Cap.
IV(Outra coisa muito geral, que não tanto me desedifica, quanto me lastima em muitos
de vós, é aquela tão notável ignorância, e cegueira, que em todas as viagens experimentam os
que navegam para estas pa)
. Analisa o comportamento dos peixes e refere a causa objetiva que os conduz à morte
A causa objetiva que leva à morte muitos peixes é a ignorância e a cegueira com que abocanham
um pedaço de pano: «Outra coisa muito geral, que não tanto me desedifica, quanto me lastima
em muitos de vós, é aquela tão notável ignorância, e cegueira […]» (ll. 1-2). Assim que veem um
trapo atiram-se a ele, ficam presos no anzol e acabam por morrer: «Toma um homem do mar um
anzol, ata-lhe um pedaço de pano cortado, e aberto em duas ou três pontas, lança-o por um
cabo delgado até tocar na água, e em o vendo o peixe, arremete cego a ele, e fica preso, e
boqueando até que assim suspenso no ar, ou lançado no convés, acaba de morrer.» (ll. 2-5).
Comenta o procedimento humano, explicitando o modo como os homens são engodados
É apresentada, no excerto, uma forma de os homens serem engodados – uma na metrópole, em
que a vaidade de pertencer a uma Ordem Militar, isto é, de possuir um «trapo» de uma ou outra
cor, faz com que combatam por uma destas Ordens e acabem por morrer – «E que faz a
vaidade? Põe por isca na ponta desses piques, desses chuços, e dessas espadas dois retalhos de
pano, ou branco, que se chama Hábito de Malta, ou verde, que se chama de Avis […]. O que
engoliu o ferro, ou ali, ou noutra ocasião ficou morto […]» (ll. 10-14).
Compara os comportamentos dos peixes e dos homens com a conduta de Santo António.
Santo António (ao contrário dos peixes e dos Homens) nunca se deixou levar pelos bens
materiais, mesmo sendo rico, tudo deixou para se «pegar» apenas a Deus. Levou uma vida de
extrema pobreza, em que só lhe interessavam os bens espirituais: «Vede o vosso Santo António,
que pouco o pôde enganar o mundo com essas vaidades. Sendo moço, e nobre, deixou as galas,
de que aquela idade tanto se preza, trocou-as por uma loba de sarja, e uma correia de Cónego
Regrante; e depois que se viu assim vestido, parecendo-lhe que ainda era muito custosa aquela
mortalha, trocou a sarja pelo burel e a correia pela corda.» (ll. 16-19)
POLVO - Cap V
Insere o excerto transcrito na estrutura interna do Sermão.
O excerto faz parte do desenvolvimento (exposição/ confirmação) do Sermão, mais
especificamente do momento das repreensões em particular aos peixes, neste caso ao Polvo.
Explica o motivo que levou o autor a nomear duas antigas autoridades da igreja
São Basílio e Santo Ambrósio são nomeados para legitimar as acusações apresentadas e conferir
maior gravidade aos defeitos do Polvo, reforçando ainda o poder argumentativo do Sermão.
Caracteriza o Polvo, tendo em conta a sua aparência e a sua verdadeira essência.
O Polvo aparenta ser inofensivo, sem osso nem espinha, pleno de brandura e mansidão, mas, na
realidade, é um ser traiçoeiro e dissimulado, pronto a atacar os inocentes.
3.1 Retira do texto uma frase que confirme a diferença, no Polvo, entre o «ser» e o «parecer».
E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, testemunham
constantemente os dois grandes Doutores da Igreja Latina, e Grega, que o dito Polvo é o maior
traidor do mar.»
4. Identifica o recurso expressivo utilizado em cada uma das alíneas.
a) «Vê, Peixe aleivoso, e vil, qual é a tua maldade [...]» (l. 18)
a) apóstrofe
( b) «Fizera mais Judas?
Interrogação retórica
«O Polvo com aquele seu capelo na cabeça parece um Monge
comparação
o dito Polvo é o maior traidor do mar
hipérbole
Pode dizer-se que, na parte final deste excerto, o autor faz uma amplificação do seu
raciocínio. Explica de que modo isso acontece.
Com o exemplo da Bíblia, mais concretamente o caso de Judas, amplifica-se o raciocínio do
orador, reforçando o caráter traidor do Polvo, que consegue ser ainda mais perverso que Judas.
Refere os vícios apontados ao Polvo, justificando com elementos textuais.
O Polvo é dissimulado, hipócrita («O Polvo, com aquele seu capelo […] a mesma mansidão», ll. 2-
5); é traidor («o dito polvo é o maior traidor do mar», l. 5); em suma, revela-se maldoso e
perigoso para todos os que o rodeiam («Vê, peixe aleivoso, e vil, qual é a tua maldade», l. 19).
Identifica a figura bíblica a que é comparado o Polvo, explicandoa relevância argumentativa e
persuasiva desta comparação.
O Polvo é comparado a Judas já que este traiu Cristo como o Polvo trai as suas presas, atacando-
as dissimuladamente. O Polvo revela-se pior do que a figura bíblica: Judas cometeu a sua traição
às claras, enquanto outros prenderam Cristo; o Polvo atraiçoa às escuras, prendendo ele as suas
vítimas. Com este exemplo retirado da Bíblia, que comprova o enorme caráter traidor do Polvo,
o orador amplifica e reforça o seu poder argumentativo e persuasivo.
Refere dois recursos utilizados na caracterização do Polvo, explicitando o seu valor expressivo.
Um dos recursos utilizados é a comparação («O Polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece
um Monge; […] mansidão», ll. 2-5) que põe em destaque a oposição existente entre a aparência
e a essência do Polvo; outro é a ironia («E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta
hipocrisia tão santa», l. 5) que revela o desprezo de Padre António Vieira por tal «peixe»,
insinuando uma crítica a certos membros do clero que debaixo do hábito são também
dissimulados como o Polvo.