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Módulos 1 e2 Volume 1

Cláudio de Carvalho Silveira


Marcia Souto Maior Mourão Sá
Maria Helena Figueiredo Medina
Miguel Angel de Barrenechea
Sandra Albernaz de Medeiros
Sueli Barbosa Thomaz

Fundamentos da Educação 4
Fundamentos da Educação 4
Volume 1 - Módulos 1 e 2 Módulo 1 - Cultura e cotidiano escolar.
A sala de aula. Ética e educação.

Cláudio de Carvalho Silveira


Marcia Souto Maior Mourão Sá
Sandra Albernaz de Medeiros

Módulo 2 - Estética e educação.

Maria Helena Figueiredo Medina


Miguel Angel de Barrenechea
Sueli Barbosa Thomaz

Apoio:
Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
Rua Visconde de Niterói, 1364 – Mangueira – Rio de Janeiro, RJ – CEP 20943-001
Tel.: (21) 2334-1569 Fax: (21) 2568-0725

Presidente
Masako Oya Masuda

Vice-presidente
Mirian Crapez

Coordenação do Curso de Pedagogia para as Séries Iniciais do Ensino Fundamental


UNIRIO - Adilson Florentino
UERJ - Vera Maria de Almeida Corrêa

Material Didático
ELABORAÇÃO DE CONTEÚDO Departamento de Produção
Cláudio de Carvalho Silveira
Marcia Souto Maior Mourão Sá EDITORA PROGRAMAÇÃO VISUAL
Maria Helena Figueiredo Medina Tereza Queiroz André Freitas de Oliveira
Miguel Angel de Barrenechea COORDENAÇÃO EDITORIAL Sanny Reis
Sandra Albernaz de Medeiros Jane Castellani ILUSTRAÇÃO
Sueli Barbosa Thomaz REVISÃO TIPOGRÁFICA Sami Souza
COORDENAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO Luciana Nogueira Duarte CAPA
INSTRUCIONAL Patrícia Paula Sami Souza
Cristine Costa Barreto
COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO GRÁFICA
DESENVOLVIMENTO INSTRUCIONAL PRODUÇÃO Fábio Rapello Alencar
E REVISÃO Jorge Moura
Ana Tereza de Andrade
Luciana Messeder
Marcia Pinheiro
Copyright © 2005, Fundação Cecierj / Consórcio Cederj
COORDENAÇÃO DE LINGUAGEM Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio
Maria Angélica Alves eletrônico, mecânico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Fundação.

S587f
Silveira, Cláudio de Carvalho.
Fundamentos da educação 4. v. 1/ Cláudio de Carvalho
Silveira et al. – Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ, 2009.
256p.; 19 x 26,5 cm.

ISBN: 85-7648-263-0

1. Cultura e cotidiano. 2. Ética e educação. 3. Organização


escolar. 4. Estética. I. Sá, Marcia Souto Maior Mourão. II.
Medina, Maria Helena Figueiredo. III. Barrenechea, Miguel
Angel de. IV. Medeiros, Sandra Albernaz de. V. Thomaz, Sueli
Barbosa. VI. Título.
CDD: 370.1
2009/2
Referências Bibliográficas e catalogação na fonte, de acordo com as normas da ABNT.
Governo do Estado do Rio de Janeiro

Governador
Sérgio Cabral Filho

Secretário de Estado de Ciência e Tecnologia


Alexandre Cardoso

Universidades Consorciadas
UENF - UNIVERSIDADE ESTADUAL DO UFRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL DO
NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO RIO DE JANEIRO
Reitor: Almy Junior Cordeiro de Carvalho Reitor: Aloísio Teixeira

UERJ - UNIVERSIDADE DO ESTADO DO UFRRJ - UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL


RIO DE JANEIRO DO RIO DE JANEIRO
Reitor: Ricardo Vieiralves Reitor: Ricardo Motta Miranda

UFF - UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE UNIRIO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO


Reitor: Roberto de Souza Salles DO RIO DE JANEIRO
Reitora: Malvina Tania Tuttman
Fundamentos da Educação 4 Volume 1

SUMÁRIO Módulo 1 – Cultura e cotidiano escolar. A sala de aula. Ética e educação


Aula 1 – Definição de cultura ______________________________________ 7
Cláudio de Carvalho Silveira

Aula 2 – Tipos de cultura _______________________________________ 17


Cláudio de Carvalho Silveira

Aula 3 – Cultura patente e cultura latente __________________________ 27


Cláudio de Carvalho Silveira

Aula 4 – Organização escolar____________________________________ 37


Cláudio de Carvalho Silveira

Aula 5 – As diferentes formas de cotidianos escolares _________________ 45


Cláudio de Carvalho Silveira

Aula 6 – O espaço da sala de aula ________________________________ 53


Sandra Albernaz de Medeiros

Aula 7 – A organização interna das turmas


e a construção do conhecimento __________________________ 65
Marcia Souto Maior Mourão Sá

Aula 8 – A subjetividade presente na sala de aula ____________________ 77


Marcia Souto Maior Mourão Sá

Aula 9 – As dimensões esquecidas da sala de aula e da escola ___________ 87


Marcia Souto Maior Mourão Sá

Aula 10 – As relações presentes na sala de aula _____________________ 97


Sandra Albernaz de Medeiros

Aula 11 – Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula


Ética e Educação ____________________________________ 109
Maria Helena Figueiredo Medina

Aula 12 – Os desafios éticos da Educação ________________________ 127


Miguel Angel de Barrenechea

Aula 13 – Ética na sala de aula _________________________________ 141


Miguel Angel de Barrenechea

Aula 14 – A ética na escola ____________________________________ 155


Miguel Angel de Barrenechea
Módulo 2 – Estética e educação
Aula 15 – A ética no convívio social______________________________ 169
Miguel Angel de Barrenechea

Aula 16 – Ação moral e prática educativa _________________________ 183


Miguel Angel de Barrenechea

Aula 17 – Cultura e cotidiano escolar. A sala de aula.


Ética e Educação ___________________________________ 199
Maria Helena Figueiredo Medina

Aula 18 – Avistando o destino planejado__________________________ 213


Sueli Barbosa Thomaz

Aula 19 – Padrões estéticos e prática educativa ____________________ 219


Miguel Angel de Barrenechea

Aula 20 – Arte na Educação ___________________________________ 233


Miguel Angel de Barrenechea

Referências ______________________________________________ 247


1

AULA
Definição de cultura
Meta da aula
Introduzir o conceito de cultura.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Compreender a noção de cultura.
• Relacionar cultura, socialização e educação.
Fundamentos da Educação 4 | Definição de cultura

Eu sou brasileiro, com muito


orgulho, com muito amor...

INTRODUÇÃO Imagine que, ao viajarmos em nosso trem, vemos pessoas por todos os lados. Elas
estão conversando, lendo, comendo, recebendo quem chega e despedindo-se de
quem vai. Carregam consigo objetos como: revistas, livros, malas, bolsas, roupas,
telefones e aparelhos de som portáteis. Caso perguntemos a ocupação delas,
poderão responder que são médicos, engenheiros, advogados, artistas, alfaiates,
professores, comerciantes, operários etc. Algumas são da Região Sudeste, outras
terão vindo do Norte, Nordeste, Sul ou Centro-Oeste, com sotaques e hábitos
característicos de sua terra. Poderemos encontrar até mesmo estrangeiros que
não falam português e que têm costumes bastante diferentes dos brasileiros.
Alguns passageiros poderão sentar ao nosso lado nessa viagem e puxar conversa
sobre futebol, música, telenovela, filme, teatro, política e outros tantos assuntos
do nosso conhecimento – ou não. Ao longo do trajeto, poderemos encontrar
estações construídas com estilos arquitetônicos diferentes. Do mesmo modo,
poderemos conhecer gente de todo tipo, que nos causa simpatia ou repulsa.
Em tudo isso, você pode perceber ao menos uma coisa: as pessoas possuem
modos distintos de ser, pensar e agir, que variam de acordo com o lugar
(geográfico e social) em que vivem. Entretanto, como explicamos, por que há
tantas maneiras de viver? É isso que pretendemos abordar aqui ao tratarmos
do significado de cultura.

O QUE É CULTURA?

Ao compararmos com outros animais, vemos que os seres


humanos não seguem muito à risca todos os instintos e a programação
biológica que a natureza estabeleceu para as diferentes espécies.
Os homens reorganizam, modificam e acrescentam diversas normas e
práticas ao que está estabelecido. Seus próprios corpos são exemplos
de como eles transformam as determinações da natureza: cortam os
cabelos e as unhas, vestem-se e fazem suas necessidades fisiológicas (como
comer, beber, dormir, acasalar etc.) por razões que estão além da sua
sobrevivência física. Para justificar tais atitudes, criam normas, valores,
idéias, hábitos, saberes e costumes. É esse conjunto de elementos que dá
sentido ao que eles são, em oposição a outros animais, aos vegetais e aos
minerais existentes no mundo. Em nome de todo esse conjunto de coisas,
estudam, trabalham, se comunicam, fazem cálculos, buscam coisas que

8 CEDERJ
MÓDULO 1
representam a felicidade e a liberdade; preocupam-se com o sentido da

1
vida e da morte, organizam o tempo, criam a família, estabelecem práticas

AULA
como economia e política, adquirem conhecimentos como a arte, a filosofia,
a ciência e a religião. Os homens também elaboram métodos e técnicas de
construção de equipamentos e máquinas para atender às suas necessidades
do cotidiano (como o nosso próprio trem!), assim como estipulam as
regras e leis que controlam o convívio coletivo nas várias dimensões da sua
vida. Ao longo do tempo, tudo isso é transmitido às demais gerações que
vão nascendo. Estes, por sua vez, mantêm algumas coisas que lhe foram
ensinadas, criando e modificando outras (ALVES, 1982).
Todo esse conjunto complexo e diferenciado que os homens
elaboram é o que constitui a CULTURA. Ela, então, é produzida pelos C U LT U R A
homens que vivem em sociedade. Daí, não haver sentido algum dizer Não se pode
reduzir o conceito
que tal ou qual indivíduo não tem cultura. Isso seria o mesmo que de cultura ao de
folclore. Ele é
dizer que ele não é humano no sentido pleno da palavra, porque a sua
apenas um dos
vida seria impossível de ser vivida, a não ser no convívio com outros vários aspectos
da cultura de uma
seres de sua espécie. Como você sabe, o isolamento total e absoluto de sociedade.
um indivíduo, desde seu nascimento, impede o desenvolvimento de suas
capacidades perceptivas e intelectivas, que somente são possíveis de existir
na interação com os outros. É essa interação a base da vida coletiva, em
que ele aprende a pensar e a agir, passando a ter noção de si mesmo, dos
outros e do mundo que o cerca. É através da linguagem que os homens
se relacionam mutuamente, criam e desenvolvem os diversos significados
para aquilo que pensam e fazem ao longo da vida.
Por essa razão, podemos dizer que os homens constroem a realidade
em que vivem, para dar sentido a si mesmos e ao mundo (BERGER;
LUCKMAN, 1978). Retomando o que foi dito, podemos dizer que a CONJUNTO DE
cultura é “um todo complexo que inclui conhecimentos, crença, arte, T E I A S VA R I A D A S

moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos A variedade cultural
entre os povos
como membro da sociedade” (LARAIA, 1993 p. 25). Aliás, Geertz (1989) representa a relativiza-
ção de hábitos e
já disse que a cultura é um CONJUNTO DE TEIAS VARIADAS que os próprios costumes que muitos
homens teceram para dar significado a si mesmo. acham naturais.
Segundo Geertz, os
balineses limam os
dentes caninos, não
gostam de comer em
público nem estimulam
suas crianças a
engatinhar para não
parecerem animais.

CEDERJ 9
Fundamentos da Educação 4 | Definição de cultura

Figura 1.1: A variedade da


cultura e seus elementos
materiais.

CULTURA E SOCIALIZAÇÃO

Ao longo da história, os homens têm demonstrado a imensa


capacidade de adaptação aos diversos lugares do mundo, superando
dificuldades e limites impostos pela natureza e por outros homens,
incorporando novos elementos ao seu cotidiano, conforme a consciência
formada em cada coletividade. Os indivíduos vão passando por um
processo de aprendizado de todo o complexo cultural existente,
denominado socialização: seus papéis e funções, expectativas e
objetivos são condicionados pelos símbolos presentes no ambiente
cultural. Até mesmo a percepção de que é um indivíduo, dotado de
determinadas características mentais e físicas, positivas ou negativas,
passa pelo ordenamento cultural: ele se entende como um ser autônomo,
BASE C U LT U R A L
relativamente livre, portador de direitos e deveres.
Cada escola ensina um
conjunto de conheci- Tudo isso constitui um aprendizado do tipo de normas e valores
mentos e práticas
ligados à realidade
estabelecidos na cultura de sua sociedade. Esse processo continua no
cultural da sociedade e decorrer de toda a sua vida, por causa da dinâmica das várias associações
dos grupos que fazem
parte dela. O currículo criadas socialmente ao longo do tempo. Há conhecimentos gerais, que
é a materialização formam a BASE CULTURAL; e conhecimentos específicos, que possuem
desse processo.
variações em cada grupo da sociedade. Quanto mais a organização

10 CEDERJ
MÓDULO 1
interna de cada sociedade é diversificada, maiores as possibilidades de

1
um indivíduo pertencer a vários grupos e às suas culturas específicas

AULA
(conhecidas pelo nome de subculturas). Por exemplo, alguém que nasce
na sociedade brasileira aprende a ser brasileiro. Porém, há brasileiros
que são católicos, protestantes, muçulmanos, ateus, budistas, policiais,
escritores, atletas amadores e profissionais de várias outras modalidades,
artistas, políticos etc.
Os sociólogos caracterizam o nível geral como de socialização
primária, pois ele é responsável pelo ensinamento dos aspectos
fundamentais da cultura de uma sociedade. O nível específico,
relacionado a cada grupo social, é chamado socialização secundária,
porque é o aprendizado da expressão própria de cada ambiente particular
estabelecido no interior de uma sociedade. Quanto mais complexa a
sociedade é, mais padrões, normas, saberes, funções e valores existem.
Assim, a socialização secundária é uma realidade sempre presente na
vida dos indivíduos. Eles poderão sempre aprender, e tanto mais quanto
sejam introduzidos nos muitos espaços sociais existentes.
Qual é o lugar da escola? A escola é um lugar responsável pelos
dois níveis de socialização. A cultura que ela transmite e ajuda a criar
é a reprodução do conjunto geral e específico de cada sociedade. Seus
conteúdos se destinam a formar indivíduos que cumprirão as variadas
funções, tarefas, carreiras, trajetórias, identidades e estilos de vida
possíveis na coletividade. Isso explica por que a estrutura curricular do
sistema de ensino ou estabelecimento escolar pode ser entendida como
uma produção da realidade social na qual a educação está inserida.
Ao mesmo tempo que existe o aprendizado da nacionalidade, da
história, das crenças de um
país, há a aquisição dos diversos
entendimentos e procedimentos
necessários ao funcionamento
das instituições sociais.

Figura 1.2: O etnocentrismo cultural.

C E D E R J 11
Fundamentos da Educação 4 | Definição de cultura

ATIVIDADE 1
A

E
Explique a seguinte afirmação em função do significado do conceito de
ccultura:

“O animal é o seu próprio corpo. Sua programação biológica é


ccompleta, fechada, perfeita. (...) Porque o homem, diferentemente do
animal, tem o seu próprio corpo. Não é o corpo que o faz. É ele que faz
a
o seu corpo” (Rubem Alves).

_______________________________________________________________
________________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________

ETNOCENTRISMO E DIVERSIDADE CULTURAL

Você viu que tratamos do aspecto fundamental relativo à visão


da cultura como algo dinâmico e complexo. Neste sentido, as várias
identidades e subculturas que existem estão na mesma condição de
igualdade. Não há argumentos científicos consistentes para hierarquizá-las,
estipulando quais são as culturas superiores e as inferiores, desenvolvidas e
subdesenvolvidas, civilizadas e primitivas. Por isso é um absurdo considerar
que a cultura de um sueco é superior à de um senegalês. Ou, ainda, que os
valores e práticas de um morador do bairro do Leblon são, em si, melhores
e mais evoluídos que os de alguém que vive em Madureira, Belford Roxo
ou Varre-Sai. Portanto, ao tratarmos de cultura, temos de levar em conta
o fenômeno do ETNOCENTRISMO. Segundo os antropólogos, esse fenômeno
ETNOCENTRISMO
constitui a suposição (filosófica, e cientificamente equivocada) de que
Quando dizemos que
Deus é brasileiro, não um padrão cultural é, por si só, superior a outro, seja dentro de cada
seria uma forma de
coletividade, seja em comparação com outra sociedade. Isso significa dizer
etnocentrismo?
que cometemos um grave erro ao tomarmos a cultura própria como o
centro do mundo, desvalorizando as demais, gerando conflitos e outras
conseqüências problemáticas.
Podemos verificar tudo isso ao longo da história de vários países,
inclusive o nosso. Foi a pressuposição etnocêntrica dos países europeus
que causou a escravidão e a extinção de vários povos indígenas na
América, assim como ocorreu a expatriação e escravidão dos povos
africanos trazidos para cá. Em ambos os casos, a cor da pele, o tipo
de cabelo, a crença religiosa, a organização familiar, a culinária,
a vestimenta, a produção econômica e as relações de poder foram

12 CEDERJ
MÓDULO 1
os motivos alegados para afirmar a superioridade dos colonizadores
europeus sobre os indígenas e negros há séculos, e isso repercute no tipo

1
de tratamento preconceituoso que todo o chamado Primeiro Mundo

AULA
mantém até hoje em relação ao Terceiro e Quarto Mundos.
É sabido que o etnocentrismo representa um fenômeno que
ocorreu e existe ainda em todas as sociedades, explicando muitos de
seus problemas. A constatação desse fato não significa a aceitação de sua
existência. Incentivar um comportamento etnocêntrico é fazer crescer
a discriminação e a exclusão. Por outro lado, uma sociedade razoável
e efetivamente democrática precisa aprender a conviver com as suas
diferenças internas, fazendo valer a diversidade cultural em suas infinitas
combinações. Assim, é necessário manter um certo nível de tolerância e
igualitarismo para dar vazão à multiplicidade de maneiras dos variados
grupos que a constituem. Esse aspecto é essencial para a formação
profissional dos educadores, por causa das funções que a escola e as outras
organizações sociais possuem na produção / reprodução da cultura.
Enfim, o cotidiano escolar está cheio de manifestações de indivíduos
originários da pluralidade de grupos sociais e suas subculturas. Ao levar
isso em conta, poderemos pensar em melhores formas de relacionamento
e integração dos saberes e práticas que circulam no seu interior, dentro de
P E R S P E C T I VA
uma PESRPECTIVA MULTICULTURAL (MC LAREN, 1997). O campo dos estudos M U LT I C U LT U R A L
culturais é muito amplo e rico para analisarmos o pensar e o fazer no Os Parâmetros
Curriculares
âmbito educacional. Nossa viagem de trem é uma maneira de explorarmos
Nacionais (PCN)
vários momentos dessa realidade. Assim, estamos dando apenas estabelecem
as diretrizes
algumas voltas em determinados percursos para aprender relacionadas com a
um pouco mais sobre quem somos, quem são os diversidade cultural
DIVER da sociedade
S ID A D
E outros, o que fazemos e onde podemos brasileira que o
CULTU sistema de ensino
RAL seguir como artífices e produtos das
deve levar em conta
diversas formas de vida em nas disciplinas
que adota.
nossa sociedade.

Figura 1.3: O multiculturalismo


e a educação.

C E D E R J 13
Fundamentos da Educação 4 | Definição de cultura

RESUMO

Enquanto os animais vivem determinados pela natureza, os homens transformam


e superam os limites estabelecidos; assim, criam idéias, valores, práticas, produtos
etc. que formam a cultura. Ela é produzida pelo meio social em cada coletividade
e estabelece os padrões que os indivíduos devem aprender.
A cultura é dinâmica e varia de acordo com cada sociedade, que, por sua vez,
a transforma ao longo do tempo. Uma sociedade, porém,possui diferenças
internas, por causa dos seus diversos grupos sociais. Quanto mais diferenciada
for essa organização interna, maior será a diversidade cultural existente.
Entretanto, os padrões dos grupos mais influentes formam a identidade
cultural de cada sociedade.
Vimos ainda que há culturas e grupos que se supõem superiores às demais, postura
essa conhecida por etnocentrismo. Tal posicionamento é equivocado, pois justifica
a dominação ou exploração da cultura de um povo sobre a de outro.
A educação escolar é parte do produto da cultura da sociedade em que ela
está inserida e das suas relações com a cultura de outras sociedades.

ATIVIDADES FINAIS

1. Explique os traços culturais brasileiros a partir da canção País Tropical, entoada


por Jorge Benjor:

Moro num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza.

Em fevereiro tem carnaval.

Tenho um fusca e um violão.

Sou Flamengo, tenho uma nega chamada Tereza.

__________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

14 CEDERJ
MÓDULO 1
2. Comente os principais aspectos da cultura que estão presentes na educação escolar,

1
através da criação formal e informal de hábitos e valores em seu interior.

AULA
__________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

PERGUNTAS DE AVALIAÇÃO

Você compreendeu o significado do conceito de cultura e a sua importância para


a sociedade? Entendeu também a relação entre cultura, socialização e educação?
Conseguiu perceber a distinção entre etnocentrismo e diversidade cultural? Se a
resposta foi afirmativa, parabéns! Caso contrário, não passe para a aula seguinte
sem ter compreendido os conceitos apresentados nesta aula, pois além de serem
fundamentais, servirão de base para o nosso curso.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula trataremos de enfocar os tipos culturais existentes em nossa sociedade.

C E D E R J 15
2

AULA
Tipos de cultura
Meta da aula
Apresentar os tipos de cultura.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Identificar os tipos/níveis de cultura.
• Relacionar a tipologia cultural à Educação.

Pré-requisito
Para melhor compreensão desta aula, você deve
rever a Aula 1 – Definição de cultura.
Fundamentos da Educação 4 | Tipos de cultura

O meu pai era paulista, meu avô pernambucano,


O meu bisavô, mineiro, meu tataravô, baiano,
Vou na estrada há muitos anos, sou um artista brasileiro.
(Paratodos, Chico Buarque)

O Brasil não é só verde, anil e amarelo,


O Brasil também é cor de rosa e carvão.
(Seo Zé, Carlinhos Brown)

INTRODUÇÃO Você viu na aula anterior que o entendimento de cultura é algo complexo, por
causa da abrangência do tema. As sociedades atuais possuem grande variedade
cultural interna, tornando a qualificação de seus tipos um trabalho enorme para
qualquer analista. Uma das maneiras de fazer essa qualificação é relacionar esses
tipos aos níveis de sua produção. Assim, temos, por exemplo, a cultura erudita,
a popular e a de massa. Essa classificação obedece aos níveis hierárquicos que
estão relacionados geralmente à estrutura de classes sociais. Entretanto, levar
a cabo essa tarefa não é tão simples por causa do fenômeno de produção
e difusão dos bens culturais, realizados através dos meios de comunicação:
é muito fácil associar a ópera à vida da elite e o forró à vida dos pobres sertanejos
do Nordeste. Mas, se falarmos nas festas juninas, veremos que existe grande
participação de pessoas que pertencem às duas classes. Isso também ocorre
no futebol, que alcança todos os níveis sociais: os mais ricos, os mais pobres
e os membros da classe média. Todos se incomodam com uma derrota ou se
alegram com uma vitória da seleção brasileira, independentemente da condição
econômica. Com o desenvolvimento dos meios de comunicação, essa mistura
tem se mostrado cada vez maior, através das facilidades de acesso e utilização
massificada dos produtos musicais, literários, cinematográficos, televisivos etc.
É bom lembrar que nosso trem possui vagões que transportam pessoas de
C U LT U R A E R U D I TA hábitos e níveis culturais diferentes. Veremos então o que isso significa.
A influência européia
no Brasil, sobretudo
de origem francesa, A CULTURA ERUDITA
espanhola, inglesa e
italiana, marcou as
bases da cultura erudita A CULTURA ERUDITA fica em um vagão equipado com som ambiente
entre nós, a partir da
de peças musicais clássicas, além de paredes decoradas com quadros de
evangeliza-ção da Igreja
Católica e da vinda da pintores famosos mundialmente. Ela constitui a produção do ambiente
família real, com D. João
VI. Ele trouxe artistas, e sua manifestação relacionadas aos mais ricos, poderosos e educados
intelectuais e fundou
instituições como a atual
da sociedade. Nesse caso, temos os principais escritores, pintores,
Biblioteca Nacional e o músicos, poetas, escultores etc., que se tornaram clássicos, por terem
Jardim Botânico.
sido considerados os mais importantes e influentes em sua época.

18 CEDERJ
MÓDULO 1
Assim, eles passaram a ser referências básicas dessas manifestações em

2
muitas sociedades. Por exemplo, temos pintores como Michelângelo ou

AULA
escritores como Shakespeare, reconhecidos como clássicos em todo o
mundo. Eles são como os pilares da produção artística em seus próprios
países de origem e nos demais; também é esse o caso de compositores
como Bach e Beethoven. Como exemplos de artistas brasileiros, temos
o compositor Carlos Gomes e o poeta Castro Alves
fazendo parte desse grupo. As obras destes artistas
encontram-se nas principais salas de concerto, galerias
de arte, bibliotecas etc., onde o acesso e a utilização são
restritos à camada social superior, com hábitos, gostos
e estilos considerados nobres e refinados.
Em diferentes épocas, a vida cultural brasileira
esteve associada aos ciclos econômicos da cana-de-
açúcar, da mineração, do café, da borracha, do fumo e
da industrialização. Os principais artistas e intelectuais
produziram suas obras para o consumo da elite,
considerada a “nata” da sociedade por ser proprietária
das riquezas econômicas em cada um desses ciclos. Desde
então até hoje, essa elite tem contato privilegiado com o
que de melhor tem sido produzido nas mais importantes
capitais do mundo, como Paris, Roma, Londres, Nova
Iorque, Tóquio, Madri etc. Assim, mesmo para a
realidade de um país pobre como o nosso, os 5% da
camada superior da sociedade, influenciada pela cultura
estrangeira, procura acompanhar de perto aquilo que
Figura 2.1: A cultura erudita.
é praticado e valorizado nos teatros, museus, salas de
música e centros culturais dos países desenvolvidos.

C U LT U R A
A CULTURA POPULAR POPULAR
A cultura popular
A chamada CULTURA POPULAR é aquela produzida e consumida pela brasileira é muito
parcela considerada inferior da população, que se compõe de cerca de identificada com o que
se chama manifesta-
70% dos habitantes do nosso país. Seus hábitos e costumes, valores, ções folclóricas
adicionais, estabelecidas
gostos e estilos são tidos como pouco refinados. Nesse caso, os vagões ao longo da história
do nosso trem entoam a música de várias regiões do país, identificada e dinamizadas pela
variada criação regional,
com as características específicas de ritmos e rituais conhecidos pelo tanto no campo quanto
nas cidades.
povo, como o samba, a moda de viola, o forró, o bumba-meu-boi,

C E D E R J 19
Fundamentos da Educação 4 | Tipos de cultura

a congada, a folia-de-reis, o xote, as marchinhas, as cantigas de roda


etc. Em geral, seus artistas possuem pouca formação escolar, embora
com grande capacidade de criação e improvisação ao expressar os
sentimentos e idéias que retratam o cotidiano da população. Aqui está
manifestado o folclore, produzido por um conjunto verdadeiramente
anônimo de pessoas e grupos espalhados pelo Brasil. A maior parte dessa
produção está associada ao tempo em que a sociedade brasileira vivia,
em sua maioria, no campo. Esse fato deixou de ser verdadeiro nos anos
70, quando a maior parte da população migrou para as cidades. Isso
possibilitou a criação de uma cultura popular urbana, vivenciada pelos
moradores dos bairros mais pobres, povoados por gente das minorias
étnicas. Como exemplo, temos as baladas românticas “bregas”, o pagode,
a lambada, o charme, o reggae, o soul, o funk , o rap e o hip-hop; estes
últimos, frutos da influência estrangeira das regiões periféricas das
cidades do mundo desenvolvido. Então, podemos dizer que a cultura
popular é aquela produzida pelas camadas subalternas (inferiores) da
hierarquia social, que manifestam a sua maneira de ver o mundo e seu
comportamento, conservando ou inovando as práticas e formas de
expressão (GRAMSCI, 1978).

Figura 2.2: A cultura popular.

20 CEDERJ
MÓDULO 1
ATIVIDADE 1
A

2
O Carnaval e o futebol são traços culturais emblemáticos de nossa

AULA
ssociedade. Além desses, que outras formas de produção cultural são
identificadoras da nossa realidade e podem ser discriminadas?
id

_________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

A CULTURA DE MASSA

Com o desenvolvimento dos meios de comunicação no início


do século XX, houve um grande aumento da produção e difusão de
obras musicais e dramatúrgicas, através do cinema, rádio, televisão e
publicações para o grande público. Isso está representado pelo vagão
do trem que tem aparelho de vídeo e TV exibindo, para os passageiros,
filmes românticos ou policiais, clipes musicais e jogos de futebol.
RADIODIFUSÃO
A partir de meados desse século, a TELEVISÃO passou a ter grande Coube a Roquete
impulso em muitos países, tornando-se o veículo mais influente da cultura Pinto a primeira
transmissão
de massa para informação e entretenimento das pessoas. Várias obras, radiofônica no
Brasil, na década
consideradas de acesso restrito, passaram a ser divulgadas através das de 1920; desde
técnicas de reprodução, como a gravura, a fotografia, a RADIODIFUSÃO. o início ele tinha
pretensões educativas
As informações, antes limitadas à elite e à classe média, chegaram à e culturais.

população em geral. Assim nasceu a cultura de massa, que se difundiu TELEVISÃO


para todas as camadas, tornando-se um tipo unificador de hábitos e A televisão veio
valores sociais. Tanto o Estado quanto a iniciativa privada investiram para o Brasil
através de Assis
pesadamente nesses meios de comunicação para alcançar objetivos Chateaubriand, nos
anos 50, marcando
políticos e econômicos (ORTIZ, 1988). a modernização
cultural brasileira.
Esse processo se tornou tão amplo e complexo que alguns autores
rebatizaram o termo “cultura de massa”, substituindo-o por “indústria
cultural”. A cultura passou a ser produzida de maneira industrial:
racionalizada, serializada, diversificada e administrada por grandes
complexos empresariais, do mesmo modo que outras mercadorias
destinadas ao consumo em larga escala, como roupas, automóveis etc.
(ADORNO; HORKHEIMER, 1986); (COELHO, 1985). Boa parte dessa
cultura de massa difundida entre nós é também de origem estrangeira,

C E D E R J 21
Fundamentos da Educação 4 | Tipos de cultura

sobretudo dos EUA e da Europa, mesclando as produções das camadas


populares e médias desses países. Isso vale para os diversos ritmos
musicais, filmes, séries de televisão, desenhos animados, programas de
entretenimento, esportes etc. Em nossos dias, o desenvolvimento cultural
assumiu enormes proporções com
a TV por assinatura, a internet,
o cinema multiplex, e os diversos
recursos da informática e da
telemática.Tal fato possibilitou
uma capacidade imensa de
produção e difusão, tornando
a questão da cultura algo cada
vez mais complexo.

Figura 2.3: A cultura de massa.

A CIRCULARIDADE DA CULTURA

Voltemos à argumentação anterior sobre a dificuldade da


classificação cultural. Podemos considerar o fato de que muito daquilo
que os artistas da chamada cultura clássica e de massa fizeram foi
apropriarem-se dos saberes e estilos populares, redefinindo-os e
restringindo o seu acesso aos privilegiados, criando uma espécie de
distinção social. De todo modo, vale lembrar que as pessoas que se
encontram no interior do trem e nas plataformas das estações, estão
conversando, trocando informações e experiências. Isso explica por
CIRCULARIDADE que existe o fenômeno da CIRCULARIDADE das culturas: há um movimento
A escola é um espaço
permanente de mobilidade dos elementos e traços culturais de uma classe
onde a circulação de
bens e traços culturais ou nível social para outro (TURA, 2002).
se dá de maneira
bastante caracterís- Por esta razão, nem sempre o nível cultural corresponde exatamente
tica, através da
influência de diversos
a uma dada classe social. Por exemplo, a ópera de Carlos Gomes, intitulada
agentes no seu O Guarani, é uma interpretação melódica, sofisticada e harmônica da
interior.
vida de uma parte dos indígenas brasileiros que viveram no passado.
Do mesmo modo, Villa-Lobos aproveitou-se tanto dos elementos da
cultura erudita quanto da popular para produzir as Bachianas Brasileiras.
Outro exemplo importante de circularidade cultural vem do samba e
do futebol, que até hoje marcam a nossa nacionalidade: o primeiro é de

22 CEDERJ
MÓDULO 1
origem africana e popular e o segundo, de origem bretã e erudita. Ambos

2
estão presentes na vida de todas as classes sociais brasileiras, a partir

AULA
do desenvolvimento do rádio no Brasil nas primeiras décadas do século
passado. O samba foi difundido do Rio de Janeiro para outras regiões,
IDENTIDADE
transformando-se em símbolo da IDENTIDADE BRASILEIRA, desde a época em BRASILEIRA

que Donga lançou Pelo Telefone, primeiro samba gravado em disco Sobre a nossa
identidade brasileira
em nosso país. Não é apenas no Carnaval que o samba está presente. expressa na
MPB temos, por
Ele faz parte das raízes da Música Popular Brasileira (MPB), expressa
exemplo,Caetano
em diversas produções artísticas. O próprio termo “Popular” da MPB Veloso que já cantava:

tem um certo refinamento e sofisticação, pois caracteriza o que há de “Flor do Lácio,


sambódromo, cruza a
melhor qualidade dentre outras tantas produções de cunho geral, feitas América Latina em pó,
ao gosto da maioria da população, como a chamada música “brega” o que quer o que pode
essa língua?”
e o pagode, disseminados pelas rádios nos anos 90.
O futebol teve o caminho inverso, pois sua origem está nas escolas
de elite dos jovens ingleses do século XIX. Ao longo do tempo, graças
também ao rádio, ele foi disseminado mundialmente, chegando ao Brasil
através dos imigrantes, nas regiões Sul e Sudeste; foi massificado para a
população a partir dos anos 30. Aqui também todas as classes passaram
a se identificar com esse esporte, a ponto de ser levado excessivamente a
sério na opinião de alguns. Ser flamenguista, cruzeirense, corintiano ou
pontepretano é, para muitos, mais importante do que ter família, votar
nas eleições ou seguir uma religião.
Para nós, que pensamos e atuamos na área da Educação,
é fundamental considerar a questão da circularidade cultural, porque
nossa realidade está eivada (cheia) de traços de todos os tipos e níveis
culturais. Todos nós experimentamos essa influência no cotidiano, através
do que é veiculado pela família, pela religião, pela mídia e pela escola.
Aquilo que pensamos como brasileiros, em contraste ou identificação com
outros povos, deve-se a esse fenômeno. Se considerarmos o processo de
globalização cultural, veremos que tal relação está cada vez mais presente
em nossas vidas. O sistema de ensino deve considerar a dinâmica da
produção e difusão cultural, não só porque ele mesmo faz parte dessa
dinâmica, como também porque a escola contém indivíduos e grupos
de diferentes matizes e identidades culturais. Os saberes articulados
no interior da escola, através dos currículos disciplinares, são também
produtos de um processo sociocultural. E ainda, como nosso país possui
uma realidade cultural diversa, é necessário que saibamos trabalhar nessa

C E D E R J 23
Fundamentos da Educação 4 | Tipos de cultura

dimensão. Não é preciso ir muito longe! Em nossas cidades de médio


e grande porte nos deparamos com distintos estilos arquitetônicos,
hábitos alimentares, vestuário, músicas e danças etc. Tudo isso pode
estar presente no processo de ensino-aprendizagem, nas salas de aula,
bibliotecas, quadras de esporte e oficinas de arte de nossos ambientes
escolares, através de uma articulação que permita pensar e produzir um
tipo de projeto pedagógico que represente maior desenvolvimento da
cultura, da justiça e da cidadania.

RESUMO

A produção e a reprodução cultural possuem níveis diferenciados em relação


à estrutura de classes sociais: elite, intermediário e povo. Com a criação da
cultura de massa no mundo contemporâneo, os níveis culturais não podem
ser automaticamente relacionados à estratificação social em classes. Daí,
a classificação de tal ou qual produto cultural nem sempre poder ser considerada
livre de polêmicas.

A educação necessita levar em conta a diversidade e a dinâmica cultural, articulando


as várias possibilidades de relação das manifestações existentes no espaço social.
Como órgão responsável pela difusão da cultura, a escola é um espaço importante
para considerar toda a situação da complexidade cultural.

ATIVIDADE FINAL

Faça um relato sobre uma escola de sua comunidade e tente perceber quantas
diferenças culturais estão presentes nela, segundo o modo de viver dos indivíduos
e grupos, nos segmentos docente, discente e familiar.

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___________________________________________________________________________
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___________________________________________________________________________

24 CEDERJ
MÓDULO 1
PERGUNTAS DE AVALIAÇÃO

2
AULA
Se você compreendeu a diferenciação feita entre os tipos de cultura e percebeu
também que existe uma relação complexa entre elas, por causa da circularidade
cultural, então está preparado para a próxima aula. Não deixe de fazer as
atividades, pois elas são fundamentais para que você compreenda esta aula.
Se você ficou com alguma dúvida, releia a aula com atenção e tente refazer as
atividades e, se necessário, peça ajuda ao seu tutor.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, desenvolveremos as modalidades da cultura em seus aspectos


constituídos e constituintes.

C E D E R J 25
3

AULA
Cultura patente e cultura latente
Meta da aula
Apresentar as características da cultura patente
e latente na vida escolar.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Identificar as formas da cultura e a sua dinâmica.
• Relacionar as formas de constituição da educação e mudança cultural
em relação a ela.
Fundamentos da Educação 4 | Cultura patente e cultura latente

Não é o que não pode ser o que não é.


(Arnaldo Antunes)
Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia.
Tudo passa, tudo sempre passará.
(Como uma onda, Lulu Santos)

INTRODUÇÃO No curso da nossa viagem, percebemos que pessoas e paisagens vêm e vão.
Em alguns momentos, peças e utensílios da composição precisam ser trocados;
algumas normas e padrões da ferrovia e hábitos dos passageiros são modificados,
outros permanecem em nome da tradição ou transformam-se em nome da
modernidade, tudo em nome do bom funcionamento dos equipamentos ou do
conforto e preservação da maneira pela qual as instituições e indivíduos vivem.
Tal fato nos remete a pensar que a cultura da sociedade possui elementos
e padrões que permanecem há muito tempo enquanto tais, e outros que
existem de maneira ainda incipiente, sendo desenvolvidos com o passar
do tempo. Por essa razão, é importante pensar a historicidade das normas
culturais. Os elementos culturais que existem foram construídos pela dinâmica
da transformação social, ao passo que ela mesma cria outras formas de pensar
e agir das instituições e indivíduos. Tanto as idéias quanto as finalidades dos
padrões e artefatos culturais são estabelecidos de maneira transitória, como
um processo de criação e recriação constante.
Tais padrões e artefatos são, ao mesmo tempo, constituídos (isto é, estabelecidos
como tais; instituídos na realidade) e constituintes (ou seja, não existem ainda
plenamente, mas podem ser efetivados; instituintes, pois estão por fazer-se)
(CASTORIADIS, 1986). Este sentido apontado aqui será usado respectivamente
para dar significado à cultura patente e à cultura latente, a fim de abordar as
formas de vida escolar. No âmbito da vida social, os padrões sociais definem
aqueles indivíduos e grupos que são considerados normais ou desviantes,
segundo a lógica de cada grupo social/sociedade. Mas, como a cultura
é dinâmica e razoavelmente diferenciada, alguém pode ser considerado
“louco” ou “subversivo” num determinado momento e conservador noutro
(VELHO, 1984). Isso ocorre também no caso dos padrões de pensamento e
comportamento encontrados na escola, em relação aos seus membros docentes,
discentes e funcionários.
Lembramos que os padrões culturais são relativos, tanto ao ambiente coletivo,
quanto à história de cada sociedade. Assim, podemos aprender a “relativizar”
nossa própria maneira de perceber as coisas que nos cercam. Portanto,

28 CEDERJ
MÓDULO 1
devemos pensar em que medida a pedagogia adotada por nós representa

3
o conservadorismo ético-político, reprodutor das desigualdades e dos efeitos

AULA
perversos do sistema, sendo apenas uma “técnica de adestramento” dos
indivíduos, tornando-os sujeitos adequados aos interesses do sistema social
(SAHLINS, 2003), (DA MATTA, 1987).

CULTURA PATENTE

A cultura patente é aquela estabelecida segundo os padrões vigentes


numa coletividade, num determinado momento. Ela está instituída por
normas, idéias, valores e práticas que vigoram, dando à ordem social
uma dimensão de atualidade e realidade concretamente palpável. Além
disso, ela funciona do jeito que “deve ser” considerado adequado em um
determinado contexto social. Como isso se dá segundo a constituição de
seus elementos no ambiente escolar?
Em nossa sociedade, a escola é uma organização bastante
conservadora, sob muitos aspectos que formam o seu cotidiano. Em
relação, por exemplo:
a) ao conhecimento, fundado nos saberes disciplinares, nas
práticas pedagógicas, na ritualística das aulas e na distribuição do tempo
em unidades chamadas horas-aula. Há também a autoridade do professor
ao ministrar o conhecimento e a obrigatoriedade de “facilitação” desse
conhecimento para o aluno. Isso sem falar na rigidez curricular e
pragmática feita em nome do vestibular, da qualificação para o mercado
de trabalho ou a supervalorização do aluno como indivíduo autônomo
e livre na construção do processo de ensino-aprendizagem.
b) às avaliações, que se mostram muito mais voltadas para
aspectos quantitativos do que qualitativos. A grande preocupação de
muitos professores, alunos e responsáveis é com a nota: essa famigerada
tipificação do símbolo de um resultado do processo pedagógico. Ela é vista
como resultado final de uma composição periódica e parcial de testes,
provas, trabalhos, atitudes e disposições impostas pelo regulamento e
pelo calendário escolar, feitos com o suposto intento de premiar ou punir
os estudantes que se enquadram ou não nas regras do jogo, estabelecidas
por um sistema social perverso e excludente.
c) ao material, no qual podemos observar que a cultura escolar
constituída consagra o livro, o caderno e o quadro-de-giz, como
instrumentos vitais para a realização dos objetivos educacionais.

C E D E R J 29
Fundamentos da Educação 4 | Cultura patente e cultura latente

Temos também a lista de chamada, contida no diário de classe, outro


elemento desse tipo de institucionalização da vida escolar que deve estar
sempre atualizado e corretamente preenchido. Sabemos que muitos alunos
são impedidos de fazer provas com calculadoras, por causa da necessidade
de aprender a elaborar no papel as equações matemáticas. Daí, podemos
perguntar: será que isso ainda teria sentido numa época em que a informática
e a computação estão presentes de modo constante em nossas vidas?
d) ao comportamento: em que medida um procedimento
conservador da cultura escolar como esse é tão anacrônico quanto se
preocupar excessivamente com o comprimento da roupa dos estudantes
e professores? Na escola, valoriza-se ainda os trajes utilizados por eles,
desde que estejam adaptados aos padrões vigentes, por exemplo:
o tipo do corte de cabelo, o uso de adereços que vão nos tornar mais
“apresentáveis” diante dos outros. As pessoas são por isso classificadas
de “inteligentes”, “decentes”, “bonitas” etc., de acordo com o padrão de
normalidade que é adotado coletivamente para consagrar a ritualística
escolar. Muitos consideram chocante um professor andar de bermuda,
apesar da alta temperatura ambiente; da mesma forma, podemos
estranhar o fato de uma professora não usar maquiagem, segundo os
símbolos da estética e da vaidade feminina ou ser policiada quanto ao
comprimento de sua roupa e a cor de seu cabelo. Muitos acham ridículo
docentes e discentes vestirem-se com cores consideradas berrantes, usarem
piercings, colares e outros penduricalhos.
É bom lembrarmos dessas coisas porque, geralmente, temos
uma atitude marcadamente negativa a padrões culturais diferentes dos
nossos, os quais consideramos estranhos e/ou errôneos. Os indivíduos
são tidos como “adaptados/normais” e “desviantes/estranhos” para a
manutenção da pedagogia considerada legítima e útil. Afinal, somos
levados a vivermos em função do bom andamento do sistema, através
de suas normas e princípios de equilíbrio e harmonia.
Nem sempre questionamos efetivamente os seus efeitos, por isso,
de vez em quando falamos em tom de humor por aí: O Ministério da
Educação adverte: a escola faz mal à saúde.
e) à linguagem, adotadas por nós, pois ela representa uma dada
significação sobre a realidade social e as relações presentes no mundo
escolar. A tradição vigente da vida escolar interpreta o indivíduo como

30 CEDERJ
MÓDULO 1
habitante das trevas: costumamos usar o termo “alunos” ao invés

3
de “estudantes”. Há nisso uma diferença etimológica e pedagógica

AULA
importante, pois, “aluno” significa o indivíduo sem a luz do conhecimento,
enquanto “estudante” quer dizer aquele que tem um brilho nos olhos,
por causa do fascínio pelo saber e a motivação em aprender.

ATIVIDADE 1
A

Faç uma pesquisa em artigos de jornais ou em outro meios de


Faça
comunicação (internet, rádio ou TV) sobre a importância atribuída à escola
com
pelos estudantes de Ensino Fundamental e Médio e suas famílias.
pel

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Figura 3.1: A vida na escola.

CULTURA LATENTE

A cultura latente é aquela que existe incompleta e precariamente,


institucionalizando outras formas de ser da sociedade. Nesse caso, ela
está por se fazer, inovando e construindo outras normas, idéias e valores,
que existem como possibilidades no âmbito das relações sociais. Assim,
ela cria, transforma e renova a realidade existente.

C E D E R J 31
Fundamentos da Educação 4 | Cultura patente e cultura latente

A escola pode ser (e, às vezes, de fato, é) organizada de outro


modo. Ela pode transformar-se criando novas formas de instituir seu jeito
de ser, sem, necessariamente, perder todas as características anteriores.
Como produção histórico-social, a escola está imersa na dinâmica das
transformações que instituem novos padrões. Por isso, podemos assinalar
que a tradição pode ser renovada, reconstruída em termos do pensar e
fazer, conforme foi indicado na introdução desta aula.
Imagine que a escola possa perder um pouco do seu conservadorismo,
através da incorporação de novos valores e práticas como, por exemplo,
a finalidade do conhecimento.
Na percepção mais generalizada e aceita por aí, as pessoas buscam
e legitimam o saber escolar porque ele confere títulos e certificados para
o mercado de trabalho. Sabemos que nossa época vive a exigência da
reestruturação econômica do capitalismo contemporâneo, que tem feito
com que muitos sejam mais qualificados para conseguir ou permanecer
no emprego. Isso tem possibilitado o crescimento pela procura da escola,
desde a Educação Básica até a Educação Superior, como é o caso do
Brasil nas duas últimas décadas.
Não seria o caso de também atribuir-lhe importância como
formadora da cidadania e do desenvolvimento de diversas capacidades dos
indivíduos, segundo dita a legislação em vigor e vários textos pedagógicos
existentes? Quando o saber escolar brasileiro estará, efetivamente, voltado
para auxiliar o estímulo à organização, à mobilização e à participação
popular, visando a construir uma sociedade mais justa e democrática e
deixando de ser somente um meio utilizado para aquisição de certificados
e diplomas a fim de conseguir um emprego?!
Essa maneira renovada de instituir outras formas de pensar e
agir pode também contribuir para melhoria da administração escolar,
tornando-a mais participativa e menos centralizadora, sobretudo na
escola pública, cujo patrimônio pertence à sociedade. Aqui, o clientelismo,
a corrupção e o patrimonialismo podem dar lugar ao verdadeiro interesse
público. Nesse caso, outras perguntas surgem: não seria bem melhor que
o sistema de ensino como um todo pudesse ser gerido com a finalidade
de proporcionar qualidade à educação, através do aprimoramento dos
recursos materiais e humanos disponíveis para toda a população? Por que
esse sistema é administrado de forma a atender os interesses de alguns

32 CEDERJ
MÓDULO 1
políticos e grupos, não levando em consideração o seu aspecto de serviço

3
público tão necessário à integração econômica, política e cultural dos

AULA
indivíduos na sociedade?
O refazer das relações e das práticas escolares ainda pode ser
modificado, no caso de algumas modalidades culturais, cujas relações
cotidianas repousam no espaço escolar. Conforme dito anteriormente,
preocupamo-nos muito com aspectos estéticos, como roupas e
cabelos dos outros, se estão de acordo com os padrões vigentes de
consumo, estabelecidos pela sociedade. Entretanto, não percebemos
de maneira suficiente que isso é parte da diversidade cultural, a partir
das manifestações étnicas, regionais, comunitárias, religiosas e artísticas,
que fazem parte de todos os segmentos representados na vida escolar.
Aí podemos ter a oportunidade de deixar de ser racistas, machistas,
etnocêntricos, dogmáticos, moralistas etc. a fim de instituirmos a
convivência com a diversidade em suas infinitas combinações, em todos
os momentos e espaços sociais, inclusive nas relações cotidianas do
ambiente escolar.
Sobre a produção e a reprodução do conhecimento escolar, podemos
admitir que as práticas de avaliação podem ser menos comprometidas com
a “objetividade” de uma nota e o somatório de pontos para se concluir
um curso ou uma série. Na avaliação, podemos considerar os aspectos
informais e de construção do conhecimento, ao invés do utilitarismo e
do imediatismo do conteúdo programático materializado no currículo.
Ela pode desenvolver a capacidade dos estudantes e motivá-los a “aprender
a aprender”. Em outros termos, essas práticas levam à institucionalização
de uma nova forma de ensinar, na qual a autoridade docente não é
confundida com autoritarismo, e tampouco a liberdade e a criatividade
discente confundem-se com individualismo. Portanto, a criação de um
espaço pedagógico com base na cooperação e no diálogo, é fundamental
para estabelecer um novo ser nas relações cotidianas e de maior duração
no ambiente escolar.
Outro aspecto importante para a relação ensino-aprendizagem
escolar é a utilização dos meios de comunicação. Eles podem ser capazes
de reinventar a dinâmica desse processo, pois estabelecem outro tipo de
lógica para a informação e o conhecimento produzidos através deles.
Este aspecto é importante para repensar até mesmo a disposição espacial
da escola e das salas de aula tipicamente construídas, segundo a tradição da
cultura oral e escrita, oriundas da era pré-informática e computacional.

C E D E R J 33
Fundamentos da Educação 4 | Cultura patente e cultura latente

Os meios de comunicação podem contribuir também para as


inovações pedagógicas da educação a distância, na relação entre os que
ensinam e aqueles que aprendem. Isto faz com que possamos trabalhar em
uma educação que possa estimular um fluxo constante das manifestações
culturais; desse modo, ajudariam a aproximar as diferentes origens
e alcances sociais, em nome de informar e formar para a vida social
como um todo, sem cair na banalização e imbecilização dos estudantes
e dos professores. Entretanto, vale lembrar que não é porque dispomos
atualmente de ferramentas eletrônicas de comunicação que o velho,
insubstituível e bom hábito da leitura de textos e livros pode ser desprezado.
Podemos continuar a valorizá-los e passarmos um bom tempo diante deles,
do mesmo modo que muitos passam diante dos computadores.

Vamos fazer uma nova escola. Daqui pra


frente, tudo vai ser diferente.

Figura 3.2: Uma nova escola?!

34 CEDERJ
MÓDULO 1
3
RESUMO

AULA
A cultura da sociedade é um processo em construção de padrões que possuem
formas estabelecidas e outras que estão por fazer-se. A realidade é construída
e reconstruída com significações e objetivos distintos. Por isso mesmo, é bom
pensarmos que a escola que conhecemos e vivenciamos tem um determinado
ordenamento, mas pode comportar outros, sem que, necessariamente, tudo seja
posto de lado. Isto vale para as práticas de ensino-aprendizagem e o material
que é utilizado como ferramenta desse processo, assim como para indumentária
e a estética, que são configuradas segundo alguma concepção pedagógica. Vale
também para a dimensão simbólica, ou seja, para a representação daquilo que
fazemos dentro da escola: a valorização de certas idéias e atitudes responsáveis
pela aceitação e pela rejeição de seus membros.

Por fim, é importante mesmo tratar da eleição de objetivos e competências que


corroboram a sua busca ou sua rejeição pelos indivíduos, como meio de sucesso e
de fracasso através do propósito do conhecimento que ela produz ou reproduz.
A cultura patente representa aquilo que a escola tem sido, enquanto a cultura
latente, o que ela pode vir a ser a sua reinvenção.

ATIVIDADE FINAL

Faça uma lista de mentalidades e práticas da vida escolar no Brasil e compare os


aspectos que modificaram e aqueles que permanecem os mesmos na maioria das
nossas escolas nas últimas décadas.

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_____________________________________________________________________
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C E D E R J 35
Fundamentos da Educação 4 | Cultura patente e cultura latente

PERGUNTAS DE AVALIAÇÃO

Se você conseguiu estabelecer a diferença entre cultura patente e latente no


universo da vida escolar e compreendeu que existem aspectos considerados
positivos e negativos para as relações e objetivos educacionais, está preparado
para a próxima aula; porém, se teve dificuldades para realizar as atividades ou não
entendeu algum assunto, releia a aula e refaça as atividades, sempre lembrando
que há um tutor no pólo para esclarecer suas dúvidas.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, demonstraremos como a escola comporta saberes, práticas


e valores que legitimam a cultura da sociedade.

36 CEDERJ
4

AULA
Organização escolar
Meta da aula
Descrever a escola como uma organização
relacionada à cultura da sociedade.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Identificar a cultura representada na escola pelo saber que
ela produz.
• Perceber as implicações da cultura escolar para os indivíduos
e grupos na sociedade.

Pré-requisito
Para um melhor entendimento desta aula, você deverá
rever a Aula 3 – Cultura patente e cultura latente.
Fundamentos da Educação 4 | Organização escolar

Lá vai o trem com destino,


Lá vai a vida a rodar...

(Edu Lobo / Ferreira Gullar)

INTRODUÇÃO O trem há de sempre trafegar pelos trilhos, caso contrário, tudo vira caos.
Um acidente de percurso é algo sempre problemático para seus manobristas,
administradores, passageiros e também para aqueles que se encontram na
estação à espera de alguém ou da entrega de alguma encomenda.
Dizemos com freqüência que vamos para a escola ensinar e aprender
cultura. Mas nem sempre percebemos que a própria escola é fruto da cultura
produzida pela sociedade. Aqui é importante assinalar não somente o saber
institucionalizado em áreas de conhecimento/ disciplinas, mas também levar em
conta o modo de pensar e agir no ambiente escolar, tão internalizado e pouco
problematizado por nós. Nesse caso, nem sempre consideramos devidamente
a construção de novos trilhos e seus percursos por onde possamos viajar.
Você já viu nas aulas anteriores que a escola é uma organização cultural como
outras tantas instituições da vida em sociedade. Nesse sentido, ela não está
desvinculada de tudo o que acontece ao seu redor. Desde a arquitetura dos
prédios até o conteúdo de cada aula, tudo é parte do conjunto da produção
cultural. Segundo apontamos anteriormente, de um jeito ou de outro, a escola
é o resultado dessa padronização que existe como tal, de forma patente, ou
que se modifica a partir do que está latente e suscetível de se concretizar.
Há elementos materiais e não-materiais na produção cultural da sociedade.
Os materiais são o próprio espaço físico construído, disposto em prédios, pátios,
quadras de esporte, muros, portões, uniformes, livros, cadernos, computadores,
canetas, mesas, carteiras, quadro-de-giz, vídeo, comida etc. Os não-materiais,
que se encontram presentes no ambiente escolar, são representados pela
simbologia dos diversos sentidos da aprendizagem, do ensino, da motivação,
do sucesso, do fracasso, das vitórias e derrotas esportivas, do companheirismo
entre docentes, discentes, responsáveis e funcionários, enfim, da cidadania e
do bem-estar social etc; todos estão presentes na interação dos indivíduos que
habitam esse ambiente .
Daremos ênfase aos elementos não-materiais (ou simbólicos) como o saber,
as idéias e valores que estabelecem a importância do funcionamento e dos
objetivos da instituição escolar na sociedade. Os dois tipos de elementos
culturais são mantidos tradicionalmente ou modificados pela dinâmica da
mudança cultural.

38 CEDERJ
MÓDULO 1
FORMAS E FINALIDADES DA CULTURA ESCOLAR

4
AULA
É sabido que a cultura escolar é reproduzida para a manutenção
das relações sociais. Quer isto dizer que os conhecimentos produzidos e
reproduzidos na escola, através de disciplinas, cursos e séries, formam
os indivíduos para se adequarem ideológica e politicamente ao sistema
social (BOURDIEU, 1992). Eles são “formados”, isto é, são postos
numa forma (molde) instituída socialmente. A cultura escolar cria e
legitima um conjunto de maneiras de pensar e agir baseadas na distinção
e no mérito, e que todos têm de seguir para ter sucesso na vida. Os saberes
e os estabelecimentos escolares vão se organizando numa hierarquia
em que uns possuem maior prestígio do que outros. Essa atribuição
de prestígio está relacionada às possibilidades de melhor ingresso nas
carreiras consideradas mais rentáveis e bem-vistas. Ao escolher uma delas,
está-se avaliando as próprias possibilidades de conseguir uma colocação
profissional no serviço público ou na iniciativa privada.
Nos cursos de Educação Básica, uma pessoa que se orienta para
estudar mecânica pode avaliar se isso lhe dará alguma condição favorável
de, ao chegar ao nível superior, ingressar na carreira de Engenharia,
visando, assim, possuir boa quantidade de capital financeiro. Em
contrapartida, alguém que estuda em escola de formação geral, talvez
não se veja com tantas chances de arriscar a candidatar-se às carreiras
tecnológicas ou biomédicas, em que existe bastante concorrência, por
serem “profissões de futuro”. Tal pessoa pode resolver concorrer à
universidade na área de Ciências Humanas/Sociais, por julgar que haja
cursos mais “fáceis” de serem seguidos. Todos sabem ou julgam saber
que, nesse caso, o ganho financeiro é menor, com algumas exceções,
tais como: Direito, Administração, Psicologia, Economia, Comunicação
Social e Relações Internacionais. Entretanto, estudar Filosofia, Ciências
Sociais, Pedagogia, História, Serviço Social ou Belas Artes representa
ter um capital cultural alto, a ponto de a pessoa ser considerada “muito
culta”, apesar do fato de, supostamente, viver com um capital financeiro
reduzido em relação aos profissionais das outras áreas.
Essa mentalidade e esse costume são difundidos pela cultura
escolar, em consonância com outras organizações, como a família, os
meios de comunicação e grupos religiosos. Os estudantes são, geralmente,
estimulados a pensar no resultado/utilidade da educação. Por isso, os
mais novos estão sempre respondendo a si mesmos e aos mais velhos à
famosa pergunta: “O que você vai ser quando crescer?”

C E D E R J 39
Fundamentos da Educação 4 | Organização escolar

ATIVIDADE 1
A

P
Procure conferir as avaliações feitas pela imprensa brasileira em relação
à
às carreiras universitárias e faça uma reflexão sobre as perspectivas de
in
inserção dos indivíduos na estrutura de ocupação profissional existente
n
na sociedade. Redija um texto registrando suas conclusões.

__
________________________________________________________________
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__
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CULTURA ESCOLAR E (DES)VALORIZAÇÃO DISCIPLINAR

As regras do jogo da trajetória escolar, dispostas da forma


mencionada acima, instituem-se nos valores e costumes que podem
ser relativizados e questionados por nós, conforme
sugerimos na aula anterior. Podemos constatar,
Se é ruim arranjar
emprego com no currículo escolar, o enorme peso de algumas
estudo, pior disciplinas, tornando umas mais “importantes” do
sem ele.
que outras. Por exemplo: Física, Química, Biologia,
Matemática, Língua Portuguesa e Língua Estrangeira.
Nessas disciplinas, o professor desfruta de mais “autoridade”
para avaliar, aprovando ou reprovando seus alunos; eles
passam a corresponder à expectativa, não oferecendo tantas
resistências a estudar tais disciplinas e tornam-se mais resignados
quando falham em obter o êxito esperado, ao passo que, de
maneira geral, o estudo de História, Literatura, Sociologia,
Filosofia, Educação Artística ou dos “Estudos” Sociais (por que

Figura 4.1: As finalidades não “Ciências” Sociais?!) é por eles desprezado. Tais disciplinas são,
do saber escolar. portanto, relegadas ao segundo plano, por muitos professores, estudantes
e seus responsáveis.
As Humanidades são, assim, consideradas por muitos como
“inúteis” e uma maneira de “encher lingüiça”, existindo como uma
mera forma de cumprir exigências formais e completar o tempo da vida
escolar. Algumas pessoas, inclusive, corroborando uma proposta bastante
defendida por muitos, afirmam que as atividades esportivas e lúdicas

40 CEDERJ
MÓDULO 1
deveriam substituir as disciplinas da área das Ciências Humanas, pois

4
acreditam que representam uma perda de tempo estudar assuntos “que

AULA
não levam à nada, nem chegam à conclusão nenhuma”.
Entretanto, é importante assinalar que esses saberes “inúteis”
são responsáveis tanto para as instituições sociais controlarem política,
econômica e culturalmente os indivíduos, quanto para a formação
da cidadania, através da compreensão, análise e questionamento da
organização e funcionamento do sistema social. Será que não seria
importante termos um conhecimento humanístico que nos ajudasse a
fornecer uma dimensão real de quem somos e como é o nosso mundo e
podermos nos associar, mobilizar e intervir para modificá-lo coletivamente?
Não somos nem seremos apenas profissionais e consumidores. Há outros
papéis sociais desempenhados por nós, como os de eleitor, condômino,
passageiro, hóspede, pedestre, pai, mãe, filho, paciente etc. que dependem
da boa articulação entre direitos e deveres, contribuindo, inclusive, para
a nossa formação de cidadãos, não é mesmo?!

CULTURA E ESTEREÓTIPO ESCOLAR

O conhecimento do conjunto das Humanidades não pode ser


visto apenas como instrumento para a formação consciente e crítica.
Ele também pode servir para a adequação dos indivíduos às regras do
jogo, discriminando uns e privilegiando outros, produzindo um tipo de
sujeito adequado às suas determinações (VARELA, 1995).
Podemos apontar, como exemplo, a eleição de um modelo de
estudante e outro de professor ideal, que, na verdade, não existem e
jamais existirão. Aqui, constatamos que os estudantes são cobrados
e levados a se submeter às regras meritocráticas (isto é, hierarquizadas
em função dos méritos), para a obtenção do tal sucesso escolar. Dos
professores também se exige a dedicação ao ensino, relevando as precárias
condições de trabalho (agindo, dessa forma, como um sacerdote), ou
seja, “pensando nos alunos em primeiro lugar”.
Na construção desses modelos devem ser agregados, ainda, outros
elementos formadores de estereótipos, como a origem socioeconômica
e étnico-cultural de seus discentes e docentes. A cultura escolar mantém
os padrões e mecanismos sociais, considerados válidos para um
funcionamento apontado como “útil” e “ideal”, geralmente identificados

C E D E R J 41
Fundamentos da Educação 4 | Organização escolar

com o indivíduo branco, de classe média e “educado”. É comum, inclusive,


ouvirmos as pessoas dizerem: “esse tipo de aluno não serve para estudar
aqui”. Agindo desse modo, a escola deixa de avaliar sua situação racial,
comunitária, religiosa, familiar, financeira e lingüística, condenando-o,
muitas vezes, ao fracasso. Isto é o que se chama de “efeito pigmaleão”,
pois se torna um tipo de profecia, feita pelos professores, que se cumpre
automaticamente (FOURQUIM, 1995; COULON,1995).
Assim, a carga cultural desse estudante, considerado fora dos
padrões convencionais, é também desprezada em nome daquilo que foi
estabelecido como herança cultural necessária e suficiente para obtenção
do sucesso. Nesse caso, ele é visto como tendo uma educação precária,
em virtude da falta de formação e informação em assuntos considerados
básicos. Há quem seja estigmatizado como problemático por ser rotulado
de: “favelado”, “suburbano”, “caipira”, “macumbeiro”, “evangélico”,
“sapatão”, “maluco”, “bicha”, “inteligente”, “paraíba”, “mauricinho”,
“patricinha”, “emergente” etc.
O que esses rótulos significariam, de maneira efetiva, nas
relações cotidianas estabelecidas ao longo da trajetória de educadores e
educandos? A cultura escolar, de modo camuflado, determina atitudes,
posturas e rotulações que desprezam a multiculturalidade e a pluralidade
das identidades existentes na realidade social (TURA, 1999).
Temos geralmente o hábito de dispor a cultura escolar de maneira
contrária à cultura popular, pois aquilo que ensinamos e aprendemos
na escola é o resultado do saber erudito (elitista) e intermediário (da
classe média). Aqui podemos também pensar na relação que a escola
mantém com os meios de comunicação, por causa da influência destes
na mentalidade social contemporânea. Há uma forte tendência a
atribuir-lhes o cultivo excessivo do “luxo” (consumismo) e do “lixo”
(programação de baixo conteúdo) da nossa sociedade. Decerto, muitas
vezes desprezamos o potencial pedagógico dos meios de comunicação e
não aprofundamos devidamente a análise e o debate sobre o seu sentido
de serviço público. Do mesmo modo, não levamos em conta, de forma
suficiente, a sua utilização alienante e manipulatória dos sentimentos e
expectativas populares ou de seu emprego capaz de contribuir para a
conscientização e a adequada formação cultural do povo brasileiro.

42 CEDERJ
MÓDULO 1
Por fim, é bom chamar a atenção para a necessidade de questionar

4
e reinventar a cultura escolar e as suas finalidades: o que podemos e queremos

AULA
fazer da escola é uma pergunta a ser respondida por aqueles que estão dentro
e fora dela, juntamente com as demais organizações sociais.

RESUMO

A escola organiza alguns de seus elementos não-materiais, como o saber que


difunde. Podemos perceber isso devido a sua preocupação fundamental com o
sucesso e o fracasso, segundo os critérios do mercado; ela como também dispõe
sobre a valorização de disciplinas que sejam úteis e eficazes para a satisfação de suas
necessidades econômicas e da sobrevivência dos indivíduos. Com isso, as estratégias
de ascensão prestigiam aquelas que rendem um capital financeiro maior do que um
capital cultural. As regras do jogo escolar estão dispostas dessa forma, revelando
um certo desprezo pelos saberes humanísticos, sem considerar devidamente a
sua capacidade de análise e potencial crítico, reflexivo e questionador, e a sua
importância na formação ético-política dos indivíduos e dos grupos sociais.

O sucesso e o fracasso estão presentes também na cultura escolar, à medida que constrói
e/ou reforça uma cultura discriminatória, rotulando aqueles que são considerados os
mais e os menos aptos, segundo critérios arbitrários e padrões de pensamento e
comportamento existentes no contexto social. Tal postura pode ser questionada a
partir das considerações sobre a percepção de que a cultura da sociedade é plural e
diversa e a escola deve saber trabalhar com tais características.

C E D E R J 43
Fundamentos da Educação 4 | Organização escolar

ATIVIDADE FINAL

Faça um levantamento dos projetos pedagógicos de ação afirmativa no Rio


de Janeiro, que trabalhem com a perspectiva de integração dos indivíduos
estigmatizados socialmente, como as minorias sociais, considerando suas
possibilidades de acesso e permanência na escola.

____________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
_____________________________________________________________
Você precisa ser estudioso, ________________________________________________________
bonzinho, falar direito,
_____________________________________________________
se vestir melhor e cortar
o cabelo, se quiser _____________________________________________________
passar de ano.
___________________________________________________
__________________________________________________

Figura. 4.2: A rotulação do sucesso escolar.

PERGUNTAS DE AVALIAÇÃO

Nesta aula, você pôde compreender como a escola é parte da cultura geral da
sociedade em suas idéias e práticas. Você percebeu que, apesar disso, a escola
possui uma cultura institucional que mantém mentalidade e comportamento
próprios? Foi capaz de entender que a cultura escolar forma estereótipos falsos
e discriminadores a respeito de tipos de pessoas e áreas de conhecimento? A que
conclusões você chegou a esse respeito? Procure conversar com o seu tutor e seus
colegas, discutindo os resultados das pesquisas propostas nas atividades.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

Na próxima aula, trataremos das manifestações da cultura escolar no cotidiano


das pessoas que a compõem.

44 CEDERJ
5

AULA
As diferentes formas
de cotidianos escolares
Meta da aula
Apresentar a dimensão cotidiana
da vida escolar.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Identificar a importância do cotidiano através
da interação social.
• Perceber as implicações das relações do cotidiano
para a cultura escolar.

Pré-requisito
Para um melhor entendimento desta aula, você deverá
rever a Aula 4 – Organização escolar.
Fundamentos da Educação 4 | As diferentes formas de cotidianos escolares

Todo dia ela faz tudo sempre


igual...
(Cotidiano / Chico Buarque)

INTRODUÇÃO Todos os dias, o trem que vai e vem, passando por vários lugares, circula
de uma estação a outra, com seu grupo de passageiros e sua tripulação.
As pessoas trocam impressões sobre a viagem e fazem comentários sobre suas
vidas fora daquele ambiente. Uns passageiros pensam que a viagem poderia
oferecer melhores condições de conforto e bem-estar; outros estão satisfeitos
com o que encontram. Os funcionários da ferrovia conversam entre si e com
os passageiros sobre os motivos que eles têm para viajar; aproveitam e falam
também do seu grau de satisfação ou insatisfação com a vida que levam. Tudo
isso é formulado dentro de um conjunto bastante amplo de temas, problemas
e questões que recebe graus de valorização diversos, segundo as variações de
percepção e comportamento das pessoas envolvidas.
Neste caso, você verá que a ordem social não pode ser vista apenas a partir
do conjunto de determinações coletivas que estabelecem os padrões de
comportamento e pensamento dos indivíduos e grupos sociais; é necessário
levar em conta que eles dão sentido à realidade, a partir de suas percepções
e definições da situação em que estão envolvidos. Os indivíduos são, assim,
considerados atores sociais, que possuem uma dada percepção sobre o seu
papel e, segundo a qual, representam-no dentro do drama coletivo, conforme
a sua leitura das condições estabelecidas coletivamente. Os indivíduos e grupos
agem como se estivessem num palco, representando determinados papéis e
funções sociais que criam, reproduzem ou reelaboram a partir do significado que
dão a elas. Por isso, dizemos que tais indivíduos e grupos são atores sociais.

A INTERAÇÃO E A ATUAÇÃO NA VIDA COTIDIANA

Vivemos num contexto social em que existe interação,


isto é, reciprocidade e influência mútua entre os atores, pois eles
compartilham idéias, valores, hábitos e costumes, formando uma
comunidade; por sua vez, diferenciam-se de outros que constroem
uma comunidade distinta. Tal fato resulta na formação de diferentes
grupos dos quais um mesmo indivíduo pode participar, à medida que se
identifica com um conjunto de alguns indivíduos, em contraposição a outros
com os quais não tem nada em comum. Uma pessoa pode ser membro de
uma turma de alunos, atleta de natação, filho ou pai de alguém, fiel de uma
dada religião, militante de um partido político, ou diretor de uma organização

46 CEDERJ
MÓDULO 1
social, por exemplo. Isso significa que um mesmo indivíduo exerce vários

5
papéis sociais por meio dos quais interage com outros tantos indivíduos

AULA
participantes dos grupos em que está inserido. Em cada uma dessas
situações, eles estão organizados como grupos e definem os significados
de suas próprias características e dos demais de um determinado modo
(BERGER; LUCKMAN, 1984).
Temos aqui a construção do sentido da ordem social, de maneira
variada e multifacetada. Isto só é possível porque os indivíduos e grupos
interagem entre si definindo, de maneira comum, os significados possíveis
e as linhas de atuação coerente com eles. A compreensão do fenômeno
da interação social possibilita o entendimento de como seus atores
constroem suas representações acerca de si mesmos e dos outros com
os quais se relacionam.
A validade desse tipo de abordagem reside na possibilidade de
entendermos as relações cotidianas entre os diferentes atores num dado
contexto social. A partir daí, podemos, sem deixar de lado a visão
sobre o todo, perceber a diversidade social, tomando como base as
dimensões grupais e comunitárias. Isto é o que se chama abordagem
microssociológica, na qual podemos olhar para o interior de um tipo
de família, de seção de trabalho, de vizinhança, de unidade escolar e até
mesmo de sala de aula e observar as razões do comportamento daqueles
que fazem parte desses pequenos mundos (COULON, 1995).
Essa modalidade de olhar sobre a realidade sociocultural permite
que observemos a relação professor-aluno em sua escola ou sala de aula,
identificando as situações de conflito e
negociação entre os dois tipos de atores e
como elas se materializam no seu cotidiano.
Com isso, podemos retratar as diferentes
dimensões e modos de construção dos
significados desse cotidiano, de
acordo com a percepção docente,
discente ou do corpo administrativo,
dos responsáveis, da comunidade
e dos empregadores (públicos ou
privados) e seus representantes.

C E D E R J 47
Fundamentos da Educação 4 | As diferentes formas de cotidianos escolares

ATIVIDADE 1
A

R
Recolher relatos e depoimentos de professores e alunos sobre as suas
rrelações na sala de aula durante um ano/período letivo escolar.

___________________________________________________
___________________________________________________
____________________________________________________
____________________________________________________

O COTIDIANO ESCOLAR E SUAS MATIZES

Numa determinada situação hipotética, podemos ver os elementos


de uma subcultura escolar a partir do cotidiano de um conjunto de
professores que pode existir e atuar na Barra da Tijuca, em Maricá, em
Bangu, em Campo Grande ou em qualquer outro lugar.
Por exemplo, uma professora que tenha de se levantar todos os
dias muito cedo para trabalhar distante de sua casa. Após deixar sua
filha na casa de sua mãe, dirige-se ao ponto de ônibus que, por sua vez,
demora a passar; ela leva mais de uma hora para chegar ao bairro onde
fica a escola. Como se isso não bastasse, ainda tem de subir uma ladeira
íngreme para chegar à escola, já bastante cansada. A professora que,
à noite, faz um curso de especialização pedagógica em uma faculdade
situada no centro da sua cidade, aproveita o tempo de viagem para
revisar o assunto e o material de sua aula do dia, porque não teve muito
tempo de fazê-lo antes.
Ela passa correndo pela sala de professores, cumprimenta
rapidamente alguns dos seus colegas, também apressados e se dirige às
suas classes. Essa professora avalia a turma como sendo muito “apática”,
pois os alunos resistem a fazer com regularidade tarefas programadas e não
demonstram muito interesse em sala. Ela se vê também com dificuldades
para manter a ordem na sala, pois os alunos são bastante indisciplinados.
Por isso, acha que “é muito difícil ensinar algo às crianças”. Elas preferem
falar dos programas de televisão que vêem, cantarolar músicas que estão
nos primeiros lugares das rádios, ou falar do jogo de futebol e das
colocações de seus times na tabela do campeonato.

48 CEDERJ
MÓDULO 1
De repente, alguns comentam com a professora sobre o que aconteceu

5
no dia anterior, quando a polícia e os bandidos do bairro trocaram tiros.

AULA
Tal fato dificultou a chegada de seus pais em casa, à noite, porque as
ruas estavam cercadas. A professora, apavorada, tenta então aproveitar
o assunto para falar da importância de a comunidade se manter unida e
cobrar do governo maior atuação na área de segurança pública e não apenas
se preocupar em policiar as áreas nobres da cidade, visando a uma maior
repercussão nos meios de comunicação da cidade, do estado, do país e do
exterior. Assim, ela pede aos alunos que façam uma redação sobre a situação
vivenciada para que possam expressar como vêem a questão da criminalidade /
violência na própria vida e na de suas famílias e vizinhos.
Mais tarde, na hora do recreio, a professora relata o assunto para
os colegas que estão lanchando juntos na sala de professores. A maioria
trouxe a comida de casa, já que o salário está curto. Nesse momento,
inicia-se a discussão sobre o plano de carreira e o reajuste salarial
prometido pelo governo, mas que ainda não tem percentual nem data
para entrar em vigor. No meio da conversa, chega a moça que vende
produtos de beleza e lingerie; ela não obtém muito sucesso, pois muitos
pedem para que passe na semana do pagamento, quando podem pagar
(de preferência, em três vezes ou mais).
É hora de voltar, pois toca o sinal de retorno às salas; a funcionária
vem avisar que a diretora pediu para todos entregarem os novos
formulários de cadastro no dia seguinte, porque a Secretaria de Educação
está exigindo pressa. Ela lembra ainda que, na semana seguinte, haverá
reunião para tratar dos detalhes do novo planejamento pedagógico que a
coordenadoria regional mandou fazer. Alguém aproveita a oportunidade
e reclama que não há água na escola e os ventiladores de muitas das salas
estão quebrados. Depois de retornar às aulas, todos ouvem um grande
estrondo: foi um cabeção-de-negro que um grupo de alunos estourou no
banheiro feminino. Enquanto isso, ela pensa que faltam, ainda, 16 anos
para se aposentar e duas horas para voltar para casa correndo, porque é
a “explicadora” dos filhos de sua vizinha. Ao final da tarde, sai correndo
para o curso de especialização, chega atrasada sem ter lido o texto
recomendado pelo professor cujo título é “A Profissão Docente”.

C E D E R J 49
Fundamentos da Educação 4 | As diferentes formas de cotidianos escolares

Essa é uma situação bastante distinta daquela vivenciada por um


tipo de professor que trabalha na área nobre da sua cidade, que tem carro
para ir à escola e empregada doméstica para ficar com seus filhos. Essa
professora dá aulas para as turmas da terceira série do Ensino Médio, na
qual os alunos estão motivados a aprender para passar no vestibular. Tal
professora recebe seu salário reajustado e planeja viajar com a família
para a Região dos Lagos, a fim de passar o feriado. Sai para o trabalho
pensando em não se esquecer de fazer a reserva do ônibus para levar os
alunos à Bienal do Livro e ao Planetário, a fim de recolher as informações
necessárias à montagem da próxima feira de ciências da escola.
Em cada uma dessas realidades, um conjunto riquíssimo de
significações sobre a escola, a carreira, os alunos, o patrão etc. está sendo
construído em função das diferentes maneiras de interagir com os outros
personagens que fazem parte da mesma trama. A percepção sobre si
mesmos e os demais está relacionada ao tipo de comportamento que será
estabelecido pelas professoras diante dos diversos grupos a que pertencem.
A visão negativa ou positiva de seus alunos sobre a sua disciplina, a escola
e a sociedade em que vivem poderá influenciar na maneira como elas
os avaliam. Do mesmo modo, o excesso de exigência burocrática da
administração escolar pública e o descaso com as condições de trabalho
e estudo exigirão daquela professora um esforço redobrado para manter-se
motivada a continuar trabalhando com dedicação e avaliar se vale tanto a
pena gastar tempo e dinheiro para fazer seu curso de especialização.
Esse é um dos aspectos do estudo do cotidiano e das percepções
construídas através da interação entre os indivíduos, no interior dos
grupos em que atuam. Aqui, também poderíamos entender como os
alunos, os responsáveis e as autoridades elaboram e atribuem significados
sobre a mesma realidade educacional presente na escola, com a sua
capacidade de adaptação, harmonização, conflito e resistência às ações
uns dos outros (FOURQUIN, 1995).

50 CEDERJ
MÓDULO 1
5
RESUMO

AULA
Os indivíduos e grupos, enquanto atores sociais, agem de acordo com os
significados que constroem sobre si e os outros numa determinada situação social.
Isso configura a existência de um determinado modo de ser e pensar que é próprio
de cada coletividade, tendo, assim, a sua constituição cultural própria.

Como uma comunidade específica, a escola é um ambiente microssocial que


pode ser estudado, assim como tantos outros, a partir dos diferentes processos
de interação que os indivíduos e grupos que dela fazem parte estabelecem no
seu dia-a-dia.

ATIVIDADE FINAL

Classifique as principais características nas relações que estabelecem os conflitos


e as resistências na atuação de professores e alunos no cotidiano escolar.

Exemplifique isso com uma situação corriqueira que ocorra em sala de aula.

___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________

PERGUNTAS DE AVALIAÇÃO

Você entendeu que a cultura escolar se materializa nas relações cotidianas entre
as pessoas, enquanto interações feitas entre professores, estudantes, responsáveis
e funcionários? Percebeu também que cada contexto produz um tipo de cotidiano
diferente dentro da estrutura social?

C E D E R J 51
6

AULA
O espaço da sala de aula
Meta da aula
Contribuir para que o leitor deste texto enriqueça sua
percepção do espaço da sala de aula.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Interpretar os diversos significados do espaço, sobretudo o
da sala de aula.
• Identificar fatores que permitam ampliar a percepção do
espaço da sala de aula.

Pré-requisitos
Para uma melhor compreensão desta aula, você deve relembrar
os conteúdos apresentados nas Aulas 1 a 5 deste módulo.
Fundamentos da Educação 4 | O espaço da sala de aula

INTRODUÇÃO Para você, pode parecer uma redundância que a temática desta esta aula seja
sobre o espaço da sala de aula. Ele é seu conhecido de todos os dias e faz
parte, junto com seus alunos, de seu cotidiano. Por que, então, propor este
tema que parece tão trivial, talvez até mesmo banal? É justamente na sala de
aula que acontece o desenrolar do processo de ensino-aprendizagem em toda
a sua complexidade. É também nesse espaço que as relações entre o professor
e seus alunos se desenvolvem, evidenciando ser aí que se tecem aprendizagens,
idéias, valores, desejos, atitudes. O professor tem, nesse espaço, a possibilidade
de exercer sua atividade com autonomia. Ao fechar a porta da sala de aula,
ele se encontra dentro de uma dimensão que constitui um mundo peculiar,
carregado de experiências – das mais intensas às mais fluidas – e que poderão
deixar marcas nas lembranças das crianças que por aí passaram, continuam
passando e hão de passar.
A sala de aula é, portanto, uma espécie de “laboratório” em que se encontram
presentes amostras dos problemas contemporâneos, seja os que dizem respeito
à comunidade onde você vive, seja os que estão ocorrendo no plano mundial.
Ela é, sob certos aspectos, um espelho daquilo que todos vivenciam e, ao mesmo
tempo, um espaço gerador de sentimentos e emoções e de idéias para os que
fazem parte da comunidade humana.
A proposta desta aula é que você se torne mais capaz de “reconhecer” o
espaço onde trabalha, para melhor identificar ou interpretar o universo que
está no seu entorno. Tal exercício de reflexão poderá ajudá-lo a compreender
melhor algumas questões que se apresentem, aparentemente, insolúveis ou
insuperáveis no seu dia-a-dia. Constantemente, a profissão docente exige
capacidades, tais como a inventividade e a sensibilidade, que constituem
habilidades difíceis de ser trabalhadas num currículo acadêmico, embora sejam
tão importantes nos dias de hoje.
Antes de começar a leitura desta aula, sugerimos que você faça o seguinte
“exercício”:

54 CEDERJ
MÓDULO 1
ATIVIDADE 1
A

6
a. Procure se lembrar do tempo em que você freqüentava a escola.

AULA
Oqque mais lhe agradava em sua sala de aula? O que lhe desagradava? Você
sentia esse espaço como sendo seu? Ou ele lhe era estranho? A decoração
sen
(objetos, cartazes, desenhos etc.) da sala era criada pela professora? Os
(ob
alunos podiam opinar sobre a decoração da sala? Como a sala era arrumada?
alu
Como eram suas mesas? Havia coisas escritas sobre as mesas? Havia
Co
possibilidade de os alunos manifestarem seus gostos e interesses? Esses
pos
gostos e interesses estavam expressos em sala de aula?
gos

_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________

b. Responda às perguntas anteriores no que se refere à sua sala de aula


atual.

_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________

c. Produza um texto no qual estejam presentes as idéias aqui propostas e entregue-


o ao seu tutor.

_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________

COMENTÁRIO
Esperamos que, ao terminar esta atividade, você tenha estabelecido relações entre
sua experiência como aluno e sua prática como professor, a fim de formular um
juízo crítico ao confirmar ou repensar suas práticas cotidianas em sala de aula.

A SALA DE AULA ESTÁ NO MUNDO

Antes de falar sobre a sala de aula propriamente dita, é necessário,


em primeiro lugar, contextualizá-la. Para isso, é preciso que você imagine
um binóculo ao contrário, isto é, imagine um recurso através do qual
possa situar sua sala no mundo. Isso quer dizer que é sempre bom nos
deslocarmos imaginariamente de onde estamos para termos uma visão
mais ampliada, cujos limites ultrapassem os muros escolares. Sendo assim,

C E D E R J 55
Fundamentos da Educação 4 | O espaço da sala de aula

imagine que você seja um astronauta olhando a


Terra da sua nave e que, pouco a pouco, vai
se aproximando: lá estão as Américas, depois,
o Brasil se torna mais nítido; gradualmente,
você reconhece o Estado do Rio de Janeiro e,
finalmente, sua região e cidade. A escola em que
você trabalha é um pequeno ponto dentro desse
conjunto imenso de fatores.
Se você continuar usando a “lente” de
aproximação verá que os habitantes desse mundo
microscópico continuam a se multiplicar, já que
você irá mergulhar num universo até então invisível
aos nossos olhos, mas que se encontra pleno de vida
e que estabelece relações tão intensas quanto os seres
humanos o fazem.
Verifica-se, nesse pequeno exercício de
imaginação, que estamos inseridos num complexo
sistema de vida, e aquilo que se passa conosco é
resultado de nossas ações e das ações das pessoas
com as quais convivemos, e até daqueles que não
conhecemos. Daí sermos todos responsáveis pelos
nossos atos e decisões.
É interessante observar que a palavra responsável vem do latim e
quer dizer dar uma resposta a alguém.
Pode-se considerar a sala de aula um
espaço de gigantes, de acordo com a
perspectiva adotada. Imagine quando
uma criança entra na escola, a perspectiva
dela é a de alguém que não tem as mesmas
proporções que a dos adultos. O que para
nós é de tamanho natural, para uma criança
torna-se gigantesco ou, ao menos, muito
grande. Esta observação tem como propósito
sublinhar a idéia de que a perspectiva infantil
é diferente da do adulto. Pode-se dizer também
que a vida vivida pelas crianças dentro da sala
de aula pode ser diferente da vivida pelo adulto.

56 CEDERJ
MÓDULO 1
Lá se vivenciam experiências, muitas delas invisíveis aos olhos do

6
professor. Seria bom poder estar atento e sensível ao que se passa nesse

AULA
universo para que ele se torne mais nítido e para ampliar a compreensão
de quem são e como são os seus alunos.

A SALA DE AULA: UM ESPAÇO DE RELAÇÕES

Noel Rosa, famoso compositor carioca, já dizia que “samba não


se aprende no colégio”. Em sua época, o samba não tinha o prestígio
que tem atualmente; era nas ruas ou nos morros cariocas que se aprendia
o samba. Hoje sabemos que os muros que separam a escola da cidade
não devem separá-la do mundo e daquilo que os seres humanos criam
e produzem no seu dia-a-dia. Sabe-se também que a vida “cá de fora”
é levada para “dentro” da escola, já que não é possível se fazer uma
separação tão rígida entre tais realidades.
Estão presentes no cotidiano escolar os interesses, as necessidades e
os desejos de todos aqueles que habitam a escola. Tudo isso vai aparecer
na sala de aula, nas conversas das crianças, em suas curiosidades ou
perplexidades. Todos são “bombardeados” pela televisão através dos
noticiários, das novelas e dos diferentes programas infantis ou adultos.
As pessoas, incluindo as crianças, interpretam e vivem as imagens da
telinha como se fossem suas vidas – o que em parte é verdadeiro – e
aprendem um sem-número de idéias que a sala de aula nem sempre
teria possibilidade de fornecer. Ao mesmo tempo, tais idéias são levadas
para dentro da sala de aula passando a fazer parte das conversas, das
brincadeiras e da imaginação das crianças.

ATIVIDADE 2
A

Co
Como você costuma utilizar esses conhecimentos que seus alunos
trazem para a sala de aula? Você costuma fazer uma ponte entre tais
tra
conhecimentos e o conteúdo a ser trabalhado durante a aula? Procure
co
fazer uma lista de assuntos que sejam do interesse de seus alunos. Isto
faz
pode ajudá-lo a preparar suas aulas!
po

__________________________________________________
__________________________________________________
__________________________________________________
___________________________________________________

COMENTÁRIO
Através desta atividade, gostaríamos que você percebesse como suas aulas
poderiam se tornar mais ricas partindo de um diálogo com os alunos.

C E D E R J 57
Fundamentos da Educação 4 | O espaço da sala de aula

Rubem Alves (Aula 1, livro de Fundamentos 1, volume 1) costuma


dizer que o saber deve ter sabor. Pensando nessa interessante imagem, é
possível fazer um paralelo entre ela e a atividade culinária que envolve
uma grande quantidade de conhecimentos, tais como: proporções,
mistura de sabores, relações de tempo e de ritmos, planejamento do que
fazer e do quanto se deve preparar para uma refeição. Além disso, ler uma
receita é sempre um exercício de interpretação de possibilidades. Numa
culinária rica como é a brasileira, aprende-se que diferentes sabores como
o amargo, o azedo ou os bem temperados podem tornar uma refeição
simples e caseira em um banquete inesquecível.
O ambiente de uma sala de aula pode se assemelhar ao de uma
cozinha, em que haja diferentes aromas e paladares. Nela se pode preparar
quitutes sem que o passar do tempo seja percebido. O importante é que
se saiba respeitar o tempo de cozimento dos alimentos, a quantidade de
sal e de temperos que se deve utilizar, enfim; deve-se mergulhar nesse
universo no qual se aprende e se inventa a cada colherada de ingrediente
colocado na panela.
Essas imagens a respeito da cozinha têm como objetivo propor
a você o seguinte:
1. O ambiente da sala de aula pode ser tão agradável quanto o de
uma cozinha em que as pessoas se encontram, conversam e se alimentam,
num ato social e coletivo importante.
2. A sala de aula pode ser vivida como um espaço de experimentações
no qual são considerados ritmos, gostos, tendências e, principalmente,
ações e práticas.
3. Para que se aprenda é necessário que o conteúdo tenha
significado para aquele que aprende assim como para quem ensina.
Todos aprendem quando atribuem significado e importância àquilo
que está sendo transmitido. É inegável a importância e a necessidade da
alimentação. Sendo assim, a hora da merenda escolar pode se transformar
num bom momento para se planejar uma aula cujos conteúdos sejam em
torno da Matemática, da Língua Portuguesa ou de Ciências.
Estes fatores apontam o que deverá servir de referência a todos
os professores: a condição humana. O que isto quer dizer?

58 CEDERJ
MÓDULO 1
TODO ESPAÇO É HUMANO

6
AULA
Todo espaço ocupado por seres humanos apresenta indicações
mais ou menos intensas de quem aí habita. Até nas celas, os prisioneiros
deixam as marcas da sua presença revelando suas preocupações,
necessidades e interesses. Desde a Pré-História, os habitantes das cavernas
deixavam para o futuro desenhos muito interessantes reproduzindo suas
percepções do mundo em que viviam. Portanto, uma sala de aula é
também a expressão daqueles que nela estão presentes diariamente.

O ambiente de uma sala de aula pode nos dizer como vivem e como
se sentem as crianças que freqüentam aquele espaço. É importante assinalar
que nem sempre apenas um sinal pode nos induzir a tirar conclusões
precipitadas. Uma sala em desordem não significa necessariamente que
a turma seja indisciplinada. A desordem pode representar a expressão
de atividades que exigiram das
crianças muito movimento. Ela
pode significar, também, que a
turma não estaria sentindo a sala
de aula como sendo sua, mas como
um espaço estranho e distante de
sua realidade. Isto quer dizer que
a ordem ou a desordem, por si
mesmas, não significam muita
coisa a respeito de um grupo, mas
é necessário que se estabeleçam
relações com o que está sendo
vivido nesse espaço.

C E D E R J 59
Fundamentos da Educação 4 | O espaço da sala de aula

O cuidado que se tem com objetos pessoais expressa bem não


só a auto-estima como também a estima que se tem por eles. Sendo
assim, se uma turma revela cuidado com os objetos que estão na sala
de aula, ela está dizendo que gosta do que está ali disposto. Da mesma
maneira que se cuida dos amigos, dos filhos, dos entes queridos, cuida-se
daquilo que se tem um afeto especial. Uma casa poderá ser acolhedora e
agradável independente de sua riqueza ou pobreza. Há casas de pessoas
muito ricas que expressam frieza de sentimentos. Nelas, pode haver belos
móveis e objetos de decoração que nos deixam uma sensação de vazio,
como se tratasse de uma loja em que os objetos estão apenas expostos
para que outras pessoas os vejam. Por outro lado, há casas nas quais
entramos e tudo nos convida a ali ficar, tomar um cafezinho ou bater
um bom papo. Nesta casa há a presença indiscutível de seus habitantes
e, provavelmente, há um pouco de desordem já que só encontramos a
ordem absoluta nos cemitérios.
A vida dentro da sala de aula aparece sob a forma de diferentes
sinais nos seus diversos cantos e lugares: em pequenos recantos, nas
paredes, nas mesas e cadeiras. Ao se observar somente a organização
desse espaço, pode-se perder os sons e as intensidades, como desejos,
necessidades, curiosidades ou conflitos que nele as crianças vicenciam
no dia-a-dia.
No entanto, o espaço da sala de aula não traz consigo apenas
os sinais e marcas da vida infantil. A sala de aula é também o espaço
do professor, que, dentro desses metros quadrados, ao fechar a porta,
tem para si um lugar onde pode exercer suas idéias e transmitir seus
valores. Trata-se de um espaço que pode ser considerado de liberdade,
no qual, cotidianamente, o professor constrói e reconstrói seus valores e
experiências, onde é possível verificar até onde suas certezas podem ser
postas em dúvida e onde suas dúvidas encontram respostas. É um espaço de
conhecimento e de autoconhecimento, de trocas humanas e de descobertas
que devem criar condições para aqueles que dali saírem levem consigo um
universo de saberes capaz de lhes dar suporte para a vida.
A sala de aula abriga pessoas que estão em processo de
transformação, o que envolve a idéia de que todos se encontram
em movimento e, por isso mesmo, às voltas com novas descobertas.
Professores e alunos, pois, encontram-se juntos num caminho que é feito a
cada dia. Como dizia o poeta espanhol Antonio Machado: “Caminhante,
não há caminho, ele é feito ao caminhar”.

60 CEDERJ
MÓDULO 1
APENAS UM ESPAÇO COLETIVO?

6
AULA
Gaston Bachelard, importante filósofo francês, produziu uma
grande obra dentre a qual se destaca “A poética do espaço”. Nela, ele
chama a atenção para os vários significados assumidos pelos espaços.
Considera a importância, para nossa vida dos recantos que trazem
reconforto; do espaço do armário que reflete quem somos, afinal, nos
estendemos no espaço do entorno que é nosso território; do sótão da
casa de nossa infância – um espaço de devaneios e sonhos; dos cantos
em que guardamos nossos tesouros ou nossos segredos de infância ou
da vida adulta. Há espaços que representam um refúgio. Há outros
que adquirem as feições de um palco de teatro, semelhante à sala de
aula, ou ainda há cantos para onde nos recolhemos a fim de refletir ou
simplesmente nos deixar ficar sós.
Pode-se dizer, então, que os alunos se apropriam de determinados
espaços da sala de aula. Preste atenção na regularidade com que as
mesas e cadeiras são ocupadas por determinadas crianças. Em geral,
elas procuram sentar-se junto a seus amigos e assim estabelecem um
território que é marcado por mochilas, por exemplo, indicando a quem
pertence aquela região da sala de aula.
A mesa da professora ou do professor, maior e de frente para a
turma, estabelece, pela posição que ocupa, seu valor hierárquico em
relação aos alunos. Antigamente, marcava-se a posição superior do
professor com a presença de um platô que deixava sua mesa acima das
dos alunos, numa nítida alusão ao respeito devido ao docente.
Um outro aspecto que caracteriza a organização da sala de aula
é o enfileiramento das carteiras, fazendo lembrar a disciplina militar,
demonstrada silenciosamente aos alunos desde o primeiro momento
em que entram em sala de aula. Essa forma de organizar as carteiras é
utilizada por muitos professores para estabelecer uma classificação que
indica os “melhores”, os “medianos” e os “piores” alunos. É, também,
muito comum reconhecer a “turma da bagunça”, sentada nas últimas
fileiras de carteiras.

C E D E R J 61
Fundamentos da Educação 4 | O espaço da sala de aula

CONCLUSÃO

Cada grupo com o qual se trabalha é diferente dos anteriores,


cada sala de aula tem suas características próprias, seu clima peculiar.
O encontro de um professor com um determinado grupo de crianças faz
nascer vínculos, necessidades e expectativas de diferentes intensidades.
Cada dia que passa faz emergir diferentes curiosidades, perguntas e/ou
conflitos. Não há dúvida de que é necessária uma rotina de trabalho; mas,
se o professor estiver atento ao clima grupal, essa rotina será modificada
em função das questões que emergem no cotidiano escolar, dentro da
sala de aula, e que se compõe de uma grande diversidade de fatores de
ordem afetiva, cognitiva, social ou cultural. Não são apenas as provas
e exames que fornecem informações sobre as crianças. É importante
considerar os elementos silenciosos ou aqueles que não se encontram no
programa ou no conteúdo a ser ensinado durante o ano letivo.

RESUMO

Esta aula tratou do espaço da sala de aula, tendo como foco central a idéia de
que nela estão presentes inúmeros sinais que ajudam a compreender as diferentes
expressões da subjetividade grupal. São valorizadas diferentes manifestações, como
a importância dos espaços escolhidos por grupos de alunos, a organização (ou
desorganização) da sala, o ambiente criado no espaço da sala de aula.

ATIVIDADE FINAL

A partir do ponto de vista adotado pela aula que você leu, assinale com um x
uma das alternativas:

1. Percebo a sala de aula como um espaço: ( ) no qual o professor ensina e os


alunos aprendem; ( ) em que devem predominar a ordem e a disciplina; ( ) em
que ocorrem relações de ensino-aprendizagem de diversas ordens.

2. Deve-se considerar o espaço da sala de aula como; ( ) qualquer espaço coletivo;


( ) complexo e contendo peculiaridades do grupo que nele se encontra; ( )
fechado em si mesmo.

62 CEDERJ
MÓDULO 1
6
COMENTÁRIO

AULA
Esta atividade tem como objetivo verificar se você compreendeu o conteúdo
desta aula, as informações sobre a próxima aula e levou em conta a idéia de
que no espaço da sala de aula ocorrem múltiplas e variadas interações.

AUTO-AVALIAÇÃO

Ao terminar a leitura desta aula, você compreendeu que o espaço da sala de


aula é complexo, é palco onde se desenrolam diversas aprendizagens e contém
peculiaridades do grupo que nele se encontra? Se compreendeu, você conseguiu
atingir os objetivos desta aula, caso tenha tido alguma dificuldade procure o tutor
no pólo e tente debater o assunto com seus colegas.

C E D E R J 63
A organização interna

AULA
das turmas e a construção
do conhecimento
Meta da aula
Apresentar as diferentes possibilidades de tecnologias
educacionais e suas aplicações no cotidiano escolar.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Entender como e em que sentido as diferentes tecnologias escolares
(instrumentais, simbólicas e organizadoras) têm modelado a nossa
compreensão e a nossa capacidade de ação.
• Compreender a organização das turmas como uma tecnologia escolar
e a escola como uma tecnologia social.
• Analisar a concepção construtivista aplicada ao ensino.
Fundamentos da Educação 4 | A organização interna das turmas e a construção do conhecimento

INTRODUÇÃO Nesta viagem percorreremos o interior da escola e veremos as salas de aula e as


diferentes turmas e séries como partes integrantes do conjunto de dispositivos
que compõem o universo da tecnologia da educação.
Como você já viu em aulas anteriores, as funções básicas da educação
correspondem à necessidade, por um lado, de transmitir conhecimentos,
habilidades e técnicas desenvolvidos durante anos e, por outro, garantir uma
certa continuidade e controle social mediante a transmissão e promoção de
um conjunto de valores e atitudes considerados socialmente convenientes,
respeitáveis e valiosos.

Desde a segunda metade do século XIX, na maioria dos países,


o conjunto de decisões e ações encaminhadas a proporcionar a um
segmento importante da população um ambiente que permitisse realizar
essas duas funções básicas levou à configuração do que atualmente se
conhece como sistema escolar. Sob esse ponto de vista, parece óbvio
que a educação escolar tem muito mais relação com o que há de ser
do que com o que efetivamente é. Na verdade, “ministrar” educação a
toda população entre os 6 e os 16 anos, além de ser um problema real e
prático, também é um fenômeno socialmente construído. Assim sendo,
podemos utilizar as palavras dos filósofos da teoria crítica da tecnologia:
“a conquista da natureza (humana) não é um fato metafísico, senão que
começa na denominação social”.
Mas voltemos ao problema prático de dar resposta às necessidades
de proporcionar educação a todos os cidadãos de certa idade existentes
em quase todos os países em que foi preciso desenvolver diferentes
tecnologias, como métodos, artifícios e ferramentas pedagógicas.
A escola é uma tecnologia da educação, assim como os carros são
uma tecnologia do transporte. Devido à escolaridade maciça, afirma
Mecklenburger (1990, pp. 106-07), as salas de aula constituem invenções
tecnológicas, criadas com a finalidade de realizar tarefas educacionais
– um meio de organizar uma grande quantidade de pessoas para que
possam aprender determinadas coisas.
Mas como fazer funcionar uma sala de aula, com uma turma
composta por alunos tão diferentes entre si; como organizar a turma no
que se refere à aprendizagem dos conteúdos e, ao mesmo tempo, promover
desenvolvimento cognitivo e social?

66 CEDERJ
MÓDULO 1
Durante muito tempo, a Psicologia enfatizou a idéia, quase

7
exclusiva, de que a interação professor-aluno era garantia de

AULA
aprendizagem bem-sucedida e que as relações estabelecidas entre
alunos, no decorrer das atividades educacionais em sala de aula,
tinham uma influência secundária no processo de aprender, e quando
não-indesejável ou desagradável, também sobre o rendimento escolar.
É óbvia a dependência dessa idéia de uma concepção de ensino que vê
o professor como o agente educacional por excelência, encarregado de
transmitir o conhecimento, e o aluno como um receptáculo mais ou
menos ativo da ação transmissora do professor. Portanto, não é estranho
que nessa concepção pedagógica tente-se reduzir à mínima expressão
as relações aluno-aluno, sistematicamente neutralizadas como fonte
potencial de condutas perturbadoras na turma, e que o planejamento
das aulas repouse sobre a primazia do trabalho individual dos alunos e
sobre a interação professor-aluno.
Sem pretender, em absoluto, ignorar a importância dessa interação
professor-aluno, suficientemente respaldada do ponto de vista empírico, é
possível também afirmar, sob a ótica da concepção construtivista, que as
relações entre alunos – ou, o que é equivalente, a relação do aluno com seus
companheiros, com seus iguais – influenciam, de forma decisiva, o processo
de socialização, a aquisição de aptidões e de habilidades, o controle dos
impulsos agressivos, o grau de adaptação às normas estabelecidas, a
superação do egocentrismo, a relativização progressiva do ponto de vista
próprio, o nível de aspiração e o rendimento escolar.
Entretanto, o impacto da interação com o grupo de iguais sobre
as variáveis mencionadas não é evidentemente constante nem em
intensidade, nem em sentido. Em outras palavras, não basta colocar
os alunos uns ao lado dos outros e permitir que interajam para obter
automaticamente, ou em um passe de mágica, alguns efeitos favoráveis.
O elemento decisivo não é a quantidade da interação, e sim a natureza dessa
interação. Ao tomar consciência desse fato, as pesquisas em Psicologia da
Educação dirigiram sua atenção para as diversas modalidades de práticas
pedagógicas, baseadas ou não na concepção construtivista, e também
para os tipos de organização social das atividades de aprendizagem que
possibilitariam pautas interativas entre alunos.

C E D E R J 67
Fundamentos da Educação 4 | A organização interna das turmas e a construção do conhecimento

KURT LEWIN Embora a tarefa tenha sido abordada por diferentes perspectivas
Nasceu em Mogilno, teóricas, as excelentes revisões de Hayes (1976), Michaels (1977), Johnson
Alemanha, e estudou em
e Johnson (1979), Slavin (1980) e Pepitone (1981), para citar apenas alguns,
universidades de Friburgo,
Munique e Berlim. Em mostram que a atenção dos pesquisadores concentrou-se prioritariamente
1914, doutorou-se em
Psicologia pela universidade no estudo de três formas básicas de organização social das atividades
de Berlim, onde também
estudou Matemática e
escolares, denominadas: cooperativa, competitiva e individualista.
Física. Fez pesquisas sobre Na perspectiva da teoria de campo de KURT LEWIN, essas formas
a associação e a motivação
e começou a desenvolver de organização foram operacionalizadas atendendo ao tipo de
sua teoria de campo, que
apresentou a psicólogos nos interdependência que existe entre os alunos, em relação à tarefa a realizar
Estados Unidos, durante ou o objetivo a ser alcançado no decorrer das atividades de aprendizagem.
o Congresso Internacional
de Psicologia, realizado Desse modo, seguindo formulações prévias de Lewin (1935) e de Deutsch
em Yale em 1929.
Em seus trinta anos de (1949), Johnson (1981) definiu as três organizações mencionadas da
atividade profissional, Lewin
seguinte forma:
dedicou-se à área ampla-
mente definida da motivação – Numa situação cooperativa, os objetivos dos participantes estão
humana. Suas pesquisas
enfatizaram o estudo do estreitamente vinculados; assim, só é possível para cada um deles alcançar
comportamento humano, em
seu contexto físico e social
seus objetivos se, e apenas se, os outros alcançarem os seus – os resultados
total (LEWIN, 1936, 1939). que cada membro do grupo persegue são, portanto, benéficos para os
A característica notável da
Psicologia Social de Lewin demais com os quais está interagindo cooperativamente.
é a dinâmica de grupo,
a aplicação de conceitos – Numa situação competitiva, ao contrário, os objetivos dos
relativos ao compor- participantes estão também relacionados, mas de forma excludente: um
tamento individual e
grupal. Assim como o participante pode alcançar a meta a que se propôs se, e apenas se, os outros
indivíduo e o seu ambiente
formam um campo não alcançarem as suas – cada membro do grupo persegue, portanto,
psicológico, também o
resultados que lhe trazem benefícios pessoais, mas que são prejudiciais aos
grupo e o seu ambiente
compõem um campo demais participantes com os quais está associado competitivamente.
social. Os comportamentos
sociais ocorrem no interior – Por último, na situação individualista, não existe qualquer
de entidades sociais
simultaneamente existentes
relação entre os objetivos que os participantes pretendem atingir: ainda
como subgrupos, membros que um membro alcance ou não o objetivo fixado, isso não influi sobre
de grupos, barreiras e
canais de comunicação, o fato de os outros participantes alcançarem ou não os seus; ou seja,
e delas resultam. Dessa
forma, o comportamento perseguem-se resultados individualmente benéficos, sendo irrelevantes
do grupo é uma função do os resultados obtidos pelos demais.
campo total existente em
qualquer momento dado. A abordagem teórica do condicionamento operante de Skinner
também se propôs uma definição operativa da organização social das
tarefas escolares. Os autores que se situam nessa linha definem uma
organização cooperativa quando a recompensa que cada participante recebe
é diretamente proporcional aos resultados do trabalho do grupo. Numa
organização competitiva, pelo contrário, apenas um membro do grupo

68 CEDERJ
MÓDULO 1
recebe a recompensa máxima, enquanto os outros recebem recompensas

7
menores. Finalmente, numa organização individualista, os participantes

AULA
são recompensados com base nos resultados de seus trabalhos pessoais,
com total independência do que alcançaram os outros membros. O critério
fundamental nesse caso é, portanto, a maneira como se distribuem as
recompensas entre os participantes da organização, em lugar do tipo de
interdependência com relação à consecução dos objetivos.
De ambas as perspectivas, executaram-se inúmeras investigações
com a finalidade de estudar a influência desses três tipos de organização
social das atividades escolares sobre diferentes aspectos dos processos
de ensino e de aprendizagem, em particular dos que se referem à
interação que se estabelece entre os alunos e à sua relação com o nível
de rendimento.
Quanto ao primeiro ponto, os resultados estão amplamente de
acordo. As experiências de aprendizagem cooperativa, comparadas às
de natureza competitiva e individualista, favorecem o estabelecimento de
relações muito mais positivas entre os alunos, caracterizadas pela simpatia,
atenção, cortesia e respeito mútuo, assim como por sentimentos recíprocos
de obrigação e de ajuda. Tais atitudes positivas estendem-se, além disso, aos
professores e ao conjunto da instituição escolar. Contrário ao que acontece
nas situações competitivas, em que os grupos se configuram sobre a base de
uma relativa homogeneidade do rendimento acadêmico dos participantes
e costumam ser altamente coerentes e fechados, nas situações cooperativas
os grupos são, em geral, mais abertos e fluidos e se constituem sobre a base
de variáveis como a motivação ou os interesses dos alunos.
Quanto à influência dos tipos de organização social das atividades
A META-ANÁLISE permite
de aprendizagem sobre o nível de rendimento dos participantes, Johnson determinar a probabilidade
de que os resultados de
e seus colegas isolaram as variáveis supostamente responsáveis por uma diferentes investigações
incidência desigual e submeteram os resultados de 122 investigações possam ser atribuídos
ao acaso, como que se
– todas elas realizadas com amostras de alunos dos Estados Unidos – obtivesse uma panorâmica
de conjunto das tendências
a uma META-ANÁLISE. Eis algumas conclusões que, pelas características que surgiram pelos
do trabalho realizado pelos pesquisadores, podem ser consideradas um resultados disponíveis em
um dado momento.
balanço dos conhecimentos atuais sobre o tema.

C E D E R J 69
Fundamentos da Educação 4 | A organização interna das turmas e a construção do conhecimento

– As situações cooperativas são superiores às competitivas no que


concerne ao rendimento e à produtividade dos participantes. Essa relação
é verificada em qualquer grupo etário considerado (embora seja mais forte
nos alunos do Ensino Médio) e na natureza do conteúdo – linguagem,
leitura, matemática, ciências naturais, ciências sociais, psicologia,
atividades artísticas, educação física. A superioridade manifesta-se também
em tarefas de formação de conceitos e de resolução de problemas. Apenas
no caso de tarefas mecânicas, as situações cooperativas não são superiores
às competitivas. Em contrapartida, a superioridade aumenta quando a
tarefa a realizar consiste na elaboração de um produto, quando há um
estímulo mútuo entre os participantes, quando existe um intercâmbio
fluido da comunicação e quando ocorre uma repetição verbal do material
a ser aprendido.
– A cooperação intragrupo com competição intergrupos é superior
à competição interpessoal quanto ao rendimento e à produtividade dos
participantes. Nesse caso, a superioridade é maior quando a tarefa
consiste em elaborar um produto e quando o número de participantes
do grupo é pequeno.
– As situações cooperativas são superiores às individualistas
quanto ao rendimento e à produtividade. Isso é verdade para todas as
faixas etárias e para todos os conteúdos estudados. A superioridade é
maior quando a tarefa a realizar não é de natureza mecânica, quando
se produz uma relação tutorial entre os participantes e quando a tarefa
não obriga a uma divisão do trabalho.
– A cooperação sem competição intergrupos é superior à cooperação
com competição intergrupos quanto ao rendimento e à produtividade.
– Não se constatam diferenças significativas entre as situações
competitivas e as situações individualistas quanto ao rendimento e à
produtividade dos participantes.
Em resumo, as análises realizadas por Johnson e seus colabo-
radores mostram que, em conjunto, a organização cooperativa das
atividades de aprendizagem comparada com organizações do tipo
competitivo e individualista é nitidamente superior no que concerne ao
nível de rendimento e produtividade dos participantes. Vejamos agora
o que acontece nas organizações das turmas, com base nas concepções
construtivistas e socioconstrutivistas.

70 CEDERJ
MÓDULO 1
– As formas de agrupamento propostas pelas distintas metodologias

7
de ensino correspondem fundamentalmente a três razões: necessidades

AULA
organizativas, necessidade de atender à diversidade dos alunos e
importância atribuída pelas propostas metodológicas aos conteúdos
escolares e comportamentais.
– Desde o século XVI, o trabalho em grandes grupos tem sido
a forma mais habitual de organizar os alunos em turmas nas escolas.
Essa forma de agrupamento dos alunos obedece a uma concepção – os
alunos de uma mesma idade são fundamentalmente iguais, aprendem do
mesmo modo e no mesmo tempo. O professor atua com o grupo como se
este fosse um todo homogêneo; assim, o discurso geralmente é unidirecional
e a forma de ensinar corresponde a um esquema que consiste em exposição,
memorização do que foi exposto, verbalização do memorizado, por meio
de uma prova oral ou escrita e sanção sobre o resultado.
Para poder atender à diversidade dos alunos e à aprendizagem
de conteúdos de diferentes naturezas, é preciso haver estruturas
organizativas complexas que atendam às potencialidades das distintas
formas de agrupamento. É indispensável não desprezar nenhuma das
possibilidades educativas oferecidas por cada uma delas: turma, grupos
pequenos (fixos e móveis) e trabalho individual; e, em cada um deles,
homogêneos ou heterogêneos.
A turma, além de ser a forma habitual de organizar os alunos na
escola, oferece várias possibilidades, tanto organizativas como estritamente
didáticas. Em uma perspectiva construtivista, o trabalho pedagógico
com a turma é apropriado quando se trata de planejar conjuntamente
as atividades, as exposições, a distribuição de tarefas, as explicações, a
apresentação de modelos, os debates, a assembléia etc. Mas quando se trata
de conteúdos procedimentais e atitudinais, cujo domínio exige que sejam
prestadas ajudas específicas com relação à competência que cada aluno
tem do conteúdo, é preciso procurar formas organizativas que permitam
prestar ajudas pertinentes a cada um deles sem que o resto da classe fique
à toa. A distribuição de alunos em pequenos grupos, quer sejam fixos ou
móveis, homogêneos ou heterogêneos, permite atribuir a cada um deles
tarefas concretas e estruturadas, possibilitando ao professor se deslocar e
prestar as ajudas necessárias conforme o nível de realização das tarefas.

C E D E R J 71
Fundamentos da Educação 4 | A organização interna das turmas e a construção do conhecimento

Ao citar no parágrafo anterior o deslocamento do professor, estava


me referindo à ajuda que o ensino deve prestar ao processo de construção
de significados e sentidos efetuados pelos alunos. Se a ajuda oferecida
pelo professor não estiver conectada, de alguma forma, aos esquemas de
conhecimento do aluno; se não for capaz de mobilizá-los e ativá-los e, ao
mesmo tempo, forçar sua reestruturação, não estará cumprindo efetivamente
sua missão. Para isso, a ajuda deve conjugar duas grandes características:
– levar em conta os esquemas tratados de conhecimento dos
alunos, relacionados ao conteúdo da aprendizagem, e tomar como
ponto de partida os significados e os sentidos de que os alunos dispõem
em relação a esse conteúdo;
– deve provocar desafios que levem o aluno a questionar esses
significados e sentidos e forcem sua modificação, e assegurar que essa
modificação ocorra na direção desejada – aproximando a compreensão
e a ação do aluno das intenções educativas. Isso significa que o ensino
deve apontar, fundamentalmente, para aquilo que o aluno desconhece,
não realiza ou não domina suficientemente.
Coll (2003) denomina esse processo de ensino como ajuda
ajustada, e está associado à noção de zona de desenvolvimento proximal
(ZDP). A ZDP é definida como a distância entre o nível de resolução de
uma tarefa que uma pessoa pode alcançar, atuando independentemente,
e o nível que pode alcançar com a ajuda de um colega mais competente
ou experiente nessa tarefa (VYGOTSKY, 1979).
A interação professor-aluno é, nas situações de aula, a fonte
básica de criação da ZDP, pela própria natureza da educação escolar,
como prática elaborada intencionalmente, com o objetivo de alguém
(o aluno) aprender determinados saberes (os conteúdos escolares), graças
à ajuda sistemática e planejada oferecida por alguém mais competente
nesses saberes (o professor). No entanto, também a interação cooperativa
entre alunos pode se tornar a base necessária para a criação de ZDP,
e a origem das ajudas que podem fazer os participantes progredirem
em suas aprendizagens através dessas ZDPs. Assim, por exemplo, a
existência de pontos de vista divergentes entre os membros de um
grupo de alunos, quando da realização de uma tarefa comum, pode ser

72 CEDERJ
MÓDULO 1
relevante como ajuda para a criação de ZDP. A divergência possibilita

7
a criação de desafios e exigências para cada participante do grupo e os

AULA
pontos de vista alternativos também proporcionam ajudas e apoios que
forçam a reconstrução, em um nível superior, dos próprios esquemas de
conhecimento como saída para o conflito de opiniões.

RESUMO

A escola é uma tecnologia da educação socialmente construída para dar conta do


ensino das populações infantil e juvenil da maioria dos países. Existem diversas
possibilidades de organizar a turma, o ensino e a aprendizagem. Cabe ressaltar
que, no decorrer das situações cotidianas de ensino, os referenciais e teorias
servem como marcos e guias, porém não determinam as ações docentes, pois
estas devem contar sempre com os elementos presentes e as incidências previstas,
e porque também estão sujeitas a todo um conjunto de decisões que não são de
responsabilidade exclusiva do professor.

ATIVIDADES FINAIS

1. Refletir sobre o fato de que a forma de distribuir os espaços, o tempo, a elaboração


dos horários, a distribuição dos grupos, não são questões meramente técnicas, à
medida que essas variáveis podem influenciar decisivamente no desenvolvimento
do ensino e na aprendizagem dos alunos.

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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________

C E D E R J 73
Fundamentos da Educação 4 | A organização interna das turmas e a construção do conhecimento

2. Considerando que os professores, em sua imensa maioria, já recebem suas turmas


prontas, como é possível organizá-las nos diferentes tempos de aula, garantindo que
aconteçam os espaços do aprender, do brincar, dos relacionamentos entre iguais?

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___________________________________________________________________________

3. Como conciliar disciplina e aprendizagem na organização interna das turmas?

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___________________________________________________________________________

4. Será que devem ficar claramente estabelecidas as formas de participação para


que os alunos as conheçam e contribuam para melhorá-las, para trocá-las ou
anulá-las, se for o caso?

___________________________________________________________________________
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___________________________________________________________________________

5. A participação e o intercâmbio entre alunos e alunas para debater opiniões e


idéias sobre os diferentes aspectos que dizem respeito à sua atividade na escola
contribuem para a organização interna das turmas?

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___________________________________________________________________________

COMENTÁRIO
Quando propomos atividades em grupos, em sala de aula, estamos respaldados
por um ou mais objetivos de aprendizagem, direcionando o ensino – nesse caso,
configurado como uma tarefa de grupo – para que os alunos possam construir um
conhecimento autônomo e significativo.
Podemos agrupar os alunos de diferentes maneiras: por afinidades de interesse,
por níveis de capacidade intelectual (por exemplo, aqueles que consideramos
“mais espertos”), por gênero e assim por diante. Entretanto, tais agrupamentos não
devem ser imutáveis, senão correremos o risco de homogeneizar a diversidade,
regulamentar os intercâmbios entre alunos e sufocar a possibilidade de operação
intelectual compartilhada entre alunos.

74 CEDERJ
MÓDULO 1
AUTO-AVALIAÇÃO

7
AULA
Max Weber afirma que as coisas só podem ser compreendidas se forem observadas
a sangue-frio e em profundidade, apreendendo sua objetividade. Acredito que
compreendemos melhor a realidade quando a observação se dá “ao longo do
processo”, conferindo-lhe uma perspectiva. No caso da organização da sala de
aula, ao dar-lhe uma nova perspectiva, nos tornaremos melhores educadores e mais
otimistas em relação à aprendizagem de nossos alunos. Compreenderemos melhor
nossas turmas se, em primeiro lugar, abordarmos as mudanças no comportamento
de nossos alunos que atualmente precederam seus modos de ser. Então, procure
percorrer a história de sua turma através das etapas de sua aprendizagem, como
uma história das invenções infantis.

C E D E R J 75
8

AULA
A subjetividade
presente na sala de aula
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Refletir sobre a arte de formar crianças e adolescentes.
• Explorar a dimensão imaginária dos processos cognitivos.
• Analisar o poder da palavra no cotidiano da sala de aula.
Fundamentos da Educação 4 | A subjetividade presente na sala de aula

Em Fundamentos da Educação 3, na aula sobre o mal-estar


na profissão docente, percorremos uma pequena trilha aberta pela
Psicanálise. Nesta viagem, retomaremos esse caminho e visitaremos o
território do inconsciente. Como a Psicanálise mantém estreitas relações
com a literatura (aliás, Freud considerava a obra literária uma arte),
vamos começar nossa viagem com um pequeno trecho do livro Doutor
Fausto, de Thomas Mann, um dos autores prediletos do fundador da
Psicanálise.

Mas tudo isso fica à margem do nosso assunto. Ou talvez nem


tanto, já que a questão é saber se é possível traçar uma divisão clara,
segura, entre o mundo nobremente pedagógico do espírito e aquele
outro mundo dos espíritos, do qual só com perigo nos avizinhamos,
faz decididamente, por demais decididamente, parte do meu tema.
Que campo do humano, mesmo supondo que se trate do mais puro,
do mais dignificantemente generoso, ficará totalmente inacessível
ao influxo das forças infernais? Sim, cumpre até acrescentar: qual
deles não necessitará nunca do fecundador contato com elas?

Na aula sobre mal-estar docente, entre outras temáticas, você viu o


conceito da tra nsferência e como ele funciona nas relações interpessoais,
em especial, na relação analista/analisando e professor/aluno. Você
viu também que o ofício de formar mobiliza angústias e desejos
capazes de convocar um exército de defesas, afastando o professor da
imagem de serenidade (como um monge budista em meditação), cujo único
desafio seria o de preparar-se para receber a transferência do ser em formação.
A não ser que, nessa preparação, estivéssemos dispostos a incluir sua
própria transferência em relação à educação. Se o conflito é inerente ao
ofício de formar pessoas, reconhecê-lo é uma exigência básica da formação.
Mas, vamos ver mais um pouco de teoria psicanalítica para entendermos
melhor o conflito presente na formação e na ação do educador.

A SEXUALIDADE VAI À ESCOLA

A experiência clínica com pacientes histéricas levou Freud a


formular uma questão que será decisiva para o futuro da Psicanálise:
por que motivo a maioria de suas pacientes se referia a uma história
de sedução, atribuída a um adulto, e que teria ocorrido em suas
infâncias? A princípio, Freud acreditou que essas histórias de sedução

78 CEDERJ
MÓDULO 1
eram experiências reais, mas devido à quantidade e à intensidade das

8
referidas experiências, começou a desconfiar de que se tratavam, de fato,

AULA
de fantasias. Assim, deveria haver algo nas experiências infantis que
fizesse emergir tais fantasias, e essa alguma coisa deveria ser de natureza
sexual. Na época em que Freud estava formulando essas questões, a tese
sobre sexualidade humana postulava que sua ocorrência acontecia na
puberdade, fase em que o organismo se torna apto para procriar. Ele
acreditava que essa tese deveria ser revista. E foi o que fez.
Em 1905, Freud escreve Três ensaios para uma teoria sexual; um
deles é intitulado A sexualidade infantil. Nesse trabalho, Freud mostra
que o impulso sexual humano – a pulsão sexual – pode ser dividido em
pulsões parciais, que, como veremos mais adiante, é uma questão muito
importante para a Educação.
Freud demonstra que a pulsão sexual, da maneira como a
percebemos em ação em um adulto, é composta de pulsões parciais, e
podemos vê-las nas preliminares de qualquer ato sexual. Antes do advento
e do domínio do interesse genital, tais pulsões parciais são vividas
livremente pela criança, cujo interesse pela cópula ainda não despertou.
Assim, podemos deduzir que essas pulsões ainda não dispõem de
um objeto preciso para o qual possam se dirigir. A criança conduzirá seu
impulso para um objeto sexual só quando puder reunir todas as pulsões
para conformar a genitalidade. Antes desse momento, cada pulsão poderá
se ligar, no máximo, ao prazer que puder extrair do órgão a que estiver
vinculado, como, por exemplo, olho, no caso da contemplação; boca,
no caso da sucção do polegar etc. Como podemos ver, a criança dirige
sua sexualidade para o próprio corpo e só buscará outro corpo quando
estiver em pleno desenvolvimento da genitalidade.
Freud afirma que as pulsões parciais possuem um caráter errático,
ou seja, não se fixam como o instinto e são capazes de intercambiar os
objetos que lhes satisfazem, portanto, de uma certa maneira, a pulsão
sexual pode trilhar vias socialmente úteis. E esse é um ponto que interessa à
Educação: a pulsão sexual é passível de desvio para outras finalidades que
não as propriamente sexuais, logo, pode ser sublimada. Daí Freud apontar
que a Educação terá papel fundamental no processo de sublimação.

C E D E R J 79
Fundamentos da Educação 4 | A subjetividade presente na sala de aula

Em síntese, o processo de sublimação se constitui da seguinte forma:


a pulsão vagueia em busca de um objeto e, nesse momento, pode acontecer
uma “dessexualização desse objeto”. Como nos explica Kupfer,

a energia que empurra a pulsão continua a ser sexual (seu nome,


já consagrado, é libido), mas o objeto não o é mais (...) De modo
aproximado, Freud menciona em alguns textos a seguinte idéia: há
uma espécie de excesso libidinal, algo como uma reserva, que não
é usada para fins diretamente sexuais e deve ser, então, de alguma
maneira reaproveitada. Haveria, por isso, a possibilidade de uma
certa reciclagem dessa energia, através da “dessexualização” do
objeto e da inibição. Com isso, torna-se possível que o indivíduo se
volte para atividades “espiritualmente elevadas”, segundo a expressão
usada por Freud. São elas a produção científica, artística, e todas
aquelas que promovem um aumento do bem-estar e da qualidade
de vida dos homens (1992, p. 42).

Mas como se estabelece a sublimação e como ela funciona no


cotidiano da sala de aula? Como os educadores podem levar seus alunos
para atividades “espiritualmente elevadas”?
Um dos exemplos fornecidos por Kupfer diz respeito à pulsão parcial
anal e ao prazer que as crianças encontram na manipulação das próprias
fezes, o que qualquer adulto de bom senso tratará de impedir. Isso acontece
porque a criança concentra sua atenção em tudo o que concerne a essa região
do corpo e aí descobre que há certas matérias que dele se desprendem, como
é o caso das fezes. Portanto, parece-lhe natural pegar esse material e brincar
com ele. A autora nos aponta que,

caso o desenvolvimento da criança seja bem-sucedido, o que vai


ocorrer é um conjunto de movimentos: parte dessa pulsão será
reprimida (a criança deixará de manipular fezes), parte irá compor
a sexualidade genital (estará presente nas preliminares do ato sexual
através de prazer anal) e parte será sublimada. Ou seja, poderá se
transformar, por exemplo, na atividade de esculpir em argila. Nesse
último movimento, não existe mais objeto sexual, mas apenas um
objeto dessexualizado, a argila (1992, p. 43).

Trazendo o exemplo para o cotidiano da Educação Infantil,


vemos que, em vez de gritar com as crianças que estão nesse ponto de
desenvolvimento, podemos lhes oferecer diariamente objetos como:
argila, massinha, tinta, água etc. e deixar que elas façam suas experiências
e delas retirem o prazer da criação artística, não importando se vão se

80 CEDERJ
MÓDULO 1
sujar nessa tarefa. Aliás, nunca entendi por que as crianças não podem

8
se sujar na escola, já que isso faz parte do brincar e o ato de brincar

AULA
promove desenvolvimento. Esta proibição em relação ao ato de se sujar
parece ser uma das regras escolares obsoletas, mantidas pelo puro prazer
que o adulto sente em se ver obedecido pelas crianças. Muitas vezes,
e sem se dar conta, os professores deixam seus alunos submetidos a
diversas proibições inúteis e prejudiciais à formação, desenvolvimento
e construção de conhecimento.
Freud usou o conceito de sublimação para pensar a função da
Educação e, em seu texto de 1913, que trata do interesse educacional
da Psicanálise, aponta que os educadores precisam ser informados de que a
tentativa de supressão das pulsões parciais não só é inútil como pode gerar
efeitos como a neurose. Isso porque ele sempre desconfiou de que a hostilidade
da civilização se manifestava na forma de uma educação repressora, que só
poderia estar convidando os alunos a se tornarem neuróticos.
A hipótese freudiana de uma “vocação neurótica” da humanidade,
embora descarte, por um lado, a ação política como uma causa
fundamental da repressão, por outro lado, acredita que as classes
sociais no poder utilizam, em benefício próprio, a repressão já em uso
por outros meios.

Veja as aulas anteriores de Fundamentos, que trataram


da relação escola, estado e sociedade e, ainda as que se
referiram ao poder em nível macro e micro.

Mas a desconfiança de Freud vai mais longe ainda por entender que
a sublimação não é um mecanismo consciente, não podendo, portanto,
ser controlada de fora para dentro do sujeito. Como ele mesmo afirma,
excessos não se curam com bons conselhos. Sendo assim, o uso exagerado
de bons conselhos em sala de aula não promove o bem-estar no território
do psiquismo dos alunos, já que as bases necessárias à sublimação são
fornecidas pelas pulsões sexuais parciais e claramente perversas, como
no exemplo da argila.

C E D E R J 81
Fundamentos da Educação 4 | A subjetividade presente na sala de aula

Nem conselhos e nem supressão das pulsões parciais levam a


sublimação? O que fazer então? Em um texto de 1907 – Esclarecimento
sexual das crianças –, que Freud afirma claramente que as crianças devem
receber educação sexual assim que demonstrarem algum interesse pela
questão. Não há porque negar ao aluno as informações através das quais
ele poderá dominar, no plano intelectual, o que já conhecia no plano
da vivência. E o que é mais interessante nesse artigo é a forma elegante
com que Freud aconselha os pais a não se ocuparem do esclarecimento
sexual das crianças, dando a entender que essa tarefa seria mais bem
desempenhada por outro adulto. Isso porque ele acreditava que os
pais teriam sido vítimas do esquecimento (amnésia infantil) da própria
infância. Para a Psicanálise, se houve esquecimento é porque houve
repressão e há motivos para que tal repressão continue atuando. Logo,
não é à toa que Freud sugere descartar os pais dessa tarefa, pois eles,
provavelmente, ainda que involuntariamente, colocariam empecilhos
nessa empreitada. Mas será que os professores também não são vítimas
do esquecimento?
Certamente. É essa questão que retorna na obra de 1930, O mal-
estar na civilização, em que Freud esclarece que as práticas educativas são
determinadas pelos recalcamentos sofridos pelo educador, que incidem sobre
a parte infantil de sua sexualidade. Afirma ele, então, que "só pode ser
pedagogo aquele que se encontrar capacitado para penetrar na alma infantil,
já que nós, os adultos, não compreendemos nossa própria infância".
Segundo Freud, é à escola que cabe fornecer as explicações sexuais,
e isso deve ocorrer no contexto do ensino. A sexualidade há de ser tratada
no mesmo plano que as outras matérias, de maneira que a criança não
tenha o sentimento de que é oferecido um lugar diferente a tais questões.
Por que, pergunta-se, a insistência freudiana no esclarecimento sexual
às crianças e aos adolescentes?
Ora, Freud percebia que as perguntas formuladas pela criança (se
já não está intimidada demais para se atrever a questionar) são quase
sempre respondidas pelo adulto com uma fábula, quando não, por uma
reprovação. Na sua visão, é essa uma atitude extremamente nociva ao
desenvolvimento da criança, constituindo a

82 CEDERJ
MÓDULO 1
primeira ocasião de um conflito psíquico, na medida em que certas

8
opiniões, através das quais as crianças vivenciam uma preferência de

AULA
natureza pulsional, mas que não são “boas” aos olhos dos adultos,
entram em oposição com outras baseadas na autoridade das pessoas
maiores, mas que não lhes convêm. Este conflito psíquico pode se
converter precocemente em uma cisão psíquica.

Aí percebemos claramente um dos aspectos do mecanismo


psíquico do recalque, especialmente em sua relação com a palavra.
A origem do recalque não se encontra na proibição imposta ao agir, e sim
na que é imposta ao dizer. O que não pode ser dito, também não pode
ser pensado conscientemente: para a criança, o outro conhece todos os
seus pensamentos – e estes se tornam tão culposos e perigosos quanto
as palavras ou os atos. Mas os pensamentos não se deixam suprimir
facilmente e continuam subsistindo, mesmo sendo banidos do consciente.
Assim, o inconsciente seria aquilo que o outro não deve saber, e o motivo
mais seguro de obter isso é dissimulando-o para si mesmo. Então, a criança
é obrigada a recalcar seus pensamentos pelo fato de o adulto desconhecer
sua própria sexualidade, particularmente em suas raízes infantis.
A censura exercida sobre a palavra – quer dizer, o ocultamento
da verdade, a mentira por omissão – constitui o erro educacional mais
pleno de conseqüências, ao provocar a formação de sintomas neuróticos
através dos quais a verdade recalcada retornará; compromete também a
independência do pensamento, ou seja, o exercício da função intelectual.
É o próprio Freud que afirma: “sem dúvida, se a intenção do educador
é sufocar o mais cedo possível qualquer tentativa da criança de pensar
com independência, em benefício da tão apreciada “honestidade”, nada
ajudará mais do que desorientá-la no plano sexual e intimidá-la no
domínio religioso”.
No livro O futuro de uma ilusão, Freud trata de “educação para
a realidade”, o que consiste em conduzir a criança a levar em conta não
apenas a realidade externa, material e social, e suas exigências, mas
também a realidade psíquica. Porém, é sobretudo o reconhecimento de
tal realidade por parte do educador, que será a melhor garantia para o
educando de que ele mesmo terá acesso a ela. A vontade do educador de
nada querer saber (sobre suas própria infância) dá origem a seus esforços
para reprimir as manifestações do desejo da criança.

C E D E R J 83
Fundamentos da Educação 4 | A subjetividade presente na sala de aula

Freud afirma ainda que a educação,

(...) até o presente não se propôs outra tarefa que a dominação,


ou, mais precisamente, a repressão dos instintos: o resultado não é
nada satisfatório, e onde esse processo triunfou, não o fez senão em
benefício de um pequeno número de homens privilegiados, cujos
instintos nunca passaram pelas exigências da repressão. Ninguém
tampouco perguntou por que vias e a preço de que sacrifícios se
deu tal repressão dos instintos modestos.

As práticas educacionais, portanto, tiveram como única meta a


repressão das pulsões. Seu caráter irracional, suas raízes passionais são
assim denunciados: nem o interesse do educando, nem o da coletividade,
são levados em conta por elas. “Estar em paz”, ou seja, não ver
questionado seu próprio equilíbrio libidinal por levar em consideração
os desejos da criança – eis o que aparenta ser a principal motivação do
educador, que nada quer saber da criança que foi. O reconhecimento
dos desejos da criança e de sua sexualidade ameaça comprometer a
conservação dos próprios recalques, protegidos pelo véu da amnésia
infantil. No mesmo texto anteriormente citado, Freud explica que

se esta tarefa é substituída por outra, a de tornar o indivíduo capaz


de cultura e socialmente útil, exigindo-lhe o menor sacrifício possível
de sua atividade própria, os esclarecimentos que a psicanálise nos
deu sobre a origem dos complexos patogênicos e o núcleo de
qualquer neurose podem pretender ser considerados pelo educador
como indicações inestimáveis para a conduta que se deve ter com
as crianças.

Assim, se o objetivo da educação é garantir um desenvolvimento


máximo ao indivíduo, no quadro da coletividade social, os dados trazidos
pela psicanálise podem, então, se mostrar úteis. E é graças a eles que o
educador poderá, antes de qualquer coisa, reconciliar-se com a infância,
particularmente com suas manifestações perversas.

84 CEDERJ
MÓDULO 1
8
RESUMO

AULA
A psicanálise registra a “preciosa contribuição à formação do caráter dada pelas
pulsões perversas e não-sociais da criança, se estas não forem submetidas ao
recalque e desviadas de seu fim primitivo, graças ao processo conhecido pelo nome
de sublimação, em direção a fins mais válidos”. Não é pela coerção que se pode
atingir tal fim, e menos ainda reprimindo pela força as pulsões. Segundo Freud,
"nossas mais altas virtudes se elevaram, mediante formações reativas e sublimações
das nossas piores disposições. A educação deveria evitar escrupulosamente o
sufocamento de tão preciosos mecanismos de ação, e limitar-se a estimular os
processos através dos quais essas energias tomam rumos mais sadios".
A definição dos fins da educação fornecida aqui por Freud nada tem de original.
A idéia de que todo empreendimento educativo deve obter a conciliação dos direitos
do indivíduo com as exigências da sociedade não lhe é própria. Cabe à educação
resolver as eventuais contradições entre seus respectivos fins. Contudo, compete ao
educador fazer justiça às reivindicações de seus alunos (indivíduos), como a de não
ver limitadas, além do necessário, suas possibilidades de ação e de satisfação.

ATIVIDADES FINAIS

1. Observe mais atentamente os comportamentos de seus alunos em sala de aula


que lhe causam desconforto e/ou constrangimento. Faça uma lista deles.

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2. Ao lado de cada comportamento listado, escreva o porquê de cada uma dessas


condutas indesejáveis, segundo sua opinião.

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C E D E R J 85
Fundamentos da Educação 4 | A subjetividade presente na sala de aula

3. Agora, pense em estratégias para reverter cada um desses comportamentos


que você considerou inadequados. Será que o ataque frontal é a melhor solução
para transformá-los?

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4. Quais os comportamentos que você considera “bons” e “adequados” em sala


de aula? Faça uma segunda listagem e compare com a primeira, repetindo os
mesmos procedimentos.

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5. Veja, agora, as estratégias que você utilizou para alcançar os “bons” resultados dessa
segunda listagem e se estas podem ser usadas para os comportamentos inadequados.

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86 CEDERJ
9

AULA
As dimensões esquecidas
da sala de aula e da escola
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Identificar os automatismos e as repetições que ocorrem
no cotidiano da sala de aula e da escola.
• Fazer uma leitura dos ritos de passagem presentes na
realidade escolar.
• Analisar as conseqüências dos automatismos, repetições
e ritos no desempenho acadêmico dos alunos e no
exercício do magistério.
Fundamentos da Educação 4 | As dimensões esquecidas da sala de aula e da escola

Começamos mais uma viagem dentro do território da Psicologia da


Educação. Nas estações anteriores, percorremos algumas trilhas abertas
pela Psicanálise e vimos as contribuições que essa área do conhecimento
oferece à prática educacional e ao exercício do magistério. Agora, vamos
explorar novos caminhos e retornar nossas observações da escola como
um espaço social de articulação de diversas atividades – lugar de
confronto e de encontro entre professores e alunos.
Como nos assinala Perrenoud (1995), que o professor exerce
um ofício é um fato inegável; a questão está na ordem do dia, que
versa sobre a natureza das competências mobilizadas por esse ofício,
sobre sua evolução possível e desejável, a sua profissionalização e seu
reconhecimento social. Pergunta-se então: podemos falar também do
ofício do aluno? Estaremos cometendo algum abuso de linguagem se
assim o fizermos? Melhor consultar o Novo Aurélio do século XXI e
ver os significados da palavra ofício.
Destaco, da lista de 10 acepções possíveis, apenas as três primeiras,
por responderem a nossa questão:

Ocupação manual ou mecânica a qual supõe certo grau de habilidade


e que é útil ou necessária à sociedade: ofício de dona de casa; ofício
de carpinteiro; ofício de escultor; Liceu de Artes e Ofícios.

Ocupação ou trabalho especializado do qual se podem tirar os meios


de subsistência; profissão: o ofício de bancário; o ofício de vitrinista.

Ocupação permanente de ordem intelectual, ou não, a qual envolve


certos deveres e encargos ou um pendor natural: o ofício de rei; o
ofício de magistrado; o ofício de escritor.

As três definições confirmam a existência do ofício dos alunos


exercendo habilidades manuais, afinal manipulam objetos, livros, folhas,
cadernos etc. Têm uma ocupação permanente de ordem intelectual –
realizam aprendizagens e construção de conhecimentos e se ocupam de
um trabalho especializado: o escolar. Quanto aos meios de subsistência,
Perrenoud (1995) argumenta ainda que:

Os meios de sobrevivência não se limitam à questão material.


Para existir dependemos dos outros de uma forma ainda mais
fundamental: temos necessidade que nos reconheçam uma identidade,
uma utilidade, o direito de ser o que somos, de fazer o que fazemos.
Ora, estes meios de sobrevivência, tanto a criança como o adolescente,
retiram-nos essencialmente do seu ofício de alunos (p. 15).

88 CEDERJ
MÓDULO 1
Agora, podemos ver mais de perto as características que configuram

9
a originalidade desse ofício do aluno:

AULA
• não foi escolhido pelo sujeito;
• é dependente de um terceiro, não somente nas suas finalidades
e condições principais, mas nos seus detalhes e, sobretudo, na sua
fragmentação e na sua relação de tempo;
• está sob o olhar e o controle permanente de terceiros – não só
em relação aos resultados, mas também quanto às modalidades;
• está sujeito a uma avaliação das qualidades e dos defeitos da
pessoa, da sua inteligência, da sua cultura e do seu caráter.

Pode-se contra-argumentar que alguns ofícios de adultos são


tão constrangedores como o ofício do aluno – trabalhos forçados,
escravidão, prostituição etc., e outros que são estritamente controlados
e constantemente fiscalizados. Entretanto, raramente encontramos
todas essas características conjugadas em um único ofício imposto pela
escolarização obrigatória por lei e/ou pela vontade dos pais. Vocês já
pararam para pensar para onde iria, durante todos os dias úteis da semana
e por anos seguidos, a população infantil e juvenil de uma cidade, de
um país, se não fosse para a escola? Pois é, a escolaridade constitui uma
longa travessia no tempo de vida de uma pessoa; é um ofício que, apesar
de não contar com remuneração, é tão rotineiro quanto muitos empregos
assalariados. Vejamos as rotinas diárias do trabalho escolar:

• assistir calado e, se possível, imóvel às aulas expositivas


durante um tempo predeterminado pelo professor;

• fazer, muitas vezes, exercícios em aula que serão retirados


do livro didático;

• lanchar, almoçar ou merendar;

• fazer fila e/ou entrar na fila;

• copiar o dever de casa;

• fazer provas, testes ou avaliações;

• levar bilhetes, recados ou avisos para casa;

• levar broncas;

• responder à chamada;

• prestar atenção etc.


C E D E R J 89
Fundamentos da Educação 4 | As dimensões esquecidas da sala de aula e da escola

A lista poderia continuar por muitas páginas, mas paremos por


aqui porque já está de bom tamanho. Cabe perguntar agora: quais
são as estratégias de sobrevivência que os alunos (como trabalhadores
desqualificados) criam para se defender contra o poder da instituição.
A mais conhecida de todas é o fingimento – adotar uma atitude de quem
está atento, de quem está interessado, de quem está pensando, de quem está
trabalhando. Outra possibilidade é tentar passar despercebido, jogando com os
limites da tolerância, no que tange ao absenteísmo, à disciplina e aos trabalhos
que têm de entregar. Perrenoud acrescenta outras indagações:

Quem poderá questionar-se, prosseguir especulações interiores,


deter-se diante dos obstáculos, se é constantemente interrompido,
guiado, interpelado pelos outros, particularmente pelo professor,
e se este pode ler, espreitar o que o aluno escreve, folhear os seus
cadernos, rabiscar o texto ou o desenho, retificar as suas frases, a
sua acentuação ou a sua postura? (p. 18)

Pode-se incluir uma outra questão fundamental: como é possível


aprender quando se é constantemente vigiado e todo e qualquer erro
cometido durante o processo de aprendizado é passível de punição, seja
por admoestações verbais, seja por humilhações públicas, sarcasmo,
bilhetes para casa e/ou direção da escola? Não há quem consiga aprender
“direito” de uma vez só, pois o processo pressupõe um tempo de
construção de conceitos, tempo variável de acordo com as singularidades
dos alunos, mas pleno de tentativas e erros, porque o erro, como nos
aponta Piaget, é construtivo.
Quantas vezes ouvimos os professores se queixarem do pouco
interesse dos alunos pelos conhecimentos e pela cultura. Lastimam o fato
e afirmam que só com a promessa de dar trabalhos valendo pontos a mais
para compor a nota bimensal, conseguem um pouco de motivação para
a realização das atividades escolares. Reclamam dessa relação utilitarista
dos alunos com o saber – não será a própria instituição escolar que a
fomenta? O rito educacional de concessão de pontos e notas precisa
urgentemente ser revisto, assim como o seu oposto: reter alunos que
ainda não completaram suas aprendizagens e recebem como castigo
a reprovação. Ou seja, desconsidera-se todo o caminho já percorrido
e obriga-se o “condenado” a repeti-lo da mesma forma e desde o início,
zerando o marcador de aprendizagem da disciplina em que foi reprovado
e todas as outras, por tabela.

90 CEDERJ
MÓDULO 1
Diante dos ritos escolarmente instituídos, só resta ao aluno aprender

9
o mais rápido possível a arte do disfarce, da mentira e da hipocrisia –

AULA
“ficar esperto” e ver qual a melhor maneira de enganar seus professores,
fornecendo-lhes as respostas que, de antemão, sabe que serão “as certas”,
embora não acredite nelas e não tenha esse conceito construído.
Muitos autores têm denunciado o caráter destruidor da pressão
escolar – é o caso de Ferrière, quando cria as escolas ativas; de Claparède,
quando apela para a “educação funcional”; de Freinet, quando entra
em dissidência contra a instrução pública massificada; de Neil, quando
funda Summerhill; de Pain, quando faz a crônica da escola-caserna e
de psicanalistas como Bettelheim, Dolto e Manoni, quando analisam a
violência e o tédio da escolaridade cotidiana. Isso significa que o problema
não é novo; como afirma Perrenoud,

desde que a escola existe que, de mil e uma maneiras, alguns


já demonstraram que esta criava para muitos condições de
aprendizagem contrárias às regras elementares de um funcionamento
intelectual fecundo (p. 19).

Uma das dimensões mais esquecidas pela escola, por incrível que
possa parecer, é o tempo presente. Não vivemos esse tempo na escola,
estamos sempre preparando os alunos para o futuro e dizendo isso a eles.
Por conta desse esquecimento do presente, vemos o aluno passar dez ou
quinze anos de sua existência sentado nos bancos escolares, ameaçado ao
longo de todos esses anos de fracassar na vida se não trabalhar o suficiente,
se não estudar o suficiente, se não se interessar o suficiente etc.
Acredito que é dessa lógica invertida do tempo que decorre a
desenfreada corrida dos alunos pelas notas, já que o essencial é sobreviver
até o próximo bimestre, semestre, ou, próximo ano letivo. Ao internalizar
que os valores educacionais estão colocados no futuro, os alunos tratam
de criar estratégias para sobreviver às regras presentes, incluindo as
menos recomendáveis, do ponto de vista pedagógico ou ético – colar nas
provas, copiar seus trabalhos de livros e/ou de outros colegas, decorar
os textos didáticos em vez de estudar ou tentar compreendê-los etc.
A preocupação com os artifícios e as aparências tem um lugar privilegiado
no ofício dos alunos, e os pais, como nos aponta Perrenoud, "olhos postos
no diploma final e no emprego, reforçam muitas vezes esta tendência".

C E D E R J 91
Fundamentos da Educação 4 | As dimensões esquecidas da sala de aula e da escola

Assim como Perrenoud, acredito que a escola seja o lugar de uma


vida relacional intensa e, de certa forma, completamente avessa à lógica
do ensino e da aprendizagem escolar. Isso provoca sérias conseqüências
pedagógicas, por exemplo: se um professor nem sempre consegue
mobilizar a atenção e as energias, se as atividades que propõe nem
sempre são tão significativas como gostaria, não é porque as crianças e
os adolescentes sejam apáticos e não se interessem por nada; é porque
eles têm outros desafios, outros projetos e desejos que os mobilizam
muito mais e que lhes parecem bem mais importantes que os exercícios
de Matemática ou a redação de Português que lhes é proposta.
Quando ignoramos essa vida relacional – outra das dimensões
esquecidas – e principalmente a comunicação intensa e constante
entre alunos, podemos chegar a paradoxos espantosos: professores
interrompendo, mais de dez vezes por dia, as conversas entre colegas,
para convidar os alunos a se expressarem. É bastante óbvio que o
professor está lutando por instaurar uma outra comunicação, sobre um
tema que ele considera evidentemente mais legítimo, do seu ponto de
vista. Mas, é evidente também que ele não ocupa um lugar de liderança
nessa rede comunicativa que é o espaço da sala de aula. Ou não é? Sempre
me pergunto quais são as aprendizagens efetivas que acontecem nesses
momentos que exemplifiquei. Só sei dizer que elas não correspondem às
intenções de seus planejadores e não são passíveis de avaliação escolar.
Continuam submersas em um mar de esquecimento institucional.
Entretanto, como afirmam os sociólogos, por ser a escola uma
organização social, ela põe em funcionamento um sistema de ações:
atribui aulas aos professores e aos alunos, concede-lhes um espaço e
recursos materiais, dá-lhes direitos e obrigações, impõe-lhes regras
Bourdieu (1967, p. 373),
a propósito desse HABITUS, de conduta, modelos de referência, métodos de trabalho, normas de
esclarece: “Força formadora
de hábitos, a Escola avaliação e horários. Tudo leva a crer, portanto, que ao passarmos
dota aqueles que direta
ou indiretamente foram
diversos anos de prática em um tipo definido de organização escolar,
submetidos à sua influência arrastaremos conosco a formação de um conjunto de esquema de ações,
não tanto de esquemas de
pensamento particulares e de pensamentos, de avaliação, de antecipação – um HABITUS, como seria
particularizados, mas desta
disposição geral, geradora designado em sociologia. Uma vez adquirido esse habitus, tais esquemas
de esquemas particulares que o compõe não se transformarão facilmente e comandarão uma parte
susceptíveis de serem
aplicados em diferentes das nossas novas experiências, tanto na construção de uma imagem
domínios do pensamento
e da ação, que podemos da realidade como nos comportamentos concretos que adotaremos
designar por habitus culto”.
em relação ao nosso trabalho, aos nossos colegas, à nossa carreira
profissional, à nossa formação, às nossas filiações políticas etc.

92 CEDERJ
MÓDULO 1
Se aceitarmos esse tipo de análise sociológica, muito próxima

9
da Psicologia Social e da psicanálise, podemos admitir que o tipo de

AULA
funcionamento que, há tantos anos, favorece a organização escolar
condiciona profundamente as competências e as estratégias que os alunos,
ao tornarem-se adultos, mobilizarão no interior de outras organizações.
Isso nos leva a uma outra questão: que modos de relacionamento a
organização escolar nos impele a internalizar?
Uma forma de tentar responder a essa questão é identificar o
currículo oculto nas rotinas cotidianas escolares que geram, segundo
Eggleston (1977) sete tipos de aprendizagens que favorecem regularmente
o funcionamento da escola sem figurar nos objetivos oficiais do ensino.
De maneira esquemática, podemos resumir as sete aprendizagens da
seguinte forma:
– O aluno aprende a “viver na multidão” – vive constantemente sob
o olhar dos outros, em um espaço relativamente exíguo para a concentração
de indivíduos que comporta; em contrapartida, aprende também a isolar-se,
a ignorar e/ou tolerar os diversos tipos de interrupções.
– Aprende-se a “matar o tempo”, a esperar, a acostumar-se
ao aborrecimento e à passividade como um ingrediente inevitável da
vida escolar.
– Aprende-se a submissão à avaliação do outro – do professor e
dos colegas da turma.
– Junto ao aprendizado visto, o aluno saberá como satisfazer as
expectativas de professores e colegas, para deles obter a estima, os elogios
ou qualquer outra forma de recompensa.
– Também acontece o aprendizado de vida em uma sociedade
hierarquizada e estratificada – aprende-se a ver como “normais e
legítimas” a desigual distribuição do poder e a existência de indivíduos
ou grupo de indivíduos com status diferenciados.
– Aprende-se a controlar ou, no mínimo, a influenciar junto aos
colegas, o ritmo do trabalho escolar e a progressão dos conteúdos em
aula, através de diversas estratégias: fazer novas perguntas, mostrar que
não entendeu as explicações fornecidas pelo professor, pedir mais prazos
para o trabalho etc.
– E, por fim, aprende-se a funcionar em grupo restrito, a partilhar
e a utilizar os valores e os códigos de comunicação para convivência
nesse grupo (pp. 110-113).

C E D E R J 93
Fundamentos da Educação 4 | As dimensões esquecidas da sala de aula e da escola

Perrenoud acrescenta mais três tipos de aprendizagens à lista de


Eggleston: relação com o tempo; relação entre o espaço privado e público;
relação com as regras e os saberes.
Estamos acostumados a conceder toda nossa atenção ao currículo
formal da escola, o que nos impede, muitas vezes, de ver que, tal qual
outras organizações sociais, a escola possui sua própria cultura e quer
conservá-la e segregá-la a suas novas gerações. Como organização, a
escola tem seus próprios desafios culturais e cada estabelecimento de
ensino tende também a transmitir uma cultura que lhe é própria. O que
também é verdade para cada professor no interior de sua sala de aula.
Tudo isso nos leva a refletir sobre o significado relativo do sucesso escolar,
como nos sinaliza Perrenoud:

É por isso que o sucesso escolar, abstratamente definido como a


apropriação do currículo formal, se identifica, na prática, mais com
o exercício qualificado do ofício do aluno. A avaliação informal
consiste, pois, em larga medida, em garantir que o aluno aprende e
exerce convenientemente o seu ofício (p. 65, grifos do autor).

Em Fundamentos da Educação 3, você viu aulas dedicadas


ao tema da cultura escolar, cultura docente etc.

Evidentemente isso não está descolado de um certo domínio dos


saberes e do saber-fazer inscritos no currículo da escola. Mas como esse
domínio junta as formas e os conteúdos de um trabalho escolar que necessita
de um conjunto de rotinas, a exemplo de qualquer atividade regular em uma
organização burocrática, corremos sempre o grave perigo de que as rotinas
assumam maior valor na hora de avaliarmos nossos alunos.

RESUMO

Nesta aula fizemos uma visita às rotinas escolares e a sua função organizadora
dentro da longa marcha da escolaridade. Trabalhamos com o conceito de ofício
de aluno, currículo oculto e cultura escolar, sempre sublinhando as articulações
desses conceitos com a avaliação dos alunos, as aprendizagens conquistadas,
embora clandestinas, e o sentido do trabalho escolar. O objetivo principal era
dar visibilidade as dimensões esquecidas da sala de aula e do cotidiano da escola,
vividos por professores e alunos em constante interação.

94 CEDERJ
MÓDULO 1
ATIVIDADES FINAIS

9
1. Quando você escuta dizer que crianças e adolescentes já não têm “gosto

AULA
pelo estudo”, “não valorizam mais” a escola ou “não se esforçam mais”, a
que fatores escolares você atribui maior influência na determinação desses
comportamentos?

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2. Você acredita que existem aprendizagens regularmente geradas pela escola


sem terem qualquer registro no currículo oficial, nem nas finalidades globalmente
imputadas à instrução pública pelo discurso político? Por quê?

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3. Como seus alunos aprenderam o ofício de aluno?

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4. Que rotinas escolares poderiam ser extintas e quais deveriam ser mantidas?

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5. A aprendizagem do senso comum, afirma Perrenoud, é talvez o componente


mais bem escondido do currículo oculto. Terá o professor consciência de levar os
seus alunos a partilhar o senso comum, os esquemas e as categorias fundamentais
do pensamento que predominam na nossa sociedade?

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C E D E R J 95
10
AULA
As relações presentes
na sala de aula
Meta da aula
Descrever um estudo de caso como recurso para se
pensar as práticas cotidianas em sala de aula.
objetivos

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula,


você seja capaz de:
• Descrever as diferentes interações que podem ocorrer em
sala de aula.
• Propor possíveis soluções para o estudo de caso.
Fundamentos da Educação 4 | As relações presentes na sala de aula

INTRODUÇÃO Ao entrar pela porta de uma sala de aula, encontra-se uma grande diversidade
de subjetividades, ou seja, de seres singulares, que interagem em efervescência,
em intensidades diversas e que passeiam por diferentes caminhos que se
manifestam através de diferentes comportamentos. As curiosidades infantis
estão sempre carregadas de perguntas cujas respostas requerem cuidado por
parte de quem responde; em outras palavras, aquele que responde torna-se
responsável (a palavra responsável quer dizer: aquele que responde por) pelo
que diz ou mesmo pelo que omite.
As crianças estão sempre procurando saber até onde lhes é permitido ir e se a
relação que têm com o professor e colegas poderá lhes dar sustentação para
o que deseja conhecer ou saber.
A sala de aula, assim como a família, constituem os universos nos quais as
crianças estão inseridas e é daí que elas retiram saberes para interpretar o mundo
que as circunda. É de muita importância a forma pela qual são recebidas em
sala de aula pelos seus pares e pelo professor. Além disso, há diversas formas
de interação entre os grupos de crianças e delas brotam relações de liderança
em brincadeiras que podem significar, por exemplo, como estão vivendo o
cotidiano familiar e escolar.
Nesta aula, serão apresentadas idéias que discutem a complexidade das relações
que ocorrem na sala de aula em seu cotidiano.

UM CASO PARA SE PENSAR

A sala de aula é um dos pontos de encontro de diferentes pessoas.


Para lá elas levam suas histórias, suas experiências, seus conflitos,
suas dúvidas. É lá que podem ser reconhecidos os desejos, medos e
expectativas. O olhar e a compreensão de um adulto nem sempre dão
conta do que se passa com uma criança. Vejamos, então, uma história
inspirada em um fato verídico, na qual foram modificados os nomes,
o local e alguns detalhes. Leia com atenção.

Uma gatinha selvagem

Na escola
A professora da turma de educação infantil recebe uma nova
aluna em classe. Rostinho lindo e sério, a menina de quatro anos se
recusa a participar das atividades propostas que provocam o imediato
entusiasmo das crianças. Nossa gatinha se isola de todos e mostra forte

98 CEDERJ
MÓDULO 1
negativismo, afastando-se dos colegas e tentando de todas as maneiras

10
determinar as próprias regras, como a hora do lanche ou o local da escola

AULA
onde preferia ficar. Por vezes, agride um colega batendo nele. Quando
a professora exige que peça desculpas, ela o faz chorando, com raiva,
e se dizendo injustiçada. A gatinha se mantém isolada dos colegas sem
interagir com adultos e crianças.
Os profissionais do estabelecimento não acreditam que a gatinha
selvagem possa superar as “dificuldades” e vir a interagir normalmente
com seus companheiros de turma. No entanto, a professora percebe
nela uma expressão de tristeza, quase de depressão. Ela decide então
marcar um encontro com os pais para conversar e procurar saber mais
sobre a história da menina. A ANAMNESE feita pela escola não continha ANAMNESE
informações suficientes. Histórico descritivo
feito com base
Fica-se sabendo, então, que a gatinha selvagem vinha freqüentando nas lembranças e
várias escolas até que chegou àquela em que se encontrava. Nenhuma vivências da família,
relativas à história de
das instituições foi capaz de lidar com o “problema”; o resultado, pois, vida do aluno.

era sempre “pedir que a criança não voltasse a se matricular”.

A família
Quanto às relações familiares, a situação era a seguinte: os pais
tinham um casamento considerado estável, com uma boa situação
financeira, aparentemente sem conflitos conjugais graves. O pai
atualmente viaja com muita freqüência para atender às demandas de
trabalho; isso lhe rende um bom salário, o que permite à família um
padrão de vida confortável. No entanto, no passado, quem cuidou do
bebê foi o pai, já que na época ele se encontrava desempregado e cabia
à mãe o sustento da casa. A “gatinha” alimentou-se com mamadeiras
perfeitamente bem até que, por volta dos oito meses de idade, o pai
começou a trabalhar, e a mãe assumiu a posição que ele ocupara, ou
seja, a de cuidar da menina. Esse período coincidiu com o aparecimento
de fortes gripes no bebê, acompanhadas de febre alta; depois de alguns
meses, porém, desapareceram quase por completo.
A mãe mostrou-se extremamente cuidadosa e preocupada com
a saúde da filha, no entanto, até os dias de hoje, a menina dorme no
quarto dos pais, pois tem muitos pesadelos quando passa a noite em seu
próprio quarto. Além disso, o pai mostra-se muito amoroso com a filha
e é incapaz de dizer “não” a ela.

C E D E R J 99
Fundamentos da Educação 4 | As relações presentes na sala de aula

Ultimamente, a menina tem apresentado algumas manifestações


de medo excessivo (fobia) de ambientes fechados e escuros, tanto na
escola quanto em casa.

A professora
A professora observa e acompanha a “gatinha selvagem” com
atenção, procurando, de todas as formas, criar condições para que
a pequenina participe das atividades, de maneira interativa com os
colegas. Durante os dois primeiros meses do ano letivo tudo parecia ser
infrutífero. Nada repercutia na determinação da menina de se manter
distante e isolada; o diálogo com os pais, os convites para participar
de brincadeiras ou a leitura de histórias não a motivavam. Nada ou
aparentemente nada era aceito e nada parecia indicar o caminho que
pudesse gerar uma relação educativa naquele espaço escolar. Havia uma
barreira difícil de transpor.
A professora se preocupava com as possíveis conseqüências futuras
na vida de sua linda aluna. Sabendo que “beleza não põe mesa”, ela é
dotada de uma profunda consciência do importante papel da escola, que
não se resume apenas à transmissão de conteúdos. A escola é, para ela, um
espaço de socialização, de aprendizagem de valores, de transformação,
de novas perspectivas e de preparação para lidar com o que o mundo e
a vida propõem e irão propor às crianças. A professora se preocupa com
o que a “gatinha” sofreu por não ter sido aceita nas escolas pelas quais
passou. Ela sabe também que as crianças são extremamente perceptivas
e que, por outro lado, dispõem ainda de poucos recursos cognitivos e
afetivos para enfrentar os erros que os adultos também cometem.
A professora tem grande clareza sobre seu papel profissional.
Ela sabe que o processo de ensino-aprendizagem não pode ser visto
isoladamente, já que os seres humanos constituem-se num todo, no qual
a cognição, os afetos e as emoções não se encontram separados como
partes de um jogo de montagem.

Até que...

100 C E D E R J
MÓDULO 1
O que você faria?

10
Sabemos que existem muitas possibilidades de intervenção para

AULA
cada situação vivida em sala de aula. Cada professor tem sua maneira
própria de estabelecer relações com seus alunos e busca soluções de
acordo com seus conhecimentos pedagógicos e suas experiências
profissionais (TARDIF, 2002).
No entanto, vamos propor duas alternativas, tendo consciência,
porém, de que elas não seriam as únicas possíveis.

Uma primeira alternativa para se pensar a “gatinha selvagem”


O primeiro caminho proposto repousa sobre a noção de disciplina.
Nele, parte-se do pressuposto de que o estabelecimento escolar tem regras
e normas a serem cumpridas e seu funcionamento está baseado nesses
princípios. Pressupõe-se, também, que a escola tem uma hierarquia que
deve ser obedecida, não importando o que aconteça. Essa maneira de
conceber a escola envolve a idéia de que a ordem é o elemento que permite
seu bom funcionamento. Todas as manifestações que firam tais princípios
devem ser impedidas ou reprimidas com vigor. Sendo assim, tudo aquilo
que fugir às regras estabelecidas deverá ser adaptado ao modelo instituído.
Esse modelo de escola não admite qualquer questionamento ou dúvida.
Nele só existem certezas e aqueles que não as toleram ou não as aceitam
são considerados incapazes de aí permanecer.
Esse modelo pode ser encontrado em escolas que seguem o
regime militar ou em escolas militares mesmo cuja hierarquia tem uma
posição privilegiada. Aliás, é importante sublinhar que as instituições
militares são pautadas na hierarquia, condição que molda sua existência
e funcionamento.
Quando a hierarquia e a disciplina constituem as bússolas de um
estabelecimento escolar, tais fatores irão contribuir em muito no clima e
nas relações em sala de aula. Pode-se dizer que estaríamos descrevendo
uma escola tradicional, já que as instituições tradicionais têm essas
referências como centro de sua concepção educativa.
Como seriam as relações em sala de aula em tais escolas? Muito
provavelmente seriam de caráter bancário, como diz Paulo Freire. Isso
quer dizer que o professor se conceberia como aquele que “possui” o
conhecimento e que o aluno seria aquele que deverá “aprender”, isto
é; o professor sabe e o aluno não. Nesta escola é necessário, portanto,

C E D E R J 101
Fundamentos da Educação 4 | As relações presentes na sala de aula

estar imbuído da idéia de que o aluno é vazio, que não sabe e deverá
ser nutrido pelo professor, tido como a fonte do saber, modelo para o
futuro cidadão que será cultivado e moldado para a ordem e o bom
funcionamento da sociedade.
Nela não há por que exercer um pensamento crítico, pois o
propósito é modelar os indivíduos para que se adaptem – no sentido de
se submeterem – às regras e às normas instituídas.
De acordo com essa concepção educativa, a solução possível seria
encaminhada através de elementos que pudessem indicar preocupação
com a manutenção da ordem, considerando a menina a única responsável
por suas ações. Citamos como exemplo:
• No âmbito da linguagem falada: “você não sabe se comportar”,
“você precisa aprender a se comportar”, “você é a única que
faz essas coisas”, “seja uma boa menina”, “você não é uma
boa menina”, “porque você não é igual aos outros?”, “você é
malvada”, “você é desobediente...”.
• No âmbito das relações: tendência a criar um ambiente de
discriminação, acentuando o isolamento da menina através de
diversas punições disciplinares; tendência a se reforçar uma imagem
do “aluno problema”, alimentando o mecanismo conhecido como
“profecia auto-realizadora”. Esse mecanismo é observado com
freqüência nos diferentes grupos sociais, assim como nas escolas,
apresentando-se da seguinte maneira: quando alguém se mostra
diferente do que se espera ou do que se imagina, de imediato se
estabelece uma palavra ou expressão que definiria essa pessoa
(estereótipo). Sendo assim, para uma pessoa mais reservada, por
exemplo, alguém que passa por um período de vida mais difícil pode
ser reconhecida como “a complicada”, ou “a tímida”. A profecia
auto-realizadora provoca, no grupo, o surgimento e o reforço de
atitudes preconceituosas, gerando sofrimento para aquele que as
sofre além de realimentar o comportamento apresentado pela
pessoa em questão.

Podemos supor que as soluções inspiradas em valores como a


disciplina e a ordem podem criar soluções aparentes. No caso da “gatinha
selvagem”, o resultado obtido poderia ser, por exemplo:

102 C E D E R J
MÓDULO 1
• A impossibilidade de a menina se tornar “uma boa menina”

10
(o que exatamente é “ser uma boa menina?”) e ser convidada a

AULA
se retirar da escola.
• Adaptar-se ao modelo, tornar-se aceitável pelo estabelecimento
escolar e desenvolver outros meios de manifestar suas dificulda-
des e dúvidas relativas a ela mesma, às pessoas com quem convive
e ao mundo que a cerca. É bom lembrar que se os adultos mais
próximos (família e profissionais da escola) não se mobilizaram
para decifrá-la, dificilmente a menina desenvolverá meios
aceitáveis para se expressar socialmente.

Uma segunda alternativa para se pensar sobre a “gatinha selvagem”


A segunda alternativa que iremos lhe propor implica uma
concepção que leva em consideração os seguintes aspectos:
• A escola é considerada um espaço no qual se produzem e se
elaboram conhecimentos e valores de inúmeras ordens, como
enriquecimento da socialização, troca de saberes, compreensão
mais ampliada do mundo, respeito mútuo, noção de que o erro é
um caminho para o acerto, dentre outros.
• A escola é um importante espaço de onde emergem experiências
que permitirão à criança reconhecer o mundo como o lugar que ela
habita, que ela pode ser e estar junto a outros seres semelhantes
e diferentes ao mesmo tempo, em vez de ter como perspectiva
uma única possibilidade que é a de se submeter a um modelo já
pronto e fechado.
• A escola é um espaço no qual as muitas perguntas que
fazemos são recebidas como propostas para que sejam pensadas,
respondidas ou não, quer dizer, a escola tem possibilidades, mas
tem seus limites. Ela não é a fonte da verdade.
• A escola é um espaço onde todos têm importância e significado,
merecendo o cuidado (BOFF, 2000) e a sensibilidade de cada ser
que aí se encontra. O seu objetivo não é eliminar as diferenças.
As diferenças entre os seres humanos são percebidas como uma
das fontes das múltiplas possibilidades de sermos neste mundo.
• A escola não se concebe como instrumento de uniformização
nem de homogeneização.

C E D E R J 103
Fundamentos da Educação 4 | As relações presentes na sala de aula

Para ilustrar as ponderações feitas anteriormente, consulte os sites:


www.rubemalves.com.br e www.eb-1-ponte-n1.rcts.pt Nele você terá a
oportunidade de entrar em contato com uma escola, a Escola da Ponte,
onde todos estão voltados para uma educação que não se preocupa
apenas com o vestibular, com os exames e, portanto, com um modelo
que deve ser copiado.

Tendo em vista a forma de pensar a educação como foi proposta,


voltemos para o estudo de caso cuja discussão envolve a “gatinha selvagem”.

Uma história sem final feliz porque não tem final


Até que...
A professora da “gatinha selvagem” continuava determinada a
decifrar o comportamento desafiador de sua pequenina aluna. O desafio
era não “domesticar” a criança, era não torná-la absolutamente dócil
e meiga, como uma “boa menina” ou “como as meninas devem ser”.
O desafio, enfim, era descobrir como apaziguar a dor que lembrava a dos
animais feridos e que, por causa disso, tornam-se mais violentos. O desafio,
enfim, era poder saber onde doía para tocar a ferida e tentar cicatrizá-la.
A professora cuidava da menina sem se esquecer de seu papel
profissional e de sua condição de adulta.
Certo dia, a gatinha, mais uma vez, recusava-se a atender aos
pedidos da professora e começava a correr pela escola dizendo-se mais
forte e mais veloz. A professora, então, passou a correr atrás da menina,
dizendo-lhe: “eu sou maior que você e vou pegá-la”. Iniciou-se uma
brincadeira de “pega” fazendo com que, em poucos minutos, a menina
começasse a rir, feliz, junto à professora. As duas riam alegres da situação
inusitada e que exigia da professora um bom fôlego. Finalmente, a
professora alcança a menina segurando-a entre os braços com firmeza
e delicadeza. A menina ria de satisfação e, para surpresa da professora,
aceitou ir para a sala de aula junto a seus colegas. Pela primeira vez,
naquele ano, a gatinha participou das atividades grupais e da vida
cotidiana da escola.

104 C E D E R J
MÓDULO 1
O que terá acontecido?

10
Apresentaremos algumas possibilidades que não se excluem:

AULA
1. A professora foi capaz de se tornar criança para brincar com a
menina sem, no entanto, esquecer a condição de adulta e responsável. Ela
se deu conta de que, enquanto pedisse à menina que viesse para o mundo
da sala de aula, nada mudaria. Resolveu, então, entrar no mundo da
menina, ou seja, passou a brincar a brincadeira proposta pela “gatinha”,
sem com isso se perder no jogo comandado por ela própria. Quer isso
dizer que a professora abandonou, por alguns instantes, sua condição
de adulto, permitindo-se assumir um papel infantil. Tal atitude permitiu
à menina sentir-se respeitada e percebida como pessoa.
2. A professora funcionou como mediadora ou como facilitadora,
permitindo à “gatinha” sentir-se segura para se arriscar a conhecer a
realidade escolar. Dessa forma, também foi possível à menina compreender
que havia alguém que cuidava dela, sem que isso implicasse punição ou
excessivo controle.
3. A brincadeira funcionou como um momento em que predominou
a liberdade: não havia papéis predeterminados, não havia regras impostas a
serem cumpridas. Os poucos instantes de atividade lúdica foram suficientes
para mostrar à menina que não havia um perdedor e um ganhador. Na
realidade, as duas, professora e “gatinha”, ganharam. Em outras palavras,
aquele instante lúdico permitiu criar um vínculo no qual predominou a
confiança e a alegria entre as duas.

Você pôde observar que para a primeira solução toda a argumentação


ficou centrada na criança, fazendo dela o foco da atenção e mesmo da
responsabilidade de seu próprio comportamento. Não foram feitas
perguntas, nem se duvidou das medidas a serem tomadas. As respostas já
existem antes mesmo que se questione o que quer que seja.
Quanto à segunda solução, o foco da atenção foi lançado sobre o
estabelecimento escolar, o que significa que foi valorizado o contexto no
qual a menina estava inserida. Além disso, não havia respostas ou certezas
absolutas. A professora mostrou-se consciente de sua concepção sobre o
que é a ação educativa, conjugando tais valores com uma sintonia “fina”,
ou seja, agir para buscar as respostas que ainda não conhecia.

C E D E R J 105
Fundamentos da Educação 4 | As relações presentes na sala de aula

CONCLUSÃO

O estudo de caso que propusemos nesta aula permite-nos


apreciar o quanto as relações em sala de aula são reveladoras de toda
a dinâmica escolar. O espaço escolar tem sido objeto de inúmeros
estudos em diversas áreas das Ciências Humanas como a Sociologia, a
Pedagogia, a Psicologia, a História e a Arquitetura. A grande quantidade
de conhecimento que brota da escola indica que esse universo é múltiplo
quanto a seus problemas e a suas possíveis soluções. Nessa medida,
os seres que aí vivem não podem ser considerados como os únicos
responsáveis por suas ações.
Ao nos defrontarmos com situações que nos desafiam dentro da
escola, é sempre interessante ampliar o foco de nossa atenção, o que
permite estabelecer relações entre fatos e, assim, compreendermos melhor
aquilo que se passa a nosso lado.
É prudente reafirmar que as soluções propostas para o caso
apresentado não devem ser consideradas as únicas. Você, aluno, pode
apresentar suas próprias soluções, pois se considera que existem novas e
interessantes maneiras de enfrentar desafios dentro do ambiente escolar.

ATIVIDADE FINAL

Descreva e justifique sua própria maneira de buscar soluções para o caso da


gatinha selvagem.

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RESPOSTA COMENTADA
Lembre-se de que sua reflexão e postura pessoal deverão, principalmente,
demonstrar coerência. Ser um professor que exige disciplina não é um “pecado”
ou um erro. O propósito desta aula é mostrar que uma atitude radical e sem crítica
pode ser geradora de novos problemas no comportamento dos alunos.

106 C E D E R J
MÓDULO 1
AUTO-AVALIAÇÃO

10
AULA
Ao final desta aula você deve ter compreendido a importância de considerar
diferentes abordagens – disciplinadora e compreensiva – para que se possa
desenvolver o senso crítico em relação às práticas cotidianas em sala de aula.
Se você sentir necessidade, converse com seu tutor, pois o diálogo é um caminho
que nos ajuda a melhor compreender os fenômenos complexos que ocorrem no
nosso dia-a-dia.

C E D E R J 107
Cultura e cotidiano escolar –

11
AULA
A sala de aula
Ética e Educação

Ao final desta aula, você será capaz de:


objetivo

• Rever concepções, conceitos e noções explorados nas aulas anteriores


com abordagens sobre a idéia de cultura, sua tipologia e exteriorização;
a organização da escola e o cotidiano escolar; as dimensões esquecidas
da escola e da sala de aula; a subjetividade, as relações, a construção do
conhecimento, a organização de turmas no espaço de sala de aula.

Pré-requisito
Esta aula contém uma síntese das
dez aulas passadas. Para uma efetiva revisão, retome o material
de estudo, condição essencial para solidificar
as aquisições já feitas.
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula. Ética e Educação

AULA-SÍNTESE Por que parou...


parou por quê?
(autor desconhecido)

O trem saiu da estação e, veloz, foi


se deslocando para a parada seguinte.
A paisagem montanhosa quase que
era um borrão se delineando cada vez
mais precisamente em seus contornos.
Pouco a pouco, o trem foi diminuindo
a marcha, foi diminuindo e... estancou.
Parou de verdade.

Aproveite a interrupção da viagem na Terra dos Fundamentos. Relembre os


avanços decorrentes de seus estudos anteriores. Releia os resumos e refaça as
avaliações. Após, mãos à obra. Há uma aula-síntese com novas atividades.
Então... BIS!

AULA 1
TEMA: DEFINIÇÃO DE CULTURA

Os comportamentos das pessoas expressam formas diferentes


de pensar, ser e agir e são característicos do espaço-tempo social em
que vivem. Continuamente, os homens criam normas, valores, idéias,
hábitos, saberes e costumes e, deste modo, reorganizam, modificam
e acrescentam normas e práticas ao ambiente social.Transmitem aos
mais jovens este acervo, e estes reiniciam o processo de inovação.
A realidade é constantemente reconstruída no sentido de si mesmo, dos
outros e do mundo. A diversificação da organização interna de cada
sociedade possibilita ao indivíduo pertencer a vários grupos com culturas
específicas. São as subculturas.
Como forma de aplicação dos conhecimentos dominados, tente
completar o quadro a seguir:

PESSOAS LOCAL AÇÃO/PRODUÇÃO SUBCULTURAS

Artesãos Feira na praça Bonecas de pano Artistas populares

Espectadores Teatro Municipal Espetáculo de dança

Final de campeonato
Assinantes de TV paga Desportistas
colegial de handball

Pais de alunos de Escola


Festa junina Pais representantes
Fundamental

110 C E D E R J
A aprendizagem dos aspectos fundamentais da cultura de uma

11
sociedade compõe a socialização primária, enquanto a aprendizagem

AULA
correspondente a cada grupo social é chamada socialização secundária.
A escola produz trabalhos com os dois níveis de socialização ao explorar
conteúdos na dinamização de sua estrutura curricular no processo de
formação dos indivíduos componentes de dada cultura, dada realidade.
Compatibilizam-se currículo e realidade.
O etnocentrismo supõe a superioridade de um padrão cultural
qualquer, apesar de identidades e culturas guardarem a mesma condição
de igualdade. Discriminação e exclusão são efeitos do comportamento
etnocêntrico. Ao contrário, tolerância e igual aceitação da diversidade
cultural promovem a configuração democrática de uma sociedade.
O tratamento da multiplicidade cultural se constitui em missão
da escola ao relacionar e integrar saberes e práticas.

AT
ATIVIDADE

1. Agora, desenvolva uma atividade de raciocínio matemático. Fique


esperto.

Se o etnocentrismo supõe a superioridade de um padrão cultural sobre


outros padrões, então, supondo Deus brasileiro, o Brasil contaria com
o privilégio de _________________________________________________
_____________________________________________________________

AULA 2
TEMA: TIPOS DE CULTURA

Caracterizar a produção cultural auxilia muito no entendimento


da cultura. A estrutura de classes sociais determina níveis hierárquicos
de expressão cultural. Assim, temos a cultura erudita com produção e
manifestação direcionadas à camada social mais elevada, entendida esta
como composta pelos mais ricos, poderosos e educados, com hábitos,
gostos e estilos de elevado refinamento. O consumo da elite pressupõe
a produção dos “clássicos”, pilares da produção artística.

C E D E R J 111
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula. Ética e Educação

Já a camada inferior da população, produz e consome a


denominada cultura popular. São seus representantes artistas altamente
criativos e improvisadores, com pouca formação escolar. O Folclore
brasileiro, produto anônimo de pessoas e grupos, tem sua origem ligada
ao campo. A cultura popular urbana é produção das minorias étnicas
oriundas dos moradores dos bairros mais pobres.
O desenvolvimento dos meios de comunicação ocasionou o
aumento da produção e difusão dos bens culturais e artísticos. Novas
técnicas de reprodução foram criadas e as informações propagadas para
a população em geral. A televisão passou a ser o veículo mais influente
da cultura de massa. Estado e iniciativa privada investiram em meios
de comunicação na busca de objetivos políticos e econômicos, processo
amplo e complexo. Como efeito, a porção de sentido “cultura de
massa” é substituída por “indústria cultural”, entendida por organismos
empresariais como mercadoria a ser consumida em altas proporções.
Influência estrangeira, por conta de EUA e Europa, faz-se presente
ativando o processo de desenvolvimento cultural em razão da internet
e outros avanços de produção e difusão da cultura.
O fenômeno da circularidade das culturas decorre de elementos e
traços culturais pertinentes a diferentes classes/níveis sociais interagindo.
Conclusivamente, é incerta a correspondência exata de certo nível
cultural e certa classe social.
O caldeirão cultural brasileiro recebe extensa influência dos
meios de comunicação e dos padrões disseminados pela família,
religião, escola e mídia.
Os padrões disseminados pela família, religião, escola e mídia e
a influência extensa dos meios de comunicação são condicionantes de
configuração do caldeirão cultural brasileiro.
O sistema de ensino é componente da dinâmica de produção e difusão
cultural, tendo a escola sujeitos, matizes e identidades culturais diferenciados.
Há que se entender, no processo de aprendizagem escolar, saberes e currículo
também como produtos de um processo sociocultural.
A consagração de toda esta ponderação deve estar presente no
pensar e fazer de cada projeto pedagógico elaborado.

112 C E D E R J
A
ATIVIDADE

11
2. Um exemplo de cultura popular é o hábito de contar histórias de

AULA
bruxas que as crianças residentes na região da Lagoa da Conceição,
Florianópolis, têm. As tardes de sábado são dedicadas a isto. São feitos
relatos sobre lobisomens, pessoas que se transformaram em árvores,
histórias de pescadores e muito mais. Leia uma destas histórias:

Um homem bate à porta, a mulher atende, o homem com dentes


poderosos dá-lhe uma mordida. A blusa dela se rasga e um pedaço
de fazenda é perdido. De manhã, ao acordar, olha para o marido.
Seus dentes guardam fiapos e tecido de sua blusa amarela rasgada.
O próprio lobisomem.

AULA 3
TEMA: CULTURA PATENTE E CULTURA LATENTE

A historicidade das normas culturais é a ferramenta para


compreender os elementos e padrões em sua transitoriedade no seio da
cultura de uma sociedade. O processo de criação e recriação constante
é, em si, a dinâmica de transformação social. Padrões e artefatos
constituídos e constituintes servem para vislumbrar a escola como
cultura patente e cultura latente.
A cultura patente está instituída por normas, valores, idéias e práticas
vigentes em dimensão real e atual na ordem societária, sendo adequada
a determinado contexto social. Sob esta ótica, perceba-se a escola como
organização conservadora em alguns traços do seu cotidiano:

No plano do conhecimento: os saberes, a rigidez curricular, as


práticas, a autoridade docente e a concepção sobre o aluno;
No campo da avaliação: a valorização da nota, a ênfase em moldes
quantitativos e a aprovação ou reprovação;
Na área material: o aprender/registrar no papel, o uso de caderno
e quadro-de-giz, o preenchimento e atualização de diário de
classe e a consagração do livro-texto;
No domínio do comportamento: a expectativa relacional referente
a padrões de normalidade no que tange a roupas, adornos e
modelos estéticos;
Na linguagem: a significação de “aluno” e a significação de
“estudante”.

C E D E R J 113
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula. Ética e Educação

ATIVIDADE

3. A escola é o espaço do não-saber. Saber o quê? Os pensadores de


educação para este milênio enfatizam a idéia de aprender o processo
de aprender. Relacione esta afirmativa com os esclarecimentos
contidos no texto da aula e conceitue “estudante”. Troque opiniões
com um colega.

A cultura latente está por se fazer. Quando em construção,


inova e edifica outras normas, idéias e valores. Ela torna possível, no
âmbito das relações sociais, a criação, a transformação e a renovação
da realidade.
A escola, se renovada, reconstrói-se em moldes de pensar e
fazer, incorpora novos valores e práticas, é formadora da cidadania,
desenvolve as diversas capacitações dos indivíduos, estimula a
organização, a mobilização e a participação populacional. Também
proporciona qualidade à educação, respeita a diversidade cultural,
considera os aspectos informais e de construção do conhecimento, não
confunde autoridade docente com autoritarismo, institucionaliza-se
fundamentada em cooperação e no diálogo, não se equivoca a respeito
de liberdade e criatividade discente em prol de individualismo, utiliza
os meios de comunicação em sua lógica para a informação e produção
de conhecimento, propõe nova disposição do espaço escolar disponível,
promove a metaaprendizagem, mantém hábitos de leitura de textos e
livros, informa e forma para a vida social como um todo.
No seu vir-a-ser institucional, a escola ratificada como serviço
público, tem condições de pensar e agir para transformar padrões e
cada vez mais promover a integração econômica, política e cultural dos
indivíduos na sociedade.

AT
ATIVIDADE

4. Imagine uma escola intencionalmente promotora de criação, transformação


e renovação da realidade circundante. Que nome ela teria? Tomemos, por
hipótese, ”Centro de Formação de Pessoas Plenas”. Este não está valendo.
Crie outra denominação.

__________________________________________________________________
__________________________________________________________________

114 C E D E R J
11
COMENTÁRIO

AULA
Se você pensou em autoritarismo, poderia ter produzido algo como
“Núcleo Educacional de Democratização”, mas, se trabalhou com a
idéia de criatividade, que tal “Posto de Criatividade Avançada”?

AULA 4
TEMA: ORGANIZAÇÃO ESCOLAR

A produção cultural da sociedade, em particular a da escola,


abarca elementos materiais ligados ao mundo físico e concreto.
Os elementos não-materiais são representados simbolicamente por
processos em andamento identificados pelos prismas da interação
escolar e da importância conferida ao funcionamento da instituição em
consonância com objetivos por ela propostos.
A cultura escolar cria e legitima um conjunto de formas de pensar
e agir. Sua finalidade é reproduzi-la e assegurar a manutenção das relações
sociais. Algumas instituições escolares granjeiam na sociedade mais
prestígio que outras. A escola, os meios de comunicação e os grupos
religiosos enaltecem a veia utilitarista da Educação. Valores e costumes
alicerçam a preponderância de disciplinas e cursos como escolha e
preferência. O saber humanístico dado como “inútil” é relevante para
o controle político, econômico e cultural dos indivíduos pelas instituições
sociais. O crivo sobre o sistema social utiliza-se de processos reflexivos
que consideram a organização e o funcionamento sistêmico tendo em
mira a formação da cidadania.
Não só a formação consciente e crítica, mas também a adequação do
sujeito às determinações sociais são favorecidas pelo domínio das Huma-
nidades. Regras meritocráticas, construção de modelos, estabelecimento de
estereótipos são formas de desprezo às multiculturas e identidades diferenciadas
presentes na cultura escolar. Cultura escolar e cultura popular se contrapõem
pela valorização do saber erudito e/ou intermediário, respectivamente
originários da classe alta e da classe média.
Numa feição de serviço público, o potencial pedagógico da mídia
ainda não entrou na pauta da escola para análise e debate.

C E D E R J 115
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula. Ética e Educação

AT
ATIVIDADE

5. Por que o autor, no último parágrafo do texto de estudo original, que


você encontra na Aula 4 desta disciplina, afirma ser necessário questionar e
reinventar a cultura escolar e suas finalidades? Aponte, por tópicos, as idéias
que você utilizaria para compor um discurso final acerca da reinvenção da
cultura escolar. Se você desejar, registre esta síntese por escrito e compare-a
com o registro de um colega ou converse com seu tutor.

AULA 5
TEMA: AS DIFERENTES FORMAS DE COTIDIANOS
ESCOLARES

Uma forma de se refletir acerca da ordem social é sob a ótica


do conjunto de determinações coletivas que estabelecem os padrões de
comportamento e pensamento dos indivíduos e grupos sociais.
Os indivíduos e grupos sociais imersos na realidade dão a ela
sentido. Utilizam, para isto, suas percepções e definições ao fazerem
parte de circunstâncias. Quando assim estão agindo, os indivíduos são
considerados atores sociais, na vivência de papéis. Esta é outra maneira
de se perscrutar a ordem social.
No contexto social, os atores interagem em rede e mútua
reciprocidade e influência ao compartilhar idéias, hábitos e costumes,
formando-se assim a comunidade. É possível a existência de comunidades
diferenciadas compostas por indivíduos que migram de outros grupos.
Pelo processo de interação social, os atores constroem repre-
sentações sobre si mesmos e os demais com os quais convivem.
As dimensões grupais e comunitárias são essenciais para a compreensão
da diversidade social, correspondente a um foco microssociológico, e assim
estruturadas sem que prescindam da visão do todo.

Pode-se lançar o olhar sobre qualquer realidade sociocultural.


Na escola ou sala de aula, os atores da relação professor-aluno cotidianamente
materializam situações de conflito e negociação. Entender as dimensões e os
modos de construção dos significados no dia-a-dia escolar, segundo a percepção
deste dois atores e dos que estão ao seu redor, abre portas ao discernimento
amplo e preciso concernente ao plano real da subcultura escolar.
As significações a respeito da escola decorrem da percepção que os
atores escolares adotam como expressão comportamental na interação
individual e grupal. A visão estabelecida por professores em relação a
seus alunos influenciará sobremaneira suas percepções docentes.

116 C E D E R J
A mesma realidade educativa é tida pelo grupo/escola com

11
significações múltiplas, fruto de percepções construídas nos processos

AULA
interativos estimuladores das capacidades de adaptação, harmonização,
conflito e resistência às ações uns dos outros.
Na aula em questão, você realizou a tarefa de recolhimento de
relatos e depoimentos. Utilizando os registros, sublinhe tudo que pareça
importante, mas só considere referências para a área emocional e a idéia
de reconhecimento pessoal.

AT
ATIVIDADE

6. DESCOBRINDO...

Que capacidades e atitudes parecem estar presentes nos relatos


e depoimentos?

_______________________________________________________________
________________________________________________________________
______________________________________________________________

Você conseguiu contemplar aspectos referentes a ambos, aluno


e professor?

_______________________________________________________________
_______________________________________________________________
_______________________________________________________________

AULA 6
TEMA: O ESPAÇO DA SALA DE AULA

É de forma altamente complexa que o processo ensino-


aprendizagem sucede na sala de aula com presença viva de idéias, valores,
desejos, atitudes e aprendizagens. Lá também é estabelecida a relação
dos professores com seus alunos e deles entre si, firmando-se em ponto
menor um sistema de vida. Este sistema é resultante da teia de ações
e reações dos que ali estão e de outros que nem sequer conhecemos.
O espaço “sala de aula” faz parte do mundo. É bastante característico
e, fisicamente, ocupa uma área.
Veja, a seguir, que espaço é este:
• O ambiente da sala de aula se exprime em ato social e em
ato coletivo.
• Na sala de aula, as ocorrências se dão ao sabor de ritmos, gostos,
tendências, ações e práticas.

C E D E R J 117
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula. Ética e Educação

• A aprendizagem na sala de aula deve ter sentido, importância e


significado, tanto para quem aprende, quanto para quem ensina.
• Os registros humanos presenciais de ocupação da sala de aula
expressam a condição humana ali existente.
• As relações estabelecidas com o que está sendo vivido e sentido
na sala de aula é de mais valia que ordem ou desordem.
• O cuidado tido com a sala de aula em seus aspectos materiais
e humanos revela o nível de estima instalado.
• Na sala de aula, em clima de liberdade, o professor constrói e
reconstrói seus valores e experiências.
• As pessoas presentes na sala de aula estão imersas em processo
de transformação, em incessante movimento, às voltas com novas
descobertas.
• A sala de aula possibilita conhecimento e autoconhecimento,
favorece trocas humanas, permite achados, condicionantes para a
aquisição de saberes.
• O espaço territorial pertencente a alunos e a professores está
nitidamente demarcado na sala de aula.
• A organização física da sala de aula é um elemento sinalizador
de múltiplos aspectos, dentre eles a diagnose classificatória.
• Há particularidades tangíveis na sala de aula e ainda nuances
silenciosas não explícitas encontradas em programações e abordagens
de conteúdo.
• A feição da sala de aula é de “laboratório” ao lidar com amostras
dos problemas contemporâneos, em esfera da comunidade ou ocorrências
mundiais.

A
ATIVIDADE

7. Escolha qualquer das características apontadas acima.

Você se recorda de alguma situação exemplificadora do que foi indicado


como traço do espaço “sala de aula”?

Quer um exemplo? Alunos trabalham em grupo. Ao perceberem a


aproximação do professor, ficam calados e deslocam as ilustrações para
que não sejam vistas de imediato. Conclusão: no momento de produção
de tarefas, é melhor trabalhar mais à vontade, sem crivo supervisor ou
analítico, guardando distância do mestre.

118 C E D E R J
AULA 7

11
TEMA: A ORGANIZAÇÃO INTERNA DAS TURMAS E A

AULA
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO

As funções básicas da escola são: transmitir conhecimentos,


habilidades e técnicas; e, ainda, garantir uma certa continuidade e
controle social pela transmissão e promoção de um conjunto de saberes
e atitudes. A educação, fenômeno socialmente construído e efetivado
nas escolas, tem muito mais relação com o que há de ser do que com o
que é. Cabe ao sistema escolar realizar as funções básicas de educação.
A escola, como tecnologia da educação, tem invenções tecnológicas
criadas para a realização de tarefas educacionais: as salas de aula. Seu
pleno funcionamento ocorre pela organização de cada turma no sentido
da aprendizagem dos conteúdos e desenvolvimento cognitivo e social.
No presente, as relações entre alunos e formas cooperativas de
trabalho substituem a ênfase maior na figura do professor e em trabalhos
individualizados. Alicerçadas por pesquisas da Psicologia da Educação,
as atuais práticas pedagógicas privilegiam atentamente a natureza da
interação aluno-aluno e a organização social e atividades de aprendizagem
implementadoras de pautas interativas de cunho discente.
São três as formas básicas de organização social, para o alcance de
objetivos, durante a realização de atividades de aprendizagem atendendo
ao tipo de interdependência entre os alunos.
Numa situação cooperativa, há vinculação estreita dos objetivos e
cada aluno atinge os seus ao mesmo tempo em que os demais. A recompensa
é diretamente proporcional aos resultados do trabalho do grupo.
Numa situação competitiva, embora os objetivos dos participantes
estejam relacionados, somente a meta proposta é alcançada – benefício
pessoal, se os demais participantes não alcançarem o almejado. Um membro
recebe recompensa máxima e os demais recebem recompensas menores.
Numa situação individualista, são perseguidos resultados de
benefício pessoal, não sendo relevantes os demais resultados individuais
obtidos, pois não é guardada relação entre os objetivos dos participantes.
A recompensa resulta das realizações pessoais independentemente dos
resultados dos outros membros.
A seguir, são apontadas conclusões das investigações sobre
a influência destes tipos de organização social das atividades escolares a
respeito dos processos de ensino e de aprendizagem, a relação interativa
dos alunos e o nível de rendimento.

C E D E R J 119
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula. Ética e Educação

• Relações mais positivas entre os alunos se estabelecem quando


são realizadas aprendizagens cooperativas, sendo professores e toda a
instituição escolar também afetados por elas.
• Em situações cooperativas, os grupos são mais abertos e fluidos
e seus membros caracterizados por motivação e interesse.
• As situações cooperativas promovem rendimento e produtividade
superior aos participantes se comparadas às situações competitivas.
• De igual forma, há superioridade em tarefas de formação de
conceitos e resolução de problemas.
• A superioridade aumenta na elaboração de um produto
pela estimulação mútua entre os participantes, intercâmbio fluido de
comunicação e repetição verbal do material a ser aprendido.
• Os grupos pequenos, que elaboram produtos, têm o rendimento
e a produtividade dos participantes ainda mais elevados em circunstância
de cooperação intragrupo do que em competição intergrupos.
• Há mais rendimento e produtividade quando a cooperação não
é explorada em situações de competição intergrupos.
• As situações cooperativas são superores às individualistas quanto
ao rendimento e à produtividade dos participantes.

AT
ATIVIDADE

8. Crie três quadrinhos. Um para exemplificar, em sala de aula, uma


situação cooperativa; outro que seja característico de competição
grupal entre estudantes; e um último em que a recompensa seja
obtida por um só indivíduo.

Sabe desenhar? Se não sabe, sempre há o recurso de recorte e


colagem utilizando revistas em quadrinhos.

Três razões determinam as formas de agrupamento: como


organizar os trabalhos, como tratar alunos diferentes e atuação na área
de conteúdos e comportamentos.

120 C E D E R J
As estruturas organizativas complexas não contemplam as

11
potencialidades das várias formas de agrupamento. Tal ocorre em razão

AULA
da diversidade dos alunos e da aprendizagem de conteúdos de natureza
diversa. Turma, grupos, trabalho individual e critério de homogeneidade
e heterogeneidade serão considerados.
A turma tem caráter organizativo e didático, numa perspectiva
construtivista em trabalhos conjuntos e no trato de procedimentos e
atitudes, com ajudas pertinentes e específicas na direção da competência
do aluno. A ajuda pelo professor considerará:
• Os esquemas de conhecimento dos alunos a partir dos significados
e dos sentidos que já possuíam em relação ao conteúdo em questão.
• A provocação de desafios no questionamento de significados e
sentidos e sua modificação numa direção desejada.
Tanto a ajuda sistemática e planejada prestada pelo professor,
quanto a interação cooperativa entre os alunos favorecem a criação
do ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal), distância entre o nível
de resolução de uma tarefa alcançada de forma independente e o
nível alcançado com a ajuda de um colega.
Eis algumas das respostas que podem ser dadas ao se proporcionar
educação, recorrendo-se a diferentes tecnologias: métodos, artifícios e
ferramentas pedagógicas.

AT
ATIVIDADE

9. Encontro pedagógico. A discussão é sobre trabalho individual ou


coletivo. Sete presentes (universitários CEDERJ) argumentam de forma
consistente sobre as vantagens do trabalho cooperativo. Arrasam.
Reproduza as falas deles com suas próprias palavras. Use os balões.

C E D E R J 121
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula. Ética e Educação

AULA 8
TEMA: A SUBJETIVIDADE PRESENTE NA SALA DE AULA

O conflito e o ofício de formar pessoas são indissociáveis.


O conflito também está presente na formação e ação do educador. A
teoria psicanalítica tem contribuições para que melhor o entendamos.
Há fantasias infantis de natureza sexual. Há pulsões sexuais
desmembradas em pulsações parciais, estas vividas livremente pela
criança. As pulsões parciais não selecionam um objeto preciso, são
vinculadas ao prazer, e a criança aproveita-se do próprio corpo como
fonte prazerosa e expressão de sua sexualidade. As pulsões parciais
buscam os objetos que lhes satisfazem e, assim, a pulsão sexual pode
trilhar vias socialmente úteis, desviando-se para outras finalidades,
podendo, neste prisma, ser sublimada.
A energia impulsionadora da libido-pulsão sexual é excessiva,
constitui-se em reserva e pode ser reaproveitada. Esta energia é aplicada
em atividades outras de produção científica, artística e/ou promotoras
do aumento de bem-estar e da qualidade de vida dos homens.
A educação tem peso considerável no processo de sublimação. No
cotidiano da sala de aula, as pulsões sublimadas sofrerão transformações
refletindo-se na atividade do aluno em práticas e produtos que deveriam
trazer-lhes enlevo e alegria, enquanto pulsões dedicadas ao prazer.
A supressão das pulsões parciais gera neurose, um dos efeitos da
educação repressora em campo restrito. Em campo lato, a ação política
e as classes sociais no poder igualmente a promovem.
A sublimação é um mecanismo inconsciente, não sujeita a controles
de fora para dentro, e, portanto, a conselhos e outras tentativas de
direcionamento. A sublimação se deriva das pulsões sexuais parciais.
Nos adultos, compreendidos nesta oportunidade pais e
professores, o esquecimento se dá por recalque – repressão da infância
sexual. O enfrentamento desta dificuldade pela escola, neste caso o
pessoal de magistério, expressa-se pela decisão de que tão logo os
alunos demonstrem interesse pelo assunto, deverão obter da escola, no
contexto de ensino, as informações pertinentes. As anteriores práticas
lúdicas infantis de cunho sexual (vivências) já estruturaram um campo
fértil para o interesse neste domínio.

122 C E D E R J
O professor, um adulto recalcado sexualmente, tem dificuldade

11
para responder às perguntas formuladas pelos alunos e responde com

AULA
divagações e até censura. É o início precoce de um conflito psíquico,
pois a referência de natureza pulsional infantil não é declarada, em
virtude dos julgamentos e conveniências dos adultos amparados por
sua autoridade.
A origem do recalque se alicerça mais na proibição imposta no
dizer e menos na proibição imposta no agir. Aquilo que não se diz não
pode ser pensado conscientemente. Fica instalada a censura sobre a
palavra, e este erro educacional trará como conseqüência, em última
instância, o comprometimento da independência, ou seja, o exercício
da função intelectual.
As práticas educacionais de repressão das pulsões não consideram
os interesses da coletividade, os interesses individuais, os desejos da
criança. O processo de educação para a realidade fica comprometido
ao desconsiderar a realidade psíquica. As indicações fornecidas pela
psicanálise podem se tornar contribuições de porte para a conduta do
professor em prol da formação do indivíduo.

AT
ATIVIDADE

10. Você já teve contato com esta expressão: “Freud explica”?

Faça como Freud. Explore a aplicação teórica do texto no

ambiente da sala de aula.

C E D E R J 123
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula. Ética e Educação

AULA 9
TEMA: AS DIMENSÕES ESQUECIDAS DA SALA DE AULA
E DA ESCOLA

A escola se constitui em lugar de confrontação e encontro entre


professores e alunos. Lá, o professor exerce um “ofício” e o aluno
também. Em razão do ofício dos alunos, identifica-se o uso de habilidades
manuais, a realização de aprendizagens e a construção de conhecimentos
durante a execução de um trabalho especializado: o trabalho escolar.
É um trabalho não escolhido pelo sujeito, depende de um outro, ocorre
sob a visão e o controle permanente de terceiros e ainda fica submetido
a uma avaliação. A escolaridade, período longo de tempo, é composta
de muitas rotinas diárias. O aluno, em razão delas, coloca em ação
estratégias de sobrevivência ao ver-se sob o jugo do poder institucional
escolar. Em prol da aprendizagem, ora utiliza o fingimento, ora tenta
passar despercebido na relação com o professor que o espreita, corrige,
guia, interrompe e tudo ocorre diante de interpelações de outros.
O caráter destrutivo da pressão escolar, expressa pela vigilância
constante, a ameaça de punição pelo erro cometido e o castigo da
reprovação, induz os alunos a reações e comportamentos carreados por
disfarces, mentiras e hipocrisias. Dão as respostas desejáveis, recebem a
nota necessária e ponto.
Diante das regras presentes e as sombras ameaçadoras do fracasso
na vida, resta ao aluno adotar comportamentos relativos a artifícios e
aparências. São reações próprias do ofício dos alunos.
Desta forma, a escola reveste-se de uma lógica avessa ao ensino e
ao aprendizado escolar. A via relacional fica comprometida. Estabelece-
se o conflito envolvendo desejos, propostas e expectativas do professor,
a pressão exercida para a consecução dos objetivos docentes e o
mundo do aluno. O espaço de encontro transforma-se em lugar de
confrontação.
O esquema de ações (habitus), internalizado na vivência escolar,
influenciará a construção de uma imagem da realidade e comportamentos
cotidianos no trato com pessoas e em outras organizações. Os modos
de relacionamento internalizado se dão por aprendizagens como
“viver na multidão”, isolamento, passividade, submissão à avaliação
do outro, mobilização de recompensas, controle do ritmo do trabalho
escolar, experienciação em grupos restritos e contato com hierarquia,
estratificação, distribuição de poder e convívio com pessoas ou grupos

124 C E D E R J
com status diferenciado. Acrescente-se, ainda, as aprendizagens de

11
relação com o tempo, relação entre o espaço privado e público e relação

AULA
com as regras e saberes.
A escola possui uma cultura que lhe é própria. É um lugar de
confrontos e encontros, e um espaço para o exercício qualificado do
ofício do aluno.

O panóptico

É um olho invisível à nossa visão, mas que tudo observa. Tudo vê e não
é visto. Coisa pensada por Foucault. Os “pardais” de trânsito, câmeras
de segurança e tal são aplicações disso.

Façamos a suposição de que Foucault olhou, falou e disse:

– A escola parece, mas ainda não é.

Como comentar esta fala? Troque idéias com seu tutor ou um colega.

AULA 10
TEMA: AS RELAÇÕES PRESENTES NA SALA DE AULA

Na escola, a sala de aula é composta por uma gama de


subjetividades. São estabelecidas relações de alta complexidade no
encontro de diferentes pessoas. O tomar posse dos saberes escolares é
uma das vertentes de interpretação no mundo circundante.
Há estabelecimentos regidos por hierarquia, disciplina e ordem.
Nesta concepção educativa, predomina a recorrência a modelos
previamente instalados, punições, ambiente discriminatório, atitudes
preconceituosas, desvalia da auto-imagem, desestimulando os seres que
ali estão a explorar capacidades internas de reorganização e, assim,
forçando-os a adaptarem-se a modelos concebidos.
O espaço escolar elaborativo de conhecimentos e valores de
inúmeras ordens, de disposição e experiências relacionais múltiplas,
de propostas, de diferenças, de reconhecimento da importância e
significado de cada pessoa é lugar do cuidado, verdadeiramente espaço
do processo de desenvolvimento e projeção humanos.

C E D E R J 125
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar – A sala de aula. Ética e Educação

AT
ATIVIDADE

11. Releia, na Aula 10, o estudo de caso. Lance mão de todo o material de
estudo referente a esta aula. Desenhe o prédio de cada uma das escolas
dos casos. Personifique o estudante de uma e outra ao final do processo
escolar. Se necessário, recorra outra vez a revistas em quadrinhos.

Esperamos que você tenha aproveitado esta parada extraordinária


do trem.
Para evitar o tédio, algumas atividades foram solicitadas no corpo
desta aula-síntese. Se surgiram dúvidas, devem ter sido dissipadas pela
consulta aos textos de origem, nas Aulas 1 a 10. Elas são ferramentas
poderosas para propiciar verdadeiro domínio e aprofundamento da
aprendizagem.
O trem já recomeça seu movimento característico.
Lá vamos nós...

126 C E D E R J
12
AULA
Os desafios éticos
da Educação
Meta da aula
Compreender a importância da ética para o
aprofundamento das questões educativas.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Esclarecer o papel da escola que não se limita a transmitir conteúdos teóricos, mas
estimula a indagação sobre a conduta do homem em sociedade, suscitando
a reflexão ética nos educandos.
• Analisar o discurso ético na escola como determinante na formação
da consciência cidadã do aluno.
• Estimular o convívio democrático e tolerante entre os alunos, fomentando
o respeito às diferenças individuais.
Fundamentos da Educação 4 | Os desafios éticos da Educação

A pobre ética não veio ao mundo para dedicar-se a escorar ou


a substituir catecismos... pelo menos não o deveria fazer (...)
A reflexão moral não é apenas mais um assunto especializado para
quem deseje fazer cursos superiores de filosofia, mas é uma parte
essencial de qualquer educação digna desse nome (SAVATER,
1996, pp. 9-10).

INTRODUÇÃO Fernando Savater, importante teórico espanhol, em Ética para meu filho, alude à
importância da ética. Não se trata apenas de um assunto especializado destinado
àqueles que estudam Filosofia, mas de uma disciplina que nos leva a refletir
sobre o sentido da conduta humana. Portanto, a ética compete a todos; a
Educação, por sua vez, não pode deixar de atiçar os alunos à discussão sobre
os valores, o comportamento, as diversas atitudes que devem ser adotadas ao
longo de suas vidas.
Contudo, se nos fosse perguntado qual é uma das principais funções da escola,
responderíamos, sem dúvida, que seria a que consiste em buscar desenvolver o
potencial dos alunos por meio do aprendizado de disciplinas específicas como
Português, Matemática, História, Ciências etc. Essa resposta, apesar de também
correta, está diretamente ligada a outros aspectos igualmente importantes.
Não se poderia deixar de mencionar a tarefa de qualificar os alunos para o
ingresso no mercado de trabalho, de estimulá-los à convivência em grupo ou
de aprimorarem sua capacidade comunicativa. Todas essas características, no
entanto, ainda se mostram insuficientes, se não levarmos em conta o aspecto
ético da atividade pedagógica.
Porém, antes de continuar esta questão, devemos propor algumas perguntas
fundamentais para a compreensão desta aula: Você sabe o que é Ética? Já
discutiu sobre questões éticas com seus amigos? Já disse “Tal político não tem
ética.”? Você já se perguntou o que esse termo significa?
Sem dúvida, deve ter levantado essas questões. Por isso, esta aula será muito
importante para esclarecer situações que você aborda no seu dia-a-dia,
embora não conheça claramente o conteúdo daquilo que você está falando.
Comecemos, portanto, com uma pergunta fundamental:

O que é ética?

128 C E D E R J
ÉTICA: ORIGEM E CONCEITUAÇÃO

12
AULA
A palavra ética remonta ao termo grego êthos. Esse termo
significava habitação, moradia. Tal definição remete à idéia de um lugar
de onde se sai e para o qual se regressa. Alude, assim, ao caráter geral
do homem, às suas atitudes e posturas mais estáveis, aos parâmetros que
norteiam sua conduta. Desse modo, uma reflexão ética precisa levar em
conta a plenitude da vida humana.
Para nos aprofundar ainda mais na questão estudada, um
dicionário filosófico e um de Língua Portuguesa fornecem importantes
subsídios. Assim Abbagnano define Ética:

Em geral, ciência da conduta. (...) ciência do fim para o qual a


conduta dos homens deve ser orientada e dos meios para atingir
tal fim, deduzindo tanto o fim quanto os meios da natureza do
homem (...) ciência do móvel da conduta humana que procura
determinar tal móvel com vistas a dirigir ou disciplinar tal conduta
(1999, p. 380).

Já Houaiss caracteriza Ética como:

(...) parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios


que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento
humano, refletindo especialmente a respeito da essência de normas,
valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade
social (2001, p. 1.271).

Conforme as definições apresentadas, podemos dizer que a Ética


reflete a conduta do homem, seus fins, os meios e as motivações do
comportamento, assim como indaga sobre a própria natureza do homem.
Como disciplina filosófica, a Ética também caracteriza-se por estudar
as normas que regem a conduta das pessoas em sociedade. Para isso,
busca-se identificar tanto a origem dos juízos morais quanto os princípios
racionais que os justifiquem.

A Ética estuda a conduta do Homem: seus fins, meios e motivos do


seu agir, refletindo sobre sua própria natureza. Analisa normas,
valores e regras que orientam o comportamento do homem no
convívio social.

C E D E R J 129
Fundamentos da Educação 4 | Os desafios éticos da Educação

No entanto, quando nos referimos ao discurso ético inerente à


escola, ressaltamos que ela é uma instituição que reflete diretamente
as relações sociais vigentes em determinado momento histórico. Não
se trata, pois, de determinar quais os princípios gerais que levam os
indivíduos a determinada conduta, princípios esses que variam em função
de fatores religiosos, étnicos, familiares ou do conjunto de informações
de que os indivíduos dispõem. Perceber isso coloca o educador – e todos
os que participam do universo pedagógico – diante do desafio de não
somente formar cidadãos, mas de capacitá-los a conviver numa sociedade
pluralista e democrática.

ATIVIDADE

1. Reflita sobre as questões éticas presentes nas três matérias a seguir; as


duas primeiras são do jornal O Globo, de 20/1/2005, e a seguinte você
pode acessar no site www2. rnw.ni/rnw/pt.

Bispo defende camisinha contra AIDS mas volta atrás.

A Conferência Episcopal Espanhola tentou ontem pôr fim à polêmica


criada por seu porta-voz, o bispo Juan Antônio Martínez Camino, que
afirmara que os preservativos têm seu papel na prevenção da Aids. Em
nota, a Conferência explicou que seu uso é imoral (p. 1).

Ministério vai distribuir 11 milhões de preservativos durante o carnaval.


Com o slogan “Vista-se, use sempre camisinha”, a campanha custa
R$ 5 milhões.

BRASÍLIA. O Ministério da Saúde vai distribuir nos dias de carnaval 11


milhões de preservativos em todo o país, um milhão a mais que nos anos
anteriores. A informação foi dada durante o lançamento da campanha
do combate à AIDS para o carnaval deste ano. (...) o governo gastou
R$ 5 milhões em cartazes, panfletos, camisetas, abadás, bandanas e
porta-preservativos, além das camisinhas para convencer o público das
classes C, D e E a se prevenir” (p. 11).

Aids: perigo continua (Raymundo Prett, 6 de julho de 2004).

O vírus da AIDS continua se alastrando e ainda constitui uma grande


ameaça para a sociedade em todo o mundo. Essa é a advertência feita pelo
secretário geral da ONU, Kofi Annan, no relatório da agência das Nações
Unidas para a AIDS, Unaids, publicado no dia 6 de julho. Os cálculos indicam
que no ano passado cerca de 4,8 milhões de pessoas contraíram o HIV, o
vírus causador da AIDS, uma cifra recorde em relação a anos anteriores.

130 C E D E R J
12
AULA
Após a leitura desses trechos e uma breve análise do mapa (que você pode encontrar
no site www.agenciaaids.com.br), analise a postura ética da Conferência Episcopal
Espanhola: Por que seria imoral o uso de camisinhas? Quais seriam as normas éticas
que estariam sendo feridas ao apregoar o seu uso? Por que a religião se opõe ao
uso das camisinhas, se são úteis para a prevenção da AIDS? Reflita também sobre a
postura do Ministério da Saúde do Brasil: Quais os motivos que o levam a incentivar
o uso de camisinhas e, inclusive, a distribuí-las gratuitamente? Esse dinheiro público
é gasto adequadamente? Não se trata de uma questão individual? Trata-se de um
problema social que leva ao controle da conduta individual? Você acha que a escola
deve abrir espaço para discutir questões de sexualidade, como as levantadas nas
matérias lidas?

Esclareça, por escrito, no máximo em 15 linhas, os argumentos da Conferência


Episcopal Espanhola e os do Ministério da Saúde do Brasil. Depois, organize em
tópicos os argumentos identificados por você, preenchendo a tabela a seguir:

ARGUMENTAÇÃO ARGUMENTAÇÃO

CATÓLICA INSTITUCIONAL SUA ARGUMENTAÇÃO


(Ministério da Saúde do Brasil)

C E D E R J 131
Fundamentos da Educação 4 | Os desafios éticos da Educação

Após ter preenchido a tabela anterior, esclareça, no máximo em 15 linhas, os


tópicos identificados por você:

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______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
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______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
____________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Se você conseguiu identificar que os argumentos levantados nos textos


determinam condutas humanas variadas – a Conferência Episcopal considera
o uso de camisinhas imoral; o Ministério da Saúde do Brasil julga que seu
uso é fundamental para a prevenção da epidemia de Aids –, você percebe a
importância da escola, que não se limita a transmitir conteúdos teóricos, mas
instiga a refletir sobre aspectos práticos, isto é, éticos da nossa vida em sociedade.
No caso específico analisado, você poderá decidir, agora sopesando argumentos
a favor e contra, se é conveniente (ou não) e ético (ou não) usar camisinha nos
contatos sexuais.

ÉTICA E EDUCAÇÃO

A preocupação com o ensino na cultura ocidental surge na


Grécia do século V a.C. por meio da noção de PAIDÉIA, que pode ser
traduzida, de modo geral, pela palavra “educação”. Para os gregos, ela
PAIDÉIA
designava a necessidade de vincular o problema da conduta moral com
Significa “formação
integral do homem a formação dos futuros cidadãos. O que fica patente com isso é que,
grego”. Reveja a Aula antes de se tornar um campo específico do saber, a atividade pedagógica
17, de Fundamentos
da Educação 3 estava totalmente integrada à vida cotidiana do indivíduo, seja no que
(p. 29), onde esta
dizia respeito às suas responsabilidades políticas, o que o levava a uma
questão é abordada
detalhadamente. participação ativa nos problemas da cidade, seja para motivá-lo a manter
uma conduta ética em relação aos seus pares. Na verdade, a pedagogia
era inerente ao pensamento filosófico, isto é, não havia como dissociar o
que era moralmente correto e esperado de uma reflexão constante sobre
a própria vida cotidiana.
132 C E D E R J
Caro aluno, para entender o que se passava naquela época,

12
lembremos a descrição feita por Marilena Chauí (2000):

AULA
percorrendo praças e ruas de Atenas (...), Sócrates perguntava aos
atenienses, fossem jovens ou velhos, o que eram os valores nos
quais acreditavam e que respeitavam ao agir. Que perguntas lhes
fazia ele? Indagava: O que é a coragem? O que é a justiça? O que
é a piedade? O que é a amizade? A elas os atenienses respondiam
serem virtudes. Sócrates voltava a indagar: O que é a virtude?
Retrucavam os atenienses: É agir em conformidade com o bem. E
Sócrates questionava: Que é o bem? (p. 339).

Figura 12.1: Na Grécia Antiga,


o aprendizado dos costumes
socialmente aceitos estava dire-
tamente relacionado com uma
reflexão de cunho filosófico.

O método socrático tinha por objetivo fazer com que seus


concidadãos se dessem conta do que levava algo a ser considerado bom
ou mau. Em outras palavras, a preocupação fundamental de SÓCRATES
era esclarecer as questões éticas.
Nas sociedades modernas, cabe ao processo educativo fomentar
SÓCRATES (470 OU
a questão dos valores. Isso se dá por dois motivos: inicialmente, a 469 A 399 A.C.)
atividade pedagógico-didática está atravessada por um determinado Eminente filósofo
ateniense que dedicou
contexto cultural. A escola é uma espécie de reflexo da sociedade, de toda sua vida a pregar o
modo que o processo de interação entre ambas faz com que elas se aperfeiçoamento
ético dos seus discí-
determinem mutuamente. Dito de outra forma, a instituição escolar pulos e concidadãos.
Para maiores esclare-
não está dissociada de seu contexto cultural: está diretamente articulada cimentos sobre o autor,
com o mundo externo do qual faz parte. Não se trata propriamente ver Fundamentos da
Educação 1, Aula 3
de complementaridade, mas de sobreposição da esfera escolar à esfera (p. 30), e Fundamentos
da Educação 3,
social. Nesse sentido, o espaço escolar não somente é responsável por Aula 18, onde se
analisa com detalhe
reavaliar a prática de ensino, como pode servir também de palco para
a sua postura ética.
repensar a prática ética.

C E D E R J 133
Fundamentos da Educação 4 | Os desafios éticos da Educação

A escola e os valores: o espaço escolar deve ser lugar de reflexão


sobre os parâmetros gerais que orientam a sociedade.

Além disso, na escola convivemos com uma diversidade de referenciais


religiosos, étnicos, culturais e, até mesmo, políticos. Isso reforça, mais uma
vez, a idéia de que o trabalho ético desenvolvido na escola está calcado num
determinado contexto social. No entanto, como você viu no exemplo de
Sócrates, os juízos de valor são incorporados sem que haja reflexão prévia
sobre eles. Acabamos esquecendo que os valores são criados, isto é, não são
eternos e modificam-se com o passar do tempo.

ATIVIDADE

2. Proponha, na sua escola, um debate sobre problemas de cidadania.


Discuta especificamente a questão da propaganda eleitoral gratuita. No
ano passado foram realizadas eleições: Qual foi a sua atitude e a de seus
colegas? Desligaram o aparelho, porque essa propaganda é “muito chata
e mentirosa”? Acompanharam e analisaram as propostas? Tiveram outras
reações? Realize uma síntese, por escrito, das diversas atitudes sustentadas
pelos integrantes da sua turma. Leve as respostas ao tutor do seu pólo.

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Sabemos que ao longo da história de um país, ou mesmo da


civilização humana, houve uma série de revoluções sociais, políticas e
econômicas. A diversidade de pontos de vista que convivem no interior
de uma escola a torna lugar privilegiado para abordar as diferenças e
problematizar as condutas dos indivíduos ou dos grupos.
A partir desse contexto, ao mesmo tempo de aprendizagem e de
formação ética, é possível articular o espaço privado de cada um de nós
com o espaço público no qual todos convivemos. Esse ideal pedagógico
poderá contribuir, a longo prazo, para o surgimento de uma sociedade
mais consciente, onde prevaleçam os princípios de respeito mútuo, justiça,
solidariedade e diálogo.
134 C E D E R J
12
Escola, diversidade e respeito às diferenças: na escola convivem
sujeitos singulares, diferentes. Essa convivência permite cultivar

AULA
o respeito mútuo.

O APRENDIZADO DA CIDADANIA

A abordagem de conteúdos éticos na escola não requer neces-


sariamente a criação de uma disciplina específica, já que se trata de
uma atividade que está comprometida com o próprio aprendizado da
cidadania. Mas, como é possível implementar na prática esse tipo de A grande novidade
ética pedagógica? introduzida pelos
Parâmetros Curri-
Recentemente, tivemos no Brasil uma experiência muito interessante culares Nacionais
foi considerar a
nesse sentido. Em 1998, o Ministério da Educação e do Desporto (MEC) Ética como um
tema transversal do
elaborou, depois de um longo debate envolvendo educadores de várias processo educativo
partes do país, os chamados Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), brasileiro.

que serviriam como referência para a realização de alterações no modelo


pedagógico brasileiro. Ocorreu, com isso, uma espécie de mudança de
paradigma nas metas do ensino. Conforme salienta Garcia, “a Educação,
que se dá em múltiplos e diversos locais, tem de ser disseminada no campo
social, a fim de que as experiências possam ser trocadas em um processo
criativo de mútua realimentação” (GARCIA, 1994, p. 63).

diversidade e
Aula de hoje: ética,
respeito às diferenças

C E D E R J 135
Fundamentos da Educação 4 | Os desafios éticos da Educação

Essa demanda por mudanças, concretizada pela elaboração


dos PCN, deu conta de quanto era importante estabelecer um projeto
pedagógico que estivesse voltado para o desenvolvimento de um
pensamento ético:

A ética interroga sobre a legitimidade de práticas e valores


consagrados pela tradição e pelo costume. Abrange tanto a
crítica das relações entre os grupos, dos grupos nas instituições
e ante elas, quanto a dimensão das ações pessoais. Trata-se,
portanto, de discutir o sentido ético da convivência humana
nas suas relações com várias dimensões da vida social: o
ambiente, a cultura, o trabalho, o consumo, a sexualidade, a
saúde (BRASIL. MEC, 1998, p. 25).

Uma das preocupações fundamentais dos PCN foi justamente


a de tornar a escola um instrumento eficaz, dentro dos princípios
democráticos e imbuída de espírito de tolerância, para a formação
de indivíduos que não apenas se sintam integrados socialmente como
cidadãos, mas que possam, também, contribuir ativamente para o
estabelecimento de uma sociedade humana mais feliz e realizada.
É claro que para que esses objetivos sejam alcançados, faz-se
necessário repensar a atuação do corpo docente:

Propor que a escola trate questões sociais na perspectiva da


cidadania coloca imediatamente a questão da formação dos
educadores e de sua condição de cidadãos. Para desenvolver
sua prática os professores precisam também desenvolver-se
como profissionais e como sujeitos críticos na realidade em
que estão, isto é, precisam poder situar-se como educadores
e como cidadãos, e, como tais, participantes do processo de
construção da cidadania, de reconhecimento de seus direitos
e deveres, de valorização profissional (Ib., pp. 31-32).

O principal desafio ético da Educação consiste em pensar a


vida em grupo a partir de uma reflexão contínua sobre os valores.
Isso envolve uma participação ativa, tanto de professores quanto de
alunos. Somente a partir do momento em que se percebe que a escola
não deve estar dissociada do contexto social em que está inserida, é

136 C E D E R J
que se torna possível o aprendizado da cidadania. Isso exigirá a formação

12
de um ambiente escolar no qual todos estejam cientes de seus direitos e

AULA
deveres e que as diferenças sejam respeitadas.
Em suma, um projeto pedagógico comprometido com o
fortalecimento dos processos de humanização e democratização das
relações sociais requer, como pressuposto, o aprofundamento do diálogo
entre o par aluno-professor, “condição fundamental”, de acordo com
Paulo Freire, “para a verdadeira educação” (FREIRE, 1975, p. 98).

ATIVIDADES FINAIS

1. Identifique, na matéria de jornal a seguir, um dos principais valores que


norteiam a vida em sociedade no mundo atual: a exaltação do individualismo,
do consumismo, do triunfo pela bela aparência. Analise, especificamente, a
hipervalorização da beleza, da notoriedade e da fama dos modelos cultuados
pela mídia. Reflita sobre o culto ao individualismo e a necessidade de se criar uma
consciência solidária na escola.

Leia esta matéria do Jornal do Brasil (21/1/2005, Caderno B, p. 1):

Gisele Bündchen, Alinne Moraes e Daniella Cicarelli são


constantemente chamadas de deusas. Para além da inegável
beleza, pelo menos uma característica de divindade essas
mulheres têm: onipresença. Elas estão em todo lugar. É
quase impossível hoje sair de casa e não encontrar com
elas, em capas de revistas e outdoors. Ao chegar em casa,
você liga a TV e dá de cara com Gisele em um comercial
de filtro solar (...).

Agora, liste quais poderiam ser as propostas concretas para fomentar um


espírito solidário na escola e uma reflexão crítica a respeito do consumismo e da
hipervalorização da bela aparência:

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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
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C E D E R J 137
Fundamentos da Educação 4 | Os desafios éticos da Educação

RESPOSTA COMENTADA

Você pode ter pensado que a mídia, principalmente através dos modelos
que estão em contínua exposição, exaltando sua beleza e triunfo individual,
deixa de lado valores como o espírito de cooperação e a solidariedade. Você
pode ter listado diversas propostas para serem realizadas na escola, visando
a fomentar a consciência cidadã dos alunos, como: realizar debates, na
turma, sobre direitos, deveres, cidadania etc.; criar um jornal em que todos
os alunos se manifestem sobre diversas questões da atualidade; promover
palestras, com professores convidados, sobre direitos humanos, ecologia,
exclusão social etc. Você pode ter listado essas ou outras propostas, mas o
importante é que tenha percebido a importância da escola para desenvolver
a consciência cidadã dos alunos.

2. Reflita sobre a questão da diversidade e o respeito às diferenças na sua escola.


Você já viu alguém, no seu âmbito escolar, ser discriminado pela cor, sexo, religião,
etnia etc.? Comente este caso específico de discriminação racial: você lembra da
artista negra que há alguns anos foi obrigada, por causa da cor, a usar o elevador
de serviço num prédio no Flamengo? O que você acha dessa situação? Utilize as
cinco linhas seguintes para sua resposta.

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___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________

RESPOSTA COMENTADA

Você pode ter refletido sobre casos específicos de discriminação que


aconteceram com você ou com alguém que conhece. Ao comentá-los, você
deve fundamentar sua opinião nos conceitos trabalhados na aula, como o
de que a escola pode e deve estimular comportamentos éticos baseados
no respeito às diferenças e na tolerância mútua.

138 C E D E R J
12
RESUMO

AULA
A escola não se restringe à atividade pedagógica; através dela é possível pensar
a cultura dentro de uma perspectiva ética, levando em conta as diferenças,
fomentando o compromisso comum de promover uma vida em sociedade, baseada
na tolerância e no respeito mútuo. A proposta de uma educação guiada por valores
éticos só é possível por meio do diálogo e do entendimento de que as diferenças
são inerentes à vida em grupo, principalmente em sociedades fundamentadas em
princípios democráticos.

AUTO-AVALIAÇÃO

Você compreendeu que a escola não possui apenas uma função pedagógica,
no sentido de transmitir conhecimentos? Ficou claro também que um dos
principais desafios éticos de uma instituição educacional consiste justamente na
sua capacidade de estabelecer um diálogo entre as diferentes formas de avaliar
o mundo e as coisas? Você está ciente de que educar passa pelo desafio de criar
cidadãos a partir de uma discussão ética que envolva, num único movimento, a
vida escolar e a vida social? Se suas respostas foram positivas, vá em frente; em
caso contrário, releia os conteúdos da aula e procure o tutor no seu pólo.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

A Aula 13, Ética na Sala de Aula, propõe uma reflexão sobre o papel ético do
professor, cuja missão, além de passar conhecimentos, é contribuir na formação
moral dos alunos.

C E D E R J 139
Fundamentos da Educação 4 | Os desafios éticos da Educação

Leituras recomendadas

Para ampliar seus conhecimentos sobre o tema tratado nesta aula, sugiro as seguintes
leituras:

Ética e cidadania, de Sílvio Gallo (Coord.). São Paulo: Papirus, 2002.

Ética, de Adolfo Sánches Vázques. São Paulo: Civilização Brasileira, 2000.

Apologia de Sócrates. In: Diálogos de Platão. Coleção Os Pensadorers. São Paulo: Nova
Cultural, 1999.

Desta forma, você poderá aperfeiçoar ainda mais sua prática profissional. Boa leitura!

MOMENTO PIPOCA
MO

As
Assista, com seus colegas, a Nenhum a menos, filme chinês do famoso diretor
Zhang Yimou (que dirigiu o clássico Lanternas vermelhas). Trata-se da história
Zh
de uma jovem de apenas 18 anos que, na época da denominada Revolução
Cultural, tem que assumir uma turma de crianças, num povoado muito pobre
Cu
de uma cidade interior da China. Ela carece totalmente de experiência para
lecionar, mas aos poucos, com uma persistência inquebrantável, consegue
lec
cativar todos os alunos. Porém, seu papel não se restringe a isso: muitas das
ca
crianças devem abandonar a escola para conseguir dinheiro, a fim de subsistir.
cri
Assim, a pequena professora vai atrás de todas as crianças, para que possam
continuar na escola e ter uma formação melhor para batalhar na vida. O que
acha do papel ético e da atitude cidadã da professorinha chinesa?

140 C E D E R J
13
AULA
Ética na sala de aula
Meta da aula
Esclarecer o papel ético do professor, cuja interferência
é marcante para a formação moral dos alunos.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Entender que o modo como o professor atua em sala
de aula é essencial para que os alunos tenham acesso a uma
reflexão ética, independente de haver uma disciplina tratando
exclusivamente dessa temática.
• Compreender que cabe à atividade educativa favorecer iniciativas
comprometidas com a formação de indivíduos autônomos.

Pré-requisito
Para melhor entendimento desta aula, sugerimos que você
reveja a Aula 12, Os desafios éticos da Educação.
Fundamentos da Educação 4 | Ética na sala de aula

INTRODUÇÃO Realizar escolhas é eleger objetos para o desejo. O critério das


escolhas é sempre racional. O motivo é sempre emocional, ou seja,
impulsionados pelo desejo, movemo-nos em direção aos objetos.
Nesse sentido, a capacidade racional de realizar escolhas permite-nos
afirmar nossa condição de liberdade. O exercício da liberdade é
a capacidade de escolher. Nisso os humanos podem se desviar do
determinismo que rege o mundo da natureza. (...) É a escolha que
define o caráter de um ser humano. Suas virtudes se manifestam
nas escolhas que realiza no curso de sua condição mortal
(GALLO, 2002, p. 55).

O homem permanentemente realiza escolhas, conforme afirma Gallo.


O desejo e a emoção nos impulsionam a procurar determinados objetos,
a realizar determinadas ações. Porém, somos livres para atender, ou não, a esses
desejos e emoções. Temos a capacidade de dizer sim ou não ao desejado; não
somos determinados por esses sentimentos. Nesse ponto, nos diferenciamos dos
animais, que não realizam escolhas, apenas seguem os seus condicionamentos
instintivos. Nossa capacidade racional nos permite a escolha, embora muitas
vezes nos abstemos de obter algo que queremos muito. Por exemplo, não
“colamos” durante a prova, mesmo que precisemos de nota; aceitamos
nosso erro numa circunstância determinada, mesmo que sejamos censurados;
deixamos de comprar uma roupa da moda, pois preferimos adquirir um livro
para nosso curso de informática etc. As decisões implicam realizar avaliações,
estipular valores, declinar de algumas coisas e privilegiar outras. Eis o terreno
da Ética que, sem dúvida, tem importância fundamental em todas as atividades
desenvolvidas na sala de aula.

O professor deve esti- À medida que almeja promover uma educação crítica e libertária, a escola está
mular, na sala de aula, diretamente envolvida com a formação ética dos alunos. Independente da
a reflexão sobre con-
dutas e valores, assim questão do conteúdo a ser transmitido, a tarefa de refletir sobre as condutas e os
como estimulará uma
conduta ética por valores faz parte do cotidiano de uma instituição pedagógica. Para implementar
parte dos alunos.
o debate ético em sala de aula, somos levados a pensar tanto na existência de
uma disciplina específica quanto no desenvolvimento de estratégias que estejam
presentes no exercício cotidiano do magistério. Uma opção não invalida a outra,
mas faz-se necessário que fiquemos atentos para alguns fatores.

142 C E D E R J
Em primeiro lugar, o educador, além de ser responsável por facilitar a aquisição

13
de conhecimentos, também acaba funcionando, inevitavelmente, como um

AULA
agente transmissor de valores morais, notadamente de modo implícito, seja
na forma de expor seu saber, seja tomando a sua conduta como parâmetro
a ser seguido, ou expressando juízos a respeito da conduta dos alunos (o que
ocorre em termos disciplinares ou, simplesmente, na avaliação do desempenho
de cada um). Assim, a tarefa de apregoar os bons costumes ou o respeito à
autoridade não esgota as implicações éticas da postura do educador.
Em segundo lugar, não basta apresentar as diretrizes que norteiam determinada
teoria ética, querendo, com isso, incutir os fundamentos de uma reflexão
sistemática. Nos dois casos, corre-se o risco de fornecer elementos puramente
teóricos, ou seja, estranhos à experiência concreta dos alunos. É necessário que
o ensino da ética se vincule à realidade vivenciada pelos alunos. Será pouco
proveitoso transmitir, por exemplo, a ética de Sócrates, Platão, Kant etc.,
se esses conhecimentos não se articularem com a vida dos estudantes. É muito
mais interessante promover debates, em torno dessas teorias, que aludam às
vivências dos discentes.
Pensemos no caso dos sofistas, como PROTÁGORAS, que ensinavam que PROTÁGORAS
Filósofo natural
“o homem é a medida de todas as coisas”. Com isso, sustentavam que não de Abdera,
havia uma verdade universal, que cada indivíduo, conforme a sua necessidade, contemporâneo de
Sócrates, famoso por
perspectiva ou situação, podia escolher a versão dos fatos que fosse de sua sua tese relativista do
homo-mensura.
maior conveniência. Assim, por exemplo, se temos necessidade de passar Na Aula 18,
na prova, devemos escolher “colar”, já que é o mais proveitoso para nós. A origem da
profissão docente,
Porém, não há outros valores que devem ser respeitados? Não haverá normas, de Fundamentos
da Educação 3,
de interesse geral, que devam ser acatadas? Se todos “colassem”, teria algum você pode rever
posturas sofísticas,
sentido dar prova? No caso, poderíamos suprimir as provas?
aprofundadas
É importante que os alunos possam se colocar diante desse exemplo concreto, detalhadamente.

tão presente no seu cotidiano, promovendo uma reflexão ética que não se
reduz a um raciocínio abstrato.
Sugerimos, então, que discuta com seus colegas do pólo sobre o problema
ético envolvido no fato de “colar” ou não “colar” nas provas. Sintetize os
argumentos a favor e contra.

C E D E R J 143
Fundamentos da Educação 4 | Ética na sala de aula

Transformar a sala de aula em um espaço apropriado para estimular situações


que levem à reflexão, à cooperação e ao diálogo requer que o trabalho de
organização e de avaliação das tarefas de aprendizagem tornem-se um projeto
coletivo. Esse procedimento permite o desenvolvimento de uma rotina capaz
de criar condições para que os alunos venham a se tornar sujeitos autônomos,
A escola deve promo-
ver a autonomia dos
no sentido de serem capazes de pensar livremente, de decidir por si próprios,
alunos, estimulando de respeitar e reconhecer a importância daqueles que compartilham de um
a sua capacidade de
pensar livremente e espaço comum.
decidir por si pró-
prios. A autoridade do professor, por sua vez, além de estar assentada em valores de
competência, também deve procurar ser respaldada em atitudes que demonstrem
disponibilidade afetiva e incentivo ao crescimento moral dos alunos.

O COMPROMISSO ÉTICO DO EDUCADOR

Já houve épocas em que a atividade pedagógica era entendida


como o encontro entre duas formas de consciência independentes e
heterogêneas, onde caberia a uma delas transmitir preceitos prontos
A partir do século XX, e acabados para que a outra os assimilasse de forma gradual. No entanto,
a instituição escolar
essa antiga concepção retrata uma forma simplificadora de definir
passou a ser vista
como instrumento a relação professor/aluno.
de mudança dos indi-
víduos. Com isso, sua Atualmente, esse esquema calcado na divisão polarizada, entre
função ética ficou,
cada vez mais, evi-
um lugar reservado à atividade e outro lugar atribuído à passividade,
dente. foi substituído pelas idéias de complementaridade e de mútua interação.
No entender de Paulo Freire (1987):

O objeto a ser conhecido não é de posse exclusiva de um dos


sujeitos que fazem o conhecimento, de uma das pessoas envolvidas
no diálogo. No caso da educação, o conhecimento do objeto a ser
conhecido não é de posse exclusiva do professor, que concede o
conhecimento aos alunos num gesto benevolente, em vez dessa
afetuosa dádiva de informação aos estudantes, o objeto a ser
conhecido é colocado na mesa entre os dois sujeitos cognitivos.
Em outras palavras, o objeto a ser conhecido é colocado na mesa
entre os dois sujeitos do conhecimento. Eles se encontram em torno
dele e através dele para fazer uma investigação conjunta (p. 12).

144 C E D E R J
Essa consideração, aplicada especificamente ao problema da

13
Reflexão de hoje:
produção e da transmissão do conhecimento, também se mos- t r a A ética na escola, com um

AULA
espaço dialógico de
bastante eficaz para o caso do ensino da ética, tendo em vista construção conjunta
que não basta o professor determinar previamente o que
é certo ou errado, para que os alunos sejam, num
segundo momento, capazes de distinguir o que
é moralmente correto do que não é. Limitar-se
a esse tipo de atuação pode ser tido como uma
forma de doutrinação, que facilmente conduziria
à rigidez ou, o que seria pior, à transformação do
discurso docente em um punhado de palavras vazias.
O educador cria condições para o desenvolvimento de ações éticas
ao manifestar um comportamento coerente e DIALÓGICO. Da mesma forma DIALÓGICO
Relativo ao diálogo;
que há uma assimilação dos conteúdos por meio do que é dito, também em forma de diálogo.
há uma assimilação decorrente do modo como o educador age diante A educação dialógica
implica troca
de situações cotidianas. permanente entre
professor e alunos.
Em ambos os casos, não há como deixar de lado a tarefa de
repensar continuamente, e na medida do possível, a própria inserção
na prática pedagógica.

Para o professor, a escola (...) é, também, lugar de construção


de relações de autonomia, de criação e recriação de seu próprio
trabalho, de reconhecimento de si, que possibilita redefinir sua
relação com a instituição, com o Estado, com os alunos, suas
famílias e comunidades (BRASIL. MEC, 1998, p. 32).

Tomando como fio condutor um comportamento calcado em


valores como pontualidade, responsabilidade, dedicação, honestidade,
cooperação etc., cabe ao educador valorizar regras de convivência que
promovam um bom ambiente de ensino. Aqui não há espaço para
neutralidade ou imposições. Nesse sentido, definir o que é bondade e
justiça ou o que é moralmente aceitável não se resume a ensinar um
conjunto de valores tidos como corretos por aquele que os profere, ou
seja, pelo educador. Essa seria uma postura doutrinária, na qual está
ausente qualquer traço de senso crítico. Estaríamos assim, mais uma
vez, incorrendo no equívoco de adotar o discurso cindido entre o que é
falado e o que é efetivamente feito.

C E D E R J 145
Fundamentos da Educação 4 | Ética na sala de aula

ATIVIDADES

1. Escute a música Ideologia, de CAZUZA (no CD Ideologia). Reflita, a partir


dessa música, sobre a questão da liberdade, dos valores e da ausência de
crenças na época atual. Será que o cantor, não numa sala de aula, mas
num palco, atiçava os jovens a serem autônomos, livres, criativos, exercendo
uma atitude ético-pedagógica, mesmo que fora das instituições escolares?
Selecione os trechos que mais lhe chamaram atenção e relacione-os com
os conceitos trabalhados nesta aula.

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_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
_________________________________________________________________
CAZUZA _________________________________________________________________
_________________________________________________________________
Foi um cantor
popular que adotou _________________________________________________________________
uma postura _________________________________________________________________
transgressora e _________________________________________________________________
irreverente com
relação às convenções
_________________________________________________________________
sociais. O que você _________________________________________________________________
acha dele? _________________________________________________________________
É um exemplo de
_________________________________________________________________
indivíduo livre ou
trata-se apenas de um 2. Analise a relação que é estabelecida, na sua escola, entre os
“rebelde sem causa”?
professores e os alunos. Há discussões sobre cidadania, direitos e
deveres? Promova a seguinte discussão, de grande atualidade, com os
professores e os integrantes da sua turma: deve haver cotas reservadas,
na universidade, para negros e outros grupos geralmente discriminados?
As cotas reparam a discriminação ou, ao contrário, trata-se de uma
outra forma de discriminação? Sintetize, por escrito, os argumentos a
favor e contra as cotas na universidade, sem ultrapassar as 15 linhas.
Entre em contato com seus colegas do pólo e compare suas respostas:

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146 C E D E R J
A EDUCAÇÃO ÉTICA

13
AULA
Para SARTRE, a liberdade é o próprio fundamento do ser do homem.
Ela está na raiz de seu comportamento, porque sempre temos de
escolher. Nesse sentido, o homem é essencialmente livre, não pode
abdicar da liberdade, como disse Sartre, “o homem está condenado
a ser livre” (GALLO, 2002, p. 77).

JEAN PAUL
Como você viu, tornar-se um indivíduo ético não é algo que pode SARTRE
(1905-1980)
ser simplesmente ensinado. O aprendizado da ética está diretamente
relacionado com a possibilidade de intensificar o grau de participação Filósofo francês que
colocou a liberdade
ativa dos alunos. Daí se poder afirmar que, para que isso ocorra, faz-se como uma questão
fundamental da
necessário transformar o ambiente de sala de aula num espaço que filosofia.
favoreça a manifestação do diálogo, criando a possibilidade de elaborar
conjuntamente o saber. Recorrendo mais uma vez a Paulo Freire:
“a situação do ensino constrói não apenas o aluno, mas também o
professor, pois (...) ele também é um sujeito em construção no processo”
(SILVA; TUNES, 1999, p. 45).
O principal objetivo de uma pedagogia orientada eticamente
consiste em proporcionar o desenvolvimento tanto da autonomia
intelectual quanto do pensamento crítico:

A educação ética é uma formação do gosto e da sensibilidade, em


direção a determinadas atitudes: a criação e a aquisição de um
ethos, no sentido originário de ‘caráter’ e conjunto de ‘hábitos’, sem
permitir que se caia na inércia do ‘habitual’. Com tal finalidade,
a educação deve tender também a formar a razão autônoma, que
assume a responsabilidade de deliberar, argumentar e justificar seus
pontos de vista. Sem dúvida alguma, a melhor via não dogmática
para se conseguir esses dois objetivos — educação de atitudes e
educação na autonomia — é o exemplo; também na retórica clássica
a personalidade moral do orador constituía um elemento importante
para atrair a atenção e a adesão do público. O exemplo persuade
do valor intrínseco a certas atitudes e a certos modos de julgar. As
idéias se impõem quando se sabe defendê-las, e a defesa que revela
suas próprias perplexidades e ambigüidades — e se mostra capaz de
ponderar sobre elas — pode ser mais convincente que uma firme e
segura declaração de princípios (CAMPS, 1995, p. 52).

C E D E R J 147
Fundamentos da Educação 4 | Ética na sala de aula

Conforme assinala Camps, cabe à formação ética educar o gosto,


O ensino da Ética o caráter, os hábitos e o raciocínio dos alunos. Mas, não deve tratar-se
é visto como um
aspecto que se con- de um ensino dogmático que simplesmente determine o que deve e o que
funde com a pró-
pria tarefa pedagó- não deve ser feito. Cabe ao educador, através do seu exemplo, das suas
gica da escola. Agir atitudes, da sua capacidade de comunicar a importância de cultivar os
eticamente é um
tema que surge a valores, o papel de transmitir modos de ser e de agir. Promover uma ampla
todo momento na
sala de aula, notada- discussão, por exemplo, sobre a importância da participação política em
mente quando se
que os argumentos sejam minuciosamente avaliados pelos alunos e pelo
trata de refletir sobre
o contexto sociopolí- professor, será muito mais formativo que longos e tediosos monólogos,
tico em que vivemos
atualmente no Brasil. recheados de citações e referências eruditas sobre a importância da
democracia. Assim, os alunos não absorverão dogmas éticos, mas
acompanharão a construção de uma reflexão ética.
É nesse sentido que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
ressaltam que a prática educativa não deve estar desvinculada da teoria ética:

A discussão sobre ética necessita ser constantemente contemplada


e acompanhar de perto o trabalho que se faz com os alunos, uma
vez que se trata de uma proposta nova, como processo sistemático
e explícito, necessitando aprofundamento, leituras e discussões,
levantando situações a serem experenciadas com os alunos etc.
(BRASIL. MEC, 1998, p. 32).

Cabe à escola promover o ambiente para que os alunos possam

Ao estimular a coo- discutir abertamente, expor opiniões, participar intensamente das


peração, a autono-
atividades em sala de aula. Isso só se torna possível a partir do
mia e a livre ex-
pressão em sala momento em que a interação entre alunos e professores seja feita de
de aula, o educa-
dor estará contri- forma dinâmica, onde todos se sintam diretamente envolvidos no que
buindo diretamen-
te para o desenvol- está sendo trabalhado. Trata-se de um processo no qual o educador se
vimento de uma
reflexão de cunho
permite assimilar as informações e definições manifestadas pelos alunos e
ético. que estes se sintam estimulados ao pleno desenvolvimento da criatividade
e da autonomia.

148 C E D E R J
ATIVIDADES FINAIS

13
AULA
Esta atividade é muito importante para que você atinja os objetivos desta aula.
Realize-a com afinco e dedicação.

1. Provavelmente, você conhece, em sua cidade, alguma escola que possa


ser visitada: a escola de seus filhos, sobrinhos ou mesmo aquela em que você
estudou. Elabore um roteiro de entrevistas no qual os seguintes assuntos sejam
abordados:

• Tratamentos de conteúdo na escola.

• Projetos interdisciplinares.

• Projeto político-pedagógico da instituição.

• Cotidiano escolar.

• Relação escola/comunidade.

• Relação professor/aluno: autoritarismo ou democracia na sala de aula.

Agora, redija dez questões para o seu roteiro.

C E D E R J 149
Fundamentos da Educação 4 | Ética na sala de aula

Procure o diretor, um professor, um aluno e um funcionário da escola e faça a


entrevista. Registre as respostas obtidas.

Escreva um texto, de no máximo 30 linhas, sintetizando os resultados de sua


entrevista, levando em consideração as seguintes questões:

Você conseguiu avaliar até que ponto é eticamente desejável que todas as questões
abordadas em sala de aula tornem-se passíveis de discussão e questionamento?
Haveria, na sua opinião, limites para discutir e questionar? Por exemplo: a escola
visitada aceita que os alunos proponham conteúdos tais como: violência na cidade,
ecologia, política internacional etc.? E atividades como música, dança, teatro,
eventos religiosos etc.? ou isso depende exclusivamente do currículo estabelecido?
Os envolvidos no processo educativo dialogam com os alunos, aceitam discutir
as decisões adotadas ou apelam simplesmente para o respeito à autoridade para
justificar seus atos e as orientações dadas aos alunos?

150 C E D E R J
13
AULA
COMENTÁRIO
Se você abordou a maioria destas questões em seu texto, você conseguiu alcançar
os objetivos desta aula. Parabéns!

2. Leia esta matéria da Folha de S. Paulo e reflita sobre a postura ética de uma
professora que, em sala de aula, colocou fita crepe na boca dos seus alunos para
que se mantivessem calados; analise também a postura ética do diretor, que
encontra atenuantes para essa conduta, afirmando que a docente agiu “por
brincadeira”.

Em Várzea Paulista, crianças dizem que tiveram boca fechada. Professora é acusada de calar aluno
com fita crepe.
A mãe de uma criança de sete anos registrou boletim de ocorrência no qual acusa uma professora
de usar fita crepe para calar o aluno em sala de aula, na escola estadual Natanael Silva, em Várzea
Paulista (SP).
Outras duas mães de alunos da mesma classe – 1ª série de ensino fundamental – afirmam que seus
filhos também tiveram a boca fechada com fita crepe no mesmo dia (...) A professora, identificada
apenas como Maria Ivone, admitiu, por meio da diretoria da escola ter usado a fita crepe, mas diz
que agiu por brincadeira. Ela afirmou que os três alunos permaneceram três minutos com a fita.
O diretor da escola, Eduardo Mafassoli, disse ontem que a professora admitiu a ele ter feito a punição
por brincadeira. ‘Não posso tolerar esse tipo de atitude. Mas ela alega que fez por brincadeira, e
não podemos crucificá-la’. A professora disse que, mesmo depois de ter ‘calado’ os alunos, eles
continuaram zombando dela. Alegando à reportagem que errou, Maria Ivone afirmou que o caso
ocorreu em ‘um momento que a classe extrapolou’” (Folha cotidiano. São Paulo, Terça-feira, 7 de
dezembro de 2004).

C E D E R J 151
Fundamentos da Educação 4 | Ética na sala de aula

Faça os seus comentários sobre a atitude ética da professora e do diretor,


elaborando um texto de, no máximo, 10 linhas.

RESUMO

No ensino tradicional, havia um nítido descompasso no relacionamento professor-


aluno. Ao primeiro cabia o papel exclusivo de transmitir conhecimentos, ao
segundo era atribuída uma função “receptiva”. Num modelo pedagógico
democrático, que cultua o respeito mútuo, faz-se necessário compartilhar
responsabilidades. A reflexão sobre os valores deve estar presente no dia-a-dia
da sala de aula. A dimensão ética da atividade de ensino permeia o contato
entre alunos e professores, numa troca permanente. O espaço da sala de aula
mostra-se crucial para o pleno exercício da capacidade de dialogar e de aprimorar
em conjunto a reflexão ética. Para que o aluno compreenda o que significa
agir eticamente, é preciso estimulá-lo a tornar-se um indivíduo autônomo. Isso
ocorrerá ao se fomentar um ambiente propício para que as opiniões sejam
expressas livremente, permitindo o desenvolvimento de uma ética calcada no
princípio de autonomia.

152 C E D E R J
AUTO-AVALIAÇÃO

13
AULA
Você percebeu que no ensino da ética é importante que o professor esteja
disponível para interagir de forma aberta e sincera com os alunos? O quanto lhe
pareceu correto que tomar essa diretriz como objetivo a ser alcançado, sempre
que possível, evita não apenas que as decisões sejam tomadas de forma isolada,
o que gera inevitavelmente arbitrariedades, como também permite que haja
humanização das relações entre alunos e professores? Ficou claro que introduzir
a reflexão ética no processo pedagógico implica desenvolver a capacidade criativa
e incentivar os alunos a agirem de forma livre e autônoma? Se essas questões
ficaram claras para você, vá em frente!

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

A Aula 14, A ética na escola, propõe analisar a importância da reflexão ética na


escola, que visa a fomentar o diálogo e o convívio democrático entre todos os
integrantes da instituição.

Leituras recomendadas

LIBÂNEO, José Carlos. Adeus professor, adeus professora? Novas exigências educacionais e
profissão docente. São Paulo: Cortez, 2002.
LINHARES, Célia. A escola e seus profissionais. Rio de Janeiro: Agir, 1997.
SAVATER, Fernando. Ética para meu filho. São Paulo: Martins Fontes, 1996. Leia este instigante
texto, em que o autor espanhol se dirige a seu filho, de uma forma simples e direta, para transmitir
parâmetros éticos vinculados às experiências cotidianas.

C E D E R J 153
Fundamentos da Educação 4 | Ética na sala de aula

MOMENTO PIPOCA
M

Ao mestre com carinho, famoso filme com o ator negro Sidney Poitier no
A
papel
p de um professor que, mesmo discriminado pela sua cor, consegue,
por
p causa de seus conhecimentos, conduta, postura ética inquestionável
e com grande afeto pelos alunos, influenciar profundamente uma turma
que
q inicialmente o rejeitava.

Sociedade
S dos poetas mortos, de Peter Weir, no qual Robin Willians
interpreta
in um singular professor que consegue, não só com suas posturas
teóricas, mas com suas atitudes, interferir nos valores, condutas e idéias de
toda uma turma. O filme mostra o papel ético do professor; esclarece como
as atitudes do docente, na sala de aula, são marcantes para a formação
ética dos alunos.

Cazuza. O tempo não pára, de Sandra Werneck e Walter Carvalho, destaca


a atitude ética, transmitida por Cazuza. O filme mostra como ele cultuou
valores como a luta pela liberdade, pela criação e pela autonomia do
indivíduo.

154 C E D E R J
14
AULA
A ética na escola
Meta da aula
Esclarecer a importância da reflexão ética na escola, que
visa promover o diálogo e a convivência solidária
e democrática entre todos os seus participantes.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Definir a função da reflexão ética na escola, que visa instaurar um
debate democrático entre todos os que convivem nela: professores,
alunos, pais, diretores, funcionários etc.
• Compreender que a atitude coerente e solidária do educador, na
sua prática pedagógica, é a base para que os alunos reflitam sobre
a importância de cultuar valores participativos.

Pré-requisitos
Para melhor compreensão desta aula, sugerimos que
você reveja as Aulas 12, Os desafios éticos da Educação,
e 13, Ética na sala de aula, os conceitos de Ética, Paidéia,
diferença, diversidade, pluralidade e dialógico, dentre outros.
Fundamentos da Educação 4 | A ética na escola

INTRODUÇÃO Relembrando que viver é acima de tudo con-viver, a esfera pública


sempre vai existir. Se sempre existirá, alguém estará se ocupando
dela. Quanto menos as pessoas participarem da política mais
os interesses daqueles que se ocuparem da esfera pública irão
prevalecer. As decisões a serem tomadas serão baseadas nesses
interesses particulares, e não visando aos interesses coletivos. (...)
As questões públicas são responsabilidade de todos nós e, mesmo
que alguns indivíduos tenham sido eleitos para cuidar delas, não
basta que eles ajam, é necessário que cada um de nós, como membro
dessa sociedade, faça a sua parte – por menor que seja (GALLO,
2002, p. 31).

Você viu, nas aulas anteriores, a idéia de que uma das principais
funções da escola reside em preparar os indivíduos para a vida em
sociedade. Essa tarefa requer a instauração de um processo gradual
de conscientização dos alunos, de tal forma que eles sejam levados
a refletir sobre a sua inserção no mundo que os rodeia. Um modo
eficiente de promover esse aprendizado reflexivo consiste em incentivar o
desenvolvimento da capacidade de raciocínio crítico. Tendo em vista que
a escola se mostra como o lugar, por excelência, do debate e da criação
de pensamento, ela inevitavelmente ocupará o papel de laboratório da
experiência ética.
A problematização dos valores requer também que seja discutido
como ocorrem as relações pessoais no interior do estabelecimento escolar.
Essa proposta pedagógica está centrada, sem dúvida, num primeiro
momento, na relação entre professor e aluno, mas também não pode
deixar de lado diretores, coordenadores e funcionários ligados, direta
ou indiretamente, àquele espaço físico, incluindo os pais dos alunos,
cuja influência é fundamental no processo pedagógico. Todos estão
envolvidos, em maior ou menor grau, quando se trata de pensar questões
éticas que estejam relacionadas com a mútua dependência entre liberdade
e responsabilidade e com o desenvolvimento das noções de cidadania e
solidariedade. O sucesso desse empreendimento depende diretamente do
desenvolvimento de relações harmoniosas e do estreitamento do vínculo
afetivo entre todos aqueles que fazem parte da comunidade escolar.
Você também não pode se esquecer de que o ensino da ética
precisa ser contextualizado, isto é, ele só faz sentido se estiver inserido em
situações direcionadas a resolver problemas que se mostrem fundamentais

156 C E D E R J
ou urgentes para o bom andamento da vida em grupo. A seqüência:

14
escutar o professor, anotar o que ele diz, decorar o que foi registrado e

AULA
passar tudo devidamente organizado para a prova exclui do ato de pensar
a livre reflexão e a capacidade de avaliar. De certo modo, a ética não é
simplesmente ensinada, ela é construída passo a passo. Como resultado final
desse processo conjunto e transformador, o aprendizado de uma cidadania
ativa e responsável, na qual todos estejam aptos para manifestar os seus
pontos de vista, é viabilizado. O exercício do pensamento democrático é
imprescindível para a constituição de um ambiente plural e sem exclusões.
Daí a importância da escola no mundo contemporâneo.

A escola democrática deve ser plural: todos devem ser ouvidos, todos
os pontos de vista devem ser respeitados; os que pensam de forma
diferente não devem ser excluídos.

A DIMENSÃO ÉTICA DO ESPAÇO ESCOLAR

O projeto pedagógico da instituição escolar deve estar atravessado


pela necessidade de promover o debate e mesmo, eventualmente, a
mudança de posturas. Trata-se de criar um espaço de construção e
aprendizado de valores, no qual as rotinas e os modos de as coisas
serem feitas não são aceitos de forma incondicional. Como assinala
Gallo: “Convivendo com outros homens, os conflitos de vontades e
interesses são sempre inevitáveis” (2002, p. 27). Não basta apregoar o
ideal de uma escola democrática, comprometida com o estabelecimento
de práticas igualitárias. A mera alusão a palavras como dignidade,
liberdade, solidariedade, justiça etc. mostra-se totalmente insuficiente
para aprimorar a qualidade ética das relações entre as pessoas.
A convivência no espaço escolar em muito se beneficia, sem dúvida,
quando ocorrem comportamentos e atitudes de cooperação, de respeito
mútuo e de interesse por objetivos comuns. Esses procedimentos, quando
devidamente internalizados, permitem o fortalecimento de hábitos
reflexivos no indivíduo, o que só se torna possível à medida que se
vai interrogando e avaliando continuamente cada situação vivenciada.
É nesse sentido que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
propõem que a escola possa tornar-se um instrumento capaz de habilitar
o aluno para as seguintes competências:

C E D E R J 157
Fundamentos da Educação 4 | A ética na escola

– respeitar o “outro” e exigir para si o mesmo respeito;


– “utilizar o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar
decisões coletivas”;
– “construir progressivamente a noção de identidade nacional e
pessoal e o sentimento de pertinência ao país”;
– posicionar-se “contra qualquer discriminação baseada em
diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia e de
outras características individuais e sociais”;
– contribuir “ativamente para a melhoria do meio ambiente”;
– “agir com perseverança na busca de conhecimento e no exercício
da cidadania”;
– proceder “com responsabilidade em relação à sua saúde e à
saúde coletiva”;
– atender “a diferentes intenções e situações de comunicação”;
– “adquirir e construir conhecimentos”;
– utilizar “o pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a
capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando
sua adequação” (BRASIL. MEC, 1998, pp. 7-8).
O ambiente escolar serve de ponto de partida para conscientizar
Sem permitir a livre
todos — sejam alunos, pais de alunos, professores ou funcionários
expressão do pensa-
mento, a atividade — dos benefícios de estabelecer uma convivência calcada em valores
pedagógica fica im-
possibilitada de formar que reforcem a importância do respeito mútuo, do agir comunicativo,
indivíduos críticos e do patriotismo, da preservação dos recursos naturais, da justiça
responsáveis.
social, do bem-estar físico e mental, e da argumentação. Essas diretrizes
envolvem, na prática, o estabelecimento de um espaço de reflexão ética na
escola. Deste modo, a tarefa de adquirir conhecimentos encontra-se numa
situação de complementaridade, e mesmo de indissociabilidade, em relação
ao desenvolvimento de comportamentos eticamente fundamentados.

158 C E D E R J
A
ATIVIDADES

14
1. Escute a música Maluco Beleza, de RAUL SEIXAS. Reflita sobre os

AULA
conteúdos apresentados na canção e defina se a comunidade com a
qual você interage respeita aqueles que são “diferentes”, incluindo os
que são considerados “malucos”. Em sua opinião, essa aceitação ou
rejeição dos diferentes tem influência na convivência escolar? Realize
uma síntese final, por escrito, de sua reflexão, utilizando as linhas
disponíveis abaixo.

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RAUL SEIXAS
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Cantor popular que
apresentou, nas suas
músicas e atitudes,
uma postura 2. Na Aula 13, você teve a oportunidade de visitar uma escola e entrevistar
chocante e rebelde. alguns de seus integrantes. A partir desta vivência, reflita sobre o tema
Você acha que ele
era realmente um
participação política. A escola estimula a reflexão sobre questões sociais
“maluco beleza” ou esses problemas não são valorizados por serem considerados alheios
ou tratava-se ao currículo escolar? As questões de racismo, engajamento político,
simplesmente de
cidadania e ecologia são valorizadas e abordadas ou, ao contrário, são
um sujeito excên-
trico, inadaptado esquecidas por serem consideradas extracurriculares? A partir de sua
às normas e percepção, realize uma síntese escrita dos argumentos apresentados
convenções sociais? com, no máximo, 10 linhas.

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C E D E R J 159
Fundamentos da Educação 4 | A ética na escola

3. Analise a famosa frase proferida num comercial de cigarros pelo


jogador de futebol GERSON, integrante da seleção brasileira tricampeã
mundial, no México, em 1970: “A gente quer sempre levar vantagem em
tudo, certo?”. Elabore um comentário, por escrito, analisando a relação
da frase com posturas individualistas e não-solidárias; reflita, também,
se a frase pode ser vinculada à ideologia neoliberal. Como essa frase
repercute numa sala de aula? Comente, finalmente, se na sua escola
GERSON
são fomentadas as práticas solidárias. Realize uma síntese por escrito,
Craque da Seleção de 10 a 15 linhas, sobre essas práticas estimuladas pela sua escola.
Brasileira de
Futebol. Campeão ______________________________________________________________
no México, em
______________________________________________________________
1970. Atualmente,
é comentarista ______________________________________________________________
esportivo. ______________________________________________________________
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AS ATITUDES MANIFESTADAS NO COTIDIANO


O que foi dito anteriormente reforça a idéia de que a atividade de
ensino estaria incompleta se deixasse de lado a necessidade de promover
o respeito ao outro e o diálogo entre aqueles que dela fazem parte. Para
isso, torna-se fundamental repensar como ocorre o relacionamento
cotidiano entre a direção, os que trabalham na escola, os que aprendem
e os que ensinam. A questão mais importante nesse aspecto diz respeito
às atitudes que são efetivamente manifestadas. Mais do que fornecer
exemplos de como agir em situações reais ou hipotéticas, é preciso ter
uma postura que retrate claramente o respeito no modo de se relacionar
com os demais.
Neste sentido, o professor geralmente é um modelo de conduta
a ser seguido. Ele deve tratar de ser coerente com aquilo que prega
teoricamente. Assim, se ele fala em virtudes democráticas, em tolerância
e em aceitação das diferenças, seria incongruente que se exaltasse com

160 C E D E R J
alunos barulhentos ou desatentos. Nesses casos, antes de puni-los ou

14
falar duramente com eles, o docente deve tratar de discutir suas condutas,

AULA
mostrar que há possibilidades melhores de agir e que esses alunos, ao
abandonarem essas atitudes, podem ser mais valorizados pelos próprios
colegas e por todos os que convivem nesse espaço educativo.
Em outras palavras, cabe àquele que é educador manter atitudes
coerentes com os valores de uma convivência entre cidadãos livres e cons-
cientes. Nada mais natural e espontâneo do que tratar de forma educada os
funcionários; conversar sempre de maneira civilizada e coerente em situações
de conflito; pedir favores com gentileza e saber agradecê-los em seguida; ser
responsável pela devida manutenção e
arrumação do local utilizado (por exem-
plo, guardando brinquedos, tampando
canetas, organizando os materiais da
sala de aula e mesmo seus próprios
pertences etc.); contribuir com a limpeza
(principalmente limpando o que sujou)
e ser solidário com o companheiro em
situações difíceis (nos momentos de tris-
teza ou de dor). Também os momentos
de alegria devem ser partilhados: festas,
aniversários, datas comemorativas, final
Figura 14.1
de ano etc.

Figura 14.2: A escola democrática deve estimular o encontro solidário entre todos
os seus integrantes: alunos, pais de alunos, professores, funcionários, diretores etc.

C E D E R J 161
Fundamentos da Educação 4 | A ética na escola

Essas atitudes solidárias, todavia, não esgotam o problema da


convivência. Às vezes, podemos nos deparar com situações que exijam
algumas decisões que possam gerar controvérsias, tendo em vista que nem
sempre é possível se chegar a um consenso quando se trata de questões
morais. Para determinado grupo (familiar, étnico ou religioso), algo pode
ser considerado bom e correto, mas não se aplica necessariamente a outro
grupo que tenha filhos na mesma escola. Queremos apontar, com isso,
para a complexidade que norteia as relações humanas, principalmente
tendo em vista que determinados valores nem sempre desfrutam de
alcance ou aceitação universais. Estamos diante de uma encruzilhada que
tem suscitado inúmeros debates e impasses no mundo contemporâneo,
particularmente na cultura ocidental.
Para esclarecimento desta questão, sugerimos rever a Aula 12,
de Fundamentos da Educação 3, Volume 1, p. 122 e seguintes, onde
analisamos as questões da diferença e da diversidade cultural na escola.
Nessa aula, perguntamos: “O que significa DIFERENÇA?” Significa
que há diversas formas de ver o mundo, a vida, os costumes, os valores;
há múltiplas formas de estar no mundo. A nossa forma de viver e
pensar não é a única, não invalida as outras” (BARRENECHEA, 2004,
p. 123). Também frisamos que, no âmbito escolar, ao lidarmos com
sujeitos diferentes, os conflitos são inevitáveis: “O encontro e a
aceitação das diferenças, justamente por lidar com sujeitos que sentem e
pensam diferente, não deve anular os conflitos, ao contrário, é preciso
encará-los de frente e tentar resolvê-los” (BARRENECHEA, p. 126).

Determinadas decisões na escola exigem, muitas vezes, contrariar


alguns interesses; não é possível satisfazer, o tempo todo, os
diversos integrantes da instituição educacional.

Uma possibilidade, que tem sido apresentada como capaz de


atenuar as diferenças de opinião e de crenças, consiste em relativizar
os valores. Tem-se aqui o argumento de que diferentes culturas ou
comunidades adotam critérios diversos sobre o que é bom, o que
exigiria que todos eles fossem validados, tendo em vista que fazem
parte de tradições ou simplesmente se tornaram um hábito aceito
consensualmente. Essa posição, contudo, não se mostra suficiente nem
apropriada para resolver questões do cotidiano. Se a adotamos, estaremos

162 C E D E R J
defendendo que compete a cada grupo social definir sua própria tábua de

14
valores, não cabendo mais nada a ser dito sobre o assunto. Deste modo,

AULA
a pluralidade cultural, levada ao seu limite, tornaria inócua a discussão,
posto que parte da idéia de que cada comunidade torna-se o seu próprio
parâmetro de avaliação. Porém, mesmo reconhecendo a diversidade de
valores e as diferenças culturais, o professor deve tentar equacionar esses
conflitos, deve adotar caminhos de ação para resolver as contradições
que acontecem no espaço escolar. Fundamentalmente, deve procurar
mediar e estimular o diálogo entre os grupos em conflito.
Neste ponto, lembramos novamente a Aula 12, de Fundamentos
da Educação 3, Módulo 1, onde analisamos o conflito de valores que
surge da diversidade cultural:

No Ocidente, embora a tradição patriarcal aqui também seja forte,


homem e mulher devem ter um comportamento monogâmico.
A protagonista de O clone [no texto citado, é analisada a
situação da protagonista da novela O clone] vive o drama dessa
diversidade cultural. Ela se apaixona por um brasileiro, mas está
casada em Marrocos, onde o divórcio é impossível. Entre a sua
paixão e o seu dever ela vive um drama peculiar. Terá direito a
se separar e começar outra vida? Conforme os padrões orientais,
isso não é possível, já desde nosso olhar ocidental, ela deveria
ter a possibilidade de escolher conforme seus sentimentos. Há
um comportamento verdadeiro? Não. Há valores e sociedades
diferentes (BARRENECHEA, 2004, p. 123).

Ora, a convivência ética na escola está sujeita a conflitos insolúveis


ou, pelo menos, de difícil resolução, à medida que estejam em jogo
diferenças culturais e mesmo valores antagônicos. Um caso exemplar,
O respeito aos valores
envolvendo profundas diferenças entre a cultura ocidental e a oriental, dos outros está calcado
ocorreu recentemente, na França, mais exatamente no ano de 2004, na possibilidade de ser
solidário e tolerante em
quando foi aprovada uma lei que proíbe que seja utilizado qualquer relação às diferenças
culturais e religiosas.
símbolo religioso dentro dos estabelecimentos pedagógicos públicos.
Assim, deixou de ser permitido que alunos e alunas portem adornos
como o véu islâmico, o solidéu (“quipá”) judaico e o crucifixo cristão.
Ora, se entendemos a escola como lugar privilegiado para a convivência
das diferenças, não seria uma contradição privá-la da possibilidade de
manifestação de crenças religiosas pessoais? Sem dúvida, a decisão
francesa ainda vai gerar muita polêmica. Acreditamos que, do ponto de

C E D E R J 163
Fundamentos da Educação 4 | A ética na escola

vista ético, a escola deve assumir cada vez mais seu papel de pensar a
conduta individual dentro de uma sociedade plural, na qual o que pode
parecer certo para um mostra-se inadequado para outro.

Figura 14.3: A escola democrática


acolhe todas as diferenças, respeita
todas as crenças e valoriza todas as
singularidades.

A
ATIVIDADE

4. Analise as atitudes que possam contribuir para que o ambiente escolar se


torne um espaço de convivência de diferentes valores e crenças religiosas.
Sugira um debate entre os integrantes da sua turma que professam diversas
crenças – cristãos, judeus, espíritas, umbandistas etc. Estimule cada um a
apresentar o seu ponto de vista, procurando analisar, sem preconceitos,
em conjunto, os fundamentos de cada convicção religiosa. Realize uma
síntese dos diversos pontos de vista aqui apresentados, por escrito com,
no máximo, 15 linhas.

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RESPOSTA COMENTADA

O objetivo desta atividade é levar você a refletir sobre as diversas


convicções religiosas que existem entre os múltiplos membros de
uma sociedade, assim como analisar os variados costumes e valores
– muitas vezes contraditórios – que há entre os diversos membros
da comunidade escolar.

164 C E D E R J
ATIVIDADE FINAL

14
AULA
Imagine que você seja um professor de uma turma do Ensino Médio. Agora,
experimente criar uma atividade para sua classe, cujos alunos serão convidados a
refletir sobre uma situação, criada ou selecionada por você, que envolva algum
dilema moral. Registre todas as etapas envolvidas na criação de sua atividade:

• Por que este tema foi selecionado?

• Que estratégias podem ser criadas para conduzir a discussão (por exemplo, a
divisão da turma em grupos)?

• Que pontos você destacaria com o objetivo de incrementar a discussão entre


seus alunos?

• O assunto escolhido pode desencadear a discussão de temas transversais?

• Que objetivo(s) você espera alcançar ao final do debate?

Mostre seu trabalho ao tutor e, se possível, discuta-o com seus colegas de pólo.
Lembre-se, também, de anotar suas principais dificuldades na elaboração da atividade.

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RESPOSTA COMENTADA

A finalidade deste exercício é levar você a refletir sobre a sociedade onde


vive, os valores e normas que a regem, bem como o papel do professor,
dos dirigentes, funcionários e da escola com o compromisso de educar
e formar cidadãos.

C E D E R J 165
Fundamentos da Educação 4 | A ética na escola

RESUMO

O debate de idéias faz parte da própria essência da atividade pedagógica. Todos


que pertencem ao universo escolar acabam deparando-se com questões que
suscitam uma reflexão ética a partir da convivência diária. O aluno deve saber
respeitar o outro, seja ele um colega ou alguém que desempenhe funções didáticas,
administrativas ou de prestação de serviços, o que permite incentivar a construção
ativa dos sentimentos de autonomia e responsabilidade.
Para que a escola fomente um sólido teor ético, devem ser incentivadas formas
de convivência norteadas pela solidariedade. Mesmo numa situação em que as
diferenças culturais e religiosas mostrem-se incompatíveis, ainda assim é necessário
preservar o respeito ao modo de ser e de pensar do outro, por meio do diálogo
sem preconceitos.

AUTO-AVALIAÇÃO

Ficou claro, para você, a importância de o educador proporcionar meios para que
os alunos tornem-se agentes sociais conscientes e responsáveis? A qualidade do
relacionamento pessoal entre todos os sujeitos do processo educativo – professores,
alunos, pais, dirigentes, funcionários etc. – contribui decisivamente para que se crie
um clima de confiança e respeito. No entanto, o ensino da ética na escola requer
também, e principalmente, o desenvolvimento de um pensamento crítico. Além
do mais, quando se trata de discutir valores e atitudes, até que ponto é necessário
levar em conta o componente cultural? Você se deu conta de que, numa sociedade
democrática, o que se mostra aceitável para um determinado grupo pode entrar
em choque com o que outro grupo considera bom e correto? Se essas questões
não ficaram claras para você, volte a ler a aula e procure a tutoria.

166 C E D E R J
INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

14
AULA
A Aula 15, A ética no convívio social, pretende refletir sobre o papel fundamental
da reflexão ética para a vida coletiva, que permite ao indivíduo harmonizar seus
interesses pessoais com as normas sociais.

Leituras recomendadas

CANDAU, Maria Vera (Org.). Somos tod@s iguais? Escola, discriminação e educação em direitos
humanos. Rio de Janeiro: DP&Ä, 2003. Veja a profunda reflexão de Candau sobre diversidade
cultural, direitos humanos e discriminação da mulher, dos negros e de outros setores marginalizados
da nossa sociedade.
FRANCO, Creso e KRAMER, Sonia (Org.). Pesquisa e educação: história, escola e formação de
professores. Rio de Janeiro: Ravil, 1997.
PLATÃO. A república. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1996. Veja, principalmente, os Livros II
e III, onde o autor detalha como deve ser a formação ético-pedagógica do cidadão e como deve
ser a organização da escola ideal.

MOMENTO PIPOCA

As
Assista a O caminho para casa, de Zhang Yimou (diretor de Nenhum a menos
e LLanternas vermelhas, já citado na Aula 12), em que se narra a história de
um jovem professor que chega a um povoado rural onde praticamente todos
os habitantes participam da construção de uma escola para a comunidade.
É interessante perceber como os diversos membros da comunidade se
empenham na construção da escola, adotando, junto com o professor, os
em
alunos e outros integrantes da escola, uma atitude ética e cidadã, valorizando
alu
a educação e o trabalho solidário em prol de um ideal comum.

C E D E R J 167
15
AULA
A ética no convívio social
Meta da aula
Esclarecer a importância da ética para que o indivíduo
possa exercer sua liberdade, respeitando, ao mesmo
tempo, as normas da sua sociedade.
objetivos

Esperamos que, após estudar o conteúdo desta aula, você seja


capaz de:
• Reconhecer que a convivência social só é possível quando
o indivíduo adquire uma consciência ao mesmo tempo
política e ética.
• Identificar que o exercício genuíno da liberdade resulta
da capacidade de harmonizar a vontade individual com
a da coletividade.

Pré-requisitos
Para melhor compreensão desta aula, sugerimos que você
reveja as Aulas 12, Os desafios éticos da Educação; 13, Ética
na sala de aula; e 14, Ética na escola. As noções de Ética,
Paidéia, diferença, singularidade, pluralidade, Parâmetros
Curriculares Nacionais, solidariedade, dentre outras, serão
muito importantes para o entendimento adequado dos
problemas abordados.
Fundamentos da Educação 4 | A ética no convívio social

INTRODUÇÃO (...) esses outros que inventamos/ os Outros nos inventam/ nos
recriam/ a sua imagem e a sua semelhança/nos convencem de que
finalmente somos Outros/ e somos Outros, claro/ felizmente somos
Outros (BENEDETTI, 1974, p. 122).

Como destaca Mario Benedetti, em Poemas de otros, os outros nos


habitam continuamente; todas as nossas vivências, sentimentos,
pensamentos se vinculam a experiências e influências coletivas. Essas
influências coletivas estão presentes em toda experiência pedagógica.
A partir do momento em que o processo educacional encontra-se calcado numa
reflexão ética, os indivíduos se tornam cada vez mais aptos para interagir com
elementos de ordem política, social e cultural. Essa interação permite que se
perceba o quanto o chamado “problema dos outros” possui uma dimensão
comum, ou seja, a vida em sociedade exige uma participação ao mesmo
tempo ativa e solidária. Logo, para que o indivíduo exerça a sua liberdade,
é imprescindível que ele saiba como harmonizar sua própria vontade com a
vontade coletiva.
ARISTÓTELES
384-322 A .C.
Reveja a Aula 9 de
POLÍTICA E VIDA EM SOCIEDADE
Fundamentos da
Educação 1 (pp. 92-3). É de ARISTÓTELES a célebre definição do homem como um animal
Este filósofo, oriundo
da Macedônia, político. O objetivo do filósofo grego era ressaltar que a condição humana
pesquisou as mais
diversas questões:
abrange tanto uma existência privada quanto uma existência pública.
Lógica, Física, Biologia, Para ele, o indivíduo estava totalmente inserido na vida da cidade.
Metafísica etc. Na
sua reflexão política, Assim, o termo “política” designava uma forma de ressaltar o caráter
destacam-se as obras
Política e Constituição indissociável entre o indivíduo e a cidade.
de Atenas.

A palavra POLÍTICA é grega: ta politika, vinda de polis. Polis é a cidade,


entendida como a comunidade organizada, formada pelos cidadãos
(politikos), isto é, pelos homens nascidos no solo da cidade, livres
e iguais, portadores de dois direitos inquestionáveis, a isonomia
POLÍTICA
(igualdade perante a lei) e a isegoria (o direito de expor e discutir
Relativo à polis
(cidade), aos assuntos
em público opiniões sobre ações que a Cidade deve ou não deve
da cidade. A política realizar) (CHAUÍ, 2000, p. 371).
é a arte ou ciência
de governar, que
visa harmonizar Na aurora da civilização ocidental, os gregos perceberam que
os interesses gerais
da cidade com a vida em sociedade requer a participação política, e que isso também
as necessidades
envolve um aspecto ético pois, nessa convivência coletiva, os homens
individuais dos
cidadãos.

170 C E D E R J
MÓDULO 2
têm direito de emitir suas opiniões, de expressá-las e de organizar-se a

15
DIREITOS
partir delas. Não seria correto, pois, impor o silêncio ou obrigar que N AT U R A I S

AULA
alguém tenha de esconder seus pontos de vista. São aqueles que
asseguram a
qualquer indivíduo
A idéia de sociedade (...) pressupõe a existência de indivíduos o direito à vida,
à liberdade e à
independentes e isolados, dotados de DIREITOS NATURAIS e individuais, igualdade, dentre
que decidem, por um ato voluntário, tornarem-se sócios ou outros.
associados para vantagem recíproca e por interesses recíprocos
(Ib., p. 400).

Robinson Crusoe
Célebre romance de Daniel Defoe que narra as curiosas aventuras
de um náufrago que vive durante 28 anos numa ilha deserta,
totalmente isolado da civilização. Seria ele um animal apolítico?

A
ATIVIDADE

1. Analise o famoso texto de Aristóteles que destaca que o homem é por


natureza um animal político. Leia também o comentário de Jean-Pierre
Vernant acerca da teoria política desse autor. Relacione os dois trechos e
reflita sobre as seguintes questões: Por que o ser humano é político “por
natureza”? Por que um homem que viveria isolado do convívio social seria
“sub-humano” ou “super-humano”?

...o Estado é uma criação da natureza e que o homem é, por


natureza, um animal político. E aquele que por natureza, e não
por mero acidente, não tem cidade, nem Estado, ou é muito
mau ou muito bom, ou sub-humano ou super-humano – sub-
humano como o guerreiro insano condenado, nas palavras de
Homero, como “alguém sem família, sem lei, sem lar” (Homero,
Ilíada, IX), porque uma pessoa assim, por natureza amante da
guerra, é um não-colaborador, como uma peça isolada num jogo
de damas. É evidente que o homem é um animal mais político
do que as abelhas ou qualquer outro ser gregário (ARISTÓTELES,
1999, p. 146).

C E D E R J 171
Fundamentos da Educação 4 | A ética no convívio social

Se um ser, diz ele [Aristóteles], ultrapassa o nível comum, em


virtude e em capacidade política, não se poderia admiti-lo num
pé de igualdade com os outros cidadãos: “Um tal ser, com
efeito, será naturalmente como um deus entre os homens”.
(...) O que a cidade realiza assim espontaneamente no jogo de
suas instituições, Aristóteles exprime de maneira plenamente
consciente e refletida na sua teoria política. O homem, escreve ele,
é por natureza um animal político; aquele, então, que se encontra
por natureza ápolis é ou (...) um ser desprezível, um sub-homem,
ou (...) acima da humanidade, mais poderoso que o homem. (...)
E o filósofo volta à mesma idéia um pouco mais tarde, quando
observa que aquele que não pode viver em comunidade, “não
faz parte da cidade e conseqüentemente é ou um animal bruto,
ou um deus” (VERNANT, 2002, pp. 94-5).

Agora, elabore um comentário, por escrito, de no máximo 15 linhas.

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VIDA EM SOCIEDADE, JUÍZOS DE VALOR E FORMAÇÃO ÉTICA

A vida em grupo está permeada por juízos de valor. Se nos


dedicarmos à tarefa de investigar as origens do que é tido como
“bem” ou “mal”, “justo” ou “injusto”, “permitido” ou “proibido”,
“certo” ou “errado”, “censurável” ou “elogiável”, “virtude” ou “vício”,
encontraremos explicações de ordem religiosa, econômica e política.
Uma abordagem filosófica, por sua vez, requer que se busque
definir os fundamentos de determinada teoria ética no intuito de elaborar
um conjunto de preceitos organizados de forma rigorosa.

172 C E D E R J
MÓDULO 2
Esse aspecto metodológico, contudo, caminha ao lado de um

15
elemento prático, tendo em vista que,

AULA
do ponto de vista moral, o indivíduo deve sempre estar em forma,
preparado ou disposto; e isto é o que se queria dizer, tradicionalmente,
quando se falava numa pessoa virtuosa, como disposta sempre a
preferir o bem e a realizá-lo (VÁZQUEZ, 2001, p. 215).

No entanto, nosso modo de agir perante os outros está fortemente


marcado por valores que incorporamos desde o nascimento. Há, nesse
sentido, um conjunto de valores adquiridos que faz com que aceitemos
o que é correto ou incorreto como algo previamente dado. Em vez de
simplesmente “interiorizarmos nossa Cultura” como se ela fosse a única
realidade possível, a ponto de praticarmos “espontânea e livremente
seus costumes e valores, sem neles pensarmos, sem os discutirmos, sem
deles duvidarmos, porque são como a nossa própria vontade os deseja”
(CHAUÍ, 2000, p. 347), é preciso desenvolver uma compreensão crítica
que nos permita discernir o que é justo do que não é. Nesse sentido,
Rawls afirma que

o senso de justiça é a capacidade de compreender, aplicar e respeitar


nos seus atos a concepção pública da justiça. E ser capaz de uma
concepção de bem é poder formar, revisar e buscar racionalmente
uma concepção de nossa vantagem ou bem (2000, p. 216).

A idéia de ética está, assim, comprometida com o espaço público,


do qual o indivíduo faz parte. Escolher ou aderir a determinados valores
deve envolver tanto a capacidade de refletir sobre as normas de conduta
adotadas quanto a capacidade de assumir um compromisso e saber
sustentar, nas situações vivenciadas no cotidiano, as escolhas efetuadas.
Essa capacidade de refletir sobre as próprias ações é o ponto de partida
para a formação de um sujeito ético:

A consciência moral manifesta-se, antes de tudo, na capacidade para


deliberar diante de alternativas possíveis, decidindo e escolhendo
uma delas antes de lançar-se na ação. Tem a capacidade para avaliar
e pesar as motivações pessoais, as exigências feitas pela situação,
as conseqüências para si e para os outros, a conformidade entre
meios e fins (empregar meios imorais para alcançar fins morais é
impossível), a obrigação de respeitar o estabelecido ou transgredi-lo
(se o estabelecido for imoral ou injusto) (CHAUÍ, 2000, p. 337).
C E D E R J 173
Fundamentos da Educação 4 | A ética no convívio social

ATIVIDADES
A

2 Leia este trecho do poema La casa de las odas, de PABLO NERUDA, e reflita sobre
2.
a importância da vida em sociedade, sugerida no texto. Comente, elaborando
um
u texto de no máximo 15 linhas, as diferenças que há entre uma postura
individualista
i e outra que prega a solidariedade. Analise, especificamente,
a proposta de Neruda: o poeta, nos seus versos, procura harmonizar a sua
i
individualidade com o interesse da comunidade?

Eu sou do sul, chileno,


navegante
que voltou

dos mares.

Não fiquei nas ilhas,


coroado.
PABLO NERUDA Não fiquei sentado
(1904-1972)
em nenhum sonho.
Escritor chileno,
ganhador do Prêmio
Nobel de Literatura. Regressei a trabalhar
Destacam-se, na sua simplesmente
vasta produção: Vinte
poemas de amor e uma com todos os demais
canção desesperada e
Canto Geral. e para todos.

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3. Analise a frase de uma propaganda de cigarros que mostrava diversos jovens,


em diferentes situações, e afirmava: “Cada um na sua, mas com algo em comum...”
A segunda parte do anúncio destacava que o que existia em comum era apenas
o consumo dessa marca de cigarros. Reflita sobre os valores pregados por esse
comercial: Trata-se de uma concepção individualista ou de uma postura que prega
a solidariedade? Realize um debate sobre o tema com seus colegas de turma e
sintetize, por escrito, os argumentos apresentados, utilizando o espaço a seguir.

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MÓDULO 2
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15
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AULA
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RESPOSTA COMENTADA

Você pensou que, na propaganda de cigarros em questão, os jovens estão


isolados, cada um na sua atividade, no seu interesse, mas não partilham nada
com os outros? O único motivo que os aproximaria seria o consumo de um
cigarro. Você refletiu sobre muitas mensagens comerciais que visam mostrar
os jovens apenas como consumidores, sem nenhum traço de solidariedade, de
ideal em comum? Você pôde perceber que os jovens, além de consumidores,
têm também ideais políticos, religiosos, artísticos, esportivos etc. A mensagem
sugerida nega todos esses ideais, restringe o jovem a uma dimensão limitada:
consumir como palavra de ordem.

O RESPEITO ÀS LEIS E O VALOR DA LIBERDADE

O processo educacional certamente pode contribuir para o


estabelecimento de um estado de equilíbrio entre o indivíduo e o meio
em que ele vive, de modo que os anseios do primeiro não excluam
a possibilidade de instaurar um convívio harmônico e saudável. M AT T H E W
LIPMAN
As sociedades modernas, principalmente as localizadas no Ocidente,
Importante teórico
caracterizam-se pela heterogeneidade cultural e pela diversidade ética norte-americano
contemporâneo
e política. Para que o cidadão reconheça a si mesmo como ativamente que postulou uma
pedagogia crítica e
integrado nesse tipo de comunidade, é preciso agir conforme alguns reflexiva, baseada no
diálogo e na proposta
princípios elementares. de tornar a sala de
aula uma comunidade
de investigação.
Também postulou a
! possibilidade de uma
É inevitável, quando se trata de refletir sobre a questão da liberdade, filosofia para crianças,
pensar se o surgimento da sociedade limitou a expressão das isto é, contrariamente
ao pensamento
necessidades mais profundas dos indivíduos ou, pelo contrário, se
tradicional, afirmou
possibilitou uma convivência mais harmoniosa entre os homens. que os mais pequenos,
se estimulados
adequadamente,
teriam condições
de refletir sobre
Como ressalta LIPMAN, “a ocupação dos espaços da cidadania importantes
questões filosóficas.
requer das pessoas (...) comportamentos e atitudes que podem decorrer Elaborou um método
ou ser reforçados quando se aprende desde cedo”, a saber: “respeitar específico destinado
a desenvolver essa
os pontos de vista dos outros”; dar-se conta de “que o próprio ponto filosofia para crianças.
Entre seus livros,
de vista tem o mesmo valor e peso dos outros”; “respeitar a vez dos destacamos O pensar
na educação.

C E D E R J 175
Fundamentos da Educação 4 | A ética no convívio social

outros e (...) exigir respeito pela própria vez”; reconhecer que, apesar
de poderem “ser discutidas e modificadas”, as regras “são necessárias
para a vida em comum”; partir do princípio de “que todos somos iguais
e igualmente dignos de respeito” (1988, p. 72). Esses simples preceitos
são a base para a formação de uma consciência ética.

O indivíduo contribui (...) para a realização da moral, não mediante


atos extraordinários ou privilegiados (que são próprios do herói ou
da personalidade excepcional), mas com atos cotidianos e repetidos
que decorrem de uma disposição permanente e estável (VÁZQUES,
2001, p. 215).

Dessa maneira, para esclarecermos a articulação entre liberdade


e sociedade, também podemos nos remeter ao filósofo francês ROUSSEAU,
J E A N -J A C Q U E S
ROUSSEAU cujo interesse residia em analisar as condições morais e políticas que
(1712-1778) permitiram o nascimento da civilização. Sua hipótese inicial era de
Importante filósofo que houve um estado inicial de pureza no qual o homem não apenas
suíço cujas reflexões
ofereceram relevantes vivia em harmonia com a natureza como também era auto-suficiente,
aportes para o
pensamento político
pois não dependia do contato com seus semelhantes para sobreviver.
e pedagógico. Entre À plena liberdade de uma era idílica, que seria uma espécie de ponto
suas obras se destacam:
Do contrato social, zero da história do homem, sucede-se a necessidade de associação, de
Discurso sobre a origem
e os fundamentos da viver coletivamente. A partir desse momento, no entender de Rousseau,
desigualdade entre os o homem se degenera. E isso acontece, basicamente, por dois motivos.
homens e Emílio.
Primeiro, a natureza torna-se um obstáculo: é preciso trabalhar para
satisfazer as necessidades básicas. Segundo, surge a propriedade privada.
Nos dois casos, criam-se relações de mútua dependência entre os seres
humanos que levam, inevitavelmente, à luta de todos contra todos.
O surgimento de uma sociedade organizada limita a liberdade
do homem, impede-o de agir de modo soberano. No entanto, é graças
à vida em grupo que as pessoas passam a dispor de meios para seu
aprimoramento intelectual:

A passagem do estado de natureza para o estado civil determina


no homem uma mudança muito notável, substituindo na sua
conduta o instinto pela justiça e dando às suas ações a moralidade
que antes lhe faltava. É só então que, tomando a voz do dever o
lugar do impulso físico, e o direito o lugar do apetite, o homem,
até aí levando em consideração apenas sua pessoa, vê-se forçado a
agir em outros princípios e a consultar a razão antes de ouvir suas
inclinações (ROUSSEAU, 1999, p. 77).

176 C E D E R J
MÓDULO 2
Apesar do que diziam os críticos de sua época, Rousseau

15
não defendia um retorno aos bosques, isto é, à vida selvagem. Sua

AULA
preocupação era apontar um caminho para que o indivíduo readquirisse
os mais elevados valores humanos, valores como a bondade, a piedade,
o amor. Para isso, é necessário voltar a ser livre. O problema é como
articular a vontade coletiva com a individual. Esse impasse se resolve
com a elaboração de um “contrato social”. Nele, os indivíduos não se
relacionam em termos de submissão, mas a partir da participação ativa
de cada um na sociedade em que vive. O exercício da liberdade está, neste
caso, em consonância com a obediência às leis elaboradas coletivamente.
Daí que a liberdade moral sonhada por Rousseau é “única a tornar o
homem verdadeiramente senhor de si mesmo, porque o impulso do puro
apetite é escravidão, e a obediência à lei que se estatuiu a si mesma é
liberdade” (Ib., p. 78).
O que dissemos anteriormente mostra que no convívio social há
um componente político, sem o qual não seria possível obter qualquer
tipo de consenso. Como assinala Chauí, a invenção da atividade política
se deve a, pelo menos, dois fatores importantes:

1o. “como o modo pelo qual [os seres humanos] pudessem


expressar suas diferenças e conflitos sem transformá-los em guerra
total, em uso da força e extermínio recíproco. Numa palavra,
como o modo pela qual os humanos regulam e ordenam seus
interesses conflitantes, seus direitos e obrigações enquanto seres
sociais”; 2o. “como o modo pelo qual a sociedade, internamente
dividida, discute, delibera e decide em comum para aprovar ou
rejeitar as ações que dizem respeito a todos os seus membros”
(2000, p. 78).

Percebe-se, assim, o quanto o convívio em sociedade encontra-se


intimamente articulado a uma existência ética. Não apenas para evitar
ações violentas para resolver conflitos com outros grupos, mas também
para desenvolver um comportamento responsável e consciente.

C E D E R J 177
Fundamentos da Educação 4 | A ética no convívio social

ATIVIDADES FINAIS

1. Você que é morador do Rio de Janeiro deve ter percebido que, nos últimos
anos, a grande maioria dos prédios da cidade está colocando cada vez mais
grades, pretexto de proteção e segurança. Muitas vezes, essas grades avançam
muitos metros sobre a calçada, quase impedindo a passagem de pedestres, além
de oferecer uma lamentável imagem, desagradável esteticamente, de vivermos em
prisões particulares. Mesmo que a colocação de grades esteja limitada por diversas
disposições, as autoridades não fazem questão de penalizar essa proliferação que
atenta contra a vida dos cidadãos e a estética da cidade. Muitos afirmariam
que os moradores dos prédios têm o direito de se proteger, mas ao mesmo tempo
atentam contra a circulação dos pedestres. Redija um comentário por escrito, de
no máximo 20 linhas, analisando se estamos diante de um caso de exercício da
liberdade individual dos moradores desses prédios ou se, ao contrário, se trata de
um desrespeito, por parte deles, às normas coletivas?

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178 C E D E R J
MÓDULO 2
2. “Maurício está vendo o final do Jornal Nacional com Sandra, sua namorada. Não

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foram para a escola hoje, e esperam para ver o último capítulo da novela das oito,

AULA
que há muito tempo não começa nem às oito nem às oito e meia. Às 20h30min., o
jornal termina e eles ficam felizes, pois isso é difícil de acontecer. – Oba, já vai começar a
novela! Mas a decepção é imediata; a TV anuncia: “Interrompemos nossa programação
para transmitir o horário eleitoral gratuito, conforme determinação do Ministério
da Justiça. Voltamos a seguir com a programação normal.” – Ah, não! Teremos que
agüentar aqueles chatos de novo! Maurício e Sandra desligam-se da TV enquanto
namoram no sofá, mas, de vez em quando, ainda vêem na tela aquelas mesmas caras
de sempre, que certamente estarão fazendo, de novo, as mesmas promessas. Desligam
a TV e voltam ao namoro. Novela mesmo, só mais tarde” (GALLO, 2002, p. 25).

Analise a postura de Maurício e Sandra, os jovens da história. Eles têm uma postura
crítica diante da realidade? Eles apenas estão preocupados com seus interesses
individuais. Namoro, diversão, ou eles têm consciência política? Responda essas
questões por escrito, elaborando um texto de no máximo 15 linhas.

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C E D E R J 179
Fundamentos da Educação 4 | A ética no convívio social

RESUMO

A participação na vida social requer não apenas que o indivíduo saiba expressar suas
opiniões pessoais, mas também que adote uma postura ética. É necessário que cada
um esteja sempre disposto a agir de forma justa e correta. Isso só ocorre quando o
indivíduo assume o compromisso de interagir de forma democrática com a vontade
coletiva. Aqui se coloca o problema da liberdade: para sermos livres temos de levar
em conta as exigências do convívio em sociedade. Nesse sentido, a obediência às leis
constitui uma etapa importante de nossa reflexão e da nossa formação ética.

AUTO-AVALIAÇÃO

Ficou claro, para você, que o cidadão do mundo moderno é o resultado de um


processo educativo comprometido com a transformação de si mesmo, e do ambiente
do qual faz parte, no intuito de criar condições mais humanas de vida? Para isso, a
liberdade representa um valor inestimável. Mas, o indivíduo livre deve aprender não
somente a conviver com as diferenças como também a relacionar-se com a vontade
coletiva, pois a vida em sociedade requer a participação de todos.

INFORMAÇÕES SOBRE A PRÓXIMA AULA

A Aula 16, Ação moral e prática educativa, pretende refletir sobre as diferenças que
existem entre os conceitos de moral e ética, assim como destacar a importância de
estimular a reflexão e a crítica constantes no processo educativo, com a finalidade
de resolver harmoniosamente os conflitos vividos no âmbito escolar.

180 C E D E R J
MÓDULO 2
Leituras recomendadas

15
AULA
Leia o romance Robinson Crusoe, de Daniel Defoe. Trata-se de um navegante jovem e aventureiro
que, ao naufragar, ficou confinado a viver em uma ilha durante 28 anos, apenas com seu amigo
Sexta-Feira. É interessante refletir, a partir da experiência do personagem do romance, sobre se
um indivíduo isolado teria necessidade de adotar padrões éticos ou, ao contrário, poderia agir
apenas pelo arbítrio da sua vontade, numa espécie de vida extramoral.
Do contrato social, de Jean-Jacques Rousseau, o autor suíço analisa os alicerces de uma
sociedade, baseada num contrato social, que visa ao equilíbrio entre liberdade individual e
interesse coletivo.
Nietzsche e Deleuze. Bárbaros e civilizados, de Daniel Lins e Peter Pal Pelbart. Esta coletânea
de textos, partindo das teorias de Nietzsche e Deleuze, analisa com profundidade e clareza os
limites e conflitos que existem na constituição das diversas culturas. Sugerimos, dentre os diversos
artigos, O aristocrata nietzschiano: para além da dicotomia civilização e barbárie, de Barrenechea,
Miguel Angel, em que é discutida a linha tênue que existe entre bárbaros e civilizados, entre cultos
e incultos, entre violência e civilização.

MOMENTO PIPOCA
M

Tróia, protagonizado por Brad Pitt, narra as lutas entre gregos e troianos.
O filme mostra principalmente a atuação do maior guerreiro dos gregos,
Aquiles, que age principalmente por interesses pessoais – vaidade, desejo
de fama, ira e afã de vingança. Também há outros personagens que, muito
além de interesses coletivos, agem para satisfazer suas paixões pessoais.
Interessante filme para ver a articulação entre o individual e o coletivo, entre
o respeito ao interesse da comunidade e os apetites pessoais.
Veja também, a trilogia do cineasta polonês Krystof Kioslowski: A liberdade é
azul, A igualdade é branca e A fraternidade é vermelha. O diretor tece uma
metáfora instigante sobre as relações sociais e os desejos e ilusões individuais
na atualidade, inspirado nas três cores da bandeira francesa – azul, branca e
vermelha –, aludindo aos três princípios da Revolução Francesa: liberdade,
igualdade e fraternidade.

C E D E R J 181
16
AULA
Ação moral e prática
educativa
Meta da aula
Esclarecer a diferença entre ética e moral, mostrando a
importância desta distinção para a prática educativa.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Compreender que a importância da reflexão ética na prática educativa,
independentemente das semelhanças ou diferenças entre os termos
"ética" e "moral", é refletir sobre as razões da conduta humana.
• Identificar, na sociedade, valores conflitantes, cujas motivações
devem ser sopesadas e analisadas constantemente.
• Relacionar o processo educativo à possibilidade de desenvolver um
debate permanente, no qual possíveis conflitos possam ser resolvidos
de forma harmônica.

Pré-requisitos
Para o melhor entendimento desta aula, sugerimos que você releia
as Aulas 12, Os desafios éticos da Educação; 13, A ética na sala de
aula; 14: Ética na escola e 15, A ética no convívio social. Os conceitos
de Ética, Paidéia, diferença, diversidade, pluralidade, dialógico,
Parâmetros Curriculares Nacionais, solidariedade, direitos naturais,
política, dentre outros, serão importantes para o entendimento
adequado dos conteúdos abordados.
Fundamentos da Educação 4 | Ação moral e prática educativa

PARA VOCÊ, OS VALORES SÃO ETERNOS?

Por um escrúpulo que me é peculiar, e que confesso a contragosto – diz


respeito à moral, a tudo o que até agora foi celebrado na terra como
moral (...) tanto minha curiosidade quanto minha suspeita deveriam
logo deter-se na questão de onde se originam verdadeiramente nosso
bem e nosso mal. (...) Por fortuna logo aprendi a separar o preconceito
teológico do moral, e não mais busquei a origem do mal por trás do
mundo. (...) sob que condições o homem inventou para si os juízos
de valor “bom” e “mau”? e que valor têm eles? (...) – Para isso
encontrei e arrisquei respostas diversas, diferenciei épocas, povos,
hierarquias dos indivíduos, especializei meu problema, das respostas
nasceram novas perguntas, indagações, suposições, probabilidades
(...) (NIETZSCHE, 1998, p. 9).

NIETZSCHE, em Genealogia da moral, coloca a necessidade de


FRIEDRICH
NIETZSCHE refletir sobre a moral sem estarmos presos a preconceitos teológicos, ou
(1844-1900) seja, idéias pré-formadas que provêm de diversas tradições religiosas.
Filósofo alemão cuja
Sabemos que a religião exige fé, crença, e não provas e demonstrações.
obra é fundamental no
pensamento ocidental. Nesse sentido, o autor alemão frisa que a reflexão sobre a moral deve
Por intermédio de
seus livros, esse autor partir da análise das condições concretas, históricas e sociais em que
realizou uma profunda
crítica às concepções
surgem os valores morais. Isso significa que é preciso analisar quais
tradicionais, com os condicionamentos históricos, sociais, econômicos, políticos etc. que
destaque para o
questionamento à possibilitam o surgimento de um determinado valor.
metafísica, à moral e
à religião. Nietzsche Assim, Nietzsche se propõe a estudar as diversas morais cultuadas
realiza uma aguda crítica pelos diferentes povos, em diferentes épocas. Portanto, a reflexão ética não
à religião e à moral
judaico-cristã, com deve ser DOGMÁTICA, mas crítica, aberta a uma indagação que questione como
polêmicos livros como
Genealogia da moral se formaram os valores, já que, conforme mudam as condições históricas,
e O anticristo.
aparecem diversas formas de avaliar, nos diferentes grupos e povos.
Nesse sentido, propondo-se a adotar uma visão crítica sobre os
DOGMÁTICA valores, a escola deve ter um sólido compromisso com o aprimoramento
Diz-se de idéia baseada do debate ético, o que acaba aproximando-a da Filosofia como disciplina
na opinião ou na
crença, não na prova que reflete, de modo sistemático, sobre as ações e as condutas dos
ou demonstração.
indivíduos. Gallo destaca que os valores são criações humanas, não
algo eterno nem imutável, e enfatiza a necessidade de desenvolver a
capacidade de deliberar sobre nossos próprios modos de valorar, de
construir nossos próprios parâmetros de conduta:

(...) os valores são criações humanas e não entidades abstratas e


universais, válidas em qualquer tempo e lugar. (...) construímos
nossos próprios valores, colocando nós mesmos como valor
fundamental (GALLO, 2002, p. 108).

184 C E D E R J
MÓDULO 2
O fato de que os valores são históricos, não eternos e imutáveis,

16
está demonstrado pela contínua mudança nos costumes e parâmetros

AULA
que vivemos na sociedade atual. Num mundo regido por contínuas
alterações tecnológicas, pelas permanentes transformações impostas
por novos instrumentos, por sofisticadas engenhocas que mudam nossas
vidas, os valores não podiam permanecer imutáveis. Princípios morais
que pareciam inamovíveis mostram-se cada vez mais mutáveis.
Torna-se fácil perceber, nos dias atuais, que a própria estrutura
familiar, calcada em parâmetros patriarcais, em que o homem era a cabeça
visível do grupo, está sendo profundamente alterada. Cada vez mais, as
mulheres são chefes do grupo familiar; cada vez mais estão engajadas no
mundo do trabalho, ao mesmo tempo que se sacrificam para dar conta
do lar. Muitas vezes são os avós que cuidam da educação das crianças,
quando os pais são pouco presentes ou até ausentes, devido as suas
obrigações laborais ou por outros motivos.
A crise do modelo patriarcal de família, profundamente minado
no século passado e em notória bancarrota no atual, tem trazido a erosão
de valores que eram considerados inalteráveis, como a indissolubilidade
do matrimônio, a exigência de virgindade dos consortes, a necessidade de
que os parceiros se unam em matrimônio – civil e religioso – para terem
o direito à coabitação. Esses valores, atualmente, não têm muita validade
ou pelo menos não são corroborados pela maioria dos invidívuos.
O divórcio já é uma prática geralmente aceita, a virgindade já não é mais
uma condição necessária – à exceção de sociedades muito tradicionais,
como as de alguns países orientais –, e a convivência sem casamento é
uma prática cada vez mais comum.

C E D E R J 185
Fundamentos da Educação 4 | Ação moral e prática educativa

ATIVIDADE

1. Leia a matéria seguinte, que aborda o caso da norte-americana Terri Schiavo, em


coma profundo havia diversos anos, mas que ainda demonstrava sinais vitais. Os
juízes autorizaram o desligamento dos aparelhos que a mantinham com vida, já que
consideravam que seu caso não seria reversível. Os pais se opunham à decisão judicial,
e a opinião pública estava dividida diante desse caso tão polêmico de EUTANÁSIA.
Finalmente, Terri morreu de inanição, 14 dias após ter sido removido (31/3/05) o
tubo que a alimentava.

Pai faz apelo dramático. Washington – O pai da americana Terri


Schiavo, que hoje completa 11 dias sem receber alimentos, e o
conselheiro espiritual da família fizeram apelos dramáticos para
evitar que a mulher morra de inanição, um dia depois de ela ter
recebido a unção dos enfermos no hospital onde está internada.
(...) Schindler [o pai de Terri], esgotado após uma longa disputa
legal contra o genro, Michael Schiavo, que alega que a mulher lhe
disse no passado que não gostaria de ser mantida com aparelhos,
afirmou que a filha não abandonou a luta pela vida. – Tenho
medo que acelerem o processo matando-a com uma overdose
E U TA N Á S I A
de morfina (...) Horas antes, o conselheiro espiritual da família,
Ato de
Paul O´Donell, fez mais um apelo ao governador da Flórida, Jeb
proporcionar
morte sem Bush. – Governador, faça algo, não se junte à cultura da morte.
sofrimento a um Terri está viva, pedindo sua ajuda, liberte-a de seu cativeiro – disse,
doente incurável. lembrando que o estado prevê pena de prisão para quem deixar
um animal morrer de fome. Apesar do pedido, o governador
reafirmou que deve respeitar as decisões dos tribunais de não
recolocar a sonda. Na noite de domingo, Terri recebeu a unção
dos enfermos de dois sacerdotes católicos e também o vinho da
comunhão. Ela não pôde, no entanto, receber a hóstia, porque
sua boca estava muito ressecada. (...) O sacramento contou
com a presença de parentes de Terri, enquanto nos arredores
continuavam as manifestações a favor do “direito de viver”. Os
manifestantes estão em vigília há dias, segurando cartazes com
frases como “Deixem Terri viver” e “Não brinquem de Deus”. Um
homem que tentou levar água à paciente foi detido (Jornal do
Brasil. Terça-feira, 29 de março de 2005, p. A12).

! A questão da eutanásia mostra


claramente como há situações em
que os diversos grupos sociais têm
valores conflitantes, opostos.

186 C E D E R J
MÓDULO 2
16
Proponha um debate ético com os seus colegas de turma. Organizem-se em

AULA
três grupos. Um grupo deverá analisar a postura adotada pelas autoridades
judiciais norte-americanas que decidiram deixar Terri morrer, já que, segundo
os médicos que a acompanhavam, seu quadro era irreversível. Outro grupo
comentará, depois, a postura dos pais da doente que se opunham a deixá-
la morrer enquanto ela apresentasse sinais vitais. O terceiro grupo discutirá
a postura da Igreja, que também questionou categoricamente a prática da
eutanásia. Elabore, posteriormente, uma síntese, de no máximo 15 linhas, dos
argumentos apresentados. Finalmente, em cinco linhas, apresente a sua própria
opinião sobre a questão.

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RESPOSTA COMENTADA

A finalidade deste exercício é instigar você a refletir, no âmbito escolar, sobre a


diversidade de valores que existem na nossa sociedade. Nos diversos grupos, há
diferentes formas de ver o mundo, aparecendo muitas vezes conflitos insolúveis.
Você pode ter percebido que os valores não são eternos, mas que mudam
de época em época, que a interpretação de um grupo difere totalmente da
sustentada por outros. No caso analisado, a Igreja defende categoricamente o
direito à vida de todos os doentes, argumentando que só Deus pode tirar a vida
de alguém. Em contrapartida, a ciência considera que não deve se prolongar
indefinidamente a agonia de um doente terminal, pois isso seria intensificar o
seu sofrimento e o da sua família. Refletindo sobre este caso, a partir do debate
realizado, você pode ter constatado que a escola é um lugar importante para
discutir a diversidade de valores e visões de mundo que há nos diferentes
segmentos sociais.

C E D E R J 187
Fundamentos da Educação 4 | Ação moral e prática educativa

A DISTINÇÃO ENTRE ÉTICA E MORAL

Os seres humanos agem conscientemente, e cada um de nós é senhor


de sua própria vida. Mas como resolvemos o que fazer? Você em
algum momento já pensou em como você toma as decisões sobre
o que fazer em determinada situação? Você age impulsivamente,
fazendo “o que der na telha” ou analisa cuidadosamente as
possibilidades e conseqüências, para depois resolver o que fazer?
A filosofia pode nos ajudar a pensar sobre nossa própria vida.
Chama-se ética a parte da filosofia que se dedica a pensar as ações
humanas e os seus fundamentos (GALLO, 2002, p. 54).

Partindo do que pode haver de comum ou de diferente entre os


termos “moral” e “ética”, podemos entender o quanto a prática educativa
envolve uma ação moral, principalmente se a vincularmos ao projeto
de trabalhar os conflitos humanos a partir de uma postura aberta às
mudanças e voltada para valores essenciais como o diálogo.
Quando falamos de ética, por exemplo, podemos nos remeter
às normas que regem atividades específicas, como no caso dos códigos
de ética da Medicina, da Psicologia etc. A prática dessas profissões que
lidam diretamente com a saúde e o bem-estar das pessoas obedece a
princípios gerais de conduta. Infringi-los, no todo ou em parte, contraria
o que é eticamente esperável de determinada categoria profissional. Por
sua vez, ao nos referirmos à moral, temos a impressão de que se trata
da obediência a regras bem delimitadas, que traçam uma nítida linha
divisória entre o certo e o errado, ou de uma atitude conservadora, típica
de um comportamento moralista (num sentido pejorativo).
Para avançar na compreensão do âmbito da ética e da moral,
podemos recorrer às definições oferecidas pelos dicionários. Além disso,
lembre-se da definição que apresentamos na Aula 12, Os desafios éticos
da Educação:

A Ética estuda a conduta do Homem: seus fins, meios e motivos do seu


agir, refletindo sobre sua própria natureza. Analisa normas, valores e
regras que orientam o comportamento do homem no convívio social.

Agora, é importante esclarecer o sentido da noção de moral.


Conforme o Dicionário de Filosofia, de Abbagnano:

188 C E D E R J
MÓDULO 2
16
MORAL (lat. Moralia; in. Morals; fr. Morale; al. Moral;
it. Morale). 1. O mesmo que Ética. 2. Objeto da Ética,

AULA
conduta dirigida ou disciplinada por normas, conjunto dos
mores. Neste significado, a palavra é usada nas seguintes
expressões: “M. dos primitivos”, “M. contemporânea”
(ABBAGNANO, 1999, p. 682).

Houaiss, por sua vez, em Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa


(2001, p. 1958), esclarece que:

Moral: (...) 1 concernente ou próprio da moral (...) 4 que segue


princípios socialmente aceitos (...) 4.1. que denota bons costumes, boa
conduta, segundo os preceitos socialmente estabelecidos pela sociedade
ou por determinado grupo social (...) 6.1. conjunto das regras, preceitos
etc. característicos de determinado grupo social que os estabelece e
defende (m. burguesa) (m. cristã) 7 FIL cada um dos sistemas variáveis
de leis e valores estudados pela ética (disciplina autônoma da filosofia),
A Filosofia se carac-
caracterizados por organizarem a vida das múltiplas comunidades teriza por abordar a
humanas, diferenciando e definindo comportamentos proscritos, questão dos valores
no intuito de definir
desaconselhados, permitidos ou ideais (...). os princípios básicos
a partir dos quais se
pode avaliar qualquer
Após apresentarmos essas definições de Ética e Moral, podemos ação humana.
tentar esclarecer o sentido de ambas os termos. Abbagnano, numa pri-
meira definição, identifica Ética e Moral: ambas aludiriam à conduta A escravidão era
uma instituição le-
humana, às normas que regem o homem em sociedade. Inclusive, no uso gítima durante a
colonização do territó-
cotidiano, quase todos nós usamos moral e ética como sinônimos. Porém, rio americano. Era
é possível encontrar algumas diferenças. Houaiss nos ajuda a estabelecer moral tirar a liberda-
de de determinados
distinções entre os conceitos. A moral pode ser entendida como indivíduos; mas, esse
agir fere os princípios
um conjunto de normas efetivas, um sistema concreto de regras da ética.
(por isso mores, do latim, alude aos costumes efetivos de
um grupo) que regem uma sociedade ou um grupo
social específico: “conjunto das regras, preceitos
etc. característicos de determinado grupo social
que os estabelece e defende (m. burguesa)
(m. cristã)”. Assim, haveria diversas
morais – burguesa, cristã, comunis-
ta, brasileira, judaica, primitiva,
contemporânea etc. Já a Ética é
a disciplina filosófica que refle-
te sobre a validade das normas

C E D E R J 189
Fundamentos da Educação 4 | Ação moral e prática educativa

e regras que regem as diversas morais efetivas. A moral, assim, é um


corpo normativo específico de uma sociedade ou grupo; já a ética é o
aspecto da Filosofia que discute o sentido, a justificativa das diversas
morais. Assim, a ética pode assinalar que uma determinada moral não
respeita os princípios gerais da ética. Nesse sentido, podemos afirmar
que a moral de um grupo racista (por exemplo a Ku-Klux-Klan dos EUA,
que perseguia os negros, ou os anti-semitas, que perseguiam os judeus),
que desvaloriza determinados grupos sociais ou étnicos, não respeita
as normas gerais da ética, como a igualdade entre todos os homens, o
direito à vida e à liberdade.

ÉTICA: Disciplina filosófica que estuda os princípios gerais e básicos da conduta


humana, refletindo sobre a validade das normas e regras das morais efetivas
que regem os diversos grupos e sociedades.

MORAL: Conjunto de regras, normas e preceitos que orientam a conduta


efetiva de diversas comunidades específicas, estabelecendo o que está
permitido, o que está desaconselhado e o que está proibido.

ATIVIDADE

2. Releia o seguinte trecho da Aula 9, Escola: Inclusão e Exclusão, de


Fundamentos da Educação 3, volume 1, p. 89: “A sociedade espartana, na
Antigüidade, EXCLUÍA e ELIMINAVA aqueles considerados ‘anormais’; as
crianças com deficiências eram jogadas do alto de um morro, numa forma
brutal de segregação. ” Sem dúvida, a eliminação dos deficientes fazia parte
das regras e dos códigos morais da sociedade espartana. Levando em
conta a distinção que estabelecemos entre moral e ética, tente esclarecer,
de forma escrita, em 10 linhas no máximo, se essa moral espartana pode
ser considerada ética.

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190 C E D E R J
MÓDULO 2
16
RESPOSTA COMENTADA

AULA
Você pode ter percebido que as morais são variáveis, mudam de uma
sociedade para outra, de tempos em tempos. Há costumes que para
um grupo são fundamentais e para outros são chocantes. No entanto, a
Ética, como disciplina filosófica mais ampla, analisa os princípios gerais
da conduta humana. Assim, podemos dizer que é ético o direito à vida,
à dignidade, à igualdade etc. Dessa forma, a ética pode esclarecer que
uma determinada moral não respeita princípios universais do agir. Nesse
sentido, você pode ter assinalado que a eliminação dos deficientes estava
acorde com os parâmetros morais de Esparta; porém, numa reflexão mais
abrangente, pode ter mostrado que esse procedimento era moral nessa
época e sociedade, mas feria normas éticas universais.

EDUCAÇÃO E DIÁLOGO

A condição humana é adquirida no interior de uma cultura que tem


seus próprios costumes, hábitos, crenças, normas, leis, preceitos, regras ARISTÓTELES
de conduta etc. Fatores sociais, históricos e geográficos são determinantes (384-322 A .C)
Reveja a Aula 15,
para que alguém se comporte desta ou daquela forma. Pensar a ética, A ética no convívio
no interior da instituição escolar, significa levar em conta a existência de social. Este filósofo
grego dedicou especial
outras formas de avaliar o comportamento das pessoas que fazem parte atenção à reflexão
ética. Nesta área, um
do cotidiano dos alunos e também fora da escola, como do grupo familiar, livro fundamental é
da vizinhança ou dos meios de comunicação de massa, por exemplo. Ética a Nicômaco,
dedicado a seu filho,
A prática educativa deve estar comprometida com a problematização a quem dirige seus
ensinamentos éticos.
democrática dos conflitos de interesse inerentes às relações humanas,
de modo que situações de conflito ou de impasse sejam resolvidas por
meio da habilidade de discutir, de trocar argumentos, de ponderar, de
comparar, em suma, de dialogar.
Na Grécia Antiga, a formação pedagógica valo-
rizava a atitude prudente daquele que reflete sobre os
próprios sentimentos e sobre as próprias ações, como
podemos constatar nas palavras de ARISTÓTELES:

pode-se sentir medo, confiança, desejos, cólera, piedade,


e, de um modo geral, prazer e sofrimento, demais ou
muito pouco, e, em ambos os casos, isto não é bom: mas
experimentar estes sentimentos no momento certo, em
relação aos objetos certos e às pessoas certas, e de maneira
certa, é o meio-termo e o melhor, e isto é característico da
excelência (2001, p. 42).

C E D E R J 191
Fundamentos da Educação 4 | Ação moral e prática educativa

Aristóteles vai consolidar, no seu sistema ético, o princípio do


meio-termo. Em toda ação humana é possível cometer excesso ou falta.
Assim, nas questões da guerra, da luta, do confronto – muito importantes
numa sociedade guerreira, como a da Grécia Antiga –, era fundamental
determinar a medida da conduta. Era possível exceder-se, cometendo
temeridade (alguém que pretendesse lutar contra um inimigo muito
superior as suas forças: disputar sem armas contra 10 homens) e, ao
contrário, incorrer em defeito, sendo covarde (um guerreiro que tivesse
medo de um rival muito inferior a ele). O meio-termo, que determina
a virtude, seria a coragem (por exemplo, disputar com um adversário
equivalente em forças e armamentos). O equilíbrio deve estar presente
em todo tipo de conduta.

Há também, da mesma forma, (sic) excesso, falta e meio-termo


em relação às ações. Ora, a excelência moral se relaciona com
as emoções e as ações, nas quais o excesso é uma forma de erro,
tanto quanto a falta, enquanto o meio-termo é louvado como um
acerto; ser louvado e estar certo são características da excelência
moral. A excelência moral, portanto, é algo como eqüidistância,
pois, como já vimos, seu alvo é o meio-termo. Ademais é possível
errar de várias maneiras, ao passo que só é possível acertar de uma
maneira (também por esta razão é fácil errar e difícil acertar – fácil
errar o alvo, e difícil acertar nele); também é por isto que o excesso
e a falta são características da deficiência moral, e o meio-termo é
uma característica da excelência moral, pois a bondade é uma só,
mas a maldade é múltipla (Idem).

A reflexão de Aristóteles apregoa que, para se atingir a excelência


moral, é necessário a adoção de um comportamento equilibrado na vida
em sociedade. Seu antecessor, Sócrates, já considerava que ser racional

Ao dar-se conta das era uma virtude que conduzia inevitavelmente à felicidade.
implicações e questões No mundo moderno, essa preocupação com o desenvolvimento
éticas da prática peda-
gógica, o educador abre de uma postura virtuosa está intrinsecamente ligada à elaboração de uma
caminho para trabalhar
em conjunto os desafios atividade pedagógica criticamente construída, na qual seja possível não
do cotidiano.
apenas questionar o que é reproduzido inconscientemente pelos indivíduos,
mas também melhorar a qualidade das relações humanas, no sentido de
atingir um maior grau de confiança e respeito entre todos.

192 C E D E R J
MÓDULO 2
Trabalhar a educação ética exige que o educa-

16
dor, além de se comportar de forma honesta e

AULA
coerente, saiba respeitar a legítima idios-
sincrasia de cada um dos alunos. Para que
isso ocorra, o educador deve evitar uma
atitude de neutralidade, o que na verdade
é praticamente impossível, tendo em vista
que ele está influenciado por valores que
fizeram parte de sua própria história e que
o constituem enquanto docente.
Libâneo considera que

(...) a prática educativa emancipatória requer, efetivamente,


do educador, como tomada de posição pela missão histórica
O educador deve adotar
consciente e conseqüente da humanidade, destruir as relações de uma conduta ética, assim
classes que sustentam a alienação e privam o homem de seu pleno como instigar os alunos à
reflexão ética.
desenvolvimento humano (1985, p. 81).

Se tomarmos como referência a vida como um todo, o maior


objetivo da educação é o de contribuir para o desenvolvimento de
um processo de libertação que permita ao ser humano expressar seus
verdadeiros anseios e realizar-se como pessoa.

ATIVIDADES FINAIS

1. A avaliação é uma das questões que suscitam mais inquietações, temores e


angústias entre os alunos. A prova geralmente é o momento mais temido na
vida escolar. Geralmente, é o professor que determina unilateralmente o tipo
de avaliação a ser realizada. E, como dissemos, o diálogo deve orientar a ética, a
ação do professor. Proponha uma discussão com o tutor do seu pólo e os colegas
do grupo de estudos que você freqüenta. Sugira que todos, incluindo o tutor,
coloquem o tipo de avaliação que seria mais adequada no ensino a distância:
auto-avaliação, prova escrita, prova oral, trabalho, trabalho em grupo etc. Realize

C E D E R J 193
Fundamentos da Educação 4 | Ação moral e prática educativa

uma síntese, por escrito, de no máximo 15 linhas, das propostas apresentadas.


Finalmente, combine com o tutor a elaboração de um documento com novas
propostas de avaliação a ser enviado ao CEDERJ.

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2. Leia estes versos do poeta chileno Pablo Neruda, de Veinte poemas de amor y una
canción desesperada, em que o poeta fala com muita dor do seu amor perdido.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Eu a amei, e às vezes ela
também me amou/ Em noites como esta eu a tive entre os meus braços. Beijei-a
tantas vezes sob o céu infinito. (...)/ Posso escrever os versos mais tristes esta
noite. Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi/ Ouvir a noite imensa, mais
imensa sem ela. (...)/ Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo./ (...) Minha alma não se contenta
com tê-la perdido. Nós, os de então já não somos os mesmos./ Já não a amo,
é verdade, mas quanto a amei. Minha voz procurava o vento para tocar o seu
ouvido. (...) Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame. É tão curto o amor,
e é tão longo o esquecimento./ Porque em noites como esta eu a tive entre
os meus braços, a minha alma não se contenta com tê-la perdido./ Ainda que
esta seja a última dor que ela me causa, e estes sejam os últimos versos que
lhe escrevo (1988, pp. 46-7).

194 C E D E R J
MÓDULO 2
Discuta com os colegas do pólo a concepção amorosa manifestada no poema de

16
Neruda. O poeta escreveu esses versos no século passado. Proponha uma outra

AULA
discussão comparando os valores amorosos do passado e da atualidade. Uma paixão
tão intensa como a transmitida pelos versos é uma coisa antiquada? Nesta época,
tão vertiginosa, as pessoas devem amar livremente e sem compromissos ou tentar
estabelecer laços mais sólidos? Sintetize os argumentos apresentados e conclua
apresentando sua opinião. Elabore sua resposta nas linhas abaixo:

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RESPOSTA COMENTADA

Você deve ter percebido que, na atualidade, todos os valores parecem estar
em xeque. Uma das instituições mais minadas são as relações amorosas. Você,
com certeza, deve conhecer poucos casais que permanecem juntos ao longo
dos anos. Neruda escreveu Vinte poemas de amor em 1924, numa época
em que as separações não eram freqüentes e as paixões pareciam intensas,
duradouras. Você deve ter percebido, pela sua própria experiência, que hoje
as coisas são muito diferentes: os valores estão em permanente mudança. No
caso do amor, diante de tantas consignas contraditórias transmitidas pela mídia,
pela psicanálise, pelo senso comum, pelo consumismo atual, é preciso que você
possa determinar qual o rumo a escolher, qual o valor a adotar.

C E D E R J 195
Fundamentos da Educação 4 | Ação moral e prática educativa

RESUMO

A Filosofia trouxe importantes contribuições para o desenvolvimento de um pensar


e de um agir calcados em princípios éticos. Transpondo essas reflexões para a prática
pedagógica, nos damos conta da necessidade de realizar um trabalho cotidiano
sobre nossas próprias condutas. Diferenciar ética de moral permite que a reflexão
filosófica ética nos leve a avaliar a validade das diversas morais efetivas e dos
diversos valores existentes na atualidade. É a partir dessa postura que a educação
moral contribui diretamente para melhorar a condição humana, privilegiando a
cooperação na resolução de problemas fundamentais da vida em grupo.

AUTO-AVALIAÇÃO

Você compreendeu que a participação do educador, na reflexão conjunta dos


valores, exige a habilidade para lidar com questionamentos e aceitar, na medida
do possível, as alternativas propostas? A transmissão dos valores e das regras
socialmente aceitas, que atualmente estão em constante mudança, faz-se não
somente por meio da atitude do professor mas também por intermédio da leitura,
da forma de organização da instituição escolar e mesmo do modo como é feita a
avaliação do desempenho dos alunos. Ao se dar conta disso, o educador percebe
o quanto é importante a manutenção de uma reflexão ética. Desse modo, só é
possível uma ação moral consistente por meio da educação do pensamento.

196 C E D E R J
MÓDULO 2
Leituras recomendadas

16
AULA
NIETZSCHE, Friedrich. Genealogia da moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Nietzsche
realiza uma importante análise do surgimento histórico dos diversos valores, nas diversas
sociedades, mostrando que não há moral eterna e imutável, mas diversas morais surgidas por
interesses concretos dos diversos grupos que constroem os valores.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Brasília: Unb, 2001. O pensador grego, no livro de ética que
dedica a seu filho Nicômaco, mostra que a chave de toda conduta virtuosa é adotar um caminho
equilibrado, um meio-termo, fugindo dos excessos e dos defeitos.

MOMENTO PIPOCA
M

Cidade de Deus mostra as diversas vicissitudes de um grupo de traficantes da


Cidade de Deus, no Rio de Janeiro. Este instigante filme mostra que existem
códigos morais singulares que animam os grupos sociais marginalizados.
A partir desses valores, diferentes dos que são consolidados na sociedade
dita organizada, podemos analisar a relatividade dos parâmetros que guiam
os diversos segmentos da comunidade.

INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA.

A Aula 17, Revisão, propõe-se sintetizar as questões desenvolvidas nessas cinco


aulas (12, 13, 14, 15 e 16) sobre as relações que existem entre Ética e Educação.

C E D E R J 197
Cultura e cotidiano escolar

17
AULA
A sala de aula
Ética e Educação
objetivo

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Rever concepções, conceitos e noções estudados
nas aulas anteriores, relacionados à ética, sua
origem e conceituação; o aprendizado da cidadania;
o compromisso ético do educador; a educação
ética; a dimensão ética do espaço escolar; as
atitudes manifestadas no cotidiano; a política e
a vida em sociedade; vida em sociedade, juízo,
valor e formação ética; o respeito às leis e valor
da liberdade; a distinção entre ética e moral e
educação e diálogo, temáticas imprescindíveis
ao educador contemporâneo.

Pré-requisito
Esta aula contém uma síntese das
cinco aulas passadas. O domínio dos
conceitos contidos em cada uma delas
é fundamental para que a revisão possa
ser altamente proveitosa.
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar • A sala de aula • Ética e Educação

Em todo o Brasil, como estratégia de implementação do turismo,


estão sendo recuperados pequenos trechos de linhas férreas. Nestes
percursos, trafegavam os antigos trens “Maria Fumaça”, movidos a
carvão, transportando cargas e pessoas. Como apitavam! E, claro, como
soltavam fumaça! Agora são atrações turísticas.

Esses trens provocam curiosidade em termos de sua velocidade


(são lentos), da estrutura dos vagões, da aparência dos assentos, da forma
de embarque, das manobras, da sinalização, do guichê para a venda de
passagens, do formato dos tíquetes, da arquitetura das estações, dos
uniformes dos ferroviários, da execução de trabalho do maquinista, do
responsável pela caldeira e do atento controlador de passageiros em cada
vagão, dentre outros aspectos.
Na atualidade, temos o trem-bala, invenção japonesa, que poderia
cobrir a distância que vai do Rio de Janeiro a São Paulo em cerca de
duas horas. Há também os metrôs, trens citadinos, subterrâneos ou de
superfície, que fazem o chamado transporte de massa. Há ainda o trem
que percorre o Canal da Mancha, na Europa, por um túnel debaixo
d’ água!
Finalmente, o trem perdura, mas de outra maneira. Renovado
tecnologicamente. Assim também os valores inerentes ao comportamento
das pessoas não permanecem imutáveis, pois alteram-se continuamente
são determinantes no tempo-espaço de novos padrões de ética na vida
em comum.

200 C E D E R J
MÓDULO 2
17
Nada do que foi será
De novo

AULA
Do jeito que já foi um dia
Tudo passa...
Tudo sempre passará...
(Lulu Santos)
Com certeza, Ética e Educação já não são mais um mistério para
você. É coisa do passado. Já passou. Ainda assim, vamos rever este duo
temático de um outro jeito.

TEMA: OS DESAFIOS ÉTICOS DA EDUCAÇÃO (AULA 12)

Nesta aula, foram apresentados a origem grega da palavra ética e


seus significados. A ética pressupõe o fim, os meios para o atingimento
do fim, a orientação e a disciplina de conduta, princípios regentes do
comportamento humano e reflexão acerca de normas, valores, prescrições
e exortações presentes em qualquer realidade social. A ética indaga sobre
a natureza do homem e estuda suas normas e regras de comportamento
na convivência em uma mesma sociedade.
Educação também tem origem no grego. A noção de “Paidéia”
vincula conduta moral e formação de cidadãos. A visão pedagógica da
época contemplava as responsabilidades políticas dos indivíduos e seu
comportamento ético em relação aos seus pares na vivência cotidiana.
As questões éticas tinham a primazia no processo educacional.
O processo educativo nas sociedades modernas fomenta as
questões dos valores por ser área de abordagem pedagógico-didática
articulada e inserida em certo contexto cultural. Esfera escolar e esfera
social se interpenetram. Os referenciais religiosos, étnicos, culturais,
políticos, econômicos reforçam o papel do contexto em sua diversidade
de pontos de vista. O efeito contextual das diferenças recoloca a escola
como instituição vocacionada para a aprendizagem e a formação ética,
vinculando o espaço privado de cada um e o espaço público comum, ou
seja, o aprendizado da cidadania.
Fica instalado o desafio ético da educação: pensar a vida em
grupo em termos do fortalecimento dos processos de humanização e
democratização das relações sociais.

C E D E R J 201
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar • A sala de aula • Ética e Educação

!
Educação para a paz
Uma campanha Mundial de Educação para a Paz foi lançada em Haia em 1999.
Em todo o mundo cresce a consciência da necessidade de envolver a juventude num
processo que capacite os jovens para transformarem o mundo de forma firme, ativa e pacífica
(CONIC, CF 2005, no. 51).

TEMA: A ÉTICA NA SALA DE AULA (AULA 13)

O homem faz escolhas originadas por emoções e desejos.


Entretanto, nossa capacidade de escolha reorienta o que elegemos em
razão de avaliações, preferências, valores, necessidades, efeitos de uma
suposta decisão. Eis o terreno da ética.
A proposição pedagógica de educação crítica e libertária canaliza
para o ambiente de classe o trato de conteúdos e a reflexão sobre as
condutas e os valores. Assim, na vivência docente, o educador tem como
dissociar a exploração de campos de conhecimento do papel de agente
transmissor de valores morais, pela forma como se conduz, eticamente, na
interação com os alunos e estes com seus pares. Diametralmente oposta
à doutrinação, o ensino da ética consistirá em realidade vivenciada no
espaço de sala de aula.
O projeto coletivo de aprendizagem ética será centralizado em
investigação coletiva: por parte do aluno, tornar-se sujeito autônomo
capacitado ao pensamento livre, respaldado em rotinas de reflexão,
cooperação e diálogo; já o professor terá de atentar para suas ações
éticas nesse trabalho conjunto na direção de:
• Comportamento coerente em consonância com juízos
proferidos.
• Comportamento dialógico.
• Valores conducentes de comportamentos.
• Regras de convivência.
• Inconveniência de imposições e neutralidade.
• Autoridade, cunhada por competência, atitudes afetuosas e
incentivo ao crescimento moral dos alunos.
A elaboração conjunta do saber é o propósito almejado pela
educação ética. Formar, no campo da ética, é o mesmo que educar o gosto,
o caráter, os hábitos, o raciocínio dos alunos de forma não-dogmática.

202 C E D E R J
MÓDULO 2
17
A capacidade de persuasão do exemplo é a principal ferramenta
no processo educacional relativo a atitudes e à autonomia. O professor

AULA
em ação, que trabalha a importância de cultivar os valores, organiza
um ambiente propício a debates e à exposição de opiniões, ao mesmo
tempo que transmite modos de ser e agir que em muito contribuem para
a construção sólida de uma reflexão crítica.

ATIVIDADE

1. Leia os pensamentos abaixo, pense em seus significados. Que relação


eles guardam com o tema da aula? O eu e o outro? Potenciais e esforços
pessoais? Papel da desconstrução?
Registre suas reflexões, nas linhas abaixo. Se necessário, você poderá
utilizá-las em outras atividades.

REFLEXO
Sem o reflexo na água, o homem jamais perceberia dentro de si a
presença de uma alma (Joseph Péladan).

SOLUÇÃO
A solução da questão social não se chama igualdade, mas
fraternidade (Julius Langhen).

RENOVAR
Sem renovar o coração é impossível construir algo novo. O homem
de hoje,apesar da aparente liberdade, é, de fato, voltado apenas para
si mesmo. Preciso aprender a ser aberto para o outro, a ser aberto
para acolher, mas também para doar. É preciso viver para o outro,
viver o outro. Daqui parte toda transformação (Miloslav Vik).

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C E D E R J 203
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar • A sala de aula • Ética e Educação

TEMA: A ÉTICA NA SALA DE AULA (AULA 14)

Uma constatação, em plano sociopolítico, a ficar assentada para


os membros de uma sociedade, é a necessidade do envolvimento e da
atuação na vida social. Há que se resguardar a esfera pública de tornar-
se refém de decisões com base em interesses particulares em detrimento
de interesses coletivos.
Na coletividade escolar, as relações pessoais estabelecidas no
interior da instituição conjugam uma rede interativa constituída por
professores, alunos, coordenação, funcionários, direção e pais. Caberá
aos envolvidos discutir os valores que norteiam os procedimentos dos
indivíduos e resolver problemas prementes para a vida em grupo.
A consistência do vínculo afetivo entre todos e o estabelecimento
de relações harmoniosas tecem o pano de fundo para o sucesso da
convivência em grupo. A recorrência a questões éticas relacionadas com
a mútua dependência entre liberdade e responsabilidade, cidadania e
solidariedade é inevitável. A escola transforma-se em lugar de debate
e criação do pensamento, tomando a forma de um laboratório de
experiências éticas.
A ética é estruturada passo a passo, por processo construtivo,
conjunto e transformador que atesta a contemporaneidade dessa escola.
Seriam seus resultados finais:
• Aprendizado de cidadania ativa e responsável.
• Alunos aptos a manifestar seus pontos de vista.
• Ambiente plural e sem exclusões.
A dimensão ética do espaço escolar supõe alteração de atitudes,
pela construção e aprendizado de valores, com desembocadura direta
na vivência em conjunto.
Na convivência, conflitos de valores e interesses são presumíveis,
devem ser acolhidos, vivenciados e solucionados na direção do
aprimoramento da qualidade ética relacional entre as pessoas. Se
devidamente internalizados, comportamentos e atitudes de cooperação,
de respeito mútuo, de engajamento em objetivos comuns forjarão o
arcabouço originário de hábitos reflexivos nos indivíduos.
Há diferença nas múltiplas formas de ver o mundo, a vida, os
costumes, os valores, de estar no mundo. Há diversidade de opiniões, de
crenças, de valores culturais. Em decorrência disso, o ambiente escolar

204 C E D E R J
MÓDULO 2
17
é também rico de contradições e controvérsias, ficando a convivência
ética sujeita a conflitos insolúveis ou de difícil resolução.

AULA
A escola fomentadora de sólido teor ético incentivará a convivência
em termos solidários, pensando a conduta individual numa sociedade
plural. O diálogo sem preconceitos, o debate de idéias e a construção
ativa dos sentimentos de autonomia e responsabilidade direcionarão a
prática voltada para a ética.
Por último, cabe um olhar sobre o professor, ídolo, modelo,
exemplo, ao se refletir sobre a convivência ética na escola e na sala
de aula.
O respeito no modo de se relacionar com os demais, as reações
tolerantes, a aceitação das diferenças, a discussão sobre as condutas
ao invés da censura sumária são maneiras de conduzir-se em meio aos
demais, alunos e outros. Enfim, uma considerável gama de disposições
exteriorizadas, coerentes com os valores de especial convivência entre
cidadãos livres e conscientes, servem como parâmetro de atitudes
solidárias manifestadas efetivamente no “estar na escola” pelos
professores.

ATIVIDADE

2. Você já reparou como muitos ditados populares se ocupam da


questão da convivência? Às vezes, tratam dos membros da comunidade
individualmente...

“CADA MACACO NO SEU GALHO “

“ MUITO RISO, POUCO SISO “

“ EM BOCA FECHADA NÃO ENTRA MOSCA”

“ DEUS AJUDA A QUEM CEDO MADRUGA “

... e, de outras tantas, situam aspectos relacionais...

“ QUEM AMA O FEIO , BONITO LHE PARECE “

“ DIZE-ME COM QUEM ANDAS E EU TE DIREI QUEM ÉS “

“ QUEM PODE MANDA, QUEM É ESPERTO OBEDECE “

“ QUANDO UM NÃO QUER, DOIS NÃO BRIGAM “

C E D E R J 205
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar • A sala de aula • Ética e Educação

...enquanto pensadores conjecturam e produzem máximas:

OXIGÊNIO
Cada um de nós deve ser como o oxigênio: purificar o ar
e fazer crescer a vida à sua volta (Louis-Marie Parent).

PEQUENA MANCHA

Não devo nunca dar uma verdade ao outro pretendendo


impô-la. Posso apenas apresentar, doar a minha verdade,
para me deixar completar pela verdade do outro. Ofereço
uma pequena chama que leva um pouco de luz ao mistério.
Somente doando-a é que permito que os outros completem
a verdade que descobri, abrindo-a para um horizonte mais
vasto (Pasquale Foresi).

Reflita sobre seus pensamentos e redija um texto de no máximo 15 linhas.


Discuta-o com seus colegas de pólo e com o tutor.
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17
TEMA: A ÉTICA NO CONVÍVIO SOCIAL (AULA 15)

AULA
Nós somos vinculados a experiências e influências coletivas a que
estamos expostos. Há uma dimensão comum na interação humana com
elementos de caráter político, social e cultural presentes na experiência
pedagógica. O processo educacional escolar ocorre no espaço adequado
para a reflexão ética, é o espaço-tempo apropriado a uma participação
ativa e solidária, à harmonização da vontade pessoal com a vontade
coletiva.
A existência privada e a existência pública são faces da condição
humana. A isonomia e a isegoria são peculiares à participação política
na vida em grupo. O sujeito ético desenvolve a capacidade de refletir
sobre os próprios atos e delibera conduzido por sua consciência moral.
Atua no espaço público, ancorado em juízos de valor, enquanto reflete
sobre normas de conduta adotadas, assume compromissos e sustenta
suas escolhas.
O papel do processo educacional é o de contribuição para a
implementação de um estado equilibrado entre o indivíduo e o meio em
que ele vive. A heterogeneidade cultural e a diversidade ética e política
são entraves ao equilíbrio entre homem e sociedade. Ao contrário, a
consciência ética, pelo apoio a preceitos vivenciados no cotidiano; a
postulação de uma pedagogia crítica e reflexiva baseada no diálogo;
a proposta de tornar a sala de aula uma comunidade de investigação;
as implementações de uma filosofia para crianças são iniciativas em
prol de harmoniosas relações interativas do homem com o mundo que
o cerca.
A participação ativa do ser no grupo do qual faz parte se depara
com o problema do cotejo da vontade coletiva com a vontade individual
e o exercício da liberdade expressado pela obediência voluntária a leis
elaboradas coletivamente.
Convívio social e existência ética se articulam na resolução de
conflitos e no desenvolvimento de um comportamento responsável
e consciente.

C E D E R J 207
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar • A sala de aula • Ética e Educação

ATIVIDADE

3. Leia os pensamentos abaixo. Falam de liberdade e convívio. Você conhece


algum outro que esteja associado a esta aula? Você pode tanto registrar
um pensamento já conhecido, como pode criar um de sua autoria nas
linhas abaixo.

UMA ONDA DE CALOR

Quando vivemos o amor ao próximo não é apenas a nossa vida que


se fortalece, mas tudo o que está à nossa volta recebe influência,
qual onda de calor divino que se irradia e se propaga, penetrando
nos tecidos humanos, aquecendo as relações entre as pessoas e
entre os grupos, transformando pouco a pouco toda a sociedade
(Chiara Lubich).

LIBERDADE
Liberdade é uma conquista, não uma dádiva; ela exige uma pesquisa
permanente. Pesquisa que só existe no ato responsável daquele
que o realiza. Ninguém possui a liberdade, como condição para ser
livre; ao contrário, se luta pela liberdade porque não se possui. A
liberdade não é um ponto ideal, fora dos homens, em frente do qual
eles se alienam. Não é uma idéia que se faz mito. É uma condição
indispensável ao movimento de pesquisa no qual os homens estão
inseridos porque são seres inconclusos (Paulo Freire).
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MÓDULO 2
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TEMA: AÇÃO MORAL E PRÁTICA EDUCATIVA (AULA 16)

AULA
ATIVIDADE

4. Componha um glossário com os conceitos de Paidéia, ética, diferença,


diversidade, pluralidade, dialógico, PCN - Parâmetros Curriculares Nacionais,
solidariedade, liberdade, direitos naturais, singularidade e política. Consulte
os textos das Aulas 12, 13, 14, e 15. Use suas próprias palavras.

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Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar • A sala de aula • Ética e Educação

O esforço reflexivo sobre moral deve iniciar-se pela análise das


condições concretas, históricas e sociais que possibilitam o surgimento de
um valor. Os valores são criações humanas, portanto, são materializados
por ações e condutas dos indivíduos.
A ética se dedica a pensar as ações humanas e os seus fundamentos,
ao passo que a moral é objeto da ética. Como objeto, compreende a
conduta dirigida ou disciplinada por normas. Ética e moral tratam da
conduta humana.
A moral é constituída por um corpo normativo específico de uma
sociedade ou grupo. Há diferenças morais, já que grupos e sociedades bem
característicos estabelecem e defendem diversos preceitos e regras.
A ética cuida de discutir o sentido, a justificativa das variadas
morais. Nem sempre a ética valida determinada moral, se é transgredido
algum princípio universal do agir.
Há diversidade de morais, há diversidade de valores, há inúmeras
formas de ver o mundo nos diferentes segmentos sociais e em diferentes
culturas. A prática educativa, comprometida com o processo de reflexão
ética, requer um projeto de trabalho centrado no exame dos conflitos
humanos e no estreitamento das relações do indivíduo com valores
essenciais, como o diálogo e a prática da indagação e do debate no
contato com as disparidades, com o que é desigual.
A cultura da escola tem seus próprios costumes, hábitos, crenças,
normas, leis, preceitos, regras de conduta etc. como traço do cotidiano
escolar. O cotidiano dos alunos é também diretamente afetado pelo
comportamento das pessoas com as quais se relacionam fora da escola,
pela comunidade local e ainda pelos meios de comunicação de massa.
A partir de tais contextos, a excelência moral, fruto do comportamento
equilibrado na vida em sociedade, vai requerer da atividade pedagógica o
questionamento do que é reproduzido inconscientemente pelos indivíduos
e o intento de melhorar a qualidade das relações humanas.
A educação ética, efetivada no interior da instituição escolar
dependerá dos avanços dos alunos ao recorrer a habilidades de discutir,
de argumentar, de ponderar, de comparar, em suma, de dialogar no
encaminhamento de soluções para conflitos e impasses derivados das
próprias condutas. O posicionamento de uma educação moral alicerçada
na cooperação e no envolvimento com problemas fundamentais da
vida em grupo não podem prescindir da problematização democrática

210 C E D E R J
MÓDULO 2
17
dos choques de interesses pertinentes ao relacionamento humano, se
considerarmos a idiossincrasia do aluno como elemento singular no

AULA
universo discente.

ATIVIDADE

5. Encontro pedagógico. A discussão é sobre ética e moral. Sete presentes


(universitários do CEDERJ) discorrem de forma consistente sobre as
diferenças entre os dois conceitos. Ainda dão a idéia de um quadro
comparativo, de forma que não se perca nada das várias acepções sobre
ética e moral. O pessoal universitário ARRASA.

Reproduza algumas de suas falas. Use os balões.

Pronto, acabou a revisão. Poderíamos repetir certo ditado que diz


assim: “Acabou-se o que era doce...”
Nossos votos são de elevado desempenho na avaliação que virá a
seguir. Uma verdadeira “parada”, ambiguamente falando.

C E D E R J 211
Fundamentos da Educação 4 | Cultura e cotidiano escolar • A sala de aula • Ética e Educação

Segue uma mensagem para você, artista professor.

O ARTISTA
Nenhum tipo de trabalho é insignificante...
Se um homem é chamado para ser varredor de rua, deveria varrê-la
assim como Michelangelo pintava, como Beethoven compunha música, ou como
Shakespeare escrevia poesia.
Deveria varrer a rua tão bem que todas as legiões do céu e
da terra diriam:
– Vejam um grande varredor de rua que faz bem o seu trabalho.
Procurem descobrir para qual tarefa são chamados, e depois
ponham-se a fazê-la apaixonadamente (Martin Luther King).

212 C E D E R J
18
AULA
Avistando o
destino planejado
Meta da aula
Avaliar os conhecimentos adquiridos
nas aulas que compõem os dois primeiros
módulos desta disciplina.
objetivo

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Identificar dúvidas que possam permanecer e
reforçar seus conhecimentos em relação às aulas
anteriores.
Fundamentos da Educação 4 | Avistando o destino planejado

Desperar jamais
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia
Nada! Nada! Nada de esquecer

(Ivan Lins e Vitor Martins, "Desesperar Jamais")

Faltam poucos quilômetros para que a nossa viagem pelas Terras


dos Fundamentos chegue a seu fim. Um fim que, certamente, será o eterno
recomeçar, o eterno retorno, ou, como afirma Lulu Santos, plagiando
Heráclito, como uma onda no mar.
Se nada será como já foi um dia, isso se torna verdadeiro na medida
em que toda a sua prática e a sua visão teórica estarão impregnadas de
novos e importantes conhecimentos no campo da Filosofia, Sociologia,
Psicologia, Antropologia, Política e História.
Temos certeza de que fornecemos o cimento para que você pudesse
construir- reconstruir-construir seus conhecimentos e, conseqüentemente,
sua prática cotidiana.
O nosso curso, numa analogia com a metáfora do trem, caminha
com os seus diferentes vagões. São os vagões da prática de ensino, do
estágio, da pesquisa e do projeto político-pegagógico, dentre outros
fundamentos para a formação de um professor comprometido com a
sociedade, a cidadania e a transformação, cujas rodas correm sobre a base
espitemológica que cada um dos professores da disciplina Fundamentos
da Educação levou até você.
Portanto, preocupados mais uma vez com a sedimentação dos seus
conhecimentos e com um final de viagem que se aproxima, convidamos
você para uma parada na Estação da Avalição, semelhante a todas as
outras em que você teve a oportunidade de parar, a fim de avaliar a sua
caminhada.
Para que você possa transitar por essa estação sem perda de tempo
e do objetivo (avaliar seus conhecimentos sobre as primeiras aulas deste
módulo), é fundamental que você leve consigo todos os textos lidos até
aqui em nosso curso, bem como todos os dados e informações que tiver
obtido nas mais variadas fontes de consulta e nos estudos complementares

214 C E D E R J
MÓDULO 2
que houver feito, seguindo as recomendações constantes nas várias aulas.

18
Isso também não é novidade, nesse tipo de aula sempre pedimos isso a

AULA
você. Lembra-se?
Esta avaliação foi estruturada tomando por base o que cada um dos
professores, autores das aulas, considera importante que você reflita.
Desta maneira, lhe serão feitas perguntas, apresentados questio-
namentos, solicitadas comparações, interpretações e análises, para que
você possa rever pontos importantes, consolidar saberes adquiridos,
dirimir dúvidas e estimar o que eventualmente deverá ser revisto e estu-
dado novamente.
Leia, atentamente, cada uma das questões e procure entender o que
está sendo solicitado. Em seguida, volte ao texto de cada uma das aulas
estudadas até aqui e tente localizar a origem de cada uma das questões.
Finalmente, tente preparar sua resposta. Com isso, certamente, você
estará preparado para vivenciar o que lhe aguarda nessa estação. Não
se esqueça de que a viagem nas Terras dos Fundamentos está chegando
ao fim, mas que com tudo que foi semeado por nós, e cuidado por você,
irá florescer a cada passo da sua vida profissional e acadêmica. Portanto,
de posse de todo o material didático, procure:

DESCREVER

a) a identidade cultural brasileira em comparação com algum


país estrangeiro;
b) as características gerais da cultura erudita e da cultura popular;
c) dois elementos formadores da cultura presentes no cotidiano
escolar.

EXPLICAR

a) o significado de etnocentrismo cultural;


b) em que medida o currículo escolar está relacionado à cultura
da sociedade;
c) como a escola pode aproveitar os meios de comunicação para
desenvolver atividades educativas;
d) o significado do termo ética;
e) o significado do termo paidéia;
f) o pensamento de Paulo Freire: “A educação deve ser orientada
pela interação e pela troca entre o professor e o aluno.”
C E D E R J 215
Fundamentos da Educação 4 | Avistando o destino planejado

g) a afirmativa de Aristóteles: “O homem é ‘um animal político’


por natureza”;
h) o significado do termo política;
i) a dificuldade de associar a cultura de massa à cultura popular,
mediante a influência dos meios de comunicação;
j) como deveriam ser as relações entre professores, alunos, pais de
alunos, funcionários e os demais integrantes da vida escolar no convívio
cotidiano;
l) a importância da adoção de uma pedagogia multicultural para
a construção da cidadania;
m) as noções de diferença e diversidade cultural.

RESPONDER

a) Por que a escola pode ser considerada uma tecnologia da Educação


assim como os carros são considerados uma tecnologia do transporte?
b) No final do século XX, as pesquisas em Psicologia da Educação
dirigiram sua atenção para as diversas modalidades de aprendizagem que
possibilitariam pautas interativas entre alunos. A que se deve a mudança
de foco das pesquisas em Psicologia da Educação?
c) Freud usou o conceito de sublimação para pensar a função da
Educação. Como esse conceito freudiano pode ser convertido em prática
na sala de aula?
d) Por que Freud insistia na necessidade da escola fornecer escla-
recimento sexual às crianças e adolescentes?
e) O ofício do aluno, como qualquer outro tipo de ofício, mobiliza
algumas competências. Quais competências você prioriza em seu cotidiano
escolar como professor(a)?
f) Como você pode definir, usando exemplos do dia-a-dia da sala
de aula, a relação utilitarista dos alunos com o saber?
g) A Ética é um assunto especializado, destinado só àqueles que
estudam Filosofia, ou uma disciplina que é de interesse de todos?
h) A Ética analisa só a conduta individual ou estuda também a
conduta das pessoas em sociedade?
i) O docente deve evitar os conflitos surgidos em sala de aula ou
deve encará-los e resolvê-los?

216 C E D E R J
MÓDULO 2
j) Para Aristóteles, a Ética deve fomentar um comportamento equi-

18
librado na vida em sociedade ou, ao contrário, deve estimular a adoção

AULA
de atitudes extremadas?

JUSTIFICAR AS AFIRMATIVAS

a) “Uma reflexão ética precisa levar em conta todos os aspectos


da vida humana.”
b) “A escola é um espaço dialógico de construção conjunta,
implicando uma troca permanente entre professores e alunos.”
c) “A reflexão sobre valores deve estar presente no dia-a-dia de
sala de aula.”
d) “Os valores são criações humanas e não entidades abstratas e
universais, válidas em todo tempo e lugar.”
e) “A Ética estuda a conduta do homem: seus fins, meios e motivos
do seu agir, refletindo sobre sua própria natureza. Analisa normas, valores
e regras que orientam o comportamento do homem no convívio social.”
f) “O homem é a medida de todas as coisas.” Comente a relação
dessa frase de Protágoras com o relativismo dos valores na atualidade.
g) “Ao estimular a cooperação, a autonomia e a livre expressão
em sala de aula, o educador estará contribuindo diretamente para o
desenvolvimento de uma reflexão de cunho ético.”
h) “A escola democrática deve ser plural: todos devem ser ouvidos,
todos os pontos de vista devem ser respeitados; os que pensam de forma
diferente não devem ser excluídos.”
i) “O processo educacional pode contribuir para o estabelecimento
de um estado de equilíbrio entre o indivíduo e o meio em que ele vive, de
modo que os anseios do primeiro não excluam a possibilidade de instaurar
um convívio harmônico e saudável.”

CITAR

a) cinco competências que, conforme os PCN, devem ser desen-


volvidas nos alunos;
b) dois direitos naturais do homem;
c) três preceitos morais de grupos específicos que podem ser inter-
pretados como contrários à Ética.

C E D E R J 217
Fundamentos da Educação 4 | Avistando o destino planejado

ELABORAR

a) um levantamento dos objetivos educacionais dos principais


programas, que são considerados os mais populares, de televisão, rádio e
cinema, vistos pelas crianças e adolescentes na nossa sociedade;
b) uma relação das normas/padrões que têm permanecido e se
modificado na cultura da escola brasileira nas últimas duas décadas.

Nossa viagem está quase no fim, faltam poucas estações. Portanto,


resolva as questões com toda atenção. Sentindo alguma dificuldade,
compareça à sessão de tutoria. O tutor responsável por essa disciplina
poderá ajudá-lo. Organize um grupo de estudo para que, junto a colegas
de curso, você possa refletir melhor.
Lembre-se de que estudar esta aula ajudará você nas APs e nas
ADs, além, é claro, de enriquecer seus conhecimentos.

218 C E D E R J
19
AULA
Padrões estéticos e
prática educativa
Meta da aula
Demonstrar que a questão do gosto e
da preferência estética pessoais deve ser
desenvolvida no processo educativo.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Avaliar a experiência estética, na apreciação de
obras artísticas, tanto no que se refere a sensa-
ções agradáveis e desagradáveis, quanto a sua
análise racional.
• Reconhecer que a função da atividade artística
não se limita à expressão de sentimentos, mas
possui, também, uma dimensão pedagógica ao
contribuir para a compreensão do mundo.
• Comparar os parâmetros de belo e feio, dando
exemplos de como esses valores mudam de época
para época, nas diversas sociedades.
• Demonstrar que é possível encontrar valores
estéticos naquilo que é considerado convencio-
nalmente como “feio”.
Fundamentos da Educação 4 | Padrões estéticos e prática educativa

INTRODUÇÃO Dar estilo a seu caráter – eis uma grande e rara arte! Aquele que a exerce

apreende tudo o que a natureza lhe oferece de forças e fraquezas, e sabe

em seguida adaptá-la a um plano artístico, até que cada coisa apareça em

sua arte e sua razão. (...) Por fim, quando a obra está consumada, torna-se

evidente como foi a coação a um só gosto que predominou e deu forma,

nas coisas pequenas como nas grandes: se o gosto era bom ou ruim não é

algo tão importante como se pensa – basta que tenha sido um só gosto!

– Serão as naturezas fortes, sequiosas de domínio, que fruirão sua melhor

alegria numa tal coação, num tal constrangimento e consumação debaixo

de sua própria lei; a paixão do seu veemente querer se alivia ao contemplar

toda natureza estilizada, toda natureza vencida e serviçal; mesmo quando

têm palácios a construir e jardins a desenhar, resistem a dar livre curso à

natureza (NIETZSCHE, 2001, pp. 195-196).

Nietzsche, no trecho citado de Gaia ciência, ao falar na arte, não


exalta apenas a realização de formas artísticas concretas como pintura,
escultura, música etc. Para ele, a arte tem um sentido mais amplo, consiste
na arte de viver, de imprimir um estilo aos nossos atos e de impor nosso
gosto em cada gesto cotidiano.
O indivíduo criador não age rotineiramente, ele tem a capacidade
de gerar novas produções a cada momento. Pode ser para dominar e
estilizar a natureza, construindo palácios ou jardins etc. Mas, além disso,
consiste na capacidade de termos um gesto inovador, de nos expressarmos
sempre através de um estilo pessoal. Assim, todas as peripécias vitais – até
as que denominamos “feias” ou “coisas vagas que se recusam a tomar
formas” (idem) – serão aproveitadas pelo homem para desenvolver a sua
arte de viver. Uma conversa, uma caminhada, a contemplação do pôr-do-
sol, o encontro com o amigo ou com a amada podem ter uma dimensão
estética, um significado artístico no sentido de que essas experiências
podem ser vividas de forma intensa e original.
A sociedade de Contudo, nos nossos dias, aceitamos, muitas vezes, critérios im-
consumo, através da
mídia, tenta impor postos; acatamos sem muita crítica parâmetros de beleza incutidos pela
parâmetros de bele- mídia, pelo comércio, pelas palavras de ordem que nos chegam de uma
za, de forma unila-
teral. Os modelos sociedade que massifica e anestesia nossos gostos e nossos desejos. Não
devem ser loiros, de
olhos azuis, magros
há dúvida que vivemos numa sociedade de forte apelo consumista. Basta
etc. E o nosso gosto ligar a televisão para nos depararmos com uma sucessão de comerciais
pessoal?
que nos induzem a preferir algo por sua “bela aparência”.

220 C E D E R J
MÓDULO 2
19
Uma reflexão crítica sobre esses valores estéticos pode ser feita
através do contato com obras de arte. Para isso, devemos compreender

AULA
que o fazer artístico não se situa apenas no plano das sensações, dos
sentimentos, dos sentidos. A atividade racional não está dissociada da
Arte tendo em vista que, para que possamos desfrutar dela, precisamos
tanto de organizar idéias quanto de situá-las historicamente. A partir do
momento em que percebemos que há uma função pedagógica na obra
de arte, percebemos que os padrões estéticos com os quais convivemos ÉDIPO REI
decorrem de um determinado contexto sociocultural. A prática Esta tragédia, escrita
pelo dramaturgo
pedagógica, ao incorporar esse tipo de reflexão, está contribuindo, grego Sófocles
(497-406 a.C) que
diretamente, para que o aluno e futuro cidadão tenha uma compreensão narra as desventuras
crítica dos valores estéticos disseminados pelos meios de comunicação. Eis de um rei que mata
o próprio pai e casa
uma questão importante para analisarmos os padrões estéticos na nossa com sua mãe, tem
uma vigência que
prática educativa. A arte não tem exclusivamente uma dimensão sensível; ultrapassa as épocas.
Até a atualidade os
a nossa percepção estética pode ser apurada, educada; há diversos
seus densos conflitos
critérios racionais para aproximarmos da arte; não se trata de pura éticos, psicológicos
e religiosos causam
efusão, sensação, sentimento. Assim, por exemplo, a educação estética impacto e são
fonte de intensas
pode nos ajudar a avaliar um drama sutil de situações bem tramadas, de emoções estéticas.
conflitos profundos, com personagens com um perfil psicológico definido
– como por exemplo, a tragédia ÉDIPO REI, de Sófocles – e diferenciá-lo,
talvez, da última novela, em que as situações são apelativas, abusa-se
da violência e do sexo para gerar emoções rápidas, as personagens são
caricaturas para estimular o riso fácil etc.

ATIVIDADE

1. Em “Do belo”, o poeta gaúcho Mario Quintana (1906-1994) retrata o


quanto pode haver de sublime nas coisas mais desagradáveis da vida:
“Nada, no mundo, é, por si mesmo, feio/Inda a mais vil mulher, inda o mais
ttriste poema/Palpita sempre neles o divino anseio/Da beleza suprema.”
Analise, com os colegas da escola que você freqüenta, esta poesia de Mario
A
Quintana. O autor afirma que no mundo não há “nada feio”, até na mais
vvil mulher ou no mais triste poema haveria uma “beleza suprema”. Discuta
se estas afirmações são contraditórias ou se o poeta pretende trazer um
novo conceito de beleza que acolhe também o que é julgado convencio-
nalmente como desagradável. Procure em seu entorno exemplos do belo
fora do padrão convencional.

C E D E R J 221
Fundamentos da Educação 4 | Padrões estéticos e prática educativa

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RESPOSTA COMENTADA
Você deve ter percebido que, em nossa sociedade, somos
bombardeados por mensagens que nos ensinam o que é belo
e o que é feio. Geralmente essas mensagens visam estimular o
consumo: mulheres e homens de uma beleza padronizada nos
indicam que roupas devemos usar, que lugares freqüentar, que
obras de arte apreciar etc. Mas você pode ter percebido que há
outras formas de sentir e avaliar as coisas que nos cercam: uma
mulher julgada nos parâmetros convencionais como feia pode ser
bela para nós; um poema, profundamente triste, pode nos transmitir
alegria e beleza.

ESTÉTICA E EDUCAÇÃO ARTÍSTICA

Todos nós, em algum momento de nossas vidas, já emitimos


juízos do tipo: “Isto é bonito!” ou “Isto é feio!”. Essas frases se aplicam
tanto a objetos quanto a pessoas e retratam as preferências de cada
um. Sem dúvida, quando atribuímos beleza ou feiúra a algo, estamos
manifestando aquilo que nos agrada ou desagrada, que nos proporciona
satisfação ou repúdio. É uma inclinação humana natural sentir-se mais
ou menos atraído por determinado aspecto ou característica das coisas
inanimadas e dos seres vivos. Daí o célebre ditado popular “Gosto não
se discute”.
No entanto, esse ditado dá a entender que as opiniões pessoais não
devem ser alvo de crítica ou debate, nem sequer podem ser justificadas.
Isso se mostra correto em parte, tendo em vista que todo indivíduo tem
direito a expressar livremente seus gostos. Mas, às vezes, o motivo que
nos leva a apreciar ou depreciar algo pode estar calcado em preconceitos
ou mesmo na simples reprodução de valores consumistas, estereotipados

222 C E D E R J
MÓDULO 2
19
ou simplesmente tradicionalmente aceitos. Para dar conta dessa
ESTÉTICA
problemática do gosto, surgiu no século XVIII uma disciplina, de cunho

AULA
“Estética é a tradução
filosófico, que tem por meta desenvolver uma reflexão que permita da palavra grega
aesthesis, que significa
fundamentar nossos juízos sobre o “belo” ou o “feio”, ou a arte em conhecimento
sensorial, experiência,
geral: a ESTÉTICA.
sensibilidade. Foi
Para avançarmos na nossa reflexão, o uso dos dicionários, mais empregada para
referir-se às artes, pela
uma vez, é um meio fecundo para esclarecermos o problema focalizado. primeira vez, pelo
alemão Baumgarten,
Assim, Abbagnano (1999) assinala: “É com a doutrina do Belo como por volta de 1750”
perfeição sensível que nasce a Estética. ‘Perfeição sensível’ significa, (CHAUÍ, 2000, p. 321).

por um lado, ‘representação sensível perfeita’ e, por outro, ‘prazer que


acompanha a atividade sensível’.” (p. 106). Já Houaiss (2001) define o
belo da seguinte forma:

1. que tem formas e proporções esteticamente harmônicas,


tendendo a um ideal de perfeição; que tem Beleza (...) 2. que
produz uma viva impressão de deleite e admiração (...) 2.1. que
provoca uma sensação de serenidade ou de aprazibilidade (uma
bela manhã) (p. 428).

As definições de ambos os dicionários apontam para o


sentido habitual do Belo, entendido como perfeição sensível, como
algo harmonioso, que provoca deleite, admiração, serenidade ou
aprazibilidade. Sem dúvida, a interpretação tradicional do Belo alude
à perfeição sensível, ao prazer sensorial, mas devemos frisar que o Belo
também comporta uma apreciação racional, como já temos antecipado
e, ainda, veremos mais adiante.
Focalizamos agora o âmbito da prática pedagógica. Nela, a dis-
cussão estética dá-se a partir do que foi denominado Educação Artística.
O ensino da arte constitui um instrumento poderoso e fundamental na
educação do ser humano na medida em que contribui para o desen-
volvimento pessoal de cada um: seja por permitir ao aluno entrar em
contato com sua capacidade lúdica, seja por promover uma reflexão
sobre os valores de beleza em nossa sociedade. Antes de aprofundar
a temática em questão, vamos nos deter mais atentamente em alguns
aspectos básicos.
Em primeiro lugar, a Estética está geralmente associada, como
já apontamos, à sensação, o que exclui, ou pelo menos coloca num
plano secundário, a atividade racional. No entanto, o pensamento, e
não apenas os sentidos, participa ativamente da experiência artística:

C E D E R J 223
Fundamentos da Educação 4 | Padrões estéticos e prática educativa

“A experiência do belo na arte envolve uma mistura entre o senso (tudo


que está relacionado ao pensamento, à racionalidade e à significação) e o
sensível (tudo o que se refere aos sentidos, aos afetos e aos sentimentos)”
(FEITOSA, 2004, p. 112). Historicamente, essa separação entre sentir
e pensar retrata a ruptura que se deu entre o pensamento científico e o
pensamento artístico:

Nos séculos que se sucederam ao Renascimento, arte e ciência


eram cada vez mais consideradas como áreas de conhecimento
totalmente diferentes, gerando uma concepção falaciosa, segundo
a qual a ciência seria produto do pensamento racional e a arte,
pura sensibilidade. Na verdade, nunca foi possível existir ciência
sem imaginação, nem arte sem conhecimento (BRASIL. MEC.
PCN, 1997, p. 22).

A experiência estética conjuga, assim, o poder imaginativo com


a análise racional. Isso nos permite concluir que ela não se caracteriza
por ser uma atividade espontânea, sem regras, onde há a livre vazão do
emocional — uma “festa” dos sentidos, como se poderia imaginar. Ela
envolve processos racionais, elaboração, planejamento, estudo.
Além disso, seria equivocado vincular o processo de produção da
arte exclusivamente a momentos de inspiração onde prevalece o talento
individual do artista. É preciso levar em conta toda uma conjuntura
marcada por períodos históricos, na qual encontramos diferentes
concepções e manifestações artísticas. “Quando falo de conhecer
arte, falo de um conhecimento que nas artes visuais se organiza inter-
relacionando o fazer artístico, a apreciação da arte e a história da arte”
(BARBOSA, 1991, pp. 31-32).
O contato com a produção artística, observando as suas mudanças
através dos tempos, permite desenvolver um sentimento mais elaborado
das coisas, de forma que possamos conhecer melhor não somente o mundo
que nos rodeia, mas também outras épocas e formas de pensamento. Em
última instância, isso nos faz repensar a própria dimensão da vida. Como
ressalta Duarte Júnior (1991):

(...) a experiência estética solicita uma mudança na maneira


pragmática de se perceber o mundo. Esta experiência (e também
o trabalho científico ou filosófico) constitui-se, segundo o termo
empregado por alguns autores, um “enclave” dentro da realidade
cotidiana. A experiência do belo é uma espécie de parêntese aberto
na linearidade do dia-a-dia (p. 33).

224 C E D E R J
MÓDULO 2
19
Assim, os parâmetros estéticos mudam, nas diversas sociedades,
nos diversos períodos históricos. Houve épocas, por exemplo na

AULA
pintura, em que se cultuava a reprodução exata dos modelos. A beleza
estava associada a uma representação bastante fidedigna dos objetos
apresentados nos quadros. Neste ponto, a arte renascentista foi um
paradigma, um modelo que durante muitos séculos influenciou a
humanidade. Até nos nossos dias, artistas como Michelangelo, Leonardo,
Rafaelo são considerados gênios pictóricos, clássicos de todos os tempos.
Estes artistas se destacaram por tentar reproduzir a natureza, por mostrar
uma natureza embelezada. Um caso notável é o de Leonardo da Vinci
que estudava anatomia para recriar adequadamente as figuras humanas,
e aprofundava matemáticas para atingir formas e proporções geométricas
perfeitas nas suas pinturas.
Contudo, houve diversos movimentos, principalmente no século
passado, como cubismo, surrealismo, expressionismo, impressionismo e
outras correntes inovadoras que desdenharam reproduzir, mais ou menos
fielmente, a natureza e tentaram traduzir, mesmo de forma aparentemente
anárquica ou caótica, a expressão, a impressão, o inconsciente, o mundo
interno dos artistas. Esse tipo de arte visava inventar e recriar um mundo
próprio do artista, sem seguir um modelo predeterminado.

ATIVIDADE

2. Aprecie, junto com os colegas da turma que você freqüenta, as duas


obras de arte mencionadas anteriormente: GIOCONDA de Leonardo da Vinci
e GUERNICA de Picasso. Divida a turma em três grupos: o primeiro observará a
Gioconda e realizará comentários sobre a beleza da mesma; o segundo fará
o mesmo com a Guernica; o terceiro tentará uma comparação entre as duas
obras de arte, visando avaliar se uma é mais bela do que a outra. Finalmente,
sintetize, por escrito, os argumentos apresentados pelos três grupos.
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C E D E R J 225
Fundamentos da Educação 4 | Padrões estéticos e prática educativa

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GUERNICA ________________________________________________________________
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Mostra de forma não
naturalista o caos da ________________________________________________________________
Guerra Civil Espanhola ________________________________________________________________
e é considerada uma
das obras de arte mais
importantes do século RESPOSTA COMENTADA
XX. O autor espanhol Você pode ter percebido que os parâmetros de beleza mudam de
Paulo Picasso
época para época. Pode ter apontado que a Gioconda representa um
(1881-1973) foi
um artista genial, modelo de beleza que tenta recriar a imagem presente na natureza.
revolucionário. Já Guernica pode parecer feio, para quem espera a reprodução exata
de um modelo – no caso a Guerra Civil Espanhola –, pode sentir
que a imagem é caótica e não representa uma situação específica.
Mas você pode também perceber que Picasso, numa visão muito
pessoal, tentou traduzir o caos da guerra com imagens e projeções
interiores, subjetivas. Finalmente, você pode ter chegado à conclusão
de que, na arte, não é possível estabelecer critérios quantitativos,
determinando quando uma obra é mais bela do que outra.

GIOCONDA OU MONA LISA


La Gioconda ou Mona Lisa é uma
das pinturas mais célebres de todos os
tempos: representa uma bela jovem, com
um sorriso enigmático. É considerada
um paradigma da beleza renascentista.
Leonardo da Vinci (1452-1519), autor
italiano do retrato, foi também um
genial arquiteto, engenheiro, matemático
e inventor.

226 C E D E R J
MÓDULO 2
19
PEDAGOGIA E OBRA DE ARTE

AULA
Abordar questões estéticas na prática pedagógica não se restringe
a fazer despertar sentimentos e sensações agradáveis: a atividade artística
representa um meio de expressar idéias de forma organizada. Para isso,
faz-se necessário entender o significado de uma obra de arte. Gallo (1997)
nos aponta várias funções que ela pode desempenhar:

Políticas: a obra toma uma posição crítica a respeito de um fato


ou problema social, denunciando uma injustiça, propondo uma
ideologia política, ou simplesmente retratando a realidade de
uma sociedade;

Religiosas: servem às necessidades místicas das pessoas, para


afirmar determinada proposição religiosa, fazem parte do próprio
culto em alguns casos, tal como as imagens sagradas da religião
católica;

Pedagógicas: têm uma função social de colaborar na educação


das pessoas, levando-as a compreender o mundo por meio dos
objetos artísticos;

Naturalistas: a obra tem a finalidade exclusiva de retratar a


realidade; por exemplo: a fotografia 3x4 que você tem no RG;

Formalistas: se preocupam exclusivamente com a técnica usada


naquele tipo de arte (p. 84).

Do ponto de vista pedagógico, o acesso ao mundo da arte permite


ao indivíduo tanto aprimorar seu gosto estético como também ampliar
o conhecimento de si próprio e do mundo que o cerca. No entanto,
alguns padrões de beleza, como já apontamos, são impostos de forma
massificante, notadamente por intermédio dos meios de comunicação.
Para repensar esses modelos estéticos é preciso adotar juízos que
permitam outras possibilidades, outras interpretações. Nesse sentido,
cabe ao professor proporcionar meios para que os alunos percebam e
entendam a realidade de modo diversificado. Uma discussão sobre o senso
estético pode levar a essa mudança de ótica. Uma forma de ilustrar o
que queremos ressaltar se faz através de uma reflexão sobre o que vem
a ser o “feio”.

C E D E R J 227
Fundamentos da Educação 4 | Padrões estéticos e prática educativa

Para tanto, devemos partir das seguintes questões: Que critérios


podem justificar a beleza ou a feiúra? Não há dúvida de que é através
dos sentidos — do olfato, da visão, da audição, do paladar e do tato
— que algo pode ser percebido como agradável ou desagradável. Mas,
como vimos, o fator sensível não é o elemento exclusivo para a definição
do que é belo ou feio: é preciso levar em conta também o pensamento.
É nesse sentido que se torna necessário ser capaz de avaliar criticamente os
padrões estéticos impostos pela cultura ou pelos meios de comunicação.
Até porque vivemos em um momento cultural em que deixou de haver
a dominância de uma linguagem única e monolítica para designar o que
é agradável ou desagradável aos sentidos. Isso fica patente com o modo
como tem sido pensada a noção de “feio”.

Etimologicamente, o termo “feiúra” remete ao latim foeditas, que


quer dizer “sujeira”, “vergonha”. Em francês, laideur deriva-se do
verbo laedere, que significa ‘ferir’. Em alemão, feiúra é Hässlichkeit,
um termo derivado de Hass, que quer dizer “ódio”. Há algo no
feio que nos envergonha, que nos fere, que desperta nosso ódio.
A feiúra possui diversos graus: pode provocar risos, na sua forma
mais amena; e nojo e asco, nas suas manifestações mais agressivas
(FEITOSA, 2004, p. 131).

Esse senso comum em relação ao “feio” tem se dissipado a partir


da modernidade. Hoje em dia, é possível redimensionar a forma como
percebemos o mundo, como o sentimos, como nos situamos nele. Através
de uma reflexão sobre a obra de arte, o educador convida o aluno ao
contato com toda uma diversidade histórica e cultural, de modo que “a
arte ensina que é possível transformar continuamente a existência, que
é preciso mudar referências a cada momento, ser flexível” (BRASIL.
MEC. PCN, 1997, p. 14). No caso da questão do que é considerado
“feio”, temos a possibilidade de escapar dos padrões aceitos de forma
irrefletida:

Se tradicionalmente a feiúra foi sempre evitada na arte e na filosofia,


por ser vista como um sinal de imperfeição, vivemos agora em
um estado de indeterminação, pois não sabemos mais ao certo o
que é belo ou feio. Essa indeterminação tem um aspecto positivo,
na medida em que impede o ressurgimento de qualquer tipo de
fascismo estético, como o nazismo, por exemplo, cujo projeto de
pureza racial estava associado à pretensão de erradicar a feiúra
do mundo. Mas pode ser perigosa também. Certos programas de

228 C E D E R J
MÓDULO 2
19
rádio ou tevê exploram hoje — sem o mesmo refinamento da arte
— a capacidade que a feiúra tem de impressionar o espectador

AULA
(FEITOSA, 2004, p. 136).

É preciso que o aluno se torne livre tanto para apreciar a arte


como expressar o seu gosto pessoal. Mas não devemos esquecer que não
se pode ter um olhar ingênuo em relação aos padrões estéticos aceitos
sem um exame crítico. Assim, na questão de uma revalorização do feio, Alguns programas
existem diversos programas de televisão que exploram aspectos grotescos de auditório cultuam
uma genuína “estética
dos participantes, insuflando-os a intensificar suas misérias, seus defeitos, do feio” apenas com
fins sensacionalistas e
suas desavenças conjugais e familiares. Essa feiúra pretende explorar, para ganhar índices de
de forma sensacionalista, as deficiências humanas; trata-se, apenas, de audiência.

um uso mercantilista de aspectos esdrúxulos que chamam a atenção do


público. Trata-se, aliás, de uma forma de objetivar e denegrir as pessoas
e os seus problemas. Esses programas são realmente feios, no sentido
convencional do termo. Assim, o trabalho de educação artística, em sala
de aula, pode indicar que essas manifestações de “cultura de massa”
superficiais ferem o bom gosto.

ATIVIDADE FINAL

Comente o desenho animado SHREK, da Dreamworks, em que


SHREK
um ogro muito feio, como nos contos de fadas convencionais,
É um desenho animado
casa com uma princesa mas não se transforma em príncipe. Ao singular, que brinca
com os estereótipos
contrário, é a princesa que se torna uma espécie de “ogra”. O filme freqüentes nos relatos
infantis. O protagonista
alude a diversos contos tradicionais – os três porquinhos, Pinóquio,
é um ogro que casa
Cinderela etc. – em um tom debochado e irônico. Conforme você com uma princesa, mas
mantém a sua feiúra.
viu anteriormente, poderia considerar-se uma obra de arte algo Aliás, tem modos
nada estetizados de
que resgatasse o valor estético do feio? Responda por escrito, comportamento: não
realizando um texto de no máximo 15 linhas. respeita os “bons
modos” com princesas,
rainhas e nobres
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Fundamentos da Educação 4 | Padrões estéticos e prática educativa

RESPOSTA COMENTADA
Você deve ter percebido que os contos de fadas tradicionais mostram
uma imagem bastante estereotipada de beleza e feiúra, de bem e mal,
de bons costumes e maus costumes. Geralmente, há princesas bonitas
e bondosas, ogros e bruxas terríveis e maldosos; príncipes maravilhosos
e salvadores. Finalmente, triunfam os bons e bonitos e os maus e feios
são punidos justamente. Neste filme, você pode ter percebido que se
brinca com todos esses paradigmas: os príncipes nem sempre são tão
bonitos e bondosos, os ogros não são tão terríveis. Este desenho pode
ser entendido como uma brincadeira com a relatividade das categorias
estéticas e dos clichês de beleza existentes na sociedade consumista.

RESUMO

Emitimos continuamente juízos de valor: sempre há algo que consideramos “belo”


ou “feio”. Mas nem sempre estabelecemos uma discussão fundamentada sobre
nossas preferências. Ao promover uma reflexão estética no âmbito da instituição
escolar (que inclui uma educação da sensibilidade e também do entendimento),
teremos um instrumento capaz de despertar no aluno, não apenas seu interesse pela
Arte, como também poderemos evidenciar que existem formas de gosto que não
se reduzem aos padrões estéticos impostos pelos meios de comunicação. Também
será possível perceber que o feio pode ser uma categoria estética relevante e que as
concepções sobre o belo estão em permanente mudança nas diferentes sociedades
e nas diferentes épocas.

AUTO-AVALIAÇÃO

Você percebeu que somos influenciados por modelos preestabelecidos para o


que consideramos “belo” ou “feio”? Ficou claro que o contato com obras de arte
nos permite desenvolver um senso crítico a respeito do mundo que nos cerca?
Você compreendeu que o considerado “feio” convencionalmente, pode ter uma
beleza diferente desses parâmetros habituais? Existem condições socioculturais
que nos levam a adotar esta ou aquela preferência. No entanto, nossos juízos
estéticos podem ser aprimorados através de uma proposta pedagógica que valorize
diferentes formas de manifestações artísticas.

230 C E D E R J
MÓDULO 2
19
INFORMAÇÃO SOBRE A PRÓXIMA AULA

AULA
A Aula 20, Arte na Educação, propõe aprofundar as relações entre Arte e Educação,
mostrando como o ensino da arte na escola pode favorecer o desenvolvimento
integral da personalidade do aluno.

Leituras recomendadas

Explicando a filosofia com arte, de Charles Feitosa, analisa a importância que a arte teve na
história do pensamento. Nas obras de arte, encontramos idéias, expressões e visões de mundo
fundamentais para a nossa cultura. Além disso, o autor mostra como é possível enxergar uma
estética que não só acolha o convencionalmente denominado belo, mas também reflita sobre o
valor estético da feiúra.
O nascimento da tragédia, de Friedrich Nietzsche (1993). O autor alemão analisa a importância
da arte, fundamentalmente da arte trágica, para todas as instâncias da vida; inclusive, a arte é
um veículo fundamental para a formação integral do homem.

MOMENTO PIPOCA
MO

Sh
Shine narra a história do genial pianista David Helfgott, de tumultuada vida
pessoal, cujo pai era extremamente violento e rigoroso. O músico teve
pe
sérias perturbações psíquicas, porém desenvolveu uma capacidade artística

extraordinária. O filme mostra como é possível transformar as dores da vida
ex
em inspiração artística fundamental.
O homem elefante (1980), de David Lynch, narra a história trágica de um
homem deformado, vítima de uma estranha doença; porém a sua feiúra não
ho
impede
im que ele possa ser um homem fascinante, possuidor de uma beleza
que foge aos parâmetros conhecidos, suscitando desejos e erotismo incom-
preensíveis para os códigos de sedução convencionais.

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20
AULA
Arte na Educação
Meta da aula
Demonstrar a relação entre o aprendizado da arte, no
espaço escolar, o desenvolvimento da criatividade e
o contato com a diversidade.
objetivos

Ao final desta aula, você deverá ser capaz de:


• Reconhecer no ensino da arte uma prática capaz de gerar
conhecimentos e de levar à percepção da diversidade das
formas e do mundo.
• Demonstrar que, através da arte, o aluno pode desenvolver
seu potencial criador, assim como os demais aspectos de sua
personalidade.

Pré-requisito
Para melhor compreensão desta aula, sugerimos que você reveja a
Aula 19, Padrões estéticos e práticas educativas. Os conceitos de
belo, feio, Estética, feiúra, dentre outros, serão importantes para o
seu entendimento das questões abordadas.
Fundamentos da Educação 4 | Arte na Educação

INTRODUÇÃO As maiores dores que existem para o indivíduo, a ausência de uma

comunhão de saber entre todos os homens, a incerteza de verdades

derradeiras e a desigualdade de dons, tudo isso cria nele a necessidade

da arte. (...) A grandeza e o caráter insubstituível da arte consistem

precisamente em que ela suscita a aparência de um mundo mais

simples, de uma solução mais rápida para os enigmas da vida. Nenhum

ser que sofre na vida pode viver sem essa aparência, assim como

ninguém pode viver sem o sono (NIETZSCHE, apud DIAS, 1994, p. 7).

Nietzsche destacará, ao longo de sua obra, a importância da arte para a


RICHARD
WAGNER formação integral do homem e será um crítico das tendências que valorizam,
(1813-1883) exageradamente, o conhecimento racional e o valor da ciência para essa
Eminente músico
formação. Na sua ótica, a arte é fundamental para o crescimento total do ser
alemão. Conforme
Nietzsche, ele humano: é preciso desenvolver seus dotes racionais, seus condicionamentos
seria o artista que
recuperaria, nas físicos, mas é essencial que aprendamos a brincar com as aparências, é
suas óperas, a
força estética das
necessário jogar, construir novos mundos, dar vazão às nossas fantasias e
grandes tragédias emoções. O jogo é uma magnífica forma de aprendizado, de modelagem dos
gregas. Entre suas
obras, destacam- sentidos, dos sentimentos e também das idéias. Tanto a criança quanto o adulto
se Mestres
Cantores, Tristão precisam de um mundo ilusório para enfrentar o dia-a-dia. É necessário que os
e Isolda, O anel problemas do cotidiano particularmente as dores, possam ser traduzidos ou
dos Nibelungos,
Parsifal. deslocados, em obras de arte, em criações que se tornam um bálsamo salutar
para as agruras corriqueiras.
Nietzsche valorizava profundamente a arte musical. Na sua ótica, seu contem-
porâneo RICHARD WAGNER conseguiu exprimir em sua música uma visão
singular do mundo; reeditou em suas peças uma paixão artística
que só existia nas antigas tragédias gregas. Infelizmente, Nietzsche
se afastou totalmente de Wagner, decepcionou-se com ele, con-
siderando que, num determinado momento ele abandonou suas
convicções iniciais, presente por exemplo em Bodas de Lutero,
quando celebrava todos os instintos naturais. Para Nietzsche,
Wagner teria abandonado essas convicções, tornando-se cristão e
moralista, em peças como Parsifal, em que exaltou a necessidade
da castidade e o controle dos sentidos.
A música, a arte em geral, tem sido celebrada e considerada,
por muitos pensadores, como uma forma privilegiada de aces-
so à realidade. Nesse sentido, seria profundamente educativa,
formativa. Os artistas contemporâneos, principalmente os que
cultuam a arte popular, têm valorizado seu papel fundamental

234 C E D E R J
MÓDULO 2
para entender o mundo e a vida. Assim, encontramos um músico como FRANK

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ZAPPA (Apud FEITOSA, 2004, p. 26) que coloca a arte e a beleza artística, pecu-

AULA
liarmente na música, acima do conhecimento racional:
F R A N K Z A P PA
(1940-1993)
Lembre-se: informação não é conhecimento; conhecimento não é Músico norte-
sabedoria; sabedoria não é verdade; verdade não é beleza; beleza não americano, exímio
é amor; amor não é música; música é o que há de melhor. guitarrista que
Da música Joe´s Garage, do álbum homônimo de 1979. revolucionou a arte
popular.

Pensar o papel da arte na prática pedagógica significa desenvolver uma percepção


mais elaborada do mundo, pois, em última instância, o que está em jogo é a
possibilidade de aprofundar a curiosidade sobre o que afeta nossos sentidos,
sentimentos e nossa capacidade de julgar e avaliar. Nesse sentido, a experiência
artística encontra-se associada tanto às sensações quanto à formação de idéias.
A importância do ensino da arte é que ele permite aprimorar o modo particular
de cada um de perceber e sentir as coisas quanto, favorecendo a descoberta de
novos sentidos e interpretações para o mundo que nos rodeia. Através da arte, o
aluno desenvolve seu potencial humano, seja por passar a experimentar diferentes
formas estéticas, o que enriquecerá seu universo cultural, seja por se tornar mais
sensível às diferenças que o cercam.
Assim, o brincar é uma forma de nos aproximarmos das atividades artísticas.
É essencial que se cultuem as atividades lúdicas em sala de aula. Não só atividades
como pintura, dança, teatro etc., mas todo tipo de jogos, de brincadeiras que
estimulem a imaginação e o entendimento. Sobre isso, Munhoz Maluf destaca:

Quando brincamos, exercitamos nossas potencialidades, provocamos o

funcionamento do pensamento, adquirimos conhecimento sem estresse

ou medo, desenvolvemos a sociabilidade, cultivamos a sensibilidade, nos

desenvolvemos intelectualmente, socialmente e emocionalmente.

Assim também ocorre com as crianças: elas mostram que são dotadas de

criatividade, imaginação e inteligência. Desenvolvem capacidades indispensáveis

a sua futura atuação profissional, tais como atenção, concentração e outras

habilidades psicomotoras.

Todo aprendizado que o brincar permite é fundamental para a formação da

criança, em todas as etapas da vida (MALUF, 2003, p. 20).

C E D E R J 235
Fundamentos da Educação 4 | Arte na Educação

ATIVIDADE

1. “Bebida
“ é água/Comida é pasto/Você tem sede de quê?/Você tem fome de
quê?/A gente não quer só comida/A gente quer comida, diversão e arte/A gente
quê
não quer só comida/A gente quer saída para qualquer parte/A gente não quer só
comida/A gente quer bebida, diversão, balé/A gente não quer só comida/A gente
com
quer a vida como a vida quer”. O início da letra da música “Comida” do conjunto Titãs
que
coloca num mesmo plano a satisfação de necessidades biológicas e a satisfação de
colo
necessidades artísticas. Você acredita que a arte pode ser considerada uma atividade
nec
tão importante para a vida humana quanto a alimentação? Responda por escrito,
elaborando um texto de, no máximo,

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RESPOSTA COMENTADA

Você pode ter respondido que na música dos Titãs é colocada a


importância fundamental da arte para a vida do ser humano. Se comer
e beber são necessidades básicas, o homem precisa muito mais do que
isso. Numa época em que o homem está cada vez mais dês humanizado,
mais alienado e isolado, em que os meios virtuais nos distanciam cada
vez mais (tem muita gente que vive cativa da internet, do celular, das
múltiplas engenhocas virtuais), a arte pode ser uma das formas mais
profundas de intensificar a existência, de tornar-se fonte de alegria,
de encontro entre as pessoas. Você pode ter percebido que os Titãs
sugerem que, por meio da arte, podemos enxergar e vivenciar a vida, não
parcialmente, primariamente, (reduzindo as atividades biológicas básicas),
mas intensa e totalmente: “A vida como ela é”. A arte é fundamental para
nossa formação, para modelar nossa sensibilidade e intelecto, isso pode
ser fomentado nas atividades escolares: ela nos mostra que, pese todas
as precariedades e as dores da nossa época, a vida pode ser uma festa,
digna de ser celebrada permanentemente.

236 C E D E R J
MÓDULO 2
O ENSINO DA ARTE

20
A Lei de Diretrizes
e Bases da

AULA
A ida a exposições, museus, apresentações teatrais e musicais Educação Nacional
(Lei número 5.692),
constituem formas de entrarmos em contato com o universo artístico. instituída em 1971,
Mas, outra forma possível é através da escola. A confluência entre torna obrigatório a
disciplina Educação
arte e ensino foi consolidada, no Brasil, com a inclusão da Educação Artística nos
currículos escolares
Artística no currículo escolar. No entanto, num primeiro momento,
de 1º e 2º graus.
ela era experimentada como uma atividade de cunho recreativo e não
como uma área de conhecimento autônoma, com conteúdos específicos.
Essa situação se deve a alguns equívocos que precisam ser esclarecidos.
É nesse sentido que tanto se mostra inadequado conceber o ensino da
arte como uma simples atividade de lazer e recreação quanto uma espécie
de apêndice da prática educativa ou mesmo uma prática secundária em
relação a disciplinas como história, geografia, matemática, português
etc. Tanto no caso do fazer recreativo quanto na crença de que há
uma hierarquia de saberes, deixa-se de lado os aspectos propriamente
educativos da arte.
No final da década de 1980, a professora Ana Mae Barbosa A sala de aula
elaborou a expressão arte-educação para indicar uma redefinição da pode ser um
espaço artístico?
concepção de ensino e aprendizagem da arte nas escolas. A partir dela, Acostumados a
aulas burocráticas e
discursivas, às vezes
a visão contemporânea do ensino da arte, relacionada à arte como não entendemos
que esse pode ser
objeto do saber, baseia-se na construção, na elaboração, na cognição o lugar da criação,
e procura acrescentar à dimensão do fazer, da experimentação, a da experimentação,
possibilidade de acesso e de entendimento do patrimônio cultural onde o aprendizado
não seja algo
da humanidade (PILLAR, 1992, p. 4). oposto ao prazer, à
alegria de brincar e
fazer arte.
Essa nova postura por parte do educador favorece, sem dúvida,
não apenas um maior contato com as manifestações culturais que fazem
parte do cotidiano do aluno, como também favorece a
ampliação e a criação de novas possibilidades de
expressão. É importante ressaltar que não se trata
simplesmente de desenvolver um dom natural com
que cada um nasce. Se concebemos o ambiente da
sala de aula como um espaço vivo no qual alunos e
professores possam se tornar efetivamente agentes
de construção e reconstrução da realidade, então
a interação entre Arte e Educação se mostra como
um instrumento fundamental para o desenvolvi-
mento de técnicas que permitam exercitar a imagi-
nação, a auto-expressão, a descoberta e a invenção.
C E D E R J 237
Fundamentos da Educação 4 | Arte na Educação

Arte e diversas
Daí podermos considerar que a prática educativa aliada a uma
formas de ver o atividade artística permite que o aluno experimente toda a diversidade de
mundo. Na sala de
aula, as crianças, ao valores, de sentidos e de intenções que compõem o mundo em que ele habita.
brincarem, podem
perceber que a O que pretendemos ressaltar é que a atividade artística certamente estimula
realidade é como o desenvolvimento progressivo da capacidade de criação pessoal. Mas seu
um caleidoscópio,
em que é possível efeito pedagógico mais importante consiste em ampliar a capacidade de o
enxergar inúmeras
formas de ver o aluno construir aos poucos um significado para si mesmo e para os que o
universo.
rodeiam, de maneira que ele possa olhar o mundo de formas diferentes.
Como ressalta Chauí, “A arte inventa um mundo de cores, for-
mas, volumes, massas, sons, gestos, texturas, ritmos, palavras
para nos dar a conhecer o nosso próprio mundo” (CHAUÍ,
2000, p. 325).
Em suma, na medida em que a educação
estética proporcionada pelo ensino da arte habilita
ao diálogo e à compreensão de outros códigos
culturais, de valores singulares e universais das
diferentes culturas, ela se revela como uma forma
de investigação que desperta a atenção de cada um para sua maneira parti-
cular de sentir. É nesse sentido que devemos levar em conta que

aprender arte envolve não apenas uma atividade de produção


artística pelos alunos, mas também a conquista da significação
do que fazem, pelo desenvolvimento da percepção estética,
alimentada pelo contato com o fenômeno artístico visto como
objeto de cultura através da história e como conjunto organizado
de relações formais. É importante que os alunos compreendam
o sentido do fazer artístico; que suas experiências de desenhar,
cantar, dançar ou dramatizar não são atividades que visam distraí-
los da ‘seriedade’ das outras disciplinas (Parâmetros Curriculares
Nacionais, 1997, p. 27).

O ensino da Arte revela-se, assim, como um processo de pesquisa e


descoberta que tem por objetivo estimular a curiosidade, a cada instante,
de modo a promover o interesse e a valorização do trabalho de todas as
crianças de um grupo, sem descartar qualquer tipo de produção artística
considerando que o potencial de cada um é diferente.

238 C E D E R J
MÓDULO 2
20
ATIVIDADE

AULA
2. Billy Elliot é um filme inglês que relata a história de um adolescente que,
em atividades extracurriculares, praticava boxe junto com outros colegas
da sua idade. Porém, contra todos os desejos do seu pai e do seu irmão
mais velho, de profissão mineiros e profundamente machistas, decide,
em vez de praticar boxe, fazer aulas de balé escondido de todos os seus
conhecidos. Quando seu pai e seu irmão descobrem que Billy dança,
num primeiro momento, o censuram violentamente. O que você acha
dessa situação? Você acha que na turma da escola que você freqüenta
poderia se implementar, além de música e canto, balé também para os
meninos? Essa atividade artística poderia fazer parte do currículo oficial
das escolas? Responda elaborando um texto de, no máximo, 10 linhas.

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RESPOSTA COMENTADA
B I L LY E L L I O T
Você pode ter percebido que a arte estimula a sensibilidade, além de É um filme
aguçar o entendimento e a compreensão da realidade. Mas, ainda existe instigante, já que
mostra que a
uma tradição bastante racionalista e utilitária que afirma que o essencial é
escolha de uma
que os alunos apreendam conteúdos “úteis” para seu futuro desempenho determinada forma
profissional. Além disso, você pode ter reparado que há determinadas artística, no caso
o balé, sempre é
artes vinculadas, preconceituosamente, à falta de masculinidade, fraqueza, muito rica para
debilidade de caráter etc., como o balé. Nesta aula, tentamos mostrar que a formação da
sensibilidade e
a escola deve mexer com os preconceitos, com a miopia para observar
do intelecto dos
outras formas de compreender a realidade. Assim, você pode ter entendido alunos. Além
que o balé pode ser praticado com proveito por homens e mulheres, tanto do mais, o filme
mexe com o pré-
como a música, o canto, o teatro e outras formas artísticas, pois a prática conceito machista
da arte não tem nada a ver com a opção sexual de cada um. de que haveria
artes “pouco
masculinas”.

C E D E R J 239
Fundamentos da Educação 4 | Arte na Educação

O POTENCIAL TRANSFORMADOR DA ATIVIDADE ARTÍSTICA

Como já havíamos assinalado na aula anterior, não temos acesso


ao mundo apenas através do intelecto, nosso conhecimento do mundo
depende também da experiência sensível. O aumento da sensibilidade,
através da prática artística, leva, sem dúvida, ao desenvolvimento da
capacidade de aprender. Daí podermos afirmar que a Arte representa
uma das atividades fundamentais que contribuem para o conhecimento
humano. Além disso, ao adquirir uma consciência estética, o indivíduo tem
condições de manifestar uma atitude harmoniosa e equilibrada perante o
mundo. É nesse sentido que Arte e a Educação se complementam:

A educação é, por certo, uma atividade profundamente estética e


criadora em si própria. Ela tem o sentido do jogo, do brinquedo, em
que nos envolvemos prazerosamente em busca de uma harmonia.
Na educação joga-se com a construção do sentido — do sentido que
deve fundamentar nossa compreensão do mundo e da vida que nele
vivemos. No espaço educacional, comprometemo-nos com a nossa
"visão de mundo", com nossa palavra. Estamos ali em pessoa —
uma pessoa que tem os seus pontos de vista, suas opiniões, desejos
e paixões. Não somos apenas veículos para a transmissão de idéias
de terceiros: repetidores de opiniões alheias, neutros e objetivos. A
relação educacional, é, sobretudo, uma relação de pessoa a pessoa,
humana e envolvente (DUARTE JR., 1991, p. 74).

Tomando como referência o texto dos PCN, quatro formas de


expressão artística passaram a ser privilegiadas: as Artes Visuais, a Dança,
a Música e o Teatro. Pretende-se, com isso, tanto estimular os alunos a
se arriscarem a desenhar, a representar, a dançar, a tocar instrumentos,
a escrever, quanto realizarem pesquisa de elementos visuais, sonoros,
corporais, verbais, dramáticos e mesmo de movimento. Para o processo
criativo não importa tanto definir qual será o ponto de chegada, mas
sim a capacidade de experimentar de forma viva e dinâmica. A atividade
lúdica não precisa necessariamente ser justificada por algum fator que
lhe seja externo: ela vale por si própria contribui para cada um vir a se
reconhecer como integrante e construtor do seu próprio mundo.

O contato com a arte permite, sem dúvida, expandir a concepção


de cultura de cada um. É importante mobilizar a curiosidade
dos alunos sobre contrastes, contradições, desigualdades e
peculiaridades que integram as formações culturais em constante
transformação e as distinguem entre si, por meio da escolha de
trabalhos artísticos que expressem tais características (Parâmetros
Curriculares Nacionais, 1997, p. 69).
240 C E D E R J
MÓDULO 2
A valorização do universo artístico não se restringe a uma

20
simples valorização da produção do aluno, mas abrange a instauração

AULA
de processos criativos que estimulem os sentidos, favorecendo à
percepção e à imaginação. Além disso, se entendemos a arte como uma
ferramenta propulsora para o desenvolvimento da capacidade criadora
do ser humano, não basta ter acesso à produção artística, é necessário
também ser capaz de reelaborá-la, ou seja, nenhum padrão deve ser
imposto, nem sequer deve-se evitar o lugar comum da repetição de
fórmulas prontas e acabadas.
O ensino da arte está calcado na construção de uma prática que se
questiona e se fundamenta continuamente, que instiga o aluno a perceber
o mundo cultural das imagens, dos sons e das outras manifestações
sensíveis que permeiam o seu cotidiano, que articulam o contexto
universal com o ambiente no qual ele convive seja no contexto escolar,
seja na comunidade a qual ele pertence.
Esse projeto de resgatar a criatividade, a autonomia e o poder
de intervenção na realidade, de despertar anseios, talentos e habilidades
que desconhecemos em nosso ser, tem um potencial transformador único
tendo em vista que permite a instauração de novas possibilidades de vida.
Queremos dizer com isso que a prática artística colabora, diretamente, para
o desenvolvimento do ser humano, já que favorece o cultivo de valores
fundamentais como os ideais democráticos, o exercício da liberdade, a
capacidade de pensar de forma autônoma e crítica, entre outros.
A encenação ou a
Um autor que valorizou profundamente a prática da arte e da filo- leitura dramática
de peças de teatro,
sofia em sala de aula foi o teórico norteamericano Matthew Lipman (ver
em sala de aula,
Aula 15, A ética no convívio social, de Fundamentos da Educação 4) que pode ser uma
forma instigante
elaborou um método para transformar a sala de aula numa verdadeira de motivar os
alunos a discuti-
Comunidade de Investigação, onde as crianças rem e refletirem
não só repetem ou recriam conceitos e idéias, sobre a sociedade
e o mundo que os
mas também são criadoras, investigadoras da cerca. Tal qual
a proposta de
realidade, produtoras de novos conhecimentos. Lipman que usa
Para tal, ele implementou diversas técnicas. o teatro como um
meio essencial na
Uma das mais destacadas foi a elaboração de educação.

peças de teatro e romances para serem ence-


nados ou lidos pelas crianças. Seu objetivo
era de que cada uma dessas encenações ou
leituras (destinadas a crianças e adolescentes
de diferentes faixas etárias) levasse à reflexão

C E D E R J 241
Fundamentos da Educação 4 | Arte na Educação

sobre diversos aspectos da realidade. Destacamos, entre essas criações


artístico-didáticas Hospital de bonecos (para crianças de 3 a 5 anos); Elfi
(de 5 a 6 anos); Issao e Guga (de 7 a 8 anos); Pimpa (de 9 a 10 anos); A
descoberta de Ari dos Telles (de 10 a 13); Luisa (de 12 a 15 anos); Satie
(de 14 a 16 anos) e Marcos (de 16 a 18 anos). O temas abordados e as
indagações suscitadas por essas criações eram muito diversos. Todas
as peças visavam estimular o pensamento, a reflexão sobre temas de
Antropologia Filosófica, teoria do conhecimento, Filosofia da Natureza,
Estética, Lógica, Filosofia da Educação, Ética, Filosofia Social e Política
etc. (Cf. LIPMAN, O pensar na educação, 1995).
A tentativa pioneira de Lipman, que sustentava uma educação
crítica e reflexiva ancorada na arte, na indagação filosófica e nas práticas
democráticas em sala de aula, além de se constituir com um método
específico elaborado pelo autor, é uma inspiração relevante para a
educação como um todo. A sala de aula, para além da precariedade
das condições que padecem os nossos docentes e para além de todas
as dificuldades materiais e de funcionamento que sofrem a maioria das
nossas escolas, pode ser entendida como lugar da arte, da criação, da
reflexão, da inovação, da aceitação e geração de diferenças.

ATIVIDADE FINAL

Leia os seguintes versos do poeta norte-americano Walt Whitmam, de Canto a


mi mismo:

Vem, meu filho

aqui tens pão, come,

e leite, bebe.

Mas depois que você tenha comido e renovado os teus vestidos te beijarei,
te direi adeus e te abrirei a porta para que retomes o teu caminho.

Ninguém, nem eu nem ninguém, pode andar o teu caminho por ti;

Você mesmo deve percorrê-lo.

242 C E D E R J
MÓDULO 2
Não está longe, está ao teu alcance.

20
Talvez estejas nele, sem sabê-lo, desde que nasceste:

AULA
Acaso o encontres subitamente na terra ou no mar...

(WHITMAN, 1993, pp. 17-18).

Analise os versos de WALT WHITMAN que se tornam uma espécie de canto de


liberdade e estímulo à autonomia, que deve estar presente na relação de
todo mestre com seus discípulos. Você acha que o mestre deve estimular
o aluno a percorrer seu caminho sozinho? Você acha que cada um tem
um caminho próprio e deve encontrá-lo pelos seus próprios meios? Ou, W A LT W H I T M A N
ao contrário, o docente deve ser um condutor permanente, orientando (1819-1888)
sempre os discentes? Responda por escrito, elaborando um texto de, Grande poeta norte-
americano, autor de
no máximo, 15 linhas. Canto a mi mismo,
onde celebra a vida,
a natureza e todas
__________________________________________________________________ as instâncias da
__________________________________________________________________ existência.

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RESPOSTA COMENTADA

Você pode ter respondido que cada aluno, cada indivíduo, cada integrante da
sala de aula é um ser único, excepcional, irrepetível. Assim, não há fórmulas
definidas nem acabadas para o desenvolvimento de cada um. Conforme
mostramos nesta aula, a arte permite vislumbrar múltiplas formas de perceber
o mundo, as atividades estéticas levam a que cada um construa o seu

C E D E R J 243
Fundamentos da Educação 4 | Arte na Educação

universo. Porém, na atualidade, as pessoas procuram modelos, fórmulas “pré-


formadas” para viver e ser. A mídia, os livros de auto-ajuda, os formadores
de opinião – jornalistas, artistas etc., a astrologia, os supostos gurus que
aparecem e desaparecem rapidamente, nos indicam como devemos ser e o
que devemos fazer para atingir a felicidade. Porém, você pode ter percebido
que a arte, na sala de aula e fora dela, nos ensina que o desenvolvimento
de nossa personalidade depende de nossas decisões, que os mestres podem
dar dicas, nunca chaves mestras. Assim, a educação de nós mesmos – ainda
com a ajuda dos mestres – é a obra de arte mais singular, responsabilidade
intransferível da casa um de nós.

RESUMO

Desenvolver atividades artísticas em sala de aula não se limita a promover momentos


de recreação ou complementares para a formação do indivíduo. O ensino da Arte,
entendida como forma de conhecer a realidade, requer que alunos e professores
construam e resignifiquem a realidade. A escola deve contribuir para que haja um
diálogo constante entre as diferentes formas de cultura. O fazer artístico estimula
a curiosidade do indivíduo, tornando-o cada vez mais pleno como ser humano e
integrado de forma consciente ao mundo do qual faz parte.

AUTO-AVALIAÇÃO

Você percebeu que a atividade artística pode ser um meio de despertar não apenas
o interesse pelo que os colegas fazem, mas também por outras culturas e períodos
da história da humanidade? Ficou claro que o fazer artístico e a apreciação de
obras de arte envolvem tanto a elaboração crítica de pensamentos quanto a
expressão de sentimentos e o despertar de sensações? Acreditamos que o ensino
da arte, no ambiente escolar, requer o respeito aos mais diversos gostos, opiniões
e preferências estéticas.

244 C E D E R J
MÓDULO 2
CONSIDERAÇÕES FINAIS

20
AULA
Caros alunos,

Como vocês viram, as aulas de Estética e de Ética envolvem não só o conhecimento,


mas a emoção e a vida dos que escrevem e lêem. Ao abordarmos essas questões,
nossa existência, como um todo, vem a tona. Assim, após redigir as Aulas 12 a 16
e 19 e 20, de Fundamentos 4, além da autoria de outras de Fundamentos 3, estou
concluindo o diálogo com vocês, pelo menos por estas aulas. Assim, gostaria de
me despedir em poesia, já que tratamos de Estética. Lembro agora as palavras de
John Winston Lennon, quando The Beatles se separaram, no final dos anos 1960:
“Diante da tristeza da despedida, ainda fica a alegria do reencontro”.

Por isso, caros alunos, até o reencontro!

Leituras recomendadas

DIAS, Rosa Maria. Nietzsche e a música. A autora analisa a importância da arte na formação do
jovem Nietzsche. Mostra como a influência pessoal do genial músico Richard Wagner marcou
o percurso do jovem filósofo. Também mostra a importância essencial que o pensador alemão
outorgou à música e à tragédia, como elementos constitutivos de toda a cultura ocidental.
WHITMAN, Walt. Canto a mi mismo. O poeta norte-americano mostra o valor essencial da arte
para cantar todas as possibilidades da vida. Também destaca o papel da autonomia, da liberdade
e da escolha pessoais na formação de cada homem.

MOMENTO PIPOCA
M

Dias de Nietzsche em Turim, de Julio Bressane, com roteiro de Rosa Maria


Dias. O cineasta brasileiro relata a história de Nietzsche, na época em que
morava em Turim, pouco antes de perder a razão e, logo após, no começo
da sua demência, em 1889. O filme mostra também a importância da arte
na vida e na formação de Nietzsche.
A rosa púrpura do Cairo, de Woody Allen. O filme relata a história de uma
jovem, protagonizada por Mia Farrow, que leva uma vida pacata, que tenta
fugir do tédio assistindo a filmes românticos, sonhando ser protagonista e
heroína. Numa situação inusitada, o personagem principal do filme sai da
tela e começa a namorá-la. Allen brinca com relações que há entre fantasia
e realidade, entre arte e sublimação da vida cotidiana.

C E D E R J 245
Fundamentos da Educação 4

Referências
Aula 1

ALVES, Rubem. O Que é religião. São Paulo: Brasiliense, 1982.

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Vozes, 1978.

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1993.

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ADORNO, Theodore W.; HORKHEIMER, Max. A indústria cultural: o iluminismo


como mistificação das massas. Rio de Janeiro: Zahar, 1986.

COELHO NETO, José T. O que é indústria cultural? São Paulo: Brasiliense, 1985.

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VARELA, Julia. O estatuto do saber pedagógico. In: SILVA, Thomas T. O sujeito na


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Aula 5

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Vozes, 1984.

COULON, Alan. Etnometodologia e educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

FOURQUIN, Jean-Claude. (Org.). Nova sociologia da educação: dez anos de pesquisa.


Petrópolis: Vozes, 1995.

Aula 6

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______. Conversas com quem gosta de ensinar. Campinas,SP: Papirus, 2000.

______. Estórias de quem gosta de ensinar. Campinas,SP: Papirus, 2000.

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MORAIS, Regis (Org). Sala de aula, que espaço é esse? Campinas, SP: Papirus, 1999.

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Aula 7

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Aula 8

FREUD, Sigmund. Obras Completas. Madrid: Biblioteca Nueva. Nesta aula, usamos os
seguintes textos: v. 1: Três ensaios para uma teoria sexual, 1905; v. 2: Múltiplo interesse
da Psicanálise, 1913; v. 2: Teorias sexuais infantis, 1908; v. 3: Mal-estar na civilização,
1930; v. 3: O futuro de uma ilusão, 1927.

KUPFER, Maria Cristina. Freud e a educação: o mestre do impossível. 2. ed. São Paulo:
Scipione, 1992.

250 CEDERJ
Aula 9

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EGGLESTON, John. The Sociology of the School Curriculum. Londres: Routledge et Kegan,
1977.

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Editora, 1995.

Aula 10

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set. 2004.

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2000.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2003.

Aula 12

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PILLAR, Analice Dutra; VIEIRA, Denyse. O vídeo e a metodologia triangular no ensino


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I SBN 85 - 7648 - 263 - 0

9 788576 482635

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