Tia Ciata e A Pequena África No Rio
Tia Ciata e A Pequena África No Rio
Tia Ciata e A Pequena África No Rio
com/group/digitalsource
TIA CIATA
TIA CIATA
TIA CIATA
TIA CIATA
e a Pequena África
no Rio de Janeiro
Heitor dos Prazeres. Batuque no samba. 1965. Óleo s/tela, 63x50 cm. In:
Cinqüenta anos de samba. Calendário Pirelli, 1968.
CULTURAL
Graça Salgado
DIVISÃO DE EDITORAÇÃO
Heloisa Frossard
CONSELHO EDITORIAL
Roberto Moura
1995 2a
Edição revista
pelo autor
Organizadora Heloisa
Frossard
ISBN 85-85632-05-4
editoração
Célia Almeida Cotrim, Diva Maria Dias Graciosa, Paulo Roberto de Araújo Santos e
Reproduções fotográficas
Antônio Luis Mendes Soares, Henrique Sodré e Roberto Machado Junior
Monografia vencedora do concurso sobre a vida e obra de Tia Ciata promovido pela
FUNARTE. Comissão julgadora: Tárik de Souza, Ary Vasconcelos, Lygia Santos, Paulo
178 p.: il. — (Coleção Biblioteca Carioca; v. 32. série publicação científica)
hábitos civilizatórios
das elites, fundamental na redefinição do Rio
de Janeiro e na formação de sua personalidade moderna.
SUMÁRIO
NOTA DO AUTOR
APRESENTAÇÃO À 1a EDIÇÃO
ÁLBUM DE FAMÍLIA
BIBLIOGRAFIA
NOTA DO AUTOR
APRESENTAÇÃO À PRIMEIRA
EDIÇÃO
Além de todos que participaram dos filmes que começamos a rodar nos
Roberto Moura
[pg. 11] [pg.
11]
TIA
CIATA e a
Pequena África no
Rio de Janeiro
Progresso.
ABOLIÇÃO E REPÚBLICA: A
SITUAÇÃO POLÍTICA
NACIONAL
resposta a este item contradiz a dada ao anterior. Mas não há tal: fui
instituições.
vindos de culturas extremamente elaboradas e com forte [pg. [pg. 20] 20]
sentimento “nacional” (aqui falamos das “nações” africanas), prontos a
se organizar separados, diversos, e da resistência cultural partir para a
revolta armada.
poderoso reino central de Ioruba e [pg. 21] [pg. 21] destruíram-lhe a capital
Oyó. No reinado de Arogangan, Ioruba perdeu, em 1807, a província Ilorim,
cujo governador Afunjá, sobrinho do rei, se serviu dos haussas para
declarar-se independente. Os maometanos em 1825 queimaram vivo a
Afunjá e desde então elegeu-se ali um rei ou governo muçulmano. Ilorim
tornou-se por este modo um centro de propaganda do islamismo nos povos
iorubanos ou nagôs (Nina Rodrigues, op. cit.).
Inicia-se, assim, com a guerra civil que divide o império ioruba de Oyó
no início do século XIX, irradiando o islamismo de Ilorin onde se
reuniram iorubas islamizados com haussas, um processo de
transnacionalização, que teria seqüência imediatamente depois no
Brasil, um movimento multiétnico que toma o Islã como linguagem. Um
projeto político embutido num projeto religioso,
tenham que se [pg. 23] [pg. 23] isolar ou mesmo desaparecer da cidade,
alguns de volta para a África, outros também subindo de navio para a
capital do Império.
Grupo de antigos carregadores africanos. In: Artur Ramos, O negro brasileiro. 3.ed. São
Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1951, p.16 (Brasiliana, 188).
sacerdote com alto título religioso, vêm de forma deliberada fundar uma
casa de orixá, trazendo seu axé e seus fundamentos para os negros de
srcem na Bahia. Iyá Nassô, ao contrário do que geralmente acontecia
na África, onde os homens lideravam os terreiros, se torna Yalorixá e
dá nome à casa, Ilê Iyá Nassô (casa da mãe Nassô), que ganha força e
respeito entre os iorubas. Esse terreiro, que muda muita vezes de sítio,
até se instalar definitivamente no bairro do Engenho Velho, é sem
dúvida a instituição negra mais duradoura na história brasileira, central
na vida religiosa de Salvador. [pg. 24] [pg. 24]
Marcelina seria a substituta de Iyá Nassô depois de sua morte já
depois da metade do século, mas sua sucessão provocaria uma cisão
que redunda na fundação de outro candomblé no Rio Vermelho que
também se celebrizaria, o Iyá Omi Axé Iyá Massê, que fica conhecido
com o nome do antigo proprietário do terreno, Gantois. É ainda do
velho Ilê Iyá Nassô, outra vez dividido na sucessão de Mãe Ursulina,
que Aninha, filha do afamado Bambochê, lidera outros dissidentes para
uma nova casa: o Axé de Opô Afonjá. Três candomblés tradicionais na
vida
por forte pragmatismo econômico, que confia nas vantagens que traria
a modernização do sistema de trabalho liberando grandes parcelas de
capital imobilizadas na compra de escravos, os ingleses passariam a
não permitir a concorrência dos países escravagistas, já que os
primeiros momentos de implantação do sistema do trabalho livre
poderiam dar vantagens aos que se
seja legalmente com a costa de Angola, como ilegalmente com a venda dos vindos da Costa da Mina,
mais valorizados, como se mantém internamente depois de impedido o tráfico, tornando-se a maior
fonte de renda da província da Bahia. [pg. [pg. 26] 26]
Finalmente, as contínuas revoltas negras em Salvador e a rudeza da fiscalização inglesa, forçam
finalmente o governo imperial a aceitar o fim do tráfico, continuando o comércio escravagista a atuar
aiana 1976.
internamente, também de B
quituteira. Foto Roberto Moura,
forma bastante lucrativa, vendendo escravos do Nordeste para as plantações de café do Sul. Apesar
da denúncia moral da escravatura pelo movimento
por algum tratado, podem sem injustiça serem expulsos quando suspeitos
ou perigoso.
Mas o legítimo doce ou quitute de tabuleiro foi o das negras forras. O das
negras doceiras. Doce feito ou preparado por elas. Por elas próprias
enfeitado com flor de papel azul ou encarnado. E recortado em forma de
coração, de cavalinhos, de passarinhos, de peixes, de
família negra entre os forros, assim como são principalmente elas que
e em voz alta [pg. 36] [pg. 36] atravessando a sala. De repente, na outra
extremidade, notei, em um ponto elevado, um personagem que ia e vinha
com ar inquieto, passava os olhos sobre um livro, olhava ao redor de si e
parecia, de vez em quando, mergulhar e tornar a subir. Era o eclesiástico de
cor amarela que cumpria as cerimônias da missa (pois certamente não se
poderia chamar aquilo de missa) (Maximilien d’Austriche, Souvenirs de ma
vie).
caso, o gerente era logo reembolsado de certa percentagem que lhe era
devida, pela guarda dos dinheiros depositados. Como era natural, a falta
de
escrituração proporcionava enganos prejudiciais às partes. Às vezes, o
mutuário retirava o dinheiro preciso para sua alforria, e diante dos cálculos
do gerente o tomador pagava pelo dobro da quantia emprestada. No fim de
cada ano, como acontece nas sociedades anônimas ou de capital limitado,
era certa a distribuição de dividendos. Discussões acaloradas surgiam
nessas ocasiões, sem que todavia os associados chegassem às vias de
fato, tornando-se
homem que não sabe trabalhar e não pode mandar em consequência disto
os outros (Luiz Vilhena, Cartas soteropolitanas).
Ordem e Progresso:
escravidão, nos mais vis dos ofícios, mas também na alta sociedade e no
Pândegos da África:
um candomblé colossal a perambular pelas [pg. 40] [pg. 40] ruas da cidade. E
de feito vingavam-se assim os negros fetichistas das impertinências
intermitentes da polícia exibindo em público a sua festa (Nina Rodrigues,
op. cit).
reestruturação radical por que passam as novas [pg. 42] [pg. 42] “classes
populares” brasileiras. Restava viver em dois mundos, ganhar
Tinha na Pedra do Sal, lá na Saúde, ali que era uma casa de baianos e
africanos, quando chegavam da África ou da Bahia. Da casa deles se via o
navio, aí já tinha o sinal de que vinha chegando gente de lá. (...) Era uma
bandeira branca, sinal de Oxalá, avisando que vinha
chegando gente. A casa era no morro, era de um africano, ela chamava Tia
Dadá e ele Tio Ossum, eles davam agasalho, davam tudo até a pessoa se
aprumar. (...) Tinha primeira classe, era gente graúda, a baianada veio de
qualquer maneira, a gente veio com a nossa roupa de pobre, e cada um
juntou sua trouxa: “vamos embora para o Rio porque lá no Rio a gente vai
ganhar dinheiro, lá vai ser um lugar muito bom”. (...) Era barato a passagem,
minha filha, quando não tinha, as
522.561 habitantes, 15 anos após [pg. 43] [pg. 43] já subira para
811.443, para chegar ao primeiro milhão no final da Primeira Guerra
Mundial, em 1917. Migrantes europeus vêm para a indústria, migrantes
internos chegam ao Rio de Janeiro ainda estropiados pelas secas,
alguns soldados das lutas de Canudos inventando suas casas no morro
da Favela. Centenas de negros libertos vindos de todas as partes
aportam na cidade, procurando possibilidades num mercado de
trabalho onde teriam dificuldades, dadas as suas características raciais
e culturais. À parte da vida desta ralé, o esforço de consolidação
nacional com a República reforça a máquina burocrática e repressiva
estatal que se estrutura na cidade. Indivíduos heterogêneos quanto à
srcem
A mobília era a mais reduzida possível. Na sala principal, havia duas ou
velha xícara ramos de arruda. Na sala de jantar, havia uma larga mesa
47] 47]
Gastão Cruls, Aparência do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, J. Olympio, 1965, p. VIII e IX
Aos famosos melhoramento que têm sido levados a cabo nesses últimos
anos, com raras excessões, tem presidido o maior contra- senso. Os areais
de Copacabana, Leme, Vidigal, etc. É que têm merecido os carinhos dos
reformadores apressados. Não se compreende que uma cidade se vá
estender sobre terras combustas e estéreis e ainda por cima açoitadas
pelos ventos e perseguidas as suas vias públicas pelas fúrias do mar alto.
Cortiço da rua do Senado. Foto Augusto Malta, 1906. Seleção executada pela Fundação
Casa de Rui Barbosa em pesquisa coordenada por Solange Zúñiga no acervo do Arquivo
Geral da Cidade do Rio de Janeiro
contrária à higiene das habitações. de Janeiro do meu tempo. Rio de Janeiro,
Parágrafo único: Essas casas devem ser consideradas
Conquista, 1957. 5v.,
prejudiciais à saúde pública, incidindo, portanto, nos
v.2, p.247.
preceitos sanitários e sujeitas à lei que regula a Repartição de Higiene. Nos cortiços existentes não se permitirá obra
alguma, conserto ou reparação que possam garantir sua segurança, só se tolerando pintura e caiação e não permitindo
novas edificações semelhantes em ponto algum. O decreto, em sua aproximação técnica do problema,
dispunha ainda sobre a construção de moradias proletárias, a preparação do terreno e o traçado das
ruas, a altura das divisórias e finalmente sobre suas instalações higiênicas. A [pg. [pg. 53] 53] questão
baianos.No começo do século era comum vê-la (a Cidade Nova) representada nas
revistas teatrais do Rossio como sendo habitada sobretudo por