Politicas Educ. - Ziliotto e Gisi

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AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS E A EDUCAÇÃO DE SURDOS

Gisele Sotta Ziliotto1 - PUCPR


Maria Lourdes Gisi2 - PUCPR

Eixo–Políticas Públicas e Gestão da Educação


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

O texto apresenta aspectos das políticas públicas educacionais na perspectiva inclusiva


referente à educação de surdos. Enfatiza a necessidade de se respeitar o direito linguístico da
pessoa surda ao acesso a língua brasileira de sinais - Libras -, reconhecida legalmente como
língua oficial das comunidades surdas do Brasil. Neste contexto, as políticas públicas
educacionais estabelecem que as instituições de ensino devem garantir a organização de
educação bilíngue, e em especial nas fases da educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental, considerando como língua de instrução educacional a Libras, primeira língua (L1)
do surdo e a língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua (L2). Partindo desta
premissa, a educação para os alunos surdos ocorreria de forma diferenciada, em respeito à sua
singularidade linguística e a garantia de serem acolhidos em suas necessidades educacionais
especiais, permitindo ainda, a mediação aos conteúdos acadêmicos em sua língua natural, com
professores bilíngues, além de adaptações curriculares, objetivando a qualidade na
aprendizagem. Trata-se de pesquisa documental tomando a legislação educacional como foco
de análise com base em referenciais de pesquisadores da área da surdez entre os quais Goldfeld,
(1997); Quadros, (1997); Skliar, (1997); Fernandes, (2007), que defendem o enfoque do
bilinguismo como proposta educacional mais coerente com as necessidades linguísticas aos
alunos surdos, e ressaltam a importância do uso efetivo da língua de sinais para o
desenvolvimento cognitivo por considerarem que a mesma funciona como suporte do
pensamento à criança surda. O texto destaca que a efetivação do direito linguístico da pessoa
surda em todos os espaços educativos depende do compromisso das instituições educativas, dos
professores e da mobilização da própria comunidade de surdos.

Palavras-chave: Políticas Educacionais. Educação de Surdos. Inclusão.

1
Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Mestre em Educação pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected].
2
Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP). Professora Titular
do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). E-mail:
[email protected].

ISSN 2176-1396
7663

Introdução

Atualmente vivemos um novo paradigma de educação, a inclusão de alunos com


deficiência em sala de aula comum e frente a esta acepção, é necessário que a escola esteja
atenta as mudanças sociais e as novas concepções educacionais, reorganizando-se para
promover o processo de aprender destes alunos, proporcionando uma educação baseada nos
princípios inclusivos de qualidade da aprendizagem e no respeito às diferenças.
Conforme a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva, todos os alunos com algum tipo de deficiência sensorial, intelectual, física, altas
habilidades e transtornos do desenvolvimento têm o direito de matricular-se e frequentar o
ensino comum como os demais alunos de mesma idade (BRASIL, 2008).
No tocante a educação de surdos, pesquisadores da área (GOLDFELD, 1997;
QUADROS, 1997; SKLIAR, 1997, FERNANDES, 2007), defendem que a escolarização dos
alunos surdos deva ocorrer na perspectiva do bilinguismo, em que sua aprendizagem é mediada
pela língua de sinais, a primeira língua (L1) do surdo e, a língua portuguesa na modalidade
escrita, como a segunda língua (L2), pressupondo um ensino bilíngue, prioritariamente nas
etapas da educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental.
Considerando estes fatores, faz-se necessário compreender que a educação inclusiva
para os alunos surdos usuários da língua brasileira de sinais se faz de forma diferenciada, em
respeito à sua peculiaridade linguística e a garantia de serem atendidos em suas necessidades
educacionais especiais, conforme apregoam as várias legislações atuais.
Ressalta-se ainda, que a necessidade de reconhecimento da Libras e a efetivação da
educação bilíngue tem sido algumas das reivindicações das comunidades surdas brasileiras.

Aspectos Legais de Inclusão

As ideias de escola inclusiva se fortaleceram na década de 1990, num movimento


mundial em defesa da inclusão escolar das pessoas com deficiência, influenciando as políticas
educacionais brasileiras, estabelecendo a responsabilidade do Estado para a efetivação da
inclusão escolar dos alunos público-alvo da educação especial, incumbindo-o de subsidiar os
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sistemas educacionais, como a adoção de medidas3 de apoio específicas para garantir as


condições necessárias à plena participação e autonomia destes alunos.
Constata-se que a legislação educacional brasileira, assegura a garantia à educação na
Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, em seu Art 6º, como um dos
direitos sociais, garantia fundamental e dever do Estado, e nos Artigos 206 e 208, apregoa a
igualdade de condições de acesso e permanência na escola, e o atendimento educacional
especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino
(BRASIL, 1988).
Também a Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB – sob Lei nº 9394/1996, de 20
de dezembro de 1996, reconhece o direito a educação para todos e propõe que o ensino seja
baseado nos princípios de igualdade de condições de acesso, permanência e aprendizagem para
todos os alunos (BRASIL, 1996).
Nesta proposição inclusiva, em referência à educação de surdos, vários dispositivos
normativos são elaborados, como a Lei Federal nº 10.436/02, de 24 de abril de 2002, em seu
Art 1º, reconhecendo a língua brasileira de sinais – Libras – como meio legal de comunicação
e expressão, um “sistema linguístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical
própria, constituem um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil” (BRASIL, 2002), considerada uma conquista na luta
destas comunidades.
Posteriormente, é promulgado o Decreto Federal nº 5.626/05, datado de 22 de dezembro
de 2005, que regulamenta a Lei Federal nº 10.436/02, abordando entre outros aspectos a
inclusão de Libras – Língua Brasileira de Sinais - como disciplina obrigatória em cursos de
formação de professores e a formação de docentes e tradutores e intérpretes de Libras em cursos
de Letras, bem como a certificação da proficiência linguística em Libras, em exame nacional.
Em mesmo decreto, Art. 22, inciso I, propõem-se que as instituições de ensino devem
garantir a organização de escolas e classes de educação bilíngue, com professores bilíngues,
nas etapas da educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, considerando que “§
1º São denominadas escolas ou classes de educação bilíngue aquelas em que a Libras e a
modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no

3
Lei Federal nº 10.098 de 19 de dezembro de 2000, estabelece normas e de acessibilidade para as pessoas com
deficiência como adequação arquitetônica para acessibilidade, a aquisição de recursos de tecnologia assistiva para
promoção de acessibilidade pedagógica, nas comunicações e informações, a aquisição e desenvolvimento de
material didático e pedagógico acessíveis e aquisição e adequação de mobiliários para acessibilidade (BRASIL,
2002).
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desenvolvimento de todo o processo educativo” (BRASIL, 2005). Lodi (2013) observa que o
decreto supracitado, dispõe sobre os processos educacionais específicos das pessoas surdas,
enfatizando a necessidade de implantação da educação bilíngue para esses alunos,

Há no Decreto a preocupação em diferenciar os anos iniciais de escolarização dos


finais, respeitando, assim, o desenvolvimento das crianças, as especificidades nos
processos de ensino-aprendizagem e a formação necessária para os professores (p.
54).

Para Lodi (2013), a Libras além de ser a língua de interlocução entre professores e
alunos, também é a língua de instrução, responsável por mediar os processos escolares, e a
escrita do português nos processos educacionais como decorrente da organização pedagógica,
na medida em que as atividades, os textos complementares à sala de aula e os livros didáticos
indicados para leitura são escritos em português, o que lhe garante também status de língua de
instrução.
O decreto acima mencionado evidencia ainda, uma diferenciação na configuração da
continuidade da escolarização de alunos surdos usuários da língua brasileira de sinais, partindo
do pressuposto que em estando matriculado em escolas da rede regular de ensino, nas etapas
finais do ensino fundamental e do ensino médio, o aluno já possua domínio da língua de sinais
anteriormente adquirida por meio da interação com seus pares surdos em escolas bilíngues, e
assim, propõe o serviço de tradutor e intérpretes de Libras para as diferentes áreas do
conhecimento. Associado a esta questão, e em seu Art. 23, o decreto nº 5.626/05 destaca a
presença em sala de aula de intérpretes de língua de sinais:

As instituições federais de ensino, de educação básica e superior, devem proporcionar


aos alunos surdos os serviços de tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa
em sala de aula e em outros espaços educacionais, bem como equipamentos e
tecnologias que viabilizem o acesso à comunicação, à informação e à educação
(BRASIL, 2005).

Outro dispositivo legal importante na educação inclusiva é o Decreto nº 7611, de 17 de


novembro de 2011, que dispõe sobre a educação especial, na perspectiva da educação inclusiva,
reconhecendo a necessidade da organização do ensino bilíngue aos surdos, reforçando o
Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Aborda ainda, a formação continuada de
professores, inclusive para o desenvolvimento da educação bilíngue para estudantes surdos ou
com deficiência auditiva, a produção e a distribuição de recursos educacionais para a
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acessibilidade e aprendizagem incluindo materiais didáticos e paradidáticos e Língua Brasileira


de Sinais – Libras (BRASIL, 2011).
Em 2008, é publicada pelo Ministério da Educação, a Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, de acordo com os princípios da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU/2006), ratificada pelo Brasil por meio dos
Decretos n º 186/2008 e nº 6.949/2009, que preconiza que a garantia do direito à educação se
efetiva por meio do acesso à educação inclusiva em todos os níveis.
Por meio desta política, é proposto uma reorganização educacional brasileira, com
diretrizes inclusivas aos sistemas de ensino em consonância com os princípios da
democratização da educação, valorizando os processos inclusivos dos alunos sob a
responsabilidade do Estado “a partir da visão dos direitos humanos e do conceito de cidadania
fundamentado no reconhecimento das diferenças e na participação dos sujeitos” (BRASIL,
2008, p. 1). Este documento, desafia as instituições educacionais a repensarem o processo
pedagógico para atender as necessidades educacionais especiais dos alunos incluídos, propondo
mudanças nas concepções curriculares, métodos de ensino e avaliação flexibilizados, bem como
o uso de recursos de acessibilidade (ZILIOTTO, 2015).
No texto da nova política nacional, a educação especial é definida como modalidade não
substitutiva à escolarização e amplia o serviço de educação especial como um conceito de
atendimento educacional especializado, complementar ou suplementar à formação dos alunos,
ofertado no contraturno por professores especializados, disponibilizando os serviços e recursos
próprios para orientar os alunos e seus professores quanto a sua utilização nas turmas comuns
do ensino regular. Esclarece ainda,

Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a constituir a


proposta pedagógica da escola, definindo como seu público-alvo os alunos com
deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação
(BRASIL, 2008, p. 15).

No tocante a educação de surdos, constam nas diretrizes da Política Nacional de


Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva:

Para a inclusão dos alunos surdos, nas escolas comuns, a educação bilíngue - Língua
Portuguesa/LIBRAS, desenvolve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua
de sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda língua na modalidade escrita
para alunos surdos, os serviços de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e
o ensino da Libras para os demais alunos da escola (BRASIL, 2008, p. 17)
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Quadros (2006) discute que nesta perspectiva, a língua brasileira de sinais é legitimada
e assegura o ensino do português escrito como segunda língua, garantindo o direito linguístico
ao surdo de ter acesso aos conhecimentos acadêmicos na língua de sinais.

Nesse sentido, a política linguística apresenta a possibilidade de reconhecer, de fato,


as duas línguas que fazem parte da formação do ser surdo, mas não somente isso, do
estatuto de cada língua no espaço educacional. A língua de sinais passa, então, a ser a
língua de instrução e a língua portuguesa passa a ser ensinada no espaço educacional
como segunda língua (QUADROS, 2006, p 144).

Ainda no texto da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação


Inclusiva, o atendimento educacional especializado na área da surdez deve ser realizado
mediante a atuação de profissionais com conhecimentos específicos no ensino da língua
brasileira de sinais, da língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua numa
perspectiva dialógica, funcional e instrumental.
A oferta do atendimento educacional especializado é considerada fundamental para a
efetivação da proposta de educação bilíngue estabelecida no Decreto nº 5.626/2005, devendo
ser disponibilizados os serviços de tradutor/intérprete4 e o ensino da língua brasileira de sinais
– Libras - para os estudantes.
Outro dispositivo normativo que endossa o atendimento educacional especializado,
trata-se da Nota Técnica nº 55, de 10 de maio de 2013, estabelecendo que o atendimento
educacional especializado – AEE - deve ser ofertado prioritariamente nas salas de recursos
multifuncionais da própria escola ou de outra escola de ensino regular, podendo, ainda, ser
realizado em centros de atendimento educacional especializado, desenvolvendo atividades de
acordo com as necessidades educacionais específicas dos estudantes, e no caso da área da
surdez, enfatiza o ensino da língua brasileira de sinais – Libras - e o ensino da língua portuguesa
como segunda língua para estudantes com surdez (BRASIL, 2013).
Conforme dados apresentados pelo Censo Escolar MEC/INEP (BRASIL, 2016), após a
implementação da política na perspectiva inclusiva, houve evolução no número de matrícula de
alunos surdos no ensino comum na Educação Básica de 56.024 em 2003 para 64.348 em 2015,
expressando crescimento de 15%. Nas classes comuns do ensino regular, verifica-se um
crescimento de 174%, passando de 19.782 estudantes em 2003 para 54.274 em 2015.

4
O Ministério da Educação desenvolveu em parceria com os sistemas de ensino, programas e ações voltadas a
Formação Inicial de Professores em Letras/Libras, Formação inicial de professores em curso de Pedagogia
Bilíngue Libras/Língua Portuguesa, Certificação de proficiência em Libras, entre outros (BRASIL, 2005).
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Figura 1 - evolução no número de matrícula de alunos surdos no ensino comum na Educação Básica

Fonte: Censo Escolar MEC/INEP (BRASIL, 2016, p. 404)

Em 2014, a Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, institui o Plano Nacional de


Educação, para o decênio 2011-2020, em sua Meta 4, propõe:

Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência,


transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso
à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na
rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de
recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou
conveniados (BRASIL, 2014).

Na referida meta, a estratégia 4.7, prevê a garantia da oferta de educação bilíngue, em


língua brasileira de sinais – Libras - como primeira língua e na modalidade escrita da língua
portuguesa como segunda língua, aos alunos surdos e deficientes auditivos de 0 a 17 anos, em
escolas e classes bilíngues inclusivas (BRASIL, 2014).
Cruz (2016), afirma que tais dispositivos normativos apontam para a relevância da
língua brasileira de sinais garantida na escolarização dos surdos, entre outros direitos que se
somam às reivindicações e conquistas da comunidade surda.
Contudo, há um impasse em relação à escolarização dos alunos surdos, à medida que ao
serem matriculados na educação infantil e na primeira etapa do ensino fundamental em escolas
do ensino comum monolíngues, isto é, o ensino somente em língua portuguesa sem a presença
de intérpretes, os alunos surdos enfrentam muita dificuldade quando não é respeitado o direito
à educação bilíngue, em que os professores ministram suas aulas em língua portuguesa na
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modalidade oral, a qual o aluno surdo não domina completamente devido ao impedimento
auditivo, além de ser para estes alunos sua segunda língua. Assim, os estudantes surdos estão
expostos a práticas educacionais voltadas a maioria ouvinte, à medida que a escola numa
proposta monolíngue não se adapta às suas necessidades educacionais especiais, podendo
acarretar inúmeras consequências em sua trajetória acadêmica.
Nunes (2015), retrata a preocupação dos sete primeiros surdos doutores e professores
de universidades federais, ao afirmarem que a educação inclusiva permite o convívio de todos
os alunos entre si, mas não tem garantido o aprendizado dos surdos, e defendem uma escola
que seja bilíngue para surdos como sendo o espaço educacional possível para o surdo ter acesso
ao conhecimento.
Desta forma, a garantia de oferta do ensino bilíngue para surdos é a mais adequada a
esta população, pois pressupõe professores que dominem a língua brasileira de sinais e
ministrem os conteúdos acadêmicos na língua natural do surdo como primeira língua, e na
modalidade escrita da língua portuguesa como segunda língua. Além deste fator, a presença de
professores surdos nas etapas da educação infantil e do ensino fundamental I, assegura o
desenvolvimento de uma educação bicultural, favorecendo a identidade da criança surda que
está se apropriando da língua de sinais.
Conforme as legislações educacionais vigentes, é necessário que as instituições de
ensino comum ofertem educação bilíngue aos surdos, em especial nas etapas da educação
infantil e anos iniciais do ensino fundamental, pressupondo muito mais que apenas a presença
de intérpretes de Libras, como indicado pela política inclusiva, e sim, como defende Quadros
(2006), a proposição por uma escola pública de qualidade em língua de sinais, com professores
bilíngues e professores surdos, respeitando a peculiaridade linguística dos alunos com surdez.
Pesquisas realizadas pelos estudiosos da área da surdez, evidenciam a necessidade de
análise sobre a educação dos surdos, dada sua complexidade e especificidades linguísticas.
Ressaltam a necessidade do uso efetivo da língua de sinais para o desenvolvimento cognitivo
da criança surda por considerarem que a mesma funciona como suporte do pensamento, e
defendem uma proposta de educação bilíngue por constatarem que o aluno surdo desenvolve
uma aprendizagem visual, ou seja, seu canal de comunicação é essencialmente viso-espacial e
não auditivo.
Goldfeld (1997), afirma que a língua brasileira de sinais pode ser adquirida pela criança
surda espontaneamente por ser sua língua natural, evitando atrasos linguísticos e destaca a
importância de todos os profissionais perceberem a importância da língua de sinais no
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desenvolvimento da criança surda, uma vez que a língua sinalizada possibilita a internalização
da linguagem e o desenvolvimento das funções mentais, como a abstração, memória,
generalização, atenção, dedução, entre outras.
Os estudos de Capovilla e Raphael (2004) evidenciam a importância da língua de sinais
para o desenvolvimento cognitivo das crianças surdas, como aquela que lhe possibilita pensar
e se comunicar, devendo, portanto, ser ofertada para servir de metalinguagem para aquisição da
língua escrita. Para estes pesquisadores,

Se a Libras é a língua natural e materna do Surdo, então, do ponto de vista lógico,


espera-se que a eficácia da Libras para servir de ponte para a aquisição do Português
seja maior do que a eficácia do Português para servir de ponte para a aquisição da
Libras (CAPOVILLA; RAPAHAEL, p. 35, 2004).

Para Quadros (1997), o ensino bilíngue oferta ao aluno surdo condições de competência
em duas línguas de modalidades diferentes, considerando como primeira língua (L1) a língua
brasileira de sinais, e como segunda língua (L2), a língua portuguesa na modalidade escrita.
Ainda para esta autora, a língua de sinais é considerada como língua natural ao surdo e é através
dela que se desenvolve a linguagem, favorecendo os aspectos psicossociais, cultural e
linguístico da cultura surda.

Se a língua de sinais é uma língua natural adquirida de forma espontânea pela pessoa
surda em contato com pessoas que usam essa língua e se a língua oral é adquirida de
forma sistematizada, então as pessoas surdas têm o direito de ser ensinadas na língua
de sinais. A proposta bilíngue busca captar esse direito (QUADROS, 1997, p. 27).

Conforme Lacerda (1998), o objetivo da educação bilíngue é que a criança surda possa
ter um desenvolvimento cognitivo-linguístico equivalente ao verificado na criança ouvinte,
garantindo-lhe o acesso às duas línguas: a língua de sinais e a língua majoritária, ou seja, a
língua portuguesa.
Souza (1998), afirma que a língua de sinais deve subsidiar a educação dos alunos surdos,
e defende que a escolaridade dos estudantes surdos deveria se dar em escolas que tomassem
como ponto de partida a língua de sinais como a língua de instrução educacional.
Para Nunes (2015), a defesa do bilinguismo no ensino para os surdos, abrange a
compreensão da língua de sinais e de sua representação para os surdos, bem como significa
uma forma de comunicação que funciona como pré-requisito para outras aprendizagens como
português e matemática.
Fernandes (2007) ressalta que apenas estar inseridos na escola comum sem proposta
educacional bilíngue, não possibilita que as necessidades educacionais especiais dos alunos
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surdos estejam atendidas e respeitadas. Para esta autora, há implicações pedagógicas no


processo educacional de alunos surdos, já que, além dos professores bilíngues especializados,
haverá a necessidade da interação, desde idades precoces, com educadores surdos, usuários de
língua de sinais, bem como flexibilizações curriculares, em especial na avaliação do português,
uma vez que a língua portuguesa é um aprendizado de segunda língua, exigindo que haja
critérios diferenciados a fim de não prejudicar o aluno surdo que está em fase de construção
desta segunda língua. Propõe que o currículo deverá ser o mesmo dos demais estabelecimentos
de ensino, contudo, mediatizados pela língua de sinais como língua de instrução e a língua
portuguesa, em sua modalidade escrita, ofertado como segunda língua.
As proposições das políticas públicas para a educação de surdos apresentam evoluções,
entretanto, há vários ajustes que precisam ser considerados para que se efetive verdadeiramente
a garantia ao direito por uma educação bilíngue, em especial nas fases da educação infantil e
ensino fundamental I -, superando as dificuldades como a falta de professores bilíngues, o
currículo adaptado e as flexibilizações nas avaliações, além de profissionais intérpretes de
língua de sinais qualificados e em número suficiente para atender às demandas dos alunos
surdos que frequentam as demais etapas do ensino fundamental, médio e educação superior.
Reiteramos o pensamento de Ross (2004, p. 214) de que “as pessoas com deficiência
exigem a proteção as suas necessidades específicas, condição essencial à manifestação do
respeito as suas diferenças”, fazendo-se necessário respeitar o direito à educação bilíngue aos
alunos surdos usuários da língua brasileira de sinais, como apontado nas legislações acima
citadas.
Uma forma de avançar nas conquistas já asseguradas na legislação é a organização dos
grupos sociais para a reivindicação de direitos, neste caso pela comunidade de pessoas surdas.
No Brasil, cabe destacar a constituição dos conselhos gestores de políticas públicas com
a promulgação da Constituição Federal (BRASIL, 1988), os quais representam importante
estratégia para concretizar a democracia participativa, uma vez que, com a atuação desses
conselhos, existe a possibilidade de participação da população de acompanhar e questionar
programas e políticas governamentais desde sua formulação até a sua implementação na prática,
bem como os seus resultados/efeitos, ou seja, avaliar as políticas propostas e implementadas
pelos governantes.
Tem-se a expectativa de que à medida que os conselhos, como indica Gohn (2007,
p.108), “[...] se tornem atuantes, fiscalizadores das ações do poder público e denunciadores dos
lobbies econômicos que pressionam e dominam os aparelhos estatais, eles estarão construindo
7672

as bases de uma gestão democrática”. Esses conselhos gestores de políticas públicas, segundo
Tatagiba (2005, p.209): “constituem uma das principais experiências de democracia
participativa [...] representam uma conquista inegável do ponto de vista da construção de uma
institucionalidade democrática entre nós”. Entende-se, também, que essa participação não é
tarefa simples, pois requer, como ponto de partida para a avaliação de políticas educacionais
métodos que possibilitem a análise crítica das propostas que, pelas vinculações e
direcionamentos, são reguladoras.
Nesse contexto, conforme o tipo de participação do grupo envolvido, segundo Gohn
(2007, p. 14), o processo torna-se democrático ou simplesmente vai apenas “reiterar
mecanismos de regulação5” centralizados. Por isso, é importante analisar na literatura como
ocorre e se ocorre a participação da população ao avaliar políticas educacionais de acesso e
permanência na educação superior.
Os avanços na Constituição Federal de 1988 resultaram no envolvimento de grupos
sociais que buscavam maior atenção para os problemas sociais. Segundo Borges e Pereira
(2016, p. 565) já se formaram vários conselhos de direitos da pessoa com deficiência no país
conforme o levantamento feito pelo Conade - Tabela 01

Tabela 01 – Evolução do número de Conselhos no Brasil no período 2003/2014


Conselhos Estaduais Conselhos Municipais
Região 2003 2014 2003 2014
Norte 0 7 0 21
Nordeste 4 9 6 143
Centro-Oeste 2 4 1 45
Sul 2 4 6 110
Sudeste 4 4 62 253
Total 12 27 75 572
Fonte: Secretaria Especial dos Direitos das Pessoas com Deficiência

Evidencia-se na Tabela 01 que houve aumento dos Conselhos no período de 2003 a


2014, em especial nos municípios, mas não suficiente, considerando que o país possui 5.570
municípios segundo dados do IBGE relativo ao ano de 2016 (BRASIL, 2016).

5
Tomamos a palavra regulação na explicação de Barroso (2005, p. 727), de que por estar “associada, em geral, ao
objetivo de consagrar, simbolicamente, um outro estatuto à intervenção do Estado na condução das políticas
públicas. Muitas das referências que são feitas ao ‘novo’ papel regulador do Estado servem para demarcar as
propostas de ‘modernização’ da administração pública das práticas tradicionais de controle burocrático pelas
normas e regulamentos que foram (e são ainda) apanágio da intervenção estatal”.
7673

Considerações Finais

Em consonância com as políticas públicas educacionais brasileiras que reconhecem e


legalizam a língua de sinais e seu uso nos espaços educacionais, faz-se necessário que as
instituições de ensino, prioritariamente nas etapas da educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental, possibilitem a organização da educação bilíngue, constituída de profissionais
especializados, a efetivação do currículo adaptado com adequações que respeitem as
peculiaridades linguísticas dos alunos surdos, garantindo que sejam atendidos em suas
necessidades educacionais especiais, favorecendo seu aprendizado escolar. Lodi (2013) ressalta
que à medida que se consideram estes aspectos no ambiente escolar, o desenvolvimento de
linguagem/apropriação da Libras pelos alunos surdos nos primeiros anos escolares é
assegurado, garantindo uma base educacional, uma vez que esta é desenvolvida em uma língua
acessível a estes alunos.
A educação de surdos é desafiante pois abrange peculiaridades que transitam não só no
reconhecimento legal de seu direito à educação bilíngue, mas envolve ainda, uma postura de
acolhimento às diferenças, significada na relação com o aluno surdo e no respeito a sua língua
natural, em uma escola que se permita inovar em estratégias metodológicas visuais adequadas
às especificidades educacionais e linguísticas do aluno surdo, promovendo uma aprendizagem
que não apenas se caracterize bilíngue, mas oportunize o conhecimento sistematizado de forma
significativa e crítica.
Embora já esteja assegurada na legislação a exigência da educação bilíngue, prevista
inclusive, como uma das estratégias do Plano Nacional de Educação, a sua efetivação em todos
os espaços educativos depende do compromisso das instituições educativas, dos professores e
da mobilização da própria comunidade de surdos.

REFERÊNCIAS

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Campinas , v. 26, n. 92, p. 725-751, out. 2005. Disponível
em:<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
73302005000300002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 10 maio 2017.

BORGES, Amaro de Souza; PEREIRA, Andreia Colares Cabral. O estado da arte sobre
políticas públicas para pessoas com deficiência no Brasil: dialogando sobre a transversalidade
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7674

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BRASIL. Decreto Federal nº 5.626/05, de 22 de dezembro de 2005. Disponível em:


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