Psicologia Transpessoal Explorando Os Vários Estados de Consciência

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Psicologia Transpessoal
Explorando os Vários Estados de Consciência

Leo Matos

A Psicologia Transpessoal usa elementos de outras escolas de psicologia, tais como


behaviorismo, psicanálise, psicologia analítica (Junguiana), psicologia humanista, e,
especificamente estuda estados de consciência que transcendem a pessoa e o conceito do ego. Por
isso a psicologia transpessoal pode ser definida como o estudo científico de estados de consciência.
O modelo de psicologia transpessoal é muito semelhante ao modelo quanta-relativístico da
física moderna sub-atômica (veja: Matos, 1978), i.e., modelos que procuram apresentar um ponto
de vista integrado da teoria de quantum e relatividade . Aqui o universo todo (matéria/energia) é
uma entidade dinâmica em constante mudança num todo indivisível.
Neste contexto Capra (1975) diz:
"Na física moderna, o universo é então experienciado como um todo dinâmico e
inseparável que sempre inclui o observador de uma maneira essencial. Nesta experiência os
conceitos tradicionais de espaço e tempo, de objetos isolados, e causa e efeito, perdem o seu
sentido."
O começo da ciência moderna foi precedido e acompanhado pelo desenvolvimento de um
pensamento filosófico que levou o homem a uma formulação extrema do dualismo
espírito/matéria. Reneé Descartes expressou o seu ponto de vista do universo como sendo dividido
em dois reinos separados; o da mente (res cogitans) e o da matéria (res extensa). Este ponto de
vista cartesiano levou os cientistas a compreenderem a matéria como algo morto e completamente
separado de si mesmos (a "realidade objetiva científica"); e a compreender o universo como quase
uma infinidade de objetos separados (Capra, 1975).
Tal ponto de vista mecanicista foi aceito por Isaac Newton que construiu a sua teoria
mecânica baseado neste mesmo ponto de vista e fez dela o fundamento da física clássica. Esse
ponto de vista cartesiano e newtoniano teve um tremendo impacto no pensamento e consciência
ocidental. Então o homem começou a equacionar a sua identidade (isto é; aquele que ele pensava
que era) com sua mente, com sua auto-imagem. Estes postulados filosóficos que levaram a
formulação da física clássica são um produto da maneira como o ser humano experiencia a
realidade num estado de consciência usual (Ordinary State of Consciousness).

REALIDADE
A realidade é experienciada diferentemente por cada indivíduo em momentos diferentes de
sua própria existência.
Nós sabemos que a experiência da realidade, ou melhor, das realidades, depende de vários
fatores, como, por exemplo, nosso condicionamento social, os estímulos de consciência que
experienciamos em certos momentos de nossa vida. Num estado usual (ordinário) de consciência
(OSC - Ordinary State of Consciousness) nós assimilamos e interpretamos as informações que nos
são transmitidas pelos nossos sentidos em unidades de significância. Nós olhamos o mundo ao
nosso redor e nossos olhos selecionam certas informações as quais "arquivamos" como um quadro
parcial da realidade física. Nossos sentidos não são capazes de apreender o todo processual e
dinâmico do nosso modo de existir , no nosso universo interno e externo. Nós vemos o mundo
como composto de muitas coisas diferentes, as quais são separadas umas das outras por espaço; e

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consequentemente nos tornamos conscientes de um filme interior (produto do processo de re-


cognição), de um mundo composto de objetos mais ou menos estáticos. Se eu olho, por exemplo,
para o sólido e elegante edifício da Biblioteca Real da Dinamarca (Den Danske Kongelige
Bibliotek) em Copenhague, estarei, de certa forma, experienciando aquela construção, formidável
e sólida, como algo quase eterno. Eu, certamente, não pensarei na possibilidade de que aqueles
materiais que compõem aquele edifício não estavam ali, naquele lugar, a quinhentos anos atrás, e
nem tampouco chegarei a pensar que todos aqueles materiais compostos de moléculas e átomos
estão em movimento e transformação constante. Eu não sou capaz de perceber este edifício se
envelhecendo aqui e agora, mas, em realidade, em cada segundo, este edifício, aparentemente tão
sólido e elegante, está em constante deteriorização; e mesmo que conservado e concertado muitas
vezes, num tempo mais distante, aqueles materiais que hoje fazem este edifício, dispersados pelo
vento do tempo, não mais estarão ali.
Este modo de perceber, que é uma conseqüência psicológica da dimensão cognitiva
humana, faz com que, dificilmente, estejamos conscientes da transformação constante que
acontece em nosso corpo agora e em cada momento desde o nascimento até a morte. Este modo
específico de aprender a realidade, é, provavelmente, a causa principal pela qual conceptualizamos
o universo de uma maneira dualística, criando, freqüentemente, rígidas separações entre eu e você,
corpo e mente, vida e morte.

CONSEQUÊNCIAS DO DUALISMO
As conseqüências existenciais da maneira dualística, pela qual nos tornamos conscientes de
nosso universo, refletem em nosso meio ambiente criando um espectro social de conseqüências
bem interessantes. Este modo específico de se tornar consciente de algo, freqüentemente faz com
que o indivíduo se sinta como um ego isolado, navegando num oceano mais ou menos perigoso;
aonde ele tem que garantir para si mesmo estratégias específicas, para sobreviver numa sociedade
específica. Seu objetivo, que é basicamente o mesmo objetivo, consciente ou inconsciente, de cada
ser humano, será o de obter um estado de prazer e segurança num contexto físico, psicológico e
social. Para atingir seus objetivos, mais próximos ou mais distantes, ele agirá (e reagirá!) com seu
mundo social. É um fato lógico que ele agirá e reagirá com a vida de acordo com o modo pelo qual
está consciente do universo. E, lidando com o universo fundamentado numa visão imprecisa (o
modo pelo qual usualmente se é consciente do universo e de si mesmo) ele obterá resultados
similares. Ele pode obter um estado de "felicidade" temporária mas sempre se sentirá, consciente
ou inconscientemente, ameaçado pelo seu meio ambiente e pela possibilidade de perda, de ser
mesmo ferido e eventualmente morrer.
Num contexto dualístico, o ser humano está vivendo em pelo menos dois mundos
diferentes: um, é o meio físico da sua vida diária; e o outro, é o seu mundo conceitual, i.e., os seus
pensamentos, cognição, re-cognição e o modo como organiza e percebe a quase infinidade de
informações que ele recebe de seu universo interior e do universo ao redor de si mesmo. Neste
caso, ele está criando uma realidade consensual, a qual ele entende e compreende em unidades de
significância, num contexto linear de passado, presente e futuro.

A AUTO-IMAGEM
Parece que esta realidade criada, conceitualmente de separação rígida (eu e o mundo),
começa naquele momento em que nascemos e somos anatômicamente separados de nossas mães;
e, mais especificamente, quando nós aprendemos um sistema de código chamado linguagem. Uma
das primeiras unidades de significância que nós aprendemos neste sistema de linguagem é o
conceito do eu, ou ego para identificar este ego eu preciso separar e adicionar certas qualidades

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para ele. Desta forma, eu crio uma imagem de mim mesmo. Esta imagem não é realmente
permanente e muda no curso da vida do indivíduo. Ali tem certos elementos que são mais ou
menos constantes nesta imagem (ou identidade), tais como: o sexo, a qualidade de ser um ser
humano, etc. Existem, na auto-imagem, outros atributos que podem variar com o tempo, como por
exemplo: o status social e financeiro, sentimentos, qualidades pessoais e capacidades.
Desta maneira, o ser humano organiza e re-organiza a sua imagem acreditando saber quem
ele é. Ele se identifica. E esta identidade aparece para ele, algumas vezes como sendo mui
agradável e algumas vezes desagradável; tudo dependendo de como o futuro deveria ser
(procurando eternizar ou programar o futuro de uma certa maneira). Ela tem expectativas e
esperanças que as pessoas, ela mesma e situações se realizarão, mais ou menos, dentro daqueles
padrões que ela pré-fabricou ou planejou. Quando o mundo não reage às fantasias que ela criou, de
como as pessoas/situações deveriam ser, se sente frustrada e reprime estas situações desagradáveis.
Desta forma, esta pessoa está guardando situações traumáticas como blocos de energia estática, ou,
em outras palavras, está bloqueando ou armazenando dor.
Outras fontes de "dor armazenada", ou traumas, são situações que indivíduo experienciou
desde sua vida pré e perinatal até todas as experiências no nível psicodinâmico, onde a pessoa não
teve a possibilidade de preencher as suas necessidades naturais de desenvolvimento (proximidade
e calor humano materno na primeira infância, condições físicas adequadas para um
desenvolvimento fisiológico normal, segurança emocional proporcionada pelos pais e o seu
ambiente em geral, estímulo intelectual apropriado, etc.).
As frustrações e situações traumáticas, as quais a pessoa não foi capaz de expressar, foram
impressas na auto-imagem (ego), e mais tarde, eventualmente, reprimidas (esquecidas mas ainda
bem vivas no subconsciente, como um filme com conotações emocionais dolorosas). Estas
situações dolorosas, agora reprimidas e bloqueadas, podem aparecer como problemas mentais e/ou
sintomas corporais tais como tensão, dor e mesmo doenças psicossomáticas.
Podemos dizer que a criação do ego (auto-imagem) é o ponto inicial da vida pessoal (de
"persona" que em latim quer dizer: "máscara do ator") do ser humano. Quando o indivíduo
transcende o ego (o qual é um conceito), ele/ela vivencia uma experiência transpessoal. Aqui
poderíamos dizer que o indivíduo no nível pessoal ( como uma "persona") está experienciando
uma realidade cartesiana/newtoniana; enquanto que, no nível transpessoal ele pode ser capaz de
experienciar a realidade descrita pela física moderna atômica e sub-atômica.
Fritjof Capra, que fez pesquisa em física de alta-energia, na Universidade de Paris, na
Universidade da Califórnia em Santa Cruz, e em várias outras universidades, começa seu famoso
livro o Tao da Física, explicando como uma experiência transpessoal, o levou a descobrir
experiencialmente as "verdades" da física moderna:
"Há cinco anos eu tive uma experiência muito bela a qual me colocou no caminho que
acabaria por resultar neste livro. Eu estava sentado na praia, em uma tarde, já no fim do verão, e
observava o movimento das ondas, sentindo ao mesmo tempo o ritmo de minha própria respiração.
Nesse momento, subitamente, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se me
afigurava como se participasse de uma gigantesca dança cósmica. Como físico, eu sabia que a
areia, as rochas, a água e o ar a meu redor eram feitos de moléculas e átomos em vibração e que
tais moléculas e átomos, por seu turno consistiam em partículas que interagiam entre si através da
criação e da destruição de outras partículas. Sabia, igualmente, que a atmosfera da Terra era
permanentemente bombardeada por chuvas de "raios cósmicos", partículas de alta energia e que
sofriam múltiplas colisões à medida que penetravam na atmosfera. Tudo isso me era familiar em
razão de minha pesquisa em Física de alta energia; até aquele momento, porém, tudo isso me
chegara apenas de gráficos, diagramas e teorias matemáticas. Sentado na praia, senti que minhas
experiências anteriores adquiriam vida. Assim, "vi" cascatas de energia cósmicas provenientes do

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espaço exterior, cascatas nas quais, em pulsações rítmicas, partículas eram criadas e destruídas.
"Vi" os átomos dos elementos - bem como aqueles pertencentes a meu próprio corpo -
participarem desta dança cósmica de energia. Senti o seu ritmo e "ouvi" o seu som" (Capra, 1975).
Grof (1972), que trabalhou com pesquisa de drogas psicodélicas durante quase duas
décadas, e que é um dos pioneiros do enfoque científico transpessoal no Ocidente, diz:
"A experiência transpessoal é então definida como uma experiência envolvendo uma
expansão e extensão da consciência mais além dos limites usuais do ego e as limitações de tempo e
espaço. No estado de consciência "normal", ou usual, o indivíduo experiencia a ele mesmo como
existindo dentro dos limites de seu próprio corpo físico (a imagem do corpo) e a sua percepção do
meio ambiente é restringida pela capacidade limitada de seus exteroceptores; ambas, as suas
percepções internas e suas percepções do meio ambiente, são confinadas dentro dos limites de
espaço-tempo. Em experiências psicodélicas transpessoais, uma ou mais destas limitações parecem
ser transcendidas.
Em alguns casos, o sujeito experiencia a perda dos limites usuais de seu ego, e sua
consciência parece expandir para incluir outros indivíduos e elementos do mundo exterior. Em
outros casos, ele continua experienciando sua própria identidade, mas num tempo diferente, e num
contexto diferente. Ainda, em outros casos, o sujeito experiencia um desaparecimento total da
identidade de seu ego e uma identificação total com a consciência de outra entidade. Finalmente,
em uma categoria bem grande destas experiências psicodélicas transpessoais ( experiências
arquetípicas, encontros com divindades pacíficas e raivosas, união com Deus, etc.), a consciência
do sujeito parece abranger elementos que não têm nenhuma continuidade com sua identidade, os
quais não podem ser considerados como simples derivados de suas experiências no mundo da
realidade tri-dimensional."

A HISTÓRIA DA PSICOLOGIA TRANSPESSOAL


A Psicologia Transpessoal é tão antiga quanto a humanidade, e sabemos que este
"approach" cósmico para a compreensão do homem já era praticado a mais de 5000 anos pelos
antigos egípcios, pelas civilizações pré-colombianas da América, na Índia e no Tibet. Hoje, várias
formas de "approach" transpessoal são usados, entre outros, pelos tibetanos ( Matos, 1979 B),
pelos índios pele vermelha da América do Norte e os índios da América Central e do Sul.
No ocidente, a Psicologia Transpessoal foi estabelecida por um grupo de cientistas que
sentiram a necessidade de um ramo da ciência que poderia estudar e colocar em prática vários
níveis de consciência. Este ramo da ciência se ocupa do estudo científico empírico, e a
implementação responsável de descobertas científicas relevantes para: caminhos espirituais, meta-
necessidade (individuais e sociais), valores supremos, consciência unitiva, experiências de topo
("peak experiences"), valores-B, compaixão, êxtase, experiências místicas; sendo, auto-
atualização, essência, bem-aventurança, o significado final de tudo, transcendência do "self" e do
espírito, unicidade, consciência cósmica, sinergia individual e total das espécies, teorias e práticas
de meditação, sacralização da vida de cada dia, fenômenos transcendentais, auto-humor cósmico e
capacidade de desfrutar a vida de uma maneira positiva ("playfulness") e conceitos relacionados,
experiências e atividades.
Entre os fundadores deste novo enfoque estão Abraham Maslow e Anthony J. Sutich. No
ano de 1966 este movimento estava emergindo nos Estados Unidos, e no verão de 1967 foram
dados os primeiros passos para a sistematização deste "approach". Na primavera de 1969 foi
publicado o primeiro número da revista científica Journal of Transpersonal Psychology e fundada a
Associação para Psicologia Transpessoal (Association for Transpersonal Psychology). O primeiro
Congresso Internacional de Psicologia Transpessoal foi realizado na Islândia em 1972; o segundo

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congresso teve lugar também na Islândia, em 1975; o terceiro, na Finlândia em 1976; o quarto, no
Brasil em 1978 quando então, foi fundada, em Belo Horizonte, pelo Lama Tibetano Tarab
Rinpoche, Stanislav Grof, Pierre Weil, e o autor deste artigo, a Associação Internacional de
Psicologia Transpessoal com sede na Califórnia (Esalen Institute, Big Sur, Califórnia, USA).
Pouco depois o nome da associação foi mudado para Association for Transpersonal Psychology
(ITA). O nome "psicologia" foi eliminado do nome da associação pela simples razão que o
transpessoal é muito mais do que psicologia; o enfoque transpessoal é em realidade um enfoque
para a vida, portanto não se limitando somente a psicologia, mas incluindo outras ciências.
De 1978 em diante, a organização dos seguintes congressos ficou a cargo da ITA , a qual
organizou o quinto congresso internacional nos Estados Unidos em 1979; o sexto na Austrália em
1980; o sétimo na Índia em 1982; o oitavo na Suiça em 1984 e o nono no Japão em 1986. A ITA
encerrou suas atividades, depois deste congresso no Japão, devido a dificuldades financeiras. No
entretanto, outros congressos internacinais continuaram a ser organizados nos Estados Unidos por
várias outras instituições (v.g. a ATP - Association for Transpersonal Psychology).
O Brasil é um país que tem um "background" especificamente transpessoal (especialmente
devido as civilizações pré-colombianas), e por isso, certamente, seria de se esperar neste país um
interesse muito grande por este "approach" científico holístico para a vida. Aqui foi fundado em
dezembro de 1978 o GONPO Instituto Brasileiro de Psicologia Transpessoal, o qual promoveu a
divulgação, pesquisa científica, treinamento, vários cursos e conferências. O GONPO Instituto
Brasileiro de Psicologia Transpessoal encerrou suas atividades em agosto de 1984 por falta de
executivos disponíveis naquele momento para dar continuidade as atividades do mesmo. Em 1985
foi fundada a Associação Brasileira de Psicologia Transpessoal (ABPT) que funciona em convênio
com a Associação de Psicologia Transpessoal da Finlândia (SUTRA - Suomen
Transpersoonallisen Psykologian Seura).
Atualmente existem várias universidades, especialmente nos Estados Unidos (v.g. a
Universidade da Califórnia) onde é possível se obter mestrado e doutorado em psicologia
transpessoal.

APLICAÇÕES DA PSICOLOGIA TRANSPESSOAL


Vários são os métodos que podem ser aplicados na prática da psicoterapia transpessoal; e
facilitando a pessoa a entrar num nível transpessoal, o terapeuta estará tornando acessível, a esta
pessoa, o encontro com as manifestações mais profundas de seu inconsciente (v.g. experiências
perinatais, experiências arquetípicas, etc), com o objetivo de facilitar ao indivíduo sua própria
jornada de cura, nos níveis psicodinâmico, perinatal e transpessoal.
A experiência transpessoal pode muitas vezes desbloquear, situações traumáticas, num
espaço de tempo surpreendentemente curto; quando, as mesmas, usando terapias mais
convencionais, poderia levar meses e mesmo anos.
O estado natural da mente é a ordem, i.e., a harmonia consigo mesma e com o meio
ambiente. Quando esta harmonia existe, a mente funciona como uma totalidade; e aqui temos
então o resultado que chamamos de saúde mental. Quando existem perturbações e desarmonia, a
mente perde seu estado de unidade fluente e se torna dividida, ou bloqueada, e apresenta aspectos
traumáticos que podem resultar em vários tipos de depressão, ansiedade, neuroses e/ou vários tipos
de psicose.
Um trauma, ou um evento mental bloqueado, é uma situação "negativa" a qual o indivíduo
experienciou e agora guarda consigo (na maioria das vezes inconscientemente), como um filme
antigo. A situação não mais existe, e, freqüentemente, a pessoa esqueceu completamente
(reprimiu) aquela experiência desagradável. De qualquer forma, esta experiência está agora
armazenada no subconsciente como um velho filme, e, sendo uma energia bloqueada, perturba o

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fluir natural da mente. O resultado disto é que a mente perde o seu estado de integração, de
totalidade harmônica, de saúde.
A maneira de se restabelecer a saúde (ou re-integrar o que foi des-integrado) é desbloquear
esta energia bloqueada. E a Psicologia Transpessoal dispõe de métodos efetivos para, primeiro
desbloquear esta energia, e segundo (mais importante), facilitar a esta pessoa atingir um estado
elevado de consciência (High State of Consciousness). Neste ponto então esta pessoa experiencia
sua capacidade de trabalho, criatividade e capacidade de desfrutar a vida, como muito ampliada;
dentro de um contexto de claridade interior e equilíbrio.
Para ilustrar aqui uma técnica transpessoal explicarei brevemente a experiência-de-morte-e-
renascimento do ego.

MORTE-E-RENASCIMENTO-PSICOLÓGICO DO EGO
Nos países do oriente e várias outras culturas antigas, aprender a morrer é considerado um
aspecto integral e indispensável da arte de viver. Em várias religiões de mistério, templos secretos
e ritos de iniciação usados por milênios em vários países do mundo, pessoas foram guiadas para
experienciarem a sua própria morte-e-renascimento-psicológico.
Esta técnica, que tem sido usada até os nossos dias dentro de um quadro de referência
xamanístico e também tântrico, supostamente resulta em iluminação espiritual e permite ao
iniciado viver o resto de sua vida de uma maneira mais plena e significativa. Concomitantemente
esta experiência prepara a pessoa para morrer. Manuais de Morte e morrer, tão antigos quanto o
Livro Egípcio dos Mortos e o Livro Tibetano dos Mortos, revelam práticas psicológicas
intrincadamente complexas, e foram considerados manuais preparando tal pessoa para o ritual de
morte-e-renascimento-psicológico como também para a experiência de sua morte biológica. Esta
experiência através dos tempos tem sido feitas sem o uso de drogas, e em algumas culturas e
terapias (v.g. Grof, Di Leo, etc.) com o uso de drogas psicodélicas. (Grof, 1977).
Grof (1970, 1972, 1972a, 1972/1973, 1977), trabalhando independentemente de outros
pesquisadores, com terapia de LSD e sem conhecimento prévio de práticas tântricas e práticas
xamanísticas de morte e renascimento psicológico do ego , observou este processo terapêutico
quando aplicando terapia psicodélica de pico ("psychedelic peak psychotherapy") (Grof, 1976).
Como sabemos, algumas culturas antigas (v.g., os tibetanos) tem usado, através de
millenia, técnicas semelhantes dentro de um contexto de prática de meditação, sem o uso de
drogas. Trabalhando dentro de um quadro de referência transpessoal e sem o uso de drogas,
desenvolvi uma técnica para facilitar a pessoa esta experiência psicológica de morte-e-
renascimento do ego.
Tenho usado esta técnica por vários anos em terapia individual e mais especificamente em
workshops transpessoais as quais tenho ministrado durante os últimos quinze anos. Aqui facilito
para os participantes um encontro com a vida, a morte e o renascimento. Experiências de unidade
cósmica; jornadas a espaços de realidades incomuns (non-ordinary realities); fenômeno
arquetípico; experiências de "reencarnações passadas" são vividas e re-vividas pelos participantes
destas workshops .

INGRID
Como exemplo de um caso quero mencionar aqui a história de Ingrid, uma médica
recentemente formada, com um medo muito acentuado de morrer, de morte em sua família e mais
especificamente de uma eventual morte de seus pacientes (ela havia começado, poucos meses

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antes desta workshop, seu trabalho como médica clínico geral num hospital do governo finlandês).
Ela tinha muito medo de morrer num acidente automobilístico. Usando uma técnica transpessoal
que desenvolvi, e que denomino "Sonho Catártico Diurno" (DDC- Day Dream Catharsis), facilitei
para Ingrid sua confrontação com esta perspectiva de morte através de um acidente
automobilístico. Nesta técnica eu peço a pessoa para deitar num colchonete e realmente entrar em
contato com esta fantasia de sua própria morte, como se a pessoa agora estivesse entrando dentro
de um sonho muito realístico que ela vive aqui e agora. Aqui Ingrid teve a oportunidade de
experienciar psicologicamente sua própria morte. Em sua fantasia sobre o seu futuro encontro com
a morte, ela imaginou com cores bem vívidas e emoções profundas que ela estava dirigindo seu
automóvel Honda numa estrada; seu carro trombava violentamente contra outro e ela morria.
Depois desta experiência de morte ela descreveu que estava flutuando sobre a cena do acidente.
Ela expressou então os seus sentimentos de profunda paz e liberação do corpo físico e um
"sentimento maravilhoso" de ser capaz de voar neste espaço azul infinito. Ela então experienciou
chegar a um lugar estranho e belo onde o terreno era fantasticamente fosforescente. Mais tarde ela
percebeu que estava voando sobre vales e montanhas, cruzando oceanos e encontrando vários
arquétipos durante sua longa (aproximadamente um hora) experiência nesta dimensão transpessoal
da consciência. Ela terminou sua longa jornada, a maior parte da qual foi vivenciada num estado
elevado de consciência, encontrando um lindo sol dourado e brilhantemente irradiando vida e
calor. Ela experienciou ela mesma como que entrando dentro da luz dourada e bela deste sol,
tornando-se luz num contexto indescritível de êxtase.
Depois desta experiência (morte-e-renascimento do ego) ela não mais encarava a morte
como um inimigo terrível aguardando por ela numa esquina escura da vida, mas agora ela via a
perspectiva da morte como uma aventura maravilhosa dentro da consciência. Antes dessa
experiência ela dizia que a morte era algo terrível, uma inimiga traiçoeira e evitava tocar no
assunto. Depois da experiência, quando lhe perguntei o que sentia agora a respeito da morte, com
os olhos cheios de luz e com um sorriso caloroso, ela respondeu com uma expressão de alegria:
"Morte?...Morte é vida!"
Foi-me possível seguir este caso durante cinco anos e durante todo este período no qual vi e
conversei com Ingrid regularmente, ela afirmou que aquele pavor de morte que ela sentia antes,
havia desaparecido totalmente. E mais, que a vida dela tinha mudado tanto para melhor, que eu
nem acreditaria se ela me contasse. E especialmente que suas periódicas depressões e constante
insônia haviam desaparecido. Me foi possível observar que Ingrid, que se apresentava antes como
uma pessoa triste e quase nunca se comunicando com os outros, se tornou uma pessoa alegre,
psicologicamente equilibrada, expressando mais a vida e auto-confiança.

CONCLUSÃO
Nesse workshop (Matos, 1975) e em outras que eu tenho conduzido na Europa, EUA,
Japão, América do Sul e Austrália, eu tenho usado várias técnicas de meditação analítica e
visualizações da Psicologia Budista Tibetana (veja: Matos, 1979), tentando primeiro mudar a
maneira usual e limitada pela qual o ser humano conhece e reconhece "realidade".
Desta forma a pessoa se torna consciente (não apenas intelectualmente mas sobretudo
experiencialmente) da transitoriedade de tudo que flui no Rio da Morte, o qual é, exatamente, o
Rio da Vida.
Assim a pessoa começa a ser capaz de transcender o ego (ou o conceito da "auto-imagem")
e a se movimentar em direção a dimensões mais profundas de seu próprio inconsciente
experienciando então estados elevados de consciência. Estados elevados de consciência podem ser
exatamente agradáveis trazendo experiências de êxtase e transcendência, como também podem ser
estados de consciência onde a pessoa pode experienciar
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agonia, ver e experienciar cenas de torturas, infernos de várias cosmologias, viajar em mundos
escuros e subterrâneos experienciando situações de grande dificuldade (como na lenda egípcia do
deus Rá, o deus do sol, viajando nos mundos subterrâneos onde encontra situações terríveis e após
realizar feitos fantásticos de luta, ele renasce de novo), re-experienciando, algumas vezes,
dificuldades provenientes da complexidade de seu próprio nascimento biológico, e muitas vezes,
apresentando memórias as quais a pessoa, freqüentemente, se refere como "memórias de vidas
passadas", e não raramente, vivendo simultaneamente experiências de agonia e êxtase.
Tudo isto aparece como um trabalho profundamente sábio e complexo da própria psiquê
procurando um estado de ser final de reintegração, equilíbrio e cura. E aqui o trabalho do terapeuta
transpessoal é facilitar e encorajar estas experiências várias as quais durante o processo da terapia
podem mover de um nível para outro (por exemplo, do nível perinatal para o psicodinâmico, ou
transpessoal) e mesmo aparecer simultaneamente em dois ou três níveis diferentes.
No fim desta jornada fantástica nas regiões mais profundas da consciência, a pessoa terá
completado um trabalho profundamente significativo para ela mesma, e aqui é comum, no fim
desta viagem, aquela pessoa experienciar sentimentos de grande alegria, cansaço, alívio, paz, e o
sentimento de que um importante problema foi resolvido, e, freqüentemente, a experiência de que
uma mudança extremamente benéfica e dramática tenha sido obtida.
Me parece, de dados clínicos proveniente de vários casos que tenho acompanhado durante
esta última década, que a maioria destas experiências têm um resultado positivo de grande
duração, e que ela foram, para a pessoa, um degrau importante no seu crescimento psicológico e
espiritual.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GROF, S. Beyond Psychoanalysis: II. A conceptual model of human personality encompassing the
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GROF, S. Realms of the Human Unconscious, Observations from LSD research. New York: E.P.
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GROF, S. and HALIFAX J. The Human Encounter with Death. New York: E.P. Dutton, 1977
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