Jacques Maritain Rumos Da Educacao PDF

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jacques maritain

RUMOS
DA EDUCACÃO
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edição)
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Sâo Paulo, SP. Rio de Janeiro, DP. Belo H orizonte, MG.
A tendem os pelo Serviço de Reem bôlso Postal
(i presente volume — agora
.-ui ' edição nasceu dum
elolo de conferências pronun­
ciadas pelo autor na Univer­
sidade de Yale, na série pro­
movida pela Fundação Dwight
llarrlngton Terry, uma das
multas Iniciativas de caráter
privado, visando estimular a
pesquisa cientifica ou a difusão
e assimilação da cultura, e que
dão ao mundo universitário
americano seu caráter incon­
fundível.
Maritain, que, além de seus
trabalhos de filosofia pura, já
havia analisado a arte, a cultu­
ra, a política e a espirituali­
dade, partindo dos princípios
da filosofia perene, ocupa-se
aqui de educação. Não se trata
do livro de um pedagogo sôbre
pedagogia. Maritain focaliza a
educação «de cima», se assim
nos podemos exprimir, como fi­
lósofo, pois filósofo êle sempre
quis ser.
Seja-nos permitido chamar a
atenção do leitor para duas das
faces mais sugestivas dêste no­
tável volume. A primeira delas
Interessa o público em geral,
estudantes, professores e todos
nquéles em quem os modernos
problemas da cultura encon­
tram eco e repercussão. Refe-
i Imo-nos á debatida questão
das humanidudos clássicas»,
fióhre a quul tanto se tem es­
crito no» últimos anos. Devem
o latim e o grego ter entrada
1'ianea no curso secundário?
(Oontlnúa na 2.a orelha)
(Continuação da l.a orelha)

Maritain neste volume reata a


tradição medieval do «trivium»
e do «quadrivium» que o hu­
manismo renascentista esque­
ceu ou deturpou, instaurando
o ideal do gentil-homem bur­
guês dos séculos XVI e XVII,
mais ou menos devoto, e entre­
tanto mais nutrido de Virgílio
e Homero do que de São Paulo
e dos Evangelhos. Tal era o
ideal de humanismo que a
Idade Média ignorou e que se
impôs à cristandade depois da
crise do Renascimento.
O segundo aspecto para o
qual chamamos em particular
a atenção do leitor católico, diz
respeito àquelas «escolas de
vida espiritual» cuja criação o
autor sugere no capítulo III.
E’ uma das facêtas mais
originais desta obra realmente
notável, e dá prova cabal da
universalidade de espírito de
Maritain e da reta hierarquia
de ação e saber em que êle
sempre insere tôdas as suas
concepções.
Ousamos dizer que, para
muitos leitores interessados em
problemas de educação, êste
livro, profundo na doutrina,
mas vivo e concreto na aplica­
ção, soará como verdadeira
libertação. Será para todos
o ponto de partida de debates
fecundos. De qualquer modo
um grande livro, uma obra que
se tornará clássica em filosofia
da educação.
JACQUES MARITAIN

R U M O S DA
EDUCAÇÃO
TRADUÇÃO DE
INÈS FORTES DE OLIVEIRA
2.a EDIÇÃO

1959

n /I/rar/a y\G I R & c //fô r â


RIO DE JANEIRO
Copyright de
ARTES GRAFICAS INDÚSTRIAS REUNIDAS S. A.
(AGIR)

Título do original norte-am ericano:


“EDUCATION AT THE CROSSROADS”

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ÍNDICE
Pág.
I O S F IN S D A E D U C A Ç Ã O

1. A N a tu r e z a d o H o m e m e a E d u c a çã o 13
Educação do hom em , 13. — l.° Êr-
ro: desprêzo dos fins, 15. — 2.° Êr-
ro: idéias falsas concernentes aos
fins, 17. — A concepção científica e
a concepção filosófico-religiosa do
hom em , 18. — A concepção cristã do
hom em , 20. — Personalidade hu m a­
na, 22 — Personalidade e individua­
lidade, 24
2. R e la tiv o a o s F in s d a E d u ca çã o . . . 27
A conquista da liberdade interior,
28. — 3.° Êrro: pragm atism o, 30.
— As potencialidades sociais da pes­
soa, 32 — 4.° Êrro: sociologismo, 34
— 5.° Êrro: intelectualism o, 38 —
6. ° Êrro: voluntarism o, 41
3. O s P a ra d o x o s d a E d u c a ç ã o ........... 45
7. ° Êrro: pode-se aprender tudo, 45
8 R um os da E ducação
— As esferas educacional e extra-
educacional, 47. — O sistem a edu­
cacional n a form ação da vontade e
n a dignidade do intelecto, 49.
II. A D IN Â M IC A D A
EDUCAÇÃO
1. O s F a to re s D i n â m ic o s ......................... 57
A inteligência do aluno e a arte do
professor, 57. — A educação pela
palm atória e a educação progressis­
ta, 60 — A verdadeira e a falsa liber­
tação da personalidade, 63.
2. As D isp o siçõ es F u n d a m e n ta is a S e­
re m C u ltiv a d a s ........................................ 68
Em relação à verdade e à justiça,
69. — Em relação à existência, 69.
— Em relação ao trabalho, 71. —
Em relação aos outros, 72.
3. As N o rm a s F u n d a m e n ta is d a E d u ­
ca çã o ........................................................ 73
l.a Regra, 73. — 2.a Regra, 74. —
A libertação do poder intuitivo, 77
— 3.a Regra, 82 — A unidade espi­
ritual e a sabedoria, 85 — 4.a Regra,
88 — Conhecim ento e treino, 91. —
A estru tu ra intrínseca do currículo,
96.
I ndice 9

III. A S H U M A N ID A D E S E A
E D U C A Ç Ã O L IB E R A L

O s R u d im e n to s .................................... 103
As esferas do conhecim ento, 103 —
A criança, 106.
As H u m a n id a d e s .................................... 108
O adolescente, 108 — O caráter u n i­
versal da educação liberal, 111. —
O currículo, 114 — Filosofia e Teo­
logia, 121.
A U n iv e r s id a d e ...................................... 128
Plano de um a universidade ideal,
128 — A consum ação da educação
liberal, 132 — Os institutos superio­
res de pesquisa, 139 — As escolas n a
vida espiritual, 140 — Nossa respon­
sabilidade p ara com a juventude,
143.
IV. A S F U N Ç Õ E S D A E D U C A ­
ÇÃO CONTEM PO RÂN EA
A E d u ca çã o L ib era l e o N o vo H u m a ­
n ism o a q u e a sp ira m o s .................... 147
U m a educação integral p ara um h u ­
m anism o integral, 148 — As diver­
sões hum anas e a educação liberal,
149.
10 R umos da E ducação
2. A lg u m a s F u n çõ es E sp ecia is d a E d u ­
ca çã o n o M u n d o d e A m a n h ã ........... 152
A tarefa norm al da educação e seus
encargos adicionais, 152 — O siste­
m a educacional e o Estado, 153 — O
ensino da Moral, 155 — As necessi­
dades da com unidade política e a
educação, 161
3. O s P ro b lem a s E d u c a cio n a is n a C rise
d a C iviliza çã o A tu a l ......................... 170
Como tra ta r a perversão m ental,
causada pela "Educação p ara a Mor­
te ”, 170 — M edidas preventivas ou
de proteção, 171 — T rabalho cons­
trutivo, 175 — Sôbre a Europa, 178
— A inspiração renovadora de nossa
educação, 184.
OS FINS DA EDUCAÇÃO
1. A NATUREZA DO HOMEM
E A EDUCAÇÃO

E d u c a çã o d o H o m em

R u m o s d a E d u c a çã o foi o título que esco­


lhi. Podia tam bém ter cham ado a êstes ca­
pítulos: A E d u c a çã o d o H o m em , em bora tal
título parecesse um desafio. M uitos de nos­
sos contem porâneos conhecem o hom em pri­
mitivo, o hom em do Oeste, o hom em da Re­
nascença, o hom em da era industrial, o ho­
m em criminoso, o hom em burguês, o hom em
operário, m as, se falarm os do hom em , não
sabem o que dizer.
Sem dúvida, a tarefa da educação não
está em form ar o hom em abstrato de Platão,
m as em form ar um a criança de determ inada
nação, de determ inado meio social e época
histórica. Essa criança — antes de ser um a
criança do século XX, am ericana ou inglêsa,
inteligente ou retard ad a — é filha do homem.
Antes de ser um hom em civilizado — pelo
menos assim me julgo — e um francês edu-
14 R um os da E ducação
cado nos meios intelectuais parisienses — sou
um homem. Se é verdade que nosso princi­
pal dever consiste, de acordo com a profun­
da sentença do poeta grego Píndaro, em n os
to rn a rm o s n o q u e so m o s, n ad a é m ais im por­
tan te p ara cada um de nós, nem m ais difícil,
do que n o s to rn a rm o s u m h o m e m . A p rin ­
cipal tarefa da educação está, antes de tudo,
em form ar o hom em ou alim entar o dinam is­
mo por meio do qual o hom em se faz homem.
Aí está por que o títu lo dêste livro podia ter
sido A E d u c a çã o d o H o m em .
Não devemos esquecer que a palavra
“educação” tem três significados diferentes.
Pode ser aplicada a qualquer processo que
orienta e conduz o hom em à sua plenitude
(educação no sentido m ais lato ); ou ao tra ­
balho de form ação que os adultos em preen­
dem, intencionalm ente, com relação aos jo ­
vens; ou, em sentido m ais restrito, ao tra ­
balho especial das escolas e universidades.
No presente capítulo, vou discutir os fins
da educação. Ao correr da discussão, vamos
enum erar e exam inar, de passagem , algum as
opiniões errôneas, relativas a ela. Sete, ao
todo.
O hom em não é apenas anim al da n a tu ­
reza, como o urso ou a cotovia. É tam bém
um anim al de cultura, cuja espécie só sub-
Os F ins da E ducação 15

siste com o progresso da sociedade e da civi­


lização. É um anim al h is tó r ic o : daí a m ulti­
plicidade de exem plares culturais ou ético-
históricos por que se classificam os homens.
Daí, tam bém , a im portância da educação.
Justam ente por ser capaz de adquirir co­
nhecim entos (capacidade esta que é ilim ita­
da, apesar de só se m anifestar pouco a pouco),
o hom em não progride n a su a própria vida
específica — intelectual ou m oralm ente —
sem a experiência coletiva, prèviam ente
acum ulada e preservada, e sem a transm issão
norm al de conhecim entos adquiridos. Se
quer atin g ir o livre arbítrio p ara o qual foi
criado, precisa de disciplina e tradição. Am­
bas têm grande im portância e dão-lhe forças
p ara lu ta r por elas — o que enriquece a pró­
pria tradição, tornando possíveis novas lu­
tas... e assim por diante.
l .° Ê r r o : D e sp rê zo d o s fin s.
A educação é um a arte, e arte m uito
difícil. Pertence, de natureza, à esfera da
Ética e das ciências práticas. É um a arte
é tic a (ou, por outra, um a ciência prática em
que determ inada arte se inclui). Tôda arte
é um a tendência dinâm ica em direção a um
objetivo que se quer atin g ir (finalidade da
arte). Não h á arte sem objetivo. S ua pró*
16 R um os da E ducação
pria vitalidade está n a energia com que se
dirige para certo fim, sem se interrom per
nunca.
Vemos aqui, de princípio, os dois erros
m ais freqüentes que a educação deve evitar.
O prim eiro é a falta de objetivos ou o des-
prêzo dêles. Se os meios são apreciados e cul­
tivados em virtude de sua própria perfeição e
não, apenas, como meios, deixar de servir aos
fins. A arte torna-se im praticável. Sua efi­
ciência vital foi substituída por um processo
de m ultiplicação infinita. Cada meio se de­
senvolve e cresce por si mesmo. E sta supre­
m acia dos meios sobre os fins, resultando no
fracasso de todo propósito seguro e eficiência
real, constitui a principal acusação contra a
educação contem porânea. Os meios não são
m aus. Pelo contrário, são, em geral, m elho­
res do que os da velha pedagogia. Mais ain­
da: são tão bons que nos fazem esquecer o
fim visado. A surpreendente fraqueza da
educação de hoje deve-se ao nosso insucesso
em aplicar os meios e m étodos educacionais
modernos. A criança é de tal m aneira sub­
m etida a testes e observações, suas necessi­
dades são tão bem delim itadas, sua psicolo­
gia tão dissecada, os m étodos de facilitar-lhe
a vida tão aperfeiçoados, — que a finalidade
de tudo isso chega a ser esquecida ou des-
Os F ins da E ducação 17

prezada. É assim que, m uitas vêzes, a m edi­


cina m oderna se prejudica pela excelência de
seus meios. O médico, no laboratório, exa­
m ina com ta n ta perfeição e cuidado as rea­
ções do doente, que se esquece da cura. E o
doente pode m orrer, apesar de tan to tra ta ­
m ento. Ou m elhor: de ta n ta análise.
O progresso científico dos meios e m éto­
dos pedagógicos nada tem , em si, de repro­
vável. Mas, quanto m aior sua im portância,
tan to m ais exigem de sabedoria prática e de
tendência dinâm ica com relação aos fins.
2.° Ê r r o : Id éia s fa lsa s c o n c e rn e n te s
aos fin s
O segundo êrro da educação não está n a
falta de com preensão dos fins, m as em idéias
falsas ou incom pletas concernentes à n a tu ­
reza dêles. A tarefa educacional é, a um tem ­
po, a m aior, a m ais m isteriosa e, de certo
modo, a m ais hum ilde que se possa im aginar.
Se a finalidade da educação está em guiar e
em aju d ar o hom em a atin g ir a sua pleni­
tude hum ana, ela não pode fugir aos proble­
m as e dificuldades da Filosofia. Subentende,
por sua própria natureza, um a filosofia do
homem. É obrigada a responder sem demo­
ra à pergunta filosófica da Esfinge: “Que é
o hom em ”?
18- R umos da E ducação
A C o n cep çã o C ie n tífic a e a C o n cep çã o
F ilo só fico -R elig io sa d o H o m em
Chegando a êste ponto, seria bom obser­
var que apenas duas classes ou categorias de
noções referentes ao hom em m erecem consi­
deração: a científica e a religiosa. De acor­
do com sua própria n atu reza m etodológica, a
concepção científica do hom em , como tôda
concepção adotada pela ciência estritam ente
experim ental, libertou-se, ta n to quanto possí­
vel, de qualquer conteúdo ontológico. Pode
ser inteiram ente dem onstrada um a experiên­
cia sensorial. Neste ponto, os m ais recentes
teóricos da Ciência, os neopositivistas da esco­
la de Viena, estão certos. A concepção p u ra­
m ente científica do hom em procura coligir
dados que se possam observar e m edir. Não
considera nem o ser, nem a essência. E não
responde a perguntas como estas: A alm a
existe ou não? H á espírito ou só m atéria?
Liberdade ou determ inism o? Proposito ou
acaso? M erecim ento ou sim ples feito? Por­
que tais questões estão fora do âm bito da
Ciência. A concepção puram ente científica
do hom em só se preocupa com fenômenos.
Não cogita das realidades últim as.
A concepção filosófico-religiosa do ho­
m em , pelo contrário, é um a concepção onto­
lógica. Não pode levar em conta a experiên-
Os F ins da E ducação 19

cia dos sentidos, apesar de possuir m étodos


e critérios próprios. Lida com caracteres que
são essenciais e intrínsecos, em bora invisíveis
ou intangíveis. Com a capacidade intelecti-
va daquele ser a que cham am os hom em .
E stá fora de dúvida que a concepção pu ­
ram ente científica do hom em pode dar-nos
inform ações inestim áveis e cada vez m ais
com pletas concernentes aos meios e in stru ­
m entos da educação. Mas, por si só não pode
estabelecer nem orientar a educação, já que
ela precisa saber, antes de tudo, o que é o
hom em , qual a sua n atureza e a escala de
valores que necessàriam ente abrange. E a
concepção puram ente científica do hom em ,
por ignorar o “ser, como ser”, não com preen­
de essas coisas. Mas apenas o que em erge do
indivíduo hum ano, no dom ínio da observação
e da medida.
Os jovens, que são os sujeitos da educa­
ção, não constituem , apenas, um am ontoado
de fenôm enos físicos, biológicos e psicológicos.
Fenôm enos, cujo conhecim ento é im prescindí­
vel. São, em prim eiro lugar, filhos do hom em ,
sendo que esta palavra “hom em ” representa
p ara os pais, os educadores, a sociedade, o mes­
mo m istério ontológico a que se refere o conhe­
cim ento racional de filósofos e teólogos.
20 R um os da E ducação
É preciso n o tar que, se nos propuserm os a
basear a educação n a concepção científica do
hom em , e se persistirm os nesta idéia, temos
que contorcê-la ou desviá-la. Se p erg u n tar­
mos qual a natureza e o destino do hom em , a
concepção científica, única à nossa disposição,
tem de responder à pergunta. Então, incoe­
rentem ente, tentarem os um a espécie de Me­
tafísica. Do ponto-de-vista lógico, teríam os
um a M etafísica espúria disfarçada em Ciên­
cia e desprovida de qualquer base filo­
sófica. Do ponto-de-vista prático, a negação
ou concepção errônea das m esm as realidades
ou valores, sem o que a educação perde qual­
quer sentido hum ano. Não passa de trein a­
m ento de um anim al a serviço do Estado.
Portanto, a concepção com pleta e integral do
hom em — prim eiro requisito da educação —
só pode ser um a concepção filosófica e reli­
giosa. Filosófica, porque diz respeito à n a tu ­
reza ou essência do hom em . Religiosa, pela
posição da natureza hum ana com relação a
Deus e pelas dádivas especiais e experiências
e vocação conseqüentes.
A Co?ocepção C r istã d o H o m em
A concepção filosófica e religiosa do ho­
m em se apresenta sob vários aspectos. Se afir­
mo que a educação bem baseada é a que se
Os F ins da E ducaçao 21

baseia n a concepção cristã, é por ser esta a


única verdadeira e não por parecer-m e a civi­
lização atu al im pregnada dela. Além do m ais,
o hom em da nossa civilização é o hom em cris­
tão, m ais ou m enos secularizado. Por conse­
guinte, devemos aceitar esta idéia como base
com um e deduzir que o mesmo acontece n a
consciência com um dos povos civilizados. Ex­
ceto entre aquêles que aderiram a pontos-de-
vista extrem adam ente opostos, como a M eta­
física m aterialista, o positivismo, o cepticismo.
Não estou falando aqui de doutrinas raciais
ou fascistas, que não pertencem , em absoluto,
à civilização.
Tal conform idade é tudo o que qualquer
doutrina na Filosofia m oral pode apresentar.
N enhum a pretende obter, em nossos dias, o
consenso universal de tôdas as m entes. Não
por fraqueza de argum entos objetivos, m as
pela fraqueza inerente à inteligência hum ana.
E ntre as diversas concepções m etafísicas
que reconhecem a dignidade do espírito, en­
tre os diversos credos cristãos, ou até, entre
os credos religiosos, em geral, que reconhecem
o destino divino do hom em , existe um a co­
m unhão de analogias, no que se refere a a ti­
tudes práticas e do dom ínio da ação, que tor­
n a possível um a genuína cooperação hum ana.
N um a civilização judio-greco-cristã, como
22 R um os da E ducação
a nossa, essa com unhão de analogias (que vai
das m ais ortodoxas form as de pensam ento re­
ligioso às que são apenas hum anísticas) faz
com que a filosofia cristã da educação — bem
baseada e racionalm ente desenvolvida — de­
sem penhe papel anim ador no concêrto, mesmo
p ara os que não participam da crença de seus
adeptos. Acrescente-se, de passagem , que o
têrm o “concêrto” que acabo de em pregar, pa­
rece um eufemismo, em relação às nossas “mo­
dernas filosofias d a educação”, cujasi vozes
discordantes foram tão bem estudadas pelo
Professor B rubacher.1
P ortanto, à pergunta “Que é o hom em ?”,
podemos dar a resposta grega, a judia ou a
cristã. O hom em , anim al dotado de razão,
cuja suprem a grandeza está no intelecto. O
hom em , indivíduo livre nas relações pessoais
com Deus, cuja suprem a integridade está n a
obediência voluntária à Sua lei. E o hom em ,
criatu ra pecadora e sofredora, escolhida para
a vida eterna e p ara o reino da graça, cuja
suprem a perfeição está no amor.
P e rso n a lid a d e H u m a n a
Do ponto-de-vista filosófico, o principal
conceito a ser estudado aqui é o da persona­
lidade hum ana. O hom em é um a pessoa con-
1. Cf. John S. Brubacher, Modem Philosophies of
Education (New York and London, 1939) .
Os F ins da E ducação 23

trolada pela inteligência e pela vontade. Não


existe só como ser físico. Possui um a vida m ais
nobre e rica. Um a vida superiorm ente espi­
ritual, de conhecim ento e am or. E ’, de certo
modo, um todo e não um a p arte apenas.
Traz o universo em si. Microcosmo que pode
abranger tudo pelo conhecim ento. E, pelo
am or, pode dedicar-se, livrem ente, aos sêres
que o cercam , como se fossem outros “eus”.
P ara tal parentesco não h á equivalente no
m undo físico.
Se procurarm os a origem disso tudo, te­
rem os que reconhecer a inteira realidade filo­
sófica daquele conceito da alm a, tão variegado
em suas relações, que A ristóteles descreveu
como o princípio da vida em qualquer orga­
nism o e como dotado de intelecto supram a-
terial no hom em . E que o cristianism o con­
siderou como a Casa de Deus e como tendo
sido feito p ara a vida eterna.
No hom em , além de carne e osso, existe
a alm a. Espírito de m ais valor que todo o
universo físico. D ependente, como possa ser,
dos m ais insignificantes acidentes da m atéria,
a pessoa h u m ana existe em virtude da existên­
cia da alm a, que sobrepuja o tem po e a m orte.
O espírito é a origem da personalidade.
A noção de personalidade envolve, por­
tanto, a de totalidade e de independência.
24 R umos da E ducação
Dizer que o hom em é um a pessoa é dizer que
êle é m ais um todo do que um a parte. Mais
independente do que servil. E ’ a êste m istério
de nossa natureza que o pensam ento religioso
se refere, quando diz que a pessoa hu m an a é a
im agem de Deus. U m a pessoa só possui dig­
nidade absoluta, porque está em relação direta
com o reino do ser, da verdade, da bondade,
da beleza. E com Deus. Só assim pode che­
gar à plenitude com pleta. Sua p atria espiri­
tu al está nas coisas que têm valor absoluto e
que refletem , de certo modo, um Absoluto di­
vino, superior ao m undo que as atrai.
P e rso n a lid a d e e I n d iv id u a lid a d e
Note-se que a personalidade é apenas um
dos aspectos ou pólos do ser hum ano. O outro,
p ara falar a linguagem de Aristóteles, é a in­
dividualidade, cuja causa prim eira está n a m a­
téria. O mesm o hom em , o m esm íssim o hom em
que, num sentido, é um a pessoa ou um todo
independente, por ter um a alm a espiritual,
— noutro sentido, é um indivíduo m aterial,
elem ento de um a espécie, p arte do universo fí­
sico. Simples ponto n a im ensa teia de forças
e influências, cósmicas, étnicas, históricas, a
cujas leis tem os de obedecer. Sua hum anidade
é a hum anidade de um anim al que tem senti­
dos, instintos e razão. O hom em é, pois, “um
Os F ins da E ducação 25

horizonte em que dois m undos se encontram ”.


D efrontam os, aqui, a clássica distinção entre
o “eu instintivo” e o “eu racional”, que tan to
a filosofia indu como a cristã estabeleceram ,
em bora com significados totalm ente diversos.
Hei de voltar, m ais tarde, a esta idéia.
G ostaria de observar, agora, que esta es­
pécie de treinam ento de anim al, baseada em
hábitos psicofísicos, reflexos condicionados,
m em ória dos sentidos, desem penha um papel
n a educação: tra ta da individualidade m a­
terial ou do que não é especificam ente hum a­
no no homem. Mas a educação não é o trein a­
m ento de um anim al. E ’ o despertar do ho­
mem.
Assim, o que é de m ais im portância para
os educadores é venerar a alm a como o corpo
da criança. E ’ a com preensão de sua essência
e de suas capacidades. Um a espécie de aten ­
ção respeitosa e delicada p ara com sua identi­
dade. M istério que a técnica não pode desven­
dar. E o que im porta m ais, n a tarefa educa­
cional, é recorrer sem pre à inteligência e à
vontade dos jovens. Tal processo, conveniente­
m ente adaptado às idades e circunstâncias, po­
de e deve com eçar quando começa a educação.
C ada cam po de treinam ento, cada form a de
atividade — exercício físico, leitu ra elem entar,
a etiquêta infantil, os rudim entos da Moral
/
26 R umos da E ducação
* I

— podem ser intrinsecam ente cultivados. E


se forem h u m a n iza d o s pela com preensão, po­
dem ultrapassar seu im ediato valor prático.
N ada se deve exigir da criança, sem que se
explique por quê. E sem a certeza de que ela
com preendeu.
2. RELATIVO AOS FINS DA
EDUCAÇÃO

Devemos agora definir, de modo m ais


preciso, a finalidade da educação. E ’ a de guiar
o hom em no dinam ism o crescente, por meio
do qual êle se to rn a um a pessoa h u m an a do­
tad a de conhecim entos, de capacidade julga­
dora e virtudes m orais. E, ao m esm o tem po, é
a de transm itir-lhe a h erança espiritual da
p átria e da civilização a que pertence, preser­
vando, assim, os em preendim entos seculares
das gerações. O aspecto utilitário da educação
— que dá ao jovem a possibilidade de ganhar
a vida e de ter um emprêgo — não deve, cer­
tam ente, ser desprezado. Os filhos dos ho­
m ens não foram feitos p ara o ócio aristocrá­
tico. Mas só se atinge a êsse fim prático, n a
m edida em que se desenvolveram as capacida­
des hum anas. O treinam ento especializado,
que se exige, não deve prejudicar a finalidade
essencial da educação.
Agora, com o fito de ter um a idéia com­
pleta da finalidade da educação, é necessário
28 R umos da E ducação
levar em conta a pessoa hu m an a e suas aspi­
rações n atu rais e profundas.
A C o n q u ista d a L ib e rd a d e I n te rio r
As principais aspirações de um a pessoa
são aspirações de liberdade. Não falo dessa
liberdade que é o livre arbítrio. D ádiva da
n atureza a cada um de nós. Mas da liberdade
que é espontaneidade, expansão, autonom ia e
que conseguimos à custa de constante esforço
e luta.
A form a m ais profunda e essencial de tal
aspiração é a liberdade interior e espiritual.
Neste sentido, a filosofia grega, especialm en­
te a de Aristóteles, já falou da independên­
cia concedida ao hom em pela inteligência e
pelo saber, como a m aior das perfeições. E o
Evangelho elevou essa perfeição a um plano
superior — um plano verdadeiram ente divi­
no — ao afirm ar, com S. Paulo, que ela con­
sistia no am or e n a liberdade dos que são im­
pelidos pelo Espírito divino. De qualquer mo­
do, é pelas atividades a que os filósofos cha­
m am “im anentes” — porque m elhoram o pró­
prio sujeito que as pratica, e são as atividades
suprem as do aperfeiçoam ento íntim o e da su­
perabundância, — que se conquista a plena
liberdade de independência. Assim, a prim eira
finalidade da educação é a liberdade interior
Os F ins da E ducação 29

e espiritual a ser alcançada pelo indivíduo. Ou,


por outras palavras, a libertação dêsse indiví­
duo pelo conhecim ento, pela sabedoria, pela
boa vontade e pelo amor.
Devemos observar aqui que a liberdade
de que estam os falando não é um mero des­
dobrar de potencialidades sem objetivo. Ou um
m ovim ento que se realiza, por am or ao movi­
m ento, e não por um a finalidade a ser atingi­
da. Seria absurdo ver qualquer glória aí. Um
m ovim ento sem finalidade é como correr em
círculos e não chegar a p arte algum a. A fina­
lidade, cá n a terra, só é alcançada de m aneira
parcial e im perfeita. Sendo assim, realm ente,
o m ovim ento não tem objetivo. Apesar dis­
so, devemos procurar um objetivo, em bora
parcial, pois as atividades espirituais do ser
hum ano são atividades in te n c io n a is. Tendem,
por natureza, p ara um objeto, p ara um a fina­
lidade objetiva que as regula e mede. Não
m aterialm ente e por obrigação, m as espiritual
e livrem ente. O objeto de conhecim ento ou
de am or identifica-se com elas, por ação da in­
teligência e da vontade, constituindo a causa
de sua espontaneidade perfeita. A verdade —
que depende do que existe e não de nós —
não é um a coleção de fórm ulas fixas a serem
passivam ente decoradas, obstruindo, dêste m o­
do, a m ente. E : um reino infinito — infinito
30 R umos da E ducação
como o ser — cuja totalidade transcende nos­
sos podêres de percepção. Cada pedaço dêsse
reino deve ser conquistado, por meio de um a
atividade interna, vital e purificadora. E sta
conquista do ser, esta aquisição progressiva de
verdades novas ou a com preensão do signifi­
cado cada vez m aior de verdades já adquiridas,
alarga nossa m ente e nossa vida, situando-as
n a liberdade e n a autonom ia. E, ao falar de
am or e vontade, m ais do que de conhecim en­
to, ninguém é m ais livre ou m ais independen­
te, do que aquêle que soube se d ar a um a coi­
sa ou ser, realm ente, dignos d a dádiva.
3.° Ê rro: P ra g m a tis m o
O exagêro da pragm ática n a educação é
o terceiro êrro que surge em nosso cam inho.
H á m u ita coisa de excelente n a ênfase da ação
e da prática, pois a vida se confunde com a
ação. Mas sua finalidade está nu m objeto,
num fim determ inado, sem o qual perde a di­
reção e a vitalidade. A vida existe com um
fim que a dignifica. A m editação e o aperfei­
çoam ento contínuo, pelos quais aspira a flo­
rescer, escapam à esfera da m entalidade prag­
m ática.
E ’ um triste êrro definir o pensam ento h u ­
m ano como órgão de resposta aos estím ulos e
situações am bientes. Isto é, defini-lo em têr-
Os F ins da E ducação 31

mos de conhecim ento anim al e reação. O ato


de “pensar” seria assim próprio dos anim ais
sem razão. Ao contrário, é porque tôda idéia
hum ana, p ara ter um sentido, deve, de certo
modo (seja, em bora, pelos símbolos de um a
interpretação m atem ática dos fenôm enos), ex­
plicar o que são as coisas ou no que consistem ;
é porque o pensam ento hum ano é um in stru ­
m ento, ou m elhor, um a energia vital de conhe­
cim ento ou de intuição espiritual (não falo
de “conhecim ento ao redor”, m as de “conhe­
cim ento através”) é porque o ato de pensar
começa não só com dificuldades, m as com in ­
tu iç õ e s, p ara acabar com intuições confirm a­
das pela verificação experim ental e por arg u ­
m entos racionais (e não pela sanção pragm á­
tica) — que o pensam ento hum ano ilu stra a
experiência, realiza os desejos hum anos que se
orientam p ara um bem ilim itado e dom ina e
controla e rem odela o m undo. A ação hum ana,
enquanto hum ana, está baseada n a verdade
que se alcançou ou que se pretende alcançar
por am or à verdade. Sem o que não h á efi­
ciência hum ana. Aí está, a m eu ver, a princi­
pal crítica a ser feita à teoria pragm ática e
in stru m en tista do conhecim ento. Tal teoria,
passando da Filosofia à educação, dificilm en­
te produzirá, nos jovens, algum a coisa m ais
que um cepticism o erudito, equipado, no en-
32 R umos da E ducação
tanto, das m elhores técnicas de exercício m en­
tal, dos m elhores m étodos científicos. Usados
contra a inclinação n atu ral da inteligência,
podem cansá-la ou torná-la descrente da ver­
dade de qualquer unidade interior e dinâ­
mica. 2
Além disso, à força de repetir que, para
ensinar M atem ática a João, é m ais im portan­
te conhecer a êste últim o do que saber M ate­
m ática — o que não deixa de ser verdade, em
parte, — o professor chegará a conhecer o alu­
no tão perfeitam ente, que êsse aluno nunca
h á de saber M atem ática.
A Pedagogia progrediu m uito ao insistir
na necessidade de fixar a atenção no sujeito
hum ano e de analisá-lo cuidadosam ente. O
êrro começa quando o o b je to a se r ed u ca d o e
a p r im a z ia d o o b je to são esquecidos. Q uan­
do o culto dos meios — sem um a finalidade
que os justifique — resulta apenas no culto
psicológico do sujeito.
As P o te n c ia lid a d e s S o cia is d a P essoa
Falei da aspiração da pessoa hu m an a à
liberdade e, antes de tudo, à liberdade inte-

2. Os “quatro cultos” — ceptlcismo, presentismo,


cientificismo, anti-intelectualismo — registrados pelo Dr.
Hutchins (Education for Freeãom, 1943, págs. 35-36) são
os resultados do exagêro da pragmática na educação.
Os F ins da E ducação 33

rior e espiritual. A segunda form a essencial


dessa aspiração é a liberdade exterior que se
relaciona com a vida social, situando-se n a
sua própria base. A sociedade é “n a tu ra l” ao
hom em , não apenas em têrm o de natureza
anim al ou instintiva, m as de natureza hu m a­
na, isto é, de razão e liberdade. Se o hom em
é n atu ralm en te anim al político, é que a so­
ciedade, prem ida pela natureza, constituiu-se
por consentim ento livre e que a pessoa h u ­
m an a exigiu, nas relações da vida social, a
franqueza e a generosidade, próprias da in­
teligência e do am or, do mesmo modo que
cogitou das necessidades do indivíduo hu m a­
no, pobre e desam parado ao nascer. Assim,
a vida social tende a em ancipar o hom em do
cativeiro m aterial da natureza. Subordina o
indivíduo ao bem com um quando êsse bem
com um se estende aos outros indivíduos e
os faz gozar da independência ou liberdade
de expansão, assegurada pelas garantias eco­
nôm icas de trabalho e propriedade, direitos po­
líticos, virtudes cívicas e cultura intelectual.
For conseguinte, a educação deve ter em
m ira o grupo social e o papel que o hom em
nêle desem penha. F orm ar o hom em p ara um a
vida de cooperação útil e norm al n a com unida­
de, ou orientar o desenvolvimento da pessoa
h u m an a n a esfera social, despertando e forti-
34 R um os da E ducação
ficando seus sentim entos de liberdade, obri­
gação e responsabilidade, constitui objetivo es­
sencial. Não o objetivo prim ário, m as o secun­
dário. O fim últim o da educação está n a vida
pessoal e no progresso espiritual do hom em e
não em suas relações com o meio social. T ra­
tando-se da finalidade secundária de que es­
tou falando, não devemos esquecer que a pró­
pria liberdade de espírito depende da vida so­
cial. E a sociedade hum ana é um agrupam en­
to de liberdades, que se subm eteram à obedi­
ência, ao sacrifício, a um a lei com um , p ara
d ar a todos um a real plenitude hum ana.
O hom em e o grupo se confundem e, por
vêzes, um sobrepuja o outro. O hom em encon­
tra-se a si mesmo, subordinando-se ao grupo.
O grupo atinge sua finalidade, servindo ao
hom em e com preendendo que éle tem segre­
dos que lhe escapam e um a vocação que lhe
é estran h a.
4 ° £ rro : S o cio lo g ism o
Êste quarto êrro se prende ao terceiro e
vê a origem das regras e preceitos educacio­
nais n a condição social. A essência da educa­
ção não consiste em ad ap tar determ inado in­
divíduo às condições e interações da vida so­
cial. Mas em fo rm a r o h o m e m , isto é, um ci­
dadão eficaz. Não é apenas falta de senso opor
Os F ins da E ducação 35

a educação à pessoa e ao bem geral. Mas o úl­


tim o supõe a prim eira como requisito essen­
cial, e, em com pensação, a prim eira é im pos­
sível sem o últim o. Não se form a um hom em a
não ser através dos vínculos sociais que criam
a com preensão e as virtudes cívicas.
A velha pedagogia deve ser censurada por
seu individualism o abstrato e livresco. A edu­
cação m oderna, pelo contrário, pode-se orgu­
lh ar de suas transform ações: tornou-se m ais
prática, m ais próxim a da vida concreta, de
m ais im portância social. O que lhe falta é
com preender que, num bom cidadão e num
hom em civilizado, o im portante é, antes de tu ­
do, a origem, a fonte viva da consciência pes­
soal, onde se form am o idealism o e a genero­
sidade, o sentim ento da lei e a dedicação, o
respeito pelos outros e, ao mesmo tem po, um a
independência rebelde no que diz respeito à
opinião. Que, sem a percepção ab strata e a
ilustração intelectual, as experiências m ais de­
cisivas deixam de ter valor p ara o hom em . De
que servem belas côres n a escuridão? Que o
único jeito de se evitar o livresco é fugir aos
compêndios, mesmo aos compêndios experi­
m entais, como a um a praga. Mas ler sem pre,
ler àvidam ente os livros. E que, em geral, a
vida concreta é inútil se se dissipa a atenção
do hom em ou da criança nas ninharias da p rá-
36 R umos da E ducação
tica, nas receitas psicotécnicas e na infinida­
de de atividades utilitárias. E nquanto isso, a
vida genuinam ente concreta da alm a e do in­
telecto é desprezada. O utilitarism o em bota
o sentido da realidade concreta, que só se m a­
nifesta por atividades necessárias à vida h u ­
m ana, quando não estão a serviço de nenhum a
utilidade prática. Essas atividades contêm em
si a liberdade, o aproveitam ento e a alegria.
Infortunado o jovem que não conheceu os p ra­
zeres do espírito e não se alegrou no saber e
n a beleza. Não teve entusiasm os ideológicos,
nem sentiu a intensidade do prim eiro am or,
do encantam ento e da felicidade, n a poesia e
no conhecim ento. O tédio e o cansaço dos ne­
gócios hum anos vêm cedo, n a verdade. E são
os adultos que os devem suportar.
P ara m elhor discutir o assunto, vou fazer
as seguintes observações: o conceito da educa­
ção como um a experiência sem pre renovada
(partindo de propósitos atuais do aluno e de­
senvolvendo-se, de um modo ou de outro, con­
form e a solução que êle dê a tais propósitos ou
aos novos que surgem de am plas experiências
em direções im previstas) — tal conceito prag­
m ático tem razão de ser quando h á necessida­
de de ad ap tar os m étodos educacionais aos in-
terêsses n atu rais do aluno. Mas quais os p a­
drões por que se possam julgar os propósitos
Os F ins da E ducação 37

que vão em ergindo da m ente do aluno? Se o


próprio professor não tem um objetivo geral,
nem valores finais a que êsse processo se re­
fira. Se a própria educação é crescer. Crescer
p ara “qualquer lado que a nova em ergência do
futuro torne m ais praticável”.8 Se a teoria
pragm ática exige que o educador renove cons­
tantem ente seus objetivos e experiências (e
não, apenas, as experiências do aluno). Se
tudo é assim, o professor m inistraria receitas
educacionais, m as estaria longe da verdadeira
arte da educação. Um a educação sem finali­
dade própria, um a educação que visa ao cres­
cim ento, sem outra razão que o justifique, “a
não ser m ais crescim ento”34 — não é m ais arte
do que a arquitetura, que não tivesse idéia al­
gum a da construção a ser feita, e que atendes­
se apenas ao crescim ento dessa construção,
pela adição p u ra e sim ples de m ateriais. Na
própria natureza, o crescim ento do indivíduo
não é m ais do que um processo morfológico
ou a aquisição progressiva de um a form a defi­
nida. A teoria pragm ática só pode subordinar
e escravizar a educação às tendências que se
desenvolvem n a vida coletiva e n a sociedade.
As finalidades novas que surgem por tal “re­
novação dos fins” só podem ser determ inadas
3. Brubacher, op. cit., pág. 329.
4. Ibid.
38 R um os da E ducação
pela precariedade do meio am biente a ser con­
trolado. E pelos valores que predom inam em
dado m om ento, graças às condições sociais, a
determ inadas tendências, ao Estado.
Na concepção que acabo de exam inar, um
elem ento de verdade deve ser preservado. O
objetivo final da educação — a plenitude do
hom em como pessoa hu m an a — é infinitam en­
te m ais elevado e vasto do que o objetivo final
da arq u itetu ra ou o da m edicina. T rata de
nosso espírito e de nossa liberdade, cujas po­
tencialidades infinitas com pletam o hom em
m ediante a renovação criadora. Como conse-
qüência, a espontaneidade vital do educando
desem penha um papel tão im portante n a con­
secução do objetivo final, quanto sua experi­
ência. E a necessidade de um a adaptação cons­
ta n te e renovadora de métodos, meios e valores
é m uito m aior n a arte educacional, do que em
qualquer o u tra arte baseada em algum em ­
preendim ento m aterial.
5.° Ê rro: I n te le c tu a lis m o
Com relação às capacidades da alm a h u ­
m ana, vou indicar, tão sucintam ente quanto
possível, dois erros que se opõem um ao ou­
tro e que tiveram origem num mesmo exagê-
ro: o intelectualism o, quinto êrro de nossa
lista, e o voluntarism o.
Os F ins da E ducação 39

O intelectualism o se apresenta sob dois


aspectos principais. Um dêles coloca a finali­
dade da educação nas controvérsias dialéticas
e habilidades de retórica. E’ o caso da pedago­
gia clássica. Especialm ente n a era burguesa,
quando a educação era privilégio das classes
abastadas. O outro, m oderno, considera os va­
lores universais e insiste nas funções operan­
tes e experim entais da inteligência. Vê a fi­
nalidade da educação n a especialização cien­
tífica e técnica. Em bora exigida pela organi­
zação técnica da vida atual, a especialização
deve ser com pensada por um a cu ltu ra geral
intensa. Principalm ente n a juventude. Se nos
lem brarm os de que o anim al é um especialista
perfeito (pois tôda sua capacidade de apren­
der se fixa num único trabalho a ser realiza­
do), concluirem os que o program a educacio­
nal que apenas form asse especialistas teria co­
mo resultado a anim alização progressiva da
m ente e da alm a hum ana. Assim como a vi­
da das abelhas consiste em produzir mel, a
vida real do hom em passaria a consistir na
produção de valores econômicos e descobertas
científicas perfeitam ente catalogáveis. Um
prazer qualquer ou divertim ento social ocupa­
riam as horas de descanso. Um vago senti­
m ento religioso, sem realidade e lógica, to r­
n aria a existência um pouco menos insípida.
40 R umos da E ducação
Talvez mesmo m ais profunda e anim ada, co­
mo um sonho feliz. O culto exclusivista da es­
pecialização desum aniza a vida do homem.
Felizm ente, nenhum sistem a educacional
foi assentado nessa base apenas. E ntretanto,
por tôda a parte existe tendência p ara tal
concepção da educação, acrescida, m ais ou me­
nos conscientem ente, de um a filosofia m ate­
rialista da vida. Isto representa grande perigo
p ara as dem ocracias. O ideal dem ocrático,
m ais do que qualquer outro, não se m antém
sem a fé e sem o desenvolvim ento das ener­
gias espirituais. E um a classificação das ativi­
dades e da inteligência h u m an a em com parti­
m entos estanques to rn aria impossível o “go-
vêrno do povo, pelo povo e p ara o povo”. Como
havia o hom em com um de com preender as ne­
cessidades do povo, se êle só se julga capaz
no setor especializado de sua com petência vo­
cacional? A atividade política e o entendim en­
to político seriam a tarefa exclusiva de espe­
cialistas n a m atéria. Um a espécie de tecno­
cracia do Estado. Sem perspectivas felizes,
nem para o povo, nem p ara a liberdade. Q uan­
to à educação — com pletada por um a im pe­
rativa orientação vocacional — havia de se
to rn ar o processo regular de diferenciação das
abelhas, n a colm eia hum ana. O regim e dem o­
crático exige a educação liberal p ara todos. E
Os Fnsrs da E ducação 41

o desenvolvim ento hum anístico da sociedade


tôda. Mesmo nas realizações industriais, o que
h á de inato no hom em — fortificado por um a
educação que libera e alarga a m ente — é de
ta n ta im portância quanto a especialização
técnica. Além dos recursos da inteligência h u ­
m ana, faz surgir, entre patrões e operários,
um poder de adaptação às novas circunstân­
cias. E o domínio delas.
6P Ê r r o : V o lu n ta rism o
O voluntarism o tem tam bém duas form as
principais. O posta à prim eira form a de inte­
lectualism o, a tendência voluntarista que, des­
de o tem po de Schopenhauer, contribuiu p ara
transform ar a ordem in tern a da n atu reza h u ­
m ana. Subm eteu a inteligência à vontade, re­
correndo a forças irracionais. A educação de­
via concentrar-se ou n a vontade (disciplinada
de acordo com algum exem plar nacional) ou
na livre expansão da n atureza e das potencia­
lidades naturais. O valor das m elhores e m ais
perfeitas form as de voluntarism o no cam po
educacional56 revela a grande im portância das
funções volitivas, desprezadas pela pedagogia
intelectualista, e a prim azia da m oral, da vir­
tude e da generosidade n a educação do ho-
5. Estou pensando no trabalho de F. W. Foerster,
de grande influência em muitos centros pedagógicos da
Europa.
42 R umos da E ducação
mem. E ’ m ais im portante ser um hom em bom
do que um hom em erudito. Como Rabelais o
afirm ou, a ciência sem consciência é a ru ín a
da alm a.
Tal era o ideal. Mas, atualm ente, os re­
sultados pedagógicos do voluntarism o foram
estranham ente decepcionantes. Pelo menos, do
ponto-de-vista do bem. Do ponto-de-vista do
m al foram um sucesso, n a realidade, da educa­
ção nazista. Abolindo, nas escolas e organiza­
ções juvenis, qualquer senso de verdade da in ­
teligência hum ana. Pervertendo a função m es­
m a da linguagem . E arruinando m oralm ente
a mocidade, ao fazer do intelecto um órgão
do equipam ento técnico do Estado.
A tendência voluntarista da educação
com bina m uito bem com o treinam ento técni­
co. Encontram os tal com binação não apenas
na corrupção to talitária da educação, m as em
outros setores tam bém . E aí, com um bom pro­
pósito. Nos países dem ocráticos, essa form a es­
pecial de voluntarism o educacional é como que
um esforço p ara com pensar as inconveniên­
cias da segunda form a de intelectualism o — o
treinam ento técnico excessivam ente especiali­
zado — pela educação da vontade e do senti­
m ento, pela form ação do caráter, etc. Infeliz-
m ente, tal esforço produz, em regra, o mesmo
Os F ins da E ducação 43

resultado decepcionante de que falei acim a. “


Fàcilm ente se avilta e deform a o caráter. E ’,
porém , difícil formá-lo. Não basta m artelar
pregos pedagógicos no sapato, p ara torná-lo
m ais confortável p ara o pé. Os m étodos que
transform am a escola num hospital, com o fi­
to de reparar e vitalizar as vontades — suge­
rindo um com portam ento altru ísta ou infun­
dindo o sentim ento de solidariedade hum ana
— podem ser psicologicam ente adequados e
adm itidos. Mas são, n a m aioria das vêzes,
desanim adoram ente ineficientes.
Acreditam os que a inteligência, em si, seja
m ais nobre do que a vontade. Pois sua ativi­
dade é m ais im aterial e universal. Mas acredi­
tam os, tam bém , que, quanto às coisas e objetos
em que essa atividade se exercita, é m elhor 6

6. O voluntarlsmo nfio consegue formar nem robus­


tecer a vontade. Mas pode deformar e enfraquecer o in­
telecto, por exagerar a importância da vontade no pen­
samento mesmo. A fé torna-se uma questão de vontade.
Já se disse, neste sentido, que, "assim como, no domínio
da politica, a predominância da vontade identifica a
autoridade com a fôrça, tal predominância, no domínio
do pensamento, reduz tôdas as coisas a opiniões arbi­
trárias ou convenções acadêmicas. Não há verdades pri­
meiras, mas postulados e exigências da vontade para que
alguma coisa seja tida como certa. Sendo assim, todo
conhecimento repousa num ato de fé, embora o único
princípio de tal fé sejam as predileções particulares de
cada um” (Mortimer J. Adler, “Liberalism and Liberal
Education”, The Educational RecorcL, julho, 1939, pági­
nas 435-436.)
44 R umos da E ducação
querer o bem e am á-lo do que sim plesm ente
conhecê-lo. Ainda m ais, que é a vontade e não
a inteligência, por m ais perfeita que seja, que
to rn a o hom em bom e direito. A educação, no
seu sentido m ais lato, deve com preender se­
m elhante encadear de funções. E aperfeiçoar
tan to a inteligência quanto a vontade. Sendo
que a form ação da vontade é m ais im portante
p ara o hom em do que a form ação da inteli­
gência. O sistem a educacional das escolas e
universidades, que prepara a inteligência h u ­
m an a pelo conhecim ento, parece esquecer-se
de sua principal função: orientar a vontade
do hom em . O que é um a infelicidade.
3. OS PARADOXOS DA EDUCAÇÃO

7.° Ê rro: P o d e-se A p re n d e r T u d o


D efrontam os alguns aspectos paradoxais
da educação. O principal dêles pode ser for­
m ulado assim : o im portante, n a educação,
não é a tarefa de educar e, menos ainda, a de
ensinar. E ’ um êrro m uito freqüente no m un­
do m oderno — o sétim o de nossa lista — acre­
d itar que se pode aprender tudo. P ara os so­
fistas gregos, até a virtude podia ser adquiri­
da m ediante o aprendizado e a discussão. Nem
tudo se aprende. Senão, a juventude devia es­
perar dos colégios, além de cursos de cozinha,
de enferm agem , de economia dom éstica, de
propaganda, de cosmetologia, 7 de como fazer
dinheiro e um bom casam ento, — por quê não?
— cursos cientificam ente baseados, que ensi­
nem a adquirir gênio criador n a arte ou na
7. “Ataquei o vocacionalismo e a Universidade da
Califórnia anunciou um curso de cosmetologia, dizendo:
"A profissão de embelezador é a que progride mais depres­
sa neste estado”. (Robert M. Hutchins, Eãucation for
Freeâom (Louisiana), State University Press, 1943, pág.
19.)
46 R um os da E ducação
ciência. A consolar os que choram . A ser um
hom em generoso.
O ensinam ento da Moral, no que concer­
ne à sua base intelectual, devia ocupar um im­
portante lugar n a educação escolar e colegial.
E ntretanto, a apreciação correta de casos p rá­
ticos, a que os antigos denom inavam p r u d e n tia
— poder interior e vital de discernim ento que
se desenvolve na m ente e se orienta por um a
vontade bem dirigida — não pode ser m inis­
trad a por aprendizado algum . Nem a experi­
ência — resultado incom unicável do sofri­
m ento e da m em ória, por meio do qual a edu­
cação do hom em se com pleta — pode ser en­
sinada em colégio ou curso. H á cursos de Fi­
losofia, m as não de sabedoria. A sabedoria só
se adquire através da experiência espiritual.
Q uanto à sabedoria prática, a experiência dos
velhos é, segundo Aristóteles, tão indem ons-
trável e ilustradora quanto os princípios do
entendim ento. Na educação, não h á n ad a de
m ais im portante do que a intuição e o amor.
Nem todo o am or é racional, nem tôda a intui­
ção bem dirigida ou concebida. Mas, se, em
qualquer canto secreto, existirem intuição e
am or, aí estão, tam bém , a vida e sua razão de
ser. E um pedaço de céu num a prom essa. Nem
a intuição nem o am or podem ser objeto de
ensino e aprendizado. São dádiva e liberdade.
Os F ins da E ducação 47

A despeito de tudo, a educação devia, em


prim eiro lugar, referir-se a ambos. 8 Hei de
voltar a êste assunto no m eu próxim o capítulo,
ao tra ta r da intuição. O am or, que é a essência
da vida m oral, encerra em si todo o problem a
da Moral. Só posso abordá-lo casualm ente.
As E sfera s E d u c a cio n a l e E x tra -e d u c a c io n a l
O outro paradoxo tra ta do que pode ser
cham ado de esferas educacional e extra-edu­
cacional. Por esfera educacional, com preen­
do essas entidades coletivas encarregadas do
ensino propriam ente dito. Especialm ente a fa­
m ília, a escola, o Estado e a Igreja. O surpre­
endente é que a fam ília — esfera educacional
fundam ental e prim eira, baseada n a natureza
— realiza sua função educadora, fazendo,
m uitas vêzes, da criança, a vítim a de trau m a­
tism o psicológicos, do m au exemplo, da ig­
norância ou preconceitos dos adultos. E a es-
8. A educação devia ensinar-nos como amar e o que
que amar. Os grandes feitos da História foram realizados
pelos grandes amorosos, santos, homens de ciência e
artistas. E o problema da civilização é dar a todo o
homem a oportunidade de se tornar um santo, um ho­
mem de ciência ou um artista. Mas êste problema não
pode ser apresentado e, menos ainda, solucionado. A
não ser que os homens queiram ser santos, homens de
ciência ou artistas. E compreender o que significa isto.
(Sir Arthur Clutton-Broock, The Ultimate Belief (New
York, 1916), pág. 123. Citado por John U. Nef, The
United States and Civilization (Chicago, 1942), pág. 265.)
48 R umos da E ducação
cola — cuja função principal é a educação —
faz do jovem a vítim a de um program a exage­
rado ou de um a especialização dispersiva e
caótica. E xtinguindo a cham a de dons n a tu ­
rais, estanca a sêde de um a n atu ral inteligên­
cia, em nom e de um pseudoconhecim ento. A
solução não está, certam ente, em abolir a fa­
m ília ou a escola. Mas, no em penho em torná-
las m ais aten tas e m ais dignas de sua auto­
ridade. Em reconhecer a necessidade de um
auxílio m ú tuo e da influência recíproca de
am bas. Desde o comêço, isto é, desde a in­
fância, a condição do hom em é estar sujeito,
e, ao m esm o tem po, defender-se dos protetores
a quem a n atureza confiou sua vida. E crescer
assim, no conflito e através dêle, se a energia,
o am or e a boa vontade fazem vibrar seu co­
ração .
E ntretanto, o que é talvez m aior p ara­
doxo, a esfera extra-educacional — isto é, todo
o cam po da atividade hum ana, o trabalho diá­
rio e o sofrim ento, as desilusões do am or e da
amizade, os costum es sociais, a lei (que é um
“pedagogo”, segundo São Paulo), a sabedoria
popular a se refletir no com portam ento de
todos, a irradiação inspiradora da arte e da
poesia, a influência profunda da liturgia e das
festas religiosas — , tôda a esfera extra-educa­
cional exerce, no hom em , um a ação m ais im-
Os F ins da E ducaçao 49

portante p ara a educação do que a própria


educação. Finalm ente, o fator m ais im por­
tan te é um fator transcendental. Essa vocação
do herói, de que H enri Bergson tão insistente­
m ente falou. E que atravessa tôda a estru tu ra
dos hábitos sociais e regras de m oral, como
um a aspiração vitalizadora p ara o infinito
Amor, que é a origem do ser. Os santos e os
m ártires são os verdadeiros educadores da h u ­
m anidade.
O S is te m a E d u c a cio n a l n a F o rm a çã o da
V o n ta d e e n a D ig n id a d e d o I n te le c to

Podemos voltar, agora, à interdependên­


cia da inteligência e da vontade, de que falei
acim a. Devemos abordar algum as caracterís­
ticas da educação escolar e colegial, que não
se tom am sem pre em consideração. A educa­
ção escolar e colegial é apenas um setor da
educação. E ’ o comêço e a p re p a ra ç ã o com pleta
da educação do homem. Não h á ilusão m ais
prejudicial do que procurar encerrar, inteira­
m ente, no microcosmo da educação escolar, o
processo de form ação do ser hum ano. Como
se o sistem a de escolas e universidades fôsse
um a grande fábrica, em que as crianças en­
trassem , pela p orta dos fundos, como m aterial
grosseiro, p ara sair, jovens, pela p o rta da fren-
50 R umos da E ducação
te, no esplendor de seus 20 anos, como ho­
m ens bem m anufaturados. A nossa educação
deve continuar até à m orte. Mesmo nesse
cam po preparatório, a própria educação esco­
lar tem função parcial, relativa ao conheci­
m ento e à inteligência.
O dom ínio do ensino é o da verdade —
seja ela especulativa ou prática. E’ a única
influência dom inante n a escola ou n a univer­
sidade, ju n tam en te com as realidades inteligí­
veis que obtêm , por sua própria virtude, e não
em virtude da autoridade h u m an a do “ma-
gister dixit”, o consentim ento de um a “inte­
ligência aberta,” a se pronunciar de um a m a­
neira ou outra, “conform e o valor da eviden­
cia”. Não h á dúvida de que a “inteligência
ab erta” da criança é ainda inerm e e incapaz
de julgar. A criança deve acreditar em seu pro­
fessor. Mas, desde o início, o professor deve
respeitar, n a criança, a dignidade da inteli­
gência. Deve recorrer a seu poder de com pre­
ensão e levar em conta o esforço de um a inte­
ligência h u m an a que procura pensar por si
mesma. Quem ainda não sabe deve acreditar
num m estre, com o fito de saber. E talvez re­
jeite, nesse m om ento mesmo, as opiniões do
m estre em quem acreditou provisoriam ente.
T inha em vista a verdade a lhe ser tran sm i­
tida.
Os F ins da E ducação 51

Assim, é principalm ente através d a ins-


trum entalidade da inteligência e da verdade,
que a escola pode influir no desejo, n a von­
tade e no am or dos jovens, ajudando-os a con­
trolar seu dinam ism o inato. A educação m oral
desem penha papel im portante n a escola e
no colégio. E êsse papel deve ser cada vez m ais
estim ado. Mas é, essencialm ente e sobretudo,
m ediante a aprendizagem e o ensino, que a
educação escolar realiza sua função moral.
Não por exercitar e dar retidão à vontade, —
nem , sim plesm ente, por ilu strar e dar retidão
à razão especulativa, m as por ilu strar e dar
retidão à razão prática. O esquecim ento das
diferenças entre v o n ta d e e ra zã o p r á tic a ex­
plica o fracasso da pedagogia escolar, ao pre­
tender “educar a vontade” .
Agora, quanto à vontade m esm a e à as­
sim cham ada “educação da vontade” ou for­
m ação do caráter (podemos dizer, m ais exa­
tam ente, à aquisição de virtudes m orais e de
liberdade espiritual), a tarefa específica da
educação escolar resume-se, essencialm ente,
no seguinte: Prim eiro, o professor deve es­
tu d ar a psicologia infantil e compreendê-la.
Menos p ara form ar a vontade e os sentim en­
tos da criança do que para não os deform ar
ou ferir com erros pedagógicos, aos quais, in­
felizm ente, os adultos parecem inclinados
52 R umos da E ducação
(aqui, tòda a m oderna pesquisa pedagógica
pode ajudar m uito). Segundo, a escola e a
vida escolar têm que se haver, de m aneira es­
pecialm ente im portante, com o que eu suge­
riria que se cham asse de treinam ento “pré-
m oral”. A ssunto que se refere não à M oral
propriam ente dita, m as ao preparo e prim eiro
cultivo de seu solo. 9 A principal tarefa, na
esfera educacional da escola, assim como na
do Estado, não é form ar a vontade, nem de­
senvolver diretam ente as virtudes m orais dos
jovens, m as ilu strar e fortificar essa vonta­
de. E ’, portanto, um a influência indireta, m e­
diante um equipam ento perfeito de conheci­
m entos e o perfeito desenvolvim ento da ca­
pacidade de pensar.
O paradoxo de que falei chega, afinal, a
um a solução: o que é m ais im portante p ara a
educação do hom em — isto é, a retidão da
vontade e a consecução da liberdade espiri­
tual, assim como o perfeito entendim ento com
a sociedade — constitui o principal objetivo
da educação, no seu sentido m ais lato. T ra­
tando-se da ação d ir e ta sôbre a vontade e a
form ação do caráter, tal objetivo depende de
outras esferas educacionais, além da escolar
9. O sistema de escolas urbanas, conhecido neste país
e tentado aqui e ali na Europa, revelou-se particular­
mente proveitoso para tal treinamento pré-moral.
Os F ins da E ducação 53
e colegial, — p ara não falar no papel que a
esfera extra-educacional pode desem penhar.
Pelo contrário, tratando-se da ação in d ir e ta , a
educação escolar e colegial p rep ara um a base
necessária p a ra o principal objetivo em ques­
tão. Concentrando-se no conhecim ento e na
inteligência — e não no ensino direto da Mo­
ral — e atendendo, antes de tudo, ao desenvol­
vim ento e à retidão da razão p rática e espe­
culativa. A educação escolar e colegial tem ,
n a verdade, um m undo próprio, que consiste
n a dignidade e nas realizações do conheci­
m ento e da inteligência, isto é, da faculdade
essencial ao ser hum ano. Pois a finalidade
dêste m undo mesmo está naquele conheci­
m ento que é tam bém sabedoria.

*
II
A DINÂMICA DA EDUCAÇÃO
;
!
No presente capítulo, ao estudar os agen­
tes e a dinâm ica da educação, vou abordar o
seguinte: 'prim eiro, os fatores dinâm icos ou
agentes de trabalho n a educação (a vitalida­
de interior da inteligência do aluno e a ativi­
dade do professor); se g u n d o , as disposições bá­
sicas a serem cultivadas no aluno; terceiro , as
norm as fundam entais de educação p ara o pro­
fessor.
1. OS FATÔRES DINÂMICOS
A I n te lig ê n c ia d o A lu n o e a A rte d o P ro fesso r
Ao pretender discutir os fatores dinâm icos
em educação, lem brem o-nos da concepção pla­
tônica : a aprendizagem depende do aluno, não
do professor. Q ualquer leitor do F éd o n sabe
que, para Platão, o conhecim ento sem pre exis­
tiu n a alm a hum ana. E que esta, antes de h a ­
b itar o corpo, contem plou as Idéias eternas.
Depois disso não pôde m ais considerar livre­
m ente as verdades que já conhecia. Dêste mo­
do, o estudante não adquire conhecim entos
graças ao professor, que não exerce um a in ­
fluência causal. E ’, no m áximo, um agente
58 R um os da E ducação
ocasional. D esperta a atenção do aluno p ara
as coisas que êle já conhece, de modo que
aprender se to rn a sinônim o de recordar.
Há grandes verdades nessas concepções
exageradas de Platão. Elas nos dão idéia da
nobreza e da delicadeza de seu modo socrático
de ensinar, que tan to eleva o aluno, pois o
tra ta como a um anjo, um anjo que ainda não
despertou. Essas concepções foram adotadas
por m uitos educadores m odernos, em bora das
m ais variadas correntes filosóficas. Na reali­
dade, porém, as coisas não se passam assim.
Platão ao tra ta r, em suas L eis, do aspecto po­
lítico da educação, exagerou, de modo surpre­
endente, seu lado autoritário. O professor
possui um conhecim ento que o aluno ainda
não tem. É sua função transm iti-lo ao estu­
dante, cuja alm a n ã o contem plou as Idéias
divinas, antes de se u n ir ao corpo. E cujo in­
telecto, antes de ser fecundado pela percep­
ção e pela experiência dos sentidos, é u m a ta ­
b u la ra sa , no dizer de Aristóteles.
E ntretanto, qual a espécie de causalidade
ou ação dinâm ica exercida pelo professor? E n­
sinar é um a arte. E o professor, um artista.
Será êle, então, como um escultor, um Miguel
Ângelo poderoso que cinzela o m árm ore ou que
modela, despoticam ente, n a argila passiva, a
form a que concebeu? Tal concepção não foi
A D inâmica da E ducação 59

ra ra n a educação de ontem . Mas é grosseira e


desastrosa. E contrária à n atu reza das coisas.
Se aquêle a quem se ensina não é um anjo, não
é, tam bém , barro inanim ado.
E ’ m ais com a arte da m edicina que a
arte da educação deve ser com parada. A m edi­
cina tra ta de um ser vivo que tem vitalidade
interior e o princípio intrínseco da saúde. A
ação do médico é um fato, n a cura do doente,
se êle im itar o modo de ser da natureza em
seus processos, ajudando-a por meio de dietas
apropriadas e remédios que a n atureza usa, de
acordo com seu próprio dinam ism o, visando ao
equilíbrio biológico. Por outras palavras, a
m edicina é a a rs c o o p e ra tiv a n a tu r a e , um a a r­
te de assistência, um a arte subserviente à n a ­
tureza. E, assim, é a educação. São m uitas
as conseqüências que podemos tira r daí.
O conhecim ento não existiu sempre, na
alm a hum ana, como Platão acreditou. Mas
o princípio vital e ativo do conhecim ento exis­
te em cada um de nós. Sendo a inteligência
capaz de ver, perceber, desde o comêço, a tra ­
vés da experiência dos sentidos, as noções pri­
m eiras de que depende todo o conhecim ento.
Passa, assim, do que já sabe p ara o que ainda
não sabe. Exemplo disso, é um Pascal desco­
brir, sem m estre e em virtude de sua própria
genialidade, as prim eiras 32 proposições do
60 R umos da E ducação
prim eiro livro de Euclides. O professor deve
respeitar, antes de tudo, êsse princípio in te­
rior e vital. Sua arte consiste em im itar a n a ­
tureza intelectual em seus processos, dando à
inteligência exemplos de experiência ou ver­
dades estabelecidas que o aluno pode julgar e
com as quais pode ir em busca de m ais largos
horizontes. O professor deve, além disso, aju ­
dar o aluno, m ostrando-lhe a relação lógica
existente entre as idéias, que a capacidade
analítica ou dedutiva dêsse aluno não está em
condições de estabelecer por si m esm a.
Tudo isso se reduz a que a atividade n a­
tu ral da inteligência do aluno e a orientação
intelectual do professor são fatores dinâm icos
em educação. Mas seu principal agente, seu
fator dinâm ico ou fôrça propulsora, é o prin­
cípio vital interior daquele que vai ser elu-
cado. O educador ou professor é secundário,
no caso. F ator dinâm ico ou agente subsidiário,
em bora indispensável.
A E d u c a çã o -pela P a lm a tó ria
e a E d u c a çã o P ro g re ssista

Podemos, m estres e professores, desculpar


nossos fracassos, atribuindo-os a defeitos do
principal agente — o princípio interior do es­
tu d an te — e não a deficiências nossas. E fre-
A D inâmica da E ducação 61

qüentem ente tal desculpa é aceitável. E ntre­


tanto, as considerações que acabo de fazer, p a­
rafraseando Tom ás de Aquino, são de grande
im portância para a filosofia da educação. Es­
clarecem o conflito existente entre a velha for­
m a de educação pela palm atória e a educação
progressista, que procura a liberdade e a vi­
talidade n atu ral e íntim a da criança.
A educação pela palm atória é m á, positi­
vam ente. Se, por am or ao paradoxo, tivesse
que dizer algum a coisa em seu favor, diria que
ela produziu personalidades m arcantes, já que
é difícil m atar, em sêres vivos, o princípio in­
terno de espontaneidade. Princípio que, em
geral, se desenvolve m ais poderosam ente quan­
do reage e se revolta contra a opressão, o mêdo
e o castigo, do que quando tudo é, p ara êle, fá­
cil, am eno e psicotècnicam ente indulgente. E ’
estranho, porém , que um a educação que pro­
cura m anter in ta ta a soberania da criança e
que sobrepuja qualquer obstáculo, não torne
indiferentes os estudantes ou dóceis de m ais
ou m uito passivam ente influenciáveis pelo que
o professor está dizendo. Mas, de qualquer mo­
do, a vara de m arm elo e a palm atória são m e­
didas educacionais contraproducentes. E um a
educação que considere o m estre como p rin ­
cipal agente desvia-se da verdadeira natureza
da tarefa educacional.
62 R umos da E ducação
O m érito das concepções m odernas em
educação, de Pestalozzi, Rousseau e K ant, foi
a redescoberta de um a verdade fundam ental:
o principal agente e fator dinâm ico não é a
arte do professor, m as o princípio interno de
vitalidade, o dinam ism o interior da natureza
e da m ente. Se houvesse tem po, poderíam os in­
sistir n a oportunidade de valorizar, desenvol­
ver e expandir a pesquisa de novos m étodos e
inspirações, introduzidos pela educação pro­
gressista e pelo que é cham ado n a Europa de
“escola ativa’’. Com um a condição: que a edu­
cação progressista abandone seus preconcei­
tos racionalistas obsoletos e a filosofia utópica
da vida e não se esqueça de que o professor,
tam bém , é um a causa real e um agente — em­
bora só coopere com a natureza. E ’ alguém que
realm ente dá de seu próprio dinam ism o. Sua
autoridade m oral e orientação positiva são in­
dispensáveis. Se êsse aspecto com plem entar
fôr esquecido, será inútil todo esforço que se
origine no m ero culto da liberdade da criança.
A liberdade da criança não é a espontanei­
dade da n atureza anim al, m anifestando-se
através dos cam inhos determ inados do in stin ­
to (pelo menos, sem pre consideram os o ins­
tin to anim al sob êste aspecto, n a verdade m ui­
to sim plista, pois êle tem , prim eiro, um perío­
do de fixação progressiva). A liberdade da
A D inâmica da E ducaçao 63

criança é a espontaneidade, livrem ente in d e ­


te rm in a d a ; tem seu princípio de determ inação
final na razão, que não se desenvolveu ainda.
A liberdade plástica e m aleável da crian­
ça pode ser prejudicada e desviada, se não ti­
ver orientação e ajuda. U m a educação que con­
sistisse em fazer a criança se inform ar daquilo
que ela não sabe que ignora, um a educação
que contem plasse, apenas, o progresso dos ins­
tintos infantis, tornando o professor um
agente secundário e inútil — seria o fracasso
da educação e da responsabilidade dos adul­
tos p ara com os jovens. O direito do educan­
do exige que o educador tenha autoridade
m oral sôbre êle. E sta autoridade n ada m ais
é do que a subm issão do adulto à liberdade
do jovem.
A V e rd a d e ira e a F a lsa L ib e rta ç ã o
d a P erso n a lid a d e
E ’ possível entender m elhor o assunto, se
nos lem brarm os da distinção entre “persona­
lidade” e “individualidade”, estabelecida no
prim eiro capítulo. Defrontam os, aqui, o pro­
blem a crucial da educação do hom em , no
sentido m ais lato da palavra. E ’ bom insistir
em que a distinção de que falei é um a distinção
m etafísica, que deve ser cuidadosam ente com­
preendida. Considera dois aspectos diferentes
64 R umos da E ducação
de um mesmo todo, dêsse m esm o ser hum ano
a que a linguagem vulgar cham a, igualm ente,
indivíduo e pessoa. O hom em , em sua
integridade, é indivíduo e é pessoa. É pessoa,
em razão da existência de sua alm a. É indiví­
duo, em razão daquele princípio de diversida­
de não-específica que é a m atéria e que torna
os com ponentes de um a espécie diferentes um
do outro. A m inha personalidade e a m inha
individualidade, assim definidas, são aspectos
de todo o m eu ser substancial, aos quais cor­
respondem dois diferentes pólos de atração,
p ara m eu desenvolvim ento íntim o e m oral.
Posso desenvolver-me paralelam ente às linhas
da personalidade, visando ao govêrno e à in ­
dependência de m eu “eu” espiritual. Ou, en­
tão, posso seguir as linhas da individualida­
de. Procurando a libertação das tendências
que estão em mim, graças à m atéria e à here­
ditariedade .
Sendo assim, certos educadores confun­
dem personalidade com individualidade. To­
m am , sim plesm ente, o desenvolvim ento da in­
dividualidade pelo desenvolvim ento da perso­
nalidade. Personalidade significa interiorida­
de. Êsse domínio interior do “eu” cresce na
proporção em que a vida da razão e a liber­
dade dom inam a vida do instinto e o desejo
sensual. Supõe o sacrifício n a lu ta pela auto-
A D inâmica da E ducação 65

perfeição e pelo am or. Mas a individualidade,


no sentido estritam ente aristotélico da pala­
vra, significa o “ego” m aterial, que se m ani­
festa através de suas tendências irracionais.
Assim, enquanto parece o centro de tudo, o
“ego”, n a realidade, resvala entre desejos in­
confessáveis e paixões opressoras, p ara afinal
se subm eter ao determ inism o da m atéria.
Insisti em que o ponto de apoio da educa­
ção deve estar no desenvolvim ento e n a liber­
tação da pessoa-indivíduo. O que agora critico
é a form a errônea de apreciar a esta últim a.
E nquanto se confundir individualidade com
personalidade, a educação e o próprio progres­
so do hom em se reduzem à m era libertação
do “ego” m aterial. E educadores que negam o
valor de qualquer disciplina e ascetismo, as­
sim como a necessidade de lu tar pela autoper-
feição, acreditam estar dando a liberdade de
expansão e a autonom ia a que a personalidade
hu m an a aspira. Como conseqüência, em vez
de com pletar-se, o hom em se dispersa e desin­
tegra.
O utros educadores, pelo contrário, in ter­
pretam erradam ente a distinção entre perso­
nalidade e individualidade, como um a separa­
ção. Acreditam que temos, em nós, dois sêres
distintos: o indivíduo e a pessoa. Tais adeptos
da palm atória exclam am : “M orte ao indiví­
66 R um os da E ducação
duo! Viva a pessoa!” Infelizm ente, quando se
m ata o indivíduo, tam bém se m ata a pessoa.
E sta concepção d e sp ó tic a da educação e do
progresso do hom em não é m elhor do que a
concepção a n á rq u ica . O ideal da concepção
despótica é extrair nosso coração, com anes­
tesia, se fôr possível, p ara substituí-lo, em se­
guida, por algum órgão perfeito, padronizado,
de acordo com as regras do que se deve ser. A
prim eira operação talvez dê resultado. A se­
gunda é m ais difícil. Em vez de um a persona­
lidade genuinam ente hum ana, selada com a
face m isteriosa de seu Criador, aparece um a
m áscara, a do hom em convencional, ou a da
consciência “form ada em série”.
Se é verdade que o princípio interno, isto
é, a natureza — e a graça, tam bém , pois o ho­
m em não é som ente um ser n a tu ra l — é o
que im porta m ais em educação, segue-se que
tôda a arte consiste em inspirar, disciplinar e
burilar, ensinar e ilustrar, de modo a fazer
dim inuir, n a intim idade das ações hum anas,
o pêso das tendências egoístas e a aum entar
o das aspirações próprias da personalidade e
sua generosidade espiritual.
Deve-se acrescentar que o têrm o “auto-
perfeição”, que em preguei h á pouco, deve ser
convenientem ente compreendido. A perfeição
do hom em consiste n a perfeição do am or. E’
A D inâmica da E ducação 67

m enos a perfeição de seu “eu” do que a perfei­


ção de seu am or, onde o próprio “eu” se perde
de vista. Progredir, nessa autoperfeição, não é
copiar um ideal. E ’ deixar-se guiar por Al­
guém , mesmo contra a vontade. E ’ tornar-se
um a pessoa, m oldada pelo Divino Amor, que
cham a a cada um por seu nome. E ’ ser um
original verdadeiro. Não um a cópia.
2. AS DISPOSIÇÕES FUNDAMENTAIS
A SEREM CULTIVADAS

Tivemos noção do ser que se form a num a


pessoa verdadeiram ente hum ana, aperfeiçoado
pelo conhecim ento e pelo am or e capaz de de­
dicação. Vimos que, p ara atingir a razão e a
liberdade, êste ser deve ter conhecim entos e
disciplina. O que exige um professor. Volto-
me, agora, p ara o segundo tópico geral: as
disposições básicas da alm a hum ana.
Se a n atu reza e o espírito da criança são
os principais agentes em educação — as dis­
posições fundam entais a serem cultivadas nes­
se principal agente são o alicerce da tarefa
educacional. Baseiam-se n a natureza, m as, já
que se podem desviar, precisam ser cuidadosa­
m ente cultivados. Sem pretender que seja com­
pleta a enum eração que vou fazer, direi que
as disposições fundam entais são as cinco se­
guintes:
A D inâmica da E ducação 69

E m R ela çã o à V erd a d e e à J u stiç a


Prim eiro, o am or à verdade, tendência pri­
m eira de qualquer natureza intelectual (Que
a criança m ente é um fato, em bora, n a m aior
p arte das vêzes, as m entiras da criança sejam
como que um a m itologia espontânea da im a­
ginação. Além disso, não estou pensando,
agora, no desejo de falar a verdade, m as no
de conhecê-la.)
Segundo, o am or do bem, o da justiça e,
mesmo, o am or de feitos heróicos. São n a tu ­
rais aos filhos do homem.
E m R ela çã o à E x istê n c ia
Terceiro, aquela disposição, que pode ser
cham ada de sim plicidade e franqueza com res­
peito à existência. Uma disposição natural,
em bora cerceada, m uitas vêzes, pelo egoísmo,
pelo orgulho ou pelas experiências infelizes. E
é tão elem entar, que não podemos fàcilm ente
exprim i-la em têrm os de Psicologia, pois nada
é m ais básico do que aquilo a que ela se re­
fere: a existência. E sta disposição é a atitude
de um ser que e x iste , alegrem ente. Que não
tem vergonha de existir, que se m antém ereto
na existência e aceita, sim plesm ente, suas li­
m itações naturais. As árvores e os anim ais são
assim, em bora fisicam ente, apenas. O hom em
70 R um os da E ducação
deve ir m ais longe e ser levado à esfera da vida
psíquica. Podemos interpretar, neste sentido, o
dizer de Em erson: “Sê, prim eiro, um bom ani­
m al”. 1
Tal disposição está ainda longe das vir­
tudes hum anas de m agnanim idade e hum ilda­
de, m as constitui seu terreno natural. E ’ tão
profundam ente e elem entarm ente vital, que as
feridas que causa em m uitas crianças, n a vida
fam iliar ou social — complexos de inferiorida­
de com suas diversas “com pensações” m órbi­
das — são particularm ente graves e difíceis de
1. Um filho do homem pode ser, "primeiro”, um bom
animal”, se revela a generosidade básica, a inteligência
espontânea e a gentileza própria da humanidade. Assim,
a simplicidade e a franqueza, de que falei, são os opostos
da auto-admiração egoísta e importuna, que repele a
vergonha e a angústia, substituindo-as pela dureza e
pela insensibilidade. Não aceita a existência. Monopo­
liza-a egoísta e avaramente. Essa auto-admiração trans­
forma-se, fàcilmente, em injustiça autoprotetora. E cons­
trói suas verdades subjetivas, ajustando-as mais ao “ego”
do que à "verdadeira” verdade. Na idade da reflexão, a
simplicidade com respeito à existência torna-se, normal­
mente, a base de um despertar intelectual para o problema
da existência. Mas a auto-admiração endurecida incapa­
cita a mente para qualquer ansiedade metafísica. De­
genera naquela impenetrabilidade metálica, que caracte­
riza tantos homens e mulheres de nossos dias. Se as
últimas disposições fôssem tomadas pelas primeiras, o
resultado seria tal, que chegaríamos a achar interêsse num
coitado qualquer, num neurótico, numa criança anormal,
forçados a indagar por que viviam, aumentando, assim,
sua inquietude espiritual, para se conciliarem com os pro­
blemas e sofrimentos da Filosofia e da religião, da poe­
sia, da arte ou do amor.
A D inâmica da E ducação 71

curar. “O mêdo e a tim idez” fazem parte, sem


dúvida, das grandes experiências da alm a h u ­
m ana, quando, já m adura, penetra nos m iste­
riosos cam inhos do espírito. Mas são m aus co­
meços p ara a educação. A hum anidade, n a au ­
rora da História, foi infeliz, por ter sido obri­
gada a se educar sob sua sombra.
E m R ela çã o ao T ra b a lh o
A q u arta disposição fundam ental refere-
se ao sentim ento de um trabalho bem feito.
Pois, além da atitude com relação à existência,
nada é m ais básico, n a vida psíquica do ho­
mem, do que a atitude com relação ao trab a­
lho. Não quero dizer, com isso, o hábito de
trab alh ar m uito. Acho que a preguiça, assim
como o orgulho, nos é natural. E a preguiça,
n a criança, não é sem pre preguiça, m as, m ui­
tas vêzes, a absorção da m ente nas funções do
crescim ento vegetativo ou n a fadiga psicofí-
sica. Estou falando de algum a coisa m ais pro­
funda e m ais hum ana. O respeito pelo trab a­
lho a ser feito, um sentim ento de fidelidade e
responsabilidade p ara com êle. Um hom em
preguiçoso, poeta, se quiserem, pode m ostrar
um afinco apaixonado em satisfazer as exi­
gências interiores de seu trabalho, quando che­
ga a trabalhar. Estou convencido de que,
quando essa disposição fundam ental (prim eiro
72 . R um os da E ducação
passo n atu ral em direção à autodisciplina),
quando essa probidade no trabalho se corrom ­
pe, perde-se um a base essencial de m oral h u ­
m ana.
E m R ela çã o aos O u tro s
A quinta disposição fundam ental é o sen­
tido de cooperação que, ao mesmo tem po, nos
é n atu ral e contrário. Como a tendência p ara
a vida social e política.
3. AS NORMAS FUNDAMENTAIS
DA EDUCAÇÃO

l . a R eg ra

Chego, agora, à terceira p arte: as regras


fundam entais da educação p ara o professor
ou agente m inisterial. C ertam ente, a regra pri­
m ária é cultivar as disposições fundam entais
que dão, ao principal agente, a possibilidade
de se desenvolver n a vida da inteligência. E ’
claro que a tarefa do professor é, antes de tudo,
um a tarefa de libertação. L ibertar as energias
boas é a m elhor m aneira de reprim ir as más.
A repressão é necessária, tam bém , m as apenas
como meio secundário, pois se refere, p arti­
cularm ente, ao que h á de treinam ento anim al
n a educação hum ana, de que falei no m eu pri­
meiro capítulo. Por isso, só é útil, se se pro­
cessar juntam ente com o esclarecim ento e o
estím ulo. O estím ulo é tão fundam entalm ente
necessário, quanto é prejudicial a hum ilha­
ção. Proibir, sim plesm ente, um a ação m á, dá
74 R um os da E ducação
m enos resultado do que m ostrar o bem que
essa m á ação pode corrom per. A verdadeira
arte é advertir a criança de suas capacidades
e potencialidades em fazer o bem.
2.a R eg ra
A segunda norm a fundam ental é concen­
tra r a atenção no íntim o da personalidade e
em seu dinam ism o espiritual pré-consciente.
Por outras palavras, é insistir no caráter inte­
rior e intrínseco da influência educacional.
Temos bõãs razões p ara acreditar que a
fraqueza de nossos m étodos educacionais vem
da influência racionalista, que se desenvolveu
por dois séculos, e da psicologia cartesiana,
cujas idéias claras e distintas se tornaram ca­
da vez m ais pobres e irreais, ao se associarem
com a m entalidade predom inantem ente em pí­
rica da filosofia m oderna. Prejudicando, as­
sim, tan to a educação tradicional, quanto a
progressista. A im pressão, n a superfície da
m ente, de fórm ulas fixas de conhecim ento
(elaboradas p ara a vida social e intelectuali­
zada dos adultos e aproveitadas m ais rudim en­
tarm ente e com m enos valor p ara uso das cri­
anças), — e a im pressão, n a superfície da
vontade, de disciplina com pulsória ou de in ­
centivos estranhos (motivados ou por interes­
se próprio ou por com petição), tornam apático
A D inâmica da E ducação 75

o inundo interior da criança. Ou assustado e


rebelde.
Um escritor inglês, G erald Heard, * que
foi o m estre espiritual de Aldous Huxley, afir­
ma que, depois do estado “eotécnico” da edu­
cação clássica e do atu al estado “paleotécnico”
da educação progressista, virá um estado “neo-
técnico”, relacionado com os poderes subcons­
cientes e atividades da criança. Isso pode acon­
tecer e constituir, mesmo, um real progresso.
Mas êsse novo estado deve ultrapassar a filo­
sofia geral de G erald H eard e o seu desprêzo
pelo intelecto e sua crença supersticiosa na
técnica.
É im portante n o tar que as palavras “sub­
consciente” e “inconsciente” exprim em dois
cam pos inteiram ente diversos, em bora relacio­
nados entre si. Um dêles é o cam po explorado
com tan to ardor pela escola de Freud. Campo
dos instintos, das im agens latentes, dos im ­
pulsos afetivos e tendências sensuais. Pode
ser cham ado de inconsciente do irracional no
homem. O outro, esquecido pelos psicanalis­
tas, é o cam po da vida m esm a dos podêres es­
pirituais. Do intelecto e da vontade, do abis­
mo insondável da liberdade pessoal e do dese­
jo de saber e com preender, de assim ilar e ex-2
2. Gerald Heard, A Quaker Mutation, Pendle Hill
Pamphlet n.* 7, 1940.
76 R umos da E ducação
prim ir. Poderia cham á-lo de pré-consciente do
espírito no homem. A razão não consiste, ape­
nas, em instrum entos e m anifestações lógicas
e conscientes. Nem em determ inações consci­
entes e deliberadas. M uito além da superfí­
cie aparente de conceitos e julgam entos ex­
plícitos, de palavras e resoluções expressas, de
m ovim entos da vontade, está a fonte do conhe­
cim ento e da poesia do am or e dos desejos ver­
dadeiram ente hum anos, ocultos n a escuridão
espiritual da vitalidade íntim a da alm a. Antes
de ser expresso em conceitos e julgam entos, o
conhecim ento intelectual é, prim eiro, um co-
mêço de intuição, ainda inform ulado. Proce­
de da atividade esclarecedora do intelecto, no
m undo das im agens e emoções. M ovimento in­
certo e hum ilde, sem valor ainda, em direção
a um objetivo inteligível. E ntre parênteses, é
por causa dêsse dinam ism o espiritual pré-cons­
ciente da personalidade h u m ana que é tão im ­
portante m an ter um contato pessoal com os
alunos. Não só por ser esta um a técnica que
estim ula e torna m ais atraen te o estudo, m as
porque dá à m isteriosa identidade da alm a da
criança — desconhecida por ela m esm a e que
a técnica não pode desvendar — o conforto de
um interêsse pessoal hum ano, inexprim ível
em conceitos ou palavras.
A D inâmica da E ducaçao 77

T anto o subconsciente irracional quanto


o pré-consciente do espírito subentendem um
profundo dinam ism o interior, além de esta­
rem em m ú tu a correlação vital. Podem in ter­
ferir e influenciar-se de vários modos. São
no entanto, inteiram ente diferentes em sua
natureza. Q uando o hom em , ao procurar seu
universo íntim o, tom a o cam inho errado, pe­
n etra no m undo interior do inconsciente irra­
cional, em bora acredite penetrar no m undo in­
terior do espírito. Divaga, assim, nu m a falsa
interioridade, onde o isolam ento e o autom a­
tism o arrem edam a liberdade. Tal foi o caso,
diga-se de passagem , de alguns pseudom ísticos
ou ilum inados, e, m ais recentem ente, dos poe­
tas surrealistas. Verdadeiros poetas alguns,
m as prejudicados pela escola. Somos cham a­
dos, por nossas aspirações genuinam ente h u ­
m anas, a libertar o inconsciente espiritual do
irracional. E purificando-o, assim, encontra­
remos a origem da vida, a liberdade e a paz,
nessa pré-consciência do espírito.
A L ib e rta ç ã o d o P o d er I n tu itiv o
A educação tem que se haver, sem dúvida,
com o dinam ism o irracional subconsciente da
psique infantil. Mas, especialm ente no caso
da educação escolar e colegial, é com o pré-
consciente ou subconsciente do espírito que
ela se relaciona.
78 R um os da E ducação
Não posso adm itir a idéia de um trein a­
m ento do subconsciente — do subconsciente
do irracional — m ediante não sei que iogismo
ou técnica de sugestão. Se a idade “neotécni-
ca” da educação proceder assim, abandonando
a alm a da criança a professores transform a­
dos em buriladores do subconsciente — que
m au prognóstico p ara a liberdade e p ara a
razão! Mas, se considerarm os o outro subcons­
ciente, o pré-consciente do espírito, vemos que
se podem introduzir im portantes e úteis m o­
dificações em nossos m étodos educacionais.
Aqui, não é um a questão de técnica, nem de
treinam ento do subconsciente. Mas um a ques­
tão de libertar as fontes vitais pré-conscientes
da atividade do espírito. Usando a linguagem
bergsoniana, diria que, n a educação da inte­
ligência, a im portância devia passar do que é
c o m p re ssã o (necessária, apesar de estar em se­
gundo plano), p ara o que desperta e liberta
as a sp ira çõ es de nossa natureza espiritual. As­
sim, a im aginação criadora e a vida m esm a
da inteligência não se sacrificam a um a m e­
m orização que satura. Nem a regras conven­
cionais de habilidade no emprêgo de conceitos
ou palavras. Nem ao cultivo honesto e cons­
ciencioso, m as m ecânico e infrutífero, dos do­
m ínios ultra-especializados do conhecim ento.
A D inâmica da E ducação 79

No que se refere ao desenvolvim ento da


inteligência hum ana, o principal não são as
m aiores facilidades, nem o m aior núm ero de
m étodos e de inform ações, nem a m aior eru­
dição. Mas o despertar das energias íntim as e
da capacidade criadora. O culto de meios téc­
nicos que aperfeiçoam a m ente e produzem
ciência deve respeitar o espírito e o intelecto
progressista do hom em . A educação exige
sim patia e intuição por p arte do professor, nas
questões e dificuldades em que a m ente do jo­
vem se em baraça, pois não está ap ta a lhes
d ar expressão. E as lições de lógica e de ra­
ciocínio devem conduzir à ação a razão ine-
xercitada do jovem. Não h á habilidade que
possa fazer isso. Nem técnica. Mas a atenção
pessoal no desenvolvim ento interior da n a tu ­
reza racional e o confronto daquela razão inex­
periente com um sistem a de conhecim ento ra­
cional.
O que im porta m ais, n a vida da razão, é
a percepção intelectual ou intuição. Que não
se treina, nem se ensina. E ntretanto, se o
professor tem em vista o centro de trabalho,
no interior pré-consciente da inteligência, po­
de basear a aquisição de conhecim entos e a
sólida form ação da m ente n a libertação do
poder intuitivo da criança e do jovem. Como?
Seguindo os cam inhos do interesse espontâneo
80 R umos da E ducação
e da curiosidade n atu ral. Baseando o exercí­
cio da m em ória n a inteligência. E anim ando
o jovem, ouvindo-o, e levando-o a acreditar e
a d ar expressão aos seus espontâneos im pul­
sos poéticos ou intelectuais, que julga frágeis
e extravagantes porque não os vê assegurados
por nenhum a sanção social. Q ualquer gesto
brusco do professor, qualquer repreensão ou
conselho fora de hora, podem destruir êsses tí­
midos ensaios, abafando-os nas reservas do in­
consciente.
G ostaria de indicar, com o fito de estim u­
lar a intuição intelectual perceptiva e livre­
m ente criadora, o cam inho através do qual ela
se revela naturalm ente. E ’ o da percepção, da
experiência sensível e da im aginação, que de­
ve ser respeitado e seguido, tan to quanto pos­
sível, pelo professor. Antes de tudo, a liber­
tação de que estam os falando depende da li­
vre correspondência da m ente com a realidade
objetiva que se procura. Não prejudiquem os
nunca, nem reprovemos a sêde de com preen­
der da inteligência jovem!
A libertação do poder intuitivo se com­
pleta, n a alm a, através do objeto apreendido,
da com preensão inteligível p ara a qual êsse
poder n aturalm ente tende. O germ e da per­
cepção se revela num a nuvem intelectual pré-
consciente. Origina-se da experiência, da im a-
A D inâmica da E ducação 81
ginação e de um a espécie de sentim ento espi­
ritual. Mas é, desde o princípio, tendência
p ara um objeto a ser alcançado. À m edida em
que esta tendência se torna livre e que o in­
telecto se acostum a a procurar, ver e expri­
m ir os objetos p ara que tende, o poder in tu iti­
vo se liberta e fortifica cada vez mais. Antes
de ensinar a um jovem as regras do bom estilo,
devemos ensinar-lhe a só escrever o que lhe
pareça realm ente belo, sem se preocupar com
as conseqüências. Ao prim eiro contato com a
M atem ática, a Física, a Filosofia, façam os com
que o estudante com preenda a m ais simples
dem onstração m atem ática, por m ais vagaroso
que isso seja. Que perceba, no laboratório, co­
mo as fórm ulas do físico emergem, logicam en­
te, da experiência. Que penetre, através da an ­
siedade de sua m ente, nos prim eiros grandes
problem as filosóficos. P ara depois, tra ta r, re­
alm ente, da solução. Ao dar-lhe um livro para
ler, façam os com que êle participe de um a ver­
dadeira aventura espiritual e se encontre e
lute no m undo interior de um dado homem.
Em vez de abraçar um a coleção de pensam en­
tos em farrapos e de opiniões m ortas, conside­
radas de fora, e indiferentem ente. Como o
detestável costum e de tan tas vítim as do que
se cham a “estar bem inform ado”.

6
82 R um os da E ducação
Com tais métodos, o currículo talvez per­
ca um pouco em quantidade. T anto m elhor. *
Finalm ente, a própria m aneira de ensi­
n a r é, aqui, de grande im portância. Se um
professor prefere discernir e perceber a coligir
fatos e opiniões; e se m aneja seus conheci­
m entos, de modo a ver, através dêles, a reali­
dade das coisas, poderá despertar, n a m ente do
estudante, o poder de intuição que se fortifi­
cará inesperadam ente, graças à própria in tu i­
ção do professor.
3.a R eg ra

Chego, agora, à terceira regra fundam en­


tal, que procurarei exprim ir assim : a educa­
ção e o ensino devem unificar e não dividir,
esforçando-se por cultivar, no hom em , a u n i­
dade interior.
Isso significa que, desde o princípio e, ta n ­
to quanto possível, pela juventude em fora, as
m ãos e a m ente trabalhem juntas. Êste ponto
foi particularm ente esclarecido pela pedago- 3
3. Com tais métodos podemos abandonar aquele
procedimento comum nos exames, que consiste em forçar
o estudante a dizer se são falsas ou verdadeiras certo nú­
mero de frases feitas, astutamente preparadas pelos pro­
fessores, e que parecem calculadas expressamente para
matar qualquer esfôrço pessoal de pensamento e ex­
pressão.
A D inâmica da E ducação 83

gia m oderna ao tra ta r da infância. Tam bém


se aplica à juventude. A im portância do tra ­
balho m anual, acom panhando a educação da
m ente no período ginasial e colegial, é cada
vez m aior. Pois a inteligência não está só n a
cabeça, m as nos dedos tam bém . O trabalho
m anual não favorece apenas o equilíbrio psi­
cológico, m as a capacidade inventiva e agu­
deza da m ente. E é a prim eira base p ara a a ti­
vidade artística. A juventude pode cooperar
em várias espécies de trabalho necessárias ao
bem geral, como a colheita, por exemplo. E
o estado do m undo d u ran te e depois da guerra
atu al talvez exija im perativam ente tal tarefa.
Mas, em regra, e do ponto-de-vista educacio­
nal, é o trabalho do artífice e tam bém a des­
treza m ecânica e construtiva indispensáveis
p ara o progresso de nossa idade, que podem
constituir o treinam ento m anual de que estou
falando. E sta ênfase do trabalho m anual, n a
educação, parece corresponder a um a carac­
terística geral do m undo de am anhã. Onde a
dignidade do trabalho será provàvelm ente
reconhecida e a separação entre o h o m o fa b e r
e o h o m o sa p ien s, abandonada.
A segunda conclusão da regra que esta­
mos discutindo é que a educação e o ensino de­
vem com eçar com a experiência p ara comple­
tar-se com a razão. Isto é óbvio e não precisa
84. R umos da E ducação
ser dem onstrado, exceto, talvez, se afirm ar­
mos que se deve dar im portância especial à
segunda parte do princípio, num a época em
que a filosofia em pírica tira freqüentem ente o
capital da experiência. E em que são despre­
zadas as m ais elevadas funções da razão e as
percepções do pensam ento abstrato. Sem dúvi­
da, a experiência dos sentidos é a origem de
todo nosso conhecim ento. E a educação deve
seguir o curso da natureza. Os m étodos mo­
dernos atenderam perfeitam ente a isso, na
educação das crianças. O im portante, entre­
tanto, é tirar, da experiência, as correlações
racionais e necessárias que a constituem e que
só são visíveis m ediante a abstração e os con­
ceitos universais e à luz dos prim eiros p rin­
cípios intuitivos da razão. Assim, o conheci­
m ento e a sabedoria se originam da experiên­
cia. Nem os em piristas que desprezam a razão
abstrata, a lógica e as percepções e conceitos
da inteligência, nem os racionalistas que ig­
noram a experiência, são m entalidades inte­
grais. A educação deve realçar tan to a expe­
riência quanto a razão. Deve fazer com que
a razão se baseie nos fatos e a experiência se
realize no conhecim ento racional e se apóie em
princípios, procurando as ra iso n s d ’ê tr e * as
* Em francês, no original.

\
A D inâmica da E ducação 85

causas e os fins. E visando à realidade em têr-


mos de como e por quê.
A U n id a d e E sp irih ta l e a S a b ed o ria
O que a presente regra significa é que a
educação e o ensino não devem perder de vis­
ta a unidade orgânica da tarefa a se realizar.
Nem as necessidades essenciais da m ente e sua
aspiração em se libertar na unidade. O hom em
que não dom ina a m ultiplicidade ín tim a de
suas forças e, especialm ente, das diversas cor­
rentes de pensam ento e crença e as energias
vitais de sua m ente, será sem pre um escravo.
N unca um hom em livre. Essa difícil tarefa de
unificação do nosso m undo interior não se faz
sem lágrim as, suor e sangue. A escola deve
ajudar-nos nesse esforço, sem o prejudicar e
inutilizar. A dispersão e a atom ização da vida
hum ana constituem o grande perigo de nossos
dias, no m undo dos adultos. Em vez de facili­
tar, cada vez m ais, essa dispersão devastadora,
o sistem a escolar devia preparar-nos p ara ven-
cê-la. Tornando m ais afortunado o m undo in­
terior da juventude, de acordo com as exigên­
cias espirituais e a u n id ad e.4
4. No ensaio, The Universities Look for Unity (Pan-
theon Books, New York, 1943), que desenvolve o capítulo
dedicado à “Educação”, de seu famoso livro The United
State and Civilization, o professor Nef dá especial realce
á unidade e propõe reformas práticas de grande alcance.
86 R umos da E ducação
Sem dúvida, a m ultiplicidade dos campos
de conhecim ento, devida ao progresso da ciên­
cia m oderna, to rn a o trabalho de unificação
m ais difícil do que nunca. Mas um a grande
sinfonia pode e deve ter unidade interna. E
a m úsica de câm ara tam bém . O que se quer
aqui não é n ada m ais do que inspiração e vi­
são.
Com o fito de estabelecer um m anejo de
ensino, orgânico e arquitetônico, o prim eiro
requisito é um a boa filosofia do conhecim ento
e de seus diversos graus. E a fôrça-motivo ins­
pirador a é a capacidade de abarcar todo o
dinam ism o prático do ensino. Como orientar
ta l capacidade, a não ser p ara o objetivo de
seu dinam ism o? E qual o verdadeiro objetivo,
senão a sabedoria? Aquêle conhecim ento que
cham am os de sabedoria, que penetra em tudo
e tudo abrange, com a m ais profunda, univer­
sal e unida das percepções. Conhecim ento que
vive, não apenas pela suprem acia da ciência
m as, tam bém , pela experiência h u m ana espi­
ritual. Tem que se haver com as realidades que
influem em cada um dos sêres e em todos êles
e com as aspirações da n atureza e da liberda­

Por falta de espaço, só posso aludir a essas sugestões


Inspiradoras. É de se esperar que sejam examinadas e
discutidas entre os mestres que se interessam pelos pro­
blemas atuais.
A D inâmica da E ducação 87

de do homem. E ’, em si mesmo, o m ais alto


valor da m ente hum ana. A educação e o en­
sino só podem atingir sua unidade interior, se
um objetivo suprem o de conhecim ento orga­
nizar e estim ular as diferentes partes de seu
m undo. De modo a to rn ar a juventude capaz
de participar dos frutos intelectuais e m orais
da sabedoria.
O propósito da educação elem entar e su­
perior não é fazer do jovem um hom em verda­
deiram ente sábio. Mas equipar sua m ente de
conhecim entos ordenados, que o capacitem a
atin g ir a sabedoria n a idade adulta. Sua fi­
nalidade específica é dar-lhes as bases de um a
real sabedoria, com a com preensão universal
e articulada das realizações hum anas, n a ci­
ência e na civilização, antes que êle participe
das tarefas definidas e lim itadas da vida adul­
ta, n a com unidade civil, e enquanto se prepara
para essas tarefas, m ediante um treinam ento
científico, técnico ou vocacional.
Tal com preensão universal e articulada
das realizações hum anas n a ciência e n a civi­
lização, tal “m úsica” da inteligência, como a
denom inou Platão, tom a form as diferentes nos
vários setores da educação. Em cada um a das
grandes divisões educacionais, que correspon­
dem aos principais períodos da vida dos jo­
88 R umos da E ducação
vens — da infância aos anos de estudo univer­
sitário e à form atura, — tem os que encarar
um m undo m ental de universalidade com pre­
ensiva, que só tem sem elhança proporcional
com os m undos m entais de outros setores. A
universalidade que convém aos pequenos lei­
tores de contos de fadas e de A lice n o P a ís d a s
M a ra v ilh a s , é de natureza diferente da que se
adapta aos estudantes que lêem K an t ou Spi-
noza. Cada período educacional tem um a uni­
versalidade compreensiva, que se aproxim a,
aos poucos, da m aturidade. Devia ser guiado
por um a visão apropriada do m undo m ental
de universalidade com preensiva ou “sinfôni­
ca”. E esta visão devia com unicar-se aos edu­
candos p ara que êles com preendam o interês-
se vital de seu trabalho e p ara que adquiram
inspiração e energia. O que se conhece, neste
país, como “cursos de orientação”, represen­
ta um a ten tativ a e um ensaio estim ulante
neste sentido. Ainda que sejam como que um a
com pensação ou um paliativo, m ais do que o
sintom a de um a m odificação geral no esque­
m a educacional.
4.a R eg ra

Eis, afinal, a q u arta regra fundam ental.


Que o ensino liberte a inteligência, em lugar
A D inâmica da E ducação 89

de oprimi-la. Por outras palavras, que chegue


à libertação da m ente, pelo dom ínio da razão
sôbre as coisas aprendidas.
O pai de Pascal, que era tam bém seu pre-
ceptor, costum ava insistir num a m áxim a, m ui­
to significativa, a m eu ver. E ’ G ilberte Pascal,
a irm ã, quem o diz: “Sua m áxim a principal,
n a educação do filho, era que a criança se de­
via m anter, sempre, a c im a d e seu tr a b a lh o ”
( a u -d essu s d e so n o u v ra g e ), ou dominá-lo.
“Por esta razão”, continua ela, “não quis en­
sinar-lhe latim , antes dos 12 anos, de modo
que, depois, pudesse aprendê-lo m ais facilm en­
te. O que era um a novidade n a educação fran ­
cesa daquele tem po. Evitou, tam bém , enquan­
to possível, que aprendesse M atem ática — es­
condendo qualquer livro que com tal m atéria
se relacionasse e não discutindo com os amigos
êsses assuntos, em sua presença. Pois sabia que
a M atem ática é um a ciência que com pleta e
satisfaz a m ente”, e fàcilm ente a dom ina. Sus-
peitavam -no de platonism o. A desforra da Ma­
tem ática havia de ser grande.
O utras m áxim as podem ser lem bradas. A
regra de Tomás de Aquino em seus estudos:
“nunca deixar sem solução um a dificuldade”.
Aconselhava aos estudantes que “tivessem
sem pre a certeza de com preender o que liam
90 R um os da E ducação
ou ouviam, evitando de perorar sôbre qualquer
outro assunto”. Advertia, tam bém , os profes­
sores — e êste aviso já era necessário naquele
tem po — de que “nunca cavassem, diante dos
alunos, um fôsso que não pudessem preen­
cher”. Achava que provocar controvérsias inú­
teis, preferir procurar a achar, propor proble­
m as sem chegar a resolvê-los — são os g ran­
des inim igos da educação.
Resum indo: o que se aprende, não deve
ser aceito passiva ou m ecanicam ente, como
pêso m orto a sobrecarregar a inteligência. Ao
contrário, deve ser ativam ente transform ado,
pela com preensão, n a própria vida m ental, for­
tificando-a, assim. Como a m adeira que, ao
queim ar, se transform a em cham as, avivando
o fogo. E nquanto que a m adeira úm ida, em
quantidade, o apaga. A razão que aceita ser­
vilm ente o conhecim ento não conhece, n a ver­
dade. Êsse conhecim ento só a deprim e, pois é
dos outros e não seu. Pelo contrário, a que as­
sim ila vitalm ente o conhecim ento, isto é, de
modo liberal e independente, essa razão co­
nhece. Sublim a-se em sua própria atividade,
através de um conhecim ento que, daqui por
diante, é seu. Só então dom ina verdadeiram en­
te as coisas aprendidas.
A D inâmica da E ducação 91

C o n h e c im e n to e T rein o
Defrontam os, aqui, a noção de treinam en­
to m ental — no tem po de John Locke 5 já re­
alçada pelos adversários das artes liberais — e
a oposição, tão freqüentem ente estabelecida,
entre valor do conhecim ento e valor do treino.
Será que a libertação da m ente significa que
o m ais im portante não é a posse do conheci­
m ento, m as o desenvolvim ento da energia, da
habilidade e da destreza dos podêres m entais
do hom em , sem que se leve em conta o que se
aprende? E sta perg u n ta é de grande significa­
ção. A resposta errada que se deu a ela con­
tribuiu m uito p ara prejudicar a educação con­
tem porânea.
Observou-se que, de acordo com a psico­
logia m oderna, é m uito duvidoso que o exercí­
cio de um a faculdade, através de determ inada
m atéria, aperfeiçoe tal faculdade em relação
a qualquer outra m atéria a que se aplique.
H erbert Spencer afirm ava, h á m uito tem po,
que, se transm itirm os a nossos alunos o conhe­
cim ento “de m aior valia”, é incrível que não
se produza tam bém a m elhor disciplina m en­
tal. 6
5. Cf. Cardeal John Henry Newman, On the Scope
and Nature ot University Education, Discurso VI, págs.
151-153. Everyman’s Library.
6. Cl. Sir T. Percy Nunn, “Education”, Encyclopae­
dia Britannica.
92 R umos da E ducação
De um ponto-de-vista com pletam ente di­
ferente do de Spencer, acho que é lapidar a
sua frase. O conhecim ento “de m aior valia” —
não quero dizer o de m aior valor prático, m as
o que faz a m ente com preender o que é m ais
rico em verdade e inteligibilidade — tal conhe­
cim ento produz, por si mesmo, o m elhor trei­
nam ento m ental. E ’ ao procurar um objeto
e ao conseguir alcançá-lo, vitalizado pela ver­
dade, que a m ente hu m an a adquire sua ener­
gia e sua liberdade. Não é com a ginástica de
suas faculdades, e sim com a verdade, que ela
se liberta, quando a verdade é realm ente co­
nhecida, isto é, vitalm ente assim ilada pela ati­
vidade insaciável que se oculta em seu íntim o.
A oposição entre valor do conhecim ento e va­
lor do treino vem da ignorância do que seja
o conhecim ento. Da suposição de que o conhe­
cim ento é como com prim ir objetos em m a­
la. E não a ação vital, por meio da qual as
coisas se espiritualizam , p ara se tornarem um
todo único com o espírito. A tendência n a tu ­
ral e vital da m ente se deturpa, se, no conhe­
cim ento de “m aior valia”, principalm ente nas
artes liberais, se der m ais im portância ao
treinam ento m ental e à investigação m era­
m ente dialética de como foram feitas as g ran ­
des obras ou como se exprim iram os grandes
A D inâmica da E ducação 93

pensam entos. Ou se êsse treinam ento não le­


var em conta a beleza que dá prazer 7 ou a
verdade a ser apreendida e estabelecida. Tudo
isso conduz ao diletantism o. E um diletante
tem , certam ente, um a inteligência fraca. E
não um a inteligência bem exercitada. Há pes­
soas que pensam que o que vale é um a inteli­
gência viva, hábil, rápida em discernir os prós
e contras, desejosa de discutir qualquer assun­
to. E acreditam que é a essa inteligência que
a educação universitária deve visar — sem se
preocupar com o q u e se pensa, o q u e se discute,
e q u e im p o r tâ n c ia tem o assunto. Essas pessoas
não sabem que, se tal concepção vencer, as
universidades n ad a m ais serão do que escolas
de sofística. Onde não se form ará nenhum so­

7. Foi de propósito que acentuei êsse elemento de


prazer na procura da beleza. Pois o prazer é a essência
da beleza: and rationem pulchri pertinet, quod in ejus
aspectu seu cognitione quietetur appetitus. (Santo Tomás
de Aquino, Sum. theol. I-II, 27, 1, ad. 3.)' Se não encon­
trarmos prazer e emoção numa obra de arte, podemos
discuti-la e analisá-la quanto quisermos, sem chegar a
compreendê-la. Estarei pregando, aqui, aquela “comu­
nicação de êxtase”, que o Dr. Robert Hutchms ridicula­
rizou e que descreve como o “arrepio” de uma obra de
arte “faz correr na espinha”? (.Educatiçn for Freedom,
pág. 55.). Queira Deus que o professor de Belas-Artes
possa “comunicar êxtase aos seus alunos”! Mas, na rea­
lidade, o prazer transmitiu pelos arrepios de beleza não
somente a sensação, mas, também e antes de tudo, a
intuição da inteligência e do espírito. Nem o valor “his­
tórico” que nos liberta de considerações sobre o trabalho,
94 R um os da E ducação
fista de valor, m as m entalidades inerm es e
bem -falantes, que se julgam cultas, porque vi­
vem de palavras e opiniões. São pessoas que
receiam encarar a realidade, sobretudo quando
ela é intelectualm ente difícil e incômoda, pro­
funda ou cruel. Não despendem nenhum es­
forço pessoal p ara alcançar algum a coisa, pois
vivem a com parar opiniões. A juventude, edu­
cada de acordo com êste padrão, pode produ­
zir excelentes especialistas no cam po da téc­
nica e das ciências m ateriais. Precisam ente
porque, em tal cam po, êste padrão educacional
não pode ser aplicado. Em todo o resto, no que
se refere à cultura e à com preensão do homem,
aos problem as hum anos, graves e urgentes, —
além de provocar inútil tim idez nom inalística,
nem qualquer “comunicação de êxtase” irracional ou me­
ramente sensual, constituem método adequado. Para isso
seria necessário, primeiro: o prazer intuitivo, emocional e
intelectual diante do belo; segundo: a investigação ra­
cional das causas dêsse prazer e da ordem inteligível que
presidiu à conduta e estrutura vital do trabalho, fi
preciso que o aluno compreenda a lógica intrínseca de
uma sonata de Mozart, lida e discutida através da par­
titura. Mas deve primeiro escutá-la e escutá-la com pra­
zer. Amá-la com os ouvidos e o coração. Os sentidos
humanos não são aquele elemento desprezível que o puri-
tanismo de Kant repudiava. Não são indignos da razão.
Pois naturalmente a servem e alimentam. Visus et audi-
tus rationi deservientes. (Sum theol., I - n , 27, 1 ad. 3.)
“O sentido”, diz Santo Tomás, “se deleita no que lhe é
proporcional ou semelhante. É uma espécie de razão (ou
proporção vital) como qualquer poder de conhecimento”.
(Sum. theol., 1, 5, 4, ad. 1).
I
A D inâmica da E ducação 95
— perdem-se, entre as m atérias de conheci­
m ento e discussão, cujo vaior intrínseco e im ­
portância não podem ou não querem reconhe­
cer. Se começarmos por negar que um a m até­
ria é, em si m esm a e em razão da verdade,
m ais im portante do que outra, negarem os, en­
tão, a im portância de qualquer m atéria. E
tudo se desfaz em futilidade.
Acho que a influência geral da filosofia
instrum entista contem porânea é, de algum
modo, responsável pela concepção educacional
que estou criticando. Em bora a causa princi­
pal seja o realism o da m oda dos assim cham a­
dos hom ens práticos, que desdenham as idéias
e perguntam o que é a verdade, com um ar
protetor de indiferença. Sem saber que estão
desdenhando a origem m esm a da ação hu ­
m ana, de sua eficiência e praticabilidade.
Num discurso pronunciado em 1940, na
Universidade de Yale, o Dr. Robert H utchins,
que, propositadam ente, fêz a sua voz soar de
modo pouco amigo, p ara m elhor estim ular os
seus amigos, dizia que “hoje o jovem am eri­
cano com preende a tradição intelectual de
que faz parte e em que, só por acidente, deve
viver: pois seus fragm entos esparsos se alas­
tram de um a extrem idade da escola à outra.
96 R umos da E ducação
Nossos universitários têm m uito m ais conhe­
cim ento e m uito menos com preensão do que
os do período colonial”. 8 Não sou, de nenhum
modo, indicado p ara exprim ir-m e sôbre a exa­
tidão ou inexatidão do julgam ento do Dr. H ut­
chins. Mas êle tem razão: “O grande êrro é
afirm ar que um a coisa não é m ais im portante
do que outra; que não h á hierarquia no bem,
nem ordem no reino intelectual. Que não h á
nada central nem periférico; nada prim ário
nem secundário; n ad a básico nem superfi­
cial”. Em tais condições, o curso de estudos
se esfacelaria por não ter m ais govêrno. Isto
porque a educação contem porânea deu, m ui­
tas vêzes, m ais im portância ao valor do treino
do que ao do conhecim ento — noutras pala­
vras, à ginástica m ental do que à verdade, às
futilidades do que à sabedoria.
A E s tru tu r a I n tr ín s e c a d o C u rrícu lo
A oposição entre valor do conhecim ento e
valor do treino pode ser com preendida em ou­
tro sentido, ajudando-nos a fazer distinções
úteis, no cam po do ensino e dos exercícios es­
colares. Há m atérias de ensino — aquelas cujo
8. “The Higher Learning in America: 1940”. Dis­
curso pronunciado na Universidade de Yale, ao Phi Beta
Kappa. Parte dêsse discurso constitui o segundo capítulo
da Education for Freedom. Minhas citações se encontram
nas págs. 25 e 26 dêsse volume.
A D inâmica da E ducação 97

conhecim ento é de “m aior valia” — em que o


principal valor é o valor do conhecim ento. E
h á outras — aquelas cujo conhecim ento é de
“m enor valia” — em que o principal valor
(não digo o único) é o treinam ento. Po­
díam os colocar o últim o entre as atividades lú­
dicas — alargando, por certo, o sentido desta
palavra. E o prim eiro n a aprendizagem . As ati­
vidades lúdicas desem penham papel essencial,
em bora secundário, n a vida escolar. Têm valor
e m erecim ento próprios, como atividades de
livre expansão e de poesia, no cam po das ener­
gias que tendem , por natureza, p ara a utili­
dade. Assim com preendidas, podiam abranger
m uito do que se pratica n a educação elem en­
ta r e secundária. Não, apenas, jogos, esportes
e exercícios físicos. Mas, antes de tudo, o tra ­
balho m anual e a destreza m ecânica de que
já falei. E tudo o que a escola possa im aginar
como exercício: jardinagem , cu ltu ra de abe­
lhas e dos campos, culinária, arte da fazer
doces, econom ia dom éstica. E o que é conhe­
cido como treinam ento artístico, artes que se
cham am , em francês, les a r ts d ’a g r é m e n t, e,
em inglês, se não me engano, a c c o m p lish ­
m e n t. 8 Tudo isso é útil, se fôr tratad o como
atividade recreativa e se não fôr levado m uito
9. Desenho, música, dança (considerados como
“prendas”) .
98 R umos da E ducação
a sério. Mas com jovialidade livrem ente poé­
tica. Se fôr considerado como um a atividade de
aprendizagem e colocado no m esm o setor da
verdadeira aprendizagem , perde o sentido
educacional. E a escola se to rn a absurdam en­
te tola.
Acima das atividades lúdicas, está a
aprendizagem , que se prende às m atérias cujo
principal valor é o conhecim ento. Aqui, tam ­
bém, acho que seria m elhor traçar um a linha
de dem arcação. Num a prim eira divisão, colo­
caríam os as m atérias que se relacionam com
os instrum entos intelectuais e com a discipli­
n a lógica exigida pela razão, e com o tesouro
inform ativo de fatos e experiências que a m e­
m ória tem de guardar. N um a segunda divisão,
as m atérias que se relacionam , diretam ente,
com a capacidade criadora ou intuitiva do in­
telecto e com aquela sêde de ver, de que já
falamos.
A prim eira divisão incluiria: de um lado,
a G ram ática: G ram ática com parada, Filolo­
gia, Lógica e Língua; de outro, a H istória: His­
tória nacional, H istória do hom em e da civili­
zação e, especialm ente, a H istória das ciências,
que abrange m atérias como a Geografia. Tudo
isso constituiria o cam po das artes liberais,
lem brando a velha lista setenária da Idade Mé­
dia, adaptada a um a visão estritam ente edu-
A D inâmica da E ducação 99

cacional e ao progresso atu al do conhecim en­


to. Nosso tr iv iu m se relacionaria com a ativi­
dade criadora da m ente e com a beleza que de­
leita e que se procura conhecer. P ara come­
çar, devia incluir a E lo q ü ên cia , representada
por Calíope, a prim eira das m usas e m ãe de
Orfeu. Isto é, a arte de expressão do pensa­
m ento ou de expressão criadora, que torna
a inteligência realm ente capaz de se libertar
e de m anifestar seu poder de expressão. Arte,
cuja negligência é tão prejudicial para a ju ­
ventude m oderna, que não percebe freqüente-
m ente o valor e a exatidão das palavras. E que
é incapaz mesmo, ao en trar na vida prática,
de com por ou redigir o m ais simples relatório
com ercial ou industrial. A segunda das artes
liberais seria a L ite r a tu r a e a P o esia . A tercei­
ra, a M ú sica e a s B ela s-A rtes.
Nosso q u a d riv iu m se relacionaria com a
atividade de conhecim ento e de razão. Com a
atividade intuitiva e judicativa da m ente — a
verdade que se conhece e afirm a, “de acordo
com o valor da evidência”. Com preenderia, pri­
meiro, a M a te m á tic a , segundo, a F ísica e as
C iên cia s n a tu ra is; terceiro, a F ilo so fia — não
só a Psicologia, m as, tam bém , a Filosofia da
natureza, a M etafísica e a Teoria do conheci­
m ento; e quarto, a É tic a e a F ilo so fia p o lític a
e so cia l, e os estudos correspondentes.
100 R umos da E ducação
As considerações sôbre a estru tu ra in trín ­
seca e a organização do currículo ilustram os
princípios dêste capítulo, que tra ta da dinâm i­
ca da educação. Distinguim os dois fatores di­
nâm icos — a atividade n atu ral da m ente do
aluno e a arte subsidiária do professor; cinco
disposições básicas no aluno; e quatro regras
fundam entais p ara o professor. Essas regras
se referem , prim eiro, às disposições n atu rais a
serem cultivadas; segundo, ao pré-consciente
do espírito a ser observado e ao poder intuitivo
a ser libertado; terceiro, à unidade vital a ser
m antida e à visão de sabedoria a ser presen­
ciada durante todo o processo do ensino; quar­
to, à libertação da m ente, através do domínio
da razão sôbre o que é aprendido e da prim a­
zia do verdadeiro conhecim ento sôbre o sim ­
ples treino.
Ill

AS HUMANIDADES E A
EDUCAÇÃO LIBERAL
I
Neste terceiro capítulo, vou tra ta r dos três
principais graus da educação: a educação ele­
m entar, as hum anidades, o ensino superior.
Q uanto ao segundo grau — as hum anidades
— tem os que discutir alguns problem as rela­
tivos ao colégio e ao currículo; e quanto ao
terceiro grau — o ensino superior — vou es­
boçar a idéia de um a universidade m oderna,
como a consum ação da educação liberal.

1. OS RUDIMENTOS
As E sfera s d o C o n h e c im e n to
Aos principais graus da educação corres­
pondem três grandes períodos: os rudim entos
(ou educação elem entar), as hum anidades
(ou educação ginasial e colegial) e o ensino
superior (as faculdades e o ensino superior es­
pecializado). Êsses três períodos correspon­
dem, não só a três períodos cronológicos da
vida do jovem, m as, tam bém , a três esferas,
n aturalm ente distintas e qualitativam ente de­
term inadas, de seu desenvolvimento psicoló­
gico. De seu conhecim ento, por conseguinte.
104 R umos da E ducação
A estru tu ra física da criança não é um a
estru tu ra de adulto em ponto pequeno. A cri­
ança não é um anão. Nem o adolescente. E
isto é m uito m ais verdade e m ais im portante,
quando se tra ta da estru tu ra psicológica do
jovem. Nos domínios do exercício físico, ou do
treinam ento psicofísico, ou da psicologia ani­
m al e experim ental, a educação contem porâ­
nea com preendeu perfeitam ente que um filho
do hom em não é um hom únculo. Mas não o
com preendeu assim no dom ínio espiritual do
conhecim ento. Pois não dem onstra interêsse
pela psicologia das atividades espirituais. Que
fazer, senão ignorar êste domínio? O êrro é
duplo. Esquecemos, em prim eiro lugar, que
a ciência e o conhecim ento não são noções
que se bastem e que existem por si m esm as,
abstraindo-se e separando-se do hom em . A
ciência e o conhecim ento não estão nos livros,
m as n a m ente. São energias vitais e internas
e devem desenvolver-se de acordo com a estru­
tu ra intrínseca da m ente em que vivem. Em
segundo lugar, agimos como se a tarefa da
educação fôsse infundir, n a criança ou no ado­
lescente, a ciência e o conhecim ento do adulto,
resum idos e concentrados. Isto é, a ciência e
o conhecim ento do filólogo, do historiador, do
gram ático, do cientista, etc., dos m ais especia­
lizados dos especialistas. Levamos, assim, os
H umanidades 105

jovens, a um caos de noções adultas, conden­


sadas, dogm atizadas, resum idas ou facilitadas
de tal modo, que perderam todo valor. Como
resultado, correm os o risco de form ar um
anão intelectual instruído e assustado ou um
ignorante, a brincar de boneca com nossa ci­
ência. Num ensaio recente, o Professor Dou­
glas Bush lem bra “a clássica anedota da m ôça
a quem perguntaram se podia ensinar H istória
inglêsa. “Como não?”, respondeu, “já a apren­
di duas vêzes: um a n a argila, o u tra n a areia”.12
O conhecim ento a ser infundido no jovem
n ã o é o mesmo conhecim ento dos adultos. É
intrínseca e basicam ente diferente.3 Não se
encontra em estado de ciência, como o da in­
teligência adulta. Deve ser um conhecim ento
específico que estim ule e aperfeiçoe o pensa­
m ento da criança ou adolescente. Sendo ade­
quado aos estudantes, em vez de se restringir
a um a única esfera, procura a perfeição, em
1. Douglas Bush, Science, Philosophy and Religion,
Second Symphonium (New York, 1942), pág. 325.
2. Esse conhecimento é bàsicamente diferente do co­
nhecimento adulto, na maneira de conhecer ou na estru­
tura intrínseca e perspectiva própria. Se, pelo contrário,
estivesse em foco a matéria ou mundo de realidades a
serem aprendidos, devíamos afirmar, como Comenius o
fêz há três séculos, que, do mais baixo grau do sistema
eaucacional ao ensino universitário, a matéria ou assun­
tos de estudo são os mesmos. Cf. Alexander Meiklejohn,
Education between Two Worlds (New York, 1942), pág.
19.
106 R umos da E ducação
seu universo pensante, em períodos distintos
de seu desenvolvimento. Cresce, assim, de mo­
do contínuo e uniform e, até se transform ar n a
ciência do adulto. Só, então, atinge a per­
feição.
t A C ria n ça
O universo da criança é o universo da
fantasia que, aos poucos, se transform a em
razão. O conhecim ento lhe deve ser m inistra­
do sob a form a de história ou interpretação
im aginosa das coisas e valores do m undo. Sua
m entalidade pode ser com parada, em certos
aspectos, com a do hom em prim itivo. Tende,
por si m esm a, p ara a m agia. Por m ais que o
professor se esforce, seu ensino corre sem pre
o risco de se engolfar num oceano mágico. Por­
tanto, na tarefa de civilizar a m ente da cri­
ança, deve, lentam ente, subm eter a im agina­
ção à razão. Lem brando-se de que o trabalho
relativam ente grande do intelecto infantil, ao
procurar com preender o m undo exterior, se
processa sob o domínio vital e perfeitam ente
norm al da im aginação. A beleza é a atm osfe­
ra m ental e o poder inspirador que convém à
educação da criança. Deve ser seu estím ulo
constante e como que seu contraponto espi­
ritual. Faz com que a inteligibilidade surja,
inesperadam ente, da atenção dos sentidos. É
H umanidades 107

em virtude da sedução do belo, que se revela


nas coisas, nas idéias e nas ações, que a crian­
ça desperta p ara a vida intelectual e moral.
Por outro lado, a vitalidade e a intuição
do espírito estão ativas n a criança. E atraves­
sam, às vêzes, o m undo de sua im aginação, em
relâm pagos puros e adm iráveis. Como se o
espírito, que ainda não foi fortificado nem or­
ganizado pelo exercício da razão, gozasse de
um a espécie de liberdade entusiasta, consti­
tucional e lúcida. Ao mesmo tem po, en tretan ­
to, os trabalhos im aturos do instinto e a vio­
lência da natureza tornam a criança capaz
de vingança, de m aldade e perversão. Essa vi­
talidade do espírito devia ser considerada co­
mo fator im ponderável, nos prim eiros estágios
da educação. Mesmo do ponto-de-vista estri-
tam ente n atu ralista, é pena ver a m isteriosa
gravidade interrogativa da criança e suas ca­
pacidades p ara a vida espiritual, descuidadas
ou desprezadas pelos m ais velhos. Ou inten­
cionalm ente, ou porque, quando lidam com as
crianças, êsses adultos acham que se devem
m ostrar infantis, tam bém .
2. AS HUMANIDADES

O A d o le sc e n te

O universo do adolescente é um estado


transitório que precede o universo do homem.
O entendim ento e a capacidade intelectual es­
tão-se desenvolvendo nêle. Mas ainda não fo­
ram realm ente adquiridos. Um universo m u­
tável e ansioso, dom inado pelos im pulsos e
tendências n atu rais de um a inteligência im a­
tura, que as energias vivas da ciência, da arte
e do saber não fortificaram , ainda. Essa in­
teligência é perspicaz e robusta, pronta em
julgar, digna de fé e, ao mesmo tem po, exage­
rada. E não se revela sem a intuição. O co­
nhecim ento que se deve dar ao adolescente é
o que recorre aos podêres e aos dons n atu rais
da m ente. Conhecim ento que abrange tudo,
pelo instinto n atu ral da inteligência. A a t­
m osfera m ental da adolescência devia ser a
da verdade a ser apreendida. A verdade é a
fôrça inspiradora n a educação da gente môça.
A verdade, m ais do que a erudição e o egocen­
H umanidades 109

trism o. A verdade, que se estende a tôdas as


coisas, m ais do que a verdade objetivam ente
isolada — fim últim o de cada um a das diver­
sas ciências. Defrontam os, aqui, um im pulso
n atu ral e instintivo p ara um a verdade to­
tal, que se transform a, aos poucos, em refle­
xão crítica. Mas que pode ser com parada com
a tendência dos prim eiros pensadores da G ré­
cia antiga p a ra um m undo indiferenciado de
ciência, saber o poesia. O senso com um e a
penetração espontânea da intuição n atu ral e
do raciocínio são a unidade dinâm ica, no un i­
verso pensante do adolescente, antes que a sa­
bedoria dê ao hom em um a unidade m ais es­
tável. Assim como a fantasia era o paraíso
m ental da infância, a razão n atu ral, que vai
surgindo, fresca, ingênua e am biciosa das pri­
m eiras glórias, é o paraíso m ental da adoles­
cência. É com o raciocínio que a adolescência
se intoxica. Eis aqui um im pulso n atu ral a
ser levado em conta pela educação, m ediante
o estím ulo e disciplina da razão.
Tais são as considerações que devem guiar
o professorado, n a parte m ais im portante e
difícil de sua tarefa, que é determ inar o m o d o
pelo qual se devem ensinar os instrum entos do
pensam ento e as artes liberais. A qualidade
do modo ou estilo é de m uito m aior im portân­
110 R um os da E ducação
cia do que a quantidade de coisas ensinadas.
C onstitui a alm a m esm a do ensino e preserva
sua unidade, tornando-o vivo e ameno. Se
chegássemos a caracterizar o objetivo geral da
instrução no período colegial, diríam os que é
menos a aquisição de ciência ou de arte do que
a com preensão de seu sig n ific a d o e da verda­
de e beleza que transm item . Menos um a ques­
tão de participar da atividade do cientista ou
do poeta, do que de se alim entar intelectual­
m ente dos resultados de suas obras. Menos
ainda, um a questão de desenvolver a destreza
intelectual e o gôsto, com a aquisição de um a
noção superficial dos processos científicos ou
artísticos, ou os meios e métodos, a G ram ática,
a Lógica, a M etodologia dêles. À m oda dos
diletantes. O que cham o de sig n ific a d o de
um a ciência ou arte é a verdade ou beleza es­
pecífica que ela nos revela. O objetivo da edu­
cação é fazer com que a juventude com preen­
da essa verdade ou beleza, graças à capacida­
de e dons n atu rais de sua m ente e à energia
n atu ral e intuitiva de sua razão, com seu di­
nam ism o sensual, im aginativo e emocional. A
educação liberal leva a inteligência n atu ral a
seguir o exemplo das virtudes intelectuais,
que constituem o m érito do verdadeiro homem
de ciência ou artista. É necessário penetrar,
tão profundam ente quanto possível, nas
H umanidades 111

obras-prim as do engenho hum ano, em vez de


insistir na erudição m aterial e na m em oriza­
ção atom izada. O jovem deve estudar m úsica,
m ais para com preender o sentido da m úsica,
do que p ara ser um compositor. E Física, m ais
p ara com preender o sentido da Física, do que
p ara ser um físico. Dêste modo, a educação
colegial m antém seu característico necessário
de universalidade com preensiva. E, ao mesmo
tempo, cultiva e exercita a m ente tôda, to r­
nando-a ú til e vivaz, nas tarefas do homem.
O C a rá te r U n iversa l d a E d u ca çã o L ib era l

N um a organização social baseada na dig­


nidade com um do hom em , a educação cole­
gial deve ser dada a todos.3 Assim se com pleta
a form ação da juventude, antes que ela in­
gresse n a idade adulta. A especialidade que
se introduz, nesta esfera, é um a violência ao
m undo dos jovens, em bora êles tenham de es­
colher, um dia, a que m ais lhes agradar. Seu

3. "... Já que a educação liberal é a que capacita


o homem a pensar tão bem quanto seus podêres inatos o
permitem, por definição, deve ser dada a todos. Não é
só para os ricos. Nem para a elite intelectual, sòmente...
Uma sociedade livre que a restringisse a pequeno grupo
de cidadãos, faria isso com nerigos de sua existência”.
(S. Barr, Report o) the President, July 1942, St. John’s
College Annapolis, Maryland, pág. 14)
112 R umos da E ducação
progresso será tan to m ais rápido e perfeito,
no treinam ento vocacional, científico ou téc­
nico, quanto foi liberal e universal sua educa­
ção. A juventude, que se prepara p ara o tra ­
balho e p ara as distrações, tem direito à edu­
cação nas artes liberais. Educação, porém,
que um a especialização p rem atu ra pode m a­
tar.4
A especialização tem cabim ento, à m edi­
da em que o jovem, ao deixar a escola pública
e ao se ad ian tar n a educação colegial, tom a,
gradualm ente, as dimensões de um homem.
Mas é a especialização que o tem peram ento,
os dons e as inclinações dêsse jovem escolhem,
espontâneam ente. Não dá resultado exigir de
todos os alunos o mesmo afinco no estudo e o
mesmo progresso em todos os itens do cur­

4. Se para viver bem, se até para viver simplesmen­


te, é preciso que o homem pense, a educação liberal é
a preparação básica para a vida. Mas é um trabalho
que ocupa o tempo todo e não pode ser orientado por
instituições que se proponham a dar uma profissão e, ao
mesmo tempo, o que podia ser chamado de conhecimento
“prático”. Esta espécie de conhecimento pode ser rapi­
damente adquirida pelo homem que, ou no trabalho ou
numa escola profissional de extensão universitária, apren­
deu a pensar. Os outros só com dificuldade e imper­
feitamente o conseguem. O que a sociedade contem­
porânea pagou por omitir essa educação básica, foi a
multiplicação de especialistas ultra-exercitados. Homens,
fundamentalmente mal-educados, sem aptidão para as
responsabilidades várias da existência. Ibid.
H umanidades 113

rículo. Se certas m atérias entusiasm am o jo­


vem, outras h á que não m odificam sua apatia
natural. E êsse é um modo norm al de dife­
renciação. A preguiça deve ser com batida,
m as é m uito m ais im portante estim ular e
guiar o jovem p ara as atividades que o atraem
e em que pode fazer sucesso. Providenciando-
se, entretanto, p ara que êle se exercite, tam ­
bém, nas m atérias por que tem m enos incli­
nação. E p ara que percorra todo o cam po da­
quelas possibilidades e atividades hum anas,
que constituem a educação liberal.
A conclusão disso tudo é um a clara con­
denação não só dos inúm eros cursos profissio­
nais pré-universitários, que se insinuam n a
educação colegial, como, tam bém , do sistem a
eletivo.5

5. “A escola que gira em tôrno da criança pode ter


atrativos para ela. Não há dúvida que é útil como lugar
em que os pequeninos se libertam de suas inibições. Pois,
com isso, têm melhor comportamento em casa. Mas os
educadores não podem permitir que os estudantes orga­
nizem seu programa. A menos que se confessem cha-
perons, a vigiar um processo sem finalidade de ensaios e
erros. Só útil por impedir que os jovens façam coisa
pior. O sistema eletivo livre, como Eliot o introduziu em
Harvard e a Educação Progressista adaptou ao ensino
primário, resultou na negação de qualquer conteúdo, em
educação. Os estudantes deviam seguir suas inclinações
próprias. Ficariam, pelo menos, interessados e satisfeitos.
E tão bem educados, como se tivessem seguido um curso
planejado. Mas o fim da educação é ligar o homem ao
114 R umos da E ducação
O C u rrícu lo

Se tudo é verdade, o que podemos dizer


sôbre o currículo? Ao abordar esta questão,
m eu propósito é procurar, do ponto-de-vista fi­
losófico e relativo apenas às exigências e con­
veniências da tarefa de educar, qual deve ser
a estru tu ra de um currículo colegial n o rm a l,
p ara um jovem ocidental de nossos dias.
Acho que, no esquem a educacional geral,
seria vantajoso apressar os quatro anos de co­
légio, de modo a que o período de estudos pré-
universitários vá dos 16 aos 19 anos. Assim,
depois da educação secundária, que trataria,
em prim eiro lugar, da Língua nacional e das
estrangeiras (que se devem aprender o m ais

homem, o presente ao passado e aperfeiçoar o pensamento


da raça. Não pode ser abandonado aos interêsses espon­
tâneos e esporádicos das crianças ou, mesmo, dos ado­
lescentes”. (Robert Hutchins, The Higher Learning in
America (Yale University Press, 1936), págs. 70 71.)
A repulsa do sistema eletivo não quer dizer que, além
das matérias essenciais (obrigatórias, portanto) do currí­
culo, não se devam ensinar outras matérias, em cursos
facultativos, escolhidos pelos alunos, de acôrdo com suas
preferências.
Note-se que a idade e o grau de maturidade do edu­
cando são fatores que merecem consideração. Qualquer
discussão do sistema eletivo será mais fácil e mais clara,
se o colégio começar mais cedo do que começa hoje. Pro­
longando-se dos 16 aos 19 anos.
H umanidades 115

cedo possível),' da G ram ática com parada, da


H istória, da H istória natu ral, da Arte de ex­
pressão67, teríam os o seguinte p ara os quatro
anos de colégio, d u ran te os quais o estudante
penetra no universo das artes liberais:
O ano da M a te m á tic a e d a P o esia , com­
preendendo: prim eiro, M atem ática, L iteratu­
ra e Poesia; segundo, Lógica; terceiro, Lín­
guas estrangeiras e H istória da civilização.

6. Supondo-se que o estudo das línguas estrangeiras


comece aos 10 anos, o jovem pode dominá-las suficiente­
mente depois de seis anos de estudo. Aos 16, calouro no
colégio, aperfeiçoa êsse conhecimento, na esfera das hu­
manidades, pela análise racional e lógica daquilo que Já
estudou mais ou menos empiricamente.
7. Supondo-se que o curso de humanidades dure sete
anos, de modo que a educação secundária — transição
entre n escola e o colégio e cuja importância é enorme —
compreenda trés anos (dos 13 aos 15), podemos classifi­
car assim ésses trés anos:
O ano das Língua«, compreendendo: primeiro, línguas
esliiiiiarlnis estudadas em relação com a língua pátria;
segundo, dramática compuruda e Arte de expressão; ter­
ceiro, História nacional, Geografia e História natural
(especlulmcntc a Astronomia elementar e a Geologia).
O ano da Oramática, compreendendo: primeiro, Gra­
mática e cspecialmente Gramática comparada e Filologia;
segundo, Linguas estrangeiras e Arte de expressão; ter­
ceiro, História nacional, Geografia, História natural (espe­
cialmente a Botânica).
O ano da História e Expressão, compreendendo: pri­
meiro, História nacional. História da civilização, Arte de
expressão; segundo, Linguas estrangeiras; terceiro, Gra­
mática comparada e Filologia, Geografia, História natural
(especialmente a Zoologia).
116 R umos da E ducação
O ano das C iên cia s n a tu r a is e d a s B ela s-
A rte s, com preendendo: prim eiro, Física e His­
tória n atu ral; segundo, Belas-Artes, M atem á­
tica, L iteratura e Poesia; terceiro, H istória das
ciências.
O ano da F ilo so fia , com preendendo: pri­
meiro, Filosofia, isto é, M etafísica, Filosofia da
natureza, Teoria do conhecim ento, Psicologia;
segundo, Física e H istória n atu ral; terceiro,
M atem ática, L iteratura e Poesia, Belas-Artes.
O ano da F ilo so fia é tic a e -política, com­
preendendo: prim eiro, Ética, Filosofia políti­

Assim, o campo do que chamei, no meu segundo capí­


tulo, de artes pré-liberais, seria percorrido nesses três anos
de educação secundária (com exceção da Lógica, que deve
ser ensinada no 1.« ano de colégio).
O plano geral que tenho em mente e que é a base
de minhas considerações atuais, classifica do seguinte
modo os principais períodos educacionais: I. Os rudi­
mentos (ou educação elementar): 7 anos, divididos em 4
de educação elementar inicial (idade: dos 6 aos 9 anos)
e 3 de educação elementar complementar (idade: dos 10
aos 12 anos). II. As humanidades: 7 anos, divididos
em 3 de educação secundária ou ginásio (idade: dos 13
aos 15 anos) e 4 de educação colegial (idade: dos 16 aos
19 anos). III. O ensino superior, compreendendo a uni­
versidade e o ensino superior especializado.
O título de “bacharel em artes” (B. A.) seria dado
depois dos anos de colégio, coroando as humanidades e
tornando possível o ingresso na universidade. Assim, o
tempo normal exigido para o título de “mestre em artes”
(M. A ) seria de 3 anos; e para o de “doutor em filosofia”
(Ph. D.), de 2 a 4 anos. Êste plano geral parece estar
de perfeito acordo com as reformas propostas pelo pro­
fessor John U. Nef, no seu livro The United States and
H umanidades 117

ca e social; segundo, Física e H istória n atu ral;


terceiro, M atem ática, L iteratura e Poesia, Be­
las-Artes, H istória da civilização e H istória das
ciências.8
Notei que, até êsse ano de Filosofia ética
e política, tan to a m oral pessoal, quanto a so­
cial devem ter sido objeto de ensino, no curso
de hum anidades. Será lícito confessar que,
em bora acreditanto n a m oral natu ral, não es­
pero grande coisa de um ensino m oral m era­
m ente racional, abstratam ente destacado de
seu am biente religioso? Norm alm ente, o en­
sino m oral, de que acabo de falar, opõe-se à
Filosofia ética e política. Deve ser m inistrado
no curso de hum anidades, incluindo-se no en­
sino religioso. Mas, que atitude tom ar com
respeito à m oral natural? E sta últim a e as
grandes idéias éticas devem ser ensinadas n a ­
quele período da vida escolar, pois constituem
o tesouro do hum anism o clássico, a se tra n s­
m itir aos jovens. Mas não são m atérias de
cursos especializados. Devem ser incluídas
Civilization, cap. IX. e pelo Reitor Robert Hutchins, em
Education for Freedom, cap. IV. Entretanto, desde que
os quatro anos de colégio se condensem, o título de “ba­
charel em artes” será concedido no último ano, de acordo
com a tradição. E não no segundo. O resultado será o
mesmo, quanto à idade do estudante.
8. Como afirmo, mais adiante, o currículo dos dois
ou três últimos anos do colégio deve compreender, tam­
bém, o ensino facultativo de Teologia.
118 R um os da E ducação
nas hum anidades e nas artes liberais. Espe­
cialm ente, como parte integrante da L iteratu­
ra, da Poesia, das Belas-Artes e da História.
Ensino que deve ser ilustrado pela com preen­
são de tais valores. A leitura de Homero, Es­
quilo, Sófocles, Heródoto, Tucídides, Demóste-
nes, Plutarco, Epíteto, M arco-Aurélio (é m e­
lhor lê-los cuidadosam ente, em traduções, do
que ler aos pedaços o original), a leitura de
Vergílio, Terêncio, Tácito e Cícero, de D ante,
Cervantes, Shakespeare, Pascal, Racine, Mon-
tesquieu, Gibbon, Goethe, Dostoiewski, alim en­
ta a alm a pelo sentim ento das virtudes n a tu ­
rais, da honra e da compaixão, da grandeza
do destino hum ano, dos em baraços do bem e
do m al, a c a r ita s h u m a n i g en eris. Tal leitura,
m ais do que qualquer curso de Ética n atu ral,
transm ite ao jovem a experiência m oral da
hum anidade.
Podem-se fazer objeções ao nosso currí­
culo ideal. Como já assinalei, a Física e a His­
tória n atu ral devem ser consideradas como
um dos principais ram os das artes liberais.
São a leitura m atem ática dos fenôm enos n a­
turais. Asseguram , dêste modo, o domínio
espiritual do hom em sôbre o m undo da m a­
téria. Não em têrm os de causas ontológicas,
m as em têrm os de núm ero e de medida. Apa­
H umanidades 119

recem como u m a realização das tendências


pitagóricas e platônicas do pensam ento, no
campo mesmo daquele m undo de experiência.
É como o “vir-a-ser”, que P latão considerou
como a som bra n a parede de um a adega. A
Física e a H istória n atu ral, se forem ensina­
das em vista do conhecim ento e não em vista
de aplicações práticas, com referência ao va­
lor epistemológico específico que envolvem e
em conexão íntim a com a H istória das ciên­
cias e a H istória da civilização, dão ao hom em
a visão do universo. E a com preensão da ob­
jetividade sagrada, profunda e inflexível da
m ais hum ilde verdade, que desem penha papel
essencial n a libertação da m ente n a educação
liberal. A Física deve ser ensinada e respeita­
da como se fôsse um a arte liberal de prim eira
ordem, do mesm o modo que a Poesia. É, ta l­
vez, m ais im portante do que a M atem ática.
No currículo, além disso, não m enciona
nem o latim , nem o grego, que só fazem per­
der tem po aos que vão estudá-los p ara esque­
cer em seguida. O latim , o grego e o hebraico
(ou, pelo menos, um a destas línguas básicas
de nossa civilização) devem ser aprendidos,
m ais tarde, pelos bacharéis em Línguas, Lite­
ratu ra, H istória ou Filosofia. Com m uito m ais
proveito e rapidez. No curso de hum anidades,
120 R um os da E ducação
a G ram ática com parada e a Filologia* dão ao
estudante conhecim ento m ais útil do me­
canism o intrínseco da linguagem . E o estudo
das línguas estrangeiras, não, apenas, com
um a finalidade prática, m as em conexão com
a língua m aterna, é o meio de se g an h ar do­
m ínio sôbre a últim a (particularm ente a tra ­
vés de exercícios de tradução).
Finalm ente, quanto à L iteratura e à Poe­
sia, a leitura direta e o estudo dos livros de
grandes autores são o m elhor m étodo educa­
cional. Êste ponto foi claram ente divulgado
pelos educadores do “St. Jo h n ’s College”. Co­
mo Charles Péguy o afirm ou, não h á o que
possa substituir a “p u ra leitu ra” de um “puro
texto”. Tal leitura é, tam bém , essencial em
Filosofia e, de certo modo, nas ciências. Isso
me parece tan to m ais útil, se os livros em
questão não forem num erosos (podendo ser,
assim, cuidadosam ente e afetuosam ente an a­
lisados) e se dependerem , em parte, d a livre
escolha do estudante.“*10
9 De acórdo com nosso esquema geral, a Gramática
comparada e a Filologia devem ser ensinadas — mais
como instrumentos do que como ciências, e de certo modo
devem adaptar-se à esfera de conhecimento do jovem
— antes do colégio, durante os anos de educação se­
cundária .
10, No discurso, "The Order of Learning'’ (trans­
crito do The Moraga Quartely, Autumn, 1941), o profes­
sor Mortimer J. Adler fêz várias observações e criticas
H umanidades 121

F ilo so fia e T eologia


H á um a últim a observação a fazer: a fi­
nalidade m áxim a da educação é d ar ao jovem
os alicerces da sabedoria. Não preciso insistir
n a utilidade da Filosofia. É bastante repetir
um a observação m uitas vêzes feita: ninguém
pode viver sem ela. E a única m aneira de anu­
lar o dano causado pela fé inconsciente num a
Filosofia am orfa e prejudicial é explicar cons­
cienciosam ente um a Filosofia. Além disso, a
M etafísica é o único conhecim ento hum ano
Interessantes, que deviam ser comentadas aaui. Mas, para
ser breve, vou limitar-me ao seguinte:
o. Não se deve realçar muito o papel educacional dos
grandes livros, que não consiste em estimular a capaci­
dade intelectual do Jovem. Não são como o osso que o
cachorrinho rói, paru afiar os dentes. Completando a
metãforu, podia acrescentar que êsse osso tem tutano
e (pie, hão «ô os dentes do cachorrinho se afiam mas sua
MUbslinola viva so alimenta dêsse tutano. Não se pensa
em fiv/.rr com que o Jovem estudante “domine'’ os grandes
livros M iin que Me encontre estímulo e prazer, na bele­
za n verdade que êles possuem e que saiba discernir e
Julgar os erros com que, porventura, esbarre. Mesmo que
tal processo pareça grosseiro e imperfeito no comêço.
Os dentes do intelecto não se afiam, se não forem capa­
zes de separar o verdadeiro do falso. Eis por que os
grandes livros não devem ser muitos. Sua leitura deve
ser acompanhada de esclarecimentos sôbre seu conteúdo
histórico e de cursos sôbre o assunto de que tratam.
b. A educação colegial não pretende que as virtudes
intelectuais sejam adquiridas pelos Jovens, como proprie­
dade e, sim, como preparação. As artes e as ciências
só se ganham no terceiro estágio da educação (universi­
dade, ensino superior especializado). A razão por que a
122 R um os da E ducação
que pretende chegar à sabedoria. Sua pene­
tração e universalidade levam a unidade, a
cooperação e a harm onia ao reino das ciên­
cias. Se alguém , sinceram ente, negar a vali­
dez desta pretensão, deve com eçar por conhe­
cer a M etafísica que desafia. A educação tra ­
ta das realizações finais da m ente hum ana.
Sem conhecer Filosofia e as idéias dos g ran­
des pensadores, é impossível com preender al­
gum a coisa do desenvolvim ento da hum anida­
de, n a civilização, n a cu ltu ra e n a ciência.
educação colegial deve abranger tôdas as artes liberais e
estender-se a todos, está, precisamente, na sua relação
com a compreensão delas, pela inteligência natural do
jovem, que progride, assim, em direção ao habitus ou
virtudes.
c. A tradicional expressão “artes liberais” deve ser
bem compreendida. Nesta expressão, a palavra “arte” não
significa arte, no seu sentido estrito de oposição a “co­
nhecimento” ou “ciência”. Refere-se, pelo contrário, às
realizações liberais da mente, compreendendo tanto a arte,
quanto o conhecimento. Assim, na Idade Média, as ciên­
cias matemáticas (Aritmética e Geometria) e as ciências
físicas (Astronomia e Música, isto é. Acústica) eram as
artes principais do quadrivium. Portanto, a educação,
nas artes liberais, não é sòmente uma educação nas regras
práticas ou “artísticas” de bem pensar ou de um perfeito
afiar de dentes (isto é, a consecução de meios indispen­
sáveis) . É também, e principalmente, uma educação no
conhecimento e na intuição e na verdade e na beleza que
se procuram (isto é, a consecução — proporcional ao uni­
verso pensante do jovem — dos fins do esfôrço intelec­
tual, que são as várias matérias de ensino).
d. A Lógica devia ser ensinada (com a Matemática,
a Literatura e a Poesia) no primeiro ano de colégio.
Neste ponto, as observações de Mortimer Adler e as mi-
H umanidades 123

Eis um a questão realm ente difícil. A ún i­


ca Filosofia de valor é, tam bém , a única ver­
dadeira. Os professores adotam , atualm ente,
as m ais opostas correntes filosóficas. E se
um a dessas correntes se baseia em princípios
verdadeiros, as outras estão longe disso.
A solução do princípio pode apresentar-se
sob dois aspectos. Prim eiro: h á um a herança
de sabedoria filosófica, comum, apesar de in-
form ulada, que ultrapassa qualquer ensino e
sistem a do professor. Ler P latão é, sempre,

nhas se identificam. O que entendo por Lógica é aquilo


que os últimos escolásticos chamavam de lógica minor
(ciência instrumental e, ao mesmo tempo, arte, que trata
das regras do raciocínio). O que êles chamavam de lógica
major é a própria Lógica e seu objeto. Devia ensinar-se,
como Adler o afirmou por outras palavras, no último ano
de colégio.
e. Mortimer Adler insiste, com justeza, em que o
ensino (particularmente nos dois primeiros estágios da
educação) devia seguir o processo da descoberta, que não
é “dedutiva nem científica”, mas “indutiva e dialética”.
De certo que a dialética é útil, e o método socrático de
associação de idéias muito bom para o desenvolvimento da
capacidade crítica. Mais do que para o processo da des­
coberta. Não sei por que Mortimer Adler criticou a Pos­
teriora Analytica de Aristóteles, em vez de criticar a dia­
lética platónica, imbuida da suposição de que o conheci­
mento é inato e que podemos descobri-lo, ao dividir, com­
parar e lutar com nossas idéias. O exagêro da dialética
em educação não é melhor do que o do silogismo. O
processo da descoberta, e, portanto, o do ensino, é mais
indutivo-experimental e intuitivo-racional do que indutivo
e dialético.
124 R um os da E ducação
um a bênção, mesm o que não concordemos
com as idéias do platonism o. Segundo: os
professores de Filosofia não ensinam para que
se acredite nêies. Só procuram despertar a
razão. Pelo que os estudantes deviam ser-lhes
reconhecidos. Há, ainda, um terceiro aspecto,
que só interessa aos filósofos calejados como
eu. Devem esperar que a Filosofia que acre­
ditam verdadeira — é assim que eu julgo a
aristotélica e a tom ista — triunfe um dia en­
tre seus sem elhantes, nem que seja em pró­
xim a geração.
Um a outra questão deve ser apresentada.
É o modo de ensinar Filosofia. A dificuldade
está em que ela resulta da experiência. Ex­
periência que nem a vida nem a ciência deram
aos jovens ainda. O remédio seria explicar
historicam ente os grandes problem as de Filo­
sofia. Tal explicação histórica visaria menos
à H istória do que à lógica intrínseca e ao de­
senvolvim ento do interêsse hum ano por êsses
problemas. Espécie de experiência pessoal
vicária.
Aquêles que participam do credo cristão
sabem que um a sabedoria racional, baseada
n a fé e não n a razão som ente, é superior à
sabedoria m eram ente hu m an a da M etafísica.
De fato, os problem as e controvérsias teoló­
H umanidades 125

gicos influenciaram a cu ltu ra e a civilização


ocidentais. E continuam a influenciá-las de
tal modo que aquêle que os ignora não pode
acom panhar nem com preender os conflitos in­
ternos de seu tempo. Tal um a criança, selva­
gem e desprotegida, a vagar por entre árvores
esquisitas e incompreensíveis, repuxos, está­
tuas, ruínas, construções, do velho parque da
civilização. A H istória intelectual e política
dos séculos XVI, XVII e XVIII, a Reform a e
a Contra-Reform a, a situação in tern a da socie­
dade britânica depois da Revolução n a Ingla­
terra, os feitos dos p ilg rim s, os Direitos do
Homem e outros grandes acontecim entos da
H istória do m undo tiveram seu ponto de p ar­
tida nas grandes disputas de nossa era clás­
sica, sôbre a n atu reza e a graça. Nem D ante,
nem Cervantes, nem Rabelais, nem Shakes-
peare, nem John Donne, nem W illiam Blake,
nem mesmo Oscar Wilde ou D. H . Lawrence,
nem Gotto, nem Miguel-Ângelo, nem El Greco,
nem Z urbaran, nem Rousseau, nem M adison,
nem Jefferson, nem E dgar Poé, nem Baude-
laire, nem Goethe, nem Nietzsche, nem mesmo
K arl Max, nem Tolstoi, nem Dostoiewski, po­
dem ser com preendidos sem um a séria base
teológica. Mesmo a filosofia m oderna, de
Descartes a Hegel, seria enigm ática sem ela.
126 R um os da E ducação
A filosofia atu al veio acum ulando, através dos
tem pos, os problem as e ansiedades da Teo­
logia, de modo que o advento cultural de um a
filosofia realm ente filosófica está para chegar,
ainda. Na vida cultural da Idade Média, a
Filosofia era dom inada pela Teologia. Ou
m elhor, incluía-se nela. Hoje, a Filosofia con­
funde-se com a Teologia secularizada. Assim,
as considerações que fiz, a propósito da Filo­
sofia, aplicam-se, com m aior razão, à Teologia.
Ninguém pode viver sem Teologia, por obs­
cura e inconsciente que ela seja. E o m elhor
modo de se evitar as inconveniências de um a
Teologia insinuada é um a Teologia consciente­
m ente certa de si m esm a. A educação liberal
não pode realizar sua tarefa sem o conheci­
m ento do dom ínio específico e da im portância
da sabedoria teológica.
Por conseguinte, deve-se m inistrar um
curso de Teologia, nos dois ou três últim os
anos do estudo de hum anidades. Um curso
que, por sua natureza profundam ente intelec­
tu al e especulativa, difere, em essência, do
ensino religioso recebido pelo jovem em outras
ocasiões.
O aspecto prático desta questão não se
apresenta sem dificuldades, nos colégios sec­
H umanidades 127

tários.11 Nos outros colégios, depende do reco­


nhecim ento de um princípio pluralista, em
tais assuntos. O ensino de Teologia deve
fazer-se de acordo com a diversidade de credos.
Professores pertencentes às principais seitas
religiosas dirigem os alunos de suas seitas
respectivas. Aquêles a quem a Teologia re­
pugna estão dispensados de assistir a êsses
cursos. E já que o quiseram , sua sabedoria
ficará incom pleta.

11. Cf. o depoimento indiscutível do Dr. Gerald B.


Phelan, “Theology in the Curriculum of Catholic Colle­
ges and Universities”, em Man and Secularism (National
Catholic Alu m n i Association, New York, 1940), págs.
128-140.
3. A UNIVERSIDADE
P la n o d e u m a U n iversid a d e Id ea l
O terceiro e m ais adiantado estágio da
educação interessa aos rapazes e m ôças que,
penetrando no universo adulto do pensam ento,
se preparam p ara seus deveres de hom em ou
de m ulher. Vivem os prim eiros sonhos e ex­
periências de sua m aioridade e de suas con­
vicções, devidas à razão e à vontade já form a­
das. A vida e as inquietações do m undo n a­
tu ral lhes pertencem , agora. O casam ento
há de vir cedo, p ara m uitos dêles. Pode ser
que, nu m a sociedade fu tu ra e ideal, todos os
jovens — isto é, os que possuem os dons e o
entusiasm o necessários — só se ocupem de
estudo, até os 25 ou 26 anos. Por enquanto,
são, em grande parte, obrigados a trabalhar,
p ara se m anter. Se, de acordo com o hábito
europeu, reservarm os o nom e de universidade
p ara o ensino superior das faculdades, pode­
rem os dizer que o fim da universidade é a for­
m ação e a ilustração da juventude, n a fôrça
e n a m aturidade do raciocínio e nas virtudes
H umanidades 129

Intelectuais. O C ardeal Newman acha que a


universidade “é o lugar onde se en sin a o co ­
n h e c im e n to u n iv e rsa l’'. E acrescenta: “Q ual­
quer que fôsse o motivo original de sua fu n ­
dação — e êle é desconhecido — procuro acen­
tu ar sua significação popular e reconhecida,
quando digo que a Universidade deve dar o
conhecim ento universal”. 12
Mas, paradoxalm ente, o ensino universi­
tário coincide com um a especialização deci­
siva nos estudos. P ara cada ciência e arte,
um ensino altam ente especializado. Hoje em
dia, tal ensino não tra ta , como n a Idade Mé­
dia, da form ação de um a elite intelectual de
sacerdotes, nem , como nos séculos seguintes,
da form ação de m em bros capazes nas classes
dirigentes. Mas, sim, da form ação de um a
m assa num erosa e m ultiform e de cidadãos
proem inentes, em tôdas as classes da nação.
É conveniente, portanto, que as artes e as ci­
ências, mesmo as que tratam da organização
da vida e da aplicação da m ente hu m an a em
assuntos de utilidade prática, se incluam n a
universidade tipicam ente m oderna. Seu cam ­
po de especialização se to rn ará m aior e seus
cursos m ais num erosos e diversificados. Cur­
sos que, só em parte, podem ser seguidos por
12. Cardeal John Henry Newman, On the Scope and
Nature o/ University Education, Prefácio e I Discurso
130 R umos da E ducação
cada estudante, isoladam ente. A universidade
deve m anter seu caráter essencial de univer­
salidade13 e ensinar o conhecim ento universal,
não só porque todos os ram os do conhecim en­
to hum ano devem estar representados em seu
plano de ensino, m as, tam bém , porque sua
organização deve estar de acordo com a hie­
rarquia qualitativa e intelectual dêsse conhe­
cim ento hum ano. E porque tôdas as artes e
ciências devem ter sido agrupadas e classifi­
cadas conform e seu valor crescente na uni­
versalidade esp iritu al.
Assim, h á um grupo de m atérias que se
incluem entre as artes úteis e as ciências apli­
cadas, tom ando-se essas palavras no seu sen­
tido m ais alto. No ensino superior da Téc­
nica, da E ngenharia, das Ciências adm inistra­
tivas, das Artes e Ofícios, da A gricultura, da
M ineração, da Quím ica industrial, da E statís­
tica, do Comércio, das Finanças, e assim por
d ia n te .14
13. “Para aquêles cuja educação formal se prolonga
além da idade escolar, a Universidade ou seu equivalente
é um curso de generalização. Êste espírito dé generali­
zação deve dominar na Universidade.
O aluno deve partir das idéias gerais e estudar suas
aplicações nos casos concretos. Uma Universidade bem
planejada é um curso de generalidades. Não deve oer
abstrata, pelo fato de se divorciar do fato concreto. Mas
o fato concreto deve ilustrar o campo das idéias gerais”.
A. N. Whitehead, The Aims of Education and Other
Essays (The Macmillan Co., New York, 1929), pág. 41.
H umanidades 131

O segundo grupo seria o das ciências p rá­


ticas — práticas porque pertencem ou ao reino
da Arte ou ao da Ética — que, em bora domi­
nando inteiram ente o cam po das especialida­
des, tratam do hom em e da vida hum ana. Co­
mo a M edicina e a Psiquiatria, por exemplo,
e o Direito, a Econom ia, a Política, a Educa­
ção, etc.
O terceiro grupo seria o das ciências espe­
culativas e o das Belas-Artes. Por outras
palavras, devia referir-se às artes liberais e ao
conhecim ento desinteressado da n atureza e do
hom em e à cu ltu ra que liberta a m ente, pela
verdade e pela beleza. Encontram os, aqui, o
imenso côro dos trabalhos do espírito. A M a­
tem ática, a Física, a Quím ica, a Astronom ia,
a Geologia, a Biologia, a Antropologia, a Psi­
cologia, a Pré-história, a Arqueologia, a His­
tória, as L iteraturas e Línguas antigas e mo­
dernas, a Filologia, a M úsica, as Belas-Artes
etc. E sta é a essencia da vida universitária e
o tesouro da herança civilizada. O terceiro
grupo deve culm inar num quarto, que é o cen­
tro vital do program a de ensino. É o grupo
das ciências que levam à sabedoria, porque são
universais em virtude de seu objeto e de sua
essência: a Filosofia da natureza, a M etafísi­
ca e a Teoria do conhecim ento, a Filosofia éti­
ca, a Filosofia social e política, a Filosofia da
132 R umos da E ducação
cu ltu ra e da História, a Teologia e a H istória
das religiões.
Num a universidade tão ideal assim, vejo
os diversos setores de ensino divididos em In s­
titu to s que, apesar de sua organização com­
plexa, ligam-se, orgânicam ente, uns aos ou­
tros. Prefiro-os a D epartam entos separados ou
Faculdades. Os Institutos do prim eiro grupo
constituiriam a Cidade universitária dos meios
técnicos da vida hu m an a ou da utilização p rá­
tica e domínio da m atéria. Os do segundo
grupo, a Cidade universitária dos meios que
tra ta m da vida hum ana, p ara seu sustento e
progresso. Os Institutos do terceiro grupo
constituiriam a Cidade universitária do puro
conhecim ento, das finalidades intelectuais da
vida hum ana, que se realizam quando a m ente
abrange todo o universo da n atureza e do ho­
m em e os feitos de seu poder criador. Os In s­
titu to s do quarto grupo constituiriam a Cida­
de universitária do m ais alto e universal co­
nhecim ento. Dos objetivos intelectuais da
existência h u m an a que se atualizam quando
é atingido o reino im aterial do Ser, do Espíri­
to, e da Realidade Divina e o reino ético das
finalidades, das condições e da ordem racional
da liberdade e da conduta hum ana.
H umanidades 133

A Consumação da Educação Liberal


Não é bastante que a universalidade do co­
nhecim ento e a unidade superior das ciências
intrinsecam ente universais entrem no plano
geral das Cidades universitárias. É necessá­
rio, tam bém , que inspirem o desenvolvimento
do estudante, sujeito vivo, e se integrem nêle,
quaisquer que sejam as exigências especiais
de seu curso. Eis aqui o principal dever e a
principal dificuldade do ensino universitário.
O universo do pensam ento que contem ­
plamos neste últim o estágio da educação for­
mal, está em vias de diferenciação e form ula­
ção decisivas. A capacidade de julgam ento e
as virtudes intelectuais já não se encontram
em estado de preparação e, sim, no de aquisi­
ção atual. E é então, como já o afirm ei, que
a especialização ocorre. As virtudes intelec­
tuais adquiridas por um estudante não são
14. Tanto no primeiro, como no segundo grupo de
matérias, observa-se que a razão que justifica seu ensino
na Universidade e o ponto-de-vista que as classifica e
organiza como parte do currículo é a universalidade do
conhecimento. Essas matérias devem ser ensinadas como
ramos que são do conhecimento humano e em vista da
verdade (prática) a ser alcançada. Se o ensino colocar
sua finalidade objetiva é incentivo dominante no sucesso
ou no dinheiro, o resultado será nulo. Os estudantes têm
de levar isso em consideração, ao escolherem determinado
curso. E o próprio currículo deve visar á organização
perfeita e compreensiva do conhecimento universal a ser
ensinado, de acôrdo com a estrutura interna e objetiva
de suas partes.
134 R umos da E ducação
as m esm as que outro estudante pode adquirir.
Seja n a técnica, nas artes utilitárias, nas
ciências aplicadas, nas ciências práticas da
vida hu m an a ou nas ciências especulativas.
O conhecim ento que se deve desenvolver no
período universitário é o conhecim ento em
estado de c o m p re e n sã o p e r fe ita e ra c io n a l de
determ inada m atéria. A verdade — atm osfe­
ra m ental e fôrça inspiradora cada vez m ais
indispensável — é, daqui por diante, um a ver­
dade objetivam ente lim itada, especulativa ou
prática. Fim de cada um a das diversas ciên­
cias ou artes.
Como assegurar, nesse período, a inspi­
ração universal e a com preensão m ental de
que falei? Será necessária um a cooperação
orgânica entre os diversos In stitu to s da u n i­
versidade. Cada aluno, qualquer que seja sua
especialidade, deve estudar as m atérias que
são a essencia m esm a da vida universitária.
M atérias essas que se incluem no terceiro e
no quarto grupos de ensino. Evidentem ente,
o em prêgo de meios técnicos não produzirá
resultado algum , nem as ciências práticas se­
rão bem orientadas, sem que se esclareça, de
modo geral, a n atu reza e o hom em . A Medi­
cina, a Saúde pública, a Psiquiatria estão ex-
trinsecam ente subordinadas à Ética e à Lei
n atu ral — e o Direito, a Sociologia, a Econo­

X
H umanidades 135
mia, a Política, a Pedagogia, intrinsecam ente.
A verdade de todo conhecim ento relativo à
conduta h u m an a im plica julgam ento per­
feito de suas finalidades. Isto é, no conheci­
m ento real da Filosofia ética e política que,
por sua vez, pressupõe a M etafísica. Essas
exigências provêm dos objetivos em que o co ­
nhecim ento tom a form a. Nem o cientista,
nem o historiador, nem o escolar, nem o h u ­
m anista, nem o artista podem dispensar ins­
piração filosófica. Precisam de instrução filo­
sófica, ao menos p ara poderem avaliar, exata­
m ente, a posição que ocupam suas atividades
entre as outras atividades do espírito.
Como conseqüência, cada estudante deve
ser obrigado a assistir a certo núm ero de cur­
sos, nas Cidades universitárias de puro conhe­
cim ento e de conhecim ento universal. Certos
cursos — como os de Ciências, H istória, Lite­
ra tu ra antigas e m odernas, Belas-Artes devem
ser facultativos, conform e a inclinação n atu ral
do aluno e a necessidade de com plem ento ou
contraste em sua aprendizagem especial. Ou­
tros devem ser obrigatórios. Principalm ente
os de Filosofia geral, Filosofia ética e política,
H istória da Civilização.
Como o Professor Nef o observou, tal m e­
dida será insuficiente se não fôr com pletada
por um a e stru tu ra orgânica, que ab ran ja o
136 R um os da E ducação
sentido de unidade e de universalidade que
deve predom inar na vida universitária. Co­
m itês especiais, de professores pertencentes
aos vários Institutos, hão de assegurar a
cooperação norm al entre êsses Institutos. E
orientar o trabalho do aluno, ajudando-o a
pesquisar as relações existentes entre sua pró­
pria especialidade e as dos outros setores do
ensino superior. Por exemplo, as relações
entre a Física, a Biologia, a Psicologia, a
M edicina e a H istória das ciências, a H istória
da Civilização, a Filosofia da natureza, a Teo­
ria do conhecim ento. As relações entre a
Economia, as Ciências sociais, o Direito, a
Educação, a L iteratura, a Arte e a H istória da
civilização, a Filosofia ética e política, os
grandes problem as m etafísicos e teológicos.
Assim, serão facilitados “os estudos e as pes­
quisas em que várias disciplinas, atualm ente
separadas, sejam confrontadas pelos universi­
tários e colegiais, em suas atividades criado­
ras”. ,5 Seu conhecim ento se to rn a m ais pro- 15
15. John U. Nef, The Universities Look for Unity,
pág. 36. O autor diz que, para que se obtenha sucesso
neste trabalho progressivo de reíundição, “a unificação
deve começar modestamente, quando há necessidade
disto, em duas ou três matérias consideradas, tanto quanto
possível, em relação com a Filosofia e, particularmente,
com a Etica”. Idem, pág. 37. De acordo com estas obser­
vações, a iniciativa tomada pelo ‘Commitee on Social
Thought” da Universidade de Chicago é digna de elogios.
Com o fito de conceder os títulos de “licenciado” e de
“doutor”, esse comitê interdepartamental combinou, de
H umanidades 137
fundo e vital, pela avaliação do propósito e da
estru tu ra lógica das disciplinas agora conca­
tenadas .
Pelos argum entos que apresentei, a pro­
pósito das hum anidades, os cursos de Teologia,
por im portantes que sejam , devem ser facul­
tativos. A questão do ensino teológico vem
à baila, tan to n a educação universitária quan­
to n a colegial. E as considerações que fize­
mos a êste respeito são ainda oportunas.
Aquêles que acreditam que Deus revelou à
hum anidade. Seus segredos íntim os conside­
ram a Teologia ou desenvolvim ento racional e
com preensão das prem issas reveladas, como
conhecim ento real, no senso estrito da pala­
vra. Em bora tal conhecim ento se baseie n a
fé e atin ja seu objetivo, m ediante conceitos
que transcende e excede. Procurando to rn ar
autônom a a Filosofia, D escartes julgou neces­
sário considerar a fé como m era obediência.
Recusou-se a ver qualquer característico real
de conhecim ento n a Teologia. Desprezando
o acidental, perdeu o principal. E stou certo
diversos modos, os cursos de estudo sob sua orientação.
De um lado, o Pensamento social, os assuntos históricos
(antigas civilizações do Oriente Próximo e do Extremo
Oriente, a civilização medieval, a da Renascença, a do
século XVIII, a americana); de outro lado, os setores
analíticos e teóricos (Antropologia e Sociologia, Política,
Economia, Jurisprudência e Ética, Educação, Psicologia e
desenvolvimento humano).
138 R umos da E ducação
de que um dos principais deveres de nossa era
é reconhecer a distinção e, ao mesmo tem po, o
parentesco orgânico existente entre a Teolo­
gia, baseada na fé, e a Filosofia, baseada na
razão que não procura m ais sua autonom ia.
Não é provável que Deus tenha falado p ara
não dizer nada à inteligência hum ana. New-
m an estava com a razão, quando disse que,
se a universidade considera um dever cientí­
fico excluir a Teologia de seu currículo, “tal
Instituição não pode ser o que afirm a, se
existe D eus” .
Os que não têm essas idéias a respeito da
Teologia podem tam bém obter grandes van­
tagens estudando-a. D escortinariam , assim,
horizontes de problem as altam ente racionais,
que os levariam a m elhor com preender as ba­
ses de nossa cu ltu ra e de nossa civilização.
Nas universidades não-sectárias, o ensino
teológico seria m inistrado por In stitu to s de
filiações religiosas diversas, considerando-se a
população estudantil. Tal ensino seria com­
pletam ente diferente do que se dá nos sem i­
nários, pois se adaptariam às necessidades
intelectuais dos leigos. Sua finalidade não
seria form ar padres, nem pastores, nem rabis.
Mas apresentar, aos estudantes, as controvér-
vias seculares nas grandes doutrinas e as pers­
pectivas do saber teológico. A H istória das
H umanidades 139

religiões constituiria parte im portante do cu r­


rículo.
Falei, h á pouco, do grande núm ero de
rapazes e môças que, depois da educação cole­
gial (supostam ente acessível a todos), têm de
ganhar a vida. Apesar de serem m uitos dêles
bem dotados e de estarem aptos p ara o trab a­
lho intelectual, não podem ingressar, como
alunos regulares, na universidade, por m aior
que seja sua vontade de o fazer. Em bora a
educação g ratu ita e as bôlsas de estudo repa­
rem em p arte tal injustiça, o núm ero de es­
tudantes nessas condições só tende a crescer.
O m elhor são os cursos noturnos e os de ex­
tensão universitária. A generosidade e o en­
tusiasm o com que tal ensino vem sendo m i­
nistrado por tan to s professôres e assistido por
tantos alunos, depois de um dia extenuante
de trabalho, são um dos feitos m ais adm iráveis
da educação am ericana. Surge, assim, nova
função, na vida universitária. Função que terá
m aior im portância, à m edida que o progresso
reduza o tem po de trabalho. Os que o desejam
poderão aproveitar m elhor as facilidades dos
cursos noturnos.
Os I n s titu to s S u p erio res d e P esq u isa
O trabalho das universidades deve encon­
tra r seu com plem ento nos In stitu to s Superio­
140 R um os da E ducação
res de Pesquisa. E ’ lógico que o ensino univer­
sitário pode resultar em trabalhos originais e
contribuir p ara o progresso do conhecim ento.
Na ciência, sobretudo. Mas isto é um transbor­
dam en to do ensino escolar. O objetivo das u n i­
versidades é a educação dos jovens. E não a
produção de livros e artigos, nem de colabo­
rações num erosas. Nem de descobertas cien­
tíficas, filosóficas ou artísticas. A educação do
hom em — por meio de cursos, sem inários e
experiências de laboratório — e o progresso do
conhecim ento — por meio de pesquisas origi­
nais que exigem concentração e os “belos ris­
cos” de Platão — são duas coisas diferentes.
Nós, professores, m uito bem o sabemos. Os
In stitu to s de Pesquisa, especialm ente organi­
zados, ao sondar as ciências da natureza e do
hom em , contribuem enorm em ente p ara o pro­
gresso da civilização. Êsses institutos e as uni­
versidades se ajudam reciprocam ente. Mas
devem, p ara vantagem m útua, perm anecer in­
dependentes.
As E sco las n a V id a E sp iritu a l
Há que se considerar outro complemento.
Refere-se a um propósito totalm ente diverso.
Os sábios da C hina e da índia, que vivem
n a solidão e n a contem plação, fazem-se ouvir,
H umanidades 141

periodicam ente, por discípulos que se agru­


pam ao seu redor. As a sh ra m s hindus ou esco­
las de sabedoria são bem conhecidas. Na E u­
ropa, h á alguns anos, era tão grande a neces­
sidade dêsses lugares de ilustração espiritual,
que hom ens como Spengler, que dificilm ente
merecem o nome de sábios, criaram escolas de
sabedoria, a torto e a direito. Aqui, n a Amé­
rica, a iniciativa tom ada pelos quáqueres, com
sua escola de Pendle Hill, deve ser considera­
da com especial interêsse. D urante séculos,
a Igreja Católica, possuiu seus meios próprios
de in stru ir aquêles que aspiravam à perfei­
ção espiritual. 16 As iniciativas particulares
que sem pre existiram devem continuar, de
acordo com as necessidades especiais de cada
tempo.
Não posso discutir o assunto de nenhum
ponto-de-vista, a não ser do de m inha filiação
religiosa. Falando como católico, portanto,
acho que é essencial, em nosso tem po, a cria­
ção de centros de instrução espiritual ou es­
colas de sabedoria. Aquêles que se interes­
sam pela vida espiritual podem levar um a
existência comum, du ran te algum as sem anas,

16. Esta é a finalidade de suas ordens religiosas e de


suas confrarias de leigos; de seus retiros espirituais e de
suas inúmeras atividades de orientação espiritual.
142 R umos da E ducação
exercitando-se n a vida espiritual e n a contem ­
plação. A prendendo a ciência de perfeição
evangélica, ponto culm inante da Teologia.
Valoriza-se, assim, p ara êles, o im enso tesouro
dos escritos e doutrinas de grandes autores es­
pirituais e de santos, — tradição, m ística da
cristandade, desde os padres do deserto a São
João da Cruz e aos m ísticos dos tem pos m oder­
nos. Serão revelados o conhecim ento teológico,
a personalidade e as lições dêsses heróis da fé
e do am or, cuja vocação, de acordo com Henri
Bergson, atravessa a hum anidade, como um a
“aspiração” p ara Deus. Considero essas esco­
las como casas hospitaleiras de ilustração pa­
ra as alm as hum anas. Baseiam-se n a integri­
dade de um a fé religiosa determ inada e de de­
term inado modo de vida. Não devem acolher,
som ente, os que participam dessa fé. Mas,
tam bém , os que desejam viver uns dias de des­
canso espiritual e aprender o que ignoram . As
pessoas que garantem a continuidade da vida
e do ensino nessas escolas de sabedoria devem
ficar aí, perm anentem ente. As outras serão
como convidados, que se encontram uns com
os outros, em períodos regulares. A juventu­
de, especialm ente os estudantes universitários
e os m eninos e m eninas que queiram aprovei­
ta r suas férias, assim, podem passar tem pos
H umanidades 143

nesses lugares de paz. Aposto que não será


pequeno o núm ero dêles.
N ossa R e sp o n sa b ilid a d e p a ra c o m a J u v e n tu d e
Chegamos ao fim de nossas considerações
sôbre as hum anidades e a educação liberal. O
próximo capítulo tra ta rá dos problem as edu­
cacionais de nossos dias, referindo-se à crise
atu al da civilização e às necessidades do pós-
querra. Foi pensando nas necessidades, exi­
gências e direitos da juventude e, especialm en­
te, da juventude contem porânea, que tratei
do assunto. Gosto dos jovens da atualidade e
respeito-os, apesar de olhar p ara êles com es­
tran h o sentim ento de angústia. A m atéria,
os fenôm enos n atu rais e hum anos são-lhes fa­
miliares. Mas pouco sabem acêrca da alm a.
Seu padrão m oral não é m ais baixo do que o
da geração precedente. Será talvez m ais re­
laxado. Sua candura confiante despedaça o
coração. À prim eira vista, parecem aproxim ar-
se da bondade n atu ral, com que sonhou Rous-
seau. Pois são bons, generosos e livres e re­
velam, tan to nas ações nobres quanto nas imo­
rais, um a pureza que se assem elha à dos pás­
saros e anim ais selvagens. E stão naquele es­
tágio em que as estru tu ras da tradição mo­
ral e religiosa foram destruídas e o hom em
brinca com sua herança. S ua natureza desam ­
144 R umos da E ducação
p arad a é a n atureza que, através dos séculos,
veio sendo fortificada pela razão e pela fé.
Educada n a prática das virtudes, viu-se de re­
pente despojada de qualquer arrim o. P rati­
cam a bondade sem saber por quê. Como su­
portar o duro m undo de am anhã? Que se­
rá de seus filhos? A esperança é que m uitos
dêsses jovens têm ansiedade e desejos. Mas,
n a Europa torturada, a m esm a juventude se
divide entre o cinism o corruptor e a fé heróica.
E nquanto os corpos m orrem de fome e as al­
m as agonizam diante da perseguição, da tra i­
ção e da ignom ínia.
IV

AS FUNÇÕES DA EDUCAÇÃO
CONTEMPORÂNEA
Neste últim o capítulo, vamos considerar
algum as tarefas e funções da educação de
hoje. Prim eiro: devo realçar a im portância da
educação liberal no novo hum anism o que se
inicia. Segundo: as tarefas principais que o
m undo de am an h ã h á de exigir da educação,
especialm ente no ensino da M oral e nas ne­
cessidades da com unidade política. Terceiro:
os dificultosos problem as com que a crise atu al
da civilização sobrecarrega a educação: a per­
versão m ental, conseqüência da “educação pa­
ra a m orte”, e a inspiração renovadora de nos­
sa própria educação.

1. A EDUCAÇÃO LIBERAL E O NOVO


HUMANISMO A QUE ASPIRAMOS

A ntes de tudo, torno a repetir que nossa


apologia da educação liberal não repousa, ape­
nas, no valor da educação do hom em , m as
tam bém no seu valor quando vai de encontro
às necessidades específicas de futuro im ediato.
148 R um os da E ducação
U m a E d u c a çã o I n te g ra l p a ra u m H u m a n ism o
I n te g ra l
Se a hum anidade conseguir afastar as
am eaças terríveis de escravidão e de desum a-
nização que pairam sôbre ela, é que chegou
a hora de um novo hum anism o. Ela está an ­
siosa de redescobrir a integridade do hom em
e de acabar com as separações que tan to fize­
ram sofrer o século passado. Ao hum anism o
integral, deve corresponder um a educação in ­
tegral, cujas principais características pro­
curei assinalar nestes capítulos. A época do in ­
dividualism o burguês passou. O que vai ter
im portância, para o hom em de am anhã, são
as suas relações vitais com a sociedade. Isto
é, com o trabalho e o bem com um e não, ape­
nas, com o am biente social. O problem a não
consiste em substituir o individualism o bu r­
guês pelo totalitarism o ou pelo coletivismo
sim plista da colmeia. M as em substituí-lo por
um a civilização personalista e com unal, ba­
seada nos direitos hum anos e capaz de satis­
fazer as aspirações e necessidades sociais do
homem. A educação deve abolir, no próprio
hom em , a separação entre as reivindicações so­
ciais e as reivindicações hum anas. Deve de­
senvolver, portanto, os sentim entos de liber­
dade e responsabilidade, os direitos e os deve-
A E ducação C ontemporânea 149

res hum anos, a coragem de enfrentar os riscos


e de exercer a autoridade p ara o bem geral, o
respeito pela hum anidade de cada pessoa in­
dividualm ente.
A educação de am anhã deve acabar com
a separação entre a inspiração religiosa e as
atividades seculares do hom em , já que o h u ­
m anism o integral apresenta, como um a de
suas características, o esforço pela santifica­
ção da existência profana e secular. Deve aca­
bar, tam bém , com a separação entre o trab a­
lho ou atividade u tilitária e a expansão da
vida espiritual e a alegria desinteressada no
conhecim ento e n a beleza. Percebemos, aqui,
o caráter genuinam ente dem ocrático de tal
educação. Na m edida de suas capacidades,
todos os hom ens têm de trab alh ar ou partici­
par dos encargos da com unidade social, em­
bora o trabalho não seja um fim em si mesmo.
Deve altern ar com as diversões que dão ale­
gria, expansão e prazer ao espírito.
As D iversõ es H u m a n a s e a E d u c a çã o L ib era l
O problem a das diversões hum anas, que
o progresso mecânico e social já tornou im ­
portante antes da guerra, vai parecer p arti­
cularm ente difícil ao m undo de am anhã. O
relaxam ento físico e m ental, os divertim entos,
150 R umos da E ducação
o cinem a e os jogos são bons e necessários.
Mas, ao que h á de m ais hum ano no hom em ,
só convém aquêle prazer que é a expansão de
nossas atividades íntim as, em relação aos fru ­
tos do conhecim ento e da beleza. E ’ de m ais
valor que o próprio trabalho. A educação li­
beral to rn a apto o hom em p ara êsse prazer.
Eis um a das razões por que deve ser dada a
todos. 1 Note-se, de passagem , que as crian­
ças apáticas ou rebeldes em relação à educa­
ção liberal, as que não têm entusiasm o para
aprender nem curiosidade m ental, não se en­
contram , com m aior freqüência, nas classes
pobres do que nas abastadas. (E’ m ais certo o
contrário.) Aquêles que lidam com a juven­
tude operária sabem que, com as facilidades
suficientes, ela revela um a sêde m aior de co­
nhecim ento. E sta sêde de conhecim ento libe­

1. O professor Nef está com a razão, ao afirmar que


a uniformidade é mau padrão. E que, depois da educação
elementar, deve ocorrer uma diferenciação nos setores
educacionais, conforme as capacidades, os dons e as
inclinações da criança. (The United States and Civiliza-
tion. págs 303 e segs.) As “quatro variedades de ensino”
que êle propõe, para os Jovens de 12 a 18 ou 20 anos,
correspondem a padrões psicológicos bem definidos. Mas
devem, em primeiro lugar, deixar subentendido que todos
os jovens recebam, nesse período, uma genuína educação
liberal. E que as diferenças_ de ensino não alterem as
exigências básicas da educação, nas humanidades e nas
artes liberais. Por outras palavras, de acôrdo com o
capítulo precedente, a essência do currículo ideal para a
m

A E ducação C ontemporânea 151


ral identifica-se com a de libertação e de em an­
cipação social. A educação de am an h ã deve
dar ao hom em com um os meios que lhe per­
m itam atingir sua plenitude. Não só no tra ­
balho, m as nas atividades sociais e políticas da
com unidade civil e nas atividades de suas ho­
ras de lazer.

educação secundária e colegial é sempre a mesma para


todos os jovens de um país livre. As variedades de ensino
não são mais que adaptações particulares e adições com­
plementares ao currículo básico. A educação colegial deve
ser dada a todos e a variedade de ensino, assegurada por
colégios de orientação e níveis diferentes, cujo caráter
liberal, no entanto, permanece, fundamentalmente, o
mesmo.
2. ALGUMAS FUNÇÕES ESPECIAIS DA
EDUCAÇÃO NO MUNDO DE AMANHÃ
A T a refa N o rm a l d a E d u ca çã o e seu s E n ca rg o s
A d icio n a is
Chegamos, agora, às funções especiais que
a crise atu al da civilização e as condições do
m undo de pós-guerra devem im por à educa­
ção. Essas funções são diversas e prem entes.
Como resultado da desintegração da vida fa­
m iliar, da crise de m oral, da separação entre
a religião e a vida e, finalm ente, da crise do
Estado político, e da consciência cívica e da
necessidade dos países dem ocráticos se recons­
tru írem de acordo com novos padrões, verifi­
ca-se, por toda a parte, tendência em sobrecar­
regar a educação p ara rep arar tais deficiên­
cias. Com o risco de se corrom per o trabalho
educacional. Principalm ente quando se espe­
ram transform ações im ediatas, graças a um
poder seu, supostam ente mágico. E ntretanto,
considerando-se o bem geral, devem-se adm itir
funções estranhas à tarefa norm al da edu­
cação.
A E ducação C ontemporânea 153

Em tal situação, o dever dos educadores é


duplo: têm de m anter a essência da educação
hum anística e adaptá-la às exigências atuais
do bem comum.
A educação tem essência e finalidades pró­
prias. E sta essência e estas finalidades essen­
ciais — a form ação do hom em e a libertação
íntim a da pessoa h u m an a — devem ser pre­
servadas, quaisquer que sejam as tarefas ex­
traordinárias im postas. Não se cogita de afas­
ta r estas últim as. Mas, se elas se desviarem
p ara o m au cam inho, deturpando os valores
hum anos essenciais da educação, ou se a es­
cola, de acordo com um padrão totalitário
qualquer, fôr considerada um orgão do Estado,
o bem comum, que justifica as funções extra­
ordinárias, não está assegurado. Arruinou-se.
O remédio veio agravar o mal.

O S is te m a E d u c a cio n a l e o E sta d o
E ’ de se esperar que, no m undo de am a­
nhã, o sistem a educacional adquira m aior im ­
portância e am plitude. E se tom e, m ais ainda
do que hoje, a função básica e essencial de
um a com unidade civil, preocupada com a dig­
nidade do povo e sua valorização. Sendo as­
sunto de interêsse público, não lhe deve o Es­
tado ficar indiferente. Sua ajuda e fiscaliza­
154 R umos da E ducação
ção são necessárias, portanto. Provàvelm ente,
hão de ocorrer m uitas m udanças nos estatu­
tos dos colégios e universidades. E será aum en­
tado o núm ero de instituições educacionais
fundadas e m antidas pelo Estado. O que, em
si, é processo norm al, que se deve m anifestar
n a liberdade e p ara a liberdade e deixar bem
definidas as relações entre o Estado e a es­
cola.
Vemos, de novo, a im portância do princí­
pio pluralista, que dá a m aior autonom ia pos­
sível aos diversos grupos que se originam de
associações livres. A autoridade superior do
Estado se baseia, assim, no reconhecim ento
dos direitos dêsses grupos. No sistem a educa­
cional, o princípio pluralista im plica a liber­
dade acadêm ica. Não se contenta em reconhe­
cer o direito que tem qualquer pessoa idônea
de fundar escolas, um a vez que se subm eta às
leis do Estado. Mas, tam bém , que as diversas
instituições de ensino possam ligar-se, em as­
sociações ou organizações várias. Im pedidas,
por lei, de ofender as liberdades básicas de
seus m embros, podem, entretanto, form ular
regulam entos gerais, válidos p ara cada união.
E ’ pelo contrato firm ado entre o Estado e al­
guns com itês gerais, constituídos por repre­
sentantes dessas associações (incluindo-se as
associações de escolas e colégios m antidos pelo
A E ducação C ontemporânea 155

E stado), que o Estado pode intervir, justifica-


dam ente, nos assuntos educacionais.
Im portante papel deve ser o das associa­
ções de pais de fam ília, cujos desejos podem
ser ouvidos pelo corpo docente e cujos clam o­
res contrabalançam as exigências do Estado.
E’ digno de consideração, tam bém , o papel das
associações de trabalhadores em outras organi­
zações econômicas e culturais. Aí estão os fu n ­
dadores e sustentáculos das instituições p a rti­
culares de ensino.
O E n sin o d a M o ral
Se considerarm os com m ais atenção as
funções extraordinárias de que falei, a pri­
m eira é a que se refere à atu al crise m oral. A
tarefa da reeducação m oral é, n a verdade, um
assunto de em ergência pública. Q ualquer bom
observador reconhece que as crianças não se
devem exercitar, apenas, n a boa conduta, na
obediência à lei, n a polidez. Êsse treinam ento
é deficiente e precário, sem um a form ação in ­
terior genuína. Os professores, nas escolas p ú ­
blicas, não devem resistir à indocilidade e à
rebeldia. A autoridade m oral deve ser reco­
nhecida. Devem ensinar-se, de preferência, os
princípios de Moral, que se baseiam n a verda­
de. Mais úteis do que os que são, apenas, ade­
156 R umos da E ducação
quados à conveniência social. Isto, sem dúvi­
da, é m elhor do que afirm ar que as crianças
devem dar expansão aos instintos do hom em
prim itivo, p ara se verem, dessa form a, livres
dêles.
O Professor F. Clarke, diretor do In stitu ­
to de Educação da Universidade de Londres,
defendeu, recentem ente, a severidade e a au­
toridade nas escolas e colégios. E a “m an u ten ­
ção contínua” do que cham ou de “controle e
tensão”. Que se assem elha às condições de
“propriedade” no setor físico. 2
Chegou mesmo a afirm ar que “o pecado
original é m ais do que um encarquilhado dog­
m a teológico”. E que, “de tôdas as necessida­
des d a dem ocracia, a m aior, sem dúvida, é a
persistência do sentim ento da realidade do pe­
cado original”. Como católico, estou de pleno
acordo. Mas, acrescento que o poder intrínseco
de fazer ressurgir a graça e a fé, a esperança
e a caridade, talvez seja m aior ainda.
E ntretanto, o que devemos tom ar em con­
sideração, em nosso problem a atual, é o g ran ­
de núm ero de pais que se opõem a qualquer
educação religiosa p ara seus filhos. E sta é
função determ inada e prem ente, exigida, hoje,

2. P. Clarke, A Review of Educational Thought


(London, 1942).
A E ducação C ontemporânea 157

ao sistem a escolar. Deve-se realçar m ais ainda


o ensino da m oral n atu ral. O processo norm al
de se m inistrar êsse ensino, incorporando-o
às hum anidades, à L iteratura e à História, co­
mo afirm ei no capítulo terceiro, não basta, em
face da corrupção atu al da razão ética. O
m al está m ais em nossas idéias do que em
nossa conduta. Falo dos países que ainda são
civilizados. A razão, cansada e to rtu rad a por
um a filosofia falsa e desum ana, confessa sua
im potência em justificar qualquer padrão
ético. P ara tal doença da inteligência e da
consciência hum ana, existem remédios espe­
ciais: o restabelecim ento necessário da fé re­
ligiosa e, tam bém , o do poder m oral da razão.
Portanto, se houver professores cuja razão
seja m ais saudável que a de seus alunos, deve-
se m inistrar um ensino especial nas escolas e
colégios, segundo os princípios da m oral n a ­
tural.
Observamos, aqui, que o setor em que a
m oral n atu ral se acha m ais à vontade e aquêle
em que é menos deficiente, é o setor das nos­
sas atividades tem porais ou da m oral política,
cívica e social. Porque as qualidades peculia­
res a êste setor são essencialm ente n atu rais e
visam ao bem da civilização. No setor da m oral
pessoal, pelo contrário, tôda a finalidade da
vida m oral, em nosso sistem a atu al de condu-
158 R umos da E ducação
ta, não pode ser com preendida pela razão, sem
que se leve em conta o destino sobrenatural
do homem. Assim, o ensino da m oral n atu ral
tende, norm alm ente, a insistir no que pode ser
cham ado de Ética da vida política e da civili­
zação. E isto é um bem (pois encerra a fôrça
m áxim a e a verdade p rática), contanto que
resista à tentação de negligenciar ou desprezar
a m oral pessoal — base de qualquer m oral. E,
sobretudo, à de desviar e perverter seu trab a­
lho todo, tornando-se instrum ento do Estado,
a form ar a juventude de acordo com um pa­
drão coletivo, supostam ente exigido pela sobe­
rania, am bição ou m itos da com unidade ter­
rena.
Agora, já que estam os tratan d o da Moral
e de seu ensino, não devemos esquecer a ver­
dade prática, que é de grande im portância,
nesse setor. Na retidão da vontade e d a condu­
ta hum ana, o conhecim ento e o ensino conve­
niente são necessários, m as não bastam . P ara
saber o que fazer, num caso particular, nossa
própria razão depende de nossa liberdade.
Lembremo-nos da m elancólica frase de Aris­
tóteles: “O saber pouca ou nenhum a im por­
tância tem p ara a virtude”, 3 que contrasta

3. II Ethic; of. Santo Tomás de Aquino, III Lent.,


dist. 33, 9, 2.
A E ducaçao C ontemforânea 159

com a doutrina socrática, que vê a virtude na


sabedoria.
O que tem grande im portância p ara a vir­
tude é o am or. Pois o m aior obstáculo p ara a
vida m oral é o egoísmo; e sua principal razão
de ser, a libertação de alguém . Só o amor,
sendo a dádiva de alguém , pode rem over êsse
obstáculo e levar à plenitude essa razão de ser.
Mas o am or está cercado por nosso egoísmo
central e se arrisca, sem pre, a se em baraçar
nêle e a ser por êle capturado. Ou porque êsse
egoísmo faz daqueles que am am os um a prêsa
de nosso am or-próprio, ou porque os abafa no
im placável am or-próprio do grupo, de modo
que exclua todos os outros hom ens de nosso
am or. O am or não vê idéias ou abstrações ou
possibilidades. Vê pessoas vivas. Deus é a ún i­
ca pessoa p ara quem o am or hum ano se pode
elevar e em que se pode firm ar, abrangendo
todos os sêres e libertando-os do am or-próprio
egoísta.
T anto o am or hum ano quanto o divino
não são m atéria de aprendizagem ou ensino.
São dons. O am or de Deus é um dom da n a ­
tureza e da graça. Eis por que constitui o
prim eiro m andam ento. Como se exigir que le­
vemos à ação um poder que não recebemos?
Não h á m étodos nem técnicas hum anas p ara
que se adquira ou desenvolva a caridade, nem
160 R umos da E ducação
qualquer outra espécie de amor. Não h á edu­
cação p ara isso, educação que se abastecesse
n a experiência e no sofrim ento, no auxílio h u ­
m anitário e n a instrução daqueles cuja auto­
ridade m oral nossa consciência reconhece.
A esfera educacional de que cogitamos
aqui é, antes de tudo, a fam ília. O am or da
fam ília é a base de qualquer am or, num a co­
m unidade de hom ens. E am or fraterno é o
nom e daquele am or ao próximo, que se iden­
tifica com o am or de Deus. Não im porta que
deficiências o grupo fam iliar possa apresentar,
em certos casos particulares. Não im porta que
perturbações e desintegração as condições eco­
nôm icas e sociais de nossos dias tragam à vida
de fam ília. A n atureza das coisas não se altera.
E é da natureza das coisas que a vitalidade e
as virtudes do am or se desenvolvem na fam í­
lia, em prim eiro lugar. Não só os exemplos dos
pais e as regras de conduta que êles impõem;
os hábitos e a inspiração religiosa que seguem;
as tradições de seus antepassados que tra n s­
m item ; num a palavra: o trabalho educacional
que realizam diretam ente, — constituem a fá­
brica norm al onde se form am os sentim entos
e a vontade da criança. Mas, tam bém , de m a­
neira m ais geral, as experiências e ensaios co­
m uns, os esforços, os sofrim entos e os sonhos,
a lu ta diária da vida em fam ília e o am or que
A E ducação C ontemporânea 161

cresce por entre reprim endas e beijos. A so­


ciedade com posta dos pais, irm ãos e irm ãs de
um a criança é a prim eira sociedade e o pri­
m eiro am biente hum ano em que, consciente e
subconscientem ente, ela se h ab itu a com o
am or e de que recebe seu alim ento ético. Tanto
os conflitos, quanto a harm onia, têm seu valor
educacional. O m enino que viveu entre suas
irm ãs, a m enina que teve contato com seus ir­
mãos, atingiram nível m oral inestim ável e in­
substituível p ara as relações entre os sexos.
Além e acim a de tudo, o am or da fam ília e o
am or fraterno criam , no coração da criança,
aquêle recanto de tern u ra e bem -estar, cuja
lem brança é tão necessária ao hom em . E para
o qual se h á de voltar, depois de m uito sofrer,
talvez, sem pre que despertarem nêle as ten ­
dências n atu rais de bondade e paz.
A s N ec essid a d es d a C o m u n id a d e P o lític a
e a E d u ca çã o
O segundo encargo a se acrescentar à ta ­
refa norm al da educação são as necessidades
do Estado e da com unidade política, no perío­
do de pós-guerra. A êste respeito, o Professor
Clarke, que já citei, nos previne: “Não é esta
geração que há de conhecer a paz estável e a
atividade tranqüila de um a educação segura
162 R umos da E ducação
e bem orientada”. Observa, ainda, que o sen­
tim ento de am plitude e liberdade que a edu­
cação tradicional de sua p átria desfrutou em
tão alto grau, im plicava, por p arte do am bien­
te social, a aceitação com um de padrões m en­
tais e políticos, decisivos e m arcantes, de cos­
tum es, de hábitos e regras, profunda e sub­
conscientem ente arraigados. Assim, o m ais li­
vre dos sistem as educacionais revela, n a rea­
lidade, caráter autoritário. “Menos evidente”,
continua êle, “quando é m ais cabal e indiscutí­
vel. Tão seguro, tão absoluto, tão generalizado
que não precisa im por-se”.
E ’ claro que, tan to p ara a organização es­
colar, quanto para o cidadão individualm ente,
a liberdade, os direitos e a autonom ia têm , co­
mo correspondentes, a responsabilidade, os de­
veres e as obrigações m orais. N um a com unida­
de hum ana, a liberdade e a autoridade são
m ütuam ente necessárias, em virtude da n a tu ­
reza das coisas. Do mesmo modo que são ine­
vitáveis os seus conflitos ocasionais, n a vida
real. A autoridade política — direito de m an­
d ar e de ser obedecido, em vista do bem geral
— não é contrária à liberdade hum ana. E ’ até
exigida por ela. Opõe-se à autoridade despó­
tica, que é governar um hom em , em vista do
bem particular e individual de um senhor, e fa­
zer um escravo de quem é governado. Aplica-
A E ducação C ontemporânea 183
se a hom ens livres, visando ao bem de todos e
não ao daquele que governa. Êste bem comum,
desejado por cada m em bro do Estado, deve es­
tender-se a todos. A autoridade política — pre­
judicial quando não h á justiça — subentende,
por sua própria natureza, a livre obediência,
baseada n a consciência e no dever m oral. O
poder de obrigar é um a qualidade suplem en­
tar, pois êsse govêrno de justiça pode ser e,
m uitas vêzes, é desprezado por algum as pes­
soas. Mas sem autoridade genuína, isto é, sem
o direito de ser obedecido, em virtude da cons­
ciência m oral do hom em , tal poder não passa
de tirania.
Êsses princípios básicos se aplicam tan to
aos grupos e sociedades particulares, quanto
aos indivíduos da com unidade civil. A orga­
nização escolar, enquanto livre e autonôm a,
baseia-se n a consciência do bem comum. Sua
im portância está n a consciência de sentir-se
responsável perante a com unidade tôda e de
atender às exigências da prosperidade geral.
A autoridade política, no sentido lato com que
em preguei a palavra, não tem que proteger,
som ente, a liberdade de ensinar. Deve, tam ­
bém, orientá-la p ara o bem, quando está em
foco algo essencial à vida do todo.
Passou o tem po da liberdade anárquica,
que não é m ais do que um a liberdade postiça.
164 R umos da E ducação
O que im porta é a nova era de liberdade or­
gânica e não de servidão. Q uanto à educação,
não é êste o m om ento de se aceitar um a F i­
losofia que deturpe sua verdadeira essência.
Mas, pelo contrário e m ais do que nunca, é o
de afirm ar e procurar m an ter tal essência.
Receio, portanto, que a insistência n a auto­
ridade se desvie p ara despóticas filosofias edu­
cacionais, se essa autoridade se a p artar das
linhas im utáveis da educação do homem.
Considerando a educação como a “auto-
perpetuação de um a cu ltu ra universalm ente
reconhecida, . . . de um a cu ltu ra que é a vida
de determ inada sociedade”, o Professor Clarke
deu-nos um a definição inadequada, por expri­
m i-la em têrm os de qualidades sociais. Se um a
cu ltu ra universalm ente reconhecida se apre­
sentar crivada de erros, de crueldade ou de
escravidão, a educação não deve perpetuá-la.
M as tudo fazer p ara que se transform e. O
Professor Clarke não h á de contestar-nos. E
se aprova a frase do Professor Hocking: “a
educação deve produzir o tipo-padrão”, tem de
aprovar, tam bém , a segunda parte da m esm a
frase: “e procurar ultrapassá-lo”. 4
E ntretanto, essa fórm ula, mesmo com sua
correção suplem entar, é em inentem ente bio­
4. W. Hocking, Man and the State (Yale University
Press, 1926).
A E ducação C ontemporânea 165

lógica e sociológica. Porque a educação que é


parte de determ inada cultura, transm ite esta
cu ltu ra ao jovem. Produz, na realidade, um
tipo cultural proporcional a ela, sem te r esco­
lhido tal função como finalidade. S ua verda­
deira finalidade é form ar o hom em . Se o tipo-
padrão fôr m au — ultrapassá-lo será pior ain­
da. A educação deve, essencialm ente, procurar
libertar a pessoa hum ana. E não produzir o
tipo-padrão.
A filosofia educacional do tipo-padrão se
prende, naturalm ente, à corrente dos pensa­
m entos de Platão, em suas L eis. P ara Platão, o
tipo-padrão deve ser criado em virtude de
“m usica” im posta pelo Estado à educação. Os
Estados m odernos, sobretudo os Estados mo­
dernos em form ação, dependentes das m assas
e da opinião pública e com necessidade pre­
m ente de criar unidade e unanim idade, hão de
considerar tal Filosofia com especial com pla­
cência, aplicando-a a si mesmos. Não se tra ta ­
ria m ais das L eis, nem de Platão. O Estado
encarregaria a educação de rep arar o que está
faltando no meio am biente, em m atéria de ins­
piração política, de costum es, de tradições es­
táveis, de padrões que se herdaram em comum,
de unidade m oral, de unanim idade. Forçaria
a educação a exercer função política im ediata.
E, p ara com pensar as deficiências da socie­
166 R um os da E ducação
dade civil, a produzir, num instante, o tip o -
p a d rã o adequado às necessidades do poder po­
lítico. Por conseguinte, a educação se to rn a­
ria um a função, única e diretam ente, depen­
dente da adm inistração do Estado. E a orga­
nização escolar, um órgão da m aquinaria do
Estado. Como resultado da tarefa estran h a e
artificial im posta à educação e da absorção
subseqüente da tarefa educacional pelo E sta­
do, tan to sua essência quanto sua liberdade se
arruinam . Isso só ocorre com aquela perversão
com pleta do Estado que é o Estado totalitário.
Que se coloca acim a da justiça, considerando-
se como o suprem o juiz do bem e do m al. Num
Estado dem ocrático, êsse m étodo educacional
só pode conduzir ao fracasso. Se se concebe­
rem , assim, as relações entre a educação e o
Estado, dêle tem os que defendê-la. Por isso,
não nos agrada ler, no últim o livro de um
educador, am ante da liberdade e de tan to m é­
rito, como o Dr. M eiklejohn, as seguintes as­
serções: “A educação é a expressão da vontade
de um organism o social, anim ado por um a vi­
da, movido por um a inteligência”. O profes­
sor e o aluno . . . são, ambos, agentes do Es­
tado. 5
E ntretanto, a situação descrita pelo Pro­
fessor Clarke continua a m esm a. Em circuns­
5. Meiklejohn, op. cit., pág. 279.
A E ducação C ontemporânea 167
I
tâncias norm ais, como êle m uito bem o afirm a,
especialm ente em sociedades aristocráticas e
tradicionais como as da Inglaterra, o Estado
regula a educação. Menos através do govêrno,
do que da influência espontânea de um a or­
dem social e cultural que se estende a tudo.
Q uando esta ordem espontânea se m ostra de­
ficiente, o govêrno intervém , por meio da fis­
calização do Estado. Tal fiscalização, entre­
tanto, não é intervenção ilegítim a nos m éto­
dos e processos intrínsecos do ensino. Limi­
ta-se a assuntos que interessam diretam ente
ao bem público. Cabe ao Estado inform ar a
organização escolar das necessidades sociais
de certas categorias de atividade e do trein a­
m ento respectivo. Deve zelar p ara que não se
desenvolva, n a educação, tendência algum a
oposta aos valores que o grupo considerou co­
mo a base m esm a da vida e dos interêsses co­
m uns. Deve insistir, com firm eza, n a elucida­
ção cuidadosa de tais valores.
Além disso, a paz, se a paz fôr efetivam en­
te ganha, não será estática, m as dinâm ica e
m ilitante. H á de exigir um enorm e esforço, na
reconstrução m oral, social e política, assim co­
mo no com bate aos rem anescentes das tendên­
cias egoístas, anárquicas e im perialistas, que
envenenaram o m undo de hoje. Portanto, a
liberdade desfrutada pela educação não será
/
168 R umos da E ducação
tranqüila, nem calm a, nem pacificam ente ex­
pansiva. Mas de grande tensão e com batente.
M udando de feição e adquirindo estilo no­
vo e de m aior fôrça, continua, ainda, a ser li­
berdade. Podemos estar certos de que o sis­
tem a educacional não precisa de nenhum a
com pressão do govêrno, p ara ajudar o esforço
do Estado, n a unidade m oral. A cooperação
tem de ser espontânea e participar da inspira­
ção comum. As dem ocracias, hoje, lem bram -se
da negligência que sem pre revelaram , ao de­
fender e ao im por seus princípios, suas bases
intelectuais e m orais em seus próprios colégios.
Não precisam recorrer a m étodos totalitários,
p ara rem ediar êsse êrro. O im portante é que
o próprio Estado totalitário tem sua filosofia
da vida e da sociedade. E acredita nela. A ge­
neralidade dos educadores será levada por essa
fé, com boa vontade ou conform ação. A uni­
dade não pode vir de fora, nem ser im posta à
fôrça. A unidade não é m ais do que um re­
sultado, como a paz. Um resultado da verda­
deira inspiração interior, da boa vontade e
do am or, por um ideal com um claram ente afir­
m ado e por um a tarefa com um a ser realizada.
Tôdas as novas inclinações, que enum erei,
podem ser satisfeitas, sem que se altere a es­
sência da educação. E sta essência deve ser
m antida, custe o que custar. P ara o bem da
A E ducação C ontemporânea 169

nova civilização por que lutam os, é cada vez


m ais necessário que a educação seja a educa­
ção do hom em e educação p ara a liberdade. A
form ação de hom ens livres p ara um a com uni­
dade livre. E ’ na educação que a liberdade tem
seu m ais seguro refúgio hum ano. Onde as re­
servas da liberdade perm anecem intatas.
A guerra atu al criou a necessidade do trei­
nam ento técnico e da Tecnologia. Tal neces­
sidade deve ser satisfeita, pois é geral. Con­
tan to que conservemos, na m edida do possível,
as exigências básicas da educação. Depois da
guerra, por m aior que seja a necessidade de
técnicos, será um êrro irrem ediável não insistir
n a prim azia e n a integridade da educação li­
beral. Admitindo-se que a aprendizagem nas
artes liberais se com plete aos 19 anos, de acor­
do com o nosso currículo ideal, sobrará, daí
por diante, bastante tem po p ara qualquer trei­
nam ento técnico intensivo. Êsse treinam ento
deve acom panhar a cu ltu ra desinteressada e
livre do espírito, de que falei a propósito do
ensino universitário. Aqui estão as condições
prim eiras de um a com unidade de hom ens li­
vres.
3. OS PROBLEMAS EDUCACIONAIS, NA
CRISE DA CIVILIZAÇÃO ATUAL
C o m o T r a ta r a P e rv e rsã o M e n ta l, C a u sa d a
P e la “E d u c a çã o P a ra a M o r te ”
Afinal, surge nova categoria de proble­
mas, nas trágicas condições de hoje em dia.
Refiro-me à perversão da m ente h u m ana fre-
qüente em m uitos países. O nazism o alem ão
é o resultado últim o dessa perversão. Por sua
vez, espalhou-a pelo m undo, como doença
m ortal. Com a libertação, os países europeus,
agora dom inados, poderão exterm iná-la, à
custa, mesmo, de convulsões tem porárias, se
ainda não perderam as esperanças e o desejo
de lutar. A cura m ental será m uito m ais difí­
cil, nos países assolados pela loucura racista e
pela desum anização fascista. Na Alem anha,
principalm ente. A crueldade sistem ática em ­
pregada contra os poloneses, russos e outras
populações. O indescritível horror da m atança
de milhões de judeus. O assassínio científico
dos “inúteis”, velhos e doentes, da Alem anha.
A aceitação do m al, p ara o bem de um assim
cham ado patriotism o de suposta cruzada a n ti­
com unista. Tôdas essas aberrações não seriam
possíveis sem grande núm ero de colaboradores
A E ducação C ontemporânea 171

e de executores, cúmplices do crime. E sem


profunda corrução m ental de vários elem en­
tos do povo alemão. P arte da juventude — a
juventude que H itler educou d u ran te 10 anos
— está irrem ediàvelm ente envenenada. Depois
da guerra estarem os diante de um a perversão
com pleta, ou m elhor, do colapso e do niilism o
to tal das inteligências, inutilm ente desintegra­
das e devastadas. Tal catástrofe é grande de­
m ais, p ara que se cogite pu n ir um povo intei­
ro. Os responsáveis devem ser im placàvelm en-
te castigados. Ao povo, deve-se te n ta r curar.
O que não é tarefa fácil, nem é rápido. Não
vou discutir, aqui, os remédios exigidos pela
m edicina ou cirurgia política. Estou tratan d o
das m edidas preventivas e de como é neces­
sária a educação.
M ed id a s P r e v e n tiv a s o u d e P ro teçã o
As m edidas preventivas ou de proteção
destinam -se à juventude alem ã, intelectual e
m oralm ente aniquilada. E, tam bém , a todos
os que, não apenas n a A lem anha, nem no Ja ­
pão, som ente, m as em outros países — até nos
países dem ocráticos — estão irrem ediàvel­
m ente contam inados pelo que se pode cham ar
complexo de servidão, que os afastou da dig­
nidade hum ana, da clem ência, da justiça e da
liberdade. Se liberdade é viver, a loucura, que
172 R umos da E ducação
é a servidão, deve sofrer um a ação profilática.
Em seu livro, H ow to W in th e P ea ce, 6 C. J.
H am bro estabelece, de um lado, que a solução
dos problem as de nossos dias está, verdadeira­
m ente, na reorganização do m undo. De outro
lado, que, p ara um a paz duradoura, é im pres­
cindível espalhar, por todo o m undo, um a sau­
dável atm osfera intelectual e m oral. Insiste na
im portância do trabalho educacional a ser
realizado. E n a form ação de um a “p atru lh a da
paz”, p ara sanear as fontes de possíveis epi­
dem ias m orais, evitando que pragas, como a
“educação para a m orte”, se propaguem pelas
nações.
6. C. J. Hambro, How to Win the Peace (J. B. Lip-
pincot Co., Philadelphia and New York, 1942).
“Nos setores da educação nacional e internacional, a
função do que chamamos de intelligence service da paz,
será de primeira importância e indiscutível. O Instituto
Internacional de Cooperação Intelectual, que, com sua
rede de comitês, existe em quase todos os países, deve
reorganizar-se e fortalecer. E constituir sua própria pa­
trulha de paz. As nações se uniram para combater ten­
dências perigosas. E estabeleceram, com sucesso, um
órgão de contrôle, por tôda a extensão do mundo. O nar­
cótico espiritual... constitui uma ameaça muito maior,
para a humanidade... O remédio é criar-se um sistema
de informações entre as instituições nacionais de fiscali­
zação e um conselho internacional central, coordenado a
outros órgãos de controle e poder internacional...
Parte do trabalho será a fiscalização dos compêndios
usados em aula... Mas é necessário, também, infundir,
nos alunos, as noções de solidariedade humana, de cola­
boração internacional e de todo o emaranhado de con­
venções e tratados que constituem o nervo da atual vida
civilizada” (págs. 109, 112).
A Educação C ontemporânea 173
Não escondamos a m agnitude do proble­
ma. Nada é m ais arriscado do que o emprêgo
de m edidas profiláticas para a m ente hum ana.
A liberdade corre perigo, graças à m esm a fis­
calização protetora, que só visava ao seu bem.
O m undo m oderno dispõe de meios de coerção
m enos bárbaros, apesar de m ais eficientes, do
que os pelourinhos do século XV. Êsses m é­
todos de coerção são reprováveis. Não acredito
nos m ecanism os que invadem o m undo com
u m a finalidade m oral. Como católico, sei que,
mesmo num a sociedade divinam ente inspira­
da, tais processos de defesa contra perigos im i­
nentes têm seus perigos, tam bém . Portanto,
em face do m al-estar m ental que dom ina o
m undo de hoje, tem os de reconhecer a neces­
sidade de defender a liberdade e a hum ani­
dade, com m edidas de em ergência, exigidas por
um tem po relativam ente curto. Um a vez debe­
lada a terrível febre, é possível que a inteligên­
cia hum ana procure substituir pelo cepticism o
a crise anterior de fanatism o. Como aconteceu,
n a Europa, depois das guerras religiosas do
século XVI.
A “p atru lh a da paz”, que H am bro im agi­
na, h á de trazer os resultados de seus inquéri­
tos an te a opinião pública e as agências judi­
ciárias internacionalm ente instituídas. Acaba­
174 R um os da E ducação
rá, assim, com a propaganda, dissolvendo qual­
quer escola que pregue o sectarism o, a intole­
rância, o fanatism o racial e político, o culto do
ódio e da escravidão. Essa p atru lh a da paz de­
ve zelar p ara que seja negada a concessão de
cargos públicos a hom ens culpados de espalhar
a perversão m oral que acabam os de descrever.
Tais m edidas de em ergência se aplicam à Mo­
ral, apenas. Sem intervenção n a política. Sem
a rrière-p en sée. * Devem, além disso, subenten­
der, nas agências de organização do m undo,
um a form a equilibrada de eleição e adm inis­
tração. De modo a coibir qualquer abuso de
autoridade. E agir, com as garantias da lei
e das instituições jurídicas, contra as pessoas
suspeitas. Finalm ente, a infortunada geração
da mocidade alem ã que se “educou p ara a
m orte”, deve recolher-se à vida privada. Com
exceção dos indivíduos que, com provadam en-
te, resistiram ao m al e que são capazes de
orientação política ou educacional. Isto não
dependeria de nenhum a lei discricionária, apli­
cada a um a categoria de cidadãos. Mas de um
program a geral de cura psicológica, válido para
o período durante o qual as Nações U nidas se
encarregassem da reabilitação m oral e m ate­
rial da população alem ã. Program a concernen-
Em francês, no original.
A E ducação C ontemporânea 175
te ao problem a de curar os elem entos psiqui­
cam ente desorganizados dêsse povo todo e não
da juventude, apenas. A prim eira condição
p ara a realização de tal program a seria ter o
que os psiquiatras cham am de “foco”, ponto
de p artid a da cura. E fatores psicológica e mo­
ralm ente saudáveis que venham em sua ajuda.
A liderança desses elem entos sãos im pedirá
que os que estiverem corrom pidos tom em posi­
ção, n a orientação política ou educacional.
T ra b a lh o C o n stru tiv o
As m edidas preventivas ou de proteção, em ­
bora necessárias, são insuficientes e fracas. O
que é realm ente im portante é o trabalho cons­
trutivo e a inspiração constante. Vamos fazer,
aqui, duas observações principais. Prim eiro: se
a agonia atu al do m undo resulta, antes de tu ­
do, de um a crise suprem a do espírito cristão
— d u ran te m uito tem po negligenciado ou vili­
pendiado pelas dem ocracias e que os Estados
totalitários estão agora definitivam ente deci­
didos a abolir, — não h á dúvida de que a res­
tauração da consciência cristã e o novo tra ­
balho de evangelização sejam condições pri­
m aciais e indiscutíveis n a reeducação m oral
do hom em de nossa civilização. Se a civilização
ocidental conseguir restau rar, assim, seus
princípios básicos, mesmo os povos orientais,
176 R umos da E ducação
profundam ente religiosos, poderão prosperar
nessa anim ação com um , que estim ula as ten ­
dências n aturalm ente cristãs da alm a. A m en­
talidade cristã tem que se libertar de precon­
ceitos sociais, devidos à esclerose histórica e
tornar-se o ferm ento estim ulante das realiza­
ções tem porais da liberdade. A m entalidade
dem ocrática tem que se libertar de preconcei­
tos m aterialistas ou positivistas, devidos, tam ­
bém, à esclerose histórica, e achar, de novo,
suas fontes genuinam ente espirituais, n a ins­
piração do Evangelho. Q uanto ao problem a
alemão, os sofrim entos e a lealdade de ta n ta
gente perseguida são prom essa de um a reno­
vação religiosa n a Alem anha. Se a cham a espi­
ritu al se livrar de qualquer tentação política
ou nacionalista, torna-se a razão principal,
entre conflitos internos e cruéis, de um a longa
e ju sta reconstrução moral.
Segundo: trata-se da im portante cam pa­
n h a educacional a ser em preendida no cam po
da instrução. C urar a razão — desintegrada
pelo delírio coletivo e pelo câncer racial e n a­
zista — não é coisa fácil. Pode ser até que a
m ultidão de professores enviados como missio­
nários da verdadeira ciência sejam friam ente
recebidos pelo povo alem ão e pelas populações
de países que já foram fascistas. Mas é m e­
lhor contar com a adaptabilidade da inteligên­
A E ducação C ontemporânea 177
cia alem ã e com as profundas reservas ineren­
tes aos povos. A questão é descobrir, n a lam a,
os elem entos capazes de verdadeira liderança
intelectual. E ajudá-los em seu cam inho. Pare­
ce ser de grande utilidade, neste sentido, a
criação de universidades internacionais. Na
Europa central, principalm ente. Com professo­
res notáveis, seriam centros dinâm icos de ir­
radiação intelectual. Sua função não seria u n i­
cam ente dar cursos aos estudantes. Mas pu­
blicar livros e revistas. O rganizar conferências
e congressos pelas grandes cidades. Aulas por
toda a parte. Rádio todos os dias. E um vasto
program a de ensino p ara tôda a população.
Despendendo, portanto, tôda a espécie de ati­
vidade intelectual.
O problem a dos professores de escolas pú­
blicas, que o regim e nazista conseguiu incor­
porar ao barbarism o, é particularm ente difí­
cil. As crianças devem ser educadas. E tais edu­
cadores corrom pem a m entalidade infantil.
M uitos professores devem ser dem itidos e apro­
veitados em outros empregos. O utros podem
m anifestar interêsse repentino pela justiça e
pela liberdade. Além da fiscalização a ser
exercida, deve-se procurar esclarecer os pro­
fessores de escolas públicas. E as escolas que
forem criadas devem preparar, p ara a sua fun­
ção, novas gerações de professores. Tudo isso
178 R um os da E ducação
subm etido ao controle da suprem a agência in ­
ternacional de educação e, até, durante certo
tem po, à sua iniciativa direta. Se êste imenso
trabalho de reorganização da Europa e do
m undo fôr em preendido com firm eza e se os
alem ães com preenderem o papel que sua m en­
talidade regenerada pode desem penhar, é pro­
vável que sejam aceitas, m ais fàcilm ente, to­
das as m edidas de controle e compulsão, exi­
gidas n a reconstrução m oral e política da Ale­
m anha, p ro n ta a se subm eter à força, se é pa­
ra algum a coisa de grande. Só pede que am e­
nizem seu desêspero.
O trabalho positivo da educação, de que
estam os falando, não se deve lim itar à Ale­
m anha. O m undo todo está interessado nêle.
Todos os hom ens de boa vontade são cham a­
dos a cooperar. E tôda organização cultural,
todo grupo ou associação podiam contribuir
de algum modo p ara esta cruzada educacional.
Se m etade da atividade desem penhada pelos
nazistas, em suas desastrosas propagandas,
fôr em pregada p ara o bem da educação, a pers­
pectiva que se apresenta é cheia de esperanças.
S ô b re a E u ro p a
Já que estou m e dirigindo a um público
am ericano, gostaria de dizer-lhe algum a coisa
sôbre a Europa.
A E ducação C ontemporânea 179
Não pensem os que é fácil tarefa ajudá-la
a reeducá-la. A Europa é velha e experiente.
De um a experiência terrível n a sabedoria e na
m aldade. Com um sentim ento profundo da
tragédia da vida e da natureza do homem.
Nem as fórm ulas idealistas nem as realizações
técnicas têm significado p ara ela. Foi visitada
pela m orte, pela fome, pela m atan ça de corpos
e to rtu ra das alm as. Todos os m onstros do
Apocalipse. Sofreu demais. A Europa e a Ásia
tam bém , estão certas de terem aprendido m ui­
to. Mas que am argo conhecim ento! Vários pe­
rigos alarm am sua consciência: o possível res­
surgim ento das tendências nacionalistas, dos
ódios irreconciliáveis e de vingativos ressenti­
m entos sociais. Os fenôm enos de relaxam ento
m oral e de cepticism o negligente, com uns no
pós-guerra, podem aparecer em m uitos povos.
Mas um a cham a de revolta contra os males
sofridos e as injustiças do passado ainda per­
siste. Temos que aceitar os riscos de tal cham a
abrasadora que só se pode extinguir correndo
o risco m aior de caos moral.
O que im porta é dirigir êsse im pulso forte
p ara um trabalho geral e construtivo anim ado
da verdadeira com preensão dos direitos h u ­
m anos e do desejo de liberdade e de fratern i­
dade. Os povos europeus têm sua m aneira de

12-A
180 R umos da E ducação
encarar êsse trabalho construtivo. Consideram
como coisas do passado as feições particulares
da propriedade privada e da livre iniciativa ca­
pitalista. N a realidade, o liberalism o de M an-
chester passou. A E uropa aspira a um a nova
civilização. Não pelo com unism o, m as por um a
ordem em que as pessoas desfrutem da liber­
dade social e política e as classes trabalhado­
ras alcancem sua em ancipação histórica. Espi­
ritualm ente, os povos europeus sentem , de mo­
do m ais ou menos obscuro, que êsse novo im ­
pulso construtivo só será possível se a cris­
tandade se libertar de qualquer usurpação dos
interêsses hum anos, por p arte das classes di­
rigentes m oralm ente falidas. E se a própria de­
m ocracia se libertar de qualquer tem or cego e
vão, com respeito aos valores do Evangelho.
Resum indo: os povos da Europa não vêem a
necessidade de serem reeducados. Acham que
devem ser libertados, p ara aju d ar as Américas
n a reconstrução do m undo.
Vemos assim que im enso esforço de adap­
tação m ú tu a p aira sôbre ta l situação. Se o
povo am ericano tivesse que subestim ar a difi­
culdade da tarefa comum; ou esperar, d a in­
feliz Europa, aquela espécie de docilidade e de
gratidão servil que é a retribuição dos pobres
à benevolência dos ricos; ou esquecer que am ar
A E ducação C ontemporânea 181
os povos europeus é, tam bém , arranhar-se nos
espinhos, m eu grande mêdo é que o desapon­
tam ento e a desilusão conseqüentes façam êste
país se refugiar no isolam ento. E será um de­
sastre para o m undo. Vossos antepassados dei­
xaram a Europa e a opressão, por um novo
m undo de liberdade e fraternidade. Chegou a
vez de voltardes os olhos p ara a velha terra de
tristeza e sofrim entos. Os europeus sem pre
olharam a América como a T erra da Prom is­
são. Considerai a grandeza de sua esperança.
Êles não são ingratos. Sua gratidão antecipada
é grande, como a esperança. Se lhes derdes ali­
m entos, auxílio econômico e meios técnicos,
um sincero “m uito obrigado” será sua respos­
ta. E não cuidarão m ais disso. M as querem
vossa confiança, tam bém . Que acrediteis nêles,
nas atividades que se propõem a em preender.
A grandeza espiritual de vossa tarefa não de­
ve, portanto, ser dim inuída. E ’ um a tarefa de
am izade heróica. Por outras palavras, o de que
todos os povos precisam , antes de tudo, é de
participar de trabalho com um , m aior do que
êles mesmos e ao qual se dedicam com since­
ridade. Um trabalho comum, espiritual e m a­
terial, ao mesmo tem po, que as nações consi­
deram como a construção de u m a nova civili­
zação cristã. A Europa e a Am érica têm , cada
um a, suas idéias a respeito dêste trabalho e
182 R umos da E ducação
suas concepções sôbre o regime econômico in­
terno que m ais lhes convém. Em bora m an­
tendo suas características, essas idéias devem
ser ajustadas, essas concepções devem trab a­
lh ar juntas. N enhum bem duradouro pode ser
feito ao m undo, se o sentim ento da tragédia da
vida e a qualidade de heroísm o que a Europa
deve m ostrar para dom inar sua tragédia e se
o sentim ento da grande aventura h u m an a e a
qualidade de heroísm o que a América deve
m ostrar p ara levar à plenitude sua aventura,
não se unirem um ao outro pela confiança e
pela fé.
Vou citar um as passagens da página pro­
fética, escrita em 1939, por aquêle inspirado e
m agnânim o sábio quáquer, Thom as R. Kelly.
“A gente volta da E uropa”, escreve êle, “com
um som de chôro nos ouvidos, como se alguém
dissesse: “Não se desiluda. Você deve encarar
o Destino...”. Há um a solenidade terrível no
m undo, pois o últim o vestígio de segurança
terren a se foi. Êle já p artiu de h á m uito e a
religião não se cansou de o repetir. Mas nós
não acreditam os... A gente volta da Europa es­
pantado de ter visto como vidas tão cultivadas
como a nossa, m as baseada no tem po, n a pro­
priedade e na reputação somente..., estão ago­
ra condenadas ao desespêro, ao desespêro sem
A E ducaçao C ontemporânea 183
esperança”. 7 Êsse sentim ento da tragédia da
vida — privilégio terrível da Europa — Tho-
m as Kelly o com preendeu em seu coração. E,
talvez, fôsse esta a causa de sua m orte.
A segunda coisa de que os povos neces­
sitam é a com preensão m útua. E ’ lam entável
como as nações se ignoram reciprocam ente.
Q uando vier a paz e se criar u m a agência su­
perior de educação m undial, essa agência deve
prom over vasto sistem a de intercâm bio, de
bolsas de estudo e de cursos gratuitos, de tal
modo organizados, que os jovens de todos os
países e, especialm ente, os am ericanos e eu­
ropeus, adquiram perfeito conhecim ento de
suas respectivas nações, ao participar não só
da vida universitária ou social, m as da vida de
trabalho, da vida n a fazenda ou n a fábrica. O
conhecim ento que se adquire com as viagens
é, com freqüência, m uito superficial. Lim itado
às cam adas sociais menos características ou
m ais decepcionantes. O problem a é penetrar
em meio m ais profundo do que o da burgue­
sia. E ’ participar da existência real e dos in-
terêsses do povo. E ’ descobrir a sua alm a com
am or e não com críticas e condescendências.
Sei que a atitude m ental de certos tu ristas eu­
ropeus e, até, de certos refugiados, não corres­
7. Thomas R. Kelly, A Testament of Devotion (Har-
per & Bros., New York, 1941), pág. 69. Douglas V.
Steere, ed.
184 R umos da E ducação
ponde à generosidade dêste país. M al desem ­
barcam , começam a reprovar tudo o que difere
da cozinha, dos hábitos e m étodos de sua terra
natal. E ’ o reverso dessa atitude que parece
decepcionar m uitos am ericanos, adm iradores
da Europa. Desculpam tudo ou defendem as
idéias e preconceitos dos círculos sociais que,
p ara agradá-los, se desfazem em am abilidades
e cortesias. Desprezam , no entanto, o dinam is­
mo real daquele solo secreto, daquele solo de
profunda tensão e conflitos, que é a Europa.
Aquêles, de entre vós, que se m ostraram m ais
indulgentes p ara com o fascismo italiano e o
vichiismo francês, foram os que residiram n a
F ran ça ou n a Itália. E que, por afeição e ex­
cesso de am or, não ousaram repudiar os ho­
m ens e as classes que traíram o espírito dêsses
nobres países. Não perceberam o fogo que es­
tava ali, queim ando.
A In sp ira ç ã o R e n o v a d o ra d e N o ssa E d u ca çã o
Procurei discutir o trabalho de cura m en­
tal de que necessitam os povos contam inados
pela educação nazista. Mas não nos devemos
esquecer que, às vêzes, tam bém os médicos
precisam de tratam ento. Ninguém pode dar
o que não tem . Há m uitas deficiências n a edu­
A E ducação C ontemporânea 185
cação dos países democráticos. Enum erei, ao
correr destas páginas, as que me pareceram
principais. Um perigo a ser revelado. E ’ que
a educação, em vez de form ar um hom em real­
m ente hum ano, procure transform á-lo em ór­
gão de um a sociedade tecnocrática.
Não se tra ta de negar ou de dim inuir a
grande necessidade da Tecnologia. Necessidade
que a guerra atu al aum entou e que a paz de­
ve desenvolver ainda mais. Temos de aceitá-la
prontam ente. T rata-se de conhecer o signifi­
cado exato da Tecnologia, p ara o homem. E
não de considerá-lo como sabedoria suprem a e
diretriz da vida hum ana, a transform ar os
meios em fins. E sta guerra não é um a te n ta ­
tiva de dom ínio sôbre o hom em nem sôbre a
m atéria mesmo. E ’ um a ten tativ a p ara a li­
berdade e p ara a justiça, p ara direitos iguais,
p ara dar expansão ao m ovim ento progressista
da H istória hum ana, é um a ten tativ a p ara a
civilização cristã. Êsses valores são principal­
m ente espirituais. Se a única coisa que a ra ­
zão h u m an a pode fazer é m edir e controlar
a m atéria, — por quê lutam os, então? Não
tendo meios p ara determ inar em que consis­
tem a liberdade, a justiça, o espírito, a per­
sonalidade h u m an a e a dignidade; não saben­
do porque m erecem que m orram os por êles, —
186 R umos da E ducação
lutam os e m orrem os por palavras, n ada mais.
Se a juventude a ser educada pelas dem ocra­
cias fu tu ras considerar como m itos tôdas as
coisas que não se podem calcular ou transfor­
m ar; se só acreditarm os num m undo tecno-
crático, podemos conquistar a A lem anha n a­
zista m ilitar e tècnicam ente. Mas, m oralm en­
te, fomos conquistados por ela. O prefácio do
nazism o e do fascismo é desprêzo absoluto
pela dignidade espiritual do hom em e a con­
vicção de que só os fatores m ateriais ou bioló­
gicos governam a vida hum ana. Já que o ho­
m em não pode passar sem um ídolo, a m ons­
truosa adoração do Leviatã totalitário terá o
seu dia. A Tecnologia é um bem, como meio
de que se serve o espírito hum ano e p ara os
fins do homem. Mas a Tecnocracia, isto é, a
Tecnologia com preendida e venerada de modo
a negar qualquer sabedoria superior e qual­
quer o u tra com preensão, que não seja a dos
fenôm enos ponderáveis, só deixa, n a vida h u ­
m ana, a sensação de fôrça ou no m áxim o de
prazer. E term ina, necessariam ente, num a fi­
losofia im perialista. Um a sociedade tecnocrá-
tica é sem pre totalitária. Um a sociedade tec­
nológica pode ser dem ocrática, se tiver um a
inspiração supratecnológica. E reconhecer,
com Bergson, que “o corpo m ais desenvolvido”
A E ducação C ontemporânea 187
exige “um a alm a m aior”, e que o “m ecânico”
subentende o “m ístico”. 6
Nossa necessidade e nosso problem a essen­
cial é redescobrir a fé n atu ral da razão, na
verdade. Visto que somos hum anos, guarda­
mos esta fé em nosso instinto subconsciente.
Mas não a tem os m ais em nossa razão cons­
ciente, porque filosofias errôneas nos ensina­
ram que a verdade é noção desusada, a ser
substituída pelo apriorism o de K an t ou equi­
valentes. E pela praticabilidade de um a idéia
ou do êxito de um processo de pensam ento a
se exprim ir em atos. Um m om ento de ad ap ta­
bilidade feliz, entre nossas atividades m entais
e sanções práticas. E nquanto que o universo
e o valor real de tôdas essas coisas que a ex­
periência sensorial não pode verificar ou que
são hum anam ente praticáveis perderam seu
significado. Com tal filosofia pragm ática, um
grande pensador, como o Professor John De-
wey, é capaz de m an ter a im agem ideal de tudo
o que é caro ao coração dos hom ens livres. Mas
fora do sistem a ideológico, a lu ta histórica en­
tre essa filosofia e a cu ltu ra levará, n a tu ra l­
m ente, a um a em pedernida negação positivis-
8. Les Deux Sources de la Morale et de la Religion,
pâgs. 334-335; The Two Sources of Morality and Religion
(tr. by R. A. Andra and C. Brereton), pâgs. 298-299.
/
188 R umos da E ducação
ta ou tecnológica do valor objetivo de qualquer
necessidade espiritual.
Devemos com preender, assim, por que
conflito interno a dem ocracia está hoje enfra­
quecida. Seu motivo principal é de n atureza
espiritual — o desejo de justiça e o am or fra­
terno. Mas sua filosofia confundiu-se m uito
tem po com o pragm atism o, que não pode ad­
m itir um a fé real em tal inspiração espiritual.
Como h á de, então, a dem ocracia defender seu
próprio ideal histórico-heróico ideal — con­
tra os m itos totalitários? “Por esta razão”,
afirm a o Dr. M eiklejohn, “o dia do pragm atis­
mo passou. O m ovim ento que, durante 50 anos,
tão alegrem ente fêz com que se esquecessem
teorias m ais antigas, por estarem fora de mo­
da, por não terem m ais razão de ser, é tratado,
hoje, do mesmo modo. Tornou-se arcaico, tam ­
bém...” 9
Mas o caso do pragm atism o é feição p ar­
ticular de problem a m aior. Temos que consi­
derar, em últim a análise, de que modo se
acusou a Filosofia. E quem a acusou não foi
a Ciência, m as um a falsa M etafísica da Ciên­
cia. Julian Huxley acha que as asserções filo­
sóficas e religiosas são hipóteses absurdas e
9. Meiklejohn, op. cit., pág. 140.
A E ducaçao C ontemporânea 189
inúteis. São absurdas e inúteis p ara êle, con­
cordo. Os filósofos podem com preender as con­
tribuições de Ju lian Huxley e reconhecer a
verdade da Biologia, assim como a verdade da
Filosofia e da Religião. Mas não tenho dúvida
em afirm ar que Julian Huxley não com preen­
de nossos livros. Por isso é tão categórico ao
negar à Filosofia qualquer participação no
cam po do conhecim ento. Mas a Filosofia está
ap ta a revidar o desafio. Condena o m étodo de
tais cientistas anti-filosóficos, como incom pa­
tível com o próprio m étodo científico e como
sim plista dem ais. Pois se êles criticam a Filo­
sofia e a Religião em nom e da Ciência, esta,
de acordo com sua própria confissão, não pos­
sui conhecim entos nem critérios em tais as­
suntos. Só pode julgá-los se se to rn ar Filosofia.
Êstes hom ens são como um chofer de autom ó­
vel que afirm asse que os aviões não valem n a ­
da, porque êle sabe guiar autom óvel e voar não
é guiar automóvel. Viver num estado de dú­
vida é atitude altam ente civilizada, com rela­
ção às potencialidades infinitas e às realiza­
ções da ciência, n a decifração dos fenômenos.
Mas viver num estado de dúvida em relação,
não aos fenômenos, m as às realidades últim as,
cujo conhecim ento é um a possibilidade n a tu ­
ral, um privilégio e um dever da inteligên­
cia hum ana — é viver m ais m iseràvelm ente
190 R um os da E ducação
do que os anim ais. Pois êles, pelo menos, ten­
dem com certeza instintiva e anim ada p ara os
fins de sua vida efêmera.
E ’ um grande infortúnio que tan to a cul­
tu ra quanto a educação sofram d a separação
entre o ideal — que constitui sua razão de vi­
da e ação e que supõe coisas em que não acre­
ditam — e a realidade — de acordo com a qual
vivem e agem, m as que nega o ideal que a
justifica. Tôdas as dem ocracias m odernas fo­
ram vítim as disso. O dever e a m issão da ju ­
ventude é resolver o problem a à sua própria
custa. E ’ ligar o real ao ideal e fazer com que
o pensam ento e a ação m archem juntos.
Chegando ao fim dêste livro, acho que )
posso apelar, confidencialm ente, p ara os jo­
vens am ericanos. H á m uito que os estimo, co­
mo estim o sua grande pátria. G ostaria de di­
zer-lhes o seguinte: O m undo que tem fome,
não só de pão, m as da palavra libertadora da
verdade, precisa de vós. Pede que sejais tão
corajosos no cam po do intelecto e da razão,
quanto nas batalhas da terra, do m ar e do ar.
Vossa inteligência tem de g anhar um a coisa
que não pode ser m edida ou m anipulada pelos
instrum entos científicos. Mas que é dada pela
intuição racional que surge do que vossos olhos
vêem e do que tocam vossas mãos. Um uni­
verso de realidades, que atualiza vossos pen-
A E ducação C ontemporânea 191

cia. E não como resultado de um a ação bem


sucedida. Universo do ser inteligente e do ca­
ráter sagrado da verdade. Podeis, então, mos­
tra r ao m undo como a ação h u m an a se recon-
sam entos, em virtude de sua própria existên-
cilia com um ideal, m ais real do que a própria
realidade. Como é influenciada por êle. E
como é possível e bom m orrer pela liberdade.
Em relação ao program a educacional da
América, reconheço que não h á história m ais
m ovim entada e esperançosa e que testem unhe
m elhor a grandeza dos hom ens de boa von­
tade do que a dos trezentos anos de conquis­
tas realizadas aqui. Miss Agnes Benedict n a r­
ra-a em seu livro, P ro g ress to F reed o m . 10
A dem ocratização da educação e a desco­
berta, feita pela inteligência, dos processos e
meios educacionais m ais adequados à n atu re­
za e à dignidade dos filhos dos hom ens é um a
das glórias dêste país. Parece que a educação
am ericana está, agora, n a encruzilhada. Liber­

10. G. P. Putnam’s Sons, New York, 1942.


Citei êste livro, porque o li com grande interêsse e
proveito. E também porque une, a uma base filosófica
simplista e cheia de preconceitos, uma inspiração anima­
damente generosa, entusiasta e vivaz. Notável sintoma
cio estado mental de muitos educadores contemporâneos
amantes da verdade. Suas conclusões são tão mais arro­
gantes e ardentes quanto foram educados no esquecimen­
to da pragmática ou no horror de suas bases intelectuais.
192 R umos da E ducação
tando-se da filosofia instrum entista e pragm á­
tica, que é um obstáculo à sua inspiração e que
p ertu rb a o sentim ento da verdade em nossas
m entes, esta aventura educacional, profunda­
m ente personalista e hum ana, será, agora,
como novo trabalho de colonização.

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