A Judicialização Da Saúde No Estado de Pernambuco: Os Antineoplásicos Novamente No Topo?
A Judicialização Da Saúde No Estado de Pernambuco: Os Antineoplásicos Novamente No Topo?
A Judicialização Da Saúde No Estado de Pernambuco: Os Antineoplásicos Novamente No Topo?
v20i1p202-222
1
Universidade Federal da Bahia. Salvador/BA, Brasil.
2
Universidade Federal de Pernambuco. Recife/PE, Brasil.
*
Artigo elaborado a partir do trabalho de conclusão de curso de Antonio Angelo Menezes Barreto, defendido em
2017, junto à Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde, como parte do Programa de Residência
Multiprofissional em Saúde Coletiva, da Secretaria de Saúde do Recife. Recife/PE, Brasil.
RESUMO
Os medicamentos estão entre os bens de saúde mais demandados judicialmente. Os antine-
oplásicos são a classe terapêutica mais demandada em alguns estados brasileiros em ações
judiciais, cujo cumprimento confere um certo impacto financeiro ao Sistema Único de Saúde,
uma vez que acarreta gastos excessivos e não programados. O presente artigo analisou as
ações judiciais para aquisição de medicamentos antineoplásicos na Secretaria de Saúde do
Estado de Pernambuco no ano de 2015. Realizou-se um estudo descritivo retrospectivo,
com levantamento de todas as ações judiciais relativas a medicamentos antineoplásicos
emitidas de janeiro a dezembro de 2015 na Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco.
Analisou-se um total de 347 ações judiciais, referentes a uma variedade de 26 diferentes
medicamentos antineoplásicos. A maior proporção tratava do subgrupo terapêutico dos
inibidores de proteínas quinases (25,9%), seguidos dos anticorpos monoclonais (22,2%). O
gasto da Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco com judicialização de antineoplá-
sicos em 2015 foi superior a R$ 14 milhões. No que diz respeito à origem das prescrições, o
maior percentual esteve relacionado às entidades sem fins lucrativos (57%). Foi encontrado
um total de 58 diferentes patologias referidas para justificar as ações judiciais. O problema
apresentou relevância (i) pela ampliação exponencial das neoplasias no mundo e no Brasil,
em particular; (ii) pelo acelerado ritmo de inovações tecnológicas dominado pela indústria
farmacêutica; e (iii) pela magnitude que o acesso a tratamentos via judicialização tem tomado
no Estado de Pernambuco e seu reflexo nos gastos públicos.
Palavras-Chave
Antineoplásicos; Decisões Judiciais; Direito à Saúde; Gastos em Saúde; Saúde Coletiva.
ABSTRACT
The medicines are among the most judicially demanded health resources. Antineoplastic
drugs are among the therapeutic class with the higher number of lawsuits in some Brazilian
states and compliance with these actions confers a certain financial impact to the Brazilian
National Health System, since it entails excessive and unplanned expenditures. The objective
of this article was to analyze the lawsuits for the acquisition of antineoplastic drugs in the
Health Department of the State of Pernambuco, in the year 2015. A retrospective descrip-
tive study analyzed all the lawsuits related to antineoplastic drugs, issued from January to
December 2015, at the Health Secretariat of the State of Pernambuco. This comprised a total
of 347 lawsuits concerning a variety of 26 different antineoplastic drugs. The therapeutic
subgroup of protein kinase inhibitors (25.9%) comprised the highest proportion, followed
by monoclonal antibodies (22.2%). The expenditure on anti-neoplastic drugs of the Health
Department of the State of Pernambuco’s for the year 2015 was over R$ 14 million. Regarding
the origin of prescriptions, the highest percentage (57%) came from non-profit entities. A total
of 58 different pathologies were indicated to justify legal actions. The issue became relevant
because of the exponential expansion of neoplasms in the world and in Brazil because of (i)
the accelerated pace of technological innovations of the pharmaceutical industry, in parti-
cular; (ii) the magnitude acquired by the access to treatments through judicialization in the
State, and (iii) the consequent repercussion on public expenditure.
Keywords
Antineoplastic Agents; Juridical Decisions; Right to Health; Health Expenditure; Public Health.
R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019 203
Barreto A. A. M., Guedes D. M., Rocha Filho J. A.
Introdução
Ao longo dos últimos anos, o Poder Judiciário vem exercendo protagonismo
na garantia de direitos individuais, devido ao recurso a ações judiciais para obtenção
de acesso a bens e serviços de saúde1. Esse fenômeno ficou conhecido como judi-
cialização da saúde e “envolve aspectos políticos, sociais, éticos e sanitários que vão
muito além de seu componente jurídico e de gestão de serviços públicos”2.
Os medicamentos estão entre os bens mais demandados judicialmente,
o que pode ser explicado pela recorrente problemática relacionada à equidade no
acesso a eles3. Historicamente, a judicialização teve início com as demandas por
medicamentos para HIV/Aids, ainda na década de 1990; atualmente abarca diversas
classes terapêuticas, dentre as quais a dos antineoplásicos, medicamentos de custo
elevado utilizados no tratamento de neoplasias4,5.
Os antineoplásicos são a classe terapêutica mais demandada nos últimos
anos em alguns estados brasileiros por meio de ações judiciais, cujo cumprimento
confere um certo impacto financeiro ao Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez
que acarreta gastos excessivos e não programados6,7,8,9. Para se ter um exemplo, entre
2000 e 2006, os medicamentos antineoplásicos compreenderam 77% do volume
1
CHIEFFI, Ana Luiza; BARATA, Rita Barradas. Judicialização da política pública de assistência farmacêutica
e equidade. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 25, n. 8, p. 1839-1849, ago. 2009. http://dx.doi.
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Acesso em: 25 set. 2018.
2
VENTURA, Miriam et al. Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Physis,
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Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/physis/v20n1/a06v20n1.pdf. Acesso em: 16 mar. 2018.
3
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Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, 2011. 65 p. Disponível em: http://www6.ensp.
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4
LOPES, Luciane Cruz et al. Uso racional de medicamentos antineoplásicos e ações judiciais no Estado de São
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5
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S0034-89102011005000042. Acesso em: 16 mar. 2018.
6
LIMA, Elisangela da Costa et al. Incorporação e gasto com medicamentos de relevância financeira em
hospital universitário de alta complexidade. Cad. Saúde Colet., Rio de Janeiro, v. 18, n. 4, p. 551-559, 2010.
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Acesso em: 16 mar. 2018.
7
MACHADO, Marina Amaral de Ávila et al. Judicialização do acesso a medicamentos no Estado de Minas
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pdf. Acesso em: 16 mar. 2018.
8
MACHADO, Marina Amaral de Ávila et al. Judicialização do acesso a medicamentos no Estado de Minas
Gerais, Brasil. Rev. Saúde Pública, São Paulo, São Paulo, v. 45, n. 3, p. 590-598, abr. 2011. http://dx.doi.
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9
HONORATO, Simone. Judicialização da Política de Assistência Farmacêutica: discussão sobre as causas de
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204 R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019
A judicialização da saúde no Estado de Pernambuco: os antineoplásicos novamente no topo?
Métodos
Realizou-se um estudo descritivo retrospectivo, no qual foi feito o levanta-
mento de todas as ações judiciais recebidas de janeiro a dezembro de 2015 na Secretaria
de Saúde do Estado de Pernambuco (SES/PE), excluídos os processos judiciais que
não eram relativos a medicamentos antineoplásicos. As variáveis pesquisadas foram
adaptadas da proposta apresentada por Pepe et al.17: (i) proporção de medicamentos
por subgrupos terapêuticos e subgrupos químicos; (ii) origem da prescrição de medica-
mentos de acordo com a natureza jurídica do Cadastro Nacional de Estabelecimentos
de Saúde (CNES); (iii) diagnóstico principal segundo a Classificação Internacional
10
BOING, Alexandra et al. op. cit.
11
LEITAO, Luana Couto Assis et al. Análise das demandas judiciais para aquisição de medicamentos no
estado da Paraíba. Saude soc. [online], São Paulo, v. 25, n. 3, p. 800-807, jul./set. 2016. http://dx.doi.
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0470-sausoc-25-03-00800.pd. Acesso em: 16 mar. 2018.
12
CHIEFFI, Ana Luiza; BARATA, Rita Barradas. Ações judiciais: estratégia da indústria farmacêutica para
introdução de novos medicamentos. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 44, n. 3, p. 421-429, jun. 2010.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010000300005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/
v44n3/05.pdf. Acesso em: 16 mar. 2018.
13
LEITAO, Luana Couto Assis et al. op. cit.
14
MARÇAL, K. K. S. A judicialização da saúde da assistência farmacêutica: o caso Pernambuco em 2009
e 2010. 2012. Dissertação (Mestrado Acadêmico em Saúde Pública) – Centro de Pesquisas Aggeu
Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2012.
15
STAMFORD, Artur; CAVALCANTI, Maísa. Decisões judiciais sobre acesso aos medicamentos em Pernambuco.
Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 46, n. 5, p. 791-799, out. 2012. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-
89102012000500005. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v46n5/05.pdf. Acesso em: 16 mar. 2018.
16
LEITÃO, Luana Couto Assis et al. Judicialização da saúde na garantia do acesso ao medicamento Rev. salud
pública, Bogotá, v. 16, n. 3, p. 360-370, 2014. http://dx.doi.org/10.15446/rsap.v16n3.33795. Disponível
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17
PEPE, Veral Lúcia Edais; VENTURA, Miriam; OSÓRIO-DE-CASTRO, Claudia (Orgs.). op. cit.
R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019 205
Barreto A. A. M., Guedes D. M., Rocha Filho J. A.
de Doença - 10ª Revisão (CID 10); (iv) gastos anuais na aquisição dos medicamentos
requeridos; (v) proporção de medicamentos registrados na Agência Nacional de Vigi-
lância Sanitária (Anvisa); e (vi) proporção de medicamentos avaliados pela Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) até o ano de 2015.
Os subgrupos terapêuticos e subgrupos químicos foram classificados
segundo o Sistema de Classificação Anatômico Terapêutico e Químico (ATC/
DDD Index 2019)18. As prescrições foram classificadas quanto à origem, segundo a
natureza jurídica (administração pública; entidades empresariais; ou entidades sem
fins lucrativos) do CNES. O diagnóstico principal da doença responsável pela causa
da demanda judicial foi classificado pelo CID-10. Os gastos com a judicialização
de medicamentos antineoplásicos para o ano de 2015 foram estimados utilizando
o quantitativo comprado no período e os preços de aquisição, respectivamente,
no Sistema de Gestão da Assistência Farmacêutica (SISGAF) do Núcleo de Ações
Judiciais (NAJ) e no Banco de Atas de Registro de Preço da SES/PE. Os valores em
reais foram posteriormente convertidos em dólares utilizando o dispositivo Google
Finance19, com o intuito de facilitar a comparação desses dados com os de outros
países da região. A informação sobre registro de medicamentos foi coletada no site
da Anvisa20, bem como as informações sobre a análise dos processos de incorpora-
ção de tecnologias foi coletada do site da Conitec21.
A fonte secundária de informação foi uma cópia de planilha do Microsoft
Excel® elaborada pelos técnicos do NAJ. A lista com o nome de todos os medica-
mentos antineoplásicos solicitados por ação judicial em registros ainda ativos foi
fornecida pela coordenação do NAJ, órgão responsável por centralizar e responder
a todas as demandas, administrativas ou judiciais, contra a Secretaria.
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto
de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP/PE), em 12 de maio de 2016,
CAAE n. 54461516.6.0000.5201. Considerando-se que o estudo não abrangeu direta-
mente seres humanos e utilizou dados públicos, o referido CEP opinou pela aprovação
do projeto e pela dispensa do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Resultados
No ano de 2015, o Estado de Pernambuco recebeu um total de 347 ações judiciais
referentes a uma variedade de 26 medicamentos antineoplásicos diferentes, dos quais
18
WORLD HEALTH ORGANIZATION – WHO. ATC/DDD Index 2019. Disponível em: https://www.whocc.no/
atc_ddd_index/. Acesso em: 20 out. 2019.
19
https://www.google.com/finance
20
https://consultas.anvisa.gov.br/#/
21
COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE – CONITEC.
Recomendações sobre as tecnologias avaliadas – 2019. Disponível em: http://conitec.gov.br/decisoes-
sobre-incorporacoes. Acesso em: 20 out. 2019.
206 R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019
A judicialização da saúde no Estado de Pernambuco: os antineoplásicos novamente no topo?
22
O medicamento pertuzumabe para o tratamento do câncer de mama HER2-positivo metastático em
primeira linha de tratamento, foi incorporado ao SUS através da Portaria MS n. 57/2017. MINISTÉRIO
DA SAÚDE - MS. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Portaria n.º 57, de 4 de
dezembro de 2017. Torna pública a decisão de incorporar o pertuzumabe no tratamento do câncer de
mama HER2-positivo metastático em primeira linha de tratamento, conforme estabelecido pelas Diretrizes
Diagnósticas e Terapêuticas do Ministério da Saúde e condicionado à negociação de preço, no âmbito do
Sistema Único de Saúde - SUS. Disponível em: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/Portaria/2017/
PortariaSCTIE-57_2017_Republicacao.pdf. Acesso em: 16 set. 2018.
R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019 207
Barreto A. A. M., Guedes D. M., Rocha Filho J. A.
208 R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019
A judicialização da saúde no Estado de Pernambuco: os antineoplásicos novamente no topo?
Tabela 3. Relação de antineoplásicos demandados por ações judiciais e os gastos com suas aquisições.
Pernambuco, 2015
Medicamento Número de ações Gasto (R$) Gasto médio por ação (R$)
Abiraterona 58 1.331.877,60 22.963,41
Temozolamida 48 5.434.009,50 113.208,53
Bortezomibe 35 608.638,80 17.389,68
Sorafenibe 26 489.027,00 18.808,73
Bevacizumabe 19 403.449,73 21.234,20
Azacitidina 19 542.238,48 28.538,87
Sunitinibe 18 1.330.106,96 73.894,83
Rituximabe 16 182.226,99 11.389,19
Cetuximabe 13 837.438,58 64.418,35
Cabazitaxel 11 441.047,04 40.095,19
Everolimo 10 216.178,50 21.617,85
Trastuzumabe 8 327.769,02 40.971,13
Pazopanibe 8 125.479,20 15.684,90
Brentuximabe 8 526.599,08 65.824,89
Pertuzumabe 7 189.972,38 27.138,91
Gefitinibe 7 44.556,90 6.365,27
Pemetrexede 6 83.118,90 13.853,15
Ipilimumabe 6 542.101,76 90.350,29
Imatinibe 5 34.283,70 6.856,74
Vemurafenibe 4 134.330,00 33.582,50
Tensirolimo 4 45.301,00 11.325,25
Erlotinibe 4 48.163,50 12.040,88
Fludarabina 3 4.250,00 1.416,67
Vandetanibe 2 12.020,40 6.010,20
Nilotinibe 1 70.403,20 70.403,20
Lapatinibe 1 9.111,20 9.111,20
Total 347 14.013.699,42 844.493,99
Fonte: Elaboração própria
R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019 209
Barreto A. A. M., Guedes D. M., Rocha Filho J. A.
210 R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019
A judicialização da saúde no Estado de Pernambuco: os antineoplásicos novamente no topo?
Continuação
Ações judiciais
Patologia*
n %
D46.2 Anemia refratária com excesso de blastos 2 0,60
D46.9 Síndrome mielodisplásica, não especificada 2 0,60
C15 Neoplasia maligna do esôfago 1 0,30
C17 Neoplasia maligna do intestino delgado 1 0,30
C19 Neoplasia maligna da junção retossigmoide 1 0,30
C22.9 Neoplasia maligna do fígado, não especificada 1 0,30
C25 Neoplasia maligna do pâncreas 1 0,30
C34.9 Neoplasia maligna dos brônquios ou pulmões, não especificado 1 0,30
C38.4 Neoplasia maligna da pleura 1 0,30
C43.4 Melanoma maligno do couro cabeludo e do pescoço 1 0,30
C43.9 Melanoma maligno de pele, não especificado 1 0,30
C45 Mesotelioma 1 0,30
C49.3 Neoplasia maligna do tecido conjuntivo e tecidos moles do tórax 1 0,30
C53.9 Neoplasia maligna do colo do útero, não especificado 1 0,30
C56 Neoplasia maligna do ovário 1 0,30
C71.3 Neoplasia maligna do lobo parietal 1 0,30
C72 Neoplasia maligna da medula espinhal, dos nervos cranianos e de 1 0,30
outras partes do sistema nervoso central
C72.8 Neoplasia maligna do encéfalo e de outras partes do sistema 1 0,30
nervoso central com lesão invasiva
C74 Neoplasia maligna da glândula suprarrenal [Glândula adrenal] 1 0,30
C81.9 Doença de Hodgkin, não especificada 1 0,30
C83.0 Linfoma não Hodgkin difuso, pequenas células (difuso) 1 0,30
C83.3 Linfoma não Hodgkin difuso, grandes células (difuso) 1 0,30
C83.9 Linfoma não Hodgkin difuso, não especificado 1 0,30
C84 Linfoma de células T cutâneas e periféricas 1 0,30
C90 Mieloma múltiplo e neoplasias malignas de plasmócitos 1 0,30
C92.1 Leucemia mieloide crônica 1 0,30
D36.0 Neoplasia benigna dos gânglios linfáticos (linfonodos) 1 0,30
D46 Síndromes mielodisplásicas 1 0,30
D46.0 Anemia refratária sem sideroblastos 1 0,30
D46.1 Anemia refratária com sideroblastos 1 0,30
D46.3 Anemia refratária com excesso de blastos com transformação 1 0,30
D46.7 Outras síndromes mielodisplásicas 1 0,30
K74.6 Outras formas de cirrose hepática e as não especificadas 1 0,30
Total 342 1
Nota: *Não informada em 5 ações judiciais.
Fonte: Elaboração própria
R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019 211
Barreto A. A. M., Guedes D. M., Rocha Filho J. A.
Discussão
Os quatro medicamentos mais demandados por ações judiciais foram
abiraterona, temozolomida, bortezomibe e sorafenibe (Tabela 1). Em outros anos,
“os medicamentos provavelmente serão diferentes, pois o processo é dinâmico e as
necessidades se modificam, exigindo constantes avaliações”23. Um estudo realizado
no estado da Paraíba, vizinho de Pernambuco, encontrou resultados semelhantes
relacionados à proporção de dois desses medicamentos antineoplásicos (temozolo-
mida e sorafenibe)24. Em outro estudo, realizado no estado de São Paulo analisando
uma amostra com os sete medicamentos antineoplásicos solicitados por via judi-
cial com maior impacto financeiro sobre o SUS, os medicamentos bevacizumabe,
cetuximabe, erlotinibe, imatinibe, rituximabe e temozolomida encontravam-se
entre os analisados25.
Analisando os medicamentos demandados por subgrupos químicos, foi
observado uma maior proporção referente aos inibidores de proteínas quinases
(25,9%, n = 90), seguidos dos anticorpos monoclonais (22,2%, n = 77). Resultados
semelhantes foram obtidos em outro estudo que analisou os processos enviados
por entes federados ao Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva
(Inca): inibidores de proteínas quinases (31,4%) e anticorpos monoclonais (17,1%)26.
Outros estudos já haviam relatado o acesso a anticorpos monoclonais por
meio de ações judiciais272829. No estudo em que Lopes et al. analisaram 190 processos
solicitando medicamentos biológicos para psoríase, encontrou-se que 59,5% dos
demandantes que obtiveram tais medicamentos nunca haviam “solicitado o medi-
camento biológico para outra instituição (86,2%), por sistema de saúde público ou
privado”30. As autoras acreditam que o acesso a esses medicamentos pela via judicial
23
LOPES, Luciane Cruz et al. Uso racional de medicamentos antineoplásicos e ações judiciais no Estado de
São Paulo, cit., p. 620-628..
24
LEITAO, Luana Couto Assis et al. Análise das demandas judiciais para aquisição de medicamentos no
estado da Paraíba, cit., p. 800-807.
25
LOPES, Luciane Cruz et al. Uso racional de medicamentos antineoplásicos e ações judiciais no Estado de
São Paulo, cit.
26
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28
LOPES, Luciane Cruz et al. Uso racional de medicamentos antineoplásicos e ações judiciais no Estado de
São Paulo, cit.
29
LOPES, Luciane Cruz et al. Medicamentos biológicos para o tratamento de psoríase em sistema público
de saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 48, n. 4, p. 651-661, ago. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/
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rsp-48-4-0651.pdf. Acesso em: 16 mar. 2018.
30
Id. Ibid., p. 661.
212 R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019
A judicialização da saúde no Estado de Pernambuco: os antineoplásicos novamente no topo?
31
LOPES, Luciane Cruz et al. Medicamentos biológicos para o tratamento de psoríase em sistema público
de saúde, cit.
32
VIEIRA, Fabiola Sulpino. Evolução do gasto com medicamentos do Sistema Único de Saúde no período
de 2010 a 2016. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília-DF; Rio de Janeiro-RJ: Ipea. 2018.
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36
VIDAL, Thaís Jeronimo et al. op. cit.
R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019 213
Barreto A. A. M., Guedes D. M., Rocha Filho J. A.
37
GOSS, Paul E. et al. Planejamento do controle do câncer na América Latina e no Caribe. The
Lancet Oncology, v. 14, n. 5, p. 391-436, abr. 2013. Disponível em: http://formsus.datasus.gov.br/
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38
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39
GOSS, Paul E. et al. op. cit.
40
LUZ, Tatiana Chama Borges et al. Trends in medicines procurement by the Brazilian federal government
from 2006 to 2013. Policy Impact Collection, San Francisco, v. 12, n. 4, 2017. https://doi.org/10.1371/
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Acesso em: 16 mar. 2018.
41
VIEIRA, Fabiola Sulpino. Evolução do gasto com medicamentos do Sistema Único de Saúde no período de
2010 a 2016, cit.
42
STAMFORD, Artur; CAVALCANTI, Maísa. op. cit.
43
VIEIRA, Fabiola Sulpino. Garantia do direito à saúde, judicialização e o mito de que os recursos não são
escassos: desafios atuais e futuros do Estado brasileiro. In: CONGRESSO CONSAD DE GESTÃO PÚBLICA,
9, Brasília-DF (8-10 jun. 2016). Disponível em: http://consad.org.br/wp-content/uploads/2016/06/
Painel-45-02.pdf. Acesso em: 07 out. 2018.
44
As despesas de cada ano foram corrigidas para valores de 2016 pelo Índice de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA) (VIEIRA, Fabiola Sulpino. Evolução do gasto com medicamentos do Sistema Único de Saúde
no período de 2010 a 2016, cit.).
214 R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019
A judicialização da saúde no Estado de Pernambuco: os antineoplásicos novamente no topo?
45
VIEIRA, Fabiola Sulpino. Evolução do gasto com medicamentos do Sistema Único de Saúde no período de
2010 a 2016, cit., p. 31.
46
Id. Ibid.
47
Id. Ibid.
48
BRASIL. Emenda Constitucional n. 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc95.htm. Acesso em: 25
set. 2019.
49
MATHIAS, Maíra. A crise por trás da nova PNAB. Revista POLI: saúde, educação e trabalho, Rio de Janeiro,
n. 53, set./out. 2017. Disponível em: http://www.epsjv.fiocruz.br/sites/default/files/poliweb53.pdf. Acesso
em: 07 out. 2018.
50
VIEIRA, Fabiola Sulpino. Evolução do gasto com medicamentos do Sistema Único de Saúde no período de
2010 a 2016, cit.
R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019 215
Barreto A. A. M., Guedes D. M., Rocha Filho J. A.
51
GOMES, Vanessa Santana; AMADOR, Tânia Alves. Estudos publicados em periódicos indexados sobre
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52
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53
LOPES, Luciane Cruz et al. Uso racional de medicamentos antineoplásicos e ações judiciais no Estado de
São Paulo, cit.
54
PEREIRA, Januária Ramos et al. Análise das demandas judiciais para o fornecimento de medicamentos pela
Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina nos anos de 2003 e 2004. Ciênc. saúde coletiva, Rio de
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55
VIEIRA, Fabiola Sulpino; ZUCCHI, Paola. op. cit.
56
MINISTÉRIO DA SAÚDE - MS. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA).
Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da
Silva. Rio de Janeiro-RJ: INCA, 2015. Disponível em: http://santacasadermatoazulay.com.br/wp-content/
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57
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universalização à judicialização. In: CORREIA, M. V. C.; SANTOS, V. M. (Orgs.). A reforma sanitária e
contrarreforma na saúde: interesses do capital em curso. Maceió: EDUFAL, 2015. p. 165.
216 R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019
A judicialização da saúde no Estado de Pernambuco: os antineoplásicos novamente no topo?
58
PEREIRA, Januária Ramos et al. op. cit.
59
LOPES, Luciane Cruz et al. Uso racional de medicamentos antineoplásicos e ações judiciais no Estado de
São Paulo, cit.
60
VIEIRA, Fabiola Sulpino; ZUCCHI, Paola. op. cit.
61
LOPES, Luciane Cruz et al. Uso racional de medicamentos antineoplásicos e ações judiciais no Estado de
São Paulo, cit.
62
BRASIL. Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998. Dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações
sociais, a criação do Programa Nacional de Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona
e a absorção de suas atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Disponível em: http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9637.htm. Acesso em: 25 set. 2019.
63
SANTOS, V. M. A contrarreforma e a privatização do SUS: as Organizações Sociais (OSs) como modelo
privatizante. In: CORREIA, M. V. C.; SANTOS, V. M. (Orgs.). A reforma sanitária e contrarreforma na saúde:
interesses do capital em curso. Maceió: EDUFAL, 2015. p. 100.
64
NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar
o consenso. São Paulo: Xamã, 2005.
65
SANTOS, V. M. op. cit.
66
Id. Ibid., p.98.
R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019 217
Barreto A. A. M., Guedes D. M., Rocha Filho J. A.
Considerações finais
Este estudo produziu informações acerca da judicialização de antineoplási-
cos sem pretender, no entanto, esgotá-lo, uma vez que o assunto é vasto, complexo
e bem recorrente no país. Importa considerar as dificuldades encontradas ao longo
do percurso, por se tratar de um assunto polêmico e que envolveu dados financeiros,
o que no início dificultou a coleta dos mesmos.
Teve como foco o impacto da judicialização do acesso a medicamentos anti-
neoplásicos nos gastos em saúde. O problema apresentou relevância: pela ampliação
exponencial das neoplasias no mundo e no Brasil, em particular; pelo acelerado
ritmo na produção de medicamentos novos (mas nem sempre inovadores) dominado
pela indústria farmacêutica; e pela magnitude que o acesso a tratamentos via judi-
cialização tem tomado no estado de Pernambuco e seu reflexo nos gastos públicos.
É inevitável não relacionar o fenômeno da judicialização da saúde a todo
o arcabouço mercantilista advindo do paradigma biomédico. A judicialização de
antineoplásicos é também um reflexo do complexo médico-industrial e de seu inte-
resse econômico nas práticas de saúde e na produção de seus insumos. As indústrias
farmacêuticas estão vinculadas diretamente a esse acelerado ritmo de descobertas
científicas e inovações tecnológicas, pois se trata de um cenário altamente lucrativo,
uma vez que lida com um bem que não tem preço: a vida.
Pode-se aferir que a judicialização da saúde tem sua origem não somente
em uma “brecha” constitucional, advinda da saúde enquanto direito social e dever
67
SANTOS, V. M. op. cit., p. 108.
68
PAIM, Jairnilson Silva. Reforma sanitária brasileira: contribuição para a compreensão e crítica. Salvador:
EDUFBA; Rio de Janeiro: Fiocruz, 2008.
218 R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019
A judicialização da saúde no Estado de Pernambuco: os antineoplásicos novamente no topo?
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Antonio Angelo Menezes Barreto – Mestrando em Saúde Comunitária pelo Programa de Pós-
Graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal
da Bahia (UFBA); especialização pelo Programa de Residência Multiprofissional em Saúde
Coletiva da Secretaria Municipal de Saúde do Recife; graduação em Farmácia pela UFBA.
Salvador/BA, Brasil. E-mail: [email protected]
José de Arimatea Rocha Filho – Mestrado em Ciências Farmacêuticas pela Universidade Federal
de Pernambuco (UFPE); graduação em Farmácia pela UFPE. Farmacêutico do Hospital das
Clínicas/UFPE e do Hospital dos Servidores do Estado de Pernambuco. Recife/PE, Brasil.
222 R. Dir. sanit., São Paulo v.20 n.1, p. 202-222, mar./jun. 2019