Resumo UNINTER Walden

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Walden, de Thoreau, como exercício espiritual

LAUXEN, Paulo J. B.1


Eixo temático
História da Filosofia

RESUMO

O presente trabalho intenta explicitar como Walden de Henry D. Thoreau


(1817-1862) é passível de ser caracterizada como aquilo que Pierre Hadot
(1922-2010) chamou de exercício espiritual. Para tanto, antes, será preciso
compreender em que sentido Hadot compreende a filosofia como um “modo de
vida” e, mediante tais considerações, apontar como o conceito de exercício
espiritual torna-se central em sua obra. Finalmente, em posse do arcabouço
teórico oferecido por Hadot, buscar-se-á apresentar em que sentido é possível
ler a obra de Thoreau, de um lado, como expressão da permanência da
Filosofia tal como engendrada no período Antigo e, de outro, como uma prática
de “transformação” de si e do outro.

PALAVRAS-CHAVE: Exercício espiritual; Filosofia Antiga; Walden.

1 INTRODUÇÃO

Em O que é a filosofia antiga? (2014b), Pierre Hadot apresenta uma


oposição fundamental entre a Filosofia, de um lado, entendida como um “modo
de vida” e, de outro, como uma disciplina reduzida a uma dimensão
exclusivamente técnica e teórica. No interior desta discussão, por sua vez, é
apresentado o conceito de exercícios espirituais: práticas vinculadas àquilo
que, para o autor, engendra a atividade propriamente filosófica, a saber, o
desejo de “tornar-se melhor” (HADOT, 2014b, p. 250). Compreende-se, no
entanto, que a Filosofia entendida nestes termos não é uma exclusividade da
Antiguidade, de modo que é possível encontrar em autores como Thoreau um
eco da função “transformadora” da Filosofia.

1Paulo Junior Batista Lauxen | Graduando em Licenciatura-Filosofia pelo Centro Universitário


Internacional UNINTER | [email protected] ).
2 METODOLOGIA

Desenvolveu-se a presente pesquisa mediante a leitura de Walden de


Thoreau sob os pressupostos metodológicos sugeridos por Pierre Hadot em
sua obra. O trabalho serviu-se também da leitura de alguns comentadores, cuja
temática apresentou-se afim à pesquisa aqui delineada. As leituras realizadas
foram transcritas sob forma de fichamentos, resumos e outros recursos
metodológicos úteis para o desenvolvimento do trabalho em questão.

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Partindo de uma abordagem histórica e filológica dos textos Antigos e


influenciado pelas reflexões de Wittgenstein acerca da linguagem
(especialmente pelo conceito de “jogos de linguagem”), Hadot propõe que, para
a compreensão da literatura filosófica da Antiguidade, parta-se do pressuposto
metodológico de realocá-los “em seu jogo de linguagem, na forma de vida que
os havia engendrado” (HADOT, 2014a, p. 10-11). Sob esse viés, o filósofo
identifica nas diferentes expressões da filosofia Antiga um traço comum, a
saber, de que todas apresentam-se menos como um discurso teórico do que
como um modo de vida (HADOT, 2014b, p. 17 – 18). “Trata-se [...]”, diz ele,
“[...] de tornar-se melhor. E o discurso só é filosófico quando transforma-se em
modo de vida.” (HADOT, 2014b, p. 250).

É nesse “tornar-se melhor” que repousa, essencialmente, o gérmen da


filosofia: o filósofo torna-se tal na medida em que orienta sua vida tendo o
“melhor” como horizonte a se ter em vista - um ideal que regula o sujeito de
modo à impulsioná-lo sempre para além de si mesmo. Este ímpeto, por sua
vez, está intimamente ligado ao conceito de exercícios espirituais,
compreendido como o conjunto de práticas mediante as quais há um
movimento de transformação de si para aquele que nelas se engaja (HADOT,
2014a, p. 115-116). Trata-se, portanto, da incorporação de certas práticas de
modo a operar a ascese do “eu” – revela-se, assim, um caráter “formativo” da
Filosofia, em oposição à um mero “informar”.
Os discursos filosóficos, por sua vez, são também, na medida em que de
natureza “formativa”, exercícios espirituais, segundo Hadot. Estes “justificam,
motivam e influenciam” a escolha de vida assumida pelo filósofo – para si e
para os outros (HADOT, 2014b, p. 251).
Apesar do fato de que, historicamente, tenha ocorrido um reducionismo
da Filosofia à sua dimensão exclusivamente teórica e especulativa (HADOT,
2014b, p. 362-363), defendemos, juntamente com Hadot, que há ainda certa
permanência na contemporaneidade da Filosofia como um “modo de vida”,
sendo, por exemplo, Walden de Thoreau expressão dessa reverberação. Veja-
se, por exemplo, a seguinte passagem da obra:

Ser filósofo não é simplesmente ter pensamentos sutis, nem mesmo


fundar uma escola, mas amar a sabedoria a ponto de viver de acordo
com seus ditames [...]. É resolver alguns problemas da vida, não
apenas teoricamente, e sim na prática. (THOREAU, 2012, p. 28)

Nota-se, não só na passagem citada, mas no conjunto da obra, um


filósofo preocupado muito mais em assumir na vida concreta e cotidiana sua
filosofia do que um “especulador técnico”. A noção de exercícios espirituais, por
sua vez, pode ser tomada como “chave de leitura” para dar conta das
ambiguidades e nuances literárias apresentadas em Walden. Corrobora esse
posicionamento Sandra Laugier enquanto da reconstrução de tal noção em
Hadot do ponto de vista da influencia de Wittgenstein sobre este e, por sua vez,
das implicações dessa relação na leitura de Thoreau pelo primeiro:

It is not enough to read, to read well: we must give, as Wittgenstein


says, meaning, life to the words we say and read. From this point of
view, reading is indissolubly linked with daily life. This is apparent
particularly in Thoreau. To read Walden (as to write Walden at Walden)
consists in opening our eyes, finding again the meaning of what we see
every day, and regaining a lost intimacy with our ordinary existence.
(LAUGIER, 2011, p. 331)

Trata-se, então, de “aprender a ler” (ALMEIDA, 2011, p. 105): não basta


“ler”, tomando o texto como um discurso “morto”, cujo conteúdo, fixo, pode ser
dissecado por análise; é preciso “ler bem”, enquanto um encontro com o
significado “vivo” das palavras que, quando “revividas” pelo leitor, recebem,
além daqueles que a engendraram, também novos significados.
Ora, na medida em que Walden exige que seu leitor “acorde” e identifica
o “estar desperto” com o “estar vivo” (THOREAU, 2012, p. 95), sua leitura é um
convite a olhar para as coisas sob a perspectiva da “vida” e, portanto, do
corriqueiro e comum (LAUGIER, 2011, p. 331), conduzindo o leitor a um
reposicionamento em relação ao mundo, aos outros e a si mesmo. Thoreau,
portanto, não quer “informar” quem o lê, mas “transformar”. Conclui-se, assim,
que Walden convida seu leitor a “tornar-se melhor”, de modo que é possível
pensá-lo como um tipo de exercício espiritual.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentada a caracterização da Filosofia como um “modo de vida” por


Pierre Hadot e, por sua vez, utilizado seu conceito de exercícios espirituais
como chave de leitura para Walden de Thoreau, pensa-se ter alcançado os
objetivos anteriormente estabelecidos, a saber, de evidenciar que há, sim, uma
permanência da Filosofia tal como esta se apresentou em sua origem e, neste
sentido, que Walden é expressão desta continuidade, como se mostrou,
enquanto um exercício espiritual. Acredita-se, finalmente, que tal discussão faz-
se proveitosa tanto para o âmbito acadêmico (visto que, entre outras coisas,
traz à baila autores pouco estudados pela comunidade filosófica do país) e,
também, para a comunidade em geral (na medida em que aponta-se, por
exemplo, um possível “retorno” da Filosofia para a dimensão do comum e do
corriqueiro).

5 REFERÊNCIAS

ALMEIDA, F. F. de. Pierre Hadot e os exercícios espirituais: a filosofia entre


a ação e o discurso. Rev. Filos., Aurora, Curitiba, v. 23, n. 32, p. 99-111,
jan./jun. 2011. Disponível em:
https://periodicos.pucpr.br/index.php/aurora/article/download/1750/1657 Acesso
em 23 de Maio de 2019.
HADOT, P. A filosofia como maneira de viver: entrevista de J. Carlier e A. I.
Davidson. Trad. Lara Christina de Malimpensa. São Paulo: É Realizações,
2016.

HADOT, P. Wittgenstein e os limites da linguagem. Trad. F. F. Loque e


Loraine Oliveira. São Paulo: É Realizações. 2014a.

HADOT, P. O que é a filosofia antiga? Trad. Dion Davi Macedo. São Paulo:
Edições Loyola, 2014b.

LAUGIER, S. Pierre Hadot as a reader of Wittgenstein. Paragraph, Volume


34, nº 3, p. 322-337, Nov. 2011. Disponível em:
https://www.euppublishing.com/doi/abs/10.3366/para.2011.0028 Acesso em 15
de Julho de 2019.

THOREAU, H. D. Walden. Trad. Denise Bottmann. Porto Alegre: L&PM, 2012.

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