Uma Viagem Pela Diversidade Da Educação - Caio Dib
Uma Viagem Pela Diversidade Da Educação - Caio Dib
Uma Viagem Pela Diversidade Da Educação - Caio Dib
PELA DIVERSIDADE
DA EDUCAÇÃO
CAIO DIB
“NO BRASIL TUDO É PLURAL”
Projeto de educação, com objetivos, metas e métricas, o Brasil nunca teve. Em século algum,
ou contexto nenhum. Talvez o mais próximo disso tenha sido a agressiva e necessária
universalização promovida do Ensino Básico nos anos 1990 e 2000. Mas o que acontece
dentro da sala de aula, ou como são formados os docentes, foram sempre assuntos de
disputas de cátedras universitárias, egos de pesquisadores ou territórios de partidos
políticos. Enquanto nada parece tanger a sociedade, a preta de olhos verdes, ligeiramente
puxados, cujo nariz aponta para África, a roupa para a Europa e o iPad para a América do
Norte continua lá. Enigmática, deixou de ser apenas o “mito das raças tristes”. Explodiu em
criatividade, conquistou o mundo e fincou a bandeira na economia criativa. Como chegou
lá? Ninguém sabe ao certo; nem universidades, nem pesquisadores e tampouco partidos
políticos.
O Brasil cresceu e, caindo nesse gigante, Caio Dib nos ajuda a montar o mosaico de
experiências educacionais que nos
faz compreender que não apenas a sorte leva alguns jovens oriundos da periferia das
grandes cidades, da dureza do semiárido ou das comunidades quilombolas e ribeirinhas
a conseguir, diante de tanto fracasso, um belo projeto de vida. São as experiências que
encantaram o autor, reunidas neste livro, que podem servir de base para vários projetos para
um país. Afinal, no Brasil tudo é plural.
ALEXANDRE LE VOCI SAYAD É JORNALISTA,
EDUCADOR E DIRETOR DO MEL
(MEDIA EDUCATION LAB)
“Na carreira de comunicação, aprendi que ir para campo conhecer seu públi-
co-alvo de perto faz toda a diferença. Em Educação, professor faz cara feia para
pedagogo que nunca encarou uma classe. E esse livro é um atalho para você
que, como eu, está num momento de vida difícil para sair em uma viagem insó-
lita. Aqui tem muitas lições, provocações e ótimos exemplos para quem quiser
‘Cair no Brasil’. Uma aventura que concretiza o sonho da educação que funcio-
na, um esboço do projeto que pode dar um futuro para o país do futuro”,
VICENTE CARRARI É GERENTE COMERCIAL DE PUBLICIDADE -
SETOR DE EDUCAÇÃO - GOOGLE BRASIL
10 INTRODUÇÃO
32 ENSAIOS
33 DE MARUJA A PIRATA
37 EDUC-AÇÃO
47 EXPEDIÇÃO LIBERDADE
52 EDU ON TOUR
57 INFÂNCIAS
202 PDCIS
240 CONCLUSÃO
248 REFERÊNCIAS
262 DEPOIMENTOS
2. Graça Machel nasceu em Moçambique e lutou pela independência de seu país. Órfã de pai, filha de mãe analfabeta e
com cinco irmãos, conseguiu estudar e atuou como professora e foi integrante da Frente de Libertação de Moçambique
durante a luta armada pela independência. Tornou-se ministra da Educação e Cultura. Reduziu o analfabetismo de 93%
para 78% em cinco anos. Viu o apartheid destruir tudo que havia construído. Deu a volta por cima e continuou a luta por
uma Educação de qualidade, emancipação da mulher e pelos direitos das crianças. Foi casada com Samora Machel, líder
da independência de Moçambique, e com Nelson Mandela.
3. Sobral Pinto tinha a defesa da Constituição Federal como sua principal missão. Defendeu Carlos Prestes com base nos
Direitos dos Animais (já que nem estes estavam sendo respeitados) e raramente conseguia cobrar honorários de seus clientes.
A abertura do documentário Sobral: o homem que não tinha preço mostra um pouco quem era este jurista. Confira o trecho
em www.goo.gl/iy24N7.
sensibilidade incrível de ver e entender o mundo, e mais tantos outros amigos queridos
que fazem a diferença na minha vida e na sociedade.
Sempre fui bastante estudioso (o que nem sempre refletiu em boas notas) e muito esforçado;
era bastante tímido até o fim do Ensino Fundamental e nunca fui de aprontar muito. No
Ensino Médio, estudei em um colégio tradicional de São Paulo que oferecia diversos cursos
extras gratuitos aos alunos. Resolvi me inscrever em um que se chamava Idade Mídia e pro-
punha trabalhar com a área de Comunicação e Educação. Incrivelmente, passei na seleção e
comecei a participar dos encontros semanais mais por curiosidade do que por vocação. Gostei
tanto que continuei a frequentar o curso por mais cinco anos como penetra, coordenador de
projetos, monitor e até ajudei a escrever um livro sobre os dez anos de história do projeto.
Foi por causa do Idade Mídia que decidi cursar Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, uma
das mais importantes do país. Não demorei muito para descobrir que todos os livros que ti-
nha lido sobre Comunicação e as vivências no Idade Mídia adiantaram muito o conteúdo que
aprenderia nos próximos quatro anos. Também entendi que gostava muito mais do processo
educativo do Idade Mídia (que era muito mais dialógico, livre e desenvolvia a autonomia, o
trabalho em equipe e a leitura crítica de mundo) do que a parte de Comunicação em si. Brinco
que se o Idade Mídia fosse um curso de Moda e Educação – ao invés de Comunicação e Educa-
ção -, teria cursado Moda e não aproveitado tanto a faculdade do mesmo jeito, já que o que me
encantava era esse modo de educar. Alguns amigos, certos professores que me ensinaram muito
e dois trabalhos acadêmicos (a Iniciação Científica e o Trabalho de Conclusão de Curso) sobre
Educação fizeram a Cásper Líbero não ser totalment vazia de sentido.
Por sorte, a faculdade não impediu que me desenvolvesse no mercado de Educação. Desde o
Ensino Médio, trabalhei com e para diversas empresas públicas e privadas e para o Terceiro
Setor desenvolvendo projetos que envolviam as áreas de Comunicação, Educação e Tecno-
logia. De certa maneira, comecei a carreira “ao contrário”: nos dois primeiros anos trabalhava
como autônomo e tinha quatro clientes fixos durante cada ano.
No terceiro ano da faculdade, decidi procurar um emprego “formal” para experimentar como
era trabalhar todos os dias em um mesmo lugar e com uma mesma equipe. Fui convidado para
estagiar na Abril Educação, uma das maiores empresas de Educação do país, e continuei com
dois clientes nas horas vagas. O braço de Educação do Grupo Abril foi uma das maiores esco-
las pelas quais passei: aprendi muito e trabalhei com uma equipe incrível que me ensina até
hoje. Comecei como o estagiário que fazia upload dos conteúdos da empresa nos novos por-
tais, mas três meses depois fui transferido para a área de Novos Negócios e Pesquisa, que era
a mais estratégica da Diretoria de Tecnologia de Educação. Em mais alguns poucos meses, fui
efetivado na mesma área. No final da minha época de Abril Educação, já era responsável por
diversos projetos. A rápida ascensão talvez tenha sido resultado de eu sempre
estar disposto a colaborar com a equipe, ter um perfil multitarefa e conector de
pessoas, mas talvez principalmente por fazer tudo com muito amor pela causa e
pelas pessoas que estavam trabalhando comigo. Mais de um ano depois, recebi
um e-mail de grandes amigos que fiz na empresa com uma charge produzida
pelo “Quadrinhos dos anos 10” que dizia:
CENA 1
HOMEM: - ENCONTREI UM CORAÇÃO NA MESA DO ESTAGIÁRIO.
CENA 2
HOMEM: - ELE SABE QUE É PROIBIDO TRAZER O CORAÇÃO PARA A
EMPRESA.
13
CENA 3
MULHER: - ELE AINDA É UM GAROTO, GILBERTO.
HOMEM: - MAS ESTÁ COLOCANDO EM RISCO A AMARGURA DOS
MAIS VELHOS.
COMEÇANDO A CONVERSA
Em janeiro de 2013, criei oficialmente o projeto Caindo no Brasil e viajei o país para conhe-
cer as realidades nacionais e o que chamei de práticas educacionais inspiradoras. Era uma
procura por escolas, projetos e histórias de pessoas que tivessem o objetivo de formar indiví-
duos para a sociedade, que fossem relevantes e que realmente nos ensinassem e inspirassem
quando o assunto é Educação. A intenção era conhecer de perto iniciativas que adotaram
soluções criativas para os desafios de ensino-aprendizagem e também modelos de aprendiza-
gem alternativos ao tradicional.
O debate sobre reestruturação do modelo educacional tradicional está acontecendo de ma-
neira significativa pelo menos desde o fim do século XIX, baseando-se principalmente nas
demandas sociais e trabalhistas. O educador japonês Tsunessaburo Makiguti escreveu no
início do século XX: “os professores do ensino básico devem ser fornecedores de informação
ou orientadores que auxiliam os processos de investigação e aprendizagem? Até o presente, a
verdadeira fonte de problemas tem sido a adoção incorreta do antigo papel. Há muito tempo,
Sócrates disse que o ‘conhecimento não pode ser transmitido’, mas, de alguma forma, o senti-
do de suas palavras ainda não foi assimilado”4.
4. BETHEL, D. Educação para uma vida criativa: ideias e propostas de Tsunessaburo Makiguti. Rio de Janeiro: Record, 2007, p. 142
A sociedade demanda sujeitos autônomos, responsáveis, que consigam perceber
e lidar com os outros e que tenham a capacidade de conviver em grupo e fazer
análises críticas das questões sociais. Quando nosso carro leva uma “fechada” de
outro que “está com mais pressa” ou as empresas começam a não encontrar profis-
sionais com o perfil desejado, fica claro que mudanças são necessárias no modelo
de sociedade em que vivemos. Na Transformar 2014, um dos maiores eventos
sobre inovação na Educação do Brasil, a presidente do conselho do Instituto Pe-
nínsula, Ana Maria Diniz, ressaltou: “os jovens devem ser capacitados para criar
um novo futuro, no qual possam pensar, criar novas ideias e realmente fazer a dife-
rença”. Essa fala segue o mesmo caminho do pensamento de Stuart Hall. No livro
O capitalismo da Encruzilhada, o autor defende que 75% das empresas do S&P
500 (levantamento das maiores companhias do mundo, realizado pela consultoria
Standard & Poor’s), em 2020, ainda não existem. Portanto, é preciso formar jovens
que estejam desenvolvidos para enfrentarem estes novos desafios sociais.
É urgente a necessidade de identificar as boas práticas educacionais, divulgá- 15
-las, aprender com cada uma e, se possível, transformá-las em Políticas Públi-
cas que resultem em empoderamento e emancipação das pessoas, de tal modo
que estas possam exercer mais plenamente sua cidadania e se tornarem ver-
dadeiros agentes de transformação. O sociólogo Pedro Demo defende que a
“função insubstituível da educação é de ordem política, como condição à parti-
cipação, como incubadora da cidadania, como processo”, o pesquisador mostra
que a Educação é uma condição para haver participação cidadã: “na verdade,
educação que não leva à participação já nisto é deseducação, porque consagra
estruturas impositivas e imperialistas transformando o educador manipulador
em figura central do fenômeno, em vez de elevar o educando a centro de refe-
rência. O aspecto comunitário da educação não é propriamente um aspecto,
mas seu cerne, porque é este tipo de envolvimento que produz sua qualidade
formativa, partindo sempre da potencialidade e da criatividade do educando
e de suas famílias”5.
5. DEMO, P. Participação é conquista. São Paulo: Cortez, 1999 apud Revista Escrevendo & Apendendo 2002, p 67.
COMO O PROJETO COMEÇOU
Quando decidi fazer uma viagem pelo Brasil, queria conhecer as realidades brasileiras.
Uma série de fatores me fazia sentir como se estivesse vivendo numa “bolha” e também
como alguém com visão de mundo limitada. Como disse, trabalhava dentro de escritórios
fechados, mas construía conteúdos, produtos e serviços para todo o Brasil; gostava de São
Paulo, mas dificilmente saía do meu bairro; trabalhava formal e informalmente para uma
Educação melhor, mas estava bastante restrito ao mercado privado consumidor de alta tec-
nologia. E por aí vai.
A ideia do projeto de viajar o Brasil surgiu justamente em uma reunião dentro do escritório.
Um dia, estávamos debatendo estratégias para uma nova campanha nacional de uma mar-
ca que representávamos e um dos participantes sempre fazia comentários sobre as cidades
que citávamos. “Nossa, mas você já foi pra todo lugar, hein?!”, disse um de meus colegas de
trabalho. “Pois é... já rodei bastante por este país”, respondeu o publicitário-viajante. Neste
momento surgiu a ideia: “e se eu viajasse o Brasil?”. Afinal, seria uma das maneiras mais
interessantes e intensas de conhecer as realidades do país, conversar com pessoas e aprender
coisas novas.
No mesmo dia, peguei um Atlas e circulei as cidades que queria visitar com o olhar de viajan-
te. A ideia era conhecer além das praias e dos pontos turísticos. Tinha o objetivo de realmente
andar pela cidade, olhar para os detalhes, encontrar com as pessoas. Assim, destrincharia um
pouco das múltiplas realidades brasileiras.
Foram mais de 70 círculos no mapa. Então, vi uma oportunidade enorme de também co-
nhecer iniciativas educacionais que realmente fizessem a diferença. Ampliaria demais meu
conhecimento “pé no chão da escola” vendo as práticas in loco e conversando cara-a-cara
com quem está na ponta, atuando diariamente para a Educação de crianças, jovens e adultos.
Saí de São Paulo com a missão de ter esse duplo olhar para, na verdade, entender um ponto
mais amplo. Assim como Paulo Freire e diversos outros educadores, acredito que é preciso
conhecer a realidade local para compreender os processos educativos que são tidos. E não é
possível conhecer a realidade sem olhar para a Educação daquela sociedade. No final, foram
58 cidades visitadas em 12 Estados e Distrito Federal. Percorri mais de 17 mil quilômetros
por terra em cerca de 283 horas de transporte, quase todas em ônibus. Conheci 30 práticas
educacionais inspiradoras nestes cinco meses e meio de viagem e centenas de histórias incrí-
veis sobre as mais diversas realidades sociais e educacionais.
PARÁ
MARANHÃO CEARÁ
RIO GRANDE DO NORTE
PARAÍBA
PIAUÍ PERNAMBUCO
ALAGOAS
TOCANTINS SERGIPE
BAHIA
DISTRITO FEDERAL
GOIÁS
MINAS GERAIS
ESPÍRITO SANTO
RIO DE JANEIRO
SÃO PAULO
6. ONG que trabalha em diversas cidades de Minas Gerais com o desenvolvimento infanto-juvenil via práticas educativas ligadas às realidades
locais. Confira mais em www.cpcd.org.br.
foto Caio Dib
19
8. BETHEL, D. Educação para uma vida criativa: ideias e propostas de Tsunessaburo Makiguti. Rio de Janeiro: Record,
2007, pp. 113-114.
melhorá-la. No entanto, é preciso observar as boas práticas, divulgá-las e aprender com cada
uma. O Caindo no Brasil se propôs a fazer isso.
Como já disse, embarquei no projeto com uma lista de trinta experiências que eu poderia
conhecer, criada a partir de dicas de vários profissionais da área. Quando estava viajando,
descobri que as pessoas em geral realmente conhecem muito pouco o Brasil. As dicas que
recebi em São Paulo eram boas, porém existiam iniciativas muito mais interessantes para
serem exploradas e compartilhadas. E eram as pessoas que moravam nas cidades que co-
nheciam essas experiências locais e regionais. Conversando com o recepcionista do hostel
em Jericoacoara (CE), por exemplo, descobri que aquela vila com três ruas de areia onde
moram cerca de 2.500 pessoas tinha uma escola municipal que havia aumentado o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) em dois pontos de 2009 para 2011. A média
normal de crescimento é de cerca de 10% da nota em comparação com a nota do levanta-
mento anterior9 – algo que pode variar entre 0,2 e 0,7 pontos. A melhoria aconteceu depois
que um diretor que se tornou “educador por acaso” assumiu a gestão da instituição (confira a
história completa em www.escolasdobrasil.blog.br/?p=159). Em muitos outros lugares, dicas
de funcionários das hospedarias, restaurantes e museus me levaram às iniciativas e histórias
incríveis que são conhecidas apenas localmente e serão compartilhadas neste livro.
Também me surpreendi com a quantidade de veículos midiáticos e de pessoas interessadas
em saber o que eu estava encontrando pelo caminho. Foram mais de oitenta matérias em
diversos veículos em um pouco mais de um ano de Caindo no Brasil. Ao ser constantemente
procurado por representantes dessas mídias, constatei que eu não era o único a ter dificulda-
des em encontrar notícias sobre as boas práticas educacionais. É muito mais fácil descobrir e
escrever sobre os problemas pontuais na Educação do que descobrir práticas que realmente
façam diferença na vida daqueles atores envolvidos no processo educacional. Os veículos
tradicionais geralmente mostram o lado negativo da situação educacional no Brasil, como as
más condições de infraestrutura, e as dificuldades de trabalho dos funcionários e educadores
ficam em destaque - o que é importante, mas não deve ser o único fator ressaltado. Iniciativas
como o portal Porvir (www.porvir.org) vão na “contramão” deste cenário, noticiando iniciati-
vas inovadoras e inspiradoras humanizadas.
A elaboração de notícia sobre uma boa prática educacional exige um nível muito mais com-
plexo de apuração jornalística, muitas vezes contrário ao modelo com o qual os veículos traba-
lham nos dias de hoje. Compartilhar uma iniciativa interessante demanda bastante esforço.
Existem pontos de atenção fundamentais para isto:
9. Confira excelente matéria de Beatriz Rey analisando o assunto para o portal da Revista Educação: www.goo.gl/XUIZOA.
• O primeiro deles é pesquisar muito. As práticas mais interessantes e com im-
pacto mais intenso tendem a ser conhecidas apenas localmente. É preciso apu-
rar bastante, ir para a rua e conversar com as pessoas certas para descobri-las.
• Além de conversar muito para encontrar essas boas práticas, é necessário con-
versar com os atores educacionais que concretizam aquela iniciativa. Quan-
to mais pessoas envolvidas no processo forem ouvidas, mais completo será o
conhecimento daquela experiência. Além disso, é preciso levar em conta a
complexidade das práticas educacionais e também como as relações entre os
diversos atores envolvidos são tidas. Esta é uma grande barreira, uma vez que
a escola nem sempre está aberta para pessoas de fora da comunidade escolar
conhecerem o que acontece nesse processo e conversarem com os envolvidos.
Eu mesmo tive muita dificuldade no início da jornada e nem sempre pude
conversar com alunos, pais, funcionários e professores.
• Talvez conhecer de perto a experiência seja o ponto mais importante de to-
23
dos. É muito difícil verificar se a prática é interessante/inspiradora (ou não)
apenas por telefone. É preciso realmente conhecer como aquelas ideias e
valores estão sendo aplicados. Visitar os lugares onde as iniciativas educa-
cionais inspiradoras ocorrem muitas vezes afeta a estrutura de custos do veí-
culo de mídia, mas é fundamental. Nas visitas que fazia, mesmo quando não
podia conversar com educadores e alunos, buscava andar pela escola para
conhecer o espaço e ver como são as relações estabelecidas naquele local.
Em Brasília, por exemplo, estava conversando com a coordenadora de uma es-
cola de Educação Infantil chamada Vivendo e Aprendendo (que é compartilha-
da neste livro) e ela me contava sobre como o diálogo, o ensino do “não gostei”,
era aplicado na prática. Segundo a educadora, se uma criança fizesse algo que
a outra não gostasse, a prejudicada era incentivada a falar “não gostei disso” e
conversar sobre o assunto. Logo pensei na dificuldade de aplicar essa estraté-
gia, muito usada na Educação Infantil, no dia a dia escolar com crianças de 2
a 6 anos. Quando estava conhecendo o espaço da escola, vi duas crianças da
primeira turma brincando e uma estava jogando areia no rosto da outra. Como
a comunicação entre os dois ainda não estava totalmente desenvolvida, o edu-
cador falou “Maria, não joga areia na cara do João porque ele NÃO GOSTOU
disso”. A menina parou imediatamente, mostrando como a empatia e o diálogo
estavam presentes no modo de ser daquele grupo de aprendizagem. Em uma
segunda visita, estava brincando com a Julia e a Luísa (duas meninas de apenas
quatro anos) e uma terceira garota quis entrar na brincadeira. Ela perguntou se
podia brincar e a Julia falou: “não, essa é uma brincadeira de três”. A menina saiu chorando e
eu perguntei para a Julia: “por que você falou isso? Ela queria brincar com a gente”. Na hora,
argumentou: “ela queria brincar só com você. Ela queria tirar a gente da brincadeira”. E eu
refutei: “não, Julia. Ela queria brincar com nós três. Ela não gostou do jeito que você falou.
Ela saiu daqui chorando. Vai conversar com ela”. Na hora, a Julia foi conversar com a colega
para resolver o problema. Se fizesse a entrevista por telefone, jamais veria a aplicação prática
dos valores conversados com a coordenadora de uma maneira tão natural.
Mesmo com as dificuldades de apuração, exemplos como o de Jericoacoara, Brasília e tantos
outros encontrados pelo país precisam ser conhecidos e compartilhados. É necessário mostrar
que a Educação no país tem boas práticas. Também é fundamental que haja uma rede direta
ou indireta de compartilhamento de iniciativas para auxiliar escolas e projetos a encontrarem
soluções para problemas locais. Como veremos no capítulo de Ensaios deste livro, diversos pro-
jetos de mapeamento de boas iniciativas educacionais estão acontecendo no Brasil e no mundo.
O DISCURSO E A PRÁTICA
EM CADA INICIATIVA
Nas visitas, busquei sempre entender melhor o projeto e ver a ideia e o dis-
curso oficial realmente acontecendo na prática. Conversava com o criador ou
coordenador do projeto - pessoa que tem uma visão mais ampla da iniciativa
- e também com professores, funcionários e alunos - que estão agindo no dia
a dia do projeto.
10. FREIRE, P.; GUIMARÃES, S. Educar com a mídia: novos diálogos sobre Educação. São Paulo: Paz e Terra, 2011. p. 75.
11. UNICEF. Bairro-Escola: passo a passo. UNICEF: São Paulo, 2013. p. 16.
foto Caio Dib
ALUNOS DA VIVENDO E
APRENDENDO, EM BRASÍLIA,
CONVIVENDO DURANTE AS
ATIVIDADES EDUCACIONAIS
Muitas vezes, a minha visita na iniciativa era agendada no contraturno ou en-
quanto a maioria dos professores estava em aulas. Isto impossibilitava conversar
mais com as pessoas com essa visão mais ampla. Mesmo não podendo falar di-
retamente com todos os atores envolvidos, sempre buscava ver o projeto funcio-
nando e as relações entre as pessoas acontecendo. Na visita pela escola, podia
espiar as salas de aula, ouvir conversas de corredores e observar um pouco os
atores educacionais vivendo naquele ambiente. Assim, pude constatar muitas
vezes que aquilo que foi falado na conversa com os gestores realmente era ou
não aplicado na prática, como o caso da escola que aplica o “não gostei” no
modo de ser de seus educandos, relatada anteriormente.
Conhecendo a prática cotidiana e estudando bastante sobre cada projeto com-
partilhado no livro, entendi que é muito mais interessante ressaltar as soluções
criativas do que os problemas de cada caso. É claro que não existe nenhuma práti-
ca educacional inspiradora perfeita e todas elas estão em processo de construção.
Portanto, não ignoro os problemas, mas valorizo as características inspiradoras. 27
O RESULTADO
Este livro foi escrito justamente para compartilhar o que descobri e aprendi
nessa rica viagem pelo Brasil. Conheci as escolas com olhar de jornalista e com
uma base de estudos na área de Educação que me auxiliou muito nas análises
das práticas visitadas. As vivências que fazia nas escolas e projetos e as conver-
sas com as pessoas durante o trajeto foram realizadas de maneira natural, sem
uma rigidez metodológica e acadêmica.
O objetivo, como explicado, era conhecer de perto iniciativas que estavam fa-
zendo a diferença na prática educativa dos atores educacionais envolvidos. Na
volta para São Paulo, li muitos novos autores e sobre as práticas, seus métodos
e outros assuntos que surgiram durante essas vivências, que podem ser conferi-
das nas Referências Bibliográficas comentadas. Entrevistei muitas outras pes-
soas envolvidas com as iniciativas para poder escrever este livro. A afirmação “a
prática chama a teoria”, do educador português José Pacheco, nunca fez tanto
sentido. Pela proximidade que tive com o objeto de estudo durante toda a pes-
quisa, decidi utilizar a primeira pessoa no texto deste livro.
Conto as histórias e modos de ser e de ver o mundo a partir de cada prática edu-
cacional. Não existe receita para o sucesso em iniciativas educacionais. Cada caso é único,
feito por pessoas singulares que trabalham muitas vezes por amor e por acreditarem que têm
uma missão a ser cumprida. Mesmo assim, é importante e interessante observar como cada
solução foi concretizada e conseguiu fazer microrrevoluções em sua própria realidade.
Em 2013, fiz mais de 35 palestras por todo o Brasil e pelo menos 1000 encontros cara-a-cara
com diversas pessoas da área de Educação para compartilhar conhecimentos e, principal-
mente, debater e ouvir opiniões sobre pontos de vista das práticas que conheci e temas im-
portantes para serem debatidos. O resultado das falas para mais de 3000 pessoas, assim como
os encontros mais profundos com essas centenas de atores formadores de opinião e agentes
de transformação, possibilitaram um livro com mais pontos de vista e questionamentos. O
box com os contatos de cada prática no fim dos capítulos, por exemplo, foi resultado de uma
conversa informal com a querida Gabriela Nardy durante a Conferência Nacional de Alter-
nativas para uma Nova Educação (CONANE), que participei em Brasília (DF).
E EM 2014?
Em 2014, voltei definitivamente para São Paulo e o Caindo no Brasil se tornou uma em-
presa social que tem como principal objetivo empoderar pessoas e projetos educacionais. A
partir da inteligência em Educação criada pelo mapeamento de práticas educacionais ins-
piradoras, busco promover trocas de ideias, compartilhamento de conhecimentos e forma-
ção de redes para a real construção de uma melhor Educação para o país. Confira mais em
www.caindonobrasil.com.br.
29
foto Caio Dib
CACHOEIRA (BA)
31
EN
SAI
OS
INTRO
DU
ÇÃO
Nossas urgências não cabem nas urnas”. Por isso mesmo, precisamos agir e
ser a mudança que queremos ver no mundo. Nesse movimento, é importante
saber que nunca estamos sozinhos. Durante a viagem, conheci várias pessoas
que resolveram percorrer o Brasil e o mundo para conhecerem práticas edu-
cacionais inspiradoras. São mapeamentos que foram feitos de diversas ma-
neiras e com enfoques diferentes. Além de fazerem trabalhos incríveis, essas
pessoas e tantos outros ativistas em Educação estão ansiosos para trocarem
ideias e aprendizados. Por isso, convidei alguns desses caçadores de boas prá-
ticas educacionais para contarem um pouco sobre seus projetos, sobre a Edu-
cação em que acreditam e trabalham para existir e, também, para continua-
rem os debates que estamos construindo. No início de cada depoimento, faço
uma introdução sobre como conheci o projeto. Em seguida, os depoimentos
acontecem. Afinal, não há ninguém melhor do que os próprios criadores para
contar sobre estas iniciativas fantásticas.
33
DE MARUJA A PIRATA
A Mel, criadora do De Maruja a Pirata, me adicionou no Facebook no início
da minha viagem. Logo fizemos algumas conversas por Skype para debatermos
Educação e pensarmos em novos projetos. Ela tinha um projeto criado para
mapear escolas alternativas em Porto Alegre, mas durante esse processo acabou
descobrindo que a Educação pode acontecer em qualquer lugar. Ela aprendeu
isso vivendo: fez um curso em que os participantes aprenderam a velejar por
conta própria1, viveu por três meses em uma escola de empreendedorismo2 de
Porto Alegre para desenvolver seu projeto, criou uma empresa que proporciona
encontros e aprendizados em oficinas de culinária3 e outras diversas experiên-
cias que mudaram sua maneira de entender Educação.
DE MARUJA A PIRATA
Ahh Home. Let me go ho-oh-ome
COM O QUE VOCÊ SONHA? E O QUE VOCÊ FAZ COM O QUE VOCÊ SONHA?
TEM ALGUMA COISA NA SOCIEDADE QUE VOCÊ TEM VONTADE DE MUDAR?
Não confio em pessoas que dizem que não têm um sonho. Todo mundo tem um. Viajar, co-
nhecer novos lugares, ter alguma coisa, encontrar alguém, nenhum sonho é bobo. E nenhum
sonho pode ser deixado de lado. Além de pô-lo em prática, devemos também compartilhá-lo.
Quanto mais expomos nosso sonho, mais chances temos de encontrar as pessoas que podem
seguir conosco na caminhada. Já dizia o poeta Raul Seixas: “sonho que se sonha só é só um
sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”, complementado pela escri-
tora Margaret Mead: “nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engaja-
das possa mudar o mundo. De fato, sempre foi assim que o mundo mudou.” Não guarde para
si, exponha o seu sonho para o mundo.
4. Edward Sharpe and the Magnetic Zeros, na música Home, tema da 2ª turma do Estaleiro Liberdade.
cacional”. Digo entre aspas porque quando iniciei a jornada, acreditava que não
tínhamos no Brasil sistemas mais abertos e dispostos ao compartilhamento de sa-
beres, algo mais transversal e plural e menos direcionado de um para muitos. Mas
assim como em toda travessia, como já dizia Heráclito: “ninguém entra em um
mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim
como as águas, que já serão outras”. Com o passar do tempo e o conhecer, desco-
bri pessoas incríveis que também procuravam por essas iniciativas, que também
acreditavam que não é o ensinar que importa – na verdade, ninguém ensina nada
a alguém. O que importa, de fato, é o aprender: e isso se dá em relação aos outros,
mas é sobretudo um esforço individual e fator essencial em nosso progresso sobre
quem somos, o que sonhamos e para que contribuímos.
Recentes pesquisas têm cada vez mais aceitado e compartilhado a ideia que
foi resumida pela School of Life: “a vida, por si só, já é o aprendizado”. Mas
sim, precisamos de espaços de socialização de conhecimento, espaços onde haja
troca, e que ela seja rica, com diferentes experiências. A escola é também um
desses espaços. Em nossos primeiros anos, nossos amigos são aqueles com quem
convivemos e dividimos essa tarefa do conhecer, “os coleguinhas”. Mas não são
só esses, temos também os amigos da rua, do bairro, os filhos dos amigos de nos-
sos pais, primos e várias outras crianças que dividem conosco sua história e que
crescem junto em idade, estatura e conhecimento adquirido. E à medida que
crescemos, cada vez mais temos amigos e mais amigos que cruzam nossa vida,
nos acrescentando algo com o qual só eles poderiam contribuir. Costumo dizer
que, na vida, todo mundo que passa vem para acrescentar algo, nem que seja
para que nos entendamos fortes em momentos de crise. E é do encontro que o
aprendizado e o crescimento se dão de fato.
QUE ALÉM DO CONTEÚDO TRADICIONAL, DESPERTE HABILIDADES
COMO SENSO CRÍTICO, COMUNICAÇÃO E AUTORIA. QUE AO INVÉS DE
AULAS, POSSUA GRUPOS DE ESTUDOS DE INTERESSES ESPECÍFICOS
E CONTEÚDOS QUE CONTRIBUAM PARA A FORMAÇÃO HUMANA E
PESSOAL.
De diversas iniciativas, pessoas e lugares que conheci, a busca é a mesma: o que importa não
é currículo, não é uma série de fórmulas e datas que quase nunca é apre(e)ndida e sim deco-
rada; a principal demanda é a formação de humanos realmente humanos. Pessoas com sen-
timentos, que conheçam a si mesmas, que valorizem e aprendam com as diferenças, sujeitos
dispostos a se posicionar e se entender como transformadores do mundo e de si mesmos. Não
precisa ser engajado, salvador do mundo, mas consciente de sua própria história e senhor
de seu projeto de vida, buscando e aprendendo aquilo que lhe faz sentido e que apoia seu
caminhar.
JOVENS SE
ENCONTRAM NO
CPCD, PROJETO
QUE ACONTECE EM
DIVERSAS CIDADES
DO VALE DO
JEQUITINHONHA (MG)
a Fundação Telefônica e a doação de uma amiga. Hoje em dia, uma versão inte-
gral do livro pode ser baixada gratuitamente no site www.educ-acao.com.
A famosa “síndrome de vira-lata”, daquele que pensa que tudo é possível lá fora,
menos aqui no nosso país, não é uma característica dos educadores brasileiros
que vimos pelas escolas que estão em busca de uma reinvenção de si mesmas.
Tais educadores são apaixonados e corajosos, com uma vontade de transforma-
ção incansável. Nas experiências brasileiras que visitamos, nos deparamos com
iniciativas que dialogam com as comunidades ao redor da escola e resgatam a
cultura brasileira. A Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador
Amorim Lima, por exemplo, é uma escola pública brasileira, em São Paulo, que
há mais de dez anos vem realizando uma mudança substancial. Grades foram ar-
rancadas. Paredes foram retiradas para que se formassem extensos salões. Comis-
sões de pais nasceram, hoje em dia com reuniões frequentes para discutir a reali-
zação de festas ou até mesmo estudar e dialogar sobre a autonomia da instituição.
A diretora Ana Elisa ressaltou: “abrir espaços participativos na escola possibilita 39
que as pessoas entrem com outro olhar”. A relação entre a diretora e os alunos é
tão próxima que não é incomum estar na sala de Ana e se deparar com alunos que
vêm falar com ela para conversar sobre problemas, pedir coisas ou mesmo dizer
um “olá”. Os projetos de Educação mais interessantes que descobrimos no Brasil
se preocupam fortemente em mobilizar as comunidades do entorno da escola
para que a Educação, enfim, se torne um projeto coletivo.
Uma ameaça à Educação brasileira – e que não é um desafio apenas nosso, mas
sim compartilhado globalmente – vem da extrema mercantilização do setor. No
lado vazio do copo há uma corrida em busca de diplomas e uma visão empre-
endedora de Educação como negócio extremamente lucrativo. Outro desafio
no horizonte diz respeito a uma questão humana essencial: a capacidade de
lidar com o conflito. Para que as mudanças que se almeja na Educação se con-
cretizem, muitos conflitos ainda vão emergir, e isso é natural. Para sustentar a
mudança que sonhamos é essencial legitimarmos os conflitos, percebermos a
importância deles para que as contradições expostas se resolvam de alguma for-
ma. Na última parte do nosso livro, contamos com a colaboração de educadores
relevantes no cenário atual – como José Pacheco e Howard Gardner –, que con-
tribuíram com ensaios para nosso livro, e um deles aborda exatamente a questão
do conflito, nas palavras da professora Lia Diskin, fundadora da Associação Pa-
las Athena. Como é um trecho bem emblemático, reproduzimos abaixo:
“Até muito pouco tempo atrás, as pessoas consideravam o conflito como algo
demeritório. Entendia-se que uma família, uma escola ou uma empresa com conflitos era mal
gerida e mal organizada – o que é, obviamente, fruto de uma mentalidade patriarcal, de uma
hierarquia instituída pela incontestabilidade da ordem. Hoje, entendemos que a democracia
e a horizontalização dos atores necessariamente faz emergir conflitos, interesses divergentes,
necessidades distintas. O conflito se caracteriza exatamente quando essa emergência, natural
e necessária nos contextos democráticos, tem a chance e legitimidade de se externar e se
expressar. Onde inexistem conflitos? Nos sistemas totalitários. Nestes, os conflitos sequer
conseguem emergir, são abafados imediatamente pela pressão, controle e dominação que se
exercem de cima para baixo. Nós temos que legitimar o conflito, não temê-lo. Quando vou
para uma escola e ouço de um diretor ou conselheiro pedagógico a frase ‘Aqui não temos con-
flitos’, já começo a suar frio, e me vem uma grande preocupação. Se não existem conflitos, po-
dem ter certeza de que existe alguém muito controlador, ceifador de vontades, competências,
habilidades e talentos dos outros. Os conflitos são sinal de um relacionamento democrático”5.
A jornada do Volta ao mundo em 13 escolas nos provou que Educação é mais do que escola,
trata-se de um processo que demanda relacionamentos democráticos entre diversos atores e es-
paços. Educação é uma escolha do futuro que queremos construir desde já, a partir de agora,
no momento presente. Podemos escolher continuar da forma atual, repetindo os mesmos erros,
cegos para os problemas mais óbvios. Ou podemos escolher o lugar da incerteza, da coragem,
da experimentação. Da busca de significado, do conflito saudável, da sustentabilidade afetiva.
As iniciativas que visitamos mostram que há muita abundância de possibilidades no lado
cheio do copo. Dá para mudar quando a gente realmente quer mudar.
5. DISKIN, L. apud GRAVATÁ, A. [et al.]. Volta ao mundo em 13 escolas. São Paulo: Fundação Telefônica, 2013. p. 260-262.
da área.
6. Antonio Sagrado e Raul Perez são codiretores do filme Quando sinto que já sei, que documenta experiências educa-
cionais brasileiras inovadoras.
que a vocação das escolas ia além da disciplina dos corpos e do espaço, Raul decidiu empreen-
der uma pesquisa sobre a relação professor-aluno, baseada em por que ela não havia mudado
ao longo dos séculos.
Eu, por outro lado, quando começava meus estudos em Engenharia, comecei a dar aulas
de informática para um adorável casal de velhinhos, Sr. Raymundo e Elena Espelho. Eles
me apresentaram uma faceta até então desconhecida por mim de Eurípedes Barsanulfo,
importante divulgador da Doutrina Espírita. Nascido em Sacramento, Minas Gerais, onde
passou toda sua vida, ele foi médico-homeopata, vereador e fundou, em 1908, o colégio Alan
Kardec. Barsanulfo esteve à frente da escola por dez anos, até falecer em virtude da gripe
espanhola. Neste pouco tempo, o colégio Alan Kardec esteve na vanguarda da educação por
vários motivos. O Brasil vivia a Primeira República e as poucas entidades educacionais que
existiam eram restritas aos filhos da nobreza. Em meio a esse contexto, Barsanulfo criou um
colégio público, sem seriação nem distinção por idade ou sexo, que admitia docentes negros
e era pautado por aulas-debate e ao ar livre.
Dentre os assuntos estudados, estavam a astronomia, as ciências naturais, a anatomia com-
parada, a botânica e o ensino inter-religioso, além das disciplinas padrão para a época, como
latim, matemática e língua portuguesa. Barsanulfo tinha como norte para seu colégio a auto-
nomia, a afetividade, o diálogo e a liberdade, em um contexto histórico em que a palmatória
era uma prática comum.
Foi entrando em contato com a história do educador mineiro que nasceu a vontade de bus-
car formas possíveis de realização da aprendizagem e foi assim que eu fui parar na Escola da
Ponte.
Naquela tarde no Porto, eu e o Raul dividimos o entusiasmo de ter pesquisas com tanta
sinergia. Depois de visitar a Ponte, as inquietações só aumentaram. Começamos a nos per-
guntar “Será que existem iniciativas inspiradores como essas no Brasil acontecendo hoje?”.
Assim surgiu a faísca do que viria a se tornar o documentário “Quando sinto que já sei”,
projeto ao qual temos nos dedicado de corpo e alma nos últimos três anos. A ideia era em-
preender um mergulho profundo em novas práticas educacionais que estavam acontecendo
por aqui. Começamos a mapear essas iniciativas e nos demos conta de que, felizmente, elas
eram muitas.
Em janeiro de 2012, fomos a campo, juntamos alguns equipamentos e começamos a realizar
as primeiras entrevistas. Era engraçado ver a surpresa no rosto dos entrevistados ao chegar-
mos no local marcado. Dois garotos esguios, munidos de nada mais que duas mochilas e um
tripé. Talvez fosse algo bem diferente do que eles esperavam de uma equipe de produção
43
EDU ON TOUR
Conheci o Edu on Tour já durante minha viagem pelo Brasil, mas logo se torna-
ram parceiros. Quatro jovens europeus decidiram passar alguns meses no nos-
so país para mapear práticas educacionais alternativas de maneira colaborativa
para alimentar um mapeamento global da Educação Alternativa (www.reevo.
org). Em 2014, voltaram para seus países de origem e já estão planejando novos
mapeamentos em outras partes do mundo. Mesmo assim, continuam com im-
portante atuação na rede brasileira de educadores, participando virtualmente 51
de encontros e discussões. Considero uma colaboração muito importante pela
visão global do ativismo em favor das mudanças no modelo educacional vigente
e também para conhecermos a visão estrangeira da Educação no nosso país.
55
INFÂNCIAS
Ouvi falar de Gabriela, idealizadora do Infâncias, quando visitei a Fundação
Casa Grande. Ela havia viajado para o Cariri cearense um pouco antes de mim,
para registrar como as crianças daquela região viviam. Logo me interessei pelo
projeto e, quando voltei para São Paulo, convidei essa experiente jornalista
para contar mais sobre como as crianças de várias partes do Brasil aprendem e
ensinam a partir das culturas locais e das brincadeiras.
8. Gabriela Romeu é jornalista especializada em infância. Há 14 anos, escreve sobre e para crianças no jornal Folha de
S.Paulo, onde editou o caderno Folhinha, publicou reportagens sobre as realidades infantis e atualmente faz crítica de
teatro infantil e escreve a série Quintais. Foi umas das idealizadoras e coordenadora do projeto Mapa do Brincar (www.
mapadobrincar.com.br), projeto que reúne mais de 750 brincadeiras e ganhou o Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalis-
mo. É uma das idealizadoras do Infâncias (www.projetoinfancias.com.br), projeto que está registrando a vida de meninos
e meninas em diferentes lugares.
matéria-prima de seu brincar-viver.
Como uma das idealizadoras do Infâncias, projeto dedicado a registrar e documentar o co-
tidiano e o imaginário das crianças brasileiras (urbanas, ribeirinhas, quilombolas, indígenas,
entre outras), tenho viajado por quintais dos muitos Brasis. O projeto investiga diferentes ex-
periências de infâncias, em contextos socioculturais variados. Registra os muitos jeitos de ser
criança e de viver a infância, que, segundo Philippe Ariès, é uma construção social e histórica
do Ocidente, podendo variar muito conforme o lugar e a sociedade.
Nessas andanças pelo Brasil de dentro, ao lado da jornalista Marlene Peret e do fotógrafo
Samuel Macedo, meus parceiros nas estradas das muitas infâncias, assumimos o papel de
aprendizes na relação com meninas e meninos, nossos mestres em nos conduzir por seus co-
tidianos. Nem sempre é fácil – temos que muitas vezes conter gestos, expressões e falas que
permearam nossas infâncias e vidas marcadas por visões “adultocêntricas”.
Assim, acompanhamos as crianças em seus quintais. São as crianças que nos apresentam seus
percursos diários (nas florestas, nos rios, em seus bairros ou em vilarejos), mostram os frutos
de seus terreiros e as técnicas para pescar ou caçar (uma anta na mata, uma pipa no céu), si-
nalizam os códigos sociais de suas comunidades. O quintal é espaço de descobertas, conflitos,
invencionices, é onde exercitam seus jeitos de perceber, sentir e reagir aos outros e ao mundo.
Espiamos como são os processos de seus aprendizados, como a infância é delineada em mui-
tos cantos do país, qual a verdadeira essência desse período tão fundador na vida de todos nós.
É preciso ter olhos de ouvir longe e ouvidos prontos para enxergar além no diálogo com as
crianças, que têm lógica própria para formular o mundo ao redor. Clarice Cohn, estudiosa da
antropologia da criança, nos conta: “a criança não sabe menos, sabe outra coisa”.
Os saberes infantis são evidenciados nas aventuras diárias pelos quintais, longe da tutela do
mundo adulto, onde as crianças têm autonomia e autoria. Nesse espaço de viver e exercitar
a infância, meninos e meninas inventam seus mundos com restos do cotidiano, costurados
com pedaços da natureza – de suas habilidosas mãos nascem barquinhos, carrinhos, piões,
papagaios e outros brinquedos. Conhecem de cor(ação) os frutos, as árvores, os bichos dos
arredores. Criam mapas afetivos de suas localidades. Ressignificam o cotidiano.
Navegando pelas infâncias das águas, percorrendo as extensões dilatadas dos rios amazôni-
cos, na região do Médio Xingu, no Pará, encontramos infâncias com distintos contornos. Ali
desembarcamos em territórios de povos indígenas onde rio, floresta e aldeia são espaços de
intensa e constante aprendizagem, num cotidiano infantil nada apartado do mundo adulto.
Pelo projeto Quintais do Xingu, um desdobramento do Infâncias, também visitamos comuni-
dades ribeirinhas, urbanas e extrativistas da região xinguana.
Ao desembarcar na Terra Indígena Koatinemo, onde vive o povo Asurini do
Xingu, pegamos um atalho pela mata com a família de Manduka, acompanhado
da mulher e de dois filhos pequenos, para buscar o barro usado para a confecção
da cerâmica. Já na mata cerrada, enquanto a mãe tirava a matéria-prima, os me-
ninos esculpiam bonequinhos, ao lado do pai, que tecia nas folhas de palmeiras
o cesto para carregar o barro. De volta à aldeia, outras crianças do povo Awaeté
(significa “gente de verdade”), como eles se denominam, se juntaram para mo-
delar panelas e bichos da floresta. Presenciamos ali uma educação pelos gestos,
num fazer junto, silencioso.
Nas margens do rio Bacajá, afluente do Xingu, morada do povo Xikrin, che-
gamos em quintais que ocupam principalmente o pátio da aldeia circular. No
centro, na casa só ocupada por homens que discutem questões políticas do gru-
po, circulam meninos de diferentes idades – as meninas ficam mais nos arredo-
res da casa. Se uma criança que por ali transita chora, todos os homens param
a mais séria das discussões para acolher o pequeno. Os Xikrin temem que uma 57
criança chore demais. Clarice Cohn, pesquisadora da infância Xikrin, expli-
ca que o povo acredita que o karon, que tem uma tradução próxima a “alma”,
quando se zanga, pode ir embora e não voltar mais.
Para o povo Xikrin, que se autodenomina mebengokré, os sentidos da audição
e da visão são fundamentais no aprendizado de todo indivíduo. Às crianças é
permitido circular por todos os lugares e participar de tudo na vida da aldeia –
inexiste a “conversa de adulto” – e os Xikrin consideram isso fundamental em
seu processo de aprendizado. Cohn explica: “as crianças tudo sabem porque
tudo veem”. Os adultos acompanham de perto as conquistas das crianças. O
que se aprende é guardado no coração, o “lugar do saber”.
Nos quintais, as crianças aprendem na convivência com seus pares, no compar-
tilhamento de habilidades, em experiências que permitem acertar e errar, nos
jogos de faz de conta e no fazer da mais pura verdade. Ao acompanhar crianças
do povo Araweté em uma incursão pela mata para coletar cacau, logo percebe-
mos como os menores aprendem com os maiores nessa atividade cotidiana de
andar na mata, habilidosamente escalar o topo das árvores e colher os frutos
maduros. De novo, pouco se fala. No quintal, é o corpo que tem voz.
Das rotas aquáticas do Xingu para as trilhas do sertão cearense, aportamos nos
terreiros dos mestres de cultura popular do Cariri. Na região, as crianças cres-
cem fascinadas por manifestações populares como o reisado, verdadeiro brin-
quedo de cabinha, como é chamado o menino do Cariri. Na terra dos cabinhas, o mestre é
aquele que tem a sabedoria vivida e os terreiros são verdadeiras escolas do (con)viver.
Esses encontros do projeto Infâncias acontecem geralmente fora do espaço escolar. Quando
alguma ação ocorre na escola, os mesmos protagonistas, nossos mestres dos quintais, agem
de maneira diferente. Foi assim na região do Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, onde
visitamos os quintais de uma comunidade chamada Campo Buriti, em Minas Novas, onde os
meninos têm a pela avermelhada, tal qual a terra do lugar.
Dias depois de uma convivência lúdica com as crianças em seus quintais de terra, onde bro-
taram carrinhos com caixinhas de goiabeira e papagaios de talas de buriti, encontramos as
crianças na escola, num simpático convite feito pela coordenadora local. Foi grande nossa
surpresa ao ver que no espaço escolar os brinquedos dos meninos surgiam apáticos e sem a
força da vida nos quintais.
Logo me lembrei de um trecho de um livro que traz a experiência da Casa Redonda, um
projeto de educação infantil que surgiu nos anos 1980 numa chácara em Carapicuíba (São
Paulo): “a criança que se encontra nos nossos currículos escolares é em sua maioria um ser
sem corpo e sem alma, classificada por idade cronológica, colocada sobre um chão sem terra,
aculturada, debaixo de um autoritarismo disfarçado em uma teoria pedagógica, que determi-
na o que deve ser ensinado e como deve ser ensinado, sem qualquer relação de sentido com a
vida das crianças. É a escola sem vida que prepara para a vida. Que vida?”.
O mundo escolar tem muito a aprender com o universo dos quintais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2.e. Rio de Janeiro: Guanabara, 1981.
COHN, C. Antropologia da criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005.
SILVA, A. Crianças indígenas – Ensaios antropológicos. São Paulo: ed. Global, 2002.
MEIRELLES, R. Giramundo e outros brinquedos e brincadeiras dos meninos do Brasil. São Paulo: Edi-
tora Terceiro Nome; 2007.
PEREIRA, M. Casa Redonda - uma experiência em educação. São Paulo: Editora Livre; 2013.
59
MELHORES
EXPE
RIÊN
CIAS
INTRO
DU
ÇÃO
PASSEI POR QUASE
SESSENTA CIDADES
durante os cinco meses e meio de viagem. Em algumas, não conheci nenhuma
prática educacional inspiradora; em outras, o tempo ficou curto para visitar tan-
tos projetos interessantes.
Minha busca foi feita de maneira colaborativa. Como contei na introdução do
livro, percebi logo no começo da viagem que eram boas as dicas que consegui
em São Paulo com profissionais da área de Educação sobre escolas e projetos
interessantes de conhecer, mas existiam iniciativas muito mais inspiradoras co-
nhecidas apenas localmente. Era em conversas com recepcionistas de hostels,
taxistas e monitores de museus que descobria projetos que realmente se desta-
cavam na cidade ou na região. 61
Além disso, novos contatos foram surgindo através da minha rede de amigos e
da página de divulgação do projeto no Facebook (www.facebook.com/caindo-
nobrasil). Uma amiga me recebeu numa conversa um pouco antes da viagem:
“você vai para Salvador? Então precisa visitar o colégio Oficina! Eu apresento o
pessoal pra você!”. Com duas dicas dela, conheci mais três projetos interessan-
tes apresentados por esta rede soteropolitana que se formou graças ao interesse
em compartilhar iniciativas que realmente façam a diferença na Educação.
No fim da viagem, constatei que quase não utilizei as dicas que recebi em São
Paulo e pouco vi dos projetos que têm destaque nacional. Concentrei minhas
visitas em iniciativas conhecidas local e regionalmente, com um nível significa-
tivo de inovação e impacto social. Neste capítulo, compartilharei algumas das
que mais me chamaram a atenção pela história, pelas práticas em si mesmas e
pelo impacto naquelas pessoas e naquela sociedade.
As práticas deste capítulo estão ordenadas pelo critério regional, partindo do
Estado mais ao norte do país para o mais ao sul. A ordem também segue o tra-
jeto da viagem, que começou em Belém (PA) e terminou em São Paulo (SP).
A exceção é o Programa de Desenvolvimento e Crescimento Integrado com
Sustentabilidade do Mosaico de Áreas de Proteção Ambiental do Baixo Sul da
Bahia (PDCIS), projeto capitaneado pela Fundação Odebrecht no Baixo Sul
da Bahia (BA). A prática é a última deste capítulo porque fui convidado pela
organização para conhecer de perto o projeto após o encerramento da viagem pelo país. Não
tinha compromisso com a Fundação e com nenhuma das instituições envolvidas no progra-
ma, mas a iniciativa é uma das mais transformadoras e com maior impacto local que conheci
em 2013 e considerei que era muito importante compartilhá-la neste livro.
foto Caio Dib
63
2. MIRANDA, C.; BARBOSA, M.; MOISES, T. A aprendizagem em células cooperativas e a efetivação da aprendizagem
significativa em sala de aula. Rev. NUFEN [online]. 2011, vol.3, n.1, pp. 17-40. Disponível em <www.goo.gl/pejSCr>.
Acessado em 11/11/2013.
Andrade é neto de agricultores de Cipó, uma pequena comunidade rural de Pentecoste. Por
causa da seca, seus familiares migraram para a capital. Na adolescência, ele morava a menos
de um quilômetro da Universidade Federal do Ceará (UFC) e não sabia o que era ensino
superior. Aos 16 anos, entrou num grupo de estudos mais por curiosidade do que por inten-
ção. Nele, não só tomou consciência do que era a universidade como conseguiu ingressar na
faculdade de Química da UFC. Depois de formado, voltou às origens e iniciou um trabalho
social na comunidade rural de onde veio. Explicou: “eu passava todas as minhas férias no
Cipó, mas quando terminei a universidade tinha o sentimento de responsabilidade de com-
partilhar os benefícios que tive”. Todo fim de semana, organizava campeonatos de futebol na
comunidade, mas percebeu que podia criar um grupo de estudos no Cipó como aquele de
que participou na capital durante a adolescência e trazer uma mudança muito mais significa-
tiva para aquelas pessoas.
Andrade, então, chamou os jovens da zona rural para iniciarem um grupo de estudos com
o objetivo de concluírem a Educação básica. Durante o processo, eles foram incentivados a
desejar ingressar na universidade. Na época, sete jovens fora da idade escolar aceitaram o
desafio. Surgiu então o PRECE (que significava “Projeto Coração de Estudante”. Andrade
contou: “é por causa da música do Milton Nascimento”). Eles estudavam durante a semana
com o material que o professor conseguiu na capital e tiravam as dúvidas nas visitas de An-
drade nos finais de semana.
O educador organizava visitas para o campus da UFC para aproximar a realidade universi-
tária destes e de outros estudantes que vieram em seguida, mostrando que o ensino superior
era sim uma realidade possível. Uma das filhas do professor contou quando, voltávamos para
a casa do professor no mesmo carro: “lembro da caminhonete do meu pai cheia de estudantes
que iam conhecer a UFC junto com ele. Um dia o carro até quebrou e ficamos horas parados
na estrada”.
Estes sete jovens decidiram morar juntos em uma antiga casa de farinha desativada. Assim,
não só compartilhariam o conhecimento, mas também estariam cooperando uns com os ou-
tros durante todo o cotidiano. Cada estudante ficou responsável pela disciplina com que mais
se identificava e tinha a missão de promover discussões sobre este tema para que o grupo
aprendesse em conjunto a partir dos debates e estudos coletivos. Uma série de pesquisado-
res da UFC escreveram no artigo A aprendizagem em células cooperativas e a efetivação da
aprendizagem significativa em sala de aula da revista do NUFEN3: “o grupo de estudo foi
3. MIRANDA, C.; BARBOSA, M.; MOISES, T. A aprendizagem em células cooperativas e a efetivação da aprendizagem significativa em sala
de aula. Rev. NUFEN [online]. 2011, vol.3, n.1, pp. 17-40. Disponível em <www.goo.gl/pejSCr>. Acessado em 11/11/2013.
denominado de Célula Educacional Cooperativa, termo empregado fazendo
alusão às características biológicas das células vivas, tais como organização au-
tônoma, potencial de desenvolvimento e multiplicação que uma unidade ce-
lular possui essencialmente. Surgia, assim, uma característica intrínseca a essa
metodologia – o vínculo”.
Calouro na UFC, Nonato não tinha dinheiro para alugar uma casa em Fortale-
za e ficou o primeiro ano do curso dividindo o espaço da residência universitária
com outro colega que conheceu no PRECE. Hoje, é mestre em Linguística e
professor da Escola Técnica Federal de Crateús, a 350 km de Fortaleza. Lá,
criou o primeiro curso de Letras da rede de ensino técnico do Estado, junto
com outros colegas. Mesmo trabalhando em outra cidade, hoje Nonato mantém
uma residência no Benfica, bairro mais boêmio da cidade de Fortaleza, onde também está o
campus da universidade. Dois dias por semana, volta para a capital e dorme em sua casa, que
fica em cima de uma escola. Perguntei: “e você nunca pensou em dar aulas aí, Nonato?”. O
rapaz que gosta dos debates da universidade respondeu prontamente: “não. Essa escola é de
Educação Infantil. Eu gosto mesmo é do Ensino Superior!”.
O PRECE HOJE
Com o passar dos anos, o Projeto Coração de Estudante cresceu. Tornou-se Programa de
Educação em Células Cooperativas, ganhou apoio do Governo do Ceará e da Universidade
Federal do Ceará. Hoje, o PRECE conta com treze núcleos, chamados Escolas Populares
Cooperativas, em quatro municípios do Estado (Pentecoste, Apuiarés, Paramoti e Umirim)
e a sede da organização fica na própria cidade de Fortaleza. No fim de 2012, o Governo
Estadual criou a EEEP Alan Pinho Tabosa, que é uma iniciativa governamental indepen-
dente do projeto, mas criada com base na metodologia desenvolvida pelo professor Andrade
e pelos jovens estudantes. A escola estadual, de uma certa maneira, legitima todo o trabalho
realizado pelo programa nos últimos anos e inicia um processo de tornar este método uma
política pública estadual. Além de ter a metodologia inspirada no modelo de Aprendizagem
Cooperativa desenvolvido pelo PRECE, a maioria do corpo docente passou pelo Programa
para ingressar na universidade. Um dos educadores da EEEP Pentecoste ressaltou: “eu acho
que a criação da escola não foi um desafio porque quisemos implementar o modelo que tínha-
mos no PRECE, que já era familiar. Nós já não trabalhávamos com o modelo tradicional”.
A iniciativa foi a primeira escola pública do país com este modelo de ensino-aprendizagem,
segundo Nonato.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O PRECE nasceu naturalmente, a partir das necessidades locais de jovens carentes da zona
rural de uma cidade no interior cearense. Com o amadurecimento e crescimento do progra-
ma, iniciou-se uma busca de referenciais teóricos de outras práticas que trabalham com o
aprendizado em grupo, como Paulo Freire, Carl Rogers e os irmãos Johnson4. Desde 2008, há
um trabalho de construção de pontos de articulação das teorias com as práticas do PRECE.
O artigo A aprendizagem em células cooperativas e a efetivação da aprendizagem significativa
4. VIEIRA, E. Atividade Comunitária e Conscientização: uma investigação a partir dos modos de participação social. 2008, 135p. Dissertação
(Mestrado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Ceará, 2008 e JOHNSON, D. W.; JOHN-
SON, R. T.; HOLUBEC, E. J. Structuring cooperative learning: lesson plans for teachers. Edina, MN: Interaction Book Company, 1987.
em sala de aula, publicado por pesquisadoras da UFC na revista do NUFEN,
traçou um panorama bastante interessante sobre como alguns elementos da
Aprendizagem Cooperativa seguida por países da América do Norte e Europa
conversam com o modelo pedagógico construído no interior do Ceará. De acor-
do com as autoras Carmen Silvia Nunes de Miranda, Marília Studart Barbosa e
Talita Feitosa de Moisés, “o contato com essa Aprendizagem Cooperativa nor-
te-americana tem dado subsídios ao PRECE em seu processo de sistematização
metodológica, principalmente no que se refere aos princípios que permeiam o
funcionamento das Células de Aprendizagem Cooperativa”5.
Essa pesquisa também identificou que a Aprendizagem Cooperativa tradicio-
nal trabalha com cinco elementos essenciais neste modelo de ensino-aprendi-
zagem e faz relações entre a teoria e a prática cearense. Também é possível
identificar muitas semelhanças entre a teoria da Aprendizagem Cooperativa e
a prática da EEEP Pentecoste. Os elementos são conhecidos como interdepen-
dência positiva, responsabilidade individual, interação estimuladora, compe- 69
tências sociais e processo em grupo.
Os três primeiros elementos remetem ao fato de o sucesso do grupo estar rela-
cionado diretamente ao sucesso de cada membro, uma vez que é proposto atin-
gir os objetivos a partir do trabalho colaborativo. O artigo de Miranda, Barbosa
e Moisés considerou: “no PRECE esse elemento está presente desde o início,
apesar de não ter sido nomeado desta forma, uma vez que a metodologia de
estudo em Células Cooperativas parte do princípio de que a colaboração entre
os estudantes no compartilhamento da vida e dos estudos é essencial para a
formação de vínculos e para a criação de um espaço de cooperação que favo-
reça o crescimento pessoal e grupal dos estudantes. É válido lembrar que nos
primórdios do projeto, quando os sete primeiros estudantes iniciaram o estudo
em Célula, eles passaram a morar na antiga casa de fazer farinha na comunida-
de Cipó, convivendo em tempo integral, o que favoreceu, desde então, a noção
de que havia uma interdependência entre eles”6. Na EEEP Pentecoste, por
sua vez, o trabalho é feito em grupos de três a seis estudantes para atingir os
5. MIRANDA, C.; BARBOSA, M.; MOISES, T. A aprendizagem em células cooperativas e a efetivação da aprendizagem
significativa em sala de aula. Rev. NUFEN [online]. 2011, vol.3, n.1, pp. 17-40. Disponível em <http://goo.gl/pejSCr>.
Acessado em 11/11/2013. p. 17.
6. MIRANDA, C.; BARBOSA, M.; MOISES, T. A aprendizagem em células cooperativas e a efetivação da aprendizagem
significativa em sala de aula. Rev. NUFEN [online]. 2011, vol.3, n.1, pp. 17-40. Disponível em <http://goo.gl/pejSCr>.
Acessado em 11/11/2013. p. 29.
GRAFITE NA ENTRADA
DA EEEEP PENTECOSTE
7. MIRANDA, C.; BARBOSA, M.; MOISES, T. A aprendizagem em células cooperativas e a efetivação da aprendizagem
significativa em sala de aula. Rev. NUFEN [online]. 2011, vol.3, n.1, pp. 17-40. Disponível em <http://goo.gl/pejSCr>.
Acessado em 11/11/2013. p. 32.
gonismo juvenil são desenvolvidos com mais ênfase, possibilitando transformações sociais
mais intensas. Em Pentecoste, por exemplo, um grupo de jovens que já tinham passado pelo
PRECE se uniram para mudar a cidade a partir da política, tentando elegerem-se em cargos
como de vereador e até mesmo de prefeito. Nonato Furtado estava nesse grupo.
CONHECENDO A PRÁTICA DE PERTO
Entrei em contato com a fundamentação teórica do modelo de Aprendizagem Cooperativa
do PRECE muitos meses depois de conhecer a experiência de perto. Ao estudar mais sobre
esse modelo de ensino-aprendizagem, fiquei bastante impressionado com os fundamentos
da teoria e de sua conexão com a prática pedagógica. Por um dia inteiro, pude explorar a
experiência cearense ao conhecer o PRECE e, principalmente, a EEEP Pentecoste junto
com Nonato.
Depois de me impressionar com a estrutura física da escola, fui conhecer a prática de perto. A
instituição oferece ensino técnico em Informática, Piscicultura e Agroindústria, além do cur-
so Acadêmico, que segue a proposta curricular básica do Ministério da Educação. Nas salas
de aula, estudantes distribuídos em pequenos grupos debatiam o tema da aula e aprendiam
em conjunto. Na primeira sala, os quarenta e cinco alunos do primeiro ano do curso técnico
de Aquicultura estavam divididos em grupos de três estudantes que aprendiam em conjunto
o tema fuso horário na aula de Geografia. Depois de dez minutos de aprendizado cooperativo,
o professor Diogo Duarte, que foi estudante do PRECE e hoje leciona Geografia na EEEP
Pentecoste, deu uma pequena explicação contando com a colaboração dos alunos. No fim da
aula, todos fizeram um exercício. Se a maioria da sala conseguisse bons resultados na ativida-
de, todos ganhariam uma recompensa no fim do bimestre, como pontos na nota, por exemplo.
Nonato comparou: “na Educação, quando se trabalha em grupo você ganha mais. O cor-
po humano funciona como um organismo coletivo, os nossos órgãos trabalham em conjunto.
Quando você trabalha assim em Educação, o resultado é completamente diferente”. A meto-
dologia vai além do conteúdo, tornando a sala de aula um espaço de formação de autonomia,
protagonismo e incentivando o convívio social. Cada célula de estudo trabalha num ritmo
e num estilo exclusivo daquele grupo. Fiquei impressionado quando vi a concentração da
primeira turma que visitei na atividade que estava sendo realizada. Por ter sido levado até a
escola por alguém que está integrado ao cotidiano da instituição, pude visitar todos os espa-
ços e conversar com os atores educacionais envolvidos naquele processo. Quando visitei as
outras salas da escola, constatei que a autonomia e a organização dos estudantes eram uma
constante.
Também percebi que outras habilidades e competências são desenvolvidas neste modelo.
Em grupo, estudantes e professores ampliam o olhar crítico sobre a sociedade,
passando a analisar problemas a partir de múltiplos pontos de vista. Saber se
organizar e argumentar a favor dos próprios pontos de vista e aprender a ouvir
e a se expressar somam-se às habilidades e competências necessárias na escola,
no trabalho e na vida pessoal. Todos os envolvidos aprendem a conviver e in-
teragir com outras pessoas diariamente, mesmo quando estão com vontade de
ficar quietos no canto da sala. Era a teoria da Aprendizagem Cooperativa sendo
aplicada na prática da maneira mais natural possível.
Tive a oportunidade de conversar bastante com três estudantes da escola que,
indiretamente, mostraram os resultados a curto prazo deste modelo de ensino-
-aprendizagem e as diferenças no dia a dia quando comparamos com o modelo
de Educação baseada na transmissão de conteúdos. Contarei sobre esta conversa
com nomes fictícios para proteger a identidade dos menores.
A aluna Mariana – que chama atenção pelos grandes olhos azuis, tem pai poli-
73
cial e mãe professora e quer cursar Medicina – representou a escola como um
lugar que vai além do aprendizado de conteúdos curriculares; ela acredita que
a EEEP Pentecoste é um espaço para aprender sobre a vida e conviver com
outras pessoas. Júlia – que parecia tímida, mas tinha colocações de opinião e
pontos de vista incríveis, tem pais professores e vontade de cursar Engenharia
– fez um apontamento bastante interessante sobre o convívio intenso com os
outros colegas e educadores: “você precisa lidar com outras pessoas todos os
dias. Com isso, a gente consegue ver além. A gente debate, lida com opiniões
diferentes. Tem dias que você chega na sala e não quer falar com ninguém. Em
uma escola normal você pode ficar no seu canto. Aqui você precisa interagir
com os outros”. A percepção dos alunos é no sentido de que a Aprendizagem
Cooperativa também permite explorar diversos pontos de vista sobre o mesmo
assunto, oferecendo uma noção maior do que significa conviver em sociedade
e interagir com outras pessoas de opiniões e visões diferentes. O fato de lidar
sempre com várias pessoas foi muito citado pelos estudantes. Enfim, desenvol-
ve diversas habilidades e competências que são cada vez mais demandadas no
mercado de trabalho.
Os educadores também consideram a Aprendizagem Cooperativa como um
método para educar além do conteúdo acadêmico. O professor Diego explicou:
“trabalhar com Aprendizagem Cooperativa é muito produtivo. Nela, o aluno
é incentivado a absorver a maior quantidade de conhecimento possível que o
seu igual tem a passar”. As pesquisadoras da UFC escreveram: “em vez de em-
pregar a maior parte do tempo em preparar planos de aula e exposições orais, concentra-se
na promoção de todas as espécies de recursos que poderão proporcionar a seus alunos uma
aprendizagem experiencial correspondente às necessidades deles (MIRANDA; BARBO-
SA; MOISES apud ROGERS, 1977, p.135)”8.
RELACIONAMENTO ENTRE ALUNOS E PROFESSORES
Observando a rotina da escola e conversando com alguns estudantes, ficou claro que o rela-
cionamento entre alunos, professores e funcionários também é um dos pilares do sucesso da
EEEP Pentecoste. Muitos alunos buscam os educadores para conversas sobre assuntos pesso-
ais e muitos trocam a sala dos professores pelo pátio dos alunos durante o intervalo.
Quando analisaram os relacionamentos no PRECE, as pesquisadoras da UFC constataram:
“no que se refere à relação professor-aluno, temos que a autenticidade diz respeito a que o
professor seja uma pessoa real diante do aprendiz, esteja consciente dos seus próprios sen-
timentos e permita-se senti-los e expressá-los quando considerar necessário”9. Essa relação
é um dos pilares da metodologia da Aprendizagem Cooperativa e está presente de maneira
muito forte também na EEEP Pentecoste. Os educadores realmente colocam-se no lugar dos
alunos, conhecem e notam cada estudante e, muitas vezes, tomam o papel de confidentes e
conselheiros dos jovens.
Essa relação entre educadores e educandos é extremamente importante. Nas escolas-resi-
dência que visitei, o fato de estudantes e professores morarem no mesmo lugar durante o
período de aulas transformava o relacionamento de todo o grupo. Os estudantes realmente
viam seus colegas e professores como amigos e o compartilhamento de conhecimentos acon-
tecia de maneira muito mais intensa por isso. Veremos isso no Programa de Desenvolvimento
e Crescimento Integrado com Sustentabilidade do Mosaico de Áreas de Proteção Ambiental
do Baixo Sul da Bahia (PDCIS).
CONCLUSÃO
É bastante difícil passar para o papel tudo que vi e senti nas experiências que compartilho
8. MIRANDA, C.; BARBOSA, M.; MOISES, T. A aprendizagem em células cooperativas e a efetivação da aprendizagem significativa em
sala de aula. Rev. NUFEN [online]. 2011, vol.3, n.1, pp. 17-40. Disponível em <http://goo.gl/pejSCr>. Acessado em 11/11/2013. p. 21-22.
9. MIRANDA, C.; BARBOSA, M.; MOISES, T. A aprendizagem em células cooperativas e a efetivação da aprendizagem significativa em sala
de aula. Rev. NUFEN [online]. 2011, vol.3, n.1, pp. 17-40. Disponível em <http://goo.gl/pejSCr>. Acessado em 11/11/2013.
com os leitores deste livro. A visita à EEEP Alan Pinho Tabosa/EEEP Pente-
coste não foi diferente. O mais interessante da viagem pelas experiências educa-
cionais inspiradoras foi ver de perto a iniciativa acontecendo, conversar com as
pessoas envolvidas, ver de perto como as relações eram construídas e sentir como
toda aquela história estava mudando a vida de cada um.
Inspirada pelo PRECE, que também é um projeto incrível, a EEEP Pentecoste
é a concretização de uma metodologia que surgiu a partir das necessidades de
uma comunidade com uma realidade bastante bruta. Tanto no PRECE quanto
na escola, é possível ver a transformação social de cada indivíduo. A história
de Nonato é um exemplo de sucesso. Muito capaz, viu o PRECE como uma
oportunidade para ir além do que a realidade lhe oferecia. Hoje, é um ator de
mudança social e educacional por onde passa. A aluna Mariana disse uma coisa
que poderia ser um bom resumo desta prática: “essa escola não é um lugar onde
você vem aprender sobre os conteúdos formais. A gente vem aprender sobre a
vida, a gente vem conviver com as pessoas”. 75
77
FUNDAÇÃO CASA GRANDE
“Você está plugado na 104,9 (...) meu nome é Totonho, eu estou aqui na Casa Grande há oito
anos, e o que me faz estar aqui é a experiência e as oportunidades que temos durante toda a
convivência com as outras pessoas”1.
A abertura do programa de rádio feita pelo jovem e retratada no livro Educação, Comunica-
ção & Participação mostra a essência da ONG que mudou uma cidade no interior do Ceará
na voz de um dos meninos e meninas que, indiretamente, teve um papel bastante importante
para a Fundação Casa Grande virar “a escola de comunicação da meninada do sertão”, como
é popularmente intitulada, e uma das práticas mais conhecidas nacionalmente entre as com-
partilhadas neste livro.
1. UNICEF, EDUCARTE E CENTRAL DE PROJETOS. Projetos de Educação, Comunicação & Participação: Perspectivas para Políticas
Públicas. Disponível em: <www.UNICEF.org/brazil/pt/midia_escola.pdf>. Acessado em 09/02/2014. p. 50.
dade deixou de ser um município anônimo e passou a ser conhecida. Isso trouxe
acesso a melhorias”.
Foi em 1992 que Alemberg e sua esposa Rosiane Limaverde começaram a mudar
a cidade com a criação da Fundação Casa Grande. Hoje, as crianças continuam
com a mesma brincadeira do “31 salva todos”, mas dentro dos muros da antiga
casa mal assombrada, que se tornou um dos principais pontos da cidade. Em en-
trevista para a pesquisadora Isabelle Noronha na tese de mestrado defendida na
Universidade Federal da Paraíba, intitulada Fundação Casa Grande – Memorial
do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a Educação pa-
trimonial, José Paulo de Araújo, da UNICEF, disse que é impossível pensar na
cidade de Nova Olinda sem a ONG. Ele defendeu: “já virou patrimônio, ou seja,
ela já se incorporou dentro da cidade”2.
Tive uma ótima conversa com Alemberg por telefone. Apenas com o Ensino Fun-
damental completo, ele é um exemplo de que a escola formal é apenas um dos
79
pilares da Educação. Bastante culto e articulado, fundou uma ONG que é hoje
uma das referências em Educomunicação3 e preservação do patrimônio histórico
no país. Alemberg contou: “a Casa Grande está muito centrada na vivência de mi-
nha infância. Tem uma parte que começa em Nova Olinda, onde vivi até meus 9
anos de idade. A segunda parte acontece quando meu pai mudou para o norte de
Goiás, que hoje é o Tocantins. Essas duas partes acontecem para depois eu voltar
para o Cariri e começar o projeto da Fundação”.
Em Nova Olinda, cidade da Fundação, Alemberg passou um período impor-
tante da infância ouvindo as histórias de Dona Artemísia, uma cabocla da cida-
de. Ele lembrou-se desse momento e contou como se ainda fosse um menino:
“foi a primeira vez que escutei uma lenda, uma história. Aquilo foi uma coisa
que me fascinou porque, no que ela contava, eu me imaginava vivendo naquela
lenda”. Quando visitei a Fundação Casa Grande pessoalmente, conheci Helio
Filho – o Helinho, que ainda se considera um “menino da Casa Grande”, mes-
mo com seus 25 anos. O jovem magro, alto e sorridente também me contou um
pouco da história de Alemberg e destacou essa influência das histórias sobre as
2. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a
Educação patrimonial. João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação em
Educação Popular, Comunicação e Cultura. Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012. p. 77.
3. Educomunicação é o conceito utilizado para os trabalhos que interligam as áreas de Comunicação e Educação em
projetos que visam fortalecer a autonomia e o protagonismo infanto-juvenil. Confira mais em www.usp.br/nce/aeduco-
municacao.
lendas locais contadas por Dona Artemísia: “de tanto ouvir as lendas, ele foi se apaixonando
pelo assunto e pela região”.
A segunda grande influência para Alemberg criar a Fundação Casa Grande começou no final
de 1973, quando seu pai – um importante dentista da região – mudou-se para uma pequena
cidade no atual Estado do Tocantins chamada Miranorte. Na beira da estrada que liga Belém
a Brasília e entre os rios Araguaia e Tocantins, Alemberg conheceu uma região sem muitas
atrações e, ao mesmo tempo, teve influências importantes para sua formação cultural. Ele
lembrou: “era uma região que não tinha nada: nem televisão, nem banca de revista. A gente
ia comprar revista na cidade vizinha. Mas nesse lugar eu me deparei com o cinema e com um
tipo de música diferenciada. Naquela época a gente escutava Bob Dylan, por exemplo. Na-
quela região era diferente das outras cidades, porque nas outras cidades só se tocava música
caipira. Isso foi muito importante para a qualidade do nosso repertório. Na Fundação, você
nota que as crianças têm um repertório cultural mais selecionado. Isso vem muito dessa época
do Tocantins. A base do projeto está justamente na busca da qualidade”.
Mesmo com uma vida cultural “seleta” em Miranorte, Alemberg decidiu partir para conhe-
cer novos lugares do mundo, em 1983. A maneira mais possível de concretizar essa von-
tade era, para ele, entrando na Marinha. Os planos não saíram como ele imaginava. Ele
riu, lembrando-se da época de marinheiro de primeira viagem: “me deram um balaio e uma
vassoura e mandaram eu varrer a cidade de Natal todinha. As ruas de Natal (RN) foram a
única coisa que conheci”. Em 1985, decidiu voltar para o Cariri cearense e iniciou uma série
de pesquisas sobre as lendas que ouvia quando criança e, anos depois, também pesquisou
sobre as músicas da região.
O resultado de todas as pesquisas foi concretizado em um museu feito em sua própria casa
no Crato, cidade próxima a Nova Olinda. A coleção começou a receber muitas visitas de es-
tudantes da região. Então, Alemberg descobriu que a velha casa “mal assombrada” de Nova
Olinda seria demolida por causa do envelhecimento da construção. Como o imóvel era de
familiares, o músico e colecionador pediu a casa para a criação do museu que, até aquele mo-
mento, estava sediado em sua residência. Ele restaurou o prédio, capacitou alguns moradores
para monitoria do museu e passou a frequentar o espaço aos finais de semana.
No início, a ideia era criar um museu e um centro cultural. O museu serviria como espaço
para difundir a cultura material da região. Já no centro cultural, a cultura imaterial, em espe-
cial as lendas do Cariri, seria trabalhada com as crianças a partir das brincadeiras populares.
Alemberg lembrou: “brincando dentro da Casa Grande, as crianças começavam a ouvir len-
das e histórias. Com o tempo, eles foram se tornando parte da Fundação, ocupando vagas de
recepcionistas e diretores”. O primeiro menino da Casa Grande foi Miguel, que começou a
81
MUSEU DA FUNDAÇÃO
CASA GRANDE
reproduzir as explicações que ouvia dos adultos sobre o museu para os turistas, enquanto as
outras crianças estavam brincando. Com a atitude do garoto, Alemberg viu potencial na ideia
de envolver crianças e jovens no projeto e começou a formá-los como monitores e a fazer cam-
peonatos esportivos na Casa. Anos depois, esse potencial foi confirmado novamente quando
Totonho – o garoto que abre este capítulo – repetiu a história de uma maneira um pouco mais
cômica, como veremos à frente.
Miguel Barros, o primeiro “menino da Casa Grande”, agora está com 32 anos. Depois de 20
anos frequentando o espaço diariamente, ele se afastou um pouco da iniciativa, em 2012,
para se dedicar a novos projetos pessoais. Atualmente, está cursando Direito e quer continuar
no Cariri cearense como funcionário público. Ele contou os aprendizados e vivências que
teve na FCG: “aprendi muito do que sei lá, principalmente em termos de comportamento
e autoestima. Eu era uma pessoa muito tímida e, depois que entrei na Fundação, comecei a
trabalhar essa timidez”. Ele foi o primeiro editor da TV da Fundação e teve a oportunidade
de representar o Brasil na ONU, em 1998. Ele lembrou: “eram 36 países e eu fui represen-
tando a Fundação Casa Grande e o Brasil. A gente foi conversar sobre Direitos Humanos e os
direitos das crianças e do adolescente. Conheci outras culturas, outras pessoas e até um outro
país. Foi uma experiência muito legal”.
Nestes 22 anos de atuação, a Fundação já se tornou uma referência por causa dos traba-
lhos envolvendo Educação, Comunicação, Cultura e Protagonismo Infantil e Juvenil que
desenvolve. Nova Olinda entrou no meu roteiro apenas para que eu conhecesse de perto
o trabalho da Fundação. Precisei esperar oito horas na rodoviária de Serra Talhada (PE) e
viajar outras seis horas de ônibus até Juazeiro do Norte (CE). De Juazeiro, peguei uma hora
de van até Nova Olinda. Almocei duas coxinhas num bar e dei uma volta pela pequena
cidade enquanto a hora marcada para a visita não chegava. A aventura valeu a pena.
Não sou apenas eu quem vai até o interior do Ceará, numa cidade de 14 mil habitantes (sendo
5 mil na zona rural e 28% de analfabetos) para conhecer o trabalho da Fundação Casa Gran-
de. A ONG inseriu a cidade de Nova Olinda na rota do turismo social e cultural do país. Nos
últimos quatro anos, mais de 100 mil turistas brasileiros e estrangeiros e moradores de Nova
Olinda foram atendidos pela Fundação em todos os espaços de convivência (teatro, museu,
internet, DVDteca, parquinho, biblioteca e atividades esportivas), segundo a Fundação.
REALIDADE DA CIDADE
Nova Olinda emancipou-se há pouco mais de 50 anos. Fica na beira de estradas estaduais
e ainda tem a economia baseada na agricultura e na extração de minérios usados para a fa-
bricação de gesso e cimento. A acadêmica Isabelle Noronha encontrou em sua pesquisa de
mestrado4 um fragmento de jornal sem data que dizia que a cidade já ocupou
a posição de detentora do IDH mais baixo do Brasil. Em 1991, o Índice de De-
senvolvimento Humano Municipal era de 0,313; em 2010, esse número subiu
para 0,625 (o de São Paulo era de 0,626 em 1991 e, em 2010, atingiu 0,805)5.
Hoje, Nova Olinda tem nove escolas públicas e duas privadas, a maioria em
zona urbana. O IDEB municipal dobrou de 2,7 pontos em 2005 para 5,4 em
2011. Mesmo assim, a realidade educacional ainda é precária. Mais da metade
das escolas públicas não tem esgoto via rede pública e quase vinte por cento ain-
da não tem um sistema público de abastecimento de água6. Na escola, crianças
e jovens aprendem o conteúdo necessário para ter um entendimento de mundo.
No contraturno, independentemente do poder público, as portas da ONG estão
abertas para todas as crianças e jovens participarem de vivências que trabalham
com habilidades e competências, como autonomia, protagonismo, trabalho em
grupo e diálogo. Nem todos da cidade participam das atividades e usam os espa-
ços da Fundação, mas é possível ver a diferença que a ONG faz na vida de quem 83
é próximo da Casa Grande. Na minha visita, conheci Yasmin – uma menina de
oito anos muito simpática que frequenta a Fundação desde que se entende por
gente – passa mais tempo na Fundação do que em casa ou na escola; aprende
todos os dias na FGC em atividades como aulas de Inglês ou oficinas de Comu-
nicação e, principalmente, com o convívio com outros meninos e meninas da
Casa Grande de todas as idades.
É importante ressaltar que nem toda a cidade participa ativamente do movi-
mento criado pela Fundação Casa Grande. Noronha teve a oportunidade de
passar mais tempo em Nova Olinda do que eu e teve a oportunidade de con-
versar com pessoas que criticam o trabalho da ONG. A pesquisadora escreveu:
“dentre as pessoas com quem conversamos informalmente, a cidade pareceu-
nos um pouco dividida entre aqueles que reconhecem o trabalho e aqueles
que o criticam de forma negativa. Como o pai e a mãe de um ‘ex-menino’ que
teceram duras críticas ao projeto, principalmente com relação ao fato de o dire-
4. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a
Educação patrimonial. João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação em
Educação Popular, Comunicação e Cultura. Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012.
7. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a Educação patrimonial.
João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação em Educação Popular, Comunicação e Cultura.
Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012. p. 133.
8. UNICEF, EDUCARTE E CENTRAL DE PROJETOS. Projetos de Educação, Comunicação & Participação: Perspectivas para Políticas
Públicas. Disponível em: <www.UNICEF.org/brazil/pt/midia_escola.pdf>. Acessado em 09/02/2014. p. 46.
9 para 10 anos - e a Casa começou a ser restaurada. Fiquei com curiosidade de
saber o que ia acontecer naquela casa que a gente tinha como mal assombrada.
Quando a Fundação foi inaugurada, eu me interessei pela parte mais histórica
da Fundação, pelas histórias dos índios do Cariri”. Com o tempo, ele começou
a participar ativamente de outras atividades da Fundação, começando como re-
cepcionista do museu e seguindo para diversas áreas e funções.
Anos depois de Miguel ter iniciado a participação das crianças nos cargos da
Fundação, Totonho, que apareceu no início do relato sobre a Fundação falan-
do na rádio da ONG, repetiu a história de maneira um pouco mais engraçada.
A história, contada por Helinho, mostra como as coisas acontecem natural-
mente na Casa Grande. Num desses dias em que Rosiane e Alemberg não
estavam na Fundação, o museu recebeu um grande número de turistas. Como
os monitores não estavam dando conta de atender todos, os próprios jovens
começaram a receber os visitantes. Quando Alemberg chegou, viu a recepção
do museu tomada por turistas e foi ver o que estava acontecendo. Encontrou 85
uma criança de cuecas recepcionando os convidados. Era Totonho. Helinho
exclamou: “disseram que ele explicava direitinho tudo do museu!”.
Com o trabalho inicial da Fundação, Alemberg conseguiu retirar o rótulo de
“casa mal assombrada” do imóvel e mudou a realidade da cidade. Com jogos,
pipoca e uma escolinha para ensinar lendas e arqueologia para crianças, a Casa
foi se tornando ponto de encontro de Nova Olinda.
Noronha também conseguiu um rico depoimento de Rosiane sobre o início dos
trabalhos na Fundação, que mostra que nem todas as crianças e jovens estavam
interessadas na abertura da Fundação e que o conhecimento e a relação da ins-
tituição com a realidade local foram fundamentais para envolver a comunidade:
“quando a gente inaugurou a Casa Grande, tinha a expectativa de trabalhar com a
juventude da cidade, com os jovens. A gente achava que ia fazer um trabalho bem
legal com a edificação de um centro cultural na cidade. Só que a juventude estava
muito perdida nessas histórias de bebidas, dos forrós, dessas coisas. Então, não se
interessou tanto, e a gente se deparou com a meninada, muito danada por sinal,
e que a gente tinha que administrar (...) (ROSIANE, entrevista concedida em
14/12/2007 no escritório da FCG em Crato)”9. O início não foi fácil, no entanto
9. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com
a Educação patrimonial. João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação
em Educação Popular, Comunicação e Cultura. Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012. pp.
foto Caio Dib
ÁREA EXTERNA DA
FUNDAÇÃO CASA GRANDE
conseguimos ver como o projeto se desenvolveu nesses vinte anos.
NA PRÁTICA
A Fundação trabalha com base em cinco programas: a Educação Infantil, a
Profissionalização de Jovens, o Empreendedor Individual, a Geração de Renda
Familiar e a Sustentabilidade Institucional.
O programa de Educação Infantil é a continuação da maneira como a Fundação
foi criada: a partir das brincadeiras populares, as crianças aprendem sobre as len-
das e a cultura da região e são introduzidas na cultura da Fundação Casa Grande.
O programa de Profissionalização de Jovens é um dos que chama mais atenção
no trabalho da ONG. A partir de vivências, os jovens entre 10 e 18 anos ocu-
pam diversas funções nas várias áreas em que a FCG atua e muitas vezes assu-
mem cargos de responsabilidade, como os de diretoria. Assim, durante o ano,
crianças e jovens circulam por todas as áreas de atuação da Fundação. Desta 87
maneira, é possível conhecer mais sobre cada área dentro de Comunicação e
Cultura e até mesmo se especializar para uma atuação profissional.
Helinho, que já foi diretor da rádio, da DVDteca, de esportes e hoje atua no
estúdio de audiovisual, explicou: “Um dos focos da Casa Grande é formar es-
sas pessoas em gestão cultural. Assim, eles podem usar várias ferramentas que
trabalhamos aqui da melhor maneira possível”. Ele também está inserido no
mercado de trabalho a partir dos contatos firmados na Fundação, conhecidos
como Amigos da Fundação Casa Grande. Uma semana depois da nossa con-
versa, o jovem viajou para São Paulo para fazer um trabalho de edição para
Gabriela Romeu, jornalista amiga da Fundação e criadora do projeto Infâncias
(compartilhado neste livro).
Helinho chegou à Casa Grande aos dez anos, depois que o pai, policial militar,
foi transferido para Nova Olinda. “Um amigo meu sabia que eu gostava de mú-
sica e me chamou para participar de um programa de rádio que tocava reggae.
Logo no primeiro dia, ele foi me ensinando tudo. Comecei a ajudar todos os
dias nesse programa e, consequentemente, a participar das outras atividades.
Em dois meses, ganhei o uniforme”, conta com orgulho. Já são quase 16 anos
frequentando a instituição diariamente. Hoje, ele já está no terceiro nível do
programa, o Empreendedor Individual, em que os meninos da Casa Grande já
estão trabalhando e se mantendo com o que aprenderam na etapa de Profissio-
nalização de Jovens.
Atualmente, apenas 30 crianças e jovens possuem esse uniforme citado por Helinho. Ele re-
presenta uma relação de compromisso e responsabilidade com a Casa Grande. Todos os dias,
eles chegam à Fundação às 12h30 e fazem a limpeza da Casa. Depois, participam de várias
vivências oferecidas. As portas estão sempre abertas para todos, mas quem não tem uniforme
precisa estar acompanhado de um menino ou menina da Casa Grande. Em entrevista con-
cedida à Revista Mandacaru em dezembro de 1995 e replicada por Noronha em sua tese de
mestrado, Alemberg contou: “(...) a gente só fez o quê? Lapidar, pegar as crianças e começar o
trabalho de lapidação e de orientação através da arte, para que elas entrassem nesse universo
da mitologia, da arqueologia que a Casa Grande vem trabalhando. A gente não pediu às
crianças para mostrar os quadros, elas é que começaram a mostrá-los aos visitantes, a pegar a
vassoura e varrer... Terminamos trabalhando só com as crianças e o tempo todo elas puxando
a gente. Ainda hoje, puxam agora, querem montar um conjunto e a gente vai atrás de conse-
guir equipamento para elas”10. Estas atitudes de preservação e de cultura da instituição são
a base do programa de Sustentabilidade Institucional. Alemberg contou a importância desse
pilar na ONG: “as crianças e os jovens vão aprender como é que mantêm a Fundação de
portas abertas. Esse programa absorve todos os outros”.
As regras da FCG e a convivência diária das crianças e jovens fazem parte da construção
do modo de ser e de ver as realidades de cada um e da ONG. Noronha considerou, na tese
de mestrado: “as reflexões, dinâmicas e vivências que o ambiente propicia ajudam a interio-
rização de valores, identidade, autoestima, autoconfiança, responsabilidade, solidariedade,
convivência e cidadania, conforme pudemos perceber pela observação participante e entre-
vistas realizadas com vários sujeitos da FCG”11.
O quinto programa, chamado Geração de Renda Familiar, foi criado com a maturidade dos
projetos e o crescimento dos meninos da Casa Grande. Alemberg explicou: “ele faz uma li-
gação do menino que entra na Fundação até ele casar e gerar recurso dentro da família dele.
O turismo comunitário é a base deste programa”.
Assim como veremos no Programa de Desenvolvimento e Crescimento Integrado com Sus-
tentabilidade do Mosaico de Áreas de Proteção Ambiental do Baixo Sul da Bahia (PDCIS)
- projeto capitaneado pela Fundação Odebrecht no Baixo Sul da Bahia - em Nova Olin-
da havia poucas oportunidades de trabalho e as possibilidades de melhoria na qualidade
10. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a Educação patri-
monial. João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação em Educação Popular, Comunicação e
Cultura. Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012. p. 57.
11. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a Educação patri-
monial. João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação em Educação Popular, Comunicação e
Cultura. Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012. p. 127.
de vida eram quase nulas para os jovens da cidade. Isso começou a mudar
quando o programa de Geração de Renda Familiar foi criado. Nele, as casas
dos familiares e dos “meninos crescidos da Casa Grande” são abertas como
pousadas familiares. Nessas pousadas familiares, turistas vivem o cotidiano
dos moradores, compartilhando espaços, refeições e conhecimentos. Não tive
a oportunidade de me hospedar em uma dessas pousadas porque as diárias
estavam acima do meu orçamento de gastos. Porém, pude ver a importância
da cooperativa para a cidade e para a FCG, ao oferecer possibilidades de hos-
pedagem aos turistas. Helinho contou: “hoje a cidade é um destino indutor do
turismo do Brasil, justamente por conta da Fundação”.
O trabalho realizado pela Fundação e pelo grupo de mães que gerencia este
programa possibilitou a geração de renda e a diminuição do êxodo rural. Isa-
belle Noronha, em sua tese de mestrado, contou sobre a conversa com uma
professora de 24 anos, moradora de Nova Olinda. No diário de campo da
pesquisa, Noronha anotou: “[ela] dá aulas no Estado como professora tem- 89
porária, confessa que teve um tempo que quis ir embora, buscar melhores
condições de trabalho (o que a cidade não oferece) em outro lugar, teve opor-
tunidade inclusive de sair do país, no entanto, ficou, considera que não quer
mais sair, que seu lugar é em Nova Olinda. Ela já não está na FCG, mas
faz parte da COOPAGRAN [antiga cooperativa de familiares dos garotos da
Fundação], conta que seu irmão, que também cresceu com ela na FCG, hoje
tem um bom emprego na cidade vizinha, Crato, que conseguiu através de
concurso. Outra jovem, que também participava da conversa e compartilha-
va das mesmas angústias, disse já ter participado da FCG. Hoje, ela e outros
jovens universitários da cidade têm a sua própria fundação, o IDSS [Instituto
do Desenvolvimento Socioambiental Sustentável], que luta pela preservação
do meio ambiente. (D.C. 28/08/2008)”12.
12. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a
Educação patrimonial. João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação em
Educação Popular, Comunicação e Cultura. Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012. p. 66.
mim, fora do período que ela costuma fazer isso. Mesmo um pouco emburrada, ela me contou
sobre a história do museu e falou um pouco sobre sua vida na Casa Grande, que começou
desde que ela se conhece por gente. Ela é uma garota magra, com cabelos e olhos castanhos.
Enquanto brincava com os amigos, sorria de uma maneira muito alegre. Sempre que vejo
uma foto dela nas redes sociais de Helinho ou da Fundação tenho saudades daquela Casa
Grande e do Cariri.
Depois de conhecer o museu com Yasmin, Helinho me levou até o teatro para conversarmos
sobre o projeto. Para chegar lá, caminhamos alguns metros por corredores com várias fotogra-
fias de famosos em visitas à Fundação. O humorista Renato Aragão, os apresentadores Eliana
e Luciano Huck e os músicos Lobão e Gilberto Gil (com quem Helinho teve a oportunidade
de tocar uma música) eram alguns dos célebres fotografados. Pelo caminho, crianças e jo-
vens brincando, estudando, usando computadores ou trabalhando na catalogação de peças
encontradas nas escavações arqueológicas. Dividimos o espaço do teatro com a professora
Meg, uma norte-americana de 59 anos que veio ao Cariri ensinar inglês para as crianças da
FCG como voluntária. A aula era feita mais por brincadeiras do que um ensino tradicional.
Enquanto eu olhava para as crianças brincando com uma bexiga da cor white, Helinho me
explicou: “a Fundação quer agregar as pessoas, valorizar o convívio”. Yasmin e um outro ga-
roto que Helinho nunca tinha visto por lá faziam a aula de Meg e, indiretamente, também
estavam aprendendo a conviver em grupo em todos os espaços da FCG. Vi a importância das
crianças uniformizadas quando Yasmin gritou brava para o garoto: “ei, você não pode subir aí
não!”, assim que ele começou a subir no andar superior do teatro.
A FCG foi crescendo junto com os garotos e garotas que construíram esse projeto com Alem-
berg e Rosiane. Em 1998, a Fundação conseguiu incorporar a casa vizinha, que tinha sido
a primeira escola da cidade, na década de 196013, que se encontrava abandonada, e imple-
mentou uma DVDteca no espaço. Em 2000, houve mais uma expansão para a criação dos
estúdios de rádio e TV e o início de uma Escola de Comunicação. Em 2002, a Fundação
cresceu ainda mais com a construção de um teatro e hoje ocupa um quarteirão inteiro da
cidade. Incentivos governamentais para fomento à cultura e de empresas e institutos parcei-
ros permitiram a expansão da ONG. A Lei Estadual de Incentivo à Cultura nº 12.464, por
exemplo, permitiu a doação do prédio vizinho à Casa Grande e repasse de recursos para a
TV da ONG.
13. Construída por Alvino Ribeiro de Carvalho, que a construiu para que sua esposa Josefa de Matos Cordeiro (Dona Zefinha, a primeira
professora de Nova Olinda) tivesse onde dar aulas. Hoje faz parte do complexo da Fundação Casa Grande. Ouça a história, roteirizada, gravada
e interpretada pelas crianças e jovens da FCG: www.goo.gl/0eqPHP.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Alemberg costuma dizer que a FCG não tem pedagogia, tem filosofia14. Em
sua tese de mestrado, Noronha compartilhou um interessante relato de Rosiane
sobre a ausência de um “modelo pedagógico definido”: “a Casa Grande nasceu
de uma forma muito intuitiva, ninguém foi pesquisar Paulo Freire, nem Piaget,
nem não sei quem, para criar modelo pedagógico, para criar uma fundação ali,
a gente não fez isso. Depois é que as pessoas vieram e foram encontrando Paulo
Freire, foram encontrando não sei quem, não sei quem, não sei quem, dentro
do que a gente foi fazendo, mas a gente não tem um compromisso com esses
pensadores. De ter que rezar a cartilha de um ou de outro, a gente não tem esse
compromisso, nosso compromisso é com a nossa filosofia. (Rosiane, entrevista
concedida em 14/12/2006)”15.
Alemberg explicou para mim esta ausência de metodologia e presença de filoso-
fia de uma maneira divertida e bonita, que decidi transcrever na íntegra: 91
“A gente nunca se ligou nessas coisas de conceito pedagógico. Essa é uma coisa
mais dos estudiosos da Fundação. Uma vez um pedagogo me perguntou ‘oh,
Alemberg, qual a pedagogia que você usa na Casa Grande?’. Eu respondi: ‘qual
é a que você vê?’. Ele me contou: ‘eu vejo essa’. Daí eu falei: ‘pronto, é essa en-
tão’”. Daí outro veio e me fez a mesma pergunta. Daí eu perguntei e ele disse
o nome de outro pedagogo. Daí eu disse: ‘é essa mesmo!’. Daí eu reúno esses
pedagogos e pergunto: ‘qual foi a pedagogia que a mãe de vocês usou para criar
vocês?’ Nenhum sabe responder, porque é uma pedagogia chamada amor. E
amor não se classifica como método pedagógico. Por isso que eu digo que a Casa
Grande tem objetivo familiar. Porque a coisa mais próxima do amor é o amor de
mãe. Ela tem essa coisa de abrigar e construir famílias.
O que representa a Casa Grande é justamente a família. O objetivo da Casa
Grande não está mais dentro da Casa Grande. Ele é o espaço onde se discute e
se apodera de uma tecnologia de restauração familiar. Hoje a preocupação dela
é que os meninos tenham sua casa, sua família, que dentro da casa dele tenha
14. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a
Educação patrimonial. João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação em
Educação Popular, Comunicação e Cultura. Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012. p. 93.
15. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a
Educação patrimonial. João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação em
Educação Popular, Comunicação e Cultura. Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012. p. 92.
uma prateleira com bons discos, bons livros, que o diálogo seja permeado pela qualidade do
conteúdo.
A Casa Grande tem três pilares muito ligados à minha infância e à relação com meu pai. Meu
pai era uma pessoa que conversava muito comigo dentro desses três pilares: a Biblioteca de
Alexandria, a Escola Filosófica Grega e a construção do Templo de Salomão. Então, isso aí é
o que permeia a Casa Grande. Todo aquele conteúdo é como se fosse uma homenagem à Bi-
blioteca de Alexandria. Aquele espaço construído arquitetonicamente, com cores harmônicas
dialogando umas com as outras, tem a ver com a construção do Templo de Salomão. E a Es-
cola Filosófica Grega é esse diálogo que a gente tem dentro da Casa Grande. A Casa Grande
trabalha com vivência, não com formação. Isso está muito ligado à Escola Filosófica Grega”.
A maioria das práticas educacionais inspiradoras analisadas neste livro iniciou-se sem um
modelo definido e, depois de concretizada, foi encontrando bases e inspirações teóricas mais
claras. Muitas vezes, como aconteceu na Casa Grande, as iniciativas vieram antes mesmo da
formulação e concretização das teorias sobre elas. Alemberg exemplificou: “quando experiên-
cias como as da Casa Grande surgiram, surgiu o conceito de Educomunicação. Foram essas
experiências que serviram para apontar que estava surgindo uma coisa nova no Brasil e que
teria que ser conceituada”.
Noronha, por sua vez, tem argumentos que contrastam os depoimentos de Rosiane e de
Alemberg em sua tese de mestrado: “a relação teórico-prática, embora negligenciada (...), é re-
velada no cotidiano da ONG, em que tudo é muito planejado, executado e teorizado”. Além
de amor (que é o “referencial teórico” mais importante citado por Alemberg), a Fundação
Casa Grande também trabalha a partir dos conceitos de Educação não-formal, Educomuni-
cação e Educação Patrimonial.
Noronha trouxe um referencial teórico com um ponto de vista bastante interessante sobre
Educação não-formal. A pesquisadora explicou: “para Gohn (2005), a Educação não-formal
designa um processo com quatro campos ou dimensões: envolve a aprendizagem política dos
indivíduos enquanto cidadãos; a capacitação para o trabalho; a aprendizagem e o exercício de
práticas que capacitem os envolvidos a se organizarem com objetivos comunitários, voltados
à solução de problemas coletivos cotidianos; aprendizagem dos conteúdos da escolarização
formal em espaços e tempos diferenciados”16. A FCG segue muito essa linha de atuação em
seus projetos e modos de ser, principalmente ao possibilitar a formação de grupos organiza-
16. NORONHA, I. Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri: cotidiano, saberes, fazeres e as interfaces com a Educação patrimonial.
João Pessoa: UFPB, 2008. Dissertação (Mestrado) – UFPB/CE, Programa de Pós-Graduação em Educação Popular, Comunicação e Cultura.
Disponível em: <www.goo.gl/WsniJ9>. Acessado em: 16/12/2012. p. 15.
dos que trabalham para o desenvolvimento pessoal e comunitário, desde o ato
de limpar e organizar o espaço todos os dias até o trabalho de produção de di-
versos projetos comunicativos.
Além disso, a Fundação realiza um trabalho bastante importante de Educação
Patrimonial com base na realidade do Cariri cearense. Aproveitando a riqueza
arqueológica da região, a FCG atua de maneira que crianças e jovens possam
compreender a importância desses tesouros históricos, criando uma valoriza-
ção desse material e consequente proteção desses bens contra exploradores ou
descasos que possam levar ao desgaste natural. Em outro artigo sobre o trabalho
da ONG17, Noronha traz as considerações de outros pesquisadores para abor-
dar a importância da Educação Patrimonial na FCG: “para Horta, Grunberg
e Monteiro (2006), a Educação Patrimonial consiste em provocar situações de
aprendizado sobre o processo cultural, seus produtos e manifestações, aguçan-
do a curiosidade dos envolvidos para descobrir mais sobre ele e também sobre o
meio ambiente no qual está inserido. A FCG faz isso por meio de suas práticas 93
educativas não-formais”18.
O trabalho da Fundação também pode ser ligado com o francês Célestin Frei-
net, que desenvolveu uma metodologia baseada na experiência e no trabalho
durante o século XX que se preocupavam com o desenvolvimento máximo das
possibilidades de cada criança, a valorização de suas qualidades pessoais e o
trabalho coletivo. Freinet introduziu o trabalho com a imprensa na escola em
1924, na França, e, assim, tornou-se uma das principais bibliografias na área
de Educomunicação. No trabalho com a imprensa na escola, os alunos eram
responsáveis por toda a produção de um jornal escolar. Com isso, buscava-se
“restabelecer o circuito para ligar a escola à realidade”19 e romper o modelo da
Educação baseada no indivíduo, substituindo-o por uma maneira de se apren-
der a partir da experiência e do trabalho em grupo.
Na abertura do livro de Freinet, A Educação do Trabalho, Jacques Bens conta:
“Freinet pretendia fazer esta ligação estabelecendo e interpretando a dialética
19. REDE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E PARTICIPAÇÃO (REDE CEP). Educomunicar: Comunicação, Edu-
cação e Participação para uma Educação pública de qualidade. São Paulo: Instituto C&A e Unicel, 2008. Disponível em:
<www.goo.gl/JDqBV>. Acessado em 09/02/2014. p. 123.
instaurada entre o comportamento psicológico das crianças e o meio social delas, que, no caso,
é o meio rural”20. Bens também relembra que “Freinet não costumava tomar ao pé da letra
o que encontrava nos livros: gostava de pô-lo à prova na vida cotidiana”21. E era exatamente
isso que o educador francês fazia com seus alunos. Através da produção de um jornal escolar,
as crianças interagiam com o conteúdo estudado nos livros e também com as comunidades às
quais pertenciam. Escrevi em meu trabalho de iniciação científica Possibilidades de melho-
rias na vida comunitária via Educomunicação praticada por jovens do Ensino Médio: “desta
maneira, a possibilidade de ver um sentido no que é estudado no banco escolar aumentava,
já que o conteúdo aprendido misturava-se com a realidade dos estudantes”22. Freinet foi bas-
tante criticado pelas ideias inovadoras que propunha na Educação. Por isso, nunca obteve
grande apoio das instituições de ensino ou do governo francês para a produção dos jornais
escolares. Mesmo assim, até hoje seu trabalho influencia projetos em todo o mundo, como o
da Fundação Casa Grande.
CONCLUSÃO
A Fundação Casa Grande é um dos principais projetos que envolvem Comunicação, Edu-
cação e protagonismo infanto-juvenil no Brasil. O empoderamento de crianças e jovens é a
principal riqueza da ONG. Todos que se envolvem com esse projeto desenvolvem maneiras
de ser e de ver o mundo e instrumentalizam-se para tornarem-se verdadeiros agentes de trans-
formação.
Noronha captou em uma das entrevistas para o mestrado: “Não tem nada que eu tenha
aprendido na Casa Grande que eu não use na minha vida. Tudo o que eu uso, seja na vida
profissional ou na pessoal, faz parte de lá, local em que fiquei por treze anos. A parte que mais
gostei foi da TV e da editora. Era o meu irmão que me acompanhava como câmera. (jovem,
professora, entrevista concedida em 19/10/2007)”23. Isso mostra que, mesmo em outras fases
de vida, os aprendizados, vivências e a rede formada dentro da FCG auxiliam o desenvolvi-
mento pessoal e profissional dos que foram (e sempre serão, pela cultura do projeto) garotos e
garotas da Fundação Casa Grande.
20. FREINET, C. A Educação do trabalho. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. IX.
22. SEIXAS, C. Possibilidades De Melhorias Na Vida Comunitária Via Educomunicação Praticada Por Jovens Do Ensino Médio. São Paulo:
Centro Interdisciplinar de Pesquisas da Faculdade Cásper Líbero, 2010. p. 30.
23. NORONHA, I. A Educação na cidade: o patrimônio que educa a instituição que Sistematiza. Disponível em <www.uv.es/asabranca/
encontre/alencar.pdf>. Acessado em 20/01/2014. p. 183.
A Fundação realmente é a “Escola de Comunicação para a meninada do sertão”.
Uma mãe de adolescente e participante do Programa de Geração de Renda Fa-
miliar contou para os autores do livro da Rede CEP: “eu digo que a Casa Grande
é uma faculdade de comunicação sem vestibular. Porque a experiência que es-
ses meninos têm dentro desses projetos é muito grande. Pelo número de pessoas
que ele recebe, que passa informação para ele, que ele passa a informação para
essas pessoas. É uma troca de conhecimento muito grande e enriquece muito.
Todo mundo que passa ensina alguma coisa. Samuel aprendeu a gostar de blues,
aprender a gostar de jazz. E engraçado é que o pai também aprende, o engraçado
é que o pai vai na onda...”24.
95
INFORMAÇÕES SOBRE A PRÁTICA
Site: www.fundacaocasagrande.org.br
E-mail: [email protected]
Telefone: (88) 3546-1333
24. UNICEF, EDUCARTE E CENTRAL DE PROJETOS. Projetos de Educação, Comunicação & Participação:
Perspectivas para Políticas Públicas. Disponível em: <www.UNICEF.org/brazil/pt/midia_escola.pdf>. Acessado em
13/11/2013. p. 51.
OFICINA
COLÉGIO
97
HISTÓRIA
O Oficina não tem esse “rótulo” por acaso. Foi criado por um grupo de educadores com tra-
balhos bastante representativos nas lutas contra a ditadura militar e nos movimentos sindi-
calistas. Márcia Kalid, professora de Geografia e diretora do colégio, contou: “fazíamos parte
da direção do sindicato dos professores do Estado. Chegou determinado momento que nossa
luta foi tão acirrada que estávamos perdendo a estabilidade nas escolas. Quem queria ter
na escola líderes tão fortes?”. Isso era na década de 80, bem durante o enfraquecimento da
Ditadura Militar. Márcia e outros colegas decidiram, então, criar uma cooperativa de profes-
sores para fazer um cursinho pré-vestibular diferenciado. Márcia contou: “aplicávamos toda
a estrutura do terceiro ano do colégio no cursinho. Foi um trabalho tão bom e tão diferenciado
que os pais começaram a nos pressionar para que fizéssemos uma escola para que os filhos me-
nores também pudessem fazer parte daquele tipo de Educação. Buscamos toda literatura de
[Jean] Piaget a [Demerval] Saviani. Fomos estudar a fundo, nós não queríamos estudar uma
só pedagogia. Queríamos algo que fosse polifônico, que pudéssemos atender dentro daquilo
que a gente acreditava Educação”.
Foi assim que nasceu o colégio com o nome inspirado na Companhia de Teatro Oficina, que
teve importante papel durante a época da ditadura. O Oficina se importa muito em incen-
tivar a democracia real dentro e fora da escola. Daniela Moura, ex-aluna do Oficina, contou
como o colégio dá importância ao grêmio, aos espaços de diálogo, à democracia a partir de
eleições diretas para diversas representações estudantis. Ela disse: “o Oficina valoriza muito
tudo isso. O discurso do colégio é muito politizado. Os alunos fazem parte do colégio e aju-
3. O próprio Saviani explica o que são as teorias crítico-reprodutivistas: “são elaboradas tendo presente o fracasso do movimento de maio de
1968. Buscam, pois, pôr em evidência a impossibilidade de se fazer uma revolução social pela revolução cultural. No fundo, os reprodutivistas
raciocinam mais ou menos nos seguintes termos: tal movimento fracassou e nem podia ser diferente” (SAVIANI, 58:2011).
4. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011. pp.114-115; grifos do autor.
5. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011. pp.58-59.
6. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011. p.120.
ou, dizendo de outro modo, passa-se do empírico ao concreto pela mediação do
abstrato”7. Ou seja, a partir da experimentação, é possível “propiciar a aquisição
dos instrumentos que possibilitam o acesso ao saber elaborado”8.
Um exemplo prático com a mesma motivação da teoria de Saviani sendo apli-
cada dentro do Colégio Oficina é a aula do professor de Física Lucio Vega. Ele
cursou Física na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e, desde a época da
graduação, sentia que precisava ir além do uso de fórmulas matemáticas. Ele
contou: “sempre fiz da sala de aula o meu laboratório. Fazer da sala de aula
como laboratório é se arriscar, é se aventurar, é estar aberto para mudar, pro-
curar e cutucar. Isso para mim é natural, não faço porque estou querendo ser
pesquisador. Faço para descobrir como atingir este aluno. Mas, sempre procu-
rei inovar me prendendo a um material didático. O aluno teria que possuir algo
concreto. Não poderia viajar por viajar. Então, quando comecei a elaborar o
meu material didático, passei a me arriscar na experimentação”.
101
O modo de ser do professor Lucio em sala de aula lembra as bases da Pedagogia
histórico-crítica, mas ele contou: “minha motivação foi outra, mas, talvez, tenha
sido a mesma que gerou a pedagogia histórico crítica: ‘os alunos precisam saber
de onde vêm as coisas’. Queria apenas trazer a verdade do processo e, assim, criar
pessoas preparadas para dar continuidade ao processo enxergando o processo
como processo, não como algo estático... como verdades que já estão aceitas como
verdades... pois, na verdade, nenhuma verdade é verdade verdadeiramente”.
A pedagogia histórico-crítica é a matriz do Colégio Oficina. O profes-
sor Lucio utiliza a internet para desenvolver os estudantes através do site
www.professorlucio.com.br. Ele considerou: “lá os alunos vazem uma pré-au-
la sobre o conteúdo. A perspectiva de minha parte que eles ganhem mais au-
tonomia sendo responsáveis ativos do processo. Eles precisam fazer as ativida-
des online que incluem vídeos aulas e questionários com auxílio dos recursos
do Google. Quem não faz, não acompanha bem o processo. É uma linguagem
deles que o colégio deve usar. Eu estou experimentando muito neste sentido”.
No terceiro ano do Ensino Médio, esta abordagem é alterada com um enfoque
maior no vestibular. Daniela contou: “as dificuldades que encontrei no terceiro
ano era que eu não sabia as fórmulas decoradas. Porque no primeiro e no segun-
7. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011. p.121.
8. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011. p.14.
do ano a gente só aprendia a raciocinar. A gente só aprendia as fórmulas se ele considerava
que não dava para não serem ensinadas em sala de aula. Mas antes de aprender qualquer
fórmula, a gente aprendia a história por trás da fórmula, desde Newton, desde Aristóteles.
Ele trabalha com uns artifícios super diferentes e na prova a gente tinha que escrever como
Aristóteles pensava – ‘se fosse esse fenômeno, como Aristóteles interpretaria?’ – e ele desen-
volvia isso a partir de uma análise histórica para vermos com a Física evolui para chegarmos
ao ponto que é hoje. Ele tinha uma maleta tipo Mary Poppins. Ele abria essa maleta e tirava
as coisas mais absurdas. Ele tinha âmbar, que é uma pedra que ajudou nos estudos primor-
diais sobre a eletricidade, ímãs, sistemas hidráulicos, engrenagens, ele tinha um arsenal de
coisas para a aula. Ele realmente fazia do espaço da sala de aula um mundo, muito mais do
que sala de aula. Ele teve que deixar um pouco de lado por causa da lógica do vestibular”.
É a partir da socialização do saber que é possível construir realmente um conhecimento que
Saviani chama de “sistematizado”. As pessoas e a construção coletiva de ações e saberes são
justamente uma das maneiras de uma escola que também se importa com o conteúdo disci-
plinar desenvolver cidadãos atuantes na sociedade e no mercado de trabalho. O modo de ser
do Oficina é estimular os alunos a refletirem sobre as informações que recebem, realizarem
conexões e saberem utilizá-las como instrumentos para se tornarem protagonistas em suas
próprias realidades. Isto é potencializado fora da sala de aula – a partir de vários projetos
interdisciplinares – e também dentro de classe, com base na Pedagogia histórico-crítica. Esse
modelo entende que os métodos utilizados pelo professor devam levar o aluno à construção
do conhecimento9. As atividades externas à sala de aula são entendidas como maneiras de
enriquecer as atividades curriculares. Saviani escreveu: “currículo é o conjunto das ativida-
des nucleares desenvolvidas pela escola. E por que isso? Porque se tudo o que acontece na
escola é currículo, se se apaga a diferença entre curricular e extracurricular, então tudo aca-
ba adquirindo o mesmo peso; e abre-se caminho para toda sorte de tergiversações, inversões
e confusões que terminam por descaracterizar o trabalho escolar (...). É preciso, pois, ficar
claro que as atividades distintivas das semanas anteriormente enumeradas são secundárias
e não essenciais à escola. Enquanto tais, são extracurriculares e só têm sentido se puderem
enriquecer as atividades curriculares próprias da escola, não devendo em hipótese alguma
prejudicá-las ou substituí-las”10.
Muitas vezes, a teoria é explicada por Saviani de uma maneira que torna difícil visualizar a apli-
cação prática da Pedagogia histórico-crítica. A aula do professor Lúcio Vega, compartilhada no
10. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011. pp.15-16.
início deste capítulo, é um bom exemplo prático, apesar de não ser necessariamen-
te baseada em Saviani. As metas para o desenvolvimento dos jovens estudantes
destacadas no Projeto Político-Pedagógico também são uma maneira de tornar o
modo de ser do Oficina mais claro. Segundo o documento11, busca-se:
Estes são apenas alguns dos grandes desafios propostos no PPP do colégio.
Um dos documentos do plano de ação do Oficina descreve o papel e os desa-
fios de cada disciplina. O currículo de Português, por exemplo, entende que
“os conteúdos devem ser selecionados de modo que permitam ao sujeito se
apropriar, transformar em conhecimento próprio os conteúdos vistos, através
da ação sobre eles”12. A diretora Marcia Kalid, que também é professora de
Geografia, explicou: “o Oficina é muito visto como o colégio dos alunos que
AVALIAÇÃO
Como o exemplo de aula do professor Lúcio ilustra bem, as avaliações do Ofi-
cina vão além de um pedaço de papel com espaços para preencher respostas
padronizadas. Márcia explicou: “a gente prima por avaliações que exigem um
posicionamento, interpretação do texto, e não só riscar a resposta certa. É claro
que a gente não tem que se afastar muito do tradicional, porque quando ele
entra na faculdade é avaliação tradicional”. Daniela sentiu a diferença quando
entrou no terceiro ano e teve aulas mais baseadas nos conteúdos do vestibular.
Ela contou sua experiência, com base nas aulas de Física: “para mim o terceiro ano é o assassi-
no da Educação, pelo menos no Ensino Médio. Ele acaba com todo o conhecimento que você
construiu. Ele vai tirar a importância de aprender para dar lugar à importância de você passar
numa prova. Eu entendi olhando na rua o que era Física, mas na hora de fazer uma prova que
você não tinha um enunciado que contextualizasse, que você não tinha todas as informações
que precisasse a não ser uma fórmula decorada era muito algébrico. Para mim isso não era
Física, eram só teorias da Física, só exercícios”.
No Oficina, as provas geralmente exigem posicionamento e interpretação por parte dos
educandos, indo além da resposta correta. No entanto, o colégio considera que as avaliações
“tradicionais” não são os únicos instrumentos para analisar o desenvolvimento dos estudan-
tes. O PPP destacou que todas as atividades realizadas no dia a dia do processo educativo
podem ser indicativas do desenvolvimento do aluno. Assim, o Oficina se desafia a “utilizar
toda e qualquer atividade significativa para a aprendizagem, como instrumento para diag-
nosticar e investigar as mais variadas situações de construção de conhecimento do aluno.
As atividades devem ser diversificadas, de forma que atendam às múltiplas inteligências”14.
Os projetos extras desenvolvidos pelo Oficina quase sempre estão atrelados a alguma ma-
téria, fazendo com que tenham mais sentido e realmente acrescentem algo no processo de
aprendizagem. Aqui vale retomar Saviani: “[as atividades] são extracurriculares e só têm
sentido se puderem enriquecer as atividades curriculares próprias da escola, não devendo
em hipótese alguma prejudicá-las ou substituí-las”15. A interdisciplinaridade é, de certa
maneira, favorecida pela maneira com a reunião de professores é realizada. Márcia contou:
“todos os professores da série se encontram durante a reunião de planejamento e trocam
experiências. Desse jeito, é possível crescer dentro do grupo”.
PROJETOS PRÁTICOS
De nada adiantaria uma estruturação conceitual da prática se não houvesse uma real aplica-
ção dela nos espaços educacionais. Paulo Freire já defendia: “é preciso diminuir a distância
entre o que se diz e o que se faz até que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”.
Os 680 jovens que frequentam as aulas do Ensino Fundamental II e Ensino Médio ofere-
cidas pelo colégio não têm como objetivo principal o sucesso em uma prova de ingresso na
14. COLÉGIO OFICINA, Proposta Curricular. Disponível em <www.colegiooficina.com.br>. Acessado em 05/04/2014. p. 70.
15. SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 2011. p.16.
universidade. O diferencial do Oficina é exatamente a gestão democrática e
a possibilidade de formação de cidadãos pensantes e atuantes na sociedade a
partir de projetos realizados pela comunidade escolar.
No Oficina, como já foi reforçado, o diálogo e as tomadas coletivas de decisão
são muito valorizados. As portas das salas dos diretores e coordenadores sempre
estão abertas aos alunos (muitas são de vidro, o que diminui a distância entre os
dois lados). Quando fui conversar com a coordenadora Claudia Pessoa, havia
uma anotação na lousa que ficava atrás da mesa daquela educadora sorridente,
feita para lembrá-la do encontro que teria com estudantes do nono ano naquela
manhã. Um grupo de alunos foi conversar com a coordenadora antes de as aulas
começarem para resolverem um problema de interesse de toda a classe. O pro-
fessor havia faltado e eles não haviam aprendido todo o conteúdo para a prova
que aconteceria na semana seguinte. Juntos, às 6h40 da manhã, coordenação e
alunos iniciaram um processo para buscar as alternativas que solucionariam o
problema por iniciativa dos próprios alunos. 107
Além de uma cultura voltada ao diálogo, à proatividade e à construção coleti-
va, o colégio tem uma série de projetos extras, integrados ao currículo oficial e
interligados entre si, que possibilitam essa formação humanista e participati-
va. Há uma série de iniciativas que envolvem todos os atores da aprendizagem
(gestores escolares, professores, funcionários, alunos, pais e comunidade) e que,
juntos, desenvolvem várias habilidades e competências dentro da escola. São
mais de dez projetos e eventos criados para fomentar a cultura, o esporte, a
sustentabilidade, a cidadania, entre outros.
OFICINA IN CONCERT
O Oficina in Concert é a principal e mais relevante iniciativa desenvolvida no
colégio. O projeto integra conteúdos curriculares ao desenvolvimento de habili-
dades e competências necessárias para a atuação na sociedade, como o trabalho
em equipe, o diálogo, a responsabilidade, a autonomia e a revelação de talentos
individuais. Daniela exclamou: “o Oficina in Concert é parte da sua vida, como
aluno do Oficina. Existem vários outros projetos que são mais pontuais e ser-
vem para nos divertimos. Mas o Oficina in Concert são dois meses de prepara-
ção da coreografia e apresentação, sem contar que ele é ligado ao CONESCO
[Congresso dos Estudantes do Colégio Oficina]”. O Oficina in Concert é o pro-
jeto mais importante do colégio porque é realizado totalmente pelos alunos e
também porque é um projeto que envolve vários outros projetos que o colégio realiza, como o
CONESCO e o projeto Gestão Financeira.
No início do ano, é definido um tema macro de trabalho. Esse tema gerador é subdividido
pelas classes. Daniela explicou: “cada série recebe uma diretriz. No ano em que estudamos
Grande Sertão: Veredas, por exemplo, cada turma explorava um lado do universo de Guima-
rães Rosa. E cada classe tinha suas divisões. A minha turma era o homem sertanejo com o seu
lado feminino, a outra tinha a questão das mulheres em Guimarães e a outra falava do amor
nas obras do escritor. Cada turma tinha uma forma de enxergar a obra de Guimarães”. O pro-
cesso todo é tão significativo que Daniela soube me contar o tema de cada ano em que ela foi
aluna do Oficina (Juventude, África, Utopias, Grande Sertão: Veredas, Universo da Música,
Cinema e Artes Visuais). O Oficina in Concert é discutido, planejado, articulado e executado
pelos alunos sob a orientação do Departamento de Língua Portuguesa e Arte, mas todas as
áreas de conhecimento estão envolvidas. Depois de decidido o tema, há um intenso trabalho
de pesquisa e discussão com os educadores.
Após a primeira etapa de pesquisa e apuração pelos estudantes, inicia-se uma série de diálo-
gos com especialistas de fora do ambiente escolar. O primeiro evento realizado pelos educan-
dos é o CONESCO. É um fórum nos moldes da UNESCO que traz especialistas da cidade
de Salvador para debater o tema anual junto com os alunos.
As discussões que acontecem durante o CONESCO são a base para a criação de um argu-
mento de cena. Esse é um relatório que vai continuar a ser trabalhado por alunos e profes-
sores a partir das pesquisas e das discussões com especialistas durante o ano e será base para
o roteiro de cena do produto final. Márcia contou: “eles se apoderam do tema e nas aulas de
Literatura e de Português transformam isso numa leitura cenográfica”. Daniela confirmou:
“a turma fica muito livre para usar recursos cênicos, tudo dentro de recursos em cena. Esse
trabalho era quase metade da nota de Português. Quase todas as matérias estão envolvidas
no projeto”.
Esse material, por sua vez, será a base para a criação de uma apresentação artística de alta
qualidade no Teatro Castro Alves (TCA), o maior de Salvador. Estive no TCA para assis-
tir uma apresentação de uma violinista internacional e o espaço impressiona pelo tamanho
e pela lista de artistas renomados que já subiram no seu palco. Segundo o próprio site do
colégio, o Oficina in Concert é considerado “uma prova pública de manifestação artística
do aprendizado acumulado ao longo dos outros Projetos” 16. Os alunos realmente levam o
projeto a sério. Daniela lembrou: “a gente fazia agenda de ensaios, construía o figurino. Eu
CONCLUSÃO
No Oficina, é possível ver que o desenvolvimento dos alunos vai além da sala de aula. Com
certeza, há muitos desafios porque o vestibular é uma realidade e o colégio se vê obrigado a
capacitar os estudantes a passarem nas provas de ingresso na universidade. Mesmo assim, os
resultados do trabalho do colégio ainda vão muito além dos conteúdos aprendidos em sala de
aula. Os alunos do Oficina são conhecidos como pessoas que fazem questionamentos, conse-
guem trabalhar em equipe, têm boa base de conteúdo e cultura e como pessoas autônomas e
proativas. Iniciativas como a escolha de representantes de classe e a valorização de projetos
que conversam com as disciplinas (como o CONESCO, o Oficina in Concert e o Projeto
Gestão Financeira, por exemplo) permitem que os estudantes tenham novas vivências, olha-
res mais amplos e responsabilidades que seriam cobradas apenas na universidade, no merca-
do de trabalho e na vida.
RIO
BAIRRO
ESCOLA
VERMELHO
111
BAIRRO-ESCOLA RIO VERMELHO
Quando soube que Salvador estaria na minha rota, a mesma amiga da faculdade que me
deu a dica do Colégio Oficina também me apresentou Anna Penido, uma das idealizadoras
da iniciativa. Assim, também conheceria um novo projeto que pretende transformar o Rio
Vermelho, bairro mais badalado de Salvador, em um bairro educador.
Anna é uma daquelas pessoas inspiradoras e com uma série de trabalhos significativos na Edu-
cação do país para promover o protagonismo juvenil e comunitário. Fundadora da ONG Cipó -
Comunicação Interativa, hoje foca seus esforços no Instituto Inspirare - que busca inspirar
inovações em iniciativas empreendedoras, políticas públicas e programas de investimentos
que melhorem a Educação no Brasil. Anna também foi gerente de projetos na Fundação
Odebrecht e Chief São Paulo Field Office da UNICEF Brasil. Sua formação tem raízes
baianas (graduou-se em jornalismo na UFBA), mas também já passou por universidades
como Columbia e Harvard. Mais do que um currículo extenso e importante, essa baiana tem
brilho nos olhos e trata todos com o mesmo carinho e com o mesmo sorriso.
COMO COMEÇOU
Em 2012, o Instituto Inspirare e a ONG Cipó iniciaram o projeto de transformar o Rio Ver-
melho em um bairro educador. O Bairro-Escola Rio Vermelho (BERV) concretizou-se em
uma iniciativa que envolve os poderes público e privado, a comunidade e o terceiro setor
para promover mobilizações que explorem os potenciais educativos do bairro e que envolvam
escola e comunidade. O projeto também carrega uma bandeira importante em defesa e in-
centivo da Educação Integral1. Fernanda Colaço, coordenadora do Bairro-Escola Rio Verme-
lho, considerou: “eu acredito que o projeto começou principalmente pelo olhar inquietador
do Inspirare de querer desenvolver e implementar um programa de Educação Integral. Eles
conseguiram enxergar que esse território era favorável tanto pela interlocução que já estavam
tendo com o Poder Público quanto pela importância que o Rio Vermelho tem na cidade de
Salvador”.
O projeto vai além da Educação dentro da escola. Anna Penido contou: “o Bairro-Escola Rio
Vermelho surge dessa ideia de que estarmos mapeando referencias nessa área de inovação.
Acreditávamos que era super importante experimentar como essas inovações acontecem na
1. O que se costuma entender por Educação Integral é o modo de ensino em que o estudante tem aulas em um turno e no outro turno continua
na escola tendo aulas de reforço, artes, línguas ou esportes. Além disso, Educação Integral é uma maneira de desenvolver integralmente o
indivíduo dentro e fora da escola, a partir de diversas atividades que envolvam tanto conteúdos curriculares como habilidades e competências,
saúde e cultura.
prática. Pensando em onde a gente começaria, e pelo fato de sermos de Salva-
dor, a ideia foi de começar por ali. O Rio Vermelho tem a cara da cidade, tem
um pouco de tudo do que tem na capital (classe popular, classe media, turistas,
pontos de cultura, bairro de passagem, paroquia e a festa de Iemanjá conviven-
do no mesmo beco). É muita pluraridade e todas as identidades de Salvador
representadas”.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
“IMAGINE UMA ESCOLA SEM MUROS, aberta à comunidade, que
beneficie a todos e também seja cuidada por todos. Uma escola imensa, com
quadras de esporte, praças e parquinhos, cinemas, teatros, museus, ateliês, en-
tre muitas outras facilidades. Uma escola em que o saber acadêmico tem tanto
valor quanto o saber popular e em que o currículo é uma grande trilha, ao longo
da qual se vivenciam experiências e descobertas”2. Essa escola, imaginada no
113
livro Bairro-escola: passo a passo, é possível. Muitas iniciativas em todo o mun-
do estão sendo desenvolvidas para a criação de bairros educadores a partir da
aplicação do conceito de Educação Integral.
O Portal Porvir fez interessante definição sobre Educação Integral: “é conceito
de educação que procura agir no desenvolvimento integral do ser humano. Ela
se apoia em três pilares. O primeiro é o desenvolvimento do ser humano em
todas as suas dimensões, não só do ponto de vista intelectual, mas também no
afetivo, no social e no físico. O segundo é a integração de tempos e espaços,
com a inclusão de diversos atores no processo educativo. Com tal integração, a
Educação não fica limitada ao espaço escolar nem se apoia exclusivamente no
professor, corresponsabilizando cidadãos e trazendo uma diversidade de olha-
res e saberes para os processos de aprendizagem. Já o terceiro pilar é o do desen-
volvimento das atividades em tempo integral”3. Portanto, a Educação Integral
vai além de crianças e jovens passarem o dia inteiro na escola com aulas de
manhã e atividades culturais e esportivas no período da tarde. É, sim, desenvol-
ver integralmente os educandos em diversos aspectos afetivos, sociais e físicos e
utilizando diversas ferramentas e oportunidades.
O LIVRO BAIRRO-ESCOLA: PASSO A PASSO TRAZ UM GUIA COM OS PASSOS PARA IMPLEMENTAR
UM BAIRRO-EDUCADOR EM QUALQUER REGIÃO. CONFIRA MAIS EM
WWW.UNICEF.ORG/BRAZIL/PT/BAIRRO_ESCOLA.PDF
4. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Texto referência para o debate nacional – Série Mais Educação/Educação Integral. MEC: Brasília,
2009. p. 31.
com eles promover uma constante e fértil transformação tanto dos conteúdos
escolares quanto da vida social (...)”5. O mesmo documento volta a lembrar-se
de Rosa Maria Torres um pouco adiante: “essa reflexão remete novamente a
Torres, quando afirma que, em uma comunidade de aprendizagem, todos os es-
paços são educadores – toda a comunidade e a cidade com seus museus, igrejas,
monumentos, locais como ruas e praças, lojas e diferentes locações – cabendo
à escola articular projetos comuns para sua utilização e fruição considerando
espaços, tempos, sujeitos e objetos do conhecimento”6.
É importante ressaltar que a integração entre escola e comunidade não acontece
apenas a partir da realização das atividades que seriam feitas dentro dos muros
da escola acontecendo em um espaço público. O documento do MEC reforçou:
“sair da escola não significa simplesmente aprender os conteúdos curriculares
em outro lugar, com uma aparência mais atrativa e moderna – significa ir além
e abrir possibilidades concretas para que os assuntos que interessam às crianças
e aos jovens e aqueles assuntos que preocupam a comunidade sejam objeto do 115
trabalho sistemático da escola”7. Olhando para fora, a instituição escola pode
desenvolver o processo educativo de uma maneira mais próxima da realidade
dos atores envolvidos. Neste sentido, o livro Bairro-Escola: passo a passo fez
interessante apontamento: “cabe à educação, portanto: capacitar os indivíduos
não para acumular, mas para navegar no conhecimento, acessando-o à medida
que se torne necessário e faça sentido para suas vidas. Criar redes de apren-
dizagem que lhes permita entrar em contato com novos e distintos conteúdos
a toda hora e em todo lugar (...). Estamos falando de uma educação capaz de
promover a formação integral e preparar os indivíduos para serem agentes do
seu próprio desenvolvimento e do desenvolvimento local”8.
O documento publicado pelo MEC também relembra que a Educação Integral
já era defendida por Anísio Teixeira, um dos maiores educadores e mentor do
Manifesto dos Pioneiros da Nova Escola. Na metade do século XX, Teixeira
propunha que a escola “desse às crianças um programa completo de leitura,
5. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Texto referência para o debate nacional – Série Mais Educação/Educação Integral.
MEC: Brasília, 2009. p. 33.
6. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Texto referência para o debate nacional – Série Mais Educação/Educação Integral.
MEC: Brasília, 2009. p. 35.
7. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Texto referência para o debate nacional – Série Mais Educação/Educação Integral.
MEC: Brasília, 2009. p. 47.
COMO ACONTECE
Em 2013, o projeto que pretende transformar o Rio Vermelho em um bairro educador estava
formatando suas bases e iniciando a atuação no local. A escolha do Rio Vermelho como região
de trabalho foi bastante estratégica. Além de ser uma “vitrine” para a cidade de Salvador do
ponto de vista turístico e social, é frequentado por pessoas de outros bairros da cidade que
estudam e trabalham na região. O objetivo é que a iniciativa de Bairro-Escola seja dissemi-
nada pela cidade e, a curto prazo, outros bairros também tenham ações baseadas no projeto.
Transformar um bairro em um bairro-educador não é tarefa fácil. No início de 2012, a Cipó
realizou um mapeamento do Rio Vermelho para entender como a comunidade estava orga-
nizada e, assim, começou a entrar em contato com as pessoas envolvidas. Fernanda contou:
9. TEIXEIRA, Anísio. Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 31, n. 73, p. 78-84,
jan./mar. 1959 apud MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Texto referência para o debate nacional – Série Mais Educação/Educação Integral.
MEC: Brasília, 2009.
“mostramos que estávamos começando uma iniciativa e que queríamos trazer
todos esses atores para roda de conversa. Em 2012 e 2013, esse foi um dos nos-
sos maiores resultados”. Mesmo assim, ela reforçou que não se pode perder de
vista quem ainda não está mobilizado: “ainda não conseguimos nos aproximar
dos jovens, dos representantes das famílias e o Poder Público precisa estar mais
presente”.
Para fortificar a mobilização comunitária, foram definidos quatro eixos: For-
mação, Arranjos Comunitários, Comunicação e articulação comunitária e Go-
vernança. Além de nortearem todas as ações do projeto, eles colaboram com a
organização do trabalho das dezenas de pessoas envolvidas com o Bairro-Escola
Rio Vermelho. Fernanda considerou: “os Grupos de Trabalho (GTs) do eixo
Governança têm ajudado muito a mobilizar. O GT de praças está bem forte.
Alguns ainda estão em formação, como o GT Comunicação. Estamos pensando
em maneiras de dar visibilidade dentro do bairro e na cidade de Salvador. O
grupo ampliado tem dado conta de mostrar que essa mobilização está fluindo. 117
Tem um quórum de 30 pessoas bem diversas e, quando não fazemos a reunião,
as pessoas têm cobrado. A primeira reunião que fizemos foi em janeiro, ficamos
em fevereiro e março nos organizando e os parceiros estão cobrando novas
reuniões. Isso nos deixa feliz”.
EIXO FORMAÇÃO
O eixo Formação trabalha especificamente com a formação em Educação In-
tegral. Em 2013, o projeto realizou uma série de formações continuadas so-
bre Educação Integral e sobre a metodologia de Bairro-Escola para gestores,
coordenadores pedagógicos, professores e oficineiros de oito escolas do bairro
(quatro municipais, três estaduais e uma privada). Em 2014, o BERV realizará
cursos modulares sobre Educação Integral mais adequados às realidades dos
sistemas públicos de Educação. A partir disso, é possível incentivar a criação de
atividades complementares à sala de aula, a reformulação e a ressignificação de
espaços públicos e encontrar soluções coletivas e democráticas para os proble-
mas educacionais e sociais encontrados naquela região. Essas pessoas desenvol-
vem diversas atividades que impactam o bairro material e socialmente.
A primeira experiência de formação, que aconteceu entre abril e dezembro
de 2013, foi muito baseada na experiência sistematizada pelo Bairro-Escola
Aprendiz. Fernanda contou: “a partir dessa experiência, o Aprendiz trouxe
FORMAÇÃO EM
EDUCOMUNICAÇÃO
PROMOVIDA PELO BERV
para nós uma proposta de formação juntando professores do Estado e do mu-
nicípio falando de Educação Integral. Foi traçado todo um escopo de trabalho
para essas pessoas. O resultado foi bem aquém do que se estava esperando”.
Nesse trajeto, foi-se percebendo alguns entraves que impediram uma formação
mais efetiva. Uma das constatações foi que muitos assuntos eram comuns nas
realidades de professores municipais e estaduais, mas outros eram totalmente
exclusivos de uma das realidades. Fernanda explicou: “o esvaziamento dessa
formação vinha porque o tema era muito interessante, mas na discussão ficava
muito mais com esse viés de rede”. Outro problema foi tirar os professores da
sala de aula para realizar a formação. Fernanda também comentou: “muitas ve-
zes não há professor substituto. Para você conseguir tirar um professor da sala
de aula, tem que ter a legitimidade da Secretaria de Educação. Ano passado
conseguimos essa legitimidade da Secretaria Estadual de Educação, e não da
Municipal. No fim das contas, a maioria do público dessa formação era o pes-
soal do Estado”. A partir desses dois indicativos, constatou-se que o tema não 119
pode ser tratado com os dois públicos da mesma maneira e, principalmente,
que o projeto precisa ter as secretarias de Educação como parceiras para que o
professor participe das formações.
Para 2014, a proposta está sendo reformulada para ser realizada de uma manei-
ra mais personalizada e dentro do espaço escolar. Fernanda explicou-me como
funciona cada rede de ensino e quais são as estratégias que estão sendo conside-
radas na rede municipal e na rede estadual de ensino.
Para a rede municipal, sabe-se que sexta-feira é o dia de planejamento. A coor-
denadora contou: “estamos propondo que, pelo menos uma vez ao mês, a gente
possa estar na escola trabalhando durante três horas nos turnos da manhã e da
tarde o nosso tema maior, que é Educação Integral, conectado com algumas
necessidades que as escolas trazem”. O BERV, então, tenta trazer especialistas
do tema e busca conectar esse trabalho pelo viés da Educação Integral. Alguns
temas mais demandados, por exemplo, são as questões de currículo escolar e de
inclusão educacional.
O trabalho com a rede estadual já é mais desafiador. Fernanda contou: “como
as reuniões de planejamento dos professores acontece por área – Física, Quí-
mica, Português – ao invés de ser por série, estamos pensando como fazer essa
formação uma vez que todos os professores de determinada área se juntam em
um dia diferente da semana”.
EIXO ARRANJOS CULTURAIS
O eixo Arranjos Culturais trabalha com a mobilização e organização de indivíduos, coleti-
vos, organizações da sociedade civil, empresas, universidade e Poder Público estimulando
a criação de projetos comunitários que buscam oferecer soluções educativas, sustentáveis e
comunitárias para os desafios do Rio Vermelho. Fernanda contou: “nosso grande desafio tem
sido cada vez mais compartilhar essas responsabilidades de como desenvolver o Bairro-Esco-
la. Isso tem que ser cada vez mais compartilhado”. Muitas vezes, os parceiros que estão em
rede trabalham em colaboração, mas ainda discursam como ‘vocês, Bairro-Escola”, e não “nós,
Bairro-Escola”. Fernanda completou: “nessas minúcias do discurso é que estão os segredos e
os desafios. O discurso reflete na nossa prática”.
O Bairro-Escola busca mobilizar todos os setores atuantes no Rio Vermelho. Anna comentou:
“a concepção de um bairro que educa significa que todos têm um papel na Educação. Toda
essa mobilização vem da ideia que eles possam ter essa responsabilidade a partir de práticas
muitos simples, que vão desde o bar que não joga o seu lixo na calçada porque as crianças
vão passar para circular de uma lugar pra outro na hora que estão aprendendo até o dono do
restaurante que vai fazer uma formação para as merendeiras ou empresários de comunicação
que estão ajudando a engajar o território”.
Em 2013, a principal bandeira do BERV é a ocupação e a ressignificação de uso da pra-
ça Monsenhor Antonio da Rocha Vieira, popularmente conhecida como Praça Pôr do Sol.
Durante o dia, essa praça serve como estacionamento de quem frequenta os restaurantes da
região. À noite, vira um espaço para jovens se reunirem antes das festas noturnas. Quando
o grupo de trabalho que pretende reformar a praça começou a conversar com os donos de
restaurante, ficou surpreso ao saber que os comerciantes também estavam incomodados com
o modo como a praça estava sendo usada. Uma parceria está sendo construída para a reforma
ser realizada. Enquanto não é iniciada, o projeto organiza eventos para ocupar o espaço a
partir de atividades culturais e artísticas. Já foram realizados três grandes eventos, chama-
dos Escola Rio Vermelho na Praça, em que foram realizadas pinturas em painéis e muros,
apresentações artísticas de danças, contação de histórias, oficinas para crianças, entre outras
atividades.
Também há outra iniciativa realizada pelo eixo Arranjos Comunitários chamada Merenda
com o Chef. Nela, os donos dos restaurantes do Rio Vermelho estão disponibilizando horas
de trabalho de seus chefs para que os cozinheiros ofereçam cursos de capacitação para as
merendeiras das escolas públicas envolvidas no projeto. O objetivo principal é melhorar a
qualidade das refeições servidas nas escolas a partir dos encontros entre cozinheiros e meren-
deiras. Em 2013, três iniciativas foram realizadas: uma para ensinar as merendeiras a faze-
rem comida espanhola, outra que propunha o desenvolvimento de um cardápio
mais saudável que entendia e respeitava as limitações de estoque de alimentos
da instituição e uma terceira que desenvolveu a proposta de utilização de ali-
mentos orgânicos e reutilização de resíduos.
Fernanda comentou sobre a iniciativa que propôs a utilização de alimentos or-
gânicos, desenvolvida pelo chef Ramon, Simões, do restaurante Armazém do
Reino. Ela contou: “foi a iniciativa mais simbólica de todas. Ele conseguiu es-
tar de uma forma regular dentro do colégio. Ele e a escola são dois atores que
conseguem reconhecer-se nessa rede de bairro-escola. Conseguimos juntar dois
atores bastante sensíveis à proposta, que conseguiram fazer um trabalho bem
sistemático com as merendeiras e com os alunos”.
Ramon é um baiano de Conceição do Coité. Filho de um fazendeiro e farma-
cêutico popular com uma professora, teve a oportunidade de passar grande par-
te da infância pescando no rio, pegando ervas e frutas silvestres, plantando na
121
horta da família ou nas plantações do pai e visitando as casas das senhoras da
comunidade para vê-las cozinhando (e comer!). Ele contou: “houve uma sim-
biose entre gostar do universo gourmet e toda a história de minha vida, do fato
de conhecer todo o ciclo de produção e o universo silvestre. Trago todas essas
memórias para o que faço hoje profissionalmente”.
Foi com esta experiência de vida que Ramon iniciou a parceria com o BERV,
realizando o projeto Merenda com o Chef na E.E. Alfredo Magalhães. Ele
contou: “conseguimos qualificar o cardápio da escola, deixá-lo realmente mais
saudável, mais sustentável”. O chef conseguiu passar a experiência em todo o
processo de produção que aprendeu durante sua infância e juventude para me-
lhorar a alimentação da escola. Ramon também fez um trabalho importante de
valorização do papel das merendeiras, principalmente com base na relação que
ele teve com Bimba, a “professora da merenda” que ele tinha quando criança:
“um dos pontos importantes do projeto é trabalhar com a humanização das fun-
ções e com a valorização das pessoas através da qualificação”.
Para 2014, Ramon tem a expectativa de capacitar os alunos a trabalharem com
hortas orgânicas. A ideia é fazer da horta do restaurante Armazém do Reino
a própria sala de aula e, assim, conseguir replicar a iniciativa na própria E. E.
Alfredo Magalhães e em outras instituições da cidade a partir da sistematização
de sua experiência.
Também para 2014, a expectativa é que mais parceiros estejam na rede do
BERV. Fernanda contou: “cada vez mais, a gente tem sido reconhecido por essa iniciativa.
Um indicador disso é que desde o início do ano temos recebido muitas instituições que que-
rem ser parceiras do bairro-escola. Isso tudo está entrando no nosso quadro de oportunidades
educativas. Temos recebido desde pessoas ligadas a Reiki até instituições como SESI com ou-
tros serviços na área de saúde, além de universidades. Tem chegado muita gente para dialogar
e oferecer algum tipo de trabalho em conjunto”.
10. BAIRRO-ESCOLA RIO VERMELHO. Proposta de formação em Educomunicação. Documento interno. Salvador: 2014. p. 1.
EIXO GOVERNANÇA
Governança é o eixo organizador de todas as atividades realizadas pelo BERV.
Ele trabalha pela criação de fóruns de governança comunitária no bairro e tam-
bém pretende ter uma atuação importante na criação de instâncias democráti-
cas que representem a comunidade para debater as questões do bairro. Quando
estive em Salvador, participei da reunião do Grupo Ampliado, que é uma es-
pécie de reunião mensal sobre as ações do projeto. Nela, encontram-se todos os
atores sociais envolvidos com o trabalho do BERV.
Em 2013, este eixo teve um foco muito grande para organizar o projeto. Com
cenários e ações mais claros, o objetivo para 2014 é maior: “a meta principal
do eixo Governança é a elaboração e a validação do Plano Educativo Local,
documento que será construído com o coletivo Bairro-Escola e implementado
entre 2015 e 2016. O documento será construído a partir do resultado do ma-
peamento do território do Rio Vermelho que será realizado como parte das ati- 123
vidades da Formação em Educomunicação”, contou Fernanda.
Anna também comentou sobre a importância deste eixo para todo o processo do
Bairro-Escola Rio Vermelho: “o que é muito importante em qualquer iniciativa dessa
natureza é que ela gradualmente vai sendo apropriada pro esse território. Estamos lá
como provocadores, mas isso tem que ser do próprio bairro. A governança viabiliza
a participação de representantes mais engajados da comunidade nos processos de
decisão da iniciativa. É cada vez mais que eles liderem o processo. Essa é uma parte
muito complexa, porque primeiro você precisa motivar as pessoas para elas liderarem
os processos, depois significa você criar estruturas que permitam essa participação
e corresponsabilização”. Primeiro, criou-se o grupo ampliado e, agora, o BERV está
refinando seu trabalho para a construção colaborativa de um plano educativo local.
Anna explicou: “É uma ideia de visão de médio prazo, com estratégias e ações muito
bem pensadas, indicadores de acompanhamento e de impactos, responsabilidades de-
finidas para que você consiga dar responsabilidade a tudo isso”. Os indicadores estão
sendo construídos a partir de marcos de resultados, que busca desenhar os resultados
finais das ações em âmbito da escola, da comunidade e da Política Pública que se es-
pera obter a longo prazo.
CONCLUSÃO
Assim, o Bairro-Escola Rio Vermelho destaca-se bastante pelo planejamento
muito bem estruturado baseado na metodologia de Bairros-Educadores e pelo
estabelecimento de parcerias com todos os setores da sociedade. O mais interessante é que
todos esses atores estão diretamente envolvidos nas várias etapas do processo de construção
da iniciativa.
O projeto está sendo baseado em outras iniciativas de implementação de bairros-educadores
que tiveram resultados positivos – como o Bairro-Escola Aprendiz, em São Paulo – e também
conta com uma preocupação especial em sistematizar a metodologia que está sendo desenvol-
vida a partir da realidade local do Rio Vermelho e de Salvador. Fernanda contou: “o grande
lance de desenvolver um trabalho com bairro-escola é que temos todo um referencial teórico
e prático a partir do que o Bairro-Escola Aprendiz sistematizou nos últimos quinze anos. No
entanto, cada território vai demarcando pra gente como isso pode ser feito. Cada bairro tem
uma realidade completamente diferente e se desenvolve de uma maneira diferente. Nosso
cuidado com a sistematização é dar essa cara do Rio Vermelho, agregando o conhecimento e
a experiência que a Cipó tem de articulação comunitária, nos processos formativos em comu-
nicação e nos processos formativos”.
Por fim, Anna deu uma dica para educadores e estudantes que queiram trabalhar com o bair-
ro e com a comunidade, aproveitando os potenciais educativos desses espaços da cidade: “é
muito importante que os professores e os alunos conheçam o seu bairro. Quando eles fazem o
trajeto de casa até a escola, podem começar a observar o que tem de bom e o que tem e precisa
ser melhorado e começarem a construção desses mapas falantes. Através da própria oralidade
do relato das pessoas é que você vai construindo o mapa. Assim, é possível, de uma maneira
muito simples, montar esses mapas e pensar em como cada um desses pontos mapeados con-
versa com o currículo, verificar o que o aluno vai aprender nesse bimestre dialoga com essas
coisas que foram vistas no bairro”.
ESCOLA
DE ARTE
OI KABUM!
E TECNOLOGIA
125
OI KABUM! ESCOLA DE ARTE E TECNOLOGIA
Quando participei da reunião ampliada do projeto Bairro-Escola Rio Vermelho, fui apresen-
tado à Elzinha e à Anne. As duas fazem parte da Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia – a
primeira como educadora e a outra como educanda. Dois dias depois, estava entrando num
antigo e bonito casarão do Pelourinho para conhecer melhor o projeto.
A Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia oferece formação em cursos de Design Gráfico,
Computação Gráfica, Vídeo, Fotografia e Web Design para jovens em Salvador, Recife, Belo
Horizonte e Rio de Janeiro. Iniciativa da Oi Futuro, o braço social da empresa Oi, nessas qua-
tro capitais em parceria com ONGs locais que já atuavam com questões ligadas à juventude
de baixa renda. Existe uma linha metodológica a ser seguida que contempla essas cinco lin-
guagens do projeto e trabalha com as questões de cultura, comunidade e identidade. Porém,
essa linha metodológica é híbrida: cada ONG local parceira realiza os cursos de acordo com
seus modos de ser e sua realidade local.
HISTÓRIA
A primeira experiência da Oi Kabum! foi no Rio de Janeiro, em 2001. Três anos depois, a
iniciativa foi replicada na capital baiana com uma série de parceiros envolvidos1. Principal-
mente junto com a ONG Cipó, a iniciativa da Oi Kabum! já mudou a vida de centenas de
jovens de Nordeste de Amaralina, Subúrbio Ferroviário e Centro Antigo – os distritos onde
a ONG já atuava antes da parceria – a partir do trabalho com Arte, Educação e Tecnologia.
No primeiro ano de atuação, todos os bairros da cidade poderiam participar; depois, decidiu-
se concentrar os esforços nessas quatro grandes regiões para potencializar as ações dos dois
projetos. São regiões bastante populosas: o Subúrbio Ferroviário tem 500 mil moradores2; o
Nordeste de Amaralina, 100 mil3, por exemplo. Em 2014, decidiu-se abrir as inscrições para
toda a cidade novamente. O programa realiza a formação de 80 jovens – 20 em cada lingua-
gem – em 18 meses de aulas que acontecem no casarão, de segunda a sexta-feira durante
as manhãs, promovendo o desenvolvimento pessoal, social e profissional de adolescentes de
comunidades populares de Salvador, por meio do uso educativo das tecnologias da comuni-
1. Na tese de pós-graduação defendida pela Universidade do Estado da Bahia, intitulada Oi Kabum! Escola de arte e tecnologia: a educação
como produto do marketing, o pesquisador Leonardo Cunha faz uma série de considerações sobre os parceiros envolvidos e mudanças de gover-
nança do projeto. É possível conferir os detalhes na página 10 do trabalho, disponível no link www.goo.gl/LxXyPx.
4. PROJETO OI! KABUM apud CUNHA, L. Oi Kabum! Escola de arte e tecnologia: a educação como produto do marke-
ting. Universidade do Estado da Bahia: Salvador, 2010. p. 60.
5. CUNHA, L. Oi Kabum! Escola de arte e tecnologia: a educação como produto do marketing. Universidade do Estado
da Bahia: Salvador, 2010. p. 61.
6. ROSSETI, F. apud CUNHA, L. Oi Kabum! Escola de arte e tecnologia: a educação como produto do marketing. Uni-
versidade do Estado da Bahia: Salvador, 2010. pp. 70-71.
Produção Kabum! Novos Produtores. Ele já havia trabalhado na Cipó e, quando descobriu
que um novo projeto que envolvia Comunicação, Produção Cultural e Juventude estava bus-
cando um coordenador, inscreveu-se no processo seletivo e há sete anos está à frente do nú-
cleo. Em 2013, defendeu uma tese de mestrado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA),
intitulada Arte digital: processo artístico-criativo e uso da mídia eletrônica por jovens de co-
munidades populares de Salvador, em que sistematizou a última produção realizada pelo
Núcleo. O trabalho passou a ser uma referência bibliográfica importante para entender mais
o trabalho da Oi Kabum! e do Núcleo de Produção que coordena. Nela, explicou: “ao entra-
rem na escola, os 80 jovens passam por um rodízio nas linguagens, pois suas escolhas, muitas
vezes, são feitas sem uma prática. Durante cinco semanas, um grupo de 20 educandos passa
uma semana em cada linguagem, vivenciando aspectos básicos, criando as regras de convi-
vência, conhecendo os conteúdos transversais e participam de palestras com profissionais que
atuam nas áreas. Essa etapa é finalizada com uma mostra interna para os jovens e equipe. Ao
final, os educadores fazem o ajuste final e definem os 20 jovens de cada linguagem”7. Cunha
complementou: “nessa etapa, os jovens têm os primeiros contatos com as Linguagens Espe-
cíficas: Computação Gráfica, Design Gráfico, Fotografia e Vídeo. Durante quatro semanas,
os adolescentes têm oportunidade de vivenciar os aspectos básicos de cada linguagem, cons-
troem as regras de convivência e tomam contato com os conteúdos transversais. Na quinta
semana, são programadas palestras com profissionais atuantes nas áreas. Ao final da semana
de palestras, é desenvolvida uma ação educativa para a escolha da linguagem pelos jovens.
Nesta etapa é realizada a 1ª Mostra, interna, para os jovens e a equipe”8.
Conheci alguns desses jovens e pude constatar as características citadas acima, como lideran-
ça, engajamento e bagagem cultural. Além de me impressionar com o potencial de cada um,
também notei e fiquei impressionado com a diferença social que existia entre nós. Sempre
conversei com todo tipo de gente, mas Salvador chamou muita atenção pelo nível extremo de
desigualdade social e despreocupação do Poder Público, principalmente nesses bairros bene-
ficiados pelo projeto. Um dia, por exemplo, vi na TV do hostel em que eu estava hospedado
uma matéria sobre as brigas de meninas nas escolas públicas da cidade. Esse é um problema
frequente nas escolas públicas de todo o país, que sempre esteve bastante longe de minha
realidade, mas não da deles. Quando estava na oficina que os jovens fizeram em uma escola
no Nordeste de Amaralina, as garotas do Oi Kabum! me contaram as diversas vezes que essas
7. SILVA, J. Arte digital: processo artístico-criativo e uso da mídia eletrônica por jovens de comunidades populares de Salvador. Dissertação
apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Profes-
sor Milton Santos como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre. UFBA, 2013. p. 45.
8. PROJETO OI! KABUM apud CUNHA, L. Oi Kabum! Escola de arte e tecnologia: a educação como produto do marketing. Universidade
do Estado da Bahia: Salvador, 2010. p. 101.
bricas aconteciam com elas, como uma vez em que uma delas não pôde sair da
escola com medo de apanhar do outro grupo. Além disso, as conversas e até
mesmo as piadas que esses jovens faziam estavam tão distantes da minha reali-
dade que eu cometia as gafes de rir na hora errada ou não rir na hora certa. Isso
também mostra o quão importante é conhecer as diferenças sociais, culturais e
regionais para entender melhor a prática analisada.
Mesmo com as diferenças de realidades que nos separavam, pude conversar
bastante com esses jovens, aprender muito com eles e ver como a Oi Kabum!
estava mudando a vida de cada um. Logo no início da conversa, observei como
algumas habilidades e competências fundamentais estavam sendo desenvolvi-
das nas aulas e no Núcleo de Produção. Jovens entre 16 e 19 anos tinham muita
desenvoltura para conversarem sobre assuntos variados, demonstrando senso
de responsabilidade, autonomia e liberdade para serem agentes de transforma-
ção. Os talentos individuais eram percebidos e estimulados de maneira natural.
Conheci, por exemplo, uma menina chamada Lísia que gostava de desenhar os 129
amigos (e tinha um talento incrível) e era muito valorizada pelos colegas. Pa-
rece um detalhe, mas perceber e valorizar esses pequenos talentos individuais
potencializa o melhor de cada jovem.
NA PRÁTICA
A ONG trabalha em dois núcleos formativos: o Pedagógico e o de Produção.
O primeiro é responsável pela formação de educandos: além desse trabalho de
formação que acontece dentro do casarão no Pelourinho, o Núcleo Pedagógi-
co possibilita que esses jovens também tenham a oportunidade de se tornarem
educadores em escolas públicas parceiras no projeto Oficina nas Escolas.
Durante as 1260 horas de formação dentro do casarão, diversas atividades são
desenvolvidas com os jovens selecionados. Na tese Oi Kabum! Escola de arte
e tecnologia: a educação como produto do marketing, Cunha compartilhou o
documento oficial do projeto, que explica melhor o processo educativo: “a for-
mação desenvolvida pelo programa, espaço privilegiado de concepção e expe-
rimentação metodológica, busca promover a capacitação de adolescentes em
áreas da arte, da comunicação e da ação comunitária. O programa dura dezoito
meses, durante os quais são desenvolvidas e aprimoradas habilidades em tecno-
logias de ponta, criação artística, análise crítica da mídia e do mundo e leitura e
expressão. O processo também proporciona o desenvolvimento pessoal e social,
estimula o empreendedorismo no âmbito do trabalho e da comunidade, amplia o repertório
cultural e melhora o desempenho escolar e o relacionamento com a família. Para promover o
desenvolvimento pessoal e social do adolescente, o programa utiliza-se da arte, da comunica-
ção e das TICs (tecnologias da informação e da comunicação)”9.
Sandra Loureiro, coordenadora pedagógica do projeto, me explicou como esses jovens atuam
além da sala de aula: “trabalhamos com algumas vertentes para pensar, desenvolver e reali-
zar esses projetos. Uma delas é a questão de pensar e criar Arte e Tecnologia. Temos outra
vertente que é justamente da ação comunitária: pensar, criar e desenvolver projetos de inter-
venção nas comunidades. Um deles é exatamente o Oficina nas Escolas”. Nele, os educandos
ensinam o que aprenderam para outros educandos de escolas públicas.
9. PROJETO OI! KABUM apud CUNHA, L. Oi Kabum! Escola de arte e tecnologia: a educação como produto do marketing. Universidade
do Estado da Bahia: Salvador, 2010. p. 91.
foto Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia - Salvador
OI KABUM!
MOSTRA DO PROJETO
FESTAS POPULARES, DA
131
de maneira bastante agitada e dispersa. Depois de 20 minutos de trabalho, a atividade passou
a ficar mais organizada e a turma se concentrou mais nos trabalhos que estava realizando.
Em seguida, a turma redistribuiu-se em três grupos de produção para fazer as fotografias do
plano-sequência. Nesse momento, a oficina extrapolou a sala de aula e os alunos e educandos
realizaram as atividades nos corredores e outras salas próximas. A produção de fotos durou
cerca de trinta minutos. Os educandos da Oi Kabum! ficaram responsáveis pela produção
final da animação, que depois será apresentada aos alunos da escola. Como as oficinas nas
escolas são curtas – têm apenas 20 horas –, nem sempre é possível realizar atividades mais
complexas. Sandra explicou: “isso vai depender da apropriação prévia dos participantes, que
muitas vezes é bem inicial nas linguagens. De qualquer modo, com base nos princípios desse
projeto, um dos importantes objetivos é sensibilizar os alunos, professores e a escola para
o potencial educativo das linguagens artístico-tecnológicas”. Então, mesmo sem finalizar al-
guns produtos que exigem mais apropriação técnica, é fomentada a curiosidade, o desejo de
aprender e estimulamos outras formas de construir conhecimentos na escola, entre outros
fatores. A educadora continuou: “em relação às animações, a finalização é a parte mais com-
plexa, mas os jovens da Oi Kabum! trabalham com os alunos da escola todas as etapas do
processo, mas por vezes é necessário assumir a finalização se os alunos não tiverem a con-
dição de desenvolver essa parte. De outra forma, pode não haver os produtos, o que pode
ser muito frustrante. Mas tudo isso é estabelecido de forma bem clara no grupo, inclusive é
realizado um diagnóstico inicial para conhecer as experiências e conhecimentos prévios dos
participantes para ajustar os planejamentos”.
A atividade encerrou-se com uma conversa com todo o grupo para saber as opiniões e impres-
sões de cada um, uma vez que esta era a última oficina com aquela turma. Além do aprendiza-
do das técnicas de Computação Gráfica, pude perceber que foi estabelecida uma relação de
amizade entre os integrantes da Oi Kabum! e os alunos da escola. O espaço de aprendizado
também era visto como uma oportunidade de trocar ideias e se divertir. Um dos principais
fundamentos da Educação Viva é justamente que o aprender pode ser divertido. No fim do
curso, uma das alunas participantes até ressaltou o quão bom era participar das aulas com os
educandos da Oi Kabum! e como ela sentiria falta daqueles jovens.
PROJETOS TEMÁTICOS:
São projetos criados e escritos pela Oi Kabum! e financiados por meio de leis de
incentivo. Três grandes projetos se destacam neste eixo:
• COLETÂNEA TRAÇOS E LAÇOS:
A coletânea produzida pelos jovens do projeto criou uma série de materiais
(fotografias, vídeos, revista em quadrinhos, cartazes, cartões postais, spots de
rádio e guia do educador), conta a história do bairro Nordeste de Amaralina,
10. SILVA, J. Arte digital: processo artístico-criativo e uso da mídia eletrônica por jovens de comunidades populares de
Salvador. Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto
de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre.
UFBA, 2013. p. 49.
Vale das Pedrinhas, Santa Cruz e Chapada do Rio Vermelho a partir de depoimentos de
antigos e jovens moradores, trabalhadores e agentes religiosos e culturais
• FESTAS POPULARES:
O trabalho registrou as 17 festas populares de Salvador e criou, como produto final, uma cole-
tânea com três almanaques, DVD com vídeo, DVD com fotografias e guia do educador. Jean
contou um pouco da história desse projeto: “ele já estava escrito há muito tempo pela Cipó,
mas não tínhamos conseguido captar recursos. Com a estrutura da Oi Kabum!, conseguimos
realizar a captação via Lei Rouanet [em que as empresas apoiadoras podem abater o valor
do Imposto de Renda]. Tínhamos uma empresa interessada em financiar metade do projeto
e precisávamos conseguir o restante da verba até o último dia do ano, porque tínhamos um
prazo de seis meses para captação. No dia 28/12, outra empresa fez o apoio da verba que
faltava. Esse é um projeto que quase não se realizou”. Durante um ano, cerca de 30 jovens
tiveram a oportunidade de trabalhar com as 4 linguagens da Oi Kabum! e realizaram um tra-
balho que resgatou a cultura local e foi utilizado em diversas escolas da cidade. Jean lembrou:
“foi um projeto bem legal porque esses jovens passaram um ano inteiro conhecendo as festas
populares de Salvador. Muitos nunca tinham ido a nenhuma. Além do aprendizado técnico,
teve a questão do conhecimento da cultura local. Também conseguimos fazer uma mostra
itinerante com apoio da lei de incentivo local. O resultado do projeto ficou quase seis meses
em museus da cidade”.
• 2 DE JULHO – A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL NA BAHIA:
O projeto é bastante interessante porque recupera a história da Independência do Brasil na
Bahia, uma das mais importantes festas da cultura baiana e ainda pouco conhecida no resto
do país. Vídeos com depoimentos e registros de manifestações culturais, fotografias, anima-
ções e guia do educador compõem o material distribuído em um DVD. Um site também foi
criado para divulgar o projeto: www.2dejulho.org.br.
Jean ressaltou: “é uma data muito importante não só para a Bahia como para o Brasil, mas
ela é muito pouco conhecida pelos brasileiros. Então, queríamos regatar essa questão da
independência da Bahia, que foi crucial para a independência do Brasil”. Este foi outro
projeto enviado para a Lei Rouanet. Porém, neste projeto a equipe nem precisou captar
recursos porque conseguiu ser aprovado em um outro edital do próprio Governo do Estado.
PROJETOS DE TERCEIROS
Uma segunda alternativa para possibilitar a inserção dos jovens da Oi Kabum! em novos pro-
jetos é a parceria com outras empresas. A ONG oferece a infraestrutura e apoio profissional
aos jovens por meio de oficinas extras. As empresas parceiras - os “terceiros” - ficam responsá-
veis pelo pagamento de bolsas-auxílio aos jovens. Jean defendeu: “pelas meto-
dologias do Núcleo, os jovens nunca trabalham de graça. Eles têm que ganhar,
nem que seja uma diária”. Essa base de trabalho é interessante porque, além
de uma valorização do projeto que está sendo realizado, os jovens aprendem a
lidar melhor com as questões financeiras.
Depois que o projeto da Oi Kabum! foi apresentado na abertura do Prêmio Selo
UNICEF - Município Aprovado de 2006, o número de clientes que apostavam
no trabalho dos jovens aumentou bastante. Eles produziram conteúdos e ser-
viços para diversos festivais, ONGs e empresas da área cultural que desejam
investir no desenvolvimento social. Os jovens fazem muitas coberturas de foto
e vídeo de diversos eventos culturais (como o Festival Internacional de Artes
Cênicas de Salvador e o Encontro Internacional de Palhaços) e também fazem
um projeto com o Canal Futura em que cinco jovens por ano produzem maté-
rias mensais para o programa Jornal Futura. Jean ressaltou: “já foram mais de
50 matérias produzidas!”. 135
A iniciativa é importante para eles também lidarem com várias facetas no mun-
do do trabalho, como a necessidade de ser responsável, trabalhar em grupo e
com autonomia, lidar com conflitos e problemas, entre outros.
11. SILVA, J. Arte digital: processo artístico-criativo e uso da mídia eletrônica por jovens de comunidades populares de Salvador. Dissertação
apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Profes-
sor Milton Santos como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre. UFBA, 2013. p. 55.
12. SILVA, J. Arte digital: processo artístico-criativo e uso da mídia eletrônica por jovens de comunidades populares de Salvador. Dissertação
apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Profes-
sor Milton Santos como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre. UFBA, 2013. p. 90.
13. SILVA, J. Arte digital: processo artístico-criativo e uso da mídia eletrônica por jovens de comunidades populares de Salvador. Dissertação
apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Profes-
sor Milton Santos como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre. UFBA, 2013. p. 92.
No final, os projetos são expostos em uma mostra organizada pela Oi Kabum!.
No mestrado, Jean escreveu: “a identificação dos jovens com a obra final é im-
portante para que eles se sintam protagonistas de todo o processo, sendo as ofi-
cinas um meio para que as ideias deles consigam ser realizadas”14. A definição
clara de objetivos a serem alcançados e um produto final de autoria dos educan-
dos tem se mostrado cada vez mais importante nos processos educativos, pois
tanto o trabalho quanto os aprendizados se tornam mais significativos.
CONCLUSÃO
A Oi Kabum! é um projeto que realmente incentiva o protagonismo juvenil e
realiza trabalhos importantes que valorizam a cultura baiana e os bairros mais
esquecidos pelo Poder Público. Mais do que isso: o projeto é bastante interes-
sante por capacitar os jovens em linguagens digitais e oferecer oportunidades
de inserção no mercado profissional.
137
14. SILVA, J. Arte digital: processo artístico-criativo e uso da mídia eletrônica por jovens de comunidades populares de
Salvador. Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade do Instituto
de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos como parte dos requisitos para obtenção do grau de Mestre.
UFBA, 2013. p. 65.
DA OI KABUM!
FESTAS POPULARES,
MOSTRA DO PROJETO
foto Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia - Salvador
DESABAFO
SOCIAL
139
DESABAFO SOCIAL
Uma das pessoas mais inspiradoras que conheci por causa da rede que formei em Salvador
foi Monique Evelle. Durante o encontro do Bairro-Escola Rio Vermelho, Elzinha e Anne me
contaram sobre uma menina que estava fazendo um trabalho incrível com Direitos Huma-
nos nas ruas da periferia da cidade, chamado Desabafo Social. Meses depois, descobri que
Anne só estava naquela reunião porque Monique teve um imprevisto e não pôde compare-
cer. Mesmo assim, nossos caminhos se cruzaram alguns dias depois em um café na frente da
Oi Kabum!. Monique é hoje um dos principais nomes da juventude baiana quando falamos
em Direitos Humanos e Protagonismo Infanto-Juvenil e foi considerada uma das 25 negras
mais influentes da internet pelo site Blogueiras Negras1.
Com apenas 19 anos, já está fazendo muito barulho com o trabalho nessas áreas. Como parte
da classe média, Monique poderia ser mais uma jovem negra e da periferia de Salvador sem
nenhuma possibilidade de mudança social, numa cidade em que a desigualdade é tão gritante
que impressiona qualquer um. Quando frequentei o Barra Shopping – um dos shoppings
mais importantes da cidade, localizado na praia do Farol da Barra, bastante turística – , por
exemplo, fiquei impressionado como a imensa maioria de consumidores era branca e de alta
classe social (os poucos negros estava com uniformes das lojas e restaurantes). Em outras par-
tes da cidade e na própria estrutura social, ainda é possível ver desigualdade e preconceito.
Quando conheci Monique, fiquei surpreso em saber que ela era a única negra de todas as
matérias que frequentava na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Hoje, ela mudou de
curso dentro da universidade e tem mais quatro colegas negros em uma turma de quarenta
pessoas. Mais representativo que isso, impossível. Afinal, dados do IBGE apontam que mais
de 75% da capital soteropolitana se consideram negros2.
Monique conseguiu não se calar frente às tristes estatísticas da realidade baiana. Desde muito
pequena, contou que questionava as notícias que passavam na TV. E esse perfil questionador
não foi embora. Ela lembrou: “na terceira série, ganhei um livro chamado Por uma semente de
paz [de Ganymédes José]. Ele conta a história de uma professora que foi lecionar em uma es-
cola cheia de ‘alunos-problema’ na periferia de São Paulo e, com o trabalho de olhar para cada
um deles como pessoas e não como problemas, conseguiu mudar a realidade de toda a escola.
Foi por causa desse livro que eu comecei a ter vontade de ser professora”. Nos anos seguintes,
1. BLOGUEIRAS NEGRAS. 25 negras mais influentes da internet. Disponível em: <www.goo.gl/Q3ndky>. Acessado em 07/03/2014.
COMO COMEÇOU
O trabalho para a formação do conselho de jovens só não foi mais intenso por-
que Monique começou a se dedicar à criação de uma chapa para o grêmio es-
tudantil do colégio, que se chamaria Desabafo Social. Na época, era apenas
uma boa oportunidade de realizar um trabalho dentro dos muros da escola, con-
vidando especialistas para realizarem debates e promovendo aulas de reforço
escolar. As eleições foram bastante difíceis, mas a chapa de Monique ganhou
por 634 a 333 votos.
4. ALENCAR, V. Direitos humanos nas ruas da periferia de Salvador. São Paulo: Porvir, 03/06/2013. Disponível em <www.goo.
gl/9NUmgF>. Acessado em 23/03/2014.
Diagramação na Oi Kabum! e lançamos uma revista bimestral feita pelos jovens
em dezembro de 2012”.
A revista deu tão certo que jovens de várias partes do país começaram a procu-
rar Monique para participar e colaborar de alguma maneira com o Desabafo
Social. A partir de então, o projeto se tornou uma rede colaborativa. Monique
explicou: “a ideia é pautar Direitos Humanos na área de Comunicação. Daí
surgiram outras demandas, como as questões raciais”.
Ao mesmo tempo, Monique não estava conseguindo aproveitar as aulas de Fo-
tografia da Oi Kabum! porque conciliava as faculdades de Direito e Serviço
Social, as aulas de Inglês e, principalmente, o trabalho no Desabafo Social. Ela
começou a estudar Fotografia por conta própria e iniciou um segundo projeto
do Desabafo: “queria criar um projeto para trabalhar com Fotografia, além da
Oi Kabum!. Uma colega minha tinha me mandado uma foto do bairro dela, aí
em São Paulo. Então, eu resolvi mandar uma foto do meu. A gente foi trocando
143
fotos”. Elas começaram a formar uma rede de trocas de fotos das realidades de
cada jovem chamada “Da janela para lá”, que já tem mais de 150 fotografias
de vários Estados do Brasil (Monique exclamou, enquanto contava do projeto:
“temos fotos até do Acre!”). Hoje, as fotos são compartilhadas pela rede social
Instagram no perfil @desabafosocial.
Em seguida, muitos dos jovens dessa rede começaram a escrever textos para o
blog do Desabafo Social5. Monique decidiu organizar esse material todo crian-
do o “Desabafo na ponta dos dedos”. Ela explicou: “para ficar um espaço oficial,
criei esse espaço para organizar os ‘desabafos sociais’ de todo mundo. Junto com
isso, também estabelecemos uma periodicidade na revista”. A revista é bimes-
tral e traz textos de jovens de todo o país sobre assuntos que estão inseridos na
temática de Direitos Humanos. A versão digital da publicação é aberta para
todos no site do projeto.
Em 2013, a rede cresceu mais ainda e o Desabafo Social começou a realizar
uma série de rodas de conversas presenciais e online. Monique lembrou: “quan-
do os adolescentes começaram a se interessar pelo projeto, a gente foi tentando
não ficar só na parte de atividades com crianças, abordando também adolescen-
tes e jovens. A roda de conversa ficou com esse público pautando questões de
Direitos Humanos, principalmente tentando desconstruir estereótipos, como
REFERENCIAIS TEÓRICOS
O Desabafo Social é mais um exemplo de projeto que começou baseado na rea-
lidade social de seu criador, e não em uma bibliografia teórica. Mesmo assim, é
possível identificar algumas referências importantes para Monique começar o
projeto, principalmente práticas.
O livro Por uma semente de paz, que a jovem leu na terceira série e a fez ter vontade de se tor-
nar educadora, é uma das referências mais fortes para a construção do Desabafo Social. Um
trecho do livro, em especial, fez-me lembrar muito do projeto de Monique pela descoberta da
professora em debater os conteúdos televisivos. Depois de Liene, a educadora e personagem
principal da obra, realmente corrigir as provas dos alunos e praticamente toda a classe tirar
nota baixa, o seguinte diálogo se passou:
“- Eu simplesmente dei a nota que vocês mereceram – explicou Liene. – Cansei de ensinar os
exercícios, falei, mostrei, repeti, insisti, vocês copiaram cem vezes, e quando chega a sabatina,
o que acontece? Continuam cometendo o mesmo erro! Querem um exemplo? Vamos ver
você, Carlinhos, que está aí todo irritado. Eu pedi que fizesse uma frase com um pronome do
caso reto e um do oblíquo. Qual foi a sua frase?
- EU PEGUEI ELA COLANDO
- E quais são os pronomes?
- EU, que é o diabo do pronome reto, e ELA, que é o torto.
- Torto não, Carlinhos, oblíquo. Você ainda não aprendeu que ELA é caso reto? O oblíquo
feminino singular é A. A frase correta é: EU A PEGUEI COLANDO. Portanto você errou!
- Ah! Esse negócio de peguei ela, chamei ela, mostrei ela, vi ela, uma porção de ela é uma
bobeira, professora. Na televisão, eles falam assim, professora! – falou uma menina.
- Falam sim! Teimou Simone. – Essas novelas todas cheias de mulheres lindas, grã-finas, per-
fumadas, importantonas, donas de lojas, butiques, sei lá, cheias da ‘bufunfa’, vivem falando
o peguei ela, chama ela, vi ela. Por que elas não falam – e revirando os olhos, pôs-se a fazer
trejeitos – Eu a vi, eu a peguei, eu a mostrei, eu a...?
A classe inteira caiu na risada porque Simone era muito engraçada. Até Liene começou a rir.
- Mas por que eles falam errado na televisão? – perguntou o Vovô [que era o aluno mais velho
da turma]. A senhora não acha que deveriam falar direitinho para o povão aprender?
Admirada porque Vovô nunca abria a boca, Liene enrugou a testa.
- Bom, eles dizem que falam de um modo simples que é para o povão entender.
- E não podiam falar correto? Eles não querem melhorar o nível do povão? Ou será que eles
querem que o povão fique cada vez mais ignorante?
Liene viu que a classe inteira interessou-se pelo assunto. Por isso, em vez de ensinar novas
teorias gramaticais, aquele dia ela passou a aula inteira conversando com a turma a respeito
da influência da televisão na formação da personalidade”6.
Outra referência da literatura foi uma fala de Samir Abud, um engenheiro civil
que transforma a realidade a partir de sua área de trabalho e de ações sociais.
Ele inspirou Monique não só a continuar seu papel como agente de transfor-
mação, como também a entender que há uma diferença entre ser consciente e
estar conscientizado. Ele contou: “existe uma diferença muito grande entre ser
consciente e ser conscientizado. Todos nós sabemos que existe isso na nossa
cidade, no nosso país e no mundo, a miséria, a pobreza, a dificuldade dos outros.
Mas às vezes nosso dia a dia nos cega. Consciente é você saber que existe. Estar
conscientizado é você sair um pouco do seu mundo e ir para o mundo daquela
pessoa, que é o mundo da maioria, o nosso é o da minoria. Alargar um pouco
nossos pensamentos. Depois que você olha aqui, você está conscientizado. Aí
é difícil olhar e virar as costas, porque o ser humano por essência é bom”7. Mo-
nique explicou da sua maneira: “ser consciente é você saber que existe e estar
conscientizado é você sair do comodismo e fazer algo. Estar conscientizado é 147
você demonstrar através de gestos e palavras aquilo que você acredita. E no caso
do Desabafo, acreditamos que através de ações no campo popular, podemos ter
resultados bastante significativos”.
O trabalho de Monique na ABMP também auxiliou o desenvolvimento do De-
sabafo Social. Além do incentivo para ler muitas publicações da área, Monique
contou: “comecei a fazer parte do grupo de jovens da ABMP quando o Desaba-
fo já completaria um ano de existência. Já estava abordando a temática de direi-
tos humanos da infância e da juventude, e a ABMP despertou mais esse ponto,
para que o Desabafo pudesse continuar discutindo. Os espaços de discussão
na ABMP facilitaram a articulação com as pessoas e o network para continuar
nessa luta pela promoção de direitos de crianças e adolescentes”.
A iniciativa também usa duas metodologias para levar os Direitos Humanos
para as ruas: a sensibilização e a produção. Durante a discussão dos temas, os 18
jovens do Desabafo Social espalhados pelo país utilizam materiais midiáticos,
filmes e outros instrumentos para sensibilizar as crianças participantes. Em um
segundo momento, os participantes são incentivados a construir um produto
que represente a sensibilização e a discussão que aconteceu. Produtos como
6. JOSÉ, G. Por uma semente de paz. São Paulo: Editora do Brasil, 2005. p. 49-50. Grifos do autor.
CONCLUSÃO
O projeto capitaneado por Monique representa, de certa forma, como os jovens também es-
tão agindo para um novo mundo possível. Monique é um exemplo de que é possível realizar
mudanças mesmo com adversidades e pouca (ou nenhuma) verba financeira.
O Desabafo Social também é uma iniciativa bastante interessante quando observamos pro-
jetos que atuam em redes pelo Brasil inteiro. A criação de redes de trabalho tem se mostrado
uma tarefa bastante difícil nas últimas décadas devido ao tamanho e à diversidade do país e
também à dificuldade de sustentar projetos locais que muitas vezes não possuem recursos
humanos e financeiros suficientes para se manterem.
149
A HISTÓRIA
Em 1982, aproximadamente trinta pais que não encontravam escolas em que
realmente acreditavam para seus filhos começaram a reunir-se para comparti-
lhar angústias e, principalmente, encontrar soluções. No livro Escrevendo &
Aprendendo, a primeira produção que registra e sistematiza a iniciativa, com-
partilhou: “na medida em que se chegava à conclusão de que o início de uma
prática teria mesmo de partir do princípio, isto é, de uma pré-escola, houve um
natural afastamento daqueles que não seriam atendidos. Isso é compreensível, pois as conver-
sas passavam a girar muito mais em torno de questões imediatas, de como viabilizar concreta-
mente a Pré-Escola”1. Ou seja: como não existia a escola dos sonhos, os pais que tinham filhos
neste segmento educacional decidiram criar uma.
Essas pessoas formavam um grupo que se reconhecia principalmente pelas participações nas
lutas contra a ditadura e pela defesa da cidadania. Eram pais “descontentes com os procedi-
mentos pedagógicos das escolas de seus filhos”2 que buscavam uma escola que desenvolvesse
nas crianças e jovens a capacidade de pensar criticamente, a criatividade, o prazer em apren-
der, o gosto pelo conhecimento. “Era tudo muito simples. Queríamos crianças aprendendo
felizes, queríamos que elas se tornassem seres humanos no sentido pleno”3. Essas pessoas
tinham muitas críticas aos valores, instituições e comportamentos tradicionais. Daniel Revah,
um pesquisador do movimento de educação alternativa, analisou o macroambiente dessas
iniciativas no artigo As pré-escolas alternativas: “mais do que uma ‘educação alternativa’, pro-
curava-se gestar uma nova forma de vida, uma ‘vida alternativa’, isto é, um modo de ser e de
viver que, pretendia-se, fosse inteiramente diferente do que então predominava. Além das
crianças, portanto, os próprios adultos viam-se imersos num processo em que eles estavam se
reeducando, avaliando e mudando os seus propósitos, comportamentos e valores, mudanças
que, aos poucos, foram quase compondo um estilo de vida”4.
Pude ver muito desse modelo de pais quando conheci Fátima Vidal Rodrigues. Natural de
Porto Alegre, chegou à Brasília em 2002 e, depois que teve Pedro, iniciou uma árdua busca
de escolas para seu primeiro filho. Ela lembrou: “eu cheguei na Vivendo como mãe, não como
professora – apesar de eu dar aula desde os 14 anos. A escolha da escola era uma decisão su-
per difícil porque eu não queria uma escola do jeito que conhecia. Minha prática de trabalho
já tinha esses dispositivos democráticos. Então quando fui escolher escola para o Pedro, eu
queria uma com esses dispositivos que também se preocupasse com esse modo de ser. Come-
cei a procurar escola para ele e não encontrava. Daí uma professora de uma escola super tra-
dicional me deu a dica da Vivendo. Fiquei enlouquecida na entrada da escola. Crianças com
3, 4 anos estavam tendo uma aula de circo, com pernas de pau, brincando naquele parque
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Toda a prática da Vivendo e Aprendendo é muito baseada na experiência, mas também em
diversos pensadores que auxiliam o entendimento e as ações do cotidiano. Flávia Dutra, que
foi psicóloga e associada da Vivendo, contou na edição Escrevendo & Aprendendo de 2002:
“a degustação da aventura de aprender é um pressuposto que orienta a prática
da VeA. Tal prática tem como efeito colocar o sujeito como centro do seu fazer.
A teoria, então, ganha um lugar periférico. Periférico não no sentido de menos
importante, mas no sentido daquilo que bordeja o que está no centro, que no
caso é o advento do sujeito na sua relação com o saber. Um exemplo disso pa-
rece-me ser o fato de que a pré-condição para um profissional ingressar na VeA
não é ter essa ou aquela formação teórica; mas sim que possa ver o Sujeito desde
um determinado lugar. O que é muito mais uma condição vinculada a uma
ética do que uma formação teórica. (...) Costumava-se dizer, quem estava aqui
desde o começo, que a Vivendo era muito espontaneísta. Isso não mais é assim,
mas deixou impressões de uma relação singular com a teoria: não é a teoria que
se aplica, mas a prática que faz com que lancemos mão dela nos momentos de
impasse. Recorrendo à teoria como a um terceiro que meia um conflito”.6
Mesmo com um discurso e, realmente, uma prática cotidiana espontaneísta, a
Vivendo e Aprendendo tem suas bases e inspirações teóricas muito claras. O 155
que sempre foi ressaltado nas entrevistas e nos documentos sobre a escola é
que não há uma linha do tipo “para essas situações, a gente usa essa teoria”. De
acordo com os acontecimentos e de como as relações são tidas, os educadores
conseguem resgatar em sua bagagem o conhecimento para transformar o viver
das crianças em uma prática educativa. Quando explicava um dos teóricos em
que a escola se baseia, Joana Abreu – que foi coordenadora da Vivendo – res-
saltou um ponto muito importante: “sabemos que a consciência que o adulto
envolvido no processo tem da importância e das oportunidades de aprendizado
que a brincadeira traz é que transforma tal brincadeira numa experiência esco-
lar, seja ela na área de artes, matemática ou português”7. Os principais teóricos
que baseiam a Vivendo destacam a importância da interação social para o de-
senvolvimento das crianças. São eles: Henri Wallon, Lev Vygotsky, Jean Piaget
e Sigmund Freud.
Wallon ressalta a importância em compreender a experiência da Educação In-
fantil como um momento de construção da identidade da criança em relação e
em oposição ao outro. Como bem explicou Flávia Dutra, no artigo Vivendo a teo-
8. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 24.
9. WALLON, 1949/1987, p.286 apud ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo.
Brasília: A Associação, 2002. p.25.
10. WALLON, 1954/1987, p. 127 apud ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo.
Brasília: A Associação, 2002. p.27.
11. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 19.
12. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 19.
13. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 19.
Partindo desse ponto, a Vivendo e Aprendendo trabalha muito com o lúdico
para desenvolver a autonomia, a criatividade, a construção da identidade e a coo-
peração. Na segunda edição da Escrevendo & Aprendendo, explicou-se: “como
atividade social específica, ainda, a brincadeira é partilhada pelas crianças, su-
pondo um sistema de comunicação e interpretação da realidade que vai sendo
negociada passo a passo pelos pares, à medida que este se desenrola”14. Nes-
se sentido, Lorena Andrada, na dissertação de mestrado intitulada Interação e
construção de conhecimento em situação de roda na Educação Infantil, retomou
um aspecto importante da teoria de Vygotsky: “‘toda função no desenvolvimen-
to cultural da criança aparece em cena duas vezes: primeiro no plano social,
entre os homens – categoria interpsíquica – e depois no plano psicológico – no
interior da criança – categoria intrapsíquica” (Vygotsky, 2000). De modo que o
que o sujeito internaliza, ressignificando ativamente, foi antes sua relação com
o outro”15.
Ainda sobre Vygotsky, preciso fazer uma observação bastante importante sobre 157
as escolas que se baseiam neste pensador. Uma das maiores dificuldades dessa
linha é a compreensão dos pais e responsáveis que entendem Educação apenas
como transmissão de conteúdos. “Mas será que meu filho vai para a escola só
para ficar o tempo todo brincando? Ele não vai aprender nada?!” é uma frase
muito ouvida pelos educadores. Em outra escola que visitei no Distrito Federal,
a coordenadora me contou que havia discutido com uma mãe no dia anterior
porque a moça não entendia que estar no jardim brincando com os patos da
instituição era uma maneira de desenvolver potencialidades. Quando estive
por uma segunda vez em Brasília, também pude ver de perto como a Vivendo
e Aprendendo é um espaço criado para as crianças interagirem e se diverti-
rem. Isso ficou bastante claro para mim quando estive na capital federal para
a CONANE 2013. Como fiquei hospedado na casa de Fátima, uma das orga-
nizadoras da conferência, que era mãe da Luísa – uma “vivendinha” de 4 anos
–, pude observar como o processo educativo acontece na casa de Luísa e como
ela aproveita o tempo de escola. Na manhã em que fui visitar a Vivendo pela
segunda vez, Fátima estava lendo um livro para a filha. No caminho para a es-
cola, Luísa estava escrevendo o nome dos bichinhos de pelúcia em um caderno.
14. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A As-
sociação, 2002. p. 22.
15. ANDRADA, L. Interação e construção de conhecimento em situação de roda na Educação Infantil. Brasília: UnB,
2006. p. 18.
Comentei: “Luísa, escreve meu nome? É C-A...” e logo fui interrompido com uma associação
bem interessante. Ela disse: “eu sei escrever seu nome. Tenho dois amigos chamados Caio,
um da escola e você”. E escreveu certinho meu nome. Na Vivendo, Luísa brincou bastante
durante as quatro horas que ficou lá. Ou seja, o processo de aprendizagem mais aparente esta-
va em casa, enquanto na escola estava sendo desenvolvida uma aprendizagem mais indireta,
realizada a partir do lúdico e da interação com outras crianças e com os educadores.
Piaget é outro pensador que defende que o desenvolvimento, a construção da mente, se dá
no processo de socialização. Quando falava sobre Piaget, a primeira edição de Escrevendo &
Aprendendo lembrou: “a criança se desenvolve psicologicamente interagindo com os outros e
com o ambiente, construindo sua capacidade de fazer reflexão, participando de discussões, e
a de discutir, refletindo (discutindo consigo mesma)”16. Foi exatamente o que aconteceu com
Luísa durante o período que eu a acompanhei num dia de escola. Durante a manhã, ela inte-
ragiu com outras crianças, pais e educadores. Em diversos momentos, negociou com esses ato-
res a partir de reflexões e argumentos bastante interessantes. Em um momento, por exemplo,
estava conversando com ela e uma mãe perguntou para a Luísa quem eu era. Ela respondeu:
“esse é o Caio, meu melhor amigo”, mostrando o sentimento de posse que as crianças dessa
idade geralmente têm. A mãe logo provocou: “ué, mas não é o Lucas o seu melhor amigo?!”.
Luísa parou e refletiu, até responder: “é, mas hoje é o dia que o Caio vai embora de Brasília”.
O exemplo parece bastante bobo, mas, durante o dia, negociações e reflexões pequenas desse
tipo acontecem dezenas de vezes e auxiliam o desenvolvimento de Luísa e de outras crianças.
Freud também é tido como base das práticas da escola: “na Vivendo, propomos formas de
a criança sublimar a realização imediata de seus desejos, criando, aprendendo com prazer,
expressando-se em sua linguagem sem constrangimentos, brincando, jogando, construindo
laços afetivos com seus colegas. Além disso, possibilitamos que a criança conheça e se inte-
resse por formas novas de ver a vida, olhando o professor como um outro que lhe apresenta a
forma como os adultos veem o mundo, como foram sendo construídos os saberes aceitos hoje,
nas diferentes culturas, quais os códigos de comunicação oral e escrita e os meios de expressão
artística, e, especialmente, nos relacionando com a criança de modo a colocar em prática os
valores éticos assumidos”17. Durante a manhã que estive acompanhando o cotidiano da esco-
la, pude observar algumas vezes as crianças sublimando essa realização imediata dos desejos
ao perguntarem se podiam entrar na brincadeira que as outras estavam fazendo. Um garoto
de aproximadamente cinco anos me viu com a câmera de foto e logo me perguntou se poderia
16. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 1998. p. 60.
17. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 1998. p. 59.
tirar algumas fotos e, juntos, aprendemos a usar a câmera e conversamos sobre
o pai dele, que também tirava fotografias.
Na CONANE, o professor Pablo falou um pouco sobre o modelo pedagógico
da Vivendo durante sua apresentação no evento. Explica bem como todas as
referências teóricas trazidas neste livro refletem no dia a dia do processo de
aprendizagem: “a gente veio de uma estrutura em que a criança é vista como
aluno, aquele que não tem luz. E o professor é aquele que professa essa luz. E
nós compreendemos a criança como um ser repleto de experiências próprias, de
uma individualidade, repleto de potenciais incríveis e desejos que precisam ser
preservados, e nenhum professor tem condições de conduzir isso, de depositar
isso na criança, porque isso é intransferível. Como o conhecimento se dá, como
o desenvolvimento se dá na criança. Nesse sentido, é difícil a Vivendo se situar
dentro de uma perspectiva pedagógica ou de uma linha pedagógica que se diz
construtivista, sócio-interacionista ou antroposófica. A Vivendo se propõe a fa-
zer um diálogo entre todas essas perspectivas para encontrar dentro da sua pró- 159
pria história o que é mais significativo para as crianças no seu desenvolvimento
pleno e integral. Nesse sentido, os educadores são mediadores de experiências.
Eles possibilitam ferramentas para que as crianças, no seu processo, desenvol-
vam seu conhecimento e seus potenciais. Essa é uma experiência que dá muito
trabalho e, para tal, é fundamental a participação de todos os envolvidos, pais,
educadores, funcionários e crianças. Todos precisamos ser abarcados nesse mo-
vimento de transformação da sociedade. Para esse movimento de desconstru-
ção de paradigmas da sociedade, nós temos uma estrutura pedagógica que está
em constante reflexão do que representa essa estrutura educativa de dentro da
escola”.
18. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 31.
19. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 32.
20. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 32.
21. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 37.
161
amados e de nos amarmos menos, porque, de alguma forma, ‘permitimos isso’, falamos em
impedir algo. (...) É o momento de mostrarmos que aquilo que a criança fez não é bom, que
nós não gostamos de seu ato, e de propormos um caminho, uma alternativa para ela (...)”22.
ROTINA
Durante as entrevistas e as pesquisas bibliográficas, ouvi e li muito sobre a rotina que é estabe-
lecida na escola. Mas talvez o mais importante de tudo tenha sido a oportunidade de acompa-
nhar uma manhã inteira de Vivendo e Aprendendo. Na segunda vez que estive em Brasília,
tive a oportunidade de acompanhar a rotina de uma criança da Vivendo ao estar com a Luísa.
Assim que a Luísa chegou na Vivendo, tirou os sapatos e subiu no alto de uma árvore. As
árvores têm um papel de destaque no dia a dia e na história da escola. Nos documentos da
escola, há várias memórias de mudas plantadas que viraram árvores e de algumas quedas dos
pequenos, que sempre acontecem. Essa foi uma realidade construída logo no início da escola.
Gabriel Fettermann, um dos primeiros professores da Vivendo, lembrou das primeira subidas
nas árvores da história da Vivendo e Aprendendo: “desde o início do semestre há um interesse
muito grande por uma determinada árvore cujos troncos são acessíveis a todos os alunos. No
começo era proibido subir em árvores, mas nem eu nem as crianças levamos a sério essa proi-
bição e, quando percebemos que os alunos da natação utilizavam as árvores, nós simplesmente
ignoramos a nossa distinção e passamos a utilizá-las mais metodicamente. Sempre ao final
da aula vamos até a árvore. Para que todos subam, é necessário que um ajude o outro porque
22. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 57-58.
nem todos subiam sozinhos. No início subiu um de cada vez, mas observando a
grossura dos galhos e suas formas, conquistamos um espaço maior, que resistia a
mais alunos. Nesse local, contamos histórias, repartimos um pedaço de bolo que
ganhamos, enfim, tornou-se um ponto de encontro com a sala de aula”23.
Na hora da entrada (assim como na hora da saída), é comum a presença dos
pais. Eles entram na escola, conversam entre si e com as crianças. Leonardo
Lacerda, pai de dois ex-alunos da Vivendo, contou: “outra coisa engraçada: no
horário de buscar da Vivendo, as crianças não querem ir embora. Enquanto tem
luz do sol, as crianças ficam brincando. E os pais interagem também, tanto com
as crianças quanto com os outros pais”. Na seção sobre a mudança de escola,
veremos justamente um dos momentos mais queridos de Leonardo, como os
pais também têm dificuldades de adaptação.
Antes de começarem as atividades do dia, Luísa, que já tinha descido da árvo-
re e ficou brincando pelo espaço da escola, entrou na casinha verde que é sua
163
sala de aula. A primeira atividade do dia é sempre a roda de conversa. Desde
sua criação, na Vivendo e Aprendendo o dia começa e termina numa roda. A
roda inicial é para as crianças se verem, falarem, contarem novidades. Leonar-
do considerou: na Vivendo, todos conseguem falar porque é uma roda de dez
crianças. Em outras escolas, com o dobro de crianças, se você tiver que esperar
dezessete falarem a roda fica muito chata”. Às vezes, algum assunto específico
é trabalhado em roda. Dianne contou: “esses momentos são muito importantes,
porque além de trabalhar a questão da individualidade – cada um ser visto,
esperar sua vez, ser ouvido pelo grupo –, trabalha a questão do coletivo. Do gru-
po respeitar a pessoa que tá falando, enxergar um coletivo”. Neste dia, o tema
principal foi uma briga que duas crianças tiveram no dia anterior.
No mestrado de Lorena Andrada, a roda inicial da Vivendo e Aprendendo é
estudada em profundidade. Ela explicou a pesquisa: “a partir do longo período
de coleta (sete meses), registramos de forma minuciosa os processos interativos
das crianças entre si e com as professoras, focando o desenvolvimento da fala
das crianças, das trocas dialógicas, das negociações de significados, da constru-
ção de conhecimento pelas crianças”24 e justificou a escolha desse momento
23. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A As-
sociação, 1998. p. 21.
24. ANDRADA, L. Interação e construção de conhecimento em situação de roda na Educação Infantil. Brasília: UnB,
2006. p. 58.
para analisar o desenvolvimento das crianças por “demonstrarem-se potenciais ao desenvolvi-
mento das trocas dialógicas, comunicativas, momentos intimamente ligados à construção de
conhecimento pelas crianças nas interações estabelecidas”25.
Na análise, pode ser observado que “o uso de estratégias comunicativas de negociação pelas
professoras e crianças contribui para o estabelecimento e a continuidade de diálogos entre
elas, e o direcionamento orientador e facilitador das estratégias das professoras demonstra-se
fundamental para a construção conjunta de conhecimento pelas crianças e professoras”26.
Nesse aspecto, identificou-se que as crianças chamavam atenção das professoras a partir de
objetos ou situações, “dirigindo-lhes perguntas, iniciando conversas, e não só respondendo às
professoras, como geralmente é reconhecido em estudos de interação em sala de aula (Ponte-
corvo, 2005)”27. A partir desse posicionamento das crianças, as professoras usam estratégias
comunicativas (espelhamento de confirmação e de oposição, afirmação simples e justificada,
perguntas orientadas etc.) que buscam valorizar e entender o raciocínio utilizado pelos edu-
candos e, assim, direcioná-los para a construção autônoma do pensar.
Para encerrar esta observação teórica sobre a atividade de roda inicial, vale apenas citar nova-
mente Andrada, quando a pesquisadora faz um paralelo desses momentos com as teorias de
Vygotsky e de outros pensadores: “pôde-se evidenciar, assim, que a atuação das professoras
não se limitou à intenção verificacional do domínio de informações pelas crianças, direcio-
nando-se para além do nível de desenvolvimento real delas (Vygotsky, 1998) com a constru-
ção de uma zona de desenvolvimento proximal (Vygotsky, 1998). Atuação que demostrou
funcionar como um scaffolding ou andaime (Bortoni-Ricardo, 2005; Bruner, 1983; Orsolini,
2005; Pontecorvo, 2005), facilitando e ampliando a atuação das crianças, com o auxílio, o
retorno atencioso e coerente, a voz e escuta sensíveis”28.
Depois da roda inicial, as crianças têm uma primeira atividade, que geralmente trabalha a
coordenação motora fina a partir de Artes. Em uma outra sala que visitei, as crianças estavam
fazendo bonecos de argila, por exemplo. Lorena contou em seu mestrado: “é um momento
em que as crianças também são encorajadas a falar o que pensam, a expor os seus interesses,
e ampliar os seus conhecimentos sobre os trabalhos desenvolvidos, a contar sobre o produto
25. ANDRADA, L. Interação e construção de conhecimento em situação de roda na Educação Infantil. Brasília: UnB, 2006. p. 58.
26. ANDRADA, L. Interação e construção de conhecimento em situação de roda na Educação Infantil. Brasília: UnB, 2006. p. 162.
27. ANDRADA, L. Interação e construção de conhecimento em situação de roda na Educação Infantil. Brasília: UnB, 2006. p. 162.
28. ANDRADA, L. Interação e construção de conhecimento em situação de roda na Educação Infantil. Brasília: UnB, 2006. p. 163.
criado”29. Dianne contou: “a gente também trabalha muito com a autoria. As
crianças são autoras de todas as coisas que elas fazem aqui. Vocês podem ver os
trabalhos na parede, não existe retocar, pintar o céu de azul, a grama de verde.
As crianças vão fazer da maneira como elas conseguem, da maneira como elas
dão conta, da maneira como elas entendem. A gente acredita que o desenvol-
vimento da criança não precisa ser o tempo inteiro direcionado por uma ideia
adulta. Na Educação, temos a ideia de que o adulto é o detentor do conhe-
cimento. Lógico que o adulto tem mais bagagem, mais vivência, mas isso não
pode ser maior e nem passar por cima da vivência das crianças. Isso é funda-
mental. As crianças aqui são muito felizes. Esse espaço é delas, elas conseguem
se reconhecer em cada pedacinho. E elas vão e encontram uns cantos, uns bu-
raquinhos, uns lugares delas”.
Em seguida, elas têm o “Fora”, uma atividade externa que trabalha os grandes
movimentos. Os educadores promovem jogos e brincadeiras que aproveitem o
espaço da associação. Dianne contou: “muitas vezes uma brincadeira acontece 165
junto com outras salas. A gente divide por idades, mas preza muito a convivên-
cias das crianças umas com as outras”. No livro Volta ao mundo em 13 escolas30,
ao compartilhar a experiência das Escuelas Experimentales, na Província da
Terra do Fogo, na Argentina, os autores contaram: “brincar é se conectar com
as pessoas e com o espaço de maneira genuína. (...) São as escolas que valorizam
as brincadeiras, que as reconhecem como forma de conhecer melhor a si mesmo
e ao outro”. Como vimos, a brincadeira e a imaginação são peças fundamentais
dentro da Vivendo, sendo ativadores e desenvolvedores de diversas habilidades
e competências naturais e sociais.
Depois do “Fora”, é a hora do lanche. Nessa ocasião, estendem-se grandes toa-
lhas do lado de fora das salas e as crianças de todas as idades lancham e podem
trocar e compartilhar o que trouxeram de casa. Dianne falou: “a gente acha mui-
to importante esse movimento de entrar e sair da sala. As crianças se expressam
e, muitas vezes, as pequenas não têm a oralidade tão desenvolvida. Então, elas
se expressam com o corpo e o corpo está aí para ajudá-las a se desenvolverem”.
Em seguida, os educandos têm uma hora livre de parque, sem atividades dire-
29. ANDRADA, L. Interação e construção de conhecimento em situação de roda na Educação Infantil. Brasília: UnB,
2006. p. 55.
30. É possível fazer o download do livro Volta ao mundo em 13 escolas gratuitamente no site www.educ-acao.com.
cionadas, conhecida como “Parque”. Crianças de todas as idades brincam e convivem nes-
se tempo e espaço. Dianne confessou: “a hora de parque é uma das coisas que me encan-
ta na Vivendo”. É nessa hora que as crianças de todas as turmas dividem os brinquedos e
as brincadeiras e vão aprendendo a viver ao interagir uns com os outros. A hora do parque
também é um momento em que a imaginação das crianças é bastante aproveitada durante as
brincadeiras livres. Dois depoimentos mostram muito o modo de ser da Vivendo, principal-
mente nesse momento do Parque. Um dos mais interessantes é o de Cristiane Fernandes,
estudante de Pedagogia da Universidade de Brasília (UnB) e estagiária na Vivendo. Ela co-
nheceu a escola porque sempre passava pela Vivendo quando ia para o ponto de ônibus. Ela
lembrou: “eu sempre via as crianças tomando banho de mangueira, andando de perna de
pau, brincando no parque. E o parque é um lugar grande e com árvores, balanço... Aquilo me
deixou apaixonada. Daí eu pensava: ‘nossa, se eu for trabalhar numa escola, essa escola ia ser
a Vivendo’. Como eu já estava encantada com essa coisa da Educação Infantil, resolvi fazer
Pedagogia”. No primeiro trabalho de faculdade que precisou visitar uma escola, escolheu a
Vivendo e já deixou seu currículo. Leonardo, o pai de Gabriel, confirmou a fala de Cristiane,
em uma outra conversa: “a liberdade da Vivendo é uma coisa muito legal. Você chega na
escola e seu filho está lá no alto da árvore. É muito legal, tem muita liberdade, eles dão muito
valor para isso. Tomam banho de mangueira, todos estão de pés descalços. É bem bacana”.
Depois do parque, há uma terceira atividade. No dia em que acompanhei a rotina da Viven-
do, houve uma atividade que é conhecida como Vertical, na qual as crianças de todos os ciclos
estão juntas. Neste dia, elas se reuniram no galpão da Vivendo – que foi onde a escola come-
çou, no início dos anos 1980 – e construíram bonecos com peças de sucata. Nesse período,
também pude observar claramente diversas habilidades sociais sendo desenvolvidas. Uma
das educadoras interrompeu uma brincadeira que vários garotos estavam fazendo, que con-
sistia em jogar garrafas de plástico uns nos outros: “por que você está jogando a garrafa nele,
Lucas? Pode machucar”. É mais uma situação-detalhe que mostra que o desenvolvimento
acontece durante o processo de interação com os outros e de vivência.
O dia é sempre encerrado com uma roda de histórias, que é mais uma oportunidade para as
crianças olharem e perceberem umas às outras e também para desenvolver a habilidade de
imaginação e associação. No dia em que fiz a visita, um músico visitou a escola, contando
várias histórias, cantando e fazendo brincadeiras com as crianças.
31. Segundo os participantes, “é uma iniciativa interdisciplinar que reúne professores da Universidade de Brasília, es-
tudantes de graduação e pós-graduação, jovens profissionais da educação, pais e educadores de escolas associativistas e
da rede pública de Brasília em torno de uma proposta: refletir sobre, desenvolver e sistematizar a teoria e a prática de
um fazer educacional que, antes de mais nada, respeite as crianças e ofereça a elas um ambiente de desenvolvimento de
sua autonomia, colaboração e solidariedade entre elas”. Saiba mais em www.romanticos-conspiradores.ning.com/group/
projeto-autonomia
de voltar novamente para concluir a Vivendo. Leonardo lembrou: “quando ele voltou para a
Vivendo e viu todos os colegas descalços, voltou para o grupo dele”.
Na segunda edição de Escrevendo & Aprendendo, há uma seção interessante chamada “Ser
aluno da Vivendo...”. Nela, alguns ex-alunos contam um pouco sobre suas experiências com
a Vivendo e falam sobre a situação de mudança de escola. Um aluno chamado João lembrou
do início desse período de transição, já na nova escola: “era uma escola diferente. A gente não
era acostumado, aí a gente tirava o sapato para ir no tatame, como a gente fazia na Vivendo. A
professora não gostava e pedia para a gente calçar”32. Uma educadora da Vivendo que estava
na roda de conversa também se lembrou de um episódio que mostra a questão da mudança de
instituição: “eu lembro de uma história muito importante que aconteceu com o Diogo quan-
do ele saiu daqui. Ele estava na sala de aula, vendo um álbum, e a professora foi lá e tirou o
álbum dele e aí ele virou para a professora e falou assim: tudo bem, professora. Eu sei que eu
estou errado, porque eu não estava prestando atenção na aula, mas você também não precisa
tirar ele de mim. Porque é meu! Dá para me devolver, por favor? Daí a professora não sabia
o que responder”33.
Talvez se a professora tivesse usado o “não gostei” com o Diogo ao invés de apenas tirar o
álbum dele, o problema já estaria resolvido. Iara, uma outra ex-aluna, lembrou: “eu aprendi
aquela coisa do ‘não gostei’. Tudo que a gente não gostava, aqui na Vivendo, a gente não batia.
A gente falava que não gostou. Na escola pública, não era assim. A gente não falava ‘não gos-
tei’. Eu falava ‘não gostei’, mas as outras pessoas que não tinham estudado aqui não falavam
isso. E era bem diferente”34. E uma aluna chamada Cecília também contou: “a gente aprende
a respeitar os outros, mas também a não ter medo dos professores. A gente tem o direito de
falar que não concorda com alguma coisa”35.
As alterações são pequenas, mas já introduzem as crianças num novo modelo. Antes do Ciclo
5, por exemplo, uma única mesa é usada na sala para todo mundo ficar junto. Quando as
crianças chegam ao último ciclo, inicia-se o uso da carteira escolar - que pode ser separada,
mas ficam todas próximas. Já é uma mudança física perceptível. Os alunos passam a ter mais
contato com cadernos. No primeiro semestre, as crianças escrevem no caderno coletivo da
horta da escola. No segundo, já existe um caderno individual. Também é feito um trabalho
mais sistematizado com os deveres de casa. Dianne explicou: “são tarefas muito contextuali-
32. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 48.
33. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 49.
34. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 51.
35. ASSOCIAÇÃO PRÓ-EDUCAÇÃO VIVENDO E APRENDENDO. Escrevendo & Aprendendo. Brasília: A Associação, 2002. p. 51.
zadas. Ano passado chegou uma carta da pirata na sala de aula com um código
para elas decifrarem e essa foi a tarefa de casa”. Como pudemos observar nas
falas dos alunos, as dificuldades de adaptação sempre existirão, mas a proposta
é tornar esses desafios menos difíceis e manter a essência desenvolvida durante
a Educação Infantil.
CONCLUSÃO
A Vivendo e Aprendendo tem uma maneira singular de trabalhar o desenvolvi-
mento infantil. Muitas das estratégias educacionais utilizadas no cotidiano da
escola são comuns neste segmento, mas é difícil explicitar como elas realmente
fazem parte do modo de ser de educadores e educandos. Em minha conversa
com Dianne, ela levantou alguns pontos bastante importantes que merecem
ser compartilhados na íntegra porque resumem um pouco desse modo de ser:
“os projetos e as atividades que acontecem dentro e fora de sala são voltados 169
para o interesse das crianças. Existe um olhar muito sensível e atento para ver o
que as pessoas gostam, o que elas querem, o que o grupo está pedindo naquele
momento. A gente trabalha com os projetos de interesse das crianças. Isso dá
uma gama de possibilidades gigantesca.
A gente também trabalha muito com a autoria. As crianças são autoras de todas
as coisas que elas fazem aqui. Vocês podem ver os trabalhos na parede, não
existe retocar, pintar o céu de azul, a grama de verde. As crianças vão fazer da
maneira como elas conseguem, da maneira como elas dão conta, da maneira
como elas entendem. A gente acredita que o desenvolvimento da criança não
precisa ser o tempo inteiro direcionado por uma ideia adulta. Na Educação te-
mos a ideia de que o adulto é o detentor do conhecimento. Lógico que o adulto
tem mais bagagem, mais vivência, mas isso não pode ser maior e nem passar por
cima da vivência das crianças. Isso é fundamental. As crianças aqui são muito
felizes. Esse espaço é delas, elas conseguem se reconhecer em cada pedacinho.
E elas vão e encontram uns cantos, uns buraquinhos, uns lugares delas.
A apropriação do espaço também é muito importante para a gente. Precisamos
cuidar dele para nos sentirmos pertencentes a ele. Isso é uma coisa que a gente
faz com as crianças e com os pais também. As coisas não podem aparecer ma-
gicamente. O trabalho às vezes demora, mas aquilo ali que você fez é seu, faz
parte de você”.
A educadora Cristiane lembrou do início de seu envolvimento com a Vivendo
e Aprendendo, quando visitou a escola pela primeira vez para um trabalho universitário:
“naquele dia, observei uma turma de ciclo cinco, inclusive que a Dianne era a professora.
Elas estavam fazendo um projeto de navio pirata e eu fiquei impressionada com o jeito que
as crianças se colocavam, negociavam as coisas entre elas e todas com a sua característica, ne-
nhuma queria imitar a outra. Tinha uma coisa de identidade nelas muito forte, uma autono-
mia impressionante”. E ela complementou de uma maneira que pode ser o encerramento da
história desta iniciativa compartilhada neste livro: “acho que é importante você ir lá conhe-
cer, viver aquilo, experimentar. Eu ainda tenho a admiração que tinha quando passava pelo
parque na volta do outro trabalho. Aquele parque que eu via, vejo hoje todos os dias. Aquilo é
o brilho dos meus olhos, é a razão por eu estar na Vivendo e Aprendendo. As crianças buscam
o seu eu, querem a sua independência, lutam por elas, pelo respeito com elas, com o mundo.
Isso é o grande diferencial da Vivendo”.
CRIANÇAS CONVERSAM
DURANTE A RODA INICIAL
RE(VI)VENDO
ÊXODOS
RE(VI)VENDO ÊXODOS
Conheci o Re(vi)vendo Êxodos em uma pesquisa na internet. Estava partindo
para Brasília em alguns dias e queria muito visitar projetos na capital federal.
Entrei em contato via página oficial do projeto no Facebook e logo recebi um
retorno de Rodrigo Soares, um dos monitores educacionais da iniciativa.
O Re(vi)vendo Êxodos está inserido no currículo escolar do Ensino Médio de-
senvolvido em duas escolas públicas de Brasília e em uma de São Sebastião
(DF). O projeto baseia-se em três pilares: Identidade, Patrimônio e Meio Am-
biente, e se diferencia por oferecer a oportunidade de os estudantes saírem da
sala de aula e terem uma Educação via Experiência, com saídas pontuais du-
rante o ano letivo e uma grande caminhada de duas semanas pelas regiões que
estudaram no curso.
173
COMO COMEÇOU
Em 2001, houve uma mudança na grade curricular do Distrito Federal e uma
matéria chamada Práticas Diversificadas (PD) foi criada para as disciplinas de
Português e Matemática. No Centro de Ensino Médio Setor Leste, alguns pro-
fessores da área de Humanas também queriam participar. Um deles era o pro-
fessor de História Luís Guilherme Baptista, um homem com um pouco mais
de 1,80m, cabelos castanhos bagunçados e barba começando a ficar grisalha.
Mesmo assim, ainda tem espírito e energia de garoto: fazia várias brincadeiras
enquanto contava sobre sua história e sobre o projeto. Deixou claro que traba-
lha para uma sociedade melhor. Ele encontrou na Educação um caminho para
fazer as revoluções sociais que sonhava na adolescência. Contou sobre o início
do Re(vi)vendo: “como não tínhamos aulas disponíveis para fazermos uma PD,
resolvemos fazer de uma maneira interdisciplinar”.
Luís é filho de um gaúcho e de uma mineira. Durante os primeiros dez anos
de vida, morou em várias cidades do Brasil. Em 1971, chegou a Brasília, onde
viu uma cidade nova sendo construída, e ali se estabeleceu. Fez teatro entre
os 18 e 48 anos (só parou para ficar mais tempo com a família), é professor há
28 anos e milita pelo Partido dos Trabalhadores desde os 16. O educador, que
gosta de citar os filmes que assistiu, lembrou com animação: “a gente viajava
num fusquinha com oito pessoas dentro até o Gama [cidade satélite a 30km de
Brasília] e queríamos fazer a revolução. Acredito na revolução permanente até
hoje. Continuo achando que a sociedade caminha para a barbárie. Gosto da ideia de utopia e
da ideia de sonho. Tento passar isso para o aluno e passar isso para mim, me retroalimentar”.
A revolução permanente no Gama nunca aconteceu, mas, em busca de uma revolução na Edu-
cação, ele propôs um projeto em que os alunos visitassem a exposição Êxodos, do fotógrafo Se-
bastião Salgado, logo que a matéria interdisciplinar foi criada. Ideia aceita, os professores leva-
ram todos os alunos de segundos e terceiros anos do Ensino Médio para visitarem a exposição
guiada por monitores. Luís contou: “quando eles voltaram, dividimos a turma em 14 blocos com
temas dos quais o Sebastião Salgado tinha tirado fotos e fizemos eles pesquisarem esses temas
aqui no Brasil e no mundo e ter uma visão de dentro das áreas de Humanas (Sociologia, Filoso-
fia, História e Geografia), e os garotos meteram bronca”. Depois desse trabalho, os jovens preci-
savam tirar fotografias com os mesmos temas contidos nas fotografias de Salgado, mas dentro da
realidade deles no Distrito Federal. O professor de História lembrou, entusiasmado, enquanto
procurava fotos em uma pasta lotada de arquivos do projeto: “eles tinham que achar mulheres
do Afeganistão dentro do DF, cenas da guerra da Iugoslávia, coisas assim. Os meninos foram
à luta e achavam ou brincavam de fazer teatro e fotografia, replicando as cenas que viram na
exposição. Com isso, fizeram a primeira exposição fotográfica própria”.
O projeto deu resultados interessantes, continuou e foi sendo aperfeiçoado. O professor ex-
plicou: “num segundo momento, definimos que o mote do projeto seria focado em cultura
e identidade. Fazer com que os alunos tivessem um olhar para si próprios e, a partir desse
momento, podemos olhar para o mundo”. Essa proposta educacional foi bem explorada nas
primeiras turmas. No terceiro ano do projeto, em 2003, a escola passou por uma reestrutu-
ração que o afetou bastante. Luís contou: “em 2002, tivemos um movimento feito por alunos
e professores que tiraram o diretor da escola, sob alegações que, mesmo anos depois, nunca
foram confirmadas. Todos os professores da equipe original saíram da escola ou se afastaram
da ideia do projeto. Somente eu fiquei e dei continuidade ao Re(vi)vendo; e a cada ano novo
outros professores passaram a apoiar o projeto; desde então eu assumi a Coordenação Geral”.
Foi exatamente no momento de crise que o projeto conseguiu se reinventar para se tornar
uma iniciativa realmente criativa para solucionar os desafios educacionais. Luís defendeu:
“nessa época, tive a ideia de fazer uma caminhada para reforçar o projeto. Caminhar tem
uma série de implicações totalmente pedagógicas - descobrir-se, perceber-se, olhar, sentir,
viver, experimentar”. Ele apresentou a nova proposta para um corpo de professores e quase
não teve apoio dos colegas, que acharam a proposta de andar por quinze dias com dezenas
de alunos inviável. Lydia Gabriela Mauricio, uma ex-participante do projeto e atualmente
estudante de Ciências Ambientais na Universidade de Brasília (UnB), escreveu um artigo
acadêmico que desenvolveu analisando o Re(vi)vendo Êxodos e falou sobre o processo da ca-
minhada: “é processo sensibilizador que extrai o aluno do seu conforto cotidiano cercado de
artifícios para o novo e desconhecido, desafiar limites biológicos e se reconhecer
interdependente de um ecossistema inteiro, conhecer a história da sua pátria,
migrações, sofrimentos e glórias de seus ancestrais, experimentar fatores cul-
turais típicos, desconectar de influências externas para se conhecer enquanto
indivíduo, enquanto fator biológico subordinado a razões biogeoquímicas ine-
rentes a todo ser vivo, como parte de um povo e uma cultura, como um Brasil”1.
Lydia teve influência do projeto e da CEM Setor Leste (que fica em uma área
grande e com bastante verde). Ela me falou sobre um momento importante para
ela e que levou a optar por uma carreira ainda pouco valorizada no país: “em
uma pesquisa de campo no Re(vi)vendo, um senhor me falou: ‘nunca faça algo
porque querem ou porque dá dinheiro; sem alma e sem amor todo trabalho é
vão’. A partir daí eu soube, mesmo sem saber o que ia cursar, que faria o que
me desse uma missão no mundo, algo além de um escritório, um crachá e um
contra-cheque bonito. Quando fui analisar os cursos e li sobre Ciências Am-
bientais, soube que aquilo era para mim”. 175
Mesmo assim, a ideia da viagem foi concretizada com o apoio de diversos par-
ceiros2. A turma saiu de Brazlândia (DF) e foi até Planaltina em sete dias de ex-
pedição. O professor Luís justificou a escolha: “as duas cidades foram escolhi-
das justamente para mostrarmos o referencial histórico e geográfico do Distrito
Federal. Essas cidades são referenciais anteriores à construção da capital. Tem
pessoas com histórias maravilhosas, como do Seu Teodoro, do bumba-meu-boi
em Sobradinho (DF)”3.
Os primeiros anos de projetos e de caminhadas foram feitos praticamen-
te sem nenhum apoio financeiro. A estrutura foi sendo aprimorada con-
forme o crescimento da iniciativa. Na primeira caminhada, por exem-
plo, a luz vinha de lampiões. Assim como a vida agitada do educador, ele
resumiu: “quase tudo que fizemos foi tentativa e erro”. O projeto teve su-
1. Em fase de elaboração. MAURÍCIO, L. A vertente, caminhada, do Projeto Re(vi)vendo Êxodos em concordância com a
visão ecopedagógica. A ser editado; 2014.
2. Luís lembrou: “por força de vontade e apoios que angariamos durante a produção da ideia; Grupo de Escoteiros João
de Barro, de Sobradinho DF; sr. Antônio Carlos, Tonico, assessor do Deputado Distrital (na época) Augusto Carvalho;
Capitão do Exército aposentado Ramiro, que nos apresentou ao CMP-Comando Militar do Planalto e à 11ª RM- Região
Militar denominada Luiz Cruls, que se tornaram nossos principais apoiadores; Polícia Militar Ambiental do DF e Corpo
de Bombeiros Militar do DF; Professor Luiz e Professora Marilene, fundamentais na alimentação. Amigos e alguns pro-
fessores que encamparam a ideia”.
3. Seu Teodoro é considerado um patrimônio cultural do Distrito Federal. Foi ele um dos pioneiros na capital federal a
trazer o Bumba-meu-boi, tradicional manifestação folclórica de sua terra natal, o Maranhão, para Brasília. Saiba mais em
www.boideseuteodoro.wordpress.com/category/seu-teodoro.
porte de instituições que lhes ensinaram até a fazer a caminhada, como os escoteiros do
Grupo João de Barro. Os organizadores aprenderam sobre segurança com bombeiros,
polícia ambiental e o próprio exército. Pesquisadores do Instituto Brasília Ambiental
(IBRAM), do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Chico Mendes auxiliam o
Re(vi)vendo Êxodos realizando palestras sobre ambientalismo. Hoje, o exército é fundamen-
tal para a caminhada acontecer, já que a infraestrutura com barracas, refeições e apoio é
bastante cara e complexa, contando com cerca de 60 alunos por caminhada anual.
COMO ACONTECE
Durante o ano, os professores responsáveis pelas aulas de Práticas Diversificadas recebem um
planejamento para cada bimestre, feito por Luís e pelos monitores do projeto, com indicações
de atividades e datas importantes para serem trabalhadas - como centenários, aniversários
históricos e temas atuais. O coordenador explicou: “o professor tem uma série de assuntos no
bimestre para trabalhar e ele pode fazer isso do jeito que quiser. A maioria promove debates
a partir de pesquisas dos alunos”.
Bimestralmente, os estudantes são divididos em grupos e realizam explorações mais locais ou
estudos sobre temas que tratam de Identidade, Meio Ambiente e Patrimônio. Em pequenas
saídas da escola, visitam cidades do Distrito Federal para conhecerem identidade, patrimônio
e meio ambiente de sua região. Assim, podem vivenciar os conceitos trabalhados em aula e
têm a oportunidade de conversar com pessoas comuns e com pessoas ligadas aos órgãos ofi-
ciais das cidades, instituições. Como resultado dos estudos, são produzidos documentos sobre
as cidades exploradas, como boletins, folders, vídeos. Em uma de nossas conversas, Lydia me
contou: “as pesquisas de campo são vivências incríveis e colocam o aluno em contato com as
realidades, que, ao mesmo tempo em que estão tão próximas a nós, se fazem tão distantes do
nosso cotidiano urbano, como comunidades tradicionais, mestre crioulos, festividades. Os
alunos fazem relatórios durante a saída de campo e, no final, é possível perceber nos textos
que a experiência se trata mais de reconhecimento de pertencimento cultural distante da pla-
netarização, que uniformiza a cultura e é influenciado pelas grandes massas de comunicação.
O aluno se descobre povo, Cerrado, sabores, danças, Brasil”.
Assim como trabalhos escolares, os estudantes produzem dossiês, portfólios, vídeos, boletins
informativos, cartazes, folders, encenações, desenvolvem uma monografia e apresentam se-
minários baseados nos estudos das identidades culturais das cidades, do meio ambiente e das
relações que esses três pilares têm entre si. Na minha primeira visita, os monitores do projeto
me mostraram dezenas desses trabalhos. Como essas saídas pontuais durante o ano são traba-
lhos bimestrais, é claro que nem todos têm o mesmo nível de qualidade. Alguns nem mesmo
são verídicos. Quem nunca inventou um trabalho na escola e na faculdade?
Luís lembrou, durante nossa conversa, de um ex-aluno de 2012 que havia in-
ventado todos os trabalhos bimestrais e, no ano seguinte, arrependeu-se de não
ter aproveitado realmente o curso. O coordenador lembrou: “só quando ele foi
para a caminhada, no fim do ano, percebeu quão rica era aquela experiência”.
Os trabalhos bimestrais estimulam os estudantes a olhar para as cidades anali-
sadas de maneira mais profunda e ampla. Luís explicou: “quando você analisa
uma cidade, não aprende a História separada da Geografia e da Biologia. As
cidades são formadas por diversos conhecimentos de áreas distintas e transver-
sais. No Re(vi)vendo Êxodos, esses conhecimentos são estudados a partir da
pesquisa e da análise realizadas pelos próprios jovens”.
No fim do ano, depois de terem desenvolvido o olhar para as próprias realida-
des, os jovens saem a campo para uma expedição optativa de duas semanas
de duração. Essa viagem é o ponto principal do projeto. Antes da caminhada,
177
alguns professores percorrem o mesmo caminho organizando o itinerário e esta-
belecendo parcerias com municípios e pessoas. Mais de 60 estudantes passam
duas semanas caminhando cerca de 15km por dia, visitando várias cidades para
conhecer de perto o que foi estudado dentro dos muros da escola. Nesse perío-
do, os estudantes têm a oportunidade de caminhar, olhar, perceber e conhecer
as regiões estudadas durante o ano. Além das trocas informais que aconteciam
entre o grupo durante a caminhada, o projeto proporciona ações pedagógicas e
civis para os alunos.
Em seu artigo, Lydia escreveu interessante relato sobre a vivência das caminha-
das, que vale ser replicado na íntegra:
“caminhar distâncias longas é uma árdua missão, os caminhos são muitas vezes
tortuosos, e no cume do enfado é possível estar munido de uma percepção de
pertencimento intensa. O desgaste de horas andando pode ser revigorado ao se
passar por um trajeto onde as copas das árvores se tocam, ou ser insustentável
ao atravessar alguns hectares de canavial, a brisa do vento ajuda a manter uma
respiração profunda e fluida, já andar sobre o asfalto e próximo a pastagens é
sufocante. Após a caminhada, a água pura, quer seja em temperatura ambiente,
quer seja gelada, é apreciada e indispensável. O contato com frutas típicas do
Cerrado nunca antes degustadas, paisagens deslumbrantes, trazem o reconhe-
cimento de como a natureza é dependente de interações.
Ouvir, perceber, adaptar, interagir, relacionar-se, superar. São quebras de para-
digmas nos processos educativos, ao chegarem cansados, um suposto limite corporal e mental,
ainda assim escutam histórias, dançam, brincam, recitam poemas. Acredita-se que a sensibi-
lização proporcionada por essa vivência é fundamental para que esses alunos extravasem as
leituras superficiais do que os cercam, nas relações ecológicas, do nosso nicho, que para ser
satisfeito afeta o nicho de outras espécies, de outros humanos, nas relações sociais, econômi-
cas, culturais, e aprofundem nas percepções sobre os mundos que os cercam em suas mais
diversas esferas”4.
Ao explicar um pouco sobre as ações pedagógicas do projeto, que muitas vezes vão além de
aulas, palestras e rodas de conversa, como vimos no depoimento de Lydia, Luís contou: “na
primeira e na segunda caminhadas eu achava que nós tínhamos o conhecimento de que aque-
las comunidades por onde passaríamos precisavam. A nossa tentativa foi levar situações de
discussão. Depois, descobrimos que temos mais que aprender com eles, porque a partir do
momento que eles viram falantes, fica mais fácil as trocas serem realizadas. Tínhamos muito
mais a aprender do que a ensinar”.
O idealizador do projeto e alguns monitores também ressaltaram como a visita do grupo às
cidades é impactante tanto para os alunos quanto para os moradores. O monitor Rafael Go-
mes lembrou: “quando estávamos chegando em Planaltina (DF), em uma das caminhadas, a
cidade toda estava na praça principal para nos receber”. O professor Luís já emendou com
uma outra história interessante: “durante uma das caminhadas, foi a primeira vez que gaú-
chos e nativos comungaram da mesma festa dentro do centro de cultura juntos. Nunca eles
tinham dançado na mesma festa juntos. Foi a primeira vez que os gaúchos assistiram uma
festa regional local. Essas experiências são impactantes”.
4. Em fase de elaboração. MAURÍCIO, L. A vertente, caminhada, do Projeto Re(vi)vendo Êxodos em concordância com a visão ecopedagógica.
A ser editado; 2014.
CAMINHADAS REALIZADAS ENTRE 2004 E 2013
PIRENÓPOLIS GAMA
2005 (GO) (DF)
16 DIAS 340KM A PÉ
340KM A PÉ
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CAVALCANTE BRAZLÂNDIA
2010 (GO) (DF)
15 DIAS E 600KM DE
ÔNIBUS
NESTA ANO, NÃO HOUVE CAMINHADA PORQUE O EXÉRCITO ESTAVA
2011 ALOCADO DEVIDO A PLANEJAMENTOS EMERGENCIAIS COM RELA-
ÇÃO AO HAITI
250KM A PÉ
2012 GOIANÉSIA (GO) BRASÍLIA (DF) 14 DIAS E 800KM DE
ÔNIBUS
NESTE ANO, NÃO HOUVE CAMINHADA, PRINCIPALMENTE POR FALTA
2013 DO APOIO DOS BOMBEIROS
REFERENCIAL TEÓRICO
Há poucas referências acadêmicas analisando e estruturando teoricamente o Re(vi)vendo
Êxodos. Também não há referências bibliográficas em que o projeto se baseie, segundo o
coordenador da iniciativa. Luís explicou o motivo de não ter oficialmente nenhuma base teó-
rica: “na verdade, se você for pesquisar bibliografias sobre caminhadas, tem muito texto. Mas
não tem nada parecido com o que fazemos por aqui. A ideia de ficar duas semanas fora da sala
de aula caminhando 300km numa época de bastante seca faz toda a diferença na aprendiza-
gem. A gente não traz nenhum pensador ambientalista conosco, mas esses jovens aprendem
de forma única, vão carregar para o resto da vida o valor exotérico de um copo d’água. É o
jeito mais forte de assimilar um conhecimento”. Um aluno que estava nos acompanhando na
conversa sobre o projeto deu seu depoimento: “eu só tomo água gelada, e na caminhada não
tem isso. Quando um professor me conseguiu um copo de água gelada no meio da caminha-
da, foi a melhor sensação que eu senti na minha vida”.
Mesmo assim, podemos relacionar o Re(vi)vendo Êxodos a alguns referenciais teóricos e prá-
ticos importantes. A Educação Patrimonial6 é uma base forte do Re(vi)vendo, e o projeto
também recebe influências de pensadores como Rodrigo de Melo Franco e Moacir Gadotti.
O coordenador explicou: “em 2005, começamos a pensar em Educação Patrimonial. Isso foi
incorporado dois anos depois. Entre 2007 e 2009 fomos firmando nosso tripé de pesquisa –
Identidade, Patrimônio e Meio Ambiente –, focando muito em Educação Patrimonial, mes-
mo sob o meio ambiente e sob identidade. A gente começou a valorizar os dois como um
patrimônio. O meio ambiente não é só o parque, é o tipo de qualidade de vida que a gente
ganha com projetos de preservação ambiental e qualidade de vida. Uma coisa que aprende-
5. Em fase de elaboração. MAURÍCIO, L. A vertente, caminhada, do Projeto Re(vi)vendo Êxodos em concordância com a visão ecopedagógica.
A ser editado; 2014.
6. “Para Horta, Grunberg e Monteiro (2006) a Educação Patrimonial consiste em provocar situações de aprendizado sobre o processo cultural,
seus produtos e manifestações, aguçando a curiosidade dos envolvidos para descobrir mais sobre ele e também sobre o meio ambiente no qual
está inserido (...)” (NORONHA, I apud HORTA, GUTENBERG E MONTEIRO. 1:2008).
mos muito com o pessoal do IPHAN: como ter qualidade de vida e proteger o
meio ambiente?”.
O trabalho de Moacyr de Góes, Secretário Estadual de Educação do Rio Grande
do Norte na década de 1960, também influenciou muito o Re(vi)vendo Êxodos,
segundo o próprio Luís. No projeto “De pé no chão também se aprende a ler”7,
mais de 40 mil pessoas foram beneficiadas. Idosos e crianças aprendiam juntos
e trocavam experiências. Luís lembrou: “é uma ideia de patrimônio, como todo
mundo a se conhecer. E quando bota todo mundo ouvindo uma pessoa mais
idosa falando que é um prazer estar com eles, é uma conexão incrível. Um dia,
estávamos em Unaí (DF) entrevistando o Seu Nô, um senhor com 90 e poucos
anos, e ele começou a chorar no fim da entrevista dizendo que era o dia mais
feliz da vida dele porque eles estavam ouvindo ele. É bom ter alguém para con-
tar uma história, né?”.
O artigo A Escola Itinerante: Mediação Cultural e Cidadania8, do pesquisa-
181
dor José Mauro Barbosa Ribeiro, para a XXII Conferência da Federação de
Arte Educadores do Brasil, fez interessantes apontamentos sobre as práticas do
Re(vi)vendo Êxodos sob a perspectiva da Educação Artística. Ribeiro reforça o
caráter interdisciplinar e o trabalho com temas e valores que hoje são cada vez
mais demandados pela sociedade. Defendeu: “(...) sua prática está sintoniza-
da com aspectos estruturantes do ensino de artes, como interdisciplinaridade,
multiculturalidade, pertencimento, afetividade, memória, ética, estética, sus-
tentabilidade e outros. Tais categorias se imbricam e dialogam com os ‘corpos,
corações e mentes’ dos aprendentes ‘em trânsito’, provocando nestes atitudes
reflexivas sobre suas concepções estéticas, históricas e culturais, gerando novas
leituras e posturas sobre o contexto ao qual pertencem e interagem”. O autor
também lembrou os conceitos de emancipação e autonomia defendidos por
Paulo Freire, apontando que, depois de vivenciarem muitas experiências na
prática do projeto, enxergam-se capazes de se tornarem protagonistas e agentes
de transformação.
7. O programa, que teve início na cidade de Angicos (RN), consolidou o método de alfabetização desenvolvido por Paulo
Freire. Infelizmente, o programa encerrou-se logo no início do Golpe Militar de 1964. Atualmente, 25% de Angicos não
sabe ler nem escrever.
8. RIBEIRO, J. A escola itinerante: mediação cultural e cidadania. São Paulo: XXII CONFAEB Arte/Educação: Corpos
em Trânsito, 2012. Disponível em: <www.goo.gl/6DBJfx>. Acessado em 20/02/2014.
Ribeiro também retoma Dewey9 quando trata da importância da experiência como forma de
aprendizagem. Ele defende que essa experimentação possibilita “ao aluno formas de julga-
mentos ou de questionamentos que relativizam a construção da verdade absoluta, do discurso
pronto construído pela lógica racionalista, e se transforma em um dispositivo de apreensão
das polissemias culturais identificadas”. Conversando com os atores do projeto Re(vi)vendo
Êxodos, é possível identificar que ocorre um desenvolvimento considerável nos participantes
após a experimentação.
Luís também ressaltou a importância do Estatuto do Homem10, escrito pelo poeta Tiago de
Melo. O coordenador lembrou: “esse poema foi importante para minha vida quando eu tinha
17 anos. Vindo de um amazonense, ambientalista, que mora na floresta, as coisas ficam ainda
mais lindas. A ideia é que os meninos sejam livres, mas não só da boca para fora. Que a liber-
dade seja tão intensa que eles tenham isso dentro deles, em todos os momentos. Já tivemos
aula dentro de rio, dentro de estábulo...”. E o educador encerrou da maneira que mais gosta,
citando filmes: “no filme O caçador de androides, Blade Runner entendeu que existir é ter
estado no mundo e ter memória disso. No fim do filme, ele disse: ‘eu tenho visto coisas que sua
gente não acreditaria. Vi naves de ataque em chamas nos limites de Orion. Vi raios-x cinti-
lando junto aos portões de Tanhäuser... todos esses momentos vão se perder no tempo, como
lágrimas na chuva. Hora de morrer’. De alguma forma, as memórias do projeto não morrem.
Mesmo com outros projetos que todo mundo vai fazer na vida, o que eles viveram no Re(vi)-
vendo Êxodos vai ser um ganho tremendo para eles”.
CONCLUSÃO
O Re(vi)vendo Êxodos é um projeto bastante interessante por relacionar as vivências e expe-
riências de campo com as abordagens teóricas desenvolvidas em sala de aula nas diferentes
disciplinas. Os resultados finais mostram uma série de jovens muito conscientes e com bas-
tante bagagem social e cultural.
Durante a caminhada, o diálogo e o aprendizado informal são potencializados. Um dos estu-
dantes com quem conversei contou: “na caminhada, a gente brinca que a gente se une na po-
eira. Quando baixa o poeirão, fica todo mundo igual. É uma coisa de troca e de conhecimento.
Todo mundo cresce muito, aprende o tempo todo”.
Em suma, é um projeto bastante interessante de Educação via Experiência, que mostra uma
9. DEWEY, J. Democracia e Educação: introdução à filosofia da Educação. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964 apud RIBEIRO,
J. p. 5.
185
PDCIS
Conheci o Programa de Desenvolvimento e Crescimento Integrado com Sustentabilidade
do Mosaico de Áreas de Proteção Ambiental do Baixo Sul da Bahia (PDCIS) apenas depois
de encerrar a viagem de cinco meses pelo Brasil. A convite da Fundação Odebrecht, a insti-
tuição que lidera o desenvolvimento do programa, fiz uma viagem de imprensa sem nenhum
compromisso com as instituições envolvidas.
Na última década, uma das regiões mais carentes da Bahia passou por verdadeira mudança
social. O Baixo Sul da Bahia reúne 15 municípios onde vivem aproximadamente 360 mil
pessoas1 e sua economia é basicamente agrícola. É uma das áreas de maior biodiversidade do
mundo. As ações do PDCIS concentram-se na Área de Preservação Ambiental do Pratigi2. A
região ainda é bastante pobre, mas o programa, capitaneado pela Fundação, e investimentos
públicos significativos promoveram grandes melhorias na qualidade de vida e de trabalho.
Há dez anos, o PDCIS está auxiliando na criação de condições educacionais, sociais e econô-
micas que evitam o êxodo rural, incentivam o protagonismo juvenil e criam uma nova classe
média do campo. Mais de 600 jovens já foram beneficiados com as Escolas Familiares Rurais,
1.000 cooperados estão trabalhando em melhores condições e, apenas em 2010, as ações do
programa beneficiaram direta e indiretamente mais de 13 mil pessoas com mais de 20 proje-
tos do programa, segundo as publicações institucionais da Fundação3.
O projeto é orientado pelas oito Objetivo do Milênio da ONU, com foco em acabar com
a fome e a miséria (objetivo 1), garantir Educação básica e de qualidade para todos (obje-
tivo 2), garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente (objetivo 7) e garantir a to-
dos o trabalho visando ao desenvolvimento (objetivo 8). As ações têm foco principalmente
no desenvolvimento comunitário a partir do protagonismo juvenil, que garante em parte o
cumprimento das demais metas focadas. Para isto, o projeto trabalha com diversos parceiros
a partir de uma governança participativa para atingir metas claras de melhorias sociais. O
objetivo da Fundação é construir uma tecnologia social para o desenvolvimento da comu-
nidade. Entende-se que é preciso criar condições para que o jovem tenha oportunidades na
zona rural e não precise ir para a cidade. A meta é tornar o programa uma Política Públi-
ca. Assim, pretende-se desenvolver um modelo que possa ser replicado em outras regiões.
2. Segundo o site da Fundação (www.goo.gl/YUHyNM), a APA do Pratigi é “composta por cinco municípios baianos – Nilo Peçanha, Ibirapi-
tanga, Piraí do Norte, Ituberá e Igrapiúna – a Área de Proteção Ambiental (APA) do Pratigi se caracteriza por abrigar remanescentes da Mata
Atlântica e por apresentar rica diversidade de fauna e flora. Além de ser a única APA no Brasil que configura um ecossistema completo, que
vai das nascentes à faixa litorânea”.
3. FUNDAÇÃO ODEBRECHT. Educação Pelo Trabalho. Publicação Institucional da Fundação Odebrecht: Salvador, 2010.
O PDCIS foca nos objetivos 1, 2, 7 e 8 dos Objetivos do Milênio da ONU
4. CANCIAN, N. País fecha oito escolas por dia na zona rural. São Paulo: Folha de S.Paulo, 03/03/2014. Disponível em:
<http://goo.gl/nmqIf4>. Acessado em 03/03/2014.
6. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Disponível em <http://goo.gl/0mAVGr>. Aces-
sado em 15/03/2014.
7. PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Disponível em <http://goo.gl/FM8UXk>. Aces-
sado em 15/03/2014.
comunidade rural do sudoeste da França encontraram na alternância uma solu-
ção para o problema de um adolescente de 14 anos que se recusou a ir à escola
convencional. A jornalista Cinthia Rodrigues escreveu em matéria para a revis-
ta Nova Escola8: “a intenção era evitar que os filhos gastassem a maior parte do
dia no caminho de ida e volta para a escola ou que tivessem de ser enviados de
vez para morar em centros urbanos”. Ainda nos dias de hoje, os sítios e fazendas
dos produtores rurais ficam muito longe dos centros urbanos ou até mesmo das
escolas rurais. A opção de o estudante permanecer metade do mês na escola
e a outra metade trabalhando com a família se mostrou bastante interessante
nessas circunstâncias.
A iniciativa do padre francês começou com 4 alunos e, em pouco tempo, já
eram 40. Depois da Segunda Guerra Mundial, a experiência consolidou-se no
país a partir dos Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs),
que foram reconhecidos pelo governo francês em 1960. Em 1970, o método
espalhou-se mundialmente, sendo implementado em países europeus (Itália, 189
Espanha, Portugal), no continente Africano, na América do Sul, no Caribe, na
Ásia e no Canadá9.
O pesquisador João Valdir Alves explicou no artigo Pedagogia Da Alternância:
uma alternativa consistente de escolarização rural?10: “os agricultores pioneiros
que levaram adiante a constituição das Maisons Familiales Rurales estavam
preocupados em criar estratégias de desenvolvimento para sua comunidade,
ao mesmo tempo em que se preocupavam com um tipo de Educação diferen-
ciada para os jovens de seu vilarejo. Eles imaginaram um tipo de escola que
seus filhos não rejeitariam, porque ela iria atender às suas reais necessidades.
Assim, eles pensaram em criar uma estrutura de formação que seria da respon-
sabilidade dos pais e das forças sociais locais, em que os conhecimentos a serem
adquiridos seriam encontrados na escola, mas também na vida cotidiana, na
família, na comunidade, na vila”. No artigo, Alves ressaltou a característica
8. RODRIGUES, C. Pedagogia da Alternância na Educação Rural. São Paulo: Portal Nova Escola, S/D. Disponível em
<http://goo.gl/ZTkJmk>. Acessado em 29/04/2014.
9. SOUZA, J. Pedagogia da Alternância: uma alternativa consistente de escolarização rural?. 31ª Reunião da Asso-
ciação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Disponível em: <www.goo.gl/CF3mFj>. Acessado em
10/12/2013. p. 3.
10. SOUZA, J. Pedagogia da alternância: uma alternativa consistente de escolarização rural?. 31ª Reunião da Asso-
ciação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Disponível em: <www.goo.gl/CF3mFj>. Acessado em
10/12/2013.
de Educação fundamentada na formação integral dos estudantes vinculados a essas Casas,
desenvolvendo tanto habilidades e competências dos estudantes quanto a qualidade de vida
das comunidades beneficiadas. Veremos exemplos de como isso é bem presente no trabalho
realizado no Baixo Sul da Bahia.
A iniciativa chegou ao Brasil apenas em 1968, quando jesuítas criaram a Escola Família Agrí-
cola de Olivânia, em Anchieta (ES). Em poucos anos, a Pedagogia da Alternância já estava
acontecendo em 20 Estados brasileiros11, favorecendo áreas rurais onde o transporte escolar
ainda é um problema a ser solucionado e onde a agricultura familiar é a principal fonte de
renda da população. Assim como no PDCIS, os alunos de outras escolas com essa metodo-
logia têm disciplinas regulares do currículo do Ensino Fundamental e do Médio, além do
Ensino Técnico, e retornam para casa para desenvolverem projetos pessoais ou familiares
aplicando técnicas aprendidas na escola.
Desde 1999, as escolas que seguem esse modelo pedagógico são oficialmente reconhecidas
pelo Ministério da Educação. Atualmente, existem mais de 250 escolas e 20 mil jovens sendo
educados pelo método em todo o país. Alves12 também analisou os dados da União Nacio-
nal das Escolas Familiares Agrícolas do Brasil (UNEFAB) de 2007. Identificou que mais de
50 mil jovens foram formados neste modelo e mais de 65% permaneceram no meio rural,
tornando-se empresários rurais junto com suas famílias.
A autora do livro A Educação Rural no Brasil, Claudia Souza Passador, doutora em Educa-
ção pela Universidade de São Paulo (USP), em entrevista para Rodrigues, disse: “a maioria
das escolas estigmatiza o agricultor. As crianças são levadas a pensar que trabalhar na roça
é para quem não tem estudo. Um erro. O conhecimento é útil em todas as áreas. O Brasil,
especialmente, precisa de pessoas bem formadas para esse setor porque 80% dos municípios
têm uma economia essencialmente rural”. Na mesma matéria, o diretor de Educação para a
Diversidade do MEC, Armênio Bello Schmidt, completou: “cerca de 70% dos alunos de Al-
ternância ingressam no Ensino Superior. Nas escolas públicas, esse índice é inferior a 60%”13.
Se, por um lado, o método possibilita a valorização da vida com qualidade no campo, por
outro lado há especialistas que defendem que o modelo de Alternância pode isolar ainda
mais esses jovens da vida urbana. Em entrevista para Rodrigues, a Mestre em Educação pela
11. RODRIGUES, C. Pedagogia da Alternância na Educação Rural. São Paulo: Portal Nova Escola, S/D. Disponível em <www.goo.gl/
ZTkJmk>. Acessado em 29/04/2014.
12. SOUZA, J. Pedagogia da Alternância: uma alternativa consistente de escolarização rural?. 31ª Reunião da Associação Nacional de Pós-
-Graduação e Pesquisa em Educação. Disponível em: <www.goo.gl/CF3mFj>. Acessado em 10/12/2013. p. 4.
13. RODRIGUES, C. Pedagogia da Alternância na Educação Rural. São Paulo: Portal Nova Escola, S/D. Disponível em <www.goo.gl/
ZTkJmk>. Acessado em 29/04/2014.
Universidade do Estado da Bahia (UEB) Neurilene Martins Ribeiro afirmou:
“tema precisa de mais debate antes de se tornar uma política pública (...) por um
lado, nossas políticas são muito urbano-centristas e precisamos valorizar o meio
rural. Por outro, esse método pode acentuar a separação entre cidade e cam-
po”14. Nas comunidades beneficiadas pelo PDCIS, não se vê tanto isso porque
os jovens frequentam as cidades para cursarem ensino superior e os cooperados
fazem vendas de seus produtos para cidades próximas e capitais.
14. RODRIGUES, C. Pedagogia da Alternância na Educação Rural. São Paulo: Portal Nova Escola, S/D. Disponível em
<www.goo.gl/ZTkJmk>. Acessado em 29/04/2014.
Casas Familiares Rurais é a promoção de seminários rurais realizados pelos próprios estudan-
tes. São aulas comunitárias organizadas pelos alunos para compartilhar o que aprendem nas
aulas e também para levantar novas necessidades da comunidade. Um aluno do segundo ano
da Casa Familiar Rural Agroflorestal (CFAF) me contou: “com os seminários, conseguimos
mostrar o valor da CFAF para a comunidade. Buscamos levantar temas e levar uma solução
sustentável para a comunidade”.
Neste projeto, os estudantes conversam com suas comunidades e descobrem quais os proble-
mas locais. O resultado da conversa é um Plano de Estudos, um documento que consolida as
necessidades daquela comunidade. Uma outra aluna da mesma turma explicou: “pelo Plano
de Estudos, também fica registrado o que sabíamos antes da Alternância sobre a comunidade
e o que descobrimos no processo. Encontramos a solução do plano de estudos na ficha pe-
dagógica”. A Ficha Pedagógica é uma apostila que serve como base de apoio para o Ensino
Técnico.
COOPERATIVAS E ASSOCIAÇÕES
Capacitar jovens e suas comunidades para a formação de empresários rurais já
foi um grande passo para um início de mudança social na região. No entanto,
ainda havia a figura do “atravessador”. Este personagem faz a intermediação
entre o produtor rural e os grandes compradores, auferindo grandes lucros ao
comprar a baixos preços a produção dos agricultores e revendê-la a preços altos
193
nos mercados finais. A Fundação e uma série de parceiros - como BNDES, Pão
de Açúcar, Tok&Stok15 - começaram a fortalecer associações e cooperativas de
produtores rurais e estimular a criação de novos grupos para, então, viabilizar
que os produtores vendessem diretamente sua produção aos mercados finais.
A formação desses grupos organizados foi a alternativa para combater a figura
do “atravessador”. Juntos, os produtores rurais puderam vender seus produtos
diretamente para os grandes compradores por um preço muito mais elevado.
O material institucional do programa relembrou a fala de Juscelino Macedo,
líder da Cooperativa Estratégica da Mandioca: “entre 1998 e 1999, os agricul-
tores passavam por uma crise da produção de mandioca em Presidente Tan-
credo Neves e entorno. Naquela época, o quilo era vendido entre três e cinco
centavos. Não era um cultivo rentável e que proporcionasse renda justa”16. Os
agricultores, então, organizaram-se e passaram a comercializar os produtos dire-
tamente para as grandes redes de varejo que depois foram potencializadas com
apoio do PDCIS. Com a formação de uma cooperativa, o preço da mandioca
quadruplicou, segundo a publicação institucional Educação pelo Trabalho – vo-
lume 2, da Fundação Odebrecht. O agricultor Balbino dos Santos, morador de
Riachão da Serra, viveu essa experiência e contou: “a vida era difícil. O preço
16. FUNDAÇÃO ODEBRECHT. Educação Pelo Trabalho. Publicação Institucional da Fundação Odebrecht: Salva-
dor, 2010. p. 14.
era determinado pelo comprador. Isso quando tínhamos para quem vender. Agora temos des-
tino certo para nossa produção. Não perdemos mais o cultivo e não existem desvantagens”17.
As associações e cooperativas também são uma maneira de melhorar a comunidade ensinan-
do para todos os envolvidos. Um ex-aluno da CFR Presidente Tancredo Neves que hoje
é cooperado defendeu: “é muito mais fácil do que ensinar de um em um”. As cooperativas
apoiam os produtores oferecendo maquinário, assistência técnica, transporte, insumos, local
para armazenamento e venda da produção. Além disso, o PDCIS vem instrumentalizando as
cooperativas para aumentar a renda dos cooperados. A cooperativa de palmito, por exemplo,
recebeu investimentos para a criação de uma indústria. Assim, não é mais vendido o talo
do palmito, em forma de commodity. Com a indústria, a entidade passa a vender o palmito
em pote. Isso não só qualifica mais o trabalho na região, como aumenta consideravelmente a
renda dos cooperados. Formada por quase 500 produtores, a empresa já é a segunda em vo-
lume de produção no país. Confira alguns números apresentados pela COOPALM em uma
apresentação para os blogueiros da viagem de imprensa:
FATURAMENTO
ANUAL DA COO- R$9 MILHÕES R$23 MILHÕES -
PERATIVA
FATURAMENTO
MENSAL POR R$474 R$1.000 R$2.300
COOPERADO
17. FUNDAÇÃO ODEBRECHT. Educação Pelo Trabalho. Publicação Institucional da Fundação Odebrecht: Salvador, 2010. p.14.
CONCLUSÃO
A capacitação de jovens e de suas comunidades, assim como a elevação da ren-
da, estão reduzindo o êxodo rural, criando uma classe média rural capacitada
e possibilitando o protagonismo juvenil. Os jovens não só querem permanecer
em suas comunidades como também passam a ter o papel de agentes transfor-
madores de mudanças sociais em seus locais de origem.
Uma das histórias mais bonitas que mostram como o PDCIS desenvolve o pro-
tagonismo juvenil e as comunidades é a de Pedrina Rosário. Aos 11 anos, já
escrevia textos falando sobre a preservação ambiental e cultural do Quilombo
onde nasceu. Pedrina é ex-aluna da Casa Familiar Rural Agroflorestal (que fica
no município de Nilo Peçanha – BA) e moradora da Comunidade Quilombola
Jatimane, onde também tem um importante papel como líder comunitária.
Em 2002, participou de um projeto na escola no qual os jovens contaram as
histórias do quilombo, intitulado “Futuros Escritores de Jatimane”. Pedrina 195
lembrou: “aquele momento foi um despertar do meu papel enquanto morado-
ra daquele território, a missão de contribuir para a vida de outras pessoas que
também estavam desanimadas de seus sonhos. A oportunidade de integrar nos
projetos apoiados pela Fundação foi pilar fundamental para reafirmar o meu
compromisso com minha comunidade e consequentemente influenciar atores
e instâncias para a promoção de um território desenvolvido focando no desen-
volvimento das pessoas. Esta é uma das essências que o PDCIS traz em sua
filosofia que me motiva a trilhar caminhos como este em que estou. Hoje tenho
a missão de fortalecer minha comunidade”.
Pedrina assumiu, em 2012, a presidência da Associação Comunitária do Jati-
mane e faz parte do conselho da Associação Quilombola da sua comunidade.
Ela também trabalha com o fomento da cultura quilombola com as crianças da
comunidade e está iniciando o Trabalho de Conclusão de Curso na faculdade
de Letras, recuperando a história de Jatimane, que tem mais de 130 anos de
existência. A jovem também foi selecionada para integrar o programa “Jovens
Mulheres Líderes: Programa de fortalecimento em questões de Gênero e Ju-
ventude”, promovido pelo PNUD e pela ONU. Ela contou: “dentre as 345 ins-
critas foram selecionadas 15, e dentre elas, lá estava meu nome, por isso estou
muito feliz e acredito que o céu é limite para as vontades e sonhos que pre-
tendo alcançar, sempre pensando no desenvolvimento pessoal mas sem dúvida
no protagonismo da comunidade é uma missão pessoal e acredito que todas as
oportunidades que tenho conquistado são fruto da força de vontade, fé, esperança e confiança
que são depositados em mim”.
Uma matéria na revista de divulgação do projeto relatou: “jovens de comunidades remanes-
centes de quilombos são o público-alvo da Casa Familiar Agroflorestal. Por isso, durante os
períodos de alternância são realizadas atividades que visam aproximá-los da história de seus
ancestrais e resgatar os costumes. A meta é despertar a importância da preservação ativa de
sua cultura, além de reforçar a riqueza das tradições do local em que vivem. ‘Este modelo
contribui para o fortalecimento da identidade dos educandos e de suas comunidades’, garante
Romildo Oliveira, engenheiro agrônomo e Diretor de Ensino da Casa”.
Além disso, as técnicas agrícolas ensinadas para os jovens das Casas Familiares Rurais e para
os cooperados aumentaram a produtividade e a renda da região. O cooperando Genival Melo
relatou no material de divulgação do projeto: “plantávamos com as mãos, desmanchávamos
com os pés. O trabalho era feito de qualquer jeito”. Ele deixou de ser um agricultor familiar,
que não seguia técnicas e perdia muito nas negociações financeiras. Hoje, conseguiu cons-
truir casa própria em Presidente Tancredo Neves. O documento de divulgação do PDCIS
levantou: “com as técnicas agrícolas, a produtividade média da comunidade Ouro Preto, no-
município Tancredo Neves, passou de 9t/ha para 21t/ha de mandioca, com
picos de 68t/ha em algumas propriedades”.
Site: www.fundacaoodebrecht.org.br/PDCIS
Telefone: (71) 3206-1752
HISTÓRIAS
DE PESSOAS
197
HISTÓRIAS
DE PESSOAS
Na viagem, minha busca foi por práticas educativas inspiradoras. Não aprende-
mos apenas na escola. Há trocas de conhecimento em todos os lugares (o projeto
Bairro-Escola Rio Vermelho, em Salvador, mostra isso) e as histórias das pessoas
também podem nos ensinar muito. Pelo caminho, conheci por acaso algumas
dessas histórias que me trouxeram conhecimentos que não tinha e que me pro-
vocaram bastante. A Dona Alice me ensinou que não há idade para aprender
e reorganizar a vida. A Dona Maria, em uma hora de conversa na rodoviária de
Barreiras (BA), me mostrou em seu papel de professora o panorama das escolas
rurais do oeste baiano. O Seu Luiz, que nunca foi para a escola, mostrou a im-
portância dos saberes que não se aprendem formalmente e a evolução social de 199
sua família. A Dayse foi um grande ícone de superação: estudante de escolas
públicas precárias, foi a primeira da comunidade a entrar na universidade e
conseguiu ser exemplo para seus alunos.
Ouvi com atenção muitas outras histórias mais ou menos marcantes que essas e
aprendi muito nessas conversas imprevisíveis que aconteciam nos lugares me-
nos esperados (na maioria das vezes, bem longe dos muros da escola!). Neste ca-
pítulo, selecionei algumas das histórias que mais me ensinaram e me marcaram.
A maioria desses personagens se tornaram amigos de passagem – muitos não
tinham telefone, e-mail ou endereço fixo. Mesmo assim, acredito que suas histó-
rias devem ser mais conhecidas e servem para nos lembrarmos dos muitos lados
da Educação que costumamos esquecer ou não priorizar no nosso dia a dia.
DONA ALICE (ALAGOAS)
Conheci a senhora que chamarei de Dona Alice durante o café da manhã, en-
quanto ela preparava as melhores tapiocas de queijo que já comi nesta vida.
Ela trabalhava como camareira e cozinheira de um hotel em Maceió e é mais
um exemplo de como a Educação de Jovens e Adultos pode melhorar a vida
das pessoas. A história de Dona Alice é compartilhada aqui exatamente por
representar essa geração que não pode estudar ou completar os estudos, mas
que decidiu fazer isso depois de adulto.
Filha de um marinheiro e de uma dona de casa, Dona Alice me chamou atenção
por sua simpatia e história de vida. Ela é múltipla: já trabalhou como vendedo-
ra, cozinheira de empresas e de um presídio, cuidadora de idosos e até como
pedreira. Aos 10 anos, ensinou a mãe a escrever o próprio nome. Orgulhou-se:
“ela nunca mais precisou usar o polegar para assinar alguma coisa”. A mãe não
continuou os estudos, mas Dona Alice seguiu em frente. Depois de 44 anos, 201
ela estava pensando em prestar a prova do Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM) para fazer faculdade de Biologia, matéria em que sempre tira 10 na
escola. “Querer não tem idade, né?!”, alegrou-se a mulher que criou sozinha os
três filhos e, prestes a completar 54 anos, concluiria o Ensino Médio.
Aos 14 anos, precisou deixar a escola antes de terminar o Ensino Fundamen-
tal para ajudar a complementar a renda familiar como vendedora. Ela contou:
“eram nove irmãos, então era muito difícil para meu pai dar estudo para todo
mundo”. Dona Alice não quis tirar foto. Tem um pouco mais de 1,60m; uma
pinta no lado esquerdo do rosto, perto do olho; já tem algumas rugas, mas o
sorriso simpático esconde um pouco as marcas da idade. Vestia uniforme azul e
uma touca branca escondendo o cabelo cheio de grampos.
Apesar da simpatia, foi bastante rígida na Educação dos filhos. Lembrou-se: “eu
seguia eles até o portão da escola para saber se realmente estavam indo para a
aula”. Os três completaram os estudos, estão trabalhando e, por coincidência,
casaram-se com as primeiras namoradas.
Em 2009, aos 50 anos e ainda com filhos morando em casa, Dona Alice decidiu
voltar aos estudos para melhorar sua qualidade de vida. Contou alegre: “meus
filhos me apoiaram bastante. A mãe deles estava terminando a escola enquanto
muitos jovens não fazem isso, né?”.
Várias vezes, ela pensou em desistir: “não parei de estudar porque o diretor e os
professores da escola sempre incentivam a gente a concluir o curso”. Além disso, ela também
via a volta para casa com um grupo de colegas como um incentivo para continuar os estudos.
Na época em que conheci Dona Alice, ela trabalhava durante as manhãs. De tarde, cuidava
de casa. As aulas começavam às 19h e terminavam às 22h. Às 6h, ela já estava começando
o trabalho no hotel, que ficava a três quadras de sua casa. No mês seguinte à nossa conversa,
Dona Alice começaria uma nova etapa de vida. Com o dinheiro do aviso prévio, ela estava
decidida a se tornar autônoma e começar a vender trufas, sandálias e bordados que produz.
Ela não tem consciência disso, mas acredito que a conclusão dos estudos ajudará muito nesta
nova etapa, principalmente ao cuidar da parte financeira, e até mesmo na conversa com os
clientes, por causa da bagagem cultural. Uma coisa é certa: a volta à sala de aula fez Dona
Alice querer se aprimorar e buscar mais conhecimento. Ela já está pensando em fazer um
curso de camareira. Infelizmente, não consegui mais contato para saber se seus planos em-
preendedores estão dando certo e se ela realmente fez o ENEM. De qualquer forma, quase
toda semana essa história surge na minha lembrança, seja pelo exemplo de mulher, seja pelas
saudades da tapioca.
203
DONA MARIA (BAHIA)
Dona Maria é baixinha, parda, tem cabelos pretos com alguns fios brancos e vestia uma roupa
simples e uma sandália plataforma de couro preto um pouco surrada. Aparenta mais idade,
mas deve ter por volta de 50 anos. É uma moça bem simples, mas parece bastante saudável.
Não tinha telefone, endereço e e-mail. Estava voltando para sua cidade natal depois de morar
em Luís Eduardo Magalhães (BA) por dois anos, trabalhando como professora temporária
nas escolas públicas rurais do oeste baiano.
Estávamos esperando nossos ônibus na rodoviária de Barreiras (BA) e começamos a conver-
sar. Contava sobre minha viagem pelo Brasil, quando descobri que Dona Maria era professo-
ra. Ela é parte daquela geração de mulheres que fizeram magistério e a carreira de educador
foi sendo formada naturalmente, mais por necessidade do que por vocação. O primeiro em-
prego de Maria foi uma vaga temporária na rede municipal. De lá para cá, continua lecionan-
do em escolas rurais sem corpo docente, sem infraestrutura e com poucos alunos realmente
motivados.
Como professora temporária, costuma cobrir férias e licenças médicas dos colegas. Na última
experiência, ela dava aulas em uma única classe com dezoito alunos do primeiro ao terceiro
anos do Ensino Médio. Não havia professores, nem salas nem alunos suficientes para classes
separadas. No fim do ano, só quatro dos dezoito estudantes foram aprovados. Ela explicou:
“muitos deixavam de estudar porque não se interessavam pelas aulas e outros tinham muita
dificuldade em acompanhar o que a gente ensinava”.
O número de desistências e reprovações espanta. No entanto, as dificuldades enfrentadas
por alunos e educadores explicam um pouco o estado atual de várias escolas públicas da zona
rural em que Dona Maria lecionou nos últimos anos. Na metade do primeiro semestre de
2013, por exemplo, os professores precisaram interromper as aulas para cobrar do município
a entrega do material didático do ano, segundo a professora. Em Luís Eduardo Magalhães
(BA), a última cidade em que Dona Maria trabalhou, apenas uma das vinte e seis escolas
municipais tem esgoto via rede pública. Duas dessas escolas ainda não recebem água filtrada.
Serviços como água, energia e coleta de lixo também não são universais1.
Dona Maria me contou a história de um garoto de oito anos que, em outra escola em que ela
lecionou, sempre chegava atrasado na aula. Por três ou quatro vezes, ela não o deixou entrar
na sala pelo atraso. Um dia, o aluno ficou doente e a professora resolveu visitá-lo. Então,
1. CENSO ESCOLAR 2011. Luís Eduardo Magalhães – Bahia. Disponível em <www.goo.gl/pUmQYW>. Acessado em 22/03/2014.
descobriu que ele andava por uma hora embaixo do sol do oeste baiano todos
os dias para chegar à sala de aula. Segundo ela, como ele não morava “longe o
suficiente” não tinha direito ao transporte escolar público. Depois disso, nunca
mais se incomodou com os atrasos da criança.
Ela também contou um pouco sobre a formação continuada dos educadores.
Há dois anos, os professores recebiam palestrantes que vinham de Salvador
somente três vezes por ano. Atualmente, o número de palestras aumentou con-
sideravelmente e o ensino rural é um dos principais temas tratados. De acordo
com Dona Maria, a tendência é uma escola que capacite os jovens na área rural.
Contou: “geralmente, eles saem da escola e vão trabalhar na agricultura. Não
dá para chegar lá sem saber nada”. Essa tendência segue o mesmo caminho do
Programa de Desenvolvimento e Crescimento Integrado com Sustentabilidade
do Mosaico de Áreas de Proteção Ambiental do Baixo Sul da Bahia (PDCIS),
compartilhado neste livro.
205
Conversar com Dona Maria me possibilitou conhecer mais e compreender a
realidade e as dificuldades das escolas rurais brasileiras a partir dos relatos dire-
tos de uma pessoa que vive diariamente toda a complexidade desses problemas.
É impressionante como falta tudo: infraestrutura, professores, formação conti-
nuada dos educadores, material, transporte e até alunos para formação de clas-
ses. Ouvir o relato de Dona Maria foi conhecer um panorama da triste realida-
de da Educação em várias das zonas rurais do país. Ouvindo o problema que ela
tinha com turmas multisseriadas, comecei a conversar com a educadora sobre
as metodologias que trabalham com a produção colaborativa do conhecimento
e não levam em conta a divisão por séries. No entanto, essa era uma realidade
tão distante de Dona Maria que ela não compreendeu muito o que eu contava.
Quando meu ônibus chegou e me despedi dessa professora, confesso que fiquei
bastante angustiado. Por um lado, tinha passado uma hora ouvindo um relato
que não encontraria durante a viagem porque não pude visitar as escolas ru-
rais pela dificuldade de mobilidade, mas foi tão rico quanto visitar várias dessas
instituições. Por outro, comecei a me questionar sobre minha busca por novos
modelos educacionais e sobre os debates que faço diariamente sobre o tema.
Tudo isso está muito longe das realidades de várias “Donas Marias” (com um
nome tão comum quanto os problemas que descreveu) pelo Brasil.
Hoje, entendo que o trabalho que realizo para fomentar uma Educação Viva
e de qualidade no país é bastante importante, e os debates e ações precisam
estar cada vez mais presentes no cenário nacional. Além disso, é preciso continuar, em para-
lelo, lutando por qualidade na Educação no modelo de aprendizagem atual. De acordo com
pesquisa do Instituto Inspirare e da Potencia Ventures2, somente em 2012 mais de R$200
bilhões foram disponibilizados para a Educação nas escolas federais, estaduais e municipais.
No entanto, pesquisa3 realizada pelo economista Claudio Ferraz, da PUC do Rio de Janeiro,
levantou que pelo menos 10% de todos os recursos federais para os municípios “desaparecem
no meio do caminho” por causa da corrupção.
Além disso, é preciso repensar a prática educativa e a utilização do espaço escolar para que
ela seja adequada à realidade daquele lugar específico e, ao mesmo tempo, resolver problemas
básicos como os relatados por Dona Maria. Conhecer realidades como a dessa professora e de
seus alunos nos ajuda a ver com outros olhos diferentes práticas pelo país, assim como apren-
der a incorporar as boas práticas de cada iniciativa em outras experiências.
2. INSPIRARE; POTENCIA VENTURES. Estudo de oportunidades no setor de educação para negócios focados na população de baixa
renda. São Paulo: Inspirare e Potencia Ventures, 2013. Disponível em: <www.goo.gl/ehiNii>. Acessado em 26/09/2013
3. COELHO, T. Brasil despeja R$ 50 bilhões por ano no ralo da corrupção. Rio de Janeiro: Portal PUC-RIO Digital, 03/08/2012. Disponível
em <www.goo.gl/yISI0G>. Acessado em 26/02/2014.
207
SEU LUIZ (MINAS GERAIS)
Em Minas Gerais, ouvi outra história que provocou mais reflexão sobre a melhoria da Edu-
cação pública no Brasil e sobre a questão dos saberes formal e informal. Estava na poltrona
17 do ônibus que viajava de Belo Horizonte para uma cidade no interior do Estado. Tivemos
uma parada, onde o Seu Luiz embarcou e logo puxou conversa comigo: “essa aqui é a poltrona
18, né?”. Achei a pergunta estranha, afinal havia a placa de identificação das poltronas do
ônibus. Depois, descobri que Seu Luiz nunca pisou em uma sala de aula porque teve uma in-
fância difícil e precisaria caminhar duas horas para chegar à escola. Mesmo assim, sem saber,
este típico mineiro me deu uma aula de Educação.
Vestia uma camisa azul um pouco surrada e usava chapéu. Durante a vida, realmente se
virou: já foi pedreiro, motorista, produtor de carvão, fazendeiro e qualquer-outra-coisa-que-
-possa-dar-algum-dinheiro. Com mais de sessenta anos, ainda está calejando a mão. Naquele
dia, tinha viajado até outra cidade para tentar um trabalho como pedreiro de uma obra. De-
pois de seis décadas, conseguiu comprar algumas terras e formar uma família. Mais do que
isso: atualmente ajuda a filha a terminar o curso técnico de Engenharia.
Fiquei muito feliz ao ver que houve uma evolução educacional e social gigantesca em apenas
uma geração. Aquele garoto pobre que nasceu em 1951 e não tinha como frequentar a escola
por causa da distância, está vendo (e podendo ajudar) sua filha a se formar. Um estudo do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)1 mostra que quase 34% dos universitários
são os primeiros da família a entrarem no ensino superior. A filha de Seu Luiz ainda não está
neste número, mas a universidade está se tornando uma realidade próxima para cada vez
mais pessoas. Além disso, diversas pesquisas mostram que, quanto maior o nível de estudo,
maior é a remuneração, o que possibilita a melhoria da qualidade de vida nesta e nas próxi-
mas gerações.
Ele também me contou que os municípios do sul de Minas Gerais realmente estão disponibili-
zando ônibus e carros para levar as crianças para a escola. O programa Caminho da Escola2 tem
mudando bastante esta realidade. De acordo com dados do site www.caminhodaescola.com.br,
“nos cinco primeiros anos de execução, de 2008 a 2012, o programa Caminho da Escola do
Ministério da Educação atendeu 4.725 municípios. No período, foram entregues 25.889 ôni-
bus escolares, com investimentos de R$ 5,2 bilhões”. O mesmo site oferece dados mais atuais,
1. NIEDERAUER, M. 33% dos universitários são primeiros da família a chegar ao ensino superior. Brasília: Correio Braziliense, 06/11/2012.
Disponível em <www.goo.gl/W45zJs>. Acessado em 26/02/2014.
SABERES POPULARES
Seu Luiz também mostrou a importância dos saberes populares nas realidades
locais. Existem muitas coisas que não aprendemos na escola, mas são tão impor-
tantes para o dia a dia quanto os conteúdos escolares.
Tião Rocha, do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento3, sempre conta
uma história que exemplifica muito a importância dos saberes populares. Ele
estava em busca de moradores que pudessem ensinar coisas novas para as crian-
ças e jovens de seu projeto. Entrou na casa de uma mulher e perguntou o que
ela podia ensinar. A moça respondeu um “eu não sei ensinar nada”. Então, Tião
percebeu que ela estava fazendo biscoito de polvilho. A moça explicou todos
os passos necessários para Tião também poder fazer o biscoito e o educador
descobriu que ela sabia, sim, compartilhar seus conhecimentos, ela sabia, sim,
ensinar. O educador logo pensou em uma aula para os adultos da comunidade
1. FUNDAÇÃO LEMANN; ITAÚ BBA. Excelência com equidade: as lições das escolas brasileiras que oferecem educação de qualidade a
alunos de baixo nível socioeconômico. São Paulo, 2013. Disponível em <www.goo.gl/Zz2B6T>. Acessado em 01/04/2014. p. 7.
ACONTECEM AO FINAL DE DETERMINADOS PERÍODOS”2. OU SEJA: QUANTO
MAIS PERSONALIZADA A APRENDIZAGEM, MAIS EFETIVA ELA PODE SER. É
PRECISO REALMENTE CONHECER OS ATORES DO PROCESSO EDUCATIVO
PARA QUE A RELAÇÃO SE TORNE MAIS HUMANA E MAIS EFETIVA.
2. FUNDAÇÃO LEMANN; ITAÚ BBA. Excelência com equidade: as lições das escolas brasileiras que oferecem edu-
cação de qualidade a alunos de baixo nível socioeconômico. São Paulo, 2013. Disponível em <www.goo.gl/Zz2B6T>.
Acessado em 01/04/2014. p. 9.
QUE O PROFESSOR PRECISA E REALIZA.
Além disso, existem três pontos fundamentais para que uma real melhoria na Educação bra-
sileira aconteça, principalmente em escala de Política Pública:
• QUALIDADE DE VIDA NAS ESCOLAS: É UM TEMA QUE TEM LIGAÇÃO DIRETA COM A GESTÃO
3. FUNDAÇÃO LEMANN; ITAÚ BBA. Excelência com equidade: as lições das escolas brasileiras que oferecem educação de qualidade a
alunos de baixo nível socioeconômico. São Paulo, 2013. Disponível em <www.goo.gl/V9ZN14>. Acessado em 01/04/2014. p. 19.
4. PORTAL PUC-RIO DIGITAL. Brasil despeja R$ 50 bilhões por ano no ralo da corrupção. Disponível em <http://goo.gl/yISI0G>. Aces-
sado em 26/02/2014.
FINANCEIRA EFICIENTE. UM DIA, VISITEI UMA ESCOLA NA PERIFERIA DE PORTO
ALEGRE QUE ERA REPLETA DE GRADES, TINHA AS PAREDES PICHADAS E
GOTEIRAS NO TETO. EM OUTUBRO, MAIS DA METADE DOS ALUNOS DA
CLASSE QUE CONHECI JÁ TINHA ABANDONADO OS ESTUDOS. ESSE É UM
EXEMPLO BASTANTE PONTUAL E COM VÁRIOS OUTROS FATORES INTERNOS
E EXTERNOS, MAS MOSTRA BEM COMO É PRECISO HAVER QUALIDADE DE
VIDA NA ESCOLA PARA QUE UMA EDUCAÇÃO DE QUALIDADE REALMENTE
ACONTEÇA. É MUITO COMPLEXO ENSINAR E APRENDER NUMA ESCOLA DE
DIFÍCIL ACESSO, COM A ESTRUTURA SUCATEADA, SEM BOA ALIMENTAÇÃO,
SEM ÁREAS VERDES, SEM PROFISSIONAIS SATISFEITOS. NUM PAÍS ONDE
66% DAS ESCOLAS PÚBLICAS NÃO TÊM SANEAMENTO BÁSICO, É PRECISO
MELHORAR MUITO A ESTRUTURA DAS INSTITUIÇÕES PARA QUE A ESCOLA
SEJA REALMENTE UM ESPAÇO COM QUALIDADE DE VIDA E PROPÍCIO PARA O
PROCESSO EDUCATIVO.
5. PORTAL NOVA ESCOLA. Ser professor: uma escolha de poucos. Disponível em <http://revistaescola.abril.com.br/
politicas-publicas/carreira/ser-professor-escolha-poucos-docencia-atratividade-carreira-vestibular-pedagogia-licenciatu-
ra-528911.shtml>. Acessado em 29/04/2014.
PROFISSIONAIS COMPETENTES E BEM PAGOS. TAMBÉM É PRECISO INVESTIR MUITO NA
FORMAÇÃO CONTINUADA DE EDUCADORES, UMA VEZ QUE A FORMAÇÃO INICIAL NÃO
DESENVOLVE ESPECIALISTAS E NOVOS DESAFIOS SEMPRE ESTÃO SURGINDO DENTRO E
FORA DA SALA DE AULA.
• COBRAR DAS INSTITUIÇÕES PRIVADAS UMA MELHOR EDUCAÇÃO: PARTICIPAR DAS REUNIÕES
DE PAIS E ESTAR INSERIDO NA ROTINA DA ESCOLA TAMBÉM FAZ PARTE DA EDUCAÇÃO
223
REFE
RÊN
CIAS
NOS ÚLTIMOS ANOS,
dediquei parte do meu tempo lendo diversos livros para entender melhor a área
de Educação. Depois da viagem, as antigas e novas leituras fizeram ainda mais
sentido. Gostaria de compartilhar as referências que foram mais importantes
em todo esse processo, explicando brevemente sobre as principais referências
e, ao lado, incluirei um selo indicando a qual prática educacional inspiradora
essa obra se referencia.
REY, B. Por trás dos número, s. São Paulo: Portal Revista Educação, agosto/2011. Dispo-
nível em <www.goo.gl/XUIZOA>. Acessado em 22/03/2014.
RIBEIRO, J. A escola itinerante: mediação cultural e cidadania. São Paulo: XXII CON-
FAEB Arte/Educação: Corpos em Trânsito, 2012. Disponível em: <www.goo.gl/qyA-
SUS>. Acessado em 20/02/2014. Re(vi)vendo Êxodos
RODRIGUES, C. Pedagogia da Alternância na Educação Rural. São Paulo: Portal Nova
Escola, S/D. Disponível em <www.goo.gl/ZTkJmk>. Acessado em 29/04/2014 PDCIS
ROSEN, L. Rewired: understanding the iGeneration and the way they learn. Nova York:
Palgrave Macmillan, 2010. – Rosen aborda de maneira muito interessante a habilidade
das novas gerações de executarem várias tarefas ao mesmo tempo e busca alternativas
para educadores e pais incorporarem esse novo modo de aprender às práticas educacio-
nais do século XXI. O livro é resultado de um longo estudo geracional realizado pela
equipe de Rosen e traz apontamentos interessantes sobre novas maneiras de se aprender
e se ensinar em um texto bastante dinâmico.
SAVIANI, D. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores
Associados, 2011. – Uma das obras mais importantes de Demerval Saviani, estrutura o
pensamento sobre a teoria da pedagogia histórico-crítica, utilizada no Colégio Oficina.
Colégio Oficina
SAYAD, A. Idade Mídia: a comunicação reinventada na escola. São Paulo: Aleph, 2011.
– O livro sistematiza a experiência e conta a história dos 10 anos do curso Idade Mídia,
que trabalha com Comunicação e Educação num projeto extra do colégio Bandeirantes, em São Paulo.
Fundação Casa Grande
SEIXAS, C. Educação reinventada: a tecnologia como catalisadora de uma nova escola. São Paulo:
2012. Disponível em www.bit.ly/edreinventada (para iPad) e www.bit.ly/edreinventadapdf (PDF) –
Este livro digital é o meu trabalho de Conclusão de Curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero.
Nele, traço um panorama histórico e social sobre a área de Tecnologia Educacional, analiso dois proje-
tos práticos desenvolvidos em colégios particulares de São Paulo e arrisco previsões sobre como será a
Educação no futuro, tendo a tecnologia como elemento catalisador de mudanças. Ironicamente, muitas
práticas educacionais que conheci pelo Brasil em 2013 já aplicam valores, conceitos e modos de ser no
cotidiano educacional sem o auxílio da tecnologia. Isto me fez rever alguns conceitos e fortificar a visão
de que a tecnologia realmente é mais uma ferramenta de auxílio ao processo educativo.
SEIXAS, C. Possibilidades De Melhorias Na Vida Comunitária Via Educomunicação Praticada Por
Jovens Do Ensino Médio. São Paulo: Centro Interdisciplinar de Pesquisas da Faculdade Cásper Líbero,
2010. – O objetivo geral deste trabalho de iniciação científica foi verificar se a Educomunicação gera
possibilidades de reconstrução do conhecimento e de melhorias na vida comunitária. Metodologica-
mente, partimos de uma contextualização histórico-sociológica da Educomunicação no Brasil. Com
base na literatura, o trabalho estudou o projeto “Agentes Comunitários de Comunicação” que, com o
uso da Educomunicação, capacitou jovens de comunidades carentes a desenvolverem em seus bairros
oficinas de produção de blogs comunitários com foco em cultura. Fundação Casa Grande
SHAPIRO, A. Users, not customers: who really determines the success of your business. Penguin, 2011. –
O livro fala sobre experiência do usuário. A maioria das equipes desenvolvedoras de produtos e serviços
conta com especialistas em experiência do usuário para criar soluções realmente eficazes para quem
receberá o produto/serviço. Shapiro fez um livro muito bom ressaltando a necessidade de entender o
consumidor como usuário desse produto/serviço, e não apenas como consumidor de informação. Isto é
fundamental para o desenvolvimento de metodologias, produtos, serviços e relações dentro da Educação.
SILVA, J. Arte digital: processo artístico-criativo e uso da mídia eletrônica por jovens de comunidades
populares de Salvador. Dissertação apresentada ao Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em
Cultura e Sociedade do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Professor Milton Santos, como par-
te dos requisitos para obtenção do grau de Mestre. UFBA, 2013. Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia
Site Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento: www.cpcd.org.br/ Seu Luiz
Site Colégio Oficina: www.colegiooficina.com.br/ Colégio Oficina
Site EEEP Alan Pinho Tabosa: www.eeeppentecoste.blogspot.com.br/ PRECE e EEEP Pentecoste
Site PRECE: www.prece.ufc.br/ PRECE e EEEP Alan Pinho Tabosa
SOUZA, J. Pedagogia da alternância: uma alternativa consistente de escolarização rural?. 31ª Reunião
da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Disponível em: <www.goo.gl/
CF3mFj>. Acessado em 10/12/2013. PDCIS
TAPSCOTT, D. Grown up digital: how the net generation is changing your world. Nova
York: McGraw Hill, 2008. – Livro bastante interessante que estuda essa geração que já nas-
ceu conectada e digital. A obra é o resultado da pesquisa liderada pelo canadense Don Taps-
cott e das análises que ele fez dos resultados a partir do convívio que tem com seus filhos.
UNESCO. Os Quatro Pilares da Educação: O seu Papel no Desenvolvimento Huma-
no. Brasília: UNESCO, 2003. Disponível em: <www.goo.gl/hv8XPD>. Acessado em
25/11/2014. – Documento bastante importante sobre os pilares educacionais levados
em conta nas ações da UNESCO.
UNICEF, EDUCARTE E CENTRAL DE PROJETOS. Projetos de Educação, Co-
municação & Participação: Perspectivas para Políticas Públicas. Disponível em: <www.
goo.gl/f1tGKa>. Acessado em 09/11/2013. – A Rede CEP é uma rede de ONGs que
trabalham com Comunicação e Educação em vários estados brasileiros. Nos últimos
anos, a rede fez uma série de publicações sistematizando conhecimentos e divulgando
as iniciativas de cada ONG. Este livro é mais uma publicação nesta linha de trabalho da
rede. Fundação Casa Grande
233
UNICEF; UNDIME. Redes de aprendizagem: boas práticas de municípios que ga-
rantem o direito de aprender. Brasília: UNICEF, 2005. Disponível em <www.goo.gl/
Ru4nvR>. Acessado em 22/02/2014. – Uma pesquisa de excelência desenvolvida pela
UNICEF e por uma série de parceiros para mapear e sistematizar boas práticas educa-
tivas nos municípios brasileiros.
UNICEF; UNDIME. Caminhos do direito de aprender: boas práticas de 26 municípios
que melhoraram a qualidade da Educação. Brasília: UNICEF, 2010. Disponível em
<www.goo.gl/LclAOD>. Acessado em 22/02/2014. - Outra pesquisa de excelência de-
senvolvida pela UNICEF e por uma série de parceiros para mapear e sistematizar boas
práticas educativas nos municípios brasileiros. O resumo executivo ressalta: “Ao contrá-
rio das pesquisas anteriores [como a Redes de aprendizagem: boas práticas de municípios
que garantem o direito de aprender], Caminhos do Direito de Aprender se concentrou
no processo. O estudo analisou o trajeto de cada um dos 26 municípios visitados (um de
cada estado) em direção a uma Educação de qualidade”.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ. Programa de Células Estudantis de
Aprendizagem Cooperativa. Disponível em <www.goo.gl/a3sCty>. Acessado em
12/03/2014. PRECE e EEEP Pentecoste
UNDIME – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação. Orientações ao
dirigente municipal de Educação: fundamentos, políticas e práticas. São Paulo: Funda-
ção Santilliana, 2012. – Um guia para auxiliar os secretários municipais de Educação de
todo o Brasil na execução de seus deveres do cargo. Bastante interessante ver a comple-
xidade do trabalho desse profissional.
VIEIRA, E. Atividade Comunitária e Conscientização: uma investigação a partir dos modos de parti-
cipação social. 2008, 135p. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Programa de Pós-Graduação em
Psicologia, Universidade Federal do Ceará, 2008, e JOHNSON, D. W.; JOHNSON, R. T.; HOLU-
BEC, E. J. Structuring cooperative learning: lesson plans for teachers. Edina, MN: Interaction Book
Company, 1987. PRECE e EEEP Pentecoste
VOLPI, M; PALAZZO, L. Mudando sua escola, mudando sua comunidade, melhorando o mundo. Bra-
sília: UNICEF, 2011. – O livro sistematiza os conhecimentos do projeto homônimo do livro que foi
desenvolvido em cinco estados com adolescentes de escolas públicas que trabalharam com as áreas
de Comunicação e Educação. O livro é bastante interessante justamente pela sistematização da expe-
riência, contando inclusive com um guia metodológico de sistematização de experiências como esta.
Fundação Casa Grande
WIKIPEDIA. Subúrbio Ferroviário. Disponível em: <www.goo.gl/1WiZLj>. Acessado em
16/03/2014. Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia
APOIADORES
Para escrever este livro, viajei por mais de cinco meses sem parar e terminei o ano de 2013
com pelo menos uma viagem por semana e centenas de reuniões durante o tempo que estive
em São Paulo. Sem a compreensão de amigos e familiares, estaria muito mais sozinho nesta
jornada em busca de um novo mundo possível via Educação. Tenho minha missão clara e
grandes parceiros por perto. Agradeço a todos eles, que sabem quem são, e também gostaria
de agradecer muito as 302 pessoas que mostraram que a mudança acontece no plural quando
apoiaram o projeto no www.catarse.me/caindonobrasil e a tantos outros nomes que fizeram
parte dessa jornada:
Adelane Brito Rodrigues Bianca Castiglione Daniela Larusso
Adriana Caitano Bonie Santos Daniel Mirolli
Adriano Sundfeld Borges de Garuva Daniela Senador
Alessandra Rodrigues Breno Botelho Vieira Daniela Silva
Alex Fisberg Bruna Kievel Danielle Sales
Alex Junior Nurmberg Bruna Medeiros Danilo Amaral
Alexandra Herkenhoff Bruninha Danilo de Paulo
Alexandre Makhlouf Bruno Bissoli Danilo España
Alexandre Sayad Bruno Gaspar Davi Lira de Melo
Alina Karnics Bruno Narchi Debora de Almeida
Aline Jaeger Bruno Nogueira Francisco Nichel
Aline Quarti Cadu Ramalho Deborah Rebello
Aline Shiohara Caetano Pansani Siqueira Delaine Rodrigues
Ana Castro Caio Rennó José Demétrio Riguete Gripp
Ana Claudia Germani Camila Piza Denis Plapler
Ana De Pierro Camila Poloni Denise Moura
235
Ana Elisa Siqueira Camila Rinaldi Editora Artpensamento
Ana Paula Andriello Cândido Azeredo Edna Marchini
Ana Paula Soares Caren Santos Eduardo Cuducos
André de Holanda Carla Albertuni Eduardo Pucu
André Dib Carla Melo Eduardo Shimahara
André Gravatá Carlos Franco Elanir A P de Souza
Andre Medella Carmen Agá Erica Butow
Andréia Sansone Soster Carol Narchi Erik
Ângela Cristina Carolina de Lima Erulos
Rodrigues de Castro Cecilia Ikedo Espaço Escola/Coopen
Angelo Mundy BH
Célia Aragão
Anita Krepp Estefania Momm
Cezar Aumart
Anna Maria Cardoso Ester Gonçalves Schmidt
Chris Metzker
Antonio Costa Eveline Duarte
Christina Cupertino
Antonio Lino Fabio Balest Murussi
Cinthia Miyazawa
Antonio Lovato Fabio Lacerda
Clarice Rocha Nehme
Ariane Silvestrini Fabio Mocci
Claudia Lucia e Silva
Arlete Ribeiro Fabio Nepomuceno
Cláudia Passos SantAnna
Bárbara Borges Fabiola Freire Saraiva
Claudio Brunoro
Bárbara Sonnewend Fabrício Cruz
Click Um Olhar
Beatriz Cunha Fiuza Fabrício Morais da Costa
Cristiana Assumpção
Beatriz Machado Fátima Lucília Vidal
Constança Vilar Rodrigues
Beatriz Pedreira Daniel Amgarten Felipe Benites Cabral
Beatriz Valentini
Felipe Cabral Ive Abreu Prósperi Malu Viana Batista
Felipe Caruso Jaakko Tammela Marcelo Nick
Felipe Dib Janaína Moitinho Marcia Dib
Felipe Felisberto de Souza Jane Figuerêdo Marcio Arduin
Fernanda Caetano Janine Durand Marcos Carrer da Silveira
Fernanda Caloi Jefferson Santos Marcos Eugênio Maes
Fernanda Meixedo Jéssica Cruz Mari Lena
Fernando A. Simões Filho Jessica Fiorelli Maria
Fernando Dulinski Jose Carlos N Medeiros Maria Amélia Cupertino
Fernando Haddad José Dario Germano Neto Maria Carolina Lacombe
Fernando Ramon Andrade José Luis Braga Maria Denise Galvani
Flavia Ribeiro de Castro Joyce Ikedo Maria Flávia Vanucci
Flávia Tonalezi Judson Jorge Maria Giulia Pinheiro
Flávio Taleb Kfouri Julia Assumpção Maria José Barroso
Francisco Possebom Juliana Longuinho Maria Susana Arrosa Soares
Frederico Bortolato Juliana Machado Mariana Tiso
Frederico Haddad Juliana Maciel de Aguiar Mariana Vilella
Gabi Almeida Juliano Pereira Mariane Monteiro
Gabriel Fabri Júlio César Maricota Rodrigues
Gabriel Morel Falcão Karen Korsakas Mariella Duarte
Gabriela Devulsky Karina Padial Garcia Marília Mattos
Gabriela Romeu Karina Paletta Marina Dias Amorim
Gabriela Vasconcellos Correia Kelly K. Joji Marina Espindola
Gabriella Morena Laís Maria Graleska de Olivei- Mary Grace Pereira Andrioli
Gabrise Fiordelisio ra Lima (in memoriam) Maryellen Mesquita
Gilmar Luis Mazurkievicz Leila Maciel Valença Mateus Gaiotto
Giovanni Ghilardi Leonardo Mamoru Kanzawa Matheus Oliveira dos Santos
Graziela Kunsch Leonardo Rickes da Rosa Mauricio Blanco
Guilherme Barone Gabriel Letícia Haertel Mayara Pillegi
Guilherme da Cas Lilian Sarrouf Melina Sternberg
Gustavo Reis Liraucio Júnior Melissa Barbosa
Helena Cristina Alves Lisian Lasmar Melissa Rizzo Battistella
de Oliveira Lorena Vicini Michelle Fidelholc
Helena Maineti Luciana Barreto van Tol Milene Cardoso
Heryk Slawski Luciana Saito Miriam Homem de Mello
Isabela Moraes da Silva Luciano C. Mônica C. Dib
Isabela Yu Luis Gustavo Gonçalves Costa Monica Pantoja
Isabella Lubrano Luiz Fernando Abel Natália Bohrer Rodrigues
Isis Maria Oliveira Juvêncio Luiz Garbin Natália Garcia
Ismael Bravo Luiza Winckler Nathalie Nahas
Isys Remião Lya Cynthia Porto de Oliveira
Nicolas Monteiro Rute Augusto Possebom
Pablo Araújo Selma Lopes da Nóbrega
Paloma Epprecht Macha- Sergio Campello Gomes
do Campos Chaves Sergio Seixas
Paloma Lopes Sinval Medina
Pamela Piazentin Campos Silvia Camasmie Dib
Patricia Koscak Pastoriza Silvio Camasmie
Paula Fazzio Susana Souza
Paula Haddad Costa Suzy Suely Pereira Simon
Paulo Cesar Dias Carnei- Talita Moretto
ro Júnior
Talita Porto dos Anjos
Paulo H. Tomazinho
Talitha Brinati Dornelas
Pedro Aguiar Chavedar
Tamara Bernardes
Polyteck
Tânia Savaget
Rafael Carlet
Tathyana Gouvêa
Rafael Parente
Tatiana Capitanio e 237
Rafael Romer Filippe Barros
Rafaella Tattiana Teixeira
Raíra Venturieri Taufik Camasmie
Raquel Machado Thaís Duarte
Raquel Marra Thamires Andrade
Raul Perez Thiago Moriyuki Higa
Raul Santa Helena Thiago Carvalho
Renata Barci TooDo Eco
Renata Ferraz Vanessa Barbara
Renata Milk Vanessa Cavalcante
Renata Monteiro Pereira Vanessa Pinheiro
Renata Moura Vicente Carrari
Renata Napchan Victor Arieta
Renato Dib Victor Hugo Reimann
Renato Garcia Vimenegolo
Renato Seixas Vinicius Marino
Renato Kestener Vinícius Máximo
Ricardo Bara Vinicius Schimitd
Roberto Amaral de Castro Vítor Possebom
Prado Santos
Vivian Costa
Roberto Zaki Dib
Vivian Barbosa
Rodrigo Arruda
Viviane Beatriz Costa
Rodrigo Haddad
Walmir Costa
Rodrigo Zwetsch
Yuri Duarte Corrêa
Ronilde Rocha Machado
DEPOI
MEN
TOS
“A odisseia de Caio Dib e seu mergulho nas experiências educacionais país afora são, em si, a com-
provação das mudanças recentes que ocorreram no Brasil. Mas o material surpreendente que se
revela nos dá a dimensão de quanto ainda está por ser explorado e do quanto podemos aprender por
meio delas. Sem dúvida, um registro valioso.”
“Este livro é um On The Road da educação. Ele promete ser aquele famigerado primeiro livro, que
no futuro servirá de referência para aquele comentário fácil, ‘ele tinha futuro desde o começo’. O
trabalho, ou diversão, de viajar o Brasil inteiro em busca de um Santo Graal pedagógico traz tantos
momentos únicos que nem vale enumerar. E eles acontecem nos lugares mais inesperados do Brasil.
Na verdade, não. O ‘Caindo’ comprova que o inesperado gosta é de esperar, completamente óbvio,
onde ninguém está procurando. Na carreira de comunicação, aprendi que ir para campo conhecer 239
seu público-alvo de perto faz toda a diferença. Em Educação, professor faz cara feia para pedagogo
que nunca encarou uma classe. E esse livro é um atalho para você que, como eu, está num momento
de vida difícil para sair em uma viagem insólita. Aqui tem muitas lições, provocações e ótimos
exemplos para quem quiser ‘Cair no Brasil’. Uma aventura que concretiza o sonho da educação que
funciona, um esboço do projeto que pode dar um futuro para o país do futuro. Depoimento bom é
curto, então vou concluir, discordando. O Caio diz que é um ‘sonhador’ porque insiste nessa paixão
por educação a ponto de sair pelo Brasil atrás de pistas de como melhorar o mundo. Já aqui em São
Paulo, por outro lado, vejo o tempo todo jovens, profissionais, jornalistas, discutindo os problemas
da educação. Fazer algo para mudar? Nem pensar. Se liga, Caio. Não é você quem está sonhando”,
“A tarefa de educar sem conhecer a complexidade do Brasil é inexequível. Um país que mais se
parece a um caleidoscópio de etnias, culturas e, sobretudo, desejos. Que miscigenou a raça huma-
na, colocou a criatividade no mais alto dos patamares, mas que segue como uma esfinge no que
diz respeito ao crescimento e desenvolvimento. Por isso, conhecer melhor como a rede de espaços
educativos realiza sua missão em cada canto é muito importante para quem almeja realizar uma
educação de qualidade. A Educação pública melhorou muito nos últimos vinte anos; é justamente
isso que constatou Caio Dib quando resolveu ‘cair’ no Brasil e tentar decifrar seus mistérios”.
• A INTERDEPENDÊNCIA POSITIVA,
• AS RESPONSABILIDADES INDIVIDUAIS,
PROPOSTA 3 – BAIRRO-ESCOLA
RIO VERMELHO E AS COMUNIDADES
DE APRENDIZAGEM
Releia com atenção o relato sobre o Bairro-Escola Rio Vermelho (p. 51) e, a seguir, indivi-
dualmente, registre o que compreendeu sobre os conceitos de Educação Integral e Bairro-
-Educador.
Para melhor compreender estes importantes conceitos, você deve pesquisar nos links www.
unicef.org/brazil/pt/bairro_escola.pdf sobre Bairro-Educador e www.porvir.org/wiki/edu-
cacao-integral sobre Educação Integral.
Outro conceito importante que auxilia na compreensão desta experiência é o de Comunida-
des de Aprendizagem que pode ser consultado em www.goo.gl/1vRzPF.
Em São Paulo, no bairro da Vila Madalena, o Cidade-Escola Aprendiz tem sua trajetória de
implementação publicada no link www.cidadeescolaaprendiz.org.br/bairro-escola-pinhei-
ros/, a consulta a este link propicia uma compreensão mais aprofundada sobre o que se pre-
tende com o Bairro-Escola Rio Vermelho.
Após realizar individualmente as pesquisas indicadas e registrar os conceitos solicitados,
reúna-se em pequenos grupos, reflita e converse sobre como os quatro eixos propostos para o
Bairro-Escola Rio Vermelho podem ser desenvolvidos.
Esta atividade tem por objetivo que o grupo reflita e discuta conjuntamente sobre as estraté-
gias que podem ser utilizadas para a implantação dos eixos indicados no Bairro-Escola Rio
Vermelho de maneira que essas estratégias possam ser repetidas em outras localidades.
Os eixos propostos são:
FORMAÇÃO
Como sensibilizar e capacitar adequadamente professores e funcionários das escolas?
ARRANJOS COMUNITÁRIOS
De que maneira é possível mobilizar e organizar indivíduos, grupos,
organizações da sociedade civil, empresas, universidades e Poder Público
para estimular a criação de projetos comunitários que buscam oferecer
soluções educativas, sustentáveis e comunitárias?
COMUNICAÇÃO E ARTICULAÇÃO COMUNITÁRIA
Como divulgar o que está sendo realizado no bairro e conectar os diversos
atores envolvidos internamente nesse processo? Como fazer com que as
pessoas do bairro se conheçam e incentivar a comunicação e a mobilização
comunitária dos jovens?
GOVERNANÇA
Como organizar as atividades realizadas e possibilitar a participação
comunitária de forma democrática?
Os grupos devem registrar os resultados das discussões e, ao final, socializar com 247
os demais grupos.
O grupo deve realizar a leitura e conversar a respeito das propostas apresentadas para
juntos elegerem uma proposta de estudo do meio. É importante na escolha da proposta
que esta seja realizável pelos componentes do grupo.
PASSO 2 – CONHECER OUTRAS PROPOSTAS INSPIRADORAS
Abaixo podem ser lidos relatos, publicados na Revista Nova Escola, de três experiências
desenvolvidas em diferentes regiões do Brasil e com diferentes faixas etárias:
- Um rio em minha vida: http://goo.gl/O1NAKy
- Trabalho de campo sobre a paisagem: http://goo.gl/4Z4ftJ
- Estudar o bairro pode mudar o planeta: http://goo.gl/f1XNjE
PASSO 3 – ELABORAÇÃO DA PROPOSTA DO GRUPO
Siga o roteiro abaixo para registrar a proposta de estudo do meio do grupo.
Tema: os grupos devem dar um título à proposta. O título deve fazer referência à saída de
estudo do meio.
CONTEÚDOS:
Quais serão os conteúdos trabalhados. Os conteúdos1 podem ser conceituais,
1. O Sindicato dos Especialistas em Educação do Magistério Oficial do Estado de SP – UDEMO publicou na Revista do Projeto Pedagógico
orientações sobre a elaboração de um Projeto Pedagógico e sobre como indicar objetivos e conteúdos http://goo.gl/yJUSCe.
procedimentais ou atitudinais. O importante é que estejam definidos de forma
clara e precisa. Indicamos que não se trabalhe mais do que cinco conteúdos
em um estudo do meio.
OBJETIVOS:
Qual é a expectativa do educador com relação à aprendizagem dos aprendizes.
Sugerimos que não sejam mais do que três ou quatro objetivos, lembrando-se
sempre de que eles têm que estar relacionados diretamente aos conteúdos. É
de fundamental importância estabelecer objetivos com clareza para que as
estratégias sejam pensadas a partir dos objetivos, para que se tenha um foco e
que a proposta não se desvie dos objetivos propostos inicialmente.
MATERIAL NECESSÁRIO:
O que será necessário antes, durante e depois da saída. Planejar em
detalhes diminui as chances de o projeto fracassar por questões que não são
pedagógicas, mas podem atrapalhar na execução das estratégias.
249
DESENVOLVIMENTO:
Sugerimos que o desenvolvimento aconteça em três etapas:
1ª etapa – sensibilização para o tema: antes da saída para o estudo de
meio é necessário envolver os aprendizes e motivá-los, essa etapa é de
fundamental importância para o sucesso da atividade. Não se esqueça que
o planejamento deve ser compartilhado com os aprendizes para que eles
também sejam agentes nesse processo.
• Título do Projeto
• Justificativa (escrever uma justificativa para o plano, com base na manifestação do
problema)
• Indicadores (resultantes da manifestação do problema)
• Objetivos
• Plano de ação (indicação da intervenção que o grupo faria para resolver o
problema e atingir os objetivos previstos)
• Cronograma
• Recursos
• Releia a Rotina de uma manhã observada pelo autor, nas páginas XXX.
• Leia as “Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Básica - Revisão
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil”, (BRASIL,
2013, p.86-87)2, item 6 (“A visão de criança: o sujeito do processo de educa-
ção”). É possível encontrar evidências na Rotina que contempla o proposto
no trecho das Diretrizes lido por você? Justifique com exemplos da Rotina,
articulados ao trecho das Diretrizes.
• Conforme o autor, ainda que muitas escolas de Educação Infantil reali-
zem “estratégias e mecanismos educacionais”, semelhantes aos utilizados na
“Vivendo e Aprendendo”, não é tão fácil explicitar como a instituição dife-
rencia-se das demais escolas de Educação Infantil. De tudo o que você leu
sobre a experiência da “Vivendo e Aprendendo” levante com os seus colegas
quais sãos os diferenciais da proposta pedagógica dessa escola de Educação
Infantil que a faz ser tão singular.
•No item conclusão o autor relata a conversa com Dianne da Vivendo e
Aprendendo, que para ele sintetiza “o modo de ser” dos educadores e edu-
2. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013. Disponível
em: <http://goo.gl/hXGeaC>. Acessado em 30/05/2014.
candos da instituição apresentada. Assinale abaixo que aspectos você elencaria como ins-
piradores para serem observados em outra Escola de Educação Infantil, a fim de encontrar
semelhanças com a experiência relatada?
( ) “Os projetos e as atividades que acontecem dentro e fora de sala são voltados para o
interesse das crianças”;
( ) “Existe um olhar muito sensível e atento para ver o que as pessoas gostam, o que elas
querem, o que o grupo tá pedindo naquele momento”;
( ) “As crianças são autoras de todas as coisas que elas fazem aqui”;
( ) Os trabalhos expostos nas paredes são resultados das produções das crianças. “[...] não
existe retocar, pintar o céu de azul, a grama de verde”;
( ) “A gente acredita que o desenvolvimento da criança não precisa ser o tempo inteiro
direcionado por uma ideia adulta”;
( ) “ As crianças aqui são muito felizes. Esse espaço é delas, elas conseguem se reconhecer
em cada pedacinho”;
( ) “A apropriação do espaço também é muito importante pra gente. Precisamos cuidar
dele para nos sentirmos pertencentes a ele. Isso é uma coisa que a gente faz com as crianças
e com os pais também”.
Levante em seu bairro ou cidade escolas de Educação Infantil que você gostaria de conhecer
melhor as estratégias educacionais utilizadas em seu cotidiano. Você pode utilizar a platafor-
ma de mapeamento digital do Caindo no Brasil (www.caindonobrasil.com.br) como auxílio a
essa busca. Verifique se as escolas levantadas aceitam receber visitas. Em caso positivo, utilize
os aspectos inspiradores elencados por você anteriormente e acrescente outros de seu interes-
se, elaborando um roteiro, de modo a direcionar o seu olhar no decorrer da visita.
Após o término da elaboração do seu roteiro, compartilhe com os colegas. Essa é uma oportu-
nidade importante para incorporar outros aspectos não levantados por você.
Coordenação: Caio Dib
Preparação e revisão: Renato Seixas
Edição de texto: Marina Kater-Calabró
Projeto gráfico, Capa e Diagramação: Leila Schöntag
Produção do Guia do Educador: Denise Rampazzo e Ivaneide Dantas
Todas as fontes utilizadas são Creative Commons retiradas do site
www.theleagueofmoveabletype.com
Dib, Caio
Caindo no Brasil : uma viagem pela diversidade
da educação / Caio Dib. -- 1. ed. -- São Paulo:
Ed. do Autor, 2014.