Gramática e Lógica - Borges Neto PDF
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RESUMO
Relações estreitas entre gramática e lógica são inegáveis. As primeiras gramáticas basearam-se
claramente na lógica aristotélica e as gramáticas escolares são, hoje, a principal manifestação
do modo de entender as linguagens que dela decorre. As teorias linguísticas contemporâneas,
apesar de, em parte ao menos, abandonarem a lógica aristotélica, constroem seus modelos
analíticos a partir de noções e processos oriundos da lógica matemática. Essas noções, no
entanto, nem sempre são bem compreendidas e alguns resultados de sua aplicação à teoria
linguística são surpreendentes. Vou analisar aqui o uso da noção lógico-matemática de
recursividade na gramática gerativa, que a converte numa noção biológica.
ABSTRACT
Close relations between grammar and logic are undeniable. The first grammars clearly had
been based on the Aristotelian logic, and school grammars are, today, the main manifestation
of the way of understanding the languages that flows from it. Contemporary linguistic theories,
though, in part at least, leave the Aristotelian logic, build their analytical models from notions
and processes derived from the mathematical logic. These notions, however, are not always well
understood and some results of its application to linguistic theory are amazing. I will here
analyze the use of logical-mathematical concept of recursion in generative grammar, which
converts it in a biological concept.
PALAVRAS-CHAVE
Gramática gerativa. Lógica e gramática. Recursividade.
KEYWORDS
Generative grammar. Logic and grammar. Recursion.
Introdução
Vou abrir este texto com uma afirmação forte e categórica: nunca
houve gramática que não fosse baseada na lógica. Se não diretamente,
pelo menos assentada em noções e processos desenvolvidos pelos
lógicos. Portanto, o debate sobre as relações entre a lógica e a gramática
não pode se basear em tentativas de afirmar/negar essa relação, mas sim
em esclarecer – e eventualmente rever determinados aspectos – uma
relação que tem mais de dois mil anos.
Essa relação, no entanto, nem sempre é pacífica. Mútuas
incompreensões pavimentam a estrada que liga a lógica à gramática, por
vezes quase tornando-a intransitável.
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toma por base a linguagem natural (língua grega, no caso), tanto para
listar as espécies de perguntas quanto para estabelecer as respostas
possíveis, não é difícil entender como de suas Categorias chegamos às
classes de palavras (ou partes do discurso) reconhecidas pela Gramática
Tradicional.
Creio que a posteridade deu dois passos a partir dessa posição: (i)
associou a Categoria aristotélica à sua expressão e passou a denominar
as expressões com os designadores das Categorias, resultando nas
classes de palavras, definidas nocionalmente; (ii) diante de certo fracasso
das definições nocionais, passou a classificar as expressões a partir
dos esquemas sentenciais de que participam, ignorando a contraparte
categorial, resultando nas classificações formais (morfossintáticas)
das expressões. Já entre os alexandrinos (séc. I a.C.) encontramos
classificações formais coexistindo com as classificações nocionais.
Para Aristóteles, a construção de um juízo (uma sentença, uma
proposição) sempre pressupunha a identificação de um particular
(designado por um nome) e a atribuição ou negação de um predicado
a esse particular. Percebendo que nem sempre os predicados tinham
escopo sobre a totalidade do particular, os aristotélicos criaram uma
“teoria da distribuição” e foram obrigados – por razões essencialmente
lógicas – a distinguir nomes próprios de nomes comuns (distinção
estabelecida originalmente por Crisipo de Solis, filósofo estóico que
viveu no século III a.C.), a identificar e descrever os quantificadores
(universal e particular), a mostrar como os verbos, com a exceção do
verbo “ser” (a cópula), são amálgamas da cópula com algum atributo, e
assim por diante.
Deste modo, as estruturas sintáticas e a classificação das palavras
foram sendo identificadas primeiramente para fins da lógica. Filósofos
e gramáticos interessados nas línguas e não na lógica usaram,
subsidiariamente, as noções da lógica para construir gramáticas.
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3. A recursividade
Passemos, então, à recursividade, uma das noções lógico-matemáticas
que estão presentes na gramática chomskiana desde os primeiros tempos,
e uma noção cada vez mais relevante e central para os gerativistas.
Na matemática, um processo recursivo define objetos a partir de
objetos do mesmo tipo. Um bom exemplo é a série de Fibonacci, em que
cada novo número da série é obtido a partir da soma dos dois números
anteriores (por exemplo, começando com 1, a série continuaria com 1,
depois 2, depois 3 e assim por diante: 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34, ...).
Embora não necessariamente, a série de Fibonacci é geralmente definida
por meio de uma regra recursiva (uma regra que se aplica, sucessivamente,
ao resultado de sua última aplicação).
Para Chomsky, de início, a presença de mecanismos recursivos na
gramática de uma língua natural tem apenas o papel de simplificar o
sistema de regras: está ligada, então, a critérios de simplicidade relativos
à formulação das regras.
No entanto, a existência de regras recursivas na teoria passou a ser
identificada com a existência de determinados tipos de estrutura nas
línguas descritas. Os linguistas – em geral pouco conhecedores de lógica
e matemática – passaram a acreditar que a existência, numa língua, de
estruturas encaixadas, como (1) e (2), eram razão suficiente para que se
postulassem regras recursivas na gramática dessa língua.
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Conclusão
Como podemos ver, esses equívocos parecem ter uma mesma fonte:
a confusão entre mecanismos formais e os objetos do mundo que
os mecanismos formais deveriam ajudar a descrever. No fundo, uma
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Referências
BLOOMFIELD, L. A set of postulates for the science of language.
Language 2, 1926, p. 156-164.
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