A Teoria Monetária Moderna - Artigo

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MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics
São Paulo, 2019; 7(2) Maio-Ago
e-ISSN 2594-9187

A Teoria Monetária Moderna: Uma Avaliação de suas


Premissas e suas Consequências Políticas
Modern Monetary Theory (MMT): An Evaluation of its Premises
and its Political Consequences
La Teoría Monetaria Moderna: una evaluación de sus premisas
y sus consecuencias políticas
Antony Peter Mueller*
Samuel Fernandes Lucena Vaz-Curado**

Palavras-chave: Resumo: A Teoria Monetária Moderna (MMT) ganhou o centro do debate econômico com as
Teoria Monetária recentes propostas de grandes projetos de bem-estar social e ambiental nos EUA. Este artigo tem
Moderna, como objetivo apresentar os pressupostos básicos da MMT e posicioná-la na teoria econômica.
Kalecki, As raízes da MMT estão associadas ao economista neomarxista Michal Kalecki, que afirma que
Dívida pública, os déficits não importam. Os representantes da MMT argumentam que projetos como Medicare
Desemprego, para todos, “Green New Deal” e garantia de emprego não enfrentam restrições fiscais. Para
Intervencionismo. o governo enquanto criador soberano da moeda nacional como meio de pagamento oficial,
déficits orçamentários não importam porque pode-se sempre criar a quantidade de moeda
necessária para financiar seus gastos. O artigo discute as principais propostas políticas da
Teoria Monetária Moderna e elabora críticas e limitações de sua agenda.

Keywords: Abstract: The Modern Monetary Theory (MMT) has gained center stage of economic debate
Modern Monetary with proposals for major social and environmental welfare projects in the United States. This
Theory, article aims to present the basic assumptions of MMT and its position in economic theory.
Kalecki, The roots of MMT are associated with the neo-Marxist economist Michal Kalecki, who asserts
Public debt, that deficits do not matter. The adherents of MMT argue that projects such as Medicare for
Unemployment, All, Green New Deal, and job security face no major fiscal restraint. For the government, as
Interventionism. the sovereign creator of national currency as a legal tender, budget deficits do not matter,
once it can always create as much money as necessary to finance its expenditures. The paper
discusses the main policy proposals of Modern Monetary Theory and elaborates the critique
and limitations of its agenda.

Palabras clave: Resumen: La Teoría Monetaria Moderna (MMT) ha ganado un lugar central en el debate
Teoría Monetaria económico con proyectos de bienestar social y ambiental en los Estados Unidos. Este artículo
Moderna, presenta las suposiciones básicas de MMT y su posición en la teoría económica. Las raíces del
Kalecki, MMT están asociadas con el economista neo-marxista Michal Kalecki, quien afirma que los
Deuda pública, déficits no importan. Los adherentes de MMT argumentan que los proyectos como Medicare
Desempleo, para todos, Green New Deal y garantía de puesto de trabajo no enfrentan restricciones fiscales.
Intervencionismo. Para el gobierno como creador soberano de la moneda nacional como medio legal de pagos,
los déficits públicos no importan porque el gobierno siempre puede crear tanto dinero como
sea necesario para financiar sus gastos. El artículo analiza las principales propuestas políticas
de la Teoría Monetaria Moderna y elabora la crítica y las limitaciones de su agenda.

DOI https://doi.org/10.30800/mises.2019.v7.1211

* Antony Mueller é doutor em Economia pela Universidade de Erlangen-Nuremberg da Alemanha (FAU) e professor de Economia na
Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: [email protected]
** Samuel Vaz-Curado é mestre em Economia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e economista pela Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP). E-mail: [email protected]

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A TEORIA MONETÁRIA MODERNA: UMA AVALIAÇÃO DE SUAS PREMISSAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS

Introdução

A Teoria Monetária Moderna (Modern Monetary Theory – MMT) ganhou destaque


recentemente quando a ala socialista do Partido Democrata dos Estados Unidos se referiu
a essa teoria para justificar grandes projetos de gastos públicos, como o “Green New Deal”,
garantias de emprego público e sistema de saúde (Medicare) para todos. Os promotores desses
projetos se referem à MMT para atestar que “déficits não importam” e que a dívida nacional
não é um fardo para as gerações futuras.
A MMT encontra seus promotores em um grupo pequeno, mas muito ativo. As publicações
remontam à década de 1990, mas aceleraram nos últimos anos e levaram a um livro-texto de
Macroeconomia de Mitchell, Wray e Watts (2019). Representantes proeminentes da MMT incluem
Mitchell e Muysken (2008), Mosler (2010), Wray (2015) e Murray e Forstater (2017). Contudo,
revisões da abordagem da MMT em periódicos acadêmicos ainda são raras (PALLEY, 2014).
Os princípios básicos da MMT não enfrentam grande disputa, uma vez que suas posições
são tautologias da contabilidade macroeconômica. Não se discute que o emitente da moeda
fiduciária de um país não enfrente restrições financeiras e que um déficit no setor público tenha
sua contrapartida no superávit financeiro dos outros setores da economia. Há concordância,
também na teoria econômica, de que uma economia enfrenta restrições para sua expansão
pelos limites de sua capacidade produtiva dados pela escassez dos fatores de produção.
Além dessa concordância, no entanto, a MMT afirma fornecer uma teoria única de uma
economia baseada em moeda fiduciária e crédito. As economias modernas usam o dinheiro do
Estado. O dinheiro, na perspectiva da Teoria Monetária Moderna, não surge espontaneamente
no mercado (MENGER, 1892) e não serve primeiramente como meio de pagamentos, mas é
uma criação do Estado e sua primeira função é um servir de pagador de dívidas. A origem
dessa ideia se encontra no chamado “cartalismo” de Friedrich Knapp (1924). Essas ideias
influenciaram Keynes em sua Teoria Geral (1936), que, no entanto, advertiu contra a negligência
da inflação e das ameaças de déficits governamentais permanentes. Para posições políticas,
como “déficits não importam”, a MMT não pode reivindicar John Maynard Keynes como seu
ancestral. Sua origem repousa no ramo radical e “híbrido” dos keynesianos, mais notavelmente
no protagonista do Pós-Keynesianismo, Michal Kalecki.
A Teoria Monetária Moderna é sedutora para aqueles que veem no Estado o principal
promotor de prosperidade e justiça. A MMT justifica gastos governamentais, promete uma
garantia de emprego público e subestima os riscos da inflação. A MMT representa a teoria
da “anti-austeridade” por excelência.
No Brasil, a grave crise financeira nos anos de 2015 e 2016 escancarou a fragilidade das
políticas econômicas da última década. Com a lei que impõe um teto aos gastos públicos,
aprovada em 20161, e o projeto sobre a reforma da previdência em 20192, a política fiscal e a
trajetória da dívida pública estão no centro do debate brasileiro. Nesse contexto, a MMT veio
a público com a proposta de que o governo não deve se preocupar com restrições financeiras

1 
Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016.
2 
PEC 6/2019.

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(RESENDE, 2019), apesar de considerações sobre restrições externas (DE CONTI; PRATES;
PLIHON, 2014; VERGNHANINI; DE CONTI, 2017; VIEIRA FILHO, 2018).
O artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução e das considerações finais.
A primeira seção apresenta os fundamentos teóricos da MMT. Na segunda seção, mostra-
se a origem neomarxista da MMT, que tem suas raízes em Michal Kalecki. A terceira seção
discute as restrições aos gastos do governo. A quarta seção trata da política orçamentária e da
solvência do governo. A quinta seção mostra o equívoco da MMT ao afirmar que o governo
é capaz de dirigir a economia.

1. Fundamentos teóricos da MMT

Sob um regime de moeda fiduciária, um governo pode financiar seu déficit e gastar mais
do que ganha como receita, não apenas vendendo títulos, mas também emitindo dinheiro. O
financiamento de uma parte dos gastos do governo através da emissão da moeda de uma nação
é bem conhecido na economia, onde é discutido sob o conceito de “senhoriagem” (WRAY, 2002).
No entanto, os defensores da MMT vão um passo além e afirmam que impostos e a venda
de títulos estão em segundo plano. A emissão de moeda “soberana” serve não apenas para
financiar um déficit orçamentário, mas entrega moeda ao setor privado. A dívida pública é
equivalente aos ativos financeiros no setor privado. Além disso, uma vez que não há limite
para o governo emitir dinheiro novo, também não há limite fiscal para os gastos do governo.
Com referência ao conceito de “finanças funcionais” (LERNER, 1943), que surgiu da
Revolução Keynesiana, os defensores da MMT veem os impostos não como um instrumento
necessário para financiar o governo, mas como uma ferramenta de controle macroeconômico,
como um instrumento para absorver um excesso de criação de dinheiro, se necessário. Embora
Lerner tenha sido influenciado por Keynes, sua proposta de que o equilíbrio orçamentário
não tem importância o distancia de Keynes, que defende um orçamento equilibrado no longo
prazo (CARVALHO, 2018).
O conceito de finanças funcionais surgiu em contraposição às finanças saudáveis (VIEIRA
FILHO, 2017). De um lado, as finanças saudáveis pregam que o governo mantenha seu orçamento
equilibrado para evitar a elevação da taxa de juros e o afastamento do setor privado. Do outro
lado, as finanças funcionais defendem que o governo use a política fiscal de maneira flexível,
para manter o pleno emprego e controlar a inflação.
Os promotores da MMT distinguem entre o governo como o “emissor de moeda”, por um
lado, e as famílias e empresas como “usuários de moeda”, por outro. Como o governo federal
não está limitado por restrições financeiras, pode usar a dívida pública para levar o país ao
seu potencial máximo de capacidade e mesmo cumprir demandas sociais.
A MMT também faz distinção entre “dinheiro bancário”, como crédito criado por bancos
comerciais, e “moeda”, que somente o soberano pode criar. Como o único emissor de moeda, o
governo federal não precisa de dinheiro para seus gastos, de maneira que o objetivo primário
da tributação não é financiar os gastos do governo, mas incentivar o público a usar a moeda
soberana. Para esse fim, o governo estipula o uso da moeda soberana como o único tipo de
moeda que pode servir como um meio para honrar as obrigações fiscais.

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Desta abordagem, segue a conclusão de que “é possível ter um pleno emprego sem
causar inflação” (WRAY, 1999, p. 8). Tal promessa claramente soa como música aos ouvidos
de políticos que querem mais gastos públicos para realizar seus planos de proteção ambiental
e justiça social. Para os patrocinadores da MMT, sua política não apenas garantiria o pleno
emprego, mas também estabeleceria a base para um sistema de saúde pública abrangente e
para a proteção ambiental.
Essas propostas e argumentos não seguem uma fórmula secreta. Pelo contrário, os
proponentes da MMT promovem a ampla distribuição da teoria para convencer o mundo
de que um déficit orçamentário tem como contrapartida um superávit de poupança privada.
A fórmula básica da MMT serve para justificar a afirmação de que os déficits não importam
porque são autofinanciados.
Com base na equação macroeconômica para demanda agregada com os componentes
consumo (C), investimento (I), governo (G) e exportações líquidas (NX) e uso de renda para
consumo (C), pagamento de impostos (T) e poupança (S), o equilíbrio macroeconômico de
uma economia aberta com a atividade do Estado se torna:

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Logo, gastos do governo (G) que excedem a receita tributária (T) têm como contraparte
um excesso equivalente de poupança privada (SPR) sobre investimento privado (IPR):

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  Os defensores da MMT interpretam esse resultado como uma “prova” de que um déficit
do governo (G>T) é automaticamente autofinanciado porque necessariamente vem com um
excesso de poupança no setor privado (SPR> IPR).
A partir disso, a principal tese da Teoria Monetária Moderna diz que o emissor de
uma moeda que goza do status de moeda legal não enfrenta restrições financeiras e que,
consequentemente, não há limite inerente à dívida pública. Os proponentes da MMT reconhecem
que gastos demais podem causar inflação. No entanto, eles não veem o problema na oferta
monetária, mas sugerem que qualquer excesso de demanda poderia ser desviado por meio de
uma política de contribuições e impostos. Como o governo tem autoridade sobre o dinheiro
e, portanto, pode gastar o quanto quiser sem enfrentar uma restrição financeira, o problema
da tributação como forma de financiar os gastos públicos cai a segundo plano.
Os representantes da MMT argumentam que a relação causal vai do déficit do setor
público à poupança (MOSLER, 2010). A equação básica desta teoria diz que um déficit do
setor público, ceteris paribus, implica o equivalente em poupança nacional. Considerando a
Teoria Monetária Moderna, o investimento cria a poupança pela qual é financiado. A teoria
estipula que, no mercado de crédito de moeda fiduciária, os empréstimos criam depósitos. Em
contraste à teoria convencional, os representantes da MMT enfatizam que não é necessário
primeiro ter depósitos como resultado da poupança. Eles também argumentam que os déficits

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orçamentários não levam a uma taxa de juros mais alta, mas que em um mundo de moeda
fiduciária pura, a taxa “natural” de juros seria zero.
O mix de políticas da Teoria Monetária Moderna incluiria uma taxa permanente de juros
zero (FORSTATER; MOSLER, 2005), garantia de emprego público, saúde pública para todos
(Medicare for all) e ampla proteção ambiental (Green New Deal). A principal posição da MMT se
resume à afirmação de que, além do risco de inflação, os gastos públicos não sofrem entraves.
Para chegar a essa conclusão, a MMT parte das seguintes proposições:

1. o governo detém o monopólio sobre a emissão de moeda fiduciária e, por isso, não precisa
se comportar como uma entidade econômica privada;
2. o valor da moeda decorre da sua utilidade para pagar impostos;
3. o governo não precisa de moeda para gastar pois cria moeda em termos de dígitos, como
unidades de conta que são usadas como moeda na economia;
4. déficits orçamentários não são prejudiciais e, por meio deles, a moeda entra na economia
e aumenta a poupança;
5. tributação serve para desviar um excedente casual de demanda agregada;
6. a inflação de preços é uma restrição à expansão monetária ilimitada;
7. a fé em títulos do governo repousa sobre sua equivalência à moeda;
8. as taxas de juros não são definidas pelos mercados, mas pelo governo.

Para os adeptos da MMT, a dívida nacional não é problema, porque sua contrapartida
representa riqueza financeira. Como Stephanie Kelton, assessora de Bernie Sanders, explica:

A dívida nacional nada mais é do que um registro histórico de todos os dólares que o governo
gastou na economia e não taxou de volta e que estão atualmente sendo mantidos na forma de
títulos seguros do Tesouro americano. É isso que a dívida nacional é. Assim, a questão sobre se a
dívida é muito grande ou muito pequena (ou se ela pode ficar muito grande em algum momento
no futuro) é realmente uma questão sobre se há muitos ativos seguros para as pessoas manterem
suas dívidas daqui a 10, 20 ou 50 anos (KELTON, 2019).

2. O Modelo Kaleckiano

A tese de que “déficits não importam” não remete ao famoso economista inglês John
Maynard Keynes, mas ao muito menos conhecido economista polonês Michal Kalecki (1899-
1970). Este economista marxista preparou a base teórica para a expansão dos gastos do governo,
particularmente nos países do terceiro mundo. No entanto, enquanto a maioria dos países
em desenvolvimento abandonou essa teoria, ela celebra seu retorno disfarçado de “Teoria
Monetária Moderna” nos Estados Unidos.
Keynes era a favor de um orçamento equilibrado no longo prazo e via os déficits persistentes
como uma ameaça. Para ele, o déficit público é um remédio temporário quando a economia é
atingida por demanda agregada insuficiente. Para Kalecki, em contraste, os déficits são uma
característica permanente de uma política econômica que quer manter o pleno emprego.
Embora Keynes tenha enfatizado que a acumulação da dívida pública não deve sair do controle

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e, portanto, a dívida deve ser liquidada nos tempos do boom, a posição kaleckiana diz que a
dívida pública pode ser acumulada sem enfrentar um limite.
As raízes da Teoria Monetária Moderna remontam à teoria do valor-trabalho e à análise
marxista de Estado e de classes. Junto com algumas conexões com a velha economia institucional,
a principal base da Teoria Monetária Moderna é pós-keynesiana e seu principal proponente
é Michal Kalecki.
O modelo kaleckiano postula que o gasto deficitário é autofinanciado. Para provar
seu argumento, Kalecki (2013) fez uma distinção entre o consumo dos capitalistas e o dos
trabalhadores. Diferente do modelo keynesiano, em que o consumo é uma parte da demanda
agregada junto com investimento, gastos do governo e exportações líquidas, Kalecki postula
que o consumo dos capitalistas depende dos lucros, enquanto o dos trabalhadores depende
dos salários que eles ganham. Para Keynes, o consumo é uma função da renda nacional. Para
Kalecki, o consumo do capitalista (CK) depende dos lucros (Π) e o consumo dos trabalhadores
(CW) é uma função da soma dos salários (W). Mais especificamente, Kalecki postula que os
trabalhadores não poupam, mas consomem totalmente o que ganham (CW = W).
Como marxista, Kalecki vê a economia a partir da ideia de que o capitalismo é uma
sociedade de classes. Para ele, a sociedade é composta de duas classes: os capitalistas e os
trabalhadores. Enquanto Keynes argumenta que a poupança é aquela parte da renda nacional
que não é consumida, a hipótese macroeconômica kaleckiana diz que os trabalhadores
consomem toda a sua renda. Os trabalhadores têm uma taxa de consumo marginal de um e
uma taxa de poupança de zero. Todo o seu salário é gasto em consumo. Para os capitalistas, a
situação é diferente. Sua renda existe sob a forma de lucros e, conforme diz a teoria kaleckiana,
lucro é a diferença entre a renda nacional e os salários (Π = Y – W).
Como o consumo dos trabalhadores é igual aos seus salários (CW = W), o investimento (I) e o
consumo do capitalista (CK) são residuais. Baseado em um modelo de economia capitalista como
uma sociedade de classes, Kalecki conclui que os lucros são determinados pelo investimento
dos capitalistas e seu consumo. Joan Robinson (1966, p. 341), amiga e colega de Keynes e
Kalecki em Cambridge, resumiu a teoria kaleckiana na frase: “os trabalhadores gastam o que
recebem e os capitalistas recebem o que gastam”.
Michal Kalecki (1944, p. 40) explica:

(…) the budget deficit always finances itself – that is to say, its rise always causes such an increase
in incomes and changes in their distribution that there accrue just enough savings to finance
it. (…) In other words, net savings are always equal to budget deficit plus net investment. (…)
any level of private investment and the budget deficit will always produce an equal amount of
saving to finance these two items.

Assim como no modelo keynesiano básico, em que a renda é composta de consumo,


investimento, gastos do governo e exportações líquidas, Kalecki determina a poupança privada
como a parte da renda que resta após impostos e consumo (S = Y – C – T). A poupança privada
é, de acordo com o modelo kaleckiano, igual ao investimento (I) junto com a balança comercial
(EX - IM) e o déficit orçamentário do governo (G – T).
Esse resultado é o mesmo com o qual os adeptos da MMT justificam suas proposições
e implica o mesmo resultado de que os déficits públicos automaticamente criam seu próprio

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financiamento. No modelo kaleckiano, os investimentos e os déficits orçamentários têm a


poupança privada como contrapartida. Esta tese é também o ponto focal da Teoria Monetária
Moderna. Eles usam o mesmo raciocínio de que, de acordo com sua modelagem macroeconômica,
a poupança privada (S) é igual ao investimento (I), ao saldo orçamentário (G – T) e à balança
comercial (EX - IM).
A macroeconomia está em equilíbrio, pois as contas, embora mostrem individualmente
um déficit ou superávit, se equilibram como um todo. A soma da diferença entre investimento
(I) e poupança (S), do déficit orçamentário (G – T) e da balança comercial (EX - IM) é zero. Os
investimentos dos capitalistas e os déficits do governo geram ao mesmo tempo a poupança
para financiar esses gastos. De acordo com esse modelo, os déficits orçamentários permanentes
e a acumulação incessante da dívida pública não representam ameaça, porque, com o déficit
orçamentário, o superávit de poupança aumentará e, assim, fornecerá automaticamente os
recursos para financiar o déficit.
Em resumo, o modelo básico de Kalecki define renda (Y) como composta por lucro bruto
(Π) e salários (W):
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A TEORIA MONETÁRIA MODERNA: UMA AVALIAÇÃO DE SUAS PREMISSAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS

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  O conjunto de equações do modelo kaleckiano mostra que a poupança privada agregada
(SPR) é determinada pelo investimento (I), pelo resultado do comércio externo (EX – IM) e
pelo resultado do orçamento do governo (G – T). De acordo com a teoria kaleckiana, não é a
poupança que financia os investimentos, mas a poupança é um fluxo de renda resultante do
investimento.
De forma similar à teoria de Keynes, o modelo macroeconômico de Kalecki é baseado no
“princípio da demanda efetiva”. O princípio da demanda efetiva afirma que, em uma economia
monetária, o dispêndio total determina a receita de igual magnitude (também chamada de
“anti-lei de Say”). Assim como na teoria de Keynes, Kalecki afirma que o investimento é igual
à poupança em uma economia fechada.
De acordo com Kalecki, o capitalista é dinamicamente instável. Diferente de Keynes, a
função consumo não importa no modelo kaleckiano porque o investimento, e não o consumo,
determina o nível de atividade econômica. Essa teoria coloca a decisão de investimentos do
“capitalista” no centro do processo econômico. Nesse modelo macroeconômico, há uma relação
causal unilateral no sentido de que os investimentos dos capitalistas automaticamente criam
o próprio financiamento na forma de poupança de igual valor. Na teoria kaleckiana, os lucros
dos capitalistas são determinados pelos investimentos e por seu consumo.
Na macroeconomia convencional, a poupança fornece os fundos para financiar o investimento
e um déficit orçamentário reduz a poupança nacional. A Teoria Monetária Moderna, nos passos
de Michal Kalecki, a coloca de cabeça para baixo: quanto mais os capitalistas investem e quanto
maior o déficit de gastos do governo, maior é a poupança nacional.
Com base nas equações mostradas no modelo de Kalecki, os representantes da MMT
promovem o déficit desmedido de gastos como motores do crescimento econômico. Seu slogan
de que “déficits não importam” e de que os gastos do governo não têm limites foi abraçado pelos
democratas socialistas dos EUA. A Teoria Monetária Moderna serve como uma ferramenta
intelectual para justificar o governo ilimitado e os gastos abrangentes com o bem-estar público.
O modelo kaleckiano nunca se instalou nos países industrializados, onde a receita política
keynesiana também foi abandonada após os resultados desastrosos que essa política trouxe
consigo durante a estagflação dos anos 1970. A teoria kaleckiana era mais influente para a
política de desenvolvimento e ainda serve como uma pedra angular da variante pós-keynesiana
da teoria da demanda agregada.
A macroeconomia kaleckiana promove políticas de déficits orçamentários sistemáticos,
sem levar em conta suas consequências para o ônus da dívida pública e para a estabilidade

8 de 22 | MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, São Paulo, 2019; 7(2) Maio-Ago
Antony Peter Mueller; Samuel Fernandes Lucena Vaz-Curado

de preços. Este modelo favorece o investimento, independentemente de qualquer orientação


empreendedora. A macroeconomia deste tipo opera exclusivamente com agregados e negligencia
completamente os fundamentos microeconômicos. Como o modelo keynesiano, Kalecki
desconsidera não apenas os preços relativos, mas também o nível de preços.
Apesar de seu nome, a Teoria Monetária Moderna é desprovida de preços e dinheiro.
Não é de surpreender que os países que seguiram o modelo kaleckiano como diretriz foram
devastados por um maciço desperdício de capital e alta inflação. Na América Latina, onde
esse tipo de raciocínio ainda está em voga em alguns círculos, as políticas de gastos públicos
desimpedidos e substituição de importações criaram uma economia marcada pela baixa
produtividade e miséria.
A economia kaleckiana favorece o investimento em termos puramente quantitativos, porque
essa teoria sustenta que, da mesma forma que os déficits orçamentários criam seu próprio
financiamento, o investimento automaticamente significa receita mais alta. Na macroeconomia
kaleckiana, o capitalista cria automaticamente seus lucros e seu consumo. A conclusão é que,
se o governo pudesse se tornar o capitalista de estado, o governo colheria os lucros que de
outra forma cairiam nas mãos dos capitalistas privados. Logo, o governo poderia entrar na
posição da classe capitalista e ser capaz de consumir o que gasta.
A teoria da política econômica kaleckiana demanda que a função de investimento seja
tirada do capitalista no setor privado e transferida para o estado. Por meio do investimento do
estado, o consumo do estado pode ser aumentado. A combinação de políticas sugerida pede
mais gastos estatais financiados por déficits para investimentos, o que aumentaria o potencial
de consumo do estado e da população ao mesmo tempo.
No entanto, a promessa de que os déficits orçamentários se financiariam por meio de
economias maiores nunca aconteceu. Em vez disso, os países que seguiram o modelo kaleckiano
sofreram estagflação crônica e permaneceram presos no subdesenvolvimento da armadilha
da renda média3.
Os países em desenvolvimento abandonaram a abordagem fracassada de Kalecki depois
de seus desastrosos casos de amor com déficits e dívida pública. Após as décadas perdidas que
vieram com a crise da dívida internacional dos anos 1980, a nova orientação veio mais de acordo
com o chamado “Consenso de Washington”. Por algum tempo, assim pareceu, a tese de que
“déficits não importam” era uma coisa do passado. Enquanto os países em desenvolvimento
abandonaram essa abordagem fracassada e recorreram a políticas econômicas sólidas, o oposto
acontece nos Estados Unidos.

3. Política orçamentária

Os proponentes da MMT afirmam que o emissor da moeda do país não pode ir à falência
porque o Estado soberano pode sempre criar o máximo de dinheiro necessário para honrar
sua dívida. A tributação não é necessária para obter receita, mas serve como um instrumento
para obrigar o público a usar a moeda soberana como dinheiro.

3 
Sobre armadilha da renda média, ver MUELLER (2018b).

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A TEORIA MONETÁRIA MODERNA: UMA AVALIAÇÃO DE SUAS PREMISSAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS

Toda despesa pública poderia ser financiada pela dívida pública porque os títulos do
governo são tão bons quanto a moeda que o Estado soberano emite. A dívida pública não é
problema, porque tem sua contrapartida como riqueza financeira no setor privado.
O argumento central da MMT é de que o próprio governo impõe restrições financeiras
a si mesmo. Se o governo tem poder de criar a moeda fiduciária, então ele não tem restrições
financeiras. O ponto de partida dessa análise é de que a essência da moeda é ser unidade
de conta nacional, em contraste à visão dominante na academia que dá ênfase ao papel da
moeda como meio de troca. Assim, a moeda não é um meio de troca abstrato que elimina a
necessidade da dupla coincidência de desejos (MINSKY, 1986). A principal função da moeda
é servir como unidade de conta. As funções de meio de troca e reserva de valor são apenas
subsidiárias (RESENDE, 2017).
Como todos os agentes têm ativos e passivos com o Estado, a moeda se torna sua unidade
de contabilização. A moeda é uma criação do Estado, a unidade da dívida pública e sua
aceitação está condicionada ao seu uso para o pagamento de impostos.

Segundo o Cartalismo, a moeda não é uma geração espontânea dos mercados para facilitar as
transações, mas sim, uma criação do soberano ou do estado nacional. A moeda é uma unidade
de crédito contra o Estado, ou seja, uma unidade de dívida do Estado, que é legalmente aceita
para o pagamento de impostos (…). É o fato de ser a unidade de valor para o pagamento de
impostos que a torna a unidade de referência de valor na economia (RESENDE, 2019, p. 11).

Essa constatação implica que o governo não precisa adquirir moeda, seja recolhendo
impostos, aumentando a dívida ou vendendo ativos, para poder gastar, isto é, o governo não
tem restrição financeira.
Para explicar a inexistência de restrição financeira ao governo, Resende (2019) inverte
a causalidade entre moeda e gasto preconizada pela ortodoxia. O governo e os bancos não
precisam adquirir moeda antes de gastar, mas criam moeda sempre que gastam. De um lado,
o governo gasta e credita unidades monetárias equivalentes nas contas da contraparte. Do
outro lado, o aumento dos empréstimos dos bancos força o aumento das reservas ou da base
monetária.
Ao gastar e criar moeda, o governo muda a composição de seu passivo. Na essência, não
há diferença entre moeda e dívida, ambos são passivos do governo. Logo, a opção de emitir
moeda é uma questão de gestão do passivo e não de financiamento (RESENDE, 2019). A emissão
de títulos de dívida do Tesouro é uma operação de política monetária, e não de financiamento.
Por isso, a divisão entre Banco Central e Tesouro se torna artificial (VIEIRA FILHO, 2018).

Há, entretanto, uma diferença fundamental entre o sistema bancário e o governo. A expansão
do crédito pelo sistema financeiro pode levar a uma valorização excessiva dos ativos, que ao
se reverter, leva a uma contração do crédito, o que reforça a desvalorização dos ativos e pode
provocar graves crises financeiras. Bancos, como bem se sabe, podem se tornar insolventes e
quebrar, já o governo que emite a sua moeda, não, pois pode sempre “emitir” para se financiar,
o que nada mais é do que aumentar o valor do registro contábil do passivo do banco central
(RESENDE, 2019, p. 12-13).

Os proponentes da MMT ampliam a ideia de que não há restrição financeira ao governo


para além da criação de moeda. Segundo a MMT, a demanda por títulos públicos é infinita.

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Antony Peter Mueller; Samuel Fernandes Lucena Vaz-Curado

Sempre que o governo gasta, ele cria moeda adicionando unidades contábeis nas contas dos
bancos comerciais que viabilizarão a troca. Essa moeda que chega aos bancos aumenta suas
reservas. As reservas, porém, não dão nenhum rendimento ao seu detentor, de maneira que
será mais vantajoso ao banco alocar essa riqueza em outros ativos que ofereçam algum retorno.
O título público é tido como o ativo mais seguro, de modo que qualquer rendimento acima
da inflação oferecido pelo título atrairá as reservas dos bancos comerciais. Tem-se então um
mecanismo em que a moeda criada pelo governo ao gastar retorna ao próprio governo através
da venda de títulos públicos.
Quando os tempos são normais e quando há negócios como de costume, o investidor
pode considerar os títulos do governo como moeda. Manter títulos é como economizar em
moeda. Em vez de emprestar dinheiro a bancos comerciais, o poupador empresta seus fundos
ao governo. Quando o mercado de títulos é líquido, e o mercado de títulos é geralmente o
mais líquido dos mercados financeiros, os títulos são um substituto total da moeda, com a
vantagem adicional de render juros.
Enquanto os juros sobre os títulos excederem a perda devido à inflação de preços, o
investidor pode se sentir seguro. Porém, quando a inflação de preços excede as expectativas,
o cálculo que foi feito ao decidir comprar títulos não se sustenta mais. Quanto mais a taxa
de inflação esperada ultrapassar a expectativa anterior, menos favorável será o resultado do
cálculo. O investidor começa a vender títulos e o novo investidor só comprará títulos a uma
taxa de juros mais alta. A equivalência de títulos à moeda se quebra.
Equivalência ricardiana significa que o financiamento da despesa pública por dívida
pública é equivalente ao financiamento por impostos. Caso o governo opte por financiar
seus gastos com emissão de dívida, mais cedo ou mais tarde o governo terá que aumentar os
impostos para pagar suas dívidas. Em outras palavras, há um trade-off entre cobrar impostos
no presente ou no futuro. Logo, despesas públicas financiadas com emissão de dívida serão
respondidas com aumento da poupança privada através da aquisição de títulos públicos.
Então, quando há quebra da equivalência entre títulos e moeda, verifica-se que a garantia da
Teoria Monetária Moderna de que o governo pode gastar sem levar em conta seu recebimento,
de que “déficits não importam”, se torna uma promessa falsa.
Uma vez que as expectativas inflacionárias começam a subir e as projeções encontram sua
confirmação na realidade, o governo se torna um devedor comum e, como tal, é apenas tão
digno de crédito quanto pode fazer crer ser capaz de honrar sua dívida. O privilégio do Estado
como emissor da moeda, como dinheiro soberano da nação, chega ao fim. Este fenômeno é
chamado de “perda de confiança”. Em termos econômicos, isso significa que os investidores
não mais enxergam os títulos do governo como tão bons quanto moeda.
Outro argumento dos aderentes da Teoria Monetária Moderna é de que, embora não
haja restrições financeiras ao governo, existem limites de recursos impostos pelo lado real
da economia. Resende (2019) chama esse limite de restrição da realidade. Quando a criação
de moeda pelo Estado leva a um excesso de demanda agregada, ocorrerá inflação de preços.
Nesse argumento, a inflação não é causada por excesso de moeda, mas por excesso de
demanda agregada ou por expectativas inflacionárias. Resende (2017) explica que, desde os
anos 1990, a teoria macroeconômica aceitou que a moeda não causa inflação e que os bancos

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A TEORIA MONETÁRIA MODERNA: UMA AVALIAÇÃO DE SUAS PREMISSAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS

centrais controlam a demanda agregada através da taxa de juros. O experimento do Quantitative


Easing (QE) nos países desenvolvidos foi a constatação empírica de que a moeda não causa
inflação. Ainda que os bancos não tenham expandido os empréstimos, o fato de a moeda ter
ficado acumulada e isso não ter causado inflação foi a prova de que a teoria convencional no
século XX estava equivocada.
Contudo, os proponentes da MMT desconsideram o conceito de velocidade de circulação
presente na teoria quantitativa da moeda. A equação da TQM toma a seguinte forma:

‫ ܸ ڄ ܯ‬ൌ ܲ ‫ܳ ڄ‬

 
Conforme a equação acima, a criação de moeda leva ao aumento do nível de preços apenas
se a velocidade da moeda se mantiver inalterada, ou subir. Caso ela caia, como foi o caso
nos países em que houve QE, a expansão monetária será refreada e não causará aceleração
dos preços. Assim, as expectativas inflacionárias já haviam sido consideradas na equação
quantitativa, dentro de V.
Ademais, conforme explica Mueller (2018a), a velocidade da moeda é o elo fraco da política
monetária. Ela não está sob controle dos bancos centrais, mas tem o poder de amplificar ou
mesmo anular os efeitos de políticas expansivas ou restritivas.
Uma unidade monetária serve a várias transações ao longo do tempo dentro de uma
economia. A velocidade de circulação da moeda se refere à frequência dessas transações e
representa a conexão entre o estoque de moeda e a moeda em circulação. Ela pode fortalecer,
enfraquecer ou mesmo anular os efeitos de uma mudança na quantidade de moeda. Expectativas
inflacionárias aumentam a velocidade da moeda, enquanto expectativas deflacionárias ou
desinflacionárias a diminuem.
A frequência das transações monetárias depende das decisões dos usuários individuais de
moeda na economia. Quando as pessoas decidem usar moeda mais rapidamente, a velocidade
aumenta e há aceleração dos efeitos de expansão do estoque monetário. Em contraste, quando
o público usa a moeda disponível mais lentamente, a velocidade cai. Isto pode anular o efeito
de expansão do estoque de moeda, ou, no caso de redução da quantidade de moeda, acelerar
a contração.
Além disso, a velocidade de circulação de moeda está sujeita a fortes variações, de maneira
que mudanças na oferta monetária possuem efeitos incertos. Não há ferramentas para as
autoridades monetárias controlarem a velocidade da moeda. Tampouco podem as autoridades
monetárias prever sua mudança, ainda que tenham à disposição dados e estatísticas. Ainda
que a tendência histórica da velocidade da moeda seja longa e pareça estável, ela pode mudar
abruptamente.
Portanto, o governo não pode controlar a velocidade com que o público transaciona a
moeda disponível ou antecipar variações nas informações relevantes para tomar decisões de
políticas econômicas. As teses de que o governo não enfrenta restrições financeiras e de que o
excesso de moeda não causa consequências no nível de preços podem, no limite, causar uma
situação de hiperinflação, quando as expectativas inflacionárias saem do controle.

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Antony Peter Mueller; Samuel Fernandes Lucena Vaz-Curado

4. Solvência governamental

A relação entre moeda e títulos públicos levanta questionamentos acerca da solvência


do governo. Para tratá-los, analisamos os principais determinantes da dívida pública e do
déficit orçamentário, de acordo com o modelo da dívida de Evsay Domar (1944). O argumento
da MMT é de que os déficits orçamentários não importam se a taxa de juros for menor que
a taxa de crescimento da economia (RESENDE, 2019). Esse argumento esbarra, contudo, no
conceito de taxa de juros.
Para prosseguir com a discussão de política orçamentária, faz-se necessário definir os
coeficientes da dívida pública e do déficit orçamentário. O coeficiente do déficit orçamentário
anual (k) de um país é dado pela variação da dívida pública (B) no período em relação ao PIB
oo em relação
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PIB anual
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anual
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da taxa
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crescimento de PIB nominal.
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constantes, coeficiente converge para um valor
forem constantes, valor estável: converge para um valor estável:
o coeficiente
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coeficiente converge
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𝑌𝑌 𝑔𝑔𝑔𝑔 � �� � 𝑔𝑔
  O coeficiente da dívida vai aumentar quando o coeficiente de déficit sobe ou quando
  
a taxa de crescimento cai. De maneira análoga, o coeficiente da dívida diminui quando o
coeficiente de déficit anual cai ou quando o crescimento do PIB nominal sobe. Se os valores
forem constantes, o coeficiente da dívida convergirá para um determinado valor.
Por exemplo, suponha que o coeficiente do déficit seja 3%, o crescimento real 2% e a taxa
decaso,
inflação anual
a dívida também 3%.
se estabilizaria emNeste
60% caso, a dívida se estabilizaria em 60% do PIB:
do PIB:
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𝑌𝑌 𝑔𝑔 � � 0,0� � 0,03 𝑔𝑔 0,05

No caso em que a taxa de crescimento do PIB nominal cai a 3%, no entanto, o coeficiente da dívida
No caso em que a taxa de crescimento do PIB nominal cai a 3%, no entanto, o coeficiente
subiria
da dívida100%.
para subiriaDa mesma
para 100%.forma, isso forma,
Da mesma aconteceria se a taxa de
isso aconteceria se acrescimento do PIB nominal
taxa de crescimento do
PIB nominal
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constante constante
em 5%, mas em 5%,
o quociente mas osubisse
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para do
5%.déficit subisse para 5%.

13Assim, o espaço
de 22 | MISES: de manobra fiscal depende da diferença entre
Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, São Paulo, 2019; 7(2) Maio-Ago
o valor do serviço da dívida e o resto do
orçamento. Para se entender essa relação, tem-se que o chamado superávit primário representa a receita
No caso em que a taxa de crescimento do PIB nominal cai a 3%, no entanto, o coeficiente da dívida
subiria para
A TEORIA 100%.MODERNA:
MONETÁRIA Da mesma forma,
UMA AVALIAÇÃO issoPREMISSAS
DE SUAS aconteceria se a taxa POLÍTICAS
E SUAS CONSEQUÊNCIAS de crescimento do PIB nominal
permanecesse constante em 5%, mas o quociente do déficit subisse para 5%.
Assim,
Assim, o espaço
o espaço de manobra
de manobra fiscal depende
fiscal depende da diferença
da diferença entre
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e o resto
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orçamento. o resto do orçamento.
se entender Para setem-se
essa relação, entender
queessa relação, superávit
o chamado tem-se que o chamado
primário superávit
representa a receita
primário representa a receita pública (T) menos os gastos do governo sem o pagamento de
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G’.gastos do governo sem o pagamento de juros (G’): T – G’.
O peso
O peso da dívida
da dívida de longo
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em relação ao superávit
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𝑌𝑌 𝑌𝑌
Essa
Essa fórmula
fórmula mostra
mostra o tamanho
o tamanho do superávit
do superávit primário
primário nec  necessário para manter a solvência.
Na medida em que a taxa de juros real (r) excede a taxa de crescimento real (g*), o governo
deve gerar um superávit primário para manter-se solvente. Caso contrário, o peso da dívida
se tornaria insustentável.
Na equação acima, o crescimento real da economia (g*) depende do progresso tecnológico
e da acumulação de capital físico e humano, que são fatores de longo prazo. Além disso, mesmo
que o banco central seja capaz de manipular a taxa nominal de juros, a taxa real de juros
(r) está ancorada à taxa natural, que é determinada pela preferência temporal na sociedade
(IORIO, 2011).
O coeficiente da dívida pública cai quanto maior o superávit primário e o crescimento
real da economia e quanto menor a taxa real de juros. Para a política econômica surge assim
a tarefa de gerar um superávit primário pela política orçamentária e implantar uma política
macroeconômica orientada ao aumento do crescimento natural da economia.
Assim, facilitar o progresso tecnológico e promover a acumulação de capital físico e
humano são os passos necessários para melhorar a produtividade econômica e aumentar a
taxa natural do crescimento econômico, enquanto uma política de boa governança contribuirá
a estabelecer confiança e assim reduzir a taxa natural de juros.
No Brasil, a proposta da MMT de que o resultado primário do governo não importa foi
defendida por Resende (2019) a partir da suposição de que a taxa de juros estipulada pelo banco
central seja menor que a taxa de crescimento da economia. A política fiscal expansionista só
se torna um problema se a taxa de juros for maior que a taxa de crescimento da economia.
Como a taxa básica de juros está sob controle do banco central, o governo não sofre restrições
financeiras.
O Brasil pratica o regime de metas de inflação, em que o Banco Central tem como objetivo
manter a taxa de inflação dentro de um determinado intervalo e utiliza a taxa de juros como
instrumento de política monetária4. Para alcançar o objetivo da MMT, esse regime daria
lugar a um controle da inflação por meio da política fiscal, aumentando os impostos quando
o excesso de demanda agregada pressionasse a oferta agregada.
Seguindo os passos de Lerner (1943), que defende uma taxa de juros que produza o nível
mais desejável de investimentos, Resende (2019) propõe que o banco central tire o foco do

No regime de metas de inflação, sempre que a inflação está alta (baixa), o banco central eleva (reduz) a taxa
4 

de juros para causar um choque no produto e levar a inflação de volta à meta. Resende (2017) argumenta que,
em uma situação de dominância fiscal, uma taxa de juros elevada para controlar a inflação é ineficaz e acaba
causando tanto uma inflação elevada quanto uma paralisia dos investimentos.

14 de 22 | MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics, São Paulo, 2019; 7(2) Maio-Ago
Antony Peter Mueller; Samuel Fernandes Lucena Vaz-Curado

controle da inflação e adote como objetivo a maximização do investimento e do crescimento


da economia. Para tanto, a taxa de juros deve ser mantida abaixo da taxa de crescimento, o
que representaria trajetória decrescente da dívida no longo prazo e implicaria em liberdade
para o governo de incorrer em déficits orçamentários.
Os proponentes da MMT desconsideram que a taxa de juros relevante para a solvência
do governo a longo prazo está atrelada à taxa natural de juros, que depende da preferência
temporal dos indivíduos na economia. A teoria austríaca dos ciclos argumenta que, quando
a taxa de juros de mercado é mantida abaixo da taxa natural, há desequilíbrios na estrutura
produtiva que suscitam, eventualmente, uma crise econômica. Logo, a proposta de Resende
implicaria em um mecanismo causador dos ciclos.
Enfrentar a dívida pública com a tentativa de gerar receita pelo aumento do imposto
inflacionário (aceleração do g pela elevação do π nas fórmulas acima) não é uma solução racional.
A chamada senhoriagem só funciona quando as taxas de inflação ficam baixas. Enquanto
mais inflação reduz a dívida pública em termos reais, uma hiperinflação que eliminasse a
dívida pública na forma da redução do coeficiente da dívida pelo aumento inflacionário do PIB
nominal arruinaria a economia inteira. O efeito, no limite, seria a renúncia ao uso da moeda
governamental. Em outras palavras, a dívida pública seria eliminada com o empobrecimento
do país.

5. Pretensão do conhecimento

Diferentemente da abordagem agregada dos gastos deficitários keynesianos, os promotores


da MMT desejam ajustar os gastos governamentais e visar áreas específicas para eliminar
oportunamente os gargalos da produção – seja trabalho ou capital (MITCHELL; MUYSKEN,
2008).
O cerne da questão para a MMT não é o aumento dos gastos públicos, mas a qualidade
do gasto e da tributação. Uma reforma tributária, por exemplo, não deve visar o equilíbrio
do orçamento, mas a simplificação e racionalização dos impostos. Logo, o governo deve olhar
para os gastos pelo prisma de custos e benefícios e não pelo financiamento.
A principal contribuição da MMT no debate macroeconômico brasileiro é a proposta de
que o governo não deve se preocupar com equilíbrio orçamentário. Isso não dá ao governo a
liberdade de expandir seus gastos indefinidamente, mas justifica a continuidade de projetos
desenvolvimentistas. O que se propõe é aumentar a qualidade dos gastos, identificando as áreas
mais importantes para o bem-estar social: saúde, educação, segurança pública, infraestrutura
etc. Políticas desse tipo são uma repetição dos projetos de planejamento da década de 1960 na
França e na Grã-Bretanha, os esquemas de liberação dos programas econômicos do movimento
estudantil radical da época.
Como Keynes também havia insinuado em suas Notas Sobre o Ciclo Econômico (1996), o
plano é tirar a “função de investimento” das empresas privadas para o governo.

Portanto, em condições de laissez-faire, talvez seja impossível evitar grandes flutuações no


emprego sem uma profunda mudança na psicologia do mercado de investimentos, mudança essa
que não há razão para esperar que ocorra. Em conclusão, acho que não se pode, com segurança,

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A TEORIA MONETÁRIA MODERNA: UMA AVALIAÇÃO DE SUAS PREMISSAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS

abandonar à iniciativa privada o cuidado de regular o volume corrente de investimento (KEYNES,


1996, p. 298).

Keynes achava mais seguro para manter o nível de investimentos e, consequentemente,


evitar o desemprego, que o governo dirigisse a economia. Para ele, as causas do subemprego
são uma baixa propensão a consumir e um fluxo de investimento particularmente sensível.
Sua resposta é que a economia seja planejada e dirigida, afastando da eficiência marginal do
capital a decisão de investir.
Os defensores da Teoria Monetária Moderna não negam a escassez como tal. No entanto,
embora reconheçam que existe um limite de recursos, ele está muito mais distante do que a
teoria econômica convencional assume. Com as políticas certas, a MMT alega que a chamada
taxa natural de desemprego pode ser muito mais baixa do que a convencionalmente conhecida
como NAIRU (taxa de desemprego não aceleradora da inflação).
Os partidários da MMT parecem acreditar que, com mais gastos do governo e um plano
abrangente de emprego governamental, a política pode reduzir a taxa de desemprego natural
para o pleno emprego. O objetivo é criar uma maciça reserva de trabalhadores empregados no
serviço público, que esteja disponível para o setor privado quando eventualmente necessário.
A essa reserva, que se comporta como uma espécie de amortecedor, chama-se buffer stock. A
nova taxa “natural” de desemprego estaria relacionada a esse buffer de trabalhadores e seria
chamada NAIBER (buffer de reservas de emprego não acelerador da inflação).
Os economistas da MMT vislumbram uma economia em que o governo implementará
uma política estatal de administração de emprego com uma garantia geral de emprego. Eles
afirmam que, com a ajuda de um buffer stock para capital e trabalho, a política poderia escapar
do trade-off entre inflação e desemprego da curva de Phillips de curto prazo e mover a taxa
natural de desemprego da curva de Phillips de longo prazo para pleno emprego (MITCHELL;
WRAY; WATTS, 2019). Essa política de empregador de última instância é defendida, inclusive,
por autores neo-marxistas (HIDALGO; MORUNO; PRECIADO, 2019).
A Teoria Monetária Moderna ignora a ignorância. Ninguém sabe a posição exata da taxa
de desemprego natural, por exemplo. Os proponentes da MMT podem usar um conceito como
o NAIBER, como uma construção teórica em um modelo. No entanto, aplicá-las à política é
outra questão. A fim de cumprir a tarefa que a MMT estabelece para o estado realizar, os
governos teriam que saber muito mais do que poderiam e agir de forma mais racional do que
a política permite.
Ainda que o governo consiga identificar as áreas em que há ociosidade, perde-se o poder de
controle sobre a moeda uma vez que ela entra na economia através dos gastos governamentais.
Como o excesso de demanda agregada causa pressões inflacionárias e os gastos do governo
são parte da demanda agregada, o governo deve identificar as áreas ociosas na economia para
evitar a inflação. Contudo, uma vez que a moeda entra na economia, ela foge do controle do
governo, o que torna inviável qualquer objetivo de controle da demanda agregada.
A economia está dividida em inúmeros setores, cada qual com sua própria relação de
oferta e demanda e, consequentemente, sua própria lógica de preços e produto. Ainda que
se identifiquem os setores mais ociosos ou mais relevantes para o desenvolvimento de uma
nação, não se pode controlar o destino da moeda que o Estado dirigente aplicou nestes setores.

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Dadas as relações econômicas entre os diferentes indivíduos, a moeda tende a se espalhar por
toda a economia e a causar distorções nos preços relativos.
Com relação ao plano governamental de garantia de emprego, algumas implicações
negativas exigem maior detalhamento. Ao supormos que o governo pratica um plano de
emprego e diminui a taxa de desemprego abaixo da NAIRU, levando-a por exemplo ao nível
NAIBER, tem-se que o mercado de trabalho atinge um novo equilíbrio. O governo se comporta
como uma imensa firma, capaz de empregar uma quantidade muito grande de trabalhadores.
O objetivo dessa política é que os trabalhadores sejam empregados pelo governo até que o
setor privado os absorva. Isso, contudo, tem como implicação que, dado que a demanda por
trabalho é maior, os salários tendem a subir.
Assumimos que o governo é capaz de absorver uma parcela maior de trabalhadores e, com
isso, diminuir a taxa de desemprego. Além disso, assumimos que a taxa de desemprego não
aceleradora da inflação, NAIRU, é menor do que se acredita convencionalmente, de maneira
que a absorção desses trabalhadores pelo governo não causará pressões inflacionárias. Essa
segunda suposição carece de conexão com a realidade. O conceito de NAIRU mostrou-se
inviável de se aplicar em políticas econômicas. O governo não tem como determinar a taxa
de desemprego que não causa inflação, por mais sofisticados que sejam seus modelos.
O argumento se estende. O governo, ao aumentar a demanda por trabalho, faz com que o
salário exigido por trabalhadores para sair de sua posição no setor público para o setor privado,
se eleve. O trabalhador já empregado deve exigir uma compensação salarial para trocar de
emprego, que é análogo, na teoria neoclássica dos salários, a um aumento do salário de reserva.
Portanto, a questão não é se atingir uma nova e menor taxa de desemprego que não acelere
a inflação, que a MMT propõe chamar de NAIBER. Como o objetivo da política é criar uma
reserva de trabalhadores, o resultado é uma pressão altista sobre os salários quando o setor
privado aumentar sua demanda por trabalho. Em outras palavras, a política do governo se
dá em dois passos: no primeiro passo, o governo contrata até a economia operar no NAIBER,
e isso não causa pressões inflacionárias; no segundo momento, o setor privado demanda
trabalho e recorre aos trabalhadores empregados pelo governo, que exigem salários mais
altos para trocar de emprego.
Isso acarreta consequências à produção do setor privado. Por um lado, o encarecimento
do trabalho, que se dá num segundo momento da política, faz com que as empresas contratem
menos trabalhadores e, dada uma função de produção, atinjam um nível de produto inferior
àquele que atingiriam caso operassem com mais trabalhadores. Por outro lado, caso as empresas
decidam empregar o mesmo nível de trabalho pagando salários mais altos, a consequência
seria uma diminuição dos lucros das empresas. A queda dos lucros, por sua vez, pode ser
respondida pelas empresas com aumento dos preços dos produtos que elas vendem.
Além disso, a política do governo teria como objetivo empregar aqueles trabalhadores de
classe mais baixa, como política social e não apenas econômica. Ao supormos esse objetivo,
temos que as pressões salariais se darão justamente naqueles setores em que a produtividade
do trabalho é baixa. Acontece que as empresas não estarão dispostas a empregar trabalhadores
a salários mais altos que sua produtividade, justamente porque incorreriam em prejuízos ou
seriam levadas a aumentar os preços.

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A política do governo de absorver temporariamente uma parcela de trabalhadores


desempregados terá como resultado uma dificuldade do setor privado de contratar os trabalhadores
empregados pelo governo e um aumento dos custos das empresas. Consequentemente, o
governo acabará por afastar as empresas privadas.
Nessa suposição, o governo se torna uma enorme empresa, que demanda trabalho e
determina o nível de salários. Note que o salário mínimo é determinado pelo próprio governo.
Adicione-se a proposição da MMT de que o governo não tem restrições financeiras aos seus
gastos. Na prática, isso significa que o governo pode pagar qualquer salário aos trabalhadores
que emprega. Trata-se, portanto, de uma fonte de crowding-out do investimento privado, porque
aumenta os custos das empresas. Se assumirmos que o setor privado é quem determina os
preços de seus produtos, um aumento salarial resultará em aumento do nível de preços.
Com relação à crença dos proponentes da MMT de que o governo é capaz de identificar
as áreas ociosas e dirigir a economia rumo ao pleno emprego, trata-se de uma suposição
incompatível com a realidade. Além do fato de que, uma vez que a moeda tenha entrado
na economia, perde-se o controle das áreas para onde ela vai, há críticas quanto a própria
organização do governo e quanto ao papel da ciência econômica em desenvolver políticas.
Qualquer corpo burocrático é composto por indivíduos, o que significa que para se
compreender as ações desse corpo burocrático deve-se compreender as ações de seus membros.
Não há entidade social concebível que não seja operativa pela ação dos indivíduos que a
compõem. “Portanto, a maneira de compreender conjuntos coletivos é através da análise das
ações individuais” (MISES, 2010, p. 70).
Em defesa do individualismo metodológico, Ludwig von Mises critica especialmente
aqueles economistas preocupados em analisar coletivos sociais em detrimento do indivíduo.
Ao expandirmos essa crítica, podemos aplicá-la à própria existência de corpos burocráticos
que objetivam dirigir uma sociedade. Quando os proponentes da MMT pregam a intervenção
do governo na economia como a solução do problema do subemprego, eles desconsideram
que o governo nada mais é do que um grupo de indivíduos. Por mais bem-intencionados
que sejam, o governo e os indivíduos que o compõem são falíveis e suas decisões serão, por
definição, sempre subjetivas.
Isso nos leva a um outro problema. O conhecimento necessário para tomar decisões não está
disponível em sua totalidade a nenhum indivíduo. Não é possível concentrar esse conhecimento
porque ele está disperso em frações entre cada pessoa (HAYEK, 1945). A impossibilidade
de concentrar conhecimento inviabiliza a formulação de políticas econômicas, ainda que os
modelos usados sejam os mais rigorosos possíveis. Os dados utilizados em modelos de análise
econômica são fatos que o pesquisador sabe ou acredita que existem e não fatos objetivos no
sentido estrito, isto é, são fatos subjetivos aos pesquisadores (HAYEK, 1937).
Na realidade, a tentativa de decifrar o indecifrável é mais antiga do que possa parecer à
primeira vista. Cientistas econômicos formulam equações complexas para determinar valores e
preços há décadas em todos os países. A teoria econômica por trás da sofisticação dos modelos
aplicados por bancos centrais e tesouros nacionais repousa sobre a hipótese de que é possível
concentrar o conhecimento necessário para coordenar a atividade econômica.

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Os dados usados em cálculos econômicos nunca estão à disposição de uma única mente,
ou de um grupo de mentes, que poderia aplicar os resultados da análise. O conhecimento
das circunstâncias não existe de maneira concentrada ou integrada, mas apenas como partes
incompletas e frequentemente contraditórias de conhecimento que cada indivíduo possui
(HAYEK, 1945).
As disputas tanto na teoria quanto na política econômica têm origem na concepção
equivocada da natureza do problema econômico da sociedade, qual seja, a dispersão do
conhecimento. Em outras palavras, trata-se do problema da utilização do conhecimento que
não está dado a ninguém em sua totalidade (BARBIERI, 2013)
O problema da divisão do conhecimento é análogo ao problema da divisão do trabalho. O
que se pretende resolver é como a interação espontânea de um número de pessoas, cada uma
com apenas frações de conhecimento, leva a uma situação que poderia ser atingida pela direção
deliberada de alguém que possui o conhecimento combinado de todos esses indivíduos. O
aspecto mais amplo do problema do conhecimento é o conhecimento do fato básico de como
as diferentes mercadorias podem ser obtidas e usadas e sob quais condições elas são de fato
obtidas e usadas, isto é, a questão geral de por qual motivo os dados subjetivos às diferentes
pessoas correspondem aos fatos objetivos (HAYEK, 1937).
A tendência de se utilizar de modelos cada vez mais elaborados tem afastado a ciência
econômica da realidade. A ciência econômica tem se preocupado mais com o desenvolvimento
de pesquisas rigorosas do que com a solução de problemas reais. Essa crítica de Friedrich von
Hayek ficou conhecida como pretensão do conhecimento.
A ciência econômica se aproximou das ciências naturais e está mais preocupada com a
elegância de seus modelos. Isso leva ao desenvolvimento de estudos que “confirmam” teorias
falsas, justamente por serem mais científicas. Enquanto isso, as explicações válidas para os
fenômenos econômicos são rejeitadas pois carecem de evidências quantitativas (HAYEK, 1989).
O que se observa, portanto, é que o trade-off entre rigor e realidade na ciência econômica
deu origem a modelos extremamente elaborados e, ao mesmo tempo, completamente alheios
a soluções viáveis. A ascensão da Teoria Monetária Moderna, que pouco tem de moderna,
se dá nesse contexto. A MMT é apresentada de maneira elegante para mascarar aquilo que
a experiência já provou equivocado. O resultado, caso a MMT seja aceita pela classe política,
será um passo para longe da liberdade individual, rumo ao socialismo e à miséria.

Considerações Finais

A Teoria Monetária Moderna ganhou relevância no debate econômico com as propostas


políticas dos socialistas democráticos dos EUA. As ideias mais importantes da MMT e que
dão força aos políticos são de que:

1. O governo não sofre restrições financeiras e que, por isso, os déficits não importam;
2. As restrições na economia real podem ser vencidas se o governo identificar os setores onde
há ociosidade; e
3. A taxa natural de desemprego é mais baixa do que se acredita e o governo deve empregar
esse excedente de trabalhadores.

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Com relação às origens da MMT, além do Cartalismo de Friedrich Knapp (1924), suas ideias
são fortemente influenciadas pela Revolução Keynesiana, mais notavelmente em seu ramo neo-
marxista. Embora a Teoria Monetária Moderna não possa ser caracterizada como uma teoria
econômica kaleckiana em seu núcleo, a influência da economia de Kalecki na MMT é difícil
de ignorar. De fato, foi Kalecki quem impulsionou a noção de que “déficits não importam” e
que os gastos do governo criam, por si só, o excedente de poupança no setor privado.
Os principais pontos de crítica à origem kaleckiana da MMT são de que não há causalidade
em agregados estatísticos e de que poupança, em modelos macroeconômicos, não é apenas
poupança privada, mas poupança nacional, o que inclui a poupança pública. Se a poupança
pública é negativa, a poupança macroeconômica diminui enquanto a formação de capital é
reduzida. Se os investimentos são iguais à poupança privada e há déficit público, isso implica,
ceteris paribus, em um déficit na balança comercial. Nesse caso, um déficit público não aumentaria
a poupança macroeconômica. O modelo macroeconômico da MMT é epistemologicamente,
teoricamente e praticamente (causalidade, modelagem de atores e aplicação da política econômica)
deficiente.
A Teoria Monetária Moderna nega a complexidade da economia que opera hoje em escala
global. A coordenação da ação individual entre os consumidores e os produtores em uma
rede tão complexa precisa de mercados para os quais o planejamento de políticas não é um
substituto. Mais ainda do que antes, uma nova onda de planejamento econômico baseada na
arrogância da pretensão de conhecimento não traria prosperidade e estabilidade, mas miséria
e caos. Uma vez iniciados, os planos de política econômica da Teoria Monetária Moderna
levariam o país ao socialismo.
A MMT serve como um álibi acadêmico para uma política utópica. Se não houver restrição
fiscal para os gastos públicos, a oposição a enormes programas de gastos públicos perde sua
legitimidade e projetos como o Medicare, universidade gratuita para as massas, o Green New
Deal e uma modernização completa da infraestrutura do país podem ser lançados. A MMT
fornece o discurso para a agenda dos socialistas democratas de que a escassez poderia ser
abolida com a política correta.
Parte da razão pela qual a MMT se tornou popular é resultado do fracasso da chamada
economia mainstream ou mainline. A tendência de sacrificar a relevância pela elegância, de
colocar a matemática antes do insight e testar os resultados antes do conhecimento, levou a uma
desconfiança popular da economia. Enquanto mais economistas obtiveram posições poderosas
no governo e se tornaram importantes formuladores de políticas, o papel do economista, como
representante das verdades econômicas, diminuiu.
Cada vez mais, a economia tradicional eliminou o empreendedor e o papel do capital de
seus modelos. Agregados estatísticos substituíram a ação humana. O cientismo substituiu o
conhecimento. Desta forma, o portão se abriu para os charlatões. Seria um grave erro subestimar
o potencial da Teoria Monetária Moderna de se tornar uma forma popular de abordar questões
econômicas e se transformar em um movimento politicamente importante.

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Recived date: 30/04/2019


Approved date: 14/05/2019

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