A Teoria Monetária Moderna - Artigo
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A Teoria Monetária Moderna - Artigo
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MISES: Interdisciplinary Journal of Philosophy Law and Economics
São Paulo, 2019; 7(2) Maio-Ago
e-ISSN 2594-9187
Palavras-chave: Resumo: A Teoria Monetária Moderna (MMT) ganhou o centro do debate econômico com as
Teoria Monetária recentes propostas de grandes projetos de bem-estar social e ambiental nos EUA. Este artigo tem
Moderna, como objetivo apresentar os pressupostos básicos da MMT e posicioná-la na teoria econômica.
Kalecki, As raízes da MMT estão associadas ao economista neomarxista Michal Kalecki, que afirma que
Dívida pública, os déficits não importam. Os representantes da MMT argumentam que projetos como Medicare
Desemprego, para todos, “Green New Deal” e garantia de emprego não enfrentam restrições fiscais. Para
Intervencionismo. o governo enquanto criador soberano da moeda nacional como meio de pagamento oficial,
déficits orçamentários não importam porque pode-se sempre criar a quantidade de moeda
necessária para financiar seus gastos. O artigo discute as principais propostas políticas da
Teoria Monetária Moderna e elabora críticas e limitações de sua agenda.
Keywords: Abstract: The Modern Monetary Theory (MMT) has gained center stage of economic debate
Modern Monetary with proposals for major social and environmental welfare projects in the United States. This
Theory, article aims to present the basic assumptions of MMT and its position in economic theory.
Kalecki, The roots of MMT are associated with the neo-Marxist economist Michal Kalecki, who asserts
Public debt, that deficits do not matter. The adherents of MMT argue that projects such as Medicare for
Unemployment, All, Green New Deal, and job security face no major fiscal restraint. For the government, as
Interventionism. the sovereign creator of national currency as a legal tender, budget deficits do not matter,
once it can always create as much money as necessary to finance its expenditures. The paper
discusses the main policy proposals of Modern Monetary Theory and elaborates the critique
and limitations of its agenda.
Palabras clave: Resumen: La Teoría Monetaria Moderna (MMT) ha ganado un lugar central en el debate
Teoría Monetaria económico con proyectos de bienestar social y ambiental en los Estados Unidos. Este artículo
Moderna, presenta las suposiciones básicas de MMT y su posición en la teoría económica. Las raíces del
Kalecki, MMT están asociadas con el economista neo-marxista Michal Kalecki, quien afirma que los
Deuda pública, déficits no importan. Los adherentes de MMT argumentan que los proyectos como Medicare
Desempleo, para todos, Green New Deal y garantía de puesto de trabajo no enfrentan restricciones fiscales.
Intervencionismo. Para el gobierno como creador soberano de la moneda nacional como medio legal de pagos,
los déficits públicos no importan porque el gobierno siempre puede crear tanto dinero como
sea necesario para financiar sus gastos. El artículo analiza las principales propuestas políticas
de la Teoría Monetaria Moderna y elabora la crítica y las limitaciones de su agenda.
DOI https://doi.org/10.30800/mises.2019.v7.1211
* Antony Mueller é doutor em Economia pela Universidade de Erlangen-Nuremberg da Alemanha (FAU) e professor de Economia na
Universidade Federal de Sergipe (UFS). E-mail: [email protected]
** Samuel Vaz-Curado é mestre em Economia pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e economista pela Universidade Federal de
São Paulo (UNIFESP). E-mail: [email protected]
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A TEORIA MONETÁRIA MODERNA: UMA AVALIAÇÃO DE SUAS PREMISSAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS
Introdução
1
Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016.
2
PEC 6/2019.
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Antony Peter Mueller; Samuel Fernandes Lucena Vaz-Curado
(RESENDE, 2019), apesar de considerações sobre restrições externas (DE CONTI; PRATES;
PLIHON, 2014; VERGNHANINI; DE CONTI, 2017; VIEIRA FILHO, 2018).
O artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução e das considerações finais.
A primeira seção apresenta os fundamentos teóricos da MMT. Na segunda seção, mostra-
se a origem neomarxista da MMT, que tem suas raízes em Michal Kalecki. A terceira seção
discute as restrições aos gastos do governo. A quarta seção trata da política orçamentária e da
solvência do governo. A quinta seção mostra o equívoco da MMT ao afirmar que o governo
é capaz de dirigir a economia.
Sob um regime de moeda fiduciária, um governo pode financiar seu déficit e gastar mais
do que ganha como receita, não apenas vendendo títulos, mas também emitindo dinheiro. O
financiamento de uma parte dos gastos do governo através da emissão da moeda de uma nação
é bem conhecido na economia, onde é discutido sob o conceito de “senhoriagem” (WRAY, 2002).
No entanto, os defensores da MMT vão um passo além e afirmam que impostos e a venda
de títulos estão em segundo plano. A emissão de moeda “soberana” serve não apenas para
financiar um déficit orçamentário, mas entrega moeda ao setor privado. A dívida pública é
equivalente aos ativos financeiros no setor privado. Além disso, uma vez que não há limite
para o governo emitir dinheiro novo, também não há limite fiscal para os gastos do governo.
Com referência ao conceito de “finanças funcionais” (LERNER, 1943), que surgiu da
Revolução Keynesiana, os defensores da MMT veem os impostos não como um instrumento
necessário para financiar o governo, mas como uma ferramenta de controle macroeconômico,
como um instrumento para absorver um excesso de criação de dinheiro, se necessário. Embora
Lerner tenha sido influenciado por Keynes, sua proposta de que o equilíbrio orçamentário
não tem importância o distancia de Keynes, que defende um orçamento equilibrado no longo
prazo (CARVALHO, 2018).
O conceito de finanças funcionais surgiu em contraposição às finanças saudáveis (VIEIRA
FILHO, 2017). De um lado, as finanças saudáveis pregam que o governo mantenha seu orçamento
equilibrado para evitar a elevação da taxa de juros e o afastamento do setor privado. Do outro
lado, as finanças funcionais defendem que o governo use a política fiscal de maneira flexível,
para manter o pleno emprego e controlar a inflação.
Os promotores da MMT distinguem entre o governo como o “emissor de moeda”, por um
lado, e as famílias e empresas como “usuários de moeda”, por outro. Como o governo federal
não está limitado por restrições financeiras, pode usar a dívida pública para levar o país ao
seu potencial máximo de capacidade e mesmo cumprir demandas sociais.
A MMT também faz distinção entre “dinheiro bancário”, como crédito criado por bancos
comerciais, e “moeda”, que somente o soberano pode criar. Como o único emissor de moeda, o
governo federal não precisa de dinheiro para seus gastos, de maneira que o objetivo primário
da tributação não é financiar os gastos do governo, mas incentivar o público a usar a moeda
soberana. Para esse fim, o governo estipula o uso da moeda soberana como o único tipo de
moeda que pode servir como um meio para honrar as obrigações fiscais.
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Desta abordagem, segue a conclusão de que “é possível ter um pleno emprego sem
causar inflação” (WRAY, 1999, p. 8). Tal promessa claramente soa como música aos ouvidos
de políticos que querem mais gastos públicos para realizar seus planos de proteção ambiental
e justiça social. Para os patrocinadores da MMT, sua política não apenas garantiria o pleno
emprego, mas também estabeleceria a base para um sistema de saúde pública abrangente e
para a proteção ambiental.
Essas propostas e argumentos não seguem uma fórmula secreta. Pelo contrário, os
proponentes da MMT promovem a ampla distribuição da teoria para convencer o mundo
de que um déficit orçamentário tem como contrapartida um superávit de poupança privada.
A fórmula básica da MMT serve para justificar a afirmação de que os déficits não importam
porque são autofinanciados.
Com base na equação macroeconômica para demanda agregada com os componentes
consumo (C), investimento (I), governo (G) e exportações líquidas (NX) e uso de renda para
consumo (C), pagamento de impostos (T) e poupança (S), o equilíbrio macroeconômico de
uma economia aberta com a atividade do Estado se torna:
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Os defensores da MMT interpretam esse resultado como uma “prova” de que um déficit
do governo (G>T) é automaticamente autofinanciado porque necessariamente vem com um
excesso de poupança no setor privado (SPR> IPR).
A partir disso, a principal tese da Teoria Monetária Moderna diz que o emissor de
uma moeda que goza do status de moeda legal não enfrenta restrições financeiras e que,
consequentemente, não há limite inerente à dívida pública. Os proponentes da MMT reconhecem
que gastos demais podem causar inflação. No entanto, eles não veem o problema na oferta
monetária, mas sugerem que qualquer excesso de demanda poderia ser desviado por meio de
uma política de contribuições e impostos. Como o governo tem autoridade sobre o dinheiro
e, portanto, pode gastar o quanto quiser sem enfrentar uma restrição financeira, o problema
da tributação como forma de financiar os gastos públicos cai a segundo plano.
Os representantes da MMT argumentam que a relação causal vai do déficit do setor
público à poupança (MOSLER, 2010). A equação básica desta teoria diz que um déficit do
setor público, ceteris paribus, implica o equivalente em poupança nacional. Considerando a
Teoria Monetária Moderna, o investimento cria a poupança pela qual é financiado. A teoria
estipula que, no mercado de crédito de moeda fiduciária, os empréstimos criam depósitos. Em
contraste à teoria convencional, os representantes da MMT enfatizam que não é necessário
primeiro ter depósitos como resultado da poupança. Eles também argumentam que os déficits
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orçamentários não levam a uma taxa de juros mais alta, mas que em um mundo de moeda
fiduciária pura, a taxa “natural” de juros seria zero.
O mix de políticas da Teoria Monetária Moderna incluiria uma taxa permanente de juros
zero (FORSTATER; MOSLER, 2005), garantia de emprego público, saúde pública para todos
(Medicare for all) e ampla proteção ambiental (Green New Deal). A principal posição da MMT se
resume à afirmação de que, além do risco de inflação, os gastos públicos não sofrem entraves.
Para chegar a essa conclusão, a MMT parte das seguintes proposições:
1. o governo detém o monopólio sobre a emissão de moeda fiduciária e, por isso, não precisa
se comportar como uma entidade econômica privada;
2. o valor da moeda decorre da sua utilidade para pagar impostos;
3. o governo não precisa de moeda para gastar pois cria moeda em termos de dígitos, como
unidades de conta que são usadas como moeda na economia;
4. déficits orçamentários não são prejudiciais e, por meio deles, a moeda entra na economia
e aumenta a poupança;
5. tributação serve para desviar um excedente casual de demanda agregada;
6. a inflação de preços é uma restrição à expansão monetária ilimitada;
7. a fé em títulos do governo repousa sobre sua equivalência à moeda;
8. as taxas de juros não são definidas pelos mercados, mas pelo governo.
Para os adeptos da MMT, a dívida nacional não é problema, porque sua contrapartida
representa riqueza financeira. Como Stephanie Kelton, assessora de Bernie Sanders, explica:
A dívida nacional nada mais é do que um registro histórico de todos os dólares que o governo
gastou na economia e não taxou de volta e que estão atualmente sendo mantidos na forma de
títulos seguros do Tesouro americano. É isso que a dívida nacional é. Assim, a questão sobre se a
dívida é muito grande ou muito pequena (ou se ela pode ficar muito grande em algum momento
no futuro) é realmente uma questão sobre se há muitos ativos seguros para as pessoas manterem
suas dívidas daqui a 10, 20 ou 50 anos (KELTON, 2019).
2. O Modelo Kaleckiano
A tese de que “déficits não importam” não remete ao famoso economista inglês John
Maynard Keynes, mas ao muito menos conhecido economista polonês Michal Kalecki (1899-
1970). Este economista marxista preparou a base teórica para a expansão dos gastos do governo,
particularmente nos países do terceiro mundo. No entanto, enquanto a maioria dos países
em desenvolvimento abandonou essa teoria, ela celebra seu retorno disfarçado de “Teoria
Monetária Moderna” nos Estados Unidos.
Keynes era a favor de um orçamento equilibrado no longo prazo e via os déficits persistentes
como uma ameaça. Para ele, o déficit público é um remédio temporário quando a economia é
atingida por demanda agregada insuficiente. Para Kalecki, em contraste, os déficits são uma
característica permanente de uma política econômica que quer manter o pleno emprego.
Embora Keynes tenha enfatizado que a acumulação da dívida pública não deve sair do controle
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e, portanto, a dívida deve ser liquidada nos tempos do boom, a posição kaleckiana diz que a
dívida pública pode ser acumulada sem enfrentar um limite.
As raízes da Teoria Monetária Moderna remontam à teoria do valor-trabalho e à análise
marxista de Estado e de classes. Junto com algumas conexões com a velha economia institucional,
a principal base da Teoria Monetária Moderna é pós-keynesiana e seu principal proponente
é Michal Kalecki.
O modelo kaleckiano postula que o gasto deficitário é autofinanciado. Para provar
seu argumento, Kalecki (2013) fez uma distinção entre o consumo dos capitalistas e o dos
trabalhadores. Diferente do modelo keynesiano, em que o consumo é uma parte da demanda
agregada junto com investimento, gastos do governo e exportações líquidas, Kalecki postula
que o consumo dos capitalistas depende dos lucros, enquanto o dos trabalhadores depende
dos salários que eles ganham. Para Keynes, o consumo é uma função da renda nacional. Para
Kalecki, o consumo do capitalista (CK) depende dos lucros (Π) e o consumo dos trabalhadores
(CW) é uma função da soma dos salários (W). Mais especificamente, Kalecki postula que os
trabalhadores não poupam, mas consomem totalmente o que ganham (CW = W).
Como marxista, Kalecki vê a economia a partir da ideia de que o capitalismo é uma
sociedade de classes. Para ele, a sociedade é composta de duas classes: os capitalistas e os
trabalhadores. Enquanto Keynes argumenta que a poupança é aquela parte da renda nacional
que não é consumida, a hipótese macroeconômica kaleckiana diz que os trabalhadores
consomem toda a sua renda. Os trabalhadores têm uma taxa de consumo marginal de um e
uma taxa de poupança de zero. Todo o seu salário é gasto em consumo. Para os capitalistas, a
situação é diferente. Sua renda existe sob a forma de lucros e, conforme diz a teoria kaleckiana,
lucro é a diferença entre a renda nacional e os salários (Π = Y – W).
Como o consumo dos trabalhadores é igual aos seus salários (CW = W), o investimento (I) e o
consumo do capitalista (CK) são residuais. Baseado em um modelo de economia capitalista como
uma sociedade de classes, Kalecki conclui que os lucros são determinados pelo investimento
dos capitalistas e seu consumo. Joan Robinson (1966, p. 341), amiga e colega de Keynes e
Kalecki em Cambridge, resumiu a teoria kaleckiana na frase: “os trabalhadores gastam o que
recebem e os capitalistas recebem o que gastam”.
Michal Kalecki (1944, p. 40) explica:
(…) the budget deficit always finances itself – that is to say, its rise always causes such an increase
in incomes and changes in their distribution that there accrue just enough savings to finance
it. (…) In other words, net savings are always equal to budget deficit plus net investment. (…)
any level of private investment and the budget deficit will always produce an equal amount of
saving to finance these two items.
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O conjunto de equações do modelo kaleckiano mostra que a poupança privada agregada
(SPR) é determinada pelo investimento (I), pelo resultado do comércio externo (EX – IM) e
pelo resultado do orçamento do governo (G – T). De acordo com a teoria kaleckiana, não é a
poupança que financia os investimentos, mas a poupança é um fluxo de renda resultante do
investimento.
De forma similar à teoria de Keynes, o modelo macroeconômico de Kalecki é baseado no
“princípio da demanda efetiva”. O princípio da demanda efetiva afirma que, em uma economia
monetária, o dispêndio total determina a receita de igual magnitude (também chamada de
“anti-lei de Say”). Assim como na teoria de Keynes, Kalecki afirma que o investimento é igual
à poupança em uma economia fechada.
De acordo com Kalecki, o capitalista é dinamicamente instável. Diferente de Keynes, a
função consumo não importa no modelo kaleckiano porque o investimento, e não o consumo,
determina o nível de atividade econômica. Essa teoria coloca a decisão de investimentos do
“capitalista” no centro do processo econômico. Nesse modelo macroeconômico, há uma relação
causal unilateral no sentido de que os investimentos dos capitalistas automaticamente criam
o próprio financiamento na forma de poupança de igual valor. Na teoria kaleckiana, os lucros
dos capitalistas são determinados pelos investimentos e por seu consumo.
Na macroeconomia convencional, a poupança fornece os fundos para financiar o investimento
e um déficit orçamentário reduz a poupança nacional. A Teoria Monetária Moderna, nos passos
de Michal Kalecki, a coloca de cabeça para baixo: quanto mais os capitalistas investem e quanto
maior o déficit de gastos do governo, maior é a poupança nacional.
Com base nas equações mostradas no modelo de Kalecki, os representantes da MMT
promovem o déficit desmedido de gastos como motores do crescimento econômico. Seu slogan
de que “déficits não importam” e de que os gastos do governo não têm limites foi abraçado pelos
democratas socialistas dos EUA. A Teoria Monetária Moderna serve como uma ferramenta
intelectual para justificar o governo ilimitado e os gastos abrangentes com o bem-estar público.
O modelo kaleckiano nunca se instalou nos países industrializados, onde a receita política
keynesiana também foi abandonada após os resultados desastrosos que essa política trouxe
consigo durante a estagflação dos anos 1970. A teoria kaleckiana era mais influente para a
política de desenvolvimento e ainda serve como uma pedra angular da variante pós-keynesiana
da teoria da demanda agregada.
A macroeconomia kaleckiana promove políticas de déficits orçamentários sistemáticos,
sem levar em conta suas consequências para o ônus da dívida pública e para a estabilidade
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3. Política orçamentária
Os proponentes da MMT afirmam que o emissor da moeda do país não pode ir à falência
porque o Estado soberano pode sempre criar o máximo de dinheiro necessário para honrar
sua dívida. A tributação não é necessária para obter receita, mas serve como um instrumento
para obrigar o público a usar a moeda soberana como dinheiro.
3
Sobre armadilha da renda média, ver MUELLER (2018b).
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A TEORIA MONETÁRIA MODERNA: UMA AVALIAÇÃO DE SUAS PREMISSAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS
Toda despesa pública poderia ser financiada pela dívida pública porque os títulos do
governo são tão bons quanto a moeda que o Estado soberano emite. A dívida pública não é
problema, porque tem sua contrapartida como riqueza financeira no setor privado.
O argumento central da MMT é de que o próprio governo impõe restrições financeiras
a si mesmo. Se o governo tem poder de criar a moeda fiduciária, então ele não tem restrições
financeiras. O ponto de partida dessa análise é de que a essência da moeda é ser unidade
de conta nacional, em contraste à visão dominante na academia que dá ênfase ao papel da
moeda como meio de troca. Assim, a moeda não é um meio de troca abstrato que elimina a
necessidade da dupla coincidência de desejos (MINSKY, 1986). A principal função da moeda
é servir como unidade de conta. As funções de meio de troca e reserva de valor são apenas
subsidiárias (RESENDE, 2017).
Como todos os agentes têm ativos e passivos com o Estado, a moeda se torna sua unidade
de contabilização. A moeda é uma criação do Estado, a unidade da dívida pública e sua
aceitação está condicionada ao seu uso para o pagamento de impostos.
Segundo o Cartalismo, a moeda não é uma geração espontânea dos mercados para facilitar as
transações, mas sim, uma criação do soberano ou do estado nacional. A moeda é uma unidade
de crédito contra o Estado, ou seja, uma unidade de dívida do Estado, que é legalmente aceita
para o pagamento de impostos (…). É o fato de ser a unidade de valor para o pagamento de
impostos que a torna a unidade de referência de valor na economia (RESENDE, 2019, p. 11).
Essa constatação implica que o governo não precisa adquirir moeda, seja recolhendo
impostos, aumentando a dívida ou vendendo ativos, para poder gastar, isto é, o governo não
tem restrição financeira.
Para explicar a inexistência de restrição financeira ao governo, Resende (2019) inverte
a causalidade entre moeda e gasto preconizada pela ortodoxia. O governo e os bancos não
precisam adquirir moeda antes de gastar, mas criam moeda sempre que gastam. De um lado,
o governo gasta e credita unidades monetárias equivalentes nas contas da contraparte. Do
outro lado, o aumento dos empréstimos dos bancos força o aumento das reservas ou da base
monetária.
Ao gastar e criar moeda, o governo muda a composição de seu passivo. Na essência, não
há diferença entre moeda e dívida, ambos são passivos do governo. Logo, a opção de emitir
moeda é uma questão de gestão do passivo e não de financiamento (RESENDE, 2019). A emissão
de títulos de dívida do Tesouro é uma operação de política monetária, e não de financiamento.
Por isso, a divisão entre Banco Central e Tesouro se torna artificial (VIEIRA FILHO, 2018).
Há, entretanto, uma diferença fundamental entre o sistema bancário e o governo. A expansão
do crédito pelo sistema financeiro pode levar a uma valorização excessiva dos ativos, que ao
se reverter, leva a uma contração do crédito, o que reforça a desvalorização dos ativos e pode
provocar graves crises financeiras. Bancos, como bem se sabe, podem se tornar insolventes e
quebrar, já o governo que emite a sua moeda, não, pois pode sempre “emitir” para se financiar,
o que nada mais é do que aumentar o valor do registro contábil do passivo do banco central
(RESENDE, 2019, p. 12-13).
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Sempre que o governo gasta, ele cria moeda adicionando unidades contábeis nas contas dos
bancos comerciais que viabilizarão a troca. Essa moeda que chega aos bancos aumenta suas
reservas. As reservas, porém, não dão nenhum rendimento ao seu detentor, de maneira que
será mais vantajoso ao banco alocar essa riqueza em outros ativos que ofereçam algum retorno.
O título público é tido como o ativo mais seguro, de modo que qualquer rendimento acima
da inflação oferecido pelo título atrairá as reservas dos bancos comerciais. Tem-se então um
mecanismo em que a moeda criada pelo governo ao gastar retorna ao próprio governo através
da venda de títulos públicos.
Quando os tempos são normais e quando há negócios como de costume, o investidor
pode considerar os títulos do governo como moeda. Manter títulos é como economizar em
moeda. Em vez de emprestar dinheiro a bancos comerciais, o poupador empresta seus fundos
ao governo. Quando o mercado de títulos é líquido, e o mercado de títulos é geralmente o
mais líquido dos mercados financeiros, os títulos são um substituto total da moeda, com a
vantagem adicional de render juros.
Enquanto os juros sobre os títulos excederem a perda devido à inflação de preços, o
investidor pode se sentir seguro. Porém, quando a inflação de preços excede as expectativas,
o cálculo que foi feito ao decidir comprar títulos não se sustenta mais. Quanto mais a taxa
de inflação esperada ultrapassar a expectativa anterior, menos favorável será o resultado do
cálculo. O investidor começa a vender títulos e o novo investidor só comprará títulos a uma
taxa de juros mais alta. A equivalência de títulos à moeda se quebra.
Equivalência ricardiana significa que o financiamento da despesa pública por dívida
pública é equivalente ao financiamento por impostos. Caso o governo opte por financiar
seus gastos com emissão de dívida, mais cedo ou mais tarde o governo terá que aumentar os
impostos para pagar suas dívidas. Em outras palavras, há um trade-off entre cobrar impostos
no presente ou no futuro. Logo, despesas públicas financiadas com emissão de dívida serão
respondidas com aumento da poupança privada através da aquisição de títulos públicos.
Então, quando há quebra da equivalência entre títulos e moeda, verifica-se que a garantia da
Teoria Monetária Moderna de que o governo pode gastar sem levar em conta seu recebimento,
de que “déficits não importam”, se torna uma promessa falsa.
Uma vez que as expectativas inflacionárias começam a subir e as projeções encontram sua
confirmação na realidade, o governo se torna um devedor comum e, como tal, é apenas tão
digno de crédito quanto pode fazer crer ser capaz de honrar sua dívida. O privilégio do Estado
como emissor da moeda, como dinheiro soberano da nação, chega ao fim. Este fenômeno é
chamado de “perda de confiança”. Em termos econômicos, isso significa que os investidores
não mais enxergam os títulos do governo como tão bons quanto moeda.
Outro argumento dos aderentes da Teoria Monetária Moderna é de que, embora não
haja restrições financeiras ao governo, existem limites de recursos impostos pelo lado real
da economia. Resende (2019) chama esse limite de restrição da realidade. Quando a criação
de moeda pelo Estado leva a um excesso de demanda agregada, ocorrerá inflação de preços.
Nesse argumento, a inflação não é causada por excesso de moeda, mas por excesso de
demanda agregada ou por expectativas inflacionárias. Resende (2017) explica que, desde os
anos 1990, a teoria macroeconômica aceitou que a moeda não causa inflação e que os bancos
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Conforme a equação acima, a criação de moeda leva ao aumento do nível de preços apenas
se a velocidade da moeda se mantiver inalterada, ou subir. Caso ela caia, como foi o caso
nos países em que houve QE, a expansão monetária será refreada e não causará aceleração
dos preços. Assim, as expectativas inflacionárias já haviam sido consideradas na equação
quantitativa, dentro de V.
Ademais, conforme explica Mueller (2018a), a velocidade da moeda é o elo fraco da política
monetária. Ela não está sob controle dos bancos centrais, mas tem o poder de amplificar ou
mesmo anular os efeitos de políticas expansivas ou restritivas.
Uma unidade monetária serve a várias transações ao longo do tempo dentro de uma
economia. A velocidade de circulação da moeda se refere à frequência dessas transações e
representa a conexão entre o estoque de moeda e a moeda em circulação. Ela pode fortalecer,
enfraquecer ou mesmo anular os efeitos de uma mudança na quantidade de moeda. Expectativas
inflacionárias aumentam a velocidade da moeda, enquanto expectativas deflacionárias ou
desinflacionárias a diminuem.
A frequência das transações monetárias depende das decisões dos usuários individuais de
moeda na economia. Quando as pessoas decidem usar moeda mais rapidamente, a velocidade
aumenta e há aceleração dos efeitos de expansão do estoque monetário. Em contraste, quando
o público usa a moeda disponível mais lentamente, a velocidade cai. Isto pode anular o efeito
de expansão do estoque de moeda, ou, no caso de redução da quantidade de moeda, acelerar
a contração.
Além disso, a velocidade de circulação de moeda está sujeita a fortes variações, de maneira
que mudanças na oferta monetária possuem efeitos incertos. Não há ferramentas para as
autoridades monetárias controlarem a velocidade da moeda. Tampouco podem as autoridades
monetárias prever sua mudança, ainda que tenham à disposição dados e estatísticas. Ainda
que a tendência histórica da velocidade da moeda seja longa e pareça estável, ela pode mudar
abruptamente.
Portanto, o governo não pode controlar a velocidade com que o público transaciona a
moeda disponível ou antecipar variações nas informações relevantes para tomar decisões de
políticas econômicas. As teses de que o governo não enfrenta restrições financeiras e de que o
excesso de moeda não causa consequências no nível de preços podem, no limite, causar uma
situação de hiperinflação, quando as expectativas inflacionárias saem do controle.
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4. Solvência governamental
No caso em que a taxa de crescimento do PIB nominal cai a 3%, no entanto, o coeficiente da dívida
No caso em que a taxa de crescimento do PIB nominal cai a 3%, no entanto, o coeficiente
subiria
da dívida100%.
para subiriaDa mesma
para 100%.forma, isso forma,
Da mesma aconteceria se a taxa de
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para do
5%.déficit subisse para 5%.
13Assim, o espaço
de 22 | MISES: de manobra fiscal depende da diferença entre
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o valor do serviço da dívida e o resto do
orçamento. Para se entender essa relação, tem-se que o chamado superávit primário representa a receita
No caso em que a taxa de crescimento do PIB nominal cai a 3%, no entanto, o coeficiente da dívida
subiria para
A TEORIA 100%.MODERNA:
MONETÁRIA Da mesma forma,
UMA AVALIAÇÃO issoPREMISSAS
DE SUAS aconteceria se a taxa POLÍTICAS
E SUAS CONSEQUÊNCIAS de crescimento do PIB nominal
permanecesse constante em 5%, mas o quociente do déficit subisse para 5%.
Assim,
Assim, o espaço
o espaço de manobra
de manobra fiscal depende
fiscal depende da diferença
da diferença entre
entre o valor o valordado
do serviço serviço
dívida da do
e o resto
dívida ePara
orçamento. o resto do orçamento.
se entender Para setem-se
essa relação, entender
queessa relação, superávit
o chamado tem-se que o chamado
primário superávit
representa a receita
primário representa a receita pública (T) menos os gastos do governo sem o pagamento de
pública (T)(G’):
juros menosT – os
G’.gastos do governo sem o pagamento de juros (G’): T – G’.
O peso
O peso da dívida
da dívida de longo
de longo prazoprazo em relação
em relação ao superávit
ao superávit primárioprimário
é: é:
� � �� 𝐵𝐵
� �� � 𝑔𝑔∗ � ⋅
𝑌𝑌 𝑌𝑌
Essa
Essa fórmula
fórmula mostra
mostra o tamanho
o tamanho do superávit
do superávit primário
primário nec necessário para manter a solvência.
Na medida em que a taxa de juros real (r) excede a taxa de crescimento real (g*), o governo
deve gerar um superávit primário para manter-se solvente. Caso contrário, o peso da dívida
se tornaria insustentável.
Na equação acima, o crescimento real da economia (g*) depende do progresso tecnológico
e da acumulação de capital físico e humano, que são fatores de longo prazo. Além disso, mesmo
que o banco central seja capaz de manipular a taxa nominal de juros, a taxa real de juros
(r) está ancorada à taxa natural, que é determinada pela preferência temporal na sociedade
(IORIO, 2011).
O coeficiente da dívida pública cai quanto maior o superávit primário e o crescimento
real da economia e quanto menor a taxa real de juros. Para a política econômica surge assim
a tarefa de gerar um superávit primário pela política orçamentária e implantar uma política
macroeconômica orientada ao aumento do crescimento natural da economia.
Assim, facilitar o progresso tecnológico e promover a acumulação de capital físico e
humano são os passos necessários para melhorar a produtividade econômica e aumentar a
taxa natural do crescimento econômico, enquanto uma política de boa governança contribuirá
a estabelecer confiança e assim reduzir a taxa natural de juros.
No Brasil, a proposta da MMT de que o resultado primário do governo não importa foi
defendida por Resende (2019) a partir da suposição de que a taxa de juros estipulada pelo banco
central seja menor que a taxa de crescimento da economia. A política fiscal expansionista só
se torna um problema se a taxa de juros for maior que a taxa de crescimento da economia.
Como a taxa básica de juros está sob controle do banco central, o governo não sofre restrições
financeiras.
O Brasil pratica o regime de metas de inflação, em que o Banco Central tem como objetivo
manter a taxa de inflação dentro de um determinado intervalo e utiliza a taxa de juros como
instrumento de política monetária4. Para alcançar o objetivo da MMT, esse regime daria
lugar a um controle da inflação por meio da política fiscal, aumentando os impostos quando
o excesso de demanda agregada pressionasse a oferta agregada.
Seguindo os passos de Lerner (1943), que defende uma taxa de juros que produza o nível
mais desejável de investimentos, Resende (2019) propõe que o banco central tire o foco do
No regime de metas de inflação, sempre que a inflação está alta (baixa), o banco central eleva (reduz) a taxa
4
de juros para causar um choque no produto e levar a inflação de volta à meta. Resende (2017) argumenta que,
em uma situação de dominância fiscal, uma taxa de juros elevada para controlar a inflação é ineficaz e acaba
causando tanto uma inflação elevada quanto uma paralisia dos investimentos.
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5. Pretensão do conhecimento
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Dadas as relações econômicas entre os diferentes indivíduos, a moeda tende a se espalhar por
toda a economia e a causar distorções nos preços relativos.
Com relação ao plano governamental de garantia de emprego, algumas implicações
negativas exigem maior detalhamento. Ao supormos que o governo pratica um plano de
emprego e diminui a taxa de desemprego abaixo da NAIRU, levando-a por exemplo ao nível
NAIBER, tem-se que o mercado de trabalho atinge um novo equilíbrio. O governo se comporta
como uma imensa firma, capaz de empregar uma quantidade muito grande de trabalhadores.
O objetivo dessa política é que os trabalhadores sejam empregados pelo governo até que o
setor privado os absorva. Isso, contudo, tem como implicação que, dado que a demanda por
trabalho é maior, os salários tendem a subir.
Assumimos que o governo é capaz de absorver uma parcela maior de trabalhadores e, com
isso, diminuir a taxa de desemprego. Além disso, assumimos que a taxa de desemprego não
aceleradora da inflação, NAIRU, é menor do que se acredita convencionalmente, de maneira
que a absorção desses trabalhadores pelo governo não causará pressões inflacionárias. Essa
segunda suposição carece de conexão com a realidade. O conceito de NAIRU mostrou-se
inviável de se aplicar em políticas econômicas. O governo não tem como determinar a taxa
de desemprego que não causa inflação, por mais sofisticados que sejam seus modelos.
O argumento se estende. O governo, ao aumentar a demanda por trabalho, faz com que o
salário exigido por trabalhadores para sair de sua posição no setor público para o setor privado,
se eleve. O trabalhador já empregado deve exigir uma compensação salarial para trocar de
emprego, que é análogo, na teoria neoclássica dos salários, a um aumento do salário de reserva.
Portanto, a questão não é se atingir uma nova e menor taxa de desemprego que não acelere
a inflação, que a MMT propõe chamar de NAIBER. Como o objetivo da política é criar uma
reserva de trabalhadores, o resultado é uma pressão altista sobre os salários quando o setor
privado aumentar sua demanda por trabalho. Em outras palavras, a política do governo se
dá em dois passos: no primeiro passo, o governo contrata até a economia operar no NAIBER,
e isso não causa pressões inflacionárias; no segundo momento, o setor privado demanda
trabalho e recorre aos trabalhadores empregados pelo governo, que exigem salários mais
altos para trocar de emprego.
Isso acarreta consequências à produção do setor privado. Por um lado, o encarecimento
do trabalho, que se dá num segundo momento da política, faz com que as empresas contratem
menos trabalhadores e, dada uma função de produção, atinjam um nível de produto inferior
àquele que atingiriam caso operassem com mais trabalhadores. Por outro lado, caso as empresas
decidam empregar o mesmo nível de trabalho pagando salários mais altos, a consequência
seria uma diminuição dos lucros das empresas. A queda dos lucros, por sua vez, pode ser
respondida pelas empresas com aumento dos preços dos produtos que elas vendem.
Além disso, a política do governo teria como objetivo empregar aqueles trabalhadores de
classe mais baixa, como política social e não apenas econômica. Ao supormos esse objetivo,
temos que as pressões salariais se darão justamente naqueles setores em que a produtividade
do trabalho é baixa. Acontece que as empresas não estarão dispostas a empregar trabalhadores
a salários mais altos que sua produtividade, justamente porque incorreriam em prejuízos ou
seriam levadas a aumentar os preços.
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Os dados usados em cálculos econômicos nunca estão à disposição de uma única mente,
ou de um grupo de mentes, que poderia aplicar os resultados da análise. O conhecimento
das circunstâncias não existe de maneira concentrada ou integrada, mas apenas como partes
incompletas e frequentemente contraditórias de conhecimento que cada indivíduo possui
(HAYEK, 1945).
As disputas tanto na teoria quanto na política econômica têm origem na concepção
equivocada da natureza do problema econômico da sociedade, qual seja, a dispersão do
conhecimento. Em outras palavras, trata-se do problema da utilização do conhecimento que
não está dado a ninguém em sua totalidade (BARBIERI, 2013)
O problema da divisão do conhecimento é análogo ao problema da divisão do trabalho. O
que se pretende resolver é como a interação espontânea de um número de pessoas, cada uma
com apenas frações de conhecimento, leva a uma situação que poderia ser atingida pela direção
deliberada de alguém que possui o conhecimento combinado de todos esses indivíduos. O
aspecto mais amplo do problema do conhecimento é o conhecimento do fato básico de como
as diferentes mercadorias podem ser obtidas e usadas e sob quais condições elas são de fato
obtidas e usadas, isto é, a questão geral de por qual motivo os dados subjetivos às diferentes
pessoas correspondem aos fatos objetivos (HAYEK, 1937).
A tendência de se utilizar de modelos cada vez mais elaborados tem afastado a ciência
econômica da realidade. A ciência econômica tem se preocupado mais com o desenvolvimento
de pesquisas rigorosas do que com a solução de problemas reais. Essa crítica de Friedrich von
Hayek ficou conhecida como pretensão do conhecimento.
A ciência econômica se aproximou das ciências naturais e está mais preocupada com a
elegância de seus modelos. Isso leva ao desenvolvimento de estudos que “confirmam” teorias
falsas, justamente por serem mais científicas. Enquanto isso, as explicações válidas para os
fenômenos econômicos são rejeitadas pois carecem de evidências quantitativas (HAYEK, 1989).
O que se observa, portanto, é que o trade-off entre rigor e realidade na ciência econômica
deu origem a modelos extremamente elaborados e, ao mesmo tempo, completamente alheios
a soluções viáveis. A ascensão da Teoria Monetária Moderna, que pouco tem de moderna,
se dá nesse contexto. A MMT é apresentada de maneira elegante para mascarar aquilo que
a experiência já provou equivocado. O resultado, caso a MMT seja aceita pela classe política,
será um passo para longe da liberdade individual, rumo ao socialismo e à miséria.
Considerações Finais
1. O governo não sofre restrições financeiras e que, por isso, os déficits não importam;
2. As restrições na economia real podem ser vencidas se o governo identificar os setores onde
há ociosidade; e
3. A taxa natural de desemprego é mais baixa do que se acredita e o governo deve empregar
esse excedente de trabalhadores.
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A TEORIA MONETÁRIA MODERNA: UMA AVALIAÇÃO DE SUAS PREMISSAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS POLÍTICAS
Com relação às origens da MMT, além do Cartalismo de Friedrich Knapp (1924), suas ideias
são fortemente influenciadas pela Revolução Keynesiana, mais notavelmente em seu ramo neo-
marxista. Embora a Teoria Monetária Moderna não possa ser caracterizada como uma teoria
econômica kaleckiana em seu núcleo, a influência da economia de Kalecki na MMT é difícil
de ignorar. De fato, foi Kalecki quem impulsionou a noção de que “déficits não importam” e
que os gastos do governo criam, por si só, o excedente de poupança no setor privado.
Os principais pontos de crítica à origem kaleckiana da MMT são de que não há causalidade
em agregados estatísticos e de que poupança, em modelos macroeconômicos, não é apenas
poupança privada, mas poupança nacional, o que inclui a poupança pública. Se a poupança
pública é negativa, a poupança macroeconômica diminui enquanto a formação de capital é
reduzida. Se os investimentos são iguais à poupança privada e há déficit público, isso implica,
ceteris paribus, em um déficit na balança comercial. Nesse caso, um déficit público não aumentaria
a poupança macroeconômica. O modelo macroeconômico da MMT é epistemologicamente,
teoricamente e praticamente (causalidade, modelagem de atores e aplicação da política econômica)
deficiente.
A Teoria Monetária Moderna nega a complexidade da economia que opera hoje em escala
global. A coordenação da ação individual entre os consumidores e os produtores em uma
rede tão complexa precisa de mercados para os quais o planejamento de políticas não é um
substituto. Mais ainda do que antes, uma nova onda de planejamento econômico baseada na
arrogância da pretensão de conhecimento não traria prosperidade e estabilidade, mas miséria
e caos. Uma vez iniciados, os planos de política econômica da Teoria Monetária Moderna
levariam o país ao socialismo.
A MMT serve como um álibi acadêmico para uma política utópica. Se não houver restrição
fiscal para os gastos públicos, a oposição a enormes programas de gastos públicos perde sua
legitimidade e projetos como o Medicare, universidade gratuita para as massas, o Green New
Deal e uma modernização completa da infraestrutura do país podem ser lançados. A MMT
fornece o discurso para a agenda dos socialistas democratas de que a escassez poderia ser
abolida com a política correta.
Parte da razão pela qual a MMT se tornou popular é resultado do fracasso da chamada
economia mainstream ou mainline. A tendência de sacrificar a relevância pela elegância, de
colocar a matemática antes do insight e testar os resultados antes do conhecimento, levou a uma
desconfiança popular da economia. Enquanto mais economistas obtiveram posições poderosas
no governo e se tornaram importantes formuladores de políticas, o papel do economista, como
representante das verdades econômicas, diminuiu.
Cada vez mais, a economia tradicional eliminou o empreendedor e o papel do capital de
seus modelos. Agregados estatísticos substituíram a ação humana. O cientismo substituiu o
conhecimento. Desta forma, o portão se abriu para os charlatões. Seria um grave erro subestimar
o potencial da Teoria Monetária Moderna de se tornar uma forma popular de abordar questões
econômicas e se transformar em um movimento politicamente importante.
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