Narrativas Cosmogonia
Narrativas Cosmogonia
Narrativas Cosmogonia
PORTO VELHO – RO
2018
CILA MARIÁ FERREIRA FONSECA DE OLIVEIRA
PORTO VELHO – RO
2018
FICHA CATALOGRÁFICA
158 f. : il.
Orientador(a): Prof. Dr. Valdir Vegini
Ao meu pai João Fonseca de Oliveira e à minha mãe Rosalina de Queiroz Ferreira, grandes
educadores, por terem me ensinado a importância do aprendizado e a sempre buscar e lutar,
com honradez, por meus objetivos pessoais e profissionais.
Ao meu esposo, pelo apoio incondicional, pelo companheirismo e pela leitura crítica,
fundamental na realização desta pesquisa.
À minha filha Ana Cecília, pela cumplicidade nos momentos de estudo e por me fazer sorrir
sempre.
Ao meu orientador Valdir Vegini, pelas orientações durante todo esse processo de pesquisa.
Você sempre servirá de inspiração para minha conduta profissional e acadêmica.
Meus agradecimentos também ao Prof. Dr. Miguel Nenevé, Prof.ª Dra. Maria Cristina Victorino
de França e Prof.ª Dra. Nair Ferreira Gurgel do Amaral, pelas importantes sugestões dadas e
por aceitarem fazer parte da banca examinadora.
A todos os professores do Mestrado Acadêmico em Letras, da Universidade Federal de
Rondônia.
A todos os colegas que de alguma forma dispuseram de seu tempo para enriquecer esta
pesquisa.
À Capes, pela concessão da bolsa de pesquisa.
RESUMO
Esta dissertação tem como objeto de investigação toadas de boi-bumbá do festival folclórico de
Parintins, no estado do Amazonas, que versam sobre as narrativas, a cosmogonia e a re-
existência indígenas. O objetivo geral é analisar narrativas indígenas sob o formato de toadas
de boi-bumbá, e destacar por meio dessas histórias, além de características poéticas e
estruturais, elementos que representam a visão cosmogônica dos povos indígenas e a luta e
preservação de sua cultura, crenças, tradição e história. E, como objetivos específicos: analisar
estruturalmente a constituição das narrativas indígenas sob o formato de toadas de boi-bumbá
usando como referência os estudos de Barthes, Genette, e, principalmente, Tzvetan Todorov;
destacar as características cosmogônicas dos mitos indígenas de origem da criação do mundo
embasadas em Stuart Hall, Paes Loureiro, Homi Bhabha, Mircea Eliade, Umusῖ Pãrõkumu e
Tõrãmũ Kẽhíri, Vegini e Kopenawa & Albert; e, por último, ressaltar o contexto histórico do
processo colonial nas Américas com ênfase na Amazônia brasileira com base em José Ribamar
Bessa Freire, Darcy Ribeiro e Tzvetan Todorov, abordando a questão da re-existência indíge na
fundamentada na crítica pós-colonialista de Albert Memmi, Walter Mignolo, Neide Gondim e
Frantz Fanon. Para esses propósitos, utilizei, como base, o método da pesquisa exploratória,
bibliográfica e documental, e como suporte, a metodologia sociopoética apresentando a
possibilidade de confluência entre o rigor científico e o imaginário poético da região
Amazônica. Como resultado, observei que é possível analisar toadas de boi-bumbá que versam
sobre narrativas indígenas à luz da teoria da análise estrutural da narrativa; que os elementos
característicos da visão cosmogônica indígena são a representação de pertencime nto,
identidade, tradição e cultura; e, que a abordagem sobre a re-existência indígena, sob o enfoque
do pós-colonialismo, deixa como propósito uma mensagem de preservação e luta ainda
necessárias no que tange aos direitos dos indígenas em re-existirem em sua própria terra,
mantendo vivas sua cultura, tradição e identidade.
In this master’s thesis I investigate the boi-bumbá songs, known as “toadas”, that deal with
indigenous narratives, cosmogony and re-existence themes, played during the Parintins Folk
Festival (which takes place at the State of Amazonas/Brazil). The general objective is to analyze
indigenous narratives under the boi-bumbá toadas format, emphasizing through these histories,
not only poetic and structural characteristics, but also elements that represent the cosmogonic
vision of indigenous people, as well as the struggle for preservating their culture, beliefs,
tradition and history. In addition, as specific objectives: to analyze structurally the constitutio n
of indigenous narratives in the form of toadas using as basis the studies of Barthes, Genette
and especially Tzvetan Todorov; to emphasize cosmogonic characteristics concerning
indigenous myths of origin and creation of the world based on Stuart Hall, Paes Loureiro, Homi
Bhabha, Mircea Eliade, Umusῖ Pãrõkumu and Tõrãmũ Kẽhíri, Vegini and Kopenawa & Alber t;
and finally, to highlight the historical context of the colonial process in the Americas with
emphasis on the Brazilian Amazon based on José Ribamar Bessa Freire, Darcy Ribeiro and
Tzvetan Todorov, addressing the question of indigenous re-existence substantied in the post-
colonialist critique of Albert Memmi, Walter Mignolo, Neide Gondim and Frantz Fanon. For
these purposes, I used, as basis, the exploratory, bibliographical and documentary method and,
as support, the sociopoetic methodology presenting the possibility of confluence between
scientific rigor and the poetic imaginary of the amazon region. As result, I observed that is
possible to analyze boi-bumbá toadas, that inherintly deal with indigenous narratives, bringing
to light the theory of structural analysis of narrative; that the characteristic elements of the
indigenous cosmogonic vision are the representation of belonging, identity, tradition and
culture of these people; and, finally, that the approach to indigenous re-existence under the post-
colonialism bias brings, as a purpose, a message of preservation and struggle regarding the
rights of indigenous people to re-exist in their own land, keeping alive their culture, tradition
and identity.
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 14
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 15
2.4 A ilha tupinambarana: o lado vermelho da ilha e o lado azul da cidade ............. 57
4.1. Análise estrutural poética em narrativas indígenas sob o formato de toada de boi-
bumbá: uma possibilidade ............................................................................................ 113
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 136
Desde criança meu fascínio era ouvir e dançar as toadas que embalavam o Festival
Folclórico de Parintins, no estado do Amazonas, principalmente adorava dançar ao som das
toadas de boi-bumbá do Garantido, o boi que conquistou meu coração. Ir para a Ilha Encantada
(Parintins) era o evento mais esperado todos os anos.
Confesso que aquele espetáculo a céu aberto era indescritivelmente mágico. As cenas
aconteciam diante dos meus olhos de espectadora e no decorrer do enredo de cada noite eu
(espectadora) me transformava em personagem, pois não é à toa que um dos itens avaliados
durante a festa é o quesito: Galera.
Enfim, a fase madura chegou e com ela as responsabilidades, não pude mais frequentar
todos os anos o festival, contudo, minha paixão pelo meu boi e de uma maneira geral pelo
Festival Folclórico de Parintins, permaneceram.
Compreender o que é o festival tornou-se algo mais fundamental em minha fase adulta.
E no meu ingresso ao curso do Mestrado em Letras da Universidade Federal de Rondônia pude
unir essa paixão com a ciência da Academia. Sim! Por que não haveria de existir pesquisa
dentro do folclore, da cultura e do Boi-bumbá?
Por isso, o desejo de pesquisar não somente o festival como manifestação cultural, como
também toadas que representam narrativas, cosmogonia e a re-existência indígenas. Dessa
forma, justifico a escrita desta pesquisa em primeira pessoa.
Meu orientador, professor Doutor Valdir Vegini, apresentou-me um outro olhar para as
narrativas indígenas amazônidas e isso foi de extrema importância para a escolha da temática
sobre narrativas indígenas com viés poético e, também, o professor Doutor Miguel Nenevé com
as aulas sobre Pós-Colonialismo, fazendo-me enxergar outro aspecto, que não o romântico (no
sentido figurado), como fizemos e fazemos parte de um processo de colonização predatório.
Com as teorias sobre narrativas, cultura e pós-colonialismo, apresentadas durante o
Mestrado, pude relacionar as toadas selecionadas para a pesquisa com a análise estrutural da
narrativa, a visão cosmogônica e a questão indígena de re-existência e reconhecer nosso direito
de mantermos nossa identidade, costumes, crenças e tradições com o intuito de não permitir
que nossa cultura desapareça. Afinal, também sou filha da terra e herdeira dessa cultura!
14
INTRODUÇÃO
Meu objetivo, a princípio, era realizar uma análise estrutural das narrativas indíge nas
sob o viés poético a partir das toadas de boi-bumbá selecionadas para esta pesquisa. No entanto,
outros caminhos foram percorridos e encontrei a pertinência e a relevância em trabalhar a
cosmogonia e a re-existência1 indígenas como representação de identidade, pertencimento,
tradição, cultura, luta e preservação, como temas abordados nessas toadas.
O processo de coleta das toadas teve início em agosto de 2016 e terminou em janeiro de
2018. Para isso, foi necessário pesquisar os acervos de toadas dos bois-bumbás, Garantido e
Caprichoso, dos anos de 1994 a 2018.
Foram coletadas 1032 toadas. Essas composições são criadas com temas direcionados
aos itens avaliados durante o festival folclórico de Parintins, no Amazonas (ver p. 51-72). Desse
total, 174 composições referem-se às temáticas propostas para esta pesquisa.
Por tratarem de temáticas e conteúdos semelhantes, foi suficiente para a realização desse
trabalho selecionar seis toadas: duas sobre narrativas indígenas para abordar a análise estrutural
com viés poético, duas sobre características cosmogônicas que representam identidade,
pertencimento, tradição e a cultura indígenas e, duas que versam sobre re-existência para
realizar uma análise pós-colonialista com o objetivo de impedir que essa herança cultural se
acabe2 .
Depois da coleta, foi realizada a transcrição das letras das toadas com o intuito de
verificar: a) que tipo de narrativas (lenda, ritual, clamor) as toadas se referiam; b) qual o
significado das palavras indígenas encontradas na composição das letras; e, 3) a que temáticas
as narrativas indígenas sob o formato de toadas se referiam. A partir daí estruturei a dissertação
d a seguinte maneira:
Na seção 1, páginas 17 a 50, apresento o início da trajetória com os objetivos, a
metodologia, o corpus e os critérios que utilizei para a análise;
Na seção 2, páginas 51 a 72, apresento de maneira breve os elementos históricos, sociais
e folclóricos acerca do Festival Folclórico de Parintins, com a finalidade estritamente
ilustrativa, porém indispensável para uma melhor compreensão do universo místico indíge na
1 Para Gurgel do Amaral (2016, p. 33), o termo constitui-se em um neologismo criado com a finalidade de definir
os movimentos de sobrevivência indígena diante das adversidades enfrentadas em contat o com o não-indígena.
2 Daí a opção por denominar re-existência.
15
representado neste festival cultural e folclórico e que mantém com as toadas um canal de
transmissão, conhecimento e aprendizado das raízes culturais e ancestrais indígenas.
Na seção 3, páginas 73 a 110, discorri sobre os aportes teóricos escolhidos que se
subdividem em: a) os elementos constituintes da narrativa e sua estrutura tendo por referência
os teóricos Barthes (1972), Genette (1972) e, principalmente, Tzvetan Todorov (1972; 2006);
b) as características cosmogônicas e culturais de pertencimento, identidade e tradição
embasadas em Mircea Eliade (1972), Umusῖ Pãrõkumu e Tõrãmũ Kẽhíri (1995), Stuart Hall
(1997), Homi Bhabha (1998), Paes Loureiro (2008), Vegini (2014) e Kopenawa & Albert
(2015); e, c) contexto histórico do processo colonial amazônico com base em Darcy Ribeiro
(1979), Tzvetan Todorov (1983; 2010), José Ribamar Bessa Freire (2008; 2011) e a questão da
re-existência sob o enfoque da crítica pós-colonial em Frantz Fanon (1968; 2008), Neide
Gondim (2007), Albert Memmi (2007) e Walter Mignolo (2008).
Por fim, na seção 4, páginas 111 a 130, apresento três subseções com o intuito de
possibilitar uma análise poético-estrutural em narrativas sob o formato de toadas de boi-bumbá;
correlacionar as características da cosmogonia indígena amazônida com as questões sociais de
cultura, identidade, pertencimento e tradição; e, expor o contexto histórico de colonização da
Amazônia e os aspectos de re-existência indígena, com base na crítica pós-colonialis ta,
encontrados nas toadas e uma possível contribuição social, poética, crítica e reflexiva em prol
dos povos indígenas amazônidas.
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1. O INÍCIO DA TRAJETÓRIA, NO ENCANTO DAS TOADAS
Como objetivo geral, pude realizar análise estrutural com viés poético em narrativas
indígenas sob o formato de toadas de boi-bumbá do festival folclórico de Parintins, no estado
do Amazonas. Destacando por meio dessas histórias, além de características narrativo-poéticas,
elementos que representam a cosmogonia dos povos indígenas e sua luta pela preservação de
sua cultura e história.
3 No que tange às questões indígenas, sempre será preciso resistir de alguma forma para continuar existindo.
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1.2 Justificativa e Relevância da pesquisa
Meu objeto de pesquisa são seis toadas de boi-bumbá do festival folclórico de Parintins
que tratam sobre narrativas indígenas como representação da identidade, pertencime nto,
tradição e cultura.
Para isso, selecionei duas toadas: a) uma lenda e um ritual; b) duas que versam sobre
cosmogonia indígena; e, por último, c) duas que abordam as temáticas da re-existência indíge na
e da abordagem do pós-colonialismo.
As toadas de boi-bumbá são um gênero musical responsável pela reprodução ritmada da
cultura dos bois-bumbás da Região Norte. Especificamente, esse estilo musical, tornou-se
Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial no estado do Amazonas.
Tal reconhecimento traduz a valorização do festival folclórico de Parintins, bem como
das pessoas envolvidas nessa manifestação cultural como artistas, músicos, compositores e
folcloristas. Dessa forma, mantém-se viva a tradição herdada culturalmente dos antepassados,
agregando com isso valor à identidade amazônida do norte do país.
Para a criação das toadas, o compositor busca as narrativas indígenas para representar a
cultura ancestral que ainda vive como herança da tradição desses povos. Por isso, embasada em
Barthes (1972, p. 19), as narrativas do mundo são inumeráveis e estão presentes “em todos os
tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades, começa com a própria história da
humanidade”.
Com relação à composição das letras e escolha das toadas, estas são criadas por
compositores identificados com o Boi Bumbá de sua preferência e selecionadas por meio de
edital (apêndices G e H, páginas 147 a 158).
Cada compositor (a) poderá se inscrever com quantas toadas quiser, sejam elas
compostas de forma individual ou em parceria com até três coautores, sendo vendada a
participação de compositor (a) que esteja concorrendo com outras obras na Associação
Folclórica contrária.
Embora o festival folclórico de Parintins tenha hoje cunho financeiro, pode-se dividir
essa percepção sob três ângulos distintos e convergentes: 1) a perspectiva dos organizadores e
patrocinadores, que visam obter lucro com o festival por se tratar de algo rentável por causa do
turismo; 2) a visão dos moradores, que ainda hoje travam uma disputa acirrada, dividindo a ilha
ao meio e em duas cores, garantindo que a tradição cultural continue todos os anos durante o
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final do mês de junho; e, 3) o olhar dos brincantes, que vêm de fora da ilha e enxergam o festiva l
como um grande espetáculo de dramaturgia no qual todo ano uma mensagem de tradição,
pertencimento, identidade e cultura é encenada e transmitida com o objetivo de encantar e
manter viva a tradição.
Minha pesquisa propõe seguir a segunda e a terceira perspectivas por analisar as
questões culturais, narratológicas e poéticas abordadas pelas temáticas apresentadas nas toadas
selecionadas.
Como primeiro critério de relevância sociocultural na pesquisa, proponho analisar duas
narrativas indígenas sob o formato de toadas de boi-bumbá de maneira estrutural, seguindo um
modelo de análise que visa a observar as características e os elementos constituintes de uma
obra literária com relação as características da trama e os aspectos e que possam ser
enquadrados na análise das toadas selecionadas (subseção 4.1, páginas 112 a 122).
Sendo assim, a figura do narrador constitui importante papel na estrutura do espetáculo
folclórico, pois ele encarna dois papéis fundamentais e distintos: de levantador de toadas, cuja
missão é elaborar musicalmente as narrativas indígenas, e de compositor que escreve o texto
poético em forma de toada, baseado em elementos culturais cosmogônicos dos povos indíge nas.
Como segundo critério de relevância sociocultural, proponho o destaque dos aspectos
cosmogônicos como representação de identidade, pertencimento e tradição dos povos indíge nas
(subseção 4.2, páginas 122 a 126).
Por fim, como terceiro critério de relevância, proponho, por meio de uma análise sobre
re-existência e de uma abordagem crítica com viés do pós-colonialismo, deixar a mensagem de
preservação e luta ainda necessárias em nossa sociedade no que tange aos direitos dos indíge nas
em re-existirem em sua própria terra, mantendo vivas sua cultura, tradição e identidade
(subseção 4.3, páginas 126 a 130).
A base metodológica, empregada para a pesquisa, tem caráter exploratório, bibliográ fico
e documental. Portanto, fez-se necessário seguir três objetivos norteadores:
1. Comprovar que as narrativas indígenas, sob o formato de toadas de boi-bumbá,
podem ser analisadas de maneira estrutural e poética, em acordo com as teorias que
versam sobre a análise de narrativas literárias;
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2. Destacar os elementos cosmogônicos presentes nas toadas como manifestação de
identidade, pertencimento, tradição e cultura;
3. Abordar a problemática indígena sob o viés pós-colonial, ressaltando a re-existênc ia
como mecanismo de preservação e luta frente aos direitos indígenas.
Pesquisas exploratórias, bibliográficas e documentais são apontadas por Gil (1996,
p.45), como o “aprimoramento de ideias ou a descoberta de intuições”, e seu planejame nto
bastante flexível é aberto a considerações sob vários aspectos relativos ao que é estudado.
Além disso, envolvem levantamento bibliográfico e análise de exemplos com o intuito
de levar a compreensão dos objetivos propostos. Desta maneira, a pesquisa se dividiu em três
partes:
1. Levantamento documental em arquivos de áudio das toadas de boi-bumbá dos anos
de 1994 a 2018;
2. Seleção das toadas para cada temática: duas toadas para análise estrutural e poética
em narrativas indígenas, duas toadas para os elementos cosmogônicos e duas toadas
para abordar a re-existência indígena;
3. Levantamento bibliográfico das teorias que versam sobre: análise estrutural da
narrativa; cosmogonia (mitos de origem), pós-colonialismo e Amazônia (histór ia,
sociedade e cultura).
À base metodológica descrita utilizei, como suporte, a metodologia sociopoética. Essa
metodologia teve sua criação por volta de 1993 a 1995, na convergência de várias abordagens
como a pedagogia e o teatro do oprimido, a pesquisa-ação, a análise institucional e socioanálise,
os grupos operativos, a pedagogia simbólica e, também, a partir da aprendizagem intercultur a l
de vida e luta contra o colonialismo (GAUTHIER, 2011).
A opção, por seguir esse direcionamento metodológico como suporte, veio da
possibilidade de confluência entre o rigor científico e o imaginário poético da região
Amazônica, e por entender que a pesquisa sobre narrativas indígenas, sob o formato de toadas
de boi-bumbá, versa sobre as histórias dos povos indígenas e são a representação de sua cultura.
Para Gauthier (2011), a sociopoética visa a não ruptura entre as sabedorias populares,
tradicionais, ancestrais ou adquiridas nas lutas cotidianas contra o colonialismo e a ciência, mas
sim sua distinção. Garante, com isso, formas variadas de racionalidade e a possibilidade de que
outras fontes de conhecimento, não racionais e sim emocionais, intuitivas, sensíve is,
imaginativas e motrizes, entrem em jogo.
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Logo, assegura-se a possibilidade da valorização das culturas indígenas (dominadas e
de re-existência) de se tornarem uma orientação para outros modos de interpretar o mundo.
1.4 Corpus
Realizei a delimitação do meu corpus a partir da seleção dos álbuns com as toadas de
boi-bumbá, tanto do Garantido quanto do Caprichoso, entre os anos de 1994 a 2018, totaliza ndo
1032 toadas.
Com o intuito de organizar por temática, desse total agrupei somente as toadas referentes
aos assuntos propostos para a pesquisa que contabilizaram 174 toadas, divididas em: narrativas
indígenas (107 composições), cosmogonia (30 composições) e re-existência (37 composições).
Com relação aos objetivos desta pesquisa, seis toadas foram suficientes para a discussão
e análise das temáticas propostas, pois grande parte dessas toadas possuem teor e conteúdo
semelhantes.
Para efeito didático e ilustrativo, seguem quadros demonstrativos contendo álbum, ano,
quantidade e o nome das toadas de boi-bumbá lançadas entre 1994 a 2018. Não estão inseridas
as toadas dos anos anteriores por se tratarem de material difícil de ser coletado e que não
prejudicariam a análise da pesquisa realizada.
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Quadro 1: Toadas 1994
ANO
4 Do Tupi-guarani: marimbondo. Os carajás, também chamados karajá e iny mahãdu, são um grupo indígena que
habita a região dos rios Araguaia e Javaés, nos estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins e Pará, no Brasil.
5 Na língua Yanomami significa choro, lamento.
6 Da família das matantáceas; uma espécie de cana de colmo liso e reto, oferece superfícies planas, flexíveis, que
picada dolorosa. [F.: Do tupi tuka'ndi, posv. Var.: tocainará, to canairá, tocandera, tocanera, tocanquibira.] s. f. ||
(Bras.) Espécie de formiga (Di noponera grandis).
8 Mulher jovem e bela.
9 Povo indígena vítima de genocídio.
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Quadro 2: Toadas 1995
ANO
10 O Criador.
11 Nome de origem Tupi-Guarani, utilizado para classificar a espécie de um grande morcego que habita as florestas
brasileiras, também conhecido por guandirá, jandirá ou mopi.
12 Espírito da Mata.
13 Paraná é uma palavra tupi guarani que define um braço de rio, largo e extenso, que forma uma ilha, e que
encontra o mesmo rio mais adiante. Kari`= branco. No contexto da toada é o aventureiro de outras terras.
14 Designa os grupos indígenas cujas línguas pertencem à família linguística tucano, remete ainda a uma etnia
indígena específica que habita o Noroeste do estado brasileiro do Amazonas . Além de representar no Tupi-Guaran i
tu-can: que bate forte. Ave da ordem dos Piciformes, da família dos Ranfastídeos.
15 Trovão ou a divindade superior na cultura Tupi-Guarani.
16 Dança indígena.
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Quadro 3: Toadas 1996
ANO
17 Povo indígena de língua do tronco Ca-ribe, que vive nos estados de Roraima e do Amazonas.
18 Significa abelha feroz.
19 Cinzento despolido; preto desbotado; ruço, pardo.
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Quadro 4: Toadas 1997
ANO
20 Palmeira de até 20 m ( Astrocaryum aculeatum ), ger. solitária, de estipe com faixas de espinhos negros, folhas
ascendentes, inflorescência ereta, e frutos amarelos com tons avermelhados .
21 Criatura coberta de um longo pelo avermelhado, com a boca na barriga e que vive na floresta Amazônica entre
o Brasil e a Bolívia.
25
Quadro 5: Toadas 1998
ANO
24 Em todas as sociedades humanas que apresentam formas de ritualismo mágico -religioso, indivíduo escolhido
pela comunidade para a função sacerdotal, freq. em decorrência de comportamentos incomuns ou propensão a
transes místicos, e ao qual se atribui o dom de invocar, controlar ou incorporar espíritos, que favoreceriam os seus
poderes de exorcismo, adivinhação, cura ou magia.
25 Nome popular de uma planta, o mesmo que vitória-régia.
26 Madeira que dá nome a um ritual indígena, cujo significado para os indígenas é a despedida dos mortos e
atualmente 17 etnias, muitas das quais vivem também na Colômbia, na mesma bacia fluvial e na bacia do Rio
Apapóris (tributário do Japurá), cujo principal afluente é o Rio Pira-Paraná.
31 Estrela da tarde.
32 Palavra tupi-guarani que designava uma tribo indígena de indivíduos com feições horrendas.
28
Quadro 8: Toadas 2001
ANO
33 Todos nós.
34 Icamiabas ou iacamiabas (do tupi i + kama + îaba, significando "peito partido") é a designação genérica dada as
mulheres indígenas guerreiras que teriam formado uma tribo que não aceitavam a presença masculina.
35 Aproximadamente como.
36 De acordo com o folclore da tribo Apinajé, os Cupendiepes (ou Kupen-Dyep) eram uma tribo de índios com
asas de morcego.
37 Nome popular de uma árvore da família das Fabáceas (ex-Leguminosas).
29
Quadro 9: Toadas 2002
ANO
TOADAS / ÁLBUM
ÁLBUM CAPRICHOSO TOADAS / QUANTIDADE
QUANTIDADE GARANTIDO
secas ou pedrinhas no interior, usado em solenidades guerreiras ou religiosas. Em Tupi-Guarani: invólucro forte
(mbara+cá).
48 Ente das matas, descrito com cabelos vermelhos e pés ao inverso, para deixar pegadas enganosas e co nfundir os
49 Lenda indígena.
50 Lenda indígena.
51 O Yaokwa marca o período da seca, durante o qual os enáuênes -nauês interagem com os seres do mundo
Para compensar este fato o ser decidiu realizar uma grande festa. A festa foi tão grandiosa que o Sol ficou com
inveja da criatura, logo no meio da festa ele resolveu matá-la atirando-lhe flechas, mas como Kamukuaká era muito
rápido desviou e as flechas furaram apenas suas orelhas. Quando o povo viu a habilidade daquele ser ao se esquivar
do próprio Sol resolveram furar suas orelhas em homenagem e até hoje os indígenas mato-grossenses realizam
uma festa onde praticam uma cerimônia que lembra este episódio.
53 Ritual tradicional do povo Macuxi.
31
Quadro 11: Toadas 2004
ANO
Total: 20 Total: 20
Fonte: Elaborado pela autora da dissertação.
54 Contração de Coaracy, do Tupi (Co-a=claridade ou tempo, Cy=mãe), a mãe da claridade, a mãe do tempo.
Personagem da lenda Coacy-beija flor.
55 Borduna dos chefes do povo indígena tupinambá. Espécie de clava, massa, tacape feito a partir de maçaranduba,
pesada, usada por guerreiros na execução dos cativos, no rito antropofágico da muçuruna. Símbolo de status e
lideranças dos principais chefes.
56 Espécie de canoa de tribo indígena (igarité)
57 Personagem do universo mítico dos Matis, incorporado pelo Xamã, quando este preside o rito iniciático
62 O povo Iecuana, também designado Ye’kwana ou Yekwana, é um grupo indígena que habita a Venezuela e o
Brasil, no noroeste do estado de Roraima, mais precisamente na Terra Indígena Yanomami
63 Entidade mística.
33
Quadro 13: Toadas 2006
ANO
espíritos
Festa da Marujada Funeral Bororo 68
Poronominare 67 Deuses Pássaros
As benzedeiras da Povo de Fibra
Amazônia Aeon Xamanístico 69
Mulher guerreira Ipupiara70
Deusa do dragão O Regatão
Rei da arena Ritual Wari71
Canto tribal Suniá Paanami
Caboclo ceramista Filhos das Águas
Torcedor apaixonado Raça Brasil
Guardião da mata
Total: 20 Total: 20
Fonte: Elaborado pela autora da dissertação.
mineiro. Do Tupi-guarani: boro por mboro = gente; (i)rô = zangado; => gente zangada.
69 Termo utilizado para designar “o que é para sempre”, um período longo de tempo ou a eternidade.
70 Monstro feroz, habitante das águas.
71 Ser humano.
34
Quadro 14: Toadas 2007
ANO
72 Ser místico.
73 Povo indígena.
74 Coruja de porte grande.
75 Mundo da nação Munduruku, vale localizado entre os rios Tapajós e Madeira. O arquipélago de Tupinambarana,
36
Quadro 16: Toadas 2009
ANO
37
Quadro 17: Toadas 2010
ANO
selvagens Turé
Pensamentos Emoção da Galera
Caprichoso por inteiro Pra Falar de Paixão
Estrela Domadora Unhamangará
A festa do Boto Amazônia em Prece
Tribálica Festa de Bandeiras
Aymá Sunhé 88 Boi de Pano 2
Wãnkõ-Fiandeira89 O Enigma do Mapinguari
Xamanismo Kaxinauá 90 Ritual Yaminawá 91
Nirvana Xamânico Boi Melancia
Canto Nativo Trilha do Sobrenatural
Total: 21 Total: 21
Fonte: Elaborado pela autora da dissertação.
38
Quadro 18: Toadas 2011
ANO
92 Em mehinako, significa o mensageiro que traz o canto sagrado e os ritos de povos ancestrais; sugere o caminho
pela magia ancestral.
93 Do Tupi: A'wa-saí significa homem que espreita, persegue.
94 Do Tupi (boi=cobra, una=preta), a grande sucurijú (Eunectes Murinus), cobra considerad a a maior do mundo,
podendo atingir até 12 metros, tritura mamíferos, aves e peixes por compressão muscular.
95 Povo indígena.
96 Morada dos espíritos.
39
Quadro 19: Toadas 2012
ANO
Morceganjo Pajé
Mai Marakã97 Eterno Trovador
Farinhada O Caboclo e a Canoa
Filhos da Mundurukania Tucandeira100 , o Grande
Ritual Tariana Ritual
Paikisés Munduruku Romeiro da Fé
Cabocla Amor Vermelho
Folguedo Caprichoso Selva
Aplica Petché 98 Arãtareimo 101
Ritual Kaiapó Xikrin
Mas Quando Já?
Avermelhou
Total: 20 Total: 22
Fonte: Elaborado pela autora da dissertação.
97 Grande xamã.
98 Caboclo mentiroso.
99 Chefe da tribo das Amazonas.
100 Ritual da tribo Saterê-Mawé
101 Macaco guariba.
40
Quadro 20: Toadas 2013
ANO
Yaraware Erukê103
Aldeia dos espíritos
Pétalas de estrelas
Boi de rua O Boi do Centenário Tambor
M eu eterno garantido
M arupiara104, Iniciação M unduruku
Juma
Além da Sensibilidade
Imortal Coração do Tempo
Sempre Vermelho
Folclore do Povo Brasileiro
Paixão Vermelha
Ofaiés 105
Curupira
Coração do meu Brasil
Tambores de Bem Querer
O Juteiro da Amazônia
Ritual dos Parintintins
Exaltação Indígena
O Gigante M apinguari
Sempre Vencedor
Total: 21 Total: 37
41
Quadro 21: Toadas 2014
ANO
ÁLBUM ÁLBUM
TOADAS / QUANTIDADE TOADAS / QUANTIDADE
CAPRICHOSO GARANTIDO
e sua localização próxima a região dos rios Maicuru, Paru do Leste, Jari, e ao norte do Pará. Ambos os grupos são
falantes do grupo linguístico Carib.
109 Povo indígena.
110 O mesmo que cacique.
111 Poderoso xamã da tribo Hi-Merimn ou Hi-Merimã.
42
Quadro 22: Toadas 2015
ANO
112 Erva alucinógena, inalado por pajés nas tribos da Amazônia, usado em práticas de rituais indígenas.
113 Lenda amazônica.
43
Quadro 23: Toadas 2016
ANO
114 Do imaginário Parintintin, quimérico filho temido de Baíra, do no das feras abissais, o terror dos Parintintin.
115 Cobra que se transformava em homem ao chegar à praia, logo começou a namorar com a filha do pescador, do
colono. Aparece para as caboclas (mulheres) em forma de belo cavalheiro nos beiradões e nas festas de interior,
montadonum garboso cavalo negro.
116 O tuxaua (líder) que ocupava o mais alto cargo dentro da tribo extinta Tapajó. Quando falecido, em sinal de
respeito e reconhecimento, recebe uma série de homenagens e se torna um monhangaripi, cadáver ressequ ido.
Depois de seco em forma de múmia, passava a ser mantido em local escondido no meio da mata, onde era
reverenciado periodicamente pelo pajé e pelos homens mais velhos da tribo .
117 Ente lendário indígena, gigante, caçador de índios perdidos na mata. No lendário habita as serras de Parintins.
118 Cerimônia de cura através de ervas e transcendência do Pajé Ipají da tribo Parintinrin .
119 Animal fictício que vive na água, tem forma de onça com pescoço comprido, acredita -se ser uma Ariranha.
120 Amarun (Serpentes sobrenaturais, anacondas mitológicas) + Chacaruna (ponte espiritual). Somente a
Chacaruna pode atravessar dimensões da mente ao coração, a partir do presente para o passado ou futuro .
121 Entidade sobrenatural, legislador de mitos indígenas e que p reside aos rituais de iniciação.
122 Feitiçaria.
44
Quadro 24: Toadas 2017
ANO
45
Quadro 25: Toadas 2018
ANO
Traidor Esvoaçar da
Misticismo: A Resistência
Revolução Prece Cabocla
Artesã: O Saber A Coisa mais Linda do
Ancestral Mundo
Deusas da Guerra A Força da Tradição
Divina Senhora Cacique Ajuricaba
Dowari: Caminho dos Kuarup – A Festa dos
Mortos Espíritos
Terror das Noites Resistência da Arte
Boto Romanceiro Exército Vermelho
Ancestralidade Estandarte da Baixa
Lendária Boitatá O Dom de Sacaca
Apocalipse Xamânico Desejo de Catirina
Majestade do Folclore
Total: 24 Total: 21
TOTAL DE TOADAS CAPRICHOSO: 505 TOTAL DE TOADAS GARANTIDO: 527
GERAL: 1032
Fonte: Elaborado pela autora da dissertação.
123 Qualidade de uma pessoa que não é recomendável; pessoa inconveniente. Na gíria: ''Caboclo do pé rachado''.
124 Ave de mau agouro conforme a mítica da Amazônia.
46
Quadro 26: Toadas com as temáticas pesquisadas
47
Tamba-tajá (Caprichoso-2003) Tribo dos Kupe-Dyep Amazônia Táwapayêra
(Caprichoso-2017) (Caprichoso-2014)
Yãkwa (Garantido-2003) A Íris da Criação (Garantido -
2017)
A lenda do guaraná (Garantido - O Sonho de Kanypaye-ro Mawá, o caçador de almas
2003) (Garantido-2018)
Reahú (Garantido-2003) Yanomami, filhos da terra
(Caprichoso-2016)
Coacy, beija-flor (Caprichoso- Quilombolas da Amazônia
2004) (Garantido-2017)
Boto sou eu (Caprichoso 2004) Pindorama, Pátria Tribal
(Garantido-2017)
Mariwin (Caprichoso-2004) Apocalipse xamânico (Caprichoso-
2018)
Olhos de fogo (Caprichoso-2004) Auto da Resistência Cultural
(Garantido-2018)
Gigante Juma (Garantido-2004) Consciência Negra (Garantido -
2018)
Muiraquitã (Garantido-2004) Etnias (Garantido-2018)
Universo místico xavante
(Garantido-2004)
Canto para Naruna (Caprichoso-
2004)
Xamãs Ye´kuãna (Garantido-2005)
Funeral Bororo (Garantido-2006)
Ipupiara (Garantido-2006)
Ritual Wari (Garantido-2006)
Conori: As Amazonas (Caprichoso-
2007)
Rito Saterê (Caprichoso-2007)
Uarrytinê (Caprichoso-2007)
Zuruahá, povo do veneno
(Garantido-2007)
Bicho Folharal (Garantido-2007)
Suruí Paiter (Garantido-2007)
Jacurutu (Garantido-2007)
Gladiadores da Mundurukânia
(Garantido-2007)
Ritual Hi-Merímã (Caprichoso-
2008)
Guaricaya, o senhor das matas
(Garantido-2008)
Ritual Mayoruna (Caprichoso-
2009)
Baiás do círculo sagrado
(Garantido-2009)
Ritual Deni (Garantido-2009)
A festa do boto (Caprichoso-2010)
O enigma do Mapinguari
(Garantido-2010)
Ritual Yaminawá (Garantido-2010)
Mawaca (Caprichoso-2011)
Boiúna (Caprichoso-2011)
Yuu Tsega, a festa da moça nova
(Caprichoso-2011)
Mãe da mata (Garantido-2011)
48
O sedutor das águas (Garantido-
2011)
Kuarup (Garantido-2011)
Morceganjo (Caprichoso-2012)
Mai Marakã (Caprichoso-2012)
Ritual Tariana (Caprichoso-2012)
Paikisés Munduruku (Caprichoso-
2012)
Naruna das Amazonas (Garantido -
2012)
Tucandeira o Grande Ritual
(Garantido-2012)
Arãtareimo (Garantido-2012)
Ritual Kaiapó Xikrin (Garantido -
2012)
Yuriman (Caprichoso-2013)
Yaraware Erukê (Caprichoso-2013)
Aldeia dos espíritos (Caprichoso-
2013)
A Maloca do Jaguar (Garantido -
2013)
A origem Yakwa (Garantido-2013)
Curupira (Garantido-2013)
Ritual dos Parintintins (Garantido -
2013)
O Gigante Mapinguari (Garantido -
2013)
Naiades (Caprichoso-2014)
Ritual Urotopiãg (Caprichoso-
2014)
Ritual Yanomami (Caprichoso-
2014)
Fera de Fogo (Garantido-2014)
Bicho folharal (Caprichoso-2015)
Nhetãn-Hekãn (Caprichoso-2015)
Cãore (Caprichoso-2015)
Luva trançada (Garantido-2015)
Tandawú (Caprichoso-2016)
Monhangaripi (Caprichoso-2016)
Juma (Caprichoso-2016)
Rito Ju’riju’rihuve’e (Caprichoso-
2016)
Ritual Karajá (Garantido-2016)
Monstro Yapuritã (Garantido-2016)
Jurupari (Garantido-2016)
Lendárias Amazonas (Garantido -
2016)
Ritual escarificação (Garantido -
2017)
A fera Canaymã (Garantido-2017)
Máscara de Sucuri (Garantido -
2017)
Dowari: caminho dos mortos
(Caprichoso-2018)
Boto romanceiro (Caprichoso-
2018)
49
Lendária Boitatá (Caprichoso-
2018)
Matinta (Garantido-2018)
Cacique Ajuricaba (Garantido -
2018)
Kuarup – A Festa dos Espíritos
(Garantido-2018)
O Dom de Sacaca (Garantido-2018)
TOTAL: 107 toadas TOTAL: 30 toadas TOTAL: 37 toadas
GERAL: 174
Fonte: Elaborado pela autora da dissertação.
Yuriman Narrativas
2013
Yanomami, filhos da
2016
Narrativas
2018
Como exposto no quadro 27, serão analisadas na seção 4 (p. 111-130), seis toadas: uma
lenda e um ritual para abordar as narrativas indígenas com viés poético-estrutural; duas para
correlacionar os aspectos cosmogônicos como representação da identidade, pertencime nto,
50
tradição e cultura; e, duas para expor os aspectos de re-existência sob o viés da crítica pós-
colonialista.
51
2. O FESTIVAL FOLCLÓRICO DE PARINTINS: origem e história
Com o objetivo de promover uma breve, porém consistente leitura sobre o Fest ival
Folclórico de Parintins, propus abordar o contexto histórico, social e cultural de Parintins e do
festival nesta seção.
Parintins é a primeira cidade amazonense avistada por aqueles que sobem o rio
Amazonas vindo do Pará. A cidade é banhada pelos rios: Paraná do Ramos, Paraná do Espírito
Santo, Paraná do Limão, Uiacurapá, Mamurú, Lago do Macuricanã, Lago do Aningá, Lago do
Parananema, Lago do Macurani e Lagoa da Francesa, estes quatro últimos de vital importânc ia
quanto a sua preservação, uma vez que banham a sede municipal. A cidade possui limites ao
norte: com o município de Nhamundá; ao sul: com o município de Barreirinha; a oeste: com o
município de Urucurituba; e, ao leste: com o Estado do Pará. Um dado histórico é a sua
52
descoberta em 1542 pela expedição do conquistador espanhol Francisco Orellana, que a
denominou primeiramente de Província de Las Picotas.
Para Souza (1987, p. 17), em sua obra Parintins: A Ilha do Folclore, século XVIII, os
índios Tupinambás, ao serem atacados pelos portugueses, fugiram pelo rio Amazonas e, a partir
daí, Parintins tornou-se rota de passagem de várias etnias que buscavam guarida nessa região
da Amazônia.
A denominação de ilha Tupinambarana deu-se em 1796, quando foram desenvolvid as
na região a pesca do pirarucu, o plantio de mandioca, tabaco e cacau, pelo capitão de milíc ias
José Pedro Cordovil.
Segundo Valentin e Cunha (1999, p. 30), já em 1803, o capitão-mor do Pará, o Conde
dos Arcos, designou a até então fazenda para Missão com o nome de Vila da Rainha. Com o
progresso na ilha, em 1833, passou a Freguesia de Nossa Senhora do Carmo de Tupinamba ra na
e, quinze anos mais tarde, por meio de uma Lei Provinçal, desmembrou-se de Maués e ganhou
a categoria de vila – Vila Bela da Imperatriz.
Em dezembro de 1880, a sede do município recebeu foros de cidade e passou, enfim, a
chamar-se de Parintins, com o intuito de homenagear seus mais antigos povos, os índios
Parintintin, guerreiros do tronco Tupi, originários do rio Madeira125 .
Como contexto histórico deste cenário, há a presença da colonização japonesa em
Parintins. Em 1927, os governos brasileiros e japoneses traçam diálogos para aquisição, por
parte do Japão, de uma área na ilha, com o objetivo de instalarem um instituto agrícola. Para o
Amazonas, o interesse nessa imigração, era a aquisição de novas técnicas de cultivo e novos
produtos agrícolas que pudessem desenvolver economicamente o estado, pois com o fim do
Ciclo da Borracha o poder econômico do Amazonas tinha reduzido.
Com isso, em 1931, o ministro da agricultura do Japão recebeu permissão de Getúlio
Vargas para fundar, no município de Parintins, o Instituto de Estudos Agrícolas para imigração
japonesa. Os japoneses trabalhavam e viviam em Parintins; possuíam máquinas utilizadas no
plantio de arroz, castanha-do-pará, etc. Além disso, fabricavam embarcações de pequeno porte
e construíram um hospital.
Passado algum tempo, em 1939, a produção de juta pelos japoneses teve iníc io e foi
considerada a atividade econômica mais importante do estado. Contudo, com o início da
125VALENTIN, Andréas e CUNHA, Paulo J. Caprichoso: a terra é azul. Rio de Janeiro: Ponto de Vista
Comunicação, 1999, p. 30.
53
Segunda Guerra Mundial, o Brasil cortou relações diplomáticas com o Japão e, com isso, os
japoneses que residiam em Parintins tiveram que abandonar o município 126 .
Do ponto de vista econômico e cultural, Parintins é considerada uma cidade muito
importante para o Amazonas. Até o começo da década de 80, a produção de juta predomina va
no município. Com o fim da produção de juta, as atividades em destaque hoje são relacionadas
à pecuária, com a criação de rebanhos de bovinos, bubalinos e ovinos; sem esquecer de
mencionar a pesca como fonte de renda e subsistência dos ribeirinhos.
A partir da década de noventa surge um boom cultural e o turismo local ganha destaque
promissor e econômico com a realização do Festival Folclórico de Parintins.
126SAUNIER, Tonzinho. Parintins: Memória dos Acontecimentos Históricos. Manaus: Valer/ Governo do Estado
do Amazonas, 2003, p. 176 a 178.
54
tradições, os costumes e as crenças são ensinados. Também herdamos dos índios a confecção
de artesanatos como as redes, as cuias, os cestos, os maracás, as canoas, etc.
São fontes das manifestações culturais dos negros, a sensualidade transfigurada através
das danças e das músicas, onde sobressaem os instrumentos de percussão; e as crenças
religiosas e seus rituais como o candomblé, a macumba e a umbanda.
Por fim, como exemplo de manifestação cultural do branco europeu português, tem o
culto à religiosidade e a língua que é a representação maior da conquista da civilização do Velho
Mundo frente aos conquistados, habitantes do Novo Mundo.
Para Megale (1999, p. 24-26), perpetua-se da junção do índio, do negro e do branco a
impossibilidade de traçarmos a origem de uma fonte exata para o folclore no Brasil.
Em Parintins, o folclore teve início já com os primeiros povos que habitaram o lugar: os
Parintintin, os Tupinambás, os Maués, os Mundurucus, os Sapopés, os Tupinambaranas, os
Uaipixanas, os Pataruanas, os Paravianas e os Paraueris. Como uma de suas principais festas
temos o Ritual da Tocandira (Tucandeira), onde os Maués celebravam casamentos e os
Mundurucus como sinal de emancipação. Para a tribo Sateré-Mawé, durante a prova de
iniciação, os meninos da etnia têm de colocar, por quatro dias, as mãos em luvas com dezenas
de formigas tucandeiras, conhecidas pela agressividade.
Pela sabedoria popular é conhecido que os indígenas aclamavam a natureza e toda a sua
criação: os pássaros, os animais de modo geral, as plantas e as ervas medicinais. Por meio de
seus mitos em crenças sobrenaturais temos os monstros sobrenaturais das florestas e dos rios:
Jurupari, Juma, Mapinguari, Iara, etc., que fazem parte de suas encantarias e que são narradas
de geração a geração, até os dias de hoje.
É destaque no folclore de Parintins o contexto amazônico através de elementos
históricos tradicionais indígenas, africanos e portugueses que formam um conjunto de tradições
populares com mais de três séculos de existência.
É interessante ressaltar que as tradições, os saberes e as crenças populares são
exteriorizados de diversas maneiras e uma delas, aqui apresentada, é o Boi-bumbá. Essa
manifestação folclórica foi trazida do Maranhão para o Amazonas pela primeira demanda de
imigrantes nordestinos oriundos desse estado.
O Boi-bumbá é a encenação de uma lenda que narra o seguinte: Mãe Catirina, que estava
grávida, desejava ardentemente comer a língua do boi mais bonito da fazenda. O peão
Francisco, marido de Catirina, induzido pelos anseios da mulher, resolve então matar o boi de
55
estimação do fazendeiro, seu patrão. Francisco é descoberto e preso. Em desespero e para salvar
seu boi, o fazendeiro manda chamar um padre e um médico para salvar o animal. Os dois salvam
o boi, ressuscitando-o. Com isso, Pai Francisco é perdoado e inicia-se uma grande festa.
Ao chegar em Parintins, a encenação ganhou outro enredo e novos personagens foram
adaptados. O médico personifica-se em pajé, a figura dos peões (negros) é substituída pelas dos
índios e o matador só é derrotado com a manifestação de uma tribo indígena.
Cronologicamente a existência de outros Bumbás predecessores dos bois Garantido e
Caprichoso é a seguinte:
De acordo com a história, em 1913, um menino chamado Lindolfo Monte Verde ouvia
sua avó contar as histórias do boi de pano de São Luís, do Maranhão, que dançava nas noites
de São João.
Inspirado nas narrativas de sua avó, o menino aos treze anos, criou seu próprio boi para
brincar no terreiro com os outros meninos. Durante mais de sete anos o quintal de sua casa
serviu de palco para as brincadeiras de boi. Foi quando persuadiu sua mãe, Alexandrina Monte
Verde, a confeccionar camisas vermelhas e os primeiros chapéus para a brincadeira ganhar as
ruas da cidade de Parintins.
Já com 18 anos, Lindolfo Monte Verde, fez uma promessa devido suas condições de
saúde precária. Se conseguisse se recuperar prometera a São João Batista, que seu boi brincaria
durante toda a sua vida. Graça alcançada e promessa cumprida até hoje.
O boi Garantido, mantendo viva as tradições da cultura do Amazonas, através de suas
músicas e danças, é representado pelas cores Vermelho e Branco. O boi é todo branco e traz na
testa um coração.
56
Com a criação do boi Garantido surge a presença de seu rival, o outro boi na época, o
boi Galante. Quando os dois bois se encontravam na rua era traçado um duelo de desafio que
acontece até hoje na arena durante a época do festival:
A cidade de Parintins é dividida por uma linha imaginária que se origina na Catedral de
Nossa Senhora do Carmo até o Centro de Convenções Amazonino Mendes que recebeu a
127 Álbum musical: Garantido: o Boi da Amazônia, vol. 1. Artista Boi Garantido. Lançamento: abril de 2002.
Gravadora: Boi-bumbá Garantido
128 VALENTIN, Andréas; CUNHA, Paulo J. Caprichoso: a terra é azul. Rio de Janeiro: Ponto de Vista
2.4.1 A arena
Foto 2: Bumbódromo
As apresentações dos bois Caprichoso e Garantido são realizadas em uma arena e têm
início às nove horas da noite, num total de seis horas. São de duas horas e meia a três horas para
cada bumbá, a depender do acerto feito a cada ano entre os bois, que é formalizado no
regulamento, repetindo-se nos três dias do evento.
58
2.5 Os itens de julgamento dos Bumbás
Outro item individual. Marca o centro do espetáculo. Sua voz conduz o tema. Precisa
ter afinação, dicção, timbre e técnica de canto. Ele é o elo-condutor para a realização e
desenvolvimento do tema proposto para cada noite de espetáculo.
60
2.5.3 Batucada ou Marujada – item 03
Foto 5: Batucada
Fonte:<https://noamazonaseassim.com.br/saiba-tudo-sobre-o-festival-folclorico-de-parintins/>, acesso em 26 de
setembro de 2017
61
2.5.5 Porta-estandarte – item 05
Foto 6: Porta-estandarte
Fonte:<https://noamazonaseassim.com.br/saiba-tudo-sobre-o-festival-folclorico-de-parintins/>, acesso em 26 de
setembro de 2017
62
2.5.6 Amo do boi – item 06
63
2.5.7 Sinhazinha da fazenda – item 07
Outro item individual. É a filha do dono da fazenda. Precisa ter graça, desenvoltura,
simplicidade, alegria, saudando o boi e o público.
64
2.5.9 Cunhã poranga – item 09
Item individual. Representa a índia mais bela da tribo, símbolo de sensualidade, uma
sacerdotisa, guerreira e guardiã. Expressa a força através da beleza. Precisa ter desenvoltura e
incorporar a personagem. Sua personagem dá visibilidade a figura do índio, principalmente no
imaginário, expostos por meio de seus mitos, lendas e rituais.
65
2.5.10 Evolução do boi – item 10
Todos os anos os bois produzem um disco novo, com as músicas que farão parte de suas
apresentações, e na capa divulgam a frase escolhida como tema geral da festa.
A toada é a trilha sonora que dá suporte literário e musical no festival. De cunho popular,
com variantes de ritmos indígenas e africanos, representa a poesia rica em contexto regional.
Avalia-se a melodia, a métrica, o conteúdo, a composição, a harmonia. Deve servir de elo entre
66
a individualidade e o grupo. Com sua firmação, a toada é o registro da identidade e do estilo
musical da região Norte.
Apenas uma toada é avaliada nesse item, a qual o Boi escolhe e o Apresentador anuncia
para o jurado avaliá-la enquanto entoada.
67
2.5.13 Tribos indígenas – item 13
Fonte: <http://veja.abril.com.br/especiais/festival-de-parintins-os-fascinios-de-uma-rivalidade-centenaria/>,
acesso em 26 de setembro de 2017
Item artístico. Estrutura artística que funciona como suporte e cenário para a
apresentação. Considera-se acabamento, execução, funcionalidade, porte e estética.
69
2.5.17 Figura típica regional – item 17
70
2.5.18 Vaqueirada – item 18
Item coletivo. Guardiões do Boi. Com lanças coloridas, ocupando a arena em círculo,
auxiliam os outros itens no evento e correspondem ao Bumba-meu-boi original. Devem
apresentar tradição, sintonia e coreografia.
71
2.5.19 Galera – item 19
Item coletivo. Massa humana que forma uma das maiores coreografias uníssonas do
mundo. Elemento de apoio ao espetáculo, dando estímulo à apresentação.
Pode ser considerado como uma apoteose. Reunião de itens individuais, artísticos e
coletivos embasados no conteúdo do espetáculo, e, por sua vez, dispostos organizadamente na
arena de apresentação. Este item é determinante para filtrar a organização nas apresentações
demonstrando profissionalismo e respeito pelo espaço cênico.
Para melhor visualização dos quesitos, blocos e suas respectivas classes, segue a tabela
demonstrativa:
72
Quadro 29: Quesitos e blocos de avaliação
73
3. NARRATIVAS, COSMOGONIA E RE-EXISTÊNCIA INDÍGENAS: princípios
teóricos
Com o intuito de promover uma leitura acerca das temáticas escolhidas para esta
dissertação, propus organizar esta seção em quatro subseções e seus respectivos subtópicos, que
nortearão a análise do corpus. Para isso, utilizarei teorias consagradas que versam sobre: a)
aspectos narratológicos com abordagem poética e estrutural; b) aspectos narratológicos de
cosmogonia sob a ótica de pertencimento, identidade, tradição e cultura; e, d) contexto histórico
da colonização na Amazônia e os aspectos de re-existência129 com a abordagem do pós-
colonialismo.
Em seu texto “Fronteiras da Narrativa”, Genette (1972, p. 255) define a narrativa “como
a representação de um acontecimento ou de uma série de acontecimentos, reais ou fictícios, por
meio da linguagem, e mais particularmente da linguagem escrita”.
Contudo, para este autor, essa é uma definição simplista diante do todo no qual a
narrativa é constituída. Pois, a narrativa é uma imitação, uma representação da realidade; o
verbal tornando a tomar o não-verbal.
Logo, as narrativas selecionadas sob o formato de toadas de boi-bumbá se enquadram
nesse aspecto por representarem acontecimentos reais e tradicionais de um povo. Por meio
dessas narrativas cantadas são encenadas histórias ancestrais que servem como ensiname nto,
tradição e resistência nos dias atuais.
Genette (1972) procura estabelecer os elementos que constituem e os que não
constituem uma história, mesmo não propondo uma definição exata da própria narrativa.
Segundo o autor em questão,
129 Optei por nomear desta forma por entender que a manifestação cultural indígena precisa resistir para tornar a
existir novamente.
74
Tais representações serão analisadas mediante o corpus selecionado com o intuito de
verificar a presença desses elementos – personagens, objetos, seres sobrenaturais, suas ações e
os acontecimentos – na constituição das narrativas indígenas sob o formato de toadas de boi-
bumbá.
Para Genette (1972), a descrição é parte importante da narração pois é a partir das
descrições presentes na história que teremos contato com o conjunto de índices que são
elementos importantes para o efetivo entendimento da narrativa.
Embora a narração precise da descrição, a primeira não perderá seu caráter supremo,
pois a descrição sempre será um fator constitutivo da narração, até mesmo quando a descrição
abranger grandes momentos na história.
Com relação à descrição, esta poderá desempenhar duas funções na narrativa: ela poderá
exercer papel decorativo ou caracterizar uma imagem simbólica e explicativa. No primeiro
caso, constituirá um adorno do discurso, como por exemplo, uma pausa que produzirá uma
catálise130 . No segundo caso, a descrição justificará características psicológicas dos
personagens.
Ainda em Genette (1972), há uma distinção que deve ser feita com relação à narrativa
como história e o discurso, o qual ele define como “o discurso emprestado pelo poeta ou
narrador a um de seus personagens”. (GENETTE, 1972, p. 268)
Em Todorov (1972), a distinção entre história e discurso vai mais além. De acordo com
o autor, a narrativa é determinada pelos acontecimentos que são relatados e pelas ações dos
personagens. E o discurso é o relato emitido pelo narrador.
Portanto, o que é levado em consideração no discurso é a forma como o narrador nos
apresenta os acontecimentos, as personagens e suas ações. Sendo assim, segundo Todorov,
tanto a história quanto o discurso na construção literária são importantes.
Sobre as personagens, na narrativa, há uma relação direcionada por três grandes
propósitos que são: desejo, comunicação e participação. É nessa tríade que haverá a interação
entre as personagens, seja por meio apenas de um propósito ou pela união de dois.
A partir desses três propósitos, pode-se desdobrar outros pelas regras de oposição e de
passividade. No primeiro caso, há oposição quando surgir uma negação, por exemplo: se
não há desejo não há comunicação e não haverá participação. No segundo caso, a
130 São elementos menos importantes que os núcleos, mas que igualmente fazem avançar a narrativa do ponto de
vista da ação. Será visto no subtópico 3.2.1 que tratará sobre as funções na narrativa.
75
passividade ocorrerá quando, por exemplo, a personagem X deseja ter uma relação de interesse
qualquer com a personagem Y e vice-versa.
Diante disso, as relações das personagens podem ser tidas como astuciosas, pois
podemos pensar que as personagens estão envolvidas por um propósito aparente e, no decorrer
da narrativa, descobre-se que o motivo era, na realidade, outro.
No desenrolar da narrativa, cada personagem, segundo Todorov (1972, p. 225), sofre
“transformações pessoais”, quer dizer, os sentimentos vividos pelas personagens vão passando
por transformações, modificando-se no desdobramento da narrativa.
De acordo com Todorov (1972), o discurso pode ser dividido em três partes: o tempo
da narrativa, os aspectos da narrativa e os modos da narrativa. Para ele, o tempo da história e o
tempo do discurso são distintos.
Enquanto que o tempo da história é pluridimensional, o do discurso obedece a uma
linearidade. Logo, os acontecimentos ocorrem ao mesmo tempo, e o discurso deverá ordená-
los.
A ressalva pertinente é que esse encadeamento ocorre pela lógica da narrativa e não pela
ordem cronológica da história. Dessa maneira, a lógica da narrativa é a estrutura fornecida pelo
narrador para os acontecimentos, quer dizer, o narrador pode iniciar a história pelo fim e
terminá- la pelo começo. Não existe a obrigatoriedade de uma relação entre o mundo real e o
mundo da história.
Por conseguinte, se o narrador opta por sequenciar uma ordem para os acontecime ntos
na narrativa será sempre com o intuito de fornecer um encadeamento para o entendimento da
narrativa.
Com relação aos aspectos da narrativa, para Todorov (1972) eles são as diferentes
formas de percebê-la. Essa conexão está diretamente ligada ao narrador e às personagens e pode
ocorrer sob três maneiras:
1. O narrador vê o que se passa além do que as personagens sabem, conhecendo seus
pensamentos e todas as suas ações;
2. O narrador sabe tanto quanto as personagens e transmite só o que elas sabem
(narrativa em primeira e terceira pessoa);
3. O narrador sabe menos do que as personagens, descrevendo apenas o que vê e não
tendo acesso ao pensamento nem a ações correlatas das personagens.
76
O modo como o narrador expõe a narrativa será por representação ou por narração. Por
meio da representação, o narrador apenas mostrará os acontecimentos. Em contrapartida,
quando o narrador contar esse acontecimento ele estará narrando.
Enquanto na representação o narrador é mais descritivo; na narração sua figura é
expressa por sua subjetividade.
Para Barthes (1972), as narrativas do mundo são inumeráveis. De acordo com o autor,
a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela
imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas
substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na
epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura, no
vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no fait divers, na conversação.
(BARTHES, 1972, p. 19)
Logo, as toadas a serem analisadas nas páginas 110 a 120, por serem criação originár ias
e tradicionais de narrativas indígenas fazem parte conveniente deste estudo. Pois, “estão
presentes em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades” (BARTHES, 1972,
p. 19) e são a representação cultural de um povo.
Para comprovar que a narrativa não é apenas e tão somente um aglomerado de
proposições e com o intuito de classificar a estrutura narrativa foi concebido o conceito de nível
de descrição, em que esses níveis são tidos como operações.
Lévi-Strauss (2008, p. 226) destaca que
De outro modo, o caráter poético das toadas enquanto narrativas míticas e lendárias
indígenas são fragmentos de uma cultura específica e advém do fato de que navegam no rio da
linguagem.
77
Nas palavras de Paes Loureiro (2008, p. 8), “representam o maravilhoso do rio
equivalente à poetização da história promovida pelo maravilhoso épico. [...] – que é a natureza
convertida em cultura e sentimento”.
Do ponto de vista de Barthes (1972, p. 26), “compreender uma narrativa não é somente
seguir o esvaziamento da história, é também reconhecer nela estágios, projetar os
encadeamentos, horizontais do fio narrativo sobre um eixo implicitamente vertical”.
Em outras palavras, ouvir uma narrativa, ou mesmo lê-la, é como passar de um nível a
outro.
Para Barthes (1972, p. 47), dentro da narrativa, além da relação entre narrador e leitor,
existe um objetivo que é o de comunicar. De acordo com o autor, “na comunicação linguística,
eu e tu são absolutamente pressupostos um pelo outro; da mesma maneira, não pode haver
narrativa sem narrador e sem ouvinte”.
A preocupação é em descrever o código pelo qual narrador e ouvinte são signific ados
durante a narrativa. De acordo com Todorov (1972), os signos do narrador parecem à primeira
vista mais visíveis e mais numerosos que os signos do leitor, o que quer dizer, em outras
palavras, que em uma narrativa a presença do eu sobressai a figura do tu.
Portanto, “cada vez que o narrador, cessando de representar, relaciona fatos que conhece
perfeitamente, mas que o leitor ignora, produz-se, por carência significante, um signo de leitura,
porque não teria sentido que o narrador desse a si mesmo uma informação” (BARTHES, 1972,
p. 47).
De acordo com os signos da narração, há três concepções em Barthes (1972) sobre quem
é o doador da narrativa. A primeira concepção leva em conta a emissão da narrativa em primeira
pessoa (sentido psicológico); tal pessoa é o autor, por isso, a narrativa de acordo com Barthes
é “a expressão de um eu que lhe é exterior” (1972, p. 48).
Já a segunda concepção, de maneira impessoal, emite a narrativa de um ângulo superior,
o narrador é ao mesmo tempo interior e exterior (consciência total). Na terceira concepção, o
narrador limita a narrativa ao que é observado nas personagens, quer dizer, na história tudo se
passa como se cada personagem fosse de cada vez o emissor.
78
Para Barthes (1972, p. 48), “estas três concepções são igualmente constrangedoras na
medida em que parecem todas três ver no narrador e nos personagens pessoas reais, vivas, como
se a narrativa se determinasse originalmente em seu nível referencial”.
Quer dizer que narrador e personagem constituem seres de papel, o que significa que
autor e narrador não devem ser confundidos. Todos os signos que o narrador deixa transparecer
na narrativa pertencem à semiologia131 .
Por isso, “é necessário supor entre a pessoa e sua linguagem uma relação signalética que
faz do autor um sujeito pleno e da narrativa a expressão instrumental desta plenitude
(BARTHES, 1972, p. 49).
Sendo assim, o código do narrador nada mais é do que a própria narrativa que, assim
como a língua, reconhece dois sistemas de signos, um pessoal (eu) e outro apessoal (ele). Por
mais que o modo tradicional seja o apessoal, a narrativa atualmente apresenta características
que misturam o pessoal e o apessoal.
De acordo com o autor,
o que se chama romance psicológico é ordinariamente marcado por uma mistura dos
dois sistemas, mobilizando sucessivamente os signos da não-pessoa e os da pessoa; a
psicologia não pode com efeito – paradoxalmente – acomodar-se com um puro
sistema da pessoa, pois reduzindo toda a narrativa à instância única do discurso, ou
caso se prefira ao ato de locução, é o conteúdo mesmo da pessoa que é ameaçado: a
pessoa psicológica (de ordem referencial) não tem nenhuma relação com a pessoa
linguística, que não é jamais definida por disposições, intenções ou traços, mas
somente por seu lugar (codificado) no discurso (BARTHES, 1972, p. 50-51).
131 Para Roland Barthes (1972), estudo das significações que podem ser atribuídas aos fatos da vida social
concebidos como sistemas de significação: imagens, gestos, rituais, sistemas de parentesco, mitos etc.
132 A narrativa, conforme Barthes (1972), qual as personagens, são ordenadas por pares: sujeito/objeto;
80
3.3 A estrutura da narrativa em Todorov
81
o leitor comum, pelo contrário, lê um livro antes de tudo como a narrativa de uma
intriga; mas esse leitor ingênuo não se interessa pelos problemas teóricos. Meu
objetivo será propor um certo número de categorias que podem servir àquele que
identifica e descreve intrigas. Essas categorias juntar-se-ão, pois, àquele pobre
vocabulário de que dispomos na análise da narrativa e que consiste dos termos: ação;
personagens; reconhecimento etc. (2006, p. 84).
Para expressar o esquema de análise estrutural da narrativa, Todorov (2006) propõe uma
formulação com os elementos comuns da intriga e exemplifica isso da seguinte maneira, onde:
83
momentos de equilíbrio, semelhantes e diferentes, estão separados por um período de
desequilíbrio que será constituído de um processo de degradação e um processo de
melhora (TODOROV, 2006, p. 88).
133 Coleção de cem novelas escritas por Giovanni Boccaccio entre 1348 e 1353. O livro é estruturado como uma
história que contêm 100 contos contados por um grupo de sete moças e três rapazes que se abrigam em uma vila
isolada de Florença para fugir da peste negra, que afligia a cidade.
84
útil conceber a descrição e a denominação como derivadas, digamos, do nome próprio
e do substantivo comum; essas partes do discurso são apenas uma forma quase
acidental daqueles (2006, p. 137).
Sendo assim, temos a explicação para o fato de que nomes comuns possam se tornar
próprios, como por exemplo Porto Velho, ou o inverso. Cabe ressaltar que as duas formas
participarão dos dois processos em graus diferentes.
Retornando a análise da estrutura da intriga na narrativa, devemos, em primeiro lugar,
como já explanado, apresentar um resumo dessa intriga, cada ação deva corresponder a uma
oração. Percebe-se, dessa maneira, que a oposição entre denominação e descrição será mais
clara do que na língua.
Para Todorov (2006, p. 138), “os agentes (sujeitos e objetos) das orações serão sempre
nomes próprios”. Tais nomes deverão ser entendidos não como nomes de pessoas, mas, sim,
como nomes por excelência de caso.
Por conseguinte,
uma narrativa ideal começa por uma situação estável que uma força qualquer vem
perturbar. Disso resulta um estado de desequilíbrio; pela ação de uma força dirigid a
em sentido inverso, o equilíbrio é restabelecido; o segundo equilíbrio é semelhante ao
primeiro, mas os dois nunca são idênticos.
85
Por meio dessa definição, Todorov (2006, p. 139) afirma que, “dos dois tipos de
episódios (e, portanto, de orações que os designam) nos permite aproximá-los de duas partes
do discurso, o adjetivo e o verbo”.
Posto isto, tal qual a da gramática da língua, o contraste entre o adjetivo e o verbo não
seria uma ação, mas, sim, uma relação entre aspectos iterativos e não-iterativos. Nas palavras
do autor, “os “adjetivos” narrativos são, pois, aqueles predicados que descrevem estados de
equilíbrio ou de desequilíbrio, os “verbos”, aqueles que descrevem a passagem de um a outro”
(TODOROV, 2006, p. 139).
O teórico também explica o fato de que na gramática da narrativa não estariam
comportados os substantivos, pois, segundo ele, “o substantivo pode sempre ser reduzido a um
ou vários adjetivos, como já o notaram certos linguistas” (TODOROV, 2006, p. 139).
86
Quadro 31: Análise estrutural da narrativa em Bocaccio
Indicam um estado
Funcionam como adjetivos
Descrição do equilíbrio inicial Peronella é a esposa do pedreiro, não tem pois o direito de fazer amor com
outros homens.
Peronella recebe seu amante.
Transgressão da lei
Possibilidade 2: encontrar um meio de evitar a punição é o que fará Peronella disfarçando a situação de
desequilíbrio (a transgressão da lei) em situação de equilíbrio (a compra de um tonel não viola a lei familiar)
presença de um terceiro verbo: disfarçar
Resultado final: uma nova lei foi instaurada, embora ela não esteja explícita, segundo a qual a mulher pode
seguir suas inclinações naturais.
87
Para Todorov (2006, p. 141), “as antigas gramáticas explicavam a existência de orações
modais pelo fato de a linguagem servir não só a descrever, e, portanto, a se referir à realidade,
mas também a exprimir a nossa vontade”.
Por conseguinte, uma intenção é expressa pela relação entre os modos e o futuro. Por
meio dessa dicotomia duas categorias são apresentadas: os modos da vontade e os da hipótese.
Os modos da vontade se subdividem em dois: o obrigativo – modo onde uma oração
deve acontecer e que constitue a lei de uma sociedade como consequência direta; e, o optativo,
correspondendo às ações desejadas das personagens.
Há também outros dois modos que Todorov (2006) nomeia de condicional e predictivo.
Esses modos “oferecem não só uma característica semântica comum (a hipótese) mas se
distinguem por uma estrutura sintática particular” (TODOROV, 2006, p. 142), em outras
palavras, existe uma implicação onde o sujeito da enunciação pode manter diferentes relações.
Na explicação do autor:
O condicional se define como o modo que põe em relação de implicação duas orações
atributivas, de sorte que o sujeito da segunda oração e aq uele que põe a condição
sejam uma só e mesma personagem (designou-se por vezes o condicional pelo nome
de prova) [...]. O predictivo, enfim, tem a mesma estrutura que o condicional, mas o
sujeito que prediz não deve ser o sujeito da segunda oração (a conse quência); [...].
Nenhuma restrição pesa sobre o sujeito da primeira oração (TODOROV, 2006, p.
142).
Para Todorov (2006, p. 143), as predições não são coisas que acontecem de maneira
natural, “as palavras criam aqui coisas ao invés de as refletir”. Por conseguinte, o predictivo
seria uma manifestação particular e lógica da verossimilhança, onde uma ação resultará em
outra, pois a causalidade é resultado de uma probabilidade.
Contudo, o autor alerta que é preciso evitar a confusão entre a verossimilhança das
personagens e as leis que o próprio leitor considera verossímeis. Pois, “tal confusão nos levaria
a procurar a probabilidade de cada ação particular; enquanto o verossímil das personagens tem
uma realidade formal precisa, o predictivo 134 ” (TODOROV, 2006, p. 143).
134 Ações exteriores ao sujeito enunciante. São leis sociais e não mais individuais. Todorov, 2006, p. 143.
88
representam essas questões e não devem ser desvinculadas do propósito a qual me submeti de
início para fundamentar a análise.
Em meados do século XX, Stuart Hall (1997) destacou que estávamos vivendo uma
“revolução cultural”. A introdução de novas tecnologias como ferramentas, bem como as
indústrias culturais, fez com que essas “revoluções” adquirissem âmbitos globais e populares.
Ainda hoje, segunda década do século XXI, as declarações de Hall (1997) continua m
presentes e a cultura continua como um marco central nas relações sociais. Para o autor os seres
humanos são interpretativos e exercem ações de cunho social que refletem significados para os
que as praticam e para aqueles que as observam.
De acordo com Paes Loureiro (2008, p. 132), “vive-se uma “identidade caleidoscópica
de identificações”, que gira e se configura em novas e complexas combinações identificado ras
dentro do tubo do tempo e da imaginação de vidas possíveis”.
Essas combinações constituem sentidos que usamos para significar as coisas e como
reguladoras de nossas condutas relacionadas aos outros. “Esses sistemas ou códigos de
significação dão sentido às nossas ações. Eles nos permitem interpretar significativamente as
ações alheias (HALL, 1997, p. 16). Num todo, esses sistemas constituem nossas culturas.
Dessa forma, a Amazônia, nos dias de hoje, cada vez mais é incluída e também se inclui
como identidade reelaborando-se ludicamente como identificação por meio do festiva l
folclórico de Parintins, no geral, e pelas toadas de boi-bumbá, especificamente.
Embora todas as práticas sociais expressem significado, nem sempre a cultura ocupou
lugar de destaque na ciência. A cultura não era nem tida como algo fundamental – barreira
ultrapassada pela “revolução cultural”. Partindo desse contexto de intensificação das culturas é
que Hall (1997) destaca a questão da centralidade da cultura:
89
Instaurada a questão central a respeito de cultura, esta já não é mais tratada como papel
secundário ou antagônico nos meios sociais e científicos. Deste modo, o campo científico
passou a entender a cultura como condição constituinte da vida em sociedade.
Stuart Hall (1997) mesmo, nos anos da década de 60, repensou a cultura como algo
articulado com os fatores materiais e simbólicos em uma análise social.
Ao incorporar a perspectiva dos estudos culturais, o festival folclórico de Parintins vive
sob a égide da centralidade cultural. O festival em si passou por todas as etapas de uma
“revolução cultural” que Hall (1997) menciona em seus estudos.
Entre os muitos sistemas de significações que se dispõem à interpretação das ações
sociais, estão os construídos pelos caboclos ribeirinhos de Parintins que ocupam os galpões, a
arena, as apresentações, as coreografias e a constituição poética e dramática dos rituais.
Cada um desses lugares mencionados é formado por memórias que são constanteme nte
representadas. De certo modo essas ações sociais foram produzidas de maneira intra e
intergrupal, levando em consideração outros indivíduos que compõem o cenário do festival e
sua “identidade coletiva cristalizada”. Um dado interessante é que se observarmos cada um dos
ambientes enumerados, cada um deles é capaz de produzir sua essência de significados, quer
dizer, sua própria cultura.
Nas palavras de Paes Loureiro (2008, p. 131), seria o mesmo que dizer que “a
imaginação é para o caboclo amazônico o que a racionalidade é para o cidadão cosmopolita no ”.
Por meio desse campo do imaginário é possível compreender e recriar a realidade.
Contudo, a expansão do termo cultura para todas as ações sociais que sejam pertinentes
para significar, ao mesmo tempo que fortalece uma “virada cultural” origina um problema:
sendo assim, tudo, então, é cultura? É possível pensar em uma cultura específica dos caboclos
ribeirinhos de Parintins? Ou numa cultura folclórica dos indígenas remanescentes que
participam do festival?
Quanto mais especifico, mais culturas diversas sou capaz de destacar e, desta forma,
mais parecerá que para os estudos culturais tudo é válido. Talvez pensar dessa maneira seja
algo bastante raso e isso é o que alguns estudiosos criticam.
Terry Eagleton (2005, p. 49), em sua obra A ideia de cultura, afirma que nos
encontramos, nos dias de hoje, encurralados entre noções de cultura com sentidos amplos para
serem úteis e desconfortavelmente rígidos, sendo que a nossa necessidade mais urgente seria
“avançar para além delas”.
90
Eagleton (2005) contesta o posicionamento de Hall (1997), quando ele define cultura
como tudo aquilo que envolve sistemas sociais de significação e destaca que
todos os sistemas sociais envolvem significação, mas existe uma diferença entre a
literatura e, digamos, a cunhagem de moedas em que o fator significação está
‘dissolvido’ no fator funcional, ou entre a televisão e o telefone. Habitação é uma
questão de necessidade, mas só se torna um sistema significativo quando distinções
sociais começam a tomar grande vulto dentro dele. [...] Todos os sistemas sociais,
portanto, envolvem significação, mas nem todos eles são sistemas significantes ou
‘culturais’. Essa é uma distinção valiosa, pois evita definições de cultura tanto
ciumentamente exclusivas como inutilmente inclusivas (EAGLETON, 2005, p. 51 -
52).
Essa era a visão dos interacionistas simbólicos que elaboraram esta concepção
“interativa” da identidade e do eu. De acordo com essa visão, a identidade é formada na
“interação” entre o eu e a sociedade.
Nos apontamentos de Gurgel do Amaral (2016, p. 28), “compreender as diferenças, não
implica na sobreposição hegemônica de uma cultura sobre a outra, mas o respeito pela riqueza
cultural”.
91
Dessa forma, o sujeito possui uma essência interior (eu real) que é constituído e
modificado “num diálogo contínuo com os mundos culturais exteriores e as identidades que
esses mundos oferecem” (HALL, 2005, p. 11). Sendo assim, a identidade traça um elo entre os
sujeitos e os mundos culturais que eles ocupam.
Em contrapartida, Hall (2005, p. 12) defende que “[...] são exatamente essas coisas que
agora estão “mudando””. Para este autor, “o sujeito, previamente vivido como tendo uma
identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado”. Em outras palavras, esse sujeito
não seria constituído por apenas uma identidade, mas sim, por várias.
Para Hall (2005, p. 13), “o sujeito assume identidades diferentes em diferentes
momentos”. Por isso, ele entende que os sistemas culturais são definidos historicamente.
Portanto, a identidade está ligada com a relação que uma coisa mantém com ela mesma
ao longo de sua existência. No caso das narrativas em formato de toada a função narrativa da
linguagem humana estabelece um elo interpretativo de nós mesmos.
Em sua obra O local da cultura, Homi Bhabha (1998), destaca que
Para Bhabha (1998), reconhecer a tradição seria uma forma parcial de identificação .
Logo, ao reencenar o passado outras temporalidades culturais são inseridas nesse processo
compondo um hibridismo cultural.
Sendo assim, o festival folclórico de Parintins, em si, cria uma ideia de novo, retomando
não apenas o passado como uma causa social, mas sim, “renova o passado, prefigurando- o
como um “entre-lugar” contingente, que inova e interrompe a atuação do presente. O “passado-
presente” torna-se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver” (BHABHA, 1998, p. 27).
O cenário onde as narrativas ancestrais indígenas acontecem, no caso o festiva l
folclórico de Parintins, é fruto da imaginação criada segundo uma cultura. É esse pertencime nto
cultural que mantem a identificação entre o imaginário e o real.
92
3.4.3 Cosmogonia: a origem de tudo
A tradição cultural indígena possui diversos mitos para contar e ensinar o surgime nto
de tudo que existe no mundo. A natureza, seus rios, a floresta, os animais, as plantas medicina is,
as entidades, tudo é contado e ensinado mediante os mitos cosmogônicos de cada povo
indígena.
De acordo com Mircea Eliade (1972), todos os mitos tratam da era da criação. Desse
modo, seriam explicações sobre a origem de tudo, do mundo e de toda sua formação, narrando
a origem a partir da desordem, culminando com a ordem das coisas no mundo depois desse
processo.
Para Eliade (1972), a definição menos imperfeita de mito seria:
O mito conta uma história sagrada; ele relata um acontecimento ocorrido no tempo
primordial, o tempo fabuloso do "princípio". O mito narra como, g raças às façanhas
dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a existir, seja uma realidade total, o
Cosmo, ou apenas um fragmento: uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento
humano, uma instituição. A narrativa de uma "criação": ele relata de que modo algo
foi produzido e começou a ser. (ELIADE, 1972, p. 9)
Foi Omama 135 que criou a terra e a floresta, o vento que agita suas folhas e os rios
cuja água bebemos. Foi ele que nos deu a vida e nos fez muitos. Nossos maiores nos
deram a ouvir seu nome desde sempre. No começo, Omama e seu irmão Yoasi136
vieram à existência sozinhos. Não tiveram nem pai nem mãe. Antes deles, no primeiro
tempo, havia apenas a gente que chamamos de yarori 137 . Esses ancestrais eram
humanos com nomes de animais e não paravam de se transformar. Assim, foram aos
poucos se tornando os animais de caça que hoje flechamos e comemos. Então, foi a
vez de Omama vir a existir e recriar a floresta, pois a que havia antes era frágil. Virav a
outra sem parar, até que, finalmente, o céu desabou sobre ela. Seus habitantes foram
No princípio o mundo não existia. As trevas cobriam tudo. En quanto não havia nada,
apareceu uma mulher por si mesma. Isso aconteceu no meio das trevas. Ela apareceu
sustentando-se sobre o seu banco de quartzo branco. Enquanto estava aparecendo, ela
cobriu-se com seus enfeites e fez como um quarto. Esse quarto chama-se Uhtãboho
139Ahpí em desana. Arbusto (Erythroxylum coca var, ipadu) cujas folhas são tostadas e socadas em pilão especial
(ahpídeariru). São misturadas às cinzas de uma espécie de embaúba (ahpímoa “sal de ipadu”). O pó émascado e
engolido.
95
3.5 Re-existência indígena: as vozes da Amazônia
3.5.1 O “descobrimento”
no momento em que Camões morria, no século XVI, não havia um único falante de
português na Amazônia, mas em seu território eram faladas cerca de setecentas
línguas indígenas, todas elas ágrafas, depositárias de sofisticados conhecimentos no
campo das chamadas etnociências, da técnica e das manifestações artísticas, que eram
transmitidos através da tradição oral e de diversos tipos de narrativas (FREIRE, 2011,
p. 15).
Contudo, Ribeiro (1979) afirma que todos os grupos indígenas não foram assimilados à
sociedade como parte indistinguível; ao contrário, a maioria foi exterminada e os que restaram
permanecem indígenas, “já não nos hábitos e costumes, mas na auto-identificação como povos
distintos [...] e vítimas de sua dominação” (RIBEIRO, 1979, p. 8).
Em suma, o problema do impacto dos conquistadores sobre as populações indígenas não
se deu, como pensou Ribeiro, numa assimilação plena, mas sim, em uma transfiguração étnica.
Para Darcy Ribeiro (1979, p. 12), “os estudos de aculturação focalizam os fenômenos
culturais decorrentes do estabelecimento de contato entre entidades étnicas”, com isso, seu
objetivo seria de alcançar uma compreensão acurada das situações de interação entre indíge nas
e não-indígenas, a fim de chegar a generalizações significativas sobre o processo de mudança
cultural.
Ainda para Ribeiro,
Em Neide Gondim (2007, p. 13), percebe-se que a primeira viagem ao Novo Mundo
fez-se acompanhar por um imaginário que incluía uma realidade a partir da construção da Índia,
arquitetada pela historiografia greco-romana, pelos relatos dos peregrinos, missionár ios,
viajantes e comerciantes.
Somando-se a isso, a mitologia indiana que, a par de uma natureza variada, deliciava e
apavorava os homens medievais; e, as monstruosidades animais e corporais, incluídas tão
somente enquanto oposição ao homem tido como normal, branco e religioso.
A partir do choque entre duas culturas antagônicas, percebemos também os objetivos da
obsessão europeia quanto ao acesso às terras “descobertas”, aliada à expansão da religião
católica, tinham interesses políticos e econômicos, pois as descobertas proporcionariam “o
estabelecimento de senhorios, o transporte de colonos, lutas, guerras, trabalhos e saques”
(GONDIM, 2007, p. 21).
Posto isto, Gondim (2007) acrescenta o seguinte:
97
A descoberta do que é hoje a América se deixa envolver pela aura do lendário, pela
incerteza da paternidade do empreendimento; foi e continua sendo um veio rico para
especulações históricas, literárias, antropológicas, sociológicas etc. Para a Europa
mediterrânica que se equilibrava entre a incerteza do abas tecimento de gêneros
substanciais como trigo, a incidência das pestes (inclusive a malária), a escassez de
madeiras (já no século XV, resultado do desmatamento) e a descoberta de terras novas
representou o acirramento entre Holanda, Inglaterra, França, Esp anha e Portugal,
todos querendo a hegemonia dos mares. (GONDIM, 2007, p. 21)
Para os povos que habitavam essas terras a chegada dos primeiros homens, além de ter
proporcionado o encontro entre culturas distintas, marcou o extermínio quase total dos
indígenas pelas armas, escravidão e doenças.
Já para os conquistadores o imaginário amazônico era construído a partir dos relatos de
homens da Antiguidade, de missionários que visitaram o reino do Grão Khan, peregrinos em
busca de lugares santos e comerciantes, todos viajavam à procura do berço da humanidade ou
em busca da história de sua raça (GONDIM, 2007, p. 25).
Contudo, a verdade é que a anunciação do Evangelho a todos os povos foi um dos
propósitos para a legalização da conquista. Para os cronistas do século XVI, os povos do Novo
Mundo eram homens sem fé, sem lei, sem rei140 . Em outras palavras, esses seres de corpos
monstruosos ainda não tinham evoluído socialmente e se encontravam em estado de natureza.
Em sua obra, A conquista da América: a questão do outro, Tzvetan Todorov (1983)
destaca a postura de Colombo141 a respeito de sua chegada:
[...] Colombo não acredita unicamente no dogma cristão: acredita também (e não é o
único na época) em ciclopes e sereias, em amazonas e homens com caudas, e sua
crença, tão forte quanto a de São Pedro, permite que ele os encontre. (TODOROV,
1983, p. 10)
140 Clastres, Pierre et all. Arqueologia da violência: a guerra nas sociedades primitivas. In Guerra, religião, poder.
São Paulo: Martins Fontes, 1977, p. 12. Cf. Gondim, Neide. A invenção da Amazônia, 2007, p. 53
141 Navegador e explorador genovês. Foi o primeiro europeu a chegar nas terras do continente americano, chamado
de Novo Mundo.
98
Colombo não reconhece a diversidade das línguas e, por isso, quando se vê diante de
uma língua estrangeira, só há dois comportamentos possíveis, e complementares :
reconhecer que é uma língua, e recusar-se a aceitar que seja diferente, ou então
reconhecer a diferença e recusar-se a admitir que seja uma língua... Os índios que
encontra logo no início, a 12 de outubro de 1492, provocam uma reação do segundo
tipo; ao vê-los, promete: "Se Deus assim o quiser, no momento da partida levarei seis
deles a Vossas Altezas, para que aprendam a falar" (estes termos chocaram tanto os
vários tradutores franceses de Colombo que todos corrigiram: "para que aprendam
nossa língua"). Mais tarde, consegue admitir que eles têm uma língua, mas não chega
a conceber a diferença, e continua a escutar palavras familiares em sua lín gua, e fala
com eles como se devessem compreendê-lo, e censura-os pela má pronúncia de
palavras ou nomes que pensa reconhecer. Com esta deformação de audição, Colombo
mantém diálogos engraçados e imaginários, dos quais o mais longo refere -se ao
Grande Can, meta de sua viagem. Os índios dizem a palavra Ca riba, designando os
habitantes (antropófagos) do Caribe. Colombo entende caniba, ou seja, gente do Can.
Mas entende também que, segundo os índios, estas personagens têm cabeça de cão
(do espanhol can), com as quais, justamente, comem-nos. E acha que os índios estão
inventando histórias, censurando-os então por isso: "O Almirante achava que estavam
mentindo, e acreditava que aqueles que os capturavam eram da senho ria do Grand e
Can" (26.11.1492) (TODOROV, 1983, p. 19).
Enfim, Colombo toma uma atitude em relação aos indígenas do ponto de vista de sua
percepção frente aos nativos: a posição do colonizador diante do colonizado. Sobre isso, destaca
Todorov (1983):
Ou ele pensa que os índios (apesar de não utilizar estes termos) são seres
completamente humanos com os mesmos direitos que ele, e aí considera -os não
somente iguais, mas idênticos e este comportamento desemboca no assimilacionismo ,
na projeção de seus próprios valores sobre os outros ou então parte da diferença, que
é imediatamente traduzida em termos de superioridade e inferioridade (no caso,
obviamente, são os índios os inferiores). [...] Sua simpatia pelos índios traduz-se,
"naturalmente", no desejo de vê-los adotar seus próprios costumes. (TODOROV,
1983, p. 25-26)
99
Logo, para Colombo, os argumentos para a justa guerra dos espanhóis e que a tornariam
legítima resume o tratamento ofertado aos indígenas: 1. Os índios eram por natureza submissos;
2. Praticavam o canibalismo; 3. Sacrificavam os seres humanos; 4. Ignoravam a religião crista.
Por isso, acreditavam que seria um direito dos espanhóis impor o bem (o que eles
consideravam como bem) aos indígenas. Para ilustrar esses argumentos Todorov (1983), os
enumera da seguinte maneira:
Vejamos agora em que consistem seus argumentos em favor da justa guerra feita pelos
espanhóis. Quatro razões tornam uma guerra legítima (parafraseio seu discurso de
Valladolid, mas os mesmos argumentos encontram-se em Democrates Alter): 1. É
legítimo sujeitar pela força das armas homens cuja condição natural é tal que deveriam
obedecer aos outros, se recusarem essa obediência e não restar nenhum outro recurso.
2. É legítimo banir o crime abominável que consiste em comer carne humana, que é
uma ofensa particular à natureza, e pôr fim ao culto dos demônios, que provoca mais
que nada a cólera de Deus, com o rito monstruoso do sacrifício humano. 3. É legítimo
salvar de graves perigos os inumeráveis mortais inocentes que esses bárbaros
imolavam todos os anos, apaziguando seus deuses com corações humanos. 4. A guerra
contra os infiéis é justificada, pois abre caminho para a difusão da religião cristã e
facilita o trabalho dos missionários (TODOROV, 1983, p. 85).
Em outra obra intitulada O medo dos bárbaros: para além dos choques entre
civilizações, Todorov (2010) adverte que
Ora, esse é o raciocínio do passado e que perdura até hoje. Embora de forma velada ou
por intermédio de questões humanitárias. O fato é que a universalização dos valores coloca em
risco a igualdade entre os povos.
Em contrapartida, se esse julgamento for relativo como, por exemplo, pensar que os fins
justificam os meios, estaremos também aceitando a escravidão, a tortura e o sacrifício humano,
desde que não seja em nossa terra, nem com os nossos. O que justifica Todorov (2010), da
seguinte maneira:
100
Portanto, a vontade de apreender o desconhecido partindo do que já é conhecido e tido
como universal culminou em grandes conflitos, onde o conquistador sobrepujou o conquistado,
como foi o caso dos povos indígenas no Brasil e na Amazônia, mas especificamente na
Amazônia colonial portuguesa.
Para efeito ilustrativo esta subseção abordará de maneira resumida como se deu o
processo de colonização na Amazônia no período entre 1616-1798.
De todas as expedições desbravadas no Século XVI, somente duas conseguiram descer
todo o rio Amazonas registrando os povos que viviam no decorrer de suas margens: 1. A
expedição de Francisco Orellana, em 1541-1542, que saiu da atual Amazônia equatoriana,
descendo o rio Napo e em oito meses chegando ao Atlântico; e, 2. A expedição de Ursua de
Aguirre, em 1560-1561, que foi composta, no início, por 370 espanhóis e cerca de 2000 índios,
saindo da atual Amazônia peruana e chegando também no Atlântico.
Reconstruir o cenário sociocultural da Amazônia portuguesa mediante a época do
contato “decorrem, em grande medida, da fragilidade revelada pelas sociedades indígenas face
à agressão biológica, econômica, militar, política e cultural que sofreram” (FREIRE et al, 2008,
p. 23).
O autor destaca ainda que “essa fragilidade as levou à desintegração em poucas
gerações, num processo em que o sistema hidrográfico teve papel relevante pelas facilidades
que ofereceu tanto à penetração dos colonizadores com à dispersão dos grupos indíge nas
agredidos" (FREIRE et al, 2008, p. 23).
A certeza é que os indígenas que não foram mortos pelas epidemias e pelos descimentos
fugiram da várzea, subindo o rio e imergiram pela floresta. O fato é que das duas possibilidades
encontrariam condições completamente desfavoráveis à sua sobrevivência.
Devido à expansão do mercantilismo, a Amazônia foi transformada numa grande arena
de batalhas, na qual os vencedores eram os europeus que disputavam o território e suas riquezas.
Ao se instalarem na terra, os colonos realizaram forte comércio graças a exploração do trabalho
indígena.
101
Outro fato importante é que o simples ato de navegar pelo rio Amazonas outorgava, pelo
rei (qualquer que fosse o súdito), ao “descobridor” a posse da região. Estes e outros dados serão
expostos, a seguir, na tabela sobre a Amazônia colonial:
103
estabelecer feitorias no invadem o Colégio Sampaio pelas povoações
Amapá da Companhia de da Capitania do Rio Negro
Jesus em Belém e
prendem os
missionários
1610 – Nova tentativa 1680 – Os jesuítas 1712 – Tropas de 1776 – Construção do
dos holandeses para retomam o controle Guerra contra Arawak Real Forte Príncipe da
estabelecer feitorias no das aldeias de que havia matado o Beira
Amapá repartição frei João das Neves no
rio Jauaperi,
defendendo-se contra
resgate
1612-1615 – Os 1684 – Revolta dos 1715-1716 – João de 1777 – Tratado de Santo
franceses se instalam irmãos Beckman e 2ª Barros da Guerra Ildefonso
na área de São Luís do expulsão dos jesuítas massacra os índios
Maranhão Tora, no rio Madeira
1616 – Os holandeses 1719 – Frei Antônio 1783 – Início da viagem
se instalam na área do de Andrade, em do naturalista Alexandre
rio Pará, no Amazonas ataque aos Omagua, é Rodrigues Ferreira
e no Xingu morto
1616 – Francisco 1720 – Epidemia de 1792 – Mudança da sede
Caldeira Castelo bexiga generalizada da Capitania do Rio Negro
Branco funda o Forte dizima milhares de para o lugar da Barra, atual
do Presépio na área da índios cidade de Manaus
atual cidade de Belém
1721-1725 – Tropas 1798 – Barcelos retorna a
de Guerra contra as ser sede da Capitania do
nações Juma e Rio Negro. Extinção do
Maguazes, no médio “Diretório” e criação do
Solimões e no Japurá Corpo de Trabalhadores
1722 – Os Aruan, 1822 – Independência do
comandados pelo Brasil
chefe Guamã, atacam
os portugueses e
ocupam durante um
ano a aldeia de
Moribira; combates
permanentes até 1727
1723-1724 – Tropas 1823 – Adesão da
de Resgate de Manoel Capitania do Grão-Pará ao
Braga no rio Negro Estado Nacional
aprisiona 300 Brasileiro
escravos. Resistência
dos Manaó
1723 – Francisco de
Melo Palheta e padre
Sampaio penetram no
rio Madeira
1724-1725 – Os
Mawé resistem contra
Tropa de Resgate de
Estevão Albuquerque
104
1722-1728 – Jesuítas
acompanham
diferentes Tropas de
Regate aos rios
Madeira, Trombetas,
Negro e outros rios.
Em 6 anos fazem mais
de 4 mil escravos
1725-1728 – Tropa de
Guerra comandada
por João Paes do
Amaral e padre José
de Souza no médio rio
Negro
1727 – Morte de
Ajuricaba e de
centenas de índios
Manaó
1728-1730 – Belchior
Mendes de Morais e
Francisco Ignácio
Xavier em Tropas de
Guerra contra os
Mayapena no rio
Negro, só em 1729
fazem 400 escravos
1729-1730 – Tropas
de Resgate no rio
Japurá
1731-1732 – Tropas
de Guerra contra os
Cayuvicenas no alto
Solimões
1732 – Omagua
resistem à invasão dos
portugueses
1734 – Tropas de
Resgate no rio Negro
1735 – Novo ataque
dos portugueses aos
Omagua
1736 – Tropas de
Resgate no rio Branco
1737-1739 – Várias
Tropas de Resgate ao
rio Negro
1739 – Jerônimo em
Tropa de Resgate no
Japurá
1739-1749 – Durante
dez anos se sucedem
105
Tropas de Resgate no
rio Negro
1749 – Epidemia
dizima índios no
Negro e Solimões
1750 – Tratado de
Madrid
Fonte: FREIRE, José Ribamar et al, 2008, p. 28-29; 51-52; 71-73 e 96-97, com adaptações realizadas por mim.
Uma vez que não encontraram ouro nem outras riquezas, os portugueses viram nos
indígenas a possibilidade econômica de obterem lucro fácil explorando a força do trabalho
desses povos na agricultura, na coleta das “drogas do sertão”, no transporte de mercadorias, na
construção de feitorias e até mesmo como guerreiros.
Freire (2008) destaca que o padre Antônio Vieira como testemunha ocular constatava
que os colonos eram preguiçosos e que seu sustento era fruto do trabalho indígena, pois “o
verdadeiro objetivo do projeto colonial era capturar índios para extrair de suas veias o ouro
vermelho, que sempre foi a mina da Amazônia” (FREIRE et al, 2008, p. 38-39).
Os indígenas foram de fundamental importância para os colonos portugueses pois
atuaram como o principal produto de exportação da Amazônia ao serem capturados e levados
para trabalhar nas Antilhas nos engenhos de açúcar.
Todavia, acostumados com uma jornada de trabalho menor, pois não necessitava m
trabalhar mais do que 3 ou 4 horas, e desconhecedores da exploração foram coagidos a aceitar
o novo sistema de trabalho.
A Lei 1611 que introduziu a escravidão legal dos indígenas e entregou aos colonos o
total controle sobre a captura tanto dos índios “repartidos” como dos índios escravos, distribui
os indígenas nessas duas categorias e os caracterizou em função de três diferentes formas de
recrutamento: descimentos, resgates ou guerras justas, inserindo-os, portanto, na produção
colonial.
Os índios de repartição ou “livres” eram aqueles que aceitavam ser “descidos”, isto é,
que não ofereciam resistência. Os descimentos eram expedições realizadas pelos missionár ios
com o intuito de convencer os indígenas que “descessem” de seu local de origem para os
aldeamentos das missões.
Conforme a Lei 1611, os descimentos passaram a ser realizados por escolta militar e
comandados pelos Capitães de Aldeia que eram os colonos. Após seu descimento os indíge nas
eram relocados nas “aldeias de repartição”, onde eram distribuídos entre os colonos, os
missionários e o serviço real português, em troca de um salário.
106
Em contrapartida, os indígenas escravos eram aqueles recrutados por meio de resgate
ou da guerra justa. Os “resgates” eram expedições armadas com o intuito de efetuar uma troca
comercial entre os colonos e os indígenas considerados aliados. Nessa troca, os portugueses
davam objetos como ferramentas e miçangas e em troca recebiam os indígenas que haviam sido
capturados durante os conflitos intertribais.
Com relação às “guerras justas”, estas eram promovidas pelas Tropas de Guerra e
consistiam na invasão armada aos territórios indígenas com o objetivo de capturar o maior
número possível de indígenas, incluindo as mulheres e as crianças.
No fluxograma, a seguir, será detalhado o processo de recrutamento dos indígena s pelos
colonos:
A revolta é a única saída para a situação colonial que não representa uma ilusão, e o
colonizado descobre isso cedo ou tarde. Sua condição é absoluta e exige uma solução
absoluta, uma ruptura e não um compromisso. Ele foi arrancado de seu passado e
bloqueado em seu futuro, suas tradições agonizam e ele perde a esperança de adquirir
uma nova cultura, não tem língua, bandeira, técnica, existência nacional ou
internacional, direitos ou deveres (MEMMI, 2007, p. 169).
108
Para o autor, a revolta seria o caminho para o colonizado se tornar um ex -colonizado
(descolonizado, em outro termo) e acrescenta que
Portanto, ao se recusar como colonizado deverá fazê-lo de maneira absoluta, não apenas
por meio de revolta, mas superando sua revolta por meio da revolução.
Há tempos os povos indígenas passam por cruéis provações, ataques armados,
expulsões, suspensão de direitos. Apesar da realidade marcada por um passado e por um
presente de massacre, extermínio, etnocídios, violações e discriminação, os povos indígenas da
Amazônia re-existem em defesa de seus modos de vida, suas espiritualidades, territórios e um
projeto de país que abarque a sua pluralidade.
De acordo com a revista Porantim (2015), em sua edição intitulada Em defesa da causa
indígena, um dos motivos para que essa injustiça ainda ocorra no Brasil tem caráter
sociopolítico:
O movimento ruralista busca perverter uma ordem, digerida na redemocratização do
país, e instaurar outra, onde direitos territoriais passam a ser definidos pela co njuntura
política dos partidos políticos das classes dominantes, cujos interesses perpassam a
invasão das terras indígenas, a paralisação das demarcações, a grilagem de terras
públicas na Amazônia (PORANTIM, 2015, p. 02).
A colonialidade do Estado opera por meio de uma classificação étnica subalterniza ndo
os indígenas. Os crimes sofridos por esses povos perduram até hoje e nunca foram reparados
de fato.
109
Frantz Fanon (1968, p. 31), em Os condenados da terra, destaca que o processo colonia l
é caracterizado pela dicotomia que inflige o mundo: o bem e o mal, os bons e os ruins. “Este
maniqueísmo vai até o fim da sua lógica e desumaniza o colonizado. À rigor, ele o animaliza ”.
Nesse sentido, o processo histórico de descolonização através de uma resistência pela
reconquista do território tradicional e de origem objetiva a manutenção de seus costumes de
vida autônomos e coletivos, seus rituais e espiritualidade, seu cuidado com a natureza e também
com a dignidade humana ante a violência colonial e racial.
Os povos indígenas lutam, por sua vez, contra a lógica perversa do Estado Burgu ês
porque não veem a reivindicação do direito ao território tradicional como algo
privatista, guardada as contradições inerentes. Trata-se de justiça histórica. Não se
trata de um território individualista. Não se exige a propriedade, mas um território de
partilha, comunhão. Foge dessa lógica privatista do capital. Então, os povos indígenas
vislumbram um Estado Plurinacional, provedor, cuidador (PORANTIM, 2015, p. 02).
Um dos caminhos seria por uma justiça de transição onde o país deverá superar seu
passado traumático modificando profundamente práticas enraizadas por meio de reparações e
reconhecimento da verdade, fortalecendo, dessa maneira, a democracia.
Por isso, acrescenta Memmi (2007),
Em sua obra Peles Negras, Máscaras Brancas, Frantz Fanon (2008) afirma que
110
Para Gurgel do Amaral (2016, p.29), “se EXISTIR significa estar vivo e RESISTIR,
conservar-se vivo, não sucumbir, não ceder, RE-EXISTIR (ou re-existência) é, para nós, a
melhor forma para explicar a geografia humana e cultural dos povos indígenas (grifo meu)”.142
Em outras palavras, resistir para tornar a existir – re-existir.
142“A opção pela expressão ‘geografia da re-existência’, explicando seu uso, a partir da reflexão: se EXISTIR
significa estar vivo e RESISTIR, conservar-se vivo, não sucumbir, não ceder, RE-EXISTIR (ou re-existência) é,
para nós, a melhor forma para explicar a geografia humana e cultural dos povos Oro Wari” (GURGEL DO
AMARAL, 2016, p. 29)
111
4. NARRATIVAS, RITUAIS, COSMOGONIA E RE-EXISTÊNCIA INDÍGENAS
Após a coleta dos dados, que totalizaram 1032 toadas com temas diversos, foram
selecionadas 174 toadas específicas, tanto do Garantido quanto do Caprichoso, que tratam das
temáticas: Narrativas, Cosmogonia e Re-existência indígenas. Contudo, dessas composições,
selecionei apenas seis para as análises, pois grande parte aborda conteúdos semelhantes, como
mostra o quadro 26, página 47.
Para efeito didático, seguem as seis toadas referentes à temática pesquisada e em
seguida, a análise e discussão propriamente ditas.
Índio do Brasil
Yanomami, filhos Matinta
da terra
Criação Tupi-
Guarani Yuriman
Yebá Burô
A partir do exposto agora será realizada análise e discussão das toadas referentes às
temáticas propostas. Sendo assim, o critério de análise escolhido obedece às seguintes
categorias: a) aspectos narratológicos com abordagem poética em narrativas indígenas sob o
formato de toadas de boi-bumbá que versam sobre: 1 lenda e 1 ritual; b) características
112
cosmogônicas sob a ótica de pertencimento, identidade, tradição e cultura; e, c) aspectos de re-
existência143 indígena no contexto pós-colonial.
4.1. Análise estrutural poética em narrativas indígenas sob o formato de toada de boi -
bumbá: uma possibilidade
Nesta subseção, serão analisadas duas toadas de boi-bumbá que tratam de uma lenda e
de um ritual indígenas. Para a realização das análises esta subseção foi embasada nos estudos
de Greimas, Barthes e, principalmente, em Todorov sobre os elementos que compõem a
narrativa literária.
Como visto na subseção 3.1, páginas 73 a 86, para Barthes (1972, p. 23) “a narrativa
está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa
começa com a própria história da humanidade; não há, em parte alguma, povo algum sem
narrativa”.
Dessa forma, assim como na literatura, as toadas de boi-bumbá não podem ser
concebidas como algo que destoa da arte e da sua relação com a linguagem, já que são
ferramentas para expressar ideias e emoções.
As narrativas indígenas sob o formato de toadas narram a história de um povo, seus
costumes e suas crenças. Possuem o objetivo de ensinar e transmitir conhecimentos ancestrais
às próximas gerações.
Pelo fato de transmitirem ensinamentos, narrando uma história (a sua história), possuem
a possibilidade de serem analisadas estruturalmente em acordo com teorias consagradas.
Sendo assim, as toadas de boi-bumbá podem se encaixar em uma análise estrutural, por
se tratarem de narrativas indígenas que foram coletadas para serem transformadas em gênero
musical, com o intuito de serem contadas através da música e com o papel fundamental de
contar uma história, no caso a história de um povo indígena, além de possuírem elementos que
se enquadram numa análise teórica.
A primeira toada, Matinta, a ser analisada pelo viés narratológico é de origem lendária
e versa sobre um ser, conhecido por Matinta perera, que durante as noites emite um assobio
agudo que perturba o sono das pessoas e assusta as crianças.
143 Reafirmo a escolha por nomear desta forma por entender que a manifestação cultural indígena precisa resistir
para tornar a existir novamente.
113
Baseado na lenda da Matinta, o boi-bumbá Garantido traz para a arena do festival, em
2018, a toada que tem como tema essa entidade misteriosa. Os compositores dessa toada são
Enéas Dias, Marcos Moura e João Kennedy todos de Parintins, no estado do Amazonas e
compõem um grupo musical intitulado “Os Baiás”144 . Os três músicos fazem parte da
agremiação Boi Bumbá Garantido desde 2006/2007.
Quadro 33: Narrativa lendária sobre Matinta
Matinta
Garantido2018
Compositor: Enéas Dias / Marcos Moura / João Kennedy
144O nome remete à linguagem tupi, onde os ‘Baiás’ eram os guardiões das tradições da tribo, responsáveis por
passar o conhecimento para as futuras gerações.
114
Vem das matas da Amazônia
A fera que voa na escuridão
Seu assobio estridente espalha agouro e assombração
A ventania de suas asas sopra a floresta e varre o chão
Pavor, arrepio, corpos que tremem
Ao ver a fera em transformação
Janelas se fecham, luzes se apagam
Oferendas e rezas para a proteção
É preciso escapar
Leve o tabaco, mas poupe minha vida
Sussurram caboclos em superstição
É preciso escapar!
Quem será?
Quem será?
A velha malvada engerada em Matinta
Quem será?
Quem será?
A cabocla que foi condenada pela maldição
A Matinta Perera é conhecida como uma ave de vida misteriosa e cujo assobio nunca se
sabe de onde vem. Em outras partes do país dizem que ela é o Saci Pererê em uma de suas
formas. Esse argumento é encontrado em Câmara Cascudo e está associado às lendas do
Curupira, da Caapora e da Mãe da Mata. O folclorista associa esse ser ao nome de um pássaro:
Saci- Tapera naevia, Linn, Fam, Cuculidae. Também chamado Sem-fim. Etym: h-à
(hang) cy = o que é a mãe das almas. (Cf. Baptista Caetano: 3,86; porque, segundo a
lenda, chupa a alma dos defuntos. Oh demonstrativo corresponde a Y e torna-se ç =
s, quando se fixa ao tema; ã por ang = alma, e cy mãe. Alt. Sacim. Para outros é
onomatopaico. A superstição popular faz dessa ave uma espécie de demônio, que
pratica malefícios pelas estradas, enganando os viajantes com as notas de seu canto e
115
fazendo-os perder o rumo. Sul, Centro, Amazônia e Paraguai. (CASCUDO, 2001, p.
122-123)
Embora esse mito percorra grande parte do país, com várias formas em sua narrativa,
no norte do Brasil, a Matinta é tida como uma entidade mística na forma de um pássaro e que
se transmuta em um ser humano assumindo a forma de uma velha. Para os indígenas, esta ave
é a mensageira das coisas do outro mundo e que traz consigo notícias dos parentes mortos.
De acordo com o folclorista, no aportuguesamento Tupi encontramos o vocábulo
mata como significado de coisa grande, e mati para coisa pequena. No caso da Matinta-Perera,
o mati significa “o pequeno demônio das ruínas” e que seria um ente misterioso, nem ave, nem
quadrúpede, nem serpente, mas tendo de todos estes seres alguma coisa, e que habita os confins
da mata, junto com as onças, as corujas e as cobras.
Ainda segundo o autor, na obra Geografia dos mitos brasileiros, existe na região norte,
sociedades secretas femininas chamadas de Tapereiras, que o povo chama de Mati-
taperereiras. Essas mulheres usam do medo que provocam na população para obterem
vantagens.
Conta-se que usam garotos de 10 a 14 anos como serventes e nas noites sem luar saem
a gritar imitando a Matinta perera. O povo assustado fecha as portas e janelas, e todos se calam
para não atrair o demônio para suas casas. Quando isso ocorre o dono da casa deve prometer
tabaco ou fumo para satisfazer o ente sobrenatural.
Na construção dessa toada foram usadas informações do senso comum da população da
região norte e estudos folclóricos de pesquisadores para obter as características desse ser
sobrenatural, ora uma ave, ora um ser humano amaldiçoado.
A segunda toada, Yuriman, é de origem ritualística e exemplifica uma cerimônia de
pajelança de um povo indígena do Solimões. Narrando os procedimentos ritualísticos para a
cura de um índio guerreiro ferido de morte.
Baseado num ritual de cura, o boi-bumbá Caprichoso, em 2013, levou para a arena de
Parintins, a toada Yuriman, para narrar a pajelança e o poder místico do pajé. Para compor essa
toada, os parintinenses, Geovane Bastos e Saullo Vianna, realizaram pesquisa de campo, estudo
do vocabulário de cada povo, busca por imagens, absorvendo o máximo para chegar a um bom
resultado.
Yuriman
116
Caprichoso 2013
Compositor: Geovane Bastos / Saullo Vianna
Ele vem
Vem como a chuva e o temporal
Mascarado sobrenatural
Estronda a mata teu caminhar
Homem, monstro e animal
Na cultura indígena, os rituais são diversos e variados. Existem rituais para celebração
da vida, da colheita, das manifestações da natureza e da aldeia. Incluindo os rituais de cura que
são utilizados para curar os doentes com o auxílio místico de ervas e danças e os de iniciação.
Estes últimos fazem parte de uma celebração de passagem dos membros da aldeia, como
por exemplo, o ritual da tucandeira, onde os curumins se tornam adultos guerreiros e o ritual
das karajás, destinado a passagem da cunhatã (menina) para cunhã (mulher), onde os fios de
cabelo da jovem são arrancados durante o primeiro ciclo menstrual.
Para a análise estrutural, de ambas narrativas acima, percebemos em Todorov (1972)
que a história evoca certa realidade, seja por meio de acontecimentos que teriam ocorrido, seja
através de personagens muito semelhantes aos da vida real, relatadas de maneira oral, sem a
necessidade de ter sido expressa em um livro.
117
No caso das toadas de boi-bumbá é realizada uma pesquisa que abrange referências
bibliográficas de folcloristas e o próprio conhecimento popular da região norte do Brasil, em
sentido estrito, e da Amazônia, em sentido amplo.
Após a coleta desses dados, as narrativas são transformadas em toadas para narrar a
história mística dos povos indígenas através do espetáculo de encenação, no festival folclór ico
de Parintins, configurando deste modo, uma obra popular.
Segundo Vegini (2014, p. 120), para que uma narrativa seja aceita ou compreendida
requer que o narrador utilize de uma série de estratégias, conscientes ou não, para estimular o
interesse de seus ouvintes.
Dessa forma, “a obra é ao mesmo tempo discurso: existe um narrador que relata a
história; há diante dele um leitor152 que a percebe. Neste nível, não são os acontecimentos
relatados que contam, mas a maneira pela qual o narrador nos fez conhecê-los” (TODOROV,
1972, p. 211).
No caso das toadas, o narrador é o próprio levantador de toadas (cantor) que através da
música conta a narrativa e o leitor é o expectador do festival que atua também como personagem
participando da encenação.
Essas narrativas servirão para manifestar uma estrutura literária abstrata tal como em
Todorov (2006) quando trata sobre a intriga. De acordo com o que foi visto sobre a estrutura
narracional (páginas 80 a 89), nas narrativas indígenas sob o formato de toadas de boi-bumbá
foi percebido algo comum ao caráter das intrigas.
Para demonstrar isso, o esquema proposto por Todorov será utilizado para destacar os
aspectos comuns em ambas toadas. O sinal – , foi utilizado para significar a relação de
implicação existente entre as duas ações.
X pratica um ato
sobrenatural; Y
sofre o X pratica um ato X conclui seu ato
sobrenatural; X sobrenatural como ser
conclui o ato sobrenatural
para o bem ou Y precisa sofrer esse ato
para o mal praticado por X
Fonte: Todorov (2006), com adaptações realizadas pela autora da dissertação.
152 No caso das toadas esse ouvinte seria um expectador e ao mesmo tempo um coadjuvante durante o festival
folclórico.
118
Da mesma forma em,
119
Na narrativa lendária da Matinta, os caboclos que temem o ser medonho precisam ser
amparados pela fé e pela coragem para que possam ser libertos da presença do ente maléfico.
Nesse caso, com seu sobrevoo a Matinta roga seu agouro espalhando o medo. É somente com
o instituto de sobrevivência e apoiados à suas crenças, que misturam crenças de herança
indígena e católica, que os caboclos poderão se salvar.
No ritual indígena, o guerreiro ferido e à beira da morte clama por socorro ao pajé
(xamã). Percebe-se aqui a fé no místico também. O pajé transmuta-se em entidade sobrenatural
e, dessa forma, cura o enfermo.
Para Todorov (2006), as partes do discurso narrativo podem ser estruturadas nas
narrativas indígenas sob o formato de toadas de boi-bumbá da seguinte maneira:
120
Quadro 37: Partes do discurso narrativo presentes na toada Matinta
Indicam um estado
Funcionam como adjetivos
Descrição do equilíbrio inicial A fera que vem das matas e que voa na escuridão causa agouro e
assombração.
A ventania de suas asas sopra a floresta e varre o chão
Pavor, arrepio, corpos que tremem
Ao ver a fera em transformação
Transmutação do ser
Possibilidade 2: enfrentar o pavor e aprisionar a Matinta é o que fazem os caboclos disfarçando a situação
de desequilíbrio (o medo do ente sobrenatural) em situação de equilíbrio (enfrentando e aprisionando a fera)
presença de um terceiro verbo: libertar
Resultado final: só por meio da fé e coragem os caboclos s e libertação através de um ritual ensinado pelo
velho curandeiro segundo o qual enterra-se a tesoura, o terço e a chave por onde a Matinta costuma passar.
121
Quadro 38: Partes do discurso narrativo presentes na toada Yuriman
Indicam um estado
Funcionam como adjetivos
X é o agente da história;
Representa nome próprio narrativo;
Descrição do equilíbrio inicial O xamã Yuriman é convocado para curar um guerreiro ferido de guerra.
Ele vem
Vem como a chuva e o temporal
Mascarado sobrenatural
Estronda a mata teu caminhar
Homem, monstro e animal
Transmutação do ser
122
4.2 A Cosmogonia Indígena representada pelas toadas de boi-bumbá como manifestação
de pertencimento, identidade, tradição e cultura
Criação Tupi-Guarani
Garantido 2005
Compositor: Flávio Farias / Rafael Lacerda
Feche os olhos e sinta a escuridão
como uma noite sem terminar
um mundo soturno vazio e frio
Espíritos vagavam
e os ventos uivavam
anunciando o dia da criação
153 Entendo aqui mito no seu sentido literal; parte da composição do cenário cosmogônico.
154 Anga: sombra, abrigo, alma. Açu: grande, maior.
155 Deus supremo.
123
cosmogônica dos indígenas Tupi-Guarani. Os ensinamentos trazidos pelos anciãos indíge nas
tratam sobre a sabedoria dos movimentos do céu, sobre a lei dos ciclos da Terra, do Céu e do
Homem – são cânticos sagrados – ñe´eporãtenondé.
Nessa narrativa Nhanderuvuçu, o pai primeiro, criou-se por si só na vazia noite iniciada.
O grande pai era imanifesto, a suprema consciência onde nada existia. De si próprio iniciou seu
desdobrar.
Nhanderiqueci – fogo-mãe – fez com que se engendrassem chamas e tênue neblina .
Nhanderuvuçu permeia tudo e a origem de tudo. A essência de Tupã é Nhanderuvuçu. Tupã é
o três, o grande som de onde a linguagem humana é feita – palavra-alma.
Então Tupã inicia a criação de Yvy Tenondé, a primeira Terra. Surge da base do cetro
do criador, vivificada pelas chamas e neblina do grande som primeiro, cinco palmeiras eternas,
nos quatro pontos cardeais, quatro colunas de sustentação - nascente, poente, norte, sul (os pajés
as chamam de “As Quatro respirações da Grande Mãe”).
A tradição indígena tupi-guarani revela que a natureza repete até hoje a dança da criação
macrocósmica para que possamos guiar-nos por seu ritmo e harmonia. São quatro cantos
expressos a partir de Tupã Tenondé. O inverno (arayama) – céu primeiro, seco e vazio, inverno
original gesta e brota o desdobramento do tempo e da vida. A primavera (arapoty) – flores
celestes – é a vida em seu nascer. O verão (arakuara-cy-puku) – as emanações, mães iluminadas
e largas – o calor da vida que rompe e realiza o grande dia. O outono (ara pyau ñemonkadire)
são os dias que se erguem e ressurgem em si mesmos, dando cadência ao tempo quando a vida
outona.
A simbologia dos sete anciãos representa o desenvolvimento da Terra em sete fases. Na
cosmogonia tupi-guarani as sete fases representariam a origem de tudo. Onde tudo se inic ia
com a manifestação de calor anímico – Nhemanduvuçu – expandindo-se com o acréscimo de
novos elementos: luz e ar – Nhanderiqueci que é o calor, misturada à neblina se junta a água,
originando o som sagrado de sua bem-aventurada solidão: Tupã. A partir daí criam-se os seres
trovões que irão ajudar na criação da Terra.
A segunda toada, Yebá Buró, também do boi-bumbá Garantido, composta por Rozina ldo
Carneiro, parintinense, e Náferson Cruz, manauara, narra o mito de origem do povo Desana.
Nesse mito, é contada a história desana sobre Kehíripõrã, onde a mulher ocupa um lugar
de destaque na criação do mundo.
124
Quadro 40: Toada sobre Cosmogonia Dessana
Yebá Burô
Garantido 2015
Compositor: Rozinaldo Carneiro / Náferson Cruz
Yebá Burô, Yebá Burô
Anciã da terra
Yebá Burô, Yebá Burô
A deusa da criação
Umukosurã-Panami, Umukosurã-Panami
Do sopro da vida floresceu a natureza
Em plena harmonia
Yebá, a lenda da criação
Mãe dos filhos do trovão
Nação Baré
Nação Baré
Fonte: <https://www.letras.mus.br/garantido/yeba-buro/>. Acesso em 24 de março de 2017
125
Em síntese, para o povo indígena Desana, a humanidade inteira teria a mesma origem.
No princípio, quando o mundo não existia, a mulher conhecida como Yebá Buró, ou a Avó do
Mundo, gerou cinco filhos, os homens trovões. Eles é que deveriam criar a futura humanidade,
mas não conseguiram. Então ela criou o Bisneto do Mundo, Yebá Gõãmu, e depois seu irmão,
Umukomahsu Boreka.
Os dois irmãos e o terceiro trovão saíram para criar a futura humanidade e para isso
levaram todas as riquezas que possuíam. O terceiro trovão se transformou em uma cobra grande
e desceu até o fundo do Lago de Leite. A cobra, chamada de Canoa de Transformação, tinha os
dois irmãos como comandantes e se deslocava pelo fundo das águas.
Eles criaram casas em baixo d’água e em cada lugar que paravam faziam rituais com as
riquezas que haviam levado. Estas riquezas se transformaram em gente. Depois disso, os irmãos
criaram as línguas dos diferentes grupos que ainda hoje vivem na região do alto rio Negro.
Na volta, a Canoa de Transformação levou os humanos até uma cachoeira. Foi lá que
eles pisaram na terra pela primeira vez. Yebá Gõãmu, o Bisneto do Mundo, não foi à terra, mas
deu origem ao chefe dos Tukano, que foi o primeiro a descer da cobra-canoa. Depois foi Boreka,
o chefe dos Desana, que desceu. O terceiro foi o chefe dos Pyra-Tapuyo, o quarto o dos Siriano,
o quinto foi o chefe dos Baniwa e o sexto a sair foi o chefe dos Maku. O Bisneto do Mundo deu
a todos eles alguns objetos e o poder de serem tranquilos, de fazerem grandes festas e de
conviverem bem com muita gente.
Na cosmogonia do povo desana o homem branco também é parte da criação. Sendo o
sétimo a sair com uma espingarda na mão. Yebá Gõãmu não lhe deu bens, mas disse que seria
uma pessoa sem medo, que faria guerra para roubar a riqueza dos outros. Dessa forma, o homem
branco, depois de dar um tiro com sua espingarda, seguiu em direção ao sul para fazer guerra.
126
Temos em ambas toadas a representação da identidade, do pertencimento, da tradição e
da cultura indígenas reveladas e configuradas por meio das toadas e das encenações míticas
apresentadas durante o festival.
As toadas sobre mitos e rituais contribuem para a divulgação da cultura popular indíge na
e cabocla da região norte. Além disso, representam a identidade regional ao significarem por
meio da tradição o pertencimento dos povos indígenas através de sua sabedoria, crenças e
costumes.
127
Quadro 41: Toada sobre Re-existência
128
mil quilômetros quadrados, nas duas vertentes da serra Parima, entre o alto Orinoco (sul da
Venezuela) e a margem esquerda do rio Negro (norte do Brasil). Constituem um vasto conjunto
linguístico e cultural, totalizando 11. 341 yanomamis na Venezuela e 21.267 no Brasil161 .
Em seus relatos Kopenawa (2015) denuncia:
Se os brancos não tivessem entrado em nossa floresta quando eu era criança, com
certeza eu teria me tornado um guerreiro e, tomado pela raiva, teria flechado outros
Yanomami por vingança. Cheguei a pensar nisso. Mas nunca matei ninguém. Sempre
contive meus maus pensamentos acima de mim e fiquei quieto, lembrando -me dos
brancos. Dizia a mim mesmo: “Se eu flechar um dos nossos, esses forasteiros que
cobiçam a floresta dirão que sou mau e não tenho nenhuma sabedoria. Não farei isso,
porque são eles que nos matam com suas doenças e espingardas. Hoje, é contra eles
que devo dirigir meu rancor” (KOPENAWA;ALBERT, 2015, p. 73).
São Paulo)
129
Quadro 42: Toada sobre Re-existência
Índio do Brasil
Garantido 2004
Compositor: Demétrios Haidos e Geandro Pantoja
Sou igara nessas águas
Sou a seiva dessas matas
E o ruflar das asas de um beija-flor!
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação teve como objeto de estudo a análise das letras das toadas de boi-bumbá
do festival folclórico de Parintins que versam sobre narrativas, cosmogonia e re-existênc ia
indígenas. Como objetivo geral, estudou-se a possibilidade de uma análise estrutural com viés
poético em narrativas indígenas sob o formato de toadas de boi-bumbá, destacando por meio
dessas histórias, além de características narrativo-poéticas, elementos que representam a visão
cosmogônica dos povos indígenas e sua luta de re-existência e preservação de sua cultura,
crenças, tradição e história.
Para atingir o objetivo acima exposto, foram delimitados três objetivos específicos
concernentes às etapas da pesquisa. Tais objetivos ficaram assim delimitados:
1. Analisar estruturalmente como se constituem as narrativas indígenas amazônidas
sob o formato de toadas de boi-bumbá do festival folclórico de Parintins, mais
precisamente em duas toadas: uma que versa sobre a lenda da Matinta, do boi-bumbá
Garantido e a outra, do boi-bumbá Caprichoso, que aborda sobre a figura do pajé,
Yuriman, em um ritual;
2. Analisar o destaque das características cosmogônicas como representação de
pertencimento, identidade, tradição e cultura, referentes às toadas: Criação Tupi-
Guarani e Yebá Burô, ambas sobre os mitos indígenas de origem da criação do
mundo indígena tupi-guarani e desana, respectivamente.
3. Analisar a questão da re-existência indígena com abordagem crítica do pós-
colonialismo, analisando duas toadas: Índio do Brasil e Yanomami, filhos da terra,
com o propósito de deixar uma mensagem de preservação e luta ainda necessárias
em nossa sociedade no que tange aos direitos dos indígenas em re-existirem em sua
própria terra, mantendo vivas sua cultura, tradição e identidade.
A estrutura dessa dissertação seguiu a seguinte organização:
1. Na seção 1, foi apresentada a introdução desta pesquisa, com o objetivo geral e os
específicos já expostos acima, juntamente com a metodologia que teve caráter
bibliográfico e documental como base e, como suporte, a sociopoética, por entender
que a pesquisa parte necessariamente do empírico para o científico.
Nesta seção, também foram apresentados o corpus e os critérios para análise, os quais
ficaram assim estabelecidos: de um total de 1032 toadas, somando as composições dos bois
132
Garantido e Caprichoso, entre os anos de 1994 a 2018, 174 abordam as temáticas de análise
dessa pesquisa.
Por isso, estabeleci como critério de análise seis toadas referentes aos temas propostos,
que foram: análise estrutural em narrativas indígenas sob o formato de toada, elementos
cosmogônicos que representam o pertencimento, identidade, tradição e cultura indígenas e a
mensagem de re-existência, luta e preservação das crenças, costumes, tradição, história e cultura
dos povos indígenas.
2. Na seção 2, foi realizada uma breve pesquisa acerca do contexto histórico da cidade
de Parintins, dos povos que constituíram o lugar e do festival folclórico, que no ano
de 2018 completa o seu 53º espetáculo.
Essa seção ficou estabelecida como critério didático para fins de conhecimento e
entendimento do que é o festival como um todo. Apresentando o contexto histórico da criação
da cidade de Parintins, a origem e importância do festival e, por último, a apresentação, item
por item, dos componentes que fazem parte do espetáculo folclórico.
3. Na seção 3, foi realizado um levantamento bibliográfico acerca das temáticas
propostas.
Para embasar os estudos referentes a análise estrutural da narrativa empreguei como
aporte teórico os estudos de Roland Barthes (1972), Gérard Genette (1972), e, principalme nte,
Tzvetan Todorov (1972; 2006).
Para identificar as características cosmogônicas presentes nos mitos indígenas de
origem como representação de pertencimento, identidade, tradição e cultura utilizei os estudos
de Stuart Hall (1997), Paes Loureiro (2008), Homi Bhabha (1998), Mircea Eliade (1972),
Umusῖ Pãrõkumu e Tõrãmũ Kẽhíri (1995), Vegini (2014) e Kopenawa & Albert (2015).
E, por fim, para embasar os estudos sobre o contexto histórico do processo colonial da
Amazônia empreguei como referência José Ribamar Bessa Freire (2011; 2008), Darcy Ribeiro
(1979) e Tzvetan Todorov (2010; 1983), e sobre a questão da re-existência indígena sob o
enfoque do pós-colonialismo, utilizei os pesquisadores, Albert Memmi (2007), Walter Migno lo
(2008), Neide Gondim (2007) e Frantz Fanon (2008; 1968).
4. Na seção 4, foi realizada a análise e discussão dos objetivos propostos juntamente
com seus respectivos resultados:
Para comprovar a possibilidade de ser feita uma análise estrutural em narrativas
indígenas sob o formato de toada de boi-bumbá, selecionei duas composições: uma que versa
133
sobre a lenda da Matinta perera e a outra, sobre um ritual de cura praticado por um pajé,
Yuriman.
Foram analisados os elementos que compunham as narrativas indígenas selecionadas de
acordo com a história e o discurso representados pela análise das ações das personagens
presentes em ambas toadas.
Essas narrativas indígenas serviram para manifestar uma estrutura literária abstrata, tal
como foi visto em Todorov (2006), referente ao que o autor denominou de intriga. Para expor
a trama, foi elaborado um esquema (ver subseção 4.1), onde foi demonstrado o vínculo de
interação entre as personagens nas narrativas analisadas, comprovando que há essa interação
tal qual nas narrativas literárias.
Retomando a análise estrutural proposta foi possível perceber que as narrativas
indígenas, sob o formato de toadas, são compostas de história e discurso. De acordo com o
discurso, este pode ser dividido em três níveis de descrição: nível das funções, das ações e da
narração.
De acordo com a discussão realizada, as partes do discurso narrativo podem ser
estruturadas nas narrativas indígenas sob o formato de toadas seguindo o esquema formulado
para a análise que teria como elementos: a descrição de um equilíbrio inicial, seguido de um
estado de desequilíbrio, promovendo duas possibilidades de resolução para a trama,
culminando, por fim, no resultado final (ver os esquemas de análises apresentados nas páginas
112 a 122).
Com relação às características e elementos cosmogônicos, nas toadas Criação Tupi-
Guarani e Yebá Burô, pude observar analogias presentes em vários aspectos referentes a
culturas indígenas distintas.
Tais aspectos são apresentados a partir dos mitos de origem da criação do mundo, onde
é percebida a descrição do universo mitológico indígena sobre os mitos amazônicos que contam
a criação da floresta, dos animais e dos povos.
Nesta pesquisa, a visão cosmogônica indígena é caracterizada como uma ideologia que
representa o pertencimento, a identidade, a tradição e a cultura indígenas por meio de sua
sabedoria, crenças e costumes.
Por fim, com relação à discussão sobre a questão da re-existência indígena sob o viés
do pós-colonialismo a mensagem presente nas toadas, Yanomami filhos da terra e Índio do
134
Brasil, e que ficou estabelecida desde o início da jornada desta pesquisa é: lembrarmos de quem
somos e de onde viemos.
Sendo assim, as manifestações culturais de pertencimento, identidade e tradição são,
não apenas folclóricas, mas, sobretudo de re-existência. Pois, é preciso ter em mente, que como
híbridos que somos, não devemos esquecer que é preciso resistir para não deixarmos que nossa
herança cultural desapareça.
Ao encerrar esta dissertação de Mestrado, ressalto a cultura de herança indígena, por
meio de narrativas indígenas sob o formato de toadas de boi-bumbá, como representação da
cultura de povos ancestrais e de extrema importância e necessidades sociais.
Uma vez que os povos indígenas e caboclos, especificamente os da região norte do
Brasil, mesmo que em menor número de pessoas, re-existem por meio de manifestações
culturais, ao serem representados através da riqueza de sua cultura, do misticismo da floresta e
das tradições indígenas que compõem o enredo das narrativas retratadas em toadas dos bois-
bumbás, Garantido e Caprichoso, no Festival Folclórico de Parintins.
135
REFERÊNCIAS
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Janeiro, 1951.
BHABHA, Homi K. O local da cultura. Tradução de Myriam Ávila, Eliana Lourenço de Lima
Reis e Glaucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 1998.
CASCUDO. L. da Câmara. Geografia dos mitos brasileiros. São Paulo: Global Editoras,
2001.
FREIRE, José Ribamar Bessa. Rio Babel: a história das línguas na Amazônia. Rio de
Janeiro: Ed. UERJ, 2011.
136
In. SANTOS et al. (org.). Prática de pesquisa nas ciências humanas e sociais: abordagem
sociopoética. Belo Horizonte / Rio de Janeiro / São Paulo: Atheneu, 2005.
GIL, Antônio C. Como elaborar projetos de pesquisas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1996.
HALL, Stuart. A identidade cultural da Pós-modernidade. 10ª ed. – DP & A Editora. Rio
de. Janeiro, 2005.
KẼHÍRI, Tõrãmũ. PÃRÕKUMU, Umusῖ. Antes o mundo não existia: mitologia dos antigos
Desana-Kẽhíripõrã. 2ª ed. – São João Batista do Rio Tiquié: UNIRT; São Gabriel da
Cachoeira: FOIRN, 1995.
LOUREIRO, João de Jesus Paes. A arte como encantaria da linguagem. São Paulo: Escrituras
Editora, 2008.
MATINTA. Toada. Composição: Enéas Dias, Marcos Moura, João Kennedy. Álbum: Auto da
resistência cultural. Garantido 2018. Disponível em:
<https://www.letras.mus.br/garantido/matinta/>. Acesso em 28 de março de 2018.
MEGALE, Nilza Botelho. Folclore Brasileiro. Rio de Janeiro: Vozes, 1999, p. 24 a 26.
137
MEMMI, Albert. Retrato do colonizado precedido de Retrato do colonizador. Tradução de
Marcelo Jacques de Moraes. Civilização Brasileira: Rio de Janeiro, 2007.
SODRÉ, Muniz. A verdade seduzida. Por um conceito de cultura no Brasil. Rio de janeiro:
DP&A, 2005
SOUZA, João Jorge. Parintins: A Ilha do Folclore. Manaus: Grafitec, 1987, p. 17.
TODOROV, Tzvetan. O medo dos bárbaros: para além do choque das civilizações.
Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis, RJ: Vozes, 2010.
VALENTIN, Andréas; CUNHA, Paulo J. Caprichoso: a terra é azul. Rio de Janeiro: Ponto
de Vista Comunicação, 1999, p. 131 a 132.
YEBÁ BURÔ. Toada. Composição: Rozinaldo Carneiro / Naferson Cruz. Álbum: Vida.
Garantido 2015. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/garantido/yeba-buro/ >. Acesso em
24 de março de 2017
138
YURIMAN. Toada. Composição: Geovane Bastos / Saullo Vianna. Álbum: Sabedoria popular
uma revolução ancestral. Caprichoso 2013. Disponível em:
<http://www.boicaprichoso.com/player.asp?t=459 >. Acesso em 24 de março de 2017.
139
CRÉDITO DAS FOTOS
Foto 2: www.folhadeparintins.com.br
Foto 3: http://festivalfolcloricodeparintins-iesb.blogspot.com
Foto 7: http://festivalfolcloricodeparintins-iesb.blogspot.com
140
APÊNDICE A
Matinta
Garantido2018
Compositor: Enéas Dias / Marcos Moura / João Kennedy
Quem será?
Quem será?
A velha malvada engerada em Matinta
Quem será?
Quem será?
A cabocla que foi condenada pela maldição
Enterra a tesoura
O terço e a chave
Por onde a Matinta
Costuma passar
Assim ensinou
O velho curandeiro
A fé e a coragem
Vão nos libertar
141
APÊNDICE B
Yuriman
Caprichoso 2013
Compositor: Geovane Bastos / Saullo Vianna
Ele vem
Vem como a chuva e o temporal
Mascarado sobrenatural
Estronda a mata teu caminhar
Homem, monstro e animal
142
APÊNDICE C
Criação Tupi-Guarani
Garantido 2005
Compositor: Flávio Farias / Rafael Lacerda
Espíritos vagavam
e os ventos uivavam
anunciando o dia da criação
143
APÊNDICE D
Yebá Burô
Garantido 2015
Compositor: Rozinaldo Carneiro / Naferson Cruz
Umukosurã-Panami, Umukosurã-Panami
Do sopro da vida floresceu a natureza
Em plena harmonia
Yebá, a lenda da criação
Mãe dos filhos do trovão
Nação Baré
Nação Baré
144
APÊNDICE E
Clama em oração
batendo o pé no chão
No xabono da floresta
danças, rito e pajelança
Clama em oração
Batendo o pé no chão
No xabono da floresta
Danças, rito e pajelança
146
APÊNDICE F
Índio do Brasil
Garantido 2004
Compositor: Demétrios Haidos e Geandro Pantoja
147
APÊNDICE G
neste ato representado por seu Presidente José Tupinambá Ribeiro Ponte, no uso de suas
atribuições legais, de acordo com o disposto no Estatuto desta Associação, torna público o
presente Edital de Concurso para a Seleção das 20 ( vinte) toadas , que irão compor o CD e o
DVD 2018 e a trilha do espetáculo do Boi-Bumbá Caprichoso no ano de 2018.
1. MOTIVAÇÃO
Uma das expressões culturais de maior relevo do folclore parintinense, o Boi Bumbá
Caprichoso, detentor de 23 (vinte e três) títulos no Festival Folclórico de Parintins, foi o
pioneiro ao abordar temáticas amazônicas, além de outras voltadas ao aspecto da formação
social da Amazônia, ao exaltar a cultura dos povos indígenas, caboclos e ribeirinhos presentes
na região. Cabe, portanto, à Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso apoiar e divulgar as
toadas de nossos compositores, já inscritos no clássico da alta música popular brasileira.
2. DO OBJETO
2.1. Constitui objeto deste Concurso a Seleção de 20 ( vinte) toadas para compor o CD e o
DVD e ainda a trilha do espetáculo do Boi-Bumbá Caprichoso para o ano de 2018 ou qualquer
produto comercial desta Associação Cultural, assim como dos patrocinadores e parceiros.
3. DAS INSCRIÇÕES
3.1 Poderá participar todo (a) compositor (a) que tenha identidade com o BoiBumbá
Caprichoso.
3.2 É vedada a participação de compositor (a) que esteja concorrendo com outras obras na
Associação Folclórica contrária.
3.3. Podem participar compositores em idade igual ou superior a 18 (dezoito) anos, capazes,
brasileiros natos ou naturalizados, desde que identificados com o Boi-Bumbá Caprichoso.
3.4. Cada compositor poderá se inscrever com quantas toadas quiser, sejam elas compostas de
forma individual ou em parceria.
3.5. As toadas serão classificadas em livres ou genéricas, assim como toadas estratégicas :
Lenda, Ritual Indígena, Exaltação Folclórica, Tribos e Figura Típica Regional.
3.6 As inscrições são gratuitas e deverão ser entregues no endereço abaixo, no período de 10
DE AGOSTO A 10 DE OUTUBRO DE 2017 PARA AS TOADAS GENÉRICAS e do DIA
10 DE AGOSTO ATÉ O DIA 10 DE NOVEMBRO PARA AS TOADAS
ESTRATÉGICAS, observando os horários e prazos estipulados:
PARINTINS/AM – RUA GOMES DE CASTRO Nº 685, CENTRO, CEP 69151280. SEDE
DA ASSOCIAÇÃO CULTURAL BOI-BUMBÁ CAPRICHOSO, NO HORÁRIO DAS 09h
ÀS 12h E DAS 15h ÀS 17h.
MANAUS / AM – RUA JOSÉ CLEMENTE, PRÉDIO DA RÁDIO RIO MAR, 3o
ANDAR, SALA 314, NO HORÁRIO DAS 09h ÀS 12h E DAS 15 AS 17 H , FONE
148
(92) 99518 6544.
NO PORTAL DO COMPOSITOR NA INTERNET
HTTP://COMPOSITOR.BOICAPRICHOSO.COM, 24 HORAS POR
DIA, EXCETUANDO-SE O ÚLTIMO DIA DE INSCRIÇÃO, QUANDO O HORÁRIO
LIMITE SERÁ ATÉ ÀS 21H00MIN.
3.7 O prazo estipulado para a entrega das toadas, não será prorrogado em nenhuma
hipótese.
3.8 Os proponentes são responsáveis pelas informações fornecidas e pela mídia entregue, não
podendo ser alterados ou substituídos após a formalização da entrega, salvo, caso a toada seja
selecionada, a pedido da Diretoria ou Conselho de Artes.
4.1 Nas toadas de categoria livre (genéricas), devem os compositores darem ênfase para toadas
de GALERA e TOADAS QUE EXALTEM O AMOR AO BOI CAPRICHOSO.
4.2 A toada de categoria livre (genérica) que for aprovada para compor o CD 2018 da
Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso, poderá sofrer alterações na sua letra e/ou melodia,
a critério do Conselho de Artes do Boi Caprichoso para adequar a obra ao projeto de arena que
será apresentado.
5.1 Nas toadas de categoria estratégicas devem, os nossos poetas, darem ênfase a toadas que
exaltem o TEMA do ano de 2018, além de toadas de RITUAIS, LENDAS, FIGURAS
TÍPICAS, TRIBAL E EXALTAÇÃO FOLCLÓRICA.
5.2 Caso as toadas estratégicas inscritas não atendam as expectativas ou não se enquadrem no
projeto de arena a ser apresentado pelo Boi Caprichoso em 2018, fica reservado, o direito à
Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso, através de seu Conselho de Arte, solicitar de
forma livre, direta e espontânea, de qualquer compositor que se enquadre no perfil sugerido, a
confecção de toadas estratégicas com vistas a formatação final do boi de arena.
5.3 Da mesma forma que consta no item 4.2 deste edital, a toada estratégica que for aprovada
para compor o CD 2018 da Associação Cultural Boi-Bumbá Caprichoso, poderá sofrer
alterações na sua letra e/ou melodia, a critério do conselho de arte do boi Caprichoso para
adequar a obra ao projeto de arena que será apresentado.
No ato da inscrição de cada toada, o (s) compositor (es) deverá entregar envelope identificado
apenas com o nome da música, contendo os documentos abaixo relacionados:
a) Ficha de Inscrição devidamente preenchida (ANEXO I);
b) Declaração de Responsabilidade e Compromisso (ANEXO II);
c) Declaração de Autoria, ineditismo da toada (ANEXO III);
d) Termo de Utilização de uso da Imagem e Som dos Concorrentes e de
Cessão de Direitos Autorais (ANEXO IV);
e) Cópia da Carteira de Identidade do(s) Compositor;
f) Cópia do CPF do(s) Compositor(es);
g) Cópia do Comprovante de Residência atual do compositor(es);
149
h) Gravação da toada em MÍDIA, no formato MP3, produzida e identificada apenas com
o nome da obra e, na mesma mídia, anexar a letra da composição em arquivo tipo DOC
ou TXT;
i) Uma (01) cópia da letra da toada IMPRESSA em fonte Arial ou Tahoma, tamanho 12;
j) Quando se tratar de toada estratégica, além da letra, deverá ser apresentada uma (01)
cópia impressa e digital da pesquisa relativa à obra, sem identificação do autor, sendo
obrigatória a indicação das referências bibliográficas de onde se extraiu as informaçõ es
para a construção poética da toada;
k) Quando se tratar de inscrição realizada por meio do Portal do Compositor via internet
especificado neste edital, os compositores ficam desobrigados de apresentar a
documentação e/ou mídias físicas no ato da inscrição, devendo, contudo, informar com
veracidade todos os dados exigidos naquela forma. Devem ainda ter a guarda de toda a
documentação física necessária, termos, declarações e anexos deste edital para entrega
ou remessa imediata a um de nossos endereços físicos, especificados no item 3.6 deste
Edital, caso qualquer uma de suas obras concorrentes sejam aprovadas e escolhidas ao
final deste corrente processo, obedecendo ao prazo de até 05
(cinco) dias úteis contados a partir da divulgação do resultado, conforme item 06 deste edital.
l) Ao realizar a inscrição eletrônica, por meio do Portal do Compositor, o autor da obra,
assina e aceita, de forma eletrônica, através de acesso realizado por uso de CPF e senha
pessoal e intransferível, todos os termos e declarações anexos a este Edital.
Parágrafo Único. A toada deverá ser inédita. Devendo ser entendida como inédita a obra
musical que nunca foi reproduzida em espetáculos ou gravada através de qualquer mídia
fonográfica comercial ou promocional, e ainda, não ter sido editada em agências especializadas.
Entende-se por original, a obra não plagiada, considerando-se letra e melodia a estrutura da
toada devendo, ainda, concordar com as tradições do Boi-Bumbá Caprichoso utilizando jargões
que o exaltem.
7.1. A análise, aprovação e seleção da documentação e das toadas serão feitas pelo Conselho
de Arte e Conselho Musical, designados pelo Presidente da ACBB Caprichoso.
8. DO PROCESSO SELETIVO DAS TOADAS LIVRES OU GENÉRICAS
8.1. AS TOADAS LIVRES OU GENERICAS PASSARÃO POR TRÊS FASES DE
AVALIAÇÃO:
a) Análise documental de caráter eliminatório;
b) Análise pela Comissão de Seleção etapa Manaus de caráter classificatório;
c) Audição popular em Parintins de caráter eliminatório.
8.2 Na fase de análise documental, o corpo técnico da ACBB Caprichoso observará se todos os
proponentes apresentaram a documentação listada no item
6 – DA DOCUMENTAÇÃO PARA INSCRIÇÃO, sendo imediatamente eliminados os que não
preencheram os requisitos ali discriminados. Serão eliminadas também as composições que já
passaram por processos anteriores e que, em qualquer destes processos, obtiveram média igual
ou inferior a 5 (cinco) na primeira fase em que foram submetidas a votação.
8.3 Na etapa de seleção Manaus de caráter classificatório, na qual serão submetidas apenas as
toadas livres ou genéricas, as notas a serem atribuídas serão de 5,0 (cinco) a 10 (dez), sendo
eliminada a toada que não alcançar média igual ou superior a 7,0 (sete).
8.4 Na audição popular, etapa de seleção em Parintins, serão atribuídas notas de 7,0 (sete) a 10
(dez), sendo selecionadas aquelas que obtiverem maior pontuação.
150
8.5 As decisões dos Conselhos Musical e Conselho de Arte são irrevogáveis, não cabendo
recursos contra estas.
8.6 Para fins de realização da etapa classificatória de seleção das toadas genéricas, será
constituída uma Comissão de Seleção composta por no mínimo 8 (oito) membros, sendo, ao
menos:
a) 2 (dois) membros do Conselho de Artes;
b) 02 (dois) representantes com notório conhecimento na área musical;
c) 02 (dois) representantes do Conselho Musical do Boi-Bumbá Caprichoso
d) 02 (dois) representantes da torcida do Boi-Bumbá Caprichoso;
e) 02 (dois) representantes do elenco de cantores do Boi-Bumbá Caprichoso;
f) Convidados e personalidades identificadas com a ACBB Caprichoso;
8.7 Serão selecionadas pelo menos 25 (vinte e cinco) toadas nesta etapa de seleção. Após,
estas serão submetidas a uma audição pública na etapa de seleção Parintins, no Curral Zeca
Xibelão, onde serão submetidas a apreciação popular.
8.8 As toadas mais bem votadas pela Comissão de Seleção etapa Manaus, de caráter
classificatório, seguirão para a etapa de seleção Parintins, onde as mais bem votadas, comporão
o álbum musical do bumbá no ano de 2018.
Cada membro da Comissão de Seleção das Toadas Livres ou Genéricas, tanto na etapa de
seleção Manaus, quanto na etapa de seleção Parintins, avaliará e conferirá pontuação para
quesito de julgamento conforme o que se segue: Melodia; Letra; Arranjo; Interpretação.
12. DA PREMIAÇÃO
12.1 Para cada uma das obras selecionadas e escolhidas ao final deste processo, haverá uma
premiação de 3.000,00 (TRES MIL REAIS) para cada composição, independente da quantidade
de autores.
12.2 Os prêmios serão pagos aos respectivos compositores responsáveis, desde que tenham
apresentados todas as documentações e anexos nas formas exigidas para os trâmites
necessários.
13.1 Caso os prazos previstos neste edital não se iniciem ou terminem em dia de normal
expediente, ficam automaticamente prorrogados para o primeiro dia útil subsequente.
13.2. A ACBB Caprichoso não se responsabilizará pelas licenças, autorizações e direitos
autorais necessários ou quaisquer outras ocorrências ou reivindicações de autoria que
porventura venham a ocorrer, sendo essas de total responsabilidade dos envolvidos.
13.3. A inscrição do proponente configura na prévia e integral aceitação de todas as condições
estabelecidas nesse Edital, valendo como adesão espontânea de compositores, intérpretes,
instrumentistas, backing vocals e outros que participarem da seleção.
13.4. Os compositores cujas obras forem selecionadas autorizam, desde já, a ACBB Caprichoso
o direito de mencionar e de utilizar em suas ações de difusão, quando entenderem oportuno,
sem qualquer ônus, as peças publicitárias, material audiovisual, fotografias, cd´s e dvd´s e
quaisquer outras mídias, físicas ou virtuais.
13.5. À ACBB Caprichoso fica reservado o direito de prorrogar, revogar, corrigir ou anular este
Edital, havendo motivos ou justificativas para tais procedimentos devidamente apresentados
nos autos do processo de origem.
13.6. Após o processo de escolha, as composições não aprovadas, suas mídias, impressos e
outros materiais, poderão ser destruídos e descartados pela ACBB Caprichoso, não havendo,
portanto, a devolução destes objetos, itens, mídias e outros.
13.7. Os casos omissos serão dirimidos pela ACBB Caprichoso e pelo Conselho de Artes.
152
13.8. O ato de inscrição do proponente pressupõe a aceitação plena concordância e
compromisso de cumprimento de todos os critérios e condições dos termos integrais deste
Edital.
13.9. Para dirimir quaisquer dúvidas ou questões relacionadas com o presente Edital, fica eleito
o foro do município de Parintins, com exclusão de qualquer outro, por mais privilegiado que
seja.
APÊNDICE H
153
EDITAL Nº 002/2017 – AFBBG - SELEÇÃO DE TOADAS DE 2018
RESOLVE:
DO OBJETIVO
Art. 2º - O presente concurso tem como objetivo a seleção das músicas inéditas de galera,
evolução, rituais, lendas, figura típica, tribais, itens individuais e genéricas, para dar suporte ao
Festival Folclórico de Parintins – 2018, sendo facultada a utilização das referidas obras
selecionadas nos espetáculos de arena de 2018, de acordo com a conveniência e necessidade do
projeto do boi de arena. Os critérios de seleção musical envolvem letra, melodia, harmonia,
conteúdo coerente com as tradições do Boi Garantido.
DA COMISSÃO JULGADORA
Art. 3º - A Comissão Julgadora, nas fases eliminatórias e classificatórias, será composta por
membros da Diretoria, Comissão de Arte, Conselho de Ética, Conselho Fiscal e Convidados
indicados pela Presidência.
Parágrafo Único. Não poderá fazer parte do julgamento, pessoas que tenham obra/toada
concorrendo ou que tenham qualquer parentesco, até segundo grau, com autores participantes
do concurso.
O PROCESSO DE SELEÇÃO
154
Art. 4º - Serão escolhidas as 16 (dezesseis) obras que irão compor o
CD/DVD/PLATAFORMAS DIGITAIS - Garantido 2018, cujo processo de seleção será feita
em duas etapas:
I – Primeira Etapa (eliminatória) – nesta fase será realizada uma triagem de todas as obras
inscritas, sendo que a escolha das toadas direcionadas ao projeto de arena (08 toadas – ritual,
lenda amazônica, figura típica regional, tribal e toada tema) ficarão exclusivamente a cargo da
Comissão de Artes do Boi Garantido.
II – Segunda Etapa (classificatória) – nesta fase serão selecionadas e
classificadas toadas, de acordo com as exigências do Art. 2º do presente Edital e com conteúdo
lítero-musical que atenda às necessidades e exigências do projeto Boi de Arena 2018 do Boi
Bumbá Garantido.
Parágrafo Único. A seleção terá como base as planilhas de nota de cada julgador, por
agrupamento de itens, sendo consideradas aprovadas as toadas que obtiverem as maiores notas,
em ordem decrescente de pontuação. As toadas deverão apresentar letra, ritmo e melodia de
acordo com as tradições do Boi Garantido de acordo com as necessidades desta Associação.
DOS PARTICIPANTES
155
Parágrafo Único. As fichas e autorizações a que se refere o caput deste artigo poderão ser
preenchidas e assinadas por representante(s) legal(is), mediante procuração específica para o
processo.
Art. 10º - A ficha de inscrição de cada toada, com mais de um autor, deverá conter,
obrigatoriamente, os dados de cada compositor e a ordem definitiva de seus nomes.
Parágrafo Único. Não serão aceitas toadas sem as suas fichas de inscrição devidamente
preenchidas e assinadas pelos compositores, com firma reconhecida em cartório.
Art. 11 - Após a inscrição, não será permitida, sob quaisquer pretextos, alterações relativas à
letra, a obra gravada, nos nomes ou na ordem dos nomes de seus compositores, bem como, não
será permitida a inclusão posterior de outros nomes na autoria da obra.
Parágrafo Primeiro: Serão sumariamente excluídas do processo musical as toadas que
apresentarem, em decorrência de má fé ou outras atitudes do(s) autor(es), as evidencias de
falsidade ideológica, inclusive plágio de outras composições lítero/musicais.
Parágrafo Segundo: O compositor terá sua(s) toada(s) desclassificada(s) se ficar constatado
que este usou de pseudônimo e/ou nomes de terceiros para participar com suas obras no
CD/DVD/PLATAFORMAS DIGITAIS de toadas da agremiação adversária ou se ficar
constatado qualquer outro descumprimento das normas estabelecidas neste Edital.
Parágrafo Terceiro: Será, ainda, excluída do processo de seleção, a obra cujo(s)
compositor(es), de forma comprovada, assediar(em) qualquer membro da Comissão de Artes
e/ou Comissão Julgadora, na tentativa de ter sua obra escolhida, bem como, agir(em) de forma
desrespeitosa, ofensiva, agressiva e/ou caluniosa com qualquer um dos referidos membros.
Art. 12 – O compositor ou compositores autorizam o Boi Garantido a efetuar adequações a
toada selecionada, de acordo com as necessidades para os seus espetáculos de arena.
Art. 13 – Através desta inscrição, o(s) compositor(es) liberam, ao Boi Garantido, suas obras
dos anos anteriores, para serem, eventualmente utilizadas nos espetáculos 2018, resguardados
os direitos de arena dos referidos compositores.
Art. 14 - A remuneração de direitos autorais por toada, destinadas aos autores e coautores, será
composta de forma globalizada, correspondendo:
a) Premiação;
b) Pela remuneração sob o direito de vendagem do suporte ou mídia, tomando-se como
base uma prensagem de até 30.000 unidades;
c) Pela antecipação dos direitos de arena referente ao Festival Folclórico 2018, face à
transmissão televisiva, independentemente do número de vezes que a faixa seja executada;
§1º - Assim sendo, a remuneração global será de R$ 4.000, 00 (quatro mil reais) por faixa,
rateada entre seus autores, sendo, mediante constatação de novas prensagens, remunerada com
a complementação dos excedentes de mídias produzidas.
§ 2º - As premiações serão efetivamente pagas no dia 22 de dezembro de 2017, data da
divulgação oficial das toadas selecionadas.
Art. 15 – Dadas as condições e remunerações, os autores liberam sem ônus a
Associação/Instituto Boi Bumbá Garantido a execução de suas toadas, na arena do
Bumbódromo de Parintins, na “Cidade Garantido”, no curral da Baixa de São José, eventos
oficiais do Boi Garantido nas cidades de Parintins, de Manaus e outras localidades, bem como,
em shows comprovadamente beneficentes, organizados pelo boi.
156
Art. 16 – É expressamente proibida à execução das toadas inscritas em quaisquer locais de
execução pública (bares, lojas, rádios, internet e etc.), antes da divulgação do resultado oficia l
do concurso, sob pena de eliminação automática da obra divulgada antecipadamente.
Art. 17 – O resultado final da seleção será divulgado pela Presidência, no dia 22 de dezembro
de 2017, tão logo finalize o processo de escolha das toadas, com vistas a permitir conhecime nto
público.
Parágrafo Único: As toadas após classificadas serão encaminhadas para a produção musical
do CD/DVD/PLATAFORMAS DIGITAIS, ficando a critério qualquer mudança e alteração de
arranjo de acordo com a necessidade.
DA CESSÃO DE DIREITOS
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FICHA DE INSCRIÇÃO TOADAS 2018
TOADA Nº /2017
TÍTULO: GÊNERO MUSICAL:
DESTINAÇÃO: LENDA (. .) RITUAL ( ) FIG TIPICA (. .) GENÉRICA ( ) ITEM ( )
AUTOR:__________________________________________________________________ ______________
Endereço:_______________________________________________________________________________
CPF nº___________________________________________
RG__________________________________________________ Telefone de
Contato:_______________________________________
COAUTOR:_____________________________________________________________________________
Endereço:________________________________________________________________________________
CPF nº___________________________________________
RG __________________________________________________ Telefone de
Contato:_______________________________
COAUTOR:_____________________________________________________________________________
Endereço:________________________________________________________________________________
CPF nº___________________________________________
RG __________________________________________________ Telefone de
Contato:_______________________________
COAUTOR:_____________________________________________________________________________
Endereço:________________________________________________________________________________
CPF nº__________________________________________
RG n.___________________________________________________ Telefone de
Contato:_______________________________________________
Parintins, ______/________/2017.
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Assinatura do Autor(a)
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Assinatura do Coautor(a)
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Assinatura do Coautor(a)
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Assinatura do Coautor(a)
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PROTOCOLO DE RECEBIMENTO
DATA DE RECEBIMENTO:_________/__________/_____________
ASSINATURA:_____________________________________________________________
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MODELO DE AUTORIZAÇÃO
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