica dos produtos.
A estratégia proposta necessita da participação de todas as partes interes-
sadas, a todos os níveis de ação possíveis e ao longo de todo o ciclo de vida dos
produtos. A concepção ecológica deve acontecer junto às empresas para que os
produtos oferecidos respeitem mais o meio ambiente e tenham suas vantagens
informadas ao consumidor. Por sua vez, os consumidores devem optar por pro-
dutos com essas características e utilizá-los de forma a prolongar o seu período
de vida e a reduzir o impacto ambiental.

5.6.1  Resíduos de equipamentos elétricos e eletrônicos (REEE).

Equipamentos eletroeletrônicos são todos aqueles produtos cujo funciona-


mento depende do uso de corrente elétrica ou de campos eletromagnéticos.
Conforme a ABDI (2012) eles podem ser divididos em quatro categorias amplas:

•  Linha Branca: refrigeradores e congeladores, fogões, lavadoras de roupa


e louça, secadoras, condicionadores de ar;
•  Linha Marrom: monitores e televisores de tubo, plasma, LCD e LED, apa-
relhos de DVD e VHS, equipamentos de áudio, filmadoras;
•  Linha Azul: batedeiras, liquidificadores, ferros elétricos, furadeiras, seca-
dores de cabelo, espremedores de frutas, aspiradores de pó, cafeteiras;

182 • capítulo 5
•  Linha Verde: computadores desktop e laptops, acessórios de informática,
tablets e telefones celulares.

Ao fim de sua vida útil, esses produtos passam a ser considerados resíduos
de equipamentos eletroeletrônicos (REEE). Os produtos chegam a esse ponto
ao serem esgotadas todas as possibilidades de reparo, atualização ou reuso
(ABDI, 2012). Alguns deles, como os equipamentos de telecomunicações, têm
um ciclo de obsolescência mais curto e devido à introdução de novas tecnolo-
gias são descartados mais rapidamente.
Na perspectiva da IPP, a União Européia (UE) estabeleceu medidas para pre-
venir a formação de resíduos elétricos e eletrônicos e fomentar sua reutilização
com a reciclagem e outras formas de valorização. O objetivo é reduzir a quanti-
dade de resíduos e melhorar os resultados ambientais dos agentes envolvidos
em sua gestão. Além disso, para contribuir com a valorização e a eliminação de
resíduos de aparelhos elétricos e eletrônicos, assim como a proteção a saúde
humana, a UE também estabeleceu medidas sobre a limitação do uso de subs-
tâncias perigosas nos aparelhos (UNIÃO EUROPÉIA, 2003).
A norma 2002/96/CE do Parlamento Europeu se aplica as categorias de
REEE seguintes:

•  grandes e pequenos eletrodomésticos;


•  equipamentos de informática e de telecomunicações;
•  aparelhos eletrônicos de consumo;
•  ferramentas elétricas e eletrônicas;
•  materiais médicos;
•  instrumentos de comando e controle;

Após a norma, os estados membros investiram no desenho e produção de


aparelhos elétricos e eletrônicos que fossem fáceis de serem desmontados e re-
aproveitados, em particular para a reutilização e reciclagem das partes (UNIÃO
EUROPÉIA, 2003). Isso por que, os REEE são compostos por materiais diversos:
plásticos, vidros, componentes eletrônicos, mais de vinte tipos de metais pesa-
dos e outros (ABDI, 2012). Estes materiais estão frequentemente dispostos em
camadas e subcomponentes afixados por solda ou cola. Alguns equipamentos
ainda recebem jatos de substâncias químicas em concentração microscópica
ou de grande escala.

capítulo 5 • 183
Além disso, algumas características próprias dos REEE justificam a exigên-
cia de processos específicos de gerenciamento. A figura 5.5 evidencia a dificul-
dade para separar e reaproveitar todos os componentes do material descartado.
©© SELENSERGEN | DREAMSTIME.COM

Figura 5.5 – Resíduos de equipamentos eletrônicos

Outra medida importante para reduzir ao mínimo a eliminação dos REEE


com os resíduos sólidos urbanos foi o inicio da coleta seletiva de REEE.
Conforme a União Européia (2003) essa medida garante uma série de vanta-
gens ao consumidor, como:

•  os consumidores finais e distribuidores podem devolver gratuitamente os


resíduos;
•  os distribuidores garantiram que receberiam os resíduos de forma
gratuita;
•  os fabricantes podem criar sistemas de coleta individual e coletiva;

Quanto à valorização dos REEE, os fabricantes organizaram sistemas para


o material recolhido de forma seletiva. Em 2006, a porcentagem de valoriza-
ção em peso médio por aparelho deveria aumentar de 80% no caso de grandes
eletrodomésticos até 70% para pequenos eletrodomésticos e 75% para equipa-
mentos de informática.
Quanto ao manejo dos REEE é importante destacar que existem duas pre-
ocupações, a primeira é com a contaminação das pessoas que manipulam o

184 • capítulo 5
material tanto o consumidor como as pessoas envolvidas na coleta e a segunda
está relacionada com a contaminação do meio ambiente. A tabela 5.1 apresen-
ta alguns metais pesados presentes nos REEE e que inspiram cuidados com a
saúde das pessoas envolvidas no processo.

ELEMENTO PRINCIPAIS DANOS CAUSADOS À SAÚDE HUMANA

Acumula-se nos rins, fígado, pulmões, pâncreas, testículos e coração;


possui meia-vida de 30 anos nos rins; em intoxicação crônica pode
CÁDMIO gerar descalcificação óssea, lesão renal, enfisema pulmonar, além de
efeitos teratogênicos (deformação fetal) e carcinogênicos (câncer).

É o mais tóxico dos elementos; acumula-se nos ossos, cabelos, unhas,


cérebro, fígado e rins; em baixas concentrações causa dores de cabe-
ça e anemia. Exerce ação tóxica na biossíntese do sangue, no sistema
CHUMBO nervoso, no sistema renal e no fígado; constitui-se veneno cumulativo
de intoxicações crônicas que provocam alterações gastrintestinais,
neuromusculares e hematológicas, podendo levar à morte.

Armazena-se nos pulmões, pele, músculos e tecido adiposo, pode pro-


CROMO vocar anemia, alterações hepáticas e renais, além de câncer do pulmão

Atravessa facilmente as membranas celulares, sendo prontamente


absorvido pelos pulmões. Possui propriedades de precipitação de
proteínas (modifica as configurações das proteínas), sendo sufi-
cientemente grave para causar um colapso circulatório no paciente,
MERCÚRIO levando à morte. É altamente tóxico ao homem, sendo que doses
de 3g a 30g são fatais, apresentando efeito acumulativo e pro-
vocando lesões cerebrais, além de efeitos de envenenamento no
sistema nervoso central e teratogênicos.

Tabela 5.1 – Alguns metais pesados presentes nos REEE. Fonte: ABDI (2012).

capítulo 5 • 185
Na prática, os consumidores de aparelhos elétricos e eletrônicos deveriam
receber informações necessárias sobre a obrigação de não misturar esse tipo
de resíduo com os resíduos comuns, também deveriam cumprir as normas
da coleta seletiva, dos sistemas de coleta e devolução, entender sua contribui-
ção com a revalorização dos resíduos, entender o efeito dos resíduos no meio
ambiente e o significado do símbolo que foi colocado nos aparelhos (UNIÃO
EUROPÉIA, 2003).
A partir de 2005, os fabricantes da UE começaram a colocar nos produtos a
figura 5.6.

Figura 5.6 – Contentor de lixo barrado por uma cruz.

Para cada novo produto, após um ano os fabricantes deveriam informar os


dados sobre a sua reutilização e seu tratamento. Os dados incluem os compo-
nentes e materiais presentes, assim como o lugar onde se encontram as subs-
tâncias e compostos perigosos.
Se você verificar alguns equipamentos elétricos e eletrônicos como celula-
res (baterias), televisores, notebooks, etc. provavelmente encontrará a figura
5.6 estampada nesses aparelhos e questionará: Porque o símbolo está em um
aparelho produzido no Brasil que não conta com o canal reverso estruturado e
coleta seletiva apropriada para REEE?
A explicação é simples, mas preocupante, isto acontece por que as empresas
instaladas no Brasil que exportam são obrigadas a seguir a diretiva dos REEE e
como não há linhas separadas de produção para produtos exportados e para o
mercado interno todos passam pelo mesmo processo de produção.

186 • capítulo 5
5.6.2  Gestão de veículos em fim de vida

Com a norma 2000/53/CE a União Européia pretendeu limitar a produção de


resíduos provenientes dos veículos e também intensificar a reutilização, reci-
clagem e outras formas de valorização dos veículos em fim de vida e de seus
componentes. Para alcançar este objetivo duplo, foram fixados novos requisi-
tos para os fabricantes europeus, incentivando a fabricarem veículos fáceis de
reciclar (UNIÃO EUROPÉIA, 2000).
A norma aplica-se aos veículos e aos veículos em fim de vida, incluindo os
seus componentes e materiais. Abrange em particular:

•  os veículos a motor com, pelo menos, quatro rodas, destinados ao trans-


porte de passageiros e com, no máximo, nove lugares sentados;
•  os veículos a motor com, pelo menos, quatro rodas, destinados ao trans-
porte de mercadorias, com peso máximo não superior a 3,5 toneladas;
•  os veículos a motor com três rodas.
•  A norma tem como objetivo reduzir a quantidade de resíduos provenientes
dos veículos. Incentiva dessa forma os fabricantes dentro da União Européia a:
•  limitarem a utilização de substâncias perigosas nos veículos novos;
•  fabricarem veículos que facilitam a reutilização e a reciclagem;
•  desenvolverem a utilização dos materiais reciclados.

Os estados da UE, a partir da norma, desenvolveram sistemas de coleta dos


resíduos provenientes dos veículos. Também se organizaram para assegurar a
transferência dos veículos em fim de vida para instalações de tratamento auto-
rizadas (UNIÃO EUROPÉIA, 2000). Essas instalações são diferentes dos depó-
sitos tradicionais, figura 5.7, pois têm como objetivo despoluir os veículos em
fim de vida antes da operação de tratamento e recuperação de todos os compo-
nentes prejudiciais ao ambiente.

capítulo 5 • 187
©© TAMAS PANCZEL - EROSS | DREAMSTIME.COM

Figura 5.7 – Depósito tradicional de carros.

O proprietário ou detentor de um veículo em fim de vida recebe um certifi-


cado de destruição no momento da transferência para uma instalação de trata-
mento autorizada. O certificado é emitido pela instalação e permite ao proprie-
tário cancelar o registro do seu veículo junto às autoridades públicas. Os custos
decorrentes da transferência do veículo para a instalação de tratamento ficam
a cargo do fabricante (UNIÃO EUROPÉIA, 2000).

5.7  Política Nacional de Resíduos Sólidos


(PNRS).

“As atividades cotidianas dos indivíduos geram como subproduto um conjunto


de resíduos” (TONETO JUNIOR et al., 2013, p. xix). Ao consumir materiais, são
descartadas as embalagens, latas, papéis, plásticos, restos de comidas, entre
outros que são denominados genericamente de lixo.
As inovações tecnológicas com o surgimento de novos produtos levam
a um crescente descarte dos produtos antigos: móveis e utensílios, produtos
eletrônicos, eletrodomésticos, entre outros. Conforme Toneto Junior (2013) as
empresas também produzem resíduos com as sobras de matérias-primas ina-
proveitáveis, embalagens, subprodutos dos processos produtivos e outros ma-
teriais que são descartados.

188 • capítulo 5
O primeiro mapa global sobre resíduos eletrônicos “E-waste World Map”
idealizado pela iniciativa Step (parceria da ONU com empresas e governos de
todo mundo), revela que no mundo foram gerados em 2012 cerca de 49 milhões
de toneladas de resíduos eletrônicos, ou seja, 7 kg por habitante (LEITE, 2009;
STEP, 2015). Conforme o mapa, nesse ritmo, o planeta terá de suportar 65,4
milhões de toneladas de lixo eletrônico em 2017.
Conforme o Step (2015) os EUA foram quem mais geraram resíduos eletrô-
nicos em 2014, 9,4 milhões de toneladas o que representa 29,8 kg por habitan-
te, seis vezes mais do que a China a segunda colocada no rancking. Na América
Latina o Brasil é destacado, pois, nosso país produziu 1,2 milhão de toneladas
de resíduos eletrônicos, o equivalente a média global de 7 kg por habitante.
Para 2015, o volume estimado é de 1,4 milhão de toneladas (ABDI, 2013). A
quantidade dos resíduos gerados tende a crescer com a evolução da renda e do
consumo e da mudança de hábitos associada à urbanização. Todas as cidades
enfrentam o problema do que fazer com seus resíduos. A gestão desse serviço
é responsabilidade do município, que pode provê-lo de diferentes formas, seja
diretamente, seja por meio de terceiros (TONETO JUNIOR et al., 2013).
Esses serviços não devem apenas coletar e afastar os resíduos, pois, isso se-
ria retirar o problema da frente de seus cidadãos e despejá-los em outro lugar.
Para Toneto Junior et al., (2013) os resíduos devem ter uma destinação correta
para evitar os problemas ambientais e de saúde que podem surgir do manejo
inadequado dos mesmos.
A crescente geração de resíduos gera outras preocupações além da coleta e
correta destinação. A preocupação ambiental conduz a campanhas pela menor
geração de resíduos e seu reaproveitamento, que pode acontecer por diferentes
tecnologias: compostagem, recuperação e aproveitamento energético dos ga-
ses, entre outros.
O Brasil apresenta uma série de problemas associados aos resíduos sólidos
urbanos. Uma parcela significativa dos resíduos gerados é disposta de forma
inadequada em lixões ou aterros não controlados, gerando problemas sociais e
de saúde para famílias que vivem nesses ambientes.
Em resposta as crescentes preocupações ambientais relacionadas à preser-
vação dos recursos naturais e aos impactos ambientais e sociais gerados pelo
crescimento econômico e pela geração de resíduos, foi sancionada em 2 de
agosto de 2010, a Lei n. 12.305, que instituiu a Política Nacional de Resíduos
Sólidos (PNRS) que reúne o conjunto de princípios, objetivos, instrumentos,

capítulo 5 • 189
diretrizes, metas e ações adotadas pelo Governo Federal, isoladamente ou em
regime de cooperação com estados, Distrito Federal, municípios ou particula-
res, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequa-
do dos resíduos sólidos (ABDI, 2012).
A PNRS representa um marco para a sociedade brasileira no que toca à ques-
tão ambiental, com destaque para uma visão avançada na forma de tratar o lixo
urbano (ABDI, 2012). Ela prevê ações para solucionar o problema do manejo
dos resíduos sólidos urbanos destacando a educação ambiental, a não geração
de resíduos, a reutilização, a reciclagem, o reaproveitamento e a correta desti-
nação (TONETO JUNIOR et al., 2013).
A PNRS traz uma concepção de vanguarda, ao compartilhar, com todas as
partes relacionadas ao ciclo de vida de um produto, a responsabilidade pelo
gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos. Dessa forma,
o setor público, iniciativa privada e população ficam sujeitos à promoção do
retorno dos produtos às indústrias após o consumo e obriga o poder público a
realizar planos para o gerenciamento do lixo.
Dentre as diversas determinações da Lei, destacam-se as apresentadas no
quadro 5.6.

Fechamento de lixões:
Até 2014 não devem mais existir lixões a céu aberto no Brasil. No lugar deles, devem
ser criados aterros sanitários. Os aterros são impermeabilizados e seu solo é preparado
para evitar a contaminação de lençóis freáticos. Captam o chorume que resulta da de-
gradação do lixo e podem contar com a queima do metano para gerar energia.
Só rejeitos poderão ser encaminhados aos aterros sanitários:
Os rejeitos são o material restante depois de esgotadas todas as possibilidades de
reuso e reciclagem do resíduo sólido. Apenas 10% dos resíduos sólidos são rejeitos. A
maior parte do restante é de matéria orgânica, que pode ser reaproveitada em compos-
tagem e transformada em adubo; ou materiais recicláveis, que devem ser devidamente
separados através da coleta seletiva;
Elaboração de planos de resíduos sólidos nos municípios:
Os planos municipais serão elaborados para ajudar prefeitos e cidadãos a descartar
seu lixo da maneira correta.

Quadro 5.6 – Principais determinações da PNRS. Fonte: ABDI (2012).

190 • capítulo 5
Entende-se que a lei prevê uma série de ações para a superação de diver-
sos problemas existentes nos país que atingem as diversas partes interessadas,
Figura 8. Todavia os desafios para sua implantação são significativos: a realiza-
ção dos planos municipais, a inexistência de recursos humanos qualificados
para este fim, os levados investimentos para implantação de aterros sanitários,
centros de triagem, usinas de reciclagem, equipamentos de coleta, entre outros
(TONETO JUNIOR et al., 2013).

Poder público Catadores


· Organizados em
cooperativas, catadores
· Tratamento de resíduos
têm o trabalho valorizado
de forma mais criteriosa e
como agentes formais na
responsável.
gestão dos resíduos
urbanos.

Iniciativa privada Consumidor


· Avançam as ações de
logística reversa, nas quais · Devem fazer a sua parte
embalagens e produtos para que o lixo deixe de
eletroeletrônicos são ser um problema e induza
recolhidos após o novas atitudes que
consumo para o retorno melhoram a vida nas
como matéria-prima à cidades.
produção industrial.

Figura 5.8 – Principais impactos da PNRS para as distintas partes relacionadas.


Fonte: CEMPRE (2013).

O artigo 13 da Lei n. 12305 classificou como resíduos sólidos urbanos os resí-


duos domiciliares, originados de atividades domésticas em residências urbanas,
e os resíduos de limpeza urbana, originados da varrição, limpeza de logradouros
e vias públicas e de outros serviços de limpeza. No país, foram gerados 76 mi-
lhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos em 2011 (ABRELPE, 2013).
Um grande desafio para o setor é a tendência de aumento da geração de re-
síduos sólidos urbanos ao longo dos anos, com taxas de crescimento superiores
às da população. Assim, Saiani e Toneto Junior (2013) afirmam que é fundamen-
tal que a provisão de serviços de manejo dos resíduos sólidos acompanhe tal

capítulo 5 • 191
tendência de crescimento. Para que isso aconteça é importante que cada parte
relacionada entenda sua participação com a nova PNRS conforme o tabela 5.2.

PARTE ANTES DEPOIS


RELACIONADA

•  Municípios farão plano de


•  Falta de prioridade para o metas sobre resíduos com
lixo urbano. participação dos catadores.
•  Existência de lixões na •  Os lixões precisam ser er-
PODER maioria dos municípios. radicados em 4 anos.
PÚBLICO •  Resíduo orgânico sem •  Prefeituras passam a fazer
aproveitamento. a compostagem.
•  Coleta seletiva cara e ine- •  É obrigatório controlar cus-
ficiente. tos e medir a qualidade do
serviço.

•  Catadores reduzem riscos


à saúde e aumentam renda
•  Exploração por atravessa- em cooperativas.
dores e riscos à saúde. •  Cooperativas são contra-
•  Informalidade. tadas pelos municípios para

CATADORES •  Problemas de qualidade e coleta e reciclagem.


quantidade dos materiais. •  Aumenta a quantidade e
•  Falta de qualificação e vi- melhora a qualidade da ma-
são de mercado. téria prima reciclada.
•  Trabalhadores são treina-
dos e capacitados para am-
pliar produção.

192 • capítulo 5
PARTE ANTES DEPOIS
RELACIONADA

•  Inexistência de lei nacio- •  Marco legal estimulará


nal para nortear os investi- ações empresariais.
mentos das empresas. •  Novos instrumentos finan-
•  Falta de incentivos finan- ceiros impulsionarão a reci-
ceiros. clagem.
INICIATIVA
•  Baixo retorno de produtos •  Mais produtos retornarão
PRIVADA
eletroeletrônicos pós-con- à indústria após o uso pelo
sumo. consumidor.
•  Desperdício econômico •  Reciclagem avançará e ge-
sem a reciclagem. rará mais negócios com im-
pacto na geração de renda.

•  Consumidor fará separa-


•  Não separação do lixo re- ção mais criteriosa nas resi-
ciclável nas residências. dências.
•  Falta de informação. •  Campanhas educativas
CONSUMIDOR •  Falhas no atendimento da mobilizarão moradores.
coleta Municipal. •  Coleta seletiva aprimorada
•  Pouca reivindicação junto para recolher mais resíduos.
às autoridades. •  Cidadão exercerá seus di-
reitos junto aos governantes.

Tabela 5.2 – Alterações da PNRS. Fonte: CEMPRE (2013).

Destaca-se também o baixo número de municípios com iniciativas de cole-


ta seletiva1 , de acordo com a Abrelpe (2013) de um total superior a 5.500 mu-
nicípios, esses serviços existem em apenas 3.459. Para Saiani e Toneto Junior
1  A coleta seletiva foi definida na Lei Federal nº 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos,
como a coleta de resíduos sólidos previamente separados de acordo com a sua constituição e composição, devendo
ser implementada por municípios como forma de encaminhar as ações destinadas ao atendimento do principio da
hierarquia na gestão de resíduos (ABRELPE, 2013).

capítulo 5 • 193
(2013), com esses números a recuperação de resíduos por meio da reciclagem
fica comprometida, representando um desafio para o cumprimento da Lei n.
12.305, pois a PNRS definiu a coleta seletiva e a reciclagem como prioridades.
Por fim, outro importante desafio para o cumprimento da Lei n. 12.305 re-
fere-se a destinação e à disposição finais dos resíduos sólidos e rejeitos, que de-
vem ser ambientalmente adequadas. Para isso uma alternativa é o aterro sanitá-
rio (SAIANI e TONETO JUNIOR, 2013). Para tanto, dois problemas relacionados
aos aterros precisam ser resolvidos, o primeiro é a existência de catadores de
materiais recicláveis nas áreas dos lixões e a necessidade de incluir socialmente
esses trabalhadores. Outra questão está relacionada ao aproveitamento energé-
tico do biogás gerado pela decomposição dos resíduos em aterros sanitários.

5.7.1  Logística reversa de pilhas e baterias

A Resolução Conama n. 401 estabelece limites máximos de chumbo e mercúrio


e os critérios e padrões para o gerenciamento ambientalmente adequado das
pilhas e baterias portáteis, figura 5.9, das baterias chumbo-ácido, automotivas
e industriais e das pilhas e baterias dos sistemas eletroquímicos níquel-cádmio
e óxido de mercúrio (CONAMA, 2008).
©© ANDREYKUZMIN | DREAMSTIME.COM

Figura 5.9 – Pilhas portáteis.

Além de atribuir aos fabricantes e importadores a responsabilidade pelo


tratamento e destinação final das pilhas e baterias devolvidas pelos usuários

194 • capítulo 5
aos estabelecimentos comerciais, a resolução impôs a redução gradativa, dos
limites de mercúrio, cádmio e chumbo na composição das pilhas e baterias.
Quanto à destinação final, as baterias de sistema eletroquímico chumbo-á-
cido, níquel-cádmio e óxido de mercúrio, não podem ser incineradas nem dis-
postas em qualquer tipo de aterro sanitário. Para informar os consumidores
sobre a destinação final destes produtos, as embalagens devem conter as se-
guintes informações:

•  a simbologia indicativa da destinação adequada;


•  as advertências sobre os riscos à saúde humana e ao meio ambiente;
•  a necessidade de, após seu uso, serem encaminhadas aos revendedores
ou à rede de assistência técnica autorizada;

A Resolução Conama n. 401 é mais uma afirmação da responsabilidade pós-


consumo e tem seu fundamento na responsabilidade objetiva pela qual res-
ponde pelo dano todo aquele que possa ter sido seu causador direto ou indireto
(KANCELKIS et al., 2010).
Se tratando de responsabilidade, quando as pilhas param de funcionar, de-
vem ser eliminadas de maneira correta, a fim de evitar problemas com quem
manipula as mesmas ou para diminuir as agressões ao meio ambiente. Uma
das alternativas para descartar esse tipo de material é o Programa de Logística
Reversa de Pilhas e Baterias de Uso Doméstico da Abinee. O programa teve iní-
cio no ano de 2010 com a finalidade de implantar os sistemas de logística rever-
sa e destinação final, após o fim da vida útil, das pilhas comuns de zinco-maga-
nês, pilhas alcalinas, pilhas recarregáveis e baterias portáteis.
O programa, criado com base na Resolução Conama 401, prevê o recebimen-
to das pilhas usadas, devolvidas pelo consumidor ao comércio, e encaminhadas
por meio de transportadora certificada, a uma empresa que faz a reciclagem do
material. Para conhecer a relação dos postos de recolhimento do Programa de
Logística Reversa de pilhas e baterias da Abinee acesse o link <http://www.gm-
cons.com.br/gmclog/admin/VisualizarPostosMapa Cliente.aspx>.
Em relação ao setor, a Abinee (2015) aponta que, em abril de 2015, a produ-
ção física do setor eletroeletrônico apresentou queda em relação ao ano passado,
com retração de 21,8%, na comparação com o mesmo mês de 2014. Segundo a
Abinee, em 2015, somente foi verificado aumento de produção de pilhas, baterias

capítulo 5 • 195
e acumuladores elétricos, 8,4%. Todos os demais segmentos, tanto da indústria
eletrônica (-32,5%), como elétrica (-10,2%), apresentaram retração.
Relacionado ao consumo de baterias, a Abinee (2015) também destaca que
o crescimento das vendas de celulares teve origem nas vendas de smartphones,
que estão ocupando o espaço dos telefones tradicionais. No primeiro trimestre
de 2014, as vendas desses aparelhos representaram cerca de 70% do mercado.

5.7.2  Logística reversa de lâmpadas fluorescentes

As lâmpadas fluorescentes, apesar de mais caras, foram bem recebidas pelos


consumidores por serem mais econômicas e durarem mais. Em relação às in-
candescentes, elas têm de 3 a 6 vezes mais eficiência luminosa, têm vida útil até
15 vezes mais longa e 80% de redução de consumo de energia (CINTRA, 2013).
Porém, há desvantagens, as lâmpadas fluorescentes, figura 5.10 são fabrica-
das com vidro, alumínio, pó fosfórico e mercúrio, um elemento químico tóxico
que pode contaminar água, solo, animais, plantas e pessoas. O mercúrio tem
uma grande capacidade de se acumular nos organismos vivos ao longo da ca-
deia alimentar o que representa um risco para o homem (CINTRA, 2013).
©© PABLO HIDALGO | DREAMSTIME.COM

Figura 5.10 – Lâmpadas fluorescentes.

Um dos artigos da Política Nacional de Resíduos Sólidos prevê que os fabri-


cantes, importadores, distribuidores e comerciantes de lâmpadas fluorescen-
tes devem estruturar e implementar sistemas de logística reversa, com o retor-
no do produto usado pelo consumidor. Mesmo assim, o mercado brasileiro não

196 • capítulo 5
está totalmente pronto para receber as lâmpadas usadas e destiná-las correta-
mente (CINTRA, 2013).
O Comitê Orientador para a Implantação da Logística Reversa (CORI) apro-
vou, recentemente duas propostas de acordos setoriais: de embalagens em ge-
ral e de lâmpadas. Os acordos prevêem responsabilidade compartilhada pelo
ciclo de vida dos produtos e propicia que esses materiais, depois de usados,
possam ser reaproveitados (MMA, 2014).
No caso de lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz
mista, as duas propostas inicialmente apresentadas foram unificadas e adequa-
das. No acordo setorial das embalagens em geral, a proposta da coalizão, que
conta com 20 entidades representativas de comerciantes e fabricantes, além da
participação dos catadores de material reciclável, foi aprovada. As outras duas
propostas seguem em negociação com o objetivo de, também, se transformar
em acordo de embalagens (MMA, 2014).

5.7.3  Logística reversa de pneus

No Brasil, uma parte dos pneus inservíveis é reaproveitada de diversas formas,


depois de ser moída e separada dos demais componentes do pneu, especial-
mente do aço, que também é reutilizado (CEMPRE, 2015). A borracha moída
pode ser misturada ao asfalto para uso em pavimentação, mas também pode
ser reutilizada em solados de sapato, materiais de vedação, dutos pluviais, pi-
sos industriais, tapetes para automóveis e pisos para quadras poliesportivas
como na figura 5.11.
©© OLIVIER LE QUEINEC | DREAMSTIME.COM

Figura 5.11 – Pneus triturados na superfície de um parque infantil.

capítulo 5 • 197
Outras alternativas são a queima da borracha nos fornos das cimenteiras
como o uso de sistemas de filtração e retenção e a trituração dos pneus para ob-
tenção de borracha regenerada, mediante a adição de óleos aromáticos e pro-
dutos químicos. Segundo o Cempre (2015) no Brasil há tecnologia que produz
borracha regenerada por processo a frio, obtendo um produto reciclado com
elasticidade e resistência semelhante ao do material virgem.
No Estado de São Paulo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente autorizou
a disposição de pneus usados em aterros sanitários, desde que devidamente
retalhados ou triturados e previamente misturados com resíduos domiciliares,
de forma a garantir a estabilidade dos aterros. A figura 5.12 demonstra pneus
inteiros nas valas de drenagem de um aterro sanitário (CETESB, 2015).

Figura 5.12 – Pneus inteiros em um aterro sanitário. Fonte: Cedido exclusivamente pelo
autor Marcelo Elias Santos para este livro. © Todos os Direitos Reservados

Conforme a Cetesb (2015) para efeito de disposição final, os pneus são classi-
ficados como resíduos inertes, não havendo impedimento à sua destinação em
aterros sanitários, desde que observadas as técnicas adequadas de manejo. A exi-
gência de retalhamento ou trituramento fixada na resolução estadual foi uma for-
ma encontrada para reduzir seu volume e a possibilidade dos pneus voltarem à su-
perfície, devido à dificuldade de compactação. As restrições à sua disposição a céu
aberto estão nos problemas de saúde e higiene e nos riscos de incêndio e poluição.

198 • capítulo 5
Os pneus abandonados em terrenos baldios ou armazenados à espera de
destinação final tendem a acumular água no seu interior e representam um
criadouro potencial do mosquito "Aedes aegypti", cujas larvas proliferam na
água parada. A preocupação ambiental com os pneus considerados inservíveis
já havia motivado a publicação da Resolução Conama n. 258, de 26 de agosto de
1999, determinando que os fabricantes e importadoras passassem a dar desti-
nação final ao produto.

5.8  Desafio para logística reversa


Conforme Leite (2009) a logística reversa evoluiu de uma visão tradicional ope-
racional, com preocupações voltadas aos sistemas de operações logísticos, para
uma visão ampliada e holística, como parte da estratégia empresarial, acres-
centando em suas preocupações os fatores inibidores das cadeias reversas de
reaproveitamento de produtos e materiais.
Atualmente a cadeia de suprimentos é considerada de forma ampliada, ao
incluir o retorno dos produtos que ainda não foram usados ou com pouco uso e
dos produtos que foram usados. Assim, dependendo da condição de entrada do
produto na cadeia reversa e do interesse estratégico envolvido, diferentes mé-
tricas podem ser estabelecidas para avaliar o desempenho da cadeia reversa.
O interesse econômico é o mais próximo em função do reaproveitamento de
produtos e materiais, também se destacam o interesse em atender a legislação,
a satisfação do cliente, a proteção da imagem empresarial, satisfação das nor-
mas ambientais que atendam requisitos comerciais, dentre outros.
Para que as cadeias reversas tenham eficiência, é importante reconhecer
quais aspectos poderão inibir os fluxos reversos, dos desafios que interferem
diretamente em cadeias reversas de pós-venda ou pós-consumo, destacam-se a
necessidade de difusão de práticas, adaptação da legislação que permite efici-
ência no retorno de produtos, avanço no reaproveitamento dos produtos, avan-
ço na colaboração e parcerias para o retorno e reaproveitamento de produtos,
métricas de desempenho e avanços na percepção dos riscos de não execução.

capítulo 5 • 199
LEITURA
ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais.
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capítulo 5 • 201
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202 • capítulo 5
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 203
ANOTAÇÕES

204 • capítulo 5
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 205
ANOTAÇÕES

206 • capítulo 5
ANOTAÇÕES

capítulo 5 • 207
ANOTAÇÕES

208 • capítulo 5

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