Tecnicas Expandidas e Processos de Aprendizagem

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

ESCOLA DE MÚSICA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA

TÉCNICAS EXPANDIDAS E PROCESSOS DE APRENDIZAGEM NO

REPERTÓRIO CONTEMPORÂNEO PARA VIOLÃO SOLO:

Estudo Multicaso no Bacharelado em Instrumento da UFBA

RUAN SANTOS DE SOUZA

Salvador

2013
RUAN SANTOS DE SOUZA

TÉCNICAS EXPANDIDAS E PROCESSOS DE APRENDIZAGEM NO

REPERTÓRIO CONTEMPORÂNEO PARA VIOLÃO SOLO:

Estudo Multicaso no Bacharelado em Instrumento da UFBA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Música da Escola de Música da Universidade Federal da Bahia,
como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Música. Concentração em: Educação Musical.

Orientadora: Prof. Dr. Ana Cristina G. S. Tourinho

Co-Orientador: Prof. Dr. Mário E. Ulloa Penaranda

Salvador

2013
Catalogação na fonte

S729 Souza, Ruan Santos de


Técnicas expandidas e processos de aprendizagem no repertório contemporâneo
para violão solo: estudo multicaso no Bacharelado em Instrumento da UFBA / Ruan
Santos de Souza. – Salvador, 2013.
xii, 154 f : il.

Orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina Gama dos Santos Tourinho


Co-orientador: Prof. Dr. Mario Enrique Ulloa Penaranda
Dissertação (Mestrado) Universidade Federal da Bahia, Escola de Música, 2013.

1. Musicologia. 2. Música – Análise, apreciação. 3. Violão. I. Título.

CDD: 780.72

Bibliotecária/Documentalista: Edméa Souza Cerqueira – CRB/5: 981


ii

Copyright by

Ruan Santos de Souza

Abril, 2013
iii
iv

À minha companheira, Nayalla de Souza

Aos meus pais, Carlos Nepomuceno e Maridélia de Souza


v

AGRADECIMENTOS

Aos meus orientadores, Prof. Dr. Ana Cristina Tourinho e Prof. Dr. Mario Ulloa, por

acreditarem em minha capacidade e dedicação.

Às secretárias do Colegiado da EMUS-UFBA por terem disponibilizado os

documentos para análise e por se disponibilizarem, dedicadamente, a discutir problemas no

sistema.

À CAPES pelo apoio financeiro.

À minha família pelo apoio, amor, compreensão e incentivo de seguir nesta carreira.

À minha companheira Nayalla de Souza pela paciência e companheirismo durante

esses anos.

Aos meus colegas Afonso Celso, Diego Esteves, Gilberto Stefan, Igor Vasconcelos,

João Almy, Natanael Ourives e Ricardo Arôxa pela colaboração com o material de pesquisa e

discussões essenciais.

À minha querida amiga Cássia Muniz pelo cuidado e atenção na revisão do texto.

E, sobretudo, à Deus por ter me proporcionado a existência e a inspiração para

concluir esta tarefa.


vi

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo investigar as estratégias utilizadas na preparação de

repertório vanguardista para violão solo com técnicas expandidas a partir da observação dos

processos de aprendizagem dos estudantes de Instrumento (bacharelandos em Violão da

Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, especificamente, da classe do Prof. Dr.

Mario Ulloa).

No primeiro capítulo será feita uma revisão de literatura abordando como temas

“Técnicas Expandidas” e “Música Contemporânea e o Ensino de Música”, além de retratar o

referencial teórico em que este estudo está fundamentado. Será apresentada, no segundo

capítulo, uma breve investigação sobre como a música contemporânea vem sendo abordada

nos cursos superiores de música da UFBA, especificamente no curso Instrumento, através da

análise das suas matrizes curriculares, a fim de avaliar o contato proposto pela universidade

entre os bacharelandos e a referida linguagem musical.

O terceiro capítulo descreverá como a pesquisa foi organizada metodologicamente,

informando as ferramentas utilizadas e seus objetivos, onde serão expostos os critérios de

escolha dos sujeitos e o perfil dos sujeitos.

No quarto capítulo serão apresentadas as obras selecionadas para a pesquisa de

campo, bem como, uma breve análise sobre seus principais aspectos e os resumos biográficos

dos seus compositores. E por fim, os estudos de caso serão descritos e analisados no quinto

capítulo, portanto, algumas inferências serão explicitadas individualmente caso a caso, para

nas considerações finais estes dados serem cruzados, proporcionando inferências de caráter

indutivo.
vii

ABSTRACT

This research aims to investigate the strategies used in the preparation of avant-garde

repertoire for classical solo guitar with expanded techniques, from observation of student´s

learning processes of instrument (degree in Guitar on the Music School of the Federal

University of Bahia, specifically, the class of Prof. Dr. Mario Ulloa).

In the first chapter will be made a review of the literature addressing as "Extended

Techniques” and "Contemporary Music and Music Education", in addition to portraying the

theoretical framework on which this study is based. Will be presented in the second chapter, a

brief research about how contemporary music has been addressed in music courses of the

UFBA (Federal University of Bahia), specifically in the course mentioned before, through the

analysis of their curricular arrays, in order to assess the proposed contact by the university

between the graduating students and this contemporary musical language.

The third chapter will describe how the survey was methodologically organized,

informing the tools used and their goals, where they will be exposed the criteria for choice of

subject and the profile of the subjects.

In the fourth chapter will be presented the musics selected for field research, as well

as a brief analysis of its main aspects and biographical summaries of their composers. And

finally, the case studies will be described and analyzed, in the fifth chapter, therefore, some

inferences will be made case-by-case basis, for in final considerations these data will be

crusaders, providing character´s inductive inferences.


vii

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. v

RESUMO.................................................................................................................................. vi

ABSTRACT ............................................................................................................................ vii

LISTA DE EXEMPLOS .......................................................................................................... x

LISTA DE FIGURAS............................................................................................................... x

LISTA DE TABELAS ............................................................................................................. xi

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 1

CAPÍTULO I – REVISÃO DE LITERATURA .................................................................... 3

1.1. Técnicas Expandidas ...................................................................................................... 3

1.2. Música Contemporânea e o Ensino de Música ............................................................. 13

1.3. Referencial Teórico ...................................................................................................... 20

CAPÍTULO II – A MÚSICA CONTEMPORÂNEA NO BACHARELADO EM


INSTRUMENTO DA UFBA ................................................................................................. 26

2.1. Contextualização........................................................................................................... 26

2.2. Música Contemporânea no Bacharelado em Violão .................................................... 34

2.2.1 Reflexões sobre as Matrizes Curriculares de 1971.1 a 2009.2 .............................. 39

2.2.2 Reflexões sobre as Matrizes Curriculares a partir de 2010.1 ................................ 45

CAPÍTULO III – METODOLOGIA .................................................................................... 53

3.1. Estudo de Caso ............................................................................................................. 53


viii

3.2. Instrumentos de coleta de dados ................................................................................... 58

3.2.1. Questionários ......................................................................................................... 58

3.2.2. Entrevistas narrativas/Gravação de Execução Instrumental .................................. 63

3.2.3 Entrevista Semiestruturada .................................................................................... 64

3.3. Critérios para participação da pesquisa ........................................................................ 66

3.4. Perfil dos sujeitos .......................................................................................................... 67

3.4.1. Sujeito W ............................................................................................................... 67

3.4.2. Sujeito X ................................................................................................................ 68

3.4.3. Sujeito Y ................................................................................................................ 69

3.4.4. Sujeito Z ................................................................................................................ 71

CAPÍTULO IV – APRESENTAÇÃO DAS OBRAS E SEUS COMPOSITORES .......... 73

4.5. Resumos Biográficos dos Compositores ...................................................................... 73

4.5.1. Arthur Kampela ..................................................................................................... 73

4.5.2. Egberto Gismonti ................................................................................................... 75

4.5.3. Gilberto Stefan ....................................................................................................... 76

4.6. Descrições das Obras Utilizadas ................................................................................... 78

4.6.1. Estudos Percussivos I (1990) – Arthur Kampela................................................... 78

4.6.2. Central Guitar (1973) – Egberto Gismonti ........................................................... 81

4.6.3. Morte Transfigurada (2009) – Gilberto Stefan ...................................................... 84


ix

CAPÍTULO V – DESCRIÇÃO DOS CASOS E ANÁLISE DOS DADOS ....................... 89

5.1. O Caso W ...................................................................................................................... 90

5.1.1. Primeira Entrevista/Gravação ................................................................................ 91

5.1.2. Segunda Entrevista/Gravação ................................................................................ 95

5.1.3. Terceira Entrevista/Gravação ................................................................................ 97

5.2. O Caso X..................................................................................................................... 100

5.2.1. Primeira Entrevista/Gravação .............................................................................. 101

5.2.2. Segunda Entrevista/Gravação .............................................................................. 106

5.2.3. Terceira Entrevista/Gravação .............................................................................. 108

5.3. O Caso Y..................................................................................................................... 112

5.4. O Caso Z ..................................................................................................................... 113

5.4.1. Primeira Entrevista/Gravação .............................................................................. 115

5.4.2. Segunda Entrevista/Gravação .............................................................................. 117

5.4.3. Terceira Entrevista/Gravação .............................................................................. 119

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 124

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 135

ANEXOS ............................................................................................................................... 142


x

LISTA DE EXEMPLOS

Exemplo 1 - Fragmento de "Percussion Study I" de Arthur Kampela. 5º compasso. .............. 80

Exemplo 2 - Fragmento da peça “Central Guitar” de Egberto Gismonti. 1ª página, 3º sistema.


.................................................................................................................................................. 82

Exemplo 3 - Fragmento da peça “Central Guitar” de Egberto Gismonti. 1ª página, 5º sistema.


.................................................................................................................................................. 83

Exemplo 4 - Fragmento da peça “Central Guitar” de Egberto Gismonti. 5º sistema, último


compasso. ................................................................................................................................. 83

Exemplo 5 - Fragmento de "Morte Transfigurada" de Gilberto Stefan, 1º movimento “I –


Opressão”. 5º compasso. .......................................................................................................... 85

Exemplo 6 - Fragmento de “Royal Winter Music” de Hans Werner Henze, 1º movimento


"Gloucester". Compassos 101-102. .......................................................................................... 86

Exemplo 7 - Fragmento da peça “La Espiral Eterna” de Leo Brouwer. 7ª página, 4º sistema.
.................................................................................................................................................. 86

Exemplo 8 - Fragmento de "Morte Transfigurada" de Gilberto Stefan, 3º movimento "III -


Eclosão". 2ª página, 1° sistema................................................................................................. 87

Exemplo 9 - Fragmento de "Morte Transfigurada" de Gilberto Stefan, 3º movimento "III -


Eclosão". 2ª página, 3° sistema................................................................................................. 88

Exemplo 10 - Fragmento de “Percussion Study I” de Arthur Kampela, 4ª página, 3º sistema.


.................................................................................................................................................. 93
xi

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Fragmento do artigo "Elementos Percussivos Estruturais: uma abordagem em obras


para violão de Edino Krieger e Arthur Kampela" de Mário da Silva, 65ª página, Anais do II
Simpósio Acadêmico de Violão da EMBAP (2008). ............................................................... 96

Figura 2 - Bula de instruções para a execução de "Central Guitar" de Egberto Gismonti. ... 103
xii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Categorização das "Regras de Ouro" (HILL; HILL, 1998). ................................... 59

Tabela 2 - Fragmento do Diário de Estudo de X, após Segundo Encontro Individual. ......... 109
INTRODUÇÃO

O interesse em investigar o processo de aprendizagem dos bacharelandos em Violão

em obras do repertório vanguardistas com técnicas expandidas surgiu ao presenciar um

episódio ocorrido em 2008, em que um dedicado estudante da classe do Prof. Dr. Mario Ulloa

se viu em apuros ao ser indicado, pelo seu professor, para estrear uma obra contemporânea

para duo (violão e percussão) no II FINC (Festival Internacional de Música Contemporânea),

intitulada “Chiaroscuro”, em performance pública com a presença do autor e regente norte-

americano Jack Fortner. Em que o indivíduo relatou, em conversas informais, ter perdido

cerca de 2 kg em seu peso corporal após esta experiência enriquecedora, devido às poucas

horas de sono e ao desgaste mental resultados da dedicação extrema na preparação da peça,

desde a compreensão das grafias nãotradicionais até a execução dos trechos de notação

tradicional (mas com grande complexidade rítmica e mudanças contínuas de compassos).

O indivíduo ainda declarou ter obtido certo sucesso na compreensão e execução das

técnicas expandidas somente após as explicações presenciais do autor nos ensaios agendados

próximo à data do evento, visto que a obra não continha uma bula especificando detalhes de

como executar as técnicas expandidas, apenas descrições superficiais no corpo da peça (por

exemplo: bater no tampo do instrumento, mas sem indicações de como e onde bater

especificamente); além de não ter disponível a orientação do seu professor de curso durante o

processo de aprendizagem nesta peça. Este estudante de violão foi muito aplaudido e elogiado

pela plateia (em maior parte composta por músicos profissionais e estudantes) e pelos

envolvidos na coordenação do evento, por ter apresentado a obra em nível de execução

satisfatório.
2

Considerando o sucesso obtido por este indivíduo surgiu uma indagação: outros

estudantes de Violão conseguiriam também sucesso na performance de obras com tamanha

exigência técnica instrumental, escrita rítmica complexa, símbolos “desconhecidos”, e

linguagem incomum? Portanto, esta pesquisa foi idealizada com o intuito de investigar como

se comportariam os bacharelandos em Violão da EMUS-UFBA na preparação de obras

vanguardistas com técnicas expandidas, com a seguinte questão central: Quais as estratégias

utilizadas pelos estudantes de Instrumento (Violão) da UFBA no processo de

aprendizagem do repertório contemporâneo com técnicas expandidas?


CAPÍTULO I – REVISÃO DE LITERATURA

Este capítulo traz um levantamento bibliográfico das questões que circundam esta

pesquisa, em que o tema central é: técnicas expandidas e suas aplicações específicas no

Violão. Os trabalhos aqui citados apresentam posições filosóficas de conceituação, discutidas

em pesquisas no Brasil e no exterior, com intuito de delimitar o que vem sendo considerado

como novos recursos musicais na atualidade por esta denominação.

“Música Contemporânea e o Ensino de Música” também se revela como tema

significante para tal investigação, que traz à reflexão como vem sendo abordado o ensino de

música nas instituições, ressaltando ainda, a importância da utilização de música

contemporânea pelos educadores, também no ensino infantil.

O fim deste capítulo apresenta o referencial teórico desta pesquisa, o qual

fundamenta a análise dos dados coletados em pesquisa de campo.

1.1. Técnicas Expandidas

No início do século XX, compositores como Edgar Varèse (1883-1965), Henry

Cowell (1897-1965), John Cage (1912-1992), Iannis Xenakis (1922-2001), Karlheinz

Stockhausen (1928-2007), Krzysztof Penderecki (1933-), Luigi Nono (1924-1990), entre

outros, começaram a considerar a importância do timbre e procurar formas de produzir novas

cores sonoras com instrumentos tradicionais, reduzindo assim, consideravelmente, a

centralização de alguns elementos convencionais de música, como melodia e harmonia.

(ISHII, 2005; PRADA, 2010).


4

Estes novos sons tornaram-se musicalmente utilizáveis. Como os clusters, que está

entre os primeiros exemplos, foram introduzidos no piano pelo compositor americano Henry

Cowell nos anos 20 e o “Piano preparado” trazido com singularidade pelo americano John

Cage nos anos 40. Há, também, uma considerável quantidade de novas possibilidades na

utilização de instrumentos tradicionais: os novos harmônicos, os multifônicos, uma maior

utilização do vibrato com a língua, nos instrumentos de sopro; nos instrumentos de cordas, o

uso de partes do corpo do instrumento para sons percussivos, diversos tipos de trêmolo,

glissando; além de sons falados e murmurados como palavras, sílabas, letras, gritos, gemidos,

nas peças vocais, e, por vezes, em peças instrumentais. (GROUT; PALISCA, 1994, p. 744).

Estas “novas possibilidades na utilização de instrumentos tradicionais” vêm sendo

denominadas em pesquisas recentes como extended techniques (em inglês), técnicas

extendidas (em espanhol), “técnicas expandidas” e “técnicas estendidas” (em português).

A expressão extended technique é “[...] comumente usada para descrever as técnicas

não usuais de se tocar um instrumento musical [...]” 1 (ISHII, 2005, p.1, tradução do autor).

Em pesquisas no Brasil vem sendo adotados dois termos para a tradução desta expressão, o

que possivelmente dificulta ou limita resultados na busca de informações por estudantes

interessados no tema em questão. Pesquisadores como Cuervo (2009), Garzon (2008) 2,

Onofre e Alves (2010) 3, Pontes (2010) 4, e Tokeshi (2005), traduziram a expressão para o

1
The term extended technique is commonly used to describe an unconventional technique of playing a musical
instrument. (ISHII, 2005, p.1)

2
GARZON, M. Reflexos da Técnica em ...como os regatos e as árvores. 83 f. Dissertação (Mestrado em
Música), Universidade Federal da Bahia, Escola de Música, Salvador, 2008. (não consta nas Referências deste
trabalho)

3
ONOFRE, M; ALVES, J. A técnica expandida e a utilização do silêncio como elementos de articulação na peça
Frai Testi Dedicati alle Nubi de Salvatore Sciarrino. In: XX CONGRESSO DA ANPPOM, 2010, Florianópolis.
Anais eletrônicos... 2010. (não consta nas Referências deste trabalho)
5

português como “técnica expandida”. Daldegan (2009), Freitas (2010), Romão (2012) 5,

Stefan (2010), e Toffolo (2010) 6, traduziram como “técnica estendida”.

A pesquisadora Sonia Ray (2011) afirma que há conflitos conceituais acerca do tema

abordado, e são parte dos debates em sala de aula, em congressos e em seminários:

Talvez o ponto mais conflitante esteja nas tentativas de definir se


‘estendidas’ são ‘técnicas inovadoras’ ou ‘técnicas tradicionais que
evoluíram’ até se transformarem em uma nova técnica. Se inovadoras,
tende-se a querer definir se são estendidas por seu ineditismo na
‘forma de execução’ ou no ‘contexto em que são executadas’. (RAY,
2011, p. 5)

Em orientação editorial aos autores dos artigos enviados a revista “Música Hodie”

(2011) em seu volume 11, número 2, como presidente do conselho editorial da revista

acadêmica, Sonia Ray justifica sua escolha entre as traduções da expressão extended

technique:

[...] foi apenas no sentido de unificar o termo ‘estendida’ e evitar o


termo ‘expandido’ por entender que os autores tendem a não
diferenciar seu significado, apesar da grafia variar significativamente.
O verbo estender, que vem do latin [sic] extendere, e nos leva a intuir
a grafia de estendida com ‘x’. Entretanto, como tantas outras palavras
com origem no latin [sic], não se manteve o prefixo original na
ortografia brasileira. Ainda assim, não significa que expandir seja o
substituto natural de estender.

4
PONTES, V. Técnicas expandidas – um estudo das relações entre comportamento postural e desempenho
pianístico sob o ponto de vista da ergonomia. 135 f. Dissertação (Mestrado em Música). Universidade do Estado
de Santa Catarina, Florianópolis, 2010. (não consta nas Referências deste trabalho)

5
ROMÃO, P. Técnicas Estendidas: reflexões e aplicações ao violão. In: II SIMPÓSIO BRASILEIRO DE PÓS-
GRADUANDOS EM MÚSICA (SIMPOM), 2012, Florianópolis. Anais eletrônicos... 2012. (não consta nas
Referências deste trabalho)

6
TOFFOLO, R. Considerações sobre a técnica estendida na performance e composição musical. In: XX
CONGRESSO DA ANPPOM, 2010, Florianópolis. Anais eletrônicos... 2010. (não consta nas Referências deste
trabalho)
6

O verbo ‘expandir’ seria bem mais próximo da idéia de uma técnica


tradicional em processo de expansão, mas não engloba, a meu ver,
todas as visões sobre o tema na discussão aqui proposta. Assim, a
opção desta edição foi pelo termo ‘estendida’ salvo em situações em
que o autor julgasse indispensável o termo expandida e o justificasse.
(RAY, 2011, p. 5)

A preferência pela expressão “técnica expandida”, em contraposição às ideias

apresentadas por Ray (2011), deu-se em virtude de uma reflexão acerca da tradução do verbo

“extend”, observando o conteúdo dos dicionários de inglês e português.

O verbo “extend”, segundo os dicionários de inglês Cambridge Dictionary Online 7,

Collins Dictionary 8 e Kernerman Semi-Bilingual Dictionaries MOT GlobalDix 9, expressa as

ações de “fazer com que algo alcance”, “esticar ou continuar”; e também, “adicionar algo com

finalidade de torná-lo mais ou maior” 10 (tradução do autor). Contraposto a compreensão do

verbo “estender” que, segundo os dicionários de português “Novo Dicionário Eletrônico

Aurélio Século XXI” 11, “Dicionário Houaiss Eletrônico” 12, “iDicionário Aulete” 13,

“Dicionário Ilustrado da Lingua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras” (1972) e

7
http://dictionary.cambridge.org/

8
http://www.collinsdictionary.com/

9
Dicionário disponível em SmartPhones Nokia (E63, E71 e outros), derivado do Kernerman Semi-Bilingual
Dictionaries que é baseado na abordagem semi-bilíngüe lexicográfica para estudantes de línguas estrangeiras,
desenvolvido por Lionel Kernerman. Unido ao MOT GlobalDix 3.0 que é derivado de Chambers Concise Usage
Dictionary de C.M. Schwarz e M.A. Seaton,. © K Dicionaries Ltd. 2007.

10
to (cause something to) reach, stretch or continue; to add to something in order to make it bigger or longer.
(CAMBRIGE, 2011). To draw out or be drawn out; stretch, [...], tr to increase (a building, etc) in size or area;
add to or enlarge, [...], tr to broaden the meaning or scope of [...], tr to lay out (a body) at full length, [...], tr to
strain or exert (a person or animal) to the maximum, [...], to carry forward. (COLIINS, 2013). To make longer
or larger: He extended his vegetable garden. (KERNERMAN, 2007)

11
NOVO Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI. Versão 3. Lexicon Informática Ltda, 1999. 1 CD-ROM.

12
DICIONÁRIO Houaiss Eletrônico da Língua Portuguesa. Versão 3. Editora Objetiva Ltda, 2009. 1 CD-
ROM.

13
http://aulete.uol.com.br
7

“Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa” (1977), expressa as ações de “alargar, dar

mais superfície a, desdobrar o que estava enrolado, dilatar, alongar, espalhar”. Apoiado nestas

mesmas fontes o verbo “expandir” traz também alguns empregos não abordados pelo seu

sinônimo em questão, tais como: “para fazer crescer, desenvolver; para ampliar

horizontalmente uma composição (em artes gráficas), geralmente alargando os claros

interliterais, sem alterar o corpo nem a família tipográfica”. (AULETE; VALENTE, 2013;

DICIONÁRIO Houaiss Eltrônico da Língua Portuguesa, 2009; FERREIRA, 1977;

NASCENTES, 1972; NOVO Dicionário Aurélio Eletrônico Século XXI, 1999).

Por conseguinte, pode-se concluir que “técnica expandida” é a expressão que melhor

se adéqua, neste trabalho, ao que vem sido considerado por extended technique, pois tanto

traduz o aumento das possibilidades técnicas em um instrumento musical com “técnicas

inovadoras” em busca de timbres não explorados na execução do instrumento de forma

tradicional, perceptível nos significados “dar mais superfície a, alongar, espalhar” (presentes

nos dois termos “estender” e “expandir”); quanto traduz o conceito em que às “técnicas

tradicionais” vêm se desenvolvendo e se transformam em uma nova técnica, perceptível nos

significados “para fazer crescer, desenvolver” (estes notados apenas no termo “expandir”,

baseado nas fontes supracitadas); apesar da sugestão para tradução do termo extend como

“estender” e expand como “expandir” que os dicionários de inglês-português trazem,

geralmente, considerando que eles não são especializados no idioma português para refletir as

diferenças entre sinônimos.

Segundo Cuervo (2009), técnica expandida é “um conjunto de procedimentos

técnicos de execução que ampliam a sonoridade e os recursos convencionalmente utilizados

no instrumento até o século XIX” (CUERVO, 2009, p. 146.). A forma tradicional,


8

“convencionalmente utilizada”, de produzir som no violão se dá com uma combinação de

ações de ambos os dedos das mãos direita e esquerda. Na mão esquerda, é preciso pressionar

as cordas com as pontas dos dedos em direção ao braço do instrumento, sobre uma região das

casas (que são partes dispostas no espelho ou escala, dividas por barras metálicas chamadas

trastes ou tratos), e na mão direita pinçar ou deslizar os dedos sobre as cordas, infringindo

levemente uma determinada força em sentido perpendicular a elas. Esta forma tradicional de

extrair sons do instrumento foi abordada na música para violão do século XIX em obras de

Fernando Sor (1778-1839), Mauro Giuliani (1781-1829), Francisco Tárrega (1852-1909),

entre outros.

Atualmente, elementos técnico-instrumentais que englobam, além da forma

tradicional de tocar, ruídos e sons percussivos são bastante conhecidos entre os estudantes,

professores e pesquisadores de violão solo no Brasil. Por exemplo: percutir o tampo, aro,

braço, cavalete, entre outras partes do corpo do instrumento; glissandos com a ponta da unha

arranhando a corda indicada, de revestimento de aço, por grande parte da sua extensão

provocando um som agudo e rápido; cruzar as cordas que possuem revestimento de aço e

pinçá-las extraindo um som semelhante ao de uma caixa clara (snare drum); puxar as cordas

para que elas rebatam contra os trastes produzindo sons estalados (pizzicato alla Bartók);

entre outros elementos técnicos que geram timbres peculiares não explorados em épocas

anteriores.

Grande parte destes estudantes desconhece as expressões que são usadas para

denominar os tais elementos técnicos, estas são: extended techniques, técnicas extendidas,

“técnicas estendidas” e “técnicas expandidas”. Porém, pesquisas e discussões a respeito deste

tema são recentes.


9

As técnicas expandidas no violão são encontradas em obras datadas a partir da

segunda metade do século XX. Como afirma a pesquisadora Teresinha Prada (2010):

“Independente da quantidade de possibilidades que a música contemporânea inovou ao trazer

para a música aspectos não ortodoxos, a maior parte da música do século XX para violão

continuou seguindo um caminho mais tradicional” (PRADA, 2010) 14.

Nestas técnicas incluem-se notas percussivas, movimentos corporais e/ou faciais,

falas, novas formas de glissando, pizzicatos e trêmolos (com o uso de objetos extraindo

timbres peculiares). Segundo Robert Lunn (2010), compreende-se também como técnica

expandida o uso de uma técnica tradicional de uma nova maneira. Onde o autor exemplifica

que os harmônicos artificiais “foram comumente usados desde antes do século XIX, mas

arpejos rápidos apenas com harmônicos artificiais, é uma maneira diferente de uso” 15 (LUNN,

2010, p. 2, tradução do autor). Entretanto, a pesquisadora Reiko Ishii (2010), no momento em

que delimita o seu escopo de pesquisa, considera que as técnicas expandidas, não são

inovações da atualidade e sim derivações da técnica tradicional.

Essas “novas” técnicas em instrumentos tradicionais não são simples


invenções do século XX, mas sim, extensões de técnicas tradicionais,
como abafadores, harmônicos, glissandos e sons percussivos,
estabelecidos na música do século XIX. 16 (ISHII, 2005, p. 8, tradução
do autor)

14
Blog [Não Paginado]

15
[...] artificial harmonics are commonly used before 1900, but quickly arpeggiating chords using only artificial
harmonics would be using artificial harmonics in a different way [...]. (LUNN, 2010, p.2)

16
This study deals with sounds produced by using traditional instruments. These “new” performance techniques
on traditional instruments are not simply inventions of the twentieth century but are extensions of traditional
techniques such as muting, harmonics, glissandi, and percussive sounds established in music from the nineteenth
century. (ISHII, 2005, p. 8)
10

Em “Extended Techniques for the Classical Guitar: A Guide for Composers”, LUNN

(2010) traz uma catalogação discutida e exemplificada de técnicas expandidas organizadas

pelas fontes primárias de som. O primeiro capítulo traz as técnicas executadas pela mão

esquerda como glissandi, muting over, vibratos e bi-tones 17; no segundo capítulo o autor

aborda as técnicas executadas essencialmente pela mão direita, onde apresenta outras

possibilidades de glissandi, além de pizzicatos, plucking, tapping e trêmolo; no terceiro

capítulo são apresentados três tipos de sons percussivos como: percussão nas cordas, tambora

(golpear o cavalete, na região do rastilho, para as cordas vibrarem) 18 e percussão no corpo; No

capítulo quatro, o autor investiga o uso de objetos para aquisição de novos timbres, no qual

comenta a existência do “violão preparado” e o uso de objetos nas cordas, tanto em

substituição da mão direita quanto da mão esquerda no momento da produção de som através

do instrumento. O quinto capítulo retrata as técnicas emprestadas de outras tradições como: os

rasgueados, comumente encontrados na música flamenca e em músicas latino-americanas; e a

scordatura, termo italiano usado para denominar a “afinação diferenciada das cordas soltas do

instrumento em relação a uma afinação padrão pré-estabelecida” 19. E por fim, no sexto

capítulo são apresentadas outras técnicas as quais, segundo o autor, não se enquadravam em

nenhum dos capítulos anteriores, portanto o intitulou como “Miscellaneous Techniques”, onde

são apresentados diversos exemplos em obras que sugerem tocar as cordas entre a pestana

(nut) e as tarraxas com a mão esquerda ou direita, além de abordagens com harmônicos ou

rasgueados simultaneamente.

17
Em vídeo disponibilizado na internet, Robert A. Lunn demonstra no violão alguns dos exemplos das técnicas
expandidas tratadas no primeiro capítulo do seu trabalho. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=p5r8Giss9hs. Acesso em: 10 de jan. 2013.

18
striking the bridge to make the strings vibrate. (HAWKINS, 2009, p. 40)

19
(STEFAN, 2010, p. 418)
11

É importante considerar, diante da linguagem musical contemporânea e das técnicas

expandidas nela abordadas, que o instrumentista passa a não apenas emitir som por seu

instrumento e sim ocupar seu papel de intérprete da obra de forma geral, em que expressões

faciais e corporais, falas, gritos, podem fazer parte da sua performance, quando sugeridas na

composição. Estes elementos, além do uso de diversas máquinas, são ferramentas

composicionais também classificadas como “teatro musical” por compositores e

pesquisadores como Antonio Eduardo Santos em “Os (des)caminhos do Festival Música

Nova”, Gilberto Mendes em “Uma Odisséia musical: dos mares do sul à elegância pop/art

déco”, Heloisa Valente em “Os cantos da voz: entre o ruído e o silêncio”, Teresinha Prada em

“A Utopia no horizonte da Música Nova”. (SOARES, 2006)

O violonista e pesquisador Gilberto Stefan (2012) colabora com a reflexão sobre o

tema em questão afirmando:

A falta de uma definição precisa e taxativa do conceito embutido no


termo extended techniques constitui um problema para o qual
pesquisadores brasileiros e estrangeiros têm buscado resoluções -
embora encontre certo ponto pacífico ao ser classificado como “tudo
aquilo que não é tradicional”. No entanto, constata-se que a
diversidade de interações que podem vir a caracterizar uma extensão
técnica constitui um agente complicador para sua definição. A
incorporação de gestos cênicos na performance instrumental ou os
processos de deslocamento de contextos musicais são exemplos de
práticas contemporâneas que dificultam uma noção precisa sobre o
que de fato caracteriza uma técnica estendida [...]. (STEFAN, 2012,
p.17)

Em seguida, Stefan (2012) sugere a classificação das técnicas expandidas por dois

vieses: “deslocamento de contexto” e “ordem mecânica”. O autor considera os recursos

composicionais em que o intérprete executa indicações na obra, sonora ou não-sonora, e por

vezes sem intermédio do instrumento musical; e também considera os recursos mecânicos em

busca de novos timbres e novas sonoridades:


12

Pôde-se perceber que o desenvolvimento das técnicas estendidas ao


longo dos séculos XX e XXI ocorre nos campos da composição e da
performance musicais, sendo possível um pensamento para sua
classificação a partir de duas situações: deslocamento de contextos
(composição e performance) e extensões de ordem mecânica
(execução instrumental).

No campo das extensões de ordem mecânica, a técnica estendida


surge pela busca de novos timbres, por exemplo, pela incorporação de
objetos na execução instrumental; ou ainda, através de colaborações
entre compositores e performers, no intuito de ampliação de
repertório.

No campo extensão por deslocamento de contexto, identificaram-se


diversas situações em que as técnicas estendidas surgem: através da
intervenção vocal na música de caráter puramente instrumental; da
incorporação de recursos cênicos no ato performático instrumental; da
imbricação de gêneros musicais ou de estéticas pertencentes a
períodos históricos divergentes; da tentativa de superar a morfologia
acabada/fechada dos instrumentos e da incorporação de aparatos
tecnológicos computacionais na execução de instrumentos acústicos
(live-eletronics). (STEFAN, 2012, p. 22)

As discussões que abarcam este tema são ainda muito recentes para uma definição

consolidada sobre o que se deve, ou não, considerar por técnica expandida. E em se tratando

de técnicas expandidas para violão, o assunto torna-se ainda mais complexo, haja vista que

muito do que conhecemos hoje por fazer parte da técnica tradicional no violão foi

sistematizado nas últimas décadas do século XIX por Francisco Tárrega (1854-1909). Afirma

o violonista Fábio Zanon (2004):

[...] foi ele quem defendeu o uso do violão sobre a perna esquerda,
levantada com o auxílio de um banquinho; foi ele quem
definitivamente aboliu o uso do dedo mindinho apoiado sobre o tampo
do violão, liberando assim a mão direita para um uso mais inventivo,
passeando ao longo das cordas e obtendo um colorido mais aveludado
ao tocar próximo à escala, [exemplifica] honesto e afirmativo sobre a
boca do instrumento [exemplifica] ou mais metálico e pontiagudo ao
13

se posicionar próximo ao cavalete (a ponte onde as cordas estão


amarradas) [exemplifica]. [...]. (ZANON, 2004) 20

Percebe-se, então, múltiplas possibilidades por vieses que intercambiam várias áreas

musicais ou artísticas, sejam elas: composição, execução mecânica instrumental, performance

cênica (falas, expressões faciais e corporais) e construção do instrumento (“Violão

Preparado”); além de processamento do som ou fusão de sons com uso de máquinas

eletrônicas.

1.2. Música Contemporânea e o Ensino de Música

Desde o século XIX, após a Revolução Industrial, os sons que predominaram no

ambiente sonoro foram os zunidos dos equipamentos mecânicos e tecnológicos, contribuindo

significativamente, para a modificação do conceito de silêncio, Principalmente em ambientes

urbanos, e sociedades tidas como “industrializadas”. SCHAFER afirma:

Pensava-se no silêncio mais em termos figurativos do que físicos, pois


um mundo fisicamente silencioso era, naquele tempo, tão altamente
improvável como é hoje. A diferença é que o nível sonoro médio do
ambiente era suficientemente baixo para permitir que as pessoas
meditassem sem um contínuo recital de incursões sônicas em seu
fluxo de pensamento. (SCHAFER, 1991, p. 130)

Nota-se que enquanto silenciamos, torna-se mais evidente a existência dos sons, tais

como: de automóveis, movimentos de objetos, funcionamento de equipamentos mecânicos e

eletrônicos. John Cage, em seu livro “Silence: lectures and writings”, 1961, concluiu que

“[...] na verdade, por mais que tentemos fazer silêncio, não conseguimos [...]” 21 (CAGE,

1961, p. 8). O autor ainda observou que “[...] sempre está acontecendo algo que produz som

20
Transcrição do Programa da Rádio Cultura FM de São Paulo. Website. Disponível em:
<http://aadv.110mb.com/zanon_aadv-01.html>. Acesso em: 15 de jul. 2011. [Não Paginado]

21
[...] In fact, try as we may to make a silence, we cannot [...]. (CAGE, 1961, p. 8)
14

[...]” 22 (CAGE, 1961, p. 191), e ainda se nada à sua volta estiver produzindo som, algo como

seus batimentos cardíacos ou sistema circulatório estará o fazendo.

Muitos destes sons no ambiente são denominados pelos músicos tradicionais por

“ruído”. Contudo, apresenta-se bastante pertinente a definição sugerida por Murray Schafer

em seu livro “O Ouvido Pensante”: “Ruído é qualquer som indesejado” (SCHAFER, 1991, p.

138).

É certo que isso faz de "ruído" um termo relativo; porém nos dá a


flexibilidade de que necessitamos quando nos referimos ao som. Num
concerto, se o trânsito do lado de fora da sala atrapalha a música, isto
é ruído. Porém se, como fez John Cage, as portas são escancaradas e o
público é informado que o trânsito faz parte da textura da peça, seus
sons deixam de ser ruídos. (SCHAFER, 1991, p. 138)

Após essas considerações, SCHAFER (1991) nos faz refletir que sons musicais

tradicionais (notas musicais com vibração regular), uma vez que indesejados, também podem

ser denominados por “ruído”.

Retratando a, ainda atual, realidade em que a música contemporânea é pouco

executada nas salas de concerto, bem como, pouco valorizada pelo público da “música

erudita” em comparação às músicas de séculos passados, o crítico e compositor Edino Krieger

publicou em verbete contido na Enciclopédia Barsa de 1995:

No fim do séc. XIX estava formando o repertório musical que, com


poucas modificações, domina até hoje as salas de concerto e os teatros
de ópera: Bach, Beethoven e Brahms, Mozart, Wagner e Verdi,
Schubert, Chopin e Schumann são suas colunas-mestras. É um
repertório histórico. Além disso, só uns poucos mestres como Richard
Strauss e Mahler, Debussy e Ravel conquistaram o lugar de
‘clássicos’. Tudo que é mais para cá, passa por ser ‘moderno’: fora de

22
[...] Something is always happening that makes a sound [...]. (CAGE, 1961, p. 191)
15

festivais e ocasiões especiais, só pode contar com execuções e


representações ocasionais. O público aplaude, mas não aprecia, como
aprecia as peças do repertório histórico. É um fato que a música
moderna ainda não conquistou realmente o mundo. (KRIEGER, 1995,
p. 236-237)

A posição que a música contemporânea ocupa na sociedade atual, é reflexo do papel

que os educadores e/ou professores de instrumento vêm desempenhando, seja na formação de

repertório dos seus alunos ou no conteúdo sonoro abordado nas aulas de apreciação musical.

Percebe-se que o ensino de música na maioria das escolas/conservatório no Brasil aborda

estritamente o repertório tradicional, seja enfocado na “música erudita” europeia ou em

música brasileira “popular” ou “erudita”, ainda assim estão estreitados na linguagem tonal.

Desde 1977, Koellreutter alerta para uma necessária mudança:

Um novo tipo de sociedade condiciona um novo tipo de arte. Porque a


função da arte varia de acordo com as exigências colocadas pela nova
sociedade; porque uma nova sociedade é governada por um novo
esquema de condições econômicas; e porque mudanças na
organização social e, portanto, mudanças nas necessidades objetivas
dessa sociedade, resultam em uma função diferente de arte.

Em quase todas as escolas de música, conservatórios, academias e


departamentos de música das nações industrializadas do mundo, os
músicos estão ainda sendo treinados para um tipo de sociedade que já
passou para a história. Os padrões e os critérios de educação musical
nesses países são ainda os da sociedade do século XIX, cuja estrutura
social já está obsoleta dentro do contexto da nossa sociedade
contemporânea, dinâmica e economicamente orientada.
(KOELLREUTTER, 1977, p. 1)

Este pensamento vem sendo corroborado por educadores e pesquisadores no Brasil

como ZAGONEL (1999), DALDEGAN (2009), CUERVO (2008), BORGES (2008). Nota-se

que é de extrema importância a apreciação, análise e aplicação prática abordando a linguagem

contemporânea pós-tonal, pois a música é uma representação da vida de sua época, e esta é,

possivelmente, mais facilmente compreendida por seus contemporâneos. (SCHAFER, 1991;

HARNONCOURT, 1988)
16

Angélique Fulin, numa entrevista concedida a Zagonel em 1989, em favor de uma

iniciativa pedagógica com base na música contemporânea, afirma que “nossa vida está

inserida nos elementos que se encontram dentro das obras de Xenakis, Messiaen, Ohana ou

tantos outros”. Todavia, os educadores musicais não os estimam, “e o condicionamento ao

qual nos submetemos nos impede de escutar o contemporâneo” (ZAGONEL, 1999, p. 5), ou a

escutamos com total estranhamento. Contudo, é importante notificar que “trabalhar com a

música contemporânea não significa que é preciso negar o passado; ao contrário, é primordial

preservar a tradição cultural da qual somos hoje o fruto” (ZAGONEL, 1999, p. 6).

Em “Criatividade na escola e música contemporânea”, Jorge Antunes traz a seguinte

questão: “[...] é necessário, para o jovem, conhecer a linguagem musical do passado, para

depois ser iniciado na linguagem musical do presente?” (ANTUNES, 1990) 23, e afirma em

seguida: “Estou certo de que a resposta é não”. Antunes, ainda ressalta a importância da

aproximação entre o jovem e a música contemporânea como forma de atrair sua atenção e o

seu interesse, os quais, atualmente, estão se direcionando para a música comercial:

É preciso urgentemente lançar os jovens na música de hoje. Seus


ouvidos, em geral, estão condicionados e “entupidos” pela música
comercial que hoje é industrializada e enfiada, vídeo adentro, nas salas
de nossas pobres famílias. Ao terem acesso à nova e desconhecida arte
musical, talvez eles se sintam, de início, um pouco alheios àquele
novo mundo sonoro. Mas a experiência mostra que logo depois se
identificam e penetram naquela nova atmosfera de sons, pois logo
sentem que o vocabulário caleidoscópico da música de hoje é um
mundo tão maravilhoso, tão cheio de sonhos, de temores e de
fantasias, quanto o maravilhoso mundo de suas mentes, também
cheias de fantasias, temores e sonhos. (ANTUNES, 1990)

23
Website [Não Paginado]
17

CUERVO (2008) corrobora o mesmo pensamento ressaltando a necessidade de obras

didáticas para iniciantes no instrumento com a linguagem contemporânea:

O ensino desse repertório, interligado ao de outros períodos, é


elemento intrínseco de uma formação musical sólida e, devido a uma
gama variada de correntes existentes a partir das primeiras décadas do
século XX, há infinitas possibilidades de peças para diferentes
estágios, formações, idades e objetivos de atuação musical.

[...]

Proponho que o repertório de Música Contemporânea inicie ainda na


educação musical infantil, por meio de duas iniciativas. A primeira, a
partir da pesquisa e incentivo permanente para a criação de peças
didáticas de nível fácil e médio de execução musical, a fim de oferecer
esse novo repertório desde os primeiros encontros com o estudante de
flauta doce. A segunda iniciativa é despertar o interesse do aluno
como incentivo de criações próprias e apreciação musical. [...].
(CUERVO, 2008, p. 3-4)

DALDEGAN (2009), CUERVO (2008) e BORGES (2009), contribuem com o

conhecimento científico descrevendo resultados de experimentos voltados ao ensino de

música contemporânea para jovens iniciantes. Concluindo que reações mais positivas na

aceitação de repertório nãotradicional são obtidas em crianças de até dez anos de idade.

No primeiro capítulo do seu trabalho, DALDEGAN (2009) traz um levantamento de

métodos e estudos que abordam técnicas expandidas para flauta transversal, para flautistas

com experiência no instrumento e também faz um levantamento de partituras apropriadas para

iniciantes contendo estas técnicas, cruzando um panorama da literatura com o objeto de

estudo.

A autora justifica o uso de notação já existente contrapondo a criação de notações

próprias com as crianças, apesar de considerar este tema bastante interessante:


18

O propósito da utilização de notação contemporânea é iniciar a criança


na leitura de símbolos diferentes daqueles da notação tradicional, de
modo que, ao deparar-se com uma partitura que inclua técnicas
estendidas, a notação não desencoraje da música. (DALDEGAN,
2009, p. 5)

No segundo capítulo são descritas detalhadamente as técnicas e suas respectivas

notações que se enquadram no escopo da pesquisa. No capítulo terceiro, as questões de

preferências musicais e familiaridade com o repertório surgem como um dos seus temas mais

relevantes, onde uma pesquisa de campo foi desenvolvida para a investigação deste aspecto,

na qual a escuta informal de CD’s foi incluída como ferramenta, tendo por finalidade

familiarizar os sujeitos com o repertório contemporâneo.

O capítulo quarto relata o processo composicional dos apêndices inclusos no

trabalho. A autora junto aos colegas compositores elaborou pequenos estudos bem simples,

peças em duo e peças para flauta solo, a fim de tornar aplicável a iniciantes no instrumento

peças de linguagem contemporânea com técnicas expandidas, auxiliando assim as crianças no

desenvolvimento das tais técnicas. Para isso, foi preparada pela autora uma lista de técnicas e

possibilidades sonoras, intitulada por “Orientação para compositores”, em que foram

delimitadas as possibilidades técnicas do instrumento e o nível de dificuldade acessível aos

sujeitos.

O quinto capítulo aborda as possibilidades de ensinar as técnicas expandidas

selecionadas, onde estas sugestões foram preparadas a partir de um estudo de campo, no qual

o repertório tradicional era trabalhado paralelamente com algumas das peças compostas pela

autora e seus colegas compositores. E neste capítulo são detalhadas as dificuldades

encontradas, assim como formas de solucioná-las. No capítulo sexto está descrito um estudo
19

de caso em que foram encontradas dificuldades específicas na prática do repertório preparado

para este trabalho, por uma das crianças presentes na pesquisa de campo.

A música contemporânea reflete uma realidade atual e que deve ser entendida como

parte dos conhecimentos difundidos em música, seja no ensino superior ou além. Tal

perspectiva acarreta na necessidade da ampliação do referencial musical a partir de propostas

válidas. Isso contribui para uma educação musical mais ampla, democrática e aberta.

Os educadores musicais precisam dar-se conta da importância de incluir a linguagem

musical contemporânea em suas aulas, sem receios. Crianças postas em contato com este

repertório demonstram-se entusiasmadas 24. Afirma Luciane Cuervo (2009):

O repertório que inclui técnicas expandidas do instrumento é uma


alternativa para a aula de música, podendo torná-la mais prazerosa ao
ampliar possibilidades experimentais de construção da linguagem
musical de forma interativa com os alunos, um laboratório de sons no
qual poderão ser desenvolvidas atividades diversificadas. (CUERVO,
2009, p. 73)

Quando as crianças desejam fazer aula de música, nota-se que o motivo principal é o

interesse em tocar o instrumento, e não um gênero musical ou um repertório em especial.

Percebe-se que a linguagem musical contemporânea é mais bem aceita pelos jovens e crianças

do que pelos adultos, pois estes já têm opiniões fixas e preferências estabelecidas. (CUERVO,

2008; BORGES, 2009; DALDEGAN, 2009)

Observa-se, então, que o estudo da música de épocas passadas auxilia na compressão

da música nova, além de contribuir com o desenvolvimento técnico-instrumental, valendo-se

24
Observação derivada de resultados de pesquisas científicas citadas e também derivada de experiência pessoal
em aulas tutoriais.
20

de uma metodologia que há tempos vem sendo organizada, possibilitando que os estudantes

atinjam altos níveis de técnica instrumental e compreensão musical. Porém, faz-se necessário

um enfoque na abordagem da linguagem musical contemporânea desde a iniciação musical do

indivíduo, em paralelo à música tradicional de sistema tonal, contribuindo assim para uma

variedade de impressões estéticas a serem provavelmente aquistas e uma maior significância

da música em seu próprio tempo.

1.3. Referencial Teórico

Alicerçando o objetivo geral do estudo, que se revela como o processo de

aprendizagem de música contemporânea com técnicas expandidas dos bacharelandos em

violão da UFBA, vamos utilizar como referencial teórico as considerações colocadas por

SLOBODA (2008). Este autor investiga a performance musical tecendo reflexões sobre as

habilidades de leitura à primeira vista, “ensaio” (isto é, o estudo de preparação de uma peça

musical) e a “performance expert” dos alunos. Vamos nos concentrar no Capítulo 3 “A

Performance Musical” por acreditar que desta parte poderemos extrair contribuições

significativas para embasar o nosso raciocínio acerca do primeiro contato e processos de

aprendizagem para as questões que se referem à utilização da técnica expandida.

Segundo Sloboda, adquirimos nossas habilidades musicais quando interagimos com

o meio musical. Assim, baseados na semelhança dos cérebros humanos, é possível identificar

certos aspectos da aquisição de habilidades comuns que são compartilhadas pelos seres

humanos e consequentemente, pelos sujeitos desta pesquisa. (Sloboda, 2008, p.257).

Assim, aqui trataremos especificamente do contato com partituras de peças que

utilizam as técnicas expandidas. Como veremos oportunamente estas peças não fazem parte
21

do repertório ou do trabalho rotineiro dos sujeitos da pesquisa. Por este motivo, estaremos nos

reportando ao contato inicial com a partitura, à sua primeira semana de estudo e como se deu

o desenrolar dos estudos, que foi feito sem a ajuda de um professor durante o período letivo,

ressaltando que em dois dos casos os sujeitos estavam em recesso das aulas por conta da

greve dos professores federais, e em apenas um caso (ocorrido posteriormente) o sujeito se

dedicou à peça desta investigação enquanto fazia aulas e atividades exigidas nas disciplinas

do curso.

Sloboda considera que a “[...] leitura à primeira vista em música não é ensinada nem

de forma rigorosa e nem ocorre cedo no curso do desenvolvimento infantil, como é o caso da

leitura de palavras” (SLOBODA, 2008, p. 88). Especificamente para o violão vamos

encontrar sujeitos que tiveram a sua iniciação musical ao instrumento aprendendo “de

ouvido”, isto é, por imitação de posições de acordes pertencentes a uma composição musical

simples, geralmente uma melodia com letra, na qual aprenderam a cantar e a se acompanhar.

Quando a leitura musical tradicional é aprendida por estas pessoas, elas já possuem certa

habilidade na troca e reconhecimento de acordes, e este procedimento é muito comum no

aprendizado de violão no Brasil o qual revela uma relação de distância entre violonistas e

partituras. Quanto ao aprendizado de outros instrumentos as pessoas iniciam conjuntamente

com a leitura, o que significa tocar e ler simultaneamente, e segundo Sloboda, por vezes este

procedimento transforma o aprendizado “em um fardo intolerável e isso frequentemente se

resolve memorizando a nova peça na primeira oportunidade, de modo que a execução não

dependa da habilidade de leitura” (SLOBODA, 2008, p.88). Em que isto implica? Na

diminuição da condição de ler à primeira vista com fluência.


22

Autores como Henrique Pinto em “Violão: um olhar pedagógico” (2005, p. 31), John

Sloboda em “Explorando a mente musical” (2005, p. 19) e Philip Fine, Anna Berry e Burton

Rosner, em “The effect of pattern recognition and tonal predictability on sight-singing

ability” (2006, p. 432), recomendam que o desenvolvimento da leitura à primeira vista deva

ser feito através de peças que ofereçam padrões e formas claros, como peças do período

clássico, por exemplo, em que tonalidade, escalas, arpejos estão claramente dispostos e

possam ser aplicados princípios de coerência. (SLOBODA, 2008, p. 106-117). Seguramente,

este tipo de técnica de leitura, na qual os princípios de coerência são utilizados, não pode ser

aplicado às peças escolhidas para esta pesquisa, pois se pressupõe um determinado

desenvolvimento da leitura aplicada ao instrumento, compassos que mudam constantemente

e, sobretudo, o uso de formas de produção sonora nãousuais (técnicas expandidas) que, por

sua vez, são registradas com notações nãotradicionais.

Em seguida ao primeiro contato com a peça, Sloboda fala do “ensaio” ou “prática”,

isto é, do período que o intérprete fica em contato com a peça, na tentativa de tocá-la com

fluência. Este período de estudo visa “[...] aprimorar a execução até que a mesma atinja um

certo critério de adequação, já que a leitura à primeira vista nem sempre produz uma execução

totalmente satisfatória” (SLOBODA, 2008, p. 87-88). Nos casos que esta pesquisa investiga

com peças de técnica expandida, este período vai se revelar como o mais crucial para a

compreensão das peças, não somente decifrar as bulas ou realizar os efeitos solicitados, mas

do entendimento da estrutura para a construção da performance. Sloboda comenta que alunos

pouco experientes tendem a usar como principal estratégia “simplesmente tocar uma mesma

passagem por muitas vezes, esperando, como se fosse possível, que ela fique boa como se

fosse uma roupa que está sendo passada a ferro” (SLOBODA, 2008, p. 117-118).
23

Ainda, o autor reconhece que professores e executantes experientes sabem que é

preciso mais do que a repetição do mesmo trecho, afirmando ser necessário “quebrar em

pequenas partes” as passagens problemáticas. Além disso, salienta que estes “experts”

acreditam que para conhecer uma peça musical se faz necessária “a formação de

representações múltiplas da mesma”, visto que os executantes de nível médio não têm um

controle consciente completo da obra, encontrando, assim, problemas na continuidade da

performance após algum erro. (SLOBODA, 2008, p. 118)

Para uma melhor análise dos dados desta pesquisa, a etapa “ensaio” sugerida por

Sloboda (2008), será utilizada para auxílio na compreensão de cada um dos estudos de caso,

isoladamente e depois nas inevitáveis conexões que deverão ser feitas entre os sujeitos, todos

os alunos de um mesmo professor, curso, em uma mesma escola. O objetivo geral dos estudos

de caso aqui, não se finda em uma “performance expert”, mas na observação do processo de

aprendizagem de música contemporânea com técnica expandida com bacharelandos de

Instrumento (habilitação em Violão) da Escola de Música da UFBA.

Sloboda ainda acredita que “um dos grandes entraves dos alunos é a exigência de

atender às diversas dimensões da experiência musical simultaneamente” (SLOBODA, 2008,

p. 121). Desta forma, é possível que um aluno possa conseguir tocar uma passagem com

algum aspecto (dinâmica, fraseado) sob controle, mas é esperado que ele perca este controle

se lhe for solicitado algum outro aspecto no qual ele não tenha pensado. Nas peças escolhidas

existe uma quantidade de novas demandas que implicam em decifrar códigos antes de

transformá-los em música, associados à dinâmica, fraseado e sonoridade.

Em alguns casos a experiência prévia pode contar muito. Uma interessante estratégia

de aprendizagem é poder relacionar estruturas musicais anteriores à nova peça que está sendo
24

aprendida. Sloboda exemplifica dizendo que “podemos nos lembrar de um acorde estranho

como sendo um acorde familiar ao qual foi acrescido ou retirado algo, ou de uma melodia

estranha como uma passagem interrompida de uma escala” (SLOBODA, 2008, p. 123).

Naturalmente que estas relações vão ser impactadas por eventos semelhantes em outras

situações, e tende-se a utilizar os eventos passados no novo material a ser estudado, bem

como lembrar passagens que possam nos remeter a eventos futuros.

Ainda que não estejamos falando apenas de notas escritas na pauta, vamos nos referir

à facilidade do dedilhado, que está diretamente relacionada às experiências passadas. Muitos

músicos já tiveram a experiência de começar a trabalhar obras de um novo compositor (ou

idioma), cuja, de início, apresenta-se como de difícil execução. Sloboda traz como exemplo a

música para piano de Olivier Messiaen, que “é frequentemente vista como impossível de ser

executada pelos pianistas de formação clássica, quando estes se deparam com ela pela

primeira vez”, pois não contém elementos (escalas e arpejos) tradicionais, mas as experiências

adquiridas na preparação de outras peças auxiliam na solução dos problemas encontrados

“sem esforço consciente”. (SLOBODA, 2008, 125-126)

Embora estejamos centrados nos ensaios e preparação destas peças, teceremos

algumas considerações acerca do produto mais ou menos acabado do ensaio, baseados nas

estratégias pessoais utilizadas por cada sujeito e que pode alcançar diferentes níveis de

performance, inclusive a memorização total da partitura e até a sua execução em público,

chamado aqui de “performance expert”. Vale salientar que alguns músicos (como os

violonistas profissionais Fábio Zanon, Mario Ulloa, entre outros, relacionando ao contexto

desta investigação) podem executar eximiamente diversas obras, ainda que desconhecidas,
25

sem muitos ensaios. Como afirma Sloboda: “uma boa leitura à primeira vista (e, de fato, um

bom ensaio) também identifica um expert”. (SLOBODA, 2008, p. 87-88)


CAPÍTULO II - A MÚSICA CONTEMPORÂNEA NO BACHARELADO

EM INSTRUMENTO DA UFBA

Reflexões acerca da música contemporânea no ensino superior serão abordadas neste

capítulo, onde será enfocado o bacharelado em violão da Escola de Música na Universidade

Federal da Bahia. Portanto, as matrizes curriculares do curso Instrumento serão investigadas,

a fim de observar com que frequência a música contemporânea vem sendo contemplada.

Reflexões acerca da interação entre os compositores e violonistas no campo investigado,

também serão feitas, as quais se estenderão em discussões sobre o ato de compor para o

instrumento.

2.1. Contextualização

Tanto o estudo quanto a produção da música contemporânea na Escola de Música da

Universidade Federal da Bahia (UFBA), vêm sendo consideravelmente abordados pelos

estudantes de composição, de acordo com registros encontrados na bibliografia que se segue.

Em "A universidade e a música: uma memória 1954-2004", Piero Bastianelli registra

a importância da disseminação da música contemporânea na (e/ou pela) Universidade, quando

menciona os “Cursos e Festivais de Música Nova” (1969 a 1973):

Realizados ao longo de cinco anos consecutivos, os "Cursos e


Festivais de Música Nova" visaram a atualizar professores, estudantes
e público em geral, a respeito das produções recentes no campo da
música.

Partindo do princípio fundamental da psicologia musical de que a


compreensão das épocas musicais deve começar com a compreensão
da música contemporânea, os "cursos e festivais" abordaram esta
última, simultaneamente, de três ângulos: criação, interpretação,
informação.
27

O programa diversificado proporcionou a realização de cursos,


concertos, apresentações, espetáculos, audio-visuais e sessões de
informação, em uma "amostragem do novo" [...]. (BASTIANELLI,
2004, p. 177)

No mesmo livro, Bastianelli e Widmer em "Música Experimental – Música em

Transformação" alertam que a abordagem de música contemporânea e suas novas formas de

expressão com os timbres nas aulas práticas de instrumento é de suma importância. Os

professores de instrumento e de canto precisam começar a “se preocupar mais com os

recursos sonoros dos próprios instrumentos e da voz, ampliando a técnica convencional”, pois

que, estes “sons harmônicos, glissandos, pizzicatos diversos, enfim, tudo o que até agora era

tratado como efeito adicional colocará o instrumentista e o cantor no âmago do mundo sonoro

contemporâneo” (BASTIANELLI, 2004, p. 182-183).

Faz-se necessário a intervenção dos professores, por sugestão ou estímulo, para que

esta linguagem musical apresente-se cada vez mais próxima dos seus alunos, futuros

intérpretes de música erudita, que por sua vez, se fará mais próxima dos seus respectivos

ouvintes. De acordo com tal realidade, o compositor e professor Ernst Widmer, em 1968, no

“Boletim 3” do “Grupo de Compositores da Bahia”, atenta:

A atual preferência pela música c1ássica e romântica não só gera


preconceitos no público como no intérprete que, por isso, raramente
toca obras contemporâneas, fazendo-o, conseqüentemente contra
vontade e de maneira pouco convincente. Ora, para compreendermos
uma linguagem é preciso, em primeiro lugar, acostumarmo-nos a ela.

A arte exige o empenho de todos os que dela participam: do criador,


do intérprete, do público. O criador vive em busca de uma verdade
cuja vivencia possibilitará comunicá-la ao ouvinte. (BASTIANELLI,
2004, p. 391)

Vale ressaltar, sobretudo, que atualmente, a música contemporânea vem sendo

bastante disseminada na UFBA através da “Associação Civil Oficina de Composição Agora”


28

(OCA) 25, realizando uma série de eventos, seminários e concertos promovendo a interação da

sociedade com a música contemporânea, especialmente com obras de compositores baianos.

O evento “Música de Agora na Bahia” (MAB) 26, realizado pela OCA é uma série de dezenas

de atividades que englobam: concertos, projeções sonoras, seminários, palestras, mini recitais

em escolas públicas e intervenções urbanas, se estendendo de maio até dezembro de 2012.

Digno de notificação também é o CAMARÁ 27 (Conjunto de Câmara da UFBA), um

grupo de música da cidade de Salvador, fundado na segunda metade do ano 2011, que se

dedica à estreia e gravação de obras de compositores brasileiros, especialmente baianos, de

música de concerto contemporânea. Em sua formação o CAMARÁ comporta,

aproximadamente, uma dúzia de colaboradores músicos de diversos instrumentos, todos

vinculados à Escola de Música da UFBA, sejam estudantes ou graduados. Nota-se na

instrumentação usada em suas peças acordeom, bandolim, banjo, violinos, violoncelos,

clarinete, flauta, saxofones, percussão e o violão. Contudo é interessante discutir, nesta

pesquisa, a participação deste instrumento nas obras já publicamente exibidas (como “Nav

Tirs Nekadus Hibridus” de Paulo Rios Filho, “Oxowusí” de Alexandre Espinheira, “Modos

Imagísticos” de Wellington Gomes, “Jubiabando mais Jorjamado” de Rodrigo Garcia, “Noite

no Trapiche” de Pedro Kroger), nas quais apresenta uma exploração sem revelo, em vistas dos

variados recursos timbrísticos e polifônicos que o instrumento se mostra capaz. O violão nas

peças compostas, até o presente momento, restringe-se à execução de acordes, escalas, frases

melódicas, harmônicos, golpes no tampo e no cavalete, porém com raridade pode observar

25
http://www.ocaocaoca.com

26
http://www.musicadeagoranabahia.com

27
http://www.camaraufba.blogspot.com.br/
29

seções contrapontísticas que o violão seja enfatizado, bem como, o uso das técnicas tambora e

pizzicato. Todavia, surge o seguinte questionamento: será que a explicação desta exploração

limitada está relacionada às peculiaridades que o violão apresenta para compor? Ou pelo

desconhecimento das possibilidades do instrumento pelos compositores?

Porventura, a falta de interação entre os compositores e os violonistas, que são os

intérpretes aqui investigados, pudesse ser justificada diante às peculiaridades que o

instrumento apresenta. Uma das características de maior destaque que o violão tem é a

variedade de possibilidades de executar a mesma nota ou mesma frase musical (com a mesma

altura) em cordas e/ou digitações diferentes, por vezes facilitando a prática ou por vezes

dificultando-a quando a escolha é feita pela sonoridade, uniformizando o timbre para um

melhor resultado na interpretação. Percebe-se, então, que essas variadas possibilidades de

execução de uma mesma altura de nota ou frase musical podem gerar dificuldades na leitura à

primeira vista, bem como, na preparação da obra por instrumentistas menos experientes, como

também na escolha da sonoridade ao compor. Além disso, há inúmeras outras características

relacionadas à mão direita que o bom senso do compositor ou intérprete pode não ser

suficiente para decidir o resultado sonoro de uma obra com seriedade.

Sobretudo, o pesquisador e violonista Mario Ulloa (2001), em seu trabalho

"Recursos técnicos, sonoridades e grafias do violão para compositores não violonistas",

incisivamente, justifica que o compositor não deve “[...] prescindir necessariamente de

escrever ou sugerir os dedilhados, mas que esse trabalho compete ao intérprete. Ao tentar

pensar nos dedilhados o compositor perderia muito tempo desnecessariamente” (ULLOA,

2001, p. 14), já que o violonista experiente poderia encontrar soluções com mais rapidez e

eficácia, seja este o professor ou o intérprete. E estende-se relatando sua preferência, na qual
30

“o compositor não se detenha em questões próprias e específicas da técnica instrumental”

(ULLOA, 2001, p. 14).

Desde 1856, em seu tratado de instrumentação e orquestração, Berlioz referia-se as

particularidade de compor peças para violão:

O violão é um instrumento [...] que possibilita um verdadeiro arroubo


quando manipulado por tocadores realmente muito bons. É quase
impossível escrever bem para violão sem ser um violonista. A maioria
dos compositores que o utilizam, estão, no entanto, longe de conhecer
as competências do instrumento, e por isso freqüentemente atribuem,
em suas peças, coisas de dificuldade excessiva, de pouca sonoridade e
pouco efeito a serem tocadas. 28 (BERLIOZ, 1856, p. 66 e 67, tradução
do autor)

PRADA (2010), na palestra da “II Bienal de Música Brasileira Contemporânea de

Mato Grosso”, também aponta a deficiência na interação compositor-intérprete (violonista),

pontuando a especialidade do instrumento:

[...] por muito tempo houve uma certa resistência ou bloqueio por
parte dos compositores em conferir ao violão uma linguagem mais
moderna. Isso pode ter sido por dois grandes motivos: primeiro
porque o violão é um instrumento extremamente idiomático, ligado a
fortes concepções do passado, e segundo porque possui uma técnica
minuciosa para se compor, ou seja, não é um instrumento de
realização acessível e aparente - vários pormenores vêm à tona na
hora de compor. (PRADA, 2010) 29

Neste contexto, em revisão bibliográfica na sua tese, ULLOA (2001) traz à reflexão

como o violão é abordado nos tratados de instrumentação e orquestração mais relevantes:

28
The guitar is an instrument [...] which possess a true charm when performed by really good players. It is
almost impossible to write well for the guitar without being a player on the instrument. The majority of
composers who employ it, are, however, far from knowing its powers; and therefore they frequently assign it
things to play, of excessive difficulty, of little sonorousness, and little effect. (BERLIOZ, 1856, p. 66 e 67)

29
Blog [Não Paginado]
31

Nos diversos tratados de instrumentação e orquestração [...] o violão


ocupa um espaço muito reduzido. Em vários casos ele é apenas citado
e até omitido. Algumas descrições do instrumento resultam
inconsistentes e incompletas [...], oferece uma extensão errada do
instrumento. (ULLOA, 2001, p. 6)

Portanto, sobre BERLIOZ (1856), o autor considera:

Dentre os tratados de orquestração e instrumentação mais abrangentes,


encontram-se os de Hector Berlioz e Andrew Stiller.

Berlioz, com breves comentários sobre suas dificuldades de execução


explica superficialmente aspectos de afinação, notação, ligados, terças
paralelas, notas repetidas, harmônicos naturais e artificiais, acordes e
arpejos. Entretanto, muitas dessas dificuldades indicadas pelo autor
encontram-se hoje superadas. (ULLOA, 2001, p. 7)

Na conclusão do trabalho, no quinto capítulo, o autor acrescenta que “os

participantes adquiriram um conhecimento suficiente para escrever bem para o instrumento”,

e consequentemente, pode-se afirmar que “não é necessário ser violonista ou ter habilidades

violonísticas para ser capaz de compor para esse instrumento”. (ULLOA, 2001, p. 81)

A interação musical entre os compositores e os violonistas na Escola de Música da

UFBA, considerando tanto os graduandos quanto os professores, percebe-se como pouco

frequente. Ressalta ULLOA (2001):

Se tomarmos, por exemplo, o curso de composição da Escola de


Música da UFBA, cuja trajetória no cenário musical brasileiro é
amplamente reconhecida, veremos que os alunos se exercitam na
escrita para piano, instrumentos de arco, sopro, percussão, conjuntos
de câmara, corais e orquestra, não existindo, todavia, nenhum
incentivo à composição para violão, fato esse que pode ser estendido à
maioria dos cursos de composição no Brasil. (ULLOA, 2001, p. 3)
32

É pertinente acreditar que não haveria dificuldades na efetivação prática da relação

entre compositores e violonistas da EMUS-UFBA. Pois, estas duas grandes “escolas” 30, sejam

elas “escola de composição” e “escola de violão”, formadoras de talentos promissores,

reconhecidas assim através de premiações em festivais e concursos do país, têm capacidades

técnicas satisfatórias para interagirem com sucesso. No programa “O Violão Brasileiro”

transmitido pela Rádio Educadora FM de São Paulo, ZANON (2008) pronuncia-se sobre

como os estudantes de violão da EMUS-UFBA, especificamente, da classe do professor

Mario Ulloa, é bem vista no país:

Ele é, provavelmente, um dos professores mais inspiradores no


mundo, na atualidade, e operou uma verdadeira revolução no ensino
superior de violão na Universidade da Bahia. Faça chuva ou faça sol,
tenha um compromisso marcado ou não, os alunos de Mario Ulloa se
espelham no professor e estudam o dia inteiro com um entusiasmo
avassalador. É uma das melhores classes de violão do Brasil, e a que
tem a mais alta taxa de bolsistas para pós-graduação no exterior.
(transcrição do autor). (ZANON, 2008c) 31

DALDEGAN (2009) notifica a importância da relação compositor-intérprete quando,

após análise dos dados da sua pesquisa, afirma:

[...] ficou evidente a importância da relação COMPOSITOR –


INTÉRPRETE – PROFESSOR, no sentido de integrar o trabalho dos
três. O compositor entendendo melhor as dificuldades do interprete, o
interprete compreendendo o processo do compositor, e enquanto o
professor desmistifica a idéia de que o compositor seria uma figura
distante e inalcançável. [...]. (DALDEGAN, 2009, p. 64)

Observando esta deficiência na interação entre os compositores e violonistas da

EMUS-UFBA, ULLOA (2001) investigou dois grupos diferentes de compositores

30
Termo entendido, aqui, por um conjunto de adeptos e/ou seguidores de um mestre ou sistema, com
determinada concepção técnica e estética de arte.

31
Áudio disponível em: <http://vcfz.blogspot.com.br/2008/03/116-agustin-barrios-soln-ayala-mrio.html>.
Acesso em: 11 fev. 2013.
33

nãoviolonistas: o Grupo I formado por pós-graduandos e o Grupo II por graduandos (com

apenas um pós-graduando envolvido), nos quais pesquisa os diversos problemas relativos à

composição para violão. Alertando que, “de modo geral, os alunos de composição

desconheciam texturas, recursos técnicos, grafias e sonoridades que têm sido exploradas no

instrumento pelos compositores e intérpretes, principalmente os deste século” (ULLOA,

2001, p.2). Também declara que este trabalho é “uma tentativa de minimizar frequentes

dificuldades que os compositores têm de escrever para violão”, contribuindo “para o

enriquecimento e formação dos compositores” e estimulando a produção de obras. (ULLOA,

2001, p. 4).

Os resultados desta pesquisa, demonstrados no terceiro capítulo, se mostraram

positivos, variados recursos sonoros e técnicos do violão foram explorados nas obras

compostas, arranjadas e transcritas pelos sujeitos. No mesmo trabalho o autor destina ao

quarto capítulo, intitulado como “Tutorial”, a apresentação de um panorama dos recursos

técnicos e timbrísticos do violão, elaborado através do experimento realizado.

Em contrapartida, é perceptível a falta de iniciativa dos estudantes de violão para a

sua relação com a música contemporânea, alguns apresentam um comportamento de aversão a

tal linguagem, outros aparentemente demonstram afinidade, porém não buscam interação

musical/acadêmica com colegas compositores.

Em exemplo a esta iniciativa por parte dos intérpretes, vale salientar que grandes

violonistas como Segóvia e Bream mantiveram proximidade com compositores de suas

épocas, aos quais lhes apresentavam às particularidades do idiomatismo violonístico. O

célebre violonista espanhol Andrés Segóvia (1893-1987), após sua estréia em Paris em 1924,

consolidado internacionalmente sua carreira e ter realizado suas primeiras gravações em 1927,
34

fez contato com os compositores mais destacados para escreverem obras originais para violão;

Em geração posterior, violonista inglês Julian Bream, ao mesmo tempo em que mantinha uma

atividade de concertos com o repertório tradicional, estreava ao menos uma “obra de larga
32
escala” por temporada. (JUNIOR, 2001; ULLOA, 2001; ZANON, 2004). Afirma Mario

Ulloa:

Violonistas como Andres Segóvia, Julian Bream, John Williams,


Narciso Yepes, Eliot Fisk, Carlos Barbosa-Lima, dentre outros,
incentivaram compositores não violonistas à criação de um novo
repertório para violão, o que resultou em peças importantes como
Variações sobre a Folia de Espanha (Manuel Ponce), Nocturnal
op.70” (Benjamin Britten), Sonatas I e II Royal Winter Music" (H.
Werner Henze), Sonata op. 41 (Alberto Ginastera) e Sequenza IX
(Luciano Bério). (ULLOA, 2001, p. 1)

Para uma maior compreensão desta questão uma investigação em Matrizes

Curriculares do curso se fez necessária, a fim de compreender a relação (ou falta dela) entre

bacharelandos em violão e a música contemporânea.

2.2. Música Contemporânea no Bacharelado em Violão

Percebe-se que parte considerável dos alunos que ingressam no curso é de família

com baixa renda, seja de cidades do interior da Bahia, da capital ou de outros estados, que, na

maioria dos casos, não tiveram uma preparação musical no ensino básico. Talvez a

inexistência de conservatórios públicos ou escolas privadas de música com custo accessível e

ensino de boa qualidade, em suas cidades, seja a principal responsável por esta deficiência.

Sobre esta realidade, em entrevista cedida a esta pesquisa em 2012, Mario Ulloa considera:

32
Entende-se por um conjunto de obras relacionadamente compostas, gerando uma obra de tamanho e
complexidade grandes.
35

A maior parte dos estudantes de música vem de extratos sociais muito


mais castigados, não tem acesso a instrumentos, compram cordas uma
vez por semestre e quando podem. Há muitos problemas sociais que
se juntam com isso, além da falta de apoio, a falta de uma formação
desde antes que, de certa forma, compromete o desenvolvimento
musical destes alunos. Não temos um sistema de educação na Bahia
que proporcione aos alunos um início desde cedo [referindo-se à
musicalização infantil]. (ULLOA, 2012)

Por conseguinte, após ingressarem no curso superior, mostra-se necessária uma

preparação técnica instrumental e musical com estudos simples, caprichos e prelúdios, do

repertório tradicional de período clássico e da renascença, a fim de amadurecê-los nestes

aspectos. ULLOA (2012) relata:

Então, digamos que eu seja responsabilizado a preparar, em


pouquíssimo tempo, um aluno. Acontece que, em quatro ou cinco
anos, no máximo, o aluno tem que sair preparado pra vida, de certa
forma. O ideal seria que, antes de chegar aqui, ele pudesse ter uns
cinco anos de estudos musicais generalizados. Aí sim, eu teria muito
tempo para fazer repertórios mais específicos de música
contemporânea. (ULLOA, 2012)

Ainda relata que os estudantes ingressam no curso superior de música “[...] e quase

ninguém sabe ler bem a primeira vista, as leituras são péssimas, as pessoas não tem uma

cultura musical de repertório erudito de música clássica” (ULLOA, 2012). Com tal

depoimento, percebe-se que todo este aprendizado fica destinado à graduação, e ainda revela

sua estratégia de ensino com os graduandos recém-ingressos nos primeiros passos:

Tenho destinado ao primeiro ano de estudo “limpar” tudo que eu


posso, em questões de técnica, e desenvolver a leitura à primeira vista.
Neste período, a parte técnica e musical é abordada com muito detalhe
(a postura, a sonoridade). Realmente, eu penso que todo mundo deve
estudar os estudos de Fernando Sor e de Leo Brouwer, ou então,
sugiro um compositor como Luigi Legnani, que tem vários caprichos.
Daí, peço que estudem uma quantidade determinada de peças e o
aluno escolhe quais desejar. Com isso, quando termina o primeiro ano,
o aluno já está “com os pés firmes” e com uma leitura à primeira vista
satisfatória. (ULLOA, 2012)
36

FIREMAN (2007) concorda que “existe um repertório considerado básico em cada

instrumento”, afirmando acreditar que a expressão “repertório tradicional” é conhecida pelos

músicos “como sendo uma coleção de peças que todo estudante de instrumento deveria tocar,

ou pelo menos conhecer” (FIREMAN, 2007, p. 109). O autor após retratar esta realidade,

posiciona-se:

Isso parece um tanto estranho, pois que repertório poderia ser


considerado tradicional? Lógico que um músico, que toque qualquer
instrumento, saberá citar pelo menos algumas músicas ou
compositores desse repertório relacionado ao seu instrumento. [...]
Penso que isso, de certa forma, limita o repertório para cada
instrumento. Ora, se tradicionalmente são estabelecidas composições
consideradas básicas para a formação do músico e este precisa estudá-
las como cumprimento de suas tarefas escolares, vejo limites impostos
pelas preferências do professor que estudou esse mesmo repertório
sob orientação de seu tutor enquanto freqüentava a academia. São
limites estabelecidos pelos próprios instrumentistas, através de
“preferências aprendidas”. (FIREMAN, 2007, p. 109)

Contudo, FIREMAN (2007) aponta que esta escolha de repertório está atrelada a

uma avaliação do professor sobre as condições do aluno, tendo em vista “objetivos imediatos

que podem não ser alcançados rapidamente” (FIREMAN, 2007, p. 98). E ainda ressalta:

Creio que isso seja freqüente em aulas de performance, uma atividade


que lida com a habilidade física, a percepção e a cognição, que está
sujeita ao tempo de desenvolvimento de cada indivíduo, ao interesse,
ao período dedicado ao estudo, entre outros.

Antes de escolher a música que servirá para a próxima etapa do


aprendizado, a condição atual do estudante deve ser avaliada.
(FIREMAN, 2007, p. 98)

OLIVEIRA e TOURINHO (2003) também apresentam preocupações sobre o

repertório ao relatarem que “essas exigências são feitas pela maioria das escolas e cursos de

instrumento no Brasil, seguindo e mantendo a tradição européia de repertórios e programas”

(OLIVEIRA; TOURINHO, 2003, p. 20). E ainda afirmam:


37

A escolha do programa de estudo de música obedece a um complexo e


individual sistema utilizado por cada professor para cada aluno. Na
avaliação diagnóstica de cada professor fica determinado um caminho
a ser percorrido a médio prazo, geralmente até a próxima avaliação
somativa. São escolhidas peças que possuam qualidade musical
intrínseca, que possibilitem aprendizagem e que atendam, de certa
forma, ao gosto individual. (Oliveira; Tourinho, 2003, p. 22)

Apesar de Ulloa (2012) afirmar que os estudantes ingressam na graduação sem um

devido preparo/formação musical, impossibilitando a abordagem com obras contemporâneas,

nota-se que a música contemporânea é também sugerida como parte integrante do repertório

abordado nas aulas práticas de instrumento na EMUS-UFBA, quando os alunos apresentam

um desenvolvimento progressivo ao longo do curso. Considerando que muitos dos alunos de

destaque, inclusive em nível internacional, como: Henrique Rebouças, João Carlos Victor,

João Paulo Figueirôa, Mateus Dela Fonte, Vladimir Bonfim; executaram publicamente obras

contemporâneas para violão solo e música de câmara, seja em recitais de fim de semestre ou

em recitais de formatura, por sugestão do orientador. Todavia, pode-se concluir que a música

contemporânea vem sendo menos abordada nas aulas práticas do que a música tradicional

com linguagem tonal. Vale considerar que, por consentimento do orientador, os alunos

escolhem peças para estudar e integram-nas ao seu repertório, mas a música contemporânea

não faz parte destas escolhas, em muitos dos casos, talvez por desconhecimento e/ou sentirem

estranheza.

A música de linguagem contemporânea, em sua maioria, é carregada de elementos

musicais complexos sejam estes de âmbito rítmico, melódico, harmônico, polifônico,

improvisativo ou timbrístico. Notam-se também inovações no uso de dinâmicas, agógicas,

expressões corporais/faciais e representações gráficas (símbolos). Isto, então, torna a música

contemporânea, de certo modo, “muito difícil tecnicamente”, sendo este “um dos problemas
38

no sentido da exploração do repertório contemporâneo, que inclua novos sons, com iniciantes

[...]” (DALDEGAN, 2009, p. viii).

Portanto, é oportuno sugerir a necessidade da elaboração de peças contemporâneas

em vários níveis de habilidade (para estudantes iniciantes, intermediários, graduandos e

profissionais) contendo técnica expandida para violão, a fim de intervir na aproximação dos

músicos com a música de sua época, tornando as possibilidades timbrísticas do instrumento

mais conhecidas pelos futuros instrumentistas e futuros compositores. Como aporte para a

elaboração destas obras ULLOA (2001) (vide pag. 32) e LUNN (2010) (vide pag. 10)

apresentam-se como ferramentas primordiais. E como exemplo para esta iniciativa com

alunos iniciantes, é possível orientar-se por DALDEGAN (2009), dado que, em seu

experimento, a autora demonstra resultados positivos relacionados à composição de peças

contemporâneas simples contendo técnicas expandidas e seus reflexos na preferência musical

dos estudantes (vide pág. 17).

A exploração da estética inusitada, concernente ao reflexo da sociedade atual, se

mostra como uma expressão dificultosamente compreensível para grande parte dos músicos

que insistem em apenas vivenciar épocas passadas em sua trajetória musical.

(HARNONCOURT, 1988; BASTIANELLI, 2004; DALDEGAN, 2009; PRADA, 2010).

Preocupando-se com a abordagem da música contemporânea e a posição atual da

Universidade em questão, esta seção, busca refletir sobre a presença da música

contemporânea como conteúdo incluso na formação do instrumentista bacharelando em

violão desde a Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC) até sua transformação em Escola

de Música da UFBA (EMUS).


39

Apesar da Escola de Música e Artes Cênicas ter surgido no ano de 1968, após a

Reforma Universitária, sendo a união do “Seminários de Música” (criado em Salvador em

1954), a Escola de Teatro e a Escola de Dança. (PERRONE, 2008, p. 35), analisaremos as

matrizes curriculares a partir de 1971, pois constava como a mais antiga das matrizes no

Sistema Acadêmico (computadorizado), com seu acesso restrito pelo colegiado. A provável

justificativa para isto é que o ano de 1971 foi um marco histórico na EMAC, no qual o

ingresso ao ensino superior de música passou a ser apenas possível através de provas escritas

e testes de habilidade específica (vestibular unificado), afirma PERRONE (2008):

Depois da aprovação definitiva do Regimento pela Congregação da


Escola, em reunião de 30 de junho de 1971 e ratificada pelo Conselho
Universitário, em sessão de 1º de julho do mesmo ano, com regime
disciplinar definido, inicia-se a nova fase. A partir de agora só é
permitindo o ingresso do alunado através do Sistema Vestibular
promovido pela UFBA, tendo a necessidade de um Teste de Aptidão,
que depois passou a denominar-se de Teste de Habilidade Específica.
(PERRONE, 2008, p. 131)

2.2.1 Reflexões sobre as Matrizes Curriculares de 1971.1 a 2009.2

Em primeira instância, é preciso frisar que apenas uma leitura sobre as matrizes

curriculares, através de títulos das disciplinas e da descrição de suas ementas, disponíveis em

sítios oficiais da UFBA, não parece ser suficiente para uma análise profunda da abordagem da

música contemporânea em quaisquer dos cursos. Este subtópico não se propõe a realizar uma

revisão aprofundada acerca do currículo da EMUS, visto que demandaria entrevistas com

professores, aplicação de questionários, filmagem das aulas, entre outros instrumentos de

coleta de dados, pois exigiria muito tempo e fugiria dos objetivos do nosso trabalho. Por isso,

é proposto aqui analisar, apenas, a presença de disciplinas no currículo que permeiem o

universo da música de linguagem contemporânea, especificamente, do bacharelado em violão

da UFBA.
40

De 1971 a 1987, as matrizes curriculares do curso de registro 509441, intitulado

Instrumento, da área de artes, com habilitação em Cordas (Violino, Viola, Cello, Violão,

Contrabaixo), não se encontram com organização devidamente estruturada. Todas as

disciplinas obrigatórias mostram-se disponíveis no único semestre existente, enquanto o

documento informa a duração do curso em anos como: mínima (três anos), média (quatro

anos), máxima (cinco anos). Outra grande seção de disciplinas disponíveis é a seção

“Optativas”, na qual apenas é necessária a escolha de duas delas durante o curso inteiro. Por

conta da organização do curso em único semestre, apresenta-se dificultosa a análise da carga

horária das disciplinas. Como justificativa, no final dos documentos em questão é exposta

uma nota:

Atenção:

Os currículos dos cursos de graduação da Universidade Federal da


Bahia estão em processo de reformulação curricular, com base nas
Diretrizes Curriculares Nacionais. Desta forma, esta grade pode ainda
não contemplar as mudanças em andamento e em fase de implantação.
Consulte o coordenador do curso para esclarecer possíveis dúvidas. 33

Sob o enfoque do fim ao qual este subtópico foi delimitado, notam-se ausentes

disciplinas que englobam a música contemporânea na formação do instrumentista, dentre as

disciplinas distribuídas como “complementar obrigatória”, “currículo mínimo” e “optativa”.

Destacam-se as disciplinas ART001 e ART002, intituladas respectivamente

“Integração Artística I” e “Integração Artística II”, presentes nas Matrizes Curriculares de

1971 a 1988, que possibilitava/possibilitaria diálogos entre as artes e transmudações dos

artistas envolvidos, onde provavelmente, esta disciplina proporcionou/proporcionaria a

33
Anexo 1 (vide pág. 142-143) – Matriz Curricular de Instrumento (1971)
41

produção de obras artísticas altamente ricas em diversidade e criatividade. Era por sua vez,

fundamentalmente, regida por professores de dança, com formato semelhante ao de oficinas, o

qual primava pelo fazer artístico. Esta disciplina reunia um corpo discente heterogêneo em

níveis de compreensão dentro das suas áreas, por exemplo, músicos experientes de orquestra

sinfônica unidos a iniciantes das áreas de teatro e/ou dança. Portanto, o resultado desta

tentativa de integração se apresentava negativo pelo descontentamento perceptível nos

estudantes. 34

Ao que cabe nesta investigação, notou-se o surgimento das disciplinas anuais

ART106 e ART108 de ordem “optativa”, em 1973, apresentando em suas ementas 35 a

abordagem de música contemporânea, intituladas respectivamente como “Composição

Suplementar I” e “Composição Suplementar III”. As disciplinas ART107 “Composição

Suplementar II” e ART109 “Composição Suplementar IV” abordam a construção de arranjo e

instrumentação para conjunto de câmara (cordas ou sopro), e também, composição de peças

vocais (coro a capela e voz acompanhada), não restringindo a linguagem musical a ser

explorada, portanto não serão salientadas aqui.

• Ementa de Composição Suplementar I:

“Estudo dos processos de desenvolvimento da idéia musical. Estudo analítico de

obras contemporâneas”. (vide Anexo 2, pág. 145)

34
Informações adquiridas em conversas informais (presenciais, telefônicas ou virtuais) com professores da
universidade que viveram esta época, após ser consultado o mais antigo dos catálogos existentes no Colegiado,
datado em 1978, onde consta o registro da disciplina, mas sem sua ementa.

35
Disponíveis no sítio oficial da Superintendência Acadêmica da UFBA (SUPAC): www.supac.ufba.br
42

• Ementa de Composição Suplementar III:

"Aplicação das técnicas contemporâneas de composição. A nova grafia musical e sua

utilização funcional. Exigência mínima para fins de verificação: obra para conjunto misto”.

(vide Anexo 3, pág. 146)

Uma investigação mais aprofundada foi feita, com finalidade de obter maiores

resultados quanto ao índice de procura destas disciplinas, bem como, quais estudantes as

buscavam. Contudo, dentre documentos disponíveis no Colegiado foi encontrada a ementa da

disciplina ART106, datada em 1978 (a única existente entre estas disciplinas), que

surpreendentemente, não apresentava o mesmo objetivo da ementa disponível no sítio oficial

da SUPAC, ao qual a presente pesquisa se atém.

• Ementa de Composição Suplementar I (1978):

"Dar subsídios para composição musical, seja erudita ou popular para técnica de

arranjo e de instrumentação, além de preparar para o ensino das matérias teóricas. (harmonia,

contraponto e outras)”.

Oposto a isto, a bibliografia e o conteúdo programático disponíveis nesta ementa

apresenta todo seu conteúdo relacionado à música do século XX, como o “manejo específico

de materiais composicionais contemporâneos” e a “compreensão dos materiais utilizados na

música contemporânea [...]”. (vide Anexo 4, pág. 147-148)

Somente após 16 anos, em 1988, houve uma mudança drástica na organização do

referido curso. Este foi reorganizado em oito semestres, porém as disciplinas estavam

registradas com duração anual. Geralmente, os semestres de representação numérica par, de


43

fato funcionavam para matrícula de disciplinas “eletivas” e “nucleares”, que eram

disponibilizadas por outras unidades (escolas/faculdades) da UFBA, pois que um número

ínfimo de disciplinas oferecidas na EMUS era de duração semestral e dificilmente

disponibilizada na metade do ano.

A nova organização oportunizou a reflexão sobre a carga horária distribuída pelas

disciplinas, e após uma “leitura flutuante” 36 tornou-se notável a grande quantidade em horas

estabelecidas para as disciplinas práticas ART200 “Instrumento I” e suas sucessoras em

cadeia. Estando descritas para estas disciplinas 630h referentes a dois semestres escolares (15

semanas cada), o que representa 21h por semana em aulas de prática instrumental. Enquanto

as disciplinas teóricas ART009 “Literatura e Estruturação Musical (LEM) I” e suas

respectivas em cadeia trazem uma carga horária de 120h em dois semestres escolares,

resultadas em 4h semanais. As disciplinas ART004 “Percepção Musical II” 37 e suas

sucessoras em cadeia, onde o treino auditivo e a leitura musical eram (e continuam sendo) os

elementos trabalhados em classe, revelam 60h referentes a dois semestre escolares,

representando 2h semanais.

Na Matriz Curricular do ano seguinte, em 1989, é sobressalente a mudança no

sistema do código de registro das disciplinas de ART para MUS, observando, assim, que os

cursos de música foram desvinculados dos cursos de Teatro e Dança. Segundo PERRONE

(2008), “em 1988, depois de várias negociações entre a Reitoria e os diversos Departamentos

36
“leitura intuitiva, muito aberta a todas as idéias, reflexões, hipóteses, numa espécie de brain-storming
individual” (BARDIN, 1977, p. 75)

37
A disciplina “Percepção Musical I” não constava como existente nas matrizes curriculares, até esta data, por
ser considerada uma disciplina de nível elementar, dispensável aos aprovados no exame de seleção (vestibular)
atestando sua aptidão musical.
44

que compunham a Escola de Música e Artes Cênicas houve a desanexação, passando então as

três escolas a terem gestões independentes” (PERRONE, 2008, p. 148). O núcleo de música

passou a se chamar “Escola de Música da Universidade Federal da Bahia”.

É válido ressaltar que, neste ano, a carga horária das disciplinas práticas MUS200

“Instrumento I”, e suas sucessoras em cadeia, obtiveram uma drástica queda passando a

representar 30h por dois semestres escolares, ou seja, o graduando em violão a partir de então

receberia orientações em seu instrumento por apenas 1h semanal.

De 1989 até 2009, pequenas mudanças na organização foram feitas, disciplinas

transportadas de um semestre para outro, cargas horárias foram reajustadas, naturezas de

disciplinas como “eletivas” e “nucleares” deixaram de existir. Como exemplo, a matriz

curricular de 2004 apresenta “aumento” na carga horária na maioria das disciplinas, por conta

do acréscimo na quantidade de semanas, de 15 para 17, no semestre escolar. A disciplina

MUS200 “Instrumento I”, e suas respectivas em cadeia, passaram a representar 34h para dois

semestres escolares, mantendo assim a duração de 1h/semana em orientação prática

instrumental.

Na perspectiva da abordagem de música contemporânea na vida estudantil dos

bacharelandos em violão, é importante considerar significante a existência do “XIII

Seminários Internacionais de Música” que foi realizado no período de 15 de agosto a 15 de

setembro de 1995, em que foram oferecidos cursos, oficinas e master classes. Dentre estes é

digno enfocar o intitulado por “Técnicas de Interpretação Contemporânea Para Violão”,

ministrado por Thomas Patterson (Estados Unidos). Neste abrangente período de duas

décadas, também é pertinente ressaltar a iniciativa do graduando em violão Mateus Dela

Fonte juntamente com o Prof. Robson Barreto, de coordenar o “Seminário de Interpretação


45

Musical do Séc. XX Para Violão”, ocorrido nos três primeiros dias do mês de Agosto no ano

2000, tendo como docentes Paulo Amorim (Portugal) e Ricardo M. Bordini (Brasil).

(PERRONE, 2008, p. 163-168)

2.2.2 Reflexões sobre as Matrizes Curriculares a partir de 2010.1

Após tantos anos sem grandes mudanças na estrutura, em 2010, os cursos da Escola

de Música da UFBA sofrem uma brusca reorganização curricular. Nesta investigação, o

enfoque será restrito ao bacharelado em violão.

O curso de registro 509441, intitulado “Instrumento”, desanexou cada instrumento

musical da sua habilitação em “Cordas”. As matrizes curriculares a partir de 2010 trazem

“Violão” como habilitação do curso em questão, além de ter sido estendido em sua duração:

mínima de 4 anos, média de 5 anos e máxima de 6 anos.

Todas as disciplinas anuais de natureza Obrigatória foram transformadas em

semestrais, as práticas sofreram um aumento considerável em sua carga horária e algumas

teóricas que eram Obrigatórias passaram por reajustes de natureza as relocando para

Optativas, tornando assim o curso consideravelmente mais prático. A disciplina MUS170

“História das Artes I – Música” foi alterada para MUSA77 “História da Música I”, mantendo

carga horária de 51h semestrais e dispensando seu pré-requisito, sendo recomendada desde o

primeiro semestre precedendo MUS010 “Literatura e Estruturação Musical I”. A disciplina

anual MUS200 “Instrumento I” deu lugar as MUSC35 “Seminários em Instrumento I” e

MUSD05 “Seminários em Instrumento II”, as quais lhes foram distribuídas 68h semestrais

(equivalente à 4h semanais), porém as orientações de prática instrumental deixaram de ser

tutorias, adotando um formato parecido com masterclasses. Formato este, já utilizado


46

anteriormente na classe do Prof. Dr. Mario Ulloa. As suas ementas, bem como das suas

disciplinas consecutivas em cadeia, também foram investigadas e trazem igualmente o

seguinte texto:

Nível superior da matéria principal do curso. Visa o completo domínio


do instrumento, através do estudo de técnica avançada, bem como a
execução de obras da literatura, desde a Renascença até o período
contemporâneo e a prática instrumental completa por meio de
interpretações semanais das obras estudadas e em estudo. Preparação
para participação em audições, recitais, concertos, seminários,
masterclasses e práticas de conjuntos. Preparação para
Recital/Concerto de Graduação. (vide Anexo 5 e Anexo 6, pág.149-
150)

Este presente texto, extraído das ementas das disciplinas “Seminários em

Instrumento”, mostra a liberdade na escolha do repertório a ser abordado em aula, em que

abrange períodos da história da música desde a Renascença (onde foram transcritas para

violão obras dos seus antecessores como o Alaúde e a Vihuela) até o período contemporâneo.

Contudo, o repertório não é organizado semestralmente por período histórico ou compositor,

permitindo cada estudante ter o seu progresso individualmente, com atividades indicadas para

a melhoria das suas dificuldades peculiares. ULLOA (2012), expressa sua satisfação sobre o

funcionamento da disciplina, que não exige o cumprimento de um estrito programa de

conteúdo disciplinar por semestre/ano:

[...] para minha alegria, [este] não é um currículo “fechado”. A maior


parte dos conservatórios [...] têm uma lista por ano de peças a seguir.
Eu passei por estes sistemas e não achava muito produtivo [...]
começar em março com um determinado repertório que é obrigatório
(geralmente renascença, barroco, clássico, música brasileira, música
contemporânea), [porque quando] chega ao fim do semestre, começa
as férias e você já não estuda mais isso. Então, pra mim, tem a
vantagem de conhecer várias peças, [pois] em um ano você acaba
conhecendo as 5 ou 10 do primeiro semestre, do segundo, mas no fim
você não amadurece nenhuma delas. (ULLOA, 2012)
47

Uma notável “vantagem” nesta liberdade na escolha de repertório é que o professor

permite a sugestão dos alunos sobre as obras que desejam preparar, possibilitando maior

motivação no curso e dedicação no estudo do instrumento. Consequentemente, o repertório

contemporâneo é menos presente nestas escolhas dos estudantes, pelo desconhecimento e

pouco contato com esta linguagem musical. Portanto, quando o aluno demonstra progresso

nas aulas, apresentando técnica instrumental e interpretação musical satisfatórias no repertório

tradicional, o professor sugere que estes preparem obras contemporâneas, porém, raramente

obras de linguagem vanguardista com técnicas expandidas. Contudo, nota-se uma

“desvantagem” nesta “liberdade”: a formação de um violonista profissional que não obteve

instruções para preparação de obras de determinada linguagem, seja da música tradicional

“erudita” ou de obras contemporâneas com técnicas expandidas.

Comparando a atual Matriz Curricular (datadas a partir de 2010-1) com as anteriores,

pode-se perceber que foi criada uma quantidade significativa de disciplinas de natureza

Obrigatória e apenas uma de natureza Optativa, voltadas ao violão. As Obrigatórias são:

MUSC58 “Literatura do Violão”, MUSC55 “Pedagogia do Violão I”, MUSC56 “Pedagogia

do Violão II”, MUSC46 “Prática de Conjunto para Violonistas I”, MUSC88 “Prática de

Conjunto para Violonistas II” e MUSC57 “Correpetição para Violonistas I”, todas estas com

cargas horárias de 34h/semestrais (equivalente à 1h/semanal). Ainda de natureza Obrigatória e

igual importância, também foram criadas as disciplinas MUSA36 e MUSA37,

respectivamente, “Trabalho de Conclusão de Curso I” e “Trabalho de Conclusão de Curso II”

também com cargas horárias de 34h por semestre escolar, onde, a partir de então, os

bacharelandos concluintes deveriam produzir um trabalho escrito além do recital de

formatura.
48

A nova disciplina de natureza Optativa voltada aos violonistas é a MUSD38,

intitulada por “Transcrições de Obras Orquestrais para Violão”, oferecida com carga horária

igual às demais supracitadas. Ainda no âmbito das disciplinas de natureza Optativa, nota-se a

MUS102 e MUS103, intituladas por “Literatura Vocal e Acompanhamento I” e “Literatura

Vocal e Acompanhamento II”, respectivamente. As disciplinas que eram Obrigatórias no

currículo anterior passaram a serem reorganizadas como Optativas, foram: FCH002 “Estética

I”, MUS172 “História das Artes – Música III”, MUS231 “Fundamentos da Música”, MUS011

“Literatura e Estruturação Musical III” e MUS012 “Literatura e Estruturação Musical IV”,

porém mantiveram suas durações anteriores. As disciplinas do currículo anterior que

permaneceram sem modificação de código nem título não se apresentam no sistema como

“semestralizadas”, contudo não caberia ao escopo desta pesquisa investigar como estão sendo

abordadas na prática.

Algumas das novas disciplinas nesta Matriz Curricular reformada merecem atenção

aqui. As MUSC55 “Pedagogia do Violão I” e MUSC56 “Pedagogia do Violão II” abordam o

ensino de violão num enfoque teórico e prático, respectivamente. O mesmo texto é

apresentado nas ementas destas disciplinas em cadeia (disponíveis no sítio oficial da

SUPAC), que pontua: atividades práticas voltadas ao ensino de violão para alunos iniciantes

(com e sem leitura musical); métodos, metodologia, jogos e exercícios; leitura e discussões de

textos, análise de livros e métodos; observação e registro de aulas; e, prática pedagógica

aplicada em turmas do curso de extensão, onde estes temas são divididos entre as duas

disciplinas (vide Anexo 7 e Anexo 8, pág. 151-152). Na oportunidade de acompanhar

presencialmente e lecionar nesta disciplina, enquanto atuante no tirocínio docente orientado,

pôde-se perceber que a MUSC55 tem como finalidade uma abordagem mais teórica do que

prática e sua posterior, a MUSC56, enfoca o oposto.


49

É sensato acreditar que a inserção destas disciplinas de educação de natureza

Obrigatória, no currículo do curso Instrumento, se deu pela necessidade de preparar os

estudantes de violão para o mercado de trabalho, estes que, após a conclusão do bacharelado,

prestavam-se a dar aulas do instrumento como a sua principal atividade profissional. Função

esta, também prevista na descrição profissional do curso, disponível no sítio oficial da

unidade: “O instrumentista pode execer [sic] suas atividades como solista, recitalista,

instrumentista de orquestra, camerista, música [sic] de banda ou professor de instrumento.

Pode trabalhar numa estação de rádio ou TV, numa gravadora, participar de concertos e

apresentações”. 38

Observa-se que os graduados que não cursaram esta disciplina e se mostram aptos no

desempenho profissional como professores de instrumento, alunos que concluíram ou

ingressaram antes de 2010 (que não participaram do novo sistema curricular), em muitos dos

casos, adquiriram experiência na área enquanto ministravam aulas no curso de extensão da

UFBA, sob a orientação e supervisão da Prof. Dr. Ana Cristina Tourinho.

A disciplina semestral de natureza Obrigatória que tange o tema central desta

pesquisa é a MUSC58 “Literatura do Violão”, com carga horária de 34h totais (equivalentes à

1h/semana), planeja a audição crítica e a análise de obras para violão desde a renascença até a

atualidade, tanto originais quanto transcritas. Percebe-se que somente um semestre, com

apenas 1h de aula semanal, não atenderia a vastidão de conteúdos a serem abordados no

planejamento da disciplina. A literatura violonística desde o renascimento até os momentos

atuais (com exploração de novas sonoridades, peças com técnicas expandidas, intervenção

38
Website. Disponível em: <http://www.escolademusica.ufba.br/graduacao/instrumento>. Acesso em: 28 fev.
2013. [Não Paginado]
50

computacional) seriam abordadas? Provavelmente, o pouco tempo disponibilizado a esta

disciplina para sua concretização não se mostra suficiente para a ampla proposta contida em

sua ementa.

Em contrapartida, preocupando-se com a pouca abordagem da linguagem musical

contemporânea no curso em questão, é oportuno sugerir uma iniciativa de mudança para este

quadro: a alteração da natureza Optativa para Obrigatória e/ou ainda de título nas disciplinas

MUS106 “Composição Suplementar I” e MUS108 “Composição Suplementar III” (vide pág.

41), existentes desde a matriz curricular de 1973, pouco conhecida e pouco ofertada. Pois,

estas colaborariam na aproximação do bacharelando com a música contemporânea através de

apreciações, análises das obras, bibliografia, aplicação das técnicas contemporâneas de

composição, além da nova grafia musical e sua utilização funcional.

Acredita-se na necessidade de haver uma disciplina para lidar apenas com a música

dos sécs. XX e XXI, a fim de que os instrumentistas desta época relacionem-se com tal

linguagem musical. ULLOA (2012) declara que é importante que o indivíduo, dentro da sua

formação, tenha acesso a música contemporânea. E afirma:

É necessário, a meu ver, tocar músicas não-tonais porque desenvolve


outros valores estéticos. A tonalidade, ela prende a gente muitas
vezes, você só escuta música tonal no dia-a-dia. Então, quando o
aluno já está preparado, tocando tranqüilo e limpo, penso que está na
hora de pegar um desafio com uma linguagem musical diferente.
(ULLOA, 2012)

É prudente acreditar que o título que as tais disciplinas carregam, não despertam

interesse nos estudantes de Instrumento, considerando que o objetivo principal destes é

aumentar suas habilidades técnicas e musicais na prática violonística. Esta afirmação é


51

justificada na posição atual em que as disciplinas se encontram, sem professores e o baixo

índice de procura pelo alunado.

Um levantamento no Sistema Acadêmico da Universidade junto ao Colegiado foi

feito para melhor compreensão, onde o mais antigo acessível encontrava-se datado em 1999.2,

porém nenhuma das disciplinas “Composição Suplementar” poderiam constar como

solicitadas, já que estas eram de duração anual e só poderiam ser ofertadas no primeiro

semestre de cada ano.

No ano 2000, a disciplina MUS106 “Composição Suplementar I” foi solicitada por

dois alunos, um do curso Licenciatura e outro do curso Instrumento, contudo nota-se em seu

termino um aumento no número de alunos para cinco, com três ingressos do curso

Instrumento. No ano seguinte, em 2001, cursaram o total de sete alunos, quatro de

Instrumento e três de Regência.

O número de pedido de vagas veio crescendo a cada ano, principalmente pelos

alunos de Instrumento. Em 2002, totalizaram oito pedidos de vaga para MUS106, seis destes

eram de Instrumento, um de Regência e outro de Licenciatura. Em 2003, o número de pedidos

de vaga se manteve em oito, porém houve uma redução no índice de solicitações pelos

bacharelandos em Instrumento, cursaram três alunos de Instrumento, três de Regência e dois

de Licenciatura. No ano 2004, o número total de solicitações voltou a crescer indicando sete

inscritos, porém o número de alunos de Instrumento continua a decrescer, verificam-se duas

solicitações de Instrumento, duas de Regência e três de Licenciatura.

Novamente, em 2005, o número total de solicitações continuou aumentando com oito

inscritos, mas permanece o índice de duas solicitações pelos estudantes de Instrumento,


52

enquanto Regência progride para quatro inscritos e Licenciatura apresentam dois inscritos. Já

em 2006, o índice de pedido de vagas reduziu por metade, houve apenas quatro solicitações e

todas elas por alunos de Regência.

Não foram encontrados pedidos nos anos de 2007 e 2008, consequentemente, a

disciplina MUS106 não foi ofertada. Mas em 2009, houve três solicitações, uma de Regência

e duas de Licenciatura. Foi registrada, neste ano (2009), a última oferta da disciplina

MUS106, pois segundo depoimento de secretárias do Colegiado a abertura de pedidos para

esta disciplina se encontraria burocrática e de difícil sucesso, ressaltando ainda que estaria à

beira de ser considerada como inexistente, apesar de constar na reformulada Matriz Curricular

vigente como de natureza Optativa.

Nota-se, então, que a disciplina MUS106 “Composição Suplementar I” e suas

respectivas em cadeia, a partir do seu baixo índice de solicitações, visto na análise documental

acima relatada, não despertam interesse na maioria dos bacharelandos em Violão da referida

instituição, por motivos que podem ser especulados, tais como: 1) o desconhecimento, tanto

da existência da disciplina quanto da sua(s) proposta(s) descrita(s) na(s) ementa(s); 2) o pouco

interesse por disciplinas Optativas, em geral; e/ou, 3) o título da disciplina sugere um

significado distinto da sua proposta real, significado este que faz os estudantes de

Instrumento, de maneira geral, não se interessarem pelo conteúdo a ser abordado,

compreendido por eles como “aprender a compor”.


CAPÍTULO III – METODOLOGIA

A Metodologia neste projeto é de caráter qualitativo, fundamentada por FLICK

(2009), YIN (2001) e HILL e HILL (1998), utilizando como ferramentas de pesquisa os

estudos de caso, a entrevista de grupo, os questionários, as entrevistas narrativas e a entrevista

semiestruturada, com estudantes de violão do curso Instrumento da Escola de Música da

UFBA. A amostra foi composta por três estudantes do curso Instrumento, especificamente, da

classe do Prof. Mario Ulloa, em que as características mais relevantes para escolha de cada

sujeito foram dedicação e assiduidade, analisadas e indicadas pelo seu professor de curso.

Como requisito mínimo os alunos que participaram da pesquisa deveriam ter cursado dois

semestres, visto que, geralmente, os alunos do primeiro e segundo semestres, apresentam-se

em fase de adaptação e aquisição de experiências musicais ainda em níveis elementares. A

abordagem qualitativa escolhida para a investigação dos processos de aprendizagem dos

sujeitos foi o Estudo de Caso.

3.1. Estudo de Caso

Para uma observação cuidadosa dos processos de aprendizagem de repertório

contemporâneo com técnicas expandidas, para violão solo, dos bacharelandos em Violão da

EMUS-UFBA, se fez sensata a escolha do estudo de caso como a ferramenta de investigação

principal nesta pesquisa. A fim de responder a seguinte pergunta norteadora: Quais as

estratégias utilizadas pelos estudantes de Instrumento (Violão) da UFBA no processo de

aprendizagem do repertório contemporâneo com técnica expandida, para violão solo?


54

Segundo YIN (2001), “Um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga

um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real [...]” (YIN, 2001, p. 32).

Complementando, FLICK (2009) afirma que:

O objetivo dos estudos de caso é a descrição exata ou a reconstrução


de um caso [...]. O termo “caso” deve ser entendido aqui de uma
forma bastante ampla. Pode-se adotar, como tema de uma análise de
caso, pessoas, comunidades sociais (por exemplo, famílias),
organizações e instituições (por exemplo, uma casa de repouso).
(FLICK, 2009, p.135)

Os sujeitos W, X e Y, indicados pelo professor do instrumento, foram contatados

pelo pesquisador e um primeiro encontro foi agendado. Para melhor captar as perspectivas

dos sujeitos acerca da música contemporânea e da técnica expandida, foi organizado este

primeiro encontro em grupo como uma triangulação 39 de métodos, no qual foram aplicados

questionários individuais semiestruturados, foram entregues termos de consentimento para

participação da pesquisa e, após preenchê-los, uma “entrevista de grupo” foi iniciada.

No décimo quinto capítulo do seu livro, FLICK (2009) revela, como distintas, quatro

abordagens de coleta de dados em grupo: Entrevista de Grupo, Discussões em Grupo, Grupos

Focais e Narrativas Conjuntas.

• Entrevistas de Grupo.

Entrevistar um grupo de pessoas se mostra viável como forma de amplificar a

situação de entrevista. A participação ativa de todos os membros do grupo deve ser

estimulada pelo entrevistador, não permitindo que participantes individuais ou grupos parciais

39
“Essa palavra-chave é utilizada para designar a combinação de diversos métodos, grupos de estudo, ambientes
locais, e temporais e perspectivas teóricas distintas para tratar de um fenômeno” (FLICK, 2009, p. 361).
55

dominem com suas opiniões ou relatos, a entrevista e/ou todo o grupo, para então, adquirir

maior abrangência possível ao tópico/tema. Patton apud FLICK (2009) destaca que:

A entrevista do tipo grupo é, antes de tudo uma entrevista. Não é uma


sessão para resolver um problema. Não é um grupo de tomada de
decisões. Não é originalmente uma discussão, embora normalmente
ocorram interações entre os participantes. É uma entrevista. (FLICK,
2009, p. 181)

Portanto, FLICK (2009) atenta para as vantagens que as entrevistas de grupo

propiciam:

Em resumo, as principais vantagens das entrevistas de grupo referem-


se a seu baixo custo e a sua riqueza de dados, ao fato de estimularem
os respondentes e auxiliarem-nos a lembrar de acontecimentos, e à
capacidade de irem além dos limites das respostas de um único
entrevistado. (FLICK, 2009, p. 181)

• Discussões em Grupo

Os elementos das dinâmicas de grupo e da discussão entre os participantes se

destacam nas discussões em grupo, relevando-se como geradores dos principais conteúdos a

serem utilizados na pesquisa. FLICK (2009) afirma que “ao contrario da entrevista de grupo,

a discussão em grupo estimula um debate e utiliza a dinâmica nele desenvolvida como fontes

centrais de conhecimento” (FLICK, 2009, p. 182).

A entrevista realizada com um grupo de pessoas, ao mesmo tempo, proporciona

economias de tempo e de dinheiro, em vez de entrevistas individuais em ocasiões distintas,

mostrando-se como uma opção vantajosa.


56

• Grupos Focais

Segundo FLICK (2009), “o grupo focal é uma espécie de renascimento das

discussões em grupo” (FLICK, 2009, p. 187-188). A produção de dados e insights através da

interação de grupo é a característica sobressaliente do método de pesquisa “grupo focal”,

FLICK (2009) afirma que os dados e insights “seriam menos acessíveis sem a interação

verificada em um grupo” (FLICK, 2009, p. 188).

Os grupos focais podem ser aplicados como um método isolado ou em combinação

com outros métodos/ferramentas – levantamentos, observações, entrevistas individuais, etc. O

autor ainda relata que “os grupos focais podem ser entendidos e utilizados como simulações

de discursos e de conversas cotidianas, ou como um método quase naturalista para o estudo da

geração das representações sociais ou do conhecimento social em geral” (FLICK, 2009 p.

189).

• Narrativas Conjuntas

Em “Narrativas Conjuntas”, a narração coletiva de histórias ocupada o lugar do

monólogo de um narrador único, da entrevista narrativa. Segundo FLICK (2009), essa

abordagem foi desenvolvida para um tipo específico de pesquisa, o estudo de família. O autor

declara, também, que existe a possibilidade de utilizar esta noção de narrativas conjuntas em

outras formas de comunidade:

Pode-se imaginar a utilização do método na análise de uma instituição


específica – por exemplo, um serviço de aconselhamento, sua história,
atividades e conflitos, solicitando-se aos membros das equipes que ali
trabalham para relatarem, em conjunto, a história da sua instituição.
(FLICK, 2009, p. 191)
57

Observando as características destes métodos/ferramentas supracitados, torna-se

evidente que a “Entrevista de Grupo” foi a ferramenta utilizada no Estudo de Caso, nesta

pesquisa, como primeiro contato entre o pesquisador e os sujeitos. Este encontro não

objetivava produzir dados e conteúdos para a pesquisa através da interação entre os sujeitos,

apenas foram agrupados para que os mesmos acordassem qual das três obras selecionadas e

analisadas, anteriormente, cada um ficaria responsável por ensaiar, e, a partir de então,

aproveitou-se as vantagens de tempo que as entrevistas feitas em grupo proporcionam.

As obras foram disponibilizadas na “entrevista de grupo”, as partituras e vídeos da

execução das peças estiveram acessíveis aos sujeitos, na qual, os mesmos, em comum acordo,

escolheram suas distintas peças para estudo. Os Termos de Consentimento foram distribuídos,

os quais os indivíduos leram e após concordarem e assinarem foram recomendados a

responder um questionário, que informaram sua relação com o instrumento, sua preferência

musical e as suas experiências/afinidades com a música contemporânea. Estes questionários

serviram de auxílio para a compreensão do perfil de cada indivíduo participante. Após a

escolha da peça, ocorreram três encontros semanais com cada um dos sujeitos e estas etapas

do processo de estudo foram registradas. Também como registro, foi sugerido aos sujeitos, a

utilização de um diário de estudo para auxílio na posterior análise dos dados, onde deveriam

notificar todo procedimento feito em seus estudos relacionados a preparação para execução da

obra (seja: escuta, pesquisa, execução de trechos, etc.). Estes encontros semanais se

modelavam como entrevistas narrativas e por hora transformavam-se em registro de execução

instrumental, em que o sujeito poderia interromper sua execução, em qualquer momento, para

explicitar alguma dificuldade ou informação significativa que lhe viesse à memória. Todos os

encontros foram registrados em áudio-vídeo e transcritos para uma posterior análise.


58

3.2. Instrumentos de coleta de dados

Este subtópico aborda os instrumentos de coleta de dados utilizados nesta

investigação fundamentados por FLICK (2009) e HILL e HILL (1998), justificando, ainda, os

seus interesses.

3.2.1. Questionários

O questionário, assim como os métodos para analisar os dados foram planejados com

o objetivo de testar as hipóteses, as quais se revelam como: “o gosto pelo repertório a ser

tocado influencia diretamente no estímulo para preparação da performance” e “o pouco

contato com a linguagem musical contemporânea, com técnica expandidas,

dificulta/impossibilita o sucesso na peformance do graduando em violão” (vide pág. 1). Os

questionários aplicados, nesta pesquisa, foram fundamentados por HILL e HILL em “A

Construção de um Questionário”, no qual os autores afirmam que “as perguntas de um

questionário no âmbito das ciências sociais aplicadas podem ter vários objectivos [sic] gerais.

Neste contexto o termo ‘objectivo [sic] geral’ refere-se ao tipo geral de informação que as

perguntas solicitam” (HILL; HILL, 1998, p. 12).

Segundo HILL e HILL (1998, p.12), mostra-se bastante comum a elaboração de

perguntas que não solicitem o tipo de informação que se pretende captar, além disso, “[...] os

questionários são muitas vezes aplicados na ausência do investigador e [...] normalmente os

respondentes não justificam as suas respostas” (HILL; HILL, 1998, p. 13).

Nesta obra, os autores trazem exemplos de situações corriqueiras, elucidações,

“regras de ouro” e “conselhos práticos” muito pertinentes, em que os detalhes desde a


59

construção das perguntas, possibilidades de respostas, preocupações com a posterior análise,

até a formatação (layout) do questionário, são descritos.

A tabela a seguir mostra, resumidamente, o trabalho como um todo, categorizando as

intituladas “regras de ouro”, que se encontram em cada capítulo, e algumas vezes,

relacionadas diretamente à subtópicos, onde os autores indicam o que fazer, ou não fazer, para

obter sucesso na construção de um questionário.

Tabela 1 - Categorização das "Regras de Ouro" (HILL; HILL, 1998). 40

Capítulos/Subtópicos Regra de Ouro


Pense sempre adiante ao planear a sua investigação. Caso
1. AS BASES DE CONSTRUÇÃO DE UM contrario [sic], é provável que no fim não seja capaz de
QUESTIONÁRIO testar a Hipótese Operacional que quer, ou precisa de
testar. (HILL; HILL, 1998, p.6)
Nunca faça perguntas sobre características de casos que
não vai analisar, ou que não sejam essenciais à
2. AS CARACTERÍSTICAS DOS CASOS
investigação que vai desenvolver. (HILL; HILL, 1998, p.
7)

Antes de começar a escrever as questões, faça um plano


3. AS SECÇÕES DO QUESTIONÁRIO
das secções do questionário. (HILL; HILL, 1998, p. 10)

Pense cuidadosamente qual é o objectivo [sic] geral (o


4. COMO ESCREVER (E COMO NÃO tipo de informação que quer solicitar) de cada uma das
ESCREVER) PERGUNTAS perguntas que está a colocar no questionário. (HILL;
HILL, 1998, p.12)

Pense bem se quer informação do tipo geral ou do tipo


específico. Não é necessariamente possível fazer
1.3. Perguntas gerais e perguntas específicas inferências correctas [sic] a partir das respostas dadas às
perguntas gerais sobre atitudes, opiniões, satisfações ou
gostos específicos. (HILL; HILL, 1998, p. 15)

Antes de escrever perguntas abertas pense bem como vai


analisar as respostas. Tem tempo e vontade para fazer
4.4.1. As vantagens e desvantagens das
“análise de conteúdo” ou outro tipo de análise
perguntas abertas e das perguntas fechadas
semelhante? Se não, evite usar muitas perguntas abertas.
(HILL; HILL, 1998, p. 18)

40
Todo o texto presente nesta tabela foi extraído do “documento de trabalho” de Hill eHill (1998).
60

Tabela 1 - Categorização das "Regras de Ouro" (HILL; HILL, 1998).

Nem sempre é possível evitar o uso de termos técnicos


mas, sempre que o seja, escreva perguntas curtas, use
4.5. Extensão e clareza das perguntas
palavras simples, use sintaxe simples. (HILL; HILL, 1998,
p. 19)

Verifique sempre que as perguntas que escreveu não são


4.6 Falhas vulgares a evitar
perguntas múltiplas. (HILL; HILL, 1998, p. 20)
Convém evitar escrever perguntas que contenham uma
mistura de conjunções e disjunções. No entanto, no caso
de ser obrigatório usá-las escreva-as de uma maneira mais
clara. (HILL; HILL, 1998, p. 20)
Verifique sempre que as perguntas do seu questionário são
neutras. Para isso é útil que, depois de escrever as
perguntas, ponha o questionário de lado por uns dias e
imagine-se, em seguida, um respondente ao questionário.
4.6.3. Perguntas não – neutras
Leia cada uma das perguntas com atenção e observe os
seus sentimentos. Se sentir que a pergunta está a “forçar”
uma só resposta, deve reformulá-la. (HILL; HILL, 1998,
p. 23)
Lembre-se que o valor médio é uma estatística ridícula
5.1. Escalas Nominais quando se usa uma escala nominal para medir uma
variável! (HILL; HILL, 1998, p. 26)

Se quiser analisar respostas feitas numa “Escala de


Avaliação” é muito importante verificar se os dados estão
mais ou menos de acordo com os pressupostos dos
5.2.1. Técnicas estatísticas para analisar métodos paramétricos -- por exemplo; distribuições
respostas dadas numa escala ordinal relativamente normais, homogeneidade de variância, ou
relações lineares entre variáveis no caso de correlações do
tipo Pearson e no caso de regressão linear. (HILL; HILL,
1998, p. 31)

Se pretender usar respostas alternativas do tipo “resposta


do alfaiate” deve considerar cuidadosamente como pode
tratar os valores numéricos das respostas que escreveu.
Se as análises estatísticas planeadas precisarem de
6.2. Respostas alternativas - o tipo “resposta do
respostas numa “Escala de Avaliação” e as “respostas do
alfaiate”
alfaiate” não fornecerem uma tal escala, precisa de
reescrever a pergunta como um conjunto de perguntas
onde cada uma utiliza respostas do tipo geral. (HILL;
HILL, 1998, p. 38)

Nunca adivinhe por si próprio a gama de valores


possíveis, nem o número de respostas alternativas, porque
6.4. O número de respostas alternativas é muito fácil escolher uma gama demasiado restrita ou um
conjunto de respostas alternativas inadequado às análises
de dados. (HILL; HILL, 1998, p. 41)
61

Tabela 1 - Categorização das "Regras de Ouro" (HILL; HILL, 1998).

Verifique sempre cuidadosamente que não está a misturar


7. PROBLEMAS COM AS RESPOSTAS
dois tipos de resposta (neste exemplo, frequência e
ALTERNATIVAS
quantidade) na mesma escala! (HILL; HILL, 1998, p. 44)

Para evitar problemas de interpretação, e portanto, para


recolher dados que tenham significados relativamente
7.4. Respostas alternativas parcialmente claros, é melhor descrever, com palavras, todos os
descritas números da escala de resposta. E é muito importante
utilizar um conjunto de respostas “equilibrado”. (HILL;
HILL, 1998, p. 47)
Nunca assuma que os respondentes sabem como
responder às perguntas. Dê instruções e verifique sempre
9. O “LAYOUT” DO QUESTIONÁRIO que as instruções são claras. Instruções vagas ou ambíguas
põem em causa o valor dos dados. (HILL; HILL, 1998, p.
54)

Em geral, o tempo gasto em consulta para verificar o


10. VERIFICAÇÃO DO QUESTIONÁRIO questionário é tempo bem gasto. (HILL; HILL, 1998,
p.55)

Dois questionários foram aplicados na presente investigação, o primeiro aplicado em

triangulação com o método “entrevista de grupo” e o segundo aplicado, isoladamente, via e-

mail respondido após a finalização das entrevistas narrativas individuais.

O primeiro questionário, por ter sido aplicado como uma ferramenta inclusa na

“entrevista de grupo”, em que um termo de consentimento foi distribuído, que explicava,

resumidamente, o tema, o objetivo e os procedimentos da pesquisa, estando presentes o

pesquisador e a orientadora da pesquisa, não se fizeram necessárias uma capa e uma

explicação introdutória. Em seu cabeçalho, estavam descritas informações essenciais como

entidade/unidade, nomes do pesquisador, da orientadora e do coorientador, seguidos de um

campo onde o respondente precisava preencher os seus dados pessoais. Em seguida, foram

dispostas as secções com suas respectivas perguntas. (vide Anexo 9, pág.153-154)


62

Este questionário foi construído em três secções, na “Seção 1” continha seis

perguntas voltadas a conhecer a relação dos sujeitos com o instrumento, com os seguintes

conteúdos: o primeiro contato com o violão; de que forma se deu o aprendizado; o início dos

estudos do violão solo; a rotina de estudo, no presente momento, em carga horária, e ainda, o

grau de satisfação com tal rotina.

O interesse da “Seção 2” foi coletar dados relacionados à preferência musical dos

sujeitos, investigando ainda, o fundamento da mesma, portanto, as perguntas circundavam tais

temas: convivência com os pais; experiência musical dos pais; preferência musical dos pais; e,

a preferência musical dos sujeitos.

A “Seção 3” foi responsável por investigar a relação entre os sujeitos e a música de

linguagem contemporânea (com e sem técnicas expandidas), desde suas compreensões sobre a

mesma até as experiências que vivenciaram.

O segundo questionário foi aplicado via internet, após a última entrevista

narrativa/gravação de execução instrumental, através de e-mails e redes sociais. Este

questionário, consideravelmente curto, contem apenas três perguntas, as quais abordam,

respectivamente, os seguintes quesitos: o motivo dos sujeitos terem escolhido tais peças; o

que atraiu a atenção dos sujeitos nas peças; a autodescrição do processo de estudo, ressaltando

os aspectos positivos e negativos. Esta última pergunta foi distinta para o sujeito Y, pois seu

conteúdo visava obter dados sobre sua desistência em prosseguir com sua participação na

pesquisa.
63

3.2.2. Entrevistas narrativas/Gravação de Execução Instrumental

Após a “entrevista de grupo”, foram agendadas, particularmente, três entrevistas

individuais com cada sujeito. Estas foram planejadas para ocorrerem em semanas seguidas,

porém houve contratempos e os sujeitos ficaram com a peça por mais de três semanas, porém

toda esta carga horária de estudo foi contabilizada.

Estas entrevistas individuais abertas apresentam características das chamadas

“entrevistas narrativas” (FLICK, 2009, 165-172). Pois, estas entrevistas foram iniciadas com

uma “pergunta gerativa de narrativa” a partir de uma situação inicial (“como se deu o

processo de estudo da peça, nesta semana?”), e então, alguns eventos relevantes, que surgiram

em sua narrativa improvisada, foram selecionados e questionados. No fim, os resultados

obtidos com a prática da semana foram apresentados, onde, na área em que esta investigação

atua, se fez necessária a execução instrumental atrelada às narrações. FLICK (2009) descreve

a entrevista narrativa:

A entrevista narrativa é utilizada principalmente no contexto da


pesquisa biográfica. [...] Se a intenção for fazer surgir uma narrativa
que seja relevante para a questão de pesquisa, deve-se formular a
pergunta gerativa de narrativa com clareza, mas que esta seja, ao
mesmo tempo, específica o suficiente para que o domínio
experimental interessante seja adotado como tema central. (FLICK,
2009, p. 165)

Situações adversas vêm à tona quando se é um pesquisador/entrevistador

inexperiente. Contudo, em vista de coletar os dados com fidelidade, não influenciando na

narração do sujeito, e por sua vez, nos dados obtidos, FLICK (2009) alerta a importância de

um comportamento adequado por parte do entrevistador, afirmando ser “[...] crucial para a

qualidade dos dados desta narrativa que ela não seja interrompida nem obstruída pelo

entrevistador”. O autor frisar que quaisquer perguntas, avaliações ou comentários não devem
64

ser feitas neste momento, por outro lado, sugere que o entrevistador sinalize com “hmms”,

demonstrando sua empatia com a história narrada e perspectiva do narrador: “Ao agir assim,

ele auxilia e estimula o narrador a continuar sua narrativa até o final” (FLICK, 2009, p. 166).

Embora, seja uma competência natural, e muitas vezes cotidiana, narrar os fatos pode

se apresentar como um enorme estorvo para sujeitos com alto grau de timidez, por isso nem

sempre representa o método mais apropriado. Outra desvantagem da entrevista narrativa é a

quantidade de material textual que é coletado, tornando-se um problema prático ao se

considerar como necessárias a transcrição e a análise.

Todas as entrevistas, desta investigação, foram registradas em áudio e vídeo para

posterior análise, registros estes, que se demonstraram indispensáveis pelo formato específico

das entrevistas narrativas em questão, em que as falas foram intercaladas de execução

instrumental em diversos momentos.

3.2.3 Entrevista Semiestruturada

Para maiores esclarecimentos quanto às indicações dos sujeitos para a pesquisa, e

após desistência de um dos sujeitos, buscando assim uma nova indicação, o professor de

violão foi entrevistado. Esta entrevista semiestruturada, com temas e perguntas predefinidos

em um guia, apresentou características do método “entrevista centrada no problema” descrito

por FLICK (2009, p. 154-158).

Segundo FLICK (2009), a “entrevista centrada no problema”, um tipo de entrevista

semiestruturada, sugerida por Andreas Witzel em seu trabalho “The Problem Centered

Interview” do ano 2000, utilizando a combinação de narrativas e questões, “visa focalizar a


65

opinião do entrevistado em relação ao problema em torno do qual a entrevista está centrada”

(FLICK, 2009, p. 157). Este método apresenta, como principais, os seguintes critérios:

[...] centralização no problema (ou seja, a orientação do pesquisador


para um problema social relevante); orientação ao objeto (isto é, que
os métodos sejam desenvolvidos ou modificados com respeito a um
objeto de pesquisa); e, por fim, orientação ao processo no processo de
pesquisa e no entendimento do objeto de pesquisa. (FLICK, 2009, p.
154)

Refletindo comparativamente, como “centralização no problema” se apresenta, nesta

entrevista, as questões sobre o perfil dos estudantes com sua falta de preparação prévia e, por

sua vez, a relação dos mesmos com a música contemporânea; como “orientação ao objeto”, as

questões sobre a construção do repertório dos estudantes durante o curso, além das reflexões

sobre as matrizes curriculares; e, como "orientação ao processo” se apresenta nesta entrevista

as questões sobre a indicação dos sujeitos para a pesquisa.

A entrevista é iniciada com questões sobre a indicação de sujeitos, buscando

justificativas para as indicações feitas nesta investigação relacionadas aos critérios pré-

estabelecidos. Por conseguinte, uma nova indicação de sujeito, com justificativa, foi

solicitada, após desistência de um dos indivíduos participantes.

Na Seção seguinte da entrevista, questões sobre a abordagem da música

contemporânea no curso Instrumento, e ainda, sobre a relação acadêmica entre os estudantes

dos cursos Composição e Instrumento, foram exploradas. E na Seção 3, a entrevista busca

investigar a maneira como o repertório dos bacharelandos é construído, e por sua vez, em que

momento a música contemporânea é inserida.


66

3.3. Critérios para participação da pesquisa

Para atender as especificações necessárias e acordadas previamente junto aos

orientadores, os estudantes deveriam estar devidamente matriculados no curso de graduação

em Instrumento (bacharelado) com habilitação em Violão na EMUS-UFBA e terem cursado

as disciplinas de natureza obrigatória oferecidas nos dois primeiros semestres; terem

nacionalidade brasileira; e serem portadores de qualidades como assiduidade nas aulas,

dedicação nos estudos e boa leitura musical, características estas, avaliadas pelo seu professor

do instrumento, quem indicaria os alunos como possíveis sujeitos para o pesquisador contatá-

los posteriormente.

Para garantir a fidelidade e veracidade da pesquisa os sujeitos foram instruídos a não

buscar qualquer auxílio em outros indivíduos, sejam colegas de curso, colegas de

universidade, amigos ou professores, pois o objetivo da pesquisa visou investigar como estes

bacharelandos em Violão preparariam obras do repertório contemporâneo com técnicas

expandidas, embasados do aprendizado adquirido até o presente momento. No entanto, foram

orientados a procurar soluções para as possíveis dificuldades em fontes impressas ou digitais

(livros, artigos, dissertações, teses, vídeos e áudios).

Apresentaram-se como fatores de exclusão da pesquisa os alunos do primeiro e

segundo semestres, por estarem em fase de adaptação e adquirindo experiências musicais em

níveis elementares. Concluintes também não foram indicados por estarem concentrados na

elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).


67

3.4. Perfil dos sujeitos

Os Sujeitos desta pesquisa foram indicados pelo seu professor do instrumento,

prezando os critérios: dedicação, assiduidade, leitura musical e preparação técnica. Como

descritos a seguir, pode-se perceber que as suas relações iniciais com o instrumento, e por sua

vez, o desenvolvimento das habilidades neste, apresentam-se de maneiras bastante distintas.

Dentre os sujeitos que contribuíram com a pesquisa, seja de forma integral ou parcial,

encontram-se os que iniciaram o aprendizado do violão: em escola privada de música; em

conservatório estadual; por meio de aulas em domicilio com professor particular; e, por conta

própria, através de revistas de cifra e auxílio de amigos (conhecidos como “autodidatas”).

3.4.1. Sujeito W

Seu primeiro contato com o violão se deu aos 11 anos de idade, em uma escola

privada de música, onde iniciou o seu aprendizado em Violão Solo. Em 2009.1 ingressou no

bacharelado em Violão na classe do Prof. Dr. Mario Ulloa. Enquanto entrevistado, sujeito W

cursava o oitavo semestre, porém após aderiu à nova Matriz Curricular reorganizada em 2010,

em que seus créditos com as disciplinas já cursadas, além de outros critérios, precisariam ser

reavaliados.

Em questionário aplicado no primeiro encontro, organizado como “entrevista de

grupo”, W declara estar medianamente satisfeito com o seu ritmo de estudo prático ao

instrumento, afirmando se dedicar por 6 horas diárias ao violão com exceção dos fins de

semana.

Sua preferência musical é bastante diversificada, abrange desde a música de

concerto, do repertório tradicional (século XIX e anteriores) até a música contemporânea,


68

bem como, a bossa nossa, o forró, os sambas e pagodes, o reggae, o rap, o hip hop e outros

estilos como a “música popular” instrumental, especificamente, o chorinho e o jazz. Aos quais

costuma frequentar apresentações públicas na cidade em que reside, sejam estas, shows,

recitais solos. A música contemporânea é, para este sujeito, todo o repertório composto no

último século e neste, contendo peculiaridades sonoras observáveis nas obras desta década.

Ainda afirma ter alguma experiência com esta linguagem, pois executou peças de

compositores do século XX, como Heitor Villa-Lobos (1887-1959) e Frank Martin (1890-

1974).

No mesmo questionário, W pontua que apreciar música contemporânea pode ser uma

questão de criar hábito, pois nela é comum a exploração de material musical que contraste os

convencionalmente utilizados na música erudita tradicional, aos quais estamos acostumados.

3.4.2. Sujeito X

Seu primeiro contato com o violão não se pôde saber com precisão, pois morou toda

sua infância com seu pai músico, especificamente, violonista de acompanhamento. Contudo,

foi aos 14 anos de idade que X teve sua primeira lição ao violão, em um conservatório

estadual de música, no qual concluiu o curso preparatório de violão em 2011. No mesmo ano,

ingressou no curso técnico de música com habilitação em violão, da mesma instituição.

Prestando o vestibular da UFBA, no fim de 2011, X ingressou no bacharelado em

Violão, em 2012.1, na classe do Prof. Dr. Mario Ulloa, portanto, durante as entrevistas,

cursava o primeiro semestre. Por este motivo, a principio, X não estaria atendendo todas as

especificações contidas nos critérios de inclusão da pesquisa, pois não cursou as disciplinas de

natureza obrigatória oferecidas nos dois primeiros semestres. Porém, a justificativa para este
69

ponto de exclusão seria que, geralmente, o bacharelando recém-ingresso estaria adquirindo,

ainda, experiências musicais em níveis elementares, a qual este sujeito não se enquadra, haja

vista ter estudado por quatro anos (um ano e meio no curso de iniciação musical e dois anos e

meio no curso preparatório) em conservatório estadual de música, apresentando uma leitura

musical fluente, estando ela, sempre posta à prova nas disciplinas “Seminários em

Instrumento”, que foi avaliada, recentemente, como “excelente” pelo seu professor de curso 41.

Com seu ritmo de tudo contabilizado entre 6 a 8 horas diárias, X declara estar

satisfeito, atribuindo nota 4 em uma escala de 1 a 5, em que 1 significa extremamente

insatisfeito e 5 extremamente satisfeito.

Dentre suas preferências musicais encontram-se os gêneros populares frevo, MPB e

samba, além de música erudita, especificamente, a música instrumental para violão solo e

várias obras orquestrais e camerísticas. Ele revela ter frequentado shows de forró e MPB,

recentemente, assim como concertos de música erudita em geral, sendo estes últimos

comumente vinculados a EMUS-UFBA.

A música contemporânea, em sua compreensão, tem de ser inovadora e mostrar

novas experimentações quanto à estruturação, sonoridade, textura e técnica. Atualmente,

estuda a obra “Ponteio e Tocatina” de Lina Pires de Campos, a qual considera contemporânea.

3.4.3. Sujeito Y

A partir do interesse do seu pai em adquirir o violão para, então, aprendê-lo, o sujeito

Y com 13 anos de idade, iniciou suas primeiras lições ao instrumento por intermédio de um

41
Ocasião relatada pelo sujeito em suas entrevistas narrativas individuais.
70

professor particular. As lições eram variadas abordando tanto violão de acompanhamento

quanto violão solo. Em 2009.1, Y ingressou no bacharelado em Violão da EMUS-UFBA, na

classe do Prof. Dr. Mario Ulloa. Cursava, enquanto entrevistado, o oitavo semestre, porém

como aderiu à nova Matriz Curricular reorganizada em 2010, seus créditos com as disciplinas

já cursadas, entre outros critérios, precisariam de reavaliação.

Com sua relação de estudo com o violão contabilizada em 5 horas diárias, em média,

Y atribui nota 4 para medida de satisfação com seus estudos, afirmando, assim, estar

satisfeito.

Sua preferência musical atende a diversos gêneros, sejam eles jazz, rock, música

clássica, reggae e, em geral, música brasileira. Frequenta, sempre que possível, aos shows dos

referidos gêneros supracitados.

Para Y, a música contemporânea é uma música mais livre, desprendida dos preceitos

harmônicos estabelecidos no século XVIII, com características dos compositores da segunda

escola de Viena, como o dodecafonismo, serialismo, minimalismo. Declara, ainda, que esta

linguagem musical é estranha aos seus ouvidos, já que sua preferência musical é centrada no

campo tonal, portanto, uma música totalmente fora destes parâmetros ainda lhe causa um

devido estranhamento.

O Sujeito Y, dias depois da entrevista de grupo, antes mesmo da sua primeira

gravação/entrevista individual, comunicou ao pesquisador que não poderia prosseguir na

investigação.
71

3.4.4. Sujeito Z

Este Sujeito foi convidado para participar da pesquisa, por uma ocasião especial, a

fim de completar o quadro de investigação, delimitado anteriormente por três bacharelandos

em Violão da classe do Prof. Dr. Mario Ulloa, após desistência do sujeito Y. Portanto, todos

os nossos encontros ocorreram mais tardiamente e foram individuais, nos quais foi repetido

cautelosamente todo o procedimento ocorrido desde a primeira entrevista de grupo em que

estavam presentes os sujeitos W, X e Y.

O Sujeito Z, teve seu primeiro contato com o violão aos 10 anos de idade, quando

aprendeu os primeiros acordes no instrumento, por intermédio de revistas de cifras e auxílio

de amigos de maneira informal. Após interessar-se pelo curso superior em música, procurou

se preparar com um amigo mais experiente, que lhe ensinou a ler partitura. Tentou vestibular

por dois anos, 2009.1 e 2010.1, para o curso Licenciatura, nos quais foi reprovado. Em 2011.1

ingressou no bacharelado em Violão, na classe do Prof. Dr. Mario Ulloa, e no momento das

entrevistas cursava o quarto semestre.

No questionário aplicado na “entrevista de grupo”, Z declarou que estava

extremamente satisfeito com seus estudos, contabilizados entre 8 e 10 horas diárias, alguns

dias ultrapassando este máximo.

Sua preferência musical se resumia ao rock, e ainda, relatou que não escutava axé,

nem pagode, nem MPB, nem música clássica, nem qualquer outro gênero musical.

Atualmente, escuta bastante música erudita, em especial, a música instrumental para violão

solo, porém continua ouvindo rock, especificamente, as músicas da banda Metallica (de

subgênero conhecido como Thrash Metal), banda esta, que Z declarou ser fã. Revelou, então,
72

que tem frequentado, ultimamente, apenas aos concertos de entrada franca e recitais de

colegas da universidade.

A música contemporânea, para Z, é um tipo de linguagem nova, estranha e complexa

para se entender e tocar, que não segue uma sequência lógica. Afirmou também, não a

conhecer seguramente e não ter grandes experiências. Contudo, declarou ter iniciado,

recentemente, por sugestão de Ulloa, o estudo da obra “Sonata” (1990), para violão solo, do

compositor e violonista cubano Leo Brouwer (1939-), dedicada a Julian Bream, na qual

apresentou ao seu professor, o terceiro movimento “Toccata de Pasquini”. Relatou, ainda, que

encontrou dificuldades técnicas nesta experiência, apontando nota 3 numa escala de 1 a 5 (em

que 1 significa “não encontrei nenhuma dificuldade” e 5 significa “não consegui tocá-la”),

mas não encontrou dificuldades na leitura da partitura.

O sujeito afirmou acreditar que é necessário um contato mais frequente com obras

contemporâneas para que deixem de ser estranhas e se tornem agradáveis. Ainda exemplificou

algumas obras que o agrada, como as “Quatre Pièces Brèves” (1933) do compositor suíço

Frank Martin, “Parábola” (1973) de Leo Brouwer, “Toccata de Pasquini” da “Sonata” de

Leo Brouwer.
CAPÍTULO IV – APRESENTAÇÃO DAS OBRAS E SEUS

COMPOSITORES

Este capítulo apresentará as obras utilizadas nos estudos de caso, justificando a

escolha das mesmas, bem como, trará à luz uma breve análise dos seus principais aspectos.

Antes de tudo, notamos que seria pertinente relatar os dados biográficos dos compositores das

obras envolvidas na pesquisa, estes dados, portanto, serão explanados no primeiro subtópico a

seguir.

4.5. Resumos Biográficos dos Compositores

Aqui, objetivou-se apresentar, ao leitor, os compositores das obras selecionadas para

o Estudo de Caso, pois são desconhecidos por muitos dos músicos não envolvidos com a

linguagem musical contemporânea.

4.5.1. Arthur Kampela

Nascido em 1960, no Rio de Janeiro, vencedor do International Guitar Composition

Competition (Caracas, Venezuela) em 1995, e também vencedor do Lamarque-Pons Guitar

Composition Competition (Montevideo, Uruguay) em 1998, é reconhecido

internacionalmente, tanto como compositor quanto como violonista virtuoso. Ele recebeu

comissões e prêmios da Filarmônica de Nova York, Koussevitzky Foundation, Rio Arte

Fundação, entre outras.

Kampela trouxe novas propostas para a música de duas formas particulares: em

primeiro lugar, em seu país natal, ele fundiu estilos populares da própria nação com técnica e

textura contemporâneas. Em seu CD de 1988, "Epic...", ele usou formas de música popular
74

criando um gênero híbrido verdadeiro, desconstruindo o samba, jazz, com recursos de música

nova. Em segundo lugar, seu trabalho vem abordando novas técnicas para instrumentos

acústicos.

Formou-se em Composição na Escola de Música da Universidade Federal do Rio de

Janeiro (UFRJ), tendo estudado com os professores Dr. Rodolfo Caesar (1950-) e Dr. Ricardo

Tacuchian (1939-). Em 1993, fez aulas particulares com compositor britânico Brian

Ferneyhough (1943-). Em 1998, Kampela recebeu título de doutor em composição pela

Universidade de Columbia, na qual estudou com Mario Davidovsky (1934-) e Lerdahl Fred

(1943-). Em muitas de suas peças, Kampela emprega técnicas expandidas para instrumentos

acústicos e a “modulação micro-métrica”, um sistema rítmico sugerido por Elliot Carter

(1908-2012) e desenvolvido por Kampela, gerando complexas relações rítmicas.

Obras de Kampela foram apresentadas nos principais fóruns de música

contemporânea na América do Sul, Europa, Ásia e EUA. Suas peças estão sendo gravadas por

muitos intérpretes da nova música. Mais recentemente, o pianista Jenny Lin gravou sua obra

"Nosturnos" como primeira faixa do seu CD "The Eleventh Finger", lançado pela gravadora

Koch. Composições de Kampela também foram executadas no Weill Hall (parte do Carnegie

Hall), Concerto Merkin Hall, Teatro Miller, Colégio Mannes, Rua 92 Y, Americas Society, e

em clubes locais subterrâneos e espaços como Satalla, The Cutting Room, Cornelia Street

Café, etc. Fez turnê junto tocando em grupo, em lugares diversos como a Cidade do México,

São Paulo, Estrasburgo, Outreach Festival em Schwaz, na Áustria, entre outros. (CURY,

2006, p. 25-31; ARTHUR Kampela, 2001)


75

4.5.2. Egberto Gismonti

Nascido em 1947, na cidade do Carmo (Rio de Janeiro), filho de pai libanês e mãe

italiana, iniciou seus estudos musicais no Conservatório Nova Friburgo e ao piano com

Kacques Klein aos 5 anos de idade, e mais tarde, em sua adolescência, buscou experiências

com outros instrumentos como clarinete, flauta e violão.

Em 1967, foi estudar em Paris, onde teve aulas de orquestração e análise com Nadia

Boulanger (1887-1979) e de composição com Jean Barraqué (1928-1973), discípulo de

Schoenberg e Webern. Retornando ao Brasil, inicia sua carreira pública participando do

Festival da Canção de 1968, com a canção “O Sonho”, que já trazia um pouco da linguagem

vanguardista provavelmente assimilada em seus estudos parisienses.

Em 1969, lançou seu primeiro disco, Egberto Gismonti, com forte influência da

Bossa Nova. Um ano depois, Gismonti se dedicaria a pesquisas musicais e experimentações

com estruturas complexas e instrumentos inusitados, voltando-se quase exclusivamente para a

música instrumental. A hesitação das gravadoras brasileiras com o seu estilo o levou a

procurar refúgio em selos europeus, pelos quais lançou vários álbuns pelas décadas seguintes.

Gismonti explorou diversos caminhos na música: o interesse na música folclórica e

nas raízes do Brasil o levou a estudar a música indígena do Brasil, morando por um breve

período, em 1971, com os índios yaw aiapiti do Alto Xingu; passou a dedicar-se mais a flauta

e o violão por influência do chorinho, encontrando-se no violão de oito cordas em 1973; e, a

vivência na Europa e a curiosidade com a tecnologia o levou aos sintetizadores.

Gismonti continuou gravando seus álbuns e participando de discos alheios, além de

apresentar-se pelo mundo a fora. Entre os diversos músicos com os quais se relacionou,
76

destacam-se Naná Vasconcelos, Marlui Miranda, Charlie Haden, Jan Garbarek, André

Geraissati, Jaques Morelenbaum, Hermeto Pascoal, Airto Moreira e Flora Purim.

Gismonti nos anos 80 recomprou todo o seu repertório de composições e tornou-se

um dos únicos compositores do país donos de seu próprio acervo. Ele relançou parte de sua

discografia pelo seu próprio selo, Carmo. (CONTRIBUIDORES da Wikipédia, 2012;

SCHROEDER, 2006, p. 86; STÖWSAND, 2013; MOLINA, 2010, p. 50-53).

4.5.3. Gilberto Stefan

Nascido em 1977, na cidade de Campo Grande-MS, interessou-se por tocar guitarra

elétrica (seu primeiro instrumento) aos 16 anos, por intermédio de um amigo “autodidata” que

lhe prestava lições aos finais de semana. Stefan teve contato com o violão concomitantemente

ao aprendizado da guitarra elétrica, praticando-os alternadamente. Então, em setembro de

1993, passou a fazer aulas de Violão Solo em uma escola de música privada na cidade em que

residia, onde em uma audição no fim do ano seguinte, em 1994, o maestro Victor Marques

Diniz se interessou pelo talento do novato violonista, convidando-o para integrar a Sociedade

Coral e Orquestra Clássica de Mato Grosso do Sul (SCOR).

Em 2000, Stefan mudou-se para Curitiba e ingressou no Conservatório de Música

Villa-Lobos, onde foi aluno de Valdomiro Prodóssimo (1944-), discípulo de Jodacil

Damaceno (1929-2010). Em 2002 ingressou no bacharelado em Violão da Escola de Música e

Belas Artes do Paraná (EMBAP), na classe de violão do Prof. Luis Cláudio Ribas Ferreira

(1965-), que também foi aluno de Valdomiro Prodóssimo, marcando sua conclusão de curso

com a execução pública do “Concierto de Aranjuez”, em 2005, do compositor-pianista

Joaquín Rodrigo (1901-1999), na Sala Scabi em Curitiba. Obteve o título de Mestre em


77

Música, na área de concentração Pedagogia da Performance Musical, em 2012, pelo Programa

de Pós-Graduação da Escola de Música e Artes Cênicas (EMAC) da Universidade Federal de

Goiás (UFG), sob orientação da Prof. Dr. Sonia Ray.

Sua trajetória como compositor iniciou desde suas primeiras experiências como

intérprete, em 1993. Stefan não se considera um compositor acadêmico, mas sim, um

instrumentista que compõe para violão. Desenvolveu o exercício de compor ao passo que

adquiria habilidades técnicas e compreendia idiomaticamente o seu instrumento.

Até o ano 2004, sua preferência musical e toda a sua base de formação era calcada,

basicamente, no repertório tradicional para violão. A aproximação com a linguagem musical

contemporânea se deu pela busca de outras relações sonoras, distintas da hierarquia proposta

pelo tonalismo. A primeira obra, a qual o próprio autor considera ter linguagem

contemporânea, encontra-se datada em 2002, intitulada “Impressões sobre Formações

Rochosas”. Obra esta que o violonista Dr. Marcelo Fernandes executou por grande parte do

país, em 2009, através do Projeto Sonora Brasil realizado pelo SESC.

O violonista e compositor Gilberto Stefan estreou sua obra “Impressões Sobre

Formações Rochosas” no II Festival Penalva de Curitiba, em 2004. No mesmo ano, outra

composição de sua autoria, “Chanel #5”, encomendada pelo Prof. Dr. Orlando Fraga à

orquestra de violões da EMBAP, teve sua estreia realizada no auditório Bento Mossurunga,

em Curitiba.

Em 2008, apresentou o Concerto Op. 140, para Violão e Orquestra, também

conhecido como “Petit concerto de societé” (1820), de Ferdinando Carulli (1770-1841), no

teatro Aracy Balabanian em Campo Grande-MS, com a Orquestra Sinfônica de Campo


78

Grande, sendo essa, provavelmente, a primeira execução pública da obra em território

nacional. Em 2009, compôs a “Morte Transfigurada”, apresentada no Congresso da

ANPPOM de 2011, na Universidade federal de Uberlândia (UFU). 42

4.6. Descrições das Obras Utilizadas

Os critérios para a escolha das peças foram pessoais, em que o pesquisador delimitou

alguns requisitos: serem de compositores brasileiros vivos, com linguagem contemporânea;

composta para violão solo; que houvesse registro disponibilizado na internet; e que
43
explorassem as técnicas expandidas pelo viés “de ordem mecânica” (vide pág. 11), visto

que nas técnicas expandidas “por deslocamento de contexto” 44 (vide pág. 11), os sujeitos,

possivelmente, não encontrariam dificuldades práticas para sua execução.

4.6.1. Estudos Percussivos I (1990) 45 – Arthur Kampela

A obra “Estudos Percussivos I” compõe um grupo de quatro peças denominadas

Percussion Study, organizadas assim: Percussion Study I (1990), peça para violão solo

dedicada ao violonista Pablo Marques; Percussion Stydy II (1993), peça para violão solo,

dedicada a Elliot Carter, em que o executante deve fazer uso de uma colher; Percussion Study

III (1997), peça para violão solo, com intervenções vocais do próprio violonista; Percussion

Study IV (2003), para viola de orquestra que deve ser executada com técnica violonística.

42
Informações cedidas pelo compositor em março de 2013.

43
(STEFAN, 2012, p. 22)

44
(STEFAN, 2012, p.22)

45
Segundo CURY (2006) esta obra foi composta em 1990, porém no programa “O Violão Brasileiro” ZANON
(2008b) informa que a mesma obra foi composta em 1991.
79

Esta composição, também conhecida como “Danças Percussivas” (nome usado para

os dois primeiros estudos quando executados sem os demais), foi premiada em 1995 no

concurso International Guitar Composition Competition “Rodrigo Riera”, em Caracas na

Venezuela, que tornou Arthur Kampela conhecido no cenário internacional de violão.

(CURY, 2006; ZANON, 2008b)

O fator de maior relevância para preferência da utilização desta obra, neste trabalho,

deu-se pela abordagem das técnicas expandidas em mesmo grau de importância que a

melodia, como afirma o pesquisador Fernando Cury:

É bom ressaltar que a obra PS I [Percussion Stydy I] é uma música


melódica. Os efeitos não sobrepõem às notas tocadas, mas as
complementam. Eles sobem ao primeiro plano e “dialogam” com as
melodias e as demais notas tocadas de forma tradicional. (CURY,
2006, p. 50)

Com escrita cuidadosamente detalhada, cada mínima nuance da percussão é descrita.

O autor não só indica o golpe no tampo do instrumento, mas em que região do tampo, bem

como, em que parte da lateral do violão, cavalete ou cordas, além de indicar o dedo ou a

forma como executar a nota percussiva. Kampela em sua peça exige absoluto controle do

violonista, não apenas como e onde os golpes devem ser executados, mas com o ritmo e o

andamento precisamente indicados, tornando deveras complexa sua execução. Como se pode

observar neste exemplo:


80

Exemplo 1 - Fragmento de "Percussion Study I" de Arthur Kampela. 5º compasso.

Este é um extrato do quinto compasso da peça Percussion Study I, o qual apresenta

símbolos gráficos não usuais numa partitura de música tradicional. Estes símbolos >

indicam golpes no instrumento. O símbolo > indica golpear com a mão esquerda a nota

especificada sem prender corda com a mão direita, uma técnica expandida chamada pelo autor

por tapping technique (mas, também conhecida por bi-tones 46). Os outros dois símbolos

indicam a execução de golpes no tampo, sendo um golpe com o dedo polegar da mão

direita acima da boca do instrumento, e significando uma tapa (slap) com a mão esquerda

na parte inferior dianteira do tampo (abaixo da boca do instrumento) 47. Outras técnicas

expandidas como (tambora), (pizzicato alla Bartók), entre outros, são abordadas no

decorrer da peça, notificando ainda, suas indicações de “modulação micrométrica” (⌐ 5:4 ¬) e

as mudanças de compassos também visíveis na figura acima.

46
(LUNN, 2010, p. 20-22)

47
Informações retiradas da bula manuscrita de Arthur Kampela, contida no trabalho de CURY (2006, p.49)
81

Outro fator de destaque, que influenciou na escolha desta peça, foi sua popularidade

entre as peças da linguagem. Segundo ZANON (2008b):

Apesar da sua complexidade, [a obra Estudos Percussivos I] tem sido


gradualmente adotada pelos violonistas mais jovens a começar por
Pablo Marques, um grande especialista em música contemporânea,
que toca esta música em praticamente todo concerto. (ZANON,
2008b)

Em sua dissertação de mestrado, intitulada por “Percussion Study I, de Arthur

Kampela: um guia para intérpretes”, CURY (2006) analisa detalhes na construção desta obra,

bem como sua devida execução, com certo cuidado. E notifica que as inovações trazidas nesta

peça “podem assustar músicos que, embora experientes no instrumento, não estejam

familiarizados com o estilo e as técnicas empregadas”, ressaltando que “muito do que foi

desenvolvido por Kampela não foi ainda assimilado por grande parte dos violonistas

brasileiros” (CURY, 2006, p.88).

4.6.2. Central Guitar (1973) – Egberto Gismonti

Egberto Gismonti, conhecido internacionalmente como um dos maiores

instrumentistas do jazz contemporâneo, após sua experiência em Paris, onde estudou

composição, orquestração e análise, compôs a “Variations: Hommage à Webern” e a “Central

Guitar” (dedicada a Turíbio Santos), estas obras perduram no repertório de concerto.

O curioso é que esta obra, apesar de não ter nada de casual em sua
construção, já trás algumas constantes da abordagem violonistica que
Gismonti explora como improvisador. O uso da percussão na mão
esquerda com elemento melódico, essa preferência por arpejos que
cria um contínuo sonoro e passagens executadas unicamente pela mão
esquerda que tem o ritmo marcado por intervenções incisivas da
direita. (ZANON, 2008a)
82

A Central Guitar aborda diversas técnicas expandidas ao passo que aborda a

tradicional execução no instrumento alternadamente, em que o autor faz uso frequente de

glissandi 48 microtonais, conhecidos por bending glissandi (LUNN, 2010, p. 9-10) ou bend

(também utilizados na guitarra elétrica), além de golpes de percussão no tampo do

instrumento, pizzicato alla Bartók, glissando de mão direita, bi-tones ou tapping, dentre

outros elementos considerados como técnica expandida.

Exemplo 2 - Fragmento da peça “Central Guitar” de Egberto Gismonti. 1ª página, 3º sistema.

Neste trecho, localizado no terceiro sistema da primeira página, a técnica de tapping

aparece sinalizada com “M E”, ao passo que executa arpejos com a mão direita nas cordas

primas. E na Figura 3, pode-se observar o Z representando o bending glissandi, visto na

primeira colcheia do quinto sistema da primeira página:

48
Glissandos executados com a mão esquerda, referidos assim em LUNN (2010, p. 5-13)
83

Exemplo 3 - Fragmento da peça “Central Guitar” de Egberto Gismonti. 1ª página, 5º sistema.

Os dois asteriscos neste trecho, direcionam a uma nota de rodapé que indica deixar

soar a quinta corda, visto que em interpretações de música tradicional o violonista, com bom

senso, prenderia as demais cordas não requisitadas deixando apenas soar a nota sol da

segunda corda. No compasso seguinte do mesmo sistema, surge a primeira indicação de golpe

da peça, neste caso o autor não especifica detalhadamente onde o fazê-lo, pois a nota de

rodapé (a qual os três asteriscos direcionam) apresenta apenas “Golpe” (vide em Exemplo 4):

Exemplo 4 - Fragmento da peça “Central Guitar” de Egberto Gismonti. 5º sistema, último compasso.

Esta transição delicada entre as técnicas tradicional e expandida, observadas entre

duas aparições de técnica expandida nos exemplos supracitados 49, se mostrou como fator

49
O que difere da sequência de notas percussivas consecutivas, vistas em Percussion Study I. (vide Exemplo 1)
84

interessante para sua utilização na pesquisa, em vista da pouca experiência notada nos

referidos estudantes de violão, seja de escuta ou de execução, evitando assim causar espanto

por conta de uma linguagem totalmente estranha aos mesmos.

Outro fator relevante foi a popularidade do compositor e desta obra, acreditando na

possibilidade de estimular os sujeitos, principalmente, pela linguagem musical jazzística que o

compositor carrega consigo e se revela em sua obra, visto que o jazz é bastante apreciado

pelos estudantes aqui investigados.

4.6.3. Morte Transfigurada (2009) – Gilberto Stefan

A "Morte Transfigurada" é uma obra composta em três movimentos: “I – Opressão”,

“II – Torpor” e “III – Eclosão”. Dedicou a Régis Frias, regente formado pela Universidade

Estadual de São Paulo (UNESP), o qual sugeriu o título da obra por alusão à "Noite

Transfigurada" de Arnold Schoënberg. Inspirada pelo gosto musical na época da sua

“adolescência rockeira” da década de 1990. Gilberto Stefan declara que a obra expressa a

reclusão involuntária devido à síndromes despertadas após ter sofrido um assalto à mão

armada.

A obra aborda, em nível perspicaz, relações com as técnicas expandidas, uso de

recursos de tapping, pizzicato, tambora e trêmolo, além de tratar de um pensamento

composicional que cruza as fronteiras de estilos musicais como o rock (metal) e a Música

Clássica, trazendo a idiomática do Death Metal, Hardcore de Nova Iorque e Heavy Metal

para o contexto de música contemporânea pra violão solo.

Os dois primeiros movimentos apresentam semelhanças na linguagem explorada, em

que o compositor propositalmente não deixa claro sua proposta central, a qual aparece no
85

terceiro movimento em que os subgêneros do rock (metal) estão indicados por seção. O

primeiro movimento “I – Opressão” foi inspirado no subgênero Doom Metal (estilo conhecido

por bandas como Black Sabbath, My Dying Bride), aliado as obras de Manuel de Falla e de

Leo Brouwer. O segundo movimento “II – Torpor”, inspirado no subgênero Black Metal

(especificamente, da antiga banda Ulver com seu álbum “Bergtatt”).

Nestes movimentos, nuances na mudança de timbres são descritos detalhadamente,

quando atacar a nota com som de unha na mão direita ou com som da polpa do dedo polegar,

descrita pelo autor como “gema”, bem como, a exploração de timbres “Dolce” e “Metálico”.

Vale ressaltar a aparição de uma grafia distinta das já tradicionalmente conhecidas, no quinto

compasso do segundo sistema contidos em “I – Opressão”:

Exemplo 5 - Fragmento de "Morte Transfigurada" de Gilberto Stefan, 1º movimento “I – Opressão”. 5º

compasso.

Com grafia similar à usada por Kampela para a execução de golpes, Stefan indica um

glissando em pizzicato feito com a mão esquerda que está simultaneamente executado com
86

trêmolo na mão direita, esta técnica expandida de pizzicato se mostra semelhante à técnica

muting over 50, indicada por LUNN (2010, p. 13-16).

Exemplo 6 - Fragmento de “Royal Winter Music” de Hans Werner Henze, 1º movimento "Gloucester".

Compassos 101-102.

Exemplo 7 - Fragmento da peça “La Espiral Eterna” de Leo Brouwer. 7ª página, 4º sistema.

Por fim, o terceiro movimento “III – Eclosão” apresenta uma coletânea dos

subgêneros do rock, inspirados por bandas como Sick of it All, Sepultura, Suffocation, Iron-

Maiden e Atrocity. Nele são retratados elementos como pedais duplos de bateria, acordes

dissonantes comumente utilizados, as suas formas musicais e as convencionadas finalizações

de guitarra e pratos da bateria.

50
Som abafado produzido com os dedos da mão esquerda encostados levemente na corda sem imprimir força, e
as mesmas cordas pinçadas com a mão direita, podendo ser usado tanto ritmicamente quanto melodicamente.
Tipicamente, esta técnica é indicada pelo uso de um X no lugar da “cabeça da nota” (notehead), ou ainda junto à
nota (vide exemplos em Exemplo 6 e Exemplo 7). O som produzido é composto principalmente de “ruído”, mas
há também uma altura que pode ser ouvida dentro do “ruído”. (LUNN, 2010, p. 13-14, tradução do autor)
87

Exemplo 8 - Fragmento de "Morte Transfigurada" de Gilberto Stefan, 3º movimento "III - Eclosão". 2ª

página, 1° sistema.

No último compasso deste exemplo, um golpe é indicado pelo símbolo T, descrito na

bula como “percussão sul tasto” 51. Nesta peça, são possíveis duas formas de execução, com a

mão direita golpeando as cordas na região da casa 12, quando grafado abaixo do pentagrama

(fazendo analogia a tradicional escrita para piano), e, como neste exemplo, com a mão

esquerda golpeando as notas indicadas em pestana com indicador 52, grafado acima do

pentagrama.

51
Expressão musical, de idioma italiano, entendida por golpear o braço do instrumento, visto que tasto é o que
chamamos no Brasil por “casa”, contidas na tastiera ou “escala” do violão. Então, sul tasto significa “na casa”.

52
Este movimento usa scordattura com a 6ª corda afinada em Ré
88

Exemplo 9 - Fragmento de "Morte Transfigurada" de Gilberto Stefan, 3º movimento "III - Eclosão". 2ª

página, 3° sistema.

Neste exemplo, o compositor explora nuances percussivas no corpo do instrumento,

usando o símbolo para indicar golpes no tampo, sejam acima da boca com o dedo polegar

ou abaixo da boca com a mão esquerda, e o símbolo x para indicar golpes sobre o cavalete ou

ponte do instrumento.

A “Morte Transfigurada”, datada em 2009, estreada no mesmo ano pelo próprio

compositor no Teatro Prosa Sesc em Campo Grande – MS, foi selecionada para apresentação

na Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música (ANPPOM) em 2011. 53

Logo, a escolha desta obra de técnicas expandidas se mostrou atraente para esta

pesquisa, principalmente, por apresentar proximidade em questões de preferência musical

com os estudantes da graduação em Violão da UFBA, seja esta preferência ainda presente

hoje ou que tenha feito parte da adolescência dos mesmos.

53
Informações retiradas da entrevista com Gilberto Stefan no programa de rádio “Clássicos 104”, apresentado
pelo maestro Eduardo Martelli em 2012, disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=L8DGlWqmMwI>.
E retiradas também do texto disponível na descrição do vídeo disponibilizado pelo autor em:
<http://www.youtube.com/watch?v=Yof79y126lc>. Acessados em: 15 set. 2012.
CAPÍTULO V – DESCRIÇÃO DOS CASOS E ANÁLISE DOS DADOS

As descrições dos casos foi o objetivo deste capítulo, sendo a análise dos dados

coletados fundamentada em SLOBODA (2008) e TOURINHO (1995), em que foram feitas

conexões dos autores apresentados na fundamentação teórica com os citados durante o corpo

de texto do presente trabalho.

O primeiro questionário visou coletar dados pessoais e de experiências musicais dos

sujeitos, no qual a análise e a descrição destes dados foram dispostas no subtópico “Perfil dos

Sujeitos” (vide pág. 67). Portanto, este capítulo tem como objetivo descrever os resultados,

bem como a análise dos dados coletados em pesquisa de campo. As questões que investigam a

relação dos sujeitos com a música contemporânea reaparecerão aqui, acrescidas das

compreensões, dos mesmos, sobre as técnicas expandidas como forma de auxiliar o leitor.

Logo depois, neste mesmo encontro, a “entrevista de grupo” surgiu como

instrumento de coleta dos dados junto ao questionário acima mencionado, tendo como

objetivo a elucidação e a extensão de alguns dados fornecidos. Vale ressaltar que os três

sujeitos que afirmaram ter ouvido falar ou tentado definir uma conceituação para o termo

“técnica expandida”, o conheceram nas inevitáveis conversas informais com o pesquisador,

antes de serem indicados para participação da pesquisa.

Para auxiliar na compreensão dos dados, os diários de estudo foram utilizados pelo

pesquisador como complemento das informações retiradas das entrevistas. Os dados do

questionário final, aplicado via email, também foram expostos na introdução de cada caso,

assistindo a justificativa da escolha da obra estudada pelo sujeito em questão.


90

Para uma análise eficiente, os dados foram filtrados a partir da leitura flutuante e

depois cruzados para estabelecer conclusões a respeito do ocorrido. Nos subtópicos a seguir

serão relatados os estudos, caso a caso, com suas respectivas entrevistas narrativas/gravação

de execução instrumental.

5.1. O Caso W

Os casos se individualizam, nesta pesquisa, após a escolha da obra pelos sujeitos.

Escolha esta feita através do acordo entre os indivíduos presentes na entrevista de grupo, em

que W ficou responsável por preparar a obra “Danças Percussivas I”, a qual lhe despertou

maior interesse devido à exploração rítmica e à “percussividade” exposta através de golpes

em diversas partes do violão:

Escolhi esta peça, pois por estarmos tratando do estudo de peças


contemporâneas, vi que além do atrativo do título, vi no corpo da peça
que ela continha uma grafia bem rica, detalhada, alguns elementos que
não conhecia, então, fiquei curioso [em saber] o que o estudo explora
de percussivo.

W afirma que o estudo desta obra mostrou-lhe novas possibilidades de exploração

sonora do violão e de notação para o instrumento. A busca de informações para a resolução

das dificuldades encontradas na execução do instrumento possibilitou ao sujeito conhecer

novas grafias, além de conhecer o compositor, mais da sua obra, a importância de seu

trabalho, complementando ainda, ter adquirido “uma quantidade de informação sobre música

de vanguarda que eu nem imaginava”.

W pontua que o estudo de uma peça contemporânea com técnicas expandidas, ainda

na graduação, foi um ponto positivo importante pra ele. Contrapondo isto, um ponto negativo,

notificado pelo sujeito, foi a dificuldade de lidar com uma notação nova e sem bula. A entrega
91

da partitura da peça, sem sua respectiva bula, serviu para investigar como o estudante se

comportaria na preparação de obra contemporânea com técnicas expandidas contendo

representações gráficas nãotradicionais na partitura, observando assim, quais procedimentos e

estratégias seriam utilizadas para a interpretação dos tais símbolos, sendo que este sujeito,

perante aos outros, foi quem declarou ter maior contato com esta linguagem musical. Esta

ausência da bula lhe foi justificada como inexistente para a “Dança Percussiva I”, visto que a

bula existente não se encontrava disponível em anexo à peça quando abordada isoladamente.

A bula, publicada pelo autor, após obra premiada, está contida em anexo ao conjunto das duas

peças “Danças Percussivas I” e “Danças Percussivas II”, pois esta trata as particularidades das

obras conjuntamente.

Nos subtópicos a seguir, serão descritas, em detalhe, as entrevistas individuais

narrativas intercaladas de gravações de execução instrumental do Caso W.

5.1.1. Primeira Entrevista/Gravação

Com partitura em mãos, W declarou que a sua primeira iniciativa foi escutar a

música, após ter encontrado duas versões na internet, as quais violonistas distintos

interpretavam-na similarmente. Com ar de surpresa, declarou: “com relação à interpretação,

não é tão livre a ponto de ser muito diferente uma da outra”. Acompanhar, através da leitura, a

obra sendo executada em nível expert, apresentou-se como uma impossibilidade para o

sujeito, por conta dos símbolos “desconhecidos” em sua notação. W revelou ter perdido o

fluxo da leitura muito constantemente, a ponto de não conseguir concluir a obra: “[...] a

notação é tão estranha pra mim que eu não consegui acompanhar, então, chegava em um certo

ponto que eu me perdia. Aí, eu não consegui chegar até o final da música, ouvindo e
92

acompanhando a partitura”. É importante salientar que W afirmou não perder, comumente, o

fluxo da leitura enquanto acompanha uma obra do repertório tradicional.

Por não conhecer muitos dos símbolos utilizados nesta peça, sua estratégia de estudo

(já ao violão) foi a tentativa de executar os trechos que estavam em notação tradicional, que o

sujeito demarcou em cores: laranja para a digitação indicada e verde para os sinais que lhe

eram desconhecidos. Então, percebeu que grande parte da obra era novidade para ele: “depois

de dar uma olhada mais, de analisar direitinho, eu cheguei à conclusão que [...] não conheço

quase a totalidade [...] das notações que ele bota aqui de técnica expandida”.

Nesta primeira fase, a qual revelou não ter estudado todos os dias, contabilizando 1

hora/dia de estudo, aproximadamente, para quatro dias seguidos durante a semana, W alertou

as dificuldades que lhe pareceram mais salientes: “eu acho que [...] as dificuldades maiores

dessa peça são, justamente, por ser um estudo percussivo, o ritmo, porque [...] é tocada rápido

e as figuras rítmicas, as notas, são em divisões muito pequenas”, além de ressaltar que as

fórmulas de compasso utilizadas na peça e suas mudanças consecutivas eram novidade para

ele (vide Exemplo 10). Outra grande dificuldade revelada por W foi a quantidade de grafias

“estranhas” que, ainda neste encontro, não sabia como executar precisamente.

A aparição das primeiras indicações de execução por escrito, para alguns símbolos

utilizados na obra, é notada na quarta página da partitura, onde aparecem descritos: para o

símbolo (que indica golpear o tampo com o polegar) o texto “parte inferior do tampo”

(lower soundboard); e, para o símbolo x “unhas no lado inferior do violão” (Nails at the

bottom side of guitar), vide Exemplo 10.


93

Exemplo 10 - Fragmento de “Percussion Study I” de Arthur Kampela, 4ª página, 3º sistema.

W relata ter ficado confuso sobre como deveria executar os golpes com as unhas.

Exemplificou golpeando a parte inferior do tampo do violão, questionando se seria próximo

ao braço ou próximo ao cavalete, e imediatamente depois afirma: “vendo a gravação, ou

melhor, primeiro ouvindo, eu já tinha suspeitado que ele faz com a unha, mas ele faz aqui

[exemplifica, golpeando a lateral da caixa de ressonância, na parte inferior, com a mão

direita]”, e ainda, completa: “o ‘lado inferior’ quer dizer o lado mesmo [alisa a lateral do

violão], na parte inferior”. Essa forma de aprendizagem, verificada na situação descrita por

W, pôde ser classificada por aprender “de ouvido” 54 (TOURINHO, 1995, p. 180). Sobre este

aspecto, em sua dissertação, TOURINHO (1995) evidenciou:

A criação de modelos e a imitação de outros, desde o princípio e


desenvolvida durante vários estágios da aprendizagem, conduz a um

54
“Aprendizado oral, por imitação direta de um modelo” (TOURINHO, 1995, p. 180)
94

resultado desejável, a interpretação imaginativa e a execução


expressiva. (TOURINHO, 1995, p. 167)

Ainda sobre as interpretações das notações nãotradicionais, W revelou não

compreender como executar exatamente os símbolos e , notificando que suas aparições

são recorrentes em toda a peça: “a ‘parte de baixo da tampa de ressonância’ aonde

exatamente? Já que não tem só essa figura [apontando para ], tem mais de uma figura

[apontando para ], o que elas querem dizer?”. É importante frisar que o símbolo

(pizzicato alla Bartók), utilizado na peça, era de conhecimento do sujeito, e não foram

encontrados obstáculos para a sua execução.

Como característica marcante nos finais das entrevistas narrativas, questões sobre as

impressões e/ou estímulo com relação à preparação da obra, no presente momento, são

abordadas. E, neste caso, as impressões e/ou estímulos não foram alterados desde a entrevista

de grupo, tanto positivamente quanto negativamente. W afirmou que: “a peça em si, ouvindo

até o final, inicialmente, não me causou nenhuma emoção”, porém, salientou a angústia que

surgiu após ter se percebido em dificuldades na compressão (aparentemente, não

solucionáveis) de grande parte da obra.

ouvindo [...] não conseguia acompanhar, meio que bateu angústia,


uma angústia de não conseguir entender grande parte disso aqui. Mas,
ao mesmo tempo, eu achei superinteressante, eu me imaginei como
me sentiria tocando.

Em seguida, o sujeito W considerou o grau de importância que esta peça carrega,

ressaltando que a mesma poderia fazer parte do seu repertório, mas precisaria de muito tempo

pra deixá-la em nível de “performance expert”: “seria uma coisa que levaria tempo pra

montar, mas, ao mesmo tempo, eu acho que ela traria uma evolução muito grande como
95

músico erudito e como violonista, de um modo geral”. Sobre esta ultima afirmativa,

TOURINHO (2001) argumenta:

Da mesma forma estas características estão presentes em algumas


peças que foram bem trabalhadas dos alunos, não importando o grau
de dificuldade técnica que possuam, concordando com Swanwick, de
que não existe uma limitação entre a dificuldade da peça e o grau de
desenvolvimento que pode vir a ser apresentado por um aluno.
(TOURINHO, 2001, p. 23)

Sua estratégia de estudo na primeira semana foi a leitura geral da obra, em que

encontrou dificuldades com as notações nãotradicionais, considerando a ausência da bula,

então, concentrou seu tempo de estudo na tentativa de encontrar o significado dos símbolos

que desconhecia, com pesquisas via internet, onde o sujeito afirmou ter encontrado apenas

textos acadêmicos referentes ao compositor ou suas obras em geral, mas nada especificamente

à performance da “Danças Percussivas I”.

O sujeito W revelou que, a partir de então, o enfoque seria dado em partes isoladas

como estratégia para a continuidade dos estudos, visto que a tentativa de progredir

trabalhando na peça em sua totalidade seria de provável insucesso.

5.1.2. Segunda Entrevista/Gravação

Uma semana após o primeiro encontro, a segunda entrevista narrativa iniciou

investigando a quantidade de tempo concentrado na preparação da peça, pelo sujeito. Em que,

o mesmo, relatou ter estudado por quatro dias com carga horária irregular, utilizando como

justificativa o fato de não estar estudando apenas esta obra. O sujeito descreveu que, no

primeiro dia de estudo, leu os textos já pesquisados e deu seguimento a pesquisa textual, a fim

de encontrar resultados relacionados diretamente a peça. Após ter pesquisado na internet

através de diversas palavras-chave (como “Arthur Kampela”, “Danças Percussivas I”,


96

“Estudos Percussivos I”, “Percussion Study I”, entre outras), afirmou ter encontrado um

artigo de Mário da Silva, intitulado “Elementos Percussivos estruturais – uma abordagem em

obras para violão de Edino Krieger e Arthur Kampela”, que trata sobre as notações da obra

abordada neste caso. Este artigo traz uma tabela, elaborada pelo próprio autor, com as

notações e suas respectivas execuções, resumidamente (vide Figura 1).

Figura 1 - Fragmento do artigo "Elementos Percussivos Estruturais: uma abordagem em obras para

violão de Edino Krieger e Arthur Kampela" de Mário da Silva, 65ª página, Anais do II Simpósio

Acadêmico de Violão da EMBAP (2008).

A partir disto, W passou a compreender os símbolos descritos e seu novo objetivo foi

preparar apenas a primeira página, seguindo o estudo da obra. Para fins de facilitar a leitura, o
97

sujeito escreveu próximo a cada símbolo, exatamente o significado que constava em sua

fonte, inclusive repetindo a informação cada vez que o símbolo aparecia.

Após demonstrar o seu progresso da semana de estudo, que foi a compreensão das

notações utilizadas na obra, W revela que enfocou na execução dos cinco primeiros

compassos da primeira página, os quais considerou não estarem devidamente preparados, por

conta da baixa velocidade que conseguia executá-los, e afirmou que “[...] agora dá pra evoluir

mais rápido, ir mais longe sabendo dessas coisas”.

A entrevista finda abordando questões sobre o interesse e estímulo do sujeito em dar

continuidade aos estudos desta obra, em que se pôde observar que o desestímulo, quiçá a

desistência, está atrelado às dificuldades encontradas, sem resolução, para a execução da obra.

A partir do momento que eu tava com dificuldade em achar uma bula,


tava meio desestimulante, eu não perdi a vontade de estudar essa peça,
mas, também, a dificuldade dá meio que um desânimo. Adquirindo
essa perspectiva da notação, sabendo o que cada coisa significa, [...] é
uma questão de estudo e adaptação à técnica que eu não estou
acostumado.

Para o terceiro e último encontro, o sujeito W indicou que manteria o mesmo

objetivo de preparar a primeira página, visto que, para este segundo encontro preparou apenas

os cinco primeiros compassos.

5.1.3. Terceira Entrevista/Gravação

A última entrevista do Caso W não se deu no período previamente planejado, por

conta de uma viagem feita pelo sujeito, na qual não levaria o instrumento. O adiamento da

entrevista/gravação pareceu uma decisão sensata, em vista do pouco contato com o violão, e

por sua vez, com a obra, contato este, extremamente necessário, considerando o pouco tempo
98

disponibilizado para um trabalho deveras complexo. Contudo, para garantir a fidelidade da

pesquisa, o investigador pediu-lhe que usasse devidamente o diário de estudo, notificando

qualquer iniciativa em prol da obra estudada, até o agendamento da terceira entrevista. Vale

frisar aqui a gentileza dos sujeitos, em geral, em ceder o tempo das suas férias para o estudo

das peças e para a gravação das entrevistas.

Esta entrevista narrativa triangulada com a gravação de execução instrumental

ocorreu em duas semanas após o encontro anterior. O sujeito W relatou ter se dedicado à obra

por cinco dias, desde o ultimo encontro, na semana da gravação, contabilizando em média

1h/dia de estudo da peça.

W afirmou ter conseguido alcançar a meta preestabelecida, a qual se objetivava na

preparação da primeira página, sendo que esta execução não se propôs a ser uma

“performance expert”, e sim, uma execução lenta (referente a indicação de andamento

contida na peça), em vista do pouco tempo trabalhado para uma obra que exige grandes

habilidades técnicas. Por conseguinte, foi pedido ao sujeito que executasse a obra, então, o

mesmo, apresentou um pequeno problema no sexto compasso, justificando que obedecer a

digitação sugerida pelo compositor seria uma dificuldade encontrada. Consecutivamente, o

sujeito reiniciou sua execução, concluindo-a no fim da primeira página. Mesmo com a

execução lenta, ainda em nível de “ensaio”, este sujeito demonstrou sucesso em seu objetivo

de ler e compreender como se deveriam executar as técnicas expandidas abordadas na

primeira página da obra, declarando que após delimitar sua meta, não tentou avançar mais

compassos.
99

No fim da entrevista, questões que abordam o interesse pela linguagem musical, bem

como, o que esta peça proporcionou enquanto experiência com as técnicas expandidas foram

dispostas ao sujeito, que relatou:

Eu acho que essa experiência foi o ápice que tive na minha relação
com música contemporânea para violão, e gera umas reflexões a
respeito da minha posição como profissional de música erudita e
também da relação do violão aqui na academia [UFBA], por exemplo,
com a música contemporânea. É que eu acho que tá muito distante.
Mas ouvir uma peça dessa não chega a ser fácil, às vezes não gera
muito sentimento como quando você ouve uma peça do repertório
tradicional.

Eu, também, cheguei a refletir sobre outros aspectos da música como


o silencio, por exemplo, a importância das pausas, e das possibilidades
do violão para além da harmonia e polifonia.

Mostraram-se presentes em sua fala, temas já tratados nesta investigação, como a

relação do violão com a música contemporânea, quando o sujeito ressaltou: “eu acho que tá

muito distante”. Em seguida, quando afirmou: “Mas ouvir uma peça dessa não chega a ser

fácil [...]”, reforçou a necessidade da abordagem desta linguagem musical no curso superior,

em geral, visto que, o pouco contato com a mesma, contribui significativamente para tal

estranhamento/distanciamento (vide CAPÍTULO II, pág. 26).

Através da observação, após descrição, do Caso W, é sensato afirmar que W obteve

sucesso parcial na preparação da obra, visto que, o mesmo, objetivou apenas executar uma

página dentre doze existentes. Recordando, ainda, que sua execução não foi feita na

velocidade indicada pelo compositor e ainda apresentava dificuldades em executar as

sequenciadas técnicas expandidas. Considerando o período curto da investigação, pode-se

inferir que o indivíduo se mostrou capaz de executar a obra, mas somente após uma dedicação

concentrada de estudo por um longo tempo.


100

Provavelmente, seu desenvolvimento seria mais veloz se, em sua formação musical

e/ou apreciação, houvesse uma relação com a música contemporânea contendo técnicas

expandidas, em que o “desconhecimento” das grafias nesta peça poderia, ainda, existir (pois,

geralmente, muitos elementos gráficos contidos nas partituras são de própria autoria dos

compositores, como visto em revisão bibliográfica, neste trabalho, a exploração das

possibilidades timbrísticas, para além dos instrumentos, mostra-se como um interesse

recente), mas a técnica e, por sua vez, a sonoridade não causariam “estranhamento”, o qual

gerou certo desestímulo. Considerando também que a ausência da bula, que explicaria como

executar os símbolos utilizados pelo compositor, mostrou-se como uma variável na

investigação, a qual refletiu, neste caso, em um atraso de uma semana no processo de

desenvolvimento prático da obra, enquanto o sujeito buscava explicações para os símbolos.

Contudo, a partir do procedimento de aprendizagem que foi, frequentemente, utilizado pelo

sujeito W (aprender “de ouvido”), mesmo com a ausência de bula, se tivesse uma maior

proximidade com a linguagem, conhecendo praticamente e sonoramente as técnicas

expandidas do violão, estes elementos gráficos “desconhecidos” não apresentariam tamanha

dificuldade para compreensão e execução, que, por sua vez, ocuparia um menor espaço do

tempo destinado à preparação da obra.

5.2. O Caso X

A escolha da obra a ser utilizada neste caso também se deu através do acordo entre

os sujeitos presentes na “entrevista de grupo”. X ficou responsável pela peça que mais o

interessou, “Central Guitar” de Egberto Gismonti. A bula, anexada a esta peça, apresentou-se

como fator singular para X, mostrando-se como o principal motivo para sua escolha, além de

ter sido composta por um compositor famoso, X disse: “Bem, por se tratar de um compositor
101

que já tinha ouvido falar bastante, me senti interessado em estudar uma peça de sua autoria”.

Portanto, o sujeito X relatou, em síntese, o ocorrido nas entrevistas narrativas, estas que serão

descritas e analisadas nos subtópicos a seguir:

Logo no início, com toda empolgação para começar a estudá-la não


imaginava como seria difícil compreender, mesmo com a bula, tudo
que era exigido na peça Central Guitar. Com o passar do tempo e com
as dificuldades sempre presentes comecei a ficar um pouco
desestimulado, frente a várias partes da peça que não conseguia
executar pela falta de compreensão. Não obstante, não ter conseguido
resolver tudo da peça, fez com que eu buscasse informações através de
pesquisa, em livros e internet, ferramentas que eu não conhecia e pude
por em prática com a obra do Egberto.

Por fim, o sujeito salientou, como ponto positivo, no questionário final aplicado via

email, sobre sua experiência com as técnicas expandidas propostas pela obra, as mesmas que

se apresentaram como as principais responsáveis pelo desestimulo do sujeito em concluir suas

metas de estudo:

Ter o conhecimento do que se pode fazer com a chamada ''Técnica


Expandida'' e ter conseguido utilizá-la, [não] em sua plenitude, mas
em parte, gerou curiosidade e vontade de compreender mais e poder
lidar com obras futuras que exijam o grau de compreensão necessário.

A seguir, serão descritas, após análise e filtragem de dados, as entrevistas individuais

narrativas trianguladas às gravações de execução instrumental.

5.2.1. Primeira Entrevista/Gravação

Considerando que a obra continha vários elementos na partitura que não eram do seu

conhecimento, X montou uma estratégia inicial, diferente da habitualmente utilizada para a

preparação de outras peças, em que o sujeito buscou entender as técnicas expandidas

abordadas e expostas, catalogadamente, na bula que se encontrava anexa à partitura. X revela


102

que no primeiro dia não tentou fazer leitura no instrumento, a qual seria a sua iniciativa

natural ao pegar uma partitura.

Sua dedicação para a preparação da obra fez com que X estudasse por seis dias

consecutivos, contabilizando nos primeiros três dias, em média, 1h de estudo/dia e nos

restantes três dias 3h de estudo/dia, totalizando 12h de estudo da obra para o primeiro

encontro, estando incluso nesta contagem todos os procedimentos como a escuta, análise e a

leitura com instrumento.

O sujeito X declarou ter encontrado dificuldades com as técnicas expandidas

presentes na “Central Guitar”, justificando que há indicações de movimentos que ele não

conseguiu entender como executar. Entretanto, X continuava se demonstrando entusiasmo:

Senti dificuldade, nesse primeiro momento, porque tô lidando com


uma coisa nova e não busquei ajuda de nenhum professor, nem de
nada, porque a ideia era essa. Então, senti bastante dificuldade.

Eu li alguns trechos que ele pede pra executar com a mão esquerda e
continuar na direita, coisa que eu nunca fiz antes, daí, foi tudo novo
pra mim. É uma experiência boa, eu acho que tem que partir daí
mesmo.

Sobre esta indicação de “tocar com a mão esquerda” (M E), X afirmou que, em

primeira instância, não compreendeu, mas a partir do momento que pegou o instrumento para,

então, executar as passagens, facilitou a compreensão do trecho. Outra indicação que X

salientou foi a de “aumentar a nota em ¾ de tom”, que, para ele, apresentou-se como a maior

dificuldade encontrada na obra, até o momento, e ainda assumiu não ter encontrado solução.

Contudo, alguns elementos presentes na bula como: respiração normal, respiração breve,

accelerando e rallentando (estes últimos com notações nãotradicionais); não apresentaram

dificuldades na compreensão (vide Figura 2).


103

Figura 2 - Bula de instruções para a execução de "Central Guitar" de Egberto Gismonti.

Por se tratar de uma obra grande, em vista do pouco tempo de investigação, após a

leitura da bula e uma leitura superficial ao instrumento, deparando-se com dificuldades de

execução, e assim, não conseguindo manter uma leitura fluente, X usou como estratégia a

marcação na partitura (através de um pincel “marca texto”) das passagens que não saberia

como executar para, então, iniciar a leitura no instrumento enfocando os tais trechos.
104

Cheguei a pensar nisso: teremos 3 semanas e a peça tem umas 8


páginas, vou dividir por dias, vou estudar 2 páginas por dia ou uma
página por dia, daria 1 semana de estudo. Só que depois vi que não
daria efeito, porque tinha muita coisa que não compreendia.

[...] eu não vou olhar ela toda [a peça] e tentar compreender tudo,
porque, senão, não vou conseguir tocar nada. Então, vou pegar um
trecho, principalmente, os trechos de coisas que eu não compreendo e
vou tentar assimilar eles no instrumento. Foi aproximadamente o que
eu fiz, nesse primeiro momento.

X com a dificuldade em seguir com fluência na leitura da peça ao instrumento, fez

uma analogia interessante com a sua linguagem nativa: “É como se você pegasse um texto em

português e, em determinado momento, você parasse e não conseguisse mais ler, porque não

entendia o que estava escrito”. Em seguida, o sujeito X revela dois problemas encontrados: 1)

o problema técnico instrumental, das indicações para execução de técnicas expandidas; e, 2) o

problema musical, de entender a música como um todo, pois, até o momento, lhe parecia uma

colagem de fragmentos.

A escuta com a partitura em mãos foi também uma ferramenta utilizada neste caso, a

qual, mesmo com uma excelente leitura (avaliada em aula pelo seu professor do instrumento),

o sujeito confessou não ter acompanhado com precisão.

Confesso que, mesmo com a partitura em mãos, e vendo ele [Eduardo


Minozzi Costa] tocar, teve vezes que me perdi. Acredito que por não
ter a prática, o costume de estar associando uma partitura a uma obra
desse estilo. Porque, se fosse uma música romântica ou sei lá, uma
música que eu tô vivenciando no dia-a-dia, eu teria acompanhado com
maior exatidão.

Nesta escuta, o sujeito afirmou que mesmo vendo o vídeo, não conseguiu

compreender alguns elementos técnicos, e suspeitava, em alguns momentos, se aquela seria a

maneira correta de executar.


105

Também como ferramenta, além desta escuta, o sujeito buscou informações no livro

“Teoria da Música” de Bohumil Med, que, segundo X, o autor trata, em seu último capítulo, a

“notação moderna” de maneira geral, não abordando especificamente o violão. Contudo, esta

fonte não se apresenta como ideal para tal pesquisa, visto que o livro “Teoria da Música”

enfoca a música tradicional, considerando que há livros disponíveis na biblioteca da EMUS-

UFBA com abordagem específica na notação musical do século XX.

Questões acerca das sensações geradas a partir do contato com esta linguagem

musical, da motivação/estímulo para a continuidade da preparação da obra e da importância

que tal obra tem para sua futura carreira, também se mostraram como fatores interessantes

para esta investigação. Em resposta a estas indagações, o sujeito afirmou ter sentido certo

estranhamento por não ter contato frequente com este tipo de música. Afirma, ainda, não ter

sentido desestímulo algum, pelo contrário, gerou empolgação em tentar entender e a tentar

superar as dificuldades encontradas, contribuindo assim, para o desenvolvimento de suas

habilidades técnicas no instrumento.

A partir do momento que eu tô conseguindo superar dificuldades


numa peça contemporânea que tem técnica expandida, eu tenho
certeza que, em outras peças, vou ter facilidade, porque vou ter um
conhecimento maior. Isso é de tamanha importância, até porque
estudar o violão como um todo, deve ser estudado em todos os
períodos. [...]. Acredito que isso só vem enriquecer meu conhecimento
musical, de forma geral, e meu conhecimento violonístico [...].

Esta narrativa acima, feita por X, pode ser fundamentada por SLOBODA (2008),

quando afirma que “[...] a maioria dos professores reconhece que o ensaio é transferível, de

modo que cada peça ensaiada diminui a necessidade de ensaios para peças futuras. [...]”

(SLOBODA, 2008, p. 118).


106

Conseguintemente, com sua estratégia de estudo já delimitada, X assegurou que o

tempo disponibilizado para estudo da obra não sofreria grandes alterações e afirmou acreditar

que maiores progressos seriam alcançados para os encontros seguintes, após a compreensão

das técnicas expandidas presentes nos trechos grifados.

5.2.2. Segunda Entrevista/Gravação

O segundo encontro, ocorreu quatro dias após o período previamente planejado (uma

semana), por conta da mudança de endereço residencial do sujeito. Ainda que tenha sido

apresentada uma distância maior entre estes encontros perante os anteriores, a concentração

em horas de estudo foi, consideravelmente, menor, contabilizando, aproximadamente, 6h

totais de estudo entre as entrevistas. Contudo, apesar de X ter dedicado menos tempo ao

estudo da obra, afirmou ter alcançado um rendimento tão proveitoso quanto o demonstrado no

primeiro encontro, não na execução instrumental, mas, na compreensão da obra: “Essa

semana, no ponto de vista de execução foi uma semana [...] pouco produtiva, mas, em

compensação, a peça está ficando mais clara. Eu tô vendo o vídeo mais vezes [...], é o que tá

me ajudando muito”.

O sujeito, após pesquisar outras interpretações na internet, não obtendo resultados

positivos, investiu mais tempo em observar a sua única referência de execução da peça, até o

presente (Central Guitar executada por Eduardo Minozzi Costa). Tal observação, mais

frequente e atenciosa, permitiu que os trechos, com as técnicas antes não compreendidas,

fossem esclarecidos, como por exemplo: o símbolo “M E”, em que o compositor indica que

devem ser tocadas as descritas notas apenas com mão esquerda; e o aumento de ¾ de tom,

através da execução da técnica bend (vide Exemplo 2 e Exemplo 3). Até este momento, o

sujeito X relatou ter executado, sem dificuldades, do primeiro compasso até o fim da segunda
107

página, salvo exceção dos trechos marcados, ainda não compreendidos, que foram pulados

enquanto fazia uma leitura ao violão.

X declarou, também, que sua maior dificuldade foi sanar o problema por conta

própria, sem orientação, em que compreende a necessidade de pesquisar para obter sucesso.

Nesta entrevista, o sujeito X revelou, ainda, suas metas no decorrer da investigação,

na qual teve como aspiração executar toda a peça, demonstrando as dificuldades encontradas

e suas respectivas resoluções, quando ocorridas.

Ela é uma peça razoavelmente grande, mas, a princípio, a intenção é


tentar deixar ela pronta, no decorrer desses encontros. [...] O que eu
quero realmente fazer é sentar, tocar e mostrar as dificuldades que
tive: o que eu consegui fazer e o que eu não consegui. [...]. Isso é o
que eu tenho em mente pra fazer.

Questões sobre a inclusão desta obra em seu repertório pessoal (pleiteando uma

apresentação pública), bem como, a importância da obra para uma carreira acadêmica foram

novamente abordadas. X afirmou:

Foi o que você havia me perguntado. No primeiro momento, senti


estranheza, como já te disse. Muita coisa que eu não conseguia fazer,
mas, de certa forma, gerou um pouco de curiosidade, porque [...]
vendo tudo que tem nessa peça aqui, outras também eu vou consegui
sanar, com certeza.

Eu tenho vontade de montar um repertório contemporâneo com


técnicas expandidas. Eu acho que isso é muito proveitoso pra o
violonista, conseguir ter um leque de peças diferenciadas [...] é muito
bom.

Finalizando a segunda entrevista, investigamos o grau de motivação/estímulo

presente no sujeito X, em que ele relatou não ter sido alterado desde o último encontro:

A estranheza ainda existe, mas não desestímulo, porque eu quero! Tá


entendendo? Porque é algo que eu vou ter que buscar em algum
108

momento, sabe? [...] a partir do momento que você começa a usar [a


técnica expandida/a música contemporânea] se torna habitual. Aí, se
eu não for atrás, não correr atrás de tentar entender e captar como
funciona, vai ser sempre estranho.

Em tempo, pode-se notar também, nas duas falas supracitadas, a presença do

pensamento de Slodoba, quando afirma acreditar na transferência das experiências adquiridas

de um “ensaio” para outro, em obras distintas. (vide pág. 105)

5.2.3. Terceira Entrevista/Gravação

Esta terceira entrevista narrativa/gravação de execução instrumental, também não foi

efetivada no prazo previamente esquematizado, pois, o sujeito necessitou viajar, que passou a

não ter data prevista de volta depois de decretada a greve dos professores federais em 2012.1,

por tempo indeterminado. Vale salientar, novamente, a generosidade dos sujeitos,

especificamente W e X, em se disponibilizarem para a participação desta investigação no

período de recesso das aulas.

Esse encontro apresentou distância de, aproximadamente, um mês, relacionado à

entrevista anterior, no entanto, sua concentração em horas de estudo se apresentou cada vez

mais reduzido. Observa-se na tabela, a seguir, os dados obtidos através do seu diário de

estudo, onde serão descritas as anotações datadas após a segunda entrevista:


109

Tabela 2 - Fragmento do Diário de Estudo de X, após Segundo Encontro Individual.

Data(s) Carga Horária Total Atividade


 Releitura da página 1
06/07/12 30 min

 Após vários dias sem contato


com a Central Guitar, voltei a
tentar entende-la.
29/07/12 30 min
 De fato grande parte da sua
linguagem não foi entendida
por mim.

 Pouco estimulado por não


13/08/12 4h conseguir resolver várias
partes da obra.

14/08/12  Os compassos 47,80,86, 88-


91, foram lidos, mas não
15/08/12 3h interpretados com execução
plena.
18/08/12

 Escutei outra interpretação da


Central Guitar, por Álvaro
Pierre (duas vezes).
20/08/12 2h
 Esta escuta não facilitou meu
entendimento com a
linguagem.

23/08/12  Não consegui executar o


3h trecho, no compasso 104, com
25/08/12 “M E”.

Nota-se, com a somatória das cargas horárias, o total de 13h, referentes à,

aproximadamente, um mês em contato com a peça. O sujeito justificou o pouco estudo com a

falta de motivação para a continuidade da preparação da obra, visto que, não estava

conseguindo solucionar as dificuldades encontradas:

[...] é uma linguagem totalmente nova, pra mim principalmente, [...]


você pegar a partitura, tentar fazer a leitura e não entender aquilo que
tá buscando, me trouxe um pouco de angústia. E foi, a partir desse
momento, que comecei a ter mais dificuldade na hora de sentar e
tentar resolver aquilo que eu nunca tinha visto.
110

Elementos musicais presentes na bula, como accelerando, rallentando, aumentar ¾

de tom de determinada nota, respiração normal e respiração breve, foram compreendidos

desde a entrevista anterior, disse o sujeito. Porém, não obteve sucesso na interpretação de

outros elementos, como por exemplo, a indicação “notes qui sonnent par sympathie”, que

mesmo depois de ter traduzido como “notas que soam por simpatia”, X relatou não ter

conseguido compreender, nem encontrar a forma que executaria. Afirmou, então, que esta

dificuldade contribuiu, significativamente, para seu desestímulo, visto que a esta expressão

aparece diversas vezes durante a obra.

Eu me deparei com essa dificuldade, e essa dificuldade fez com que


eu perdesse de certa forma, a motivação [...] de tentar continuar
resolvendo, já que eu não podia buscar, por exemplo, o professor pra
saber como se executa isso. Era eu com a internet, mas [...] só
encontrava falando sobre técnica expandida [...], mas, aquilo
específico da Central Guitar, não tava.

Eu senti muita dificuldade com isso e não consegui resolver muita


coisa. Até as passagens da própria peça que não exigia a técnica
expandida, de simples leitura e execução, eu acabei me desmotivando.
Passar por aquele compasso, fazer aquela leitura uma vez, e aí me
deparar com aquilo que eu não sabia fazer [...]

No primeiro e no segundo encontro, eu me sentia mais motivado, mais


empolgado, porque algumas coisas eu consegui resolver. Mas, como
do segundo pra o terceiro encontro o período foi maior, eu consegui
passar “mais tempo” com a peça, comecei a ver coisas que eu não
compreendia e não conseguia fazer de fato. Aí fui desmotivando cada
vez mais.

Por fim, na tentativa de investigar, mais profundamente, a razão do desestímulo

indicado por X, o pesquisador questionou sobre o tempo que o sujeito investia nos estudos da

peça, e o mesmo, relatou não conseguir se dedicar tempo superior a 40min para cada dia, pois,

não conseguia resolver determinadas partes e, todavia, não continuava o estudo. O sujeito X,

em todos os instantes da entrevista narrativa, frisou necessitar de orientação para a preparação

desta obra, que considerou bastante complexa: “eu até me interessaria mais tendo orientação
111

de alguém. [...] Vou ser sincero, não conseguiria montar sozinho”. O sujeito, ainda, salientou

que em um futuro próximo, após a participação da pesquisa, pretenderia estudar a peça,

acrescentando-a ao seu repertório, se o seu professor de instrumento concordar em orientá-lo.

Após observação deste caso, que o sujeito apenas apresentou dificuldades na

execução dos trechos com técnica expandida, pode-se inferir que a aproximação dos

estudantes com esta linguagem musical vanguardista é de extrema importância, pois o sujeito,

dotado de habilidades técnicas para a execução desta obra, não demonstrou sucesso em suas

metas por ter se desestimulado ao não encontrar respostas para suas dúvidas, relacionadas às

orientações mais detalhadas de execução por parte do compositor.

Isto pode ser verificado na declaração feita na terceira entrevista/gravação por X, na

qual relatou que a principal causa do seu desestímulo foi não ter compreendido a descrição

“notas que soam por simpatia”. Considerando que a expressão “vibração por simpatia”,

também conhecida como “ressonância por simpatia”, é usualmente utilizada para indicar a

vibração de uma corda não tocada a partir da execução de uma nota, com frequência sonora

comum, em outra corda. Esta vibração é tratada na música tradicional para violão como um

fator a ser evitado, geralmente, com o “abafamento” das tais cordas não tocadas, para que a

nota escrita não ultrapasse sua duração preestabelecida, já que esta nota seria acionada

duplamente uma através da corda tangida e outra “por simpatia”. Contudo, nesta obra

(Central Guitar) o compositor faz uso das notas vibradas “por simpatia”, simbolizando-as e

indicando-as textualmente na partitura em diversas ocasiões (vide Exemplo 3). Assim, torna-

se pertinente afirmar que, esta iniciativa de Gismonti pode ser classificada, aqui nesta

pesquisa, como uma técnica expandida “de ordem mecânica” (vide pág. 12), pois, a
112

exploração timbrística e o desenvolvimento harmônico na obra surgem ao contrariar um

movimento técnico instrumental tradicionalmente indicado.

É oportuno frisar, também, que informações a respeito de tal expressão, poderiam ser

facilmente adquiridas através de pesquisa via internet, na qual o sujeito sanaria suas dúvidas e

avançaria na preparação da peça, quiçá executando-a por completo, tendo em vista sua

dedicação descrita na primeira entrevista/gravação, contabilizadas em 12h na semana ou ainda

mais.

5.3. O Caso Y

Este Caso Y não avançou até as entrevistas narrativas/gravação de execução

instrumental, pelo fato do sujeito ter desistido de participar da pesquisa, poucos dias após a

“entrevista de grupo”.

Em questionário final, aplicado via email, com perguntas específicas a cada caso,

buscamos investigar o motivo pelo qual o sujeito escolheu sua peça, bem como, os fatores que

influenciaram no abandono da pesquisa.

O motivo que me fez escolher a peça “Morte Transfigurada”, a


princípio, foi o título e depois o fato de ter vários temas relacionados a
estilos do rock pesado. Achei interessante isso. E o que mais me
chamou atenção na peça, foi a escrita, por ser uma peça
contemporânea, tinha vários elementos e símbolos do qual eu
desconhecia, muito diferente das peças que eu costumo tocar.

Em seguida o sujeito declara ter desistido da investigação por dois motivos: 1) por

achar que não teria tempo suficiente para se dedicar na preparação da obra; e, 2) porque

acreditava que não conseguiria ler a partitura.


113

Observando o perfil do sujeito enquanto é analisado o seu caso, pode-se concluir que

a relação de Y com esta linguagem musical, não pertencente à sua preferência, é

presunçosamente árdua. Pois, sem ao menos ter tentado ler a partitura, informou seu

abandono via email.

Após desistência, foi solicitada, ao mesmo professor de violão, a indicação de outro

estudante para sujeito da pesquisa.

5.4. O Caso Z

O sujeito Z, indicado pelo seu professor de violão, foi convidado a participar da

pesquisa a fim de completar o quadro de amostragem após renúncia do sujeito Y. Portanto,

todos os seus encontros com o pesquisador foram individuais. O seu primeiro contato visou

reproduzir igualmente todo conteúdo abordado na “entrevista de grupo”, a qual se apresentou

como ferramenta em triangulação com o questionário inicial. Porém, o que se mostrou como

característica peculiar, neste encontro (em comparação às “entrevistas de grupo”), foi a escuta

da obra com partitura em mãos, solicitada pelo sujeito. Esta escuta estava descrita no termo de

consentimento como disponível aos sujeitos da pesquisa, contudo, não foi solicitada pelos

outros sujeitos na, já ocorrida, “entrevista de grupo”.

Neste primeiro contato as obras foram apresentadas ao sujeito, no qual este,

diferentemente dos outros, não teve direito de escolha. Na tentativa de reproduzir o primeiro

contato com Z, de forma estritamente semelhante ao primeiro contato com os demais sujeitos

(“entrevista de grupo”), prezando pela fidelidade da pesquisa na coleta dos dados, uma

simulação desta escolha da obra dentre as três existentes foi feita, porém, o sujeito não foi
114

informado que havia uma peça específica que deveria preparar, então, as partituras das três

peças foram disponibilizadas.

Z aparentou-se interessado pela “Central Guitar”, por conhecê-la e ter sido composta

por um compositor que lhe é inspirador (afirmando, gostar muito das obras do Gismonti); e

também pela “Morte Transfigurada”, a priori por apresentar leitura mais fácil, afirma ele,

eliminando assim, a “Danças Percussivas I”, visto suas complexidades (gráfica e rítmica)

facilmente notáveis. Após a explanação das características das peças, o sujeito tendenciado a

escolher a “Central Guitar”, mas ainda sem ter definido a sua escolha, demonstrou,

repentinamente, um grande interesse pela obra “Morte Transfigurada”, possivelmente por ter

percebido (a partir da explanação das características das peças) a abordagem dos subgêneros

do rock no terceiro movimento “III- Eclosão”. Logo, o pesquisador o informou que, em vista

do seu ingresso por substituição de um dos sujeitos, esta foi a peça designada para o seu Caso,

e então, o sujeito solicitou a escuta da gravação disponível. Posteriormente, confirmando esta

narrativa, em questionário final, aplicado via email, Z afirma que:

Sinceramente, no início me senti atraído pela linguagem


contemporânea e peculiar [da “Morte Transfigurada”], só que na
prática não senti o mesmo efeito, pois não tive interesse, de fato, em
tocar [...]. Seria um desafio pra mim, nessa fase de aprendizagem,
tocar uma música dessas tão complexa e desafiante.

Z revelou, ainda, no mesmo questionário, que os aspectos positivos de ter estudado a

“Morte Transfigurada” foram: 1) o contato com uma obra do repertório violonístico com

técnica expandida; 2) mudanças rítmicas e acentuações constantes; e, 3) a experiência de

estudar uma obra brasileira de um compositor contemporâneo. Já os aspectos negativos

foram: 1) a difícil linguagem harmônica e rítmica desestimulou a estudar a obra; 2)


115

dificuldade em executar os trechos de técnica expandida; e, 3) o cansaço mental que as

repetições causaram em alguns trechos.

Nos subtópicos a seguir, os detalhes de cada entrevista/gravação, após filtragem e

análise dos dados, serão descritos.

5.4.1. Primeira Entrevista/Gravação

Na primeira entrevista narrativa/gravação de execução instrumental, que só pôde ser

agendada para duas semanas após o primeiro contato, o sujeito Z relatou ter encontrado

dificuldades na execução dos trechos que exigiam muitas repetições consecutivas, declarando

que contá-los e mantê-los igualmente precisos, exigiria mais horas de estudo.

Seu trabalho com a obra iniciou logo após o primeiro contato descrito há pouco, em

que declarou ter escutado mais três vezes a peça com partitura em mãos, conseguintemente,

iniciou a tentativa de execução dos primeiros compassos, que se fez necessário o treino com

uso do metrônomo e a escolha de uma digitação particular, a fim de facilitar sua execução e

torná-la mais eficiente.

Nesta entrevista, após ter narrado seu processo de estudo, Z foi solicitado a executar

o referido trecho, que habilmente ágil e com naturalidade, o sujeito executou as duas

primeiras páginas da obra, completando assim, o primeiro movimento “I – Opressão”.

Através do diário de estudo, pôde-se observar que Z empenhou-se em preparar o

primeiro movimento por cinco dias, contabilizando, aproximadamente, o total de 7h de estudo

entre os dois primeiros encontros. Nesta preparação, a escuta se mostrou como ferramenta

indispensável para o sujeito, o qual recorreu algumas vezes à gravação disponível na internet,
116

com o objetivo de sanar dúvidas referentes à execução das técnicas expandidas abordadas,

dado que, no segundo dia de estudo, o sujeito revelou: “[...] ainda preciso do auxílio da

música para entender algumas partes de técnica expandida”. Pode-se afirmar, então, que o seu

processo de aprendizagem das técnicas expandidas, neste movimento, se deu através do

procedimento descrito pela Prof. Dr. Cristina Tourinho como “aprender de ouvido” (vide pág.

93).

É importante notificar, também, que desde o terceiro dia de estudo, Z já havia lido as

duas páginas do “I – Opressão” e, no mesmo dia, iniciou a leitura do segundo movimento “II

– Torpor”, preparando, então, paralelamente as duas partes da obra. Z afirma que “[...] depois

de ter resolvido o primeiro compasso, os outros não foram tão difíceis”.

Finalizando, como previamente esquematizado no guia para entrevista, questões

acerca do estímulo/motivação foram abordadas, em que o sujeito declarou que sua aceitação

vem sendo gradualmente alterada, ao passo que escuta e estuda a obra seu interesse aumenta:

Pra sentar e dizer: “vou estudar isso!”, por ser algo desconhecido [...],
cria uma barreira [...]. Você fica [pensando]: “pô será que é isso?”,
“será que é aquilo?”. Aí, [...] você tem que arriscar pra ver se acerta
[...].

[Mas,] a impressão da música mudou, [ela] se tornou mais interessante


depois de eu ter ouvido, visto e ter tocado mais. Quando você tem um
contato com a música, a partir de um tempo, passa a ter um interesse,
né?

A narrativa acima confirma que a apreciação da música de linguagem contemporânea

pelos sujeitos investigados nesta pesquisa, influencia diretamente em sua disposição para

executá-la. Esta conclusão pode ser fundamentada por TOURINHO (1995), quando afirma

que “[...] o estímulo ao repertório que o aluno aprecia e valora pode se constituir em uma
117

poderosa arma de interesse e motivação para o aprendizado de novos conhecimentos”

(TOURINHO, 1995, p. 237).

5.4.2. Segunda Entrevista/Gravação

Esta entrevista, ocorrida na semana seguinte, como planejado para a pesquisa, foi

iniciada com questionamentos relacionados ao tempo que Z dedicou, desde a entrevista

anterior, para a continuidade na preparação da obra. Respondendo a estes questionamentos, Z

relatou ter se dedicado por apenas 2h na semana, sendo que a justificativa para tal frequência

foi a sua aplicação na preparação de outra peça sugerida pelo seu professor de instrumento

(“Sonata” de Leo Brouwer). Neste momento, a pesquisa ocorria em paralelo ao calendário

acadêmico do curso, o que se apresentou como uma variável, pois as suas horas de dedicação

na preparação da obra da investigação foram desfalcadas diante às atividades/exercícios do

curso.

Estas 2h foram dedicadas, pelo sujeito Z, ao estudo do segundo movimento “II-

Torpor”, na qual encontrou dificuldades técnicas e as resolveu com facilidade, que puderam

ser conferidas em sua entrevista narrativa feita em triangulação com a gravação de execução

instrumental, execução esta que não se encontrava em nível de “performance expert”, mas,

em nível de “ensaio” já com certa fluência. Vale frisar que apenas o último sistema deste

segundo movimento não foi executado, pois Z afirmou não o ter compreendido por falta de

tempo, logo, comprometeu-se em apresenta-lo solucionado na entrevista posterior.

Analisando o diário de estudo, foi possível perceber que a escuta, nesta etapa, ainda

continuava sendo a principal ferramenta de auxílio, e também, pôde-se notar que o “II-

Torpor” vinha sendo estudado paralelamente a “I – Opressão”, como já informado, em que o

início deste estudo paralelo está datado como 24 de setembro de 2012. Este processo de
118

aprendizagem através da escuta, ou ainda através da imitação, também pode ser

fundamentado por SLOBODA (2008), em que o autor afirma que para um bom resultado na

execução musical de um intérprete, a utilização do aprendizado pela audição se faz

necessário. Este relato torna-se evidente se observado, em aulas práticas de instrumento, o

aprendizado do aluno através de um exemplo prático do seu professor quando demonstra uma

melhor maneira de executar crescendo, diminuendo, rubato, accelerando, rallentando,

fermata.

Executar com perícia requer, em primeiro lugar, capacidades


analíticas de audição de um tipo desenvolvido, que permitam
‘enganchar-se’ às finas variações temporais e de intensidade que a
tornam uma execução magistral, para depois imitá-las. De acordo com
minha experiência, e também com a de muitos músicos, não há
nenhuma maneira realmente satisfatória de descrever as variações
expressivas de modo a permitir que sejam incorporadas na execução
individual. As técnicas expressivas são passadas de um músico a outro
por demonstrações. (SLOBODA, 2008, p. 114)

Ainda nesta mesma entrevista, o sujeito Z apontou algumas dificuldades já

percebidas no início do terceiro movimento, na qual afirmou a necessidade do estudo diário

por várias horas, informando, em seguida, que não haveria condições de concentrar-se no

estudo desta peça, por não sentir a devida atração e não despertar o seu interesse. Contudo,

afirmou que continuará tentando prepará-la.

Após o sujeito ter relatado sobre como se deu o estudo desta peça, nesta semana, a

entrevista tendeu a enfocar questões que tratassem de investigar seu grau de

motivação/estímulo em executar a obra. Z, então, repentinamente, manifesta sua posição

perante a preparação de repertório contemporâneo com técnicas expandidas: “[...] eu gosto de

ver uma coisa diferente, mas eu não me imagino tocando isso, porque não me sinto preparado

[...]”.
119

O sujeito afirmou não estar preparado para compreender e executar uma música com

elementos tão complexos, e, apesar de ter demonstrado, na primeira entrevista narrativa, que

estava estudando normalmente, utilizando os mesmos procedimentos de uma preparação de

peça com seriedade (refletindo digitação, buscando sua melhor sonoridade e treinando com

metrônomo), revelou que não pretende por a obra “Morte Transfigurada” em seu repertório

atual, Z argumenta: “Eu acho que seria muito cedo pra tocar isso. Eu preciso de uma base

mais sólida, porque essas novas técnicas são muito mais complexas pra entender e pra tocar.

[...] Neste momento eu não tocaria isso”.

No entanto, no que diz respeito à apreciação deste tipo de repertório, o sujeito Z

apresenta gradual aceitação, afirmando que “[...] depois de algumas escutas ela [a obra] não

soa mais tão ruim”. E, ainda, salienta a necessidade do contato dos intérpretes com a música

contemporânea de caráter mais vanguardista como forma de aprendizado, a qual descentraliza

a melodia e harmonia em favor do ritmo e do timbre. Z considera que “o problema maior é

você não escutar, por isso que as pessoas tem este preconceito mesmo, não escutam ou escuta

uma vez e acabam dizendo: ‘pô, não gostei!’. [...] agora se escutasse outras peças antes, já

melhoraria [...] a apreciação e sua interpretação”.

5.4.3. Terceira Entrevista/Gravação

A terceira entrevista do sujeito Z, não pôde ser efetivada no prazo previamente

estimado. Primeiro, porque um adiamento foi pedido por parte do sujeito, justificando não ter

estudado; e, segundo, por parte do pesquisador, quando envolvido em uma pequena colisão

veicular sem ferimentos. Portanto, esta entrevista ocorreu 17 dias após a segunda

entrevista/gravação.
120

Nesta última entrevista, o Z iniciou seu relato do processo de estudo semanal,

descrevendo sua característica persistente informou que quando sente prazer ou está

confortável fazendo algo, ele investe, naturalmente, um tempo enorme em tal atividade sem

sentir qualquer desconforto. Contudo, se a atividade não o agrada, uma barreira é criada a

ponto de não conseguir nenhum avanço.

Eu funciono de uma forma assim: [...] quando eu quero tocar uma


coisa, [...] eu estudo o tempo inteiro, agora, quando eu não quero, crio
uma barreira muito grande. Aconteceu isso com essa música. Eu
sempre que sentava pra tocar, esquentava tanto a cabeça, eu não
queria fazer aquilo, entendeu?

Aí, eu não queria e acabava que me desanimava. E pra outras coisas


que eu iria estudar já tava com a cabeça quente, [portanto] não
estudava mais nada, [pois] já tinha esquentado tanto a cabeça...
Aconteceu isso durante a semana, [no] final de semana também. Eu
não consegui estudar [por] muito tempo, eu estudava 20min e
saturava, [então] saía pra fazer outra coisa.

A partir desta narrativa, a entrevista enfocou investigar os motivos que levaram esta

desistência, onde o sujeito Z relatou não saber com precisão os motivos específicos, mas

acredita que a dificuldade técnica exigida para execução do terceiro movimento (III- Eclosão),

pode ter sido um dos fatores responsáveis, além da linguagem diferente, a qual ele não estava

habituado a lidar.

Seu interesse pela obra surgiu a partir da sua proximidade com o rock, sendo este o

gênero musical que a obra está diretamente inspirada, especialmente, o terceiro movimento

“III- Eclosão” que faz menção aos seus subgêneros. No entanto, Z, em seu momento atual, diz

não estar mais ligado a este gênero musical, afirmando: “a fase que eu estou vivendo hoje não

é mais essa, porque eu vivo por fases. Quando eu não estou estudando ‘valendo’ 55 eu me

55
Gíria local utilizada como sinônimo de “muito”, “de verdade”, “concentrado”, “bem”, “bom”.
121

interesso por outras coisas [...]”, e ainda, concluiu declarando que quando está enfocado em

estudar um determinado repertório, só se interessa por este.

Após os relatos, o pesquisador solicitou que descrevesse e exemplificasse as

dificuldades encontradas por trecho. Vale ressaltar que os dois primeiros movimentos da obra

foram executados fluentemente, mas, ainda não declarados como prontas pelo sujeito. O

último sistema, que havia ficado pendente na entrevista anterior, foi executado com clareza.

Portanto, ele afirmou que, no terceiro movimento, desde sua introdução, se deparou com

dificuldades técnicas e não foram compreendidas, nem resolvidas, por a falta de experiência.

E na mesma entrevista, Z especificou: a “Introdução”, com seu grande trinado; e, o início do

“Tema 1”, com sua velocidade indicada; como os únicos trechos lidos neste terceiro

movimento e cheios de dificuldades técnicas, as quais ele não conseguiu resolver, por

inexperiência e por desestímulo, respectivamente.

Eu tive dificuldade em entender como eu faço esse trinado aqui [...],


porque não tenho essa experiência de estudar peças que tem trinado
numa duração deste tamanho, [então] não sei como fazer.

[Já o “Tema 1”] consegui ler [no instrumento], mas colocar na


velocidade [indicada] exigiria um trabalho mais lento [...], eu não tive
paciência pra fazer isso com ele [o terceiro movimento]. O que eu
faria, normalmente, com uma peça [qualquer], eu não consegui fazer
com isso [o terceiro movimento “III – Eclosão”].

Ainda neste encontro, o sujeito descreveu o seu empenho no estudo da “Sonata” de

Leo Brouwer, como exemplo de sucesso, em que esta obra de 20 páginas, também de

linguagem contemporânea com algumas técnicas expandidas (como o pizzicato alla Bartók e

rasgueados), foi preparada em uma semana e executada em sua aula da disciplina

“Seminários em Instrumento III”. Z reinterou, com exemplo desta Sonata, que quando o

agrada, ele estuda a obra, exaustivamente, para a obtenção de resultados positivos.


122

Observando este relato supracitado, preocupamo-nos em investigar como se dá a

atribuição dos valores de importância das peças pelo sujeito, refletindo como as avaliaria a

ponto de definir qual obra o agrada. Para tanto, foi-lhe questionado como seria, supostamente,

o resultado desta investigação, se a “Morte Transfigurada” fosse uma obra recomendada por

seu professor de violão? E, em seguida, Z respondeu: “Mário pede uma música, eu começo a

tocar. [Se] vejo que não tá saindo nada, não vou insistir [...]. Eu falo: ‘eu vou partir pra outra

coisa, talvez mais na frente eu veja isso’, entendeu?”. Confirmando, assim, que o resultado

seria o mesmo neste momento.

Nesta entrevista, o sujeito Z não executou o terceiro movimento da obra “Morte

Transfigurada”, justificando estar nervoso e não ter estudado devidamente, no diário de

estudo entregue ao pesquisador após o fim das entrevistas, não constavam anotações sobre o

estudo do terceiro movimento “III- Eclosão”, apenas as consideração datadas até o dia 11 de

outubro de 2012 (data da segunda entrevista narrativa/gravação de execução instrumental).

Pode-se concluir, então, que os poucos dias que o sujeito dedicou, por 20min, ao estudo da

“Morte Transfigurada”, segundo os seus relatos, tiveram como objetivos a tentativa de leitura

do terceiro movimento e a resolução do último sistema do segundo movimento, que havia

ficado pendente na entrevista anterior.

Por fim, sua gravação de execução instrumental, neste encontro, se deu com a obra

“Sonata” de Leo Brouwer, a qual executou fluentemente, com poucos erros. Z, ainda,

demonstrou que vinha refletindo as frases, motivos e seções da obra para uma melhor

interpretação, fruto de uma dedicação de, aproximadamente, 7 horas por dia (estudo iniciado

há, aproximadamente, um mês e doze dias).


123

Após descrição e análise do Caso Z, pode-se inferir que o sujeito apresentou

capacidade técnica e musical apta a executar a obra “Morte Transfigurada”, visto nas primeira

e segunda entrevista narrativa, que o mesmo a apresentou os primeiro e segundo movimentos

com fluência e sem grandes erros ou dificuldades. Porém, foi no terceiro movimento, em que

o compositor explora mais técnicas expandidas, as quais exigem certo virtuosismo, que Z se

desestimulou a ponto de não prosseguir na preparação da obra. Fica evidente, neste caso, que

o fator de maior responsabilidade pela conclusão da preparação de uma obra é o interesse pela

mesma (relacionado à preferência/gosto musical), em se tratando de música contemporânea

com técnicas expandidas.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa teve como objetivo a observação do processo de aprendizagem dos

estudantes de Instrumento, bacharelandos em violão, na preparação de repertório

contemporâneo com técnicas expandidas, em busca de verificar quais dificuldades

encontradas e estratégias utilizadas.

Com a revisão de literatura, que abordou os temas “Técnicas Expandidas” e “Música

Contemporânea e o Ensino de Música”, além de retratar o referencial teórico em que este

estudo é fundamentado (vide CAPÍTULO I, pág. 3-25), percebeu-se que o termo extended

technique (“técnica expandida” ou “técnica estendida”), a busca pelo seu conceito e as

discussões acerca dos elementos que podem ser assim classificados, têm despertado grande

interesse nos pesquisadores. Visto que, em tão pouco tempo de pesquisas, parece improvável

a delimitação e a conceituação de algo deveras complexo, que transita entre várias áreas da

música (como composição, performance e estrutura do instrumento 56); pois, os trabalhos mais

antigos, encontrados em revisão de literatura, estão datados no fim da década de 1990.

Posteriormente, como desdobramento do tema aportado em revisão de literatura

(“Música Contemporânea e o Ensino de Música”), a análise de matrizes curriculares do

bacharelado em violão foi apresentada, a fim de avaliar o contato proposto pela universidade

entre este bacharelando e a música contemporânea (vide CAPÍTULO II, pág. 26-52). Pôde-se

constatar, sobretudo, que não consta no currículo oficial do curso, disciplinas enfocadas na

56
Entendido aqui pelo uso de scordatura, bem como, de materiais entre as cordas ou outras partes do instrumento
para a manipulação de timbres (Violão Preparado).
125

abordagem da música contemporânea, especificamente, apresentando e/ou aproximando, de

forma geral, esta linguagem musical aos estudantes de Violão.

Foram levantadas, ainda neste capítulo, reflexões acerca do pouco preparo musical

prévio que os alunos recém-ingressos geralmente apresentam, o que pode ser considerado um

dos principais motivos pela baixa frequência na abordagem de repertório contemporâneo nas

disciplinas “Seminários em Instrumento” durante o curso, já que este repertório, geralmente,

exige um alto nível de habilidades técnicas instrumentais.

Nesta perspectiva, uma questão surge: Será que apenas existem peças com

linguagem vanguardista, para violão solo, exigindo alto nível técnico instrumental? Contudo,

os professores de Instrumento poderiam se disponibilizar a investigar a existência de obras

que exijam menos habilidades técnicas e de leitura, e ainda catalogá-las metodologicamente,

seja através de grupo de pesquisa ou por iniciativa própria, a fim de tratar as mesmas

questões/deficiências técnicas que vem sendo solucionadas através de repertório tradicional,

aproximando assim o estudante à música contemporânea. Pelo provável desconhecimento da

existência de peças com linguagem vanguardista para violão que abordem questões técnicas

elementares, a inexistência destas peças vem sendo aceita como verdade. Portanto, sua

abordagem nas aulas práticas se mostra inviável durante certo período, até que os estudantes

adquiram um determinado conhecimento técnico (quanto à postura, sonoridade, precisão na

execução, digitações, exploração timbrística, nuances de dinâmica, nuances rítmicas,

compressão das expressões indicadas) e melhorem sua leitura musical para que consigam

encarar tal repertório com maiores possibilidades de sucesso. Vale ressaltar que estas

reflexões e conclusões, do Capítulo II, podem ser feitas para o curso Instrumento em geral,

com exceção da habilitação em Percussão que vem apresentando, ao longo dos anos, uma
126

relação estreita com o curso Composição. O Grupo de Percussão da UFBA 57, que surgiu na

década de 1960 e permanece ativo, estreia diversas peças de estudantes e graduados com

linguagem vanguardista em eventos elaborados pelo Núcleo de Percussão da UFBA sob

coordenação do Prof. Dr. Jorge Sacramento.

Algumas inferências puderam ser feitas depois de descritos e analisados os casos

(vide CAPÍTULO V, pág. 89-123). Portanto, será apresentada aqui a análise dos dados

coletados nas entrevistas dos quatro sujeitos (com o desistente incluso), após terem sido

dispostos paralelamente e seus conteúdos conflitados, possibilitando, assim, de modo

indutivo, visualizar com maior clareza alguns aspectos importantes para esta investigação.

Estes foram: 1) como a música contemporânea para violão é concebida pelos estudantes de

Violão da EMUS-UFBA e que experiências tiveram com esta música; 2) que impressões os

bacharelandos em Violão têm ao entrar em contato com tal linguagem musical, em respeito às

suas preferências; e, 3) o que estes estudantes entendem por técnica expandida.

No aspecto sobre a concepção do que se pode classificar como música

contemporânea para violão, a aparição do termo “inovadora”, e suas derivações, foram

recorrentes nas respostas dos sujeitos W, X e Z. O sujeito Y, por outro lado, argumentou que

é “uma música mais livre, desprendida dos preceitos harmônicos estabelecidos no século

XVIII”, contudo, relatando a pouca frequência que escuta esta linguagem musical declara que

“[...] é uma música estranha para os meus ouvidos”. Enquanto o sujeito Y afirmou não ter

lido 58, estudado ou executado peças de repertório contemporâneo, os três outros sujeitos

57
http://www.escolademusica.ufba.br/conjuntos-musicais/grupo-de-percussao

58
Referindo-se aqui à leitura à primeira vista
127

afirmaram terem executado obras/trechos ao violão em aulas ou apresentações públicas, sejam

nos níveis “ensaio” ou “performance expert”. (vide “Perfil dos Sujeitos”, pág. 67-72)

Para compreender as impressões que os estudantes têm ao entrar em contato com a

música contemporânea, a frequência da sua escuta/apreciação foi investigada, em que os

resultados de baixa frequência foram recorrentes. Conseguintemente, na mesma seção do

questionário, perguntas foram feitas sobre as impressões que a música contemporânea causa

nestes indivíduos, e “estranhamento” se apresentou como termo utilizado por todos os

sujeitos. Afirmações pertinentes sobre este aspecto surgiram, o sujeito W disse: “[...] apreciar

música contemporânea pode ser uma questão de criar hábito para escutá-la [...]”, em outra

ocasião, Z concordou afirmando: “não é muito fácil de entender, é muito complexo, [...] você

precisa de um certo contato pra poder curtir mais”, enquanto X que não emitiu posição

pessoal referente ao seu gosto musical diz: “Música que vem enriquecendo cada vez mais o

repertório violonístico com texturas musicais [...]”. Contudo, sobre o mesmo aspecto, o

sujeito Y tenta justificar suas impressões da seguinte maneira: “o meu gosto musical ainda é

centrado no campo tonal, mesmo parcial, uma música totalmente fora desses parâmetros ainda

me causa certo estranhamento”.

Por fim, questões sobre a técnica expandida foram abordadas na tentativa de

investigar a compreensão do termo por parte dos indivíduos investigados, em que um dos

sujeitos afirmou nunca ter ouvido falar, dois deles afirmaram ter escutado o termo, mas não

lhe conseguiria atribuir definição alguma, e o outro afirmou: “entendo que são técnicas que

buscam novas sonoridades e timbres no violão, ou buscam um mesmo resultado sonoro de

uma técnica convencional executadas de forma nova”. Então, nas entrevistas narrativas deste

sujeito, foi-lhe questionado desde quando e por quais fontes atingiu esta compreensão sobre
128

as técnicas expandidas, e o mesmo informou ter conhecido o termo e suas características

através da disciplina “Pedagogia do Violão I”, na aula em que analisavam o livro “Piano-

brincando – Atividades de Apoio ao professor” de Maria B. Parizzi Fonseca e Patricia Furst

Santiago. Esta aula foi mediada pelo pesquisador desta investigação, em tirocínio docente

orientado, o qual objetivou, em seu plano de aula, demonstrar a abordagem musical

contemporânea presente no livro citado 59, que vem sendo utilizado, geralmente, por muitos

educadores apenas com enfoque na linguagem musical tradicional. Logo, questões sobre o

silêncio, piano preparado, violão preparado e técnicas expandidas foram expostas. Isto

ocorreu em momento antecedente à seleção dos sujeitos para a amostra desta pesquisa.

Neste cruzamento de dados e análise dos casos, pôde-se perceber que os sujeitos

tiveram como primeira ação, para início da preparação da obra, a escuta com partitura na mão.

E como segundo passo, W (sem bula) e Z (com bula) estabeleceram como estratégia a

tentativa de execução apenas das partes com notação tradicional na tentativa de obterem uma

ideia geral da obra, ignorando os trechos com grafias desconhecidas não os executando.

Porém, X afirmando ter escolhido uma estratégia diferente da comum, como segundo passo,

dedicou-se em tentar decifrar a bula. Pôde-se perceber, em todos os casos, que os sujeitos

enfocaram seus estudos na preparação dos trechos com técnica expandida, possivelmente por

estarem cientes que este é o tema central da pesquisa.

Para a compreensão e execução das técnicas expandidas contidas em suas peças, os

sujeitos utilizaram como principal ferramenta a observação e a escuta da performance em

59
Maria B. Parizzi Fonseca e Patricia Furst Santiago, no artigo “Pianobrincando – Atividades de Apoio ao
Professor: uma revisão crítica de suas contribuições no passado e suas perspectivas para o futuro”, publicado no
Anais do XIV Encontro da ABEM59 (2004), trazem à vista uma aplicação do livro abordando a música
contemporânea desde as primeiras lições ao piano no ensino infantil.
129

vídeo/áudio da obras, o que torna claro a necessidade de um modelo para a imitação quando

não há conhecimento das possibilidades timbrísticas e técnicas do instrumento para além da

linguagem tradicional, logo, após visto/escutado a execução e lido a descrição obtiveram

sucesso na compreensão de algumas das técnicas expandidas presentes nas obras. Contudo,

após observação destes dados cruzados, surge uma questão: Como seria o processo de

aprendizagem das técnicas expandidas contidas em peças inéditas (sem qualquer registro) por

estes futuros violonistas profissionais (já sem tutoria)? Provavelmente não apresentariam

resultados próximos a estes, pela inexistência de um modelo de referência a quem imitar.

Portanto, é pertinente inferir que aproximar o estudante a esta linguagem musical (seja através

das disciplinas de prática instrumental, percepção, apreciação e/ou teórica, ao menos,

incitando os alunos à busca por informações e experiências com esta música), proporcionaria

determinado conhecimento sobre as possibilidades de exploração timbrística e técnicas

utilizadas na música contemporânea. Vale ressaltar que o sujeito W, o qual demonstrou ter

maior contato com a música contemporânea, após ter adquirido uma bula para a descrição dos

símbolos utilizados por Kampela, conseguiu decifrá-los com maior facilidade através da

leitura, não se mostrando completamente dependente do aprendizado através da escuta.

O cruzamento dos dados evidenciou as estratégias em comum utilizadas pelos

sujeitos, estas foram: 1) fazer marcações na partitura notificando o que sabiam ou não

sabiam, estratégia esta também alertada por Sloboda (2008) quando relata a necessidade de

“quebrar [as passagens] em pequenas partes” durante a etapa “ensaio” (SLOBODA, 2008, p.

118); e, 2) utilizar a escuta como ferramenta de aprendizagem, ou seja, aprender por

imitação ou “de ouvido”, como salienta TOURINHO (1995, p. 180). Também em comum

relataram a necessidade do apoio do professor de curso, sendo ele (nestes casos,

especificamente) um excelente modelo com conhecimento vasto acerca da música e das


130

especificidades do violão, alem de ser um intérprete invejável. Um dos fatores que

influenciaram na diminuição do tempo de concentração na preparação das obras ou na

desistência no estudo das peças, perceptível em todos estes casos, foi a não familiaridade

causada pelo pouco acesso dos sujeitos a esta linguagem musical (desde o período inicial dos

seus estudos no instrumento), afirmando não se sentirem preparados para tocar este repertório.

Após análise destes dados, pôde-se inferir, indutivamente, que os estudantes do curso

superior de Violão da EMUS-UFBA, mostram-se distantes da música contemporânea (por

preferência musical deles ou por não ter sido proposto este contato em seu aprendizado). Esta

ausência da relação com a referida linguagem musical resulta em um relevante desestímulo, o

qual impossibilita a dedicação em longo período, portanto, não conseguindo concluir a

preparação da obra, mesmo que estejam preparados tecnicamente e musicalmente para tal

execução.

Neste aspecto, apresenta-se como extremamente necessária a aproximação dos

estudantes de música com a linguagem contemporânea mais vanguardista, desde sua iniciação

musical até os estudos mais avançados, em paralelo a linguagem tradicional. Pois, a

abordagem das linguagens musicais de maneira combinada possibilitaria o desenvolvimento

musical com mais amplitude, tornando assim o futuro instrumentista apto a executar a música

de hoje sem grandes dificuldades de aceitação, contribuindo assim para um maior número de

intérpretes e, consequentemente, de ouvintes desta expressão artística atual.

Se estes sujeitos fossem incumbidos, nesta pesquisa, de preparar uma peça do

repertório tonal, qual seria o resultado? Conseguiriam obter melhores resultados na

preparação da obra? Possivelmente sim, visto que, isto é proposto nas disciplinas “Seminários

em Instrumento” durante todo o curso de bacharelado. Portanto, as metas que os sujeitos se

propuseram a atingir nesta investigação não apresentaram o resultado esperado pelos mesmos,
131

na qual o motivo destacado foi a desmotivação gerada pelas dificuldades encontradas e

alimentada pela falta de contato com a música contemporânea com técnicas expandidas.

Segundo Sloboda, “motivação” significa “[...] a habilidade de formar e sustentar objetivos

[...]”, o autor ainda afirma que a motivação “parecer ser” uma “condição essencial da

aprendizagem” (SLOBODA, 2008, p. 186).

A aproximação com a música contemporânea, especificamente com técnicas

expandidas, apresenta-se como importante para os bacharelandos, porque lhes possibilitariam

conhecer diversas linguagens musicais expandindo a sua capacidade interpretativa e suas

habilidades práticas no instrumento; e para o educador musical, porque possibilitaria a

abordagem desta linguagem com seus alunos iniciantes no instrumento, educadores que,

geralmente, rejeitam as determinadas formas de tocar, dos seus alunos, quando fogem às

recomendações tradicionais, contribuindo, então, com o aumento do número de intérpretes

e/ou apreciadores desta música.

Apresentou-se como uma variável ponderada, nesta pesquisa, o repertório exigido

nas disciplinas “Seminários em Instrumento”, que por sua vez, interferiria no tempo dedicado

ao processo de aprendizagem investigado, que, naturalmente, os sujeitos dariam menos

importância às metas da pesquisa diante às metas do seu curso de graduação. Todavia, as

entrevistas dos casos W, X e Y ocorreram em período de férias do calendário acadêmico da

universidade, recesso este, estendido com a greve dos professores federais. Apenas o caso Z,

que surgiu após desistência do sujeito Y, ocorreu em paralelo às aulas do curso, no qual o

sujeito declarou ter encontrado dificuldades para se dedicar à preparação da obra da pesquisa

em paralelo à peça exigida na sua disciplina prática de violão, em que o sujeito apresentou o

primeiro e segundo movimentos da obra em nível de “ensaio” com notável fluência nas duas
132

primeiras entrevistas narrativas/gravação de execução instrumental contradizendo sua

declaração. A grafia musical inovadora e a sonoridade incomum para a amostra selecionada

se apresentaram como variáveis nestes estudos de caso, em que os elementos desconhecidos e

de complexa compreensão auxiliaram na desmotivação dos sujeitos para a preparação do

repertório contemporâneo.

Outras variáveis surgiram com a ausência de orientação do professor, ou seja, não

dispunham de um modelo presencial para imitar, contudo, as dificuldades das peças tiveram

que ser resolvidas a partir dos próprios conhecimentos dos sujeitos. Estas variáveis foram:

problemas de leitura rítmica complexa; problemas na interpretação dos dados contidos na

bula; ausência de orientação para direcionamento de estudo; e, dependência da orientação

tutorial presencial. Quanto aos “problemas de leitura rítmica complexa”, a falta de preparação

musical em nível elementar, precedente ao ingresso no curso superior, apresenta-se como uma

das principais responsáveis. Já sobre os “problemas na interpretação dos dados contidos na

bula”, percebe-se que o pouco contato com as técnicas expandidas, considerando as relatadas

experiências musicais dos sujeitos, foi um fator preponderante. Quanto à “ausência de

orientação para direcionamento de estudo”, apesar de ter sido planejada previamente a fim de

investigar se os futuros violonistas profissionais estariam aptos a executar obras

contemporâneas vanguardistas com seus próprios conhecimentos. Enquanto estão sendo

treinados com repertório tradicional durante a maior parte do curso e, em alguns casos, apenas

com este repertório, mostrou-se como um fator desmotivador um dos casos, tornando clara a

“dependência da orientação tutorial presencial” na resolução das dificuldades encontradas.

Contudo, estas variáveis supracitadas provavelmente não existiriam se os sujeitos

dispusessem de orientação do seu professor de violão na preparação das obras utilizadas, pois

poderiam imitar um modelo presencial mais experiente.


133

O tempo de dedicação no estudo das obras foi insuficiente para o preparo das peças,

visto que o período mais longo detectado teve duração de 3h em 1 dia. Possivelmente, por

fatores como: dificuldades na compreensão; estranhamento com a linguagem;

desconhecimento da obra; falta de um modelo presencial (professor) para imitação, o que é de

costume na preparação das peças durante o curso; período de férias; e, baixa prioridade na

dedicação à pesquisa. Sabe-se que este período de dedicação mencionado não é suficiente

para preparar uma obra com tamanha complexidade, e ainda, em se tratando de violonistas

nãoprofissionais. Esta análise é sustentada por Sloboda:

Para qualquer habilidade complexa, tal como escrever um programa


de computador, jogar xadrez ou tocar um instrumental musical, graus
moderados de habilidades são alcançados por aqueles que lhe
dedicaram centenas de horas. Para ser verdadeiramente um expert,
milhares de horas são necessárias. (SOLOBODA, 2008, p. 286)

Outro aspecto que se mostra relevante nesta pesquisa é a carência de obras para

violão solo com técnicas expandidas elaboradas pelos compositores da UFBA, sejam

estudantes, formados ou professores (vide CAPÍTULO II, págs. 29-34). Como tentativa de

auxiliar na mudança desta realidade exposta, esta pesquisa sugere para trabalhos futuros a

busca e catalogação de obras contemporâneas por um viés metodológico em níveis

progressivos de exigência técnica instrumental, podendo ainda solicitar aos estudantes de

composição da UFBA a elaboração de peças com técnicas expandidas, em diversos níveis de

habilidade instrumental para serem aplicados nos cursos oferecidos pela EMUS-UFBA, sejam

de extensão ou de graduação.

Também como trabalho futuro, poderia ser planejada uma pesquisa experimental,

com a criação de uma disciplina ofertada pela instituição, para a aproximação dos estudantes

de Instrumento com a linguagem musical aqui investigada, solicitando obras para violão solo
134

a uma classe de alunos do curso Composição. Conseguintemente, estas obras seriam indicadas

aos participantes do grupo experimental pelos seus professores de curso, para então, serem

utilizadas na pesquisa como verificação (feedback) dos resultados do experimento, ou seja,

seguindo a hipótese que os estudantes de Instrumento têm capacidades técnicas para a

preparação de obra contemporânea, fundamentada pelos resultados deste trabalho, o

experimento objetivaria esta aproximação para a hipótese ser testada.

E por fim, outro desdobramento possível para este trabalho é a proposta de

catalogação das técnicas expandidas para violão utilizadas no repertório solo e de câmara,

com seus símbolos e suas respectivas execuções, que pode ser fundamentada por LUNN

(2010) e ULLOA (2001), resultando assim, em um guia para intérpretes e compositores das

técnicas expandidas para violão em língua portuguesa.


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ANEXOS
143

Anexo 1 - Matriz Curricular do Curso Instrumento (Habilitação em Cordas) de 1971.


144
145

Anexo 2 - Ementa da Disciplina MUS106 "Composição Suplementar I" (SUPAC)


146

Anexo 3 - Ementa da Disciplina MUS108 "Composição Suplementar III" (SUPAC)


147

Anexo 4 - Ementa da Disciplina ART106 "Composição Suplementar I" (1978)


148
149

Anexo 5 - Ementa da disciplina MUSC35 "Seminários em Instrumento I"


150

Anexo 6 - Ementa da disciplina MUSD11 "Seminários em Instrumento VIII"


151

Anexo 7 - Ementa da Disciplina MUSC55 "Pedagogia do Violão I" (SUPAC)


152

Anexo 8 - Ementa da Disciplina MUSC56 "Pedagogia do Violão II" (SUPAC)


153

Anexo 9 - Questionário inicial aplicado em triagulação com a "Entrevista de Grupo" (Modelo)


154

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