32bsp Material - Educativo Caderno - 06 Relatos PDF
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rotas
e desvios:
pesquisa e processos
pedagógicos em escolas
e instituições culturais
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Bibliografia selecionada
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Bienais, arte e a possibilidade de perceber-se contemporâneo 9
Relatos de processos
pedagógicos
Fruto do trabalho realizado por participantes necessárias, dificuldades diante de contextos
do workshop de criação desta publicação, e de recursos disponíveis. Assim, os textos
as dez práticas que constam das próximas abordam acontecimentos que, em geral,
páginas são desafiadoras por lidarem com passam despercebidos nos processos de
escolhas, riscos e desvios de percurso avaliação tradicionais.
diante das propostas iniciais dos educadores Longe do desejo de constituir o que
e experiências coletivas. Para cada ação poderia ser entendido como um manual de
realizada, elaborou-se uma introdução boas práticas, esses relatos se apresentam
que aponta questões relacionadas ao como um diário polifônico de processos.
reconhecimento de intenções, passando por Nele, convivem as atividades que foram
pesquisa, planejamento, registro e avaliação desencadeadas pelos mais diversos pontos
de práticas. de aderência e intenção diante das questões
O contato com os processos de discutidas pelos profissionais no workshop
preparação e realização das atividades se faz de material educativo da 32ª Bienal, em
presente por meio da voz dos professores e vivo diálogo com obras, artistas, conceitos
educadores, que narram em primeira pessoa curatoriais e repertórios pessoais.
seus questionamentos, dúvidas, adaptações
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A existência de um
sistema é incerta
Em diálogo com a pesquisa encontrada na para refletir sobre as ações praticadas no
obra de Pierre Huyghe, o educador Carlos macrocosmo em que vivemos e quais são
Serejo propôs discutir os conceitos de suas consequências.
ecologia, ecossistema, entropia, incerteza. Um dos aspectos que chama a atenção
Trabalhou com participantes do Projeto nessa atividade é a preocupação de
Tear, serviço público de saúde mental para criar um vocabulário comum e de fácil
pessoas em situação de sofrimento psíquico, apreensão pelos participantes. Por isso, o
em Guarulhos. A ideia foi provocar, por meio educador optou por utilizar as definições
de ações realizadas, o deslocamento da de um dicionário para trabalhar conceitos
percepção para o entorno da instituição. que identificou na obra de Huyghe. Essa
Sem ter a intenção de recriar um estratégia se sustenta não pelo fato de que
trabalho do artista, Serejo e os participantes no dicionário se encontram os significados
partiram de uma investigação de campo nos prontos ou acessíveis para conceitos
arredores da instituição, onde coletaram complexos, mas pelo potencial de oferecer
elementos (plantas, insetos, objetos de uma oportunidade para discutir o processo
plástico e de outros materiais, alimentos, de construção de sentido para as palavras,
máscaras etc.). Depois, foi escolhido um seus significados convencionais e possíveis
local para a realização de terrários, que se subversões. No contexto da proposta, essa
tornariam dispositivos de observação para discussão se desdobra em uma prática
abordar a noção de sistema, investigando que coloca os conceitos em movimento,
interações internas e externas a ele. O como Serejo destaca ao observar o quanto
terrário foi proposto como microcosmo de as noções de equilíbrio e incerteza foram
algo mais amplo, em que estamos inseridos. importantes na escolha do local onde o
Pensar sobre as ações no microssistema terrário seria implantado e durante sua
criado pelos participantes foi um método construção.
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Arte na medida
Inspirada pela produção de Lais Myrrha, final, ela solicitou-lhes que trouxessem o
a professora Ana Helena Grimaldi objeto escolhido na aula seguinte, quando
realizou, como parte de seu curso sobre os alunos tiveram contato com a obra de
arte contemporânea para estudantes artistas que abordam questões semelhantes.
do oitavo ano do ensino fundamental 2, Eles puderam trabalhar o objeto trazido e
uma atividade que envolve a pesquisa de pensar em um título para ele: títulos poéticos,
instrumentos de medição. Entre os temas metafóricos, políticos, que provocassem o
abordados estavam a utilização de novos deslocamento do olhar e a reflexão sobre a
materiais e a ressignificação de objetos naturalização de conceitos e convenções
na arte contemporânea. Esses tópicos relacionados aos objetos.
foram discutidos mediante uma abordagem Aproximando-se da produção de Myrrha
histórica, com apresentação de obras de no contexto do curso em andamento,
artistas (Marcel Duchamp, Cildo Meireles) Grimaldi estabeleceu um diálogo do
como estratégia para a introdução de grupo com as metodologias e poéticas
repertório visual aos alunos. da artista, como forma de discutir a
Grimaldi propôs aos estudantes que incomensurabilidade.
pensassem em modos e instrumentos Chama a atenção a forma como o grupo
tradicionais de medição e, em seguida, percebeu diferentes escalas na escola,
sobre “coisas” que não podem ser medidas. estabelecendo relações com a dimensão de
Após elencarem seus pensamentos, foram elementos presentes no espaço e seu próprio
instigados a refletir sobre quais instrumentos corpo – individual e coletivo. Enfrentando
usariam ou inventariam para medir o que a questão “Ao medir, o que se registra?”,
imaginaram. o grupo desenvolveu estratégias para
Depois desse exercício, a professora medição coletiva do espaço a partir de seus
iniciou uma conversa sobre a obra de corpos e de objetos de uso cotidiano. Assim,
Lais Myrrha. Ela pediu aos alunos que reúnem-se duas discussões: medidas e
pensassem em objetos feitos exclusivamente nomenclaturas (lembraram, por exemplo, das
para medir: régua, esquadro, transferidor, unidades pé, polegada e jarda).
compasso, termômetro, balança. A partir do Medir a distância entre duas árvores,
objeto escolhido, cada um deveria pensar nesse caso, pôde ser uma oportunidade
em uma forma de subvertê-lo, por meio de para imaginar o que pode existir entre duas
uma modificação e de um novo nome. Ao árvores.
Relatos de processos pedagógicos 19
P.S.: produzi um iMovie,1 pois acredito que o professor deve sempre 1 As imagens dos frames do vídeo
devolver ao grupo um olhar sobre a experiência vivida, com um olhar de registro realizado por Guibu mostram
as palavras que representam o que os
estético pessoal, saindo da posição de alguém que só pede e não se expõe
estudantes gostariam que permanecesse
(considerando que expor seja sair do seu lugar e se colocar em outro). na escola. A legenda inserida pela
Em geral, costumo realizar um desenho grande na lousa, num gesto de professora conta o que gostariam de fazer
com o resíduo do giz. [N.O.]
valorização da atitude de desenhar. Ou, então, monto uma exposição bem
cuidada e com poucos recursos, ao final do semestre. Para esses alunos, fiz
o iMovie a partir das fotos que tirei para registro geral da ação.
massumi guibu
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Intervenções sutis:
uma proposta
O educador Azeite de Léos, que atua observação de algum lugar na Fábrica de
na Fábrica de Cultura do Jardim São Cultura que fosse significativo para cada
Luís (Zona Sul de São Paulo), propôs participante. A prática deveria envolver
aos aprendizes que saíssem dos ateliês também elementos que poderiam ser
de artes para explorar diversos espaços percebidos por outros sentidos. Em seguida,
dessa instituição: corredores, salas, áreas os registros foram compartilhados com o
externas, estacionamento etc. Considerando grupo para que fossem eleitos lugares nos
aspectos da poética da artista Koo Jeong A, quais realizariam intervenções sutis. Frestas
o educador procurou trabalhar o que chamou de novas percepções possíveis seriam criadas
de “materialidade sutil” e envolver modos para os outros frequentadores da Fábrica
peculiares de lidar com o tempo e a (educadores, funcionários ou aprendizes).
memória. Para De Léos interessa pensar Desenho e escrita surgiram como
na articulação de ideias envolvidas ferramentas de pesquisa para originar o
na criação artística, em como ações e que se aproximaria de uma instalação site
vivências podem ser compreendidas como specific. Assim, a proposição convidou
procedimentos artísticos no contexto da arte os aprendizes a se apropriarem de modo
contemporânea. sensível dos espaços (dos ordinários aos
Em um primeiro momento, foi proposta pouco frequentados), ampliando a noção do
a realização de um desenho ou texto de que pode ser comum.
Relatos de processos pedagógicos 25
Os sons da
comunidade-escola
A proposta da coordenadora pedagógica poderia ter diferentes formatos, fosse uma
Telma Resende foi pesquisar o conceito “exposição” dos sons, um convite à escuta
de comunidade na escola, inspirada pela aos outros alunos, a elaboração de uma
biografia da artista Helen Sebidi. Transformar paisagem sonora com movimentos corporais,
o olhar sobre o contexto escolar, promover uma performance ou a criação de uma
o exercício da escuta entre os estudantes imagem que tivesse sonoridade.
e observar as ações que nortearam essa É possível notar na proposta de Resende
investigação. Ela partiu do conceito de o desejo de ampliar o campo perceptivo, ao
comunidade, uma palavra frequente no criar oportunidades para que os estudantes
vocabulário cotidiano (comunidade europeia, relacionassem as imagens, as situações e
comunidade religiosa, comunidade da os sons que os cercam. Eles construíam um
Zona Sul), para abordar as noções de novo olhar sobre a realidade na qual estavam
pertencimento, identidade e reconhecimento. inseridos, ao mesmo tempo que podiam
Com base nisso, discutiu quais poderiam compará-la à dos outros e reconhecer
ser os sons característicos de determinada diferenças, conflitos, contradições. Assim,
comunidade e que qualidade poderiam ter. a ampliação da percepção sensorial, da
Ela solicitou aos estudantes que gravassem relação do corpo com o ambiente, vinha
os sons de suas comunidades, como uma acompanhada por uma expansão da
maneira de ativar a percepção deles para percepção social, das relações e diferenças
a possibilidade de olhar o entorno, de entre lugares e pessoas.
conhecer, compreender, aceitar e respeitar o O relato de uma conversa com a vizinha
diferente. da escola dá testemunho da sensibilidade
Ao final desse processo investigativo da professora a essas questões e sugere
e reflexivo, Resende propôs ao grupo também que um processo pedagógico
que pensasse em uma ação coletiva na depende menos de idade e mais de
comunidade da escola, com o objetivo de disponibilidade. Não é possível saber se
socializar com os outros alunos o trabalho as queixas da vizinha quanto ao barulho
realizado. Esta ação (parcialmente realizada acabarão ou não, mas certamente ela não
até o momento de escrita do relato) ouvirá os sons da escola da mesma maneira.
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ela, tiram seu sono, seu sossego e sua paciência. Nesse contexto, ela
havia construído a ideia de alunos “malucos”, que gritam, de professores
desequilibrados, de ambiente insalubre, de lugar inadequado para
aprendizagem. Quando ela entrou na escola, pôde se localizar, identificar
os sons e reconhecer as situações.
E dizia, brava: “No dia 10 de junho, um aluno gritou tantos
palavrões que nem ouso repetir, e um professor gritava mais que ele,
mandando-o parar!”. Expliquei que temos um aluno autista, o Rafael,
que de vez em quando se descontrola mesmo e, quando isso acontece,
um adulto precisa contê-lo. “Ah, aqui também tem crianças assim?”,
perguntou. Eu disse que temos... várias! “Mas elas estão assim, com as
outras crianças? Ou separadas?” Contei sobre nosso dia a dia e disse que
sim, estão conosco, incluídas e não separadas. “Mas no dia 12 de junho
teve uma professora ensaiando festa junina com um microfone! Pra quê?
Pelo que ela dizia, ninguém queria dançar! Ela dizia a todo instante para
um e outro que precisavam dançar!” Contei que, na ocasião, havia cerca
de setenta alunos na quadra, ensaiando várias danças. O microfone era
necessário, e as crianças precisavam de incentivo pra vivenciar danças
típicas. “Ontem, ontem mesmo, na quadra, explodia alguma coisa e as
crianças gritavam!” Eu disse que era o professor de ciências fazendo um
experimento de química na quadra.
Acredito que nossa vizinha vai continuar convivendo com os sons
da nossa escola, mas acho que agora eles terão um outro significado, e
até mesmo poderão ser identificados e nomeados. Entendi esse processo
como pedagógico, uma vez que foi possível apresentar um contexto,
levando ao conhecimento para posterior compreensão e, talvez, aceitação
daquilo que lhe soou estranho e incômodo.
Este talvez seja o nosso maior objetivo nessa atividade: o registro, o
reconhecimento e a convivência harmoniosa entre sons diferentes.
telma resende
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Si consigo ou nós
conosco?
1 O texto “Da A professora Ana Maria dos Santos Toseti a comunidade escolar – entendida como
medida da incerteza à
elaborou um projeto transdisciplinar o conjunto de pessoas que frequentam a
incerteza da medida”,
de Rodrigo Nunes, que
envolvendo as disciplinas de artes e língua escola e circulam nesse espaço.
abre o caderno Ecologia portuguesa, com duração de três encontros. Toseti partiu de um problema específico
e Incerteza, neste livro,
Seus interlocutores foram os alunos do vivenciado na escola para desencadear
pode servir de referência
aos interessados em
Grupo Arrebol, um projeto livre de teatro que o desenvolvimento de sua proposição: o
trabalhar com o mesmo acontece na EMEF Claudio Manoel da Costa e descarte inadequado das embalagens dos
universo de interesses da
envolve crianças e adolescentes de quinto ao produtos consumidos pelos alunos na escola.
professora Ana Toseti.
nono ano do ensino fundamental 2, com faixa Consumo e individualismo acabam levando
etária entre dez e quinze anos. à insistente falta de cuidado com o destino
A intenção inicial da professora foi desses resíduos.
abordar com os participantes a questão Buscando a conscientização dos
do consumo e seus excessos e o impacto estudantes em relação a esse problema,
causado pela presença humana no Toseti convidou a todos para participar
ambiente.1 Explorando as possibilidades de uma intervenção no teto do pátio de
plásticas oferecidas por diferentes formas convivência, abordando questões urgentes
de intervenção no espaço escolar, ela como, por exemplo, cuidado com o lixo ao
procurou criar situações para visualizar utilizar e ocupar áreas comuns e espaços
ideias, provocar reflexões e partilhá-las com públicos.
Relatos de processos pedagógicos 33
1 Na discussão posterior com outros Fui favorecido pelo acervo desse lugar [o Espaço de Leitura do Parque
participantes do meu grupo no workshop
da Água Branca, São Paulo], todo composto de livros de literatura
da Bienal, no entanto, chegamos à
conclusão de que, como alternativa, cada
infantojuvenil.1 Por contratempos, acabei realizando a proposta com um
participante poderia trazer um livro de grupo de educadores, meus companheiros de trabalho, de idades variadas.
sua própria coleção, de seus pais ou de
Os educadores juntaram os livros e com o montante coletado criaram
vizinhos.
subcategorias partindo das cores de lombadas – a categoria inicial das
cores foi uma sugestão minha por receio de não haver tempo suficiente
para realizar toda a ação.
Feito isso, começamos um jogo de livre associação de ideias tomando
como ponto de partida as cores de lombadas de cada pilha de livros.
Uma pessoa dizia algo que a cor de lombada fazia lembrar (por exemplo:
uma lombada vermelha lembra sangue, tomate, molho, chaves, ferro
etc.). A última palavra pensada foi relacionada com a primeira e o
resultado tornou-se uma palavra ou frase sintética que seria usada no
decorrer do jogo como plano subjetivo da narrativa – um instrumento de
redirecionamento, para complexificar a criação.
Iniciamos a narrativa e ela aconteceu tal como o esperado. Somente
após terminar todas as pilhas de livros e passar por todas as palavras e
Relatos de processos pedagógicos 37
frases sintéticas é que apresentei a artista Mariana Castillo Deball e sua 2 Encontro com o autor, lançamento de
livros inexistentes, por exemplo.
obra Never Odd or Even. Logo que viram seu trabalho, os educadores
perceberam o potencial que o jogo propiciava para a entrada no plano
criativo da artista. Permanecemos um longo tempo dialogando sobre
os possíveis desdobramentos da obra2 e a força criativa de conversas a
partir de elementos imaginários. Criamos um nome para a história que
havíamos inventado e imaginamos por um tempo como seria a sobrecapa
de um livro com o conteúdo que desenvolvemos.
No decorrer dessa conversa, que já era avaliação do projeto, a única
questão que os participantes me colocaram é que teria sido interessante
se eles mesmos, e não eu, tivessem proposto a categorização dos livros.
Não tivemos tempo para criar a sobrecapa do livro, todavia, os
educadores entraram no assunto e disseram que seria divertido criar
essas capas a partir das histórias criadas e colocá-las nos livros já
disponíveis no acervo do Espaço de Leitura.
marcos felinto
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Trans-ver os mapas
de sala de aula
No contexto de experimentação de processos e coordenadores pedagógicos, a partir
pedagógicos instaurada nos workshops para de determinadas práticas e pressupostos
a criação deste livro, chamou a atenção do estabelecidos pela política institucional de
professor Paulo Lorenzeti a maneira como cada escola. Sua utilização não é unânime,
o artista Öyvind Fahlström explorou a lógica o que provoca discussões e discordâncias
cartográfica. Em obras como Section of entre professores de uma mesma escola, que,
World Map – A Puzzle [Seção de mapa-múndi diante do mapa, passam a ter duas opções:
– Um quebra-cabeça] e Garden – A World acatar as imposições advindas de sua lógica
Model [Jardim – Um modelo mundial], ambas (restringindo os alunos a permanecer no
de 1973, o artista cria mapas nos quais reúne lugar determinado e a se comunicar apenas
posicionamentos políticos e percepções com quem está a seu alcance) ou tentar
registradas em suas memórias afetivas. subverter os limites impostos, muitas vezes
De seu interesse pelos processos de de maneira engenhosa, a fim de ampliar a
trabalho de Fahlström em torno das relações comunicação com o grupo.
interpessoais e entre instituições e nações, Em seu plano de trabalho, Lorenzeti
Lorenzeti decidiu explorar o tema no contexto ressalta o fato de que esses mapas, assim
da sala de aula. Propôs então um trabalho de como os mapas geográficos de território,
construção de sentidos e de reflexão acerca costumam apontar apenas a localização
dos mapas de sala com estudantes do sexto espacial de seus pontos de interesse. Sua
ao nono ano do ensino fundamental 2, em um proposta procura ampliar a percepção dos
processo desenvolvido em duas aulas, com estudantes, promover a consciência de sua
cinquenta minutos de duração em cada uma presença no ambiente e tornar mais visíveis
das turmas. as formas de participação de todos como
Ferramentas amplamente difundidas, os parte de um grupo que convive por longas
mapas são criados em grupo por professores horas em um mesmo espaço físico.
Relatos de processos pedagógicos 39
4 A escolha desse formato foi em Em seguida, entreguei um pequeno retângulo de papel sulfite, de
virtude da limitação dos espaços para
aproximadamente 14 × 13 cm4 e solicitei que iniciassem os desenhos
montagem de trabalhos de estudantes na
escola onde leciono. A eles se dedicam
de seus territórios individuais, tendo como base o questionário e a
pequenos painéis móveis nos corredores utilização da mesma lógica de linguagem dos quadrinhos, ordenada em
de salas de aula. Essa medida de papel
espaços específicos do papel, para criar uma narração não linear de seus
permitiria a visualização de todos os
mapas simultaneamente.
acontecimentos na escola.
Assim como no questionário, essa atividade foi ganhando força ao
longo da sua execução, pois os alunos trocavam muitas informações
a respeito de seus desenhos. Houve também muitas reclamações a
respeito da dificuldade de desenhar, mas contornei o fato dizendo que era
importante que cada um “fizesse como sabia, com sua própria forma de
desenhar”, pois estavam falando a respeito de suas próprias histórias e,
assim, os desenhos deveriam conter seus próprios traços.
Notei que, apesar de termos tido pouco contato com o trabalho do
Fahlström, muitos dos desenhos deles carregavam alguns aspectos de sua
composição visual, principalmente a forma como dividia os territórios
e desenhava sobre eles. Um dos alunos, Luiz Gustavo, percebeu que
juntaríamos todos os trabalhos e propôs então a um colega fazer uma
ligação entre seus desenhos. Pretendo dar continuidade com a finalização dos
desenhos, a montagem do mapa e os desdobramentos que a partir daí virão.
Apesar de as ações terem ocorrido em um curto período de tempo,
percebi que esta atividade tem grande potencial de discussão, tomada
de consciência, construção e desconstrução de conhecimentos e sentidos
de experiência, pois lida diretamente com o dia a dia dos alunos. A
proposição trouxe à tona questões ligadas às relações de poder entre
professores e alunos, à falta de autonomia e à consciência das decisões
tomadas na escola. Os alunos expuseram os medos que cercam suas
escolhas pessoais – que vão na contramão da instituição e de seus
professores – e um pensar mais profundo sobre suas relações com os
espaços e as pessoas com as quais se encontram diariamente.
Devido ao volume de informações que esta atividade necessita e é
capaz de gerar, acredito que seu tempo tenha que ser maior, podendo se
tornar um miniprojeto de bimestre ou de um semestre, dependendo de
seus desdobramentos. Talvez teríamos um número tão grande quanto as
detalhadas e criteriosas informações presentes no trabalho de Fahlström,
que requerem muito cuidado ao serem abordadas e apreciadas….
paulo lorenzeti
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Folhas de pesquisa
Tomando por metáfora o jardim como sistema Nelas, é possível guardar as impressões
vivo constituído por trocas e relacionamentos iniciais diante de trabalhos artísticos na
entre os elementos que nele e por ele vivem, etapa de pesquisa de obras e artistas,
que está na base da 32a Bienal de São Paulo, escolher formatos de participação para
as folhas de pesquisa a seguir concentram atividades, registrar e avaliar a cadeia
questões importantes para o registro e de acontecimentos que compõem as
a organização das transformações que proposições.
acontecem nos processos pedagógicos. Recomenda-se a leitura de todas as folhas
Como as folhas das plantas, que para para compor uma visão geral das questões
a botânica são os órgãos de captação de presentes em cada etapa do trabalho
luz, de trocas gasosas com a atmosfera, de educativo, buscando por possíveis relações e
transpiração e de respiração, as páginas a impactos que podem guardar entre si.
seguir podem ser utilizadas como espaço Sugere-se que sejam copiadas para
para coleta, registro e construção de uso em diferentes projetos, e que as folhas
conexões entre elementos previamente produzidas por cada professor ou educador a
elencados, a partir do desejo de dar forma a partir dessas perguntas sejam incluídas como
proposições em escolas, organizações não parte deste livro, constituindo um arquivo
governamentais e instituições culturais. de trabalho para uso pessoal ou coletivo, em
parceria com outros profissionais.
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Folha de pesquisa 1
Investigando a obra: da impressão à interpretação
Folha de pesquisa 2
Identificando formatos e recursos para ações educativas
Folha de pesquisa 3
Registro e acompanhamento de processos pedagógicos
Folha de pesquisa 4
Síntese, reconhecimento e celebração em processos