Olavo de Carvalho - Aula 308 - COF - (Transcrição de Carla Farinazzi)
Olavo de Carvalho - Aula 308 - COF - (Transcrição de Carla Farinazzi)
Olavo de Carvalho - Aula 308 - COF - (Transcrição de Carla Farinazzi)
A maior parte das pessoas que estão falando de golpe militar, nem sabe
o que é Estado-Maior, quanto mais ter uma idéia do que se discute ali.
E, no entanto, esta discussão a respeito do nada (a respeito de uma
bolha de sabão) despertou as maiores emoções positivas e negativas.
Teve pessoas que choraram. Uma vez escrevi umas coisas mostrando
que o golpe militar era inviável, teve uma moça que chorou, ela havia
apostado tanto naquilo.
Eu achei que aquilo era uma ejaculação precoce, mas não podia apostar
que daria errado ou que daria certo. Então, o que fazer? Ajudar, sem ter
ilusão de onde a coisa vai, sem emitir diagnósticos deprimentes para
não tirar o entusiasmo das pessoas, mas também sem se entusiasmar
muito. Quando vimos aquela massa de gente nas ruas e vimos as
pesquisas que davam 93% da população contra o governo — e dos 7%
restantes, 6% achando que o governo era apenas regular, reduzindo o
apoio a 1% —, o que temos nas mãos é uma revolução. A massa não
aceita mais as autoridades, o nível de desrespeito às autoridades
chegou ao supra-sumo (por exemplo, nos estádios, as pessoas xingando
a Dilma), é um fenômeno inédito na história do mundo: isto nunca
aconteceu. O governante pode ser vaiado, mas xingado dessa maneira?
Nunca aconteceu. E xingado por massa popular mesmo. Então,
estávamos com uma revolução brasileira nas mãos, o povo contra o
estamento burocrático, como diria Raymundo Faoro.
Nós estamos nas mãos de pessoas que não são capazes de articular um
problema. E isto é regra geral. Mas eles estão lidando com outras
pessoas, de outra geração, que sabem muito bem articular um
problema e sabem o que fazer. Eu penso: se eu fosse um tucano, o que
eu faria diante destas movimentações populares? Supondo-se que eu
chegasse lá e não me deixassem subir no palanque, cuspissem na
minha cara e me mandassem embora. Eu pensaria: eu vou sofrer tudo
isso por causa dessa Dilma? Não, de jeito nenhum, temos de nos livrar
dela e livrar o nosso. Como fazer isso? Não podemos manipular as
massas, mas existem pessoas que foram apontadas pela mídia como
líderes da manifestação ex post facto — ou alguém vai dizer que as
massas saíram às ruas convocadas pelo Fabio Ostermann ou pelo Kim
Kataguiri? Não, elas nem sabem quem as convocou, as palavras de
ordem se espalharam pela Internet, foi uma coisa de louco, muito
rapidamente. A pessoa mais popular que havia ali era o Lobão. O Lobão
chamava as pessoas a ir para a rua, todo mundo ia. O único sujeito que
poderia posar como líder, se quisesse, seria o Lobão, foi ele quem
convocou, foi a voz dele que chegou às pessoas. Os outros não, são
todos uns ilustres desconhecidos. Eu também não posso ser apontado
como líder, pois eu não gritei que fossem para a rua, eu só me limitei a
observar que se precisassem de alguma coisa, eu daria uma força, de
longe.
Pergunte àquele povo que se reuniu nas ruas se eles estão, de fato, na
tradição das Diretas-Já, na tradição na luta contra [o Collor], na
tradição de todos os seus inimigos, na tradição dos ladrões, na tradição
do Foro de São Paulo: é isto que eles estão ali para aplaudir? Claro que
não. No entanto, veja a facilidade com que foi virado, porque tudo isto
não é testado perante a opinião pública, é tudo uma conversa de
gabinete.
Eu espero, eu rezo para que estas pessoas que fizeram isto, o tenham
feito por malícia. Porque se fizeram com boa intenção, são mais idiotas
do que eu mesmo poderia imaginar. Espero que o sr. Fabio Ostermann
seja um sujeito maquiavélico, maligno e que quis ferrar com tudo,
vendendo tudo aos tucanos. Se ele fez isto, então fez bem feito. Porém,
se ele acredita, se fez de boa intenção, se acha que isto vai libertar o
Brasil do PT e do Foro de São Paulo, sinto muito, então acabou a
conversa. Não dá pra conversar com um frango assado, realmente não é
possível.
Ou seja, onde você não pode agir, você pode sobreviver, e durante a
sobrevida você se fortalece, e se fortalece e se fortalece. E se fortalece,
sobretudo, preparando-se para enfrentar o pior com um sorriso nos
lábios. Vamos supor que venha amanhã um bando de petistas e digam
que vão me levar ao pelotão de fuzilamento. Eu apenas responderia que
é um prazer. Eu aceito isso, eu não tenho nenhum medo da morte, zero
de medo da morte. Se eu ainda tivesse medo da morte com 68 anos, eu
seria um idiota. Pode-se ter medo da morte aos 12 ou 13 anos, quando
[diz que] se tem ainda uma vida inteira para viver. Eu tenho uma vida
inteira para morrer. Você tem de estar preparado para isto, é aquilo dos
Founding Fathers, você tem de sacrificar sua vida, seus bens, sua
liberdade e sua honra; [quando digo isso me questionam] que a honra
não, ficam com medo de ser xingados e de rirem das suas caras. Mas
eles não riem da minha, qual o problema? Eu também rio da deles, isto
não dói.
O petróleo é um combustível fóssil? Até onde eu li, pode ser que seja e
pode ser que não seja. Portanto, nenhuma destas duas teorias é risível
em si mesmas; a risada não é um argumento científico. E assim por
diante. Eu estudo muito mais história do que filosofia, os livros de
filosofia que valem a pena ler são poucos, mas os de história são
muitos, toda hora aparece coisa nova; o sujeito não precisa ser um
grande historiador para descobrir algo que os outros não sabiam. Por
exemplo, Henry Kamen, que escreveu The Spanish Inquisition: A Historical
Revision, não é nenhum Leopold Von Ranke, não é nenhum Jacob
Burckhardt, ele é apenas um cara que descobriu algo importante sobre
a Inquisição Espanhola. Livros deste tipo existem de monte e de
monte. Não só na esfera histórica, na esfera científica também. Outro
dia caiu-me às mãos o livro A Teoria Lunar Esquecida de Newton[1]. O
autor descobriu todo um aspecto das investigações de Newton que
ninguém conhecia, nunca ninguém tinha ouvido falar, e no entanto
estava tudo nos escritos de Newton, ele fez estudos sobre o ano lunar.
Coisas como estas aparecem a toda hora. Sem contar aquelas que não
apareceram agora, mas que você só ficou sabendo agora. Eu sempre
soube, por exemplo, que tinha acontecido uma vasta campanha de
difamação anti-católica, e sobretudo anti-Inquisição, desde o tempo da
Reforma, sempre soube disso. Mas, nestes últimos dias, devido a uma
discussão que surgiu no Facebook, pensei em ler mais coisas sobre
isso, me informar mais. Eu quase caí de costas: descobri que a
campanha havia sido imensamente maior do que eu imaginava. Maior,
mais contínua e toda ela feita de lendas urbanas. Acho que não tem
uma pessoa no Universo, pelo menos no mundo Ocidental, que não
tenha visto no cinema máquinas de tortura usadas pela Inquisição.
Todos os historiadores que entraram no assunto afirmam que tais
máquinas nunca existiram. Mas só os historiadores o dizem, o cinema
continua mostrando as máquinas, o pastor protestante da esquina
continua falando das máquinas. Isto é um fator histórico tão relevante,
mas tão relevante, que praticamente, esse anti-Catolicismo foi a
espinha dorsal da cultura americana do século XIX. Era o único ponto
que havia em comum entre todas as igrejas protestantes, elas não
concordavam em nada, apenas neste ponto: este era o centro
unificador. E era uma força política tão extraordinária, que chegou a
haver processos, já no começo do século XX, para fechar a Igreja
Católica nos Estados Unidos, porque ela representava um risco
iminente para o regime democrático. Um risco inexistente, mas, tal
como aparecia na lenda urbana, o Papa não fazia outra coisa a não ser
conspirar contra a democracia americana — contra a qual ele não fez
nada, zero. Pior, há o livro (e foi o que mais me espantou) Anti-
Catolicismo na Ficção Americana do século XIX[2]. A literatura de ficção
americana foi inundada por esses mitos da Inquisição, o mito de que a
Igreja Católica foi fundada por Constantino e coisas desse tipo.
Isto penetrou tão fundo, mas tão fundo, que chegou a afetar grandes
escritores ingleses e americanos. Henry James caiu nessa, Anthony
Trollope caiu nessa, William Dean Howells — um dos maiores
escritores americanos de todos os tempos — caiu nessa. Na Inglaterra,
Benjamin Disraeli, que era um judeu simpático à Igreja Católica,
escreveu muita coisa a favor da Igreja Católica. Ele teve uma discussão
com o Cardeal Manning a respeito da Irlanda — o Cardeal era a favor
da independência da Irlanda —, e de repente [Disraeli] virou 180 graus
e escreveu um dos romances mais anti-católicos de todos os tempos,
que fez um sucesso mundial. Imaginem alguém que foi Primeiro-
Ministro da Inglaterra e escreve um romance: todos vão ler, ainda que o
romance não seja bom (era bom, na verdade, Disraeli era um excelente
escritor).
Não precisa nem dizer que coisas deste tipo são interpretadas
automaticamente como uma guerra anti-protestante. Os sujeitos
movem uma guerra publicitária de quatro séculos e pelo simples fato
que digo que isto aconteceu, sou eu que estou movendo a guerra. Aí, a
inversão já vira delírio completo. Que conclusão eu tirei disso? Não
tirei conclusão alguma ainda, por enquanto estou na fase de medir o
tamanho do problema.
Vamos supor que você seja católico e acredite na Santa Madre Igreja, na
doutrina etc.; você já parou para pensar: e se tudo isso for falso? E se a
Igreja Católica estiver 100% enganada? Se você nunca pensou nesta
hipótese, você não pode ter certeza de que a Igreja esteja certa. Se não
há confrontação com a dúvida, a sua fé não vale absolutamente nada. Se
você é apenas uma criancinha e a sua alminha precisa ser cuidada para
que você não tenha tentação, então vamos preservá-lo de todas as
objeções — é como manter um garoto na ilusão de que existe Papai
Noel, os ensinamentos da Igreja vêm junto com isto. Eu me lembro,
quando eu tinha uns 6 ou 7 anos, tudo isto na minha cabeça estava
sintetizado, era uma coisa só: Papai Noel, Jesus Cristo, a Igreja
Católica. Mas, se você já é uma pessoa adulta, quanto vale a sua fé?
Quando vemos a história dos Santos, a história da Igreja, toda doutrina
católica durante dez séculos foi feita no confronto com objeções.
Ninguém chegou e disse que ia formular a doutrina católica; essa idéia
apareceu só no tempo dos escolásticos, na verdade no século XII.
Antes, eram só respostas a objeções, respostas a dúvidas. Toda a
literatura patrística e boa parte da escolástica são discussões com ateus,
inimigos da fé, gente ligada à religião antiga, eles não tinham medo de
nada disso. Imagine se Santo Ambrósio diria que não ia se meter com
esses heréticos, pois eles colocariam dúvidas na cabeça dele. De forma
alguma, ele lia [as objeções], examinava seriamente tudo, queria saber
qual era o problema. Pode ser que o herético ou o ateu seja um sujeito
sincero, e pode ser até que ele revele algum lado da coisa que eu não
havia percebido. Outro dia coloquei este conselho no Facebook: depois
de adquirir os rudimentos do método filosófico e ter alguma cultura
filosófica, você se abrirá a tudo, sem medo de coisa alguma. Você ficará
em uma confusão durante algum tempo, mas é desta confusão que vão
aos poucos aparecendo os delineamentos de algumas certezas
fundamentais, as quais não vão cair mais. Algumas destas certezas são
o que chamo patamares da filosofia. Como por exemplo o
Ápeiron, quando Anaximandro diz que nós vivemos em um mundo
conhecido que boia dentro do desconhecido. Alguém é capaz de refutar
isso? Alguém viveu em algum outro mundo que não esse? Nunca,
ninguém: isso é a certeza final, acabou.
Sim, cheguei a esta conclusão final. E que conclusões eu tiro daí para o
restante do universo do conhecimento? Por enquanto, nenhuma. Nós
podemos ter certezas, mas são sobre pontos definidos, em geral pontos
demasiado genéricos e abstratos. E a realidade concreta, em seu fluxo e
variedade constantes, continua sendo incerta, e o conhecimento dela
vai requerer sempre a mesma paciência, as mesmas contradições, a
mesma confusão interior etc.
A imagem da nação é vista através das classes falantes, [e com isto] não
estou querendo dizer que na massa popular não existam santos e
heróis. Claro que existem, só que não os conhecemos, só vemos as
classes falantes e é nelas que só vemos mesquinharia, mentira,
fingimento, teatrinho, a um ponto tal, que às vezes penso em desistir
da nacionalidade brasileira. Eu não quero ser isso. Não desisti ainda,
mas que dá vontade, dá e acho que muita gente sente isso. Você não
quer aparecer perante o mundo com este carimbo em você — o carimbo
daquela nação de ladrõezinhos, mentirosinhos, fingidos. O que é isto?
Cadê os seus heróis, cadê os seus santos? Cadê os seus gênios? Não
tem. Isto tudo acabou porque é só a alta cultura que gera isto. Então,
[vocês têm de] entender a sua missão.
[1] Newton’s Forgotten Lunar Theory: His contribution to the quest for
longitude, Nicholas Kollerstrom
[intervalo]