História Oral
História Oral
História Oral
Marieta de Moraes
Drodorim FINEP
HISTÓRIA ORAL
E
MULTIDISCIPLINARIDADE
1-I18TÓRIA ORAL
E
MULTID 18 CIPLINARIDAD E
Apoio: FlNEP
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação da fonte conforme abaixo
Referência Bibliográfica:
Capa:
Tatiana de Lamare
Revisão:
André Penido
Sandra Pássaro
Laura
Editoração:
Raul Queirós
1994
Diadorim Editora Ltda
'Rua ~1arquês de São Vicênte 124 Lj. 227
Gávea - Rio de Janeiro -RJ
Cep: 22450-040
Tel(fax): (021) 274-2696
SUMÁRIO
Introdução 7
Marieta de Moraes Ferreira
7
expressiva a particIpação G.0 grupos sindicais, associações
de Jnoradores, e111preSas ou tnesIno arquivistas.
Dos participantes que apresentara111 trabalhos, 62%
tinham o doutorado, 34% o 111estrado, e 3 ,7% el"aln
graduados. No que diz respeito à sua fonnação, diversa~
mente do que se observava na década de 1980, quando
os pesquisadores que trabalhavaln com história oral era111
predominantelnente cientistas sociais, constatou-se UIna
lnaioria de historiadores, c01n 51 %, ficando os cientistas
sociais eln segundo lugar, COl'n 34%. A seguir vinhalll os
profissionais das áreas de educação e letras, com 3,7%,
e, final111ente, das áreas de e11fennageln, psicülogía e
saúde pública, COl11 1,8% cada.
Eln relação ao conteúdo te1nático, não houve pred01ni-
nância expressiva de estudos voltados para as cmnadas
populares, 001no se podia perceber na década anterior,
tanto 110 Brasil COll10 l1a grande Inaioria dos países latino-
americanos. Elnbora o estudo de lninorias ou de grupos
111enos favorecidos constitua Ulna tradição 110 calnpo da
História Ol'al, ficou evidenciado o creschnento de U1TI
espaço para telnas ai11da pouco explorados, C01no história
illtelectual, burocratas, ll1Ílitn.res, história institucional.
Neste livro não estão publicados todos os trabalhos
apresentados 110 encontro, e1n vjftude da escassez de
recursos para fazê~lo. De outro ladO, as dificuldades que
se enfrental+ia para selecionar uns, e não outl"OS, levou à
decisão de publicar apenas as três conferências proferidas
dUl"ante o evento, e, ainda, a conferência da professora
Maria Isaura Pereira de Queiroz, que não pôde COlnparecer
ila data pl+evista mas 110S enVi ou seu texto. De toda fonna,
registralnos aqui a cOlnposi ção dos grupos de trabalho
e, por fim, publicalnos os reSUlnos de todos os textos
aprestmtados. Ainda que não seja este o fonnato ideal
por nós desejado, acreditalnos que com isto hemos
atender à solicitação constante do público interessado
8
nos resultados do encontro, e oferecer uma contribuição
relevante para o aprofundamento do debate acerca da
metodologia de História Oral no Brasil.
As primeiras experiências sistemáticas 110 campo da
História Oral, no Brasil, foram iniciadas eIn 1975, a partir
de CUI-SOS fornecidos por especialistas mexicanos e norte-
aInericanos na Fundação Getulio Vargas, no Rio de .laneho.
Esses cursos consistiran1 na apresentação e di scussão dos
princípios norteadores do lnétodo da História Oral, C0111
base no currículo do Oral History Program, da Columbia
Ulliversity, e voltm-mn-se para um público específico de
professores e pesquisadores da área de história e ciências
soCi ais oriundos de c;liferentes institui ções. 1
Como resultad-o dessas iniciatívas, surgiram os
prÍ111eiros prognflnas de História Oral 110 Brasil, na
Universidade Fedct"al de Santa Catarina e no Oenil'o de
Pesquisa c Doc:ll1ncntação de História Contelnporânea
do Brasil (OptiOC) da Fundação Getulio Vargas. Esses
progral11as dedicarmn-se ao estudo da política regional
e das elites políticas brasileiras.
O uso d~ en trevistas orais como fonte de informação
<
9
brasileiras. 2 Esse processo, iniciado ainda nos anos 70,
de ulna ion11a ou de outra, abriu espaço para a introdução
de novas práticas de pesquisa.
Até então, os estudos sobre o Brasil, não apenas 11a área
de história, mas no campo· das ciências sociais em geral,
eram do tipo elu:aÍstico, cOln pouca ou nenhulna utiHzaç[lO
de fontes primárias de informação, e escassas referências
teóricas. Os cursos universitários concentravam-se no
estudo do Brasil colonial ou do século XIX, limitando-se,
na abordagem do período republicano, às fronteiras da
Revolução de 1930. As pesquisas voltadas para telnas de
história contemporânea do país eram, portanto, _extrenla-
mente raras. A investigação da sociedade brasileira e de
sua história, com poucas exceções, não se fazia dentro da
universidade, orientando-se l11uito Inais para a formação
de professores do que de historiadores ou cient~stas sociais. 3
A alteração desse quadro deveu-se em grande parte ao
desenvolvimento de UIna política científica-e tecnológica,
pelo governo federal, que passou a reconheceI" a chàlnada
área de ciências hUlnanas e sociais C01TIO lnerecedora de
atenção, e a contemplá-la com recutsos expressivos.
Especialmente a partir de 1976, as ciências sociais
começaralll a receber apoio do _Fundo Nacional de
Desenvolvilnento Científico e Techológico, o que lhes
proporcionou um crescÍlnento con'siderável e, sobretudo,
possibilitou sua institucíonalização. 4
Ainda nessa ocasião, o apoio às ciências sociais foi
reforçado pela nova política nacional de cultura, definida
pelo :MJnistério da Educação e Cultura, que, ao
estabeleceI' a participaç-ão das universidades nas
atividades de levantal11ento de acervos arquivísticos com
valor histórico, estimulou o surgilnento de centros de
documentação e pesquisa vinculados a estabelecimentos
federais de ensino,
1O
Essas modificações levadas a termo no âmbito da
política científica não apresentaram, todavia, efeitos
inlediatos no que diz respeito à expansão dos progn,:unas
de história oral. A década de 1980 iniciou-se seln
alterações substanciais, ainda que alguns novos
programas surgissem no Nordeste, mais especificalnente
eln Pernalnbuco e Bahia, e que se tenha realizado Uln
segundo curso com especialistas estrangeiros, sob a
coordenação do professor "Villiam Moss, diretor da
Biblioteca J ohn Kennedy.
Se, no campo instituciol1al, não era fácil a
montagem de programas de História Oral, ou mesmo
a mal1ntenção ou expansão dos já existentes, em
função dos altos -custos operacionais, a utilização do
método por pesquisadores individuais mostrou-se um
caminho mais fácil e acessível. Assim, nesse período,
o uso da Histól~ia Oral expandiu-se consideravebnente,
COln o auménto do número de pesquisadores e a
incorporação de novos objetos e tel11as de pesquisa.
Os anos 80 representaram, no ealnpo acadêmico, a
consolidaç-~o de vários programas de pós-graduação em
história e' ciências sociais, multiplicando-se as teses de
mestraq-o e doutorado. Jovens pesquisadores autônonl0s
passarain a produzir suas pesquisas com história oTal
explo-rando temáticas como a classe trabalhadora
brasíleira, a história de bairros, as minorias e grupos
discriminados, COlno negros e tnulheres. Esta nova
tendência da História Oral pennitiu um conhecimento
mais acurado de segmentos lnenos favorecidos da
sociedade brasileira. Apesar disso, dois pontos
importantes devem ser destacados: essas i'niciativas
individuais de coleta de depoimentos orais resultaram
eln extrema dispersão, e as dificuldades 110 levantamento
e organização do lnaterial produzido levaraln, em
inúmeros casos, à sua cOlnpleta peI'da ou destruição. Deve
11
ser lembrado, talubém, que essa expansão da HistóTia
Oral, embora tenha ocorrido num meio de professores e
estudantes universitários, não resultou eln Uln debate
lnetodológico consistente. A realização das entrevistas,
na maioria das vezes, despl-ezou os critél'ios rigorosos
requeridos pela pl-ática da História Oral.
Ainda assÍln, em 1983, o Oentro de Estudos Rurais e
Urbanos (CERU), ligado à USP, realizou o X Encontro
Nacional de Estudos Rurais e Urbanos e promoveu n1e-
sas~redondas sobre o uso da história de vida, alnpliando
assiJn o debate sobre a História Oral. Naquele lnesrno
ano, a Fundação Cultural da Bahia e o Program~· de Pós-
Graduação OIn Oi ências Sociais da Universidade Federal
da Bahia organizaram, em Salvador, o Seminário de
História Oral, COIn o objetivo de prOlnoveT a Inaior
divulgação dos lnétodos e técnicas de recolhimento,
arquivamento e crítica de depoimentos orais, benl como
de propiciaI' Ulna reflexão conjunta sobre este instru~
mental de pesquisa histórica. Na ocasião, pretendeu-se
talnbém criar condições para o estabelecimento de bases
de intercâInbio científico e institucignal pennanonte
entre centros de pesquisa e pesquisadores, 5
Ao que tudo indica, tais propostas:l1ão foraln levadas a
termo, nem qualquer fato novo surgiupara alterar o quadro
descrito, mantendo-se a dispersão daê iniciativas de produzir
pesquisas baseadas eIn depoilnentos orais, Esta situação
lnostrou-se ainda mais grave em virtude da ausência total
de qualquer política voltada para a l'egulalnentação e
preservação de fontes orais po.r parte dos m'quivos oficiais.
Na segunda metade dos a110S 80, Uln novo Ílnpulso
possibilitou a abertura de progranlas institucionais. O
processo de redemocratização, a elaboração da nova
Constituição' brasileira eID 1988, a comelDoração do
centenário da Proclamação da República em 1989 e a
realização de eleições diretas para presidente da República,
12
depois de mais de 20 anos de regÍlne milítar, atuaram colno
ele1nentos dinamizadores para a pesquisa sobre nossa
história recente, COIU reflexos sobre a História Ora1. A
preocupação de produzir balanços referentes à vida política
do país, bem C01UO de apontar os entraves que ilnpediam o
acesso da grande Inaioria da população à cidadania,
estilnulavmn a abertura de novos centros de docuIuentação
e pesquisa, ou a revigoração dos já existentes.
Os novos centros, €In sua maioria, nasceriam ligados às
universidades e se definiriatn pelo desenvolvimento de
diversas linhas de pesqui sa, produzindo-se assim uma maior
pulverização de .. teInas e procedimentos, Seus acervos
constituü"atn-se;-- e111 geral, de doculnentos de arquivos e
bibliotecas, cuja acuInulação não obedecia a uma linha pré-
estabelecida e que, na Inaior pat'te das vezes, já integravam
o acervo de outras instituições. No caso dos programas de
História Oral, a idéia central foi desenvolver algurnas linhas
de entrevistas voltadas para a recuperação da história local
ou institucional, e absorver os depoimentos coletados na
elaboração de teses ou de outros trabalhos universitários.
J á o,~{centros de pesquisa localizados em instituições
fora dàs universidades tiveraIn como cal'acterlstica uma
defiI~ição prévia e mais fechada de sua linha de acervo,
seja<em função de UIn período histórico, seja de um te1na
específi co, Neste caso a fafInação do acervo voltou-se
phra o recebimento de arquivos cOlnpletos, e não de
documentos esparsos, visando-se m::shn atender a unla
co 111 uni dade nlais ampla de usuários, Neste tipo de centto
de pesquisa, os programas de História Oral constituíram
apenas Ulna das atividades existentes,
Ainda que nesse 1110mento tenhal11 sido criados
Ílllportantes progralnas de História Oral eln centros de
pesquisa fora das universidades, como o Programa
Memória Judaica da Fundação Marc ChagaIl, no Rio
Grande do Sul, e a Melnória da Saúde, na Fundação
13
Oswaldo Cruz, é evidente o predolnínio numérico dos
programas universitários.
Paralelanlente, fora da área acadêmica, o intel"eSSe
pela tOlnada de depoimentos orais, de lnaneira a
constituir acervos que permitissem a recuperação da
nlelnória das grandes enlpresas estatais ou agências
governmuentais tmnbél11 se fez notar..: O eXelTIp]o ll1ais
ímpol·tante foi a criação, enl1986, do Centl"O de Memória
da Eletricidade no Brasil, da Eletrobrás, que abriu Ul11
novo campo de trabalho para a História Oral. 6 Instituições
semelhantes, como a Petrobrás, o Banco Central, o Minis-
tério das Relações Exteriores, tambélTI se interessaram em
realizar projetos de História Oral, na nlaioria das vezes ·ilão
criando progrmnas próprios, mas contratando instituições
especializadas para realizar o trabalho. O CPDOC e a
lfundação Joaquil11 Nabuco nluito se beneficíaral11 dessa
orientação, ao conseguirenl, através de convênios, angariar
recursos para mTIpliar e dinal11izar seuS progrmnás.
A despeito desse desenvolvil11ento expressivo, não se
pode dizer, em sentido mnplo, que a históría~oral tenha
conquistado sua plena expansão e reconh,~cin1ento. É
verdade que a111pliou-se significativmnente o nÚlnero de
pesquisadores que se envolveram COln='sua prática e
utilizarmn os resultados obtidos em 110V21'S pesquisas. No
entanto, a discussão metodológica nlanteve-se ainda
111uito restrita. O telna não conseguiu' ser absorvido n08
currículos dos pl'ogra111aS de pós-graduação ou e1n cursos
de ciências sociais e história. Os primeiros já trabalhavmTI
com a técnica de entrevistas e não estavarn preocupados
enl discutir os aspectos docum'~ntais envolvidos nos
lnétodos de trabalho da História Oral. Já os segundos,
portadores de U111a tradição de trabalho resistente ao
uso de fontes orais) e voltados, ainda em grande medida~
para telnas localizados nUIn passado lnais longínquo, não
delTIOl1stravam interesse pela área.
14
A História Oral não esteve, assim, incluída de maneira
mais sistemática nos debates dos colóquios, seminários e
encontros da área de história e ciências sociais, nem foi
objeto de atenção a ponto de originar encontros especia-
lizados. Além disso, muitos dos progrmnas criados não
tivermn UIna existência concreta, dispondo não mais do
que de UIn depósito de algulnas horas de entrevistas gravadas,
sen1 possibilidades reais de preservação e divulgação.
No que diz respeito à utilização do In ateri ai de História
Oral, então produzida, pode-se ressaltar, ainda, duas
ordens de problemas: as dificuldades analíticas de
aproveitamento e as questões vinculadas ao arquivamento,
entre elas a -Jnexistência de políticas de acesso à
documentação pelo usuário.
EIn relação ao primeiro ponto, pode-se dizer que, COIn
raras exceções, o aproveitmnento das entrevistas coletadas
restringiu~_se à publicação integral ou parcial, de forma
mais ou lTIenOS original. Em outros casos, as entrevistas
constituíí'mn-se etn fontes de infor1nações para preencher
lacunas-de pesquisas não-voltadas para a HistóTia Oral.
Desta 'forma, os trabalhos publicados não deram a
atenç_ão devida- a U1na análise sistemática dos usos e
limites da história oral, deixando de lado a discussão de
qu~stões metodológicas relevantes.
JNo que diz respeito ao segundo ponto, permanece um
grande desafio: a inexistência de procedilnentos gerais
para a localização, seleção, recolhimento e arquivaInento
dos depobnentos orais dispersos por U1n ilnen80 país
como o Brasil. Os arquivistas ainda têtTI se envolvido muito
pouco com políticas de preservação da documentação oral,
ficando fora deste debate o Arquivo Nacional e os arquivos
estaduais. É verdade que alguns centros de História Ora]
têm feito esforços para a divulgação de seus acervos através
da publicação de catálogos e 1nmluais, mas estas constituem
iniciativas ainda nUInericamente pouco expressivas. 7
15
Finalmente, o horizonte que se abre nos anos 90 é de
desenvolvimento da História Oral no Brasil, com o pleno
reconhecimento e a institucionalização da área. Em abril
de 1993, realizou~se o Encontro Nacional de História Oral
em São Paulo, que inaugurou urna nova fase de intercâmbio
entre progralnas. No ccnclave foram apresentados 25
trabalhos, e 123 pessoas inscrevermn-se representando
cerca de 30 instituições. Aplincipal deliberação do encontro
foi a proposta de criação da Associação Brasileira de História
Oral. Estabeleceu~se, ainda, que todos os esforços serimu
feitos para divulgar esta idéia, promover o cadastramento
dos pesquisadores e instituições envolvidos na área e
realizar, etn 1994) o II Encontro Nacional de História Oral.
Diferenteluente dos anos anteriol'es, eln 1993 os
principais encontros acadêluicos da área de história e
ciências sociais incluíram em suas progrmnações _cursos,
conferências, mesas-redondas e gl'UpOS de trabalho
dedicados à discussão da História Oral. Devem sel'
citados, ainda, eventos de caráter regional voltados para
o tema, C01110 o Encontro de História e DOCUlnentação '
Oral de Brasília. 8 --
16
Arquivo de Memóría Operária do Rio de Janeiro e Núcleo de
Estudos e Pesquisas sobre a Infância/Laboratório de Pesquisa
Social-IFCS/Universidade Federal do Rio de Janeiro
Coordenação: Elina Pessanha e Rosilene Alvim
17
NOTAS
18
A FUNÇÃO EPISTEMOLÓGICA E
IDEOLÓGICA DA I~IISTÓRIA ORAL NO
DISCURSO DA HJSTÓRIA
CONTEMPORÂNEA
Miohel Trebitsch >;:
do CNRS, Pari s.
Esta tradução é de Monique Angras
19
2. A pretensão, pela História Oral, de se constituir ein
uma "outra história", surge no contexto dos movimentos
de contestação radical dos anos 60 e 70. DevC1nos, por isso,
'mantê·la no statu..q de um "período historiográfico" que se
encerrou no início dos anos 80, ou ver nela uma frente
pioneira da historiografia?
3. Valnos concluir COIn uma pergunta em forma de balan-
ço a respeito da passageln da História Oral para a história
da memória, ao meSlno tempo em que OCOl're um duplo
fenôlneno de "academização" e de internacionalização.
20
Ao contrário, o modelo de Columbia, que considera a
transcrição, e não a gravação, como doculnento origi-
nal, que privilegia o estu.do das elites) e não o dos
excluídos da história, que atribui à História Oral a tm'efa
de preencher as lacunas dos documentos escri tos e
mesnlO de cOllstituir arquivos de mesnna natureza, esse
modelo lTIoderado será considerado C01110 o exemplo
daquilo que não se deve fazer,
Nos anos Rennedy, mais do que o choque da Guerra
do Vietnã - a não ser sob a forma indireta do "terceiro-
mundismo" -, a deseobeI'ta da "outra Amédca", da.·
pobreza, e a expansão do movimento negro desencadeiam
o interesse pelos excluídos, pelas 1ninorias étnicas,
imigrantes e delinqüentes. É o mesmo "populislTIO
existencialista H , postulando que o saber pode por si só
resolver aquestão social, que itnpregna os movimentos
radicais, felninistas, pacifistas da New Left, hem como
as pesquisas orais dos anos 60, que opõetn a "histórÍa
vista de baixo" à história escrita, branca, e até mesmo
WASP. Símbolo dessa virada, o livro de Oscar Lewis, The
Ghildá~n Df Sanohez (1961) aplica o lnodelo antropológico
ao estudo das culturas lninoritárias, podendo-se eOlnparar
sellÍlnpacto ideológiCO com o do livro de Franz Fanon, Les
ddrnnés de la terre, sobre os Í11telectuais franceses.
A J:-!1stória Oral, apresentando-se de cara COlTIO uma
':GéJ1~trg-história; dotou-se de Ulna genealogia e1n parte
mítica que esvazia qualquer tentativa de estabelecer Ulna
cronologia linear. Inventou, no decorrer das lutas, seus
deuses tutelares, seus heróis cOl'aj osos - senão os seus
mártires,.... precursores cujo aparecimento, ou redesco-
berta, é difícil situar em tennos cronológicos precisos.
Identificou, talTIbém, "cães de guarda" da ideologia
dOlninante, os seus bodes expiatórios e seus inimigos
hereditários. Tal genealogia baseia-se em três reivindi-
cações cOlnplementares:
21
1. contra a história antiga, a anterioridade milenar;
2. contra a história oficial, uma história "vista de baixo";
3. contra a ficção daobjetividade~ uma ciência engajada.
22
processo de institucionalização 'e profissionalização. A
criação dos arquivos nacionais, paradiglna da il1stituição
de memória organiza.da eln torno da fonte escrita,
ü-allsforma a história no território dos arquivistas, que
a reduzeln à "caça aos docuJnentos", encerrando-a no
estudo dos telupos longínquos. Ao restringir a tradição
oral ao campo da anedota ou ao passado recente, às
sociedades sem escrita, isto é, selU história, às categorias
inferiores dos mundos extra-europeus, ou das classes
populares, ou 'ainda às disciplinas inferiores, como a
etnologia e o folclore, a"história positiva estabelece uma
hierarquia paralela das ciências, das fontes e dos grupos
sociais que participa do lneSlno grande Jnito unitário de
uma histól'ia nàcionaL
2. A esta hierarqui~, a História Oral vem se opor con10
contra-história, operando uma inversão historiográfica
radical, tanto do ponto de vista dos objetos como dos
métodos. IJistória vista de baixo, história do locâl e do
cOlTIunitárlo, história dos humildes e dos se111-história,
tira do ,esquecimento aquilo que a história oficial
sepultop': tradições pré-colombianas recolhidas pelos
cronistas franciscanos do século XVI, em que se enraíza
a História Oral mexicana; relatos dos veteranos da
revq1'ução 'americana, cole'~ados por volta de 1840;
enttevistas de operários ingleses, r~alizadas já eln 1851
po~ Henry Mayhew (London Labour and the London
POOT). AliInenta-se dos relatos dos vencidos, testemunhos
dos Camisards (rebeldes protestantes do século XVII)
das Cévennes, coletados no início do século XVIII pelo
pastor autodidata Antoine Court, ou lembranças dos
Chouans (revoltosos reali stas do Oeste francês no fün
do século XVIII), piedosalnente reunidas pelos
legitimistas dos anos 1830-1840~ e de novo apresentadas
no fim do século X1X, no processo de beatificação das vítilnas
da revolução. É a história de todas as Véndées (resistência
23
anuada), e só pode buscar os seus precursores nas nlargens
da ortodoxia histórica, entre os "primitivos da etnografia H )
os literatos rOluântícos ou os folcloristas saudosistas.
Podel"íamos, assim, identificar uma segunda genealogia,
situada no século XIX, presente na "via literária" í que
evidencia o fascínio do rOlnantismo pelas culturas
populares. Esta linha teria sido inaugurada no fim do século
anterior pela fraude de Osstan, bardo celta inventado pelo
professor 1Vlacpherson, e ilustrada pelos prilneiros contos
de Grimm inspirados no nascimeNto da Volksh,unde alemã,
l}as investigações orais l"ealizadas por "Valter Scott para os
seus romances históricos, ou no revival regionalista de
Barbey d'Aurevillyou George Sand.
A "Via etnológica" nasce do lneS1no elnpenho Énn
preservar UIna cultura popular presumidamente Ílnóvel e
alneaçada pelo progresso. Sem querer buscar a origem deste
prooesso nos glossários regionais britânicos do século XVII,
as pesquisas de sociedades científicas locais, tais con10 a
Acadelnia céltica (1804) oU as coletas dos estúdantes
finlandeses dos anos 1830, já prefiguram, na articulação
entre dialetologia e folclore (a palavra aparece,em 1846),
Uln projeto etnológico moderno que se afinna frente ao
perigo da industrialização. Anunciada pela obra de Paul
SébilIot, fundador da Revue des Traditio11S Populaires
(1886), a institucionaHzação da etnologi'a no início do
sécuÍo XX (Atlas Línguistique da França, fUlldação do Museu
Nacional canadense, que sistelnatiza as coleções dos
folcloristas - MareeI Barbeau -, do I11stituto de Pesquisa
sobre Dialeto e Folclore, da Universidade de Uppsala) é
C011 telnporânea da cri ação de arquivos sonoros j á em 1899,
eITI Viena, 01111904, elU Berli111, eelu1911, eITI Paris, onde
Ferdinand Bru110t inaugura os Arquivos da Palavra,
transformados em FOl1oteca Nacional enl 1938.
A História Oral assegura o seu status de contra-
história, ao buscar UIna fonte privilegiada na préMhistória
24
da etnologia, e perpetua, ao alimentaI" ulna de suas lendas
sOlnbl"ias - a do "atraso francês"- o persistente mal-
entendi do entre antropologia e história. Ao meSlno
tempo, oculta outras fontes de inspiração, tais cOlno a
tradição das grandes pesquisas operárias do século XIX,
de Villermé aos Blue Books, de Engels aLe Play, ou ainda
a expansão do jOfnalisIno popular, do qual, em palate,
tOlna en1prestada a técnica da entrevista. Genealogia por
demais "lnoderna", por demais urbana, é verdade, e que
não cOInbina com a sua pretensão de salvar do naufrágio
"o Inundo que perdemos",
3, Quando recorre a Heródoto contra a tradi ção
posi tivista, apresentando-se COlTIO volta às fontes da
história autêntica, a História Oral não está equivocada:
é retorno, repetição e adaptação dos grandes paradigl1ul.s
liiobre os quais o POPUliSlTIO, já desde o século XIX, sonhou
1"econciliar o sabeI' COITI o povo. Opondo à fria trilogia
acadêmiéa - Estado, história, escrita - a sua própria
trindade - revolução, lTIetTIória, oralidade -, a História
Oral assume Urn projeto utópico de de1110cratização da
histótIa, contra a instituição, a civilização, o progresso,
a oidade, propolldo~se devolver a palavra ao povo, ao ru-
rat; ao prilTIitivo. História quente, militante, história
dós excluídos, el11 que o oral se opõe ao escrito COlTIO a
natureza à cultura, o vivenciado ao ooncebido, o
verdadeiro ao artificial, a História Oral construiu sua
identidade sobre um sistema lnaniqueísta de al1tinolnias,
de que deCOrrelTI os seus princípios lTIetodológicos - uso
da pesquisa de campo e da observação participante,
abertura interdisciplinar para as de1TIais ciências sociais.
Deste ITIodo, busca U1U terceiro tipo de genealogia
quando ressuscita, contra· Nevins, que O tinha por sua
vez ocultado, o lnodelo populista da Escola de Chicago.
A sociologia clnpírica, nascida 110 filTI do século XIX no
Departan1ento de Sociologia da Universidade de Ohicago,
25
ao conceber a ncidade COlno laboratório", inventava a
pesquisa de campo que iria produzir, eln 1918-1920, esse
Inonumento mítico da sociologia das "life histo'lies" -
The Polish Peasant in Europe and AmeTica, de vVilli am
Thomas e Florian Znalliecki. "Sair das bibliotecas para
ir a campo" - toda a sociologia participante dos anos 60,
ignorando Políbio ou as pesquisas de Le Play, reconhecer~
se-á na célebre apóstrofe de Robel't ParIr, cavalo de
batalha teórico contra a sociologia quantificadora, frente
à qual o próprio Thomas já se havia curvado depois de
1945 e, ao lnesrno telnpo, palavra de ordem do
Inilitalltislno social, inspirado por sua vez na Backyard
Revolution dos anos 30. Em nOlne do lnesmo popuÜsmo,
serão exumados os relatos autobiográficos indígenas
ooletados por Paul Radin (Crashing Thunder, 1926), be111
c01no os Fede1'al Writers Projects, lançados pelo New Deal
para pesquisar as ]clnbranças dos "pequenos brancos" e
dos ex-escravos negros do Sul, das quais Georges P.
Rawick enlpreende, eln 1972, época do lnoviIllento dos
direitos civis, a edição integral - lilrom Sundo'lvn to
Sunup: The Making of the Blao/ç Gommunity:.,.·o
26
a enunciar lTIais claramente a sua pretensão de ser un1a
frente pioneira da historiografia.
1. Retomando o caso norteMalnericano, lnais do que
pesquisas sobre o mundo dos outsiders, ítnígrantes,
delinqüentes, são autobiografias de ladrões, prostitutas,
gângsteres - entre eles, o célebre Jack-Roller, de Clifford
R. Shaw (1930) - que a Escola de Chicago toma COlno
emblemas. No fim' dos anos 60, Studs Terkel, jornalista de
rádio e televisão que participara dos Federal W1-ite.rs
Projects, fabrica best-sellers a partir da coleta de "life histo-
ries" de habitantes de Chicago (Division St'reet America,
Hard Time: an Oral Elistory of the Great Depression). íç o
"terkelismo" e, eJn seguida, sobretudo em 1973, o célebre
Roots, de Ale.i Haley, que assegutmTI o sucesso da História
Oral, ào realizar, pela vulgarização através da mídia, U111a
surpreendente coincidência cronológica, senão ideológica,
entre a utopia da contestação radical e a nostalgia pus-
sadi sta de retorno às raízes.
Talvez esta capacidade de adaptação e recuperação
própria dos Estados Unidos explique não apenas a enorme
expansão, mas a legitimação, relativamente fácil, da
HistÓ'ria Oral no campo científico. Além dos debates
sobl;e história engaj ada, a respeito da Guerra do Vietnã,
qu~ opuseram violentamente" ativistas" e "arquivistas",
Ronald J. GreI e sugere, j á em 1975, ~ln Envelopes Df
8ound, uma atitude de conciliação que permitiria a
"expansão, no meio universitário, da História Oral,
oficializada e pedagogizada por inúmeros manuais. NIais
próxima do modelo de Colun1bia, nas grandes
instituições públicas e particulares, e nas universidades
tradicionais do Leste, do Texas e da Califórnia, a História
Oral se dirige para os excluídos, nas universidades recentes
das regi ões culturahnente dominadas, enquanto cresce,
sobretudo no Sul, uma community history com sabor local,
alimentada por entidades tão diversas como museus,
sociedades históricas, sindicatos ou grupos religiosos.
?7
o caso da Grã-Btetanha, que desempenha UIU papel
pioneiro 110 continente europeu, é semelhante. Uln
grande historiador, como Macaulay, certamente não
desprezou as fontes orais na sua História da Inglaterra a
partir do reino de Jaime 11 (1848-55). Entretanto, o
verdadeiro nascimento da História Oral britânica datà
da convergência, no contexto ideológico dos anos 60, de
duas correntes diversas, porém igualmente preocupadas
COIU as camadas populares, eln vez das elites.
A prilneira, não-acadêmica em sua maior parte,
provém da confluência, nos anos 5 0, do retorno da moda
das '~histórias de aldeias" COln a expansão das coletas de
dialetos empl'eendidas na Irlanda entre as duas guerras
lTIundiais. O estudo do dialetólogo George Ewart EWàl1S
sobre os trabalhadores diaristas de uma aldeia do Suffolk
(Ask the Fellows 'Who Qut the Hay) , seguido pelo livro-
piloto de Jan VansÍna sobre a tradição oral (1961) e pelos
pl'imeiros passos da história africana vão orientar esta
corrente na direção da antropologia,'Noentantó, é UIna
interrogação mais social sobre o desaparecimento da
. Inglaterra industrial do carvão e do ferro, marcada pela
criação dos primeiros museus industriais ou pela
reedição de grandes pesquisas e autobiografias operárias
do século XIX, que opera o encontro poro a outra
corrente, mais acadêmica, inspirada nos' trabalhos de
Richard Hoggart sobre a "cultura do pobre", e sobretudo
pela obra de E. P. Thompsol1 a respeito da formação da
classe operária inglesa.
Nos anos 60, historiadores, antropólogos e sociólogos,
reunidos em torno de John Savílle, e1n Hull, e de Paul
Tholupson, em Essex, abrem a histól~ia operária para UIna
"nova história social", que abarcá o estudo da vida coti diana
dos trabalhadores (família, mulheres, lazeres, cultura),
estendendo-se, como em The Edwardians, de Paul
Thompson (1978), aos estudos nacionais de História Oral.
28
PoréIU, COIUO 110S Estados Unidos, o êxito da História Oral
proviria da divulgaçã.o, pela Iuídia, do best·seller de Ronald
Blythe, Akenjield (1969), romance sobre a vida cotidiana
de uma aldeia inglesa, e de séries de investigações feitas a
seguir pela televisão (Yesterday's T"Fitness). Do mesmo
Iuodo, a História Oral será encampada pela academiajá no
início dos anos 70, COIU a abertura, elTI 1972, do Depart·
ment of Soul1ds Records, no Imperial War M useum de
Londres, e a criação da revista Oral History, além da
Oral History Society, em 1973.
2. Há, no entanto, na História Oral britânica uma
dimensão militante e politicamente engajada que se
manifesta 110 movimento dos History ·Workshops, lançado
por Raphael SamuEJ e contemporâneo da anti psiquiatria
de Ronald Laing e da antipedagogia de SummerhiU. Raphael
Samuel só viria a teorizar sobre esta experiência em Village
Lije and Labour (1975), enquanto Paul Thompson
desenvolveri a, -en1 Voices oj the Past (1978), a i déia ainda
mais radical de que a função da História Oral, ao devolver
a história ao povo, é de deluocratizar a própria história.
A perspectiva militante revelawse, talvez, mais nítida
na Itália _~'naAlemanha, onde não enfrenta apenas o peso
do criticismo histórico, de Ranke a Oroce, luas sobretudo
o "lutq- impossível" do fascisluo. Na Itália, recusando-se
a retróagü aos trabalhos dos folcloristas do século XIX,
a História Oral adquire desde logo o perfil de unla história
engajada. János anos 50, intelectuais como DalliloMontaldi,
Gianni Bosio, Rocco Scotellaro, lançam, em nOlue dos
"militantes políticos de base" e contra os partidos
operáríos tradicionais, pesquisas sobre as classes
populares do Mezzogiorno e a classe operária do Norte,
.enquanto Ernesto de Martino imagina uma crítica antro-
pológica da cultura das elites, de que nascerá, em Milão,
o instituto que leva o seu nome. Na onda dos moviInentos
de 1968, seguindo o célebre modelo de Nuto ReveIli na
29
coleta de entrevistas de camponeses pielnon;teses, a
História Oral pretende devolver a palavra aos operários
das fábricas, aos militantes políticos, às mulheres.
Aliando' à contra-história dos grupos oprimidos a
alternativa revolucionária, eln UIna confusão e dispersão
acentuadas pelas experiências das rádios e televisões
livres, apresenta-se ao "mundo dos vencidos" COlTIO
reconquista de identidade. 3 E sotTIente em lneados dos
anos 70, COIn as pesquisas sobre relatos de vida do
sociólogo Franco Ferrarotti, os projetos de Sandro
PortelH e, sobretudo, os trabalhos de Luisa Passerini
sobre a memória operária do fascismo na região de
Turün, todos orientados, progl-essivalTIente, sob a
influência de Paul Tholl1pson, no sentido de uma reflexão
de alto nível teól-ico,4 a História Oral vai se livrar, em
certa medida, do seu caráter populista e espontâneo.
Na Alemanha, o caráter ao lTIeSmO tempo tardio e
militante da História Oral pode ser intel-pretado como Uma
resposta da geração de 1968 a seus questionamentos
relatívos ao passado nazista. S Este caminho já fora aberto,
nos anos 50, por uma pesquisa governalnental, incluindo
questionários sobre os expulsos e os refúgiados, e uma
coleta de Zeugenschrifturn, COIn transcrição de testenlunhos
sobre a guerra, organizada pelo Institut rur Zeitgeschichte,-
de Munique, lnas ainda dentro do q~adro tradicional da
história política. São os movill1ent08 radicais dos anos 60
que vão superar o tabu referente à Volkskuruie, cuja tradição,
ancorada nos estudos folclóricos e nas autobiografias operárias
do século XIX, havia sido'ocultada pela história acadêlnica
e distorcida sob o governo de Hitler. Tratando dos excluídos
e d0111inados, e particulm-mente das lTIulheres, a partir de
uma Heimatgeschichte, entendida COlno crítica das mac'ro-
estruturas, as primeiras iniciativas são militantes e até mesmo
anti insti tuei onm s (Geschichtswerkstatte, Fernuniversitat).
30
lün dos anos 70, a História Oral alemã aSSUlTIe sua
'arlcllta.cao específica, associando as pesquisas sobre a
,<,:'i\:./i:;'-'i:.:\i
\TU.eU1OJl-la da guerra e do nazismo COln o interesse pelo
31
a Escola de Chicago. 9 Deixando curiosatnente de lado a
tradição de Le Playou as contribuições da sociologia de
catnpo de Gurvitch e Le Bras, Daniel Bertaux passa a
apregom', contra a sociologia quantitativa dos questio·
nários, uma sociologia qualitativa, a única capaz de perceber
a mobilidade social, e que descnvolve CIn ulna reflexão lnais
alnpla sobre o lnétodo biográfico. lO
No entanto, ao conttário da lenda, n1aio-1968 só teve
Ulna influência secundária sobre a História Oral, a não ser,
de modo indireto, 110 auge da onda estruturalista, pela
atenção dedicada à linguagem e à vivência. Já en1 1966, na
confluência da lingüística estrutural, da at1tropologia levi-
straussiana, da selniologia barthesiana, da psicanáHse
lacaniana, e até 111esmo da crítica althusseriana da ideologia,
Les mots et les choses, de :Michel Foucault, prefigura as
reflexões ulteriores sobre autislno (Bettelheitn), o asilo
(Gofflnal111), as "linguagens totalitárias" (.T. P. Faye) , as
sociedades prilnitivas (Clastres), e leva à convicção
contestadora de que é pI'eoiso devolver a palavra à criança,
ao louco, às l11inorias sociais, raciais, sexuais, oprimidas.
Por detrás da vontade·espontânea saída da "boca" dos bons
selvagens do século XX contra a instítuição, a escrita, o
pode}', elnerge o apelo da vivência, do indivíduo cotidiano,
da família, da sexualidade, do nasc~inento e da Inorte que
vai resultar na busca de identidade e na nostalgia passadísta,
na lnoda do biográfjco e no l'etorno às raízes.
A especificidade - e não o atraso - da História Oral
na França talvez se deva a fatores caracteristicamente
históricos, eln prill1eiro lugar. O pritneiro deles seria a
nlarca secular das "guerras franco-francesas" sobre os
mecaniSlnos de 1110biBiação e recalque da melnória
coletiva que tanta. influência teve sobre o "luto i111p08-
sível", para os franceses, da Guerra e da Ocupaçao (do
território). Apesar das pesquisas já. levadas a ternlo, em
1944, pela cOlnissão que se tornará eln 1951 COlnitê de
32
História da Segunda Guerra 1\1undial, foi preciso esperar
} 969 para que o sucesso do fihne de MareeI Ophüls e
André Harris, Le chagrin et la pitié, viesse desbloquear a
sÍndl·ome da guerra.
Um segundo fator, mais profundo, talvez, prOVélTI da
lentidão das mutações econôlnicas e sociológicas na
França: somente no fim dos anos 60 se vão descobrir, por
ooasião da estrondosa agitação camponesa, os efeitos
da urbanização e do ingresso na OOlnunidade Européia
$obre o Inundo ruraL11 G1'enadou, paysan franqais,
coletânea de entrevistas feitas por Uln jonlalista COITI
l.lm calnponês da Beauce, produz eIn 1966 o prinleiro
oest-sellc1' francês do gênero. E eIn 1967, enquanto Henri
M.endras diagnostica o tardio "fim dos cmnponeses",
Edgar Morin pesquisa o lnunicípio de Plodêmet, Oom-
mune en Brance, J aeques Ozouf publi ca Nous les maitres
d'école, e Philippe Joutard começa a sua investigação
oral, que levará perto de dez anos, sobre a leInbrança
elos Oamisards rebeldes das CéVel1l1es. Algulnas
iniciativas locais, muitas vezes oriundas dos confins
.ª,utol1oInistas (Occitània, Inovilnento bretão Datsum,
"Recolher"), redescobre1TI U1TI passado cultural, enraizado
mais profundamente no 111Ulldo rural do que 110 lTIundo
9perári"o. Mas aqui também a mídia é enl grande parte
responsável pelo sucesso da "vivência',' - título da cole-
çâo ] ançada em 1967, seguüldo o modelo americano, por
Robert Laffont, e que será amplamente beneficiada'pelo
triunfo de Papillon, de Henri Charriere. O êxito avassa-
lador viria em 1975) COIn Le cheval d'orgueil, autobiografia
muito elaborada, de P. J. Helias.
Na França, todavia, não há "oficinas de história" nC111
"nova história social". É verdade que existe UIna
experiência isolada, a do Eco-1\1useu de Le Oreusot, aberto
eIn 197 4.l\1m:, se formos procurar um ul ugar de Inemória"
eIn que a palavra seja dada ou devolvida aos anônimos e
33
aos subalternos, será, paradoxalmente, do lado da escrita
que irelnos encontrm', O louco elTIpreendüTIento de Jean
Maitron 110 fitn dos anos 50, ao organizar o Dictíonnaü-e
Biographique du .Alou'Vement Ou'Vrier FTançais, é
responsável) por si só, pelo papel desempenhado em
outros países pela História Oral. Sel'á que a inegável
desconfiança dos historiadores franceses frente à História
Ora] não se deve, alélTI do fetichisn10 da fonte escrita e
do peso da centralização estatal, à espantosa persistência
da ficção da objetividade? Reticentes nos a110S 30 diante
do passadislTIO etnológico à la v..'111 Gennep, não terão os
Annales lTIa11Udo, a seu modo, o tabu positivista que
pretendiam rejeitar quando, nos anos 50, paSSaralTI a
privilegiar o enfoque quantitativo e estrutura]? A História
Oral 111ais aCildêlnica que levanta vôo ctn lneados dos
anos 70 rcr.lge, seIn dúvida, AO peso dessc.111odelo e à
persistência do esquelna de inspiração lnarxista, ctnbc)ra
essas heranças cotnplexns sejanl incontestavehnellte
responsáveis pela sofi sticação peculiai' dos debate~
historiognífíoos e ll1etodológicos.
O bnpulso para as prhneinls pCSqUiSflS ooletivas dá.-se
COln a fundação do Oe11t,.o de Pesquistls Medi terrâneas
sobre Etnotextos e História Oral dn Universidade de
Provênce, por Jean Claude Bouvie/ e Philippe JOlltard,
que eln 1977 publica sua L,é.f1.ende des Camisa1'ds, une
sensibilité du passé; COln a a111pla pesquisa oral A Europa
do tempo presente, lançada Clll 1976 pelas univcl'sidades
de Lille, Bruxelas, lAege e MOllS; e 00111 a il1vestigaçflo
de Yves Lequil1 e Jean Métral sobre fl l11ernória operária
C1n Givors. De acordo COIU o título de UIna pesquisa
dirigida na ltHESS por Joseph Goy, Jacques Ozouf c
André Burguiere, ao lTIodelo estrutul'alista sucede unla
II antropologia histórictl da 1uudança", 111 arcada pcht obra
34
do traba~ho, pelos rituais e pelas festas, pelas sociabi-
lidades; e ,ainda que privilegie o testelTIunho ea fonte oral)
liquida a oposição, ori unda de 68, entre cultura popular
e oultura erudita, ao sublinhar o quanto a oralidade está
transcrita e inscrita no hvro, no cartaz, no panfleto.
Quase contemporânea da histól-ia das "tnentalidades, a
emergência da "lnemória coletiva" no calnpo histórico
CQntribui para assentar a História Oral em toda a sua
complexidade, a de uma história "longa" da nlemória
COln passado "recolnposto", particularmente graças à
reflexão de Michael Pollak sobre a função do testemunho
e11tre os egressos dos calnpos de concentração, "das
palavras que lnataITI" entre os nazistas, e às nUlnerosas
pesquisas sobre o Inundo judaico e o "silêncio da
lneInória" (Nicole Lapierre).1 2
A essa prinleira corrente, de tendência antropológica,
não seria correto opor, termo a tenno, uma tendência
111ais arquivística, que recusa a visão populista de UIna
História Orâl reservada aos grupos oprimi dos. É tambéln
(:nn 1975 que essa tendência aparece, em UIna pesquisa
sobre a h~,stória da previdência social, elTI que DOlnínique
Aron-Schnapper e Daniele Hanet introduzem nos teste-
lTIunhos un1a distinção baseada na posição hierárquica
dos enirevistados. 13 Ao definir o arquivo oral, na esteira
de Jabques Ozouf, COlTIO a'rquivo provocado, DOlninique
Schnapper fornece UIna resposta) explicitada com
pl-ecisão eln 1983, en1 suas "Questões üllpel-tinentes para
os historiadores orai s", afastando defj ni tivalTI ente
quaisquer pretensões militantes. Tal enfoque toca mais
de,perto a história política e institucional, e até 111eSl110
a história das elites, ünpondo-se, por conseguinte, às
grandes instituições particulares, como o Instituto
Chades de Gaulle, c- púbJicas, como os Arquivos da
França, o 1\1inistério das Relações Extel'iores, ou ainda
os COluitês de História dos Ininistérios (Indústria,
35
Economia, Justiça, Transportes Ferroviários) que se
multiplicam 110S anos 80. gsta tendência contribui
decisivamente, e sobretudo no Institut d'Hístoire du
Temps Présent (IHTP) , para inscrever a História Oral no
campo da história ilTIediatamente contemporânea,
história do tempo presente, que se define como história
com testemunhas, e que questiona a própria noção de
arquivo, ao mesmo tempo em que advoga para si certo
empirismo metodológico.
36
Jj) quase e1n toda parte, apoiada e1n best-sellers - Akenfield,
Roots, Le cheval d'O'rgueil~ Le monde des vainous -, a
História Oral deve seu êxito à vulgarização e à ação da mídia.
Nos anos 60 e 70, lnediante uma temática geracionaI,
t0111ada por teoria e princípio'de coesão, a História Oral
introduz~se, e1n face da história oficial, COlno contra~
histól'ia, tornando~ge, em parte, como lnostra Michael
PolIak, a arma utilizada por UIna jove1n geração de
pesquisadores marginalizados (mulheres, acadêmicos
não-parisienses), C01n trajetórias atípicas, que estabeleceIn,
por conta própria, a ligação entre a ctise do eInprego na
área das ciências hUlnanas e o declínio dos grandes
paradiglnas teóricos. 16 Ora, são esses jovens que entram·
no Inundo do trabalho no decorrer dos anos 80, tOInaln
conta da direção das instituições nacionais e interna-
cionais, das revÍstas, das cadeiras universitárias e dos
centros de pesquisa, legitimando, deste nl0do, a História
Oral que osJegi tilnou. EIn torno de alguns personagens-
chaves, Inuitas vezes Inulheres, Ronald Grele e Michael
Fl'isch, nos Estados Unidos, Nicole Gagnon, 110 Oanadá,
Paul Thonlpson e Raphael Satnuel, na Grã-Bretanha, Lutz
NiethaliÚner~ na Alelnanha, Luisa Passerini, na Itália,
Eugênia ~1eyer, 110 .México, Mercedes Vilanova, na Espanha,
etc .. ,.cconstituenl-se redes - pat-a não dizer "igrejinhas" -,
luautendo-se sensíveis as distinções entre UIna "escola"
anglo-saxã, que continua militante, e uma "escola" francesa
- para não dizer latina ..,., que se afasta dos precei tos da
sociologia participante.
A ínstitucionalização da História Oral caminha pari
I passu com a sua internacionalização, simbolizada pela
fundação, eln 1980, dolnte1-nationalJournalofOralHis~
tor"y e pontuada pelos grandes colóquios internacionais
que se sucedeIn depois do encontro-piloto de Oolchester,
e1n 1978. De Anulterdã, Cln 1980, a Aix-en-Provence, e1n
1982, Barcelona, e1n 1985! OxfoTd, em 1987, Essel1, e1n
37
1990, as preocupações militantes vão aos poucos
recuando para dar lugar às preocupações luetodológicas,
enquanto se afinlla a reflexão central sobre fenômenos
de memória e recalques coletivos.
Coisa de "ricos" durante muito tenlpo, quando os
historiadores dos países ocidentais proj etavaln o seu
olhar (ou a sua con"sciência pesada) sobre o próprio
passado nacional ocultado, ou sobre aqueles sublnetidos à
duradoura dominação colonial, a História Oral vai aos
poucos se expandindo em nível mundial. O Canadá
toma feições de pioneiro quando as pesquisas orais,
sob a égide da Universidade LavaI (Nicole Gagnon),
contríbuem para a conscientização nacional do Québec.
Talubém precocemente, o continente sul·amet·icano se
abt"e para uma História Oral essenciahnente militante e
até lUeSlTIO antic010nia1. No México, a História Ora] é
lançada nos anos 70 pelos livros provocativos-de Fel"nando
Horcasitas (Merno1ial nahuatl de Milpa Alta, seguido por
" De Porfirio Díaz a Zapata). Independente do ilnpacto dos
Filhos de Sanche.z, até l11esmo das violentas críticas à
imagem desesperadora da pobreza mexicana que o livro
translni te, bem COlno do eco da imerisa pesquisa oral
conduzida pelo historiador francês Jê-an 11eyer sobre a
revolta dos Cristeros dos anos 20, a H~stória Oral mexicana
vai buscar suas raízes nas crônicas franciscanas do século
À~TI ou na corrente indianista e indig~l1ista. É esta corrente
que vai inspirar, logo depois da Revolução, a fundação da
Escola Nacional de Antropologia e História do México, de
onde ainda provéln, nos programas dirigidos por Eugênia
Meyer (Archivo de la PaI abr a) , o enfoque antropológico dos
estudos sobre excluídos e dOlninados.
As pesquisas, hoje, ainda permanecem dispersas. O
Brasil torna-se singular pelas pesquisas sobre as elites, e
apenas em 1988 um prilneiro encontro reúne, no México,
especialistas da América Latina le da Espanha. No que diz
respeito à África, território dos antropólogos e etnólogos,
38
p~tl"rnanece Ull1 ângulo 1110rto da pesquisa histórica,
~pesar da montagelTI progressiva de U1TIa metodologia
de tradição oral.
2. Será que a História Oral, banalizada pela divulgação
da lnídia, pela insti tucionalização, pela internacionalização,
está totahnente dOlnestícada? Ao alcançar áreas longa-
ITIente submetidas a regimes em que, por definição, a
palavra está proibida, ela sofre 110va metalnorfose, situada
a igual distância da utopia de 68 e da recuperação. Nesses
termos, temos de pensar 110 caso da Espanha, onde a
l:Iistória Oral passou a investigar, quase que naturalmente,
U1n pouco de acordo COITI o lTIodelo italiano e alemão, a
memória do franquismo, e até ITIeamO as cmnadas lnais
pro!t111das do "fato libertário".
E sobretudo 110S países do Leste europeu, logo depois
da queda do bloco cOll1unÍsta, e lneS1110 antes, ctn certa$;
casos, desde os anos 80, lut I~It1l1gl'ia ou na Polônia, que a
História Orál reencontra a veia 111ilitante de reco11quista
da lne111Óda. Tratawse ll1e91110 de construir urna história,
nunca esc'rita, da opteSSrtO de lnnssa, e l1Hli saindo., talvez l
quando}"depois das booas, abrC111-Se os arquivos, de
reconstruir 11111a consciência, isto é, U1na mem6ria. O
que 0: caso da Europa Oe11tral e Oriental, e l1HlÍS ainda,
da ex~Ul1ião Soviética telTI de inaudito é que não se trata
de devolver a palavra aos excluídos, d01ninados, transferidos,
pérseguidos~ lU9S sÍl'n a t11na sooiedade inteira que teve
de pennaneccr calada durante quarenta a cinqüenta
anos. RIU quase toda parte, a expansão da história pre-
cede, quando não contribui, à queda dos anos 1988-1989.
Na Polônia, onde a obra de Thornas e Znaniecld suscitara
Ulna antiga prática de COl1curs.os de relatos de vida, li
História Oral se beneficia, para C0111eçal', da liberalização
do início dos anos 70. Há coincidência entre a sua expansão
e a do mOVi111ento social (Solidariedade). Depois de 1988-
1989, esta História Ora], de natureza antes de lnais nada
39
política, passa a se preocupar COITI as grandes crises que
pontuaram o regime comunista a partit- de 1986. Do lneSlTIO
modo, na Hungria, onde são criados arquivos de História
Oral já em 1985, as pesquisas se interessmTI particularnlente
pela "personalidade" staliniana.
Obviamente; é na ex-União Soviética que a História
Oral se reveste de Uln sentido mais poderoso e lnais
trágico. Já em 1986, a Glasnost estimula uma "onda de
verdade", enquanto o Centro Estatal dos Arquivos
Sonoros lança UIna grande investi gação 80 bre os
veteranos da Segunda Guerra Mundial. Mas é sobt-etudo
àAssociação Memorial, que fixa COlno primeiro objetivo
salvar a In elnória das vítünas do sta1inismo, que se deve
a expansão da História Oral. COIn a queda da União
Soviética, em 1988, o movitnento expande-se rapidmnente.
Além da reconquista da lTImnória e da identidade, o
projeto tonla um sentido lnaÍs profundo~ reconquista
da história e de reconstrução da sociedade", A abertura
dos arquivos públicos não ilnpede o privilégio, até lnesrno
a veneração, atribuído ao testenlul1ho, eln U111 país em
que a escrita ainda é vista CGIn suspeita, pOl~ ter sido
sinônimo de delação ou confissão, e no·qual, por vezes,
as memórias são os únicos arquivos. E~lquanto Uln contra
de História Oral se abre, eln 1989, a -Associação Meíno-
rial desenvolve um projeto diretmn-cnte político.
Esse rejuvenescimento da História Oral procede pela
abertura de novas frentes em favor de unla lnetodologia
que não resolveu, nem pode resolver, a tensão constitutiva
entre objetos e desafios científicos, e busca de identidade.
Quer se ressaltem o papel doculnental das "fontes orais",
os procedilnentos biográfico e autobiográfico, a função do
testelrtunho, os mecanÍSlnos da lnelnória, será que
lnesmo assim a História Oral não poderá ser definida
COlno Uln "corte epistetnológico"? Pouco inclinada às
grandes teorias, cOllt~ibui fortmnente para a renovação
40
historiográfica, por tOluar de empréstimo métodos das
demais ciências sociais, ou por transferir, na história do
presente, pl'obletnáticas elabotadas pela nova história
para outros pedodos de tempo. Ouriosamente, não foi
revolucionada pela recente expansão do vídeo~ da
infonnática, da nUInerização, mas sua crescente
sofisticação nfLO deixou de provocar UIna espécie de efeito
retroativo sobre a própria conceituação de fonte, quer
se trate do status jurídico dos "novos arquivos" c, por
conseguinte, dos arquivos escritos (regra dos trinta
anos), ou da expansão de uma nova" filologia, marcada
lL
41
NOTAS
1 Lauis M Starr. Oral Histary in Enoyclopedia of Library and Infor-
mation SOienoes, vaI. 20. New Yark, MareeI Dekker, 1977, pp. 440.
463; R. T. Roover. Oral History in the United States in Miehael
Kammen, (di r.) , The Past before Uso Contemporary Historioal 'Writing
in the Uníted States. Ithaca and Londo11, Cornell U.P., 1980, pp. 391-
407; RonaldJ. GreIe. The Development, Cultural Pecularities and State
Oi Oral History in the UnitedStates in Bios, 1990 pp, 3-15.
2 Carta ao Pe. Dubos, 30 de outubro de 1738.
3 Nuto Revelli. II mondo dei 'Dintí. Turin, Einaudi, 1977.
,4 Luísa Passerini. Torino Operaria e Fas o i..çmo . Bati, Laterza,
1984; Storia e Soggetti'Dità - I"e fonti orali e la memoria. La Nuova
Italia, Firenze, 1988; (org.) Métnoires at histoíres de 1968 in Le
mOU'Dement soeíal, 143, avril-juín 1988.
5 Pollak, Michael. IJhistoire orale en RFA et à Be'rlín-Ouest in
Bulletin de l'[RTP, 17, septembre 1984, pp. 18-22; Karin Hartewig.
Oral History in Western Oermemy in Bios, 1990 pp. 115-128.
6 Ver também Louís Steinbach. Ein Volh, ein Reieh, ein Glaube?
Ehemalige Nazionalsozialisten und Zeitzeugen berichten über ihr
Leben im Dritten Reíoh, Bonn, Dietz, 1984.
7 Lutz Niethammer et Werner Trapp (dir.). Lebenserfahrung und
kollekti'Des Gedachtnís. Die Praxís der Oral IIistory. Francfart,
Suhrkamp, 1980, rééd. Syndiltat, 1985. Ver também K. Hagcmann.
MoglichIteiten und Probleme der Oral History für Projekte zur
Frauengeschichte, in Beitrage ZU1' feministisekn Theorie und P?'mcis.
Munich, 1981; Peter Sch6ttler. Eina Grüne Geschíchtsshreibung? Van
der A11atgasgeschíchte zur 'Geschíchtswer~statt' in .Moderne Zeiten,
9, 1983; Paul Gerhard et SchOBsig Be:rllhard (dir.), Die andcre
gesehichte: Geschichte 'Von unten, Spurensioherung, Okologische
Gesohiehte, Geschichtswerkstatten, Cologne, 1986.
8 Avaliação mais recente em Daniele Voldman. UHístoire OraIe
en France à la fin des années 1980 in Bios, 1990 pp. 87-95.
9 Daniel Bertaux. Histoires de vie ou recits de pratiques? MétJwdologíe
de l'~oche biographique en sociologie. Paris, Cordes, 1976.
1 Daniel Bertaux. From the LiÍe Approach to the Transforma-
tion of Saciological Practice, in Biography and Society. D.E. ed.,
Londres, Sage, 1981, p. 29.
11 Apesar de um franco-atirador como Roger Thabault. Mon 'Dil-
lage. Eascension d'unpeuple. Paris~ Delagravc, 1944 (raed, FNSp' 1982).
12 Françoise Zonabend. La mémoire longue. Temps et histoires
au village. Paris, PUF, 1980; L. Aschierí, Le passé reoomposé,
42
mérrlOíre d'une communauté pro'Vençale. Marseille, P. Taoussel, 1985;
Miohael Pol1ak. Des mots qui tuent in Actes de la recherche en sci-
ences sociales, 41, février 1982, pp. 19-46; Michael Pollak,
Dexpérience concentratíonnaíre. Essai sur le maintien de l'identíté
sociale. Paris, A. M. Métailié, 1990; Nioole Lapierre. Le silence de la
mémoíre. A la 'recherche des Juifs de Plock. Paris, P1on, 1989.
13 Dominlque Aron-Sohnapper, Daniele Hanet et aI. Histoire Orale
ou archives o'rales? Paris, Assodation pour l'Étude de l'Hístoire de la
- Sécurtté Bodale, 1980; Síntese: Archives orales et histolre des insti-
tutions soclales, in Revue Française de Sociologie. XIX, 1978.
14 Daniele Voldman, IJhistoire Orale entre science et conscience.
XXe, 25, janvier-mars 1990.
15 Por exemplo: Jean-Pierre Rioux. Six ans apres, in Oahiers de
l'IIJTP, 4, 1987, pp. 5-7. Jean Péneff. La méthode bíographique: de
PÉcole de Ohicago à I'Histoire Orale, Paris, A. Co11n, p. 5.
16 Michael Pollak. Pour un inventaire, in Questiona à l'Histoire
Orale, Oahiers de l'IHTp, 4, 1987, pp. 11·31.
17 Ver Actes du 11e Gongres International des Archives, Paris,
22-26 aoút 1988, Munich, New Yorlt, Paris, 1989, Cansei! Interna-
tional das Archives, vaI. XXXV; J acques Le GoH. Documentol
monumento, in Enciclopedia Einaudi, 5, Tudn, 1978, pp. 38-48
43
PENSARA SUBJETIVIDADE-
ESTATÍSTICAS E FONTES OHAIS
Mercedes Vilano'Va*
45
grandes blocos. Vou fazer UIna pequena introdução, talvez
um pequeno roteiro, porque o que eu gosto, o que lhe
apaixona é o diálogo. Para mÍln, é selnpre um pouco
difícil COlneçar uma exposição, quando na verdade o que
eu gostaria mesmo de saber é das suas indagações.
Naturalmente, ao falar da subjetividade, não vou ser tão
arrogante e pensar que posso falar da subjetividade dos
outros. Venho aqui falar da minha subjetividade. Tanlbéln
não vou ser tão paternalista paI'a tirar a palavra dos outros
- o que os hOlnens sempre fizeram conosco, as lnulheres, -
e creio que sou, ou tento ser, suficientemente hUlnilde paI'a
expor não unla lição, 111as a lninha trajetória profissional.
Sou uma pessoa que há dezenas de anos veln se
dedicando às estatísticas. Minhas obras fundalnentais são
~obre eleições - ou seja, eu estudei a democracia - e sobre
o analfabetismo na Espanha. Tenho Uln certo receio eln
falar aqui de analfabetismo, quando estou consciente de
que este é Uln país que sabe o que é analfabetismo e tem
lutado contra ele. De iníci o, quero dize!" que as estatísticas
estabeleceln quase selnpre as perguntas relevantes, porque
defineln a maioria, ainda que :tp'arqueln apenas as
tendências. Mas, para miln, o melhor da estatística, o
ilnprescindível é encontrar a pergunta relevante.
Quanto às fontes orais, são intrinsecaIuente diferentes
das fontes escritas, mas são do lnes1no modo úteis. Quero
sublinhar a palavra útil, porque a História teln de servir
para alguma coisa. E eu venho falar não de História Oral,
lnas de uma HistórÍasem adjetivos. O grupo a que pertenço,
em Barcelona, é contra a história social, a história
política, ahistória das luulheres, a história dos lnarginais;
nós querelnos uma História sem adjetivos, UIna História
bem-fei ta, unla História que seja útil. E estamos
convencidos de que essa História bem-feita, smn fontes
orais, é uma história incompleta. Ao luesmo telnpo,
sabenl0s que a fonte oral é uma fonte viva, é unIa fonte
46
inacàbada, que nunca será exaurida, e portanto, que a
B,istória beln-feita que querelnos fazer é UIna história
il1acabada. Por isso, somos hun1ildes e não dmuos lições.
Mas a História que querelnos fazer é luai8 cOlupleta que
uma história contelnporânea feita sem fontes orais.
Sabeluos que a fonte oral, posto que é viva, é parcia1. E
vou defender a parcialidade da fonte oral, náo só porque
é inacabada, com o também porque nos põe eln confronto
com o outro. É parcial e, nesse sentido, é política porque,
na confrontação do entrevistador com o entrevistado,
pode-se buscar as diferenças e tambélTI a unidade. E esta
di.l1âlUíca do díálogo é um dos aspectos mais apaixonantes
do trabalho COIU as fontes orais.
Gostei 111uito do livro Entre-vista. É isto que temos
que ver. A entrevista significa realmente duas pessoas
que estão se olhando. E é nesse olhar-se UIU ao outro que
a fonte oral se justifica, porque constitui um processo
de aprendizf}do. Não estatuos estudando fontes; estamos
conversando CaIU pessoas que buscalu diferentes
conhecüTI~ntos. E é nessa síntese nOVá que elaboramos
através dq diálogo! estaluos convencidos, e vivemos essa
experiência, que vamos mudar uns e outros.
RIU um dos comentários que fiz na revista [listoria y
Fuenti Oral, intitulado "Transformar-se ou calar",
deferido a idéia de que as fontes orais não viram a página,
e que estamos na pré-história de um caluinho que começa
porque, aos poucos, nós, COIUO historiadores, 110S transfor-
malTIOS e transformamos aqueles que entrevistan10S. De
modo que defendo a subjetividade inerente à fonte oral,
que a torna útil, distinta e absolutatuente necessária para
uma história cOlllpleta. Este será o roteiro que vou tentar
seguir, iniciando com o telna "'da subjetividade.
A meu ver, a subjetividade criadora da fonte oral tem
de ser defendida. Esta1TIos no limiar de uma revolução
historiográfica. Nunca antes na história da hU1nanidade
47
houve a possihilidade da não Inanipulação dos diálogos.
A fonte oral- que é fonte porque está gravada l1Ulna fita
não necessariamente transcrita - introduz UIna revolução
liistoriográfica porque impede que os diálogos sejam
Inanipulados conlO têm sido até o presente. Os historia-
dores seInpre fizeram entrevistas, pOl-éln só a fonte oral,
depois da Segunda Guerra 1\1undial, realizou esse feito,
que é fundarncntal porque, aléln do lnais, exige um
trabalho de equipe. Este é unI ponto básico, A fonte oral
exibe, além disso, a força de todo um destino pessoal, e
iInplica Ulna argulTIentação simples, COln que a aCade111ia
não está habi tuada, porque faIniHarizou-se com a prática
de complicar o argulllento e satisfazer-se com a crono-
logia pessoal, a cronologia excessivarnente linear da
história até agora escrita. Alénl disso, a fonte oral
gravada-isso eujá disse há lTIuitos anos em Bucareste-
é aquela que pennite U111a história "científica)), porque
pela pritlleira vez, entre tllTIa coletividade entrevistada,
nos pennite diferenciar o coletivo do pessoal. E isto
nunca, até agora, se pôde fazer,
Talvez eu tenha falado muito sinteticalnente, porque 111e
parece absurdo estar defendendo algo que é tão absoluta-
mente revolucionário, e que nem_nós lTIeSmOS COlnpreen-
demos. Talvez porque não o façamos be111. Vou sintetizat
tatnbém lninha viagem interiorAJessoal, tentando lnostrar
como fui mudando profissionalmente, etapa por etapa, até
chegar ao que sou hoj e - COll1 a ressalva de que,
naturalmente, pl'etendo continuar lnudando. Essas etapas
não são C01TIO as paradas de um treln que passa de uma
estação a outra, porque aparte l11ais significativa ou mais
interessante do que se descobriu l11antéln·se na própria
pessoa do historiador. Não pretendo dm'lições, lnas apenas
explicar lninha trajetória e dizer qual era a minha bagagem
quando cOlnecei, faz lnuitos anos - quando se viaja, há
. sempre unla bagageJ11.
48
Quando cOll1ecei, preocupavam-rne os processos de
lTIudança. Certan1cnte pOI'que eu estava vivendo na
Espanha franquista, era1n para nlllTI U111a obsessão e uma
preocupação os processos da revolução social. Talvez por
minha origem, talvez porque tenha feito estudos
anteriores sobre figuras literárias importantes, sou uma
pessoa obcecada pela l11aioria. Só a 111aioria entra e1n
minha bagagem. Isto não significa dizer que todos deVCITI
ser iguais. Significa dizer que eu ll1e defino como histOl'i a-
dora por interessar-nlC só pela lnaioria COI110 aquilo que
é digno de ser historiado. Por outro-lado, eu não tinha
pressa ..Minha luanoi1'a de fazer história é unIa nlaneira
111Uito lenta, COln nluitas paradas, SOI11 nonhull1 tipo de
justificação. Eln 1TIi11ha bagagem não existim11 pressupos~
tos políticos, 111as siln Ulna alnbição ll1undial. Não
internacional, porque Ílão creio nos nacionalismos, 111a8
interessava-Ine estabelecer Uln diálogo conl as fontes,
com os hi.storiadoros, as pessoas, com a acadcl11ia, que
pudesse ser válido e111 qualquer lugar, 1150 apenas CTn
Barcelona, esta cidade que eu quero quase tão apaiXOl1fl.di1-
Incnte .é01no ao Hio.
Sin'tetizarei quatro etapas - quatro descobeJ-tas c
quatro tral1SfOf111açÕeS que se entf:"'laçmn entre si. lI/leu
pOlito de partida, talvez pela bagagcl11 que eu j á trazia?
foi estudar a revolução social na Espanha) os coletivis-
mos, a Guerra Civil Espanhola, o anarquisrno, porque
lno havia sido vendido pela historiografia que isto era a
Inaioria pensar quo a Guerra Civil era o centro
gravidade da Íntelectualidade dos anos 30 . .1\ historio-
grafia européia e a an1ericana apontavaln para a1go único
nessa Espanha republicana quo lutou contra o
franquíslno. Naturahnente, eu queri a fazer UIna história
sem pressa, UIna história bem~feita, e lTIontei UlTI grande
aparato estatístico, bibliográfico o cronográfico. E depois
de dois anos estudando lllna pequena população - porque
49
fazet história local não quer dizer que não esta1110S
fazendo história lnundinl-, estudando a fundo todos os
textos e os n'únleros de que dispunha, quando saí para
falar com as pessoas, tive tllna desilusão imensa, porque
e~, que havia estudado nos arquivos e nas bibliotecas,
descobri pela primeira vez a falsidade dos escritos. Esta
é Ul11a lição que nunca esquecerei. Mais tarde passei por
outras etapas e descobri outras falsidades, lnas aquilo
1110 chegou ao coração. O que as pessoas 1ne dizimn era
ll1uito mais verídico do que aquilo que os historiadores,
os intelectuais, os acadêmicos havian1 escrito. COlno eu
era jovem, otilnista, pensei que devia averiguar a verdade.
E tornei-lne um detetive. Eu era tão otilnista que pensava
que as pessoas iam 111e dizer a verdade, e então que ia
descobrir, ia saber rea11nente, por exemplo, por que havia
fracassado a revolução social.
No nÚlnoro 3 de Ilistmià y Puente Oral cu explico esta
etapa e1n um artigo que os cmnponeses de Aragão nos
tiranun das lnãos e fotocopiaram, que se inbtula "Vellechite
(que foi a grande cidade bombardeada por republi canos
e franquistas) - South BrOllX (eln Nova Iorque)". Uln
fotógrafo catalão, filho de anarquistas-;' fez uma exposição
no Queens, perto de Manhattan, apresentando fotos da
Vellechite atual, que até muito pouco tempo permanecia
bOlnbardeada) e do South Bronx noi-te-anleri cano tatn béln
recente, de tal modo que pateciani ser mna só coisa a Nova
Iorque de noventa e tantos e a Catalunha de 36.
Quando percebi que, sendo detetive, tmnbém não iria
descobrir a verdade, lnudei a ótica de lninha investigação.
Foi então que decidi estudar - porque tambélTI a historio-
grafia o dizia - a espontaneidade das lnassas. E resolvi
estudar essa espontaneidade no comunisll10, 110S levantes
do comunismo libertário annado em tun Tio catalão, o
alto Liobrcgat, que teve ll1Uito itnpacto eln 1932, na
Espanha. MontalllOS Uln ü'abalho, com entrevistas
50
diferentes, não tanto de detetive, pois buscávamos o
centro de gravidade das pessoas, e entrevistamos muitos.
lnilitantes que atuaraln no comunismo libertário de
Fígolos. E fizemos urna descoberta extraordinária para
nós - naturalulente, todos esses descobrilnentos tão
ünportantes são de sentido comum, o povo os conhece,
mas os acadêlnicos têm dificuldade de perceber: que os
lnilitantes selnpre ganhaIn a batalha da história escrita.
Quando, depois de recorrer aos relatos, fomos escrever
a história, escrevelnos a história que os lnilítantes
queriaIn. E descobrÍlnos então a segunda grande verdade
- sabi'anlos já da falsidade do escrito: descobrÍlnos a
importância do silêncio. Nos deTI10E: conta de que tudo o
que não 110S havialn dito era realmente o ilnportante,
era o que buscávamos. Aí j á não éramos mais detetives
eln busca da verdade; nos convertemos e]n advogados do
silêncio. Não dos 8el11 voz, porque todos têln voz, só que
não os ouvimos. Não se ten1 o direito de dizer que alguéln
não tCln voz, quando nós é que somos surdos. Não!
Então cItoS tornamos fi scais do não-dito, e fiscais da
palavra,'porque passamos a recusar quase tudo o que
110S dizí'31TI. Para romper este silêncio, l11ontamos unla
estratégia específica: com conceitos definidos e un1
que~tionário fechado, perseguimos literalnlente os que
não ~ queri~rn ~falar, porque pensávamos que os que nos
rechaç;'~lg1n e aquilo que não nos dizialn eran1 o
reahnente in1portante para a História. Ao rneSlno tempo
que lnantínhamos a ilusão de que assim quebraríamos o
silêncio e que irímnos então encontrar o não-dito, fomos
percebendo que não seria possível prosseguir atl'elados
a uma metodologia fechada, a proposições cientíticas
acabadas. Porque a imaginação rOlupe todos os esquemas,
e ten10S de estar SClnpre alertas, trabalhando ciel1tifica-
mente, lnas atentos às portas imensas que se 110S vão
abrindo ~ormalmente - portas insólitas, porque são as
51
sentido COlTIUln - à medida que aprofundamos a
nvcstigação. A partir desse Inomento, dessa busca tenaz
testelnunhas que não querialn nos receber, estabele-
CelTIOS Uln tipo de anlostra~ que denominalnos de exaus-
porque excluía a possibilidade de substituição:
qualquer testenlunho que se substituísse, quais fosseln
os nlotívos, deixaria de ter sua parcela nessa História
majoritária que queríamos construir, alterando-a.
Creio que foi nesse mmnento qne cOlneçou a minha
autêntica especialização. Não sou especialista em fontes
orais. l\1ínha cOlnpetência não-reconhecida é a de
especialista no invisível: aquilo que não se vê é o que
realn1ente lne interessa. E não posso deixar de fazer aqui
Ull1 breve louvor à estatística. Porque o que não se vê, o
52
Naturahncntc , cllutilizei 111uitíssimo a porcentag,eITI
e a porcentagelTI da porcentagenl, o cálculo do coeficiente
de correlação, E através do coeficiente de correlação,
atra-vés da porcentagem, através da busca e da
sistelnáti ca daqueles que não querial11 falar conosco,
descobri duas coisas, as únicas duas coisas que descobri
enl l11Ínha vida profissional, lninhas duas únicas idéias
OI-i descobri as características da abstenção nos
processos dmTIocráticos cata1ãos dos a110S 30, e descobri
ti relação da abstenção C0111 o analfabetismo. Ao mesmo
tClnpo, descobri as características absolutalTIente
definitivas dos analfabetos no Inundo, em UIna história
feita sobretudo de analfabetos.
Esta descoberta da parcialidade, se qrnsereln, da escrita,
que ll1Udoll11Tinha trajetória profíssionalno início dos anos
70) mudou a ll1inha abordagem lnetodológica paI'a ascendet-
às lnaiorias, bel11 001TIO minha própria visão da fonte oral.
Porque 08 analfabetos, que são 111aioria, são invisíveis. Entre
outras coisas, porque se esconde1n, porque não são Ul11
grupo de preSS80j porque enquanto ~e alfahetizam,. deixaJTI
de ser <ln:alfrtbetos; porque é lnuito difícil encontrá-los, e
11ulis ai1~da falar C0111 eles. Talvez signifiquelTI o escalão
social:111ais baixo. Ser analfabeto é diferente de ser pobre-
é outi~a característica da pobreza. Embora não necessaria-
111el'ite se é analfabeto e se é pobre. Mas o que lTIe interessa
110S analfabetos é que eles são un1a interpelação fortíssima.
Nada nos questiona ll1a.ís do que os analfabetos. Nós, os
alfabetizados, que funcionamos COlno COl11 un1 livro na
cabeça. Os analfabetos são radicahnente diferentes: não
. enganmn. São reaÍ1nente os fiéis depositários desta fonte
oral, e que não poderão ler a história escrita. Nesse
sentido, penso que há 11D1a História por escrever. Por isso
cu digo que esta1110S na pTé-história da História escrita.
E foi precisan1cnte nessa confrontação que eu senti,
quase C01110 111na barreira~ o que jamais teria sido capaz
53
de imaginar: as estatísticas me mostravmn as tendências,
ln as não me diziam realmente o que era.
Sei que é muito difícil falar de analfabetismo no Brasil.
Mas tenho a defesa de que o analfabeto é uma realidade
em mutação, que depende do contexto social: é diferente
ser analfabeto na Idade Média, na Moderna e na Contem-
porânea, que é uma realidade que está em função do
alfabetizado. Mas, talvez, o que pareça mais chocante para
uma pessoa como eu, fascinada pelo diálogo, é o fato de
o analfabeto e a analfabeta estarem sós se não estão
fisicamente COln o outro. Isso é rerumente inc01npreensÍvel
para nós, e nos expõe, porque não sabemos o que significa
ser alfabetizado.
Nessa tarefa de busca, de encontro, de definição e de
confrontação com os analfabetos, tivemos de propor as
entrevistas de outra maneira, de forma a evitar a confusão
conceitual e que fizéssemos um questionário quase poliCial
para saber como foram as coisas. Quando descobri quc o
importante era exatamente o que não se dizia - os
silêncios -, estabelecemos conceitos definidos e um
ques tionário também com hipóteses concretas. Quando a
exau~tiva anlostra nos demonstrou a realidade, ou a
presença dos analfabetos na História, propusemos as
histótias de vida, que na realidade são sempre uma biografia
dupla, porque queremos saber quem são c como são, mas,
sobretudo, falando com eles, queremos saber quem somos
nós. E esta é a lição que mais me ensinarmTI os analfabetos:
que eu desconheço minha própria subjetividade. Porque
funcionando C01TIO com um livro na cabeça, eu !iOU o que
os outros querem que eu seja, não o que quero ser.
Então, nesta dupla biografia, que é a história de vida,
parece-me - por isso tenho aqui a bússola - qu e, C01TIO
11UI11a paisageln subnlarina, nas entrevistas, nós vemos
sempre através de óculos que deformam , distorcem,
aumentaln. Além disso, quanto mais fundo descemos,
54
aléln de tornar-se mais escuro, porque não há senso de
"'gravídàde; se não gabemos exatmnente,para ondevalnos
e qual será a direção do nosso alvo, SOlnos facilmente
iludidos, enredados, seduzidos pelo outro, que nos vence.
E nesta profundidade rnarínha da dupla biografia e do
lTIar, nos é ilnprescindível uma lanterna, Uln feixe de luz
que seja concreto, porque, sendo lTIuito alTIplo, se perde
no' azul. E esse feixe de luz concreto são as perguntas
que fazemos. São perguntas liInitadas, que não 110s
1110stralll todo o horizonte al*enoso, lnas que são absoluta-
mente necessárias. Não só para não perdennos o rUlno,
para não nos perdermos na imensidão azul do outro, n1as
pa'ra irmos nos aprofundando ClTI quelll e C01110 é o outro,
e em quem e como somos nós. País, de UIna maneira ou
de outra, nos confundünos, como a própria respiração,
°
com azul do mar.
Quero tambéln dizer que não há entrevistas perfeitas)
porque jaJ;llais, de antelnão, sabemos qual é o texto, quais
são as possibilidades do 110SS0 diálogo. Só o sabelnos quando,
em um- ponto qualquer, tocamos no invisível, e a
entrevista se abre, desabrocha. E é nesse apostm-, por
esta relação até o lilnite do possível- e esta é talvez mna de
nossas tragédías -, que sabeInos que os outI-os arri Seal1l
1119-1S do que nós, ainda que tambéln arrisquemos.
'N essa defesa apaixonada que estou fazendo do diálogo,
posso dizer que, se as entrevistas nos aborreCelTI, é
porque os telnas ou as hipóteses que estabelecemos não
nos intereSSalTI. Porque as entrevistas tendem a indicar
ü's pontos cruciais que prejudicaln a independência ou a
liberdade: ou apontam os bloqueios das consciências, ou
sublinhmll o que mais dói. Isso é importante sobretudo
pal-a as 111ulheres, porque nós nos ocultaITIOS, e nos
ocultaram no silêncio. Por isso intitulei UlTI dos meus
escritos de "Tral1sfonnar-se ou calar)). Te1nos de acabar
com os silêncios. Dos outl:OS e de nós lneS1n08. E por
55
essa necessidade da ruptura do silêncio, reivindico que
a História é diálogo. É C01110 unla opção política, porque
nos obriga a lTIudar os parâmetros equivocados e introduz
a esperança do presente 110 passado. Entendo que toda
História, talTIbélTI a da Grécia, talTIbélTI a pré-história, é
a história do presente, que é) contudo, 1una história a
ser escrita. E essa história a ser escrita~ ou a história
para o presente, é a história da construção de Ul1HL
identidade l'espectiva, 11111a i delltídade que se deve
construir a partir da igualdade, que é a única categoria
que torna crível o diálogo. UIna igualdade que não
significa similitude, lnpnotonia, uniforn1idade , porque
só as diferenças tornalTI interessantes os diálogos.
Diferenças que, eSperal110S, ao contrári o de hoj c,
impliquem hierarquia e insubordinação.
S6
Eu gostaria de saber como essa questão é vista na
J3)spanha, porque, no Brasil, o analjabetisrno é um
p'roblenta gravíssüno, e a sociedade, por algU'rna razão,
pCíTece-nw anestesiado.. Quando se lê a história da década
de 1960, C11l que a educaçiio e a alfabetização estavam
na o'rdem do dia, e se constata que hoje, na década de
~ 990, o problenta continua e não está na ordem do dia,
no m,esrno nível, isto nos apavora. Porque esses 50% de
analfabetos na nossa sociedade, 50% de excluídos, com.o
o nosso inconsciente, apesar de excluídos, determinam
profundarnente a nossa história, Só que de uma forma
projundam,ente metafórica e violenta, impossibilitando
Uln diálogo qu.e poderia ser 1111lito lnais construtivo.
57
analfabetísITIo. o importante é a informação, são os ca-
nais de informação pertinentes para o progresso pessoal
e social. Não nos enganemos. Há que se democratizar a
informação.
A alfabetização 11ão é imprescindível para o trabalho.
A Inaíoria das pessoas está trabalhando, e esta lnaioria
não corresponde a alfabetizados de elite. No máxÍlTIo,
alfabetizados funcionais. O grande exeInplo é o banco,
onde trabalhalu alfabetizados fUl1cionais que manuseiam
lnáquinas e que não são alfabetizados de elite. Não 110S
confundamos. Então, para que serve a alfabetização? Em
primeiro lugal~, serve para o beln-estar. É para o ócio,
para a literatura, é para poder discutir, para argumelltar
até o infinito, é pal'a se ler livros, que·são part~ de nossa
vida e que ]H)S per111ite11111ão estar sós quando não telnos
alguélTI ao lado. g posto que é a reivindicação do ócio,
que nã.o seja a televisão, porque a imagem não substitui
a alfabetiza9ão para o ócio. 'ralnbélTI não se= entende 11
televisão sendo allulfabeto; pode-se entender os 1'Oln(.l.]10es
de atTIOI', os seriados, l11as não as notícias. lDstas chegaIl1
fota do contexto.
GOln isso, entro na pergtlnta itnportante:--a alfabetização
é l1ecessá.ria para a l11ilitância e para a organização? Não
há possibilidade de luta política, tal 001110 nós a entende-
lnos, 8e111 a alfabetização. A alfabetização é necessária para
que se organize, A prilneira coisa que faz a 111ilitância é
aprender a esorever. 801ne11te este pequeno detalhe lnudou
(eu nã.o posso fa.lar do Brasil) a. proposi ção histori ográfi ca
espanhola sobre a Gue1'l'a Oivil. Com 30% de analfabetos
reais - os que não sabem assina]", cujas estatísticas tcndeln
a duplicar, -porque se esco11dem - e ll1ais os 30% de analfa-
betos funcionais, a classe operitria cEltalã espanhola, nos
anos 30 1 ei-a. fei ta de analfabetos e analfabetas que não
podia1n n1ilitar e não podiam ser anarquistas, porque o
allarquislno é Ulna filosofia elevada e abstrata qu.e 11ccessita
58
de leiturf!.s para ser compreendida. Então o que Iue interessa
dos analfabetos é que me digam o que eu sou COlno
alfabetizada. É curioso, os analfabetos, na Espanha, porque
estaValn excluídos da militância, não foram reprimidos por
Franco. De modo que Franco, que exilou, que executou,
que encarcerou, que deportou, que expurgou a luilitância,
sobretudo a masculina alfabetizada, ficou com Ulna Espanha
analfabeta que supôs impedir os avanços da revolução. Mas
os analfabetos são lnuito espertos, tão espertos COlno nós.
E esse analfabetísluo espanhol, cuj a transição à
alfabetização ainda não completamos, lnostra algumas
característi cas não só do franquismo, lnas da ü'ansi ção.
De lnodo que eu, que não quero alfabetizar ninguélTI,
sustento que o analfabetislllo é uma realidade lnui to
c01nplexa e em transformaçâo necessária ao entendünento
dos processos sociais mais profundos e n1ajoritários, e é
sobretudo uma interrogação Inuito grande para os que
vivem da alfabetização COlno todos nós aqui.
Há aind-a UlTI aspecto que eu gostaria de comple-
mentar. Através das estatísticas qualitativas finas, pude'
demonstrar que, na Barcelona dos anos 30, a divisão
democrática nas eleiçÕes republicanas não era por sexo,
Inas por cultura. Quer dizer, na escala que eu pude
desenhar de abstenção, entendida COl110 111arginalização
do .poder político, na escala mais baixa estão os h0111ens
alfabetizados, seguidos das mulheres alfabetizadas,
seguidos dos homens analfabetos, seguidos das mulheres
analfabetas. Parece-Ine que isso é Ulna Inensagel11 de
esperança para os que querem que a divi são social não
exista. Tão importante COlno o sexo ou a idade é a
cultura. E digo muito claramente: não aceitemos
Ílnagens silnplistas de uma sociedade que nos quere1n
apresentar dividida, na Espanha, por exemplo, pela
politização da mulher. Não é certo.
59
P. - Alinha pergunta trata .iustamente desse aspeoto
cultu1~a. A senhora disse que o ana{fabetismo é um,a
realidade cambiante, e que está estreitamente ligado 'a um
contexto socíal1nais amplo. No Brasil, o analfabetisrno fica
mascarado pelaJoTça dos m,eios de comunicação de 1nassa.
Temos um sistenla televisivo muito atuante, que fornece unla
série de novelas que permite1n um espaço de diálogo e de
contato entre as diferentes classes rnascarando)
desta forma, o analfabetislno. Através das novelas, da
discussão do que se passa nas novelas, que é assistida por
todas as classes sociais) se estabelece U111. diálogo e uma
facilidade de contato entre analfabetos e a(fabetizado s) o
que mascara a separação existente entre essas diferentes
formações culturais. E só Jui nw dar conta da profundidade
desse Jato no Brasil) por incrível que pareça) em, Portugal.
Ao visitar uma pequena aldeia, numa serra, uma senhora
que 'Varria uma igreja que pedi para visitar, quando eu saí,
me perguntou: "Você é do B'rasil?" Eu respondi-: "Sim" sou
do Brasil." Ela então disse: "Muito obrigada pelas novelas
brasileiras." Eu perguntei: aPor que a senhora 'Ve11l me
agradecer o Jato de existire1n novelas bras!-leíras?" E ela:
uEu sou urna mulher de mais de 60 anos) e durante 1nuitos
anos não pude assistir televisão C0111 Cf, 1ninha família)
P01"que meus filhos e 1neus netos sabiam ler e acompa-
nhavan~ as legendas dos ./il111es ímpo1'tados qu.e passavct1n
na televisão portuguesa. E eu não podia participar do ato
de assistir tele-visão com a 7ninha farTLília. Só depois que as
novelas brasileir"as passararn a ser 'Veiculadas aqui ctn
Portugal, eu pude assistir e discutiT com a minha Jamília
todo o enredo da novela." Então elaJoi in,tegrada através
do rneio de comunicação dem,assa.
A minha pergunta é a se,guinte: C01110 esses 1neios de
conlunicação de nl,assa tão atuantes) e que pernlíte1n esses
oontatos culturais que como que obliteram aforça da divisão
60
entre o analfabeto e o alfabetizado) fazem pennanecer esta
situação e não permitenl, que a alfabetização seja encarada
como um processo de trantifonnação e conscientização
necessário e fundam,ental para que o diálogo e a igualdade
possam existir na nossa sociedade?
61
vacinar. COlno se fosse malária. Não é isso. A tI'ansição
do oral para a escrita é algo tão impressionante que j
62
~~dução não é apei1as peja fonte oral. Acontece que a
w~nte oral, porque é viva, não só 110S seduz, mas tambélu,
por vezes, nos vence e nos convence. Por isso eu dizia
que se ten1 de ir COIU a bússola. Não se pode perder a
direção, porque nós não criamos as fontes orais para
sermos seduzidos, mas para serem úteis à boa História
completa que quereIuos escrevel', COIUO isso é íInpossível
"... não ser seduzido -, porque falalnos COIU pessoas, não
estudaluos fOlltes, a sedução da fonte oral requer o
trabalho em e'quipe, Porque nós, que somos talvez os que
melhor podemos entender o diálogo qt1e ajud~uno~ a cl'iar)
l1ccessitan10S que outros escutem esse diálogo para que
oritiquelTI a fonte, a pessoa·e a nós lneSlnos. UlTIa maneira
para cOlltl'olm' a sedução é tel' beITI clara a direção do
ir~teresse, as diferenças, a confrontação. A segunda
lnan\Slnl é fotlnar UIna equipe de lnodo que a entrevista
possa ser escutada" criticada, valorizada, melhorada. Isso
Ílnplica unI trabalho lento e deIllorado, e1n que diversas
.~. pessoas têln de se pôr de acordo. Penso que nessa pré-
história da fonte oral, ll1uitos de nós telnos a tentação de
cair na sedução. Mas esta é U111::1, das prilneiras coisas a que
telnos de- resistir. Porque a sedução vence, não transfonna.
63
falar. Nas condições brasileü"as: ao se tl'abalhar com
Q;nalfabetos ou, no caso, COln um grupo iletrado que procura
8e alfabetizar, depara·se, evídentelnente, com a questão da
-identidade social deteriorada, COTI'L a vivência de alguém
que te1n parte da sua identidade vista pelo todo da sociedade
como uma can2nda, como uma deficiência, cO/no um defeito ..
E o incrível nesse p"ocesso é o fato de eles colocarem toda
essa vivência, inolusive até não criticaTe1n a esti~matização
que sofreln, 1nas por outro lado rcsgatáren't a ~'Ua experiência
como trabalhadores e se re'Valonzm'e1n.
ti exatamente a partü- da diferença do alfabetizado que
interage C01n o analfabeto no m.om,ento da ent1'cvistaque se
constrói uma relação de igtlClldade que permite que esse
i'ndivíduo se 7'evele, abrindo·se às vezes com extrema
emoção: porque essa, dlfs r cnça é explicitada e reoonhecida.
Por outro lado, no que se 1'efere à participação política desses
segmentos, o acesso ao código escrito é U:1n canal realm,cnte
irnpartante para que possam, compreender o funcionamento
da ordem política em que víve1n e assim, oontestá-la, se for
o caso, dado que todo conhecilnento é, e1n geral, prodwz:ido
pela experiência. Eu gostaria que você pudesse explorar
m,ais essa parte da interação ent1'e pesquisador e
ent'revístado, até nesse sentido da sedução do conhecer o
outro e, pela diferença, se reconhece?:
64
está no alfabetizado, não no analfabeto, que sabe que
não teln nenhuma identidade social deteriorada.
Vou contar uma coisa curiosa. Quando eu entrevisto
analfabetos em Barcelona e lhes pergunto: "De que classe
social vocês se consideram?" Uns dizem: "Normais, COlno
os outros." Quando vou aos Estados Unidos e pergunto a
analfabetos afro-americanos: "De que classe social vocês
se consideram?" Respondem: H HU1n anos. " E a França
inventou para os analfabetos a palavra illetrés - analphabéte
tem besta, estúpido, não é alfa, beta, gaIna. E então
preferemchmná-los de "menos válidos". Ou seja, os handi-
caps "n01'maIs", "humanos" é o que os alfabetizados
projetaIn. Os analfabetos sabem que são pessoas humanas,
normais, não são pessoas "menos válidas". Não nos
enganemos: o problema é nosso.
Então, para ser democrático, para utilizar a democracia
como se entende hoje, não se necessita ser alfabetizado.
Não é certo que, para fazer andar a democracia, se necessite
a alfabetização. Neln a cultura C01TIO a entendelTIOs. E o
exemplo típico disso é a Alelnanha, o país lnais culto que,
no século XX, através da democracia, COlneteu as Inalores
atrocidades. Não! Não se necessita de cultura alfabetizada
para a democracia. O que se necessita é a infornlação
pertin~nte, para chegar a umajustiçaprogressiva. Mas isto
nós, o~;alfabetizados, não sabemos fazer, porque projetamos
o estíglna sobre os analfabetos. Por isso, quando se fala das
difetel1ças, o importante são as minhas, não as deles. Sou
eu que tenho de cOlTIpreender o que a alfabetização fez por
tTIiln. E para isto a fonte oral é extraordinária.
65
porcentagenl da pOl'centageln, indica aqueles grupos
majoritários interessantes para sereln entrevistados e, ao
lnesmo tempo, propõe as perguntas. Por eXe1nplo: por que
havia tanta abstenção na Espanha? É Ulna pergunta
estatística. Outra pergunta estatística: por que as lnulheres
que estavaln no serviço dOlnéstico eraln as lnais
Inarginalizadas politicmnente, as que se abstinham lnais?
Por que as mulheres casadas que trabalhavam nas fábricas
tinham uma participação política maior que as donas-de-
casa ou as empregadas dOlnésticas~~ Outra pergunta: por
que o casanlento, nos anos 30, integrou a mulher, mais
que as solteiras, no serviço dOlnéstico? Estas são perguntas
estatísticas que, na lninha proposição historiográfica, são
absolutmnente fundamentais. Porque a maioria corres-
ponde a esses parâmetros. Ulna vez que se conheça isto, o
estabelecimento da entrevista e da procura do testemunho
através da fonte está muito mais dirigido e é mais concreto.
Penso que esta é a resposta mais rápida que posso dar à
pergunta. A estatística dá o contexto socÚtl 1najoritário
com a pOl"CentagelTI da porcentagem que 110S aproxima
qualitativmnente do que queremos, do qU,e é importante, e
talvez' ajude o perfil da testelnunha.
Outra coisa sobre a anlostra, que é muito ilnportante, é
que, UIna vez estabelecido o perfil teórfco das testemunhas,
escolhidos; praticanlente, através da~ fontes escritas, não
há substituiçáo possível. Qualquer- substituição altera o
conteúdo majoritário. Uma companheira, cuja tese de
doutorado sobre a duplajornada-de trabalho da mulher na
COlllpanhia Telefônica de Barcelona eu orientava, selecio-
nou uma amostra, ao acaso, _entre lnulheres com filhos
pequenos. Quando a Telefônica nos deu a lista, havia
seiscentas mulheres, e ela só quel"ia quarenta. De modo
que se foi substituindo. Se UIna mulher náo !aceitava ser
entrevistada, substituía-se por outra. Quando descobrilnos
os analfabetos, nos demos conta de clue hayíanlos chegado
66
a eles e, para não substituí-los ... Eu perguntei a essa lTIOça:
qual é a característica das lTIulheres que não quisermTI ser
entrevistadas e das que aceitaram? A resposta foi espeta-
cular. Haviam ~ceitado S01nente aquelas lTIulheres que
tinhalTI malidos, digamos, "silnpáticos" ~ e que pernlitíraln.
Porque as mulheres casadas com maridos que as
controlavaITI e não lhes davam tempo para a entrevista não
aCCÍtaratTI. eram a maioria. E as havíamos perdido.
De lTIodo que, com essa cOlTIbinação de estatística com
amostras sem possibilidade de substituição, a fonte oral,
creio eu, é a tentativa lTIais imaginativa que posso
encontrar para ter acesso à tnaioria. Mas é UlTI trabalho
lento, duro difícil, perseverante, e requer uma equipe.
j
67
as que passam pela história. As que têm o poder de decidir
e as passivas. E umas e outras são testemunhas. Podetn ser
estruturadas ou nfLO estruturadas. O caso dos analfabetos
é claralnente Uln caso de testenlunhas que paSSaln pela
história não-estruturadas. "Se, no curso da entrevista" -
pergunta Danielle Voldman - capazes de ajudá-los
a estruturar a sua própria identidade, estamos fazendo algo
que realmente transcende o trabalho do historiador?" Eu
creio que não, acho que é lícito. E estalnos reahnente
transformando a personalidade do outro, porque estalnos
lhe dando a possibilidade de adquirir un1a identidade
histórica, IDna identidade pessoal do seu próprio processo
histórico. Isso quanto à entrevista COln os analfabetos.
E quanto à minha própria transformação, penso que luna
lnaneira honesta é explicar qual teria sido minha
transforlnação pessoal e falar da 111inha subjetividade COlno
historiadora - subjetividade profissional, naturalmente,
não pessoal, porque não vim aqui expor nada pessoal-, da
transformação subj etiva da minha maneira de fazer história.
É unIa coisa linlitada, lnas que 111e parece itnportante. E
no ponto em que estou agora, que também é o ponto em
que está PortelIi, estan108 chegando à convicção de que a
biografia do outro é tão interessante como a nossa, porque
não existe relação entre ambas, e neln é.possível entender
UIna entrevista seln as perguntas do hi~st:ori adoro De lTIodo
que e8ta1nos no lTIeSmO bal'co. E teInos de reconhecer que
a máxima objetividade é quando se pode explicar a
subjetividade detalhadmnente. Não nos enganemos. Mas
ternos de ser capazes de explicá-la, e não escondê-la. É
humilde, mas é assÍln.
68
é fator fundamental para a consciência e a politização.
A minha pergunta: 'não sendo a alfabetização esSa grande
arma que os alfabetizados dizem ser para o progresso,
para a consciência, para o desenvolvimento, até para a
evolução do homem, você acha que, pela quantidade de
analfabetos que existe, não seria uma nova história a
ser escrita? Eu tentei escreve1' para ficar mais fácil,
porém é mais complicado do que imaginei. Porque tenho
de sair do meu lugar de alguém que am"edita na letra, na
alfabetização. Você acha, então, que, nesse contato entre
alfabetizados e não-alfabetizados está sendo construída
uma nova história?
A meu ver, a alfabetização não é garantia de nada.
Não é essa grande arma de transformação, É apenas
um dos instrumentos i1nportantes para a democratização
da informação. P01"que esse povo que está a'í no Brasil,
mais de 50% de pessoas historicamente excluídas, esse
povo está e,screvendo uma história. Essa história está
sendo escrÚa, está sendo vivida e produzida. Está aí.
Elege ounão elege, legitima ou não legitima, enfim, é uma
história que está sendo escrita, na medida em que a gente
se abre para ouvir os ditos excluídos. E essa história
pode nos surpreender.
69
segundo, correlacionar várias coisas - só os alfabetizados
podeIn coletar vários textos e relacioná-los; e depois,
argulnentar até o infinito. Isto é a alfabetização. Não é,
pois, Ulna arma. Não nos enganemos. As pessoas podeln
estar cOl1scientizadas sem alfabetização, mas não podelll
fazer essas três operações, que são, seln dúvida, uma
conquista l11aravilhosa da humanidade. Com esta distância
entre o Norte e o Sul, o que está ocotrendo é um distancia~
lnento cada vez maior entre a maioria de nós, que acabaInos
sendo os analfabetos, porque temos de recorrer a gerentes,
uma vez que não sabemos como funcionalll as coisas.
Estamos caindo eln Ulna sociedade de gestores. E é um
grupo reduzido que lnaneja a informação l11undial. Então,
a delnocraci a tem a ver COln as estruturas de poder e com
a informação, não C01n a alfabetização - embora a a1fabe~
tização tenha permi tido concentrar a inforI11ação em uns
poucos pontos. Mas não 110S enganemos: para a democracia,
o que teln de 111 udar são as estruturas de poder que
Ílnpedem a democratização da informação, m'as que não
têIn nada a ver C01n alfabetização. A alfabetização não é
uma ar1na, é Ul'n Ílnenso praZel".
Eu gostaria de dizer que os instrumel)tos da revista
I-listoria y Fuente Oral estão a serviço de todos, porque,
ainda que não a tenhamos Cln catalão nem eI11 português,
queremos dar acesso ao Inundo latino-americano. Então
peço que 110S Inandem seus trabalhos, que serão lidos, e
se forem de qualidade, nós os tracluzireulos e os publica-
remos, como Ul11 grande serviço à cOlnuniclade de his-
toriadores que entendem o espanhol.
70
M.V - A estatística penni te que não nos pel'CatnOS na
trivialidade do individual. É a única que nos dá a
segurança de que não 110S perderemos na trivialidade do
oral. Naturahnentc~ também temos Ufsado a quantificação
no estudo da fonte oral. ElTIbora seja difícil, nós o
fiZelTIOS, e o fizclnos trabalhando c01n lingüistas. E
fizeInos eIn dois níveis. Os lingüistas nos ajudaram a
fonnular as perguntas, de tal lnaneira que podíamo8
relacionar c comp,uar as respostas, e podíamos entender,
do ponto de vista lingüístico, a qualidade das respostas.
Náo cntrávalnos eln para que servia a fonte oral. IvIas
para chegat' às lnodalidades de vivências, a COlno se passa
a informação, a COlno se inforrna as pessoas, tudo isso
depende de como se propõe a pergunta. Nós estudamos
os tipos de pronomes, os tipos de palavras, a relação entre
palavras, e os quantificatnos. Também quantificaITIos os
silêncios. Neste pOl'ém, parece-Ine que estalnos
ainda na pyé-história. Contudo, creio que a perspectiva
de nos fixarnlos no que é COlnum na análise da C0111pa-
ração de testeInunhos que Tespondcln a perguntas iguais
nos ajuda a avançar bastante. O estudo dos pronOlnes
eles e nos, nos ajuda a entender bastante qual é o Inundo,
die Weltanschauung, a maneira de ver o Inundo das
pessoas que entrevistmnos. É isto que faz com que a fonte
or~i exija UIna equipe interdisciplinar. Existem outras
profissões nIuito Inaia qualificadas para a análise
quantitativa dos textos. E não sou especialista nisso, mas
trabalhava con1 lingüistas.
71
justa. No entanto, vou ler um pequeno trecho de U1n
depoimento que me dá um sinal da profunda exclusão
que o processo de analfabetismo, repetitivo nesta nossa
sociedade, perpetua. Dizia uma entrevistada assim: tlEu
já fui burra. Já fui burra que ninguém botava nada na
minha cabeça. Mas agora, meufilho, na continuação do
tempo, eu acho bonito, aprendi a falar, aprendi a lne
expressar nos cantos, convivendo COln pessoas assim,
sabe como é, as pessoas 1nais. Quando as pessoas está
conversando assÍ1n, quando eu vou pagar a casa, que eu
chego lá no escritório do dr. R01nero, e vem aquelas lnoça,
aquelas pessoa conversando, eufico prestando atenção
aos modo delas conversar, ao jeito delas conversar. Aí,
eu boto na cabeça o jeito de se sentar, e tal, sabe? Eufico
olhando. Elas sabem se expressar muito bem. Eu fico
assim olhando ... Quando eu pego num canto, tenho que
falar do jeito que aquela pessoa estava falando. Tem gente
que já viu eu conve1~sando e disse assim: 'D. lVfaria Gilda,
a senhora sabe ler?' Eu digo: 'Não, não sei, não. ' 'Porque
a senhora se expressa melhor do que muita gente que
sabe ler. Eu digo: 'Não. Eu não sei ajuntar uma letra,
J
não sei."
Então, o que é revelador da Gilda, e que eu não
conhecia, porque essa realidade que e!a l'elata é invisível
para mim, é o quanto ela percebia como grave a diferença,
quer dizer, como que ela diferenciava coisas que nós não
percebemos, aqueles quefala1n de um jeito e os que não
falam. Eu não conhecia isso. Para mim, todo mundo fala
igual, analfabeto ou não. Eu não tinha essa sensibilidade.
Ela tem. Por quê? Porque ela não sabe aquele OutTO jeito.
Por isso ela teln essa sensibilidade. E mais: ela sabe que,
quando fala, sente-se logo f01-a, excluída, ou seja, ela passa
a exclusão e o esforço quefaz de inclusão. Para mim, esse
é um elemento necessál'io, embora não suficiente.
72
:M.V. - Creio que estamos diante de Uln exeluplo
perfeito ele sedução de UIua mu1her analfabeta espel,tís-
sÍlua, que sabe que está falando COIU seu alfabetizador.
Por favor, não me entendaln lnal. Eu não sou contra a
alfabetização. Tenho uma admiração el10nne por todos
os que alfabetizam. J\IIas estou falando COln alfabetizados,
e quero confrontá-los e dizer-lhes que não sabeITI o que é
a alfabetização. :Mas eu }'espeito 08 analfabetos. O que
eu não quis~ profissionahnente, não hUlnanalnel1te~ foi
alfabetizá-los. Pareceu-Ine muito mais interessante,
metodologicalnente, tentar cOlnpreendel' o que era ser
analfabeto. Mas eu me dei conta de que não posso
compreender o que é ser analfabeto porque sou aHabe-
ti zada. E este é o dt, am a dos que estão fazendo uma
história escrita, e num Inundo majodtáría e
historicamente de analfabetos. Este é um ponto que me
parece central em nossa história, não só porque é
lnajoritárío, 111as talnbém porque está imbricado
claI'amente com a democracia, COln a política, com nossa
lnaneira de vê-los e, queiraluos ou não, COIU a ünagenl e
COIU a televisão. JiJ alguma coisa que nos dOlnina, não
nos conscientiza. Temos de dar a volta. Eu tenho
exemplos de analfabetos que falmTI muitissÍll10 bem, que
recitaITI muitíssimo beln e que não necessital11 ser
alfabetizados para viverem e para se1'e1U felizes. O
problelua da exclusão é nosso. Quando um branco não
dá UIna xícara de café a UlTI negro, o problema não é do
negro, é do branco que não dá a XÍcara. Metamos isso na
cabeça. O problelua é nosso, não deles.
73
IIISTÓRIA ORAL E POLÍTICA
Aspásia Camargo ""
75
A diversidade, a flexibilidade e a liberdade que caracteri-
zaraln o uso da História Oral11os anos 70 foratn algo lnuito
constrangedor. Havia um mal~estar permanente quando
da discussão do método dentro da universidade. É1'atnOs
vistos, no mínimo, como imaturos, e a Históda Oral, con10
unla espécie de extravagânCÍa ilnportada, que ninguéln sabia
exatatnente pat-a que servia. As tentativas iniciais de se usar
e discutir o n1étodo ficaraln lnuito confinadas, tanto no
Brasil conlO no mundo. Tivemos de criar UIna assocíação
especial, internacionahnente, para discutir o .problema, e
havia sempre presente a te11são do senthnento de autoper-
tencÍlnento. Quem SOlnos nós? SOlnos historiadores orais
ou profissionais que trabalham em suas áreas com telnas da
sua preferência e cOlnpetência? Havia uma grande confusã.o.
Hoje eu entendo a História Oral e a interpreto COlno
algo reahnente pós-n1oderno. Pós-lTIoderno por sua elasti-
cidade, por sua imprevisibilidade, por sua flexibilidade.
O nome, que é nlercadologicamente In uJ to feliz -
História 01'al-, é um sucesso absoluto, porque sintetiza
eln duas palavras toda essa diversidade. :Mas é tatnbém
Uln nOlne que não resiste a UIna análise positivista, a
UJna análise fonnalista - é UlTI nonsense, há Lllna
contradição nos seus termos. Porque que "história" é
Ou beln é UIna disciplina, cOlsa que certamente
não é - não se pode dizer que uma elltrevista seja UIna
disciplina -, OLl be1n é o pa1co da História, o palco
dillâlnico dos acontecünentos. Tambénl não o é, porque
o que existe é um alguéln falando sobre esta história.
Temos de descartar essa outra possibilidade. E é exatamente
por esse equÍvoco etin10lógico que tantas discussões
metodológicas se encaminharal11 panl UIna linha
cOlnpleta111ente bizantina e com conclusões, a lneU ver,
inCÔITIodas, C0111 conseqüências lUUltO importantes sobre
a definição do call1po, sobre a hierarquia das importâncias
e das prioridades, determinando, de certa nlaneira, que
76
~lgulnas áreas fossem eleitas pelos deuses COlUO áreas
nobres, e outras, condenadas ao esquecimento ou simples-
mente ao descaso.
Na verdade, o termo História Oral esconde a real
natureza da discussão inicial que tinha seI" e deveria
ter sido travada. Porque essa "história oral" começou
como um brinquedinho dos americanos, que descobriram
o gravador, e o gravador - uma realidade tecnológica
iTrecusável - tornou realmente possível o registro de
coisas que antes não eram registráveis. Evidentemente,
os atnericanos, belTI empíricos e objetivos, mas também
muito voltados para o aqui e agora, simplcslucnte
pegaram o gravador e saíram gravando tudo: de Frank
8inatra à história das lideranças locais, "" . . . U'~.l _.W'''',
........ ''""'.l.l.u''-'.l . . .
77
de escalonar a História Oral dentro de uma hierarquia
de conhe~imento que parecia ser realmente de segunda
classe. Então, obscureceu-se a discussão - que eu acho
fundamental - sobre a verdadeira natureza disto que
começou com um gravador e que hoje nós consideramos
que pode estar em vias de se tornar um método. Quais
as possibilidades de se definir concretamente este
instrumento e os seus resultados?
Em primeiro lugar, há uma fonte. O mínimo que
podemos dizer é que a História Oral é uma fonte, um
documento, uma entrevista gravada que podemos usar
da mesma maneira que usamos uma notícia de jornal,
ou uma referência em um arquivo, em uma carta. Tendo
em vista que as cartas tiveram o seu período esgotado,
ninguém mais escreve carta. O fax mudou um pouco isso,
e talvez ainda tenhamos a possibilidade de montar um
. a.rquivo de fax, mas ... o fax apaga. Por enquanto. Podemos
tentar melhorar a qualidade técnica do processo, mas
esse ainda é um problema grave do fax. De qualquer
maneira, a tendência é para que cada vez mais os
instrumentos orais e visuais se subsUtuam, até porque
tivemos um deslocamento da comunicação da área da
escrita - o McLuhan já explicou muito hem a. conse-
qüência des.sa mudança para o orale para a imagem. Este
é outro ponto importante na discussão da História"Oral: se
também a imagem não pode ser apropriada como um
instrumento tão valioso como o que utilizamos da gravação.
Quanto a esse aspecto, acho que não há discussão
possível. E pensar se a História Oral é objetiva ou não,
seria realmente pouco relevante, na qtnedida em que
nenhuma fonte é objetiva. Toda fonte, em princípio, é
provida de objetividade, mas é também um fator de
desconfiança e, evide'ntemente, pode ser um indutor do
equívoco. A segunda possibilidade - e essa é inegável -
é a História Oral como técnica. Uma vez que temos o
78
gravador C01110 instrumento~ o que podemos p;lra
obter 'informações fidedignas? Antes'fazüunos
e na 111aioría das vezes não havia condições
títuír perfeitamente o discurso enuncia,do.
contra o gravador e contra as suas euonTIes facilidades
seria uma tolice. Nesse sentido, acho que a técnica telTI
também a sua legitünidade indiscutlvel.
Mas o grande problema é saber de que 1naneira usar
objetivmnente esta técnica e esta fonte, e se elas pode1n
eventualmente se converter en1 metodologia. NIetodologia
aqui entendida COlno um conjunto de procedimentos
articulados entre si cuja finalidade é obter resultados
confiáveis que nos pennitam produzir conhecimento.
Considero a idéia de produzir conhecinlento In uito
iIllportante, c, dccisivalTIente, este é U1n problen1a grave
na discussão da História Oral. A meu vef, a História Oral
jamais deveria ser pe11sada como ciência nesse sentido.
prhneirolugar, porque, lnesmo em relação às ciências
sociais, esse estatuto "científico" é cheio de reservas.
Em segundo, porque talvez seja parte do processo pós-
1110dernoa liberdade de aceitar que há disciplinas de
conhecÍluento que não são necessariamente científicas,
e que o conhecimento não se confunde e não coincide
necessariaIl1ente com a ciência. A ciência é urna das
fonnlts possíveis de conhecimento. Ven10s aí que a
filosofia está de volta. Nínguéln, elTI sã consciência, pode
negar a inlportâl1cia da filosofia. Só que a filosofia, por
definição, 113.0 é ciência. Então, este é outro ponto
importante, ou seja, o que é passível de conhecÍlnento e
que não é llecessarÍalllente cientifico.
De qualquer fonna, te1n08 de enfrentar essa prova de
fogo da questão da objetividade. Porque paira no ar e é
um mote permanente a idéia de que a História Oral não
é oQietiva, não é confiável, e que tC1nos de usá-la C01111nllitas
reservas, pois esse tipo de infonnação pode nos induzir eln
79
erro. Gostaria de Inencionar algumas questões que
mereceriaIn um aprofundaInento, mas que são importantes
de ser apontadas C01no fatores que, de certa lnaneíra, nos
libertat-iam deste mito da não-objetividade e dariam à
História Oral a confiança para que todos possamos trabalhar
eln paz, sem termos de estar explicando como conseguimos
os dados e se estes são fidedignos.
Em primeiro lugar, nós não trabalhalnos apenas com
uma entrevista. Até podemos fazê-lo, considel'ando a
entrevista como unidade de análise, l11na biografia ou
algo assÍ1n. Mas a História Oral como metodologia e
COlno fonte envolveria necessaríalnente un1 conjunto de
entrevistas. Conjunto este submetido a urna alnostra,gem
expressiva, selecionada, através da qual os suportes
essenciais daquele universo em análise estariam
presentes. A idéia de escolher qualitativalnente tem
lTIuito a ver com a antI'opologia. Já en1aIguln Inomento
uma colega querida, Lígia Sigaud, definiu a idéia de que
estamos trabalhando com atol'es que são suportes da
ideologia da sua classe, portanto, estamos partindo da
idéia de que nenhuln ator pode mentir quanto à sua
verdadeha natureza; pode mentir no varejo, na
interpretação de um fato ou de outl'0 mas não pode n1entir
1
80
a sua lógica. É esta lógica que deve ser trabalhada, e não
apenas a infonnação pontual que os documentos oferecem.
Outro ponto bem pós-1noderno é a questão da 1nulti-
disciplinaridade e da interdisciplinaridade. O que colhi
da 1ninha experiência é que a 1netodologia potencial
ganha quando sornos livres. Livres para usar instrumentos,
procedimentos, abordagens diferentes. E que ela perde
inuito quando se tenta seguir uma receita de bolo, o que
aliás foi um grande investilnento 110 início da História
Oral. Havia especialistas que davam cursos de lnetodologia
para dizer o que se devia ou não fazer, como se ligava o
gravador, quando desligar etc. A meu ver, essa receita
de bolo lnais prejudica do que ajuda porque, na verdade,
o que dá a potencialidade do lnétodo é a capacidade de
usar Uln pouco da metodologia antropológica. E eu quero
falar especiahnente sobre a história de vida, um pouco
da disciplina do historiador, que é aquele detalhislno,
aquele levantamento preciso das informações e das
fon tes, a congruênci a do fato, que constitui, no fundo, o
suporte da entrevista.
Evidentemente, existe uma ditnensão psicanalítica da
Inaior importância, e que deveríalTIos aprofundar muito
1nais, que é o método dial6gico da relação entre o
entrevistador e o entrevistado, carregada de emotividade
e de!subjetividade. E eu ouso achar, sempre dentro dessa
me~lna idéia pós-moderna, que tal elnotividade ajuda a
entender, em vez de atrapalhar, desde que não sejall10s
possuídos, illgenumnente, pelos nOSS08 pl"óprios senti-
n1entos. Acho que a elnotividade é parte de alguma coÍsa
que nos aproxima do nosso objeto, que pode, de certa
lnaneira, permitir que esse objeto seja desvendado, e não
obscurecido. Como educar essa postura? Ela não é parte
do problema da História Oral. É parte, sim, do campo
intelectual, do campo de fonnação profissional que vai nos
fazer confrontar o nosso produto final COin o produto final
81
de colegas que têm outras idéias e lnesmo outras ideologias.
~ vamos ter de passar pelo crivo da realidade, que vai ser o
elemento aferidor da real contribuiçáo que este nlaterial
nos pennitiu produzir. Em outras palavras, é Ílnportante
frisar que o que dálegitünidade a este proccdiIne11to náo é
UIna eventual preocupação COIn as fOTmas e os meios, nlas
o seu produto final. Ou seja, se ele se sustenta ou não diante
da realidade.
Evidehtmnente, o Inétodo psicanalítico 11081eva tal11 bél11,
de certa maneira, a consolidaT tnna aliança entre História
Oral e história de vida. Isto foi muito ilnportante na
montagem do Programa de História Oral do CPDOC, porque
nos pareceu desde o início que ht:lvia 111na espécie de
sinergia, de potencialização e complementaridade entre
esses dois lnétodos. história de vida era usada pela
antropologia tmubél11 COITI lnil restrições, e houve Ul11
monlento en1 que se interrompeu a sua utilização, por ser
considerada um lnétodo não muito objetivo. Mas no
monlento en1 que o gravador passou a permitir Ó controle
do material, esta sinergia deu UI11a objetividade tanto à
História Oral via história de vida quanto à história de vida
via História Oral. E o que me parece extrcmaInente
bnportante é que isto permitíu tTabalhar-se COln trajetória.
It um campo que 111e interessa n1uito 110 qual estou
intensmTIente envolvida no sentido de que a História Oral
Hjude o pesquisador a constituir uma biografia diferente
das que vinham sendo feitas até hoje. Com este olJjetívo,
estaluos tentando sofisticar a técnica da biografia, que é
algo muito livre, lnuito literário, mas que pode realmente
passar pelo crivo da longitudinalidade. AssÜTI, crimllos a
possibilidade de fortalecer o lnétodo de História Oral, pela
potencialidade que ele tern de fazer um controle objetivo
dos fatos e das interpretações destes através da coerência
longitudinal, tenlporal, e não da coerência horizon-
tal, transversal. ElTI outras palavras, o que dá ao pesqui-
82
sador a certeza de que o que ele está produzindo é
vel"dadeÍl"o ou falso é a possibilidade da coerência
interna do discurso enunciado segundo a lógica da
traj etól"ia do en trevi stado. Ou sej a, q uan to rnai s
investirmos nessa longitudinalidade - e isso foi muito
importante no trabalho que fizemos sobre elites
políticas -, mais confiável será o produto que estaremos
colhendo. Se vamos buscar Informação aqui e ali em torno
de UIna temática muito especializada e muito confinada, a
capacidade de erro torna-se maior. Porque o que pennite
produzir infor1nação de qualidade é exatamente a
profundidade da relação dialógica que se trava entre
entrevistador e entrevistado, e que produz os dados com o
controle da sua própria consistência. Isto significa que
quanto mais eu trabalho a biografia pensando na cronologia,
quanto mais eu coordeno a biografia COln a cronologia, lnais
eu produzo informação fidedigna.
Talvez nluitas pesquisas de importância em História
Oral não tenham utilizado esse método. É UIna questão
em aberto. Apenas lne parece extremamente importante
que se pense o ator político nesta lógica do seu próprio
desdobramento.
O ponto central da questão é o Pl-oblema da lógica da
lnelnória, ou seja, se essa memória é confiável ou não, se
produz verdades ou mentiras. O que se pode dizer, e que é
me-io óbvio, é que ela produz ao lnesmo tempo verdades e
lnentiras. Mas não é isso o que nos interessa. O que nos
interessa é a capacidade de entender mentiras repetidas~
porque se vários atores mentem da mesma maneira, deve-
se pensar que esta mentira é importante. Por outro lado, a
verdade é um pouco como a criminaIística, como Uln
dep0Ílnento pohcial: a vel'dade encaixa, enquanto a mentira
pulveriza, desarticula. Portanto, se, falando com muitas
pessoas, eu consigo construir uma versão que se susten-
ta, posso dizer que esta versão tem boa chance de ser
83
verdadeira. E se as versões não "colalu ", se conduzem a
pontos contraditórios e incoerentes posso dizer que não
j
84
maior a consciência da necessidade de compreensão da
totalidade do campo, em luta contra a fl'agmentação da
especialidade, mais pOderelTIOS avançar. Isto não significa
que a especialização não seja impol-tante. Significa que
em alguln Inomento existe um princípio de econolnia
que é o seguinte: eu preciso obter rapidamente o máximo
de informação possível sobre detenninado campo, e não
fragmentá-lo em vários pedaços, sob o risco grave de
perder a visão de conjunto.
Há um segundo aspecto importante: aléln do mito da
não-objetividade, criou-se também o mito de que a História
Oral destinava-se apenas e exclusivamente a entender os
esquecidos, os silenciosos, os vencidos, os derrotados, e
que os vitoriosos não mereciam qualquer complacência. É
óbvio que os esquecidos são objeto importante da História
Oral. Não há dúvida sobre isso. TeInos inúmeros exemplos
de estudos e informações relevantes que surgiram dessa
abordagell~, dessa premissa. Mas o que queríamos
sublinhar aqui é que o que faz essa metodologia tão boa
para discutir o esquecido não é simplesmente UIna opção
preferencial pelo esquecido, pelo derrotado. Não. É
porque -o derrotado, por ser derrotado, não constrói as
suas fontes, e portanto é submetido a uma espécie de
pactó do sigilo. :Mas se pensamos que o sigilo é uma
cat_e'goria mais abstrata do que o esquecido, podemos
inferir que existem áreas absolutamente fundamentais
que a Escola de Chicago, aliás, já mostrou, e que a
antropologia, em geral, penetra com lU uito 1nai8
competência do que outras disciplinas em que podería-
mos usar essa mesma categoria. Áreas que representaln
realidades cOlnpactas, que têm Ulna certa organicidade.
Pode-se introduzir também a variável criminal. Tenho
absoluta certeza de que, se por uma fortuita - e a
História Oral vive de razões fortuitas - os nossos bicheiros
quiserem falar, ou porque acham que falar é lTIelhol- do
85
que ficar calado, ou porque achmu que chegou a hora,
ou porque, por alguma estranha razão, algum historiador
de pJantão teve acesso pessoal a essas criaturas, certamente
a História Oral se constituirá etn UIna metodologia nluito
superior à utilizada na edição dos jornais e revistas.
Quetn duvida disso? Eu ouso até pensar que o jornal se
revelará urna fonte altamente incoerente, COJn iI1c~nsi8-
tências lógicas fantásticas nas inforn1ações veiculadas ao
longo do tempo, c que a História Oral se tornará o 110SS0
instrumento COll1bativo.
Evidentemente, ao fazer esta defesa, eU gostaria de
trocar algumas idéias sobre este campo tão especi aI que
é a política, lembrando que, quando começaInos,
estávamos desbl"avando UIna área proibida, estávamos
fazendo realmente uma coisa lnuito esquisita: estávamos
entrevistando políticos da década de 1930. Nada pal'ecia
mais extravagante do que isso naqueles anos de 75, nos
quais o Brasil começava a sentir que se abl"ía uma
pequena brecha de ar puro no SÍstelna autorítário, e que
a delnocracia talvez estivesse ao nosso alcance.
Entrevistar aqueles velhos autoritários, que melhàr seria
fossem esquecidos, era UIna extravagância. E aí entram
reahnente os casos fortuitos que nos dizenl algo que,
quando começamos, sabíamos que estávamos
começando por causa disso: era a .vontade que esses
atores tinham de falar que nos estava dando a oportuni-
dade de registrar esses depoÍlnentos.
O problelna da política, naquele luoIuento, colocava-
se de uma lUaneÜ"a muito genérica - esta é uma questão
que temos de enfrentar internacionalmente, para o que
j á contamos COIU a cu.mplicidade de Mercedes Vilanova.
Na verdade, o crescimento da história dos costulnes, da
história social, deu-se num embate contra a história
política, especialmente a história carünnática dos
grandes líderes. E foi exatamente por aí que COlneçanlOS.
86
Nós queríaITIos os grandes líderes lTICSmo. Mas que diabo
, "'vi:uTIo's'fàzer?! A história tràdicional? Isso 'é 'a 'cbhtt'atnão
da história! A equipe era interdisciplinar, o que foi
importantíssilno. Mas, sobretudo, estávalTIOS trabalhando
COl11 o preconceito; o preconceito contra a política,
contra a idéia de que a política não oferecia dados
illlportal1tes para o entendi111ento da realidade social, e
que era muito mais importante entrevistar quelTI estava
elubaixo do que quelTI estava em cilna. A meu ver, esta é,
na verdade, Ulna versão de direita. Porque não é possível
que possalnos achar irrelevante sabel" como o poder se
COTIlporta, COI110 se organiza, como decide. Se nós, que
estmTIOS en1baixo recebendo todas as conseqüências das
decisões do poder o1"ganizado, não quisennos saber C01110
esse poder funciona, 8011108, no míllimo r alienados, no
sentido etÍlTIológico da palavra. Nós preciSalTIOS saber
tmnbél11 COlTIO essas coisas funcionam. Este é Ul11 lado
que extrapola a consistência da ínforI11 ação e passa a ter
a ver COl11 a itnportância da informação.
Nossa abordagelu foi l11uito condicionada pela idéia
de que ía11108 descobrir 1930 no ocaso de 1964. E que
era1TI os atores no ocaso que poderiam refletir uma
realidade que vinha de muito antes e que desconhecíamos
por fa1r'a de fontes. Nossas fontes eral11 precárias. Na era
desenvolvinlcntista, ninguém achou ilnportante saber
COI110 tudo COlneçou, e a nossa história tinha reahTIente
um gl'ande vazio, que era a igl10rânci a de como esse
caÍupo foi 01'ganízado e de COI110 ele funcionou. Então,
uma frase consagrou a idéia de que 64 foi o Estado Novo
da UDN. Ulna frase dita por Tancl-edo Neves que, a meu
ver, vale vários livros acadêl11icos de grande fôlego. COIU
esta frase, ele conseguiu condensar algo que nós não
percebel110s 11a época. Hoje estamos absolutaInente
convencidos de que essa matriz básica dos anos 30, que
não conseguilnos decifrar, era, na verdade, a lnesma
87
111atriz básica dos anos 64, COln algumas adaptações. Mas
ela só ficou pel'ceptível e comparável a partir do lnomento
em que essas entrevistas foram obtidas, e as informações,
organizadas.
As variáveis que utilizmnos eram silnples, mas foram
fundaInentais nessa tentativa de organizar, articulada e
consistentemente, a análise de trajetória. Partimos da
idéia de que tão ünportante quanto conheceI' os proces-
sos' decisórios era conhecer a natureza do ator q11.e
estávatnos entrevistando. 00111 isso, a História Oral seria
beneficiada pela história vida. Por quê? POI'que
terÍa1110s o controle dos baias na lnedida em que soubés-
8e1n08 de onde saiu aquele ator político, de queln ele era
tributário, de que cultura política, de que fontes, de que
influências, de que livros, de que idéias. Tudo isso seria
o nosso luaterial, a nossa matéria-prima de controle
objetivo das informações que eles iam nos dar, e dos
acontecünentos e fatos que eles iam 110S descrever. E
quais foram essas categorias? Em primeiro lugar, â
origeln fatnilim", Nós precisávamos saber queIn eram
e&Sl1s pessoas, A segunda categoria foi a fonnação
educacional e cultural. Que idéias, que pessoas, que
influências regionais estavam subjacentes à origeln fa-
nüliar e à fonnação educacional e cultural. Eln terceiro
é
88
que a profe~soraAlzira Abreu desvendou. Alunos do 1neS1no
os
colégio, ouvindo os mesinas profes'sores, lendo' mes1nos
livros, e que foram fazer a guerrilha urbana do final dos
anos 60. Por esse catninho, COlneça-se a formar a 1natriz
de elites políticas~ de grupos estratégicos. E é fundamen-
tal saber hoje onde essas pessoas estão, o que estão fazendo,
se se converteram, COlno os hipp'ies americanos, emyuppies
ou não, se fizeram uma relei tura daquele momento e estão
se reinserindo no processo político de outra maneira. gnfiln,
é um objeto da maior importância, porque 1108 pennite
UIna avaliação de conjunto e cOlnparações entre blocos que
podemos identificar dentro de uma matriz InatO}', que
seriatn as elites políticas dos anos 30 e as suas variantes
até os nossos dias. Isso nos permitiu ver tmnbéIn, por
exe1nplo, que essas elites políticas jamais fOratll afastadas
do poder. COiSalTIuito cUI'iosa, lnas, se não fosse a História
Oral, jamais teríanl0s percebido que a geração de 45 foi
assassinada pela força golpes, ou pela sua própria
incompetência, ou pela força da outra, e que na verdade
nós ficamos, até 1989, sob o cOlnando ideológico e
operacional dessa mesma elite. O que era Geisel senão Uln
tenente dos anos 30, da Paraíba? O que era Tancredo Neves
senão Uln belíssilno exelnplar do getulismo? Portanto,
podemos dizer que esta coisa genérica que nós chamamos
de era getuliana se prolongou até 1989. E o que nos permite
dizer isso não é UIna espécie de adivinhação ou de capricho,
mas o fato de que estes atores estratégicos tiveraln a sua
trajetória nítidmnente prolongada até este período.
Depois da socialização política, telnos o batisnlo
político. Queremos saber C01110 essas pessoas entraram na
cena política. Pode ter sido a Revolução de 22, os 1nOV1-
111C11tos tenentistas do período, a ColL1na. Prestes, pode ter
sido a Revolução de 30, um lnovin1ento armado, talvez a
Constituinte de 34 ... g essas experiências faZe111 difel·ença.
Ninguém passa ilnpunelnente por uma luta annada. Ficmn
89
traços, lnarcas indeléveis no processo político. Então, a
idéia era de que o batislTIO político constituía UIn elelnento
importante de definiçã.o desses atores. Como tmnbém a
sucessão de cargos que cada Uln exerceu, a sUa natureza, a
sua lógica interna e a explicação que nós poderíamos
encontrar para esses desdobrmnentos. Atores consistentes,
atores inconsistentes ... 'feInos, por exen1plo, um Os\valdo
Aranha, que começa COlno Uln revolucionário, vai ser
ministro da Justiça, depois da Fazenda, Relações
j
90
influência8, e a personalidade política vão configurar
ta111bém o conjunto desse processo, E eu partiria aqui
da constatação óbvia de que a natureza da personalidade
política dos quadros essenciais de'u1na elite política ten1
a ver con1 a natureza do sistelTla político. E o que é
personalidade política no Brasil não o é necessarialnente
na Espanha. EntltO, saber o que faz, o que define essas
pen;onalidades poHticas significaria) talvez, dispor de UITl
poderoso instrumento de análise cOITlparada dos
sistemas. políticos, na Inedida em que cada um desses
processos sel'j a desvendado pelo grau de i n~t1tuci 011;;1-
lidade do sistelTla, pela natureza, pelo fechalnento ou
abertura dessas elites. Enl SUITla, pela lnaneira através
da qual essas elites se insereln no bojo da sociedade e do
processo produtivo.
Para concluir, vale mencionar alguns exemplos de
aspectos verdadeiramente ilnportantes que elTlergiram
desse conjunto de depoimentos. Em prÍlTleiro lugar, a
idéia das matrizes cOlnpaI'ativas, 30-64, e a constatação
de que o fio condutor, o elemento central de unidade de
111na e outra foi n1uito controvertido e, pode-se dizer,
lnesn10 lnàrginal: o n1ovimento tenentista, o n1ovimento
dos jovens militares. Os tenentes de 30 foraITl os generais
de 64. E por vezes as lTleSlnaS figuras. A lneu ver, esta é
Ulna _prova cabal de que os sistemas realmente se
interligam, e funcionaraln na história brasileira COlno
vasos com uni cantes inseparáveis elTlITlOmentos distintos.
Outro ponto de interesse provém de UITla entrevista'
de Afonso Arinos. A qualidade do material 110S permite
entender as cUlnplicidadcs da genealogia ITlineira e da
genealogia política brasileÍl"a - as CUITlplicidadcs, as
trocas, o estar aCÍ111a de. E isto está lnuito bem colocado
COITlO UIna si tu ação que contradiz um pouco a lTlatl'iz do
discurso básico, que é a perspectiva de que Afonso Arinos
foi UITl político cOlnandado pelas idéias, das quais a política
91
foi Ulua espécie de conseqüência natural e fortuita. O que
se aqui é a enorme autonomia das relações pessoais e
das genealogias políticas e sociais na combinação, na
artículação das coalizões, no processo decisório, enfiIn, na
definição do próprio processo político.
Coisas interessantes sobre os gaúchos também apare-
ceralU nesses depoimentos, como a i111portância capital dg.
cultura política gaúcha no processo político, na matriz
básica da era getuliana. Dado que, por vezes, ao lado das
luel11órias, evidentemente, reveja belU l11ai8 do que muita
pesquisa histórica tradicional que foi feita e que pa!':~()l1 ao
largo dessas caracterlsticas, dessas qualidades. E questões
curiosíssilnas) sobre a mobilidade geográfica ,das elites
brasileiras na República Velha. Dificih11ente alguln de nós
terá tido a percepção de que cstas elites andaval11 ~ eu não
sei co 111 o, porque o meio de transporte que havia era o
cavalo, ou el1tão o navio de U111 canto para outro, com
UIua desenvoltura inacredítável! Eu tenho até tendência a
pensar que isso se deve m11 pouco à tradição do Império,
Cln que o imperador, ao nomear os seus presidentes de
província, pronlovia um verdadeiro troca-troca: quenl era
paraense, ia para São Paulo, quem era de Paulo, ia para
outro lugar... El1.füTI, ficou essa tradição. E é espantoso notar
que, nesse conjunto de depoimentos, também os pais dos
entrevistados e as demais pessoas se ]ocomovel'am nlilhares
e luilhares de quilôlnetros, saindo de estados do Norte, do
Nordeste para o Sul, e vice~versa. A impressão que se tinha
era de um universo l11Uito lna18 parado, congelado do que
esse que as entrevistas nos revelam.
Outra questão surpreendente é a tipología dãs lideranças
políticas. Nós ouvía1nos os n01nes dos personagens, sel11
saber flS vezes exata111ente o que eles significavmTl. Por
exel11plo, Rui Bm'bosa e Pinheiro ~jfachado foram persona-
que tom,alUOS C01110 outros quaisquer, Mas à força de
serem repetidos como pontos de referência centraÍs na
92
fonnação política "-",,","~.~.~i~
nlentea perceber duas cbllsa~n:(~1:
matrizes fonnadoras de
das suas posturas; segundo, mais ~"" . ."",.~,,",,.~,
conflitantes. A linhagem do Rui K,.. .... h'''''''·Y;j·.. ''h
93
personagelTI carismático local que se chalnava José
Alnérico. E através dos depoünentos e das narrativas de
acontecÍlnentos, de atores, de conflitos que se passaram
na região, foi possível fazer, talvez, a mais consistente
reconstituição da história política da Paraíba dos anos
30 para cá. E o que teria resultado em uma enorme
cOlnplicação para reconstituir esses dados e esses
arquivos que não existiam, passou a ser Uln ponto de
referência importante para trabalhos futuros.
Finahnente, é preciso lnencionar talnbém as ilnprevi-
sibilidades do processo. Em uma entidade que se chmna
Fundação Getulio Vargas, um programa sobre elites
políticas da era Vargas tinha tudo para gerar um mate-
rial suspeito. E na verdade aconteceu uma coisa
curiosíssima. Não sei se por conta da nossa vontade de
sermos objetivos ou se por conta- do talento dos que
j
94
um período espetacular, em que se deu a criação da
Petrobrás etc. O próprio suicídio é Ulna página tão
dramátíca e singular não só da história brasileira como
da história do século XX que destaca o período, aos ,Olhos
inadvertidos, COlno o ponto cuhninante da era getuliana.
1'1as os atores contemporâneos, os que eram a favor e os
contra, interpretaranl de outra fonna e, a meU ver, nos
deixaram Ulna 1"eflexão lnuito Ílnportante sobre a
verdadeira natureza desse 8istelna, desse processo
decisório c dos próprios atol"eS que estiveram envolvidos
, no segundo governo Vm'gaB.
Retomando a questão do jogo da política, beln como
do jogo do bicho, vê-se que a parentela, as redes de
relações, as cumplicidades, os interess-es cOlnandam
tudo. E temos, então, uina etnografia muito importante
das cumplicidades. Não sei quantos trabalhos isso pl'opicia-
ria. Tambéln não sei se os pesquisadores que pretenderem
usar esse lnaterial não vão se sentir frustrados, porque
sempre irá faltar alguma infonnação. E esse é Uln ponto
fundamentaL Como nós partimos da idéia de que o
CPDOC é Uln centro de dOCulnentação, a grande questão
a ser pensada é se a idéia de docu111entação é l"ealmente
adequada para tratar com a História Oral. Porque a docu-
lnentação l"elnete a uma certa operosidade, a uma certa
capac:idade de organizar e dej aparentemente, classificar
o que se quer obter, bem como o que não se quer, o que
é duvidoso. Então, nós sahíalnos o tenlpo todo que
devÍmnos fazer incursões mais insistentes sobre a família,
sobre a lnulher do político, aspectos que muitas vezes
.foram naturalmente registrados, lnas que outras não
tivermn a meSlna atenção. Essa idéia de partir da
docul11entação construída de lnaneira 1nais ri gorosa,
através da metodologia mai!:; consistente, é, a meu ver,
um grande desafio que telnos pela frente. Como é
tambéln um grande desafio que estalnos compartilhando
9S
com outras áreas a idéia de que esses depoilnentos
registraln fatos e registram versões, e que, como alguns
políticos brasileiros nos advertem, a versão, de lnodo
geral, é muito mais importante do que o fato.
96
áreas, mais uma válvula para o esvaziamento das próprias
questões que são pertinéntes a uma cultura que se redefine
depois do computador, depois do gravador, depois do fax,
enfim} de todos os mecanismos modernos para se pensar a
história, inclusive a própria leitura historiográfica.
97
Quanto à imagen1, acho que é Uln caminho, um
ellonne espaço para ser construído, e importantíssÍlno.
Há pouco telnpo, nós discutilnos no Ceará uma pesquisa
fascinante sobre a Maria LuÍsa F'ontenel1e através de
fotos. Que coisa intel'essante! Foi possível detectar a
ruptura que a experiência adlninistrativa da Maria LuÍsa
estava provocando no Ceará através das fotos e do que
as fotos trazialn de inovador 'no mundo da ilnagem
política. Da lnesma maneira, estão fazendo UIU estudo
da era Collor através de fotos. É tão óbvio isso, o fato de
se ver coisas extraordinárias seln ralar uma palavra! Pode·
se até falar, luas falar da imageln que está ali, não do
discurso prévio que se teln.
Eu gosto sempre de citar que, para lnim, o maior
historiador oral do Brasil chama·seEduardo Coutinho.
Eduardo Coutitlho fez O fio da memória c, antes, Cabra
marcado para morrer, que eu considero um manual vivo
da história oral de ilnagens. Por quê? Porque, na verdade,
não é Uln cineasta que está fihnando uma realidade
"interessante", que está apenas doculnentando, embora ele
seja Uln grande doculnentarista, lnas é alguéln que criou
illn processo dialógico entre ele e o objeto que o permitiu
atingir a visão cristalizada, estratificada daquele universo
que ele ia analisar. Falando de um Hder camponês que teve
uma papel extraordinário ná história da Paraíba e lnesmo
na história brasileira, de Uln líder cuja falnília foi
estraçalhada, a mulher fugiu, ficou clandestina não sei
quantos anos, havia tudo ali para se criar um herói. E o
Eduardo conseguiu revelar uma realidade social extrClna-
mente dura, conflituosa, as lnisérias hUlnanas por trás do
. heroísmo, e sem perder a dignidade e a grandeza. E o
que fica lnuito claro é que ele foi parte daquilo. Ele foi
lnais longe, porque virou um happening. Na verdade, 110
lTIovimento de ir atrás da realidade do fato, tentando
revelar a ahna brasileira, a cultura brasileira, a forma de
98
organização social brasileira, ele conseguiu mexer na coisa
de tal maneira que produziu uma reviravo1tà, uma
verdadeira convulsão cênica através do filme. E da mesma
maneira com O fio da memóTia. Quando ele vai falar do
negro - e aí é bem da lnaneira como eu vejo a história oral
- quando vai falar dos cem anos da Abolição - e não há
nada lnais tradicional do que isso - o que ele faz é subverter
absolutamente tudo. E chega-se ao final do filtne, dizendo:
"O Coutinho não fez Uln fi1me sobl'e o negro. E1e fez um
fihne sobre a negritude brasileira," Que!" dizer, o que o
Brasil telTI de negro está ali. É a tal história da totalidade,
da condensação, da contradição, é tudo ali se revelando, se
desdobrando, SClupre de uma maneira muito dramática e
m ui to forte.
Então, o que fica para mÍln é que a imageln é um
enorme calnpo de trabalho. E aí cOlneçamos a sair do
calnpo do simples conhecimento para entrar no campo
da arte. E eu pergunto: haverá realmente uma diferença
palpável, significativa, uma linha de deluarcação entte
conhecimento e arte? Talvez não haja.
99
I-IISTÓRIA, HISTÓRIA ORAL EARQUNOS
NA VISÃO DE UMA SOCIÓLOGA
101
porém só se formal izou nas obras de Émile Durkheim.
Em segundo lugar, a concepção acima explici ta da leva
à admissão de que é possível uma intervenção racionalizada
na estrutura e na dinâmica da vida social, desde que
utilizadas normas adequadas a tal fim - esta admissão é a
justificativa da razão de ser da Sociologia e seu alvo
permanente. Finahnente, a admissão da Sociologia como
ciência específica dos fatos sociais deriva logicamente dos
dois itens expostos e constitui, para os sociólogos, o aspecto
da maior importância: COlTIO ciência, deve executar o
levantalnento, a análise, a sistelnatização dos fatos sociais,
e chegar a uma interpretação válida que leve à ação; seu
trabalh o, portanto, não é efetuado de maneira gratuita,
pelo simples prazer de conhecer, ou pelo desejo de conservar
aquilo que a memória não consegue guardar.
.J ustamente porque a or{gem -do fato social é outro
fato social, o que sucede tanto no âmbito da-s-estruturas
quanto da dinâmica que encerra - postulado da nmwr
importância em Sociologia-, torna-se relevante encarar
a possibilidade e o dever de intervir na construção das estru-
turas, no desenvolvimento das dinâmicas. No entanto,
esta intervenção só pode ser efetuada por meio de instru-
111ent08 de análi se construídos exclusivanlente para captar
os fatos sociais e compreendê-los, obtendo-se, assitn, conhe-
cimentos específicos cuja reunião cOlnpõe a ciência deno-
minada Sociologia. Admite-se, pois, que ciência é o
conjunto de conhecimentos racionais sobre a natw'ez3, a
sociedade, o pensamento, adquiridos por meio do estudo
objetivo de seus fenómenos, explicando-os .
A Sociologia, em sentido lato, engloba os três aspectos
analisados, dando, porém, maior ênfase ao terceiro) isto
é, ao tratamento objetivo e metódico dos fatos sociais.
Tratamento objetivo porque o levantamento de dados
deve envolver todos os cuidados, sendo efetuado tanto
quanto possível de maneira exterior à consciência que
102
dele tem o pesquisador, fundamentando-se, pois, em
observação indcpendente das preferências deste, que sc
manteria o mais possível imparcial. Tratamento metódico
porque pressupõe que pensamento e ação serão
conduzidos de maneira previamente fixada, com o
objetivo de atingir um fim determinado. Seguindo estas
regras , pretende-se chegar a Ulna outra visão do homem
e da sociedadc: uma visão assentada no estudo sempre
independente das opiniões, conjecturas e ideais do
pesquisador, pois seria a partir dos resultados dessa visão
espccífica que se poderia formular modificações válidas
para sociedades ou grupos.
O aparecimento da Sociologia é datado. Deu-se em
torno de fins do século XVIII e início do século XIX,
período em que se fortaleceu a admissão de que
socicdade e fatos sociais podiam ser explicados sem
qualquer referência a crenças religiosas e ao domínio
do sagrado. Também nesse momento ocorriam revoluções
polí ticas e industriais. Estas ci rcunstâncias foram levando
os estudiosos a conceber UlTI distanciamento cada vez lnais
consciente e controlado em re lação à realidade que
pretencü31TI estudar, formando-se, aos poucos, a noção de
uma ciência do fato social, seu objeto específico.
Três grandes vultos, hoje chamados os pais da Sociologia,
se destacaram nessc período com relação ·à consolidação
de uma ciência dos fatos sociais : Karl Marx (1818-1883),
Émilc Durkhe im (1858-1917) e MaxWeber (1864-1920) .
Scm dúvida, outros estudiosos também existiram, mas.
foram estes que contribuíram decisivamente para que
se formasse uma ciência sociológica (Fernandes, 1949;
Sumpf e Hugues, 1973; Morfaux, 1980). Em seus escritos
dajuventude, Marx mostrou a existência e a importância
das estruturas sociais, as quais comportam contradições
intcrnas de tal ordem que seus problemas só se solucionam
mediante uma reviravolta social que as ultrapasse. Esta
103
lnaneira de ser, inerente a todas as sociedades, dá lugar, de
tempos ,e1n tempos, a uma nova sociedade (SulTIpf e Hugues,
1973, p. 168-170; Lalande, 1980, p. 1264). Foi Durkheim
o primeiro cientista social a explicar o fato social por outro,
seU coetâneo ou a ele exterior, complementando esta
definição fundamental sobre a atitude do pesquisador:
somente o distancimnento mental com relação ao fato so-
cial 1hepermi tiria visualizar COlno este era composto
(Sumpf e Hugues, 1973, p. 91-94; Thines e Le1npereur,1975,
p. 195). Max Weber, finalmente, ampliou o campo de análise
sociológica, mostrando que taJnbém era importante estudar
as estruturas sociais para descobrir o significado dado pelo
indivíduo e pelo grupo às suas próprias maneiras de agir.
Desta forma, as imagens, o ideal passavam a ser investigados
também como parte inerente à realidfide social e sub-
metidos aos lnesmos processos (Thines e Lempereur, 1975,
p. 1027-1028).
É interessante lançar uma vista d'olhos para a época
e o paÍs"e1TI que viveram estes três grandes nomes da So-
ciologia, para se deslindarem os principais aspectos do
período. Karl Marx, filho de abastado advogado judeu
convertido ao protestantis1Do, viveu durante o período
de formação do Império Alemão, sob o domíniO da
Prússia, que ilnpunha seu mando com vigor e violência,
consolidando-se finalmente e1D 1871; foram momentos
extreJnamente conturbados eIn que Marx tentou impor
sU:a~ ,idéias políticas, o que o obrigou a se refugiar em
outros países. Filho de U1TI rabino alsaciano, Émile
Durkheim conheceu 11a França as grandes dificuldades
que 6 país iITIPunha à acei tação dos judeus, que era1D
malvistos e desprezados. Exemplo f1agrante foi a injusta
condenação do oficial do Exército, AHred Dreyfus, en1
1894, 11U1D clima de extraordinária paixão religíosa e
política. Socialista desde ° tempo de estudante,
DUJ"khcim participou ativa111ente da defesa de Dreyfus, e
104
via sua época sublnetida a várias crises -\crÍse da organi-
zação indu~trial, crise da educação, crise da consciência
nacional, crise religiosa-, as quais deverialu ser estudadas
por um novo luétodo que as encarasse com \ o lUeSlTIO
dístancialTIento com que eram encarados os objetos, para
se poder chegar a soluções válidas. Max Weber, por sua vez,
nascido llUlTI momento que que a Alemanha vivia UlTI surto
industrial acompanhado de intensa burocratização,
encarou esta como Uln dos eletnentos-chave engendrados
pelo Inundo moderno. No entanto, enquanto a industria-
lização se desenvolvia velozment.e, a burocratização,
essencialmente inerte, a ela opunha a inércia que lhe
era inerente, dando lugar a graves desequilíbrios e
conflitos sociais. Somente um estudo objetivo e seln
julgamentos de valor poderia levar a compI'eender e forjar
soluções que superassem tais problemas (Sulupf e
Hugues, 1973, p. 36-37).
O condicionamento dos fatos sociais e sua explicação,
que constituem dois dos aspectos fundamentais da
Sociologia, figuravam jános escritos do jovem Marx; eIn
seguida, Durkheim efetuou a sua definição enquanto
ciência dos fatos sociais; finalmente, Max Weber
comp1etou-a, luostrando que os aspectos concernentes
às faculdades subjetivas também estavam sujeitos ao
lnesmo condicionamento. Surgindo por volta de Iueados
do século XIX e estando já praticamente consolidada no
início do século XX, a Sociologia apresenta-se hoje como
uma ciência jovem.
A História, por sua vez, remonta à Grécia, sendo
considerada por Aristóteles como uma coleção geral de
fatos à qual se opunham os tratados especiais e teóricos
(Lalande, 1980, p. 414). Desde esse tempo foi se desen-
volvendo, e seria fastidioso enUluerar todas as suas vi-
cissitudes. Deve-se lelnbrar que Francis Bacon, no inicio
do século XVI, a encarava como "o conhecimento do
lOS
únioo, que tem por instrumento essencial a memória",
diferenciando-a da filosofia, que "tem por objeto o que é
geral e por instrumento a razão" (Lalande, 1980, p. 414-
415). De acordo com tais definições, o objeto e o
instrumento destas duas formas de conhecimento são
não apenas diferentes, mas opostos - a referência à
posição de cada um é efetuada aqui para que se possa
ressaltar como era concebida a História.
No século XVIII, COlTI os enciclopedistas, um elemento
importante veio se juntar aos primeiros aspectos da
definição: o relevo que então foi dado à cronologia ou
sucessão dos acontecimentos no tempo. A importância dada
à memória - fonte reconhecida como válida para arma-
zenar o que já havia ocorrido - ficava agora acrescida de algo
que lhe era exterior e não dependia Inais exclusivrunente
da mente humana. Este novo elemento era formado pelo
desenrolar do telnpo, "num meio homogêneo e indefinido,
análogo ao espaço, no qual se desenvolve o séquito dos
acontecimentos, cada um destes tendo a duração que lhe é
própria; cada acontecimento e seu espaço de telnpo passava
a ser encarado como "objetivo, quantitativo e, portanto,
mensurável", e a documentação vinha corrigir o que a
memória hUlnana não conseguia armazenar, ou então
deturpava (Fou1quié, 1982, p. 719).
Desta maneira, a História, que se relacionava com o que
já passou, ia abandonando seu apoio em ulna facudade
humana de conservar e lelnbrar as coisas do passado, e
tendendo a se basear em dados exteriores à mente e
encontrados em U1na documentação que se avolumava a
cada passo. A fundação, em 1790, dos Arquivos Nacionais,
, na França, Inostra a necessidade de preservm" e sistematizar
os acervos. A tendência da recotlStrução histórica se basear
em elementos exteriores à memória, a falta de continui-
dade das séries de documentos desenvolvia intensa
insatisfação e1n grupos de historiadores franceses, a tal
106
ponto que um deles, Charles Seignobos (1854-1942), assÍln
exprilnia em 1907: "Não há ciência que apresente condi ções
tão más quro1Ío a História. Não tem ~bservações diretas,
mas sempre fatos que desapareceram; e neln mesmo fatos
completos, mas sempre fraglnentos dispersos, preservados
por acaso, detritos do passado; o historiador desempenha
o papel de trapeiro, E ainda se vê obrigado a operar sobre
esses materiais tão ruins por via indiret~, empregando o
pior dos raciocínios, o raciocínio por analogia" (Seignobos,
1907, in Foulquié, 1982,p. 367) -tomado neste ca,So como
aquele que se apóia em uma silnples semelhança entre os
objetos sobre os quais se exerce.
Tais inquietações, que tinham lugar quando a Socio-
logia cada vez mais fortalecia seus objetivos e seus instru-
mentos de pesquí~a, levaram o historiador Marc Bloch
(1886-1944), lnuito influenciado pelo sociólogo Émile
Durkheim, a buscar uma aproximação com as Ciências
Sociais, propondo uma história total que apelasse para
dados sociais, econômicos e políticos, e sublinhando
também a importância de fontes não escritas, COlno a
Arqueologia e a Etnografia. Apoiado por seu colega
Lucien Febvre '(1878-1956), fundou, juntamente com
este, em 1929, a revistaLes Annales, Ambos ostentavam
"posições francamente hostis à história historizante 1
delnasiadamente ligada aos eventos e demasiadamente
ligada somente aos documentos escritos" (Gresle et ali i ,
1990, p. 38-39 e 121-122), enfatizando o valor de uma
História abel'ta aos problemas da organização social e
econômica, e ambicionando tambéln a reformulação das
Ciências Sociais no sentido de uma aproxünação. O
estudo do fato histórico não devia mais se limitar à
"salvaguarda da meluória dos grupos, das nações, das
instituições" (o que continuava sendo uma das luissões
do historiador), mas, selU abandonar a reprodução das
lnemórias, passar a confrontá-las também a lançar mão
107
de todas as contribuições das Ciências Sociais. Foi o que
se chamou de História Experimental: as narrativas
históricas tradicionais eraln confrontadas com, esta
história diferente, ressaltando-se a importância maior
desta (Guillaume, 1986, p. 46).
A História, em sua nova forma, aproximava-se
confessadalnente das Ciências Sociais, uma vez que
buscava cada vez lnais os elementos objetivos do passado,
em seus diversos aspectos e em suas transformações na
direção do presente. As mudanças que ocorriam tomavam
talnbém nomes diversos, segundo as orientações das
várias correntes de historiadores: História Social,
buscando telnas sociais' ln ui tas vezes deixados de lado
pelos pesquisadol'esj História Cultural, privilegiando a
busca das idéias, dos símbolos, dos valores partilhados
pelos grupos ou pelas sociedades, e não mais a c]'iação
intelectual individual; História Econômica, e assim por
diante. A busca de 'dados objetivos fez surgir também
uma História Quantitativa, que buscava "fontes maciças,
socialmente representativas, de dados hOlnogêneos e
repetidos em séries longas, suscetíveis de um tratamento
quantificado" (Guillaume, 1986, p. 71-73). Todas as
tendências se juntavam umas às outras, e a aproximação
com as Ciências Sociais era cada vez mais notória.
A História Quantitativa, tendo sobressaído em relação
às demais, não tardaria a despertar uma reação contrária.
Argulnentava-se que as pesquisas que produzia eram de
caráter bastante pobre quanto ao conteúdo analisado,
captando por meio das quantidades somente os aspectos
mais superficiais dos acontecimentos, e deíxando de lado
o que era típico, característico de cada situação. Não
era possível, SOlnente com tais dados, construir o cenário
ou o evento histórico, pois o essencial não era captado
em sua cOlnplexidade e profundidade, Passou-se, então,
a buscar os dados singulares que encerravam o elemento
108
qualitativo, sem o qual os eventos perdialn a indivi-
dualidade. A busca sc voltou para os relatos pessoais -
muito raros -, que permitialTI COlTIpreellder diretamente,
através de UITI testemunho confiável, o lTIodo de ser, a
especificidade do acontecilnento histórico, para etn
seguida buscar suas possíveis repetições ou falhas de
acordo com as diferenças sociais) a diversidade da
educação, do sexo etc. (Guillaume, 1986, p. 72-77).
Esta valorização do singular levou à busca de textos
únicos e da história de vida de personagens de origens
menos importantes, que foram tOlnados como "ins-
truluentos privilegiados para a cOInpreensão das ações
individuais, assiln c01no das situações históricas nas quais
esta ação se desenvolve". EralU considerados teste-
lnunhos confiáveis e que reproduziam o nlodo de ser de
UIna época, a especifi cidade de unI acontecimento
(Guillaume, 1986, p. 72-73). A observação de que os
registros e dados de personalidades ou de indivíduos de
camadas elevadas eram muito mais nUlnerosos do que
os colhidos junto às calnadas inferiores fez com que se
buscasse com afã os poucos relatos provenientes destas
últimas. E para que os futuros historiadores não se
deparaSSelTI com idênticas circunstâncias, pensou-se em
trabalhar desde então na conservação das entrevistas.
A História Oral, deste ponto de vista, se alinha C0111 a
Literatura Oral, que nasceu como parte do folclore, isto
é, do estudo dos costumes, das tradições, das crenças,
das narrações, da arte peculiares às camadas sociais
chamadas de populares, e nas quais os relatos escritos
eram raros. Esta disciplina considerava como Pl'ocedi-
mentos fundatnentais para preservar do esqueciInel1to a
vida da plebe a coletA, a classificação, o estudo compata~
tivo dos dados. Tendo sua importância valorizada por
pesquisadores de relevo, como Frazer (1854-1941), Van
Gennep (1873-1957), Varagnac (1903-1983), já utilizava,
109
a partir da década de 1950, 1neios mecânicos para o registro
e o estudo do material - fotografia, fihnes, a princípio,
mudos, em seguida, falados. A Literatura Oral, sobretudo,
lançou lnão destes meios, voltando-se cedo para a coleta
da história dos cantadores, dos narradores de contos
populares, de suas habitações, de COlno se organizava o
meio eln que viviam, das particularidades deste. Quando a
História Oral foi tendo seU início, já o folclore utilizava "as
técnicas audiovisuais, queestünularanl grandeluente as
coletas, e tambéln o desenvolvimento de centros de pesquisa
ou de revistas especializadas", no afã de preservar do
esquecimento partes importantes das atividades de pessoas
de parcos recursos (Gresle et alii, 1990, p. 190-191).
O desenvolvi1nento da História Oral seguiu caminho
semelhante. Seu interesse pelo registro de dados refe-
rentes às camadas inferiores, através de histórias de vida,
continha outros ingredientes que a diferenciavam da
Literatura Oral: a preocupação COTI1 o presente das
caInadas populares, que devia ser resguardado, e o
sentimento de fazer justiça, dando-lhes importância
idêntica à que as mais afortunadas vinham gozando
através dos tempos, além de cOluplementar uma
documentação histórica que sempre fora falha. Valorizou-
se, assim, a coleta, o registro~ a preservação do mate-
rial, sendo lnuito discutidas as técnicas utilizadas visando
ao seU aperf~içoamento. O uso de meios modernos, como
a fotografia, a fita cinematográfica, o vídeo, veio
aUlnentar o âlubito e os aspectos dos dados colhidos,
garantindo també1u a preservação do Hsico do
entrevistado, do ambiente elU vivia, de seu lueio social
etc. A tendência foi considerar que, devido à inter111e-
di ação dos aparelhos, O registro seria lnuito 111ais fiel e
impessoal, reduzindo a intervenção do pesq uisador.
Ficava-se, pois, muito 1uai8 próxÍlno do autêntico, daquilo
que realmente é. A preocupação COIU a verdade, que desde
110
muito cedo InarCQU a HistóIia, continuava presente, elnbora
a coleta não objetivasse mais os dados do passado.
Essa considel'ação se alia a uma outra a de que, sendo
verdadeiro e c01npleto, o lnaterial coletado por estes
meios dispensa a reunião de dados de outras fontes para
lnostrar o real. É útil que se procure aperfeiçoar O
manusei o das técnicas; 110 entanto, elas são selnpre
utilizadas por um pesquisador que detennina o que vai
gravar e como vai fazê-lo. Uma vez efetuado o registro c
colocado o material à disposição de outros estudiosos,
estes o verão, orientados cada qual por sua lnentalidade
e seu passado. Além disso, nenhum lnaterial colhido de
uma só lnaneira pode ser suficiente para espelhar a
realidade, ao contrário do que pensaIn alguns historia-
dores que BdaIn com a História Oral. OOlno as delnais
técnicas, tambén1 esta é insuficiente e deve ser cOlnple-
tada com dados de outras fontes. .
COIU o desenvolvimento da HistórÍa Oral, intensificou-
se mais uma vez a preocupação pal'a cOln os documentos
e seu colecionamento, que havia ficado amortecida em
virtude do emprego de novas fonnas pesquisar o
passado mais chegadas às Ciências Sociais. Esta
preocupação j amais deixou de existir; seguiu pari passu
o desenrolar da História, sendo encarada COIn In ai or ou
menor atenção conforme a época, e dando lugar à
formação dos arquivos. O termo tanto diz respeito às
coleções de manuscI"itos, de documentos variados
considerados importantes, concernentes à história de Uln
país, de UIna sociedade, de uma falnília, como passou a
significar também o local e1n que estes estão armazena-
dos. A partir do século XIX, a abundância de documentos
deu lugar a preocupações variadas COIll relação a vários
'problemas: o espaço para abrigá-los, a sua conservação, a
criação de referenciais coerentes que permitissem sua
rápida localízaçãovisando à consulta. Formando-se a partir
111
da doculnentação escrí ta, os arquivos foram se voltando
para novos tipos de doculnent~ção -.,. fotografias, filmes,
fitas de gravador, disquetes, vídeos. Documentos do
presente passaram a ocupar também seUs espaços, e a
marcha constante do tempo levou-os a se integrarem
gl'adatívamente com os do passado. O desenvolvimento da
História Oral trouxe, pois~ novos materiais aos arquivos, e
também novos problemas, constituindo atualmente uma
de suas preocupações.
Este rápido lançar de olhos pelas vi cissi tudes da História
através do tenlpo apresentou as mudanças consideradas
mais importantes eln seu desenvolvimento, distinguindo-
se hoje diversas escolas, sendo as ptincipais: a que na França
é denominada História Experimental, e que inclui algumas
subdivisões: a História Quantitativa, estudando o passado
através de grandes séries de documentos; e, finalmente, a
História Oral, voltada também para o presente e interessada
e1n cOlnpor 111n grande acervo, com a utilização da lnoderna
tecnologia, que conserva dados pouco encontrados na
documentação do passado. Todas estas perspectivas
parecem convergir para as Ciências Sociais e, particular-
mente, para a Sociologia. Haveria uma conjunção entre
esses dois ra1nos do conhecimento, que, começando em
pontos diversos, teriam convergido para compor Uln todo,
ou constituiriam dois aspectos correndo paralelos, podendo
se aproxÍlnar em alguns pontos, porém sem se confundir?
O proble1na com que se deparam os pesqUisadores destes
dois dOlnÍnios é delimitar COIn clareza o terreno em que
estão trabalhando.
No início do presente ensaio, viu~se que a Sociologia,
de origem recente, logo alcançou uma definição que se
mantém em suas características principais: a explicação
do social pelo social, a preocupação com a práxis, a exi-
gência da observação 1netódica c, tanto quanto possível,
da verificação. A pesquisa sociológica, por sua vez, requer
112
,primeiramente ,a proposição clara de uma pergunta feita
à realidade - de um problema, portanto...,. cuja solução
se busca nos componentes desta última; desvenda·se o
tipo de relações que determinadas partes mantêm com
outras, chegal1do~se a uma percepção clara e explícita
da sua razão de ser, ou então desvendando-se os motivos
ocultos de sua existência. A partir das conclusões devida-
mente verificadas, será possível conceber algo relativa-
mente à práxis. Estes são os aspectos fundamentais do
que significa em Sociologia pesquisar; a pesquisa não
procura desvendar algo pelo desejo de resolver um
problema, pela ânsia de conhecer, e sim para dar a
alguém os lneios que acredita serão indispensáveis no
remanejamento da realidade social.
Esta primeira exigência dá lugar a uma outra, a de que
o problelna d~ve ser inquiri doem todas as suas
possibilidades, pois pode conter sentidos diversos que a
análise deve de~'Vel1dar, circunscrevendo com clareza a
questão principal. Tal delinealnento se obtém com a
utilização conceitos, isto é, representações gerais e
abstratas que, aplicadas aos dados brutos, pennitirão alinhar
o l:naterial eln nova ordem, afastando-o da ordem natural
anterior COlTI que aparece aos 0]]10S dos leigos. A Sociologia,
desde seu início, vem delnarcando os conc~itos que lhe são
úteis, pois a análise só se aprofunda com o distanciamento
entre a realidade bruta e a realidade constt'uída por meio
dos meSlnos, podendo a pesquisa se deter na profundidade
que escolher. Não foi sem razão que Georges Gurvitch
(1884-1965), um dos grandes teóricos da Sociologia, falou
em patamares da realidade social, mostrando que a pesquisa
sociológica tanto pode se deter nos mais superficiais e
visíveis quanto se encaluinhar para os mais profundos
(Gurvitch, 1958, v.I, p. 20).
A pesquisa sociológica exige também que se efetue uma
crítica constante do conceitual que se está empregando,
113
pnssalldo por este crivo tanto as observações -quanto as
conclusões do trabalho. É dentro desta concepção que a
Sociologia se apresenta como ciência específica dos fatos
sociais, exigindo, pOl'tanto, uma avaliação permanente das
condições e dos limi tes da terminologia utilizada na análise,
beln como dos diversos aspectos da reconstrução da
realidade. Rigor indispensáveljustmnente porque o trabalho
sociológico não se orienta apenas para a con1precnsão do
problema proposto, não busca o saber pelo saber: busca
construir algo que ajude a lnodificar a sociedade. Sua
finalidade é tornar consciente a ação que os homens estão
exel'cendo sem uma percepção clara das implicações
decorrentes, ação esta que, di uturnmn ente , altera o meio
físico e social em que viveln, a filn de permitir que estes a
eXCI'çatn de lnaneira lnais racional e profícua.
Esta físionolnia própria da Sociologia afasta-a da
História, que em seU início voltou-se para a conservação
dos eventos do passado colhidos através da lnelnóda,
passando eln seguida para a busca e o armazenamento de
doculnentos que garantissem a verdade do que parecia se
perder na noite dos tClnpos. Ela trata "do conhecimento
dos diferentes estados realizados sucessivamente 110 passado
por tudo quanto possa ser objeto do conhecimento: um
povo, uma instituição UIna espécie viva, 'nIna ciência, Uln
l
114
também constituía o'Qjeto de sua atenção, uma vez que eraln
estes que atestavam a verdade da afirmação dos estudiosos.
No entanto, o interesse pelo tratamento da c(\ulceituação
não marcou de lnaneira profunda o trabalho do historiador,
de tal maneira que o ratno da História que lnais se aproxi-
mou das Ciências Sociais Inereceu a crítica de ser uma
história sociologizante, desprovida de conceitos rigorosos
(Gresle et alii, 1990, p. 153). E isto se deu porque o que
itnporta construir são "os estados por que tem passado a
humanidade" (Lalande, 1980, p. 415-416), e não como a
sociedade pode ser modificada.
Esta é, sem dúvida, a maior difcl"Cnça entre História e
Sociologia, e que impede a sua convergência. Para a
Sociologia, é possível efetuar pesquisas en1 que, embora
marcando COIU clareza etn que ponto do tempo se encontra
a questão investigada, este aspecto não forma a linha Inestra
orientando o que vai ser esclarecido. O itnpol·tante é
descobrir qual a representação sitnplificada a que se chega
estudando um grupo ou UIna sociedade 1 abstraindo
detertninados aspectos que não intercssaln ao probleIna e y
115
que o passado é captado através do prünna do presente,
e que ambos, ,passado e presente, são vistos de maneira
diversa pelo informante e pelo pesquisador, o que
acarreta deforlnações no que registram. Quanto à
Sociologia, sua tarefa é infinita. De há muito sabem os
seus pesquisadores que, estreitamente ligadas, mas
opondo-se constantemente, estrutura e dinâmica sociais
modificam sem cessar as sociedades, e nada lhes garante
que, no inomento em que pudereln propor uma solução
para determinado problema, este ainda exista. Seu
trabalho é o de Sísifo, mas eles o exercem sem cessar,
acreditando, contra toda a verossimilhança, que um dia
alcançarão o topo da montanha ...
OBRAS CITADAS
Cândido, Antonio. Socíologia, ensino e estudo in Sociologia. S. Paulo,
v. XI, nO 3, setembro, 1949,
Fernandes, Florestan. Aspectos políticos da civilização do açúcar in
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Éditions La Découverte, 1986.
Gresle, François et aliL Dictionnaire des Sciences Humaínes. Paris,
Nathan Ed., 1990.
116
ENCONTRO NACIONAL
DE HISTÓRIA ORAL
DOCU1nentação Oral e Multidisciplinaridade
COMISSÃO ORGANIZADORA
Coordenação geral
Marieta de Moraes Ferreira ~ CPDOC-FGV/IFCS·UFRJ
COMISSÃO ACADÊMICA
Elina Pessanha (lFCS-UFRJ)
Regina MoreI (lFCS.UFRJ)
Márcia Contins (CIEC-ECO-UFRJ)
Hana Strozenberg (CIEC-ECO-UFRJ)
Nara Britto (Casa de Oswaldo Cruz-FIOCRUZ)
Nísia Lima (Casa de Oswaldo Cruz-FIOCRUZ)
Hebe de Castro (LABHOI-UFF)
Marly Motta (CPDOC-FGV)
Verena Alberti (CPDOC.FGV)
117
COMISSÃO NACIONAL PARA A CRIAÇÃO DE
UNIA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DOCUMEN~
TAÇÃO ORAL
Alice Beatriz Lan,g (CERU)
Antônio Montenegro (UFPE)
José Carlos Sebe Bom Meíhy (USP)
Yara Maria Khoury (PUC-SP)
Marieta de Moraes Ferreira (CPDOC-FGV)
APOIO
CONSULADO DA FRANÇA
FINEP
CAPES
IBM
COMUNICAÇÃO CONTEMPORÂNEA LTDA.
BANERJ CULTURAL
118
RELAÇÃO DE GRUPOS
E RESUMOS DE TRABALHOS
Questões Metodológicas
Coordenadora: Marieta de Moraes Ferreira
CPDOC-FGV/UFRJ
Memória e História
Antônio Torres MontenegrolUFPE
119
· COlTIO un campo de disputas. en .que. se opusieron
diferentes grupos: lnilitares, familiares de desaparecidos
y el Estado civil.
Tomando los testimonios orales de los falniliares dê
desaparecidos, archivados por el Equipo Argentino de
Antropologia J.1'orense, como instrumentos de reCOllS~
trucción de las identidades, se mapean los ll1omentos
de comunicabilidad y silencio generados a partir de
diferentes situaciones de crisis.
120
estudar o preconcei to racial a partir da reconstrução
de uma trajetória especial.
Proponho discutir a articulaç"ão de fontes' orais
(entrevistas e depoimentos) COln fontes escritas; tanto
as que fornecem dados de natureza impessoal
(documentos de cartório, atas, notas, registros) COlno
as de arquivo pessoal (cartas, fotos, reportagens antigas,
biografias e autobiografias), que são revestidas de
emoção uma vez que foram criadas COIn a participação
direta do personagem pesquisado.
Com relação aouso do depoimento oral é interessante
mostrar que alguns dados podem, à primeü"a vista,
parecer contraditórios, mas com o aprofundamento
do depoÍlnento vão revelar aspectos da recuperação
da lnemória.
121
História Oral: o Inventário das Diferenças
Marieta de Moraes Fen'eira/GPDOG-FGV/UFRJ
122
a dicotolnia entre "político de palavra" e "político de
ação") para refletir sobre a forma como Afonso Arinos
explica sua atuação política. A reflexão se insere na
discussão sobre certas recorrências presentes no pensa-
mento político liberal brasileiro, na medida em que
tOlnamos Afonso Arinos como um seu representante .
Sem resumo
123
No trabalho CaIU a documentação oral, refletimos
ainda sobre a lnultidisçiplinaridade como uma aproxi.
mação entre diferentes áreas do saber interagindo em
torno de interesses recíprocos e identificações teóri-
cas e políticas, mesmo que trabalhando, cada qual,
em âmbito próprio.
Sem resumo
124
de esclarecÍ111ento político e de ação contra a ditadura
instalada na Espanha. O Oentro Del110crático Espanhol
foi reconhecidamente o principal aglutinador de pessoas
das mais variadas tendências liberais e de esquerda,
prolnovendo uma intensa propaganda antifranquísta
em São Paulo, além de ajudar efetivamente aos presos
políticos e suas famílias na Espanha. Sob a fachada do
Oentro Delnocrático, atuavanl ainda representantes do
Partido Oomunista Espanhol, que ali instalaralll uma
estru tura clandestina celular, responsável p ela divulgação
da teoria e da prática socialistas.
A história oral é o meio ideal para se estudar este
momento da história brasileira e espanhola, pois além
de trazer à superfície o conhecitnento de fatos qu~
outra forma se perderial11, permite a análise da
representação destes fatos pelos pel'sonagens envolvidos,
o que constitui un1a verdadeira mitologia. Elnpreende»
se uma relação entre a história vivida e a história con~
tada, entre a vida, a obra e o estilo; enfün, entre as
trajetórias de vida e as estratégias narrativas.
125
na 111aioria das vezes, de "Terra do Aldeálnento" . Procurei
mostrar que a abordagenl do ca1npo selnântico da etnicidade
pode ser bastante significativa para o reconhecilnento
e para a cOlnpreensão dos processos de diferenciação
étnica e que, lnuitas vezes, acaba por ser lnais elucidativo
e complexo do que apenas a preocupação COln a reprodução
de identidades contrastantes, como se habituou fazer
nos estudos ínterétnicos,
126
no H..io, após a Abolição, com vistas a recuperar unHl
memória. Tendo corno principal proposta a procura
de fios narrativos visando aformat- um corpus significativo
que permita uma abordagem apontando para um
tecido discursivo identificável, a investigação, além
da produção escrita, recorrerá COlTI mais ênfase à
produção oral , uma vez que oferece um enriquecedor
conjunto de depoimentos.
Encontrando-sc em fase de análise dos dados colhidos ,
a pesquisa orienta para a importância da figura matcrna
na condução de princípios, na transmissão de béns
e, sobretudo, nos mecaniSlnos de sobr evivência que
desenvolve para que os fios / falnílias não se rompam:
urdiduras ardilosas e silenciosas de permanência.
Metnória de resistência.
127
o principal resultado deste primeiro ano de trabalho
são mais de 50 horas de depoimentos gravados e transcri tos
em nosso arquivo e a e1aboração de novas estratégias
de expansão desse acervo, a partir da equipe fixa, com
a elaboração de subprojetos temáticos. Destacam -se
neste sentido as possibilidades de trabalho com a memó-
ria do cativeiro em famílias de lni,grantes rUI-ais afro-
brasileiros. Quando e por que se preserva em algumas
famílias esta memória? Até que ponto esta memória
permite revisar historicalnente a inserção social do
liberto no mundo rural após a abolição da e s cravidão?
É dos primeiros ensaios de resposta a estas questões
que trata o presente trabalho.
128
em suas rememorações ou se ele foi reelaborado en1
função de necessidades de grupos sociais distintos.
129
de organização e múltiplas relações na sociedade.
Para a realização do projeto optamos por trabalhar
CGIU os instrumentos criados pela história oral. Diante
da inexistência de doculuentação e da natureza das
questões envolvidas, UIna lTIelhor execução se dal"Ía
através do contato direto com os grupos e pela coleta
de depoimentos.
Iniciada a pesquisa, não demorou para percebermos
seus amplos horizontes e os possíveis desdobramentos.
ComeçaInos estabelecendo diversos contatos com grupos
e pessoas envolvidas na problemática, arquivando' o
escasso material que Íamos encontrando e traçando
um extenso lTIapeamento dos diversos agrupaITIentos
sociais que poderiam se caracterizar enquanto "tribos".
Apesar da qua11tidade e diversidade detectada, ficou
clara a existência de um fenômeno que leva os jovens
a se agregal'em, produzindo padrões e códigos que
lhes permitelTI reconhecer a si e aos demais enquanto
pertencentes a um grupo e, pelo mesmo ca1TIinho,
diferenciarem-se dos "outros)\.
Diante da extensão do campo de pesquisa e da
limitaçãomate;ial e econôlnica, traçaInos etapas para
a execução do projeto. Mesmo seln recursos, a equipe
se dispôs a encerrar essa primeha fase do proj eto com
a realização de duas entrevistas piloto. Desta forma
preparamos e realizamos UIna experiência com entrevistas
coletivas, coletando o depoimento de dois grupos de
rap do Movimento I-lip-Hop noABC. Até então tínhamos
experiência apenas com entrevistas individuais,
privilegiando o "depoilnento de vida", mas pela pró-
pda natureza do teIna e pelo aprendizado no trabalho
de calnpo, as entrevis tas coletivas se lTIOstraram
naturalmente necessárias. A partir de uma margem
de flexibilidade que à história oral pl-oporciona,
pesquisamos e preparamos técnicas que respondessem
130
a essas exigências que o trabalho ünpôs. O resultado
foi excelente: lnesmo muito mais trabalhosas, as entre-
vistas coletivas possibili taram o surgimento de um
universo de questões que o depoimento individual não
atinge. Além 'do que, o conteúdo dos depoÍlnentos se
mQstrou extremaIuente rico.
Essa prin1eira etapa da pesquisa, lneSlUO contando
COITI o apoio da Secretaria de Cultura do Município
de São Bernatdo do Campo, foi realizada, no seu con-
junto, sem as condições materiais necessádas. Foram
principalmente a observação da ausência de estudos
a respeito do tema, o tratamento distorcido dispensado
pela mídia a esses grupos e, sobretudo, o turbilhão
de efervescentes questões sociais abertas nesse projeto,
que levaram a equipe a se desdobrar ao realizar e~sa
etapa, nos certificando da executabilidade do projeto
e principalmente nos convencendo da necessidade so~
daI de sua realização.
131
• o acervo material. Os obj etos de cunho judaico
l"efletem o reconheéilnento de uma identidade judai-
ca e testemunhaln a presença desta herança na vida
familiar e religiosa. O estudo da cultura lnatel"ial deste
grupo étnico complementa o entendimento da trajetória
destes indivíduos.
O acervo, constituído em três anos de pesquisa,
integra-se hoje ao Centro Interdisciplinar de Estudos
Contemporâneos CIEa/ECO/UFRJ.
O que nos propol11oS apresentar é a metodologia e os
resultados desta pesquisa e seus desdobramento atuais.
132
de Andrade, fora1n empreendidos nesse sentido. A "'Oam-
panha de Defesa do Folclore Brasileil"o" legou a seus
sucessores algulnas instituições, entre elas a atual
Cool-denação de Folclore e Cultura Popular do IBAC.
Esse trabalho foi talnbém amplamente incorporado no
campo intelectual, envolvendo museus, escolas e cdi ções.
Atl1almentc, alguns pesquisadores VêlTI trabalhando
no sentido de analisar o papel histórico do movimento
folclórico, avaliar suas contribuições) mas tmnbéhl apontar
para novas di1nensões sobre a tradição oral num mundo
em acelerado processo de transfonnação. Entre esses
pesquisadores encontram-se os da Coordenação de Folclore
e Cultura Popular. (Nessa direção ver Série Encontros
e Estudos na 2, CFCP, IBAG.)
O desafio consiste em pensar .a tradição oral não
mais como "resquício" de um mundo eln vias de desapa-
recimento, lnas sim como Uln aspecto constitutivo
desse mundo. COIU o surgimento do Inundo moderno,
percebe-se que muitas tradições orais persisteln ou
são redefinidas. Observa-se tambéln o surgünento de
outras manifestações nesse sentido.
O presente trabalho pretende contribuir para esse
debate a partir de 11m estudo de caso: o culto ao
escritor Euclides da Cunha CIn São José do Rio Pardo
no i11.terior de São Paulo. Trata-se de U1na tradição
até certo ponto inventada que atualiza elelnentos de
outras tradições orais. (Ver A in'Venção das tradições,
de Eric Hobsbmvlll.)
133
Instituições
Coordenadora: Nara BrittojFIOCRUZ
134
1984, de classes de alfabetização de adultos da Fundação
MOBRAL na área lnetropolitana do Grande Rio.
Suas iInpressões foram colhidas entre noveln bro de
1984 e In ai o de 1985, por meio de entrevistas domiciliares.
Aléln de recuperar suas bi ografias, destacando experi êl1cias
ocupacionais e educacionais, foram abordadas as seguintes
temáticas: a experiência da alfabetização (focalizando
a transi ção da condição de analfabeto para a de alfabetizado);
o reconhecimento de algumas categorias do repertório
político delnocrátíco (por exelnplo, eleições, cidadão,
sindicatos, associações de moradores etc.).
Descrevem-se, por um lado, representações do
analfabetismo e da alfabetização e, por outro, represen-
tações da sociedade ,e da política destes individuos
das camadas pobres.
Diferentes tradições teóricas são acionadas para
contemplar tais temáticas, visto que tocal11 a questão
daídentidade nos seus aspectos psicológicos, soei oIógicos
e políticos.
135
a formação, desenvolvimento e crise desse grupo, e
da própria Caulpanha, no interior do setor de saúde,
num contexto de medicalização da sociedade.
136
Registro Oral, História e Grandes Organizações
José Luciano de Mattos Dias/CPDOC-FGV
137
memória da vida e do trabalho de UlTI grupo de profissi onais
- os tisiólogos. Este grupo como tal está em extinção,
na medida em que a doença adquiriu um atendimento
que não requer mais a presença destes especialistas.
138
Oarvalho Pinto: Trajetória e Projeto Político
Alice Beatriz da Silva Gordo Lang/CERU
139
o momento atual. Concluindo, apresenta-se a bibliografia
utilizada até o mOlnento, dividil1do-a em suporte metodo-
lógico, obras instrumentais e conhecimento do tema.
140
questão das representaçôes; a reconstrução da memória;
O eixo principal do relato, e o objetivo que leva o entre~
vistado a gTavar sua história de vida. A preocupação
desta reflexão não é, portanto, fornecer indícios sobre
os fatos narrados, e sim, a paI'tir da análise da forma
co111o eles são narrados, discutir as questões lueto-
dológicas envolvidas 11a construção da fonte oral e
as vantagens e os problemas de sua utilização.
141
Palavras de Soldado: Traj etórias de Vida da
Esquerda MUi tar Brasileira
José Carlos Sebe Bom Meihy/USP
142
dade que dirigiram por duas décadas. As entrevistas
mostram, de um lado, a autoconfiança em relação às
potencialidades das Forças Armadas e, de outro, uma
desconfiança elou um ressentilnento em relação ao
mundo civil. ParalelaInente, esses depoimentos nos
transmitem um teor de frustração e de amargura eIn
relação aos resultados globais que se visava obter)
particulannente no que C011cerne à valorização do
papel dos militares nos -destinos políticos do país.
Este trabalho lida, portanto, com as percepções que
os militares entrevistados revelaln em seus depoilnentos.
Estas percepções não podeln, por isso meSlno, ser
generalizadas para toda a corporação, neln podern
lnesmo nos fornecer indicações do que venha a ser
o futuro dessa corporação. Elas nos ajudalTI a refletir
sobre as duas décadas de poder, e nos estimulam a
pensar nas novas alternativas de estudo que a técnica
de história oral pode 110S propiciar nesse Calnpo.
143
de vida no trabalho histórico. Em seguida, discutir
aimbricaçãO' entre histó:t"ià devida e históriainstitucionàI.
Finalmente, analisar o papel que o presente vivido
pelos el'ltrevistados 110 momento da entrevista teve
na reconstrução do ~a8sado.
Gênero
Coordenadora: Ilana Strozemberg/OIEC- UFRJ
A Guardiã da Memória
Angela de Oastro Gomes/OPDOO-FGV/UFF
144
ração do espaço urbano-industrial, o cotidiano fabril e
as greves e as lutas políticas dos trabalhadores. Levando
em conta essas dimensões, procurou-se relacionar duas
categorias de análise: o concei to de experiência , tal
qual definido por Thompson, e o conceito de relações
de gênero, entendido corno urna ruptura com as explicações
biológicas , compreendendo a construção do masculino
e do feminino como histórica e social e que essas re-
lações sociais se baseiam numa relação hierárqui"ca de
poder entre os gêneros. Corno bem apontou Souza Lobo ,
o conceito de experiências parece adequado para ar-
ticular trajetórias e representações dos trabalhadores,
quebrando a dicotomia objetividade/ subjetividade. Nesse
"paper" nos restringilnos à análise da experiência das
trabalhadoras no cotidiano fabril nos anos 50 .
145
analisado - particularmente através de entrevistas
com ex-alunas desses colégios - o'papel desse modelo
educativo noprocesso de construção de uma identidade
feminina dotada de atributos específicos, tais como
a virtude, a caridade, a obediência, a polidez, o
refinamento, a dissiln ulação e, sobretudo, um sólido
espíri to de falníHa.
146
Memória Familiar: o Uso de Genealogias como
Instrumental de Análise da Dinâmica das Relações
Sociais de Gênero
Maria José Oarneiro/UFF
147
Trabalhos, Trabalhadores
e Suas Organizações
Coordenadora: Regina MoreI/UFRJ
148
Festa: um "Lugar da ~1emóría"
Heróídiii' Mará Facuiy CoélhoLambert/tlNESP
Maria Aparecida Junqueira Veiga Gaeta/UNESP
Dulce Maria Pamplona Guimarães/UNESP
149
eln vista o des'colnpª'J!~o, ap_o1}t,ado por vário&1 autores)
entre arepresen~ção (de fora) e a vivência (por dentro)
de determinadas condições sociais de existência. Convém
ressaltar, nesse senti do, que li deranças e participantes,
COln Uln certo acúmulo de conhecimentos so bre a tra-
jetória dos l11ovimentos, constituíram os interlocu-
tores, ,privilegiados do GEP nessa experiência.
150
Reorganização do Trabalho e (Re) Qualificação
do Ser Trabalhador
Maria Inês Rosa/UNICAMP
151
zação dos direitos sociais. 00n1 base em depoilnentos
de cinco lideranças entrevistadas para o proj eto Memória
da Assistência Médica na Previdência Social no Brasil,
procurei recuperar debates e controvérsias presentes
entre ferroviários, marÍtin10s, bancários e industriários
no período de 1945 a 1964. A hipótese de natureza
lnais gel'al que orientou a investigação foi a de que
a forlna de implantação da Previdência Social no
Brasil, a partir de uma noção de cidadania regulada
pela ocupação profissional, influenciou decisivatnente
a percepção de direitos pelos trabalhadores.
O recurso à história oral pennitiu um acesso privi-
legiado ao tema, acentuando ambivalências, luotivações
eversões dificilmente reveladas por documentos escritos
produzidos no âlnbito do movimento sindical. O fato
de se tratar de documentos de história devida pennitiu
ainda qualifi car de fOI"ma nlais adequada a hipótese
original da pesquisa. AssilTI ~ fatores como origens
familiares, ingresso 110 mundo do trabalho e tradição
familiar de exercício de uma profissão revelaram-se
de grande importância na construção de versões sobre
a Previdência Social pelos entrevistados.
152
ciones lnateriales de vida de los trabajadores en las
ciudades de Rio de Janeiro y Buenos Aires, durante
el denonIinado Período de Sustitución de Importaciones,
aproximadamente de 1930 a 1945.
Para esto es necessario que nos acerquelTIOS a su
cotidiano através de Ia vivencia que tuvierol1 de las
altel'aciones producidas durante el período. Para esto
hemos decidido trabajar e11 archivos de fuentes orales
yproduciendo, por l1uestra cuenta, la dooulnentaoión
oralnecessaria. Trabaj amos, enIo posible, oon historias
de vida, para lograr una lnayor oOlnprensión de los
cambios ocurridos. '
153
Constituição de Acervos Orais
Coordenadora: Elina Pessanha/UFRJ
154
uma vez que constitui seu conteúdo' e sua energia
reali1nentadora.
Este Centro de Estudos Dialectológicos pretende
ser continuador da tradição dialectológica lusowbrasi-
leira, de cunho histórico-cultural, descrevendo não
só a língua portuguesa falada 1l0Norte do Brasil, pelos
alnazônidas, em Atlas Lingüísticó e Glossários, mas
tambéIn a(s) língua(s) dos povos indígenas do Acre,
entendendo ser im-prescindível para nós, povos da
floresta) estudar a 'linguagem amazônida para uma
melhor compreensão do hOlnem que habita' as Inatas
sob a linha do Equador. <
155
Preserváção da Memória Judaica no Rio Grande
do Sul através da História Oral
Sandra L. Moscovich/lnstituto Cultural Judaico
M are Chagall
156
Museu da Imigração X História Oral
Sônia Maria de"Freítas/Museu dei Imigração"
Sem resumo
Museu da Pessoa
Karen Worcman/Museu da Pessoa
SelTI reSUlTIO
Sem resumo
157