Legião Cearense Do Trabalho

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HISTÓRIA E CULTURAS S

Revista Eletrônica do Mestrado Acadêmico em História da UECE.

O PENSAMENTO FASCISTA NA LEGIÃO CEARENSE DO TRABALHO

Juliana Samara de Souza Garcia

Resumo:
Este artigo busca analisar a proximidade entre o pensamento político da Legião Cearense do
Trabalho (LCT) e a ideologia fascista, representado no Brasil pela Ação Integralista Brasileiro
(AIB). Neste sentido discutimos o conceito do fascismo no seu contexto histórico, seu
surgimento no Brasil e sua centralidade para a formação da LCT, bem como sua influência para
a organização dos trabalhadores no Ceará.
Palavras-Chave: Fascismo, LCT, Integralismo, Classe Operaria.

Abstract:
This article examines the similaraties and differences between the political thought developed by
the Legion of Workers in Ceara (LCT) and and fascist ideology represented in Brazil by the
organization Brazilian Integralist Action (AIB). In this sense I explore competing concepts of
fascism, the historical context that provided the backdrop for its emergence in Brazil and its
importance for the organization of the LCT as well as working class organization in Ceara.
Keywords: Fascism, LCT, Integralismo, Working Class.

Recebido: 10/08/2016
Avaliado: 31/08/2016.

O fascismo no período entre guerras emergiu de forma significativa em boa parte dos
países capitalistas. No Brasil, a Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento de inspiração
fascista liderado por Plínio Salgado, congregou mais de meio milhão de adeptos 1 (TRINDADE,
1979, p.1), sendo considerado o primeiro partido de massas no Brasil. (CRUZ, 2012, p.13).
Dentro dos movimentos de ultradireita nas décadas de 1920 – 1930 no Brasil, há que se
reconhecer também o sucesso que obteve a Legião Cearense do Trabalho (LCT) como também o
primeiro movimento que conseguiu aglutinar trabalhadores numa proporção jamais vista em


Mestranda em História na Universidade Estadual do Ceará e membro do grupo de estudos Mundos do Trabalho coordenado pelo Prof. Dr.
William James Mello, de Indiana University.
1
Segundo GONÇALVES e SIMÕES (2012), citando o jornal Monitor Integralista n.22, de 7 de outubro de 1937, a AIB contava em 1937 com
mais de um milhão de adeptos.
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território cearense. A LCT chegou a congregar 20 mil trabalhadores de 71 associações


(MONTENEGRO, 1986, p.45), antecipando as organizações trabalhistas brasileiras. A LCT
surgiu em 1931 e serviu de base para a implantação da AIB- seção Ceará em 1932.
Se já é aceito na historiografia que o Integralismo foi profundamente influenciado pelo
fascismo europeu, como apontam Hélgio Trindade em Integralismo: o fascismo brasileiro na década
de 30 (1973) e Marcos Cezar de Freitas na obra O Integralismo: Fascismo Caboclo (1998) e que
inclusive a AIB recebia colaboração financeira e trocava materiais de propaganda com o partido
fascista italiano (CRUZ, 2012, p.19), é importante apontar que a Legião Cearense do Trabalho
estava intimamente associada à AIB2, um bom exemplo disto é que a partir de 1932, quando
Severino Sombra foi preso e exilado por ser acusado de participar do levante constitucionalista de
19323, a LCT e AIB- seção Ceará passaram a ter um líder comum: Jeová Mota4.
Correspondências trocadas entre os fundadores dos dois movimentos, Severino Sombra e
Plínio Salgado, demonstram a afinidade de pensamento e ação. Em carta datada de 9 de março
de 1932, Salgado escreve à Sombra: “Estamos integralmente com você. Peço-lhe que mande
organizar em todos os Estados do Norte, uma cousa semelhante ao que estamos fazendo aqui.
Você centraliza a orientação do Norte. Eu me incumbirei de organizar e orientar o Sul. ”5
Se é íntima a associação entre AIB e LCT, e se a primeira é aceita na historiografia como
o caso de fascismo brasileiro, é possível também dizer isso da Legião Cearense do Trabalho, já
que estavam estreitamente relacionadas?

2
No núcleo de documentação histórica da Universidade Federal do Ceará (NUDOC-UFC), podemos encontrar diversas correspondências
trocadas entre Severino Sombra e os principais intelectuais do Integralismo como Plínio Salgado e Olbiano de Melo.
3
Em entrevista concedida a Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez), em 1996, Severino Sombra fala que veio levantar o Nordeste, mas que lhe faltou
apoio: “Salgado Filho me convidou para o gabinete dele para colaborar na reforma da legislação sindical que eu tinha criticado [...] e eu estou no
gabinete de Salgado Filho [...] quando estoura a revolução de São Paulo e eu largo o gabinete de Salgado Filho e venho ao Nordeste. Não
mandado, como vem [...] no diário que está sendo publicado do Getúlio Vargas. Ele fala a meu respeito. Ele diz que eu vim ao Nordeste a
mandado dos revolucionários de São Paulo. Não, não. Num tive nenhum contato com os revolucionários de São Paulo. Ele foi mal-informado. Eu
vim porque já não tinha aderido à Revolução de 30 [...] a revolução de 30 não era a revolução com a qual eu podia sonhar; verdadeiramente
democrática. Tanto é assim que o que se implantou? Uma ditadura de 15 anos! [...]. Eu apoiei a Revolução constitucionalista por causa dessas
minhas ideias. Não tive contato nenhum com esse pessoal de São Paulo. [...]E vim levantar o Nordeste. Tentei entrar em contato com Juraci
Magalhães, meu colega de escola militar, o Landri Sales, do Piauí [...] e o Cavalcante de Pernambuco [...]. Todos eles tinham aplaudido meu
movimento trabalhista. Mas eles estavam de tal maneira vinculados à ditadura, ao Getúlio e de maneira nenhuma aceitaram. E além disso o
Nordeste estava vivendo três anos de seca, de maneira que o levante do Nordeste se tornou impossível para apoiar o movimento de São Paulo.
Em consequência eles me denunciaram, eu fui preso [...] e fiquei preso com os outros da Revolução de São Paulo. [...]. Os mais perigosos foram
exilados para Portugal. Eu fui considerado dos mais perigosos devido o meu movimento trabalhista e fui exilado para Portugal”.
4
Jeová Mota nasceu em Maranguape em 1907. Ingressou no Colégio Militar em 1919. Em 1924 sentou praça na Escola Militar do Realengo,
onde teve por instrutor Humberto de Alencar Castelo Branco. Em 1929 voltou ao Ceará, onde conheceu Severino Sombra e Hélder Câmara. Em
1930 foi preso no Recife sob a acusação de conspiração por ser partidário do movimento que depôs Washington Luís. Enquanto cumpria
detenção de 30 dias, eclodiu o movimento que levou Getúlio Vargas ao poder. Jeová Mota fugiu do presídio militar e se juntou às ações dos
rebeldes. Participou em 1931 da criação da Legião Cearense do Trabalho, e em 1932, juntamente com Severino Sombra e Hélder Câmara, iniciou
correspondência com Plínio Salgado, com a finalidade de fundar um movimento trabalhista no país, que seria materializado na Ação Integralista
Brasileira. Em 1932, foi à São Paulo, integrando um batalhão enviado pelo governo do Ceará para combater a Revolução Constitucionalista, onde
foi ferido na campanha. Foi o primeiro deputado eleito dentro do movimento integralista. Em 1937, renunciou à AIB e a seu mandato
parlamentar. Redigiu carta à Câmara dos Deputados afirmando que a AIB jamais seria “um adequado instrumento de luta em prol da justiça
social”. Esse fato reverberou na sessão cearense da AIB, onde Gustavo Barroso interviu a fim de apaziguar a situação. Com isso, foi acusado de
ter-se tornado comunista. Após isso, seguiu a carreira militar e dedicou-se à pesquisa sobre o ensino no Exército, que redundou na publicação da
obra Formação do oficial do Exército (1976). Faleceu em 1992 no Rio de Janeiro. (Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Ed. FGV,2001, p.3932)
5
Carta de Plínio Salgado à Severino Sombra, oriunda de São Paulo e datada de 9 de março de 1932. Acervo Severino Sombra- NUDOC-UFC.
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O presente trabalho busca perceber as aproximações e as discordâncias ideológicas da


Legião Cearense do Trabalho (LCT) com os elementos fascistas inerentes ao Integralismo e por
sua vez com o fascismo europeu. Esse trabalho, no entanto, guarda grandes dificuldades, pois
como sugere o historiador americano Robert O. Paxton, o delineamento do próprio conceito de
fascismo é complicado:

À primeira vista, nada parece mais fácil de entender que o fascismo. Ele se apresenta de
forma bruta em imagens primárias: um chauvinista demagogo discursando para uma
multidão estática; filas disciplinadas de jovens marchando, militantes uniformizados
batendo em membros de uma minoria demonizada, preocupações obsessivas com o
declínio da comunidade, humilhação, vitimização, e cultos compensatórios de união,
energia e pureza, perseguidos com violência redentora. Contudo surgem grandes
dificuldades quando se propõe a definir o fascismo. Seus limites são ambíguos tanto no
espaço quanto no tempo. Incluímos Stalin? [...]E quanto ao Japão imperial em 1930, ou
o sindicalismo nacionalista de Juan Péron na Argentina (1946-1955)? Qual a distância
no tempo devemos ir? Se nós escolhermos traçar uma genealogia conservadora,
podemos voltar até a Joseph de Maistre, com sua visão negra de violência e conspiração
nos assuntos humanos e convicção que apenas a autoridade poderia reprimir os instintos
destrutivos humanos, oferecem um vislumbre profético [...]. Se nós preferirmos traçar
uma linhagem dentro da esquerda, baseando-se na percepção do Iluminismo de que a
liberdade individual pode minar a comunidade, alguns voltaram até Rosseau.
Mesmo que nos limitemos ao nosso próprio século e os seus dois casos notórios, o
Nazismo alemão e o fascismo italiano, descobrimos que eles exibem profundas
diferenças. Como podemos unir Mussolini e Hitler, aquele cercado por ministros judeus
e com uma amante judia e o outro um antissemita obsessivo? (PAXTON, 2010, p.167)

Além da dificuldade em colocar o fascismo em um conceito fechado, como num tipo


ideal weberiano, Robert O. Paxton (2010) aponta cinco principais impasses no estudo do
fascismo: (1) seu surgimento inesperado no tempo e suas longínquas origens intelectuais e
políticas, (2) a dificuldade em separar o fascismo genuíno dos movimentos conservadores de
ultradireita que surgiram no entre guerras, (3) a grande diversidade desses movimentos no tempo
e no espaço que desafiam os historiadores a esclarecer as relações entre o fascismo genérico e as
suas articulações históricas concretas (4) a ambígua relação entre a doutrina fascista e as ações
que dificultam a definição do fascismo e (5) a desvalorização do próprio conceito de fascismo,
que tem sido usado de forma inadequada.
Para a superação de tais problemas, Robert Paxton propõe uma abordagem do fascismo
embasado em três estratégias metodológicas: a primeira é perceber o movimento de cunho
fascista como um processo que se desenrola ao longo do tempo e não uma mera expressão de
uma essência fixa. A segunda é contextualizar o fascismo colocando-o em seu ambiente sócio
histórico e a terceira é perceber a maleabilidade do fascismo comparando seu advento no espaço
e no tempo. Argumentando ainda que não existe um fascismo estático, Robert Paxton aponta
cinco estágios do desenvolvimento do movimento fascista: (1) A criação do movimento (2) sua

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transformação em partido político e a emergência de protagonistas significativos no sistema


político existente (3) sua chegada ao poder (4) o exercício do poder e (5) sua liquidação dada à
radicalização ou entropia do movimento.
Se aplicarmos ao caso brasileiro, teremos presentes os estágios um e dois, e que embora a
AIB e LCT tenham colocado alguns membros nos quadros formais da política, através das
eleições, nem os legionários nem os integralistas chegaram a tomar o poder. Os movimentos não
são menos importantes por isto, pois nos intriga o fato de ter congregado em suas fileiras grande
número de associações de trabalhadores, além de nos intrigar como se deu a gestação e a
adaptação de elementos do movimento de cunho fascista no Brasil e em particular, no Ceará.
Sidney Tarrow na obra O Poder em Movimento argumenta que o surgimento de um novo
repertório6 de confronto político cria novas oportunidades de ação, que podem ser usados por
outras pessoas, em outros lugares, conquanto os padrões de oportunidades e restrições políticas
se tornem viáveis ao surgimento dessas novas formas de agir politicamente.
É o conceito de ação modular, uma das características do movimento social moderno,
nascido no século XVIII e que traz consigo a difusão das ideias e maneiras de preparar
reivindicações, através da imprensa e novas formas de associação e sociabilização, onde as
pessoas passam a se perceber pertencentes a coletividades mais amplas.

Se os cidadãos de Norwich podiam ler como milhares de pessoas em Manchester


estavam assinando petições contra a escravidão, tornou-se intolerável deixar os
escravistas em Norfolk sem repreensão. Se um homem podia ler em seu jornal nacional
como os insurgentes em outro país derrubaram seu governante, fazê-lo tornou-se algo
concebível em toda parte. (TARROW, 2009, p.71)

Ou seja, o fascismo oferecia um novo repertório de ação política como opção aos países
capitalistas que pretendiam a reforma do sistema sem optar pelo comunismo. Em especial no
pós-crise mundial de 1929 que demonstrou a falência do capitalismo, associado ao livre mercado
e à democracia liberal (no caso brasileiro correspondia ao liberalismo oligárquico7).
Voltando à sugestão de Robert Paxton, precisamos então analisar o surgimento do
fascismo como um processo, dentro de seu contexto sócio-histórico e perceber sua maleabilidade
no tempo e no espaço.
A LCT se formou antes da Ação Integralista Brasileira e lançou as bases para
implantação desta última no Ceará. Apesar da cisão das duas entidades em 1934, a LCT

6
Recorrendo ao conceito cunhado por Charles Tilly, em seus estudos sobre ação coletiva, dentre eles a obra Popular Contention in Great Britain
1758-1834(1995), Sidney Tarrow define repertório de confronto como a maneira através das quais as pessoas agem juntas em busca de interesses
compartilhados [...]a palavra repertório ajuda a descrever o que acontece, identificando um conjunto limitado de rotinas que são aprendidas,
compartilhadas e executadas através de um processo relativamente deliberado de escolha.(TARROW, 2009, p.51)
7
Ver FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930.
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guardava estreitos traços ideológicos com o Integralismo e por consequência com o fascismo que
tem características comuns nos diversos países onde operou tais como: o nacionalismo, a
instituição de um estado forte, a base sindical-corporativa, a concórdia entre as classes, o
anticomunismo e o antiliberalismo. Outros valores menos preponderantes foram o
antissemitismo8 (como na Alemanha), o espiritualismo (aqui sendo mais importante no fascismo
italiano e belga), dentre outros.
O pensamento de Severino Sombra, fundador da LCT, exposto na obra “O ideal
legionário”, publicada em 1931, continha os principais eixos de ação e pensamento da Legião,
quando este propugna criar uma instituição que vai além de uma mera associação de
trabalhadores. A Legião Cearense do Trabalho se propõe a oferecer uma terceira opção política
aos trabalhadores brasileiros (existia a pretensão da criação da Legião Brasileira do Trabalho)
que se afastava do liberalismo e do comunismo, sendo este último, na concepção de Severino
Sombra, um desdobramento do primeiro e ambos frutos de uma concepção individualista de
sociedade forjada ainda no contexto da Renascença.
Propugnando a construção de uma “Pátria Nova”, Severino Sombra através da LCT se propunha
a tutelar o operariado nos moldes da encíclica Rerum Novarum e oferecer melhores condições de
vida aos trabalhadores. Sombra peregrina por diversas associações de trabalhadores no Ceará,
pregando seu ideal legionário e recebendo adesões da grande maioria dessas associações, mas a
adesão ao movimento fundado por Sombra não se justificava apenas pela sua boa oratória. A
Igreja Católica já congregava trabalhadores católicos em associações há mais de uma década, e
Severino Sombra, além de ter formação católica, foi o primeiro líder da Juventude Operária
Católica (JOC), posto ocupado depois por Hélder Câmara. (MONTENEGRO, 1986, p.129)
O advento da LCT e do Integralismo ocorreram logo após a “Revolução de 1930” 9. Tal
movimento era visto por Sombra e pelos teóricos integralistas como um momento propício à
profunda reforma política brasileira, dada à falência do modelo republicano até ali adotado, que
se caracterizava pelo domínio oligárquico e pela fraude eleitoral.

8
Com exceção de Gustavo Barroso, que pregava que o judaísmo era ao mesmo tempo agente do capitalismo internacional e promotores do
comunismo mundial, devendo ser severamente combatido, a vertente antissemita não empolgou a maioria dos teóricos integralistas brasileiros.
Em boa parte das obras de Gustavo Barroso podemos constatar tal posicionamento, em especial nas obras Brasil; Colônia de Banqueiros e
História Secreta do Brasil, onde analisa os empréstimos tomados pelo Brasil junto a bancos estrangeiros de controle judaico, pretendendo provar
que os empréstimos realizados tinham por finalidade aumentar a dependência brasileira em face do capitalismo judaico internacional
(TRINDADE, 1979, p.215). Conforme argumenta Natália dos Reis Cruz (2012), o racismo no Brasil era um tanto mais delicado de se pregar,
dada à intensa miscigenação intrínseca à formação do povo brasileiro. No entanto, o Integralismo também tinha sua vertente racista, que primava
pelo branqueamento da população. Para uma discussão mais aprofundada, ver CRUZ, 2012.
9
O termo “Revolução de 1930” apesar de cristalizado pela historiografia brasileira, não alterou as relações de produção na esfera econômica,
tampouco houve a substituição de uma classe por outra no poder. (FAUSTO,1997, p.116). No pós-30 houve de fato o desenvolvimento da
atividade industrial, mas esta está ligada às dificuldades surgidas no tocante às importações, “em consequência da escassez de divisas”
(FAUSTO, 1997, p.24) e não porque uma classe industrial foi levada ao poder pelo movimento de 1930.
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Para Sombra, poderia ser o início da “Pátria Nova”, que buscaria na organização do
trabalho em sindicatos corporativos a nova etapa da vida nacional. Sombra cobra a tomada de
posicionamento por parte dos “revolucionários”.

“Aguardamos ainda a palavra definidora dos responsaveis pela Revolução[...] “É a


dictadura com a força e a confiança de que dispõe que deverá traçar os grandes
lineamentos político-sociaes que dêem uma feição nova ao Brasil. ” [...] “Enquanto elle
não se define a ação é desconexa e sem base sólida porque é o modo de ser que
determina o modo de agir10” (SOMBRA,1931, p.21)

Gustavo Barroso, um dos mais importantes intelectuais do Integralismo, aponta também


que a Revolução de 30 seria o marco inicial de uma nova era, que o Integralismo encarnava essa
revolução, mas que era necessário que o Estado se definisse:

Formamos uma corrente de ideias que riscará o rumo do Brasil novo. Somos, afinal,
aquele verdadeiro espírito revolucionário de que tanto tem se falado desde 1930.
Encarnamo-lo porque os que diariamente para ele apelam até hoje o não definiram à nação
ansiosa numa síntese doutrinária. [...]. No nevoeiro que se estendeu sobre o país após a
derrocada do presidencialismo, que viveu pouco menos de meio século, o Integralismo é o
primeiro farol que brilha indicando um porto. (BARROSO,1933, p.15-16)

Segundo Boris Fausto, nenhuma categoria ou classe social tinha condições históricas de
exercer hegemonia no período. Após a instalação do Governo Provisório, instalou-se, segundo o
termo cunhado por Francisco Weffort, um “Estado de Compromisso” que é um “Estado em
crise” que busca oferecer respostas à nova conjuntura de crise na economia agrária, além do
esgotamento “local (e mundial) das instituições liberais, pelos esforços de industrialização
autônoma de uma sociedade tradicionalmente agrária e dependente, pela dependência social dos
setores médios e pela crescente pressão popular”.11
Apesar do movimento de 1930 ter sido o ápice do movimento tenentista, que se iniciara
em 1922, tendo levantes em 1924, com destaque para a coluna Prestes a partir de 1926, os
tenentes não tinham uma ideologia homogênea ou um projeto de poder político comum, mas
congregava diferentes vertentes ideológicas que comungavam do objetivo de moralizar e
modernizar a República. Ancorados na proposta de serem os “salvadores da Nação”, o
tenentismo buscava tirar dos postos de comando as raposas da República Velha e contribuir para
o cumprimento da Constituição de 1891. Era um movimento mais voltado para o ataque jurídico-
político às oligarquias sem impor modificações importantes na estrutura socioeconômica.
(FAUSTO, 1997)

10
Depois da Prisão de Severino Sombra em 1932, a Legião Cearense do Trabalho terá como chefe interino Ubirajara Índio do Ceará, que depois
será chefiado pelo o triunvirato composto por: Jeová Mota, Ubirajara Índio do Ceará e João França Ferreira.
11
Apud Fausto, 1997, p.24.
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Segundo Anita Leocádia Prestes (1997), há fatores particulares que contribuíram para que
fossem os tenentes o estopim de um espírito de revolta que permeava toda a sociedade brasileira,
pois além da crise econômica dos pós- 1929, havia uma crise de representatividade política. Não
havia lideranças civis que pudessem tomar a frente de um movimento revolucionário. Os
tenentes eram aproximadamente sessenta por cento do efetivo do Exército, que unido ao baixo
grau de controle hierárquico dava condições privilegiadas de rebeldia ao grupo. O próprio
sucateamento do Exército à época, somado às lentas promoções na instituição levavam os
tenentes à insatisfação profissional. “As origens sociais e o treinamento desses oficiais
introduziam motivações externas para seu envolvimento em lutas políticas de caráter
contestatório” (PRESTES, 1997, p.85), no entanto, as condicionantes militares são insuficientes
para explicar a atuação política da jovem oficialidade. Os tenentes tinham características
importantes que os projetaram na vanguarda do movimento de 1930: Dispunham de armas,
estavam unidos numa organização nacional e surgiram no cenário nacional numa situação
política peculiar: o início dos anos 20, que se caracterizava pela crise da República Velha,
momento também em que o movimento operário passava por sérios problemas de articulação,
golpeados pela reação.
Os tenentes estão localizados socialmente próximo às camadas médias urbanas, e além de
serem a maioria dentro do Exército, tinham um nível cultural acima do restante da população, “o
que lhes facilitava assumir a liderança das massas urbanas, ansiosas por encontrar quem as pudesse
conduzir em seu processo de radicalização política”(PRESTES, 1997, p.87) As camadas médias
urbanas estavam desprovidas de organização, mobilização e um programa e “principalmente
desprovidas de qualquer tradição de atuação autônoma, uma vez que sempre haviam servido de
massa de manobra para os desígnios das classes dominantes” (PRESTES, 1997, p.86).
A opinião pública, que era em boa parte a expressão das camadas médias urbanas,
evidenciava pela imprensa e pelos debates no Congresso Nacional, a insatisfação generalizada
existente no país com os governos de Epitácio Pessoa e Artur Bernardes. Esse contexto
revolucionário também foi influenciado pela situação internacional refletida na Primeira Guerra
Mundial e na Revolução Russa, que causaria um forte impacto na juventude militar.
“O tenentismo era, portanto, fruto da crise da República Velha. Representava a revolta
possível, nas condições da década de 20, contra o domínio oligárquico” (PRESTES, 1997, p.88).
Na falta de um partido político que pudesse assumir o movimento oposicionista, foi uma facção
do Exército que assumiu esse papel eminentemente político.

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O tenentismo nem era um movimento militarista no sentido de defender os interesses


corporativos dos militares, nem era uma mera expressão da classe. O tenentismo não era
organizado. Não tinha hierarquia ou qualquer funcionamento orgânico. ”O tenentismo enquanto
fenômeno social estruturado jamais existiu”[...]tratava-se muito mais de um espírito
revolucionário [...]que atingia não só os jovens oficiais, como amplos setores da população. ”
(PRESTES, 1997, p.91).
Quando da chegada de Getúlio Vargas ao poder, os tenentes conseguem formar um grupo
de pressão defendendo o prolongamento da ditadura, mas acabam por agir muito mais no sentido
de neutralizar o poderio das oligarquias do que impor ao novo governo profundas reformas
socioeconômicas. O tenentismo não tinha base popular e quando se inicia o Governo Provisório,
desaparece como força autônoma. Alguns ocuparam cargos no Poder Central, “onde sua órbita
de influência ideológica têm um papel significativo, mas subordinado, e era tal a inconsistência
ideológica que acabam por se dividir entre dois projetos díspares: a Aliança Nacional
Libertadora e a Ação Integralista Brasileira (FAUSTO, 1997, p.97).
Nesse mesmo sentido, Prestes (1997) aponta que o esgotamento do tenentismo levaria
alguns de seus membros a afastarem-se dos ideais liberais e se aproximarem de movimentos
autoritários, expressos principalmente no pensamento de Alberto Torres e Oliveira Viana, “que
viriam a adquirir grande prestígio num período de ascensão mundial das ideologias fascistas e
autoritárias”. (PRESTES, 1997, p.96).
A instalação do Governo Provisório desalojou os governos estaduais e nomeou interventores
(em sua maioria tenentes) para governar os estados. Fernandes Távora foi nomeado o primeiro
interventor cearense e estava alinhado com a política getulista de desmobilização do movimento
operário. Como exemplo disso, podemos lembrar a repressão à passeata da fome, organizada pelo
PCB, marcada para janeiro de 1931, que deveria reunir os desempregados de Fortaleza:

A interventoria mobiliza os aparatos de repressão e impede a realização da Passeata da


Fome. Nomeia delegado especial, realiza diligências na capital e interior; proíbe a
distribuição do material de propaganda da Passeata, prende 56 operários, sendo 16
militantes deportados para o Rio de Janeiro. (SOUSA, 2007, p.300)

Fernandes Távora, que liderara a campanha da Aliança Liberal no Ceará na eleição de


1930, quando Getúlio Vargas fora candidato a presidente, alistou-se ainda no mesmo ano entre
os conspiradores para a derrubada do governo central.
Foi preso logo no início do movimento, sendo recolhido à chefatura de polícia e de lá
saiu para ser interventor do Estado (MOTA, 2000, p.13). Fernandes Távora era médico, não

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sendo, portanto, militar. Os tenentes preconizavam uma interventoria militar para implementar as
reformas de modernização do Estado, propostas pelo tenentismo e que apesar de ter tido relativo
sucesso no desmonte de setores do movimento operário, não consegue governar sem
interferência de grupos políticos locais. “Por pressão dos tenentes, Fernandes Távora é
substituído pelo Capitão Carneiro de Mendonça12. (SOUSA, 2007, p.301). Quanto ao movimento
dos trabalhadores, os Interventores plasmavam-se pela política varguista de “reprimir
violentamente o movimento operário, de dissolver comícios e greves à bala e não permitir suas
manifestações. ” (SOUSA, 2007, p.301).
O surgimento da Legião Cearense do Trabalho no Ceará deve ser entendido dentro desse
contexto de tensão social. A década de 30 e sua intensa profusão de escritores e sociólogos deve
ser percebida num processo que se iniciara ainda nas décadas anteriores. Em especial os anos 20
no Brasil foi um ano de intensa agitação social, sendo 1922 um ano chave; a fundação do Partido
Comunista (PCB), “significava o esgotamento das propostas anarco-sindicalistas que haviam
empolgado o nascente movimento operário” (PRESTES, 1997, p.70), a Semana de Arte
Moderna desencadeou um processo de questionamento dos padrões culturais e artísticos
consagrados pelos setores sociais dominantes. Foi o ano também que ocorreu a primeira etapa da
rebelião tenentista, e por fim a instalação do Centro Dom Vital e da revista A Ordem.
(TRINDADE, 2008, P.687)
O Centro Dom Vital surgiu no contexto da Restauração Católica e formou importantes
intelectuais para projetar o posicionamento católico nos debates modernos que tinha por finalidade
reaproximar-se do Estado a fim de restituir as benesses perdidas com a separação pela Constituição
de 1981. “Uma das mais influentes gerações de líderes leigos católicos na história da América
Latina emergiu nos anos 20 em torno do Centro Dom Vital. ” (MAINWARING, 2004 p.46).
A década de 20 foi uma década eminentemente de espírito revolucionário. Ainda em
1917, a entrada de imigrantes estrangeiros no país traz consigo uma vanguarda anarquista que
lidera as primeiras greves nos principais centros urbanos do país. De 1918 a 1920 no Rio de
Janeiro, irrompem uma série de movimentos paredistas, dentre eles da construção civil (que

12
Aroldo Mota (2000) aponta que quando Fernandes Távora foi ao Rio de Janeiro a fim de tratar de assuntos da administração, seus adversários
políticos usaram de diversos meios para tirá-lo do cargo de Interventor. Dentre eles os tenentes que o acusavam de ser vacilante na apuração dos
crimes ocorridos na República Velha, além de acusações de corrupção, perpetradas por Virgílio Fonseca que o Interventor substituíra coletores da
Secretaria da Fazenda por comerciantes desonestos, além de favorecer a construtora “Edificadora do Norte “na construção de casas populares.
Em 15 de agosto, Fernandes Távora distribuiu nota à imprensa do Rio de Janeiro, renunciando à Interventoria do Ceará. Eis a nota: Convencido
de que a minha permanência na Interventoria do Ceará seria constante motivo de atritos entre os revolucionários cearenses, divididos por
divergência de mentalidades, havia, há muito, resolvido declinar da honra das funções em que fui investido pela vontade popular. Pretendia
efetivar essa resolução logo que pudesse realizar alguns melhoramentos e benefícios que julgo imprescindíveis ao progresso e ao bem-estar do
Ceará. Circunstâncias que agora não devo mencionar levaram-me a solicitar a exoneração do cargo, no qual, com sacrifício da própria saúde,
procurei, sinceramente, servir e honrar minha terra. Tenho a consciência de haver feito em prol de meu Estado o quanto me foi possível, dentro
das normas da Justiça e da dignidade, nos oito meses que me foi dado governá-lo. Faço votos que outros mais afortunados consigam melhores
resultados, proporcionando à gleba flagelada, a felicidade que me foi dado governá-lo. (2000, p.46)
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consegue a regulamentação da jornada de trabalho em 8 horas), da indústria têxtil, de transportes


marítimos (TRINDADE, 2008, p.693). O anarco-sindicalismo, era a expressão mais forte e
massiva que encontrou o anarquismo em geral, inspirados pelos sindicalistas franceses que
propunham a greve geral como supremo instrumento revolucionário. Os anarquistas perderam
muito de sua influência em 1922, com a fundação do Partido Comunista (PCB). (COSTA, 1985)
A instalação do Bloco Operário e Camponês (BOC) se deu no Ceará em 1927. O modelo
principal de associação dos trabalhadores cearenses em fins do século XIX era o modelo de
associativismo beneficente. O Partido Operário foi fundado em 1890, mas o surgimento do
Partido Socialista Cearense em 1919, foi a primeira organização que continha um programa de
reivindicação dos trabalhadores. As primeiras décadas do século XX em Fortaleza foram anos de
intensa efervescência social. No período que alguns autores denominam belle epoque cearense, a
cidade passa por mudanças econômicas e estruturais significativas:

O fluxo de pessoas aumenta, o contingente populacional se multiplica, estabelecem-se


ligações diretas com a Capital Federal, a cidade já conta com a presença de carros
(desde 1910), bondes elétricos, iluminação elétrica (desde 1914), o Teatro José de
Alencar é inaugurado em 1910[...]. Aumenta também o número de estabelecimentos
comerciais, oficinas de trabalho, e de serviços tipicamente urbanos como chauffers,
condutores de bondes, tipógrafos. O número de trabalhadores cresce em paralelo a essas
novas necessidades da vida urbana. (BRAGA, 2013, p.23-24)

Nesse contexto “progressista”, as elites fortalezenses são influenciadas pelo modo de vida
dos centros europeus, em especial a França. As contradições de um capitalismo em formação
trazem em sua esteira a explicitação agudizada das contradições sociais: “são altos os preços do
aluguel, a carestia da vida, e com ela a fome que assola a população pobre. O salário de quem
trabalha não dá para prover o próprio sustento e o da família. ” (BRAGA, 2013, p.24).
O Ceará também se encontrava diante de um quadro político instável. A deposição em
1912 da oligarquia Acciolina no poder desde 1896 por meio de uma revolta popular e a
consequente eleição de Franco Rabelo em 1912 e sua deposição em 1914, como consequência do
episódio político que ficou conhecido na historiografia como a sedição de Juazeiro13 (RAMOS,

13
Hermes da Fonseca, presidente do Brasil eleito em 1910, propôs o que ficou conhecido na historiografia como a “Política das Salvações”, que
seria uma tentativa (malfadada por sinal) de desalojar as oligarquias estaduais, organizadas em torno da ‘Política dos Governadores”, instituída
ainda no governo Campos Sales. A prática política inaugurada por Campos Sales tinha por uma de suas bases a fraude eleitoral. Nesse modelo, o
presidente da República concedia apoio aos governos estaduais, que por sua vez também garantiam benesses às oligarquias municipais,
reforçando seu poder de mando local, onde os “coronéis” (oligarcas) elegiam pelo instituto que ficou conhecido como voto de cabresto os nomes
que beneficiavam os governos estaduais. Os governos estaduais por sua vez garantiam a eleição de bancadas legislativas que apoiassem o
governo central.
Tal arranjo político era ainda ratificado por um mecanismo que ficou conhecido como “degola”, onde os candidatos que tivessem maior número
de votos, antes de serem diplomados em seus cargos eletivos, passavam pela “comissão de verificação de poderes”, que discricionariamente
confirmava ou eliminava os candidatos do pleito eleitoral conforme as conveniências do Poder Legislativo.
Ou seja, em última instância, era o Congresso Nacional quem decidia se os candidatos eleitos seriam diplomados ou não. Tal mecanismo,
auxiliado pela fraude eleitoral, fazia com que a vontade popular não correspondesse aos nomes empossados nos mandatos políticos.
(HOLLANDA, 2009)
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2007) davam provas que a tensão política estava presente no Ceará já há mais de uma década.
Importante lembrar também que a seca de 1915, despejara em Fortaleza um imenso contingente de
imigrantes famintos. “De 1917 a 1925, irrompe um inédito conjunto de greves e de combativas
organizações operárias como a Associação Gráfica do Ceará e a Federação das Classes
Trabalhadoras de tendência anarquista[...] (PONTE, 2007, p.185). Simone de Sousa, aponta a
década de 20 como o “contexto de ascensão do movimento operário cearense” e destaca no meio
operário não só socialistas, mas também anarquistas como os trabalhadores da associação gráfica;
“De orientação anarquista, rejeita a colaboração entre as classes, critica as instituições burguesas,
como a via parlamentar para acesso ao poder e o processamento das reformas sociais; é o
sindicalismo de resistência”. (SOUSA, 2007, p.291). Cabe também ressaltar a atuação do partido
comunista na capital cearense. Em 1927, Joaquim Pernambuco fora ao Rio de Janeiro participar do
Congresso da Confederação do Trabalho e trouxe consigo a missão de instalar em Fortaleza o
Bloco Operário e Camponês (BOC). Apesar de denunciados desde as suas primeiras
manifestações, os comunistas ganharam visibilidade a partir de suas ações, em especial na greve de
motorneiros e condutores da empresa de transporte e fornecimento elétrico The Ceará Trans Way
Light e Power Co. Com a ameaça de cooptação dos trabalhadores pelos comunistas, que já vinham
sendo denunciados nas páginas dos jornais de direita de Fortaleza, a greve se torna massiva, e a
repressão faz-se sentir no forte aparato policial, na campanha midiática católica que deslegitimava
a greve por ser liderada por comunistas e nas diversas ações estatais que se uniram para coibir o
movimento que levou à paralisação total dos bondes de Fortaleza.
A proposta de aglutinação dos trabalhadores em uma entidade que tinha por base os
valores do catolicismo social inspirados na Rerum Novarum foi muito bem aceito pelas elites
locais e em especial pela hierarquia católica, que já dava passos organizativos importantes da
classe trabalhadora. Exemplo disso é o pioneirismo no Ceará da organização dos Círculos
Operários Católicos em 1915 (SANTOS, 2007) e uma intensa profusão de associações
trabalhistas católicas entre a população de Fortaleza. Uma das principais forças que despontava
no contexto brasileiro e em especial no Ceará era a Ação Católica.

Pela comissão de verificação de poderes, Franco Rabelo, eleito em 1912 precisava da aprovação de 16 deputados da Assembleia Legislativa.
Mas a maioria dos deputados (de um total de 30) eram alinhados ao presidente deposto, Nogueira Accioly. Franco Rabelo propôs a Accioly a
concessão de cargos políticos em troca dos votos necessários à sua diplomação como presidente eleito do Estado. Os deputados votaram contra e
Franco Rabelo só obteve 12 dos 16 votos necessários, mesmo assim, de forma ilegal, Franco Rabelo foi empossado. O compromisso entre Franco
Rabelo e Nogueira Accioly logo se diluiu. Rabelo decide levar a “salvação” para um reduto acciolysta no Cariri e depõe Antônio Luiz Alves
Pequeno, prefeito do Crato e primo de Nogueira Accioly. A ameaça se estendeu a Juazeiro, reduto político de padre Cícero e Floro Bartolomeu.
Em 1913, as forças rabelistas investem contra Juazeiro, onde foram derrotados. Após isso, uma multidão de sertanejos armados iniciou uma
peregrinação que só teve fim em Fortaleza, com vários embates em cidades por onde passavam. Em 1914 foi decretada intervenção federal no
Ceará. Hermes da Fonseca depõe Franco Rabelo e em seu lugar é nomeado o general Setembrino de Carvalho para a Interventoria do Estado.
(RAMOS, 2007)

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Raimundo Barroso Cordeiro Jr (2007) aponta também que a LCT estava inserida num
contexto de expansão do pensamento católico antiliberal dos anos 1920-1930, pois entre seus co-
fundadores estavam pessoas ligadas à União dos Moços Católicos, da Juventude Operária
Católica (JOC), Círculos Católicos, Liga dos Professores Católicos, que já estavam engajados em
ações embasadas no catolicismo social.
A seca de 1932 também trouxe à Fortaleza uma nova leva de imigrantes, causando nova
explosão demográfica na cidade e o surgimento das primeiras favelas, onde os serviços básicos
de infraestrutura urbana não chegavam14. (ALMEIDA, 2010). Boa parte desses retirantes foram
empregados pelo governo em serviços de construção civil, a fim de aproveitar a mão-de-obra
flagelada e consequentemente minimizar os impactos políticos e sociais de contingentes famintos
em um contexto de tentativa de organização do movimento operário. Pelos motivos apontados; a
crescente população marginalizada, a organização de movimentos operários, o alto custo de vida
dos trabalhadores, Fortaleza era um cadinho potencial de estruturação de relevantes movimentos
de cunho popular.
O modelo de organização operária legionário caía como uma luva aos católicos e ao
getulismo, que estavam intimamente associados , pois a Igreja buscava recuperar informalmente
o espaço político que perdera com a instalação da República e Getúlio Vargas tinha consciência
que a Igreja Católica poderia ser uma importante legitimadora de seu governo; “A Legião
organiza o operariado para que, protegido, educado e coheso, elle se torne um collaborador
honesto e consciente das outras classes”(SOMBRA, 1931, p.9)
A Igreja Católica teve importância fundamental na estruturação desse novo pensamento
de ultradireita, um exemplo é o apoio que recebeu de Vargas para realizar sua “missão social” e
as relações com o governo. Scott Mainwaring (2004) argumenta que “de 1916 a 1945, líderes
católicos se envolveram profundamente na política, tentando utilizar uma aliança com o Estado
para influenciar a sociedade”. (MAINWARING.2004, p.47) e que os líderes eclesiásticos
tiveram boas relações com a administração de Epitácio Pessoa (1918-1922), e Artur Bernardes
(1922-1926), mas as relações com Getúlio Vargas eram de uma proximidade extraordinária:
14
Importantíssimo é perceber o peso da militância católica no período. Além de por toda a década de 20, apoiar explicitamente o movimento
fascista europeu em editoriais do seu principal jornal: “O Nordeste” (ver por exemplo o artigo intitulado “Benito Mussolini” do padre Tabosa
Braga; O Nordeste, 18 de dezembro de 1922, p.1); as associações católicas organizavam o movimento operário e faziam grandes ações de
assistência social. Exemplo disso é o projeto da Liga das Senhoras Católicas, que em 1923, criaram o dispensário dos pobres e o patronato das
operárias. O primeiro consistia num mapeamento de todas as famílias paupérrimas de Fortaleza para que estas recebessem ajuda da Igreja. Havia
o projeto de “extinção da mendicância”, previsto para ser realizado em 17 de fevereiro de 1923(O Nordeste, 7 de fevereiro de 1923, p1). Quanto
ao patronato das operárias, a Liga das senhoras católicas mantinha uma escola para moças pobres para que estas aprendessem serviços
domésticos a fim de trabalhar nos lares católicos (ver O Nordeste, 9 de agosto de 1922, p.2). Importante também é ver como a Igreja Católica e a
própria LCT estiveram empenhadas na organização do movimento operário. O círculo operário católico foi fundado em Fortaleza ainda em 1915,
além de uma grande profusão de associações católicas que congregavam outras categorias como A Liga dos Professores Católicos. A
particularidade do movimento de ultradireita no Ceará foi o forte traço impresso ao movimento pelo catolicismo social, já que foi a Igreja
Católica que organizou em grande parte o movimento operário. Mas esta não ficará apenas com o operariado. Durante toda a década de 20, a
Igreja Católica formou quadros que ocuparam os mais importantes cargos do poder executivo no Ceará, como Menezes Pimentel, ex-presidente
do Círculo Católico, eleito governador em 1935, permanecendo no cargo até 1945, Raimundo Alencar Araripe, ex presidente da União dos
Moços Católicos, eleito prefeito de Fortaleza em 1936, além da maioria de deputados e vereadores eleitos pela Liga Eleitoral Católica na capital e
no interior do Estado durante a década de 1930.
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A hierarquia nunca endossou Vargas de uma maneira oficial, mas a maioria dos bispos,
padres e leigos militantes apoiava seu governo. Um documento elaborado em 1942 por
cinco arcebispos proeminentes, “Disciplina e Obediência ao Chefe do Governo”,
resumia de maneira sucinta a atitude da Igreja. A Igreja apoiava Getúlio Vargas não só
por causa dos privilégios que recebera, mas também devido à afinidade política. A
ênfase que a Igreja atribuía à ordem, ao nacionalismo, ao patriotismo e ao
anticomunismo coincidia com a orientação de Vargas. Clérigos destacados acreditavam
que a legislação de Getúlio realizava a doutrina social da Igreja e que o estado Novo
efetivamente conseguia superar os males do liberalismo e do comunismo.
(MAINWARING, 2004, p.47)

Dom Sebastião Leme, à época arcebispo coadjutor do Rio de Janeiro, e um dos maiores
líderes católicos que o Brasil já teve, iniciara um movimento de Restauração Católica ainda em
1916, quando ainda era Arcebispo de Olinda e publica sua famosa carta pastoral saudando sua
arquidiocese. Na carta pastoral, Dom Leme aponta que no Brasil havia uma maioria católica,
mas que esta maioria era inerte e que os fiéis não reagiam quando governos, literatura, imprensa,
atacavam a instituição. Com tal constatação, há um grito de cruzada para retomada de sua
relevância social e política, agora possível de ser realizada mais livremente, já que a República
livrara a Igreja do padroado e do beneplácito, mecanismos de controle e submissão da Igreja
católica no Brasil.
Thomas Bruneau (1954) argumenta que em 1930, após quarenta anos de separação entre
Igreja e Estado e a importação de recursos estrangeiros da Santa Sé, a Igreja se renovara. Tinha-
se tornado um corpo grande e coeso, com o cardeal Leme à frente. Se a mensagem da Igreja
ainda não conseguia atrair a simpatia das elites políticas, diante de sua organização e
mobilização, já não era possível ignorá-la. Pregando um modelo de neocristandade, onde todas
as esferas da vida humana deveriam ser reguladas pela moral religiosa, a Igreja conseguiu o
laicato da classe média, como importante estratégia para projetar a Igreja politicamente e impor o
seu discurso nos debates do mundo moderno.
Getúlio Vargas, agnóstico confesso, se aproxima de Dom Leme ainda antes da instalação
do Governo Provisório:

Essa amizade começou quando o movimento revolucionário de Vargas veio do Rio


Grande do Sul para o Norte, para o Rio, e o Presidente, Washington Luís, se recusou a
abdicar. Na tentativa de evitar a violência e o derramamento de sangue que
inevitavelmente resultariam do encontro entre a guarda fiel a Washington Luís e o
movimento revolucionário, a junta militar representante de Vargas solicitou a Leme que
falasse com o Presidente. D. Leme concordou, conseguiu convencer Washington Luís e
desde então Vargas lhe ficou extremamente agradecido pelo seu papel de possibilitar a
tomada do poder de maneira simples e não-violenta. A partir de então os dois homens –
um chefe do Estado, e o outro chefe da Igreja – respeitavam-se mutuamente e eram
bons amigos. (BRUNEAU, 1974, p. 80-81)

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Getúlio Vargas permitiu que fossem restituídas as benesses perdidas pela Igreja após a
proclamação da República. Restituiu o financiamento às escolas religiosas e na Constituição de
1934, apesar de mantida a separação entre Igreja e Estado, a Igreja conseguira imprimir pontos
fundamentais de um programa mínimo em torno do qual se organizara a Liga Eleitoral Católica:

O seu prefácio rezava: “colocando a nossa confiança em Deus”. [...] o Estado podia
ajudá-la financeiramente, “no interesse da coletividade” (art.17). Os membros das
ordens religiosas podiam votar agora (art.108). As associações religiosas ficaram muito
mais à vontade sob facilidades jurídicas (art. 113 e 5). A assistência espiritual passou a
ser permitida nos estabelecimentos oficiais e militares (art. 113 e 6). O casamento
religioso ficou inteiramente reconhecido nos termos civis (art.145) e o divórcio,
proibido (art.144). E provavelmente mais importante que tudo, ficou prevista a
educação religiosa dentro do horário escolar, e o Estado podia subvencionar as escolas
católicas (art. 153). Em suma, a Constituição de 1934 foi uma grande vitória para a
Igreja na obtenção do reconhecimento público daquilo que considerava o seu lugar
próprio na sociedade. (BRUNEAU, 1974, p. 83)

O legionarismo de Severino Sombra assim como o Integralismo de Plínio Salgado,


tinham profunda inspiração no catolicismo social já praticado nos Círculos Operários. Mas uma
característica fundamental da LCT foi que esse movimento operário foi organizado dentro da
Ação Católica, em especial no jocismo, em que Severino Sombra foi seu primeiro chefe e Hélder
Câmara o sucedeu. Nas páginas do jornal católico O Nordeste, podemos entender como era
organizado essa aglutinação de trabalhadores em diversas frentes: desde a fundação de escolas
jocistas, como ações diretas de corpo a corpo com os trabalhadores. Boa ilustração é a ação do
padre Hélder Câmara que percorria a cidade congregando categorias profissionais. Por exemplo,
em um determinado bairro, chamava lavadeiras e engomadeiras e ali fazia reuniões periódicas
dando origem à organização desses trabalhadores. Essas associações organizadas engrossariam
as fileiras da LCT. No periódico O Legionário, editado pela Legião Cearense do Trabalho,
também podemos encontrar os secretários da LCT fazendo visitas regulares à fábricas diversas a
fim de organizar o movimento operário em Fortaleza.
Para a Igreja, era hora de se abandonar a democracia liberal, repelir o comunismo
incipiente e se pensar o destino político do Brasil observando as características brasileiras.
Pensamento que se aproxima dos teóricos integralistas, como diz Gustavo Barroso: ” O Brasil
tem vivido nesse erro manifesto, sujeitando-se a empirismos perniciosos e até vestindo roupas
usadas, sem consultar aquilo que devia consultar: suas forças vivas, sua mentalidade, seu próprio
sentido de vida. ” (BARROSO, 1933, p. 26-27) Sombra também busca na realidade nacional as
reformas sociais necessárias: “Cultura Nova. Cultura Brasileira. Cultura desligada de ideias
esdruxulas. Cultura que lembre a Terra, dê significado ao homem e ligue a Tradição ao futuro do
Brasil”. (SOMBRA, 1931, p.22).

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Se o pensamento progressista é movido pela consciência do possível, uma das


características do pensamento conservador, expresso no que Cristina Hollanda (2009) chama de
princípio da realidade, é o primado pela realidade imediata, num modelo que não comporta
invenção, mas reconhecimento do mundo fenomênico como motivação da política. Leandro
Konder (1991) aponta também que a ideologia da direita representa sempre a existência (e as
exigências) de forças sociais empenhadas em conservar determinados privilégios, isto é, em
conservar um determinado sistema socioeconômico.
Dentro dessa construção de pensamento, os principais pontos da ideologia legionária estão
situados numa esfera do pensamento da ultradireita, dentre eles o nacionalismo, a concórdia de
classes, a naturalização da desigualdade, o desejo por um Estado interventor e o anticomunismo.
O nacionalismo era uma ideia âncora de todos os intelectuais integralistas15. A “ideia-
força” do Integralismo, como aponta Helgio Trindade (1979, p.211). Ideia esta que aparece com
diversas motivações entre seus principais teóricos; Plínio Salgado exalta o caráter cultural do
nacionalismo, já o nacionalismo de Gustavo Barroso está mais ligado à ideia antissemita,
enquanto Miguel Reale, que sofreu influência do marxismo, “situa-se numa posição
essencialmente econômica” (TRINDADE, 1979, p.214). A vertente nacionalista economicista
também pode ser encontrada em Severino Sombra: “A democracia brasileira[...] tornou o Estado
um balcão e o Governo um caixeiro – balcão e caixeiro para os capitaes estrangeiros explorarem
a Nação. ” (SOMBRA, 1931, p.23)
O nacionalismo é também a ideia-chave do fascismo italiano, Leandro Konder argumenta
que o sentimento nacionalista fundamentava o estado fascista pois era colocado como um
princípio sagrado, “posto acima de qualquer discussão, imune a qualquer dúvida[...] um valor
supremo que nunca se degradasse e pudesse alimentar incessantemente a chama da fé no coração
dos combatentes” (KONDER, 1991, p.10). Mussolini ao forjar o nacionalismo como conceito
maior do fascismo, num contexto em que o capitalismo havia ingressado em sua fase
imperialista, vai buscar a teoria da luta de classes em Marx, mas subverte-a:

A nação italiana era, evidentemente, uma realidade: uma realidade complexa, uma
sociedade marcada por conflitos internos profundos, dividida em classes sociais cujos
interesses vitais se chocavam com violência. Mussolini fez dela um mito, atribuindo-lhe
uma unidade fictícia, idealizada. Aproveitando uma idéia do nacionalista de direita
Enrico Corradini, apresentou a Itália como uma “nação proletária”, explorada por outras
nações, e acusou seus ex-companheiros socialistas de utilizarem o proletariado italiano
para, com suas reivindicações, enfraquecerem internamente o país em proveito dos
inimigos que a Itália tinha no exterior. (KONDER, 1991, p.11)

15
Ao contrário do legionarismo, o Integralismo foi pensado por uma série de intelectuais de ultradireita, que guardam entre si concordância entre
os principais contornos do Integralismo tais como o Estado corporativo, o nacionalismo, o anticomunismo e o antiliberalismo. Os principais
teóricos do movimento do Sigma são Olbiano de Melo, Miguel Reale, Plínio Salgado e Gustavo Barroso.
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Hitler também utilizava o mesmo argumento pois dizia que as nações europeias
vencedoras da guerra de 1914-1918, estavam proletarizando a Alemanha.
Importante ressaltar que o nacionalismo no contexto de um capitalismo imperialista é
mais do que justificável, é mesmo uma forma de defesa. Mas o que podemos apreender da
concepção nacionalista de Mussolini era que este era manipulado, posto que limitava a
participação popular da luta política, impondo-lhes essa diretriz de cima pra baixo. O que não
acontece quando o nacionalismo é oriundo de povos oprimidos e explorados, posto que a
movimentação surge nas condições reais da sua nação, sendo tendencialmente democrático, “de
baixo para cima”, um nacionalismo defensivo, não toma aspectos antissemitas nem nega
geralmente os valores das outras nações. Já o nacionalismo fascista, que é retórico, precisa ser
agressivo “precisa recorrer a uma ênfase feroz para disfarçar o seu vazio e tende a menoscabar os
valores das outras nações e da humanidade em geral. ” (KONDER, 1991, p.13)
O apego ao nacionalismo do estado corporativo é por consequência uma das ideias
principais que norteiam outro princípio do pensamento conservador de ultradireita: a concórdia
de classes. Para se pensar a concórdia de classes em termos fascistas, temos primeiro que aceitar
que a desigualdade social é natural, como o expressam os teóricos em sua totalidade. Essa
concepção é encontrada tanto em Plínio Salgado, como em Gustavo Barroso, como em Severino
Sombra, como em Miguel Reale, como em Mussolini. Como argumentou Gustavo Barroso:

A desigualdade de forças dadas pela natureza para satisfazê-la, estabelecendo a


desigualdade física entre os homens, neles determinou a desigualdade de condições. A
hierarquia é assim, fenômeno social decorrente desse fenômeno natural incontrastável.
É legítimo e deve ser mantido num regime de justiça, de freio dos abusos, de
colaboração de classes e não de luta entre elas. (BARROSO,1933, p.31-32).

Ou como aponta Severino Sombra: “Nós affirmamos antes de tudo o valor moral da
creatura humana e, portanto, a igualdade essencial entre o rico e o pobre, o patrão e o operario, o
governante e o governado, sem prejuizo das desigualdades accidentaes” (SOMBRA,1931, p.25)
A concórdia entre as classes e a unificação por um valor supremo, expresso no
nacionalismo eliminariam a luta de classes. Em outra passagem da obra Integralismo em Marcha,
Gustavo Barroso aponta que é necessário colocar o “país dentro do triângulo salvador a que
alude Mussolini: Ordem- Hierarquia –Disciplina”. (BARROSO,1933, p.48)
O tripé apontado por Gustavo Barroso tinha origem na concepção de Mussolini que
“encarava a luta de classes como um aspecto permanente da existência humana [...]o que se
precisava fazer era discipliná-la”. (KONDER, 1991, p. 8)

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Trabalhadores disciplinados e tutelados pelo Estado, num clima harmonioso fomentado


pela união das classes nos planos econômico, social e espiritual. A Legião Cearense do Trabalho,
segundo Sombra, é uma associação beneficente, uma organização política, uma sociedade com
fins sociais novos e reformistas; “é cooperativista, política e desejosa de uma reforma social”.
(SOMBRA,1931, p.8) Ao mesmo tempo que prega algo novo, se inspira nas corporações de
ofício medievais como modelo ideal de organização trabalhista: “Na Idade Média, [...] o Estado
e as corporações intervinham na fixação dos salarios e dos preços, garantindo um regime de
justiça” (SOMBRA, 1931, p.9). Para Sombra, o regime corporativo esboçado na Idade Média
enxergava o homem na sua totalidade; econômica, física e espiritual. De forma integral.
Na Renascença da Idade Moderna, Sombra localiza o despontar do individualismo, que
perdurava até aqueles dias de 1931; “Nas democracias modernas vemos a hypertrophia, o
repudio do poder espiritual e a anarchia do poder economico. Democracias individualistas,
burguesas e materialistas que marcham para o suicidio”. (SOMBRA,1931,12). O rompimento
com o capitalismo iniciará uma” Idade Nova que viverá sob o signo corporativista e orgânico”
(SOMBRA, 1931, p.13):

“Era em que a humanidade esteja menos asphixiada pelos vapores da machina e possa
retomar o rithmo humano que perdeu em contacto com os machinismos. Era em que se
estabelece sobre um humanismo real, integral e não inhumano como o que viciou a
cultura moderna e consequentemente sua civilização. Era mais simples, menos artificial
e em que predominem os valores moraes sobre os valores econômicos. Era que não
alcançaremos mais, mas para o advento da qual empenharemos intelligencia, vontade,
sangue, vida”. (SOMBRA, 1931, p.13)

O fato de propugnar uma Nação Nova num modelo de Idade Média é no mínimo
contraditório. Apesar de propor a superação do capitalismo quando se autodenominam
anticapitalistas e anticomunistas, o Integralismo e o Legionarismo propunham nada mais que
uma reforma no sistema capitalista, ancorada num regime socioeconômico mais harmonizado,
tirando muito de sua inspiração do modelo do catolicismo social defendido na Rerum Novarum:

“Queremos um distributismo brasileiro que multiplique a pequena propriedade sem a


expropriação violenta, ampare a pequena indústria, incentive o pequeno commercio,
promova não a luta, mas a colaboração das classes organisadas sobre o controle do
Estado. ” (SOMBRA,1931, p.26).

Sombra assim resume as principais concepções da LCT:

Afirmamos que a base moral de um sistema econômico deve ser a finalidade


transcendente do homem, a base política deve ser a intervenção justa do Estado, a base
social deve ser a collaboração das classes e a base economica deve ser o primado do
trabalho, a proporcionalidade necessaria do capital e o dominio da natureza. (1931,p.36)

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Sombra identificou o acordo coletivo de trabalho, intermediado pelo sindicato como um


importante instrumento na conciliação das classes, pois o trabalho ainda que realizado pelo
operário necessita dos meios oferecidos pelos patrões, sendo o sindicato o mediador entre ambos,
pois trataria com os patrões sobre os salários e condições de trabalho.
Nesta perspectiva, Sombra delineou três finalidades para a LCT: uma política, uma social
e cooperativista. Quanto ao cooperativismo, o ponto fundamental teria que ser “a defesa do
trabalho contra as explorações do capital” (SOMBRA, 1931, p.17) Isso se dará através do
contrato coletivo de trabalho e a fixação de um salário justo; ”é preciso que sua fixação attenda
às condições de vida do salariado, suas obrigações familiares, aos accidentes de trabalho, à
velhice e ao depósito necessario a que elle recorrerá nas greves justas” (SOMBRA,1931, p.18).
Prega também um Estado interventor, pois só ele poderia conseguir conciliar em termos
justos a associação entre trabalho e capital: “O Estado deve abandonar o seu caracter de mero
espectador das lutas econômicas e intervir para que se encontre o salario justo e o justo preço”.
(SOMBRA, 1931, p.10)
Segundo Severino Sombra, a finalidade política da Legião Cearense do Trabalho é
pugnar pela criação de conselhos técnicos que interfiram na legislação trabalhista:

[..]desejamos esses conselhos tecnicos estaduais e federais. Só elles poderão com


segurança estudar e propor as leis necessárias à nossa organização e conseguir o
equilibrio harmonico entre as forças economicas, politicas e espirituais da Nação[...]Só
a representação das classes como taes poderá nos encaminhar para uma verdadeira
organização. ”(1931, p.38).

O Integralismo pregava que o sindicato seria a base de toda organização social, enquanto
o legionarismo pregava que a organização de classe deveria ter profunda influência na política
econômica do país. Ou seja, uma estrutura corporativa que tivesse à frente um estado forte era
propugnado pelos dois movimentos. O Integralismo previa a organização social desta forma: no
nível municipal, cada classe profissional se organizará em um sindicato reconhecido pelo
governo, que por meio de eleições dentro do próprio sindicato, elegerão representantes, que
unidos formarão o conselho municipal, que elegerá um prefeito. O mesmo vale para a esfera
regional. Serão criadas confederações regionais, composta dos representantes das federações de
uma mesma classe profissional, que elegerão o presidente da província. Neste nível, serão
criadas as corporações, que seriam as estruturas mais importantes do Estado Corporativo
Integral, onde cada uma delas elegeria um membro para a Câmara Corporativa Nacional. O
Senado ou Conselho Nacional seria composto por corporações não econômicas (sociais e
culturais). O Congresso Nacional dessa forma, será formado pelo Conselho Nacional (ou

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Senado) e a Câmara Corporativa Nacional, que elegerão o Chefe Nacional. Nesta estrutura, não
há partidos políticos, posto que “todas as forças econômicas e culturais estão organizadas e
integradas no estado” (TRINDADE, 1979, p.226). O legionarismo também previa que
“magistrados, professores, os intellectuais, os religiosos e ministros de qualquer credo religioso
são elementos de produção espiritual” (1931, p.19). Se são forças de produção, devem participar
dos centros de decisão da vida nacional, é o Senado, exposto no Integralismo.
O Integralismo desenvolveu um programa mais elaborado que o da própria LCT, posto
que a profusão de intelectuais organizados em torno do ideário integralista era maior. O
liberalismo político e econômico implantado na primeira fase da República brasileira (1889-
1930) não correspondeu aos anseios de participação popular na política, tão pouco resolveu a
crise econômica que em parte era aprofundada pelo estado brasileiro, dominado por elites, em
especial a paulista que faziam do governo federal um local de negociatas a fim de salvar os
lucros oriundos da superprodução cafeeira. O anticomunismo acompanhava as reflexões políticas
desde 1917, e foram de tal forma eficazes, que até hoje podemos apontar como uma das
principais características do pensamento político brasileiro o anticomunismo.
Apesar de condenar retoricamente o capitalismo, na ideologia legionária havia o desejo
pela reforma social dentro desse mesmo capitalismo: “Nem o capitalismo que nos vem sugando,
nem o socialismo que quer nos avassalar”. (SOMBRA, 1931, p.26) “É num sadio distributismo
que vamos procurar os novos rumos”. (SOMBRA, 1931, p.32)
Ou seja, no despontar da década de 1930, AIB e LCT além de proporem a criação de
organizações populares e profissionais destinadas à defesa dos trabalhadores, tendo por metas a
economia distributiva e o regime corporativo, havia também o desenho de organização social
que seria inspirado nos movimentos de ultradireita. Trabalhadores tutelados, tendo por cimento o
catolicismo social, teriam a missão de construir uma Pátria Nova livre da luta de classes,
ancoradas numa harmonia social com a retórica discursiva de promoção de um regime de
moralidade e o mínimo de equanimidade. Objetivos esses que sabemos ser impossíveis dentro do
sistema capitalista que é baseado no lucro e na acumulação de capital e que por sua vez não cabe
dentro de seu arcabouço a produção de paz e justiça social.

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Considerações finais

Podemos empreender do estudo que Integralismo e Legionarismo tinham diversos


elementos comuns, que são também elementos do pensamento fascista; a opção de ser terceira via
ao capitalismo liberal e ao socialismo, tendo por base um Estado corporativo, que realiza a
concórdia de classes e tem como ideologia unificadora o nacionalismo. Tais pontos colocam as
ideologias Legionária e Integralista afinadas em seus principais aspectos com o fascismo europeu.
Dessa forma, podemos entender a profunda influência do Integralismo e do fascismo
europeu no primeiro movimento trabalhista de grandes proporções no Ceará pela grande
quantidade de elementos comuns desses movimentos. No entanto, o que qualifica o Integralismo
Cearense, no que João Alfredo de Sousa Montenegro já havia observado como “variação
ideológica” também ocorre com a Legião Cearense do Trabalho. Ou seja, foi a Igreja Católica
que incorporou os elementos de ultradireita ao primeiro grande movimento trabalhista cearense.

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