KURZ, Robert. O Colapso Da Modernização. Pequeno Glossário.
KURZ, Robert. O Colapso Da Modernização. Pequeno Glossário.
KURZ, Robert. O Colapso Da Modernização. Pequeno Glossário.
Conceito que se origina na crítica da religião do século XVIII, sendo considerado uma característica essenci-
al de religiões "primitivas". Fundamentava-se nas observações de colonizadores portugueses na África e
servia para designar uma crença que imagina em objectos mortos uma alma e forças sobrenaturais. Marx
referiu esse conceito ironicamente à moderna sociedade produtora de mercadorias, que se sujeita a um feti-
chismo análogo na forma do dinheiro e de seu movimento de exploração em empresas. Assim, o conceito
tornou-se corriqueiro na critica da lógica da mercadoria, apesar de ser, a rigor, demasiadamente geral. Pois
no fundo, Marx não quer ressaltar o facto de que a objectos em geral podem ser atribuídas forças sobrena -
turais que nada tem a ver com sua existência natural, mas sim caracterizar um estado social em que a soci -
edade não tem consciência de si mesma, não penetra nem organiza directamente na prática sua própria for -
ma de socialização, mas sim tem que "representá-la" simbolicamente em um objecto externo. Esse objecto
(que também pode ser animado) assume então um significado sobrenatural que não é idêntico a sua forma
externa, mas que aparece através desta. Em virtude desse significado adquire ele, apesar de sua banalida -
de material, poder sobre todos os membros dessa sociedade. Um etnólogo diria talvez que o totem consti-
tuiria uma analogia mais adequada. Nos modos de produção asiáticos, o Filho do Céu ou Imperador Divino
assume essa função, e no feudalismo, o solo. O dinheiro, como uma das muitas formas do fetichismo, existe
em todas essas sociedades, mas ainda não possui a função geral de representar a socialização inconscien -
te, que adopta outras formas. Somente na modernidade assume o dinheiro definitivamente essa função. Por
isso, pode ser designado como totemismo objectivado e secularizado da modernidade. Não é à toa que tem
suas raízes no âmbito sacral, facto que quase sempre ressaltam os apologistas do moderno sistema produ-
tor de mercadorias, sem reflectir o que estão dizendo com isso. Somente em conexão com sua crítica do fe -
tiche mercadoria e de sua forma de manifestação, como dinheiro, pode-se compreender por que para Marx
a modernidade ainda faz parte da "pré-história da humanidade". Pois cabe dizer, numa inversão daquela
perspectiva etnológica que se recusa a chamar de "primitivas" as culturas muito antigas e os povos incivili -
zados, que também o sistema produtor de mercadorias da modernidade é ainda uma sociedade primitiva.
Fordismo
Designação sociológica moderna para a fase de desenvolvimento mais recente da produção moderna de
mercadorias, que se estende aproximadamente de 1920 até 1980. Denominação em homenagem a Henry
Ford, que inventou a esteira rolante na montagem de automóveis. Com isto podiam ser eliminados do pro -
cesso de trabalho industrial os últimos restos de competência artesanal. Os "fundamentos da direcção cien-
tífica de empresas", do engenheiro americano Taylor, isto é, a decomposição de processos de produção e
sua recomposição sintética, sob o comando da lógica económica do entrelaçamento "óptimo" , somente po-
diam ser realizados em grande escala em virtude da produção na esteira rolante de Ford. Assim tornou-se
possível, para muito além da indústria automobilística, a produção em massa em muitos sectores que até
então escaparam ao cálculo de valorização da administração de empresas. Somente após a Segunda Guer-
ra Mundial impôs-se o fordismo universalmente. As novas industrias de produção em massa não apenas se
tornaram o centro de uma acumulação de capital sem par, mas também o de um "modelo social", de um
modo de viver, marcado pela totalização do trabalho abstracto em combinação com uma "cultura do tempo
livre" compensatória e uniformizada. Desde o início dos anos 80, o fordismo está se esgotando em todos os
aspectos; crises ecológicas, desemprego industrial em massa, terciarização ("sociedade de serviços"), no-
vas formas de depauperação e colapsos de sistemas em grande parte do mundo provocaram críticas nume -
rosas do modo de viver fordista.
Mercantilismo
Monetarismo
Designação comum para uma teoria económica especial, que nasceu do neoclassicismo nacional-econômi-
co - do neoliberalismo - e se dirige estritamente contra a regulamentação estatal da procura, defendida pelo
keynesianismo. Conjura-se, como já Adam Smith, as "forcas autocurativas do mercado" e a invisible hand
deste, a qual, no entanto, precisaria do apoio de uma política monetária estritamente antiinflacionária e res -
tritiva. Milton Friedman, com sua escola de Ckicago, é considerado o representante principal. Quase sempre
entende-se também por monetarismo a política económica prática, defensora radical do mercado, que está
vinculada a essa teoria e que nos anos 80, com os nomes de "reaganomics" e "thatcherismo", conquistou
particularmente os EUA e a Grã-Bretanha, ainda que com resultados bastante catastróficos.
Mas pode-se também entender por monetarismo, num sentido muito mais geral e fundamental, o principio
da concorrência ou a actuação coativa das leis do dinheiro, em geral. A esse princípio opõe-se, como rever -
so da mesma medalha, o estatismo, a intervenção estatal no processo quase naturalmente surgido da con-
corrência, a fim de mudar seu rumo ou de impedir suas consequências. Como ideologias político-económi-
cas, monetarismo e estatismo lutam pela hegemonia político-social, mas também se interpenetram constan-
temente e referem-se à mesma estrutura básica objectivada do trabalho abstracto, isto é, da autovaloriza -
ção do dinheiro. Por isso, em épocas estatistas do sistema produtor de mercadorias atua sempre também o
elemento monetarista, e vice-versa, distinguindo-se eles somente pela acentuação.
Razão (iluminismo)
Conceito pouco claro do pensamento ocidental desde a Antiguidade. Na época do iluminismo (séculos XVII
e XVIII) foi proclamada a emancipação da razão dos grilhões da religião. Queria-se que os homens se liber-
tassem da dependência que eles mesmos, causaram e actuassem no mundo conscientes de seu próprio
valor. Mas a razão não suprimiu a religião, senão apenas a secularizou, o que se revela claramente na
"Deusa Razão", idolatrada durante a Revolução Francesa, na forma simbólica de uma estátua. O carácter
fetichista ou totemista dessa crença na razão foi provado pelo facto de que em seu nome foi desencadeado
o processo cego da socialização mundial capitalista, a qual, quanto à forma, é precisamente o contrário da
consciência humana de seu próprio valor. A razão universal supostamente absoluta rebaixou-se à mera raci-
onalidade funcional, a serviço do processo de valorização do dinheiro, que não tem sujeito, até a actual ca-
pitulação incondicional das chamadas "ciências do espírito". O universalismo abstracto da razão ocidental
revelou-se como mero reflexo da abstracção real objectiva do dinheiro.
Em oposição a esse conceito, cabe estabelecer o conceito da razão sensível, cujo pressuposto é a supera-
ção da abstracção real fetichista. Ao filósofo profissional burguês, esse conceito deve apresentar-se como
contradição em si, já que para ele é idêntico à razão como tal o universalismo abstracto ("masculino")O de-
bate ecológico e seu conceito de entrelaçamento poderiam indicar-nos um caminho para dissolver o concei-
to iluminista da razão. No entanto, falta a esse debate até agora quase todo avanço crítico em direcção às
formas de socialização do trabalho abstracto e também, com isso, à dimensão filosófica dessas formas; o
debate se reduz ao "praticismo" e desvia para a ética, isto é, para o lado prático da razão fetichista ainda in-
cólume do pensamento ocidental.
À primeira vista, o trabalho parece sempre ser concreto, pensando-se em determinada actividade útil e no
caso do substantivo abstracto, na generalização dessa actividade. Mas nos sistemas produtores de merca-
dorias, o "trabalho" como tal, sem conteúdo especifico, torna-se como abstracção real um poder material di-
recto. O abstracto, nascido da mente, aparece frente a essa mente, na forma de dinheiro, como fenómeno
real externo. O dinheiro, a encarnação do trabalho abstracto, não deixa transparecer nenhum conteúdo con -
creto; apresenta sempre a mesma qualidade, sendo um fenómeno insensível com forma sensível, um para -
doxo. Ali onde o dinheiro, como imperativo social de fazer mais dinheiro (lucro absoluto), passa a trazer em
si sua própria finalidade, a abstracção real estende-se também ao próprio processo de trabalho material. Os
homens, antes de qualquer determinação concreta e substancial, transformam-se em mônadas do dispên-
dio de força de trabalho abstracta. Em agregados altamente diferenciados cooperam de forma directamente
social, porém no grau mais alto de indiferença e alienação recíprocas. Podem satisfazer suas necessidades
apenas indirecta e posteriormente, mediante o processo abstracto de automovimento do dinheiro. Os pro-
jectos cada vez mais monstruosos de exploração do "trabalho sans phrase" apresentam-se como algo que
se independentizou de seus autores. Todo estudante de economia política repete, já no primeiro semestre,
irreflectidamente e com grande convicção, a afirmação de Keynes de que abrir e fechar buracos poderia ser
útil para a mobilização e o aumento da riqueza social. O trabalho abstracto é, portanto, uma espécie de
neurose obsessiva da economia.
O marxismo dos epígonos falhou completamente na crítica do trabalho abstracto. Para eles, o trabalho, na
forma de existência em que o encontraram, era o "bom" ontológico, que teria sido violentado apenas exteri-
ormente pelo capital, compreendendo eles o conceito de trabalho abstracto irreflectidamente como definição
positiva. Por isso aconteceu que os livros didácticos de economia do socialismo real se referiam a ele como
necessidade da técnica contábil ou até como objectivo explícito do Estado.
Valor
Tanto etimologicamente quanto na prática, o conceito de valor parece designar o "bom" como tal, o desejá-
vel. Apesar da acentuação diferente, confundem-se como sinónimos o valor económico e os "valores" éticos
e culturais. Não é à toa que o fundador da economia política clássica, Adam Smith, actuava paralelamente
como filósofo da moral. Mas na conceituação totalmente inversa de Marx, o valor económico é, precisamen-
te o contrário, o negativo central da sociedade da mercadoria. Nela é "objetificado" o trabalho abstracto, a
forma social fetichista dos produtos. A expressão de um produto "ter" um chamado valor, tem para ele um
significado duplo. Primeiro, enquanto são valores económicos, extingue-se a qualidade sensível dos produ-
tos, não passando eles de representantes materiais de trabalho abstracto indiscriminado, que apenas como
tais podem ser transformados na forma de encarnação do dinheiro. Em segundo lugar, porém, revela-se na
forma-valor abstracta dos produtos, que se expressa pelo preço em dinheiro, o absurdo social de que o pro -
cesso vivo da apropriação da natureza pelo homem e das relações sociais por ela medidas assumem a for-
ma de propriedades de objectos mortos. A actividade viva dos homens é absorvida, por assim dizer, por
seus próprios produtos, que por esse mecanismo absurdo são promovidas a quase-sujeitos da sociedade,
enquanto os homens, seus criadores, são degradados a meros acessórios. No automovimento do dinheiro
termina essa inversão.
O marxismo dos epígonos, na sucessão dos clássicos burgueses e em contraste a Marx, não se referia de
forma negativa, mas sim de forma positiva à qualidade dos produtos de valores fetichistas, de "bom" resulta-
do do trabalho, enquanto o conceito de objetificação foi reduzido a um mero fenómeno da consciência. A
crítica passa a enfocar exclusivamente a mais-valia, isto é, a quantia "não paga" do valor produtivo, da qual
é supostamente privado o trabalhador. Dessa maneira, não se crítica a qualidade destrutiva da socialização
na forma-valor, mas sim apenas o mecanismo quantitativo de distribuição que se encontra sobre essa base
cegamente pressuposta.
(In. O Colapso da Modernização - Da derrocada do socialismo de caserna à crise da economia mundial de Robert Kurz; Editora Paz e Terra, Brasil, 2ª edi-
ção, 1993.
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