O documento apresenta uma resenha sobre o livro "Os mestres da humanidade" de Karl Jaspers, que analisa as figuras de Sócrates, Buda, Confúcio e Jesus. Jaspers argumenta que esses quatro personagens tiveram influência profunda na humanidade ao apresentarem caminhos de elevação espiritual e ensinamentos éticos que ainda guiam as pessoas hoje. O texto descreve as visões e contribuições filosóficas de cada um desses mestres para a evolução do pensamento humano.
O documento apresenta uma resenha sobre o livro "Os mestres da humanidade" de Karl Jaspers, que analisa as figuras de Sócrates, Buda, Confúcio e Jesus. Jaspers argumenta que esses quatro personagens tiveram influência profunda na humanidade ao apresentarem caminhos de elevação espiritual e ensinamentos éticos que ainda guiam as pessoas hoje. O texto descreve as visões e contribuições filosóficas de cada um desses mestres para a evolução do pensamento humano.
O documento apresenta uma resenha sobre o livro "Os mestres da humanidade" de Karl Jaspers, que analisa as figuras de Sócrates, Buda, Confúcio e Jesus. Jaspers argumenta que esses quatro personagens tiveram influência profunda na humanidade ao apresentarem caminhos de elevação espiritual e ensinamentos éticos que ainda guiam as pessoas hoje. O texto descreve as visões e contribuições filosóficas de cada um desses mestres para a evolução do pensamento humano.
O documento apresenta uma resenha sobre o livro "Os mestres da humanidade" de Karl Jaspers, que analisa as figuras de Sócrates, Buda, Confúcio e Jesus. Jaspers argumenta que esses quatro personagens tiveram influência profunda na humanidade ao apresentarem caminhos de elevação espiritual e ensinamentos éticos que ainda guiam as pessoas hoje. O texto descreve as visões e contribuições filosóficas de cada um desses mestres para a evolução do pensamento humano.
Baixe no formato PDF, TXT ou leia online no Scribd
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 7
Os mestres da humanidade
José Mauricio de Carvalho – UFSJ
Pós-Doutor em Filosofia – Universidade Nova de Lisboa – Portugal e UFRJ Fone: (32)3379-2455 E-mail: [email protected]
Data de recepção: 11/03/2011
Data de aprovação: 18/03/2011
Resenha: JASPERS, Karl. Os mestres da humanidade. Coimbra: Almedina,
2003. 165 p.
Karl Jaspers refere-se a Sócrates, Buda, Confúcio e Jesus como
quatro mestres da humanidade. Nenhum outro homem teve influência tão profunda para um tão grande círculo de pessoas como esses quatro personagens. Ao falar nos quatro mestres para toda a humanidade fica evidente o esforço do filósofo em pensar a história humana como um conjunto, onde é possível ainda que de forma provisória e aproximativa, encontrar certo nexo entre os acontecimentos, o legado axiológico e a evolução técnica e intelectual. O estudo dos mestres da humanidade corresponde, no pensamento de Karl Jaspers, ao estabelecimento de um sentido e critério de unificação da história universal. O que há de comum entre eles é a apresentação de um caminho de elevação espiritual que consiste em transcender a experiência comum da vida e instituir uma existência humana num padrão visivelmente mais elevado. Confúcio aponta para a elevação íntima como resposta para o ritualismo fossilizado do seu tempo e propõe uma moralidade centrada na pessoa. A consciência moral torna-se, em sua proposta, a instância moral, em que se decide o que será feito. A meditação de Sócrates transfere o exame do cosmo, que foi típica dos primeiros filósofos gregos, para as questões pessoais. Com Jesus, a questão fundamental é a implantação do Reino de Deus, que ele anuncia e antevê nos sinais de sua manifestação. O legado desses homens é um conjunto de ensinamentos que fizeram deles guias da humanidade. Os quatro foram combatidos pela religião oficial e o caminho proposto por eles possui implicações éticas, embora nem sempre com ideias filosóficas. Eles nos deixaram um legado: são personagens que viveram no chamado período axial da humanidade, um tempo entre o século VIII e II a.C. quando se estabeleceram os valores nucleares em torno dos quais circulamos ainda hoje. Jaspers fala de quatro grandes períodos da história humana: uma fase inicial em que surgiu a linguagem, outra em que floresceram as grandes civilizações, o mencionado período axial e, um último, que começa com o desenvolvimento técnico científico da Europa moderna. No período axial, avalia o filósofo, parece construir-se a evolução espiritual que norteia a vida do homem até nossos dias. Apenas Cristo está fora do período indicado, mas suas pregações o aproximam do movimento profético de Israel, perfeitamente integrado no período indicado. Foi no período axial que o homem tomou consciência do problema do ser na sua totalidade e da necessidade de justificar a própria existência. É considerando sua vida diante do mundo que o homem se depara com os limites que o colocam entre o espanto e o temor frente à transcendência. O primeiro dos mestres estudados é Sócrates (469 – 399 a.C.), morto aos setenta anos pelo governo democrático de Atenas. Ele desenvolveu um método de reflexão através de diálogos inquietantes nos quais os participantes sentiam-se perplexos. Na visão de Jaspers, Sócrates não se enquadra propriamente numa história grega de posicionamentos teóricos quando exerce seu trabalho de busca da verdade, procedendo na maiêutica como um parteiro de ideias. Sócrates supunha que, ao decompor as ideias, o verdadeiro emerge na consciência com o apoio de Deus. Comenta Jaspers: “Nisto reside o caráter memorável e singular de Sócrates: ele leva a crítica ao extremo, e vive permanentemente sob uma instância absoluta a que pode chamar o verdadeiro, o bem, a razão” (JASPERS, 2003, p. 25). Além desse trabalho, Sócrates é admirável pela forma serena com que enfrenta um julgamento injusto que lhe move a cidade. Mesmo quando advertido da punição que lhe seria imputado se continuasse a ensinar aos jovens “não se retirou aristocraticamente, não cultivou uma escola em círculos fechados, tendo, antes, se exposto nas ruas a mais ampla publicidade” (idem, p. 28). Enfim, ele é admirável pela coragem e pelo procedimento ético advindo da convicção de que aqueles que agem justamente não enfrentarão o mal, mesmo que a vida do corpo lhes seja retirada. Depois de morto, foram muitas as interpretações construídas sobre Sócrates. Todas elas revelam um aspecto misterioso de sua realidade, nunca perfeitamente encontrada nesses relatos. Para Sócrates, a morte não é trágica e ele ousa viver para a imortalidade, já que tal crença é ousadia possível. Ele vive distanciado da vida comum, mas se revela “amorosamente preocupado com as pequenas realidades humanas” (idem, p. 33). Ao longo da História da Filosofia foram feitas muitas as releituras do legado de Sócrates. Jaspers atribui à Sören Kierkegaard o melhor reconhecimento de Sócrates elaborado no mundo moderno. Segundo Kierkegaard a atuação de Sócrates é a procura continua do verdadeiro. É ele quem dá às Ciências um impulso desconhecido e dá fundamentação à escrita cifrada do ser consagrada pela filosofia pré-socrática. “O pensamento socrático, conclui Jaspers, é expansivo, é atraído pela verdade que apenas se deixa tocar pela ignorância consciente” (idem, p. 42). Com isso, Jaspers avalia que Sócrates toca no essencial desafio da Filosofia ao permitir que o verdadeiro e o bem se anunciem sem se esgotar no que é pensado pelo sujeito. Esse é um entendimento caro a Jaspers que considera que o ser mesmo não pode aparecer como objeto na consciência, nem como sujeito, pois sendo englobante ele apenas se anuncia no que é pensado. O segundo dos mestres examinados por Karl Jaspers é Buda (560-480 a.C). De origem nobre o jovem Gautama, assim se chamava, vivia no pequeno Estado de Kapilavastu. Jaspers observa que ele tinha uma existência feliz e despreocupada até tomar contato com os fatos essenciais da existência: “a velhice, a doença e a morte” (JASPERS, 2003, p. 46). Esses aspectos marcantes da existência o levaram a optar por uma vida ascética onde esperava obter a salvação. Depois de insistir sem sucesso na via ascética alcançou a iluminação enquanto meditava. Naquele momento deparou-se com “o que existe, por que existe, como é que os seres são tragados na cega sede da vida pelos caminhos errados da alma (...), o que é sofrimento, de onde provém, como pode ser superado” (idem, p. 47). Ele estabelece como método de meditação o caminho do meio, isto é, nem entregar-se aos prazeres e nem submeter-se à autotortura da ascese. No início do processo de iluminação mergulha no silêncio para as coisas do mundo. Mais tarde inicia um contato com discípulos. Esses eram instruídos a abandonarem a terra, a família e a profissão e a peregrinar por vastas regiões. A doutrina de Buda anuncia a libertação pelo conhecimento: “o reto saber já é, enquanto tal, a salvação” (idem, p. 50). O conhecimento filosófico e a meditação só se efetivam ao lado de uma vida pura “plantada no agir moral” (idem, p. 51). A doutrina de Buda é construída sobre oito articulações: ‘fé justa, decisão justa, palavra justa, ação justa, ambição justa, pensamento justo, concentração justa” (idem,p. 51), que se desdobram em ações morais, meditação, conhecimento e libertação. “O decisivo é que na especulação, na meditação e no ethos seja sempre a vontade humana que estabeleça e atinja o objetivo" (idem, p. 52). A veracidade, procurada na verdade do agir e do falar, é o que orienta a vida dos discípulos. Enquanto prepara seus seguidores Buda abandona a atitude inicial de isolamento e silencio e proclama que o verdadeiro e maior milagre é conduzir o outro à iluminação, o que dá nova dimensão ao seu trabalho. O objetivo da existência é superar a aflição, o desespero, a ignorância e o gosto do transitório. Buda nega a realidade de um eu próprio, ficando por se entender quem é salvo para ele. O existente, ele explica, agrega os sentidos e seus objetos com as forças inconscientes. A identidade particular do sujeito nasce a cada reencarnação. Assim, não há um Eu a ser salvo, estando as várias existências associadas a um karma impessoal. O ponto alto do conhecimento é o nirvana, que é o espaço de libertação. Os pensamentos conduzem à libertação, o que faz de Buda o “anunciador do caminho de salvação” (idem, p. 60). As questões filosóficas não eram, para ele, decisivas para a salvação, mas a vida moral sim. Para difundi-la, Buda criou uma comunidade de monges que era simultaneamente “a via de salvação para o indivíduo e instrumento da difusão da doutrina na peregrinação pelo mundo” (idem, p. 65). Na avaliação de Jaspers, o budismo constrói uma indiferença tal do mundo que leva o praticante a se colocar acima dos sofrimentos e tédio existencial, com o que o filósofo não concorda. O budismo proclama a libertação do mundo e não uma ação para transformá-lo. “Buda é a concretização de um modo de ser humano que no mundo, em relação com o mundo, não reconhece quaisquer tarefas, mas antes que no mundo abandona o mundo” (idem, p. 72). O personagem seguinte é Confúcio, que viveu de 551 a 479 a.C, praticamente contemporâneo de Buda. Como no caso dos outros grandes mestres é difícil conhecer com exatidão sua vida histórica, ficando o acesso às suas ideias, concentradas em textos que remetem ao próprio Confúcio. O tema fundamental do sábio era o saber da antiguidade que ele anuncia como seu profeta. A aprendizagem da tradição não é eficiente ou adequada sem o respeito às normas morais que asseguram a boa convivência. Eis o que diz Jaspers sistematizando Confúcio: “quem se comporta mal, nunca encontrará o essencial da aprendizagem” (JASPERS, 2003, p. 80). O processo de aprendizagem exige empenho e um continuado prestar conta a si mesmo desse processo. Isso significa que a aprendizagem é um ato contínuo. Conhecer não é diletantismo inútil. Só é válido o que foi aprendido quando pode ser empregado nos desafios concretos da vida e é usado para mudar a realidade do mundo. Afirma o pensador: “O mero pensamento é como o nada. A raiz da salvação humana reside no conhecimento que influencia a realidade” (idem, p. 91). Para a educação do povo é preciso cuidar do respeito aos costumes e difundir a música. No que tange ao primeiro assunto é importante observar que o mestre não distingue costume, moralidade e direito. “Daí com tanta mais clareza se possa lançar um olhar sobre a raiz comum entre os assuntos” (idem, p. 83). A música, por sua vez, também é instrumento para se moldar os espíritos. Então o bom governo é aquele que segue os costumes e estimula a música doce e serena. Esse governo age para alcançar dois objetivos fundamentais: o enriquecimento e a educação do povo. O ideal de homem para Confúcio é o do nobre, que é aquele que reúne em si tudo o que há de bom no conhecimento antigo e dos costumes. O processo educativo não afasta o homem do mundo, a educação só é possível na sociedade. Para bem viver o homem precisa aprender a se comunicar corretamente. Para assegurar uma adequada vida em grupo é importante assegurar a ordem social. Acrescenta Jaspers a essa síntese que a principal crítica que se faz às teses de Confúcio é sua ligação com o passado que não capta os desafios da vida e a abertura ao futuro. O novo, observa, traz desafios e precisa transcender o passado. Quem acompanha a meditação de Jaspers sabe que sua compreensão do passado passa pelo seu esclarecimento no presente. Jesus é o último dos mestres da humanidade estudados por Jaspers. Jesus anuncia o Reino de Deus que virá num futuro em aberto, mas cujos sinais já se anunciam no tempo vivido. O Reino não vem simplesmente, não cai de graça sobre a terra, ele exige adesão radical e aceitação do plano de Deus. Nos ensinamentos de Jesus o compromisso moral tem prevalência sobre o conhecimento da lei e sobre as práticas religiosas. O puro cumprimento exterior da lei leva à hipocrisia e afasta a pessoa do Reino. A adesão ao Reino é obra da fé, que é exigida para a salvação. Observa Jaspers: “Ela é imprescindível para a entrada no Reino de Deus. É a condição da salvação, e é já, ela própria, a salvação” (JASPERS, 2003, p. 118). Jesus anuncia essencialmente a fé na boa nova e não o seu conhecimento. Sua pregação guarda relativa ambigüidade sobre seu papel no Reino, mas vai caminhando para a identificação com Deus. À medida que ele se eleva espiritualmente, a realidade do mundo torna-se insuportável. A realidade mundana como ele a experimentava estava abalada e distante do Reino. Afirma Jaspers: “Jesus viu que todas as ordens e hábitos se haviam tornado farisaicas e mostrou a origem de sua dissolução” (idem, p. 131). Estar no Reino era o que Jesus almejava e isso era possível porque já se podia experimentá-lo no coração. Jaspers observa que o Deus anunciado por Jesus é o que está na Bíblia: “É o simplesmente Outro no qual se crê, mas que não pode ser visto” (idem, p. 129). Em nome desse Outro, Jesus arrisca tudo para levar adiante sua missão e anunciar o Reino. A experiência da morte e ressurreição de Jesus feita pela comunidade de discípulos fez dele o Cristo prometido no Antigo Testamento. Com sua morte violenta Jesus resgatou o significado do sofrimento. Sua mensagem liberta da angústia existencial ao tratar a cruz (o sofrimento) como parte da jornada humana. Na crítica que o filósofo tece ao legado cristão, o filósofo observa que a mensagem só sobreviveu por conta da atuação da Igreja, mas que a sobrevivência dela alterou o sentido inicial da mensagem. Para aguardar o fim do mundo num futuro desconhecido, enquanto Cristo o anunciara para breve, a mensagem de Cristo teve que ser seguidamente adaptada. Ao concluir sua análise do impacto causado por estes mestres da humanidade, Karl Jaspers observa que seus ensinamentos foram retocados depois de suas existências terrenas, pouco sabemos da história de cada um com base nos escritos que deles ficaram e que, ainda assim, eles causaram grande impacto entre seus contemporâneos. Há outras aproximações possíveis entre eles: todos faziam parte de um movimento geral da cultura, isto é, havia outros que pregavam o mesmo, mas se singularizaram pela forma como realizaram a própria missão; nenhum era propriamente filósofo, todos caminharam livremente no meio do povo perguntando e respondendo, todos reconheceram o valor do silêncio, calando-se diante de questões que julgavam impróprias, todos levaram as experiências humanas ao extremo. Jaspers entende que cada tempo pode fazer uma interpretação desses mestres, mas que é sempre uma ousadia fazê-lo. Quando lemos esse livro de Jaspers percebemos que os mestres anunciam muito do que o próprio filósofo acolhe e trata em suas obras. Ele, como os mestres, defende o auto-exame e a meditação como forma de alcançar equilíbrio interior, fala de viver como um colocar-se em sociedade em atitude de diálogo com os outros, considera a possibilidade de um contínuo aperfeiçoamento de cada homem, anuncia o contato com o transcendente como desafio da vida ao buscar o eterno no temporal, valoriza a vocação de cada pessoa como expressão de uma tarefa específica no mundo, fala das situações humanas de dor como desafios a serem superados, ensina que aprender a morrer é condição de uma vida autêntica, propõe exigências absolutas como guia de conduta moral, avalia que o homem busca a redenção diante da dor, aproxima o contato com Deus como essencial do desafio presente no filosofar, mostra pouca confiança no saber constituído e valoriza a autêntica consciência no momento da decisão. Enfim, todos os elementos estruturantes da filosofia de Jaspers aparecem nesse livro como expressão, se não de todos, pelo menos de alguns dos mestres da humanidade.