A História Além Das Placas: Os Nomes de Ruas de Maringá (PR) e A Memória Histórica
A História Além Das Placas: Os Nomes de Ruas de Maringá (PR) e A Memória Histórica
A História Além Das Placas: Os Nomes de Ruas de Maringá (PR) e A Memória Histórica
Preâmbulo
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Prevista para ser um desses pólos, Maringá nasceu sob o signo
do planejamento, característica que também influenciaria o seu
traçado urbano.
A companhia colonizadora, após patrocinar estudos sobre
a topografia, o clima e a vegetação do território destinado ao
município, encomendou ao urbanista Jorge de Macedo Vieira o
planejamento do traçado de Maringá, desenhado segundo o
modelo de "cidade jardim" (LUZ, 1997). Criou-se uma mitologia
em torno desse planejamento, exacerbada pelo fato de Jorge
de Macedo Vieira ter elaborado o projeto sem jamais ter posto
os pés na região.
O culto às potencialidades do planejamento foi muito além
de suas implicações no desenho urbano. Forjou-se uma
identidade que aliava, por meio da racionalidade do
planejamento, as noções de progresso e de ausência de
contradições. Na contracorrente dessa visão oficial, reproduzida
inclusive em trabalhos acadêmicos, surge uma leva de pesquisas
críticas, questionando os mitos do planejamento (CAMPOS,
1999; PAULA, 1999).
De qualquer forma, a condição de Maringá como cidade
planejada também marcou o processo de batismo de suas ruas,
fato visível a olho nu. Percebe-se que a denominação das vias
públicas de Maringá, tanto nos primeiros bairros quanto nos
fundados recentemente, obedece a certo planejamento,
seguindo determinada temática. Não há registros de que tenham
sido realizados rigorosos estudos a respeito, mas a simples
análise do mapa demonstra que a disposição dos nomes de
ruas não foi acidental. 3 Todavia, não se tratou, mesmo do ponto
de vista que lhe era subjacente, de um planejamento irretocável.
No conjunto, foram eleitos temas bastante diversificados.
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sistematicamente usado para batizar ruas brasileiras, Tiradentes,
por exemplo, foi convertido à condição de herói somente no
período republicano, mais de um século depois de ter sido
executado pela coroa portuguesa (CARVALHO,1990).
Em Curitiba, usou-se o artifício de apagar referências ao
Império com topônimos republicanos. A Rua da Imperatriz virou
Rua 15 de Novembro; a Rua do Imperador foi convertida em
Rua Marechal Deodoro. A Praça D. Pedro II foi rebatizada como
Praça Tiradentes. Nesse logradouro, houve a incorporação de
uma estátua do "mártir da independência", uma das primeiras
a representá-lo como "Cristo cívico", e de um monumento à
República: "encontramos em destaque a estátua do positivista
Benjamin Constant e, acima do mesmo, o símbolo republicano
francês: uma estátua da Marianne, além da estátua do Marechal
de Ferro" (PEREIRA, 1998: 51).
Em Maringá, a maior parte dessas referências históricas
foi incorporada aos nomes das ruas na década de 1950, quando
a cidade vivia seus primeiros anos e promovia, ostensivamente,
o batismo de suas vias públicas. O trabalho dos planejadores e
dos legisladores de Maringá reproduziu determinada concepção
de história e seus critérios de relevância. Nesse período, as
referências privilegiadas já estavam consagradas como marcos
pela história oficial. A distância cronológica dos acontecimentos
permitia agrupá-los em temas, constituídos, para usar uma
expressão de Vesentini (1984), em verdadeiros nós explicativos
da história nacional.
A concepção subjacente identificava a história com o
passado remoto. Sintomaticamente, foram privilegiados
acontecimentos e processos dos séculos anteriores. Não houve,
nesse momento ou posteriormente, a constituição de um sítio
temático com referências ao século XX. Fatos e personagens
da história recente foram incluídos, como demonstram os casos
da Avenida Getúlio Vargas e da Praça 31 de março, apenas
isoladamente.
A Zona 2 está repleta de nomes ligados ao chamado
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a ofensiva contra os holandeses, foi rebatizada como Madre
Sueli Giron. A Avenida Riachuelo, que também é perpendicular
à Avenida Brasil, homenageia a célebre vitória naval da Guerra
do Paraguai.
Entre as paralelas à Avenida Brasil, não pertencem aos
temas elencados a Avenida Mauá e as Ruas Santos Dumont e
Deputado Néo Alves Martins. No primeiro caso, o nome do
famoso empresário do império guarda coerência com as atividades
comerciais e industriais da avenida. No segundo, não se localizou
nem se deduziu nenhuma razão muito clara para a inclusão do
nome do "pai da aviação" em região temática tão definida. No último
caso, porém, houve mudança de denominação, visto que, antes
da homenagem ao deputado, a rua se chamava Aquidaban, nome
extraído da Guerra do Paraguai. Também dessa guerra vêm:
Marcílio Dias (marinheiro), Paiçandu (batalha), Barroso (o almirante
que comandou a vitória em Riachuelo), Inhaúma (almirante).
Itapura é uma base militar construída, em São Paulo, pouco
antes dessa guerra. Por sua vez, Monte Cáceros foi uma batalha
vencida no conflito contra Oribe e Rosas.
É de causar estranheza que as praças da Zona 3 tenham
sido batizadas com os nomes de Regente Feijó e Emiliano
Perneta, distantes da temática geral, Não é menos estranho
que Itororó, batalha em que Caxias disse a famosa frase "Sigam
me os que forem brasileiros", e Humaitá, fortaleza conquistada
na Guerra do Paraguai, tenham se tornado nomes de avenidas,
respectivamente, nas Zonas 2 e 4.
Da mesma forma, a Avenida Tuiuti, outra batalha dessa
guerra, inicia-se exatamente onde termina a Vila Operária, e a
Rua Cerro Corá, referência ao episódio final do conflito bélico,
localiza-se na Zona 6. Felipe Camarão, índio que se aliou aos
portugueses na resistência aos holandeses, também não foi
incluído na Zona 3. Diferentemente do que ocorre nas
enciclopédias, onde costuma ficar ao lado de Henrique Dias e
Vidal de Negreiros, seu nome foi deslocado para a Zona 2.
Caxias e Tamandaré, comandantes de terra e água da
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primeiros presidentes da República: Floriano Peixoto, Marechal
Deodoro, Rui Barbosa, Benjamin Constant, Francisco Glicério,
Demétrio Ribeiro, Campos Sales, Quintino Bocaiúva etc.
Todavia, a data em que é comemorada a proclamação, 15 de
novembro, foi deslocada da Zona 7 e tornou-se nome de avenida
central.
A Proclamação da Independência não foi lembrada em um
bairro específico, mas era referência para uma seqüência de
avenidas e praças. Uma primeira alusão era a Avenida Ipiranga,
atual Getúlio Vargas, uma das mais centrais da cidade. Depois,
seguindo pela Avenida Brasil, principal via urbana, surgiam a Praça
José Bonifácio, a Praça 7 de Setembro e, virando à esquerda, a
Avenida Independência. Com o tempo, no entanto, essa seqüência
de referências foi diluída e/ou dispersa.
Ipiranga deixou de ser nome de via central e passou a
denominar, nas proximidades do Country Club, uma tranqüila
rua. Perto da Vila Nova, Ipiranga tornou-se, também, nome de
bairro periférico. Foi nessa região, desprovida de reiteradas
alusões à Proclamação da Independência, que D. Pedro I,
ausente das homenagens primeiramente inscritas nas vias
centrais, tornou-se nome de rua. Toda a extensão da Avenida
Luiz Teixeira Mendes, engenheiro ligado à empresa
colonizadora, já se chamou Independência, mas, hoje, esse
nome se aplica apenas ao pequeno trecho que separa a Praça
7 de Setembro da Praça dos Expedicionários.
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popular, iriam vestir um santo para desnudar outro, visto que
teriam de remover o nome de Luís de Camões da rua em que
se situa o Centro Português. Em nome da diplomacia do
município, sacrificou-se a alusão ao fato histórico nacional.
Nenhum outro bairro teve seu planejamento temático tão
alterado quanto a Zona 2. Pedro Álvares Cabral perdeu o lugar
para Marcelino Champagnat, na rua em que se localiza o Colégio
Marista. Para compensar, rebatizaram a Praça das Caravelas com
o seu nome. Menos sorte teve Américo Vespúcio, que cedeu lugar
para o Padre Germano Mayer. Isso não deve ter contribuído, porém,
para abalar a memória do ex-homenageado, cujo nome, ocioso
lembrar, foi utilizado para batizar todo o "novo mundo".
Santa Maria, a caravela de Colombo, continua a ser nome
de rua, mas as outras duas, Pinta e Nina, já mereceram, desde
o início, tratamento menos privilegiado. Num processo de fusão,
batizaram uma rua do bairro como Pintanina e, algum tempo
depois, rebatizaram-na com o nome do vereador Arion Ribeiro
de Campos. Para completar, a Avenida Novo Mundo, como se
disse, ganhou o nome do Papa João XXIII.
Se, nesses e em outros casos, houve descaracterização
da temática geral, registre-se um caso em que, com o tempo,
um personagem prejudicado com o processo de redefinição foi
alojado em uma região apropriada ao significado de sua
intervenção histórica. Para homenagear os expedicionários com
nome de praça, foi despejado Frei Caneca, o revolucionário que
liderou a Confederação do Equador, movimento republicano que
se confrontou com o elitista e autoritário regime monárquico
encabeçado por D. Pedro I.
Muitos anos depois, Frei Caneca tornou-se nome de rua
do Conjunto Liberdade. A associação com o ideal de liberdade,
como ocorrera com Palmares, foi coerente. Curiosamente, o
frade carmelita, que estava alocado perto da Praça 7 de
Setembro, tornou-se vizinho de avenida homônima. Fruto de
critérios que não observam as contradições, a permanente
vizinhança é algo indigesta, uma vez que tal efeméride é um
símbolo do regime combatido pela Confederação do Equador.
As demandas locais e toponímia popular
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mobilizaram para que seu ídolo fosse convertido em nome de
rua, devidamente incluída na região reservada aos cantores
nacionais. A Praça Zumbi dos Palmares foi reivindicada pelo
movimento de União e Consciência Negra.
Por vezes, amigos e familiares reivindicam a homenagem,
como aconteceu com Luiz Carlos Sossai, adolescente de 15
anos que teve sua vida ceifada, no final da década de 70, em
um acidente de trânsito e se tornou nome de rua da Vila Ipiranga.
Em contrapartida, um caso semelhante teve, recentemente,
desfecho oposto. Em 1997, uma vereadora conseguiu a
aprovação de uma lei para rebatizar a Praça da Glória, localizada
no bairro homônimo, com o nome de sua fiiha, morta em um
acidente de trânsito, mas os moradores se mobilizaram contra
essa iniciativa. Alegaram que a mudança causaria transtorno,
uma vez que estavam acostumados com o antigo nome. No
final de 1999, depois de muita polêmica, a lei foi revogada e a
denominação original foi restabelecida.
A história de Maringá não fornece muitos registros de
mobilização popular contra a mudança de nomes de ruas, mas
os moradores costumam demonstrar sua resistência de outras
maneiras. Quando a via pública é rebatizada, há a necessidade
de um longo período para a sedimentação do novo nome.
Somente os moradores mais antigos e os pesquisadores sabem
que a Rua Joubert de Carvalho se chamava Rua Bandeirantes
ou que a Avenida Getúlio Vargas se chamava Avenida Ipiranga.
Entretanto, não é difícil os moradores locais citarem, para dar
um exemplo, a Avenida Bento Munhoz da Rocha Neto como
Avenida das Indústrias. Em um período de transição, cuja
duração varia de caso para caso, os dois nomes costumam ser
lembrados, havendo o cuidado de se referir ao mais recente
como a "antiga Rua Fulano de Tal".
A respeito da intervenção do povo, não pode ser olvidado
um fato incomum, ocorrido no final do mandato do ex-prefeito
Ricardo Barros (1988-1992). Pretendendo se despedir em alto
estilo, o prefeito programara, para os últimos três dias de gestão, a
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estatua nua. Se, em São Paulo, o povo chama o Elevado Costa
e Silva de "o minhocão", os maringaenses, com igual criatividade,
chamam a Praça 7 de Setembro de "Praça do peladão".
Seguindo pela Avenida Brasil, pouco acima da "Praça do
peladão", encontra-se o "Fim da picada". Esse nome remete às
origens da cidade, quando essa região era uma picada aberta
no meio da floresta primitiva. Apesar do elevado grau de
urbanização atingido pela atual "selva de pedra", esse trecho
continua sendo conhecido, com ou sem nomenclatura oficial,
como o "Fim da picada".
Considerações finais
Bibliografia
I
LUZ, F. O fenômeno urbano numa zona pioneira: Maringá.
Maringá: Prefeitura Municipal, 1997.
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Quatro Ventos, 1998.
PINSKY, J. Nação e ensino de história no Brasil. In: PINSKY, J.
(Org) O ensino de história e a criação do fato. São Paulo:
Contexto, 1988.
PORTO, A. R. História da cidade de São Paulo através de
suas ruas. São Paulo: Carthago Editorial, 1996.
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MA (org). Repensando a história. Rio de Janeiro: Marco
Zero,1984.