B.O. N.º 110 - Acórdãos 30 A 37 - I Série de 29-10-2019 PDF
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BOLETIM OFICIAL
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ÍNDICE
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Acórdão nº 30/2019:
Proferido nos autos de Recurso de Amparo Constitucional n.º 11/2017, em que é recorrente a Atlantic
Global Asset Management, SA e recorrido o Procurador-Geral da República................................1766
Acórdão nº 31/2019:
Proferido nos autos de Recurso Contencioso de Impugnação da Deliberação da CNE nº 06/2017, em que
é recorrente o Grupo BASTA - Boa Vista Avante Sempre Trabalhando Arduamente e recorrida a
CNE – Comissão Nacional de Eleições...............................................................................................1789
Acórdão nº 33/2019:
Proferido nos autos de Recurso de Amparo Constitucional nº 21/2019, em que é recorrente Luís Gomes
Firmino e recorrido o Supremo Tribunal de Justiça...........................................................................1796
Acórdão nº 34/2019:
Proferido nos autos de Recurso de Amparo Constitucional nº 25/2019, em que é recorrente Sarney de
Pina Mendes e recorrido o Supremo Tribunal de Justiça ..................................................................1803
Acórdão nº 35/2019:
Proferido nos autos de Reclamação nº 02/2019, em que são reclamantes Alírio Vieira Barros e Outros e
reclamado o Tribunal da Relação de Sotavento.................................................................................1813
Acórdão nº 36/2019:
Proferido nos autos de Recurso de Amparo Constitucional nº 23/2019, em que é recorrente Okwuchkwu
Arizenchi Igwemadu e recorrido o Supremo Tribunal de Justiça.......................................................1824
Acórdão nº 37/2019:
Proferido nos autos de Recurso de Amparo Constitucional nº 24/2019, em que são recorrentes António
Zeferino de Oliveira e Rafael Alves Lima, e recorrido o Supremo Tribunal de Justiça...................1828
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1766 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
hierárquica que apresentou contra a decisão proferida judiciária a que se refere o art.º 31º da [L]ei de Lavagem
por um Procurador da República, que ordenara o de Capitais não pode ser o Ministério Público. Tem que
congelamento de fundos depositados na sua conta bancária, ser um juiz, órgão independente e imparcial habilitado
veio, ao abrigo do disposto no artigo 20.º da Constituição para garantir ao arguido todos os meios de defesa. O art.º
da República e demais legislação aplicável, apresentar o 31º da referida Lei de Lavagem de Capitais, quando
presente recurso de amparo, nos termos e com os fundamentos interpretado no sentido de que dá ao Ministério Público
seguintes: 1.1. A sociedade tem por objeto as seguintes o poder de mandar congelar contas bancárias, sem a
atividades: consultoria para negócios e gestão, serviços constituição e sem a audição do arguido, sem a participação
administrativos e de apoio, sociedade gestora de participações de um juiz, e sem quaisquer garantias de defesa, não
sociais, trusts, fundos e outras entidades financeiras permite um processo justo e equitativo. Portanto, salvo o
similares, outra intermediação financeira, exceto seguros devido respeito, é errada e, portanto, manifestamente
e fundos de pensões e atividades de gestão de fundos; 1.2. inconstitucional, a interpretação que o Ministério Público
A atividade principal da empresa consiste na obtenção vem fazendo do referido artigo, no sentido de que lhe dá
de investimentos de várias partes do mundo, através da o poder de mandar congelar contas bancárias, sem a
celebração de um contrato com potenciais investidores constituição de arguidos, sem a intervenção do juiz e sem
que investem de acordo com as suas possibilidades; Trata- as demais garantias de defesa reconhecidas pela constituição
se, segundo a recorrente, de um sistema de financiamento a um arguido em processo penal.” Mais alega que o
através da multidão – crow[…]dfunding – como forma despacho reclamado não observou os seguintes princípios
alternativa de obtenção de fundos sem que seja através constitucionais previstos no artigo 35.º da Constituição:
das instituições financeiras tradicionais; 1.3. A recorrente Presunção de inocência do arguido; celeridade, contraditório;
tomou conhecimento do congelamento da conta bancária o direito de audiência; o direito de acesso às provas e
número 35540316, através de uma comunicação que lhe outras garantias contra os atos e omissões processuais
foi feita pelo gerente da Caixa Económica; 1.4. O congelamento que afetam os direitos, liberdades e garantias do arguido.
ocorreu no dia 13 de junho de 2017, tendo sido reconfirmado 1.8. Em síntese, formulou as seguintes conclusões: O
no dia 20 de junho; 1.5. No dia 7 de julho de 2017, a ora congelamento da conta bancária da AGAM é absolutamente
recorrente solicitara ao Procurador da República que ilegal: viola o princípio da presunção de inocência, o
tinha ordenado o congelamento da referida conta que princípio da reserva de juiz e todas as garantias de defesa
autorizasse o levantamento de alguns fundos para poder em processo penal; “O art.º 31 da referida Lei de Lavagem
solver os seus compromissos, nomeadamente, para com de Capitais, quando interpretado no sentido de que dá
os trabalhadores da empresa, mas aquele representante ao Ministério Público o poder de mandar congelar contas
do Ministério Público recusou o pedido, alegando que a bancárias, sem a constituição e sem a audição do arguido,
empresa é um esquema sob a forma de pirâmide financeira, sem a participação de um juiz, e sem quaisquer garantias
que as quantias depositadas têm origem ilícita e que a de defesa, não permite um processo justo e equitativo,
empresa está indiciada de burla agravada, exercício ilegal razão por que é inconstitucional, por violação dos princípios
de atividade, lavagem de capitais, fraude fiscal e falsificação do processo penal previstos no art.º 35º da Constituição
de documentos”. 1.6. Decorridos mais de 30 dias sobre a da República.” 1.9. Terminou a sua petição de recurso,
apresentação da reclamação, Sua Excelência o Senhor- requerendo amparo constitucional contra a omissão de
Procurador Geral da República não se pronunciou sobre Sua Excelência o Senhor Procurador-Geral da República,
a reclamação; 1.7. Por isso, a recorrente decidiu recorrer ordenando o imediato descongelamento de todas as contas
para o Tribunal Constitucional, tendo apresentado o bancárias de empresa reclamante. 1.10. No dia 2 de
presente recurso de amparo no dia 20 de setembro de 2017, outubro de 2017, antes da apreciação do recurso para o
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efeito da sua admissibilidade, a mesma recorrente A ser assim, nunca a autoridade judiciária deveria ordenar
apresentou uma outra petição, desta feita, contra o ato o congelamento, mesmo perante os mais evidentes indícios
do Senhor Procurador Geral da República que confirmou de crime. O crime de branqueamento de capitais, entre
o congelamento das contas da empresa. 1.11. Para a outros, alimenta a economia nacional, não haja dúvidas!
ATLANTIC GLOBAL ASSET MANAGEMENT, SA, o In casu, os indícios da prática de crimes são fortes e estão
despacho do Senhor Procurador-Geral da República, de em curso, várias diligências de investigação. A recorrente,
22 de setembro de 2017, que confirmou a decisão reclamada, em momento próprio, terá a oportunidade de demonstrar
demonstra que “o poder de congelar as contas bancárias o erro do Ministério Público. Não no âmbito do recurso
deve ser retirado das mãos do Ministério Público que deve de amparo. Isto para deixar claro que, o congelamento,
ser obrigado a observar os princípios da presunção de não só é legal, como se justifica plenamente. Para prevenir
inocência, da reserva de juiz, da liberdade económica, da eventuais abusos, a própria lei fixa limite temporal de
autonomia privada, tudo princípios que governa[m], a congelamento. Daí não pode advir violação de quaisquer
nossa constituição penal e a nossa constituição económica.” direitos, liberdades ou garantias dos cidadãos, constitucionalmente
1.12. Formulou o pedido nos seguintes termos: A requerente reconhecidos, nomeadamente, os referidos pela recorrente.
reitera o seu pedido de amparo constitucional, “desta feita, A actuação do Ministério Público não colide com o princípio
contra o ato do Senhor Procurador Geral da República da presunção da inocência, o princípio da reserva do juiz
que confirmou o congelamento das contas da empresa, e as garantias de defesa em processo penal.
por todos os prejuízos que a medida, a todas luzes
inconstitucional, acarreta para a requerente.” 2. Cumprindo Manifestamente não estão em causa a violação de direitos,
o estabelecido no artigo 12.º da Lei do Amparo, foram os liberdades e garantias fundamentais constitucionalmente
autos com vista ao Ministério Público para emitir o parecer reconhecidos como susceptíveis de amparo.” Termina o seu
sobre a admissibilidade do recurso. O Senhor Procurador- parecer, pugnando pela rejeição do recurso, nos termos da
Geral Adjunto, no seu douto parecer de fls. 51 a 54, alínea e) do n.º 1 do art.º 16.º da Lei n.º 109/IV/94, de 24
considerou que: “Na fase de instrução, dos despachos do de outubro (doravante Lei do Amparo e do Habeas Data)”.
Procurador da República, cabe reclamação para o
Procurador-Geral da República e, do despacho deste, não 1.2. Em resumo, está-se perante um recurso de amparo
cabe recurso. O presente recurso é, formalmente admissível, interposto por uma pessoa coletiva, a Atlantic Global Asset
por estarem esgotados todos os meios legais de defesa, Management, tendo como entidade recorrida o Digníssimo
nesta fase processual. Entretanto, no que refere ao objecto, Senhor Procurador-Geral da República, considerando a
o recurso é manifestamente inadmissível. Senão vejamos: impetrante que o mesmo, por meio de duas condutas,
Dispõe o n.º 1 do art.º 3 da Lei n.º 109º/IV/94, de 24 de uma omissiva, consubstanciada numa alegada omissão de
outubro, “A violação por órgão judicial de direitos, decisão depois de ter decorrido prazo para tanto, e outra
liberdades e garantias fundamentais constitucionalmente ativa, materializada na confirmação de congelamento
reconhecidos, só podem ser objeto de recurso de amparo de conta bancária de sua titularidade adotada por um
procurador de comarca, terá, respetivamente, violado
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pronunciamento dobre a questão relacionada com a congelamento das contas bancárias da ora recorrente. 3. Na
determinação do objeto do presente recurso de amparo, de verdade, considera, assim a recorrente que, quer a omissão
forma breve, deixamos resgistado o nosso entendimento. A de Sua Excelência o Senhor Procurador da República,
empresa Atlantic Global Asset Management, SA, intentou quer a posterior decisão de confirmar o congelamento
recurso de amparo, inicialmente contra a omissão do das contas bancárias da empresa violaram gravemente
Sr. Procurador Geral da República, perante reclamação os seus direitos, liberdades e garantias fundamentais, em
hierárquica, requerendo a revogação do despacho termos que justifica, por ambas as razões o competente
do magistrado do Ministério Público que ordenou a amparo constitucional. 4. Termos em que requer que, quer a
apreensão/congelamento dos movimentos a débito das omissão, […] de sua Excelência o Senhor Procurador Geral
suas contas bancárias. Dois dias após a autuação do da República, quer o posterior acto confirmativo sejam
recurso de amparo, por despacho, o Sr. Procurador Geral objecto de avaliação da sua conformidade constitucional,
da República confirmou o congelamento ordenado pelo porque no entender da requerente violaram gravemente
Procurador da República titular do processo. Para opinar os seus direitos, liberdades e garantias fundamentais”.
sobre a questão, necessário se torna, dissecar a estrutura
dos recursos, concretamente, o objeto, a fundamentação Assim, a recorrente optou por ter os dois pedidos
e o pedido, prevista nos termos dos artigos 2º, 7º e 8º respondidos pelo Tribunal.
da Lei nº 109[]/IV/94, de 23 de outubro, a Lei sobre os
Recursos de Amparo e de Habeas Data (LA). A definição 3.6. Posteriormente, por meio do despacho de 5 de
do objeto tem consequências no que se refere ao amparo junho de 2019, o Juiz Conselheiro Relator determinou a
a ser concedido, como se depreende das diversas alíneas notificação do Ministério da Justiça e Trabalho no sentido
do art.º 25º da LA. Nos termos do nº 1 do art.º 2º da LA, de remeter à Corte Constitucional todos os eventuais
“Só podem ser objeto de recurso de amparo, a prática elementos em sua posse relativamente à Lei de Lavagem
ou a omissão de actos ou de facto (…). A nosso ver seria de Capitais, quer da versão originária, quer à referente
contraditório recorrer da ação e da omissão do mesmo à lei que procedeu à sua alteração em março de 2016,
objeto. A reforçar este entendimento, dispõe o art.º 8º, que pudessem auxiliar o processo decisório do Tribunal.
nº 1 al. b) da referida Lei que, “Na petição o recorrente O mesmo foi cumprido por meio do ofício datado de 6 de
deverá indicar com precisão o acto, facto ou omissão junho do mesmo ano, tendo essa entidade respondido no
que, na sua opinião, violou os seus direitos, liberdades dia 17 do mesmo mês e ano.
e garantias fundamentais”. A conjunção alternativa
“ou” reforça este entendimento. Se é certo que, o pedido 3.7. Ainda no dia 17 de junho de 2019 foi proferido
e os fundamentos se mantêm, o objeto, porém, se altera. um outro despacho pelo Relator, desta feita tendo como
Deixou de ser a omissão do despacho do Sr. Procurador destinatário a Assembleia Nacional, em que se solicitou
Geral, para passar a ser o despacho deste. Deixou de ser a esta entidade todos os elementos relacionados aos
uma omissão para passar a ser uma ação. Aliás foi esse trabalhos preparatórios em sua posse que pudessem
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o nosso pronunciamento, nos termos do n. 1 do art.º 12º auxiliar o processo decisório do Tribunal relativos à
da L.A, sobre a admissibilidade ou a rejeição do recurso.” versão originária da Lei de Lavagem de Capitais (Lei nº
38/VII/2009, de 20 de abril) e da Lei nº 120/VIII/2016,
3.4. Considerando que o Ministério Público é o órgão de 24 de março, que a alterou. Cumprido no dia 17 de
público ao qual se atribui a violação do direito, e que, junho de 2019, o Parlamento da República encaminhou
nesta circunstância estava perante o processo, considerou- no dia 24 do mesmo mês e ano elementos em formato
se não ser necessário que o fizesse em outra qualidade, digital sobre as duas leis referenciadas.
pois, em tese, repetiria a douta argumentação que já
tinha partilhado com o Tribunal e, além disso, a situação 3.8. O projeto de acórdão foi depositado no dia 27 de
processual ficaria desequilibrada em relação à recorrente, agosto de 2019, com solicitação de marcação com brevidade,
com o risco de se violar também direitos fundamentais atendendo à natureza do processo.
processuais desta.
3.9. A sessão de julgamento foi realizada nesse mesmo
3.5. Seguidamente, o Relator, utilizando os poderes dia, com a presença do mandatário da entidade recorrente,
previstos pelo artigo 87 da Lei do Tribunal Constitucional tendo contado com as intervenções do Relator, que
e, tendo em conta que a recorrente havia formulado os seus apresentou o seu projeto e voto e com a apresentação dos
pedidos de amparo por meio de duas peças processuais, entendimentos pelos juízes conselheiros, Aristides R. Lima
impugnando, respetivamente, duas condutas diferentes, e João Pinto Semedo, os quais, respetivamente, chamaram
uma omissiva e outra praticada por ação, ambas do a atenção para a necessidade de o Tribunal não antecipar
Procurador Geral da República, proferiu o despacho de com grande veemência a questão da inconstitucionalidade,
22 de março de 2018, no qual determinou a notificação da atendendo que poderá ser chamado a apreciar e a decidir a
recorrente “no sentido de se [a] convidar a, no prazo legal, questão no futuro, e para o contexto de alguma tendência
esclarecer se pretende que o Tribunal dirija escrutínio de internacional para promover a adoção de soluções que,
possível violação de direito, liberdade e garantia decorrente apesar de não determinarem regimes jurídicos concretos,
de omissão do Senhor Procurador Geral da República em acentuam demasiadamente a questão da eficácia e dos
relação à reclamação que lhe dirigiu e também do ato resultados no combate à criminalidade organizada
concreto por ele empreendido de confirmação da decisão transnacional, levando a que o legislador adote fórmulas
de congelamento de conta bancária ou se, considerando ambíguas que podem ser interpretadas em vários sentidos
ter sido superada a primeira, pretenderia que o Tribunal nesse quadro, nomeadamente o de autoridade judiciária,
se limitasse a escrutinar a derradeira conduta”. inclusivamente em sentido contrário aos direitos, liberdades
e garantias. Neste contexto, o Tribunal deve manter-se
Em resposta ao despacho, a recorrente afirma que “1. O firme à jurisprudência que tem construído e que tomou
requerimento apresentado pela requerente a 2 de Outubro assento em diversas decisões recentes.
de 2017 não visa substituir o requerimento apresentado a
20 de Setembro do mesmo ano, mas tão só e apenas reforçar 3.10. O acórdão final foi elaborado considerando essas
os fundamentos do seu pedido de amparo constitucional, diversas posições, nos termos que se expõe abaixo.
pois, do ponto de vista do resultado material, o acto positivo
de Sua Excelência o Procurador Geral da República teve II. Fundamentação
para a recorrente as mesmas consequências práticas que
o acto omissivo de Sua Excelência o Senhor Procurador 1. Antes de se prosseguir para o conhecimento do fundo
Geral da República, qual seja a manutenção em regime de da questão, respondendo concretamente aos pedidos de
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amparo que a recorrente solicita a esta Corte, convém recorrente não deixou claro se pretendia que a última
analisar um pormenor preliminar de extrema importância. petição substituísse a primeira, ou se, pelo contrário,
Ele estaria relacionado com a própria delimitação do a sua intenção seria de que a Corte Constitucional
objeto do recurso – a conduta ou condutas que devem conhecesse as duas no sentido de se concluir se alguma
ser escrutinadas com vista a averiguar se houve ou não delas ou ambas violaram posição jurídica fundamental
violação de posições jurídicas fundamentais amparáveis. de sua titularidade.
1.1. Esta questão se coloca e é relevante porque, num Aliás, este aspeto já havia sido considerado pelo Tribunal,
primeiro momento, no dia 20 de setembro de 2017, a no acórdão de admissão. Nos termos deste aresto: “Há,
recorrente dirigiu ao Pretório Constitucional, em peça todavia, a questão de saber se o segundo pedido substitui
processual destinada para o efeito, pedido de amparo o primeiro. Trata-se, no entanto, de um aspeto que, não
de certos direitos, liberdades e garantias que considera constituindo impedimento para que o pedido seja aceite
terem sido violados por conduta omissiva da entidade à luz do que dispõe o n.º 2 do artigo 8.º da Lei do Amparo
recorrida, o Senhor Procurador Geral da República, que e do Habeas Data, possa vir a ser esclarecido na fase
não respondeu, no prazo legal estipulado, reclamação subsequente.”
hierárquica que lhe dirigiu contra ato de Magistrado do
Ministério Público afeto à Comarca da Praia que mandou Assim, o Tribunal deixou que esta questão fosse
congelar suas contas bancárias. Entretanto, dois dias após solucionada na fase subsequente. Foi precisamente isso
a entrada e autuação deste pedido no Tribunal, o órgão que aconteceu quando o Relator do processo convidou a
recorrido respondeu desfavoravelmente à reclamação recorrente a responder a esta questão, tendo ela asseverado
apresentada pela recorrente, confirmando a decisão que pretenderia que o Tribunal escrutinasse ambas as
reclamada, ou seja, o congelamento e apreensão de suas condutas da entidade recorrida.
contas bancárias. Este facto motivou a recorrente, no dia
2 de outubro de 2017, a endereçar nova peça a esta Corte 1.4. Nada obsta que o Tribunal Constitucional conheça
contendo novos pedidos de amparo desta vez contra o ato na perspetiva de determinar a ocorrência de violação de
do órgão recorrido. direito, liberdade e garantia conduta lesiva de direito,
liberdade e garantia que já tenha cessado, designadamente
A principal dúvida que se coloca nesta seara é a de se porque, do ponto de vista constitucional, o direito ao amparo
saber se o Tribunal poderá conhecer ambas as condutas, também abrange um direito a que qualquer violação seja
quer a omissiva quer a por ação, ou se, pelo contrário, determinada pelo Tribunal Constitucional, seja porque
deverá conhecer apenas a última, uma vez que, dizendo ela por si só é uma forma de reparação, como também
respeito à mesma questão e decidindo-a definitivamente porque tem efeitos sistémicos gerais, nomeadamente
em sede daquele órgão, tornaria o conhecimento daquele de controlo de qualquer órgão público e, logo, de reforço
desnecessário por superado, pelo que deveria haver uma do sistema de direitos fundamentais, seja porque está
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que as condutas do Digníssimo Procurador Geral da porque deve reger-se um processo penal de um Estado de
República, quer a ativa quer a omissiva, violam certas Direito. Como o centro da constituição do processo penal
suas posições jurídicas fundamentais, das quais elenca: a cabo-verdiano” ((“O Novo Direito Processual Penal de
garantia de obtenção de uma decisão em prazo razoável, Cabo Verde. Dados de um percurso. Estrutura e Princípios
o direito à propriedade privada, a liberdade de iniciativa Fundamentais” in: Augusto Silva Dias & Jorge Carlos
económica e os direitos de defesa, o direito ao contraditório Fonseca (Coord.), Direito Processual Penal de Cabo
e à audiência, o direito de acesso a provas e o processo Verde. Sumários do Curso de Pós-Graduação sobre o
equitativo. Fica, por determinar se tais violações seriam Novo Processo Penal de Cabo Verde, Lisboa/Praia, ICJ-
autónomas ou consequenciais à vulneração da garantia FDUL/ISCJS, 2009, pp.121-122). O que significa que,
de juiz. no fundo, o tempo do processo penal acarreta sempre um
ónus e logo afeta a posição jurídica do arguido no que
2. Todavia, é absolutamente necessário cindir a análise diz respeito à imagem de culpa que se vai consolidando à
das duas condutas violadoras de direitos na medida em medida que Cronos implacavelmente se vai assenhorando
que podem ser autonomizados, pois remetem a parâmetros da situação. E também porque, sendo o arguido presumido
diferentes. Se é verdade que de uma omissão de resposta inocente, a afetação potencial ao seu direito se incrementa
recursal pode resultar o agravamento da violação dos a cada momento da manutenção desse estado sem prova
direitos que se pretende proteger através da utilização definitiva de culpa, podendo atingir o seu núcleo essencial.
do meio de reação processual em causa, o facto é que E ainda pelo potencial que tem para gerar a suspeição de
havendo ação subsequente esta absorve integralmente as que, amiúde, tal medida é encarada como uma autêntica
lesões mencionadas não autonomizáveis, quedando livre antecipação da pena. Neste sentido, como assevera Jorge
de conexão somente a própria omissão ou eventualmente Carlos Fonseca (Ibid., p. 79), “a presunção da inocência vem
o atraso da decisão, o qual, neste caso, não foi objeto de expressamente ligada a garantia de o arguido ser julgado
pedido de escrutínio. Por esses motivos conduz-se essa no mais cur[t]o espaço de tempo compatível com a defesa,
averiguação neste primeiro momento. um dos seus muito corolários, (…). Aliás, um corolário que
se pode caracterizar como sendo a particularização – no
2.1. De acordo com a recorrente o primeiro dos direitos domínio processual penal – de um direito a decisão em
invocados, o derivado do princípio da celeridade processual, tempo razoável (…). O princípio da presunção da inocência
no sentido de que qualquer indivíduo no processo penal estaria esvaziado do seu conteúdo útil, se a demora
tem o direito a obter tutela jurisdicional efetiva no processual se tornar irrazoável (os processos monstruosos),
mais curto espaço de tempo possível compatível com os nomeadamente pela via de prolongamento do estado de
direitos de defesa, teria sido violado pela omissão do órgão suspeição e das eventuais medidas de coação aplicadas ao
recorrido que se omitiu não decidindo recurso hierárquico arguido”. O único limite que parte do próprio artigo, neste
que lhe dirigiu em virtude da decisão do magistrado do caso originariamente, tem a ver com as próprias garantias
Ministério Público que ordenou o congelamento das suas de defesa do arguido, que não devem ser atingidas pela
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Assim sendo, independentemente de outras consequências 2.4. Uma outra questão tem a ver com a aplicação dos
legais no sentido estrito, do ponto de vista constitucional, testes desenvolvidos por esta Corte na decisão referida
o decurso desse prazo já enseja sindicabilidade à luz do tirada pelo Tribunal através do Acórdão nº 8/2018, de
presente direito fundamental, embora não determine 25 de abril, Rel: JC Pina Delgado, relativamente às
necessariamente a sua vulneração. C – Terceiro, mesmo situações em que o legislador estipula ele próprio um
que o teste a desenhar seja na sua estrutura similar ao que prazo para a prática do ato. Pois ainda que este não
poderia ser construído para se apurar violação do direito esteja claramente disposto pela legislação aplicável,
à decisão em prazo razoável, a intensidade da celeridade nomeadamente porque a Lei Orgânica do Ministério
que impõe é sempre maior, o que até é representado pela Público, não prevê expressamente um prazo decisório nesta
diferença de grau entre as expressões “decisão em tempo matéria, pois, sendo certo que dispõe a respeito da direção
razoável”, mais flexível, e “decisão no mais curto espaço da Procuradoria-Geral da República pelo Procurador-Geral
de tempo”, consideravelmente mais estrita.” da República que preside, nos termos do artigo 18 e 22,
alínea a), cabendo à Procuradoria-Geral da República
2.2. Naturalmente que o caso agora sob análise não “dirigir, coordenar e fiscalizar a atividade do Ministério
é igual ao caso decidido nessa decisão. Primeiramente Público e emitir as diretivas, ordens e instruções a que
porque naquele o recorrente era pessoa física e, de facto deve obedecer a atuação dos magistrados do Ministério
a sua liberdade sobre o corpo estava em causa, daí a Público nos exercícios das respetivas funções” (artigo 20,
necessidade de os testes serem mais apertados, pois a alínea c), e ao Procurador-Geral da República, “dirigir,
garantia de presunção da inocência deve ter um maior peso coordenar e fiscalizar a atividade do Ministério Público e
nessas circunstâncias. No caso concreto, a recorrente, uma emitir as diretivas, ordens e instruções a que deve obedecer
empresa que opera no mercado nacional, é uma pessoa a atuação dos respetivos magistrados e agentes” (artigo 22,
jurídica. Assim, não fazia sentido falar de sua liberdade número 2, alínea b), neste particular limita-se a dispor
sobre o corpo, enquanto arguida em um processo criminal. no artigo 87 que “dos atos e decisões dos Procuradores
da República cabe recurso hierárquico para o Procurador
Entretanto, mesmo assim, parece a este Tribunal que da República de Círculo do respetivo círculo judicial, nos
o preceito a se aplicar continua sendo o número 2 do termos da presente lei e da lei processual”.
artigo 35, pois trata-se de processo penal e ainda que
a liberdade sobre o corpo não esteja diretamente em 2.4.1. A remissão à lei processual teria como resultado
causa, para a recorrente, outros direitos, embora menos chamar à colação eventual norma de processo da lei em
importantes, mas também relevantes podem ser postos causa, sendo extravagante, ou, alternativamente, do Código
em causa, nomeadamente o direito à propriedade privada de Processo Penal que dispusesse sobre a matéria. Ocorre
e a liberdade de iniciativa económica, que legitimam a que, aparentemente, não se fazendo qualquer menção a
presunção de inocência da recorrente. tal prazo na Lei de Lavagem de Capitais, também não
há menção expressa no diploma codificador geral. Neste
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Precisamente porque embora a presunção de inocência sentido, aparentemente, se terá operado implicitamente
seja uma garantia especialmente pensada para o direito com fulcro em outras norma também aplicáveis na fase
à liberdade sobre o corpo, ela é igualmente válida para de instrução, as quais fixam um prazo de trinta dias para
qualquer arguido em processo penal, mesmo nas situações se decidir tipo de incidente que considera próximo.
em que à primeira vista a liberdade sobre o corpo não
esteja em causa, nomeadamente porque o crime que se Tratam-se do artigo 316, segundo o qual “No prazo de
imputa ao arguido não é punível com pena de prisão ou trinta dias, contando da data do despacho de arquivamento,
faticamente não é possível violá-la, como neste caso em ou de sua notificação, o imediato superior hierárquico do
que a arguida e recorrente não é pessoa física. Ministério Público, oficiosamente ou a requerimento do
assistente ou do denunciante com legitimidade para se
É por isso que a Corte Constitucional entende que, constituir assistente, se não tiver sido requerida abertura
mesmo em situações do tipo em que a liberdade sobre o de audiência contraditória preliminar, poderá determinar
corpo não esteja em causa, ainda assim no processo penal que seja formulada acusação ou que as investigações
a garantia da decisão no mais curto espaço de tempo prossigam indicando, neste caso, as diligências a efetuar
compatível com as garantias da defesa prevalece e terá e o prazo para o seu cumprimento”.
que ser avaliada de acordo com os testes já aferidos.
E também pela sua natureza do artigo 263 do mesmo
2.3. Uma outra questão relacionada concretamente diploma, conforme o qual “Sem prejuízo do disposto neste
a este caso, seria a de se saber se o direito se aplicaria Código sobre o habeas corpus, da decisão que aplicar ou
nesta fase processual, a primeira – a fase de instrução mantiver qualquer das medidas processuais cautelares de
–, na medida em que, considerando os termos como foi restrição de liberdade previstas neste diploma, o recurso
prevista pela Lei Fundamental, obriga ao julgamento que dela se interpuser será julgado no prazo máximo de
no mais curto espaço de tempo possível. Diretamente trinta dias a partir do momento em que os autos derem
não obriga a ser acusado ou não no mais curto espaço de entrada no tribunal para onde se recorre”.
tempo possível.
Entretanto, parece que esta questão seja de fácil 2.4.2. Seja como for, mesmo na ausência de tal prazo
afastamento. Primeiro porque o que a garantia pretende não seria de todo desprovido de razão recorrer-se ao
efetivamente materializar é uma decisão final da causa diploma geral que regula os recursos administrativos
no mais curto espaço de tempo possível desde que não contenciosos, o Decreto-Legislativo 16/97, de 10 de
compatível com as garantias de defesa. Ora, de modo novembro, que no seu artigo 14 dispõe que “Quando a lei
algum, esta decisão final ocorrerá no mais curto espaço não fixe um prazo diferente, o recurso hierárquico deve
de tempo se o princípio da celeridade processual não for ser decidido no prazo de trinta dias a contar do termo do
aplicável a todas as eventuais fases do processo, o que prazo de pronúncia do autor do ato, referido no número
engloba necessariamente a fase de instrução, a audiência 4 do artigo 13º”.
contraditória preliminar se tiver lugar, o julgamento em
primeira instância e as eventuais fases recursais. Em cada 2.4.3. Ademais, mesmo que inexistisse a determinação
uma dessas fases e etapas do processo se deve observar o específica de um prazo específico para a prática de ato
princípio da celeridade e a decisão que vai encerrar cada processual, o mesmo teria de ser definido pretorianamente,
uma delas tem que ser necessariamente no mais curto caso fosse necessário, não parecendo que a natureza da
espaço de tempo possível, sob pena de violação da garantia. intervenção do Procurador-Geral da República nesse tipo
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1772 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
não é o caso, pelos motivos já adiantados. Diferente é States, reproduzido no US Reports, v. 412, 1972, pp. 434-
a situação em que há um prazo definido sem, contudo, 440, com a densificação dos tipos de amparo ajustados à
comportar qualquer consequência jurídica direta prevista violação de tal direito. Contudo, tais fórmulas devem ser
pela lei em razão de não-cumprimento, mas que, em se abordadas com o devido distanciamento e contextualização
tratando de matéria penal, estaria do ponto de vista sócio-normativa porque as internacionais, maxime as do
constitucional, sujeita a direitos que impõe celeridade Tribunal de Estrasburgo, são concebidas para contextos
decisória, nomeadamente a garantia a se ser julgado no de responsabilidade civil do Estado, visando a obtenção
mais curto espaço de tempo, que, não sendo uma fórmula de compensação financeira por excessiva dilação de decisões
fechada, exige que o Tribunal se ancore em critérios de dos seus tribunais internos e não tanto para se atingir o
razoabilidade ao avaliar eventuais excessivas dilações objetivo que esta Corte pretende, o de restituição de direitos
de reação de órgãos decisórios. às pessoas quando houver excessivo atraso na concretização
da prestação jurisdicional. 5.3.4. As orientações gerais
2.6. Neste caso, para proceder à verificação em causa de um possível teste já constavam do próprio acórdão que
o Tribunal há havia, por meio da mesma decisão mencionada, admitiu este recurso, o Acórdão 13/2017, de 20 de julho,
Arlindo Teixeira v. STJ (Acórdão nº 8/2018, de 25 de Rel: JP Pinto Semedo, II, e) p. 1029, nomeadamente
abril, Rel: JC Pina Delgado, estabelecido um teste que destacando-se os seguintes elementos “os prazos estabelecidos
pode ser extraído deste segmento: “5.3.3. Com tal para a decisão dos pedidos formulados em processo penal,
enquadramento em mente, seria necessário desenhar o a natureza e a complexidade dos pedidos e dos processos,
teste para se fazer a avaliação, podendo o Tribunal, nesta a conduta processual do recorrente e de outros intervenientes
matéria, inspirar-se em desenvolvimentos ocorridos em processuais e a justificação sobre a observância dos prazos
outras instâncias, nomeadamente em órgãos judiciários que o órgão recorrido entenda por bem colocar à consideração
internacionais, como: A – o Tribunal Europeu de Direitos do Tribunal Constitucional”. Como tem acontecido em
Humanos, expressos no teste triplo de verificação da outras ocasiões, a definição geral de critérios, depois de
complexidade do processo, aferição da conduta dos enunciados com propósitos específicos e limitados em
requerentes e avaliação do comportamento das autoridades acórdãos de admissão – cujo objetivo não é o desenvolvimento
consignado, por exemplo, no Arrêt Pélissier et Sassi c. de testes, mas simplesmente ponderar a respeito dos
France (Requête nº 25444/94), Grande Chambre, 25 Mars elementos necessários a aferir da cogniscibilidade de
1999, reproduzido no Reports of Judgements and Decisions recurso de amparo - devem ser densificados mais
of the European Court on Human Rights/Recueil des especificadamente através dos acórdãos de mérito. Estes,
Arrêts et Decisions de la Cour Européene des Droits de pela natureza da matéria que, em última instância, remete
l’Homme, Strasbourg, ECHR/CEDH, 1999, II, pp. 279- a uma norma constitucional relativamente indeterminada,
345, 334-335, e na decisão Pedersen and Baadsgaard v. devem ser formulados com a necessária flexibilidade,
Denmark (Application nº. 49017/99), reproduzida no pragmatismo e essencialmente recortados com a finalidade
Reports of Judgements and Decisions of the European de se apurar, caso a caso, situações de atraso que, pela[s]
Court on Human Rights/Recueil des Arrêts et Decisions suas circunstâncias intrínsecas, se tornam injustificáveis
de la Cour Européene des Droits de l’Homme, Strasbourg, perante o direito de o arguido ser julgado no mais curto
ECHR/CEDH, 2004, XI, pp. 105-194. B – o Tribunal espaço de tempo. A – O primeiro critério que pode fazer
Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, que, por meio parte de tal teste tem a ver com as caraterísticas do
do Acórdão tirado no caso Alex Thomas v. Tanzania processo, nomeadamente a sua complexidade, que pode
(Application nº 005/2013), disponível em http://www. incluir a consideração de elementos como o tipo de crime
em causa, o número de crimes em julgamento, o número
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1774 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
do órgão recorrido, enquanto outras ditariam a prática arguido ou de terceiros, quando tiver fundadas razões
do ato num prazo mais apertado, mas com maior peso para crer que eles constituem vantagens do crime, ou se
para aquelas, sobretudo, considerando-se, em particular, destinam à atividade criminosa.”
a complexidade notória do processo, espelhado nos Autos
de Processo Crime em Instrução e nas questões jurídicas A lei, portanto, exige que para o congelamento de
tendo como substrato operações financeiras e económicas contas bancárias é necessário que a autoridade judiciária
transnacionais intrincadas que envolvia. tenha fundadas razões para crer que os valores nelas
depositadas constituem produto/vantagem do crime ou
2.7. Resulta dos autos que o recurso foi apresentado então que se destinam à atividade criminosa.
à entidade recorrida no dia 9 de agosto de 2017, sendo
que esta teria trinta dias para responder. Veio a decidir 3.1.2. De acordo com o argumento utilizado para a
no dia 22 de setembro de 2017, quarenta e quatro dias apreensão das contas no caso concreto o motivo seria
depois, portanto, além do prazo de trinta dias legalmente de que o Ministério Público teria fortes suspeitas para
estabelecido, mas catorze dias depois do prazo que acreditar que os valores constantes das contas bancárias
expirou a 8 de setembro. Em particular, considerando da recorrente procediam de origem ilícita. O magistrado
a dimensão específica em causa neste processo, é que do Ministério Público que ordenou o congelamento fê-lo
à data da interposição do amparo, que ocorreu a 20 de acreditando que haviam fortes indícios de que a recorrente
setembro daquele ano, doze dias se tinham passado sem vinha praticando vários ilícitos criminais, designadamente
a decisão. Não parece a este Tribunal que este atraso o de lavagem de capitais. No seu despacho não chegou
viole, atendendo, às circunstâncias, a garantia a se a concretizar essas fundadas razões, mas remeteu,
julgar questão criminal no mais curto espaço de tempo entretanto, para o Despacho do Digníssimo Procurador
possível, até para salvaguardar os próprios direitos do Geral da República constante das fls. 3 a 4 dos Autos
recorrente, dependentes de uma avaliação aturada de de Instrução nº 6692/2017. De acordo com esta decisão
uma questão complexa na perspetiva de lhe conceder a “Analisadas as informações e transacções financeiras
proteção requerida. constata-se, em síntese, o seguinte:
3. Analisando a conduta ativa da entidade recorrida, à - A empresa - Atlantic Global Asset Managment - com sede
luz dos parâmetros indicados pelo recorrente que podem na Avenida de Santiago, Palmarejo ao lado da Farmácia
ser agrupados num mesmo bloco, verifica-se que ela se Universal, tem como objecto social a prestação de serviços
enquadra num quadro que se tem colocado ao Tribunal administrativos e de apoio a negócios e consultadoria
Constitucional com alguma frequência nos últimos anos e para negócios e gestão;
que, em última instância remente ao premente confronto
entre a proteção de direitos, liberdades e garantias - Xtrim Eurotrading Lda., com sede no edifício BAI,
previstos pela Constituição e necessidades de preservação tem como sócios Andrei Andreevich Abakoumov e Oleksh
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de ferramentas que permitam ao Estado garantir a Mukhin, também como objecto social a prestação de serviços
segurança e criar as condições para uma correta e efetiva administrativos e de apoio a negócios e consultadoria
administração da justiça. para negócios e gestão e a gerência é assumida por Oleksh
Mukhin, de nacionalidade ucraniana;
A posição geral do Tribunal tem sido tributária do que
impõe a Constituição da República, marcado por um notório - Promotor de Investimentos Internacionais Lda., tem
equilíbrio, o qual se materializa numa firme preservação sede social na Avenida de Santiago, Palmarejo e objecto
dos direitos fundamentais, mas não os absolutiza do social a prestação de serviços administrativos e de apoio
ponto de esvaziar ou comprometer a capacidade que o a negócios e consultadoria para negócios e gestão, e tem
poder público tem para manter a ordem e fazer a justiça. como sócios Andrei Andreevich Abakoumov e Antonino
Vieira Robalo;
Dito isto e analisando a conduta impugnada à luz dos
parâmetros assinalados, alguns deles não se mostram - O gestor é Andrei Andreevich Abakoumov de nacionalidade
muito promissores, atendendo às circunstâncias concretas, russa e cabo-verdiana e administrador e o presidente do
para conduzir a uma determinação de violação de direitos, conselho fiscal é Antonino Vieira Robalo, cidadão cabo-
liberdades e garantias, nomeadamente a garantia da verdiano.
presunção da inocência, que é aplicável mesmo quando não
esteja em causa a liberdade sobre o corpo, mas somente - Essas empresas movimentam fundos provenientes do
o património, como no caso concreto. estrangeiro em valores absolutos elevadíssimos em pouco
espaço de tempo, sem que existam justificativos, nem fazem
3.1. A primeira questão a responder diz respeito à referência a qualquer pagamento de factura de serviços
garantia da presunção da inocência, que a recorrente que pudessem ser prestados e fundos incompatíveis com
afirma ter sido violada pela conduta do Procurador da o objecto social da empresa;
República, confirmada pela decisão da entidade recorrida,
na medida em que ela entende que ao invés de uma - As empresas não declararam quaisquer rendimentos
presunção da sua inocência foi presumida a sua culpa. à administração fiscal nos últimos três anos apesar de
exercerem actividade comercial e movimentarem elevadas
3.1.1. A decisão do Procurador da República confirmada quantias em dinheiro;
pelo Digníssimo Senhor Procurador Geral da República
congelou as contas bancárias da recorrente, apreendendo - Não é possível estabelecer relação existente entre
os valores delas constantes, não permitindo nenhuma essas empresas e o motivo lógico das operações, que se
movimentação a débito, nos termos do artigo 46 da Lei caracterizam por empréstimos de capital com retorno
nº 36/VII/2009, de 20 de abril, alterada pela Lei nº 120/ supervalorizado.
VIII/2016, de 24 de março.
- Não identificação do beneficiário final das operações
Nos termos do número 1 desta disposição legal: “1. A de transferências internacionais;
autoridade judiciária procede à apreensão de bens imóveis
ou móveis, direitos, títulos, valores, quantias e quaisquer - Transferências de totalidade de fundo de AGAM
outros objetos depositados em bancos ou outras instituições para Xtrim, que poderá indiciar procedimento da fase de
de crédito, mesmo que em cofres individuais, em nome do lavagem de capitais denominada “Circulação”;
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1775
- Ligações da empresa a empresas internacionais - 2.000.000,00 EUR (dois milhões de euros) amortizável
Questra World - em relação aos quais existem alertas no prazo de um ano, podendo com aviso prévio (15 dias
em vários países - Reino Unido, Bélgica, Áustria - de antes) ser mobilizado antecipadamente e pediu um Bank
estarem a utilizar esquemas fraudulentos para captação Confirmation Letter - BCL (garantia bancária) onde
de investimentos, cujo o fim último é beneficiar os agentes esclarecem que é uma declaração que comprova o montante
desses esquemas, vulgarmente denominados de - Ponzi -. em depósito e que garante ao detentor o poder de compra
(ainda em análise junto do Banco);
- Documentos de justificação apresentados como
justificador das transações pouco convincentes, podendo 2.3. Na data de 16.05.2017, foi ordenado na referida
indiciar a fase de “ocultação” de fundos; conta uma transferência internacional (débito) com destino
a Escócia na conta no CZ1408000000001932876293,
- Não declaração de atividades e de rendimento em Cod Swift: GIBACZPX, Banco: CESKA SPORITELNA
sede administração fiscal mesmo sendo beneficiário de A.S., no valor de 200.000,00 EUR (duzentos mil euros)
elevadas quantias e de exercerem actividade empresarial. correspondente a 22.053.000,00 CVE (vinte e dois milhões
e cinquenta e três mil escudos) a favor da entidade BHW
Os factos mencionados no relatório indicam, por ora, EXPORT LP, com descritivo de pagamento de contrato nº
operações financeiras suspeitas susceptíveis de poderem 47/12/16. Entretanto suspenso aguardando a confirmação.
indiciar ilícito de lavagem de capitais, nos termos previstos
e punido pelo art.º 24.º da Lei n.º 38/ VII/2009, de 27 de 3. Com relação à empresa Xtrim Eurotrading, as
abril, de burla qualificada e falsificação de documentos seguintes entidades singulares procederam a abertura
previstos e punido pelos arts.º 210º, 213.º e 245 do Código de contas, justificando ser para recebimento de salários:
Penal e de fraude fiscal nos termos do art.º 98.º ss do
Decreto-Legislativo n.º 3/2014, de 29 de outubro. 3.1. João Paulo Pina Correia - Vice Diretor Administrativo,
conta nº 87146450;
3.1.3. Estas conclusões são tiradas do Relatório
Analítico Final nº 14/2017 da Unidade de Informação 3.2. Edson Manuel Gomes Cardoso - Gestor de Risco e
Financeira que nos seus termos conclui que: “1. A Investimento, Conta nº 87146644.
empresa Atlantic Global Asset Management, titular da
conta n.º 86238433, aberta em 13-07-2016, recebeu uma 3.3. Nilton Monteiro Pereira - Contabilista, conta nº
transferência interbancária com proveniência do Ecobank 87146741;
CV, no valor de 2.362.222,07 EUR (dois milhões, trezentos
e sessenta e dois mil, duzentos e vinte e dois euros e sete 3.4. Denise Augusta Rodrigues Vaz - Empregada
cêntimos). Com a disponibilidade na conta, foi efetuado Limpeza, conta nº 87147323;
uma transferência intrabancária (entre contas EUR) a
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1776 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
3. Com relação as empresas, o Banco Comercial do de 1 ano. Tais factos aparenta estarmos perante uma
Atlântico fez chegar a esta Unidade, duas Comunicações de superfaturação/superfaturamento e que geralmente em
Operações Suspeitas - COS, relatando transações efetuadas condições normais seria inaceitável e diga-se inexequível
nas contas das referidas entidades, cujos argumentos, tal retorno/reembolso;
corroborados pela presente análise minuciosa, são os
seguintes: 8. Relativamente aos alegados empréstimos envoltos
nas justificativas das transações efetuadas pelas referidas
- Transferência interbancária recebida de elevado empresas aparenta estarmos perante sociedades que têm
valor a favor de Atlantic Global Management SA., sem atuado como sendo instituiç[ões] financeiras ou de crédito[…]
justificação; pressupondo um desvio do objeto social principal das
mesmas entidades. E de salientar que vários países da
- Transferência quase que da totalidade de fundos entre europa (Bélgica, Áustria, Reino Unido) já lançaram alertas
contas EUR detidas pelas referidas entidades. alegando sobre as atividades das referidas empresas pelo possível
empréstimo sem se referir de que tipo tratar-se; envolvimento das mesmas em esquema fraudulent[o];
- A forma como tem sido processado as operações - Face ao exposto, considerando que as ditas empresas
recebimentos de valores avultados sem aparente justificação, estão referenciadas nesta Unidade através de 6 (seis)
para de seguida ser realizada várias operações de montante Comunicaç[ões] de Operações Suspeitas (COS) encaminhadas
reduzidos; por três Instituiç[ões] de Créditos da Praça Financeira
Nacional, sendo que duas já encerram as respetivas
- A operação aparentemente não é resultante da atividade contas tituladas pelas já mencionadas empresas por fortes
principal da Xtrim Eurotrading Ltd Lda; indícios de envolvimentos das mesmas em atividades
fraudulentas e por se considerar de difícil aferição tanto
- A fundamentação económica da operação não é a identificação dos ordenantes das transferências como a
claramente aferível; verdadeira natureza dos fundos provenientes de diferentes
países da Europa;”
- A operação não é compatível com o património, a
capacidade económico-financeira da empresa XTRIM, 3.1.4. Evidentemente, para se proceder ao congelamento
se considerarmos que apresenta um Capital Social de de contas bancárias de acordo com a referida lei não é
200.000,00 CVE (duzentos mil escudos); necessário que se tenha a certeza da prática do crime.
Contudo, também não bastará simples indícios de sua
- Não ser possível confirmar a relação existente entre as prática. O legislador exige que se tenham fundadas
duas empresas (XTRIM e AT Business Haus Gmbh) e o razões da mesma. Este termo não possui um significado
estático e comum, pois dará sempre azo a alguma margem
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7. Estranha-se as condições contratuais observadas 3.2. A recorrente invoca outrossim violação dos direitos
com suporte das transferências internacionais de fundos de defesa em processo penal, nomeadamente o direito a
com alegações de empréstimos inicialmente de 30.000,00 um processo equitativo e dos direitos dele decorrentes ao
EUR (trinta mil euros) sendo que o reembolso total é contraditório, à audiência e o direito de acesso às provas.
estipulado no valor de 3.600.000,00 EUR (três milhões e Todos esses direitos invocados pela recorrente derivam
seiscentos mil euros) equivalente a 396.954.000,00 CVE do direito a um processo equitativo que, por sua vez, é
(trezentos e noventa e seis milhões, novecentos e cinquenta corolário do direito geral à proteção judiciária, ou, em
e quatro mil escudos) através do pagamento mensal de sentido mais amplo, do direito de acesso à justiça. Todos
300.000,00 EUR (trezentos mil euros) durante um período eles, com exceção do direito de acesso às provas que
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1777
ainda não foi tratado com profundidade pelo Tribunal, contradizer, caso assim entenda, pelos meios que achar
mas apenas referenciado muito brevemente em algumas pertinentes os factos contra si deduzidos, o Tribunal na
decisões, já foram apreciados, podendo dizer-se que a decisão Alexandre Borges v. STJ, Acórdão nº 24/2018,
sua jurisprudência já está relativamente consolidada de 13 de novembro, Rel: JC Pina Delgado, publicado no
neste sentido. BO, I Série, nº 88, 28 de dezembro de 2018, pp. 1232-
1257, entendeu que “as oportunidades de exercício do
3.2.1. Concretamente, em relação ao direito a um mesmo decorrem, como já salientado, da Constituição
processo equitativo o Tribunal reservou, no leading da República, enquanto direito subjetivo emergente do
case INPS v. STJ, decidido pelo Acórdão 15/2017, de 26 direito ao processo equitativo previsto pelo seu número 1
de julho, Rel: JC Pina Delgado, publicado no Boletim do artigo 22, incrementam-se ainda no caso de processos
Oficial, I Série, nº 35, 6 de junho de 2018, pp. 844-856 sancionatórios à luz do número 6 do artigo 35, o qual
e na Coletânea de Decisões do Tribunal Constitucional dispõe que “O processo penal tem estrutura basicamente
de Cabo Verde, Vol. IV, Praia, INCV, 2018 (2017), pp. acusatória, ficando os atos instrutórios que a lei determinar,
137-176, algumas considerações no sentido de que: “3.2. a acusação, a audiência de julgamento e o recurso
O direito a um processo equitativo decorre do número 1 submetidos ao princípio do contraditório”.”
do artigo 22 da Constituição, conforme o qual “a todos
é garantido a obter (…) mediante processo equitativo, a 3.2.3. Relativamente ao direito de audiência e defesa
tutela dos seus direitos e interesses”. Não se pode deixar em processo criminal considerou na mesma decisão com
de considerar que se está, pelos motivos já expostos, remissão para um outro caso decidido pelo Acórdão
perante posição jurídica que tem, nada obstante portar 10/2018, de 3 de maio, Joaquim Wenceslau v. STJ,
uma dimensão notoriamente prestacional, uma natureza Rel: JCP Pinto Semedo, publicado no Boletim Oficial,
de direito, liberdade e garantia especial, portanto que I Série, nº 35, 6 de junho de 2018, pp. 869-873 que
gozaria de proteção conforme, nomeadamente à luz do “2.1.3. Em relação ao direito de audiência e à defesa o
artigo 26 da Constituição da República. Até por ser uma Tribunal já teve oportunidade de se pronunciar sobre
decorrência inevitável do princípio do Estado de Direito, os mesmos algumas vezes, nomeadamente por meio do
já se tinha decidido que, com efeito, a esfera de proteção Acórdão 10/2018, de 3 de maio, Joaquim Wenceslau v.
fundamental que é recoberta por esse tipo de direito e STJ, publicado no Boletim Oficial, I Série, nº 35, 6 de
até a sua origem histórica militariam favoravelmente junho de 2018, pp. 869-873, embora avaliado nos termos
ao entendimento de que são protegidos como os direitos, de um tipo processual diferente – o processo disciplinar
liberdades e garantias, não obstante sequer constarem do sancionatório, num tempo (ano de 2004) em que ainda não
título alusivo aos mesmos. 3.2.1. No seu cerne, o direito a havia menção expressa na Constituição relativamente ao
um processo equitativo associa-se à efetividade dos meios de direito de audiência e defesa nesse tipo de processo, o que
defesa dos direitos, com uma projeção concreta sobre (…) o só veio a acontecer com a revisão de 2010, considerado
tempo reservado para a mesma, além de outras dimensões no essencial que “O direito de audiência e de defesa
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1778 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
contraditório, do outro, poderia arruinar as atividades Democrático e a Lei Fundamental demonstrou-o muito
investigatórias e conduzir ao extravio dos bens, fazendo bem reconhecendo-os no artigo 35. O direito de acesso
com que o próprio congelamento perdesse sentido e às provas é um dos direitos intimamente interligado a
finalidade, ficando, desta forma, totalmente esvaziado o esse princípio, e visa garantir em especial, o direito ao
interesse público que justifica a medida. contraditório e à defesa.
É esse e muitos outros motivos, nomeadamente ligados à 3.4.5. Porém, esses direitos, como já aflorado pelo
segurança da investigação e dos meios de prova recolhidos, Tribunal, não são absolutos. Primeiramente, dependem
que levaram o legislador a limitar esses direitos nessa da própria fase processual em que se estiver, na medida
fase do processo. em que o contraditório e a defesa não são garantidos
na sua máxima extensão e de forma igual na fase de
Pelo que não parece a esta Corte que a decisão do instrução e na de julgamento, até porque o que se dispõe
órgão recorrido que confirmou o congelamento das no número 6 do artigo 35 é que “a acusação, a audiência
contas bancárias da recorrente tenha, de forma direta e de julgamento e o recurso” ficam submetidos “ao princípio
autónoma, violado neste aspeto particular os seus direitos do contraditório”, mas, em relação à instrução seriam “os
de audiência, de defesa, ao contraditório e de acesso às atos instrutórios que a lei determinar”, portanto, nestes
provas da acusação, e, por esta via, o direito a um processo casos, a garantia é aligeirada na medida em que a sua
equitativo, podendo, todavia, resultar de violação indireta, concretização depende de arbitragem feita pelo legislador.
na medida em que seria possível adensar o seu gozo caso
se mostrasse justificado dispor de autorização de juiz E flexibilizada foi pela revisão constitucional de 2010,
para tanto, o que será analisado em momento posterior. já que a versão anterior da norma era mais taxativa ao
estabelecer que “o processo criminal subordina-se ao
3.4. Por último, quanto ao direito de acesso às provas, princípio do contraditório”, o que poderia levantar a questão
reconhecido pela Lex Suprema, no número 7 do artigo de se saber se essa norma não padeceria ela própria de
35 como o direito de acesso às provas da acusação, o vício de inconstitucionalidade, atendendo que a cláusula
Tribunal já o havia referenciado em algumas decisões, de limites materiais dispõe que “as leis de revisão não
reconhecendo que o mesmo seria derivado do direito podem, ainda, restringir ou limitar os direitos, liberdades
ao processo equitativo e do direito de defesa, mas sem e garantias estabelecidos na Constituição”. Sendo de se
nunca ter procedido a uma análise mais profunda do dar resposta negativa a essa questão, na medida em
seu conteúdo. Daí justificar um pouco mais de atenção. que o efeito limitador que se projeta é mínimo. Por dois
motivos: primeiro, porque circunscreve-se a uma fase
3.4.1. Numa dessas decisões, concretamente o Acórdão processual, à de instrução, mantendo o princípio força
nº 24/2018, de 13 de novembro, Alexandre Borges v. STJ, total relativamente às demais; segundo, porque dela
Rel: JC Pina Delgado, pp. 1232-1257, o Tribunal considerou não se origina um efeito de desproteção significativo, já
que a garantia de audiência e defesa em processo penal
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3.4.4. Para responder a esta questão, o importante Não parece que esta determinação seja inconstitucional,
agora é determinar o conteúdo deste direito, no sentido no sentido de que viola o contraditório, a defesa ou o
de, no fim decidir-se, se nesse caso concreto, nesta fase de direito de acesso a provas. Pelos motivos expostos parece
processo, o Ministério Público estaria obrigado a permitir que os interesses públicos elencados legitimariam essa
o acesso ao processo e aos elementos de prova disponíveis restrição operada nesses direitos.
contra a recorrente.
3.4.6. Aliás, quanto ao direito de acesso a provas no
Os direitos derivados do princípio de acesso à justiça, sentido estrito nem parece que seria uma verdadeira
são de extrema importância em qualquer Estado de Direito restrição, mas mais propriamente uma afetação originária
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do direito, pois, ao mencionar-se, por meio do número 7 Com efeito parece que o congelamento de contas bancárias
do artigo 35, a garantia autónoma de acesso às provas, levado a cabo pelo Ministério Público sem a existência
adiciona-se “da acusação”, portanto em tese o direito de um processo criminal, seria altamente discutível. Mas
de acesso às provas só teria aplicação após a acusação, não parece que essa discussão deverá ser feita aqui, na
portanto, finda a fase de instrução. Parece ser esta a medida, em que, ao contrário do que diz a recorrente,
interpretação do número 7 do artigo 35 da Constituição na verdade, antes do decretamento do congelamento da
ao reconhecer o direito de acesso às provas da acusação, conta bancária dois processos crimes decorriam contra
incutindo a ideia que o direito aplicar-se-ia, pelo menos ela apensados um ao outro, concretamente os Autos de
na sua máxima extensão, a partir desta fase processual, Instrução nº 13416/2016, abertos no dia 31 de outubro
o que não significa que refrações da garantia ao processo de 2016, por meio do Despacho do Digníssimo Senhor
justo e equitativo e à defesa não possam impor em algumas Procurador Geral da República de 31 de outubro de 2016 e
situações justificadas que, antes disso, mormente em os Autos de Instrução nº 6692/2017, abertos por Despacho
momento de instrução, se deva garantir acesso às mesmas. de Magistrado do Ministério Público da Comarca da Praia
de 13 de junho, data em que se ordenou igualmente o
4. A recorrente contesta ainda o próprio congelamento congelamento das contas bancárias da recorrente pelo
das suas contas bancárias, pois, do seu ponto de vista, mesmo despacho. Foi nos termos deste último processo que
além de ser inconstitucional por violação dos direitos, o Ministério Público procedeu ao congelamento das suas
liberdades e garantias já indicados e avaliados, consistiria contas bancárias. Assim, efetivamente, havia processo a
ainda numa afetação ilegítima de outras posições jurídicas decorrer contra a recorrente por suspeita de cometimento
fundamentais, sendo que ele invoca a garantia de reserva de crime de lavagem de capitais.
de juiz, o direito à propriedade privada e porque teria
sido decretado sem a existência de um processo e sem 4.3. A recorrente invoca também o facto de não ter
que ela tivesse sido constituída arguida. Afigura-se mais sido constituída arguida antes do congelamento o que
pertinente ao Tribunal começar pelas últimas questões e também seria uma violação da Lei de Lavagem de
somente depois abordar possível limitação ilegítima da capitais. Relativamente a este aspeto, embora a lei não
garantia da reserva do juiz, do direito à propriedade, e seja tão clara, parece que o entendimento correto advém
bem assim, por parecer pertinente para este caso concreto, da conjugação das disposições legais aplicáveis. É que o
da liberdade de iniciativa privada. artigo 45 que de uma forma geral prevê o congelamento e
o confisco de bens e direitos de origem ilícita, refere-se a
4.1. Em abstrato, deve-se salientar que a decisão de bens e direitos pertencentes ao arguido de uma infração
congelamento de contas bancárias tem sempre impactos principal incutindo a ideia de que só depois da constituição
económicos e, por vezes, sociais consideráveis, inclusivamente de arguido em virtude do processo da infração principal
tem o condão de projetar efeitos relativamente a terceiros poder-se-ia apreender eventuais bens que o mesmo tivesse,
– o que acontece neste caso concreto – os quais merecem nomeadamente valores depositados em contas bancárias.
atenção por parte deste Coletivo Judicial. Precisamente
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em causa, no que poderia haver um problema de conduta, e constitucionais expressamente consagradas que recobrem,
uma situação em que as normas aplicáveis não permitiriam nomeadamente, as situações de inviolabilidade de domicílio,
qualquer margem para tais conclusões, quando teríamos expressando-se claramente no artigo 43, número 1, que
uma questão de normatividade constitucional. Ambas, “ninguém pode entrar do domicílio de qualquer pessoa
por motivos que se tentará densificar mais adiante, serão ou nele fazer busca, revista, ou apreensão contra a sua
abordadas nesta decisão pelo Tribunal, começando pela vontade, salvo quando munido de mandado judicial (…)”,
primeira, o cerne deste pedido de amparo concreto. de correspondência e de comunicações, pois nos termos
do artigo 44 “é garantido o segredo de correspondência e
5.1. Todos esses direitos fundamentais já foram avaliados das telecomunicações, salvo nos casos em que por decisão
pelo Tribunal em algumas decisões. judicial proferida nos termos da lei do processo criminal
for permitida a ingerência das autoridades públicas”.
5.1.1. A decisão adotada no âmbito da ação de fiscalização 8.6.2. Acresce que tal garantia também seria inferível do
preventiva da constitucionalidade sobre norma da Lei de próprio princípio do Estado de Direito, não deixando de
Alteração da Lei da Investigação Criminal, Parecer nº se poder convocar para este mesmo fim os princípios da
1/2019, de 17 de abril, Rel: JC Pina Delgado, publicado Justiça, da transparência e da boa-fé que governam as
no Boletim Oficial, I Série, nº 44, de 18 de abril de 2019, relações entre a Administração e os cidadãos conforme o
pp. 763-789, referiu-se à garantia de reserva de juiz número 1 do artigo 240 da Lei Fundamental, ainda que
argumentando que “8.5. A existência de tal garantia com suspeitos de prática de crimes, que não deixam de ser
o alcance que lhe pretende atribuir o requerente não está, potencialmente afetados pela pluralidade de ações que
como é natural, expressamente consagrada na Constituição, podem ser incluídas debaixo de operações encobertas”
pois é certo que em nenhuma dessas disposições analisadas (para. 8.5)
individualmente consegue-se identificar expressamente
uma garantia concreta no sentido de uma intervenção E relativamente ao conteúdo da garantia precisou ser “a
de controlo por parte de juiz em relação a qualquer ato priori, claramente definido, nomeadamente em razão das
lesivo de direito, liberdade ou de garantia, mas, como se fórmulas normativas em que se consagram em relação às
sabe em sede de normas constitucionais, pela sua própria garantias contra atos ou omissões que afetem os direitos,
natureza isso não é absolutamente necessário. […] 8.5.2. liberdades e garantias de um arguido, expressão cuja
Contudo, para este Tribunal tais consequências já resultam plasticidade e alcance potencial são evidentes. 8.7.1. Contudo,
da interpretação do próprio número 7 do artigo 35, no pode-se considerar que, no primeiro caso, sejam aqueles
segmento conforme o qual “as garantias contra atos ou que potencialmente tenham impacto limitador sobre outros
omissões processuais que afetem os direitos, liberdades direitos de sua titularidade, nomeadamente o seu direito
e garantias são invioláveis e serão assegurados a todos geral à liberdade sobre o corpo, a outras liberdades como a
os arguidos”, o que, desde logo, significa que qualquer de deslocação ou de emigração, de expressão e informação,
ato ou omissão que tenha um efeito significativo sobre a e o seu direito geral à privacidade. 8.7.2. E, no segundo,
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posição processual do arguido fica sujeita a um regime que se tratará de uma garantia de juiz, enquanto titular
de garantias efetivo. 8.5.3. Portanto, a única dúvida que de um poder independente, em relação a qualquer ato
poderia ficar é se tal regime garantístico que resulta do jurídico-público que tenha impacto sobre os seus direitos
direito fundamental em causa tem de ser necessariamente que se reforça na penumbra do número 1 do artigo 22,
e em qualquer circunstância operado por juiz. Esta Corte que contém consagração genérica do direito à proteção
entende que sim, pois é da natureza da constituição que os judiciária, do número 6 do mesmo preceito constitucional
regimes garantísticos tidos por plenamente eficazes são os na medida em que associa procedimentos judiciários à
exercidos pelos tribunais, em razão das suas caraterísticas proteção de direitos, liberdades e garantias e, por fim, do
e posição na arquitetura institucional da Comunidade artigo 209 na medida em que caberia à administração
Política. 8.6. Mas, ainda que subsistisse dúvida nesse da Justiça assegurar os direitos e interesses legalmente
sentido seria sempre possível ao Tribunal ancorar tal protegidos dos cidadãos. 8.7.3. Trata-se de controlo que
norma garantística a partir de uma construção que parte deve ser necessariamente efetivo, no sentido que deve ser
de uma agregação entre as várias disposições que leva em gizado de tal sorte a garantir a preservação dos direitos
consideração, antes de tudo, os valores constitucionais que base de modo abrangente e substancial.”
se pretende proteger com tais disposições constitucionais
em última instância, nomeadamente o da dignidade da Relativamente à liberdade de iniciativa económica
pessoa humana e o da liberdade e autonomia individuais, o Tribunal considerou na decisão que tirou por meio
e da consagração da liberdade sobre o corpo, que, como já do Parecer nº 2/2018, de 27 de junho, relativa à Lei de
tinha entendido este Tribunal, resulta do reconhecimento autorização legislativa para alteração do Código de Empresas
pela Constituição de que o estado natural do homem é de Comerciais e autonomização de um Código de Sociedades
liberdade e consequentemente as circunstâncias em que Comerciais, Rel: JC Pina Delgado, publicado no Boletim
se pode justificar a sua restrição não só são excecionais, Oficial, I Série, nº 44, 2 de julho de 2018, pp. 1141-1156,
como ainda sujeitas a estrita observância de um conjunto que “A primeira delas, integra, por um lado, a liberdade
de garantias destinadas, em última instância, a garantir de uma pessoa, isoladamente ou em conjunto, iniciar
que ela seja efetivamente justa. 8.6.1. O que nos remete a uma atividade económica e de criar entidades específicas
um direito que emana do direito geral à proteção judiciária que a facilitem e potenciem, as empresas (literalmente a
citado, o direito a um processo equitativo, que não deixa liberdade económica de empresa) e consequentemente de
por isso, mas, outrossim, por maioria de razão, atendendo aceder ao mercado relevante, e, por outro lado, organizá-
aos valores constitucionais e direitos específicos em causa, las e geri-las do modo como entender que realiza as suas
de ser também aplicável quando se está perante matéria finalidades económicas e, em princípio, lucrativas, e,
penal, representando essa ideia de justiça na aplicação ademais, contratar com outras entidades individuais
da lei criminal, que abarcaria não só uma dimensão mais ou coletivas que facilitem tal desiderato. No dizer de
substantiva de o Estado não poder usar meios iníquos Liriam Tiujo Delgado, “A Constituição Económica Cabo-
ou que possuam um potencial natural de ingerência em Verdiana” in: José Pina Delgado & Mário Ramos Silva
direitos para recolher provas no âmbito da investigação (orgs.), Estudos Comemorativos do XX Aniversário da
criminal, como igualmente portadora de uma dimensão Constituição de Cabo Verde, Praia, Edições ISCJS, 2013,
processual no sentido de determinar a existência de um p. 173, “pode-se verificar que um espaço amplo é conferido
sistema efetivo de controlo para que não ocorram tais aos indivíduos enquanto agentes económicos, tanto na
desvios, nomeadamente impondo uma reserva de juiz ao perspectiva do produtor de bens e serviços como na óptica
nível da autorização para o seu próprio desencadeamento. do consumidor. Com base nessa liberdade – que para
O que, de resto, já é uma evidência no caso de soluções além do art. 68 pode também encontrar desenvolvimentos
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em outros direitos fundamentais em espécie enunciados chamados direitos sociais”. Isto em razão da importância
– os indivíduos podem fazer uso de sua criatividade que se reconhece no sistema cabo-verdiano em razão da
para produzir bens e serviços, organizar a produção, Constituição Económica adotada, que parte precisamente
celebrar e estabelecer negócios jurídicos, ter acesso aos dos direitos, liberdades e garantias económicos essenciais
bens, investir, concorrer, trabalhar, deslocar, migrar, e que não deixa de ser um instrumento de concretização da
consumir, etc. Isso quer significar que a iniciativa deve liberdade. Como lembra um estudo sobre esse subsistema
ser interpretada, na sua máxima extensão, pautando as constitucional de autoria de Liriam Tiujo Delgado, “A
escolhas e decisões na esfera económica– interpretação que Constituição Económica Cabo-Verdiana”, pp. 174-175,
pode ser corroborada pela ausência a priori de previsões que já se mencionou: “outro direito de irrenunciável
constitucionais que expressamente estabeleçam sectores importância é o direito à propriedade privada – já
reservados à iniciativa pública”. O próprio Tribunal que não parece possível aventar a livre iniciativa (pelo
Constitucional já havia reconhecido o conteúdo geral menos nas formas em que esteja relacionada com os bens
desse direito quando, por meio do Acórdão nº 13/2016, de económicos) sem que esteja de alguma maneira atrelada ao
7 de julho, Rel: JC Pina Delgado, Proferido no Processo direito à propriedade privada. As transacções de carácter
de Fiscalização Sucessiva da Constitucionalidade nº económico necessitam, para serem operacionalizadas,
1/2016 referente à Inconstitucionalidade de certas Normas da possibilidade de apropriação de bens pelos agentes
Restritivas do Código Eleitoral, publicado no Boletim económicos devidamente salvaguardada das intromissões
Oficial, I Série, nº 43, 27 de julho de 2016, pp. 1421- de outros indivíduos mas também do próprio ente público
1476, também reproduzido em Coletânea de Decisões do – e, visto de outra forma, a propriedade é o incentivo para
Tribunal Constitucional, Praia, INCV, 2016, v. I (2015- que os bens possam ser economicamente explorados. O
2016), pp. 115-266, arrazoou que “Em concreto, esse direito exercício desse direito pode revelar-se em várias vertentes,
abarca, nomeadamente, a liberdade de estabelecimento de i.e., a) a possibilidade de ser objecto de apropriação; b) de
empresa, a liberdade de prestação de trabalho, a liberdade usar e fruir; e c) de transferir inter vivos ou causa mortis”.
de exercício da profissão e a liberdade de contratar,
nomeadamente oferecendo e prestando serviços” (para. 5.2. Entretanto, antes de se averiguar se a conduta
2.7). Claro está que é um direito que, dada a redação ora impugnada viola essas posições jurídicas, de alguma
que lhe emprestou o legislador constituinte por via do forma, uma questão deve ser resolvida preliminarmente.
preceito que lhe confere-se grande latitude regulatória “Até Porque se a intenção do legislador foi mesmo atribuir ao
porque, no caso concreto, o legislador constituinte ao usar Ministério Público o poder de congelar contas bancárias
a expressão “a iniciativa exerce-se livremente no quadro de eventuais suspeitos ou arguidos da prática de crimes
da Constituição e da Lei”, apesar de reconhecer o estatuto de lavagem de capitais não parece que seja um problema
especial da iniciativa económica como direito de liberdade, que se deva resolver a nível de recurso de amparo, pois
não deixa de habilitar o legislador para operar, desde neste particular o problema estaria relacionado à própria
que escudado por interesses públicos, com muito maior norma constante do número 1 do artigo 46 da Lei de
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latitude comparada, restrições a essa liberdade” (Ibid.). Lavagem de Capitais, que só poderia ser contestado em
Mas, não é isto que está em causa neste momento, mas a sede de fiscalização concreta da constitucionalidade,
aplicação da reserva de lei em relação a esses direitos.” mediante a impugnação da norma por violação desses
direitos fundamentais, nomeadamente por ser uma sua
5.1.2. E em relação ao direito à propriedade privada restrição ilegítima.
nesta mesma decisão teceu considerações nos termos
segundo as quais: “Em relação ao outro direito central em Entretanto, por outro lado não sendo esta a intenção
matéria económica, trata-se de um direito multifacetado legislativa, ou então, permitindo a norma mais do que
que abarca a proteção clássica de propriedade sobre coisas uma interpretação possível, em que uma delas permita
materiais, também direitos patrimoniais e a propriedade concretizar direito, liberdade ou garantia conexo, pode-se
intelectual, e que o Tribunal Constitucional já havia analisar se uma determinada conduta praticada no seu
considerado estar abarcado pelo regime de proteção âmbito viola posições jurídicas fundamentais e, em caso
de direitos, liberdades e garantias na decisão tirada afirmativo, conceder o amparo adequado à reparação do
no caso Sal Hotéis v. STJ (Acórdão nº 8/2017, 11 de ou dos direitos violados.
julho, Rel: JC Aristides R. Lima, publicado no Boletim
Oficial, I Série, nº 42, de 21 de julho de 2017, pp. 903- 5.3. No caso específico, a norma não diz expressamente
910, reproduzido também na Coletânea de Decisões do se o legislador atribuiu ou não ao Ministério Público o
Tribunal Constitucional, Praia, INCV, 2018, v. III (2017), poder de decretar o congelamento das contas bancárias
pp. 200-222), neste segmento acolhido por unanimidade. quando houvesse fundadas razões para crer que os bens
Por conseguinte, este Tribunal já lhe havia reconhecido que constam delas constituem vantagens do crime ou se
um estatuto especial e a suscetibilidade de gozar de um destinam à atividade criminosa.
regime de proteção paralelo ao que se reserva aos direitos,
liberdades e garantias, seja por ser um direito, liberdade
análogo ou um direito sui generis intimamente associado Isso porque o número 1 do artigo 46 limita-se a estipular
à liberdade, como consta do voto particular emitido no que “1. A autoridade judiciária procede à apreensão de
mesmo processo (Declaração de Voto Vencido, Ibid., pp. bens imóveis ou móveis, direitos, títulos, valores, quantias
912-913), com a plena conciliação quanto a este item a ser e quaisquer outros objetos depositados em bancos ou outras
plenamente assumida quando recentemente o Tribunal, por instituições de crédito, mesmo que em cofres individuais,
unanimidade, fez constar do Parecer nº 1/2018, de 7 de em nome do arguido ou de terceiros, quando tiver fundadas
maio, Rel: JC Aristides R. Lima, referente à Fiscalização razões para crer que eles constituem vantagens do crime,
Preventiva da Constitucionalidade do Ato Legislativo que ou se destinam à atividade criminosa.”
Procede à Alteração da Lei de Serviços Públicos Essenciais
quando à Possibilidade de Suspensão de Fornecimento 5.4. Por conseguinte, a Lei utiliza a expressão autoridade
dos Mesmos, publicado no Boletim Oficial, I Série, nº 28, judiciária, não especificando qual seria, atendendo a prática
de 11 de maio de 2018, pp. 655-664, lavrou entendimento que se tem consolidado no nosso direito de abarcar tanto
no sentido de que o direito à propriedade privada “em a figura do juiz, como do agente do Ministério Público,
Cabo Verde, não obstante se encontrar previsto em sede uma fórmula claramente agasalhada pela lei através
dos direitos económicos, sociais e culturais é considerado do artigo 9 do Código de Processo Penal de Cabo Verde,
como fazendo parte do assim chamado regime dos segundo o qual “toda a decisão de autoridade judiciária,
direitos, liberdades e garantias, os quais, gozam de uma seja ela juiz ou agente do Ministério Público, proferida no
proteção constitucional reforçada comparativamente aos âmbito do processo penal (…)”. O problema neste aspeto
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particular quando se utiliza o termo autoridade judiciária ilustre entidade: “Conforme decorre do n. 2 do art.º 225.º
é saber ao certo quando é que a lei se refere ao Ministério da Constituição – CRCV –, comando constitucional que é
Público e quando é que se refere ao juiz. concretizado pelo artigo 302.º do [C]ódigo de [P]rocesso
[P]enal – CPP –, dúvidas não subsistem de que no nosso
5.4.1. Muitas vezes o problema é resolvido pela própria sistema jurídico-penal o Ministério Público é titular da
Lei, mas quando ela é omissa o principal critério que acção penal e na fase de instrução é o dominus, portanto
alguns têm defendido, nomeadamente o próprio Ministério actua como autoridade judiciária, exerce poderes de decisão
Público, como se atesta da leitura dos presentes autos, é e de conformação processual, tendo o monopólio da direcção
que a autoridade judiciária competente seria aquela que da instrução, mesmo quando nesta fase processual o juiz
tivesse o domínio sobre a fase processual em que o ato de instrução intervém – arts.º 307.º e 308.º do CPP –,
tiver que ser praticado. Assim, seria o Ministério Público intervenção que tem natureza necessariamente eventual,
na fase de instrução e o juiz nas restantes fases. considerando o objecto e finalidade da instrução, e que
se traduzem em situações, taxativamente elencadas, em
A Lei de Lavagem de Capitais não estipula nenhuma que normalmente estão em causa actos que contendem
regra especial relativamente a este aspeto. Ela limita- directamente com direitos, liberdades e garantias. Os
se a utilizar a expressão autoridade judiciária, não actos a praticar, a ordenar e autorizar exclusivamente pelo
especificando concretamente se mesmo durante a instrução juiz na fase de instrução, por considerar que contendem
do processo caberia necessariamente ao juiz autorizar o com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, são
congelamento de contas bancárias, ou se, pelo contrário, os que se encontram indicados nos artigos 307.º e 308.º
seria de se aplicar o critério geral da correspondente fase [C]ódigo de [P]rocesso [P]enal e os demais que, conforme
processual em que o ato for praticado. disposto na alínea h) do n.º 1 do art.º 307.º e no n.º 1 do
art.º 308.º do CPP a lei “expressamente” reservar, fizer
depender de ordem ou autorização do juiz. Quando o
5.4.2. Ou então se seria possível recorrer ao Código de legislador expressamente não fizer depender [u]m acto
Processo Penal no sentido de encontrar eventual resposta de ordem ou autorização de um juiz e faz menção à
a esta questão com base no artigo 3º da Lei de Lavagem autoridade judiciária, diga-se Juiz ou Ministério Público,
de Capitais, não sendo necessariamente automático importa determinar a que autoridade judiciária se quer
que assim seja, especialmente tendo em que conta que o referir. Para se determinar que autoridade judiciária o
legislador poderá, por hipótese, ter optado por consagrar legislador quis referir um dos critérios que o intérprete
um regime especial que em muitas situações afasta-o do pode utilizar é o da fase processual. Assim, se estivermos
regime geral previsto no Código de Processo Penal. na fase de instrução a autoridade judiciária é o Ministério
público – art.º 202.º n.º 1 do CPP – e se estivermos na fase
Entretanto, por outro lado, não estabelecendo um de julgamento essa competência é do juiz de julgamento
parâmetro com vista a se saber que bens podem ser – art.º 323.º n.º 1 do CPP.”
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Ministério Público, de autoridade de polícia criminal em descoberta da verdade ou para a prova, mesmo que não
caso de urgência ou de perigo na demora, do arguido ou pertençam ao arguido ou não estejam depositados em
do assistente. 3. O requerimento, quando proveniente do seu nome. 2. O juiz poderá examinar a correspondência
Ministério Público ou de autoridade de polícia criminal, e qualquer documentação bancárias para descoberta dos
não está sujeito a quaisquer formalidades. 4. Nos casos objectos a apreender nos termos do número antecedente.
referidos nos números antecedentes, o juiz decidirá, no 3. O exame referido no número antecedente será feito
prazo máximo de 24 horas, com base na informação que, pessoalmente pelo juiz, coadjuvado, quando necessário,
conjuntamente com o requerimento, lhe for prestada, por órgãos de polícia criminal e por técnicos qualificados,
dispensando a apresentação dos autos sempre que a não ficando ligados por dever de segredo relativamente a tudo
considere imprescindível”. aquilo de que tiverem tomado conhecimento e não tiver
interesse para a prova.”
O segundo, elencando aqueles para cuja prática
é necessário a ordem ou autorização de magistrado Parece que de acordo com esta disposição legal,
judicial, estipula que “1. Durante a instrução competirá independentemente da fase processual em que se estiver,
exclusivamente ao juiz ordenar ou autorizar buscas a lei expressamente fez depender de ordem ou autorização
domiciliárias, apreensões de correspondência, intercepções do juiz a prática de atos de apreensão de bens constantes
ou gravações de conversações ou comunicações telefónicas, de contas bancárias, dentro da qual por força da aceção
telemáticas e outras, nos termos e com os limites previstos larga prevista pela própria Lei de Lavagem de Capitais
neste Código, e, ainda, a prática de quaisquer outros incluiria também o congelamento, pois o legislador
actos que a lei expressamente fizer depender de ordem ou resolveu adotar um conceito de sobreposição entre as duas
autorização do juiz. 2. É correspondentemente aplicável figuras, conceituando por via da alínea j) do artigo 2º da
o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo antecedente”. sua versão consolidada, conjuntamente “congelamento” ou
“apreensão”, como “a proibição temporária de transferir,
5.5.2. Por conseguinte, o problema em acolher a tese converter, alienar, dispor ou movimentar bens ou fundos
esposada pela entidade recorrida é que ela parece não ou outros ativos económicos pertencentes a indivíduos ou
se confirmar se se analisar o que prevê o próprio artigo entidades que se suspeite estarem envolvidos em lavagem
307 do Código de Processo Penal, o qual, de forma de capitais”.
límpida, na sua alínea d), dispõe que “durante a instrução
competirá exclusivamente ao juiz (…) proceder a buscas e 5.5.4. Assim, partindo do princípio de que a Lei de Lavagem
apreensões em escritório de advogado, consultório médico, de Capitais não havia estabelecido um regime especial
estabelecimentos de comunicação social, universitários ou nesta matéria, fixando que atos seriam da competência do
bancários, nos termos dos artigos 239 a 241”. Ministério Público ou do Juiz, determinação de extrema
importância tendo em vista a amplitude de que podem
Claro está que sempre se pode inferir – equivocadamente revestir essas apreensões parece a este Tribunal que a
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na nossa opinião – que essa disposição legal está a regular solução legal mais coerente e de acordo com o modelo
não é o congelamento de contas no sentido estrito, mas de processo penal estabelecido pelo legislador ordinário
simplesmente as apreensões de coisas, nomeadamente é a aplicação do regime geral nesta matéria, portanto
documentos e valores depositados, nos bancos, devendo, aplicando o artigo 246 do Código de Processo Penal e dos
nestes casos, ser o juiz a presidir ao ato. Tal argumento outros mencionados.
sendo possível esbarraria num problema hermenêutico
e de lógica, pois o que acontece é que ele possui a mesma 5.5.5. Além disso, se se considerar que tais medidas de
estrutura normativa do número 1 do artigo 46 da Lei de congelamento podem ter, além da função que remeteria
Lavagem de Capitais, que também usa a expressão “a à alínea d), mais associadas à recolha de provas, uma de
autoridade judiciária procede à (…)” no sentido de que é teor mais cautelar, nomeadamente para evitar o extravio
competente para. Sendo assim, quando se estabelece no ou a dissipação dos recursos constantes dessas contas
artigo 307 do Código de Processo Penal que o juiz que o bancárias na pendência do processo para determinação
juiz procede a buscas em estabelecimentos bancários está- de branqueamento de capitais, ela se reconduzira à alínea
se a também a garantir-lhe competência para tanto, até b) da mesma disposição, segundo a qual “1. Durante a
porque em última instância seria muito pouco natural o instrução competirá exclusivamente ao juiz: b) Proceder
juiz presidir a um ato determinado pelo Ministério Público. à aplicação de uma medida de coacção pessoal ou de
garantia patrimonial”, reforçando entendimento de que
Mas, mesmo que tal seja a tese, ainda seria de se a esta entidade caberia sempre intervir no quadro de
considerar que as normas em causa, nomeadamente o uma hermenêutica respeitadora dos direitos, liberdades
artigo 308, não contêm um rol fechado de condutas que e garantias conexos.
podem e devem ser empreendidas pelo juiz nesta fase,
não sendo, assim, taxativo. Contemplam, outrossim, a 5.6. Mas, não é, para efeitos de um escrutínio de
possibilidade de haver outras situações em que o ato violação de direito, liberdade e garantia, a causa principal
deverá ser praticado, ordenado ou autorizado pelo poder de uma decisão meritória de amparo. Na verdade, todo
judicial. A alínea i) do artigo 307 estipula que compete ao o juízo poderia basear-se simplesmente na análise dos
juiz na fase de instrução praticar quaisquer outros atos critérios adotados para se definir o sentido da expressão
que a lei expressamente reservar ao juiz e a parte final “autoridade judiciária” do artigo 46 da Lei de Lavagem
do número 1 do artigo 308 garante que podem existir de Capitais à luz daquilo que são as obrigações que o
outros atos cuja prática a lei pode expressamente fazer sistema de proteção de direitos fundamentais impõe a
depender de ordem ou autorização do juiz. qualquer autoridade munida de poderes públicos que
aplica o direito ordinário ao caso concreto, isto é, o dever
5.5.3. É neste sentido que verificando, primeiramente de considerar, na interpretação que lança aos preceitos
o Código de Processo Penal, depara-mo-nos com a norma jurídicos ordinários, a força expansiva de qualquer direito,
vertida para o artigo 246 que estabelece o regime da liberdade e garantia conexo sobre os mesmos, desde que
apreensão em estabelecimento bancário, contendo redação tenha espaço hermenêutico.
nos seguintes termos: “1. O juiz poderá proceder à apreensão
de documentos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros 5.6.1. Neste sentido, uma coisa seria se o legislador
objectos depositados em bancos ou outras instituições de expressamente dispusesse na disposição legal mencionada
crédito, mesmo que em cofres individuais, quando tiver como faz em outras ocasiões, que “O Procurador Geral da
fundadas razões para crer que eles estão relacionados República ou o magistrado do Ministério Público procede
com um crime e se revelarão de grande interesse para a à apreensão de bens imóveis ou móveis, direitos, títulos,
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1784 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
valores e quaisquer outros objetos (…)”, outra é utilizar aplicou uma outra possível aceção normativa decorrente
um termo – autoridade judiciária – que, de acordo com o do mesmo preceito que não só não seria desconsideradora
Código de Processo Penal, tanto pode se referir ao juiz, da projeção constitucional sobre o direito ordinário, como
como ao magistrado do ministério público. igualmente promovedora da aplicação de uma norma
possivelmente inconstitucional. É desta dimensão que
5.6.2. A entidade recorrida entendeu, na douta cuidaremos de seguida, considerando, por um lado, para
hermenêutica que usou para extrair o sentido da norma efeitos de alerta geral destinado à comunidade jurídica, os
legal, que, em tais casos, a omissão de definição de entidade efeitos gerais da interpretação lançada pelo Digníssimo
é resolvida com recurso ao critério do órgão que domine Senhor Procurador Geral da República em relação à
a fase processual em causa, considerando-se que na de norma cujos efeitos podem ser muito amplos, em tese
instrução ele seria o Ministério Público. Evidentemente, sendo suscetíveis de se confrontar com precedentes deste
parece ter sido este o entendimento que o legislador quis Tribunal, e, mais especificamente, analisando a norma
transmitir, de um ponto de vista geral, com a criação da concreta mais específica que foi aplicada no caso concreto.
figura da autoridade judiciária, no sentido de que, como
a atuação do juiz na fase da instrução constitui a exceção Sendo certo que para esta Cúria a questão de fundo
e não a regra, quando o legislador não especificar que se resolva simplesmente com o lançamento de uma
autoridade judiciária deve praticar determinado ato, hermenêutica conforme os direitos, liberdades e garantias,
naturalmente a competência pertenceria ao Ministério a questão normativo-constitucional não é despicienda
Público. porque o Ministério Público não deixa de chamar a atenção
para o facto de que uma das possíveis aceções normativas
5.6.3. Trata-se de critério respeitável que o Tribunal do artigo 46 – embora não a que seria determinante
acolhe tendencialmente, mas que não pode ser aplicado em função do espraiamento ordinário da normas de
de modo geral, isto é, sem exceções, nomeadamente nos direitos, liberdades e garantias diretamente conexas –
casos em que o ato processual em causas tem o potencial seria de se considerar que está a atribuir um poder a
de ingerir em direitos, liberdades e garantias, o que, um procurador da república. Neste sentido, justifica-se
de resto é aceite tanto pelo Ministério Público, ao dizer que o Tribunal se pronuncie sobre a questão não para
com toda a propriedade quanto ao critério de fundo, que declarar igualmente a inconstitucionalidade normativa
“mesmo quando nesta fase processual o juiz de instrução do preceito, o que não seria possível através deste tipo
intervém – arts.º 307.º e 308.º do CPP –, intervenção que de processo, mas, alternativamente, para sinalizar essa
tem natureza necessariamente eventual, considerando o possibilidade e remeter o caso para o Ministério Público
objecto e finalidade da instrução, e que se traduzem em para que seja suscitada e se resolva a questão através
situações, taxativamente elencadas, em que normalmente de um pronunciamento que teria força obrigatória geral.
estão em causa actos que contendem directamente com
direitos, liberdades e garantias”, como pelos analistas e 6.1. Assim, ainda que a única interpretação possível
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académicos locais que se interessam pela matéria. da disposição legal sob escrutínio fosse no sentido de que
Ministério Público teria competência exclusiva na fase
Tais situações, por motivos naturais, ensejam um outro de instrução para o congelamento de todos os bens aí
critério que se relaciona precisamente com a proteção de elencados ou, o que é face ao disposto anteriormente mais
direitos no sentido de que sempre que um ato em abstrato razoável, de se admitir que seria um sentido possível do
puder vulnerar direitos de defesa que as pessoas tenham ponto de vista estritamente legal, a constitucionalidade
contra o Estado, sendo admitida a ingerência pública dessa medida legislativa ou de uma aceção hermenêutica
nos mesmos, o mínimo garantístico que demanda é que com tal conteúdo seriam muito discutíveis, no sentido de
sejam precedidos de autorização judicial, significando de que poderia vulnerar ilegitimamente diversas posições
juiz. Por conseguinte, o artigo 46 da lei de Lavagem de jurídicas fundamentais.
Capitais ao não explicitar que autoridade judiciária estava
a referir-se exigia, à luz de uma interpretação favorável 6.1.1. No geral, conforme aflorado, o âmbito de aplicação
aos direitos, que se definisse o sentido mais garantístico da disposição é muito amplo, podendo abarcar várias
possível, que passaria pela condução da menção a “juiz”. situações, permitindo a apreensão de diversos bens em
bancos ou instituições de crédito.
5.7. Com isto o Tribunal não está ainda a inferir que a
atribuição de competência ao Ministério Público para o 6.1.2. Numa perspetiva mais ampla da norma, os
congelamento de contas bancárias seja inconstitucional, efeitos dessa solução legislativa sobre a privacidade
mas apenas que esta é a interpretação que parece resultar dos indivíduos podem ser catastróficos, causando uma
dos vários dispositivos arrolados e a que melhor se coaduna intromissão ilegítima nesse direito, não só do ponto de
com os direitos, liberdades e garantias invocados pela vista da sua dimensão de espaço privado do indivíduo, do
recorrente, a a garantia de juiz e por arrastamento neste direito a estar só, de não ser incomodado por terceiros,
caso o direito à propriedade e a liberdade de iniciativa especialmente pelo Estado, que deverão respeitar a sua
económica. E, que, por isso, o ato de manutenção da intimidade, mas também na perspetiva de uma invasão
medida pelo Procurador-geral da República, ao ancorar- nos seus dados pessoais, possivelmente constantes de
se em interpretação incompatível com essas garantias e algum lugar sujeito à apreensão nos termos do preceito
direitos violou direitos, liberdades e garantias, cabendo, constante do artigo 46 da Lei da Lavagem de Capitais.
neste caso, amparo, o qual, por motivos naturais,
considerando que medida provisória concedida já cobre 6.1.3. Além disso, essa possibilidade poderia afetar
o remédio adequado à situação, isto é, a obrigação de ilegitimamente várias garantias associadas àquele direito
levantamento do congelamento, esgota-se na declaração geral como a garantia de reserva de juiz, a da inviolabilidade
de incompatibilidade da conduta com aquelas normas de do domicílio, a da reserva da correspondência e das
direitos, liberdades e garantias. telecomunicações e a que sanciona com nulidade as provas
obtidas mediante abusiva intromissão nesses direitos.
6. Constata-se, neste particular, que duas questões
são tão fundamentais quanto distintas neste processo. 6.1.4. Nesta dimensão, a amplitude da interpretação
Por um lado, a de se saber se o órgão aplicador da norma que se lança sobre a disposição, poderia definir uma
promoveu, como era sua obrigação, uma hermenêutica orientação normativa segundo a qual ““1. A autoridade
consideradora dos direitos, liberdades e garantias conexos judiciária procede à apreensão de bens imóveis ou móveis,
dentro do espaço normativo que tinha para decidir; direitos, títulos, valores, quantias e quaisquer outros
segundo, de se apreciar se o órgão aplicador encontrou e objetos depositados em bancos ou outras instituições de
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1785
crédito, mesmo que em cofres individuais, em nome do internacionais assumidos pelo Estado de Cabo Verde e
arguido ou de terceiros, quando tiver fundadas razões do dever de proteção geral que o Estado deve à população
para crer que eles constituem vantagens do crime, ou e às instituições da República.
se destinam à atividade criminosa”, podendo atingir
todos aqueles direitos, pois, por falta de intervenção Isso, no sentido de lhe conferir maior eficácia, na
judicial, a proteção reforçada de que gozariam aspetos perspetiva óbvia de que sendo a medida de congelamento
potencialmente relevantes para a privacidade das pessoas limitada, no quadro de tal norma, somente à apreciação
e para a proteção dos seus dados pessoais, financeiros e vontade do Ministério Público, naturalmente depois
e outros que pudessem por exemplo constar de cofres de ele próprio fazer a sua avaliação de consistência com
individuais seriam vulnerados de forma intolerável nos direitos fundamentais e as ponderações necessárias, sempre
termos do entendimento esposado por unanimidade por permite acelerar muito mais a sua concretização, do que
este Tribunal no Parecer nº 1/2019, de 17 de abril, Rel JC um sistema que, além dessa determinação, impusesse a
Pina Delgado, e, antes pelo aresto que decidiu o caso Judy participação de juiz.
Ike Hills v. STJ (Acórdão nº 27/2018, de 20 de dezembro,
Rel: JC Pina Delgado), ficando consagrado que a restrição Sendo certo que, no geral, tais finalidades em si
operada a essas posições jurídicas fundamentais estaria seriam legítimas, considerando, por um lado, que o que
regra geral subordinada a uma dupla reserva: à reserva de dispõe a Constituição, nomeadamente o número 2 do
lei, no mesmo sentido daquilo que acontece com a restrição artigo 11, segundo o qual “o Estado de Cabo Verde (…)
dos restantes direitos, liberdades e garantias, na medida participa no combate internacional contra o terrorismo e
em que a limitação tem que ser operada necessariamente a criminalidade organizada transnacional”, não vão ao
pela via legal e à reserva judicial, pois a autorização nível de especificidades de exigir que tal eficácia assente
ou validação de eventual intromissão no domicílio, na numa intervenção exclusiva do Ministério Público nesta
correspondência ou comunicação dos indivíduos e nos fase se se faça às expensas dos direitos.
dados pessoais estaria dependente do juiz, que teria
necessariamente que intervir na maior parte das situações
em que esses direitos estivessem em causa. É verdade, como se tem enfatizado que Cabo Verde, além
dessa determinação constitucional, já assumiu diversas
Precisamente em virtude da garantia de juiz dirigida obrigações internacionais em matéria de combate ao
especialmente para a proteção de direitos, liberdades e branqueamento de capitais e crimes conexos. Nomeadamente
garantias durante a fase de instrução que, embora não através de vinculação à Convenção [de Palermo] contra
esteja prevista expressamente no texto constitucional, o a Criminalidade Organizada Transnacional, aprovada
Tribunal já reconheceu a sua existência relacionando-a para ratificação pela Resolução nº 92/VI/2004 de 31 de
com a dignidade da pessoa humana, com a liberdade e maio, publicada no Boletim Oficial, I Série, nº 16, de 31
autonomia individuais, especialmente com a liberdade de maio de 2004, p. 306 e ss, a qual, no seu artigo 12,
dispõe que, “1. Os Estados Partes adoptarão, na medida
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1786 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
segundo o qual as medidas nele previstas são definidas utilizados para cometer as infracções previstas no artigo
e aplicadas em conformidade com o direito interno de 2º, bem como o produto destas infracções. 3. Cada Estado
cada Estado Parte e segundo as disposições deste direito”. Parte interessado poderá concluir acordos que prevejam a
repartição com outros Estados, sistematicamente ou caso a
Fórmula similar pode ser encontrada no artigo 14 caso, dos fundos provenientes das confiscações previstas no
da Convenção [de Mérida] das Nações Unidas contra presente artigo. 4. Cada Estado Parte criará mecanismos
a Corrupção, aprovada para ratificação pela Resolução com vista a afectar as somas provenientes das confiscações
nº 31/VII/2007 de 22 de março, publicada no Boletim previstas no presente artigo, à indemnização das vítimas
Oficial, I Série, nº 11, Sup., 22 de março de 2007, p. 3 e das infracções previstas na alínea a) ou b) do parágrafo
ss, construído em termos de que “1. Cada Estado Parte 1 do Artigo 2º, ou dos seus familiares. 5. As disposições
adoptará, no maior grau permitido em seu ordenamento do presente artigo são aplicadas se, prejuízo dos direitos
jurídico interno, as medidas que sejam necessárias para dos terceiros de boa fé”.
autorizar o confisco: a) Do produto de delito qualificado
de acordo com a presente Convenção ou bens cujo valor Sendo tratados aos quais Cabo Verde se vinculou e
corresponda ao de tal produto; b) Dos bens, equipamentos preenchem todos as condições previstas pelo número 2
ou outros instrumentos utilizados ou destinados utilizados do artigo 12 da Constituição para serem incorporados,
na prática dos delitos qualificados de acordo coma presente na medida em que o Estado manifestou vontade de se
convenção. 2. Cada Estado Parte adoptará as medidas obrigar por essa via, seguiu-se a tramitação constitucional
que sejam necessárias para permitir a identificação, interna e a convencional internacional correspondente à
localização, embargo preventivo ou apreensão de qualquer exigência de validade da vinculação, foram publicados no
bem a que se tenha referência no parágrafo 1 do presente jornal oficial da República e entraram em vigor na esfera
Artigo com vistas ao seu eventual confisco. 3. Cada Estado internacional, além de se transformarem em direito
Parte adoptará, em conformidade com a sua legislação interno, o país não só tem a obrigação de conduzir-se
interna, as medidas legislativas e de outras índoles que nos seus precisos termos, como ainda o Estado pode
sejam necessárias para regular a administração, por legitimamente invocar tal facto para definir e legitimar
parte das autoridades competentes, dos bens embargados, finalidades associadas à sua produção legislativa.
incautados ou confiscados compreendidos nos parágrafos
1 e 2 do presente Artigo. 4. Quando esse produto de delito O mesmo se pode dizer das Resoluções do Conselho
se tiver transformado ou convertido parcialmente ou de Segurança adotadas com fulcro no Capítulo VII da
totalmente em outros bens, estes serão objecto das medidas Carta das Nações Unidas e que instituem verdadeiras
aplicáveis a tal produto de acordo com o presente Artigo. 5. obrigações em matéria de financiamento ao terrorismo
Quando esse produto de delito se houver mesclado com os e, por esta via, conectada ao branqueamento de capitais.
bens adquiridos de fontes lícitas, esses bens serão objecto Apesar de inicialmente polémica, com base na análise
de confisco até o valor estimado do produto mesclado, da própria prática institucional e da reação dos Estados,
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sem menosprezo de qualquer outra faculdade de embargo tem-se aceitado que, além de medidas individuais e
preventivo ou apreensão. 6. Os ingressos e outros benefícios concretas dirigidas a situações específicas, aquele órgão
derivados desse produto de delito, de bens nos quais se das Nações Unidas pode adotar atos normativos dotados
tenham transformado ou convertido tal produto ou de bens de generalidade e abstração, entre os quais se incluem
que se tenham mesclado a esse produto de delito também essas determinações que incidem sobre a matéria ora
serão objecto das medidas previstas no presente Artigo, em discussão.
da mesma maneira e no mesmo grau que o produto de
delito. 7. Aos efeitos do presente Artigo e do Artigo 55º Na medida em que sejam adotadas com base no Capítulo
da presente Convenção, cada Estado Parte facultará a que versa sobre a manutenção da paz e da segurança
seus tribunais ou outras autoridades competentes para internacionais, o VII, que consagra, especificamente
ordenar a apresentação ou a apreensão de documentos no artigo 39 que o integra, um poder de determinar “a
bancários, financeiros ou comerciais. Os Estados Partes existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato
não poderão abster-se de aplicar as disposições do presente de agressão”, levando a que possa fazer “recomendações” ou
parágrafo amparando-se no sigilo bancário. 8. Os Estados que alternativamente pode “decidir que medidas deverão
Partes poderão considerar a possibilidade de exigir de ser tomadas de acordo com os artigos 41º e 42º, a fim de
um delinquente que demonstre a origem lícita do alegado manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”.
produto de delito ou de outros bens expostos ao confisco,
na medida em que ele seja conforme com os princípios
fundamentais de sua legislação interna e com a índole Remetendo, assim, para a possibilidade de adoção
do processo judicial ou outros processos. 9. As disposições de medidas não-militares, pois nos termos do artigo
do presente Artigo não se interpretarão em prejuízo do 41, o mais relevante para efeitos desta argumentação,
direito de terceiros que actuem de boa-fé. 10. Nada do estabelece-se que “o Conselho de Segurança decidirá
disposto no presente Artigo afectará o princípio de que sobre as medidas que, sem envolver o emprego das forças
as medidas nele previstas se definirão e aplicar-se-ão em armadas, deverão ser efetivadas as suas medidas e poderá
conformidade com a legislação interna dos Estados Partes instar os membros das Nações Unidas a aplicarem tais
e com sujeição a este”. medidas (…)”. Ora, nos termos do artigo 25 da Carta,
“os membros das Nações Unidas concordam em aceitar e
aplicar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo
Também a Convenção Internacional para a Repressão com a presente Carta”, até porque, conforme o artigo
do Crime de Financiamento ao Terrorismo, aprovada anterior, “a fim de assegurar uma ação pronta e eficaz
para ratificação pela Resolução nº 38/VI/2002 de abril, por parte das Nações Unidas, os seus membros conferem
publicada no Boletim Oficial, I Série, nº 11, de 22 de ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade
abril de 2002, p. 279 e ss, através do seu artigo 14, impõe na manutenção da paz e da segurança internacionais e
que “1. Cada Estado Parte adoptará, a acordo com os concordam em que, no cumprimento dos deveres impostos
princípios do seu direito interno, as medidas necessárias por essa responsabilidade, o Conselho de Segurança aja
a identificação, detecção, congelamento ou penhora em nome deles” (artigo 24).
de quaisquer fundos utilizados ou a serem utilizados
na prática das infracções previstas no artigo 2º, bem
como o produto destas infracções, para fins de eventual Portanto, as decisões adotadas pelo Conselho de
confiscação. 2. Cada Estado Parte adoptará, de acordo Segurança são obrigatórias para os Estados membros das
com os princípios do seu direito interno, as medidas Nações Unidas, como é o caso de Cabo Verde. Mas, só as
necessárias à confiscação dos fundos utilizados ou a serem decisões, não se podendo, por motivos naturais, atribuir
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1787
tais efeitos às recomendações. Disso resultando uma and prosecute cases of terrorist financing and to apply,
dificuldade de verificar em cada ato formal do Conselho as appropriate, effective, proportionate, and dissuasive
de Segurança vertido em resoluções adotadas com base no criminal sanctions to individuals and entities convicted
Capítulo VII, já que não se faz a segregação externa entre of terrorist financing activity” (para. 8), e, finalmente que
os mesmos, quais segmentos correspondem a decisões e “insta todos os Estados a que avaliem especificamente os
quais são meras recomendações. riscos de financiamento ao terrorismo a que estão expostos
e determinem os setores mais vulneráveis ao financiamento
No caso concreto, são especialmente relevantes a ao terrorismo como, por exemplo, os setores da construção,
Resolução 1373, de 28 de setembro de 2001, adotada dos produtos básicos e farmacêutico em consonância com as
na sequência do 11 de setembro por unanimidade, o normas do GAFI (…)/Urges all States to assess specifically
Conselho de Segurança, “atuando com fulcro no Capítulo their terrorist financing risk and to identify economic
VII, 1. Decide que todos os Estados devem: (a) “prevenir e sectors most vulnerable to terrorist financing, including
suprimir o financiamento de atos terroristas; criminalizar but not limited to non-financial services, such as, inter
a disponibilização ou coleta consciente, por qualquer meio, alia, the construction, commodities and pharmaceutical
direta ou indiretamente, de fundos pelos seus nacionais ou sectors, in line with FATF standards” (para. 14).
no seu território com a intenção que de os fundos devem
ser usados ou com o conhecimento de que serão usados Fica evidente que as obrigações no sentido jurídico da
para conduzir atos terroristas; c) congelar sem demora palavra só podem decorrer dos segmentos em que se decide
fundos ou outros bem financeiros e recursos económicos e não daqueles em que se exorta, mas sendo parcialmente
de pessoas que cometeram ou tentaram cometer atos Direito Internacional no sentido estrito, disso não decorre
terroristas, participar ou facilitar a comissão de atos que seja automaticamente direito interno cabo-verdiano,
terroristas; de entidades de propriedade ou controladas um efeito que depende de ser incorporado ao mesmo. Há,
direta ou indiretamente por tais pessoas; e de pessoas todavia, um problema, pois a norma desenhada para
e entidades atuando em seu nome ou sob diretivas de a regulação da domesticação de normas emanadas de
tais pessoas e entidades, incluindo os fundos derivados organizações inter-governamentais, o número 3 do artigo
ou gerados por propriedade de ou controlada direta ou 12 da Lei Fundamental, dispõe que “os atos jurídicos
indiretamente por essas pessoas e associada a essas emanados das organizações supranacionais de que Cabo
pessoas ou entidades/ 1. Decides that all States shall: Verde seja parte vigoram diretamente na ordem jurídica
(a) Prevent and suppress the financing of terrorist acts; interna, desde que tal esteja estabelecido nas respetivas
(b) Criminalize the wilful provision or collection, by any convenções constitutivas”. O obstáculo decorre do facto de
means, directly or indirectly, of funds by their nationals or a Organização das Nações Unidas não ser propriamente
in their territories with the intention that the funds should uma organização supranacional, mas, simplesmente,
be used, or in the knowledge that they are to be used, in uma organização internacional clássica, em princípios
order to carry out terrorist acts; (c) Freeze without delay sem traços gerais de supranacionalidade, ainda que seja
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funds and other financial assets or economic resources of também certo que o poder normativo que o Conselho de
persons who commit, or attempt to commit, terrorist acts Segurança criou com a Resolução 1373 e a aceitação que
or participate in or facilitate the commission of terrorist teve inserem um elemento esse teor, o que teria relevância
acts; of entities owned or controlled directly or indirectly para a presente situação.
by such persons; and of persons and entities acting on
behalf of, or at the direction of such persons and entities, Independentemente disso, o facto é que, por força do
including funds derived or generated from property owned princípio do respeito pelo Direito Internacional, projeção
or controlled directly or indirectly by such persons and do princípio do Estado de Direito, ínsito ao número 1 do
associated persons and entities; (…)”. artigo 11 da Constituição, que dispõe que “o Estado de
Cabo Verde rege-se, nas relações internacionais, pelo […]
Acresce que quando recentemente o Conselho de princípio […] (…) do respeito pelo Direito Internacional
Segurança adotou a Resolução nº 2462, de 28 de março, (…)”, do qual decorre um efeito hermenêutico concreto –
aquela outra foi “reafirmada” (para. 1), em “particular o de interpretar o ordenamento jurídico cabo-verdiano,
a sua decisão de que todos os Estados devem prevenir nomeadamente as normas constitucionais, de tal sorte a
e suprimir o financiamento ao terrorismo e devem se favorecer o cumprimento das obrigações internacionais
abster de providenciar qualquer apoio, ativo ou passivo, assumidas pelo Estado de Cabo Verde desde que os preceitos
a entidades ou pessoas envolvidas em atos terroristas, em causa o permitam – é de considerar que a cláusula é
incluindo a supressão do recrutamento de membros de aplicada nos termos a organização internacionais clássicas.
grupos terroristas e a eliminação de fornecimento de armas O bloqueio que se podia gerar nesta matéria teria a ver
a terroristas/Reaffirms its resolution 1373 (2001) and in mais com a publicação desses atos desde que impusessem
particular its decisions that all States shall prevent and obrigações diretas a particulares, mas não seria o caso
suppress the financing of terrorist acts and refrain from nesta situação, até porque, ao fim e ao cabo, não se está
providing any form of support, active or passive, to entities or a invocar a aplicação de uma norma internacional, mas
persons involved in terrorist acts, including by suppressing simplesmente de usar obrigações internacionais como
recruitment of members of terrorist groups and eliminating base de constituição de um interesse público necessário
the supply of weapons to terrorists”, instrumento no qual para justificar uma hipotética solução legislativa.
parece sublinhar a questão da eficácia, ao “exortar” aos
“Estados membros a que realizem investigações financeiras Isso porque mesmo quando existam obrigações nesse
nos casos relacionados ao terrorismo ou a encontrarem sentido, que vinculam o Estado de Cabo Verde e que
forma de superar as dificuldades na obtenção de provas como tais, arguivelmente, também seriam possível direito
que garantam sentenças condenatórias por delitos de interno cabo-verdiano aplicável como a Convenção das
financiamento ao terrorismo/ Calls upon Member States to Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada
conduct financial investigations in terrorism related cases Transnacional, a Convenção das Nações Unidas contra
and to seek ways to address the challenges in obtaining a Corrupção e a Convenção contra o Financiamento do
evidence to secure terrorist financing convictions” (para. Terrorismo, bem assim como várias resoluções adotadas
7), a que “investiguem e processem de forma mais eficaz pelo Conselho de Segurança ao abrigo do Capítulo VII da
os casos de financiamento ao terrorismo e apliquem, Carta das Nações Unidas, máxime a 1373 e a recente 2462,
segundo proceda, sanções criminais efetivas, proporcionais ou eventualmente bases recomendatórias persuasivas
e dissuasórias às pessoas e entidades condenadas por como as emanadas do Grupo de Ação Financeira, em
atividades de financiamento ao terrorismo/Further graus diferentes, elas não vão ao ponto de estabelecer um
calls upon Member States to more effectively investigate sistema que prescindisse da intervenção do juiz, seja em
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função da referência que também fazem à harmonização por exemplo, limitar os casos de concentração do poder de
com o sistema internacional de proteção de direitos, seja determinar o congelamento no Ministério Público a casos
porque mesmo fazendo-o, nunca poderiam ser aplicáveis mais urgentes, sujeitos a confirmação expressa ou tácita
nesses termos por serem incompatíveis com a Constituição de juiz, nos termos de prazo legal curto que se entendesse
e com os seus valores consoante a situação que se estiver adequado fixar – conforme se densificará no próximo
a analisar. parágrafo – e o sacrifício imposto ao direito impassível
de ser justificado pelos benefícios gerados pela medida,
6.6. E a garantia diretamente atingida neste caso é a a qual, quando muito, permitiria a aceleração do ato em
consagrada no número 7 do artigo 35 de acordo com a um, dois dias sem a intervenção de juiz.
qual “as garantias contra atos ou omissões processuais
que afetem os seus direitos, liberdades e garantias (…) 6.8. Portanto, é verdade que em muitas situações devido
são invioláveis e serão assegurados a todo o arguido”. muitas vezes à urgência e/ou à gravidade da situação,
designadamente ligada ao tipo de crime que se está a
6.6.1. Como é natural, e este Tribunal já havia decidido, instruir, torna-se legítimo ao legislador ordinário desviar-
abarca igualmente uma garantia de proteção por juiz em se dessas posições jurídicas fundamentais, especialmente
relação a qualquer conduta que possa vulnerar os direitos, dispensando a intervenção de juiz, permitindo que o
liberdades e garantias de um arguido, portanto os seus Ministério Público ou mesmo autoridades policiais
direitos de defesa contra o Estado. possam intrometer-se legitimamente na privacidade das
pessoais individuais ou coletivas com vista à prossecução
6.6.2. Seguindo a jurisprudência desta Corte de forma de finalidades coletivas idóneas.
clara a liberdade económica e mesmo o direito à propriedade
privada, ainda que este seja um direito sui generis, mas
com refrações nomeadamente do direito à liberdade, se Entretanto, essas possibilidades têm que se consubstanciar
beneficiam do regime de proteção de direitos, liberdades em exceções pontuais, em situações em que são mesmo
e garantias. necessárias, e não podem se tornar a regra. No caso, se
interpretarmos o artigo 46 da Lei de Lavagem de Capitais
6.6.3. Sendo assim, um ato, como o perpetrado, com como pretende o órgão recorrido, todo e qualquer tipo de
impacto direto sobre o património do recorrente, turbando apreensão operada nos termos deste artigo durante a fase
a sua utilização pelo seu proprietário, é um meio que da instrução seria da competência do Ministério Público
somente pode ser empreendido nas situações excecionais e, em caso algum, haveria qualquer tipo de controlo
em que se permite ao Estado assim proceder, e depois de prévio ou a posteriori do juiz. Ora, de acordo com a regra
um órgão judicial independente – literalmente o juiz – que a possibilidade aberta não se enquadra numa exceção,
tem a missão de proteger as liberdades ajuizar se estão mas sim numa regra absoluta, pelo menos durante a
presentes os pressupostos que o permite e se se justifica fase da instrução.
fazê-lo à luz das operações de balanceamento de direito e
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interesses públicos que lhe cabe fazer em última instância. E isto não pode ser constitucionalmente legítimo,
pois esvaziaria por completo a garantia de juiz na fase
Isso naturalmente não significa que faltem credenciais da instrução para a proteção desses direitos e afetaria
ao Ministério Público para se incumbir de tal múnus e ilegitimamente as garantias associadas ao direito à
a sua atuação tem sido neste sentido. Contudo, por um privacidade e o próprio direito à reserva da vida privada
lado, impondo a atuação de juiz como garante último das e familiar, as garantias de proteção de dados pessoais,
liberdades, o sistema se beneficia de um duplo escrutínio, podendo ainda ter efeitos sobre a liberdade sobre o corpo,
o interno, feito pelo magistrado do ministério público, que e sobre a propriedade privada e iniciativa económica.
naturalmente, também procede às mesmas ponderações
antes de tomar iniciativas tão gravosas para os direitos Precisamente porque, embora relativamente a esses
quando solicitar o congelamento de contas bancárias, direitos, o pressuposto previsto no número 4 e as primeiras
e o externo, feito pelo juiz, desenhando-se deste modo condições previstas no número 5 do artigo 17 para a sua
um sistema objetivamente mais garantístico; segundo, afetação parecem estarem preenchidos, no sentido de que
porque, no caso concreto, um sistema centrado somente há autorização para a restrição, ainda que indireta, a lei
no Ministério Público projeta igualmente, sem embargo restritiva tem caráter geral e abstrato, não produz efeitos
da boa fé com que os seus agentes sempre atuam, o fardo retroativos e possivelmente não afeta o núcleo essencial do
de ter de se desdobrar muitas vezes no mesmo processo direito, dificilmente passaria o teste de proporcionalidade
como, por um lado, fiscal da legalidade e protetor dos conforme desenhado pelo Tribunal, especialmente os
direitos, e, do outro, titular da ação penal, portanto com decorrentes dos subprincípios da necessidade e justa
algum interesse na perseguição criminal. medida, pois haveria meios menos afetantes disponíveis
e não parece que existiria na maior parte das situações
6.7. No que toca aos requisitos, parece que a medida um equilíbrio entre o sacrifício imposto aos direitos e os
legislativa, se interpretada no sentido de que atribui eventuais benefícios gerados com a restrição.
o poder ao Ministério Público para apreender os bens
elencados na disposição legal referida em toda e qualquer Prever um regime que poderá abarcar várias e várias
situação durante a fase de instrução, teria caráter situações possíveis de afetar diversos direitos, liberdades
geral e abstrato e não aparentaria qualquer tipo de e garantias, sem qualquer possibilidade de haver um
efeito retroativo, entretanto, ao que nos parece o núcleo controlo judicial prévio ou posterior, afronta a Constituição
essencial terá sido tocado, e o seu conteúdo diminuído, e não passa no teste de proporcionalidade desenvolvido
ou até mesmo esvaziado durante essa fase processual, por esta Corte.
pois interpretando o dispositivo nesse sentido, não se vê
como garantir proteção judicial em tais contextos. Porque, Por conseguinte, não parece que seja constitucional
como regra geral, aplicada em qualquer situação, haveria atribuir todo o poder ao Ministério Público de apreensão
inevitavelmente um desvio em relação à garantia que ou de congelamento de contas bancárias durante a fase
além de poder atacar diretamente o núcleo essencial do da instrução, em situações em que existem fundadas
direito retirando proteção judicial independentemente razões para crer que se esteja a proceder à lavagem de
das circunstâncias, dificilmente seria compatível com o produtos de crime. O Tribunal não deixa de compreender
princípio da proporcionalidade. a necessidade que o legislador tem de, nestes casos,
Apesar de se poder ultrapassar a barreira da idoneidade de criminalidade grave e organizada orquestrar um
de meios, haveria sempre meios menos restritivos, como, regime mais apertado, nomeadamente atribuindo mais
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poderes ao Ministério Público com vista à perseguição a fiscalização da constitucionalidade da norma constante
criminal efetiva. Entretanto, esta atribuição não pode do número 1 do artigo 46 da Lei da Lavagem de Capitais,
em caso algum infringir o disposto na Lei Fundamental quando interpretada no sentido de que compete ao
da República, por isso essas atribuições, não obstante magistrado do Ministério Público proceder à apreensão
poderem ser legítimas num quadro apertado, têm de ser e o congelamento de contas bancárias sem a necessidade
bem ponderadas e o regime bem especificado, com vista a de qualquer intervenção judicial.
salvaguardar aquelas posições jurídicas intransponíveis.
III. Decisão
Pelo que, mesmo que se entendesse que esta orientação
decorre da norma em causa, não nos restaria outra opção Nestes termos, os juízes do Tribunal Constitucional
senão salientar a muito provável inconstitucionalidade da reunidos em plenário decidem que:
norma, mas como o fundamentado no ponto anterior não
parece que tenha sido esta a intenção do legislador, na 1. O órgão recorrido não violou a garantia de se ser
medida em que das várias normas aplicáveis, era possível julgado no mais curto espaço de tempo por não ter,
empreender uma interpretação que melhor considera os volvidos mais de trinta dias, mas antes de quinze dias,
direitos, liberdades e garantias em causa sem proceder se omitido, no momento da interposição do recurso, de
a qualquer lesão ilegítima dos mesmos. decidir o recurso hierárquico interposto pelo recorrente;
6.9. Neste caso concreto, embora seja entendimento
do Tribunal Constitucional de que a disposição legal é 2. O órgão recorrido não violou a garantia à presunção
aplicável num sentido favorável aos direitos fundamentais, de inocência do recorrente ao confirmar a decisão de
de acordo com a interpretação supra indicada, como da congelamento de contas bancárias do recorrente;
interpretação sufragada pela entidade recorrida, também
resultou a aplicação de uma norma ao caso concreto, a 3. O órgão recorrido não violou, de modo autónomo, as
qual decorrendo daquele sentido geral, é, não obstante, garantias ao processo justo e equitativo, ao contraditório,
mais particular, devendo ser objeto de um tratamento à audiência e de acesso às provas ao confirmar a decisão
especial, na medida em que foi aplicada no sentido específico de congelamento de contas bancárias do recorrente;
de que “estando o processo em fase de instrução, que é
dirigida pelo Ministério Público, e não tendo o legislador 4. O órgão recorrido violou a garantia de intervenção
estabelecido expressamente que o congelamento ou de juiz contra atos que afetem os direitos, liberdades e
apreensão de contas bancárias é reservada ou depende garantias do arguido ao confirmar o congelamento de contas
de autorização judicial, esse ato é da competência da bancárias determinadas por procurador da república sem
autoridade que dirige essa fase processual, sempre que qualquer intervenção judicial, na sequência vulnerando
tiver fundadas razões para crer que o valor depositado em o direito à propriedade e à liberdade económica do
conta bancária tenha origem ilícita. O despacho reclamado recorrente, sendo este, considerando as circunstâncias desse
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indica as razões que determinaram o congelamento de processo em que já se tinha decretado medida provisória
contas bancárias no âmbito da prevenção de crimes de a determinar o cancelamento do congelamento, também
lavagem de capitais é conferida à autoridade judiciária o amparo adequado a remediar a situação;
que preside a fase processual respetiva, no caso dos autos
ao Ministério Público, razão porque o despacho reclamado 5. Determinar que se remeta ao Senhor Procurador-
não padece de vício de ilegalidade, e muito menos de Geral da República para efeitos de fiscalização da
inconstitucionalidade”. constitucionalidade a norma segundo a qual compete ao
magistrado do Ministério Público proceder à apreensão
Por conseguinte, a norma especificamente aplicada não e o congelamento de contas bancárias sem a necessidade
é tão ampla, nomeadamente porque limita-se a focar, de qualquer intervenção judicial.
em razão do recurso específico, o congelamento de conta
bancária e não, por exemplo, a apreensão de objetos Registe, notifique e publique.
depositados em bancos, permissão que pode colocar em
causa as garantias associadas ao direito geral à privacidade Praia, 30 de agosto de 2019
já mencionados. Mas, na medida em que o faz, ainda que
a um nível mais focado, a ela se aplica o arrazoado já feito José Pina Delgado (Relator)
em relação à sua muito provável inconstitucionalidade.
Não por poder atingir essas garantias, mas, no caso Aristides R. Lima
concreto, por ser apta a vulnerar a própria garantia de
juiz e, por essa via, o direito à propriedade privada e a João Pinto Semedo
liberdade de iniciativa económica.
ESTÁ CONFORME
Quando conclui o Tribunal Constitucional haver forte
probabilidade que se tenha aplicado norma inconstitucional, Secretaria Judicial do Tribunal Constitucional, aos 3
tem a obrigação de dar ao processo o encaminhamento de setembro de 2019. — O Secretário, João Borges
determinado pelo número 3 do artigo 25 da Lei do Amparo
e do Habeas Data, como o Tribunal já tinha procedido ––––––
em outras situações (Acórdão nº 10/2018, de 3 de maio,
Joaquim Wenceslau v. STJ, Rel: JP Pinto Semedo, Cópia:
publicado no Boletim Oficial, I Série, n. 35, 6 de junho de
2018, pp. 869-884, para. 3. Acórdão nº 22/2018, de 11 de Do acórdão proferido nos autos de Recurso Contencioso de
outubro, Martiniano v. STJ, Rel: JC José Pina Delgado, Impugnação da Deliberação da CNE n.º 06/2017, em que é
Boletim Oficial, I Série, nº 76, 22 de dezembro de 2018, recorrente o Grupo BASTA - Boa Vista Avante Sempre
pp. 1824-1835/para. 6. Acórdão nº 24/2018, de 13 de Trabalhando Arduamente e recorrida a CNE – Comissão
novembro, Alexandre Borges v. STJ, Rel: JC José Pina Nacional de Eleições.
Delgado, Boletim Oficial, I Série, nº 88, 28 de dezembro
de 2018, pp. 1824-1835/para. 5.1. e Acórdão nº 27/2018, de Acórdão nº 31/2019
20 de dezembro, Judy Ike Hills v. STJ, Rel: JC José Pina
Delgado, Boletim Oficial, I Série, nº 11, 31 de janeiro de (BASTA V. CNE – TCCV (Recurso de aplicação de
2019, pp. 146-178/para. 10.). Por conseguinte remetendo coima, incidente sobre a tramitação do julgamento
o processo ao Senhor Procurador-Geral da República para no TC quanto à realização de audiência pública)
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1790 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
questões que o recorrente alega ter havido omissão de oito dias a partir do conhecimento do arguido da decisão
pronúncia, isto é, o erro atribuível à repartição de finanças que lhe aplicou a coima. 4. O Presidente da Comissão
mencionada, mas, simplesmente, que não as deu por Nacional de Eleições poderá sustentar a sua decisão,
provadas. Outrossim, mesmo que as tivesse dado por após o que remeterá os autos ao Tribunal Constitucional.
provadas não teria o condão de isentar a recorrente da 5. Recebidos os autos, o relator poderá, no prazo de oito
sua obrigação de apresentar as suas contas eleitorais no dias, realizar as diligências tidas por convenientes, após
órgão designado por lei, a própria CNE. o que o Tribunal decidirá. 6. Em tudo o mais, aplica-se,
subsidiariamente, a legislação que regula o regime jurídico
3. O recorrente, tomando conhecimento da posição das contra-ordenações”. São pertinentes, no contexto
esposada por este órgão da administração eleitoral quanto do incidente suscitado, essencialmente os dois últimos
à admissibilidade, veio responder, defendendo, no essencial, números, por preverem respetivamente que depois das
que não havia intempestividade na submissão da peça diligências eventualmente realizadas pelo Relator, o
de recurso porque a Comissão Nacional de Eleições está Tribunal decidirá e que se aplica subsidiariamente o
a partir de um dies a quo equivocado, na medida em regime jurídico das contraordenações.
que iniciou a contagem a partir do momento em que se
procedeu à entrega da deliberação no escritório do seu 2. Em termos de competência para decidir o incidente
mandatário, diretamente à sua secretária, num período é de se tecer as seguintes considerações:
em que não estava presente, de modo que só veio a tomar
conhecimento do mesmo no primeiro dia útil seguinte. 2.1. É convocável o que ficou estabelecido no Acórdão
Contando-se a partir desse momento, o recurso foi 6/2017, de 21 de abril, Maria de Lurdes v. STJ, Rel: JC
interposto oportunamente, designadamente por aplicação Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, nº
do princípio da prevalência da justiça material sobre a 27, 16 de maio de 2017, pp. 659-671 e na Coletânea de
formal e de garantias processuais penais que se estendem Decisões do Tribunal Constitucional, Praia, INCV, 2018
ao processo contraordenacional, nomeadamente o direito (2017), pp. 339-377, para. 1.2, posição reiterada pelo
a se ser assistido por mandatário escolhido ou defensor Acórdão 7/2017, de 25 de maio, Maria de Lurdes v. STJ,
em todos os processos em que participar, e ainda, pelos Rel: JC Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série,
mesmos motivos, por normas relevantes do Código de nº42, 21 de julho de 2017, pp. 898-903 e na Coletânea de
Processo Penal, nomeadamente o artigo 151. Decisões do Tribunal Constitucional, Praia, INCV, 2018
(2017), v. III, pp. 379-394, ocasiões em que o Tribunal
já tinha assentado que “a partir do envio do projeto de
4. Os autos foram distribuídos ao JC Pina Delgado a acórdão, [o processo] saiu, até fisicamente, das mãos do
25 de janeiro de 2018, que, assim, assumiu a relatoria relator e passou a ser responsabilidade partilhada do
do processo, tendo, nesse quadro, remetido à secretaria Coletivo, com aquele a assumir um papel meramente
do Tribunal os autos, requerendo no dia 17 de maio de ancilar de apresentação do projeto e de – caso a solução
2019 a marcação de sessão de julgamento, assim que que propõe faça vencimento – redigir a versão final do
concluídas as vistas dos adjuntos. acórdão entretanto aprovado. Assim sendo, os incidentes
suscitados depois desse momento deverão ser resolvidos
5. Surgindo dúvidas a respeito do encaminhamento por meio de uma decisão dos membros do Tribunal”.
do processo, na referida sessão, que veio a realizar-se
a 2 de julho, colocou incidente consubstanciado em 2.2. Esta decisão deve ser considerada um precedente
dúvida a respeito da tramitação desse tipo de processo nesta matéria porque também visou determinar a
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distribuição de competência entre o relator e o Coletivo no sentido de que “4. As audiências dos tribunais são
em matéria de incidentes pré-decisórios, aplicando-se até públicas, salvo decisão em contrário do próprio Tribunal,
de forma mais intensa no caso dos presentes autos, pois devidamente fundamentada e proferida nos termos da lei
tendo sido o próprio relator a suscitar o incidente, à luz do de processo, para a salvaguarda da dignidade das pessoas,
princípio do Estado de Direito impor-se-ia que não fosse da intimidade da vida privada e da moral pública, bem
ele a proferir decisão monocrática a respeito. Isso com as como para garantir o seu normal funcionamento”. A sua
devidas adaptações. Porque o critério do depósito do projeto natureza precípua não é de um direito fundamental em
de autos em razão da diferença de processos – amparo e espécie que pode ser apropriado individualmente por
contencioso eleitoral – não determinando a lei de forma pessoa que se transforma em seu titular. É, com efeito, um
clara – aspeto que também poderá ficar esclarecido com a princípio objetivo decorrente do conceito constitucional de
presente decisão – a submissão de projeto quanto a estes Estado de Direito e que integra a Constituição Judiciária
últimos, não se aplica, devendo o Tribunal, nestes casos, do país, acolhendo uma das principais dimensões da
considerar o ato de marcação da sessão de julgamento. publicidade do processo penal, conforme o qual o processo
penal deve, por um lado, ser transparente, e, do outro,
2.3. Por conseguinte, tratando-se de questão que é permitir a participação e acompanhamento de interessados
colocada depois da custódia do processo ter saído das mãos e do público em geral. Neste sentido, implica na rejeição
do relator e estando debaixo de apreciação do Coletivo – o da secretude do processo, âncora de abusos de poder de
que aconteceu a partir do momento em que se procedeu ao toda a sorte, e antecâmara de arbitrariedades cometidas
pedido de marcação de sessão de julgamento e a mesma foi contra os cidadãos pelo poder público judicial, e na adoção
decidida pela entidade competente para organizar a pauta de um modelo que garanta, em diversos momentos e fases
–, segundo o entendimento já sufragado por esta Corte, a processuais, com intensidades diferenciadas, precisamente
decisão caberá ao Coletivo, devendo o relator simplesmente essa transparência e participação, as quais, do ponto de
apresentar uma proposta de decisão acompanhada dos vista do preceito constitucional, só podem ser lateralizados
respetivos fundamentos, ficando responsável pela redação em casos muitos específicos sujeitos a reserva de lei, já que a
final do projeto de acórdão caso a sua tese recolha o apoio Carta Magna impõe que tal possibilidade venha tipificada
da maioria dos juízes. por lei de processo, e aplicada no decurso de uma decisão
do Tribunal com a devida fundamentação que ateste
3. Em relação à substância do incidente, a dúvida que necessidade de proteger interesses públicos e individuais
se coloca perante essa regulação emerge num primeiro importantes, nomeadamente de salvaguarda da dignidade
momento do que decorre do número 7 do artigo 35, das pessoas, da intimidade da vida privada e da moral
disposição que parece estender a garantia de audiência pública, bem como o normal funcionamento do tribunal.
do arguido a qualquer processo sancionatório, em termos Decisões tomadas caso a caso e sujeitas elas próprias a
gerais que o Tribunal já vinha acolhendo desde a decisão juízos de proporcionalidade. Destarte, enquanto tal prevê
Joaquim Wenceslau, ocasião em que assentou que, “No a regra de publicidade de todas as audiências em todo e
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essencial, esses dois direitos conferem ao arguido uma qualquer tribunal e no julgamento de qualquer matéria.
posição jurídica subjetiva que lhe permitem ser ouvido e Assim, segundo o comando do legislador constitucional,
poder defender-se com todos os meios legais sempre que em regra, as audiências em qualquer tipo de processo
o Estado lhe imputa factos dos quais possam resultar a são públicas, quer se esteja perante processo civil, quer
aplicação de uma sanção criminal. São essas mesmas defronte de processo criminal, laboral, administrativo,
razões que justificam que ao arguido em qualquer processo tributário e até constitucional. Esta disposição integra,
sancionatório, nomeadamente, em processo disciplinar, pois, um princípio objetivo que impõe a qualquer entidade
sejam asseguradas as mesmas garantias de defesa, quanto pública um dever de conformar a sua atuação no sentido
mais não seja pelo facto de, como já tinha sido afirmado, de facilitar o acesso do público às sessões dos tribunais
um processo disciplinar pode terminar com a aplicação que sejam reservadas para ouvir as partes, os arguidos,
de sanções até mais graves do que aquelas previstas em a parte civil, o Ministério Público, eventuais terceiros
legislação penal” (para. 1.5.) (Acórdão 10/2018, de 3 de interessados ou até, havendo, amici curiae.
maio, Joaquim Wenceslau v. STJ, Rel: JCP Pinto Semedo,
Boletim Oficial, I Série, nº 35, 6 de junho de 2018, pp. 8.3.2. Por sua vez, o segundo dispositivo, inserido no
869-884). Título II da Parte II no artigo que reconhece os direitos
processuais penais do arguido, com um caráter mais
Por conseguinte, a questão nodal coloca-se ao nível garantístico e subjetivo, determina que “9. As audiências
da abrangência do direito à audiência e na classificação em processo criminal são públicas, salvo quando a defesa
do processo contraordenacional eleitoral como um da intimidade pessoal, familiar ou social determinar a
processo sancionatório, pois a determinação de extensão exclusão ou a restrição da publicidade”. Esta última
é inquestionável à luz da fórmula utilizada pelo preceito, disposição consagra uma garantia fundamental, no sentido
pois diz-se claramente que “o direito de audiência (…) em de que as audiências nos tribunais são públicas em matéria
qualquer processo sancionatório (…) é inviolável e ser[á] criminal. Todavia, na situação concreta, seja qual for a
assegurado a todo o arguido”. interpretação que se faça de eventuais efeitos subjetivos
do princípio objetivo acima recortado, não parece que a
3.1. Este incidente, do ponto de vista substantivo, deve questão se colocasse, ou causasse problemas interpretativos
ser discutido à luz de uma decisão recente adotada em de grande monta, na medida em que o legislador
decisão tirada no âmbito da fiscalização concreta, Arlindo constitucional teve o cuidado de garantir que em processo
Teixeira v. Supremo Tribunal de Justiça, quando se criminal, ao contrário do que acontece em outras paragens,
estabeleceu, através de um longo texto que se reproduz, se está defronte de uma verdadeira garantia individual,
que “ 8.3. O recorrente invoca duas bases constitucionais ao consagrá-la ao lado de outras importantes garantias
que, do seu ponto de vista, terão sido violadas pelo número processuais penais. Precisamente porque ele quis reforçar
1 do artigo 2 da Lei nº 84/VI/2005, de 12 de dezembro, as garantias de defesa do arguido e garantir que o
especialmente se entendido de acordo com a interpretação julgamento crime possa ser controlado publicamente por
da egrégia corte recorrida, no sentido de que implicaria na todos que – em tese [-] sempre poderão assisti-lo e fazer
suspensão de todas as audiências públicas contraditórias as apreciações que entenderem a seu respeito[,] no sentido
neste órgão, passando os julgamentos a serem feitos de se fiscalizar se o mesmo foi realizado com transparência
exclusivamente em conferência, primeiro, o número 4 do e imparcialidade. Aqui, não em razão de interesse social
artigo 211, e, segundo, o número 9 do artigo 35. 8.3.1. A e popular no acompanhamento da justiça, mas como
primeira disposição constitucional, constando do título pressuposto de garantia de processo justo e atuação
V da Parte IV, relativo ao poder judicial, tem estipulação imparcial do Tribunal e precaução contra qualquer manejo
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1792 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
inadequado do sistema judicial que pudesse atingir os da República, e não imponham a realização de audiências
direitos e interesses de qualquer arguido. Além disso, o em todos os tipos de processos ou em todas as fases de
argumento de que seria uma autêntica garantia individual, tramitação. Pode, caso assim o entenda, em relação ao
portanto confirmando a sua natureza subjetiva, sempre artigo 211, desviar-se do padrão estabelecido caso, por
poderia ser reforçado com recurso à orientação de exemplo, entenda que, numa determinada situação, e
interpretação conforme a Declaração Universal dos Direitos depois de ponderar os interesses em causa, que o funcionamento
Humanos resultante do número 3 do artigo 17 da Lei do tribunal poderá ser melhor servido prescindindo-se de
Fundamental e que remeteria ao artigo 10 desse ato da audiência pública, seja porque ela é prospectivamente
Assembleia Geral das Nações Unidas, o qual estipula que inócua, não sendo passível de inserir elementos novos que
“Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, que a possam ajudar à boa decisão da causa, nem reforçar
sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um objetivamente a efetividade da defesa, seja porque poderá
tribunal independente e imparcial (…)”. Ou alternativamente implicar numa dilação excessiva do tempo do processo
permitindo considerar o Pacto Internacional sobre os que não seja justificado pela nova oportunidade de
Direitos Civis e Políticos no seu artigo 14 estipula que interlocução entre o tribunal e os sujeitos processuais. Ou
“(…)Todas as pessoas têm o direito a que a sua causa seja então porque se trata de processo marcado por uma
ouvida equitativa e publicamente por um tribunal celeridade tão grande que se torna incompatível com a
competente, independente e imparcial (…)” e continua realização de audiências de interessados e/ou porque
estabelecendo que “as audições à porta fechada podem porta natureza objetiva que lhe afasta de tal forma de
ser determinadas durante a totalidade ou em parte do interesses subjetivos que não há verdadeira tutela de
processo, seja no interesse dos bons costumes, da ordem posições jurídicas individuais que o legitime. Haverá,
pública ou da segurança nacional numa sociedade de certo, outras finalidades que poderiam ser invocadas,
democrática, seja quando o interesse da vida privada das as quais seriam analisadas caso a caso pelo Tribunal se
partes em causa o exija, seja ainda na medida em que o fosse convocado a decidir. Não é isso que é relevante neste
Tribunal considerar absolutamente necessário, quando, momento, mas sim asseverar que não foi o que aconteceu
por motivos das circunstâncias particulares do caso, a neste caso, daí a atipicidade dessa afetação feita pelo
publicidade prejudicasse os interesses da justiça”, posição legislador. Não se está perante uma situação em que o
subjetiva que, caso não prevista pela Lei Fundamental, Tribunal é chamado a agir porque o legislador atinge um
sempre poderia permitir, à luz dos critérios utilizados por princípio objetivo e afeta concomitantemente um direito
este Tribunal derivados do número 1 do mesmo artigo fundamental ao aprovar norma que os atinge de alguma
17, a sua incorporação ao sistema cabo-verdiano de direitos forma, por exemplo, determinando que não há audiência
fundamentais, ou até proceder ao controlo de convencionalidade pública no Supremo Tribunal de Justiça. Outrossim, o
da norma por possível violação indireta da Carta Magna. que fez foi diferente, pois, primeiro, concretizou as suas
Pelo que não restam dúvidas de que a figura da publicidade obrigações constitucionais, efetivamente prevendo a
das audiências em processo-crime é uma verdadeira possibilidade de tais audiências, para, depois, neutralizar
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garantia individual e que, portanto, merece toda proteção essa norma com uma norma não de revogação – pois esta
reservada constitucional e legalmente aos direitos, teria o efeito acima assinalado – e inserção de um novo
liberdades e garantias. 8.3.3. Assim, tendo ficado estabelecida regime processual para o recurso nesse particular, mas
a natureza da figura jurídica de obrigatoriedade de de suspensão de produção de efeitos daquelas normas que
audiências públicas nos tribunais, especialmente em sede garantiriam a realização de audiências públicas contraditórias.
criminal, faltaria delimitar o seu âmbito, nomeadamente É nesse quadro particular e anómalo que o Tribunal
o seu conteúdo essencial e eventuais camadas acessórias Constitucional se deve pronunciar sobre a norma impugnada
de proteção, com vista a se aferir a possibilidade de nesse segmento à luz do parâmetro assinalado. 8.4. Parece,
eventuais limitações ao mesmo, bem como até aonde é que todavia, ser pertinente que, antes que se proceda à análise
pode chegar o nível dessas afetações. Isto porque, como o dessas condições de afetação, no sentido de se ver se o seu
Tribunal já teve a oportunidade de sustentar em várias regime jurídico, claro com o fito final de se analisar se a
situações, os direitos, liberdades e garantias em regra não limitação operada ao direito pelo número 1 do artigo 2
são absolutos, mas existem certas condições para a sua da Lei nº 84/VI/2005, de 12 de dezembro, é constitucionalmente
limitação, especialmente a operada pela via de restrição, legítima, se deve, em primeiro lugar, procurar delimitar
a que mais importa no caso concreto. Relevante neste o âmbito desta garantia individual. Naturalmente, isto
contexto é que, para o Tribunal Constitucional, mesmo tem que passar necessariamente pela delimitação do
nos casos em que o direito assuma a forma de garantia e sentido normativo-constitucional dos seus termos:
seja construído normativamente como regra e não como “audiência”, “pública” e “processo criminal”. Relativamente
princípio, dada a não absolutidade dos direitos, admite ao último termo não parece que traga problemas maiores
certos desvios em relação ao padrão estabelecido desde em que é termo amplamente conhecido pelos operadores
que estes sejam estritamente proporcionais. Pela sua de direito. A questão mais importante seria responder se
natureza, verifica-se que o direito ora sob escrutínio não não abarcaria, sempre sujeito a afetações e conformações
é absoluto, desde logo porque o próprio legislador constituinte ordinárias, também outros tipos de processo, especialmente
estabeleceu algumas situações em que a garantia deverá os sancionatórios, no sentido de se estender o mesmo nível
mesmo ser limitada, por entrar em conflito com outros de proteção à garantia que se eventualmente se reservaria
direitos e interesses públicos relevantes que teriam que para o processo criminal. Não que se esteja a perguntar
ver, de acordo com a própria letra do dispositivo constitucional, se as audiências em outros tipos de processo devam ser
com a defesa da intimidade pessoal, familiar e social. públicas, na medida em que este facto já se encontra
São essas as situações que legitimariam uma eventual superado, pois ao que o Tribunal fundamentou supra, o
exclusão ou restrição da publicidade de audiências no número 4 do artigo 211 preveria uma garantia individual
geral e em processo criminal. Por esse motivo, mesmo que de audiências públicas em qualquer tipo de processo, mas
se ateste a obviedade que é a existência do princípio objetivo se se deve estender o mesmo tipo de proteção principalmente
que impõe a realização de audiência pública em todos os aos outros tipos de processo sancionatórios que se reconhece
tribunais e abstratamente em qualquer tipo de processo para o processo criminal. Isto porque ainda que possam
e a garantia especial e determina essa fase de forma ainda decorrer da mesma garantia, o nível de proteção não é [o]
mais taxativa em processos criminais, isso não significa mesm[o]. A publicidade em processo civil e em processo
que o legislador não possa considerar alguma finalidade penal não têm o mesmo significado e, neste último tipo
legítima que justifique a afetação desses direitos, processual, a proteção é mais reforçada e, portanto, o nível
eventualmente configurando o regime jurídico ordinário de escrutínio a ser adotado tem que ser naturalmente
com regras que atinjam objetivamente esse princípio e/ mais apertado. Com efeito, tendo em conta a intenção do
ou garantia, mas de modo compatível com a Lei Fundamental legislador constituinte de estender os direitos de defesa
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aos outros processos sancionatórios, em 2010, com a revisão neste aspeto sempre também se poderá estabelecer certos
constitucional, parece não ser irracional considerar que limites desde que não violem ilegitimamente o direito.
também, neste aspeto particular, seria possível projetar Ainda relacionado com o âmbito desta garantia fundamental
o nível de proteção reservado ao processo criminal pela restaria a questão de se saber se ela se estenderia às
Constituição no sentido de abarcar qualquer outro processo instâncias de recurso, ou se, pelo contrário, bastaria que
sancionatório, ainda que admitindo-se a possibilidade se garantisse publicidade nas instâncias e na Relação –
de o ser em relação a cada espécie de processo de acordo que não são abrangidos pela Lei de Suspensão de 2005
com a sua natureza, algo que a acontecer por via legislativa, – para se considerar que o direito se realiza. Trata-se de
mereceria uma análise independente de conformidade questão de extrema relevância para o caso em apreço, na
constitucional. Por conseguinte, as questões mais complexas medida em que a questão se coloca num órgão recursal.
teriam que ver com o termo “audiência pública”, especialmente Sobre ela parece que a interpretação constitucional da
o primeiro, pois conceito de audiência está longe de ser garantia é que, em princípio, todas as audiências criminais
unívoco, mas também não impassível de precisão se devem ser públicas, independentemente da instância em
consideramos que decorre da expressão latina audire, que forem realizadas” (Acórdão nº 29/2019, de 30 de
ouvir, de onde resulta a palavra audientia, algo que serve julho, Arlindo Teixeira v. STJ, referente à norma prevista
para ouvir. Daí o Houassis referir que se trata “do ato de pelo número 1 do artigo 2 da Lei nº 84/VI/2005, referente
ouvir ou de dar atenção àquele que fala; ato de receber ao princípio da realização de audiências públicas nos
alguém com o intuito de escutar ou de atender sobre o que tribunais e da garantia de audiência pública em processo
fala ou sobre o que alega (…)” (p. 443). Por conseguinte, criminal, bem como as garantias a um processo equitativo,
do ponto de vista normativo, o conceito deve ser entendido ao contraditório e à ampla defesa, Rel: JC Pina Delgado,
como um momento em que o Tribunal ouve e fala aos publicado no Boletim Oficial, I Série, nº 100, 26 de setembro
sujeitos processuais, interage com eles, ausculta, pergunta de 2019, pp. 1618-1654).
e toma nota do alegado e do que se pretende provar.
Enquanto tal, ela abrange simplesmente a relação entre Parece-nos, pois, que em relação à primeira questão
o tribunal e os sujeitos processuais, não necessariamente já se tinha assentado que o direito de audiência implica
com o público não diretamente interessado na lide. Apesar num direito a ser ouvido por um órgão decisório, o que
dessa ressalva, o legislador constituinte não se limita a significa mais do que possuir um direito à defesa e um
utilizar neste caso a palavra audiência, mas, antes, decorrente direito ao contraditório, plenamente satisfeitos
conjuga-a com a palavra “pública”, que, pela sua própria neste caso, haja em vista que o recorrente nos autos teve
natureza de abertura e de interesse geral tem um alcance oportunidades de se defender e contraditar amplamente
maior, uma vez que transcende aquilo que pode ser tanto no quadro do processo administrativo que resultou
considerado como reservado aos principais interessados, na coima aplicada, como neste, de natureza judicial, que
mas abrange qualquer pessoa. Então, transforma a ideia decorre perante este Tribunal Constitucional.
de audiência em mais do que um ato dialógico entre o
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tribunal e sujeitos processuais, mas sim um ato de É o corolário da oralidade inerente ao direito de audiência,
comunicação universal, o qual abrange potencialmente sobretudo porque no tipo de processo em causa, está-se
qualquer pessoa que integre a comunidade política. Por perante uma situação em que, apesar de ter havido
este motivo, a garantia à audiência pública dá margem determinação de factos dados por provados, tal foi feito
a dois efeitos conjugados, mas independentes. Primeiro, por órgão administrativo especial e não por órgão judicial
os arguidos têm um direito à audiência, ou seja, a serem e, porque, acima de tudo, o Tribunal Constitucional tem
ouvidos e a ouvirem o tribunal, portanto a com ele se nesta matéria prerrogativa e interesse em reapreciar
comunicarem; segundo, eles e quaisquer outras pessoas a questão da prova e eventualmente esclarecer alguns
e órgão de comunicação social têm um direito a participar pontos que por via das peças submetidas e respetivo
desse ato, não sendo lícito impedir-lhes a entrada se o acervo documental não pode dar por provados.
pretenderem fazer, a menos que se esteja perante uma das
situações tipificadas que legitimam a não realização das 3.2. Quanto à segunda dimensão, apesar da natureza
mesmas. A abrangência do direito pode ir desde o seu específica do processo contraordenacional eleitoral, que
conteúdo mais tradicional e claro que é o de audiência de exige alguma celeridade que podia ficar afetada pela
discussão, ao julgamento no sentido da própria deliberação inserção de um novo momento na tramitação processual
dos tribunais e sua comunicação. Parece que entendendo antes de passar para a deliberação em conferência, não
o direito de assistir o julgamento como o direito de ver a parece que existam razões para afastar a sua natureza
justiça a ser feita pelos tribunais, com vista ao seu controlo, sancionatória, mais ainda porque de sua aplicação decorrem
abarcaria, além do direito de ver as provas a serem efeitos patrimoniais que podem atingir inclusivamente
produzidas, os factos a serem discutidos pelos diversos direitos políticos, nomeadamente de participação política,
intervenientes processuais, o modo como o tribunal dirige neste caso permitida, de grupos de cidadãos.
a audiência, também o direito de ver e assistir, para poder
controlar mais efetivamente que a justiça esteja a ser feita Isto porque porta materialmente todas as caraterísticas
de forma imparcial e transparente, o próprio processo de um processo sancionatório, culminando com a aplicação
deliberativo dos juízes integrantes dos tribunais, embora de uma sanção forte, de uma coima relativamente alta,
qualquer dessas suas vertentes possam ser limitadas por que sempre inclui os efeitos já mencionados que podem
interesses públicos predominantes. Além disso, releva ser gravosos e materialmente penais, atendendo que
saber se essa publicidade abarcaria apenas o direito de neste âmbito também as sanções podem ser patrimoniais.
assistir ou também o direito de transmitir e relatar o Por conseguinte, a disposição constitucional em causa
conteúdo da audiência publicamente. A primeira vertente determinaria que o Tribunal realizasse uma audiência,
implicaria que os tribunais devessem ter as suas portas concedendo a este nível a oportunidade aos intervenientes
abertas para qualquer pessoa que queira assistir determinada processuais, nomeadamente o arguido, a entidade recorrida
audiência a possa acompanhar, pelo que o Estado terá e ao Ministério Público a possibilidade de se pronunciarem.
necessariamente que criar as condições para o efeito,
nomeadamente um espaço físico apto a permitir o acesso 3.3. Outra questão conexa tem a ver com o facto de
do público, onde a audiência deverá ser realizada. Parece, saber se tal audiência tem de ser necessariamente pública.
com efeito, que o direito implicaria também a possibilidade Questão que implica considerar-se o que dispõe o número
de se relatar por quaisquer meios lícitos os factos que 8 do mesmo artigo 35, segundo o qual “as audiências em
acontecerem nas audiências, pelo que deve ser facultado processo criminal são públicas, salvo quando a defesa da
acesso dos jornalistas às audiências que poderão relatar intimidade da vida privada determinar a exclusão ou a
os factos, transmitindo-os ao público em geral, embora restrição de publicidade”.
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1794 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
3.3.1. Como é de se ver o âmbito de aplicação deste o Tribunal Constitucional ou o seu Presidente, acaso se
processo é mais amplo, pois além de garantir um direito desconsiderasse este aspeto, poderiam ficar numa posição
à audiência, ou seja, de os principais interessados serem de estar a aplicar norma da sua lei de processo com um
ouvidos, determina também que o próprio público em geral sentido potencialmente inconstitucional no quadro da
tenha acesso a esses momentos marcados pela publicidade determinação da tramitação de processos contenciosos
para efeitos vários, nomeadamente de controlo sobre a eleitorais, o que é determinantemente vedado a qualquer
administração da justiça que, afinal, constitucionalmente, Tribunal por força do número 3 do artigo 211, segundo o
é feita em nome do povo, nesta matéria associando-se ao qual “os tribunais não podem aplicar normas contrárias
princípio do Estado Democrático. Além do que não deixa à Constituição ou aos princípios nela consignados” e por
de ser refração evidente do princípio do Estado de Direito, maioria de razão, pelos motivos expostos, ao Constitucional.
na medida em que garante transparência na utilização Outrossim, deverá verificar, com especial atenção, se na
de qualquer potestade pública, inclusive a judicial. definição dessa tramitação aplica normas inconstitucionais
– na sua essência ou no seu sentido – e, como qualquer
3.3.2. Note-se, porém, que se a disposição anterior tribunal, interpreta as normas legais que balizam a sua
analisada recorre à expressão “direito de audiência”, conduta em conformidade com a Lei Fundamental.
estendendo a obrigação a qualquer processo sancionatório,
neste caso o texto constitucional limita-se a fazer referência Isso porque a não realização da dita sessão pressuporia
a “processo criminal”, o que indiciaria que, neste particular, a aplicação do número 5 do artigo 121 da Lei do Tribunal
somente se abrange este tipo de processo. Constitucional no sentido de que antes da decisão desta
Corte que menciona não caberia realização de audiência
3.3.3. Isso não fosse a norma de cariz objetivo vertida para contraditória preliminar com o fito de discutir provas e
o número 4 do artigo 211, segundo a qual “as audiências conceder oportunidade de defesa a arguido e possibilidade
dos tribunais são públicas”, salvo decisão em contrário do de pronunciamento à entidade recorrida.
próprio Tribunal, devidamente fundamentada e proferida
nos termos da lei de processo, para salvaguarda da Neste caso, o Tribunal deverá desaplicar essa norma por
dignidade das pessoas, da intimidade da vida privada e padecer de vício de inconstitucionalidade. Por conseguinte,
da moral pública, bem como para garantir o seu normal esta Corte Constitucional entende que o processo
funcionamento”. Esta, como o Tribunal considerou contraordenacional eleitoral pressupõe a realização de
recentemente, emite feixes menos intensos, permitindo audiência pública contraditória.
maior liberdade ao legislador para conformar o regime
infraconstitucional desde que apresente um interesse 4. Acaso não houvesse percurso definido pela lei,
público suficiente. considerando-se que não seriam aplicáveis qualquer tipo
de remissão, o Tribunal teria de considerar a existência de
Mas, defronte de tal fórmula constitucional, não só a um vazio regulatório justificando que, à luz do princípio da
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Lei do Tribunal Constitucional não poderia afastar, sem aplicabilidade direta de direitos, liberdades e garantias,
razão suficiente, a publicidade das audiências, como além tivesse ele próprio de encontrar as alternativas regulatórias
disso estaria obrigado a interpretar sempre a legislação que permitissem concretizar a injunção constitucional
ordinária em termos conformes à Lei Fundamental, a enquanto o legislador não criasse as condições legais
menos que existam interesses públicos predominantes necessárias à sua operacionalidade.
que pudessem efetivamente justificar tais restrições.
Por conseguinte, é do nosso entendimento que, em se 4.1. Isso porque o artigo 18 da Constituição da Lei
tratando de um processo com interesses particulares, não Fundamental dispõe que “as normas constitucionais
integralmente objetivados, essas normas são aplicáveis, relativas aos direitos, liberdades e garantias vinculam
devendo esta Corte garantir que o seu direito à audiência todas as entidades públicas e são diretamente aplicáveis”,
será salvaguardado em moldes a definir. Nomeadamente congregando, assim, três princípios, o da aplicabilidade
porque, em abstrato, tal audiência pública não é supérflua, direta, o da vinculatividade das entidades públicas e o
sobretudo atendendo que, neste caso concreto, o Tribunal da vinculatividade das entidades privadas, neste caso,
Constitucional atua como jurisdição eleitoral e única sendo relevante ao deslinde desta questão incidental, o
jurisdição ordinária, não havendo preliminarmente primeiro.
qualquer determinação de factos feita por um Tribunal na
aceção estrita da palavra, além de se mostrar importante 4.2. Este, como se sabe, insere-se no quadro constitucional
conceder ao recorrente e também à entidade recorrida a como forma de se evitar a programatização dos direitos
oportunidade de sustentarem oralmente as suas alegações básicos dos indivíduos, nomeadamente aqueles que
e discutirem eventualmente questões de prova perante pudessem depender de algum tipo de prestação do Estado
o Tribunal, com a devida participação do público, caso para se realizarem. Assim sendo, dele decorrem dois
queiram comparecer. subprincípios: o da exequibilidade imediata e imediada,
isto é, de a aplicação dos direitos, liberdades e garantias
Voltando à Lei, sem ainda recuperar argumentos de não dependerem de qualquer interposição necessária
ordem constitucional, o que ela estabelece literalmente do legislador ordinário quando se concretizem com as
é que “o relator poderá, no prazo de oito dias, realizar as abstenções do Estado, opondo-se, por exemplo, ao modelo
diligências tidas por convenientes, após o que o Tribunal consagrado na Constituição de 1980 quanto às liberdades
decidirá”. Não fica absolutamente claro que tais diligências que dispunha que “a liberdade de expressão do pensamento,
poderiam ter cariz probatório, ensejando, nomeadamente, de reunião, de associação, de manifestação, assim como
alguma imediação com o recorrente e a entidade recorrida, a liberdade de ter religião, são garantidas nas condições
de tal sorte a habilitar a utilização da cláusula remissiva previstas na lei”. E também o de interposição legislativa
por insuficiência regulatória do preceito. em prazo razoável naquelas situações em que o usufruto do
direito, pela sua natureza, depende da criação de condições
Mesmo que assim não seja a questão não fica resolvida legislativas e até materiais pontuais ou contínuas.
porque o facto é que há uma norma constitucional a impor a
realização de audiências, concedendo-a como uma garantia 4.3. Na hipótese de haver inação nestes casos, não
estendível a qualquer arguido, inclusivamente em processo existem mecanismos específicos de controlo de omissão
eleitoral como é o caso. O que significa que o Tribunal normativa, o que não significa que o sistema não encontre
Constitucional está adstrito a dever de os tribunais não antídotos para garantir que os direitos e os seus titulares
aplicarem normas inconstitucionais. No presente contexto, não fiquem prejudicados pela inércia pública. E um deles
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1795
é precisamente conceder um poder transitório pretoriano mas também a legislação para a qual remete, pois esta
aos tribunais para estabelecerem as condições necessárias também faz parte do regime jurídico nos termos dessa
a estimular a operacionalidade do direito consagrado remissão, ou seja, “com as devidas adaptações”.
constitucionalmente enquanto o legislador não cumpre
o dever de interposição normativa. Por conseguinte, o 6. Sendo assim, legitima-se uma dupla-remissão,
Tribunal poderia, na ausência dessas remissões dirigindo da Lei do Tribunal Constitucional para a Lei Geral de
em última instância ao Código de Processo Penal, definir Contraordenações e desta para o Código de Processo Penal.
a parametrização necessária a garantir em cada situação,
mas de modo consistente, essa regulação destinada a 6.1. Este regula de forma minuciosa as audiências
permitir que os titulares dessas garantias possam delas contraditórias em órgãos recursais coletivos, estipulando,
usufruir. Tais parâmetros não estariam muito distantes nomeadamente em termos estipulados pelo artigo 464
dos doutamente vertidos para o Código de Processo segundo os quais “1. Aberta conclusão ao presidente do
Penal, o qual sempre poderia ser utilizado como fonte de tribunal, este marcará a audiência para um dos vinte
inspiração, até para que o regime se mantenha o mais dias seguintes, determinará as pessoas a convocar e
próximo possível dos que em situações similares foram mandará completar os vistos, se for caso disso, sendo
gizados pelo legislador. correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do
artigo 460.º. 2. Serão sempre convocados para a audiência
Apesar do Código Civil não poder determinar autoritativamente o Ministério Público, o defensor, os representantes do
de forma abrangente a respeito de um sistema hermenêutico assistente e da parte civil e o arguido quando tiver sido
aplicável de modo geral a qualquer ramo do direito, julgado sem a sua presença nos termos do artigo 366.º.
sobretudo o constitucional e o político no geral, não deixa 3. Após o presidente ter declarado aberta a audiência, o
de refletir certas orientações dogmático-jurídicas que relator introduzirá os debates com uma exposição sumária
podem ser suficientemente persuasivas. Neste sentido, sobre o objecto do recurso, na qual enunciará as questões
recorda-se o que dispõe o seu artigo 10º: “os casos que a que o tribunal entende merecerem um exame especial. 4.
lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável À exposição do relator seguir-se-á a renovação da prova
aos casos análogos. 2. Há analogia sempre que no caso quando a ela houver lugar nos termos deste Código. 5.
omisso as razões justificativas da regulamentação do caso Seguidamente, o presidente dará sucessivamente a palavra,
previsto em lei. 3. Na falta de caso análogo, a situação é para alegações, ao Ministério Público e aos representantes
resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, dos recorrentes e dos recorridos, a cada um por período
se houvesse de legislar dentro do sistema”. A possibilidade não superior a trinta minutos, prorrogável em caso de
aberta no comentário anterior é precisamente tributário especial complexidade. 6. Não haverá lugar a réplica,
da necessidade que se impõe ao julgador de garantir a sem prejuízo da concessão da palavra ao defensor, antes
eficácia de um direito, liberdade e garantia em casos de do encerramento da audiência, por mais quinze minutos,
omissão legislativa, evitando o seu congelamento, mas se ele não tiver sido o último a intervir”.
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1796 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
2. Não se conformando com a sentença condenatória a 18. Constitui nulidade insanáveis e devem ser oficiosamente
que se refere o parágrafo precedente, dela interpôs recurso declaradas em qualquer fase do procedimento,´´Obrigatoriedade
para o Tribunal da Relação de Barlavento que, por douto de presença ou intervenção do arguido e/ou do seu defensor
acórdão n.º 134/18-19, confirmou a decisão recorrida; em acto processual´´ cfr. art. 151° d) da CPP”;
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“3. Estranhamente, no dia 28 de junho do corrente 19. O recorrente é o maior interessado processual,
ano, estando a entrada do serviço, já que é funcionário qualquer decisão desfavorável, afeta-o, diretamente, não
da Electra, foi surpreendido pelos Inspectores da Polícia o seu defensor, art. 77 n. 1 al. h) CPP.
Judiciária, que simplesmente comunicaram-lhe que estava
detido a partir daquele momento, a ordem do Tribunal 20. A omissão do acto de notificação ao recorrente do
Judicial do Sal, fora de flagrante delito, a fim de cumprir Acórdão da TRB, e a sua consequente prisão, constitui uma
uma pena de 13 anos de prisão; violabilidade do direito ao recurso, constitucionalmente
consagrado, no seu art. 35° n° 1 e 7.”
4. Estupefacto, tendo em conta que não tinha conhecimento
da decisão do Tribunal da Relação de Barlavento, tentou 21. Solicitou ainda que seja adotada medida provisória,
entrar em contacto com a sua advogada, não foi possível, incidente esse que será apreciado mais adiante.
porque, não foi autorizado pelos Inspetores da Polícia
Judiciária, alegaram que tinham outras diligências; 22. Termina o seu arrazoado, formulando os seguintes
pedidos:
5. Acontece que no momento da sua detenção, o recorrente
não foi facultado, cópia do mandado da detenção fora de - “Ser admitido, por ser legalmente admissível,
fragrante delito, muito menos, Acórdão do Tribunal da nos termos do art° 20.°,n° 1 e 2, CRCV;
Relação de Barlavento, que confirmou a decisão recorrida
do Tribunal a quo, a fim de tomar ciência do motivo da - Seja decretado medida provisória, restituindo o
sua detenção e agir em conformidade; recorrente em liberdade.
6. Perante tal omissão, houve violação dos dispostos
previstos, nos artigos 7 n.° 1 e 4, 142, 268, 269 e 270, todo - Decidir sobre violação de direito liberdade e
do Código Processo Penal; garantias, concretamente direito de liberdade,
contraditório e ampla defesa, direito do recurso e
7. Tendo em conta, que o recorrente, nunca foi notificado presunção de inocência, art. 2, n°1, 30 n.°1, 35 n°
do douto acórdão do Tribunal da Relação de Barlavento, 1, 6, 7 todos da CRCV, conjugado com artigo, 1º
erroneamente o Tribunal Judicial da Comarca do Sal, n° 1, 5,7 n° 1 e 4, 142 n°1 e 2, 268, 269 e 270, todo
ordenou a sua detenção para o cumprimento da pena; do Código Processo Penal, e consequentemente
restabelecer os direitos, liberdades e garantias
8. Tal omissão afectou de forma grave, a vida do fundamentais violados;
recorrente, ficando privado do seu direito fundamental,
que é a Liberdade; - Ser julgado procedente e, consequentemente,
revogado o Acórdão 41 / 2019, do Supremo
9. Ciente dos factos expostos, requereu um pedido de Tribunal de Justiça, com as legais consequências;
habeas corpus junto do Supremo Tribunal de Justiça,
alegando, que não foi notificado pessoalmente do Acórdão - Ser oficiado ao SUPREMO TRIBUNAL DE
do Tribunal da Relação de Barlavento, consequente, foi JUSTIÇA para juntar aos presentes autos a
violado o seu direito de liberdade, contraditório e ampla certidão de todo o processo de providência de
defesa, direito do recurso, presunção de Inocêneia, art. Habeas Corpus n.° 41/2019;”
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1798 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
após as férias judiciais. Isso tendo em conta o disposto que imporia a notificação pessoal ao arguido dos Acórdãos
no número 2 do artigo 3.º, no número 1 do artigo 5.º da dos Tribunais superiores em todas as circunstâncias.
Lei do Amparo, conjugado com o disposto no n.º 2 e 3 do Efetivamente, a regra que se extrai do citado dispositivo
artigo 137.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º da Lei legal é a de que nela não se incluem os acórdãos dos
do Amparo, com as necessárias adaptações. Tribunais Superiores pois que, se o legislador assim o
quisesse, tê-lo-ia dito expressamente, tanto mais que o
b) A petição não obedeça aos requisitos estabelecidos disposto no n° 2 é uma excepção ao n° 1, que dispõe que
nos artigos 7.º e 8.º; a notificação ao arguido poderá ser feita ao defensor ou
advogado.
i. Nos termos dos números 1 e 2 do artigo 7.º da Lei
do Amparo: No caso em apreço, a mandatária do arguido foi notificada
quer do Acórdão da Relação, quer da baixa do processo
“1. O recurso é interposto por meio de simples requerimento, ao Tribunal recorrido, pelo que se cumpriu a imposição
devidamente fundamentado, apresentado na secretaria que resulta da lei quanto à notificação desse aresto ao
do Supremo Tribunal de Justiça. arguido, sem que tivesse havido qualquer reação.
2. No requerimento o recorrente deverá indicar expressamente Deste modo, a decisão tem-se por transitada em julgado.
que o recurso tem a natureza de amparo constitucional.”
Não se verifica, pois, a alegada ilegalidade da prisão,
Resulta cristalino da petição de recurso que o recorrente fundamento do habeas corpus, uma vez que o arguido se
apresentou a petição de recurso na secretaria do Tribunal encontra preso em cumprimento de uma pena derivada de
Constitucional e indicou, de forma expressa, que se trata uma decisão transitada em julgado. Pelos fundamentos
de “Recurso de Amparo”. expostos, acordam os Juízes do Supremo tribunal de Justiça
em indeferir o pedido, por falta de fundamento bastante.”
Consideram-se, pois, preenchidos os requisitos previstos
no artigo 7.º supracitado. Conforme o recorrente, o acórdão recorrido violou o seu
direito à liberdade sobre o corpo, o contraditório e ampla
ii. São requisitos da fundamentação vertidos no n.º defesa, direito do recurso, presunção de Inocêneia, art. 2,
1 do artigo 8.º da Lei do amparo: n° 1, 30 n.°1, 35 n.° 4, 6, 7 todos da CRCV, conjugado com
os artigos, 1° n° 1,5, 7 n.º 1 e 4, 142 n° 1 e 2, 268, 269 e
a) Identificar a entidade, o funcionário ou agente 270, todos do Código Processo Penal.
autor do acto ou da omissão referidos no nº 1 do
artigo 2.º e artigo 3º, bem como os interessados a Retomando o exame do pressuposto previsto no artigo
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quem o provimento do recurso possa diretamente 8.º da Lei do Amparo, é de se referir que a fundamentação
beneficiar ou prejudicar, havendo-os; se apresenta relativamente extensa, apesar da exigência
legal no sentido de se resumir as razões de facto e de
b) Indicar com precisão o acto, facto ou a omissão direito que sustentam o pedido. Porém, nada que não se
que, na opinião do recorrente, violou os seus compreenda no contexto em que se descreveu o percurso e
direitos, liberdades ou garantias fundamentais; as vicissitudes processuais desde o início até ao presente,
mas também numa tentativa de demonstração do desacerto
c) Indicar com clareza os direitos, liberdades e garantias da posição vertida no acórdão impugnado e das razões
fundamentais que julga terem sido violados, com que depõem em favor das pretensões do recorrente.
a expressa menção das normas ou princípios
jurídico-constitucionais que entende terem sido No que diz respeito à exigência de formulação de
violados; conclusões, nas quais se deve resumir, por artigos, os
fundamentos de facto e de direito que justificam a petição,
d) Expor resumidamente as razões de facto que também se compreende a extensão das conclusões, não
fundamentam a petição; só pela justificação constante do parágrafo antecedente,
mas também porque se trata de fundamentação de um
e) Formular conclusões, nas quais resumirá, por recurso de amparo contendo um incidente em que se pede
artigos, os fundamentos de facto e de direito a decretação de uma medida provisória.
que justificam a petição.
Importa lembrar que nos termos do n.º 2 do artigo 8.º
2. A petição terminará com o pedido de amparo da Lei do Amparo: “a petição terminará com o pedido de
constitucional no qual se identificará o amparo que o amparo constitucional no qual se indicará o amparo que o
recorrente entende dever ser-lhe concedido para preservar recorrente entende dever ser-lhe concedido para preservar
ou restabelecer os direitos ou garantias fundamentais ou restabelecer os direitos, liberdades ou garantias
violados. fundamentais.”
Compulsados os autos, verifica-se que o recorrente O recorrente pede que lhe sejam concedidos os amparos
atribuiu à Seção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça que se traduzem na sua soltura imediata, a título de medida
a responsabilidade pela violação dos direitos fundamentais provisória, e, na revogação do Acórdão ora impugnado.
que indicou na petição de recurso.
Nestes termos, considera-se que a fundamentação da
A conduta da entidade recorrida traduziu-se no petição de recurso cumpre, satisfatoriamente, os requisitos
indeferimento do pedido de habeas corpus pelo Acórdão previstos no artigo 8.º da Lei do Amparo.
n.º 41/2019, de 31 de julho, com base nos seguintes
fundamentos recortados pelo recorrente: c) O requerente não tiver legitimidade para recorrer
“Entenderam, que o recorrente não deve ser notificado Adotando o conceito de legitimidade ativa recortado pelo
das decisões dos Tribunais Superiores, alegando, ainda n.º 1 do artigo 25.º do Código de Processo Civil conjugado
o seguinte, “No fundo, pretende o requerente que se dê com o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Amparo,
acolhimento a uma interpretação do art. 142° n° 2 do CPP segundo o qual tem legitimidade quem tiver interesse
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1799
direto em demandar, não se pode negar ao recorrente a Conforme jurisprudência firme desta Corte a exigência
legitimidade para solicitar amparo contra uma decisão do esgotamento de todos os meios legais de defesa dos
que alegadamente violou os direitos fundamentais que direitos, liberdades e garantias e todas as vias de recurso
alega lhe terem sido violados pelo acórdão recorrido. ordinário estabelecidas pela respetiva lei do processo
decorre da natureza excecional e subsidiária desse meio
Há, no entanto, um aspeto para o qual Sua Excelência especial de proteção de direitos fundamentais amparáveis.
o Senhor Procurador-Geral Adjunto chamou atenção no
seu muito douto parecer. Por isso, o recorrente tem o ónus de demonstrar que a
violação dos seus direitos fundamentais amparáveis não
Trata-se de ausência de procuração forense, o qual seria encontrou reparação no sistema de garantias ordinárias,
exigível tendo em conta o disposto no artigo 1.º da Lei como, aliás, resulta claramente do disposto no artigo 6.º
do Amparo e no artigo 53.º da Lei n.º 56/VI/005, de 28 de da Lei do Amparo:
fevereiro, tendo, por conseguinte, promovido que se fixe
ao recorrente um prazo nos termos do n.º 1 do artigo 44.º “O recurso de amparo só poderá ser interposto depois de
do CPC, para que tal deficiência ou omissão seja suprida. terem sido esgotados todos os meios legais de defesa dos
direitos, liberdades e garantias e todas as vias de recurso
Não é a primeira vez que o Tribunal se confronta com ordinário estabelecidas pela respetiva lei do processo.”
esta questão em relação à qual fixou o entendimento
constante do Acórdão n.º 18/2019, de 11 de abril, publicado Na verdade, esta Corte Constitucional, através do
na I Série n.º 46 do Boletim Oficial, de 24 de abril de 2019. Acórdão n.º 11/2017, de 22 de junho, publicado na I
Série-n.º 42, do Boletim Oficial, de 21 de julho de 2017,
“Importar referir que, depois da instalação do Tribunal considerou que o disposto na alínea c) do artigo 3.º da Lei
Constitucional, é a primeira vez que esta Corte aprecia do Amparo, deve ser apreciado e integrado no juízo de
uma petição de recurso manuscrita e não assinada por um admissibilidade a ser feito em relação a cada recurso de
advogado, ou seja, sem patrocínio judiciário. Mas o facto amparo, designadamente para se preservar a subsidiariedade
de a petição de recurso não se encontrar subscrita por um desse tipo de queixa constitucional, mas a abordagem a
profissional do foro não constitui qualquer irregularidade ser adotada deve ser temperada no sentido de garantir
e muito menos razão para a sua inadmissibilidade, atento, o acesso à justiça constitucional aos titulares de direitos,
designadamente, o disposto no artigo 53.º da Lei n.º 56/ liberdades e garantias e, em simultâneo, salvaguardar
VI/2005, de 28 de fevereiro, segundo o qual: “nos recursos o papel da jurisdição ordinária na preservação das
a que se refere a alínea b) do artigo 51.º e em quaisquer posições jurídicas individuais fundamentais protegidas
outros processos de parte é obrigatória a constituição de pela Constituição.
advogado.
A partir desse Acórdão, o Tribunal Constitucional tem
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O recurso de amparo não é a espécie processual a que se vindo a escrutinar especificadamente o disposto na alínea
refere a alínea b) do artigo 51.º (processo de fiscalização c) do artigo 3.º da Lei do Amparo, enquanto pressuposto
concreta da constitucionalidade ou da legalidade), nem de admissibilidade associado ao esgotamento das vias
tão-pouco é um processo de partes. de recurso ordinário, sendo disso exemplo o Acórdão n.º
13/2017, de 20 de julho, publicado na I Série, n.º 47, do
Facilmente se conclui que a constituição de advogado Boletim Oficial de 8 de agosto de 2017, no âmbito do qual
em recurso de amparo não é obrigatória. Vale dizer se firmou o entendimento de que sempre que possível é de
que a constituição de advogado em recurso de amparo se exigir que o recorrente demostre ter invocado perante
é facultativa, embora seja recomendável. Pois, apesar a instância recorrida a violação do direito alegadamente
de o recurso de amparo poder ser requerido em simples violado em termos percetíveis, que tenha requerido a
petição, ter caráter urgente e o seu processamento dever sua reparação e que a violação não tenha sido reparada.
basear-se no princípio da sumariedade, há pressupostos,
nomeadamente a fundamentação prevista no artigo 8.º Compulsados os autos, verifica-se que o recorrente
da Lei do Amparo, que exigem para o seu preenchimento invocou expressamente e requereu à Secção Criminal
um certo conhecimento técnico-jurídico de forma que a do Supremo Tribunal de Justiça a reparação da alegada
descrição das condutas impugnadas e o enquadramento violação do direito à liberdade sobre o corpo, ao contraditório,
jurídico-constitucional se façam em conformidade com à defesa, à presunção de inocência e ao recurso, tendo
as exigências constitucionais e legais.” sido recusada a reparação da alegada violação através
do Acórdão recorrido e do qual não se podia interpor
Compreende-se que Sua Excelência o Senhor Procurador- qualquer outro recurso ordinário.
Geral Adjunto se tenha referido ao patrocínio judiciário,
exigência legal cuja falta importaria irregularidade do Fica assim demostrado que, no caso em análise, o
mantado, nos casos em que fosse obrigatória a constituição impetrante esgotou todos os meios legais razoavelmente
de advogado. exigíveis de defesa dos direitos, liberdades e garantias
estabelecidos pela respetiva lei do processo antes de vir
Todavia, no caso de recurso de amparo, enquanto pedir amparo ao Tribunal Constitucional. Pelo que se
processo de índole pessoal, em que não se pode prescindir considera observado o disposto na alínea c) do n.º 1 do
da manifestação da vontade de o exercer por parte do seu artigo 3.º e, consequentemente, respeitado o pressuposto
titular, tem sido prática nesta Corte dar-se por verificado da alínea d) do artigo 16.º da Lei do Amparo.
o consentimento sempre que a procuração emitida pelo
titular do direito ao recurso de amparo a favor do seu e) Manifestamente não estiver em causa a violação
representante conste do processo, ainda que seja nos autos de direitos, liberdades e garantias fundamentais,
vindos de instâncias comuns, como, de resto, se verifica no constitucionalmente reconhecidos como suscetíveis de
caso em apreço. (Vide fls. 6 dos Autos da Providência de amparo.
Habeas Corpus n.º 40/2019, onde se encontra entranhada
a procuração passada em nome do advogado subscritor A causa da inadmissibilidade do recurso prevista na
da petição deste recurso). alínea e) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei do Amparo, ao
utilizar o advérbio manifestamente, exige que se tenha
d) Não tiverem sido esgotadas, ainda, todas as vias certeza quanto à inexistência da fundamentalidade do
de recurso direito alegadamente violado, ou ausência de conexão
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1800 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
entre esse direito e os factos concretos alegados no recurso 1. Levando sempre em consideração, que, a não notificação
ou ainda a certeza quanto à inviabilidade de concessão do requerente do conteúdo do Acórdão do Tribunal
do amparo. de Relação de Barlavento, consubstancia na violação
de um direito fundamental, constitucionalmente
Os direitos que o recorrente alega terem sido violados salvaguardado, isto é, direito a liberdade, direito
encontram-se previstos nos artigos 29.º, 30.º, 31.º e 35.º ao contraditório e ampla defesa, recurso, presunção
da Constituição. de inocência, art. 2, nº 1, 30 n.°1, 35 n.° 1, 6,
7 todos da CRCV, conjugado com artigo, 1° n°
A fundamentabilidade desses direitos, liberdades e 1,5,7 nº 1e 4, 77° nº 1 b) e h), 142 n°1 e 2, 268,
garantias é, por conseguinte, evidente. Desde logo pela 269 e 270, todo do Cddigo Processo Penal.
sua inserção sistemática na Lei Magna na Parte II, Título
II sobre “Direitos, Liberdade, Garantias” e Capítulo I 2. Nos termos do artigo 11° da Lei 109/IV/94, de
sobre Direitos, Liberdades e Garantias Individuais, aos 24 de Outubro, Lei de Amparo, “O Presidente
quais se aplicam os princípios enunciados no Título I. do Tribunal poderá, oficiosamente ou a pedido
do recorrente e independentemente dos vistos,
Respeitante à conexão entre os factos concretos alegados marcar a conferência para as vinte quatro horas
na petição de recurso e os direitos fundamentais invocados, seguintes ao do recebimento da cópia da petição
ainda não se pode afirmar, com grau de certeza que se para nela se decidir sobre a admissibilidade do
exige para a formação da convicção do Tribunal, que recurso sobre as medidas provisórias a adoptar”.
manifestamente não exista tal conexão.
3. Prevé, ainda, o artigo 14° n° 1° al. b) da Lei de
No que concerne à certeza quanto à inviabilidade de Amparo, que “na conferência a que se refere o
concessão do amparo requerido, ainda é relativamente artigo anterior poderá o Tribunal oficiosamente,
cedo para se fazer um juízo de certeza quanto à manifesta ou a requerimento do Ministério Público ou do
inexistência desse requisito. requerente: ´´ordenar a adopção provisória de
medidas julgadas necessárias para a conservação
Devido à incerteza no que diz respeito à conexão dos direitos liberdades ou garantias violados
entre os factos e os direitos alegadamente violados e à ou para o restabelecimento do exercício desses
viabilidade do pedido, mostra-se prematuro afirmar-se que mesmos direitos, liberdades ou garantias até
manifestamente não está em causa a violação de direitos, ao trânsito em julgado da sentença que vier a
liberdades e garantias fundamentais constitucionalmente ser proferida”.
reconhecidos como suscetíveis de amparo, sem prejuízo
de se o poder desenvolver um pouco mais, quando, mais 4. Dispõe o artigo 29° n° 1° da CRCV, “É inviolável
adiante, se fizer o escrutínio sobre os pressupostos para o direito à liberdade”.
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1801
2.2. Legitimidade: não há dúvida de que ninguém mais independentemente de tudo, ele é preenchido se se considerar
do que um recorrente em amparo por alegada violação que a prisão preventiva sempre causa em qualquer pessoa
de direito, liberdade e garantia tem interesse em agir, prejuízos irreparáveis ou no mínimo de difícil reparação,
tendo a lei estendido a legitimidade para esse efeito ao especialmente quando existirem outras circunstâncias
Ministério Público, além de o próprio Tribunal o poder exteriores que agravam ainda mais o prejuízo.”
decretar oficiosamente.
3.2. O outro pressuposto previsto na alínea b) do
2.3. Tempestividade: esse pressuposto está relacionado artigo 11º - razões ponderosas justificarem a necessidade
com o momento desde quando e até quando se pode solicitar da imediata adoção de medidas provisórias julgadas
a adoção urgente de uma medida provisória no âmbito de necessárias para a conservação dos direitos, liberdades
um recurso de amparo. A solução afigura-se-nos simples, ou garantias violados ou para o restabelecimento do
porquanto, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, da Lei do seu exercício até ao julgamento do recurso - concede ao
Amparo, o pedido pode ser formulado na mesma peça Tribunal uma grande discricionariedade decisória e isso
da interposição do recurso e até ao despacho que designa permite reduzir amplitude da aparente automaticidade
o dia para o julgamento, conforme o n.º 2 do artigo 15.º que decorreria da verificação do pressuposto previsto na
do referido diploma legal. No caso vertente, tendo o alínea a).
pedido para a doação urgente de medida provisória sido
apresentado ao mesmo tempo e na mesma peça em que Todavia, essa discricionariedade é ela também condicionada
se requereu o amparo, é cristalino que não se suscita por uma série de fatores que devem ser criteriosamente
qualquer questão atinente à tempestividade. analisados e aplicados em cada caso.
3. O periculum in mora previsto na alínea a) do n.º A par dos critérios já estabelecidos no Acórdão n.º
1 dos artigos 11.º e 14.º, ao qual se tem acrescentado a 4/2018, de 13 de março
versão limitada do fumus boni juris constitui mais um
pressuposto a se ter em conta na apreciação do incidente (Atlantic v. PGR), publicado na I Série do Boletim
em apreço. Oficial n.º 21, de 11 de abril de 2018, importa recuperar
outros que foram aplicados no Acórdão n.º 1/2019, de 10
3.1. Esse pressuposto que decorre da alínea a) do artigo de janeiro, publicado na I Série do Boletim Oficial n.º 21,
11º, reconhece uma das bases clássicas de decretação de 31 de janeiro de 2019, nomeadamente, a identificação
de medidas provisórias, o chamado periculum in mora, e valoração do direito em espécie afetado, a determinação
que se verifica quando fundamentadamente a demora da forte probabilidade de ele ter sido violado no caso
da decisão final possa provocar prejuízo irreparável ou concreto, nomeadamente em razão da existência de
de difícil reparação ou a própria inutilidade do amparo precedentes do Tribunal que sejam aplicáveis à situação
requerido. Note-se que para o legislador, o instituto, em e que permitam antecipar (embora não assegurar) de
alguma forma o desfecho do pedido de amparo; expetativa
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1802 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
O recorrente alega que se encontra em cumprimento de Na verdade, a conduta que se traduziu na alegada omissão
pena ao abrigo de uma decisão de que não foi pessoalmente de notificação pessoal do recorrente e que tem uma forte
notificado, em contravenção ao que dispõe a Constituição probabilidade de vir a ser considerada como violadora do
e o preceito processual penal que mencionou. Pois, no direito ao contraditório, presunção de inocência, ampla
momento em que se lhe emitiu a voz de prisão e depois foi defesa e direito ao recurso expressamente invocados pelo
conduzido ao estabelecimento prisional onde se encontra recorrente, não pode ser dissociada da alegada violação
a cumprir pena de prisão, aquele acórdão não podia ter do direito à liberdade sobre o corpo, tendo em conta que
sido considerado transitado em julgado, ou seja, não se o impetrante está a cumprir uma pena de prisão sem
podia executar uma decisão carente de força executiva que se tenha a certeza sobre o trânsito em julgado do
por ser ainda passível de recurso. acórdão ao abrigo do qual se encontra privado desse
direito fundamental, nomeadamente porque dele não
Há, no entanto, outros aspetos específicos deste processo foi notificado ou tomou conhecimento a tempo de poder
que devem ser destacados. interpor os respetivos recursos ordinários e constitucionais
ainda cabíveis.
Se não há dúvida que a anterior mandatária que o
representou até à prolação do Acórdão do Tribunal da 3.5. Embora não o tenha invocado, o Tribunal tem
Relação de Barlavento foi notificada do Acórdão n.º vindo a considerar que,
134/18-19, bem como da baixa do processo ao Tribunal
da Comarca do Sal, nada indica que o conteúdo desse apesar da notória intenção do legislador constituinte
aresto tenha sido dado a conhecer ao recorrente, seja e ordinário em imprimir uma especial celeridade à
pelo Tribunal da Relação de Barlavento, seja pela sua tramitação do recurso de amparo, que se traduz no
própria mandatária. dever de o recurso de amparo ser requerido em simples
petição, o seu processamento ser baseado no princípio
Um outro elemento importante que depõe a favor da sumariedade, a realidade tem demonstrado que nem
da alegação de que não teve conhecimento do Acórdão sempre tem sido possível decidir as questões de fundo
que confirmara a sua condenação é o facto do pedido de num prazo tão célere.
habeas corpus e o presente recurso de amparo terem Portanto, o risco de, em certos casos, a demora na
sido subscritos por um outro advogado, sem que se possa obtenção de uma decisão final poder comportar prejuízo
dar por verificado qualquer contacto entre a anterior irreparável ou de difícil reparação ou a própria inutilidade
mandatária e o atual advogado do recorrente. do amparo é real, como de resto, o próprio Tribunal o
reconheceu, por exemplo, no âmbito do Acórdão n.º 1/2019,
Para que a notificação enquanto garantia do direito ao de 10 de janeiro, suprarreferido. Pelo que se compreende
recurso previsto nos termos do n.º 7 do artigo 35.º da Lei o receio de que a demora na conclusão do processo possa
fundamental seja conforme com as diretrizes que emanem agravar o prejuízo que terá que suportar e isso não pode
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dessa norma é necessário que o arguido tenha ciência dos deixar de constituir-se em mais uma razão ponderosa
atos a que se refere o n.º 2 do artigo 142.º do CPP, que se para que seja deferido o pedido.
traduzem em decisões gravosas para a vida do mesmo e
assim, conhecendo o seu conteúdo, seja através de algum 3.6. Alega ainda que “é um cidadão de aproximadamente
tipo de notificação pessoal ou por quaisquer outros meios 60 anos de idade, nunca tinha sido julgado pela prática de
idóneos para tomar conhecimento dessas decisões, até nenhum crime. Era chefe de família, funcionário da Electra,
por meio da sua mandatária constituída. há muito tempo, faltava-lhe pouco tempo para reforma.
Preste a completar sessenta anos, sabemos consequências
A prova desse conhecimento mostra-se essencial, sem que a prisão causa uma pessoa jovem, normal, imagina
a qual, ainda, não se pode seguramente afirmar que a uma pessoa da terceira idade, torna-se- notório, que os
decisão com base na qual foi conduzido à prisão tenha danos provocados é de dificil reparação.”
transitado em julgado.
Em relação a essas circunstâncias que, em abstrato,
No momento em que se aprecia o pedido de adoção da podem depor a favor da decretação da medida provisória
medida provisória não se pode deixar de trazer à colação a não passa de alegações, já que nenhum elemento de prova
conduta adotada pelo Tribunal recorrido e que se traduziu se arrolou nesse sentido, pelo que, se não desmerece a
na interpretação e aplicação do disposto no artigo 142.º apreciação do pedido, também não o pode favorecer.
do CPP, com o sentido que, provavelmente, o terá levado a
considerar que seria suficiente a notificação da mandatária, 3.7. Não parece que existam óbices e grandes riscos para
dispensando a notificação pessoal do arguido, não obstante o interesse público se for decretada a medida provisória
a ressalva constante do seu n.º 2: “ Ressalva, no entanto, em exame. Desde logo porque o recorrente aguardou em
a notificação da acusação, do despacho de pronúncia ou liberdade que o processo corresse seus termos até ao
não-pronúncia, ou despachos materialmente equivalentes, momento em que foi preso para cumprir a pena, sem que
do despacho que designa dia de julgamento, da sentença, tivesse havido notícia de que adotou comportamentos que
bem como de despacho relativo à aplicação de medida de pudessem ser interpretados como tentativa de se subtrair
coacção pessoal ou de garantia patrimonial ou à dedução à ação da justiça. Pelo que poderá ficar sujeito a uma
de pedido de indemnização civil, a qual deverá ser feita medida de coação que se mostre adequada ao estatuto do
pessoalmente e igualmente ao mandatário.” arguido enquanto se tramita o presente recurso de amparo.
Pelo exposto, há forte probabilidade de a interpretação 4. Nestes termos, consideram-se, pois, verificados o
adotada pelo Tribunal a quo ter violado a regra prevista periculum in mora e as razões ponderosas que justificam
no n.º 2 do artigo 142.º do Código de Processo Penal cuja a adoção da medida provisória requerida.
violação é cominada com a nulidade insanável nos termos IV - Decisão
da alínea h) do artigo 151.º da Lei Processual Penal. Aliás,
como o recente Acórdão n.º 28/2019, de 16 de agosto, Pelo exposto, os Juízes do Tribunal Constitucional,
publicado na I Série do Boletim Oficial n.º 100, de 26 de reunidos em Plenário, decidem:
setembro de 2019 decidiu.
a) Admitir o presente recurso de amparo restrito à
Sendo este caso, no essencial, similar ao tratado no alegada violação ao direito à liberdade sobre o
acórdão suprarreferido, não se pode deixar de se aplicar corpo, ao contraditório, à defesa, à presunção
o entendimento nele firmado. de inocência e ao recurso;
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b) Deferir o presente pedido de decretação de medidas 5. Ora, o recorrente foi detido e privado de liberdade,
provisórias; a 16 de Janeiro de 2019, (doc. n2).
c) Determinar que o órgão recorrido promova a soltura 6. Durante a fase de instrução o MP requereu o reexame
imediata do recorrente como medida de conservação dos pressupostos de prisão preventiva, bem como o aumento
do seu direito à liberdade sobre o corpo e do do prazo de prisão preventiva de quatro para seis meses,
direito a não ser conduzido à prisão antes do o que foi concedido, (doc. n° 3 e 4).
trânsito em julgado da decisão condenatória,
deferindo ao órgão competente a adoção de 7. Uma vez declarada especial complexidade do processo,
medidas de coação não privativas de liberdade no dia 11 de Julho de 2019, o MP deduziu acusação
que julgue adequadas pelo período necessário contra o recorrente, imputando lhe factos susceptiveis
a que o amparo seja apreciado no mérito. de preencher o crime de tráfico de estupefaciente de alto
risco, p.p pelo artigo 3 n° 1, da Lei n° 78/1V/93, de 12
Registe, notifique e publique. de Julho, (doc, n° 5).
Praia, 10 de outubro de 2019
8. E o recorrente notificado da acusação no dia 19 de
João Pinto Semedo (Relator) Julho de 2019, para querendo deduzir o pedido da ACP,
o que o fez dentro do prazo legal, isto, no dia 23 de Julho
Aristides R. Lima de 2019, (doc. n° 6);
José Pina Delgado 9. Porém, inexiste qualquer outro despacho Judicial que
tenha reapreciado os pressupostos da prisão preventiva
Secretaria Judicial do Tribunal Constitucional, aos 17 imposta ao recorrente e que elevasse o prazo de prisão
de outubro de 2019. — O Secretário, João Borges preventiva para 12 meses, pelo menos que tenha sido
notificado pessoalmente, conforme prescreve o n° 2 do
–––––– artigo 279° dc CPP;
Cópia: 10. Ora, volvido praticamente um mês depois da data da
entrada do requerimento da ACP, o recorrente é notificado
Do acórdão proferido nos autos de Recurso de Amparo do despacho que designa o dia e hora para a realização
Constitucional n.º 25/2019, em que é recorrente Sarney da audiência da ACP, isto, dia 08 de Outubro de 2019;
de Pina Mendes e recorrido o Supremo Tribunal de pelas 08:30, (doc. n° 7);
Justiça.
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Acórdão nº 34/2019 11. Contudo, até a presente data o recorrente não foi
pronunciado, e não se pode entender a marcação da
I – Relatório diligência como sendo despacho de pronúncia, que refere
os artigos 279° n° 1 al. b, 142° n° 2°, 336° e 337° todos
1. Sarney de Pina Mendes, “mcp Zé”, com os demais do CPP;
sinais de identificação nos autos, não se conformando com
o Acórdão n.º 53/2019, de 20 de setembro, através do qual 12. Prescreve o artigo 327° do CPP, “O despacho
o Venerando do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o proferido sobre o requerimento para a realização
seu pedido de habeas corpus n° 54/2019, vem, ao abrigo da ACP será notificado ao Ministério Público, ao
do artigo 20º, n.ºs 1, alíneas a) e b), e 2 da Constituição arguido e seu defensor e ao assistente e seu advogado”;
da República de Cabo Verde, interpor recurso de amparo
contra aquele aresto, e, ao mesmo tempo, requerer que 13. Pois, o artigo 327° do CPP, é para dar conhecimento
seja adotada medida provisória, nos termos dos artigos de que já foi marcado a data para a realização da
11º e 14º da Lei nº 109/IV/94, de 24 de outubro (doravante audiência requerida e os artigos 336° e 337° do CPP, é
Lei do Amparo). para obrigar que o aplicador do direito julgue os processos
dos arguidos presos no mais curto prazo possível, isto, no
1.1. É, pois, chegado o momento de apresentar o estrito cumprimento com as leis constitucionais, artigos
relatório, o qual consiste na reprodução ipsis verbis da 17°; 22° n° 1 e 35° n° 1, todos da CRCV;
petição apresentada pelo recorrente:
14. Dispõe a nossa Constituição que, “Ninguém pode
“3. Por estarmos perante uma questão que tem a ver com ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não
a violação dos direitos, liberdades garantias fundamentais ser em consequência de sentença judicial condenatória
constitucionalmente salvaguardado ao recorrente, isto, pela prática de actos piníveis por lei com pena de prisão
presunção da inocência e liberdade, apresentamos o ou de aplicação de medida de Segurança prevista na lei”
nosso recurso de amparo constitucional, por entendermos (artigo 30.°, n.° 2, CRCV);
que o Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão, que
ora se recorre, violou os direitos liberdades e garantias
fundamentais supra, quando elevou o prazo da prisão 15. Estatui ainda o artigo 29° n° 1° da CRCV, “É
preventiva do recorrente para doze meses, e fez uma inviolável o direito à liberdade”, na mesma medida
interpretação do artigo 279° n° 1 al. b) passível de prescreve o artigo 31° n° 4° do mesmo diploma, “a prisão
violar a constituição, se não vejamos. preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei”.
4. O recorrente através do seu advogado constituído, no 16. Finalmente prescreve o artigo 279° n° 1° do CPP,
uso do seu direito também constitucionalmente consagrado, “oito meses sem que, havendo lugar audiência
nos termos do artigo 36° da CRCV e com os fundamentos contraditório preliminar, tenha sido proferido
dos artigos 13° e ss, e 18° e ss, todos do CPP, no dia 17 de despacho de pronúncia; dezasseis meses sem que
Setembro de 2019, requereu junto do Supremo Tribunal de tenha havido condenação em primeira instância”.
Justiça, providência de Habeas Corpus, ou seja, pedindo
a sua libertação face a prisão ilegal, com os fundamentos 17. Por tudo isso, face a violação do direito constitucional,
que aqui damos por integralmente reproduzido para todos (liberdade e presunção da inocência) agravado ao
efeitos legais, (doc. n°1). facto do recorrente estar preso preventivamente há mais
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1804 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
de oito meses sem conhecer o despacho de pronúncia e b) “Acresce que a prática já demonstrou que, pode
(segundo) despacho de reexames dos pressupostos de prisão suceder, que em determinada fase, por exemplo
preventiva, ou qualquer outro que declarasse especial na pronúncia, a complexidade do processo
complexidade do processo, pedimos habeas corpus, que justifique uma elevação do prazo para 12 meses
foi julgado improcedente com os seguintes fundamentos, e no entanto, a decisão final em 1ª instância ser
não obstante o Procurador-Geral da Republica ter pedido proferida no prazo inicial de 16 meses, o que
deferimento do pedido do recorrente, (dec. n° 8): demonstra, mais uma vez, que os fundamentos
para a prorrogação podem não subsistir para a
a) “A declaração de especial complexidade, (despacho fase seguinte e por isso, a necessidade de avaliação
que é recorrível), é permitida em circunstâncias em concreto, ou seja, em cada fase, das razões
devidamente idênticas na lei, e tem por escopo que justificam a elevação do prazo”. E cita os
permitir uma mais aprofundada investigação da acórdãos ns° 83/2008 e 84/2008.
conduta declarada punível, não se compreendendo
que a elevação do prazo de prisão preventiva se 23. Podemos ainda encontrar outros acórdãos que o
restrinja à fase processual em que foi declarada. tribunal recorrido julgou procedente, contrariado o acórdão
Existe no mínimo uma presunção judicial, de que ora se impugna, vejamos, (acórdãos n° 140/15 e
que o processo conserva o grau de complexidade 141/15, no âmbito de duas providências de habeas corpus
anteriormente reconhecido”. ns° 26/15 e 27/15):
b) Daí entender-se que a prorrogação dos prazos a) “Não se mostra proferido despacho judicial de
é automática em relação às fases processuais declaração da especial complexidade do processo e
seguintes, (vid. Acórdão deste STJ n° 57/201 nem elevação do prazo legal de prisão preventiva,
8, de Novembro)”. do mesmo passo que não se evidencia que se
tenha procedido, mais recentemente, e à imposta
c) “Seguindo o explanado supra, o prazo para a dedução reavaliação trimestral dos pressupostos para
do despacho de pronúncia foi automáticamente a subsistência daquela medida coactiva, em
alterado para doze meses, (n° 2 do art. 279° do violação do art. 295° do CPP”.
CPP), em virtude da declaração de especial
complexidade do Processo proferida na fase de b) “Ora, é bem sabido que a aplicação da prisão
instrução. preventiva acarreta a restrição de um direito
fundamental da pessoa humana, com consagração
d) Pelo exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal constitucional, a liberdade, razão porque a lei impõe
de Justiça em indeferir o requerimento de acrescidas exigências, a serem acauteladas, quer
Habeas Corpus, formulado pelo arguido Sarney na aplicação, quer na manutenção da medida,
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de Pina Mendes, nos termos do art. 20° n° 4 al. isto com forma de contrabalançar os interesses
d) do CPP. por falta de fundamento bastante”. processuais em presença versus a necessária
protecção dos direitos fundamentais dos visados”.
18. Como ficou patente o acórdão que ora se impugna,
contraria os argumentos do recorrente e do Procurador- c) “E uma dessas condicionantes prende-se com o
geral da República, que pediu o deferimento do pedido, respeito escrupuloso pelo limite máximo de
agravado ainda com declaração de voto do Juiz Conselheiro duração da prisão preventiva até que se atinja
Adjunto, (confuso) tem como base o acórdão n° 57/2018. um determinado estádio processual, plasmado
no art. 30° n° 4 da CRCV e concretizado no art.
(…) 279° do CPP”.
21. Antes de entrar na questão de fundamentação 24. Fundamento esses que hoje foram postos em causa,
do presente amparo vamos trazer a colação, um caso e esse ir e vir do tribunal recorrido continua a repercutir
idêntico e que mereceu o pronunciamento favorável por negativamente na vida dos cidadãos, e, violou os direitos
parte desta Corte, e que inclusivamente teve voto vencido fundamentais do recorrente.
da Conselheira Maria de Fátima Coronel, (vide acórdão
n° 57/2018, datado de 20 de Novembro de 2018, que foi 25. O Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal
objecto de recurso para o TC, através do recurso de amparo superior, não pode sobre o mesmo assunto decidir de forma
constitucional n° 05/2018, que deu lugar ao acórdão n° diferente, com fundamentos passíveis de violarem a nossa
26/2018, datado de 20 de Dezembro de 2018, bem como lei fundamental, (CRCV).
a adopção de medida provisória que foi deferido, acórdão
n° 01/2019, datado de 10 de Janeiro de 2019, de Aldina 26. Uma, vez que não souberam interpretar o artigo 279°
Ferreira Soares. n° 1 al. b) do CPP, em conformidade com a constituição.
22. No acórdão 57/2018, conforme se pode ver na 27. E sobre a melhor forma de interpretar a referida
declaração de voto, o tribunal recorrido tem duas posições norma, citamos o acórdão n° 26/2019, datado de 09 de
divergentes nesta matéria, (vide o acórdão n° 83/2008): Agosto de 2019, do recorrente Osmond Nnaemeka Odo,
(pag. 16, ponto 5.5, pag. 17, ponto 6, proferido por
a) ´´A interpretação segundo a qual, uma vez esta Corte Constitucional, que veio a reforçar a tese
Prorrogado um dos prazos, todos os outros são defendida pela Conselheira Maria de Fátima Coronel
automaticamente prorrogados até ao máximo nos acórdãos, 83/2008, 140/15, 141/15 e 57/2018, todos
permitido, ou seja, trinta meses, conduziria a do STJ.
que, uma prorrogação por apenas um mês em
qualquer uma das fases o que teoricamente pode 28. Para não ser repetitivo nos fundamentos de direito,
suceder em vista da redação do preceito também subscrevemos uma vez mais os nossos fundamentos nos
tivesse o mesmo efeito, sem qualquer avaliação acórdãos supra citados, para impetrar o presente recurso
judicial da sua necessidade, o que contraria a de amparo e pedir a libertação do recorrente.
letra e o espírito da lei, que pretende a prisão
preventiva se restrinja ao necessário para os 29. É com base nos referidos argumentos é que viemos
fins visados pelo legislador”. recorrer do acórdão n.° 53/2019, de 20 de Setembro de
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1805
2019, na esperança que a mesma decisão será revogada da República de Cabo Verde;
e substituída por uma outra que vá de encontro com os
preceitos constitucionais. B) - Ser aplicado a medida provisória e em consequência
restituir o recorrente à liberdade, artigos 11° e
30. Pois, o recorrente requereu Habeas Corpus na 14°, da Lei de Amparo.
esperança de ser devolvido o direito á liberdade, uma vez
que o mesmo está detido preventivamente há mais de oito C) - Ser julgado procedente e, consequentemente,
meses sem conhecer o despacho de pronúncia, não obstante revogado O acórdão n° 53/2019, de 20/09/19
de ter requerido abertura da ACP dentro do prazo legal, do Supremo Tribunal de Justiça, com as legais
mas no entanto o Supremo Tribunal de Justiça, deu ao consequências;
artigo 279° n° 1° al. b) do CPP, uma interpretação passível
de violar a nossa constituição, ou seja, uma interpretação D) - Restabelecer os direitos, liberdades e garantias
extensiva, que extravasa a letra da lei e que repercutiu fundamentais violados, (liberdade e presunção
directamente na violação dos direitos fundamentais de inocência);
(presunção de inocência e LIBERDADE):
E) - Ser oficiado ao SUPREMO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA para juntar aos presentes autos a
certidão de todo o processo de providência de
31. Pois estes são os direitos fundamentais que foram Habeas Corpus n.° 54/2019;
violados pelo tribunal recorrido:
2. Instruiu a petição de recurso com cópias do pedido
a) Liberdade, artigos 29°, 30° e 31°, todos do de habeas corpus, do Acórdão n.º 41/2019, de 31 de julho,
CRCV; proferido pelo Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, bem
como duas declarações de voto de vencido da autoria do
b) Presunção da inocência, artigo 35° da CRCV; Relator do Acórdão recorrido.
32. Não resta margem para qualquer dúvida de que 3. Cumprindo o estabelecido no artigo 12.º da Lei do
o indeferimento do pedido de habeas corpus, com os Amparo, foram os autos com vista ao Ministério Público
fundamentos constantes no acórdão, que ora se impugna, para emitir o parecer sobre a admissibilidade do recurso.
viola os direitos de liberdades e garantias fundamentais, Sua Excelência o Senhor Procurador-Geral emitiu o douto
“liberdade”. parecer constante de fls. 51 a 56 dos presentes autos,
tendo feito as seguintes considerações:
33. E põem em causa o princípio da presunção da inocência,
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artigos 1° do CPP, 24° n° 1° e 35° n° 1 da CRCV, “todo o “Na verdade, o direito que se pretende fazer valer - o
arguido presume-se inocente até ao trânsito em julgado direito à liberdade - é um direito fundamental que se
de sentença condenatória”, “e o direito de ser julgado no integra nos direitos, liberdades e garantias; a legitimidade
mais curte prazo compatível com as garantias de defesa”. do recorrente não oferece dúvidas; a decisão do habeas
corpus não se mostra passível de nenhum recurso ordinário;
34. De igual modo o acórdão viola flagrantemente o e a petição observa minimamente os mandamentos dos
artigo 294° do CPP, com uma interpretação que vai para arts.° 7.° e 8.° da Lei do Amparo, Lei n.°109/1V/94 de
além da letra e do espírito da lei, e contradiz e de que 24 de outubro.
maneira a intenção do legislador, ou seja, quis proteger a
independência e a liberdade do juiz detentor do processo, Assim, mostram-se, quanto a nós, reunidos todos os
artigos 218° e 222° todos da CRCV. pressupostos de admissibilidade do presente recurso de
amparo.
35. O reexame dos pressupostos da prisão preventiva
tem que ser feito trimestralmente, artigo 294° n° 1° do O recorrente também requereu a medida provisória de
CPP, e o fundamento da prorrogação do prazo numa libertação imediata, alegando que se encontra ultrapassado
fase do processo, pode não ser o mesmo na fase seguinte. os oito meses desde a data da detenção, sem que tenha
sido proferido despacho de pronúncia, pelo que a prisão
36. E a manutenção da medida privativa de liberdade é ilegal.
deve ser fundamentada em cada fase do processo, uma
vez que trata-se de restrição de um direito fundamental. Do cotejo dos artigos 11.°, 14.° e 15.° da Lei do Amparo
resulta que as medidas provisórias correspondem, grosso
37. Pois, a interpretação levada ao cabo pelo tribunal modo, as providências cautelares que conhecemos de
recorrido contraria a intenção do legislador, uma vez outras jurisdições.
que a prisão preventiva está sujeita aos prazos/limites
previstos na lei para cada fase do processo, artigos 30° O direito à liberdade tem a configuração e o perímetro
da CRV e 279° do CPP. traçado no art.° 30.° da Constituição da Republica de Cabo
Verde- CRCV - que admite, inter alia, “a detenção ou prisão
38. Contudo, a decisão que se impugna deve ser revogado preventiva por fortes indícios da prática de crime doloso a
por uma outra que atende o pedido do recorrente, uma vez que corresponda pena de prisão, cujo limite máximo seja
que, o acórdão viola flagrantemente os direitos fundamentais, superior a três anos, quando outras medidas cautelares
(liberdade e presunção da inocência).” processuais se mostrem insuficientes ou inadequadas”.
1.2. Solicitou ainda que seja adotada medida provisória, Segundo o art.° 31.°/4 da mesma Constituição “a prisão
incidente esse que será apreciado mais adiante. preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei,
não podendo, em caso algum, ser superior a trinta e seis
1.3. Termina o seu arrazoado formulando os meses, contados a partir da data da detenção ou captura,
seguintes pedidos: nos termos da lei”.
A) - Ser admitido, por ser legalmente admissível, nos O art.º 279.° do Código de Processo Penal - CPP -
termos do art.° 20.°, n° 1 e 2, da Constituição estabelece esses prazos, conforme o indirizzo constitucional.
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1806 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
De todo modo, de acordo com a decisão recorrida, no e, por isso, contraria aos imperativos constitucionais, do
caso in judicio, o pedido para abertura de audiência direito à liberdade do preso preventivo, sabendo que a
contraditória preliminar apresentado pelo recorrente prisão preventiva é uma medida de ultima ratio.
junto do Tribunal de Primeira Instância da Comarca da
Praia - 2.° Juízo Criminal -, recebido no dia 23.07.2019, Repara-se que no caso dos autos, declara a excecional
portanto tempestivamente, foi admitido, por despacho complexidade do processo na fase de instrução, o Ministério
datado de 22 de agosto de 2019, tendo sido designado o Público ainda assim deduziu acusação dentro do prazo
dia 8 de outubro de 2019, para realizado da audiência que decorre da lei e, que do requerimento de pedido de
contraditória preliminar. abertura de audiência contraditória preliminar, resulta
que as únicas diligências que foram requeridas são:
O processo foi declarado, na fase de instrução, nos termos «(...) inquirição do arguido e das testemunhas abaixo
do n.°2 do artigo 279.° do CPP de «especial complexidade» identificadas, sobre todos os factos vertidos na acusação
e, em consequência o prazo de prisão preventiva, para e no presente requerimento (...)»
fase de instrução a que se refere a al. a) do n.°1 do artigo
279.° do CPP, foi elevado para seis meses. Ora, se conforme ensina Maia Costa, «O que importa é
a ocorrência de um ou mais factores que determinem, pela
O acórdão recorrido sustenta o entendimento de que a vastidão, dificuldade ou demora das diligências a efectuar,
declaração de especial complexidade declarada na fase uma complexidade anormal do processo, determinando
de instrução, tem como efeito automático, o alargamento um arrastamento excepcional dos termos processuais.
do prazo de prisão preventiva, em relação às fases É, pois, a apreciação em concreto das dificuldades e
processuais seguintes, o que no caso in judicio, tem como obstáculos opostos à investigação, e não a natureza do tipo
consequência a prolongamento da prisão preventiva de de crime investigado, que deve determinar a qualificação
oito para doze meses. do procedimento como de excepcional complexidade.»,
necessariamente que não se considerar justificado e conforme
E consabido que «as medidas de coação são meios com o indirizzo constitucional, o alargamento do prazo
processuais de limitação da liberdade pessoal que têm de prisão preventiva, sem uma decisão Judicial, do juiz,
por função acautelar a eficácia do procedimento penal, que preside a fase processual de audiência contraditória
quer no que respeita ao seu desenvolvimento quer quanto preliminar.
à execução das decisões condenatórias» e,
Repara-se que o despacho que admite a audiência
contraditória preliminar não indica, em concreto, quais
que a regra fundamental é a da liberdade, constitucional as diligências que se irão realizar, não as quantifica e,
e legalmente garantida - art.° 30°, da CRCV -, pelo que sobretudo, não diz se tais diligências de prova a realizar
não admira que o legislador ordinário tenha delimitado na audiência contraditória preliminar são muito difíceis
com extremo rigor quer os pressupostos da sua aplicação
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1807
Por todo o exposto se conclui que: A natureza excecional do recurso de amparo implica que
a violação do direito ou liberdade fundamental não tenha
Não há qualquer razão impeditiva da admissibilidade encontrado reparação através do sistema de garantias
do presente recurso de amparo; normais, exigindo-se, por isso, que haja recurso prévio
aos tribunais ordinários e o esgotamento dos recursos
Existe fundamento para a adopção da medida provisória adequados.
requerida.”
Por conseguinte, associada à excecionalidade está
4. Conclusos os presentes autos e tendo em conta o a denominada subsidiariedade do recurso de amparo,
disposto no artigo 13.º da Lei do Amparo, designou-se o dia que espelha com clareza o facto de este não ser uma
15 de outubro, pelas 11h:00, como data para a realização via alternativa, mas uma via sucessiva, de proteção de
do julgamento sobre a admissibilidade do presente recurso direitos fundamentais.
de amparo, bem como para apreciação do incidente sobre a
adoção da medida provisória. Seguidamente, determinou-se Antes de identificar e analisar os pressupostos e os
que fossem requisitados os autos de providência de habeas requisitos do recurso de amparo e aferir se no caso vertente
corpus n.º 54/2019, os quais já se encontram apensos aos se verificam, importa consignar que o seu objeto não se
presentes autos. identifica com qualquer ato de natureza legislativa ou
normativa, como resulta expressamente do n.º 2 do artigo
II - Fundamentação 2.º da Lei n.º 109/IV/94, de 24 de outubro.
1. Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição 1.2. Tratando-se de um recurso de amparo contra
da República de Cabo Verde, sob a epígrafe tutela dos uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, importa
direitos, liberdades e garantias: verificar se existe alguma razão que possa impedir a sua
admissão, atento o disposto no artigo 16.º da Lei n.º 109/
A todos os indivíduos é reconhecido o direito de requerer IV/94, de 24 de outubro:
ao Tribunal Constitucional, através de recurso de amparo, a
tutela dos seus direitos, liberdades e garantias fundamentais, O recurso não será admitido quando:
constitucionalmente reconhecidos, nos termos da lei e com a) Tenha sido interposto fora do prazo
observância do disposto nas alíneas seguintes:
Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei do Amparo, o
a) O recurso de amparo pode ser interposto contra recurso de amparo é interposto no prazo de vinte dias
actos ou omissões dos poderes públicos lesivos dos contados da data da notificação da decisão, sempre que
direitos, liberdades e garantias fundamentais,
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Pois, no recurso de amparo não pode ser feito valer outra “1. O recurso é interposto por meio de simples requerimento,
pretensão que não seja a de restabelecer ou de preservar devidamente fundamentado, apresentado na secretaria
os direitos, liberdades e garantias constitucionais referidos do Supremo Tribunal de Justiça.
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1808 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
2. No requerimento o recorrente deverá indicar expressamente d) Pelo exposto, acordam os Juízes do Supremo Tribunal
que o recurso tem a natureza de amparo constitucional.” de Justiça em indeferir o requerimento de
Habeas Corpus, formulado pelo arguido Sarney
Resulta cristalino da petição de recurso que o recorrente de Pina Mendes, nos termos do art. 20° n° 4 al.
apresentou a petição de recurso na secretaria do Tribunal d) do CPP. por falta de fundamento bastante.”
Constitucional e indicou, de forma expressa, que se trata
de “Recurso de Amparo”. Conforme o recorrente, o acórdão recorrido violou o
seu direito à liberdade sobre o corpo previsto nos artigos
Consideram-se, pois, preenchidos os requisitos previstos 29°, 30° e 31° e à presunção da inocência do artigo 35° da
no artigo 7.º supracitado. Constituição da República de Cabo Verde.
Retomando o exame do pressuposto previsto no artigo
ii. São requisitos da fundamentação vertidos no n.º 1 8.º, é de se referir que a fundamentação se apresenta
do artigo 8.º da Lei do amparo: relativamente extensa, apesar da exigência legal no
sentido de se resumir as razões de facto e de direito que
a) Identificar a entidade, o funcionário ou agente sustentam o pedido. Porém, nada que não se compreenda
autor do acto ou da omissão referidos no nº 1 do no contexto em que se descreveu o percurso e as vicissitudes
artigo 2.º e artigo 3º, bem como os interessados a processuais desde o início até ao presente, mas também
quem o provimento do recurso possa diretamente numa tentativa de demonstração do desacerto da posição
beneficiar ou prejudicar, havendo-os; vertida no acórdão impugnado e das razões que depõem
em favor das pretensões do recorrente.
b) Indicar com precisão o acto, facto ou a omissão
que, na opinião do recorrente, violou os seus No que diz respeito à exigência de formulação de
direitos, liberdades ou garantias fundamentais; conclusões, nas quais se deve resumir, por artigos, os
fundamentos de facto e de direito que justificam a petição,
c) Indicar com clareza os direitos, liberdades e garantias também se compreende a extensão das conclusões, não
fundamentais que julga terem sido violados, com só pela justificação constante do parágrafo antecedente,
a expressa menção das normas ou princípios mas também porque se trata de fundamentação de um
jurídico-constitucionais que entende terem sido recurso de amparo contendo um incidente em que se pede
violados; a decretação de uma medida provisória.
Importa lembrar que nos termos do n.º 2 do artigo 8.º
d) Expor resumidamente as razões de facto que da Lei do Amparo: “a petição terminará com o pedido de
fundamentam a petição; amparo constitucional no qual se indicará o amparo que o
recorrente entende dever ser-lhe concedido para preservar
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e) Formular conclusões, nas quais resumirá, por ou restabelecer os direitos, liberdades ou garantias
artigos, os fundamentos de facto e de direito fundamentais.”
que justificam a petição.
O recorrente pede que lhe sejam concedidos os amparos
2. A petição terminará com o pedido de amparo que se traduzem na sua soltura imediata, a título de medida
constitucional no qual se identificará o amparo que o provisória, e, na revogação do Acórdão ora impugnado.
recorrente entende dever ser-lhe concedido para preservar
ou restabelecer os direitos ou garantias fundamentais Nestes termos, considera-se que a fundamentação da
violados. petição de recurso cumpre, satisfatoriamente, os requisitos
previstos no artigo 8.º da Lei do Amparo.
Compulsados os autos, verifica-se que o recorrente
atribuiu à Seção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça c) O requerente não tiver legitimidade para recorrer
a responsabilidade pela violação dos direitos fundamentais Adotando o conceito de legitimidade ativa recortado pelo
que indicou na petição de recurso. n.º 1 do artigo 25.º do Código de Processo Civil conjugado
com o disposto no n.º 1 do artigo 4.º da Lei de Amparo,
A conduta da entidade recorrida traduziu-se no segundo o qual “tem legitimidade quem tiver interesse
indeferimento do pedido de habeas corpus pelo Acórdão direito em demandar, não se pode negar ao recorrente a
recorrido, que se baseou no seguinte: legitimidade para solicitar amparo contra uma decisão
que alegadamente violou os direitos fundamentais que
“ a) A declaração de especial complexidade, (despacho alega lhe terem sido violados pelo acórdão recorrido.
que é recorrível), é permitida em circunstâncias
devidamente idênticas na lei, e tem por escopo d) Não tiverem sido esgotadas, ainda, todas as vias
permitir uma mais aprofundada investigação da de recurso
conduta declarada punível, não se compreendendo
que a elevação do prazo de prisão preventiva se Conforme jurisprudência firme desta Corte a exigência
restrinja à fase processual em que foi declarada. do esgotamento de todos os meios legais de defesa dos
Existe no mínimo uma presunção judicial, de direitos, liberdades e garantias e todas as vias de recurso
que o processo conserva o grau de complexidade ordinário estabelecidas pela respetiva lei do processo
anteriormente reconhecido. decorre da natureza excecional e subsidiária desse meio
especial de proteção de direitos fundamentais amparáveis.
b) Daí entender-se que a prorrogação dos prazos é Por isso, o recorrente tem o ónus de demonstrar que a
automática em relação às fases processuais violação dos seus direitos fundamentais amparáveis não
seguintes, (vid. Acórdão deste STJ n° 57/201 encontrou reparação no sistema de garantias ordinárias,
8, de Novembro). como, aliás, resulta claramente do disposto no artigo 6.º
da Lei do Amparo:
c) Seguindo o explanado supra, o prazo para a dedução
do despacho de pronúncia foi automaticamente “O recurso de amparo só poderá ser interposto depois de
alterado para doze meses, (n° 2 do art. 279° do CPP), terem sido esgotados todos os meios legais de defesa dos
em virtude da declaração de especial complexidade direitos, liberdades e garantias e todas as vias de recurso
do Processo proferida na fase de instrução. ordinário estabelecidas pela respetiva lei do processo.”
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Na verdade, esta Corte Constitucional, através do ainda não se pode afirmar, com grau de certeza que se
Acórdão n.º 11/2017, de 22 de junho, publicado na I exige para a formação da convicção do Tribunal, que
Série-n.º 42, do Boletim Oficial, de 21 de julho de 2017, manifestamente não exista tal conexão.
considerou que o disposto na alínea c) do artigo 3.º da Lei
do Amparo, deve ser apreciado e integrado no juízo de No que concerne à certeza quanto à inviabilidade de
admissibilidade a ser feito em relação a cada recurso de concessão do amparo requerido, ainda é relativamente
amparo, designadamente para se preservar a subsidiariedade cedo para se fazer um juízo de certeza quanto à manifesta
desse tipo de queixa constitucional, mas a abordagem a inexistência desse requisito.
ser adotada deve ser temperada no sentido de garantir
o acesso à justiça constitucional aos titulares de direitos, Devido à incerteza no que diz respeito à conexão
liberdades e garantias e, em simultâneo, salvaguardar entre os factos e os direitos alegadamente violados e à
o papel da jurisdição ordinária na preservação das viabilidade do pedido, mostra-se prematuro afirmar-se que
posições jurídicas individuais fundamentais protegidas manifestamente não está em causa a violação de direitos,
pela Constituição. liberdades e garantias fundamentais constitucionalmente
reconhecidos como suscetíveis de amparo, sem prejuízo
A partir desse Acórdão, o Tribunal Constitucional tem de se o poder desenvolver um pouco mais, quando, mais
vindo a escrutinar especificadamente o disposto na alínea adiante, se fizer o escrutínio sobre os pressupostos para
c) do artigo 3.º da Lei do Amparo, enquanto pressuposto a adoção de medidas provisórias.
de admissibilidade associado ao esgotamento das vias
de recurso ordinário, sendo disso exemplo o Acórdão n.º Por conseguinte, a decisão definitiva sobre este requisito
13/2017, de 20 de julho, publicado na I Série, n.º 47, do será tomada na fase de apreciação do mérito do recurso,
Boletim Oficial de 8 de agosto de 2017, no âmbito do qual como, de resto, tem sido jurisprudência firme, coerente e
se firmou o entendimento de que sempre que possível é de unânime desta Corte, espelhada nos seguintes acórdãos
se exigir que o recorrente demostre ter invocado perante que admitiram as correspondentes petições, muitas delas
a instância recorrida a violação do direito alegadamente com menos probabilidade em termos de viabilidade, tendo
violado em termos percetíveis, que tenha requerido a todas elas sido votadas, sem qualquer reserva, por todos
sua reparação e que a violação não tenha sido reparada. os Venerandos Juízes Conselheiros: o Acórdão n.º 9/2019,
de 28 de fevereiro, publicado na I Série do Boletim oficial,
Compulsados os autos, verifica-se que o recorrente n.º 29, de 14 de março de 2019; o Acórdão n.º 15/2019,
invocou expressamente e requereu à Secção Criminal de 21 de março de 2019 e o Acórdão n.º 16/2019, de 26
do Supremo Tribunal de Justiça a reparação da alegada de março de 2019, publicados I Série do Boletim Oficial
violação do direito à liberdade sobre o corpo e à presunção n. n.º46, de 24 de abril de 2019 e o Acórdão n° 24/2019,
da inocência, o contraditório, o direito de defesa, a presunção de 04 de julho, publicado I Série do Boletim Oficial n.º
de inocência e o direito ao recurso, tendo sido recusada 100 de 26 de setembro de 2019.
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1810 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
sua detenção (com pedido da ACP) expirou desde o dia tendo a lei estendido a legitimidade para esse efeito ao
17 de Setembro de 2019, e a interpretação do artigo 279° Ministério Público, além de o próprio Tribunal o poder
n° 1 al. b) do CPP, levado a cabo pelo tribunal recorrido decretar oficiosamente.
viola o princípio de presunção de inocência;
2.3. Tempestividade: esse pressuposto está relacionado
45. Assim sendo, face ao desfasamento temporal e violação com o momento desde quando e até quando se pode solicitar
dos limites impostas pela lei, que regula a restrição dos a adoção urgente de uma medida provisória no âmbito de
direitos fundamentais, neste caso, a situação do requerente um recurso de amparo. A solução afigura-se-nos simples,
ao manter-se, (prisão preventiva) torna ilegal; porquanto, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, da Lei do
Amparo, o pedido pode ser formulado na mesma peça
46. Por isso, por essa magna Corte ser guardião da da interposição do recurso e até ao despacho que designa
constituição e garante dos direitos, liberdades e garantias o dia para o julgamento, conforme o n.º 2 do artigo 15.º
dos cidadãos, humildemente suplicamos a reposição da do referido diploma legal. No caso vertente, tendo o
legalidade, ou seja, aplicação da medida provisória, isto, pedido para a doação urgente de medida provisória sido
a libertação imediata do recorrente, mediante aplicação apresentado ao mesmo tempo e na mesma peça em que
de outras medidas não privativas de liberdade; se requereu o amparo, é cristalino que não se suscita
qualquer questão atinente à tempestividade.
47. Uma vez que, a prática tem demonstrado que o recurso 4. O periculum in mora previsto na alínea a) do n.º
de amparo é um processo moroso, por ser especial e muito 1 dos artigos 11.º e 14.º, ao qual se tem acrescentado a
exigente em razão de mérito, ao nosso ver existe sérios riscos versão limitada do fumus boni juris constitui mais um
do processo não ser concluso nos próximos seis meses, e pressuposto a se ter em conta na apreciação do incidente
caso isso venha acontecer, a prisão do recorrente ainda em apreço.
que preventiva, viola o direito de liberdade e sentimento
de Justiça do mesmo; 4.1. Esse pressuposto que decorre da alínea a) do artigo
11º, segundo, a qual reconhece uma das bases clássicas de
48. E caso não for aplicada uma medida provisória decretação de medidas provisórias, o chamado periculum
para repor a legalidade, os prejuízos nefastos que a prisão in mora, que se verifica quando fundamentadamente a
causa a qualquer cidadão, torna-se evidente que os danos demora da decisão final possa provocar prejuízo irreparável
provocados ao recorrente são de difícil reparação; ou de difícil reparação ou a própria inutilidade do amparo
requerido. Note-se que para o legislador, o instituto, em
49. Mas do que prejuízos patrimoniais, uma vez que sede de amparo pelo menos, não se associa exclusivamente
o recorrente à data da aplicação da prisão preventiva, o à preservação da utilidade e eficácia da decisão judicial (“a
mesmo era comerciante, pai e chefe de família, e tinha própria inutilidade do amparo requerido”), mas igualmente
uma vida razoável; ao efeito de irreparabilidade ou de difícil irreparabilidade
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1811
Todavia, essa discricionariedade é ela também condicionada de várias interpretações. Em princípio, uma regra que
por uma série de fatores que devem ser criteriosamente estipulasse um prazo máximo para a prática de um ato
analisados e aplicados em cada caso. ou duração de uma medida qualquer não criaria este
tipo de problema, pois findo o prazo já não seria possível
A par dos critérios já estabelecidos no Acórdão n.º praticar o ato ou a medida teria necessariamente que
4/2018, de 13 de março (Atlantic v. PGR), publicado deixar de produzir os seus efeitos. Pelo que a prática do
na I Série do Boletim Oficial n.º 21, de 11 de abril de ato ou a duração da medida, como se revela o nosso caso,
2018, importa recuperar outros que foram aplicados no para além do prazo seria, em princípio, ilegal. Assim,
caso Aldina Ferreira Soares v. STJ, nomeadamente, a numa análise muito provisória, verifica-se que há uma
identificação e valoração do direito em espécie afetado, a probabilidade bastante séria de que a liberdade sobre o
determinação da forte probabilidade de ele ter sido violado corpo da recorrente foi violada e, logo, a sua garantia da
no caso concreto, nomeadamente em razão da existência de presunção da inocência.
precedentes do Tribunal que sejam aplicáveis à situação
e que permitam antecipar (embora não assegurar) de B – Acresce que o Tribunal, através dos Acórdãos nº
alguma forma o desfecho do pedido de amparo; expetativa 24/2018, de 13 de novembro, Alexandre Borges v. STJ,
temporal em relação à decisão de mérito; os efeitos negativos Rel: JC Pina Delgado, publicado no BO, I Série, n. 88,
sobre interesses públicos que no caso sejam prevalentes 28 de dezembro de 2018, pp. 2132-2157, e nº 25/2018, de
e de direitos de terceiros; as circunstâncias pessoais do 29 de novembro, Arlindo Teixeira v. STJ, Rel: JCP Pinto
requerente, nomeadamente familiares e profissionais e o Semedo, publicado no BO, I Série, n. 88, Suplemento, 28
impacto imediato da conduta lesiva sobre o direito.” de dezembro de 2018, pp. 11-21, já tinha determinado a
violação de direitos em situação muito similar que a rigor
4.3. Assim, na situação em apreço, existem certas constitui um precedente a seguir na decisão de mérito
circunstâncias que não devem ser ignoradas, desde logo deste caso e que versou a respeito da elevação de prazos
a própria natureza do direito em causa, a liberdade sobre de prisão preventiva explicitando orientações claras a
o corpo, que é direito que nos termos da Lei Fundamental respeito da natureza desses prazos e dos seus efeitos, de
merece posição sistemática e proteção especiais, por ser tal sorte a ser muito crível que beneficiariam a recorrente
um dos direitos mais inerentes à pessoa humana. neste caso.”
Representando essa ideia a sua associação à palavra No caso Alexandre Borges o Tribunal já havia considerado
inviolabilidade que aparece no número 1 do artigo 29.º que “Embora a liberdade sobre o corpo não seja absoluta,
da Lei Básica, referência simbólica da importância que portanto sujeita a afetações, o indivíduo só pode ser
lhe atribuiu o legislador constituinte no quadro do nosso privado total ou parcialmente dela, nos termos previstos
Estado de Direito Democrático, ainda que disso não retire na constituição, ou seja, “em consequência de sentença
um efeito de ilimitabilidade; nas presentes circunstâncias judicial condenatória pela prática de atos puníveis
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significa que já se está perante uma razão que pende por lei com pena de prisão ou de aplicação de medida
favoravelmente para favorecer a adoção da medida de segurança prevista na lei”. As únicas exceções que,
provisória requerida. como regra, esta garantia comporta são as elencadas
no número 3 do artigo 30, onde se encontra consagrada
“Acresce que o Tribunal já havia decidido decretar para os termos que interessam ao caso concreto a prisão
medida provisória, num caso (Atlantic v. PGR) em que preventiva. 3.1.3. Nos termos da alínea b), do número 3
se absteve de fazer uma análise mais aprofundada para do artigo 30 da Constituição só pode haver a aplicação da
a verificação da probabilidade de existência do direito, medida da prisão preventiva por fortes indícios da prática
contentando-se com a sua viabilidade e, em que estava de crime doloso a que corresponda pena de prisão – cujo
em presença um direito, liberdade e garantia (direito à limite máximo seja superior a três anos – quando outras
propriedade privada e algumas liberdades associadas), medidas cautelares processuais se mostrem insuficientes
importante, mas muito menos essencial do que a liberdade ou inadequadas. O número 1 do artigo 31 elenca os atos,
sobre o corpo.” procedimentos e formalidades a serem praticados para
decretação da prisão preventiva. O número 2 do mesmo
artigo garante a sua natureza subsidiária, na medida
4.4. Além disso, a forte probabilidade de existência do em que só se deve recorrer a ela quando outras medidas
direito é uma outra circunstância que deve ser considerada. cautelares se revelarem insuficientes ou inadequadas,
procedendo à sua substituição por outros meios sempre que
É certo que Tribunal Constitucional não considera que estes se mostrem mais adequados ou suficientes; o número
a aplicação da medida provisória tenha como pressuposto 3 prevê a garantia de se comunicar a pessoa de família
a possibilidade séria da existência da violação do direito, do detido ou preso, ou a pessoa de sua confiança, por ele
mas não deixa de ser uma razão ponderosa a beneficiar indicada, da decisão judicial que a ordena ou mantenha
o pedido de decretação da medida. e o número 4 remete para a lei o estabelecimento de prazos
da mesma, garantindo, no entanto, que, em caso algum,
O caso em apreço, no essencial, é similar à situação pode ser superior a trinta e seis meses, contados a partir
examinada no Acórdão n.º 1/2019, de 10 de janeiro, da data da detenção ou da captura. Portanto, é verdade
publicado na I Série, do Boletim Oficial n.º 11, de 31 de que, dentre essas exceções, está a possibilidade de, por
janeiro de 2019, em que se considerou que a recorrente motivos superiores da boa administração da justiça, seja
se encontrava em prisão preventiva para além do prazo imposta prisão preventiva ao titular do direito de forma
legal, por não ter sido respeitado o prazo para a realização excecional, desde que seguidas certas formalidades e com
da ACP num processo com arguido preso. limitações estritas de prazos de subsistência”
«A recorrente invoca extemporaneidade do prazo de No último dos acórdãos citados o Tribunal adotou posição
prisão preventiva, por esta se manter, numa fase, para segunda qual: “11. De todo o exposto, resulta com nitidez
além do prazo permitido por lei. A norma do Código de que tanto a Constituição como a lei conceberam a prisão
Processo Penal que estipula os prazos máximos de prisão preventiva como uma medida cautelar - pois ela não tem
preventiva, em cada fase processual, tem a textura de regra, caráter de pena, sendo justificada pela necessidade de garantir
pelo que a sua interpretação e aplicação é relativamente determinados fins de natureza estritamente excecional,
simples, porque as regras contêm comando que ou se subsidiária, colocando na apreciação prudencial do juiz
cumpre ou não se cumpre, diferente dos princípios que a necessidade da sua utilização, indicando, todavia, com
possuem estrutura de conteúdo mais flexível, passíveis muita precisão os pressupostos que deverão condicionar a
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1812 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
respetiva decisão. Como, porém, a prisão preventiva restringe o prejuízo que terá que suportar e isso não pode deixar
a liberdade individual, há que rodear a sua aplicação e de constituir-se em mais uma razão ponderosa para que
extensão de todas as garantias, estabelecendo requisitos seja deferido o pedido.
que devem ser escrupulosamente respeitados. Se é certo que
a comunidade não pode tolerar que um indivíduo utilize 4.6. No que tange a outras circunstâncias exteriores
um bem que lhe é socialmente garantido - a liberdade - que possam agravar o prejuízo decorrente da privação
para contrariar as regras e valores dessa comunidade, da liberdade sobre o corpo, constata-se que o recorrente
não é menos certo que o recurso às medidas de coação, alegou que “mais do que prejuízos patrimoniais, uma vez
nomeadamente, a prisão preventiva, tem de respeitar, como que o recorrente à data da aplicação da prisão preventiva,
se tem afirmado, os princípios da necessidade, adequação, o mesmo era comerciante, pai e chefe de família, e tinha
proporcionalidade. É que o princípio constitucional da uma vida razoável;
presunção de inocência do arguido até ao trânsito em
julgado da sentença condenatória é um direito e uma Além disso, o sofrimento, a dor, angústia, tristeza e
garantia fundamental do mesmo, não se compadecendo sentimento de injustiça, por estar em. prisão ilegal, ou
com qualquer interpretação mais ou menos gradualista seja, par além do tempo estipulado por lei para cada fase
de tal presunção, de tal modo que essa presunção se iria de processo, tudo isso, no existe nenhum valor monetário
relativizando conforme a fase processual que se fosse passível de reparar, ressarcir esses danos, que a prisão
atingindo, esbatendo-se até desaparecer com a decisão provocou e continua a provocar na vida do recorrente;
condenatória do Egrégio Supremo Tribunal de Justiça,
mesmo que esta decisão tivesse ainda a possibilidade de Não resta margem para quaisquer dúvidas, que a prisão
reformulação em consequência de recurso para o Tribunal deixa marca na vida das pessoas, o que quem mais sofre
Constitucional. Acresce que, a não se entender assim, são os filhos;
então a prisão preventiva enquanto medida cautelar com
as finalidades e as condições de aplicação referidas vê Mas tudo isso não passa de simples alegações, porquanto
desvirtuados tais elementos, na medida em que passa a ser nenhum elemento de prova se apresentou para sustentar
“expiação antecipada da pena” ou mesmo já cumprimento tais alegações.
da pena, o que é inadmissível face ao regime constitucional
da prisão preventiva, pois representa uma perversão da Portanto, se disso dependesse a decretação da medida
função processual e do caráter excecional e subsidiário provisória, o incidente correria sérios riscos de se fracassar.
da medida de coação em análise. 12.É claro que se estava
em face de um caso concreto onde a conexão entre normas 4.7. Não parece que existam óbices e riscos ao interesse
constitucionais relativas aos direitos, liberdades e garantias público se tal vier a acontecer, nomeadamente porque o
com a norma processual penal aplicada é evidente, pelo recorrente poderá ficar sujeito a outra medida de coação
que na operação hermenêutica que se efetuou não se que se mostre adequada ao estatuto do arguido enquanto
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1813
inconstitucionalidades, embora suscitadas em termos de ambiente equilibrado e sadio — art. 73º da CRCV —
justificar recurso de fiscalização concreta das constitucionalidades, suscitada nos artigos 13º-14º-15º-16º-17º-23º-25º-27º-28º-
foram efetivamente cometidas (no acórdão nº 67/2019) 31º-32º do requerimento inicial; 11º-2. A inconstitucionalidade
com a inequívoca relevância de terem influído na sua material por violação do Direito Fundamental, individual
iníqua decisão, exame atento de matéria releva a polímoda e supra-individual, a qualidade e equilíbrio ambientais
suscitação das inconstitucionalidades desde o início do nos empreendimentos económicos - art. 91º, nº 2, alínea
processo da Providência nº 30/2018, apelada, mas que e), da CRCV— suscitada a nos artigos 25º-26º-27º-28º-
devido ao desvio do percurso causado pela atracão da 31º-32º do requerimento inicial; 11º-3. A inconstitucionalidade
LCA (Decreto-Lei nº 14-A/83, de 22. Mar.) inconstitucional, material por violação do Direito Fundamental, individual
os acórdãos n.ºs 67/2019 (fls 355-364) e 76/ 2019 (fls. e supra-individual, a “igualdade de condições de
374) não censuram e até não dão conta das múltiplas estabelecimento e de atividade entre os agentes económicos
inconstitucionalidades que cometeram e que os inquinam. e sã concorrência” - art. 91º, nº 2, alínea b) da CRCV –
3º A triste, penosa e lamentável verdade é que o laborioso suscitada nos artigos 4º-5º-10º-15º-16º (“num comércio”,
trabalho discursivo expendido de fls. 355 a 364, — porque v.g., de uma só empresa, em detrimento de todas as outras
desde o início despistado pela aparência da conduta do e da sã concorrência) e 20º do requerimento inicial; 11º-4.
Município Requerido e Apelante; sem se debruçar sobre A inconstitucionalidade material por violação da Garantia
a matéria e a natureza viciosa, eficiente e nulamente Fundamental, individual e supra-individual, da
camufladas pela aparência de “ato administrativo”; sem inalienabilidade inerente ao domínio público — art. 91º,
examinar o cerne dessa conduta e sem o cuidado de tomar nº 9, da CRCV — suscitada no artigo 19º do requerimento
em conta a verdadeira natureza da causa; mais uma vez inicial; 12º Estas 5 inconstitucionalidades dos actos
despistado pelo nortear-se por uma lei inconstitucional impugnados no procedimento constitucional que é a
(LCA) — levaram ao falacioso desfecho de o acórdão nº Providência Cautelar nº 30/2018, porque efetivamente
76/2019 (a fls. 374) não vislumbrar inconstitucionalidades suscitadas como seu cerne e fundamentação, foram atenta,
no acórdão nº 67/2019 (fls. 355 a 364), estribado e profunda e corretamente analisadas e atendidas pela 1ª
fundamentado em inconstitucionalidades e decidido pela Instância na sentença apelada (doc junto nº 3), que
força viciosa dessas inconstitucionalidades, que o invalidam conheceu e decretou a Providência Cautelar nº 30/2018,
de todo (art. 3º, nº 3, da CRCV). 4º Excelências, o facto no âmbito da sua competência Jurisdicional, por força
principal e decisivo — que, pela sua evidência e notoriedade da lei nessa matéria especial de competência para a
material, legal e constitucional, não escapou ao aprofundado censura de atos inválidos, nulos e juridicamente inexistentes.13º
exame feito pela 1ª Instância na sentença de fls. 107 a O muito respeito que se tem à Veneranda Relação a quo
128 — passou completamente intocado e não ponderado não impede de reconhecer a verdade que o acórdão nº
pelo acórdão nº 67/2019 (fls.335 a 364): […] 6º Já disso 67/2019 (fls. 255-264) não tem razão e acrescenta mais
que respeita à natureza jurídica da Providência apelada, inconstitucionalidades (invocadas nos artigos 6º, 7º, 8º,
sobressai patente a inconstitucionalidade das normas da 9º, 10º, supra) às suscitadas no requerimento inicial da
LCA e da lei administrativa que o acórdão nº 67/2019 Providência nº 30/ 2018, 15º Mais uma vez, o acórdão
aplica, mas que violam os Direitos Fundamentais de nº 67/2019 (doc junto nº 4) não tem razão, porque, para
processo equitativo, portanto, do processo adequado, que, decidir injusta e desacertadamente como decide, que a
para este caso concreto, não é o processo administrativo competência cabe ao STJ e que a providência é a de
inconstitucionalmente alvitrado pelo acórdão nº 67/2019, suspensão da executoriedade dos atos, o acórdão nº
em total desconformidade com a CRCV, que manda 67/2019: 15º-1. Viola a norma especial expressa do supra-
aplicar o procedimento judicial adequado do nº 6 do art. analisado nº 3 do art. 19º do Dec. Legislativo nº 15/97,
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1814 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
sobre a competência jurisdicional em matéria de atos neste caso todo ele baseado nas inconstitucionalidades
administrativos nulos; 15º-2. Viola as Normas e Garantias concretas suscitadas logo no requerimento inicial, para,
Fundamentais dos arts. 22º, n.ºs 1 e 6; 209º; 210º, nº 1; como causas de pedir concretas, fundamentarem a
211º, nº 3; 245º alínea e), todos da CRCV [que, introduzindo, providência nº 30/2018, deve ser mandado admitir o
na Ordem Jurídica de CV, e garantindo (art. 18º da recurso de fiscalização concreta das inconstitucionalidades,
CRCV) o sistema democrático de “Contencioso Administrativo tempestivamente interposto em 28.Junho.2019; Unicamente
de Tutela Jurisdicional Efetiva”, revogou tacitamente pelo inviolável dever profissional de cautela, se formula
(art. 293º da CRCV) o Decreto-Lei nº 14-A/83, de 22[de] o pedido subsidiário de que a presente Reclamação seja
Março e o sistema que estabelecia, de “Contencioso de admitida como petição de recurso de amparo, na hipótese
Mera Legalidade”, próprio das autocracias e ditaduras que, por absurda, é de se não acreditar, de esta necessária
(da esquerda e da direita), inconciliável com a democracia; (art. 59º, 1, da CRCV), fundada e justa Reclamação não
15º3. Viola as Garantias dos arts. 3º, nº 3. da CRCV e ser atendível”.
19º, nº 2, do D. Leg. 15/97 ao alvitrar a providência de
suspensão de executoriedade contra ato administrativo Em suma, arrazoam os reclamantes que o tribunal
que, sendo inválido, nulo e juridicamente inexistente “não reclamado – responsável pelo acórdão de não admissão
produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente do recurso de fiscalização concreta – ao contrário do
de declaração de nulidade”; Providência de suspensão de juízo de instância, órgão que deu o devido tratamento às
executoriedade até caricata e inadequada em relação a alegadas inconstitucionalidades invocadas, não examinou
atos que, por inválidos, nulos, juridicamente inexistentes, o cerne da questão, norteando a sua argumentação por um
“não produzem quaisquer efeitos jurídicos”; 15º.4. Viola caminho determinado por uma lei inconstitucional, a Lei
os Princípios, sistema e Garantias Fundamentais dos do Contencioso Administrativo de 1983, sem considerar
arts. 29, nº 1; 3º, nº 2; 210º, nº 1; 211º, nº 3; 245º. alínea devidamente a natureza jurídica da providência intentada,
e); 18º; da CRCV ao estribar-se no revogado e inconstitucional e omitindo-se ao não apreciar factos evidentes e, sobretudo,
sistema autocrático e ditatorial que inspirava a LCA e o o conteúdo constitucional da questão controvertida.
seu art. 10º, alínea g), para decidir inconstitucionalmente
pela competência do STJ e negar a competência especial Não bastando a desconsideração das mesmas, na
e própria que a CRCV e a lei vigentes conferem à 1ª sua apreciação, a Relação incorreu ainda num conjunto
instância e, ao abrigo da qual, esta correta e acertadamente de inconstitucionalidades e ilegalidades no quadro da
decidiu, em obediência à CRCV e à Lei, que o acórdão nº interpretação que lançou aos dispositivos aplicáveis,
67/2019 violou, por seguir sistema e leis que, por autocráticos negando competências que a Constituição reconhece à
e ditatoriais, ficaram revogados desde a Revisão de 1999, primeira instância judicial e o papel do grupo de cidadãos
por incompatíveis com a CRCV. 16º Embora por demais na defesa da Constituição e da legalidade democrática
explícito e evidente da CRCV (art. 59º, nº 1), o Direito como extensão do Ministério Público, e podendo exercer
Fundamental, direito-dever, Função Constitucional em os seus poderes-deveres próprios no sentido de defender
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que o GRUPO ora Reclamante está investido - que é de o interesse público perante o que entendem ser uma ação
“defesa… da Constituição”, da legalidade democrática e lesiva do Município da Praia.
“do interesse geral” - coloca o GRUPO no mesmo pé da
defesa da Constituição, da legalidade democrática e do Ademais, que estando questão constitucional subjacente,
interesse geral que a CRCV confere ao Ministério Público qualquer dúvida quanto à admissão deveria, no mínimo,
(art. 225º, nº 1, da CRCV), em termos que impõem reconhecer ter merecido que fosse aceite a sua tramitação como um
que o GRUPO, ao exercitar essa sua função, ao requerer recurso de amparo, mas jamais a sua rejeição. Daí pedir
o procedimento constitucional-Providência Cautelar nº a este Tribunal que reverta a decisão do órgão judicial
30/2018, age como extensão (auxiliar) do Ministério reclamado e mande admitir o recurso de fiscalização
Público, investido de poderes-deveres próprios de Ministério concreta ou que, na impossibilidade de o poder fazer,
Público e que lhe são atribuídos para a defesa da Constituição hipótese que dizem colocar academicamente, o admita
e da legalidade democrática: não como a parte no sentido como um recurso de amparo.
ordinário e banal do termo (que se lê nos arts. 76º, nº 1,
b) e nº 2, da LOPTC. 18º E sobretudo para o caso concreto
do procedimento constitucional-Providência Cautelar nº 2. A peça de reclamação seguiu a seguinte tramitação:
30/2018, motivado pelas inconstitucionalidades cometidas
pelo Município (Requerido e Apelante) por violações dos 2.1. Apresentou-se-a na secretaria do Tribunal da
Direitos e Garantias Fundamentais invocadas como Relação de Sotavento no dia 29 de julho de 2019, tendo
fundamentos, causas de pedir, da Providência nº 30/2018, sido remetida e autuada neste Tribunal no dia 21 do mês
afigura-se de todo oblíquo e desajustado alegar que o seguinte do mesmo ano, cabendo a relatoria, por certeza,
GRUPO ora Reclamante não suscitou inconstitucionalidades ao JC Pina Delgado.
nos termos do art. 76º, nº 1, b) e nº 2, da LOPTC, como
se intentar uma Providência toda ela com base em 2.2. Este, no dia 16 de setembro de 2018 emitiu despacho
inconstitucionalidades concretas não fosse e não seja a para que seguisse para promoção do Ministério Público,
forma mais forte e a mais veemente de suscitar tendo os autos regressado no dia 30 do mesmo mês e ano,
inconstitucionalidades em termos de os Tribunais comuns contendo douta peça da lavra do Digníssimo Procurador-
e o Tribunal Constitucional terem de conhecer delas, agora geral da República argumentando essencialmente que:
que, mais do que simples acidente de uma causa, constituem “No caso in judicio, conforme se alcança do acórdão n.º
todo o âmago da causa. 19º De modo que, no caso concreto, 76/2019 o tribunal na apreciação da providência cautelar
a ter dúvida sobre a natureza jurídica do recurso e sobre intentada pelos recorrentes, não conheceu do mérito da
a sua admissibilidade, a Lei (entre outros, arts. 22º, nº questão, por considerar que o tribunal da primeira instância
1, da CRCV; 7º, nº 5, do CPC) só permitiria a sua admissão não era competente, em razão da matéria, para conhecer
como recurso de amparo (art. 20º da CRCV), nunca a sua do pedido, e, por isso, revogou a decisão recorrida. Por
rejeição. Porém, tal dúvida igualmente se afigura deslocada seu turno, os recorrentes, conforme decorre da decisão
e insustentável no caso da Providência nº 30/2018, em recorrida, alegaram que o acórdão recorrido decidiu com
que o cerne da lide são violações de Direitos Fundamentais omissão dos factos e documentos constantes do processo
— por outras palavras — Inconstitucionalidades suscitadas que o apelado, Município da Praia, violou o disposto
como causas de pedir da Providência. Pedido: 21º Nos no artigo 91.º da Constituição da República, fazendo
termos expostos de facto e de direito e nos mais que são assim com que incorresse em inconstitucionalidades de
de ofício o Tribunal Constitucional conhecer e suprir na violação do regime constitucional aplicável à matéria de
sua nobre e altíssima função de defender a Constituição, gestão dos bens de domínio público. Ora, se assim foi,
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as normas que serviram de base para decisão recorrida, Em relação ao pedido subsidiário de conversão do pedido
foram as relativas à competência em razão da matéria do de fiscalização concreta em recurso de amparo sustenta,
tribunal, pelo que sendo essas as que fundamentaram legal na linha do que diz vir a defender, que, como o recurso
e finalmente a decisão, ou seja, constituem, nos termos de amparo possui uma natureza autónoma distinta de
acima mencionado, a «ratio decidendi» da decisão, só todos os outros recursos, não se lhe pode aplicar o regime
essas, as que foram efetivamente aplicadas, poderiam ser de outras espécies, mormente o do recurso de fiscalização
objeto de recurso de fiscalização concreta e com utilidade concreta. Por isso, seria de se recusar o pedido subsidiário
e repercussão sobre a decisão recorrida, considerando a feito pelos reclamantes.
natureza instrumental e a concreta utilidade no processo
da qual emerge. Doutro modo, estar-se-ia a desnaturar o 2.3. Conforme determina a Lei, seguiu no dia 1 de
próprio sentido do recurso que é de reavaliação de uma outubro para vistas do 1º adjunto, o JCP Pinto Semedo,
decisão que aplicou uma concreta norma objeto do recurso e a 8 de outubro para o 2º, o JC Aristides R. Lima,
de fiscalização de constitucionalidade. E, recaindo sobre ocorrendo marcação de sessão de julgamento para o dia
as partes o ónus de considerarem as várias possibilidades 18 de outubro, quando se realizou conferência.
interpretativas que o tribunal poderia dar às normas
aplicáveis, não se poderá considerar, também, que os II. Fundamentação
recorrentes não tiveram a possibilidade de antecipar que
o tribunal recorrido poderia considerar que o tribunal de 1. O Tribunal já teve a oportunidade de avaliar algumas
primeira instância era incompetente absolutamente para reclamações de indeferimento de recurso de fiscalização
conhecer daquela matéria, e assim, não conhecer do mérito concreta, pelo que se pode dizer em certa medida que
do processo, em relação ao qual afirmam os recorrentes, determinadas questões já têm um sentido jurisprudencial
que toda ela está ferida de inconstitucionalidade, sendo traçado na interpretação das disposições constitucionais
estas causa[s] de pedir da providencia cautelar. Não e legais aplicáveis. Foi o que fez efetivamente nos casos
tendo a decisão recorrida conhecido e apreciado o regime Vanda Oliveira v. STJ, decidido pelo Acórdão nº 4/2017, de
constitucional e substancial aplicável à gestão dos bens 13 de abril, sobre indeferimento de interposição de recurso
de domínio público, portanto aplicado normas relativas de fiscalização concreta da constitucionalidade, Rel: JC
a essa matéria, mas apenas conhecido do pressuposto Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, nº
processual relativo à competência, em razão da matéria, 27, de 16 de maio de 2017, pp. 650-659 e na Coletânea
do tribunal de primeira instância, e não tendo na presente de Decisões do Tribunal Constitucional de Cabo Verde,
reclamação indicado que alguma das normas aplicadas Vol. III, Praia, INCV, 2018 (2017), pp. 263-292; Edílio
ou o sentido que lhes foi conferido pelo tribunal recorrido, Ribeiro v. STJ, decidido pelo Acórdão nº 20/2019, de 30
é inconstitucional, não se verifica o pressuposto para de maio, sobre indeferimento de interposição de recurso de
admissibilidade do recurso de fiscalização concreta fiscalização concreta da constitucionalidade, Rel: JC Pina
de constitucionalidade. Assim sendo, quanto a nós, as Delgado, publicado no Boletim Oficial, I Série, nº 79, 22 de
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inconstitucionalidades invocadas como fundamento de julho de 2019, pp. 1214-1223 e, em certa medida, Arlindo
toda providência cautelar não pode[m] ser conhecida[s], Teixeira v. STJ, decidido pelo Acórdão nº 29/2019, de 30
pois, não foi esse objeto de apreciação do tribunal recorrido, de julho, que, embora não tenha decidido reclamação,
e, a reclamação não foi suscitada durante o processo, nos contribuiu significativamente para o desenvolvimento
termos constitucional e legalmente admissíveis. Por último jurisprudencial da análise das condições de admissibilidade,
importa dizer que os recursos de decisão que apliquem na parte em que decidiu essas questões.
normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo não se reconduzem a recurso de amparo. 1.1. Com efeito, já está assentado que cabe ao órgão
Na verdade, o recurso de amparo, tal como temos vindo a reclamado, neste caso o Tribunal da Relação de Sotavento,
sustentar, tem uma natureza autónoma e especial que o a análise dos requisitos e pressupostos do requerimento de
distingue dos outros recursos constitucionais, mormente fiscalização concreta da constitucionalidade vertidos para
do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, o artigo 82 da Lei do Tribunal Constitucional, pugnando
não se lhe devendo aplicar o regime de outras espécies de pela sua admissão ou indeferimento consoante entenda
recursos previstos no ordenamento jurídico cabo-verdiano. estarem preenchidas aquelas condições ou não, podendo
Razão pela qual, não devendo ser conhecida o recurso de ainda rejeitá-lo se o considerar manifestamente infundado,
fiscalização concreta de constitucionalidade, pelas razões conforme o número 3 do artigo 83 da mesma Lei.
atrás aduzidas, igualmente não poderá o requerimento dos
recorrentes ser admitido como se de amparo constitucional 1.1.1. Entretanto, nenhuma dessas decisões, quer a de
fosse, por este se tratar de um recurso totalmente autónomo deferimento quer a de indeferimento, vinculam o Tribunal
e especial (…).” Constitucional, que tem total liberdade para analisar
a questão, podendo confirmar ou revogar a decisão de
Assim, alega o douto parecer oferecido a este Tribunal indeferimento, caso seja este o entendimento do órgão
que a reclamação carece de fundamento porque o órgão reclamado, ou, pelo contrário, caso esta entidade tenha
judicial reclamado não se pronunciou sobre o mérito da optado pela admissão do recurso, confirmar o deferimento
controvérsia jurídica que foi objeto de recurso ordinário, ou mesmo revogá-lo. Esta é a interpretação que o Tribunal
limitando-se a apreciar e decidir questão que por ser tem considerado ser aplicável ao disposto nos números 4
dilatória obstaria ao conhecimento do mérito. e 5 do artigo 83 da sua lei organizatória e de processo, ao
preverem, respetivamente, que “A decisão que admita o
Portando, sendo que essas normas aplicadas diziam recurso ou lhe determine o efeito não vincula o Tribunal
respeito à competência, somente estas é que podiam ter Constitucional e as partes só podem impugná-la nas suas
sido objeto de um pedido de fiscalização, dada a relação alegações” e que “Do despacho que indeferia o requerimento
direta entre tal impugnação e o processo principal, sobre de interposição do recurso ou retenha a sua subida cabe
o qual deve necessariamente repercutir. Como, na sua reclamação ao Tribunal Constitucional”.
opinião, cabe às partes antecipar todos os juízos, operando
prognose em relação às diversas aceções normativas Este entendimento já havia sido vincado por meio do
possíveis, também aquelas deveriam ter sido colocadas Acórdão nº 4/2017, Vanda Oliveira v. STJ, de 13 de abril,
antes mesmo da decisão daquele tribunal superior. Por Rel: JC Pina Delgado, e reiterado nas outras decisões
conseguinte, entende que a norma impugnada não foi citadas, quando considerou-se que “2.1. Naturalmente,
objeto de apreciação pelo tribunal e, além disso, que a nos termos do número 1 do artigo 83 da Lei do Tribunal
reclamação não teria sido suscitada durante o processo. Constitucional, cabe, de forma independente, ao Supremo
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1816 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
Tribunal de Justiça [no caso em análise ao Tribunal da instrumental do recurso de constitucionalidade para
Relação de Sotavento], enquanto órgão que proferiu a fiscalização concreta da norma ou de uma interpretação
decisão recorrida, apreciar a admissão deste recurso de normativa. Ora, sucede que, no caso em concreto, este
inconstitucionalidade, tendo, em atenção, precisamente, a Tribunal da Relação, através do Acórdão n.º 67/019, ora
presença das condições mencionadas, nalgumas situações impugnado pela via constitucional, não aplicou qualquer
sendo seu dever indeferir caso o requerimento não satisfaça norma que contenda com o regime constitucional relativo
os requisitos do artigo 82 da Lei do Tribunal Constitucional à gestão de bens do domínio público, constante do art. 91º,
ou se for manifestamente infundado (art. 83 (3)). 2.1.1. n.º1 da CRCV, isto pela singela, mas suficiente razão, que,
Todavia, nem a decisão de indeferimento de admissão na análise recursal a que se procedeu, não se adentrou
do recurso, nem a de deferimento, vinculam o Tribunal na apreciação das questões de mérito, dentre as quais
Constitucional, podendo este reapreciar o preenchimento erigiram-se, nomeadamente, as inconstitucionalidades
das condições de interposição, o que pode ser relevante invocadas. Isto é assim pois que a sindicância a que
– particularmente em situações de indeferimento como procedeu este Tribunal de Recurso quedou-se, aí, pela
esta, em que a presença de uma base de fundamentação questão prévia da competência do tribunal de instância
poderá levar a um menor escrutínio sobre as outras –, e que, como é consabido, sendo uma excepção dilatória,
revogar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça [no interpõe-se, e obsta, ao conhecimento do mérito de recurso.
caso Despacho da Presidente do TRS]. Tendo o Tribunal Mostra-se, por conseguinte, pacífico que, ante a procedência
a quo fundamentado a sua recusa em admitir o recurso da excepção da incompetência absoluta do Juízo Cível da
no não cumprimento do prazo previsto pelo artigo 81 da Comarca da Praia, a este Tribunal estava vedado sindicar
Lei do Tribunal Constitucional, tendo por preenchidas as a invocada inconstitucionalidade, sendo também certo que,
demais condições do recurso, mormente as previstas pelos na concreta decisão da excepção, não se aplicou qualquer
artigos 76, 77, 78, 81 e 82, a Corte Constitucional, nesta norma ou resolução de conteúdo material normativo ou
fase, com base no artigo 84, centra a sua pronúncia na individual e concreto cuja inconstitucionalidade tivesse
correção da decisão de não admissão do recurso por ter sido suscitada durante o processo. E considerando que a
sido interposto fora do prazo, não se fazendo necessário, decisão vertida no aresto deste Tribunal quedou-se pela
além disso, antecipar eventuais considerações a respeito apreciação, e procedência, da supramencionada excepção
do mérito, mas simplesmente, em razão do princípio da dilatória tal, como é de lei, inviabilizou a possibilidade
economia processual e pelos efeitos legais da decisão de, nessa mesma decisão recursal, se apreciarem as
relativa à reclamação, ou seja, o facto de “fazer caso questões de mérito, estas que, obviamente só poderiam ser
julgado quanto à admissibilidade do recurso”, avaliar averiguadas ex post ao conhecimento das questões prévias
também a presença dos demais pressupostos recursais.” que se impusessem, rectius, das excepções e nulidades
existentes. Destarte, contrariamente ao que pugnam os ora
1.2. Nos termos do caso concreto, parece ser mais recorrentes, é de se considerar que, no Acórdão de que ora
lógico e racional que o Tribunal dirija o seu escrutínio se pretende recorrer constitucionalmente, este Tribunal
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ao pressuposto que a egrégia corte de segunda instância da Relação de Sotavento não só não estava obrigado,
da Região de Sotavento considerou não se ter verificado, como estava impedido, de entrar no conhecimento das
quando propendeu pela não-admissão do recurso de constitucionalidades aventadas, pois que integrantes da
fiscalização concreta. matéria de fundo da causa. Tal assim é, em virtude do
funcionamento das mais elementares regras processuais,
Precisamente, na medida em que se tal se confirme e a consagrarem que a procedência das excepções dilatórias
o pressuposto esteja em falta, não se mostra necessário obsta a que o tribunal conheça o mérito da causa. Assume-
avaliar as outras condições, uma vez que se assim for a se, assim, cristalino que este Tribunal, no aresto de que,
reclamação não procede, só o fazendo caso o Tribunal ora, se pretende recorrer, não aplicou qualquer norma
entenda que o tribunal reclamado não decidiu corretamente cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante
quanto à análise daquele pressuposto. o processo, e nem tão pouco proferiu a decisão que se
insira em qualquer das alíneas do elenco taxativo do art.
1.3. De acordo com este órgão, o que o levou a indeferir 77º, n.º1 da Lei do Tribunal Constitucional (LCT), pelo
o presente recurso reside precisamente no facto de ter que, salvo o merecido respeito por opinião contrária, é
considerado que, em momento algum, aplicou qualquer de se entender não se perfilar qualquer um dos casos que
norma que tenha violado o disposto no artigo 91 da admita o recurso incidental de fiscalização concreta da
Constituição da República, até porque, conforme entende, constitucionalidade”.
tal não seria possível, uma vez que no juízo que operou
em relação à decisão da primeira instância no âmbito 1.4. Na verdade, os reclamantes limitaram-se, no seu
do recurso interposto pelo reclamado na ação principal, requerimento de interposição do recurso de fiscalização
apenas avaliou as condições de admissão da petição, tendo concreta, a indicar a norma constitucional que entendem
encontrado um pressuposto relacionado com a competência ter sido violada por meio de norma eventualmente aplicada
absoluta do tribunal da primeira instância que, de pelo tribunal a quo, o artigo 91 da Constituição da República
acordo com a sua hermenêutica, não estava preenchido, que prevê, entre outros, o princípio da desafetação dos
pelo que teve que revogar a decisão do 4º Juízo Cível do bens do domínio público do Estado.
Tribunal da Comarca da Praia, não chegando em momento
algum a analisar o fundo da questão, devido à exceção Todavia, ao empreenderem a fundamentação que, em
dilatória verificada, pelo que não poderia ter avaliado a princípio, serviria para demonstrar o elo de ligação entre
inconstitucionalidade invocada pelos reclamantes. a norma eventualmente aplicada pelo órgão reclamado e o
dispositivo constitucional violado, aduziram argumento no
A entidade recorrida com base em exposição da Juíza sentido de que o órgão reclamado não teria se pronunciado
Desembargadora Relatora argumentou para indeferir o sobre o facto de que o Município da Praia ter violado o
recurso interposto pelos reclamantes no seguinte sentido: artigo 91 da Lei Fundamental da República e, por esta
“No entanto, assume-se mister que tal norma (ou resolução) causa, terá incorrido em inconstitucionalidade.
cuja constitucionalidade haja sido questionada tenha
constituído o fundamento normativo da decisão recorrida, Nas palavras concretas dos reclamantes “As normas e
de modo a que a decisão que venha ser proferida, em sede os princípios constitucionais violados: 1. As normas e os
constitucional, possa repercutir-se, utilmente, na decisão princípios constitucionais violados são os da Constituição
impugnada, sob pena do Tribunal Constitucional fazer da República de Cabo Verde, abreviadamente CRCV, que
um mero exercício académico, atendendo a natureza estabelecem e garantem os Direitos Fundamentais dos
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1817
Apelantes, nomeadamente os explicitamente invocados nos reclamantes na sua peça inicial de requerimento de
artigos nº 22 do requerimento inicial e que, data vénia, a providência cautelar tratava-se de uma questão material
seguir se transcrevem: “A desafetação constitui reserva de cujo tratamento só poderia ter sido operado em escrutínio
lei, pelo que ao destinar a referida praça ao uso privado incidente sobre questões de fundo.
o Município da Praia violou a Constituição da República
(artº. 91º nº. 9 da CR)” 2. Nesta parte e questão, o acórdão E, como se sabe, as questões de fundo, só serão apreciadas
referido decidiu com omissão dos factos dos documentos quando os tribunais tiverem considerado que as condições
constantes do processo comprovativos de que o ora Apelado, processuais de admissibilidade dos pedidos se encontram
Município da Praia violou o disposto no art.º 91º da CR preenchidas e ultrapassadas as eventuais questões prévias
referido e o Acórdão incorreu nas inconstitucionalidades prejudiciais, não podendo em princípio tecer argumentos
suscitadas, de violação do regime constitucional aplicável ou comentários sobre as questões de mérito.
à gestão dos bens do domínio público”.
Ora, foi isto que a egrégia corte reclamada fez. Fê-lo
Os reclamantes na sua peça de reclamação dirigida ressalvando precisamente esta questão, na medida em
a esta Corte em virtude do indeferimento do recurso de que dedicou boa parte da sua fundamentação à análise
fiscalização concreta, reiteram a inconstitucionalidade da questão da competência do tribunal da primeira
suscitada e acrescentam outras tantas, umas associadas instância para conhecer o caso e, quando entendeu que este
ao artigo 91 da Constituição e outras relacionadas com a pressuposto não estava preenchido e a questão prejudicial
natureza da providência cautelar intentada na primeira não foi ultrapassada, concluiu que não mais poderia tecer
instância e com a própria Lei do Contencioso Administrativo, quaisquer considerações sobre o fundo da questão, por
aplicada em certa medida pela entidade reclamada. conseguinte também sobre as inconstitucionalidades
suscitadas.
1.5. No que diz respeito à condição concreta que legitimou
o indeferimento deste recurso, o número 1 do artigo 82 da Nas suas palavras, por meio do Acórdão 67/2019, de
Lei do Tribunal Constitucional assevera que “O recurso 13 de junho, “Em virtude do que dispõe a lei, tal acção
para o Tribunal Constitucional interpõe-se por meio de pode compreender duas modalidades distintas: a acção
requerimento, no qual se indique a disposição legal ao popular civil que pode revestir qualquer das formas
abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja previstas no Código de Processo Civil; e a acção popular
inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o administrativa, que comporta a acção para defesa dos
Tribunal aprecie”. interesses supramencionados, bem como o recurso
contencioso, com fundamento em ilegalidade contra
Além dos reclamantes não terem invocado a norma quaisquer actos administrativos lesivos dos mesmos
ao abrigo da qual interpuseram o recurso de fiscalização interesses. Conforme referido já, a competência do
concreta, facto que também não passou despercebido tribunal afere-se pela pretensão do autor/requerente,
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ao órgão judicial reclamado, que, entretanto, o superou compreendidos os respectivos fundamentos. Por outras
considerando que se enquadraria na situação descrita pela palavras, a determinação da competência do tribunal
alínea b) do número 1 do artigo 77, não se preocuparam para o conhecimento da pretensão deduzida pelo autor/
em identificar qual seria a norma inconstitucional que o requerente afere-se pelo quid disputatum, o mesmo que
tribunal reclamado terá aplicado, apenas se limitando a dizer, pelo modo como esta pretensão se apresenta
indicar, ao que parece nos termos do número 2, a disposição estruturada, tanto quanto o pedido em si mesmo, como
constitucional que consideram ter sido violada, bem como a aos respectivos fundamentos, sendo irrelevante, para esse
peça em que suscitaram a questão da inconstitucionalidade. efeito, o eventual juízo de prognose sobre a viabilidade ou
o mérito da mesma. In casu, da análise do pedido e
Contudo, essas irregularidades não seriam insuscetíveis da causa de pedir acima expostos resulta claramente que
de sanação. Na verdade, sempre se poderia convidar os os requerentes demandando, exclusivamente, o requerido
reclamantes para aperfeiçoarem a peça, ou, alternativamente, Município da Praia, a quem imputam a prática de um
a promover interpretação como o órgão a quo fez relativamente acto ilegal, de desafectação do bem público em favor de
ao primeiro requisito previsto no número 1 do artigo 82, um privado (que não identificam) e corporizado na execução
considerando que, dadas as circunstâncias concretas do da obra em curso, assaca, à actuação do Município o vício
caso, o requerimento só poderia ter sido interposto nos da ilegalidade, pelo que pretendem, em ultima análise,
termos da alínea b) do número 1 do artigo 77; e no caso se invalide o acto em causa. Ou seja, na forma como
da eventual norma aplicada concluir, analisando as peças configuraram a relação jurídica que serve de fundamento
processuais dos reclamantes, que estaria relacionada ao ao procedimento cautelar, a que acresce o facto da entidade
facto de que a desafetação de bens de domínio público demandada ser uma entidade pública, a mesma afirma-
do Estado se sujeitar à reserva legal e de o tribunal se como de natureza administrativa, quando é certo que
reclamado ter aplicado possivelmente norma em sentido os requerentes alegam que a obra em curso, municipal,
contrário. Isso não fosse a questão decidida no próximo está a ser realizada com violação do que dispõe a Constituição
quesito, relacionada ao facto de o órgão a quo afirmar e a Lei dos Solos, acrescentando que o referido empreendimento,
não ter em momento algum aplicado qualquer norma quando concluído, acarretará custos sociais e ambientais
relacionada ao artigo 91. para os moradores do bairro e para os munícipes praienses
em geral. A tal se acresce que, dos elementos que foram
1.6. Por conseguinte, a questão relevante para decidir coligidos para os autos, mormente por parte do requerido
o presente desafio de admissibilidade de recurso de Município, se conclui que, na base da obra cuja suspensão
fiscalização concreta da constitucionalidade terá que ver se requer, está um acto administrativo praticado por um
com a possível aplicação de norma, independentemente da órgão da autarquia local Praiense. Tal significa dizer
sua configuração, violadora do artigo 91 da Lex Suprema que, independentemente de quem esteja a executar aquela
em situação em que o tribunal reclamado se limitou a obra, se o Município, como resulta do alegado pelos
escrutinar questão relacionada com a competência do requerentes, ou um privado, em execução do contrato
tribunal de primeira instância, tendo considerado que este celebrado com o requerido e a quem, segundo os termos
pressuposto que se consubstancia numa exceção dilatória de contacto junto, caberá, de futuro, explorar o empreendimento,
não se encontrava preenchido, pelo que se escusou de a coberto da concessão administrativa – facto que, aliás,
fazer qualquer juízo sobre o mérito da questão. não referem os requerentes que, por conseguinte, não
demandaram o privado – o certo é que tal facto, de per si,
É que, efetivamente, a questão da constitucionalidade não desvirtua a natureza pública da relação jurídica
relacionada com artigo 91 da Constituição invocada pelos material subjacente que, assim recortada, não pode deixar
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1818 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
de ser analisada a luz de que dispõe a nossa lei, nomeadamente manifesto que o que pretendem atacar os requerentes é
a que trata de uso e disposição dos solos, mormente acto do Município, não a relação jurídica deste com o
daqueles pertencentes ao domínio público ou privado das privado, que, aliás, sequer invocam. Aqui chegados é de
autarquias locais. Aliás, do que resulta dos elementos se chamar à colação o disposto no art. 150.º do Estatuto
carreados para os autos, o requerido Município, ao celebrar dos Municípios, nos termos do qual são anuláveis pelos
o acordo com privado, nos termos do qual dispôs do referido Tribunais as deliberações e decisões dos órgãos municipais
bem público nos termos que ora se conhecem, fê-lo, não feridas, nomeadamente, de violação da lei, regulamento
como um simples privado, mas enquanto órgão imbuído e ou do contrato administrativo. Aí se acrescentando que
de poder de autoridade municipal e, por conseguinte, com tais decisões a que se imputa o vício de anulabilidade só
prerrogativas sobre os bens que lhe estão afectos (pese podem ser impugnadas em sede de recurso contencioso,
embora em se tratando de bens públicos, resultar cristalino e adentro do prazo legal (nº 2). Já no que concerne ao
que o Município não pode deles dispor, livremente), razão processamento de tal regime invalidante dispõe o art 7.º
porque a resolução do presente dissidindo não poderá ser da Lei do Contencioso Administrativo que a competência
cabalmente conseguida que não com o recurso às normas em matéria de contencioso administrativo distribui-se
de direito público, isso independentemente da concreta pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelos Tribunais
legalidade da actuação do órgão autárquico naquele Regionais, subentenda-se, actualmente, os Tribunais da
contrato. Na verdade, não parecem suscitar duvidas que Comarca, segundo o território, o valor, a matéria e a
a obra, ora suspensa, decorrente de uma alegada parceria hierarquia. Sucede que, conforme decorre do vazado no
público-privado, estava sendo executada por força daquele art. 10.º, alínea g) da citada lei consta que, em matéria
contrato de constituição de direito de superfície e de de contencioso administrativo, compete ao Supremo
concessão celebrado entre o Município e o privado, pelo Tribunal de Justiça, nomeadamente, conhecer dos recursos
que ao abrigo de um contrato administrativo, nos termos contenciosos dos actos administrativos dos órgãos das
em que o mesmo é configurado no art. 3.º do Decreto autarquias locais, bem como suspender a executoriedade
Legislativo n.º 17/97, de 10 de Novembro. Sucede que, dos actos administrativos recorridos. Por seu turno, o art.
nos termos do disposto no art. 7.º do mesmo diploma, a 12.º desse mesmo diploma atribui competência aos tribunais
validade dos contratos administrativos está dependente da jurisdição administrativa e fiscal, nomeadamente,
da validade dos actos administrativos de que haja para conhecer dos recursos contenciosos dos actos
dependido a sua celebração, pelo que serão inválidos administrativos dos órgãos das pessoas colectivas de
quando forem nulos ou anuláveis […] o acto administrativo utilidade pública administrativa, não exceptuados por
subjacente. Nesse pressuposto, para a situação ora em lei, bem como a apreciação de litígios acerca de interpretação,
apreço, instrumental em relação à acção principal, para validade e execução dos contratos administrativos, das
efeito de determinar-se qual o tribunal materialmente acções sobre responsabilidade civil do Estado e demais
competente, o critério decisório não é aqui, tanto o de saber pessoas colectivas de direito público e dos titulares dos
quem praticou o acto, ou a omissão, mas qual a natureza seus órgãos e agentes por prejuízos decorrentes de actos
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do acto e o fim tido em vista, bem como a natureza, civil de gestão pública, bem como para suspender a executoriedade
ou administrativa, da relação jurídica pleiteada. Importa, dos actos administrativos recorridos. In casu, intentou-se
como se disse já, mais do que aferir se o acto em causa um procedimento cautelar civil, de embargo judicial de
deva ser considerado como acto de gestão pública ou como obra nova, requerendo-se a imediata suspensão de obra
acto de gestão privada, qual a natureza da relação jurídica em execução num espaço público-municipal, levada a
em litígio. Assim, se se considerar estar-se perante uma cabo na sequência da celebração, entre o poder autárquico
relação jurídica administrativa, serão materialmente e um privado, de um contrato de constituição de direito
competentes para conhecer da ação/recurso, e do respectivo de superfície e de concessão, pelo que regido por disposições
procedimento cautelar, os tribunais com jurisdição em específicas do direito público. Referem os requerentes, e
matéria administrativa, subentenda-se, o Supremo bem, em nosso modo de ver, que, em se tratando de um
Tribunal de Justiça e os Tribunais/Juízos com competência bem pertencente ao domínio público, seja estatal ou
administrativa (cfr. art. 216º. nº 1 da CRCV e arts. 10.º municipal, o mesmo não se apresenta na absoluta
e 12.º da Lei do Contencioso Administrativo). Já se se disponibilidade do referido ente público, pelo que não
entender estar em causa uma relação jurídica privada, pode ser transacionado ou onerado nos termos comuns,
materialmente competente será o Juízo Cível do Tribunal invocando, para tanto, que a constituição do direito de
Judicial de primeira instância, in casu, o Juízo Cível do superfície por entidades públicas está sujeita ao regime
Tribunal Judicial da Comarca da Praia (art. 218º. nº 1 jurídico de direito público instituído pela nossa Lei dos
da CRP, art. 59º da LOCFTJ e arts. 79.º e 81.º do CPC). Solos, encontrando-se os aspectos gerais da sua regulação
E esta competência funcional abarca o julgamento de consagrados no art. 38.º desse diploma. Repare-se, aliás,
acções e dos recursos contenciosos destinados a dirimir que os auto-intitulados moradores intentaram a providência,
os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas, exclusivamente, contra o Município da Praia, a quem
entendendo-se por acções a apresentação de uma pretensão atribuem a autoria da obra em curso e […]a consequente
dirigida a um tribunal administrativo, no sentido de este desafectação do bem público que, segundo alegam, foi
conhecer e decidir sobre a existência e conteúdo de uma feita com violação da lei (reserva de lei) e em concreto
relação jurídico-administrativa (responsabilidade civil prejuízo dos referidos munícipes. Destarte se conclui que
da Administração, contratos administrativos,…) enquanto a relação jurídica litigada, tal como os requerentes a
o recurso contencioso consiste na impugnação, com apresentam e formulam a pretensão, concentrando-se na
fundamento em ilegalidade, de actos administrativos invocada ilegalidade da actuação do requerido Município,
lesivos de direitos e interesses dos particulares. E nos cujo acto, tido como de desafectação do bem público em
termos do art. 5º da LCA, os recursos contenciosos são [d] favor de um privado, se tem por lesivo do interesse público,
e mera legalidade e têm por objecto a anulação ou a só pode entender-se como de direito administrativo, e não
declaração de nulidade ou de inexistência jurídica dos de direito privado. Parece, assim, cristalino que, na óptica
actos definitivos e executórios arguidos, nomeadamente, dos requerentes, a questão charneira se prende com a
de vício de forma ou violação de lei ou regulamento. Ora, invocada ilegalidade da actuação do requerido Município,
reportando-nos aos termos do requerimento inicial cujo acto, de desafectação do bem público, levado a cabo
apresentado, resulta cristalino que toda a argumentação fora das condicionantes impostas pela Constituição e,
dos requerentes se erige sobre a alegada ilegalidade do nomeadamente, pela Lei dos Solos, se tem por lesivas do
acto do órgão municipal, inexistindo uma qualquer interesse público pelo que é seguro que a relação jurídica
referência concreta à validade do acordo celebrado entre em causa, bem como as normas que a disciplinam, inserem-
o Município e o privado, este que, sequer é referenciado se, indubitavelmente, no âmbito administrativo. Aliás,
e, muito menos, demandado na providência. Parece, pois, se bem se se reparar, a própria decisão recorrida, se ancora,
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grandemente, em fundamentos de natureza administrativa violou a Constituição da República (artº. 91º nº. 9 da
para deferir a providência cautelar inominada, nomeadamente CR)” 2. Nesta parte e questão, o acórdão referido decidiu
ao consignar que os Requerentes actuam na qualidade com omissão dos factos dos documentos constantes do
de defensores do interesse público e da legalidade processo comprovativos de que o ora Apelado, Município
administrativa, com legitimidade para intentarem a acção da Praia violou o disposto no art.º 91º da CR e o referido
e recorrerem contenciosamente de um acto administrativo Acórdão incorreu nas inconstitucionalidades suscitadas,
ou de qualquer ato das autarquias locais ou de outras de violação do regime constitucional aplicável à gestão
entidades, de estar-se perante [ato] praticado pelo Município, dos bens do domínio público”.
sem prévia auscultação dos munícipes e tratar-se da
desafectação de um bem público, ao arrepio do previsto Foi, pois, esta peça de recurso, a qual delimita o objeto
na lei. Ademais, sempre se dirá que, inobstante não resultar do mesmo, que suscitou a decisão judicial reclamada
claro se, na óptica dos requerentes, o pretenso acto lesivo de inadmissão, com o fundamento de que as normas
consiste na deliberação municipal autorizante ou se no impugnadas não foram aplicadas pelo Tribunal. O mesmo
contrato administrativo (de constituição do direito de não incidiu sobre possível aplicação de outras normas
superfície e de concessão) celebrado, na sequência, com o pela decisão reclamada. Simplesmente, as que foram
privado – que, como se viu já, sequer referem, e que só é efetivamente impugnadas através daquele recurso.
do conhecimento dos autos em virtude da resposta do
requerido –, o certo é que, mesmo na eventualidade da Nesta conformidade, em momento algum se afigura que
lesividade pressuposta ocorrer por força daquele contrato a entidade recorrida aplicou qualquer enunciado deôntico
administrativo celebrado com um privado, di-lo, mui que contendesse com o artigo 91 da Constituição, na
expressamente a lei, no citado art. 7.º, n.ºs 1 e 3 do Dec.- medida em que se limitou a escrutinar questão processual
Leg. n.º 17/97, de 10 de Novembro ( Regime jurídico dos relacionada com a competência do órgão judicial de
contratos administrativos) que tais contratos “1. (…) são primeira instância, tendo considerado que este tribunal
nulos ou anuláveis, nos termos do presente diploma, era absolutamente incompetente, pelo que não poderia
quando forem nulos ou anuláveis os actos administrativos ter conhecido o fundo da questão. O caminho que seguiu,
de que haja dependido a sua celebração; (...)3. Sem prejuízo bem ou mal, não lhe permitiu conhecer as questões de
do disposto no n.º 1, à invalidade dos contratos “administrativos, constitucionalidades suscitadas pelos reclamantes.
aplicam-se os seguintes regimes: a) Quanto aos contratos
administrativos com objecto passível de acto administrativo, E, neste aspeto, a alínea b) do número 1 do artigo 77 da
o regime de invalidade do acto administrativos”, pelo que, Lei do Tribunal Constitucional é bastante elucidativa ao
em última instância, para a resolução do litígio seria estipular que “Cabe recurso para o Tribunal Constitucional,
sempre mister convocar-se o regime contencioso do acto das decisões dos tribunais que: b) Apliquem normas ou
administrativo. E, uma vez que a sindicância do acto resoluções de conteúdo material normativo ou individual e
administrativo em causa, sendo da lavra de um órgão concreto cuja inconstitucionalidade seja suscitada durante o
processo;” Por conseguinte, a norma cuja constitucionalidade
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de reclamação encaminhada a esta Corte tentaram salvar no parágrafo anterior, “Cabe recurso para o Tribunal
o recurso de fiscalização concreta aprofundando a questão Constitucional, das decisões dos tribunais que: (…)
das eventuais inconstitucionalidades sem conexão com apliquem normas ou resoluções de conteúdo normativo
o mérito da causa e invocando outras que poderiam se individual e concreto cuja constitucionalidade haja
relacionar com a natureza da figura da providência cautelar sido suscitada durante o processo”. 4.2.1. O enunciado
e com a Lei de Contencioso Administrativo, diploma legal normativo contido neste preceito é característico do
que conteria normas que classificam de inconstitucionais. sistema de controlo de constitucionalidade adotado pelo
legislador constitucional cabo-verdiano, na medida
Precisamente porque se relativamente ao primeiro em que ele permite, além de impedir que o Tribunal
tipo de normas inconstitucionais referenciadas na peça Constitucional fique sobrelotado com processos e casos que
de reclamação que dizem respeito, como os próprios perfeitamente poderiam ser solucionados pelos tribunais
reclamantes entendem, ao fundo da questão, relacionadas judiciais, que estes tribunais possam, de acordo com a
ao direito a um “ambiente equilibrado e sadio”, à prerrogativa e dever que têm nos termos constitucionais
“qualidade e equilíbrio ambientais nos empreendimentos de não aplicarem normas contrárias à Lei Fundamental,
económicos”, à “igualdade de condições de estabelecimento afastar a aplicação de toda e qualquer norma que for
e de atividade entre os agentes e a sã concorrência” e à inconstitucional. Daí a ratio desta norma que obriga que
“inalienabilidade inerente ao domínio público”, o Tribunal a parte que requer a inconstitucionalidade com base na
não pode conhecê-las, na medida em que em momento alínea b) do número 1 do artigo 281 da Constituição e na
algum foram aplicadas pelo órgão reclamado, que não alínea b), do número 1 do artigo 77 da Lei do Tribunal
analisou o mérito da causa, tendo-se limitado a conhecer Constitucional tenha suscitado a inconstitucionalidade
questão relacionada à competência absoluta do tribunal da norma durante o processo, para que, naturalmente, se
de primeira instância, em relação à segunda espécie, até dê aos tribunais judiciais a oportunidade de escrutinarem
que eventualmente determinadas normas relacionadas tais normas e eventualmente proceder à sua declaração
especialmente com a Lei do Contencioso Administrativo de inconstitucionalidade. Por outro lado, assim fazendo,
tenham sido aplicadas pela entidade reclamada e como evita-se que o Tribunal Constitucional, na qualidade de
tal poderiam ser fiscalizadas pela Corte Constitucional. instância de jurisdição especial, fique sobrecarregado
com diversos casos que poderiam ser resolvidos pela
Entretanto, para que assim fosse, teriam de preencher jurisdição comum. 4.2.2. Mais do que isso, um terceiro
o pressuposto previsto no número 2 do artigo 76 da Lei objetivo está intimamente relacionado a esta norma, o
do Tribunal Constitucional, no sentido de os reclamantes de, considerando o contexto de utilização do recurso de
terem suscitado as questões de inconstitucionalidade fiscalização concreta, evitar que ele seja transformado
de modo processualmente adequado perante o tribunal num mero expediente dilatório que as partes lançam mão,
reclamado, na primeira oportunidade que tivessem, em já no prolongamento, somente para evitarem a produção
termos de este estar obrigado a delas conhecer. de efeitos de uma decisão judicial tirada pelos órgãos
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ir para casa e telefonar ao Juiz e diz: senhor Dr. Juiz, 2. Essa conclusão e decisão do Tribunal poria termo
entendo que a norma que o senhor está aqui a aplicar é a esta fundamentação, não fosse o facto de os senhores
inconstitucional. Isto não seria o modo processualmente reclamantes na sua douta peça – ainda que, nas suas
adequado para suscitar a questão da inconstitucionalidade, palavras, pelo dever profissional de cautela – formularem
não é verdade? E não é ir escrever um artigo num jornal a pedido subsidiário de que a presente petição seja admitida
dizer sim senhor, o juiz está a aplicar inconstitucionalmente como petição de amparo.
a norma. Portanto, veja-se que estamos a tratar do processo
de fiscalização concreta e é neste caso que a questão se põe, 2.1. Tal possibilidade, naturalmente, dependerá de ser ou
deste modo” (Atas da Reunião Plenária de 19 de janeiro não possível à luz da lei e da jurisprudência deste Tribunal
de 2005, Praia, AN, 2005, pp. 178-179)” (para. 4.2.3). converter um recurso de fiscalização concreta num recurso
de amparo, tese aparentemente pressuposta pelos ilustres
Situação distinta ocorreria nas situações em que na requerentes, até porque em segmento do seu arrazoado
própria decisão de indeferimento do recurso de fiscalização entendem que o próprio tribunal reclamado deveria ter,
concreta, o tribunal reclamado tivesse aplicado uma norma perante dúvida, admitido o recurso de fiscalização concreta
eventualmente inconstitucional. Neste caso os reclamantes impassível de admissão como um amparo.
poderiam até colocar a questão da constitucionalidade
diretamente ao Tribunal Constitucional, na medida em Tais dúvidas são perfeitamente naturais se se considerar
que não tiveram oportunidade processual prévia para o as particularidades de um sistema constitucional e de
fazerem perante o tribunal a quo. proteção de direitos que integra tanto um recurso de
fiscalização concreta de constitucionalidade baseado não
O Tribunal já tinha previsto esta possibilidade na decisão em reenvio prejudicial pelo próprio órgão judicial, mas
que tirou no caso INPS v. STJ (Acórdão nº 15/2017, de 26 na concessão de legitimidade ativa à própria parte de
de junho sobre a constitucionalidade do nº 2) do Art. 3º e processo que corre os seus trâmites perante os tribunais,
o Art. 2º do DL 194/91, na interpretação que lhe foi dada como uma queixa constitucional, no caso concreto, o
pelo Presidente do STJ, no sentido de que fixa um prazo de recurso de amparo.
recurso de cinco dias, independentemente de se tratar de
um litígio decorrente de relação de trabalho estabelecida O Tribunal Constitucional que sempre se confrontou
ou de litígio tendente à constituição de uma relação de com a questão já havia inclusive assumido que ambos
trabalho, Rel: JC Pina Delgado, publicado no Boletim são recursos especiais de natureza constitucional que
Oficial, I Série, nº 35, 6 de junho de 2018, pp. 844-856 e permitem que um titular de um direito possa, dentro de
na Coletânea de Decisões do Tribunal Constitucional de condições específicas previstas pela lei, reagir e obter a
Cabo Verde, Vol. IV, INCV, 2018 (2017), pp. 137-176/para. tutela devida junto a esta Corte.
2.1.6.), ao considerar que “Naturalmente, caso a norma
venha a ser aplicada originariamente por uma decisão Fê-lo recentemente quando, partindo do recurso de
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da qual não cabe recurso ou reclamação ao órgão judicial amparo, assentou que “Além de ser obviamente um
a quo, como seria o caso de uma reclamação em razão recurso, é um recurso que não tem nada de extraordinário;
do indeferimento de recurso de fiscalização concreta da é simplesmente um recurso constitucional, como o é o de
constitucionalidade, não havendo qualquer oportunidade fiscalização concreta da constitucionalidade, bastas vezes
de se a colocar perante o juízo a quo, determinado a classificado com um recurso pela Constituição (Artigo 281:
lei que a reação se coloque diretamente ao tribunal “Cabe recurso para o Tribunal, das decisões (…)”; artigo
constitucional, nos termos dos números 5 do artigo 83 e 282: “Podem recorrer para o Tribunal Constitucional (…)”) e
número 1 do artigo 84 da Lei do Tribunal Constitucional pela Lei do Tribunal Constitucional, definindo-se, de modo
(“Do despacho que indefira o requerimento de interposição natural, o mesmo efeito sobre o trânsito em julgado que,
do recurso ou retenha a sua subida cabe reclamação para com base em interpretação que se fosse acolhida violaria
o Tribunal Constitucional”; “O julgamento da reclamação a Lei Fundamental, se negaria ao recurso de amparo.
de despacho que indefira o requerimento de recurso ou (…) O facto é que, apesar das suas diferenças, são ambos
retenha a sua subida cabe ao Tribunal Constitucional”), meios especiais de proteção de direitos individuais e do
não se pode colocar tal exigência sob pena de se esvaziar sistema constitucional e de proteção de direitos previstos
a tutela por esta via”. diretamente pela Constituição, colocados imediatamente a
seguir a uma decisão judicial que se pretende impugnar ou
Entretanto, na situação sub judice, os reclamantes porque desconsiderou ou porque avaliou incorretamente no
tiveram a oportunidade de colocar as eventuais questões seu processo hermenêutico o efeito expansivo das normas
de inconstitucionalidade perante o órgão reclamado. de direitos, liberdades e garantias, portanto um vício de
Porque a existir possíveis normas inconstitucionais, como conduta, ou porque aplicou norma inconstitucional” (Ayo
os reclamantes afirmam, relacionadas com a natureza Abel Obire v. STJ, Acórdão nº 27/2019, de 9 de agosto,
da providência cautelar ou com a Lei do Contencioso sobre violação da liberdade sobre o corpo e de garantia
Administrativo, essas normas se foram aplicadas de não se ser mantido em prisão preventiva por mais
no processo, só o puderam ser pelo Acórdão 67/2019 de trinta e seis meses, Rel: JC Pina Delgado, publicado
do tribunal a quo, portanto os reclamantes tiveram no Boletim Oficial, n. 100, 26 de setembro de 2019, pp.
oportunidade de suscitar essas questões em momento 1596-1608, para. 3.2.3).
anterior, designadamente na peça de interposição da
fiscalização concreta da constitucionalidade. Mas, também concretizando uma orientação que tem
seguido há muito tempo, de que servindo em última
Não o fizeram, preferindo centrar-se na suscitação genérica instância o mesmo propósito substantivo, o seu foco é
de eventuais violações ao artigo 91 da Constituição e de diferente, pois, na sua base, enquanto um permite um
condutas omissivas atribuíveis ao tribunal recorrido. Assim, escrutínio normativo assente no controlo de aplicação de
não sendo a reclamação por indeferimento de recurso de normas, o outro mira condutas de poderes públicos, daí
fiscalização concreta a primeira oportunidade que tiveram serem configurados processualmente de modo diferente.
para suscitar inconstitucionalidades de normas aplicadas
por tribunais, a menos que o tenham sido pelo próprio Foi assim com o Acórdão nº 11/2017, de 22 de junho,
acórdão de inadmissão – o que não é o caso – não se vê Maria de Lurdes v. STJ, sobre violação do direito de
como considerar procedente a presente reclamação dos constituir família por não reconhecimento de união de
peticionários e admitir o recurso de fiscalização concreta facto, Rel: JC Pina Delgado, publicado no Boletim Oficial,
da constitucionalidade que interpuseram. I Série, n. 42, 21 de julho, pp. 933-950 e na Coletânea de
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Decisões do Tribunal Constitucional de Cabo Verde, Vol. ao legislador quando o(s) único(s) sentido(s) possível(is)
III, Praia, INCV, 2018 (2017), pp. 423-477, que asseverou é (são) inconstitucional(is). 2.3.6. Assim sendo, é do
que “2.3.4. Naturalmente, ainda a título enquadrador, entendimento do Tribunal Constitucional que, nos casos
não se poderia deixar de colocar que, neste particular, em que a base da questão que lhe é colocada tem a ver com
sempre haveria a hipótese abstrata de a lesão decorrer um ato típico de aplicação do direito ao caso concreto que
de ato ou omissão do próprio legislador ao configurar o pressupõe interpretação de normas pelo poder judicial,
regime infraconstitucional de regulação da união de facto caso o seu desfecho tenha sido a aplicação de uma norma
em moldes geradores de afetação ilegítima da liberdade de inconstitucional ou que ele, de modo permitido pelos
constituição de família. Todavia, seria questão a envolver preceitos aplicáveis, atribuiu sentido inconstitucional,
a própria constitucionalidade de norma(s) da legislação deve ser combatido por meio de uma ação de fiscalização
ordinária que disciplina o reconhecimento da união de facto, concreta da constitucionalidade, até porque, no sistema
cujo questionamento implica a utilização de mecanismos cabo-verdiano, a filosofia preponderantemente adotada,
próprios conhecidos, que a recorrente não usou. A Lei levaria ao seu expurgo, com força obrigatória geral,
do Amparo, até por existir esse remédio paralelo, exclui do ordenamento jurídico, beneficiando, em tese, toda a
da apreciação deste Tribunal atos ou omissões do poder comunidade jurídica, em particular os que tenham sido
legislativo nos termos do seu número 2 do artigo 2º que prejudicados pela sua aplicação. Outrossim, nos casos em
determina que “os atos jurídicos objeto do recurso de amparo que a lesão decorre de ato judicial empreendido à margem
não podem ser de natureza legislativa ou normativa”. Por de qualquer base legal, distante de qualquer interpretação
conseguinte, o âmbito deste recurso limita-se a avaliar a possível dos normativos aplicáveis, quando ele se omite
possível desconsideração de preceitos fundamentais de de levar em consideração determinantes constitucionais
proteção de direitos amparáveis no quadro das operações obrigatórias no processo de interpretação ou nos casos em
hermenêuticas empreendidas pelos ilustres julgadores que pondera, de forma equivocada, princípios constitucionais
ou uma incorreta ponderação entre direitos e interesses conflituantes invocados por titulares diferentes, favorecer-
legítimos de titularidade diversa. 2.3.5. O nosso sistema se-ia a utilização do recurso de amparo” (para. 2.3.4).
integra, em simultâneo, figuras que se prestam, pelas suas
caraterísticas inerentes, a grande sobreposição, que são Recorrendo a essa dicta no Acórdão 15/2017, de 26 de
o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade julho, INPS v. STJ, sobre a constitucionalidade do nº 2)
e o recurso de amparo. Tal situação é reforçada pela do Art. 3º e o Art. 2º do DL 194/91, na interpretação que
prática de se aceitar questionamentos relacionados a lhe foi dada pelo Presidente do STJ, no sentido de que fixa
possíveis sentidos inconstitucionais da norma e não do um prazo de recurso de cinco dias, independentemente de
preceito em si considerado no primeiro processo, que foi se tratar de um litígio decorrente de relação de trabalho
importada de um ordenamento jurídico que não possui estabelecida ou de litígio tendente à constituição de uma
amparo, e provavelmente por ser alternativa em relação relação de trabalho, Rel: JC Pina Delgado, publicado
à tradicional não admissão de um grande número deste no Boletim Oficial, I Série, nº 35, 6 de junho de 2018,
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tipo de recurso em Cabo Verde. Isto num cenário em que pp. 844-856 e na Coletânea de Decisões do Tribunal
o próprio recurso de amparo é influência de sistema que, Constitucional de Cabo Verde, Vol. IV, INCV, 2018 (2017),
por sua vez, não confere legitimidade ativa às partes de pp. 137-176/para. 2.2.1, adicionando que “Não havendo
processos para suscitar incidentes de constitucionalidade atos ou omissões do poder judicial ordinário imunes a
ao Tribunal Constitucional. Por conseguinte, exige-se sindicância caso incidam sobre questões constitucionais,
alguma racionalização nessa matéria, até para que o o facto é que no nosso sistema há uma notória divisão
Tribunal Constitucional, por um lado, se mantenha processual entre uma norma efetivamente utilizada por
dentro do espírito da Lei do Amparo, e, do outro, faça-o órgão judicial que pode ser avaliada na sequência de um
sem fragilizar o sistema de tutela individual de direitos recurso de fiscalização concreta e um ato jurisdicional típico
resultante do artigo 20 da Lei Fundamental desta de aplicação de norma sobre a qual não pendem dúvidas
República. Tal necessidade em tese poderia ser menos de inconstitucionalidade da parte do julgador, mas em
visível se a contraposição entre controlo de normas/ que não se leva em consideração elementos constitucionais
controlo de decisões não fosse passível de relativização. que podem levar a possível lesão de direito, liberdade ou
O recurso de amparo pode incidir sobre atos do poder garantia ou mesmo a solução de casos pelo juiz à margem
judicial, nomeadamente naquilo que corresponde à sua do direito vigente, que podem ser protegidos por meio de
essência de aplicação do direito a uma situação concreta, concessão de amparo pelo Tribunal Constitucional na
o que inevitavelmente cria uma relação entre a norma e sequência de pedido a ele dirigido. Ainda que se admita
o ato do poder judicial de aplicá-la ao mundo da vida, ser difícil estabelecer de forma rígida as fronteiras entre
conforme os contornos de uma dada circunstância. uma situação e a outra, o facto é que, como já se sustentou
Naturalmente, para fazê-lo é necessário atribuir sentido(s) em outra ocasião, enquanto um dos juízos centra-se na
às normas por via de operações hermenêuticas. Portanto, norma aplicada, o que pressupõe que ela seja apresentada
algum tipo de incidência sobre a norma sempre vai haver e trazida aos autos pelo recorrente, ou outro sindica
quando estão em causa atos do poder judicial, todavia simplesmente a conduta judicial (Maria de Lurdes v. STJ,
com a qualificação de se relacionarem a situações não Pedido de desistência, decidido pelo Acórdão nº 6/2017, de
abstratas, mas de aplicação de normas ao caso concreto. 21 de abril, Rel: JC Pina Delgado, publicado no Boletim
Claro que isso não permite estabelecer qualquer padrão Oficial, I Série, n. 27, 16 de maio de 2017, pp. 659-668)”.
diferenciador entre as duas figuras. Contudo, o seguinte
pode, considerando que um pronunciamento do Tribunal Reiterando a mesma orientação no Acórdão nº 22/2018,
num recurso de amparo não terá como destinatário o de 11 de outubro, Martiniano Oliveira v. STJ, sobre a
legislador de modo algum, mas esgota-se na apreciação de violação do direito de acesso aos tribunais por decisão de
ato do poder judicial, que, perante uma norma, aplica-a deserção de recurso, Rel: JC José Pina Delgado, publicado no
de forma contrária à Constituição, à margem de qualquer Boletim Oficial, I Série, nº 76, 22 de dezembro de 2018, pp.
vontade do legislador, ou sem considerar as suas diretrizes 1824-1835/para. 5. e 6, dizendo que “5. Por todo o exposto,
para tirar um sentido por ela imposto. Num outro ângulo, o Tribunal reitera que o presente recurso de amparo não
tratando-se de processos de fiscalização concreta, não se deve proceder e, consequentemente, não pode conceder o
incide, quando há outros sentidos possíveis, somente sobre amparo solicitado porque não se registou qualquer violação
ato do julgador, que opera uma interpretação que revela um de direito, liberdade ou garantia fundamental – máxime,
sentido inconstitucional, mas também, e, solidariamente, o de acesso aos tribunais – atribuível ao órgão judicial
ao do legislador, que permitiu, descuidando dos seus recorrido, o Supremo Tribunal de Justiça. Mas não deixa
deveres pré-legislativos de precaução, que tal sentido de alertar que a norma que o tribunal recorrido aplicou
existisse ou nalguns casos, de forma ainda mais intensa, efetivamente para exercer o seu múnus e decidir o caso
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concreto, levanta problemas de inconstitucionalidade decisório. Simplesmente pode escrutinar uma norma
indireta e até eventualmente de inconstitucionalidade que foi aplicada como fundamento de uma determinada
material. 6. A Corte Constitucional em julgado anterior decisão. Os demais atos, ainda que contenham dimensão
já havia separado o recurso de amparo, do recurso de hermenêuticas passíveis de sindicância, somente poderão
fiscalização concreta da constitucionalidade, não lhe ser impugnáveis, presentes os restantes pressupostos e
cabendo em sede do primeiro declarar se um tribunal requisitos de admissibilidade, através do outro recurso
aplicou uma norma inconstitucional, mas simplesmente constitucional reconhecido pela Constituição, o recurso
verificar se incorreu em conduta – necessariamente não de amparo. Portanto, a questão que preocupará o
normativa – de violação a direito protegido pelo regime Tribunal Constitucional no quadro desta averiguação
de direitos, liberdades e garantias”. de presença das condições que lhe permitem conhecer de
um recurso de fiscalização concreta não se reporta a se o
O mesmo com o Acórdão nº 27/2018, de 20 de dezembro, órgão judicial recorrido agiu em desconformidade com o
Judy Ike Hills v. STJ, sobre violação de garantia de efeito vinculante das normas consagradoras de direitos,
inviolabilidade de domicílio, de correspondência e de liberdades e garantias sobre a interpretação que se lança
telecomunicações e de garantia da presunção da inocência ao direito ordinário que aplica, mas se usou normas com
na sua dimensão de in dubio pro reo, Rel: JC Pina Delgado, sentido incompatível à Constituição para fundamentar
publicado no Boletim Oficial, I Série, nº 11, 31 de janeiro uma decisão judicial” (para. 3.2.1).
de 2019, pp. 146-178/para. 5.10, no qual se sublinha que
“5.10. Dito isto, o Tribunal já se pronunciou em vários Perante esse pano de fundo é importante, então
arestos que no escrutínio de amparo que se deve aplicar à registar que a hipótese de uma conversão de um recurso
conduta do órgão recorrido o que se deve fazer é averiguar de fiscalização concreta num recurso de amparo exigiria,
se no caso concreto este levou na sua operação hermenêutica no mínimo, uma previsão legal a conceder tal poder ao
em devida consideração os direitos, liberdades e garantias Tribunal Constitucional, ex officio ou, como se pretende
do recorrente, pelo que o Tribunal na hipótese de responder neste caso, a pedido do próprio recorrente. O artigo
positivamente recusará o amparo, concedendo-o, entretanto, relevante da Lei do Tribunal Constitucional no que diz
em caso negativo (v. Acórdão nº 8/2018, de 25 de abril, respeito aos efeitos de decisão de reclamação limita-se
Arlindo Teixeira v. STJ, Rel: JC José Pina Delgado, a prever que ela “não pode ser impugnada e, se revogar
Boletim Oficial, I Série, nº 88, 28 de dezembro de 2018, o despacho de indeferimento, faz caso julgado quanto à
pp. 11-21/para. 12). No entanto, casos existem em que admissibilidade do recurso”, a Lei do Amparo e do Habeas
a única interpretação possível das normas aplicáveis à Data determina claramente que “1. O recurso é interposto
situação concreta leva a uma situação de desconsideração por meio de simples requerimento, devidamente apresentado
dessas posições jurídicas fundamentais. Nesse tipo de na secretaria do Supremo Tribunal de Justiça. 2. No
caso, não se pode imputar a conduta ao Tribunal judicial, requerimento o recorrente deverá indicar expressamente
na medida em que o mesmo fez a única interpretação que o recurso tem a natureza de amparo constitucional.
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possível e aplicou-a à situação concreta (Acórdão nº 3. A entrada do requerimento na secretaria fixa a data de
11/2017, de 22 de junho, Maria de Lurdes v. STJ, Rel: interposição do recurso”, e, finalmente, estabelecendo o
JC José Pina Delgado, Boletim Oficial, I Série, nº 42, 21 número 1 do artigo 81 do primeiro diploma de processo
de julho de 2017, pp. 933-950/para. 2.3.5, e Acórdão nº constitucional, conforme os cortes normativos relevantes,
22/2018, de 11 de outubro, Martiniano v. STJ, Rel: JC “os prazos para a interposição (…) interrompe os prazos
José Pina Delgado, Boletim Oficial, I Série, nº 76, 22 de para a interposição de outros que porventura caibam
dezembro de 2018, pp. 1824-1835/para. 5. e 6). Assim, se da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de
porventura esse sentido da norma for inconstitucional ou cessada a interrupção”.
a sua constitucionalidade for duvidosa, o mecanismo legal
à disposição do recorrente adequado para fazer valer as O facto de o recurso de amparo ser constitucional e
suas pretensões não seria o recurso de amparo, mas sim especial não impede que se aplique disposições previstas na
um recurso de sindicância de normas, nomeadamente o Lei do Tribunal Constitucional, muito pelo contrário, mas
da fiscalização concreta da constitucionalidade (Acórdão fica claro que os mesmos são interpostos através de peças
nº 11/2017, de 22 de junho, Maria de Lurdes v. STJ, Rel: autónomas e de modo individualizado sem que o Tribunal
JC Pina Delgado, p. 948; Acórdão nº 15/2017, de 22 de Constitucional, mesmo que seja a pedido do recorrente/
junho, INPS v. STJ, Rel: JC Pina Delgado, publicado reclamante e que seja caso em que haja sobreposição entre
no Boletim Oficial, I Série, n. 35, 6 de junho de 2018, uma norma efetivamente aplicada ou pressupostamente
pp. 844-856/p. 850). Todavia, quando relativamente às aplicada como causa de decidir e uma conduta lesiva de
normas potencialmente aplicadas ao caso concreto for direito, liberdade ou garantia, possa converter uma peça
possível mais do que um caminho hermenêutico, como de reclamação num recurso de amparo.
parece ser o nosso caso, o órgão judicial tem que pender
pela interpretação que, em concreto, melhor considere os Tal ónus é do titular do direito alegadamente violado, caso
direitos, liberdades e garantias, sob pena de lesar essas entenda que também estão preenchidos os pressupostos do
posições jurídicas fundamentais com a sua conduta, o que amparo, designadamente que se esteja perante um direito,
levaria, em última instância, à concessão do competente liberdade e garantia violado por ato não normativo de
amparo ao recorrente por este Tribunal”. um poder público, de ser uma conduta ativa ou omissiva;
como se trata de uma com natureza jurisdicional que a
E no recente Acórdão nº 29/2019, de 30 de julho, Arlindo violação tenha sido expressa e formalmente invocada
Teixeira v. STJ, referente à norma prevista pelo número 1 no processo logo que o titular do direito dela tenha tido
do artigo 2 da Lei nº 84/VI/2005, referente ao princípio conhecimento; que tenha esgotado os meios legais de
da realização de audiências públicas nos tribunais e da defesa desses mesmos direitos, esgotando as vias de
garantia de audiência pública em processo criminal, bem recurso ordinárias; que tenha sido requerida reparação
como as garantias a um processo equitativo, ao contraditório ao órgão alegadamente violador; e, por fim, que o faça
e à ampla defesa, Rel: JC Pina Delgado, publicado no dentro do prazo previsto por lei e através de peça que
Boletim Oficial, I Série, nº 11, 31 de janeiro de 2019, pp. integre os elementos previstos pelos artigos 7º e 8º da
146-178, fixando-se que “É, à partida, importante que o Lei do Amparo e do Habeas Data.
Tribunal registe, como tem feito em outras ocasiões, que
no quadro de um recurso de fiscalização concreta não Por conseguinte, a reclamação por não admissão de um
está autorizado a escrutinar toda e qualquer conduta recurso de fiscalização da constitucionalidade não pode
que possa ser atribuída ao poder judicial no quadro ser convertida em pedido de amparo, considerando as
de um ato inserto em decisão judicial ou em ato extra- particularidades de cada um desses recursos constitucionais,
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1824 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
cujo regime jurídico é desenhado precisamente para da República de Cabo Verde (CRCV), interpor recurso de
garantir que o Tribunal receba os elementos necessários a amparo, alegando a violação dos direitos à liberdade sobre
escrutinar dois tipos de inconstitucionalidade diferentes. o corpo e à presunção de inocência, previstos nos artigos
29º, 30º, 31º, nº 4, e 35º, nº 1, todos da CRCV.
Não porque exista proibição total de aplicação do regime
da fiscalização concreta ao recurso de amparo, até porque Para tanto alega, no essencial, que:
nem um regime, nem o outro, prevê a possibilidade de
conversão que se pretende reconhecer, mas porque são, 1.1. Se encontra preso no estabelecimento prisional
na sua essência, recursos diferentes. Um que incide sobre da Praia desde 18 de dezembro de 2018, por ordem do
normas aplicadas e o outro que versa sobre condutas Tribunal Judicial da Comarca da Praia;
de poderes públicos, um que permite usar-se qualquer
parâmetro constitucional independentemente da categoria 1.2. Por despacho de 18 de abril de 2019 foi deduzida
de direitos (a fiscalização concreta) e outra que se limita a acusação contra ele e um outro coarguido, de nome
a um deles, os direitos, liberdades e garantias; um que Ary Ruben Paris da Conceição, por factos suscetíveis de
habilita o tribunal a usar qualquer norma constitucional integrarem um crime de tráfico de estupefacientes de
independentemente da sua natureza ser objetiva ou alto risco, p.p. pelo artigo 3º, nº 1 da Lei nº 78/IV/93, de
subjetiva, de princípio ou de regra (a fiscalização concreta), 12 de julho;
e o outro que se limita a direitos, portanto a posições
jurídicas fundamentais subjetivadas; um que incide sobre 1.3. A acusação foi-lhe pessoalmente notificada no
atos normativos (a fiscalização concreta) e o outro que próprio dia 18 de abril de 2019 e ao seu mandatário no
nos termos da Lei do Amparo, não (o recurso de amparo). dia 23 de abril de 2019;
III. Decisão 1.4. No dia 13 de maio de 2019 requereu a realização
da ACP, mas, volvidos praticamente três meses depois
Pelo exposto, os juízes do Tribunal Constitucional, da data da entrada do referido requerimento, o Tribunal
reunidos em plenário, decidem: Judicial da Comarca da Praia não proferiu qualquer
despacho sobre o seu pedido;
a) Julgar improcedente a reclamação;
1.5. Prescritos oito meses sem ser pronunciado, a 19
b) Indeferir o pedido de conversão da reclamação em de agosto de 2019, requereu Habeas corpus ao Supremo
recurso de amparo. Tribunal de Justiça, pedindo a sua imediata libertação,
o que lhe foi negado, por indeferimento do seu pedido,
Custas pelos reclamantes que se fixa no mínimo legal “por falta de fundamento bastante”;
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Praia, 18 de outubro de 2019 a) que o presente recurso seja admitido, por ser
legalmente admissível, nos termos do art.º 20º
Os Juízes Conselheiros nº1 e 2 da Constituição da República de Cabo
Verde;
José Pina Delgado (Relator)
b) que seja julgado precedente e, consequentemente,
Aristides R. Lima revogado o acórdão de 22/08/19, do Supremo
Tribunal de Justiça, com as legais consequências;
João Pinto Semedo
c) que sejam restabelecidos os direitos, Liberdades e
ESTÁ CONFORME garantias fundamentais violados (liberdade,
contraditório e presunção de inocência);
Secretaria Judicial do Tribunal Constitucional, aos 18
de outubro de 2019. — O Secretário, João Borges d) que seja oficiado o Supremo Tribuna de Justiça
para juntar aos presentes autos a certidão de
todo o processo de providência de habeas corpus
–––––– nº 45/2019.
Cópia: 2. Cumprindo o estabelecido no artigo 12.º da Lei do
Amparo, foram os autos com vista ao Ministério Público
Do acórdão proferido nos autos de Recurso de Amparo para emitir o parecer sobre a admissibilidade do recurso.
Constitucional n.º 23/2019, em que é recorrente Okwuchkwu Sua Excelência o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu
Arizenchi Igwemadu e recorrido o Supremo Tribunal o douto parecer constante de fls. 48 e 49 dos presentes
de Justiça. autos, tendo feito as seguintes considerações e conclusões:
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1825
passado (fls. 45-46), tendo, por conseguinte, dado entrada O caráter subsidiário do recurso de amparo resulta da
no Tribunal Constitucional, ainda antes de decorrido o Constituição e da configuração da Lei n.º 109/IV/94, de
prazo de vinte dias estabelecidos no art.º 5.º/1 da LA. 24 de outubro, ao estabelecerem o esgotamento prévio
das vias de recurso ordinário como um dos pressupostos
Relativamente ao patrocínio, tendo em conta o disposto do recurso de amparo.
no art.º 1.º da LA e 53.º da Lei do tribunal constitucional
– Lei n.º 56/VI/2005 de 28 de Fevereiro -, e tratando-se O recurso de amparo está destinado unicamente à
duma instância inteiramente nova, apesar da designação proteção de direitos fundamentais, pelo que está vedado
de recurso, promovemos que o Tribunal fixe nos termos ao Tribunal Constitucional conhecer de questões de
do art.º 44.º n.º 1 do Código de Processo Civil, um prazo legalidade ordinária conexas, como se depreende do teor
para que seja suprida a falta de procuração. literal do n.º 3 do art.º 2.º da Lei do Amparo.
Não cremos que se possa dizer que “manifestamente” Pois, no recurso de amparo não pode ser feito valer outra
não está em causa a violação de direito, liberdade e pretensão que não seja a de restabelecer ou de preservar
garantia, já que, segundo resulta da petição do recurso, os direitos, liberdades e garantias constitucionais referidos
terá havido a violação do direito à liberdade e bem assim nos artigos anteriores.
como as garantias do habeas corpus e da presunção da
inocência, todos eles, previstos no capítulo da Constituição A natureza excecional do recurso de amparo implica que
dedicado aos direitos, liberdades e garantias – arts. 29.º, a violação do direito ou liberdade fundamental não tenha
30.º, 35.º/1 e 36.º. encontrado reparação através do sistema de garantias
normais, exigindo-se, por isso, que haja recurso prévio
Por último, não nos ocorre que o Tribunal Constitucional aos tribunais ordinários e o esgotamento dos recursos
tenha já rejeitado, por decisão transitada em julgado, adequados.
qualquer outro recurso com objeto igual ou similar aos
dos presentes autos. Por conseguinte, associada à excecionalidade está
a denominada subsidiariedade do recurso de amparo,
Nesta conformidade, suprida a falta da procuração, que espelha com clareza o facto de este não ser uma
nada obstará a que o presente recurso seja admitido e via alternativa, mas uma via sucessiva, de proteção de
siga os seus trâmites normais até decisão final.” direitos fundamentais.
É, pois, chegado o momento de apreciar e decidir da Antes de identificar e analisar os pressupostos e os
admissibilidade do recurso nos termos do artigo 13.º da requisitos do recurso de amparo e aferir se, no caso
Lei n.º 109/IV/94, de 24 de outubro. vertente, se verificam, importa consignar que o seu objeto
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1826 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
número 1 do artigo 5.º da Lei do Amparo, conjugado com Acontece, porém, que o recorrente é titular de nacionalidade
o disposto no n.º 2 e 3 do artigo 137.º do CPC, aplicável estrangeira, o que nos leva a questionar se, ainda assim,
ex vi do artigo 1.º da Lei do Amparo, a petição de recurso não se suscita questão de legitimidade.
foi tempestivamente apresentada.
Esta questão foi especificamente tratada no Acórdão
b) A petição não obedeça aos requisitos estabelecidos nº 27/2018, de 20 de dezembro, publicado na I Série do
nos artigos 7.º e 8.º; BO n.º 11, de 31 de janeiro de 2019, no âmbito qual se
firmou o seguinte entendimento:
i. Nos termos dos números 1 e 2 do artigo 7.º da Lei
do Amparo: “Esta questão já tinha sido largamente ultrapassada
pelo Acórdão n.º 22/2017, de 9 de novembro, que tinha
“1. O recurso é interposto por meio de simples requerimento, admitido o seu primeiro recurso de amparo, tanto na
devidamente fundamentado, apresentado na secretaria perspetiva de alguns dos direitos em causa serem direitos,
do Supremo Tribunal de Justiça. liberdades e garantias suscetíveis de amparo, como na
dimensão de se identificar o recorrente como titular desses
2. No requerimento o recorrente deverá indicar expressamente mesmos direitos, não se constituindo a sua nacionalidade
que o recurso tem a natureza de amparo constitucional.” num problema.
1.1.1. Com efeito, o facto de ser estrangeiro não constitui
No caso em apreço é possível verificar pelo plasmado no geral problema, pois largamente superado nesta fase.
na sua petição inicial que o recorrente apresentou o seu Eventuais dúvidas que existissem já tinham sido superadas
requerimento na secretaria do Tribunal Constitucional pela jurisprudência do próprio Tribunal que tem admitido
e indicou de forma expressa que se trata de “Recurso de vários recursos de amparo interpostos por pessoas de
Amparo”. nacionalidade estrangeira. Partindo do pressuposto de que
o direito de amparo, em situações específicas, depende da
Por isso mesmo, consideram-se preenchidos os requisitos titularidade de um direito, e, na medida em que o princípio
previstos no supracitado artigo 7.º. da universalidade emite uma orientação de extensão
na máxima intensidade compatível com a natureza da
Conforme o artigo 8.º da lei do amparo: cidadania e da pertença a estrangeiros e apátridas que
estejam debaixo da jurisdição do Estado de Cabo Verde,
1. Na petição o recorrente deverá: intuitivamente emergiria sempre o entendimento de
que tal direito havia de ser reconhecido a recorrentes de
a) identificar a entidade ou agente autor da omissão nacionalidade estrangeira.
que terá lesado o seu direito fundamental;
1.1.2. No caso concreto, o Tribunal já havia considerado
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b) Identificar com precisão a omissão que, na sua de forma incremental que os direitos ligados à proteção
opinião, violou o seu direito fundamental; judiciária, normalmente denominados de direitos de
acesso à justiça, são de titularidade de qualquer pessoa,
c) Identificar com clareza o direito que julga ter sido inclusive de estrangeiros e apátridas, e especificamente no
violado, com expressa menção das normas ou Acórdão 20/2018, de 16 de outubro, Rel: JC Pina Delgado,
princípios jurídico-constitucionais que entende publicado no Boletim Oficial, I Série, nº 68, 25 de outubro
terem sido violados; de 2018, pp. 1639-1648, tirado no caso Uchechukwe Vitus
Ezeonwu & Chizioke Duru v. STJ, que, na esfera penal,
d) Expor resumidamente as razões de facto que a garantia de prisão preventiva na sua dimensão de in
fundamentam a petição; dubio pro reo, e, consequentemente, a liberdade em que
se justifica, a liberdade sobre o corpo, de estrangeiros,
e) Formular conclusões, nas quais resumirá, por são amparáveis.”
artigos, os fundamentos de facto e de direito
que justificam a petição; Há, no entanto, um aspeto para o qual Sua Excelência
o Senhor Procurador-Geral Adjunto chamou atenção no
2. A petição terminará com o pedido de amparo seu muito douto parecer.
constitucional no qual se identificará o amparo que o
recorrente entende dever ser-lhe concedido para preservar Trata-se de ausência de procuração forense, o qual
ou restabelecer os direitos ou garantias fundamentais seria exigível tendo em conta o disposto no n.º 1 da Lei
violados. do Amparo e 53. Da Lei n.º 56/VI/005, de 28 de fevereiro,
tendo, por conseguinte, promovido que se fixe ao recorrente
Compulsados os autos, verifica-se que o recorrente atribuiu um prazo nos termos do n.º do artigo 44.º do CPC, para
ao Supremo Tribunal de Justiça a responsabilidade pela que tal deficiência ou omissão fosse suprida.
violação dos direitos fundamentais que indicou. Não é a primeira vez que o Tribunal se confronta com
esta questão em relação à qual fixou o entendimento
Expôs ainda, de forma resumida, as razões de facto constante do Acórdão n.º 18/2019, de 11 de abril, publicado
que fundamentam a formulação das conclusões nas quais na I Série n.º 46 do Boletim Oficial, de 24 de abril de 2019.
apresentou os fundamentos de facto e de direito que
justificam a petição e terminou identificando o amparo “Importar referir que, depois da instalação do Tribunal
constitucional que lhe deve ser concedido para restabelecer Constitucional, é a primeira vez que esta Corte aprecia
os direitos, liberdades e garantias violados. uma petição de recurso manuscrita e não assinada por um
advogado, ou seja, sem patrocínio judiciário. Mas o facto
Nestes termos, considera-se que a fundação da petição de a petição de recurso não se encontrar subscrita por um
respeita o estabelecido no artigo 8º da Lei de Amparo. profissional do foro não constitui qualquer irregularidade
e muito menos razão para a sua inadmissibilidade, atento,
c) O requerente não tiver legitimidade para recorrer designadamente, o disposto no artigo 53.º da Lei n.º 56/
VI/2005, de 28 de fevereiro, segundo o qual: “nos recursos
Adotando o conceito de legitimidade ativa recortado a que se refere a alínea b) do artigo 51.º e em quaisquer
pelo n.º 1 do artigo 25.º do Código de Processo Civil, tem outros processos de parte é obrigatória a constituição de
legitimidade quem tiver interesse direto em demandar. advogado.
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1827
O recurso de amparo não é a espécie processual a que se A partir desse Acórdão, o Tribunal Constitucional tem
refere a alínea b) do artigo 51.º (processo de fiscalização vindo a escrutinar especificadamente o disposto na alínea
concreta da constitucionalidade ou da legalidade), nem c) do artigo 3.º da Lei do Amparo, enquanto pressuposto
tão-pouco é um processo de partes. de admissibilidade associado ao esgotamento das vias
de recurso ordinário, sendo disso exemplo o Acórdão n.º
Facilmente se conclui que a constituição de advogado 13/2017, de 20 de julho, publicado na I Série, n.º 47, do
em recurso de amparo não é obrigatória. Vale dizer Boletim Oficial de 8 de agosto de 2017, no âmbito do qual
que a constituição de advogado em recurso de amparo se firmou o entendimento de que sempre que possível é de
é facultativa, embora seja recomendável. Pois, apesar se exigir que o recorrente demostre ter invocado perante
de o recurso de amparo poder ser requerido em simples a instância recorrida a violação do direito alegadamente
petição, ter caráter urgente e o seu processamento dever violado em termos percetíveis, que tenha requerido a
basear-se no princípio da sumariedade, há pressupostos, sua reparação e que a violação não tenha sido reparada.
nomeadamente a fundamentação prevista no artigo 8.º
da Lei do Amparo, que exigem para o seu preenchimento Compulsados os autos, verifica-se que o recorrente
um certo conhecimento técnico-jurídico de forma que a invocou expressamente e requereu ao Supremo Tribunal
descrição das condutas impugnadas e o enquadramento de Justiça a reparação da violação do direito de à liberdade
jurídico-constitucional se façam em conformidade com sobre o corpo e às garantias que lhe estão associadas, por
as exigências constitucionais e legais.” alegado excesso de prisão preventiva, tendo sido recusada
a reparação da alegada violação através do Acórdão
Compreende-se que Sua Excelência o Senhor Procurador- 45/2019, de 22 de agosto.
Geral Adjunto se tenha referido ao patrocínio judiciário,
exigência legal cuja falta importaria irregularidade do Fica assim demostrado que, no caso em análise, o
mandato, nos casos em que fosse obrigatória a constituição recorrente esgotou todos os meios legais razoavelmente
de advogado. exigíveis de defesa dos direitos, liberdades e garantias
estabelecidos pela respetiva lei do processo, antes de vir
pedir amparo ao Tribunal Constitucional. Pelo que se
Todavia, no caso de recurso de amparo, enquanto considera observado o disposto na alínea c) do n.º 1 do
processo de índole pessoal, em que não se pode prescindir artigo 3.º e, consequentemente, respeitado o pressuposto
da manifestação da vontade de o exercer por parte do seu da alínea d) do artigo 16.º da Lei do Amparo.
titular, tem sido prática nesta Corte dar-se por verificado
o consentimento sempre que a procuração emitida pelo e) Manifestamente não estiver em causa a violação
titular do direito ao recurso de amparo a favor do seu de direitos, liberdades e garantias fundamentais,
representante conste do processo, ainda que seja nos constitucionalmente reconhecidos como suscetíveis de
autos vindos de instâncias comuns. amparo.
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1828 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
unânime desta Corte, espelhada nos seguintes acórdãos 1.2. Foram julgados e condenados pela prática do crime
que admitiram as correspondentes petições: o Acórdão de tráfico internacional de droga;
n.º 9/2019, de 28 de fevereiro, publicado na I Série do
Boletim oficial, n.º 29, de 14 de março de 2019; o Acórdão 1.3. Não se conformando com a douta sentença,
n.º 15/2019, de 21 de março de 2019 e o Acórdão n.º interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de
16/2019, de 26 de março de 2019, publicados I Série Sotavento, que confirmou a condenação através do acórdão
do Boletim Oficial n. n.º46, de 24 de abril de 2019 e o nº 88/2017;
Acórdão n° 24/2019, de 04 de julho, publicado I Série do
Boletim Oficial n.º 100 de 26 de setembro de 2019. 1.4. Desse aresto interpuseram recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça que, por via do Acórdão n.º 39/2018,
f) O Tribunal tiver rejeitado, por decisão transitada em rejeitou as suas alegações;
julgado, um recurso com objeto substancialmente
igual 1.5. Alegam que nunca foram notificados pessoalmente
do Acórdão nº 39/2018, o que, em seu entender, constitui
O Tribunal Constitucional não rejeitou, por decisão uma violação do artigo 142º nº 2 do CPP, e, por conseguinte,
transitada em julgado, um recurso com objeto substancialmente uma nulidade insanável, nos termos do artigo 151º al.
idêntico ao dos presentes autos. h) do CPP;
Pelo exposto, conclui-se que não se verifica nenhum 1.6. Consideram que se encontram em situação análoga
motivo que pudesse justificar a inadmissibilidade deste à dos coarguidos Leny Martins e Fernando Varela, os
recurso. quais, encontrando-se em situação idêntica à sua, tendo
interposto recurso de amparo, este foi admitido pelo
III - Decisão Tribunal Constitucional através do acórdão 28/2019, de
16 de agosto de 2019;
Os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional,
reunidos em Plenário, decidem admitir o presente recurso 1.7. O facto de não terem sido notificados pessoalmente
de amparo restrito à alegada violação do direito à liberdade do Acórdão n.º 39/2018 e a admissão dos recursos de amparo
sobre o corpo e à presunção de inocência. interposto pelos coarguidos Leny Martins e Fernando
Varela fez com que o referido acórdão não transitasse em
Registe, notifique e publique. julgado, pelo que se encontram em prisão preventiva por
mais de 38 meses e, por isso, a única via legal que tinham
Praia, 15 de outubro de 2019 à sua disposição face à prisão que entendem ter-se tornado
ilegal, era a providência de habeas corpus, consagrada no
João Pinto Semedo (Relator) artigo 36º da CRCV e 18º e seguintes, do CPP;
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1. António Zeferino de Oliveira e Rafael Alves a) que seja admitido o seu recurso, por admissível,
Lima, como os demais sinais de identificação nos autos, nos termos do art.º 20º nº 1 e 2 da Constituição
não se conformando com o Acórdão nº 48/2019, de 11 de da República e dos artigos 3º e 8º da Lei do
setembro, através do qual o Egrégio Supremo Tribunal Amparo;
de Justiça indeferiu o seu pedido de habeas corpus nº
51/2019, vem, ao abrigo do artigo 20º, n.º 1, alíneas a) e b) que seja aplicada a medida provisória e em
b), e n.º 2 da Constituição da República de Cabo Verde, consequência lhes seja restituída a liberdade
interpor recurso de amparo contra aquele aresto, e, ao (art.ºs 11º e 14 da Lei do amparo);
mesmo tempo, requerer que seja adotada medida provisória,
nos termos dos artigos 11º e 14º da Lei nº 109/IV/94, de c) que seja julgado procedente e, consequentemente,
24 de outubro (doravante Lei do Amparo), alegando, em revogado o acórdão 48/2019, datado de 11/09/19,
síntese, que: do Supremo Tribunal de Justiça, com as legais
consequências;
1.1. Foram detidos e na sequência do primeiro interrogatório
foi-lhes decretada a prisão preventiva, ao abrigo da qual d) que sejam restabelecidos os direitos, liberdades e
se encontram privados do seu direito à liberdade, desde garantias fundamentais violados (Contraditório,
o dia 14 de abril de 2016; liberdade e presunção de inocência).
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2. Cumprindo o estabelecido no artigo 12.º da Lei do transitou em julgado, formando assim caso julgado
Amparo, foram os autos com vista ao Ministério Público relativamente aos recorrentes, pelo que os recorrentes se
para emitir o parecer sobre a admissibilidade do recurso. encontram em cumprimento de pena e não em regime de
Sua Excelência o Senhor Procurador-Geral da República prisão preventiva.
emitiu o seu competente parecer constante de fls. 35 a
41 dos presentes autos, tendo feito doutas considerações O trânsito em julgado é um instituto secular que tem
e formado as conclusões que se seguem: os seus confins bem definidos.
“ Na verdade, o direito que se pretende fazer valer - o Diz-se transitada em julgado a decisão «(...) logo que
direito á liberdade - é um direito não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação
(...)», conforme art.° 586.° do código de processo civil.
fundamental que se integra nos direitos, liberdades
e garantias; a legitimidade do recorrente não oferece Cremos que não pode haver dúvida de que, não tendo
dúvidas; a decisão do habeas corpus não se mostra havido reclamação do acórdão n.° 39/2018, que fora
passível de nenhum recurso ordinário; e a petição observa notificado aos recorrentes no dia 12 de outubro de 2018,
minimamente os mandamentos dos arts.° 7.° e 8.° da Lei baixado ao tribunal de primeira instância da Praia no
do Amparo, Lei n.° 109/1V/94 de 24 de outubro. dia 1 de março de 2019, formou-se logo o caso julgado
relativamente aos recorrentes.
Assim, mostram-se, quanto a nós, reunidos todos os
pressupostos de admissibilidade do presente recurso de
amparo. Razão pela qual, há muito que se encontram em
cumprimento de pena e não em prisão preventiva. Assim,
[…] bem andou o Supremo Tribunal de Justiça, através do
acórdão n.° 48/2019, em indeferir o pedido de habeas corpus
Importa, todavia, pronunciarmos sobre o pedido de que os recorrentes formularam, já que era absolutamente
medida provisória de lebertação imediata, requerida pelo destituído de fundamento.
recorrentes, algadamente por ter sido ultrapassado o prazo
de trinta e seis meses de prisão prenetiva , situação em […]
que os recorrentes consideram que se encontram.
Por todo o exposto se conclui que:
[…]
- Não há qualquer razão impeditiva da admissibilidade
A tese fundamental dos recorrentes é de que ainda se do presente recurso de amparo;
encontram em prisão preventiva, porque a decisão proferida
pelo Supremo Tribunal de Justiça – acórdão n.°39/2018 -,
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Seguindo um caminho, que ao que tudo indica, começa 1.1. A garantia constitucional do recurso de amparo
a fazer escola, os recorrentes, tendo deixado esgotar para constitui uma das inovações que a Constituição cabo-verdiana
impetrar o recurso de amparo do acórdão n.° 39/2018, de 1992 trouxe para a ordem jurídica nacional. Trata-se,
apresentar junto do Supremo Tribunal de Justiça um por conseguinte, de um dos meios privilegiados de acesso
pedido de habeas corpus, que era mais do que previsível, dos particulares ao Tribunal Constitucional para a defesa
que por manifesta falta de fundamento seria indeferido, dos direitos, liberdades, e garantias constitucionalmente
para obterem uma decisão dessa suprema instância, e reconhecidos como objeto de amparo.
assim impetrarem o presente recurso de amparo.
Acompanha-se a análise de Manuel Carrasco Durán,
Todavia, temos para nós como seguro que não tendo havido citado por Catarina Santos Botelho na obra intitulada a
reclamação do acórdão n.° 39/2018, esta inexoravelmente Tutela Direta dos Direitos Fundamentais, Avanços e Recuos
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1830 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
na Dinâmica Garantística das Justiças Constitucional, deu entrada na Secretaria do Tribunal Constitucional
Administrativa e Internacional, Almedina, 2010, p. 217, a 23 de setembro de 2019. Pelo que se conclui que
quando diz que o recurso de amparo apresenta-se como um independentemente da data em que o recorrente tenha
instrumento jurisdicional vocacionado para a proteção de sido notificado da decisão acima referida, visto o disposto
determinados direitos fundamentais, cujo conhecimento no número 2 do artigo 3.º e no número 1 do artigo 5.º
se atribui ao Tribunal Constitucional, e que se carateriza da Lei do Amparo, conjugado com o disposto no n.º 2 do
pelos princípios da subsidiariedade e excecionalidade. artigo 137.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º da Lei
do Amparo, a petição de recurso foi tempestivamente
O caráter subsidiário do recurso de amparo resulta da apresentada.
Constituição e da configuração da Lei n.º 109/IV/94, de
24 de outubro, ao estabelecerem o esgotamento prévio b) A petição não obedeça aos requisitos estabelecidos
das vias de recurso ordinário como um dos pressupostos nos artigos 7.º e 8.º;
do recurso de amparo.
i. Nos termos dos números 1 e 2 do artigo 7.º da Lei
O recurso de amparo está destinado unicamente à do Amparo:
proteção de direitos fundamentais, pelo que está vedado
ao Tribunal Constitucional conhecer de questões de “1. O recurso é interposto por meio de simples requerimento,
legalidade ordinária conexas, como se depreende do teor devidamente fundamentado, apresentado na secretaria
literal do n.º 3 do art.º 2.º da Lei do Amparo. do Supremo Tribunal de Justiça.
Pois, no recurso de amparo não pode ser feito valer outra 2. No requerimento o recorrente deverá indicar expressamente
pretensão que não seja a de restabelecer ou de preservar que o recurso tem a natureza de amparo constitucional.”
os direitos, liberdades e garantias constitucionais referidos
nos artigos anteriores.
Resulta cristalino da petição de recurso que os recorrentes
A natureza excecional do recurso de amparo implica que apresentaram a petição de recurso na secretaria do
a violação do direito ou liberdade fundamental não tenha Tribunal Constitucional e indicaram, de forma expressa,
encontrado reparação através do sistema de garantias que se trata de “Recurso de Amparo”.
normais, exigindo-se, por isso, que haja recurso prévio
aos tribunais ordinários e o esgotamento dos recursos Consideram-se, pois, preenchidos os requisitos previstos
adequados. no artigo 7.º supracitado.
Por conseguinte, associada à excecionalidade está Conforme o artigo 8.º da lei do amparo:
a denominada subsidiariedade do recurso de amparo,
que espelha com clareza o facto de este não ser uma 1. Na petição o recorrente deverá:
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Nos termos do n.º 1 do artigo 5.º da Lei do Amparo, o 2. A petição terminará com o pedido de amparo
recurso de amparo é interposto no prazo de vinte dias constitucional no qual se identificará o amparo que o
contados da data da notificação da decisão, sempre que recorrente entende dever ser-lhe concedido para preservar
a questão seja suscitada em processo que corre termos ou restabelecer os direitos ou garantias fundamentais
nos tribunais. violados.
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1831
No que diz respeito à exigência de formulação de Ezeonwu & Chizioke Duru v. STJ, que, na esfera penal,
conclusões, nas quais se deve resumir, por artigos, os a garantia de prisão preventiva na sua dimensão de in
fundamentos de facto e de direito que justificam a petição, dubio pro reo, e, consequentemente, a liberdade em que
também se compreende a extensão das conclusões, não se justifica, a liberdade sobre o corpo, de estrangeiros,
só pela justificação constante do parágrafo antecedente, são amparáveis.”
mas também porque se trata de fundamentação de um
recurso de amparo contendo um incidente em que se pede d) Esgotamento das vias de recurso ordinário
a decretação de uma medida provisória.
Conforme jurisprudência firme desta Corte, a exigência
Importa lembrar que nos termos do n.º 2 do artigo 8.º do esgotamento de todos os meios legais de defesa dos
da Lei do Amparo: “a petição terminará com o pedido de direitos, liberdades e garantias e todas as vias de recurso
amparo constitucional no qual se indicará o amparo que o ordinário estabelecidas pela respetiva lei do processo
recorrente entende dever ser-lhe concedido para preservar decorre da natureza excecional e subsidiária desse meio
ou restabelecer os direitos, liberdades ou garantias especial de proteção de direitos fundamentais amparáveis.
fundamentais.”
Por isso, o recorrente tem o ónus de demonstrar que a
violação dos seus direitos fundamentais amparáveis não
Os recorrentes pedem que lhes sejam concedidos os encontrou reparação no sistema de garantias ordinárias,
amparos que se traduzem na sua soltura imediata, a como, aliás, resulta claramente do disposto no artigo 6.º
título de medida provisória, e, na revogação do Acórdão da Lei do Amparo:
ora impugnado.
“O recurso de amparo só poderá ser interposto depois de
Nestes termos, considera-se que a fundamentação da terem sido esgotados todos os meios legais de defesa dos
petição de recurso cumpre, satisfatoriamente, os requisitos direitos, liberdades e garantias e todas as vias de recurso
previstos no artigo 8.º da Lei do Amparo. ordinário estabelecidas pela respetiva lei do processo.”
c) Legitimidade: O recurso não será admitido quando Na verdade, esta Corte Constitucional, através do
o requerente não tiver legitimidade para recorrer Acórdão n.º 11/2017, de 22 de junho, publicado na I
Série-n.º 42, do Boletim Oficial, de 21 de julho de 2017,
Adotando o conceito de legitimidade ativa recortado considerou que o disposto na alínea c) do artigo 3.º da Lei
pelo n.º 1 do artigo 25.º do Código de Processo Civil, tem do Amparo, deve ser apreciado e integrado no juízo de
legitimidade quem tiver interesse direto em demandar. admissibilidade a ser feito em relação a cada recurso de
amparo, designadamente para se preservar a subsidiariedade
Acontece, porém, que os recorrentes são ambos titulares desse tipo de queixa constitucional, mas a abordagem a
ser adotada deve ser temperada no sentido de garantir
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1832 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
A causa da inadmissibilidade do recurso prevista na em seu entender, constitui uma violação do artigo 142º
alínea e) do n.º 1 do artigo 16.º da Lei do Amparo, ao nº 2 do CPP, e, por conseguinte, uma nulidade insanável,
utilizar o advérbio manifestamente, exige que se tenha nos termos do artigo 151º al. h) do CPP;
certeza quanto à inexistência da fundamentalidade do
direito alegadamente violado, ou ausência de conexão Por outro lado, consideram que se encontram em
entre esse direito e os factos concretos alegados no recurso situação análoga à dos seus coarguidos Leny Martins e
ou ainda a certeza quanto à inviabilidade de concessão Fernando Varela, os quais, encontrando-se em situação
do amparo. idêntica à sua, tendo interposto recurso de amparo, este
foi admitido pelo Tribunal Constitucional através do
Os direitos que os recorrentes alegam terem sido violados acórdão 28/2019, de 16 de agosto de 2019 e que o facto de
encontram-se previstos nos artigos 29.º, 30.º, 31.º e 35.º não terem sido notificados pessoalmente do Acórdão n.º
da Constituição. 39/2018 e a admissão dos recursos de amparo interposto
pelos coarguidos Leny Martins e Fernando Varela fez
A fundamentabilidade desses direitos, liberdades e com que o referido acórdão não transitasse em julgado,
garantias é, por conseguinte, evidente. Desde logo pela pelo que se encontram em prisão preventiva por mais
sua inserção sistemática na Lei Magna na Parte II, Título de 38 meses e, por isso, a única via legal que tinham à
II sobre “Direitos, Liberdade, Garantias” e Capítulo I sua disposição face à prisão que entendem ter-se tornado
sobre Direitos, Liberdades e Garantias Individuais, aos ilegal, era a providência de habeas corpus, consagrada no
quais se aplicam os princípios enunciados no Título I. artigo 36º da CRCV e 18º e seguintes, do CPP;
Respeitante à conexão entre os factos concretos alegados 2. Conforme jurisprudência firme desta Corte,
na petição de recurso e os direitos fundamentais invocados, designadamente, o Acórdão n.º 1/2019, de 10 de janeiro,
ainda não se pode afirmar, com grau de certeza que se publicado no Boletim oficial n.º, I Série, n.º 11, de 31
exige para a formação da convicção do Tribunal, que de janeiro e o Acórdão n.º 6/2019, de 8 de fevereiro, são
manifestamente não exista tal conexão. os seguintes os pressupostos para que se possa adotar
medidas provisórias no âmbito do Recurso de Amparo:
No que concerne à certeza quanto à inviabilidade de
concessão do amparo requerido, ainda é relativamente 2.1. Competência: considerando o disposto nas disposições
cedo para se fazer um juízo de certeza quanto à manifesta conjugadas do artigo 134.º da Lei de Organização do
inexistência desse requisito. Tribunal e do n.º 1 dos artigos 11º e 14º da Lei do Amparo,
ao estipularem que os pedidos de decretação de medidas
Devido à incerteza no que diz respeito à conexão provisórias são decididos pelo Tribunal Constitucional,
entre os factos e os direitos alegadamente violados e à não se suscita qualquer dúvida quanto à competência
viabilidade do pedido, mostra-se prematuro afirmar-se que desta Corte para conhecer e decidir sobre esse incidente.
manifestamente não está em causa a violação de direitos,
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liberdades e garantias fundamentais constitucionalmente 2.2. Legitimidade: não há dúvida de que ninguém mais
reconhecidos como suscetíveis de amparo. do que um recorrente em amparo por alegada violação
de direito, liberdade e garantia tem interesse em agir,
Por conseguinte, a decisão definitiva sobre este requisito tendo a lei estendido a legitimidade para esse efeito ao
será tomada na fase de apreciação do mérito do recurso, Ministério Público, além de o próprio Tribunal o poder
como, de resto, tem sido jurisprudência firme, coerente e decretar oficiosamente.
unânime desta Corte, espelhada nos seguintes acórdãos
que admitiram as correspondentes petições, muitas delas 2.3. Tempestividade: esse pressuposto está relacionado
com menos probabilidade em termos de viabilidade, tendo com o momento desde quando e até quando se pode solicitar
todas elas sido votadas, sem qualquer reserva, por todos a adoção urgente de uma medida provisória no âmbito de
os Venerandos Juízes Conselheiros: o Acórdão n.º 9/2019, um recurso de amparo. A solução afigura-se-nos simples,
de 28 de fevereiro, publicado na I Série do Boletim oficial, porquanto, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, da Lei do
n.º 29, de 14 de março de 2019; o Acórdão n.º 15/2019, Amparo, o pedido pode ser formulado na mesma peça
de 21 de março e o Acórdão n.º 16/2019, de 26 de março, da interposição do recurso e até ao despacho que designa
publicados I Série do Boletim Oficial n.º 46, de 24 de o dia para o julgamento, conforme o n.º 2 do artigo 15.º
abril de 2019 e o Acórdão n° 24/2019, de 04 de julho, do referido diploma legal. No caso vertente, tendo o
publicado I Série do Boletim Oficial n.º 100, de 26 de pedido para a doação urgente de medida provisória sido
setembro de 2019. apresentado ao mesmo tempo e na mesma peça em que
se requereu o amparo, é cristalino que não se suscita
f) O Tribunal tiver rejeitado, por decisão transitada em qualquer questão atinente à tempestividade.
julgado, um recurso com objeto substancialmente
igual 3. O periculum in mora previsto na alínea a) do n.º
1 dos artigos 11.º e 14.º, ao qual se tem acrescentado a
O Tribunal Constitucional não rejeitou, por decisão versão limitada do fumus boni juris constitui mais um
transitada em julgado, um recurso com objeto substancialmente pressuposto a se ter em conta na apreciação do incidente
idêntico ao dos presentes autos. em apreço.
Pelo exposto, conclui-se que não se verifica nenhum 3.1. Esse pressuposto que decorre da alínea a) do artigo
motivo que pudesse justificar a inadmissibilidade deste 11º, segundo, a qual reconhece uma das bases clássicas de
recurso. decretação de medidas provisórias, o chamado periculum
in mora, que se verifica quando fundamentadamente a
III. Medidas Provisórias demora da decisão final possa provocar prejuízo irreparável
ou de difícil reparação ou a própria inutilidade do amparo
1. Os recorrentes requerem como medida provisória requerido. Note-se que para o legislador, o instituto, em
que seja ordenada a sua soltura imediata, pois, estando sede de amparo pelo menos, não se associa exclusivamente
presos, desde o dia 14 de abril de 2016, manifestamente à preservação da utilidade e eficácia da decisão judicial (“a
já se encontra ultrapassado o limite máximo de prisão própria inutilidade do amparo requerido”), mas igualmente
preventiva fixado constitucional e legalmente em trinta ao efeito de irreparabilidade ou de difícil irreparabilidade
e seis meses. que se gera sobre o direito afetado (“prejuízo irreparável
ou de difícil reparação para o recorrente”), o que resulta
Para sustentar esse pedido, alegam que nunca foram claro da utilização da palavra “ou” para conectar um e
notificados pessoalmente do Acórdão nº 39/2018, o que, o outro.
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I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde — 29 de outubro de 2019 1833
Em relação aos efeitos de uma prisão preventiva “Acresce que o Tribunal já havia decidido decretar
provavelmente mantida além dos limites temporais permitidos medida provisória, num caso (Atlantic v. PGR) em que
pela Constituição e Lei Processual Penal em relação à se absteve de fazer uma análise mais aprofundada para
liberdade sobre o corpo e as garantias constitucionais que a verificação da probabilidade de existência do direito,
lhe estão associadas, o Acórdão n.º 1/2019, de 10 de janeiro, contentando-se com a sua viabilidade e, em que estava
publicado na I Série, do Boletim Oficial n.º 11, de 31 de em presença um direito, liberdade e garantia (direito à
janeiro, considerou que “um ato do tipo praticado no caso propriedade privada e algumas liberdades associadas),
concreto-primariamente de manutenção da recorrente em importante, mas muito menos essencial do que a liberdade
prisão preventiva fora dos limites legais - na medida em sobre o corpo.”
que atenta contra uma liberdade essencial, a liberdade
sobre o corpo, sempre causa prejuízos consideráveis à 3.4. Além disso, a forte probabilidade de existência do
pessoa, que, segundo uma visão mais pro libertate, seriam direito é uma outra circunstância que deve ser considerada.
sempre irreparáveis ou no mínimo de difícil reparação,
pois não se vê a possibilidade de se poder restituir as É certo que Tribunal Constitucional não considera que
horas, os dias, os meses ou os anos em que a pessoa teve a aplicação da medida provisória tenha como pressuposto
a sua liberdade sobre o corpo afetada, como efetivamente a possibilidade séria da existência da violação do direito,
acontece num contexto material de limitação biológica da mas não deixa de ser uma razão ponderosa a beneficiar
vida e não-retroatividade do tempo. o pedido de decretação da medida.
Por conseguinte, o facto é que o Tribunal entende que No momento em se aprecia o pedido de adoção de
esse, para efeitos deste pressuposto, não é decisivo, pois medida provisória não pode o Tribunal Constitucional
independentemente de tudo, ele é preenchido se se considerar ir além de uma summaria cognitio. Nesta fase, e pelo
que a prisão preventiva sempre causa em qualquer pessoa caráter urgente das medidas provisórias, o que a Corte
prejuízos irreparáveis ou no mínimo de difícil reparação, Constitucional faz é verificar, se além dos pressupostos
especialmente quando existirem outras circunstâncias gerais, se verifica uma forte probabilidade da alegada
exteriores que agravam ainda mais o prejuízo. violação de um direito fundamental ter ocorrido.
3.2. O outro pressuposto previsto na alínea b) do Para o efeito, importa apreciar, ainda que perfunctoriamente,
artigo 11º - razões ponderosas justificarem a necessidade a argumentação expendida pelos requerentes.
da imediata adoção de medidas provisórias julgadas Apesar da tentativa de equiparação da sua situação
necessárias para a conservação dos direitos, liberdades processual à dos coarguidos Leny Martins e Fernando
ou garantias violados ou para o restabelecimento do Varela, a atitude que assumiram perante o Acórdão n.º
seu exercício até ao julgamento do recurso - concede ao 39/2018 é manifesta diferente da adotada por aqueles
Tribunal uma grande discricionariedade decisória e isso coarguidos.
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1834 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
1.6. Para os impugnantes, “A falta de notificação do Tribunal de Justiça já tinha decidido desfavoravelmente
acórdão proferido pelo tribunal requerido, constitui uma o seu recurso, reagiram no sentido e com o intuito de
violação do direito do contraditório, constitucionalmente evitar que a decisão transitasse em julgado.
salvaguardado aos recorrentes, uma vez que só com a
notificação os recorrentes terão conhecimento da decisão Qual foi a atitude dos ora recorrentes face a alegada
tomada no processo…. Não pode o tribunal recorrido omissão de notificação do Acórdão n.º 39/2018?
considerar notificado os recorrentes, por simples facto de
terem notificado os seus mandatários, porquanto contraria Compulsados os autos, verifica-se que a fls. 1845 a
o disposto nos artigos 141.º, n.º 5, e 142.º, n.º 2, do CPP, 1850 do volume VI do recurso crime comum n.º 03/2018,
que estabelecem que o recorrente deve ser notificado constam documentos segundo os quais os ora recorrentes
pessoalmente, o que viola ainda, segundo os recorrentes, foram notificados para, querendo, examinarem, a conta
os princípios do contraditório e da presunção previstos efetuada nos Autos do Recurso Crime n.º 03/2018, em
no artigo 5.º do CPP e artigo 35.º, n.ºs 1, 6 e 7 da CRCV.” que o recorrido é o Tribunal da Relação de Sotavento
e, no prazo legal, impugnarem a quantia de 11.950$00.
1.7. Mais alegam que, apesar de não terem sido
pessoalmente notificados do Acórdão n.º 39/2018, tiveram Não se compreende que tendo sido notificados para
conhecimento do sentido da decisão que dele consta a examinarem as custas processuais relativas ao recurso
partir do dia 12 de abril de 2019, ou seja, na data em que que interpuseram, não se tenham diligenciado no sentido
o novo mandatário acedeu aos autos e dos quais foram de tomarem conhecimento do Acórdão. Pois, não se
extraídas cópias. elabora conta sem que a decisão a que se reporta tenha
sido proferida.
[…]
Significa que, pelo menos, indiretamente, através da
No caso em apreço, à pergunta sobre se já tinha sido notificação da conta, querendo, podiam pedir que fossem
proferida decisão no âmbito do recurso n.º 3/18 e ao pedido notificados e caso se mantivesse a alegada omissão de
de notificação da mesma, caso a resposta fosse afirmativa, notificação podiam, inclusive, interpor diretamente um
respondeu-se que “os arguidos foram notificados do acórdão recurso de amparo, como fizeram os seus coarguidos Leny
39/2018, no dia 12 de Outubro de 2018, conforme mandado Martins e Fernando Varela.
633/18.” (Cf. transcrição do despacho constante de fls.
82 dos presentes autos). Ao caso em apreço aplica-se a recente jurisprudência
adota pelo Acórdão n.º 33/2019, de 10 de outubro, segundo
Acontece, porém, que aquela notificação tinha sido feita, a qual : “ para que a notificação enquanto garantia do
não pessoalmente aos recorrentes, mas diretamente na direito ao recurso previsto nos termos do n.º 7 do artigo
pessoa dos respetivos mandatários. 35.º da Lei fundamental seja conforme com as diretrizes
que emanem dessa norma é necessário que o arguido tenha
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Por conseguinte, quando, no dia 12 de abril de 2019, ciência dos atos a que se refere o n.º 2 do artigo 142.º do
tomaram conhecimento do despacho em que se reiterou CPP, que se traduzem em decisões gravosas para a vida
que já tinham sido notificados, embora não tendo sido do mesmo e assim, conhecendo o seu conteúdo, seja através
pessoalmente notificados, consideraram que não foi de algum tipo de notificação pessoal ou por quaisquer
reparada a alegada omissão de notificação pessoal, o outros meios idóneos para tomar conhecimento dessas
que, para os recorrentes, configura violação do princípio decisões, até por meio da sua mandatária constituída.”
do contraditório. Foi também nessa data que, segundo No caso em apreço, tendo tomado conhecimento da conta
consta, informal e indiretamente, tomaram conhecimento elaborada na sequência do acórdão que negou provimento
do Acórdão n.º 39/2018, objeto do presente recurso.” ao recurso, querendo, podiam, perfeitamente, exigir que
fossem notificados pessoalmente, e caso não tivessem sido,
Passado algum tempo depois da notificação daquele podiam lançar mão do recurso de amparo, diretamente,
acórdão, Leny Martins e Fernando Varela interpuseram sem que fosse necessário deixar passar tanto tempo
mais um recurso de amparo registado sob n.º 18/2019, o para depois do pedido e indeferimento da Providência de
qual foi admitido pelo Acórdão n.º 28/2019, de 16 de agosto. Habeas Corpus virem apresentar o presente recurso de
amparo, com pedido de decretação de medida provisória.
Da fundamentação desse acórdão extrai-se que : “ Na
verdade, a conduta que se traduziu na alegada omissão Logo após terem tomado conhecimento da prolação do
de notificação pessoal dos recorrentes e que tem uma forte acórdão através da notificação da conta, deviam ter reclamado
probabilidade de vir a ser considerada como violadora da omissão de notificação pessoal e caso o não tivessem sido
do direito ao contraditório expressamente invocado pelos notificados, poderiam interpor recurso com fundamento na
recorrentes e eventualmente de outros direitos fundamentais, omissão de notificação pessoal. Ao deixarem passar todo
nomeadamente, o direito ao recurso de amparo, não esse tempo sem impugnar o Acórdão n.º 39/2019, muito
pode ser dissociada da alegada violação do direito a provavelmente esse aresto terá transitado em julgado
não ser mantido em prisão preventiva além dos trinta e provavelmente, quando requereram a Providencia de
e seis meses, na medida em que a parte do acórdão n.º Habeas Corpus e o subsequente recurso de amparo, já
39/2018 que havia sido impugnada está lógica, natural não estavam em regime de prisão preventiva.
e funcionalmente ligada ao direito com base no qual se
requereu a presente providência e, por conseguinte, decidiu À situação em análise aplica-se, ainda, o entendimento
deferir o pedido de decretação de medidas provisórias e firmado no Acórdão n.º 27/2019, de 09 de agosto de 2019
determinou que o órgão recorrido promovesse a soltura (Ayo Obire versus STJ:
imediata dos recorrentes como medida de conservação
dos seus direitos à liberdade sobre o corpo e do direito a “A Situação que não é igual à que se tem em mãos,
não serem mantidos em prisão preventiva fora dos prazos pois, sendo certo que houve recurso ordinário interposto
legalmente estabelecidos, deferindo ao órgão competente por um coarguido que foi julgado improcedente, a
a adoção de outras medidas de coação não privativas de decisão que poderia beneficiar o recorrente nos autos foi
liberdade que julgue adequadas pelo período necessário adotada no quadro de um pedido de amparo, um recurso
a que o amparo seja apreciado no mérito.” personalíssimo, pois acoplado a um direito subjetivo
fundamental que foi utilizado pelo Senhor Judy Ike
Donde se conclui que a partir do momento em que tiveram Hills, mas que o recorrente até recentemente manteve-se
conhecimento ou, pelo menos, presumiram que o Supremo completamente alheio, deixando precocemente precludir
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a possibilidade de o usar na medida em que prescindiu irreparável ou de difícil reparação ou a própria inutilidade
até de pedir reparação pelas vias ordinárias através dos do amparo é real, como de resto, o próprio Tribunal
recursos disponíveis. tem vindo a reconhecer. Pelo que se compreende que o
receio de que a demora na conclusão do processo pode
Perante tais dados, ainda que o tivesse feito um acarretar o prejuízo que terá que suportar, mas isso tem
coarguido seu, por meio de recurso ordinário e de um de ser relativizado em função da não verificação de forte
recurso constitucional de natureza pessoalíssima como o probabilidade da ocorrência da violação do direito invocado.
amparo, muito dificilmente o Tribunal poderia considerar
algum efeito possível sobre o seu estatuto processual e a 3.6. No caso em apreço existe interesse público na
rejeição do argumento de que se constitui em tais situações, manutenção da situação em que se encontram os
por oposição àquelas em que de forma persistente e recorrentes até que se decida quanto ao mérito do seu
tempestiva, portanto sem hiatos e de acordo com os prazos recurso de amparo.
processuais aplicáveis, um coarguido vai mostrando a
sua insatisfação ora pela incorreta avaliação dos factos e 3.7. No que tange a outras circunstâncias exteriores
do direito, ora por deficiente calibração da interpretação que possam agravar o prejuízo decorrente da privação da
face a normas constitucionais, um caso julgado parcial. liberdade sobre o corpo, constata-se que os recorrentes
Este, independentemente, solidifica uma decisão judicial e, alegaram que antes da prisão “ tinham trabalho fixo, com
por mais questionável que ela possa ser, a sua adequação família constituída no Brasil, e tinham uma vida razoável,
cede perante a segurança jurídica que decorre da sua não hoje, estão desamparados e privados de liberdade, ou
contestação. seja, a prisão deixou marcas e continua a marcar pela
negativa a vida dos recorrentes que perderam todo, o
3.5.5. Sendo assim, nesta perspetiva, o Tribunal contacto da família e tudo que tinham adquirido fruto
Constitucional não teria margem para considerar que dos trabalhos honestos que desenvolviam em liberdade,
a decisão condenatória de primeira instância que um no, entanto, o sofrimento, a dor, angustia, tristeza e
recorrente nestes autos, então arguido, optou por não sentimento de injustiça, por estarem em prisão ilegal, ou
reagir, não tenha transitado em julgado e que não se seja, par alem do tempo estipulado por lei, isto, por mais
tenha determinado de forma definitiva a sua culpa. E de 38 meses em prisão preventiva, sem conhecer a última
assim operando, ao nível processual penal, uma mudança decisão, não existe nenhum valor monetário passível de
significativa de estatuto de arguido e de preso preventivo, reparar, ressarcir esses danos, que a prisão provocou e
ao qual se aplica o limite temporal previsto pelo número 4 continua a provocar na vida dos recorrentes. Não resta
do artigo 31, para condenado em situação de cumprimento margem para quaisquer dúvidas, que a prisão deixa marca
de pena. na vida das pessoas, e quem mais sofre são os amigos,
filhos/famílias, que têm que aprender a conviver com o
3.6. Portanto, reconhecendo tal dispositivo uma garantia julgamento e condenação da sociedade, pelo simples facto
fundamental construída enquanto regra constitucional, dos recorrentes terem sido detidos.”
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1836 I Série — NO 110 «B. O.» da República de Cabo Verde 29 de outubro de 2019
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