Pedagogia Da Alternância
Pedagogia Da Alternância
Pedagogia Da Alternância
2014
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Resumo
Resumen
Este estudio presenta reflexiones acerca del Cuaderno de Campo, instrumento de la Alternancia,
considerando ese instrumento importante para reconocer los sujetos en procesos de vida, trabajo
y estudio. Por medio de los registros de los estudiantes es posible aprehender situaciones en las
cuales ellos presentan los espacios donde viven y/o trabajan en la perspectiva de pensar y
construir la Educación del Campo. Para tanto, traemos una reflexión sobre la Alternancia en
relación a la cultura del y en el campo y para ilustrar, presentamos registros realizados en el
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Docente e coordenadora do curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFMS em Campo Grande – MS. E-mail:
celiabp@brturbo.com.br
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Cuaderno de Campo de los estudiantes de una licenciatura en Educación del Campo con
posibilidades de perfilar los caminos del aprendizaje por medio de ese instrumento.
Introdução
Inicialmente, trazemos uma breve reflexão sobre a Alternância e sua origem, bem como a
Alternância tendo em vista seus sujeitos em relação à apropriação da cultura, uma forma de
compreendê-los em sua essência social. Para ilustrar, apresentamos trechos de registros do
Caderno de Campo utilizado como instrumento necessário para aprendizagem e reconhecimento
dos sujeitos em tempos e espaços alternados e educativos.
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A Pedagogia da Alternância tem início na França, nas Escolas Famílias Agrícolas (EFAs),
com a denominação de Maisons Familiales Rurales (Casas Familiares Rurais), criada em 1935, por
um grupo de agricultores e auxílio de um Padre católico, com o objetivo de evitar que os jovens
saíssem do campo para estudar na cidade, impedindo, assim, a permanência desses jovens nos
centros urbanos para concretizar os estudos e buscar outras formas de trabalho. Considerando
que nessa década a realidade agrária na França era representada por um grande número de
pequenas propriedades que tinham como trabalho a produção agrícola familiar e o Estado tinha
como prioridade a educação urbana, não havia planos de melhoria para os agricultores e, por
conseguinte, para a educação de seus filhos. Logo, aos jovens do campo havia duas
possibilidades: sair do campo para continuar os estudos ou permanecer no campo desistindo
deles.
Assim, a Alternância inicia-se com ênfase em uma educação que articulasse escola,
família e trabalho na perspectiva de manter o jovem no campo. A ideia inicial apontava para a
necessidade de alternar os tempos educativos, priorizando os conteúdos básicos a serem
ensinados durante o tempo em que os jovens permaneciam na escola e, na comunidade,
realizando atividades agrícolas para o desenvolvimento econômico do campo, bem como para
seu desenvolvimento social e aprendizado.
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No Brasil, a experiência foi liderada por padres jesuítas, inicialmente, no Espirito Santo,
em 1969, com o Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo – MEPES. Depois disso,
expandiu-se para outros estados brasileiros e hoje é alvo de estudo e aplicação na educação de
jovens e adultos do campo.
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Ao viver esses tempos alternados, o alternante aproxima-se da família, observa com olhar
investigativo o local onde vive e/ou trabalha e flui nele o sentimento de pertença, reconhecimento
e a construção da sua identidade.
De acordo com Queiroz (2004), há três tipos de Alternância nos CEFFA: a Alternância
justapositiva, que se caracteriza pela sucessão dos tempos ou períodos consagrados ao trabalho e
ao estudo, sem que haja uma relação entre eles; a Alternância associativa, quando ocorre uma
associação entre a formação geral e a formação profissional, verificando-se, portanto a existência
da relação entre a atividade escolar e a atividade profissional, mas ainda como simples adição; e a
Alternância integrativa ou copulativa, com a compenetração efetiva de meios de vida
socioprofissional e escolar em uma unidade de tempos formativos. Nesse caso, a alternância
supõe estreita conexão entre os dois momentos de atividades em todos os níveis – individuais,
relacionais, didáticos e institucionais. Não há primazia de um componente sobre outro. A ligação
permanente entre eles é dinâmica e se efetua em um movimento contínuo de ir e retornar.
Embora seja a forma mais complexa da alternância, seu dinamismo permite constante evolução.
Em alguns centros, a integração se faz entre um sistema educativo em que o aluno alterna
períodos de aprendizagem na família, em seu próprio meio, com períodos, estando esses tempos
interligados por meio de instrumentos pedagógicos específicos, pela associação de forma
harmoniosa, entre família e comunidade e uma ação pedagógica que visa à formação integral
com profissionalização.
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Por isso, é necessário ressaltar que, neste estudo, concebemos a cultura como tudo que
caracteriza a existência social. A história do homem é marcada pela existência de múltiplas
culturas. Essa diversidade retrata as práticas e tradições de diferentes lugares e, assim, somos
levados a refletir sobre a coletividade à qual pertencemos e as interações que estabelecemos com
o outro.
Para Santos (2006), a cultura envolve todos os aspectos de uma realidade social. Dessa
forma, cultura diz respeito a tudo aquilo que representa a vivência social de um povo ou nação.
Esse é o significado moderno do conceito que passa a ser assumido, notadamente no século XIX,
atrelado ao desenvolvimento de teorias científicas sobre a vida e a sociedade e passa a tratar da
totalidade das características de uma realidade social. Outra concepção de cultura evidenciada
pelo autor refere-se ao conhecimento, às ideias e crenças de um povo, assim como às maneiras
como eles existem na vida social.
A cultura, nesse sentido, diz respeito a uma esfera, a um domínio da vida social. É ainda
Santos (2006) que ressalta um importante fato: as duas concepções nos levam a entender a
cultura como uma realidade estanque, parada, negando-lhe sua essência que é a dinamicidade.
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Entendemos por p o esso de ap op iaç o o esultado de uma atividade efetiva do indivíduo em relação aos objetos
e fenômenos do mundo circundante criados pelo dese volvi e to da ultu a hu a a . LEONTIEV, 00 , p. 90
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“o e isso, ele os diz: [...] se a cultura não mudasse, não haveria o que fazer senão aceitar
como naturais as suas características e estariam justificadas, assim, as suas relações de poder
[...] (SANTOS, 2006, p. 83).
Santos (2006) afirma que a cultura não diz respeito apenas a um conjunto de práticas e
concepções, como por exemplo, se poderia dizer da arte. Não é apenas uma parte da vida social
como, por exemplo, se poderia falar da religião. Não se pode dizer que cultura seja algo
independente da vida social.
Cultura é uma construção histórica, seja como concepção, seja como dimensão do
processo social, a cultura o algo atu al o u a de o ia das leis físicas ou
biológicas. Ao contrário, a cultura é um produto coletivo da vida humana. (SANTOS, 2006,
p. 45).
Assim, consideramos que o sujeito não só é um produto de seu contexto social, mas
também um agente ativo na criação desse contexto e é determinado pela sociedade em toda a
extensão de sua subjetividade, mas ao mesmo tempo tem autonomia, no sentido de que pode
interferir sobre a cultura. Nesse sentido, a convivência na sociedade determina a individuação das
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subjetividades, porém, o sujeito intervém sobre esses determinantes, a partir do momento que
produz e modifica o meio.
A cultura diz respeito à humanidade e ao mesmo tempo a cada um dos povos, nações,
sociedades e grupos humanos [...] As variações nas formas de família, por exemplo, ou nas
maneiras de habitar, de se vestir ou de distribuir os produtos para os agrupamentos
humanos que as vivem são resultado de sua história. (SANTOS, 2006, p. 8).
A riqueza das formas das culturas e suas relações falam bem de perto a cada um de nós, já
que convidam a que nos vejamos como seres sociais, nos fazem pensar na natureza dos
todos sociais de que fazemos parte, nos fazem indagar sobre as razões da realidade social
de que partilhamos e das forças que as mantêm e as transformam. (Grifo nosso).
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Podemos considerar que não basta articular as relações com o saber na integração
realidade, escola e família, é preciso reconhecer o espaço onde o sujeito vive e trabalha,
reconhecer as diferenças existentes, as contradições, as lutas, pois são essas questões que podem
transformar e formar sujeitos ativos e produtores de sua própria história, com possibilidade de
transformação.
De acordo com Queiroz (2004), na Alternância não se trata apenas de articular dois
espaços, dois lugares diferentes. É e ess io [...] colocar em coerência duas relações com o
saber num p ojeto de fo aç o E pa a isso se faz e ess io u a pedagogia do saber
pa tilhado ue, reconhecendo as diferenças e as contradições, as torne formadoras. (QUEIROZ,
2004, p. 103 – grifos do autor).
O sujeito se constitui a partir dos contextos sociais aos quais está inserido. É capaz de
produzir cultura, pois a sua constituição resulta da ação concreta sobre o meio. A partir de sua
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A identidade é constituída a partir da relação com os grupos sociais dos quais fazemos
parte nos diferenciando ou nos aproximando deles. Nessa diferenciação ou igualdade,
construímos nossa identidade por meio da história, das tradições, das normas às quais esses
grupos pertencem.
Uma cultura sobrevive da ação de um grupo social, ao desvendar os valores, os hábitos,
as ideias que permearam determinados tempos da sociedade. A cultura é mantida por um
processo contínuo de lembranças que, atualizadas, são assimiladas e renovadas a cada grupo e
seu tempo histórico.
Nessa perspectiva, compreendemos a importância dos instrumentos da Alternância para
o reconhecimento dos sujeitos e, para tanto, apresentamos alguns fragmentos do 3Caderno de
Campo de três alunos da Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul – LeduCampo – que foram selecionados com o objetivo de apresentar, por meio
desse instrumento, os registros dos estudantes que revelam a cultura de lugares, nos quais eles
vivem e se apropriam da dinâmica da vida em comunidade e tornam-se ativos na produção de
cada espaço em que vivem e/ou trabalham.
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Aos estudantes foi solicitado que observassem a sua comunidade a fim de reconhecê-la e
registrar o que foi alvo de observação. A observação deveria ser sistemática com olhar aguçado,
crítico e atento.
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Para apresentar os trechos de registros dos alunos, usamos a letra E de estudante e um número para diferenciá-los.
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Ao ler esses excertos nos reportamos a Santos (2006), ao refletir sobre a cultura popular e
erudita. Segundo o autor, essa diferença se faz a partir de uma ideia de refinamento pessoal,
dessa forma, a cultura se refere à divisão entre saberes, afirmando que ao saber erudito apenas a
classe dominante tem acesso. Conhecimento esse que se contrapõe ao conhecimento popular,
possuído pela maior parte da população; visto como conhecimento atrasado, inferior e superado.
Cabe aqui entender que a cultura está ligada às questões de classes dominantes e
dominadas e, nesse sentido, é preciso reconhecer nesses registros a importância do legado
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cultural e da ação do sujeito, componente ativo na apropriação desse legado, bem como na forma
de disseminar as culturas e de mostrar ao outro possibilidades de igualdade e diferença.
Podemos considerar, a partir desses extratos, a cultura como símbolo cujas significações
por eles apresentadas garantem a marca de um lugar, os padrões de comportamento, as
atividades realizadas como processos de afirmar o espaço como singular. Podemos notar na
concepção dos estudantes uma aproximação antropológica do conceito de cultura como costumes
de uma determinada comunidade.
Olhando ao meu redor vejo o quanto a minha comunidade mudou. No início foram
muitas dificuldades, não tinha água e a terra era seca cheia de taboca. Não tinha
energia, usávamos lampião, abrimos poço, mas tivemos muitas dificuldades, mas
mesmo assim, plantamos a lavoura (feijão, arroz, milho). Durante alguns anos foi
assim, mas percebemos que não havia como sobreviver desse plantio, pois era
muito trabalho e não tinha lucro, foi assim que resolvemos criar pasto e criar gado
e também vender o leite. É o que tem dado certo. Hoje temos água encanada,
energia, transporte escolar. Ainda faltam muitas coisas, mas já conquistamos
muitas e vencemos.
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Segundo Laraia (1996), não há cultura superior à outra, nem melhor e nem mais
desenvolvida. Todas possuem seus valores em suas especificidades. As culturas possibilitam ao
homem ultrapassar gerações, promover mudanças. Na Antropologia, por meio da cultura,
podemos compreender o homem, sua característica social de adaptação para uma convivência
pacífica, frente às diferenças das culturas, mas é preciso entender que há divisão de classes e de
grupos que interferem, e que as classes dominadas existem em relação com as classes
dominantes, partilham um processo comum, do qual não detêm o controle. (SANTOS, 2006, p. 59).
Considerações possíveis
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Referências Bibliográficas
BRASIL, 1º de fevereiro de 2006. Assunto: Dias letivos para aplicação da pedagogia nos centros
familiares de formação por alternância (CEFFA). Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade – SECAD/MEC. Disponível em: http://pronacampo.mec.gov.br/images/pdf
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QUEIROZ, João Batista P. de. Construção das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil: Ensino
Médio e Educação Profissional. 2004. 210 f. Tese (Doutorado em Sociologia) - Programa de Pós-
graduação em Sociologia da Universidade de Brasília - UnB. Brasília. 2004.