Legião Cearense Do Trabalho
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Resumo:
Este artigo busca analisar a proximidade entre o pensamento político da Legião Cearense do
Trabalho (LCT) e a ideologia fascista, representado no Brasil pela Ação Integralista Brasileiro
(AIB). Neste sentido discutimos o conceito do fascismo no seu contexto histórico, seu
surgimento no Brasil e sua centralidade para a formação da LCT, bem como sua influência para
a organização dos trabalhadores no Ceará.
Palavras-Chave: Fascismo, LCT, Integralismo, Classe Operaria.
Abstract:
This article examines the similaraties and differences between the political thought developed by
the Legion of Workers in Ceara (LCT) and and fascist ideology represented in Brazil by the
organization Brazilian Integralist Action (AIB). In this sense I explore competing concepts of
fascism, the historical context that provided the backdrop for its emergence in Brazil and its
importance for the organization of the LCT as well as working class organization in Ceara.
Keywords: Fascism, LCT, Integralismo, Working Class.
Recebido: 10/08/2016
Avaliado: 31/08/2016.
O fascismo no período entre guerras emergiu de forma significativa em boa parte dos
países capitalistas. No Brasil, a Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento de inspiração
fascista liderado por Plínio Salgado, congregou mais de meio milhão de adeptos 1 (TRINDADE,
1979, p.1), sendo considerado o primeiro partido de massas no Brasil. (CRUZ, 2012, p.13).
Dentro dos movimentos de ultradireita nas décadas de 1920 – 1930 no Brasil, há que se
reconhecer também o sucesso que obteve a Legião Cearense do Trabalho (LCT) como também o
primeiro movimento que conseguiu aglutinar trabalhadores numa proporção jamais vista em
Mestranda em História na Universidade Estadual do Ceará e membro do grupo de estudos Mundos do Trabalho coordenado pelo Prof. Dr.
William James Mello, de Indiana University.
1
Segundo GONÇALVES e SIMÕES (2012), citando o jornal Monitor Integralista n.22, de 7 de outubro de 1937, a AIB contava em 1937 com
mais de um milhão de adeptos.
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2
No núcleo de documentação histórica da Universidade Federal do Ceará (NUDOC-UFC), podemos encontrar diversas correspondências
trocadas entre Severino Sombra e os principais intelectuais do Integralismo como Plínio Salgado e Olbiano de Melo.
3
Em entrevista concedida a Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez), em 1996, Severino Sombra fala que veio levantar o Nordeste, mas que lhe faltou
apoio: “Salgado Filho me convidou para o gabinete dele para colaborar na reforma da legislação sindical que eu tinha criticado [...] e eu estou no
gabinete de Salgado Filho [...] quando estoura a revolução de São Paulo e eu largo o gabinete de Salgado Filho e venho ao Nordeste. Não
mandado, como vem [...] no diário que está sendo publicado do Getúlio Vargas. Ele fala a meu respeito. Ele diz que eu vim ao Nordeste a
mandado dos revolucionários de São Paulo. Não, não. Num tive nenhum contato com os revolucionários de São Paulo. Ele foi mal-informado. Eu
vim porque já não tinha aderido à Revolução de 30 [...] a revolução de 30 não era a revolução com a qual eu podia sonhar; verdadeiramente
democrática. Tanto é assim que o que se implantou? Uma ditadura de 15 anos! [...]. Eu apoiei a Revolução constitucionalista por causa dessas
minhas ideias. Não tive contato nenhum com esse pessoal de São Paulo. [...]E vim levantar o Nordeste. Tentei entrar em contato com Juraci
Magalhães, meu colega de escola militar, o Landri Sales, do Piauí [...] e o Cavalcante de Pernambuco [...]. Todos eles tinham aplaudido meu
movimento trabalhista. Mas eles estavam de tal maneira vinculados à ditadura, ao Getúlio e de maneira nenhuma aceitaram. E além disso o
Nordeste estava vivendo três anos de seca, de maneira que o levante do Nordeste se tornou impossível para apoiar o movimento de São Paulo.
Em consequência eles me denunciaram, eu fui preso [...] e fiquei preso com os outros da Revolução de São Paulo. [...]. Os mais perigosos foram
exilados para Portugal. Eu fui considerado dos mais perigosos devido o meu movimento trabalhista e fui exilado para Portugal”.
4
Jeová Mota nasceu em Maranguape em 1907. Ingressou no Colégio Militar em 1919. Em 1924 sentou praça na Escola Militar do Realengo,
onde teve por instrutor Humberto de Alencar Castelo Branco. Em 1929 voltou ao Ceará, onde conheceu Severino Sombra e Hélder Câmara. Em
1930 foi preso no Recife sob a acusação de conspiração por ser partidário do movimento que depôs Washington Luís. Enquanto cumpria
detenção de 30 dias, eclodiu o movimento que levou Getúlio Vargas ao poder. Jeová Mota fugiu do presídio militar e se juntou às ações dos
rebeldes. Participou em 1931 da criação da Legião Cearense do Trabalho, e em 1932, juntamente com Severino Sombra e Hélder Câmara, iniciou
correspondência com Plínio Salgado, com a finalidade de fundar um movimento trabalhista no país, que seria materializado na Ação Integralista
Brasileira. Em 1932, foi à São Paulo, integrando um batalhão enviado pelo governo do Ceará para combater a Revolução Constitucionalista, onde
foi ferido na campanha. Foi o primeiro deputado eleito dentro do movimento integralista. Em 1937, renunciou à AIB e a seu mandato
parlamentar. Redigiu carta à Câmara dos Deputados afirmando que a AIB jamais seria “um adequado instrumento de luta em prol da justiça
social”. Esse fato reverberou na sessão cearense da AIB, onde Gustavo Barroso interviu a fim de apaziguar a situação. Com isso, foi acusado de
ter-se tornado comunista. Após isso, seguiu a carreira militar e dedicou-se à pesquisa sobre o ensino no Exército, que redundou na publicação da
obra Formação do oficial do Exército (1976). Faleceu em 1992 no Rio de Janeiro. (Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 1930. 2ª ed.
Rio de Janeiro: Ed. FGV,2001, p.3932)
5
Carta de Plínio Salgado à Severino Sombra, oriunda de São Paulo e datada de 9 de março de 1932. Acervo Severino Sombra- NUDOC-UFC.
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À primeira vista, nada parece mais fácil de entender que o fascismo. Ele se apresenta de
forma bruta em imagens primárias: um chauvinista demagogo discursando para uma
multidão estática; filas disciplinadas de jovens marchando, militantes uniformizados
batendo em membros de uma minoria demonizada, preocupações obsessivas com o
declínio da comunidade, humilhação, vitimização, e cultos compensatórios de união,
energia e pureza, perseguidos com violência redentora. Contudo surgem grandes
dificuldades quando se propõe a definir o fascismo. Seus limites são ambíguos tanto no
espaço quanto no tempo. Incluímos Stalin? [...]E quanto ao Japão imperial em 1930, ou
o sindicalismo nacionalista de Juan Péron na Argentina (1946-1955)? Qual a distância
no tempo devemos ir? Se nós escolhermos traçar uma genealogia conservadora,
podemos voltar até a Joseph de Maistre, com sua visão negra de violência e conspiração
nos assuntos humanos e convicção que apenas a autoridade poderia reprimir os instintos
destrutivos humanos, oferecem um vislumbre profético [...]. Se nós preferirmos traçar
uma linhagem dentro da esquerda, baseando-se na percepção do Iluminismo de que a
liberdade individual pode minar a comunidade, alguns voltaram até Rosseau.
Mesmo que nos limitemos ao nosso próprio século e os seus dois casos notórios, o
Nazismo alemão e o fascismo italiano, descobrimos que eles exibem profundas
diferenças. Como podemos unir Mussolini e Hitler, aquele cercado por ministros judeus
e com uma amante judia e o outro um antissemita obsessivo? (PAXTON, 2010, p.167)
Ou seja, o fascismo oferecia um novo repertório de ação política como opção aos países
capitalistas que pretendiam a reforma do sistema sem optar pelo comunismo. Em especial no
pós-crise mundial de 1929 que demonstrou a falência do capitalismo, associado ao livre mercado
e à democracia liberal (no caso brasileiro correspondia ao liberalismo oligárquico7).
Voltando à sugestão de Robert Paxton, precisamos então analisar o surgimento do
fascismo como um processo, dentro de seu contexto sócio-histórico e perceber sua maleabilidade
no tempo e no espaço.
A LCT se formou antes da Ação Integralista Brasileira e lançou as bases para
implantação desta última no Ceará. Apesar da cisão das duas entidades em 1934, a LCT
6
Recorrendo ao conceito cunhado por Charles Tilly, em seus estudos sobre ação coletiva, dentre eles a obra Popular Contention in Great Britain
1758-1834(1995), Sidney Tarrow define repertório de confronto como a maneira através das quais as pessoas agem juntas em busca de interesses
compartilhados [...]a palavra repertório ajuda a descrever o que acontece, identificando um conjunto limitado de rotinas que são aprendidas,
compartilhadas e executadas através de um processo relativamente deliberado de escolha.(TARROW, 2009, p.51)
7
Ver FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930.
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guardava estreitos traços ideológicos com o Integralismo e por consequência com o fascismo que
tem características comuns nos diversos países onde operou tais como: o nacionalismo, a
instituição de um estado forte, a base sindical-corporativa, a concórdia entre as classes, o
anticomunismo e o antiliberalismo. Outros valores menos preponderantes foram o
antissemitismo8 (como na Alemanha), o espiritualismo (aqui sendo mais importante no fascismo
italiano e belga), dentre outros.
O pensamento de Severino Sombra, fundador da LCT, exposto na obra “O ideal
legionário”, publicada em 1931, continha os principais eixos de ação e pensamento da Legião,
quando este propugna criar uma instituição que vai além de uma mera associação de
trabalhadores. A Legião Cearense do Trabalho se propõe a oferecer uma terceira opção política
aos trabalhadores brasileiros (existia a pretensão da criação da Legião Brasileira do Trabalho)
que se afastava do liberalismo e do comunismo, sendo este último, na concepção de Severino
Sombra, um desdobramento do primeiro e ambos frutos de uma concepção individualista de
sociedade forjada ainda no contexto da Renascença.
Propugnando a construção de uma “Pátria Nova”, Severino Sombra através da LCT se propunha
a tutelar o operariado nos moldes da encíclica Rerum Novarum e oferecer melhores condições de
vida aos trabalhadores. Sombra peregrina por diversas associações de trabalhadores no Ceará,
pregando seu ideal legionário e recebendo adesões da grande maioria dessas associações, mas a
adesão ao movimento fundado por Sombra não se justificava apenas pela sua boa oratória. A
Igreja Católica já congregava trabalhadores católicos em associações há mais de uma década, e
Severino Sombra, além de ter formação católica, foi o primeiro líder da Juventude Operária
Católica (JOC), posto ocupado depois por Hélder Câmara. (MONTENEGRO, 1986, p.129)
O advento da LCT e do Integralismo ocorreram logo após a “Revolução de 1930” 9. Tal
movimento era visto por Sombra e pelos teóricos integralistas como um momento propício à
profunda reforma política brasileira, dada à falência do modelo republicano até ali adotado, que
se caracterizava pelo domínio oligárquico e pela fraude eleitoral.
8
Com exceção de Gustavo Barroso, que pregava que o judaísmo era ao mesmo tempo agente do capitalismo internacional e promotores do
comunismo mundial, devendo ser severamente combatido, a vertente antissemita não empolgou a maioria dos teóricos integralistas brasileiros.
Em boa parte das obras de Gustavo Barroso podemos constatar tal posicionamento, em especial nas obras Brasil; Colônia de Banqueiros e
História Secreta do Brasil, onde analisa os empréstimos tomados pelo Brasil junto a bancos estrangeiros de controle judaico, pretendendo provar
que os empréstimos realizados tinham por finalidade aumentar a dependência brasileira em face do capitalismo judaico internacional
(TRINDADE, 1979, p.215). Conforme argumenta Natália dos Reis Cruz (2012), o racismo no Brasil era um tanto mais delicado de se pregar,
dada à intensa miscigenação intrínseca à formação do povo brasileiro. No entanto, o Integralismo também tinha sua vertente racista, que primava
pelo branqueamento da população. Para uma discussão mais aprofundada, ver CRUZ, 2012.
9
O termo “Revolução de 1930” apesar de cristalizado pela historiografia brasileira, não alterou as relações de produção na esfera econômica,
tampouco houve a substituição de uma classe por outra no poder. (FAUSTO,1997, p.116). No pós-30 houve de fato o desenvolvimento da
atividade industrial, mas esta está ligada às dificuldades surgidas no tocante às importações, “em consequência da escassez de divisas”
(FAUSTO, 1997, p.24) e não porque uma classe industrial foi levada ao poder pelo movimento de 1930.
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Para Sombra, poderia ser o início da “Pátria Nova”, que buscaria na organização do
trabalho em sindicatos corporativos a nova etapa da vida nacional. Sombra cobra a tomada de
posicionamento por parte dos “revolucionários”.
Formamos uma corrente de ideias que riscará o rumo do Brasil novo. Somos, afinal,
aquele verdadeiro espírito revolucionário de que tanto tem se falado desde 1930.
Encarnamo-lo porque os que diariamente para ele apelam até hoje o não definiram à nação
ansiosa numa síntese doutrinária. [...]. No nevoeiro que se estendeu sobre o país após a
derrocada do presidencialismo, que viveu pouco menos de meio século, o Integralismo é o
primeiro farol que brilha indicando um porto. (BARROSO,1933, p.15-16)
Segundo Boris Fausto, nenhuma categoria ou classe social tinha condições históricas de
exercer hegemonia no período. Após a instalação do Governo Provisório, instalou-se, segundo o
termo cunhado por Francisco Weffort, um “Estado de Compromisso” que é um “Estado em
crise” que busca oferecer respostas à nova conjuntura de crise na economia agrária, além do
esgotamento “local (e mundial) das instituições liberais, pelos esforços de industrialização
autônoma de uma sociedade tradicionalmente agrária e dependente, pela dependência social dos
setores médios e pela crescente pressão popular”.11
Apesar do movimento de 1930 ter sido o ápice do movimento tenentista, que se iniciara
em 1922, tendo levantes em 1924, com destaque para a coluna Prestes a partir de 1926, os
tenentes não tinham uma ideologia homogênea ou um projeto de poder político comum, mas
congregava diferentes vertentes ideológicas que comungavam do objetivo de moralizar e
modernizar a República. Ancorados na proposta de serem os “salvadores da Nação”, o
tenentismo buscava tirar dos postos de comando as raposas da República Velha e contribuir para
o cumprimento da Constituição de 1891. Era um movimento mais voltado para o ataque jurídico-
político às oligarquias sem impor modificações importantes na estrutura socioeconômica.
(FAUSTO, 1997)
10
Depois da Prisão de Severino Sombra em 1932, a Legião Cearense do Trabalho terá como chefe interino Ubirajara Índio do Ceará, que depois
será chefiado pelo o triunvirato composto por: Jeová Mota, Ubirajara Índio do Ceará e João França Ferreira.
11
Apud Fausto, 1997, p.24.
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Segundo Anita Leocádia Prestes (1997), há fatores particulares que contribuíram para que
fossem os tenentes o estopim de um espírito de revolta que permeava toda a sociedade brasileira,
pois além da crise econômica dos pós- 1929, havia uma crise de representatividade política. Não
havia lideranças civis que pudessem tomar a frente de um movimento revolucionário. Os
tenentes eram aproximadamente sessenta por cento do efetivo do Exército, que unido ao baixo
grau de controle hierárquico dava condições privilegiadas de rebeldia ao grupo. O próprio
sucateamento do Exército à época, somado às lentas promoções na instituição levavam os
tenentes à insatisfação profissional. “As origens sociais e o treinamento desses oficiais
introduziam motivações externas para seu envolvimento em lutas políticas de caráter
contestatório” (PRESTES, 1997, p.85), no entanto, as condicionantes militares são insuficientes
para explicar a atuação política da jovem oficialidade. Os tenentes tinham características
importantes que os projetaram na vanguarda do movimento de 1930: Dispunham de armas,
estavam unidos numa organização nacional e surgiram no cenário nacional numa situação
política peculiar: o início dos anos 20, que se caracterizava pela crise da República Velha,
momento também em que o movimento operário passava por sérios problemas de articulação,
golpeados pela reação.
Os tenentes estão localizados socialmente próximo às camadas médias urbanas, e além de
serem a maioria dentro do Exército, tinham um nível cultural acima do restante da população, “o
que lhes facilitava assumir a liderança das massas urbanas, ansiosas por encontrar quem as pudesse
conduzir em seu processo de radicalização política”(PRESTES, 1997, p.87) As camadas médias
urbanas estavam desprovidas de organização, mobilização e um programa e “principalmente
desprovidas de qualquer tradição de atuação autônoma, uma vez que sempre haviam servido de
massa de manobra para os desígnios das classes dominantes” (PRESTES, 1997, p.86).
A opinião pública, que era em boa parte a expressão das camadas médias urbanas,
evidenciava pela imprensa e pelos debates no Congresso Nacional, a insatisfação generalizada
existente no país com os governos de Epitácio Pessoa e Artur Bernardes. Esse contexto
revolucionário também foi influenciado pela situação internacional refletida na Primeira Guerra
Mundial e na Revolução Russa, que causaria um forte impacto na juventude militar.
“O tenentismo era, portanto, fruto da crise da República Velha. Representava a revolta
possível, nas condições da década de 20, contra o domínio oligárquico” (PRESTES, 1997, p.88).
Na falta de um partido político que pudesse assumir o movimento oposicionista, foi uma facção
do Exército que assumiu esse papel eminentemente político.
sendo, portanto, militar. Os tenentes preconizavam uma interventoria militar para implementar as
reformas de modernização do Estado, propostas pelo tenentismo e que apesar de ter tido relativo
sucesso no desmonte de setores do movimento operário, não consegue governar sem
interferência de grupos políticos locais. “Por pressão dos tenentes, Fernandes Távora é
substituído pelo Capitão Carneiro de Mendonça12. (SOUSA, 2007, p.301). Quanto ao movimento
dos trabalhadores, os Interventores plasmavam-se pela política varguista de “reprimir
violentamente o movimento operário, de dissolver comícios e greves à bala e não permitir suas
manifestações. ” (SOUSA, 2007, p.301).
O surgimento da Legião Cearense do Trabalho no Ceará deve ser entendido dentro desse
contexto de tensão social. A década de 30 e sua intensa profusão de escritores e sociólogos deve
ser percebida num processo que se iniciara ainda nas décadas anteriores. Em especial os anos 20
no Brasil foi um ano de intensa agitação social, sendo 1922 um ano chave; a fundação do Partido
Comunista (PCB), “significava o esgotamento das propostas anarco-sindicalistas que haviam
empolgado o nascente movimento operário” (PRESTES, 1997, p.70), a Semana de Arte
Moderna desencadeou um processo de questionamento dos padrões culturais e artísticos
consagrados pelos setores sociais dominantes. Foi o ano também que ocorreu a primeira etapa da
rebelião tenentista, e por fim a instalação do Centro Dom Vital e da revista A Ordem.
(TRINDADE, 2008, P.687)
O Centro Dom Vital surgiu no contexto da Restauração Católica e formou importantes
intelectuais para projetar o posicionamento católico nos debates modernos que tinha por finalidade
reaproximar-se do Estado a fim de restituir as benesses perdidas com a separação pela Constituição
de 1981. “Uma das mais influentes gerações de líderes leigos católicos na história da América
Latina emergiu nos anos 20 em torno do Centro Dom Vital. ” (MAINWARING, 2004 p.46).
A década de 20 foi uma década eminentemente de espírito revolucionário. Ainda em
1917, a entrada de imigrantes estrangeiros no país traz consigo uma vanguarda anarquista que
lidera as primeiras greves nos principais centros urbanos do país. De 1918 a 1920 no Rio de
Janeiro, irrompem uma série de movimentos paredistas, dentre eles da construção civil (que
12
Aroldo Mota (2000) aponta que quando Fernandes Távora foi ao Rio de Janeiro a fim de tratar de assuntos da administração, seus adversários
políticos usaram de diversos meios para tirá-lo do cargo de Interventor. Dentre eles os tenentes que o acusavam de ser vacilante na apuração dos
crimes ocorridos na República Velha, além de acusações de corrupção, perpetradas por Virgílio Fonseca que o Interventor substituíra coletores da
Secretaria da Fazenda por comerciantes desonestos, além de favorecer a construtora “Edificadora do Norte “na construção de casas populares.
Em 15 de agosto, Fernandes Távora distribuiu nota à imprensa do Rio de Janeiro, renunciando à Interventoria do Ceará. Eis a nota: Convencido
de que a minha permanência na Interventoria do Ceará seria constante motivo de atritos entre os revolucionários cearenses, divididos por
divergência de mentalidades, havia, há muito, resolvido declinar da honra das funções em que fui investido pela vontade popular. Pretendia
efetivar essa resolução logo que pudesse realizar alguns melhoramentos e benefícios que julgo imprescindíveis ao progresso e ao bem-estar do
Ceará. Circunstâncias que agora não devo mencionar levaram-me a solicitar a exoneração do cargo, no qual, com sacrifício da própria saúde,
procurei, sinceramente, servir e honrar minha terra. Tenho a consciência de haver feito em prol de meu Estado o quanto me foi possível, dentro
das normas da Justiça e da dignidade, nos oito meses que me foi dado governá-lo. Faço votos que outros mais afortunados consigam melhores
resultados, proporcionando à gleba flagelada, a felicidade que me foi dado governá-lo. (2000, p.46)
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Nesse contexto “progressista”, as elites fortalezenses são influenciadas pelo modo de vida
dos centros europeus, em especial a França. As contradições de um capitalismo em formação
trazem em sua esteira a explicitação agudizada das contradições sociais: “são altos os preços do
aluguel, a carestia da vida, e com ela a fome que assola a população pobre. O salário de quem
trabalha não dá para prover o próprio sustento e o da família. ” (BRAGA, 2013, p.24).
O Ceará também se encontrava diante de um quadro político instável. A deposição em
1912 da oligarquia Acciolina no poder desde 1896 por meio de uma revolta popular e a
consequente eleição de Franco Rabelo em 1912 e sua deposição em 1914, como consequência do
episódio político que ficou conhecido na historiografia como a sedição de Juazeiro13 (RAMOS,
13
Hermes da Fonseca, presidente do Brasil eleito em 1910, propôs o que ficou conhecido na historiografia como a “Política das Salvações”, que
seria uma tentativa (malfadada por sinal) de desalojar as oligarquias estaduais, organizadas em torno da ‘Política dos Governadores”, instituída
ainda no governo Campos Sales. A prática política inaugurada por Campos Sales tinha por uma de suas bases a fraude eleitoral. Nesse modelo, o
presidente da República concedia apoio aos governos estaduais, que por sua vez também garantiam benesses às oligarquias municipais,
reforçando seu poder de mando local, onde os “coronéis” (oligarcas) elegiam pelo instituto que ficou conhecido como voto de cabresto os nomes
que beneficiavam os governos estaduais. Os governos estaduais por sua vez garantiam a eleição de bancadas legislativas que apoiassem o
governo central.
Tal arranjo político era ainda ratificado por um mecanismo que ficou conhecido como “degola”, onde os candidatos que tivessem maior número
de votos, antes de serem diplomados em seus cargos eletivos, passavam pela “comissão de verificação de poderes”, que discricionariamente
confirmava ou eliminava os candidatos do pleito eleitoral conforme as conveniências do Poder Legislativo.
Ou seja, em última instância, era o Congresso Nacional quem decidia se os candidatos eleitos seriam diplomados ou não. Tal mecanismo,
auxiliado pela fraude eleitoral, fazia com que a vontade popular não correspondesse aos nomes empossados nos mandatos políticos.
(HOLLANDA, 2009)
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2007) davam provas que a tensão política estava presente no Ceará já há mais de uma década.
Importante lembrar também que a seca de 1915, despejara em Fortaleza um imenso contingente de
imigrantes famintos. “De 1917 a 1925, irrompe um inédito conjunto de greves e de combativas
organizações operárias como a Associação Gráfica do Ceará e a Federação das Classes
Trabalhadoras de tendência anarquista[...] (PONTE, 2007, p.185). Simone de Sousa, aponta a
década de 20 como o “contexto de ascensão do movimento operário cearense” e destaca no meio
operário não só socialistas, mas também anarquistas como os trabalhadores da associação gráfica;
“De orientação anarquista, rejeita a colaboração entre as classes, critica as instituições burguesas,
como a via parlamentar para acesso ao poder e o processamento das reformas sociais; é o
sindicalismo de resistência”. (SOUSA, 2007, p.291). Cabe também ressaltar a atuação do partido
comunista na capital cearense. Em 1927, Joaquim Pernambuco fora ao Rio de Janeiro participar do
Congresso da Confederação do Trabalho e trouxe consigo a missão de instalar em Fortaleza o
Bloco Operário e Camponês (BOC). Apesar de denunciados desde as suas primeiras
manifestações, os comunistas ganharam visibilidade a partir de suas ações, em especial na greve de
motorneiros e condutores da empresa de transporte e fornecimento elétrico The Ceará Trans Way
Light e Power Co. Com a ameaça de cooptação dos trabalhadores pelos comunistas, que já vinham
sendo denunciados nas páginas dos jornais de direita de Fortaleza, a greve se torna massiva, e a
repressão faz-se sentir no forte aparato policial, na campanha midiática católica que deslegitimava
a greve por ser liderada por comunistas e nas diversas ações estatais que se uniram para coibir o
movimento que levou à paralisação total dos bondes de Fortaleza.
A proposta de aglutinação dos trabalhadores em uma entidade que tinha por base os
valores do catolicismo social inspirados na Rerum Novarum foi muito bem aceito pelas elites
locais e em especial pela hierarquia católica, que já dava passos organizativos importantes da
classe trabalhadora. Exemplo disso é o pioneirismo no Ceará da organização dos Círculos
Operários Católicos em 1915 (SANTOS, 2007) e uma intensa profusão de associações
trabalhistas católicas entre a população de Fortaleza. Uma das principais forças que despontava
no contexto brasileiro e em especial no Ceará era a Ação Católica.
Pela comissão de verificação de poderes, Franco Rabelo, eleito em 1912 precisava da aprovação de 16 deputados da Assembleia Legislativa.
Mas a maioria dos deputados (de um total de 30) eram alinhados ao presidente deposto, Nogueira Accioly. Franco Rabelo propôs a Accioly a
concessão de cargos políticos em troca dos votos necessários à sua diplomação como presidente eleito do Estado. Os deputados votaram contra e
Franco Rabelo só obteve 12 dos 16 votos necessários, mesmo assim, de forma ilegal, Franco Rabelo foi empossado. O compromisso entre Franco
Rabelo e Nogueira Accioly logo se diluiu. Rabelo decide levar a “salvação” para um reduto acciolysta no Cariri e depõe Antônio Luiz Alves
Pequeno, prefeito do Crato e primo de Nogueira Accioly. A ameaça se estendeu a Juazeiro, reduto político de padre Cícero e Floro Bartolomeu.
Em 1913, as forças rabelistas investem contra Juazeiro, onde foram derrotados. Após isso, uma multidão de sertanejos armados iniciou uma
peregrinação que só teve fim em Fortaleza, com vários embates em cidades por onde passavam. Em 1914 foi decretada intervenção federal no
Ceará. Hermes da Fonseca depõe Franco Rabelo e em seu lugar é nomeado o general Setembrino de Carvalho para a Interventoria do Estado.
(RAMOS, 2007)
Raimundo Barroso Cordeiro Jr (2007) aponta também que a LCT estava inserida num
contexto de expansão do pensamento católico antiliberal dos anos 1920-1930, pois entre seus co-
fundadores estavam pessoas ligadas à União dos Moços Católicos, da Juventude Operária
Católica (JOC), Círculos Católicos, Liga dos Professores Católicos, que já estavam engajados em
ações embasadas no catolicismo social.
A seca de 1932 também trouxe à Fortaleza uma nova leva de imigrantes, causando nova
explosão demográfica na cidade e o surgimento das primeiras favelas, onde os serviços básicos
de infraestrutura urbana não chegavam14. (ALMEIDA, 2010). Boa parte desses retirantes foram
empregados pelo governo em serviços de construção civil, a fim de aproveitar a mão-de-obra
flagelada e consequentemente minimizar os impactos políticos e sociais de contingentes famintos
em um contexto de tentativa de organização do movimento operário. Pelos motivos apontados; a
crescente população marginalizada, a organização de movimentos operários, o alto custo de vida
dos trabalhadores, Fortaleza era um cadinho potencial de estruturação de relevantes movimentos
de cunho popular.
O modelo de organização operária legionário caía como uma luva aos católicos e ao
getulismo, que estavam intimamente associados , pois a Igreja buscava recuperar informalmente
o espaço político que perdera com a instalação da República e Getúlio Vargas tinha consciência
que a Igreja Católica poderia ser uma importante legitimadora de seu governo; “A Legião
organiza o operariado para que, protegido, educado e coheso, elle se torne um collaborador
honesto e consciente das outras classes”(SOMBRA, 1931, p.9)
A Igreja Católica teve importância fundamental na estruturação desse novo pensamento
de ultradireita, um exemplo é o apoio que recebeu de Vargas para realizar sua “missão social” e
as relações com o governo. Scott Mainwaring (2004) argumenta que “de 1916 a 1945, líderes
católicos se envolveram profundamente na política, tentando utilizar uma aliança com o Estado
para influenciar a sociedade”. (MAINWARING.2004, p.47) e que os líderes eclesiásticos
tiveram boas relações com a administração de Epitácio Pessoa (1918-1922), e Artur Bernardes
(1922-1926), mas as relações com Getúlio Vargas eram de uma proximidade extraordinária:
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Importantíssimo é perceber o peso da militância católica no período. Além de por toda a década de 20, apoiar explicitamente o movimento
fascista europeu em editoriais do seu principal jornal: “O Nordeste” (ver por exemplo o artigo intitulado “Benito Mussolini” do padre Tabosa
Braga; O Nordeste, 18 de dezembro de 1922, p.1); as associações católicas organizavam o movimento operário e faziam grandes ações de
assistência social. Exemplo disso é o projeto da Liga das Senhoras Católicas, que em 1923, criaram o dispensário dos pobres e o patronato das
operárias. O primeiro consistia num mapeamento de todas as famílias paupérrimas de Fortaleza para que estas recebessem ajuda da Igreja. Havia
o projeto de “extinção da mendicância”, previsto para ser realizado em 17 de fevereiro de 1923(O Nordeste, 7 de fevereiro de 1923, p1). Quanto
ao patronato das operárias, a Liga das senhoras católicas mantinha uma escola para moças pobres para que estas aprendessem serviços
domésticos a fim de trabalhar nos lares católicos (ver O Nordeste, 9 de agosto de 1922, p.2). Importante também é ver como a Igreja Católica e a
própria LCT estiveram empenhadas na organização do movimento operário. O círculo operário católico foi fundado em Fortaleza ainda em 1915,
além de uma grande profusão de associações católicas que congregavam outras categorias como A Liga dos Professores Católicos. A
particularidade do movimento de ultradireita no Ceará foi o forte traço impresso ao movimento pelo catolicismo social, já que foi a Igreja
Católica que organizou em grande parte o movimento operário. Mas esta não ficará apenas com o operariado. Durante toda a década de 20, a
Igreja Católica formou quadros que ocuparam os mais importantes cargos do poder executivo no Ceará, como Menezes Pimentel, ex-presidente
do Círculo Católico, eleito governador em 1935, permanecendo no cargo até 1945, Raimundo Alencar Araripe, ex presidente da União dos
Moços Católicos, eleito prefeito de Fortaleza em 1936, além da maioria de deputados e vereadores eleitos pela Liga Eleitoral Católica na capital e
no interior do Estado durante a década de 1930.
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A hierarquia nunca endossou Vargas de uma maneira oficial, mas a maioria dos bispos,
padres e leigos militantes apoiava seu governo. Um documento elaborado em 1942 por
cinco arcebispos proeminentes, “Disciplina e Obediência ao Chefe do Governo”,
resumia de maneira sucinta a atitude da Igreja. A Igreja apoiava Getúlio Vargas não só
por causa dos privilégios que recebera, mas também devido à afinidade política. A
ênfase que a Igreja atribuía à ordem, ao nacionalismo, ao patriotismo e ao
anticomunismo coincidia com a orientação de Vargas. Clérigos destacados acreditavam
que a legislação de Getúlio realizava a doutrina social da Igreja e que o estado Novo
efetivamente conseguia superar os males do liberalismo e do comunismo.
(MAINWARING, 2004, p.47)
Dom Sebastião Leme, à época arcebispo coadjutor do Rio de Janeiro, e um dos maiores
líderes católicos que o Brasil já teve, iniciara um movimento de Restauração Católica ainda em
1916, quando ainda era Arcebispo de Olinda e publica sua famosa carta pastoral saudando sua
arquidiocese. Na carta pastoral, Dom Leme aponta que no Brasil havia uma maioria católica,
mas que esta maioria era inerte e que os fiéis não reagiam quando governos, literatura, imprensa,
atacavam a instituição. Com tal constatação, há um grito de cruzada para retomada de sua
relevância social e política, agora possível de ser realizada mais livremente, já que a República
livrara a Igreja do padroado e do beneplácito, mecanismos de controle e submissão da Igreja
católica no Brasil.
Thomas Bruneau (1954) argumenta que em 1930, após quarenta anos de separação entre
Igreja e Estado e a importação de recursos estrangeiros da Santa Sé, a Igreja se renovara. Tinha-
se tornado um corpo grande e coeso, com o cardeal Leme à frente. Se a mensagem da Igreja
ainda não conseguia atrair a simpatia das elites políticas, diante de sua organização e
mobilização, já não era possível ignorá-la. Pregando um modelo de neocristandade, onde todas
as esferas da vida humana deveriam ser reguladas pela moral religiosa, a Igreja conseguiu o
laicato da classe média, como importante estratégia para projetar a Igreja politicamente e impor o
seu discurso nos debates do mundo moderno.
Getúlio Vargas, agnóstico confesso, se aproxima de Dom Leme ainda antes da instalação
do Governo Provisório:
Getúlio Vargas permitiu que fossem restituídas as benesses perdidas pela Igreja após a
proclamação da República. Restituiu o financiamento às escolas religiosas e na Constituição de
1934, apesar de mantida a separação entre Igreja e Estado, a Igreja conseguira imprimir pontos
fundamentais de um programa mínimo em torno do qual se organizara a Liga Eleitoral Católica:
O seu prefácio rezava: “colocando a nossa confiança em Deus”. [...] o Estado podia
ajudá-la financeiramente, “no interesse da coletividade” (art.17). Os membros das
ordens religiosas podiam votar agora (art.108). As associações religiosas ficaram muito
mais à vontade sob facilidades jurídicas (art. 113 e 5). A assistência espiritual passou a
ser permitida nos estabelecimentos oficiais e militares (art. 113 e 6). O casamento
religioso ficou inteiramente reconhecido nos termos civis (art.145) e o divórcio,
proibido (art.144). E provavelmente mais importante que tudo, ficou prevista a
educação religiosa dentro do horário escolar, e o Estado podia subvencionar as escolas
católicas (art. 153). Em suma, a Constituição de 1934 foi uma grande vitória para a
Igreja na obtenção do reconhecimento público daquilo que considerava o seu lugar
próprio na sociedade. (BRUNEAU, 1974, p. 83)
A nação italiana era, evidentemente, uma realidade: uma realidade complexa, uma
sociedade marcada por conflitos internos profundos, dividida em classes sociais cujos
interesses vitais se chocavam com violência. Mussolini fez dela um mito, atribuindo-lhe
uma unidade fictícia, idealizada. Aproveitando uma idéia do nacionalista de direita
Enrico Corradini, apresentou a Itália como uma “nação proletária”, explorada por outras
nações, e acusou seus ex-companheiros socialistas de utilizarem o proletariado italiano
para, com suas reivindicações, enfraquecerem internamente o país em proveito dos
inimigos que a Itália tinha no exterior. (KONDER, 1991, p.11)
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Ao contrário do legionarismo, o Integralismo foi pensado por uma série de intelectuais de ultradireita, que guardam entre si concordância entre
os principais contornos do Integralismo tais como o Estado corporativo, o nacionalismo, o anticomunismo e o antiliberalismo. Os principais
teóricos do movimento do Sigma são Olbiano de Melo, Miguel Reale, Plínio Salgado e Gustavo Barroso.
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Hitler também utilizava o mesmo argumento pois dizia que as nações europeias
vencedoras da guerra de 1914-1918, estavam proletarizando a Alemanha.
Importante ressaltar que o nacionalismo no contexto de um capitalismo imperialista é
mais do que justificável, é mesmo uma forma de defesa. Mas o que podemos apreender da
concepção nacionalista de Mussolini era que este era manipulado, posto que limitava a
participação popular da luta política, impondo-lhes essa diretriz de cima pra baixo. O que não
acontece quando o nacionalismo é oriundo de povos oprimidos e explorados, posto que a
movimentação surge nas condições reais da sua nação, sendo tendencialmente democrático, “de
baixo para cima”, um nacionalismo defensivo, não toma aspectos antissemitas nem nega
geralmente os valores das outras nações. Já o nacionalismo fascista, que é retórico, precisa ser
agressivo “precisa recorrer a uma ênfase feroz para disfarçar o seu vazio e tende a menoscabar os
valores das outras nações e da humanidade em geral. ” (KONDER, 1991, p.13)
O apego ao nacionalismo do estado corporativo é por consequência uma das ideias
principais que norteiam outro princípio do pensamento conservador de ultradireita: a concórdia
de classes. Para se pensar a concórdia de classes em termos fascistas, temos primeiro que aceitar
que a desigualdade social é natural, como o expressam os teóricos em sua totalidade. Essa
concepção é encontrada tanto em Plínio Salgado, como em Gustavo Barroso, como em Severino
Sombra, como em Miguel Reale, como em Mussolini. Como argumentou Gustavo Barroso:
Ou como aponta Severino Sombra: “Nós affirmamos antes de tudo o valor moral da
creatura humana e, portanto, a igualdade essencial entre o rico e o pobre, o patrão e o operario, o
governante e o governado, sem prejuizo das desigualdades accidentaes” (SOMBRA,1931, p.25)
A concórdia entre as classes e a unificação por um valor supremo, expresso no
nacionalismo eliminariam a luta de classes. Em outra passagem da obra Integralismo em Marcha,
Gustavo Barroso aponta que é necessário colocar o “país dentro do triângulo salvador a que
alude Mussolini: Ordem- Hierarquia –Disciplina”. (BARROSO,1933, p.48)
O tripé apontado por Gustavo Barroso tinha origem na concepção de Mussolini que
“encarava a luta de classes como um aspecto permanente da existência humana [...]o que se
precisava fazer era discipliná-la”. (KONDER, 1991, p. 8)
“Era em que a humanidade esteja menos asphixiada pelos vapores da machina e possa
retomar o rithmo humano que perdeu em contacto com os machinismos. Era em que se
estabelece sobre um humanismo real, integral e não inhumano como o que viciou a
cultura moderna e consequentemente sua civilização. Era mais simples, menos artificial
e em que predominem os valores moraes sobre os valores econômicos. Era que não
alcançaremos mais, mas para o advento da qual empenharemos intelligencia, vontade,
sangue, vida”. (SOMBRA, 1931, p.13)
O fato de propugnar uma Nação Nova num modelo de Idade Média é no mínimo
contraditório. Apesar de propor a superação do capitalismo quando se autodenominam
anticapitalistas e anticomunistas, o Integralismo e o Legionarismo propunham nada mais que
uma reforma no sistema capitalista, ancorada num regime socioeconômico mais harmonizado,
tirando muito de sua inspiração do modelo do catolicismo social defendido na Rerum Novarum:
O Integralismo pregava que o sindicato seria a base de toda organização social, enquanto
o legionarismo pregava que a organização de classe deveria ter profunda influência na política
econômica do país. Ou seja, uma estrutura corporativa que tivesse à frente um estado forte era
propugnado pelos dois movimentos. O Integralismo previa a organização social desta forma: no
nível municipal, cada classe profissional se organizará em um sindicato reconhecido pelo
governo, que por meio de eleições dentro do próprio sindicato, elegerão representantes, que
unidos formarão o conselho municipal, que elegerá um prefeito. O mesmo vale para a esfera
regional. Serão criadas confederações regionais, composta dos representantes das federações de
uma mesma classe profissional, que elegerão o presidente da província. Neste nível, serão
criadas as corporações, que seriam as estruturas mais importantes do Estado Corporativo
Integral, onde cada uma delas elegeria um membro para a Câmara Corporativa Nacional. O
Senado ou Conselho Nacional seria composto por corporações não econômicas (sociais e
culturais). O Congresso Nacional dessa forma, será formado pelo Conselho Nacional (ou
Senado) e a Câmara Corporativa Nacional, que elegerão o Chefe Nacional. Nesta estrutura, não
há partidos políticos, posto que “todas as forças econômicas e culturais estão organizadas e
integradas no estado” (TRINDADE, 1979, p.226). O legionarismo também previa que
“magistrados, professores, os intellectuais, os religiosos e ministros de qualquer credo religioso
são elementos de produção espiritual” (1931, p.19). Se são forças de produção, devem participar
dos centros de decisão da vida nacional, é o Senado, exposto no Integralismo.
O Integralismo desenvolveu um programa mais elaborado que o da própria LCT, posto
que a profusão de intelectuais organizados em torno do ideário integralista era maior. O
liberalismo político e econômico implantado na primeira fase da República brasileira (1889-
1930) não correspondeu aos anseios de participação popular na política, tão pouco resolveu a
crise econômica que em parte era aprofundada pelo estado brasileiro, dominado por elites, em
especial a paulista que faziam do governo federal um local de negociatas a fim de salvar os
lucros oriundos da superprodução cafeeira. O anticomunismo acompanhava as reflexões políticas
desde 1917, e foram de tal forma eficazes, que até hoje podemos apontar como uma das
principais características do pensamento político brasileiro o anticomunismo.
Apesar de condenar retoricamente o capitalismo, na ideologia legionária havia o desejo
pela reforma social dentro desse mesmo capitalismo: “Nem o capitalismo que nos vem sugando,
nem o socialismo que quer nos avassalar”. (SOMBRA, 1931, p.26) “É num sadio distributismo
que vamos procurar os novos rumos”. (SOMBRA, 1931, p.32)
Ou seja, no despontar da década de 1930, AIB e LCT além de proporem a criação de
organizações populares e profissionais destinadas à defesa dos trabalhadores, tendo por metas a
economia distributiva e o regime corporativo, havia também o desenho de organização social
que seria inspirado nos movimentos de ultradireita. Trabalhadores tutelados, tendo por cimento o
catolicismo social, teriam a missão de construir uma Pátria Nova livre da luta de classes,
ancoradas numa harmonia social com a retórica discursiva de promoção de um regime de
moralidade e o mínimo de equanimidade. Objetivos esses que sabemos ser impossíveis dentro do
sistema capitalista que é baseado no lucro e na acumulação de capital e que por sua vez não cabe
dentro de seu arcabouço a produção de paz e justiça social.
Considerações finais
Bibliografia