Apontamentos - REflexões Do POETA

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AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DE PORTELA E MOSCAVIDE

APONTAMENTOS – reflexões do Poeta

Canto I, estâncias 105-106

A reflexão do poeta nestas duas estâncias é motivada por um acontecimento


respeitante ao plano da Viagem: a chegada da armada portuguesa a Mombaça, após várias
vicissitudes ocorridas em Moçambique e Quiloa, urdidas por Baco.
Com efeito, após a realização do consílio dos deuses no Olimpo, onde se formam duas
correntes – uma de apoio à empresa do Gama – liderada por Vénus – e outra de oposição –
chefiada por Baco - e onde Júpiter toma a decisão de auxiliar os portugueses chegarem à
Índia, Baco prepara-lhes várias ciladas em Quiloa – Moçambique – e Mombaça, cujo rei tinha
sido convencido por ele a aniquilar a frota lusitana.
Nos quatro versos iniciais da estância 105, o poeta faz alusão à traição que se prepara
em Mombaça aos portugueses. De facto, o «recado» (a mensagem) que os enviados trazem é,
na aparência e dissimuladamente, de amizade, mas na realidade é de grande perigo (metáfora
“debaxo o veneno vem coberto” – v. 2) e de inimizade (v. 3). No entanto, a traição acaba por
não se consumar, dado que foi descoberta (“Segundo foi o engano descoberto.” – v. 4).
Os versos 5 e 6 (observar a metáfora do verso 6) introduzem o tema da reflexão: a
insegurança da vida humana, insegurança essa que decorre dos grandes perigos (“Oh!
Grandes e gravíssimos perigos! – notar a interjeição e os adjetivos “grandes” e “gravíssimos”,
este no grau superlativo absoluto sintético, que conferem um tom hiperbólico aos perigos e à
sua gravidade), e da incerteza (“… caminho da vida nunca certo…” – v. 6) que a caracterizam.
A exclamação do verso 8 – aliada às dos versos 5 e 6 e à metáfora do verso 6 – reforça a ideia
da extrema insegurança que o homem enfrenta.
Por sua vez, os quatro versos iniciais da estância 106 enunciam os perigos que o ser
humano enfrenta, como se pode observar no quadro seguinte:

Estilisticamente, assume preponderância o recurso ao paralelismo de construção, à


anáfora, à hipérbole e à antítese, recursos presentes nesses quatro versos, que evidenciam os
perigos a que o ser humano está sujeito tanto no mar como na terra, intensificados pelo
recurso à repetição – “tantas”, “tanta”, “tanto”.
Os últimos quatro versos são apresentados sob a forma de uma interrogação (Poderá o
Homem, “bicho da terra tão pequeno”, ultrapassar a sua pequenez face ao universo, muito
mais poderoso do que ele?), através da qual (e da anáfora dos vv. 5 e 6) Camões salienta a
condição de grande fragilidade do ser humano, que dificilmente conseguirá encontrar um lugar
onde possa estar seguro, dada a enorme desproporção entre si e o “Céu sereno”. O poeta
conclui, pois, que o Homem dificilmente poderá encontrar segurança e tranquilidade (“Onde
pode acolher-se um fraco humano” – v.5) num universo hostil que contra ele se arma, dada a
sua pequenez e fragilidade (“Onde terá segura a curta vida” – v. 6 – tema da brevidade da vida
humana). A metáfora e hipérbole do verso 8, aliadas à interrogação, enfatizam a referida
fragilidade humana e a pouca probabilidade de fazer frente ao universo.
Tendo em conta o conteúdo da Proposição (I, 1-3) relativamente ao herói de Os
Lusíadas, parece ser intenção do poeta, com esta reflexão, exaltar a valentia dos portugueses,
que, mesmo sendo pequenos (“bicho da terra tão pequeno” – v. 8), venceram os maiores
desafios. Observe-se, ainda, que os dois versos finais constituem uma espécie de ponto de
partida para a mitificação dos portugueses enquanto heróis. De facto, não obstante a sua
fragilidade enquanto seres humanos, ousam navegar por mares desconhecidos e desafiar a
natureza e os diversos perigos, ultrapassando os limites da sua condição humana.
O tema das duas estâncias é, pois, a fragilidade e a efemeridade da vida humana face
aos grandes perigos enfrentados no mar e na terra e às circunstâncias da vida. E o poeta
lamenta esses perigos, essa incerteza e insegurança a que o ser humano está exposto, em
toda a parte, sem qualquer abrigo ou porto seguro.
Relativamente à estrutura interna, a reflexão pode dividir-se em três momentos:
. introdução (vv. 1-4, 105): a traição preparada aos portugueses;
. desenvolvimento (v. 5, 105 – v. 4, 106): os perigos que espreitam o ser humano em terra e no
mar;
. conclusão (vv. 6-8, 106): a fragilidade do ser humano.
CANTO V – questionário + correção

Estância 92

1.1. O que justifica a doçura dos louvores e a justeza da glória?

A justificação reside no esforço denodado que está na base dos feitos praticados.

1.2. Qual o fim último do esforço dos nobres?

Os nobres esforçam-se para que a sua memória não fique atrás da dos seus
antepassados.

1.3. Comente o significado / a importância da inveja, de acordo com os últimos


quatro
versos da estância.

A inveja da história dos outros conduz à prática de grandes acções. De modo


semelhante, o desejo de ser louvado estimula também o ser humano ao cometimento de
grandes feitos ("valerosas obras").

2. Estância 93

2.1. Refira o que apreciava Alexandre e o que despertava a inveja de


Temístocles?

Alexandre, mais do que os feitos de Aquiles, apreciava os versos de Homero que


celebravam esses feitos do herói grego.
Relativamente a Temístocles, a sua inveja era despertada pelo canto, pela
exaltação, pela celebração dos feitos / das vitórias de Milcíades.

3. Estância 94

3.1. Sintetize a mensagem dos quatro primeiros versos.

Vasco da Gama esforça-se por mostrar que as navegações dos antigos heróis -
Ulisses e Eneias -, tão celebradas no mundo, não merecem tanta glória como a sua, que
é tão extraordinária que "o céu e a terra espanta".

3.2. Refira o motivo por que Virgílio, o autor da Eneida, canta Eneias (além da
grandi-
osidade dos feitos).

Virgílio canta Eneias porque há um herói que o estima / recompensa com


presentes e favores, reconhecendo, assim,o seu talento e o valor da arte (da escrita).

4. Estância 95

4.1. Explicite o valor da conjunção «Mas» que inicia o verso 3.

A conjunção coordenativa adversativa destaca a contradição existente entre a


quantidade de guerreiros e reis valiosos que o reino português produz e o facto de não
possuírem qualidades artísticas, o que faz com que se tornem rudes e toscos. Em suma,
destaca a inexistência de quem aprecie e valorize a arte, não obstante os heróis e feitos
que poderiam ser celebrados por ela.

5. Estância 97

5.1. Portugal é apresentado como excepção de algo. Explicite este raciocínio.

Todos os grandes capitães latinos, gregos ou bárbaros, além dos grandes feitos
que cometeram, eram dados às letras, algo que não sucede com os portugueses, que as
desprezam. Deste modo, não há nenhum capitão português celebrado na poesia, o que
revela o seu desprezo pelas letras e, consequentemente, a sua ignorância.

6. Estância 98

6.1. Complete a paráfrase apresentada.


Em Portugal, não há grandes poetas, não por falta de dotes naturais / talento
natural, mas por os portugueses desprezarem as Artes / Letras. Se a situação não se
alterar, dentro de algum tempo não haverá grandes heróis. Por outro lado, o
Destino fê-los tão rudes, intratáveis e insensíveis, tão desleixados de espírito, que
poucos se importam com isso.

7. Estância 99

7.1. O que justifica a fama do Gama?

A fama de Vasco da Gama é justificada pelo amor à pátria e pelos seus


«trabalhos».

8. Estância 100
8.1. Refira o móbil da «acção» das Tágides.

As Tágides modevm-se em razão do amor e do gosto de louvar os feitos lusitanos.

8.2. Explicite o apelo final do poeta.

O poeta apela a que ninguém desista de praticar grandes feitos, visto que serão
recompensados de uma maneira ou de outra.

9. Síntese

a) Camões critica, nestas estâncias, os portugueses porque:

 os portugueses não cultivam as Letras, ao contrário do que faziam os heróis


da Antiguidade;
 os heróis portugueses são rudes;
 a pátria é ingrata para quem a canta.

b) Por outro lado, destaca a importância do registo futuro dos grandes feitos como
meio de
glorificação do povo português e incentivo ao surgimento de novos heróis.

c) Além disso, o poeta faz duas advertências:


1.ª) se Portugal persistir em ignorar o reconhecimento, por via das Letras, dos
seus feitos e heróis, no futuro não terá homens ilustres e corajosos;
2.ª) o embrutecimento dos espíritos desmotivará futuros cantores dos feitos
portugueses.

CANTO VI

Nos quatro versos iniciais da estância 95, o poeta refere, genericamente,


como se alcança a imortalidade (“honras imortais”) e as maiores distinções – a fama
e a glória: através da coragem, da capacidade de luta e sofrimento demonstradas em
situações de perigo, como fica visível nas seguintes expressões textuais: “hórridos
perigos” e “trabalhos graves e temores”. Nestes versos, há a realçar a adjetivação,
que, por um lado, intensifica a dureza e a amplitude (“hórridos” e “grandes”) das
dificuldades a que se sujeitam todos aqueles que, como os portugueses, desejam
cometer grandes feitos, e, por outro, reforça o valor das recompensas (“imortais” e
“maiores”) que, desse modo, atingem.
Um segundo momento do texto localiza-se entre o verso 5 da estância 95 e o
verso 4 da estância 98. Aí, são identificados os obstáculos à obtenção da fama e da
glória, isto é, o poeta põe em evidência aquilo que não são os meios de as atingir
(logo atos a evitar):
a. viver à custa do que os antepassados conseguiram (= a glória não é herdada dos
antepassados) - 95, 5-6;
b. viver rodeado de conforto (95, 7);
c. viver rodeado de luxo e de requintes supérfluos (95, 8);
d. os “manjares novos e esquisitos” (96, 1);
e. os passeios ociosos (96, 2);
f. os deleites / prazeres (96, 3) que efeminam, isto é, enfraquecem, os fidalgos;
g. viver para saciar os apetites / caprichos insaciáveis;
h. ficar indiferente face a uma “obra heroica de virtude”.
Assinale-se o recurso à enumeração e à anáfora na estância 96. Por um lado, o
poeta enumera diferentes caminhos que não conduzem à verdadeira glória. Através
da repetição anafórica, reitera a ideia de que esses caminhos devem ser postos de
lado.
Sintetizando, o poeta critica todos os que desejam ser reconhecidos na vida,
apreciados apenas na genealogia, nos luxos, nos prazeres e numa vida ociosa, sem
praticarem qualquer “obra heroica de virtude” (96, v. 8).
A partir do verso 1 da estância 97, introduzido pela conjunção coordenativa
adversativa «mas», sinónima de ideia oposta, Camões vai enumerar as ações que
fazem o verdadeiro herói e que permitem alcançar a fama e a glória (ou seja, vai
apresentar as alternativas aos comportamentos anteriormente descritos), salientando
a dureza dessas ações através do recurso ao adjetivo (“forçoso”, “forjado”, “cruas”,
“frios”, “nuas”, “corrupto”, “árduo”, …). Essas ações são as seguintes:
a. a obtenção das honras pelos seus atos, ações a que possa chamar suas (97, 1-2);
b. a disponibilidade para a guerra (97, 3);
c. o enfrentar/sofrer tempestades e “ondas cruas” (97, 4);
d. as navegações árduas por regiões inóspitas à custa de enorme sofrimento pessoal
(97, 3-8);
e. o consumo de alimentos deteriorados;
f. a resignação ao sofrimento;
f. a vitória sobre as limitações pessoais, de forma a enfrentar as situações mais difíceis
ou dolorosas – o enfrentar a guerra com ar seguro / confiante e alegre (por exemplo,
manter um rosto “seguro” ao assistir a acidentes dos companheiros.
Entre os versos 5 da estância 98 e 4 da 99, é feita uma espécie de síntese das
qualidades necessárias àqueles que buscam a virtude:
i. o “calo honroso” no peito;
ii. o desprezo das honras e do dinheiro trazidos pela «ventura» e não pela «virtude»;
iii. o entendimento esclarecido e temperado pela experiência e a libertação dos
interesses mesquinhos (“O baxo trato humano embaraçado” – 99, v. 4).
Nos últimos quatro versos da estância 99, o poeta clarifica que só quem
percorrer este caminho poderá e deverá ascender ao poder (“ilustre mando”, 99 –
v.7), sempre contra a sua vontade e nunca a pedido, isto é, fá-lo-á de forma
desinteressada. No fundo, ao concluir esta sua reflexão, Camões retoma o que
afirmara na introdução: é através do esforço próprio e não das “honras e dinheiro”
que se pode/deve ascender ao estatuto de herói. O verdadeiro herói despreza as
“honras e dinheiro” (est. 98, v. 6) trazidos pela sorte e não produto do esforço
pessoal. A sua experiência dar-lhe-á o conhecimento da verdadeira virtude e um
estatuto superior ao dos homens de “baixo trato” (est. 99, v. 4). Desse modo, num
mundo justo, “Subirá” (est. 99) a posições de poder por mérito pessoal e “não
rogando” (est. 99, v. 6) favores.

Em suma, é digno de louvor e merecedor de glória aquele que se dignifica


através do seu esforço, da sua capacidade
de sofrimento, perseverança e humildade, bem como através do desprezo
das honras e do dinheiro conquistado graças à sorte e não ao mérito pessoal. Só
quem "preencher estes requisitos" poderá conquistar o "ilustre mando", não porque o
peça, mas contra a sua vontade. Tal significa que só a honra e a glória alcançadas
por mérito próprio poderão ser valorizadas.

Relativamente à estrutura interna, o excerto pode dividir-se em três


momentos:
. 1.º momento (vv. 1-4, est. 95): o poeta elogia a coragem de quem, como os
portugueses, pratica atos gloriosos dignos de honra.
. 2.º momento (v. 5, est. 95 - v. 5, est. 98):
2.1. enumeração das renúncias (v. 5, est. 95 – est. 96);
2.2. atos a praticar por quem deseja alcançar a verdadeira fama (est. 97 – v. 4, est. 98);
. 3.º momento (v. 5, est. 98 – est. 99): conclusão das reflexões do poeta, que salienta
o esforço sincero e desprendido como motor da glória.

As reflexões feitas pelo poeta nestas estâncias sugerem o perfil do herói épico,
que se resigna à dureza da vida e enfrenta com convicção, abnegação, espírito de
sacrifício e coragem as dificuldades que se lhe apresentam. O herói é o que
concretiza trabalhos árduos e perigosos na guerra e no mar, em condições
climatéricas e existenciais deploráveis. Só deste modo, conseguindo superar todas as
dificuldades e provações, é possível alcançar um estatuto honroso, destacando-se dos
restantes seres humanos pelo seu carácter grandioso. Por outro, indiretamente, pode
ver-se neste passo da obra a crítica camoniana à elite do seu tempo, “acusando” os
nobres de serem passivos, fracos, privilegiados, insatisfeitos e alienados da
realidade.

CANTO VII
No início deste canto (estâncias 3 a 14), Camões elogia os portugueses, porém, no
final, o seu tom é de crítica. Esta aparente contradição explica-se se tivermos em
conta que os portugueses que o poeta elogia e apresenta como exemplo, são os
heróis do passado, com Vasco da Gama à cabeça. No entanto, os portugueses
criticados são os contemporâneos de Camões, que, aparentemente, esqueceram o
heroísmo e a grandeza dos seus antepassados.

Neste passo da obra, estamos no exato momento em que o Catual visita as naus
portuguesas, sendo recebido por Paulo da Gama, enquanto seu irmão Vasco é
recebido no palácio do Samorim. Ao ver as bandeiras com pinturas alusivas a feitos e
heróis da História de Portugal, o chefe indiano mostra curiosidade em saber o que
cada uma delas representa. Paulo da Gama prepara-se para satisfazer o desejo do
Catual e narrar episódios da História de Portugal, no entanto Camões interrompe a
narração e invoca as ninfas do Tejo e do Mondego para que o auxiliem nessa árdua
tarefa.
Na estância 78, o poeta autocaracteriza-se como «insano e temerário» (dupla
adjetivação), aventureiro e receoso do «caminho tão árduo, longo e vário» (tripla
adjetivação, exclamação e metáfora) por que se vai aventurar, isto é, narrar novos
episódios da História de Portugal, agora pela voz de Paulo da Gama, ao Catual de
Calecute, a pedido deste e a propósito dos símbolos das bandeiras. Assim, o poeta
dirige-se às ninfas do Tejo e do Mondego (apóstrofe do verso 3, estância 78),
solicitando-lhes inspiração para a tarefa. A leitura das restantes estâncias deste
passo de Os Lusíadas sugere que, além do já exposto, o poeta se sente desalentado,
por isso necessita de um reforço de inspiração.
Nos últimos quatro versos desta estância, Camões faz uso de uma imagem para
“justificar” a invocação («Vosso favor invoco» - v. 5) dirigida às ninfas: a sua
empresa / tarefa reveste-se de tal grandiosidade e é de tal monta que, se as ninfas
não o auxiliarem, ele receia não conseguir levá-la a cabo, a de cantar os feitos
gloriosos dos portugueses.
Entre as estâncias 79 e 81, o poeta, numa reflexão de tom marcadamente
autobiográfico (atestado pelo uso da primeira pessoa e pelo conteúdo biográfico),
salienta que tem vindo sempre a cantar os feitos lusos e, em simultâneo, luta pela
sua pátria e elenca as dificuldades, as misérias e os perigos que tem enfrentado /
sofrido / corrido (vide esquema do poema), comparando-se, no final da estância 79,
a Cânace, personagem mitológica que se suicidou e escreveu ao irmão Macareu uma
carta de despedida, com a pena na mão direita e a espada na outra (segundo Ovídio,
baseado em Eurípides, Cânace foi obrigada pelo pai, que lhe enviou uma espada, a
cometer suicídio como punição pelo facto de ter mantido uma relação incestuosa
com o irmão, da qual nasceu uma criança que foi morta pelo avô, que a lançou aos
cães). Essa comparação aponta para o facto de o poeta aliar à sua coragem na guerra
a sua faceta de artista (estância 79, vv. 7-8). A espada simboliza as batalhas em que
o poeta participou, o seu lado guerreiro, enquanto a pena remete para a sua obra
literária, para a arte, para a escrita.
Na estância 81, finalizada a enumeração dos infortúnios que pautaram a sua
vida, introduz um novo a que dá destaque através do articulador «ainda», criando a
sensação de instabilidade: como se já não bastassem os tormentos que teve de
suportar, acresce que. Em vez de os seus patrícios e contemporâneos o premiarem,
pelo contrário, ingratos, «inventam-lhe» novos trabalhos e privações.
Na estância 82, dirige-se novamente às ninfas, apostrofando-as, para criticar,
socorrendo-se da ironia, os «valerosos» senhores de Portugal que, em vez de
acarinharem e glorificarem aqueles que, como ele, através da poesia / arte, cantam
os feitos ilustres dos portugueses, os maltratam, são ingratos. E qual é a
consequência desta postura? A desmotivação das futuras gerações de poetas, que se
sentirão inibidos de cantarem os feitos lusos. Deste modo, Camões procura criticar a
incultura, o desinteresse pela arte e a ingratidão dos portugueses. Dito de outra
forma, os grandes senhores não amam a arte nem incentivam as artes, o que fará
com que os grandes feitos do futuro não sejam cantados e, portanto, deles não fique
memória. Critica ainda a ambição desmedida e o facto de sobreporem os seus
interesses aos do «bem comum e do seu Rei», a dissimulação, o abuso de poder e a
exploração do povo.

Quanto à estrutura interna, este excerto de Os Lusíadas pode dividir-se em


quatro momentos:
. 1.º momento (estância 78):
1. A invocação: “Vós, Ninfas do Tejo e do Mondego”;
2. Objetivo: pedir às Ninfas que lhe deem inspiração para a composição da obra
(“Vosso favor invoco”);
3. Razões do pedido: o receio de que, sem a inspiração das Ninfas, não seja capaz de
cumprir o seu propósito (“Que, se não me ajudais, hei grande medo / Que o meu
fraco batel se alague cedo”).

. 2.º momento (estâncias 79 – 81): Argumentos do poeta:


1. O poeta já canta, há muito tempo, os feitos dos portugueses (“o vosso Tejo e os
vossos Lusitanos”) - os longos anos a escrever sobre os portugueses;
2. Trabalhos e danos que enfrentou:
a) os perigos e as aventuras / viagens do / pelo mar (79, v. 5);
b) os perigos / a participação da / na guerra (79, v. 6);
c) a errância pelo mundo;
d) a pobreza sofrida no Oriente (80, v. 1);
e) o desterro e os trabalhos passados em regiões estranhas (80, v. 2);
f) as esperanças e as desilusões (80, vv. 3-4);
g) os perigos das navegações: o naufrágio que sofreu (8º, vv. 5-8);
h) a ingratidão (81) dos senhores (82, v. 1) que o poeta cantava e que, em vez de honra
e glória, lhe inventaram novos trabalhos (81, vv. 7-8), levando os poetas do futuro a
desistir de cantar os feitos que mereçam “ter eterna glória”.

. 3.º momento (estâncias 82 a 86): Crítica ao exercício do poder:


- Acesso desonesto ao poder:
. a ambição;
. o interesse pessoal;
. a simulação.
- Mau exercício do poder:
. roubo do povo;
. pagamento injusto do trabalho.

. 4.º momento (estância 87):


a) Intenções do poeta: cantar aqueles que arriscam a sua vida e a colocam ao serviço
de Deus e da Pátria / do Rei e, por isso, merecem a imortalidade;
b) Por oposição, nas estâncias 84 a 86, enumerou aqueles que não cantará:
i) os que colocam o interesse pessoal à frente do bem comum e do interesse do rei;
ii) os ambiciosos que ascendem ao poder para se servir a si mesmos e abusam desse
poder;
iii) os dissimulados;
iv) os que exploram o povo.

.º momento (estância 78):

1. A invocação: "Vós, Ninfas do Tejo e do Mondego";


2. Objectivo: pedir às Ninfas que lhe dêem inspiração para a composição da
obra ("Vosso favor invoco");
3. Razões do pedido: o receio de que, sem a inspiração das Ninfas, não seja
capaz de cumprir o seu propósito ("Que, se não me ajudais, hei grande medo /
Que o meu fraco batel se alague cedo").

2.º momento (estância 79 - 81): Argumentos do poeta:

1. O poeta já cantou "o vosso Tejo e os vossos Lusitanos";


2. Trabalhos e danos que enfrentou:

a) os perigos do mar (79, v. 5);


b) os perigos da guerra (79, v. 6);
c) a pobreza sofrida no Oriente (80, v. 1);
d) os trabalhos passados em regiões estranhas (80, v. 2);
e) as esperanças e as desilusões (80, vv. 3-4);
f) os perigos da navegação: o naufrágio que sofreu (80, vv. 5-8);
g) a ingratidão (81) dos senhores (82, v. 1) que o Poeta cantava e que, em vez de honra
e glória, lhe inventaram novos trabalhos (81, vv. 7-8), levando os poetas do futuro
a desistir de cantar os feitos que mereçam "ter eterna glória".

3.º momento (estâncias 82 a 86): Crítica ao exercício do poder:

4.º momento (estância 87): Intenções do poeta: cantar apenas aqueles que,
arriscando a vida por Deus e pelo seu rei, merecem a imortalidade.

CANTO VIII

Vasco da Gama permanece nas naus e decide não desembarcar, visto que já não
confia no ambicioso Catual, pois já o traíra, era muito ambicioso («cobiçoso»), corrupto
(«corrompido») e «pouco nobre». Por outro lado, Gama espera vir a descobrir a verdade
com o tempo, daí também a sua decisão.
Ora, esta referência ao sucedido a Vasco da Gama é o exemplo que serve de ponto
de partida para a reflexão do poeta, que adverte, a partir do verso 5 da estância 96, para
o efeito corruptor do dinheiro, que tanto sujeita os ricos como os pobres.
Na estância 97, o poeta apresenta três casos através dos quais pretende provar a
sua tese enunciada na estância anterior, isto é, que exemplificam o poder negativo dos
bens materiais – dinheiro e ouro -, que levam à adoção de atitudes inesperadas.
O primeiro exemplo refere-se ao rei da Trácia, que assassinou Polidoro, filho de
Príamo, rei de Troia, com o único fito de lhe roubar o ouro. De facto, para o salvar,
quando a cidade estava prestes a cair em poder dos Gregos, o rei enviou-o com ouro ao
rei da Trácia que, todavia, se apoderou do ouro e o assassinou.
O segundo caso refere-se a Dánae, filha de Acrísio, rei de Argos (Grécia), que foi
encerrada numa torre para que não procriasse e, deste modo, fosse anulada uma profecia
de um oráculo que anunciou a morte do soberano às mãos de um neto. Porém, Júpiter
metamorfoseou-se em chuva de ouro, introduziu-se na torre e engravidou-a. Desse ato
nasceu Perseu, que, concretizando a profecia, assassinou o avô.
O último exemplo alude a Tarpeia, uma jovem romana que, na esperança de obter
anéis de ouro dos Sabinos que sitiavam Roma, lhes abriu as portas da cidade. No
entanto, os inimigos não a pouparam, esmagando-a sob as joias e os escudos, tendo
assim ficado soterrada.
Nas estâncias 98 e 99, o poeta prossegue a enumeração dos efeitos negativos do
dinheiro:
a. corrompe o pobre e o rico (estância 96);
b. leva ao assassínio (exemplo do rei da Trácia);
c. conduz à traição (est. 98, v. 1): os soldados rendem-se quando as suas fortalezas ainda
se encontram abastecidas;
d. conduz à traição e à falsidade entre os amigos;
e. transforma o mais nobre em vilão (est. 98, vv. 3 a 6): a ambição material pode levar
nobres, capitães ou virgens a renderem-se ao seu poder, mesmo tendo consciência de
que a sua honra ficará manchada;
f. corrompe as ciências, os juízes e as consciências, levando-as a agir contra os seus
princípios morais e culturais (est. 98, vv. 7-8);
g. distorce / perverte a interpretação dos textos (est. 99, vv. 1-2);
h. manipula as leis e a justiça, que se aplicam arbitrariamente (est. 99, v. 2);
i. fomenta o perjúrio (est. 99, v. 3);
j. fomenta a tirania nos reis (est. 99, v. 4);
k. corrompe os membros do clero, ainda que sob uma capa de virtude.

Em síntese, os vícios provocados pela ambição são os seguintes:

i. a traição (“Faz tredores e falsos os amigos”);


ii. a corrupção (“Este corrompe virginais purezas”);
iii. a arbitrariedade (“Este interpreta mais que subtilmente / Os textos…”);
iv. a mentira / o perjúrio (“Este causa os perjúrios entre a gente”);
v. a tirania (“E mil vezes [hipérbole] tiranos torna os Reis”).
Relativamente à estrutura interna, é possível identificar dois momentos:
. 1.º momento (est. 96): apresentação da «tese» - o poder corruptivo do dinheiro, a partir
do sucedido com Vasco da Gama.
. 2.º momento (est. 97 a 99): os efeitos negativos da ambição pelo dinheiro / ouro.

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