Lugar e Não Lugar
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Lugar e Não Lugar
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ISSN on-line: 1982-6737
DOI: 10.17058/agora.v17i1.5311
Recebido em 23 de Outubro de 2014 Aceito em 14 de Setembro de 2015 Autor para contato: [email protected]
Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir sobre a importância dos conceitos de
lugar e não-lugar em um contexto de globalização e de profunda transformação dos
espaços da sociedade contemporânea. Iniciando pela abordagem geográfica atual dos
conceitos, ampliou-se a análise das categorias lugar e não-lugar por meio das
contribuições sócio-antropológicas de Marc Augé e Michel de Certeau estabelecendo-
se paralelos sobre a sua complexidade de sentidos e significados em diferentes áreas
do conhecimento.
Abstract: This article aims to reflect on the conceptual meanings of place and non-
place in a context of globalization and deep transformation of contemporary society’s
spaces. Starting from the current approach of geographical concepts, the analysis of
the categories of place and non-place was widened through social-anthropological
contributions of Marc Augé and Michel de Certeau settling on parallels about the
complexity of senses and meanings in different areas of knowledge.
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2010, p.37). Por isso o lugar é o espaço vivido, dialética entre as necessidades do regime de
carregado de afetividade e significados. acumulação do capital, a dissociação de processos e
Nisto concorda Moreira (2007, p.61), para atividades bem como a individualização dos
quem na geografia fenomenológica o lugar deriva de elementos no espaço. Portanto “cada lugar é, à sua
uma percepção ou sentido de pertencimento onde maneira, o mundo” (SANTOS 2002, p.314). Ou seja,
coexiste a identidade biográfica do homem com todos em virtude das redes de transporte e comunicações,
os elementos do seu espaço vivido. Conforme este cada lugar passa a ser virtualmente mundial. Por
autor há um profundo sentimento de ambiência e de outro lado essa nova realidade corresponde também
identificação recíproca no lugar em uma singular a uma ampliação da sua individualidade e diferença
ligação histórica entre coisas, objetos e a própria vida em relação aos outros lugares. Neste fenômeno,
e o cotidiano dos habitantes. Desta forma, o lugar é contudo, o autor também alerta para os riscos de uma
estudado a partir das relações e ligações subjetivas simplificação cega sobre o assunto e que
estabelecidas entre o sujeito e o espaço que ocupa. E desconsidere outros elementos além das forças
são, portanto, acrescentados nos estudos ás sociais globais. Por estes motivos, e para Santos
percepções individuais, os significados, as (2002, p.314), há uma redescoberta da dimensão
características e heranças culturais, símbolos, os local e da necessidade de repensar o lugar e seus
valores e as identidades coletivas (COSTA E novos significados. Paraeste autor “... uma dada
ROCHA, 2010, p.51). situação não pode ser plenamente apreendida se, a
As abordagens mais recentes têm procurado pretexto de contemplarmos sua objetividade,
conciliar as visões entre a geografia crítica e humana. deixamos de considerar as relações intersubjetivas
Pois é exatamente a tensão dinâmica da objetividade que a caracterizam.” (SANTOS, 2002, p.315).
e da subjetividade que origina o lugar, em uma Portanto, pode-se perceber que para Santos o
dimensão material, com uma localização objetiva no cotidiano está enriquecido pelos papeis que a
espaço, e outra dimensão abstrata relacionada aos informação e a comunicação assumiram em todos os
símbolos e significados atribuídos pelos indivíduos e aspectos da vida social. Sua preocupação é entender
grupos sociais (BARTOLY, 2011, p.69). Mesmo que, o conteúdo geográfico do cotidiano por meio da sua
em um primeiro momento, a geografia crítica materialidade, mas também por meio da complexa
privilegiasse seu enfoque sobre o espaço geográfico relação entre espaço e movimentos sociais. “A
em si (valendo-se mais de conceitos como território), localidade se opõe a globalidade, mas também se
geógrafos como Milton Santos passaram também a confunde com ela.” (SANTOS, 2002, p.321). É no
abordar e a conferir maior importância ao conceito de lugar e no cotidiano compartilhado entre pessoas,
lugar. Ainda assim a abordagem crítica procura se negócios e instituições que forma-se a base para a
distanciar da humanista, pois enfoca as influências vida comum. “O lugar é o quadro de uma referência
dos processos econômicos, políticos e sociais que pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e
estão relacionados à globalização. ordens precisas de ações condicionadas, mas é
Mas conforme Santos (2002, p.313), a também o teatro insubstituível das paixões humanas,
globalização faz também redescobrir novas relações responsáveis, através da ação comunicativa, pelas
com o mundo que deixa de ser local-local para tornar- mais diversas manifestações da espontaneidade e da
se um fenômeno de interação global com o local. criatividade.” (SANTOS, 2002, p.322).
Neste sentido os lugares, e que refletem a dimensão
espacial do cotidiano, podem ser vistos como um 3 Lugar e não lugar: o olhar de Augé e Certeau
meio intermediário entre o mundo e o indivíduo. Para
o autor este contexto atual de globalização, Para o antropólogo Marc Augé, os espaços
localização e fragmentação estão em uma relação antropológicos são todos aqueles que apresentam
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oposição ao lugar antropológico capaz de reter e ser lugares ou pontos notáveis ao longo da estrada
espaço criador de identidade, pois se refere ao lugar passam a ser profusamente sinalizados com
de origem, concreto e ou simbólico e histórico (AUGÉ, informações históricas destes espaçosou mesmo com
1994, p.77). A supermodernidade em si, é produtora anúncios comerciais de produtos ou serviços locais,
de não-lugares, que também não integram os lugares etc. Com o passar do tempo o viajante passa a ter
antigos ou de memória. familiaridade com o espaço abstrato do que leu mas
Todos esses tipos de espaços produzidos não conheceu de fato estes lugares. Portanto o
pelos não-lugares visam ao consumo do homem objetivo da estrada (um não-lugar) é o da realidade
“médio”, que é, como exemplo, um usuário dos funcional, o de ligar dois pontos, é o destino final, a
sistemas rodoviário, comercial ou bancário. economia de tempo e a racionalidade do uso do
“Enquanto a identidade de uns e de outros é o que espaço. Diferente de um caminho onde os locais se
constituía o lugar antropológico, por meio das anunciam e onde há a descoberta e a relação vivida
conivências da linguagem, dos sinais da paisagem, entre o sujeito e o espaço. Na estrada não interessa a
das regras não formuladas do bem viver, é o não- descoberta e a relação do espaço com o sujeito,
lugar que cria a identidade partilhada dos observa-se e assimila-se o que pode e o que deve ser
passageiros, da clientela ou dos motoristas lido, percebido, vivido.
domingueiros.” (AUGÉ, 1994, p. 93). Por isso o A superabundância de informações em todos
usuário do não-lugar está em uma relação contratual. os espaços também cria uma experiência de presente
Uma relação que privilegia o consumo perpétuo. Os não-lugares são espaços repletos de
contemporâneo, pois ao mesmo tempo em que há textos e imagens que difundem as instituições que os
rígidos critérios para verificação da identidade sustentam e também, evidentemente, têm o objetivo
individual (controle para acesso e saída do sistema), de reforçar as relações de consumo. Por isso também
há por parte dos usuários uma relativa libertação de si incentivam o indivíduo a uma atitude narcisista: a agir
mesmos para usufruir dos espaços de forma quase como todos para ser você mesmo (AUGÉ, 1994,
anônima e com uma sensação libertária. Contudo são p.97). Frases de caráter normativo, informativo ou
espaços que não criam nem relação social nem mesmo proibitivo criam uma interação impessoal e
identidade singular e que podem propiciar certo vazio que remetem à percepção de isolamento do
existencial: “...o espaço da supermodernidade é indivíduo. Os não lugares-reais da supermodernidade
trabalhado por esta contradição: ele só trata com utilizam-se de códigos, normas, instruções para
indivíduos (clientes, passageiros, usuários, ouvintes) serem utilizados porque: “...assim são instaladas as
mas eles só são identificados, socializados e condições de circulação em espaços onde se supõe
localizados (nome, profissão, local de nascimento, que os indivíduos só interajam com textos, sem
endereço) na entrada e saída.” (AUGÉ, 94 p.101). outros anunciantes que não pessoas morais ou
Não-lugar é o contrário da utopia, são espaços que instituições (aeroportos, companhias aéreas,
precisam de controle ao mesmo tempo em que ministério dos transportes, sociedades comerciais,
retiram a identidade do indivíduo criando uma polícia rodoviária, municípios) cuja presença se
sensação de solidão e similitude. adivinha vagamente ou se afirma mais
Augé discorre também sobre esse tipo de explicitamente.” (AUGÉ, 1994, p. 89).
produção dos não-lugares da supermodernidade Por todos estes motivos o autor define e
(estradas, aeroportos) e sua definição pelas palavras aponta os não-lugares como a escolha dos espaços
ou textos que nos propõem. Como exemplo podemos da supermodernidade. Cita como exemplo algumas
utilizar a diferença entre uma estrada e um caminho. situações comuns vivenciadas no cotidiano e que se
O percurso rodoviário deve evitar, por necessidade encontram-se em oposição tais como: um trevo (visto
funcional, parar em pontos notáveis. Contudo estes como local de fluxos e com lógica funcional) ao
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cruzamento (onde as pessoas se encontram); os espaço vivido. Em síntese, fala de uma cidade e de
conjuntos habitacionais periféricos (e a ausência da um lugar que emerge de uma determinada razão ou
vida social ou coletiva destes espaços) aos racionalidade voltada ao controle e às formas como
monumentos (símbolos, signos, memória coletiva) as pessoas comuns, ou usuários, operam neste lugar
(AUGÉ, 1994, p. 98). Contudo, como adverte “...na em um sentido oposto a racionalidade praticada.
realidade do mundo de hoje, os lugares e os espaços, Neste sentido, a aparente conformidade dos usuários
os lugares e os não lugares misturam-se, pode até esconder essas lutas constantes, individuais
interpenetram-se.” (AUGÉ, 1994, p. 98). O não-lugar e cotidianas, subconscientes, contra uma
é o espaço por excelência da supermodernidade determinada racionalidade. Tais aspectos, para o
onde ocorrem novos e diferentes tipos de relações autor, devem ser aprofundados pelas ciências sociais,
sociais e humanas, ou como poderia se supor: o risco motivo pelo qual procura estabelecer uma discussão
das não relações ou da dissolução das mesmas. formal sobre os conceitos chaves das estratégias e
Na busca de relativização do conceito de não- táticas. O primeiro relacionado à ordem dominante ou
lugar proposto por Augé expõem-se o conceito de então “de cima”, a um lugar de poder relacionado às
espaço e de lugar proposto por Michel de Certeau, ações que parte de sistemas e discursos totalizantes.
filósofo de formação, historiador e cuja obradeixou São promovidas, por exemplo, pelas instituições em
também uma imensa contribuição para análise geral, pelos estabelecimentos comerciais, pela
sociológica. Certeau (1994) faz uma crítica a cidade- produção sociocultural e são capazes de articular um
conceito instaurada pelo discurso utópico e conjunto de lugares físicos. A estratégia é uma forma
urbanístico, racional, funcionalista, que privilegia o de calcular ou de manipular “...relações de força que
progresso e serve como balizadora para as se tornam possíveis a partir do momento em que um
estratégias socioeconômicas e políticas. Ao mesmo sujeito de vontade ou poder é isolável e tem lugar de
tempo enfatiza que: ”... se de um lado a linguagem do poder ou de saber.” (CASTELLO, 2007, p. 103). O
poder se urbaniza, por outro existem movimentos segundo conceito-chave, tático, relacionado às
contraditórios que se compensam e se combinam fora pessoas comuns e a toda subjetividade ligada ao que
do poder panóptico.” (Certeau, 1994, p. 174). Por chama de “...as mil maneiras de fazer”, as formas de
isso, complementa que “...sob os discursos que a transgressão ou práticas de driblar e reinventar o
ideologizam, proliferam as astúcias e as combinações cotidiano. A tática, portanto, desenvolve--se onde não
de poderes sem identidade, legível, sem tomadas, há poder e não obedece a “lei” do lugar. Conforme
apreensíveis, sem transparência racional – Souza Filho (2002, p.133):
impossíveis de gerir.” (CERTEAU, 1994, p. 174). Em
outras palavras, Certeau fala da possibilidade de “A crença na liberdade das práticas anônimas,
“sem nome próprio”, mesmo quando
manipulação da ordem espacial estabelecida por reduzidas ao silêncio, e o olhar sensível aos
meio do indivíduo e que é agente ativo na produção movimentos das resistências, mesmo
mínimas – mas, como claros na noite,
do espaço. surpreendes, perturbadoras -, constituem na
Para o autor, a cidade se degrada em um obra Michel de Certeau, instrumentos de
pesquisa capazes de permitir enxergar o que
mesmo ritmo dos procedimentos e da ordem que a se passa nos minúsculos espaços sociais em
que as táticas silenciosas e sutis jogam com o
estrutura. Contudo, Certeau não permanece neste
sistema dominante. Instrui-nos Certeau, na
discurso de caráter pessimista e envereda por outras cultura ordinária, cotidiana, “a ordem é jogar”,
isto é, por meio da astúcia, driblar o sistema,
perspectivas propondo analisar o que chama de fingir seu jogo. O sistema? Este às vezes
“práticas microbianas”, que considera singulares, “fecha os olhos”. Assim, no próprio interior da
ordem instituída, anuncia-se a resistência à
plurais, ilegíveis, impossíveis de serem controladas, reprodução uniformizante.”
sobreviventes e que se constituem das práticas
cotidianas e das “criatividades sub-reptícias” do Sendo assim e ainda conforme Souza Filho
(2002, p. 131), as análises de Michel de Certeau
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sobre a vida cotidiana partem de uma hipótese fazer alusão a uma espécie de qualidade negativa do
central: “...é erro supor que o consumo das idéias, lugar, de uma ausência do lugar em si mesmo que lhe
valores e produtos pelos anônimos sujeitos do impõe o nome que lhe é dado.”(AUGÉ, 1994, p. 93).
cotidiano é uma prática passiva, uniforme, feita de É o caso, por exemplo, dos itinerários onde o espaço
puro conformismo às imposições do mercado e dos do viajante seria uma espécie de arquétipo do não-
poderes sociais.”. Assim podemos entender que para lugar já que o mesmo se experimenta como
Certeau existe uma correspondência entre o consumo espectador sem se importar realmente com a
dos bens culturais ou materiais e as suas respectivas natureza do espetáculo.
imposições sociais com as formas de suas Em síntese, o espaço para Certeau é a prática
apropriações e ressignificações as quais podem do lugar ou as formas como os sujeitos o
apresentar os mais imprevisíveis tipos de inércia ou transformam a partir de suas apropriações,
mesmo resistência pelos sujeitos ou grupos sociais. ocupações e vivências. Sem a mobilidade, por
Para Certeau lugar é regra, doutrinação, poder, exemplo, não haveria espaço, mas sim, somente
objetiva a disciplina e faz parte do domínio do lugares fixos. O espaço supõe um lugar animado por
estratégico. Lugar indica uma posição de um deslocamento; ele é “um cruzamento de móveis”,
estabilidade, uma configuração de posições e “...é a é portanto um “lugar praticado". Por este motivo
ordem (seja qual for) segundo a qual se distribuem Certeau tem um interesse especial pela figura do
elementos nas relações de coexistência.” (CERTEAU, andarilho e dos sujeitos que em seu cotidiano traçam
94, p. 201). Já o não-lugar constitui-se em uma itinerários como se fosse um discurso construído pelo
construção de sentidos ligadas as práticas ou táticas caminhante. A abordagem de Certeau é focada nos
e que são capazes de alterar o sentido da estratégia. modos do sujeito se inserir no mundo por meio das
Espaço para o autor existe na medida em que se práticas comunicacionais, da linguagem ou mesmo de
consideram elementos como direção, velocidade e suas caminhadas na cidade. Constituem-se em
tempo, pois o define como o lugar praticado, significados e discursos enquanto produtos das
vivenciado. Usando a linguística faz uma comparação interações entre o sujeito e o mundo diferenciando
do espaço com a palavra e do lugar com a lugares e espaços pela forma de apropriação dos
enunciação, ou seja, no instante em que a palavra é sujeitos.
dita ela é também atualizada. Da mesma forma
exemplifica que “...a rua geometricamente definida 4 Um lugar de reflexão sobre os conceitos
por um urbanismo é transformada em espaço pelo
pedestre.” (CERTEAU, 94, p. 201). Para Certeau o A partir dos conceitos e de algumas das
próprio ato de caminhar e a motricidade dos principais ideias dos autores citados neste artigo
pedestres, no que chama de espaço de enunciação, expõem-se algumas reflexões e considerações finais.
são um exemplo das formas de apropriação e de Em relação às abordagens realizadas pelas
realização espacial do lugar. Caminhando o sujeito geografias crítica e humanista percebem-se duas
apropria-se das possibilidades permitidas pela dimensões distintas e complementares entre si sobre
configuração espacial do lugar assim como um a definição de lugar. O conceito da categoria lugar,
locutor se apropria da língua. O movimento é a nos dois posicionamentos, possui sentidos
realização espacial do lugar assim como dizer uma diferenciados. O primeiro deles, de viés marxista,
palavra é o ato sonoro da língua. “Por fim, implica voltado à relação nodal e focado nas relações
relações entre os outros indivíduos que ocupam o econômicas e políticas e o segundo procurando
mesmo espaço, na forma de contratos pragmáticos, entender a relação de pertencimento e os espaços de
mesmo que implícitos.” (REIS, 2013, p. 141). vivência do homem. Em comum destacam a
“Quando Michel de Certeau fala em não-lugar é para importância do estudo do lugar enquanto espaços
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que, além de sua determinação atual pela forma e espaços, diz o autor, também não se apresenta em
conteúdos da rede global possam ser integrados forma pura, absoluta, mas em diferentes graduações,
como espaços de vivência do homem. Pelas interpenetram-se. Mas por outro lado, talvez fosse
contribuições de Milton Santo percebe-se também a necessário também refletir sobre a existência de
ênfase do autor (assim como a de outros autores da espaços que possam ser inclusive indiferenciados ao
linha humanística) ao cotidiano. Consideram o cotidiano, ou aqueles que, conforme Bartoly (2011, p.
cotidiano como sendo de fundamental importância 80) argumenta “...não pertencem ao nosso cotidiano,
enquanto categoria analítica para entender as “forças” havendo portanto um relativo ou total
do lugar. Lugares que se moldam e se configuram desconhecimento de seus sentidos e de sua
sob influência das forças globais hegemônicas mas identidade”. Trata-se de uma possibilidade.
também se adequam, se adaptam e se diferenciam Mas Augé instiga a novas perguntas. Seria o
de forma singular. Pois se de um lado a ideia de lugar fenômeno (quantificável conforme o autor) de
remete à inclusão ou exclusão dos espaços em profusão dos não-lugares da supermodernidade
termos globais, por outro, também significa os modos correspondentes também a certas formas de
de apropriação e vivência dos grupos sociais, suas exclusão social e de acesso a estes espaços? Alias,
particularidadeshistóricas, culturais e simbólicas. seria essa exclusão somente social? Ou incluiria
Aqui, conforme o mesmo autor, apresenta-se o também uma seleção de comportamentos e práticas?
desafio das ciências humanas e sociais em termos Por exemplo, para Bordieu (1998, p. 164), o capital
metodológicos para uma apreensão mais completa permite selecionar, conforme suas conveniências e
dos diferentes sentidos de lugar, em especial e por necessidades, quais são os diferentes grupos sociais
meio do estudo do cotidiano. e coisas desejáveis em um determinado espaço.
Os conceitos de Augé são importantes Desta forma otimiza também custos relacionados a
contribuições para entender os lugares e distâncias e tempo. “A falta de capital prende a um
especialmente, a lógica de produção dos não-lugares lugar.” (BORDIEU, 1998, p. 164). Em outros termos, o
na sociedade contemporânea. É o olhar do sucesso nas disputas e nas oportunidades de
antropólogo. Augé utiliza como base o conceito do apropriação dos diferentes bens serviços materiais e
lugar antropológico, e que tem em sua essência muita culturais dependem dos tipos de capital acumulado
similaridade com o conceito de lugar da geografia (econômico, social, cultural, simbólico).
humanística. E é por meio da visualização de uma A exposição de Augé sobre a abundância da
supermodernidade que o autor percebe profundas construção de “não-lugares” é um alerta para a
transformações na construção e (re)significação dos produção de lugares artificiais enquanto formas
espaços. Suas observações sobre o que denomina plenamente integradas à sociedade em meio a uma
de supermodernidade e que em parte correspondem intensidade cada vez maior de fluxos de pessoas,
a fenômenos também interligados a globalização, mercadorias e informações de todo tipo. Este seria
buscam compreender o sentido das novas interações também o motivo de certo incômodo ou angústia
entre espaços e sociedade. Ao utilizar os valores existencial da sociedade contemporânea em busca
identitários, relacionais, históricos que podem ou não de um sentimento familiar, de comunidade,
estar presente no cotidiano das pessoas estabelece enraizamento e sentido histórico, identidade. Um
referências para entender e distinguir os espaços de contraponto as questões levantadas por Augé, e
caráter orgânico, genuínos e autênticos (lugares) dos referentes à pasteurização ou homogeneização dos
que considera artificiais em termos de relações espaços, construídos pelos ideais da produção e do
humanas (não-lugares). Diferencia-os pelos sentidos consumo e sujeitos a uma transitoriedade de
e significados da sua produção bem como pelas utilização é o de que, em que pesem as críticas à
formas de sua apropriação. A presença destes autenticidade dos sentimentos considerados artificiais
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