Pertencimento e Vínculo Afetivo

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v. 40, n. 4, pp. 491-497, out./dez. 2009

Vinculação afetiva pessoa-ambiente:


diálogos na psicologia comunitária e psicologia ambiental
Deyseane Maria Araújo Lima
Zulmira Áurea Cruz Bomfim
Universidade Federal do Ceará
Fortaleza, CE, Brasil

RESUMO
Este artigo abrange temáticas provenientes dos estudos em psicologia comunitária e psicologia ambiental, com ênfase
na vinculação afetiva entre pessoa e ambiente presentes nos conceitos de sentimento de comunidade e no apego
ao lugar. Neste sentido, visa retratar o sentimento de comunidade, e para isso situa-se o conceito de comunidade
e seus pressupostos teóricos. Em seguida, trabalha-se o conceito de apego ao lugar desenvolvido por Giuliani e
as contribuições de Bowlby sobre a teoria do apego. A proposta metodológica relaciona-se com a análise crítica
e articulada entre textos que trabalham estes dois conceitos propiciando aproximações e distinções, por meio da
pesquisa bibliográfica. Os resultados de relacionar e refletir sobre estes conceitos baseiam-se nas semelhanças como
a identificação com o lugar, a satisfação de necessidades, como também se diferencia pelas especificidades do lugar
e dentre outros. Conclui-se ressaltando a importância desta relação, pois possibilita a construção de novos conceitos
no diálogo da psicologia comunitária e da psicologia ambiental.
Palavras-chave: Apego ao lugar; sentimento de comunidade; afetividade.

ABSTRACT
Motional attachment person-environment: dialogues in community psychology and environmental psychology
This article covers topics from studies in community psychology and environmental psychology, with emphasis
on the emotional attachment between person and environment found in the concepts of sense of community and
place attachment. This way, it seeks to portray the sense of community, and for this, the concept of community
and its theoretical assumptions are placed. Then, the concept of attachment to place developed by Giuliani and the
contributions of Bowlby on the theory of attachment are discussed. The methodological proposal relates to critical
analysis and is articulated between texts that work these two concepts providing correlations and distinctions, through
the literature research. The results of relating and reflecting on these concepts are based on similarities such as
identification with place and the satisfaction of needs, but it also differentiates itself by the specific nature of the place
and among others. It concludes emphasizing the importance of this correlation, for it allows the construction of new
concepts in the dialogue of community psychology and environmental psychology.
Keywords: Attachment to place; sense of community; attachment.

RESUMEN
Vinculación afectiva persona-ambiente: Diálogos en la psicología comunitaria y psicología ambiental
Este artículo comprende temáticas originadas en estudios en psicología comunitaria y psicología ambiental, con énfasis
en la vinculación afectiva entre persona y ambiente presentes en los conceptos de sentimiento de comunidad y en el
apego al lugar. En este sentido, se trata de presentar el sentimiento de comunidad, y para eso se situa el concepto de
comunidad y sus presupuestos teóricos. En seguida, se trabaja el concepto de apego al lugar desarrollado por Giuliani
y las contribuciones de Bowlby sobre la teoría del apego. La propuesta metodológica se relaciona con el análisis crítico
y articulado entre textos que trabajan estos dos conceptos propiciando aproximaciones y distinciones, por medio de la
encuesta bibliográfica. Los resultados de relacionar y reflexionar sobre estos conceptos se basan en semejanzas como
la identificación con el lugar, la satisfacción de necesidades, como también se diferencia por las particularidades del
lugar y entre otros. Se concluye resaltando la importancia de esta relación, porque posibilita la construcción de nuevos
conceptos en el diálogo de la psicología comunitaria y de la psicología ambiental.
Palabras clave: Apego al lugar; sentimiento de comunidad; afectividad.
492 Lima, D, M. A. & Bomfim, Z. A. C.

Introdução para a compreensão da atividade comunitária como


atividade social significativa (consciente) própria
A psicologia ambiental e a psicologia comunitária do modo de vida (objetivo e subjetivo) da comu-
são fazeres da psicologia social (Bomfim, Freitas e nidade”.
Campos, 1992). A psicologia social apresenta como Por sua vez, a psicologia ambiental surge de
visão de homem um ser histórico social, agente de contribuições da psicologia social, por meio dos estudos
mudanças em constante movimento, constituído e de Kurt Lewin e da preocupação com o ambiente
constituinte da cultura em que está inserido com ênfase urbano.
na transformação e no compromisso social (Lane, Moser (1998, p. 125), ressalta “[...] o que se estuda
2004). em Psicologia Ambiental são fenômenos complexos,
Bock (1999) refere-se à ciência psicológica não só se usam métodos e técnicas bem conhecidas
como promotora de transformações e de uma atuação da Psicologia, particularmente da Psicologia Social,
comprometida com a realidade onde atua. Desta forma, como também são criadas metodologias próprias da
seus conceitos não deveriam fomentar as desigualdades Psicologia Ambiental”.
vigentes e dicotomias presentes, mas sim a intervenção A psicologia ambiental tem influência da psicologia
crítica sobre estes. Portanto, enquanto ciência e social na sua teoria e metodologia, mas concebe outras
profissão, a psicologia deveria atender as necessidades especificidades, como, por exemplo, o estudo da ação
e as demandas da população brasileira, o que, em humana sobre o ambiente, bem como também o efeito
conseqüência, possa refletir também na realidade da deste ambiente sobre o homem (Aragonés e Amérigo,
América Latina. 2000).
Esta psicologia tem como base epistemológica A psicologia Ambiental, de acordo com Moser
o materialismo-histórico dialético, que possibilita (1998, p. 122), “estuda a pessoa em seu contexto, tendo
abordar os fenômenos psicológicos e sociais na sua como tema central as inter-relações – e não somente
historicidade (Bock, Ferreira, Gonçalves e Furtado, as relações – entre a pessoa e o ambiente físico e
2007). social”.
Sawaia (2000), nesta perspectiva apresenta uma Esta psicologia tem como objeto de estudo a
visão de homem, inserido historicamente e dialeti- relação e as inter-relações entre pessoa e ambiente e os
camente na sua realidade. Na óptica desta psicologia, processos afetivos e cognitivos humanos envolvidos
estão os estudos sobre a dialética de exclusão/ neste ambiente social, histórico, cultural e físico.
inclusão e o sofrimento ético político, com ênfase na Desta forma, a psicologia ambiental volta-se para
afetividade. a forma que as pessoas sentem, pensam e vivenciam
Desta forma, na América Latina e no Brasil, a o espaço em que estão implicadas. Pautando-se não
psicologia comunitária surge de uma psicologia social somente na compreensão dos problemas ambientais,
comprometida com a realidade brasileira relacionada mas, sobretudo, na questão da sustentabilidade da vida
às necessidades e problemáticas de nosso contexto. enquanto responsabilidade dos seres humanos e na
Diante disso, esta área ganha contornos próprios, preocupação com a humanidade.
conceitos específicos e formas de intervenção. O sentimento de comunidade e o apego ao lugar
A psicologia comunitária adota uma postura política são conceitos fundamentais para a compreensão desta
de transformação da realidade social. Neste sentido, psicologia social. Já, que o sentimento de comunidade
Martín Baró (1996) propõe uma práxis historicizada, representa um ponto de encontro entre os interesses
contextualizada com a realidade e uma análise crítica pessoais e coletivos em uma comunidade (Sánchez
do homem e da sociedade. É interessante ressaltar, Vidal, 1991). E o apego ao lugar é considerado relevante
portanto, que: para o estudo dos aspectos afetivos no relacionamento
entre pessoa e ambiente (Giuliani, 2004).
Os fazeres em comunidades cresceram e fru-
Na psicologia ambiental o estudo da vinculação
tificaram de tal forma que alguns psicólogos sociais
entre pessoa e ambiente, inicialmente não era
consideram que a Psicologia Comunitária é a
considerado importante. Desta forma, os estudiosos da
prática da Psicologia Social no Brasil. Dentro de tal
área voltavam-se para o estudo dos processos cognitivos
perspectiva, todo trabalho com movimentos sociais,
e comportamentais, de acordo com Giuliani (2004).
com saúde pública/coletiva, com o meio ambiente,
Por volta da década de noventa, que surgiram alguns
entre outros, seriam práticas da Psicologia em
pesquisadores interessados na vinculação afetiva entre
comunidades (Bomfim et al., 1992, p. 134).
pessoa e ambiente, levantando assim questões sobre a
A psicologia comunitária, de acordo com Góis noção de apego e considerando-o uma “necessidade
(2005, p. 30) é “uma área da psicologia social voltada humana fundamental”.

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Deste modo, esta necessidade é uma dificuldade hipóteses e aprofundar temáticas ainda não muito
presente na sociedade atual, pois geralmente o exploradas, facilitando assim novas pesquisas. (Lima
ambiente é uniformizado e padronizado para atender e Mioto, 2007).
as necessidades de consumo gerado pela mídia e para
a manutenção das desigualdades sociais presentes Sentimento de comunidade:
na nossa sociedade. Com esta uniformização e vinculação afetiva dos moradores
padronização, dificulta a identificação das pessoas com a comunidade
com este espaço, pois não pode ser apropriado por
estas, minimizando assim a capacidade de vincular- Sawaia (1996) afirma que a partir do Iluminismo,
se afetivamente com o mesmo, o que pode gerar com o declínio do sistema feudal, ocorreram grandes
grande mobilidade ou a possibilidade de desenvolver críticas sobre o termo comunidade, pois era retratado
relacionamentos apenas funcionalistas com os lugares como algo contrário ao progresso, que inviabilizava
(apenas explorá-lo visando seus recursos naturais, ou o desenvolvimento econômico e a reforma do
bens materiais, por exemplo) e até uma ausência de sistema vigente, ocorrendo assim à valorização do
apego. individualismo e dos ideais da revolução industrial e
Na psicologia comunitária, o sentimento de co- francesa.
munidade, para Sánchez Vidal (1991), é essencial na sua Com a decadência destes ideais, proveniente de
definição, pois ressalta que a destruição deste conceito uma insatisfação de grupos de trabalhadores europeus
pode levar a uma desintegração das comunidades, com as condições precárias a que foram submetidos,
gerando assim isolamento, anomia, solidão, entre como por exemplo, o aumento da carga horária, e de
outros resultados negativos. críticas às condições de trabalho. Estes trabalhadores
Buber (1987, p. 13) argumenta sobre a comu- sentiram a necessidade de mobilização em busca dos
nidade interesses pessoais e coletivos. Então, o conceito de
comunidade é repensado e constrói-se uma nova forma
[...] em favor da restauração, criação ou
de relação comunitária (Góis, 2005).
desenvolvimento ulterior da comunidade como
O conceito comunidade começou a ser estudado na
sendo os únicos meios possíveis para superar os
psicologia social por volta dos anos 70, com a construção
males da sociedade e, dessa forma, conquistar uma
da psicologia comunitária, sendo isso bastante relevante
vida melhor para os seres humanos neste mundo.
epistemologicamente, pois demonstra um olhar crítico
Diante disso, este artigo visa discutir a possibilidade sobre a realidade e a possibilidade de transformação
de articulação entre os conceitos de apego ao lugar (na (Sawaia, 1996)
psicologia ambiental) e o de sentimento de comunidade A partir da complexidade da vida social, este
(na psicologia comunitária). Esta problemática é conceito passou a ser estudado por vários outros
essencial para estudar como as pessoas se vinculam aos saberes, áreas de estudo e teorias que, de acordo com
lugares e à comunidade, e a possibilidade de construir Góis (1993), causam ainda algumas controvérsias
conjuntamente e gerar benefícios ao lugar, ao grupo e na sua definição dependendo do contexto empre-
a si mesmo. gado.
É relevante para a construção de novas reflexões, Buber (1987) designa que a comunidade não é um
a nosso ver, uma vez que possibilita aproximações espaço vinculado somente à ordem natural, aos laços
e distinções entre estes conceitos, além dos nexos sanguíneos e aos contrastes com a sociedade. Pois,
existentes entre eles, ressaltando as especificidades de aponta que
cada contexto.
[...] a sociedade, regulada pelo princípio utilitário
Este artigo baseia-se num estudo comparativo,
e por relacionamentos externalizados, dê lugar a
que visa ao diálogo entre os saberes e não ao
uma nova comunidade, baseada na ‘lei intrínseca
engrandecimento ou ao desmerecimento de um saber
da vida’, no ‘principio criativo’, e em relações
em relação ao outro. É um estudo crítico, realizado por
emanadas da livre escolha das pessoas e não de
meio do material que já foi elaborado sobre o assunto,
ligações consangüíneas (p.17).
em busca de uma melhor compreensão sobre esta
problemática, portanto, a metodologia deste artigo foi Desta forma, a comunidade reflete a sociedade e a
a pesquisa bibliográfica, de acordo com Gil (1991). sua dinamicidade, o que a distingue do todo social. É
Portanto, a pesquisa bibliográfica não seria “um espaço de mediação entre as pessoas (e sua vida
uma revisão de literatura, nem mesmo uma revisão familiar), o município e a sociedade, além de ser um
bibliográfica, mas sim uma maneira de fundamentar lugar de reconhecimento e de confirmação da identidade
teoricamente o objeto de estudo, para formular pessoal dos moradores” (Góis, 2005, p. 62).

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Esta mediação também está presente no estudo de se pela segurança emocional, que facilita que
Sánchez Vidal (1991) sobre a comunidade, em que esta o morador se vincule afetivamente ao lugar
é caracterizada como uma forma de interação entre os quando este é seguro. Relaciona-se também
seus moradores e a sociedade, é uma expressão das ao pertencimento e à identificação do morador
instituições sociais que a compõe, podendo assim com a comunidade, local onde compartilha
satisfazer as necessidades mútuas. uma mesma realidade social. A partir desta
A comunidade é uma forma que possibilita identificação com as pessoas e os lugares, pode
transformações na sociedade por meio da ação ocorrer à intervenção pessoal, que é a forma
conjunta, da cooperação, da solidariedade. Ao se como os moradores atuam nesta comunidade.
trabalhar com a comunidade, nota-se seu caráter – A segunda categoria denomina-se influência, que
preventivo e educativo, como também a capacidade é a capacidade que o morador tem de influenciar
de desenvolver potencialidades individuais, grupais e a vida comunitária e de ser influenciado por
coletivas (Sawaia, 1996). esta.
A comunidade, para Góis (2005), é um lugar de – Na terceira categoria ocorre a satisfação das
moradia e convivência efetiva entre os moradores, necessidades pessoais e coletivas dos moradores
que estabelecem laços afetivos e um sentimento de forma cooperativa, sendo assim designada de
de pertencimento. Estes moradores vivenciam as integração e satisfação de necessidades.
mesmas dificuldades, necessidades, problemas so- – A última categoria chama-se conexão emocional
ciais e representações sociais, num território que é compartilhada, pois os símbolos que são
compartilhado e delimitado geograficamente, ocorrendo compartilhados pelos moradores da comunidade
uma identificação com o lugar e com as pessoas. têm um significado especial para estes.
Há também um compartilhamento do modo de vida Sarason (in Sanchez Vidal, 1991), considera o sen-
comunitário, da mesma história, da mesma cultura. No timento de comunidade quando o morador se sente
entanto, a comunidade não é um lugar homogêneo, pertencente a este contexto, fazendo parte de uma
sem conflitos, pois estão presentes contradições que coletividade, de uma rede de relações de apoio mútuo.
promovem através do diálogo, a transformação dos Chavis y Wandersman (in Sanchez Vidal, 1991)
moradores e da própria comunidade. (Góis, 2005). afirma que o sentimento de comunidade seria essencial
García, Giuliani e Wiesenfeld (2002) denominam para determinar e dinamizar a participação nos diversos
comunidade como uma rede de apoio mútuo entre âmbitos de transformação da comunidade, como no
seus moradores, a partir da confiança de que não estão caso do desenvolvimento comunitário.
sozinhos diante das problemáticas vivenciadas. Esse sentimento relaciona-se com a vinculação
Os moradores da comunidade a definem por sua dos sujeitos a um mesmo lugar e a uma forma de vida
própria experiência comunitária, nesta conceituação comunitária, podendo desencadear a participação para
estão presentes afetos e sentimentos entre os moradores. resolver dificuldades em comum.
(García et al., 2002).
O sentimento de comunidade, para McMillan (in Apego ao lugar: vinculação
García et al., 2002) manifesta-se quando os moradores afetiva das pessoas com o ambiente
se preocupam uns com os outros e compartilham uma
fé de que as necessidades dos moradores se satisfazem A teoria do apego, desenvolvida por Bowlby (2002),
pelo compromisso de estarem juntos. propõe uma vinculação afetiva entre a mãe e o bebê
García et al. (2002) referencia esse sentimento para que ocorra satisfatoriamente o desenvolvimento
como “pertencendo a”, que é capaz de determinar quem afetivo, cognitivo e social da criança.
faz parte de uma coletividade maior. Isso não quer Ainsworth, Blehar, Waters e Wall (in Pontes, Silva,
dizer que não ocorram conflitos entre os moradores e Garotti, Magalhães, 2007, p. 69) afirmam que:
seus objetivos pessoais e coletivos. Embora existam
A figura de apego funcionaria, também, como
conflitos, deve-se focar na sua superação, de forma que
uma base segura que permitiria à criança explorar
propicie o crescimento e a não destruição do sentimento
o ambiente. O apego pode, deste modo, ser
comunitário.
compreendido como o conjunto de comportamentos
Há quatro categorias do sentimento comunitário
do bebê que se caracteriza não somente pela busca
que são destacados por McMillan e Chavis (in García
de proximidade física da mãe, mas também pela
et al., 2002):
exploração do ambiente.
– A primeira categoria refere-se a um sentimento
de pertencimento que o morador sente na É interessante resgatar essa teoria proveniente do
comunidade em que está inserido. Caracteriza- desenvolvimento infantil, que define o apego pelo

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comportamento de buscar e manter-se próximo a outro da capacidade de investir afetivamente a lugares


indivíduo. É possível fazer relações com o apego ao (Giuliani, 2004, p. 95-96).
lugar (Giuliani, 2004), já que é relevante a presença
Giuliani (2004) também ressalta três processos
de pais afetivos e de um ambiente estruturado, que
que podem gerar um sentimento de apego: o primeiro
propicie conforto, proteção, segurança e confiança em
refere-se à satisfação das necessidades da pessoa no
si mesma (Bowlby, 2002).
local, havendo assim predominância dos componentes
Deste modo, ressalta-se o apego no desenvolvimento
cognitivos e de sua relação funcional com o ambiente.
infantil, como forma de propiciar relações com outros
O segundo relaciona-se com os significados dos
campos do conhecimento e a importância também que
lugares a nível simbólico e/ou físico em relação à
Bowlby (2002) atribui à afetividade e à relação mãe-
identidade da pessoa. E o terceiro, retrata-se um grande
criança-ambiente.
período de residência e familiaridade, com ênfase nas
Para Giuliani (2004), na psicologia ambiental,
questões emocionais, no sentimento de segurança e no
um dos autores, que reconheceu a necessidade de se
bem estar que propicia as pessoas.
estudar o apego ao lugar foi Fried, que incluiu a questão
Portanto, fatores estressantes como assaltos, a
da vizinhança e de sua satisfação. Outro autor foi
insegurança, criminalidade, poluição, ruídos, falta de
Yi-Fu Tuan (1983) que relaciona o espaço geográ-
saneamento do bairro, influenciam a relação entre as
fico à vinculação afetiva, como forma de transformar
pessoas e o seu ambiente. Isso se relaciona diretamente
este espaço em lugar por meio da experiência hu-
com o tempo de residência no bairro e a falta de
mana.
mobilidade, podendo causar uma diminuição do apego
De acordo com Moser (2001), a subjetividade
a este lugar (Martín, Hernández e Ruiz, 2006).
está relacionada aos espaços cotidianos, pois estes
Marris (in Giuliani, 2004, p. 101) afirma que
promovem processos de significação e de identificação
“os relacionamentos que mais importam para nós
das pessoas com estes, como por exemplo, a residência
tipicamente envolvem determinadas pessoas a quem
pode ser considerada um lugar, um espaço de referência
amamos... e ás vezes determinados locais aos quais
básica para a construção de um sentido de proteção e
atribuímos as mesmas qualidades amadas”.
de segurança. Desta forma, o espaço é mais abstrato
Embora, esta autora enfatiza que o apego ao lugar
do que o lugar, é movimento e sua transformação, já
diferencia-se do apego às pessoas por alguns fatores,
que o lugar corresponde a um processo de apropriação
como a permanência da vinculação afetiva por certo
deste espaço, onde o sujeito imprime sua marca, atribui
período de tempo, a relação com o lugar onde já morou,
novos significados e passa a identificar-se com este
ou vivenciou a infância.
ambiente. (Yi-Fu Tuan, 1983).
Outro aspecto relevante nesta diferenciação seria a
Ambiente, de acordo com Aragonés e Américo
simbolização e representação do lugar para as pessoas
(2000), é o objeto de estudo da psicologia ambiental,
sem que estas necessariamente tenham contato com
é o que rodeia as pessoas e interage com elas em seu
este lugar, bem como a vontade de continuar em contato
contexto, é sócio-físico e construído socialmente. Desta
com o lugar que é objeto deste apego e a dificuldade
forma, conforme Moser (2001), a psicologia ambiental
de se apegar a outros lugares. E releva-se a busca por
considera níveis ambientais: nível I (microambiente –
segurança e o conforto nestes espaços.
espaço privado, casa, moradia...), nível II (comunidade
– ambientes próximos, vizinhanças, parques...), nível
Reflexões e Apontamentos sobre
III (ambientes públicos – aldeias, cidades, campo...) e
o Sentimento de comunidade e o
o nível IV (societal – ambiente global).
Apego ao lugar
Giuliani (2004) afirma que o apego ao lugar
caracteriza-se pela presença de afetos que as pessoas O sentimento de comunidade é um afeto direcionando
sentem de diversas maneiras, em relação aos lugares em a comunidade pelos moradores desta realidade, neste
que nascem, acontecimentos que vivenciam e sujeitos caso, a comunidade é um lugar específico. Já, o apego é
com quem interagem, como também as pessoas que voltado para o lugar, que pode ser diversificado, como
fazem parte destes locais. Desta forma, conforme a por exemplo, hospitais, escolas, ambientes de lazer,
autora: esportivos, bairros, e inclusive este pode ser a própria
Passando de uma visão estática do apego – consi- comunidade.
derando um conjunto de atitudes e comportamentos Desta forma, ressalta-se que na psicologia ambiental
que caracterizam o relacionamento entre um o foco de atuação e pesquisas seria com o ambiente e sua
indivíduo (ou um grupo) e um determinado lugar relação com a pessoa. Já para a psicologia comunitária
– para uma perspectiva dinâmica considerando o o foco da práxis do profissional e do pesquisador seria
apego no contexto mais amplo do desenvolvimento com a comunidade.

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Esta comunidade, para Giuliani (2004, p. 92) Em relação ao apego, Giuliani (2004) afirma que o
denomina-se como “[...] o sistema de redes sociais significado de lugares é fundamental para a identidade
destinado a funcionar dentro de fronteiras geográficas da pessoa, isso quer dizer que há lugares que têm
bem definidas e inclui como componente essencial um um valor simbólico, ou correspondem a um período
senso de pertencimento ou apego ao lugar”. significativo na vida pessoal, sem que isso remeta a um
O sentimento psicológico de comunidade, que de tempo duradouro de residência.
acordo com Sánchez Vidal (1991) visa à satisfação das A identificação com o local promove a capacidade
necessidades, ao pertencimento ao grupo, à autonomia, de se vincular afetivamente a este, promovendo o apego
à presença da diversidade, se opondo aos sentimentos a este lugar. Isso também é observado no sentimento de
de alienação, isolamento e solidão. comunidade, pois se sente fazendo parte de uma rede
No sentimento de comunidade como no apego ao de relações de apoio mútuo.
lugar está presente à satisfação das necessidades com O sentimento de comunidade é marcado por afetos
este lugar, em que o morador se vincula afetivamente a e emoções direcionados a comunidade e aos seus
comunidade mediante a satisfação de condições básicas moradores (Sánchez Vidal, 1991). Já, o apego ao lugar
de sobrevivência. Nestes dois conceitos, é observado refere-se a uma vinculação diferenciada deste lugar,
uma ênfase na segurança. pela permanência dos vínculos, pelos componentes
A questão da segurança e do conforto que este simbólicos, e entre outros.
ambiente gera nas pessoas interfere no modo como Portanto, pode-se enfatizar, que:
interagem com o lugar, podendo promover mudanças,
[...] o sentimento que possuímos em relação a alguns
quando isso é possível (Giuliani, 2004). No sentimento
lugares e às comunidades que os lugares ajudam a
de comunidade também está presente essa interferência
definir e que são, por sua vez, definidos por elas –
da segurança na vinculação afetiva com a comunidade
lar (família, parentes, amigos), local de trabalho,
(Sánchez Vidal, 1991).
(colegas), igreja (os outros devotos), vizinhança
No apego funcional apresenta-se predominância
(vizinhos), cidade, pais, continente –, certamente
da base cognitiva sobre a afetiva, que corresponde à
contribui, forte e positivamente, para definir nossa
qualidade do lugar, da possibilidade deste em atender
identidade, dar sentido à nossa vida, enriquecê-la
as demandas das pessoas envolvidas neste processo.
com valores, metas e significado (Giuliani, 2004,
Portanto, se esse ambiente não satisfaz seus moradores,
p. 90).
o apego diminui e uma mudança pode ser positiva
(Giuliani, 2004).
O sentimento de comunidade refere-se à satis- Considerações finais
fação das necessidades pessoais, mas também com as
coletivas, isso acontece de forma conjunta e cooperativa O sentimento de comunidade refere-se a uma in-
(García et al., 2002). Porém difere do apego funcional, teração entre a comunidade, seus moradores e a
que se direciona principalmente ao ambiente e suas sociedade, possibilitando que estes busquem a
alternativas disponíveis, enquanto o sentimento de construção conjunta, a participação social, a trans-
comunidade vislumbra a vinculação entre os moradores formação da realidade e de si mesmo (Sánchez Vidal,
e a comunidade. 1991).
O apego funcional é apenas uma característica do O apego ao lugar é marcado por afetos e emoções
apego ao lugar, já que este conceito é dinâmico e traz presentes na relação entre as pessoas e os lugares. Este
outras especificações, como a familiaridade e o tempo lugar garante a satisfação de necessidades, o valor
de residência, dentre outros. simbólico do lugar para as pessoas, a permanência desta
O apego ao lugar apresenta base mais emocional do relação, ou mesmo a mobilidade quando é necessário,
que cognitiva e refere-se aos sentimentos que o lugar e entre outros. O apego pode promover o bem estar e a
propicia para as pessoas, como a segurança e o conforto. transformação social destas pessoas (Giuliani, 2004).
É a experiência concreta e cotidiana com o lugar que Neste estudo comparativo sobre o conceito de
permite que esse apego aconteça, e estar apegado a um sentimento de comunidade e apego ao lugar, constrói-
lugar, dificulta apegar-se a outro lugar. se um conhecimento, a partir das aproximações e
Os moradores da comunidade vivenciam e distinções entre estes conceitos, que são importantes
constroem os seus símbolos que são compartilhados por tanto para a psicologia comunitária como para a
todos nesta realidade, apresentando assim significados psicologia ambiental.
para os moradores e uma identificação com o local, que Este artigo foi uma tentativa de aprofundar conceitos
é essencial no sentimento de comunidade, para Garcia da psicologia social e dos seus fazeres (Bomfim et
et al. (2002). al., 1992) e resultou da compreensão de como se dá

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a vinculação afetiva das pessoas com o lugar em que Gil, A. C. (1991). Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo:
vivem e atuam de acordo com cada contexto. Altas.
Dentre as aproximações, pode-se relacionar a Góis, C. W. L. (1993). Noções de Psicologia Comunitária.
Fortaleza: Edições Ufc.
vinculação afetiva e a identificação com o lugar, os
Góis, C. W. L. (2003). Psicologia Comunitária no Ceará: uma
significados presentes neste lugar, as satisfações caminhada. Fortaleza: Instituto Paulo Freire.
das necessidades, ressaltando a segurança e dentre Góis, C. W. L. (2005). Atividade e consciência. Fortaleza: Instituto
outros. Paulo Freire.
Algumas distinções presentes são peculiares a cada Lane, S. T M. (2004). A Psicologia Social e uma nova concepção
contexto e a cada saber, que são as especificidades em do Homem para a Psicologia. In Lane, S. T. M., & Codo.
W. Psicologia Social: o homem em movimento. São Paulo:
relação ao lugar para o sentimento de comunidade, Brasiliense.
as questões referentes ao apego funcional como Lima, T. C. S., & Mioto, R. C. T. (2007). Procedimentos meto-
componente cognitivo do apego ao lugar, da distinção dológicos na construção do conhecimento científico: a
do afeto designado aos lugares e à pessoa no apego ao pesquisa bibliográfica. Rev. Katálysis (Florianópolis),
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[...] talvez não exista nenhum sentimento de
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pessoas, seja ele formal ou não, institucionalizado Panoramas interdisciplinares para uma psicologia ambiental do
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México: Universidad de Guadalajara. Enviar correspondência para:
Deyseane Maria Araújo Lima
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ambiente. In Tassara, E. T., Rabinovich, E. P., & Guedes, M.C., CEP 60055-210, Fortaleza, CE, Brasil
Psicologia e ambiente. São Paulo: Educ. E-mail: [email protected]

Psico, Porto Alegre, PUCRS, v. 40, n. 4, pp. 491-497, out./dez. 2009

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