O Desconhecido e Os Problemas Psiquicos - Camille Flammarion PDF

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Camille Flammarion

O Desconhecido
e os Problemas Psíquicos
Traduzido do Francês
L'Inconnu et les problèmes psychiques
1917

Manifestações de moribundos. Aparições. Telepatia.


Comunicações psíquicas. Sugestão mental. Vista a
distância. O mundo dos sonhos. A predição do futuro.
John Constable
O milharal

Conteúdo resumido

Camille Flammarion foi um renomado astrônomo fran-


cês que durante décadas reuniu e classificou mais de 4.000
narrações sobre os fenômenos considerados sobrenaturais.
A presente obra é um repositório de inúmeros fatos
surpreendentes, analisados cientificamente pelo autor com
o objetivo de demonstrar a existência da alma como ele-
mento real e independente do corpo físico, e que sobrevive
à destruição deste último.
São expostos, conforme as palavras do autor, na con-
clusão da obra, “442 fenômenos de ordem psíquica que
indicam a existência de forças ainda desconhecidas agindo
entre os seres pensantes e pondo-os em comunicação la-
tente uns com os outros”
Flammarion narra e comenta casos de diversas catego-
rias de fenômenos psíquicos, entre eles: as manifestações
telepáticas de moribundos, aparições, comunicações psí-
quicas, sugestão mental, vista a distância, sonhos e predi-
ções do futuro.
Por fim, convida-nos ao estudo e ao trabalho na busca
do conhecimento desse mundo invisível e das forças ainda
desconhecidas que nele operam.
Sumário

Introdução ............................................................................... 4
I – Os incrédulos.................................................................... 14
II – Os crédulos ....................................................................... 35
III – As manifestações telepáticas de moribundos e as
aparições. – Exposição dos fatos ...................................... 54
IV – Admissão dos fatos ........................................................ 210
Apêndice: Ação telepática x coincidência fortuita ......... 230
V – Das alucinações propriamente ditas ............................... 234
VI – Ação psíquica de um espírito sobre outro
Transmissão de pensamentos. – Sugestão mental.
– Comunicação a distância entre pessoas vivas. ....................... 255

VII – O mundo dos sonhos


Diversidade indefinida dos sonhos. – Fisiologia cerebral.
– Sonhos psíquicos: manifestações de moribundos
recebidas durante o sono. – A telepatia nos sonhos. .................. 344

VIII – A visão a distância, em sonho, de fatos atuais ............... 415


IX – Os sonhos premonitórios e a adivinhação do futuro ...... 464
Conclusão ............................................................................... 528
Introdução

As constantes e universais aspirações da humanidade


pensante, a lembrança e o respeito dos mortos, a idéia inata de
uma justiça imanente, o sentimento de nossa consciência e de
nossas faculdades intelectuais, a miserável incoerência dos
destinos terrestres, comparada à ordem matemática que rege o
Universo, a imensa vertigem do infinito e da eternidade que nos
vem das alturas da noite constelada e, no fundo de todas as
nossas concepções, a identidade permanente do nosso eu, apesar
das variações e das transformações perpétuas da substância
cerebral – tudo concorre para nos dar a convicção da existência
de nossa alma como entidade individual, da sua sobrevivência à
destruição do nosso organismo corporal e da sua imortalidade.
A demonstração científica, entretanto, não está ainda feita, e
os fisiologistas ensinam, ao contrário, que o pensamento é uma
função do cérebro, que sem este não há pensamento e que tudo
em nós se extingue com a morte do corpo. Há flagrante
contradição entre as superiores aspirações da humanidade e as
conclusões da chamada ciência positiva.
Por outro lado, não se pode saber, nem se pode afirmar, senão
aquilo que se conseguiu aprender, e ninguém saberá jamais
senão o que lhe for dado aprender. Somente a ciência progride na
história atual da humanidade. Ainda que bem raramente se lhe
faça a justiça e se lhe testemunhe o reconhecimento a que faz
jus, a verdade é que a Ciência transformou o mundo. Estão
firmados sobre ela, na época presente, os alicerces da nossa vida
intelectual e mesmo da nossa vida material. Somente a ciência
nos pode esclarecer e conduzir.
Esta obra é um ensaio de análise científica de fatos
considerados, geralmente, como estranhos à ciência e até mesmo
como incertos, fabulosos e mais ou menos imaginários.
Mostrarei que tais fatos existem.
Tentarei aplicar os métodos das ciências de observação à
constatação e à análise de fenômenos relegados até agora, em
regra, ao domínio dos contos, do maravilhoso ou do sobrenatural
e procurarei demonstrar que eles são produzidos por forças ainda
desconhecidas e pertencentes a um mundo invisível, natural,
diferente do que é abrangido pelos nossos sentidos.
É racional esse tentame? É lógico? Poderá conduzir-nos a
resultados apreciáveis? Ignoro-o. Contudo, não há negar que seja
ele interessante.
E se puder indicar-nos o caminho a seguir para chegarmos ao
conhecimento da natureza da alma humana e à demonstração
científica da sua sobrevivência, conduzirá certamente a
humanidade a um progresso superior a todos os que lhe têm sido
trazidos, até aqui, pela evolução gradual de todas as outras
ciências reunidas.
A razão humana não pode admitir como certo senão o que se
acha demonstrado. Mas, por outro lado, não temos o direito de
negar coisa alguma a priori, pois que o testemunho dos nossos
sentidos é incompleto.
É nosso dever encetarmos o estudo de qualquer questão, sem
nenhuma idéia preconcebida, e nos dispormos a admitir o que
ficar provado, negando-nos, pelo contrário, a admitir o que não
tiver essa comprovação necessária.
Geralmente, em todas as questões que se referem à telepatia,
às aparições, à vista a distância, à sugestão mental, aos sonhos
premonitórios, ao magnetismo, às manifestações psíquicas, ao
hipnotismo, ao Espiritismo e a certas crenças religiosas, o que
surpreende é o descaso que se tem feito do senso crítico no
exame dos assuntos em discussão, em contraste com a profusão
incoerente de tolices que se tem acolhido como verdades.
É aplicável, porém, o método de observação científica a todas
essas pesquisas? Eis o que nos cumpre desde logo apreciar,
através mesmo dessas pesquisas.
Em princípio, não devemos dar crédito a coisa alguma sem
provas. Dois métodos apenas existem, nesse terreno: o da antiga
escolástica, que afirmava certas verdades a priori, às quais
deviam os fatos adaptar-se, e o da ciência moderna, proposto por
Bacon, que parte da observação dos fatos e somente estabelece a
teoria mediante a sua constatação.
Escusado seria acrescentar que o segundo desses métodos é o
aplicado nestes estudos.
O programa da presente obra é essencialmente científico.
Deixarei de lado, por princípio, as coisas que não me parecem
estar confirmadas, seja pela observação, seja pela experiência.
Muitos há que objetam: “Que adianta pesquisar? Nada
podereis encontrar nesse domínio, pois aí se acham segredos
cujo conhecimento Deus a si próprio reserva.” Sempre existiram
pessoas que preferem a ignorância ao saber. Com esta maneira
de raciocinar e de agir, jamais se chegaria a saber coisa alguma,
e mais de uma vez foi ela aplicada também às pesquisas
astronômicas. É o modo de raciocinar dos que têm o hábito de
não pensar por si mesmos e que entregam a pretensos mentores o
cuidado de conservar em paz suas consciências, confiadas
sempre à direção de outrem.
Fingem outros objetar que esses capítulos das ciências ocultas
fazem recuar o nosso saber para a Idade Média, em lugar de o
impelir para o futuro luminoso, preparado pelo progresso
moderno.
Ora, o estudo raciocinado desses fatos tem tanto poder para
levar-nos aos tempos dos sortilégios, como o estudo dos
fenômenos astronômicos e de conduzir-nos ao tempo da
Astrologia.
Ao começar esta obra, os meus olhos acabam de passar sobre
o prefácio do livro do Conde Agenor de Gasparin sobre As mesas
girantes e de ler nele o que se segue:
“Há uma expressão, pesada e agressiva, que importa ser
esclarecida: “o objetivo de meu trabalho não é sério”. Em
outros termos, não queremos saber se tendes ou não tendes
razão; basta-nos saber que a verdade, cuja defesa pretendeis
tomar, não se acha em o número das verdades catalogadas e
autorizadas, dessas de que a gente pode tratar sem
comprometer-se, verdades confessáveis, verdades sérias.
Existem verdades ridículas; tanto pior para elas! Sua
oportunidade chegará talvez e então as pessoas que se
respeitam dignar-se-ão tomá-las sob a sua proteção; mas,
esperando essa oportunidade, por todo o tempo em que
existam pessoas que pisquem os olhos ao ouvir falar de tais
verdades ou que a respeito delas haja murmúrios de
zombaria nos salões, será de mau gosto afrontar o clamor da
opinião assentada. Não nos faleis da verdade! Trata-se de
guardar as conveniências, de ter compostura, de não se
afastar da trilha por onde marcham enfileirados os homens
sérios.”
Estas palavras, escritas há quase meio século, são sempre
verdadeiras. A nossa pobre espécie humana, tão ignorante de
tudo, para a qual as horas se passam, em geral, tão
estupidamente, compreende em suas fileiras indivíduos que têm
por si mesmos uma admiração muito séria, e se consideram, por
isso, capazes de julgar os homens e as coisas. Só há um partido a
tomar quando se estuda uma questão qualquer: não se preocupar
com esses indivíduos, nem com as suas opiniões públicas ou
particulares e ir direito, à frente deles, na pesquisa da verdade.
Três quartas partes da humanidade são constituídas de seres
ainda incapazes de compreender essa pesquisa e que vivem sem
pensar por si mesmos. Deixemo-los com os seus julgamentos
superficiais e desprovidos de valor real.
Há muito tempo que me ocupo destas questões, nas horas de
lazer, que me restam dos meus trabalhos astronômicos. Meu
antigo diploma de “associado livre da Sociedade Parisiense de
Estudos Espíritas”, assinado por Allan Kardec, acaba de passar
sob os meus olhos: é datado de 15 de novembro de 1861 (eu
tinha então 19 anos e já estava há três anos como aluno-
astrônomo no Observatório de Paris). Há mais de um terço de
século tenho estado ao corrente da maior parte dos fenômenos
observados no conjunto do nosso globo terrestre e tenho
examinado a maior parte dos médiuns. Sempre me pareceu que
esses fenômenos mereciam estudados com um critério de livre
exame e acreditei, em várias circunstâncias, que devia insistir
neste ponto.1 É, sem dúvida alguma, por causa desta longa
experiência pessoal, que tão insistentemente se me tem
reclamado a redação desta obra.
Do mesmo modo a prática habitual dos métodos
experimentais e das ciências de observação assegura um controle
mais digno de confiança do que as vagas aproximações com que
nos satisfazemos habitualmente na vida ordinária.
Eu, porém, continuava hesitante. Terá, realmente, chegado o
tempo de ser esse estudo iniciado? Estaremos suficientemente
preparados para isso? Terá chegado o fruto à maturidade?
Pode-se, entretanto, começar (e assim se procede
razoavelmente). Os séculos se encarregarão de desenvolver o
gérmen lançado à terra.
É este, pois, um livro de estudos, concebido e executado com
o exclusivo propósito de conhecer a realidade, sem preocupação
das idéias geralmente admitidas até este momento, com a mais
completa independência de espírito e o mais absoluto
desinteresse para a opinião pública.
Necessário é, por outro lado, confessar que se este trabalho é
interessante e por si mesmo pode ele apaixonar, do ponto de
vista da pesquisa de verdades ainda não conhecidas, bastante
ingrato é ele sob o ponto de vista da opinião pública.
Todo mundo, ou, pelo menos, quase todo mundo, desaprova
os que lhe consagram algum tempo.
Pensam os homens de ciência que não constitui ele um
assunto científico e que é sempre lamentável perder uma pessoa
o seu tempo. Os que, pelo contrário, crêem cegamente nas
comunicações espíritas, nos sonhos, nos pressentimentos, nas
aparições, acham que é inútil introduzir nesses estudos um
espírito crítico de análise e de exame.
Não podemos, de modo algum, desconhecer que o assunto
permanece impreciso e obscuro e que teremos muita dificuldade
em esclarecê-lo convenientemente.
Não servisse, porém, este trabalho senão para levar uma
pequena pedra ao edifício dos conhecimentos humanos, e eu já
me considerava feliz em havê-lo empreendido.
O mais difícil para o homem é, quer me parecer, conservar-se
absolutamente independente e livre de toda ambição pessoal;
dizer o que pensa, o que sabe, sem receio algum da opinião que
possam fazer a seu respeito, permanecendo alheio a tudo isso.
Pôr em prática a divisa de Jean Jacques é acarretar inimigos sem
conta. A humanidade é, antes de tudo, uma raça egoísta,
grosseira, bárbara, ignorante, covarde e hipócrita. Os seres que
vivem pelo espírito e pelo coração constituem exceção.
O mais curioso, talvez, é que a livre pesquisa da verdade
desagrada a todo mundo, isso porque cada cérebro tem seus
pequenos prejuízos, de que não se quer desapegar.
Se eu disser, por exemplo, que a imortalidade da alma, já
ensinada pela Filosofia, será brevemente demonstrada
experimentalmente pelas ciências psíquicas, mais de um céptico
rirá da minha afirmativa.
Se, pelo contrário, eu afirmar que o espírita que evoca
Sócrates ou Newton, Arquimedes ou Santo Agostinho, por meio
da sua mesa, e que supõe conversar com eles, é vítima de uma
ilusão, eis que todo um partido lançará mão de enormes pedras
para lapidar-me.
Mas, ainda uma vez, não nos preocupemos com essas
diversas opiniões.
É comum perguntar-se-nos: “A que podem conduzir esses
estudos sobre os problemas psíquicos?”
E à pergunta responderemos: – A mostrar que a alma existe e
que não são quimeras as esperanças de imortalidade.
O materialismo é uma hipótese que não pode mais ser
sustentada, desde que melhor conhecemos a matéria. Esta não
oferece mais o sólido ponto de apoio que se lhe atribui. Os
corpos são constituídos de milhares de átomos invisíveis,
móveis, que não se tocam e se acham em perpétuo movimento
uns ao redor dos outros; esses átomos, infinitamente pequenos,
são presentemente considerados em si mesmos como centros de
força. Onde está a matéria? Ela desaparece sob o influxo do
dinamismo.
Uma lei intelectual rege o Universo, no organismo do qual o
nosso planeta não é mais do que humilde órgão: é a lei do
progresso. Mostrei em minha obra O Mundo Antes da Criação
do Homem que o transformismo de Lamarck e de Darwin é
apenas uma constatação de fatos e não uma causa (o produto não
pode ser jamais superior à sua fonte produtora), e em minha obra
O Fim do Mundo, que nada pode acabar, pois que, desde toda a
eternidade, tudo o que existiu existe ainda.
O estudo do Universo faz-nos entrever a existência de um
plano e de um fim, que não têm por objeto especial o habitante
do nosso planeta e que são, aliás, indevassáveis pela nossa
pequenez.
A lei do progresso, que rege a vida, a organização física dessa
mesma vida, a atração dos sexos, a inconsciente previdência das
plantas, dos insetos, das aves, etc., para se assegurarem a sua
progenitura; o exame dos principais fatos da História Natural
estabeleceu, como escreveu Oersted, que há um princípio
espiritual na Natureza.2
Os atos da vida habitual não nos mostram o pensamento
senão no cérebro do homem e dos animais. Dessa observação
concluíram os fisiologistas que o pensamento é uma propriedade,
um produto do cérebro. Afirma-se, dizemos nós, que não há
pensamento sem cérebro.
Ora, nada nos autoriza a admitir que a esfera de nossas
observações seja universal, que ela compreenda todas as
possibilidades da Natureza, em todos os mundos.
Ninguém tem o direito de afirmar que sem cérebro não possa
existir pensamento.
Se um ou outro dos milhões de micróbios que habitam nosso
corpo procurasse generalizar suas impressões, poderia
conjeturar, navegando no sangue de nossas artérias ou de nossas
veias, devorando nossos músculos, furando-nos os ossos,
viajando pelos diversos órgãos do nosso corpo, desde a cabeça
até os pés, que este corpo, como o seu, é regido por uma unidade
orgânica?
Estamos precisamente no mesmo caso relativamente ao
Universo astral.
O Sol, coração gigantesco do seu sistema, fonte de vida,
resplandece no centro das órbitas planetárias, gravitando, por sua
vez, em um organismo sideral mais vasto ainda. Não temos o
direito de negar que uma idéia possa residir no espaço e dirigir
seus movimentos como nós dirigimos os movimentos de nossos
braços ou de nossas pernas.
A potência instintiva que rege os seres vivos, as forças que
entretêm as pulsações de nossos corações, a circulação de nosso
sangue, a respiração de nossos pulmões, o funcionamento de
nossos órgãos, têm uma existência tão positiva, como outras, no
universo material, que regem condições de existência
incomparavelmente mais importantes do que as de um ser
humano, pois que, por exemplo, se o Sol se extinguisse ou se o
movimento da Terra fosse deslocado, não seria apenas um ente
humano que viria a morrer, mas a população inteira do globo,
sem falar dos outros planetas.
Existe no cosmos um elemento dinâmico, invisível e
imponderável, espalhado através do Universo, independente da
matéria visível e ponderável e que age sobre ela. E nesse
elemento dinâmico há uma inteligência superior à nossa.3
Sim, sem dúvida alguma, nós pensamos pelo cérebro, do
mesmo modo que vemos pelos olhos e ouvimos pelo sentido do
ouvido; mas não é o nosso cérebro que pensa, da mesma forma
que não são os nossos olhos que vêem. Que se diria de alguém
que felicitasse uma luneta por ver nitidamente os canais de
Marte? O olho é um órgão, como igualmente o é o cérebro.
Os problemas psíquicos não são, como parece por vezes, tão
estranhos assim aos problemas astronômicos. Se a alma é
imortal, se o céu é a sua futura pátria, o conhecimento da alma
não pode permanecer estranho ao conhecimento do céu. O
espaço infinito não é o domínio da eternidade? Que há, portanto,
de estranhável em que astrônomos tenham sido pensadores,
pesquisadores, ansiosos de se esclarecerem sobre a natureza real
do homem, como a da Criação? Não exprobremos a Schiaparelli,
diretor do Observatório de Milão, observador assíduo do planeta
Marte; ao professor Zöllner, do Observatório de Leipzig, autor
de pesquisas importantes sobre os planetas; a Crookes, que foi
astrônomo antes de ser químico; ao astrônomo-físico Huggins e
a tantos outros sábios como o professor Richet, Wallace,
Lombroso, etc., o terem procurado saber o que há de verdade em
tais manifestações. A verdade é uma só e tudo se contém na
Natureza.
Eu ousaria mesmo acrescentar que não haveria grande
interesse para nós em estudarmos o universo sideral, se
estivéssemos certos de que ele nos é e nos ficará eternamente
estranho, se jamais pudéssemos em coisa alguma conhecê-lo
pessoalmente. A imortalidade através das esferas siderais parece-
me ser o complemento lógico da Astronomia.
Em que nos pode o céu interessar, se não vivemos mais do
que um dia sobre a Terra?
As ciências psíquicas acham-se muito retardadas
relativamente às ciências físicas.
A astronomia teve seu Newton, a Biologia tem apenas o seu
Copérnico, a Psicologia ainda dispõe somente dos seus
Hipparchos e dos seus Ptolomeus. Tudo o que podemos fazer
atualmente é recolher observações, coordená-las e ajudar o
desenvolvimento da nova ciência.
Pressente-se e pode-se prever que a religião do futuro será
científica, será fundada no conhecimento dos fatos psíquicos.
Esta religião da ciência terá sobre todas as outras anteriores uma
vantagem considerável: a unidade. Hoje, um judeu ou um
protestante não admite o culto da virgem e dos santos, um
muçulmano abomina “o cão do cristão”, um budista repudia os
dogmas do ocidente. Nenhuma dessas divisões poderia existir em
uma religião fundada sobre a solução científica geral dos
problemas psíquicos.
Estamos, porém, longe de chegar às questões de teorias ou de
dogmas. O que importa, antes de tudo, é saber se em verdade os
fenômenos de que se trata existem e de se evitar a perda de
tempo e o ridículo de procurar a causa do que não existe!
Constatemos desde logo os fatos.4 As teorias virão mais tarde.
Esta obra será sobretudo composta de observações, de exemplos,
de constatações, de testemunhos. O mínimo de frases possível.
Trata-se de acumular provas de tal sorte que a certeza resulte
do seu acúmulo.
Ensaiaremos uma classificação metódica dos fenômenos,
reunindo em grupos aqueles que entre si oferecem maior
analogia e procurando em seguida explicá-los.
Este livro não é um romance, mas um repositório de
documentos, uma tese de estudo científico. Desejei, na sua
confecção, seguir a máxima do astrônomo Laplace: “Estamos tão
longe de conhecer todos os agentes da Natureza – escrevia ele,
precisamente a propósito do magnetismo humano –, que não
seria próprio de um filósofo negar os fenômenos unicamente
porque são eles inexplicáveis no estado atual de nossos
conhecimentos. O que nos cumpre, apenas, é examiná-los com
uma atenção escrupulosa e determinar até que ponto é preciso
multiplicar as observações ou as experiências, a fim de obter
uma probabilidade superior às razões que se pode invocar, por
outro lado, para não admiti-las.”
Está conhecido o nosso programa: Aqueles que estiverem
dispostos a seguir-nos verão que, se este trabalho tem um mérito,
é o da sinceridade. Desejamos saber se se pode chegar à
afirmativa de que os fenômenos misteriosos de que a
humanidade parece ter sido testemunha, desde a mais remota
antigüidade, existem realmente. Não temos outro objetivo senão
a pesquisa da verdade.
Paris, março de 1900.
I
Os incrédulos

Crer que tudo se sabe é um erro profundo:


O horizonte tomar por limites do mundo.
Lemierre.

Um grande número de homens sofrem de verdadeira miopia


intelectual e, segundo a imagem precisa de Lemierre, tomam o
seu horizonte pelos limites do mundo. Os fatos novos, as idéias
novas os ofuscam, os horripilam. Não querem ver mudança
alguma na marcha costumeira das coisas. A história do progresso
dos conhecimentos humanos é para eles letra morta.
A audácia dos pesquisadores, dos inventores, dos
revolucionários, parece-lhes criminosa. Afigura-se-lhes, aos seus
olhos, que a humanidade tenha sido sempre o que é hoje, e eles
não se lembram nem da idade da pedra, nem da invenção do fogo
ou das casas, das carruagens e dos caminhos de ferro, nem das
conquistas do espírito, nem das descobertas da Ciência. Neles
ainda se encontram alguns traços da herança dos peixes e quiçá
dos moluscos.
Comodamente assentados, de resto, em suas largas poltronas,
esses admiráveis burgueses se conservam imperturbavelmente
satisfeitos. São absolutamente incapazes de admitir o que não
compreendem e nem sequer desconfiam de que nem tudo
compreendem.
Ignoram que no fundo da explicação de todos os fenômenos
da natureza está o desconhecido e contentam-se com simples
mudanças de palavras. Por que razão cai uma pedra? “Porque a
Terra a atrai.” Uma resposta assim tão clara basta à sua ambição.
Acreditam eles compreender. Uma fraseologia clássica os seduz,
como no tempo de Molière: “ossabandus, nequeis, nequer,
potarinum quipsa milus... eis aí justamente o que faz que vossa
filha seja muda”, dizia Sganarelo.
Em todos os séculos, quaisquer que sejam os graus de
civilização, encontram-se desses homens simples, tranqüilos,
nem sempre desprovidos de vaidade, que negam candidamente
as coisas inexplicáveis e que pretendem julgar a insondável
organização do Universo. Tais como duas formigas, em um
jardim, entretendo-se a trocar idéias sobre a história da França ou
sobre a distância a que nos encontramos do Sol.
Percorramos a História e edifiquemo-nos com alguns desses
exemplos.
A escola de Pitágoras, libertando-se das idéias comuns sobre
a natureza, elevara-se até à noção do movimento diurno do nosso
planeta, que poupa ao céu imenso e sem limites a obrigação
absurda de girar em vinte e quatro horas em torno de um ponto
insignificante. Que o sufrágio universal se revolte contra esta
idéia genial, ainda se tolera: não se pode pedir a um elefante que
voe até o ninho das águias. Mas a força dos prejuízos vulgares é
tal que, mesmo espíritos superiores como o próprio Platão e
Arquimedes, essas duas brilhantes inteligências, sentiram-se na
impossibilidade de elevar-se a esta concepção, recusada até pelos
astrônomos Hipparcho e Ptolomeu. Este não pôde conter-se de
rir a bandeiras despregadas de uma tal chocarrice. Qualifica ele a
teoria do movimento da Terra de “completamente ridícula”. A
expressão é sobremodo pitoresca. Como que se vê o ventre de
um bom monge, a sacudir-se e rebolar-se todo, diante de um
gracejo desta força, panu guéloïotaton! Deus do céu, como isso é
divertido! A Terra a girar! Estão doidos os pitagóricos: a cabeça
deles é que gira.
Sócrates bebe a cicuta por se ter libertado das superstições de
seu tempo. Anaxágoras é perseguido por ter ousado ensinar que
o Sol é maior que o Peloponeso. Dois mil anos mais tarde,
Galileu é perseguido, a seu turno, por afirmar a grandeza do
sistema do mundo e a insignificância do nosso planeta.
A passos lentos avança a pesquisa da verdade, mas as paixões
humanas e os cegos interesses dominadores permanecem
inalteráveis.
E a dúvida ainda perdura, apesar das provas acumuladas por
toda a moderna astronomia. Não possuímos nós, em nossas
bibliotecas, uma obra publicada em 1806, expressamente contra
o movimento da Terra e na qual seu autor declara que jamais
poderá admitir esteja ela a girar como um capão assado ao
espeto?
Esse intrépido capão era um homem, aliás, de bastante
espírito (o que não exclui a ignorância); era um membro do
Instituto, ostentando o nome de Mercier, mais conhecido por seu
Tableau de Paris e que se poderia supor dotado de um critério
mais elevado e mais firme.
Assistia eu, certo dia, a uma sessão da Academia das
Ciências, dia esse de hilariante recordação, em que o físico du
Moncel apresentou o fonógrafo de Édison à douta assembléia.
Feita a apresentação, pôs-se o aparelho docilmente a recitar a
frase registrada em seu respectivo cilindro. Viu-se então um
acadêmico de idade madura, de espírito penetrado, saturado
mesmo das tradições de sua cultura clássica, nobremente
revoltar-se contra a audácia do inovador, precipitar-se sobre o
representante de Édison e agarrá-lo pelo pescoço, gritando:
“Miserável! nós não seremos ludibriados por um ventríloquo!”
Senhor Bouillaud chamava-se este membro do Instituto. Foi isso
a 11 de março de 1878. Mais curioso ainda é que seis meses
após, a 30 de setembro, em uma sessão análoga, sentiu-se ele
muito satisfeito em declarar que, após maduro exame, não
constatara no caso mais do que simples ventriloquia, mesmo
porque “não se pode admitir que um vil metal possa substituir o
nobre aparelho da fonação humana”. Segundo esse acadêmico, o
fonógrafo não era mais do que uma “ilusão de acústica”.
Quando Lavoisier procedeu à análise do ar e descobriu que o
mesmo se compõe principalmente de dois gases, o oxigênio e o
azoto, essa descoberta desconcertou mais de um espírito positivo
e equilibrado.
Um membro da Academia das Ciências, o químico Baumé
(inventor do areômetro), acreditando firmemente nos quatro
elementos da ciência antiga, escrevia em tom doutoral: “Os
elementos ou princípios dos corpos têm sido reconhecidos e
confirmados pelos físicos de todos os séculos e de todas as
nações. Não é presumível que esses elementos, considerados
como tais durante um lapso de dois mil anos, sejam postos, em
nossos dias, em o número das substâncias compostas, e que se
possa dar como certos tais processos para decompor a água e o
ar e tais raciocínios absurdos, para não dizer coisa pior, com
que se pretende negar a existência do fogo e da terra.
As propriedades reconhecidas nos elementos correspondem a
todos os conhecimentos físicos e químicos adquiridos até o
presente; têm elas servido de base a uma infinidade de
descobertas e de teorias, cada qual mais luminosa, às quais seria
preciso retirar toda confiança, se o fogo, o ar, a água e a terra
não fossem mais reconhecidos como elementos.
Todo o mundo sabe hoje em dia que esses quatro elementos,
tão religiosamente defendidos, não existem e que a razão está do
lado dos químicos modernos que conseguiram decompor o ar e a
água. Quanto ao fogo ou flogístico que, segundo Baumé e seus
contemporâneos, era o deus ex machina da natureza e da vida,
ele jamais existiu senão na imaginação dos professores.
O próprio Lavoisier, esse grande químico, não está indene da
mesma acusação contra os que “supõem tudo descoberto”, pois
que dirigiu um sábio relatório à Academia para demonstrar que
não podem cair pedras do céu. Ora, a queda de aerólitos, a
propósito da qual ele escreveu esse relatório oficial, tinha sido
observada em todos os seus detalhes: tinha-se visto e ouvido o
bólido explodir, bem como o aerólito cair, tendo sido levantado
do chão ainda ardente, para ser em seguida submetido ao exame
da Academia. E esta declarou, pelo órgão do seu relator, que a
coisa era inacreditável e inadmissível. Assinalemos também que
há milhares de anos caem pedras do céu diante de centenas de
testemunhas, que tem sido apanhado grande número dessas
pedras, tendo sido conservadas diversas nas igrejas, nos museus,
nas coleções. Mas faltava ainda, no fim do último século, um
homem independente para afirmar que de fato caem essas pedras
do céu: tal homem foi Chladui.
Não atiro pedras em Lavoisier nem noutra qualquer pessoa,
entenda-se bem, mas na tirania dos prejuízos. Não se acreditava,
não se queria acreditar que pudessem cair pedras do céu. Isso
parecia contrário ao bom senso. Por exemplo, Gassendi é um dos
espíritos mais independentes e mais esclarecidos do século XVII.
Um aerólito que pesava trinta quilogramas caiu na Provença, em
1627, em um dia de sol muito claro: Gassendi viu-o, tocou-o,
examinou-o – e o atribuiu a qualquer erupção vulcânica terrestre
desconhecida.
Os professores peripatéticos do tempo de Galileu afirmaram
de forma doutoral que o Sol não podia ter manchas.
O espectro de Brocken, a fata Morgana, a miragem foram
negados por grande número de pessoas sensatas, enquanto não
puderam ser explicados.
Não há muito tempo ainda (1890) que a faísca elétrica era
posta em dúvida em plena Academia das Ciências de Paris, por
aquele mesmo dos membros do Instituto, que melhor devia
conhecê-la.
A história dos progressos da Ciência mostra-nos, a cada
instante, que de observações simples e quase vulgares podem
provir grandes e fecundos resultados.
No domínio do estudo científico não se deve desdenhar de
coisa alguma. Que maravilhosa transformação da vida moderna
foi produzida pela eletricidade! Telégrafo, telefone, luz elétrica,
motores ligeiros e rápidos, etc. Sem a eletricidade, as nações, as
cidades, os costumes seriam bem outros. Sem ela, por exemplo, a
locomotiva a vapor não teria experimentado tantos
melhoramentos, porque se as estações não pudessem comunicar-
se instantaneamente umas com as outras, os trens não poderiam
circular com segurança em suas linhas. Ora, o berço dessa
admirável fada está humildemente velado nos primeiros albores,
apenas sensíveis, da nascente aurora. Não se distinguem aí mais
do que elementos muito vagos, que olhares perspicazes tiveram a
glória de assinalar e de apontar à atenção do mundo.
É digno de rememoração o caldo de rãs de Mme. Galvâni, em
1791. Galvâni desposara a encantadora filha de seu antigo
professor, Lúcia Galeózzi e amava-a enternecidamente. Estava
ela doente dos pulmões em Boulogne. O médico recomendara
um caldo de rãs, alimento aliás excelente. O próprio Galvâni se
dispôs a prepará-lo.
Assentado na varanda de sua casa, conta-se, esfolara ele um
certo número desses pequenos animais, pendurando os membros
inferiores, separados do tronco, no gradil de ferro, por meio de
pequenos grampos de cobre que serviam às suas experiências,
quando notou, com admiração justificada pela estranheza do
fenômeno, que as pernas das rãs agitavam-se convulsivamente,
todas as vezes que tocavam acidentalmente o ferro do gradil.
Galvâni, que era professor de física na universidade de Bolonha,
estudou o fato com rara sagacidade e descobriu logo as
condições necessárias para reproduzi-lo.
Tomemos os membros inferiores de uma rã esfolada;
observemos os nervos lombares, os filamentos brancos. Se
tomarmos esses nervos e os envolvermos em uma folha de
estanho e se colocarmos as pernas, em estado de flexão, sobre
uma lâmina de cobre, então, fazendo a pequena lâmina de
estanho tocar a lâmina de cobre, veremos imediatamente os
músculos contraírem-se, sendo repelido com bastante força
qualquer pequeno obstáculo contra o qual esteja apoiada a
extremidade das patas da rã. Tal a experiência a que Galvâni foi
conduzido fortuitamente; deve-se a ele a descoberta que tem o
seu nome: o galvanômetro, que deu origem, logo em seguida, à
pilha de Volta, à galvanoplastia e a tantas outras aplicações da
eletricidade.
A observação do físico de Bolonha foi recebida com imensa
explosão de riso, à exceção de alguns sábios circunspectos que
lhe deram a merecida atenção. Entristeceu-se muito com isso o
pobre inventor. “Sou atacado – escrevia ele em 1792 – por duas
seitas perfeitamente opostas: a dos sábios e a dos ignorantes. Uns
e outros riem-se de mim e me chamam mestre de dança das rãs.
Entretanto eu sei que descobri uma das forças da Natureza.”
Não fora, pela mesma época, em absoluto negado o
magnetismo humano, em Paris, pela Academia das Ciências e
pela Faculdade de Medicina? Esperou-se para o acreditar (e
demos graças a Deus!) que Jules Cloquet operasse de um câncer
no seio, sem dor, uma mulher previamente magnetizada.5
O mesmo aconteceu com a descoberta da circulação do
sangue: Guy-Patin e a Faculdade não acicataram Harvey com os
seus sarcasmos?
Conheci em Turim, em 1873, um descendente, muito pobre,
do marquês de Jouffroy, meu compatriota do Alto-Marne,
inventor dos barcos a vapor, em 1776. Sabe-se que este
engenheiro inventor esgotara todos os seus recursos em
demonstrar a possibilidade de aplicar o vapor à navegação. Um
primeiro barco deslizou sobre o rio Doubs, em Baume-les-
Dames. Um outro subiu o Saôna, em Lião, até à ilha de Barbe.
Para a exploração do seu invento, Jouffroy tentou fundar uma
companhia: tornava-se-lhe necessário, porém, um privilégio.
Submetida pelo governo a questão à Academia das Ciências,
esta, sob a inspiração de Perier (o autor da bomba de incêndio de
Chaillot), respondeu com um parecer desfavorável. Todo o
mundo, ainda por cima, assediava o pobre marquês com
zombarias por causa de sua pretensão de “querer conciliar o fogo
com a água” e saudavam-no com o apelido de “Jouffroy da
Bomba”. O infeliz inventor acabou por perder a coragem,
emigrando em seguida por ocasião da Revolução, para retornar à
França durante o Consulado, constatando então que Fulton, por
sua vez, não era mais feliz com o primeiro cônsul do que ele
mesmo tinha sido com o antigo regime. Por outro lado, Fulton
não pôde convencer, de forma alguma, a Inglaterra, em 1804, e
foi somente em 1807 que seu primeiro barco a vapor pôde ser
lançado vitoriosamente no Hudson, em sua própria pátria que
acabou por lhe fazer justiça, um pouco tardiamente.
Quase todos os inventores têm sido assim tratados. Um outro
de meus compatriotas do Alto-Marne, Philippe Lebon, que
inventou a iluminação a gás em 1797, morreu em 1804
(assassinado, segundo se diz, nos Campos Elíseos, em Paris) no
dia da cerimônia do coroamento do imperador, sem ter visto sua
idéia adotada pela pátria. Sobretudo objetava-se que uma
lâmpada sem mecha não podia acender-se! A iluminação a gás
foi aplicada em 1805 pela Inglaterra, em Birmingham; em 1813
em Londres; em 1818 em Paris.
Na época da criação dos trens de ferro houve engenheiros que
demonstraram que esses trens não caminhariam e que as rodas
das locomotivas rodariam sempre sobre o mesmo lugar.
Na Câmara dos Deputados, em 1838, Arago arrefeceu o
entusiasmo dos partidários da nova invenção, falando da inércia
da matéria, da tenacidade dos metais e da resistência do ar. “As
velocidades, dizia ele, serão grandes, muito grandes, mas não
tanto quanto se tinha esperado. Não nos percamos em palavras.
Fala-se do acréscimo do trânsito. Em 1836 o montante total das
despesas de transportes, em França, elevou-se a 2.803.000
francos. Se todos os caminhos de ferro projetados fossem
construídos, se todo o trânsito se efetuasse pelos trilhos e pelas
locomotivas, essa cifra se reduziria a 1.052.000. Importaria isso
em uma diminuição anual de 1.751.000 francos. Perderia,
portanto, o país cerca de dois terços do custo total do transporte
pelas estradas de rodagem. Precatemo-nos da imaginação, essa
loucura do conhecimento. Dois trilhos de ferro paralelos não
darão uma fase nova aos brejos da Gasconha.” E todo o discurso
continua nesse tom! Bem se vê que, quando se trata de idéias
novas, podem os maiores espíritos enganar-se.
E o Sr. Thiers dizia: “Admito que os caminhos de ferro
apresentarão algumas vantagens para o transporte dos viajantes,
se o respectivo uso for limitado a algumas linhas muito curtas,
terminando em grandes cidades como Paris. Não se deve pensar
em grandes linhas.”
E Proudhon: “É uma opinião banal e ridícula essa de
pretender que os caminhos de ferro podem servir à circulação
das idéias.”
Na Baviéra, o Colégio Real de Medicina, consultado,
declarou que os caminhos de ferro causariam, se fossem
construídos, os mais graves danos à saúde pública, porque um
movimento, assim tão rápido, provocaria nos viajantes abalos
cerebrais e vertigens no público exterior; em conseqüência
recomendou o encerramento das linhas entre duas cercas de
madeira à altura dos vagões.
Quando foi proposto, em 1853, o estabelecimento de um cabo
submarino entre a Europa e a América, uma de nossas grandes
autoridades em física, Babinet, do Instituto, examinador na
Escola Politécnica, escreveu na Revue des Deux Mondes: “Não
posso considerar como sérias essas idéias; a teoria das correntes
poderia dar provas insofismáveis da impossibilidade de uma tal
transmissão, ainda mesmo que não se tivesse em conta as
correntes que por si mesmas se estabelecem em um longo fio
elétrico e que são muito sensíveis no pequeno trajeto de Douvres
a Calais. O único meio de ligar o antigo ao novo mundo é
franquear o estreito de Béring, a menos que se tome a resolução
de passar pelas ilhas Féroe, pela Islândia, pela Groenlândia e
pelo Labrador.” (!!)
O geólogo Élie de Beaumont, secretário perpétuo da
Academia das Ciências, morto em 1874, jamais cessou de negar,
em toda a sua vida, a existência do homem fóssil.
Pode-se ler nos relatórios (Comptes Rendus) da Academia das
Ciências, com a data de 13 de julho de 1873, que, tendo o
Instituto de nomear um correspondente, Darwin foi recusado,
para dar lugar a um senhor Loven.
Na Inglaterra, a Sociedade Real recusou em 1841 a inserção,
em seus Anais, da mais importante memória do célebre Joule,
fundador, em Mayer, da termodinâmica; e Thomas Young,
fundador, com Fresnel, da teoria ondulatória da luz, foi
ridicularizado por lorde Broughan.
Por outro lado, vendo Mayer, na Alemanha, o cepticismo
astuto com que sua imortal descoberta era acolhida pelos sábios
oficiais, começou a duvidar de si mesmo e precipitou-se de uma
janela abaixo! Um pouco mais tarde as academias estendiam-lhe
os braços. O grande eletricista Ohm foi tratado como louco por
seus compatriotas alemães.
Quando Franklin comunicou à Sociedade Real de Londres as
suas experiências sobre o poder condutor das hastes de ferro para
a eletricidade atmosférica, não obteve mais do que uma explosão
de hilaridade, e a ilustre companhia recusou terminantemente
imprimir seu memorial.
E como deixar de recordar-nos do que sucedeu por ocasião do
invento do óculo de alcance! Ninguém lhe compreendeu a
importância, e meio século mais tarde o eminente astrônomo
Hévélius recusou-se a adaptar vidros aos seus instrumentos para
seu Catálogo de estrelas, porque supunha que eles prejudicariam
a precisão das determinações de posição.
Exemplos como estes poderiam ser multiplicados até o fim do
mundo... São eles suficientes para edificar-nos a respeito de um
dos aspectos do espírito humano e de uma das características que
não devem ficar à margem da nossa pesquisa da verdade.
Um amigo de trinta anos de afetuosa camaradagem e de doce
afinidade intelectual, Eugène Nus, escreveu em uma de suas
obras, Choses de l’Autre Monde:
Aos manes dos sábios,
Brevetados, patenteados,
Enfeitados, condecorados e enterrados,
Que repeliram
A rotação da terra,
Os meteoritos,
O galvanismo,
A circulação do sangue,
A vacina,
A ondulação da luz,
O pára-raios,
A daguerreotipia,
O vapor,
A hélice,
Os paquetes,
Os caminhos de ferro,
A iluminação a gás,
O magnetismo,
E o resto;
Aos que, vivos e por nascer, fazem o mesmo,
No presente
E o mesmo no futuro hão de fazer.
Eu acho que seria muita irreverência de minha parte imitá-lo
e por isso me absterei de escrever a mesma dedicatória no alto
deste livro. Lembro-a, entretanto, e a faço imprimir, porque não
deixa ela de ter seu valor filosófico e acrescentarei, com um
historiador desses fenômenos, que tais retardatários, por toda
parte encontrados, nas ciências, nas artes, na indústria, na
política, na administração, etc., têm sua utilidade: “Passados ao
estado de marcos, balizam a estrada do progresso.”
Augusto Comte e Littré como que traçaram à Ciência seus
rumos definitivos, seus rumos “positivos”. Não admitir senão o
que se vê, o que se toca, o que se ouve, o que fica subordinado
ao testemunho direto dos sentidos, e não procurar conhecer o
incognoscível – eis, há meio século, a regra de conduta da
Ciência.
Vejamos, porém. Analisando os testemunhos de nossos
sentidos, verificamos que eles nos enganam de um modo
absoluto. Vemos o Sol, a Lua e as estrelas girarem em torno de
nós: é falso. Sentimos a terra imóvel: é falso. Vemos o Sol
levantar-se acima do horizonte: ele está abaixo do horizonte.
Tocamos corpos sólidos: não há corpos sólidos. Ouvimos sons
harmoniosos: o ar não transporta mais do que ondas em si
mesmas silenciosas. Admiramos os efeitos da luz e das cores que
fazem viver aos nossos olhos o esplêndido espetáculo da
natureza: em realidade não há nem luz, nem cores, mas somente
movimentos etéreos obscuros que, influenciando nosso nervo
ótico, dão-nos as sensações luminosas. Queimamos o nosso pé
ao fogo: é, sem o sabermos, em nosso cérebro somente que
reside a sensação da queimadura. Falamos de calor e de frio: não
há no Universo nem calor nem frio, mas somente movimento.
Como se vê, os nossos sentidos nos enganam a respeito da
realidade. Sensação e realidade são coisas distintas.
Não é tudo. Além disso nossos pobres cinco sentidos são
insuficientes. Não nos deixam eles sentir mais do que pequeno
número dos movimentos que constituem a vida do Universo.
Para dar uma idéia do que afirmo, repetirei aqui o que escrevia
em Lúmen, há um terço de século: “Desde a última sensação
acústica percebida por nosso ouvido, resultante de 36.850
vibrações por segundo, até a primeira sensação ótica percebida
por nossos olhos e que é devida a 400.000.000.000.000 de
vibrações na mesma unidade de tempo, nada mais podemos
perceber. Existe entre esses dois extremos um intervalo enorme,
com o qual nenhum de nossos sentidos se põe em relação. Se
tivéssemos outras cordas em nossa lira, dez, cem, mil, a
harmonia da natureza se traduziria mais completamente,
fazendo-as entrar em vibração.” De um lado, somos enganados
pelos sentidos; de outro, incompleto é o seu testemunho.
Não há, portanto, motivo para sermos tão orgulhosos de
nossos sentidos, nem para erigirmos em princípio uma pretensa
filosofia positiva.
Sem dúvida, é necessário utilizarmo-nos do que possuímos. A
fé religiosa diz à razão: “Amiguinha, não tens mais do que um
candeeiro para te conduzir: apaga-o e deixa-te guiar por mim.”
Não é assim que pensamos. Não temos senão um candeeiro, e
mesmo assim um mau candeeiro; mas apagá-lo seria o cúmulo
da cegueira. Reconhecemos, pelo contrário, em princípio, que a
razão, ou, se preferem, o raciocínio, deve sempre e em tudo ser o
nosso guia. fora disso nada mais existe. Mas não
circunscrevamos a ciência em um círculo estreito. Volto ainda a
Augusto Comte, porque é ele o fundador da escola moderna e
representa um dos maiores espíritos do nosso século. Limita ele
a esfera da astronomia ao que era conhecido em seu tempo. É
simplesmente absurdo. “Concebemos – diz ele – a possibilidade
de estudar a forma dos astros, suas distâncias, seus movimentos,
ao passo que jamais poderemos estudar, qualquer que seja o
meio posto em prática, sua composição química.” Este célebre
filósofo morreu em 1857. Cinco anos mais tarde, a análise
espectral fazia precisamente conhecer a composição química dos
astros e classificava as estrelas segundo a ordem de sua natureza
química.
Tal qual como os astrônomos do século XVII, que afirmavam
não poderem existir mais do que sete planetas.
O desconhecido de ontem é a verdade de amanhã.
Estaríamos em erro, entretanto, supondo que os sábios (certos
sábios) e os homens mencionados sejam os únicos responsáveis
por esses atos de inércia. Dá-se o mesmo com a maioria da
humanidade e o grande público está no mesmo caso. A massa do
cérebro humano é pouco mais ou menos a mesma, tanto no
sábio, como no literato, no artista, no magistrado, no político, no
operário, no agricultor, como igualmente no ocioso.
As censuras que podem ser feitas aos homens cujo espírito é
fechado às novas concepções; a esses que, como Napoleão, por
exemplo (a quem a invenção teria assegurado a ruína de sua mais
poderosa inimiga, a Inglaterra), não compreenderam a invenção
do vapor, aplicam-se por assim dizer a todo o mundo. Um
homem, aliás, pode ser muito superior com relação a certas
faculdades e muito inferior quanto a outras. Os deploráveis
exemplos que precedem não levam, pois, à condenação dos
sábios em particular e ainda menos à da Ciência. Somente o que
se desejaria era não ver os espíritos esclarecidos caírem na
falência comum da vulgaridade, e é por causa da estima que eles
nos inspiram, que mais assinalamos as suas fraquezas.
É justo lembrarmo-nos, entretanto, que há uma escusa a essas
obstruções, a esses obstáculos, a essas resistências. Em geral,
ninguém está seguro da realidade nem do valor das coisas novas.
Os primeiros barcos a vapor caminhavam mal e não valiam os
navios a vela. Os primeiros bicos de gás iluminavam pouco e
exalavam mau cheiro. A Terra, na verdade, parece bem fixa e
bem estável. A água e o ar parecem, de fato, elementos primários
da natureza. Não parece natural que caiam pedras do céu. As
primeiras manifestações da eletricidade eram incoerentes. Os
caminhos de ferro desarranjavam tudo.6
E depois, se o gênio se avantaja à vulgaridade, uma nova
descoberta também se adianta ao seu tempo. É, portanto, natural
que haja retardatários e incapazes de compreender certas coisas.
Muito freqüentemente, além disso, os fatos novos, pouco
conhecidos, inexplicados, são vagos, complicados, de análise
difícil, mal esclarecidos pelos que os apresentam. Quantas
dificuldades não teve o magnetismo humano a atravessar, antes
de atingir o estado de experimentação científica em que se acha
atualmente sob outros nomes! E quanto não foi ele explorado por
charlatães que abusavam da credulidade pública! E, nos
fenômenos magnéticos, do mesmo modo que nos do Espiritismo,
quantas fraudes, superstições, infames mentiras, sem contar as
pessoas estúpidas que enganam “para se divertirem!” E de que
maravilhosas habilidades não são capazes os prestidigitadores!
Pode-se, pois, em parte, desculpar as reservas dos homens de
ciência.
A recente descoberta dos raios Roentgen, tão estranha e
inacreditável em sua origem, deveria esclarecer-nos sobre a
exigüidade do campo de nossas observações habituais. Ver
através dos objetos opacos! no interior de um cofre fechado!
distinguir a ossatura de um braço, de uma perna, de um corpo,
através da carne e da vestimenta! Uma tal descoberta é, sem
contradição, inteiramente contrária às nossas habituais certezas.
Este exemplo é seguramente um dos mais eloqüentes em favor
do axioma: é anticientífico afirmar que as realidades detêm-se no
limite dos nossos conhecimentos e das nossas observações.
E que dizer do telefone, que transmite a palavra, não por meio
de ondas sonoras, mas por um movimento elétrico! Se
pudéssemos falar, com o auxílio de um tubo, entre Paris e
Marselha, nossa voz empregaria três minutos e meio para chegar
a seu destino e passar-se-ia o mesmo com a do nosso
interlocutor, de sorte que a resposta a uma palavra emitida: “Alô!
alô!” não nos chegaria senão ao cabo de sete minutos.
Ninguém pensa nisso; entretanto, o telefone é tão absurdo
como os raios X, sob o ponto de vista da nossa concepção das
coisas anteriores a estas descobertas.
Falamos das cinco portas dos nossos conhecimentos: a visão,
a audição, o olfato, o paladar e o tato. Estas cinco portas dão-nos
ainda pouco acesso ao mundo exterior, sobretudo as três últimas.
O olho e o ouvido vão bem mais longe, mas, de fato, é quase
somente a luz que põe o nosso espírito em comunicação com o
Universo. Ora, que é a luz? Uma modalidade de vibração do éter
excessivamente rápida. A sensação de luz é produzida sobre a
nossa retina por vibrações que se prolongam desde 400 trilhões
por segundo (extremidade vermelha do espectro luminoso) até
756 trilhões (extremidade violeta). Há muito tempo que foram
essas vibrações medidas com precisão. Tanto abaixo como acima
desses números, há outras vibrações do éter, não perceptíveis
pelos nossos olhos. Para lá do vermelho estão vibrações
caloríficas obscuras. Depois do violeta acham-se vibrações
químicas actínicas, suscetíveis de serem fotografadas,
igualmente obscuras. Muitas outras existem que permanecem
para nós desconhecidas. A estas observações acrescentarei hoje,
modificando-as e desenvolvendo-as, uma comparação feita
recentemente por sir William Crookes, a propósito da conexão
provável dos fenômenos do Universo e das lacunas que a nossa
organização terrestre apresenta em meio dessa conexão de
fenômenos. Tomemos um pêndulo que oscile no ar de segundo
em segundo. Dobrando as oscilações desse pêndulo obteremos a
série seguinte:
Tempo Nº de vibrações por segundo Espectro
1º 2
2º 4
3º 8
4º 16
5º 32
6º 64
7º 128
8º 256 Som
9º 512
10º 1.024
15º 32.768
20º 1.047.576
Desconhecido
25º 33.554.432
30º 1.073.741.824 Eletricidade
35º 34.359.738.368
40º 1.099.511.627.776 Desconhecido
45º 35.184.372.088.832
48º 281.474.976.710.656
49º 562.949.953.421.312 Luz 7
50º 1.125.890.906.842.624
55º 36.028.797.018.963.968
56º 72.057.594.037.927.936 Desconhecido
57º 144.115.188.075.855.872
58º 288.230.376.151.711.744
59º 576.460.752.303.423.488
Raios X
60º 1.152.921.504.606.846.976
61º 2.305.843.009.213.693.952
62º 4.611.686.018.427.387.904
Desconhecido
63º 9.223.372.036.854.775.808

No quinto tempo depois da unidade, a 32 vibrações por


segundo, entramos na região em que a vibração da atmosfera nos
é revelada sob a forma de som. Aí encontramos a nota musical
mais baixa. Se, entre os sons musicais, procurarmos um muito
grave, por exemplo, a oitava inferior do órgão, perceberemos que
as sensações elementares, ainda que formando um todo contínuo,
o que é necessário para que o som seja musical, permanecem não
obstante distintas, até um certo grau. Quanto mais baixo é o som,
diz Helmholtz, tanto melhor distingue nele o ouvido as
ondulações sucessivas do ar.
Nos dez graus seguintes, as vibrações por segundo elevam-se
de 32 a 32.768; cada duplicação reproduz a mesma nota, em sua
oitava superior. O diapasão normal que reproduz a nota lá vibra
435 vezes por segundo, ou sejam, 870 vibrações duplas. O som
mais agudo é produzido por cerca de 36.000 vibrações e aí
termina a região do som para um ouvido humano comum.
Provavelmente, porém, certos animais a esse respeito mais bem
dotados que nós, percebem sons demasiado agudos para os
nossos órgãos, isto é, sons cuja rapidez de vibrações passa além
desse limite.
Em seguida chegamos a uma região em que a rapidez das
vibrações aumenta celeremente, e o meio vibratório não é mais a
grosseira atmosfera, mas um meio infinitamente sutil, “um ar
mais divino”, chamado éter. Produzem-se aí vibrações de
natureza desconhecida.
Continuando a elevação das vibrações, penetramos na esfera
das irradiações elétricas.8
A seguir vem a região que se estende do 35º ao 45º grau, de
34.359 milhões a 35.184 bilhões de vibrações por segundo. Ela
nos é desconhecida: ignoramos as funções dessas vibrações, mas
que elas existam e se achem em ação no Universo é difícil não
admitir-se.
Aproximamo-nos agora da região da luz onde se encontram
as velocidades compreendidas entre a 48ª e 50ª ordem. A
sensação de luz, isto é, as vibrações que transmitem impressões
visíveis, está compreendida entre os estreitos limites de cerca de
400 trilhões (luz vermelha) a 756 trilhões (luz violeta), o que não
chega a completar um grau.
Os fenômenos da Natureza que se passam constantemente ao
nosso redor realizam-se, ao demais, sob a ação de forças
invisíveis. O vapor d’água, cuja ação é assaz considerável na
climatologia, é invisível. O calor é invisível. A eletricidade é
invisível. Os raios químicos são invisíveis. O espectro solar,
representando o conjunto dos raios luminosos sensíveis à retina
humana (os raios visíveis) é hoje conhecido de todo o mundo. Se
fizermos passar um raio de Sol através de um prisma, obteremos
à saída deste último uma faixa colorida estendendo-se do
vermelho ao violeta. Um grande número de raias o atravessam,
sendo as principais indicadas pelas letras de A a H; são linhas de
absorção produzidas pelas substâncias que ardem na atmosfera
solar e pelo vapor d’água da atmosfera terrestre. Conhecem-se
atualmente milhares dessas raias.
Se se faz passar um termômetro à esquerda do espectro
visível, para lá do vermelho, vê-se que ele sobe, constatando-se,
portanto, que existem aí raios caloríficos invisíveis para nós.
Se se coloca uma placa fotográfica à direita do espectro, para
além do violeta, vê-se que ela é impressionada, o que demonstra
a existência de raios químicos muito ativos, invisíveis para nós.
Observação importante: certos corpos invisíveis podem tornar-se
visíveis; assim o urânio e o sulfato de quinina tornam-se visíveis
na obscuridade sob as radiações ultravioletas.
Classificam-se hoje todos esses raios pelo seu comprimento
de onda: um determinado raio é o espaço percorrido pela onda
durante determinado período vibratório. Ainda que os
comprimentos de onda das radiações sejam de extrema
pequenez, chega-se, graças ao emprego dos crivos de difração, a
determiná-los com uma grande precisão. Ei-los:
Comprimento Vibrações
Cor de onda (trilhões p/
(nm) * segundo)
Vermelho extremo 734 400
Limite do vermelho e do alaranjado 647 490
Limite do alaranjado e do amarelo 587 558
Limite do amarelo e do verde 535 590
Limite do verde e do azul 492 596
Limite do azul e do índigo (anil) 456 675
Limite do índigo e do violeta 424 700
Violeta extremo 397 756
* nm – nanômetro; equivale a um milionésimo de milímetro.
Porção do infravermelho invisível, calorífica. Comprimento
de onda: de 1940 a 734 nm.
Porção do ultravioleta invisível, química. Comprimento de
onda: de 397 a 295 nm.
O primeiro desses dois espectros invisíveis foi determinado
com grande precisão pelo astrônomo americano Langley, com o
auxílio do aparelho de sua invenção, chamado bolômetro.9 É
nesta região invisível que se exerce a maior parte da energia
solar. A parte deste espectro já explorada é 16 vezes mais exten-
sa que o espectro visível!
Por outro lado, o físico francês Edmond Becquerel há muito
que fotografou o espectro químico.10 Esse espectro, cujo estudo
foi continuado depois, é cerca de duas vezes mais extenso que o
espectro visível.
Deixando a região do espectro solar estudado, chegamos à
que é para os nossos sentidos e meios de pesquisa uma outra
região desconhecida e a funções de que apenas começamos a
suspeitar. É provável que se chegue a encontrar os raios Roent-
gen entre o 58º e o 61º graus, lá onde as vibrações vão de
288.230.376.151.711.744 a 2.305.843.009.213.693.952, por
segundo, ou mesmo mais.
Vê-se que nesta série há diversas grandes lacunas ou regiões
desconhecidas, sobre as quais nada absolutamente sabemos.
Quem poderia dizer que estas vibrações não desempenham um
papel importante na economia geral do Universo?
Afinal, não existem vibrações ainda mais rápidas do que es-
sas em que se deteve a série precedente?
Vivemos em um espaço a três dimensões. Seres que vivessem
em um espaço a duas dimensões, na superfície de um círculo,
por exemplo, em um plano, não conheceriam senão a geometria
a duas dimensões, não poderiam passar por cima da linha que
limita um círculo ou um quadrado, seriam aprisionados por uma
circunferência, sem possibilidade de saírem dela. Dai-lhes uma
terceira dimensão, com a faculdade de se moverem na mesma:
eles passarão muito simplesmente por cima da linha, sem rompê-
la, sem mesmo precisarem tocá-la. As seis superfícies de uma
peça fechada (4 paredes, assoalho e teto) nos aprisionam; supo-
nhamos, porém, uma quarta dimensão e sejamos dotados da
faculdade de viver nela: sairemos de nossa prisão tão facilmente
como um homem passa acima de uma linha traçada sobre o solo.
Do mesmo modo que um ser organizado para mover-se uni-
camente em um plano (n. 2), não poderia conceber o espaço
cúbico (n. 3), também não podemos conceber esse hiperespaço
(n. 4), a que nos acabamos de referir; mas nem por isso, entretan-
to, estamos autorizados a declarar que ele não existe.
Há, mesmo na vida terrestre, certas faculdades inexplicadas
para o homem, certos sentidos ignorados.
De que modo conseguem os pombos viajores e as andorinhas
de novo encontrar os seus ninhos? De que maneira pode o cão
voltar a sua casa, a muitas centenas de quilômetros de distância,
por um caminho que jamais percorreu? Como pode a víbora
conseguir a descida de um pássaro à sua goela e de que modo
procede o lagarto para atrair a si a borboleta fascinada? etc., etc.
Mostrei, noutro lugar, que os habitantes de outros mundos de-
vem ser dotados de sentidos muito diversos dos nossos.
Nada conhecemos de absoluto. Todos os nossos juízos são
relativos, por conseguinte imperfeitos e incompletos.
A sabedoria científica consiste, pois, em sermos muito reser-
vados em nossas negativas. Temos o direito de ser modestos. “A
dúvida é uma prova de modéstia, diremos com Arago, e rara-
mente ela tem criado obstáculos aos progressos das ciências. Não
se poderia dizer o mesmo da incredulidade.”
Há ainda grande número de fatos inexplicados, que perten-
cem ao domínio do desconhecido. Os fenômenos de que nos
vamos ocupar são deste número. A telepatia, ou sensação a
distância; as aparições ou manifestações de moribundos; a
transmissão do pensamento; a visão em sonho, em estado so-
nambúlico, sem o concurso dos olhos, de paisagens, cidades,
monumentos; a presciência ou premonição de um acontecimento
próximo; a previsão do futuro, os avisos, os pressentimentos;
certos casos magnéticos extraordinários; os ditados inconscientes
por meio de pancadas nas mesas; certos ruídos inexplicados, as
casas mal assombradas; os levantamentos ou levitações contrá-
rias às da gravidade; os movimentos e transportes de objetos sem
contato; certos fatos que lembram materializações de forças (o
que parece absurdo); as manifestações aparentes ou reais, de
almas desencarnadas ou de espíritos de toda ordem; e muitos
outros fenômenos estranhos e atualmente inexplicáveis, merecem
nossa curiosidade e nossa atenção científica.
Convençamo-nos, ao demais, que tudo aquilo que podemos
observar e estudar é natural, e que devemos examinar todos os
fatos tranqüilamente, cientificamente, sem preocupação de
mistério, sem precipitações nem misticismos, como se se tratasse
de astronomia, de física ou de fisiologia. tudo está na natureza,
tanto o desconhecido como o conhecido, e o sobrenatural não
existe. Esta é uma palavra vazia de sentido.11 Os eclipses, os
cometas, as estrelas temporárias eram vistos como sobrenaturais,
como manifestações da cólera divina, antes de se ter o conheci-
mento das leis que os regem. Qualifica-se muitas vezes de so-
brenatural o que é maravilhoso, extraordinário, inexplicado.
Cumpre dizer, muito simplesmente, desconhecido.
Os críticos que quisessem ver nesta obra um retorno aos tem-
pos da superstição seriam vítimas de um erro grosseiro. Trata-se,
pelo contrário, de análise e de exame.
Aqueles que dizem: “Eu, crer nesses impossíveis, jamais!
Não creio senão nas leis da Natureza e estas leis são conheci-
das”, parecem-se com os antigos geógrafos simplórios que
escreviam sobre seus mapas-mundi, no local das colunas de
Hércules (estreito de Gibraltar): Hic Deficit Orbis (“aqui acaba o
mundo”), sem desconfiarem de que neste espaço ocidental,
desconhecido e vazio, há duas vezes mais terras do que as que
esses hábeis geógrafos conheciam.
Todos os nossos conhecimentos humanos poderiam ser repre-
sentados simbolicamente por uma pequena ilha, uma ilha minús-
cula, rodeada por um oceano sem limites.
Resta-nos ainda muito, muito a aprender.
II
Os crédulos

Ide lavar-vos e comer erva.


Palavras da “Imaculada
Conceição”, em Londres.

Nosso primeiro capítulo, “Os incrédulos”, nos mostrou quan-


to o espírito humano é, em geral, pouco inclinado a aceitar os
fatos inexplicados e as idéias novas, e quanto essa inércia tem
sido nociva ao avanço dos nossos conhecimentos sobre a nature-
za e sobre o homem. Mas, por imensa felicidade nossa, há os
Copérnico, os Galileu, os Képler, os Newton, os Herschel, os
Papin, os Fulton, os Galvâni, os Volta, os Palissy, os Ampère, os
Arago, os Niepce, os Daguerre, os Fraunhofer, os Kirchoff, os
Fresnel, os Le Verrier, os pesquisadores e os independentes. A
Ciência é chamada, pela eterna lei da honra, a olhar de frente e
sem temor todo problema que se lhe pode apresentar francamen-
te, dizia recentemente sir William Thomson, um dos mais emi-
nentes físicos de nossa época: eis aí uma proposição que poderí-
amos inscrever como epígrafe a este livro.
Mas, nas questões difíceis, obscuras, incertas, um novo dever
impõe-se-nos, qual seja o de examinar, de analisar as coisas com
a mais severa circunspecção e não admitir, nisto como em tudo,
aliás, senão o que é certo. Não conviria, a pretexto de progresso,
substituir uma incredulidade sistemática por uma credulidade
desprovida de todo senso crítico, e talvez não seja inútil, antes de
entrar no âmago do nosso estudo, mostrar igualmente, por alguns
exemplos, quanto é necessário mantermo-nos em guarda contra
esse excesso contrário, não menos censurável, não menos peri-
goso que o primeiro.
A espécie humana forma, aliás, uma ordem composta, de uma
diversidade realmente digna de nota. Do mesmo modo que há
criaturas que não crêem em nada, encontram-se outras, não
menos numerosas, que em tudo acreditam. A credulidade dos
homens e das mulheres é verdadeiramente sem limites. As mais
fantasiosas asneiras têm sido acolhidas aceitas, defendidas. E,
observação assaz singular, são quase sempre os espíritos mais
cépticos os que têm sido vítimas das mentiras mais audaciosas e
que têm sustentado as maiores sandices. Um olhar de investiga-
ção, lançado sobre a humanidade, mostra-nos que tanto os crédu-
los como os incrédulos têm sido vítimas de sua maneira de
pensar.
Ainda aqui o que temos não é senão o embaraço da escolha, e
tão inumeráveis são os exemplos, que o nosso trabalho consiste
apenas em abaixar-nos para apanhá-los.
Não vos recordais da história do dente de ouro, de que fala
Fontenelle em sua História dos Oráculos? Nem por ser antiga
deixa ela de ser menos típica. Em 1593 correu o rumor de que
haviam caído os dentes de uma criança de sete anos, na Silésia, e
que lhe nascera um dente de ouro em lugar de um dos seus
grossos molares. Hortius, professor de Medicina da Universidade
de Helmstoedt, escrevendo em 1595 a história desse dente,
assegurou que ela era em parte natural e em parte miraculosa e
que esse dente fora por Deus enviado àquela criança para conso-
lar os cristãos atormentados pelos turcos. Não se percebia bem a
relação que poderia existir entre esse dente e os turcos, mas a
explicação foi tomada, do mesmo modo, a sério. No mesmo ano,
Rullandus escrevia a propósito uma segunda história e, dois anos
após, Ingoslsterus, outro sábio, publicou uma terceira memória
em contradição às duas primeiras. “Um outro grande homem,
chamado Libávius – acrescenta Fontenelle –, reuniu tudo o que
tinha sido dito a respeito do dente e juntou-lhe seu modo de ver
particular. Nada mais faltava a tantas obras preciosas do que
demonstrar que o dente era, de fato, de ouro. Chamado um
ourives para examiná-lo, constatou-se que tudo se resumia em
uma folha de ouro aplicada ao dente com bastante arte. Tinham-
se, porém, escrito livros sobre o caso, antes de consultar o ouri-
ves.”
Há mais de um dente de ouro na história da credulidade anti-
ga e moderna.
Não vos lembrais também dos ratos de tromba de que foi ví-
tima, há meio século, um sapientíssimo naturalista?
Certo zuavo, para dar utilidade aos lazeres que o governo fa-
zia-o ter na África, distraía-se em praticar o enxerto animal nos
ratos. Inseria ele uma ponta de cauda no focinho e a junção
operava-se tão bem como a reconstituição do nariz com um
fragmento de pele. Um sábio do Muséum de Paris pagou muito
caro pelo primeiro rato, que lhe foi enviado como espécime de
uma espécie de roedores até então desconhecida. Levaram-lhe
outros, que ele igualmente comprou com grande generosidade.
Parece-me que somente com o cruzamento foi ele desenganado,
pois as uniões entre ratos e ratas de tromba não produziram
senão camundongos da mais vulgar espécie.
Assinalemos, a esse propósito, que sendo o homem de ciên-
cia, por sua própria natureza, profundamente honesto (por isso
que não haveria ciência sem honestidade) e não estando acostu-
mado a desconfiar dos objetos com os quais trabalha, é mais fácil
de ser enganado que muitos outros. Em astronomia, em química,
em física, em geologia, em história natural não há mentiras. Para
um matemático, para um geômetra, 2 e 2 são 4 e os três ângulos
de um triângulo são iguais a dois ângulos retos. Esse testemunho
de retidão e de natural franqueza não parece desgraçadamente
aplicável nem aos negócios, nem à política, nem às ocupações
habituais dos seres humanos em geral.
Conheci um eminente geômetra, um dos nossos mais sábios
professores da Escola Politécnica, membro do Instituto, dos mais
distintos e dos mais acatados, homem de altas qualidades intelec-
tuais e morais. Não foi ele vítima do embuste mais audacioso
que se possa imaginar e não se apresenta ele à nossa lembrança
como o tipo mais consumado do homem crédulo – e de uma
credulidade sem limites? Um hábil falsário, Vrain-Lucas, lison-
jeando seu gosto imoderado pelos autógrafos, não lhe vendeu, a
preço de ouro, falsos autógrafos de Pascal, de Newton, de Gali-
leu, de Henrique IV, de Francisco I? E em seguida cartas de
Carlos Magno, depois de Vercingétorix!... de Pitágoras!... de
Arquimedes... de Cleópatra!... e, melhor ainda, de Lázaro, o
ressuscitado! de Maria Madalena! e, creio mesmo que de Jesus
Cristo! O Sr. Michel Charles comprou, em sete anos (1862-
1869), 27.000 desses autógrafos pela soma redondinha de
140.000 francos! Não obstante a habilidade do falsário, podia-se
entretanto assinalar, desde a origem, certas nuances suscetíveis
de fazer suspeitar a autenticidade das peças em questão. Recor-
do-me, entre outras, de uma carta de Galileu, na qual ele dizia
que se poderia encontrar um planeta longínquo fazendo observa-
ções nas circunvizinhanças de Saturno. O mistificador tivera a
audácia de fazer predizer por Galileu, em 1640, a descoberta de
Urano, realizada por Herschel em 1781, e, confundindo a órbita
com o corpo celeste que a percorre, fazia dizer ao astrônomo
italiano que o planeta estava por detrás de Saturno. Perdi meu
tempo a calcular a posição de Urano pela época da suposta carta:
o planeta não se encontrava absolutamente na região do céu em
que brilhava Saturno. Tracei o respectivo diagrama (Vide Astro-
nomia Popular, livro IV, cap. I) e fui mostrar ao sábio geômetra
que tolice estava sendo atribuída a Galileu.
Com estupefação da minha parte, M. Charles respondeu-me
que “isso não queria dizer nada” e que estava seguro da autenti-
cidade da carta. Mostrou-ma. Estava escrita com uma letra
semelhante à de Galileu, em antiga folha de papel filigrana
amarelecido, dobrada e revestida dos carimbos postais da época.
A ilusão era verdadeiramente completa. Mas dizer que se pode
encontrar Urano por detrás de Saturno é uma frase de menino de
escola.
Tão cego, porém, já se achava o amador de autógrafos que,
poucos meses depois, estava totalmente disposto a aceitar, com
incrível facilidade, um salvo-conduto escrito por Vercingétorix
em francês (!) para o “imperador Júlio César”.
Não sei se haverá exemplos de credulidade mais fortes do que
esse!
Confessemos que se trata, em todos esses casos, de rudes li-
ções de que todos nós devemos recordar.
Estou ouvindo daqui espíritos menos sábios, que se julgam
muito mais fortes, dizerem com seguridade: “Não seria a mim
que tal coisa sucederia!”
Parece difícil, sem dúvida, descer inteiramente por semelhan-
te declive. Mas tenho-me apercebido, mais de uma vez, de que
mesmo aqueles que se julgavam superiores tinham certas fraque-
zas assaz curiosas: jantavam mal, por exemplo, se estavam treze
à mesa, batiam em qualquer metal ao terem conhecimento de
uma desgraça, receavam ficar doentes se quebravam um espelho,
tremiam diante de um saleiro virado ou de duas facas colocadas
em cruz, etc.
Cidadãos muito sérios afirmavam-me ontem que as fases da
Lua têm influência sobre os ovos, as mulheres, o vinho em
garrafas, o crescimento dos cabelos e o corte das árvores.
Não sejamos demasiado altivos!
Quantas pessoas ainda há que hesitam em encetar viagem em
sexta-feira ou em dias 13? Consultai as estatísticas da arrecada-
ção dos caminhos de ferro, dos tramways e dos ônibus e ficareis
estupefatos com as diferenças observadas. Visitai Paris e perdei
vosso tempo em verificar os números 13 das avenidas, dos
bulevares e das ruas; vereis com os vossos próprios olhos quanto
eles fazem falta nesses lugares, substituídos por 12 bis!
Isso nos lembra a origem dos anos bissextos: tendo os Roma-
nos dobrado um dia, intercalaram-no sub-repticiamente no fim
de fevereiro, sem designação alguma, porque os deuses não
queriam. E porventura nunca encontrastes pessoas que consul-
tam algumas vezes os sonâmbulos “extralúcidos” das feiras de
porcos?
Nossos antepassados, da idade da pedra e do bronze, tremen-
do diante de todas as forças da natureza, que tinham a combater,
divisaram essas forças e povoaram os campos, os bosques, as
fontes, os vales, as cavernas, as cabanas, de seres imaginários
cuja lembrança não desapareceu totalmente, conservada como
herança do passado pelas atuais gerações. As superstições popu-
lares estão por toda parte espalhadas e os mais estranhos prejuí-
zos acham-se ainda associados às ações de uma parte da huma-
nidade.
Há pessoas que continuam a crer, como no tempo dos Roma-
nos, que se podem conjurar os furacões e as tempestades. A esse
propósito existia, pelo ano de 1870, em uma aldeia das cercanias
de Issoire (Puy-de-Dôme), um padre que gozava da reputação de
garantir a sua paróquia mediante o poder de que dispunha de
deslocar para as regiões vizinhas o vento e o granizo prestes a
desabarem sobre a dita paróquia. Havia mesmo quem o visse, à
janela do campanário, fazer esconjuros. Por sua morte, foi ele
substituído por um pároco que teve a pouca sorte de assistir a
uma violenta tempestade pouco depois de haver entrado em suas
funções. Tinham ido os camponeses pedir-lhe que os garantisse,
mas ele não o conseguiu e a partir desse momento o epíteto de
saraivoso (grêleroux) foi-lhe aplicado e a população lhe votou
uma tal antipatia que o bispo se viu obrigado a transferi-lo.
Um velho marujo, morador de Toulon, gozava da reputação,
pelo ano de 1885, de fazer sobrevir a tempestade justamente no
dia das peregrinações a Nossa Senhora de Maio, na montanha de
Sicié. Acreditava-se nessa crendice tão sinceramente, que se lhe
ocultavam, com o maior cuidado, todos os projetos da aludida
peregrinação.
Poderíamos citar outros exemplos análogos. Santo Eutrópio,
patrono de Vieux-Beausset, perto de Toulon, passa por ter a
faculdade de provocar a chuva, quando ele o queira. Há alguns
anos, em um dia de maio, o guarda da ermida em que se acha a
velha imagem do santo, desceu-a de seu pedestal, levou-a para a
porta e se pôs a moê-la a pancadas. Um transeunte, admirado de
semelhante tratamento, perguntou-lhe a razão daquilo: “Oh, meu
caro senhor, replicou o sacristão, se eu não a tratasse deste modo,
nada poderia fazer!”.12 Pouco depois a chuva começou a cair e as
colheitas foram salvas.
A 13 de julho de 1899, perto de Albertville (Sabóia), o cura
de Thénésol benzeu uma nova cruz, “a cruz da Bela-Estrela”,
erigida com grande cerimonial a uma altitude de 1836 metros, no
lugar da antiga, queimada pelos habitantes da comuna de Scy-
thenex, sob o pretexto de que ela preservava das chuvas de
pedra, em detrimento seu, a comuna vizinha de Mercury-
Gémilly. Trezentas pessoas realizaram, sob uma horrível soalhei-
ra, a peregrinação desta reconstituição.
Narra o Sr. Bérenger-Féraud, em sua interessante compilação,
Superstições e Sobrevivências, que em certos lugares da Proven-
ça as mulheres do povo têm uma receita infalível para curar as
crianças da coqueluche: é fazer a criança passar sete vezes em
seguida sob o ventre de um jumento, indo da direita para a
esquerda, tendo o cuidado de jamais fazê-lo da esquerda para a
direita. Há jumentos de maior ou menor reputação, conforme sua
virtude curativa. Conhecia-se um excelente, na aldeia de Luc,
alguns anos atrás, e sua reputação era tão grande que se lhe
levavam as crianças de Draguignan e até de Cannes, isto é, de
mais de sessenta quilômetros.
Conta o mesmo autor que, tendo ido, em 1887, a uma casa
religiosa de certa cidade importante da Provença, notou um de
seus amigos que a imagem de São José, que ornava o parlatório
da comunidade, tinha o rosto voltado contra a parede. Supôs, a
princípio, que se tratasse de inadvertência de qualquer domésti-
co; informando-se, porém, veio a saber que o santo fora posto
em penitência por não haver atendido às súplicas que lhe tinham
sido dirigidas. O inquérito foi levado um pouco mais longe e
revelou que se lhe suplicara inspirar a um vizinho muito piedoso
a idéia de deixar em testamento à comunidade um pedaço de
terreno, de que ela necessitava. Fizera-se mesmo saber a esse
vizinho muito piedoso que, “se São José continuasse a permane-
cer surdo às súplicas, seria posto no porão e talvez até se lhe
aplicasse uma surra”. O autor acrescenta: “Eu não queria dar
crédito ao que ouvia e, entretanto, forçoso foi render-me à evi-
dência, diante das afirmativas de mais de vinte pessoas que
tinham tido conhecimento desta punição. Mais do que isso, vim a
saber que em certas cidades das Bocas de Ródano, do Lionês, até
em Paris, tal prática está em uso na comunidade a que me refiro.
Estas precisas indicações não permitem pôr em dúvida a punição
do santo, por mais estapafúrdia que pareça.”
No ano de 1850, em Toulon, tendo certa mãe um filho doen-
te, dirigiu suas súplicas a um soberbo Cristo de marfim que ela
possuía e pelo qual tinha particular devoção. Esse Cristo provi-
nha, sem dúvida, da pilhagem de uma casa nobre em 1793,
porquanto era de grande valor artístico. Ora, a criança morreu,
mau grado às preces, às novenas e aos círios queimados. Em um
movimento de desespero, a mulher agarrou o crucifixo e lhe
disse: “Patife! é assim que respondes às minhas preces. Pois
bem! toma!...” Depois, juntando o gesto à palavra, atirou-o pela
janela afora.
Narra Saint-Simon, em suas Memórias, que durante o assédio
de Namur, em 1692, estando a chover a cântaros no dia de Saint-
Médard, os soldados, furiosos com este acontecimento que lhes
pressagiava ainda quarenta dias de chuva, encolerizaram-se
contra o santo e quebraram com raiva todas as imagens que
caíram em suas mãos.
Por vezes consideram-se as coisas mais alegremente, mesmo
quando uma novena – ou mesmo duas – não obtêm a cessação
das chuvas.
No tempo em que, em Paris, o relicário de Santa Genoveva
tinha certa influência, levaram-no em procissão de Saint-
Etienne-du-Mont a Notre Dame. Um dia, apenas a procissão
saíra à rua, pôs-se a chuva a cair. “A santa se engana – diz ao seu
vizinho o bispo de Castres –; ela supõe que lhe estamos pedindo
chuva.”
Relata o barão d’Hausser, em sua Viagem à Itália, a conver-
sação seguinte ouvida por ele em Nápoles:
“– Como passa vosso filho?
– Continua com febre.
– Convém acender uma vela a santa Gertrudes.
– Isso não deu bom resultado.
– Em que capela fostes?
– Da rua de Toledo.
– Ah! pobre mulher! esta santa Gertrudes é a pior de toda
Nápoles. Nada se consegue com ela. Ide, portanto, à igreja da
praça do Carmo; vereis que a santa Gertrudes de lá é muito mais
piedosa para com os pobres.”
Nessa mesma cidade de Nápoles, os que têm assistido ao mi-
lagre anual da liquefação do sangue de São Januário sabem
quanto os espectadores, os fiéis, ficam nervosos, impacientes,
quando ela tarda a produzir-se. Em 1872, tomei um péssimo
partido adotando a resolução de olhar de muito perto o famoso
relicário exposto à adoração da multidão. – Todo o mundo
conhece a história do General Championnet, em 1799 (sucedida,
sem dúvida, não a ele próprio, mas a um dos seus lugares-
tenentes).
Há alguns anos, visitando a cripta da Virgem negra, em Char-
tres, entabulei ligeira conversação com um camponês, ao sair da
igreja. “Oh! senhor – disse-me ele –, não é ela tão grande dama
como Nossa Senhora das vitórias, de Paris, e ela nos entende
bem melhor.” Lembrou-me esta opinião a de Luís XI, retirando
de seu chapéu a imagem de Nossa Senhora d’Embrun, para
substituí-la pela de Nossa Senhora de Cléri, e endereçando-lhe
em seguida, com mais confiança, a sua real oração.
Incontestavelmente, as superstições populares acham-se tão
espalhadas que por toda parte as encontramos. Atravessava eu
recentemente uma velha aldeia da Idade Média, inclinada como
um ninho de águia sobre uma montanha escarpada do departa-
mento dos Alpes Marítimos, e, como estivesse em visita à igreja,
o médico da localidade, sábio arqueólogo, que me acompanhava,
chamou-me a atenção para um tronco no qual os fiéis lançam
pequenos bilhetes, acompanhados de uma oferenda, endereçados
a Santo Antônio de Pádua, para recuperarem objetos perdidos. A
resposta chega, muito freqüentemente, no mesmo bilhete, por um
pequeno nicho vizinho.
Reveste a credulidade todas as formas. A dos usos e dos cos-
tumes, mais ou menos extravagante, relativos ao casamento, não
é das menos admiráveis e não será sem interesse recordar alguns
exemplos dessa credulidade.
Na aldeia de Bauduen, na Provença, há um rochedo formando
plano inclinado. No dia da festa do padroeiro, as moças desejo-
sas de se casarem vêm, desde tempos imemoriais, escorregar por
esse rochedo, o que o tornou polido como mármore.
Na aldeia de Saint-Ours, nos Baixos Alpes, vê-se também
uma pedra sobre a qual as moças vão escorregar para encontrar
marido e as recém-casadas para se tornarem mães.
Em Loches as mulheres sem filhos vão escorregar sobre uma
“mó de Saint-Uurs” como as de Bauduen e dos Baixos Alpes.
Esta crença não data de hoje, pois a encontramos já na Grécia
antiga. Acha-se ela muito em voga na Tunísia.
A peregrinação a Saint-Baume, entre Marselha e Toulon, pas-
sa, desde mais de mil anos, por assegurar o casamento e a proge-
nitura, e é objeto de um culto muito fervoroso da parte dos
camponeses da Provença.
Em grande número de regiões da França, as moças pressuro-
sas por se casarem vão jogar folhas de salgueiro ou pedaços de
pau nas fontes. Se a folha segue diretamente a corrente, ou se a
madeira sobrenada, será a moça pedida em casamento antes do
fim do ano.
Perto de Guérande, na Bretanha, as moças vão colocar nas
fendas de um dólmen pedaços de lã cor de rosa, a fim de se
casarem durante o ano.
Em Saint-Junien-les Courbes, na alta Viena, elas evocam
Santo Eutrópio, suspendendo ao mesmo tempo a uma cruz a liga
da perna esquerda.
Na povoação de Oisans, no Isère, dirigem-se elas, no mês de
junho, à capela da montanha de Brandes, perto da qual se encon-
tra uma pedra vertical em forma de cone, de encontro à qual
põem-se elas de joelhos, tocando-a devotamente com suas per-
nas.
Em Laval, na igreja de Avesmères, há uma grande estátua de
São Cristóvão, nas pernas da qual as moças e os rapazes que
desejam casar-se durante o ano vão pregar alfinetes.
Perto de Perros (Côtes-du-Nord), as raparigas vão em romaria
à capela de Saint-Guiriez, para se casarem, e pregam alfinetes no
nariz do santo para que se lhes torne ele particularmente favorá-
vel.
No vale de Lumain (Sene e Marne), existe um menir, chama-
do Pedra frígida, no qual os jovens dispostos ao casamento vão
enterrar pregos ou alfinetes.
Perto de Troyes, as moças que querem casar-se vão atirar um
alfinete sobre um cômoro chamado Cruz de Beigue.13
Nas cercanias de Verdun, as mulheres que desejam filhos vão
sentar-se sobre um rochedo, onde se vê a impressão suscetível de
ser deixada por uma mulher que estivesse sentada em um bloco
plástico, e que nessa localidade se denomina a cadeira de Santa
Lúcia. Acreditam elas que esse ato é favorável a seus desejos e
parece que Ana d’Áustria aí se assentou antes do nascimento de
Luís XIV. O mesmo acontece em Sampiques (Meuse).
Nas Ardennes é a proteção de Santa Filomena que tem mais
eficácia no sentido de impedir que as moças “penteiem Santa
Catarina”.14
Via-se em Burgos, não há ainda muito tempo, na rua
Chevrière, do arrabalde do Castelo, uma estátua do bom São
Greluchon, colocada na parede de uma casa, e que as mulheres
desejosas da maternidade raspavam, fazendo com o pó assim
obtido uma beberagem fecundante. Em Poligny, no Jura, as
jovens desposadas vão, com o mesmo fim, abraçar uma pedra ali
erguida que é, diz a lenda, a petrificação de um gigante como
castigo de haver querido violentar uma rapariga.
Em Dourges, no Tarn, perto da Capela de Saint Ferreol, vê-
em-se rochedos partidos, pelos quais vão passar, para obterem
cura, os paralíticos e os coxos. Na cripta da igreja de Kimperlé
há uma pedra vertical contendo um buraco, pelo qual passam os
que sofrem de dor de cabeça. Nas charnecas de Saint-Siméon, no
Orne, os doentes atravessam um dólmen que passa por ter a
virtude de curar grande número de doenças.
Na Provença, departamento de Berry, há a crença nas fontes
miraculosas, nos sortilégios, nos condutores de lobos, nos lobi-
somens.
Certas regiões desse departamento são objeto dos mais su-
persticiosos terrores; suas florestas são povoadas de lavadeiras
noturnas, seus brejos, de fogos-fátuos. Desde o cair da noite, as
profundezas misteriosas dos bosques enchem-se de rumores
sinistros; lúgubres fantasmas deslizam ao longo das árvores
sacudidas por invisíveis forças. Infeliz daquele que se embre-
nhasse nesses retiros sombrios! Ele não voltaria jamais.
Os moradores das aldeias e das cabanas de uma parte do Bas-
Berry continuam a admitir a existência de gigantes que outrora
habitaram o país e que formaram as eminências naturais ou
artificiais, tão numerosas nessa região. São esses gigantes perso-
nificados por Gargântua, cuja lenda, sempre popular, não somen-
te na parte do Indre, que confina com Creuse, mas em todo o
oeste da França, é muito anterior ao herói de Rabelais. Rabelais,
segundo todas as probabilidades, foi buscar esse mito às crenças
de Saintonge, do Poltou e do Bas-Berry, onde ele residia durante
algum tempo.
A tradição alusiva às fadas está ainda vivaz em inúmeras lo-
calidades da região de Berry; foram elas que, quase por toda
parte, edificaram os dolmens e os menires que transportavam em
seus aventais de gaze, não obstante o enorme peso desses mate-
riais. São conhecidas geralmente sob os nomes de fadas, martas
e outras denominações; em algumas regiões, entretanto, cha-
mam-nas dames, demoiselles, como no meio-dia.
São vistas de noite, a vagar e a celebrar seus misteriosos ritos,
em cada caverna, sobre cada rochedo, em torno de numerosos
dolmens e menires, espalhados na região vizinha das margens
pitorescas dos pequenos rios Creuse, Bouzanne, Anglin e Porte-
feuille.
As martas são enormes mulheres medonhas, magras, mal ves-
tidas, de longos cabelos negros e eriçados. Do alto da mesa de
um dólmen ou do topo de um menir, elas por vezes chamam, ao
cair da noite, os pastores e os lavradores, e se estes não se apres-
sam em responder às suas primeiras perguntas elas os perse-
guem. Desgraçado daquele que não foge precipitadamente e que
elas constrangem a suportar seus beijos impudicos.
As fadas são muito mais meigas e muito menos turbulentas
do que as martas; elas geralmente consagram seu tempo aos
rebanhos. São as encarregadas de velar pelos numerosos tesou-
ros escondidos em maravilhosos subterrâneos, cuja entrada é
fechada pelas enormes pedras dos menires e dos dolmens. Entre-
tanto, o seu poder se extingue, todos os anos, no domingo de
Ramos.
Em Vertolaye, no Auvergne, vê-se uma pedra oscilante à qual
as mães levam os seus filhos, para que sejam sólidos como a
pedra e conservem sempre o uso de seus membros.
Perto de Sait-Valery-en-Caux, sobre os penhascos, avistam-se
as ruínas da antiga capela de Saint-Léger, da qual nada mais
subsiste do que a torre quadrada. As crianças retardatárias são
para aí levadas, fazendo-se-lhes dar cinco voltas às ruínas, a fim
de que andem mais depressa.
Santo Huberto protege os caçadores, São Roque cura a raiva,
São Cornélio salva o gado, São Cláudio cura os cravos, Santo
Anão as infecções cutâneas, etc.
Essas crendices são muito antigas. Conta Pausanias que exis-
tia em Hyette, na Beócia, um templo de Hércules com uma pedra
bruta que curava os doentes; em Alpenes, uma pedra consagrada
a Netuno possuía a mesma propriedade, etc.
Assisti algumas vezes, mesmo nas cercanias de Paris, em
Morsang-sur-Orge, pouco distante de Juvisy, nas festas do
solstício do verão, à fogueira de São João, outrora pagã, hoje
cristianizada, mas conservando sempre o cunho da supersticiosa
credulidade antiga. O Sol, deus da vida, acaba de deitar-se no
ocidente luminoso, o crepúsculo envolve a natureza; na praça da
igreja fora preparada uma fogueira com um belo pinheiro cortado
na floresta próxima; sai um padre da igreja, acompanhado pelos
meninos do coro e pelos cantores, e vem benzer a fogueira; põe-
se fogo à lenha e as chamas crepitam refulgentes. Toda a aldeia
está presente; os rapazes e as moças aproximam-se, esperam que
fique apenas o braseiro final; as moças devem saltar sem quei-
mar-se e a mais audaciosa é a que fica mais em destaque: ela se
casará com toda certeza antes do fim do ano. Depois os tições
devem ser retirados antes de serem consumidos: eles preservarão
as casas, com a mesma virtude das palmas do domingo de Ra-
mos, contra os incêndios e o raio. Muitos depositam ainda hoje a
mais ingênua confiança nesse uso tradicional, que remonta aos
galo-romanos de há quinze ou dezoito séculos e sem dúvida a
tempos mais remotos. De resto, as fogueiras de São João subsis-
tem ainda em nossos dias, na maior parte da França – ia eu
escrever da Gália.
Quem não conhece igualmente os crepes da Candelária? São
eles felicidade na agricultura, no comércio, em todos os empre-
endimentos; é preciso que sejam feitos nesse dia (2 de fevereiro)
e sobretudo não perdê-los. Napoleão, antes de partir para a
Rússia, fazia alguns desses crepes e dizia rindo: “Se eu virar
este, ganharei a primeira batalha! e aquele, a segunda!” Conse-
guiu ele virar um, dois três, mas o quarto caiu ao fogo, pressagi-
ando – diz um historiador – o incêndio de Moscou.
Em Berry, na Châtelette, o santo Guinholet torna as mulheres
fecundas; em Bourges é o santo Greluchon; em Bourg Dieu é são
Guerlichon; em Vendres, no Allier, é são Phoutin; em Sampigny,
no Meuse, é o santo Foutin; em Auxerre é são Faustino, etc. Não
obstante a vigilância dos párocos, as mulheres raspavam certa
parte do corpo desses santos e bebiam esse pó em um copo
d’água.
Em Gargilesse, no Creuse, tendo o cura feito desaparecer da
igreja o santo Greluchon, vão atualmente as mulheres, que
sonham com a maternidade, raspar uma estátua de mármore do
túmulo de Guilherme de Naillac que, o quanto parece, já está
sobremodo gasta.
Em Rocamadour, no Rouergue, as mulheres que não estão sa-
tisfeitas com seus maridos vão beijar e dar voltas ao ferrolho da
porta da igreja, ou então tocar em uma barra de ferro que se
chama o alfange de Rolando.
Em muitas províncias acredita-se ainda em diversos gêneros
de feiticeiros. Na Provença, por exemplo, acredita-se nos man-
dingueiros que impedem a consumação dos casamentos, como se
acredita na Itália em maus olhados, na Alsácia em lobisomens.
Mas acredita-se também nos meios de anular as feitiçarias.
Notadamente em Toulon, as costureiras põem, ainda hoje, um
pouco de sal na ourela dos vestidos de noiva, pois o sal tem a
propriedade de assegurar a perfeita felicidade das recém-casadas.
Em paris, como em Roma no tempo de Tibério, não desapa-
receu o hábito de consultar os que tiram horóscopos predizendo
o futuro pelas regras astrológicas da posição das estrelas e dos
planetas no dia do nascimento. Ainda há astrólogos! Ora, como
se pode crer no valor de um horóscopo, quando se sabe que
nasce em média uma criança por segundo no conjunto da popu-
lação do globo, ou sejam, sessenta por minuto, cerca de 3.600
por hora ou 86.400 por dia e que, por conseguinte, se as estrelas
e os planetas tivessem uma influência real nos destinos, dez
crianças nascidas no mesmo momento deveriam ter o mesmo
destino; uma rainha e uma aldeã que se tornam mães no mesmo
tempo deveriam dar à luz a dois seres regidos pelas mesmas leis,
etc.
A crença nos amuletos, nos talismãs, nas medalhas, nos esca-
pulários é tão vivaz entre os povos civilizados como entre os
selvagens; na França, como no Sudão e no Congo. Basta para
que fiquemos, a respeito do assunto, bem edificados, ler certas
obras, tais como os livros do Sr. de Ségur, de Dom Guéranger ou
do abade de Saint-Paul sobre a medalha de São Benedito. Cons-
tata-se, por exemplo, de tais leituras, que essa medalha de São
Benedito, aprovada pelo papa Benedito XIV, cura todas as
moléstias: as dores de dentes, de garganta, de cabeça; purifica a
água dos incêndios, protege os cavalos, as vacas, os gatos, as
galinhas, as árvores, os vinhedos, os vidros de lampião, etc.
Eu nada invento. Eis aí algumas citações:
“Certa vaca tossia de uma forma violenta – escreve Dom
Guérenger (Cruz de São Benedito, pág. 72) –, não comia absolu-
tamente nada e não dava mais leite. O visitador traçou sobre a
fronte do animal o sinal da cruz, empregando a fórmula inscrita
sobre a medalha; recomendou que mergulhassem esta em um
pouco de água e de farelo, que se daria a beber todos os dias à
vaca (boa precaução) até perfeita cura, e pendurou uma medalha
no estábulo. Algumas semanas mais tarde teve ele a satisfação de
constatar que a vaca se achava completamente restabelecida.”
A mesma medalha atua sobre as árvores. “Cortei todos os ga-
lhos grandes, deixando apenas o tronco, escreveram ao autor da
obra Origem e efeitos admiráveis da cruz de São Benedito, o
abade de São Paulo. Demonstrando-me o corte de serra que os
ramos estavam realmente mortos, coloquei imediatamente sob a
casca uma medalha de São Benedito, suplicando ao grande santo
que fizesse reviver aquela árvore tão bela que fazia o encanto da
região. Na primavera ela readquiriu sua luxuriante folhagem.”
Durante a Comuna de Paris, “medalhas introduzidas na barri-
cada da rua de Rivoli preservaram o ministério da Marinha,
assim como o depósito das cartas e plantas”.15
Quem não se lembra igualmente da história da santa lágrima
de Vendôme, derramada por Jesus-Cristo sobre o túmulo de
Lázaro, recolhida por um anjo e conservada em um cofrezinho
de ouro? Tem sido ela durante séculos, em Vendôme, a fonte de
numerosos milagres e de grandes proventos. E os cabelos da
Virgem Maria, que nos são mostrados em Nápoles! E a túnica
inconsútil de Jesus, oferecida à veneração dos crédulos, na igreja
de Argenteuil e em Trèves. E o santo Sudário de Jesus-Cristo,
objeto de veneração em Turim e em Cadouin (Dordogne) ainda
que esta peça antiga mais ou menos apócrifa tenha sido queima-
da durante a vida de Rabelais. E as ossadas dos reis magos, que
são mostradas em Colônia e em Milão...!
Lê-se no Grande Dicionário Larousse, geralmente bem in-
formado: “O prepúcio de Jesus-Cristo figura brilhantemente
entre as relíquias célebres. Contam-se nada menos de sete prepú-
cios entregues à piedosa e grotesca veneração dos fiéis. Um dos
que gozam da maior reputação é o do convento das Ursulinas de
Charroux. Teve ele enorme destaque, em 1863, nos jornais em
que tiveram lugar, a esse respeito, freqüentes controvérsias, nas
quais tomou parte o bispo de Poitiers.” Existe uma confraria
especial para esse culto da circuncisão, festa que, muito ilogica-
mente aliás, abre os nossos calendários cristãos.16
A credulidade está por toda parte. Vede, nas igrejas, os círios
que são acesos diante das imagens e das estátuas dos santos, para
obter do céu a cura de uma doença, o bom êxito de um negócio,
de um exame, etc. Estes círios que representam, ardendo, preces
elevadas ao céu, não recordam os moinhos de orações que os
tibetanos fazem mover, supondo que atraem as bênçãos divinas?
Todo o mundo conhece a história de Nossa Senhora de Lore-
to, da casa da Virgem Maria, “Santa Casa”, que teria feito uma
viagem aérea de Nazaré a Loreto, no ano de 1294, detendo-se na
Dalmácia.
Ainda recentemente, não era de bom gosto duvidar da auten-
ticidade dessa casa e do seu transporte miraculoso através dos
ares.
Hoje, Nossa Senhora de Loreto está substituída por Nossa
Senhora de Lourdes. Os administradores desta exploração, em
regra, nem mesmo dão-se ao trabalho de disfarçar o desprezo que
professam pela credulidade dos fiéis. Basta ler, para julgá-lo, a
inscrição que eles gravaram em letras de ouro sobre uma placa
de mármore, na qual faz-se dizer à mãe de Deus, dirigindo-se à
pequena Bernadette: “Faze-me a graça de voltar aqui”, ou
“Desejo que venha muita gente”, ou ainda “Lavai-vos nesta água
e comei desta erva”.17
Não ataco aqui o sentimento religioso em si mesmo (do mes-
mo modo que não ataquei a Ciência no capítulo precedente), pois
o tenho por infinitamente respeitável; mas penso que todos
devemos repelir as superstições, as puerilidades, os erros e as
mentiras a que ele serve de pretexto.
Não é raro encontrar pessoas que negam imperturbavelmente
as questões de que nos ocupamos neste livro e que aceitam
decididamente as absurdidades mais colossais, por exemplo, a
anedota do dilúvio universal narradas na Bíblia, na qual está
escrito que “tendo sido abertas as comportas do reservatório das
águas superiores, a água despenhou-se do céu em cataratas
durante quarenta dias e quarenta noites, elevou-se quinze pole-
gadas acima das mais altas montanhas em toda a terra e levou
durante cento e cinqüenta dias a arca na qual Noé fizera entrar
um macho e uma fêmea de todas as espécies de animais existen-
tes sobre o globo.” Nenhum conto das Mil e uma noites chega à
primeira cavilha desta arca; mas a credulidade religiosa é tão
cega que a aceita sem comentários, do mesmo modo que afirma
o milagre de Josué, fazendo parar o Sol! e as palavras da mula de
Balaão!
E com relação aos assuntos de que nos deveremos ocupar
neste livro – relatos de aparições, de manifestações, de experiên-
cias de Hipnotismo e de Espiritismo –, quanto não se tem soltado
as rédeas à credulidade? Conheci um oficial de grande valor que
não duvidava um só instante da identidade dos nomes dados por
sua mesa e que se entretinha com Leibnitz e Spinosa todos os
domingos, depois de almoçar. Deste gênero conheci um outro
que discutia filosofia social com Jean Valjean, sem ter jamais
sonhado sequer com a origem puramente romanesca dessa
personagem imaginária. Uma grande e nobre senhora, já de idade
madura, muito inteligente, que outrora conhecera muito intima-
mente lorde Byron, evocava-o todos os sábados à noite, para
consultá-lo sobre suas operações financeiras. Certo doutor em
medicina da Faculdade de Paris escolhera por amigos do outro
mundo o Dante e Beatriz, que vinham regularmente conversar
com ele, mas “não juntos”, dizia ele, porque “lhes é defeso
aproximarem-se um do outro.” Uma devota do Espiritismo vivia
gravemente ocupada em fazer casamentos póstumos no outro
mundo. Um médium extravagante, que tivera doze filhos e
perdera sete deles, perguntava a estes, todos os meses, pelo seu
estado de saúde e por suas ocupações, do que tomava nota regu-
larmente. Um outro chamava “a alma da Terra”, que lhe respon-
dia e que dirigia todas as suas idéias, etc.
O Espiritismo tem sido empregado, como a religião, em pro-
veito de usos que não têm senão vaga relação com ele. Tem
servido para fazer casamentos, sérios ou passageiros, para explo-
rar caracteres fracos, para conseguir testamentos. Uma senhora
do meu conhecimento tornou-se princesa, fazendo dizer, por uma
mesa, àquele a quem ela cobiçava, o nome que sua primeira
esposa lhe designava, ela própria, para sucedê-la. Conheci uma
viúva cujo filho recém-nascido foi anunciado e aceito como a
reencarnação de uma criança ternamente amada e laço providen-
cial perfeitamente indicado para um novo casamento. Também
conheço uma outra desta espécie que, a pretexto de Espiritismo,
vende anéis cabalísticos, por meio dos quais obtém a cura de
todas as moléstias, etc.
Uma boa história, igualmente, é a do Diabo no décimo nono
século, da franco-maçonaria luciferiana e de Diana Vaughan, que
mistificou uma parte notável do clero francês, vários bispos, dois
cardeais e o próprio papa Leão XIII, ainda que fosse forjada, em
todas as suas peças, por Léo Taxil, como ele mesmo o confessou
cinicamente em 1897. As aparições de diabos e de diabas, nas
cerimônias ímpias e obscenas, tinham sido tomadas a sério por
graves teólogos.
Pode-se confessar, de resto, que a credulidade política é ainda
mais extravagante do que a credulidade religiosa. Quando se
pensa que na hora atual os franceses, os alemães, os russos, os
ingleses, os italianos, os austríacos, etc., acreditam ainda que
devem ser soldados e habitar casernas nauseabundas, fazendo
exercícios grotescos, e que todos os cidadãos da Europa despen-
dem, para a glória de pretensas fronteiras traçadas sobre o papel,
22 milhões por dia, empregados em impedir que os homens
fiquem em suas casas, cada um cuidando de seu trabalho e de
seus deveres, sente-se verdadeiramente que a idade da razão
ainda não soou para o nosso pobre pequenino planeta e que a
servidão voluntária faz parte do patrimônio da humanidade.
Sim, a nossa espécie é muito imperfeita e a credulidade hu-
mana oferece-nos objetos tão dignos de atenção como a incredu-
lidade de parti pris.
Quanto é, por isso, difícil conservar a gente justo meio termo
e seguir tranqüilamente os preceitos da razão!
Sim, a credulidade existe sempre, em perpétuo equilíbrio com
a incredulidade. Desconfiemos tanto de uma como de outra. Os
áugures não morreram, o progresso nem matou os arúspices, nem
aboliu os presságios e não avança depressa em inteligência a
espécie humana. Acrescentarei, entretanto, com Humboldt, que
um presunçoso cepticismo que rejeita os fatos sem exame é, em
certos aspectos, mais censurável do que uma credulidade irrefle-
tida.
Seria fácil multiplicar esses exemplos. Quis simplesmente
mostrar, neste segundo capítulo, que devemos estar em guarda
contra a credulidade, do mesmo modo que contra a incredulida-
de. Aí estão dois excessos contrários, a igual distância dos quais
nos devemos esforçar para nos mantermos, na aceitação e no
exame dos fatos extraordinários de que nos vamos ocupar.
Nada negamos; nada afirmamos: observamos imparcialmente.
É talvez a posição mais difícil de manter nesta ordem de coisas.
Da minha parte, suplico àqueles que fossem tentados a me
acusar, seja de credulidade, seja de incredulidade, que não o
façam levianamente e que não percam de vista que me conservo
constantemente em guarda: Eu investigo.
III
As manifestações telepáticas de moribundos
e as aparições. – Exposição dos fatos

Fatos! Não palavras.

Acabamos de nos pôr em guarda contra duas disposições inte-


lectuais contrárias à livre pesquisa da verdade: a incredulidade e
a credulidade, e tomamos o maior cuidado no sentido de conser-
var sempre nosso espírito nessa completa independência, mais
indispensável que nunca na ordem de estudos de que nos vamos
ocupar. A cada instante seremos feridos em nossas idéias cientí-
ficas habituais, e conduzidos a rejeitar os fatos e a negá-los sem
maior exame. Também a cada instante, uma vez engranzados na
corrente, nós nos sentiremos deslizar um pouco mais rapidamen-
te para a aceitação de fenômenos insuficientemente observados e
ficaremos expostos ao ridículo de procurar a causa do que não
existe.
Que o espírito positivo do método experimental, a que a nos-
sa espécie humana, ainda tão inferior e tão bárbara, deve o pouco
de progresso que tem feito, não nos abandone jamais nestas
pesquisas!
Sei perfeitamente que ilustres campeões do método experi-
mental professam um estranho cepticismo a respeito de todas as
coisas e asseguram que de tudo duvidam. Desconfiemos, porém,
do prazer dos paradoxos. É um exercício muito agradável, segu-
ramente, e que nos eleva acima do grosseiro bom senso vulgar;
Alexandre Dumas filho nos mostrou, por seu próprio exemplo,
que esse espírito não é totalmente destituído de perigo e torna-se,
por vezes, de remarcada falsidade.
Esforcemo-nos por nos conservar prudentes.
Para que nos reconheçamos no mundo misterioso que vamos
examinar e para que tiremos dessas observações alguns resulta-
dos instrutivos, começaremos por fazer uma classificação metó-
dica dos fenômenos, reunindo em grupos os que se assemelham
e procurando deduzir as conclusões a que tais fenômenos condu-
zirem e que nos pareçam mais solidamente fundadas. Vale a
pena fazer-se essa tentativa. Trata-se de nós mesmos, de nossa
natureza, de nossa existência ou de nosso aniquilamento. A
questão nos interessa. Oh! sem dúvida, lá estão uns senhores que
sacodem a cabeça sorrindo e que demonstram um solene despre-
zo pela nossa tentativa:
“Bem sabeis – dizem eles – que esses pretensos horizontes do
além são imaginários, pois que para nós tudo acaba com a mor-
te.”
Mas, de modo algum! Nós não o sabemos. Nem vós também.
A respeito disso vós nada sabeis, absolutamente nada, e vossas
afirmativas, como vossas negativas nada mais são do que pala-
vras, palavras ocas. Todas as aspirações da humanidade protes-
tam contra esse nada. O ideal, o sonho, a esperança, a justiça
talvez não sejam puras ilusões, tanto quanto os corpos de que
acabamos de falar. Do mesmo modo que a razão, não é fato que
o sentimento existe? Em todos esses casos há um problema real e
grave a resolver. “A imortalidade da alma é uma coisa tão impor-
tante – escrevia Pascal –, que é preciso ter perdido todo senti-
mento para ficar na indiferença de saber o que seja ela realmen-
te.” Por que desesperaríamos de jamais chegar a conhecer a
natureza do princípio pensante que nos anima e de saber, sim ou
não, se ele sobrevive à destruição do corpo? Dar-nos-ão as
pesquisas que vamos empreender algumas noções certas sobre
esse ponto? Talvez.
Como quer que seja, peço aos leitores, se é possível, que não
sejam, lendo estas linhas, nem intransigentes, nem intolerantes,
nem radicais, nem ateus, nem materialistas, nem israelitas, nem
protestantes, nem católicos, nem muçulmanos, mas muito sim-
plesmente livres.
Esta é uma tentativa de instrução; nada mais. Que não se pro-
cure nela qualquer outra coisa. Asseguram-me excelentes amigos
que compromete o entrar assim desassombradamente nesta via,
praticando um ato de imprudência, de audaciosa coragem e de
grande temeridade. Peço aos meus melhores amigos que pensem
bem que não sou nada – absolutamente nada mais que um pes-
quisador – e que a tudo o que se pode escrever, dizer ou pensar
de mim, eu sou em absoluto indiferente. Interesse algum, de
qualquer ordem que seja, guiou jamais um só de meus passos.
Também objetam: há muitos séculos que se procura e jamais
se encontrou coisa alguma: logo, jamais se encontrará o que quer
que seja. Com raciocínios como esse nunca se teria aprendido
nada.
Vitam impendere vero: Consagrar sua vida à verdade! era a
divisa de Jean-Jacques. Existirá alguma outra mais nobre para
todo filósofo, para todo pensador?
Tentativa de instrução, dizemos nós, que se parecerá por ve-
zes às inquirições dos juízes de instrução, nos processos crimi-
nais, pois que aí juntar-se-ão elementos humanos que devem ser
tomados em consideração, e esses fenômenos não têm a simpli-
cidade de uma observação astronômica ou de uma experiência de
física. Para nós o primeiro dever é seguir um método de estudo e
fazer uma primeira classificação dos fatos a examinar.
Começaremos pelas manifestações telepáticas de moribundos.
Digo manifestações e não somente aparições, para generalizar
um conjunto de fatos, do qual as aparições visuais apenas repre-
sentam uma parte.
A palavra telepatia já é, desde alguns anos, conhecida do pú-
blico. Foi ela construída etimologicamente, como se haviam
formado as palavras telescópio, telegrafia, telefone. Simpatia,
antipatia têm a mesma origem etimológica. Telepatia significa,
portanto, muito simplesmente “ser advertido, por uma sensação
qualquer, de uma coisa que se passa ao longe”.18
Na ordem de fatos de que nos vamos ocupar, encontram-se, a
cada passo, relatos incertos ou exagerados, narrações duvidosas,
observações desprovidas de valor por causa da ausência de todo
espírito crítico.
Não devemos acolher esses relatos senão com a mais extrema
prudência (eu ia escrever desconfiança) e eliminar desde logo
todos os que nos pareçam suspeitos. Mais do que nunca, impor-
ta-nos aqui ter muito em consideração o discernimento, o saber,
o valor moral e intelectual das pessoas que no-los trazem. A
paixão do maravilhoso ou do extraordinário pode transformar em
acontecimentos fantásticos coisas inteiramente corriqueiras e que
se explicam de um modo absolutamente simples. Certas pessoas
poderiam contar-me histórias durante um ano inteiro, com o
maior luxo de provas aparentes e de denominações eloqüentes,
sem que eu lhes desse maior crédito à primeira palavra, do que
às promessas de certos deputados e de certos ministros. Outras,
pelo contrário, nos inspiram, por seu caráter, uma confiança
sempre justificada. Em minha investigação de tais fatos a estu-
dar, esses princípios de prudência elementar têm-me sempre
instintivamente guiado, e eu nutro a esperança de não haver
admitido nenhuma narrativa sem que sua autenticidade fosse
garantida pelo espírito científico esclarecido dos autores que
tiveram a bondade de m’as confiar, ou pelo menos pôr um claro
discernimento e uma inteira boa fé.
Primeiro que tudo, exporei aos olhos do leitor uma seleção de
observações muito variadas, para as quais tentaremos, como
dissemos uma classificação metódica. Importa, para nossa ins-
trução, ter um grande número de fatos autênticos diante dos
olhos. As explicações e as teorias virão em seguida. Somos os
obreiros do método experimental.
Iniciaremos estes estudos por certas manifestações inexplicá-
veis e estranhas de moribundos, não de “mortos”, deve ser
assinalada a distinção.
Manifestações de moribundos, observadas no estado normal,
achando-se os observadores perfeitamente acordados, e não
durante o sono, através de sonhos. Há entre elas certo número de
tais manifestações percebidas em sonhos, que não devem ser
consideradas como nulas; serão, porém, inscritas em um outro
capítulo.
O meu excelente amigo General Parmentier, um dos nossos
mais distintos e mais estimados sábios, afirmou-me os dois fatos
que se seguem, sucedidos em sua família.19
I – “Diversas pessoas estavam reunidas em um almoço,
em Andlan, na Alsácia. Esperavam o dono da casa, que es-
tava na caça e, passando já da hora, acabaram por sentar-se à
mesa sem ele, declarando a dona da casa que não tardaria o
mesmo a chegar.
Começaram a almoçar, conversando sobre coisas alegres,
e esperavam, de um instante para outro, ver chegar o retar-
datário, zeloso discípulo de Santo Huberto.
Mas o tempo ia passando e todos se admiravam da grande
demora, quando, de repente, com o tempo mais calmo e o
céu mais belo que se possa imaginar, a janela da sala de jan-
tar, que estava amplamente aberta, fechou-se violentamente
com um grande ruído e reabriu-se logo, instantaneamente.
Os convivas ficaram tanto mais surpresos, estupefatos, por-
quanto esse movimento da janela não se teria podido produ-
zir sem derrubar uma garrafa de água colocada sobre uma
mesa diante da janela, tendo essa garrafa, entretanto, conser-
vado sua posição. Todos os que viram e ouviram o movi-
mento não compreenderam absolutamente nada do que se
passou.
– Acaba de acontecer uma desgraça! – gritou, levantando-
se aflita, a dona da casa.
Foi suspenso o almoço. Três quartos de hora depois era
trazido em uma padiola o corpo do caçador que havia rece-
bido uma carga de chumbo em pleno peito. Morrera ele qua-
se instantaneamente, não tendo pronunciado senão estas pa-
lavras:
– Minha mulher! meus pobres filhos!”
Eis aí um fato de coincidência a explicar.
Parece-nos ele, à primeira vista, vulgar e absurdo. Que signi-
fica esse bizarro movimento de janela e com o que pode relacio-
nar-se? Não é perder a gente o seu tempo, tomar a sério um
incidente tão insignificante?
As rãs de Galvâni também eram muito insignificantes, assim
como a marmita de Papin. Entretanto, a eletricidade e o vapor
não o são, de modo algum.
Outro dia, o raio atingiu um homem em pleno campo, mas
não lhe fez maior mal do que arrancar-lhe os sapatos e atirá-los a
uns vinte passos de distância, tirando-lhes todos os pregos, sem
exceção.
De outra feita, ele despiu uma jovem camponesa, pondo-a
completamente nua e deixando-a sobre a relva. Foram encontra-
das as suas vestes penduradas em uma árvore.
Uma outra vez, fulminou ele de um golpe a um lavrador, no
momento em que levava à boca um pedaço de pão, na hora do
almoço. O homem ficou imóvel. Aproximaram-se dele, tocaram-
no e o corpo caiu em cinzas. Mas as suas roupas estavam intac-
tas.
As extravagâncias da Natureza não devem impedir-nos de es-
tudar os fenômenos; pelo contrário.
Sem dúvida, ouvindo-se contar o incidente do caçador de
Andlan, a primeira idéia que nos ocorre é a de negar, pura e
simplesmente. Não, de certo, que se possa supor tenha sido a
história inventada em todos os seus detalhes e que seja ela intei-
ramente mentirosa, pois que as circunstâncias em que se verifi-
cou e o caráter do narrador não o permitem.
Mas pode-se dizer que o que se deu foi um pequeno movi-
mento da janela, produzido por uma causa vulgar, como um
golpe de vento, uma pancada, a passagem de um gato, – que sei
eu? – e que sua coincidência com um acontecimento trágico
amplificou-o depois da ocorrência. Suposição difícil de admitir,
entretanto, pois que a dona da casa e seus convivas ficaram
vivamente impressionados com o fato.
Eis o que parece ter-se produzido: a janela não se moveu: é
prova disso a garrafa – e o contraste foi assinalado. Antes de
entrar na análise desses fatos, podemos pensar, desde logo, que
aquela senhora e uma ou várias outras pessoas tiveram uma
ilusão da vista e do ouvido, a sensação de um fenômeno irreal, e
que o seu cérebro foi impressionado vivamente por uma causa
exterior.
Podemos também pensar que essa causa era a força psíquica
do moribundo, daquele que se estava esperando, que àquela hora
devia estar àquela mesa, que para aí se transportou pelo pensa-
mento, que projetou naquela direção sua última energia. Telegra-
fia sem fio...
Por que se manifestou ela desse modo?
Como a impressão cerebral pôde ser coletiva?
Por que?... Por que?...
Os teus porquês, di-lo Deus, jamais acabariam.
Estamos em pleno domínio do mistério e não podemos senão
formular hipóteses. Oh! sem dúvida, fosse essa história a única
em seu gênero e poderia ela passar despercebida, mas é a menor
entre grande número de outras que temos para relatar nesta obra.
Não insistamos, por agora, sobre o modo de explicá-la, e conti-
nuemos.
Eis aqui um segundo exemplo de transmissão telepática no
momento da morte, não menos singular, mais notável ainda, que
também devo à gentileza do Sr. General Parmentier que lhe
garantiu a autenticidade:
II – “Estávamos em Schlestadt, Departamento do Baixo-
Reno. Era por uma noite de verão. Tinham deixado aberta a
porta de comunicação entre o quarto de dormir e o salão e,
no salão, as duas janelas grandes abertas e assim mantidas
pelos encostos de cadeiras que as tocavam. O pai e a mãe do
Sr. Parmentier dormiam.
De súbito, a senhora Parmentier é despertada por um brus-
co movimento do leito, de baixo para cima. Surpresa, um
pouco atemorizada, acorda seu marido e comunica-lhe o que
acaba de experimentar.
De repente, um segundo abalo se produz, muito violento.
O pai do General Parmentier atribui a um tremor de terra,
ainda que sejam estes bem raros na Alsácia; levanta-se, a-
cende uma vela, não constata nada de insólito e torna a dei-
tar-se. Mas, imediatamente depois, novo abalo muito forte
do leito, depois rumores e estrépitos na sala vizinha, como
se as janelas fossem fechadas com violência, com todos os
vidros postos em pedaços. O tremor de terra parece ter-se
acentuado de um modo ainda mais formidável; o Sr. e a Sra.
Parmentier levantam-se e vão examinar os estragos do salão:
nada, as janelas permanecem totalmente abertas, as cadeiras
não mudaram de lugar, o ar está calmo, o céu puro e estrela-
do. Não houvera nem tremor de terra, nem desencadear de
vento; o barulho ouvido era fictício.
O Sr. e a Sra. Parmentier moravam no primeiro andar e
havia no andar térreo uma mulher de certa idade possuidora
de um armário que rangia de uma forma irritante toda vez
que o abriam ou fechavam. Esse rangido desagradável fora
ouvido e perguntava-se que necessidade teria tido a aludida
senhora de abrir e fechar assim seu armário a uma semelhan-
te hora.
Constatando que nada havia de desarranjado no salão,
nem no estado das janelas, nem na posição dos menores ob-
jetos, a Sra. Parmentier ficou com medo. Acreditou que uma
desgraça qualquer tivesse acontecido aos seus, a seu pai, a
sua mãe, que ela, recentemente casada, havia deixado há
pouco tempo em Estrasburgo e que julgava, entretanto, esta-
rem de perfeita saúde.
Não tardou muito, porém, que viesse a saber que sua anti-
ga governanta, a quem não tornara a ver desde o seu casa-
mento e que se retirara para Viena d’Áustria, com sua famí-
lia, morrera naquela noite e que, antes de morrer, externara
diversas vezes o pesar de ter sido separada de sua querida
discípula, pela qual conservara viva afeição.”
Eis aí um segundo fato que não é destituído de analogia para
com o primeiro e que parece indicar as mesmas correlações.
Uma impressão partida do cérebro de um moribundo teria ido
ferir um outro cérebro, a 650 quilômetros de distância e dar-lhe
a sensação de um ruído tão extraordinário? Pôde essa impressão
tocar, seja diretamente, seja por afinidade, dois cérebros em
relação com o primeiro?
Quando, pela manhã, a Sra. Parmentier perguntara à sua vizi-
nha do andar térreo se ela não abrira o seu rangedor armário,
àquela hora tardia da noite, se ela não fora sacudida em seu leito,
se não escutara uma algazarra fora do costume, esta respondeu
negativamente, observando que dormia pouco em sua idade e
que, se alguma coisa de insólito se tivesse produzido, ela o teria
certamente notado. A manifestação psíquica não havia, portanto,
emocionado senão os dois seres em relação com a causa.
Sem dúvida, podemos sempre ficar surpresos com a materia-
lidade, com a banalidade, com a vulgaridade da manifestação,
para depois sempre dizer: “Erro dos sentidos, alucinação sem
causa, acaso e coincidência.” Mas estamos aqui para examinar as
coisas sem parti-pris e para encontrar, se possível, as leis que as
regem.
Continuemos, porque o valor dos fatos cresce na razão do seu
número, visto tratar-se de coincidências.
III – “Meu caro mestre.
Estávamos em junho de 1896. Durante os dois últimos
meses de minha permanência na Itália, minha mãe veio jun-
tar-se-me em Roma e residia bem perto da Academia de
França, em uma pensão familiar da via Gregoriana, onde vós
mesmo residistes.
Como, nessa época, eu tivesse ainda um trabalho a termi-
nar, antes de regressar à França, minha mãe, para não me
embaraçar, visitava a cidade sozinha e não vinha procurar-
me, à Vila Médicis, senão ao meio-dia, para almoçarmos.
Ora, um dia eu a vi chegar, toda transtornada, pelas oito
da manhã. Como a interrogasse, respondeu-me ela que, es-
tando a fazer sua toilette, viu de repente, ao seu lado, seu
sobrinho René Klaemer que a contemplava e que lhe disse,
rindo:
– Na verdade, eu estou bem morto!
Muito amedrontada com esta aparição, apressou-se ela em
vir procurar-me. Tranqüilizei-a do melhor modo que pude,
depois entabulamos conversação sobre outros assuntos.
Quinze dias depois, regressávamos ambos a Paris, depois
de termos visitado parte da Itália, e soubemos, então, da
morte de meu primo René, ocorrida sexta-feira, 12 de julho
de 1896, no apartamento que seus pais ocupavam, à rua de
Moscou, 31. Tinha ele catorze anos.
Graças a certo trabalho que eu fazia em Roma, na época
da viagem de minha mãe pude controlar as datas, e mesmo
as horas, nas quais esse fenômeno se produziu. Ora, naquele
dia, o meu priminho, acometido de uma peritonite desde al-
guns dias antes, entrava em agonia pelas seis horas da ma-
nhã e morria ao meio-dia, depois de ter exprimido, por di-
versas vezes, o desejo de ver sua tia Berta, minha mãe.
Note-se que jamais, em nenhuma das numerosas cartas
que recebíamos de Paris, nos haviam dito uma palavra a res-
peito da moléstia de meu primo. Sabia-se muito bem que
minha mãe tinha uma afeição muito particular por esse me-
nino e que regressaria a Paris por uma simples arranhadura
que soubesse ter-se produzido nele. Nem mesmo nos tele-
grafaram comunicando sua morte.
Acrescentarei que, quando são seis horas da manhã em Pa-
ris, os relógios de Roma, devido à diferença de longitude,
marcam sete horas e que foi precisamente nesse momento
que minha mãe teve a citada visão.
André Bloch
Praça Malesherbes, 11, Paris.”
O fato observado por Mme. Bloch é do mesmo gênero dos
dois precedentes. À hora em que perdia o conhecimento das
coisas terrestres, seu sobrinho pensava ardentemente nela, a
quem ele amava com uma ternura filial, correspondido também
por sua tia que o amava como a seu próprio filho. A força psí-
quica do moribundo não se pôde manifestar de outro modo, isto
é, sem sair do caráter de um menino de catorze anos, que poderia
dizer, com efeito, rindo:
– “Muito bem, sim, eu morri!”
Pode-se negar, pode-se negar sempre. Mas o que prova uma
negação? Não é melhor usar de franqueza, confessar que aí estão
coincidências notáveis, ainda que incompreensíveis no estado
atual de nossos conhecimentos? A hipótese de uma alucinação
sem causa é verdadeiramente pouco séria. Não nos percamos em
palavras. Pesquisemos.
M. V. de Kerkhove escrevia-me em fevereiro de 1889:
IV – “Em 25 de agosto de 1874, estando eu no Texas (Es-
tados Unidos), à hora do pôr do Sol, depois do jantar, senta-
ra-me, fumando meu cachimbo, na varanda da casa que ocu-
pava, em frente ao mar, com uma porta que abria para o No-
roeste, à minha direita.
De repente, no vão dessa porta, vi distintamente meu ve-
lho avô. Achava-me em um estado de sem-inconsciência, de
doce bem-estar e de quietude, como homem que tem bom
estômago e que acabou de jantar bem. Não experimentei
admiração alguma por vê-lo naquele lugar. De fato, eu vivia
de forma vegetativa e estava mesmo sem pensar, nesse mo-
mento. Fiz, entretanto, comigo mesmo, esta reflexão: “É ex-
traordinário! Como estes raios do sol poente põem lavores
de ouro e de púrpura por toda parte, nas menores dobras das
vestes e do rosto de meu avô.”
Com efeito, nesse instante o Sol descia no horizonte, mui-
to vermelho, e projetava os seus últimos raios diagonalmente
pela porta da sala. Meu avô tinha sua fisionomia de bonda-
de; sorria, parecia feliz. De súbito desapareceu com o sol
poente e eu despertei, como de um sonho, convicto de que se
tratava de uma aparição. Seis semanas depois soube, por car-
ta, que meu avô morrera na noite de 25 para 26 de agosto,
entre uma e duas horas da manhã. Ora, há entre a Bélgica,
onde morreu meu avô, e a longitude do Texas, onde eu me
encontrava, uma diferença de cinco horas e meia. Hora do
pôr-do-sol, pelas sete horas.”
Poder-se-ia objetar que no ocorrido houve simples ilusão
produzida pelos raios do sol poente. É pouco provável, pois o Sr.
de Kerkhove reconheceu perfeitamente seu avô. O que devemos
assinalar, sobretudo, são essas coincidências com as datas de
morte.
A 10 de novembro de 1890, foi-me endereçada a seguinte
carta, de Cristiânia:
V – “Meu caro mestre.
Vossa obra Urânia sugere-me a idéia de vos fazer conhe-
cedor de um acontecimento de que fui informado pela pró-
pria pessoa com quem o fato sucedeu. É o Sr. Vogler, médi-
co dinamarquês, morador em Gudum, perto de Alborg (Ju-
tlândia). O Sr. Vogler é um homem de excelente saúde, tanto
do corpo como do espírito, uma natureza equilibrada e posi-
tiva, sem a menor disposição neurastênica ou imaginativa,
muito pelo contrário.
Jovem estudante de Medicina, viajou ele na Alemanha
com o Conde de Schimmuelmann, muito conhecido entre a
nobreza do Holstein. Eram ambos mais ou menos da mesma
idade. Em uma das cidades universitárias da Alemanha, on-
de haviam resolvido permanecer algum tempo, alugaram
uma pequena casa. O conde ocupava o andar térreo e o Sr.
Vogler instalou-se no primeiro andar; a porta que dava para
a rua, bem como a escada, pertenciam somente a eles.
Uma noite o Sr. Vogler, tendo-se deitado, ainda lia. De re-
pente ouviu ele a porta, em baixo da escada, abrir-se e fe-
char-se; de nada, porém, desconfiou, supondo que era seu
amigo que entrava. Entretanto, ao cabo de pouco tempo, ou-
viu passos claudicantes e quase fatigados subirem a escada e
se deterem diante da porta de seu quarto. Viu a porta abrir-
se, mas ninguém apareceu; os passos, entretanto, continua-
ram e ele ouviu-os sobre o assoalho aproximarem-se do lei-
to. Não viu absolutamente nada, não obstante a luz aclarar
bem o quarto. Quando o ruído dos passos se fez ouvir bem
próximo do leito, escutou ele um profundo suspiro que reco-
nheceu imediatamente provir de sua avó que deixara, em
bom estado de saúde, na Dinamarca. Ao mesmo tempo re-
conheceu também os passos: eram bem os passos vacilantes
e cansados de sua avó.
Tomou ele nota, deixando-a escrita, da hora exata em que
se deu essa revelação, pois lhe veio instantaneamente a intu-
ição de que sua avó morria no mesmo instante. Mais tarde,
uma carta da casa paterna anunciou-lhe a morte súbita da
avó que o havia particularmente querido dentre os outros ne-
tos. Constatou-se que a morte se deu justamente na hora in-
dicada. Dessa maneira a avó despediu-se de seu neto que
nem mesmo sabia estivesse ela enferma.
Edouard Hambro
Licenciado em Direito, Secretário da repartição
dos trabalhos públicos da cidade de Cristiânia.”
Esse moço foi, portanto, advertido da morte de sua avó por
essa impressão de passos e de um suspiro. Eis o que é preciso
admitir.
A Sra. Féret, em Juvisy, mãe da agente dos Correios dessa
cidade, escrevia-me recentemente (dezembro de 1898):
VI – “O fato de que se trata passou-se há bastante tempo;
lembro-me, porém, dele como se fosse de ontem, pois im-
pressionou-me tão fortemente que, vivesse eu cem anos e
jamais poderia esquecê-lo.
Foi pelo tempo da guerra da Criméia, em 1855. Morava eu
então na rua da Torre, em Passy.
Um dia, à hora do almoço, pelo meio-dia, desci à adega.
Um raio de sol penetrava pelo respiradouro e ia iluminar o
chão. Essa parte iluminada pareceu-me de súbito uma praia
de areia, à beira mar, e, estendido morto sobre a areia, jazia
um dos meus primos, comandante de batalhão.
Aterrorizada, não pude mais seguir adiante e subi com di-
ficuldade os degraus da escada.
Minha família, reparando em minha palidez e em minha
perturbação, assediou-me com perguntas. E quando lhes nar-
rei a minha visão, todos se riram de mim.
Quinze dias depois, recebíamos a triste notícia da morte
do Comandante Solier. Morrera ao desembarcar em Varna, e
a data de sua morte correspondia ao dia em que eu o vira es-
tendido sobre a areia da adega.”
Tão difícil de explicar é este fato quanto os precedentes, no
estado atual de nossos conhecimentos. Sem dúvida, pode-se
dizer que também neste caso está em jogo um raio de sol, que
essa moça pensava algumas vezes em seu primo, que sua partida
para a guerra a havia acabrunhado, que se tinha falado diante
dela, com ela, do número dos mortos, da cólera, dos feridos, dos
doentes, dos inumeráveis perigos dessa guerra ainda mais estú-
pida que todas as outras, e que não existia em tudo isso mais do
que simples ilusão. É fácil dizer!
A Sra. Féret está absolutamente segura de ter visto muito dis-
tintamente o oficial; ela viu, com os seus próprios olhos, seu
primo estendido na praia, e foi precisamente em uma praia que
ele tombou, morto pela cólera, ao desembarcar em Varna. Regis-
tre-se também a coincidência das datas. Não podemos, racional-
mente, pensar que o oficial, sentindo-se assim ferido sobre as
praias da terra estrangeira, tenha pensado naquela França que ele
não devia tornar a ver, naquela Paris, em seus pais, nessa prima
cuja imagem fugitiva terá encantado os seus últimos instantes?
Não admito, de forma alguma, que a narradora tenha visto, de
Paris, a praia de Varna; admito, pelo contrário, que a causa da
visão lá estivesse e que houve comunicação telepática entre o
moribundo e sua parente.
Continuemos a passar em revista essas manifestações curio-
sas e a examinar fatos! As teorias e as explicações virão em
seguida. Quanto maior número de fatos tivermos, tanto mais
progredirão os nossos conhecimentos.
Recebi, alguns dias atrás, a seguinte carta de um deputado,
poeta bem conhecido e estimado de todos pela sinceridade de
suas convicções e pela sua vida desinteressada:
VII – “Caro mestre e amigo,
Era em 1871. Estava eu na idade em que se colhem flori-
nhas nos campos como vós colheis estrelas no infinito; mas
em um momento em que esquecera de fazer a minha costu-
meira colheita, escrevi um artigo que me valeu certo número
de anos de prisão: tudo isso acontece a quem não sabe espe-
rar. Ora, estava eu na prisão Saint-Pierre, de Marselha. Lá se
encontrava também Gastão Crémieux, condenado à morte.
Eu o queria muito, porque nos embaláramos com os mesmos
sonhos e tombáramos na mesma realidade. Na prisão, às ho-
ras de passeio, acontecia-nos tratar, em nossas conversas
amistosas, da questão de Deus e da alma imortal. Um dia,
como alguns camaradas se declarassem ateus e materialistas
com uma veemência pouco comum, fiz-lhes notar, a um si-
nal de Crémieux, que era pouco delicado de nossa parte pro-
clamar tais negações diante de um condenado à morte, que
acreditava em Deus e na imortalidade da alma. Disse-me o
condenado, sorrindo:
– Obrigado, meu amigo. Quando me fuzilarem, irei dar-
vos uma prova, manifestando-me em vossa cela.
Na manhã de 30 de novembro, ao despontar do dia, fui
subitamente despertado por um ruído de pequenas pancadas
secas dadas em minha mesa. Voltei-me, o ruído cessou e
tornei a dormir. Alguns instantes depois, recomeçou o mes-
mo ruído. Saltei então da cama e coloquei-me, bem desperto,
diante da mesa: o ruído continuou. Reproduziu-se isso ainda
uma ou duas vezes, sempre nas mesmas condições.
Ao saltar da cama, todas as manhãs, eu tinha o costume de
dirigir-me, com a cumplicidade de um bom guarda, à cela de
Gaston Crémieux, onde me esperava uma xícara de café.
Nesse dia, como nos precedentes, fui fiel ao nosso amistoso
rendez-vous. Ai de mim! havia selos sobre a porta e eu cons-
tatei, olhando pelo buraco da fechadura, que o prisioneiro
não mais estava lá. Apenas acabara de fazer essa constatação
e o bom guarda atirava-se em meus braços, banhado em lá-
grimas.
– Eles o fuzilaram esta manhã, ao despontar do dia; mas
ele morreu muito corajosamente.
Grande foi a emoção entre os prisioneiros. No pátio onde
permutávamos nossas impressões, lembrei-me, de repente,
dos ruídos que ouvira. Não sei que temor pueril de ser des-
mentido, impedia-me de contar aos meus companheiros de
infortúnio o que se passou em minha cela, precisamente no
instante em que Crémieux tombava com doze balas no peito.
Contudo, fiz a confidência do ocorrido a um deles, Francisco
Roustan, que por um momento se perguntou a si mesmo se a
dor não me havia enlouquecido.
Tal é o meu relato, escrito uma destas tardes. Eu vo-lo re-
meto tal como me saiu da pena. Fazei dele o uso que vos pa-
recer útil às vossas pesquisas; não façais, porém, sobre o
meu estado d’alma, o juízo feito pelo meu amigo Roustan,
pois que a dor não podia ter-me tornado louco, em um mo-
mento em que ainda não tinha podido provocá-la o conhe-
cimento do fato. Eu estava em meu estado normal, não des-
confiava da execução e ouvi perfeitamente aquela espécie de
advertência. Eis a pura verdade.
Clóvis Hugues.”
Segundo este relato, parece que no instante mesmo em que
Gastão Crémieux era fuzilado (sua condenação remontava aos
dias da Comuna de Marselha: 28 de junho), seu espírito atuou
sobre o cérebro de seu amigo e deu-lhe uma sensação, um eco,
uma repercussão do drama de que ele foi vítima. A fuzilaria não
podia ser ouvida da prisão (ela se deu em Pharo) e o ruído foi por
diversas vezes repetido. Este fato é tão estranho como todos os
precedentes; mas é seguramente difícil de ser negado.
Nós nos ocuparemos mais adiante das teorias explicativas.
Continuemos nossa exposição comparativa, aliás tão variada e
tão curiosa em si mesma.
Um eminente sábio, o Sr. Alphonse Berget, doutor em ciên-
cias, preparador do laboratório de Física da Sorbona, examinador
na Faculdade de Ciências de Paris, teve a bondade de comunicar-
me o seguinte:
VIII – “Minha mãe era moça e noiva de meu pai, então
capitão de Infantaria, quando o fato ocorreu; residia ela em
Schlestadt, na casa de seus pais.
Minha mãe tinha tido, como amiga de infância, uma jo-
vem chamada Amélia M.; esta moça, cega, era neta de um
velho coronel de Dragões do Primeiro Império. Tendo fica-
do órfã, ela vivia com seus avós. Era exímia cultora da mú-
sica e muitas vezes cantava com minha mãe.
Na idade de dezoito anos despertou-se-lhe uma vocação
religiosa muito pronunciada e tomou o hábito em um con-
vento de Estrasburgo. Nos primeiros tempos escrevia fre-
qüentemente a minha mãe; depois suas cartas se foram espa-
çando e afinal, como acontece quase sempre em semelhantes
casos, ela cessou completamente de se corresponder com sua
velha amiga.
Haveria três anos que ela tomara o hábito de religiosa,
quando, certo dia, minha mãe subiu ao celeiro, para procurar
qualquer coisa velha de que necessitou em um momento de
apuro. De súbito, ela desce à sala de visitas, dando gritos es-
tridentes e cai sem sentidos. Precipitam-se todos, levantam-
na, ela volta a si e grita soluçando:
– É horrível! Amélia está morrendo, ela morreu, pois eu
acabo de ouvi-la cantar, como só uma morta pode cantar!
E, de novo, uma crise de nervos fez-lhe perder os sentidos.
Ora, meia hora depois, o Coronel M. entrava, como um lou-
co, em casa de meu avô, tendo na mão um telegrama. Esse
telegrama era da superiora do convento de Estrasburgo e
continha estas únicas palavras: “Vinde, vossa neta está pas-
sando mal.” O coronel toma o primeiro trem, chega ao con-
vento e é cientificado de que a irmã morrera precisamente
há três horas, hora exata da súbita crise de minha mãe.
O fato foi-me contado muitas vezes por minha mãe, por
minha avó, por meu pai que assistira à cena, assim como por
meu tio e minha tia, testemunhas oculares desse estranho in-
cidente.”
Este fato não é menos digno de atenção do que os preceden-
tes. O nome do narrador é uma segura garantia de sua autentici-
dade. Não há, no que acaba de ser escrito, nem imaginação nem
romance. E parece a mesma a hipótese explicativa. A amiga da
Sra. Berget, ao morrer, afigura-se-nos, pensou, com uma grande
intensidade, uma cara lembrança, uma imensa saudade, talvez,
em sua amiga de infância, e, de Estrasburgo a Schlestadt, a
emoção da alma da moça veio impressionar instantaneamente o
cérebro da Sra. Berget, dando-lhe a ilusão de uma voz celestial
cantando uma pura melodia. De que modo? Nada sabemos a esse
respeito. Mas seria anticientífico negar uma coincidência real,
uma relação de causa e efeito, um fenômeno de ordem psíquica,
pela simples razão de que não sabemos explicá-lo.
“O acaso é tão amplo!”, ouve-se dizer.
Sim, sem dúvida; mas tomemos cuidado, não tenhamos parti
pris. Pode o acaso explicar essas coincidências mediante o
cálculo das probabilidades? É o que haveremos de examinar.
Não percamos tempo, entretanto; são abundantes os docu-
mentos.
A Sra. Ulric de Fouvielle contou-me, em 17 de janeiro último
(1899), a ocorrência seguinte, feita por ela própria e conhecida
de toda a sua família:
IX – “Morava ela em Rotterdam. Certa noite, por volta
das 11 horas, a família, segundo um antigo hábito, fez as
preces em alta voz e cada qual se retirou para seu quarto. A
Sra. de Fouvielle estava há alguns minutos deitada, e ainda
desperta, quando viu diante de si, ao pé do leito provido de
cortinado, em que ela dormia, abrir-se o cortinado e uma de
suas amigas de infância, que ela não via há mais de três a-
nos, por causa de uma indelicadeza de que se tornara culpa-
da para com a família e de quem não se pronunciava mais o
nome, aparecer-lhe com uma nitidez tão perfeita como se se
tratasse de uma pessoa viva. Vestia um grande peignoir
branco, tinha seus cabelos negros caindo sobre as espáduas e
olhou-a fixamente com seus grandes olhos negros, estenden-
do-lhe a mão e lhe dizendo em holandês:
– Senhora, vou neste momento partir. Podeis perdoar-me?
A Sra. de Fouvielle sentou-se na cama e estendeu a mão, a
seu turno, para responder-lhe; mas a visão desapareceu subi-
tamente.
O quarto achava-se iluminado por uma lamparina, e todos
os objetos eram visíveis. Logo depois, o relógio bateu as do-
ze pancadas da meia-noite.
No dia seguinte, pela manhã, a Sra. de Fouvielle contava à
sua sobrinha esta singular aparição, quando bateram à porta.
Era um telegrama de Haia trazendo estas palavras: “Maria
faleceu ontem às 11 horas e três quartos da noite.”
O Sr. Ulric de Fouvielle afirmou-me, por seu lado, que o fato
da aparição e da coincidência não é contestável. Quanto à expli-
cação, como nós, ele a procura.
A 20 de março último (1899) eu recebia a seguinte carta:
X – “Meu caro mestre:
Pedis que eu vos escreva a respeito do fato de pressenti-
mento, vista dupla, sugestão ou aparição, de que vos falei.
Eu estava para entrar na Escola Naval. Esperava esse mo-
mento em Paris, à rua de la Ville-l’Évêque, onde morava
minha mãe. Tínhamos nessa época um mordomo piemontês
muito inteligente, muito devotado, mas tão céptico como
pouco crédulo. Para empregar a expressão popular, ele não
acreditava nem em Deus nem no diabo.
Uma tarde, seriam 6 horas, entra ele na sala de visitas, de
fisionomia convulsionada, a gritar:
– Senhora! senhora! vem de acontecer-me uma grande
desgraça! minha mãe acaba de morrer... Neste instante, eu
estava em meu quarto, um pouco fatigado, e repousava,
quando a porta se abriu... minha mãe, de pé, pálida e desfei-
ta, achava-se no limiar, fazendo-me um gesto de adeus. Es-
freguei os olhos, supondo-me vítima de uma alucinação, mas
não, eu a via bem! Precipitei-me para segurá-la... ela desapa-
receu!... Ela está morta.
Chorava o pobre rapaz. O que posso afirmar é que alguns
dias depois chegava a notícia a Paris. Sua mãe estava, de fa-
to, morta no dia e na hora em que ele a viu!
Baron Deslandes
Antigo oficial de Marinha.
Rua de Larochefoucauld, 20, Paris.
A senhora Baronesa Staffe, cujas obras encantadoras andam
em todas as mãos, deu-me a conhecer os dois casos seguintes:
XI – “A Sra. M., que, por seu casamento, se tornou fran-
cesa e pertence à grande classe médica, era a encarnação da
veracidade. Ela preferiria morrer a proferir uma mentira. O-
ra, eis o que me contou a Sra. M.:
Em sua adolescência vivia ela na Inglaterra, ainda que não
fosse de nacionalidade britânica; aos dezesseis anos tornara-
se noiva de um jovem oficial do Exército das Índias.
Por um dia de primavera, no porto inglês em que residia,
achava-se ela debruçada ao balcão da casa de seu pai e pen-
sava naturalmente em seu noivo. De repente ela o vê no jar-
dim, em sua frente, mas muito pálido e como extenuado.
Contudo, feliz e alegre, ela grita: “Harry! Harry!” e desce
aos saltos a escada da casa. Abre precipitadamente a porta,
supondo encontrar o bem-amado no limiar: ninguém. Entra
no jardim, examina o lugar onde o viu, percorre as moitas,
observa por toda parte: nada de Harry!
Os que a seguiram, procuram consolá-la, persuadi-la de
que se trata de uma ilusão; ela repete: “Eu o vi, eu o vi!” E
permanece entristecida e inquieta.
Algum tempo depois a moça é informada de que seu noivo
sucumbira em pleno mar, de um mal súbito, no dia e hora
em que o tinha visto no jardim.”
XII – “Bernardina era uma velha criada, sem instrução,
sem sombra de idéia espiritualista e a quem se acusava de
dar-se algumas vezes à bebida.
Uma tarde ela desce à adega para ir buscar cerveja e sobe
imediatamente, com o púcaro vazio na mão, pálida e desfi-
gurada. Comprimem-se todos em torno dela:
– Que tens Bernardina?
– Acabo de ver minha filha, minha filha que reside na
América. Estava toda de branco, tinha o aspecto de doente e
me disse: “Adeus, mamãe.”
– Estás louca! Como querias ter visto tua filha, que reside
em Nova York?
– Eu a vi! eu a vi! Ah! o que quererá isso dizer? Ela mor-
reu!
Dizia-se em casa: “Bernardina sem dúvida bebeu um pou-
co mais do que o razoável.”
Ela, porém, continuou desolada. E o correio que se seguiu
a este incidente trouxe a notícia da morte da filha de Bernar-
dina: finara-se no dia e na hora em que sua mãe a tinha visto
e reconhecido o timbre de sua voz.”
O Sr. Binet, tipógrafo em Soissons, assinalou-me, por seu la-
do, a visão seguinte, de que ele próprio fora o ator:
XIII – “Mézières, minha terra, foi abalada por um bom-
bardeio que durou trinta e seis horas somente, mas que bas-
tou para fazer numerosas vítimas. Entre estas últimas, a neta
de nosso patrão foi cruelmente ferida: estava com 11 ou 12
anos de idade. Nessa época tinha eu 15 e brincava quase
sempre com Leontina (era esse o seu nome).
Pelo começo de março, fui passar alguns dias em Dou-
chéry. Antes de partir, eu sabia que essa pobre pequena es-
tava condenada. A mudança de lugar e também a despreocu-
pação fizeram com que eu esquecesse um pouco as misérias
que vínhamos de atravessar.
Eu dormia sozinho em um quarto comprido e estreito, com
uma janela que dava para o campo. Uma noite, tendo-me
deitado, como de costume, às 9 horas, não pude dormir, coi-
sa para mim extraordinária, pois que, logo depois do jantar,
seria capaz de dormir em pé. A Lua brilhava em toda pleni-
tude, aclarando o jardim e projetando uma luz bastante forte
no quarto.
Não me tomando o sono, escutava bater as horas, que me
pareciam bem longas. Eu meditava, olhando pela janela que
se achava justamente defronte do meu leito, quando, cerca
de meia-noite e meia, me pareceu ver um raio da Lua cami-
nhar, depois esta sombra luminosa, que flutuava como um
grande vestido, tomou a forma de um corpo e, avançando
para o meu leito, deteve-se muito perto dele. Um rosto des-
carnado sorria-me... Soltei um grito... “Leontine!” Depois a
sombra luminosa, deslizando sempre, desapareceu ao pé do
leito.
Alguns dias mais tarde, voltei para casa de meus pais, e
antes que a respeito me falassem (da morte de Leontine),
contei-lhes minha visão: era exatamente a noite e a hora em
que aquela criança morrera.”
O Sr. Castex Dégrange, diretor-adjunto da Escola das Belas
Artes em Lião, transmitiu-me o fato seguinte:
XIV – “Meu padrasto, o Sr. Clermont, doutor em Medici-
na, tio do Dr. Clermont (discípulo e amigo do Dr. Potain,
que acaba de morrer em Paris) tinha entre os seus irmãos um
que residia na Argélia e era o pai do citado doutor.
Certa manhã, meu padrasto, que não tinha aliás nenhuma
inquietação a respeito de seu irmão, pois o sabia estar pas-
sando bem, achava-se ainda no leito.
Antes de levantar para ir ver seus doentes, tinha ele o há-
bito de tomar na cama uma xícara de café com leite. Proce-
dia a esse primeiro repasto conversando com sua esposa,
sentada perto dele, quando é levantado violentamente e de
novo atirado ao leito, e isso tão subitamente que derramou
todo o líquido contido na xícara.
À mesma hora, soube ele mais tarde, seu irmão morria na
Argélia. Fora banhar-se no mar e, tendo sido mordido ou fe-
rido no tendão de Aquiles, contraíra o tétano e morrera após
trinta horas de sofrimentos.”
O Sr. Chabaud, antigo diretor de colégio, em Paris, professor
muito estimado, a quem numerosos discípulos são devedores de
excelente instrução, referiu-me o caso seguinte, com ele mesmo
ocorrido:
XV – “Uma parte da minha infância passou-se em Limo-
ges, na casa de um velho tio que me amimava muito e a
quem eu chamava bom paizinho. Morávamos no primeiro
andar de uma casa, no rés-do-chão da qual havia um restau-
rante.
Confesso-o, para vergonha minha, que muitas vezes me
divertia à custa do patrão do estabelecimento. Entre outras
brincadeiras de mau gosto, entrava eu como uma tromba
d’água na cozinha gritando: “Pai Garat, venha depressa, meu
paizinho vos chama.”
O bom homem deixava precipitadamente suas caçarolas e
subia ao primeiro andar, onde eu lhe ria na cara.
Naturalmente, não gostava ele da brincadeira e maldizia
descendo a escada; mas as suas ameaças não me amedronta-
vam em absoluto. Aliás, eu tinha o cuidado de me conservar
prudentemente a distância.
Na primavera, íamos quase sempre a passeio para os lados
da Ponte Nova, na estrada de Tolosa.
Uma tarde de maio de 1851, tinha eu dez anos, entre 6 e 7
horas (posso precisar porque as minhas recordações são mui-
to nítidas ainda), nós nos dispúnhamos a sair, como de cos-
tume, quando meu tio, vendo a Sra. Ravel, filha do dono do
restaurante, entabulou com ela o seguinte diálogo:
– Como passa o Sr. Garat?
– Muito mal, Sr. Chabrol.
– Devo ir visitá-lo? (meu tio era médico).
– É inútil, Sr. Chabrol, meu pobre pai está morrendo.
– À vista disso, passamos adiante, meu velho tio perplexo
e eu muito feliz por me ver fora de casa.
Uma vez na rua, ou antes, no Boulevard de la Corderie,
lanço o meu arco e corro atrás deste. Dou estes detalhes, que
nada testemunham em meu favor, para mostrar perfeitamen-
te bem o meu estado d’alma: meu coração e meu cérebro es-
tavam igualmente livres de preocupações, pois que, humil-
demente o reconheço, longe de me apiedar da sorte do pobre
hoteleiro, nem mesmo nisso pensava. É triste dizê-lo, mas é
a verdade.
Não longe de Pont-Neuf, a estrada de Tolosa bifurca-se:
uma das ramificações conduz à praça da Municipalidade,
outra à praça da Cidade.
Chegado lá, detenho-me bruscamente, porque acabo de
perceber o Sr. Garat que se aproxima tranqüilamente pelo
meio da calçada. Em três saltos fugi para perto de meu tio.
– Bom paizinho – perguntei-lhe – o Sr. Garat levantou-se?
Vós o estais vendo ali, a poucos passos de nós?
– Que me dizes?! – retrucou meu tio, branco como uma
folha de papel.
– É verdade, bom paizinho. É bem o Sr. Garat. Vinde, ve-
de-o com o seu boné de algodão, sua blusa azul e seu bastão.
Bom! ei-lo agora que se põe a tossir. Aproxima-se!
Caminhei o mais depressa que me foi possível, para não
ficar ao alcance da mão do dono do restaurante, que à minha
vista pareceu esboçar um gesto muito pouco tranqüilizador.
Fiz uma retirada em ordem para junto de meu tio, que me
disse:
– Voltemos para casa.
Tomei a dianteira. Quando cheguei, havia cinco minutos
que o Sr. Garat estava morto, exatamente o tempo que eu
gastara para percorrer o caminho.
Voltei correndo para dar a sinistra notícia a meu tio, que
tremia sem dizer palavra.
Ainda que eu esteja seguro de ter visto e bem visto, há
cerca de cinqüenta anos eu não era mais do que uma criança
e pode-se objetar que fui enganado por uma semelhança ou
ainda que meus sentidos foram joguete de uma ilusão; mas
como admitir que um velho cirurgião da Marinha, tão pouco
crédulo por natureza como pela profissão, tenha tido tam-
bém uma ilusão dessas em pleno dia?”
Enquanto me ocupava especialmente com o exame dessas e-
nigmáticas manifestações e aparições de moribundos, durante os
primeiros meses desse ano de 1899, acontecia-me conversar a
esse respeito, muito freqüentemente, com diversas pessoas, quer
em minha casa, quer na rua, não tardando a constatar que, se a
maioria era de um cepticismo quase completo e não tinha jamais
visto coisa alguma que se parecesse, uma parte notável, entretan-
to, sabia que tais coisas existem. Pode-se calcular que há, em
média, para vinte pessoas, uma que por si mesma observou fatos
análogos, ou que ouviu falar deles no círculo imediato de suas
relações e pode fornecer igualmente observações de primeira
mão.
Acabo de citar quinze casos que me foram narrados por pes-
soas em relação direta comigo. Ouvira a narração de uma vintena
de outras da mesma ordem,20 quando me veio a idéia de tentar
em França uma investigação análoga à que foi feita na Inglaterra,
há alguns anos, sobre essa espécie de fenômenos. Pareceu-me a
ocasião excelente, sob o ponto de vista da segurança, da autenti-
cidade, do valor dos testemunhos. Publiquei os primeiros capítu-
los desta obra no jornal hebdomadário de meu erudito e excelen-
te amigo Adolfo Brissou, Anais Políticos e Literários, cujos
assinantes formam como que uma imensa família em correspon-
dência freqüente com a redação.
Existe ali uma espécie de intimidade que jamais observei se-
não entre os leitores do Boletim Mensal da Sociedade Astronô-
mica de França e, outrora, entre os da Revista Pitoresca. Esse
laço de família não existe mais entre os leitores dos jornais
cotidianos ou mesmo das revistas mais sérias. Uma comunidade
de idéias reúne os leitores aos redatores, não que seja isso uma
igreja em que todos os fiéis pensam do mesmo modo, mas por-
que se sente aí uma comunidade, uma boa vontade, um desejo
comum de se unirem, de se ajudarem nas mesmas pesquisas, se
tal coisa tem lugar. Tal é, pelo menos, a impressão que recebi
das cartas que por um grande número de leitores me foram
endereçadas desde os meus primeiros artigos.
Não digo que entre os 80.000 assinantes dos Anais não haja,
como em toda parte, farsistas, impostores, crédulos, maníacos,
tudo o que se deseje. São, porém, exceção. A imensa maioria
representa uma honesta média de perfeito bom senso, estenden-
do-se a todas as classes da sociedade, desde as posições mais
elevadas até as mais humildes, e sem distinção de crenças.
Há também aí, como aliás em quase toda parte, uma classe
inteira de falsos beatos e de pequeninas consciências, forradas de
escrúpulos, que têm medo da própria sombra e são absolutamen-
te incapazes de pensar por si mesmos. Essas pessoas declararam-
me imediatamente que permaneceriam mudas como carpas, que
eu me ocupava de coisas que não tinham nada a ver comigo, que
eu lançava a confusão no espírito dos primeiros comungantes e
que essas questões diabólicas são reservadas à Igreja, cujo
catecismo resolve todos os mistérios.
O mesmo raciocínio apresentavam a Sócrates os devotos do
templo de Júpiter. Onde está hoje esse templo? Onde está Júpi-
ter? Entretanto continuamos sempre a ler os diálogos de Sócra-
tes.
Pareceu-me, pois, dizia eu, que seria uma boa e frutuosa indi-
cação sobre o número, a variedade e a natureza de tais fatos,
abrir uma enquete entre os numerosos e simpáticos leitores dos
Anais e pedir-lhes o obséquio de trazerem ao meu conhecimento
aqueles de que tivessem podido ser testemunhas, ou de que
pudessem afirmar a autenticidade, segundo as narrativas de
pessoas de suas imediatas relações.
O seguinte apelo apareceu em o número de 25 de março de
1899:
“Esses misteriosos casos de aparições, de manifestações
de moribundos ou de mortos, de pressentimentos nitidamen-
te definidos, são tão importantes como interessantes para o
nosso conhecimento da natureza do ser humano, corpo e al-
ma, e foi isso que nos levou a empreender esta série de estu-
dos e de pesquisas especiais, que escapam seguramente ao
quadro ordinário da Ciência e da Literatura.
Poderíamos ir, desde hoje, um pouco mais longe, precisa-
mente com o simpático concurso de todos os leitores dos
Anais, se eles a isso quisessem prestar-se nesta circunstância
talvez única.
Trata-se sobretudo, no caso, de uma demonstração estatís-
tica, de tomarmos conhecimento da proporção real desses
fenômenos psíquicos: teríamos, aqui mesmo, essa demons-
tração em oito dias, se os nossos leitores, tidos os nossos lei-
tores, tivessem a extrema gentileza de se prestarem a isso.
Ser-lhes-ia possível enviar-nos muito simplesmente uma
carta postal, respondendo sim ou não às duas questões se-
guintes:
Tem-vos acontecido, em qualquer época, experimentar,
estando acordado, a nítida impressão de ver um ser hu-
mano, ou de ouvi-lo, ou de ser tocado por ele, sem que
pudésseis relacionar essa impressão a alguma coisa co-
nhecida?
Coincidiu essa impressão com alguma morte?
No caso em que jamais tenha experimentado um fato des-
sa ordem, escrever simplesmente não e assinar. (Simples i-
niciais, se assim o preferir.)
No caso em que tenha observado um fato desse gênero,
pede-se responder às duas questões por sim ou por não e a-
crescentar algumas palavras indicando o gênero de fenôme-
no constatado, e, se coincidir ele com uma morte, o intervalo
de tempo que tenha podido separar a morte do fenômeno ob-
servado.
No caso em que fatos desse gênero tenham sido experi-
mentados em sonho, seria bom deixá-los assinalados, se
houve coincidência de morte.
Enfim, no caso em que, sem o ter observado por si mes-
mo, se conheça um fato certo e autêntico, seria igualmente
muito interessante relatá-lo abreviadamente.
Este inquérito terá um grande valor científico, se todos os
nossos leitores se dispuserem a enviar-nos sua resposta. A-
presentamos-lhes antecipadamente os nossos melhores agra-
decimentos.
Não há nisso nenhuma questão de interesse pessoal; trata-
se, pelo contrário, de um grave e curioso assunto de interes-
se geral.”
Como se poderia esperar, nem todos os leitores responderam.
Para escrever uma carta com o único intuito de ser útil à elucida-
ção de um problema é necessário certo devotamento impessoal à
causa da verdade. Esses belos caracteres não se encontram com
freqüência. Roubar alguns instantes à sua vida habitual, às suas
ocupações, aos seus prazeres, ou simplesmente à sua preguiça, é
um esforço, uma espécie de virtude, por muito simples que seja
isso. Depois, nesta ordem de idéias, muitos temem o ridículo!
Sou, portanto, sincera e profundamente reconhecido a todas as
pessoas que se dispuseram a responder-me e lamento que o
tempo material me tenha em absoluto faltado para exprimir a
cada uma delas, pessoalmente, os meus mais vivos agradecimen-
tos.
Seria injusto, por outro lado, atribuir todos os casos de silên-
cio à indiferença, à preguiça ou ao medo do ridículo. Exemplo:
uma das cartas, a que traz o nº 24, começa assim:
“Desde que empreendestes a série de estudos sobre os
problemas psíquicos, tão palpitantes em si, estou possuído
do ardente desejo de vos endereçar uma narrativa que me to-
ca de muito perto, sem ter a coragem de fazê-lo. Por que?
Por timidez? Não. Por um sentimento para o qual não encon-
tro explicação, mas que é certamente comum a grande nú-
mero de vossos leitores e que consiste em se dizer: Para que
servirá? Sr. Flammarion tem certamente recebido e possui
centenas de narrativas; uma de mais ou de menos não quer
dizer nada, e depois... será mesmo lida?”
Por outro lado, tive ocasião de constatar que um certo número
– não pequeno – de pessoas que têm sido testemunhas desse
gênero de fatos conservam-se em silêncio e se recusam mesmo a
contá-los quando interrogadas a respeito, seja isso por um respei-
to exagerado talvez para com dolorosas recordações, seja para
não imiscuir nenhum estranho em negócios íntimos, seja sim-
plesmente para não oferecer margem a qualquer discussão, a
qualquer crítica da parte dos cépticos.
Nos meses de junho e julho seguintes, prolonguei a mesma
enquete no Petit Marseillais e na Revue des Revues, um pouco
também no desejo de conhecer a opinião pública geral.
Recebi 4.280 respostas, compostas de 2.456 não e 1824 sim.
Entre estas últimas, havia 1.758 cartas mais ou menos detalha-
das, grande número das quais eram insuficientes como documen-
tos a discutir. Delas, porém, eu pude reservar 786 importantes
que foram classificadas, transcritas quanto aos fatos essenciais e
resumidas. O que impressiona em todos esses relatos é a lealda-
de, a consciência, a franqueza, a delicadeza dos narradores que
assumem o compromisso de somente dizerem o que sabem e
como o sabem, sem nada ajuntar nem diminuir. Nisso, cada um
se constitui servo da verdade.
Essas 786 cartas transcritas, classificadas e numeradas 21 refe-
riam 1.130 fatos diferentes.
As observações expostas nessas cartas apresentam ao nosso
exame diversas classes de fenômenos, que podem ser classifica-
dos como segue:
manifestações e aparições de moribundos;
manifestações e aparições de vivos não doentes;
manifestações e aparições de mortos;
visão de fatos passados ao longe;
sonhos premonitórios; previsão do futuro;
sonhos reveladores de mortos;
encontros pressentidos;
pressentimentos realizados;
duplos de vivos;
movimentos de objetos sem causa aparente;
transmissão de pensamentos a distância;
impressões recebidas por animais;
chamados ouvidos a grandes distâncias;
portas fechadas a ferrolho, que se abrem por si mesmas;
casas mal-assombradas;
experiências de Espiritismo.
Inúmeros desses fatos são subjetivos, passam-se no cérebro
das testemunhas, conquanto sejam determinados por uma causa
exterior. Um grande número refere-se a alucinações puras e
simples. Teremos de examiná-los e discuti-los. O que eles nos
demonstram, desde logo, é que ainda há muitas coisas que nós
não conhecemos; é que existem, na Natureza, forças desconheci-
das, cujo estudo nos interessa.
Vou primeiro extrair, das cartas recebidas, aquelas que têm
por objeto as manifestações de moribundos a pessoas acordadas
e em estado de espírito normal, eliminando tudo o que concerne
aos sonhos. Estas observações constituem a seqüência das prece-
dentes. Não as farei acompanhar de comentário algum: a discus-
são virá depois; tudo o que peço é que sejam lidas com atenção.
Suprimo todas as fórmulas de polidez. Suprimo igualmente
todos os protestos de sinceridade e de segurança moral. Cada
correspondente afirma sob palavra de honra que relata os fatos
tais quais o conhece. Que seja dito isto uma vez por todas.
(Carta 5)
XVI – “A 29 de julho de 1865, Nephtali André estava no
mar, entre a França e a Inglaterra, para onde se dirigia após
o encerramento dos cursos acadêmicos. De repente teve a
impressão de estar sendo chamado, muito distintamente:
“Nephtali!” Voltou-se, olhou em torno de si e não viu nin-
guém. Como essa voz parecia-se, inequivocamente, com a
de seu pai que ele sabia achar-se doente, e como, por outro
lado, ouvira falar de fenômenos de telepatia, teve, instanta-
neamente, a idéia de uma correlação qualquer entre esse ape-
lo misterioso e o estado de seu pai, o Sr. Gabriel André. Pu-
xou o relógio para fixar o momento. Ora, chegando ao seu
destino, o mancebo soube da morte de seu pai, sobrevinda à
mesma hora em que este nome “Nephtali” lhe ressoara aos
ouvidos, como um apelo supremo.
Meu avô, Gabriel André, desposara a Senhorita de Saulses
Larivière, parente do Sr. de Saulses-Freycinet, Ministro da
Guerra.
Tony André
Pastor em Florença.”
(Carta 6)
XVII – “Respondo diante de vós, como o faria uma tes-
temunha.
A. – Na quinta-feira, 1º de dezembro de 1898, depois de
haver passado a tarde com minha mãe, tomei o candeeiro e
entrei em meu quarto para deitar-me. Imediatamente senti
uma espécie de apreensão, de aperto do coração, pressentin-
do que alguém estava nesse quarto, alguém que eu não via e
que, entretanto, aí se achava ou, antes, devia achar-se.
Contendo o meu quarto poucos móveis e tapeçarias, seria
impossível alguém nele esconder-se; eu logo o percorri em
um só golpe de vista e constatei que nele não havia nin-
guém.
Persistindo essa apreensão, saí para o vestíbulo, examinei
a escada e não vi nada. Tive então o pressentimento de que
ia acontecer-me nessa noite alguma coisa, que eu ia ser rou-
bado, que um incêndio ia irromper, que um gendarme viria
acordar-me para comunicar-me que algum crime, necessi-
tando minha remoção, vinha de ser praticado, enfim, uma sé-
rie de coisas que não sei explicar.
Coloquei meu relógio sobre uma pequena mesa de cabe-
ceira, verificando que eram 9 horas e meia e deitei-me.
No dia seguinte pela manhã, eu recebia um telegrama a-
nunciando-me que um tio bastante idoso e enfermo desde
muito tempo acabava de morrer; esse telegrama não conti-
nha nenhuma indicação da hora, dizia somente que meu tio
falecera na véspera, isto é, quinta-feira, 1º de dezembro.
Comuniquei essa notícia à minha mãe, dizendo-lhe: “Ele
morreu às 9 horas e meia da noite.” Declarei também essa
hora diante de diversas pessoas amigas, a fim de poder invo-
car seu testemunho se alguma vez fosse contestado o que eu
disse sobre o caso.
Tomei o primeiro trem para transportar-me a Janville onde
morava esse parente, a cerca de 40 quilômetros de Male-
sherbes. Depois de haver trocado com minha tia algumas pa-
lavras, perguntei-lhe a que horas morrera seu marido. Ela me
respondeu simultaneamente com uma mulher que guardava
o morto e que assistira à sua agonia: – Às 9 horas e meia da
noite.
B. – No mês de outubro de 1897, achando-se minha mãe
em um quarto que dava para a sala de jantar, por uma porta,
então aberta, ouviu um como suspiro prolongado e sentiu
como que um sopro que tivesse passado no seu rosto.
Tinha eu saído. Supondo que eu houvesse entrado na sala
de jantar, sem que ouvisse abrir a porta, disse em voz alta:
“És tu, Jorge?” Ninguém respondendo, entrou na sala de jan-
tar e viu que aí não havia ninguém. Quando voltei, narrou-
me ela o que acabava de sentir.
Na manhã seguinte recebia um telegrama anunciando-lhe
a morte de uma prima que residia na Chambon (Loiret), a
cerca de 25 quilômetros daqui.
Minha mãe foi a Chambon e soube que essa sua prima
morrera, em conseqüência de uma queda, algumas horas a-
pós o acidente. A manifestação que se produzira coincidia
exatamente com a hora em que essa parente expirava.
George Merlet
Juiz de Paz em Malesherbes (Loiret).”
(Carta 9)
XIX – “A 4 de dezembro de 1884, às 3:30 da manhã, es-
tando eu perfeitamente desperto, acabava de levantar-me.
Tive a visão nítida da aparição de meu irmão, Joseph Bon-
net, 2º tenente de spahis, 2º Regimento, na guarnição de
Batna, província de Constantine (Argélia). Nessa época ele
estava em manobras e nós não sabíamos precisamente onde
se encontrava. Meu irmão tomou-me a cabeça entre as mãos;
senti um arrepio de frio e ele me disse muito distintamente:
– Adeus, Ângela, estou morto.22
Profundamente emocionada e transtornada, acordei imedi-
atamente meu marido, dizendo-lhe:
– José morreu; ele acaba de me dizer.
Como esse dia, 4 de dezembro, era o dia do nascimento de
meu irmão (completava ele seus trinta e três anos) e como
tivéssemos falado na véspera a propósito desse aniversário,
meu marido assegurou-me que se tratava de uma conseqüên-
cia de meus pensamentos e acoimou-me mesmo de visioná-
ria e de exaltada.
Durante toda essa noite de quinta-feira estive muito agoni-
ada. Às 9 da noite recebemos um telegrama; antes de abri-lo,
já eu sabia o que continha. Meu irmão falecera em Kenchela
(Argélia), às 3 horas da manhã.
Ângela Esperon,
Nascida Bonnet.”
“Atesto a exatidão absoluta da narrativa acima, de minha
esposa.
Osman Esperon
Capitão reformado, Cavaleiro da
Legião de Honra, em Bordéus.”
(Carta 11)
XX – “Estava-se em 1845, a 28 de outubro. Meu pai, en-
tão com a idade de catorze anos, acabava de trazer um balde
de água de um poço situado a 80 metros da casa de seus
pais. Ora, pela manhã ele vira entrar em sua casa, enfermo, o
Sr. Lenoir, homem de cinqüenta anos, empregado como pas-
tor, na propriedade do Sr. Bouteville, agricultor em Nanteau-
sur-Lunain (Sene e Marne).
Para ir ao poço seria necessário passar a cerca de 20 me-
tros da habitação do Sr. Lenoir. Eram então 4 horas da tarde.
Tendo parado para descansar, ele voltou-se e viu muito dis-
tintamente, a cerca de 10 metros, o Sr. Lenoir, com um pa-
cote no ombro, vindo do seu lado. Pensando que ele regres-
sava ao trabalho, meu pai retomou o balde e entrou em casa.
Seu irmão Carlos, que se achava no pátio, também entrou,
dizendo:
– Não sei o que há em casa da mãe Lenoir; ela está gritan-
do: “Ai de mim! ele morreu!
– Não é certamente o pai Lenoir – respondeu então meu
pai –, pois acabo de vê-lo partir para a casa de seu patrão.
Sem perda de tempo, minha avó se transportou para a casa
dos esposos Lenoir e constatou que o marido acabava de
morrer no instante mesmo em que a aparição se manifestou a
meu pai.23
A. Bertrand
Professor em Vilbert (Sene e Marne).”
(Carta 13)
XXI – “Estávamos no campo. Minha mãe ocupava uma
peça vizinha daquela em que nós dormíamos, minha mulher
e eu. Minha mãe era velha, mas bem conservada, e nada, na
véspera de sua morte, fazia-nos presumir seu próximo fim,
quando ela se retirou, à noite, para seu quarto.
Na manhã seguinte, pelas 5:30, fui despertado em sobres-
salto por um ruído que tomei pelo de uma campainha. Saltei
da cama abaixo, dizendo a minha mulher:
– É minha mãe que está aí.
Minha mulher fez-me notar que isso não podia ser, pois
minha mãe, tanto como nós, não tinha campainha na casa de
campo, e que o ruído que me despertara era o rangido da po-
lia de um poço situado sob as nossas janelas, rangido que de
ordinário não me acordava.
Admiti a possibilidade dessa explicação e não liguei maior
importância ao meu brusco despertar. Dirigi-me a Lião. Al-
gumas horas depois, minha mulher mandou-me prevenir, por
um expresso, de que acabava de encontrar minha mãe morta
em seu leito e que tudo fazia supor ter-se dado sua morte en-
tre 5 e 6 horas da manhã, isto é, pouco mais ou menos à hora
em que uma inexplicável sensação me havia feito crer que
ela chamava.
E. Gérin
Advogado no Tribunal Civil (Lião).”
(Carta 20)
XXII – “Tinha eu em minha casa, há alguns anos, uma ve-
lha aia, Sofia, que educara minha mãe, a mim mesmo e aju-
dara a educar meu filho. Possuía ela, em minha casa, o seu
compartimento próprio e, por causa de sua avançada idade,
não podia mais, de forma alguma, ocupar-se, como passa-
tempo, senão com a criação das aves.
Sofia não era para mim uma mãe, uma velha aia, uma mu-
lher; não, era simplesmente Sofia, eu a amava de todo meu
coração, como nos primeiros tempos de minha infância. Para
ela, eu era tudo, seu deus, seu único bem.
Vamos agora ao fato. Voltava eu, sozinho, à noite, de car-
ro, de uma longa viagem, quando ouvi meu nome pronunci-
ado em voz abafada, muito perto de mim. Detive brusca-
mente meu cavalo e desci do carro. Nada vi. Ia embarcar
novamente, crendo em uma ilusão dos meus sentidos, quan-
do ouvi uma segunda vez meu nome pronunciado no carro,
com uma voz que cortava o coração, como alguém que cha-
ma por socorro. Reconheci a voz da minha pobre Sofia. Não
era possível que ali estivesse ela, pois que eu a sabia muito
doente desde alguns dias. Subi para o carro, perplexo com o
que sucedera.
Apenas assentado, ouvi chamar-me uma terceira vez, com
uma voz muito doce, a voz com que ela cantava, quando eu
era criança, para fazer-me dormir. Experimentei então uma
emoção indefinível. Ainda hoje, reconstituindo essa lem-
brança, fico inteiramente comovido.
A algumas centenas de metros, vi a luz de uma taberna,
desci e anotei em minha carteira a coisa extraordinária que
acabava de suceder-me.
Enfim, uma hora depois chegava a casa: a primeira coisa
que soube foi que a minha pobre velha Sofia acabava de fa-
lecer, após cerca de uma hora de agonia.
Georges Parent
Prefeito em Wiège, Faty (Aisne).”
(Carta 23)
XXIII – “Na tarde de 8 de maio de 1896, cerca de 9:30, ia
deitar-me, quando senti como que um choque elétrico que
me sacudiu da cabeça aos pés. Minha mãe estava há alguns
meses doente, devo dizer-vos; nada, porém, fazia prever que
seu estado pudesse agravar-se subitamente. A comoção ha-
via sido tão estranha, tão nova, que eu imediatamente a atri-
buí, sem reflexão, à morte de minha mãe. Sob o abalo desta
emoção, não pude dormir, senão muito tarde, e com a con-
vicção de que receberia, no dia seguinte, um telegrama a-
nunciando-me a desgraça. Morava minha mãe a 60 quilôme-
tros de Moulins.
Na manhã do dia seguinte um telegrama chamava-me com
a máxima urgência. Parto e encontro minha mãe quase sem
sentidos. Morreu no outro dia, isto é, cerca de trinta horas
após o aviso.
As pessoas que a assistiam disseram-me que a hemorragia
interna (foi essa a causa da sua morte) abatera-a às 9:30 do
dia 8 de maio, isto é, exatamente à hora em que fui tão es-
tranhamente avisado.
Abade L. Forestier
Vigário em S. Pedro (Moulins).”
(Carta 25)
XXIV – “Vossa solicitação impõe-me o dever de vos con-
tar um fato que aqui se passou e que emocionou vivamente a
maior parte dos habitantes do povoado. Ei-lo em toda sua
simplicidade:
Um jovem de 15 anos, empregado em casa de M. Y. M., já
há bastante tempo, fora encarregado por este de levar os a-
nimais ao bebedouro. Devo aqui dizer-vos que o pai desse
menino achava-se há dois dias gravemente enfermo, tendo
contraído uma congestão pulmonar, na feira próxima de
Chamberet, e que esta moléstia fora ocultada ao filho.
Ora, a cerca de trinta passos do estábulo, o menino, ou
melhor o rapazinho, chegado perto do bebedouro, avistou de
repente dois braços erguidos para o ar, depois uma forma de
espectro e ouviu gritos dolorosos acompanhados de gemi-
dos. O abalo foi tão forte que ele desmaiou: acreditou, disse,
haver reconhecido seu pai. Foi isso entre 6:30 e 7 horas da
noite.
Na manhã seguinte, às 4:30, seu pai estava morto e de tar-
de chamara diversas vezes o filho, em meio dos seus mais
vivos sofrimentos.
Este fato pode ser-vos confirmado por cem pessoas, das
mais honradas de Chamberet.
C. Dufaure
Farmacêutico em Chamberet (Corrèze).”
(Carta 27)
XXV – “O fato seguinte pode merecer o destaque de ser-
vos apontado. O Sr. Destrubé, regente da banda musical do
114º, homem muito digno de fé, foi, há alguns anos, desper-
tado em sobressalto por uma voz que chamava “Narciso”.
A esse chamado de seu prenome, Destrubé, que havia po-
sitivamente acreditado ouvir a voz de seu pai, respondeu
sentando-se no leito.
Passou-se isso entre a meia-noite e 1 hora da manhã. Al-
gumas horas depois, Destrubé recebia um telegrama anunci-
ando-lhe a morte de seu pai, sobrevinda na mesma noite e na
hora em que acreditara ter ouvido chamarem-no.
Destrubé, da guarnição de Saint-Maixent, dirigiu-se a
Vanbecourt (Mosa) para assistir aos funerais; soube, então,
que a última palavra de seu pai moribundo tinha sido: “Nar-
ciso”. Se esse fato pode ter qualquer utilidade para os vossos
interessantes trabalhos, sentir-me-ei, caro mestre, muito feliz
em o ter levado ao vosso conhecimento, e meu amigo Des-
trubé, em caso de necessidade, está pronto a cumprir o dever
de confirmá-lo.
Sorlet
Capitão do 137º, de Linha, em
Fontenay-le-Comte (Vendeia).”
(Carta 29)
XXVI – “Em junho de 1879, um de meus primos fazia seu
voluntariado em Bayonne; seus pais habitavam o norte do
Charente Inferior, a cerca de 400 quilômetros de distância.
Um dia, sua mãe, entrando no quarto, ordinariamente ocu-
pado por seu filho, viu-o muito distintamente estendido imó-
vel em seu leito, com o que muito ficou ela impressionada.
Algumas horas mais tarde, um amigo da família veio a ca-
sa e conversou em particular com o marido, pai do jovem
soldado. Essa conversação se efetuou no meio de um pátio
muito espaçoso, e a mãe, colocada em uma porta a 40 ou 50
metros, ouviu esse amigo, que, entretanto, conversava baixi-
nho, dizer a seu marido: “Não faleis a esse respeito à vossa
mulher.”
Com efeito, nessa mesma manhã, voltando de uma marcha
militar, ele fora banhar-se em Biarritz e se afogara aproxi-
madamente à hora da aparição; um camarada havia telegra-
fado ao amigo da família para encarregá-lo de dar a notícia.
Clermaux
Direção do Registro em Juvigny (Orne).”
(Carta 30)
XXVII – “Sentindo-se morrer (foi isso a 21 de abril de
1807), minha tia-avó, a Sra. Thiriet, mostrou-se, quatro ou
cinco horas antes de sua morte, inteiramente entregue a ín-
timos pensares.
– Estais pior? – perguntou-lhe a pessoa que me forneceu
esta informação.
– Não, minha querida, mas acabo de chamar Midon para o
meu enterro.
Midon era uma pessoa que a tinha servido e que morava
em Eulmont, aldeia situada a 10 quilômetros de Nancy, onde
se encontrava a Sra. Thiriet. A pessoa que assistia aos últi-
mos momentos desta supôs que ela sonhasse; porém, duas
horas depois ficou muito admirada de ver chegar Midon, tra-
zendo suas vestes negras nos braços e dizendo que tinha ou-
vido a senhora chamá-la para vê-la morrer e prestar-lhe os
últimos serviços.
A. d’Arbois de Jubainville
Conservador aposentado das águas e florestas,
Cavaleiro da Legião de Honra, em Nancy.”
(Carta 39)
XXVIII – “Em 1875, um primo irmão de minha mãe, Sr.
Claudius Périchon, então guarda-livros chefe na usina meta-
lúrgica de l’Horme, comuna de Saint-Julien-en-Jarret (Loi-
ret), entrando na sala de fumar, viu nitidamente na vidraça
minha mãe. No dia seguinte recebia a notícia de sua morte.
Teria minha mãe pensado em seu primo nos seus últimos
momentos? Não poderia dizer-vos. Em todo caso, a veraci-
dade deste relato não pode ser posta em dúvida; meu primo
o relatou diversas vezes aos seus filhos, de quem eu ouvi a
narração, e é um homem de alguma instrução, pouco expan-
sivo, muito sério, cheio de bom senso e por conseguinte dig-
no de fé.
Berger
Professor em Roanne.”
(Carta 40)
XXIX – “O pai de minha mãe residia em Huningue, da
qual era prefeito municipal (Maire). Pouco tempo depois do
assédio desta cidade, recebeu a notícia de que seu pai, que
morava em Rixheim, situado a cerca de 20 quilômetros de
Huningue, estava perigosamente enfermo. Mandou, então,
encilhar seu cavalo e partiu a toda brida. A meio caminho,
seu pai apareceu-lhe na frente do cavalo, que se empinou.
Seu primeiro pensamento foi que seu pai morrera e, com e-
feito, chegado a Rixheim três quartos de hora depois, consta-
tou ele que seu pai soltara o último suspiro no momento exa-
to da aparição. Minha mãe, Madalena Saltzmann, então ain-
da moça, desposou, alguns anos depois, Antônio Rothéa,
meu pai, notário em Altkirch, onde ocupou essa função du-
rante 30 anos; eu o sucedi e, após a guerra de 1870, deixei a
Alsácia para instalar-me em França, e em último lugar em
Orquevaux (Alto-Marne), vosso departamento.
E. Rothéa.”
(Carta 42)
XXX – “Minha querida mãe morreu em um sábado, 8 de
abril de 1893. Recebera eu, na quarta-feira precedente, uma
carta sua, na qual me dizia não estar mais sofrendo de sua
moléstia do coração e falava-me de um passeio que havia
feito, sábado, 1º de abril, perto do lugar onde morávamos,
em Wasselonne.
Estava em meus projetos sair esse sábado, 8 de abril; jan-
tei tranqüilamente ao meio-dia, mas pelas 2 horas tomou-me
uma agonia terrível. Subi ao meu quarto e atirei-me em uma
poltrona onde desatei em soluços: eu via minha mãe deitada
em sua cama, com a cabeça coberta por uma touca de mus-
selina guarnecida de fofos, com a qual jamais eu a tinha vis-
to, e morta.
Minha velha ama, inquieta por não ouvir-me caminhar,
veio juntar-se-me e ficou surpresa de me ver tão desespera-
da. Disse-lhe o que tinha visto, a agonia que experimentava.
Atribuiu ela tudo isso a uma excitação nervosa e obrigou-me
a terminar minha toilette. Saí de casa como uma pessoa in-
consciente. Cinco minutos depois ouvi atrás de mim o passo
rápido de meu marido, trazendo-me um telegrama: “Mamãe
desenganada, não passará desta noite.”
– Ela morreu – disse eu –, eu o sabia, eu a vi.
Voltei para casa e preparamo-nos para seguir pelo primei-
ro trem. Eram 2:30, hora de Paris, quando vi minha mãe em
seu leito de morte, e três horas mais tarde soubemos por te-
legrama que ela morrera subitamente, às 3:30, hora de Es-
trasburgo, Não tinha estado doente, só se deitara duas horas
antes de sua morte, queixando-se de frio e de grande sono-
lência e não esperava morrer, pois que fizera ler uma carta
por meu pai, que se conservava ao pé do leito. Como não
pedira ela para ver seus filhos, creio que pensou, entretanto,
em mim ao expirar. Tendo chegado somente segunda-feira,
pelas 11 horas, em Estrasburgo, já minha mãe estava encer-
rada em seu ataúde, mas os que a vestiram descreveram-me,
tal qual eu a vira, a touca de musselina com que foi enterra-
da.
A. Hess, em Alby.”
(Carta 43)
XXXI – “Um jovem estudante de Medicina, interno do
hospital, foi acometido de uma angina, ao que se supunha,
sem gravidade. Uma noite, entra ele para o seu quarto, sem
dar mostras de doente, deita-se e dorme, ao quanto parece.
Pela madrugada da mesma noite, cerca de 3 horas, uma reli-
giosa do hospital foi acordada por pancadas em sua porta;
levanta-se no mesmo instante; continuando as pancadas mais
insistentes, corre à porta e não vê ninguém. Procura infor-
mar-se: ninguém ouvira coisa alguma. Ora, pela manhã, à
hora de levantar, o vizinho de quarto do jovem estudante do-
ente, inquieto por não ouvir nenhum ruído no quarto do seu
amigo, entra nesse quarto e o encontra morto, com as mãos
crispadas em torno do pescoço. Sucumbira a uma hemorra-
gia.
Teve a religiosa, então, a explicação das pancadas que ou-
vira em sua porta. O pobre moribundo pensara provavelmen-
te nela, a quem conhecia particularmente. Se estivesse ao pé
dele, tê-lo-ia, talvez, impedido de morrer.
Se publicardes esta narrativa, peço-vos mudar o nome da
cidade e o meu próprio, pois aqui todos são “fim de século”
e motejam de tudo.
A. C.”
(Carta 44)
XXXII – “Em 1887 meus pais trouxeram para morar co-
nosco minha avó, então com a idade de 80 anos. Nessa épo-
ca tinha eu 12 anos e freqüentava, em companhia de um dos
meus amigos, dois anos mais velho que eu, a escola comunal
da rua Boulard, em Paris. Minha avó estava doente; nada,
porém, fazia pressagiar para breve um desfecho fatal. Acres-
centarei que meu amigo vinha muito freqüentemente em
nossa casa e que nossas residências distavam uma da outra
dez minutos de caminho, pouco mais ou menos.
Levantando-me, uma bela manhã, pelas 7 horas, minha
mãe me informou do falecimento de minha avó, ocorrido
uma hora antes. ficou decidido, naturalmente, que eu não i-
ria à escola nesse dia. Dirigindo-se meu pai, às 9 horas, à
Prefeitura Municipal, onde era empregado, passou pela esco-
la a fim de informar o diretor da desgraça que se abatera so-
bre nós. Este lhe respondeu que já o sabia, que meu amigo,
chegando à escola, disso o informara, dizendo-lhe que minha
avó morrera exatamente às 6 horas da manhã. Nenhuma co-
municação tivera lugar, de uma parte, entre a minha casa e a
do meu amigo, de outra parte, entre minha casa e a escola.
Eis o fato indiscutível e que eu vos afirmo da maneira mais
formal.
Agora a explicação que a respeito nos foi dada, na manhã
seguinte ou no dia subseqüente, pelo meu amigo. Tendo-se
levantado à noite, vira sua irmãzinha, morta há alguns anos,
penetrar em seu quarto, conduzindo pela mão minha avó,
tendo-lhe esta dito: “Amanhã de manhã, às 6 horas, não mais
farei parte do mundo dos vivos.” Ora, ouviu ele, de fato, esta
frase? Fora ele sincero e exato em suas afirmações? Não o
sei. É sempre certo, contudo, que, firmado nessa visão, a-
nunciou ele, ao diretor da escola, do modo mais preciso, um
fato que coisa alguma levava-o a pressagiar nem a conhecer.
E. Miné
6ª Secção da Administração Militar.
Châlons-sur-Marne.”
(Carta 47)
XXXIII – “No dia 22 de janeiro de 1893 fui chamado por
telegrama para junto de minha tia, de 82 anos de idade e do-
ente já há alguns dias.
Encontrei, à chegada, minha cara tia agonizante e quase
não falando mais; instalei-me ao seu lado para não mais dei-
xá-la. Pelas 10 horas da noite, eu velava assentado em uma
poltrona perto dela, quando a ouvi chamar com uma admirá-
vel força: “Lúcia! Lúcia! Lúcia!”
Ergui-me precipitadamente e vi minha tia completamente
inconsciente e estertorante. Dez minutos depois, exalava o
último suspiro.
Lúcia era uma outra sobrinha e afilhada de minha tia, que
não vinha vê-la tão freqüentemente quanto o desejava sua ti-
a, pois que disto se queixara esta muitas vezes à enfermeira.
No outro dia eu disse à minha prima Lúcia:
– Devíeis ter ficado muito surpresa ao receber o telegrama
anunciando a morte de nossa tia.
Ela me respondeu:
– De forma alguma; eu já o esperava até certo ponto. Ima-
gine que a noite passada, pelas 10 horas, quando eu dormia
profundamente, fui acordada bruscamente, ouvindo-me
chamar por minha tia: “Lúcia! Lúcia! Lúcia!” Não dormi o
resto da noite.
Eis o fato, cuja exatidão vos asseguro, rogando-vos não ci-
tardes mais do que as minhas iniciais, no caso de o publicar-
des, pois a cidade em que moro é constituída apenas de gen-
te fútil, ignorante ou de carolas hipócritas.
P. L. B.”
(Carta 49)
XXXIV – “Tinha eu um tio que servira no corpo de zua-
vos. Dedicava-lhe muito afeto o seu comandante; entretanto,
com o correr do tempo, cessaram todas as relações entre e-
les. Muitos anos depois, certa manhã, na cama, bem acorda-
do, teve meu tio a impressão muito nítida de ver seu capitão
entrar, caminhar para junto da cama, contemplá-lo um ins-
tante sem nada dizer, voltar-se e desaparecer. Meu tio levan-
ta-se, interroga todos os de casa: ninguém tinha visto nada.
Alguns dias depois, sabe da morte de seu capitão, ocorrida
naquele dia.
Verificou ele a concordância da hora? Não o sei.
Eugéne Royer
Farmacêutico de 1ª Classe da Escola
Superior de Paris. La Ferté-Milon (Aisne).”
(Carta 52)
XXXV – “Tenho para contar-vos um fato autêntico, de
que tive conhecimento por uma das próprias testemunhas.
ei-lo:
Achavam-se reunidos em conferência, em uma sala de sua
casa, dez ou doze religiosos; em dado momento, um dos
postigos da janela se fecha bruscamente com lúgubre rangi-
do; no mesmo instante um (ou mais de um, não me recordo)
dos religiosos levanta-se e grita:
– Acaba de acontecer uma desgraça; morreu o nosso supe-
rior.
Este se achava em outra casa, distante dez quilômetros.
No dia seguinte os religiosos recebem a notícia fatal: seu su-
perior morrera precisamente à hora em que o postigo bateu.
Tem-me sempre intrigado muito esta história.24
Joannis Jauvier
Auzi-le-Duc, por Naccigny (Saône-et-Loire).”
(Carta 54)
XXXVI – “Há cerca de ano e meio, conversavam na sala
de jantar meu pai, uma prima que morava conosco e minha
irmã. Eram essas três pessoas as únicas que se achavam no
compartimento, quando, se súbito, ouviram tocar piano na
sala de visitas. Muito intrigada, minha irmã toma a luz, vai à
sala e vê perfeitamente algumas teclas baixarem em um só
movimento, produzirem as notas correspondentes e levanta-
rem-se em seguida.25
Volta e conta o que acabava de ver. Riram-se, no primeiro
momento, de sua história, atribuindo o caso à passagem de
algum rato pelo teclado. Como, porém, tratava-se de pessoa
dotada de excelente vista e nada absolutamente supersticio-
sa, acharam a coisa estranhável.
Ora, oito dias depois, uma carta procedente de Nova York
anunciava-nos a morte de um velho tio que morava nessa ci-
dade. Mas, coisa ainda mais extraordinária, três dias após a
chegada dessa carta o piano voltava a tocar. Como da pri-
meira vez, uma notícia de morte nos chegava oito dias de-
pois, desta vez a de minha tia.
Meu tio e minha tia formavam um casal perfeitamente u-
nido; conservavam uma grande afeição aos parentes e ao seu
Jura, lugar onde nasceram.
Nunca mais, depois disso, o piano se fez ouvir por si
mesmo. As testemunhas dessa cena estão prontas a atestar o
caso, se o quiserdes; moramos no campo, nas vizinhanças de
Neuchâtel, e asseguro-vos que não somos pessoas nervosas.
Edouard Paris
Artista pintor, perto de Neuchâtel (Suíça).”
(Carta 56)
XXXVII – “”Terminava eu, em 1885, meu último ano de
serviço no Arsenal de Tarbes, onde trabalhava como ferrei-
ro. Muito tarde da noite de 20 de maio, fui despertado pela
sensação de uma luz 26 a passar diante dos meus olhos. Olhei
e vi perto da minha cama, à esquerda, um disco luminoso
cuja claridade discreta lembrava a de uma lamparina. Sem
ver ninguém, sem ouvir nada, veio-me a idéia precisa de que
tinha diante de mim um dos meus primos, residente em Lan-
gon e que se achava acometido de grave enfermidade. Pas-
sados alguns segundos, a visão esvaeceu-se; achei-me senta-
do na cama. Disse de mim para mim, tornando a deitar-me:
“Imbecil, é um pesadelo”.
No dia seguinte, como de costume, dirigi-me à oficina e
lá, cerca de 8:30, recebi um telegrama anunciando a morte
desse primo, sobrevinda a uma hora da madrugada. Pedi e
obtive uma licença de três dias para ir abraçá-lo pela última
vez. Criados como irmãos, nós nos amávamos fraternalmen-
te.
Ao chegar, contei o que vos escrevo a meu tio Lapaye e a
minha madrinha, pai e mãe do defunto. Eles vivem ainda e
podem, se houver necessidade, testemunhar sobre a veraci-
dade do fato que vos transmito, sem nenhum “exagero dos
detalhes”, como a alguns tendes censurado.
Elói Descamps
Em Bommes (Gironde).”
(Carta 63)
XXXVIII – “Alguns dias antes de 24 de julho de 1895,
acabava eu de despir-me e me conservava de pé junto ao
meu leito; nesse momento meu marido estava em seu vestu-
ário. Achando-me perfeitamente acordada, vi o rosto de mi-
nha avó, todo enrugado, mais cheio de pregas do que em
realidade e pálido como se tivesse a palidez da morte. Não
durou a visão mais do que um relâmpago, mas perturbou-me
profundamente. Nada disse no momento, parecendo-me es-
sas coisas sempre ridículas para serem contadas, e no dia se-
guinte, de manhã, minha mãe cientificava-me de que minha
avó achava-se acometida de paralisia completa que a tornava
inconsciente. Morreu, com efeito, alguns dias depois. Não
verifiquei se a hora em que a vi correspondia ao momento
em que se tornara inconsciente.
Católica fervorosa, com 35 anos, esposa de advogado, tu-
do o que tem relação com o além interessa-me em extremo.
Peço-vos, porém, não mencionar o meu nome, pois a popu-
lação desta cidade compõe-se de pessoas muito levianas e
sobretudo ocupadas com tolices.
L. M., em A.”
(Carta 68)
XXXIX – “No mês de janeiro de 1888 perdi minha avó;
ela mandara chamar os seus filhos, em seus últimos momen-
tos, para lhes dar um supremo adeus. Estavam, pois, todos
presentes no momento de sua morte, exceto uma de minhas
tias que era, e ainda é, religiosa no Brasil. Minha avó mani-
festou o pesar que sentia de não poder vê-la. Mamãe foi en-
carregada de dar a minha tia a triste nova. E dois meses de-
pois recebia carta de minha tia, na qual esta contava que
uma noite, no momento de se deitar, ouvira passos em volta
de seu leito; volta-se, mas não vê ninguém; de repente seu
cortinado se abre bruscamente e ela experimenta a impressão
como que de uma mão pousando sobre a cama. Estava a sós
em seu quarto, achando-se este iluminado. Sua primeira i-
déia foi a de que algum dos seus parentes morrera, e pôs-se a
rezar pela sua alma. Tomou nota da data e da hora; pois
bem, foi precisamente no dia da morte de minha avó que ela
tivera essa impressão.
M. Odeon
Professor em Saint-Genix-sur-Guiers (Sabóia).”
(Carta 71)
XL – “Meu pai tinha, outrora, como empregado um indi-
víduo chamado Fantrac, natural de Agneaux, perto de Saint
Lô, excelente temperamento, jovial, gostando de pregar par-
tidas engraçadas aos rapazes da aldeia; alguns lembram ain-
da as formidáveis peças que lhes pregou ele.
Mau grado isso, todo mundo o procurava, exatamente por
causa do seu bom humor, e o queria bem. O infeliz, que ser-
vira sete anos na Infantaria de Marinha, no Senegal, contraí-
ra febres, do que nunca mais pôde curar-se. À anemia sobre-
veio a tuberculose.
Meu pai, que gostava muito dele, tratou-o durante vários
meses em nossa casa. Continuando o mal a fazer progressos,
Fantrac viu-se forçado a permanecer no leito, pelo que meu
pai conseguiu sua admissão no hospital de Granville. Lá es-
teve ele ainda três meses em tratamento, antes de morrer.
Regularmente, meu pai ia vê-lo todos os domingos, para
confortá-lo e levar-lhe alguns doces.
Uma segunda-feira, no dia seguinte da visita ao seu doen-
te, que encontrou bem melhor, meu pai foi bruscamente a-
cordado, assim como minha mãe, por uma violenta pancada
na cabeceira da cama.
– Que é isto? – gritou minha mãe, presa do maior pavor –.
Ouviste a pancada que acaba de ser dada na cama?
Meu pai, não querendo parecer que tinha medo, nem que
tinha sido acordado pelo mesmo barulho, nada respondeu;
levantou-se, acendeu a lâmpada e consultou o relógio.
– Olha – disse ele –, tenho um pressentimento: aposto que
o pobre Fantrac faleceu. Ele sempre me dizia que me avisa-
ria.
Mal amanheceu o dia, partiu meu pai para Granville. Ape-
nas chegado ao hospital, pede para ver, apesar da hora mati-
nal, o doente Fantrac. Respondem-lhe que morrera, no correr
da noite, às 2 horas da madrugada, exatamente a hora em
que meu pai fora tão bruscamente acordado.
Contei essa história muitas vezes, não tendo encontrado
senão incrédulos, pessoas dispostas a me tratarem de supers-
ticioso. De resto, eu mesmo disse a meus pais: “Seria talvez
uma coincidência, um pesadelo, que sei eu?”
Sempre meu pai teve como resposta:
– Não, eu não sonhava, nem tua mãe tampouco.
O fato é incontestável. Ah! se pudésseis, com o vosso in-
quérito, lançar um pouco de luz sobre esses formidáveis
problemas!
P. Bouchard
Funcionário dos Correios em Granville (Manche).”
(Carta 72)
XLI – “Meu pai, então com a idade de 20 anos, achava-se
a sós em uma casa, quando, depois da meia-noite, produziu-
se terrível abalo, depois abriu-se a porta de entrada com
muito barulho. Meu pai, que dormia no primeiro andar, des-
pertou em sobressalto e ao mesmo tempo seu pai, do andar
térreo, chamou-o para perguntar se estava ele em seu quarto
ou se tinha saído para o pátio e por que fizera tanta algazar-
ra.
Apressou-se meu pai em descer, manifestando sua surpre-
sa por essa estranha aventura. Nada compreendendo do que
se passara, pai e filho tornaram a fechar a porta, passando-
lhe o ferrolho e cada qual voltou ao seu leito. Ao cabo, po-
rém, de muito pouco tempo, a mesma cena se reproduziu e
meu pai e meu avô se encontraram, de novo, amedrontados,
diante da porta aberta. Novamente é fechada esta com cui-
dado e eles voltam ao leito, quando, pela terceira vez, rea-
bre-se a porta com estrondo. Amarram-na então com uma
grossa corda. O resto da noite passou-se tranqüilamente.
Algum tempo depois chegou uma carta, anunciando a
morte do irmão de meu avô, estabelecido na América; a data
de sua morte coincidia com a dos acontecimentos relatados
mais acima, com a diferença de que esse irmão morrera cer-
ca de 1 hora da tarde. Soube-se depois que ele tivera grande
desejo de ver ainda uma vez seu irmão na Alsácia, e num
dado momento, quando já o supunham morto, reabriu os o-
lhos, dizendo:
– Acabo de fazer uma grande viagem: fui à casa de meu
irmão em Brumath.
Em seguida expirou.
Carolina Baeschly (Saverne).”
(Carta 80)
XLII – “Pessoalmente não tenho nenhum fenômeno de te-
lepatia para vos contar. Mas, anteontem falava-se em minha
casa de vossas sábias pesquisas. Uma pessoa absolutamente
digna de fé contou que, assistindo aos últimos instantes de
sua mãe, espalhara, no momento da morte desta, uma grande
quantidade de água de Colônia ao redor da morta. Na mesma
hora a irmã do narrador, a mais de trinta léguas do lugar, te-
ve como que a certeza da morte de sua mãe e sentiu muito
distintamente um cheiro de água de Colônia, sendo que na
ocasião nenhum frasco dessa água estava ao seu alcance. Es-
sa senhora sabia que sua mãe achava-se muito doente.
Otávio Marais
Antigo bastonário, em Rouen.”
(Carta 88)
XLIII – “Sucedeu-me, em 19 de dezembro de 1898, um
caso bem curioso. Eis o fato, que pode ser confirmado por
todos de minha família, pois causou-me ele impressão pro-
funda:
Tendo meu marido partido para uma pequena viagem, fiz
passar para o meu quarto o primogênito de meus três filhos,
de 7 anos de idade. Os ferrolhos de todas as portas estavam
puxados: eu sou medrosa e nossa casa é um pouco isolada.
Tendo-me levantado, às 3 horas da manhã, bem como meu
filho, ouvimos passos ligeiros, mas distintos, que se dirigiam
para a porta do quarto das crianças, depois para a do meu
quarto; ao mesmo tempo a tranca da porta das crianças foi
levantada, mas essa porta estava fechada a chave. Saltei da
cama e, sem abrir a porta, perguntei:
– Ana (o nome da criada), é você?
Nada de resposta. Tornei a deitar-me, persuadida de que
Ana se tivesse levantado. Grande foi o meu terror ao saber,
na hora do almoço, que ela não saíra de seu dormitório.
Dois dias mais tarde vim a saber da morte de uma parenta
dos antigos locatários da nossa casa. Falecera ela no dia 19,
às 11 horas da noite.
Joana Banaud d’Eberlé
Briqueterie de Bussigny.”
(Carta 94)
XLIV – “Eis o que ouvi contar à Sra. Marquesa de..., há
cerca de cinco anos, quando eu era preceptor de seu filho.
A marquesa jantava certa noite em casa de um de seus a-
migos, em Paris. Eram numerosos os convivas e muito jovi-
ais. Desse modo a emoção foi grande quando uma senhorita
da assistência, dando um grito, virou-se para trás em sua ca-
deira, presa de uma crise de lágrimas. Todos se precipitaram
em seu socorro.
– Lá! lá! – dizia ela, indicando a porta envidraçada, por
onde se entrava para a sala de jantar – minha mãe apareceu-
me, minha mãe acaba de morrer!
Em vão procuraram acalmar a moça e tirar de seu espírito
essa idéia sinistra.
Uma espécie de indisposição apoderou-se logo dos pró-
prios assistentes. Vinte minutos depois alguém fazia soar a
campainha e pedia para levar imediatamente a Srta. X., dan-
do a entender que uma grande desgraça sucedera. A mãe
dessa moça morrera subitamente.
E. Lemoisson
Professor no Colégio de Vire.”
(Carta 98)
XLV – “Tendo ido ao campo a negócios, constatou uma
pessoa de minhas relações que, na primeira noite que dormia
em seu quarto, sua cama sacudia-se, levantava-se, como aba-
lada por uma causa desconhecida. Eram 11 horas da noite.
Acendeu essa pessoa a vela e viu no meio do quarto um e-
norme cão,27 olhos fixos nela. Após alguns instantes, desa-
pareceu por um dos vidros da janela, sem deixar vestígio de
sua passagem.
Partiu ela precipitadamente, no dia seguinte pela manhã,
pressentindo qualquer desgraça em sua casa e, lá chegando,
soube que o Sr. X., oficial do Exército, atacado de uma mo-
léstia incurável, suicidara-se na véspera, às 11 horas da noi-
te. Esse senhor havia-lhe pedido hospedagem, a fim de ser
tratado em sua casa, e diante da sua recusa fizera esta refle-
xão:
– Agora não me resta mais do que acabar com a vida.
A pessoa a quem me refiro vê uma relação direta entre es-
sa estranha manifestação e a morte sobrevinda no mesmo dia
e na mesma hora.
Cienciau
Rua da Paz, 10 (Cherburgo).”
(Carta 102)
XLVI – “Meu pai, nascido em 1805 em Saint-Lô-
d’Ourville, perto de Port-Bail, na Mancha, era pensionista
no Seminário de Saint-Sauveur-le-Vicomte, a 12 quilôme-
tros daquela localidade. Era o preferido de seu pai que, de
resto, lhe deixou um quarto a mais da herança, felizmente,
pois o segundo filho teria depressa dissipado os bens de seus
pais.
Não é, portanto, para admirar que esse pai, tendo morrido
quase de repente (como se morre em minha família), tenha
pensado nesse bom filho, a quem ele amava ternamente e
que não estava lá para receber o seu último suspiro.
Ora, essa idéia do moribundo deve ter percorrido à noite o
espaço de 12 quilômetros que o separava de seu filho, por-
quanto este, às 2 horas da noite, viu seu pai que o chamava
para morrer. Ele correu a acordar o superior do seminário e
lhe pediu que o deixasse partir.
O superior, recusou, dizendo a esse jovem de 15 anos que
a região, cheia de florestas a atravessar, não oferecia segu-
rança para se viajar à noite, mas que o deixaria seguir logo
que amanhecesse.
Pois bem, era muito tarde; o pobre rapaz chegou quando
seu pai já estava morto, o que sucedeu justamente à hora da
noite em que o chamara.
Angéline Dessolle
Residente em La Trouche (Isère).”
(Carta 104)
XLVII – “Na noite de 19 para 20 de maio, um pouco an-
tes de 11 horas, ainda eu não dormia; minha mulher, ao meu
lado, já dormia, quando ouvi muito distintamente como que
um pesado corpo cair sobre o assoalho do andar superior.
Minha mulher ergueu-se então e me disse:
– Que há?
– Deve ser um pão que caiu – respondi.
Esse quarto superior continha os pães da última fornada.
Enquanto eu falava, um outro ruído semelhante ao primei-
ro, depois um terceiro, mais forte, reboaram. Então me le-
vantei, acendi a luz e, subindo a escada de madeira que con-
duzia ao celeiro, pude constatar que tudo aí se achava em
perfeita ordem, estando os pães em seu lugar. Um funesto
pressentimento relacionado com meu irmão João, doente,
assaltou-me nesse instante, mas não deixei transparecer na-
da, e quando minha mulher me perguntou o que havia cau-
sado aqueles rumores insólitos, respondi, para não amedron-
tá-la, pois eu a sabia muito medrosa:
– Foram alguns pães que escorregaram.
No dia seguinte, qual não foi a minha estupefação vendo
minha irmã, que morava então em Nimes, chegar com a fisi-
onomia toda transtornada, assegurando-me ter ouvido, pelas
11 horas, um rumor em sua mesa e, apenas acordada, um a-
balo formidável no grande armário. Eu levei-a então até à
cozinha e lhe disse:
– João morreu!
– Sim – respondeu ela –, era ele!
Um mês depois, soubemos que nosso querido João falece-
ra no hospital de Birkaden (Argélia), na noite de 19 para 20
de maio.28
Marius Marioge
Em Bemoulin (Gard).”
(Carta 108)
XLVIII – “Minha mãe tinha dois tios clérigos: um era
missionário na China; o outro, cura na Bretanha; tinham
uma irmã, já de idade avançada, residente nos Vosges.
Um dia essa pessoa estava ocupada em sua cozinha a pre-
parar um repasto da família, quando se abriu a porta e ela
viu no limiar seu irmão missionário, do qual estava há lon-
gos anos separada:
– É o irmão Francisco! – gritou ela e correu para ele, a fim
de abraçá-lo; mas, no instante em que chegava perto dele,
não o viu mais, o que lhe causou um grande medo.
No mesmo dia, à mesma hora, o segundo irmão, que era
cura na Bretanha, lia seu breviário, quando ouviu a voz do
irmão Francisco que lhe dizia:
– Meu irmão, vou morrer.
Depois, ao cabo de um momento:
– Meu irmão, eu morro.
E enfim, alguns minutos depois:
– Meu irmão, morri.
Alguns meses mais tarde, receberam eles a notícia da mor-
te do missionário, verificada no mesmo dia em que tinham
recebido tão estranhos avisos.29
Se me permito dirigir-vos este relato, é que tal aconteci-
mento parece-me apresentar todas as garantias de autentici-
dade. Foi-me ele contado por minha mãe e por uma de mi-
nhas tias, separadamente: elas o ouviram das personagens
em causa, seu tio, um sacerdote respeitável, e sua tia, uma
resoluta e digna mulher, os quais não teriam inventado esse
conto pelo prazer de causar admiração ao público. Quanto à
circunstâncias de crer em uma alucinação, seria inverossímil
que ambos a tivessem ao mesmo tempo, a muitas centenas
de léguas de distância.
Posso afirmar-vos igualmente, sob palavra de honra, mi-
nha perfeita sinceridade; de resto, que vantagem teria eu em
enganar-vos?
Marie Lardet
Champ-le-Duc (Vosges).”
(Carta 121)
XLIX – “O valor dos fatos cresce em razão do seu núme-
ro”, dizeis vós, em um artigo sobre as manifestações telepá-
ticas; é o que me abalança a submeter-vos um desses fatos
extraordinários. Não data de ontem, nem me diz pessoal-
mente respeito; não obstante, posso garantir-lhe a autentici-
dade, à vista do caráter verídico, do bom senso, do espírito
positivo e equilibrado da pessoa com quem ele ocorreu.
Em 1822 ou 1823, o primogênito de meus avós fazia seus
estudos em Estrasburgo. As últimas notícias dele recebidas
eram boas e nada havia que se pudesse prestar a qualquer
inquietação a seu respeito. É verdade que nessa época, em
que 50 quilômetros constituíam uma viagem de longo curso,
as comunicações com Estrasburgo não eram muito freqüen-
tes e, por conseguinte, nem tampouco as notícias.
Um dia em que minha mãe contemplava um retrato a óleo
de seu filho ausente, teve a impressão de que a tela cami-
nhava para seu lado, ao mesmo tempo em que ouvia distin-
tamente a voz de seu filho dizer: “Mamãe! mamãe!”
Foi tão nítida a visão, que ela estendeu os braços e gritou
com desespero: “Eduardo!”
Meu avô fez tudo para convencê-la de que Eduardo ia
bem; que, se estivesse doente, seus pais seriam avisados; que
ela tinha tido uma alucinação, sonhara acordada, etc.; minha
avó permaneceu sob a impressão de uma desgraça.
No dia seguinte, um mensageiro chegava de Estrasburgo
para anunciar a morte do rapaz.
Que enfermidade o aniquilara em algumas horas? Não me
lembro mais. Sei somente que ele morreu na hora em que
sua mãe contemplava o retrato e que, morrendo, chamara
por duas vezes: “Mamãe! mamãe!”
Confesso-vos que sou muito incrédulo; mas rendo-me,
neste caso, à evidência. Entretanto, não assino senão para
vós, porque vós sabeis que não se trata de um conto.
S. S.
Vosges anexados.”
(Carta 128)
L – “Um fato absolutamente autêntico passou-se em mi-
nha família. Não pude saber o ano em que se produziu, mas
enfim ei-lo aqui tal qual a narrativa que dele me fizeram mi-
nha avó e minha mãe.
Quando minha avó era moça, morava no porto d’Envaux
(pequena cidade nas cercanias de Saintes) e tinha um irmão,
Leopoldo Drouillard, marítimo.
Um outro de seus irmãos, que também residia no porto
d’Envaux, vai a um celeiro, nos fundos de um pátio, procu-
rar feno para o gado. Quase no mesmo instante ele volta cor-
rendo, a tremer de medo, e diz à sua mãe:
– Mamãe, acabo de ver meu irmão Leopoldo no celeiro.
Riram-se todos à custa dele no momento e ninguém mais
pensou nisso, quando, no mês de dezembro do mesmo ano,
soube-se da morte, em Havana, no mês de junho, de Leopol-
do Drouillard. Fora precisamente no mês de junho que seu
irmão tivera a visão.
Eis o fato tal qual me foi contado por minha mãe e por
minha avó. Esta última tem ainda vivos um de seus irmãos e
uma de suas irmãs. Podem eles dar seu testemunho a respei-
to do fato.
Fernando Ortice
Tonnay-Charente (Charente Inferior).”
(Carta 134)
LI – “A. – Em 1880, meu cunhado, J. B. Thesillot achava-
se na Argélia, onde fora chamado por seus negócios. Certa
noite levantou-se ele em sobressalto, sem causa aparente;
abrindo os olhos, viu, à luz da lamparina que clareava o
quarto, um de seus amigos, chamado Morillon, residente na
cidade de Creil (Oise) aparecer muito distintamente ao pé da
sua cama, olhando-o com tristeza... A aparição durou alguns
instantes. Ao mesmo tempo recebeu ele a intuição muito
precisa de que seu íntimo amigo, não obstante achar-se em
bom estado de saúde, antes de sua recente separação, acaba-
va de morrer. Escreveu para casa e não tardou a saber que
seu amigo Morillon morrera nessa mesma noite, à hora exa-
ta daquela aparição.
B. – Tive ocasião de encontrar-me, em maio de 1896, em
casa de um amigo comum, com um Sr. Contamine, farma-
cêutico em Commentry (Allier), que em minha presença nar-
rou o fato seguinte, do qual ele garantia a absoluta autentici-
dade e que não podia contar sem uma visível emoção:
Achando-se um dia sentado em seu quarto, diante de um
armário de espalho, ocupado em calçar as botinas, percebeu
muito nitidamente, por esse espalho, que a porta de trás se
abrira, vendo um de seus amigos entrar no quarto; estava em
trajes de baile e vestido com todo esmero. O Sr. Contamine
voltou-se para estender as mãos ao seu amigo. Qual não foi
a sua estupefação, verificando que não havia ninguém no seu
quarto! Precipita-se imediatamente para fora do quarto e in-
terpela o criado que estava precisamente na escada:
– Acabais de encontrar o Sr. X., que saiu do meu quarto?
Onde está ele?
Não vi absolutamente ninguém, afirmo-vos.
– Ora essa, ele saiu do meu quarto neste instante!
– Estou absolutamente certo de que ninguém entrou nem
saiu.
O Sr. Contamine, muito intrigado e muito impressionado,
teve, também ele, o pressentimento de uma desgraça. Procu-
rou logo informar-se e veio a saber que o seu amigo, tendo
cometido um homicídio por imprudência, e querendo furtar-
se ao processo judiciário desse acidente, suicidara-se à hora
exata em que se verificou a aparição e com o próprio trajo
com que fora visto refletido no espelho.
Boulnois
Professor em Pont-Saint-Maxence.”
(Carta 140)
LIII – “No dia 23 de outubro de 1870, às 5 horas da ma-
nhã, eu dormia tranqüilamente, sem sonhar, quando senti
bruscamente, sobre minha face esquerda, um beijo terna-
mente aplicado. Dei um grito: “Mamãe!”
À tarde desse mesmo dia recebíamos um telegrama anun-
ciando a morte, às 5 horas da manhã, de minha bem-amada
mãe. Conservei tal impressão do fato, que jamais a sua re-
cordação foi esquecida.
Se a grande veracidade deste fato pode ser, de qualquer
modo, útil, serei muito feliz de ter podido contribuir em mí-
nima parte para pesquisas cujo alto valor sei apreciar.
P. S. – Minha mãe morreu em Gien e eu estava em Roche-
fort.
Srta. Maria Durand
Rochefort-sur-Mer (Charente Inferior).”
(Carta 141)
LIV – “A. – Há cinqüenta anos, minha tia, irmã de carida-
de, então com a idade de 20 anos, e achando-se no dormitó-
rio comum onde eu a vi ainda este ano, foi surpreendida por
um grande rumor de tonel que rola no pátio. Ela abriu rapi-
damente a janela e não viu nada.
Tendo-a fechado, para ir deitar-se, o barulho continuou tão
forte, que ela tornou ainda a abrir a janela, com grande es-
panto de suas companheiras que nada ouviam. Oito dias de-
pois, vinha-lhe a notícia da morte de sua mãe e fora preci-
samente às 8 horas da noite que ela expirara, chamando por
suas duas filhas ausentes. Fato curioso, achando-se lá a outra
filha, nada ouvira, entretanto.
B. – Esta mesma tia foi despertada, muito tempo depois,
por pancadas semelhantes às de um pequeno martelo sobre
uma tábua, perto de seu leito. O medo impediu-a logo de fa-
lar, mas as oito irmãs que partilhavam o seu dormitório fo-
ram todas despertadas com o barulho. Levantaram-se e por
três vezes constataram, durante a noite, que era sempre na
mesa de minha tia que o ruído se produzia. Três irmãs, anti-
gas companheiras de minha tia, afirmaram-me terem sido
testemunhas do fenômeno.
Nenhuma coincidência de morte se verificou neste caso.
C. Courtês, Marmande.”
(Carta 142)
LVI – “A. – Meu tio José, irmão de meu pai, estando a
passear em seu jardim, pelas 10 horas da manhã, viu, por
cima de uma sebe de espinhos, seu cunhado, que vinha pela
estrada, a cavalo.
José volve a casa, anuncia à esposa a chegada do marido
de sua irmã e vai ao seu encontro. É em vão que ele procura-
o, mas pela tarde um expresso traz uma carta comunicando a
morte súbita desse homem, na mesma manhã acometido de
apoplexia, a 45 quilômetros, o que motivou a sua queda do
cavalo.
B. – Há quarenta anos estava eu com 30 anos de idade e
era recebedor das contribuições no Morbihan. Certa vez to-
mava café com dois amigos, após o jantar, cerca de 7 horas,
quando todos os três ouvimos o ruído característico de moe-
das de 5 francos rolando em uma gaveta. Precipitando-me à
minha secretária, separada por simples tabique do nosso a-
partamento, não pude achar a causa desse ruído.
Na mesma noite um de meus irmãos morria em Paris.
Du Quillion
Prefeito de Lanhelin (Ille-et-Vilaine).”
LVIII – “Meu pai, compositor musical, morava então em
Lião, sua cidade natal, com sua jovem esposa e sua filhinha;
meus avós paternos residiam também em Lião, a meia hora
de distância, mais ou menos, de seu filho.
Estava-se em 28 de agosto, às 8 horas da manhã. Fazia
meu pai sua toilette (ele barbeava-se diante de uma janela),
quando ouviu chamarem-no 30 fortemente por duas vezes:
– André, André!
Ele volta-se, não vê ninguém, vai ao quarto contíguo, cuja
porta estava aberta, e encontra minha mãe tranqüilamente
sentada. Perguntou-lhe meu pai:
– Foste tu que me chamaste?
– Não – respondeu minha mãe –; mas por que estás tão
emocionado?
Conta-lhe meu pai como ouvira chamarem-no fortemente
e quanto este chamado reiterado o perturbara.
Termina ele sua toilette e alguns minutos depois é infor-
mado de que seu pai acabava de morrer quase subitamente,
sem que se tivesse tempo de mandar procurá-lo para receber
seu último suspiro. Ele o chamara antes de morrer, mas nin-
guém o supunha em perigo, pelo que não se julgou necessá-
rio prevenir o filho.
Morrera às 8 horas da manhã, exatamente no instante em
que meu pai ouvira chamarem-no de uma forma tão urgente.
Notai bem que meu pai não tinha nenhum cuidado relativa-
mente à saúde de seu pai, pois que na véspera, à tarde, ele
ainda se achava bem.
Minha mãe, que fora testemunha da inquietação de meu
pai, mas que não escutara o chamado, acaba ainda agora de
me fazer, pela centésima vez, a narração do caso, e é sob o
seu ditado que vos escrevo; mas peço-vos não dar os nossos
nomes à publicidade.
M. B., nascida S.
Em R. (Isère).”
(Carta 156)
LIX – “Meu amigo Ferdinando S., com perto de 16 anos
de idade, fazia em Paris seus estudos musicais, sob a direção
do compositor Hipólito Moupon. Um dia, em seu quarto de
estudante, achando-se perfeitamente desperto, aconteceu-lhe
de súbito ter a visão clara de seu pai, absolutamente como se
estivesse ele aí. Durou apenas um instante essa visão.
Longe estava então o meu amigo de pensar na morte de
seu pai. Este, entretanto, que tinha a profissão de afinador
em Tours, havia sido vítima de terrível acidente. Ao fazer
subir um piano por uma escada, caiu-lhe o instrumento sobre
o corpo, ocasionando-lhe a morte.
Ora, segundo a informação recebida, pôde Ferdinando
constatar que o momento da aparição devia coincidir com o
da morte de seu pai.
E. Lep
Praça da Catedral, 9, Tours.”
(Carta 159)
LX – “Sucedeu, não a mim, mas a meu pai, ver um ser
humano no meio do seu quarto, entre 11 horas e meia-noite;
era seu filho, meu irmão, que nesse momento acabava de
morrer.
Não conhecia meu pai o acidente que havia produzido a
morte de seu filho. De mais, valoroso oficial de Marinha,
não era ele um sonhador dotado de imaginação propícia à
crença em fantasmas; era antes um pouco sangüíneo e goza-
va de perfeita saúde.
Maria Esmenard
Proprietária em Billom (Puy-de-Dôme).”
(Carta 154)
LXI – “Um de meus irmãos, a esse tempo aluno de Retó-
rica em um colégio congreganista, não pôde fechar os olhos
durante a noite toda e logo pela manhã foi procurar o superi-
or do colégio, dizendo-lhe, banhado em lágrimas:
–Não sei o que há, mas tenho certeza de que uma desgraça
aconteceu em nossa casa.
O superior tratou isso de infantilidade, etc. Duas horas de-
pois nosso cavalo estava à porta do colégio para trazer meu
irmão: é que meu pai morrera subitamente nessa mesma noi-
te.
Ora, um fato certíssimo é que meu irmão, pensionista, não
sabia e nem podia saber absolutamente nada. O colégio em
que ele se achava era distante uns quinze quilômetros da ca-
sa paterna.31
Gaston Savoye
Bailleul (Norte).”
(Carta 169)
LXII – “Uma das minhas tias era professora em uma co-
muna da Alsácia e via mui freqüentemente a irmã do Sr. cu-
ra.
Ora, uma noite, dispondo-se minha tia a ir deitar-se, ouviu
ela soar a campainha uma ou duas vezes. Desce e pergunta
quem é. Nada de resposta. Abre a porta: ninguém. Não podia
ter sido um transeunte, pois que, para puxar o cordão da
campainha era preciso entrar em um corredor e subir alguns
degraus da escada.
No dia seguinte pela manhã ela soube que a irmã do Sr.
Cura tinha morrido quase subitamente, pouco mais ou menos
no momento em que ela ouvira soar a campainha.
E. Daul
Neuves-Maisons.”
(Carta 171)
LXIII – “Contava-me, há dois anos, um de meus amigos o
pavor de que fora tomado certa noite, em que lia, na cama,
antes de dormir.
De repente o cortinado é violentamente sacudido, ouvindo
ele, ao mesmo tempo, um longo gemido e o ruído de passos
no assoalho. Sua mulher, que estava acordada, confirmou-
me ter ouvido o mesmo ruído. No dia seguinte eram eles in-
formados da morte de um de seus amigos, residente a quatro
quilômetros do lugar.
A. Morisot
41, rua do Castelo, Lião.”
(Carta 172)
LXIV – “Era a nossa família relacionada com a do Gene-
ral Bertrand, companheiro de exílio de Napoleão. Minha
mãe, desde a infância, dava-se muito com a filha do general,
Hortência Bertrand, que desposara o Sr. Amédée Thayer,
morto creio que em 1866, como senador do Segundo Impé-
rio.
Em 1844, A Sra. Thayer, achando-se enferma, fora envia-
da para a Madeira. Seu pai, o General Bertrand, estava em
Châteaux-Roux; veio por alguns dias a Paris, no mês de ja-
neiro de 1844. Regressou no fim do mês pela diligência pos-
tal. Fazia muito frio. Chegando a Châteaux-Roux, foi aco-
metido de uma congestão pulmonar e morreu em 29 de ja-
neiro.
Nesse mesmo dia sua filha, a Sra. Thayer, rodeada de seu
marido e das pessoas que a tinham acompanhado à Madeira,
conversava tranqüilamente, não experimentando inquietação
alguma a respeito daqueles a quem amava e que haviam fi-
cado em França. De súbito ela empalidece, solta um grito,
cai em pranto, dizendo: “Meu pai morreu!” Procuram acal-
má-la, fazem-lhe ver que as últimas cartas eram muito re-
centes e não continham senão boas notícias, que não havia
nada que fizesse prever uma desgraça; ela persiste em sua
afirmação e toma nota da hora e do dia. Nessa época não ha-
via telégrafo e poucos eram os caminhos de ferro; levavam
um mês para chegar à Madeira as cartas procedentes de
França. O primeiro correio que chegou trazia a notícia da
morte do General Bertrand, ocorrida a 29 de janeiro, à hora
exata em que sua filha tivera a revelação desse fato.
Todas as testemunhas desta cena, e a própria Sra. Thayer,
estão hoje mortas, mas o fato tornou-se conhecido de toda a
nossa família e da família do Sr. Thayer; eu o ouvi muitas
vezes narrado por um primo, íntimo amigo. Talvez mesmo
lhe pudésseis verificar a exatidão, consultando o padre Lu-
dovico, capuchinho em Paris, que era o confessor da Sra.
Thayer desde muitos anos e que deve ter conhecido este fa-
to. Desejo que meu nome não seja publicado.
M. B. G., Paris.”
(Carta 175)
XLV – “Há dois anos, meu irmão partira, na qualidade de
desenhista, para uma viagem de exploração na África, com a
missão do Sr. de Bonchamps. Já havia muito tempo eu não
tinha notícias dele, quando certa noite, acordando em so-
bressalto, vi distintamente meu irmão ser morto pela lança
de um selvagem.
O fato impressionou-me tão vivamente que permaneci a-
cordado até de manhã e fui ainda perseguido durante várias
semanas por essa visão.
Algumas semanas mais tarde, recebia eu a notícia da mor-
te de meu irmão na Abissínia, a 14 de novembro, morto pela
lança de um selvagem. O fato deve ter coincidido com a vi-
são; infelizmente, no momento esqueci-me de registrar a da-
ta exata em que esta se produziu. Posso, entretanto, assegu-
rar que isso me sucedeu em novembro.
A. Nyffeley Potter, Kinchberg.”
(Carta 186)
LXVI – “Posso atestar-vos o seguinte fato que se passou
em uma pequena cidade do Departamento do Var:
Minha mãe estava sentada na sala do andar térreo de sua
casa e ocupada em um trabalho de costura ou de tricô, quan-
do, subitamente, viu diante de si o irmão mais velho, que re-
sidia em uma aldeia do distrito de Toulon, situada a uns 50
quilômetros de distância. Seu irmão, que ela reconheceu per-
feitamente, lhe disse: “Adeus...” e desapareceu.
Minha mãe, muito perturbada, foi procurar meu pai e lhe
disse: “Meu irmão acaba de morrer.” Ela sabia que o irmão
estava doente.
No dia seguinte ou dois dias depois, recebeu-se em casa o
aviso do falecimento de meu tio, ocorrido precisamente à
tarde, por volta da hora da aparição. Não existindo telégra-
fo nessa época, fora a notícia enviada a Aix, por meio de
carta.
Utte, Aix.”
(Carta 235)
LXVII – “Eis um fato cuja absoluta exatidão posso garan-
tir: A 21 de dezembro de 1891, recebi uma carta dizendo-me
que meu pai estava muito doente e desejaria ver-me. Como a
carta não me parecesse muito alarmante, não me deixei ficar,
por outro lado, muito perturbado e dirigi-me à gare de Re-
don, para tomar o trem de 4:44 da tarde.
Fui um pouco antes da hora e passeava na sala de espera,
sem quase pensar em nada, quando, de repente, fui tomado
de mal-estar, de uma espécie de atordoamento: eu não via
nada mais e tinha violentos zumbidos nos ouvidos; fora tão
súbito o mal-estar, que eu ficara de pé, imóvel, no meio da
sala. Isso não deve ter durado mais do que um ou dois minu-
tos, no máximo, pois que as pessoas presentes apenas come-
çavam a dar-se conta do que me sucedia, quando voltei a
mim.
O que é extraordinário é que, no momento exato em que
eu recuperava a vista e de alguma forma a razão, antes de
vislumbrar pessoa alguma na sala, apareceu-me o vulto de
meu pai e em seguida logo se desvaneceu; ao mesmo tempo
um só pensamento me assaltou, impôs-se-me e eu não pude
deixar de formulá-lo assim: “Meu pai vai morrer.”
Permaneci com essa idéia fixa durante toda a noite e foi
em vão que procurei firmar-me noutra convicção. Cheguei à
casa de minha família, que reside no Departamento de Cha-
rente, cerca de 6 horas da manhã. Fui então informado de
que meu pai morrera na véspera, às 6 horas da tarde. Uma
hora mais ou menos antes de morrer, chamara-me ele diver-
sas vezes, e minha ausência o havia feito chorar. Esse ins-
tante coincidia justamente com o da aparição que me veio na
gare de Redon. O fato impressionou-me de tal modo que ja-
mais o pude esquecer.
P. Busserolle
Professor em La Dominelais,
por Fougeray (Ille-et-Vilaine).”
(Carta 237)
LXVIII – “Sucedeu-me por duas vezes experimentar a
impressão nítida de ouvir perto de mim uma pessoa ausente,
tendo eu marcado a hora exata dessa alucinação. E das duas
vezes verificou-se coincidir a impressão recebida, sem maior
diferença do que cinco minutos, com a morte da pessoa que
eu sabia achar-se doente, mas que não supunha tão perto do
seu fim.
Esses dois casos muito impressionantes de telepatia foram
na época publicados no Jornal da Sociedade Psíquica de
Londres, da qual tinha eu a honra de ser membro associado.
Aug. Glardon
Homem de letras, em Tour-le-Peitz, Vaud (Suíça).”
(Carta 243)
LXIX – “No dia 29 de outubro de 1869, estávamos reuni-
dos na sala de jantar, depois da ceia (passava-se isso no cas-
telo de Vieux, perto de Caen, em casa de meus pais). Pelas 9
horas da noite ouvimos barulho em uma peça vizinha, asse-
melhando-se, em absoluto, ao que faria um quadro caindo
(foi essa a primeira impressão). Verificamos todos os qua-
dros de todos os compartimentos; tudo se achava em seu lu-
gar. Minha mãe imediatamente tomou nota da hora.
Alguns dias depois recebíamos a certidão de óbito do ir-
mão de minha mãe, falecido no hospital militar de Calais,
em conseqüência de febre tifóide, a 29 de outubro de 1869,
às 9 horas da noite.
Anatole de Jackson
Recebedor dos impostos diretos,
em Cheux (Calvados).”
(Carta 244)
LXX – “Uma dama de minhas relações, bem equilibrada,
séria e sensata, afirmou-me, sob juramento, a veracidade do
fato seguinte:
Órfã, tornara-se noiva de um estrangeiro, M. S., que ela
amava muito. Não pôde ele obter o consentimento de sua
família para esse casamento. Esperaram muito tempo; de-
pois, seja por prudência, seja por despeito, ela desposou um
homem idoso que havia igualmente solicitado sua mão. (O-
mito explicações inúteis.)
Ela foi sempre fiel, nunca mais tornou a ver seu noivo que
retornou para seu país. Entretanto, pensava nele sem cessar.
Passados alguns anos, entrando, certo dia, em seu quarto,
julgou vê-lo estendido no chão, como morto e todo ensan-
güentado. Ela soltou um grito de pavor, ao mesmo tempo em
que se aproximava, constatando que não era vítima de uma
ilusão. Ao cabo de um instante, tudo desapareceu e seu ma-
rido, que acorrera ao seu grito, nada viu.
Ela supôs que M. S. devia ter sido vítima de um acidente,
mas não pôde informar-se, por não conhecer sua residência.
Após alguns dias, encontrou-se em presença de um corres-
pondente de M. S., o qual lhe informou que seu amigo, desi-
ludido da vida, suicidara-se.
Confrontando a data da aparição com a da morte, chegou
ela à certeza da coincidência.
M. Gauthier, Lião.”
(Carta 247)
LXXI – “Uma senhora achava-se presente a um grande
jantar de cerimônia, oferecido por certa personagem. No
meio do jantar, a senhora em questão solta um grande grito
e, com os olhos fixos na parede fronteira, braços estendidos
para frente, grita: “Meu filho, meu filho!” e cai com uma
síncope.
Levam-na para um outro compartimento e, ao voltar a si,
soluçando, ela conta que, de repente, a sala de jantar, com
suas luzes e seus convivas, havia desaparecido, para mos-
trar-lhe o mar enfurecido e seu filho a debater-se nas ondas,
estendendo-lhe os braços. Mais tarde, recebeu ela a notícia
da morte de seu filho, oficial de Marinha, que havia sido ar-
rastado por uma vaga, quando navegava no mar das Índias,
fato esse ocorrido no mesmo dia da citada visão.
Posso, se o julgardes necessário, dar os nomes, os lugares
e as datas.
Hervoches du Quillion
Lanhelin, Combourg (Ille-et-Vilaine).”
(Carta 252)
LXXII – “Uma de minhas amigas, esposa de um capitão,
experimentou por duas vezes a impressão nítida de ver um
ser humano. Uma vez, foi seu primo, que ela chamou pelo
nome em um passeio, ficando muito admirada de o encon-
trar; noutra ocasião, seu criado, que ela deixara com saúde
em Tolosa, na época em que encetara viagem, abriu a porta
de seu quarto e ela lhe perguntou, muito admirada, o que vi-
era fazer.
As duas aparições não duraram muito tempo e coincidiram
ambas com a hora da morte dessas duas pessoas.
J. Debat Pousan (Tolosa).”
(Carta 272)
LXXIII – “Uma senhora de minhas relações, digna de fé,
contou-me que, achando-se de viagem no Valais, há alguns
anos, ouviu, logo depois de se haver deitado, três fortes pan-
cadas em seu leito. Estava absolutamente sozinha em seu
quarto. Sua companheira de viagem, que dormia no quarto
contíguo, ouviu também as pancadas e veio ver se a senhora,
de quem se trata, estava passando mal e por isso a chamara.
Dois dias mais tarde, a minha amiga recebeu a notícia da
morte, quase súbita, de uma de suas melhores conhecidas fa-
lecida em Fribourg. A hora e o dia coincidiam exatamente
com os em que ouvira as pancadas.
F. Mosard
Rua de Lausanon, 2, Fribourg.”
(Carta 274)
LXXIV – “Uma noite, acabava eu de deitar-me, quando
ouvi um grande barulho que vinha do fogão, como se al-
guém o sacudisse violentamente; fiquei tão aterrada que to-
quei a campainha chamando a minha empregada. Nada nos
pôde explicar esse barulho e tive grande dificuldade em a-
calmar-me, de tal modo havia-me ele impressionado. No dia
seguinte, pela manhã, recebi a notícia da morte de uma ami-
ga íntima, ocorrida durante a noite antecedente (não tive a
idéia de perguntar a hora).
Instantaneamente, o barulho da véspera veio-me ao pen-
samento e associou-se a essa morte em uma correlação mui-
to nítida; eis porque me sinto no dever de submeter-vos esse
caso. O que contribuiu para esta idéia de correlação entre o
barulho misterioso e esta morte é que existia entre essa ami-
ga e eu um segredo que se relacionava com a doença causa-
dora de sua morte.
M. Clément Hamelin, Tours.”
(Carta 275)
LXXV – “Há perto de doze anos residia eu em Auch; uma
certa noite, minha mulher, que dormia em um quarto contí-
guo ao meu e separado por um simples tabique, despertou-
me dizendo:
– Estais me chamando?
– Não – respondi-lhe.
– Ora essa! eu vos afirmo que ouvi, muito distintamente, o
chamado, duas vezes repetido, de meu nome: Maria, Maria.
– Foi, sem dúvida, sonhando – lhe disse eu – que acredi-
tastes ouvir alguém chamar-vos; quanto a mim, eu dormia
profundamente.
Um instante depois, minha mulher me chamou, de novo,
dizendo-me:
– Levantai-vos depressa, acendei a vela, chamam-me ain-
da, tenho medo.
Mas, eis aí onde o fenômeno se torna verdadeiramente ex-
traordinário. Minha esposa, muito impressionada, passou o
resto da noite em meu quarto e quis conservar, até de manhã,
a vela acesa.
– Lembrai-vos – disse-me ela – que vamos saber da morte
do Sr. Gautier, de Marselha; creio haver reconhecido, nos
sucessivos chamados, o timbre de sua voz.32
No dia seguinte eu me achava, por acaso, diante de minha
porta à passagem do carteiro, que me entregou uma carta
com envelope tarjado de luto. Fiquei estupefato ao ver, pelo
carimbo postal, que essa carta era procedente de Marselha,
mas a minha estupefação foi ao cúmulo quando, ao ler a car-
ta, verifiquei que a Sra. Gautier comunicava à minha mulher
que seu marido falecera no correr da noite e à mesma hora
em que havia sido chamada por duas vezes em horas dife-
rentes.
Repetidamente tenho contado esse fenômeno extraordiná-
rio e hoje me sinto feliz em fazer-vos a narração do fato, pa-
ra que possais, em vossos trabalhos de pesquisas, nele en-
contrar uma indicação qualquer.
A. Deupès
Rua Cassini, 5, Nice.”
(Carta 284)
LXXIV – “A. – Quando meu pai tinha uns 20 anos de ida-
de, achava-se na Córsega, na casa paterna, com três dos seus
irmãos que contavam de 19 a 30 anos e de forma alguma
nervosos.
Uma noite ouviram eles no andar superior, que lhes per-
tencia, mas na ocasião inabitado, como que passos de al-
guém que passeia. Quando se dizia: “Ouvis?”, parecia que
batiam com o salto repetidamente. Subiram ao andar superi-
or, procuraram por toda parte: nada, e quando desciam o
passeio recomeçava. Durou isso uma hora.
Algum tempo depois, soube-se que uma tia, residente na
América, morrera na mesma noite e à hora exata em que fo-
ram ouvidos esses rumores insólitos.
B. – Em julho de 1877, meu pai faleceu em Constantina.
Um de seus irmãos, a quem ele era particularmente afeiçoa-
do, achava-se então na Córsega e balançava-se em uma rede.
Estava ele, nesse momento, sozinho na casa paterna; não ha-
via em casa nem pessoas nem animais. De repente, durante
um momento, ouviu saltos desordenados no andar superior.
Meu tio pôs-se a refletir em qual seria a causa de tais saltos,
quando (recordando-se subitamente do que já sucedera du-
rante sua juventude), disse: “Compreendo, compreendo, ele
morreu.” Ele era meu pai.
Algumas horas mais tarde, sabia-se por telegrama que
meu pai falecera à hora em que meu tio ouvira aqueles sal-
tos.
E. Raffaelli de Galléan, Nice.”
(Carta 288)
LXXVII – “É meu pai um homem bastante instruído, de
espírito positivo e jamais se ocupou com Espiritismo, nem
com outras práticas desse gênero. Ora, em 1860, meu pai e
minha mãe, ambos dormindo, foram despertados ao mesmo
tempo por um rumor de passos de homem calçado com pe-
sados sapatos. Os passos encaminharam-se para o leito e
chegaram até sobre o tapete. Nesse instante meu pai acendeu
a vela, mas não viu nada e o silêncio continuou completa-
mente.
Ora, alguns dias depois, uma carta do Ministério da Mari-
nha deu a notícia da morte de um de meus tios, que servia na
Marinha em Toulon. Amava ele muito minha mãe. Morreu
no mesmo dia em que os rumores de passos foram ouvidos
no quarto, mas meu pai jamais pôde saber a hora exata da
morte. Nem meu pai, nem minha mãe haviam pensado, na
ocasião, em atribuir a menor importância aos rumores ouvi-
dos; é pois incompleto o fenômeno; mas suponho que não se
deve desprezar nada em um estudo desse gênero.
Dr. Lamacq-Dormoy
Médico dos hospitais, rua Ravez, nº 1, Bordéus.”
(Carta 287)
LXXVIII – “Não tenho para referir-vos uma aparição,
mas dois fatos ocorridos no próprio dia da morte de um ofi-
cial em Tonkin.
Produziram-se esses fatos:
À tarde, produziram-se três pancadas bem distintas dadas
na porta da cozinha, ouvidas por minha cozinheira e por seu
filho. Este disse à sua mãe:
– A senhora está batendo.
E a cozinheira respondeu:
– A senhora saiu, mas percorramos o apartamento.
Aí não havia absolutamente ninguém.
Na noite seguinte ouvi passos, rumores no quarto vizinho
do meu, como se caminhassem. No dia seguinte conto à cri-
ada os meus temores noturnos; por sua parte ela me faz a
narração do que ouvira na véspera. Doze dias depois vim a
saber da morte de meu caro filho adotivo, verificada no
mesmo dia.
Passou-se isso a 1º de agosto de 1895.
Por minha tia, Sra. Violet,
G. Clartè
Arrabalde Stanislau, 12 bis, Nancy.”
(Carta 290)
LXXIX – “Deixara eu Paris havia meses e, regressando à
mesma capital, pensava nas pessoas que ia tornar a ver e das
quais nenhuma notícia tivera desde a minha partida. Passa-
vam todas elas diante dos meus olhos com sua fisionomia
habitual, exceto um senhor de cerca de cinqüenta anos, que
se apresentava pálido e desfigurado. Eu dizia de mim para
mim: “Provavelmente não o tornarei a ver, ele deve estar
morto ou moribundo.” Não tinha nenhuma simpatia por esse
senhor e não era por afeição que meu pensamento ia até ele.
No dia seguinte, achando-me em uma roda de amigos,
perguntei:
– A propósito, como vai Fulano de tal?
– Mas – responderam-me – o seu enterro é amanhã; ele
morreu ontem, às 3 horas.
Era precisamente a hora em que eu o tinha visto, com os
traços decompostos.
Isso que vos relato não tem, sem dúvida, importância al-
guma; mas eu quis responder ao vosso apelo.
L. Hervieux
Montivilliers (Sena-Inferior).”
(Carta 295)
LXXX – “Quando o célebre tribuno Barbès estava na pri-
são central de Nimes, via-se constantemente rodeado pelos
seus guardas e tinham-se para com ele todas as atenções que
se podem conceder a um prisioneiro político. Um dia, estan-
do em um pátio com diversas pessoas, diz-lhes ele de súbito:
“Sucedeu alguma coisa de mau a meu irmão.” Soube-se no
dia seguinte que o irmão de Barbès morrera em Paris de uma
queda de cavalo, no momento exato da impressão recebida
por seu irmão.
Marguerit
Passeio da Busca, 14, Tolosa.”
(Carta 303)
LXXXI – “Minha mãe, residente em Bourgogne, em
Bligny-sur-Ouche (Côte-d’Or) – estava-se em 1871 ou 1872,
a data lhe escapa, mas poderia ser determinada – ouviu, em
uma terça-feira pela manhã, entre 9 e 10 horas, abrir-se e fe-
char-se violentamente, batendo, a porta do quarto de dormir
onde ela se encontrava. Ao mesmo tempo ouviu por duas
vezes chamarem-na: “Lúcia! Lúcia!”
Na quinta-feira seguinte veio ela a saber que um seu tio,
Clementino, que a teve sempre em grande estima, havia
morrido na terça-feira, precisamente entre 9 e 10 horas da
manhã. Esse tio residia em Uzerche (Corrèze).
No momento desse rumor e desse chamado, estava meu
pai ausente de casa. À sua volta, pelo meio-dia de terça-
feira, bem entendido, contou-lhe minha mãe o fato, mas sem
pensar em seu tio.
Em definitiva, porta aberta e fechada bruscamente e dois
chamados “Lúcia! Lúcia!”
Minha mãe e meu pai estão vivos, moram comigo em
Bourges e desde muito que esse fato vem-me sendo contado.
Garanto-vos a sua perfeita autenticidade.
Se o fato vos parecer tão interessante que deva ser publi-
cado, agradecer-vos-ia se não mencionásseis mais do que as
iniciais do meu nome, pois aqui ninguém goza de indepen-
dência, todo o mundo é, pelo contrário, “burguês”.
P. D. (Bourgues).”
(Carta 314)
LXXXII – “Em 1856, tinha eu 9 anos e meu irmão 6; mo-
rávamos em casa de nossos pais, em Besançon. Estes eram
naturais do Wurtemberg, e nossas duas avós residiam, uma
em Ulm, outra em Stuttgard. Jamais víramos essas pessoas;
muito vagamente eu, como primogênita, dava-me conta do
que fosse uma avó; meu irmão, com mais forte razão, nem
fazia uma idéia a respeito. Tudo o que sabíamos delas é que
todos os anos, pelo Natal, uma e outra escreviam aos nossos
pais que, a seu turno, abraçando-nos, diziam-nos que nossa
avó fazia votos para que seus netinhos se tornassem ajuiza-
dos e corretos, e que ela nos enviava sua bênção. Era pouco
para crianças e eu creio que a menor boneca, o mais peque-
nino polichinelo, nessa época, teriam sido muito mais negó-
cio para nós.
Entretanto, eis o que sucedeu: Numa quinta-feira do mês
de fevereiro de 1856, mandou-nos nossa mãe descer ao jar-
dim para desfrutar um bom sol. Tomei meu irmão pela mão
e desci com ele ao jardim; mas lá, em lugar de brincar comi-
go, como eu o convidava, assentou-se tristemente em um
canto, depois, de repente, sem que lhe sucedesse coisa al-
guma, caiu em soluços e, correndo para casa, gritava:
– Quero ver minha avó, minha pobre avó que não tenho
visto mais! Quero vê-la!
Nossa mãe, supondo ter-se dado algum acidente, correu
depressa para o seu Benjamin, mas a todas as suas pergun-
tas, a todas as suas carícias, ele replicava sempre que dese-
java ver sua avó. A muito custo o consolaram, prometendo-
lhe que, se ficasse quieto, iria para junto de sua avó.
No domingo seguinte, meu pai entrou em nossa casa tra-
zendo na mão uma carta com um grande sinete preto.
– Minha pobre mulher – disse ele à mamãe, chorando e
tomando-a nos braços – o nosso Edmundo tinha razão de
chamar sua avó, porquanto ela morria exatamente no dia e
na hora em que ele pedia com tantas lágrimas para vê-la!
Emilie Seitz, Paris.”
(Carta 322)
LXXXIII – “Quando eu contava 22 ou 23 anos de idade,
uma parentazinha, a quem dedicava muita afeição, estava no
seu sétimo ano de existência. Um dos seus prazeres era vir a
nossa casa, bater à porta e rir ao lhe respondermos:
– Pode entrar.
Nessa época ela caiu doente e eu não a havia abandonado
um momento durante os dois dias em que esteve agonizante.
Entretanto, minha mãe, receando da minha parte um excesso
de fadiga, manifestou a vontade de levar-me. Eram 11 horas
da noite. O tio dessa criança, chegado no mesmo dia de Pa-
ris, disse-nos que o esperássemos um instante, pois ia buscar
seu chapéu para levar-nos. Achávamo-nos, então, na cozi-
nha, muito perto da porta de entrada, quando ouvimos bate-
rem nesta porta, como o fazia aquela criança, muito distin-
tamente, à porta de nossa casa. Minha mãe responde:
– Pode entrar.
Dizendo-lhe eu, ao mesmo tempo em que ia abrir a porta:
– Ninguém pode vir a esta hora.
– Talvez as religiosas – responde ela.
Mas não, ninguém tinha vindo bater ao fundo daquele pá-
tio.
Acabávamos de chegar a nossa casa, após um percurso de
menos de dez minutos, quando a criada dos pais da menina
chegou a seu turno, para nos comunicar que a pequena Ma-
ria acabava de expirar.
A. Laurençot
Agente dos Correios em Fouvent-Haut (Alto-Saôna).”
(Carta 325)
LXXXIV – “Permito-me relatar-vos um fato sucedido em
minha família e que se relaciona às aparições de moribun-
dos.
Meu pai, que há dezessete anos achava-se desavindo com
seu filho, cuja residência ignorava, apareceu-lhe duas horas
antes de morrer.
Saindo meu irmão, às 7 horas da manhã, de seu quarto, vê
meu pai a dois passos dele e pergunta-lhe:
– Que vens fazer em minha casa?
Responde-lhe meu pai:
– Procurar-te – e logo desaparece.
A esposa de meu irmão, do quarto contíguo ao corredor,
onde se passou o que acaba de ser descrito, ouviu as vozes,
tanto que percebeu imediatamente com quem seu marido a-
cabava de falar.
Passou-se isso a 3 de dezembro de 1889; nessa ocasião eu
estava junto do leito de meu pai que dormitava: às 9 horas
ele expirou, sem ter antes recuperado os sentidos.
Emma Lutz
Praça Kléber, 8, Estrasburgo.”
(Carta 331)
LXXXV – “A Sra. Carvalho, diretora de um pensionato de
moças, em Lisboa, tinha, há cinco ou seis anos, entre suas
alunas uma menina de dez anos, cuja mãe era uma atriz em
tournée pelo Brasil. Certa noite, a criança acorda, chorando
e gritando:
– Mamãe, mamãe! estou muito aflita por causa da mamãe!
Não disse a criança se viu sua mãe; mas nessa noite mor-
ria-lhe a mãe, de febre amarela, no Rio de Janeiro.
Sra. J. Leipold
C. da Glória, 21, Lisboa.”
(Carta 341)
LXXXVI – “Eis o que sucedeu a meu pai, capitão refor-
mado da Marinha. Estava ele em alto mar e acabava de en-
trar de quarto à meia-noite. Passeava no passadiço quando
viu, de súbito, passar diante dos seus olhos um menino vesti-
do de branco que parecia voar.
– Não viste nada? – perguntou, no mesmo instante, ao ma-
rinheiro que estava de quarto com ele.
– Não – respondeu-lhe o outro.
Contou-lhe, então, meu pai o que acabava de ver e acres-
centou:
– Posso afirmar que aconteceu qualquer desgraça em mi-
nha casa.
Tomou nota da hora e do dia e, chegando em casa, soube
que nessa data morrera uma de suas pequenas sobrinhas.
Meu pai relatou-me muitas vezes esse caso e mo repetiu
ainda recentemente ao ler o que tendes escrito.
M. Cheillau, Arzem.”
(Carta 343)
LXXXVII – “Permitir-me-ei narrar-vos um fato autêntico,
sucedido à minha tia (a irmã de minha mãe), que reside na
Alemanha, e que ela mesma contou-me.
Uma bela manhã, pelas 8 horas, estava minha tia ocupada
em pentear sua filha, quando, repentinamente, ela vê na pa-
rede desenhar-se um fantasma do qual se distinguia perfei-
tamente a cabeça, mas os traços pareciam de tal modo des-
feitos por qualquer doença, que minha tia não pôde reconhe-
cer esse rosto de moribundo.
Tão impressionada ficou, devido a essa visão, que se pôs a
gritar. Seu marido e sua filha acorreram e lhes mostrou ela,
chorando, o fantasma que não havia ainda desaparecido.
Meu tio e minhas duas primas, entretanto, nada vendo, puse-
ram-se a caçoar dela.
Dois dias mais tarde participam-lhe a morte de minha
mãe, vítima do tifo em Atenas, entre 4 e 16 de janeiro de
1896, pelas 7 horas da manhã. Minha tia, que nem mesmo
tivera tido tempo de saber da doença de sua irmã, havia, en-
tretanto, retido bem a data, por isso que o dia da aparição do
fantasma era o do aniversário de sua filha.
Condessa Carolina Métaxa
Castelo de Tharandt, perto de Dresde.”
(Carta 356)
LXXXVIII – “Meu tio-avô, hoje morto, era chefe de fun-
dição em uma das grandes forjas do Ariège. Uma tarde em
que se dirigia ele ao trabalho, como de costume, chegando,
ao cair da noite, a alguma distância da forja sentiu subita-
mente sua casquete levantar-se e seus cabelos eriçarem-se-
lhe na cabeça, e isso por duas vezes, sem que pudesse ele
saber a que atribuir a causa do incidente.
Chegado à forja, de que o separava apenas pequena dis-
tância, como eu o disse, seus operários, muito inquietos, par-
ticipam-lhe a súbita desaparição de um deles: em vão o pro-
curaram. Note-se que o desaparecido era um amigo de meu
tio.
Acharam-no alguns momentos depois, morto, em uma ca-
va no subsolo onde provavelmente teria caído.
Eis aí o fato. O espírito muito frio de meu tio, sua cora-
gem e sua lealdade, de que todos em minha família conser-
vam a lembrança, não me permitem duvidar um só instante
da sua narrativa.
R. Peyron
Estudante de Medicina em Tolosa.”
(Carta 362)
LXXXIX – “A Sra. A., mãe da pessoa que me fez esta
narrativa, tivera durante anos ao seu serviço uma criada a
quem muito se afeiçoara. Esta mulher casou-se e foi residir
em uma herdade bastante afastada da cidadezinha em que
vivia a Sra. A. Uma noite acorda ela em sobressalto e diz ao
marido:
– Ouviste, ouviste? A senhora chama-me.
Tudo, porém, estava calmo e silencioso, procurando seu
marido tranqüilizá-la. Ao fim de alguns minutos, a pobre
mulher, cada vez mais agitada, diz:
– É preciso que eu vá à casa da patroa, ela está me cha-
mando; estou certa de que devo ir.
Continuando seu marido a supor que se tratava de um mau
sonho, pôs-se a motejar da esposa, e ao fim de certo tempo
ela acabou por se acalmar.
No dia seguinte pela manhã, esse homem, indo à cidade,
soube que a Sra. A., tomada , na véspera, à tarde, de súbita
indisposição, morrera à noite e durante a agonia não cessara
de chamar sua antiga criada, no momento mesmo em que es-
ta ouvira a voz de sua patroa.
Suzanne H., Paris.”
(Carta 363)
XC – “A. – M. Passa, hoje falecido, mas que foi pastor em
Versalhes, durante longos anos, contou-me o seguinte fato:
Estando, certo dia, perfeitamente desperto e consciente (e-
ra ele então, se não me falha a memória, estudante em Es-
trasburgo), viu seu irmão, oficial de turcos na África, deita-
do ao fundo de um silo, com a cabeça partida. Ainda que
muito impressionado por essa visão, não lhe passou um só
instante pela mente que pudesse ela representar uma realida-
de, e disso não cogitou senão mais tarde ao receber pelo cor-
reio da Alemanha a notícia de que, no mesmo dia em que lhe
apareceu o irmão, fora este atacado por um dos seus homens
que, após haver-lhe aberto o crânio, atirara-o em um silo.
B. – Certa moça, muito ligada à minha família e cujo pai
residia em Constantinopla (deixo de citar seu nome por dis-
crição, pois não estou autorizado a divulgá-lo), estava pas-
sando uns tempos em casa de uma de suas tias, em Gênova.
Tendo ido, certa noite, ao baile, muito alegre, como de cos-
tume, ela deteve-se, de súbito, no meio de uma contradança
e, banhada em lágrimas, gritou:
– Meu pai morreu, eu o vi!
Com grande custo conseguiram acalmá-la, mas alguns di-
as depois soube-se que seu pai (que ela nem mesmo sabia
estar doente) sucumbira, de fato, no mesmo instante em que
se dava o fenômeno de sua aparição.33
A. E. Monod
Rua do Dragão, 97, Marselha.”
(Carta 366)
XCII – “Estando eu de morada em Zurich, por alguns me-
ses, vi, um belo dia, às 3 horas da tarde, passar na rua, diante
da minha janela, uma pessoa que eu sabia achar-se na Itália.
Experimentei com isso uma impressão tão forte, que fiquei
perturbada todo o resto do dia e contei o fato a uma das mi-
nhas primas (cometi o erro de não assinalar exatamente o dia
e a hora). Alguns dias depois soube que a pessoa que eu ti-
nha visto passar (um doutor que me tratara e a quem muito
me afeiçoei) acabava de morrer subitamente, devido à ruptu-
ra de um aneurisma, na Itália.
Creio poder afirmar que não decorreram mais de 24 horas
entre a hora da aparição e a morte do aludido doutor, verifi-
cada a 25 de dezembro de 1897.
Lucie Niederhauser, Mulhouse.”
(Carta 367)
XCIII – “Há cerca de três anos os pais de minha esposa
residiam em Marselha, na praça Sebastópol, nº 5, 2º andar;
sua filha mais velha morava em Béziers, onde se achava
gravemente enferma. O Sr. e a Sra. Jaume deixaram seu a-
partamento de Marselha para ficar ao pé de sua filha, entre-
gando seu apartamento aos bons cuidados dos seus amigos,
locatários do 1º andar.
Após um mês, mais ou menos, de ausência, passamos pela
dor de perder minha cunhada, sua primogênita. Ora, na
mesma noite de sua morte e na mesma hora (11 da noite), os
locatários do 1º andar, em Marselha, ficaram muito surpre-
endidos ao ouvir alguém subir ao 2º andar, abrir as portas e
percorrer o apartamento em todos os sentidos. Nem um só
instante duvidaram de que fosse a família Jaume que tivesse
voltado de Béziers. Já estando deitados, não julgaram a pro-
pósito levantar-se para ir apresentar as boas vindas aos seus
amigos; mas no dia seguinte, bem cedo, subiram para fazer-
lhes uma visita. Qual não foi seu espanto ao encontrar intac-
to o apartamento! Nenhuma porta havia sido aberta, nenhum
sinal de passagem de quem quer que fosse!
Ch. Soulairol
Farmacêutico de 1ª classe em
Cazouls-les-Béziers. (Herault).”
(Carta 390)
XCIV – “Venho, em resposta à vossa solicitação relativa
aos fatos de ordem psíquica, assinalar-vos o seguinte caso,
do qual meu pai, o Sr. Fleurant, professor jubilado, e minha
mãe, professora, domiciliados em Thenay (Indre) vos garan-
tirão, agora mesmo, a autenticidade.
Era em 1887, no mês de fevereiro. Minha mãe tinha nessa
época em Evreux seu único irmão, ao qual votava uma gran-
de afeição e que, a seu turno, muito lhe queria.
Infelizmente meu tio estava sofrendo de um mal que devia
conduzi-lo ao túmulo, a despeito da Ciência e dos bons cui-
dados da família.
No fim do ano precedente, tendo minha mãe ido ver seu
irmão, pudera constatar por si mesma a gravidade do mal e
tivera, da parte do médico, a certeza de um fim mais ou me-
nos próximo.
A 11 do mesmo mês, pelas 6 horas da tarde, estando mi-
nha mãe no porão de sua escola, daí regressou tomada de
uma emoção indescritível: ouvira, no intervalo de alguns se-
gundos, três gritos dilacerantes dirigidos a ela, parecendo vir
pelo respiradouro do aludido porão, situado ao norte.
– Meu irmão – disse ela a meu pai – está em agonia; acabo
de ouvir os seus chamados.
Dois dias depois recebia ela uma carta, datada de 12, na
qual se noticiava a morte de meu tio Ernesto Barthélemy.
A Srta. Branca de Louvigny, autora dessa carta, e que as-
sistira o enfermo até o seu último instante, nela dizia que
não cessara ele de chamar minha mãe.
Minha mãe repetia sempre esses detalhes e ela continua
ainda convencida, sem que possa explicar o fenômeno, de
que esteve efetivamente, durante alguns instantes, em comu-
nicação pelo pensamento com seu irmão.
Por minha vez transmito-vos o fato, desejando que vos
possa ser útil na pesquisa das causas que produzem tais efei-
tos.
A. Fleurant
Professora em Renilly, atualmente em
casa de seus pais, em Thenay (Indre).
Os abaixo assinados certificam que as informações dadas
por sua filha, na presente carta, são da mais rigorosa exati-
dão.
G. Fleurant, Professor jubilado.
S. Fleurant, Professora em Thenay.”
(Carta 399)
XCV – “Há cerca de dois anos, o jovem casal que tenho
atualmente ao meu serviço regressava, entre 9 e 10 horas da
noite, à casa de seus pais, que residiam em uma propriedade
a 3 quilômetros da cidade.
O marido levava pela rédea o cavalo da herdade, que não
ia muito depressa. De um ponto da estrada, ainda bem dis-
tante da fazenda, é bem fácil distinguir as casas desta.
Subitamente viu o condutor, a alguns minutos de interva-
lo, elevarem-se três chamas acima dos tetos, como três gran-
des fogos fátuos. Supondo tratar-se de um incêndio, apres-
sou ele o seu cavalo. A jovem esposa nada tinha visto, mas
entrando no pátio ouviu distintamente, assim como seu ma-
rido, repetidas pancadas em um portão do jardim, semelhan-
tes a um rufar de tambor.
Entrando em casa, encontraram sua mãe profundamente
emocionada. Por três vezes diferentes, correspondendo às
três chamas vistas por seu filho, ouvira ela um barulho de
cadeiras arrastadas na sala. Por três vezes descera a esta e
nada pudera ver. Levantaram os criados para percorrer as
cavalariças: nada viram nem ouviram eles de anormal.
Somente os rendeiros foram impressionados pelo fato e
mesmo quando todos, um pouco mais sossegados, se dirigi-
ram aos seus respectivos cômodos, o fragor das cadeiras ar-
rastadas recomeçou. De novo todos se reuniram e, como no
interior de nosso país as puras tradições de piedade não es-
tão completamente perdidas, a mãe e seus filhos uniram suas
preces em favor da pobre alma angustiada que os viera visi-
tar, sem saberem de que pessoa de seu conhecimento poderia
tratar-se.
Ora, no dia seguinte, soube-se que uma jovem prima, que
se afeiçoara a essa família, tinha sido enterrada precisamente
no dia em que se deram tais fatos. Por um acaso inexplicá-
vel, ninguém da fazenda tinha sido prevenido a respeito da
morte, nem do enterro.
Cinco pessoas experimentaram, pois, mais ou menos, tais
sensações: o pai, de índole incrédula, a mãe, o filho, a nora e
uma mocinha. Os criados moram em um outro corpo do edi-
fício; não se lhes pode, portanto, atribuir, de qualquer forma,
uma parte nesses ruídos insólitos. Dormiam eles profunda-
mente quando as pancadas foram dadas no portão do jardim
e a visita às estrebarias provou que tudo estava perfeitamen-
te calmo.
M. Pasquel
Rua da Fonte, 2, Cosne (Nièvre).”
(Carta 402)
XCVI – “Minha mãe estava à cabeceira de sua mãe, in-
disposta e muito inquieta por não poder visitar sua vizinha e
amiga que se achava agonizante (o que, de resto, se lhe ocul-
tava). De repente, estando as portas e as janelas fechadas,
vê-se, não o cortinado, mas as duas guarnições, dispostas em
torno da armação do docel, agitarem-se em sentido inverso,
isto é, separando-se e reunindo-se como em forte abraço. E
minha avó em seguida a dizer:
– Vês, minha filha, Josefina diz-me adeus.
Minha mãe desceu imediatamente. A vizinha acabava de
expirar.
Maria Olivier, Garcoult (Var).”
(Carta 405)
XCVII – “Estava minha mãe ocupada, certo dia, em sua
casa, quando ouviu muito distintamente a voz de seu irmão,
que residia distante uns 800 quilômetros, chamá-la por seu
prenome, duas vezes. Vindo onde se achava meu pai, disse-
lhe:
– É curioso, acabo de ouvir meu irmão chamar-me; sinto-
me emocionada; não sei o que está acontecendo.
Dois dias depois recebeu ela uma carta anunciando-lhe
que seu irmão falecera no mesmo dia em que ela escutara
sua voz.
Peltier, Marselha.”
(Carta 409)
XCVIII – “Eis aqui um fato cuja veracidade posso garan-
tir. Quando eu era soldado, estando licenciado na minha ca-
sa, em Annot (Baixos-Alpes), minha mãe, levantando-se, no
dia 30 de dezembro de 1890, disse-me:
– Creio que se deu uma morte em nossa família. Esta noi-
te, às 2 horas, fui acordada por batidas freqüentes, dadas na
parede, junto à cabeceira da minha cama. Achava-me bem
desperta e tive imediatamente a idéia de uma morte sobre-
vinda a algum dos nossos.
Não dei nenhum crédito a essas apreensões. Mas eis que,
cerca de 10 horas da manhã, recebemos um telegrama de
Digue, comunicando achar-se gravemente enferma minha ti-
a, irmã Santa Ângela, superiora dos órfãos de São Martinho
de Digue. Minha mãe disse:
– A este telegrama seguir-se-á um outro comunicando a
morte.
De fato, à noite chegava outro telegrama comunicando o
falecimento. Seguiu-se-lhe uma carta, a 31 de dezembro, es-
clarecendo que minha tia, após uma doença de vários dias,
falecera a 30 de dezembro, às 2 horas da manhã, hora na
qual minha mãe ouvira aquelas batidas dadas perto de seu
ouvido. Minha mãe ignorava que minha tia estivesse enfer-
ma.
Barlatier
Annot (Baixos-Alpes).”
(Carta 414)
XCIX – “Passou-se o fato em Contes (Alpes Marítimos),
em 1881. Era um domingo, achava-me à igreja com todos os
meus camaradas de classe, que o professor, nesse tempo, era
encarregado de levar à missa cantada de domingo. Em dado
momento, quando nos achávamos de pé, e portanto bem a-
cordados, tive perfeitamente a impressão de uma voz a di-
zer-me: “Tua irmã morreu.” Com efeito, regressando à casa,
encontrei minha irmã, que se achava doente há algum tem-
po, mas sem jamais guardar o leito, em agonia, morrendo
três ou quatro horas depois. Esse fato está e sempre estará
presente em minha memória, como no dia em que se produ-
ziu.
Pencenat, Nice.”
(Carta 430)
C – “Minha mãe, Sra. Molitor, de Arlon, encarrega-me de
vos transmitir sua resposta.
Em novembro de 1891, certa manhã, pelas 5 horas, estava
minha mãe acordada na cama. Pela porta aberta do quarto
viu entrar seu irmão, tenente, em serviço no matadouro mili-
tar de Mons (Hainaut). Estava em pequeno uniforme e tal
qual o tinha visto alguns anos antes, por ocasião de uma li-
cença que passara em sua casa. Ele a contemplou, sorrindo-
lhe, depois saiu, fazendo com a mão um gesto afetuoso.
Às 11 horas da manhã do mesmo dia o telegrama anunci-
ando a morte desse irmão chegava à casa de minha mãe.
C. Molitor
Empregado do Cadastro em Arlon (Bélgica).”
(Carta 432)
CI – “A. – Há cerca de quarenta anos, uma de minhas pa-
rentes consangüíneas, então moça, passeava no campo com
sua mãe, quando se sentiu roçar por um sopro. E gritou:
– X. acaba de morrer!
Era verdade. X. era um homem que a amava e que se sen-
tia morrer do peito. Ela o sabia muito doente.
B. – Eis um fato que fiz a nossa criada contar-me de novo,
ontem à noite, a fim de vo-lo descrever com todos os deta-
lhes. Essa criada é uma honesta rapariga, muito inteligente,
que há sete anos está ao nosso serviço.
Em 1884 estava ela empregada em casa de uma velha se-
nhora que, na ocasião da cólera, levou-a para o campo, não
muito distante de Toulon. Uma noite ela é despertada por le-
ves batidas na janela; põe o ouvido à escuta e não ouve nada
mais; supõe que tenha sido sonho e procura novamente dor-
mir.
Novas batidas na janela. Muito assustada, ela se levanta.
Batem pela terceira vez, depois ela vê passar por duas vezes,
do lado de fora, como que um fantasma branco.
Seu quarto era situado no primeiro andar e dava para um
telhado. Mas a casa era isolada, e se alguém estivesse an-
dando no telhado, tê-lo-ia certamente ouvido, pois que pos-
suía muito aguçado esse sentido.
Pela manhã ela relatou a aparição à sua patroa, que se riu
dela, dizendo-lhe que havia sonhado. Dois meses depois
veio a saber da morte, verificada dois meses antes, de uma
prima sua que ela amava como a uma irmã. Sabendo a afei-
ção que ela dedicava a essa prima, ocultara-lhe a família o
falecimento súbito, pois a cólera a havia levado em algumas
horas.
L. Fierringer
Capital de navio, reformado, em Toulon.”
(Carta 433)
CIII – “Há alguns anos, o Sr. e a Sra. H. W. visitavam um
velho doente chamado Saint Aubin, que, ao quanto parecia,
era muito instruído e assaz original. No correr da conversa-
ção, o velho, esperando sua morte próxima, prometeu ao Sr.
W. que no momento de morrer o avisaria. O Sr. W. tinha-lhe
também prometido isso.
Passou-se o verão sem que fossem visitar o enfermo. Uma
noite de inverno, à hora de cear, o Sr. W. lia seu jornal,
quando de repente levantou involuntariamente a cabeça e
disse à sua mulher:
– Morreu Saint-Aubin.
A Sra. W. não podia acreditar nisso e perguntou de quem
tivera ele a notícia.
– Ninguém jamais me falou de Saint-Aubin – respondeu
ele – mas recebi na fronte uma diminuta pancada que, ao
mesmo tempo, fez-me pensar na morte de Saint-Aubin.
Na manhã seguinte a Sra. W. ouvia falar na igreja da mor-
te de Saint-Aubin, que ele exalara o último suspiro na véspe-
ra, à noite.
O Sr. W. (meu tio), de quem ouvi esta narrativa, disse-me
que lhe é impossível determinar a natureza da pancada rece-
bida; jamais experimentou ele coisa análoga. Não é crédulo,
nem supersticioso esse meu tio. Até pelo contrário.
Gussie Van Der Haege, Roulers.”
(Carta 437)
CIV – “A. – A Sra. Mercader, minha madrasta, casada em
Vernet-les-Bains (Pirineus Orientais), mas cuja família resi-
dia em Elne (Pirineus Orientais), mandou uma tarde sua en-
teada, Srta. Úrsula Mercader, então com a idade de 16 anos,
fechar a porta da rua, que estava aberta. A moça voltou mui-
to assustada, afirmando que tinha visto um carro fúnebre di-
ante da casa. Ninguém quis acreditar e puseram-se a rir dela.
Ora, na manhã do dia seguinte, chegou um expresso de Elne
(pois ainda não havia telégrafo nessa época), dizendo que o
pai de minha madrasta morrera na véspera, à noite, justa-
mente à hora em que a Srta. Mercader fora fechar a porta e
vira o carro fúnebre.
B. – Minha mulher não tinha então mais do que 15 anos,
mas recorda-se perfeitamente. Seus pais dirigiam um estabe-
lecimento termal em Vernet-les-Bains e os empregados ti-
nham seus quartos no mesmo corpo do edifício, dando para
um só corredor. Ora, um cozinheiro, chamado Guiraud, caiu
gravemente enfermo e certa noite morreu. Todos os criados
chegaram ao mesmo tempo ao quarto mortuário, imediata-
mente após o falecimento, sem que ninguém os fosse preve-
nir.
Cada um deles disse que tinha sido acordado por uma for-
te pancada vibrada aos pés de suas camas.
Creio satisfazer o vosso desejo, relatando-vos esses fatos
que são autênticos.
Dr. H. Massina, Vernet-les-Bains.”
(Carta 440)
CVI – “A Sra. S., muito instruída, inteligente, poetiza, en-
tusiasta, destituída de bens de fortuna, aliás, inventora incor-
rigível, participou em 1851 da exposição de Londres, onde
obteve um prêmio de 100.000 francos por certas cordoalhas
ou velas de navios aperfeiçoadas.
Sua má estrela fez-lhe encontrar lá um árabe, grande se-
nhor no seu gênero, belo como um deus e que a entusiasmou
tão fortemente que lhe deu ela em casamento sua filha e co-
mo dote os 100.000 francos, reservando para si apenas os
proventos futuros de sua invenção, a qual enriqueceu um
bom inglês, deixando-a sem um vintém.
Essa moça, bela, delicada, boa, perfeitamente educada e
instruída, produto parisiense em todo seu valor e refinamen-
to, foi imediatamente levada para a África por seu marido,
verdadeiro bárbaro, civilizado somente para a ocasião – e
uma horrível e miserável existência começou para ela. Vida
nômade, sob a tenda, em promiscuidade com três ou quatro
outras esposas tão brutas e tão selvagens como seus senho-
res.
Quatro ou cinco anos mais tarde a Sra. S., em Paris, ouviu,
certa noite, ao lado do seu fogão, bem perto dela, a voz de
sua filha, gritando-lhe:
– Mamãe, mamãe!
Supôs, a princípio, enganar-se. Pouco depois, o mesmo
chamado, porém muito mais forte e pronunciado como em
agonia. Levantou-se, percorreu o compartimento, olhou para
a rua. Tudo inutilmente. Ela não sabia o que pensar nem o
que fazer, quando, pela terceira vez, a voz repetiu:
– Mamãe, vem, vem, eu te peço, vem depressa!
Então ela não hesitou mais. Desde o alvor do dia se pôs a
caminho para Marselha. Quanto tempo durou a viagem? E-
xistiam, nesse tempo, estradas de ferro? Havia-lhe dito a
voz: “Vem a Marselha?” Nada sei de tudo isso.
O certo é que em Marselha ela encontrou, reduzida à últi-
ma extremidade, sua desgraçada filha, que parece tê-la ape-
nas esperado para morrer em seus braços.
S. Babinet Rencogne, Tolosa.”
(Carta 443)
CVII – “A. – Meu avô materno, homem grave, calmo e
rígido o mais que se pode ser, passeava um dia no quarteirão
mais populoso de Londres, absorto em suas reflexões. Em
dado momento, viu ele abrir-se uma passagem no meio da
multidão e dirigir-se para o seu lado um dos seus mais caros
amigos de infância, coronel comandante de um regimento
das Índias e que devia estar, segundo as informações dos
jornais, ocupado precisamente nesse instante, em submeter
os cipaios revoltados. Meu avô, no cúmulo da surpresa, es-
tendeu a mão ao seu amigo e ia fazer-lhe uma pergunta,
quando bruscamente, como tinha vindo, desapareceu.
Regressando à casa, informou-se meu avô se o coronel fo-
ra visitá-lo e, diante da resposta negativa do pessoal de ser-
viço, saiu um tanto preocupado, para ir ao seu clube. Tam-
bém lá ninguém tinha visto o coronel. Passaram-se as sema-
nas; nessa época as comunicações eram lentas. Um dia, per-
correndo as colunas de um jornal hebdomadário em circula-
ção nas Índias, teve ele a dor de ver figurar na lista dos mor-
tos, por traição dos cipaios, o nome de seu próprio amigo e,
confrontando as datas, tudo lhe fez presumir que a morte co-
incidia com a aparição nas ruas populosas de Londres, onde
os dois amigos gostavam muito particularmente de ir estudar
as fisionomias características do povo londrino.
B. – Um jovem pastor contou-me o fato seguinte:
Perdi meu pai em minha tenra infância; meu irmão e eu
fomos inteiramente educados pela melhor, mais doce e mais
firme das mães, na austera cidade de Bolonha. Sem mostrar
decidida preferência por qualquer de seus filhos, ela cercava,
entretanto, de cuidados muito particulares o mais jovem de-
les, rapazinho delicado, muito sensível e que herdara o tem-
peramento inglês de sua mãe: firme e doce.
À idade de 20 anos, fazia eu meus estudos em Bolonha, ao
passo que meu irmão entrava para a Escola Militar de Mo-
dena. Seria impossível descrever o que ele sofria longe da
casa materna...
Uma noite, antes de se deitar, queixou-se minha mãe de
uma leve indisposição, mostrando-se de certa forma inquieta
com relação ao filho ausente. Mas, boa, resignada e doce,
antes de tudo, retirou-se ela calmamente, como de costume.
Eram contíguos os nossos dormitórios. Passei uma parte da
noite ocupado em um trabalho difícil e, somente pela manhã,
consegui adormecer.
De súbito, fui despertado por um ruído de vozes e, abrindo
os olhos, fiquei surpreendido de ver em meu quarto meu
próprio irmão, pálido, o semblante desfeito.
– Mamãe – murmurou ele – mamãe, como vai ela? Dez
minutos depois de meia-noite, eu a vi distintamente na cabe-
ceira da minha cama, em Modena; ela sorria-me, com uma
das mãos mostrava-me o céu, com a outra abençoava-me.
Depois desapareceu. Mas o que te digo é que mamãe mor-
reu!
Corri ao quarto venerado de nossa mãe: ela estava morta,
de fato, com um sorriso nos lábios... Mais tarde nos afirmou
o médico que ela devia ter cessado de viver cerca de meia-
noite.
E. Asinelli, Gênova.”
(Carta 448)
CIX – “Eu contava naquela época os meus doze anos. Ha-
via um ano que fizera a minha primeira comunhão; e era a-
inda um pouco devoto. Interno em um liceu, fazia as minhas
orações quase todas as noites em meu leito infantil.
Ora, certa noite, eu orava com fervor; por que? não o sei.
Suplicava ardentemente, em minha prece, que me fosse con-
servada a minha avó, a quem ternamente amava; fiz uma sé-
rie de orações unicamente com esse objetivo. Depois fechei
os olhos. Quase imediatamente, vi distintamente a cabeça de
minha avó inclinar-se para mim. Surpreso, abri os olhos;
mas tudo havia desaparecido. Não liguei importância alguma
a essa impressão e depressa adormeci. Nessa idade não se
tem cuidados.
No dia seguinte, às 9 horas, vieram buscar-me à escola,
dizendo-me o provisor que tomasse o trem das 10 horas e
fosse a casa de minha avó que pedia para mim dois dias de
férias. Imaginai a minha alegria ao ouvir essas palavras!
Visto-me depressa e parto, feliz como um rei. Quando che-
guei à estação de desembarque, meu pai me esperava; disse-
me, banhado em lágrimas, que minha avó estava mal. Mas
quando entrei em casa, fizeram-me compreender que ela
morrera. Alguns dias mais tarde, perguntei a que horas mor-
rera minha avó. Disseram-me que falecera na sexta-feira, às
8:50 da noite.
Devo observar que minha avozinha somente caíra doente
na quinta-feira, véspera de sua morte, e que ninguém me in-
formou a respeito.
Desde esse momento, como eu tivesse suplicado a Deus
para conservar-me por muito tempo minha avó, não tendo
sido atendido, cessei com razão de acreditar nele. Dizem que
Deus atende as súplicas de todos os que recorrem a ele. Eis
aí uma prova, e também da blague que é a Religião Católica.
Ela é igual às outras, muito simplesmente.34
A. Frinciante, Torigny.”
(Carta 452)
CX – “Contou-me minha tia que estando, certa noite, dei-
tada, mas perfeitamente acordada, produziu-se um rumor in-
sólito na estrebaria dos cavalos. Enquanto seu pai ia ver o
que se passava e acalmar os animais, minha tia avistou dis-
tintamente seu avô, de pé, diante do fogão. Tendo chamado
sua mãe, para que ela o visse também, desapareceu a visão.
No dia seguinte sabia-se da morte do avô, ocorrida, tanto
quanto posso recordar-me, em um acidente que sofrera an-
dando a cavalo.
Eu sustentava que tudo isso não era mais do que o efeito
de um sonho; mas minha tia afirmou-me que não dormira
um só momento antes da aparição.
Henri Pérès
Rua da Capela, 166. Paris.”
(Carta 453)
CXI – “O Sr. Dr. Blanc, d’Aix-les-Bains, contou-me que
foi testemunha, em sua juventude, de um fato curioso. Uma
de suas tias achava-se doente e o filho dessa tia, um rapazi-
nho de 6 anos, foi mandado à casa do Dr. Blanc, pai do atual
doutor, creio que em Sallanches, para brincar com meu pri-
mo. Súbito, a criança detém-se em meio de seu brinquedo,
com ar espantado e grita:
– Mamãe! Eu vi a mamãe!
O fato foi comunicado ao doutor e este logo supôs achar-
se doente a criança, mas um pouco mais tarde se soube que a
mãe morrera no instante em que o filho havia gritado.
Luiz Nícole
61, Tierney R. Streatham, S. W., Londres.”
(Carta 455)
CXII – “Eu tinha em Malamour um parente de minha
mãe, que residia em Varennes, distante 15 quilômetros, e
que ela amava muito, por causa de diversos serviços que lhe
havia prestado em momentos difíceis.
Este parente, que já não existe, sabia que minha mãe se
achava doente. Assegurou-me ele que, tendo ouvido, na noi-
te de seu falecimento, um grande barulho no celeiro, como
se sacudissem violentamente sacos cheios de grãos, pôs-se a
dizer:
– A prima Labbé morreu.
Foi-lhe isso confirmado quando lhe participei o falecimen-
to. Minha mãe, com efeito, morreu na noite indicada por es-
se parente.
Tenho para mim que, se as manifestações telepáticas não
são mais freqüentes, é que elas não se verificam senão de
pessoas amigas a pessoas amigas, mas verdadeiramente a-
migas. quantos estão neste caso?
Nada mais comum do que este nome.
Nada mais raro do que um vero amigo
Labbé
Tabelião em Esnes (Meuse).”
(Carta 457)
CXIII – “Ouvi muitas vezes contar em minha família o
seguinte fato, sucedido a meu tio, membro do Instituto, pro-
fessor na Escola de Títulos e documentos, morto há dezoito
anos. Não vos posso infelizmente garanti-lo senão em suas
grandes linhas e, por conseguinte, peço-vos, se o publicar-
des, não mencionar o nome de meu tio.
Este, muito católico, fora educado por uma de suas tias, de
quem se lembrava sempre com reconhecimento e emoção.
Ora, pela época de sua primeira comunhão (na véspera, su-
ponho), afastado dessa tia por centenas de léguas, avistou-a
diante de si e teve a certeza de que ela morrera e que viera
dar-lhe a sua última bênção.
Poucos dias depois, soube-se, com efeito, que ela morrera
à hora em que fora vista por essa criança.
Paul Kittel
Professor substituto da Universidade, no pequeno
liceu Corneille, em Elbeuf (Sena Inferior).”
(Carta 458)
CXIV – “Por uma tarde de verão, às 3 horas pouco mais
ou menos, passeava eu, lendo uma página de Alphonse Dau-
det, quando, bruscamente, me pareceu que um meu camara-
da, atualmente piloto da Marinha, caía chorando, na atitude
clássica dos soldados feridos de morte, mão sobre o coração
e queda de costas. Isso me intrigou bastante, a ponto de que,
à noite, falei sobre o caso à minha família.
Quatro ou cinco dias depois, recebi uma carta de nosso ex-
professor comum, dizendo-me: “Vosso amigo Luiz está em
extrema aflição. Há alguns dias, tendo ido à caça, feriu, com
um tiro desasado, seu irmão Carlos. Este acabava de bacha-
relar-se.”
Ao receber essa carta, pensei na minha visão. Ela me en-
ganara, pois Luiz não fora ferido. Realizou-se a minha visão
às 3 horas, verificando-se o acidente às 4:30. Entretanto,
mais tarde, vim a saber que Luiz desmaiara, dizendo: “Se
Carlos morrer, mato-me.”
Eis, na íntegra, o que se passou. Insisto sobre a certeza de
ter tido conhecimento de uma desgraça uma hora antes do
acidente que a provocou. Cito-vos os nomes por inteiro, mas
não desejaria que os publicásseis integralmente, pelo que
vos agradeceria se lhes mencionasses apenas os prenomes.
J. P.
Saint-Paul-les-Romans (Drôme).”
(Carta 459)
CXV – “Em 1865, a cólera fazia devastações em La Sey-
ne; para fugir ao flagelo, refugiou-se minha família em uma
aldeia vizinha. Nessa aldeia residia um operário que, afron-
tando a epidemia reinante, ia todos os dias a La Seyne e re-
gressava à tarde.
Uma manhã, sentindo-se fatigado, ele deixou de ir e seu
filho, jovem de 15 anos, não supondo que seu pai estivesse
tão gravemente indisposto, deixou-o para ir distrair-se pes-
cando de sobre os rochedos da costa, a 8 quilômetros, espe-
rando que seu pai se lhe fosse juntar no correr da manhã.
Às 11 horas, morria-lhe o pai, vitimado pela cólera; à
mesma hora o filho estava certo de tê-lo visto sobre um ro-
chedo próximo, fazendo-lhe sinal para que se aproximasse.
Sendo a costa um pouco escarpada nesse lugar, fizera ele
uma volta para alcançar o dito rochedo; mas, à sua chegada,
tinha a visão desaparecido.
Desvairado, o mancebo ganha precipitadamente o seu do-
micílio, perguntando logo se seu pai tinha voltado: mostra-
ram-lhe o seu cadáver... Foi então que ele nos fez o relato de
sua alucinação.
Não tendo eu próprio assistido aos últimos instantes do
pai, não posso dizer se ele pediu para ver seu filho, ao mor-
rer, e limito-me a relatar-vos o que há de preciso em minhas
recordações.
Balossy
Corretor geral do fumo, em
Pont-de-Beau-Voisin (Isère).”
(Carta 462)
CXVI – “Transcorria o ano de 1850. Achavam-se recolhi-
das ao leito duas irmãs, quando uma delas de repente grita:
– Ah! meu Deus, meu pai!
Crendo a genitora que se trata de uma alucinação ou de
um sonho, procura dissuadir sua filha daquela impressão,
mas esta lhe responde:
– Estou certa de ter visto papai e ele até chegou a tocar-me
com suas mãos.
Cumpre dizer que seu pai estava em Tours já há algum
tempo e construía casas de madeira para a localização das
feiras de Tours.
No dia seguinte a família recebeu uma carta comunicando
que ele morrera em conseqüência de uma queda sofrida du-
rante a tarde. Foi justamente no instante de sua morte que a
aparição se deu.
L. Delanone
Rendeiro, rua do Castelo, 28. Loches.”
(Carta 468)
CXVII – “Residia eu, entre 1857 e 1858, em Paimboeuf,
com minha mulher e meu filho, numa casa ocupada anteri-
ormente por Mme. Leblanc, que transferira sua residência
para Nantes.
Uma noite da primavera de 1858 (não posso precisar a da-
ta, para o que seria preciso consulta o registro civil), minha
mulher e eu fomos despertados em sobressalto por grande
barulho; a ambos parecia-nos que uma pesada barra de ferro
acabava de ser atirada violentamente sobre o assoalho do
quarto e que a nossa cama fora fortemente sacudida. Levan-
tando-nos incontinenti, acendemos a vela, corremos ao berço
da criança e examinamos o quarto. Nada se achava aí fora de
seus lugares.
No dia seguinte, ou dois dias depois, vieram dizer-nos que
a Sra. Leblanc tinha morrido precisamente na noite em que
fôramos despertados bruscamente, sem uma razão plausível
e quase à mesma hora. Não mantínhamos relações freqüen-
tes com essa senhora e ignorávamos estivesse ela doente.
Minha madrasta e minha cunhada, que ocupavam dois
quartos por detrás do nosso, haviam-se levantado e vieram
juntar-se-nos. Creio recordar-me que elas tinham sido des-
pertadas pelo barulho e pelas exclamações que fazíamos,
minha mulher e eu, e não por outra causa qualquer. Logo
que verificamos coincidir a morte da Sra. Leblanc com o a-
contecimento que tanto nos surpreendera, minha cunhada,
muito piedosa, disse:
– As almas dos mortos, ao separarem-se do corpo, vêm vi-
sitar a casa onde moraram.
E. Orieux
Inspetor e chefe honorário do
Departamento das estradas, em Nantes.”
(Carta 472)
CXVIII – “Há alguns anos, em Mouzon (Ardennes), uma
mulher, muito doente, mandou sua neta passar alguns dias
em casa dos pais, em Sedan. Uma noite, a criança acorda,
chora, chama por sua mãe, pede para vê-la, roga que a levem
imediatamente para junto dela.
No dia seguinte vieram comunicar a morte da genitora, à
hora exata em que sua filhinha a chamava e queria tanto que
a levassem para perto dela.
Não me recordo nem dos nomes dessas pessoas, nem da
data precisa do acontecimento, não tendo àquela época pres-
tado grande atenção ao fato, mas posso garantir-vos essa
correlação como perfeitamente autêntica.
G. Gillet
Rua Bournizet, 28, em Vouziers (Ardennes).”
(Carta 473)
CXIX – “Meu irmão, guarda militar em Cayenna, quando
esteve em Bollène, licenciado, contou-me o seguinte fato:
Ele dava-se muito com um outro guarda, o Sr. Renucci.
Este último tinha uma filhinha que gostava muito de meu
irmão e de minha cunhada. Essa menina caiu doente. Uma
noite, meu irmão, acordando, viu no fundo do quarto a pe-
quena Lídia, que o olhava fixamente. Depois sumiu-se. Sur-
preso, meu irmão acordou minha cunhada e lhe disse:
– Didi (Lídia) morreu, acabo realmente de vê-la.
Não puderam mais dormir. No dia seguinte, apressou-se
meu irmão em ir a casa do Sr. Renucci. A menina, com efei-
to, morrera no correr da noite. A hora da aparição coincidia
com a da morte.
Regina Jullian
Professora em Mornas (Vaucluse).”
(Carta 475)
CXX – “O que aconteceu comigo parece ter analogia com
os fatos a respeito dos quais vindes publicando tão interes-
santes estudos.
Meu pai achava-se enfermo e estava sendo tratado longe
de nós. Apesar de o sabermos gravemente enfermo, tínha-
mos muita esperança em seu restabelecimento. Fôramos vi-
sitá-lo e o acháramos bem disposto, quando uma noite, acor-
dando eu em sobressalto, pareceu-me que o retrato de meu
pai, que estava colocado exatamente defronte do meu leito,
fazia um grande movimento. Digo pareceu-me, porque su-
ponho inadmissível que ele se tivesse movido. Em todo o
caso, o meu primeiro olhar, levantando-me sobressaltada, foi
para esse retrato que acreditei ter visto mover-se. Ao mesmo
tempo experimentei tal impressão de medo que não pude
mais dormir. Verifiquei a hora: era precisamente 1 hora da
manhã.
Pela manhã recebemos uma carta, chamando-nos para jun-
to de meu pai, cujo estado agravara-se subitamente. Chega-
mos muito tarde. Meu pobre pai falecera à noite, à 1 hora da
madrugada, portanto no momento exato em que eu fora des-
pertada.
Esse fato, no qual muitas vezes reflito, permanece natu-
ralmente, em absoluto, incompreensível para mim.
Juliette Thévenet, Monte Carlo.”
(Carta 478)
CXXI – “Havia oito anos que eu deixara a casa paterna,
quando, na noite de 18 para 19 de janeiro de 1890, ouvi
chamarem-me três vezes pelo meu nome: “Lucina, Lucina,
Lucina!”, ao que eu não estava acostumada, pois que em
Breslau, onde eu era governanta, chamavam-me senhorita.
Esse chamado foi seguido de um ranger de porta que se
fecha sobre gonzos enferrujados; reconheci esse ranger que
há oito anos eu não ouvia; era o de uma porta muito velha da
casa de meus pais, em Epanvillers (Suíça). Reconhecera i-
gualmente naquele chamado a voz de minha irmã. Passei a
noite toda agitada por um triste pressentimento, e no dia se-
guinte recebi a notícia da morte de minha irmã, ocorrida na
noite de 18 para 19.
L. Roy
Misteâ-Moravia (Áustria).”
(Carta 494)
CXXII – “Eis aqui um fato que me diz muito particular-
mente respeito e que devo submeter aos vossos estudos de
sábio, mas para o qual peço a vossa discrição absoluta, pois
se trata de uma confissão que encerra muitas indicações sus-
cetíveis de torná-la reconhecida ou adivinhada por algumas
pessoas da minha localidade, mesmo pela família do defun-
to, de quem vou falar-vos.35
No dia da nossa primeira entrevista, tinha eu 20 anos; ele
32; nossas relações mantiveram-se durante sete anos. Nós
nos amávamos ternamente.
Um dia o meu amigo anunciou-me, não sem desgosto, que
sua situação, sua pobreza, etc., forçavam-no ao casamento e,
no embaraço de suas explicações, eu sentia vago desejo de
que as nossas relações não fossem de todo interrompidas.
Abreviei a penosa entrevista e, mau grado à minha imensa
mágoa, não tornei a ver o meu amigo, não querendo, em
meu amor único e absoluto, partilhar com uma outra, e de
boa vontade, esse homem que eu tanto amava.
Vim a saber, mais tarde, indiretamente, que ele estava ca-
sado e tinha um filho.
Alguns anos depois desse casamento, em uma noite de a-
bril de 1893, vi entrar no meu quarto uma forma humana,
cujo sexo tentei em vão descobrir; essa forma, de elevada es-
tatura, estava envolta em um lençol branco que lhe encobria
o rosto. Aterrorizada, eu a vi encaminhar-se para mim e so-
bre mim inclinar-se; depois senti uns lábios colarem-se aos
meus, mas que lábios! jamais esquecerei a impressão que e-
les me produziram; não experimentei nem pressão, nem mo-
vimento, nem calor, nada mais do que frio, o frio de uma
boca sem vida!
Entretanto senti um descanso, um grande bem-estar duran-
te esse longo beijo; mas em momento algum do meu sonho,
nem o nome, nem a imagem do amigo que eu perdera apre-
sentaram-se ao meu espírito. Ao despertar, não pensei mais,
ou pouco pensei nesse sonho, até o momento em que, cerca
de meio-dia, percorrendo o jornal de ..., li o que se segue:
“Escrevem-nos, de X, que realizaram-se ontem as exé-
quias de M. J.” (Vinham as qualidades do defunto); depois o
artigo terminava atribuindo essa morte a uma febre tifóide
causada pela surmenage conseqüente a encargos escrupulo-
samente desempenhados.
“Caro amigo – pensava eu –, desembaraçado das conven-
ções mundanas vieste dizer-me que é a mim a quem amavas
e ainda amas além da morte; eu te agradeço e amo-te sem-
pre.”
Tornarei a encontrá-lo? Minha alma sentir-se-á feliz em
evadir-se de sua prisão para voar à sua procura.
Senhorita Z.”
(Carta 498)
CXXIII – “No ano de 1866, o Sr. Paulo de L., professor
de alemão em S. Petersburgo, achava-se com seu irmão em
casa de sua mãe, na Prússia, a alguma distância da aldeia em
que residia sua irmã, então ligeiramente enferma.
Na manhã de 17 de setembro, os dois irmãos passeavam
em pleno campo. Em dado momento Paulo ouve uma voz
que por duas vezes o chamou por seu nome. Na terceira vez,
o irmão do Sr. L. também ouviu a voz pronunciar, muito dis-
tintamente, o nome de Paulo. Tomado de sombrio pressen-
timento, pois que deserto era o campo, apressaram-se os dois
irmãos em voltar para casa, onde encontraram um telegrama
comunicando-lhes que o estado de sua irmã havia subita-
mente piorado, achando-se ela em agonia.
Paulo L. e sua mãe partiram pela diligência. Na estrada,
cerca de 4 horas da tarde, o Sr. L. viu subitamente passar di-
ante de si a forma de sua irmã, que lhe roçou o corpo quando
o veículo atravessava esse ponto da estrada.
Nutriu ele, então, a firme convicção de que sua irmã tinha
morrido, o que comunicou à sua mãe, ao mesmo tempo em
que anotava exatamente a hora em que isso se passou. À
chegada, souberam que a irmã morreu à hora em que sua
forma aparecera e que pela manhã ela o havia chamado mui-
tas vezes em sua agonia.
Outros detalhes a notar: quando regressaram a casa, acha-
ram o relógio parado na hora exata da morte; o retrato de sua
irmã caíra no mesmo instante (esse retrato achava-se soli-
damente suspenso à parede e entretanto caiu sem arrancar o
prego).
O Sr. L., cujo endereço tenho à vossa disposição, pode a-
testar a exatidão de todos esses fatos.
São Petersburgo, 18/30 de março de 1899.
V. Mouravieff.”
(Carta 502)
CXXIV – “A. – Estamos em dezembro de 1875. Meu pai
acabava de recolher-se ao leito para morrer no dia seguinte.
Desde muito achava-se doente, mas procurava conservar-se
de pé, na crença de conjurar a morte enquanto se pudesse
furtar a ir para a cama. Achava-me sentado perto do seu leito
e via com mágoa anunciarem-se as primeiras manifestações
da agonia. Ninguém da família estava ainda prevenido.
De repente um dos meus tios entrou em trajos de trabalho.
Com a voz entrecortada, ele me disse:
– Meu irmão está muito doente?
– Julgai-o vós...
– Imagina tu que há pouquinho, voltando dos trabalhos da
charrua, à noite, pareceu-me ver teu pai passeando como de
costume e levando como sempre a mão ao coração, onde es-
tá o seu mal. Ele voltou-se para mim, dizendo-me: “Acabou-
se tudo, Cristóvão; chega a nossa casa...” Aterrado, gritei pa-
ra Júlia: “Teu tio, não vês o teu tio?...” “Estás sonhando, pa-
pai, aqui não está ninguém!” “Nesse caso – repliquei –, pre-
vine tua mãe de que não me espere; vou a D., à casa de meu
irmão.”
Eram 6 horas da tarde; no dia seguinte, às 5 horas, meu pai
estava morto.
B. – O segundo fato passa-se em agosto de 1889. Uma
noite, minha mulher e eu ceávamos tristemente: eu acabava
de perder minha mãe. Em dado momento entra um homem e
disse à minha mulher que sua mãe estava bem doente e que
era preciso partir imediatamente; havia uma carruagem.
No dia seguinte eu recebia a notícia de que minha sogra ia
bem mal e que era necessário que eu fosse. Ia partir, quando
fui tomado subitamente de um terrível acesso de neurasteni-
a; qualquer movimento me era impossível e avassalou-me
uma espécie de sonolência. Eu não via nada, mas sentia-me
acolá, no meio da família em lágrimas, perto do leito da a-
gonizante, e ouvia uma voz que dizia: “Então ele não vem,
Emília?” E depois uma outra voz – a da agonizante: “Ele
não pode, está doente o pobre rapaz. E depois, também, para
quê?”
Uma hora depois, recebia eu o fatal telegrama: “Mamãe
acaba de morrer.”
Dr. E. Clement, Montreux.”
(Carta 504)
CXXVI – “Meu cunhado, Jung, achava-se um dia com seu
pai, seu cunhado Gauzhirt e um amigo deste último, chama-
do Sohnlein, em um caramanchão de seu jardim. Jung tinha
perto de 12 anos, Gauzhirt e Sohnlein, 22 a 24. Todos goza-
vam saúde. Sohnlein disse-lhes:
– Quando eu morrer, aparecer-vos-ei aqui mesmo.
Alguns meses mais tarde meu cunhado Jung, estando ocu-
pado em seus trabalhos escolares nesse caramanchão, ouviu
um barulho como de uma árvore fortemente sacudida e viu
frutos de uma ameixeira caírem a seu lado. Não vendo nin-
guém, sente-se tomado de medo, fecha seus livros e cader-
nos e entra em casa. Pouco depois avisaram-lhe que Sohnle-
in tinha morrido.
V. Schaeffer Blanck, Huningue.”
(Carta 505)
CXXVII – “Não tenho experimentado pessoalmente im-
pressão alguma do gênero das que fazem o objeto de vosso
questionário. Mas uma pessoa da minha família foi impres-
sionada nas condições e da maneira seguinte:
Seu pai residia em Bayonne. Ela achava-se em Concórdia,
na América do Sul. No dia 5 de março de 1889, às 7 horas
da manhã, achando-se deitada, mas desperta, julgou ver seu
pai encostado ao pé do seu leito e olhando-a com tristeza.
Nesse mesmo instante, seu pai era acometido de paralisia ce-
rebral. Vinte e seis dias depois, a 31, estava morto.
Bonnome
Recebedor-chefe das contribuições
diretas, em Mostaganem.”
(Carta 510)
CXXVIII – “Seja-me permitido assinalar-vos um fato que
me parece assaz curioso. Em primeiro lugar, decidiu ele da
minha vida; depois, as circunstâncias em que se verificou
são verdadeiramente pouco comuns.
Em 1867 (tinha eu, então, 25 anos), no dia 17 de dezem-
bro, acabava de deitar-me. Era perto de 11 horas e, enquanto
me arrumava para dormir, pus-me a refletir. Pensava em
uma jovem que eu conhecera, nas últimas férias, nos banhos
de mar de Trouville. minha família conhecia a sua, muito in-
timamente, e tomamo-nos, Marta e eu, de uma viva afeição.
Nosso casamento seria em breve realizado, quando, por
questões de interesses, nossas duas famílias ficaram estre-
mecidas, sendo necessário romper as relações que entre as
mesmas existiam.
Marta seguiu para Tolosa e eu voltei para Grenoble. Con-
tinuamos, entretanto, a amarmo-nos sempre, a tal ponto que
a moça recusava qualquer outro partido que se lhe apresen-
tasse.
Nessa noite de 17 de dezembro de 1867, eu pensava, pois,
em tudo isso e acabava de deitar-me, quando vi a porta do
meu quarto se abrir docemente, quase sem ruído e Marta en-
trar. Estava vestida de branco, cabelos esparsos sobre as es-
páduas. Bateram, nesse momento, 11 horas. Isso, posso a-
firmá-lo, pois eu não dormia. A visão aproximou-se do meu
leito, inclinou-se ligeiramente sobre mim e eu quis pegar a
mão da jovem. Estava fria. Soltei um grito, o fantasma desa-
pareceu e, quando dei acordo de mim, tinha um copo d’água
na mão, o que me provocara tal sensação de frio.36 Mas, no-
tai-o, eu não dormia e o copo d’água estava sobre a minha
mesa de cabeceira, ao meu lado. Não pude dormir. No dia
seguinte, à tarde, recebi a notícia da morte de Marta, às 11
horas da noite, na véspera, em Tolosa. Sua última palavra ti-
nha sido: “Jacques!”
Eis aí a minha história. Posso acrescentar que não me ca-
sei. Estou velho, mas penso sempre em minha visão. Ela
embala o meu sono.
Jacques C., Grenoble.”
(Carta 512)
CXXIX – “Tinha eu uma amiga de infância, Helena, a
quem amava enternecidamente. Seu pai, funcionário públi-
co, foi removido para Paris. Houve necessidade de separar-
nos, o que nos causou infinita mágoa. Antes de partir, Hele-
na veio trazer-me sua fotografia, ela mesmo colocou-a em
um quadro, sobre pequena mesa do meu quarto, e promete-
mos uma a outra corresponder-nos freqüentemente, o que
efetivamente cumprimos.
O clima da capital foi nefasto à minha pobre Helena, já de
si mesmo tão delicada. Foi pouco a pouco enfraquecendo
cada vez mais e dentro em breve eu soube que ficara tuber-
culosa. Desde esse instante e sem que ela o percebesse bem,
eu acompanhava os progressos do seu mal. Um dia recebi de
minha amiga uma carta alviçareira: ela estava bem melhor e
esperava vir passar comigo a bela estação. Essa melhora sú-
bita amedrontou-me um pouco; acabei depois concordando
que era bem possível, em todo caso, que Helena encontrasse
a cura.
O dia seguinte, isto é, 15 de abril de 1896, passei-o todo
com o espírito inquieto. Não estava ainda nessa ocasião com
os meus estudos concluídos. À noite, após o jantar, recolhida
ao meu quarto, achava-me ocupada em resolver um proble-
ma de Geometria, com dificuldade conseguindo fixar minha
atenção. Estava perto de mim a fotografia da minha amiga,
sempre no mesmo lugar e meus olhos eram invencivelmente
atraídos por essa imagem.
De repente vi o retrato mexer as pálpebras, abrindo a boca
como se quisesse falar. Um ruído fez-me estremecer: era o
meu relógio que batia 8 horas. Supondo haver sonhado, es-
freguei os olhos e olhei de novo. Desta vez vi distintamente
o retrato mexer com os lábios, abrir desmesuradamente os
olhos, depois fechá-los em seguida lentamente, dando um
suspiro.37
Não ousei mais olhar para a fotografia, tomei apressada-
mente a lâmpada, deitei-me imediatamente, embora fosse
ainda muito cedo, e procurei, porém em vão, adormecer.
Pelas 10 horas, ouvi baterem ruidosamente à porta da rua.
Chamei imediatamente meus pais, que estavam deitados. Era
um telegrama, com estas palavras: “Helena falecida esta noi-
te às 8 horas.”
O primeiro trem do dia seguinte levou-me a Paris, em
companhia de meu pai. Propunha-me a assistir aos funerais
de minha amiga e também a conhecer os detalhes dos seus
últimos instantes. Soube que no dia de sua morte ela não
cessara de falar em mim, tendo mesmo dito:
– Talvez que Valentine esteja agora olhando para o meu
retrato. Ela supõe-me curada e eu sinto que vou morrer.
Alguns momentos antes da hora suprema, recomendara
que me avisassem logo e que me transmitissem o seu adeus.
Sua última palavra fora o meu nome.
Expliquem este fato como quiserem; o que posso afirmar é
que não fui vítima de uma ilusão. Jamais tive o espírito in-
clinado a aparições. Demais, achava-me absolutamente em
meu estado normal.
Valentine C., Roanne.”
(Carta 514)
CXXX – “Uma de minhas amigas de estudo (eu sou dou-
tora) tinha ido às Índias como médica missionária. Perdemo-
nos de vista, como por vezes acontece, mas nos amávamos
sempre.
Na manhã de 28 para 29 de outubro (eu estava nessa oca-
sião em Lausanne), fui acordada antes das 6 horas por bati-
dinhas dadas em minha porta. Meu quarto de dormir dava
para um corredor que terminava na escada do primeiro an-
dar. Eu deixava a minha porta entreaberta para que um gran-
de gato branco, que eu possuía, pudesse ir à caça durante a
noite (a casa era infestada de ratos). Repetiram-se as panca-
das. A campainha não soara e eu não sentira subirem a esca-
da.
Por acaso meus olhos pousaram sobre o gato, que ocupava
seu lugar de costume ao pé da minha cama: estava ele senta-
do, com o pelo eriçado, tremendo e rosnando. A porta agi-
tou-se como impelida por um ligeiro golpe de vento e vi a-
parecer uma forma envolta em uma espécie de tecido vapo-
roso branco, como um véu sobre uma sombra escura. Não
pude distinguir bem o rosto. ela aproximou-se; senti um so-
pro glacial passar por mim, ouvi o gato rosnar furiosamente.
Instintivamente fechei os olhos e quando os reabri havia tu-
do desaparecido. O gato tremia por todo o corpo e estava
banhado de suor.38
Confesso que não pensei na amiga que se achava nas Ín-
dias, mas em uma outra pessoa. Cerca de 15 dias mais tarde
soube da morte de minha amiga, ocorrida na noite de 29 para
30 de outubro de 1890, em Srinaghar, Kashmir. Posterior-
mente soube que ela sucumbira em conseqüência de uma pe-
ritonite.
Maria de Thilo
Doutora em Medicina em Saint-Jamien (Suíça).”
(Carta 519)
CXXXI – “Achava-me, certa manhã, em minha sala de
jantar, apenas com uma criada. Estávamos uma e outra ocu-
padas na arrumação da casa. A criada, voltada de costas para
mim, espanava um console. Eu arrumava as coisas que a-
chava sobre uma mesa que nos separava. Todos em casa
dormiam ainda, porque era muito cedo; dessa forma, o mais
perfeito silêncio reinava em torno de nós.
De repente ouvimos um ruído que nos deu a impressão da
queda de um grande pássaro que tomba pesadamente, depois
de haver várias vezes batido as asas. Parecia ter-se passado
isso entre nós, no meio da sala. Ambas experimentamos cer-
ta comoção. A criada voltou-se bruscamente, deixando cair o
espanador que tinha em mãos, e olhou-me com um aspecto
de pavor. Eu estava imóvel, estupefata e sem poder falar. No
fim de alguns segundos, voltando de meu espanto, precipi-
tei-me de um salto à janela, examinei a parte de fora: era um
pátio no qual não vi nada que pudesse causar esse ruído.
Querendo à viva força achar-lhe a explicação, abri duas por-
tas: uma dava para um vestíbulo, outra para um quarto de
dormir inabitado. Pesquisei, remexi por toda parte. Nada,
sempre nada.
Então, sem fazer comentário algum, veio-me a idéia de
mandar saber notícias de uma pessoa doente, pela qual eu
me interessava e que deixara, na véspera, agonizante. Era a
uma pequena distância da casa. Quando a criada regressou,
disse-me:
– Ela morreu esta manhã, às 6:30.
Eram então 7 horas. Aquele estranho barulho produzira-se
exatamente à hora em que a morte se verificou.
Mme. B., Nevers.”
(Carta 522)
CXXXII – “A. – No inverno de 1870-1871, encontrei-me
uma tarde a sós com minha mãe e minha avó que deixara Sa-
int-Etienne desde alguns dias, para vir passar um mês perto
de sua filha e de sua neta; deixara seu filho Pedro, então com
a idade de 35 anos, ligeiramente indisposto, em conseqüên-
cia de um resfriado. De forma alguma estava ela inquieta a
seu respeito e, tendo há muito decidido sua viagem, veio
juntar-se-nos em Marselha.
Ora, uma noite, acabávamos apenas de nos deitar, eu no
mesmo quarto que minha avó e mamãe em um outro cômo-
do, quando um violento toque de campainha nos pôs a todos
sobressaltados; eram 11 horas da noite. Levanto-me e encon-
tro minha mãe que vinha, por seu lado, saber quem batera;
encontramo-nos ambas no vestíbulo e perguntamos diversas
vezes: “Quem está aí?” Sem obter resposta (e sem abrir a
porta), voltamos cada uma para o seu quarto, onde nos tor-
namos a deitar. Minha avó permanecera em seu leito e eu a
encontro sentada, um pouco sobressaltada por ver que não
havíamos obtido resposta.
Apenas voltáramos a nós desse pequeno acontecimento,
um novo toque de campainha, mais imperativo que o primei-
ro, arranca-nos de novo à nossa quietude.
Desta vez saltei da cama com a vivacidade de uma criança
de 14 anos que eu era a essa época e cheguei à porta muito
antes de mamãe. Pergunto quem está ali. Ninguém responde;
abrimos a porta, examinamos a escada, os andares superior e
inferior: sempre ninguém. Voltamos para nossos quartos, in-
quietos, pressentindo um acontecimento imprevisto, com o
coração amarrado e após uma noite quase indormida (salvo
para mim que estava na idade em que se dorme, haja o que
houver), recebemos na manhã que se seguiu a essa noitada
tão impressionante, o seguinte telegrama: “Pedro morto on-
tem 11 noite, avisai mamãe, preparai-a para esta triste notí-
cia.”
B. – Em 1884, ano da cólera em Marselha, parto para
Bagnères-de-Bigorre e Barèges, com meu marido e meus
dois filhos. Estava eu aí há oito dias apenas, no Hotel da Eu-
ropa. Uma noite sou despertada bruscamente sem causa dire-
ta; meu quarto, onde durmo sozinha, está completamente às
escuras; vejo em pé, ao lado da minha cama, uma pessoa
circundada de uma auréola luminosa; olho um pouco emo-
cionada, como bem deveis compreender, e reconheço o cu-
nhado de meu marido, um doutor, que me diz:
– Preveni o Adolfo de que eu morri.
Chamo imediatamente meu marido, deitado no quarto
próximo e lhe digo:
– Acabo de ver teu cunhado que veio anunciar-me sua
morte.
No dia seguinte, um telegrama nos confirma a notícia: um
ataque de cólera (quando tratava de doentes pobres) levara-o
em algumas horas.
Não havia no mundo natureza mais devotada por seus do-
entes e mais simpática.
H. Poucet
Rua do Paraíso, 514, Marselha.”
(Carta 524)
CXXXIV – “O Sr. Rigagnon, cura da Paróquia de São
Marcial de Bordéus, estando em seu escritório, viu diante de
si um seu irmão que residia nas colônias e que lhe disse: “A-
deus, eu morro”.
Muito emocionado, o Sr. Rigagnon chamou os seus vigá-
rios e lhes contou o que acabava de ver. Esses senhores re-
gistraram a data e a hora da aparição, e algum tempo depois
chegou a notícia da morte: esta concordava com o momento
em que o Sr. Rigagnon tinha visto seu irmão diante de si.
Este fato foi-me narrado por um dos vigários, que consigna-
ra o fato no momento em que este se produziu.
E. Begouin
Réaux por Jouzac (Charente-Inferior).”
(Carta 525)
CXXXV – “Meu avô morava em um castelo absolutamen-
te isolado no meio dos bosques; mas esse castelo, de cons-
trução assaz moderna, nada tinha em si de misterioso: nem
lendas, nem mesmo o “fantasma” indispensável ao renome
de um autêntico castelo antigo. A irmã de meu avô desposa-
ra um médico de uma aldeia próxima.
No momento em que o fato de que vos falo se deu, meu
avô estava ausente. Partira à tarde para ver seu cunhado,
médico, que achava-se gravemente enfermo. Minha avó re-
comendara à minha mãe, a três de minhas tias e aos meus
dois tios que não o esperassem, dizendo-lhes que, a menos
que encontrasse seu cunhado em mais satisfatório estado,
não regressaria.
Mau grado a essa recomendação e pela razão de que um
dos meus tios estava de volta (creio que da Cochinchina, cu-
ja campanha havia feito), toda a família presente conservou-
se na sala de jantar conversando. Escoara-se a noite assaz
rapidamente, sem fadiga para ninguém, quando, às 2 horas,
todos que se achavam na sala de jantar (isto é, principal-
mente meus tios, dois soldados cépticos e corajosos) ouvi-
ram distintamente a porta do salão (o compartimento contí-
guo) fechar-se com uma violência que fez com que todos
saltassem em suas cadeiras (refiro-me à porta que separava o
salão do corredor situado do lado oposto à sala de jantar).
Não havia possibilidade de erro, a porta que se fechava des-
se modo, ou pelo menos que minha família ouvira fechar-se,
era uma porta vizinha. Fora bem o ruído de uma porta e de
uma porta interior. Disse-me muitas vezes minha mãe:
– Ouvimos a porta fechar-se como se uma formidável lu-
fada de vento tivesse penetrado na casa e feito bater a porta
violentamente.
Essa lufada de vento, absolutamente irreal, como ides ver,
tinha, entretanto, de real o fato de haverem-na mais ou me-
nos sentido os meus parentes passar em seu rosto e também
o de que, ao passar, deixou-lhes uma espécie de suor gelado,
como se sente, por exemplo, em um pesadelo.
A conversação foi suspensa. Esse ruído violento da porta
parecia-lhes estranho e a todos causou uma espécie de mal-
estar absolutamente inexplicável. Daí a pouco meu tio se pôs
a rir, vendo os semblantes espantados de sua mãe e de suas
irmãs. Organiza-se logo uma caçada divertida. Meu tio, co-
mo homem corajoso, toma a frente e é um desfilar cômico,
da sala de jantar para o salão. Observam a porta do salão,
aquela que, no conceito unânime dos presentes, se tinha e-
videntemente fechado. Essa porta achava-se fechada a chave
e a ferrolho. Minha família, em fila indiana, continua esse
passeio em toda a casa. Todas as portas se achavam fecha-
das, estando as exteriores barricadas; todas as janelas fecha-
das; não havia corrente de ar alguma na casa, em nenhum
dos andares: era impossível explicar o barulho, ao mesmo
tempo tão próximo e tão estridente, de uma porta que se fe-
cha, impelida por vento forte.
Meu avô regressa no dia seguinte, pela manhã, e participa
a morte de seu cunhado.
– A que horas morreu ele?
– Às 2 horas da manhã.
– Às 2 horas?
– Precisamente às 2 horas.
O barulho da porte fora ouvido, por sete pessoas, precisa-
mente às 2 horas da manhã.
René Gautier
Estudante de Ciências em Buckingham,
St John’s Royal School
(Escola Real de São João).”
(Carta 527)
CXXXVI – “Um de meus amigos, o Sr. Dubreuil, em
quem posso acreditar de modo absoluto, contou-me o se-
guinte fato:
Seu sogro, o Sr. Corbeau, engenheiro de Pontes e Calça-
das, agregado ao Ministério da Marinha, fora enviado há al-
gum tempo a Tonkin para dirigir certos serviços nessa regi-
ão. Sua esposa acompanhou-o nessa viagem. Um dia, à tar-
de, a esposa de meu amigo viu distintamente passar, entre
ela e o berço do seu filho, que nesse momento repousava, a
sombra de sua mãe, e a criança, despertada em sobressalto,
chamou por sua avó, como se a tivesse visto em frente de
seu leito.
Teve então Sra. Dubreuil o pressentimento da morte de
sua mãe, que efetivamente ocorrera nesse dia, a bordo do
paquete que a transportava à França. Foi enterrada em Sin-
gapura.
Posso, se o quiserdes, pedir a data exata do falecimento e
o nome do navio em que se deu o óbito.
M. Hannais
Avenida Lagache, 10. Villemomble (Sena).”
(Carta 536)
CXXXVII – “Em julho de 1887, com a idade de 19 anos,
encontrava-me em Toulon, concluindo meu voluntariado de
um ano, no 61º de Linha, acantonado em Jeu-de-Paume. Ti-
nha eu um irmão ternamente amado, Gabriel, dez anos mais
velho que eu, desenhista do Ministério da Guerra, gravemen-
te enfermo em Vauvert onde se encontrava, no gozo de li-
cença, em casa de meus pais; eu o fora visitar nos últimos
dias de junho, e ainda que seu estado fosse grave, não o jul-
gava desesperador.
Na noite de 3 para 4 de julho, cerca de 1 hora da madru-
gada, levantei-me em sobressalto, com o travesseiro úmido
das minhas lágrimas, tendo a convicção absoluta de que
meu pobre irmão estava morto. E essa convicção não provi-
nha de um sonho, porquanto eu me recordaria desse sonho
mais cedo ou mais tarde, o que jamais sucedeu.
Vivo ainda aquele doloroso momento, ao escrever estas
linhas. Acordando, acendi a vela que estava ao meu lado,
sobre uma caixa de juntar cisco, tendo eu o hábito de estudar
na cama o Manual de Manobras Militares. Eu era então ca-
bo, o que me dava o privilégio invejado de dispor desta rús-
tica e mal cheirosa mesa de cabeceira. Desculpai-me esses
detalhes, a que recorro apenas para dar à minha exposição a
maior exatidão e para demonstrar-lhe a veracidade. Consta-
tei então que era 1 hora da madrugada.
Não me foi mais possível dormir e às 5:30 da manhã, indo
aos exercícios, perguntei ao agente do Correio, sem refletir
que, em Vauvert, o expediente do Telégrafo não estava aber-
to a essa hora matinal, se havia algum telegrama para mim.
A mesma pergunta e resposta negativa ao voltar dos exercí-
cios; e, no momento em que, de volta ao alojamento, eu de-
safivelava o cinturão, um homem da guarda me entregou o
seguinte telegrama, enviado por meu pai: “Gabriel falecido.
Venha imediatamente. Coragem.”
Graças à gentileza de meu capitão, pude tomar o trem às
2:18 e, chegando a Vauvert, soube que meu irmão havia
morrido nessa noite, à 1 hora da madrugada.
O pesar ocasionou-me, alguns dias depois, uma comoção
cerebral e desde então, há doze anos, fico todos os anos gra-
vemente enfermo por essa mesma época.
Camilo Orengo
Perito junto aos Tribunais, em Nimes.”
(Carta 537)
CXXXVIII – “Ouvi o fato seguinte narrado por uma pes-
soa com a qual embarquei na Melpomene e de quem a narra-
tiva inspira-me toda a confiança (o Sr. Jochoud du Plessix,
1º tenente da Marinha).
Há cerca de seis ou sete anos, ainda como 2º tenente, ten-
do sido designado para o Senegal, esse oficial foi, com al-
guns dias de licença, para casa de seus pais, domiciliados em
uma vila nas proximidades de Nantes. Subindo a aléia prin-
cipal do jardim que conduzia à vila, teve ele a visão clara e
muito nítida de um ataúde que descia por esta aléia.
Nessa mesma noite sua mãe subitamente morria nessa vi-
la, sem que coisa alguma denunciasse esse trágico fim.
Norès
Sub-comissário da Marinha a bordo
da fragata Melpomene, em Brest.”
(Carta 538)
CXXXIX – “A. – Certa noite, à 1 hora da madrugada, fo-
mos, Marta e eu, acordados por um barulho extraordinário
em nosso próprio quarto, barulho de ferragens, como se esti-
vessem arrastando correntes pelo assoalho. Levantei-me e
não constatei coisa alguma de insólito no apartamento.
Pela manhã, meus pais e uma outra pessoa, que dormiam
no andar térreo, pediram-me a explicação do barulho produ-
zido no andar superior. Tais rumores foram, portanto, ouvi-
dos por cinco pessoas.
No correr da manhã desse mesmo dia, vieram-nos partici-
par que uma nossa prima, tendo subitamente adoecido, mor-
rera à noite.
B. – Há dois anos, estávamos ainda deitados pelas 5 horas
da manhã, quando fomos despertados por três batidinhas da-
das discretamente em uma tábua encostada na parede, ao
longo da cama.
Depois de acordados, foram essas três batidas distintamen-
te repetidas.
Tínhamos uma tia afetada de uma doença debilitante e o
nosso primeiro pensamento foi que essa tia morrera. Um
quarto de hora, talvez, após essa manifestação, bateram à
porta para avisar-nos de que ela estava morrendo. Antes de
chegarmos ao seu domicílio, cessara de viver.
Depois dessas comunicações de agonizantes, cito um caso
telepático, de outra ordem, mas igualmente verdadeiro.
C. – Camilo estava no liceu de Chaumont. Pelas 5 horas
da manhã sua mãe desperta, dizendo-me
– Ouço Camilo chorar, ele chama-me.
Ao que respondo:
– Tu sonhas!
Mas no dia seguinte recebemos uma carta participando
que a criança havia passado a noite a chorar com dor de den-
tes.
vosso primo afeiçoado
Habert-Bollée, Nogent (Alto-Marne).”
(Carta 542)
CXLII – “A. – Achando-se na cozinha, a preparar o repas-
to da noite, minha mãe viu passar diversas vezes pela frente
sua mãe, minha avó, que ela há muitos anos não via. No dia
seguinte uma carta participava-lhe, não a morte, mas a ago-
nia de sua mãe. Ela chegou justamente a tempo de fechar-lhe
os olhos.
B. – Dando-me minha mãe o peito, à noite, por volta das 2
horas da madrugada, avistou meu avô paterno em um ângulo
do quarto, ao mesmo tempo em que ouvia um ruído seme-
lhante ao que produz um corpo caindo n’água.
Amedrontada, ela acordou meu pai que, nenhuma impor-
tância ligando a essa visão, tornou logo a dormir. Algumas
horas depois um telegrama comunicava que meu avô se ti-
nha afogado ao tentar subir, ou antes, ao descer de seu bar-
co. Havia ele partido de sua casa um pouco antes das 2 horas
da manhã.
Simon
Rua Muller, 40, Paris.”
(Carta 549)
CXLIV – “Em 1835 meus avós residiam em uma casa de
campo em Saint-Maurice, perto de La Rochelle.
Meu pai, o primogênito da família, era 2º tenente na Argé-
lia, onde passou dez anos em meio das fadigas e dos perigos
dos primeiros tempos da conquista.
O entusiasmo do perigo, a vivacidade das narrativas con-
tidas em suas cartas, deram a seu irmão Camilo o desejo de
viver com ele. Desembarcou em Argel, como sub-oficial, em
abril de 1835 e não tardou a reunir-se a meu pai, em Oran,
tomando parte em uma expedição contra Abd-el-Kader no
fim de junho.
Foram os franceses obrigados a bater em retirada para Ar-
zem e perderam muitos homens na travessia dos pântanos de
Maeta. Meu tio foi aí ferido com três tiros, sem gravidade.
Mas, no bivaque, um soldado francês, estando a limpar sua
arma, sucedeu que esta detonasse, indo a bala ferir meu tio
na coxa. Necessário foi submeter-se ele a operação. Quando
terminou esta, uma crise espasmódica o fulminou. Nesse
tempo não eram rápidas as comunicações e minha avó igno-
rava todos esses fatos.
Segundo um costume muito espalhado nessa época, minha
avó possuía em seu quarto de hóspedes, no primeiro andar,
um serviço para café, em porcelana, disposto como ornato
sobre o fogão.
De repente, em pleno dia, um barulho espantoso produziu-
se nesse quarto. Minha avó subiu precipitadamente, seguida
de sua criada. Qual não foi a sua estupefação à vista do espe-
táculo que as esperava! Todas as peças do serviço de café
jaziam em pedaços no assoalho, ao lado do fogão, como se
tivessem sido varridas para o mesmo ponto. Minha avó sen-
tiu-se aterrada e teve a impressão de que a atingira uma des-
graça.
Foi passada uma inspeção minuciosa em todo o quarto,
mas nenhuma das hipóteses apresentadas à minha avó, para
acalmar a sua emoção, pareceu-lhe aceitável: uma violenta
corrente de ar, a passagem de ratos ou de um gato inadverti-
damente trancado no quarto, etc... O aposento, com efeito,
estava absolutamente fechado; impossível, portanto, qual-
quer corrente de ar. Ratos, tanto quanto um gato, não teriam
podido quebrar e reunir em um mesmo lugar todas as peças
de porcelana dispostas ao longo do fogão.
Não havia em casa absolutamente ninguém mais do que
meu avô, minha avó e sua criada.
O primeiro correio da África trouxe aos meus avós a notí-
cia da morte de seu filho, ocorrida exatamente no dia em que
se quebrara o aparelho de porcelana.39
J. Meyer, Niort.”
(Carta 555)
CXLV – “Eis aqui um fato extraordinário e autêntico que
obtive de fonte absolutamente certa. Meus pais foram um dia
chamados para junto de um vizinho agonizante. Eles para lá
se dirigiram e tomaram lugar no meio de um círculo de vizi-
nhos e amigos reunidos que em silêncio esperavam o triste
desenlace. De súbito, em um relógio suspenso à parede, e
que estava há muitos anos parado, fez-se ouvir um rumor i-
nusitado, um ruído surdo, semelhante a marteladas brandidas
sobre uma bigorna. Os assistentes levantaram-se aterrados,
uns aos outros perguntando o que significava aquele baru-
lho.
– Bem o vedes – respondeu alguém, designando o mori-
bundo.
Pouco depois este exalava o último suspiro.
H. Faber
Engenheiro agrônomo em Bissen (Luxemburgo).”
(Carta 566)
CXLVI – “Um senhor que eu aqui conhecia contava-me,
há algum tempo, as circunstâncias que se relacionavam com
a morte de sua mãe. Era um domingo, à hora do serviço reli-
gioso. Ela o deixa, para ir à igreja, parecendo tão bem dis-
posta como de costume; uma hora depois ele sai para ir ver
um de seus amigos, morador na mesma rua. Quando chega-
va perto da casa, viu no céu como que uma grande cruz de
ouro e sentiu-se ao mesmo tempo penetrado de uma tal ago-
nia, que não entrou em casa de seu amigo e voltou para trás.
Teria feito uma centena de passos, quando foi detido por
uma senhora do seu conhecimento que lhe diz:
– Viste vossa mãe? Espero que não seja mais do que um
desmaio, mas foi preciso transportá-la da igreja.
Ela voltou correndo para casa: sua mãe estava morta.
O. Lenglet, Mitan (Courlande).”
(Carta 590)
CXLVII – “Meu pai, falecido no mês de junho último, re-
feriu-me várias vezes o seguinte fato que provocou, entre ele
e eu, imensas discussões:
Sendo jovem e residindo em Champsecret, no Orne, esta-
va ele empregado em uma fábrica de telhas onde havia sem-
pre à noite dois homens de guarda. Certa noite em que ele
substituía um empregado doente, estando a conversar tran-
qüilamente com seu camarada de guarda, ouviu distintamen-
te passos que, provindo diretamente da rua, pareciam seguir
o atalho que ligava a rua à fábrica.
Ele e seu camarada entreolharam-se espantados, sem ousa-
rem logo falar. Tiveram a impressão de que um homem vie-
ra tocá-los, depois os passos se fizeram ouvir de novo, mas
desta vez afastando-se. Veio-lhes então a idéia de que seu
camarada, cujos passos reconheceram, teria morrido.
No dia seguinte souberam que o referido camarada morre-
ra à noite, em hora que correspondia àquela em que ouviram
o ruído de passos.
Minha mãe poderia certamente dizer-me os nomes do
morto e do camarada de meu pai, caso isso vos interesse.
Eug. Bonhomme
Avenida Parmentier, 99, Paris.”
(Carta 592)
CXLVIII – “Quando eu tinha cerca de 6 anos de idade,
morava em uma casa do Jura suíço; já eu dormia há várias
horas, quando fui despertado, assim como meu pai, minha
mãe e minhas quatro irmãs, por uma voz que chamava meu
pai Floriano, a princípio muito forte, uma segunda vez me-
nos forte e uma terceira vez ainda mais fraca. Disse meu pai:
– É a voz de Renaud – (seu amigo residente em Paris) e,
levantando-se, foi abrir a porta.
Ninguém! Sobre a neve nenhuma pegada. Pouco tempo
depois recebeu meu pai uma carta comunicando-lhe que seu
amigo Renaud tinha sido esmagado por um ônibus e que an-
tes de morrer pronunciara várias vezes seu nome.
Jh. Junod
Escritório de Smala Ecles e Cia., Odessa (Rússia).”
(Carta 595)
CXLIX – “Meu avô materno, Francisco M., nascido em
Sain-O., falecido em A., no ano de 1882, na idade de 80 a-
nos, estando na sua juventude em Paris, onde trabalhava,
como oficial de alfaiate, na rua do Arrabalde Santo Honório,
se não me falha a memória, foi acordado uma noite, às 11
horas, por três batidas muito distintamente dadas na porta de
seu quarto. Admirado, ergue-se ele, acende uma lâmpada,
abre a porta, mas não avista ninguém. Supondo que um brin-
calhão de mau gosto fosse o autor desse logro, torna ele a
deitar-se praguejando, mas três outras batidas são dadas ain-
da na porta.
Levanta-se então bruscamente, contando fazer pagar mui-
to caro ao importuno sua brincadeira de mau gosto, mas, a-
pesar de todas as buscas a que se aplica, quer no vestíbulo,
quer na escada, verifica ser-lhe impossível saber de que lado
desapareceu o burlão. Pela terceira vez, achando-se de novo
na cama, foram dados novamente três batidas na porta. Des-
ta vez um pressentimento levou meu avô a supor que esse
ruído inexplicável podia ser atribuído à alma de sua mãe, a-
inda que, pelas notícias anteriormente recebidas de sua famí-
lia, nada o induzisse a fazer semelhante suposição. Cinco a
seis dias depois dessa manifestação, chegou-lhe uma carta,
procedente de seu país, anunciando-lhe a morte de sua mãe,
ocorrida precisamente à hora em que ele ouvira as batidas.
No instante da morte, sua mãe, que tinha uma afeição es-
pecial por ele, insistira para que se levasse ao seu leito um
vestido que seu “alfaiate de Paris” lhe enviara de presente
algum tempo antes.
E. Deschaux, Abrets (Isère).”
(Carta 609)
CL – “O pai de minha sogra contava entre os seus operá-
rios um mau sujeito que ele teve de dispensar, dizendo-lhe:
– Tu acabarás na forca.
Um ano ou dois (a época exata não pôde ser fixada), após
sua partida, o avô de minha mulher achava-se, certa manhã,
com sua família à mesa do almoço, quando se voltou brus-
camente perguntando:
– Quem está aí, que querem de mim?
Surpresa com a pergunta e não sabendo o que ele queria
dizer, pediu-lhe a família uma explicação. Ele respondeu:
– Acabam, entretanto, de dizer-me em alta voz: “Adeus,
patrão!”
Nenhuma das outras pessoas presentes ouvira, porém, o
que quer que fosse. Cinco ou seis horas mais tarde, o avô de
minha mulher soube que seu operário despedido tinha sido
encontrado enforcado em uma árvore da floresta próxima à
cidade.
Eis o fato tal qual me foi contado. Minha sogra lembra-se
dele ainda muito bem: posso garantir-vos a sua autenticida-
de.
Suponho que no momento de passar no pescoço o nó cor-
rediço, ter-se-ia lembrado o operário da predição de seu an-
tigo patrão e enviar-lhe-ia, deixando a vida, um “adeus, pa-
trão”, que foi ouvido por aquele a quem esse adeus era diri-
gido.
Passou-se o fato em Mulhouse, na minha cidade natal, em
1854 ou 1855.
Emile Steffan, Enskeim (Palatinado).”
(Carta 610)
CLI – “Tinha eu então 10 ou 11 anos (hoje tenho 34 anos
e 4 meses), vivia com meu pai e minha mãe em casa de meu
irmão mais velho, cura de uma pequena aldeia perto de
Pont-Saint-Esprit (Gard). Nessa época eu tinha uma verda-
deira paixão pelos pássaros.
Ora, uma noite, recolhendo-me após o jantar, disse à mi-
nha mãe que me segurava na mão:
– Escuta, mamãe, ouço o grito de um grande pássaro no
porão; desçamos para apanhá-lo (para ir aos quartos era ne-
cessário passar diante da porta da escada que levava ao po-
rão).
– Estás enganado – respondeu minha mãe.
– Não, eu não me engano; trata-se de um grande pássaro –
mas não insisti.
No dia seguinte à noite e à mesma hora, indo deitar-me, o
mesmo grito de ave, percebido pelos meus ouvidos de crian-
ça, a mesma negativa por parte de minha mãe.
Desta vez, impelido pelo meu amor aos pássaros, insisti,
bati os pés e puxei minha mãe pela mão. Ela acabou, a con-
tragosto, por ceder à minha obstinada vontade. Descemos,
minha mãe e eu (ela submissa ao meu capricho) ao porão, ou
antes, aos porões que se estendiam sob o presbitério. Percor-
remo-los um após outro. O grito de um grande pássaro con-
tinuava sempre distinto, mas mudando de lugar. Ora parecia
sair de baixo dos feixes de lenha, ora de detrás dos barris,
etc.
Deixei a mão de minha mãe e pus-me a perseguir... esse
grito; pois que absolutamente não via pássaro algum, nem
ouvia o batido de suas asas, nem o rumor de sua carreira.
Minha mãe, sob a impressão do terror (ela era muito supers-
ticiosa), tornou a agarrar-me pela mão e obrigou-me a subir
a escada.
No correr do dia seguinte, recebia meu irmão uma carta
anunciando-lhe a morte de um de nossos tios. Então minha
mãe logo exclamou:
– O grande pássaro que Luís ouvira ontem e anteontem
devia ser a alma de teu tio que reclamava sua missa – (meu
irmão tinha o hábito de dizer uma missa por qualquer de
seus parentes de cuja morte fosse sabedor).
Meu irmão e eu pusemo-nos a rir da explicação de minha
pobre mãe. E desde esse tempo ninguém mais se lembrou do
grande pássaro.
Luís Talhaud
Cura de Colombiers. Bagnols-sur-Cèze (Gard).”
(Carta 639)
CLII – “Estava um de meus primos gravemente enfermo
com febre tifóide; meus pais não deixavam a sua cabeceira,
velando-o dia e noite. Uma noite, porém, achando-se ambos
exaustos, a enfermeira obrigou-os a ter um pouco de repou-
so, prometendo-lhes vir procurá-los ao menor alarme.
Dormiam eles profundamente desde alguns instantes
quando, de repente, são despertados, em sobressalto, devido
à porta do quarto que se estava abrindo, porém docemente.
Meu tio pergunta:
– Quem está aí?
Minha tia, convencida de que vinham procurá-los, levan-
ta-se precipitadamente, mas, apenas se senta na cama, sente
que alguém a abraça, fortemente, dizendo:
– Sou eu, mamãe, que me vou, mas não chores. Adeus.
E a porta fecha-se de novo muito docemente. Apenas re-
feita de sua emoção, corre minha tia ao quarto de seu filho,
onde seu marido a precedera. Lá verificou que meu primo
acabava de dar o último suspiro, exatamente naquele instan-
te.
M. Ackeret, Argel.”
(Carta 669)
CLIII – “Julgo-me no dever de citar-vos o caso de que fui
testemunha em 1886. Era eu tenente em São Luís do Sene-
gal. Uma noite, após algumas horas passadas em companhia
de alguns intrépidos e alegres camaradas, deitei-me às 11
horas pouco mais ou menos. Ao cabo de poucos instantes
adormeci. De repente, sinto como que uma forte pressão so-
bre o peito e me vejo bruscamente sacudido; ergo-me sobre
um dos cotovelos, esfregando os olhos, pois que ali tenho,
diante de mim, a minha avó. Contempla-me a excelente cria-
tura com as pupilas quase extintas e escuto, sim, escuto sua
voz débil dizer-me:
– Vim dizer-te adeus, meu querido menino, tu não me ve-
rás mais...
Eu estava estupefato e, para bem assegurar-me de que não
sonhava, fiz em alta voz esta reflexão: “Vejamos! isto não é
um sonho”, e me levantei. Durara a aparição alguns segun-
dos.
Por um dos correios seguintes soube, da parte de minha
família, a quem escrevera relatando esse fenômeno de tele-
patia, que minha avó, na idade de 76 anos, morrera em Ro-
chefort. Suas últimas palavras tinham sido para mim:
– Não o verei mais – repetia ela sem cessar.
Sobreviera a morte às 11:30 da noite em que eu a vira e, se
levarmos em conta a diferença de longitude, foi esse preci-
samente o momento em que minha avó me apareceu.
Sabia que minha avó achava-se enfraquecida, pela idade e
pela doença; não tinha, porém, grande desassossego a res-
peito de seu estado. Tal é o caso que posso garantir-vos rigo-
rosamente exato.
Julien Lagarrue
Capitão de Infantaria de Marinha, em Hanoi.”
(Carta 705)
CLIV – “Em abril de 1892, estava eu empregado como
chefe de obras na manufatura de vidros de Saint Gobain. Era
pouco inclinado a crer no maravilhoso, e se por vezes ouvia
alguma narrativa dessa natureza, atribuía a uma alucinação a
impressão que lhe servia de causa. Foi preciso, portanto, que
diversas pessoas, separadamente interrogadas, tivessem sido
testemunhas do seguinte fato, para que eu lhe tenha podido
dar importância.
Estava minha mulher assentada na soleira “A” de uma
porta que punha o meu alojamento em comunicação com
uma pequena terrasse, situada ao rés do chão, onde trabalha-
va por minha conta uma cardadeira de colchões.40
Pelas 3 horas, ambas ouviram três batidas muito distintas,
dadas na porta “B” de um gabinete, situado a um metro da
soleira “A”. Muito surpresas com esse ruído que nada pare-
cia justificar, porquanto ninguém se encontrava no aparta-
mento, fizeram elas uma troca de observações sobre fatos
semelhantes, de que tinham ouvido falar. Disse a cardadeira
à minha mulher que um de nossos parentes estava muito mal
e que seu espírito nos pedia socorro. No dia seguinte, à
mesma hora, elas estavam no mesmo lugar, e a criada lavava
roupa no terraço. O incidente da véspera fora esquecido. De
súbito, essas três pessoas ouviram exatamente o ruído da
véspera: três batidas dadas na porta “B” do gabinete. Sua
surpresa tornou-se em estupefação; durante muito tempo a
criada não quis mais ficar sozinha em casa.
Soubemos no dia seguinte, por uma carta, que uma de mi-
nhas velhas tias, muito devota, Angélica Bertrand, morrera
em Pertuis (Vaucluse), há dois dias, em 5 de abril de 1892.
Arland, Rua Bleue, 78 (Marselha).”
(Carta 714)
CLV – “Teria eu meus doze anos. Meu pai, um dos heróis
de Sidi-Brahim, passara a noite e uma parte do dia à cabe-
ceira de sua mãe, gravemente enferma. Depois voltara para
casa. Pelas 4 horas da tarde, veio um de meus tios procurá-
lo, dizendo-lhe que ela estava pior e que manifestava o dese-
jo de ver seus dois netinhos. Meu pai quis levar-nos. Meu
irmão mais moço dispôs-se a ir voluntariamente, mas eu me
recusei de tal modo, que não houve o que pudesse abalar a
minha resolução, tudo isso porque eu tinha um enorme pavor
dos mortos.
Fiquei, pois, sozinho em casa com minha pobre mãe, que
após a ceia me fez deitar, ao que eu não queria submeter-me,
por causa do medo em que me encontrava. Decidiu-se ela,
então, a fazer-me dormir em sua cama, prometendo vir em
breve fazer-me companhia.
Pelas 7:30 horas, recebi um sopapo de extraordinária vio-
lência. Pus-me a gritar; minha mãe acudiu imediatamente
aos meus gritos, perguntando-me o que eu tinha. Respondi-
lhe que fora esbofeteado, estando a face a doer-me; consta-
tou, de resto, minha mãe que eu estava com a face vermelha
e inchada.
Inquieta com o que se acabava de passar, minha mãe im-
pacientava-se pela volta de meu pai e de meu irmão. Não foi
senão pelas 9 horas que meu pai entrou; imediatamente nar-
rou-lhe minha mãe o que me havia sucedido e, quando lhe
disse ela a hora, respondeu meu pai:
– Foi precisamente nessa hora que sua avó exalou o último
suspiro.
Conservei na face direita, durante mais de seis meses, a
marca de uma mão direita que estava bem visível, sobretudo
depois de haver brincado, quando o rosto é mais vermelho,
constatação que foi feita por centenas de pessoas, sendo
branco o sinal da mão.
A. Michel
Tintureiro na fábrica de
Valabre Entraignes (Vaucluse).”
(Carta 715
CLVI – “Em 31 de maio de 1895, meu filho mais velho,
engajado como voluntário há menos de seis meses no 1º de
Hussards, em Valence, participava das manobras realizadas
por seu regimento. Estando nos postos de vanguarda, mar-
chava ele ao passo de seu cavalo, observando a região ocu-
pada pelo suposto inimigo, quando de improviso, de uma
emboscada situada à margem do estreito caminho percorri-
do, parte um tiro de fuzil que atingiu meu desgraçado filho
em pleno peito. A morte foi quase fulminante.
O involuntário autor desse fatal acidente, vendo seu cama-
rada abandonar as rédeas e inclinar-se sobre o pescoço de
seu cavalo, correu para ele, a fim de sustentá-lo, e pôde re-
colher as últimas palavras que o agonizante balbuciou em
um último suspiro:
– Fizeste-me bastante mal... mas eu te perdôo. Por Deus e
pela pátria, sempre... sempre... presente!
Depois expirou. Ora, nesse mesmo dia, 31 de maio de
1895, pelas 9:30 da manhã, enquanto minha mulher se ocu-
pava nos cuidados da casa, nossa filhinha, então com a idade
de 2 anos e meio, aproximando-se de sua mãe, disse-lhe em
sua linguagem infantil:
– Olha, mamãe, o padrinho! – (meu filho mais velho era o
padrinho de sua irmã).
– Sim, minha querida, diverte-se – respondeu-lhe sua mãe,
que naquele momento não ligou importância às palavras da
criança.
Mas a pequena, diante da indiferença de sua mãe, redo-
brou de insistência e acrescentou:
– Mas mamãe, vem ver o padrinho... Olha, lá está ele. Oh!
como está bem vestido!
Notou minha mulher que, falando-lhe assim, estava a cri-
ança como que transfigurada. No momento sentiu-se ela
emocionada, mas esqueceu logo esse incidente que durou
apenas alguns minutos e não foi senão dois ou três dias de-
pois que se recordou ela de todos os detalhes do ocorrido.
Um pouco antes do meio-dia recebemos um telegrama a-
visando-nos do terrível acidente que sucedera ao nosso filho
bem-amado, e eu soube mais tarde que a morte sobreviera
pelas 8 horas.
Rougê
Vila das Tílias, em Salon (Bocas do Ródano).”
(Carta 751)
CLVII – “Por volta das 9 horas de uma certa noite, acha-
vam-se todos ainda levantados em nossa casa. Minha irmã,
de 17 anos de idade, passando por um corredor, viu, sob um
bico de gás aceso, uma bela e robusta menina que ela não
conhecia, vestida como camponesa. A aparição aterrou-a e
ela começou a gritar.
No dia seguinte, a cozinheira, moça de 25 anos, contou à
minha mãe que na véspera, pelas 9 horas, quando acabava de
deitar-se, vira diante de si uma de suas amigas, jovem cam-
ponesa, cujos traços correspondiam aos da aparição.
Soube-se logo depois que essa camponesa morrera preci-
samente no mencionado dia.
Condessa Amélia Carandine Parela, Itália.”
(Carta 787)
CLVIII – “Estudante na Universidade de Kieff, já então
casado, fui passar o verão no campo, em casa de minha irmã,
residente em uma localidade pouco distante de Pskom. Re-
gressando, via Moscou, minha adorada esposa caiu subita-
mente atacada de influenza e, mau grado sua extrema juven-
tude, ficou rapidamente prostrada. Uma paralisia do coração
levou-a de súbito, como fulminada por um raio.
Não tentarei descrever-vos minha dor e meu desespero.
Mas eis o que suponho dever indicar ao vosso saber, pro-
blema cuja solução desejo ardentemente encontrar.
Residia meu pai em Poulkovo. Ignorava a doença de sua
encantadora nora e sabia que se encontrava ela comigo em
Moscou. Qual não foi sua surpresa vendo-a ao seu lado, ao
sair ele de casa, acompanhando-o por um instante! Ela desa-
pareceu subitamente. Tomado de espanto e de agonia, diri-
giu-me ele na mesma hora um telegrama pedindo informa-
ções a respeito da saúde de minha querida companheira. Era
o próprio dia de sua morte...
Ser-vos-ia reconhecido por toda a vida, se me pudésseis
explicar esse fato extraordinário.
Wenecien Bililowsky
Estudante de Medicina, Nikolskaja, 21 (Kieff).”
Eis aí narrativas seguramente muito numerosas e que parecem
por vezes repetir-se, ainda que em realidade sejam elas muito
variadas. Acrescentar-lhes-emos aqui ainda algumas outras, cuja
leitura não será menos interessante e instrutiva do que a das
primeiras, para o nosso inquérito. Quer-nos parecer que, lendo-
as, a instrução de cada leitor ir-se-á fazendo gradualmente e com
segurança neste novo ramo de estudos.
A Sra. Adam escrevia recentemente, a 29 de novembro de
1898, ao Sr. Gaston Méry, em resposta a uma enquete que ele
empreendera sobre o “maravilhoso”:
CLIX – “Eu fora educada por minha avó. Adorava-a.
Conquanto estivesse gravemente enferma, ocultavam-me sua
doença, pela razão de que, estando eu no período de ama-
mentação de minha filha, temia-se que me fosse prejudicial
um pesar muito violento.
Certa noite, às 10 horas, apenas uma lamparina aclarava
meu quarto. Já adormecida, mas despertada pelo choro de
minha filha, vi minha avó ao pé de minha cama e gritei:
– Que alegria, vovó, de te ver!
Ela não me respondeu e levou a mão à órbita de seus o-
lhos. vi dois grandes buracos vazios! Arrojei-me para fora
da cama e corri para minha avó: no momento em que eu ia
apertá-la em meus braços, o fantasma desapareceu.
Nesse mesmo dia, às 8 horas da noite, minha avó estava
morta.”
O Sr. Jules Claretie escrevia, a seu turno, em resposta ao
mesmo inquérito (1º de dezembro de 1898):
CLX – “A. – Tínhamos em Radevant, no Perigord, em ca-
sa de meu avô, um velho caseiro chamado Montpezat, que
veio certa noite acordar meu avô, dizendo-lhe: “A Sra. Pélis-
sier morreu! Ela acaba de morrer! Eu a vi.
A Sra. Pélissier era irmã de meu avô, casada em Paris e,
nesse tempo (ao tempo das diligências), eram precisos qua-
tro dias, creio, para que uma carta chegasse ao centro de Pe-
rigord. Não havia telégrafos, naturalmente. Ora, soube-se em
Radevant que na mesma noite e na mesma hora em que
Montpezat se levantara assombrado, após ter visto aparecer-
lhe a Sra. Pélissier, minha avó morria em Paris, à rua do Se-
nhor Príncipe.
B. – Outra tradição relacionada à minha avó materna:
Um de meus tios-avós era soldado, capitão da guarda. Sua
mãe e seus irmãos residiam em Nantes. Quando ele vinha
vê-los, tinha por hábito bater na vidraça do rês do chão, co-
mo que para dizer: “Eis-me aqui.”
Uma noite, achando-se toda a família reunida, batem na
vidraça. Minha bisavó levanta-se jubilosa.
– É ele! ele volta do Exército!
Correm à porta: ninguém. Ora, a essa mesma hora meu ti-
o-avô era morto por um soldado de infantaria tirolês, em
Wagram, num dos últimos tiros da refrega. Lá tenho eu sua
cruz de honra, pequenina, para ele destacada do peito do
Imperador que lha conferiu no campo de batalha, e a carta
de seu coronel, que acompanhou essa distinção.
À hora em que, por não sei que alucinação do ouvido, par-
tilhada pela mãe e por seus filhos, escutava-se em Nantes o
bater de mãos invisíveis na vidraça, tombava o ausente e
morria em Wagram.”
A seguinte narrativa foi feita ao Sr. Henriquet, arquiteto, em
presença do Sr. Eymar La Peyre, redator-chefe do jornal O
Independente, de Bergerac, pelo Sr. Montegout, sub-diretor da
Colônia Penitenciária de Saint-Maurice-du-Maroni (Guiana
francesa), natural de Saint-Alvère (Dordogne) e camarada de
infância do deputado La Mothe Pradelle:
CLXII – “A 4 de fevereiro de 1888, o Sr. Montegout le-
vantou-se pela manhã, para o seu giro de inspeção à colônia.
Quando regressou, à hora do almoço, disse-lhe a esposa:
– La Mothe Pradelle morreu.
Tomado, em começo, de surpresa por essa brusca notícia,
depressa ele se tranqüilizou quando a Sra. Montegout lhe
contou o que se segue:
Tendo-se levantado, no correr da noite, viu, ao abrir os o-
lhos, diante de si o Sr. La Mothe Pradelle que lhe apertara a
mão e dissera: Acabo de morrer, adeus!
Ouvindo esta narrativa, o Sr. Montegout riu-se muito de
sua mulher e lhe disse que ela sonhara com tudo isso. Esta,
por seu lado, jurava que não dormia por ocasião da aparição.
Um ou dois dias depois, há um jantar em casa do Sr. Monte-
gout. Contou este último o fato aos seus convivas, que se
puseram a rir da Sra. Montegout. Mas o diretor da colônia
declarou acreditar na realidade da aparição e, por conseguin-
te, na morte do deputado.
A discussão foi viva e terminou com a aposta de um jan-
tar. Seis ou oito semanas mais tarde, chegou à colônia o e-
xemplar do Independente, de Bergerac, que noticiada haver
o Sr. de La Mothe Pradele, deputado da Dordogne, falecido
na noite de 3 para 4 de fevereiro de 1888.”
Tal a narrativa feita ao Sr. Henriquet pelo Sr. Montegout e
confirmada, por outro lado, pela própria Sra. Montegout.
Este caso, não menos preciso e não menos seguro que os pre-
cedentes, foi extraído dos Annales des Sciences Psychiques (
1894, pág. 65). Aqui está um outro, tirado da mesma publicação
(1895, pág. 200) e cuja narrativa foi endereçada de Montélimar
ao Dr. Dariex, pelo Sr. Riondel, advogado naquela cidade.
CLXIII – “Tinha eu um irmão muito mais moço (morreu
ele, aos 40 anos de idade, em 2 de abril último) que era em-
pregado das linhas telegráficas em Marselha, e agente da
Companhia “Messageries Maritimes”.
Anemiado por uma demasiado longa permanência nas co-
lônias, meu pobre irmão contraíra as febres palustres, das
quais veio, aliás, a sucumbir, sem que se pudesse prever um
desfecho tão rápido e fulminante.
No domingo, 1º de abril último, recebi carta dele, infor-
mando-me que seu estado de saúde era excelente. Na noite
desse mesmo dia, isto é, de domingo para segunda-feira, fui
subitamente despertado por um ruído insólito e violento,
semelhante ao rolar de uma pedra sobre o assoalho do quarto
apenas ocupado por mim e que é fechado a chave. Eram, ou
antes, constatei que em meu relógio e em meu despertador
eram 2:15. Inútil acrescentar que ao levantar-me procurei o
objeto que me havia despertado, com um sentimento de ter-
ror de que não me pude livrar.
Às 8 horas da manhã, recebia de um íntimo amigo de meu
irmão, residente em um compartimento contíguo ao seu, no
2º andar do número 95, da rua da República, em Marselha,
um telegrama informando-me de que meu irmão se achava
gravemente enfermo, sendo-me necessário ir para junto dele
pelo primeiro expresso.
Quando cheguei à casa de meu irmão, soube que ele fale-
cera à noite, sem agonia, sem sofrimento, sem proferir uma
única palavra.
Informei-me da hora exata da sua morte, com o amigo em
cujos braços ele expirou. Fora precisamente à 1:45, marcada
no relógio, que meu irmão rendera o espírito.”
Outro caso não menos notável: o Sr. Ch. Beaugrand escrevia
recentemente ao Dr. Dariex:41
CLXIV – “M. G., oficial da Marinha Mercante, tem um
irmão com o qual está em muito más relações. Chegaram
mesmo a cortar por completo todas as relações. M. G., que
navega como imediato, regressa de Haiti ao Havre. No curso
da viagem, como ele adormecesse, uma noite, logo após a
terminação do seu quarto, sente de súbito sua maca violen-
tamente sacudida e ouve por duas vezes chamarem-no pelo
seu prenome:
– Emanuel! Emanuel!
Acorda em sobressalto, crendo, desde logo, tratar-se de
uma brincadeira. Depois, mudando de parecer, recorda-se de
que, a bordo, só o capitão conhece o seu prenome. Levanta-
se, então, e vai procurar este último, que lhe diz não o ter
chamado, fazendo-lhe mesmo notar que não o designa ja-
mais por seu prenome. O oficial volta para a sua maca, de
novo adormece e ao cabo de alguns instantes a mesma audi-
ção se produz pela segunda vez, julgando ele reconhecer a
voz de seu irmão. Então senta-se no leito, decidido a não
mais tornar a dormir. Pela terceira vez a mesma voz o cha-
ma. Levanta-se imediatamente e, para afastar esta obsessão,
instala-se em sua mesa de trabalho, onde toma nota exata-
mente do dia e da hora em que se deu o fenômeno.
Alguns dias depois, chega o navio ao Havre. Um dos ami-
gos do oficial, com o semblante consternado, sobe a bordo;
avistando-o de longe, grita-lhe este:
– Não me digas nada! Sei o que me vens participar. Meu
irmão faleceu em tal dia e a tal hora!
Era rigorosamente exato. O irmão de M. G. morrera cha-
mando-o e exprimindo seu pesar de não mais o tornar a ver.
M. G. é morto há muitos anos. Este fato me foi contado
ultimamente, separadamente – o que é uma garantia da ve-
racidade da narração – por seus dois filhos. Um deles é um
dos mais brilhantes advogados do Foro do Havre; o outro, 1º
tenente da Marinha, reformado. O que me contaram, ouvi-
ram-no da própria boca de seu pai e o testemunho deles não
poderia ser posto em dúvida.”
Tais fenômenos de aparição a distância, no momento da mor-
te, foram, há alguns anos, na Inglaterra, objeto de uma investiga-
ção independente, feita por sábios cônscios de que a negação
jamais há servido, em coisa alguma, de prova.
O espírito científico do nosso século procura com razão liber-
tar todos esses fatos dos nevoeiros enganadores do sobrenatura-
lismo, porquanto nada existe de sobrenatural, sendo que a Natu-
reza, cujo reino é infinito, compreende tudo o que existe.
Organizou-se uma sociedade científica especialmente para o
estudo desses fenômenos: a Society for Psychical Research; tem
ela à sua frente alguns dentre os mais ilustres sábios de além-
Mancha e já tem fornecido importantes publicações. Rigorosas
investigações foram feitas para controlar a autenticidade das suas
provas. A sua variedade é considerável. Vamos um instante
folhear o acervo dessas coleções e acrescentar ainda, aos docu-
mentos que precedem, outros não menos verdadeiros e alguns
dos quais são talvez ainda mais notáveis. Em seguida ocupar-
nos-emos em procurar-lhes explicação.
Eis aqui alguns casos extraordinariamente curiosos, tomados
à obra Phantasms of the Living, dos Srs. Gurney, Myers e Pod-
more, traduzida em francês pelo Sr. Marilier, sob o título de
Hallucinations Télépathiques (Alucinações Telepáticas).
O General Fytche, do Exército inglês, escrevia, a 22 de de-
zembro de 1883, a seguinte carta ao Professor Sidgwick, diretor
da Comissão Psíquica:
CLXV – “Um incidente extraordinário, que em minha i-
maginação produziu impressão profunda, sucedeu-me em
Maulmain. Vi um fantasma, eu o vi com os meus próprios
olhos, em plena luz do dia. Posso afirmá-lo sob juramento.
Vivera eu na mais estreita intimidade com um velho ca-
marada de escola, que em seguida fora meu amigo na Uni-
versidade; passaram-se anos, entretanto, sem que nos tornás-
semos a ver. Uma bela manhã, acabava eu de levantar-me e
me vestia, quando, subitamente, o meu velho amigo entrou
em meu quarto. Eu o acolhi calorosamente e o convidei para
tomar uma taça de chá na varanda, prometendo-lhe que iria
imediatamente para o seu lado. Vesti-me à pressa, dirigindo-
me para a varanda, mas ninguém aí encontrei. Não podia
crer em meus olhos. Perguntei à sentinela postada em frente
da casa, a qual respondeu não ter visto nenhum estranho essa
manhã.
Declararam também os criados que ninguém entrara na
casa. Eu estava certo de ter visto o meu amigo. Não pensava
nele no momento e entretanto não fiquei surpreso ao vê-lo,
porque chegavam constantemente vapores e outras embarca-
ções a Maulmain.
Quinze dias depois vim a saber que ele morrera a seiscen-
tas milhas dessa localidade, no mesmo instante, pouco mais
ou menos, em que o vira em Maulmain.”
CLXVI – “Em Odessa, a 17 de janeiro de 1861, às 11 ho-
ras da noite, a Sra. Obalechef estava na cama, de perfeita sa-
úde, e ainda não dormindo; ao lado dela, no chão, dormia
sua empregada, outrora escrava. Ardia no quarto uma lâm-
pada, diante das santas imagens. Tendo ouvido seu filhinho
chorar, pediu ela à criada para trazê-lo.
Levantando por acaso, disse ela, os olhos para a porta que
tinha diante de mim, vi entrar lentamente meu cunhado, de
chinelos e com um roupão de quadros com que jamais o ti-
nha visto. Aproximando-se da poltrona, sobre a qual se a-
poiou, passou por cima dos pés da criada que se achava ali
e docemente se sentou na poltrona. Nesse instante o relógio
bateu 11 horas. Bem certa de ver distintamente meu cunha-
do, dirigi-me à criada, fazendo a seguinte pergunta:
– Estás vendo, Claudina?
Não citei, porém, o nome de meu cunhado. Lá de cima, a
criada, tremendo de medo, respondeu-me imediatamente:
– Vejo Nicolas Nilovitch! – (o nome de meu cunhado).
A estas palavras, meu cunhado levantou-se de novo, pas-
sou por cima dos pés estendidos de Claudina e, voltando-se,
desapareceu por detrás da porta que conduzia ao salão.
A Sra. Obalechef acordou seu marido, que tomou uma ve-
la e examinou todo o apartamento muito atentamente, sem
nada encontrar de anormal. Teve então ela a convicção de
que seu cunhado, residindo nessa época em Tver, acabava de
morrer. Efetivamente acontecera isso exatamente a 17 de ja-
neiro de 1861, às 11 horas da noite.
Como confirmação da narrativa, temos o depoimento es-
crito da viúva do Sr. Nilovitch, certificando que as coisas se
passaram como descrevemos e que, além disso, o roupão
descrito por sua irmã era idêntico ao que o Sr. Nilovitch
mandara fazer alguns dias antes de seu falecimento e com o
qual morreu.”
CLXVII – “No mês de setembro do ano de 1857, o capi-
tão Wheateroft, do 6º Regimento inglês dos Dragões da
Guarda, partiu para as Índias, a fim de juntar-se ao corpo a
que pertencia. Sua esposa ficou em Cambridge, na Inglater-
ra. Na noite de 14 para 15 de novembro, pela madrugada, ela
sonhou que via seu marido ansioso e doente, depois do que
imediatamente acordou com o espírito muito agitado. Fazia
magnífico luar e, abrindo os olhos, viu de novo seu marido,
de pé, ao lado de sua cama. Apareceu-lhe de uniforme, aper-
tando o peito com as mãos; seus cabelos estavam em desor-
dem e seu rosto pálido. Seus grandes olhos negros a con-
templavam fixamente e sua boca estava contraída.
Ela o viu, com todas as particularidades de sua indumentá-
ria, tão distintamente como jamais o tinha visto durante toda
a sua vida e lembra-se de haver notado, entre suas duas
mãos, o branco da camisa, que, entretanto, não estava man-
chada de sangue. Seu corpo parecia inclinar-se para frente
com um ar de sofrimento, fazendo ele esforço para falar; não
se ouvia, porém, som algum. Durou cerca de um minuto a
aparição, depois desvaneceu-se. A primeira idéia da Sra.
Wheatcroft foi constatar que ela estava bem acordada. Lim-
pou os olhos com o lenço. Estava em sua cama um pequeni-
no, filho de seu sobrinho: inclinou-se sobre a criança ador-
mecida e escutou sua respiração. Escusado acrescentar que
ela não mais dormiu nessa noite.
No dia seguinte de manhã, contou tudo isso à sua mãe e
exprimiu a convicção de que seu marido estava morto ou
gravemente ferido, ainda que não tivesse visto manchas de
sangue em suas vestes. Ficou de tal modo impressionada
com esta aparição que recusou, a partir desse momento, to-
dos os convites que lhe faziam. Uma jovem amiga quis obri-
gá-la, algum tempo depois,a ir com ela assistir a um concer-
to, fazendo-lhe ver que recebera de Malta, enviada por seu
marido, uma belíssima toilette que ainda não tinha usado.
Ela recusou de um modo absoluto, declarando que, não ten-
do plena certeza de que não era viúva ainda, deixaria de fre-
qüentar qualquer lugar de diversões até que recebesse cartas
de seu marido de uma data posterior a 14 de novembro.
No mês de dezembro seguinte foi publicado em Londres o
telegrama que dava a notícia da morte do capitão. Informava
que este fora morto diante de Luknow, a 15 de novembro.
Essa notícia, dada por um jornal de Londres, chamou a a-
tenção de um solicitador, o Sr. Wilkinson, que estava encar-
regado dos negócios do capitão. Tendo-lhe a Sra. Wheatcroft
afirmado que a aparição se realizara a 14 e não a 15, fez ele
indagações no Ministério da Guerra, que confirmaram a data
de 15. Mas, no mês de março seguinte, um dos colegas do
capitão, chegado a Londres, explicou mais detalhadamente
os fatos, provando que o capitão fora morto ao seu lado, não
a 15, mas a 14, à tarde, e que a cruz levantada em seu túmu-
lo trazia bem nítida a data de 14.
Assim, dera esta aparição a data da morte com maior
precisão do que a dos documentos oficiais, os quais foram
em seguida retificados.”
CLXVIII – “Começava eu a cear, à noite do domingo de
Páscoa de 1874, sentindo-me muito fatigado do trabalho do
dia, quando vi a porta se abrir atrás de mim. Estava eu de
costas para a porta, mas podia vê-la por cima do ombro. Po-
de ser também que tenha escutado o ruído que ela fez ao a-
brir-se, mas não me seria possível precisar esse ponto. Vol-
tei-me a meio, exatamente a tempo de ver a forma de um
homem, de talhe elevado, arrojar-se no quarto para atacar-
me. Levantei-me instantaneamente, voltando-me, e atirei
meu copo, que trazia à mão, na direção em que vira a figu-
ra; esta, porém, desaparecera enquanto me levantava, e tão
rapidamente que não tive tempo de deter o movimento inici-
ado. Compreendi então que vira uma aparição e pensei tra-
tar-se de um de meus tios, que eu sabia achar-se seriamente
enfermo, tanto mais que o talhe da personagem lembrava o
de meu tio.
Um amigo meu, o Sr. Adcock, entrando na ocasião, a-
chou-me muito enervado devido ao incidente. Contei-lhe o
que sucedera. No dia seguinte chegou-me um telegrama par-
ticipando que meu tio morrera naquele domingo. Meu pai foi
chamado para junto do leito mortuário, no domingo à noite,
quando estava a cear, e a morte deve ter coincidido com a
aparição.
Rev. R. Marhkham Hill, Lincoln.”
Esta narrativa foi confirmada no inquérito, pelo seguinte de-
poimento:
“Fui visitar, na noite da Páscoa, o meu amigo, Reverendo
Marhkham Hill, e o encontrei muito abatido, sentado em
uma poltrona. Disse-me ele, antes que eu pudesse interrogá-
lo, que tinha visto o vulto de seu tio, de pé, em sua frente
contra a parede, por detrás de um piano; que lançara mão de
um copo de sobre a mesa e o arrojara contra o vulto, tendo
este último nesse momento desaparecido. Não foi senão ao
dia seguinte ou dois dias depois que me mostrou ele uma
carta recebida pela manhã, que lhe informava da morte de
seu tio, ocorrida no mesmo dia da aparição.
Rev. H. Adcock, Lincoln.”
CLXIX – “Pelo mês de março de 1875, sucedeu-me, em
Gibraltar, a aventura cujos detalhes a seguir menciono. Re-
festelado em minha sala de visitas, por uma luminosa tarde
ensolarada, eu lia um capítulo das Miscelâneas, de Kingsley,
quando, se súbito, tive a sensação de que alguém esperava
para falar-me. Levantei os olhos do livro e vi um homem
que se mantinha de pé, ao lado de uma poltrona, a seis pés
distante de mim. Olhava-me ele muito atentamente. A ex-
pressão de seus olhos era extraordinariamente grave, mas,
quando me adiantei para falar-lhe, desapareceu.
A sala tinha cerca de dezoito pés de comprimento e, em
sua extremidade oposta, eu via nosso criado Pearson, que
mantinha a porta aberta, como se houvesse introduzido uma
visita. Perguntei-lhe se havia chegado alguém. Respondeu-
me: “Ninguém, senhora”, e retirou-se.
Pus-me a refletir sobre essa visão. Conhecia perfeitamente
aquele vulto, mas não podia dizer quem era. Seu traje intri-
gara-me: era exatamente igual a um terno que meu marido
havia dado, no ano precedente, a um criado de nome Ram-
say. Era este homem um antigo soldado que eu encontrara
quase à morte em Inverness e que, após ter deixado a enfer-
maria, entrara para o nosso serviço. Começou a portar-se
mal e fui forçada a despedi-lo antes de nossa partida para
Gibraltar (fevereiro de 1875). Como tivesse arranjado um
lugar de copeiro no Inverness-Clube, não tinha eu razão de
inquietar-me com ele; estava crente de que passava bem,
conduzia-se bem e de que, aproveitando a experiência adqui-
rida, saberia conservar sua nova situação.
Quando meu marido entrou, contei-lhe o que tinha visto;
contei-o também à esposa do seu coronel comandante (pre-
sentemente Sra. Laffan); não tomei nota, porém, da data.
Mas, no mínimo tempo que é preciso, creio, para que uma
carta venha de Inverness, recebeu meu marido, de seu antigo
sargento, a notícia da morte de Ramsay. Nenhum detalhe se
continha na carta. Meu marido respondeu que recebera com
pesar a notícia que lhe era dada e que estimaria conhecer al-
guns detalhes sobre a doença e a morte desse homem. Eis o
que lhe foi respondido: “Ramsay morreu no hospital, em de-
lírio e chamando sem cessar a Sra. Bolland.”
Devo acrescentar que meu estado de saúde fora mau du-
rante alguns anos, mas, no momento da aparição, achava-me
mais forte do que nunca, convindo-me tanto o clima quente,
que eu sentia em mim uma força que me encantava e que o
simples prazer de viver fazia-me da vida uma delícia.
Kate E. Bolland, Southampton.”
O seguinte relato é extraído de Church Quarterly Review (a-
bril de 1877):
CLXX – “Na casa em que estas páginas foram escritas,
uma larga janela, que ao norte domina, aclara vivamente a
escada e a entrada da sala principal, situada ao fundo de uma
passagem que atravessa longitudinalmente a casa. Uma tar-
de, em pleno inverno, quem escreve estas linhas deixou seu
gabinete que dá para essa passagem, para ir almoçar.
O dia estava brumoso, mas, conquanto não houvesse va-
pores muito densos, a porta do fim da passagem parecia co-
berta por um nevoeiro. À proporção que avançava, este ne-
voeiro – para chamá-lo assim – foi se concentrando em um
só lugar, adensando-se e apresentou por fim o contorno de
uma figura humana, cujas cabeça e espáduas se tornaram ca-
da vez mais distintamente visíveis, ao mesmo tempo em que
o resto do corpo parecia envolto em uma larga vestimenta de
gaze semelhante a um manto, com muitas dobras, que tocava
o solo de maneira a esconder os pés. O manto repousava so-
bre o lagedo e o conjunto da figura afetava uma forma pira-
midal.
A luz da janela dava em cheio no mencionado conjunto,
de natureza tão pouco consistente que a luz, refletindo-se
sobre as almofadas de uma porta envernizada, era visível a-
través da parte inferior do vestuário. A aparição não tinha
cor, parecia uma estátua talhada no nevoeiro. O autor desta
narrativa ficou de tal modo impressionado, que não sabe se
se moveu ou permaneceu imóvel. Estava mais admirado do
que aterrorizado; entretanto, a sua primeira idéia foi a de que
assistia a um efeito de luz e de sombra desconhecido. Não
pensava em nada de sobrenatural, mas percebeu, olhando
bem, que a cabeça voltava-se para ele, e então reconheceu os
traços de um amigo muito caro; o semblante tinha uma ex-
pressão de paz, de repouso e de santidade; o ar de doçura e
de bondade, que ele possuía na vida cotidiana, se amplificara
ainda mais, concentrando-se como em um derradeiro olhar
de profunda ternura (e esse sentimento, quem escreve estas
linhas o tem experimentado depois, sempre que lhe volta à
lembrança aquela visão).
Em seguida tudo desapareceu num instante. Não se pode
comparar a maneira pela qual tudo se desfez senão à de um
jato de vapor que se dissipa ao contato do ar frio.
O correio, dois dias depois, trouxe-lhe a notícia de haver
seu amigo deixado tranqüilamente este mundo, no mesmo
instante em que o tinha visto. Cumpre acrescentar que se tra-
tava de uma morte súbita, que a testemunha não ouvira falar,
há várias semanas, de seu amigo e que de modo algum pen-
sara nele no dia de sua morte.”
A Sra. Allom, residente em Batoum Gardens, 18, no West
Kensington Park, em Londres, escreve:
CLXXI – “Não vejo razão alguma para que deixe de con-
tar como me apareceu minha mãe no momento de sua morte,
ainda que seja esse um caso de que tenho falado raramente,
porque se trata de um acontecimento que reputo sagrado e
porque não desejaria que pusessem em dúvida a minha nar-
rativa, ou que se prestasse ela a zombarias.
Entrei para uma escola, na Alsácia, no mês de outubro de
1852; contava eu então 17 anos. Minha mãe ficou na Ingla-
terra; seu estado de saúde era delicado. Pelo Natal de 1853,
catorze meses depois de minha partida de casa, soube que o
estado de minha mãe havia piorado, mas eu não desconfiava
que sua vida estivesse em perigo. No último domingo de fe-
vereiro de 1854, entre 1 e 2 horas da tarde, achava-me assen-
tada, na escola, muito ocupada com os estudos. Eu lia,
quando, subitamente, o vulto de minha mãe me apareceu no
ponto mais afastado do quarto. Estava inclinada para trás,
como deitada em seu leito e usava uma camisola de dormir.
Seu rosto, sorrindo com doçura, estava voltado para mim e
uma de suas mãos erguida para o céu.
A aparição passou lentamente através do quarto; foi pouco
a pouco se elevando, à proporção que caminhava, até o ins-
tante em que desapareceu. O corpo e o rosto pareciam de-
vastados pela doença, e jamais vi minha mãe assim durante
sua vida; seus traços estavam velados por uma palidez mor-
tal.
Desde o momento em que vi a aparição, convenci-me de
que minha mãe estava morta. Achava-me de tal modo im-
pressionada que me era impossível prestar atenção aos meus
estudos, e era para mim um verdadeiro desgosto ver minha
irmã mais moça brincar e divertir-se com suas companhei-
ras.
Dois ou três dias mais tarde, após as preces, minha profes-
sora chamou-me em seu quarto. Assim que aí entramos, eu
lhe disse:
– Não tendes necessidade de dizer-me: eu sei que minha
mãe é morta.
Ela me perguntou como eu pudera sabê-lo. Não lhe dei
explicação alguma, mas lhe afirmei que o sabia já há três di-
as. Soube, mais tarde, que minha mãe falecera no domingo,
à mesma hora em que a tinha visto, e que ela permanecera
inconsciente durante um ou dois dias.
Não sou uma mulher de imaginação, não sou impressioná-
vel e nem antes, nem depois, me aconteceu qualquer coisa
semelhante.
Irabelle Allom.” 42
O capitão G. T. Russell Colt, de Gartsherrie, Coatbridge, en-
via-me a seguinte narração:
CLXXII – “Eu tinha um irmão que me era muito caro,
meu irmão mais velho Olivier, 2º tenente no 7º Regimento
Real de Fuzileiros. Achava-se ele, nessa épica, diante de Se-
bastopol. Entretinha eu correspondência constante com ele.
Um dia, escreveu-me em um instante de abatimento, mos-
trando-se indisposto; respondi-lhe, concitando-o a recobrar
sua coragem, mas que, se qualquer coisa o contrariava, devia
trazê-lo ao meu conhecimento, aparecendo-me no quarto em
que, ainda rapazes, estivemos tantas vezes sentados, à noite,
fumando e tagarelando às escondidas.
Meu irmão recebeu esta carta (eu o soube mais tarde) na
ocasião em que saía para ir receber a santa comunhão; assim
me contou o clérigo que lha deu. Depois de haver comunga-
do, dirigiu-se às trincheiras. Não voltou mais. Algumas ho-
ras mais tarde, começou o assalto ao Entrincheiramento.
Quando o capitão de sua Companhia foi posto fora de com-
bate, meu irmão tomou o seu lugar e conduziu bravamente
seus soldados. Ainda que já houvesse recebido vários feri-
mentos, fazia ele os seus soldados escalarem as muralhas,
quando foi ferido por uma bala na fonte direita. Caiu entre
as pilhas de outros soldados; foi encontrado como que na
postura de quem está ajoelhado (sustido assim por outros
cadáveres), trinta e seis horas mais tarde.
Deu-se a sua morte, ou antes, ele tombou, talvez sem mor-
rer imediatamente, a 8 de setembro de 1855.
Nessa mesma noite, levantei-me de um salto. Avistei dian-
te da janela, perto de minha cama, meu irmão, de joelhos,
circundado de tênue nevoeiro fosforescente. Procurei falar,
mas não o pude conseguir. Escondi minha cabeça nas cober-
tas. Contudo, eu não estava com medo (fomos todos educa-
dos de forma a não acreditar nos Espíritos nem nas apari-
ções), mas queria simplesmente concatenar minhas idéias,
pois que não havia pensado nele, nem sonhado com ele e es-
quecera o que lhe havia escrito quinze dias antes dessa noite.
Disse eu, de mim para mim, que não podia ser mais que uma
ilusão, um reflexo do luar sobre um guardanapo ou sobre
qualquer outro objeto.
Alguns instantes depois, olhei de novo, ele ainda lá estava,
fixando em mim um olhar penetrado de profunda tristeza.
Esforcei-me ainda uma vez para falar-lhe, mas a minha lín-
gua estava como que presa; não pude pronunciar sequer uma
palavra.
Saltei da cama, olhei pela janela e verifiquei não haver lu-
ar: a noite estava negra e chovia a cântaros, a julgar pelo ba-
rulho que fazia nas vidraças. O pobre Olivier lá continuava
sempre. Então me aproximei, caminhei através da aparição
e cheguei à porta do quarto. Voltando o rosto antes de sair,
olhei ainda uma vez para trás. A aparição virou lentamente a
cabeça para mim e lançou-me ainda um olhar cheio de an-
gústia e de amor. Pela primeira vez observei, então, na fonte
direita uma ferida de onde corria um fiozinho vermelho. O
rosto apresentava uma cor pálida como cera, mas transparen-
te.
Deixei o quarto e dirigi-me ao de um amigo onde me es-
tendi sobre o sofá, aí ficando o resto da noite; disse-lhe por
que tinha vindo para junto dele.
Também falei a respeito da aparição a outras pessoas da
casa, mas, quando contei isso a meu pai, ordenou-me este
que não repetisse tal disparate e sobretudo que nada dissesse
a minha mãe.
Na segunda-feira seguinte, recebeu ele uma nota de Sir
Alexandre Milne, comunicando que o entrincheiramento ha-
via sido tomado de assalto, mas sem lhe dar detalhes. Pedi a
meu amigo avisar-me caso visse antes de mim o nome de
meu irmão entre os mortos ou feridos. Cerca de uma quinze-
na mais tarde, ele me veio contar o que ocorrera.
O coronel do Regimento e um ou dois oficiais que tinham
visto o cadáver referiram-me que o aspecto do corpo era e-
xatamente o que eu havia descrito. O ferimento estava bem
na região em que eu o tinha visto. Mas ninguém pôde dizer
se ele morrera realmente no mesmo instante. Sua aparição,
nesse caso, devia ter sido algumas horas depois de sua mor-
te, porquanto eu o tinha visto um pouco depois das 2 horas
da manhã. Alguns meses mais tarde enviaram-me um pe-
queno livro de preces e a carta que eu lhe havia escrito. Fo-
ram esses dois objetos encontrados no bolso interior da túni-
ca que ele trazia no momento de sua morte; conservo-os ain-
da comigo.”
CLXXIII – “Na tarde de 14 de novembro de 1867, assis-
tia com meu marido a um concerto em Birmingham, Town
Hall, quando senti um arrepio de frio. Quase no mesmo ins-
tante, vi muito distintamente, entre mim e a orquestra, meu
tio, deitado em sua cama; parecia chamar-me. Não ouvira fa-
lar a seu respeito há muitos meses e nenhuma razão tinha pa-
ra pensar que estivesse doente. A aparição não era nem
transparente nem vaporosa, mas parecia tratar-se de um cor-
po verdadeiro; não obstante, eu podia ver a orquestra, não
através desse corpo, mas por trás dele. Não procurei volver
em torno os olhos para ver se a forma mudava, com eles, de
lugar, mas fixei-a, como fascinada por ela, a tal ponto que
meu marido me perguntou o que tinha. Respondi-lhe pedin-
do não falar-me durante um minuto ou dois. Pouco a pouco a
visão desapareceu e, depois do concerto, disse a meu marido
o que tinha visto.
Pouco tempo depois, chegava-nos uma carta anunciando a
morte de meu tio, verificada exatamente à hora da visão.
E. T. Taunton.” 43
O Rev. T. Barker, antigo pároco de Cottenthan, em Cambrid-
ge, subscreve a seguinte narração:
CLXXIV – “A 6 de dezembro de 1873, acabava eu de
deitar-me cerca de 11 horas da noite e não estava ainda dor-
mindo nem mesmo adormecido, quando vi minha mulher es-
tremecer por haver eu dado um profundo gemido. Pergun-
tando-me a razão disso, respondi-lhe:
– Acabo de ver minha tia; ela veio, postou-se ao meu lado
e sorriu, com o seu bom e familiar sorriso, depois desapare-
ceu.
Estava, nessa época, na ilha da Madeira, por motivo de
saúde, uma tia a quem eu amava ternamente, irmã de minha
mãe; sua sobrinha, minha prima, estava com ela. Não tinha
nenhuma razão para supor que ela estivesse, no momento,
seriamente enferma; porém fora de tal modo profunda a im-
pressão em mim deixada, que no dia seguinte disse à sua
família (nesta compreendida minha mãe) o que tinha visto.
Uma semana depois soubemos que ela morrera nessa mesma
noite e, tendo em conta a diferença de longitude, quase no
momento em que a visão me aparecera.
Quando minha prima, que permaneceu ao seu lado até o
fim, ouviu falar do que eu vira, disse:
– Isso não me surpreende, porquanto ela vos chamava
continuamente durante sua agonia.
Foi a única vez que experimentei qualquer coisa de seme-
lhante.
Frederick Barker.”
A data da morte é confirmada pelo necrológio do Times. A
Sra. Barker confirmou, de sua parte, esse relato, nos seguintes
termos:
“Lembro-me bem dos fatos a propósito dos quais meu ma-
rido vos escreveu. Devia ser perto de 11 horas. Não tinha a-
inda meu esposo dormido (pois acabava de falar-me), quan-
do se pôs a gemer profundamente. Perguntei-lhe o que tinha;
disse-me então que sua tia, que estava na Madeira, acabava
de aparecer-lhe, sorrindo-lhe com aquele seu bom sorriso,
depois desaparecera. Disse-me também que tinha ela qual-
quer coisa de negro na cabeça, semelhante a uma renda. No
dia seguinte ele repetiu sua narrativa a diversos de nossos
parentes e aconteceu que sua tia morrera nessa mesma noite.
Sua sobrinha, Srta. Garnett, disse-me que não se admirava
de saber que meu marido vira sua tia, porquanto ela o havia
chamado diversas vezes durante sua agonia. Ele fora quase
um filho para ela.
P. S. Barker.”
A Srta. Garnett, que estava ao pé de sua tia, no momento da
morte, confirmou as duas narrativas precedentes.
CLXXV – “Eis o relato da morte de nossa cara netinha,
ocorrida em 17 de maio de 1879. Devo dizer, antes de tudo,
que o acontecimento está tão presente ao meu espírito como
se tivesse ocorrido há apenas alguns dias.
Era uma risonha manhã e creio que o Sol tinha mais brilho
do que em qualquer outra ocasião. Contava a criança quatro
anos e cinco meses e era uma encantadora netinha.
Alguns minutos depois das 11 horas, ela entrou, correndo,
na cozinha e me disse:
– Mãe, posso ir brincar?
– Sim – respondi.
Então ela saiu. Pouco depois de lhe haver falado, fui bus-
car um cântaro de água no quarto de dormir. Ao atravessar o
corredor, a criança passou diante de mim como uma sombra
luminosa. Estaquei de chofre, para observá-la, voltei a cabe-
ça à direita e a vi desaparecer. Um instante depois, o irmão
de meu marido, que morava conosco, chamou-me gritando:
– Fanny acaba de ser esmagada!
Atravessei a casa como uma flecha, depois a estrada, onde
a encontrei. Tinha sido atirada ao solo pelas patas de um ca-
valo, e a roda de um carro de padeiro esmagara-lhe o crânio
perto da nuca. Dentro de alguns minutos expirou em meus
braços. Foi exatamente assim que se verificou esse triste a-
cidente.
Anne E. Wright.” 44
CLXXVI – “Minha mulher tinha um tio, capitão da Mari-
nha Mercante, que a queria muito bem, quando ela era crian-
ça, e muitas vezes, quando ele estava em casa, em Londres,
fazia-a sentar em seus joelhos e acariciava-lhe os cabelos.
Ela partiu com seus pais para Sidnei, e seu tio continuou em
sua profissão por outras partes do mundo.
Cerca de três ou quatro anos mais tarde, estando em seu
quarto a vestir-se para o jantar, desmanchara seus cabelos.
De repente sentiu uma mão pousar sobre o alto de sua cabe-
ça e acariciar rapidamente seus cabelos até as suas espáduas.
Aterrada, ela voltou-se e gritou:
– Oh! mãe! por que meter-me medo assim? – pois estava
crente de que sua mãe quisera pregar-lhe uma peça.
Não havia ninguém no quarto.
Quando ela contou, à mesa, o incidente, um amigo supers-
ticioso aconselhou-a a tomar nota do dia e da hora. Assim se
fez. Pouco mais tarde chegou a notícia de que seu tio Willi-
am morrera nesse dia. Se levar-se em conta a diferença de
longitude, foi pouco mais ou menos essa a hora em que ela
sentiu a mão pousar em sua cabeça.
J. Chantrey Harris
Proprietário do New Zealand e do New Zealand
Mail, em Wellington (Nova Zelândia).”
Eis o relato da própria Sra. Harris:
“Corria o mês de abril de 1860. Eu era, a esse tempo, ain-
da jovem. De pé, diante do toucador, em meu quarto de
dormir, compunha um detalhe qualquer de minha toilette.
Podiam ser 6 horas da tarde e nessa época do ano já era o
crepúsculo, quando, de repente, senti uma mão pousar sobre
a minha cabeça, descer ao longo dos meus cabelos e apoiar-
se pesadamente sobre minha espádua esquerda. Aterrada
com essa carícia inesperada, voltei-me vivamente para ex-
probrar à minha mãe o haver entrado sem ruído, mas, com a
maior surpresa, não vi ninguém. No mesmo instante veio-me
à idéia a Inglaterra, para onde partira meu pai no mês de ja-
neiro precedente e disse a mim mesma que sucedera alguma
coisa, ainda que me fosse impossível defini-lo.
Desci e manifestei meus receios à minha família. No serão
dessa noite, a Sra. e a Srta. W. estiveram em nossa casa e,
como procurassem saber das causas da minha palidez, puse-
ram-nas ao corrente do que se passara. Disse-me a Sra. W.
imediatamente:
– Tomai nota da data e aguardemos os acontecimentos.
Assim se fez e o incidente cessou de perturbar-nos, ainda
que toda a família esperasse com certa inquietação a primei-
ra carta de meu pai. À sua chegada à Inglaterra, encontrara
seu irmão agonizante. Em sua infância era-lhe eu a preferida
e, por ocasião de sua morte, meu nome foi a última palavra
que pronunciou.”
CLXXVII – “Uma segunda-feira à noite, em meados de
agosto de 1849, fui, como o fazia freqüentemente, passar o
verão com o Rev. Harrison e sua família, com a qual manti-
nha as mais íntimas relações. Como estivesse o tempo mag-
nífico, fomos todos dar um passeio no jardim zoológico. As-
sinalo isso muito particularmente porque serve para provar
que Harrison e sua família estavam incontestavelmente de
boa saúde nesse dia, e que ninguém desconfiava do que ia
suceder.
No dia seguinte fui visitar uns parentes em Hartfordshire.
Estes residiam em uma casa chamada Flamstead Lodge, a
vinte e seis milhas de Londres, à margem da estrada geral.
Jantávamos habitualmente às 2 horas e, na segunda-feira,
logo depois do jantar, deixei dessa hora em diante as senho-
ras no salão e desci, passando a cerca, até a estrada geral.
Notai bem que estávamos a meio de um belo dia de sol do
mês de agosto, em uma larga estrada por onde passava muita
gente, a cem metros de uma estalagem. Eu mesmo me acha-
va bem disposto, cheio de juventude e de vida e nada havia
em torno de mim que pudesse fazer minha imaginação diva-
gar. A pequena distância estavam alguns camponeses. De
repente um fantasma se ergueu diante de mim, tão perto que,
se fosse um ser humano, ter-me-ia tocado, impedindo-me,
por um instante, de ver a paisagem e os objetos que se acha-
vam em torno de mim.
Não distingui completamente os contornos do fantasma,
mas vi os seus lábios moverem-se, murmurando qualquer
coisa; seus olhos me fixavam e mergulhavam nos meus com
uma expressão tão intensa, tão severa, que recuei hesitante.
Instintivamente e provavelmente em alta voz, disse eu: “Jus-
to Deus, é Harrison!”, ainda que eu absolutamente não pen-
sasse nele nesse momento. Depois de vários segundos, que
me pareceram uma eternidade, o espectro desapareceu; fi-
quei pregado naquele lugar durante alguns instantes, e a es-
tranha sensação que experimentei faz que eu não possa du-
vidar da realidade da visão. Sentia o sangue gelar-se-me nas
veias; calmos permaneciam meus nervos, mas experimenta-
va uma sensação de frio mortal, que durou cerca de uma ho-
ra e que só me deixou pouco a pouco, à medida que a circu-
lação se restabeleceu.
Jamais experimentei semelhante sensação, nem antes nem
depois. Ao regressar para casa, nada disse sobre o ocorrido
às senhoras, para não amedrontá-las, e a desagradável im-
pressão foi perdendo gradualmente sua intensidade.
Disse eu que a casa estava perto da estrada geral; situada
no meio da propriedade, ao longo de um caminho que con-
duz à aldeia, a 200 ou 300 metros de qualquer outra casa, ti-
nha ela uma grade de ferro de sete pés de altura diante da fa-
chada, para protegê-la contra os ladrões; fechavam-se sem-
pre as portas ao cair da noite; uma aléia de trinta pés de
comprimento, toda ensaibrada ou calçada, estendia-se da
porta de entrada ao atalho. Nesse dia a noite estava bela,
muito pura e muito tranqüila. Ninguém teria podido aproxi-
mar-se da casa, no profundo silêncio de uma noite de verão,
sem de longe ser pressentido. Além disso, havia um grande
cão de guarda à porta da entrada e, no interior da casa, um
pequeno terrier que latia contra todo o mundo e ao menor
barulho. Íamo-nos retirar para nossos quartos, achando-nos
sentados na sala de visitas do rês do chão e tínhamos conos-
co o pequeno terrier. Os criados tinham ido deitar-se em um
quarto dos fundos, a sessenta pés de distância.
Subitamente produziu-se, à porta da entrada, um rumor tão
grande e tão repetido (a porta parecia agitar-se em sua estru-
tura e vibrar sob golpes formidáveis) que nos pusemos de pé
em um instante, cheios de espanto, e os criados chegaram,
seminus, descendo a correr de seus quartos para saber o que
se passava.
Corremos à porta, mas não vimos e nem ouvimos nada. O
terrier, contrariamente aos seus hábitos, escondeu-se, tre-
mendo, sob o canapé 45 e não quis nem ficar na porta nem
sair para a obscuridade. A porta não tinha aldrava, nada que
pudesse cair, e seria impossível a quem quer que fosse apro-
ximar-se da casa ou deixá-la, em meio daquele grande silên-
cio, sem ser ouvido. Todos estavam aterrados e foi a muito
custo que consegui fazer com que nossos hóspedes e nossos
criados voltassem a deitar-se.
Eu era tão pouco impressionável que não relacionei esse
fato à aparição do fantasma que vira à tarde e fui igualmente
deitar-me, meditando sobre tudo isso e procurando a expli-
cação.
Permaneci no campo até quarta-feira pela manhã, sem
desconfiar do que pudesse ter acontecido durante a minha
ausência. Nessa manhã, regressei à cidade e me dirigi aos
meus escritórios, em King’s Road, 11, Gray’s Inn. Meu em-
pregado veio ao meu encontro e disse-me:
– Senhor, um cavalheiro já veio aqui duas ou três vezes;
ele deseja ver-vos imediatamente.
Esse visitante era um Sr. Chadwick, amigo íntimo da fa-
mília Harrison. Disse-me ele então, com grande surpresa da
minha parte:
– Houve uma terrível epidemia de cólera em Wandsworth
Road; em casa do Sr. Harrisson todos sucumbiram. A Sra.
Rosco, sexta-feira, caiu doente e morreu; na mesma noite
sua criada enfermou e morreu; a Sra. Harrison foi atingida
no sábado de manhã e morreu. A criada de quarto caiu en-
ferma no domingo e morreu. A cozinheira também foi aco-
metida do mal; foi tirada para fora de casa e por pouco tam-
bém não morreu. O pobre reverendo foi acometido, domingo
à noite; esteve muito mal segunda-feira e ontem; transporta-
ram-no do lazareto de Wandsworth Road para Jack Straw’s
Castle, em Hampstead, a fim de mudar de ares. Implorou ele
aos que o rodeavam, na segunda-feira e ontem, a graça de
vos mandarem chamar, mas ninguém sabia onde estáveis.
Tomemos depressa um cabriolé e vinde comigo; do contrá-
rio não o tornareis a encontrar com vida.
Parti no mesmo instante com Chadwick; mas Harrison
morrera antes que fôssemos chegados.
H. B. Garling
Westbourne Gardens, 12, Folkstone.”
Este caso é seguramente um dos mais notáveis, dos mais
dramáticos e dos mais extraordinários, notadamente no que
concerne à impressão produzida sobre várias pessoas e mesmo
sobre animais. Ao tratarmos da discussão geral das causas,
voltaremos a falar deste caso.
Eis aqui três outros, não menos curiosos, de sensações coleti-
vas.
CLXXVIII – “Na noite de 24 de agosto de 1869, entre 8 e
9 horas, estava eu sentada em meu quarto, na casa de minha
mãe, em Devonport. Meu sobrinho, um rapaz de 7 anos, es-
tava deitado no compartimento vizinho; fiquei surpresa de
vê-lo entrar, de repente, correndo, em meu quarto; ele grita-
va com voz aterrada:
– Oh! titia, acabo de ver meu pai dar voltas em torno de
minha cama!
Respondi-lhe:
– Que tolice! provavelmente sonhaste.
Ele replicou que absolutamente não sonhara e recusou-se a
voltar para o seu quarto. Vendo que não podia persuadi-lo a
isso, coloquei-o em minha cama. Entre 10 e 11 horas deitei-
me. Cerca de uma hora depois, vi distintamente, do lado do
fogão, a forma de meu irmão sentado em uma cadeira e o
que me chamou particularmente a atenção foi a palidez mor-
tal do seu rosto. Meu sobrinho, nesse instante, dormia a sono
solto. Fiquei tão aterrada (meu irmão estava em Hong-Kong)
que ocultei a cabeça nas cobertas. Pouco depois, ouvi niti-
damente sua voz chamar-me por meu nome, o qual foi por
três vezes repetido. Decidi-me então a olhar, mas ele havia
desaparecido.
No dia seguinte, de manhã, contei à minha mãe e à minha
irmã o que sucedera e tomei nota do fato.
O correio seguinte, da China, trouxe-nos a triste notícia da
morte de meu irmão; ela ocorrera a 21 de agosto de 1869, no
porto de Hong-Kong, subitamente, em conseqüência de in-
solação.
Minnie Cox
Sumer Hiel, Queenstown (Irlanda).”
CLXXIX – “Um amigo meu, oficial do Corpo de Hig-
hlanders, fora gravemente ferido no joelho, na batalha de
Tel-el-Kebir. Sua mãe era uma de minhas grandes amigas, e
quando o navio-hospital Cartago o transportou para Malta,
enviou-me ela a bordo para vê-o e tomar as disposições ne-
cessárias para o desembarque. Quando cheguei a bordo, dis-
seram-me que era ele um dos doentes em estado grave, sen-
do de tal ordem os seus ferimentos, que se considerava peri-
goso transportá-lo para o hospital militar. Depois de muitas
instâncias, obtivemos, sua mãe e eu, permissão para ir visitá-
lo e para o tratar. O pobre amigo estava tão mal que os mé-
dicos eram de opinião que ele morreria se fosse tentada uma
operação e eles não queriam amputar-lhe a perna, operação
que era a única esperança de salvamento. Sua perna gangre-
nava-se; certas partes destacavam-se e, como ele permane-
cesse, ora melhor, ora pior, começaram os médicos a pensar
que talvez recobrasse um certo grau de saúde, ainda que ti-
vesse de ficar coxo para o resto da vida e provavelmente
morrer de consumpção.
Na noite de 4 de janeiro de 1886, não se podendo prever
nenhuma mudança brusca em seu estado, levou-me sua mãe
à casa para que tivesse eu uma noite de repouso, pois acha-
va-me muito abatida e não dispunha de bastante saúde para
suportar tão longas fadigas. Caíra o enfermo, durante algu-
mas horas, em uma espécie de letargia, e o médico havia di-
to que, achando-se ele sob a ação da morfina, dormiria pro-
vavelmente até a manhã do dia seguinte. Consenti em ir,
propondo-me voltar ao romper do dia, a fim de que me pu-
desse ele achar ao seu lado quando despertasse.
Pelas 3 horas da manhã meu filho mais velho, que dormia
em meu quarto, chamou-me gritando:
– Mamãe, mamãe, eis ali o Sr. B.!
Levantei-me precipitadamente: era absolutamente verda-
deiro; a forma do Sr. B. flutuava no quarto, a meio pé sobre
o assoalho (0,15 m) e depois desapareceu através da janela,
sorrindo-me. Estava em traje de noite; mas, coisa estranha, o
pé doente, cujos artelhos haviam caído em conseqüência da
gangrena, estava, nessa aparição, exatamente como o outro
pé. Tanto eu como meu filho o notamos ao mesmo tempo.
Cerca de meia hora depois, veio um homem dizer-me que
o Sr. B. morrera às 3 horas. Fui à casa de sua mãe e esta me
deu informações a respeito do ocorrido. Disse-me que havia
ele recuperado uma semiconsciência no momento da morte,
que sentia a minha mão na sua e que a apertava, ao mesmo
tempo que a do ordenança que permanecera junto dele até o
último instante. Jamais pude perdoar-me o ter ficado em mi-
nha casa nessa noite.
Eugênia Wickham.”
O Sr. Wickham filho, que contava nove anos por ocasião da
ocorrência, assinou a declaração seguinte:
“Lembro-me bem que as coisas se passaram como ficou
acima descrito.
Edmond Wickham.”
O marido da Sra. Wickham, tenente-coronel de Artilharia, es-
creveu certificando a exatidão da narrativa.
Finalizaremos estas observações telepáticas pela seguinte,
que teve igualmente duas testemunhas:46
CLXXX – “Durante o inverno de 1850-1851, eu, Charles
Matthews, então com a idade de 25 anos, era mordomo em
casa do General Morse, em Troston Hall, perto de Bury Sa-
int-Edmunds. Minha mãe, Mary Anne Matthews, estava na
mesma casa como cozinheira e despenseira; era uma mulher
muito honesta e muito conscienciosa, querida de todos os
domésticos, exceto da camareira, chamada Susana. Esta úl-
tima tornava-se desagradável a todos por causa dos seus me-
xericos e das suas maldades; ela, porém, receava muito mi-
nha mãe, cuja firmeza de caráter se lhe impusera.
Susana teve a icterícia; no começo trataram-na durante al-
guns meses em Troston Hall, mas finalmente foi ela trans-
portada para o hospital de Bury Saint-Edmunds, a expensas
do General Morse, e colocada no dormitório reservado aos
domésticos. Aí morreu, uma semana após a sua admissão. O
general enviava uma aldeã ao hospital, que ficava sete mi-
lhas distante, para informar-se do que ali ocorria, todas as
vezes que a diligência não ia a Bury Saint-Edmunds.
Um certo sábado a mulher para lá foi e só regressou do-
mingo à noite; declarou então que encontrara Susana incons-
ciente e, como o seu fim se aproximasse, haviam-lhe permi-
tido ficar no dormitório até o desenlace da enferma.
Durante essa noite de sábado, produziram-se os fatos mis-
teriosos que vou narrar e que sempre me intrigaram.
Estava eu dormindo. De repente fui despertado com ou
por um súbito sentimento de terror. Olhei na obscuridade,
mas não vi coisa alguma; senti-me presa de um terror anor-
mal e ocultei-me debaixo das cobertas. A porta de meu quar-
to dava para um corredor estreito, que conduzia ao quarto de
minha mãe, e todos que passavam quase tocavam a minha
porta. Não pude mais dormir, toda a noite. Pela manhã, en-
contrei minha mãe e notei que ela parecia doente, pálida e
singularmente transtornada. Perguntei-lhe:
– Que é que tens, então?
Ela respondeu:
– Nada; não me perguntes nada.
Passaram-se uma ou duas horas e eu bem via que ali havia
qualquer coisa de extraordinário. Decidi-me a saber o que
era. De seu lado, minha mãe não queria falar. Afinal, per-
guntei:
– Dar-se-á o caso que isso tenha relação com Susana?
Ela caiu em prantos e replicou:
– Por que esta pergunta?
Então lhe dei parte do meu terror noturno e por sua vez ela
me contou a horrível história que se segue:
– Fui despertada pelo rumor que fez ao abrir-se a porta do
meu quarto e vi, com o mais vivo terror, Susana entrar em
traje de dormir. Veio direto à minha cama, levantou as co-
bertas e deitou-se ao meu lado. Senti um frio glacial correr
ao longo do meu corpo, do lado em que ela parecia tocar-
me. Verdadeiramente assombrada, é provável que eu tenha
perdido os sentidos, pois não me lembro nada mais do que
se passou. Quando recobrei os sentidos, ela não mais estava
ao meu lado. Estou certa, porém, de uma coisa: é de que isso
não foi um sonho.
Soubemos pela camponesa, à sua volta, no domingo à tar-
de, que Susana morrera tarde da noite e que, em sua agonia,
não falava noutra coisa senão em retornar a Troston Hall.
Nem sequer sonhávamos com a sua morte. Supúnhamos que
tivesse ela dado entrada no hospital, não por se achar em pe-
rigo, mas para submeter-se a um tratamento especial.
Eis os fatos tão bem expostos como posso fazê-lo. Eu não
era supersticioso nem crédulo, mas ainda não pude satisfazer
meu espírito no tocante ao como e ao porquê desse estranho
incidente.47
Charles Matthews
Blandford Place, Clarence Gate,
Regent’s Park (Londres).”
IV
Admissão dos fatos

There are more things in heaven


and earth, Horatio,
Than are dreamt of in your philosophy.
Shakespeare, “Hamlet”, act. I, sc. V.

Eis aí 180 narrativas de manifestações de moribundos (tendo


eu ainda outras tantas inéditas). Será possível, após uma leitura
conscienciosa e imparcial dessas observações, considerá-las
apenas como invencionices, contos imaginários ou simples
alucinações com fortuitas coincidências?
Uma negação pura e simples não é aqui aceitável. Encontra-
mo-nos indubitavelmente em face do extraordinário, do desco-
nhecido, do inexplicado. Uma negação não e, porém, uma solu-
ção. Parece-nos mais sábio, mais científico procurar conhecer
esses fenômenos do que negá-los sem exame.
Explicá-los é mais difícil. Como dizíamos no começo, imper-
feitos e enganadores são os nossos sentidos e talvez mesmo não
possam revelar-nos jamais a verdadeira realidade, mais no caso
em apreço do que em qualquer outro.
Essas narrativas foram escolhidas dentre outras, em número
muito mais considerável ainda. Os leitores ansiosos de se darem
conta da natureza e da diversidade dessas manifestações as terão
lido com interesse e compreendido que, se demos publicidade a
um número tão grande das mesmas, foi precisamente para de-
monstrar que não são elas tão raras nem tão excepcionais como
se pensa e porque seu valor aumenta exatamente na proporção
desse maior número.
Notar-se-á que em todos esses relatos são os detalhes tão cir-
cunstanciados quanto possível e que não se trata de alucinações
subjetivas, incertas, duvidosas e sobretudo anônimas. Tenho um
horror indizível por tudo o que é anônimo e jamais pude com-
preender, nem compreenderei jamais que se deixe de ter a cora-
gem de sua opinião e que, de posse de uma observação interes-
sante que contribua, por pouco que seja, para o avanço de nossos
conhecimentos, não se ouse subscrever o respectivo relato, pelo
temor de se comprometer e desagradar os amigos influentes, pelo
pavor do ridículo, por interesse, por prejuízo supersticioso, por
outra qualquer razão, seja ela qual for.
Novamente agradeço a todas as pessoas que me comunicaram
suas observações, tendo tido, por outro lado, por mim mesmo, o
cuidado de seguir, tão discretamente quanto possível, as suas
indicações. Dissemos mais acima que há em média, em vinte
pessoas, uma que, por si mesma, experimentou manifestações
dessa ordem, ou veio a ter delas ciência por algum dos seus
conhecidos. Não se trata, pois, de uma quantidade que possa
deixar de ser tomada em consideração. Em geral não se fazem
narrativas dessa natureza, sem prévia solicitação, e mesmo
assim!...
A questão agora levantada é a seguinte: Qual o valor real des-
sas narrações? Isso porque, evidentemente, não basta a quantida-
de: a qualidade é um coeficiente. Deve neste caso a análise ser
tanto qualitativa como quantitativa. Que tenham sido elas inven-
tadas em todos os seus detalhes, para mistificar os parentes e
amigos, aos quais foram transmitidas, é uma hipótese suscitada
muito seriamente, mas que começaremos por eliminar. Em certos
casos há várias testemunhas. Noutros, o observador de tal modo
ficou impressionado que isso o tornou enfermo. Os primeiros
relatos, acima consignados, foram-me comunicados por pessoas,
na sinceridade das quais deposito tanta confiança como em mim
próprio. As cartas que vêm em seguida parecem de uma boa fé
absoluta. Uma décima parte delas consegui que fossem verifica-
das de diversos modos e esse controle concluiu sempre pela
confirmação da veracidade dos relatos, salvo algumas variantes
insignificantes.
Por outro lado, essas narrativas não diferem das que me fo-
ram feitas por pessoas do meu conhecimento há longo tempo. Se
as primeiras são verídicas, não há razão para que estas não o
sejam. A classe dos farsantes e dos chantagistas é muito rara nas
narrações de mortes de um parente, de um pai, de uma mãe, de
um esposo, de um filho. Esses são os lutos de que, em geral,
ninguém ri a bandeiras despregadas. Não é costume brincar-se
muito com coisas dessa natureza. E depois, a sinceridade tem as
suas características: “O estilo é o homem”, disse Buffon.
Para com esses correspondentes estou no mesmo caso que pa-
ra com todos os que me enviam constantemente, de todos os
pontos do globo, suas diversas observações em Astronomia e
Meteorologia.
Quando alguém me escreve dizendo que observou um eclip-
se, uma ocultação, um bólido, estrelas cadentes, um cometa, uma
variação sobre Júpiter ou Marte, uma aurora boreal, um tremor
de terra, uma tempestade, um caso curioso de raio, um arco-íris
lunar, etc., desde logo o tenho na conta de pessoa de boa fé e
sincera, o que não me impede de examinar sua comunicação e de
julgá-la. Pode-se objetar que a situação não é identicamente a
mesma, porquanto uma observação astronômica ou meteorológi-
ca pode ter sido feita ao mesmo tempo por outras pessoas, o que
implica uma espécie de controle. Sem dúvida. Mas, relativamen-
te à opinião que posso nutrir quanto à sinceridade do observador,
é absolutamente a mesma: eu a admito condicionalmente e com
todos os direitos do livre exame.
Nos casos de telepatia e outros, são as mesmas criaturas hu-
manas que se acham em jogo, que dispõem de todas as suas
faculdades intelectuais, que estão em estado de espírito perfeita-
mente normal e que o provam pelas suas próprias reflexões.
Não tenho, a priori, mais razão de desconfiar de um sábio, de
um professor, de um magistrado, de um padre, de um pastor, de
um industrial, de um agricultor, quando me fazem a exposição de
um fato psíquico, do que quando me expõem uma observação
física.
Entretanto, como esses fatos são mais raros e menos verossí-
meis, nossa faculdade de admissão é mais severa e, por minha
parte, tenho começado pelo controle de grande número delas,
colhendo informações, fazendo inquéritos, que têm quase sempre
conseguido chegar à confirmação pura e simples das narrativas
recebidas.
É o que tem feito, também, de sua parte, a Sociedade Psíquica
de Londres. Mau grado certas variações nas narrativas, certas
obnubilações de memória, constata-se quase sempre que o fato
primitivo é real e não inventado.
Mas, se os impostores são raros, os iludidos são numerosos.
Constituem mesmo legião nessa ordem de coisas. Tivemos
ocasião de apreciar, no capítulo II, a extensão da credulidade
humana. Contudo, o estilo dos crédulos e dos fanáticos é também
muito característico.
Uma segunda apreciação, mais defensável, é a de que, em ge-
ral, o fundo é verdadeiro, mas os fatos observados foram ampli-
ficados e dispostos, com o máximo de boa fé imaginável, de
modo a se enquadrarem aos acontecimentos. Tratar-se-ia de
alucinações, que foram postas em relevo somente nos casos em
que se deu coincidência de morte, podendo mesmo dar-se o caso
de ser esta coincidência apenas aproximada, para em seguida,
após a conclusão, tornar-se evidente.
Examinei e discuti esta hipótese igualmente com a máxima
atenção e concluí que de modo algum é ela suficiente:
1º) nos casos em que pude controlar os fatos, constatei que
se passaram eles pouco mais ou menos como as narrati-
vas os tinham revelado;
2º) as pessoas que os descrevem tomam, em geral, o cuidado
de demonstrar que se acham em um estado de saúde
normal, que não são sujeitas às alucinações, que observa-
ram, constataram os fatos com o maior sangue frio e que
estão certas disso;
3º) afastei dessas narrativas tudo aquilo que foi experimen-
tado em sonho e conservei somente os casos de observa-
dores perfeitamente despertos;
4º) eliminei todos aqueles que parecem que devem ser atri-
buídos à imaginação, à auto-sugestão ou às diversas es-
pécies de alucinações.
Os fatos em apreço são variados; têm sido eles constatados
por pessoas de toda idoneidade intelectual e moral, por homens
como por mulheres, de toda idade; apresentam-se em todas as
classes da sociedade, em todas as crenças, tanto aos indiferentes
e aos cépticos, como aos crédulos e aos ideólogos, ao norte como
ao sul, na raça anglo-saxônica como na raça latina, em todos os
países e em todos os tempos. Não os pode a crítica mais severa
considerar como nulos e não sucedidos; pelo contrário, deve
tomá-los em consideração.
Impossível atribuí-los a alucinações. Estas são hoje conheci-
das: têm suas causas (mais adiante as discutiremos). Os pacientes
que as experimentam são mais ou menos a isso predispostos e as
experimentaram por diversas vezes – por muitas vezes mesmo.
Aqui, as testemunhas deixam de ser criaturas dessa natureza; elas
viram um fato psíquico, como teriam visto um fato físico, e o
relatam.
Se fosse alucinações os fatos dessa natureza, ou apenas ilu-
sões, efeitos de imaginação, entre eles haveria um número
consideravelmente maior sem coincidência de morte do que
acompanhados dessa coincidência.
Ora é o contrário que se verifica. Prova-o com evidência o
meu inquérito: pedi que me fizessem o obséquio de enviar todos
os casos, quer houvesse coincidência ou não. Não há mais de
sete a oito casos, em cem, de aparições sem coincidência. Abso-
lutamente o contrário deveria observar-se, se se tratasse de
alucinações.
Seria preciso igualmente admitir alucinações de várias pesso-
as ao mesmo tempo, separadas por centenas de quilômetros.
Pode-se replicar que, do mesmo modo, aí estão alucinações,
porque só se notam aquelas que são acompanhadas de coincidên-
cias.
Não é sustentável a objeção, porquanto, se virdes aparecer,
diante de vós, um ente querido: vossa mãe, vosso pai, vossa
esposa, vosso marido, vosso filho, é impossível que o fato não
vos impressione, mesmo quando não haja nenhuma coincidência
de morte e que não vos recordeis de tal coincidência.
Todos os casos que vêm de ser relacionados deram-se com
pessoas acordadas, em seu estado normal, como vós e eu o
estamos neste momento. Tomei todo o cuidado no sentido de não
mencionar exemplo algum de manifestações ou de aparições
observadas em sonho, e preocupei-me, desde o princípio, em
estabelecer uma classificação metódica, clara e precisa dos
fenômenos que nos propomos aqui estudar. Nosso estudo é
essencialmente científico, como se tratássemos de Astronomia,
de Física ou de Química. Os sonhos, durante o sono, as visões,
em sonambulismo ou em estado de hipnose, os pressentimentos
ou previsões, os fenômenos de desdobramento, as evocações, por
meio de médiuns, serão objeto de outros capítulos. Tomamos a
resolução de começar pelos fatos mais seguramente constatados,
mais fáceis de controlar e a discutir com toda liberdade de espíri-
to.
No caso em apreço não se trata senão de manifestações de
moribundos, por conseguinte de vivos. Ocupar-nos-emos mais
tarde das aparições de mortos, cuja explicação não é a mesma.
Os últimos exemplos mencionados são extraídos da grande
obra Phantasms of the Living (“Fantasmas dos vivos”),48 publi-
cada em Londres, em 1886, pelos Srs. Gurney, Myers e Podmo-
re, obra em dois enormes volumes, de 573 e 733 páginas, con-
tendo os processos verbais dos rigorosos inquéritos feitos por
esses três sábios em nome da Society for Psychical Research, de
que já falamos. É impossível estudar essa compilação sem dela
guardar a impressão de que todo aquele que persiste, hoje, em
negar semelhantes fatos assemelha-se muito a um cego que se
compraz em negar o Sol. Há, nesse inquérito, as descrições de
600 casos da ordem desses a que nos referimos. E, quanto a
mim, recebi-os em número superior a 1100, a respeito dos quais
a autenticidade parece igualmente irrecusável.
Sem dúvida, não têm igual valor todas essas narrações, todos
esses relatos. Para isso necessário seria controlar-lhes sempre a
absoluta precisão. O acordo que nos impressiona entre as visões,
as audições, as emoções recebidas e os sucessos narrados pode
ter sido completado mais tarde pela própria imaginação dos
narradores, coordenado mais ou menos pelas necessidades da
causa. Seria preciso que se pudesse fazer um inquérito minucioso
sobre cada observação; tomar, em uma palavra, todas as precau-
ções que temos o hábito de adotar em nossas observações astro-
nômicas ou em nossas experiências de física e de química, e
mesmo com mais rigor, pois que acresce aqui um coeficiente
“humano” que está longe de ser suscetível de omissão.
Essas precauções nem sempre têm sido tomadas e nem o pu-
deram ser, muitas vezes devido mesmo à natureza desses fenô-
menos, associados a mortes, a amarguras e a lembranças que não
podem ser tratadas com a mesma desenvoltura com que se trata
uma experiência de laboratório.
Mas, por que certas narrativas ficam sujeitas a diversas incer-
tezas de detalhe, tem-se nisso uma razão suficiente para se lhes
não atribuir valor algum e para que se não as tenha em conta
alguma?
Não pensamos assim.
Tais observações são bastante numerosas, para que não repre-
sentem qualquer coisa de real. E depois, a tradição secular que
associa esses fenômenos aos mortos não deve ser destituída de
fundamento.
O conjunto, sem dúvida, não teria grande valor se devesse
cada fato ser considerado como falsidade. Ainda mesmo redu-
zindo-os à sua mais simples pressão, resta sempre um substratum
deles. Em última análise, eu os compararia de bom grado ao
caráter cósmico da Via-Láctea. Cada uma das estrelas que com-
põem a Via-Láctea é inferior à sexta grandeza e invisível a olho
nu: não impressiona a retina humana. Entretanto, o conjunto é
perfeitamente visível a olho nu e constitui uma das admiráveis
belezas do céu estrelado. É o número desses fatos que nos força
a não os podermos honestamente desdenhar.
Escrevia o grande filósofo Emmanuel Kant:
A Filosofia, que não receia comprometer-se no exame de toda
sorte de questões fúteis, sente-se em geral muito embaraçada
quando em seu caminho encontra certos fatos, de que não pode-
ria impunemente duvidar e nos quais não poderia crer sem se
tornar ridícula. É o caso dos contos de almas do outro mundo.
Com efeito, não há censura a que a Filosofia seja mais sensível,
que a de credulidade e de adesão às vulgares superstições. Os
que se ornam, de barato, com o nome e o relevo de sábios mote-
jam de tudo quanto, inexplicável, quer para o sábio, quer para o
ignorante, a ambos no mesmo nível coloca. É isso que faz com
que as histórias de almas do outro mundo sejam sempre escuta-
das e bem acolhidas na intimidade, mas impiedosamente des-
mentidas diante do público. Pode-se ficar certo de que jamais
uma academia de ciências escolherá, para objeto de um concur-
so, semelhante matéria; não porque qualquer de seus membros
esteja persuadido da futilidade e da mentira de todas essas narra-
tivas, mas precisamente porque a lei da prudência põe sábios
limites ao exame dessas questões. As histórias de almas do outro
mundo encontrarão sempre crentes secretos e serão sempre
objeto, em público, de uma incredulidade de bom tom.
Quanto a mim, a ignorância em que estou, a respeito da ma-
neira pela qual o espírito humano entra neste mundo e dele sai,
interdita-me de negar a verdade das diversas narrativas em curso.
Por uma reserva, que pode parecer singular, permito-me pôr em
dúvida cada caso em particular, sem deixar de crê-los, entretanto,
verdadeiros em seu conjunto.
Há três partidos a adotar em face dos fatos expostos: seja a
crença absoluta em tudo que é dito, relatado; seja a desconfiança
absoluta que tudo rejeita; seja, em terceiro lugar, a aceitação dos
fatos em seu conjunto, sem afirmar a exatidão rigorosa de todos
os detalhes. É a esta conclusão que acreditamos de nosso dever
apegarmo-nos.
Tudo negar seria um absurdo de primeira ordem. A menos
que se deixe de dar crédito a todo humano testemunho, não
parece possível duvidar-se das precedentes narrativas. Não são
muitos os fatos, históricos ou científicos, que sejam afirmados
por um número tão grande de testemunhas.
Supor que todas essas pessoas houvessem ensandecido, esti-
vessem alucinadas ou fossem enganadas pela sua imaginação é
uma hipótese absolutamente insustentável, sobretudo quando se
verificarem coincidências de mortes.
E o que, por outro lado, estabelece sua realidade são os deta-
lhes circunstanciais que quase sempre as caracterizam, indepen-
dente mesmo das aparições completas, correspondendo exata-
mente: a um ferimento, um tiro, um lançaço, uma cabeça partida,
um cadáver ao fundo de uma barroca, um corpo estendido na
praia, um afogado, um enforcado, um timbre de voz reconhecido,
uma cabeleira, um traje especial, uma atitude, uma data de
morte, diferente da data anunciada, etc. Por outro lado, sei
também perfeitamente que quase sempre se pode duvidar do
testemunho humano; que, a alguns dias de intervalo, os mais
claros acontecimentos são contados de modos diferentes; que a
história das nações e dos homens é uma grande mentirosa. Mas,
enfim, é preciso aceitar a Humanidade como é e, sem pretender o
absoluto, admitir o provável e o relativo. É difícil duvidar de que
Luiz XIV tenha revogado o édito de Nantes e de que Napoleão
repousa sob a cúpula dos Inválidos.
Para nós, os fatos de que nos temos ocupado são irrecusáveis,
pelo menos em seu conjunto. Todo espírito, isento de prejuízos,
não pode recusar-se a admiti-los.
A principal objeção, a única mesmo que possa restar sujeita a
discussão, é a que os atribui ao acaso, a simples coincidências
fortuitas. Ouve-se dizer: “Muito bem, perfeitamente; vimos ou
ouvimos tal ou tal coisa; muito bem! pois não! um parente, um
semelhante nosso morreu no mesmo instante: mas isso é um
acaso.”
Limitando-nos a uma coincidência de 12 horas antes ou de-
pois da manifestação (em geral elas são muito mais precisas),
assinalaremos que a média da mortalidade anual é de 22 para
1.000 pessoas. Para um período de 24 horas, é ela 365 vezes
mais fraca, isto é, de 22 para 365.000 ou de 1 para 16.591. Há,
portanto, 16.591 probabilidades contra uma para que a coinci-
dência de um mesmo dia deixe de produzir-se. Ainda não se trata
mais do que de um algarismo geral, único. Para pessoas jovens e
no vigor da idade, a proporção se eleva a 18.000, 19.000 e
20.000.
Ora, as aparições sem coincidências, não sendo vinte mil ve-
zes, nem dez mil vezes, nem cinco mil vezes, nem mil vezes,
nem cem vezes, nem mesmo dez vezes mais numerosas do que
as aparições com coincidências, não sendo mesmo em igual
número, não sendo mesmo da metade, nem de um quarto, nem
talvez da décima parte das manifestações verídicas, concluímos
disso que há aí uma relação de causa e efeito.
Não negamos o acaso, as coincidências fortuitas. O que se
chama acaso, isto é, o desconhecido das forças em ação, implica,
por vezes, coincidências verdadeiramente extraordinárias. Assi-
nalarei mesmo algumas das mais notáveis.
Ao tempo em que escrevia eu a minha grande obra sobre a
Atmosfera, achava-me ocupado em redigir o capítulo sobre a
força do vento e, a respeito, comparava exemplos curiosos,
quando sucedeu o seguinte fato:
Meu gabinete de trabalho, em Paris, é iluminado por três ja-
nelas: uma a leste, sobre a avenida do Observatório: a segunda a
sudeste, sobre o Observatório; a terceira ao sul, sobre a rua
Cassini. Era em pleno verão. A primeira janela estava aberta,
diante da floresta dos castanheiros da avenida. O céu anuvia-se,
desencadeia-se o vento e, de súbito, a terceira janela, com certe-
za mal fechada, é violentamente aberta por uma rajada do sudo-
este, que espalha todos os meus papéis e, arrebatando as folhas
soltas que eu acabava de escrever, leva-as em turbilhão por cima
das árvores. Um instante depois, cai a chuva, forte chuva de
tempestade.
Descer para procurar essas folhas pareceu-me trabalho perdi-
do e isso me consternou profundamente.
Qual não foi a minha surpresa ao receber, alguns dias depois,
da Tipografia Lahure, rua de Fleurus, situada a mais de um
quilômetro, esse capítulo, impresso, sem que lhe faltasse uma
folha!
Notai bem que se tratava precisamente de um capítulo sobre
as curiosidades do vento!
Que se passou então?
Uma coisa simplíssima. O empregado da tipografia, que mo-
rava no quarteirão do Observatório, e que me levava as provas
quando ia para almoçar, passou no local após o almoço e, vendo
no chão, manchadas pela chuva, as folhas do meu manuscrito,
supôs que fosse ele mesmo quem as tivesse perdido, pelo que se
apressou em juntá-las com o maior cuidado, entregando-as ao
impressor, sem vangloriar-se do que fizera.
Por um nada poderia acreditar-se que fora o próprio vento
que as levara à tipografia!
Eis um outro exemplo não menos singular:
Prometera eu ao padre que abençoou meu casamento (em re-
tribuição de uma dispensa com que ele me distinguiu, contraria-
mente, parece, a um costume assaz rigoroso), proporcionar-lhe
uma ascensão em aeróstato. Cumpre dizer que em vez de tomar o
trem para uma viagem de núpcias, havíamos decidido tomar o
caminho dos ares. Uns dez dias após o casamento, partimos, com
Jules Godard por aeronauta, depois de avisar o abade, o qual, por
lamentável concurso de circunstâncias, deixara Paris, para passar
alguns dias em pequena ermida, à margem do Marne, e não
recebera meu bilhete que ficou em sua casa, em Paris. Não vendo
o abade chegar à usina do gás, à hora da partida, esperava eu que
a viagem, sendo em absoluto incógnita, passasse despercebida e
que eu pudesse cumprir minha promessa em outra ocasião.
Desejava sobretudo não causar-lhe aborrecimento algum.
Para sair de Paris em balão, há uma infinidade de direções.
Ora, o nosso esquife aéreo dirigiu-se justamente para a região do
Marne e precisamente sobre a propriedade do abade que estava
então à mesa, em seu jardim e que, vendo o balão chegar lenta-
mente por cima de sua cabeça, supôs viesse eu buscá-lo, cha-
mou-me em retumbantes gritos, pedindo-me para descer e sentiu
o mais violento desapontamento ao ver continuarmos o nosso
caminho.
Fosse um demônio que nos conduzisse e melhor não poderia
ele atingir o seu alvo! Entretanto, não havia nisso mais do que a
coincidência fortuita da direção do vento.
Émile Deschamps, distinto poeta, hoje um tanto esquecido,
co-autor do dramático libreto dos Huguenotes, narra a curiosa
série que se segue, de coincidências fortuitas:
Estando, em sua infância, em uma pensão, na cidade de Orle-
ans, achou-se, por acaso, certo dia, à mesa com um Sr. de Font-
gibu, emigrado que voltara recentemente da Inglaterra. Esse
senhor fez-lhe saborear um pedaço de plum-pudding, prato quase
desconhecido em França nessa época.
A recordação desse regalo apagara-se de sua memória, quan-
do, dez anos mais tarde, passando por um restaurante do bulevar
Poissonnière, descobriu, no interior, um plum-pudding de exce-
lente aparência. Ele entra, pede que lhe sirvam um pedaço e é
cientificado de que o bolo está adquirido por um cliente.
– Sr. de Fontgibu – exclama a empregada do balcão, vendo o
ar contrariado do recém-vindo – poderíeis ter a bondade de
partilhar o vosso plum-pudding com este senhor?
Deschamps teve alguma dificuldade em reconhecer o Sr. de
Fontgibu em um homem de idade respeitável, de cabelos empoa-
dos, envergando o uniforme de coronel, que fazia sua refeição
em uma mesa próxima.
O oficial teve muita satisfação em oferecer-lhe parte do ape-
tecido manjar.
Longos anos se passaram sem que ele falasse quer do pud-
ding, quer do Sr. Fontgibu.
Um dia, Deschamps foi convidado para um jantar em que se
devia comer um autêntico plum-pudding inglês. Ele aceitou, mas
preveniu, a rir, a dona da casa, de que o Sr. de Fontgibu seria
infalivelmente um dos convivas – e divertiu os presentes dando-
lhes a conhecer o motivo da sua previsão.
No dia aprazado, chega ele. Dez convidados ocupam os dez
lugares preparados em torno da mesa onde os esperava um
magnífico plum-pudding. Começavam a gracejar com ele a
propósito do seu “Monsieur” de Fontgibu, quando se abre a porta
e um criado anuncia:
– O Sr. de Fontgibu.
Entra um velho, caminhando penosamente, amparado por um
criado. Dá lentamente volta à mesa, parecendo procurar alguém e
com um ar desorientado. Era uma visão? Tratava-se de um
gracejo? Estava-se em pleno carnaval. Deschamps acreditou logo
em um gracejo. Mas o velho, tendo-se aproximado, foi ele
obrigado a reconhecer o Sr. de Fontgibu em pessoa!
– Meus cabelos eriçaram-se – escreve o poeta –. Dom Juan,
na obra-prima de Mozart, não estaria mais terrificado diante do
seu conviva de pedra.
Tudo por fim se explicou: O Sr. de Fontgibu, convidado a
jantar com uma pessoa que morava na mesma casa, enganou-se
com a porta.
Há efetivamente, nessa história, uma série de coincidências
que nos confundem, e compreende-se a exclamação do autor em
face dessa recordação perturbadora:
– Três vezes em minha vida comi plum-pudding e três vezes,
ao fazê-lo, estive às voltas com o Sr. de Fontgibu! Por que isso?
Uma quarta vez, e sou capaz de tudo... ou não sou capaz de nada.
Outra combinação do acaso: em uma mesa de jogo de Monte
Carlo, saiu cinco vezes em seguida um mesmo número da role-
ta.49
O acaso pode ser expresso por um algarismo que é, como se
diz, a probabilidade. Assim, se, tirando ao acaso uma carta de
um baralho completo, retiro um 6 de copas, é o acaso que me dá
esse 6 de copas, e somente o acaso, porque ignorarei sempre,
uma vez que as cartas sejam idênticas e estejam bem embaralha-
das, a razão pela qual retirei o 6 de copas e não uma outra carta
qualquer.
Logo, foi o acaso que meu deu o 6 de copas; mas esse acaso
pode ser calculado. Tinha eu, para tirar o 6 de copas, em um
baralho de 52 cartas, uma probabilidade sobre cinqüenta e duas;
para retirar um 6 qualquer, uma probabilidade sobre treze; para
retirar uma carta de copas, uma probabilidade sobre quatro e
para retirar uma carta vermelha, uma probabilidade sobre duas.
Enfim, eu dispunha de 51 probabilidades sobre 52 para não
retirar uma carta qualquer de antemão designada.
Assim, matematicamente, posso determinar para tal ou tal a-
contecimento uma probabilidade suscetível de ser calculada. Mas
a dificuldade não reside no cálculo das diversas probabilidades
matemáticas, ainda que já este seja, se o levarmos um pouco
longe, um cálculo muito difícil, que pode embaraçar os maiores
matemáticos; a verdadeira dificuldade está na aplicação dessas
leis matemáticas aos acontecimentos reais.
Demonstra-se, em matemática, que o cálculo das probabilida-
des só é aplicável quando há um número infinito de casos – e só
então é ele verdadeiro.
Assim, tenho diante de mim um baralho; não disponho mais
do que de uma probabilidade sobre cinqüenta e duas para tirar o
6 de copas e, todavia, pode suceder que seja essa a carta por mim
retirada. Nada se opõe a isso e trata-se mesmo da extração de
uma carta, em absoluto tão provável como a de tal ou tal outra
carta dada. Longe está de ser considerada sem importância essa
pequena probabilidade. Seria, portanto, desarrazoado concluir o
que quer que seja de uma experiência na qual, designando de
antemão o 6 de copas, retiro precisamente essa carta.
Se, tomando um outro baralho, depois de o haver embaralha-
do bem, tiro de novo um 6 de copas, a probabilidade torna-se
pequena:
1
( 52 X 52 = ––––– )
2.704
Nenhuma impossibilidade, porém, se verifica. Pode-se obser-
var isso; isso é observado, e a combinação de um 6 de copas
seguido de um 6 de copas é tão inteiramente provável como não
importa que outra combinação qualquer de duas cartas consecu-
tivas.
Se tomo um terceiro baralho, depois um quarto, depois um
quinto, terei, para tirar sempre um 6 de copas, probabilidades
cada vez menores; pois que o número de combinações se torna
fantástico. Mas, em caso algum chegaremos à impossibilidade.
Será sempre possível que o acaso conduza a tal combinação
dada, e ela terá tantas probabilidades como tal outra dada combi-
nação.
É preciso chegar ao infinito para obter a impossibilidade. Em
outros termos, a certeza de jamais retirar um 6 de copas só advirá
depois que eu tiver tirado um número infinito de cartas. Jamais
chegarei à certeza matemática, ou antes, a isso não chegarei
senão quando me puderem proporcionar o recurso de tirar um
número infinito de cartas.
Se, pois, para concluir, tivéssemos necessidade da certeza
matemática, jamais chegaríamos a concluir, porquanto jamais se
chegará a um número infinito de atos ou fatos quaisquer.
Felizmente pode-se concluir, porque a certeza matemática e a
certeza moral têm exigências diferentes.
Suponhamos que se trate de jogar com a minha honra ou a
minha existência, a honra e a existência dos meus, com tudo que
me é mais caro no mundo. Certamente não terei a certeza mate-
mática de que sobre cem extrações de cartas, o 6 de copas não
sairá cem vezes seguidamente. Matematicamente e mesmo
realmente, esta combinação é possível; entretanto, baseando-me
nessa possibilidade, eu consentiria voluntariamente em jogar
minha vida, minha honra, minha fortuna, minha pátria e tudo que
amo, contra a probabilidade de que venha o 6 de copas a sair
cem vezes seguidamente?...
Nem é mesmo necessário levar até cem o número das extra-
ções. Seu eu tirar dez vezes seguidamente o 6 de copas, em lugar
de dizer: “É um acaso extraordinário”, suporei outra coisa,
porquanto o acaso não dá esses assombrosos encadeamentos.
Suporei que há uma causa qualquer, que desconheço e que me
levou a tirar, dez vezes em seguida, a mesma carta. Ficarei
mesmo a tal ponto convencido disso, que irei procurar essa causa
observando se todas as cartas são bem semelhantes; se não se
trata de um gracejo que um prestidigitador está a me fazer; se, no
baralho há precisamente cinqüenta e duas cartas diferentes ou se
não é composto, cada baralho, unicamente de 6 de copas.
Tomemos mesmo uma probabilidade menor. Por exemplo, a
probabilidade de ter duas vezes seguidamente uma mesma carta:
é ainda uma probabilidade muito pequena, de 1 para 2.704. Se as
apostas fossem proporcionais, poder-se-ia apostar 1 franco
contra 2.704 francos que não se tirará duas vezes a mesma carta.
Em realidade, na vida cotidiana, o que dirige a nossa conduta,
o que faz as nossas convicções, as nossas decisões, são probabi-
lidades muito menos fortes do que essa probabilidade de
1 / 2.704
Um homem de 35 anos, bem disposto e que de nenhum peri-
go particular se acha ameaçado, corre uma vez sobre cem o risco
de morrer antes do fim do ano e uma vez sobre três mil o de
morrer dentro de uma quinzena. Qual é esse, entretanto, que não
considera como quase certo viver ainda duas semanas? Asseme-
lhando as probabilidades de vida à extração de cartas de um
baralho, vê-se que a probabilidade de retirar quatro vezes segui-
damente uma mesma carta é mais ou menos a de viver ainda uma
hora para um homem de 35 anos, bem disposto e que não está
exposto a nenhum perigo excepcional. Matematicamente, nin-
guém está seguro de viver ainda uma hora, mas, moralmente,
tem-se disso a certeza quase completa.
Assim, jamais somos guiados pela certeza matemática. É
sempre, mesmo nos casos mais certos, a certeza moral que nos
guia. Basta-nos ela.
Trata-se agora de saber se estamos com a razão quando nos
contentamos com essas fortes probabilidades, ainda que bem
distanciados da certeza.
Isso parece evidente. Não haveria meio de viver, se sempre
nos devêssemos determinar apenas de acordo com certezas. Em
parte alguma existe a certeza; por toda parte o que constatamos é
o mais ou menos e temos razão de assim proceder, pois a experi-
ência justifica quase sempre as nossas presunções. Acrescenta, a
esse respeito, o Sr. Richet:
“De minha parte, tenho como impossível esta imensa ilu-
são, prolongando-se sem qualquer parcela de verdade. Não
se tem o direito de exigir, para os fenômenos psíquicos, uma
probabilidade mais forte do que para as outras ciências e,
com probabilidades superiores a um milésimo, ter-se-á uma
demonstração suficientemente rigorosa.
Depara-se-nos uma tal quantidade de fatos impossíveis de
explicar de outro modo que não seja pela telepatia, que é
imperioso admitir-se uma ação a distância. Pouco importa a
teoria! O fato parece-me provado e absolutamente provado.”
Calculamos que, segundo o conjunto das observações telepá-
ticas, a probabilidade eleva-se, para esses casos de manifestações
de moribundos, a vários milhões, quando a coincidência é apro-
ximada a menos de uma hora e quando se não tem razão alguma
de supor a pessoa em perigo de morte.50 É uma proporção muito
superior à que dirige todos os nossos raciocínios e todos os atos
de nossa vida. É o que se chama certeza moral.
Conclusão: a teoria do acaso e da coincidência fortuita não
explica os fatos observados e deve ser eliminada. Somos obriga-
dos a admitir, entre o moribundo e o observador, uma relação de
causa e efeito. É esse o primeiro ponto que conviria estabelecer
em nosso exame científico.
A propósito de um caso citado nos Phantasms of the Living,
de que mais adiante falaremos, escrevia o Sr. Rafael Chandos
(Revue des Deux Mondes, 1887, pág. 211):
“Não se pode suspeitar nem da boa fé dos narradores,
nem, numa certa medida, da precisão de suas observações.
Mas isso é tudo? O Sr. Bard viu, perto do cemitério, o fan-
tasma da Sra. de Fréville vagando diante dele precisamente
no momento em que a Sra. de Fréville, que o Sr. Bard igno-
rava estivesse doente, acabava de morrer. Por que, dizem, o
acaso, que dá lugar a tantos encontros extraordinários, não
poderia ter suscitado esta imagem alucinatória?
Esse argumento, na verdade, parece-me detestável e muito
mais fácil de combater que o argumento de uma observação
incompleta e insuficiente. Mas o que se verifica, entretanto,
é que esta objeção fútil é a mais freqüentemente invocada.
Ouve-se dizer: Aí está uma alucinação! Seja. Mas, se essa
alucinação coincidiu com tal fato real, foi por uma coinci-
dência fortuita e não porque exista entre o fato e a alucina-
ção uma relação de causa e efeito.
O acaso é um deus muito cômodo e que pode ser invocado
nos casos embaraçosos. Todavia, na espécie, nada tem ele
que ver. Suponho, por exemplo, que o Sr. Bard tenha tido,
nos 60 anos de sua vida, uma e única alucinação, o que dá,
por dia, 1 / 22.000 de probabilidade para que se tenha uma
alucinação. Admitindo-se que a coincidência entre a hora da
morte da Sra. de Fréville e a hora da alucinação do Sr. Bard
seja exata, daí resulta, à razão de 48 meias horas por dia,
uma probabilidade de cerca de um milionésimo.
Mas não é tudo: o Sr. Bard pode ter tido, com efeito, ou-
tras alucinações, porque ele conhece 100 pessoas além da
Sra. de Fréville. A probabilidade de ver em tal dia, a tal ho-
ra, a Sra. de Fréville em vez de uma outra, é pois aproxima-
damente de 1 / 100.000.000.
Se tomarmos quatro casos análogos, e se os reunirmos to-
dos, a probabilidade de se darem essas quatro coincidências
não é mais de um centésimo milionésimo, mas de uma fra-
ção cujo numerador será 1 e cujo denominador terá 36 zeros
– número absurdo, que inteligência humana alguma pode
compreender e que equivale à certeza absoluta.
Deixemos, portanto, de lado a hipótese do acaso. Em tais
condições não existe acaso. Se insistissem, reproduziríamos
a velha comparação das letras do alfabeto atiradas ao ar.
Ninguém iria supor que as letras, caindo ao solo, pudessem
formar a “Ilíada” toda inteirinha.
Assim, pois, nem a boa fé dos observadores, nem o acaso
das coincidências fortuitas extraordinárias, podem ser invo-
cados; é preciso admitir-se que se trata de fatos reais. Por
muito inverossímil que a coisa pareça, essas alucinações ve-
rídicas existem; tomaram pé na Ciência e, por mais que se
faça, elas aí permanecerão.”
Os leitores que se deram ao trabalho de ler todas as cartas pu-
blicadas acima terão concluído, imediatamente, pela existência
de um sem número de coisas que nós desconhecemos. O domínio
da telepatia abre diante de nós todo um novo mundo a explorar.
Os fatos em seu conjunto são inegáveis.
Ao tempo da discussão geral que se estabeleceu, nos princi-
pais jornais do mundo inteiro, no mês de julho último, a propósi-
to da minha pretensa renúncia aos estudos psíquicos, constatei
repetidas vezes a seguinte objeção apresentada contra os fatos
telepáticos: “Para que tais fatos pudessem ser admitidos cientifi-
camente, seria necessário podermos à vontade reproduzi-los,
pois é essa a característica dos fatos científicos.”
Há nessa proposição um erro de raciocínio. Tais fatos não são
do domínio da experiência, mas do da observação.
Semelhante raciocínio equivale a este outro: “Eu só acredita-
rei nos efeitos do raio se os puder reproduzir; não admitirei uma
aurora boreal senão quando fabricarem uma em minha presença;
criem-me um cometa com sua cauda, produzam-me um eclipse
amanhã, se querem que eu acredite em tais coisas: de outro
modo, não lhes darei crédito.”
Essa confusão entre a observação e a experiência é assaz fre-
qüente.
Os fatos em questão, dizemos, pertencem à observação e não
à experiência. Podemos constatá-los, não produzi-los. Seu estudo
é da mesma ordem que o da Astronomia e da Meteorologia, e
não os da Física ou da Química. Observa-se um eclipse, um
cometa, um aerólito, um relâmpago, uma aurora boreal; experi-
menta-se uma combinação química, um fenômeno de óptica ou
de acústica; os dois métodos são diferentes, não obstante serem
ambos científicos e merecerem o título geral de experimentais,
pois que é a experiência humana que julga e não teorias anterio-
res, idéias, crenças, princípios ou autoridades invocadas e co-
mentadas. Não mais admitimos o magister dixit.
Vêem-se freqüentemente pessoas admiradas de que certos fa-
tos, mais ou menos burlescos, inexplicáveis, incoerentes, se
produzam, ao passo que outros, que parecem naturais e mais
simples à sua educação infantil, não se produzam. Por que é que
uma pesada e bem fechada porta abre-se por si mesma? Por que
se produz uma tempestade? Por que uma luz, por que um ruído?
Por que uma visão? A Ciência, a observação dos fenômenos da
Natureza ou da indústria, convidam-nos, entretanto, a moderar a
nossa admiração e a alargar o campo de nossas concepções.
Eis aqui, por exemplo, um tonel de dinamite, mil vezes mais
terrível do que a pólvora em seu poder destrutivo. Esta substân-
cia é de extrema sensibilidade e todos têm presentes à memória
as catástrofes ocasionadas pelas menores imprudências. Com
esse tonel de dinamite, podeis destruir uma cidade. Pois bem:
tentai acender essa substância explosiva, não obtereis efeito
algum. É preciso que a espoleta detone para que o explosivo faça
sentir seus efeitos fulminantes. Podeis acender impunemente um
cartucho de dinamite, não provido de sua espoleta, sem que
detonação alguma se produza: a dinamite queima até à extinção
da substância. Mas uma simples martelada ocasionará uma
detonação formidável.
Ao lado disso, ponde um fósforo inflamado sobre um barril
de pólvora, acendei uma pequenina mecha, sentai-vos sobre o
barril e ver-se-á o que acontece.
Não nos admiremos, pois, da singularidade dos fenômenos
psíquicos.
Tem-se naturalmente disposição a negar o que parece inve-
rossímil, o que se não conhece, o que se não compreende. Se
lêssemos em Heródoto ou em Plínio que uma mulher tinha uma
mama na coxa esquerda, com a qual amamentava seu filho, rir-
nos-íamos a bom rir. Entretanto, esse fato foi determinado pela
Academia de Ciências de Paris, em sessão de 25 de junho de
1827. Se nos vierem falar de um homem que trazia, conforme o
comprovou a autópsia, uma criança no interior de seu corpo; se
nos disserem que essa criança era um irmão gêmeo encerrado em
seu organismo, que esta criança envelhecera e adquirira barba,
consideraremos a história como uma fábula. Entretanto, vimos
com os nossos olhos, não há muito tempo, um nascido-morto de
56 anos. Diz tranqüilamente um tradutor de Heródoto, Larcher:
“Que Roxana tenha dado à luz uma criança sem cabeça, é um
absurdo capaz, por si só, de desacreditar Ctésias.” Ora, todos os
dicionários de Medicina falam hoje de crianças acéfalas. Esses
exemplos e outros convidam-nos à sabedoria e à prudência.
Somente os ignorantes podem tudo negar imperturbavelmente.
Poderíamos facilmente desdobrar esses exemplos, o que cer-
tamente seria inútil para os nossos leitores. Limitemo-nos a
concluir que os fatos narrados podem e devem ser admitidos pelo
próprio método experimental.
Detenhamo-nos agora um instante sobre as “alucinações”, cu-
ja existência de todo não negamos, mas que não resolvem o
nosso problema, posto e afirmado pelas coincidências precisas e
incontestáveis.
***

Apêndice referente à nota de número 50


Ação telepática x coincidência fortuita
O inquérito da Sociedade Psíquica de Londres conduziu ao
seguinte resultado (Dariex, Annales des Sciences Psychiques,
1891, pág. 300):
Não se tem observado mais do que uma alucinação visual pa-
ra 248 pessoas. Procurando a probabilidade de coincidência
fortuita da morte do agente A com a alucinação do percipiente B,
chega-se ao seguinte resultado:
1 22 1 1
–––– x ––––– x –––– = –––––––––
248 1.000 365 4.114.545
que mostra ser a hipótese de uma ação telepática real
4.114.545 vezes mais provável do que a hipótese da coincidência
fortuita. Quatro milhões, cento e catorze mil, quinhentos e
quarenta e cinco vezes mais provável! Eis aí um número que
começa a revelar-se com certa eloqüência.
Já se chega, pois, a uma probabilidade fantástica, supondo
que em todos os casos a coincidência da alucinação com o
acontecimento produziu-se 12 horas antes ou 12 horas depois,
isto é, durante um lapso de tempo de 24 horas; mas quanto se
tornaria mais fantástica ainda essa probabilidade se fossem
tomadas em consideração coincidências mais aproximadas, como
é de regra, e sobretudo se fosse calculado o algarismo de proba-
bilidade de um caso em que a coincidência fosse imediata!
Tomemos como exemplo, para mostrar o valor desse argu-
mento, o caso seguinte, consignado nos Phantasms of the Living:
Nicolas S... e Frederico S... estavam empregados no mesmo
escritório há oito anos e eram muito amigos. Grande mesmo era
a estima que um votava ao outro. Na segunda-feira, 19 de março
de 1883, quando Frederico S... chegou ao escritório, queixou-se
de ter sofrido uma indigestão. Foi consultar um farmacêutico que
diagnosticou mau estado do fígado e deu-lhe um medicamento.
Quinta-feira não deu ele mostras de ir muito melhor. Sábado não
foi ao escritório e Nicolas S... soube que seu amigo submetera-se
a exame com um médico que lhe recomendou um repouso de
dois ou três dias, mas que não achava gravidade no caso.
Nesse mesmo sábado, 24 de março, pela tarde, estando senta-
do em seu quarto, viu ele diante de si o seu amigo, vestido como
de costume. Notou alguns detalhes da toilette: chapéu circunda-
do de uma fita negra, sobretudo desabotoado, uma bengala na
mão, etc.
O espectro fixou o olhar em seu amigo, depois desapareceu.
Este lembrou-se imediatamente das palavras de Job: “E um
espírito passou diante de mim e eriçaram-se-me os pelos da
minha carne.” Nesse momento um frio glacial atravessou-o e
seus cabelos arrepiaram-se. Voltou-se ele, então, para sua mulher
e perguntou-lhe que horas eram.
– Nove horas menos 12 minutos – respondeu ela.
Ao que acrescentou ele:
– A razão pela qual vos perguntava é que Frederico morreu.
Acabo de vê-lo.
Tratou ela de persuadi-lo de que isso era um efeito de sua i-
maginação; afirmou-lhe, porém, ele que a visão se lhe apresenta-
ra de um modo tão nítido, que nenhum argumento poderia fazê-
lo mudar de opinião.
No dia seguinte, domingo, pelas 3 horas da tarde, o irmão de
Frederico veio participar a morte, ocorrida na véspera, pelas 9
horas.
A esposa do narrador confirmou suas declarações pelo se-
guinte depoimento:
“No dia 24 de março último, à noite, estava eu sentada a
uma mesa, lendo; meu marido ocupava uma preguiçosa co-
locada de encontro à parede do quarto. Perguntou-me ele a
hora e, à vista da minha resposta, de que eram 9 horas me-
nos 12 minutos, acrescentou:
– O motivo da minha pergunta é que Frederico morreu.
Acabo de vê-lo.
Respondi-lhe eu: – Que contra-senso! Nem mesmo sabes
se ele está doente; garanto que o verás perfeitamente bem
disposto, quando fores à cidade, terça-feira próxima.
Entretanto, persistiu meu marido em declarar que o tinha
visto e que estava certo de sua morte. Notei então que ele ti-
nha um ar inquieto e que estava muito pálido.
Maria S...”
O irmão do morto igualmente confirmou o fato em uma carta
especial que concordava identicamente com as duas primeiras
narrativas. Declarou, além disso, que ficou tanto mais surpreen-
dido pelo fato, quanto é absolutamente refratário a essa ordem de
idéias.
Neste caso digno de nota não se pode duvidar de que a morte
ocorrera durante os 25 minutos decorridos entre 8:35 e 9 horas;
por outro lado, o amigo teve a sua visão às 8:48. Se a coincidên-
cia dos dois acontecimentos não foi absoluta, não é, em todo o
caso, possível supor, mesmo tomando as coisas pelo lado pior,
que tenha havido um intervalo de mais de 12 minutos.
Vimos que a probabilidade de morte, durante um período de-
terminado de 24 horas, é de
1.000 1
––––– x ––––
22 365
para um adulto de idade indeterminada; mas para um homem
de 48 anos (era a idade de Frederico) essa probabilidade é de
13,5
–––––
1.000
algarismo oficial, dado pelas tabelas de mortalidade.
Temos, pois, pela probabilidade ordinária de mortalidade,
13,5 1 1
––––– x –––– = –––––––
1.000 365 27.037
Durante um período de tempo de 12 minutos, contido 120 ve-
zes em 24 horas, será essa probabilidade 120 vezes menor, isto é:
13,5 1 1
––––– x –––– x –––––
1.000 365 120
e em lugar da equação:
1 22 1 1
X = –––– x ––––– x –––– = –––––––––
248 1.000 365 4.114.545
teremos a equação:
1 13,5 1 1 1
X = –––– x ––––– x –––– x –––– = –––––––––––
248 1.000 365 120 804.622.222
No caso presente, a probabilidade de uma ação telepática,
comparada à probabilidade de uma coincidência fortuita, está
na proporção de oitocentos e quatro milhões, seiscentos e vinte e
dois mil, duzentos e vinte e dois contra um.
O fato acima citado é particularmente preciso. Podemos logi-
camente reuni-lo aos precedentes, sob o nº CLXXXI.
Creio que nos devemos contentar com uma probabilidade de
vários milhões, como acabo de dizê-lo, porque é preciso levar
em consideração certos casos em que se sabia estar o moribundo
doente e nos quais podia-se pensar em sua morte.
V
Das alucinações propriamente ditas

Incidiriam no mais completo erro os que supusessem, tendo


em vista os precedentes capítulos, que não admitimos as alucina-
ções e que lhes não concedemos a parte que lhes pertence. Mas
pensamos que há distinções e definições urgentes a estabelecer.
Existem alucinações reais, isto é, ilusões, erros, sensações
falsas. Podem umas ser experimentadas por pessoas nervosas,
fatigadas, doentes, loucas; outras por indivíduos perfeitamente
sãos de corpo e de espírito. Outrora os médicos apenas admitiam
as primeiras – o que era um erro grosseiro, produto da ignorân-
cia.
As alucinações são ilusões do cérebro e do pensamento, e im-
porta não lhes dar outra significação e nem supor, por exemplo,
como poderia fazê-lo pensar o título freqüentemente empregado
de alucinações verídicas, que possam existir alucinações verda-
deiras. Desde o momento em que a impressão experimentada é
considerada como real, como o resultado de uma causa exterior,
agindo sobre o cérebro ou sobre o espírito, perde ela o seu cará-
ter alucinatório e entra na categoria dos fatos. Não é mais uma
“alucinação”. Esta distinção é, no caso, de capital importância. A
dificuldade para nós está precisamente em distinguir uma parte
que constitui ilusão, erro, da que é realidade, no detalhe assaz
confuso desses fenômenos.
O Dicionário da Academia define a alucinação como “erro,
ilusão de uma pessoa cujas percepções deixam de ser conformes
com a realidade”. É vago e confuso, sendo que essa definição se
aplica a outras coisas que não somente às alucinações. Não se
pode admitir semelhante definição. Littré diz: “percepção de
sensações sem objeto algum exterior que as origine”. É um
pouco mais claro e mais preciso. Em uma memória sobre a
alucinação visual, escreve o Dr. Max Simon: “A alucinação
consiste em uma percepção sensível sem objeto exterior que lhe
sirva de origem”.
Esta definição, como a de Littré, é precisamente a que corres-
ponde à idéia geral, e nós a adotaremos. O essencial é estar de
acordo em um ponto, isto é, que a alucinação é uma sensação
essencialmente subjetiva e errônea, uma percepção falsa.
Brierre de Boismont escreveu sobre as alucinações 51 uma das
mais interessantes obras, tornada clássica, na qual o médico
alienista desempenha ainda o mais importante papel, mas onde
ele já toma o cuidado, contudo, de constatar que nem todas as
alucinações são vizinhas da loucura, fazendo notar que, de um
lado, a história do Cristianismo está cheia de casos análogos,
sobretudo em seus primeiros tempos, e que, por outro lado, mais
de uma alucinação corresponde a um estado perfeitamente são do
cérebro. Esse livro pode ser considerado como um dos primeiros
esforços do pensamento científico independente contra a teoria
patológica clássica e para estabelecer que em certos casos a
alucinação pode ser considerada como um fenômeno puramente
fisiológico. O autor, aliás, como partidário declarado do princí-
pio da dualidade humana, rejeita a opinião que outra coisa não
quer ver na loucura mais do que uma nevrose; e na razão, mais
do que o produto de um ato fisiológico material. “As idéias e as
sensações são de ordens diferentes. Não podem os fatos psicoló-
gicos ser postos sobre a mesma linha dos fatos sensíveis. O
cérebro limita-se a ser a sede das operações intelectuais, e não o
seu criador.” Brierre de Boismont pode ser considerado como o
precursor das pesquisas atuais sobre os problemas psíquicos,
ainda que a palavra alucinação tenha conservado, depois do
aparecimento desse grande tratado, o seu aspecto patológico e
médico.
Cumpre dar aqui alguns exemplos das diversas espécies de
alucinações.
A alucinação é um sonho acordado. Os sonhos também pro-
duzem alucinações que por vezes oferecem todos os caracteres
da vida real.
As alucinações da loucura, as excentricidades da alienação
mental, são tão numerosas, tão variadas e tão conhecidas que
seria supérfluo fazer-lhes referências.
As obras de Medicina, sobre as doenças mentais, estão cheias
dessas referências, todos podendo facilmente conhecê-las. De-
pois, nada elas têm de comum com os fatos de que nos ocupa-
mos. Procuremos antes alguns casos bem observados e bem
descritos pelos próprios pacientes. Tomaremos o segundo à obra
do Dr. Ferriar, de Manchester, que o soube do escritor Nicolaï,
de Berlim.52 É caso muito antigo, mas bem típico.
“Durante os últimos dez meses do ano de 1790 – conta es-
se acadêmico –, passara eu por sofrimentos que me afetaram
profundamente. O Dr. Delle, que costumava tirar-me o san-
gue duas vezes por ano, julgara conveniente não praticar
desta vez mais do que uma sangria. A 24 de fevereiro de
1791, em seguida a uma viva altercação, percebi de repente,
na distância de dez passos, um semblante de morto; pergun-
tei a minha mulher se ela não o percebia; minha pergunta a-
larmou-a muito e ela apressou-se em mandar chamar um
médico: a aparição durou 8 minutos. Às 4 horas da tarde, re-
produziu-se a mesma visão, estando eu, então, a sós. Ator-
mentado por este acidente, dirigi-me ao apartamento de mi-
nha mulher, para onde a visão me acompanhou. Às 10 horas,
distingui diversos vultos que não tinham relação com o pri-
meiro.
Passada a primeira emoção, contemplei os fantasmas, mas,
tomando-os pelo que eles eram realmente: as conseqüências
de uma indisposição. Penetrado dessa idéia, observei-os com
o maior cuidado, procurando saber por que associação de i-
déias se apresentavam estas formas à minha imaginação; não
lhes pude, entretanto, achar ligação com as minhas ocupa-
ções, meus pensamentos, meus trabalhos. No dia seguinte o
vulto do morto desapareceu, mas foi substituído por grande
número de outros vultos, algumas vezes representando ami-
gos, mais comumente, porém, estranhos. As pessoas de mi-
nha convivência não faziam parte dessas aparições, quase
exclusivamente compostas de indivíduos que residiam dis-
tante mais ou menos algumas léguas. Experimentei reprodu-
zir à vontade as pessoas do meu conhecimento por uma ob-
jetividade intensa de suas fisionomias, mas ainda que visse
distintamente em meu espírito duas ou três dentre elas, não
pude conseguir tornar exterior a imagem interior, mesmo
que antes eu as tivesse visto involuntariamente desta manei-
ra. Minha disposição de espírito era de molde a permitir-me
não confundir essas falsas percepções com a realidade.
Tais visões eram tão claras e tão distintas na solidão, co-
mo achando-me eu acompanhado, quer de dia quer à noite;
tanto na rua como em casa. Quando eu fechava os olhos, e-
las desapareciam algumas vezes, ainda que em certos casos
se conservassem visíveis; mas, desde que os abrisse, reapa-
reciam imediatamente. Em geral esses vultos, que pertenci-
am aos dois sexos, pareciam ligar mui pouca atenção uns aos
outros e andavam com um ar atarefado, como se estivessem
num mercado; em certos momentos, entretanto, dir-se-ia que
executavam juntos seus afazeres. Por diversas vezes vi pes-
soas a cavalo, cães, pássaros. Nada havia de particular em
seus olhos, em seus talhes, em suas vestes; esses vultos ape-
nas pareciam um pouco mais pálidos que no estado natural.
Cerca de quatro semanas depois, o número dessas apari-
ções aumentou; comecei a ouvi-las falar. Algumas vezes di-
rigiam-me a palavra; os seus discursos eram curtos e geral-
mente agradáveis. Em diferentes épocas, tomei-os por ami-
gos ternos e sensíveis que procuravam amenizar meus pade-
cimentos.
Ainda que meu espírito e meu corpo estivessem, nessa é-
poca, em estado assaz bom e que esses espectros se me ti-
vessem tornado tão familiares que não me causavam mais
inquietação, procurava, contudo, desembaraçar-me deles pe-
los meios convenientes. ficou decidido fazer-se-me uma a-
plicação de sanguessugas, o que efetivamente se praticou em
20 de abril de 1791, às onze horas da manhã. O cirurgião es-
tava a sós comigo; durante a operação enchia-se meu quarto
de figuras humanas de toda espécie. Continuou esta alucina-
ção ininterruptamente até às 4:30, quando começava a minha
digestão. Percebi que os movimentos desses fantasmas se
tornavam mais lentos. Pouco depois começaram a empalide-
cer, e às 7 horas haviam adquirido uma cor branca; seus mo-
vimentos eram muito pouco rápidos, ainda que suas formas
fossem tão distintas como dantes. Pouco a pouco tornaram-
se mais vaporosos e pareceram confundir-se com o ar. Às 8
horas o quarto estava completamente desembaraçado desses
visitantes fantásticos.
Depois dessa época, pareceu-me por duas ou três vezes
que as citadas visões iam mostrar-se; nada, porém, de seme-
lhante aconteceu.”
Eis aí um caso de alucinação real e incontestável. O autor a-
nalisou perfeitamente suas sensações e teve o cuidado de fazer
notar que essa estupenda desordem de espírito se explicava pela
influência dos pesares e pelas perturbações da circulação cere-
bral, que lhe eram conseqüentes.
Conta Walter Scott, em sua Demonologia, que um doente do
eminente Dr. Grégory, tendo mandado chamar esse médico,
descreveu-lhe nos seguintes termos seus singulares sofrimentos:
“Tenho por hábito – diz ele – jantar às 5 horas e, quando che-
gam precisamente as 6 horas, estou sujeito a uma visita fantásti-
ca. A porta do quarto, mesmo quando eu tenha tido a precaução
de aferrolhá-la, abre-se de repente; uma velha feiticeira, seme-
lhante a uma daquelas que assombravam as charnecas de Fores,
entra com um ar ameaçador e irritante, aproxima-se de mim com
as demonstrações de despeito e de indignação próprias para
caracterizar as feiticeiras que visitavam Abdula nos contos
orientais. Atira-se sobre mim tão bruscamente, que não posso
evitá-la, e então me dá um golpe violento com a sua muleta; caio
de minha cadeira sem sentidos e assim permaneço mais ou
menos tempo. Todos os dias me vejo sob o poder dessa aparição.
Tal o motivo surpreendente das minhas queixas.”
O doutor imediatamente lhe perguntou se ele convidara al-
guém para jantar em sua companhia, a fim de ser testemunha de
semelhante visita. Respondeu que não. A natureza do mal de que
se queixava era tão particular, devia-se tão naturalmente imputá-
la a um desarranjo mental, que lhe havia sempre repugnado falar
a respeito a quem quer que fosse.
– Então – diz o doutor –, se o permitis, jantarei hoje convosco
na intimidade e veremos se a maldita mulher vem perturbar o
nosso colóquio.
O doente, que esperava ser objeto de zombaria, em lugar de
despertar compaixão, aceitou a proposta com alegria e gratidão.
Jantaram os dois, e o Dr. Grégory, que desconfiava tratar-se de
alguma enfermidade nervosa, empregou o encanto de sua con-
versação, uma das mais variadas e brilhantes, em cativar a aten-
ção do seu hóspede e impedi-lo de pensar na aproximação da
hora fatal. Conseguiu-o de um modo superior à sua expectativa.
Chegaram as 6 horas sem que se desse por isso. Mas, apenas
haviam decorrido alguns minutos, e o monomaníaco gritou com
voz transtornada:
– Lá está a feiticeira!
E, virando-se para trás em sua cadeira, perdeu os sentidos.
Este fantasma de muletas parece-se um tanto com o que a
gente experimenta nos pesadelos; uma opressão, uma sufocação
produzem por vezes imagens análogas no cérebro. Todo ruído
súbito ouvido por quem dorme e que não é por ele imediatamen-
te despertado, toda sensação análoga do tato é assimilada ao
sonho e adaptada de maneira a ligar-se a ele e a entrar na corren-
te da idéia do sonho, qualquer que seja ela – e nada é mais
notável do que essa rapidez com que a imaginação provê a
explicação completa de tal interrupção, de acordo com a marcha
das idéias expressas no sonho, mesmo nos casos em que lhe seja
apenas concedido um momento para esta operação. Se, por
exemplo, se sonha com um duelo, os sons que chegam são, em
um abrir e fechar dos olhos, os da detonação das pistolas; se se
trata no sonho de um orador pronunciando seu discurso, os sons
se mudam em aplausos do auditório; se o que dorme percorre,
por exemplo, ruínas, transformam-se os ruídos nos que produz a
queda de uma porção de argamassa; em outras palavras, é adota-
do, durante o sono, um sistema explicativo com tal rapidez que,
supondo ter sido o ruído imprevisto e brusco que despertou a
pessoa que dormia, um chamado em alta voz, a explicação desse
ruído é dada pela mesma pessoa, de um modo completo e perfei-
to à sua inteligência, antes que um segundo esforço da pessoa
que procurava acordá-la tenha-a chamado ao mundo e às suas
realidades.
A sucessão das nossas idéias no sono é tão rápida e tão intui-
tiva, que ela nos explica a visão de Maomet que teve tempo de
subir ao sétimo céu antes que a jarra de água, caída no começo
do êxtase, estivesse inteiramente esvaziada quando recuperou os
sentidos.
Não tratemos, porém, aqui do sono e dos sonhos, que farão
objeto de próximo capítulo especial. Ocupemo-nos, simplesmen-
te, com as alucinações.
Existe um fenômeno, experimentado por grande número de
pessoas e ao qual Alfredo Maury, com quem tenho diversas
vezes conversado sobre o assunto, estava muito sujeito, que
projeta grande claridade sobre o modo de produção dos sonhos:
são as alucinações de que é precedido o sono ou acompanhado o
despertar.
Tais imagens, tais sensações fantásticas se produzem no mo-
mento em que o sono nos empolga, ou quando ainda estamos
imperfeitamente acordados. Constituem elas um gênero à parte
de alucinações, às quais convém o epíteto de hipnagógicas,
palavra derivada do grego: sono, que transporta, condutor, cuja
reunião indica o momento em que a alucinação de ordinário se
manifesta.
As pessoas que mais freqüentemente experimentam essas a-
lucinações hipnagógicas são de uma constituição facilmente
excitável e geralmente predispostas à hipertrofia do coração, à
pericardite e às afecções cerebrais. Foi o que Alfredo Maury
pôde confirmar por sua própria experiência.53 Escreve ele:
“Minhas alucinações são mais numerosas quando tenho –
o que se passa comigo freqüentemente – uma disposição à
congestão cerebral. Desde que eu esteja atacado de cefalal-
gia, desde que experimente dores nervosas nos olhos, nos
ouvidos, no nariz, desde que sinta mal-estar no cérebro, as-
saltam-me as alucinações, apenas se me cerrem as pálpebras.
Desse modo me explico porque também tenho estado sem-
pre sujeito a essas alucinações quando viajo em diligência,
após haver passado assim a noite, pois a falta de sono, o so-
no imperfeito ocasionam-me freqüentemente dores de cabe-
ça. Um de meus primos, Gustavo L., que experimentava as
mesmas alucinações, teve ocasião de fazer, no que lhe con-
cerne, observações análogas.
“Quando à noite – diz ele – me entrego a um trabalho in-
tenso, as alucinações não faltam jamais. Tendo, há alguns
anos, passado dois dias consecutivos a traduzir uma longa
passagem grega assaz difícil, vi, apenas recolhido ao leito,
imagens tão multiplicadas e que se sucediam com tanta rapi-
dez, que, presa de verdadeiro pavor, ergui-me da cama para
dissipá-las. No campo, ao contrário, quando tenho o espírito
calmo, não constato senão raramente o fenômeno.”
O café preto, o vinho de Champanha, que, mesmo toma-
dos em mui pequena quantidade, provocam em mim insô-
nias e cefalalgia, dispõem-me fortemente às visões hipnagó-
gicas. Nestes casos, porém, não sobrevêm elas senão depois
de longo tempo, quando o sono, em vão procurado durante
várias horas, vai acabar por apossar-se de mim.
Em apoio das observações que tendem a considerar a con-
gestão cerebral como uma das causas características das alu-
cinações, direi que todos os que as experimentam, como eu,
e que tenho encontrado, asseguram-me estar igualmente
muito sujeitos às dores de cabeça, ao passo que várias pes-
soas, entre as quais citarei minha mãe, e às quais a cefalalgia
é quase desconhecida, declararam-me não terem jamais visto
essas imagens fantásticas.”
Mostra-nos esta observação que o fenômeno deve ligar-se a
uma superexcitação do sistema nervoso e a uma tendência con-
gestiva do cérebro.
A alucinação hipnagógica é um índice de que, durante o sono
que se prepara, a atividade sensorial e cerebral será notavelmente
enfraquecida. Com efeito, quando essas alucinações têm início,
deixa o espírito de estar atento; não prossegue mais na ordem
lógica e voluntária de suas idéias, de suas reflexões; abandona a
si mesma sua imaginação e torna-se a testemunha passiva das
criações que esta faz nascer e desaparecer incessantemente. Esta
condição de não-atenção, de não-tensão intelectual é, no começo,
necessária para a produção do fenômeno; explica também como
este é um pródromo do sono. Isto porque, para que possamos
entregar-nos a ele, é preciso que a inteligência, de alguma sorte,
se retire, distenda as suas molas e se mantenha em um semi-
estado de torpor. Ora, o começo desse estado é precisamente a
condição necessária para o aparecimento dessa espécie de aluci-
nações. A ausência da atenção pode ser o efeito quer da fadiga
dos órgãos do pensamento, de sua falta de hábito de agir e de
funcionar por muito tempo, quer da fadiga dos sentidos que se
embotam momentaneamente, não conduzem mais as sensações
ao cérebro e desde esse instante não fornecem mais ao espírito
elementos, motivos de atividade. É da primeira dessas causas
que resulta o sono, ao qual nos conduziu o devaneio que o pre-
cedeu. Cessando o espírito de estar atento, foi o sono gradual-
mente chegando. Tal a razão pela qual certas pessoas, pouco
habituadas à meditação ou à atenção puramente mental, adorme-
cem logo que procuram meditar ou apenas ler. Eis por que um
discurso ou um livro fastidiosos provocam o sono: não estando a
atenção suficientemente excitada pelo orador ou pelo interesse
do livro, ela se retira e o sono não tarda a apoderar-se de nós.
Nesse estado de não-atenção, os sentidos não se acham ainda
adormentados: o ouvido escuta, os membros sentem o que está
em contato com eles, o olfato percebe os odores; entretanto sua
aptidão para transmitir a sensação não é tão viva, tão nítida como
em estado de vigília.
Quanto ao espírito, cessa ele de ter uma consciência clara do
eu, torna-se de alguma sorte passivo, fixa-se inteiramente nos
objetos que o impressionam; percebe, vê, ouve, mas sem saber
que percebe, vê, escuta. Há nisso um mecanismo mental de
natureza muito particular e em tudo semelhante ao do devaneio.
Mas desde que torna o espírito a brilhar, desde que a atenção
se restabelece, retoma a consciência os seus direitos. Pode-se,
pois, dizer com razão que no estado intermediário entre a vigília
e o sono torna-se o espírito joguete das imagens evocadas pela
imaginação, que estas o avassalam inteiramente, conduzem-no
para onde vão, arrebatam-no como que para fora de si mesmo,
sem lhe permitirem no momento refletir sobre o que faz, ainda
que em seguida, voltando a si, possa perfeitamente recordar-se
do que experimentou.
Certa vez, sob o império de uma fome devida a dieta que se
impôs por motivo de saúde, viu o Sr. Maury, no estado interme-
diário entre a vigília e o sono, um prato de comida sustido por
uma mão armada de garfo. Adormecido, alguns minutos depois,
encontrou-se ele em uma mesa bem servida e ouviu, em sonho, o
ruído dos talheres dos convivas.
Não há mais do que imagens mais ou menos estranhas, sons,
sensações de gosto de odor, de tato que nos assaltam no momen-
to em que somos vencidos pelo sono; por vezes surgem de
repente no cérebro palavras, frases, quando adormecemos – e
isso sem que sejam de modo algum provocadas. São verdadeiras
alucinações do pensamento, pois as palavras soam ao ouvido
interno como se estranha voz as articulasse.
Do mesmo modo se produz, portanto, o fenômeno, quer se
trate de um som, quer de uma idéia. O cérebro é impressionado
fortemente por uma sensação, por uma idéia; esta impressão
reproduz-se mais tarde espontaneamente, por uma como resso-
nância da ação cerebral, que dá origem quer a uma alucinação
hipnagógica, quer a um sonho. Estas repercussões das idéias,
esta reaparição de imagens anteriormente percebidas pelo espíri-
to, são freqüentemente independentes das últimas preocupações
deste. Elas resultam nesse caso de movimentos interiores do
cérebro, correlatos aos do resto do organismo, onde se produzem
por efeito de encadeamento com outras imagens que superexcita-
ram o espírito, do mesmo modo que isso se produz com relação
às nossas idéias logo que nos abandonamos aos braços do sonho,
que deixamos nossa imaginação divagar.
Certas aparições, vistas em sonho, podem igualmente não ser
mais do que alucinações causadas pela revivescência de uma
lembrança esvaecida, latente na memória.
Pode servir de exemplo a seguinte observação de Alfredo
Maury:54
“Passei os meus primeiros anos em Meaux, e freqüente-
mente me dirigia a uma aldeia próxima, chamada Trilport,
situada sobre o Marne, onde meu pai construía uma ponte.
Certa noite, vejo-me em sonho transportado aos dias da mi-
nha infância e brincando nessa aldeia de Trilport; avisto, en-
vergando uma espécie de uniforme, um homem ao qual me
dirijo, perguntando-lhe o nome. Informa-me que se chama
C., que é o guarda do porto, desaparece depois para dar lu-
gar a outras personagens.
Desperto em sobressalto, com o nome de C. na cabeça.
Era isso uma pura imaginação, ou havia mesmo em Trilport
um guarda do portão com o nome de C.? Eu o ignorava, não
tendo nenhuma lembrança de semelhante nome. Interrogo,
algum tempo depois, uma velha empregada, outrora ao ser-
viço de meu pai e que muitas vezes me levava a Trilport.
Pergunto-lhe se ela se lembra de um indivíduo com o nome
de C. e ela me responde logo que era um guarda do porto do
Marne quando meu pai construía sua ponte. Com toda a cer-
teza eu o teria visto, como a empregada, mas a recordação
dele desvanecera-se. O sonho, evocando-o, tinha-me como
que revelado o que eu ignorava.”
É ainda esse um tipo perfeito de alucinação propriamente di-
ta. Precisamos estar em guarda contra as imagens latentes, as
recordações riscadas da memória e o inconsciente. Há mais de
uma impressão desse gênero nas narrativas que me foram ende-
reçadas.55 Publicá-las aqui seria inútil.
Não será, entretanto, destituída de interesse a menção dos
quatro casos seguintes:
(Carta 388)
“Há cerca de um ano, achando-me nesse estado intermedi-
ário que se segue imediatamente ao despertar e no qual não
te tem ainda recuperado completamente os sentidos, vi mui-
to nitidamente, e isso na obscuridade quase completa (eram
5 horas da manhã), uma forma humana que se conservava
imóvel à distância de um metro diante de mim.
Durou o fenômeno alguns segundos, depois a imagem se
desvaneceu, para reaparecer após um momento, com os
mesmos traços apresentados da primeira vez. Não reconheci
pessoa alguma nessa forma humana e essa talvez seja a ra-
zão pela qual não constatei coincidência com uma morte.
Há alguns meses, nas mesmas circunstâncias, apareceu-me
uma nova figura, igualmente para mim desconhecida.
Devo acrescentar que, anteriormente a essas manifesta-
ções, tive ocasião de assegurar-me de que, acordando-se su-
bitamente em meio de um sonho, pode-se continuar a ver,
em estado de vigília, durante um rápido instante, os objetos
que se acabou de ver durante o sono.
Mas, nos dois casos que precedem, a visão começou a
produzir-se posteriormente ao despertar e não foi, como nes-
te último caso, a continuação de uma impressão experimen-
tada durante o sonho.
Logo, há provavelmente aí uma distinção a estabelecer en-
tre esses dois gêneros de fenômenos.
Ch. Tousche
Vice-secretário da Sociedade Científica Flammarion, de
Marselha, membro da Sociedade Astronômica de França
e da Sociedade de Altos Estudos Psíquicos de Marselha.”
Está provavelmente aí uma alucinação hipnagógica.
(Carta 327)
“Tinha eu 12 anos. Uma manhã, cerca das 7 horas (não me
lembro da época do ano, mas já estava claro a essa hora),
achava-me eu na cama e a sós em casa; um tio, que dormia
no mesmo apartamento, levantara-se pelo menos uma hora
antes, para trabalhar (era ele ferrador). Perto do leito achava-
se uma mesa redonda que tocava a alcova; sobre a mesa, al-
guns objetos, notadamente as minhas roupas.
No momento em que, despertando, abri os olhos, vi, perto
da mesa e fazendo-me frente, um homem que parecia estar
dando o laço na gravata.
Tornei imediatamente a fechar os olhos, retendo a respira-
ção; depois, alguns instantes depois – talvez meio minuto –
sendo a curiosidade mais forte do que o medo, reabri os o-
lhos e vi o mesmo homem, que contornava a mesa para pas-
sar entre ela e a alcova. De novo fechei os olhos e, quando
os reabri, não vi mais nada.
Esse homem passava entre a mesa e a alcova e, entretan-
to, a mesa tocava a alcova. Não ouvi, de resto, ruído algum
(nem de passos, nem outro qualquer, mesmo ligeiro.) Ele
parecia não reparar em mim.
Não me recordo dos traços de seu rosto, que me eram des-
conhecidos. Essa aparição não coincidiu com a morte de
pessoa alguma, conhecida minha.
G. Lamy
Rua Richelandière, 98, em Saint Etienne (Loire).”
Sem dúvida, um caso análogo.
(Carta 393)
“Há cerca de 2 meses, estando há alguns instantes deitado
e não ainda adormecido, experimentei de repente a sensação
de um pesado corpo caindo sobre as minhas pernas.
Retirei a cabeça de sob as cobertas e distingui muito niti-
damente uma criança enfaixada que me olhava sorrindo. A-
terrado por essa aparição, suspendo vivamente meu braço e
o arrojo brutalmente em sua direção. A criança salta abaixo
do leito e desaparece. Eu estava perfeitamente acordado. I-
luminando a Lua suficientemente o meu quarto para se po-
der distinguir os objetos, percebi perfeitamente a visão.
Demais, achando-se o meu apartamento bem fechado, ne-
nhum animal poderia aí penetrar para saltar sobre o meu lei-
to. E em seguida me certifiquei, pela manhã, que estava tudo
em ordem. Acrescento, como informação complementar,
que meu espírito foi conduzido instintivamente para meu
pequeno sobrinho, então com a idade de 3 meses, e que, gra-
ças a Deus, passa maravilhosamente bem.
J. M. (Manasque).”
São esses ainda aspectos alucinatórios.
(Carta 473)
“Não há mais de 15 dias, tive, à noite, estando em minha
cama perfeitamente acordado e com os olhos bem abertos, a
impressão de ver um ser humano. Durou essa impressão
mais de um minuto; fez-me ela o efeito de um medalhão re-
presentando um busto de mulher tão grande quanto o natu-
ral, deslocando-se como o faria uma projeção luminosa, di-
minuindo de intensidade, mudando de forma.
Durante esse minuto, tive tempo de reviver as minhas re-
cordações, pensando em ser útil às vossas pesquisas.
Essa figura não despertou em mim lembrança alguma e
pareceu-me totalmente desconhecida; não posso, por isso,
saber se a aparição coincide com uma morte. Em todo caso
esta não seria a de algum dos meus parentes.
Não acreditei em uma aparição, mas antes em uma aberra-
ção do sentido da vista.
Devo dizer que a obscuridade era completa no meu quarto
e que distingui perfeitamente bem os traços da aparição.
Henriot
Veterinário em Chavanges (Aube).”
Deu-se no caso em apreço, sem dúvida alguma, igualmente
uma espécie de semi-sonho alucinatório.
Os precedentes exemplos podem ser explicados pela teoria
das alucinações. Muitos deles não deixam a menor dúvida.
Somos tentados a colocar no mesmo plano todos os fatos de que
nos ocupamos aqui – e é isso em geral o que se acredita. Um
grande número de objeções, porém, opõe-se a esse modo de ver,
desde que não nos contentemos com uma vista superficial e nos
queiramos dar ao trabalho de analisar a fundo os fatos observa-
dos.
Alguns exemplos, parece-nos, poderiam ser classificados na
categoria precedente. Assim, o caso de M. V. de Kerkhove (caso
IV), que, estando no Texas, a fumar tranqüilamente em seu
cachimbo, após o jantar, à hora do pôr do Sol, vê seu avô, que
ficara na Bélgica, aparecer-lhe no vão de uma porta. O autor
cochilava docemente após um bom jantar e achava-se nas condi-
ções de uma alucinação hipnagógica. Poder-se-ia admitir aí esse
gênero de alucinações, se o seu avô não houvesse morrido jus-
tamente àquela hora. Por que uma alucinação nesse momento
exato? Replicar-se-á que precisamente esta coincidência é que
lhe dá notoriedade. Mas não. O autor jamais teve outra, e o
mesmo acontece, em geral, em todas as narrativas. É muito raro
que uma mesma pessoa tenha visto diversas aparições: geralmen-
te não tem visto mais que uma, coincidindo com uma morte. O
caso não é de forma alguma idêntico ao dos pressentimentos
mais ou menos vagos, dos quais um, realizando-se por acaso, é
mais notado do que os outros.
E o Sr. de Kerkhove não estava mais preocupado com a saúde
de seu avô do que a Sra. Bloch quando viu, em Roma, seu sobri-
nho de 14 anos, que morria em Paris e que ela deixara bem
disposto (caso III), nem do que a Sra. Berget, ouvindo, em
Schlestadt, sua amiga, a religiosa, cantar no momento em que
morria em um convento de Estrasburgo (caso VIII), ou do que a
senhorita que, durante um jantar bastante divertido, vê aparecer
sua mãe (caso XLIV), ou do que o Sr. Garling, encontrando, em
pleno dia, numa estrada, o duplo de seu amigo Harrisson que
morria de cólera (caso CLXXVII).
Os nossos 181 casos estão perfeitamente fora dessas explica-
ções fisiológicas. Neles não há nenhuma das condições e associ-
ações de idéias comuns aos sonhos hipnagógicos.
Outra objeção: as datas precisas de morte conhecidas pelas
aparições e por vezes em contradição com os documentos, como,
por exemplo, no caso de Sra. Wheatcroft vendo seu marido, o
capitão, morto a 14 de novembro, ao passo que mais tarde os
papéis do Ministério da guerra traziam, por erro, a data de 15,
que foi ulteriormente retificada (caso CLXVII). A explicação
pela alucinação é de insuficiência notória. Ainda que, a respeito
dos numerosos casos assinalados, possam existir algumas coin-
cidências fortuitas, o conjunto não se explica por essa hipótese.
Sem contradita, há alucinações reais e também coincidências
meramente fortuitas; mas nem umas nem outras impedem que
haja também manifestações telepáticas de moribundos.
Os três casos estão representados na série dos meus documen-
tos.
Dentro em pouco, haveremos de constatar, além disso, que a
ação psíquica de um espírito sobre outro, a distância, é um fato
irrecusável.
Brierre de Boismont cita a história seguinte, que Ferriar, Hib-
bert e Abercrombie encaravam sob pontos de vista diferentes:
Um oficial do Exército inglês, ligado à minha família – diz
Ferriar –, foi enviado, em serviço de guarnição, no meado do
século passado, para lugar próximo da residência de um gentil-
homem escocês, que dizia ser dotado da vista dupla. Um dia em
que o oficial, que fizera conhecimento com ele, lia, para as
senhoras presentes, uma comédia, o dono da casa, que passeava
no apartamento, deteve-se de súbito e tomou o olhar de um
inspirado. Tocou a campainha e ordenou a um criado que selasse
um cavalo para ir imediatamente a um castelo vizinho a fim de
informar-se da saúde da senhora desse castelo e, se a resposta
fosse favorável, dirigir-se a um outro castelo para saber notícias
de uma outra senhora, cujo nome citou.
O oficial fechou o livro e pediu ao seu hospedeiro que fizesse
o favor de lhe dar uma explicação dessas ordens instantâneas.
Este hesitou, mas acabou por confessar que lhe pareceu ter-se
aberto a porta e viu ele entrar uma mulherzinha parecida com as
duas senhoras designadas; esta aparição, segundo ele, era indício
da morte súbita de qualquer pessoa de seu conhecimento.
Algumas horas depois, voltou o criado com a notícia de que
uma das senhoras morrera de apoplexia no momento em que se
verificou a aparição.
Em uma outra circunstância aconteceu que, tendo sido o
mesmo senhor obrigado a guardar o leito, lia-lhe o oficial um
livro qualquer, por uma noite de tempestade. Achava-se então no
mar o barco de pesca. O velho gentleman, depois de haver
demonstrado repetidamente muita inquietação a respeito dos
tripulantes, gritou de repente:
– O barco está perdido!
Como o sabeis? – perguntou-lhe o coronel.
– Vejo – respondeu o enfermo – dois tripulantes que transpor-
tam um terceiro afogado; escorre-lhes a água pelo corpo e o
colocam perto de vossa cadeira.
No correr da noite voltaram os pescadores com o corpo de um
dos marujos.
Ferriar, acrescenta B. de Boismont, atribui com razão esta vi-
são às alucinações. Segundo Abercrombie, seria ela a reminis-
cência de um sonho esquecido. Pensamos que deve sobretudo ser
relacionada às alucinações que se manifestam durante o êxtase.
Seria mais simples confessar que a coisa é inexplicável.
Não estamos autorizados a levar à conta das alucinações to-
dos os fatos inexplicados, este, entre mil outros:
Conta Cardan que durante sua estada em Pávia, observando
por acaso suas mãos, ficou muito alarmado de perceber sobre o
seu indicador direito um ponto vermelho. À tarde recebeu ele
uma carta de seu genro, na qual lhe noticiava a prisão de seu
filho e o desejo ardente que ele tinha de vê-lo em Milão, onde
fora condenado à morte. Durante 53 dias continuou a marca a
estender-se, até que atingiu a extremidade do dedo: era então
vermelha como sangue. Tendo seu filho sido executado, a man-
cha logo diminuiu; no dia seguinte ao de sua morte ela havia
desaparecido quase totalmente e dois dias depois não restava
mais traço algum de tal mancha.56
Esse fato singular é igualmente classificado por Brierre de
Boismont em o número das alucinações (observação 44). Por que
razão? Uma ilusão da vista que dura 53 dias! E a coincidência?
Ainda se pode, neste caso, negligenciá-la? O filho, condenado à
morte, não agiu fisicamente sobre seu pai, por uma influência
que não cessou a não ser por ocasião da morte?
Em sua excelente obra sobre o cérebro,57 Gratiolet inclui –
também sem razão, segundo o nosso ver – as três narrativas
seguintes na classe das alucinações:
O eminente químico, Sr. Chevreul, meditava um dia, sen-
tado e curvado perto do fogão. Era em 1814, alguns dias an-
tes da ocupação de Paris pelos aliados. Reinava uma inquie-
tação universal. Em certo momento ele se ergue, volta-se e
vê, entre as duas janelas da sacada do seu gabinete, uma
forma pálida e branca, semelhante a um cone fortemente a-
longado que estivesse posto sobre uma esfera. Esta forma,
assaz mal definida, aliás, estava imóvel, e enquanto o Sr.
Chevreul a observava, sentia-se ele em um estado muito par-
ticular de agonia. Não experimentava nenhum terror moral e,
entretanto, um grande tremor avassalava-o; em um dado ins-
tante voltou os olhos e cessou então de ver o fantasma; de-
pois, volvendo-os para o mesmo lugar, aí o encontrou na
mesma atitude. Esta prova foi repetida com o mesmo resul-
tado. Fatigado por essa visão persistente, o sábio decidiu re-
tirar-se para o seu quarto de dormir. Durante esse movimen-
to, que o obrigava a passar por diante do fantasma, este des-
vaneceu-se.
Cerca de três meses depois, o Sr. Chevreul soube, muito
tardiamente, da morte de um velho amigo que lhe legava,
como recordação, sua biblioteca; essa triste notícia fora sin-
gularmente retardada pela dificuldade de comunicações nes-
sa desgraçada época e, confrontando as datas, constatou ele,
entre a visão e a hora da morte de seu amigo, uma espécie de
coincidência.
– Se eu fosse supersticioso – dizia-me o Sr. Chevreul – te-
ria podido crer em uma aparição real.58
Essa é precisamente a questão. Houve aparição ou alucina-
ção?
Chevreul assinalou igualmente a Gratiolet o caso seguinte:
Um dos anatomistas, que ilustraram o fim do décimo oita-
vo século, X., estava cortando o cabelo. De súbito, volta-se e
diz ao seu cabeleireiro:
– Por que me apertais o braço?
Este se desculpa e nega. Um momento depois, repetem-se
a mesma observação e a mesma resposta. O cabeleireiro a-
caba afinal seu trabalho, renova suas negativas do modo
mais formal e retira-se.
No dia seguinte, X. soube da morte de um de seus amigos.
No momento exato em que ele sentiu que lhe apertavam o
braço, esse infeliz se afogava. X. ficou abalado para o resto
de sua vida por essa coincidência e tornou-se vítima, desde
essa época, de terrores infantis, tanto que à noite se fazia a-
companhar em seu quarto, onde ficava alguém perto dele até
que adormecesse.59
No presente caso não fica, do mesmo modo, demonstrada a
alucinação.
O terceiro fato de que fala Gratiolet foi-lhe igualmente conta-
do por Chevreul:
Era ele ainda criança e jogava bolas em um quarto onde,
alguns meses antes, morrera uma de suas tias.
Uma das bolas escapa-lhe e rola pela alcova; a criança
precipita-se, mas, no momento em que se abaixa para apa-
nhá-la, sente passar por sua cabeça um ligeiro sopro e um
beijo é dado em sua face; ouve ele, ao mesmo tempo, mur-
murarem ao seu ouvido esta palavra: Adeus!
Gratiolet acrescenta: “É bem evidente que, neste caso, a
alucinação desenvolveu-se sob a influência do princípio de
associação de idéias.”
Mas, não; de modo algum é evidente.
Eis um exemplo ainda muito notável, extraído das Alucina-
ções, de B. de Boismont (observação 87):
A Srta. R., dotada de ótimo entendimento, religiosa sem
carolice, morava, antes de ser casada, em casa de seu tio,
médico célebre, membro do Instituto. Estava, então, separa-
da de sua mãe, acometida, na província, de uma enfermidade
bastante grave.
Certa noite essa jovem sonhou que a distinguia, em sua
frente, pálida, desfigurada, prestes a soltar o último suspiro,
e demonstrando sobretudo uma viva mágoa de não estar ro-
deada de seus filhos, um dos quais, cura de uma das paró-
quias de Paris, emigrara para a Espanha, estando outro em
Paris. No mesmo instante ouviu chamarem-na diversas vezes
por seu nome de batismo; viu, em seu sonho, as pessoas que
rodeavam sua mãe, parecendo-lhe que ela chamava sua neta,
do mesmo nome que o seu e a quem foram procurar no quar-
to vizinho; um sinal da doente fez-lhe ver que não se tratava
da neta, mas de sua filha que morava em Paris e que ela de-
sejava ver. O vulto exprimia a dor que experimentava por
causa de sua ausência; de repente, seus traços se descompu-
seram, cobriram-se da palidez da morte; ela tombou sem vi-
da no seu leito.
No dia seguinte a Srta. R., aproveitando-se da ausência de
seu tio para pôr em ordem os papéis deste, nos quais, como
muitos outros sábios, ele não gostava que se tocasse, encon-
trou uma carta que tinha sido atirada a um canto. Qual não
foi a sua surpresa ao ler, nessa carta, todas as particularida-
des do seu sonho, que seu tio conservara em silêncio, por
não querer produzir emoção muito forte sobre um espírito já
tão vivamente impressionado.
Essas informações, acrescenta o autor, foram-nos dadas
pela própria pessoa de quem se trata, na qual depositamos a
maior confiança.60
Para honra de seu julgamento científico independente e escla-
recido, Brierre de Boismont faz, sobre esse ponto, suas próprias
reflexões:
“É conveniente, sem dúvida, mantermos aqui uma pruden-
te reserva, e a explicação do sonho do ministro, de que fala
Abercrombie, poderia, a rigor, ser invocada neste caso; di-
remos, porém, francamente que essas explicações estão lon-
ge de satisfazer-nos e que este assunto, de que nós nos temos
muito ocupado, diz respeito aos mais profundos mistérios de
nosso ser; se quiséssemos citar todos os nomes de persona-
gens conhecidas, que ocupam alta posição na ciência e dis-
põem de excelente discernimento, de conhecimentos muito
extensos, as quais tiveram advertências como essas e análo-
gos pressentimentos, haveria aí matéria para mais de uma re-
flexão.”
Assim os fisiologistas já estavam prestes, há meio século, a
incluir o desconhecido na teoria das alucinações. O leitor agora
está inteirado do quadro e dos limites dessa teoria fisiológica e
patológica. A alucinação não explica os fatos. É nosso dever
agora procurar essa explicação.
VI

Ação psíquica de um espírito sobre outro

Transmissão de pensamentos. – Sugestão mental. – Co-


municação a distância entre pessoas vivas.

Aquele que, fora das matemáticas


puras, pronuncia a palavra “impossí-
vel”, falta à prudência.
Arago.

Tomamos o cuidado de começar estes estudos somente pelo


exame de fatos de uma mesma ordem: as manifestações dos
moribundos, a distância, a fim de lhes encontrar mais facilmente
a explicação. Chegaremos em breve às manifestações de mortos,
reais ou aparentes, e aos outros fenômenos, avançando gradual-
mente, lentamente, mas com segurança. O objetivo dessas pes-
quisas é saber se a observação científica possui bases suficientes
para provar a existência da alma como entidade real independen-
te e sua sobrevivência à destruição do organismo corporal. Os
fatos examinados nos capítulos precedentes já colocaram a
primeira proposição sobre um bom terreno. Tendo sido, pelo
cálculo das probabilidades, eliminada, em abono da telepatia, a
hipótese do acaso e da coincidência fortuita, somos forçados a
admitir a existência de uma força psíquica 61 desconhecida,
emanada do ser humano e podendo agir a grandes distâncias.
Parece difícil, à vista do acervo tão eloqüente e tão demons-
trativo desses testemunhos, recusarmo-nos a esta primeira con-
clusão.
Não foi o espírito dos observadores, isto é, dos que experi-
mentaram essas impressões, que se transportou até o moribundo.
Este é que os foi impressionar. A maior parte dos exemplos
citados mostra que aí é que reside a causa do fenômeno, e não
em uma clarividência, uma segunda vista das pessoas impressio-
nadas.
Do mesmo modo, não é necessário supor que a alma do mori-
bundo se desloca e se transporta para junto da pessoa impressio-
nada. Pode não haver no fato mais do que uma irradiação, uma
modalidade de energia ainda desconhecida, uma vibração do
éter, uma ondulação que, repercutindo sobre determinado cére-
bro, dá-lhe a ilusão de uma realidade externa. Todos os objetos
que vemos, aliás, não nos são sensíveis, não atingem o nosso
espírito senão por efeito de imagens cerebrais.
Esta hipótese explicativa parece-me necessária e suficiente,
pelo menos no que concerne ao maior número dos fatos que vêm
de ser expostos.
Esses fatos que, em realidade, representam uma ordem de
coisas muito mais divulgada do que se tem imaginado até hoje,
nada têm de sobrenatural. O papel da Ciência é: 1º – não rejeitá-
los cegamente; 2º – procurar explicá-los. Ora, de todas as expli-
cações que podem ser imaginadas, a mais simples e, ao mesmo
tempo, a que parece impor-se com mais força consiste em admi-
tir-se que o espírito do moribundo agiu a distância sobre o da-
quela ou daquelas pessoas que foram impressionadas. As apari-
ções, as audições, os espectros, os fantasmas, os deslocamentos
de objetos, os ruídos, tudo parece fictício; nada, por exemplo,
poderia ser fotografado. À parte certos casos de que voltaremos a
tratar, é no cérebro das pessoas impressionadas que tudo se
passa. Nem por isso, entretanto, o fato é menos real.
Firmaremos, pois, como conclusão das observações proce-
dentes, que um espírito pode agir a distância sobre um outro,
sem ser, como habitualmente acontece, por intermédio da pala-
vra ou de outro qualquer meio sensível. Parece-nos de todo
impossível rejeitar-se esta conclusão, desde que os fatos sejam
aceitos.
Esta conclusão vai ser abundantemente demonstrada.
Nada há de anticientífico nem de romanesco em admitir-se
que possa uma idéia agir a distância sobre um cérebro.
Fazei vibrar uma corda de violão ou de piano: a certa distân-
cia, uma outra corda de violão, de piano, vibrará e emitirá um
som. A ondulação do ar é transmitida com a primeira.
Ponha-se em movimento uma agulha imantada. A uma certa
distância, e sem contato, por simples indução, uma outra agulha
imantada oscilará sincronicamente com a primeira.
Fale-se, em Paris, sobre uma placa de telefone: a comunica-
ção elétrica irá fazer vibrar a outra placa sonora em Marselha. O
fio material não é indispensável. Não é uma substância que se
transporta; é uma onda que se propaga.
Lá está uma estrela, a milhares de milhões de quilômetros, na
imensidade dos céus, a uma distância da qual a Terra não é mais
do que um ponto absolutamente invisível. Exponho a essa estre-
la, no foco de uma lente, uma placa fotográfica: o raio de luz vai
trabalhar sobre essa placa, impressioná-la, desagregar a camada
sensível e imprimir sua imagem. Este fato não é, em si mesmo,
muito mais admirável do que a onda cerebral que vai a alguns
metros, alguns quilômetros, alguns milhares de quilômetros
repercutir noutro cérebro em relação harmônica com aquele do
qual partiu essa onda?
A 149 milhões de quilômetros de distância, através do que se
chama “o vácuo”, uma comoção solar produz sobre a Terra uma
aurora boreal e uma perturbação magnética.
Todo ser vivo é um centro dinâmico. O próprio pensamento é
um ato dinâmico. Não há pensamento algum sem vibração
correlata do cérebro. Que há de extraordinário em que esse
movimento se transmita a uma certa distância, como no caso do
telefone, ou melhor ainda, do fotofone (transporte da palavra
pela luz) e da telegrafia sem fio?
No estado atual de nossos conhecimentos físicos, tal hipótese
nem mesmo é, verdadeiramente, uma ousadia. Ela não sai do
quadro de nossas operações habituais.
Todas as nossas sensações, de prazer, de dor, do que quer que
seja, todas, sem exceção, se verificam em nosso cérebro. Entre-
tanto, localizamo-las sempre em outra parte qualquer, jamais no
cérebro.
Queime alguém o pé, sofra um ferimento no dedo, magoe o
cotovelo, respire um perfume agradável, prove um saboroso
manjar, beba um licor delicado: todas as sensações resultantes
serão instintivamente localizadas no pé, no dedo, no cotovelo, no
nariz, na boca, etc. Na realidade, entretanto, serão os nervos que
as transmitirão, todas, sem exceção, ao cérebro – e só no cérebro
é que serão percebidas. Poderíamos queimar os nossos pés até os
ossos, sem experimentarmos sensação alguma, se os nervos que
vão do pé ao cérebro estivessem seccionados em um ponto
qualquer do seu percurso. O nervo é um simples condutor.
O fato está demonstrado pela Anatomia e pela Fisiologia. O
que há, talvez, de mais curioso ainda é que não é necessário que
um membro exista para que o sintamos. Os indivíduos que
sofrem qualquer amputação experimentam as mesmas sensações
como se tivessem ainda o membro de que foram privados. Cos-
tuma-se dizer que a ilusão dura algum tempo, até que, cicatrizada
a ferida, cesse o doente de receber os cuidados do profissional.
Mas a verdade é que essas ilusões persistem sempre e conservam
a mesma intensidade durante a vida toda. Resta uma sensação de
formigamento e de dor, que tem, na aparência, sua sede nos
órgãos exteriores, não obstante estes não existirem mais. Essas
sensações não são vagas, porquanto o amputado sente dores ou
formigamentos em tal ou tal artelho, na planta ou sobre o dorso
do pé, na pele, etc.
Certo homem que sofrera a amputação da coxa, experimenta-
va ainda, ao fim de doze anos, as mesmas sensações como se
possuísse os dedos e a planta do pé. Um outro tinha amputado há
treze anos o braço; contudo, as sensações nos dedos jamais
haviam para ele cessado: supunha sempre sentir encurvada a sua
mão. Outro ainda que teve o braço direito estraçalhado, por uma
bala de canhão, e em seguida amputado, ainda experimentava,
vinte anos depois, dores reumáticas nesse membro, todas as
vezes que havia mudança de tempo. O braço que ele perdera
parecia-lhe sensível à menor corrente de ar!
Quando, em uma operação de rinoplastia, se volta um pedaço
da pele da fronte, talhado próximo à raiz do nariz, para enxertá-
lo no coto do mesmo órgão, o nariz artificial conserva, enquanto
esse retalho de pele não está separado da fronte, as mesmas
sensações que se experimentam quando a pele da fronte é excita-
da por um estimulante qualquer, isto é, o indivíduo sente na
fronte os apalpamentos exercidos sobre o seu nariz.
A conseqüência é que, quando uma sensação tiver como con-
dição ordinária a presença de um objeto mais ou menos afastado
de nosso corpo, e a experiência nos der a conhecer essa distân-
cia, é a essa distância que situaremos a nossa sensação. Tal é,
efetivamente, o caso para as sensações do ouvido e da vista.
O nervo acústico tem sua terminação exterior na câmara pro-
funda do ouvido. O nervo óptico tem a sua no alveolozinho mais
interno do olho. No estado atual, entretanto, não é jamais nesses
pontos que localizamos as nossas sensações de som ou de cor,
mas fora de nós e freqüentemente a uma distância muito grande.
Os sons vibrantes de um grande sino parecem-nos vibrar muito
longe e muito alto no ar; um apito de locomotiva parece-nos
cortar o ar a cinqüenta passos, à esquerda.
A localização, mesmo longínqua, é ainda muito mais nítida
para as sensações visuais. Vai isso a tal ponto, que as nossas
sensações de cor nos parecem destacadas de nós; não mais
percebemos que elas nos pertencem; cuidamos que fazem parte
dos objetos. Acreditamos que a cor verde, que nos parece aplica-
da, a três pés de nós, sobre esta poltrona, é uma das suas propri-
edades; esquecemos que ela não existe senão em nossa retina, ou
antes nos centros sensitivos aos quais se transmite a vibração de
nossa retina. Se aí formos procurá-la, não a encontraremos; em
vão procuram os fisiologistas provar que o abalo nervoso, que
provoca a sensação de cor, tem início na retina, como o que
provoca e sensação de contato começa nas extremidades nervo-
sas da mão ou do pé; em vão nos mostram que o éter, vibrando,
fere a extremidade de nosso nervo óptico, como um diapasão que
vibra abala a superfície de nossa mão: não temos a menor cons-
ciência desse contato em nossa retina, mesmo quando dirigimos
nesse sentido todo esforço de nossa atenção. Todas as nossas
sensações de cor são assim projetadas fora de nosso corpo e
revestem os objetos mais ou menos distantes, móveis, paredes,
casas, árvores, céu e tudo o mais. Eis porque, quando em seguida
refletimos sobre elas, cessamos de no-las atribuir; são afastadas,
destacadas de nós, até nos parecerem estranhas.
A cor de modo algum está no objeto nem nos raios luminosos
que ele irradia; está na excitação da retina.
Pouco importa que a excitação seja produzida por um jato de
raios luminosos ou por outra causa qualquer. Pouco importa que
seja ou não espontânea. Qualquer que seja a causa, logo que ela
se manifesta, produz-se a cor e ao mesmo tempo o que chama-
mos a imagem visível. Em todos os casos, a cor e a imagem
visível não passam de manifestações interiores, na aparência
exteriores. Toda a óptica fisiológica repousa sobre este princípio.
Resulta, portanto, de nossa organização que a visão, a audição,
qualquer observação que fazemos de um objeto ou de um ser, é
devida a uma impressão cerebral e que, por conseguinte, para
que acreditemos ver, ouvir, tocar um ser, é preciso e suficiente
que nosso cérebro seja impressionado por um movimento vibra-
tório que lhe dê uma sensação adequada ao resultado obtido.62
O cérebro, ao qual chegam todas as sensações, possui várias
centenas, vários milhares de nervos aferentes, de nervos eferen-
tes, de células e de nervos intercelulares, nos quais a corrente
nervosa se propaga por várias centenas e vários milhares de
caminhos distintos e independentes. Essas comunicações tão
complicadas são estabelecidas por milhares e por miríades de
células e de nervos. É o que se constata pelo microscópio, pelas
vivissecções e pelas observações patológicas. O eixo da medula
espinhal, longo cordão de substância cinzenta, contém essenci-
almente sessenta e dois grupos principais de centros nervosos,
distribuídos em trinta e um pares, que podem mesmo agir, sem a
cabeça, por meio de ações reflexas. Em um homem decapitado,
cuja medula espinhal fora reanimada por meio da eletricidade, o
Dr. Robin, tendo arranhado com um escalpelo a parede direita do
peito, viu o braço do mesmo lado levantar-se e dirigir a mão para
o lugar irritado, como para executar um movimento de defesa. O
Dr. Kuss, tendo amputado a cabeça de um coelho com tesouras
mal afiadas que cortaram esmagando as partes moles de modo a
prevenir a hemorragia, viu o animal arremessar-se sem sua
cabeça e percorrer toda a sala com um movimento de locomoção
perfeitamente regular.63
Os mecanismos vitais são ligados entre si e subordinados uns
aos outros; seu conjunto não representa uma república de iguais,
mas uma hierarquia de funcionários, e o sistema dos centros
nervosos na medula e no encéfalo parece-se com o sistema dos
poderes administrativos em um Estado. Pode-se compará-lo à
rede telegráfica que põe em comunicação todos os departamen-
tos com Paris, todos os prefeitos com os ministros, transmite as
notícias, recebe as ordens. Uma onda de renovação molecular
propaga-se ao longo de um filete nervoso com rapidez avaliada
em 34 metros por segundo para os nervos sensitivos e em 27
metros para os nervos motores. Chegada à célula cerebral, essa
onda aí provoca uma mudança molecular ainda maior; em ne-
nhuma outra parte se produz tão grande desprendimento de
força. Podemos comparar, com Taine, a célula a pequeno arma-
zém de pólvora que, a cada excitação do nervo aferente, incen-
deia-se, faz explosão e transmite, multiplicada, ao nervo eferen-
te, a impulsão que recebeu do nervo aferente.
Tal é o abalo nervoso sob o ponto de vista mecânico. Do pon-
to de vista físico, trata-se de uma combustão da substância
nervosa que, incendiando-se, desprende calor. Do ponto de vista
químico, de uma decomposição da substância nervosa que perde
seus lipóides fosforados e sua neurina. Do ponto de vista fisioló-
gico, do jogo de um órgão que, como todos os órgãos, se altera
pelo seu próprio funcionamento e, para funcionar de novo, tem
necessidade de uma reparação sanguínea. Mas, de quaisquer
desses pontos de vista, não se nos deparam no fato mais do que
caracteres abstratos e efeitos de conjunto; não o surpreendemos
absolutamente em si mesmo e em seus detalhes, tal qual o verí-
amos se, mediante olhos ou microscópios mais penetrantes,
pudéssemos segui-lo, do começo ao fim, através de todos os seus
elementos e de um extremo a outro de seu desenvolvimento. Sob
esse ponto de vista histórico e gráfico, o abalo da célula é certa-
mente um movimento interior de suas moléculas, movimento que
pode ser comparado muito exatamente a uma figura de dança, na
qual as moléculas muito diversas e muito numerosas, depois de
terem descrito, cada qual com determinada rapidez, uma linha de
certo comprimento e de certa forma, voltam ao seu primitivo
lugar, salvo alguns dançarinos fatigados que desfalecem, tornam-
se incapazes de recomeçar e cedem seus lugares a outros recrutas
bem dispostos, para que a figura de novo possa ser executada.
Eis aí, tanto quanto se pode conjeturar, o ato fisiológico cuja
sensação é o correspondente mental.64
Todos os fatos relativos à produção e à associação das idéias
podem ser explicados pelas vibrações do cérebro e pelas do
sistema nervoso que aí têm sua origem, como o demonstrou
David Hartley no século XVIII.65 A acústica nos esclarece,
depois, a este respeito.
Uma experiência bem conhecida, de Sauveur, mostra que
uma corda sonora não vibra unicamente em todo seu comprimen-
to, mas que cada uma de suas metades, cada um dos seus terços,
cada uma de suas quartas, quintas, sextas partes, etc., vibra
separadamente.66 Um fenômeno de ordem análoga pode ser
produzido nas vibrações das fibras encefálicas e estas então
estariam em relação análoga à dos sons harmônicos. Uma vibra-
ção determinada por uma idéia 67 seria acompanhada das vibra-
ções correspondentes às idéias conexas; e a conexidade resultaria
tanto da vizinhança das fibras que elas afetam quanto de corren-
tes do mesmo gênero da indução eletrodinâmica.
Qualquer que seja o seu modo de produção e de distribuição,
todo pensamento e toda associação de idéias representam um
movimento cerebral, uma vibração de ordem física.
As vibrações, a ação psíquica a distância, qualquer que ela
seja, aliás, explicam portanto os fatos de telepatia. Não se trata,
no caso, de alucinação, mas de impressão física real.
Lançai no ambiente de um salão determinada nota, seja por
meio da voz, seja por meio do violino, ou por outro meio qual-
quer; uma nota Si bemol, por exemplo. A corda de um piano
próximo, correspondente a esse Si bemol, vibrará e ressoará, ao
passo que as 84 outras cordas ficarão surdas e mudas. Se pudes-
sem as cordas do piano pensar, essas 84 que permaneceram
surdas, notando a agitação da corda Si bemol, tomá-la-iam
evidentemente por uma alucinada, uma nervosa, uma imaginati-
va, porquanto elas ficaram insensíveis ao movimento transmitido
e o ignoram.
Cada sensação, como cada idéia, corresponde a uma vibração
no cérebro, a um movimento das moléculas cerebrais. Recipro-
camente, toda vibração cerebral dá origem a uma sensação, a
uma idéia, no estado de vigília tanto quanto em sonho. É natural
admitir-se que uma vibração transmitida e recebida dá lugar a
uma sensação psíquica.
Uma idéia, por muito íntima que seja, uma impressão, uma
comoção mental, podem, inversamente, produzir efeitos fisioló-
gicos mais ou menos intensos e mesmo produzir a morte. Não
faltam exemplos de pessoas mortas subitamente em seguida a
uma emoção. Há muito que está feita a prova dos efeitos do
poder da imaginação sobre a própria vida.
Ninguém esquecerá a experiência realizada em Copenhague,
em 1750, sobre certo condenado, entregue aos médicos para um
estudo desse gênero e que foi observado até a morte inclusiva-
mente. Esse infeliz fora solidamente ligado a uma tábua por
meio de fortes correias; vendaram-se-lhe os olhos; depois lhe
anunciaram que ia ser sangrado no pescoço e que se deixaria
correr o sangue até o completo esgotamento; uma insignificante
picada foi em seguida praticada em sua epiderme com a ponta de
uma agulha, sendo colocado perto de sua cabeça um sifão, de
modo a fazer correr sobre o pescoço um filete d’água que caía
sem interrupção, com um leve ruído, em uma bacia colocada no
chão. O supliciado, convencido de que deveria ter perdido pelo
menos de sete a oito litros de sangue, morreu de pavor.
Um outro exemplo é aquele do porteiro de um colégio, que
atraíra sobre si o ódio dos alunos submetidos à sua vigilância.
Alguns desses jovens se apoderaram dele, fecharam-no em um
quarto escuro e em sua presença procederam a um simulacro de
inquérito e de julgamento. Recapitularam todos os seus crimes e
concluíram que, somente podendo ser expiados pela morte, seria
esta a pena aplicada mediante decapitação. Em conseqüência,
foram buscar um machado e um cepo que colocaram no meio da
sala, anunciando ao condenado que ele dispunha de três minutos
para se arrepender de suas faltas e fazer as pazes com o Céu;
decorridos, afinal, os três minutos, vendaram-lhe os olhos e
forçaram-no a ajoelhar-se, com o colo descoberto, diante do
cepo, depois do que os malvados lhe aplicaram sobre a nuca uma
forte pancada com um guardanapo molhado, dizendo-lhe, a rir,
que se levantasse. Com inaudita surpresa deles, o homem não se
mexeu. Sacudiram-no, tomaram-lhe o pulso: estava morto.68
Para concluir: mais recentemente um jornal inglês, A Lance-
ta, contou que uma moça, querendo acabar com a vida, ingerira
certa quantidade de pó inseticida, depois do que se estendeu em
seu leito onde foi encontrada morta. Fez-se inquérito e autópsia.
A análise do pó encontrado no estômago demonstrou que era o
mesmo absolutamente inofensivo, pelo menos para um ser
humano; todavia, a moça estava perfeitamente morta.
Meu sábio amigo Charles Richet, refere (Revista dos Dois
Mundos, LXXVI, 1886, pág. 79) que seu pai, tendo certo dia de
submeter um doente, no Hospital Geral, à operação de cálculos,
morreu o mesmo de medo, no instante em que o cirurgião acaba-
va simplesmente de traçar com a unha sobre a pele a linha que a
incisão devia seguir.
Todos esses fatos psíquicos e fisiológicos nos ajudam a com-
preender a telepatia. Certamente, essa tentativa de explicação de
fenômenos estranhos não se processa sem levantar objeções
numerosas. A primeira consiste em dizer que essas manifesta-
ções de moribundos não somente são raras, excepcionais mesmo,
mas ainda não se verificam em circunstâncias nas quais parece
que deviam justamente produzir-se, como, por exemplo, por
ocasião de uma morte trágica que separa bruscamente dois
corações ternamente unidos, ao verificar-se um desses dramas
que de súbito cortam o fio de várias existências, ou mesmo
quando o ser que morre prometeu formalmente, esperou, dese-
jou, ele próprio, manifestar-se e dar àquele que fica uma prova
de sua existência póstuma. Podemos, sem dúvida, responder que
ignoramos de que modo essas manifestações se podem produzir,
que há leis desconhecidas, dificuldades, impossibilidades; que é
necessário estarem dois cérebros em harmonia, em sincronismo,
para que vibrem sob a mesma influência; que a união íntima de
dois corações não prova a igualdade sincrônica de dois cérebros,
etc. Mas, visto que tais coisas têm por vezes lugar e em circuns-
tâncias bastante vulgares, não deixa a objeção de subsistir com
maior razão – e muito grave.
Sim, muito grave. Por minha parte, diversas vezes me tenho
encontrado, no curso desta vida, com a alma amargurada pela
separação brusca de um ente amado. Em minha adolescência, um
amigo íntimo, um colega de classe, morreu prometendo-me
provar sua sobrevivência, se fosse isso possível. Tínhamos tão
freqüentemente discutido juntos a questão! Mais tarde, um dos
meus mais queridos companheiros da imprensa científica propôs-
me o mesmo pacto, mutuamente aceito. Ainda mais tarde, uma
pessoa a quem me achava intimamente ligado, desapareceu do
cenário terreno no próprio instante em que esse problema da
sobrevivência nos apaixonava a ambos, e dando-me a maior
segurança de que o seu único e exclusivo desejo era ver sua
morte prematura servir à demonstração desta verdade. E jamais,
mau grado às minhas esperanças, mau grado aos meus desejos,
às minhas súplicas, obtive qualquer manifestação que fosse.
Nada! Nada! Nada!
Perdi há alguns anos meu pai. É verdade que eu permanecia a
seu lado e não necessitava ser advertido com relação à sua morte.
Mas, tampouco depois, nada obtive.
Eu tinha por meu avô e por minha avó uma adoração sem li-
mites; também eles me adoravam loucamente, e eu os amava
tanto que sempre me foi impossível, absolutamente impossível,
ir ao túmulo onde repousam: muito antes de chegar a esse pe-
queno jazigo rústico, os soluços me sufocam, cegando-me e
amortecendo-me as pernas. Jamais tive qualquer manifestação
deles; de modo algum, nem no instante da morte, nem depois que
deste mundo partiram.
Sem dúvida, o meu cérebro não é apto a perceber essa espécie
de ondas etéreas, quer promanem de vivos ou de mortos. Nada,
sensação alguma me veio avisar dessas mortes e, depois, nenhu-
ma comunicação me chegou deles.
Mas o papel do pesquisador, como o do historiador, é o de
permanecer impessoal, e as nossas próprias impressões não
devem influenciar-nos. Todavia deve-se colocar sempre a verda-
de, a lealdade, a franqueza acima de tudo.
Consiste uma outra objeção na extravagância de certas mani-
festações, como já tivemos ocasião de assinalar. Se há ação a
distância de um espírito sobre outro, por que esta ação dá nasci-
mento a ilusões como estas: abrir ou fechar uma janela, levantar
um leito, bater em um móvel, rolar uma bola sobre o assoalho,
fazer ouvir o ranger de gonzos, etc.? Parece que tal ação devia
ser intelectual, dar a audição de uma voz amada, mostrar a
imagem do ser que nos deixa, permanecendo, assim, na ordem
psíquica e moral.
Esta objeção é menos grave do que a precedente. Grande nú-
mero de manifestações consistem, por um lado, em visões ou
audições. Podemos supor, em outros casos, que a comoção
produzida no cérebro do moribundo se transmite a certas células,
a certas fibras de um outro cérebro e determina, nesta zona
cerebral, uma ilusão, uma impressão qualquer. Uma ondulação
luminosa, calorífica, elétrica, magnética, que vem ferir, atraves-
sar um objeto, como, por exemplo, uma esponja, encontra resis-
tências diferentes, segundo a natureza da esponja, suas diferen-
ças de densidade, as substâncias minerais que pode ela ter em
suspensão, etc., e cada uma de suas partes é diferentemente
impressionada.
Os caprichos aparentes do raio oferecem-nos singularidades
não menos estranhas. Aqui, o raio queima uma pessoa, que
flameja como um feixe de palha; ali, reduz as mãos a cinzas,
deixando as luvas intactas; solda os anéis de uma corrente de
ferro como ao fogo de uma forja e, ao lado, mata um caçador
sem quebrar o fuzil que ele tinha à mão; funde um brinco de
orelha sem queimar a pele; despe completamente uma pessoa,
sem lhe fazer mal algum, ou então se contenta em furtar-lhe os
sapatos ou o chapéu; fotografa, sobre o peito de um menino, o
ninho que ele agarrava no cimo de uma árvore fulminada; doura
as moedas de um porta-moeda, praticando a galvanoplastia, de
um compartimento a outro, sem que o portador seja atingido;
arrasa instantaneamente uma muralha de seis pés de espessura e
abate um castelo secular, ou abate-se sobre um paiol de pólvora
sem fazê-lo explodir. Há muito mais esquisitices inexplicáveis
nos efeitos e nos movimentos do raio do que nas manifestações
telepáticas.69
É nosso dever, na pesquisa da verdade, não dissimularmos
objeção alguma. As que acabo de apresentar não impedem que
os fatos existam, e a única explicação desses fatos parece-me ser
a ação, a distância de um espírito sobre outro.
Vamos agora um pouco mais longe. Existem, fora da ordem
de coisas que acabamos de examinar, exemplos que levem a
admitir a probabilidade, a realidade desta ação? Possuímos
provas experimentais, incontestáveis, da transmissão do pensa-
mento sem o concurso dos sentidos?
Sim. Vamos passá-las em revista, constatá-las, demonstrá-las,
porquanto em questões desta natureza, para estar seguro é preci-
so estar dez vezes seguro.
E, antes de tudo, analisaremos as questões que dizem respeito
aos fenômenos do magnetismo humano.
Não falarei de grande número de experiências de sugestões
hipnóticas às quais tenho assistido, notadamente as do Dr. Puel,
as do Dr. Charcot, as do Dr. Berety, as do Dr. Luys, as do Dr.
Dumontpallier, etc., não que eu duvide da realidade da sugestão
e da auto-sugestão, mas porque são elas de tal modo conhecidas
que é supérfluo relatá-las aqui.
Há também, nesta ordem de estudos, experiências muito in-
certas e mesmo fraudulentas, provando-me isso os próprios
pacientes por suas acusações recíprocas e por suas confissões. É
muito freqüente a simulação nesse gênero de experiências.
Apenas citarei um exemplo.
O Dr. Luys tinha o hábito de apresentar ao paciente, pseudo-
adormecido, frascos que ele colocava sobre sua nuca e que
continham diferentes produtos: água pura, conhaque, absinto,
óleo de rícino, essência de timo, água de louro cereja, amoníaco,
éter, essência de violeta, etc. O paciente adivinhava sempre do
que se tratava e, freqüentemente, manifestava os sintomas dessas
drogas. Desgraçadamente para o valor da experiência, sempre o
doutor apresentava os frascos na mesma ordem, pelo menos nas
sessões a que assisti. Pedi-lhe, certo dia, que invertesse a ordem
de colocação dos frascos, sem nada dizer a respeito. Ele não
aceitou e respondeu-me que não devíamos pôr em dúvida a boa
fé dos pacientes.
Esse paciente era uma moça histérica, atriz em um dos teatros
de Paris. Regressei com ela de Irry e não tardei a ficar comple-
tamente elucidado a respeito da sua sinceridade, assim como da
de suas companheiras de experimentação.
Para estarmos seguros destas experiências, necessário é que
estejam elas ao abrigo de toda desconfiança: que o cheiro não
possa atravessar a rolha dos frascos, sobretudo quando se trate de
olfatos hiperstesiados; que o paciente nada possa desconfiar; que
o próprio experimentador não possa sugestioná-lo e que ele
mesmo ignore o conteúdo dos frascos.70
É indispensável que não percamos o nosso tempo no exame
de casos duvidosos, pois que nada é mais absurdo do que perder
tempo.
A vida é curta. Devemos somente escolher, admitir, examinar
observações bem feitas; e, depois, não sair do nosso objetivo:
demonstrar a ação psíquica, mental, de um espírito sobre outro.
Fornecer-nos-á o sonambulismo as primeiras. Eis aqui, de i-
nício, um processo verbal relatando três casos de sugestão
mental, obtidos pelos Srs. Guaita e Liébault, no domicílio deste
último, em Nancy, a 9 de janeiro de 1886:71
“Nós, abaixo assinados, Ambroise Liébault, doutor em
Medicina, e Stanislas Guaita, homem de letras, ambos resi-
dentes atualmente em Nancy, atestamos e certificamos haver
obtido os seguintes resultados:
1º – A Srta. Luísa L., submetida ao sono magnético, foi
informada de que deveria responder a uma questão que lhe
seria feita mentalmente, sem a intervenção de qualquer pala-
vra ou de qualquer gesto. Com a mão apoiada sobre a fronte
do sensitivo, o Dr. Liébault recolheu-se um instante, concen-
trando sua própria atenção sobre a pergunta: “Quando esta-
reis curada?”, que ele tinha vontade de fazer. Os lábios da
sonâmbula moveram-se imediatamente:
– Em breve – murmurou ela distintamente.
Convidaram-na, então, a repetir, diante de todas as pesso-
as presentes, a questão que havia instintivamente percebido.
Ela a expressou nos termos em que fora formulada no espíri-
to do experimentador.
2º – O Sr. de Guaita, pondo-se em relação com a magneti-
zada, propôs-lhe mentalmente uma outra questão:
– Voltareis na próxima semana?
– Talvez – foi a resposta do sensitivo.
Convidada a comunicar às pessoas presentes a questão
mental, respondeu a magnetizada:
– Perguntastes-me se voltaríeis na próxima semana.
Esta confusão estabelecida a respeito de uma palavra da
frase é muito significativa. Dir-se-ia que a moça vacilou ao
ler no cérebro do magnetizador.
3º – O Dr. Liébault, para que nenhuma frase indicativa
fosse pronunciada, mesmo em voz baixa, escreveu em um
bilhete: “A senhorita, ao despertar, verá seu chapéu preto
transformado em chapéu vermelho.”
O bilhete circulou, previamente, por todas as testemunhas;
depois os Srs. Liébault e de Guaita colocaram em silêncio
suas mãos sobre a fronte do sensitivo, formulando mental-
mente a frase convencionada. Então a moça, informada de
que veria na sala qualquer coisa de insólito, foi despertada.
Sem qualquer hesitação, fixou logo seu chapéu e, com gran-
de gargalhada, reclamou. Aquele não era o seu chapéu; não
o queria. Tinha perfeitamente a mesma forma; mas o gracejo
devia terminar; urgia que lhe restituíssem o que lhe pertenci-
a.
– Mas, afinal, que notastes de diferente?
– Vós o sabeis; de resto, tendes olhos como eu.
– Mas então?...
Foi preciso insistir por muito tempo, para que ela consen-
tisse em dizer no que seu chapéu tinha mudado; estavam a
caçoar com ela. Assediada de perguntas disse afinal:
– Bem vedes que está todo vermelho.
Recusando-se ela a recebê-lo, forçoso se tornou pôr um
fim à sua alucinação, afirmando-se-lhe que o chapéu ia vol-
tar à cor primitiva. O Dr. Liébault assoprou no chapéu e es-
te, voltando, aos olhos da moça, a ser o seu, consentiu ela
em recebê-lo.
Tais os resultados que certificamos haver concordemente
obtido. Em fé do que, redigimos o presente processo verbal.
S. de Guaita, A. Liébault.”
A sugestão mental tornou-se, de muitos anos a esta parte, ob-
jeto de estudos muito importantes, à frente dos quais convém
colocar a obra, especialmente consagrada ao assunto, do Dr.
Ochorowicz.72 Extrairemos dessa obra algumas experiências
características:
O Sr. de la Souchère, antigo aluno da Escola Politécnica, sá-
bio químico residente em Marselha, tinha como empregada uma
mulher do campo, com a qual se produziam, com a maior facili-
dade, o sonambulismo e diversos dos seus fenômenos dignos de
nota. Em estado de sonambulismo magnético, diz ele, Lazarine
mantinha comigo perfeita comunhão de pensamento e se tornava
a tal ponto insensível que eu lhe enterrava agulhas na carne, nas
unhas, sem que ela experimentasse a menor dor e sem que saísse
uma gota de sangue.
Em presença do engenheiro Gabriel e de alguns amigos, repe-
ti as seguintes experiências: fazia-a beber água pura e ela dizia-
me que a água tinha o gosto sugerido por mim: limonada, xaro-
pe, vinho, etc. Indicaram-me o gosto de areia para sugerir-lhe.
Ela não pôde adivinhar. Então, derramei um pouco de areia em
minha boca e imediatamente ela se pôs a cuspir, dizendo que eu
lhe dava areia. Na ocasião, achava-me por trás de Lazarine e
era-lhe impossível ver-me.
Experiência análoga, porém ainda mais avançada, é referida
pelo Conde de Maricourt. Tendo o sensitivo bebido, em estado
de vigília, um copo de água, com sugestão mental de ser um
copo de kirsch, manifestou todos os sintomas da embriaguez
durante vários dias. Foram os fenômenos desse gênero que
fizeram crer aos magnetizadores poderem eles, magnetizando um
copo de água ou um outro objeto, impregnar seus fluidos de
diferentes qualidades físicas ou químicas. A magnetização é
neste caso inútil, pois que é o pensamento que age sobre o
cérebro do paciente e não sobre o objeto.
Alguém me remete um livro: Robinson Crusoé. Abro-o e e-
xamino uma gravura que representa Robinson em uma canoa.
Lazarine, interrogada a respeito do que estou fazendo, responde:
– Tendes um livro, não o ledes; observais uma gravura; há
um barco e dentro dele um homem.
Recomendo-lhe que me descreva o mobiliário de um quarto
que ela não conhecia, e foi indicando os móveis à medida que eu
os lia representando em meu pensamento. Não tenho verificado
em minha empregada a transposição dos sentidos. Aplicavam-se-
lhe sobre o epigástrio diversos objetos; se eu os conhecia, ela os
indicava; se eu ignorava o que eram, não podia ela designá-los.
Não era, portanto, mais do que a transmissão do pensamento que
se produzia nela. É possível que, em certos casos, o que se tenha
atribuído à transposição dos sentidos nada mais seja que efeito
da transmissão do pensamento.
O Dr. Texte constatou, diversas vezes, que a sonâmbula pode
acompanhar o pensamento do magnetizador.
A Srta. Diana, diz ele, seguia uma conversação, durante a
qual eu falava apenas mentalmente. Respondia às perguntas que,
desta maneira, eu lhe endereçava.
Cita ele ainda uma notável experiência na qual a sugestão
mental se manifesta como uma alucinação:
Imaginei, um dia, uma trincheira de madeira em redor de
mim; sem nada dizer, deixei em estado de sonambulismo a Srta.
H., jovem muito nervosa, e lhe pedi que me trouxesse os meus
livros. Chegada ao lugar onde eu havia imaginariamente levan-
tado a trincheira, ela se detém, dizendo que não podia mais
avançar.
– Que extravagante idéia – diz – essa de levantar ali uma trin-
cheira!
Tome-a alguém pela mão, a fim de fazê-la passar, e verificará
que seus pés estão colados ao assoalho, somente o alto do corpo
se inclina para a frente, e ela diz que se comprime o seu estôma-
go contra o obstáculo.
Em geral, se o sonâmbulo acredita ver alguma coisa fora das
condições ordinárias, cumpre indagar-se imediatamente se não se
trata, no caso, de simples sugestão involuntária de nossa parte.
Um estudante de Medicina perguntou a uma de minhas so-
nâmbulas quais os doentes que o júri lhe daria a examinar para
uma prova do doutorado. Descreveu ela nitidamente três doentes
na Casa de Misericórdia, que haviam atraído mais especialmente
a atenção do estudante e que este teria desejado fossem objeto de
seu exame. Ela chegou a acrescentar (detalhe característico) a
respeito de um desses pacientes:
– Oh! como essa mulher tem o olhar brilhante... e fixo!...
Causa-me pavor... esse olhar!
– Ela vê com esse olho brilhante? – pergunta o estudante.
– Esperai... não sei... esse olho é duro... não é natural.
– De que é feito esse olho?
– De qualquer coisa... que se quebra... e que brilha... Oh! ela
tira-o... mergulha-o n’água... – etc.
Essa enferma tinha um olho de vidro; o fato, absolutamente
ignorado por mim, porquanto eu não conhecia os doentes em
questão, mas conhecido do estudante que fazia perguntas à
sonâmbula, foi perfeitamente descrito por esta. Aonde ia a
sonâmbula encontrar essa imagem? No psiquismo do interrogan-
te que, por intermédio do meu psiquismo, nela se refletia.
É justo acrescentar que as predições da sonâmbula não se rea-
lizaram; que no dia de sua prova o estudante teve de examinar
outros doentes e que nem mesmo se falou nos doentes descritos
pela sonâmbula.
Ordinariamente, diz o Dr. Charpignon, a visão a distância é
confundida com o fenômeno da transmissão de pensamento.
Assim, a maior parte das experiências citadas consiste em pedir
ao sonâmbulo que se dirija à vossa casa ou a um lugar que
conheceis. Estais em relação com ele, que freqüentemente vos
descreve os lugares, os objetos com a máxima precisão. Pois
bem, não se trata, no caso, a maior parte das vezes, de uma visão
real; o sonâmbulo vê em vosso pensamento as imagens que aí
delineais.73
Um prestidigitador bastante conhecido, Robert Houdin, inte-
ressava-se por estas questões. Imitava ele a dupla vista e a
transmissão do pensamento com ajuda de um truque engenhoso.
Incrédulo a respeito de sonambulismo, habituado a produzir
prodígios, fazia muito pouco caso do maravilhoso, de cujo
segredo se julgava possuidor; também ele considerava todos os
altos feitos atribuídos à lucidez como golpes de agilidade, da
mesma natureza daqueles com que divertia o público. Em diver-
sas cidades onde os sonâmbulos obtinham alguns êxitos, diverti-
a-se ele em imitar seus exercícios e mesmo em excedê-los. O Sr.
de Mirville, célebre demonólogo que, em seu sistema, tem
necessidade de sonambulismo para fazer as honras aos espíritos
infernais, teve a pretensão de converter um adversário tão temí-
vel; pensava ele, com razão, que, se conseguisse demonstrar-lhe
que a lucidez pertence a uma ordem de coisas inteiramente
estranha aos seus estudos e à sua prática, o testemunho de um
juiz tão experimentado seria de grande peso para a causa do
sonambulismo. Levou-o à casa do sonâmbulo Alexis. Dá conta o
Sr. de Mirville, em seu livro Dos Espíritos, da cena que se
passou.
Morim, autor de um livro de cunho espiritual, mas céptico
sobre o magnetismo, afirma que Robert Houdin lhe confirmou a
exatidão da narrativa do Sr. de Mirville:
– Eu estava confuso – disse o mágico –, não havia ali nem
destreza, nem escamoteação. Eu era testemunha do exercício de
uma faculdade superior, inconcebível, de que não tinha a menor
idéia, e à qual recusaria dar crédito se os fatos não se tivessem
passado sob as minhas vistas. De tal forma estava emocionado
que o suor inundava-me o rosto.
Cita o prestidigitador, entre outras, a seguinte experiência:
– Tomando Alexis as mãos de minha mulher, que me havia
acompanhado, falou-lhe de acontecimentos passados e especial-
mente da perda bastante dolorosa de um de nossos filhos; todas
as circunstâncias eram perfeitamente exatas.
No caso em apreço, lia o sonâmbulo, no pensamento da Sra.
Houdin, suas recordações e seus sentimentos mais ou menos
despertos em sua consciência.
Um outro fato mostra ao mesmo tempo a visão e a clarividên-
cia, igualmente pela transmissão das recordações.
Um médico incrédulo, o Dr. Chomel, querendo também cien-
tificar-se por si mesmo, apresentou uma caixinha a Alexis. Este
apalpou-a, sem abri-la, e disse:
– É uma medalha; ela vos foi dada em circunstâncias bem
singulares. Éreis então um pobre estudante. Residíeis, em Lião,
numas águas furtadas. Um operário, ao qual prestastes serviços,
encontrou esta medalha nuns escombros, pensou que vos pudesse
ser agradável possuí-la e subiu ao vosso 6º andar para vo-la
oferecer.
Tudo isso era verdade. Certamente, aí estão dessas coisas que
se não podem adivinhar nem encontrar por acaso. O doutor
partilhou da nossa admiração.
Há casos de vista a distância independentes da transmissão
do pensamento. Deles nos ocuparemos mais tarde. Importa
estabelecer as necessárias distinções e afastar confusões muito
freqüentes.
O que pretendemos aqui é demonstrar a realidade científica
da transmissão do pensamento e da sugestão mental. Creio que
não há necessidade de abordar as sugestões verbais, as ordens
dadas por meio da voz e executadas em tal ou tal data, de ante-
mão fixada. Não nos desviemos do nosso principal objetivo.
Prossigamos em nosso estudo.
No mês de novembro de 1885, o Sr. Paul Janet, do Instituto,
leu na sociedade de Psicologia uma comunicação de seu sobri-
nho, o Sr. Pierre Janet, professor de filosofia no Liceu do Havre:
“Sobre alguns fenômenos de Sonambulismo”.
Esse título, prudentemente vago, ocultava revelações verda-
deiramente extraordinárias. Tratava-se de uma série de ensaios
realizados pelos Srs. Gibert e Janet, e que pareciam provar não
somente a sugestão mental em geral, mas ainda a sugestão
mental a distância de vários quilômetros e na ignorância do
paciente.
Esse paciente, chamado Léonie B., era uma honesta mulher
do campo, uma bretã, com a idade de cinqüenta anos, bem
disposta, honrada, muito tímida, inteligente, ainda que sem
instrução alguma (não sabendo mesmo ler e apenas podendo
soletrar algumas letras). Era de constituição forte e robusta;
quando jovem fora histérica, tendo sido, porém, curada por um
magnetizador desconhecido. Depois disso, é somente em estado
sonambúlico que se manifestam alguns traços de histerismo, sob
a influência de uma contrariedade. Seu marido e seus filhos
gozam boa saúde. Parece que vários médicos já manifestaram o
desejo de utilizá-la para as suas experiências; ela sempre recu-
sou, porém, as suas propostas. Somente a pedido do Sr. Gibert
consentiu em vir passar algum tempo no Havre.
Fazem-na adormecer mui facilmente: para isso basta que se
lhe tome a mão, apertando-a ligeiramente, durante alguns instan-
tes, com a intenção de adormecê-la. De outra forma, nada se
produz. Após um lapso de tempo mais ou menos longo (de 2 a 5
minutos, segundo a pessoa que a hipnotiza), o olhar se torna
vago, as pálpebras são agitadas por pequenos movimentos quase
sempre muito rápidos, até que o globo ocular se esconde nas
pálpebras cerradas. Ao mesmo tempo o peito se dilata com
esforço; um estado de indisposição evidente parece invadi-la.
Muito freqüentemente o corpo é agitado por estremecimentos
passageiros; ela dá um suspiro e cai para trás, mergulhada em
profundo sono.
O Dr. Ochorowicz fez a viagem do Havre para observar esses
fatos.
A 24 de abril, diz ele, chego ao Havre e encontro os Srs. Gi-
bert e Janet a tal ponto convencidos da realidade da ação a
distância, que se prestam às minuciosas precauções que lhes
imponho, para dispor-me a verificar o fenômeno.
Os Srs. F. Myers, membro da Society for Psychical Resear-
ches, o Sr. Marillier, da Sociedade de Psicologia, e eu formamos
uma espécie de comissão, e os detalhes de todas as experiências
são por nós determinados, de comum acordo.
Eis as precauções que adotamos nessas experiências:
1º) a hora exata da ação a distância é tirada à sorte;
2º) essa hora não é comunicada ao Sr. Gibert senão alguns
minutos antes de ela soar, e imediatamente os membros
da comissão se transportam ao pavilhão onde se encontra
o sujet (sensitivo);
3º) nem o sujet, nem qualquer dos moradores do pavilhão
situado a um quilômetro de distância, têm conhecimento
da hora exata, nem mesmo do gênero da experiência que
se realizará.
Para evitar a sugestão involuntária, nem nós, nem qualquer
desses senhores entramos no pavilhão senão para verificar o
adormecimento do sujet.
Resolve-se fazer a experiência de Cagliostro: adormecer de
longe o paciente e fazê-lo vir através da cidade.
Eram 8:30 da noite. Estando o Sr. Gibert de acordo, tira-se a
hora exata por meio da sorte. A ação mental devia começar às
8:45 e durar até 9:10. Nesse momento não havia ninguém no
pavilhão, salvo a Sra. B. e a cozinheira, que não contavam com
qualquer tentame de nossa parte. Ninguém foi ao pavilhão.
Aproveitando essa oportunidade, de se acharem todos ausentes,
as duas mulheres entraram no salão e divertiam-se “tocando
piano”.
Já passava de 9 horas quando chegamos nas proximidades do
pavilhão. Silêncio.
A rua está deserta. Sem fazer o menor ruído, separamo-nos
em dois grupos para vigiar a casa, a distância.
Às 9:25 vejo uma sombra aparecer na porta do jardim. Era
ela. Escondo-me em um canto para ouvir sem ser notado.
Nada mais ouço, entretanto: a sonâmbula, depois de perma-
necer um instante na porta, retirou-se para o jardim (nesse mo-
mento o Sr. Gibert deixava de atuar; à força de concentrar seu
pensamento, teve uma espécie de síncope ou de torpor, que
durou até às 9:35).
Às 9:30 a sonâmbula reaparece de novo no limiar da porta e
desta vez precipita-se para a rua sem hesitar, com a pressa de
uma pessoa que está retardada e que deve absolutamente atingir
seu objetivo. Os senhores que se encontravam em seu caminho
não tiveram tempo de nos prevenir, a mim e ao Dr. Myers. Mas,
tendo ouvido passos precipitados, pusemo-nos a seguir a sonâm-
bula, que não via nada em torno de si, ou pelo menos não nos
reconheceu.
Chegada à rua de Bard, começou a hesitar, deteve-se um
momento e esteve a ponto de cair.
De repente, retomou a marcha com vivacidade. Eram 9:35
(nesse momento o Sr. Gibert, voltando a si, recomeçou a ação).
A sonâmbula caminhava depressa, sem se inquietar com o que se
passava em torno.
Em dez minutos, estávamos perto da casa do Sr. Gibert,
quando este, supondo malograda a experiência e admirado de
não nos ver de volta, sai ao nosso encontro e cruza com a so-
nâmbula, que conserva sempre os olhos fechados.
Ela o não reconhece. Absorta em sua monomania hipnótica,
precipita-se para a escada, seguida por todos nós. O Sr. Gibert
fez menção de entrar em seu gabinete, mas eu seguro-lhe a mão e
o introduzo em um quarto oposto ao seu.
A sonâmbula, muito agitada, procura por toda parte, esbarra
conosco e nada sente; entra no gabinete, tateia os móveis, repe-
tindo em tom desolado: “Onde está ele? Onde está o Sr. Gibert?”
Durante esse tempo, o magnetizador permanece sentado e
curvado, sem fazer o menor movimento. Ela entra no quarto,
quase o toca ao passar, mas a sua excitação a impede de reco-
nhecê-lo. Ainda uma vez se arremessa em outros quartos, percor-
rendo-os. Foi então que o Sr. Gibert teve a idéia de atraí-la
mentalmente e, em conseqüência dessa vontade, ou por simples
coincidência, ela torna atrás, agarra-o pelas mãos, gritando”Aqui
estás! Aqui estás, enfim! Ah! como estou contente!”
Enfim, declara o Dr. Ochorowicz, constatara eu o fenômeno
extraordinário da ação a distância, que transtorna todas as opini-
ões atualmente admitidas.”
Citemos também a experiência seguinte:
Convencionamos, escreve o Sr. Janet, a 10 de outubro de
1885, fazer, o Sr. Gibert e eu, a seguinte sugestão: “Fechar à
chave, amanhã, ao meio-dia, as portas da casa.” Registrei a
sugestão em uma folha de papel que guardei comigo e que não
quis comunicar a ninguém. O Sr. Gibert fez a sugestão, aproxi-
mando sua fronte da de Mme. B. durante o sono letárgico, e
durante alguns instantes concentrou seu pensamento na ordem
que lhe dava mentalmente.
Na manhã seguinte, quando cheguei, às 11:45, encontrei a ca-
sa trancada e a porta fechada à chave. Informando-me, soube que
fora a Sra. B. que acabava de fechá-la; quando lhe perguntei por
que havia praticado esse ato singular, respondeu-me ela:
– Sentia-me muito fatigada e não queria que pudésseis entrar
para adormecer-me.
A Sra. B. estava nesse momento muito agitada; continuou a
vagar pelo jardim e eu a vi colher uma rosa e ir verificar a caixa
de correspondência, colocada perto da porta de entrada. Tais atos
não têm importância, mas é curioso assinalar que eram precisa-
mente os atos que tínhamos um momento pensado, na véspera,
em ordenar-lhe que praticasse. Estávamos decididos a ordenar-
lhe um outro, o de fechar as portas, mas a idéia dos primeiros
ocupava sem dúvida o espírito do Sr. Gibert durante o tempo em
que ele fazia a sugestão, e a sonâmbula sentira também a sua
influência.
A 13 de outubro ordenou-lhe o Sr. Gibert, sempre pelo pen-
samento, que abrisse um guarda-chuva no dia seguinte ao meio-
dia e fizesse duas vezes a volta do jardim. Mostrou-se ela muito
agitada, no dia seguinte, ao meio-dia, deu duas vezes volta ao
jardim, mas não abriu o guarda-chuva. Adormeci-a pouco tempo
depois, para acalmar uma agitação que se tornava cada vez
maior. Suas primeiras palavras foram estas:
– Por que me fizestes caminhar tanto em volta do jardim?...
Eu tinha um ar estúpido... Ainda se tivesse estado o tempo como
ontem, por exemplo... mas hoje terei parecido imensamente
ridícula.
Nesse dia o tempo estava magnífico, ao passo que na véspera
chovera muito; ela não quisera abrir o guarda-chuva por medo de
parecer ridícula.
Ainda outra experiência.
Refere o Dr. Dussart que ele dava cada dia à sua magnetiza-
da, antes de a deixar, a ordem de dormir até o dia seguinte a
determinada hora.
Um dia, diz ele, esqueci esta precaução e já estava a 700 me-
tros de distância, quando me apercebi disso. Não podendo volver
para trás, considerei que a minha ordem talvez fosse ouvida mau
grado a distância, pois que a 1 ou 2 metros uma ordem mental
era executada. Em conseqüência, formulo a ordem de dormir até
o dia seguinte às 8 horas e prossigo meu caminho. No dia se-
guinte chego às 7:30, a doente dormia.
– Qual o motivo pelo qual ainda dormis?
– Mas, senhor, eu vos obedeço.
– Estais enganada, eu me retirei sem vos dar ordem alguma.
– É verdade; porém, cinco minutos depois ouvi perfeitamente
dizerdes que eu dormisse até às 8 horas.
Esta última hora ordinariamente era a que eu indicava. É pos-
sível que o hábito tenha sido a causa de uma ilusão e que não
houve aí mais do que simples coincidência. Para ter o coração
tranqüilo e não deixar margem a dúvida alguma, ordenei à
doente que dormisse até receber ordem de despertar.
Durante o dia, tendo encontrado um intervalo disponível, re-
solvi completar a experiência. Parto de minha casa (7 quilôme-
tros de distância) dando a ordem de despertar. Verifico que são 2
horas. Chego e encontro a doente acordada; os parentes, segundo
recomendação minha, haviam registrado a hora exata do desper-
tar. Era rigorosamente aquela que eu havia determinado. Essa
experiência, várias vezes repetida em horas diferentes, teve
sempre o mesmo resultado.
Eis aqui o que parecerá mais extraordinário ainda:
A 1º de janeiro suspendi as minhas visitas e cessei toda a re-
lação com a família. Não ouvira mais falar a seu respeito, quan-
do, a 12, excursionando em uma direção oposta e achando-me a
10 quilômetros da doente, comecei a refletir se me seria ainda
possível, mau grado a distância, à cessação de todas as relações e
à intervenção de uma terceira pessoa (o pai magnetizando de
agora em diante sua filha), fazer-me obedecer. Proíbo à doente
de se deixar adormecer. Cerca de meia hora depois, consideran-
do que, se porventura fosse eu obedecido, poderia isso causar
prejuízo a esta infeliz moça, suspendo a proibição e deixo de
pensar nisso. Fiquei imensamente surpreendido quando, no dia
seguinte, às 6 horas da manhã, vejo chegar em minha casa um
expresso trazendo uma carta do pai da Srta. J. Dizia-me este que
na véspera, 12, às 10 horas da manhã, não tinha ele conseguido
adormecer sua filha senão após uma luta prolongada e muito
dolorosa. A doente, uma vez adormecida, declarara que, se havia
resistido, fora devido à minha ordem e que só adormecera quan-
do eu o tinha permitido. Essas declarações tinham sido feitas em
presença de testemunhas que, a pedido do pai, assinaram as atas
que as continham.
Torna-se, portanto, provável que, com um conhecimento exa-
to das condições do fenômeno, poderá chegar-se a comunicar a
distância pensamentos inteiros, como se faz hoje pelo telefone.74
Refere o Dr. Charles Richet que, estando a almoçar com seus
colegas, na sala dos enfermeiros, seu confrade Landouzy, então,
como ele, interno no Hospital Beaujou, achando-se presente,
afirmou que podia adormecer uma doente a distância e fazê-la
vir à sala de enfermeiros unicamente por um ato de sua vontade.
Ninguém tendo vindo, ao cabo de dez minutos considerou-se
fracassada a experiência. “Em realidade – escreve o experimen-
tador –, ela não havia fracassado, porquanto algum tempo depois
vieram prevenir-me de que a doente passeava nos corredores
adormecida, procurando falar-me e não me encontrando; e, com
efeito, isso era verdade, sem que eu pudesse obter de sua parte
outra resposta para explicar o seu sono e esse passeio desorienta-
do, senão que ela desejava falar-me.”
Todas essas experiências demonstram a ação psíquica a dis-
tância. Tais fatos tão curiosos da ação da vontade nas experiên-
cias de magnetismo foram observados centenas, milhares de
vezes.
Eis aqui, por exemplo, um caso de sono sonambúlico provo-
cado pelo Sr. E. Boirac, reitor da Academia de Grenoble.
Em setembro de 1892 – escreve ele –, estava eu instalado
com todos os meus, para passar aí as férias, na pequena cidade
de d’Amélie-les-Bains.
Falava-se muito das sessões dadas por um moço do lugar, co-
nhecido pelo nome de Dockman. Tive curiosidade de assistir a
essas sessões. Esse moço, contando cerca de 20 anos, moreno e
magro, muito nervoso, fora magnetizado, três anos antes, por um
médico da Marinha e sentira despertar-lhe a vocação de ledor de
pensamentos. Todo mundo conhece esse gênero de espetáculo
em que um dos assistentes consegue, com maior ou menor
felicidade, transmitir sua vontade sem palavras, sem gestos e
mesmo sem contato, por simples esforço mental.
A perspicácia do jovem montanhês sempre me pareceu defi-
ciente e ele próprio confessou-me que procurava por todos os
meios adivinhar as intenções do seu condutor.
– Tereis necessidade – disse-lhe eu, rindo – de vos deixardes
de novo hipnotizar para recuperar vossa antiga lucidez; se o
consentirdes, estou inteiramente às vossas ordens para prestar-
vos esse serviço.
Dockman pareceu surpreso e um pouco chocado com a minha
proposta:
– Sou eu que faço dormir os outros – disse ele –; ninguém me
pode mais adormecer.
Entretanto, alguns dias mais tarde, provavelmente para agra-
dar ao prefeito da cidade, que parecia ter o desejo de assistir a
uma sessão de hipnotismo, Dockman consentiu em se deixar
hipnotizar. Assim, pois, uma noite, pelas 10 horas, perante um
círculo de quatro ou cinco pessoas, tomei-lhe as mãos e dirigi o
meu olhar com fixidez para os seus olhos; ao cabo de alguns
minutos, ei-lo adormecido, se entretanto se pode chamar sono ao
estado comatoso cataléptico em que parecia mergulhado. Todo o
seu corpo se inteiriçou: seus maxilares cerraram-se rigidamente e
com grande custo obtive breves respostas às minhas perguntas. O
despertar produziu-se com extrema lentidão e um segundo sono
apresenta as mesmas características. Dentro em pouco o paciente
se torna desinteressante e não vejo grande coisa a tirar dele.
No dia seguinte, segundo os meus hábitos, dirigi-me ao cassi-
no, cerca de uma hora da tarde, para tomar um café. Sentei-me
na terrasse e, ao mesmo tempo em que saboreava o café que me
acabavam de servir, deixei meus olhos vaguearem por baixo do
lugar em que me encontrava. Dockman estava sentado no jardim,
com um amigo que tinha em mãos um jornal; voltava-me quase
as costas, ocupando-se em enrolar um cigarro. Como é que me
veio a idéia de ensaiar a experiência cujo relato se vai ler? Não
sei, mas enfim essa idéia me veio e com todas as forças da minha
vontade eu a pus imediatamente em execução. Concentrado,
isolado neste único pensamento, olhando fixamente na direção
de Dockman, ordenei-lhe que cessasse todo movimento e ador-
mecesse. Em momento algum pareceu aperceber-se ele de meu
olhar, mas, com muita rapidez, viu afrouxarem-se os seus gestos
e tornarem-se fixos os seus olhos. Com o cigarro inacabado entre
as mãos, fechou ele de repente as pálpebras e ficou imóvel,
semelhante a uma estátua. Seu amigo levanta a cabeça, percebe-o
nesse estado, interpela-o e não obtém resposta. Uma cantora,
sentada à mesa próxima, amedronta-se e já começa a gritar.
Apresso-me em descer e, dentro de alguns segundos, soprando-
lhe vivamente nos olhos, desperto meu improvisado sujet que
não pode mesmo saber o que lhe acaba de suceder.
Tentara eu essa experiência por acaso, de forma alguma con-
tando com êxito e eu próprio estava estupefato pelo resultado.
No dia seguinte, ofereceu-se-me ocasião de renová-la. Chego ao
Cassino mais ou menos à 1:30. Desta vez, dockman estava
sentado na terrasse, sozinho, a uma mesa onde escrevia uma
carta, curvado sobre o papel, quase tocando-o com o nariz.
Minha mesa estava a 5 ou 6 metros da sua; entre mim e ele
achava-se uma turma de jogadores de cartas. De novo me con-
centrei em uma tensão nervosa que me fazia de algum modo
vibrar da cabeça aos pés, e ordenei com todas as minhas forças a
Dockman, ao mesmo tempo em que lhe dirigia o olhar com
firmeza, que cessasse de escrever e adormecesse. A ação foi
menos rápida do que na véspera. Dir-se-ia que o sujet lutava
contra a minha vontade. Após um ou dois minutos, deu evidentes
sinais de crispação. A pena ficou em suspenso, como se ele
procurasse em vão as palavras; fazia com a mão o gesto de
alguém que afasta uma influência obsediante; depois rasgou a
carta começada e se pôs a escrever outra; dentro em pouco,
porém, sua pena ficou pregada no papel e ele adormeceu nessa
posição. Aproximei-me dele, juntamente com diversos dos
assistentes que interromperam o jogo; todo o seu corpo estava
contraído, duro como um pedaço de madeira; debalde procura-
ram dobrar um de seus braços. Não perdeu sua rigidez senão sob
a ação dos meus passes. Quando recuperou o uso de seus senti-
dos, Dockman pediu-me para não repetir essas experiências;
queixava-se de estar muito fatigado devido à da véspera. Assegu-
rou-me, por outro lado, que adormecera as duas vezes sem a
menor desconfiança de que esse brusco sono lhe fosse provocado
por mim ou por qualquer outra pessoa.
Essa experiência é muito significativa e nenhuma dúvida po-
de deixar, tampouco, sobre a ação a distância.
O Dr. Dariex, diretor dos Annales des Sciences Psychiques,
publicou as seguintes experiências sobre a transmissão mental,
feitas por um dos seus amigos que deseja conservar-se incógnito
“em virtude da situação importante que ocupa”, o que lamenta-
mos.
De 7 de janeiro a 11 de novembro de 1887, Maria é muito
freqüentemente adormecida, a fim de ser desembaraçada, por
sugestão, de intoleráveis dores de cabeça e de uma sensação de
bola que lhe toma todo o esôfago. Ela é assediada de indisposi-
ções histeriformes, verdadeiro Proteu, que é necessário expelir
sem cessar por meio de sugestões apropriadas. No mais, o seu
estado geral de saúde é excelente, porquanto, nos 17 anos que
tenho sob as minhas vistas essa moça, jamais a vi abandonar um
só dia suas ocupações por causa de qualquer outra indisposição.
Durante as numerosas sessões de sugestão, ensaiara eu em
vão a transmissão mental; até 11 de novembro não obtive traço
sequer de execução das ordens dadas: Maria tinha o pensamento
incessantemente desperto, sonhava e não obedecia senão a
ordens verbais.
Uma noite, enquanto escrevia as minhas notas a respeito de
Maria, que deixara dormindo atrás de mim, teve ela uma aluci-
nação espontânea, muito penosa, e desfez-se em lágrimas; acal-
mei-a com dificuldade e, a fim de evitar esses sonhos, proibi-lhe
de pensar fosse no que fosse, quando eu a deixasse dormir.
Depois, refletindo que todos os meus insucessos, a propósito da
transmissão mental, bem podiam ser devido a esse estado “poli-
idéico” do cérebro,75 insisto em minha sugestão e a formulo
assim:
“Quando dormirdes e eu não vos falar, em nada absolutamen-
te pensareis; vosso cérebro ficará vazio de pensamentos, para
que coisa alguma se oponha à recepção dos meus.”
Repito quatro vezes esta sugestão, de 11 de novembro a 4 de
dezembro, dia em que pude constatar pela primeira vez a trans-
missão do pensamento.
Maria adormeceu, após um instante, caindo em sonambulis-
mo “idéico” profundo; dou-lhe as costas e, sem um gesto ou
ruído qualquer, lhe dou a seguinte ordem mental:
“Quando despertardes, ireis procurar um copo, nele derrama-
reis algumas gotas de água de colônia, trazendo-o a mim em
seguida.”
Ao despertar, ela se acha visivelmente preocupada, não pode
estar parada e vem por fim colocar-se à minha frente e me diz:
– Ora pois! em que pensais? e que idéia pusestes em minha
cabeça!
– Por que me falais assim?
– Porque a idéia que tenho não pode provir senão de vós, e eu
não quero obedecer!
– Não obedeçais, se assim o quiserdes; mas exijo que me di-
gais imediatamente o que pensais.
– Muito bem! cumpre-me ir buscar um copo, enchê-lo de á-
gua, com algumas gotas de água de colônia e trazê-lo a vós: é
realmente ridículo!
A minha ordem havia sido, pois, perfeitamente compreendi-
da, pela primeira vez. A partir desse momento, 6 de dezembro de
1887, até hoje (1893), salvo raríssimos dias, a transmissão
mental, em estado de vigília ou de sono, é das mais nítidas. Não
é perturbada senão em certas épocas, ou quando Maria tem
desassossegos muito vivos.
A 10 de dezembro de 1887 escondi, às ocultas de Maria, um
relógio parado, atrás dos livros, em minha biblioteca. Quando ela
chega, faço-a adormecer e lhe dou a seguinte ordem mental:
“Vai buscar-me o relógio que está escondido atrás dos livros
da biblioteca.”
Estou em minha poltrona, Maria por trás de mim e tomo o
cuidado de não olhar para o lado onde está o objeto escondido.
Ela deixa bruscamente sua poltrona, vai direto à biblioteca, não
pode, porém, abri-la; movimentos regulares enérgicos se mani-
festam todas as vezes que ela põe a mão na porta e sobretudo na
vidraça.
– Lá está! lá está! estou certa disso; mas este vidro queima-
me!
Decido-me eu próprio a abrir a porta; Maria precipita-se so-
bre os meus livros, retira-os e segura o relógio, mostrando-se
muito alegre por havê-lo encontrado.
Experiências análogas foram feitas, com sugestões enviadas
por um dos nossos amigos, previamente escritas sem a presença
do sujet, e foi completo o êxito; mas se a pessoa que me envia a
sugestão lhe é desconhecida, recusa-se ela a obedecer, dizendo
que não sou eu que ordeno.
Certo dia chega ao meu gabinete um amigo comum, enquanto
Maria está adormecida, e me passa o seguinte bilhete: “Dai-lhe a
ordem mental de trazer-me um cigarro à antecâmara, acendê-lo e
oferecê-lo a mim.”
Ela está sentada por trás de mim; sem deixar a minha poltro-
na, voltando-lhe sempre as costas, faço a sugestão mental. O
meu amigo toma de um livro e faz menção de ler, vigiando-a
sempre.
– Quanto me aborreceis! Como quereis que eu me levante?
– (Sugestão mental.) Podeis muito bem levantar-vos; descru-
zai os pés.
Depois de algum esforço, ela consegue descruzar os pés (que
sempre os cruza sob a cadeira), levanta-se e vai, lentamente e
tateando, em direção a uma caixa de charutos, toca-os e em
seguida põe-se a rir.
– Ah! não! estou enganada, não é isto que devo fazer.
E ela vai direto ao compartimento próximo, não hesitando
mais, toma um cigarro e apresenta-o ao nosso amigo.
– (Ordem mental.) Há outra coisa a fazer: acendei-o imedia-
tamente.
Maria toma um fósforo, não o pode, porém, acender facil-
mente, detenho-a e faço novamente sentar-se em sua poltrona.
Aí está, igualmente, uma prova evidente de transmissão de
pensamento.
Tive ocasião de fazer algumas experiências pessoais de
transmissão de pensamento ou sugestão mental, no mês de
janeiro de 1899, com Ninof, “o ledor de pensamentos”, na resi-
dência do Sr. Clóvis Hugues, e constatei que:
1º) para que ele adivinhe alguma coisa, necessário é que a
pessoa que o interroga conheça o de que se trata;
2º) é preciso que essa pessoa lhe dê a ordem mentalmente,
mas com energia; por vezes ele obedece, rigorosamente,
nos menores detalhes, à ordem mentalmente dada, se es-
sa ordem é simples e precisa;
3º) a transmissão do pensamento se opera de cérebro a cére-
bro, sem nenhum contato, sem nenhum sinal, a um metro
ou dois de distância, somente pela concentração do pen-
samento de quem dá a ordem e sem nenhum compadrio;
4º) não são raros os insucessos e parecem devidos a falhas
na relação perfeita que deve existir entre o cérebro do
ordenador e o do operador, à fadiga deste, a correntes
contrárias.
Exemplo: formulo o pensamento de que Ninof deve ir buscar
uma fotografia que se acha ao lado de várias outras, no fim do
salão, e levá-la a um senhor que não conheço e que indico como
sendo a sexta pessoa sentada, a partir daquele ponto, entre uma
trintena de assistentes. Esta ordem mental é executada pontual-
mente e sem hesitação alguma.
O Sr. Clóvis Hugues formula o pensamento de que ele deve ir
procurar uma pequena gravura representando Michelet, colocada
sobre o piano, entre vários outros objetos, e colocá-la diante de
uma estatueta de Joana d’Arc, no lado oposto do salão. A ordem
é executada sem hesitação.
Era a primeira vez que Ninof vinha nesta casa, onde chegou
sem companheiro algum, sozinho. Tem os olhos vendados por
um guardanapo que se lhe passa em torno da cabeça, para isolar-
se de toda distração, diz ele. Quatro fios de cabelo tomados pelo
Sr. Ad. Brisson a quatro pessoas diferentes foram achados onde
tinham sido escondidos e postos pelo operador nas cabeças das
quais foram destacados e no próprio lugar.
Até o momento dessa experiência, não tinha eu visto absolu-
tamente nada mais do que compadrios. Nas leituras de pensa-
mentos e buscas de objetos, feitos seriamente, constatara que são
movimentos inconscientes da mão que guiam o adivinho. No
caso em apreço, não se tem contato algum com o operador, e
mesmo na hipótese de poder ele ver por baixo da venda, nada
explicaria esta suposição, porquanto se conservam os assistentes
por trás dele.
Dentre os 1.130 casos psíquicos recebidos e admitidos à dis-
cussão, na época do meu inquérito, de que mais acima falei, e
dos quais já citei os principais relativos às manifestações dos
moribundos, devo assinalar várias cartas muito interessantes,
concernentes ao assunto especial deste capítulo: comunicações
psíquicas, transmissões mentais entre os vivos. Destacarei algu-
mas delas desse dossier que é verdadeiramente um variado
acervo. Elas são instrutivas.
(Carta 7)
I – “Permitireis a um dos vossos mais assíduos leitores – e
acrescento –, dos que mais simpatizam convosco, solicitar
vossa atenção para um fato de que certamente tendes conhe-
cimento?
Estais em uma rua. De repente avistais, a distância, al-
guém cujo porte, modo de andar e mesmo os traços vos são
familiares. E dizeis:
– Ora, ora, lá está o Sr. X.
Aproximai-vos, mas não é ele. Que sucede, entretanto?
Continuais a caminhar; minutos após, vedes, encontrais, de
modo a vos não enganardes desta vez, a personagem que
supusestes ver no começo.
Quantas vezes me tem acontecido isso! e certamente a vós
também? Qual a sua causa?
Tenho-a por muito tempo procurado, acabando por me
convencer de que à irradiação emanada da personagem que
se devia por fim encontrar, é que convinha talvez atribuir es-
ta curiosa sensação.
A respeito poderão dizer, como nos casos de telepatia:
“Mas é um absurdo; isso não tem senso comum. A irradia-
ção? Como admiti-la de uma rua a outra, onde teve ocasião
de ser interceptada cem vezes pelas pessoas que passam, pe-
los veículos que rodam, etc.!”
Todavia, mesmo fisicamente, não há impossibilidade em
crer que cada indivíduo projeta, adiante de si ou em sua vol-
ta, uma irradiação e que esta seja suscetível de escapar às
causas de alteração ou de refração que acabo de indicar, etc.
Em todos os casos é extremamente curioso que se chegue
freqüentemente a deparar face a face com um homem em
quem não se pensava e que se supôs distinguir, quando nesse
momento era de um outro que se tratava.
L. de Leiris
Juiz no Tribunal Civil, em Lião.”
(Carta 39)
II – “Sucede-me freqüentemente, quando saio à rua, que a
silhueta de um transeunte, visto de longe, faz-me lembrar al-
guém com quem tenha parecença, quer nas maneiras, quer
no andar, etc. Uma ou duas horas depois cruzo com a pessoa
assim evocada em meu espírito, mas somente quando a en-
contro é que me lembro de ter nisso pensado.
Berger
Professor, em Roanne.”
(Carta 58)
III – “Tendo casado, anos atrás, na província, mantenho
correspondência diária com meu pai, que reside em Paris.
Também ele me escreve todos os dias e fazemos habitual-
mente esta correspondência um pouco depois do meio-dia.
Acontece-nos, freqüentemente, fazer um de nós uma per-
gunta e dar o outro a resposta a essa pergunta, no mesmo dia
e à mesma hora, referindo-se quase sempre a pergunta a a-
migos ou a pessoas estranhas, que um ou outro não veja há
muito tempo, pois que não moramos na mesma cidade.
E, se me acontece estar doente e não falar a respeito disso
a meu pai, ele o adivinha quase sempre e pede-me com insis-
tência notícias sobre o meu estado de saúde, no instante
mesmo em que ela está um pouco abalada.
L. R. R.”
(Carta 152)
IV – “Se, ao passar por uma rua, qualquer pessoa olha pa-
ra mim, mesmo que ela esteja em um 5º andar, meus olhos
se voltam involuntariamente e se confundem com os seus.
Considerar-me-ia feliz se me désseis uma explicação des-
se fenômeno.
J. C., Pezenas.”
(Carta 189)
V – “Há bem pouco tempo, minha mãe, antes de entrar em
um armazém (ela ainda estava dele distante uns vinte me-
tros), disse-me de repente:
– Sabes? Acabo de ver fulano; preserve-me Deus de en-
contrá-lo!
Sem dúvida havia-o visto por intuição, moralmente. Mas,
fato extraordinário, ao entrar no armazém, encontra-se mi-
nha mãe justamente em presença dele.
J. B. Vincent, Lião.”
(Carta 199)
VI – “Como explicar que, freqüentemente, nove vezes so-
bre dez, depois de haver sonhado com uma pessoa que tenha
vaga parecença com outra encontrada na rua, encontre-me
eu precisamente em presença dessa mesma pessoa, um ins-
tante depois, ou pelo menos durante o dia, ainda que não ha-
ja motivo algum que possa levar essa pessoa a ver-me?
J. Renier, Verdun (Meuse).”
(Carta 207)
VII – “Certa manhã, há cerca de dois meses, estava eu a-
inda deitada, mas perfeitamente acordada, e pensava em
chamar minha mãe para lhe dizer bom dia, desde que ouvi
seus passos aproximarem-se de meu quarto; calculava com
que tom de voz deveria gritar: “Mamãe!”. Estou certa, po-
rém, de não haver pronunciado esta palavra, pois não estava
dormindo, achava-me há muito tempo acordada e tinha per-
feita consciência do que fazia ou deixava de fazer. Nesse
momento, mamãe entra em meu quarto; digo-lhe a rir:
– Sabes, eu pensava justamente em chamar-te.
Respondeu ela:
– Mas tu me chamaste, eu te ouvi do outro lado do apar-
tamento, por isso é que vim!
Por mim, estou certa de não haver dito nada e minha mãe
certa de ter-me ouvido, Isso nos fez rir, pois realmente é um
caso extraordinário.
Y. Dubois, rua da Moeda, 8 (Nancy).
(Carta 222)
VIII – “Sucede muito freqüentemente ver-se inopinada-
mente uma pessoa, a respeito de quem tivemos um pensa-
mento ou acabamos de falar; e isso tem sido observado des-
de longa data, pois até existe uma expressão proverbial, con-
sagrada ao fato: “Falar do mau preparar o pau”.
Alphonse Rabelle
Farmacêutico em Ribermont (Aisne).”
(Carta 232)
IX – “Tendes talvez ouvido falar de uma crença assaz dis-
seminada em certas regiões, qual seja a de que o zumbido
nos ouvidos é sinal de que a vosso respeito estão falando em
qualquer parte. Sempre achei graça nas pessoas que ligavam
importância a esta superstição, mas aconteceu-me, em cir-
cunstâncias penosas, um fato dessa natureza que modificou a
minha incredulidade. Não teria havido, no caso em apreço,
uma transmissão do gênero dessas de que vos ocupais? Se o
quiserdes, estarei à vossa disposição, para relatar-vos o que
me sucedeu, com as provas em seu apoio, cartas, telegramas,
horas de recepção, de expedição, fáceis de controlar, hora do
fenômeno, etc.; talvez mesmo possa a minha afirmação ser
certificada por uma das pessoas que, tendo sido causa da
transmissão, vi em dezembro e a quem falei a respeito do
que me aconteceu.
A. L. R.”
(Carta 299)
X – “Sou professor e estou casado há 9 anos. Temos, mi-
nha mulher e eu, mais ou menos os mesmos gostos e a mes-
ma educação e constatamos – isso logo depois do nosso ca-
samento – uma similitude de idéias que nos parece extraor-
dinária. Muito freqüentemente, um de nós formula alto uma
opinião, uma idéia qualquer, no momento exato em que o
outro ia exprimir-se precisamente do mesmo modo. Termos
idênticos, para julgar de uma pessoa ou de uma coisa, vêm-
nos à boca no mesmo instante, a ambos, e as palavras de um
se acham, por assim dizer, duplicadas por aquelas que o ou-
tro ia pronunciar.
É esse, porventura, um fenômeno comum que se reproduz
quando há simpatia entre duas naturezas, ou o mesmo nos
diz particularmente respeito?... Em todo caso, se tem alguma
importância, qual a sua causa, a sua natureza e por que se
produz?
F. Dalidet
Professor, Secretário da Prefeitura, em
Saint Florent, perto de Niort (Deux Sèvres).”
“Visto, para efeito de reconhecimento da firma de M. Da-
lidet, professor em Saint Florent.
Prefeitura de Saint Florent, 28 de março de 1899.
O prefeito: A. Favriou.”
(Carta 319)
XI – “Minha mãe, esposa de capitão de navio, era sempre
avisada, por sinais quaisquer insólitos, todas as vezes que
meu pai corria um perigo. Era isso tão freqüente que ela ad-
quirira o hábito de tomar nota desses avisos. Mais tarde ela
vinha a saber, com efeito, que à hora assinalada seu marido,
em perigo de naufrágio, enviava-lhe o seu pensamento, que
supunha ser o último. Casos análogos multiplicam-se ao in-
finito com relação a quase todas as esposas de marujos.
Lembro-me muito bem que a conversação das visitas que
mamãe recebia tinham freqüentemente por objeto a telepatia.
Uma de minhas amigas, também esposa de marujo, viu, no
mesmo dia da morte de seu marido, que pereceu tragicamen-
te em um naufrágio, a mão de seu esposo desenhar-se sobre
um dos vidros da janela: o que a impressionou foi que o anel
conjugal sobressaía nitidamente de sua mão.
Outra de minhas amigas, tendo sua irmã doente – devo
previamente dizer-vos que esta prometera à irmã, de quem
se achava separada, fazer-lhe saber, por um sinal qualquer,
sua morte, se esta ocorresse – sentiu, na mesma hora em que
sua irmã desprendia o último suspiro, um terno abraço que
ela reconheceu ser o abraço de sua querida irmã, que efeti-
vamente expirava. Eu própria, em companhia de minhas a-
lunas, ouvimos – todas três – pronunciar distintamente
“Fraulein”, voz que reconheci imediatamente por ser a de
uma de minhas conhecidas que se havia portado mal para
comigo. Registrei o fato e a hora em que se verificou; mais
tarde vim a saber que essa personagem morrera precisamen-
te no instante em que o som de sua voz chegara ao meu ou-
vido.
Maria Strieffert
(Nascida em Stralsund, na Pomerânia), Calais.”
(Carta 320)
XII – “Leitora apaixonada de vossos recentes artigos, é
com satisfação que constato o poder do pensamento huma-
no. Pessoalmente, não tenho mais do que um fato a assina-
lar. Por ocasião da minha passagem pela Alemanha, ouvi
distintamente meu pai chamar-me pelo diminutivo do meu
nome. E no dia seguinte verifiquei que ele me estava escre-
vendo precisamente no instante em que o eco dessa voz que-
rida veio ferir meus ouvidos.
P. S. – Diversas confidências têm-me sido feitas a propó-
sito da telepatia; se elas vos podem interessar, comunicar-
vos-ei com solicitude.”
Madalena Fontaine
Pensionato de Mlle. Bertrand, Calais.”
(Carta 331)
XIII – “Jamais fui avisado da morte de quem quer que se-
ja, por uma aparição; o mesmo não se passa com relação aos
doze ou quinze membros de minha família, que conheço
bem.
Tive, porém, um dia, certo pressentimento que, se bem di-
ferente, nestas circunstâncias, dos fenômenos que estudais,
talvez na mesma categoria se possa agrupar.
Dirigindo-me, certa manhã, para o Hospital Lariboisière,
do qual eu era externo, tive por um momento a idéia de que
ia encontrar, na porta do hospital, o Sr. P., que só uma vez
tivera ocasião de ver, oito meses antes, em uma casa amiga e
que, desde essa data, jamais voltara a ocupar meu pensamen-
to. Esse senhor, doutor em Medicina, teria vindo ali para a-
vistar-se com um certo cirurgião de Lariboisière.
Não me enganara de todo; à porta do hospital encontrei o
Sr. P., que vinha com a intenção de visitar, não o cirurgião
em apreço, mas o chefe do serviço de obstetrícia.
Notai que em tudo isso não poderia eu ter visto de longe,
nem reconhecido subconscientemente o Sr. P., porquanto es-
se pressentimento me veio no bulevar Magenta, à direita da
rua de Saint-Quentin, ao passo que o Sr. P., quando o avis-
tei, esperava no vestíbulo à distância de vinte minutos. (Per-
guntei-lhe, depois, há quanto tempo estava ali, antes de lhe
falar acerca do meu pressentimento, para que sua resposta
fosse livre de qualquer influência.)
A isso acrescento que, de modo algum, sou inclinado à
superstição; antes me julgo céptico, e meu primeiro cuidado,
em presença desse caso, foi procurar-lhe uma explicação fí-
sica, antes de pensar na intervenção de um fator ainda inde-
terminado. Não encontrei, porém, essa explicação física.
G. Mesley
Estudante de Medicina, rue de l’Entrepôt, 27.”
(Carta 382)
XIV – “Uma de minhas jovens amigas, que residia em Pa-
ris, ao passo que eu me achava na província, foi acometida
de um mal que a levou em poucas horas às portas da morte.
Nada absolutamente me advertira de sua enfermidade, entre-
tanto tive exatamente naquele instante um sonho, verdadeiro
pesadelo, durante o qual assistia eu ao casamento dessa ami-
ga. Parentes e amigos, todos estavam na solenidade trajando
roupas de cor escura e choravam amargamente! A impressão
tornou-se tão dolorosa, que despertei. Quinze dias depois
vim a saber do perigo do qual escapara a mesma pessoa.
Acontece-me também, freqüentemente, pensar, sem apa-
rente motivo, em uma pessoa cuja coincidência de idéias
posso controlar pela recepção de uma carta que coisa alguma
tornava necessária. Sucede isso tão freqüentemente, que te-
nho o hábito de esperar notícias das pessoas nas quais penso
involuntariamente. Todavia o fato não deixa de ter exceções.
A. B. (Chagny).”
(Carta 393)
XV – “O seguinte fato foi-me narrado por um de meus
amigos, professor em uma faculdade de Medicina de França
e apresentando, por suas circunstâncias, garantias muito es-
peciais. Não posso, sem a sua autorização, dar-vos o seu
nome a propósito de um acontecimento que ele me confiou
na intimidade e que não desejaria, talvez, ver publicado. De-
signá-lo-emos, pois, pela inicial Z.
O Sr. Z., que se achava, então, em S. Luís do Senegal, foi
picado em um dedo por um inseto da região, muito perigoso,
conhecido, entre os europeus, pelo nome de chique. Em con-
seqüência dessa mordedura, foi ele tomado por uma febre in-
tensa que o levou a dois passos do túmulo e o deixou, duran-
te creio que uns vinte dias, absolutamente sem o uso da ra-
zão. Ora, algumas horas depois de ele ter perdido os senti-
dos, levaram-lhe um telegrama de sua mãe, que estava em
França, perguntando o que lhe acontecera. A hora em que
fora formulado esse telegrama, tomando em consideração o
tempo necessário para levá-lo ao telégrafo, coincidia com a
do desfalecimento do Sr. Z.
Quando este, felizmente restabelecido, voltou à França,
contou-lhe sua mãe que, sem motivo aparente, experimenta-
ra de súbito uma espécie de abalo e tivera imediatamente a
intuição de que seu filho corria um grande perigo; essa im-
pressão era tão poderosa, que ela imediatamente mandara
expedir um telegrama para saber notícias suas.
A fim de dar maior autenticidade à minha narrativa, prefi-
ro assinar minha carta; mas sou funcionário público, como
vedes, e eu vos ficaria reconhecido se, no caso que julgás-
seis bom reproduzir os fatos que cito, o fizésseis sem publi-
car meu nome e o meu endereço.
R. (Argélia)
Carta 443)
XVI – “Tinha eu outrora um amigo a quem as circunstân-
cias (era um explorador) obrigavam a viver muito longe de
nós. Adquiríramos o doce hábito de nos correspondermos
muito regularmente e, pouco a pouco, nossas almas adquiri-
ram tal afinidade que nos sucedia constantemente escrever-
mo-nos à mesma hora, dizer um ao outro as mesmas coisas
ou, ainda, responder no mesmo instante a uma questão pro-
posta na carta.
Assim, um dia, inquieto, por não haver recebido notícias,
apanhei a pena e tracei duas palavras: “Estás doente?” No
mesmo instante, verificamo-lo mais tarde, escrevia-me ele:
“Descansa teu espírito, o mal passou.”
Não digo que seja isso uma visão, mas certamente, nos
momentos trágicos da existência, duas almas unidas pela
mais profunda ternura devem “confundir-se”, unindo-se a
distância.
E. Asinelli (Gênova).”
(Carta 449)
XVII – “Certa feita, sentiu-se minha mulher, por volta do
meio-dia, tomada de um mal-estar inexplicável, que ela de-
pois jamais veio a experimentar; estava opressa e não podia
ficar parada. Convidada para uma merenda, ela dirigiu-se ao
refeitório, mas não pôde aí permanecer; saiu a passear no
jardim, procurando conversar. Esse incômodo atormentava-a
sempre e somente às 9 horas da noite foi que ela se sentiu de
súbito aliviada, como se nada tivesse experimentado.
No dia seguinte vieram informá-la de que seu pai morrera
na véspera, às 9 horas da noite em ponto. Ela não pensara
absolutamente em seu pai.
Busin – Neuville, Poix-du-Nord.”
(Carta 467)
XVIII – “Sucedia-me freqüentemente cantar mentalmente
uma ária conhecida e alguns instantes depois meu marido
cantava em alta voz a ária que eu tinha no pensamento. Isso
nos dava lugar a pequenas discussões que acabavam sempre
por nos divertir.
M. C. (Grenoble).
XIX – “Minha tia (mãe adotiva) amava-me extremosa-
mente, se posso exprimir-me assim, e era muito nervosa. Eu
mesmo sou bastante nervoso também. Era muito freqüente a
nossa correspondência, sobretudo nos primeiros tempos de
nossa separação, e observei que todas as vezes que devia re-
ceber uma carta sua meu pensamento voltava-se com grande
intensidade para ela, na véspera da chegada de sua corres-
pondência, cuja data nada tinha de fixa. Estas observações
freqüentemente preocupam o meu espírito.
O.
Comandante reformado (Riversé).”
(Carta 517)
XX – “Uma noite – passou-se isso há alguns anos – fui
bruscamente acordado, tendo consciência de que um dos
meus clientes, o Sr. X., residente a 3 quilômetros de minha
casa, vinha chamar-me. Salto da cama, ponho-me à janela
e... vejo-o chegar alguns minutos mais tarde. Sua mulher es-
tava doente e ele viera pedir-me para ir vê-la.
Fatos deste gênero sucederam-me diversos.
Dr. N.”
(Carta 551)
XXI – “Nesta ordem de idéias, eis a única observação que
pude fazer, interessante apenas por causa de sua regularida-
de: tenho duas amigas no estrangeiro, que muito assidua-
mente me escrevem, mas não em data fixa. Quando sonho
com uma ou com outra, é raro que o correio da manhã não
me traga uma carta daquela com quem sonhei.
No princípio não prestei atenção ao caso, mas a observa-
ção se impôs e, daí em diante, verifiquei muito freqüente-
mente o fato. De mais, o sonho não é geralmente precedido
de uma idéia particular que pudesse, de qualquer modo, pre-
pará-lo e explicá-lo.
Cl. Charpoy (Tournus).”
(Carta 589)
XXII – “Uma amiga minha íntima sofreu, durante todo
um dia, intensa agonia física, que nenhuma causa conhecida
podia explicar-lhe, na ocasião em que eu própria estava tor-
turada por uma grande dor, sem que ela pudesse, aliás, des-
confiar do que se passava: achava-me eu em Nantes, ela em
Gênova.
Ch. Champury (Gênova).”
(Carta 650)
XXIII – “Em 1845 e 1846, era eu aluno (classe de fran-
cês) do colégio de Alais; ainda que protestante, mantinha as
melhores relações com o Sr. Barély, abade do colégio e, por
ocasião das festas religiosas, era eu, com alguns colegas, en-
carregado da ornamentação da capela.
Aproveitávamos de nossa momentânea liberdade para
descer à câmara funerária que se acha sob a sacristia, e à
qual se tem acesso por um alçapão e por uma escada dispos-
tos por baixo do estrado dos professores, na capela. Essa
câmara encerrava os restos de três ou quatro antigos abades
do colégio, cujos sepulcros descobertos, e em parte quebra-
dos, achavam-se dispostos no solo; a abóbada, baixa, estava
repleta de nomes de antigos alunos, traçados a fumaça de ve-
las; eu conservara, dessa câmara, uma recordação inapagá-
vel.
Mais tarde, em 1849 e 1850, residia eu em Nimes. O Sr.
Maulins Salles, livreiro, aplicava-se ao magnetismo, a cujo
respeito freqüentemente conversávamos. Desejaria ele alis-
tar-me entre os seus companheiros, dizendo que, tratando eu
de arquitetura, poderia, magnetizado, descrever, detalhando-
os, os monumentos das cidades a que me transportasse pelo
pensamento. Aceitei, mas não conseguiu ele, por mais que
fizesse, adormecer-me.
Assistia eu, certo dia, a uma sessão muito interessante, pa-
ra a qual convidara-me; encontrei lá uma senhora de seus
sessenta anos, provavelmente a empregada.
Ele magnetizou-a, pôs-me em comunicação com ela, pos-
tas as nossas mãos umas nas outras e em seguida deixaram-
nos a sós.
A lembrança da câmara mortuária da capela veio-me à
memória e me decidi a conduzir o sujet até esse lugar. Dis-
se-lhe que tomávamos o trem d’Alais: durante todo o trajeto
balançou ela a parte superior do corpo.
Ao chegar e daí até a nossa entrada no colégio, detalhou-
me perfeitamente tudo o que se encontrava à nossa passa-
gem; entramos no vestíbulo; em seguida, na capela; ela fez o
sinal da cruz ao avistar o altar; dirigimo-nos ao estrado da
esquerda; ela faz esforços para afastá-lo e me ajuda também
a levantar a tampa do alçapão; acendo uma vela, dou-lhe a
mão para descer a pequena escada e eis-nos no jazigo; ela
tremia de medo e queria retirar-se.
Tranqüilizei-a e, conduzindo-a até junto dos túmulos, pe-
di-lhe que mos descrevesse.
– Aquele se acha coberto de neve!... – diz-me ela.
Esse túmulo tinha sido caiado.
– Que bela cabeleira tem este!
O crânio, com efeito, estava rodeado de uma floresta de
cabelos.
– Levantai o sudário desse lado – disse-lhe eu.
– Oh! – exclamou ela – quanto é belo! é tudo seda e ou-
ro!...
Tratava-se de um abade amortalhado com as paramentas
sacerdotais.
– Olhai para a abóbada, vou iluminá-la. Que vedes?
– Nomes – diz-me ela.
– Lede-os.
Ela procede à leitura de uns cinco ou seis desses nomes,
de que me recordava perfeitamente bem.
Tornamos a voltar à capela e disse-lhe eu que íamos a pé a
Anduze. No caminho, deu-me uma série de detalhes sobre a
região que percorríamos, e todos perfeitamente verídicos.
Chegados a Anduze, introduzi-a em uma casa conhecida;
é noite; ela me descreve a casa, a escada, o salão... Peço-lhe
então que me designe as pessoas presentes. Responde-me ela
que o não sabe... Então reflito que eu mesmo o ignorava e
que, portanto, ser-me-ia impossível transmitir-lhe o meu
pensamento.
Melvil Roux
Arquiteto em Tornac, Anduze (Gard).”
(Carta 675)
XXIV – “Tratei e curei ultimamente, por meio do magne-
tismo, a esposa de um de meus amigos, que sofria de penosa
afecção havia mais de dezoito anos. O tratamento foi por ela
seguido cotidianamente comigo durante cerca de seis meses
e, como sucede em casos semelhantes entre magnetizador e
paciente, ela caiu sob a minha absoluta dependência. Não
quero relatar-vos aqui todos os fenômenos que eu podia pro-
vocar por seu intermédio, tais como aberrações do gosto,
sensação de calor e de frio, etc.; são eles muito conhecidos e
mui facilmente imputados à imaginação. Mas, além disso,
ela percebia, sem o concurso da minha vontade, todas as mi-
nhas sensações, mesmo a distância – e nisto a imaginação
não pode ser invocada, como uma circunstância que entra
em jogo na realização do fenômeno. Assim, acontecia-lhe
dizer-me: “Ontem, a tal hora, tivestes uma altercação”, ou
então: “Estáveis triste; que vos aconteceu?” Pude assegurar-
me, dentro em pouco, que ela sentia todas as minhas impres-
sões a uma distância muito grande; pude verificar isso pelo
menos para um espaço de 15 quilômetros.
Tive também um outro sujet, sendo esse um homem, a
quem eu fazia à vontade vir à minha presença. Bastava para
isso que eu pensasse fortemente em fazê-lo vir.
– Por que – disse-lhe eu um dia – viestes com um tempo
tão horrível?
– Realmente, não posso sabê-lo, essa idéia assaltou-me re-
pentinamente, tive desejo de ver-vos, e eis-me aqui.
Onde está em tudo isso a imaginação?
Do mesmo modo que há um sonambulismo natural e um
sonambulismo provocado, há o magnetismo voluntário e o
involuntário, o que explica as simpatias e as antipatias natu-
rais.
Dr. X. (Valparaiso).”
Esses casos não podem, tanto quanto os precedentes, ser atri-
buídos ao acaso (alguns dos lances previstos podem tê-lo sido
por uma semelhança fortuita dos que os precederam, mas trata-se
evidentemente de uma exceção). Provam eles a transmissão do
pensamento. Apresentaremos ainda alguns outros à atenção dos
nossos leitores. O seguinte é extraído da obra Phantasms of the
Living.
O Sr. A. Skirving, mestre pedreiro da catedral de Winchester,
escreveu aos redatores da aludida compilação:
XXV – “Não sou um homem instruído. Deixei a escola
com a idade de 12 anos e por isso espero que perdoeis mi-
nhas faltas contra a gramática. Sou mestre-pedreiro da cate-
dral de Winchester e resido nesta cidade faz 9 anos. Vai para
mais de 30 anos, residia em Londres, muito perto do local
presentemente ocupado pela Great Western Railway. Traba-
lhava em Regent’s Park para os Srs. Momlem, Burt e Free-
man. A distância até à minha casa era muito grande para que
pudesse ir fazer nela as minhas refeições, e por isso condu-
zia comigo o almoço e não abandonava durante o dia o tra-
balho.
Um belo dia, entretanto, senti bruscamente um desejo in-
tenso de ir à minha casa. Como, de fato, nada tivesse a fazer
em casa, tratei de me desembaraçar dessa obsessão, mas foi-
me isso impossível. O desejo de ir a casa aumentou de minu-
to em minuto. Eram 10 horas da manhã e não havia o que
pudesse afastar-me do meu trabalho a essa hora. Tornei-me
inquieto e não me sentia bem; percebi que devia ir, mesmo
correndo o risco de ser ridiculizado por minha mulher; não
podia dar nenhuma razão de deixar meu trabalho e perder
seis pences em cada hora, por causa de uma tolice. Todavia,
não pude ficar; parti para casa.
Quando cheguei diante da porta de minha residência, bati;
a irmã de minha mulher veio abrir-me a porta. Pareceu sur-
preendida e me disse:
– Que é isto, Skirving, como é que o sabeis?
– Sabeis o quê? – disse-lhe eu.
– Ora essa! a propósito de Mary Anne.
– Nada sei com respeito a Mary Anne (minha esposa).
– Então, que vos traz a esta hora aqui?
Respondi-lhe:
– Não o sei. Parecia-me que tinham necessidade de mim
aqui. Mas, que foi que sucedeu?
Então ela me contou que um fiacre havia atropelado mi-
nha esposa, talvez uma hora antes, deixando-a gravemente
ferida. Não havia cessado de chamar-me desde a hora do a-
cidente. Estendeu-me os braços, enlaçou-os em torno do
meu pescoço e encostou minha cabeça em seu peito. As cri-
ses imediatamente passaram e a minha presença acalmou-a;
ela dormiu e repousou. Contou-me sua irmã que ela dava
gritos de cortar o coração, chamando-me, ainda que não
houvesse a menor probabilidade da minha vinda.
Esta curta narrativa tem apenas um mérito: é estritamente
verdadeira.
P. S. – O acidente verificara-se uma hora e meia antes da
minha chegada. Coincidia essa hora exatamente com a em
que experimentei a obsessão de deixar meu trabalho. Falta-
va-me uma hora para chegar à minha casa e, antes de partir,
lutara eu bem uma meia hora para vencer o desejo de ir à
minha residência.
Alexandre Skirving”
Todos esses exemplos mostram que há como que correntes
entre os cérebros, entre os espíritos, entre os corações, correntes
devidas a uma força ainda desconhecida. Eis aqui outros casos
não menos evidentes.
O professor Sílvio Venturi, diretor do Asilo de Alienados de
Girifalco, escrevia a 18 de setembro de 1892:
XXVI – “Em julho de 1885 morava eu em Nocera. Fui,
certo dia, com um companheiro, fazer uma visita a meu ir-
mão, em Pozznoli, a três horas de viagem por via férrea.
Deixei todos, em casa, de perfeita saúde. Habitualmente
eu permanecia dois dias em Pozznoli, algumas vezes um
pouco mais. Chegamos às 2 horas da tarde. Tínhamos a in-
tenção de fazer, depois da refeição, um passeio marítimo
com os da família. De súbito, detenho-me pensativo e, to-
mando uma resolução enérgica, declaro não mais querer dar
o passeio, mas, pelo contrário, voltar imediatamente a Noce-
ra. Perguntaram-me por quê, declarando que me achavam
esquisito. Eu mesmo sentia toda a extravagância da minha
resolução, mas não hesitei, pois experimentava uma necessi-
dade irresistível de retornar a casa.
Vendo a minha resistência, deixaram-me partir. A seu mau
grado, o meu companheiro seguiu-me. Aluguei uma pequena
viatura, puxada por um cavalo magro e lento que ia a passo,
em vez de trotar. De repente, receando perder o trem das 7
horas da noite (era o último), apressei o cocheiro, que fusti-
gou o cavalo, mas o pobre animal, enfraquecido, não podia
avançar. Finalmente saltamos e pudemos tomar outra viatu-
ra, a tempo de alcançar o trem.
A minha casa em Nocera está situada a 300 metros da ga-
re, mas não tive paciência para fazer o trajeto a pé e subi ao
carro de um amigo, deixando meu companheiro vir a pé.
Chegando em casa, empalideço vendo quatro médicos: os
Srs. Ventra, Canger, Roscioli e o da cidade; achavam-se to-
dos ao redor da cama de minha querida filhinha, atacada de
crupe e ameaçada de morte. Não existia essa enfermidade na
região. Declarou-se o crupe às 7 horas da manhã, talvez à
mesma hora em que experimentei a obsessão de regressar a
casa o mais depressa possível. Tive a alegria de haver con-
tribuído, assim, para a cura. Minha esposa, antes da minha
chegada, gritava e me chamava angustiosamente.” 76
Todos esses fatos tão numerosos não indicam a existência de
correntes psíquicas entre os seres vivos? Essas constatações são
da mais alta importância para o conhecimento que procuramos
adquirir, por estes estudos, da natureza e das faculdades da alma
humana.
Outro documento absolutamente da mesma ordem: confir-
mam-se eles, assim, uns pelos outros.
O Sr. Lasseron, tabelião em Châtellerault, escreve, em data de
31 de janeiro de 1894:77
XXVII – “Um advogado, de serviço na Guarda Nacional,
achava-se no corpo da guarda. De repente, deu-lhe na fanta-
sia sair, sem a ninguém prevenir. Estando sob as armas, nem
mesmo o comandante do posto o poderia ter permitido; além
disso, ele não tinha nenhum motivo plausível a apresentar.
Era uma extravagância que lhe assaltava o cérebro e mau
grado à prisão que a falta lhe acarretava (com efeito, pegou
ele, por esse ato de indisciplina, oito dias de prisão), deixa o
fuzil e vai a casa, correndo.
Chegando, encontra sua mulher banhada em lágrimas, ro-
deada de médicos que cercavam o leito de sua filha, de seis
anos de idade, atacada de crupe e próxima da morte... Não
havia essa moléstia na cidade.
A visita inopinada de seu pai pareceu produzir uma reação
de tal modo favorável, que a criança sobreviveu. Casou-se
com o irmão do juiz que me contou esse fato extraordinário;
morreu antes dos 25 anos.
Foi preciso recorrer a toda espécie de valiosa proteção, pa-
ra relevar a pena de oito dias de prisão, e isso se deu antes
em consideração ao fato de tratar-se desse estranho caso de
telestesia.
Lasseron
Tabelião em Châtellerault.”
O Dr. Aimé Guinard, cirurgião dos hospitais de Paris, resi-
dente na mesma cidade, à rua de Rennes, menciona o seguinte
caso (outubro de 1891):
XXVIII – “Tenho habitualmente como dentista um de
meus amigos instalado longe de minha casa, no quarteirão
da ópera. Como sua clientela tomasse proporções considerá-
veis e não tivesse eu tempo de passar longas horas em seu
salão de espera, decidi-me a solicitar os cuidados de um de
seus colegas, que trabalhava a alguns passos de minha casa,
o Sr. Martial Lagrange.
Dou esses detalhes para bem demonstrar que não manti-
nha relações com este último, pois vi-o pela primeira vez no
começo deste ano.
Uma noite do mês de setembro, deito-me como de ordiná-
rio, pelas 11:30 da noite. Cerca de 2 horas da madrugada sou
acometido de uma dor de dentes das mais insuportáveis e
conservo-me toda a noite acordado. Achava-me muito inco-
modado pelo fato de não poder dormir, mas não a ponto de
ficar impossibilitado de pensar em meus costumeiros afaze-
res. Como estivesse prestes a terminar um memorial sobre o
tratamento cirúrgico do câncer do estômago, passei uma par-
te da noite a meditar sobre esse assunto e a traçar o plano do
meu último capítulo. Freqüentemente era interrompido o
meu trabalho mental por uma arremetida dolorosa e eu me
impunha a resolução de ir logo pela manhã procurar o meu
vizinho, Sr. Marcial Lagrange, para arrancar o dente enfer-
mo.
Insisto sobre este ponto: durante essa longa insônia, meu
pensamento esteve em absoluto concentrado nesses dois ob-
jetivos (e isso com tanto mais intensidade por se achar tudo
em redor de mim mergulhado na calma e na obscuridade):
de um lado o memorial sobre o tratamento cirúrgico do can-
cro do estômago, no qual estudo a extirpação do tumor por
meio do bisturi, e, de outro, o dentista em questão e a abla-
ção do meu dente, em mau estado.
Às 10 horas da manhã chego à sala de espera e, logo que o
Sr. Martial Lagrange abre a porta do seu gabinete, exclama:
– Oh! como isto é admirável! Sonhei convosco toda a noi-
te.
Respondo-lhe gracejando:
– Espero, pelo menos, que vosso sonho não tenha sido
muito desagradável, ainda que eu tenha estado metido nele.
– Mas, pelo contrário – replica ele – era um horrível pesa-
delo; eu tinha um cancro no estômago e estava obsidiado pe-
la idéia de que íeis abrir-me o ventre, para curar-me.
Ora, afirmo que o Sr. Martial Lagrange ignorava em abso-
luto que nessa noite estivesse eu estudando precisamente es-
sa questão; há mais de seis meses que não me encontrava
com ele e não tínhamos nenhum amigo comum.
Acrescentarei que é um homem de cerca de 45 anos, ne-
vropata, muito emotivo.
Eis aí o fato em toda a sua simplicidade; não se trata de
uma narrativa de segunda ou terceira mão, pois o caso me
diz pessoalmente respeito. Seria uma simples coincidência?
Parece-me isso muito improvável.
Não se tratara, antes, de uma observação que se deve in-
cluir entre os casos autênticos de telepatia? O que há aqui de
particular é, com o meu estado de vigília, o pensamento do
dentista por mim influenciado ou sugestionado durante o so-
no.
Diz-se correntemente, desde séculos provavelmente,
quando alguém se ocupa com insistência de qualquer ausen-
te: “Devem-lhe estar as orelhas tinindo.” Seria esse dito ba-
seado em fatos de telepatia análogos ao meu?”
Não datam de hoje essas observações. Eis uma experiência
relatada por meu saudoso amigo Dr. Macário, em seu livro tão
interessante sobre O Sono:78
XXIX – “Uma noite o Dr. Grosnier, depois de haver a-
dormecido por magnetização uma senhora histérica, pediu
permissão ao marido desta para fazer uma experiência, e eis
o que se passou. Sem dizer palavra, mentalmente, bem en-
tendido, conduziu-a ele para o alto mar. A doente conser-
vou-se tranqüila enquanto durou a calma na superfície das
águas; dentro em pouco, entretanto, o magnetizador levantou
em seu pensamento uma horrível tempestade e a doente se
pôs imediatamente a dar gritos penetrantes e a se agarrar aos
objetos que lhe estavam em torno; sua voz, suas lágrimas, a
expressão de sua fisionomia indicavam um terrível medo.
Então ele reduziu sucessivamente, e sempre pelo pensamen-
to, as vagas a limites razoáveis. Cessaram elas de agitar o
navio e, conforme a progressão do seu apaziguamento, foi a
calma voltando ao espírito da sonâmbula, ainda que conser-
vasse ela, por algum tempo, a respiração ofegante e um tre-
mor nervoso por todo o corpo.
– Não me transporteis jamais para o mar – gritou a so-
nâmbula, um instante depois, com arrebatamento – tenho
medo; e aquele miserável capitão que não queria deixar-nos
subir ao convés!
Esta exclamação nos surpreendeu tanto mais, diz o Sr.
Grosnier, quanto é certo que eu não pronunciara uma única
palavra que pudesse indicar a natureza da experiência que
tinha a intenção de fazer.”
Relata igualmente o Dr. Macário os casos seguintes:
XXX – “Achava-se à venda, judicialmente, um terreno em
uma das comunas dos arredores de Paris. Ninguém lhe ofe-
recia qualquer lance, ainda que mínimo em extremo fosse o
preço da avaliação, porque o terreno fora tomado ao velho
G., que passava entre os camponeses por perigoso feiticeiro.
Após uma longa hesitação, certo agricultor chamado L., se-
duzido pela insignificância do preço, arriscou-se a fazer o
seu lance e se tornou proprietário do campo.
No dia seguinte, pela manhã, o nosso homem, sobraçando
a enxada, dirigia-se, cantando, à sua nova propriedade,
quando um objeto sinistro lhe saltou aos olhos; era uma cruz
de madeira, à qual estava pregado um papel com estas pala-
vras: “Se meteres a enxada nesse campo, virá à noite ator-
mentar-te um fantasma.” O lavrador derrubou a cruz e se pôs
a trabalhar a terra, mas sem muita disposição; mau grado
seu, pensava no fantasma que lhe fora anunciado, deixou o
trabalho, voltou para casa e meteu-se na cama; seus nervos,
porém, estavam superexcitados e ele não pôde dormir. À
meia-noite viu um grande vulto branco a passear em seu
quarto e que aproximando-se dele, murmurou: “Restitui-me
o meu campo.”
Renovou-se a aparição nas noites subseqüentes. O lavra-
dor foi acometido de febre. Ao médico que o interrogou so-
bre a causa da moléstia, contou ele a visão que o obsediava e
declarou que o velho G. tinha-lhe feito malefício. O médico
mandou buscar esse homem e, em presença do prefeito da
Comuna, interrogou-o. O feiticeiro confessou que todas as
noites, à meia-noite, passeava em sua casa, envolto em um
lençol branco, a fim de enfeitiçar o comprador do seu cam-
po. Sob a ameaça de ser preso, caso continuasse a fazer isso,
desistiu ele do sortilégio. Cessaram as aparições e o lavrador
recuperou a saúde.”
Como podia esse feiticeiro, passeando em sua casa, ser visto
pelo camponês cuja morada ficava a um quilômetro de distância?
Não explicaremos o fenômeno, apenas diremos que o caso não é
sem precedentes e que está apoiado na autoridade irrecusável do
célebre Dr. Récamier.
XXXI – “Vinha o Dr. Récamier de Bordéus e atravessava
em sege de posta uma aldeia; sucedendo quebrar-se uma das
rodas da viatura, tratou-se de procurar o carpinteiro que a
pudesse consertar e cuja oficina ficava próxima do local do
acidente. Mas esse homem estava de cama, enfermo, o que
obrigou o cocheiro a ir procurar outro carpinteiro que residia
na aldeia vizinha. Aguardando que o acidente fosse repara-
do, entrou o Dr. Récamier na casa do camponês enfermo e
dirigiu-lhe perguntas sobre a causa do seu mal. Respondeu-
lhe o carpinteiro que a sua enfermidade provinha da falta de
sono: “ele não podia dormir porque um caldeireiro que resi-
dia na outra extremidade da aldeia, a quem recusara dar sua
filha em casamento, o impedia batendo a noite toda em seus
caldeirões.”
O doutor foi procurar o caldeireiro e, sem preâmbulos, lhe
disse:
– Por que bates a noite inteira em teu caldeirão?
– Por Deus! – respondeu ele – é para impedir Nicolau de
dormir.
– Como pode Nicolau ouvir-te, se ele mora a uma meia
légua daqui?
– Oh! oh! – replicou o camponês, sorrindo com ar maligno
– sabemos bem que ele ouve.
O Dr. Récamier ordenou expressamente ao caldeireiro que
cessasse aquele barulho, ameaçando-o de mandá-lo castigar
se o doente viesse a morrer. Na noite seguinte o carpinteiro
dormiu calmamente. Alguns dias depois retomou suas ocu-
pações.”
Nas considerações de que faz acompanhar a narração desse
caso, o Dr. Récamier o atribui ao poder da vontade, do qual não
se conhece ainda toda a energia e que se revelara espontanea-
mente a um camponês inculto. O fenômeno, de resto, não parece-
rá extraordinário aos que conhecem o magnetismo.
O general Noizet, um dos autores mais sérios e mais precisos
que já têm escrito sobre o magnetismo, relata a história seguin-
te:79
XXXII – “Pelo ano de 1842 fui convidado a passar em ca-
sa de um de meus antigos camaradas, uma noite na qual de-
veriam ostentar-se as maravilhas do sonambulismo. Para lá
me transportei.
Era a primeira vez que eu assistia a esse gênero de espetá-
culo, bastante comum, entretanto, nos salões de Paris; depois
disso nunca mais tive ocasião de assistir a espetáculo idênti-
co.
Lá encontrei umas 40 pessoas, algumas delas adeptas mais
ou menos exaltadas e muitas incrédulas, entre as quais podi-
a-se contar, na primeira plana, o dono da casa. Augurei mal
da sessão e, com efeito, todas as experiências de vista a dis-
tância, de leitura de carta escondida, todos os milagres en-
fim, falharam completamente e foi muito reduzido o número
de fatos bastante interessantes que uma assistência tão nu-
merosa e com disposições tão diversas pudesse sabiamente
apreciá-los.
Conversando em um grupo, à saída desse malogro, obser-
vei ao dono da casa que não era por meio de semelhantes re-
presentações que se podia convencer alguém da realidade
dos fenômenos; mesmo que as experiências tivessem bom
êxito, cada qual, em uma reunião numerosa de pessoas es-
tranhas umas às outras, podia supor tratar-se de compadrio,
fraude, etc., sendo necessário, para bem observar os fatos,
vê-los na intimidade ou em um pequeno grupo, examiná-los
sob todos os aspectos e repeti-los freqüentemente.
Um de nossos interlocutores aplaudiu as minhas palavras,
disse que conhecia uma excelente sonâmbula e nos propôs
tentar algumas experiências com ela, em presença apenas do
dono da casa e de um amigo comum. Aceitamos e combi-
namos dia e hora em data próxima.
Cheguei à casa de meu amigo antes do magnetizador e de
sua sonâmbula, e vim a saber que, entre outras faculdades
extraordinárias atribuídas à referida sonâmbula, estava a de
poder dizer o que uma pessoa, com quem se a pusesse em
relação, tinha feito durante o dia. Sucedia justamente, por
acaso, que nesse dia realizara eu um empreendimento pouco
vulgar. Tinha ido ao arquivo dos Inválidos, com o Duque de
Montpensier, para mostrar-lhe os planos em relevo das pra-
ças fortes. Propus que se fizesse comigo a experiência da fa-
culdade da sonâmbula, e esta proposta foi aceita pelos meus
dois amigos.
Chegada a sonâmbula e adormecida, entrei em relação
com ela e perguntei-lhe se podia ver o que eu fizera durante
o dia.
Após alguns detalhes assaz insignificantes e penosamente
obtidos, a respeito do modo pelo qual empregara as minhas
horas da manhã, perguntei-lhe onde estivera eu depois do
almoço. Respondeu-me sem hesitação: nas Tulherias; o que
se podia muito bem entender por um simples passeio. Insisti,
perguntando por onde eu tinha entrado, e ela respondeu mui-
to bem ainda:
– Pela passagem do cais, perto da ponte Real.
– E em seguida?
– Subistes ao castelo.
– Por qual das escadas? A do meio?
– Não, a do canto, perto da entrada.
Lá, ela se perdeu pelas escadas, e há com efeito lugar para
isso, porque existem diversas escadas: a grande, do serviço
do pavilhão de Flora, e a dos apartamentos do rei, com pa-
tamares e degraus de ligação conduzindo de uns a outros.
Afinal, deixou-me em uma grande sala onde havia oficiais.
Era uma sala de espera no andar térreo.
– Estivestes esperando – disse-me ela.
– E depois?
– Veio um moço alto falar-vos.
– Quem era esse moço?
– Não o conheço.
– Observais bem?
– Ah! é um filho do rei.
– Qual deles?
– Não o conheço.
– Não é muito difícil de saber; só há dois em Paris: o Du-
que de Nemours e o Duque de Motpensier; é o Duque de
Nemours?
– Não o conheço.
Digo-lhe que é o duque de Motpensier.
– Depois?
– Tomastes um carro.
– Sozinho?
– Não, com o príncipe.
– Onde estava eu sentado?
– No fundo, à esquerda.
– Éramos só nós que estávamos no carro?
– Não, havia ainda na frente um corpulento senhor.
– Que era esse senhor?
– Não o conheço.
– Examinai.
Depois de haver refletido, disse:
– Era o rei.
– Como! – repliquei – eu no fundo da carruagem e o rei na
frente! Isso não é razoável.
– Não sei, não conheço esse senhor.
– Pois bem! era o ajudante de campo do príncipe.
– Não o conheço.
– Onde estivemos?
– Seguistes pela margem do rio.
– E depois?
– Fostes a um grande castelo.
– Que castelo era esse?
– Não sei, havia árvores antes de aí chegar.
– Observai bem, portanto; deveis conhecê-lo.
– Não, não sei.
Deixo de lado essa particularidade e peço-lhe que continu-
e.
– Estivestes em uma grande sala.
Nesse ponto, fez-me ela uma descrição imaginária da sala
onde via brilhar estrelas sobre um fundo branco. Por fim, ela
me diz:
– Havia aí grandes mesas.
– E o que havia sobre essas mesas?
– Não era alto, não era também inteiramente liso.
Não pude levá-la a dizer-me que ali estavam planos-
relevos, objetos que sem dúvida ela jamais vira.
– Que fizemos nós, então, diante dessas mesas?
– Vós mostráveis. Subistes em uma cadeira e com uma va-
rinha mostráveis alguma coisa.
Esta particularidade notável era perfeitamente exata. En-
fim, depois de muitas delongas, fez-nos ela tomar novamen-
te o carro e partir. disse-lhe então:
– Mas, olhai para trás, deveis reconhecer o lugar donde sa-
ímos.
– Ah! – disse ela como que admirada e um tanto confusa –
é o quartel dos Inválidos.
Acrescentou ainda que o príncipe deixara-me à porta da
minha casa, o que era verdade.
Por muito que estivesse eu familiarizado com os fenôme-
nos de sonambulismo, esta cena impressionou-me, todavia,
muito e não posso razoavelmente atribuir senão à faculdade
de ler em meu pensamento, ou através das impressões ainda
existentes em meu cérebro, a espécie de adivinhação de que
a sonâmbula acabava de dar prova. É ainda hoje a única ex-
plicação que lhe posso dar.”
Eis aqui um segundo fato relatado pelo mesmo autor:
XXXIII – “Há cerca de dois anos, aconselhou-me uma
sonâmbula, para o tratamento de certas dores que eu sentia,
o uso de banhos de vapor seco sulfuroso, e indicou-me um
estabelecimento da rua da vitória como o único de Paris que
os administrava bem. Segui esse conselho, que me pareceu
razoável.
O dono do estabelecimento, que, embora grande conver-
sador, é um velho de fisionomia e atitudes francas, pergun-
tou-me um dia quem me houvera indicado esses banhos.
Como eu evitasse uma resposta, disse-me ele:
– Não teria sido uma senhora D.?
Neste comenos perguntei-lhe se conhecia essa senhora.
Respondeu-me que não, mas que desejaria muito conhecê-la,
e que se propunha ir vê-la um dia, porque ela lhe havia pres-
tado um serviço e de uma forma verdadeiramente extraordi-
nária. Eis o que a respeito contou-me:
Uma pessoa a quem administrava banhos desde algum
tempo disse-lhe certo dia:
– Acaba de me acontecer qualquer coisa sobremodo admi-
rável e que tem relação convosco. Vou por vezes consultar
uma sonâmbula para a minha moléstia, e ontem, após longa
interrupção, voltei novamente a consultá-la. Assim que me
reconheceu, disse-me:
– Estais muito melhor! Que fizestes então para ficardes
em tão bom estado?
– Vede se descobris – respondi-lhe.
– Fizestes uso de banhos, não porém banhos ordinários,
mas sim banhos secos sulfurosos. Onde, pois, tomastes esses
banhos?
– Procurai-o!
– Ah! estou vendo, fica do outro lado dos bulevares. Não é
na rua de Provence, mas na que se lhe segue.
– Em que número? Procurai-o ainda!
– É na casa dos banhos, número 46, mas não no próprio
estabelecimento: é ao fundo do terceiro pátio, no rés do
chão.
Todas essas indicações eram perfeitamente exatas.
Falei desse fato à sonâmbula durante o seu sono, ela o
confirmou, considerando, aliás, em tom de perfeita indife-
rença; e, o que me causou admiração é que eu sabia que lhe
repugnava, por hábito, sem dúvida, ocupar-se de qualquer
coisa além do que concerne às doenças. No presente caso,
ela havia lido no cérebro da senhora que a consultava.”
Eis um fato ainda mais curioso referido pelo Dr. Bertrand:
XXXIV – “Um magnetizador muito imbuído de idéias
místicas trabalhava com um sonâmbulo que, durante o sono,
via somente anjos e espíritos de toda espécie: essas visões
serviam para firmar cada vez mais o magnetizador em sua
crença religiosa. Como citasse sempre os sonhos de seu so-
nâmbulo em apoio de sua doutrina, um outro magnetizador
de seu conhecimento incumbiu-se de desiludi-lo, mostrando-
lhe que o seu sonâmbulo não tinha as visões a que ele se re-
feria, senão porque a causa de tais visões existia em sua pró-
pria cabeça. Propôs, para provar o que avançava, que se su-
gerisse ao mesmo sonâmbulo ver a reunião dos anjos do pa-
raíso sentados à mesa e comendo um peru.
Fez, portanto, o sonâmbulo adormecer e ao cabo de algum
tempo lhe perguntou se não via nada de extraordinário. Este
respondeu que percebia uma grande reunião de anjos.
– E que fazem eles? – pergunta o magnetizador.
– Acham-se em redor de uma mesa e estão comendo.
Não pôde indicar, entretanto, a espécie de iguarias que es-
tava diante deles.”
Independentemente desses casos notáveis e de muitos outros
ainda, grande número de observações gerais contribuem para
demonstrar que as idéias, e especialmente as opiniões dos mag-
netizadores, podem ser percebidas pelos sonâmbulos.
Tem-se constatado, por exemplo, que todos os sonâmbulos
adormecidos pela mesma pessoa têm as mesmas idéias sobre o
magnetismo, e precisamente as do seu magnetizador. Assim,
quando um magnetizador, persuadido da existência de um fluido
magnético, pergunta ao seu sonâmbulo se percebe a ação desse
fluido, responde-lhe este que sim e assegura, além disso, estar
vendo o magnetizador circundado de uma atmosfera luminosa,
ora brilhante, ora azulada, etc. Pelo contrário, os sonâmbulos
adormecidos por pessoas que não admitem nenhum fluido parti-
cular pretendem que não existe fluido magnético. Os que são
adormecidos por homens supersticiosos vêm demônios, anjos
que vêm comunicar-se com eles e lhes fazem revelações ou
desvendam-lhes segredos. Todos os sonâmbulos observados pela
Sociedade Swedenborguesa, de Estocolmo, acreditavam ser
inspirados por espíritos vindos do outro mundo e que, durante
algum tempo, haviam habitado corpos humanos. Esses fantasmas
davam notícias do que se passava no paraíso ou no inferno e
repetiam mil contos, que enchiam de santa admiração os que os
escutavam. Os católicos, que acreditam no purgatório, vêem
almas que pedem missas e preces, e com elas conversam por
meio do magnetismo e do Espiritismo. Os protestantes jamais.
Não pode, portanto, haver dúvidas a respeito da transmissão
das idéias e sobretudo das opiniões mais pronunciadas dos
magnetizadores. Mas o que é bastante singular é que esses
magnetizadores, que reconheciam, desde a origem da observação
do sonambulismo artificial, a influência que sua vontade exerce
sobre os sonâmbulos, tenham estado tanto tempo sem descobrir o
fenômeno da transmissão das idéias, sendo que a ignorância na
qual muitos permanecem a esse respeito é uma das causas que os
têm levado a exageros e erronias, porquanto, depositando ilimi-
tada confiança em seus sonâmbulos, interrogavam-nos a respeito
de todos os sistemas que seus cérebros forjavam e, como as
respostas se achassem sempre de acordo com os seus sistemas,
as mais absurdas opiniões se tornavam para eles certezas – o que
os afastava cada vez mais do caminho da verdade.
A simpatia foi sempre admitida por todos os povos, em todas
as épocas. Entretanto, esta palavra é ainda vazia de sentido para
aqueles que não crêem na influência recíproca e misteriosa que
dois seres podem exercer um sobre o outro.
Poucas pessoas haverá que, durante sua vida, não tenham fei-
to algumas observações sobre as simpatias e as afinidades. Ainda
aí se constata a transmissão do pensamento, uma comunicação
harmoniosa entre os cérebros e entre as almas.
O mundo psíquico é tão real como o mundo físico; apenas
tem sido, até aqui, menos estudado.
Talvez estejamos nós, em face das manifestações da energia
psíquica, no estado dos animais inferiores que não dispõem ainda
de sentidos iguais aos nossos. Mas que dificuldade há em admitir
que essa força, como todas as outras, possa agir a distância?
Muito mais curioso, mais inadmissível seria que essa força, uma
vez que existe, não pudesse agir a distância: seria isso um para-
doxo sem precedentes.
Já temos dito inúmeras vezes que é uma estranha presunção,
para não dizer profunda ignorância, supor que não existe em
torno de nós, em matéria de movimentos, mais do que aqueles
que somos capazes de perceber. Os nossos sentidos evidente-
mente são muito grosseiros, se compararmos a soma do que nos
transmitem eles com a massa provável do que são incapazes de
perceber. Sabemos que existem cores, sons, correntes elétricas,
atrações e repulsões magnéticas que em absoluto nos escapam,
cuja existência, entretanto, podemos constatar, por meio de
aparelhos registradores, de extrema delicadeza. Não estamos
autorizados, de acordo com os atuais dados da Ciência, a consi-
derar todos os corpos que nos rodeiam como estando em relações
infinitas e constantes uns para com os outros, segundo todas as
modalidades da energia? E não devemos considerar-nos, nós
mesmos, mergulhados nos meandros inextricáveis e serrados de
todas essas ações recíprocas caloríficas, elétricas, atrativas, que
cada corpo exerce sobre todos os que o rodeiam – sem falar das
influências que derivam de forças de que nem desconfiamos –
ações dinâmicas das quais só percebemos, de passagem, as mais
grosseiras?
Mas a evolução dos organismos prossegue seu curso, dir-nos-
ão com o Sr. Héricourt, e sem dúvida alguns seres já começam a
ser impressionados por certas vibrações errantes no meio desses
turbilhões de ações e de reações que nos deixam insensíveis.
Os fenômenos surpreendentes de ação a distância e de clari-
vidência, diz ainda o mesmo autor, observados com as pessoas
hipnotizadas, isto é, submetidas a uma espécie de desequilíbrio
experimental, no qual certas partes do sistema nervoso parecem
ter sua sensibilidade acrescida a expensas de outras, devem
indicar-nos o sentido e a natureza dos fenômenos de telepatia.
Serão eles sem dúvida que servirão de ponte entre a ciência
positiva de hoje e o que bem poderá vir a ser a ciência de ama-
nhã.
Segundo tudo o que precede, a comunicação de cérebro a cé-
rebro (em condições especiais, certamente) não é duvidosa.
Pensamentos, imagens, idéias, impressões podem ser transmiti-
das. Os cérebros são centros de radiações. Dizemos algumas
vezes que “certas idéias andam no ar”. Esta metáfora é uma
realidade.
Certo número de pesquisadores têm procurado realizar expe-
riências precisas sobre a transmissão mental. Pode-se encontrar,
entre as obras especiais, as dos Srs. Richet, Héricourt, Guthrie,
Lodge, Schmoll, Desbeaux, W. M. Pickering, etc., as primeiras
das quais remontam aos anos de 1883 e 1884, e se referem à
adivinhação de números, reprodução de desenhos, em uma
proporção assaz notável para mostrar a realidade da transmissão.
Nos trabalhos do Sr. Richet, por exemplo, 2.997 experiências
deram 789 resultados positivos, ao passo que o número provável
era de 732. O Sr. Marilier recebeu os resultados de 17 séries de
experiências, elevando-se ao número de 17.653, dos quais com
bom êxito 4.760, ultrapassando de 347 o número provável. Em
junho de 1886, as Srtas. Wingfield obtiveram 27 resultados
positivos completos em 400 experiências de leitura de algaris-
mos: o número provável era apenas de 4. Sem poderem ser
consideradas definitivas, essas experiências têm seu valor. Sei
perfeitamente que se brinca de transmissão de pensamento nos
salões e no palco dos prestidigitadores e que existem truques tão
simples quanto engenhosos. Assisti mais de uma vez, prazero-
samente, às sessões dos irmãos Isola, de Cazeneuve, bem como
às dos seus êmulos. Tratamos, porém, neste livro, de experiên-
cias científicas, nas quais os experimentadores a ninguém enga-
navam.
Assinalarei, por exemplo, a seguinte:
O meu erudito confrade e amigo, Emílio Desbeaux, autor de
obras muito apreciadas e estimadas, fez entre outras as curiosas
experiências seguintes, das quais ele próprio redigiu o relato:
XXXV – “A 23 de maio de 1891, faço sentar-se em um
canto obscuro do salão o Sr. G., lente substituto de ciências
físicas, para quem essas experiências eram absolutamente
desconhecidas. São nove horas da noite, o Sr. G. tem os o-
lhos vendados e o rosto voltado para a parede.
Coloco-me a quatro metros de distância dele, diante de
pequena mesa onde repousam duas lâmpadas.
– PRIMEIRA EXPERIÊNCIA
Sem ruído e na ignorância do Sr. G., tomo um objeto e
conservo-o em plena luz. Sobre ele concentro os meus olhos
e percebo que o Sr. G. vê esse objeto.
No fim de 4 minutos e meio, o Sr. G. anuncia-me que está
vendo uma roda metálica.
Ora, o objeto era uma colher de prata (pequena colher de
café), cujo cabo desaparecia em minha mão e da qual eu a-
penas fixava a concha, de um oval um pouco alongado.
– SEGUNDA EXPERIÊNCIA
O Sr. G. vê um retângulo brilhante.
Eu tinha uma tabaqueira de prata.
– TERCEIRA EXPERIÊNCIA
O Sr. G. vê um triângulo.
Eu desenhara, a traços largos, sobre um cartão, um triân-
gulo.
– QUARTA EXPERIÊNCIA
O Sr. G. vê um quadrado com arestas luminosas e com
pérolas brilhantes; ora ele vê duas pérolas somente, ora vê
diversas.
Eu tinha na mão um objeto de cuja presença não era pos-
sível desconfiar: tratava-se de um grande dado de papelão
branco cujas arestas a luz fazia brilhar vivamente, dando aos
pontos gravados em baixo relevo reflexos brilhantes de pé-
rolas negras.
– QUINTA EXPERIÊNCIA
O Sr. G. vê um objeto transparente com filetes luminosos
formando um oval ao fundo.
O que eu mantinha era um copo para cerveja (chope), de
cristal, com o fundo talhado em oval.”
Eis aí, quero crer, cinco experiências (feitas em excelentes
condições de controle e de sinceridade), que podem ser conside-
radas como tendo chegado a completo bom êxito.
É igualmente interessante reproduzir, a esse propósito, algu-
mas das experiências realizadas com êxito pelo meu amigo A.
Schmoll, um dos fundadores da Sociedade Astronômica de
França.
XXXVI – “Experimentou ele com diversas pessoas que, a
seu turno, experimentaram entre si. O problema consistia em
adivinhar e desenhar o objeto no qual pensava o autor da ex-
periência e que ele mesmo desenhava fora das vistas do per-
cipiente colocado no mesmo compartimento, com as costas
voltadas para o experimentador e tendo os olhos vendados.
Reproduzo aqui simplesmente em uma página algumas das
experiências, aquelas que melhor êxito conseguiram. A du-
ração da prova era em média de 13 minutos. Em 121 experi-
ências, 30 fracassaram, 22 tiveram bom êxito, 69 deram so-
luções mais ou menos aproximadas.
Todos esses estudos nos mostram que o espírito pode ver,
adivinhar, sem o concurso do órgão da visão material.”
Esta teoria das correntes psíquicas, capazes de transmitir a
distância, a outros cérebros, impressões cerebrais e mesmo
pensamentos, explica grande número de fatos observados e que
permaneceram inexplicados até agora. Por exemplo, em um
teatro, em uma soirée musical, etc., tendes diante de vós 50, 100
mulheres mais ou menos atentas. Fixai vosso olhar e vosso
pensamento sobre uma delas; projetai vossa vontade com insis-
tência: não decorrerão alguns minutos sem que ela se volte e vos
dirija seu olhar. Atribui-se essa coincidência ao acaso. Sim, com
muita freqüência, sem dúvida, mas não sempre! O êxito depende
dos operadores e dos pacientes. Outros casos: estais em corres-
pondência irregular com uma pessoa simpática; não é raro que
vossas cartas se cruzem, porque tendes pensado ao mesmo tempo
com idêntica intenção. Estais à mesa, conversais, levantais uma
questão, fazeis uma reflexão: “Veja só! eu ia dizer isso mesmo”,
responde-vos vossa mulher, vosso marido, vossa irmã, vossa
mãe, que tiveram a mesma idéia precisamente no mesmo instan-
te.
Se, ao passardes por uma rua, dizeis de vós para vós: “Oxalá
não me encontre com o Sr. Fulano de tal!”, um instante depois é
justamente ele que vem cruzar convosco; pressentiste-o. Ou
então supondes reconhecer determinada pessoa em uma outra, e
cinco minutos depois encontrais essa mesma pessoa. Falais a
respeito de certa pessoa: ei-la que chega. Daí o provérbio: “Falar
no mau...” Acabamos de citar numerosos exemplos. Até o pre-
sente atribuíam-se todas essas coincidências ao acaso, explicação
simples, banal e burguesa, que abre mão de toda e qualquer
pesquisa.
Há casos de leitura de pensamento que não são devidos à su-
gestão mental. Os leitores atentos já puderam assinalar diversos
desses casos neste capítulo. Eis aqui um exemplo muito curioso
desse gênero observado em 1894 com uma criança, pelo Dr.
Guintard, e comunicado por esse sábio, com todas as garantias
de autenticidade,80 à Sociedade de Medicina d’Angers:
XXXVII – “Ludovico X. é uma criança de menos de 7
anos, viva, alegre, robusta e dotada de excelente saúde. Ela é
absolutamente indene de qualquer tara nervosa. Seus pais
igualmente não apresentam nada de suspeito sob o ponto de
vista neuropatológico. São pessoas de bom humor que nunca
passaram pelos dolorosos transes da vida.
Na idade de 5 anos, entretanto, essa criança parecia cami-
nhar pelas pegadas do célebre Inaudi. Querendo sua mãe,
nessa época, ensinar-lhe a tabuada de multiplicar, percebeu,
surpresa, que ele a recitava tão bem quanto ela! Dentro em
pouco, Bébé, entusiasmando-se, chegava a fazer, de cabeça,
multiplicações com um multiplicador formidável. Atualmen-
te basta ler-lhe um problema tomado ao acaso em uma com-
pilação qualquer, para que ele dê imediatamente a solução.
Este, por exemplo:
“Se pusessem no meu bolso 25 fr. 50, eu ficaria com três
vezes o que tenho, menos 5 fr. 40. Qual a soma que tenho?”
Apenas termina o enunciado e Bébé, sem mesmo ter tem-
po suficiente para refletir, responde: 15 fr. 45, o que é exato.
Vai-se em seguida procurar no fim do livro, entre os mais
difíceis, este outro problema:
“O raio da Terra é igual a 6.366 quilômetros; achar a dis-
tância da Terra ao Sol, sabendo que ela corresponde a
24.000 raios terrestres. Exprimir esta distância em léguas.”
O bambino, com a sua vozinha gaguejante, dá, igualmente
sem hesitar, esta solução, que é a do compêndio: 38.196.000
léguas!
O pai desse menino, envolvido em outras preocupações,
não tinha prestado às proezas do filho mais do que uma rela-
tiva atenção. Acabou, entretanto, impressionando-se com o
caso e, como é um tanto observador, ao menos em virtude de
sua profissão, não tardou a notar que: 1º – o menino pouco
escutava, e algumas vezes absolutamente nada, da leitura do
problema; 2º – a mãe, cuja presença é uma condição expres-
sa do bom êxito da experiência, devia sempre ter, sob os o-
lhos ou em pensamento, a solução pedida. Donde concluía
que seu filho não calculava, mas adivinhava, ou para dizer
melhor, praticava, com relação a sua mãe, a “leitura do pen-
samento”; resolveu, pois, certificar-se disso. Em conseqüên-
cia, pediu à Sra. X. para abrir um dicionário e perguntar a
seu filho qual a página que tinha sob os olhos; e o filho res-
pondeu imediatamente: “É a página 456.” Estava certo. Re-
petiu dez vezes a experiência e dez vezes obteve idêntico re-
sultado.
Eis, portanto, que o Bébé se transforma de matemático em
feiticeiro – digamos adivinho, para não ofendê-lo! Mas a sua
notável faculdade de “vista dupla” não se exerce unicamente
com relação a números. Marque a Sra. X. com a unha qual-
quer palavra em um livro; o menino, questionado a esse res-
peito, nomeia a palavra sublinhada. Escreve-se qualquer fra-
se em um carnê: por muito longo que seja, basta que ela pas-
se sob os olhos maternais, para que o menino, interrogado,
mesmo por um estranho, repita a frase, palavra por palavra,
sem demonstrar pela fisionomia que realizou um tour de
force. Nem mesmo é necessário que a frase, o número ou a
palavra estejam fixados no papel; basta que se achem bem
nítidos no espírito da mãe, para que o filho opere a sua leitu-
ra mental.
Mas o triunfo principal de Bébé está nos entretenimentos
de salão. Ele adivinha, umas após outras, todas as cartas de
um baralho. Indica, sem hesitar, o objeto que esconderam às
suas ocultas, em uma gaveta. Se se lhe perguntar o que con-
tém uma bolsa, mencionará até o mais insignificante dos ob-
jetos que aí se encontram. Onde a criança é sobretudo admi-
rável é na tradução das línguas estrangeiras. Acreditar-se-ia
que ele compreende claramente o inglês, o espanhol, o gre-
go. Ultimamente um amigo da casa lhe perguntava o sentido
desta charada latina: Lupus currebat sine pedibus suis. Bébé
saiu-se da dificuldade com aplausos gerais. O nome de pe-
queno prodígio estava em todas as bocas!
Bem se vê que há muitas distinções a estabelecer nesses
estudos. A leitura de pensamentos é aqui feita sem sugestão.
Os fenômenos sugestivos são produzidos pela penetração da
idéia do experimentador no cérebro do sujet. Logo, para que
houvesse sugestão, no caso de que nos ocupamos, seria pre-
ciso constatar da parte da mãe certa concentração psíquica,
certo grau de querer, indispensável ao sucesso da experiên-
cia. Ora, a leitura do seu pensamento realizava-se mui fre-
qüentemente a seu mau grado.
Toda a medalha, com efeito, tem seu reverso. Quando Bé-
bé ficou em idade de aprender seriamente a ler, sua mamãe,
que se consagrara a essa tarefa, constatou, não sem mágoa,
que sob sua direção seu filho não fazia progresso algum.
Tudo adivinhando, não exercitava nem seu discernimento
nem sua memória. Foi mister dispensar-lhe mil cuidados en-
genhosos para levar o barco a bom porto.”
Ao tempo em que eu estudava com o maior cuidado esses ca-
sos de transmissão de pensamento, recebi a seguinte carta de um
leitor dos Annales, que parece em absoluto justificar as reflexões
precedentes:
XXXVIII – “Permitireis a um leitor assíduo trazer ao vos-
so conhecimento um caso interessante de telepatia de que fui
muito recentemente testemunha.
No mês passado (dezembro de 1898) tinha eu sob os meus
cuidados uma senhora idosa, que chegara ao último período
de uma doença aguda; dia a dia o seu enfraquecimento au-
mentava, conquanto guardando ela intacta a sua inteligência,
e foi mesmo na véspera de sua morte que sobreveio o fenô-
meno seguinte:
Visitara eu a minha doente pela manhã. Ela raciocinava
perfeitamente e suas faculdades cerebrais de modo algum
haviam diminuído.
Cerca de 11 horas da manhã, encontro um amigo com o
qual converso sobre diferentes coisas. Em dado momento,
esse amigo me diz:
– Procuro uma casa para alugar, a fim de nela passar a
primavera. Poderíeis dar-me qualquer informação a respei-
to?
– Confesso que não – respondi-lhe eu –. Vós, empreiteiro
de construções, podeis estar mais bem informado do que eu
nesta matéria.
Nesse momento, estávamos absolutamente sós e ninguém
podia surpreender a nossa conversação.
– É que – acrescenta o meu amigo – a casa em que mora a
Sra. P. (a minha doente) me conviria muito. Que pensais do
seu estado? Dizem que ela está mal. Ainda pode viver por
muito tempo?
– Quem sabe? – respondi evasivamente –. Em todo o caso
ela dispõe de um arrendamento que se transfere para os seus
herdeiros, em caso de falecimento.
– É indiferente; esperarei ainda alguns dias; procurarei
depois o proprietário.
Ficou apenas nisso a nossa conversação. Não se tratou
mais nem da doente nem da casa, e sei que o meu amigo não
falou a ninguém de seus projetos no correr do dia. Ora, por
ocasião da minha visita da noite, a enfermeira da Sra. P. me
disse:
– Doutor, a nossa enferma divaga, ou, pelo menos, delirou
cerca do meio-dia. Perguntou-me se ninguém tinha vindo
ver a casa, com o fim de alugá-la. “Aliás, acrescentou ela
diversas vezes, tenho um contrato de arrendamento: que
querem comigo?”
– E foi só?
– Nada absolutamente compreendi – ajuntou a enfermeira.
Nem a criada, nem qualquer outra pessoa, das que convi-
vem com a enferma, teve conhecimento dos projetos de meu
amigo; por conseguinte, a própria enferma não podia conhe-
cê-los, nem ter a intuição deles por meio do mundo exterior.
Fiquei e ainda estou convencido de que a Sra. P., unica-
mente por ação telepática percebeu nossa conversação da
manhã. Foi à hora em que eu estava com o meu amigo que
ela “delirou”. Foi o único “delírio” que teve e morreu no dia
seguinte à noite, antes que alguém soubesse dos projetos de
locação do meu amigo.
Passou-se isto a 13 de dezembro último. Retive bem o fa-
to, assaz curioso em si mesmo. Lendo esta tarde vosso artigo
dos últimos Annales, imaginei que ele poderia interessar-
vos. Eis por que tomei a liberdade de vo-lo comunicar ime-
diatamente.
P. S. – É pessoalmente a vós que eu remeto este documen-
to. No caso que tenhais a intenção de publicá-lo, ser-vos-ia
reconhecido se me guardásseis o anonimato.
Dr. Z.
Eis aqui um outro caso de observação, que se parece muito
com o precedente:
(Carta 38)
XXXIX – “No mês de abril de 1874, em Beaumont-la-
Ferrière (Niévre), dava eu, em companhia de minha esposa,
os meus cuidados a minha mãe que contava 72 anos de ida-
de. Passávamos, minha esposa e eu, todas as noites no quar-
to de minha mãe e, pela manhã, íamos para a nossa casa on-
de estávamos o tempo suficiente para fazer a nossa toilette e
voltávamos imediatamente para junto de minha mãe, a quem
uma camareira guardava durante esse tempo.
A casa em que morávamos era muito grande e os dois
quartos, de que vos falo, estavam ambos situados no primei-
ro andar, cada um, porém, em uma das extremidades da casa
e separados um do outro por 4 quartos e um grande hall on-
de se achava o patamar da escada.
Certa manhã, estando minha mãe agonizante, não a querí-
amos deixar, e ela insistiu para que fôssemos um instante ao
nosso quarto. Estávamos, minha mulher e eu, muito emocio-
nados e falávamos a respeito da morte iminente de minha
mãe e dos parentes próximos que já havíamos perdido, no
número dos quais estava um de meus irmãos, capitão de Ar-
tilharia, morto dois anos antes dessa época.
Eu não conservava recordação alguma material e palpável
desse irmão. Recolhera minha mãe os diferentes objetos per-
tencentes a ele, dragonas, cruz da Legião de Honra, espada,
etc., e, entre outros, um chicote da época em que ele estava
na Escola Politécnica ou em Metz, tendo um grosso cabo de
prata com um troféu de armas em relevo.
Há muito tempo que eu desejava esse chicote, mas não
ousara jamais pedi-lo à minha mãe, sabendo quanto apego
tinha ela às relíquias do filho morto. Falei sobre isso à minha
esposa que me dissuadiu de dizer o que quer que fosse a res-
peito, a minha mãe.
Não fora esta conversação ouvida por ninguém, achando-
se fechada a porta de nosso quarto, bem como a do quarto
de minha mãe; disse-vos que distância separava nossos quar-
tos; acrescento que minha mãe estava à morte, hidrópica, em
seu leito, incapaz de mover-se. Não poderia ter-nos ouvido,
nem ela, nem qualquer outra pessoa, e ninguém lhe podia ter
comunicado as palavras trocadas entre mim e minha mulher.
Voltamos ao seu quarto. Ao abrir a porta encontramos mi-
nha mãe em seu leito onde a havíamos deixado, quase ago-
nizante. Antes que eu tivesse tido tempo de lhe perguntar
como estava, disse-me ela em voz muito débil:
– Luís, desejas o chicote de teu irmão; faço-te presente de-
le: está guardado na última gaveta de minha cômoda; guar-
da-o; será uma dupla recordação: de teu irmão que lhe tinha
muito apego e de tua mãe que vai morrer.
Ela fez um grande sinal da cruz e exalou o último suspiro.
Tal é o fato de que fui emocionada testemunha, como bem
podeis compreendê-lo.
Eu vo-lo comunico, atestando-vos a sua absoluta veraci-
dade; usai-o como vos parecer melhor. Minha esposa, teste-
munha do que sucedeu, assina comigo esta carta, para certi-
ficar-lhe a exatidão.
Foupuray
Castelo de Malpeyre, Brionde, Alto-Loire.
Fui testemunha de tudo que meu marido acima vos expõe.
C. Foupuray.”
O Sr. Cromwell Varley, célebre eletricista, construtor do cabo
submarino lançado entre a Inglaterra e os Estados Unidos, con-
ta 81 o seguinte caso de comunicação mental:
XL – “Procedendo a estudos sobre a faiança, respirara eu
vapores de ácido fluorídrico, que me causaram espasmo da
glote. Fora seriamente atingido e sucedia-me freqüentemente
ser despertado por um ataque espasmódico. Haviam-me re-
comendado que tivesse sempre à mão éter sulfúrico, para
respirá-lo, que assim teria imediato alívio. Recorri a ele u-
mas seis ou oito vezes; mas o seu odor era-me tão desagra-
dável, que acabei por me servir de clorofórmio. Colocava-o
perto do meu leito e, quando tinha necessidade de servir-me
dele, voltava-me para cima, em uma posição tal que, desde
que se produzia a insensibilidade, eu tombava de costas dei-
xando cair a esponja.
Uma noite, entretanto, ao cair sobre a cama, retive a es-
ponja que permaneceu aplicada à minha boca.
A Sra. Varley achava-se em um quarto por cima do meu,
tratando de uma criança doente. No fim de alguns instantes
voltei a mim; vi minha esposa ao alto e eu próprio deitado
de costas, com a esponja sobre a boca, na impossibilidade
absoluta de fazer qualquer movimento; por esforço de minha
vontade, fiz penetrar em seu espírito a clara noção de que eu
corria um perigo. Ela ergueu-se, sob uma viva impressão de
alarme, desceu e apressou-se em retirar a esponja. Fui sal-
vo.”
Todas essas observações, que me escusaria de tê-las multipli-
cado tanto se não se tratasse de uma demonstração tão nova, tão
discutida e tão importante, provam, à saciedade, a realidade da
ação psíquica de um espírito sobre outro.
Por vezes, essa transmissão psíquica vai até produzir sensa-
ções físicas, materiais.
Eis, como exemplo, um caso bem curioso, narrado na obra
sobre as Alucinações Telepáticas (pág. 325), ao qual já temos
tantas vezes recorrido. É ele devido à Sra. Severn, de Brantwood
(Inglaterra):
XLI – “Levantei-me em sobressalto. Senti que recebera
violento golpe na boca. Tive a nítida sensação de que havia
sido golpeada e que escorria sangue por baixo do meu lábio
superior.
Sentada na cama, tomei um lenço, amarrotei-o e compri-
mi-o, à guisa de tampão, sobre o lugar ferido. Segundos de-
pois, retirando-o, surpreendeu-me não ver traço algum de
sangue. Só então reconheci que era absolutamente impossí-
vel haver-me qualquer coisa ferido, porquanto eu estava em
minha cama e dormia profundamente. Refleti, pois, que
simplesmente acabava de sonhar. Mas consultei o relógio e,
vendo que eram 7 horas e que Artur (meu marido) não esta-
va no quarto, concluí que havia saído para fazer, muito cedo,
um passeio de bote no lago, pois o tempo estava magnífico.
Tornei, depois, a dormir. Almoçávamos às 9:30. Ele de-
morou-se em voltar e notei que fora sentar-se um pouco
mais afastado de mim do que de costume e que, de tempos
em tempos, levava o lenço aos lábios.
– Artur – disse-lhe eu –, porque fazes isso? – e acrescen-
tei, um pouco inquieta –: sei que te feriste, mas dir-te-ei de-
pois como vim a sabê-lo.
– De fato! – disse-me ele – Eu andava de bote há pouqui-
nho, quando fui surpreendido por uma rajada de vento e a
cana do leme veio bater-me na boca; recebi um golpe violen-
to no lábio superior, fazendo-me derramar muito sangue que
não pude ainda estancar.
– Tens alguma idéia da hora em que sucedeu isso?
– Deviam ser pouco mais ou menos 7 horas – respondeu-
me ele.
Então lhe contei o que me acontecera; ficou muito surpre-
endido com o fato, como também o ficaram todas as pessoas
que almoçavam conosco. Passou-se isso em Brantwood, há
cerca de três anos.
Joana Severn.”
A Sra. Severn escreveu, em resposta a algumas perguntas:
“É absolutamente certo que eu estava completamente a-
cordada, pois que levei o meu lenço à boca e comprimi-o
sobre o meu lábio superior, durante certo tempo, para “ver o
sangue”. Fiquei muito admirada de não vê-lo. Logo depois
voltei a dormir novamente; creio que, logo que me levantei,
uma hora depois, ressentia-me ainda de uma impressão mui-
to viva e, ao vestir-me, observava o lábio, para ver se não
trazia algum sinal do golpe.”
Eis, de outra parte, o relato do Sr. Severn:
“Brantwood, Conniston, 15 de novembro de 1883.
Por uma bela manhã de verão, levantei-me muito cedo,
com a intenção de realizar um passeio de bote no lago. Não
sei se minha mulher percebeu quando saí do quarto.
Quando entrei n’água achei-a tranqüila como um espelho
e lembro-me que experimentei uma espécie de arrependi-
mento a toldar a paisagem encantadora da ribanceira oposta
que se refletia à superfície do lago. Entretanto, eu pusera
desde logo a flutuar a minha embarcação e, como não ven-
tasse, contentei-me em içar as velas, para fazê-las secar e
pôr em ordem o barco. Não tardou a levantar-se uma leve
brisa que me permitiu navegar, cerca de uma légua, águas
abaixo de Brantwood. Depois o vento refrescou. Preparei o
meu bote tão bem quanto possível, para receber a lufada;
mas, por um motivo qualquer, foi ele impelido para trás e
parecia querer girar sobre si mesmo quando foi apanhado
pelo vento.
Como quisesse evitar a verga, voltei a cabeça para trás, do
lado do leme, mas a cana veio bater-me na boca e me cortou
profundamente o lábio. Entretanto, consegui sem demora al-
cançá-la e, como tinha bom vento, pude voltar a Brantwood.
Depois de haver amarrado o bote no porto, dirigi-me para
casa, tratando de esconder, quanto possível, o que me suce-
dera à boca. Tomei um outro lenço, entrei na sala de jantar e
consegui contar coisa diferente a respeito da minha saída
matinal. Ao cabo de um instante, disse-me a esposa:
– Parece que estás com a boca ferida!
Então expliquei o que me acontecera e muito surpreendeu-
me o interesse extraordinário que notava em seu semblante;
ainda mais surpreso fiquei quando me contou ela que havia
despertado em sobressalto, crente de que recebera um golpe
na boca. Acontecera-lhe isso pelas 7 horas e poucos minu-
tos. Foi precisamente cerca dessa hora que o acidente devia
ter-se dado.
Artur Servern.”
No curso das dezoito primeiras edições deste livro (1900-
1906) tais observações da ação psíquica de um sobre outro
espírito detinham-se aqui, mau grado aos documentos mais
numerosos ainda que eu tinha entre as mãos. Depois recebi
grande número de novos documentos, entre os quais sobretudo
dois me parecem particularmente interessantes.
O primeiro procede do Sr. Dr. H. Viry, de Poitiers (1907).
Depois de haver confirmado o caso nº 1 das manifestações de
moribundos, mais acima descrito pelo general Parmentier, decla-
rando que nele se trata de sua avó, a Sra. Geschurnd, que pesso-
almente lhe fez a narrativa do fato, mostrando-lhe o vão da larga
janela onde se passou o fenômeno, acrescenta o doutor o seguin-
te caso:
“Tratava eu uma jovem parenta a cuja casa ia de bicicleta.
Tinha-a adormecido diversas vezes com um fim terapêutico
e ela se achava em “relação magnética” comigo. Uma tarde,
regressava eu à minha casa, de bicicleta, quando, a uns 20
metros do edifício, me senti com a perna esquerda presa um
pouco acima do tornozelo, a ponto de ser forçado a parar.
Salto para o chão, examino a bicicleta, torno a subir, dou ao
pedal duas voltas e torno a sentir a mesma retenção causada
por uma mão que me prende a perna no mesmo lugar. Vem-
me a idéia de que é a mão da minha parenta, que me detém;
volto-me, olho para a sua janela e vejo-a, efetivamente, com
seu pai, fazendo-me sinal para voltar.
Que se passou? no momento de minha partida, puseram-se
os dois à janela e seu pai lhe exprimira o pesar de não me ter
feito uma comunicação importante. A moça lhe respondera:
“Pois bem, vou detê-lo, prendendo-lhe a perna.”
A segunda observação é devida ao Dr. d’Ardenne, médico em
Tolosa (1903), e tem igualmente por objeto a projeção da vonta-
de a distância, sem palavra, nem ruído, nem contato. Eis o
relato:
“Antes de ter tido ocasião de ocupar-me pessoalmente de
hipnotismo e de observar por minha conta, assistira eu, di-
versas vezes, a sessões públicas organizadas, para as multi-
dões pagantes, por “magnetizadores” de profissão, doublés
de prestidigitadores (Donato, Verbeck, Caseneuve, Pick-
mann, etc.). Todo o mundo sabe que ao lado dos fenômenos
de hipnose clássica, reproduzidos milhares de vezes por mé-
dicos do maior mérito, que definitivamente entraram para o
domínio científico, não faltaram exibicionistas, como os de
que se trata, para apresentarem aos seus espectadores expe-
riências perturbadoras a seu modo – telepatia, sugestão men-
tal, etc. Trata-se, porém, de questões ainda relegadas ao os-
tracismo pela generalidade dos sábios, ainda que diversos
dentre eles, e não dos menores, se tenham mostrado muito
abalados por certos fatos sobremodo interessantes, e que al-
guns mesmo, após os ter admitido como incontestáveis, se
tenham retraído até encontrarem uma explicação racional
para os fatos em apreço.
Entre as experiências extracientíficas, uma das que mais
vivamente me tem interessado consiste no que denominarei
a atração a distância sem palavra nem contato. Vi a esse
respeito, notadamente Verbeck, sair-se maravilhosamente
bem com sonâmbulos colocados no fundo da cena, voltados
de costas para a sala e com os olhos vendados, que ele fazia
caminhar para o seu lado, de recuo em recuo, apenas execu-
tando, com as duas mãos, gestos de atração. No curioso vo-
lume do célebre magnetizador Lafontaine encontram-se vá-
rias observações desta natureza. Eis uma das mais notáveis:
“Em Orleans (edição de 1860, pág. 118), uma jovem cha-
mada Branca, e que diversos médicos me tinham feito mag-
netizar em sua presença, ofereceu-me o fenômeno da atração
em grau muito desenvolvido. Vi diversas pessoas bastante
vigorosas reterem-na com força, entre outros o Sr. Dani-
court, redator-proprietário do jornal Le Loiret e o Sr. de Sa-
int Maurice, redator do Orleanais, ambos empregando nesse
ato sua inteira força muscular, com risco de quebrar os
membros da moça; estava ela distante de mim uns 30 me-
tros. Logo que, por um sinal, eu a atraía a mim, apresentan-
do a ponta dos meus dedos e encurvando-os um pouco,
Branca, que me voltava as costas, fazia esforços sobre-
humanos para se desprender; não o podendo, arrastava esses
dois senhores, mau grado a toda a resistência que opunham.
Desde que a soltavam, ela caminhava de costas e caía em
meus braços, sem sentidos.”
Compreende-se bem que no tempo de Lafontaine a inter-
pretação desses fatos não podia deixar de ser errônea. Esta-
remos em condições, na hora atual, de dar-lhes uma explica-
ção mais satisfatória? Talvez seja permitido duvidar-se dis-
so. Como quer que seja, o importante seria, aguardando em-
bora essa explicação, verificar os casos ocorrentes; foi o que
me dispus a fazer na primeira ocasião.
Esta se me apresentou, pela primeira vez, em 1894.
Tratava eu, então, de uma histérica, a Srta. T., com a idade
de 40 anos, que me fora recomendada pelo professor Bon-
nemaison. Com o fim de tentar uma diversão e também para
tentar a lavagem do estômago contra acidentes gástricos re-
beldes, o eminente clínico confiara-me o cuidado, em 1889,
de submeter sua doente ao uso do tubo Faucher. Como, nes-
se comenos, ela tivesse morrido, fiquei encarregado, desde
então, de dirigir todo o tratamento; e não tardei em reconhe-
cer que a minha nova cliente realizava o tipo do que se con-
vencionou chamar “um sujet notável”.
Utilizando essas disposições especiais com o intuito de a-
tenuar as terríveis crises que se repetiam incessantemente,
fiz desde o começo, mas sobretudo em 1894, diversas tenta-
tivas de “atração”, cujo bom êxito foi além das minhas ex-
pectativas. Mas foi somente quatro anos mais tarde, no curso
de nova série de acidentes, que tive completo campo para a
realização das minhas experiências. Pratiquei-as durante a
mais profunda letargia, em começo com o auxílio de um
movimento das mãos (como Verbeck e como Lafontaine),
em seguida somente pelo olhar. Pareceram-me elas a tal
ponto concludentes, que tive a idéia de levá-las ao conheci-
mento do meu velho colega e amigo, professor Grasset.
Aceitei de bom grado suas explicações relativamente ao
que concerne à possibilidade da sugestão, por um gesto das
mãos. Confesso, porém, que me foi difícil admitir que um
simples olhar fosse de natureza a determinar uma sugestão.
Resolvi, pois, retomar as minhas experiências em condições
diferentes e mais rigorosas: 1º – agindo sobre a paciente em
letargia, através de um obstáculo material; 2º – agindo sobre
ela, quer em estado de sonambulismo, quer em estado de vi-
gília, mas depois que me tornasse invisível por sugestão.
O resultado, que foi absolutamente o mesmo, causou-me
admiração vizinha do espanto.
Cessando de operar com as mãos, procurei experimentar
apenas com o olhar: sentado em uma cadeira, por detrás do
espaldar da poltrona em que repousa a doente, e em uma po-
sição tal que me encontro inteiramente oculto, posso ficar
indefinidamente nessa posição, sem que suceda coisa algu-
ma. Basta, porém, que eu projete meu olhar sobre o espal-
dar, para que a atração se produza logo e a paciente se preci-
pite para o meu lado, depois de haver contornado sua poltro-
na.
O mesmo resultado se verifica se, achando-se o sujet em
estado de sonambulismo ou mesmo de vigília, me torno pre-
viamente invisível por sugestão – com a diferença apenas
que, neste caso, a enferma é consciente e se queixa energi-
camente de ser, a seu mau grado, atraída. Sucede, entretanto,
neste caso, que ela não vai tão diretamente ao alvo; tateia
para encontrar o meu corpo, quando está próxima dele, e,
não sem um vivo sentimento de despeito, pergunta onde es-
tou às pessoas presentes. Ontem eu fazia tais experiências
em estado de vigília. A Srta. T. estava quase encolerizada.
Depois de acalmá-la, consegui fazê-la sentar-se ao canto do
fogão e tomei uma poltrona defronte da sua. Ela estava com
frio nas mãos e aproximava-se do fogo, tremendo. Ao cabo
de um instante, olho-a fixamente; ela imediatamente se pre-
cipita para frente, reclamando energicamente de que eu não
a deixava aquecer-se.
– Aquecei-vos, pois!
– Sim, se não me forçásseis a correr para o vosso lado!
E a experiência é repetida dez vezes, vinte vezes, até que a
fadiga e a exasperação fossem tais que compreendi dever
pôr um fim a tais experiências. Se quero atrair a perna ou a
mão, consigo-o facilmente, fixando o meu olhar sobre essas
partes do corpo, exclusivamente.
Dir-se-á que o olhar é sentido, que os movimentos das
pálpebras são percebidos e que as sensações que daí resul-
tam são as causas da sugestão? Sem dúvida, parece necessá-
rio que uma advertência qualquer, emanada do hipnotizador,
chegue até a paciente. De que natureza, entretanto, é tal ad-
vertência?
O que tenho constatado firma-me, de uma forma absoluta,
na persuasão, em que eu já estava, de que não tinha havido
erro no caso. A atração, nas condições que especifiquei, é –
com relação à Srta. T. – um fato inegável e constante.
Chego, portanto, hoje às mesmas conclusões que prece-
dentemente, com esta única apreciação a mais: a de que te-
nho, presentemente, quase certeza de que o que é sentido é o
próprio olhar em si mesmo. O que me permitiu acreditá-lo é
que um estremecimento, por vezes bastante intenso, precede
imediatamente o movimento de atração. Acabei por adquirir
a convicção de que alguma coisa escapava dos meus olhos
para ir assaltar os centros automáticos da paciente, por in-
termédio dos nervos sensitivos cutâneos.
Enfim, no curso das minhas experiências com o paciente
desperto (quando me tornava invisível por sugestão pós-
hipnótica) aproveitei a plenitude de consciência de que des-
frutava a Srta. T. que é, aliás, muito inteligente, para pedir-
lhe que me explicasse por que se precipitava assim, de re-
pente, em direção a mim. Ela me respondeu textualmente:
– Sou impelida por uma força irresistível, da qual não pos-
so discernir nem a origem nem a natureza. Experimento a
necessidade de levantar-me; devo caminhar; é necessário
que vá ao vosso encontro!
Eu – Essa necessidade de seguir-me é tão urgente como no
momento da projeção do olhar (fascinação)?
Ela – É um pouco menos forte, ainda que invisível. No
segundo caso eu quebraria tudo!
Em realidade, o que lhe é dado distinguir, de mais claro,
nessa aventura que a espanta extraordinariamente e mesmo,
em verdade, a humilha, é que o “seu hipnotizador assim o
quer”; que ela se sente, mau grado seu, invencivelmente, fa-
talmente, sob o império dessa estranha vontade, sem que lhe
seja possível explicar por que e como a coisa é assim.
Em conclusão, parece-me evidente que o gesto das mãos e
o próprio olhar são percebidos e sentidos pelo sujet, mesmo
a distância, mesmo através de um corpo sólido, e que disso
resulta uma sugestão (na espécie, atração, sempre, seja total,
seja parcial).
Resta saber qual é, em semelhante caso, o traço de união
entre o hipnotizador e o sujet...”
Poderíamos ainda multiplicar indefinidamente esses exem-
plos. Quer nos parecer que os nossos leitores estão completa-
mente edificados também, quanto à certeza da transmissão de
pensamentos, de impressões e de sensações.
Admitiremos, pois, como demonstrada, a ação de um espírito
sobre outro, a transmissão do pensamento, a sugestão mental,
ainda que o fato seja contestado por grande número de sábios,
mesmo especialistas. Assim, por exemplo, o Dr. Bottey afirma
que “a pretensa transmissão do pensamento, a vista dupla, não
poderiam existir e que tal coisa não passa de uma charlatanice
explorada pelos magnetizadores”.82 Parece-nos que a falsa
moeda não impede que a legítima também exista.
Grande número de sábios professam a mesma negação para
com essas transmissões psíquicas, especialmente na Inglaterra,
onde Sir William Thomson (Lord Kelvin) e Tyndall tornaram-se
particularmente notáveis pelo profundo desprezo que afetavam
por essa espécie de estudos.
O astrônomo francês Laplace dava provas de espírito bem su-
perior, quando escrevia:83
“Os singulares fenômenos que resultam da extrema sensibili-
dade dos nervos, em certos indivíduos, deram nascimento a
diversas opiniões sobre a existência de um novo agente, a que
chamaram magnetismo animal. É natural que se acredite ser
muito fraca a causa desta ação, e talvez mesmo facilmente
perturbada por grande número de circunstâncias acidentais;
todavia não se deve concluir que ela deixe de existir, pelo fato de
se não haver manifestado em diversos casos. Estamos tão longe
de conhecer todos os agentes da Natureza e seus diversos modos
de ação que seria pouco filosófico negar a existência de fenôme-
nos, unicamente porque são inexplicáveis no estado atual de
nossos conhecimentos.”
Aí estão palavras dignas de serem meditadas por aqueles que
se sentissem tentados a pronunciar aqui a palavra impossível; a
outros, que temem sobretudo o ridículo, aconselham elas pelo
menos a prudência na crítica.
Admite-se, em Física, que o éter, esse fluido imponderável,
considerado como o elemento que enche o espaço, atravessa
todos os corpos e que, mesmo nos mais densos minerais, os
átomos não se tocam e flutuam, de alguma sorte, no éter.
Esse fluido transmite, através da imensidade, os movimentos
ondulatórios produzidos em seu seio pelas vibrações luminosas
das estrelas: transmite a luz, o calor, a atração, a distâncias
consideráveis.
Que haveria de inadmissível em que, penetrando, como ele o
faz em realidade, nos cérebros em vibração, transmita igualmen-
te a distância as correntes que invadem as nossas cabeças e
estabeleça verdadeira permuta de simpatias e de idéias entre os
seres pensantes, entre os habitantes de um mesmo mundo e quem
sabe mesmo se, através do espaço, entre a Terra e o céu?
Podemos conceber que, em certos casos, em certas condições,
um movimento vibratório, uma irradiação, uma corrente mais ou
menos intensa, sejam projetados de um ponto do cérebro e vão
repercutir em outro cérebro, comunicar-lhe uma excitação súbita,
que se traduza em sensação auditiva ou visual. Os nervos se
acham de tal ou tal modo abalados. Aqui, acreditar-se-ia estar
vendo ou reconhecer o ente querido, de quem partiu a comoção;
lá, julgar-se-ia ouvi-lo; alhures, a excitação cerebral se traduzirá
pela ilusão de um ruído, de um movimento de objetos. Todas
essas impressões, porém, se passam no cérebro do sujet, como
em estado de sonho. Aliás, no estado normal, não percebemos
igualmente as coisas senão por uma excitação cerebral, obscura-
mente processada no interior de nossos crânios.
O cérebro, material, localizado no crânio, é um órgão de onde
emanam radiações, um foco que irradia em seu derredor, como
um sino em vibração, como um centro luminoso ou calórico, e
emite ondas físicas análogas às da luz? ou antes é o espírito um
foco de outra espécie, mais etéreo, de natureza psíquica, que
emite radiações invisíveis de grande poder e que se podem
transportar a grandes distâncias? O fato da existência de uma
radiação emanada do ser pensante parece necessário para expli-
car os fatos observados, quer proceda ela do espírito ou do
cérebro. Efetua-se ela em ondas esféricas? Projeta-se ela em
jatos retilíneos? Está aí em jogo a eletricidade? (ela existe certa-
mente no organismo humano e eu tive disso a prova um cento de
vezes). Nada mais podemos fazer, por enquanto, do que propor a
questão. Mas o fato da ação da alma a distância está presente-
mente demonstrado, e eu peço aos leitores que não me atribuam
coisa diferente do que o que escrevi.
Proponho as hipóteses explicativas, simplesmente como inter-
rogações. Há cem anos a teoria da emissão era admitida, ensina-
da pela Ciência. Hoje está abandonada e substituída pela teoria
das ondulações do éter. Nada, porém, nos prova que esta possa
dar explicação a tudo, principalmente aos fatos de ordem psíqui-
ca. Não é absolutamente necessário explicar uma coisa, para
admiti-la: recebeis um soco violento; voltando-se, não vedes
ninguém. Nem por isso deixastes de receber o golpe inexplicável
– e sois forçado a registrá-lo. A importância, o valor essencial
desta obra, é provar que tais fatos existem, que há uma ordem de
coisas, invisível e desconhecida, ao lado do mundo visível e
conhecido, e que esse desconhecido merece estudado.
A ação a distância de um ser sobre outro é um fato científico
tão certo como a existência de Paris, de Napoleão, do oxigênio
ou de Sírius.
As pesquisas empreendidas em nosso trabalho, mesmo que se
detivessem aqui, servindo exclusivamente para afirmar o fato a
que acima nos referimos, teriam a mais alta importância e não
lamentaríamos havê-las empreendido. Elas, porém, conduzem a
muitas outras constatações não menos audaciosas, não menos
surpreendentes e não menos verdadeiras.
Ensinam os ocultistas que o homem é composto de três par-
tes: a alma, o corpo astral e o corpo físico, e explicam as mani-
festações dizendo que o corpo astral do moribundo se escapa e se
transporta para junto da pessoa impressionada.
Não nos parece esta explicação satisfatória, por causa da di-
versidade de impressões. Uns são advertidos de uma morte pela
visita de um gato, de um pássaro, de um cão; pelo suposto abrir
ou fechar de um postigo, de uma janela, de uma porta; por meio
de pancadas ou de passos ouvidos; por aparições de seres, sem-
pre vestidos; por pedidos de preces, quando se trata de mortos,
para se verem livres do purgatório. Aí estão, evidentemente,
impressões pessoais produzidas por uma causa telepática, e não
manifestações de um corpo astral que se tivesse transportado.
Proclama-se, por vezes, nas ciências, como princípio axiomá-
tico, que uma hipótese deve abranger uma explicação completa.
Eis aí um erro. Uma hipótese pode explicar certos fatos e não
explicar outros.
É o que sucede no caso de que nos ocupamos. Mas não con-
sideremos como menos demonstrada a ação psíquica de um
espírito sobre outro, a distância e sem o intermédio dos sentidos,
ainda que esta ação não possa tudo explicar.
Ela explica as impressões do cérebro, as aparições fictícias.
Não explica os movimentos reais dos objetos.
Uma teoria que explicava grande número das impressões
mencionadas seria esta:
Uma pessoa, na ocasião de morrer, querendo-o ou não o que-
rendo (a examinar), produziria no éter um movimento que iria
impressionar um cérebro a vibrar sincronicamente e determinaria
neste cérebro, do lado da região onde terminassem os nervos
ópticos e auditivos, uma impressão que sofreria variações segun-
do o estado particular dessa região do percipiente.
Por exemplo (carta 610, caso CLI), uma criança que tinha
paixão pelas aves ouve um pio de pássaro, que o leva a procurar
esse pássaro. Sabe-se, no dia seguinte, da morte de um parente.
Não tenhamos, porém, a pretensão de saber, ao primeiro es-
forço, de que modo se opera a transmissão. A hipótese de vibra-
ções esféricas ondulatórias do éter parece a mais racional; não
basta, entretanto, para explicar todos os casos. Uma espécie de
projeção do pensamento parece manifestar-se nos casos de
transmissão mental magnética, que se poderia por vezes compa-
rar a um chamado silencioso. Entretanto, em um chamado, em
um grito, mesmo lançado expressamente para determinada
direção, o som também é transmitido por ondulações esféricas
através da atmosfera, do mesmo modo que a luz através do
espaço. Produzir-se-á, porventura, uma projeção mais completa
do espírito, uma espécie de exteriorização de força que se esca-
paria do ser em perigo de morte, para ir tocar no amigo a que se
dirige? A hipótese é sustentável. Parece mesmo, por vezes, que o
“fantasma” constituído pelo ser subconsciente do sujet – causa
do efeito observado – tenha arrebatado consigo alguns elementos
materiais do organismo.84
Uma projeção de forças psíquicas pode transformar-se em e-
feitos físicos, elétricos, mecânicos. A correlação das forças, suas
mútuas transformações, ressaltam, até à evidência, dos estudos
modernos. O movimento, o calor, não se transformam, todos os
dias, em eletricidade? Quando Crémieux, que fora fuzilado, faz
ouvir a Clóvis Hugues pancadas desferidas em sua mesa, é
possível que não haja nisso uma influência cerebral, mas uma
produção real de pancadas. Podem não ser sempre tais efeitos
fictícios, subjetivos. As impressões produzidas sobre os animais,
um plano que toca inteiramente só, um serviço de porcelana
atirado ao chão, as sensações coletivas indicam realidades obje-
tivas. Não somos, porém, de opinião que os elementos do pro-
blema estejam assaz estudados, quanto ao presente, para autori-
zarem uma conclusão definitiva, tanto mais que mui freqüente-
mente parece certo que o moribundo não tenha podido pensar, de
modo algum, na pessoa que soube telepaticamente de sua morte.
Talvez que espírito, força, matéria não sejam mais do que
manifestações diversas de uma mesma entidade inacessível aos
nossos sentidos. Talvez exista um princípio único, ao mesmo
tempo inteligência, força e matéria, compreendendo tudo que
existe e tudo que é possível, causa primária e causa final, cujas
diferenciações não seriam mais do que formas diversas de mo-
vimento. Assinalemos a este propósito, de passagem, que se o
pensamento não deve mais ser considerado como uma secreção
da matéria, mas sim como forma de movimento do princípio
único, não é lógico afirmar o aniquilamento da inteligência pela
morte do organismo.
Sem dúvida, não representam as manifestações de moribun-
dos um fato geral, uma lei da Natureza, uma função da vida ou
da morte, não parecendo elas mais do que uma exceção sem
causa conhecida e sem razão aparente. A proporção não chega a
ser talvez de 1 para 1.000 mortos. Esta proporção daria ainda
cerca de 50 manifestações de moribundos por ano em Paris.
Verificar-se-á mesmo esse número?
A eletricidade atmosférica nem sempre se traduz no deflagrar
do raio.
Não são nem a inteligência, nem o saber, nem o valor moral,
quer do ser que morre, quer do que recebe a manifestação, que
causam e orientam essas comunicações. Nelas as leis aparentes
não são mais distintas do que nos efeitos do raio. Uma faísca
elétrica vai ferir um ser vivo, um objeto, por efeito de uma
circunstância ocasional, sem que a Ciência lhe descubra as
causas.
Contudo estas constatações psíquicas diversas nos encami-
nham os passos para uma ordem de coisas digna de toda a nossa
atenção. Le Verrier freqüentemente externava-me o pensamento
de que na Ciência o que há de mais interessante são as anomali-
as, as exceções. Sabia-o, de alguma sorte, por causa da descober-
ta de Netuno.
Podemos dizer com Carl du Prel que, enquanto houver possi-
bilidade de progresso, haverá fenômenos por explicar, e que
quanto mais esses fenômenos nos pareçam impossíveis, tanto
mais serão eles de natureza a fazer-nos avançar no conhecimento
do enigma do Universo.
Acrescentaremos, com os autores dos Phantasms of the Li-
ving, que se pronunciou um divórcio entre as opiniões científicas
dos homens cultos e as suas crenças. A velha ortodoxia religiosa,
sendo muito estreita para conter a ciência do homem, a nova
ortodoxia materialista, a seu turno, tornou-se demasiado estreita
para conter as suas aspirações e os seus sentimentos. É chegado
o momento de nos elevarmos acima do ponto de vista materialis-
ta e de chegar a concepções que nos permitam considerar como
possíveis essas sutis comunicações entre as coisas visíveis e
invisíveis, cuja idéia fecundou, em todos os tempos, a Arte e a
Literatura:
Star to star vibrates light; may soul do soul
Strike thro’some finer element of her own?
O amante, o poeta, todos os que sentiram entusiasmo por uma
causa generosa, têm, em todos os séculos, inconscientemente
respondido a esta interrogação de Tennyson. Para alguns, como,
por exemplo, Goethe, em certas horas de arrebatamento, esta
sutil comunhão dos espíritos aparece com uma luminosa clarida-
de. Para outros, como Bacon, esta convicção se foi formando
lentamente com os mínimos subsídios que o estudo cotidiano do
homem vai revelando. Mas, pela primeira vez, sabemos que
essas mensagens mudas viajam verdadeiramente, que essas
impressões se expandem e se transmitem.
Dizemos que essa força é de ordem psíquica e não física, ou
fisiológica, ou química, ou mecânica, porque ela produz e trans-
mite idéias, pensamentos, exercendo-se sem o concurso de
nossos sentidos, de alma para alma, de espírito a espírito.
Nossa força psíquica dá, sem dúvida, nascimento a um mo-
vimento etéreo, que se transmite ao longe como todas as vibra-
ções do éter, e se torna sensível para os cérebros em harmonia
com o nosso. A transformação de uma ação psíquica em movi-
mento etéreo, e reciprocamente, pode ser análoga à que se obser-
va no telefone, em que a placa receptiva, idêntica à placa de
transmissão, reconstitui o movimento, não por meio do som, mas
da eletricidade. Isso não passa, entretanto, de simples compara-
ção.
A ação de um espírito sobre outro, a distância, sobretudo em
circunstâncias tão graves como a da morte, e da morte súbita em
particular, a transmissão do pensamento, a sugestão mental, a
comunicação a distância, não são mais extraordinárias que a ação
do ímã sobre o ferro, a atração da Lua sobre o mar, o transporte
da voz humana pela eletricidade, a revelação da constituição
química de uma estrela pela análise da sua luz; do que todas as
maravilhas da ciência contemporânea. A diferença que há consis-
te apenas em que tais transmissões psíquicas são de ordem mais
elevada e podem pôr-nos a caminho do conhecimento do ser
humano.
A seqüência gradual do nosso exame levar-nos-á, provavel-
mente, a admitir que há aparições reais, objetivas, substanciais,
duplos de pessoas vivas e talvez mesmo manifestações de mor-
tos. Não antecipemos, porém.
Como quer que seja:
A telepatia pode e deve ser inscrita doravante na Ciência,
como realidade incontestável.
Os espíritos podem agir uns sobre os outros sem o intermé-
dio dos sentidos.
A força psíquica existe. Sua natureza permanece desconhe-
cida.
VII
O mundo dos sonhos

Diversidade indefinida dos sonhos. – Fisiologia cerebral. –


Sonhos psíquicos: manifestações de moribundos recebi-
das durante o sono. – A telepatia nos sonhos.

Os fenômenos psíquicos com que nos acabamos de ocupar


podem produzir-se durante o sono, tanto quanto no estado de
vigília. Até ao presente, o sono e os sonhos têm sido muito
estudados, é certo, por grande número de observadores perspica-
zes;85 mas é preciso confessar que eles se acham ainda incomple-
tamente elucidados. O sono não é um estado excepcional em
nossa vida; é, pelo contrário, uma função normal de nossa exis-
tência orgânica, da qual representa, pelo menos, um terço. O
homem ou a mulher, que viveu 60 anos, dormiu 20, pouco mais
ou menos. As horas de sono (3.000 por ano!) são, sem contradi-
ta, horas de repouso, de reparação vital, tanto para o cérebro
como para os membros em repouso; não são, porém, horas de
morte. Nossas faculdades intelectuais permanecem em atividade,
com a diferença de que é o inconsciente que age, e não a nossa
lógica consciente do estado de vigília.
Do mesmo modo que pensamos constantemente em uma ou
outra coisa, em estado de vigília, sonhamos constantemente,
durante o sono, quer-nos parecer. O sonho é a imagem da vida.
Aqueles cujas idéias são vigorosas, cujos pensamentos são
poderosos, têm sonhos intensos. Os que pouco pensam, fraca-
mente sonham. Há número igual de sonhos e de idéias e todas as
classificações tentadas têm sido quase todas vãs e ilusórias.
Nem sempre nos lembramos dos sonhos. Aliás não nos recor-
damos de três quartas partes dos pensamentos que atravessaram
nosso cérebro durante o dia. Para fixar um sonho, à sua passa-
gem, cumpre despertar bruscamente e prestar viva atenção a ele,
pois que não há o que se desvaneça mais depressa do que um
sonho. Em geral é coisa de um ou dois segundos e, se não o
fixamos imediatamente, ele se desvanece... como um sonho.
Grande número de autores asseguram que somente sonhamos
pela manhã, antes de despertar, ou à noite quando acabamos de
adormecer. Entretanto, basta que despertemos – ou que se des-
perte alguém – a qualquer hora da noite, para constatar que se
estava sonhando.
Afirma-se também que o sonho é produzido pelo ato de des-
pertar. De forma alguma, evidentemente, pois que nos sentimos
por vezes muito felizes de nos livrarmos de um pesadelo, e
certos sonhos são bastante violentos para obrigar-nos a despertar.
A questão do sono completo, do repouso absoluto do espírito,
não me parece resolvida.
Em geral sonhamos com as coisas de que nos ocupamos e
com as pessoas que conhecemos. Há, entretanto, exceções estra-
nhas, e os pensamentos mais intensos do dia, por vezes, não têm
repercussão alguma durante o sono que se lhes segue. As células
cerebrais que estiveram associadas a esses pensamentos estão
exaustas e repousam, e quase sempre isso nos proporciona
felicidade. Por outro lado, o tempo e o espaço desaparecem.
Acontecimentos de várias horas, mesmo de vários dias, podem
desenrolar-se em um segundo. Podeis recuar a grande número de
anos no passado, à vossa infância, com pessoas mortas desde
muito tempo, sem que essas longínquas recordações pareçam
enfraquecidas. Encontrais em sonho, sem espanto, personagens
de um outro século. Pode-se também sonhar com coisas que
jamais sucederam e que seriam aliás impossíveis. Imagens
extravagantes e burlescas, das mais disparatadas, associam-se
sem a menor verossimilhança.
Certos sonhos provêm, mesmo, de uma transmissão hereditá-
ria.
Mil causas diversas atuam sobre os sonhos, exteriormente ao
próprio espírito: uma digestão difícil, uma respiração contrafeita,
qualquer má posição do corpo, o roçar do lençol, da camisa; uma
coberta muito pesada, um resfriado, um barulho, uma luz, um
odor qualquer, o contato das mãos, a fome, a sede, a plenitude
dos tecidos, tudo atua sobre os sonhos.
Pode-se assinalar, por exemplo, a este propósito, uma aluci-
nação hipnagógica assaz freqüente, aquela que nos faz cair em
um buraco, tropeçar em um degrau de escada, tombar ao fundo
de um precipício. Ela se manifesta geralmente um pouco depois
do começo de nosso sono, no momento em que os membros,
relaxando-se inteiramente, fazem, parece-me, mudar de súbito de
lugar o centro de gravidade de nosso corpo. Sem dúvida é esse
deslocamento subitâneo de nosso centro de gravidade que dá
origem a esse gênero de sonhos. Quando nos ocuparmos do
tempo, teremos ocasião de voltar a tratar da admirável rapidez
dos sonhos.
As atitudes do sono tendem a um equilíbrio passivo. Todas as
atividades sensoriais se obscurecem gradativamente e o olvido
do mundo exterior chega por transições insensíveis, como se a
alma se retirasse lentamente para os seus mais íntimos redutos.
Cerram-se as pálpebras e os olhos são os primeiros a adormecer,
velando o sentido da vista. Em seguida perde o tato suas facul-
dades de percepção e logo adormece. O olfato por sua vez se
amortece. O último a retirar-se é o sentido da audição, sentinela
vigilante, para advertir-nos em caso de perigo, mas também ele
acaba cedendo. então o sono é completo e o mundo dos sonhos
se abre diante do pensamento com sua infinita diversidade.
Na minha juventude, entre os 19 e 23 anos, divertia-me em
observar os meus sonhos e em escrevê-los ao despertar, com os
comentário que podiam explicá-los. Continuei depois, mui
raramente porém, a tomar novas notas a esse respeito. Acabo de
encontrar esse registro, assaz volumoso.
Tirara eu desses sonhos certas conclusões interessantes.
Desse registro inédito extrairei alguns sonhos e algumas re-
flexões que me parecem ter todo cabimento nesta parte do pre-
sente livro.
Deixara eu o Observatório de Paris, em conseqüência de dis-
sentimento com o respectivo diretor, Le Verrier, e fora encarre-
gado, no Departamento das Longitudes, dos cálculos relativos às
posições futuras da Lua. Sonho que estou no Palais Royal, na
galeria de Orleães, em companhia do livreiro Ledoyen, e que o
Sr. Le Verrier entra e compra a minha primeira obra, A Plurali-
dade dos Mundos Habitados.
Vendo-me lá, pergunta o comprador, olhando para mim:
– É dele?
– Sim, senhor senador – responde o livreiro – e é esse o nosso
maior êxito de livraria.
Havia diversas pessoas no estabelecimento. Desaparecem to-
das elas, como por encanto, e encontro-me a sós com Le Verrier,
em imenso salão de hotel.
– Estais satisfeito no Departamento das Longitudes – pergun-
ta-me ele – com os Matheu, os Langier, os Delaunay? Melhor
faríeis em voltar para o Observatório.
– Estou muitíssimo bem – repliquei –. Aqueles cálculos são
mais interessantes do que as vossas reduções de observações.
– Lá, não tendes futuro! – continuou ele –. Em vosso lugar,
eu entraria para um Ministério.
– O Sr. Rouland recebeu um pedido para admitir-me nos tra-
balhos públicos, na repartição de estatística de França.
– Rouland? Não: Legoix.
– Tendes razão. Mas recusei. A Astronomia está acima de tu-
do.
– Entretanto, na vida o principal é ter-se boa colocação.
– Não estamos na Terra para comer, mas para nutrir nosso
espírito com os alimentos que ele prefere.
– Sois muito desinteressado! Não alcançareis nada.
– Não compreendemos do mesmo modo a Ciência. Para mim,
ela não é um meio: tem em si mesma a sua própria finalidade.
– Poderia confiar-vos no Observatório um cargo importante,
mas seria preciso para tanto que vos demitísseis imediatamente
do Departamento das Longitudes e que eu tivesse a garantia de
que não deixaríeis mais o Observatório.
– E por que deixaria eu uma situação que realizaria uma parte
das minhas esperanças?
– O que chamais a filosofia astronômica é uma quimera. A
Astronomia é o cálculo.
– O Cálculo serve-lhe de base, nada mais.
– Veremos – acrescentou ele, rodando sobre a perna direita e,
dirigindo-se para uma porta alcatifada que conduzia, como
pareceu-me na ocasião, ao apartamento que ocupava no hotel,
deixou-me a sós com as minhas reflexões.
Levantei-me: batiam 7 horas.
Este sonho se explica mui facilmente pelas minhas preocupa-
ções nessa época. Nele o ilustre astrônomo conserva, de um
modo absoluto, o caráter sob o qual eu o conhecia. A substitui-
ção do nome de Rouland, ministro da Instrução Pública, pelo
nome de Rouher, ministro dos Trabalhos Públicos, pode ter tido
por causa a similitude dos dois nomes e a circunstância de que eu
via mais freqüentemente este nome do que o segundo. O Sr.
Legoix era então chefe do Departamento da Estatística e ele
insistiu comigo, efetivamente, para entrar para esse departamen-
to. Le Verrier, em todas as ocasiões, testemunhava profundo
desdém pelo Departamento das Longitudes. Tal sonho é, portan-
to, muito simplesmente, o reflexo, o eco de pensamentos reais.
É sobremodo razoável. Todos nós temos outros que o são
muito menos. Eis aqui um que termina de forma bem extrava-
gante.
Encontro o meu amigo Dr. Eduardo Fournié, que me censura
por ter deixado de visitá-lo há muito tempo e que acrescenta:
– Estas censuras não partem unicamente de mim, mas tam-
bém da Srta. A., que se queixa da vossa indiferença. Ela não vos
teve para dançar, no baile da Sra. F.; mostrou-se indignada,
porque lhe disseram que tínheis ido a uma outra soirée, e sua
mágoa, de que não podia falar a ninguém, levou esta pobre
criança a ser acometida de febre cerebral. Um estudante de
Medicina, que se especializa em cirurgia, tratou-a, conseguindo
salvá-la. Curou-a, não somente dessa febre, mas também da
causa de tal enfermidade, porquanto desde que ele notou a fève
conjugale, tornou-se apaixonadamente amoroso, ela correspon-
deu ao seu amor e agora é a ele que a senhorita ama. Está em
plena convalescença.
Leio na anotação feita a este sonho: “Eu conhecia a Srta. A.,
tinha por ela uma viva admiração e lhe dedicara o meu romance
Se tu soubesses; não acreditava, porém, numa reciprocidade de
sua parte. Encontrara em casa do Dr. Fournié um jovem cirurgi-
ão do Val de Grâce, trajando com muita elegância, que me
pareceu fazer a corte à mesma senhorita. Fiquei despeitado com
isso e retirei-me. O sonho não é, portanto, até aqui, mais do que
uma associação de idéias habituais. Mas a expressão fêve conju-
gale é curiosa no sentido de parecer uma deformação da asso-
nância febre cerebral. Ela é sobremaneira extravagante, ainda
que lembre até certo ponto a metamorfose, no sonho precedente,
de Rouher em Rouland. Sente-se que as células do encéfalo
trabalham, no caso em apreço, de um modo obscuro no inconsci-
ente. Talvez mesmo, reportando-nos à situação do sonho, pudés-
semos achar uma outra aproximação de imagens, que poderá ter
dado nascimento, em cerebração inconsciente rápida, a esta
expressão singular...”
Em outro sonho, encontro-me nas últimas fileiras de um e-
xército em combate. Passam por mim as balas, enormes balas de
canhão se sucedem, mas nenhum ruído. Eu via as grandes balas
virem e me voltava, ora à esquerda, ora à direita, segundo sua
direção. Sucederam-se elas, porém, a intervalos tão curtos, que
pensei não ter nada melhor a fazer do que deixar de mover-me,
porque, evitando uma, podia achar-me sob a visada de outra.
Disse para comigo, então: “Quanto os homens são irracionais,
para se divertirem desse modo! Não têm eles, então, outra coisa
a fazer?”
A explicação deste sonho é igualmente muito simples. Eu ha-
via tirado, na conscrição, 15 dias antes, um mau número. O que
há talvez de mais curioso são essas balas inofensivas chegando
sem ruído e que se viam quando vinham.
Outro sonho
Estávamos várias pessoas em uma praça pública. Nos ares,
acima de nossas cabeças, um imenso balão parece lutar desespe-
radamente contra o vento. De repente, ele se revira completa-
mente, ficando a “nacelle” para cima. A multidão comprime-se,
esperando ver cair o aeronauta. Mas abre-se um pára-quedas no
espaço e o aeronauta desce.
Este sonho é extravagante. É difícil de imaginar que um balão
possa revirar-se desse modo. Vêem-se em sonhos coisas desarra-
zoadas e que se não podem dar. Várias semanas depois, o Sr. de
la Landelle anunciava a partida de um balão monstruoso.
– Sonho que diversas mulheres me acompanham na rua. Sen-
do a última notavelmente jovem e graciosa, volto-me para con-
templá-la. Eis, porém, que escuto umas pessoas dizerem: “É o
presidente! é o presidente!” Fiquei envergonhado e prossegui
meu caminho.
Eu era então presidente de uma pequena sociedade de moços
que consagravam seus lazeres à literatura. Procedi em sonho
como teria procedido acordado.
– Hoje, 5 de outubro de 1863, a Srta. K. D. conta-me que so-
nhou ter-me visto no céu, do outro lado da Lua, com um com-
passo de ouro em punho, medindo grandezas desconhecidas. De
repente desço rapidamente em direção a ela, para lhe dizer que lá
se achava um novo planeta, que não se conhecia ainda.
Recebo hoje mesmo o número 1439 da revista Astronomische
Nachrichten, que noticia que um novo planeta vem de ser desco-
berto. Ninguém o sabe ainda em França e eu o noticiarei no
Cosmos.
Não há, seguramente, nisso mais do que uma simples coinci-
dência. Por essa mesma data eu li nesse registro a seguinte nota:
“O Dr. Hoefer, diretor da Biografia Geral, publicada pela Ca-
sa Didot, dizia-me ontem que os sonhos representam operações
da alma, complexas e difíceis de determinar. No artigo sobre
Humboldt, ele escrevera que a Alemanha podia orgulhar-se de
dois grandes homens, bem diferentes quanto ao gênio: Frederico,
o Grande, e Alexandre de Humboldt. Este, a quem enviara ele
uma prova, escreveu-lhe pedindo, de joelhos, que suprimisse tal
comparação, supondo-se muito pequeno para ser chamado gênio
na pátria de Leibniz, e muito ligado às idéias de liberdade, para
ser posto em tão íntima companhia de Frederico.”
O Dr. Hoefer vinha transferindo sempre de um dia para outro
sua resposta a esta carta, quando soube da morte do ilustre sábio.
Cerca de dois meses depois, sonhou que se encontrava em um
imenso e esplêndido salão, brilhantemente decorado, no qual um
auditório atento escutava um orador. Este orador era ele próprio.
Eis, porém, que, percorrendo com o olhar o auditório, reconhece
seu amigo Humboldt:
– Oh! – exclamou ele, de súbito, interrompendo-se em seu
discurso –, como, sois vós? Disseram-me que tínheis morrido.
– Não, meu caro – respondeu Humboldt, com seu sorriso ha-
bitual –, era um gracejo. Fiz circular o boato da minha morte,
mas bem vedes que não é exato.
Tal sonho é ainda o resultado das preocupações habituais, e
Humboldt, falecido, aí aparece provavelmente por acaso.
– Assisto a uma sessão de Espiritismo, na qual o Sr. Mathieu,
decano do Departamento das Longitudes e da Academia de
Ciências (cunhado de Arago) era médium. Trazem-me a cabeça
de meu pai, muito bela, como se fosse moldada em cera ou
marfim.
Não me sinto demasiado impressionado por este quadro, tanto
mais que meu pai, bem vivo nesse sonho, como o estava em
realidade, assistia a esta exibição e não queria de modo algum
acreditar no que ocorria.
A classificar entre as absurdidades mais estupefacientes.
– Parto do Observatório, onde se achava o escritório dos cál-
culos do Departamento das Longitudes (falso: estava então à rua
Notre-Dame-des-Champs) e onde acabava de erguer um toast “à
demissão do Sr. Le Verrier”, atravesso um pátio de estilo gótico
da Idade Média, que não existe, e vou a Mont Rouge: lá ergui-
am-se as muralhas da cidade de Langres e sua amplíssima paisa-
gem.
Associações de imagens e de idéias contraditórias.
– Vejo em sonhos homens voadores que passavam por cima
da rua de Rivoli. Entre eles estava meu tio Carlos, que acabava
de chegar da América em sua companhia.
Eu preparava então (1864) minha segunda obra: Os Mundos
Imaginários, onde se trata dos homens voadores, e nas sessões
de Espiritismo eram recebidas comunicações assinadas por esse
meu tio Carlos (que não era, entretanto, falecido).
– Após o baile da Ópera; a orquestra continua a tocar, não
cessam as danças, as aventuras e as intrigas prosseguem como
em sua realidade.
Sensações da véspera, que ainda perduram.
– Magnífico dia passado em Atenas. Fazia eu pequena via-
gem e lá cheguei fortuitamente antes do nascer do Sol. Achava-
me sobre a Acrópole, em face de magnífico panorama. Vagueava
entre monumentos, túmulos e mármore branco, estátuas caídas
por terra.
Pura imaginação.
– O Sr. Le Verrier mostra-se freqüentemente em meus so-
nhos. Decididamente, ocupa-me ele mais a noite do que o dia.
Esta noite achava-me no pavilhão da guarda do Observatório.
Era tarde. A Sra. Le Verrier vem procurar-me e conversa comigo
com a maior amabilidade deste mundo. Passeamos os dois pelos
jardins. Assegurou-me que seu marido sentir-se-ia muito feliz de
me tornar a ver, que eu teria um instrumento à minha disposição
para observar quando quisesse, que eu seria independente, mui-
tas coisas, enfim, inverossímeis e impossíveis.
Copio textualmente. Dez anos depois, era isso que precisa-
mente acontecia: o Sr. Le Verrier punha à minha disposição a
grande equatorial para as minhas mensurações de estrelas duplas.
Não se trata, por isso, entretanto, de um sonho premonitório.
Simples associações de idéias o explicam completamente.
Eis aqui um fragmento de carta, que eu hesitava em imprimir
(muitos sonhos, certamente, não o podem ser), e que, entretanto,
parece-me, pode ser lido. Eu tinha um colega chamado Sazin:
“Voltando ontem à noite de tua casa – escreveu-me ele –,
com Laurent, Deflandre e Gonet, não fiz encontro algum que
tenha podido originar o sonho que tive esta noite. Cerca de hora
e meia adormeci. Sonhei que me encontrava contigo no bulevar.
Uma mulher de modos levianos, que eu conhecia, passou e foi
abordada por um homem que seguiu com ela. Eu os segui (em
sonho) e fiquei no quarto, como espectador invisível. O homem
era alto e louro, com o ar de um inglês. Eu não o conhecia. Qual
não foi a minha surpresa, quando, esta manhã, ao passar, vi sair
do nº 68 da rua da Vitória essa mesma mulher com esse mesmo
homem!”
Este caso é interessante, sem ser probante. Não é impossível
que, sem o notar, o autor já tivesse encontrado esse senhor louro
em seu quarteirão, ou talvez mesmo naquela noite, não longe da
mulher em questão. Pode o sonho tê-los associado. Não o deixa
de ser menos curioso como coincidência.
– Encontro no jardim do Luxembourg o Sr. Desains, membro
do Instituto, professor da Sorbonne, físico do Observatório (o
que tem acontecido mui freqüentemente), que me diz estar
escrevendo uma obra sobre os homens dos planetas, o qual seria
uma restauração da teoria de Wolff, segundo a qual o talhe dos
seres está em proporção com a dimensão dos olhos, e os olhos
em proporção com a dilatação da retina, sendo esta inversamente
proporcional à intensidade, de modo que em nosso sistema solar
os habitantes de Mercúrio seriam os menores e os de Netuno os
mais gigantescos.
Respondo-lhe que esta hipótese não tem fundamento, que os
elefantes têm olhos pequenos em relação à sua corpulência, que
os mochos os têm grandes e não são gigantescos.
– É para vós que trabalho – acrescenta ele –; fareis disso o
uso que quiserdes.
A explicação deste sonho é igualmente fácil, atendendo a que
nessa época eu me dedicava a pesquisas astronômicas e fisioló-
gicas.
Se lembro certo número desses sonhos, é que o seu estudo es-
tá longe de ser estranho à Psicologia e aos problemas que nos
ocupam. Talvez mesmo ofereçam as nossas conclusões mais de
uma aplicação quando chegarmos ao Espiritismo.
– Sonho que estou sobre uma alta montanha. Uma nuvem de
corvos passam grasnando. Despojam-se como lagartas de suas
cascas e borboletas de suas crisálidas, de seus envoltórios que,
para minha estupefação, em nada se pareciam a corvos, mas a
cabeças pergaminháceas de orangotangos. O astrônomo Babinet,
que lá se encontrava, encheu com elas os seus bolsos.
Explicação: Na véspera, havia eu muito observado, no atlas
celeste de Flamsteed, a constelação do Corvo. O sábio Babinet
não era belo e seu aspecto, como o de Littré, fazia pensar na
origem simiesca da Humanidade.
– Ao despertar, esta manhã, ouço pronunciar este nome: “Se-
nhorita d’Arquier”. Ora, ontem escrevi no Cosmos que a nebulo-
sa perfurada fora descoberta por d’Arquier, em 1779.
Acho também no mesmo caderno as seguintes reflexões:
– Quase todos os meus sonhos têm neste momento por objeto
a mais bela das moças que tenho encontrado neste mundo, a Sra.
S. M.
Aquele que conhecesse os sonhos de uma pessoa conhecer-
lhe-ia os sentimentos.
Entretanto, se acontece freqüentemente que os pensamentos
dominantes da véspera entrem em boa parte nos sonhos, eles,
contudo, não os preenchem tanto quanto durante o dia: juntam-
se-lhes, neste caso, outras impressões bastante inesperadas e
mesmo somos algumas vezes em sonho o oposto do que somos
em realidade. Há o verdadeiro e o falso. Fazendo julgamentos
segundo certos sonhos expostos, estaríamos, portanto, a julgar
mal.
O editor, Sr. Didier, informa-me que, de ordinário, tem ele
consciência de seus sonhos e sabe perfeitamente que o que faz
em sonhos não é verossímil.
“Já há bastante tempo – diz-me ele – encontro-me, certa vez,
em sonho, num salão, ao lado de uma senhora elegante e muito
desejável. Tomo-a em meus braços, cerrando-a contra mim, com
a sua aquiescência e mau grado a toda aquela multidão que me
observa, digo para comigo: “Isso me é bem indiferente, pois que
estou sonhando.” e, com efeito, agi desdenhando todos aqueles
olhares inexistentes e como se eu estivesse sozinho.”
Certo dia, sendo perseguido, em um sonho, por um malfeitor
e já prestes a ser atingido, ele disse para consigo mesmo: “Para
escapar-lhe, nada mais preciso do que acabar este sonho, acor-
dando-me.” E despertou.
Outra transcrição do mesmo caderno:
– Eu me dirigira ao castelo de Compiègne, onde o Sr. Filon,
preceptor do príncipe imperial, entreteve-me conversando a
respeito de Home, a quem eu ainda não conhecia. Jantei e dormi
no colégio. O diretor, Sr. Paradis, contou-me um sonho digno de
ser registrado. Dormia ele profundamente e sonhou que uma
grande e medonha aranha subia por ele e chegava até o seu peito.
Seu horror foi tal que ele acordou em sobressalto. Sua mulher,
apercebendo-se do ocorrido, perguntou-lhe a causa de seu des-
pertar subitâneo e ele lhe contou essa espécie de pesadelo. A Sra.
Paradis, passando a mão pela cobertura, encontrou uma grande
aranha.
É provável que o Sr. Paradis tivesse recebido, dormindo, a
impressão da passagem desse nojento animal sobre a sua mão ou
o seu pescoço e que essa impressão tenha determinado o sonho.
– Tive um sonho no qual eu sangrava pelo nariz, o que jamais
me acontece, ou quase nunca. Esta manhã, ao levantar-me,
apercebo-me de que tinha um pouco de sangue nas fossas nasais.
Impressão igualmente causada por uma sensação física.
– Achava-me na cratera de um vulcão em Paris ou nos arre-
dores. Não sei o que me sucedera, perto de um transeunte, mas
falava-lhe eu com altivez, de chapéu na cabeça, e rogava-lhe que
seguisse seu caminho sem dizer-me uma palavra. De súbito, no
fundo da cratera, uma doce e resplandecente luz inunda as entra-
nhas do vulcão; depois vejo abrirem-se admiráveis minas de
cristal, que se desdobravam em brilhantes estalactites. O solo
não tremia. Sombras cobertas de capuzes de monges saíram
desse solo revolvido, trajando hábitos monasteriais. Ligeiro
estremecimento de receio de mim se apoderou, mas logo me
pude conter e esperar com calma que um desses recém-vindos
chegasse perto de mim. Eu era o único do mundo dos vivos, ali
presente, mas não me atemorizei, porque nesse momento me
achava dominado pelo mais ardente desejo de interrogar aquelas
sombras, a respeito do outro mundo, a fim de obter finalmente a
certeza à qual aspirava. Logo que um desses mortos se aproxi-
mou de mim o mais possível, para ele me encaminhei, pergun-
tando-lhe, súplice, se realmente ele vinha da mansão dos mortos,
se todos os homens aí reviviam, se era esse um mundo positivo e
definido como o dos vivos. Ia ele responder-me, quando o cená-
rio mudou de aspecto e, em lugar das colunas irregulares de
cristal, que se tinham deixado ver ao fundo, substâncias desco-
nhecidas, límpidas, transparentes e coloridas das mais ricas
nuanças, puseram-se em movimento, de baixo para cima e de
cima para baixo. Era uma coisa esplêndida. Belíssima luz reful-
gia nessas diversas cores. As sombras continuavam a vaguear
tranqüilamente. A terra não tremia e a majestade do espetáculo
não era perturbada por incidente algum que inspirasse medo.
Não obstante, apoderou-se de mim a idéia do fim do mundo,
senti morrerem as palavras em meus lábios e desde logo deixei
mesmo de experimentar o desejo de fazer perguntas como as
precedentes, pois que de um instante para outro imaginava ter de
passar, sem perturbação alguma, do estado de vida em que ainda
estava ao de além-túmulo, em que se achavam os que me rodea-
vam.
Uma nota acrescentada a esse sonho parece explicá-lo: “Pen-
so muito no além desde algum tempo e nas possibilidades de
criações diferentes daquela no meio do qual vivemos.”
– Encontro-me na Livraria Acadêmica Didier, que publicou
as minhas primeiras obras, A Pluralidade dos Mundos Habita-
dos, Os Mundos Imaginários, Deus na Natureza, etc. Aí encon-
tro os Srs. Cousin, Guizot, de Barante, de Montalembert, Lamar-
tine, Maury, Miguet, Thiers, Caro, que aí tenho, de fato, algumas
vezes encontrado. Os Srs. Jean Reynaud, Henri Martin e Char-
ton, que eu conhecia mais particularmente, detiveram-me um
instante, à porta de entrada, que dá para o cais, e pediram-me que
me não demorasse muito, porque havia reunião ao lado, no
“Armazém pitoresco”. O Sr. Didier, um instante depois da minha
chegada, diz-me:
– Vamo-nos então às Tulherias; aí vai tocar a música da
Guarda.
Deixamos toda aquela gente na livraria e partimos.
– Então não tendes mais o vosso empregado Maindron? –
perguntei-lhe em caminho.
– Não.
– Não o substituireis?
– Se estivesse certo de encontrar um bom homem, um rapaz
laborioso e inteligente!
– Tenho um para vos propor.
– De fato?
– Sim: meu irmão. Ele é bastante jovem, tem quatro anos me-
nos que eu, gosta do comércio e estou certo de que se dará bem
na livraria.
– Muito bem, então ele que venha.
Chegamos às Tulherias, as cadeiras estão todas ocupadas e
procuramos um lugar para nós. O imperador, que estava sentado
em uma cadeira, levanta-se e oferece-a ao Sr. Didier, dizendo-
lhe:
– Que é feito de Maury, que não aparece mais?
– Sire – respondeu o editor –, estão todos eles neste momento
em minha livraria, preparando um golpe de Estado.
Logo em seguida, o cenário muda aos meus olhos, para dar
lugar a um vale do Alto Marne, defronte de Bourmont e a um
riacho, às margens do qual eu brincava, quando pequeno, com
meu irmão.
Este sonho se explica por meio de associações de idéias, mui-
to simples. Tinha eu, com efeito, conseguido que meu irmão
entrasse como empregado para a Livraria Didier. Alguns dias
antes desse sonho, havia eu jantado e dormido em casa do histo-
riador Henri Martin, onde se tratara do golpe de Estado e a
lembrança dos autores que eu encontrara no cais dos Agostinhos
despertara todas essas reminiscências. O Sr. Maury era bibliote-
cário do imperador, com quem almoçava mui freqüentemente. A
idéia de que todos esses autores se encontrassem na livraria no
mesmo dia e à mesma hora é inteiramente inverossímil; a de que
o imperador estivesse sentado em uma cadeira no salão de músi-
ca das Tulherias é absurda. Tudo nos sonhos parece, entretanto,
natural.
– Sonhei que o Sr. Didier ainda vivia e que, entrando eu, no
correr do dia, em sua livraria, tive ocasião de vê-lo, como habi-
tualmente, e demo-nos as mãos sem parecermos admirados com
isso. Então imaginei que o haviam enterrado em estado de letar-
gia, três dias antes (5 de dezembro de 1865) e que se reerguera
de seu túmulo. Achei, porém, que lhe não devia pedir uma
explicação a respeito e falamos sobre assunto de livraria.
Depois de conversarmos, saímos juntos, como de costume, e
descemos pelo cais, rumo das Tulherias. Sua pessoa, ainda que
não diferindo daquela que eu conhecera, mostrava-se estranha e
sagrada. Estava, entretanto, bem viva e eu lhe disse que ele tinha
o aspecto de um ressuscitado.
– Bem posso ter o ar de um ressuscitado – respondeu-me –,
pois que o sou.
Queria a todo transe tomar-me a mão, mas um horror inven-
cível mo impedia.
– Perdoai-me – disse-lhe eu – de recusar-vos a mão: mas, não
sei por que, não posso fazer como desejara.
Esta resposta começou a indispô-lo contra mim. Fiz, então,
um supremo esforço e dei-lhe o meu braço; mas comecei logo a
tremer e forçoso me foi retirá-lo.
– Conversemos – disse-lhe eu – afastados um do outro.
Esse homem parecia-me um morto a andar, e notei, por suas
respostas, que ele não dispunha mais de inteligência nem da
faculdade de julgar e falava como um autômato. Tendo-me, por
acaso, aproximado mesmo um pouco de seus lábios, senti um
odor fétido que acabou de aumentar o horror por mim experi-
mentado. E não sei então que altercação sobreveio entre nós;
mas o que é fato é que eu discutia com aquele morto, que acabou
por dar-me uma bofetada.
No mesmo instante surgiu uma companhia de gendarmes e de
agentes de polícia e, em lugar de nos acharmos no Instituto,
diante do qual estávamos então, encontramo-nos sobre o declive
de uma colina. Olhei-o então fixamente.
– Não sabeis – disse-lhe – que sou Camille Flammarion, o
vosso autor favorito?
Pareceu-me que ele se recordava.
– Sim – declarou –, é um grande autor. Mas por que não que-
reis saber de mim, Sílvio? Tendes horror de mim, Sílvio.
– Não me chamo Sílvio – disse-lhe eu –, mas sim Camille.
Tomou-me a mão. Então esse contato foi tão horrível, que
despertei.
Esse pesadelo pode ter sido causado pela morte desse amigo,
ocorrida três dias antes. Morrera subitamente, ao sentar-se na
agência dos ônibus da praça São Miguel, e ao vê-lo, no dia
seguinte, em seu leito mortuário, eu perguntara a mim mesmo se
não se achava ele em estado de letargia. Essa morte impressiona-
ra-me muito, e convidado a pronunciar um discurso sobre o seu
túmulo, desempenhara-me da incumbência sem contudo poder
vencer a minha emoção. A forma agressiva desse pesadelo é
inexplicável. A substituição final é assaz singular. Há, todavia,
sonhos ainda mais incoerentes. Assim, em um outro sonho,
Montmartre achava-se à beira-mar e um navio a vapor transpor-
tava-me pelo Alto Marne, costeando o mar.
Eis aqui um sonho mais recente que mostra à evidência a a-
ção de uma causa estranha ao cérebro, sobrepondo-se a um
sonho e determinando uma imagem nova.
– Esta manhã (6 de junho de 1897), vi em sonho alguém ba-
tendo fortemente com os talões dos sapatos sobre um degrau de
escada de madeira. Esse ruído me despertou. Provinha de um
morteiro de artifício, com os disparos do qual se anuncia, às 6
horas da manhã, uma das festas anuais de Juvisy (Pentecostes).
Esse tiro era dado a 200 metros do Observatório, no alto da rua
Camille Flammarion. Dois outros foram dados em seguida.
Assim, o ruído que me despertara foi a causa determinante de
uma imagem que me pareceu anterior ao meu despertar. Pode-se
dizer que essa imagem se produziu durante tempo muito curto,
necessário ao despertar, talvez um décimo de segundo.
Quando vi o homem batendo com o pé sobre um degrau da
escada, sonhava que me achava completamente nu e que fora
obrigado, para sair do compartimento em que me encontrava e ir
buscar minhas roupas, a atravessar o salão, onde conversavam
umas trinta pessoas. Havia muito tempo que durava a minha
inquietação e que eu procurava os meios de sair, quando acordei.
Ora, despertando, senti que tinha frio, pois me achava descober-
to. Foi sem dúvida também esta sensação de frio que determinou
tal sonho, como a explosão determina a imagem de um homem
batendo com os talões dos sapatos.
Vê-se, por essas descrições sumárias, tomadas do natural,
quanto os sonhos são múltiplos e variados e quantas causas
diversas os produzem.
É um erro fisiológico pensar que os elementos dos sonhos se-
jam unicamente tirados da realidade. De minha parte, por exem-
plo (e não estou só no caso em apreço), tenho freqüentemente
sonhado que vôo pelos ares, a pequena distância acima de um
vale ou de graciosa paisagem e foi mesmo a agradável sensação
experimentada nesses sonhos encantadores que me inspirou o
desejo de subir em balão e de fazer viagens aéreas.
Devo dizer, a propósito, que a sensação de uma viagem em
balão, por muito esplêndida que seja, pela extensão dos panora-
mas desenrolados sob os olhares do observador e pelo solene
silêncio das alturas do azul, não equivale, no ponto de vista do
movimento, à dos sonhos, porquanto dentro da “nacelle” do
aeróstato, nos sentimos imóveis – molécula de ar imersa no ar
que se desloca – e constitui isso uma desilusão.
Não se percebe perfeitamente quais os fatos da vida orgânica
que podem dar a sensação do vôo em sonho. Não está certamente
em jogo a vertigem, como se supôs. Seria a mágoa de nos jul-
garmos inferiores aos pássaros? Mas a sensação?
Tenho, por vezes, em sonho, conversado com Napoleão. Se-
guramente ouvi, em minha infância, muitas referências a esse
conquistador, feitas por homens que o tinham visto, e o meu
espírito pôde ser por elas impressionado. Mas a relação de causa
e efeito permanece assaz afastada.
Vejo-me algumas vezes encerrado em uma torre, tendo diante
de mim um belíssimo prado verdejante. Onde está a causa disso?
Outras vezes estou condenado à morte e não tenho mais do
que duas horas, uma hora, meia hora, alguns minutos de vida.
Será uma recordação do passado?
Tenho, por vezes, em sonho, viajado pelos outros mundos,
nas profundezas infinitas. Nesse caso, porém, pode haver associ-
ação de idéias que me são familiares.
Em geral, no estado normal das coisas, são os sonhos tão nu-
merosos, tão variados, tão incoerentes, que é quase supérfluo
procurar-lhes as causas fora do domínio das associações de
idéias latentes no espírito ou de imagens adormecidas no cére-
bro. Do mesmo modo que pensamos em toda a sorte de coisas e
de situações, com elas sonhamos; em lugar, porém, de ter apenas
pensamentos, como em estado de vigília, imaginamos estar
agindo de fato, vivendo as coisas pensadas, e as idéias se tornam
atos aparentes; toda a diferença reside nisso, e como a razão está
ausente desses atos inconscientes, as situações mais extravagan-
tes deparam-se-nos realizadas, muito simplesmente, sem surpre-
sa alguma, como se fossem naturais.
Pode-se, pois, assinalar no sonho três fases características. Ao
passo que no estado de vigília uma idéia é sempre uma idéia, no
sonho ela se torna imagem, depois ser perfeitamente real, pessoa
ou coisa.
Personificamos nossas idéias; atribuímos em sonho, a dife-
rentes personagens, pensamentos, palavras que não são mais do
que os nossos próprios. Homens de grande superioridade espiri-
tual, como, por exemplo, Benjamim Franklin, crêem achar-se em
comunhão com seres que os assistem. Não há mais do que uma
personificação, entretanto, de nossos próprios pensamentos, em
todos esses casos.
Eis alguns exemplos:
Em um dos sonhos mais claros, mais nítidos, mais razoáveis
de todos que tenho tido, escreve A. Maury, sustentava eu com
um interlocutor uma discussão sobre a imortalidade da alma e
cada um de nós fazia valer argumentos opostos, que outros não
eram senão as objeções que eu mesmo me fazia. Esta divergência
não é mais do que um fenômeno de memória: lembramo-nos dos
prós e dos contras de uma questão e reportamos a dois seres
diferentes as duas ordens opostas de idéias. Há tempos, veio-me
subitamente ao espírito a palavra Mussidan. Eu sabia, então,
perfeitamente, que era o nome de uma cidade de França, mas
ignorava onde estava situada; para melhor dizer, esquecera.
Algum tempo depois, vi em sonho certa personagem que me
dizia haver chegado de Mussidan; perguntei-lhe onde se achava
essa cidade. Respondeu-me que era uma sede de distrito do
Cantão da Dordonha. Levanto-me, o sonho estava-me bem
presente à memória, mas eu permanecia na dúvida. o nome de
Mussidan apresentava-se ainda então ao meu espírito nas condi-
ções dos dias precedentes, isto é, sem que eu soubesse onde é
situada a cidade assim denominada. Apresso-me em consultar
um dicionário geográfico e, com grande espanto, constato que o
interlocutor de meu sonho sabia melhor do que eu a geografia,
isto é, bem entendido, que eu me recordava um sonho de um fato
esquecido em estado de vigília e que eu pusera na boca de ou-
trem o que não era mais do que reminiscência minha.
Faz muitos anos, quando eu estudava o inglês, e em que me
esforçava sobretudo para conhecer o sentido dos verbos seguidos
de preposições, tive o seguinte sonho: Eu falava inglês e queren-
do dizer a uma pessoa que lhe fizera na véspera uma visita,
empreguei esta expressão: I called for you yesterday. “Vós vos
exprimis mal – respondeu-me ele –, devíeis dizer: I called on you
yesterday”. No dia seguinte, ao despertar, a lembrança dessa
circunstância do meu sonho estava-me presente à memória.
Tomo uma gramática colocada sobre uma mesa vizinha, faço a
verificação: a pessoa imaginária tinha razão.
A recordação de uma coisa esquecida em estado de vigília
voltava em sonho, e o observador atribuíra a uma outra pessoa o
que não era mais do que uma operação do seu espírito.
A grande maioria dos sonhos podem explicar-se, muito natu-
ralmente, pela concentração do pensamento durante o sono.
Não há ninguém que tenha o hábito dos trabalhos intelectuais,
diremos com Max Simon e Alfred Maury, que não haja constata-
do que o trabalho do cérebro se completa freqüentemente à nossa
revelia, sem que a vontade intervenha. Os fatos que nos mostram
esta ação apresentam-se-nos a cada instante. Quando os escola-
res têm uma lição a aprender, nós os vemos de preferência
estudar à noite, assegurando com razão que este modo de agir
ajuda-os singularmente. A lição que aprenderam sabem-na no dia
seguinte melhor e com mais segurança do que na véspera. As
pessoas que tiveram de lutar contra as dificuldades que sempre
se encontra para assimilar uma língua estrangeira puderam
igualmente fazer a seguinte observação: se ocupações cotidianas,
deveres de ordem social, forçam-nas a interromper durante
algum tempo o estudo dessa língua, ao retomarem mais tarde
esse estudo apercebe-se, não raro, com espanto que possuem do
idioma estrangeiro, momentaneamente posto de lado, um conhe-
cimento mais completo do que na época em que o deixaram de
estudar. Constatação análoga pode ser feita a propósito de traba-
lhos originais, de composições literárias ou de problemas cientí-
ficos. Se qualquer dificuldade embaraça o trabalhador e este
cessa de ocupar-se com o objeto de seus estudos, após alguns
dias de repouso, tendo o espírito, durante esse tempo, feito, por
assim dizer, sozinho o seu trabalho, vencerá com a maior facili-
dade e como que brincando o obstáculo que lhe parecera, à
primeira vista, quase intransponível. Há, porém, um fato que
cumpre salientar porque tem certa importância e vem a ser que,
mui freqüentemente, nesses casos de cerebração inconsciente,
um impulso foi inicialmente dado, imposta uma direção ao
pensamento e foi após esse impulso e dada essa direção, que a
ação cerebral continuou, conseguindo chegar finalmente a traba-
lho mais avançado.86
É fácil compreender que o trabalho mental, resultado de um
impulso cerebral dado durante a vigília e completado durante o
sono, possa engendrar sonhos que serão, de alguma sorte, a
expressão representada por imagens, do problema cuja solução
continua a ser procurada por quem dorme, da preocupação que o
obsediava.
Narra Condillac que na época em que ele redigia o seu curso
de estudos, se se via obrigado a deixar, para entregar-se ao sono,
um trabalho preparado, mas incompleto, sucedia-lhe freqüente-
mente encontrar, quando despertava, acabado esse trabalho em
seu espírito.
Também Voltaire conta que uma noite compôs, em sonho,
um canto completo da sua Henriade diversamente do que havia
escrito.
Menciona-se freqüentemente, a esse propósito, um sonho que
ficou célebre, no qual uma das cenas mais curiosas e mais fantás-
ticas acompanha o trabalho intelectual inconsciente do sonhador,
que não é outro senão Tartini. Esse célebre compositor havia
adormecido depois de ter procurado em vão terminar uma sona-
ta; esta preocupação acompanhou-o durante o sono. No momento
em que, num sonho, se via de novo entregue a seu trabalho e que
desesperava de compor, em vista de tão pouca verve e tão pouco
êxito, nota de repente que lhe aparece o diabo e propõe-lhe
acabar sua sonata, desde que se disponha o compositor a entre-
gar-lhe sua alma. Inteiramente subjugado por esta aparição,
aceita ele a permuta proposta pelo diabo e ouve-o então, muito
distintamente, executar em seu violino a tão almejada sonata,
com um encanto inexprimível de execução. Acorda o compositor
e, nos transportes de sua alegria, corre à sua mesa e escreve de
memória o trecho que havia terminado imaginando ouvi-lo.
Como se produzem imagens semelhantes a essas que acaba-
mos de ver no sonho de Tartini? Por que espécie de mecanismo
aparecem elas? Eis o que é impossível dizer, não que a questão
seja insolúvel, mas porque, ordinariamente, nos fatos que não
nos dizem pessoalmente respeito, alguns detalhes, que nos
dariam a chave de certas particularidades do sonho, são omitidos
pelo narrador, que os considera como de pouca importância. É
possível que essa imagem do diabo, vindo associar-se ao traba-
lho mental do grande compositor, tenha a sua razão de ser e a sua
explicação em alguns pensamentos que teriam atravessado o
espírito do musicista, em alguma representação artística, desenho
ou pintura do Espírito do mal que se tivesse oferecido à sua
vista. Esse ponto, porém, é secundário, na questão de que se
trata.
O que haveremos de constatar, uma vez mais, é a maneira pe-
la qual o sonho se produziu, é a gênese do sonho. O pensamento
de Tartini tinha estado fortemente ocupado com a composição
musical a que se entregava, e como sucede mui freqüentemente
nas obras do espírito, não estando madura a idéia, nenhum efeito
houvera produzido imediatamente; mas durante e mau grado o
sono, o trabalho começado tinha sido terminado e a melodia
maravilhosa como que explodiu das profundezas do cérebro do
compositor.
Suprimi esse esforço, essa tensão de espírito anterior, e o so-
nho não se apresentará. Isso é tanto mais verdadeiro quanto é
certo que exclusivamente sobre o objeto mais especial dos
estudos do sonhador, sobre a ciência ou sobre a arte que ele
cultiva com paixão, é que vemos produzir-se tão singular traba-
lho cerebral.
Gratiolet faz a narrativa do seguinte sonho sofrivelmente ma-
cabro:
Há alguns anos, ocupado com o meu ilustre mestre, Sr. de
Blainville, nos estudos concernentes à organização do cérebro,
preparei grande número deles, quer de homens, quer de animais.
Eu os despojava cuidadosamente de suas membranas e mergu-
lhava-os no álcool.
Tais foram, sumariamente, os antecedentes do sonho que vou
relatar.
Pareceu-me, certa noite, que eu extraíra o meu próprio cére-
bro. Despojava-o de suas membranas. Depois de ter acabado esta
preparação, mergulhei-o no álcool; em seguida, ao cabo de
algum tempo, daí o retirei e o recoloquei em meu crânio. Pare-
ceu-me, então, que meu cérebro, condensado pela ação do líqui-
do, sofrera uma grande redução. Incompletamente preenchia a
cavidade craniana, de sorte que eu o sentia a sacudir-se dentro da
minha cabeça; tal sensação lançou-me em tão estranha perplexi-
dade, que despertei em sobressalto e saí desse sonho como de um
pesadelo.
Eis aí, seguramente, uma visão estranha e das mais absurdas;
todavia, não deixava de ter sua causa e, com efeito, havia uma
relação bem evidente entre esse sonho e as coisas de que eu me
ocupava, então, mais particularmente. É provável que no mo-
mento em que eu imaginava estar despojando um cérebro estra-
nho, uma causa qualquer haja tornado mais distinta a sensação
da minha cabeça. Sonhando ao mesmo tempo com esta e com o
meu cérebro, ter-se-ia dado uma associação dessas duas idéias,
de onde seguir-se naturalmente e logicamente todo o fim do
sonho.87
O fisiologista Abercomble cita, nesta ordem de estudos, um
sonho muito curioso que não é mais também do que uma conse-
qüência das preocupações do espírito:
Um de meus amigos – diz ele –, empregado como caixa em
um dos principais bancos de Glascow, estava em seu escritório,
quando se apresentou um indivíduo reclamando o pagamento de
uma soma de seis libras (150 francos). Havia diversas pessoas
antes dele, que aguardavam a sua vez; mas estava ele tão impaci-
ente, tão ruidoso e sobretudo tão insuportável devido à sua
gagueira, que um dos circunstantes pediu ao caixa que o pagasse,
a fim de desembaraçarem-se dele. O caixa atendeu prontamente
o pedido, com um gesto de impaciência e sem tomar nota desse
pagamento. No fim do ano, que ocorreu oito ou nove meses
depois, o balanço dos livros não chegava a um resultado exato:
havia nele sempre um erro de seis libras. O meu amigo passou
inutilmente várias noites e vários dias a procurar essa diferença
para menos; vencido pelo cansaço, voltou para sua casa, reco-
lheu-se ao leito e sonhou que estava em seu escritório, que o
gago se apresentava, e logo todos os detalhes do caso desenha-
ram-se fielmente em seu espírito. Ele ergue-se, com a idéia nítida
do sonho e com a esperança de que ia descobrir o que procurava.
Depois de haver examinado os seus livros, reconheceu, com
efeito, que aquela soma não tinha sido registrada em seu diário e
que ela correspondia exatamente ao erro.88
Vê-se que neste sonho o que é revelado ao homem adormeci-
do era, numa palavra, do seu conhecimento, mas que a vontade
permanecera durante muito tempo impotente para despertar a
lembrança do fato encerrado nas profundezas da memória.
Entretanto, tendo sido viva a preocupação, mantendo o espírito,
por muito tempo, uma fortíssima tensão no mesmo sentido,
sucedeu provavelmente que, nesse esforço da mente, nesse
trabalho inicialmente improdutivo, as células cerebrais, nas quais
foi conservada a série de imagens, entraram em ação e conduzi-
ram finalmente a uma percepção nítida do fato inutilmente
procurado durante a vigília.
Diversos sonhos de aparência telepática estão neste caso e
podemos explicar por meio deles mais de uma aparição de
defuntos.
As influências físicas e a cerebração inconsciente de idéias e
de imagens latentes no cérebro explicam a maior parte dos
sonhos. Importava que tivéssemos perfeito conhecimento desta
ação fisiológica, para um julgamento científico dos fatos que
temos a analisar. Os resultados do meu inquérito proporciona-
ram-me grande número desses sonhos que se explicam fisiologi-
camente e que não reproduziremos.
Podem, entretanto, forças psíquicas que nos são exteriores in-
fluenciar nosso espírito durante o sono, tanto quanto em estado
de vigília. Chegamos agora ao exame desse gênero de sonhos.
Os fenômenos psíquicos mencionados no capítulo III têm sido
observados por pessoas acordadas, em seu estado normal e em
plena posse de suas faculdades. Não incluímos nesse número os
que pertencem aos sonhos, porque nos parecem de caráter dife-
rente, devendo agrupar-se em uma outra ordem. Afiguram-se-nos
menos seguros, sendo numerosos os sonhos e as coincidências
que se podem produzir, tendo como oposição contraditória
quantidades inumeráveis de não-coincidências. Por outro lado,
são igualmente um pouco vagos e sujeitos às flutuações da
memória. Não creio, porém, que seja lógico rejeitá-los sem
exame. Muitas dessas visões em sonho apresentam ao observa-
dor um interesse particular e podem certamente ensinar-nos
alguma coisa a mais sobre as faculdades do espírito humano.
Agora que a demonstração está feita, que está feita a prova,
pelo capítulo precedente, da ação psíquica de um espírito sobre
outro, podemos entrar no mundo um pouco mais complicado dos
sonhos.
Já se pôde assinalar anteriormente (capítulo V) um caso bem
curioso, observado em sonho: uma jovem estar vendo, de Paris,
sua mãe expirando na província e chamando-a para abraçá-la
uma última vez. Esse sonho fora classificado por Brièrre de
Boismont no número das alucinações, com uma restrição indi-
cando, todavia, seu caráter psíquico. Vimos igualmente, mais
acima, um sonho telepático da mesma ordem.
Apresentarei agora aos nossos leitores alguns extratos das
cartas que tenho recebido em resposta ao meu inquérito, daque-
las que concernem às aparições e manifestações de moribundos
vistos em sonho. Não menos interessantes e probantes são elas
do que as primeiras e devem, parece-me, ser aceitas do mesmo
modo que as outras:
(Carta 3)
I – “Na noite de 25 de julho de 1894, vi, em sonho, um
moço com quem devia casar-me, tal como o conhecera ou-
trora, de 1883 a 1885, quando prestava ele seu serviço mili-
tar.
Por motivos que seria ocioso relatar, cortara eu todas as
relações com ele e o casamento não se realizou. A partir
desse momento, não ouvira mais falar a respeito desse moço
(residia eu em Paris e ele em Pau), quando, nessa noite de 25
de julho de 1894, o torno a ver, em sonho, tal qual o conhe-
cera, envergando o seu uniforme de sargento. Olhou-me com
um ar muito triste, mostrando-me um maço de cartas. De-
pois a aparição se desvaneceu, como pela manhã o raio de
sol dissipa pouco a pouco o orvalho.
Acordei perturbada e por muito tempo vivi com esse so-
nho, a perguntar-me por que, por que? Se eu jamais sonhava
com ele, conquanto lhe conservando uma amizade sincera!
A 20 de janeiro de 1895 tinha eu notícia de sua morte, o-
corrida na noite de 25 de julho de 1894; uma de suas últi-
mas palavras tinha sido para mim.
Lucie Labadie (Rochefor).”
(Carta 28)
II – “Estava-se no período da guerra de 1870-1871; uma
das minhas íntimas amigas, esposa de um oficial, encerrada
em Metz, sonhou que meu pai, residente no Norte, seu mé-
dico, a quem ela venerava e amava profundamente, viera en-
contrá-la ao pé de seu leito e lhe dissera: – Vede, acabo de
morrer.
Logo que foi possível ter comunicações com o exterior da
cidade, minha amiga escreveu-me banhada em lágrimas, pe-
dindo-me notícias exatas de toda a minha família e rogando-
me informá-la se a 18 de setembro não ocorrera alguma des-
graça em casa de meus pais, porquanto nessa data ela tivera
um sonho que a preocupava muito, relacionado com meu
pai. Extraordinário! A 18 de setembro, às 5 horas da manhã,
meu pai morria, sem ter estado doente.
Quando, no outono seguinte, tornei a ver essa senhora,
contou-me ela que esse sonho a impressionara tanto mais vi-
vamente, quanto era certo que, pouco tempo antes, tivera
sonho idêntico, referente a um outro de seus amigos, resi-
dente em Metz, e certa manhã, tomando informações a seu
respeito, viera a saber que ele acabava de morrer.
L. Bouthors
Diretor das Contribuições diretas, em Chartres.”
(Carta 35)
III – “A. – Contava eu 7 anos; meu pai residia em Paris;
encontrava-me desde alguns anos em Niort, em casa de pa-
rentes que se haviam encarregado de minha educação. Um
dia, ou antes, uma noite, tive um sonho, Sonhei que subia
por uma escada interminável e chegava a um quarto escuro.
Ao lado havia um outro, levemente iluminado. Entro neste
segundo compartimento e vejo um féretro sobre dois cavale-
tes; ao lado um círio aceso.
Fiquei com medo e fugi; chegada ao primeiro quarto, senti
que alguém me punha a mão sobre a espádua. Voltei-me
trêmulo de medo e reconheci meu pai, que eu não via há
dois anos e que me disse com voz muito doce: “Não tenhas
medo, abraça-me, filhinha.”
No dia seguinte recebíamos um telegrama: meu pai mor-
rera, não naquela noite, mas na tarde precedente.
Achava-me inteiramente órfã, pois minha mãe há muitos
anos era morta. Este sonho de tal modo me impressionou,
que eu o reconstituo freqüentemente.
B. – Quando eu contava 13 anos, a tia que me educava e
que eu amava como se fosse minha mãe morreu de varíola
negra. Não me disseram que ela estava morta e, naturalmen-
te, não me permitiam entrar em seu quarto. Ela me dizia
muitas vezes, brincando: “Oh! se eu morresse, e não estives-
ses perto de mim, iria dizer-te adeus.” Em meio da noite, vi
avançar para o meu lado uma forma branca que imediata-
mente não reconheci. Levantei-me; o meu quarto estava en-
volto em uma como que meia claridade e vi o fantasma re-
fletir-se no espelho do armário colocado defronte do meu
leito. E ela disse com uma voz apenas distinta: “Adeus!” Es-
tendi os braços para abraçá-la; ela, porém, desapareceu.
Minha pobre tia já estava morta há algumas horas, quando
tive esta alucinação.
V. Boniface
Diretora da Escola Maternal,
em Étampes (Seine-et-Oise).”
(Carta 60)
V – “Minha mulher vislumbrou o semblante de seu irmão
no instante preciso de sua morte.
Meu cunhado, professor no colégio de Luxeuil, estava do-
ente do peito. Foi tratado por sua irmã com o maior devota-
mento durante sua última enfermidade e ele preferia os seus
cuidados aos de qualquer outra pessoa. Entretanto, os pais de
minha mulher, tendo vindo a Luxeuil e vendo-a muito fati-
gada, induziram meu cunhado a ir com eles, para se tratar no
estabelecimento das diaconistas de Estrasburgo. Cerca de
três semanas após sua partida, foi minha esposa despertada
por uma espécie de pesadelo e viu, semi-acordada, seu irmão
deitado e encerrado em um sepulcro de pedra, semelhante às
pedras tumulares romanas que se vêem expostas no estabe-
lecimento termal daqui. O sepulcro contraía-se cada vez
mais, tornando quase impossível a respiração de seu irmão;
contemplava-a ele com olhares súplices, pedindo-lhe para
vir em seu socorro e tirá-lo dali; depois viu-o assumir um ar
resignado, parecendo dizer-lhe: “Tudo está terminado, nada
mais podes fazer.” Ela despertou então de todo e viu que ho-
ras eram: 3:20 da manhã.
No dia seguinte soubemos da morte de meu cunhado. A
hora de seu falecimento coincidia exatamente com a hora do
sonho.
É favor não citar nossos nomes.
A. S. (Luxeuil, alto Saône).”
(Carta 64)
VI – “Minha avó faleceu o ano passado, a 6 de janeiro, à
meia-noite menos dois ou três minutos; residia em uma fa-
zenda nas cercanias de Rochefort-sur-Mer e eu estava a esse
tempo em Auxerre. Tínhamos andado, na noite de 6 de ja-
neiro, a tirar Reis muito alegremente e eu me deitara sem
pensar nela, que sabia, entretanto, mais enferma nos últimos
quinze dias.
Despertei à meia-noite, precisamente, com uma impressão
penosíssima. Acabava de ver em sonho minha mãe e meu
irmão mais moço em grande aflição. Fiquei persuadido de
que não se passaria aquela manhã sem que eu tivesse a con-
firmação de meu sonho. Não há uma estranha relação entre a
realidade e o sonho, pois que minha avó morreu à meia-noite
e eu acordei à mesma hora?
M. B. (Versalhes).”
(Carta 66)
VII – “Meu tio era sargento do 2º Regimento de Infantari-
a, quando foi declarada a guerra, em 1870. Ele assistiu aos
primeiros combates, conservou-se em Metz durante o assé-
dio dessa cidade, foi feito prisioneiro, conduzido em cativei-
ro para Mayence, depois para Torgan, onde permaneceu no-
ve ou dez meses.
No domingo da pascoela de 1871, foi convidado, por um
dos seus camaradas, para ir à cidade, à tarde. Preferiu ficar
no campo, em sua casamata, dizendo ao amigo que não se
achava bem disposto, não sabendo ele próprio a que atribuir
essa tristeza. Ficando a sós ou quase a sós, atirou-se, mesmo
vestido, na cama (eram cerca de 2:15), e caiu em sono pro-
fundo. Logo que adormeceu, pareceu-lhe estar na casa pa-
terna: sua mãe estava agonizante no leito. Via as suas tias
tratando-a; por fim sua mãe expirou, por volta de três horas.
Levantou-se, então, ele e apercebeu-se de que havia apenas
tido um sonho.
Quando o seu amigo voltou, às seis horas da tarde, contou-
lhe ele o que tinha visto durante o sono e acrescentou: “Es-
tou convencido de que hoje, às três horas, minha mãe fale-
ceu.”
Riram-se dele, mas uma carta de seu irmão veio confir-
mar-lhe a triste notícia.
Julgo do meu dever acrescentar que a morta achava-se, há
três anos, constantemente em precário estado de saúde.
Camille Massot
Farmacêutico de 1º classe
(Banylus-sur-Mer, Pirineus Orientais).”
(Carta 68)
VIII – “Minha mãe contava-me freqüentemente um estra-
nho sonho.
Um de seus cunhados achava-se doente. Certa noite ela
sonhou que o via morto; via também minha avó acompa-
nhando seus filhos, por um caminho que ela desconhecia,
mas que atravessava um campo. Nesse instante ela desperta
e, igualmente, desperta meu pai, a fim de lhe contar o sonho
que acabava de emocioná-la. Eram 2 horas da manhã.
No dia seguinte vieram comunicar a meus pais que meu
tio morrera essa noite, às 2 horas; então mamãe não pôde e-
ximir-se de responder que já o sabia. Interrogou em seguida
minha avó, para saber se ela havia conduzido as crianças;
respondeu-lhe esta que sim e que tinha precisamente atra-
vessado o campo em que mamãe a avistara em sonho.
M. Odéon
Professora em Saint-Genix-sur-Guiers (Savoie).”
(Carta 77)
IX – “Em 1895, por uma noite de inverno, sonhei muito
nitidamente que o Sr. Crouzier, octogenário da minha aldeia,
situada a 10 quilômetros do alojamento onde eu ensinava,
morrera em conseqüência do frio.
No dia seguinte vou a casa de minha família e minha mãe
me diz: “Sabes, o velho Crouzier morreu a noite passada;
precisou levantar-se, cerca de meia-noite, e foi surpreendido
pelo frio, sucumbindo quase instantaneamente.”
Essa impressão ficou sempre comigo e sinto-me feliz, nes-
tas circunstâncias, de responder ao vosso inquérito.
Alphonse Vidal
Preceptor, em Aramon (Gard).”
(Carta 118)
X – “Achando-se em França, minha mãe viu em sonho seu
irmão, a esse tempo na América, morrer em seus braços. Um
mês depois recebeu ela a notícia da morte desse irmão, que
havia precisamente expirado nos braços de minha avó. As
datas coincidiam.
A. D. (Arles).”
(Carta 125)
XI – “Eu tinha um irmão residente havia 25 anos em Pe-
tersburgo; nossa correspondência jamais fora interrompida.
Há três anos recebi uma carta dele, no mês de julho: seu
estado de saúde era satisfatório. A 8 de setembro seguinte
sonhei que o carteiro me entregava uma carta de Petersburgo
e que, abrindo-lhe o envelope, achara duas estampas: uma
representando um morto estendido em sua cama e vestido
segundo o hábito que eu mesmo constatara, em minha via-
gem à Rússia, no ano de 1867.
Não olhei bem, no momento, para o rosto do morto; vi em
torno do leito várias pessoas de joelhos, entre outras um ra-
paz e uma rapariguinha, mais ou menos da idade dos filhos
de meu irmão. Na outra estampa havia como que uma assis-
tência à cerimônia fúnebre. voltei então a examinar de mais
perto o rosto do morto, que logo reconheci e despertei gri-
tando: “Ah! mas é Luciano! (era o nome de meu irmão).
Alguns dias depois eu sabia, com efeito, que este morrera
naquele dia (não pude verificar exatamente a data) em que
eu tivera o citado sonho, que está sempre bem presente à
minha memória e que tenho contado a várias pessoas.
L. Carrau
Rue de Bel-Air, 46, em Angers.”
(Carta 130)
XII – “Meu avô deixou, na idade de 14 anos, sua família
que residia perto de Estrasburgo; creio que jamais regressou
ao país natal, nem jamais tornou a ver seus pais. Aos 24 a-
nos casou-se em Nancy; sua jovem esposa jamais viu os so-
gros.
Uma noite viu minha avó desfilar diante de seu leito um
interminável séquito funerário. No dia seguinte ou no outro
anterior anunciava-lhe uma carta o falecimento de seu pai. O
enterro se realizou, sendo acompanhado pela população de
três grandes aldeias, assim como pelo maire e pelo pároco
do lugar (Bischeim), embora se tratasse de um judeu.
Jeulend
Rua da Provença, 55, Paris.”
(Carta 138)
XIII – “Tenho a referir fatos ocorridos em sonho, com co-
incidência de morte.
A. – Sucedeu o primeiro a meu pai, Pedro Dutant, morto
em 1880 e que fora farmacêutico em bordéus durante 50 a-
nos.
Era um homem de caráter absolutamente honesto, escru-
puloso, dotado de aguda inteligência e nenhuma das pessoas
que o conheceram jamais punha em dúvida a sua palavra.
Eis o fato que ele me contou diversas vezes e que relato qua-
se textualmente:
“Uma noite sonhei que meu irmão, a esse tempo notário
em Léagnan e contando 33 anos de idade, era criança como
eu e que ambos brincávamos na casa paterna. De súbito ele
cai de uma janela na rua, gritando para mim: “Adeus!” Des-
perto muito impressionado pela intensidade desse sonho, ve-
jo que horas são: 3 horas. Não tornei a dormir. Eu sabia que
meu irmão estava doente; não o supunha, porém, em perigo
de vida. Meu irmão morrera nessa noite às 3 horas precisa-
mente.”
B. – O fato diz-me pessoalmente respeito. Sonhei certa
noite que uma velha prima, que me estimava muito, estava
morrendo. Pela manhã contei o sonho às pessoas da minha
família, todas as quais se lembram muito bem da minha nar-
rativa.
Na mesma semana, dois ou três dias após esse sonho (não
o registrei e por isso não posso precisar com exatidão o tem-
po decorrido), a velha prima sucumbia a um ataque de apo-
plexia. À noite do meu sonho achava-se ela bem disposta,
não tendo morrido senão dois ou três dias depois e vi nesse
sonho um como pressentimento ou aviso. Minha família en-
cheu-se de admiração em face do acontecido e ainda se re-
corda perfeitamente do meu sonho.
C. – Posso ainda citar-vos um fato pessoal que muito me
impressionou ao suceder-me; como, porém, trata-se, desta
vez, de um simples cão, talvez não me seja lícito ocupar o
vosso precioso tempo. Desculpo-me com o interrogar-me
qual o limite que se deve traçar aos problemas...
Era eu então moça e tinha freqüentemente em sonho uma
lucidez surpreendente. Tínhamos uma cadela de inteligência
pouco vulgar; era-me particularmente afeiçoada, ainda que
eu mui poucos afagos lhe prodigalizasse. Sonho uma noite
que ela está morrendo e fixa-me com olhos humanos. Acor-
dando, digo à minha irmã: “Leoa morreu, tenho certeza, e o
sonhei.” Ria-se minha irmã e não o queria acreditar. Cha-
mamos a criada e lhe dissemos que trouxesse a cadela.
Chama-se, ela não vem. Dá-se uma busca em toda a casa e
por fim é encontrada morta em um canto. Ora, na véspera
não estava ela doente e meu sonho não tivera causa alguma
que o provocasse.
M. R. Lacassagne, nascida Dutant (Castre).”
(Carta 153)
XVI – “Era eu estudante de Medicina em Paris, em 1862.
Certa manhã, o meu porteiro que me levava, na cama, acor-
dando para ir ao hospital, o meu pequeno almoço, encon-
trou-me em pranto. Perguntando-me o que eu tinha, respon-
di-lhe: “Acabo de ter um horrível pesadelo: meu tio, que me
educara (pois havia perdido, ainda muito moço, meu pai e
minha mãe) e a quem eu amava enternecidamente, estava em
vésperas de morrer, quando me acordastes, e tenho certeza
de que, pelo primeiro vapor que chegar de Havana, meu país
natal, terei a triste notícia de sua morte.”
Foi o que aconteceu. Afirmar-vos ter sido isso à mesma
hora do meu sonho não o posso, pois já não me lembro mais;
a coincidência, porém, do dia, posso garantir-vos.
P. S. – Peço-vos não publicar meu nome. Quanto à obser-
vação, podereis inseri-la em vossas publicações, se o mere-
cer.
Dr. T. de M. L.”
(Carta 162)
XVII – “De 1870 a 1874, tinha eu um irmão empregado
no Arsenal de Fou-Tchéou, na China, como mecânico-
ajustador. Um de seus amigos, mecânico e compatriota, da
mesma cidade (Brest), que trabalhava igualmente no Arsenal
de Fou-Tchéou, foi, certa manhã, visitar meu irmão em seu
alojamento e contou-lhe o seguinte:
“Meu caro amigo, estou muito angustiado: sonhei esta
noite que meu filhinho tinha morrido de crupe e estava so-
bre um edredom vermelho.”
Meu irmão zombou da sua credulidade, falou a respeito de
pesadelos e, para dissipar aquela impressão, convidou seu
amigo para almoçar. Nada, porém, pôde distraí-lo: para ele
seu filho estava morto.
A primeira carta que recebeu de França, após essa narrati-
va, e que era de sua esposa, anunciava-lhe a morte de seu fi-
lho, em conseqüência do crupe, em meio de grandes sofri-
mentos, e, coincidência estranha, sobre um edredom verme-
lho, na mesma noite do sonho.
Logo que recebeu essa carta, ele foi, banhado em lágri-
mas, mostrá-la a meu irmão, do qual ouvi esta narrativa.
H. V. (Brest).”
(Carta 286)
XVIII – “Uma de minhas primas residia em Nion, na Suí-
ça, e sua mãe em Clairveaux, no Jura. Estava-se em um des-
ses rigorosos invernos, com todas as comunicações imprati-
cáveis, por causa da neve. Desde muito que minha tia se a-
chava doente; não a supunha sua filha em pior estado que de
costume, quando, uma noite, vê em sonho sua mãe morta;
ela acorda aterrorizada e diz a seu marido: “Minha mãe está
morta, acabo de vê-la!” Ela queria partir imediatamente para
Clairveaux, mas dissuadiram-na, mostrando-se-lhe a impru-
dência de empreender uma viagem por estradas cobertas de
neve, por causa de um simples pressentimento. Tendo os
correios deixado de funcionar, não se podiam receber cartas.
Pela tarde desse dia ou no dia seguinte, não me lembro
bem, vê minha prima um cavaleiro entrar no parque; então
ela grita: “Vêm anunciar-me a morte de minha mãe!” Com
efeito, não sendo possível comunicar de outro modo, envia-
ram um cavaleiro que a informou haver sua mãe falecido
naquela noite. Passara-se o fato no momento em que minha
prima tivera esse sonho.
Existe ainda a minha prima e poderia dar-me detalhes
mais precisos se o desejásseis.
G. Belbenat
Lous le Saunier (Jura).”
(Carta 298)
XIX – “Fato assinalado por um de meus amigos a quem
referira os vossos estudos. Trata-se de um antigo empreiteiro
de vias férreas na França e no estrangeiro, atualmente retira-
do de negócios, em Saint-Pierre-lés-Nemours. Sua honorabi-
lidade e sua fé não podem sofrer suspeição. Eis o fato tal
qual mo contou ele:
“Tinha eu ido ver um fazendeiro meu amigo, que se acha-
va muito enfermo; encontrei à porta da herdade sua sogra,
que me disse haver o seu genro recebido muitas visitas que o
tinham fatigado em excesso; todavia convidou-me a entrar
para vê-lo alguns instantes, acrescentando que lhe daria com
isso muito prazer. Pedi então àquela senhora o obséquio de
transmitir-lhe os meus cumprimentos e de anunciar-lhe a
minha visita a realizar-se no dia seguinte.
“No dia seguinte, pelas 7 horas da manhã, quando eu ape-
nas dormitava, dispondo-me a levantar-me, fui tomado de
súbito por um pesadelo. Parecia-me ver o doente, do tama-
nho de um menino e como que enterrado em um buraco, so-
bre o talude da estrada, a alguns metros da fazenda, e eu
empregava todos os meus esforços para arrancá-lo desse bu-
raco, sem o conseguir.
“Ao cabo de alguns instantes saltei para fora da cama, a
fim de livrar-me do pesadelo, e vim a saber, no correr da
manhã, da morte do fazendeiro, ocorrida à mesma hora em
que eu tivera essa visão.”
A distância de Saint-Pierre-lés-Nemours à fazenda é de
cerca de duas léguas. Passou-se esse fato a uma dezena de
anos.
J. Boireau
Farmacêutico em Nemours (Seine e Marne).”
(Carta 330)
XX – “Meu tio-avô, o Sr. Henri Horet, que era professor
de Música em Estrasburgo, viu uma noite, em sonho, cinco
ataúdes saírem de sua casa; na mesma noite, um escapamen-
to de gás ocorreu em sua casa e cinco pessoas foram asfixia-
das.
Contam-se, em nossa família, vários casos de aparições te-
lepáticas. Procurarei informar-me exatamente a seu respeito
e vo-los comunicarei, desde que tenha deles tomado conhe-
cimento.
Georges Horet
Lycéen, Bouxwiller (Basse Alsace).”
(Carta 340)
XXI – “Jamais experimentei coisa alguma que se relacio-
ne com o que pedis em vosso questionário. Em sonhos, po-
rém, pelo contrário, tenho tido, algumas vezes, certos avisos.
Entre outros, na noite do assassínio do saudoso Sr. Carnot,
vi o morto em meus sonhos. Na véspera, à noite, fora deitar-
me muito cedo. Não residindo na própria cidade de Lião,
mas em La Croix-Rousse, não havia eu tido o menor conhe-
cimento de nenhum dos atos que se estavam passando nessa
memorável noite. Pela manhã, a criada entra em meu quarto
e eu lhe digo imediatamente:
– Acabo de sonhar com a morte do Sr. Carnot.
Ela me respondeu que bem poderia ter-se dado isso.
– Mas não – disse-lhe eu –, antes meu sonho deve causar
riso, pois o Sr. Carnot vai passar às 10 horas sob as minhas
janelas (ele devia, com efeito, passar pelo bulevar).
Dez minutos depois, ela volta ao meu quarto e me diz,
muito impressionada:
– O sonho da senhorita realizou-se, o leiteiro acaba de di-
zer-me que o Sr. Carnot fora assassinado na noite de ontem.
Mau grado ao sonho que eu tivera, foi-me difícil acreditar
no fato, no primeiro momento.
A. M. (Lião).”
(Carta 353)
XXII – “Eis aqui um fato pessoal: na noite de 13 para 14
de junho de 1887, sonhei que minha mãe estava morta. Che-
gado ao restaurante, no dia seguinte, comunicava eu esse fa-
to a um colega, quando recebo um telegrama que me anun-
ciava a desgraça pressentida.
Eis aí o ato de que me recordo nitidamente.
A. Carayon
Diretora da Escola da “Cruz de Ferro” (Nimes).”
(Carta 358)
XXIII – “O pai de meu marido, achando-se afastado da
casa onde havia deixado sua mulher doente, foi uma noite
despertado pela voz de sua esposa que o chamou três vezes
distintamente pelo nome: Pedro! Pedro! Pedro!
Acreditando haver sonhado, ele de novo adormeceu. Dois
dias mais tarde recebeu a notícia de que naquela mesma noi-
te sua mulher morrera.
Maria Pauvrel (Vedrôd).”
(Carta 360)
XXIV – “Na noite de 1º para 2 de janeiro de 1898, vi em
sonho minha mãe, morta havia dois anos e meio. Ela enca-
minhou-se gravemente para o meu leito, apertou-me em seus
braços e saiu sem nada dizer. No dia seguinte, recebi uma
carta participando-me a morte súbita de minha irmã, na noi-
te de 1º de janeiro, às 10 horas. Como eu não houvesse des-
pertado, foi-me impossível saber se havia coincidência per-
feita entre a hora do sonho e a da morte de minha irmã.
M. Razons
Professor em Trelous (H. Gor.).
(Carta 365)
XV – “A Sra. V. residia em Gênova e tinha um irmão den-
tista no Cantão de Vaud. Esse irmão morreu subitamente. Na
noite de sua morte, a Sra. V. viu em sonho, sobre a parede, o
nome de seu irmão e a data do seu nascimento, ou da sua
morte, não me recordo qual das duas. Ao acordar, ficou a re-
ferida senhora com receio de uma desgraça, que em breve
lhe foi confirmada.
Jeanne Blanc
Le Cannet (Alp. Mar.).”
(Carta 374)
XXVI – “Passou-se isto no convento. Uma noite fomos
despertadas por gritos e prantos. A religiosa de guarda apro-
xima-se do leito da criança, que em meio de suas lágrimas
diz-lhe que sua avó estava morrendo, que ela a chamava e
que queria ir para junto dela.
Procuraram acalmá-la, fizeram-nos orar, a religiosa reza o
terço: nós respondíamos de nossas camas e o sono de novo
nos empolga.
Outra vez somos despertadas. A menina sonhara nova-
mente, ela nos repete que sua avó estava morta, que lhe en-
viara adeuses aflitivos e que, entre outras coisas, designara
um cofrezinho no qual havia guardado jóias que ela queria
dar à netinha de sua predileção. Findou a noite.
Na manhã seguinte, pelas 8 horas, estávamos reunidas na
classe, ajoelhadas para curta prece que precedia os estudos,
quando violenta badalada de sino corta o ar, fazendo-nos
tremer sem saber por que – todas nós que não éramos inte-
ressadas no acontecimento –, e dá entrada na sala a irmã
mais velha da nossa companheira. Vinha para buscar sua ir-
mãzinha – a avó morrera naquela noite – e tudo que a me-
nina tinha visto se havia passado absolutamente assim como
no-lo contara ela.
Bem podeis imaginar a emoção que se produziu no con-
vento; viu-se em tudo isso a intervenção divina e passou-se
o dia em preces.
J. G. (Paris).”
(Carta 377)
XXVII – “Há cerca de dois anos, em Jarnac, certa manhã,
pelas 7 horas, uma senhora amiga de minha família, estando
ainda levemente adormecida, foi despertada por uma voz
que a chamava muito distintamente, e na qual reconheceu a
voz de seu cunhado, a respeito de quem eram boas as últi-
mas notícias recebidas.
Nesse momento ninguém se achava em seu quarto, nem
nos apartamentos vizinhos, e era impossível correlacionar
essa impressão com uma causa conhecida.
Algumas horas depois – cerca das 10 – esta senhora tinha
conhecimento, por um telegrama, de que seu cunhado, resi-
dente em Auzances, acabava de morrer subitamente; no dia
seguinte informava-lhe uma carta que o falecimento sobre-
viera às 7 horas, isto é, no mesmo instante em que a voz fora
escutada.
Breaud (Jarnac).”
(Carta 397)
XXVIII – “Estive durante catorze anos ligada, por uma
afeição, a certa pessoa; depois, sobrevindo a separação, não
nos vimos mais senão a grandes intervalos. Por fim, decor-
reu mais de um ano sem nos tornarmos a ver, porque, doen-
te, foi o meu amigo constrangido a partir para o Tirol; está-
vamos, pois, separados por uma distância correspondente a
58 horas de caminho de ferro. Tinha eu indiretamente notí-
cias desse amigo; eram relativamente boas e a sua volta es-
tava próxima. Na noite de 2 de março, vi o meu amigo du-
rante um entre-sono; estava sentado em uma cama em trajes
de dormir e me dizia: “Oh! quanto sofro!” Eram, nesse mo-
mento, 2 horas da madrugada. Dois dias depois, anunciava-
me um telegrama a morte dessa pessoa, ocorrida às 2:20.
Na ocasião me senti e ainda me sinto impressionada por
essa coincidência, parecendo-me importante, para as vossas
pesquisas, relatar-vos o que precede.
C. Couesnou
Estrada Romana, 23 (Jassy, Rumânia).”
(Carta 401)
XXIX – “A. – Um tio de minha mulher, capitão de Mari-
nha, muitas vezes me contou que à noite que coincidiu com
a data da morte de sua mãe, estando ele, então, em viagem,
apareceu-lhe ela em sonho com o semblante muito triste.
Impressionado, escreveu ele, a lápis, a data desse sonho na
parede do seu beliche, tendo o pressentimento de uma des-
graça.
Por isso, pouco se surpreendeu quando, à sua chegada,
soube dessa morte; a data era bem aquela que ele havia es-
crito em seu beliche.
B. – Fato idêntico sucedeu à minha sogra, por ocasião da
morte de seu irmão. Ela sonhou, na noite precedente, que se
encontrava com sua falecida mãe na escadaria da casa e que,
sem lhe dizer palavra, mirou-a com um ar de funda tristeza.
No dia seguinte encontram o irmão, morto de um ataque de
apoplexia.
C. – Por ocasião de meu casamento, sucedeu um fato qua-
se semelhante. Minha sogra, muito impressionada pela apa-
rição de sua mãe no caso que venho de relatar, dissera a uma
de suas amigas que, se algum dia ainda tornasse a ver sua
mãe daquele modo, estaria certa de se achar em véspera de
grande desgraça. Essa amiga, alguns dias antes do meu ca-
samento, teve também uma aparição, em sonho, da mesma
pessoa que lhe dizia não querer ver sua filha, com receio de
torná-la enferma, tendo, entretanto, vindo para vê-la. A
mesma pessoa sonhou na mesma noite, creio, que a porta da
casa de minha mulher estava coberta de luto no próprio dia
do meu casamento. Foi o que aconteceu, conquanto nada mo
fizesse prever: na véspera meu cunhado morria da ruptura de
um aneurisma e foi sepultado no dia em que nos devíamos
casar.
Eis aí fatos cuja autenticidade vos posso garantir.
L. Coutant (La Ciotat).”
(Carta 434)
XXXII – “Meu pai era, segundo creio, aluno do 6º ano no
pequeno seminário de Guérande. Uma noite ele viu, em so-
nho, sua mãe deitada e não dando mais sinal de vida, no
quarto dela, no Croisic, onde morava. Ele acordou com o
rosto banhado em lágrimas.
No dia seguinte, comunicava-lhe uma carta que sua mãe, à
hora em que ele a vira assim, tivera uma crise súbita e esti-
vera prestes a morrer nos braços de seus filhos que acorre-
ram aos seus gemidos. Isto, como vedes, se afasta um pouco
das observações por vós publicadas, pois que apenas se trata
de um sonho e não se deu morte alguma. É, porém, segura-
mente, um fato de ordem psíquica – eis porque achei conve-
niente fazer-vos, a seu respeito, este relato.
Poluec (Plormel).”
(Carta 438)
XXXIII – “Uma de vossas leitoras sonhou, uma noite, que
se achava em casa de uma de suas amigas, tuberculosa havia
muito tempo. Ignorava que estivesse ela, nesse instante,
mais sofredora que de ordinário. A amiga estava deitada; ela
estendeu-lhe a mão, disse-lhe adeus e morreu em seus bra-
ços. No dia seguinte, a pessoa de quem vos falo disse à sua
mãe: “Fulana morreu; eu a vi esta noite...”
Soube-se durante o dia da morte da enferma.
Realizando-se a visão em estado de sonho, não se poderia
precisar se a hora da morte coincidiu com a da aparição.
Jean Surya
Rua Raynouard, 37, Paris.”
(Carta 441)
XXXIV – “Não tenho mais que 22 anos e já por três vezes
experimentei em sonhos, com coincidência de morte, os fe-
nômenos que estudais:
A. – A primeira vez, há cinco anos. Acordara eu rindo e
contei a minha irmã que acabava de sonhar com o pai Fula-
no de Tal (velho rabugento com o qual minha família se
malquistara). Hoje não me lembro mais em que consistia o
sonho, mas fiquei muito impressionado com o mesmo. Nes-
se mesmo dia soubemos que ele acabava de suicidar-se.
B. – A segunda vez, um ano depois. Sonhei que um de
meus primos, viúvo, residindo na mesma cidade, mas a
quem eu raramente via, comunicava-me o seu desejo de tor-
nar a casar (fato que eu ignorava em absoluto). Contei o so-
nho à minha família no dia seguinte pela manhã, e cerca das
10 horas encontramos, banhada em lágrimas, uma tia desse
moço, que nos participou sua morte ocorrida à noite, após
uma doença de três dias, deplorando que sua morte, assim
tão brusca, o impedisse de realizar seu projeto de dar uma
mãe aos seus órfãozinhos.
C. – Uma terceira vez, há um ano. Achava-me doente de
influenza e vários locatários da casa estavam enfermos. So-
nhei uma noite com um enterro que saía dessa casa, sendo
que o féretro era de enormes proporções. Tinha a intuição de
que se tratava do Sr. Durand, um dos locatários doentes, cuja
corpulência era notável. Por isso, ao despertar, minhas pri-
meiras palavras foram para pedir notícias dele. Fiquei peno-
samente impressionado ao saber que morrera durante a noi-
te.
Jeanne About (Nancy).”
(Carta 450)
XXXVII – “Uma de nossas amigas teve durante a noite
um sonho que lhe mostrou um de seus irmãos que ela muito
amava e que não pudera ver desde muito tempo; estava ves-
tido de branco, tinha boa cor e parecia feliz. A sala onde ele
se achava era igualmente pintada de branco e regurgitava de
gente. O irmão e a irmã abraçaram-se afetuosamente. Ter-
minado o sonho, a minha amiga despertou e teve o pressen-
timento que seu irmão falecera. Soou meia-noite no mesmo
instante. No dia seguinte esta senhorita sabia, por uma carta,
que seu irmão expirara naquela noite, precisamente à meia-
noite.
G. P. (Arles).”
(Carta 466)
XXXVIII – “Querendo eu, em sonho, no mês de julho de
1890, abrir uma porta de comunicação de meu quarto com
uma outra peça, não o pude conseguir, mau grado aos mais
vigorosos esforços; vieram então em meu auxílio e, por uma
outra porta, muito próxima da primeira, acabamos por afas-
tar o obstáculo: era o corpo de meu tio, estendido no chão,
com as pernas dobradas.
Não liguei importância alguma a esse sonho, mas voltou-
me ele à memória quando soube da morte súbita desse meu
parente, sobrevinda no campo a 10 de julho de 1890.
Não anotei, infelizmente, a data desse sonho, mas creio
poder afirmar que se deu nas primeiras noites da semana, ou
talvez mesmo na de 10, que era uma quinta-feira.
J. C. (Lião).”
Carta 468)
XXXIX – “Achava-me doente em Cartágena, no fim de
1888. Na noite de Natal tive um sonho desagradável que re-
lato resumidamente. Estava eu na povoação de Rezé-les-
Nantes, vendo passar o enterro de uma jovem. Não conhecia
nem o nome nem a família da morta e, entretanto, sentia-me
invadir por grande tristeza. Juntei-me ao cortejo; na igreja,
coloquei-me no primeiro lugar por trás do ataúde, sem me
aperceber das pessoas que estavam perto de mim. Estava ba-
nhado em lágrimas e uma voz me dizia: “Ali tens a tua me-
lhor amiga.” No cemitério desencadeou-se tremenda tempes-
tade e uma chuva diluvial. Despertei, julgando ouvir a tro-
voada.
De regresso à casa de minha família, vim a saber que uma
parente próxima, amiga de infância, contando, como eu, 15
anos de idade, morrera nessa noite de Natal.
E. Orieux
Inspetor-chefe honorário do
Departamento das Estradas, em Nantes.”
(Carta 476)
XL – “Meu tio era capitão de Marinha. Voltava ele à
França depois de uma ausência de vários meses. Uma tarde
de calor excessivo, estava em sua cabine, procurando anotar
algumas observações em seu livro de bordo. Adormeceu e
sonhou que via sua mãe sentada, tendo sobre os joelhos um
pano manchado se sangue, sobre o qual repousava a cabeça
de seu irmão. Desagradavelmente impressionado, despertou
e quis continuar a fazer as suas anotações, mas tornou a a-
dormecer e teve de novo o mesmo sonho. Ao despertar sob a
sugestão desses dois sonhos, registrou-os em seu livro de
bordo, com a data e a hora.
À chegada do seu navio no porto de Marselha veio um
amigo ao seu encontro e lhe disse:
– Acompanho-te à tua casa.
Meu tio dirigiu-se ao camarote; durante esse tempo, o a-
migo providenciara a fim de que o navio hasteasse bandeira
a meio pau. Ao sair do camarote, meu tio, à vista do sinal de
luto, surpreendido, exclamou:
– Meu irmão morreu.
– Sim – diz-lhe o amigo – como o sabes?
Então contou meu tio o sonho que tivera em pleno oceano.
Seu irmão suicidara-se no dia indicado no livro de bordo.
J. S. (Marselha).”
(Carta 513)
XLI – “Conheço uma pessoa cuja impressão foi muito vi-
olenta em face da aparição de uma amiga, a quem ela amava
muito e cuja morte, ocorrida na véspera, um telegrama aca-
bava de anunciar-lhe. Posteriormente foi essa pessoa infor-
mada, por uma carta, que a agonizante pronunciava exata-
mente as mesmas palavras que ela ouvira em sonho.
Jeanne Delamain (Jarnac, Charente).”
(Carta 515)
XLII – “Faz alguns meses, fui avisado, em sonho, da mor-
te de uma das minhas conhecidas, na mesma noite dessa
morte, que ninguém esperava.
Pela manhã contei esse sonho à minha amiga. Ao voltar
para casa, ela encontrou um telegrama, anunciando-lhe essa
morte, ocorrida à mesma noite.
H. Bardel (Yverdon, Suíça).”
(Carta 518)
XLIII – “Aparição, em sonho, de minha avó, na noite de 8
para 9 de julho de 1895. Ela morreu no dia 9 de julho, às 8
horas da manhã. Estava eu a 120 quilômetros do lugar onde
ocorreu o falecimento.
Allier
Professor em Florac (Lozère).”
(Carta 534)
XLIV – “Recentemente, achando-me em casa de pessoas
de meu conhecimento, aí encontrei uma senhora que teve
ocasião de ver-vos em Paris. Falávamos a vosso respeito e
de vossos estudos recentes, e um dos circunstantes me disse
a propósito: “Oh! se soubésseis que estranho sonho tive esta
noite!... Vós vos lembrais de Gabriela T.?
Respondi afirmativamente.
“Pois bem, sonhei que ela estava morta e que eu a via dei-
tada em seu túmulo!... Esta manhã desci para dar um passeio
e a pessoa com quem eu ia me disse: “Sabeis que a Sra. T.
morreu? Acabo de sabê-lo neste instante.” Meu sonho da
noite e esta notícia impressionaram-me tão vivamente que
fiquei confusa e perturbada com essa inexplicável coinci-
dência, pois não a conhecia particularmente, não a sabia do-
ente e não falava a seu respeito há muito tempo.”
Esse o fato curioso que acabo de saber. No caso de o ci-
tardes, ficar-vos-ia agradecida de somente publicardes as
minhas iniciais.
J. A. (Bourges).”
(Carta 535)
XLV – “Eu estava muito enamorado de uma jovem hones-
ta e de muito boa família. Ela caiu doente. Uma noite, cerca
de 9 horas, eu passava por uma madorna e me via em uma
grande sala onde todo mundo dançava. A minha bem-amada
achava-se presente, vestida de branco, com um semblante ao
mesmo tempo pálido e triste. Aproximo-me dela e convido-a
para dançar. Ela me recusa com uns modos bruscos, dizen-
do-me baixo: “É impossível, estão-nos vendo.”
Despertei com grande palpitação do coração e lágrimas
nos olhos. Logo que amanheceu, vesti-me à pressa e corri
para a residência da enferma. Encontrei na rua o criado de
sua casa, o qual me comunicou haver ela morrido nessa
mesma noite.
M. T. (Constantinopla).”
(Carta 543)
XLVI – “Meu pai tinha um amigo de infância, o general
Charpentier de Cossigny, que sempre me testemunhava mui-
ta afeição. Como estivesse ele atacado de uma moléstia ner-
vosa, que tornava esquisito o seu modo de ser, não nos ad-
mirávamos jamais que nos fizesse por vezes três ou quatro
visitas sucessivas, pois que ficava meses sem aparecer. Em
novembro de 1892 (havia cerca de três meses que não vía-
mos o general), estando eu com forte dor de cabeça, fui dei-
tar-me muito cedo. Já me achava há bastante tempo na cama
e começava a adormecer, quando ouvi meu nome pronunci-
ado a princípio em voz baixa, depois um pouco mais alto.
Apliquei o ouvido, supondo que era meu pai que me chama-
va, mas percebi que ele dormia no quarto vizinho e sua res-
piração era bastante natural, como a de alguém que dormisse
há muito tempo.
Novamente adormeci e tive um sonho. Vi a escada da casa
em que o general morava (7, Cité Vanean). Ele próprio apa-
receu-me debruçado sobre a balaustrada do patamar do
primeiro andar; depois desceu, veio a mim e me beijou na
fronte. Seus lábios estavam tão frios que o contato me des-
pertou. Vi então distintamente, no meio do meu quarto, ilu-
minado pelo reflexo do gás da rua, a silhueta alta e fina do
general que se afastava. Eu não estava dormindo, pois que
ouvi bater onze horas no Liceu Henrique IV e contei as pan-
cadas. Não pude tornar a dormir, e a impressão fria dos lá-
bios de nosso velho amigo perdurou-me na fronte a noite in-
teira.
Pela manhã, as minhas primeiras palavras a minha mãe fo-
ram: “Teremos notícias do general de Cossigny; eu o vi esta
noite.”
Alguns instantes depois, meu pai encontrava em seu jornal
a notícia da morte de seu velho camarada, ocorrida na véspe-
ra, à noite, em conseqüência de uma queda na escada.
Jean Drenilhe
Rue des Boulangers, 36, Paris.”
(Carta 552)
XLVII – “Uma noite, achando-me a dormir em minha ca-
sa, vi meu irmão que se achava em Argel, em agonia de
morte.
Foi tão viva a impressão experimentada, que despertei su-
bitamente. Seriam cerca de 4 horas da manhã.
Meu irmão há cerca de dois anos vivia sofrendo, mas ne-
nhuma importância liguei a este sonho, sabendo que seu es-
tado de saúde, no momento, era assaz bom, porquanto me
havia dado notícias suas alguns dias antes. Pela manhã rece-
bi um telegrama participando-me o seu falecimento às 6 ho-
ras da manhã.
Jamais falei a respeito disso a quem quer que seja, atribu-
indo o fato a uma pura coincidência e não teria certamente
falado sobre isso se não se tratasse do testemunho estatísti-
co-científico que desejais.
Lehembre
Intérprete do Tribunal, em Sousse (Tunísia).”
(Carta 583)
XLVIII – “Era durante a grande guerra de 1870-1871;
meu noivo era soldado no exército do Reno, se não me en-
gano, e depois de dias e dias não tínhamos notícias suas. Na
noite de 23 de agosto de 1870 tive um sonho singular que
me atormentou, mas ao qual não liguei grande importância.
Encontrava-me em um quarto de hospital, no meio do qual
estava uma espécie de mesa onde meu noivo se achava dei-
tado. Seu braço direito estava nu e percebia-se grave feri-
mento perto da espádua direita; dois médicos, uma irmã de
caridade e eu estávamos perto dele. De repente olha-me ele
com seus grandes olhos e me diz: “Amas-me ainda?” Alguns
dias depois soube pela mãe de meu noivo que ele fora ferido
mortalmente na espádua direita, a 18 de agosto, perto de
Gravelotte, e que morrera a 23 de agosto de 1870. Uma irmã
de caridade que o tratara foi a primeira que nos participou
sua morte. O quadro está ainda presente em meu espírito
como se eu o houvesse sonhado e vivido ontem.
Suzanne Kubler
Professora (Heidelberg).”
(Carta 587)
XLIX – “Na noite de 30 para 31 de julho de 1897, sonhei
que atravessava a praça de Quinconces, onde estavam traba-
lhando marceneiros. Um deles me tomou a mão esquerda e
serrou-me o dedo mínimo: o sangue corria em abundância e
gritei por socorro.
Nesse instante acordei, em um estado impossível de des-
crever, levantei-me e minha mulher, admirada, perguntou-
me o que fazia. O relógio batia 3 horas. Momentos depois
tornei a dormir. Tive novo sonho, no qual eu via um navio
atravessando um canal; no fim desse canal uma embarcação
destacava-se do navio e encostava à margem. Alguns ho-
mens desembarcaram, cavaram um buraco, enterraram
qualquer coisa e depois de terem tapado o buraco retiraram-
se.
Chegando ao meu escritório, contei aos colegas os dois
sonhos que tivera durante a noite. Eles ficaram muito admi-
rados. Um deles declarou que, quando a gente via, em so-
nho, correr o seu próprio sangue, era isso presságio de des-
graça na família.
Eu tinha então o meu primogênito como soldado no 11º
Regimento de Marinha em Saigon. Tendo enfermado, re-
gressara à França.
A 11 de agosto soube, pelo comissário de polícia do meu
quarteirão, da morte de meu filho. Falecera no canal de Suez
a 31 de julho. Algum tempo depois, eu recebia uma cópia do
registro de óbito, segundo a qual meu filho morrera, com e-
feito, a 31 de julho, às 3 horas da manhã e fora inumado em
Port-Said.
R. Dubos
Diretor-chefe das Alfândegas, em Bordéus.”
(Carta 591)
L – “Sendo estudante de Medicina e prestes a terminar
meus estudos, fora eu passar com a minha família as férias
da Páscoa de 1895. Uma noite (não me recordo da data exa-
ta) deitamo-nos como de ordinário; o repasto fora muito ale-
gre e todos os da família se achavam de perfeita saúde. Pelas
2 horas da manhã, tive um sonho penoso: meu pai estava
morto, eu chorava desesperadamente, acompanhando-o ao
cemitério. Esse pesadelo acabou por me despertar e pude
constatar que o meu travesseiro estava molhado de lágrimas.
Não dando crédito aos sonhos e não estando ainda muito
iniciado em questões de telepatia, tornei a dormir calmamen-
te, na crença de que aquilo não passava de um sonho. As 7
horas da manhã ainda eu dormia, quando minha mãe entrou
em meu quarto para dizer-me que eu fosse ver meu pai ime-
diatamente, pois estava ele com um ataque de paralisia. Cor-
ri para ele e vi, com efeito, que não podia mais mover o bra-
ço e a perna esquerda, tornados inertes.
Sabendo-se que os ataques de paralisia se produzem fre-
qüentemente durante o sono dos doentes, que despertam
hemiplégicos, calculo que a hemorragia cerebral de meu pai
se declarou pelas 2 horas da manhã, no instante do meu pe-
sadelo. (Meu pai ainda vive, mas é doentio.)
Trata-se de um caso de telepatia? Talvez! Eu vo-lo relato
para que lhe deis o valor que mereça.
Dr. Durand
Saint-Purçain (Alier).”
(Carta 594)
LI – “A. – Há uma quinzena de anos, a Sra. T. C. dava a
algumas senhoritas um “garden-party” em sua vila, situada
em Dourbali Déré, sobre a margem asiática do Mar de Mar-
mara. Foram aí servidos, entre outras coisas, sanduíches de
presunto.
Cinco ou seis anos depois desse pequeno festival, uma das
convidadas, a quem ela apenas conhecia e a respeito de
quem não ouvira mais falar, apareceu-lhe em sonho, pedin-
do-lhe para lhe dar um pouco daquele presunto que ela co-
mera em seu “garden-party”.
A Sra. T. C. conta a seu marido o sonho que tivera e este
presta ao caso justamente a atenção que de ordinário se con-
cede aos sonhos. Qual não é o espanto de M. C., ao chegar
ao seu escritório, aí encontrando o pai da senhorita que a S-
ra. T. C. tinha visto em sonho e que lhe comunica que sua fi-
lha morria aos poucos de tuberculose e que ela o enviava a
ele para lhe pedir um pouco daquele excelente presunto que
ela saboreou no “garden-party” de alguns anos atrás! M. C.
satisfez ao desejo da moça e, ao voltar para casa, conta a sua
mulher o que se passara. E não se falou mais nisso.
Alguns dias mais tarde a Sra. T. C. torna a ver em sonho a
mesma jovem, que desta vez lhe pede flores de seu jardim.
Ao despertar, a Sra. T. C. conta seu sonho ao marido, dizen-
do-lhe: “Tenho certeza de que a Srta. Fulana morreu.” Com
efeito, no mesmo dia recebe M. C. o anúncio mortuário: a
moça expirava durante a noite.
B. – A Sra. T. C., em seguida a uma sentença pronunciada
em processo de separação, parte para o Egito. Sua filha, de
14 anos de idade, é confiada a um estabelecimento escolar
religioso da cidade de Constantinopla. A 18 de março de
1880, a Sra. T. C. está sentada em seu balcão, em Alexan-
dria. Era após o entrar do Sol, no momento em que começa a
escurecer. De súbito ela ouve como que o roçagar de um
vestido de seda no hall e desaparece.
Alguns dias depois, vem um amigo visitar a Sra. T. C. É
portador de notícias de Constantinopla. Esse amigo não aca-
bara de pronunciar o nome de sua filha, quando a Sra. T. C.
o interrompe, dizendo-lhe: “Minha filha morreu, eu o sei; ela
morreu a 18 de março pelas 5 horas da tarde.” A carta men-
cionava a data e a hora do falecimento: eram precisamente
as da aparição.
Alpouroni (Constantinopla).”
(Carta 599)
LIII – “A. – Na noite de 23 de março de 1884, sonho que
uma de minhas amigas jogava sua partida de xadrez com o
Dr. D., em família, na minha casa; percebi que se achava re-
vestida de um véu negro muito espesso e lhe disse:
– Vais perder se ficares, assim, envolta nesse véu.
– É que eu estou morta, repara!
Ela então levanta o véu de crepe e vejo uma caveira sem
dentes, os olhos convertidos em buracos! Era horrível!
Esta amiga estava ainda há oito dias em minha casa, tinha
49 anos, estava de perfeita saúde e não me deixara senão pe-
las férias da Páscoa, para dirigir-se a Paris, onde ia buscar
seu filho no colégio, e depois com ele voltar, a fim de con-
cluir seu pequeno estágio de recreação, em minha casa. O
quarto por ela ocupado permanecia tal qual o deixara e a-
guardava-a. Não havia, portanto, suposição alguma de mor-
te. Contudo, na própria manhã que se seguiu a este horrível
sonho, cuja narrativa eu fazia ainda muito emocionada ao
doutor, o carteiro traz-me um telegrama concebido nos se-
guintes termos: “Venha depressa, Maria morreu esta noite...”
e foi o que aconteceu!...
B. – Coisa idêntica sucedeu por ocasião da morte de meu
pai, na idade de 79 anos. Deixa-nos ele com perfeita saúde e
nós nos admirávamos mesmo da sua vivacidade. Na noite de
17 de outubro de 1879, sonho que mudaram o tanque do jar-
dim; puseram flores no lugar e a terra se acha revolvida. A-
proximo-me, inclino, olho... solto um grito, pois avisto o
caixão de meu filho!...
Chega, nessa mesma manhã, um telegrama: “Vosso pai
morreu esta noite...” E o seu ataúde está agora colocado no
mesmo sepulcro, sobre o de meu filho querido.
Mme. H. D.
Rue du Conédic, Paris.”
(Carta 606)
LIV – “Uma manhã, às 9 horas, tinha meu marido saído
para o desempenho dos seus afazeres e eu tornei a dormir
por alguns minutos. No breve espaço de tempo que durou o
meu sono, tive um sonho que me impressionou fortemente.
Sonhei que tinha saído em companhia de meu marido. Dei-
xou-me ele por alguns momentos, para entrar em um estabe-
lecimento, a fim de conversar com alguém, e eu fiquei no
lado de fora, esperando-o. Instantes depois, vejo-o sair muito
pálido e tendo sua mão esquerda apoiada sobre o coração.
Pergunto-lhe ansiosamente o que era, ele me responde:
– Não te amedrontes, isto não é nada. Ao sair dali, alguém
me deu acidentalmente um tiro de revólver, suponho, mas
não tenho mais do que leve ferimento na mão.
Despertei em sobressalto e, vestindo-me, contava meu so-
nho à criada de quarto, quando um toque violento de campa-
inha me fez estremecer. Meu marido entrou em meu quarto
tão pálido como o tinha visto em sonho e, trazendo sua mão
esquerda envolta em panos, me disse:
– Não te alarmes, isto não é nada. Indo ao meu escritório
com um amigo, deu-me alguém um tiro de revólver e a bala,
passando por meu braço, produziu-me apenas leve ferimento
no pulso.
Trata-se de sonho, visão ou de um caso de telepatia?
Mme. Kranskoft (Constantinopla).”
(Carta 611)
LVI – “Em 1866, estava eu em um pensionato situado em
pequena localidade da Floresta Negra. Uma manhã, no mo-
mento em que o professor ia começar a lição, apresentou-se
diante dele um aluno e perguntou-lhe se tinha boas notícias
de seu irmão (igualmente professor no mesmo pensionato e
que estava passando uns tempos com sua família, na Suíça).
Respondendo-lhe o professor que não tinha notícia algu-
ma, contou-lhe o discípulo, em alta voz, que tivera um hor-
rível sonho na noite precedente e que, durante o sonho, vira
o professor ausente, estendido sobre a relva, com um buraco
negro no meio da fronte.
A fim de dissipar a emoção experimentada por todos os
que ouviram essa narrativa, começou o mestre a aula imedia-
tamente e durante todo o dia não se falou mais a respeito do
sonho.
Um ou dois dias depois (minha memória está indecisa
quanto ao dia precisamente em que se deu o fato) o profes-
sor recebeu uma carta participando-lhe que seu irmão morre-
ra em conseqüência de um acidente na caçada: ao querer
transpor um fosso, sua espingarda disparou e a carga inteira
penetrou-lhe na cabeça.
A. H. (Gênova).”
(Carta 616)
LVII – “Minha mãe residia em Lile e tinha na Alsácia um
tio a quem ela amava muito. Tinha ele os dedos muito finos
e compridos: ora, um dia em que minha mãe estava a dor-
mir, viu em sonho esta mão longa pairar lentamente por ci-
ma dela, procurando agarrar um objeto qualquer. No dia se-
guinte, recebia minha mãe a notícia da morte do tio e, con-
forme informações obtidas dos que o rodeavam, o falecido,
com efeito, antes de morrer, fizera todos os movimentos vis-
tos por minha mãe.
A. P. (Rua das Plantas, Paris).”
(Carta 631)
LVIII – “Sucede-me constatar, muitas vezes, uma impres-
sionante coincidência entre os meus sonhos e acontecimen-
tos sobrevindos no mesmo instante.
Permito-me citar-vos, como exemplo, o último desses so-
nhos, aquele que mais presente se acha ao meu espírito.
Aconteceu-me sonhar, uma noite inteira, com uma religio-
sa que tivera outrora como professora. Vendo-a muito doen-
te, eu experimentava, por isso, grande angústia e procurava,
em vão, confortá-la. Constato, no dia seguinte, que as irmãs
da escola comunal se acham em Mirecourt, a fim de assisti-
rem aos funerais de uma de suas colegas. Ainda sob a im-
pressão de meu sonho, digo imediatamente: “Trata-se da ir-
mã Saint-Joseph!”
E, com efeito, era precisamente dela que se tratava. Entre-
tanto eu não pensara nisso nos dias precedentes, ninguém
me havia falado nesse assunto, eu ignorava que ela estivesse
doente.
G. Collin (Vittel).”
(Carta 649)
LIX – “Era o dia 13 de junho de 1894. Residia eu nesse
momento em Barbezieux (Charente). Tive um sonho no qual
via constantemente um empregado dos Correios e Telégra-
fos portador de um telegrama. No dia seguinte e mau grado
as minhas ocupações, a visão desse empregado, de papel a-
zul em punho, não deixou meu pensamento.
Durante sete dias e sete noites consecutivos esse pesadelo
me tiranizou a tal ponto, que no dia 20, pela manhã, me a-
chava verdadeiramente enfermo. Ao meio-dia, a minha do-
ença desapareceu como por encanto, e eu me sentia perfei-
tamente bem; mas, às 3 horas da tarde deram-me a notícia da
morte de meu pai, em conseqüência de um ataque de apo-
plexia, em Castillon-sur-Dordogne, ao meio-dia, hora na
qual me senti de súbito aliviado.
Vi então diante de mim o empregado dos Correios, tal
qual minha imaginação o havia representado – e que jamais
eu tinha visto.
Em absoluto ignorava que meu pai estivesse doente e es-
távamos separados por uma distância de cem quilômetros.
Ulysse Lacoste
Saint Louis, 48, Bordéus.”
(Carta 670)
LX – “Sou um homem bem disposto e de nervos sólidos.
Em 1894, a 20 de abril, pelas 7:30, morre minha mãe Olga
Nikadlevna Arbonsova. Sua idade era de 58 anos. Na véspe-
ra de sua morte, pela Páscoa, tinha eu ido visitar amigos que
residiam a 15 verstes de minha propriedade. Em geral, fica-
se para dormir, mas eu, por não sei que pressentimento, não
quis ficar e, durante todo o caminho que percorri para voltar
a casa, não me sentia em meu estado habitual. Chegando em
casa, vi minha mãe a jogar as cartas com um senhor e fiquei
tranqüilizado. Deitei-me. Pela manhã de 20 de abril, desper-
tei com um arrepio de frio em todo o meu corpo, em conse-
qüência de um sonho horrível, e olhei o relógio: eram 7:30
da manhã. Vi minha mãe aproximar-se de minha cama, a-
braçar-me e dizer: “Adeus, vou morrer”. Estas palavras des-
pertaram-me de todo.
Não pude tornar a dormir. Dez minutos depois vejo que
todo mundo corre em minha casa. Entra a minha criada de
quarto que me diz: “Senhor, a patroa morreu.”
Conforme a narrativa dos empregados, minha mãe levan-
tou-se às 7 horas, esteve no quarto de dormir de sua neta pa-
ra abraçá-la, depois tornou a entrar no seu quarto para ler
suas preces matinais; em seguida, ajoelhou-se diante do ora-
tório e ato contínuo morreu da ruptura de um aneurisma. Se-
gundo o que me disseram, passou-se isso às 7:30 da manhã
(exatamente o instante de minha visão).
Alexis Arbousoff (Pskoff, Rússia).”
(Carta 678)
LXI – “Em 1881, deixara eu a França para ir a Sumatra,
onde meus amigos me chamavam. Deixei minha mãe em
França, com saúde pouco robusta, mas não inquietante, e
uma irmã de 20 anos, fortemente atacada de uma moléstia
incurável. A saúde desta última exigia cada ano uma viagem
às águas de Mont-Dore. Do mesmo modo, todos os anos eu
recebia regularmente a notícia de sua partida para essa esta-
ção de águas.
Ora, em 1884, a noite de 3 para 4 de agosto, em sonho, eu
recebia uma carta de minha irmã, informando-me de que
minha mãe havia morrido subitamente nos Pirineus.
Despertei muito impressionado com esse sonho e falei a
seu respeito a dois europeus que residiam, um deles comigo,
outro na minha vizinhança. A lembrança do sonho perse-
guiu-me sem descanso, era uma verdadeira obsessão, fazen-
do-me desejar e recear ao mesmo tempo o recebimento da
correspondência que me pudesse trazer notícias relativas à
época do sonho. Ela chegou afinal e recebi uma carta de mi-
nha irmã, informando-me de que o médico a enviara a Lu-
chon e que minha mãe, acometida de um resfriado, devia seu
restabelecimento somente aos cuidados enérgicos do doutor.
Declarara este, na tarde de 3 de agosto, que se minha mãe
ainda vivesse, no dia seguinte, poderia responder por ela,
mas que aguardava esse dia para pronunciar-se.
O sonho não era exato quanto ao desenlace anunciado por
ele: a morte de minha mãe. Não é, porém, menos notável:
1º) que o sonho assinalasse um perigo concernente a minha
mãe e não a minha irmã, cuja saúde preocupava muito
mais o meu espírito;
2º) que o sonho se referisse a uma estação balneária diferen-
te daquelas a que iam elas ordinariamente – o que se ve-
rificou ser perfeitamente exato;
3º) que se o sonho induziu a erro quanto à morte em si mes-
ma, a iminência da morte existiu perfeitamente e o sonho
coincidiu com essa iminência, como pude verificar pelas
datas e pelos detalhes que pedi a minha irmã, para con-
trolar a coincidência.
Enfim, não é estranho que um sonho preocupe o espírito a tal
ponto que ainda eu o tenha presente à memória após decorridos
15 anos? Faço-vos este relato sem o concurso de uma simples
nota e penso que me recordarei do sonho toda a minha vida,
tanto a impressão dele permanece, por assim dizer, inapagável
em mim. Todo o mundo concorda que não se dá o mesmo com
todos os sonhos. A maior parte deles passam com a rapidez do
vento.
J. Bouchard
Ocara Enim, Palembang, Sumatra.”
(Carta 822)
LXII – “A 16 de junho de 1870 eu dormia profundamente
quando alguém me despertou batendo-me nas costas. Abro
os olhos e vejo minha irmã, de 15 anos de idade, sentada em
minha cama. “Adeus, Nadia”, disse-me ela. Depois desapa-
receu.
No mesmo dia soube que ela morrera, nessa mesma hora
em que tive esse despertar e essa visão (5 horas).
H. N. Ubanenko (Moscou).”
Eis aí uma série de sonhos relativos a manifestações de mori-
bundos e que devem, ao que nos parece, ser classificados na
mesma categoria dos casos de telepatia, que constituíram objeto
do Capítulo III. Indicam eles uma ação psíquica do moribundo
sobre o espírito daquele que dorme ou, em quaisquer casos,
correntes psíquicas entre os seres; achei, entretanto, de bom
alvitre, não lhes dar mais do que um lugar secundário, porque se
tem menos segurança das coisas percebidas em sonho do que
daquelas que vemos em estado normal e também porque, sendo
inumeráveis os sonhos e devidos freqüentemente a preocupações
pessoais, os casos de coincidências fortuitas não podem ser
eliminados pelo cálculo das probabilidades, como os fatos ob-
servados em estado de vigília com a plenitude da razão.
Não é menos certo que grande número desses sonhos devem
ser aceitos como testemunhando também uma relação de causa e
efeito entre o espírito do moribundo e o do percipiente. Alguns
são de uma precisão de detalhes absolutamente probantes, nota-
damente os casos VIII, IX, XI, XVII, XX, XXVI, XLVII, LVI.
No próprio instante em que redijo estas páginas, o seguinte relato
acaba de ser-me dirigido pelo Sr. Daniel Beylard, arquiteto,
discípulo distinto da Escola de Belas Artes, filho do conhecido
estatuário. A impressão telepática não foi sentida em sonho, mas
em um estado mental que oferece alguma analogia com o sono, o
estado de infância assaz freqüentemente observado na extrema
velhice.
(Carta 845)
LXIII – “Minhas duas avós vivem juntas em Bordéus
desde muitos anos: uma tem 80 anos; a outra, minha avó pa-
terna, tem 87. Esta última não goza mais, desde muito tem-
po, de suas faculdades intelectuais: de dois anos para cá, so-
bretudo, ela perdeu a memória, a tal ponto que não se lembra
do nome dos objetos mais usuais e não nos reconhece.
A 10 de outubro último, segundo seu hábito, minha avó
passou a manhã em seu quarto. A criada que a trata via-a
muito ocupada em cortar papelão e pentear seus cabelos; sa-
tisfeita com a sua tranqüilidade, deixou-a estar assim até à
hora do almoço. Sentando-nos à mesa, percebemos que mi-
nha avó amarrara aos seus cabelos, por trás da cabeça, com
auxílio de fios e de alfinetes, uma fotografia: era o retrato,
em cartão, de seu único sobrinho, residente em Madrid. Ri-
mo-nos logo do caso, e em seguida quisemos tirar-lhe o re-
trato, ao que ela se opôs, resistindo, e foi até às lágrimas
quando se fez menção de empregar a força; então deixamo-
la tranqüila.
Às 4 horas da tarde desse mesmo dia recebíamos um tele-
grama de Madrid, participando-nos a morte do referido so-
brinho, ocorrida nessa mesma manhã. Surpreendeu-nos tanto
mais essa notícia quanto ninguém sabia, em Bordéus, que
estivesse ele doente.
Devo acrescentar que minha avó educara esse sobrinho até
a idade de 5 anos e que tinham um pelo outro profunda afei-
ção.
Eis aí, caro mestre, os fatos tais quais se produziram em
minha presença, e tais como vos podem atestar minha avó
materna, meus pais e a empregada.
Daniel Beylard
Rua Denfert Rocheran, 77 – Paris.”
Pedi ao narrador desse caso muito interessante de telepatia
que solicitasse das testemunhas o obséquio de atestá-lo também
e elas apressaram-se em fazê-lo.
Ainda que aí estejam provas tão numerosas quanto irrecusá-
veis, acrescentar-lhes-emos ainda algumas outras. É preciso que
não fique nenhum lugar à dúvida.
O marechal Serrano morreu em 1885. Sua mulher escreveu o
seguinte relato de um curioso incidente relativo a essa morte.
LXIV – “Há longos doze meses que uma enfermidade
muito grave – ai de mim! pois que devia levá-lo – minava a
existência de meu marido. Percebendo que o seu fim chega-
va rapidamente, seu sobrinho, o general Lopez Dominguez,
dirigiu-se ao presidente do Conselho de Ministros, Sr. Ca-
novas, para obter que, por sua morte, Serrano fosse enterra-
do, com os outros marechais, em uma igreja.
O rei, então em Pardo, recusou aceder ao pedido do gene-
ral Lopez Dominguez. Acrescentou, entretanto, que prolon-
garia sua estada no domínio real, a fim de que sua presença
em Madrid não viesse a impedir que fossem prestadas ao
marechal as honras militares devidas ao posto e à elevada
hierarquia que ele ocupava no Exército.
Aumentavam dia a dia os padecimentos do marechal; ele
não podia mais deitar-se e permanecia constantemente em
uma poltrona. Uma manhã, ao romper da aurora, meu mari-
do, a quem um estado de completo aniquilamento, causado
pelo uso da morfina, paralisava inteiramente, e que não po-
dia fazer um só movimento sem o auxílio de várias pessoas,
levantou-se de súbito, sozinho, direito e firme, e com uma
voz mais sonora do que jamais o tivera em sua vida, gritou
no grande silêncio da noite:
– Depressa, que um oficial da ordenança monte a cavalo e
corra do Pardo: é morto o rei!
Tornou a cair, esfalfado, em sua poltrona. Todos acredi-
tamos tratar-se de delírio e nos apressamos em dar-lhe um
calmante.
Ele acalmou-se, mas, alguns minutos depois, de novo se
ergueu. Com uma voz débil, quase sepulcral, disse:
– Meu uniforme, minha espada; o rei é morto!
Esse foi o seu último sinal de vida. Depois de ter recebido,
com os últimos sacramentos, a bênção do papa, expirou. A-
fonso XII morreu sem tais confortos.
Aquela súbita visão da morte do rei, por um moribundo,
era verdadeira. No dia seguinte toda Madrid soube, com es-
tupor, da morte do rei, que se encontrava quase só no Pardo.
O real cadáver foi transportado para Madrid. Por essa cau-
sa, Serrano não pôde receber a homenagem que tinha sido
prometida. Sabe-se que, quando o rei está no palácio de Ma-
drid, as honras são somente para ele, mesmo estando morto,
desde que seu corpo aí se encontre.
Foi o próprio rei que apareceu a Serrano? O Pardo fica
longe; tudo dormia em Madri; ninguém, a não ser meu mari-
do, o sabia. Como pôde ter ele a notícia dessa morte? Eis
uma coisa digna de meditação.
Condessa de Serrano (Duquesa da Torre).”
O Sr. G. J. Romanes, membro da Sociedade Real de Londres,
consignou o fato seguinte que lhe foi comunicado por um de
seus amigos:
LXV – “No correr da noite de 26 de outubro de 1872, sen-
ti-me de súbito muito indisposto e fui deitar-me às 9:30, cer-
ca de uma hora mais cedo que de costume; adormeci quase
imediatamente. Tive, então, um sonho muito intenso, que me
causou grande impressão, de modo que, logo ao despertar,
falei a respeito à minha esposa; temia que me anunciasse ele
uma desgraça.
Eu me vi, em sonho, sentado no salão, perto de uma mesa,
na atitude de quem lê, quando uma velha senhora apareceu
repentinamente, sentada do outro lado, muito perto da mesa.
Ela não falou nem se mexeu, mas olhou-me fixamente e do
mesmo modo fixei-a durante vinte minutos pelo menos. Im-
pressionou-me vivamente o seu aspecto; tinha cabelos bran-
cos, sobrancelhas muito negras e um olhar penetrante. Não a
reconheci absolutamente e imaginei tratar-se de uma estran-
geira. Minha atenção foi atraída para o lado da porta, que se
abriu e, sempre em meu sonho, entrou minha tia. Vendo esta
velha senhora, muito surpresa, ela exclamou, em tom de
censura:
“John, não sabes então quem é?”, e sem me dar tempo de
responder, acrescentou: “É tua avó.”
Do lugar em que se achava, o Espírito que me viera visitar
levantou-se de sua cadeira e desapareceu. Nesse momento
despertei. Tal foi a impressão, que tomei o meu carnê e re-
gistrei o estranho sonho, persuadido tratar-se de um mau
presságio. Entretanto, passaram-se alguns dias sem que che-
gassem quaisquer más notícias. Uma tarde recebi uma carta
de meu pai, anunciando-me a morte súbita de minha avó,
que se verificou na mesma noite do meu sonho e na mesma
hora (10:30).89
O Dr. Oscar Giacchi publicou os três casos seguintes nos An-
nales des Sciences Psychiques (1893, pág. 302):
LXVI – “1º caso (pessoal) – Em 1853, era eu estudante
em Pisa, contava 18 anos de idade, tudo me sorria então, e
nenhuma preocupação do futuro me perturbava.
Uma noite, a 19 de abril (não posso bem precisar se se
passou isso em sonho ou em estado de sonolência), vi meu
pai estendido em sua cama, pálido, lívido e a me dizer com
uma voz quase extinta: “Meu filho, dá-me o último beijo,
pois que em breve eu te vou deixar para sempre”; e senti o
frio contato de seus lábios sobre a minha boca. Lembro-me
tão bem desse triste episódio, que poderia repetir com o di-
vino poeta: “che la memoria il sangue ancor mi scipa”.
Alguns dias antes havia eu recebido, a seu respeito, exce-
lentes notícias e, por essa razão, não liguei importância a es-
sa fantasmagoria do meu espírito; mas uma tortura horrível
apoderou-se da minha alma e aumentou com tanta persistên-
cia, que na manhã seguinte, resistindo ao raciocínio e às ad-
vertências dos meus amigos, tomei o caminho de Florença,
abatido qual condenado que se conduz ao suplício. As mi-
nhas angústias eram fundadas, pois apenas franqueara o li-
miar da casa, minha mãe, correndo ao meu encontro, anun-
ciou-me, em desespero, em meio a seus beijos e suas lágri-
mas, que na noite precedente, à mesma hora de minha visão,
meu pai nos fora arrebatado por subitâneo colapso cardíaco.
2º caso (em minha clientela) – Tenho aqui, em minha casa
de saúde para moléstias mentais, há mais de três anos, uma
velha afetada de delírio senil que lhe deixa, entretanto, lon-
gos períodos de calma, durante os quais ela se mostra inteli-
gente e tranqüila, de maneira a fazer acreditar em suas asser-
ções. É uma pobre viúva que, ao tempo em que se achava
em liberdade, era generosamente socorrida pelo cura de São
João de Racconigi, que se apiedava de sua miséria. Na noite
de 17 de novembro de 1892, esta mulher, que geralmente –
então ela não sofria dessa inquietação – dorme um sono i-
ninterrupto, começou à meia-noite a gritar, a se desesperar,
alarmando todo o dormitório, sem excetuar as irmãs da se-
ção dos tranqüilos, assegurando a essas religiosas, que pro-
curavam acalmá-la, ter visto o prior cair ao chão, deitar uma
espuma ensangüentada pela boca e morrer em poucos instan-
tes. O relatório do médico de plantão mencionava esse epi-
sódio da noite, ao passo que ao mesmo tempo se espalhava
na região a dolorosa notícia de que o cura de Saint-Jean
morrera de fato, vítima de fulminante apoplexia, à mesma
hora em que a velha tivera seu pesadelo.
3º caso (idem) – Um Sr. G. C., de Gottasecca, Comuna de
Monesílio, fora admitido, havia dois meses, em uma casa de
saúde. Seu estado melhorara e tudo fazia esperar a cura com
essa prontidão que se verifica nas doenças mentais sem ele-
mentos hereditários na marcha degenerativa. Era perfeita a
saúde física, ainda que houvesse sintomas de ateroma vascu-
lar. Mas, na noite de 14 de setembro de 1892, foi ele acome-
tido de uma hemorragia cerebral que o arrebatou no dia se-
guinte. A 16 recebi de sua mulher, que até então guardara si-
lêncio, uma carta postal em que me pedia, em frases cheias
de ansiedade, notícias de seu marido, rogando-me respon-
der-lhe imediatamente, porquanto ela receava que tivesse
havido uma desgraça.
Tal coincidência de fatos e de datas não podia passar des-
percebida nem deixar-me indiferente. Escrevi, pois, imedia-
tamente ao eminente Dr. Dhiavarino, médico da família, pe-
dindo-lhe indagar das razões que levavam essa senhora a es-
crever-me de uma forma tão alarmante. Respondeu-me o
doutor dizendo haver efetuado as necessárias indagações,
tendo obtido os seguintes detalhes:
“Na noite de 14 e precisamente à hora em que C. foi a-
cometido de apoplexia, sua esposa (que é dotada de tempe-
ramento excessivamente nervoso e estava então grávida de 7
meses), depois de haver experimentado grande abatimento
moral durante toda a noite despertou em sobressalto, deses-
perada com a sorte de seu marido; e tal foi a emoção expe-
rimentada que ela se viu obrigada a acordar seu pai, a fim de
contar-lhe o triste pressentimento e conjurá-lo a acompanhá-
la desde logo a Rocconigi, persuadida de que alguma des-
graça sucedera.”
Esses três casos parecem-me dignos de ser tomados em
consideração. Atribuí-los unicamente a uma coincidência
fortuita parecer-me-ia de um cepticismo desprezível e isso
até seria, segundo penso, um falso orgulho de persistir em
negar que possam eles ser o efeito de uma lei biológica, pela
razão de que ignoramos essa lei, como desgraçadamente ig-
noramos tantos outros mistérios da Psicologia.
A hipótese de uma transmissão misteriosa do cérebro da-
quele que sofre, ou se acha em situação difícil, ao da pessoa
amada, é sedutora, porque em momento de supremo perigo,
ou de horrível desgraça, poderia o pensamento fazer um es-
forço assaz poderoso para vencer as distâncias; mas no 2º e
no 3º casos essa teoria não pode ser admitida, pela razão de
que tanto o prior de Saint-Jean como G. C., acometidos co-
mo foram ambos, repentinamente, pela apoplexia, não pude-
ram ter a força de pensar em seus queridos ausentes, e cer-
tamente a velha não podia ser amada pelo cura, a tal ponto
que fosse para ela que se dirigisse a suprema invocação do
moribundo.”
Assinalarei ainda aqui, a propósito deste gênero de sonhos,
um caso bem notável, observado pelo Sr. Frederic Wingfield, em
Belle-Isle-en-Terre (Côtes-du-Nord), já publicado em Hallucina-
tions Télepathiques, pág. 101):
LXIX – “O que vou escrever é precisamente a descrição
do que se passou, e devo tornar bem claro, a propósito, que
me sinto o menos disposto possível a acreditar no maravi-
lhoso e que, muito ao contrário, tenho sido acusado, muito
justamente, de um cepticismo exagerado, a respeito das coi-
sas que não posso explicar.
Na noite de quinta-feira, 25 de março de 1880, fui deitar-
me depois de haver lido até muito tarde da noite, como era
meu hábito. Sonhei que estava estendido em meu sofá e en-
tregava-me à leitura, quando, erguendo os olhos, vi distin-
tamente meu irmão, Richard Wingfield Baker, sentado em
uma cadeira diante de mim. Sonhei que lhe falava, mas que
ele simplesmente inclinava a cabeça, à guisa de resposta,
depois se levantava e deixava o quarto. Quando acordei, pu-
de constatar que me achava levantado, com um pé firmado
no chão, perto da cama, e o outro nesta e que procurava falar
e pronunciar o nome de meu irmão.
A impressão de que se achava ele de fato presente era tão
forte, e toda a cena com que eu sonhara mostrava-se tão vi-
vamente, que deixei o quarto de dormir para procurar meu
irmão na sala. Examinei a cadeira em que o tinha visto sen-
tado, voltei à minha cama e procurei adormecer, porquanto
esperava que a aparição de novo se produziria, mas o meu
espírito achava-se muito agitado. Devo, entretanto, ter dor-
mido pela manhã. Quando despertei, a impressão do meu
sonho era muito viva e devo acrescentar que ela está sempre
assim em meu espírito. O sentimento que eu tinha de uma
desgraça iminente era tão forte que anotei essa “aparição”
em meu diário, fazendo-o do seguinte modo: “Que Deus tal
não permita!”
Três dias depois, recebi a notícia de que meu irmão, Ri-
chard Wingfield Baker, morrera na quinta-feira, dia 25 de
março de 1880, às 8:30 da noite, em conseqüência de terrí-
veis ferimentos que recebera em uma queda, quando caça-
va.”
O Sr. Wingfield enviou com essa carta o seu carnê, no qual,
entre grande número de notas referentes a negócios, se lê a
seguinte menção: “Aparição noite de quinta-feira, 25 de março
de 1880. R. B. W. B. Que Deus tal não permita!” Junto a essa
nota, achava-se a seguinte carta:
“Coat-an-nos, 2 de fevereiro de 1884.
Meu Caro amigo,
Não preciso fazer nenhum esforço de memória para lem-
brar-me do fato a que vos referis, porquanto dele conservei
nítida e precisa recordação. Lembro-me perfeitamente que
no domingo, 4 de abril de 1880, tendo chegado de Paris nes-
sa manhã mesmo, para passar aqui alguns dias, fui almoçar
convosco. Lembro-me também perfeitamente que vos en-
contrei muito emocionado com a dolorosa notícia que vos
tinha chegado da morte de um dos vossos irmãos. Recordo-
me igualmente, como se fosse de ontem o fato, tanto me im-
pressionou ele, que, alguns dias antes de conhecer a triste
notícia, vistes ou acreditastes ver, achando-vos já deitado,
mas em todo caso muito distintamente, vosso irmão, aquele
cuja morte súbita acabáveis de conhecer, muito perto de
vossa cama e que, na convicção em que estáveis de que era
bem ele, vos levantastes e lhe dirigistes a palavra, e que nes-
se momento cessastes de vê-lo, como se ele se tivesse des-
vanecido assim como um espectro. Recordo-me que, sob a
impressão bem natural que fora a conseqüência desse acon-
tecimento, anotaste-o em um pequeno carnê em que costu-
mais registrar os fatos mais salientes de vossa existência
muito tranqüila e que me mostrastes esse carnê.
Pouco me surpreendeu o que me dizíeis então e disso con-
servei muito nítida lembrança, como em começo vos dizia,
porquanto em minha família tenho casos similares nos quais
acredito absolutamente.
Fatos semelhantes sucedem, crede-o bem, com muito mais
freqüência do que geralmente se pensa. O que acontece, a-
penas, é que ninguém quer contá-los, porque todo o mundo
desconfia de si ou dos outros, em casos análogos.
Adeus, caro amigo, até breve. Espero-o e crede sempre na
expressão dos mais sinceros sentimentos de
Vosso muito devotado
Faucigny, Príncipe de Lucinge.”
O Sr. Wingfield acrescenta em resposta às questões:
“Jamais tive sonho dessa espécie, assim horrível, nem ou-
tro qualquer sonho de que tenha despertado com semelhante
impressão de realidade e de inquietude e cujo efeito haja du-
rado tanto após o despertar; jamais tive alucinações.
Cumpre assinalar que esse sonho se deu somente várias
horas após a morte.”
Os documentos desse gênero são de tal modo numerosos que
se torna difícil estabelecer preferência entre eles. Não podemos,
entretanto, deixar de assinalar ainda um sonho não menos notá-
vel, que foi recentemente trazido a público, acompanhado de
todos os documentos suscetíveis de garantir-lhe a absoluta
veracidade, através das páginas da excelente revista especializa-
da no assunto: Annales des Sciences Psychiques, do Sr. Dr.
Dariex:
LXX – “Nos primeiros dias de novembro de 1869, parti
de Perpignan, minha cidade natal, para ir continuar meus es-
tudos de Farmácia em Montpellier. Compunha-se a minha
família nessa época, de minha mãe e minhas quatro irmãs.
Deixei-as muito felizes e de perfeita saúde.
A 22 do mesmo mês, minha irmã Helena, linda e vigorosa
moça de 18 anos, a mais jovem e minha predileta, reunia na
casa materna algumas de suas jovens amigas. Cerca de três
horas após o jantar, dirigiram-se elas, em companhia de mi-
nha mãe, para a alameda dos Plátanos.
O tempo estava magnífico. Ao cabo de meia hora, minha
irmã foi acometida de súbita indisposição.
– Mãe – disse ela – estou sentindo estranho calafrio per-
correr-me todo o corpo; tenho frio e a minha garganta causa-
me grande incômodo. Voltemos para casa.
Doze horas depois, a minha irmã bem-amada expirava nos
braços de minha mãe, asfixiada, subjugada por uma angina
diftérica que dois médicos foram impotentes para dominar.
Minha família – era eu o único homem para representá-las
nos funerais – endereçou-me telegrama sobre telegrama para
Montpellier. Por terrível fatalidade, que ainda hoje deploro,
nenhum deles me foi entregue a tempo.
Ora, na noite de 23 para 24, dezoito horas depois da morte
da pobre criança, fui presa de terrível alucinação. Voltara eu
para casa às 2 horas da madrugada, com o espírito descansa-
do e ainda saturado da felicidade que experimentara nos dias
22 e 23, consagrados a uma temporada de alegria. Recolhi-
me ao leito muito contente. Cinco minutos depois estava
dormindo.
Pelas 4 horas da manhã vi aparecer diante de mim o rosto
de minha irmã, pálido, ensangüentado, inanimado, e um gri-
to agudo, repetido, queixoso, vinha ferir meus ouvidos:
– Que fazes, meu Luís? por que não vens, por que?
Em meu sonho, agitado, nervoso, tomei um carro; mas, ai
de mim! mau grado a esforços sobre-humanos, não conse-
guia fazê-lo avançar.
E eu via sempre a minha irmã pálida, ensangüentada, ina-
nimada, e a ferir-me os ouvidos o mesmo grito estridente,
repetido, amargurado:
– Que fazes, meu Luís? vem, peço-te, vem!
Despertei bruscamente, a face congestionada, a cabeça em
fogo, a garganta seca, a respiração curta e ofegante, ao
mesmo tempo em que meu corpo se banhava em suor. Saltei
da cama, procurando acalmar-me. Após uma hora tornei a
deitar-me; mas não pude recuperar a calma.
Cheguei à pensão às 11 horas da manhã, presa de uma in-
coercível tristeza. Interrogado por meus colegas, contei-lhes
o brutal acontecimento, tal como o sentira. Valeu-me isso
algumas zombarias. Às 2 horas dirigi-me à Faculdade, espe-
rando encontrar no estudo algum repouso.
Saindo das aulas, às 4 horas, vi uma mulher de luto pesado
dirigir-se a mim. A dois passos, levantou ela o véu. Reco-
nheci minha irmã mais velha, que, inquieta a meu respeito,
vinha, mau grado a sua grande dor, perguntar o que se tinha
passado comigo. Comunicou-me o fatal acontecimento que
absolutamente nada me podia fazer prever, porquanto eu re-
cebera ótimas notícias de minha família a 22 de novembro
pela manhã.
Tal a narrativa que vos faço, sob palavra de honra, absolu-
tamente verdadeira. Não emito opinião alguma; limito-me a
contar o que se passou.
São decorridos 20 anos, mas a impressão que me deixou
esse caso é sempre tão funda como no instante em que se ve-
rificou – sobretudo agora – e se os traços da minha Helena
não me aparecem com a mesma nitidez, ouço constantemen-
te aquele mesmo chamado angustioso, multiplicado, deses-
perado. “Que fazes, meu Luís? vem, peço-te, vem!”
Luís Noell
Farmacêutico em Cette.”
Esta narrativa acha-se acompanhada de documentos destina-
dos a confirmar-lhe a autenticidade. Desses documentos citare-
mos a seguinte carta da irmã do observador:
“Por solicitação vossa, pediu-me meu irmão para enviar-
vos a narrativa do encontro que tive com ele em Montpellier,
após a morte de nossa irmã Helena. Segundo o vosso desejo
e o dele, venho, mau grado a amargura de tão dolorosas re-
cordações, trazer-vos o meu testemunho.
Ao ver na rua o meu irmão, que foi o primeiro a reconhe-
cer-me, apesar das mesmas vestes de luto, compreendi que
ele ignorava ainda a morte de Helena. “Que desgraça veio
sobre nós abater-se?” gritou ele. Sabendo, por minha boca,
da morte de Helena, apertou-me ele nos braços com tal vio-
lência, que quase caí para trás. Entrando em casa, tive de su-
portar uma cena terrível. Louco de cólera, meu irmão, muito
nervoso, muito veemente, mas também muito bom, quase
me maltratou: “Que fatalidade – gritava –, que desgraça!
Oh! os telegramas! Por que não os recebi, então?” E ele ba-
tia violentamente na mesa com ambas as mãos... Aos repeti-
dos goles, ele esvaziou três grandes garrafas de água. Por
um momento, eu o julguei louco, de tal modo o seu olhar se
mostrava desvairado...
Quando recuperou a calma, algumas horas depois, disse:
“Oh! eu estava certo disso, uma grande desgraça devia sobre
mim abater-se.” Então me contou a alucinação que tivera na
noite de 23 para 24.
Teresa Noell.”
Este sonho, como o precedente, verificou-se depois da morte
da pessoa que parece tê-lo determinado. Não analisaremos aqui
as causas imediatas de tais sensações, pois que mais adiante nos
ocuparemos em distinguir as manifestações de mortos das de
moribundos, de vivos: mas o que devemos ter em consideração é
o sonho em si mesmo, qualquer que seja a natureza da ação
psíquica. Diversas explicações podem ser propostas. Foi o espíri-
to do autor que se transportou para junto de sua irmã e não achou
mais do que uma morta? Ou, pelo contrário, foi sua irmã que o
procurou antes de morrer e esse apelo teria levado dezoito horas
para despertar a sensação?
Não teria havido simplesmente uma corrente psíquica, de na-
tureza desconhecida, entre o irmão e a irmã?
Quantas questões a estudar!
Entramos em um novo mundo que não é muito fácil de ser
explorado. Mas desde já, lendo-se esses sonhos, percebe-se,
sente-se que a força em ação nem sempre vai do moribundo ao
percipiente, mas antes, por vezes, daquele que sonha ao mori-
bundo, assemelhando-se o fato ao da vista a distância.
Os casos números VIII (avó conduzindo seus netos através de
um prado), XI (irmão moribundo em S. Petersburgo, com os
filhos de joelhos perto do leito), XII (extenso préstito mortuário),
XV (morte de um cão), XVII (criança a expirar sobre um edre-
dom vermelho), XX (cinco ataúdes), XXI (morte de Carnot),
XXXIX (vista do préstito de uma jovem, de Cartágena a Nantes),
XLVI (o general de Cosigny caindo de uma escada), XLVIII
(ferimento na espádua direita), LV (tiro de revólver recebido na
mão), LVI (discípulo que vê o irmão do professor morto por uma
carga de chumbo na cabeça), LXIV (o marechal Serrano anunci-
ando a morte do rei), LXVII (velha que vê a morte de seu páro-
co), etc., dão essa impressão. Parece que nesses casos o espírito
de quem dormia viu, percebeu, sentiu coisas que se passavam ao
longe.
Essa constatação da vista a distância, em sonho, fará o objeto
do nosso próximo capítulo.
Nós temos, porém, como outros tantos documentos absoluta-
mente demonstrativos, os 70 casos que vêm de ser relacionados e
que confirmam, sob outro aspecto, as 186 manifestações de
moribundos, expostas mais acima. Para nós esses fenômenos
psíquicos são certos e incontestáveis. Devem eles, doravante,
constituir um novo ramo da Ciência.
VIII
A visão a distância, em sonho, de fatos atuais

Parece, com efeito, conforme se verifica pelos exemplos já


mencionados, que em certos sonhos se vê, de fato, o que se passa
a distância. Continuaremos aqui esse exame por meio de outros
casos especiais, observados e relatados com grande cuidado, sem
retornarmos às manifestações de moribundos, que temos, de hoje
em diante, como absolutamente demonstradas.
De mais, nos exemplos de visão a distância, em sonho, não
nos ocuparemos senão da que se relaciona a acontecimentos
presentes, atuais, reservando, em nossa classificação metódica, a
adivinhação do futuro para o capítulo seguinte, que será o último
deste volume. Deixaremos também para mais adiante a visão a
distância em estado de vigília, do mesmo modo que a análise dos
pressentimentos. Essas distinções são absolutamente indispensá-
veis para nos reconhecermos nestas pesquisas, para ajudar-nos
de modo a que não aceitemos, não admitamos senão o que
estiver suficientemente constatado e, em seguida, para conduzir-
nos às explicações, se for possível.
Desde muitos anos constituem essas questões objeto de meus
estudos. Publiquei o seguinte sonho no Voltaire de 18 de feverei-
ro de 1899; sonho que me fora comunicado por meu amigo
Pierre Conil, nosso simpático confrade da imprensa parisiense:
I – “Em 1884, fazia eu o 7º ano do curso no Liceu São Lu-
ís. Nessa época, um dos meus tios, José Conil, juiz de ins-
trução na ilha de Bourbon (hoje ilha da Reunião), tinha vin-
do a Paris para consultar as celebridades médicas de então a
respeito de uma grossura que, tendo-se a princípio declarado
sobre o pescoço, detrás da orelha, invadira pouco a pouco
toda a face e ganhara a cabeça.
Dormia eu, certa noite, profundamente, quando um sonho
me transportou a Courbevoie (meu pai e minha madrasta
passavam o verão nesse lugar para onde haviam transportado
meu tio).
No grande quarto do primeiro, dando para o jardim, deita-
do em sua cama de cortinados vermelhos, meu tio estava ro-
deado por meu pai e minha madrasta; perto do leito, sentada
e orando, uma velha criada bretã, Luísa, que desde muitos
anos estava ao nosso serviço.
Meu tio falava ora a uma, ora a outra das pessoas presen-
tes. Fazia ele a meu pai e a minha madrasta algumas reco-
mendações concernentes a minha irmã e a mim, e eu ouvia
muito distintamente as suas palavras. A Luísa deu ele a sua
bolsa.
– Tomai – dizia-lhe –, tratastes-me como uma irmã de ca-
ridade.
Ainda ouço os soluços dessa filha devotada. Fez-se silên-
cio que Luísa quebrou:
– Sr. José, há bem três meses que não tendes podido abrir
vosso olho direito. Olhai, eu tenho uma medalha da Virgem
d’Auray: colocai-a sobre o vosso olho e ele se abrirá.
Meu tio esboçou um sorriso, tomou a medalha, colocou-a
sobre as pálpebras que, quase no mesmo instante, se abriram
e assim permaneceram alguns minutos.
Meu tio era muito crente:
– Não passarei desta noite, sinto-o. Luísa, ide chamar-me
um padre.
Luísa partiu. Meu pai e minha madrasta tomaram as mãos
do doente, que continuou a conversar com eles sem que eu
perdesse uma única das palavras trocadas.
O padre chegou. Deixaram-no a sós com o querido mori-
bundo. Assisti à confissão, mas não ouvi uma única palavra.
O padre saiu. Meus pais e Luísa voltaram. Dentro em pou-
co a agonia começou e observei-lhe todos os detalhes dilace-
rantes...
Meu bem-amado tio exalou prolongado suspiro. Estava
morto...
Quando despertei, o relógio do colégio batia 2 horas da
manhã. Eu tinha os olhos cheios de lágrimas.
“Devemos tomar os sonhos em sentido contrário”, disse
de mim para mim. “Sonhei que meu tio estava morto, é que
ele está passando bem.”
Domingo, pela manhã, um velho amigo de minha família
veio procurar-me e transmitiu-me a triste notícia. Chegando
a Courbevoie, meu pai transmitiu-me as últimas recomenda-
ções de meu tio... e essas recomendações eram as mesmas
que eu ouvira. Vivamente impressionado, tomo a palavra e
pergunto a meu pai:
– Meu tio disse isto assim, assim?
– Disse.
– Seus últimos instantes não se passaram desta forma? – e
narrei tudo o que tinha visto e ouvido. Tudo era de absoluta
exatidão.
– Mas como sabes disso? – interrogou meu pai.
– Papai, eu o sonhei. Mas, dize-me, a que horas morreu
meu tio?
– Precisamente às 2 horas.
– Exatamente – repliquei – foi essa a hora em que desper-
tei!”
A cerebração inconsciente não explica esta espécie de sonhos,
como também não explica os do precedente capítulo.
No caso em apreço parece que o espírito do autor, transpor-
tando-se, viu a distância o que se passava no quarto de seu tio
agonizante. Em outro sonho, o Sr. Conil viu o Havre, antes de aí
ter ido e lhe reconheceu perfeitamente os cais e as ruas, quando
os visitou pela primeira vez.
Eis alguns outros exemplos da mesma ordem, extraídos do
dossier do meu inquérito:
(Carta 4)
II – “Várias vezes, no curso dos meus trinta e oito anos de
vida sacerdotal, fui instintivamente impelido para junto do
leito de moribundos que eu não sabia estivessem doentes.
Certa noite, à 1 hora da madrugada, desperto bruscamente,
vendo em seu leito um dos meus paroquianos que estava
morrendo e me chamava em altos brados. Em cinco minutos
eu estava vestido e, levando à mão uma pequena lanterna,
corri à casa do doente. No caminho encontro um emissário
que vinha às carreiras procurar-me.
Chego perto do moribundo, que havia perdido os sentidos:
ataque apoplético. Tive apenas tempo de recitar a fórmula da
absolvição. Em seguida morreu.
Ora, esse homem tão forte, tão robusto, deitara-se às 9 ho-
ras da noite nas melhores condições que se pode imaginar.
Bonin
Cônego honorário, Cura de Couze (Dordogne).”
(Carta 20)
III – “Eu tinha ótimos amigos, fazendeiros em Chevennes,
mas desde algum tempo não os via. Certa noite tive um hor-
rível pesadelo: vejo o incêndio a devorar a fazenda desses
amigos. Eu fazia esforços sobre-humanos para correr, a fim
de chamar por socorro e permanecia impotente; nenhuma
voz saía da minha garganta, meus pés estavam como que
pregados ao solo. Desse modo, vi o fogo comunicar-se a vá-
rios edifícios; enfim, no instante de um desmoronamento ge-
ral, fiz um esforço violento para desvencilhar-me dos es-
combros e despertei, com a garganta seca, imensamente fati-
gado. Saltei da cama. Nesse instante, minha mulher desper-
tou. Contei-lhe o meu sonho. Ela riu muito de me ver assim
tremendo tanto.
No correr do dia seguinte, recebo um expresso comuni-
cando-me que uma parte da fazenda havia sido destruída por
um incêndio.
Georges Parent
Prefeito em Wiège-Faty (Aisne).”
(Carta 24)
IV – “Meu pai, Palmero, engenheiro colonial de pontes e
calçadas, natural de Toulon, depois de haver passado vinte
anos na ilha da Reunião, onde se casara e onde lhe nasceram
cinco filhos, pediu aposentadoria e veio residir em Toulon,
isso em 1867.
Minha mãe, que nascera na Reunião, de uma das mais no-
bres famílias, não deixou seu país sem um aperto do cora-
ção, tanto mais que ela deixava seu pai e sua mãe em situa-
ção que os reveses da fortuna haviam grandemente rebaixa-
do.
Os primeiros anos passados em França, onde lhe era tudo
desconhecido, foram tão penosos para ela, que meu pai, cuja
bondade era inigualável, tomou a secreta resolução de man-
dar buscar seus pais para junto de nós.
Tomou todo o cuidado de não o dizer à sua esposa que,
mau grado o grande amor dedicado a seu pai e à sua mãe,
opor-se-ia a uma determinação de tal modo dispendiosa e
cujas conseqüências podiam ser tão prejudiciais aos interes-
ses de uma família de sete pessoas que viviam a expensas da
aposentadoria de meu pai.
Minha mãe, pois, ignorava, e por várias razões, a resolu-
ção tomada por meu pai e, embora o soubesse, não acredita-
ria. Meu avô e minha avó, ambos de idade muito avançada,
viviam na Reunião, no meio de outros filhos, cercados de
cuidados e das mil satisfações procuradas por uma existên-
cia honesta e tranqüila.
Nada, portanto, fazia prever que eles aceitariam, como re-
solveram, a proposta do genro.
Deixando tudo, vendendo os poucos móveis que tinham,
impelidos por essa força desconhecida que se chama destino,
tomaram esses dois velhos o primeiro paquete para a França,
sem escrever (sua carta chegaria depois deles), sem telegra-
far (não havia comunicação alguma, nessa época, entre
Bourbon e a metrópole).
Estava-se, portanto, sem notícias, quando uma noite do
mês de maio de 1872, minha mãe, despertando em sobres-
salto, disse a meu pai:
– Meu amigo, meus filhos, levantai-vos, acabo de ver pas-
sar papai e mamãe, diante de Toulon, em um navio; vesti-
vos, temos apenas tempo de lhes preparar o quarto.
Meu pai, que não julgava ter sido assaz persuasivo em sua
carta e não podia supor que um paquete houvesse deixado a
ilha da Reunião alguns dias após a chegada daquela carta,
pôs-se a rir e aconselhou minha mãe a voltar para a cama e
deixar que os filhos dormissem.
Passada a primeira emoção, rendeu-se minha mãe a esse
conselho e tornou a deitar-se, não sem repetir que estava cer-
ta de ter visto passar em um navio seu pai e sua mãe diante
do porto de Toulon.
No dia seguinte, recebíamos um telegrama de Marselha
comunicando-nos a chegada de vovô e vovó, por um paquete
da Messageries Maritimes. Passando na véspera à vista de
Toulon, haviam nos enviado seus beijos e sua saudade.
Palmero
Agente dos Correios e Telégrafos, em Marselha.”
(Carta 31)
V – “Estando meu pai em um internato, a 60 quilômetros
aproximadamente da sua casa, foi certa noite despertado em
sobressalto pela idéia, tão dolorosa quanto súbita, de que sua
mãe estava morrendo (seria um sonho?). Não pôde mais
dormir até de manhã, tomado de grande pavor e, assim que
se levantou, foi pedir ao diretor do internato autorização pa-
ra regressar à casa. Foi-lhe isso recusado.
Uma carta de seu pai deu-lhe a conhecer que nessa mesma
noite e à mesma hora sua mãe, que estava desenganada, re-
cebera os sacramentos e se referira a ele diversas vezes. Mas
depois de ter estado tão perto da morte, ainda viveu durante
longos anos.
Bernard Vandenhougen (Mantes).”
(Carta 50)
VI – “Faz alguns anos residia eu numa propriedade situa-
da a alguns quilômetros de Papeete, sede de nossos estabele-
cimentos franceses da Oceania. Eu devia tomar parte em
uma sessão noturna do Conselho Geral e, pela meia-noite,
deixando a vila, sozinho, em uma pequena charrete inglesa,
fui surpreendido por uma tempestade medonha.
Apagaram-se as minhas lanternas. A estrada que eu segui-
a, marginando o mar, estava absolutamente negra; meu cava-
lo espantou-se e disparou. De repente experimentei violento
choque: a minha viatura acabava de quebrar-se contra uma
árvore.
As duas rodas, com o seu eixo, ficaram no lugar do aci-
dente e eu, projetado entre o cavalo e a caixa da charrete,
meio esfacelada, fora arrastado pelo animal espantado, em
vertiginosa carreira, no curso da qual deveria eu ter corrido
cem vezes o risco de ser morto.
Não tendo, entretanto, perdido meu sangue frio, consegui
dominar meu cavalo e desvencilhar-me daqueles destroços
sobre os quais me encontrava. Gritei por socorro unicamente
por mera formalidade, pois me encontrava em região absolu-
tamente deserta.
De súbito, percebo uma luz que parecia dirigir-se para o
meu lado e alguns instantes depois chega minha mulher,
tendo percorrido uma distância de perto de dois quilômetros
para vir diretamente ao local do acidente.
Contou-me ela que, estando a dormir, foi subitamente
despertada, vendo muito nitidamente que eu estava em peri-
go de morte e, sem hesitar, acendera uma lanterna e, debaixo
da chuva torrencial, correra em meu socorro.
Sucedia-me, com muita freqüência, regressar da cidade
tarde da noite; jamais, porém, minha mulher experimentara a
menor inquietação a meu respeito. Nessa noite ela realmente
viu o que se passava comigo e não pôde resistir à imperiosa
necessidade de se dirigir ao meu encontro.
Quanto a mim, não tendo lembrança alguma de lhe haver
dirigido um ardente apelo mental, caí das nuvens, confesso-
o, quando, a mais de cem metros de mim, em meio da treva,
escuto uma voz a gritar-me:
– Sei que estás ferido, mas eis-me aqui!
Jules Texier (Chatellerault).”
(Carta 61)
VII – “Residia eu em Cette, com minha esposa, minha so-
gra e minhas duas filhas, numa “vila” sobre a vertente da
montanha. Eu ia todas as manhãs à cidade, conduzido por
um carro alugado, mensalmente, que me vinha buscar às
8:30 da manhã. Ora, um dia despertei às 5 horas, após um
sonho horrível.
Acabava de ver uma jovem cair de uma janela e morrer na
queda. Contei esse sonho à minha família: eram 7 horas,
momento em que todos se levantavam; ficaram emocionados
com o meu sonho. Desci para o jardim a aguardar o carro
que às 8 horas devia buscar-me, como de costume; mas so-
mente às 9:30 ele chegava. Queixava-me desse atraso que
me trazia transtornos em meus afazeres. Mas o cocheiro me
disse que se viera substituir seu patrão, que tinha o hábito de
vir buscar-me, é que nessa mesma manhã, às 5 horas, sua fi-
lha (de 10 anos, suponho) caíra da janela e morrera.
Eu jamais vira essa moça.
Martin Halle
Rua Clément Marot, 19, Paris.”
(Carta 166)
VIII – “Tive há seis anos um segundo filho que, devido ao
meu estado de saúde, minha mãe levou para sua casa ao dia
seguinte do nascimento, a 60 léguas, para fazê-lo nutrir sob
as suas vistas. Estive doente, depois entrei em convalescen-
ça. Começava a levantar-me e (tenho necessidade de dizê-
lo?) meu pensamento estava incessantemente com o querido
entezinho que me tiraram tão cedo, mal eu o tinha entrevis-
to.
Tínhamos freqüentemente notícias dele e essas notícias
eram muito satisfatórias; não poderíamos estar mais tranqüi-
los a seu respeito.
Certa manhã, acordo com uma opressão singular; tinha
visto, à noite, em sonho, o meu filho corcunda. Disse-o a
meu marido e me pus a chorar; ele riu-se de mim. Logo que
me levantei, durante sua ausência, escrevi à minha mãe, di-
zendo-lhe do meu sonho e pedindo que nos escrevesse sem
perda de tempo, falando detalhadamente do querido anjinho.
Respondem-nos fazendo mil referências elogiosas ao pe-
queno: era um bochechudinho magnífico; enfim, um avô or-
gulhoso de seu neto... Tempos depois, minha mãe, que não
me via, desde o último parto, veio visitar-nos e, à noite, na
intimidade do lar, revelou-nos, a meu marido e a mim, que
minha carta fizera-a adoecer de pavor; com efeito, no mo-
mento em que essa carta chegava, meu filho estava corcun-
da. Estivera assim durante uns quinze dias, não fora nada em
realidade, pois que algumas massagens inteligentemente fei-
tas suprimiram esse pequeno defeito. Mas, tanto minha mãe,
como a ama, sem dizerem nada a ninguém, tinham estado
realmente inquietas. Minha carta chegara no momento mais
crítico da ocorrência, quando, desesperada, minha mãe mos-
trara a criança ao médico, que imediatamente a tranqüilizou,
recomendando-lhe não alarmar-me inutilmente.
Maria Duchein (Paris).”
IX – “Achava-me em casa de uma de minhas amigas, no
mês de outubro de 1896. Tendo de dar alojamento a solda-
dos, por causa da revista do czar, e achando-se entre eles o
cozinheiro, este, no momento de partir, empacotou junta-
mente com as suas, inadvertidamente, uma coberta da casa.
Logo que partiram, deu-se pelo desaparecimento da dita
coberta. Imediatamente a minha amiga escreveu e, no dia
seguinte, pela manhã, levantando-se, disse-me ela:
– Maria, sonhei que receberia hoje a minha coberta e, ao
mesmo tempo, uma carta. Mas, o que há de mais curioso é
que o papel da carta é róseo, inteiramente escrito, sem um
lugar, sem o menor cantinho esquecido, e o envelope deve
ser branco!
Esperamos com impaciência o carteiro, que nos trouxe,
com efeito, a coberta e a carta em um envelope branco, sen-
do o papel cor de rosa, com as quatro páginas cobertas de le-
tras.
Como é que a minha amiga pôde adivinhar assim, com
tanta exatidão, por meio de um sonho?
Maria Bouvry (Brimont).”
(Carta 146)
X – “Tenho um irmão atualmente com 29 anos, que em
1889 partiu para Santiago do Chile. Tinha ele o hábito de
nos dar notícias suas muito regularmente. Em uma carta re-
cebida em 1892 (a data não recordo com exatidão), disse-nos
mamãe ter visto, em sonho, meu irmão doente e conduzido
ao hospital, sobre uma padiola. Gastam as cartas cerca de
35 dias para fazer o trajeto de Santiago à França. Cinco me-
ses se passaram sem notícias. Chega-nos afinal uma carta, na
qual meu irmão nos diz ter saído do hospital, onde estava
em tratamento havia cinco meses; para aí tinha sido trans-
portado acometido de febre tifóide, tendo tido em seguida
uma pleurisia.
Maria Vialla
Rua Victor Hugo, 30, Lyon.”
(Carta 177)
XI – “Um tio de minha cunhada, que vive ainda e que se
achava então no campo, a cerca de 60 quilômetros de Ba-
yonne, sonhou certa noite que um de seus amigos íntimos, o
Sr. Rausch, fora assassinado na alameda marítima de Ba-
yonne, quando entrava em casa.
No dia seguinte, pela manhã, o Sr. Bonin, tio de minha
cunhada, contou o sonho, sem revelar, aliás, confiança nesse
fato; mas pouco depois recebeu a notícia de ter sido o seu
amigo assassinado na alameda marítima de Bayonne, por
espanhóis, na mesma noite em que tivera o aludido sonho.
Assino estas linhas que encerram a expressão da verdade,
mas ficar-vos-ia grata se não publicásseis nem o nome de
minha família nem o meu.
G. F. (Bordéus).”
(Carta 204)
XII – “Em 1872 ou 1873, minha mãe, ainda moça, residia
na rua “des Tonnelles”, em casa de sua mãe. Ela conhecia
uma família, Morange, de gente pobre, residente na rua Sa-
int Antoine, perto do Liceu Charlemagne. Um sábado, à noi-
te, ela encontra essa família e a pequena Morange, que a
queria muito, vem mostrar-lhe um vestido novo, posto na-
quele mesmo dia. Deixando a menina, minha mãe entra em
casa. Na manhã seguinte, ao despertar, conta-lhe sua mãe
haver sonhado que a família Morange estava morta.
No correr dessa manhã mesma, sabe-se que todos eles
morreram durante a noite no incêndio de sua casa.
Marcel Gerschel
Arrabalde Saint Denis, 80, Paris.”
(Carta 234)
XIII – “Posso afirmar-vos, como absolutamente autêntico,
um fato que se passou há alguns anos. Vi uma noite, em so-
nho, duas senhoras de meu conhecimento, de luto fechado,
ainda que eu, então, não tivesse a menor idéia de que tivesse
morrido ou se achasse enfermo qualquer membro de sua fa-
mília. Interroguei-as e vim a saber que traziam luto por um
senhor, irmão de uma e marido de outra.
Dias depois soube que o falecimento se verificara na
mesma noite do meu sonho. Dera-se a morte em Moscou; as
senhoras estavam na Alemanha e eu morava em Mitan
(Courlande, Rússia).
Sofia Hersenberg (Mitan).”
(Carta 279)
XIV – “Há trinta anos morava minha família em Marse-
lha. Uma noite disse-nos meu pai haver sonhado, na noite
precedente, que sua mãe, residente na Alsácia e que ele ig-
norava estivesse doente, havia morrido.
Alguns dias depois era ele cientificado de que, efetiva-
mente, sua mãe falecera naquela noite.
N. Nische (Chalons-sur-Marne).”
(Carta 312)
XV – “A. – Quando eu era moça, assisti em sonho ao rou-
bo de um cavalo de meu marido por dois indivíduos, e a to-
das as precauções tomadas para fazê-lo sair da estrebaria
sem ruído. Ao despertar, contei o sonho a meu marido, que
foi à estrebaria, achando-a vazia. Três anos mais tarde os la-
drões foram presos e meu marido foi indenizado.
B. – Vejo, certa noite, em sonho, um amigo de meu mari-
do; achava-se em um subterrâneo, cercado por minha mãe e
minhas irmãs falecidas, para com as quais esse senhor nutria
viva simpatia. Ele achava-se envolto em longas vestes bran-
cas, veio a mim fazendo-me profunda saudação; depois de-
sapareceu, o mesmo sucedendo àquelas pessoas da minha
família. Alguns dias depois meu marido morria.
Se julgardes útil mencionar esses dois sonhos, não citeis o
meu nome, sou viúva e vivo modestamente em meu retiro.
Viúva C. F.”
(Carta 396)
XVII – “No dia 13 ou 14 do mês de outubro de 1898, des-
pedia-me da Sra. G., com quem passara alguns dias, para
voltar à minha casa. Na noite seguinte ela viu em sonho um
naufrágio, sendo grande o número de afogados. Queria, ao
despertar (persuadida, por outros exemplos, que dispõe de
uma espécie de segunda vista), telegrafar-me para pedir-me
que não viajasse; mas foi impedida de fazê-lo por seu mari-
do.
A 15 de outubro os jornais anunciavam uma grande tem-
pestade e a perda de um navio, ocasionando uma centena de
mortes. Felizmente, para mim, não era ainda a minha vez.
P. P.
Doutor em Direito, em Philippeville.”
(Carta 447)
XVIII – “a Sra. B. residia há vários anos em uma “vila”
perto da cidade de Yokohama. Tinha ela o hábito de deitar-
se uma hora antes do jantar. Uma tarde (não se recorda ela
bem se estava inteiramente acordada ou ainda meio adorme-
cida) ela repentinamente grita:
– Ah! meu Deus, o Sr. N. está se afogando! Salvai-o, sal-
vai-o!... Ah! morreu!...
Viu-o distintamente. Seu marido procura tranqüilizá-la,
rindo-se do sonho, como disse ele, mas pouco tempo depois
um mensageiro vem participar-lhe que o seu amigo, Sr. N.,
se afogara quando tomava seu banho habitual no rio, antes
de subir à “vila” desse casal, para jantar com eles.
A intenção de jantar com os esposos B. facilmente explica
que ele pensou em seus amigos no momento de dirigir-se ao
banho. A hora do acidente e a do “sonho” da Sra. B. coinci-
diam exatamente.
F. E. Bade (Hamburgo).”
(Carta 463)
XIX – “Nos primeiros dias de abril de 1884, em Nice, so-
nhei que meu marido, deitado e doente, me dizia: “Vem a-
braçar-me.” (vivíamos separados desde muito tempo). Reali-
zava-se então a Exposição de Nice. A 11 de abril, sexta-feira
santa, uma voz me disse: “Vai à exposição hoje, ou não o
verás mais.” Na noite de 12 para 13 chegou um telegrama:
meu marido estava acometido de congestão. No dia 13 parto
para Paris. Vi meu marido, no Val-de-Grâce, tal como em
meu sonho; expirou no dia 15, sem recuperar os sentidos.
Desejo conservar-me incógnita: usai simples iniciais, pe-
ço-vos.
Viúva A. S. (Nice).”
(Carta 540)
XX – “Tenho para contar-vos um sonho que tive há cerca
de seis anos e que me impressionou fortemente, ainda que eu
não seja supersticiosa.
Era eu, nessa época, professora em um internato do De-
partamento do Aisne. Sonho, uma noite, que caminhava na
principal rua da cidade, quando, erguendo os olhos, avisto,
em um céu muito claro, na direção de nordeste, uma grande
cruz negra, por baixo da qual pude ler bem distintamente as
duas letras seguintes: M M.
No dia seguinte contei o meu sonho, procurando em vão
saber se alguém de minha família tinha um nome começado
por essa mesma inicial; não encontrando, pensei em outra
coisa. Alguns dias depois (não poderia infelizmente precisar
a data com exatidão), recebo uma carta participando-me que
uma de minhas tias, residente em certa aldeia situada ao
nordeste de nossa cidade, e que se chamava Margarida Mar-
connet, acabava de morrer.
Essa coincidência entre meu sonho e tal morte era tão sur-
preendente, que jamais pude esquecê-la, e o que sobretudo
me causa admiração é que, conhecendo muito bem minha ti-
a, não a via senão raramente, já fazendo muito tempo que
não a via e nela quase nunca pensava.
L. Marconnet (Montbéliard).”
(Carta 563)
XXI – “Li, há alguns anos, em um jornal mensal (inglês),
que um amigo de Sir John Franklin vira em sonho que o dito
Franklin fracassava em sua expedição ártica e que esse ami-
go, chamado, se bem me recordo, Walter Snoo, vira toda a
região em que sucedera a desgraça.
Imediatamente ele desperta e, sendo bom desenhista, toma
um lápis e desenha as embarcações, os blocos de gelo cir-
cundantes, toda a região, em suma.
Enviou então esse desenho a um dos seus amigos, proprie-
tário de um grande jornal americano ilustrado, no qual foi
inserido o desenho com uma sucinta menção das impressões
de Walter Snoo; não se podia ter, naturalmente, opinião al-
guma sobre a exatidão do acontecimento desenhado.
Quando foram achados, muito tempo depois, os despojos
mortais de Franklin e de seus companheiros nas geleiras ár-
ticas, as testemunhas oculares desenharam também o lugar, a
posição dos corpos inertes e gelados, as embarcações, os
cães atrelados e mortos: tudo concordava com o desenho an-
terior.
Não sei o nome do jornal ilustrado, nem do mensário in-
glês, mas para vós seria sem dúvida uma coisa fácil consta-
tar, por meio de vossas relações com o mundo inteiro, a exa-
tidão desta carta que ouso escrever-vos.
Dr. Bronislaw Galecki
Advogado. Praça da Catedral.
Farnow, Galícia (Áustria).”
(Carta 625)
XXII – “Posso certificar-vos a absoluta autenticidade dos
seguintes fatos:
Tinha eu então 7 anos. Minha mãe, que jamais havia con-
sentido em separar-se de mim, rendeu-se um dia, entretanto,
ao desejo de uma de minhas tias e me deixou partir com ela
para a província, após mil recomendações.
Decorrera um mês sem incidente algum, nem acidentes,
quando, certa manhã, minha mãe corre a toda pressa à casa
de meu tio e lhe diz o seguinte:
– Escrevei, peço-vos, bem depressa à minha irmã, para
pedir-lhe notícias de minha filha, pois estou em inquietação
mortal! Esta noite eu a vi, em sonho, coberta de sangue e es-
tendida sem vida em uma estrada. Sucedeu-lhe com certeza
alguma desgraça, tenho o pressentimento disso. Ora, vós sa-
beis que nessas coisas eu jamais me engano.
Meu tio, rindo-se de minha mãe, disse-lhe que sua esposa
era bastante prudente para não expor-me a perigo algum. No
próprio dia seguinte, recebia ele uma carta, escrita na véspe-
ra, em que lhe contava sua esposa, com a recomendação de
nada dizer à minha mãe, o acidente que me sucedera.
Na mesma noite em que minha mãe me tinha visto coberta
de sangue, levara-me minha tia com três outras pessoas, de
carro. Estava a noite escura, apagou-se a lanterna e achamo-
nos em pleno campo, sem saber onde estávamos, quando su-
bitamente o cavalo, que trotava tranqüilamente, empinou-se,
precipitando-se num valado que marginava a estrada, arro-
jando por terra as pessoas que se encontravam no carro, não
se sabe como, sem a menor arranhadura, somente eu, que
nesse momento dormia profundamente, fui lançada, pelo
choque, sob o ventre do animal, que me fustigou o rosto e o
peito com as patas e, nos esforços que fazia para erguer-se,
dilacerava-me nas pedras da estrada, sobre as quais arrastara
especialmente o lado direito do meu rosto.
Corria o sangue em abundância; eu estava com a orelha
dilacerada; ouvia os gritos desesperados que me chamavam
e não lhes podia responder, não havendo, como já o disse,
luz alguma nessa noite escura!... Chegaram, enfim, socorros
de uma casa pouco distante e foram achar-me desmaiada, em
deplorável estado. Um homem em mangas de camisa passa-
ra diante do cavalo e o espantara.
G. D.
Avenida de Saxe, 58, Paris.”
(Carta 661)
XXIII – “Certa manhã (tinha eu, a essa época, 17 anos),
pelas 7 horas, acordo; de novo adormeço até às 8 horas e so-
nho que passava diante de uma casa onde residia uma famí-
lia minha conhecida, mas que eu não freqüentava. Tinha es-
sa casa um armazém e eu sonhava que via esse armazém fe-
chado, com um papel branco colado à porta, no qual se a-
chava escrito: “Falecimento”. Acordo e conto o meu sonho a
mamãe, que me mostrou o jornal em que vinha essa morte
noticiada.
Essa coincidência não provará um certo deslocamento da
alma durante o sono, circunstância sem a qual não poderia
eu ter tido o sonho em questão, atendendo-se a que coisa al-
guma me fazia pensar em um falecimento nessa família?
Marie Louise Milice
Rua Boudet, 33 (Bordéus).”
(Carta 662)
XXIV – “Uma de minhas amigas, atualmente cobradora
dos Correios em Louvigné-du-Dezert (Ille-et-Vilaine), a Sr-
ta. Blanche Susanne, era, talvez há uns 25 anos, noiva de um
moço, filho de agricultores, que entrara para os estudos. Um
dia sonhou ela que seu noivo lhe dirigira uma longa carta, na
qual escrevera a frase seguinte, pouco mais ou menos: “Eu
teria feito melhor se permanecesse à charrua do que entran-
do para os estudos.”
De manhã a moça contou seu sonho a sua mãe, citando a
frase; depois, dirigiu-se ao seu trabalho. Após algumas horas
chega o carteiro, trazendo para essa jovem criatura uma car-
ta de seu noivo. A frase do sonho estava aí escrita integral e
identicamente.
Henriette François
Bromberg-Posen (Alemanha).”
(Carta 679)
XXV – “Eis o que aconteceu a meu pai, conselheiro de
Estado, homem de idade, septuagenário, por ocasião de sua
temporada no campo, onde viera gozar um pouco de repou-
so. Era dia de Santo Elias. No campo, onde não há distra-
ções nem mudanças, onde todos os dias se parecem, não ti-
nha meu pai consciência do tempo e esquecera mesmo que
era dia santo.
Nessa manhã, ao almoço, contou-nos um dos sonhos da
noite precedente: vira sua cunhada, que estava longe dele,
perguntando se as exéquias de seu marido deviam ser reali-
zadas no dia de Santo Elias ou em outro dia. Contando-nos o
sonho, ficou meu pai muito admirado de saber que justamen-
te esse era o dia de Santo Elias. Depois de haver refletido e
discutido sobre a estranheza dos sonhos em geral, tomou
meu pai o trem, para dirigir-se à cidade, prometendo voltar
na mesma noite. Qual não foi a nossa surpresa, quando, após
sua chegada, recebemos de sua cunhada um telegrama co-
municando-nos a morte de seu marido, ocorrida no dia de
Santo Elias!
Maria de Lesley
Riga-Orel, gov. de Sanolensk (Rússia).”
(Carta 683)
XXVI – “Eu tinha uma filha com a idade de 15 anos, mi-
nha alegria, meu orgulho; deixara essa criança com minha
mãe, ausentando-me para uma pequena viagem. Devia re-
gressar à casa a 17 de maio de 1894; ora, a 16, sonho que
minha filha está muito mal, que ela me chama, a chorar, com
todas as suas forças. Acordo muito agitada, dizendo que to-
do sonho é mentira.
No correr do dia, recebo uma carta de minha filha, não se
queixando, contando-me o que se passa em nossa casa. Vol-
to no dia seguinte para casa; não vejo minha filha correr ao
meu encontro, conforme o seu costume; uma criada me in-
forma que foi acometida de um mal súbito; subo à pressa:
uma forte dor de cabeça a fazia sofrer; meto-a na cama. Pois
bem: ela não mais se levantou; uma angina diftérica se de-
clarou dois dias depois e, mau grado a todos os nossos cui-
dados, a pobre criança expirava a 29 de maio.
Ora, duas noites antes dessa desgraça eu estava deitada em
minha cama, em um gabinete separado por uma porta, fe-
chava os olhos e não podia dormir; quanto à minha filha, es-
tava adormecida; a enfermeira velava. De repente, uma viva
claridade penetra na obscuridade do quarto, com uma rapi-
dez e um brilho que lembra o sol do meio-dia, no mês de
agosto. Chamo a enfermeira. Ela demora um pouco para
responder-me; nesse ínterim já eu estava perto do leito de
minha filha, a luz extinguira-se; o clarão tinha desaparecido.
A enfermeira parecia amedrontada; em vão interroguei-a,
mas no dia seguinte ela disse às pessoas da casa, e ainda no
presente o afirma, que avistou meu marido, falecido seis me-
ses antes, aos pés da cama de minha filha.
Essa pessoa é viva, tem 46 anos e o repete a quem quer
ouvi-la.
Mme. R. de L. (Lacapelle).”
(Carta 684)
XXVII – “A. – Num destes últimos dias achava-me muito
nervosa, pensando em meu falecido esposo, morto há sete
anos, quando, ao deitar-me, tomo um jornal em que leio a
crítica a um dos livros escritos pelo Sr. K.
Depois de haver lido essa crítica, tive o desejo ardente de
obter o livro em apreço, tanto mais que o Sr. K. era um ve-
lho amigo de meu marido.
No dia seguinte, chegando ao colégio de moças, onde sou
professora, uma das alunas da classe superior me traz um li-
vro e diz:
– Senhora, muito desejaria que lêsseis este livro e que a
respeito me désseis a vossa opinião.
Abro-o e vejo que era o livro por mim tão desejado no dia
antecedente.
B. – Se esse fato fosse único, eu o teria talvez deixado em
silêncio, mas no curso da mesma semana um segundo fato
ocorreu que igualmente me impressionou. Sonhei com uma
das alunas que já partira para uma outra cidade e que não
mais eu vira, desde o ano anterior. Eu a vi no sonho com os
cabelos cortados.
No dia seguinte, no ginásio, uma das alunas da minha
classe se aproxima de mim e diz:
– Senhora, recebi carta de minha amiga Z.; ela me pede
para transmitir-vos suas saudações; acha-se muito contraria-
da neste momento porque lhe cortaram os cabelos...
Por que esses dois fatos tão extraordinários na mesma se-
mana?
M. Onanoff
Fagauray, Mar d’Azov.”
Vê-se que os exemplos de visão a distância, em sonho, não
faltam. Eis ainda alguns outros. Parece-nos claro que essas
observações, tão repetidas, tornam impossível toda negação.
Estes são extraídos das Alucinações Telepáticas. O primeiro é
do Dr. Gaodall Janes, residente em Liverpool, 6, Prince Edwin
Street.
XXIX – “A Sra. Jones, esposa de William Jones, piloto
em Liverpool, guardava o leito no sábado, 27 de fevereiro de
1869. No dia seguinte, domingo, quando fui vê-la, às 3 horas
da tarde, encontrei seu marido que estava em caminho para
vir buscar-me, porque sua esposa delirava. Contou-me que,
pouco mais ou menos meia hora antes, estava ele entretido a
ler, no quarto de sua esposa. De repente ela despertou de um
profundo sono, declarando que seu irmão William Roulands,
também piloto em Liverpool, afogara-se no rio (Mersey).
Seu marido procurou acalmá-la, dizendo-lhe que Roulands
estava em serviço no exterior e que não podia a essa hora
encontrar-se no rio. Ela, porém, persistiu em sustentar que o
tinha visto afogar-se.
À tarde chegaram notícias, informando que à hora men-
cionada, isto é, cerca de 2:30, Roulands se afogara. Desen-
cadeara-se uma grande ventania no mar, a embarcação da pi-
lotagem não pudera pôr um piloto a bordo de um navio que
queria entrar. Fora, pois, necessário guiá-lo. Quando se che-
gou ao rio, defronte do farol que ficava sobre um rochedo, o
pequeno bote virou e Roulands, bem como um outro prático,
se afogaram.”
É esse igualmente um exemplo notável de visão a distância,
em sonho. O inquérito provou a sua absoluta autenticidade. O
mesmo acontece com o seguinte caso assinalado por uma Sra.
Green, de Newry, Inglaterra:
XXX – “Eu via duas senhoras convenientemente trajadas,
guiando sozinhas um carro semelhante a um veículo próprio
para transportar águas minerais. O cavalo encontrou água
em sua frente, parou para beber, mas, faltando-lhe um ponto
de apoio, perdeu o equilíbrio e, procurando restabelecê-lo,
caiu n’água. Com o choque, as mulheres levantaram-se, pe-
dindo socorro: caíram-lhes os chapéus das cabeças e tudo
mergulhou n’água. Voltei-me chorando, perguntando se não
havia ninguém para socorrê-las. Nesse ínterim despertei,
muito agitada, e meu marido também acordou. Contei-lhe o
sonho. Perguntou-me se eu conhecia as mulheres e lhe res-
pondi que não, parecendo-me jamais tê-las visto.
Não consegui, durante todo o dia, subtrair-me à impressão
do sonho e da inquietação na qual me deixara ele. Observei
a meu filho que essa data era a do aniversário de seu nasci-
mento e do meu também – 10 de janeiro – e essa é a razão
que me faz recordar exatamente aquela data.
No mês de março recebi uma carta e um jornal de meu ir-
mão, residente na Austrália e que me participava a mágoa
que tivera de perder uma de suas filhas, que se afogara, com
uma amiga, precisamente nessa data e nessa hora, levando-
se em conta a diferença das longitudes.
Fazem referência ao acidente duas passagens diferentes do
jornal Inglewood Advertiser. Esse jornal publicou, a 11 de
janeiro de 1878, a descrição do acidente, que corresponde
exatamente ao que foi visto em sonho.”
Eis ainda um caso bastante notável de visão a distância, em
sonho. O paciente é filho do antigo bispo protestante de Iowa
(Estados Unidos); viu, em sonhos, a uma distância de perto de 5
quilômetros, seu pai caindo de uma escada. Damos a seguir o
que ele escreveu a respeito a um de seus parentes:
XXXI – “Devo inicialmente dizer que existia entre meu
pai e eu um laço mais forte de afeição do que os laços que
ordinariamente ligam um pai a seus filhos, e desde alguns
anos parecia-me conhecer e sentir quando ele estava em pe-
rigo, ainda que estivéssemos várias milhas separados um do
outro.
Na noite em que ele caiu da escada, voltara eu das minhas
ocupações, pelas 8 horas, após um dia de trabalho muito fa-
tigante, e retirei-me logo após a ceia. Tenho o hábito de dei-
tar-me do lado da parede. Nossas cabeças ficam para o lado
do norte, de maneira que ocupo o lado oeste da cama. Peguei
no sono logo que minha cabeça tocou o travesseiro e dormi
pesada e profundamente. Não senti quando minha esposa se
deitou e nada vi até o momento em que meu pai me apareceu
no alto da escada, em perigo de cair. Precipitei-me para a-
garrá-lo e saltei da cama, fazendo grande barulho. Minha
mulher acordou perguntando que diabo de coisa queria eu
fazer. Acendera eu imediatamente uma lâmpada e verificara
em meu relógio que eram 2:15. Perguntei a minha mulher se
ela escutara o rumor. Respondeu-me negativamente. Disse-
lhe então o que tinha visto; ela, porém, procurou fazer-me
rir, não o conseguindo.
Não dormi mais toda a noite; nem mesmo tornei a deitar-
me. Fora muito viva a impressão, para que eu pudesse pôr
em dúvida que meu pai se tinha ferido gravemente. Dirigi-
me à cidade pela manhã muito cedo e telegrafei para casa
perguntando se tudo ia bem: recebi uma carta de meu pai,
que confirmava a exatidão da minha visão, correspondendo
ao acontecimento até ao detalhe mínimo de se ter verificado
no mesmo minuto. O triste resultado da queda só pudemos
conhecer mais tarde; mas como pude ver, a uma distância de
mais de 3 milhas, meu pai cair é o que não pretendo expli-
car.
H. M. Lee.”
O Sr. Sullivan, bispo d’Algowa, confirma o fato, porque teve
ocasião de ouvi-lo relatado imediatamente.90
O exemplo precedente foi publicado pelo Sr. Sidgwick nos
Proceedings da Sociedade Psíquica de Londres. Acrescenta-lhe o
seguinte caso comunicado em agosto de 1890 pela Sra. A. de
Holsten (Avenida de Wagram, 29, Paris). Este caso é um pouco
menos satisfatório que o último, como elemento de prova, visto o
sonho não ter sido contado a ninguém antes que seu caráter
verídico fosse reconhecido; parece, entretanto, haver produzido
tão grande impressão sobre o Dr. Golinski, que se torna impro-
vável terem sido os detalhes muito alterados mais tarde. Ele
difere dos precedentes no fato de parecer que a impressão clari-
vidente tivesse sido devida, não a qualquer relação entre o agente
e o paciente ou a qualquer crise especial sofrida pelo agente, mas
à sua ansiedade e ao seu intenso desejo de ser socorrido (ondas
psíquicas?).
Eis o que escreveu o Dr. Golinski, médico em Krementchug,
na Rússia:
XXXII – “Tenho o hábito de jantar às 3 horas, entregan-
do-me, após esse repasto, a pequeno sono de uma hora ou de
hora e meia. No mês de julho de 1888 estendi-me, como de
costume, em um canapé e adormeci perto das 3:30. Sonhei
que faziam soar a campainha e que eu tinha a sensação ordi-
nária, um pouco desagradável, de ter de levantar-me e ir à
casa de um doente. Depois me vi diretamente transportado a
pequeno quarto de tapeçarias escuras.
À direita da porta de entrada achava-se uma cômoda, e
sobre esta notei uma vela ou pequena lâmpada de petróleo
de forma particular. Chamou-me particularmente a atenção a
forma desta vela, diferente de todas as que me tinha sucedi-
do ver. À esquerda da porta de entrada vejo uma cama na
qual está deitada uma mulher que tem forte hemorragia. Não
sei como cheguei a saber que ela está com uma hemorragia,
mas o sei. Examino a mulher, mas de alguma sorte por de-
sencargo de consciência, pois de antemão sei o que devo fa-
zer, ainda que ninguém me fale. Em seguida sonho, de um
modo vago, com alguns recursos médicos que aplico; em se-
guida acordo de forma inusitada. Ordinariamente desperto
lentamente, fico alguns minutos em um estado de adorme-
cimento; desta vez, porém, despertei quase em sobressalto,
como se alguém me tivesse acordado. Eram 4:30.
Levantei-me, acendi um cigarro e comecei a passear pelo
quarto, em estado de excitação todo particular, refletindo no
sonho que acabava de ter. Desde muito tempo não tivera ca-
so algum de hemorragia, de qualquer espécie que fosse, em
minha clínica, e eu perguntava a mim mesmo qual podia ser
a causa desse sonho.
Cerca de dez minutos após o despertar, fizeram soar a
campainha e fui chamado para ver uma doente. Entrando no
quarto de dormir, fiquei surpreso, pois reconheci nele o
quarto com que acabava de sonhar. Tratava-se de uma mu-
lher doente e o que sobretudo me impressionou foi uma
lâmpada de petróleo colocada sobre a cômoda, absolutamen-
te no mesmo lugar e da mesma forma que no meu sonho, e
que eu via pela primeira vez. Foi tão grande a minha admi-
ração, que perdi, por assim dizer, a distinção nítida entre o
sonho passado e a realidade presente e, aproximando-me do
leito da enferma, disse-lhe tranqüilamente: “Estais com uma
hemorragia”, e não voltei a mim senão quando a doente me
respondeu: “Sim, mas como o sabeis?”
Impressionado com a estranha coincidência de meu sonho
com o que vi, perguntei à enferma a que horas decidira man-
dar chamar-me. Respondeu-me que estava indisposta desde
pela manhã. À 1 hora da tarde, pouco mais ou menos, apare-
ceu ligeira hemorragia, acompanhada de mal-estar; ela, po-
rém, não deu a isso muita importância. Pelas 2 horas a he-
morragia tornou-se muito forte e a doente inquietou-se so-
bremodo. Não estando seu marido em casa, não sabia o que
fazer e deitou-se esperando que parasse a hemorragia. Entre
3 e 4 horas ela continuava sempre indecisa e em grande an-
siedade. Pouco mais ou menos às 4:30 decidiu-se a mandar
chamar-me. A distância entre a minha casa e a sua é de 20
minutos de marcha.
Eu não conhecia a doente senão por havê-la tratado há
tempos; nada, porém, sabia a respeito do estado atual da sua
saúde.
Em geral não sonho freqüentemente e é esse o único so-
nho de minha vida, de que me recordo, graças ao seu caráter
verídico.”
A Sra. Henry Sidgwick escreveu 91 diversas experiências de
visão a distância, realizadas com uma moça de 15 anos, magneti-
zada, as quais certamente se podem acrescentar às observações
feitas nos sonhos.
Citaremos aqui duas dessas experiências.
XXXIII – “A Srta. Florence F., presentemente Sra. R., vi-
zinha nossa, foi convidada a vir, uma noite, à nossa casa,
após o preparo de uma experiência, no correr do dia, que
pudesse servir de prova. Ela chegou e ordenou ao sujet que
fosse à cozinha e lhe dissesse o que via. O sujet respondeu:
– A mesa está no meio da peça e em cima há uma caixa
coberta com uma toalha de mesa.
– Que há na caixa, Fannie? – perguntei.
– Oh! não ouso olhar para a caixa! A Srta. Florence decer-
to ficaria furiosa.
– A Srta. Florence quer muito que V. olhe. Levante a toa-
lha, Fannie, e diga-me o que ali existe.
De repente ela respondeu:
– Há sete pães e dezesseis biscoitos. (Era exato.)”
Tenho para mim que se trata, neste caso, da transmissão do
pensamento, porque a Srta. Florence estava no quarto e sem
dúvida alguma os fatos estavam inteiramente presentes no seu
espírito, achando-se as coisas dispostas por ela como prova; mas
o que se segue não o estava certamente:
“A Srta. Florence perguntou a Fannie o que havia na es-
trebaria. Ela respondeu:
– Dois cavalos negros, um cinzento e um vermelho. (Ela
queria dizer um baio.)
A Srta. Florence:
– Não é isso, Fannie: só estão na estrebaria os meus cava-
los negros.
Dez ou quinze minutos depois, um irmão da Srta. Florence
veio à casa e disse à sua irmã que aí se achavam uns viajan-
tes e, interrogando-o, soubemos que o cavalo cinzento e o
“vermelho” lhes pertenciam e que se achavam na estrebaria
há uma meia hora, quando Fannie os assinalou.”
Pode-se aventar, sem dúvida, a teoria de que Fannie chegou a
esse conhecimento pelo intermédio do espírito de alguma das
pessoas que se achavam então na casa de Miss Florence, ou que,
por simpatia telepática com seu irmão ou seu pai, Miss Florence
era inconscientemente prevenida dos fatos, indo Fannie buscar
informação nessa fonte inconsciente; não é, porém, esta hipótese
um tanto alambicada?
XXXIV – “A. – O Sr. Howard morava a seis milhas de
minha casa. Tinha acabado de construir uma grande casa de
madeira. Nosso sujet jamais vira essa casa, ainda que, supo-
nho, tenha podido ouvir falar a respeito. O Sr. Howard, que
estava há alguns dias fora de casa, pediu a Fannie que lá fos-
se e visse se tudo ia bem. Ela fez uma exclamação diante da
grandeza da casa, mas criticou a deformidade do alto da fa-
chada, dizendo que não queria ter uma fachada tão antiquada
e horrível em uma casa tão bela.
– Sim – disse Howard rindo – minha mulher mostrou-se-
me contrariadíssima por causa do acabamento da fachada e
dos degraus da escada.
– Oh! – interrompeu Fannie – os degraus são belos e no-
vos.
– Ela não entende disso – replicou Howard – os degraus
são ainda mais pesados que a própria fachada.
– Não vedes – gritou Fannie com impaciência – como eles
são novos e bem proporcionados? Hein! (E ela parecia abso-
lutamente revoltada, a julgar pelo tom de sua voz.) Eu os a-
cho verdadeiramente belos.
Mudando de assunto, Howard perguntou-lhe quantas jane-
las tinha a casa. Quase imediatamente deu ela o número
(creio que eram vinte e seis). Pensava Howard que era mui-
to, mas, contando-os com cuidado, verificou ser isso mesmo.
De minha casa seguiu ele diretamente para a sua e, com
grande surpresa, verificou que, durante sua ausência, sua es-
posa chamou um carpinteiro, que construíra degraus novos
para a escada, tendo a obra terminado um ou dois dias antes
de ter Fannie observado o lugar com seu invisível telescó-
pio.
B. – O filho do Sr. Howard tinha ido a um condado vizi-
nho e não se esperava a sua volta antes de alguns dias. Fan-
nie conhecia esse moço (André). Tendo sido o Sr. Howard
obrigado a voltar à localidade, achava-se ainda conosco na
noite seguinte. Sua fé em nosso “oráculo” tomara maiores
proporções e ele sugeriu-nos a idéia de fazer uma visita a
sua casa, por meio das maravilhosas faculdades de Fannie.
Descreveu ela perfeitamente os quartos, até um buquê sobre
uma das mesas e disse que diversos jovens lá se encontra-
vam. Interrogada sobre os seus nomes, respondeu que não
conhecia nenhum deles, salvo André.
– Mas – disse eu – André não está em casa.
– Como! Não o vedes?
– Estais certa disso?
– Oh! Será que eu não conheço André? Lá esta ele, posso
afirmar-vos.
O Sr. Howard voltou para casa na manhã seguinte e cons-
tatou que André regressara tarde, na véspera, e que vários
moços da vizinhança tinham passado a noite com ele.”
Eis aqui um outro caso, bastante notável, de visão a distância
por um sujet magnetizado. A descrição dele foi feita, em primei-
ra mão, pelo Dr. Alfredo Backman, de Kalmar.
Em resposta a uma carta perguntando ao Sr. A. Suhr, fotógra-
fo em Ystad, na Suécia, se podia ele recordar-se, de algum
modo, de certa experiência hipnótica realizada pelo Sr. Hansen,
havia vários anos, em presença dos irmãos Suhr, o Dr. Backman
recebeu a seguinte narrativa:
XXXVI – “Foi em 1867 que nós, os irmãos abaixo assina-
dos, nos estabelecemos em Odensa (na Dinamarca), onde ví-
amos muito freqüentemente nosso comum amigo, Sr. Carlos
Hansen, o hipnotizador, que residia perto de nós. Diariamen-
te encontrávamos um jurisconsulto, o Sr. Balle, atualmente
advogado em Copenhague, sobre o qual tinha Hansen gran-
de influência hipnótica e que desejou, certa noite, ser mergu-
lhado em um sono profundo, para se tornar clarividente.
Nessa época residia nossa mãe em Roeskilde, na Seelân-
dia. Pedimos a Hansen para mandar Balle visitá-la. Era tarde
da noite e, depois de haver hesitado um pouco, fez o Sr. Bal-
le a viagem em alguns minutos. Encontrou nossa mãe doente
e na cama; o que tinha, porém, não era mais do que ligeiro
reumatismo que devia passar no fim de pouco tempo. Não
acreditamos que fosse isso verdade e, como controle, Han-
sen pediu a Balle que lesse no canto da casa o nome da rua.
Balle dizia que estava muito escuro para poder ler; Hansen,
porém, insistiu e ele por fim leu Skomagerstraede. Pensa-
mos que ele estivesse completamente enganado, pois sabía-
mos que nossa mãe residia em outra rua. No fim de alguns
dias, escreveu-nos ela uma carta, na qual nos dizia que esti-
vera doente e que se havia mudado para Skomagerstraede.”
Outro caso ainda de visão a distância, de um fato atual, em
sonho:
XXXVII – “Residia eu em Wallingford. Meu melhor ami-
go era um jovem chamado Frederico Marks, graduado pela
Escola Científica de Yale. Frederico tinha um irmão chama-
do Carlos, que morava nessa época no Estado central de No-
va York, perto do lago Oneida. Pela tarde de um dia chuvo-
so, Frederico subiu ao seu quarto para deitar-se e descansar.
Cerca de uma hora depois desceu, dizendo que acabava de
ver seu irmão Carlos, em uma visão, supunha. Estava ele em
um pequeno barco à vela e tinha um companheiro consigo,
sentado à ré. Desencadeara-se forte tempestade, porque as
vagas eram enormes. Carlos se encontrava na proa, apertan-
do o mastro com um dos braços, ao mesmo tempo em que
com o outro agarrava o gurupés que se tinha quebrado. Sua
posição perigosa de tal modo aterrou Frederico, que ele des-
pertou ou a visão desapareceu. Pensaram as pessoas de sua
família que ele dormira inconscientemente e nada mais fize-
ra do que sonhar.
Três ou quatro dias depois, entretanto, recebeu Frederico
uma carta de Carlos narrando uma aventura que acabava de
ter no lago Oneida. Na manhã do dia em questão, ele e um
camarada foram ao lago, alugaram um bote e soltaram a ve-
la. Como o tempo estava bom, desceram o lago até à ilha de
Frenchman, à distância de perto de 20 milhas.
Ao voltarem, à tarde, levantou-se furiosa tempestade. Car-
los ocupou-se em esgotar a água, enquanto seu companheiro
se mantinha ao leme. No mais impetuoso da tempestade, o
gurupés quebrou-se. Vendo Carlos o perigo, saltou à proa da
embarcação e, agarrando o mastro com uma das mãos, o gu-
rupés com a outra, procurou amarrar este. Conseguiram im-
pedir que o bote corresse, mas o mesmo acabou por enca-
lhar. Eles saltaram à água e atingiram a margem, sãos e sal-
vos.
O lago Oneida está a cerca de 300 milhas de Wallingford
e, tendo em conta a diferença da hora, verificou-se que o a-
cidente e a visão ou sonho de Frederico deviam ter ocorrido
à mesma hora, talvez no mesmo momento.
Os temperamentos e os caracteres desses dois irmãos são
dessemelhantes e nenhuma afinidade particular existe entre
eles. Frederico reside atualmente em Santa Ana (Califórnia)
e Carlos na cidade de Nova York.
B. Bristol
Short Beach (Estados Unidos).”
Cartas dos Srs. Carlos e Frederico Marks explicam em deta-
lhe o perigo e a visão. São encontradas nos Annales des Sciences
Psychiques (1892, págs. 230-235). Há nessa ocorrência, de
forma a ser afastada qualquer dúvida, um caso de vista a distân-
cia, com todos os requisitos da certeza. Assinalemos da carta do
Sr. Charles Marks a seguinte passagem:
Em resposta a esta pergunta: “Soubestes que vosso irmão
acreditava estar vendo-vos nesse instante?” responderei que,
tanto quanto me recordo, não tive consciência de que meu
irmão me via. Creio que todo o meu pensamento, toda a mi-
nha atenção estavam ocupados pelo que eu fazia, quando,
levantando-me no banco, procurava arriar a vela, no instante
em que meu irmão me viu aparecer-lhe. Conhecendo os há-
bitos de meu irmão (é um homem excepcionalmente forte e
bem disposto), penso que naquele momento devia estar
dormindo, pois que, dada a sua robusta constituição, quando
o deseja pode adormecer quase instantaneamente durante o
dia, e muito freqüentemente entrega-se à sesta pela tarde.
Durante sua permanência em Wallingford, era ele estudante
na Escola Científica de Yale (Sheffield).
C. R. Marks.”
Todas estas relações provam com exatidão que o ser humano
é dotado de faculdades ainda desconhecidas que lhe permitem
ver o que se passa ao longe. Eis aqui um exemplo muito mais
notável ainda, no qual a pessoa que desempenhou o principal
papel não somente viu, mas parece que ele próprio se transpor-
tou, em uma espécie de duplo, e foi visto não somente por seu
marido, mas ainda por uma outra testemunha.
XXXVIII – “A 3 de outubro de 1863, deixei Liverpool,
para dirigir-me a Nova York pelo vapor City of Limerick, da
linha Inman, do comando do capitão Jones. À noite do se-
gundo dia, pouco depois de deixar Kinsale Head, começou
uma grande tempestade que durou nove dias. Durante todo
esse tempo não vimos nem o Sol nem as estrelas, nem em-
barcação alguma; as amuradas foram arrebatadas pela vio-
lência da tempestade, uma das âncoras foi arrancada de suas
amarras e produziu muitos estragos antes que se pudesse
imobilizá-la. Diversas e fortes velas, conquanto cuidadosa-
mente ferradas, foram levadas pelo vento e vários botalós
partidos.
Durante a noite que sucedeu ao oitavo dia da tempestade,
houve um pouco de calma e, pela primeira vez desde que
deixei o porto, pude gozar de um sono reparador. Pela ma-
nhã sonhei que via minha esposa, a quem deixara nos Esta-
dos Unidos. Veio à porta do meu quarto, em seu trajo de
dormir. À entrada, pareceu descobrir que eu não estava só
no quarto, hesitou um pouco, depois se dirigiu para o meu
lado, parou e me abraçou e, depois de acariciar-me por al-
guns instantes, retirou-se tranqüilamente.
Acordando, fiquei admirado de ver meu companheiro, cu-
jo beliche estava por cima do meu, mas não diretamente –
porque o nosso camarote ficava à ré –, apoiando-se nos co-
tovelos, olhar-me fixamente:
– Sois um felizardo – disse-me por fim – em ter uma dama
como esta que veio ver-vos.
Pedi-lhe que me explicasse o que queria dizer; a princípio
recusou, mas, afinal, contou-me o que tinha visto, estando
inteiramente acordado e debruçado sobre o seu beliche. O
que ele viu correspondia exatamente ao meu sonho.
O nome desse companheiro era William J. Tait; não era
dotado de caráter inclinado habitualmente a brincar, mas,
pelo contrário, era um homem sério e religioso, cujo teste-
munho pode ser aceito sem hesitação.
No dia seguinte ao do desembarque, tomei o trem para
Watertown, onde se achavam minha esposa e meus filhos.
Quando ficamos a sós, sua primeira pergunta foi:
– Recebestes a minha visita, na terça-feira da semana pas-
sada?
– Uma visita – exclamo – se estávamos a mais de 1.000
milhas sobre o mar!
– Eu o sei – replicou ela – mas pareceu-me ter-te feito
uma visita.
– É impossível; dize-me o que te faz crer nisso.
Contou-me, então, minha mulher que, notando a tempes-
tade e sabendo da perda do África, que partira para Boston
no dia em que deixáramos Liverpool, rumo a Nova York, e
que naufragara no cabo Race, ela estivera extremamente in-
quieta pela minha sorte. Na noite precedente, a mesma noite
em que, como já disse, começara a diminuir a tempestade,
ela ficara acordada durante muito tempo, pensando em mim,
e pelas 4 horas da manhã pareceu-lhe que vinha ao meu en-
contro. Atravessando o largo mar enfurecido, encontrou en-
fim um navio baixo e negro, subiu a bordo e, descendo sob o
convés, atravessando os camarotes até à ré, chegou ao meu
quarto.
– Dizei-me – acrescentou – há sempre camarotes como es-
se que vi, nos quais o beliche superior está mais para trás do
que o de baixo? Havia um homem no de cima, que me olha-
va fixamente, e durante um momento fiquei com medo de
entrar, mas por fim me encaminhei para o vosso lado, incli-
nei-me, abracei-vos e vos apertei em meus braços, depois re-
tirei-me.
A descrição feita por minha esposa era correta em todos os
seus detalhes, ainda que ela jamais tivesse visto o navio. Ve-
rifico pelo diário de minha irmã, que partimos a 4 de outu-
bro, chegamos a Nova York a 22 e à casa a 23.
S. R. Wilmot
Manufatureiro em Bridgeport.”
O New York Herald noticia que o City of Limerick deixou Li-
verpool a 3 de outubro de 1863, Queenstown a 5, chegou muito
cedo pela manhã de 22 de outubro de 1863, e refere-se à tempes-
tade, assim como à situação crítica do navio e ao naufrágio do
África. O inquérito confirmou de diversos modos essa estranha
narrativa. A irmã do Sr. Wilmot, que viajava no mesmo navio,
escreve especialmente:
“A respeito de tão curioso fenômeno ocorrido com meu
irmão por ocasião de nossa viagem pelo Limerick, lembro-
me que o Sr. Tait, que nessa manhã me levava para o almo-
ço, por causa do terrível ciclone que causava grande estrago,
perguntou-me se na noite precedente eu viera ver meu ir-
mão, com quem ele partilhava do mesmo camarote. “Não,
respondi, por quê?” – “Porque vi uma mulher de branco que
viera ver vosso irmão.”
A Sra. Wilmot, por seu lado, escreveu:
“Bridgeport, 27 de fevereiro de 1890.
Em resposta à pergunta: “Guardastes alguns detalhes a
respeito do homem que vistes no beliche superior?”, não
posso, tanto tempo depois, dizer com certeza que reparei em
detalhes, mas lembro-me distintamente que me senti muito
perturbada pela sua presença, vendo-o assim olhar-nos do al-
to.
Creio que contei meu sonho a minha mãe no dia seguinte
pela manhã; e sei que, durante todo o dia, experimentei a
impressão nítida de ter ido ver meu marido. Era tão forte a
impressão, que me sentia feliz e reconfortada, de forma inu-
sitada – e com grande surpresa de minha parte.
Sra. S. R. Wilmot.” 92
Este importante caso merece especial atenção. É ele um pou-
co antigo: a sua narrativa foi escrita provavelmente mais de vinte
anos após a ocorrência, uma das testemunhas é morta e não pode
dar um relato de primeira mão do que observou. Não se pode
afirmar que, após tão longo tempo, a memória das testemunhas,
por muito fiel que se mantenha, seja exata, nem que a gente
possa fiar-se de todos os detalhes. Entretanto, depois de guarda-
das todas as reservas, é incontestável que se verificou uma
notável correspondência entre as impressões das três pessoas em
questão. A Sra. Wilmot – em sonho ou acordada – tem uma
visão de seu marido, na qual percebe exatamente uma parte do
que o rodeia; o Sr. Wilmot sonha com o que sua esposa pensa e,
ainda mais, vê e sente-a; e o Sr. Tait, acordado, vê com os seus
próprios olhos, o sonho do Sr. Wilmot. Eis aí três fatos inexpli-
cáveis que é preciso admitir. Quanto aos duplos, às manifesta-
ções do corpo fluídico ou astral, é esse um assunto sobre o qual
teremos de nos pronunciar mais tarde.
O Sr. Marcel Séméziès Sérizolles descreve as curiosas obser-
vações seguintes, feitas nele próprio.93
XXXIX – “Em novembro de 1881 tive um sonho muito
claro, durante o qual eu lia um volume de versos. Experi-
mentava as sensações exatas da leitura real; não somente
compreendia o que estava a ler, gozava com essa leitura,
mas ainda notavam meus olhos a aspereza do papel, um
pouco amarelo, a impressão muito negra e carregada, meus
dedos voltavam as folhas espessas e minha mão esquerda
sustentava o volume bastante pesado.
De repente, ao voltar de uma página, despertei e maqui-
nalmente, meio dormindo ainda, acendi a vela, tomei de so-
bre a mesa o lápis e os papéis que aí sempre estavam ao lado
do livro, para ler à noite (era, nesse dia, uma obra de história
militar), e escrevi as duas últimas estrofes que acabava de ler
no volume do sonho.
Foi-me impossível, mau grado a violentíssimos e doloro-
sos esforços de memória, lembrar-me de um só verso além
desses doze que pareciam tratar de uma questão de metafísi-
ca e cujo sentido está incompleto, achando-se inacabado o
período. Ei-los, tais quais então os escrevi:
Do tempo em que eu vivia uma vida anterior,
Do tempo em que eu levava existência melhor,
Que não posso recordar,
Quando eu sabia, então, os efeitos e as causas
Antes da queda lenta e das metamorfoses
Para um mais triste tornar;
Do tempo em que eu vivia as altas existências,
De que temos, como homens, simples reminiscências
Rápidas como relâmpagos;
Do tempo em que, livre talvez, eu ia pelo espaço
Como um astro deixando ver, um instante, seu traço
No azul sombrio do éter... 94
Esses versos não poderiam ser uma reminiscência de leitu-
ra; procurei-os, sem os encontrar, em todas as compilações
publicadas: era bem um volume inédito e que permanecia
desconhecido, o que eu lia no sonho em questão.
Eis agora um ou dois casos de pressentimentos ou de adi-
vinhação por meio do sonho.
Quando, em 1880, meu pai era magistrado em Montauban,
havia no Tribunal um advogado de nome Laporte. Vejo-o
ainda, delgado, louro, de olhar frio, um tanto enigmático. É
preciso notar que eu era ainda muito jovem, que os togados
me interessavam pouco e eu não tinha com eles mais do que
as relações de estrita cortesia que devem ser mantidas por
um filho de magistrado com todos os membros do Tribunal.
Em 1883 meu pai faleceu e pouco depois o advogado La-
porte foi nomeado juiz de Noutron (Dordogne). Apenas dei
atenção ao fato e tinha perdido completamente a lembrança
do mesmo magistrado, quando, dois ou três anos mais tarde,
certa noite, em sonho, vi meu pai a passear em um lugar in-
definido, uma espécie de solo trepidante que parecia flutuar
sobre as nuvens. Meu pai, nas atitudes, trajes, modo de an-
dar, sorriso, era tal qual antes de sua morte. De repente vi
uma forma sair das nuvens do fundo e encaminhar-se para
ele. Essa forma tomou a pouco e pouco a aparência real do
Sr. Laporte, e quando as duas sombras se acharam uma perto
da outra, ouvi muito distintamente estas palavras pronuncia-
das por meu pai: “Então, Laporte, aí estais, é chegada, pois,
a vossa vez?”, ao que o Sr. Laporte respondeu simplesmen-
te: “Pois não, sou eu em carne e osso”, e eles apertaram-se
as mãos.
Ora, alguns dias depois, encontrei em minha correspon-
dência uma carta de participação: O Sr. Laporte, juiz em
Noutron (Dordogne), morrera, recentemente, no mesmo dia
em que eu tivera o citado sonho.
Um outro caso, quase idêntico, porém menos fúnebre.
Desse conservo a data: 18 de dezembro de 1894. Dormindo
e sonhando, avistei em seu escritório, a compulsar seus dos-
siers, um notário residente em pequena cidade, distante cer-
ca de 20 quilômetros da sede onde eu então morava. Esse
notário tinha em suas mãos capitais meus e habitualmente se
apresentava em minha casa, uma ou duas vezes por ano, em
épocas incertas, levando-me os juros vencidos. Repito-o, su-
as visitas não tinham nenhuma data fixa e jamais eu via esse
notário, homem respeitabilíssimo, conselheiro geral, prefeito
e condecorado, muito correto no trajar e quase elegante.
Nessa noite eu o vi envergando um comprido casacão azul,
trazendo à cabeça um barrete de seda preta.
Ora, dois dias depois, a 20 de dezembro, pela manhã, o Sr.
X. apresentava-se em meu gabinete de trabalho e me entre-
gava uma soma atrasada e inesperada.
– Então – disse-lhe eu – que fizestes do vosso casacão a-
zul e do vosso barrete de seda preta?
Olhou-me ele com a mais viva surpresa e me respondeu:
– Mas como conheceis tão bem meu traje de casa?
Contei-lhe meu sonho e então confessou-me ele, não sem
admiração, que a 18 de dezembro estivera, com efeito, acor-
dado até muito tarde em seu escritório e que trazia as vestes
por mim descritas.”
Desses três sonhos, o último indica uma visão a distância, de
um fato atual; o segundo é uma espécie de manifestação telepáti-
ca de moribundo, mas que não deve proceder dele, assaz estra-
nho ao percipiente: é talvez ainda a visão a distância, mas de
ordem muito transcendente. O primeiro parece indicar uma
composição, uma invenção real, do espírito do autor, análogas às
produzidas pela cerebração inconsciente, acima assinaladas
(Maury, Condillac, Voltaire, Tartini, Abercrombie, págs. 377-
380).
A propósito de sonhos, o seguinte fato histórico é conhecido
desde longa data:
XLII – “Uma noite a princesa de Conti viu em sonho um
dos compartimentos do seu palácio prestes a ruir, e seus fi-
lhos, que aí dormiam, a ponto de serem sepultados sob as ru-
ínas. A imagem apresentada à sua imaginação alarmou seu
coração e pôs-lhe o sangue em ebulição. Em seu pavor, ela
acorda sobressaltada e chama as mulheres que dormiam em
seu quarto de vestir. Ao ruído, elas vêm receber as ordens de
sua senhora. Conta-lhes a princesa a visão que tivera e de-
clara querer peremptoriamente que lhe tragam seus filhos.
Suas fâmulas resistem-lhe, citando a propósito o antigo pro-
vérbio: que todo o sonhar faz enganar.
A princesa renova a sua ordem com insistência. A gover-
nante e as amas de leite deram mostras de obedecer; depois
voltaram para dizer que os jovens príncipes dormiam tran-
qüilamente e que seria violência perturbar-lhes o repouso.
Vendo a princesa a obstinação e talvez mesmo o embuste
das serviçais, pediu altivamente o seu roupão. Não houve
mais meio de recuar; foram buscar os principezinhos; apenas
chegaram estes ao quarto de sua mãe, eis que desaba o em
que dormiam.” 95
A visão a distância, sem o concurso dos olhos, em sonho, pa-
rece-se, por uma analogia muito acentuada, ao que muitas vezes
tem sido constatado pelos magnetizadores em seus sujets “lúci-
dos”. Eis, como exemplo, um caso incontestavelmente autêntico,
observado por vários médicos, a propósito da ablação do seio,
operada sem dor, durante o sono magnético, conforme o relato
de Brierre de Boismont (Obs. 106):
XLIII – “A Sra. Plantin, com cerca de 64 anos de idade,
consultara, no mês de junho de 1828, uma sonâmbula que o
Dr. Chapelain lhe indicara; esta prevenira-a de que se estava
formando um tumor sob o seio direito, ameaçando tornar-se
canceroso.
A doente passou o verão no campo e seguiu com pouca
exatidão o regime que lhe haviam prescrito. No fim de se-
tembro foi consultar o Dr. Chapelain e confessar-lhe que o
tumor havia aumentado consideravelmente. Começou ele a
magnetizá-la a 23 de outubro seguinte e o sono manifestou-
se poucos dias depois; mas o sonambulismo lúcido, nessa
paciente, foi sempre muito imperfeito. Os cuidados médicos
diminuíram os progressos do mal, sem curá-lo. Por fim, o
seio ulcerou-se e o médico julgou não haver esperança de
cura senão mediante amputação. O Sr. Jules Cloquet, cirur-
gião de raro merecimento, foi do mesmo parecer; restava a-
inda o trabalho de convencer a enferma. Isso foi conseguido
pelo Dr. Chapelain, graças à influência magnética que exer-
cia sobre ela.
Trabalhou com todas as forças da sua vontade para produ-
zir a insensibilidade do órgão e, quando acreditou havê-lo
conseguido, apertou fortemente com as unhas, sem causar
dores, o bico do seio cuja ablação devia ser feita. Ignorava a
doente o dia exato da operação, marcada para 12 de abril de
1829. O Dr. Chapelain fê-la entrar em estado magnético;
magnetizou fortemente a parte que ia ser operada.
Eis o relatório apresentado, a esse respeito, à Academia de
Medicina:96
“No dia designado para a operação, o Sr. Cloquet, che-
gando às dez horas e meia, encontrou a doente vestida e sen-
tada em sua poltrona, na atitude de pessoa tranqüilamente
entregue ao sono natural. Fazia perto de uma hora que ela
regressara da missa, a que assistia habitualmente à mesma
hora, tendo-a o Sr. Chapelain mergulhado no sono magnéti-
co desde a sua chegada. A doente falava com muita calma a
respeito da operação que ia sofrer. Estando tudo disposto pa-
ra a operação, ela mesma se despiu e se sentou em uma ca-
deira.
O Sr. Pailloux, aluno interno do Hospital de S. Luís, ficou
encarregado de apresentar os instrumentos e de fazer as li-
gaduras.
Uma primeira incisão, partindo da cavidade da axila, foi
dirigida por cima do tumor até à face interna do peito. A se-
gunda, começada no mesmo ponto, contornou o tumor pela
parte inferior e foi conduzida ao encontro da primeira; os
gânglios ingurgitados foram dissecados com precaução, à
vista da sua proximidade da artéria axilar, e o tumor foi ex-
tirpado. Durou a operação dez ou doze minutos.
Durante todo esse tempo, a doente continuou a conversar
tranqüilamente com o operador e não deu o menor sinal de
sensibilidade; movimento algum nos membros ou modifica-
ção nas feições; mudança alguma na respiração, nem na voz;
emoção alguma, sequer assinalada nas pulsações; manifesta-
ção alguma dessa espécie, em suma, se verificou. A enferma
não cessou de apresentar esse estado de abandono e de im-
passibilidade automática, que oferecia à chegada do Sr. Clo-
quet. Quando o cirurgião lavou a pele, nas proximidades da
ferida, com uma esponja embebida em água, a doente mani-
festou sensações idênticas às produzidas pelas cócegas e dis-
se várias vezes com hilaridade: “Acabe com isso, não me fa-
ça cócegas.”
Essa senhora tinha uma filha casada com o Sr. M. Lagan-
dée; infelizmente residia ela na província e não pôde trans-
portar-se a Paris senão alguns dias após a operação. A Sra.
Lagandée caía em sonambulismo e era dotada de notabilís-
sima lucidez.”
XLIV – “O Sr. Cloquet pediu ao Dr. Chapelain que mag-
netizasse a Sra. Lagandée e fez-lhe diversas perguntas sobre
sua mãe. Ela respondeu da forma seguinte:
– Minha mãe está muito enfraquecida de alguns dias para
cá; não vive mais senão em virtude da ação magnética, que a
sustenta artificialmente: falta-lhe a vida própria.
– Acreditais que se possa sustentar a vida de vossa mãe?
– Não, ela expirará amanhã de manhã bem cedo, sem ago-
nia, sem sofrimento.
– Quais são, pois, as partes doentes?
– O pulmão direito está diminuindo, contraído sobre si
mesmo; acha-se envolto por uma membrana semelhante a
cola; flutua em meio de muita água. Más é sobretudo ali –
diz a sonâmbula, mostrando o ângulo inferior da omoplata –
que está o sofrimento de minha mãe. O pulmão direito não
respira mais, está morto. O pulmão esquerdo está, pelo con-
trário, são: é por ele que minha mãe vive. Há um pouco de
água no envoltório do coração (o pericárdio).
– Como se acham os órgãos do baixo ventre?
– O estômago e os intestinos estão bons, o fígado está
branco e descorado na superfície.
O Sr. Chapelain magnetizou a doente várias vezes no cor-
rer de segunda-feira e conseguiu apenas fazê-la dormitar.
Quando voltou na terça-feira, pelas sete horas da manhã, ela
acabava de expirar. Os dois médicos desejariam verificar as
declarações da sonâmbula sobre o estado interior do corpo;
obtiveram o consentimento da família para fazer-lhe a au-
tópsia. O Sr. Moreau, secretário da seção de cirurgia da A-
cademia, e o Dr. Drousart foram solicitados a servir de tes-
temunhas da autópsia e ficou deliberado que ela seria feita
no dia seguinte, em sua presença. Foi a mesma procedida pe-
los Srs. Cloquet e Pailloux, seu ajudante, assistidos pelo Dr.
Chapelain, sendo que este fez adormecer a Sra. Lagandée
um pouco antes da hora fixada para a autópsia. Não relatarei
uma cena de ternura e de piedade filial, durante a qual esta
sonâmbula banhou com suas lágrimas o rosto inanimado de
sua mãe.
O Dr. Chapelain apressou-se em acalmá-la. Os médicos
desejariam ouvir, de seus próprios lábios, o que ela declarara
ter visto no interior do corpo da Sra. Plantin, e a sonâmbula
repetiu, com voz firme e sem hesitar, o que havia declarado
aos Srs. Cloquet e Chapelain. Conduziu-a este último ao sa-
lão contíguo ao quarto onde ia ser feita a abertura do cadá-
ver, quarto cuja porta foi hermeticamente fechada. A Sra.
Lagandée continuava mergulhada em sono sonambúlico e,
mau grado às barreiras que a separavam desses senhores, se-
guia o bisturi na mão do operador e dizia às pessoas que
permaneciam perto dela:
– Por que fazem a incisão no meio do peito, uma vez que
o derramamento é à direita?
As indicações fornecidas pela sonâmbula foram reconhe-
cidas como exatas, sendo o processo verbal da autópsia es-
crito pelo Dr. Drousard.
As testemunhas desse caso, acrescenta B. de Boismont,
estão todas vivas; ocupam no mundo médico um lugar hon-
roso. Sua comunicação foi interpretada de diferentes manei-
ras, mas jamais se levantaram dúvidas sobre a sua veracida-
de.”
Eis aí, portanto, uma observação incontestável de visão mag-
nética sem a intervenção dos olhos. Ela é ainda mais notável que
a referida ablação do seio sem dor, que relatamos, por ser a
primeira operação magnético-médica que tenha sido feita.
B. de Boismont acrescenta o seguinte caso a propósito dessa
visão a distância:
XLV – “Um magistrado, conselheiro da Corte, contou-me
o seguinte caso: Sua esposa tinha uma criada de quarto, de
saúde precária. O tratamento magnético era feito secreta-
mente, para que as suas intenções caridosas ficassem ao a-
brigo das chacotas. Essa senhora era ajudada por seu marido.
Um dia em que a sessão magnética lhe fizera experimentar
fortes dores, pediu a sonâmbula um pouco de vinho velho: o
marido tomou uma luz e saiu para buscar o vinho. Desceu o
primeiro andar sem acidente; mas a adega estava situada mui
profundamente abaixo do solo, os degraus eram úmidos, ele
escorregou a meio da escada e caiu para trás, sem ferir-se,
nem mesmo apagar a luz que trazia à mão. Isso não o impe-
diu em seguida de continuar seu caminho e de tornar a subir
trazendo o vinho solicitado. Verificou que sua mulher já era
sabedora de sua queda e de todos os detalhes de sua viagem
subterrânea: a sonâmbula havia-lhe feito a narrativa deles à
proporção que se iam sucedendo.”
Outro exemplo de visão magnética a distância, tirado do
mesmo autor:
XLVI – “Conheci a esposa de um coronel de Cavalaria,
que era magnetizada por seu marido e que se tornava so-
nâmbula; no curso do tratamento, uma indisposição o cons-
trangeu a pedir o auxílio de um oficial do seu Regimento. Is-
so não durou mais do que oito ou dez dias.
Algum tempo depois, em uma sessão magnética, tendo o
marido posto sua esposa em estado sonambúlico, induziu-a a
verificar o que se passava com o mesmo oficial:
– Ah! o infeliz! – gritou ela –; eu o vejo; ele está em X.;
quer suicidar-se; toma um revólver. Correi depressa.
O lugar indicado estava a uma légua. O coronel tomou
imediatamente um cavalo; mas, quando chegou, o suicídio
estava consumado.”
Eis ainda a narrativa de uns casos curiosos de lucidez no so-
nambulismo, extraídos de uma das últimas cartas recebidas em
meu inquérito:
(Carta 743)
XLVII – “Sou muito incrédulo quanto ao Espiritismo e
era muito céptico relativamente ao magnetismo, quando um
fato da mais alta evidência veio esclarecer-me e forçar a mi-
nha convicção sobre este último ponto.
Uma jovem de 36 anos, muito respeitável, de uma distin-
ção e instrução superiores, e que morava com a minha famí-
lia, foi acometida de um quisto do ovário e resistia aos mé-
dicos que a aconselhavam a fazer-se operar. Em 1868, foi
ela presa, um dia, de dores terríveis e, sendo chamado o Dr.
B., teve ele receio de um desenlace fatal após uma crise de
30 horas, pelo que decidiu tentar, em desespero de causa,
magnetizá-la. Conseguiu adormecê-la e amenizar seus so-
frimentos.
Continuando assim o tratamento, sentiu-se a doente muito
aliviada e, desde a segunda sessão, produziram-se fenôme-
nos de lucidez absolutamente notáveis. Cada vez que sobre-
vinha um novo acesso ela indicava, com extrema precisão, o
dia, a hora e o minuto exato em que devia ele recomeçar e
isso a intervalos muito irregulares e distanciando-se cada
vez mais uns dos outros. Advertido, o médico anotava cui-
dadosamente essas indicações, de modo a chegar antes do
começo da crise e a magnetizar a paciente, que se sentia ra-
pidamente aliviada.
Uma noite, pelas 3 horas da madrugada, achando-se o mé-
dico doente, produziu-se a anunciada crise, que se desenvol-
veu com aterradora intensidade. A religiosa que a assistia,
sabendo que eu, em conseqüência dessas constatações, estu-
dara os fenômenos magnéticos nas obras de Deleuze e do
Barão du Potet, sugeriu-me a tentativa de substituir o doutor
ausente. Com efeito, consegui rapidamente fazê-la dormir e
acalmar-se, tão bem, senão melhor, declarando a paciente
que o meu fluido era muito mais calmante. Eis como o acaso
me revelou qualidades de magnetizador, que eu não descon-
fiava possuir. Magnetizava-a regularmente todas as noites,
em presença de minha mãe e de minha numerosa família, e
assistíamos a fenômenos extraordinários de lucidez.
Mau grado à melhora considerável experimentada pela
doente, ela reconhecia que o magnetismo não lhe era mais
do que um calmante, que o desenvolvimento de seu quisto
fazia progressos inquietantes e que a operação se tornava ab-
solutamente urgente para evitar um desenlace fatal.
Ficou decidido que a Srta. de V. iria, acompanhada de sua
mãe, fazer-se operar em Estrasburgo, pelo Dr. Koeberlé, que
desfrutava, nessa época, grande renome nessa espécie de o-
perações. A extensão de semelhante viagem para a pobre
doente inquietava o médico, que aconselhou efetuá-la em
diversas etapas. Mas a doente, consultada, declarou que po-
deria fazê-la sem inconvenientes, de uma só vez, observan-
do-se as precauções seguintes: de início seria necessário
conduzir diversas garrafas de água magnetizada, mas sobre-
tudo doze ou quinze lenços magnetizados, tendo-se o cuida-
do de encerrá-los em fortes envelopes de papel, cuidadosa e
hermeticamente fechados e colados, de modo a impedir toda
entrada de ar exterior. Declarou a doente que, desde que se
produzisse um começo de fadiga e de crise, sua mãe, ras-
gando um envelope, aplicaria um lenço sobre a sua fronte, o
que provocaria o sono magnético, e em seguida aplicá-lo-ia
sobre o ventre na parte doente.
Mau grado essas precauções, ficamos todos muito inquie-
tos quando ela partiu com sua mãe.
Tudo se passou precisamente como o paciente o havia a-
nunciado. A viagem fez-se bem, sem interrupção alguma,
nada mais usando do que alguns lenços magnetizados e sem
ter necessidade de recorrer à água também magnetizada.
Chegando a Estrasburgo, foi a mãe apresentar sua filha ao
sábio cirurgião e, tomando-o em seguida à parte, apresentou-
lhe uma nota que o médico, Sr. B., redigira conforme o dita-
do da enferma. Durante o sono, a paciente descrevera minu-
ciosamente seu estado.
– O meu quisto – dissera – é da grossura e da cor desses
balões amarelos com que as crianças brincam, seu conteúdo
não é fluido, mas composto de uma matéria compacta de cor
parda. Em uma de suas faces já está formada uma nova bolsa
do tamanho da metade de uma pequena laranja e do outro
lado começa a desenvolver-se uma outra bolsa da espessura
de uma meia avelã. Está o quisto rodeado de aderências ou
ligamentos numerosos.
Interrogada pelo Sr. B., seu médico, sobre os perigos da
hemorragia na operação, respondeu que não havia o que re-
cear por esse lado, mas, à pergunta sobre os temores de sep-
ticemia, ela empalideceu horrivelmente e, após um instante
de silêncio, respondeu:
– Somente Deus o sabe.
Tal o conteúdo da nota que a genitora apresentou ao Dr.
Koeberlé, que a acolheu com ironia e incredulidade, decla-
rando que não acreditava nessas elucubrações, e como prova
acrescentou:
– Vossa filha pretende que existem numerosos ligamentos;
ora, a palpação acaba de mostrar-me que há poucos ligamen-
tos, pois o quisto flutua desde que se lhe faça pressão. Ve-
des, portanto, que os seus dizeres são puramente imaginá-
rios.
A operação, entretanto, foi das mais demoradas e graves,
por causa do grande número de ligamentos, como o havia a
enferma indicado, e tendo-se declarado a septicemia, levou a
enferma dentro de três ou quatro dias.
Chamado pela infeliz mãe, parti para Estrasburgo, a fim
de assisti-la em sua cruel prova. Constatei com os meus pró-
prios olhos a exatidão de todas as informações quanto ao
quisto, que fora conservado após a operação. Acompanhei a
pobre mãe, antes de sua partida, à casa do sábio Dr. Koeber-
lé, que encontrei absolutamente desconcertado pela minúcia
dos detalhes e predições que lhe transtornavam todas as i-
déias. Perguntei-lhe especialmente como a palpação lhe ha-
via feito crer em poucas aderências contrariamente à reali-
dade. Respondeu-me ele:
– É um dos casos mais extraordinários que tenho consta-
tado; evidentemente as aderências eram muito numerosas,
mas eram longas, o que permitia a flutuação e o deslocamen-
to do quisto sob a pressão da mão e me fez concluir de modo
muito diverso da realidade. Tudo isso é verdadeiramente ex-
traordinário, pois não posso contestar a perfeita exatidão de
todas as previsões e indicações da pobre doente.
Não sei se o Dr. Koeberlé ainda vive, mas a lembrança de
todos esses fatos sensacionais deve ter sido conservada na
excelente casa de saúde mantida pelas religiosas (de cuja or-
dem esqueci o nome) e que deve ainda existir.
Tais os fatos que eu vos posso atestar sob palavra de honra
e que me parecem de natureza a ocupar um lugar no vosso
dossier, do ponto de vista estritamente científico.
P. S. – Permitir-me-eis assinar com um pseudônimo, pois
que sou muito conhecido em Marselha, onde ocupo situação
de evidência, e não desejava que meu nome ficasse envolvi-
do em qualquer controvérsia pública.
Mais abaixo assino o meu verdadeiro nome, a título confi-
dencial, para o caso em que, acolhendo com confiança as
minhas declarações, julgardes interessante que eu as com-
plete com outros informes que me parecem do mais alto in-
teresse, sob o ponto de vista humanitário e científico.
C. du Chatellard (Marselha).”
O mesmo correspondente acrescenta:
XLVIII – “Uma noite em que a enferma se achava mag-
netizada, calma e lúcida, ocorreram numerosas experiências
usuais de magnetismo, perante numerosa reunião familiar,
quando uma de minhas primas teve a idéia de ver se poderia
seguir e encontrar meu tio que partira na antevéspera com
seu filho Paulo, para fazer uma tournée em suas vastas pro-
priedades que compreendiam diversas comunas. Interrogada,
a magnetizada declarou vê-los em uma estalagem cuja des-
crição demonstrou estarem em outra aldeia, que não aquela
que se supunha. Declarou que o pai conversava com um
guarda e que seu filho Paulo embalava-se em uma cadeira
defronte do fogão, na cozinha. De repente, a magnetizada
solta uma grande gargalhada, gritando:
– Ah! não é que o Sr. Paulo acaba de virar-se para trás!
Oh! que engraçadas contorções ele acaba de fazer ao cair!
Mas nenhum mal sofreu.
Terminada a sessão, a irmã de Paulo tomou a pena para
lhe descrever a hora e os detalhes desse grotesco incidente.
Tudo estava rigorosamente exato na descrição, e Paulo e seu
pai ficaram muito intrigados até à sua volta, antes de sabe-
rem como se pudera ter tido conhecimento do ocorrido.
Se desejardes controlar a narrativa que vos fiz, seja pedin-
do informações ao Dr. Koeberlé (caso ainda esteja vivo), se-
ja à casa de saúde que deve ainda existir em Estrasburgo ou
na França, enviar-vos-ei confidencialmente o nome da Srta.
de V.”
Segunda carta:
“Sensível aos agradecimentos e ao interesse que testemu-
nhastes pelas minhas comunicações, venho hoje completá-
las, persuadido de que devereis tirar deduções instrutivas do
que vou dizer-vos.
Volto, pois, à sessão da estalagem. Um de meus primos,
presente àquela reunião familiar, sugeriu-me ordenar-lhe que
subisse à sala de jantar. Imediatamente a magnetizada me
respondeu:
– Mas não! há três degraus a descer, para ir-se à sala de
jantar.”
XLIX – “Pediram-me para enviá-la à igreja e solicitar-lhe
a descrição de uma bela série de quadros religiosos. Con-
vencido desta asserção, em virtude do tom sério que a a-
companhara, transmito o pedido à magnetizada. Fiquei mui-
to admirado ouvindo-a rir desabaladamente e fazer uma des-
crição muito humorística desses famosos quadros. Era uma
série de telas absolutamente grotescas, feitas por um habi-
tante da aldeia, nas quais os agrupamentos e o desenho apre-
sentavam anomalias e efeitos dos mais hilariantes. Igual-
mente explodiam risadas de todos os assistentes que conhe-
ciam essas pinturas e que estavam aturdidos com a fidelida-
de da descrição e dos minuciosos detalhes enumerados.
Convém tirar certas deduções dos dois precitados fatos, do
ponto de vista científico. Sábios mais ou menos convenci-
dos, e mesmo magnetizadores, têm sustentado que em casos
semelhantes o magnetizado pode ler semelhantes detalhes no
pensamento quer do magnetizador, quer das pessoas presen-
tes, o que excluiria a visão a distância. Ora, não seria em
meu pensamento que teria ela podido encontrá-los, pois que
eu os ignorava absolutamente.97 Não podia ser, muito me-
nos, no pensamento daquele que me pedira para transmitir as
duas perguntas, porquanto se, de uma parte, conhecia ele as
originalidades dos quadros, fora de boa fé que me fizera or-
denar à magnetizada que subisse à sala de jantar, para fazer-
lhe a descrição e que outros membros da família reconhece-
ram ter tido razão a magnetizada em dizer que havia três de-
graus a descer.
Resulta, pois, do que precede, que a visita e descrição dos
quadros na igreja era bem uma visão e descrição a distância,
com a circunstância de que isso se passava entre 10 e 11 ho-
ras da noite, hora na qual as igrejas estão fechadas e em
completa obscuridade.
Durante os longos serões de família em que eu a fizera
adormecer, tive certa vez a idéia de perguntar-lhe qual a
composição de um remédio de nome estranho que eu acaba-
va de ler em uma farmacopéia. Ela imediatamente me deu a
descrição completa de uma planta com suas fases sucessivas,
sua floração, gênero, família, enfim, todas as descrições bo-
tânicas mais minuciosas. Em seguida acrescentou:
– Essa planta cresce em uma ilha, eu a vejo, ela é natural
das ilhas da Oceania.
Feita uma verificação, todos esses detalhes eram exatos.
Ocupei depois as minhas noites a escrever, sob ditado seu, a
descrição de grande número de plantas medicinais. Ao seu
despertar, eu conduzia sem afetação a conversação para as
plantas que ela acabava de descrever e sobre as quais não
parecia ter senão muito vagos conhecimentos.
Interrogando-a, certa noite, sobre o acônito, de que me fi-
zera a descrição, indicando a zona de crescimento, ficou du-
rante longo tempo pensativa, mergulhada em profunda refle-
xão, de que tive dificuldade em tirá-la, e acabou por me res-
ponder nestes termos que faço questão de repetir-vos escru-
pulosamente, tão profunda impressão deixaram eles em mi-
nha lembrança. Saindo de sua profunda meditação, ela me
disse:
– É, entretanto, verdade; não me engano. Por que razão
não se pôde ainda encontrar o remédio para esse mal terrí-
vel, o remédio para o câncer: Vejo a planta, ela cresce nas
mesmas regiões que o acônito.
Fez-lhe a descrição exata, completada em diversas ses-
sões, acrescentando que se lhe reconheceria a virtude, inocu-
lando em um animal, notadamente em um cão, a tintura mãe
obtida pela maceração dessa planta, o que determinaria uma
ferida de aparência cancerosa.
Várias vezes procurei, mas sempre em vão, interessar mé-
dicos e botânicos em pesquisas nesse sentido. Um sábio bo-
tânico declarou-me que a descrição parecia referir-se à oxi-
ria dygina.
Envio-vos a descrição literal que foi feita dessa planta sob
ditado da magnetizada. Melhor do que eu, vós, cujo nome e
cuja ciência fazem honra ao nosso país, podereis, sem dúvi-
da, realizar a fundo essas pesquisas e verificar-lhes o fun-
damento. Que auréola acrescentaríeis ao vosso nome, se
chegásseis, como Pasteur, a dotar a Humanidade de seme-
lhante benefício!
Ninguém ignora que os mais lúcidos magnetizados têm os
seus momentos de obnubilação, sobretudo as mulheres, em
certas épocas, ou sob influências patológicas. Não tenho, po-
rém, razões para duvidar que as suas afirmações sobre o re-
médio do câncer sejam tão probantes como tantas outras.
Sua gravidade, sua espontaneidade, sua longa meditação an-
tes de emitir suas afirmativas, seu ardente desejo de ver as-
sim a cura de tantos infelizes, impressionaram-me profun-
damente e levam-me a crer em suas declarações.
Todavia, se tiverdes de mencionar em publicações o que
vos comunico, muito desejaria que não citásseis este último
fato que, único em minha narrativa, ainda não pôde ser con-
trolado.”
Permito-me não manter a reserva solicitada por meu respeitá-
vel correspondente, porquanto jamais teria nem o tempo nem a
competência para ocupar-me com essa questão, e talvez um
médico ou um fisiologista, encontrando aqui essa indicação,
poderiam fazer com que dela resultasse algum proveito para a
Humanidade.98 Pois que a visão a distância e a adivinhação (está
provado) são possíveis, não desdenhemos nada, registremos as
coisas úteis sem negar coisa alguma.
Sem multiplicar indefinidamente esses exemplos, constate-
mos somente que seria muito fácil fazê-lo e que a vista indepen-
de dos olhos, em estado sonambúlico, é um fato assaz freqüente,
que nos cumpre admitir, mau grado às numerosas fraudes, mais
freqüentes ainda. A visão a distância, em sonho e em estado
sonambúlico, não pode mais ser negada.
A comunicação psíquica recíproca, por meio do sonho, pode
ser igualmente demonstrada por exemplos positivos. Sem remon-
tar até o caso assinalado por Santo Agostinho (Cidade de Deus,
liv. XVIII, cap. 18), recordemos, entre outros, os de que fala
Gratiolet (Anatomies, tomo II, pág. 515). Uma mulher levantou-
se certa noite, inteiramente desatinada, sonhando que envenenara
os filhos; no mesmo instante seu filho sonhava que tinha sido
envenenado por ela. Um moço sonha que sua mãe é mordida por
uma serpente e desperta no momento exato em que sua mãe tinha
o mesmo sonho, etc. As correntes psíquicas devem ser admitidas
como uma realidade.
IX
Os sonhos premonitórios
e a adivinhação do futuro

Quum est somnos evocatus


animus societate corporis, tum
meminit praeteritorum, praesen-
tia cernit, futura praevidet.
Cícero

Os sonhos mais curiosos e os mais difíceis de explicar são


talvez ainda os que nos mostram um fato, uma situação, um
estado de coisas que ainda está por suceder e que vem a realizar-
se efetivamente a alguma distância da predição, em futuro mais
ou menos próximo. Não se trata aqui somente de ver sem os
olhos, mas de ver antecipadamente o que ainda não existe.
O enunciado da questão, só por si, parece absurdo e contradi-
tório, inaceitável por conseguinte. Sua aceitação é prenhe de
conseqüências, pois implicaria o princípio da possibilidade de
determinar antecipadamente o futuro, pelo encadeamento das
causas e dos efeitos sucessivos, e de que o livre arbítrio muito se
aproxima de uma ilusão.
Antes de entrar na análise filosófica de um problema que es-
barra com as maiores dificuldades do conhecimento das coisas,
vejamos desde logo se há sonhos dignos de fé, que tenham
verdadeiramente revelado, de alguma forma, o futuro. Essa é
uma primeira constatação necessária e sem a qual seria supérfluo
embrenhar-se alguém em digressões imaginárias.
Pois bem, devo confessá-lo imediatamente, os sonhos que
mostram antecipadamente e com precisão um acontecimento
futuro são certos, devem ser aceitos como reais. Não se trata de
fábulas e aqui tampouco a coincidência fortuita ou o acaso
podem explicar a realização do sonho.
Acabamos de ver, no capítulo precedente, sonhos que mos-
tram o que se passa ao longe, no presente. Fatos análogos são
observados em certos casos de hipnotismo, de magnetismo, de
sonambulismo e de experiências espíritas. Essa parte constitui
uma espécie de prefácio, de preparação natural do que temos,
agora, de examinar.
Citarei, de início, dois sonhos, cuja autenticidade absoluta
posso afirmar, que teve minha mãe em duas circunstâncias bem
diferentes e que ela acaba de confirmar-me, talvez pela vigésima
vez.
O primeiro data de uma época na qual não tinha ela ainda es-
tado em Paris. Habitavam meus pais a vila de Montigny-le-Roi
(Alto Marne). Começava eu os estudos em Langres e haviam
eles decidido deixar a província pela capital, sobretudo movidos
pelo desejo de assegurarem aos filhos carreiras mais seguras e
mais elevadas.
Uns quinze dias antes de sua partida, minha mãe sonhou que
já estava em Paris, que atravessava grandes ruas e chegava
diante de um canal, sobre o qual se estendia uma ponte com
escadarias. Ora, algum tempo depois de sua chegada a Paris, foi
ela em visita a uma de suas parentas, residente na rua Fontaine-
au-Roi, no arrabalde do Templo, e ficou muito surpresa, chegan-
do ao canal, de reconhecer a ponte, o cais, o aspecto do bairro,
coisas de que não pudera ter conhecimento algum, quer por meio
de gravuras, quer de qualquer outro modo.
Tal sonho não se pode, de maneira alguma, explicar. É preci-
so admitir que o espírito possa ver, a distância, detalhes que se
acharão conformes com a imagem deixada no cérebro. Segura-
mente é isso difícil. Eu preferiria supor que pessoas vindas de
Paris tivessem contado a minha mãe a existência dessa espécie
de pontes, que ela houvesse esquecido essa descrição, rememo-
rando-a no sonho. Minha mãe afirma-me, porém, de um modo
absoluto, que ninguém jamais lhe falara quer do canal parisiense,
quer das pontes aéreas.
Eis aqui o seu segundo sonho:
Em um certo verão, fora uma das minhas irmãs, com seu ma-
rido e seus filhos, residir na pequena cidade de Nogent (Alto
Marne); meu pai os havia acompanhado, permanecendo minha
mãe em Paris. Todas as crianças estavam de perfeita saúde e não
havia a menor inquietação a respeito deles.
Minha mãe sonha que recebe de meu pai uma carta na qual lê
esta frase: “Sou o portador de uma triste notícia: o pequeno
Henrique acaba de morrer, quase sem ter estado doente, em
conseqüência de convulsões.” Acordando, diz minha mãe para
consigo mesma: “Não é mais do que um sonho; todo sonhar,
todo enganar.”
Oito dias depois, uma carta de meu pai trazia exatamente a
mesma frase. Desolada, minha irmã acabava de perder seu
recém-nascido, em conseqüência de convulsões.
No primeiro desses dois sonhos poder-se-ia, com extremo ri-
gor, invocar, como dizíamos, uma narrativa esquecida, latente no
cérebro. É excessivamente pouco provável, pois que minha mãe
está certa de não haver jamais ouvido falar daquelas pontes. Mas,
para o segundo, que explicação dar?
Meu saudoso amigo, o Dr. Macário, autor de apreciada obra
sobre O Sono, os Sonhos e o Sonambulismo, a respeito da qual
falei mais acima, refere o seguinte caso, ocorrido em sua família:
“A Sra. Macário partiu a 6 de julho de 1854 para Bourbon
l’Archambault, a fim de usar as águas do lugar para uma a-
fecção reumática. Um de seus primos, o Sr. O., que reside
em Moulins e que ordinariamente sonha com o que lhe deve
suceder de mais ou menos extraordinário, teve, na noite pre-
cedente à viagem de minha esposa, o seguinte sonho: viu a
Sra. Macário, acompanhada de sua filha, tomar o caminho
de ferro para dirigir-se às águas de Bourbon. Ao despertar
pediu a sua esposa que se preparasse para receber duas pri-
mas que ela ainda não conhecia.
– Chegam hoje mesmo a Moulins – acrescentou ele – e
partirão esta noite para Bourbon; não deixarão, espero-o, de
vir ver-nos.
Com efeito, minha mulher e minha filha não tardaram a
chegar a Moulins; mas, como o tempo estivesse horrível
(chovia a cântaros), dirigiram-se para casa de um amigo,
perto da gare da estrada de ferro, e não foram visitar (por
lhes faltar o tempo) o primo que mora em bairro muito afas-
tado da cidade. Este não perdeu a esperança.
– Ficará para amanhã – pensou.
Mas, ainda dessa vez, enganou-se em sua expectativa.
Persuadido, entretanto (já o fizemos notar: o Sr. O. tem
habitualmente sonhos verdadeiros), de que os avisos do seu
sonho eram exatos, foi ele ao escritório da diligência que faz
o serviço de Moulins a Bourbon, para informar-se se uma
senhora, acompanhada de sua filha, a respeito de quem deu
ele as características individuais, não havia partido na véspe-
ra para Bourbon. Foi-lhe respondido afirmativamente. Per-
guntou então se a referida senhora desembarcara em Mou-
lins e soube que todas as particularidades do seu sonho eram
perfeitamente exatas.
Antes de terminar, seja-me permitido fazer observar que o
Sr. O. não tinha conhecimento algum nem da doença, nem
da viagem da Sra. Macário, que não via desde muitos a-
nos.” 99
A propósito, acrescenta o doutor o seguinte fato:
“Na quinta-feira, 7 de novembro de 1850, no momento em
que os mineiros da mina de carvão de Belfast se dirigiam ao
trabalho, a esposa de um deles recomendou-lhe que exami-
nasse com cuidado a corda da cesta ou caixão que serve para
descer ao fundo do poço:
– Sonhei – disse ela – que a cortaram durante a noite.
O mineiro não ligou a princípio grande importância a esse
aviso; comunicou-o, entretanto, aos seus camaradas.
Desenrolaram o cabo de descida e, com grande surpresa
de todos, verificaram achar-se o mesmo cortado em diversos
lugares. Alguns minutos mais tarde, os trabalhadores iam
tomar essa espécie de elevador, com o qual seriam infali-
velmente precipitados no abismo; e, se o New Castle Jour-
nal merece crédito, não devem eles a sua preservação senão
ao citado sonho.”
Na época dos meus primeiros ensaios no jornalismo, em Pa-
ris, tinha eu como companheiro, no Siècle, um amável escritor,
de caráter afabilíssimo, que se chamava Émile de la Bedollière.
Seu casamento fora devido a um sonho premonitório.
Em pequena cidade do centro da França, La Charité-sur-
Loire, Departamento de la Nièvre, havia uma moça admirável de
graça e de beleza. Era, como a Fornarina, de Rafael, filha de um
padeiro. Diversos pretendentes aspiravam à sua mão, tendo um
deles grande fortuna. Os pais o preferiam. Mas a Srta. Ângela
Robin não o amava e o recusava.
Exasperada, um dia, pelas instâncias de sua família, dirigiu-se
ela à igreja e rogou à Santa Virgem que viesse em seu auxílio.
Na noite seguinte ela viu em sonho um homem em trajes de
viagem, trazendo um grande chapéu de palha e umas lunetas.
Despertando, declarou a seus pais que recusava em absoluto o
pretendente e que esperaria, o que os levou a formular mil con-
jecturas.
No verão seguinte o jovem Emílio de la Bédollière é convi-
dado por um de seus amigos, Eugène Lafaure, estudante de
Direito, a fazer uma viagem ao centro da França. Passam por La
Charité e vão a um baile de cota. À sua chegada, o coração da
moça bate precípite em seu peito, suas faces enrubescem-se, o
viajante observa-a, admira-a, ama-a e alguns meses depois eles
estavam casados. Era a primeira vez em sua vida que ele passava
por essa cidade.
Esta curiosa história de casamento não é única no gênero. Po-
deria citar várias outras análogas, e creio mesmo não ser indis-
creto acrescentando que um dos nossos mais célebres astrôno-
mos contemporâneos, o Sr. Janssen, foi antecipadamente visto
em sonho pela Sra. Janssen, muito tempo mesmo antes de sua
mútua apresentação.
Alfredo Maury cita um caso análogo, mas explicando-o pela
sua teoria das imagens da memória, que certamente não se aplica
ao casamento de la Bédollière e que sem dúvida menos ainda se
aplica a este:
“O Sr. P.,100 antigo bibliotecário do Corpo Legislativo, as-
segurou-me ter visto em sonho a mulher que em seguida
desposou e todavia lhe era a mesma desconhecida, ou pelo
menos acredita ele jamais tê-la visto realmente; há aí, se-
gundo toda a verossimilhança, um caso de lembrança in-
consciente.”
O mal dos construtores de teorias é quererem tudo explicar,
tudo encerrar em seus quadros. Segundo toda a verossimilhança,
à luz de nossas recentes investigações psíquicas, Alfredo Maury
engana-se em sua conclusão.
O Sr. A. Goupil, engenheiro civil em Cognac, nos comunicou
o seguinte fato:
“Em Tunis, entre o edifício dos correios e o Café de Fran-
ça, há um cabeleireiro francês, cujo nome esqueci. Certa
manhã do verão de 1891, jogava eu com ele uma partida de
bilhar. Terminada essa partida, propus-lhe uma segunda.
– Não – disse-me ele –, espero o médico e desejo saber o
que ele disse.
– Tendes alguém doente em casa?
– Não, mas tenho o meu sobrinho, com idade de... (11 a-
nos, creio), que teve ontem à noite uma alucinação, levan-
tou-se de repente, gritando: “Lá vem uma mulher que quer
pegar a minha priminha (a minha filhinha de alguns meses),
não quero que ela a carregue.” Isso durou certo tempo, não
nos sendo possível fazer-lhe crer que havia sonhado.
– Já tem ele tido dessas alucinações?
– Não.
– Está passando bem?
– Sim, mas receio que seja essa manifestação sintoma de
alguma febre.
– Vossa filhinha está passando bem?
– Sim, muito bem.
Fiz esta última pergunta porque acabava de me passar pela
cabeça que essa visão queria dizer que a pequena ia morrer
dentro de pouco tempo. Nada disse a respeito desse pensa-
mento ao meu interlocutor, que de mim se despediu. Pedi-
lhe notícias no dia seguinte. Todos de sua família iam bem.
Passados dois dias, fiz-lhe a mesma pergunta, obtendo a
mesma resposta; ao terceiro dia ainda a mesma pergunta e a
mesma resposta. Ele dava ares de quem se admirava do inte-
resse que eu parecia manifestar por essas crianças que não
conhecia. Três dias se passaram sem que eu visse nada de
novo. Tendo-o encontrado no dia seguinte na rua, perguntei-
lhe se as crianças iam sempre bem.
– Sabeis – disse-me ele – que perdemos nossa filhinha: fa-
leceu inesperadamente em curto lapso de tempo (creio que
me disse ter sido de crupe).
– Não – disse eu –, não o sabia, mas esperava-o.
– Como assim?
– Pois não, foi a mulher que a levou.
– Que mulher?
– Ora! aquela que vosso sobrinho viu; ela representava a
morte, a doença, ou o que quiserdes. Aquilo devia ter sido
uma alucinação profética.
Lá deixei o meu homem muito admirado: ele poderia con-
firmar esta narrativa, pelo menos em suas linhas principais,
porquanto se mostrou surpreendido pelas minhas reflexões e
deve recordar-se delas.”
Invocar-se-á ainda aqui o acaso? Não. Há nisso tudo alguma
coisa de desconhecido para nós, mas que é real.
Na primeira edição desta obra, nesta mesma página, publi-
quei, de segunda mão, indicando-lhe a origem, uma narrativa
muito comovente, devida à pena do Sr. Alexandre Bérard, antigo
magistrado, atualmente (1903) deputado de l’Ain e sub-
secretário de Estado dos Correios e Telégrafos, acompanhando-
a, todavia, de uma expressão de dúvida, causada precisamente
pelo enredo muitíssimo perfeito desse “conto dramático admira-
velmente redigido” e manifestando o desejo de ver o próprio
autor fazer a prova da autenticidade dessa curiosa narrativa.
Todo o valor do nosso trabalho reside na sinceridade docu-
mentária. Desse modo, lancei mão da primeira oportunidade que
se me ofereceu para trocar idéias a respeito com o seu erudito
autor. Confirmou o Sr. Bérard as minhas dúvidas, confessando-
me que, efetivamente, era isso uma simples “novela literária”.
Assim, julguei do meu dever suprimir semelhante ficção des-
te repositório essencialmente verídico. Será substituída por fatos
de observação, realidades correspondentes ao assunto deste
capítulo, aos sonhos premonitórios.
Eis aqui um caso que deve ser, parece-me, atribuído a um so-
nho esquecido. O Sr. Vallet, doutor em Direito, substituto em
Lião, escreveu-me na data de 15 de julho de 1900:
“Eu tinha quinze anos e era de temperamento muito ner-
voso, muito impressionável e mesmo um pouco doentio. Re-
solveram meus pais, a conselho de nosso médico, submeter-
me ao uso dos banhos de mar. Sendo meu tio, o general
Parmentier, nessa época, diretor do Serviço de Engenharia
no Havre, era muito natural que eu fosse para a casa dele. À
passagem, devia saltar em Paris – que eu ainda não conheci-
a. Foi-me recomendado que não deixasse de ir saber notícias
do coronel Levret, antigo examinador da Escola Politécnica,
amigo de minha família. Conservava eu do coronel uma im-
pressão de terror infantil; parecia-me ele, devido à sua rigi-
dez de atitudes, qualquer coisa de análogo a um cutelo de
guilhotina! Cumpria-me, porém, levar a efeito, por muito
pouco sedutora que me parecesse, a visita recomendada.
Chegando à frente da sua casa, dei-me conta de tudo, repen-
tinamente. Já tinha visto isso tudo: os quatro andares dispos-
tos em quadrado em derredor do espaço formado pelo pátio,
o bico de gás, que ardia ao centro, etc.; disse eu à pessoa que
me acompanhava (o irmão do general): “É lá no quarto an-
dar, à direita”. Tudo era claro para mim.”
Como explicar esse “já visto” sem admitir que, de fato, isso
tudo já fora visto pelo espírito do narrador? Como poderíamos
ser impressionados a tal ponto por essas coisas, sem uma causa
eficiente, sem uma visão anterior exata e real? Ter ouvido falar
da casa habitada pelo coronel bastaria para explicar essa impres-
são? A hipótese é pouco admissível.
Escolherei, por outro lado, entre os numerosos documentos
que perpetuamente recebo de todos os pontos do globo, o seguin-
te fato que me foi comunicado, a 25 de junho de 1901, de Mid-
dletown, Estado de Nova York, pelo Sr. J. O. Austin, juiz de paz:
“Contava eu a idade de 20 anos mais ou menos e regia
uma escola pública. Muito absorvido por meus deveres, pen-
sava neles à noite, em meus sonhos, tanto quanto de dia, du-
rante as minhas horas de trabalho. Sonhei, certa noite, que
me achava na sala da escola e acabava de concluir os exercí-
cios de abertura, quando ouvi batidas na porta. Abro-a e vejo
um senhor com duas crianças, uma menina de 11 anos e um
rapazinho de 8. O visitante entra e me explica que, em con-
seqüência da Guerra de Secessão, deixou sua casa de Nova
Orleans e transferiu a família para o distrito de minha escola.
Era seu desejo confiar os filhos aos meus cuidados, para que
eu os educasse e instruísse. Perguntou-me então que livros
eram necessários e dei-lhe uma relação que ele guardou. No
dia seguinte as crianças eram recebidas no número dos meus
alunos.
Ficou aí o sonho. Mas impressionou-me ele vivamente, e a
imagem desse pai e dessas duas crianças estava tão forte-
mente gravada em meu espírito, que tê-los-ia reconhecido
onde quer que os encontrasse na população de Paris ou de
Londres.
Qual não foi o meu espanto quando, ao dia seguinte deste
sonho, no instante em que terminava os exercícios de abertu-
ra da escola, ouvindo baterem à porta aquelas mesmas pan-
cadas ouvidas em sonho, fui atender e vi diante de mim a-
quele visitante e os seus dois filhos! Seguiu-se o restante:
houve entre nós a conversação do sonho.
Acrescentarei que esse gentleman era-me absolutamente
estranho. Nova Orleans está a 1.350 milhas, ou seja, mais de
2.000 quilômetros deste lugar, e nunca me afastei mais do
que 100 milhas, ou 160 quilômetros, de minha casa.”
O dever do pesquisador independente e sincero é, também
aqui, não iludir-se com palavras ou fogos fátuos, mas olhar de
frente a realidade. Pois bem, perguntarei a todos os professores
de Psicologia a razão pela qual, se jamais foi dada explicação
alguma desses fatos, continuam a repetir, há dois mil anos, as
mesmas frases ocas das Universidades, e por que se recusam a
compreender que a Psicologia deve ser uma ciência experimen-
tal?
Prossigamos. Eis aqui, certamente, uma previsão circunstan-
ciada e, com efeito, extraordinária:
“Na última quinzena do mês de Novembro de 1871 – sei
que era uma quarta-feira e creio que era o dia 22 desse mês –
estive com os meus amigos da família Davidson, de Nova
Orleans. Uma Sra. Thilton achava-se conosco. Fazia a narra-
tiva de certos sonhos que tivera, sonhos proféticos que quase
nunca deixavam de realizar-se. Essas visões da Sra. Thilton
eram conhecidas da assistência.
Impressionado com uma narrativa desta senhora, o nosso
hospedeiro exclamou:
– Senhora, proíbo-vos de ter sonhos que me digam respei-
to!
Tardiamente o recomendais, senhor! Ontem mesmo, à noi-
te, tive um sonho que vos toca de perto!
Pediram-lhe que o contasse.
– Sonhei que, dentro de seis semanas, a partir de hoje, sou
convidada para passar o dia convosco, aquiescendo ao vosso
obstinado convite.
– Eis um sonho que facilmente se satisfaz, senhora! Peço-
vos que venhais passar o dia comigo, na data indicada. Se-
nhorita – continuou ele, voltando-se para mim –, não deixa-
reis, por vossa parte, de comparecer. Em que dia será isso?
Consultando o calendário, anunciou um dos assistentes:
– Quarta-feira, 3 de janeiro de 1872.
– Bom! Somos todos testemunhas do sonho de madame!
Mas é muito simples!
– Esperai! não é tudo! Sonhei – insistiu a senhora – que,
em aqui chegando, encontrei a casa triste e vazia e que de-
balde vos procurei. Acabei por avistar um grande ataúde me-
tálico no meio do segundo salão. A tampa estava fechada; eu
nada via, mas sabia que estáveis lá dentro!
O nosso hospedeiro desatou a rir, bem como a assistência.
Gracejando, o Sr. Davidson disse à sua esposa:
– Nada de caixão metálico, ouvistes? Tenho-lhes horror!
Prometei-me que mandareis fazer um caixão de embutidos!
E rindo sempre, deu-lhe sua mulher a palavra de que, se
ainda estivesse neste mundo, satisfaria seus gostos. Todos se
mantinham totalmente incrédulos. A Sra. Thilton prosse-
guiu:
– Não encontrei senão uma pessoa no salão. Conservava-
se ela de pé, ao lado daquele corpo invisível. Coloquei-me
de um e de outro lado do esquife. Então verifiquei que havia
seis rosas de prata sobre cada um dos dois compridos bordos
da tampa.
Todos explodiram em riso, novamente. Perguntavam uns
aos outros quem algum dia ouvira falar de ornatos tão esqui-
sitos sobre um esquife. Mas a Sra. Thilton prosseguiu:
– Isso me impressionou muito, mesmo no sonho. Chamei
a atenção da pessoa que estava perto do caixão para essas
duas fileiras de rosas de prata.
Ao despedirem-se, emprazaram-se todos para a quarta-
feira, 3 de janeiro de 1872. Durante essas seis semanas, tal
sonho constituiu sempre um motivo para gracejos entre nós.
Em conclusão: A 2 de janeiro de 1872, o nosso hospedei-
ro, Sr. Davidson, foi vítima de um acidente inconcebível,
imprevisto. Foi horrivelmente esmagado por uma locomoti-
va.
No dia seguinte, bem cedo, foi seu corpo colocado em um
ataúde. A família fazia questão de que ninguém lhe visse o
rosto. Coube-me o desempenho dessa incumbência. Não o
deixei, mesmo depois de haver sido a tampa ajustada.
Achava-me a sós no meu posto. A Sra. Thilton, de nada
desconfiando, chegou para corresponder ao convite. Encon-
trou o caixão, ao lado do qual me achava, no segundo salão.
Veio e colocou-se a meu lado. Não trocamos nem palavras,
nem olhares. Mudas, conservávamo-nos de pé, olhando para
o caixão. Ela tomou-me o braço e com a outra mão mostrou-
me seis rosas de prata que ornavam os dois longos bordos da
tampa de um ataúde metálico. Mesmo então nada compre-
endi, senão quando ela me disse:
– Não vos lembrais? Vedes as seis rosas de prata de cada
lado, tais como eu as vi em meu sonho?
Quinze dias mais tarde, disse-me a viúva:
– Não vos lembrais daquele extraordinário sonho de nossa
amiga? Tudo aconteceu como nos anunciara ela. Salvo aque-
le caixão! Graças a Deus, mesmo em minha dor, lembrei-me
da minha palavra. Pelo menos ele teve seu ataúde de embu-
tidos! Mas, que tendes?
Não sabendo dissimular, respondi:
– Era o ataúde metálico.
– Jamais! Quem ousaria? Meu Deus! Não me digas que
havia, além disso, seis rosas de prata de cada lado!
– Ao pé da letra, cara amiga, nada faltou naquele sonho.
Tudo se passou conforme a Sra. Thilton o descrevera.
A minha pobre amiga caiu em uma crise de nervos. Man-
dei chamar a pessoa que se encarregara dos funerais. Nada
mais pôde responder senão que haviam embalde procurado o
ataúde de embutidos que ela encomendara. O único, das di-
mensões requeridas, era de metal. À vista da urgência, fora
necessário adquiri-lo.
– Mas não com seis rosas de prata de cada lado?
– Sim, senhora. Como vos disse, não havia senão esse!
Das treze testemunhas desse fato, há hoje quatro que estão
mortas. A família, sendo calvinista, ficaria muito chocada de
ver seu nome ligado a uma superstição. Ela, porém, é muito
justa e verdadeira para negar esses fatos tais como vo-los
descrevo.
Paris, 20 de dezembro de 1901.
Sarah Morgan Dawson
Rua Varenne, 36.”
A Sra. Dawson, que eu conhecia desde muitos anos, é incapaz
de modificar uma narrativa para acomodá-la a um plano qual-
quer; mas a memória de qualquer de nós pode ser infiel. A filha
do falecido, sendo ainda viva (reside em Nova Orleans), foi
solicitada a dizer-me, por obséquio, o que se recordava dessa
história.
Eis um extrato de sua resposta, de 24 de janeiro de 1902.
“Sim, recordo-me, pelo menos em parte, do sonho da Sra.
Thilton. Um dia, após o jantar, contou-nos ela que sonhara
estar meu pai morto e seu corpo encerrado em um ataúde
metálico. Replicou meu pai que certamente não era ele, pois
não tencionava fazer-se enterrar em um caixão metálico, que
não gostaria nada disso, etc. De fato, ele morreu logo depois
do dia do Ano Bom e seu corpo foi enterrado em um caixão
metálico. Ainda pertence a este mundo a Sra. Thilton e pode
confirmar-vos, por si mesma, sua predição.”
Foi o que igualmente se fez.
O Sr. Jean Fugaison, arquiteto, residente à Avenida de Wa-
gram, 62, em Paris, escrevia-me em data de 18 de julho de 1900:
“Meu caro mestre.
Seja-me permitido comunicar-vos um caso de premonição
análogo aos que tendes publicado em L’Inconnu e certamen-
te dos mais esquisitos:
Há três anos, minha mulher, sem propósito algum, disse-
me que desejaria ter um púlpito para pregar! Esta reflexão
não tinha sentido algum e não podia corresponder a um de-
sejo razoável de sua parte, porquanto um púlpito não podia
ficar, de modo algum, no meu apartamento parisiense, muito
pequeno para os diversos objetos que o atravancam. Além
disso, minha mulher detesta as inutilidades.
Ora, dois dias depois, recebia eu de um notário de Antibes
uma carta informando-me de que um de meus primos acaba-
va de morrer, deixando-me como lembrança uma obra-prima
de trabalho manual executada por seu pai, que era marcenei-
ro: um púlpito!
Dizeis com razão: há muito mais singularidades inexpli-
cáveis nos efeitos e extravagâncias do raio do que nas mani-
festações telepáticas. Vossa observação faz-me lembrar um
fato verificado há quarenta anos por uma pessoa muito digna
de confiança.
Caíra um raio nas cercanias do castelo de la Houille, perto
de Pierrefont (Cantal), na casa do Sr. Costerousse, proprietá-
rio. Penetrara em um compartimento onde se achava uma
baixela. Uma pilha de pratos apresentou esta particularidade
ultra-extravagante: a metade dos pratos estavam perfurados
no centro por um buraco circular da dimensão de uma moe-
da de um franco; mas essas perfurações se alternavam do se-
guinte modo: o primeiro prato estava furado, o segundo não,
o terceiro sim, o quarto não, etc., seguindo sempre esta or-
dem muito regularmente.”
Outro exemplo:
O coronel Cotton, de Nanterre, dirigia-me, a 26 de outubro de
1900, uma narração, da qual destaco o que se segue:
“Um sonho que tive, na idade de catorze anos, impressio-
nou-me tão fortemente que ainda se conserva tão nítido em
minha memória como há trinta anos passados.
Eu era nessa época soldado de uma Companhia de Infanta-
ria da guarnição da Escola Militar. Um primo meu deveria
vir buscar-me em um sábado, para levar-me ao teatro; nesse
dia, embalde esperei a chegada de meu parente e me deitei
com o coração cheio de despeito. À noite vi em sonho um
enterro e, acompanhando-o, meu primo. Fiz a seguinte refle-
xão: “compreendo agora por que não me vieste buscar”, e
foi tudo o que se passou.
Oito dias depois, meu parente veio buscar-me e me disse
que a pessoa que lhe deveria oferecer as entradas para o tea-
tro morrera subitamente.
– Sim, eu o sei – disse-lhe eu – e fostes ao seu enterro.
Contei-lhe então o meu sonho, que muito o surpreendeu.”
A Sra. A. Vaillant endereçou-me de Foncquevillers (Pas-de-
Calais) o curioso relato de um sonho premonitório e de três casos
de telepatia muito notáveis que, por uma inadvertência devida
certamente à quantidade considerável de cartas recebidas, não
foram acima registradas. Sem voltar a esse assunto, direi que o
primeiro diz respeito à visão precisa de uma morte, ocorrida em
1794, às margens do Reno, em Arras; o segundo, à aparição e à
audição, constatadas em Bapaume, por duas testemunhas, sepa-
radamente, de um marido e de um pai mortos nesse mesmo dia
na Áustria (1796); o terceiro, a uma jovem, residente em um
castelo da Escócia, que, ao descer, correndo, uma escada, vê ao
pé desta, banhado em sangue, um tio assassinado nesse mesmo
instante em Londres (1796). Eis o sonho premonitório:
(Carta 103)
“Há alguns anos, em uma cidade do norte, foi nomeado
um novo vigário para certa paróquia. Uma pessoa conhecida
da Sra. Vaillant sonhou, alguns dias antes, que esse vigário
era um Sr. G., que o mesmo pregava no domingo seguinte
sobre determinado assunto, que sua irmã estava sentada di-
ante dele, sendo que todas as particularidades do seu sonho
foram realizadas.”
Eis aqui um outro sonho premonitório, contado por respeitá-
vel eclesiástico:
“Achava-me em um internato em Niort, quando tinha
quinze ou dezesseis anos, e certa noite tive um sonho extra-
ordinário. Parecia-me estar em Saint Maixent (cidade que eu
apenas conhecia de nome), com o diretor do meu colégio,
em uma pequena praça, perto de um poço defronte do qual
havia uma farmácia, e ver aproximar-se de nós uma senhora
da localidade, que reconheci por tê-la visto uma única vez
em Niort, na casa em que me achava. Abordando-nos, essa
senhora nos falou de coisas tão extraordinárias que, pela
manhã, dei parte do que ouvira ao patrão (assim tratávamos
o diretor do estabelecimento). Este, muito admirado, fez-me
repetir a citada conversação.
Alguns dias depois, tendo o que fazer em Saint Maixent,
levou-me ele em sua companhia. Apenas chegados, encon-
tramo-nos na praça que eu tinha visto em sonho, em dois
pontos determinados, e vimos dirigir-se-nos, noutro ponto da
mesma praça, a senhora em questão, que teve com o patrão a
tal conversa que eu lhe havia contado, absolutamente a
mesma, palavra por palavra.
Groussard
Cura de Saint-Radegonde (Charente Inferior).”
Não se vê tampouco como o acaso poderia explicar esta pre-
monição tão precisa.
Os psicólogos devem ao Sr. Flournoy, eminente professor da
Universidade de Genebra, o conhecimento do seguinte sonho
premonitório, ocorrido com uma senhora de Genebra, conhecida
do aludido sábio.
“Em agosto de 1883, a Sra. Buscarlet regressou a Gene-
bra, por motivo de saúde, após uma permanência de três a-
nos, como professora de duas jovens, na família Moratief,
em Kasan. Ela conhecera, nessa localidade, uma Sra. Nitchi-
nof, que era amiga íntima da Sra. Moratief e que dirigia o
Instituto Imperial das moças de Kasan.
A 10 de dezembro de 1883 sonhou que passeava em uma
estrada não muito larga, na Rússia, com a Sra. Moratief; viu
chegar um carro, espécie de break baixo, fechado por meio
de cortinas de couro preto, dizendo-lhe aquela senhora:
– Ide ver o que se acha lá dentro.
Ela foi, levantou as cortinas e viu uma mulher estendida
em todo o seu comprimento, transversalmente à viatura, toda
vestida de branco, salvo os sapatos, que eram pretos, e as
meias, cinzentas, trazendo à cabeça um chapéu branco,
guarnecido de fitas amarelas. Não reconheceu essa mulher.
Ouviu no mesmo instante uma voz forte dizer:
– A Sra. Nitchinof deixará o Instituto a 17.
No mesmo instante deixou cair as cortinas do carro e o
sonho terminou. Era-lhe aquela voz desconhecida; não pôde
dizer se era uma voz de homem ou de mulher, nem de onde
vinha; entretanto não o era da mulher estendida no carro.
Ainda que a viatura nada tivesse de carro fúnebre, a Sra.
Buscarlet recorda-se de haver assistido em Kasan ao enterro
de uma senhora que se achava vestida, em seu ataúde, exa-
tamente como a mulher vista em seu sonho.
A Sra. Buscarlet não deu interpretação alguma ao seu so-
nho; entretanto ficou profundamente impressionada com ele.
Escrevendo aos Moratief, por ocasião do fim do ano, con-
tou-lhes o sonho, sem atribuir-lhes nenhum alcance molesto,
nem dar-lhe sentido literal maior do que o de um simples a-
fastamento da Sra. Nitchinof, a 17, do Instituto.”
Sabendo quanto se deve desconfiar das lembranças um tanto
longínquas, depois de haver fielmente anotado o relato da Sra.
Buscarlet, o Sr. Flournoy encarregou-a de pedir a seus amigos,
da Rússia, restituição da carta em que lhes contara seu sonho, se
é que a tinham conservado. Felizmente era esse o caso e ele pôde
examinar à vontade essa preciosa missiva, que traz sobre o
envelope os carimbos do Correio de Genebra com as datas 24,
XII, 83 (ou seja, 12 de dezembro em estilo antigo) e de várias
agências russas, dos quais o último é o de Kasan 20, XII, 83.
Após algumas linhas consagradas aos bons votos de Natal e
de Ano Bom, escrevia a Sra. Buscarlet:
“Tive esta noite um sonho engraçado, que vos quero con-
tar, não que lhe dê maior importância, mas unicamente por
ser engraçado. Vós e eu estávamos em uma estrada, no cam-
po, quando diante de nós passou um carro do qual partiu
uma voz que vos chamou. Chegadas perto do carro, vimos a
Srta. Olga Popoï deitada transversalmente, vestida de branco
com um chapéu guarnecido de fitas amarelas. Ela vos disse:
– Chamei-vos para dizer que a Sra. Nitchinof deixa o Ins-
tituto a 17.
Depois o carro continuou a rolar. Como os sonhos são por
vezes burlescos!”
Duas semanas mais tarde, a Sra. Buscarlet recebia do Sr. Mo-
ratief uma carta, da qual eis o começo:
“Acabamos de receber vossas cartas, muito querida senho-
ra, e foi no leito que minha esposa as leu...
Não, prezada senhora, não é engraçado, não é burlesco, ai
de mim! é estranho, é impressionante, estupendo o vosso so-
nho de 10-22 de dezembro.
A Sra. Nitchinof, a querida, a pobre Sra. Nitchinof, dei-
xou, com efeito, o Instituto, a 17, mas para jamais voltar a
ele. A febre escarlatina, acompanhada de difteria, no-la arre-
batou em três dias. Faleceu no dia 16, às 11:45 da noite, e às
2 da madrugada de 17 (não é isso extraordinário?) levaram
seu corpo para a capela contígua. Receou-se no Instituto o
contágio, eis a razão pela qual se deram pressa em retirá-la
dali.”
Se examinarmos hoje a diferença entre a realidade, tal qual
ressalta da carta contemporânea do sonho, e a narrativa verbal da
Sra. Buscarlet, dezoito anos mais tarde, constataremos, de um
lado, notável exatidão de suas recordações, quanto ao conteúdo
essencial da predição onírica, e de outro lado uma alteração das
circunstâncias conexas, especialmente o completo esquecimento
em que ficou a Srta. Olga Popoï. Era esta uma conhecida qual-
quer de Kansan, e a Sra. Buscarlet, que ficou estupefata de tornar
a encontrá-la em sua carta de outrora, não pode explicar o que
fora ela fazer naquele sonho.
Como quer que seja, trata-se aí de um acontecimento passado
na Rússia e visto, em sonho, na Suíça, com oito dias de antece-
dência.
O meu inquérito forneceu-me grande número de sonhos pre-
monitórios. Classifiquei-os especialmente, e pedirei ainda per-
missão aos meus leitores para citar aqui os principais sonhos
classificados e acrescentá-los aos onze exemplos precedentes, a
fim de lhes facultar o exame de todos os elementos de convicção.
(Carta 19)
XII – “Faço eu mesmo a minha apresentação: Pierre Jules
Berthelay, nascido em Yssoire, Puy-de-Dôme, a 23 de outu-
bro de 1825, antigo aluno do Liceu de Clermont, padre da
diocese de Clermont em 1850, antigo vigário durante oito
anos em Saint Eutrope (Clermont), três vezes inscrito no
Ministério da Guerra como esmoler militar.
A. – Após treze anos de penoso ministério, achava-me
bastante fatigado, tanto mais que tivera de servir de contra-
mestre vigilante, em nome da fábrica, para a construção da
graciosa igreja de Saint Eutrope, em Clermont; durante qua-
tro anos acompanhei os operários, desde a profundidade de
10,50m, mergulhado na água das fundações, até à cruz da
torre. Fui eu quem colocou as três últimas ardósias.
Nosso professor, o Sr. Vicent, para fazer-me mudar de
trabalhos, mandou-me a Lião, onde eu jamais fora. Num dos
primeiros dias, ao sair do almoço, disse-me o meu discípulo:
– Senhor abade, quereis acompanhar-me à nossa proprie-
dade de Saint Just Doizieux?
Aceitei; eis-nos a caminho, de carro. Depois de haver pas-
sado Saint-Paul-en-Jarret, profiro uma exclamação: “Mas eu
conheço a região!”, digo e, de fato, poderia andar por aí sem
guia. Um ano antes, no mínimo, eu vira, durante o sono, to-
das aquelas pequenas terrasses de pedras amarelas.
B. – Regressei à minha diocese, mas enviaram-me a de-
sempenhar nas montanhas do oeste uma missão muito peno-
sa, acima de minhas forças. Fiquei durante sete meses muito
doente em Clermont. Logo que pude manter-me sobre as
pernas, mandaram-me substituir o esmoler do hospital de
Ambert, acometido de uma congestão cerebral. Ainda não
estava construído o caminho de ferro de Ambert e encetei
viagem na viatura que fazia o serviço de Clermont a Ambert.
Depois de haver passado Billom, lanço os olhos à direita e
reconheço o pequeno castelo com sua avenida de olmozi-
nhos, como se eu tivesse aí habitado. Vira-o durante o sono,
dezoito meses antes, pelo menos.
C. – Estamos no ano terrível. Minha mãe, que tinha visto
os aliados formados em parada nos Campos Elíseos, em Pa-
ris, é viúva, reclama-me como seu único sustentáculo; dão-
me uma pequena paróquia próxima de Yssoire. A primeira
vez que fui ver um enfermo, achei-me em ruazinhas estrei-
tas, entre altas muralhas negras, mas encontrei facilmente a
saída. Durante o sono, vários meses antes, eu havia percor-
rido aquele dédalo de vielas sombrias.
D. – Acontecimentos independentes de minha vontade le-
varam-me a Riom, onde me preparo para a grande viagem.
Qual não é a minha surpresa em reconhecer, como coisa de
meu antigo conhecimento, a capela que o meu colega, o a-
bade Faure, construíra para os soldados, capela que eu ja-
mais vira com os meus olhos e cuja própria existência eu ig-
norava! Poderia ter feito o croquis 101 que vos remeto, como
se houvesse servido de contra-mestre.
Berthelay
Riom (Puy-de-Dôme).”
(Carta 29)
XVI – “Nos primeiros dias de setembro de 1870, nos ba-
nhos de mar em Weymouth (Inglaterra), pelas 2 horas da
manhã, de quinta para sexta-feira, acordei no mesmo instan-
te em que uma voz misteriosa pronunciou estas palavras
muito distintamente: “Saltai para fora da vossa cama, orai
pelos que se acham no mar.” Quase ao mesmo tempo o Cap-
tain, grande navio inglês, naufragava na baía de Biscaia.
Trezentos afogados. O resto da esquadra chegou a Portland
Roads, próximo do lugar onde estávamos.
Tendo sido o público admitido a visitar esses navios,
companheiros do que naufragara, aproveitamos, eu e um ir-
mão meu, essa oportunidade. Sete anos depois, a 9 de se-
tembro de 1877, esse mesmo irmão pereceu no naufrágio do
Avalanche, no citado ancoradouro de Portland Roads.
Mary C. Deutschemdaff
Esposa do pastor protestante
de Charleville, Ardennes.”
(Carta 26)
XVII – “O seguinte fato me foi relatado por um dos meus
velhos confrades, hoje com a idade de 91 anos, espírito mui-
to positivo e de forma alguma inclinado ao misticismo.
Uma noite, no correr de 1835, trabalhava ele em seu quar-
to, em Estrasburgo. Subitamente lhe ocorreu a visão muito
nítida de Morey, sua aldeia natal. A rua, onde estava locali-
zada a casa paterna, apresentava uma animação insólita a es-
sa hora e ele reconheceu diversas pessoas entre as quais uma
de suas parentes conduzindo uma lanterna.
“Alguns dias depois – dizia-me ele – recebi a notícia da
morte de minha mãe, ocorrida naquela mesma noite, e na
presença das mesmas pessoas que eu tinha visto. Além dis-
so, era precisamente a mãe de minha mãe que trazia a lan-
terna.”
Semelhantes fatos, sem dúvida, são inexplicáveis atual-
mente, mas isso não é uma razão para negá-los desdenhosa-
mente. Esperemos e pesquisemos: o futuro nos reserva mui-
tas surpresas e desvendará muitos mistérios.
Que é o pensamento? Ignoramo-lo em absoluto, mas po-
demos supor que ele corresponde a determinado número de
vibrações: digamos, se o quiserdes, um milhão de quinti-
lhões por segundo. O cérebro, aparelho que emite essas vi-
brações, é ao mesmo tempo transmissor e receptor. É possí-
vel que sob a influência de uma excitação intensa, essas vi-
brações sejam capazes de impressionar a enormes distâncias
outras células nervosas. E se os fenômenos de telepatia são
sobretudo produzidos por moribundos, sabe-se que, freqüen-
temente, à aproximação do último instante, o cérebro possui
uma superatividade extraordinária. Por outro lado, os que se
deixam impressionar são também geralmente seres sensí-
veis, nervosos, impressionáveis, em uma palavra. Enfim, a
afeição, o ódio, a inquietude podem contribuir para pôr em
estado de isocronismo cerebral duas pessoas possuídas de
tais sentimentos.
Sem cair no domínio do sobrenatural, ou do impossível,
dia virá, talvez, mas ainda tão longe, em que o homem verá
no telefone e no telégrafo meios primitivos e bárbaros de
correspondência a distância; à vontade enviará seu pensa-
mento através do espaço. Será isso, então, verdadeiramente,
a subversão do velho mundo.
Dr. Déve
Fouvent-le-Haut (alto Saôna).”
(Carta 53)
XVIII – “No mês de setembro do ano passado, tive, du-
rante uma noite, a visão muito distinta de um enterro de cri-
ança saindo de certa casa cujos moradores eu conhecia, ig-
norando apenas em meu sonho qual das crianças morrera.
Esse sonho me veio à memória durante o dia todo e procu-
rei em vão afastá-lo de meu espírito. À noite, uma das crian-
ças dessa casa, da idade de 4 anos, caiu acidentalmente em
um fosso e aí se afogou.
Emile Boismard
Seiches (Maine-et-Loire).”
(Carta 127)
XIX – “Meu irmão mais velho, Emílio Zipélius, artista
pintor, morreu a 16 de setembro de 1865, na idade de 25 a-
nos, quando se banhava no Mosela. Residia ele em Paris,
mas achava-se naquele momento em visita a parentes seus
em Pompey, perto de Nancy. Duas vezes minha mãe sonha-
ra, em intervalos assaz distanciados, que seu filho se afoga-
va.
Quando a pessoa incumbida de transmitir a terrível notícia
aos meus pais se apresentou a casa deles, minha mãe, adivi-
nhando que sucedera uma desgraça, procurou logo informar-
se a respeito de uma de suas filhas ausentes, de quem não ti-
vera notícias desde alguns dias. Quando lhe responderam
que não se tratava dela, exclamou:
– Não continueis; sei o que aconteceu: meu filho afogou-
se.
Havíamos recebido uma carta dele durante o dia, de sorte
que nada fazia prever essa catástrofe.
Meu próprio irmão tinha dito à sua empregada pouco tem-
po antes:
– Se uma noite qualquer eu não regressar à casa, ide à
Morgue no dia seguinte, porque tenho o pressentimento que
morrerei n’água. Sonhei que estava no fundo d’água, morto
e com os olhos abertos.
Foi, com efeito, assim que o encontraram: morrera,
n’água, da ruptura de um aneurisma. Minha mãe e meu ir-
mão estavam tão persuadidos de que isso aconteceria, que no
dia de sua morte recusara-se ela a banhar-se no Mosela. Mas
à noite deixou-se seduzir pela frescura da água e foi arreba-
tado, desse modo, à nossa afeição.
J. Vogelsang – Zipélius (Mulhouse).”
(Carta 151)
XX – “Há vários anos levei eu a sonhar, pelo menos uma
vez por semana, durante seis meses, que me via obrigada a
deixar sozinhos os meus filhos para ir trabalhar em um escri-
tório; andava a correr, temerosa de estar atrasada; e a fadiga,
a inquietação, fazendo-me despertar, constatava com prazer
que nada justificava esse estúpido sonho e que, ao lado de
meu marido, desfrutava uma posição modesta, mas suficien-
te.
Ai de mim! no correr do ano este sonho realizava-se.
Claire.”
(Carta 194)
XXI – “A 25 de novembro de 1860, achando-nos no mar,
pelas 4 horas da tarde, em um barco, voltávamos à terra e
não estávamos a mais de 20 metros da praia, quando um de
meus amigos me confessou que havia sonhado, na noite pre-
cedente, que ele morreria afogado nesse dia.
Tranqüilizei-o dizendo-lhe que dentro de dez minutos es-
taríamos em terra.
Instantes depois o nosso barco soçobrou e dois dos meus
amigos, um dos quais a quem me referi, afogaram-se, mau
grado os cuidados que lhes prodigalizamos. O irmão desse
meu amigo ainda é advogado no Havre, onde se verificou a
citada catástrofe. (Pode-se, a respeito, consultar os jornais
do Havre de 26 de novembro de 1860.)
E. B.
Rua de Phalsbourg, 78, Havre.”
(Carta 222)
XXII – “A. – No mês de agosto último, numa ocasião em
que eu estava ocupado com estudos sobre a greda, supus en-
contrar, em sonho, um calhau na greda de Brocles, perto de
Bernot. Resolvera eu consagrar o dia seguinte a uma visita a
essa greda; fiquei muito surpreso de encontrar, nessa minha
exploração, um seixo e exatamente nas condições de meu
sonho; os seixos de greda são raros.102
B. – Há alguns anos, igualmente em sonho, deparou-se-me
um achado de objetos galo-romanos, em determinado lugar
da aldeia de Sissy. Esse lugar acabava de ser escolhido para
a instalação de um novo cemitério. Em uma das primeiras
covas abertas os coveiros encontraram um vaso de barro que
me foi enviado: era um vaso galo-romano e verificou-se que
o novo cemitério achava-se situado sobre antigos túmulos
galo-romanos.
Alphonse Rabelle
Farmacêutico em Ribemont (Aisne).”
(Carta 248)
XXIV – “Já fui, por duas vezes, avisado, em sonhos, da
morte de pessoas que eu conhecia apenas de vista e de cujo
falecimento, ocorrido na véspera ou na noite do sonho, tive
conhecimento no dia seguinte em circunstâncias e com pala-
vras quase idênticas às do sonho. Em ambos os casos eu ig-
norava em absoluto que essas pessoas estivessem doentes,
pessoas que, aliás, eram-me indiferentes.
M. Lorilliard
Przemysl (Polônia).”
(Carta 251)
XXV – “Tinha eu dezoito anos, quando morreu meu pobre
pai, em conseqüência de um ataque. Quinze dias antes da
sua morte eu o tinha visto em sonho, em seu quarto, estendi-
do em seu leito de morte, corretamente vestido, rodeado de
cinco pessoas, todas íntimas da família, que o velavam. Fo-
ram essas mesmas cinco pessoas que velaram o corpo duran-
te a noite que se seguiu ao falecimento.
Essa constatação, muito extraordinária, deixou-me durante
longo tempo sob profunda emoção.
P. B. (Marselha).”
(Carta 253)
XXVI – “Três dias (exatamente o tempo necessário para
uma carta vir de Petersburgo até aqui) antes de saber da
morte da irmã do pintor Vereschagnine, vi em sonho seu
marido, ao qual perguntei, admirado de vê-lo só:
– Onde está Maria Vasilievna?
Respondeu-me ele distintamente:
– She rest – o que quer dizer: “ela repousa”.
J. Mothe
Seale Horn Ainbleside. Westmorland.”
(Carta 261)
XXVII – “Quando minha mulher, ainda solteira, tratava
de sua mãe, pouco repousava tanto de noite como de dia.
Certa noite, a última, durante um breve sono bem pouco re-
parador, ela viu sua mãe em sonho. Esta última lhe disse:
– Perder-me-ás às onze horas.
E a predição cumpriu-se exatamente; o doloroso aconte-
cimento verificou-se à hora predita.
Minha mulher não falou a respeito desse sonho senão após
os primeiros dias de luto, não havendo, portanto, outra prova
além de sua palavra, na qual acredito cegamente. Se julgar-
des útil publicar este caso, prefiro, dada a minha qualidade,
que meu nome fique oculto.
X.
1º tenente de Marinha, em Rocheford.”
(Carta 268)
XXVIII – “A. – Em 1858 (já não sou criança), estava eu
em Terrasson (Dordogne), empregado na construção da es-
trada de ferro de Perigueux a Brive. Um outro empregado no
mesmo trabalho, natural dos Altos Alpes, disse-me, certa
manhã, muito preocupado, que na noite precedente vira um
fantasma no qual acreditava reconhecer seu pai. Dois dias
depois recebia ele um sobrescrito tarjado de luto: era uma
carta participando-lhe o falecimento de seu pai, ocorrido na
própria noite da aparição.
B. – Em 1885, estava eu em Perigueux com a minha famí-
lia. Minha mulher viu em sonho, na noite de 15 para 16 de
janeiro, um leito cercado de cortinado e, perto, uma mesa
sobre a qual se achavam um círio aceso e um crucifixo; ela
me contou esse sonho que a alarmava. Ora, recebemos uma
carta de Rodez, onde se encontrava meu sogro, comunican-
do-nos que ele fora acometido de pleurisia, em conseqüência
da qual sucumbira pouco depois.
Lumique
Rua Traversière-des-Poitiers, 7, Toulouse.”
(Carta 270)
XXX – “Achando-me acordada, tenho freqüentemente
sentido perto de mim a presença de um ente desaparecido e
vivamente relembrado com saudade. Além disso, dois dias
antes da morte dessa mesma pessoa, sonhei que me chegava
uma carta impressa participando o seu falecimento, e foi por
essa forma que a triste notícia veio ao meu conhecimento.
Viúva Poullain Bouhou (Seignelay).”
(Carta 345)
XXXI – “Tenho feito a triste experiência de que todas as
vezes que vejo em sonho uma das minhas amigas, falecida
há cinco anos, perco um membro de minha família.
O que sobretudo me impressionou, porém, há cerca de
mês e meio, foi que essa mesma pessoa veio, em sonho, pas-
sear comigo, do lado de Lagoubran. Chegados ao bulevar de
Estrasburgo, à entrada de Toulon, ela deixou-me e voltou
para Lagoubran, em companhia de operários que eu não co-
nhecia. Todos tinham o ar de pessoas infelizes.
Durante vários dias perguntei a mim mesmo com pavor, a
quem ainda ia perder, quando ocorreu a catástrofe de La-
goubran, que todo mundo conhece. Ela viera, pois, anunciar-
me a desgraça que devia ferir a cidade inteira.
Uma de minhas amigas sonhou, na noite de 3 para 4 de
março, com as cenas que se produziram na noite de 4 para 5,
e no domingo, quando ela viu desfilar pela frente de sua casa
os carros de artilharia transportando os mortos e os feridos,
acompanhados de soldados e de padres, parecia-lhe ver uma
segunda edição de seu sonho.
M. J. D. (Toulon).”
(Carta 351)
XXXII – “Acontece-me freqüentemente achar-me em
uma situação qualquer, tão banal quanto possível, de que eu
tivera a exata sensação em indeterminado tempo antes.
H. Charpentier (Francfort-sur-Mein).”
(Carta 371)
XXXIII – “Era em 1889, num certo dia do mês de abril.
Uma jovem chamada Jeanne Dubo, empregada no serviço de
minha casa como criada, sucumbia repentinamente, em mi-
nha presença, sem que eu pudesse prestar-lhe o menor socor-
ro. Tratava-se de um caso de morte súbita, causada pela rup-
tura de um aneurisma.
Os pais dessa moça, pobres rendeiros que moravam e mo-
ram ainda no Departamento de Landes, tendo recebido a do-
lorosa notícia, chegavam em prantos a casa, no dia seguinte
ao dessa triste ocorrência.
Essa primeira entrevista foi tão penosa para mim como pa-
ra eles, pois sentia-me profundamente abalado com a morte
dessa moça, a quem tanto me afeiçoara pela franqueza e pela
doçura de seu caráter, como também por causa do zelo que
demonstrava nos cuidados da minha casa.
Chegada a noite, estando eu a velar a morta, em compa-
nhia de seu pai e de sua mãe, dirigi-me ao velho Dubo, fa-
zendo-lhe, em patuá, a seguinte pergunta:
– Diga-me, Dubo, não teve algum pressentimento à propó-
sito da morte de Joana?
– Como é isso? – respondeu-me ele –, não compreendo.
– Sim – continuei – um sinal qualquer... que sei eu... qual-
quer coisa que lhe tenha podido advertir de que o ameaçava
uma desgraça?
– Não – respondeu-me ele sacudindo a cabeça, nada!...
– Um sonho?... por exemplo – insisti.
– Um sonho!... Ah! esperai – disse ele, como uma pessoa
que procura recordar-se –. Sim, um sonho! – murmurou de-
pois, voltando a cabeça para o lado de sua mulher, que se
achava deitada, vestida, num colchão: – Ouves Marcelina?
Teu sonho, hein!”
Soluços abafados responderam a essa interrogação. Con-
tou-me, então, que uma noite – fora isso há uma dezena de
dias –, sua mulher sonhara que a filha estava morta; que,
durante o sonho, ela gemera e chorara lágrimas ardentes e
que, mau grado os esforços que fizera para consolá-la, sua
mulher conservou até o amanhecer a idéia de que sua filha
estava morta. Seguiu-se uma forte enxaqueca, que durou vá-
rios dias.
Este sonho, que de alguma sorte eu adivinhara, e que a es-
posa de Dubo tomara por uma realidade, devia assim tornar-
se, com efeito, dez ou doze dias mais tarde.
Justin Mano
Tesoureiro-cobrador, em Belin (Gironde).”
(Carta 406)
XXXIV – “Em 1865, achava-me na Inglaterra, como pro-
fessora em um internato; contava 18 anos. O clima não me
convinha, sentia-me doente e os meus pensamentos volviam-
se constantemente para a França.
Fora à Inglaterra com o intuito de aí permanecer por dois
anos, o tempo necessário para aprender o inglês; aí estava
desde o mês de janeiro, quando, exatamente no fim de julho,
sonhei que me era preciso estudar rapidamente, porque não
devia permanecer muito mais tempo nesse país, mas sem
conhecer o motivo que me obrigaria a partir.
Tal sonho me preocupou e afastei-o de meu pensamento,
dizendo que todo o sonho é enganoso.
A 13 de agosto seguinte, morreu minha mãe e eu precisei,
com efeito, voltar à França.
Léonie Serres, nascida Fabre Deaux,
Cantão de Vézénabres (Gard).”
(Carta 486)
XXXV – “Em sonhos vi e percorri detalhadamente um pa-
ís que me era desconhecido. Mais tarde pude controlar es-
sa... visão e verificar que era exata e precisa. Se o desejar-
des, entrarei em detalhes.
Abdou Grau
Ain Beida (Constantine).”
(Carta 496)
XXXVI – “Há justamente dois anos, ocupando eu um lu-
gar na América, estávamos em vilegiatura no Maryland,
quando uma noite vi em sonho uma grande porta monumen-
tal que fechava a entrada de vasta floresta e, a dois passos
dessa porta, a casinhola de um guarda de mata. Contei meu
sonho na manhã seguinte à Srta. S., de quem eu era profes-
sora, dizendo-lhe que, sem dúvida, voltaria breve à Europa.
Mas qual não foi a minha surpresa quando, no ano passa-
do, estando, na verdade, de retorno e tendo sido nomeada
para Cracóvia, partimos para o campo, no mês de junho. Al-
guns dias depois de nossa chegada, uma jovem aluna minha,
de 14 anos, disse-me:
– Vinde, senhora, quero mostrar-vos a bela floresta de T.,
pertencente ao conde P.
Para lá nos dirigimos e, à entrada da floresta, reconheci
aquela porta que tanto me impressionou por ocasião do so-
nho, exatamente um ano antes.
– Maria – disse eu à minha aluna – vi esta porta há um a-
no, muito longe daqui, em sonho – no que achou ela muita
graça.
Rogo-vos não publicardes o meu nome.
L. R. (Morávia, Áustria).”
(Carta 499)
XXXVII – “Suponho que seja útil assinalar-vos dois fatos
bem característicos, relativos ao pressentimento que tiveram
em sonho duas pessoas do meu inteiro conhecimento.
A. – A primeira pessoa sonha que seu pai faleceu. Um mês
depois seu pai morre nas mesmas circunstâncias que acom-
panharam o sonho.
B. – A segunda sonha (uma senhora) que seu filhinho aca-
ba de morrer, na véspera do dia em que realmente ele falece
e sempre nas mesmas circunstâncias do sonho.
G. Vian
Antigo secretário da Sociedade
Científica Flammarion, de Marselha.”
(Carta 509)
XXXIX – “Tive, em fevereiro ou março de um dos últi-
mos anos, a visão, em sonho, de uma amiga íntima, trajando
luto fechado de um de seus parentes. Assisti nessa noite a
todas as peripécias que se podem experimentar em uma via-
gem de retorno, em meio da noite, vendo-a no meu sonho,
com seu filho, vagando, em meio de uma gare, no escuro da
noite, à procura de veículos ou meios de transporte, para
chegar a casa antes da cerimônia fúnebre.
Cinco meses depois, constatei a completa realização de
meu sonho. Essa pessoa, a quem dedico a mais elevada afei-
ção, experimentou, nas circunstâncias relatadas, todos os de-
sassossegos, tormentos e agonias de que eu a vi assoberbada
com seu filho. O membro de sua família, que ela perdera, es-
tava, aliás, muito doente, mas estava-se longe, contudo, de
imaginar um desenlace tão próximo.
A realização, conquanto não tenha sido muito rápida, pro-
duziu-se, entretanto, no espaço de poucos meses.
De onde vem, pois, essa presciência do futuro, manifesta-
da nos sonhos?
M. P. H. D. M. (Romans).”
(Carta 527)
XL – “Dirigia-me ao colégio, do qual era aluno externo,
vendo-me, em sonho, a atravessar a Praça da República, em
Paris, com um guardanapo no braço, quando, exatamente de-
fronte dos Armazéns do Pauvre-Jacques, passou um cão per-
seguido por um bando de garotos que o maltratavam. Contei
exatamente o número: oito. Os empregados começavam a
desempenhar suas funções, uma vendedora das quatro esta-
ções passava com seu carro cheio de frutas e de flores.
No dia seguinte, pela manhã, dirigindo-me ao colégio, vi
em idênticas circunstâncias, na mesma praça, a cena que ti-
nha visto em sonho. Nada aí faltava: o cão corria pela sarje-
ta, os oito garotos o perseguiam, a vendedora das quatro es-
tações subia com o seu carro, em direção ao bulevar Voltaire
e os empregados do Pauvre-Jacques dispunham os seus teci-
dos à porta da loja.
Ed. Hannais
Av. Lagache, 10, Villemomble (Seine).”
(Carta 549)
XLI – “Pelos anos de 1827 ou 1828 achava-se meu pai em
Nancy. Existia na época uma dessas loterias, depois interdi-
tas, nas quais era preciso determinar, ao tomá-los, os núme-
ros em que se desejava jogar. Meu pai estava fortemente in-
clinado a tentar a sorte, mas ainda hesitava, quando uma noi-
te viu, durante o sono, destacarem-se dois números em ca-
racteres fosforescentes sobre uma das paredes do seu quarto.
Vivamente impressionado, resolveu ir, logo que se abrissem
os guichês, pedir os números sonhados. Escrúpulos de deli-
cadeza retiveram-no à porta. Não pôde deixar, entretanto,
após a extração da loteria, de ir informar-se dos seus resulta-
dos. Os números com que ele havia sonhado tinham saído na
ordem em que lhe apareceram, dando um prêmio de 75.000
francos.
Srta. Meyer
Niort (Deux Sèvres).”
(Carta 554)
XLII – “Fomos a Paris, minha mulher e eu, em maio de
1897, passar alguns dias, e detivemo-nos em Angers, na casa
de uns parentes. Pela manhã do dia fixado para a nossa par-
tida para Paris eu estava nesse estado de delicioso adorme-
cimento, no qual nos comprazemos, quando temos a vaga
idéia de que a vida renasce em torno de nós e muito confor-
tavelmente repousamos deitados em boa cama. Não me a-
chava acordado; cochilava. De repente ouvi uma voz fresca
e de bom timbre cantando uma romança deliciosa que me
encantou; essa ária me pareceu tão bonita que lamentei ter
acordado. Eu estava em êxtase.
Em minha imaginação atribuí esse canto a um jovem a-
prendiz que se tivesse detido sobre o cais, exatamente sob as
minhas janelas, para cantar.
Chegados a Paris nesse mesmo dia, fomos passear a noite
em um café-concerto dos Campos Elíseos. Imaginai o meu
espanto quando, a meio do espetáculo, ouvi um artista cantar
a mesma ária que ouvira em sonho pela manhã. Afirmo que
eram absolutamente as mesmas notas.
Essa ária era-me completamente desconhecida na véspera
e depois não mais a ouvi.
Emile Soux
Rua Victor Hugo, 6, Carcassone.”
(Carta 558)
XLIII – “Eu tinha, em 1871, um irmão de 20 anos, médi-
co militar no hospital de Montpelier. Meu desgraçado irmão
veio a cair doente. Chamaram meu pai por telegrama, pois
meu irmão estava com a febre tifóide. Esgotado pelas emo-
ções e pelas fadigas da guerra, ficou bem depressa em estado
grave, mau grado os cuidados de que foi rodeado.
A 1º de dezembro disse ele a meu pai, que não saía de sua
cabeceira:
– Vejo três ataúdes no quarto.
Disse-lhe papai:
– Enganas-te, meu bom amigo, estás vendo berços.
Devo esclarecer-vos que eu tinha uma irmã primogênita,
casada há três anos, que tinha um gentil garotinho de 13 me-
ses, muito bem disposto, e um outro de 8 dias.
No dia seguinte meu irmão piora e expira nos braços de
meu pai. Este regressa a Douai após o enterro e encontra o
meu pequeno sobrinho morrendo de crupe; o segundo, so-
berbo de saúde, sucumbiu a seu turno.
Eis aí, portanto, os três túmulos vistos por meu pobre ir-
mão. Aí se acham descritos, textualmente, os fatos como se
passaram.
Berthe Dubrulle
Rua de l’Abbaye-des-Près, Doual.”
(Carta 573)
XLIV – “A. – Em 1889 era eu inspetor das estradas distri-
tais no Departamento de Lozère. Achando-me em viagem de
inspeção em Saint Urcize (Cantal), tive, pela meia-noite, a
impressão de uma voz que me disse: “Teu pai morreu”. Re-
gressei à casa, dois dias depois, muito preocupado; não ha-
via nenhuma notícia desagradável a respeito de meu pai, re-
sidente em uma comuna afastada; mas dois dias depois
(creio) de minha chegada, recebi um telegrama chamando-
me para junto dele, gravemente enfermo de uma congestão
pulmonar. Parti imediatamente, mas só cheguei dez a doze
horas após o falecimento.
Se houvesse partido logo em seguida ao aviso recebido em
sonho, teria podido passar cerca de 36 horas com meu pai
antes da sua morte. Não tenho necessidade de dizer-vos
quanto lamentei não tê-lo feito.
B. – Contava eu 21 anos; ia ser sorteado. Na véspera so-
nhei com o número 45, que me foi dado no dia seguinte. Isso
parece indicar-me que as operações que se julgam subordi-
nadas meramente ao acaso estão submetidas a outras leis.
Por outro lado, entre o momento do sonho e o momento em
que tirei o número da urna passaram-se muitas operações
com o objetivo de entregar ao acaso a aplicação dos núme-
ros. Como se compreende que não tenham elas modificado o
que parecia resolvido na véspera?
Guibal
Inspetor distrital em Belizane, Argélia.”
(Carta 584)
XLVI – “Em 1893, tinha eu minha filha em Paris, na Es-
cola de Odontologia. Conquanto estivesse com 20 anos, não
manifestava ela disposição alguma para o casamento. Tive, a
2 de janeiro, um sonho realmente estranho. Via chegar mi-
nha filha, que estava em férias, às 5 horas da manhã (ela ja-
mais viera por esse trem); vi-a entrar em meu quarto, coberta
com um grande manto listrado que eu não conhecia. Apro-
ximou-se da minha cama, abraçou-me e me disse:
– Mamãe, quero casar-me; amo, sou amada e, se o não
desposar, morrerei por essa causa.
Fiz-lhe todas as minhas advertências, dizendo-lhe que se-
ria mais prudente esperar pelo fim dos estudos, para não in-
terromper o seu curso. Nada consegui; ela insistiu de tal mo-
do que, em meu sonho, aquiesci ao seu desejo.
No dia seguinte, ao despertar, voltou-me o sonho à memó-
ria. Contei-o logo à minha empregada e a uma operária que
eu tinha em casa, e acrescentei:
– Tanto vale sonhar como enganar. Mas não importa; não
escreverei sobre esse sonho à minha filha, com receio de lhe
despertar a idéia do casamento.
No fim de julho do mesmo ano recebi uma carta de minha
filha, informando-me de que ela havia passado, com êxito,
nos exames do 2º ano e que voltaria a casa nessa mesma noi-
te, pelo trem que tomava habitualmente e que chegava a Sa-
int Amand às 12:49 da noite. Esperamo-la, mas em vão.
Às 5 horas da manhã somos despertados por um forte soar
de campainha. A criada vai atender e minha filha entra em
meu quarto, coberta com um guarda-pó listrado que compra-
ra alguns dias antes. Abraça-me e me repete, palavra por pa-
lavra, as expressões que me viera dizer, a 2 de janeiro, em
sonho. Eu não estava completamente acordada e lhe dei esta
resposta:
– Mas tu já m’o disseste!
– Como poderia ter-te falado nisso? Há apenas oito dias
que tomei esta decisão!
Imediatamente me lembrei do sonho; a minha empregada
relatou-o. Mas minha filha não se mostrou surpresa, dizen-
do-me que eu já tinha visto em sonho o que deveria suceder
muito tempo depois. Efetivamente, eu vira Saint Amand,
que não conhecia, assim como os apartamentos que atual-
mente ocupo, dois anos antes de vir habitá-los.
Sra. Bovolin
Saint Amand (Cher).”
(Carta 607)
XLVII – “A. – Há alguns anos tínhamos uma amiguinha,
a quem sua mãe acabava de levar ao internato, em Écouen.
Sonhei nessa época que via a menina passar na rua. Admira-
va-me de sua presença, sabendo que havia partido e (sempre
em sonho) sua mãe veio dizer-nos: “Não pude conformar-me
em deixar minha filha no internato, fui buscá-la.”
Um ou dois dias depois desse sonho recebemos a visita
dessa senhora. Disse-lhe eu:
– Margarida vai bem no internato?
Respondeu-nos ela:
– Não sabeis o que acabo de fazer: é que não me pude
conformar em deixá-la no internato e a vim buscar.
B. – Em Toul, onde residíamos, havia um mendigo que me
impressionava estranhamente; inspirava-me uma grande a-
versão, porquanto era repugnante física e moralmente. Uma
noite sonhei que batiam à porta, à noite, e na obscuridade
pareceu-me reconhecer a silhueta desse mendigo, que me
disse: “Senhorita, estou sem abrigo; podeis dar-me uma pou-
sada para esta noite?”
No dia seguinte, à noite, não mais em sonho, mas em rea-
lidade, achava-me na sala de jantar com minha irmã e uma
priminha, quando ouvi barulho do lado da porta da cozinha.
Fui ver. O mendigo lá estava e disse-me:
– Não tenho abrigo, podeis dar-me uma pousada por esta
noite?
Srta. Hubert (Nancy).”
(Carta 608)
XLIX – “A. – Com a idade de 11 anos sonhei que me a-
chava perto de um bosque, ao cair da noite, tendo diante de
mim uma parede. Estava a sós e tinha vontade de chorar.
Alguns meses mais tarde achei-me nesse mesmo local e em
idênticas circunstâncias.
B. – Em 1882, vindo de ser promovido a sub-oficial no
119º (Havre), sonhei que era professor; achei graça no so-
nho, pois não tinha elementos para conseguir isso. Dois anos
depois achava-me em Stains, como professor e com as cri-
anças que tinha visto.
C. – Em 1893 batia eu à porta do quarto do meu pai (resi-
dente em Faux-la-Montagne, Cantão de Gentioux, Creuse),
recém-chegado da Martinica, após 9 anos de ausência. Per-
gunta-me ele, sem reconhecer-me, quem sou e o que quero.
– Sou um viajante e trago-vos notícias de vosso filho que
está na Normandia.
– E o da Martinica?
– Não tenho notícias dele. Por que me perguntais isso?
– É porque esta noite sonhei estar vendo-o, aí, perto da
porta, como o estás agora.
E caiu em pranto. É preciso notar que ele falara desse so-
nho ao despertar e antes de ter-me visto. A minha volta não
tinha sido anunciada de modo algum.
Legros
Diretor de escola, em Gros-Morne, Martinica.”
(Carta 619)
LII – “Alguns dias após meu casamento, disse-me a espo-
sa:
– É extraordinário, mas eis que há cerca de seis meses so-
nhei que me casava contigo. cheguei mesmo a fazer a narra-
tiva do sonho a minha mãe, no dia seguinte pela manhã, e
nos rimos do caso, tendo minha mãe declarado: “Oh! é pro-
vável que esse moço não pense em ti!”
Ora, notai que não nos tínhamos, até essa data, jamais fa-
lado; que não nos conhecíamos, embora residindo na mesma
localidade, que nos tínhamos visto somente de longe, por
acaso, e que não freqüentávamos nenhum amigo comum.
É, portanto, assaz extraordinário que essa moça tenha so-
nhado a respeito de uma próxima união comigo. Entretanto,
esse sonho teve a sua realização.103
T. (Villeneuve sur Yonne).”
(Carta 623
LIII – “Pedistes que sejam trazidos ao vosso conhecimen-
to os fatos inexplicados, a respeito dos quais não se tenha
dúvida, concernentes aos sonhos, e outras observações da
mesma ordem. O que vou dizer-vos talvez não tenha para
vós importância alguma, nem vos interesse; mas, se todo
mundo pensasse assim e nada dissesse, vosso apelo seria i-
nútil e a Ciência não avançaria. Venho, pois, escrever-vos o
que sei, unicamente rogando-vos que não publiqueis o meu
nome, se por acaso fizerdes uso de minha carta; resido em
pequena cidade e prefiro o silêncio.
A. – No mês de janeiro de 1888, achava-me grávida desde
uma data absolutamente desconhecida, por motivos especi-
ais. Achando-me muito incomodada, mandou meu esposo
chamar a parteira, que me disse:
– Creio que será para breve.
Trata-se de uma senhora muito instruída. No dia seguinte
eu ia bem. A 1º de fevereiro repetiu-se o incidente, e minha
irmã, um ano mais moça do que eu e solteira, disse-me pela
manhã (ela ignorava que eu ainda estivesse sofrendo e resi-
dia em outro bairro):
– Esta noite, não me parece que tenha sido sonho, con-
quanto eu não estivesse desperta, disse-me alguém: “Vossa
irmã não se deve inquietar com essas indisposições, a crian-
ça nascerá a 22 de junho.”
E acrescentou:
– Repliquei àquela voz: Mas, uma vez que estais tão bem
informado, dizei-me, será um rapaz ou uma menina? Res-
ponderam: “Não o sei, mas não ficareis muito contentes.”
Tínhamos dois filhos e desejávamos ardentemente uma fi-
lha. Naturalmente todos nós achamos graça no que minha
irmã nos disse e, como as minhas indisposições continuas-
sem, fazia os meus preparativos.
Mas, como fossem passando os meses de fevereiro, mar-
ço, abril, deixamos pouco a pouco de rir de minha irmã, que
suportava as nossas zombarias sem abalar-se em sua convic-
ção; acabamos mesmo concluindo que ainda dessa vez seria
um rapaz, pois que não devíamos ficar contentes, e acredi-
tamos tanto em sua predição que a 21 de junho armei o ber-
ço e preparei tudo para o dia seguinte.
A 22 de junho, pelas 10 horas da manhã, veio ao mundo a
criança. Era uma menina, que foi aclamada, mas tive logo
em seguida uma hemorragia que me levou à beira do túmu-
lo. Dois dias depois meu primogênito foi acometido de
bronquite; minha irmã, pela primeira vez em sua vida, ficou
doente; em seguida meu segundo filho teve o crupe e foi o-
perado; saindo minha irmã muito cedo para vê-lo, teve uma
angina diftérica muito grave e, enfim, meu pai, três meses
depois, sofreu um acidente de que veio a morrer: não nos
sentíamos, portanto, de certo muito felizes.
B. – Tinha três semanas a minha filha; eu não podia mais
amamentá-la, devido a abcessos do peito; meu marido devia
ir a Manosque ver uma ama que nos inculcaram e trazê-la no
mesmo dia. Era uma sexta-feira, 13 de julho. Ao despertar,
senti-me inquieta por causa de um sonho extravagante que
tive. Meus filhos iam bem, estando o primogênito em conva-
lescença e o segundo, admirável criança, como um verdadei-
ro mimo. Eu disse a meu marido:
– Coisa estranha, esta noite sonhei que estava em uma ci-
dade desconhecida, procurava a pajem de René e me disse-
ram: “Como é sábado, ela foi lavar.” Eu a buscava inquieta
e, encontrando-a a sós, perguntei-lhe: “E René, que fizeste
dele?” Clotilde respondeu: “Senhora, deixei-o atrás dessa
parede.” Fui correndo procurá-lo, ele estava deitado contra a
parede, inteiramente nu, o corpo negro como que de fuligem
e um buraco na garganta, de onde saía a traquéia-artéria: não
estava, entretanto, morto.
Meu marido riu-se do meu sonho e da inquietação que ele
me trazia. Pelas 4 horas da tarde, René, que não saíra, brin-
cando com seu pai, foi acometido de um acesso violento de
tosse, que o sufocava; mandei depressa chamar um médico.
Imediatamente declarou-se o crupe.
As 2 horas da manhã de sábado, 14 de julho, os quatro
médicos se preparavam para fazer a operação de traqueoto-
mia: ainda não havia sido descoberto o sérum. A criança, in-
teiramente nua, foi deitada em uma mesa, teve o pescoço
aberto e uma cânula de prata introduzida na traquéia-
artéria; quase terminada a operação, tendo-se desprendido a
traquéia do colchete que a mantinha, foi a criança sufocada
pelo sangue, seu corpo tornou-se todo negro. Felizmente,
uma forte dose de ipeca provocou uma tosse que, fazendo a
traquéia elevar-se, permitiu segurá-la.
Durante a operação, inclinando-se meu marido para mim,
dize-me:
– Valentine, teu sonho de ontem, de que eu fiz tanta caço-
ada!...
Hoje o menino está crescido e muito bem disposto.
Sra. X. (Forcalquier).”
(Carta 632)
LV – “O Sr. A., juiz de Direito, contou certa manhã à sua
esposa e à sua filha (a Sra. M., de quem ouvi a narrativa) o
seguinte sonho:
– Tomava eu um carro na vila, quando vejo diante da casa
D. dois ataúdes e um cortejo fúnebre que os acompanhava;
reconheci quase todos os assistentes: o prefeito, os juízes, as
autoridades municipais, os parentes. Perguntei a um transe-
unte: Quem morreu na família D.? “Então não sabeis? – foi-
me respondido – A Sra. D. e seu filho morreram no mesmo
dia e realiza-se hoje o enterro.”
Nesse mesmo dia, chegando à vila, o Sr. A. viu, com efei-
to, dois ataúdes diante da casa D. e os assistentes exatamente
como os reconhecera em sonho. Não ousava quase perguntar
quais eram as pessoas falecidas, pois estava antecipadamen-
te certo de ouvir as palavras de seu sonho. Decidiu-se afinal
a deter um transeunte e fazer-lhe a pergunta, sendo-lhe res-
pondido:
– Então não o sabeis? A Sra D. e seu filho morreram no
mesmo dia e realiza-se hoje o enterro.
O que me pareceu interessante nesse sonho é que as pala-
vras ouvidas nele foram exatamente as mesmas que na reali-
dade; houve, portanto, ao mesmo tempo visão e audição
premonitórias.
Podeis estar certo da perfeita autenticidade do fato. A fa-
mília A. ficou tão impressionada com isso que lhe conservou
uma recordação absolutamente precisa.
H. Besson
Pastor em Orvin-près-Bienne, Suíça.”
(Carta 640)
LVI – “Sonhei que, estando a andar de bicicleta, veio um
cão lançar-se de encontro à roda, e eu cai, quebrando o pedal
da máquina.
Pela manhã, contei o ocorrido à minha mãe que, sabendo
quanto habitualmente os meus sonhos são exatos, me convi-
dou a ficar em casa. Resolvi, efetivamente, não sair, mas pe-
las 11 horas, no momento de nos sentarmos à mesa, o cor-
reio trouxe uma carta informando-nos de que minha irmã,
residente a cerca de 8 quilômetros, se achava doente. Esque-
cendo de repente meu sonho, para não pensar senão em sa-
ber notícias de minha irmã, almocei à pressa e parti de bici-
cleta. Minha viagem realizou-se sem incidente algum até o
lugar em que me vira, na noite precedente, rolando no pó e
quebrando a minha máquina. Apenas meu sonho me atraves-
sou o espírito e enorme cão desembocou subitamente de
uma propriedade vizinha, procurando morder-me a perna.
Sem refletir, eu quis dar-lhe um pontapé, mas no mesmo ins-
tante perdi o equilíbrio e caí sobre a bicicleta, quebrando-lhe
o pedal, realizando assim meu sonho em seus mínimos deta-
lhes. Ora, peço-vos que noteis o seguinte: era bem a centé-
sima vez, pelo menos, que eu fazia esse trajeto, sem que ja-
mais tivesse a deplorar o menor acidente.
Amédée Basset
Notário em Vitrac (Charente).”
(Carta 643)
LVII – “O marechal Vaillant, que não era nem um visio-
nário, nem um espírito apoucado, afirmou a um de meus a-
migos que mais de uma vez me contou isso, que, partindo
para o assédio de Roma, cujas operações estava incumbido
de dirigir, e ignorando completamente os trabalhos executa-
dos para fortificar a praça, vira muito distintamente em so-
nho, antes de chegar à Itália, o lugar preciso por onde deve-
ria começar o ataque. Era, com efeito, como o reconheceu
depois, o ponto mais fraco da defesa.
Relato-vos o fato sem comentários; vós o classificareis
sem dúvida na categoria das auto-sugestões.104
B. Kirsch
Diretor aposentado, em Semur (Côte d’Or).”
(Carta 667)
LVIII – “A. – Minha mãe, nascida em 1800, morta em
1886, teve as febres em 1811, quando estava no internato em
Aire-sur-la-Lys. Em um acesso de delírio, viu-se em casa de
sua mãe, a Sra. Campagne, nascida Maria Luíza de Launoy
de Linghem, em Estrée-Blanche (Pas-de-Calais) e pediu em
grandes gritos que a levassem, porque a casa estava pegando
fogo.
Ora, um ano depois, em 1812, a casa d’Estrée incendiava-
se realmente e minha mãe tornava a ver o incêndio exata-
mente como o tinha visto no delírio da febre, em 1811.
O corpo principal do edifício e uma das alas foram reduzi-
dos a cinzas; a outra ala foi preservada, tendo sido aí que a
minha avó se alojou provisoriamente, mau grado sua nume-
rosa família. Minha mãe nunca mentiu, que eu saiba; ela me
contou isso um número incalculável de vezes, e não somente
ela, mas também os meus tios e minhas tias. O edifício pre-
servado do fogo ainda existe.
B. – Pelo mês de julho de 1887, suponho (poder-se-ia sa-
ber a data exata na mairie de Saint-Omer), residia eu então
em Tatinghen, aldeia situada a 4 quilômetros daquela cida-
de. A Srta. Estelle Poulain, que mora em minha casa desde
1873, viu em sonho sua tia, a Sra. Leprêtre, nascida Honori-
na Hochart, que lhe falava. A Srta. Poulain não podia distin-
guir seus traços, mas sabia que era bem sua tia. Despertou
em sobressalto e, quase ao mesmo tempo, soaram 3 horas
(da manhã) no relógio do seu quarto.
Entre meio-dia e 1 hora, o tio da Srta. Poulain, Sr. Noel
Leprêtre, chegou a minha casa para comunicar-lhe que sua
esposa e tia daquela senhorita, Honorina Hochart, morrera
pela manhã, um pouco antes das 3 horas, tendo dito à irmã
de São Vicente de Paulo, que a tratava:
– Que desgraça! não mais verei minha sobrinha Estelle!
Ora, a Srta. Estelle Poulain, afirmo-o sob palavra de hon-
ra, contara-me o seu sonho muito tempo antes da chegada de
seu tio...
Léon Leconte
Redator-chefe d’O Estudante, Paris.”
(Carta 725)
LX – “Fui, em 1882, bruscamente separado de uma pessoa
que me era muito querida e, certa vez, no lapso dessas se-
manas em que estive mergulhada no mais profundo acabru-
nhamento, ouvi uma voz desconhecida dizer-me: “Dentro de
um ano, contado dia a dia, essa pessoa voltará a ti.”
Foi isso no mês de maio e, no ano seguinte, pela mesma
época, encontro na rua a referida pessoa que, à minha vista,
experimenta uma emoção tão viva como a que eu própria
experimentava. Entramos em explicações, queixas, remor-
sos, por fim reconciliação e desde essa hora não tive amigo
mais devotado e cujo arrependimento fosse mais sincero.
Tenho tido, durante o sono, visões a distância, de cidades
onde em seguida tenho ido (muito surpresa de ver monu-
mentos e ruas já vistos quando dormia), como Bruxelas, por
exemplo, que visitei um ano antes de aí ter estado.
H. Poncer
Rua Paadis, 457, Marselha.”
(Carta 748)
LXI – “A. – Minha pobre mãe morreu na noite de 17 de
setembro de 1860, às 3 horas da madrugada, tendo conser-
vado íntegra a memória e tendo nítida consciência do que se
passava ao seu derredor. Um pouco antes de morrer, procu-
rou-me com o olhar, parecendo que seu sofrimento era dila-
cerante; grossas lágrimas corriam-lhe pelo rosto (isso me foi
contado mais tarde).
Ora, nessa mesma noite, 17 de setembro de 1860, às 3 ho-
ras da manhã, acordei em sobressalto, crendo ouvir minha
mãe chamar-me, e isso repetidas vezes; levantei-me da cama
gritando: “Mamãe, mamãe!”, o que despertou meu compa-
nheiro de cama, depois, como uma massa, caí por terra. Foi
necessário fazerem-me voltar de uma síncope que não durou
menos de vinte minutos.
B. – Estava-se em 1869, no momento do plebiscito. Tive,
certa noite, um sonho, para melhor dizer: um pesadelo horrí-
vel. Nesse pesadelo, eu me via soldado. Estávamos em guer-
ra; eu experimentava todas as agruras da vida militar: a mar-
cha, a fome, a sede; ouvia as vozes de comando, a fuzilaria,
o estampido do canhão; via os mortos e os feridos caírem ao
meu lado, ouvindo-lhes os gritos.
De repente, encontrei-me numa região, numa aldeia onde
tivemos de suster um ataque terrível do inimigo. Eram prus-
sianos, bávaros, cavaleiros (dragões badenses) – notai bem
que jamais tinha eu visto desses uniformes e que não se tra-
tava absolutamente de guerra. Em dado instante vi um dos
nossos oficiais subir ao campanário da aldeia, munido de um
binóculo, para observar os movimentos do inimigo, depois
descer, formar-nos em coluna de ataque, ordenar o toque de
avançar e lançar-nos para frente, a marche-marche, numa
carga de baioneta, contra uma bateria prussiana.
Nesse instante do meu sonho, achando-nos engalfinhados
corpo a corpo com os artilheiros daquela bateria, vi um deles
desferir-me um golpe de sabre na cabeça, tão formidável que
a separou em duas partes. Foi então que despertei, caindo da
cama: experimentava uma forte dor de cabeça. Ao cair da
cama bati com a cabeça em uma pequena estufa que me ser-
via de mesa.
A 6 de outubro de 1870 esse sonho realizou-se: aldeia, es-
cola, mairie, igreja; o nosso comandante subindo ao campa-
nário para observar as posições do inimigo, depois descendo
e, ao toque de avançar, arrojando-nos, a baioneta calada,
contra as peças prussianas. Em meu sonho, nesse mesmo
instante, eu tivera a cabeça rachada por um golpe de sabre!
Aqui, realmente, eu o esperava; mas não recebi mais do que
um golpe de lanada (talvez destinado à cabeça) que, repelido
a tempo, veio ferir-me a coxa direita.
A. Régnier
Antigo sargento-mor da Companhia dos
Franco-atiradores de Neully sur Seine.
Rua Jeanne Hachette, 23, Havre.”
(Carta 782)
LXIII – “Em 1867, estava eu em Bordéus, à frente de
uma farmácia que abrira havia alguns meses. Uma noite vi
em sonhos os algarismos 76 fr. 30 inscritos no livro da recei-
ta, no lugar onde se devia inscrever a receita do dia seguinte.
Pela manhã desse dia eu estava vendo tão bem gravada essa
cifra em meu espírito que não pude deixar de falar a respeito
ao meu ajudante. Sendo a receita ordinária em média de 45
francos, pensamos que os algarismos 76 fr. 30 deviam repre-
sentar a soma de dois dias. O trabalho durante o dia foi igual
ao dos dias precedentes, mas à noite a farmácia regurgitava
de gente. Enfim, às 10:30, depois de despachado o último
cliente (centésimo, pelo menos), contei a féria e achei exa-
tamente 76 fr. 30.
O Sr. Jaubert, de Carcassonne, a quem contei o fato, fez-
me notar que teria sido necessário o concurso de espíritos
muito numerosos para conseguirem: atrair clientes, impedir
que outros chegassem, devendo seguramente figurar um cai-
xa entre os operadores.105 Lembro-me de uma circunstância.
Uma jovem senhora, que eu sabia muito segura, comprava
artigos e mais artigos, como que parecendo obedecer a uma
inspiração. Enfim terminou! Esta compradora era a última,
provavelmente era necessário o seu dinheiro ao caixa espiri-
tual.
A. Coméra (Toulouse).”
(Carta 788)
LXIV – “Perdi meu pai em 1865 e tornei-me chefe de fa-
mília, com dois irmãos de menor idade.
O mais moço, Aristides, nascido em 1853, fazia parte da
classe de 1873, sendo sorteado em 1874. Ele não tinha que-
rido apresentar-se como voluntário e aguardava a sorte para
fazer, quer seis meses, quer cinco anos de serviço militar a-
tivo.
Essa alternativa preocupava muito minha pobre mãe, que
a esse respeito conversava comigo todas as vezes que me
encontrava junto dela, em Nieuil-sur-l’Antise (Vendéia) aos
domingos, tendo então o meu tabelionato em Niort.
Com a preocupação de amparar meu irmão – como um pai
– por ocasião de seu sorteio militar, na terça-feira, 10 de fe-
vereiro de 1874, parti de Niort, segunda-feira, para Nieuil.
Depois do jantar, durante o qual a conversação girou em tor-
no dos sucessos do sorteio, fui-me deitar, cerca de 10 horas.
A preocupação sem dúvida me levou a sonhar e vi distinta-
mente meu irmão Aristides introduzindo a mão na urna, reti-
rando um número e mostrando-me os algarismos considera-
velmente elevados de 67.
Desperto em sobressalto, acendo a vela e, vendo a hora,
constato que são 3 horas da manhã.
Levantando-me às 8 horas, dei parte do meu sonho à mi-
nha mãe, ao meu irmão, ao guarda-matas e aos conscritos da
comuna, que muito se riram dele.
Mas exatamente às 3 horas da tarde, do mesmo dia, na se-
de do cantão de Saint-Hilaire-des-Loges (Vendéia), meu ir-
mão tirava da urna o famoso número 67 e mostrava-mo com
o mesmo gesto que fizera no sonho de 12 horas antes; e, coi-
sa igualmente extraordinária, o número 66 foi o último do
contingente que devia fazer 5 anos de serviço ativo, ao passo
que meu irmão tirou um número que o obrigava a seis meses
de serviço na Artilharia, em Brest.
Alfredo Cail
Avenida de Wagram, 154, Paris.”
(Carta 802)
LXV – “A. – Uma de minhas tias-avós, hoje falecida, te-
ve, durante sua vida, freqüentes pressentimentos que se rea-
lizaram. No mês de fevereiro de 1871, teve ela um sonho
anunciando-lhe a morte próxima de duas de suas irmãs, que
estavam, na ocasião, de perfeita saúde. Esse sonho foi trans-
crito em um livro de memórias em que tinha ela o costume
de anotar todos os acontecimentos de sua vida, e realizou-se
ele, infelizmente, de uma forma terrível.
Um mês depois, como se pode verificar pelos jornais da
época, irrompia a febre amarela em Buenos Aires e as duas
irmãs foram vítimas da epidemia.
B. – Uma outra vez, em 1868, a mesma parente viu em
sonho uma cena de interior, que era uma completa revela-
ção. O quadro representava um compartimento, onde uma de
suas amigas, a Sra. B., sentada em sua poltrona, perto do fo-
gão, no qual flamejava um grande fogo, acariciava uma cri-
ancinha que estava em seus braços, enquanto uma serviçal
enxugava suas fraldas diante das chamas.
Esse sonho foi narrado a diversas pessoas, sem que ne-
nhuma delas lhe prestasse grande atenção, porquanto a Sra.
B., mãe de numerosa família, já tendo passado dos 40 anos e
não tendo tido filhos há mais de sete, não parecia mais sus-
cetível de ter outros. Entretanto, o que parecia no momento
impossível realizava-se um ano depois, e uma noite em que
minha tia-avó foi visitar a parturiente, para felicitá-la pelo
nascimento do recém-nascido, tornou a ver, como realidade,
o que precedentemente fora sonho. O compartimento, a dis-
posição dos objetos, o fogão aceso, a serviçal ocupada em
secar as fraldas diante do fogo, enfim todos os detalhes do
sonho estavam fielmente reproduzidos. A adivinhação reali-
zara-se com exatidão completa.
Emílio Becher
Rosário de Santa Fé (República Argentina).”
(Carta 825)
LXVII – “Fui educado em Paris, onde meus pais eram ne-
gociantes estabelecidos com casa de vinhos e laticínios, à
rua Saint Ambroise, nº 7. Meu pai faleceu em 1867. Minha
mãe e eu deixamos Paris em 1872. Eu tinha também um tio,
irmão de meu pai, falecido depois deste, e que era estabele-
cido com especiarias à rua Saint-Roch, nº 32.
A. – Em 1868, tinha então 17 anos, estava eu empregado
na casa desse tio, como caixeiro. Certa manhã, depois de lhe
haver dado bom-dia, ainda sob a impressão de um sonho que
tivera à noite, contou-me ele que no aludido sonho se achava
na soleira de sua porta quando, ao voltar seus olhos na dire-
ção da rua Neuve-des-Petits-Champs, vê desembocar um ô-
nibus urbano da Companhia dos Caminhos de Ferro do Nor-
te, que se detém diante da porta de seu armazém. Sua mãe
desce e o ônibus continua sua viagem, conduzindo uma ou-
tra senhora que estava na viatura com minha avó, cuja se-
nhora, vestida de preto, mantinha um cesto sobre os joelhos.
Ambos achamos muita graça nesse sonho, tão em desa-
cordo com a realidade, porquanto jamais minha avó se aven-
turara a vir da gare do Norte até à rua Saint-Roch. Residindo
perto de Beauvais, quando ela queria vir passar uns tempos
com seus filhos, em Paris, escrevia de preferência a meu tio,
que era aquele a quem mais queria, e ele ia esperá-la na es-
tação, de onde a trazia, invariavelmente, de fiacre. Ora, na-
quele dia, à tarde, como estivesse meu tio à porta, olhando
os transeuntes, voltam-se seus olhos maquinalmente para a
esquina da rua Neuve-des-Petits-Champs e ele vê rodar um
ônibus do caminho de ferro do norte, que vem parar defronte
de seu armazém.
Nesse ônibus achavam-se duas senhoras, das quais uma
era minha avó, que desce, continuando o veículo sua viagem
com a outra senhora, tal como ele tinha visto em sonho, isto
é, vestida de preto e tendo seu cesto sobre os joelhos.
Imaginai a estupefação geral! Minha avó, crente de nos
fazer uma surpresa, e meu tio contando-lhe o sonho!
B. – Durante o assédio de Paris, achava-me incorporado
ao 10º Batalhão do Sena. Um dia em que eu estava jantando
em casa de minha mãe, encontravam-se à nossa mesa um de
meus primos, então estudante de Farmácia, atualmente pro-
prietário nos arredores de Dieppe, um de meus amigos, sar-
gento da Guarda Móvel, um outro, desenhista, que reside a-
tualmente no bulevar Beaumarchais, nº 1, e enfim um cliente
da casa, guarda-livros de notável inteligência, sargento-mor
do 192º Batalhão de Infantaria. Não me recordo mais do seu
nome; chamemos-lhe Sr. X.
No fim do jantar, como falássemos da guerra e dos ale-
mães que nos cercavam, o Sr. X. pôs-se a examinar as linhas
das nossas mãos, declarando-nos que se dedicava seriamente
à quiromancia e pretendendo dizer-nos se qualquer coisa de
grave estava para suceder-nos durante os acontecimentos
que se desenrolavam. Perguntamos-lhe naturalmente se serí-
amos feridos. Para três dentre nós a resposta foi negativa: os
Srs. Lucas, o estudante, François, o desenhista e eu próprio.
Quanto ao quarto, o sargento do Corpo Móvel, Sr. Lallier,
disse-lhe o Sr. X.:
– É extraordinário! Sereis ferido seriamente, dentro de
pouco tempo, mas não por uma arma; queimar-vos-eis.
– Como se dará isso?
– Não poderia dizer-vos; acidentalmente, sem dúvida –
respondeu-lhe o X. E falou-se de outras coisas.
Passava-se isso pelos fins de 1870.
No corrente ano de 1871, partira para Bordéus, onde che-
guei em novembro. Passando em Tours, aí me detive para
ver meu amigo Lallier que estava destacado nessa cidade
desde o fim da guerra. Ao vê-lo, fiquei admirado com a mu-
dança operada em sua fisionomia, sem poder compreender
bem o que poderia tê-lo assim transformado, quando ele me
diz:
– Lembras-te das predições de X.? O que ele me predisse,
desgraçadamente sucedeu! Há dois meses, o aprendiz do
armazém praticou a imprudência de ir com uma vela acesa
em um compartimento onde estavam dois garrafões de pe-
tróleo; por descuido seu, um deles pegou fogo; procurei, pa-
ra evitar maior perigo, retirar o segundo, cujo líquido se in-
flamou. Fiquei com o lado esquerdo todo queimado, e faz
apenas quinze dias que voltei ao serviço.
Cito-vos esses dois casos, como rigorosamente verdadei-
ros, pois que ambos se passaram em minha presença e pude
controlá-los. Tenho freqüentemente falado a respeito deles
aos de minha família e aos meus amigos sem poder achar-
lhe uma explicação que me satisfaça, salvo, contudo, para
uma parte do sonho de meu tio, depois que li vossos interes-
santes artigos sobre os sonhos.
Suponho que minha avó, em um momento de insônia, terá
tomado a deliberação súbita de partir para Paris no mesmo
dia, com a resolução de não prevenir ninguém, e, uma vez
chegada à estação do norte, tomar um veículo como tão fre-
qüentemente vira fazer-se, e isso para ter o prazer da surpre-
sa do filho. Foi, sem dúvida, precisamente nesse momento
que teria o meu tio sonhado.
Paul Leroux
Neubourg (Eure).”
(Carta 850)
LXIX – “Em 1879 meu tio Jacques Théodore Hoffmann
era professor em Heerenvenn (Holanda). Meu pai, tendo ido
vê-lo no começo de julho, contou-lhe sua cunhada, minha tia
Margarida, antes de sua partida, que tinha visto em sonho a
esposa de meu tio Jacques e seus dois filhos trajados de luto
fechado, receando ela uma desgraça, pelo que lhe recomen-
dava todo cuidado se porventura tivessem que embarcar, etc.
Meu pai e seu irmão Jacques fizeram a 7 de julho uma
longa viagem a vela, nenhum acidente ocorrendo, e por esse
motivo se riram um pouco do sonho de minha tia Margarida.
Dois dias depois, a 9 de julho, foram levar meu pai à esta-
ção. Lá estava uma parte da família. Meu tio Jacques, atra-
vessando os trilhos, não prestou atenção a um trem que se
afastava da gare, foi atropelado, guilhotinado, indo a cabeça
rolar distante do corpo.
Minhas duas tias e os dois filhos de meu tio vivem ainda e
podem, como eu, confirmar a realização desse sonho.
A. C. A. Hoffmann
Estudante de Medicina na Universidade
de Amsterdã, rua de França, 25.”
(Carta 862)
LXX – “Fui bruscamente acordado, à noite, depois do se-
guinte sonho: a aparição da metade de um ataúde, isolado no
espaço.
A precisão desse sonho perturbou-me e me conservou
mergulhado, durante toda a manhã, em certa melancolia.
Contudo, os numerosos negócios que eu tinha a tratar, as
numerosas voltas que dei, afastaram um pouco as idéias tris-
tes, almocei como de costume e retornei às minhas ocupa-
ções.
Quatro horas depois, chegando, em uma dessas voltas, ao
ângulo formado pelas ruas Saint-Pierre e du Plâtre (Lião) e
olhando para frente, por causa dos veículos que obstavam a
passagem, vi, a cerca de 25 metros, e no espaço, a metade de
um ataúde.
Esse ataúde acabava de ser retirado do carro do empresá-
rio dos funerais, por um carregador, sendo que a primeira
metade me estava oculta pela porta de entrada da casa.
P. C. Revel
Rua Thomassin, 39, Lião.”
Eu ia encerrar esses exemplos quando, percorrendo antigas
cartas em que são tratados problemas desta natureza, acabo de
encontrar uma da saudosa princesa Emma Carolath, de 5 de
março de 1870, contando-me um sonho da mesma ordem e
notavelmente explícito.
É o seguinte, bastante resumido:
LXXI – “Acabava eu de adormecer, muito ansiosa a res-
peito da saúde de uma pessoa amada, e me vi transportada
em sonho a um castelo desconhecido, encontrando-me aí em
uma sala octogonal alcatifada de damasco vermelho, onde
havia um leito em que dormia a pessoa cuja saúde me preo-
cupava. Uma lâmpada, suspensa da abóbada, inundava de
luz a face pálida, mas sorridente, emoldurada por opulenta
cabeleira negra. À cabeceira do leito, vi um quadro cujo as-
sunto se gravou tão estranhamente em meu pensamento que,
ao despertar, poderia desenhá-lo: era um Cristo coroado de
rosas por um gênio celeste, contendo versos de Schiller, que
pude ler.
Dois anos depois, convidada para uma vilegiatura a um
castelo do interior da Hungria, detive-me, tremendo, ao pe-
netrar no compartimento que nos estava destinado: achava-
me no gabinete octogonal, alcatifado de damasco vermelho,
diante do leito, e defronte do quadro do Cristo coroado de
rosas, contendo os versos de Schiller. Jamais foi esse quadro
copiado ou reproduzido, e era impossível que eu o tivesse
visto de outro modo senão no sonho, o que, de resto, aconte-
cia em relação ao gabinete octogonal.
Emma, Princesa Carolath (Wiesbaden).”
Depois de ter lido e comparado esse conjunto de fatos, é im-
possível duvidar de que se tenha visto por vezes em sonho as
coisas porvindouras.
Diversos desses sonhos podem explicar-se naturalmente. Já o
assinalamos. Não é mais extraordinário, por exemplo, sonhar
com um número de sorteio a sair, do que com um outro, e como
esses casos são muito raros, a coincidência fortuita pode, talvez,
explicá-los. Seria necessário conhecer-se-lhes o número para
saber se excede notavelmente o que seria dado pelo cálculo das
probabilidades. Mas a maior parte das premonições que acabam
de ser expostas não se explicam.
Trata-se, no caso, de visões, de sonhos que parecem ser pro-
duzidos no estado normal de saúde, ou que podem ser assim
considerados, e não em estados patológicos excepcionais. Essa
mesma previsão do futuro tem sido observada no estado sonam-
búlico e magnético. São mesmo muito numerosos os exemplos
de tal previsão. Somente assinalaremos alguns dentre eles.
O Dr. Liébault cita o caso seguinte em sua Terapêutica Su-
gestiva:
LXXII – “Em uma família dos arredores de Nancy, mag-
netizavam freqüentemente uma jovem de 18 anos, chamada
Júlia. Essa moça, uma vez posta em estado de sonambulis-
mo, era por si mesma levada, como se recebesse uma inspi-
ração a respeito, a repetir, em cada nova sessão, que uma
próxima parente dessa família, por ela citada, morreria em
breve e não chegaria ao dia 1º de janeiro. Estava-se então em
novembro de 1883. Uma tal persistência nas afirmativas da
sonâmbula levou o chefe da família em questão, que farejava
nisso um bom negócio, a segurar em 10.000 francos a vida
da mencionada senhora, a qual, não estando de modo algum
doente, com facilidade obteria um atestado médico.
Para obter aquela soma, dirigiu-se ele ao Sr. L., a quem
escreveu diversas cartas, em uma das quais contava o motivo
que o induzia a fazer o empréstimo. E essas cartas, que o Sr.
L. me mostrou, ele guarda como provas irrefragáveis do su-
cesso futuro, previamente anunciado. Acabaram, afinal, por
não se entender sobre a questão dos juros e o negócio enta-
bulado ficou indeciso. Mas, algum tempo depois, grande foi
a decepção de quem desejava tomar a quantia por emprésti-
mo. A Sra. X., que devia falecer antes de 1º de janeiro, su-
cumbiu, com efeito, e de repente, a 31 de dezembro, con-
forme faz certo uma última carta de 2 de janeiro, endereçada
ao Sr. L., carta que este senhor guarda juntamente com as
que recebera precedentemente, a propósito da mesma pesso-
a.”
O mesmo autor cita igualmente o seguinte caso, extraído tex-
tualmente de sua agenda diária. Sabe-se até que ponto o Sr.
Liébault é escrupuloso e metódico observador.
LXXIII – “7 de janeiro de 1886. Veio consultar-me hoje,
às quatro horas da tarde, o Sr. de Ch., por um estado nervo-
so, sem gravidade. O Sr. de Ch. anda muito preocupado por
causa de um processo em que se acha envolvido e de outras
circunstâncias que em seguida conheceremos.
Estando ele a passear em uma rua de Paris, no dia 26 de
dezembro de 1879, viu escrito sobre uma porta: Mme. Le-
normand, necromante. Movido por uma curiosidade irrefle-
tida, ele entrou.
A Sra. Lenormand, examinando a face palmar de uma de
suas mãos, disse-lhe:
– Perdereis vosso pai dentro de um ano, sem aumento nem
diminuição de um só dia. Muito breve sereis soldado (tinha
então ele dezenove anos), mas não ficareis por muito tempo
sob a farda. Casar-vos-eis moço; nascer-vos-ão dois filhos e
morrereis aos 26 anos.
Essa estupefaciente profecia, que o Sr. de Ch. confiou a
dois amigos e a alguns dos seus parentes, não foi por ele to-
mada a sério; havendo, porém, seu pai falecido a 27 de de-
zembro de 1880, após breve enfermidade e justamente um
ano depois da entrevista com a necromante, essa desgraça
abateu um pouco a sua incredulidade. E quando se tornou
soldado – apenas durante sete meses –, quando, pouco de-
pois casado, se tornou pai de dois filhos e estava prestes a a-
tingir seus 26 anos, abalado definitivamente pelo terror, a-
creditou que não teria mais do que alguns dias de vida. Foi
então que veio consultar-me se não me seria possível conju-
rar a sorte, porquanto, pensava ele, se os quatro primeiros
acontecimentos da predição se realizaram, o quinto devia
também fatalmente realizar-se.
Nesse mesmo dia e nos dias subseqüentes, procurei mer-
gulhar o Sr. de Ch. em sono profundo, a fim de dissipar a
negra obsessão gravada em seu espírito: a da morte próxima,
que ele imaginava ter de realizar-se a 4 de fevereiro, dia do
aniversário de seu nascimento, ainda que a Sra. Lenormand
nada houvesse precisado a esse respeito. Não pude provocar
nesse homem o mais ligeiro sono, tanto estava ele agitado.
Entretanto, como era urgente afastar-lhe a convicção de que
devia em breve sucumbir, convicção perigosa, pois tem-se
visto freqüentemente predições desse gênero cumprirem-se à
risca, por auto-sugestão, mudei a maneira de agir e propus-
lhe consultar um dos meus sonâmbulos, um velho chamado
o profeta, pelo fato de haver anunciado a época exata de sua
cura de um reumatismo articular, que o apoquentava havia
quatro anos, e a própria época da cura de sua filha.
O Sr. de Ch. aceitou a minha proposta com avidez e não
deixou de comparecer à hora exata à reunião. Posto em rela-
ção com o sonâmbulo, as suas primeiras palavras foram:
– Quando morrerei?
O sonâmbulo experimentado, suspeitando da perturbação
desse moço, respondeu-lhe, depois de fazê-lo esperar algum
tempo:
– Morrereis... morrereis... dentro de 41 anos.
Foi maravilhoso o efeito causado por essas palavras. Ime-
diatamente o consultante se tornou alegre, expansivo e cheio
de esperança; e quando viu passar o dia 4 de fevereiro, esse
dia tão temido por ele, acreditou-se salvo.
Foi então que alguns dos que tinham ouvido falar dessa
pungente história acabaram concluindo que nisso tudo nada
houvera de verdade; que seria devido a uma sugestão pós-
hipnótica que esse moço concebera a tal narrativa imaginá-
ria. Palavras no ar! Se a sorte estivesse lançada no sentido da
sua morte, ele teria de morrer.
Eu não pensava mais nisso quando, em começo de outu-
bro, recebi uma carta de participação, pela qual soube que o
meu infeliz cliente acabava de sucumbir a 30 de setembro de
1886, em seu vigésimo sétimo ano, isto é, na idade de 26
anos, como o predissera a Sra. Lenormand. E para que se
não suponha que algum erro tenha havido, de minha parte,
no que afirmo, conservo essa carta no meu registro: são dois
testemunhos escritos, irrecusáveis.”
As 22 primeiras edições desta obra publicaram a seguinte nar-
rativa, atribuída à Sra. Leconte de Lisle, cunhada do poeta (Anais
das Ciências Psíquicas, 1896, pág. 257).
LXXIV – “Um Sr. X. tivera a idéia de consultar uma car-
tomante. Predisse-lhe esta que ele morreria da picada de
uma serpente.
Este Sr. X., empregado na administração, havia sempre
recusado um posto na Martinica, ilha célebre por suas ser-
pentes classificadas entre as mais perigosas. Afinal o Sr. B.,
diretor do Interior em Guadalupe, convenceu-o a aceitar uma
boa posição sob as suas ordens, na administração dessa co-
lônia que, ainda que próxima da Martinica, jamais teve ser-
pentes.
Ninguém foge ao seu destino, diz um provérbio que se ve-
rificou, uma vez mais, ser verdadeiro. Tendo terminado seu
tempo de estada em Guadalupe, o Sr. X. estava de regresso à
França. Como o navio fizesse escala em Martinica, não ou-
sou ele, sequer, descer à terra.
Conforme um costume local, tinham vindo negros vender
frutas a bordo. Estando o Sr. X. com muita sede, tomou uma
laranja do cesto de uma das negras, mas imediatamente sol-
tou um grito e disse que tinha sido picado. A preta virou o
seu balaio e viu-se então uma serpente que estava escondida,
não sob os frutos, mas sob as folhas que forravam o cesto. A
serpente foi morta; mas o infeliz morreu algumas horas de-
pois.”
Várias cartas recebidas da Martinica, por leitores deste livro,
fizeram-me ver que o correio das Antilhas, de retorno à França,
toca na Martinica antes de passar em Guadalupe e ruma direta-
mente a Saint-Nazaire ou Bordéus e que a anedota precedente
não deve ser mais do que o eco de um conto narrado às crianças
de Guadalupe. Essa narrativa é, portanto, inverídica. Mas pode
ser que lhe tenha dado origem um fato anterior real.
O extraordinário caso de clarividência e de previsão narrado a
seguir foi publicado pela mesma revista (1896, pág. 205):
LXXV – “Uma senhora das minhas relações, Lady A., re-
sidia nos Campos Elíseos. Jantara eu em casa dessa amiga,
numa tarde de outubro de 1883. Mau grado sua grande for-
tuna, era uma senhora metódica. Muito ativa, satisfazia-se
em dormir apenas mui poucas horas. Todas as noites, logo
após a saída de seus hóspedes, fazia suas contas.
Qual não foi, nessa noite, o seu espanto, ao constatar que
lhe faltava a quantia de 3.500 francos no bolsinho interior da
enorme bolsa de viagem, onde tinha o hábito de guardar as
suas jóias e o seu dinheiro!
Entretanto, a fechadura não tinha sido forçada. Somente os
bordos da bolsa pareciam ter sido separados... Contudo,
Lady A. estava certa de que, pelas 2 horas da tarde, diante da
sua criada de quarto, havia aberto a sua bolsa, pago uma
conta e posto o dinheiro em seu lugar de costume, do que ti-
nha absoluta certeza. Em sua perturbação, chamou a criada
de quarto, que nada lhe pôde esclarecer, mas que teve tempo
de advertir todo o pessoal, de sorte que o culpado ou os cul-
pados – se porventura se achavam entre os domésticos – pu-
dessem pôr em lugar seguro o fruto do roubo.
No dia seguinte, bem cedo, foi avisado o comissário de
Polícia da rua Berryer. Mordomos e criados, armários e es-
conderijos, todos os móveis, enfim, foram revistados. Nada
se encontrou, naturalmente.
Tendo terminado suas pesquisas infrutíferas, o comissário
conversou por um momento com Lady A. Perguntou-lhe
quais eram as suas impressões, relativamente à maneira pela
qual teria sido o roubo praticado... quais os empregados me-
nos dignos de confiança. etc.
Lady A., enumerando seus criados, pediu ao comissário
para excluir de desconfianças seu segundo criado de quarto,
um moço de 19 ou 20 anos, muito bem apessoado, muito
respeitoso, muito conhecedor do serviço, que tinha sido ape-
lidado “o pequeno”, não por causa de seu talhe, pois que ele
era, pelo contrário, bem grande, mas por um sentimento de
gentil familiaridade protetora que lhe haviam conquistado as
suas boas qualidades.
Tinha-se escoado quase toda a manhã nessas pesquisas in-
frutíferas, quando Lady A. me enviou a Srta. C., professora
de sua filha mais moça, para contar-me o que lhe sucedera e
pedir-me para acompanhar a mesma moça à casa de uma
clarividente cuja lucidez – alguns dias antes – eu havia elo-
giado.
Para lá nos dirigimos.
Mme. E., a nossa clarividente, trouxe uma taça cheia de
bagaço de café, pediu à Srta. C. para soprar em cima por três
vezes, depois do que foi esse bagaço passado para uma outra
taça, sendo a primeira emborcada sobre a segunda, a fim de
que o conteúdo passasse em parte para o novo recipiente, re-
tendo apenas, sobre a superfície da parte interna, algumas
partículas mais sólidas do pó de café, que devia, deixando
escapar sua parte líquida, formar extravagantes desenhos,
nos quais a pitonisa parecia ler.
Durante essa preparação oculta, era preciso ocupar-nos; a
Sra. E. estendera as suas cartas e começava:
– Ah!... mas... é um roubo, e um roubo praticado por uma
das pessoas da casa e não por alguém que se introduzisse
furtivamente.
Essa declaração era bem promissora... Reconhecemos que
o que ela afirmava era verdadeiro... Quanto ao ladrão, era-
nos infelizmente desconhecido.
– Esperai – disse-nos ela – vou agora ver os detalhes no
bagaço que deve ter formado o seu depósito.
Tomou a taça emborcada, mandou que a Srta. C. aí so-
prasse ainda por três vezes e pôs o seu lornhão.
Então, como se houvesse assistido à cena, descreveu-nos
peça por peça a topografia do apartamento de Lady A., sem
jamais se enganar relativamente a um quarto ou a uma sala.
Viu desfilarem diante de seus olhos, como em lanterna má-
gica, sete domésticos dos quais nos disse exatamente o sexo
e as atribuições. Depois, novamente penetrando no quarto de
Lady A., avistou um armário 106 que lhe pareceu bem extra-
ordinário:
– Existe lá – repetia-nos ela, com espanto – um armário ao
centro, cuja porta é ornada de espelho; e de cada lado desse
armário principal há ainda dois outros sem espelho, e tudo
isso se conserva...
“Por que esse armário jamais está fechado? Entretanto, ele
contém sempre o dinheiro que se acha... em... Que objeto
esquisito!... abre-se como um porte-monnaie, em forma de
bolsa... e não como um cofre... Ah! eu o sei! é uma bolsa de
viagem... Que idéia a de guardar aí seu dinheiro! e sobretudo
que imprudência de deixar o armário aberto!...
“Os ladrões conheciam bem a bolsa... eles não forçaram a
fechadura. Introduziram um objeto bastante largo para sepa-
rar os dois lados; depois, com auxílio de uma tesoura ou de
uma pinça, retiraram o dinheiro que aí estava, em notas de
banco...”
Nós a havíamos deixado falar. Tudo o que nos dissera essa
mulher confundia-nos, na veracidade dos detalhes, ainda os
mais ínfimos.
Ela se deteve fatigada. Quanto a nós, desejaríamos saber
mais. Pedimos-lhe, suplicamos-lhe que nos dissesse qual ou
quais os empregados que tinham praticado o furto, pois que
nos assegurava fazerem estes parte do pessoal do serviço
doméstico.
Confessou ela que lhe seria impossível fazê-lo sem incor-
rer nos rigores da lei francesa que diz não se poder e não se
dever admitir que um culpado seja reconhecido como tal,
sem provas, por meios ocultos.
À força de rogativas, ela nos assegurou, entretanto, que o
dinheiro de Lady A. não seria jamais encontrado; o que era
muito provável, porquanto o culpado não seria, de forma al-
guma, descoberto por causa desse roubo, e enfim, o que era
mais para admirar, que dois anos mais tarde ele sofreria a
pena capital.
Todas as vezes que seu olhar, percorrendo os desenhos do
bagaço de café, fixavam-se sobre “o pequeno”, ela o distin-
guira perto de cavalos. Asseguramos-lhe que jamais servira
ele de escudeiro, ocupando-se exclusivamente com os servi-
ços domésticos, ao passo que os escudeiros residem com os
cocheiros; mas a Sra. E. estava obstinada na sua afirmativa.
Quanto mais a contradizíamos, tanto mais se obstinava ela
em o afirmar. Acabáramos por deixar de lado esse pequenís-
simo nada, que nos impressionava, entretanto, como uma
nódoa em um conjunto surpreendente de exatidões.
Lady A., ao cabo de quinze dias, despediu seu mordomo e
sua criada de quarto. “O pequeno”, sem que se soubesse a
razão disso, no momento, deixou Lady A. três ou quatro se-
manas mais tarde. O dinheiro não foi encontrado; e, um ano
depois, Lady A. partia para o Egito.
Dois anos após aquele acontecimento, Lady A. recebia,
procedente do Tribunal do Sena, o aviso de se dirigir, como
testemunha, a Paris.
Encontrara-se o autor do roubo. Acabava ele de ser preso:
“o pequeno”, dotado de tantas qualidades, não era outro se-
não Marchandou, o assassino da Sra. Cornet.
Como se sabe, sofreu ele a pena capital, como o anunciara
a clarividente da rua Notre Dame de Lorette e, pelo proces-
so, ficou provado que “o pequeno” tinha, nos Campos Elí-
seos, muito perto da residência de Lady A., um irmão que
era cocheiro em uma grande casa.
“O pequeno”, ou Marchandou, pois que ambos são a
mesma pessoa, aproveitava, então, todos os seus momentos
de liberdade para ir ter com seu irmão, pois era grande ama-
dor de cavalos. E, portanto, essa a razão pela qual a Sra. E.
nos afirmara, mau grado as nossas contraditas, que ela o via
sem cessar perto dos cavalos.
Ainda nesse pequeno detalhe, que as peripécias do proces-
so nos revelaram, acertara a clarividente.
L. d’Ervieux
Atesto estar conforme a verdade.
C. Deslious (que assistiu à consulta).”
“Observação – Este caso de clarividência é absolutamente
extraordinário. Tivemos ocasião de avistar-nos com Lady
A., que nos confirmou a exatidão da precedente narrativa.
Não se deve, evidentemente, ver no emprego das cartas e
do bagaço de café senão um meio empregado, sem dúvida
inconscientemente, pelo sujet, para ficar em estado de auto-
sonambulismo, isto é, em um estado em que a consciência
normal se torna inativa, para que se manifeste o inconscien-
te. Nesse segundo estado as faculdades inconscientes podem
adquirir todo o seu desenvolvimento, sendo possível admitir
que a faculdade de clarividência, que todos talvez possuímos
em um estado mais ou menos rudimentar, possa exercer-se
mais livremente e adquirir, em indivíduos predispostos, um
certo grau de precisão.
Dariex”
O Sr. Myers cita na mesma revista (1899, pág. 170) o seguin-
te caso de repetição de um sonho premonitório:
LXXVI – “Há 60 anos uma Sra. Carleton faleceu no Con-
dado de Leitrim. Era amiga íntima de minha mãe, e poucos
dias após a sua morte ela lhe apareceu em sonho e lhe disse
que nunca mais minha mãe teria ocasião de vê-la em sonho,
salvo uma única vez, 24 horas antes de sua morte.
Em março de 1864 minha mãe residia em companhia de
meu genro e de minha filha, o Dr. e a Sra. Lyon, em Dalkey.
A 2 de março, à noite, minha mãe recolheu-se ao seu quarto,
muito bem disposta, rindo e gracejando com a Sra. Lyon.
Nessa mesma noite, ou antes na manhã seguinte, o Dr. Lyon,
ouvindo barulho no quarto de minha mãe, acordou a Sra.
Lyon, para que fosse ver o que se passava. Ela encontrou
minha mãe com o corpo a meio para fora da cama e com
uma expressão de horror desenhada em seu rosto. Propor-
cionaram-lhe os melhores cuidados e, na manhã seguinte,
parecia ter voltado ao seu estado natural. Almoçou como de
costume, em sua cama, e muito alegremente. Pediu à minha
filha para dizer à criada que lhe preparasse um banho, que
ela tomou. Mandou em seguida chamar a Sra. Lyon e lhe
disse que a Sra. Carleton viera enfim, após um intervalo de
56 anos, falar-lhe de sua morte muito próxima, e que morre-
ria na manhã do dia seguinte, à mesma hora em que a havi-
am encontrado como acabo de dizer. Acrescentou que havia
tomado um banho por precaução, para evitar a lavagem de
seu corpo. Começou então a decair pouco a pouco e morreu
na manhã de 4 de março, à hora em que o havia dito.
O Dr. e a Sra. Lyon podem corroborar esta narrativa.
Sempre minha mãe me dizia que tornaria a ver a Sra. Carle-
ton antes de sua morte.
Thomas James Norris
Dalkey, Irlanda.”
Seguem-se diversos atestados.
O Sr. Myers escreve a propósito:
“Há três explicações possíveis para esses fatos.
De minha parte, sinto-me bastante propenso a admitir que
a falecida Sra. Carleton conhecia realmente a doença que
ameaçava a sua amiga e que os dois sonhos foram produzi-
dos telepaticamente por um espírito desencarnado para com
um espírito encarnado. Mas podemos também supor que o
primeiro sonho, ainda que puramente acidental, produziu
uma impressão tão profunda que, quando se reproduziu,
também por acaso, foi equivalente a uma auto-sugestão de
morte. Ainda uma terceira explicação é possível: a de su-
pormos que o primeiro sonho foi acidental, mas que o se-
gundo foi simbólico e produzido por alguma sensação orgâ-
nica que preludiava a morte iminente, sendo porém percep-
tível durante o sono, em vez de o ser em estado de vigília.
Há, entretanto, casos em que tais predições de morte, em
sonho, são feitas com tanta antecipação relativamente à data
fixada para o falecimento, que é difícil conceber que seja a
auto-sugestão a causadora do resultado.”
Não começaremos aqui a discussão do grande problema das
comunicações de mortos, que só por si exigirá desenvolvimentos
indispensáveis à sua elucidação, dado que nos seja possível
chegar até lá. Já se pôde assinalar diversas dessas comunicações
na variedade dos exemplos aqui consignados. Possuímos consi-
derável número de tais exemplos, cuja análise exige um trabalho
ainda mais atento do que o que presidiu às pesquisas preceden-
tes, nas quais não saímos do quadro dos seres vivos.
O que precedentemente quisemos estabelecer, com a publica-
ção desses sonhos premonitórios, foi que realmente certos so-
nhos têm previsto e anunciado o futuro, e isso com precisão. Não
se trata de pressentimentos vagos ou de predições alambicadas,
suscetíveis de duplos e tríplices sentidos, no gênero das de
Nostradamus, que se podem aplicar indistintamente a vários e
diferentes sucessos, mas da visão real e exata do que em seguida
sucede.
Por hora, não iremos mais longe.
O ser humano é dotado de faculdades ainda desconhecidas,
que permitem ver de longe, no espaço e no tempo. Foi o que
quisemos demonstrar por um conjunto de testemunhos satisfató-
rios.
Quanto à pesquisa das respectivas leis, não é chegada ainda a
hora de a encetarmos. Pôde-se constatar que esses sonhos são
freqüentemente concernentes a coisas banalíssimas da vida
cotidiana. Mas pode-se, de resto, confessar que a vida humana
terrestre é, em geral, assim constituída.
Pelo fato de ter sido o futuro previsto em certos sonhos ex-
cepcionais, não se deveria concluir por idêntica interpretação
geral dos sonhos. Seria isso um completo erro. Ao demais, eu
não aconselharia a consultar-se o que quer que seja sobre o
futuro.
Falta-nos espaço para tratarmos neste volume da questão dos
pressentimentos, assim como da que concerne à adivinhação do
futuro em estado de vigília, e somos obrigados a deixar para
mais tarde essas interessantes pesquisas. Para nós o fato se acha
igualmente resolvido no sentido da afirmativa. A curiosa impres-
são do já visto será em seguida examinada. Chegaremos depois
ao eterno problema do livre arbítrio e do destino e constataremos
que o futuro existe de um modo tão preciso como o passado e o
presente, determinado pelas causas que o produzirão, em virtude
daquele princípio absoluto, segundo o qual não há efeito sem
causa, sendo a alma humana, aliás, com todas as suas faculdades,
uma dessas causas.
Não se pode fazer tudo de uma vez e, antes, devo escusar-me,
lendo o número 575 no alto desta página, da longa atenção a que
submeti aos meus leitores e as minhas leitoras. Mas importava,
antes de tudo, fazer uma classificação metódica dos fenômenos,
começando pelos mais seguros, estudá-los sucessiva e comple-
tamente, admitindo em primeiro lugar o que parecesse, à nossa
razão, estar demonstrado como certeza moral.
As manifestações telepáticas de moribundos, a transmissão
do pensamento, a ação psíquica de um ser humano sobre outro, a
distância, e a previsão do futuro, em sonho e em estado sonam-
búlico, constituem, para nós, fatos positivos. Pareceu-nos lógico
iniciar por aí a nossa investigação do mundo invisível.
Conclusão

Os documentos apresentados neste volume à atenção dos a-


migos da verdade estão longe de representar o conjunto dos
fenômenos psíquicos; eles, porém, já nos conduzem a algumas
conclusões preliminares.
O fim dessas pesquisas é saber se a alma humana existe como
entidade independente do corpo e se ela sobrevive à destruição
deste.
Pois bem! Os fatos que acabam de ser expostos depõem quase
todos em favor dessa existência. A hipótese de influências físi-
cas, mecânicas, fisiológicas não os explica. As palavras alma,
espírito, entidade psíquica são as que melhor convêm para
designar essas transmissões. A palavra cérebro não é adequada.
Pode uma alma exercer influência sobre outra, a distância e
sem ter os sentidos por intermediários.
Aí estão manifestações de faculdades de ordem psíquica e
não de ordem fisiológica.
Grande número de mortes, cujos exemplos são acima dados,
foram conhecidos por meio de comunicações telepáticas, apari-
ções (subjetivas ou objetivas), chamamentos, cantos, ruídos e
movimentos (fictícios ou reais), impressões diversas. Não pode
haver mais dúvida alguma sobre esse ponto.
A alma, portanto, age a distância.
Igualmente indubitável é a sugestão mental.
A comunicação psíquica entre os vivos não está menos corro-
borada por um número suficiente de fatos de observação. Há
correntes psíquicas, como há correntes aéreas, elétricas, magné-
ticas, etc.
A abundância dos testemunhos recentes e contemporâneos
impediu-nos de citar as narrativas antigas que não são, tanto
quanto as modernas, para desprezar, e diversas das quais se
apresentam com todas as características de uma autenticidade
incontestável. Algum dia talvez as descrevamos com todos os
seus interessantes detalhes.
A telepatia era quase que um dos lugares comuns da literatura
antiga. As obras de Homero, de Eurípedes, de Ovídio, de Virgí-
lio, de Cícero põem mui freqüentemente em cena manifestações
de moribundos e de mortos, aparições, evocações, realizações de
sonhos premonitórios.
Pode-se acompanhar esses fatos telepáticos no curso de toda a
história da Humanidade e entre todos os povos, desde a antigüi-
dade, através da lenta sucessão dos séculos, até a nossa época
moderna. São eles extremamente numerosos, e enganam-se
aqueles que os consideram todos como falsos e lendários.
Essas observações não datam, portanto, de hoje. Devemos es-
perar que o seu estudo científico as force a saírem das sombras
da lenda e da superstição.
Falta-nos espaço para analisar detalhadamente cada uma das
que neste volume registramos e para estabelecer desde agora que
há grande número de causas diversas em jogo nesses fenômenos.
O que, desde logo, quisemos deixar aqui provado, foi a realidade
das manifestações de moribundos, da ação psíquica a distância,
das comunicações mentais, do conhecimento das coisas pelo
espírito, sem o concurso dos sentidos.
Pode-se ver sem os olhos, ouvir sem os ouvidos, não, de mo-
do algum, por uma hiperestesia do sentido da vista ou do ouvido,
visto como essas observações provam o contrário, mas por um
sentido interior, psíquico, mental.
A vista interior da alma pode ver não somente o que se passa
ao longe, em distâncias consideráveis, mas ainda conhecer
antecipadamente o que sucederá no futuro. O futuro existe
potencialmente, determinado pelas causas que provocarão os
efeitos sucessivos.
A observação positiva prova a existência de um mundo psí-
quico, tão real como o mundo conhecido pelos nossos sentidos
físicos.
Presentemente, partindo do princípio de que a alma age a dis-
tância, em virtude de uma força que lhe é própria, estamos
autorizados a concluir, daí, que ela existe como ser real, que não
é resultante das funções do cérebro?
A luz realmente existe?
Existe realmente o calor?
Existe o som?
Não.
Em tudo isso há apenas manifestações de movimentos.
O que chamamos luz é uma sensação produzida sobre o nosso
nervo óptico pelas vibrações do éter, compreendidas entre 400 e
756 trilhões por segundo, ondulações de si próprias obscuras.
O que chamamos calor é uma sensação produzida por vibra-
ções, não quentes em si mesmas, cujo número está compreendido
entre 350 e 600 trilhões.
O Sol ilumina o espaço tanto à meia-noite como ao meio-dia.
Entretanto, o espaço permanece na obscuridade. Sua temperatura
é de cerca de 270 graus abaixo de zero.
O que chamamos som é uma sensação produzida sobre o nos-
so nervo auditivo por vibrações do ar, silenciosas em si mesmas,
compreendidas entre 32 e 36.000 por segundo.
A eletricidade existe, ou é, em si mesma, apenas uma certa
modalidade do movimento? O futuro da Ciência no-lo revelará.
(É provável que ela exista como entidade real. Não será o éter
uma substância elétrica?)
A palavra atração foi aplicada por Newton apenas para repre-
sentar a maneira pela qual os corpos celestes se movem no
espaço. “As coisas passam-se – diz ele – como se esses corpos se
atraíssem.” Quanto à essência, à natureza dessa força aparente,
ninguém a conhece.
Grande número de termos científicos não representam mais
do que efeitos, e não causas.
Poderia acontecer que a alma estivesse no mesmo caso.
As observações expostas nesta obra, as sensações, as impres-
sões, as visões, as audições, etc., poderiam indicar efeitos físicos
produzidos de cérebro a cérebro.
Sim, sem dúvida. Mas não parece ser assim que se passam as
coisas.
Examinemos um exemplo.
Retornemos, nesta obra, ao capítulo III, caso CLVIII:
Uma jovem esposa, adorada de seu marido, morre em Mos-
cou. Seu sogro, em Poulkovo, perto de São Petersburgo, vê, a
essa mesma hora, a seu lado, a nora acompanhando-o pela rua e
depois desaparecer. Tomado de surpresa e de pavor, telegrafa a
seu filho e é informado ao mesmo tempo da doença e da morte
da referida pessoa.
Somos de modo absoluto obrigados a admitir que “alguma
coisa” emanou da morta e foi impressionar seu sogro.
Esse “algo desconhecido” pode ser um movimento etéreo,
como no caso da luz, e não ser mais do que um efeito, um produ-
to, um resultado; mas esse efeito tem uma causa e essa causa é a
agonizante, evidentemente. Pode a constituição do cérebro
explicar essa projeção? Não creio que algum anatomista ou
algum fisiologista ouse responder afirmativamente.
Pressente-se ali uma propriedade desconhecida, não do orga-
nismo físico, mas do ser pensante.
Tomemos um outro exemplo, o do capítulo III, caso VIII:
Uma senhora escuta, em sua casa, uma voz que canta, a voz
de uma amiga que entrara para o convento, e cai desmaiada
porque compreendeu que era a voz de uma morta! No mesmo
instante essa amiga morria, com efeito, a 40 quilômetros de
distância.
Não temos ainda aqui a mesma impressão, a de uma comuni-
cação de alma a alma?
Ainda outro exemplo, do capítulo III, caso CLXVII:
A esposa de um capitão que partira para as Índias vê, certa
noite, seu marido de pé diante dela, com as mãos comprimidas
sobre o peito e o semblante de quem está sofrendo. A comoção
que ela experimenta por causa disso convence-a de que ele está
morto ou gravemente ferido. Era 14 de novembro. O Ministério
da Guerra anuncia-lhe em seguida que ele foi morto a 15. Faz-se
uma verificação a respeito. O Ministério tinha-se enganado: foi
precisamente a 14 que ele morreu.
Em meio de seus folguedos, uma criança de seis anos detém-
se gritando com aspecto apavorado: “Mamãe, acabo de ver
mamãe!” Nesse mesmo instante sua mãe morria, longe dali
(capítulo III, caso CXI).
Uma jovem, estando no baile, pára de repente no meio de
uma contradança e, banhada em lágrimas, grita: “Meu pai mor-
reu, acabo de vê-lo!” No mesmo instante seu pai morria, igno-
rando a filha que ele estivesse doente (capítulo III, caso XC - B).
Todos esses fatos se nos apresentam como designativos não
de atos fisiológicos de cérebro a cérebro, mas de atos psíquicos
de espírito a espírito.
É sempre difícil, sem dúvida, separar o que pertence ao espí-
rito, à alma, do que pertence ao cérebro. Não nos podemos
deixar guiar em nossas apreciações e em nossos julgamentos,
senão pelos sentimento íntimo que resulta para nós da discussão
dos fenômenos. Nem foi outra a maneira pela qual todas as
ciências foram fundadas. Pois bem! Não sentem todos que se
trata, nos exemplos citados, de manifestações de um ser pensante
e não somente de fatos fisiológicos materiais ou de transforma-
ções da energia física?
Essa impressão é abundantemente confirmada pela constata-
ção de faculdades desconhecidas da alma, que se acham em jogo
nos sonhos e no sonambulismo.
Um irmão é sabedor da morte de sua jovem irmã por meio de
um horrível pesadelo (capítulo VII, caso LXX).
Um senhor sonha que vê cair de uma janela uma moça que,
aliás, ele não conhece (capítulo VIII, caso VII).
Uma senhora vê em sonhos um de seus amigos afogar-se (ca-
pítulo VIII, caso XVIII).
Uma mãe vê em sonho sua filha caída em uma estrada e co-
berta de sangue (capítulo VIII, caso XXII).
Uma senhora vai, em sonho, visitar seu marido sobre um na-
vio longínquo e seu marido recebe realmente essa visita, teste-
munhada por uma terceira pessoa (capítulo VIII, caso XXXVIII).
Uma senhora magnetizada vê e descreve todo o interior do
corpo de sua mãe agonizante, no estado em que foi exatamente
constatado pela autópsia (capítulo VIII, caso XLIV).
Um senhor vê em sonho uma senhora, sua amiga, chegar pelo
trem de ferro, viagem essa aliás imprevista (capítulo IX).
Uma senhorita vê antecipadamente, em sonho, o jovem des-
conhecido que ela desposará (capítulo IX).
Uma senhora vê o ataúde no qual será enterrado um senhor
bem disposto com quem ela conversa (capítulo IX).
Diversas pessoas vêem de antemão uma cidade, uma paisa-
gem, em circunstâncias idênticas às em que se encontram em
seguida (capítulo IX, casos diversos).
Uma mãe ouve, com seis meses de antecipação, sua filha a-
nunciar-lhe um casamento imprevisto (capítulo IX).
Determinada morte é predita com precisão (casos freqüentes).
É visto um roubo por uma sonâmbula e anunciada a execução
do delinqüente (capítulo IX).
Uma jovem vê seu noivo, seu amigo íntimo, no momento da
morte (casos freqüentes).
A ação psíquica de um espírito sobre outro, a comunicação a
distância existem, com tanta certeza como as correntes elétricas e
magnéticas da atmosfera (capítulo VI, casos diversos).
São faculdades desconhecidas da alma. Tal é, pelo menos, a
minha impressão. Não me parece que se possa racionalmente
atribuir a previsão do futuro e a vista mental a uma produção
nervosa do cérebro.
O cérebro não é mais do que um órgão, como o nervo óptico
ou o nervo auditivo. A alma, o espírito, o ser intelectual age e
percebe por si mesmo; não é, porém, uma propriedade física o de
que ele dispõe.
A adivinhação do futuro é talvez o que ainda há de mais ex-
traordinário, pois que para que ela exista é necessário que o
futuro seja determinado de antemão, com certeza, pelas causas
que o produzirão. Notemos que um só fato desse gênero, com
exatidão constatado, provaria a tese. Ora, não é um fato apenas
que temos sob nossas vistas, mas centenas de fatos.
Falta-nos o espaço – e mesmo não é este o lugar – para discu-
tir o grave problema do livre arbítrio e da fatalidade. Relembre-
mos somente as palavras seguintes de Laplace:
“Os acontecimentos atuais têm com os precedentes uma
conexão fundada sobre o princípio evidente de que não pode
uma coisa começar a existir sem uma causa que a produza.
Este axioma, conhecido sob o nome de princípio da razão
suficiente é extensivo às ações mais insignificantes. A mais
livre das vontades não pode, sem um motivo determinante,
dar-lhes origem, porquanto, sendo todas as circunstâncias de
dupla posição exatamente as mesmas, se ela agisse sobre
uma e se abstivesse de agir sobre outra, sua escolha seria um
efeito sem causa; seria então, diz Leibniz, o cego acaso dos
epicuristas. A opinião contrária é uma ilusão do espírito que,
perdendo de vista as razões fugitivas do desígnio da vonta-
de, nas coisas mínimas, persuade-se de que ela se determina
por si mesma e sem motivo algum. Devemos, pois, encarar o
estado presente do Universo como o efeito do seu estado an-
terior e como a causa do que vai seguir-se. Uma inteligência
que conhecesse todas as forças de que está animada a Natu-
reza e a situação respectiva dos seres que a compõem, se, a-
lém disso, fosse bastante ampla para submeter esses dados à
análise, abrangeria na mesma fórmula os movimentos dos
maiores corpos do Universo e os do mais ligeiro átomo: na-
da existiria de incerto para ela e tanto o futuro como o pas-
sado estariam presentes aos seus olhos. O espírito humano
oferece, na perfeição que soube dar à Astronomia, um frágil
esboço dessa inteligência.” 107
Se o futuro é inevitável, a que se reduz a nossa liberdade? Um
dia possivelmente a Filosofia conciliará essas duas aparentes
contradições, pois que temos o sentimento de poder escolher e da
utilidade dos esforços que empregamos, e todo o progresso dos
povos ocidentais é devido precisamente à ação intelectual,
oposta ao fatalismo dos orientais. Fatos, na aparência contraditó-
rios, já se explicam hoje pelo conhecimento das coisas, como por
exemplo a levitação, o levantamento de um pesado corpo de
ferro sob a influência de um ímã. A ascensão de um balão é tão
natural como a queda de uma pedra. Que os moralistas não
venham, pois, deduzir conseqüências de uma determinação
antecipada que se possa fazer de certas coisas, para se recusarem
a admitir as previsões do futuro, reconhecidas e controladas.
As contradições não são mais do que aparentes. Determinis-
mo não é fatalismo.
Os fenômenos que estudamos talvez não estejam tão fora do
alcance, como parece, dos raciocínios da ciência positiva.
Creio que seja necessário, ou negar todos esses fatos, ou ad-
mitir que eles denotam uma causa intelectual, espiritual, de
ordem psíquica, e estou persuadido de que os cépticos, por parti
pris, preferirão negá-los, tratando-os como ilusões e coincidên-
cias fortuitas: será isso mais simples. Os negadores intransigen-
tes, rebeldes mesmo à evidência, serão ainda mais absolutos e
declararão que os autores dessas extravagantes narrativas não
passam de farsantes que me escreveram com o intuito de mistifi-
carem-me, e que o mesmo sucedeu em todos os séculos para com
todos os pensadores que se dispuseram a ocupar-se com essas
questões.
Seria, efetivamente, possível recusarmo-nos a aceitar todos
esses testemunhos humanos? Não nos parece que tenhamos esse
direito. Os que foram controlados provaram sua veracidade, sua
autenticidade. Não foram imaginados ou coordenados após os
sucessos: pelo contrário, o que impressiona é a sua espontanei-
dade, tendo sido freqüentemente por causa dessa aparência de
mistério, que me escreveram, narrando-os, no desejo de recebe-
rem uma explicação. Sem dúvida alguma, nem todas as narrati-
vas oferecem as mesmas garantias e várias entre elas podem,
aliás com toda a sinceridade, ter sido mesmo modificadas na
memória dos narradores e adaptadas mais estritamente aos
acontecimentos; mas isso não quer dizer que tenham sido inven-
tadas, nem que sejam mistificações. Recusar todos esses teste-
munhos levaria a recusar as narrativas de tudo o que se passa
constantemente em torno de nós, durante a vida, sob o pretexto
de que não se verificou tudo ou de que certos detalhes são inexa-
tos. Atenho-me aqui ao raciocínio de Emmanuel Kant mais
acima citado e ao que já fiz notar a esse propósito.
Tal é, pelo menos, a minha impressão e submeto-a com con-
fiança aos leitores ansiosos de chegar à verdade, sem ter, aliás,
de modo algum, a presunção de impor minha opinião a ninguém.
Cada um apreciará conforme o seu julgamento próprio.
Procuro simplesmente pôr as coisas em foco, tal como um as-
trônomo a sua luneta, um fotógrafo em face de uma paisagem ou
um naturalista armado de um microscópio.
Segundo penso, provam esses fenômenos que a alma existe e
é dotada de faculdades ainda desconhecidas. Era, portanto,
lógico iniciarmos por aí os nossos estudos, cujo prosseguimento
nos conduzirá ao problema da sobrevivência e da imortalidade.
Pode uma idéia transmitir-se de um a outro espírito. Há trans-
missões mentais, comunicação de pensamentos, correntes psí-
quicas entre as almas humanas. O espaço não parece constituir
um obstáculo e o tempo se nos afigura, por vezes, como que
aniquilado.
Qual o modo de energia que se acha em jogo nessas transmis-
sões? Atualmente é impossível dizê-lo. Um certo número das
impressões experimentadas fazem pensar nos fenômenos do raio
e da eletricidade. Não seria desarrazoado pensar-se que este
último agente esteja muito mais intimamente associado ao orga-
nismo humano, do que até hoje se tem acreditado. Mas, uma vez
ainda, a hora das teorias não é chegada.
Muito embora relativamente raros e sem a banalidade das
coisas ordinárias da vida cotidiana, esses fatos são muito mais
numerosos e freqüentes do que até agora se tem julgado. Vimos
mais acima que o inquérito aberto por mim, em março de 1899,
fez que chegassem às minhas mãos 1.130 cartas a respeito de tais
fatos. Juntando a esse número as que recebi durante a impressão
deste volume, excedem elas a 2.000. Podem-se ler, julgar, apre-
ciar neste primeiro volume, 186 casos de manifestação de mori-
bundos constatados em estado de vigília, 70 casos percebidos
durante o sono, 57 observações ou experiências de transmissão
de pensamento sem o concurso da vista, do ouvido ou do tato, 49
exemplos de vista a distância, em sonho ou em estado de sonam-
bulismo, 80 sonhos premonitórios e adivinhações do futuro, ou
sejam, 442 fenômenos de ordem psíquica que indicam a existên-
cia de forças ainda desconhecidas agindo entre os seres pensan-
tes e pondo-os em comunicação latente uns com os outros (tenho
ainda, talvez, outro tanto de casos análogos a esses). Mesmo
atribuindo a máxima amplitude às variações da memória e à
imaginação dos narradores, não é possível deixar de sentir e de
reconhecer nesses testemunhos um fundo de verdade e de since-
ridade incontestáveis. Certas observações e certas experiências,
além disso, foram relatadas com o cuidado de não deixarem
margem alguma ao erro, que em si mesmas contêm a caracterís-
tica da autenticidade científica mais absoluta e mais bem contro-
lada. São, portanto, testemunhos que acusam o cepticismo dos
negadores por parti pris e o reduzem à última extremidade. E
agora que a atenção geral está voltada para essa ordem de fatos,
serão eles assinalados em muito maior número, visto como bem
considerável era o dos que passavam despercebidos ou aos quais
nenhum valor se atribuía. Em Astronomia, desde que os astros
são descobertos, todo o mundo os vê.
Tenho para mim que as conclusões seguintes resultam logi-
camente do conjunto dos fatos expostos:
1º) a alma existe como personalidade real, independente do
corpo;
2º) a alma é dotada de faculdades ainda desconhecidas da
Ciência;
3º) ela pode agir e perceber, a distância, sem os sentidos
como intermediários;
4º) o futuro é de antemão preparado, determinado pelas cau-
sas que o produzirão. A alma percebe-o algumas vezes.
Observações outras já foram apresentadas, especialmente no
que concerne aos duplos de vivos, ao corpo etéreo ou astral e às
manifestações de mortos; mas os quatro pontos precedentes
parecem-me firmados e demonstrados.
Quanto às explicações, é prudente não tentá-las. Já mostrei
por diversas vezes neste livro que não são elas necessárias para a
admissão dos fatos. Muita gente, em geral, é ludíbrio, a esse
respeito, de ilusões assaz singulares. Ao tempo dos possessos de
Loudun ou dos convulsionários de Saint-Médard, por exemplo,
como os efeitos da sugestão e do hipnotismo eram desconheci-
dos, declarava-se que tais fenômenos eram ou fraudulentos ou
diabólicos. Ora, eles não são nem uma nem outra coisa. Muitos
deles hoje se explicam e ouve-se freqüentemente dizer de todos
aqueles de que se fala: “isso é hipnotismo, sugestão, subconsci-
ente”. Outro erro. Pode muito bem acontecer que não se trate
nem de uma nem de outra coisa, não sendo por isso que o fato
deixe de existir. Não fechemos o círculo de nossas concepções,
não estabeleçamos nem escolas nem sistemas e não pretendamos
que atualmente deve ser tudo explicado para que seja admitido.
A Ciência está longe de haver dito a sua última palavra, seja a
respeito do que for.
Esses estudos em muito ultrapassam os limites de um volume
no qual eu tinha a intenção de encerrá-los. Mas esse quadro
restrito obrigava-me a tantas condensações, restrições e supersti-
ções, que o conhecimento dos assuntos era por esse motivo
consideravelmente diminuído, impondo-se, por isso, insensivel-
mente, naturalmente, um maior desenvolvimento. Ser muito
incompleto teria tido como conseqüência nada poder provar.
Preferi tratar de modo completo e metodicamente os objetos de
estudo, em lugar de esflorar apenas superficialmente e inutilmen-
te um exagerado número deles. São necessários, nesse gênero de
pesquisas, provas acumuladas e convincentes, testemunhos
seguros, numerosos e concordantes. Cumpria antes de tudo
provar. Espero que essa demonstração esteja aqui feita para todo
espírito livre, esclarecido e de boa fé.
Leva-nos a seqüência destas pesquisas a examinar os fenô-
menos do Espiritismo e da mediunidade; os do sonambulismo,
do magnetismo e do hipnotismo; o conhecimento dos fatos
remotos e do futuro sem o concurso dos sonhos; os pressenti-
mentos, os duplos de pessoas vivas, o corpo astral, as aparições e
manifestações de mortos, as casas mal-assombradas, os movi-
mentos de objetos sem contato, a feitiçaria, a magia, etc.
O que desde já podemos estabelecer é que, pondo de parte
superstições, erros, ilusões, farsas, malícias, mentiras, fraudes,
restam fatos psíquicos verdadeiros, dignos da atenção dos pes-
quisadores. Isto quer dizer que entramos na investigação de todo
um mundo, tão antigo como a Humanidade, mas ainda bem novo
para o método científico experimental, que apenas começa a
aplicar-se a tais estudos de alguns anos a esta data e simultanea-
mente em todos os países.
É esse um programa de estudos que eu desejaria levar a bom
termo, se me fosse dado o tempo indispensável para alcançar
esse resultado. Mas, de uma parte, é prudente não nos entregar-
mos exclusivamente a essa espécie de indagações ocultistas,
porque bem depressa perderíamos a independência de espírito
necessária para julgar imparcialmente; melhor será não ver em
tudo isso mais do que uma digressão à margem da vida normal,
uma distração de ordem superior, curiosa e interessante: há
manjares e vinhos que é mais higiênico tomarmo-los em peque-
nas doses. Por outro lado, a Terra gira muito depressa e os dias
passam como sonhos. Sem embargo, espero desfrutar o prazer
científico de estudar uma parte desses mistérios. Depois, o que
um não faz outros o fazem; cada qual conduz sua modesta pedra
para a construção da pirâmide futura.
Recordemos também o caráter excepcional desses fatos. Os
fenômenos psíquicos de qualquer ordem que sejam, aliás, con-
quanto cessem de pertencer ao domínio mórbido das superstições
e dos fantasmas ocultos e sejam tratados à luz dos métodos
experimentais, não deixarão, por isso, de ser anormais e excep-
cionais. Não nos devemos, portanto, afoitar por esses caminhos
sem nos armarmos do espírito crítico, sem o qual a razão humana
não seria mais do que um simples engodo. Não devemos consi-
derar esses fatos senão como objetos de estudo interessantes, do
ponto de vista do conhecimento de nós mesmos.
Cumpre sinceramente confessar, com efeito, que o que menos
conhecemos ainda é a nossa própria natureza. A máxima de
Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo!” pode sempre inspirar os
nossos mais nobres pensamentos.
Todo autor tem seus imperativos de consciência. Não se deve
dizer senão o que se sabe. Talvez mesmo nem sempre se deva
dizer tudo o que se sabe; mas até na vida normal cotidiana, não
deveríamos jamais dizer senão o que sabemos.
Estudemos, portanto, trabalhemos e esperemos. O acervo dos
fatos de ordem psíquica mostra que vivemos em meio de um
mundo invisível, no seio do qual operam forças ainda desconhe-
cidas, o que está de acordo com o que sabemos sobre o limite
dos nossos sentidos físicos e sobre os fenômenos da Natureza. É
mesmo precisamente por causa de tal estado de coisas que tem
este trabalho por título O Desconhecido. Repitamos com Sha-
kespeare o pensamento por nós inscrito como epígrafe a um dos
nossos capítulos:
Há mais coisas no céu e sobre a terra, Horácio,
Que tudo o que saber pode a nossa filosofia;
e digamos também, com Lamartine, reportando-nos à filosofia
astronômica:
É a vida um degrau dessa escada dos mundos,
Que devemos subir para alcançar o além.

FIM

Notas:
1
Vide meu opúsculo Forças Naturais Desconhecidas (1865)
e discurso pronunciado nos funerais de Allan Kardec (1869).
2
De acordo com o original francês, “há espírito na Nature-
za”; em outros termos: além da parte material, há uma parte
espiritual na Natureza. (Nota do tradutor.)
3
O grande químico Humphry Davy, o primeiro que experi-
mentou o protóxido de azoto (em 1799), havia respirado, por
ocasião de suas primeiras experiências, uma forte dose desse
gás e perdido, por essa causa, os sentidos. Durante esse minuto
de inconsciência aparente, percebeu ele impressões cerebrais
extraordinárias, de que se recordou ao despertar, pelo menos no
que dizia respeito a suas conseqüências metafísicas. Suas idéi-
as, reconstituídas com energia, explodiram de repente nesta
exclamação pronunciada no tom de um inspirado: “Nada mais
existe do que o pensamento; o Universo compõe-se de impres-
sões, de idéias, de alegrias e sofrimentos”. (Sir Humphry
Davy, Les Derniers Jours d’un Philosophe, edição francesa,
prefácio, página XXI.)
Relatando uma de suas curiosas experiências, Mme.
d’Espérance, cujas faculdades mediúnicas são extraordinárias,
menciona uma impressão análoga: “Como descrever o indes-
critível? Desaparecera o tempo; o espaço não mais existia.
Compreendi que os pensamentos são as únicas substâncias
realmente tangíveis”. (E. d’Espérance, Au Pays de l’Ombre(*),
pág. 292.)
(*) Obra publicada em português sob o título No País das
Sombras, pela editora FEB. (Nota do revisor.)
4
Foi este o único mérito de alguns sábios que não quiseram
render-se à evidência do fenômeno espírita, entre eles figuran-
do em primeiro plano o admirável Richet. (N. T.)
5
Pode-se ler mais adiante (Capítulo VIII, caso XLIII), o
Relatório Oficial escrito a respeito dessa memorável operação
cirúrgica. Foi ela realizada em 12 de abril de 1829.
6
Assisti, com a idade de seis anos, à construção da linha do
caminho de ferro Paris-Lião-Mediterrâneo, na secção de Ton-
nerre a Dijon e, com a idade de 12 anos, à de Paris e Mulhouse,
na secção de Chaumont e Chalindrey, e me lembro, como se
fosse ontem, das conversações que se entabulavam em torno de
mim. Ninguém tinha uma intuição dos desenvolvimentos que
as redes deviam tomar em menos de meio século e, longe de
pensarem em ter as estações ao seu alcance, todos estavam
dispostos a afastá-las o mais possível, pelo menos em Langres,
onde comecei meus estudos e na minha aldeia de Montigny-le-
Roi. Notadamente nestes dois pontos, as gares se acham tão
isoladas e tão afastadas quanto possível dos centros comerciais
de cada região.
7
Raios luminosos, caloríficos e químicos, espectro do infra-
vermelho ao ultravioleta.
8
A descarga de uma garrafa de Leyde através de uma bobina
de fios muito finos e longos dá origem a vibrações eletromag-
néticas, cujos períodos determinados por Helmholtz (1869) e
após ele por muitos outros observadores, podem ser compreen-
didos entre 1.000 e 10.000 por segundo para os aparelhos usu-
ais. Em 1888, Hertz conseguiu reproduzir vibrações da mesma
natureza, de 100.000 por segundo, bem como estudar-lhes o
modo de propagação. Propagando-se essas vibrações no vácuo
(éter), o que as distingue das vibrações sonoras que só se pro-
pagam na matéria ordinária (ar, água, madeira, etc.), é racional
considerá-las como de natureza análoga às vibrações do calor
radiante, de acordo com as idéias emitidas por Maxwell desde
1867. Vide sir W. Thomson, Conferências, pág. 189.
9
Boletim da Sociedade Astronômica de França, ano de
1895, pág. 110. Vide também o do ano de 1897, pág. 307.
10
Vide Lumière, Paris 1868, tomo I, pág. 131.
11
Permito-me sobre este ponto remeter o leitor à minha obra
Deus na Natureza.
12
“Oh, moun bouan moussu, si lon menavi pas ensin, n’n
pourrion ren faire!” – eis como se pronunciou o sacristão, res-
posta essa que Flammarion traduz em francês traduzível (N. T.)
13
Tais exemplos mais ou menos bizarros de credulidade en-
contram-se em todos os países, associados às crenças religiosas
mais diversas. Quando regressei da minha viagem de observa-
ção do eclipse total do Sol, na Espanha, visitando Toledo, em
1º de junho de 1900, mostraram-me em uma rua muito pitores-
ca a capelinha da “Virgem dos Alfinetes”, na qual vão as mo-
ças, desejosas de se casarem, atirar alfinetes. Aí contei trinta e
um desses alfinetes, e eram apenas quatro horas da tarde: reti-
ram-nos todos os dias.
14
“Pentear Santa Catarina” (Coiffer Sainte Catherine), deve
ser uma expressão análoga à de “ficar para titia”, isto é, perder
a esperança de casar. (N. T.)
15
V. Paul Parfait – O Arsenal da Devoção e o Dossier das
Peregrinações. Esse repositório das superstições poderia ser
continuado. Santo Antônio de Pádua parece estar muito em
devoção na atualidade. Lê-se no jornal La Croix de 7 de se-
tembro de 1899: “385 cartas foram depositadas esta semana no
medalheiro de Santo Antônio, à rua Francisco I, n. 8. Anuncia-
vam elas ou recomendavam: 72 curas, 104 graças espirituais,
227 graças temporais, 81 conversões, 59 empregos, 317 ações
de graças, 12 vocações, 15 casamentos, 302 graças particula-
res, 53 escolas, 47 casas religiosas, 109 casas de comércio, 8
objetos perdidos, 14 exames, 96 famílias, 56 defuntos, 15 pro-
cessos, 106 jovens, 8 paróquias. Um pobre operário, pai de oito
filhos, prometeu 5 francos a Santo Antônio de Pádua e, vendo-
se um pouco melhor, enviava a soma e rogava-lhe que não
mais o deixasse recair nas mesmas dores – Loir-et Cher: “Re-
meto-vos 1 fr. 50, soma pela qual nos comprometemos todos
os meses pelas nossas culturas e pelo nosso comércio”, etc. –
Lê-se, no Petit Temps de 26 de janeiro de 1901, que o orça-
mento de Santo Antônio produziu 120.000 francos em Bordéus
no ano de 1894, 50.000 francos em Toulon, etc.
Desde alguns anos, Santo Expedito faz-lhe uma grande
concorrência no que diz respeito aos exames para o bacharela-
to, outro tanto acontecendo com São José de Cupertino.
16
A fantasia religiosa não tem verdadeiramente limites. Abro
um jornal, meus olhos caem sobre o relatório de um processo
feito a uma irmã do convento do Bom-Pastor d’Angers, que se
chama irmã Circuncisão!
17
Lourdes dá anualmente ao papa a renda de um milhão.
18
A palavra telestesia seria, entretanto, preferível, mais justa,
porque sua raiz significa antes um estado mórbido, um estado
de doença, que não é o de que aqui se trata, ao passo que a raiz
de telepatia significa sensibilidade. Não são casos patológicos
os de que se trata.
19
O Sr. Parmentier é general de divisão de engenharia, presi-
dente da Aliança Francesa para a propagação da língua france-
sa no estrangeiro, vice-presidente da Sociedade Astronômica
de França e da Sociedade de Geografia, ex-presidente do Co-
mitê das Fortificações, ex-aluno da Escola Politécnica, grande
oficial da Legião de Honra, etc. Menciono esses títulos para os
leitores que não conhecem pessoalmente seu caráter e seus
trabalhos.
20
Notadamente pelo Sr. Dorchain, literato francês, residente
em Paris; pelo Sr. Craponne, engenheiro, em Lião; pela Sra.
Ida Cail, de Paris; pelo Sr. Merger, decano dos advogados, em
Chaumont (Alto Marne); pela Sra. Condessa de Mouzan, em
Rambouillet; pela Sra. E. de Mare, em Juvisy; pelo Sr. L. Jour-
dan, deputado, em Paris; pelo Sr. Eduardo Noel, homem de
letras, em Paris, etc. Eu poderia lembrar também os exemplos
citados em Urânia e em Estela (o do Sr. Best é muito caracte-
rístico). Nota-se, também, que pouco tempo depois da publica-
ção deste livro, uma obra repleta de fatos análogos foi publica-
da: Os recantos obscuros da Natureza ou Fantasmas e Viden-
tes, por Mistress Crome, Paris, 1900.
21
Assim classificadas
• nºs 1 a 700 – provenientes dos leitores dos Annales;
• 701 a 748 – do Petit Marseillais;
• 749 a 786 – da Revue des Revues.
Chegaram novas cartas durante a impressão deste volume.
22
A relacionar com o caso nº III.
23
Relacionar com o caso nº XV.
24
Em correlação com os casos I, II e XIV.
25
O Sr. Victorien Sardou contou-me que observou um fato
análogo.
26
Assinalemos a impressão pelo nervo ótico, muito vibrátil
em um ferreiro que bate constantemente o ferro em brasa sobre
a bigorna.
27
Recordemos que, para nós, trata-se de impressões cerebrais
– a parte exceções que discutiremos.
28
Duas testemunhas, longe uma da outra, impressionadas
separadamente.
29
É este um caso tão notável como o antecedente.
30
Chamamentos ouvidos: casos XVI, XXII, XXV, XXVII e
XXXIII.
31
Em correlação com o caso XLVI.
32
Vide nota nº 30, sobre chamamentos ouvidos.
33
Relacionar com os casos nºs XLIV e LXXI.
34
A cada um deixamos suas opiniões e sua linguagem. Vimos
externados sentimentos muito contrários, nos casos XXXVIII,
XCV, etc.
35
Suprimi, por conseguinte, os nomes, as cidades e certos
detalhes íntimos.
36
Um exame superficial poderia querer ver aí uma alucinação
hipnagógica. Mas uma ação telepática é infinitamente mais
provável. Relacionar com o caso nº CXXII.
37
Recordemos, uma vez mais, que tudo isso é fictício, im-
pressão produzida sobre o cérebro pelo moribundo. V. também
os casos XLIX e CXX.
38
Esta observação feita sobre os animais não é única (vide os
casos XXIX e CLXXVII); ela é digna de atenção.
39
Nem tudo é subjetivo, nem impressão cerebral, nesses fatos.
São também exemplos os casos XXIX, XXXVI, XCV, CXXII-
I, CXXVI, CXXX, CXXXII, CLIV, CLV, CLXVI, CLXX,
CLXXI, CLXXII, CLXXVII e CLXXX..
40
A este relato achava-se anexo um plano; é supérfluo repro-
duzi-lo, pois que o relato é perfeitamente explícito.
41
Anais de Ciências Psíquicas, 1897, pág. 328.
42
A mãe da Sra. Allom era a Sra. Carrik, esposa do Sr. Tho-
mas Carrik, o pintor miniaturista, bastante conhecido.
43
A assinatura do marido da Sra. Taunton estava junto à de
sua esposa.
44
A Sra. Wright é esposa de um inspetor da Great Nortehrn
Railway. Mora em Taylor’s Cottage, 4, London Road, Nottin-
gham.
45
Haveria estudos a fazer sobre os cães. Por que, por exem-
plo, anunciam eles a morte por meio de seus uivos sinistros?
46
Nossos exemplos de impressões coletivas são numerosos: I,
II, XV, XXXV, XL, XLVII, XLVIII, LV, LVII, LXIX, LXX-
VI, LXXVIII, LXXXIII, XCIII, XCV, CXXIII, CXXXI,
CXXXII, CXXXV, CXXXIX, CXLIV, CXLV, CLII, CLIV,
CLVII, CLXI, CLXVI, CLXXVII, e estes três últimos.
47
Recebemos a carta seguinte:
“Sydenham, 19 de novembro de 1900.
Lendo vossa obra O Desconhecido, fiquei a pensar no rela-
to assinado por Ch. Matthews. Tenho por dever informar-vos
que minha mãe, então moça, achava-se em casa de seu tio, o
general Mose, em Troston Hall, quando essa história ocorreu, e
que os fatos se passaram em absoluto conforme essa narrativa.
48
Esta obra apareceu em excelente tradução francesa abrevia-
da, publicada em 1891, pelo Sr. L. Marillier, mestre de confe-
rências na Escola dos Altos Estudos, sob o título inexato e
desnaturado de Alucinações Telepáticas, que não tem absolu-
tamente significação alguma. Parece-nos que o erudito e cuida-
doso tradutor foi muito mal inspirado nesta mudança de título.
Uma alucinação é essencialmente uma percepção falsa, uma
ilusão.
49
Esta saída do número apontado dá no primeiro turno 35
luíses por um luís, ou sejam 700 francos, e, na segunda saída
do número sobre o qual foi aquela soma deixada, 24.500 fran-
cos. Deixando sempre o ganho, uma terceira saída do número
daria 857.500 francos. Mas as regras da banca se opõem a isso
e fixam o máximo da jogada em 9 luíses. Toleram, contudo, o
ganho até 120.000 francos.
50
Vide apêndice no final deste capítulo: Ação telepática x
coincidência fortuita.
51
As alucinações, ou história racional das aparições, das
visões, dos sonhos, do êxtase, do magnetismo e do sonambu-
lismo. Paris, 1852.
52
V. Walter Scott, A demonologia, carta I. Brierre de Bois-
mont, Das Alucinações.
53
O Sono e os Sonhos, pág. 57.
54
O Sono e os Sonhos, pág. 92.
55
Ver, a esse respeito, além dos autores precedentes, J. Lié-
geois, De la Suggestion et du Somnambulisme (1889), pág.
312.
56
Cardan – De Vita propria.
57
Tomo II da Anatomia comparada do sistema nervoso con-
siderado em suas relações com a inteligência, por Leuret e
Gratiolet (1839-1857). Minha atenção foi solicitada para esta
obra pelo meu sábio amigo, o Sr. Edmond Perrier, diretor do
Museu, membro do Instituto, e eu lhe sou, por isso, particular-
mente reconhecido.
58
Anatomie Comparée du Systeme Nerveux, tomo II, pág.
534.
59
Ibidem, págs. 524 e 525.
60
Este fato merece, assim como os dois casos do oficial in-
glês, narrados por Ferriar e os dois primeiros de Chevreul, ser
inscrito no número dos casos de telepatia. Dar-lhe-emos, por-
tanto, os nºs CLXXXII, CLXXXIII, CLXXXIV, CLXXXV E
CLXXXVI de nossa série. O terceiro de Chevreul poderia ser
reportado ao exame crítico das manifestações de mortos. Ainda
não chegamos nessa parte de nossos estudos.
61
Creio ter sido o primeiro a empregar esta expressão – força
psíquica. Acha-se ela na primeira edição (1865) de minha obra:
As forças naturais desconhecidas. Há mais de um quarto de
século está ela incorporada à linguagem habitual.
62
H. Taine – Da Inteligência, t. II, pág. 139.
63
Uma rã, da qual se extraiu o coração, nada e salta ainda
durante quatro ou cinco horas (Claude Bernard).
64
Da Inteligência, t. I, pág. 306.
65
Theory of the Human Mind.
66
V. Poulliet – Física Experimental, t. II, pág. 65.
67
Os filetes (os nervos), já Malebranche dizia em 1674 (Em
Busca da Verdade, cap. X, liv. 1º), podem ser excitados de
duas maneiras: quer pela extremidade que está fora do cérebro,
quer pela que se acha no cérebro.
68
Ver Albert de Rochas – Les Forces non Definies.
69
Ver as minhas obras: Os Caprichos e os Fenômenos do
Raio.
70
Esta ação das substâncias tóxicas e medicamentosas e dos
mentais, exteriormente ao corpo, sobre pacientes sensitivos, é
certa. Ver Bourru e Burot – A Sugestão Mental e a Ação a Dis-
tância, Paris, 1887. Há aí a narrativa de numerosas experiên-
cias conduzidas com uma perfeita sagacidade científica.
71
Dr. Liébault – O Sono Provocado e os Estudos Análogos,
nova edição, 1889, pág. 297.
72
J. Ochorowicz – A Sugestão Mental.
73
Fisiologia do Magnetizador, pág. 99.
74
Ochorowicz – A Sugestão Mental, pág. 419.
75
A expressão deve corresponder a “estado de exacerbação
mental”.
76
Annales des Sciences Psychiques, 1893, pág. 331.
77
Annales des Sciences Psychiques, 1894, pág. 268.
78
1857, pág. 185.
79
Memória sobre o Sonambulismo e o Magnetismo Animal,
dirigida em 1820 à Academia de Berlim e publicada com adi-
ções, em 1854.
80
Vide Annales des Sciences Psychiques, 1894, pág. 325.
81
Report on Spiritualism, 1870, traduzido em francês em
1899.
82
O Magnetismo Animal, 1884, Prefácio e pág. 266.
83
Ensaio Filosófico sobre as Probabilidades, 1814, pág. 110.
84
V. E. Gyel – O Ser Subconsciente, págs. 88 e 152.
85
Consultar especialmente: Leuret e Gratiolet, Anatomia
Comparada do Sistema Nervoso, Paris, 1839-1857; Baillarger,
Das Alucinações, Paris, 1846; Brierre de Boismont, Das Aluci-
nações, Paris, 1852; A. Lemoine, Do Sono sob o ponto de vista
Fisiológico e Psicológico, Paris, 1855; Macario, Do Sono, dos
Sonhos e do Sonambulismo, Paris, 1857; Lélut, Fisiologia do
Pensamento, Paris, 1862; Alfred Maury, O Sono e os Sonhos,
Paris, 1862; Liébault, Do Sono e dos Estados Análogos, Paris,
1866; Hervey, Os Sonhos e os meios de os dirigir, Paris, 1867;
Max Simon, O Mundo dos Sonhos, Paris, 1888; Vaschide, C.
R., Acad. de Ciências, 1889, II, pág. 183; F. W. H. Myers, A
Personalidade Humana, Paris, 1905.
86
Max Simon – Le Monde des Rêves, pág. 49.
87
Anatomia Comparada do Sistema Nervoso, t. II, pág. 501.
88
Inquiries Concerning the Intellectual Powers, 1841, pág.
280.
89
Alucinações Telepáticas, pág. 329.
90
Sciences Psychiques, 1891, pág. 215. Encontrar-se-á em
Phantasms of the Living (vol. I, pág. 338, nº 108), um caso
singularmente análogo a esse, em que o cônego Warburton
desperta em sobressalto, vendo seu irmão cair de uma escada.
Comparar também o nº 24 no mesmo volume, pág. 202, e um
sonho do Sr. Drenilhe, descrito no capítulo precedente (carta
543, caso XLVI).
91
Annales des Sciences Psychiques, 1892, pág. 17.
92
Annales des Sciences Psychiques, 1891, pág. 219.
93
Sciences Psychiques, 1895, pág. 279.
94
Procuramos acima dar a tradução dessas belas e incomple-
tas estrofes, que assim estão no original francês:
Du temps où je vivais une vie antérieure,
Du temps où je menais l’existence meilleure,
Dont je ne puis me souvenir,
Alors que je savais les effets et les causes,
Avant ma chute lente et mes métamorphoses
Vers un plus triste devenir;
Du temps où je vivais les hautes existences,
Dont hommes nous n’avons que des reminiscences
Rapides comme des éclairs;
Où peut-ètre j’allais libre à travers l’espace,
Comme un astre laissant voir un instant sa trace
Dans le bleu sombre des éthers...
95
Ver, para esta espécie de sonhos: Suetônio, Vida de Augus-
to; Cícero, Da Adivinhação; Valério Máximo, Dos Sonhos, etc.
96
Arquivos Gerais de Medicina, maio de 1829, pág. 131.
97
Vimos que se passam os dois fenômenos: leitura de pensa-
mento e visão a distância.
98
Descrição da planta: é uma planta herbácea, formando um
buquê de folhas espatuladas assaz largas e muito tenras; de um
verde nem muito claro nem muito carregado, mas antes claro.
A planta com que tem mais analogia é a azeda. As folhas intei-
ramente unidas, sem espinhos, delicadas, contêm um suco de
cor esverdeada muito ativo que é ainda mais abundante na
grande haste de 50 centímetros (da grossura de um dedo e que
se vai adelgaçando), que se eleva no momento da florescência
do meio das folhas. As flores, apenas visíveis em botões aver-
melhados antes do desabrochamento, tornam-se esverdeadas ao
desabrocharem e se apresentam na extremidade e ao longo
dessa grande haste, que é inteiramente desprovida de folhas. A
planta cresce na vertente de uma montanha, na Suíça prova-
velmente...? Desenvolve-se na zona elevada antes das neves;
mais alto se encontra a ranonculus glacialis; prolifera em um
solo avermelhado, seco e friável, onde a vegetação é rara e
acaçapada.
A haste assemelha-se muito à da azeda; floresce uma só vez
no verão, em junho; essa haste permanece até o inverno, quan-
do então seca; as pequeninas flores tornam-se pequenos grãos
negros que se espalham sobre a terra e as folhas morrem; a raiz
subsiste e na primavera as folhas saem da terra.
Provavelmente da família das poligonáceas, planta dicotile-
dônea, talvez da família das Ranonculáceas, o acônito viceja
nos mesmos lugares que ela.
A flor, cujo invólucro é avermelhado antes de abrir-se, tor-
na-se esverdinhada desabrochando. A haste é toda coberta des-
sas flores, que se parecem muito com as de Lapathum.
Apresentaram-lhe alguns dias depois um Polygonum Alpi-
nun do Valais e ela respondeu:
“A planta em questão difere desta que me apresentam, pela
razão de ser a sua flor ainda menor, mais espessa e mais polpu-
da; ela não secaria tão facilmente. Além disso é esverdeada, ao
passo que esta é mais branca.”
A folha é menos pontiaguda e sobretudo mais lenhosa e
mais herbácea. No conjunto, a planta é mais espessa em todas
as suas partes e mesmo em sua extremidade.
99
Sem pôr em dúvida um só instante a sinceridade absoluta
do Dr. Macário, que em todas as circunstâncias constatei, repe-
tirei que é deplorável que este Sr. O. tenha tido o prejuízo de
não ousar subscrever as suas observações e as suas convicções.
Por que essa estreiteza de espírito? Que há nesse sonho que
possa comprometer um homem de bem?
100
Ainda um que não ousa comprometer-se dando seu nome.
101
Esta comunicação é acompanhada de quatro desenhos das
paisagens e monumentos vistos em sonho.
102
Caso de cerebração inconsciente, talvez. Entretanto...
103
Esse sonho está no nível dos que podem ser explicados por
causas conhecidas, pois que, a rigor, pode-se admitir que essa
moça tenha notado aquele moço e que o sonho haja associado
idéias muito naturais. Pode não haver aí mais do que coinci-
dência fortuita.
104
Esse sonho está igualmente no mesmo caso dos premonitó-
rios, como o caso LII. O marechal Maillant estudava então o
plano da tomada de Roma, com o qual ele próprio me entreteve
diversas vezes. Cerebração inconsciente, provavelmente.
105
Essa hipótese não parece necessária. O Sr. Jaubert, magis-
trado aliás muito distinto, tinha uma forte tendência para atri-
buir tudo aos espíritos.
106
Era um armário inglês, como sem dúvida jamais tivesse ela
visto igual.
107
Laplace – Essai analytique sur les probabilités, 1814, pág.
3.

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