O QUE É ARTESANATO. Eduardo Barroso Neto. Primeiro Módulo. Curso Artesanato - Módulo 1 1

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O QUE É

ARTESANATO
Primeiro Módulo

Eduardo Barroso Neto

Curso Artesanato - Módulo 1 1


APRESENTAÇÃO
Para aqueles que têm na atividade artesanal seu sustento principal,
definir com palavras aquilo que fazem deve ser provavelmente uma de
suas últimas preocupações. A necessidade em definir, conceituar e
estabelecer diferenças entre artesanato, arte popular, trabalhos manuais e
outras manifestações humanas é muito mais uma preocupação de críti-
cos, acadêmicos e técnicos que necessitam compreender melhor uma
prática da qual estão distantes. Os recentes programas e projetos propos-
tos e desenvolvidos, tanto por instituições públicas, no âmbito federal,
estadual e municipal, como por instituições privadas, necessitam contudo
destes esclarecimentos para melhor situarem suas ações e ajustar os
limites de sua intervenção. Portanto, este curso inicia-se com uma tenta-
tiva de lançar algumas definições que poderão esclarecer melhor os
limites, embora muitas vezes tênues, entre estas distintas formas de
expressão.

De acordo com as referências enciclopédicas o termo “artesanato”


tem tido, desde seu aparecimento, em fins do século XIX, significações
ambíguas, englobando o conjunto de atividades manuais não agrícolas,
sem conseguir distinguir o artesão do artista. Estas diferenças serão, mais
adiante colocadas em evidência, sobretudo a partir da ótica e do com-
promisso particular dos verdadeiros atores destes processos

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CONCEITOS
Durante o Seminário Internacional intitulado “Design Sem Frontei-
ras” realizado na cidade de Bogotá/Colômbia, em novembro de 1996,
do qual participaram toda a cúpula diretiva do Conselho Mundial de
Artesanato (WCC) foi proposto por Eduardo Barroso Neto, do Brasil, a
seguinte definição: “Podemos compreender como artesanato toda
atividade produtiva de objetos e artefatos realizados manualmente, ou
com a utilização de meios tradicionais ou rudimentares, com habilidade,
destreza, apuro técnico, engenho e arte”.

Esta definição pretende apenas colocar em evidência algumas das


características do artesanato aceitas pela maioria das pessoas envolvidas
com esta atividade, qual seja: o artesanato é essencialmente um trabalho
individual, embora a produção de alguns objetos possa exigir a interven-
ção de várias pessoas durante sua confecção; deve resultar em algum
objeto ou artefato novo e fruto da transformação de matérias-primas e
em pequena escala (eliminando desta categoria as atividades
agropecuárias ou pesqueiras, embora estas sejam, muitas vezes, denomi-
nadas de agricultura artesanal e pesca artesanal, em oposição a agricultu-
ra e pesca industrial, ou seja em grande escala). Do mesmo modo esta
atividade deve revelar uma destreza e habilidade ímpar de quem a pro-
duz distanciando-a de uma simples atividade manual, assim como uma
engenhosidade nas formas, usos e funções que traduzem a criatividade
daqueles que, em seu cotidiano, descobriram soluções apropriadas para
seus problemas e necessidades de modo não convencional e inovador.

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CONCEITOS
Deste modo o artesanato difere-se das atividades ditas “manuais”
por uma série de aspectos.

Em uma das fronteiras mais tênues com o artesanato, uma ativida-


de manual é em geral uma ocupação secundária, utilizando-se o tempo
disponível ou ocioso, com o objetivo principal de complementar a renda
familiar, enquanto o artesanato é a atividade principal de quem o pro-
duz. O principal valor agregado de um produto resultante de uma
atividade manual é o tempo e a paciência empregadas em sua confecção,
sendo irrelevante ou secundário seu valor cultural. Por ser um trabalho
essencialmente repetitivo exige destreza e habilidade porém prescinde de
uma capacidade artística e criativa capaz de intervir e alterar cada nova
peça executada. Nesta categoria de “manualidades” em geral podemos
incluir as roupas de bebê, toalhas, colchas, almofadas com aplicações de
rendas e bordados, crochê, tapetes, cestos, caixas, e uma infinidade de
pequenos objetos para o lar ou de uso pessoal como acessórios e bijute-
rias.

Em uma fronteira mais distante com o artesanato, e portanto mais


difícil de causar algum tipo de confusão, estão os trabalhos manuais
caracterizados como de preparação de matérias-primas direcionados à
indústria de transformação, à produção de peças semi-acabadas e à
confecção de produtos de baixa complexidade e escasso valor cultural
(por ex: o garimpeiro que extrai o mineral sem beneficiá-lo).

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CONCEITOS
O artesanato pode também ser categorizado, em função de suas
finalidades, podendo ser de caráter:

1. Utilitário: São em geral ferramentas e utensílios desenvolvidos


para suprir carências e necessidades das populações de menor poder
aquisitivo, substituindo produtos industriais de valor mais elevado.

2. Conceitual: São objetos cuja finalidade principal é o de externar


uma reflexão, discurso ou conceito próprio de quem o produz, seja este
um indivíduo ou comunidade. Em geral estes produtos estão ligados à
necessidade de auto-afirmação social e cultural de um determinado
grupo e por isto mesmo muitas vezes aproximam-se da arte popular e
com esta se confundem;

3. Decorativo: são artefatos cuja principal motivação é a busca da


beleza, com a finalidade de harmonizar os espaços de convívio.

4. Litúrgico: São produtos de finalidade ritualística destinados a


práticas religiosas ou místicas reforçando os sentimentos de fé e de
elevação espiritual.

5. Lúdicos: São em geral produtos destinados ao entretenimento


de adultos e crianças, intimamente relacionados com as práticas folclóri-
cas e tradicionais, incluindo-se nesta categoria todo tipo de brinquedos
populares e instrumentos musicais.

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VALORIZAÇÃO DO OFÍCIO
ARTESANAL
O fenômeno da globalização implicou na abertura econômica dos
países à importação indiscriminada de produtos, necessários ou supérflu-
os, sem distinção de origem ou qualidade, jogando todas as empresas em
uma acirrada disputa comercial. Frente a produtos procedentes dos
países asiáticos, sempre muito baratos, as indústrias de países como o
Brasil, (que dificilmente conseguirá competir na base do preço), têm
como opção investir na melhoria qualitativa de seus produtos, agregando
valor e colocando em destaque seus aspectos mais singulares. Por esta
razão o artesanato passou a ser repentinamente valorizado pois nele
ainda residem os traços culturais mais característicos de sua região de
origem. São estes diferencias culturais a grande força competitiva dos
países menos desenvolvidos. Além deste aspecto estratégico do ponto de
vista econômico, cabe ainda lembrar a capacidade de o artesanato ocupar
expressivo contingente de mão-de-obra pouco qualificada, que foi
marginalizada do mercado de trabalho por força das mudanças
tecnológicas, destacando-se assim a sua função social que empresta
dignidade a quem o produz. Uma atividade que é fruto da habilidade, da
destreza e da dedicação, além de ser fonte de sustento para quem o
executa, traz um sentimento de auto-estima, de orgulho de si mesmo,
que se transforma em mola propulsora para a construção da cidadania.

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HISTÓRICO
O surgimento da atividade artesanal no ocidente está associada ao
desenvolvimento das cidades e ao aparecimento de atividades urbanas
necessárias à vida em coletividade, tais como os padeiros, ferreiros,
carpinteiros, marceneiros, tecelãos, seleiros, arquitetos, entre outros.
Somente a partir do século XVIII é que surgiram as primeiras
corporações de ofícios com regras e regulamentos rígidos, definindo os
limites e atribuições do trabalho artesanal, conseguindo algumas destas
entidades notável reconhecimento.

Entretanto, com o desenvolvimento industrial o artesanato entrou


em um processo lento de decadência e marginalização social e econômi-
ca, sobrevivendo como alternativa de consumo para as populações
periféricas, afastadas, ou de menor poder aquisitivo, impossibilitadas
economicamente de acesso aos bens e serviços produzidos pelas indús-
trias.

A atividade exercida em pequenas unidades produtivas, por suas


próprias características, dificilmente consegue competir em eficiência
com o produto industrial de larga escala, e encontra como estratégia de
sobrevivência a opção em ofertar produtos com um melhor acabamen-
to, exclusividade, e singularidade, aspirando a uma faixa de consumido-
res mais exigentes e direcionados a produtos únicos e personalizados.
No Brasil, as tradições artesanais de origem predominantemente indíge-
nas se incorporaram às técnicas trazidas pelos imigrantes, criando a
diversidade hoje existente.

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ANTECEDENTES
No Brasil o artesanato sempre foi considerado uma atividade
inserida no âmbito dos programas de assistência social, tratado sob uma
ótica paternalista, sem considerar sua dimensão econômica e social. Por
certo exceções existiram, e estas somente confirmam a regra, ficando
por conta de alguns poucos programas estaduais e de alguns arquitetos e
colecionadores. Somente com a criação do Programa SEBRAE de
Artesanato,a partir de 1998, passou-se a ter uma visão sistêmica da
atividade, atuando-se em todos os pontos da cadeia produtiva.

Uma das razões desta mudança de enfoque talvez deva-se a pressão


social exercida pelo fato de haver hoje no país cerca de cinco milhões de
desempregados que representam 7% da população economicamente
ativa. Pressupõe-se que o artesanato possa ocupar parte desta mão-de-
obra ociosa, que tendo sido demitida por conta das mudanças
tecnológicas dificilmente conseguirá ser novamente recontratada pelas
empresas.

Somente uma ação sistêmica, articulada, sinérgica, poderá transfor-


mar o artesanato em uma atividade realmente importante do ponto de
vista social, pela ampliação de sua dimensão econômica.

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PERSONAGENS
A divisão de trabalho no artesanato obedece a lógica da experiência
e do saber, muito embora se empreguem terminologias que remontam às
Corporações de Ofícios do século XVIII.

Naquela época, um oficial era o artesão que havia dominado as


técnicas de sua atividade e tido uma preparação de no mínimo quatro
anos como aprendiz. Já o mestre era aquele que podia empreitar e con-
tratar os trabalhos, responsabilizando-se por sua perfeita execução.

Atualmente designamos de aprendiz os auxiliares das oficinas de


produção artesanal, encarregados de elaborar partes do trabalho e que se
encontram em processo de capacitação.

Do mesmo modo os oficiais são aqueles artesãos que reproduzem,


e ao fazê-lo muitas vezes recriam as obras propostas pelos mestres,
detentores de conhecimento técnico sobre os materiais, ferramentas e
processos de sua especialidade.

Os mestres artesãos são aqueles indivíduos que se notabilizaram em


seu ofício conquistando admiração e respeito, não somente de seus
aprendizes e oficiais, mas também, e principalmente, do próprio merca-
do. Sua maior contribuição é repassar para as novas gerações os conheci-
mentos fundamentais de sua atividade.

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PERSONAGEM
ARTESÃO ARTISTA

Em princípio todo artista deve ser antes de tudo um artesão, no


sentido de conseguir dominar o “saber fazer”, de sua área de atuação, ou
simplesmente não conseguirá realizar a contento seus projetos e sua
pretensão criativa. Ainda como artista deverá possuir em seu trabalho
uma coerência temática e filosófica, cristalizados em uma série de com-
promissos consigo mesmo, dentre estes o de buscar sempre ir mais além
do conhecido. Este compromisso permanente com a inovação já começa
a afastar o artista do simples artesão, para quem a inovação é uma casua-
lidade e conseqüência natural do fazer. E por último, o verdadeiro artista
tem um compromisso inalienável com o seu tempo, de exteriorizar sua
visão específica do mundo que o cerca, o mais imune que possa às
influências de qualquer natureza.

Um artesão-artista, dentro do conceito aqui proposto é aquele que


tendo conquistado as condições acima expostas decide produzir coisas
úteis, seriadas, acessíveis a um maior número de pessoas, porém sem
abrir mão da permanente experimentação. Seu compromisso é consigo
mesmo e não com o mercado. Diferente até nisto do simples artesão,
cujo maior compromisso é o sustento de sua família. O artista-artesão,
oriundo das camadas populares, chamados pelos críticos de autodidatas,
são aqui, aqueles que mais se aproximam do conceito proposto para
mestre-artesão.

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Relação matérias primas
e ofícios
C E R Â M IC A
BARRO P O R C E LA N A S C A LÇ A D O S
M O S A IC O S S E LA R IA
CO U R O T A P E Ç A R IA
M A LA S
O U TR O S
C E S T A R IA
FIB R A S M O V E LA R IA
O U TR O S T E C E LA G E M
FIO S M A R C H E T A R IA
R EN D A S
BO R D A D O S
LU T E R IA O U TR O S
M A D E IR A C A R P .N A V A L
M A R C E N A R IA FE R R A M E N T A S
M E T A IS U T E N S ÍL IO S
S A N T E R IA JO A LH E R IA
JO A LH E R IA S E R R A L H E R IA
PED R A S M O V E LA R IA
O U TR O S V IT R A IS
V ID R O M O S A IC O S
E M B A LA G E N S
O U TR O S O U TR O S

O artesanato também pode ser analisado a partir das matérias


primas que definem os distintos ofícios. Para cada matéria-prima princi-
pal derivam práticas profissionais que resultam em tipologias de produ-
tos bastante específicas, com suas respectivas técnicas, ferramentas,
produtos e destinações.

As principais matérias-primas utilizadas no artesanato brasileiro são:

1. Barro

2. Couro (animal ou sintético)

3. Fibras vegetais

4. Fios (algodão, linho, seda...)

5. Madeira (essências nativas, madeiras reflorestadas)

6. Metais (alpaca, alumínio, bronze, cobre, ferro, latão, prata...)

7. Pedra (granito, mármore, pedra sabão...)

8. Vidro

9. Outros ( borracha, ossos, chifres, coco, sementes...)

Do mesmo modo existem ainda produtos que utilizam-se de vários


materiais, conjugando técnicas e saberes, criando novas categorias.

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Matérias primas e ofícios
BARRO

De acordo com as composições e técnicas se definem os tipos de


cerâmica. As mais comuns são:

• Terracota (ou louça de barro), normalmente mistura de


argilas naturais. Utiliza os procedimentos mais rudimentares, desde a
extração da matéria-prima nas jazidas ribeirinhas, passando por sua
preparação (limpeza e homogenização) até a queima dos produtos em
fornos de alvenaria simples e utilizando o carvão vegetal, cuja temperatu-
ra não chega acima dos 800 graus centígrados. Os exemplos mais conhe-
cidos desta técnica são os filtros, tijolos, telhas, vasos, etc;

• Faianças. São peças que utilizam uma massa mais clara,


argilas naturais com um pouco de caulim, ou eventualmente quartzo. São
peças queimadas em fornos mais sofisticados que alcançam temperaturas
mais elevadas, entre 800 a 1.000 graus, e o mais conhecido está na cerâ-
mica utilitária como pratos e xícaras.

• As porcelanas. São cerâmicas de altas temperaturas (entre


1.200 e 1.350 graus) produzidas a partir de três materiais: argila, quartzo
e feldspato, podendo este número de componentes variar.

As principais etapas do processo produtivo são: extração da maté-


ria-prima; limpeza, homogeneização e/ou decantação; extrusão e/ou
pré-formatação; torneamento e/ou moldagem; pintura ou decoração,
acabamento e queima.

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Matérias primas e ofícios
COURO

O artesanato em couro e peles pode ser encontrado em todo o país


em milhares de produtos. Cru, seco ou curtido o couro é parte integran-
te do repertório cuMatérias primas e ofícios

BARROltural de homem do campo.Os dois principais ofícios que


trabalham o couro são:

O Coureiro, que produz calçados, bolsas, acessórios de uso individu-


al, malas, estofados, móveis e utensílios domésticos;

O Seleiro, que fabrica arreios, selas, gibões, perneiras, acessórios,


roupas e chapéus para montaria;

Estes produtos podem ser urbanos (orientados pelos fenômenos de


moda); ou rurais (frutos das tradições e costumes, principalmente nos
estados e regiões de tradição pecuarista).

Além do couro de gado, utilizam-se ainda para a confecção de


produtos artesanais o couro de caprinos e em menor escala o de répteis e
de pescados e ainda o couro sintético em peças de artesanato urbano.

Os processos de preparação do couro são realizados por curtumes,


ou artesanalmente utilizando-se de diversas espécies vegetais que forne-
cem o tanino. As principais etapas posteriores são o tingimento; corte
das peças a partir de modelos já desenhados; a montagem da mesma
sobre moldes; costura; aplicações de elementos decorativos e acabamen-
to final.

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Matérias primas e ofícios
FIBRAS

A arte de trançar fibras vegetais é um legado deixado pelos índios e


presente em todas as regiões do país, configurando um artesanato
basicamente utilitário. Os produtos de fibras (matérias primas vegetais
mais rijas) costumam também destinar-se a fins lúdicos ou decorativos,
tais como bonecas de palhas em miniaturas. Diversas são as fibras
vegetais utilizadas na produção do artesanato brasileiro, podendo-se
destacar as fibras da taboa, do buriti, do côco, da carnaúba, do babaçu,
o sisal, a juta, o junco, o apuí, os cipós ou trepadeiras (de fogo, titica,
imbé, etc), o bambu, o vime, a cana-da-índia, cascas e entrecascas, palha
de milho e folha de bananeiras, e outros.

Esta produção divide-se em três grandes grupos:

! Cestaria (bolsas, balaios, samburás, peneiras, abanos) e chapéus

! Tapetes e esteiras

! Móveis e objetos de decoração

Os principais processos produtivos são extração das fibras, seleção,


em alguns casos o cozimento (em soda cáustica ou no vapor), secagem,
trama / entrelaçamento e acabamento.

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Matérias primas e ofícios
FIOS

Os principais fios utilizados na produção de peças artesanais são a


lã nos estados do sul e o algodão nas demais regiões do país, havendo
ainda ocorrências mais raras de uso de fibras mais acessíveis tais como a
juta ou a pita ou mais nobres como o linho e a seda, sobretudo em peças
de maior valor agregado.

Na tecelagem rústica, encontrada em várias regiões do país, o


artesão conhece e quase sempre executa todas as fases da produção,
desde o plantio e colheita do algodão, passando pelas fases de cardar,
fiar, tingir, enovelar e tecer.

Os produtos feitos com fios podem ser divididos em 4 grandes


grupos:

! Tecelagem, que produz redes, mantas, colchas, toalhas, cober-


tores e tapetes, visto por muitos como uma categoria especial dada
a sua diversidade e qualidade;

! Rendas e crochê (peças feitas a partir do fio)

! Labirintos ou crivo (peças feitas a partir do tecido).

! Bordados (trabalho feito sobre o tecido)

! Bonecas e brinquedos

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Matérias primas e ofícios
MADEIRA

A madeira tem sido ao longo dos anos a principal matéria-prima na


produção de objetos que fazem parte do acervo da cultura material
brasileira. Desde as embarcações de pesca artesanal, passando por todo o
tipo de móveis e utensílios domésticos, instrumentos musicais, escultu-
ras, brinquedos populares, a madeira é o material por excelência que se
presta à realização dos mais variados artefatos, seja isoladamente, seja em
combinação com outros materiais. Devido a grande variedade de espéci-
es nativas encontradas em todo o território a produção artesanal vale-se
daquelas madeiras mais comuns de cada região, como exemplo a
umburana na confecção da santeria nordestina, ou o buriti na produção
de brinquedos e móveis leves.

Pode-se dividir o artesanato em madeira em 4 grandes grupos de


produtos:

! Santeria e esculturas (isoladas e formando grupos), incorporando


neste grupo todas as categorias de ex-votos;

! Movelaria e objetos de decoração, incluindo-se neste grupo todos


os elementos denominados P.O.M. (pequenos objetos de madeira),
brinquedos e a marchetaria;

! Luteria (arte de de fazer instrumentos musicais);

! Construções e carpintaria naval (embarcações de pesca artesanal)

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Matérias primas e ofícios
METAIS

O artesanato em metal ocorre em todo o território brasileiro,


sobretudo o utilitário. Os metais mais utilizados são o alumínio fundido;
o bronze; o cobre; o ferro e a prata.

As categorias de ofícios que trabalham o metal são:

O Cuteleiro que produz instrumentos de corte tais como facas,


facões e punhais;

O Espingardeiro (ou armaria artesanal) que fabrica armas de fogo,


principalmente espingardas de caça;

O Ferramenteiro (na realização de moldes e ferramentas) O Latoeiro


que se distingue pelo uso quase generalizado de sucatas, principalmente
reciclando produtos

O Ferreiro na produção de ferraduras, foices, dobradiças, armadores


de rede, e artigos de montaria;

O Funileiro que fabrica candeeiros, lamparinas, funis, regadores, e


um sem número de pequenos produtos utilitários utilizando-se princi-
palmente as folhas-de-flandres,

O serralheiro na produção de móveis de ferro batido, esquadrias,


portões, grades e elementos para a construção;

Os joalheiros e ourives, na produção de jóias, bijuterias e objetos de


adorno e uso pessoal, principalmente balangandãs.

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Matérias primas e ofícios
PEDRAS

Pela abundância, variedade e qualidade das pedras brasileiras, desde


as semi-preciosas até os seixos rolados, passando por todo tipo de grani-
tos e mármores, o artesanato mineral pode ser considerado de baixa
diversificação. A exceção ocorre por conta da pedra-sabão, uma esteatita
encontrada apenas em Minas Gerais e que por sua facilidade de manu-
seio tem sido amplamente utilizada na produção de um sem número de
peças, sendo as mais notáveis as esculturas do mestre Aleijadinho (1730/
1814).

As pedras mais valiosas são, após lapidadas, utilizadas na confecção


de jóias ou incrustadas em esculturas. As de menor valor servem para a
produção de pequenos objetos de usos pessoal ou de decoração, tais
como chaveiros, cinzeiros, prendedores, pesos de papel, cantoneiras de
livros, brincos, pulseiras, anéis e colares.

Com os mármores e granitos são produzidos principalmente mau-


soléus, colunas, escadas, portais, soleiras, móveis, esculturas e pequenos
objetos de decoração.

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Matérias primas e ofícios
VIDRO

A arte de produzir vidro é o resultado de uma alquimia secular,


capaz de transformar materiais sólidos (sílica, cálcio e sódio) pela ação
do calor intenso (1.500 graus) em um material líquido e transparente.
Retirado do fogo na ponta de um canudo de aço especial esta massa
incandescente é soprada, expandida e trabalhada, criando-se formas e
produtos de uma beleza única. Esta atividade é um oficio ainda restrito à
certas regiões do país, sendo a produção destinada a um tipo de consu-
mo mais exclusivo e elitista, tendo em vista que para as aplicações mais
baratas e usuais as fábricas automáticas de vidro conseguem suprir as
demandas existentes com menos custo e maior escala de produção.

O artesanato em vidro pode ser dividido em dois grandes grupos:

! Produtos utilitários: tais como copos, taças, cinzeiros, vasos,


jarros, cânforas e garrafas

! Peças decorativas: troféus, esculturas, luminárias, vitrais e mosai-


cos.

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Matérias primas e ofícios
OUTROS

Diante das dificuldades, necessidades e carências, tanto nos afazeres


domésticos como na lida do trabalho diário, os homens encontram
sempre respostas na forma de soluções simples, criando novas ferramen-
tas, utensílios ou objetos de todo tipo. Em geral valem-se dos recursos e
materiais à sua volta. Esta extensa gama de artefatos artesanais, nascidos
da necessidade, muitas vezes não se enquadram nos ofícios tradicionais,
nem por isto deixam de ter seu valor. Seu grau de novidade (inovação) e a
surpresa (ou o sorriso) que provocam, são quase sempre seu principal e
mais valioso diferencial.

Sem uma preocupação classificatória, podemos encontrar produtos


exclusivos, ou mesclado de diversos materiais, entre outros de:

! Borrachas (naturais ou sintéticas)

! Ceras e parafinas

! Cocos, sementes e cascas de árvores

! Ossos e chifres de animais

! Papel artesanal

! Penas e plumas de aves

! Peixes, aves e insetos embalsamados ou empalhados (taxider-


mia)

! Materiais reciclados

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O ARTESANATO APLICADO
O artesanato representa hoje, na maioria dos países em desenvolvi-
mento, um segmento expressivo de seu produto interno bruto (PIB),
que é a soma das riquezas produzidas por um país; além de seu inegável
valor social (pela quantidade de mão de obra que ocupa) e seu inestimá-
vel valor cultural (por ser a expressão mais autêntica do saber e do fazer
popular).

Aplicado em diversas outros segmentos produtivos empresta-lhes


valor e diferencial competitivo, principalmente quando consorciado com
outros produtos industrializados, podendo ser um componente estratégi-
co ou até mesmo uma embalagem especial. Tomemos como exemplo o
setor de confecções onde o artesanato se transforma em principal ele-
mento de agregação de valor na forma de um bordado aplicado, de
botões esculpidos a mão ou como acessórios. Na indústria de móveis e
objetos de decoração o artesanato ora é a peça em si mesma, ora parte
ou componente, como um tampo de mesa, o estofamento de uma
cadeira, um detalhe ornamental, como uma marchetaria. Mesmo na
indústria de bens de consumo o culto ao artesanato reaparece como o
novo diferencial de qualidade e humanização, como nas assinaturas em
relevo impressas no monitores dos computadores machintosh, ou nos
estofamentos de couro e no painel de madeira de um carro de luxo.

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FERRAMENTAS E TÉCNICAS
A principal e mais importante característica do trabalho artesanal
vem a ser exatamente o fato do mesmo ser resultante de um trabalho
produtivo que o homem executa através das suas mãos, com sensibilida-
de, perícia e cuidado. As mãos sendo seu principal instrumento de
trabalho possuem contudo limites impostos quando a matéria que ela
procura dominar ou modificar é mais dura, mais impenetrável, mais
insensível. Neste momento as mãos necessitam de uma extensão, de um
prolongamento, de uma ferramenta que permita vencer a resistência da
matéria. Esta transferência da mão ao objeto determina as várias formas
que as ferramentas assumem. Deste modo, cada ofício caracteriza-se
pela diversidade formal dos instrumentos que utiliza, e cada instrumen-
to significa a transfiguração da mão do artesão em uma ferramenta de
trabalho específica. Esta relação do instrumento com o artesão é tão
necessária quanto a relação entre a idéia e o pensador, como observou
Clarival Prado em “Artesanato Brasileiro”, edição Funarte, 1986. Os
instrumentos são os meios que permitem ao artesão expressar-se e
realizar seu trabalho. Deste modo, não é possível aceitar que o artesão
possa expressar-se plenamente se os seus meios de produção são rudi-
mentares, pobres, toscos e improvisados. A melhoria do artesanato
passa, necessariamente, pela melhoria das condições de trabalho e do
uso de ferramentas mais adequadas.

Curso Artesanato - Módulo 1 22


ARTESANATO
MODERNIZAÇÃO DO
A adequação do artesanato às mudanças tecnológicas, ou às expec-
tativas de consumo, não são modos de descaracterizar o trabalho ou
afasta-lo de sua pureza original, como pensam alguns. Embora estes
argumentos tenham em sua essência uma boa intenção, são em grande
medida fruto apenas de uma preocupação protetora com a cultura
popular, porém ingênuos no sentido de acreditar ser possível preservar
os artesãos e artistas populares das influências do mercado e de um
meio em permanente e contínua mudança. Querer restringir o acesso do
artesão às novas tecnologias (que são quaisquer ferramentas ou proces-
sos de produção e não apenas as de ponta, como se acredita erronea-
mente), não implica em acabar com o artesanato autêntico, pois a
autenticidade está na forma singular que cada artista ou artesão vê o
mundo ao seu redor e consegue representa-lo ou expressar suas senti-
mentos ou emoções. Uma nova ferramenta pode, no máximo, melhorar
o desempenho da atividade realizada, facilitar a execução de uma tarefa,
porém nunca fazer com que o homem mude sua forma de pensar.
Contudo, a incorporação de uma nova ferramenta, de um novo modo
de produzir, ou de um novo material, deve vir precedida de uma refle-
xão sobre os ganhos que esta mudança poderá trazer, sobretudo na
melhoria real do resultado econômico.

Curso Artesanato - Módulo 1 23


Uma forma distinta de olhar
o universo do artesanato
+
Arte Artesanato Artesanato
popular Indígena tradicional
Valor cultural

Artesanato Artesanato Produtos


conceitual de referência típicos
cultural

Artesanato Artesanato Artesanato de


Doméstico utilitário grande escala
(manualidades) (semi-industrial) (industrianato)
-
- Escala de produção +

As pessoas e instituições que lidam com programas e projetos de


apoio ao artesanato, colocam quase sempre, sob a mesma denominação,
e conseqüentemente sob as mesmas estratégias, produtos tão dispares
quanto podem ser peças exclusivas de arte popular com pequenos
souvenires semi-industrializados. Este equívoco pode acarretar uma série
de conseqüências dentre elas uma perda da visão da multiplicidade
cultural e étnica do artesanato. Produtos de diferentes origens são trans-
formados em “curiosidades”, sem que, ao menos, seja explicada sua
origem ou sua função dentro da cultura da qual provêem. Sem a preten-
são de esgotar as possibilidades de divisão analítica do artesanato propo-
mos utilizando dois critérios apenas: importância cultural e escala de
produção, agrupá-los em nove categorias, permitindo deste modo dife-
renciar as ações de promoção e apoio que forem projetadas.

Neste processo vamos observar que quanto menor é a escala de


produção, tendendo às peças únicas ou exclusivas seu valor nominal
econômico tende a ser maior, valor este que eleva-se ainda mais quanto
maior for seu valor cultural. Deste modo, o direcionamento das políticas
artesanais deve considerar as especificidades do produtos com a capaci-
dade econômica dos consumidores visados.

Curso Artesanato - Módulo 1 24


Formas de olhar o artesanato
ARTE POPULAR

Conceituar a arte popular não é uma tarefa fácil sobretudo em


espaço tão reduzido, porém apenas com o intuito de diferenciá-la do
artesanato propõe-se como sendo: ...”o conjunto de atividades poéticas,
musicais, plásticas e expressivas, que configuram o modo de ser e de
viver daquela parcela da população de menor grau de instrução formal e
distanciada do acesso (tanto física quanto econômica) aos bens e servi-
ços ofertados pela sociedade industrial e urbana “. A arte popular
diferencia-se do artesanato a partir do propósito de ambas atividades.
Enquanto o artista tem profundo compromisso com a originalidade,
para o artesão esta é uma situação meramente eventual. O artista neces-
sita dominar a matéria como o faz o artesão, mas está livre da ação
repetitiva frente a um modelo ou protótipo escolhido, partindo sempre
para fazer algo que seja de sua própria invenção. Já o artesão quando
encontra e elege um modelo que o satisfaz, enquanto solução e forma,
inicia um processo de multiplicação fazendo cópias da matriz original,
obedecendo um padrão de trabalho que é a afirmação de sua capacida-
de de expressão. A segunda diferença fundamental é a
contemporaneidade da obra de arte, atributo este não exigido do artesa-
nato, e mesmo ao contrário, muitas vezes rechaçado. A obra de arte é
peça única, tomada como referência (arquétipo) a ser reproduzida como
artesanato.

Curso Artesanato - Módulo 1 25


Formas de olhar o artesanato
ARTESANATO INDÍGENA

O artesanato indígena, em sua maioria, é resultante de uma produ-


ção coletiva, incorporada ao cotidiano da vida tribal, que prescinde da
figura do artista ou do autor. Em alguns casos este artesanato obedece a
uma certa lógica e divisão de trabalho, onde as peças são feitas por duas
ou mais pessoas, com clara separação das atribuições em função da
experiência e habilidade individual. Este tipo de produção coletiva é que
dá ao artesanato indígena uma característica bastante própria, eliminando
a figura do “mestre-artesão” cuja existência interessa mais às exigências
do marketing em nomear autorias e criar ícones. O artesanato indígena
surge com fins muitos específicos sejam estes utilitários (instrumentos de
caça e pesca, balaios, cestos e cerâmicas para preparação de alimentos)
seja com fins ritualísticos (bancos, cocares, vestimentas, adornos) ou
ainda com finalidade lúdica (animais), porém todos eles consoantes com
um modo de vida social.

A transposição do artesanato indígena para uma finalidade decorati-


va de um grupo social e cultural totalmente estranho se justifica como
curiosidade étnica e antropológica, (e como forma de ganhos econômi-
cos para os índios) porém sem que esta sociedade de consumo exercite
qualquer tipo de pressão para adequar este artesanato às suas exigências
formais e estéticas.

Curso Artesanato - Módulo 1 26


Formas de olhar o artesanato
ARTESANATO TRADICIONAL

O artesanato popular tradicional é majoritariamente baseado na


produção familiar ou de pequenos grupos vizinhos, o que possibilita e
favorece a continuação de técnicas, processos e desenhos originais,
expressivos da cultura local e representativos de suas tradições. Sua
importância e valor cultural decorre do fato de ser depositária de um
passado, de acompanhar histórias transmitidas de geração em geração,
de fazer parte integrante e indissociável dos usos e costumes de um
determinado grupo social. O fato de ser uma produção de pequenos
grupos não restringe este tipo de artesanato somente ao âmbito da
família, necessitando para que se viabilize, do trabalho de pessoas alheias
ao círculo familiar, desde aqueles que se ocupam da obtenção da matéria
prima aos que realizam a comercialização.

O artesanato tradicional geralmente pouco inova em termos


formais ou nos processos de produção e refletem muitas vezes um certo
tipo de organização social. Muitas vezes denominado artesanato étnico
pois sintetiza traços de uma cultura particular, normalmente oriunda de
outros países e regiões, que ao se estabelecerem no território preserva-
ram seu usos e costumes mais típicos. Este artesanato é também consi-
derado, por seu valor cultural, uma tecnologia patrimonial, ou seja faz
parte da riqueza da nação.

Curso Artesanato - Módulo 1 27


Formas de olhar o artesanato
ARTESANATO CONCEITUAL

A partir da década de sessenta, começam a florescer nos centros


urbanos, junto ao movimento “hippie” um artesanato produzido por
indivíduos com algum tipo de formação artística e de nível educacional e
cultural mais elevado. Esta produção surge como forma de substituir
produtos industrializados por produtos mais naturais, porém também
como discurso de reafirmação de uma opção de vida, menos estressante
e mais ligada à natureza. Configuram uma extensa gama de produtos que
se utilizam de conhecimentos tradicionais e materiais diversos, mas que
por não serem atividades tradicionais, não necessitam se limitar a formas
e produtos já conhecidos, surgindo diversos artefatos interessantes e
inovadores, que têm um caráter artesanal, pois são trabalhos feitos à mão,
e preservam a “aura” de produto único, apesar de serem geralmente
feitos em pequenas séries.

Atualmente este tipo de artesanato urbano e contemporâneo,


encontra espaço nas lojas alternativas, esotéricas ou de decoração,. A
maioria dos produtos são orientados ao consumo, obedecendo aos
processos de sazonalidade e tangenciais aos fenômenos de moda e estilos
dominantes.

Em geral são dotados de um discurso crítico, muitas vezes explíci-


tos através dos sistemas de promoção utilizados, sobretudo aqueles
ligados ao movimento ecológico.

Curso Artesanato - Módulo 1 28


Formas de olhar o artesanato
ARTESANATO DE REFERÊNCIA CULTURAL

O artesanato de referência cultural é em geral aquele resultante de


uma intervenção planejada de artistas e designers, em parceria com os
artesãos, com o objetivo de diversificar os produtos porém preservando
seus traços culturais mais representativos. São em geral produtos de
forte personalidade formal, organizados em coleções ou famílias, aten-
dendo demandas identificadas de mercado.

Utilizam-se de uma iconografia (símbolos e imagens) típicas da


região onde são produzidos, assim como, das técnicas de elaboração
tradicionais, quando muito, acrescidas de certas inovações tecnológicas
apenas com o objetivo de dinamizar sua produção sem contudo
descaracteriza-los.

Os produtos de referência cultural, são portadores de uma história


singular, autêntica, que ao ser contada torna-se em seu maior valor
agregado. Sua forma final, as cores que utiliza, os elementos gráficos e
visuais que os distingue, nada é gratuito e desprovido de significado.
Constituem-se, em sua maioria, de exemplos de intervenções bem
sucedidas, geradoras de trabalho e renda, impulsionadoras de uma
produção local comprometida com sua cultura e com suas origens.

Curso Artesanato - Módulo 1 29


Formas de olhar o artesanato
PRODUTOS TÍPICOS

Os produtos típicos, são em geral, os alimentos processados segun-


do métodos tradicionais, em pequena escala, muitas vezes a nível famili-
ar por um determinado grupo social. Fazem parte das tradições cultu-
rais, principalmente dos imigrantes, que ao estabelecerem-se em solo
brasileiro procuraram reproduzir, porém adaptando as condições locais,
seus produtos mais demandados, cuja qualidade os diferenciam de
possíveis similares locais.

Estes produtos transformaram-se assim em um modo eficaz de


incremento da renda familiar, sendo explorados como autênticos repre-
sentantes de uma determinada região, utilizando-se os canais de
comercialização direcionados principalmente ao turismo.

Como exemplos temos os licores, vinhos, geléias, compotas, mel ,


chocolate, farinhas, cachaça, doces cristalizados, frutas desidratadas,
entre tantos outros.

Para o artesanato estes produtos colaboram para compor um


“Mix” de mercado, ou seja um conjunto de produtos que se
complementam, um apoiando a divulgação do outro. Suas embalagens,
rótulos e etiquetas, são por sua vez elementos de produção artesanal
enraizados na cultura que representam, merecendo por si só, uma
análise e apreciação específica.

Curso Artesanato - Módulo 1 30


Formas de olhar o artesanato
ARTESANATO DOMÉSTICO

O artesanato doméstico difere das demais categorias tendo em vista


seu caráter de trabalho manual descomprometido com relação a prazos,
volume de produção, ajuste à demanda, e outros requisitos que uma
produção artesanal estabelecida deve considerar.

São em geral produtos resultantes da utilização de tempo ocioso,


como atividade ocupacional, ou como complemento ocasional de renda
familiar.

Seu valor enquanto mercadoria é a expectativa compensatória da


habilidade e paciência de quem o executa, não estando relacionados a
aspectos culturais relevantes. Ao contrário, são em geral produtos de
uma estética ingênua, que utilizam-se de moldes e padrões veiculados
por revistas dedicadas aos trabalhos manuais, aprendidos em cursos
rápidos de vizinhança ou até mesmo oferecidos pelos fabricantes de
linhas, tintas e insumos.

Constituem-se em geral de peças para enxoval de bebês ou de


noivas, roupas de crianças, bonecas e brinquedos, pequenos objetos de
decoração, entre outros. Algumas vezes este tipo de artesanato configu-
ra-se como uma produção terceirizada de grandes comerciantes de peças
acabadas que se utilizam de rendas e bordados como elemento de dife-
renciação comercial.

Curso Artesanato - Módulo 1 31


Formas de olhar o artesanato
ARTESANATO UTILITÁRIO

Provavelmente o maior número de produtos artesanais encontra-se


nesta categoria de utilitários, desconhecendo os limites impostos pela
fronteiras regionais, culturais ou limitações dos materiais. O artesanato
produzido para satisfazer as necessidades de “lavor” dos homens, seja no
trabalho no campo, seja na atividade doméstica, constituem-se em sua
essência na resposta de um meio carente à falta de acesso ao produto
industrial. Ferramentas, utensílios, “contenedores”, assim como
incontáveis produtos desprovidos de qualquer preocupação estética,
produzidos apenas para atender necessidades, conforma este universo
material. Peças únicas em sua simplicidade formal, singulares em sua
funcionalidade, cujo valor é determinado em função de sua importância
social.

Estão presentes em todas as feiras de qualquer cidade do interior,


de qualquer estado brasileiro. São tão familiares, corriqueiros, que so-
mente despertam atenção daqueles que naquele momento deles necessi-
tam.

Sua produção utiliza-se, em geral, de técnicas rudimentares, pré-


capitalistas, porém dentro de uma escala de produção que a viabiliza
economicamente.

Curso Artesanato - Módulo 1 32


Formas de olhar o artesanato
ARTESANATO GRANDE ESCALA

Coexistindo no mesmo espaço comercial do artesanato existem,


nos mercados e lojas populares, uma infinidade de pequenos produtos,
muitos fabricados por indústrias estabelecidas, que no entanto são
comercializados e comprados como se fossem artesanato. São em geral
lembranças destinadas aos turistas de baixo poder aquisitivo, recorda-
ções de viagens ou “souvenires” religiosos ou místicos, tais como ima-
gens de santos e padroeiros, terços, velas, fitas,etc.

Um exemplo excepcional de um produto existente nesta tênue


fronteira entre artesanato e indústria são os balangandãs utilizados pelas
baianas tradicionais em ocasiões festivas, cuja riqueza de detalhes, a
qualidade dos materiais utilizados, e o forte apelo simbólico o colocam
com destaque no acervo da cultura material brasileira.

A característica predominante neste tipo de artesanato de grande


escala, diferentemente do exemplo acima, apresentado como uma
exceção à regra, é seu baixo custo de produção e de venda e a saturação
de mercado.

Curso Artesanato - Módulo 1 33


ASPECTOS ESTÉTICOS
E SEMÂNTICOS
Os fatores de equilíbrio, clareza e harmonia, constituem para todos os
seres humanos uma necessidade, embora na maioria das vezes as pessoas
não se dêem conta. Este fatores devem estar presentes tanto em um
ambiente quanto em uma obra de arte ou em uma peça de artesanato.

Deste modo qualquer indivíduo que se encarregue de conceber,


projetar ou realizar um objeto que venha de encontro às necessidades de
seus semelhantes deverá estabelecer uma “ordem” nas formas, imagens,
cores e demais elementos que utilize, respeitando, evidentemente, os
padrões culturais, estilos e demais elementos que relacionem este objeto a
seu contexto de produção e de uso.

Estas regras ou normas, são resultantes de inúmeras pesquisas


desenvolvidas, desde o final do século dezenove, pela Escola de Psicolo-
gia Experimental que estuda o fenômeno da percepção nos seres huma-
nos.

Com o intuito de evidenciar a importância destes elementos, que


irão definir finalmente a característica predominante de um determinado
objeto, são apresentados a seguir alguns exemplos.

Curso Artesanato - Módulo 1 34


ASPECTOS ESTÉTICOS
E SEMÂNTICOS
EQUILÍBRIO

De acordo com as leis da física o equilíbrio é o estado no qual as


forças, agindo sobre um determinado corpo, compensam-se mutuamen-
te. O equilíbrio, tanto físico como visual, é obtido quando todos os
elementos presentes na composição parecem ter chegado a uma situa-
ção de estabilidade ou de repouso, onde nenhuma outra alteração parece
possível. O equilíbrio pode ser facilmente obtido em formas ou compo-
sições simétricas, onde um lado da forma ou figura, é igual ou seme-
lhante ao seu lado oposto. Entretanto, formas assimétricas podem
também apresentar grande equilíbrio, que quando obtido valorizam o
objeto ou composição do ponto de vista estético.

Peso e direção são também propriedades que determinam o equilí-


brio de um objeto por seu efeito dinâmico. Tanto um quanto o outro
são definidos por centros de atração que puxam a atenção de quem
observa o objeto ou a imagem.

Em oposição ao equilíbrio está o desequilíbrio que transmite para


o observador a sensação de estar diante de algo instável, transitório,
provisório, precário ou acidental. Quando trabalhada de forma proposi-
tal e bem sucedida um objeto ou composição em desequilíbrio pode
surpreender, provocar e chamar a atenção das pessoas positivamente.

Curso Artesanato - Módulo 1 35


ASPECTOS ESTÉTICOS
E SEMÂNTICOS
CLAREZA

A clareza de uma forma ou composição está diretamente relaciona-


da à luminosidade, brilho, cor, contraste, proporção e escala que caracte-
rizam seus vários elementos. Pela presença ou ausência de luz, do claro/
escuro, é possível determinar o volume e dimensões de um objeto,
realçar ou esconder detalhes, evidenciar ou camuflar qualidades ou
defeitos. Brilho e opacidade são elementos complementares deste pro-
cessos e relacionam-se muitas vezes com aspectos puramente simbólicos
e subjetivos. Brilho pode ser exuberância e a opacidade discrição. O
contraste, ou seja a oposição entre claro e escuro, entre grande e peque-
no, entre forças e qualidades opostas, é um dos elementos mais contun-
dentes para atrair a atenção do observador, podendo inclusive dramatizar
significados. Do mesmo modo, a cor é um dos elementos mais fortes do
processo visual. As cores, dependendo do modo como são organizadas
podem mudar radicalmente a compreensão e leitura de um objeto ou
mensagem. As cores, em sua maioria, possuem um significado universal-
mente compartilhado, podendo ser explorada com finalidades simbóli-
cas, funcionais, psicológicas, mercadológicas, entre outras. A clareza
pode também estar relacionada à mensagem ou conteúdo expressivo que
se deseja revelar. Clareza de propósitos, de funções e de usos. Evidenciar
um uso é uma das maiores qualidades de um objeto funcional.

Curso Artesanato - Módulo 1 36


ASPECTOS ESTÉTICOS
E SEMÂNTICOS
HARMONIA

A harmonia é a perfeita organização das partes em um todo


coerente, onde predomina a ordem e a regularidade, possibilitando uma
visão ou leitura simples, clara e compreensível do objeto ou de sua
mensagem.

A ordem existe quando estão ausentes as incongruências, as


ambigüidades e os conflitos entre forma, uso, conteúdo, linguagens,
imagens e significados.

Em síntese, a harmonia existe quando existe convergência entre


aquilo que é com aquilo que é visto ou sentido.

Por oposição a desarmonia existe na ausência das qualidades


acima descritas em um objeto ou mensagem. Quando o resultado
obtido é uma desarticulação entre as partes de um todo perdendo-se o
sentido de unidade . A desarmonia é caracterizada também pelo exces-
so, pela profusão de elementos, pela exageração de referências simbóli-
cas, pela complexidade de mensagens, pela ambigüidade em precisar
usos e funções, pela falta de sutileza no tratamento das imagens, pelo
peso excessivo, pelo ruído e poluição visual.

Curso Artesanato - Módulo 1 37


Cores e variações de
superfície
Um mesmo produto pode se transformar totalmente aos olhos de
quem o observa pela simples alteração da textura de sua superfície ou
pela modificação de sua cor predominante.

O uso das cores, isoladamente, já permite definir uma série de


características do produto e transmitir uma série de sensações. Por
exemplo as cores amarelo, laranja, vermelho, rosa, marrom transmitem
sensação de calidez, por isto são chamadas de cores quentes. Do mesmo
modo o azul, o lilás, o verde, o roxo são cores frias, que parecem au-
mentar a distância entre o objeto e quem o observa.

Geralmente os esquemas de cores encontrados nos produtos


artesanais podem se dividir em três grupos:

! Combinações monocromáticas, que utilizam somente uma


cor (um segmento do círculo cromático) variando somente
sua intensidade (tons mais claros ou mais escuros);

! Combinações semelhantes, é o de combinar cores vizinhas


no círculo cromático. Nestes esquemas predominantes o
segredo é o uso de detalhes em cores opostas ( frias ou
quentes)

! Combinações complementares, consiste em utilizar cores


diametralmente opostas do círculo cromático (uso simultâ-
neo de cores quentes e frias)

Curso Artesanato - Módulo 1 38


Iconografia regional
Não existem dois lugares iguais no mundo, como não existem duas
pessoas iguais. Como diria o poeta Carlos Drummond de Andrade o
homem não consegue sequer ser igual a si mesmo duas horas depois.
Estas diferenças é o que nós chamamos de identidade. A identidade de
uma grupo social é determinada pelo conjunto de símbolos, signos,
códigos, normas, objetos, costumes, ritos e mitos aceitos e praticados
coletivamente.

São estes elementos únicos que dão sentido ao artesanato e indicam


para o artesão seu lugar no mundo. São estas referências os atributos
valorizados por uma mercado globalizado ávido por produtos diferencia-
dos.

A saudável busca pela renovação do artesanato não pode se trans-


formar em uma busca inútil de encontrar uma estética global e nem
tentar decodificar ou interpretar o o gosto alheio. Deve sim, colocar em
evidência, resgatar e valorizar, os elementos mais comuns e típicos de
seu entorno. Deve utilizar as cores de sua paisagem, suas imagens predi-
letas, sua fauna e flora, retratar os tipos humanos e seus costumes mais
singulares, utilizar as matérias primas que estão mais próximas e as
técnicas que foram passadas de geração em geração porém, e sempre
que possível, buscando maior eficiência.

Curso Artesanato - Módulo 1 39


Renovação criativa de
produtos
Até alguns anos atrás os produtos, fossem eles industriais ou
artesanais, podiam durar no mercado muitos anos sem apresentar ne-
nhuma alteração em sua forma, aparência ou função. As mudanças,
quando ocorriam, eram lentas e pequenas, pelo temor de afastar o
consumidor acostumado àquele tipo de produto. Entretanto, com o
avanço tecnológico, com o crescimento das comunicações e com a
pressão exercida pela indústria da moda, o ciclo de vida de todos os
produtos, está se reduzindo drasticamente. Hoje em dia, é difícil encon-
trar um produto que dure mais de um ano sem apresentar nenhuma
modificação. Automóveis e eletrodomésticos que deveriam durar muitos
anos mudam de modelo a cada doze meses. Este mesmo fenômeno
acaba por influenciar os consumidores que desejam encontrar também
no artesanato esta mesma capacidade de renovação.

O desafio está em conseguir satisfazer esta pressão de demanda de


modo criativo, sem descaracterizar os produtos ou se afastar daqueles
elementos que exatamente o tornam algo distinto e singular. Ser criativo
é criar novos usos, é propor novas formas, é desenvolver novas famílias
de produtos, é substituir processos ou matérias primas por outras ecolo-
gicamente mais adequadas e mais eficazes.

Curso Artesanato - Módulo 1 40


Novos usos para
produtos antigos
A tarefa de renovação periódica da oferta de produtos não deve ser
um esforço isolado dos artesãos, envolvidos prioritariamente na ativida-
de produtiva. Para atender às expectativas exigentes dos consumidores é
necessário mais que talento e criatividade. É preciso saber buscar e lidar
com informação, entender os fenômenos cíclicos e analisar as tendênci-
as do mercado. Porém é necessário acima de tudo dominar os processos
de desenvolvimento de novos produtos, dentro de uma perspectiva
global, que contemple respostas às questões de natureza técnica, econô-
mica, ambiental, social e cultural.

Dentre as diversas possibilidades da renovação de produtos


artesanais está a proposição de novos usos para antigos produtos.
Alguns exemplos são bastante inspiradores, como a bateia de garimpeiro
que vira o chapéu de uma luminária; o chapéu de palha que vira
cachepot para vasos; o vasinho de cerâmica que vira embalagem de velas
aromáticas, o pega-dedo dos índios que vira sache para bolinhas perfu-
madas e assim por diante.

O importante é lembrar que a tarefa de criar novos produtos não


deve ser fruto do acaso, ou da “inspiração” como acredita a maioria das
pessoas. O desenvolvimento de novos produtos é uma atividade siste-
mática, quase científica, fruto de um esforço cotidiano de profissionais
que foram capacitados para este desafio.

Curso Artesanato - Módulo 1 41


Artesão profissional e
artesão amador
Um artesão preocupado em estar em sintonia com o mercado, com
sua produção em constante crescimento, com seus produtos conquistan-
do cada vez consumidores mais satisfeitos e fiéis, deverá se preocupar
primeiramente em ser cada vez mais profissional e menos amador.

Muitos diferenciam o profissional do amador entre aquele que tem


na atividade seu sustento principal, daquele que apenas a assume de
modo casual, sem maiores compromissos, apenas como uma atividade
complementar de renda.

O enfoque aqui proposto expõe uma diferença mais profunda e


mais sutil. Profissional é aquele que se abstrai do desejo narcisista de
agradar a si próprio para tentar satisfazer o desejo de seus clientes. É
aquele que estuda e analisa o mercado, atento às mudanças de hábitos,
de gostos, de tendências e procura adaptar seu trabalho a estes novos
parâmetros sem contudo perder a essência daquilo que faz e que o torna
único, diferente e singular. Profissional é aquele que sabe quanto vale seu
tempo e cobra a partir disto o seu trabalho e não de acordo com a cara
do freguês. Porém é acima de tudo aquele que, tendo orgulho do que
faz, se preocupa em ensinar o que aprendeu, deixando às gerações
futuras o fruto de seu esforço.

Curso Artesanato - Módulo 1 42


Para saber mais
Sugestão de Bibliografia:
• VALADARES, Clarival P. Artesanato Brasileiro, Rio de
Janeiro, Funarte, 1978
• RIBEIRO, Berta G. O artesão tradicional e seu papel na
sociedade contemporânea, Rio de Janeiro , Funarte, 1983
• ALEGRE, Silvia P. Mãos de Mestre - Itinerários da arte e da
tradição, São Paulo, Maltese, 1994
• Martins, Saul. Contribuição ao estudo cientifico do
artesanato. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1973.
• LAUER, Mirko, Crítica do Artesanato, São Paulo, Nobel,
1983
• BARROSO, Eduardo, Identidade Cultural e Artesanato,
www.portadigital.com.br/~barroso, 2000
• GOMES, João, Gestalt do objeto - Sistema de leitura visual
da forma, São Paulo, Escrituras Editora, 2000,

Curso Artesanato - Módulo 1 43

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