Liderança Militar
Liderança Militar
Liderança Militar
EXÉRCITO BRASILEIRO
ESCOLA DE SARGENTOS DAS ARMAS
(ESCOLA SARGENTO MAX WOLF FILHO)
COLETÂNEA DE MANUAIS
DE
LIDERANÇA MILITAR
2019
ÍNDICE DE ASSUNTOS
Pag
CAPÍTULO I – LIDERANÇA
1.1.1 - Generalidades
a. O tema liderança integra uma área de pesquisa que tem despertado grande
interesse no mundo atual. Trata-se de assunto complexo, haja vista envolver variáveis
de igual complexidade dentro da psicologia social. Os meios acadêmicos, empresariais
e militares debruçam-se, cada vez mais, no estudo da fenomenologia da liderança.
b. Não existe ainda um consenso quanto à natureza do processo da liderança.
Trata-se de um fenômeno amplo que engloba diversas teorias que tentam explicá-lo.
c. Para iniciar o estudo de liderança militar, é preciso conhecer alguns aspectos
básicos sobre o assunto. Dessa forma, este capítulo abordará alguns conceitos que
possibilitam um melhor entendimento da liderança, bem como a aplicação dos
princípios que regem essa fenomenologia. Inicialmente, será estudado o conceito geral
de liderança como ele é visto nos diversos meios que não no ambiente militar e,
posteriormente, passar-se-á à abordagem militar do tema.
f. Corrente Integradora
1) Essa corrente diferencia-se sutilmente das anteriores por não atribuir o
surgimento da liderança a qualquer fatalidade, seja oriunda de ocorrências fortuitas da
dinâmica grupal, seja por coincidências ligadas às características especiais do líder. Os
seus adeptos consideram que os quatro fatores principais da liderança formam
sistemas com múltiplas possibilidades de interação entre seus elementos constitutivos,
devido às características dos grupos, às modificações da situação e às variações na
interação entre o líder e os liderados.
1–
FigFig 1 –Formas
Formasde
de Liderança
Liderança
a. Liderança Direta
1) A liderança direta, como o próprio nome indica, ocorre em situações nas
quais o líder influencia diretamente os liderados, falando a eles com frequência e
fornecendo exemplos pessoais daquilo que prega.
2) O líder, nesse caso, estará na linha de frente, interagindo frequentemente
com o grupo.
3) Por intermédio da liderança direta, laços de confiança sólidos e duradouros
são estabelecidos com os indivíduos, uma vez que o líder pode satisfazer, em
melhores condições, às necessidades de interação com os seus liderados.
4) Na antiguidade, os comandantes de grandes exércitos criavam laços de
liderança com seus comandados, principalmente, por meio de exemplos de coragem,
demonstrados nas batalhas travadas contra inimigos ferozes. Nelas, eles participavam
dos combates correndo os mesmos perigos que os liderados. Esses homens, sem
dúvida, exerciam a liderança de forma direta, embora comandassem dezenas de
milhares de soldados.
5) Nos dias atuais, normalmente exercem a liderança direta aqueles
comandantes que têm oportunidade de interagir diariamente com os subordinados,
observando e sendo observados de perto.
(Coletânea de Liderança Militar.................................................................................... 8/109)
6) Na liderança direta, o líder atua diretamente sobre o grupo quando da
execução daquilo que foi planejado nos níveis superiores. Por exemplo, o capitão,
comandante de uma companhia, conduz pessoalmente seus subordinados nos
exercícios de adestramento para o combate, executando as ordens do comandante do
batalhão.
7) Nesse nível, o líder estará sempre junto aos seus liderados, fornecendo
bons exemplos pessoais. Por essa proximidade, o líder deverá estar atento aos
detalhes, uma vez que as falhas ou erros, porventura cometidos, serão identificados
com facilidade pelo grupo (Fig 1).
b. Liderança Indireta
1) Na liderança indireta, o líder exerce a sua influência atuando por intermédio
de outros líderes a ele subordinados. Nesse caso, para que consiga influenciar os
liderados nos escalões subordinados, é fundamental que se estabeleça uma cadeia de
lideranças que atinja todos os indivíduos do grupo. Em outras palavras, é preciso que
os líderes nos níveis intermediários aceitem as ideias daquele que se encontra no topo
da pirâmide e as transmitam aos respectivos liderados como se fossem suas, evitando
quaisquer distorções de entendimento da mensagem.
2) Em grandes grupos humanos ou em organizações complexas, isso tenderá
a não acontecer e, por esse motivo, o líder de maior nível deverá empenhar-se para
exercer, também, a liderança direta, buscando contato mais aproximado com todos os
liderados, inclusive os dos escalões mais baixos.
b. Aspectos Psicossociais
A liderança é um fenômeno extremamente amplo que abrange as relações
sociais e há muito vem desafiando historiadores, sociólogos e psicólogos, todos
empenhados em encontrar razões que, teoricamente, justifiquem o surgimento de um
líder. De seus estudos, pelo menos três teorias se fizeram conhecidas.
1) Teoria Inatista
Defende a tese do líder inato, na qual fatores relacionados com a
hereditariedade determinam a existência do líder. As influências do meio são
minimizadas e até desprezadas pelos inatistas.
Para estes, a liderança é um atributo da personalidade, que torna o líder
reconhecido como tal em todas as situações. Isto, porém. Não acontece, pondo à
mostra a fragilidade dos argumentos em que se fundamenta esta teoria, que de resto,
também não explica a destituição de lideres, tão frequente, em face de situações
variadas.
2) Teoria Sociológica
Afirma que o líder é função do meio social, só alcançando prestígio e
aceitação por representar os ideais da coletividade naquela determinada situação,
caracterizando, deste modo, o líder emergente.
Esta teoria também não encontra meios de justificar porque somente a
determinadas pessoas, a sociedade confere delegação de autoridade, ou porque estas
pessoas adquirem prestígio.
e. Comentários
A liderança participativa (democrática) é adotada pelo Exército Brasileiro. E a
que mais se coaduna com o próprio conceito de liderança militar, isto é, a capacidade
de influenciar o comportamento humano e conduzir pessoas ao cumprimento do dever.
Fundamentada no conhecimento da natureza humana, compreende a análise, a
previsão e o controle de suas reações, favorecendo, sobremaneira, o fortalecimento
dos princípios basilares de nossa Instituição: hierarquia e disciplina.
a. Pequenos Escalões
O nível de comando de pequenos escalões é caracterizado pelas esquadras ou
turmas, pelos grupos, pelos pelotões ou pelas seções, até o nível subunidade
incorporada. É nesse nível que é exercida mais explicitamente a liderança direta.
(Coletânea de Liderança Militar.................................................................................... 34/109)
Os líderes nos pequenos escalões serão o cabo, o sargento, o tenente e o
capitão, os quais precisam estar cientes de sua vital importância para o cumprimento
das missões dos escalões superiores.
Nesse nível, o líder deve cultivar, predominantemente, a liderança direta,
deixando que cada militar tenha a oportunidade de ser investido da responsabilidade
adequada ao seu escalão.
No entanto, ainda que a forma de liderança direta seja a mais exercida, haverá
momentos em que os líderes se utilizarão da forma indireta. Como exemplo, o
comandante de subunidade, quando julgar mais adequado, poderá exercer essa forma
de liderança por intermédio dos comandantes de pelotões ou seções, bem como esses
podem exercê-la por intermédio dos comandantes de grupo e outros.
b. Nível Organizacional/Tático
No nível organizacional/tático, o líder utilizará as formas direta e indireta de
liderança.
A forma indireta se expressará pela capacidade de influenciar, via cadeia de
comando, o comportamento humano e de conduzir grandes efetivos militares ao
cumprimento das missões. Essa forma indireta é exercida por meio de militares nos
cargos de estado-maior, os assessores, predominantemente em brigadas, divisões,
comandos militares de área e órgãos da alta administração do EB.
É natural que o exercício da liderança sobre o pessoal da OM subordinada seja
dificultado pelo distanciamento imposto pela cadeia de comando que se apresenta
regularmente na estrutura organizacional.
Por haver o distanciamento líder–subordinado nas subunidades isoladas, nos
batalhões, nas brigadas, nas divisões de exército e nos comandos militares de área, a
expedição de documentos e/ou o aporte de tecnologias de informação assume(m) real
importância, pois permite(m) que o líder seja visto, ouvido e entendido pela tropa.
Dessa forma, as videoconferências, os boletins diários, as ordens de serviço,
as ordens de operações, os planos de operações, as diretrizes e outros documentos
que geram ações irão materializar essa interface de relações, tornando-se
característicos do exercício da liderança nesse nível.
A expedição dessas ordens, de forma adequada, permitirá ao subordinado
formar uma imagem favorável do líder e criar laços afetivos fundamentais ao exercício
da liderança.
No entanto, o líder, nesse nível de comando, também se utilizará da liderança
direta. No contato com os seus subordinados diretos (estado-maior, comandantes de
OM diretamente subordinadas e outros), essa forma de liderança estará muito
presente. Em relação aos subordinados mais afastados, o líder deverá buscar, sempre
que possível, criar oportunidades de, ainda que esporadicamente, exercer a liderança
direta. Sua presença em atividades como visitas, inspeções e palestras, dentre outras,
são formas em que o comandante, no nível tático, poderá exercer a liderança de forma
direta.
b. Valores Militares
1) Patriotismo
O patriotismo é o amor incondicional à Pátria e às suas tradições. O patriota
coloca os interesses do País acima dos particulares, sendo capaz de renúncias e
sacrifícios em prol do cumprimento de objetivos que contribuam para o crescimento de
sua comunidade e de sua sociedade. A Pátria é o país em que nascemos e ao qual
estamos presos por profundas raízes pessoais e familiares.
A ideia de Pátria carrega um forte potencial emocional porque enfatiza a
continuidade histórica de um povo, isto é, a sucessão de gerações que construíram,
com sacrifício, o patrimônio comum do território conquistado, das riquezas, das ideias,
dos símbolos, da miscigenação das raças, da linguagem e dos valores culturais.
Implica, ainda, no entendimento de que esse patrimônio herdado dos antepassados
deve ser transmitido aos filhos, aos netos e aos bisnetos, em uma infindável sucessão
de gerações. A Pátria é uma entidade fundamental que, muitas vezes, só se aprecia
devidamente quando dela se é privado.
2) Civismo
O civismo caracteriza-se pelo cumprimento dos deveres de cidadania e dos
esforços necessários ao progresso e ao engrandecimento do País. O militar com
espírito cívico atua e participa das atividades de sua comunidade e sociedade. Civismo
é o zelo pela preservação e pelo fortalecimento dos valores nacionais. É a dedicação à
família. É a solidariedade com os demais cidadãos em momentos de crise. O civismo
(Coletânea de Liderança Militar.................................................................................... 42/109)
não se desenvolve apenas pelo aprendizado das regras, senão pela atuação intensa e
permanente em benefício da Pátria. É o respeito pelas tradições históricas, pelos heróis
nacionais e pelos valores que eles defendiam, bem como pelos símbolos nacionais,
que representam o povo e a sua cultura, a Nação e a Pátria.
3) Idealismo
3.a) O idealismo é um valor resultante de dois vetores: a fé na missão do EB e
o amor à profissão das armas, cuja expressão é o entusiasmo profissional.
3.b) A fé na missão do EB traduz-se pela crença inabalável na importância da
atuação da Força no cumprimento das missões a ela destinadas pelo povo, por meio
da Constituição Federal e das leis complementares.
3.c) O amor à profissão manifesta-se pelo devotamento integral à carreira
militar. Traduz-se pelo exercício entusiasmado e permanente da profissão, pela
motivação constante, pelo prazer demonstrado no que faz, pela consciência
profissional, pelo espírito de sacrifício, pela busca do trabalho bem feito, pela prática
dos deveres militares e pela satisfação alcançada pelo dever cumprido.
4) Espírito de Corpo
O espírito de corpo caracteriza-se pelo sentimento de orgulho de pertencer ao
Exército de seu País, a sua Arma, Quadro ou Serviço, a sua OM e a seu grupo. A
camaradagem, o orgulho coletivo, a operacionalidade das equipes, Unidades e
Grandes Unidades fazem brotar esse sentimento que culmina na coesão, sustentáculo
para o cumprimento das missões em momentos de adversidades. O espírito de corpo é
a alma coletiva dos integrantes de um determinado grupo. É o sentimento de sadia
camaradagem e solidariedade que aflora entre os membros de um grupo de militares
que já executou ou vem executando difíceis tarefas com empenho, ou consolidou
objetivos cujas conquistas exigiram penosos sacrifícios.
5) Disciplina
A disciplina, um dos pilares de qualquer exército profissional, é um importante
valor que traduz a capacidade de proceder, de modo consciente e espontâneo,
conforme as ordens legais recebidas, as normas e as leis estabelecidas.
A disciplina não é contrária à liberdade e à iniciativa, como alguns imaginam.
Trata-se, de fato, de condição indispensável para uma vida social harmoniosa e de
base fundamental para garantir o máximo uso dos direitos das pessoas, sem perder de
vista os direitos alheios. Observe-se que, nas sociedades mais evoluídas e mais ricas,
as pessoas são disciplinadas porque a disciplina é o aprendizado da solidariedade.
6) Interesse pelo aprimoramento técnico-profissional
Sendo a guerra uma arte em constante evolução, o aprimoramento técnico-
profissional é condição indispensável para que qualquer militar seja proficiente na
carreira das armas. É conveniente lembrar que a proficiência é um dos pilares da
liderança militar. Além dos ensinamentos colhidos nos bancos escolares e nas suas
experiências de vida, todos os militares devem buscar o auto aperfeiçoamento, que
traduz a disposição ativa para mobilizar seus recursos internos, visando a aprimorar e a
atualizar os seus conhecimentos.
1.4.2 - Generalidades
São objetivos deste capítulo:
- Estudar o líder militar;
- Conhecer os traços básicos de sua identidade: e
- Sugerir caminhos para aperfeiçoá-los.
Os aspectos éticos da vida militar: aliados às características pessoais de líderes
e liderados, o espírito de grupo, as nuances inerentes à situação considerada e a forma
como se processa a comunicação são os fatores essenciais, sempre presentes,
interagindo de modo simultâneo e conduzindo à decisão do líder, quaisquer que sejam
o nível ou o escalão envolvido.
A despeito da complexidade do estudo do ser humano, do caráter muitas vezes
imprevisível de suas reações, da diversidade de variáveis impossíveis de serem
plenamente identificadas e controladas, o que se conhece da mente humana e das
formas de relações interpessoais permite afirmar que é possível estruturar o perfil do
líder militar segundo três aspectos fundamentais:
- o caráter (o ser);
- a competência profissional (o saber); e
- a maneira como ambos se manifestam pelo comportamento (o fazer).
1.4.3 - Aspectos Básicos
a. A liderança militar estabelecer-se-á apoiada em três pilares:
- proficiência profissional;
- senso moral e traços de personalidade característicos de um líder; e
- atitudes adequadas.
b. Assim, observa-se o que o líder deve saber, ser e fazer, além de interagir
com o grupo e com a situação. São os fatores que criam e sustentam a credibilidade do
líder militar (Fig 3).
c. Disciplina e coesão
O processo de liderança militar está inserido num contexto social, isto é, configura
uma relação interpessoal na qual um indivíduo investido de autoridade legal,
predicados de caráter e competência profissional influencia o comportamento de outros
indivíduos para cumprir determinadas metas.
A pedra angular sobre a qual se estrutura a dinâmica da organização militar
chama-se disciplina - atributo fundamental na motivação do funcionamento do grupo
militar em qualquer escalão. Esta se evidencia pela imediata e efetiva execução de
tarefas em resposta a ordens ou, mesmo em sua ausência, caracterizando a ação do
2) A tarefa mais difícil com que qualquer líder militar se defronta é a de inspirar os
subordinados e gerar neles a coragem necessária para superar a incerteza e o medo.
Para isso, o líder precisa compreender a natureza humana e os motivos que levam as
pessoas a se portar de determinada maneira, para agir no grupo com a necessária
inteligência emocional. O líder inteligente, do ponto de vista emocional, tem a
capacidade de reconhecer seus próprios sentimentos e os dos outros para administrar
bem as emoções em si mesmo e nos seus liderados.
2.4.1 GENERALIDADES
a. No início da década de 1980, um psicólogo, chamado Howard Gardner, propôs
a teoria das inteligências múltiplas, definindo sete inteligências a partir do conceito de
que o ser humano possui um conjunto de diferentes capacidades. São elas:
1) a lógica-matemática, que está associada diretamente ao pensamento científico
e ao raciocínio lógico e dedutivo; matemáticos e cientistas têm essa capacidade
privilegiada;
2) a linguística, que está associada à habilidade de se expressar por meio da
linguagem verbal, escrita e oral;
3) a espacial, que está associada ao sentimento de direção, à capacidade de
formar um modelo mental e utilizá-lo para se orientar;
(Coletânea de Liderança Militar.................................................................................... 61/109)
4) a musical, que está associada à capacidade de se expressar por meio da
música, ou seja, dos sons, organizando-os de forma criativa a partir dos tons e timbres;
5) a corporal-sinestésica, que está associada aos movimentos do corpo, que
pode ser um instrumento de expressão;
6) a interpessoal, que está associada à habilidade de notar e interpretar o humor,
o temperamento, as motivações e as intenções das pessoas, relacionando-se bem com
elas; e
7) a intrapessoal, que está associada à capacidade de estar bem consigo mesmo,
de conseguir controlar os próprios sentimentos, de conhecer-se e de usar as
informações pessoais para alcançar os seus próprios objetivos.
b. Segundo Howard Gardner, cada tipo de inteligência parece desenvolver-se de
forma independente dos demais, e o alto desempenho em uma das formas não implica
no mesmo desempenho em outra.
c. A teoria da inteligência emocional, focada na corrente do campo social e
proposta por Peter Salovery e Daniel Goleman, está relacionada às inteligências
intrapessoal e interpessoal e, na sequência será apresentada, devido à sua crescente
importância para a liderança. Na verdade, será a inteligência emocional que permitirá
ao comandante, em qualquer escalão, agir com sereno rigor, conseguindo persuadir os
seus subordinados.
3.1.4 Conclusões
Do que foi dito, tiram-se três conclusões importantes:
- A comunicação por intermédio do exemplo é vital para a liderança militar,
principalmente no combate. A Batalha de Itororó foi decidida devido à intervenção
pessoal e corajosa do líder, reanimando e conduzindo a tropa. - A confiança que os
oficiais e as praças tinham em Caxias e a credibilidade, resultante desta confiança,
foram fatores importantíssimos na vitória das forças da Tríplice Aliança em Itororó. -
Tudo foi possível porque Caxias, ao longo da vida, desenvolvera elevada competência
profissional e diversos atributos da área afetiva, extremamente favoráveis ao
estabelecimento de laços de liderança com os subordinados.
Assim que um certo número de seres vivos são reunidos, sejam eles animais ou
homens, eles se colocam instintivamente sob a autoridade de um chefe.
No caso de multidões humanas, o chefe muitas vezes não é nada mais que um
líder ou agitador, mas, como tal, desempenha um papel considerável. Sua vontade é o
núcleo em torno do qual as opiniões da multidão são agrupadas e atingem a
identidade. Ele constitui o primeiro elemento para a organização de multidões
heterogêneas e abre o caminho para sua organização em seitas; enquanto isso, ele os
direciona. Uma multidão é um rebanho servil que é incapaz de fazer sem um mestre.
O líder começou mais frequentemente como um dos liderados. Ele mesmo foi
hipnotizado pela ideia, cujo apóstolo ele se tornou. Ela tomou posse dele a tal ponto
que tudo o que está fora desaparece e que toda opinião contrária lhe parece um erro
ou uma superstição. Um exemplo disso é Robespierre, hipnotizado pelas ideias
filosóficas de Rousseau e empregando os métodos da Inquisição para propagá-las.
Os líderes dos quais falamos são mais frequentemente homens de ação do que
pensadores. Eles não são dotados de perspicácia aguçada, nem poderiam ser, como
essa qualidade geralmente conduz a dúvidas e inatividade. Eles são especialmente
recrutados nas fileiras daquelas pessoas mórbidas, nervosas, nervosas e perturbadas,
que estão à beira da loucura. Por mais absurda que seja a ideia que sustentam ou o
objetivo que perseguem, suas convicções são tão fortes que todo o raciocínio se perde
para eles. Desprezo e perseguição não os afetam, ou servem apenas para estimulá-los
ainda mais. Eles sacrificam seu interesse pessoal, sua família - tudo. O próprio instinto
de autopreservação é inteiramente obliterado neles e tanto que muitas vezes a única
recompensa que eles solicitam é a do martírio. A intensidade de sua fé dá grande
poder de sugestão às suas palavras. A multidão está sempre pronta para ouvir o
homem obstinado, que sabe se impor a ela. Homens reunidos em uma multidão
perdem toda a força de vontade e se voltam instintivamente para a pessoa que possui
a qualidade que lhes falta.
As nações nunca careceram de líderes, mas nem todas foram animadas por
aquelas fortes convicções próprias dos apóstolos. Esses líderes costumam ser
retóricos sutis, buscando apenas seu próprio interesse pessoal, e tentando persuadir
(Coletânea de Liderança Militar.................................................................................... 100/109)
por instintos básicos lisonjeiros. A influência que eles podem afirmar dessa maneira
pode ser muito grande, mas é sempre efêmera. Os homens de convicções ardentes
que agitaram a alma das multidões, os Pedro, os Eremitas, os Lutero, os Savonarolas,
os homens da Revolução Francesa, só exercitaram o fascínio depois de terem sido
fascinados primeiro por um credo. Eles são então capazes de invocar nas almas de
seus semelhantes aquela força formidável conhecida como fé, que torna um homem o
escravo absoluto de seu sonho.
O despertar da fé - seja religioso, político ou social, seja a fé em um trabalho, em
uma pessoa ou uma ideia - sempre foi a função dos grandes líderes das multidões, e é
por essa razão que sua influência é sempre muito bom. De todas as forças à
disposição da humanidade, a fé sempre foi uma das mais tremendas, e o evangelho
corretamente atribui a ela o poder de mover montanhas. Dotar um homem com fé é
multiplicar suas forças por dez. Os grandes acontecimentos da história foram
provocados por crentes obscuros, que tiveram pouco além de sua fé em favor deles.
Não é por ajuda dos eruditos ou dos filósofos, e ainda menos dos céticos, que foram
construídas as grandes religiões que influenciaram o mundo, ou os vastos impérios que
se espalharam de um hemisfério para o outro.
Nos casos citados, porém, estamos lidando com grandes líderes, e eles são tão
poucos em número que a história pode facilmente reconhecê-los. Eles formam o ápice
de uma série contínua, que se estende desses poderosos mestres de homens até o
operário que, na atmosfera esfumaçada de uma pousada, lentamente fascina seus
camaradas tocando incessantemente em seus ouvidos algumas frases fixas, cujo
significado dificilmente compreende, mas a aplicação de que, segundo ele, deve
certamente trazer a realização de todos os sonhos e de todas as esperanças.
Em todas as esferas sociais, do mais alto ao mais baixo, assim que o homem deixa
de ser isolado, rapidamente cai sob a influência de um líder. A maioria dos homens,
especialmente entre as massas, não possui ideias claras e fundamentadas sobre
qualquer assunto fora de sua especialidade. O líder serve como guia. É apenas
possível que ele seja substituído, embora de forma muito ineficiente, pelas publicações
periódicas que fabricam opiniões para seus leitores e lhes fornecem frases prontas que
as dispensam do problema do raciocínio.
Os líderes das multidões exercem uma autoridade muito despótica, e esse
despotismo é, de fato, uma condição para que eles obtenham seguidores. Tem sido
frequentemente observado quão facilmente eles extorquem obediência, embora sem
meios de fazer backup de sua autoridade, da seção mais turbulenta das classes
trabalhadoras. Eles fixam as horas de trabalho e a taxa de salários, e eles decretam
greves, que são iniciadas e terminadas na hora em que são ordenadas.
Hoje em dia, esses líderes e agitadores tendem cada vez mais a usurpar o lugar
das autoridades públicas na proporção em que estas se permitem ser questionadas e
destituídas de sua força. A tirania desses novos mestres tem como resultado que as
multidões os obedecem muito mais docilmente do que obedeceram a qualquer
governo. Se em consequência de algum acidente ou outro, os líderes devem ser
removidos da cena, a multidão retorna ao seu estado original de uma coletividade sem
coesão ou força de resistência. Durante a última greve do ônibus parisiense, a prisão
dos dois líderes que estavam dirigindo foi suficiente para acabar com isso. É a
necessidade não da liberdade, mas da servidão que é sempre predominante na alma
(Coletânea de Liderança Militar.................................................................................... 101/109)
das multidões. Eles estão tão empenhados na obediência que instintivamente se
submetem a quem se declara seu mestre.
Esses líderes e agitadores podem ser divididos em duas classes claramente
definidas. Um inclui os homens que são enérgicos e possuem, mas apenas
intermitentemente, muita força de vontade, o outro os homens, muito mais raro que o
anterior, cuja força de vontade é duradoura. Os primeiros mencionados são violentos,
corajosos e audazes. Eles são mais especialmente úteis para dirigir um
empreendimento violento de repente decidido, para levar as massas com eles, apesar
do perigo, e para transformar em heróis os homens que ontem eram recrutas. Homens
desse tipo eram Ney e Murat sob o Primeiro Império, e tal homem em nosso tempo era
Garibaldi, um aventureiro talentoso, mas enérgico que conseguiu com um punhado de
homens em impor as mãos sobre o antigo reino de Nápoles, defendido embora fosse
por um exército disciplinado.
Ainda assim, embora a energia dos líderes dessa classe seja uma força a ser
levada em conta, ela é transitória e dificilmente ultrapassa a excitante causa que a
colocou em jogo. Quando eles retornam ao seu curso normal de vida, os heróis
animados pela energia desta descrição frequentemente revelam, como era o caso
daqueles que acabei de citar, a mais surpreendente fraqueza de caráter. Eles parecem
incapazes de refletir e de se conduzir sob as circunstâncias mais simples, embora
tenham sido capazes de liderar os outros. Esses homens são líderes que não podem
exercer a sua função, exceto sob a condição de que eles sejam levados a si mesmos e
continuamente estimulados, que tenham sempre como seu farol um homem ou uma
ideia, que sigam uma linha de conduta claramente traçada. A segunda categoria de
líderes, a dos homens de força duradoura de vontade, tem, apesar de um aspecto
menos brilhante, uma influência muito mais considerável. Nesta categoria encontram-
se os verdadeiros fundadores das religiões e grandes empreendimentos; São Paulo,
Maomé, Cristóvão Colombo e de Lesseps, por exemplo. Se eles são inteligentes ou
tacanhos não tem importância: o mundo pertence a eles. A força de vontade
persistente que eles possuem é uma faculdade imensamente rara e imensamente
poderosa à qual tudo se origina. O que uma vontade forte e contínua é capaz nem
sempre é devidamente apreciada. Nada resiste a isso; nem a natureza, nem deuses
nem o homem.
O exemplo mais recente do que pode ser efetuado por uma vontade forte e
contínua é nos concedido pelo homem ilustre que separou os mundos oriental e
ocidental e realizou uma tarefa que durante três mil anos fora tentada em vão pelos
maiores soberanos. Ele falhou mais tarde em um empreendimento idêntico, mas depois
interveio a velhice, à qual tudo, mesmo a vontade, sucumbe.
Quando se deseja mostrar o que pode ser feito por mera força de vontade, tudo o
que é necessário é relacionar em detalhe a história das dificuldades que tiveram que
ser superadas em conexão com o corte do Canal de Suez. Uma testemunha ocular, Dr.
Cazalis, resumiu em poucas linhas impressionantes toda a história dessa grande obra,
recontada por seu autor imortal.
"De um dia para o outro, episódio por episódio, ele contou a estupenda história do
canal. Ele falou de tudo o que teve que vencer, do impossível que tornara possível, de
- Le Bon, Gustave. the crowd: a study of the popular mind. 1896. mineola: dover, 2002.
157 p. ed. rev. e atual