BLACKBURN, Robin. A Construção Do Escravismo No Novo Mundo.
BLACKBURN, Robin. A Construção Do Escravismo No Novo Mundo.
BLACKBURN, Robin. A Construção Do Escravismo No Novo Mundo.
As ilhas do açúcar
Fiquei chocado com a primeira visão de carne humana exposta à venda. Mas com
certeza Deus assim determinou a eles para nosso uso e benefício; caso contrário,
sua Divina Vontade teria se manifestado por algum sinal ou marca especial.
Foi na propriedade Gallifet, na paróquia de La Petite Anse, que ocorreu uma experiência
aeronáutica, a segunda em São Domingos. Isso foi em 1784. (...) A altura do balão
era de 30 pés, cerca de 10 metros; o diâmetro médio de dezoito, cerca de 6 metros; e sua
circunferência, de 57, cerca de 18 metros. Subiu numa trajetória em espiral, dando às
pessoas tempo para admirar os ornamentos com os quais o haviam decorado, inclusive
as cotas de armas dos dois chefes da colônia. (...) A subida levou cinco minutos, a fase
estacionária três. (...) Calcula-se que tenha subido 1.800 pés, cerca de 600 metros.
Este fenômeno tão novo para o mundo americano reuniu uma enorme multidão. (...)
Parecia que os espectadores negros ficariam chorando para sempre por causa do
desejo insaciável do homem de submeter a natureza ao seu poder.
Brasil 20 20 28 19
Ilhas britânicas 22 24 71 106
Ilhas francesas 10 24 81 12í
índias Ocidentais holandesas 5 6 9 10
índias Ocidentais dinamarquesas _ 5 8
Cuba 6 18
Total 57 74 200 286
Fontes: Roberto Simonscn, História econômica do Brasil, vol. 1, cm frente á p. 170, para o Brasil nos anos 1700 e
1720; Deerr, History of Sugar, pp. 530-31, para o Brasil em 1760; para os outros números dc 1700 c 1720, Davis,
Rtseofthe Atlantic Economies, p. 257; paraas ilhas francesas c britânicas cm 1760 c 17K7, Scymour Dreschcr,
Econocide, pp. 48, 7»; para os outros dados, Moreno l-raginals, El Ingenio, 1, p. +1.
Como veremos, nas "ilhas açucareiras" maiores zsplaníations podiam empregar apenas
metade, ou menos da metade, de todos os escravos, enquanto outros trabalhavam
em culturas secundárias, ou na criação de animais e em hortas. O crescimento da
população escrava no Caribe britânico e francês é mostrado na Tabela X.2 (ver pá-
gina 490).
Embora as ilhas britânicas e francesas tivessem muito em comum como socie-
dades deplantations escravistas, seu padrão de desenvolvimento era naturalmente
muito afetado pelos reveses militares e comerciais dos impérios dos quais faziam
suspeitasse de agentes espanhóis, A ameaça dos maroons acabou sendo neutralizada
parte. Serão analisadas separadamente para melhor destacar suas diferentes carac-
quando as autoridades coloniais chegaram a um acordo com as principais forças
terísticas.
revoltosas, lideradas pelo coronel Cudgoe e pelo capitão Accompong, em 1739, quando
Tabela X . 2 População escrava das ilhas do Caribe
se aproximava a guerra com a Espanha; a liberdade dos maroons foi reconhecida,
assim como seu domínio sobre 600 hectares de terra e o direito de participar do
Francesas Britânicas comércio local; em troca eles concordaram em devolver negros fugidos e defender a
ilha contra invasões estrangeiras.'
1680 11.000 64.000
1690 27.000 95.000 O problema da segurança fora agravado pelo fato de que guarda-costas espanhóis
1710 60.000 130.000 baseados em Cuba costumavam atacar navios na rota da Jamaica; seus carregamentos
1730 169.000 219.000 seriam vendidos com base no argumento real ou inventado de que esses navios dedica-
1750 265.000 295.000
1770 379.000 428.000
vam-se ao contrabando. A partir de meados do século, a segurança externa também
1790 675.000 480.000 melhorou quando os guarda-costas se intimidaram com as constantes manobras navais
britânicas no Caribe. A Jamaica nunca foi alvo de uma tentativa de invasão, mas a guer-
Fontes: Mims, Colbert's West India Policy, pp. 336-7; Dunn, Sugar and Slaves, p. 312; Seymour Drescher, ra de 1756-63 ativou vários alarmes. Em 1760, uma série de revoltas escravas frustra-
Econocide, p. 34; Gaston Martin, Histoire de l'esclavage dans les colonies françaises, pp. 24-6, 103, 124-5; Frostin,
Les Révoltes blanches à Saint Domingue, pp. 28-9.
das, depois da "Rebelião de Tacky" e envolvendo principalmente coromantins (indivíduos
da nação Akan, da Gana de hoje) foram ferozmente reprimidas com ajuda das tropas
coloniais e de auxiliares maroons. Seguiu-se outro período atribulado em 1777-83, quan-
Economia e d e m o g r a f i a no Caribe britânico do o corte dos suprimentos vindos da América do Norte provocou a fome entre os escra-
vos e a comunicação com a Grã-Bretanha foi interrompida algumas vezes. Com todos
estes problemas, o desenvolvimento da população e da economia da Jamaica foi um poucc
O desenvolvimento das colônias dcplantation das índias Ocidentais britânicas apresen-
mais lento do que poderia ter sido, mas assim mesmo impressiona:
4a vários enigmas: 1. Por que a Jamaica levou tanto tempo para aproveitar seu poten-
cial?; 2. Por que ilhas que receberam um fluxo de um milhão e meio de escravos durante
Í o século XVIII têm uma população escrava total de menos de metade deste número no
fim do século?; e 3. Com os custos elevados da substituição dos escravos, e com traba-
lhadores forçados e adoentados, como poderiam asplantations ser lucrativas? As respos-
Brancos (em milhares)
Tabela X . 3 Jamaica: Economia e População, 1673-1800
1700
7
1734
8
1750
9
1774
19
1789
23
1800
27
tas a estas perguntas vão exigir um aprofundamento das linhas de análise sugeridas no Negros livres - 1 2 4 - 10
Capítulo VIII em relação à segurança, à produtividade e à lucratividade daplantatim. Escravos (em milhares) 40 80 122 190 256 337
Os problemas do desenvolvimento da plantation surgiram de modo mais acen- Engenhos de açúcar 1Í0 300 525 775 710 800
FVodução de açúcar
tuado na Jamaica. No início do século XVIII já estava claro que esta ilha, com seu
(em milhares de toneladas) 5 16 20 40 50 70
tamanho muito maior, poderia facilmente ultrapassar a produção das colônias mais Exportações
antigas do Caribe oriental. Mas antes de 1740, o desenvolvimento da Jamaica foi (em milhares de libras esterlinas) 325 625 1.025 2.400 - 3.854
retardado pela frágil segurança interna e externa. O sucesso de vários milhares de í
maroons no combate às muitas tentativas de acabar com eles estimulou revoltas e Fontes-, O valor das exportações no século XVIII foi tirado de Richard Sheridan, Sugar and Slaves, pp. 216-17; o
valor das exportações de 1800 foi tirado de B. W. Higman, Slave Population and Economy in Jamaica, 1807-1834
fugas de escravos. Mesmo quando aldeias maroons, como Nanny Town, eram toma- Londres 1976, p. 213; os números da população negra livre são de David W. Cohen e Jack P Greene, eds.,
das, os maroons reagrupavam-se em outro lugar. Para alarme das autoridades e dos Neither Slave nor Free, Baltimore, M D 1972, p. 336. Todos os outros dados são de Michael Craton, "Jamaican
Slavery", em S. Engerman e E. Genovese, eds., Race and Slavery in the Western Hemisphere, p. 2 7 5 ,
fazendeiros, muitas vezes os maroons combatiam com armas de fogo; estas eram complementado por Michael Craton, Searching/or the Invisible Man: Slaves and Plantation Ufe in Jamaica, Lon-
provavelmente roubadas ou compradas no "mercado negro", embora também se dres 1978, pp. 34-5, 37.
A Jamaica só se destacou entre as outras ilhas britânicas na década de 1750. A Assembléia jamaicana exigia — geralmente com sucesso — o controle da receita
população escrava e a economia açucareira de Barbados estagnara. Havia pouca local; o governador era quase sempre escolhido entre os grandes proprietários.
possibilidade de aumentar ainda mais a produção de açúcar, e a importação de es- O dono de plantation que voltava à Grã-Bretanha deixava um advogado ou
cravos começou a diminuir. Os donos deplantations passaram então a aumentar o parente para cuidar da propriedade; costumava corresponder-se regularmente com
valor agregado de seus produtos por meio do branqueamento do mascavo, num este representante, e quase sempre supervisionava da Inglaterra as compras e vendas
processo que produzia açúcar branco e melado. O açúcar branco atingia preço mais' da plantation. A partir de 1740, a Assembléia da Jamaica criou um mecanismo
alto e era menos volumoso no embarque. O melado poderia ser vendido nas colô- para monitorar o desempenho das propriedades cujo responsável estava ausente.
nias da América do Norte em troca de suprimentos para aplantation. Alguns escra- O representante ou advogado do proprietário ausente devia prestar informações
vos tiveram de ser treinados para o trabalho especializado do branqueamento, mas detalhadas sobre a propriedade que administrava ao secretário do Departamento
numa colônia antiga com mão-de-obra experiente isso não era problema. Conse- Contábil da Produção; todo ano teria de apresentar um inventário, um balanço e
qüentemente, os donos de plantations em Barbados passaram a ganhar mais com um demonstrativo do movimento financeiro. E m 1770, cerca de um terço das
colheitas cujo volume cresceu pouco.2 propriedades da Jamaica, responsáveis por 40% da produção de açúcar, era admi-
Nas primeiras décadas do século XVIII, as colônias britânicas de desenvolvi- nistrado por representantes ou advogados em nome dos proprietários ausentes.
mento mais rápido foram as ilhas Leeward; diferentemente de Barbados, os donos Um indício notável da eficácia deste sistema de procuração à distância é que o
de. plantations ainda não tinham explorado toda a terra disponível. A população es- lucro médio das propriedades administradas por representantes era o mesmo da-
crava conjunta das ilhas Leeward superou ade Barbados em 1730 echegou a 73.000 quelas em que o proprietário estava presente. No final do século, quando a colô-
pessoas em 1750. Os fazendeiros de Antigua tinham fama de permanecer em suas nia apresentava uma prosperidade extraordinária, só uma em cada dez casas-grandes
propriedades e de se interessar pelo aperfeiçoamento dos métodos de cultivo. Havia era ocupada por seu proprietário. 6
10.000 brancos nas ilhas Leeward em 1750. Por muito tempo Barbados continuou Abaixo dos 467 donos de grandes plantations da Jamaica em 1754 havia 303
a ter, proporcionalmente, a maior população branca, com 15.000 brancos, 2.000 negros proprietários com terras cujo tamanho variava entre 200 e 400 hectares, o bastante
livres e 64.000 escravos na década de 1780.3 A Grã-Bretanha conquistou algumas para uma fazenda de tamanho médio; 566 proprietários cuja terra tinha de 40 a 200
outras ilhas nas Antilhas orientais no final da Guerra dos Sete Anos — as ilhas Ceded hectares, formando pequenas propriedades; e apenas 263 proprietários com menos
— mas seu desenvolvimento estava estagnado, em parte por causa das incertezas de 40 hectares de terra; não estão incluídos nestes dados fazendeiros que arrenda-
criadas pelos proprietários franceses e em parte por causa da extraordinária resis- vam terra e forneciam para o mercado interno. Os ranchos de criação de gado ocu-
tência dos caribenhos negros de São Vicente. Estes, descendentes dos caribenhos pavam um nicho importante da economia interna da ilha; os escravos desses ranchos
que se misturaram a escravos africanos fugidos ou sobreviventes de naufrágios, ocu- também eram alugados em turmas de trabalhadores quando era preciso limpar ou
param algumas das melhores terras de São Vicente em 1764, quando os britânicos plantar novas terras. A maioria das grandes plantations dedicava-se principalmente
tomaram as ilhas. Especuladores vorazes tentaram expulsá-los, mas até 1773-74 não ao açúcar, embora com freqüência se ligassem a fazendas-satélites de criação de gado
conseguiram garantir a grande operação militar necessária para atacá-los. Depois e produção de víveres. Uma propriedade açucareira não poderia ter mais de 800
que muitos caribenhos negros se aliaram aos jacobinos na década de 1790, toda a hectares de terra, porque neste caso a cana não seria levada ao engenho antes que
comunidade se transferiu para o Caribe ocidental.4 seu conteúdo de sacarose caísse abaixo do nível da exploração lucrativa. Assim, as
A posse de terras e escravos na Jamaica de meados do século era ainda mais 214 propriedades de 1754 que ultrapassavam este limite provavelmente incluíam
concentrada do que em outras colônias de plantation. Em 1754 havia 467 grandes fazendas-satélites; outras estavam, com certeza, mantendo reservas de terra para uso
proprietários que possuíam mais de 400 hectares de terra cada um, representando futuro ou com fins especulativos. A triplicação da produção de açúcar n a Jamaica
77,8% da terra cultivável disponível.5 Os comandantes da milícia e os líderes da na segunda metade do século XVIII foi conseguida com um aumento d o número
assembléia colonial vinham todos das fileiras de grandes proprietários; assim, eles de propriedades açucareiras, de 535 em 1750 para 900 em 1790, juntamente com a
dominavam a vida social da colônia, apesar de uma elevada taxa de absenteísmo. A duplicação ou triplicação do tamanho médio da propriedade. Na última década do
século, o investimento em elementos de uma "nova agropecuária", com mais ani-1 como os maroons e o "Black Shot" ("Tiro Negro") e, por último, mas também im-
mais de criação e mais esterco, resultou no aumento da produção por escravo.7 / portante, as reservas internas do próprio sistema de. plantations.
No final do século XVIII, a Jamaica só tinha alguns daqueles brancos pobres Para sublinhar este último ponto, vale a pena examinar o relato em primeira
que podiam ser encontrados em grande quantidade nas ilhas menores. A população mão da inquietação ligada à "Rebelião de Tacky", em 1760, no diário de Thomas
branca de quase 30.000 pessoas no final do século incluía 3.000 soldados e 1.000 Thisdewood, que então era feitor da plantation Egypt, a cinco ou seis quilômetros
donos de lojas, mercadores ou artesãos urbanos. Havia cerca de 4.000 donos de de Savannah la Mar, na paróquia Westmoreland, na Jamaica. Nessa época Thisdewood
plantations e pequenos fazendeiros, muitos dos quais viviam de fornecer víveres para vivia com outro branco numa propriedade com um contingente de cem escravos.
as propriedades maiores. A grande maioria dos brancos dependia diretamente do Quando o alarme foi dado, ele poderia, teoricamente, confiar no apoio da milícia —
sistema àe plantation, quer como profissionais liberais (médicos, advogados, conta- e, na verdade, esperava-se que ele mesmo se alistasse nela. No entanto, os brancos
dores) ou feitores, artesãos e especialistas técnicos, ou como proprietários de ran- estavam longe de ser assíduos no cumprimento de seus deveres para com a milícia,
chos de criação que abasteciam as grandes propriedades. Em geral os brancos gozavam e quando as propriedades sob sua responsabilidade ficavam em perigo, tinham boas
de certa influência política, principalmente porque os donos de grandes plantations razões para nelas permanecerem. Thisdewood era grato às patrulhas ocasionais das
contavam com sua lealdade e competência. A maioria dos homens brancos adultos tropas coloniais, e registrou que nos primeiros embates "os negros do coronel Cudgoe
tinha direito a voto, mas nenhum deles podia ser eleito para cargos oficiais porque a comportaram-se com grande bravura".10 Mas com o alastramento da revolta, ele
exigência de renda era muito alta. ficou muito alarmado:
Na década de 1780, o número de brancos cresceu com a chegada de refugiados
das colônias do norte; vários negros livres também vieram de lá. Os brancos tenta- Quando chegou a notícia do levante dos negros de Old Hope, percebeu-se uma
ram isolar-se da competição com escravos e libertos exigindo leis que reservassem estranha alteração nos nossos. Estão com certeza prontos para ousar, e estou bas-
para eles os cargos importantes, e que alimentassem, de modo geral, privilégios de tante certo de que estavam a par da trama, pelo que John me contou na noite de
casta racial. Donos de plantations ou feitores que tinham filhos de escravas às vezes domingo, de que eles haviam dito no campo no sábado, na casa da árvore de Pawpaw,
tentavam libertá-los e doar-lhes propriedades. Se um empregado branco mantives- que ele, quer dizer, ele mesmo, estaríã morto num Egypt etc. etc., e levando em
se uma ügação duradoura com uma das escravas de seu patrão, como o feitor Thomas conta muitas outras circunstâncias, com Lewie na casa de Forest aquela noite, etc.
Coffee e Job também muito ofensivos.*
Thisdewood fez com Phibbah, isso aumentava o poder do patrão sobre eles. O pro-
prietário de Phibbah pôde reter Thisdewood a seu serviço por mais tempo do que o
Um branco fora morto na casa de Forest "aquela noite", e a frase "morto num Egypt"
feitor desejava, recusando-se a alugar-lhe a escrava; posteriormente, recusou-se a
é, evidentemente, uma frase diretamente tirada do patoá, "dead eenna Egypt". Em-
alforriá-la, e cobrou caro de Thisdewood pelo aluguel da mulher e pela alforria de
bora ele suspeitasse de alguns indivíduos conhecidos — com boas razões — a res-
seus filhos. O proprietário de Phibbah só permitiu sua libertação depois da morte
posta de Thisdewood a outro levante relatado foi talvez surpreendente; "Armei
de Thisdewood. 8
imediatamente nossos negros e mantive estrita vigilância e atenção." Ele logo acres-
Em 1762, depois de verificar que mulatos eram donos de quatro propriedades
centa: "nossos negros têm boa inteligência, sendo muito nobres e prontos a lutar,
açucareiras, sete fazendas de gado, treze casas e outros bens, a Assembléia jamaicana
agora que estamos em perigo iminente". Os escravos temidos por Thisdewood e os
aprovou uma lei limitando a 2.000 libras esterlinas o valor dos bens que podiam ser
que ele armou parecem ter sido categorias que se sobrepunham. Embora os negros
deixados como herança a uma pessoa livre de cor. Também houve tentativas para
armados por ele fossem a elite escrava e seus seguidores imediatos, e não conheci-
dificultar a alforria e para fazer cumprir mais rigidamente as leis de "deficiência1',
que estipulavam o número mínimo de empregados brancos presentes nas plantations.9
Apesar da presença de uma guarnição da metrópole, a segurança da Jamaica, assim *No original: When the report was of the Old Hope Negroes being rose, perceived a strange alteration in ours.
They are certainly very ready if they durst, and am pretty certain they were in the plot, by what J o h n told me on
como de todas as outras colônias britânicas, também dependia da milícia local, que Sunday evening, that they had said in the field on Saturday in the Pawpaw tree piece, that he, what signified him,
era simplesmente a população masculina branca armada, vários auxiliares negros, he would dead in a Egypt &c.&c., and from many other circumstances, Lewie being over at Forest's that night,
&c. Coffee and Job also very outrageous. (N. doT.)
dos criadores de problemas, o caso ficou grave numa situação como esta, em que a O sistema produtivo da própria plantation, c o m o veremos, incorporou p u n i ç õ e s e
própria elite escrava desertava. A lealdade dos homens de Cudgoe pode ser aprecia- privilégios que constituíam uma trincheira de defesa contra a insurreição d o s escra-
da, mas acreditava-se que eles inspirariam alguns rebeldes que pretendiam "matar vos. E seu valor e escala evidentes devem ter deixado claro que os brancos n ã o aban-
todos os negros que puderem, e assim que chegar a temporada de seca, pôr fogo em donariam suas plantations sem apelar para todos os recursos a seu dispor.
todas as plantações que puderem, até obrigarem os brancos a libertá-los como os U m a propriedade açucareira jamaicana de "tamanho médio" e m 1774 tinha quase
negros de Cudgoe"." o dobro do tamanho da média das grandes propriedades de Barbados no século anterior.
Dois dos escravos da propriedade de Thisdewood fugiram, supostamente para U m a dessas foi inventariada segundo a Tabela X . 4 :
unir-se aos rebeldes, mas a elite escrava permaneceu leal e aj udou a proteger aplantation.
Eles podem ter duvidado dos objetivos da rebelião e de sua possibilidade de suces- Tabela X.+ Inventário de uma propriedade média da Jamaica, 1774
que estavam por trás da revolta — não era covarde nem desprovido de compostura.
Em tempos normais, acreditando que a força da sociedade colonial estava do seu Entre as características próprias deste inventário teríamos: (a) a listagem de escra-
lado, enfrentaria negros fugidos mesmo que estivessem armados com uma acha; sua vos juntamente com os animais de criação; (b) os escravos representando cerca de
"esposa" escrava, a doméstica Phibbah, disse-lhe mais tarde que seu apelido entre um terço do valor da propriedade; (c) o valor significativamente mais alto atribuído
os escravos era "No Play With" ("Não-Brinque-Com-Ele"). Durante e depois desta à terra plantada com cana, refletindo o investimento em trabalho escravo; (d) os
crise, como escreve o editor de seu üvro, ele ficou mais atento do que o normal à utensílios e o engenho de açúcar, este último construído pelos escravos, com um
execução de suas tarefas: valor entre um quinto e um terço do valor total. Os animais de criação, sob os cui-
dados, naturalmente, dos escravos, tinham papel importante na economia daplantation
Ele mantinha os escravos de Egypt sempre ocupados; cuidava deles quando adoe- fornecendo tração animal para o transporte da cana e para as moendas, esterco pan
ciam; surrava-os quando achava que tinham errado; dava-lhes regularmente suas os campos e carne fresca para os empregados brancos.
rações de alimentos e roupas e bebida, e às vezes rações extras por excesso de tra- Este tipo de avaliação aproximava-se da alcançada por uma propriedade cast
balho ou bom desempenho; concedia-lhes, mesmo no meio da revolta, seus passes
fosse vendida. Mas a maior parte do capital constituído pelas construções e pel;
de domingo para que pudessem ir de um lado para outro; mas os mantinha sob
terra arada representaria o valor agregado pelo trabalho escravo, com despesas ape
controle rigoroso: "Quarta-feira 24 de dezembro: o cabeça Johnnie tocou tambor
na casa dos negros na noite passada. Açoitei-o por isso.'"2
nas modestas em ferramentas e matérias-primas. Os registros contábeis jamaicano
do século XVIII, apesar de mais detalhados e abundantes do que os disponíveis sobr
as plantations brasileiras do século XVII, apresentam a mesma falta (observada n
Capítulo VIII) de distinção entre capital e despesas correntes. Em ambos os casos, administração deplantations de Samuel Martin ;— publicado em 1754 e com mui-
o trabalho escravo podia ser aplicado a itens de capital como prédios e preparação tas reedições — a plantation deveria ser "uma máquina bem construída, composta
de novas terras sem despesa adicional visível. Pbr outro lado, a compra de escravos, de várias engrenagens, girando em direções diferentes, e mesmo assim contribuin-
embora fosse claramente um investimento, era considerada com freqüência um item do para o grande objetivo proposto; mas se alguma parte girar depressa ou devagar
urgente de despesa corrente necessária para a colheita. demais em relação ao resto, vai-se perder o objetivo principal".15
A expansão geral da produção açucareira da Jamaica foi acompanhada por um A divisão dos escravos entre os campos de cana-de-açúcar, o engenho, a casa de
aumento tanto na escala quanto na intensidade do trabalho naplantation. Entre 1741 fervura, a destilaria, as roças de víveres, os estábulos e daí por diante exigia bom
e 1775, o tamanho médio das turmas de escravos nas propriedades inventariadas discernimento e senso de oportunidade, principalmente durante o caos da época de
subiu de 99 para 204; assim, a maioria dos escravos estava em propriedades com colheita. Os 365 trabalhadores de campo de Worthy Park foram divididos em 1793
mais de 204 deles.13 As propriedades maiores tinham contingentes de mais de qui- em cinco turmas, excluindo os que cuidavam do gado. Escravos entre dezesseis e
nhentos escravos. U m advogado que administrasse cinco ou seis propriedades quarenta anos formavam a "Grande Turma"; nessa época em Worthy Park 60% da
amealharia um salário principesco, entre £2.000 e £4.000 por ano. O salário dos Grande Turma eram de mulheres. Quando os homens escravos ascendiam ao nível
outros empregados brancos variava entre £50 e £200 por ano, e assim, como foi de artesãos, as mulheres passavam a predominar no trabalho no campo. A Segun-
observado no Capítulo VIII, os proprietários tinham um bom incentivo para esti- da Turma tinha 67 escravos com idade entre dezesseis e vinte e cinco anos, e a Ter-
mular os escravos a desempenhar funções especializadas. Numa plantation com um ceira Turma, 68 escravos entre doze e quinze anos. Os escravos entre cinco e onze
contingente de 256 escravos havia uma elite escrava composta de quatro cabeças, anos formavam a Turma das Ervas ou do Mato, enquanto um grupo restante de 13
que lideravam as turmas de escravos; seis carpinteiros; quatro tacheiros; três des- escravos de várias idades pertencia à Turma dos Vagabundos, por serem fujões ou
tiladores; dois pedreiros; dois construtores de carros-de-boi; um fervedor; um malfeitores recalcitrantes.16
cordoeiro; três tropeiros; três carroceiros; e assim por diante. Os feitores tinham de trabalhar junto com os capatazes de cada turma para ga
Em Worthy Park, uma grande propriedade, havia 557 escravos em 1793 e ape- rantir a coordenação perfeita e a manutenção da ordem; da mesma forma, os capa-
nas dez empregados brancos, que incluíam um feitor, um guarda-livros e seus três tazes precisavam obter a obediência ou o respeito de sua turma. Os capatazes
ajudantes, um mestre fervedor, um mestre destilador e um médico. Costumava-se costumavam andar armados de chicote, mas este estava longe de ser seu único ins-
exigir dos ajudantes de guarda-livros que supervisionassem o trabalho no campo trumento para exigir obediência. O feitor vigiava de perto os armazéns, para garan-
além de fazer as anotações contábeis. Em Worthy Park havia uma elite de 21 escra- tir que as rações de alimentos, roupas e rum fossem distribuídas entre os escravos
vos, muitos dos quais dirigiam uma equipe de artesãos e aprendizes; entre eles ha- segundo sua posição na hierarquia da plantation, sendo que um bônus arbitrário era
via sete capatazes de escravos, duas governantas, um mestre tacheiro, um mestre freqüentemente encaminhado por intermédio da elite escrava ou dos "cabeças".
oleiro, um mestre fervedor, um mestre pedreiro, um mestre serrador, um mes- Quando selecionava escravos para o cargo de capataz, o feitor não tinha liberdade
tre carpinteiro, um mestre ferreiro, um mestre vaqueiro, um mestre tropeiro e dois total; embora com certeza preferisse um chefe rigoroso, seria contraproducente in-
mestres carroceiros. Escravos especializados — carpinteiros, pedreiros, fervedores dicar um capataz que fosse odiado ou desprezado pelos outros escravos.17
etc. — formavam uma elite secundária de 95 trabalhadores.14 Assim, trabalhadores Os registros da plantation jamaicana Mesopotamia fornece um quadro interes-
especializados ou em função de chefia representavam um quinto do total de escra- sante da estratificação interna do contingente de escravos por sexo, origem, idade e
vos e mais de um quarto da mão-de-obra ativa. O treinamento e a especialização tonalidade da pele. Esta estratificação determinava privilégios cruciais, q u e ajuda-
adquiridos por estes escravos refletiam-se nos altos preços que atingiam no merca- vam a garantir a cooperação — para não dizer lealdade — da elite escrava, seus
do — embora poucos deles fossem vendidos. dependentes diretos (os membros da elite escrava costumavam ter uma o u mais es-
O procedimento para organizar o contingente de escravos, embora lembrasse o posas e vários filhos) e, por intermédio deles, da comunidade escrava. A plantation
princípio da "turma de trabalho" observado no século XVII, tornou-se muito mais era organizada como uma hierarquia complexa na qual cada um conhecia o seu lu-
elaborado e intenso durante a expansão do século XVIII. Segundo o manual de gar. Do ponto de vista "externo", a plantation apresentava uma massa d e escravos
negros e alguns administradores, técnicos e proprietários brancos. Do ponto de vis- Os capatazes eram em geral promovidos do cruel trabalho das turmas de cam-
ta "interno", a diferença entre os tipos de escravos deve, muitas vezes, ter parecido po depois de um período de serviço inferior à média, mas sem dúvida os pequenos
mais significativa em termos imediatos. Assim, em Mesopotamia no período 1762- privilégios a que tinham direito também contribuíam para sua maior longevidade.
1831 havia 16 artesãos mulatos, outros 16 escravos domésticos mulatos, 18 mulatos Como não havia mulheres artesãs, todas as escravas que não eram domésticas traba-
"não-trabalhadores" (crianças, velhos) e apenas dois mulatos trabalhando no cam- lhavam nos campos. Nem os escravos nem as escravas trabalhavam na turma de campo
po. Isto contrastava com 403 escravos africanos e 329 escravos negros crioulos, nas- principal por muito mais de quinze anos; este período tinha um efeito tão negativo
cidos ali, dos quais, em cada categoria, 66% trabalhavam nas turmas de campo.18 sobre sua saúde que eles precisavam ser transferidos para algum serviço mais leve.
Era comum que cerca de um décimo das crianças nascidas emplantations jamaicanas Mas as mulheres trabalhavam no campo por mais tempo, por serem transferidas
fossem mulatas. Destes descendentes de "ingleses (ou escoceses ou irlandeses) nas- para a segunda turma quando suas condições de saúde o exigiam. As únicas mulhe-
cidos livres" foi tirado o direito hereditário de seus pais mas, como recompensa, foi- res capatazes eram as responsáveis pela turma de crianças. A proporção maior de
lhes destinado um nicho privilegiado na hierarquia daplantation. Era também mais mulheres nas turmas de campo e o fato de que ficavam lá por mais tempo que os
provável que acabassem conseguindo a alforria, embora isto exigisse tanto a dispo- homens contribuíram para o problema da baixa fertilidade (que será analisado a seguir).
sição dos pais de pagar seu preço quanto a de seu dono de libertá-los. O proprietário ausente de Mesopotamia exigiu que as escravas não fossem obriga-
Em muitas plantations, os africanos predominaram sobre os naturais do local das a trabalhar demais para que a taxa de fertilidade subisse, mas, evidentemente,
nas turmas de campo, mas o proprietário de Mesopotamia comprou deliberadamente os feitores acreditavam que o trabalho feminino não poderia ser reduzido sem dimi-
muitas mulheres crioulas na esperança de elevar a taxa de reprodução. Se observar- nuir a produção. A manutenção do número exigido de membros da turma de traba-
mos as ocupações primárias dos escravos, notaremos que todos os artesãos eram lho principal era sempre difícil por causa da alta incidência de doenças: as 333 escravas
homens, enquanto 61% dos escravos domésticos eram mulheres; dos capatazes, 71 % de campo de Mesopotamia só eram qualificadas de "capazes" durante 54% do tem-
eram homens, enquanto 29% eram mulheres. Nada menos que 55% das mãos em- po, comparado com 57% do tempo para os 257 escravos das turmas de trabalho de
pregadas no campo eram de mulheres. Os donos de plantations costumavam prefe- campo. A proporção mais alta de escravas "adoentadas" ou "inválidas" parece refle-
rir os homens nas turmas de campo mas, como em Mesopotamia, acabavam tendo tir em parte o fato de que havia menos empregos considerados adequados para elas;
nelas grande proporção de mulheres. Isso devia-se, em parte, ao fato de que a mor- é mais provável que os homens que ficassem doentes com freqüência recebessem
talidade, principalmente no primeiro ano, era mais alta entre os homens, e em parte algum trabalho especializado ou heterogêneo.
porque os homens eram promovidos do campo para ocupações artesanais, e as mu- A predominância de homens na elite escrava e o monopólio masculino do tra-
lheres não. balho artesanal refletiam os estereótipos sexuais tanto de europeus quanto de africa-
A Tabela X.5 mostra a expectativa média de vida de várias categorias de escravos: nos. A divisão sexual do trabalho nas plantations também era útil para o regime de
segurança e produção da plantation. Os capatazes tinham de se impor fisicamente.
Tabela X.í Expectativa de vida dos escravos de Mesopotamia As africanas trabalhavam no campo, comerciavam e tinham filhos — mas, com ra-
Homens Mulheres
ras exceções, não comandavam grupos de homens. Quanto ao trabalho artesanal, os
homens tinham provavelmente uma pequena margem de vantagem física, por se-
Capatazes 58,2 Capatazes 59,3 rem mais fortes e não engravidarem. Os escravos especializados incorporavam anos
Artesãos 48,6 Domésticas 59,0 de treinamento e precisavam ser mantidos continuamente no trabalho e sempre disponí-
Trabalhadores
do campo 43,4 Trabalhadoras do campo 47,0
veis nas fases críticas do processo de produção. Sua expectativa média d e vida bas-
Todos os homens 45,3 Todas as mulheres 47,7 tante baixa demonstra que a fabricação do açúcar cobrava seu preço — exigia um
esforço de tamanha intensidade e em tais condições que não deve ter sido melhor e
Fonts: Richard Dunn, " 'Dreadful Idlers' in the Cane Fields: The Slave Labor Pattern on a Jamaican Sugar talvez fosse mesmo pior do que o trabalho no campo no que tange a mulheres grá-
Estate, 1762-1831", em Solow e Engerman, eds., British Capitalism and Caribbean Slavery.
vidas. Enquanto os escravos especializados alcançavam o preço médio de £125 cada
o preço de capatazes era de £ 115, o de escravos de campo de primeira linha de £ 102, bem mais de £30.000, e algumas chegavam a valer £70.000. Comparemos estes valores
os de segunda linha de £58 e o de escravos domésticos, de £74. Escravas considera- com o de uma fábrica de algodão de Arkwright movida a água: entre £3.000 e £5.000;
das férteis alcançavam um preço ligeiramente mais alto por esta razão — contanto ou uma fábrica de algodão de vários andares, movida a vapor: entre £10.000 e
que também fossem capazes de trabalhar no campo. Mas a capacidade das escravas £20.000. 21 Enquanto a propriedade açucareira dependia do trabalho forçado e
de terem filhos não era, por si só, muito cotada na escala de valores do administra- coordenado de 200 ou mais trabalhadores, uma fazenda grande na Inglaterra em-
dor da plantation, por razões que examinaremos adiante.19 pregava entre 15 e 21 trabalhadores em tempo integral e mais uns 30 ou 40 extras
Embora as diferenças de expectativa de vida dos escravos revelassem um pa- no auge das fases de plantio e colheita.22
drão de privilégios, eles morriam, em todo caso, em idade bastante avançada. A
expectativa de vida na Europa era, geralmente, inferior a quarenta anos no século A preocupação dos proprietários de. plantations com a produtividade era ainda mui-
XVIII. E claro que os números citados acima sobre os escravos não refletem a to irregular e seletiva, lembrando-nos do caráter social híbrido da plantation escravista.
mortalidade de bebês e crianças nem a ocorrida durante a travessia do Atlântico, Na fase de processamento, os proprietários dispunham-se a experimentar e adotar
mas ainda assim garantiam aos proprietários a perspectiva de 25 ou 35 anos de ex- máquinas que aumentassem o rendimento da cana e a produtividade da mão-de-
ploração da vida de seus escravos — fato que também ajuda a explicar o preço que obra. Em 1754, uma nova disposição horizontal dos roletes do moinho que permi-
alcançavam. tia um aumento de escala foi adotado por alguns proprietários nas ilhas Leeward,
A estratificação não era, de modo algum, uma nova forma de controle da mão- embora o sistema ainda levasse várias décadas para ser aperfeiçoado. E m 1768, um
de-obra. Uma das características mais "modernas" da plantation e do engenho era a produtor da Jamaica patenteou a aplicação da máquina a vapor ao engenho de açú-
variedade de dispositivos para regular e acompanhar o desempenho global. O to- car, mas o projeto fracassou.23 O interior do engenho de açúcar do século XVIII
que de um sino ou o som de um berrante assinalava a transição de uma fase da jor- continuou mais próximo da manufatura integrada em grande escala, com suas equipe;
nada para outra. Na própria fábrica de açúcar haveria, com freqüência, como em de artesãos especializados, do que do processo completamente industrializado.
Worthy Park, uma plataforma elevada da qual era possível ver todas as fases de tra- Duas circunstâncias inibiram o avanço industrial na fabricação de açúcar. En
balho. O proprietário de Worthy Park deixou instruções indicativas da integração primeiro lugar, o produtor estabelecido possuía equipes treinadas de trabalhadore
entre a alocação da mão-de-obra e o controle financeiro desejado pelos donos de sobre as quais exercia controle direto; portanto, não tinha necessidade urgente d
plantations, e que também explicam a presença de todos aqueles ajudantes de guar- mecanização; além disso, a mão-de-obra especializada do dono daplantation açucarei«
da-livros citados acima: "Há sempre cinco livros separados que devem ser manti- diferentemente da do produtor de algodão, não podia se sindicalizar nem ameaça
dos em Worthy Park, que são: um grande Livro da Plantação, um Livro de Estoque, fazer greve. Assim, o incentivo inicial do produtor de algodão para adotar a meca
um Livro da Casa de Fervura, um Livro da Destilaria e um Livro do Trabalho nização era mais forte que a do produtor de açúcar. O segundo motivo que incenti
Diário." 20 Estes livros davam ao proprietário ou a seu preposto um retrato exato do vou o pioneirismo industrial dos produtores de algodão foi que não havia nenhui
dia-a-dia da operação da propriedade; Henry Drax, mais de um século antes, con- abismo social aberto entre eles e os trabalhadores especializados. Era muito ma
tentara-se com um livro da plantação e com relatórios quinzenais sobre o desenvol- provável que o pequeno produtor de algodão mantivesse relações com seus operí
vimento do trabalho. rios especializados do que o dono da plantation, seu representante ou feitor com <
Em princípio, o proprietário ou feitor era o chefe do processo de produção; neste escravos especializados. As experiências mecânicas dos proprietários d & plantatm
aspecto a plantation escravista compartilhou, ou antecipou, uma nova característica eram, em geral, amadoras, e suas inovações pouco práticas, mesmo quando inspir
da fábrica capitalista, se comparada à agricultura camponesa ou à manufatura artesanal. das por uma intuição promissora.
Poucas outras empresas produtivas da época se preocupariam com uma regulamen- Se os donos áeplantations não eram muito bons para desenvolver inovações pr
tação financeira tão detalhada; o dono de uma grande propriedade, especialmente dutivas, dispunham-se a adotá-las prontamente se melhorassem a produção ou r
se tivesse várias delas ou caso ficasse ausente, tinha grande necessidade de controle duzissem os gargalos. Os manuais das plantations enfatizavam invariavelmente
financeiro. Perto do final do século XVIII, uma plantation açucareira podia valer importância de conservar a fertilidade do solo. Nas últimas décadas do século X V !
uma variedade nova de planta, a cana Bourbon, foi adotada pela maioria dos produ- no puderam deter. Long calculou que um terço da moeda corrente da Jamaica esta-
tores caribenhos; o almirante Bougainville encontrara esta variedade de grande ren- va em mãos de escravos na década de 1770.2S
dimento no Oriente, e os ingleses a tomaram dos produtores franceses de açúcar. Como havia crianças nascendo e sendo criadas na plantation, ela passou a abranger
Mas, embora uma nova variedade de cana fosse bem-vinda, os campos ainda eram uma esfera de reprodução parcialmente sob controle escravo, embora também
preparados de forma exaustiva com a enxada; Edward Long afirmou que o arado semicoietivizada, com creches comunitárias, assistência médica etc. E r a raro que
aliviaria este trabalho, mas a maioria dos proprietários de plantations não via neces- escravos das plantations recebessem instrução formal, secular ou religiosa. Os escra-
sidade de economizar trabalho escravo fora do período de colheita.24 vos elaboraram uma cultura sincrética, fundindo vários temas africanos com ele-
kplantation escravista tinha muitos níveis: métodos sofisticados de controle fi- mentos europeus e inovações americanas. O patoá falado pela maioria dos escravos
nanceiro, técnicas elaboradas de manufatura, vigilância atenta do trabalho na co- da Jamaica e das ilhas britânicas mais antigas baseava-se num léxico inglês, incluin-
lheita comercialmente rentável. Mas por baixo de tudo estava um processo de do palavras tiradas do espanhol, do português, do celta, do holandês e de várias línguas
multiplicação diária que dependia imensamente da iniciativa dos escravos. Eles plan- africanas. Embora muitos feitores e escravos pudessem comunicar-se perfeitamente
tavam a maior parte de sua comida, faziam roupas com o tecido que recebiam, fa- num pidgin baseado no patoá, os escravos costumavam falar entre si de uma forma
bricavam utensílios domésticos e construíam seus próprios alojamentos, além das que a maioria dos brancos não conseguia entender. A prática religiosa escrava do
casas de pedra de seus senhores. Suas moradias costumavam assemelhar-se a uma obeah, — em que se conjuravam espíritos e lançavam feitiços — era, não raro, ado-
aldeia africana, com uma disposição circular ou semicircular de cabanas de telhado tada por brancos pobres. O cristianismo não teve grande penetração entre a popu-
de palha e chão de terra batida. Tinham pequenas hortas vizinhas e podiam criar lação escrava até o final do século XVIII, com a chegada de missionários e "metodistas
galinhas e porcos. Também recebiam alguns lotes para plantar provisões, mas que africanos" ou batistas da América do Norte. No entanto, a partir da década de 1760
costumavam ficar distantes, já que a cana tinha prioridade nas terras mais próximas um novo movimento religioso de base africana, o mialismo, surgiu na Jamaica e
do engenho; a distância a ser percorrida e a dificuldade de proteger a plantação de afirmava ser capaz de contrabalançar a feitiçaria tanto dos obeah quanto dos euro-
roubos ou danos podia reduzir bastante o valor desta concessão. Os escravos podiam peus. É possível que a eliminação das revoltas lideradas pelos akan tenha aberto
cultivar sua comida fora do período da colheita principal, aos sábados: ou metade caminho para uma maior sensibilidade pan-africana, preocupada em neutralizar a
do dia a cada semana, ou um sábado inteiro a cada quinzena. Dependendo da loca- feitiçaria européia e preferindo — pelo menos na época — as danças noturnas à
lização dos lotes, também aproveitavam as noites e os domingos para cuidar de plan- revolta declarada.26
tações de inhame, banana, mandioca e feijão. A morte também proporcionava um ponto de aglomeração, permitindo à co-
Se tivesse sorte, um escravo receberia meio acre (2 mil m2) ou encontraria al- munidade escrava nascente reafirmar vínculos novos e antigos. O funeral de escra-
gum vale fértil numa montanha próxima, mas nos lugares onde a terra era escassa vos que se estabeleciam na comunidade caracterizava-se pela reunião de numeroso:
— por exemplo, em Barbados os escravos não recebiam terra alguma — o proprie- amigos e parentes, incluindo-se entre os primeiros os "colegas de bordo". E m Antigua
tário tinha a obrigação de fornecer mais comida. Os proprietários também reserva- esses acontecimentos eram considerados ameaças à ordem social, e uma lei tentoi
vam lotes para o enterro de escravos; quando uma plantation envelhecia isto poderia proibir cerimônias que fossem "pomposas e caras": "Nenhum Escravo ou Escravo
virar uma fonte de tensões, com o crescimento do cemitério e o desejo dos feitores em nenhuma das Cidades será enterrado após o Pôr-do-sol (...) e apenas num Cai
de ampliar ao máximo a terra disponível para cultivo. Os lotes para produção de xão simples de Tábuas comuns, sem qualquer Cobertura ou Ornamento, nem serãi
alimentos e o cemitério eram vistos pelos escravos como terra sua; eram passados de usadas Estolas ou Fitas em qualquer de seus Funerais."27 Provavelmente, não fc
geração a geração segundo regras estabelecidas pela própria comunidade. A maio- coincidência o fato de que a colônia que aprovou esta lei fora profundamente abala
ria dos proprietários e feitores aceitava esta situação, reconhecendo que seria con- da alguns anos antes, em 1736-37, pela descoberta de uma grande conspiração d
traproducente não fazê-lo. A proporção crescente de dinheiro e comércio interno escravos cujo objetivo era tomar a ilha. Esta conspiração fora preparada numa séri
em mãos de escravos era outra evolução estimulada pelo sistema de lotes de produ- de festas noturnas e desfiles públicos nos quais escravos importantes haviam adofc
ção de alimentos e que nem proprietários de.plantations nem funcionários do gover- do o estilo dos reis e generais akan, ou mesmo de proprietários e funcionários colc
niais. No julgamento dos conspiradores, relatou-se que os escravos Court e Tomby tiladores ou comerciantes. Os magistrados também explicaram a situação legal do
(Thomas Boyd) haviam usado juramentos à beira do túmulo para ligar seus segui- escravo, sem dúvida com o objetivo de desculpar a ferocidade com que uma conspi-
dores a eles. Além disso, eles também adicionavam ao rum terra de túmulos e ou- ração fracassada fora esmagada:
tros "Ingredientes de Juramento" antes de fazer um brinde à queda dos brancos
numa festa: um escravo não é uma Pessoa reconhecida pela Lei da Inglaterra, e aos Olhos da
Lei é a mesma Pessoa depois da condenação ou antes dela; Escravos são incapazes
Tomby então pegou uma garrafa e encheu um copo e Disse Senhores, vou fazer de dar Provas, exceto uns contra os outros, (o que é sempre feito sem Juramento),
um brinde à Saúde, & à Danação daqueles que não se comprometerem nem de- ou ao serem processados, por não possuírem sangue herdável, nem serem Senho-
rem sua Ajuda. (...) Disse ele N ó s vamos Atacar a Cidade e Matar o Baccarraras res de qualquer Propriedade digna de consideração, e serem Posse e Propriedade
e Todos devem juntar-se a Court e a mim para fazê-lo (,..)" 28 de outros; assim, não podem perder Crédito, nem ter seu sangue manchado, nem
ser multados em nenhuma Propriedade, nem desqualificados por nenhuma desonra.31
Os rebeldes planejavam derrubar o governador e os principais proprietários de
plantations durante uma cerimônia a ser realizada em 11 de outubro de 1736 para É claro, o escravo já era, legalmente, um prisioneiro e trabalhador forçado, e assim
comemorar a coroação de Jorge II. Para impressionar possíveis seguidores, execu- estas sanções não poderiam ser aplicadas a eles. No caso de os escravos gozarem de
taram sua própria dança de guerra no dia 3 de outubro. O comportamento diferen- pequenos direitos ou privilégios, isso se devia ao fato de proprietários e feitores conside-
te dos escravos assustou as autoridades, e a trama foi descoberta quando a cerimônia rarem conveniente ou prudente que assim fosse. Apesar de serem avisados de que
do governador foi adiada. Isso espalhou o pânico entre os proprietários, e segui- isto "corrompia" seus escravos, continuaram a fazê-lo apesar dos conselhos do go-
ram-se represálias cruéis contra todos os cúmplices reais ou imaginários; no fim de vernador Matthew e seus magistrados.
dezembro já haviam ocorrido execuções e quarenta e oito deportações. Usou-se a O pânico que se apoderou de Antigua revelou a prisão de medo onde estavam
tortura para extrair informações incriminadoras; em maio de 1737, o total de víti- encerrados tanto os brancos quanto os negros. Qualquer autonomia pessoal permi-
mas de execuções chegara a oitenta e seis, das quais setenta e sete foram queimadas tida aos escravos ou por eles conquistada era limitada pelas exigências ferozes do
em público.29 trabalho naplantation, por regras detalhadas de conduta e pelo medo permanente de
castigos selvagens no caso de qualquer infração real ou imaginária. Transgressores
Em seu relato do caso, o governador escreveu:
seriam chicoteados impiedosamente e privados de todos os pequenos privilégios ou
Como desta horrenda conspiração ouviram falar todos aqueles que têm corres- rações extras. Os escravos não podiam pôr o pé fora da plantation sem permissão
pondência com Antigua, ela será sem dúvida criticada de várias maneiras; e como expressa; no entanto, alguns membros da elite escrava podiam conseguir regular-
a escravidão é odiada pelos ingleses, alguns de nossos compatriotas podem fazê-lo mente passes que lhes permitissem ir às plantations vizinhas ou à cidade próxima,
desfavoravelmente a nós. Mas a escravidão é, entre nós, não um caso de escolha, visitar parentes ou comprar e vender provisões. Na maioria das ilhas, as feiras de
mas de necessidade, e a menos que (como não se deve sequer imaginar) a nossa produtos dos escravos, geralmente realizadas nas manhãs de domingo, tornaram-se
pátria-mãe abandone o negócio das colônias açucareiras, os ingleses devem conti- parte fundamental da economia local, e permitiam que os escravos ganhassem al-
nuar a ser senhores de seus escravos. gum dinheiro, além de representar a principal fonte de produtos frescos para a maior
parte da população livre. Nas feiras maiores havia uma profusão de legumes, ver-
Ele tentou minimizar o uso da tortura para extrair informações: "fizemos três expe- duras e frutas, além de peixes e aves. No entanto, os escravos eram terminantemen-
riências infrutíferas e então desistimos de usá-la".30 Os magistrados encarregados te proibidos de cultivar ou vender cana-de-açúcar ou qualquer um dos outros produtos
da investigação não tinham dúvida de que, na opinião dos líderes, "A Liberdade e a de exportação; isso desencorajava o roubo e garantia o controle da produção colo-
Posse das Propriedades de seus Senhores seriam a Recompensa de sua [dos escra- nial pelos proprietários. Os escravos também recebiam às vezes pequenas somas por
vos] perfídia e traição." Como boa parte dos instigadores eram escravos especializados, trabalhar em dias santos ou por executar missões especiais. Phibbah, "esposa" es-
recomendou-se que, dali em diante, fosse proibido que escravos se tornassem des- crava de Thisdewood, pôde emprestar-lhe £66 quando ele começou sua própria criação
(quase £5.000 em valores de 1994).32 Na Jamaica, a reduzida população livre de cor contábil da plantation mas também fazia crescer o custo de substituição. Os proprietá-
era quase sempre de pequenos comerciantes ou mascates; às vezes, recebiam per- rios tinham pouca dificuldade para acompanhar sua receita, já que esta vinha princi-
missão para visitar as plantations e negociar com os escravos. palmente da venda de açúcar, rum e melado, suplementada por vendas ocasionais de
animais de criação ou do aluguel de escravos para trabalhar em produções secundárias
A relativa "modernidade" comparativa da plantation foi comprada por alto preço
ou obras públicas. Os gastos eram divididos entre "Despesas da Ilha", pagáveis local-
por seu proprietário. O empreendimento sempre corria o risco de tornar-se hiper-
mente; a "Conta de Mercadorias", apresentada pelo mercador ou procurador metro-
capitalizado quanto ao fluxo de vendas e lucros. Assim, uma propriedade açucareira
politano; e os custos de frete, já que muitos proprietários britânicos enviavam sua própria
em Antigua avaliada em £20.000 em meados do século tinha uma receita de £3.600
produção para venda na Inglaterra. Geralmente os produtores esperavam cobrir to-
e despesas operacionais que atingiam o total bastante razoável de £1.272, incluindo
das as "despesas da ilha" com a venda de rum e melado para mercadores da América
£300 de provisões extras, £290 de outros artigos de manutenção, £320 de salários,
do Norte; o frete e a "Conta" seriam pagos com o resultado da venda do produto prin-
£254 de taxas coloniais e paroquiais e £110 de impostos e pagamentos devidos à
cipal na Inglaterra, ficando eles mesmos com um saldo considerável. Desta fôrma, a
Coroa. Embora fosse grande o superávit da receita sobre as despesas, o proprietário
receita auferida pelo proprietário ausente nunca saía da metrópole, e costumava haver
da plantation tinha de descontar dele o alto valor de capital daplantation e os pesados
escassez de moeda nas colônias.
custos de depreciação; o dono de terras ou de manufaturas da época na metrópole
Os temas de Edward Litdeton em The Groans of the Plantations (1689) seriam
não teria de arcar com deduções tão grandes. O custo de manter o número de.escra-
várias vezes repetidos: as queixas não eram dos escravos, mas dos proprietários que
vos, no caso citado, podia chegar a umas £400 por ano. Juntamente com impostos
reclamavam da dificuldade de ter lucro. Mas a pesquisa moderna demonstrou que
pagáveis na Inglaterra, as várias despesas dessa plantation acabavam gerando uma
estas lamentações em causa própria eram enganosas. Trabalhando com registros
taxa de retorno sobre o capital de cerca de 8,5% ao ano.33 Era difícil manter valor de
contábeis das plantations, J. R. Ward calculou, na Tabela X.6, a seguinte série para
uma plantation depois dos primeiros dez ou vinte anos, já que o rendimento da cana
o lucro nas índias Ocidentais britânicas:
velha diminuía e o solo ficava exaurido.
Em seu desejo de evitar impostos, os donos de plantations das índias Ocidentais Tabela X.6 Lucros das plantations das índias Ocidentais britânicas
tentaram enfatizar ao máximo as dificuldades que enfrentavam. Assim, Edward Long
ressaltou os muitos riscos que ameaçavam os altos lucros de curto prazo. Calculou Lucro médio anual Número de amostras
que uma grande.plantation avaliada em £30.000 em 1770, com 300 escravos, podia
1689-97 Guerra 6,2 2
render a seu proprietário 10% ao ano. E acrescenta: 1698-1702 Paz 9,4 3
1703-13 Guerra í,2 4
Embora seja um lucro alto, não será julgado exorbitante demais por aqueles que 1714-38 Paz 11,9 4
considerarem honestamente que o proprietário está sujeito a uma grande varieda- 1739-48 Guerra 14,9 2
1749-55 Paz 10,1 4
de de riscos e perdas acidentais por anos de seca, furacões, incêndios, mortandade
1756-62 Guerra 13,5 7
de Negros e gado, aumento súbito de preço de artigos necessários que é obrigado
1763-75 Paz 9,3 9
a comprar todo ano ou a queda repentina no mercado do preço do açúcar e do 1776-82 Guerra 3,4 11
rum; em todas essas perdas e vicissitudes, ele é seu único segurador.34 1783-91 Paz 8,í 10
1792-98 Guerra 12,6 10
Não há dúvida de que o lucro dos proprietários de plantations caía abaixo de 10% em
anos ruins; mas (como mostrarão as provas citadas abaixo) superavam este nível nos Fonte: J. R. Ward, "The Profitability of Sugar Planting in the British West Indies", Economic History Review,
1978, pp. 197-213 (pp. 204, 207).
anos bons. O elemento de im previsibilidade nas expectativas da plantation limitava a
racionalidade econômica que poderiam conseguir. A reserva de depreciação poderia
As guerras elevavam o preço do açúcar mas também aumentavam o custo de ali-
ser inadequada. Era difícil prever o preço dos escravos; sua elevação aumentava o valor
mentos, implementos, seguro e frete. Se a guerra ia bem para a Marinha inglesa,
então os ganhos dos proprietários ingleses ultrapassavam sua perda; o mercado bri- chegando a 130.000 no final de 1775, com propriedades na Jamaica, nas ilhas Leeward,
tânico era, por si só, suficientemente grande e florescente para manter a demanda. na Carolina do Sul, na Geórgia e na Flórida. As plantations açucareiras do Caribe
A paz trazia mais competição, principalmente fora do mercado interno. A revolta eram suas propriedades mais lucrativas. Embora algumas dessas terras tenham sido
das colônias do norte em 1776 e os reveses sofridos pela Marinha inglesa no perío- adquiridas por herança ou em leilões, muitas vieram parar em suas mãos por meio
do seguinte provocaram um encolhimento drástico do lucro das plantations, não re- da execução de dívidas. Seis deles tinham uma feitoria de escravos na ilha Bance,
gistrada inteiramente nas médias da Tabela X.6, já que houve, com certeza, muitas em Serra Leoa, e podiam suprir suas propriedades a partir desta fonte.
bancarrotas naquela época. A cada ano, centenas de "ordens de execução" eram emitidas Um deles, Sir Alexander Grant, tinha sete plantations na Jamaica no período de
contra pessoas incapazes de pagar suas dívidas, que quase sempre chegavam a cen- 1766-71, que exportaram açúcar no valor de £152.828, sobre o qual, segundo cál-
tenas de milhares de libras por ano.35 culos de Hancock, ele obteve um lucro de £20.000, ou £3.450 por ano, represen-
O alto custo de adquirir e manter um contingente de escravos fez com que o tando um retorno sobre o capital gasto de nada menos que 29%. M a s os lucros
dono da plantation tivesse necessidade de acesso mais ou menos constante a capital mercantis de Grant no comércio das índias Ocidentais, excluindo os escravos, fo-
de risco. Este era fornecido, a uma taxa de juros anuais de cerca de 18%, por gran- ram ainda melhores: £6.118 por ano num período de doze anos, no qual foram rea-
des proprietários, procuradores ou comerciantes. Embora fosse de praxe fazer se- lizadas trinta viagens, o que representa uma taxa de retorno de 44% do capital
guro da carga de um navio negreiro, o dono da plantation não tinha acesso a seguro empregado. (Hancock demonstra que o lucro de £20.000 de Grant em 1766-71
para seus escravos; os que tivessem contingentes maiores e mais variados de escra- corresponderia a £1.326.094, ou US$ 1.972.405 em valores de 1994, e que o lucro
vos estavam em condição melhor para suportar desastres. As principais famílias das mercantil anual de £6.118 equivaleria a £467.314 ou US$ 695.074 em valores de
índias Ocidentais britânicas — os Beckford, os Lascelle e os Pinncy — acumula- 1994). Grant era um "aperfeiçoador" perspicaz: em 1767, enviou dois motores a
vam as funções de banqueiro e mercador com a propriedade de. plantations, algumas vapor para as suas propriedades nas índias Ocidentais, juntamente com uma série
adquiridas por meio da execução de dívidas. Uma das características mais notáveis de outras idéias e mecanismos, bons e ruins. No entanto, a pouca atenção dada às
do Caribe britânico do século XVIII, como observamos, foi o sucesso da prática do condições locais, subordinados inadequados e falta de persistência fizeram com que
absenteísmo do proprietário. No século XVII, a ausência do proprietário era um ele perdesse muito dinheiro em experiências agrícolas na Flórida. Como a maiorií
convite ao desastre — fato que Dunn ilustra vivamente em Sugar and Slaves. Sem de seus colegas, obteve no comércio negreiro um lucro mais modesto, de cerca de
dúvida, alguns proprietários ausentes britânicos do final do século XVIII levavam 6%, do que nas plantations nas índias Ocidentais ou no comércio colonial.36
uma vida fútil e dissipada, mas, provavelmente, não os mais bem-sucedidos. Os Os colegas de Hancock alcançaram considerável importância social, mas vi-
proprietários de terras nas índias Ocidentais descobriram que residir no Reino Unido nham de famílias protestantes modestas, com origem na Escócia, no interior d;
fazia sentido porque lhes dava acesso ao capital e a recursos comerciais a um custo Inglaterra ou nas colônias. De modo geral não dispunham de ricas heranças e co
mais baixo do que se estivessem no Caribe — e isto era especialmente relevante para meçaram como pequenos rendeiros, médicos çmplantations (como Alexander Grant
donos de várias plantations e para os que tinham investimentos importantes na me- ou empregados no comércio. Deviam seu sucesso posterior ao planejamento e ;
trópole. Advogados regiamente pagos e o Accounts Produce Department (Depar- integração comercial cuidadosos, a compras vantajosas de proprietários em difieul
tamento de Produção e Contabilidade) garantiam a administração bastante eficiente dades e ao bom aproveitamento de ocasiões de sorte. Quando Sir Alexander Gran
da propriedade. Mas, embora estes esquemas dessem ao proprietário um controle morreu, em 1772, seus bens foram avaliados em £95.000 — uma soma impressio
financeiro global, não eram calculados para garantir um avanço agroindustrial auto- nante, mas ofuscada pelo espóüo de £500.000 deixado por seu ex-sócio Richard Oswalc
sustentado, na falta de artesãos especializados livres e mais motivados. na década seguinte.37
O estudo de David Hancock de vinte e três sócios mercadores sediados em Se é representativo o estudo clássico de Richard Pare, intitulado A West Indii
Londres dá uma boa idéia do papel estratégico que as plantations e o comércio colo- Fortune, este padrão repetiu-se na geração seguinte. John Pinney herdou uma pro
nial desempenhavam em suas atividades. Em 1750, eles possuíam, separadamente, priedade açucareira em Nevis na década de 1760. Em 1783, depois de adquiri
9.000 acres de terra em plantations nas colônias, subindo para 21.000 em 1763 e experiência e contatos nas Pequenas Antilhas, partiu para estabelecer-se como co
merciante em Bristol. Embora ele próprio não desejasse ser dono de plantations, O custo das compras regulares de escravos apenas para manter a produção, sem
emprestou dinheiro a seus proprietários, além de comprar-lhes o açúcar e vender- considerar a expansão, nos leva ao problema que era, talvez, depois da segurança da
lhes suprimentos. Em 1782 sua fortuna era avaliada em £70.000, das quais £60.000 plantation, o mais importante, e quase sempre o mais difícil de resolver entre todos
correspondiam a suas terras nas índias Ocidentais. Quando morreu, em 1818, o os problemas que perturbavam os proprietários do Caribe. O crescimento da popu-
valor total de seus bens havia crescido para £340.000, com £146.000 em proprieda- lação escrava caribenha era lento e modesto se comparado às importações maciças e
des nas índias Ocidentais e mais em hipotecas a receber. Mesmo levando em conta crescentes. O Caribe britânico importou cerca de 1,6 milhão de escravos entre 1700
a inflação, ele mais que triplicou o valor de seus bens, e os juros e lucros auferidos e 1800, e ainda assim a população escrava era inferior a 600.000 indivíduos no final
em seus negócios nas índias Ocidentais representaram a principal fonte de seu su- do século. Barbados, como colônia de plantation mais antiga, tinha uma população
cesso.38 crescente de escravos "crioulos" nascidos na América, com maior imunidade às doenças
As informações econômicas, demográficas e técnicas relativas ao desempenho locais e maior propensão a reproduzir-se; mesmo assim, em meados do século XVIII
das plantations das índias Ocidentais britânicas são mais abundantes e detalhadas ainda eram necessárias imensas importações anuais simplesmente para repor a po-
do que as disponíveis sobre as colônias escravistas de outras potências européias pulação escrava a cada ano. Assim, entre 1712 e 1734, 75.893 escravos foram leva-
no século XVIII. Uma de suas características importantes pode ser considerada dos para Barbados, mas a população escrava da ilha só cresceu de 41.970 para 46.373
típica: a capacidade aparentemente ilimitada de expansão quantitativa. O melhor indivíduos. Os registros de uma plantation de Barbados durante este período mos-
rendimento da cana devido ao aperfeiçoamento das variedades, às modificações tra apenas um escravo nascido para cada seis mortos. Doenças e acidentes eram res-
introduzidas nos moinhos e ao tamanho geralmente alentado daplantation resul- ponsáveis por uma taxa de mortalidade bastante elevada, mas o nível populacional
taram numa produção maior, mas a produção por escravo ou por acre permane- poderia ter sido mantido se houvesse pelo menos uma taxa de natalidade razoável.
ceu estável até 1800. Durante o século, os produtores obtiveram algo entre 7 e 11 Os homens eram mais numerosos que as mulheres, numa relação aproximada de 65
quintais*, ou pouco menos de meia tonelada de açúcar por escravo, e cerca de para 35 no comércio negreiro do Atlântico, mas o impacto deste desequilíbrio de
uma tonelada por acre de terra plantada com cana.39 As variações costumavam sexos sobre a taxa de natalidade não era tão significativo quanto a baixa fertilidade
refletir a fertilidade do solo, a idade das touceiras de cana e as chuvas. À medida das escravas, das quais praticamente nenhuma havia ultrapassado a idade fértil na
que a plantation crescia, a cana tinha de ser transportada através de distâncias cada época da compra. Na plantation citada havia apenas um nascimento por ano para
vez maiores até o moinho, a um custo mais alto e com a perda de conteúdo de cada grupo de cem escravos. Na Inglaterra, na mesma época, a taxa de natalidade
sacarose. No moinho, o processamento era mais eficiente, mas isso aumentou a era de 33 a 3 8 por mil. Taxas de natalidade de 10 a 15 por mil escravos eram bastan-
área necessária de terra plantada com cana; assim, o aumento da produção por te comuns na primeira geração da população escrava no Caribe, e só subiu muito
moinho costumava reduzir a produção por escravo e por acre. O contingente de lentamente dali em diante.40
escravos teria de trabalhar mais duramente para sustentar esta forma clássica de A Jamaica repetiu o padrão característico: a chegada de quase meio milhão de
desenvolvimento extensivo, trazendo a cana de mais longe. Da mesma forma, o escravos entre 1700 e 1774 só elevou a população escrava em pouco mais d e 150.000
processo de fervura, que utilizava até sete tachos separados de cobre, era compli- pessoas. Edward Long, proprietário d ^plantation na Jamaica, observou: "os negros
cado. Não eram raros os acidentes quando escravos extremamente cansados ali- se reproduzem melhor quando seu trabalho é menor, ou mais fácil".41 A.s escravas
mentavam o moinho com cana ou despejavam o caldo de cana fervente dos tachos que trabalhavam no serviço doméstico, em alguma tarefa especializada o u em ran-
maiores nos menores até que o açúcar pudesse ser "separado" do melado. Os que chos de criação de gado tendiam a ter mais filhos; as que eram condenadas ao traba-
alimentavam o moinho podiam perder um braço, ou sofrer algo pior, e o derra- lho braçal nos campos e moinhos de cana tinham menos. Durante o século XVIII
mamento de melado fervente podia aleijar ou matar. houve uma queda da taxa de "reprodução negativa" da população escrava d a Jamaica,
de -3,7% ao ano em 1700 para -3,4% ao ano em 1734, -2,5% em 1750 e -2,0% em
1774. Este aumento da taxa de reprodução, embora limitado, refletiria tanto a
•Antiga medida norte-americana correspondente a 100 libras, ou 4í,S39kg. Diferente do quintal brasileiro, equi-
valente a quatro arrobas ou 58,758 kg. (N. do T.) "crioulização" da população escrava como certa redução do tamanho das proprie-
dades açucareiras. Depois de montados os engenhos de açúcar, era melhor empre- ouvir o estalo desumano do chicote". Algumas páginas adiante ela descreve os
gar mais escravos na criação de animais para fornecer alimentos às propriedades escravos a trabalhar:
açucareiras: a pecuária na Jamaica cresceu de 10.000 cabeças em 1673 para 193.000
em 1774. Com mais terra disponível do que as ilhas menores, a Jamaica também O s negros que estavam todos em grupo são separados de modo a ficarem equipa-
tinha espaço para uma agricultura mais diversificada. Em 1768 havia ah 166.000 rados em tamanho e força. Cada grupo de dez negros tem um capataz, que anda
escravos, dos quais 99.000 trabalhavam em propriedades açucareiras, quase 6.000 atrás deles segurando um chicote curto e um comprido. Pode-se adivinhar facil-
mente o uso dessas armas; uma circunstância das mais horrendas de todas. Estão
em Kingston e 62.000 em fazendas dedicadas à criação e ao cultivo de alimentos e
nus, homens e mulheres, até as ancas, e nota-se com freqüência onde elas foram
produtos secundários. Nas últimas décadas do século houve também certa expan-
aplicadas. Mas, embora possa parecer pavoroso para um europeu, farei aos nati-
são do cultivo de produtos secundários, especialmente café. Embora as condições
vos a justiça de dizer que seriam tão contrários a isso quanto nós, caso pudesse ser
das mães escravas fossem um pouco melhores fora do setor açucareiro, a grande
evitado, o que já foi tentado muitas vezes sem resultado. Quando alguém passa a
dimensão desse setor e suas exigências especiais impunham limites à melhoria da
conhecer melhor os negros, o horror dessa prática se esvai. E o sofrimento da mente
taxa reprodutiva dos escravos.42 humana que constitui a maior desgraça do castigo, mas com eles isso é apenas corporal.
Nas propriedades açucareiras, homens e mulheres jovens da turma principal Como nos animais, ela não inflige nenhuma dor à sua mente, cuja natureza parece
trabalhavam, em média, setenta ou oitenta horas por semana, continuando com fre- apta a suportá-la, e cujos sofrimentos não são acompanhados de vergonha o u dor
qüência a trabalhar à noite no moinho depois de um dia estafante no campo. Como além do momento presente.
vimos, as mulheres costumavam ficar mais tempo na turma principal, por terem muito
menos oportunidade de promoção do que os homens. Mulheres grávidas trabalha- Como ninguém obriga a "Dama de Qualidade" a ser coerente, ela não tem de expli-
vam no campo até pouco antes do parto e voltavam à turma depois de algumas se- car por que sentiu prazer ao ver os negros no culto ou por que, já que não passam de
manas. Entre os vários fatores que contribuíram para reduzir a taxa de natalidade animais, têm, mesmo assim, de ser chicoteados de uma forma que seria considerada
dos escravos do Caribe, foi importante a dificuldade da vida das mulheres, princi- excessiva para um cão ou um boi. Schaw não assistiu a um açoitamento, mas esteve
palmente plantations açucareiras. Os escravos eram mantidos no trabalho com a presente numa venda de escravos, que lhe despertou a seguinte reflexão:
ajuda de chicotes e punidos ferozmente por qualquer falta, pequena ou grande —
escravas, mesmo grávidas, podiam receber cinqüenta chicotadas por crimes comuns, Como estou no capítulo dos sentimentos dos negros, devo dizer que estive há al-
como faltar ao trabalho ou furtar comida. O trabalhador do campo tinha de curvar- guns dias na cidade, quando uma quantidade deles, para ser posta à venda, che-
gou a bordo de um navio. Ficaram de pé para serem examinados com perfeita
se para cortar a cana; outros a carregavam e colocavam nas carroças. Era um traba-
despreocupação. O marido seria separado da esposa, a criança da mãe; mas nota-
lho pesado.43
va-se a mais absoluta indiferença em todos. Riam e saltavam, faziam caretas uns
para os outros e não davam a mínima atenção ao seu destino. N o entanto, isso não
Os donos das propriedades açucareiras provinham de uma camada da socieda-
acontece sem exceções, e é necessário que um fazendeiro leve em conta o país de
de britânica que começava a cultivar o que era considerado uma sensibilidade
onde compra seus escravos; porque os que vêm de uma costa são apenas animais e
mais refinada. Em meados da década de 1770, Janet Schaw, uma "Lady of Quality" só servem para o trabalho no campo, enquanto os de outra são maus negros para o
("Dama de Qualidade"), redigiu o relato de uma visita a Antigua e São Cristó- campo, mas servos domésticos fiéis e habilidosos. 44
vão, onde foi hóspede ou companheira de pessoas agradáveis, como Mr. Halliday,
com suas cinco plantations, Lady Ogilvy, Mr. Martin, Lady Payne e outras fi- Os proprietários e seus feitores devem ter percebido, até certo ponto, que um regi-
guras importantes da sociedade de proprietários. Janet Schaw confessa-se grati- me tão cruel prejudicava a capacidade das escravas de ter filhos e de cuidar deles de
ficada pela visão dos negros que assistiam a um culto na igreja e encantada com modo adequado até um ou dois anos de idade. O costume dos donos d z plantations
o espetáculo de uma multidão alegre vestida de morim branco "a caminho da podia refletir um cálculo grosseiro e "impensado", como se segue. O custo anual de
cidade com suas Mercadorias". Ela explica que "nesta estação não se deveria manter um escravo ficava em média entre £4 e £5, embora bebês e crianças fossem
muito mais baratos. Mesmo se o custo direto, para o proprietário, de criar uma criança na América e, portanto, é possível que as africanas fossem às vezes menos fortes
escrava até os dez anos não fosse mais que, digamos, £10, ele também levaria em em termos fisiológicos — embora, é claro, outras tenham parido muitos filhos e
conta o custo da produção perdida pela mãe, supondo uma perda equivalente, tal- vivido até os setenta ou oitenta anos.
vez, à produção de uma estação, ou cerca de £5, mais uma contribuição para o custo A taxa elevada de mortalidade infantil e de abortos reduzia a taxa de natalidade
da manutenção da mãe durante um ano (£4-£5), mais juros incidentes sobre todas registrada para todas as escravas; o problema era comum tanto em africanas quanto
essas quantias até que a criança começasse a dar uma contribuição líquida ao orça- em escravas crioulas, e geralmente mais acentuado nas propriedades açucareiras. A
mento da plantation. Juntando tudo, a despesa por criança podia chegar facilmente mortalidade infantil registrada comprova uma grande quantidade de mortes em
a £40, incluindo juros acumulados, caso se levasse em conta o custo da mortalidade conseqüência de tétano ou mal-de-sete-dias, de beribéri infantil, de difteria e de
infantil. Durante a maior parte do século XVIII, o proprietário de. plantations no deficiência de proteínas.46 Os proprietários e feitores alegavam que a causa desses
Caribe, como foi dito antes, podia comprar escravos adultos jovens a um preço en- problemas era a disposição doentia ou "maldosa" das escravas. Barbara Bush está
tre £15 e £40, sendo comum a faixa de £28-£35 no período de 1763 a 1788. A com- convencida de que a taxa reduzida de nascimentos de crianças vivas nas plantations
pra era, portanto, uma fonte mais barata de escravos do que a reprodução natural.45 do Caribe era conseqüência da habilidade das mulheres em regular sua própria fer-
No entanto, alguns proprietários não gostavam de depender tanto do tráfico tilidade. Com certeza muitos observadores europeus contemporâneos acreditavam
negreiro. Os escravos nascidos na plantation estariam mais bem adaptados ao seu nisso. Bush acha que a taxa reduzida de crianças nascidas vivas poderia ser o resul-
sistema e menos suscetíveis a doenças — ou à melancolia ou banzo que parecia matar tado de "aborto, contracepção e infanticídio" deliberados.47 Embora haja provas da
bom número de escravos recém-chegados da África. Além disso, a ocorrência de prática da contracepção e do aborto, a alegação de feitores e proprietários de que
guerras e a tendência de alta do preço dos escravos eram incentivos para que os suas escravas praticavam o infanticídio pode ter sido um recurso para desviar a atenção
proprietários estimulassem seus escravos a reproduzir-se. Alguns compraram mais do tratamento que eles mesmos davam às mães escravas. Mas a condição do escravo
escravas e tomaram providências para dar assistência às crianças, mas os melhora- era tal que, na opinião de Barbara Bush, o infanticídio pode muito bem ter sido
mentos eram lentos. E claro que a experiência da escravização e do cativeiro como praticado. Entre um quarto e metade dos recém-nascidos morriam antes de dez dias,
um todo tinha um impacto prejudicial sobre o desejo ou a capacidade da mulher de muitas vezes de doenças identificáveis, como o tétano do recém-nascido. Até que os
ter filhos. As africanas eram menos férteis que as escravas crioulas; era muito raro bebês ultrapassassem este primeiro período de vida, não eram considerados nasci-
que tivessem algum filho em seus primeiros cinco anos na América. Por outro lado, dos, nem pelos feitores nem, talvez, por suas mães — naqueles dias o recém-nascido
como as mulheres africanas sobreviviam em número um pouco maior que os ho- era ainda um "fantasma" ou anjo, que por uma razão ou outra podia ser abandona-
mens, os proprietários acabavam tendo um contingente de mão-de-obra do qual metade do para morrer.
ou pouco mais da metade era de mulheres. Os proprietários também alegavam que a "promiscuidade" entre os escravos
As africanas haviam sofrido o choque da captura e da travessia. Elas eram era responsável pela baixa taxa de nascimentos. Barbara Bush prefere defender as
rapidamente incorporadas ao trabalho incessante das turmas de escravos. Prova- escravas desta acusação, mas ela não leva na devida conta um possível significado
velmente ainda traziam consigo as noções africanas sobre o tipo de pessoa com da alegação dos proprietários. A estrutura de autoridade da plantation escravista dc
quem deveriam se relacionar, assim como muitas traziam no rosto as marcas tribais. Caribe oferecia pouca proteção às mulheres cativas. O relato de Thomas Thistlewood
Algumas teriam deixado maridos na África, outras talvez tendessem a recusar deixa bem claro que as escravas da Jamaica, especialmente as mais jovens, eram
qualquer parceiro que não fosse de sua nação. Em muitas culturas africanas, a vulneráveis à exploração sexual por brancos e, em menor grau, por negros em posi-
escravidão não combinava com filhos, exceto no caso de casamento formal e ção de autoridade. Ele registra o aviso que deu ao sobrinho para que não molestasse
concubinato. Uma proporção relativamente alta de mulheres africanas nunca te- Little Mimber, esposa do "capataz Johnnie"; mas o sobrinho insistiu e afogou-s<
ria filhos, enquanto outras acabavam tendo-os já perto dos trinta anos ou mesmo durante uma expedição pelo rio num "acidente" estranho. Sem prova tangível d<
mais velhas, mas deixavam de ser férteis antes das mulheres nativas. Na média, os crime, ocoroner negou-se a abrir inquérito. Poucos dias depois, Thistlewood acres
africanos costumavam ser dois centímetros mais baixos que os escravos nascidos centa: "ouvi um toque de concha no Rio, e depois à noite, 2 armas disparadas con
grande Alarido depois de cada uma, no rio defronte às casas de nossos Negros, de Higman também identificou outra característica associada à falta de vontade
alegria porque meu parente está morto, imagino. Estranha impudência." 48 da mãe escrava de ter muitos filhos. As mulheres dispunham-se a ter mais filhos
Este foi um episódio excepcional em que um jovem branco aliciou a esposa de quando dependiam menos dos campos de provisões plantados pelos escravos. Em
um membro da elite escrava, e sua morte pode até ter sido acidental, e mesmo assim Barbados e em Vere, paróquia muito antiga da Jamaica, havia pouca terra disponí-
comemorada pelos escravos. Thisdewood deixa claro que a maioria das escravas, vel para estes lotes e os escravos recebiam dos donos boa parte de sua comida; tam-
principalmente as jovens, eram consideradas animais de caça, e descreve sua pró- bém registravam uma taxa positiva de crescimento natural. As escravas domésticas,
pria extensa depredação sexual. Muitas mulheres nasplantations eram desprovidas que dependiam menos dos distantes campos de produção de alimentos, também
até daquele nível de proteção patriarcal contra a exploração sexual que seria implí- tendiam a ter mais filhos. Embora os escravos valorizassem seus lotes de terra e
cito num sistema de parentesco. Estas condições não eram adequadas para incenti- apreciassem o elemento de autonomia que eles representavam, o esforço de cultivá-
var a reprodução. As escravas teriam boas razões para desejar um parceiro reconhecido los costumava agravar o problema do excesso de trabalho, principalmente quando
antes de ter filhos. Os filhos de escravas jovens eram em geral mulatos; bebês mu- ficavam localizados a muitos quilômetros da propriedade. Os senhores que haviam
latos representavam cerca de um décimo das crianças nascidas vivas. Embora as separado lotes para os escravos tendiam depois a acreditar que o problema da sub-
escravas às vezes obtivessem vantagens ao ligar-se a feitores, guarda-livros e capa- sistência dos escravos já tinha sido em grande parte resolvido, ignorando as freqüentes
tazes brancos, isto não era tão comum — havia uma alta rotatividade destes empre- quebras de safra em conseqüência de tufões, secas, invasão de gado e roubo. Além
gados, e assim a mãe escrava acabaria tornando-se responsável pelo fardo de manter destes problemas mais comuns, as escravas teriam considerado desvantajoso ter mais
a criança e, sem dúvida, adquiriria um certo estigma aos olhos dos outros escravos. do que dois ou três filhos já que a chegada de novas bocas não aumentaria a colheita
Edward Trelawny, ex-governador da Jamaica, tinha seu próprio jeito ambíguo de dos lotes de provisões nem a mão-de-obra imediatamente disponível para cultivá-
reconhecer esta situação: "o que mais contribui para o fato de existirem tão poucos los, e uma mulher com seis filhos não recebia o dobro de terra de uma com três.
filhos entre os Negros Ingleses é o costume das Raparigas de provocar Abortos. Sidney Mintz descreveu os escravos do Caribe como "protocampesinato" em parte
Como se deitam com ambas as Cores, e não sabem de quem será a criança, para não por causa de sua ligação com os pequenos lotes de terra a eles concedidos. O padrão
ofender ninguém matam-na ao nascer."49 reprodutivo de muitos escravos caribenhos — gravidez depois dos vinte anos, e não
Mesmo que isto fosse relativamente raro, é provável que a vulnerabilidade das na adolescência, estratégias cuidadosas para escolha de parceiros e número limitado
mulheres escravas tenha inibido até certo ponto — embora, é claro, não tenha impe- de filhos — é bastante coerente com essa descrição.51
dido — a formação de famílias dentro da comunidade escrava. À medida que uma
No final do século XVIII, a escassez e o preço crescente dos escravos tiveram
plantation escravista amadurecia, desenvolvia-se um padrão mais elaborado de liga-
como conseqüência uma preocupação maior com práticas de "melhoramento" que
ções entre escravos. Num estudo de três plantations jamaicanas do início do século XIX,
pudessem elevar a taxa de natalidade dos escravos. Pequenos prêmios em dinheiro
Barry Higman descobriu que "as mulheres mais férteis eram as que viviam com um
foram oferecidos às mulheres que tivessem filhos; as que tivessem mais de cinco
parceiro e com os filhos".50 Entretanto, ele também encontrou um bom número de
filhos vivos podiam, em alguns casos, ser desligadas do trabalho nas turmas de campo
mães escravas vivendo em suas próprias casas, mas sem parceiro; em alguns poucos
principais. Os efeitos das políticas pró-natalidade foram quase sempre modestos —
casos ele conseguiu estabelecer a semelhança com uma relação polígina. Ao contrário
como eram, na verdade, as concessões feitas às mães escravas. No entanto, em Barbados,
do que se poderia esperar, encontravam-se com freqüência escravas africanas numa
um grupo de proprietários importantes exigiu, em 1786, o oferecimento de melho-
estrutura familiar "moderna", com uniões monogâmicas e famílias nucleares, embora
res condições perinatais e o abrandamento das tarefas impostas a mulheres grávidas
alguns escravos crioulos praticassem a poliginia. Os escravos africanos eram imigran-
e trabalhadoras; mais tarde também sugeriram que se pagasse às mães e às parteiras
tes desenraizados de primeira geração que, por isso mesmo, não tinham laços familia-
pelos partos bem-sucedidos, e a concessão às mães de três ou mais filhos d e um bônus
res extensos ao chegarem; na segunda ou terceira geração, os escravos crioulos já haviam
de Natal todo ano. Este conjunto de medidas foi amplamente adotado, e na década
construído uma rede de parentesco mais complexa. Nas plantations escravistas, a poliginia
de 1800 a população escrava de Barbados teve taxa positiva de crescimento natural.
costumava ser prerrogativa dos escravos da elite, muitos dos quais eram crioulos.
Como colônia muito antiga, Barbados tinha uma proporção bastante alta de escra-
vos crioulos, circunstância que favorecia taxas de reprodução mais altas. Mas a escravas amadurecesse. No entanto, embora sua demanda de mão-de-obra escrava
importância do açúcar em Barbados agia contra o crescimento natural positivo. Parece não diminuísse, tentaram reduzir a taxa de mortalidade, já que esta redução parecia
que as medidas de melhoramento destinadas a dar às escravas apoio e estímulo po- prometer retorno imediato. Forneceram ao seu contingente um atendimento com-
sitivos, mesmo que a um certo preço, foram mais sistemáticas e conseqüentes do pleto na área de saúde, contrataram médicos e construíram enfermarias ou hospi-,
que nas outras ilhas açucareiras. E como os proprietários de plantations de Barbados tais em todas i\splantations. No entanto, a taxa de mortalidade era mais alta exatamente
forneciam grande parte da comida de seus escravos, a restrição "protocampesina" naquelas propriedades, as grandes plantations açucareiras, onde era maior a proba-
sugerida acima não seria tão forte.52 bilidade de haver um hospital e um médico em tempo integral. Embora não fosse
Parece que só era possível obter uma taxa positiva de crescimento natural da completamente inútil, o conhecimento médico da época não podia compensar os graves
população escrava com um conjunto de circunstâncias e políticas favoráveis que, efeitos do excesso de trabalho e da desnutrição que, com tanta freqüência, acompa-
combinadas, pudessem triunfar sobre a tendência da escravidão de reduzi-la. No nhava a sobrecarga durante a colheita, já que havia menos tempo disponível para
caso de Barbados, o conjunto favorável talvez tenha incluído mais uma circunstân- cultivar comida. A vacinação contra varíola, prática médica conhecida em partes da
cia. Já afirmamos que as condições degradantes às quais as mulheres estavam sujei- África e no Oriente Médio, foi bastante utilizada nas plantations jamaicanas do sé-
tas em grandes propriedades açucareiras eram um fator que inibia a formação de culo XVIII, e mostrou-se muito eficaz. Mas a maioria dos médicos europeus não
famílias e, portanto, a reprodução. Os ataques abolicionistas à exploração sexual de dispunha de conhecimentos nem de remédios apropriados para as condições do Caribe.
mulheres escravas podem ter ajudado a reduzir sua incidência nas plantations de Quanto aos hospitais de escravos, poucos eram bem administrados, e muitos eram
Barbados por causa da presença de um número muito maior de mulheres brancas, usados também como prisão para escravos que cometessem alguma infração, e como
esposas dos proprietários e de seus empregados, do que se via em outras ilhas. As local de confinamento para mães que haviam acabado de parir.
esposas residentes faziam viva objeção às relações mantidas por seus maridos com O nível geral de saúde nas plantations era baixo; muitos escravos deixavam de
mulheres na plantation}1 Em todo caso, Barbados, com sua população branca con- trabalhar em conseqüência de bouba, hérnias, elefantíase, úlceras, dores e vários outros
sideravelmente maior e mais equilibrada, reagiu de forma positiva à política de males bastante desagradáveis. Sheridan cita uma descrição típica da condição dos
"melhoramento" e os escravos de Barbados conseguiram obter uma taxa estável de escravos em 1789, na plantation Rose Hall, na Jamaica, onde, numa mão-de-obra
natalidade natural positiva nas primeiras décadas do século XIX. potencial de 163 escravos, 57 eram considerados "capazes e saudáveis", 42 "saudá-
O mesmo ocorreu nas Bahamas, onde a taxa de natalidade cresceu ainda mais veis", 22 "saudáveis mas fracos ou muito fracos", 9 sofriam de "úlceras e dores", 8
que em Barbados. Entre os fatores que explicam o aumento vigoroso da população "doentes", 8 "inválidos, velhos demais e fracos", 4 "inúteis ou quase inúteis", 4 "com
escrava das Bahamas estão a ausência de plantations açucareiras ou outras ocupa- bouba", 4 "cegos ou quase cegos", 2 "com hérnias" e daí por diante. O s hospitais
ções igualmente destrutivas, as medidas para incentivar o casamento e as famílias, e tentavam remendar os doentes, mas também eram destinados a desencorajar os fin-
a circunstância de que as Bahamas haviam recebido um fluxo de proprietários legalistas gidos. Uma das características mais notáveis das plantations caribenhas é que su;
com seus escravos vindos da América do Norte em meados da década de 1780. Como mobilização regulada de uma mão-de-obra muito diversificada conseguia extrair c
veremos a seguir, surgiram também taxas positivas de natalidade natural entre po- máximo dos trabalhadores disponíveis, homens ou mulheres, velhos ou jovens, do
pulação escrava das colônias da América do Norte por uma série de razões seme- entes ou saudáveis. A "proporção de participação da mão-de-obra" que conseguian
lhantes.54 poucas vezes deve ter sido igualada.55
No que diz respeito ao Caribe, a experiência de Barbados e das Bahamas foi
fora do comum. Nas outras regiões, não se permitiu que os esforços habitualmente
moderados dos proprietários para incentivar a reprodução dos escravos atrapalhas- As í n d i a s O c i d e n t a i s f r a n c e s a s
sem a mobilização máxima da mão-de-obra para a colheita do açúcar. Proprietários
e feitores podiam pensar alguns anos à frente, mas — como já foi mencionado no Embora a pesquisa sobre o funcionamento interno das plantations francesas se.
Capítulo VIII — não nos vinte anos necessários para que o "investimento" em crianças menos extensa, não há dúvida de que seu desempenho global no século XVIII f
superior ao das plantations britânicas. Os períodos de crescimento mais rápido foram O tratamento preferencial dado ao açúcar das colônias britânicas no crescen-
de 1713-40 e de 1765-90, já que os reveses navais franceses enfraqueceram sua te mercado interno fez dele o produto mais lucrativo para proprietários âe.plantations
posição nas décadas do período intermediário. Em todos os produtos àt plantations, britânicas e estimulou a monocultura. Quando tinham recursos suficientes, os pro-
com exceção apenas do fumo, as ilhas francesas superaram o resultado das britâ- prietários franceses de plantations costumavam destinar suas terras à cana-de-açúcar,
nicas. Não só abasteceram a metrópole de todo o açúcar, café e anil de que preci- mas os donos de propriedades menores cultivavam café, anil e algodão. E m 1770,
sava como ocuparam posição importante no mercado destes produtos na Europa as ilhas francesas produziam mais açúcar do que as britânicas, embora, por rece-
continental. Enquanto os donos de plantations das índias Ocidentais britânicas berem preços mais baixos, a renda auferida com a venda do açúcar possa ter sido
detinham um confortável monopólio num mercado interno protegido e em expansão, menor.
os franceses donos de plantations ficavam entregues à habilidade de intermediá- As Antilhas francesas foram beneficiadas pela geografia e, durante boa parte do
rios dos mercadores de Bordéus. Quando as condições eram favoráveis, estes se século XVIII, também por alianças internacionais. A área total das colônias france-
mostravam capazes e dispostos a fazer grandes investimentos no comércio colonial, sas era duas vezes maior que a das ilhas britânicas. Os guarda-costas espanhóis não
despachando todo tipo de provisões e de equipamentos para as ilhas e negociando incomodavam os navios coloniais franceses, como faziam com os da Grã-Bretanha;
seus produtos com considerável perspicácia, juntamente com os mercadores de isso era conseqüência das relações amigáveis entre os dois reinos Bourbon e o fato
Nantes, eles também levaram grande quantidade de cativos africanos para as co- inegável de que era muito mais provável que os navios britânicos estivessem envol-
lônias francesas. No entanto, os donos de plantations tinham certa razão para vidos no contrabando para as colônias espanholas. E m meados da década de 1740 e
ficarem ressentidos com os mercadores das colônias. As regras do exclusif obriga- início da de 1760, a comunicação entre a França e suas possessões no Caribe era
vam os proprietários a negociar apenas com os mercadores dos portos metropoli- difícil ou impossível; mas na maior parte do período de 1713-90 o transporte marí-
tanos, em condições menos favoráveis do que as que lhes ofereciam os holandeses timo colonial francês teve pouco a temer. A França mantinha em suas ilhas um con-
ou os norte-americanos. tingente militar maior do que a Grã-Bretanha nas suas. Embora as fugas de escravos
A estrutura social das ilhas francesas, com suas plantations escravistas, tinha grande e apetit marronage fossem sempre um problema, até mesmo em São Domingos, não
semelhança familiar com a das ilhas britânicas. A sociedade colonial era dominada houve nada parecido com a escala das revoltas ou da atividade dos maroon que im-
por les grands blancs, donos das grandes propriedades açucareiras, enquanto os es- pediu o desenvolvimento da Jamaica.
cravos representavam quatro quintos ou mais da população. O absenteísmo era um Na primeira metade do século, Martinica e Guadalupe mantiveram posição de
pouco menor que o dos donos de plantations britânicos. Embora o açúcar fosse de destaque no desenvolvimento colonial francês. A Martinica distinguia-se por sua
longe o produto mais importante, o padrão do desenvolvimento das plantations foi, própria indústria de refino, que lhe permitia produzir o mais fino açúcar branco.
de certa forma, mais diversificado do que o das ilhas britânicas, como sugere a Ta- E m 1755, a Martinica fornecia 91,7% do açúcar branco que chegava a Bordéus,
bela X.7: deixando para São Domingos o fornecimento de 98% do açúcar bruto ou mascavo;
o açúcar de Guadalupe era geralmente processado na Martinica. 56 Este procedi-
Tabela X.7 Exportações das índias Ocidentais, 1770
mento foi uma conquista da defesa tenaz de seus privilégios de refino feita pelos
% do total Ilhas britânicas Ilhas francesas colonos da Martinica. Depois da introdução do café na década de 1720, a Martinica
também tornou-se o principal fornecedor caribenho deste valioso produto. E m 1740
Açúcar, rum, melado 81 49 a Martinica enviou para a Europa 6,5 milhões de libras-peso, e começou a tirar do
Café 11 24
Anil
mercado do norte da Europa e da Europa ocidental o produto árabe e marroquino.
14
Algodão 3 8 E m 1743, 97,3% do café das índias Ocidentais que chegou a Bordéus era proce-
dente da Martinica, principal centro comercial das Antilhas francesas e base de
Fonte-, Davis, The Rise ofthe Atlantic Economies, p. 261. operações de muitos commissaires ou mercadores de Bordéus e Nantes. E m b o r a os
produtores britânicos costumassem embarcar seu próprio açúcar para vender na
metrópole, esta prática era pouco comum entre os franceses, que vendiam direta- trador". Embora fosse desgastante para os proprietários de plantations embarcar sua
mente aos commissaires nas ilhas." produção para os portos franceses, eles se beneficiavam tanto do comércio subsi-
diado de escravos quanto dos excelentes contatos comerciais dos mercadores fran-
O grau de desenvolvimento em São Domingos era, naturalmente, muito maior do ceses. No entanto, Stein argumenta que as características avançadas de produção e
que nas ilhas mais a leste. São Domingos tinha a costa muito recortada, o que faci- comercialização do açúcar francês ainda eram dominadas por um sistema de pro-
litava o carregamento dos navios. Tinha quatro planícies extensas e férteis: em tor- priedade que as contradizia. A dependência que os proprietários de plantation ti-
no de Le Cap, no norte, Antibonita e Cul-de-Sac a oeste, e Plain des Cayes no sul. nham dos mercadores e a vulnerabilidade de ambos às leis de herança francesas,
Atrás destas regiões planas havia colinas cobertas de florestas, de onde fluía uma que exigiam a divisão da propriedade em partes iguais entre os herdeiros, obriga-
grande quantidade de rios e riachos que cruzavam as planícies em direção ao mar. vam os magnatas franceses do açúcar a formular estratégias cuidadosas de casamento
Madeira e água eram suprimentos vitais para os engenhos de açúcar. O número de e sociedade comercial para garantir o futuro das empresas que haviam construído:
engenhos em São Domingos aumentou de 138 em 1713 para 339 em 1730, e che- "Apesar da (...) modernidade significativa, o negócio do açúcar ainda estava firme-
gou a 793 em 1790; em 1787, a produção de açúcar de São Domingos atingiu 87.000 mente enraizado no Ancien Régime."s9
toneladas, comparadas com a produção de cerca de 49.000 toneladas na Jamaica no As propriedades dedicadas a produtos secundários cresceram tão depressa quanto
mesmo ano. Depois da Guerra dos Sete Anos, os colonos de São Domingos recebe- as plantations açucareiras. Assim, o número de propriedades produtoras de anil em
ram permissão para refinar seu próprio açúcar; em 1775, 260 das 459 sucreries ti- São Domingos passou de 1.182 em 1713 para 2.744 em 1730, e chegou a 3.445 em
nham equipamento de refino, e em 1790 o número chegou a 431 dos 793 engenhos 1739. A indústria têxtil metropolitana oferecia um mercado de bom tamanho para o
de açúcar.s> algodão e o anil. Durante o século XVIII, as exportações francesas de algodão cres-
O processo de refino permitiu que os proprietários franceses produzissem mais ceram tanto ou mais rapidamente que as da Grã-Bretanha. Além disso, na década
rum e melado sem sacrificar a produção de açúcar. Como o açúcar refinado era cer- de 1780 o algodão de São Domingos era comprado em grande quantidade tanto por
ca de um terço menos volumoso que o mascavo bruto, havia uma economia subs- fabricantes ingleses quanto por franceses. Embora se plantasse algum algodão nas
tancial no custo do frete. A disponibilidade de mais rum e melado tornou possível índias Ocidentais britânicas, os fabricantes da Grã-Bretanha, antes de 1776, com-
um comércio em mão dupla com as colônias britânicas da América do Norte, e mais pravam anil das colônias da América do Norte. 60
tarde com os Estados Unidos; em troca desses produtos, os proprietários de São Por volta de meados do século, São Domingos começou a produzir cada vez
Domingos podiam comprar da América do Norte provisões e suprimentos a bom mais café. Por oferecer o grão de São Domingos a preços 5 a 10 por cento m ais bai-
preço. Os proprietários de plantations britânicas se irritaram ao ver as ilhas france- xos que os da Martinica, a posição desta foi reduzida como fornecedora de café
sas atraírem a clientela norte-americana e baixarem o preço dos subprodutos do açúcar. Em 1767, São Domingos exportou pouco mais de 12 milhões de libras-peso, che
Eles próprios eram proibidos de produzir açúcar refinado pela legislação protecio- gando ao total impressionante de 72 milhões em 1788-89. As propriedades cafeeira
nista que favorecia as refinarias da metrópole. Mas os proprietários das índias Oci- eram, em geral, menores que 2lSplantations açucareiras. Uma caféière cujos registro
dentais fizeram valer sua influência em Londres para patrocinar leis, desafiadoras e foram estudados por Debien tinha um contingente de 60 a 114 escravos, com um
muito desrespeitadas, que proibissem o comércio norte-americano de melado de São produção de cerca de 1.000 a 1.500 libras por ano para cada um dos nègres de jardin
Domingos e Martinica. Os pés de café tinham de ser limpos e tratados cuidadosamente; os grãos, depois d
colhidos, tinham de ser descascados e depois secados. Os escravos eram divididc
As propriedades açucareiras e as refinarias francesas eram bastante produtivas e em turmas de trabalho, ou ateliers, como naplantation açucareira.61
organizadas quando comparadas com outras empresas da época, como observa Robert Embora o regime àe plantation francês fosse parecido com o das ilhas britân
Stein: "Poucas instalações industriais eram tão controladas quanto a plantation e a cas, seu desempenho global, como vimos, era superior. As sucreries provavelmen
grande refinaria, onde, em uma única propriedade, ou sob o mesmo teto, várias centenas conseguiam colheitas maiores, e com certeza produziam açúcar em maior quant
de trabalhadores podiam ser comandados por um único contramestre ou adminis- dade e de melhor qualidade que os engenhos britânicos. É, sem dúvida, significai
vo q u e os proprietários franceses de plantations tenham sido responsáveis pela utili- que a mão-de-obra escrava não era totalmente utilizada no cultivo fora do período
zação de novas variedades de cana. A integração da moagem e do refino estimulou de colheita, os projetos de construção e irrigação permitiram que o dono daplantation
o interesse na química do açúcar e abriu caminho para aperfeiçoamentos posterio- usasse de modo mais intensivo o potencial total de trabalho do contingente de es-
res em sua fabricação. Os dados citados acima sobre o número de engenhos e o cres- cravos. Depois que ximzsucrerie bem irrigada e com bom uso da força da água fosse
cimento da produção de açúcar em São Domingos, comparados com os fornecidos construída, seria altamente produtiva e lucrativa. J.-B. Say calculou que umaplantation
anteriormente para a Jamaica, sugerem que a produção média das propriedades na açucareira de São Domingos pagava seu preço de compra em seis anos, enquanto
colônia francesa era bem maior. A produção média por engenho em São Domingos uma propriedade na França talvez não pagasse um vigésimo ou até um trigésimo de
parece ter atingido o auge na década de 1760, quando a média anual foi de 124 to- seu valor por ano, embora esses cálculos não levem em conta a taxa de depreciação
neladas; em 1787-89 ela caiu para 104 toneladas por engenho, já que mais sucreries muito mais alta de uma plantation escravista, onde a mão-de-obra era desbaratada a
foram construídas para aproveitar a explosão do consumo de açúcar na França na cada ano.
década de 1780. A produção por engenho na Jamaica mal chegava a 70 toneladas No início e em meados da década de 1780, a produção francesa de açúcar em
por ano em 1789; com a virtual eliminação de São Domingos na década seguinte, a São Domingos era considerada por proprietários jamaicanos bem mais lucrativa que
produção da Jamaica subiu de 50.000 para 70.000 toneladas, e a produção por en- seus próprios empreendimentos: afirmavam que uma faixa de lucro anual entre 8 e
genho chegou a 94 toneladas por ano. Mas o produto da Jamaica ainda era o mascavo 12% era, em sua opinião, o padrão da colônia francesa, comparada com os 4% da
não refinado, com menos subprodutos, como o melado, do que o que São Domin- Jamaica. (Os números de J. R. Ward para o lucro da plantation jamáicana são pró-
gos costumava produzir. As sucreries de São Domingos não parecem ter tido contin- ximos dos citados nesta estimativa: apenas 3% ao ano nos difíceis anos de guerra
gentes maiores de escravos do que os da Jamaica; Geggus cita uma amostra de 100 entre 1776 e 1782, subindo para 6,4% em 1783-91; ver p. 420 acima.) Quase sem-
delas, entre 1745 e 1792, com um contingente médio de 177 escravos, enquanto as pre os proprietários franceses dcplantation faziam grandes empréstimos, ou assina-
plantations açucareiras da Jamaica já apresentavam contingentes médios de 200 es- vam acordos de affirmage, para comprar escravos e material de construção, e neste
cravos em meados do século.62 caso os lucros eram sugados pelas taxas de juros. Nas décadas de 1740 e 1750, o
O s proprietários franceses tiraram vantagem da relativa abundância de água e superior da Ordem dos Jesuítas na Martinica administrou um banco que oferecia
terra em suas ilhas para elaborar um sistema agrícola mais intensivo e abrangente crédito barato aos grandes fazendeiros, mas esta rara experiência morreu em 1757.64
do que o utilizado nas ilhas britânicas. Embora São Domingos tivesse muitos rios e O estudo de Jacques de Cauna da Sucrerie Fleuriau afirma que ela era muito
riachos, a chuva só era certa no norte da costa e nos distritos montanhosos. Sistemas lucrativa, mas os resultados podem subestimar alguns custos. O proprietário teve
de irrigação permitiram aos proprietários garantir uma colheita maior e mais previ- "despesas de plantação" de cerca de 60.000 livres em 1787 e custos de transporte de
sível e usar engenhos movidos a água. Estes sistemas dispunham do patrocínio ofi- 3.500 livres, contra uma renda de 144.000 livres. Os itens responsáveis pelas maio-
cial e eram auxiliados pelos conhecimentos dos engenheiros militares, vários dos quais res despesas costumavam ser a compra de escravos (20 a 35 por cento) e o tributo
passaram a possuir ou administrar plantations. Durante as décadas de 1740 e 1750, sobre irrigação e outras taxas (15 a 30 por cento). Se o desempenho da Sucrerie Fleuriau
estes sistemas resultaram na irrigação de 100.000 acres de terra em São Domingos. 63 na década de 1780 for comparada com o de Worthy Park, então parece que a pri-
O inventário das propriedades de São Domingos revela que o valor da terra meira conseguiu uma produção por escravo ligeiramente maior (1 tonelada contra
destinada à cana com suas melhorias podia ser tão alto quanto o do engenho de açú- 0,9 tonelada) e uma produção por acre muito maior (1,5 tonelada contra 1 tonela-
car e o dos escravos juntos, embora, é claro, aquelas mesmas melhorias fossem pro- da). Em 1777, a Sucrerie Fleuriau foi avaliada em 700.000 livres \ calculou-se que o
duto do trabalho escravo. Assim, em 1784 La Sucrerie Cottineau foi avaliada em £45.167, produit net da propriedade gerou uma taxa de retorno de 18% ao ano na década de
das quais £19.983 representavam o valor de 453 acres de terra plantada com cana, 1780. David Geggus analisou a contabilidade daplantation açucareira de Saint Michel
contra o valor de 173 escravos, registrado como £8.423, e o valor dos prédios do em Quartier-Marin, que parece contar uma história diferente, já que sua taxa anual
engenho, de £9.593. A terra plantada com cana representava 44% do valor total desta de retorno na década de 1780 era de apenas 4,9% que, destaca ele, era bem mais
propriedade, contra os 22% do inventário da propriedade jamaicana citada antes. Já baixa que a taxa de retorno de 8 a 10% encontrada em outros estudos de proprieda-
des açucareiras da Plain du Nord durante este período. No entanto, boa parte da Pluchon comenta: "O proprietário caía, desde o primeiro dia, numa armadilha em
receita da Saint Michel durante esta época foi usada para construir umaplantation- que se endividava para aumentar sua renda com o objetivo de acabar com seus dé-
satélite com um contingente de 131 escravos; durante todo o período entre 1765 e bitos mais depressa e ter lucro líquido."67 Embora as dívidas coloniais fossem real-
1790, a Saint Michel rendeu uma média de 100.000 livres a cada ano a seus pro- mente grandes, o mesmo pode-se dizer do valor das propriedades coloniais. Os
prietários. Em meados da década de 1780, com um contingente médio de 246 es- mercadores costumavam ampliar o crédito dos proprietários, já que esta era uma
cravos, estaplantation apurou por escravo +63 livres, ou pouco mais de £18, contra forma de manter seu cliente em condições vantajosas. A propriedade de umaplantaíicm
a receita líquida por escravo entre £12 e £25 em Worthy Park no fim da década de garantia certa proteção legal, mas se o mercador descobrisse que o proprietário já
1780. Estes cálculos incluem todos os escravos, entre eles crianças, velhos e doen- devia uma soma próxima ao valor da propriedade, podia executar a dívida. Em outras
tes; o lucro por escravo de campo era aproximadamente duas vezes maior tanto em palavras, proprietários muito endividados vendiam as terras ao mercador, transfor-
São Domingos quanto na Jamaica, enquanto o valor bruto da produção por escravo mando em dinheiro o que restava de seus bens antes que tudo desaparecesse. As-
de campo chegava a 2.490 livres ou £98 na Saint Michel e £ 100 por escravo de cam- sim, a firma Romberg, Bapst et Cie., de Bordéus, possuía 16 sucreries, 31 indigoteries
po em Worthy Park no fim da década de 1780. O proprietário ausente pagava ao e 16 caféières no final do Ancien Régime. De fato, nesta época uma grande proporção
procureur ou advogado que supervisava a propriedade 10% de sua receita, com um das propriedades maiores estava em mãos de famílias de mercadores — Gradis, Journu,
salário fixo, e geralmente muito mais baixo, para o feitor. A lucratividade ou o re- Chaurand, Bouteiller, Lantimo, Begouen, Feger e outras — ou de famílias de altos
sultado de todas as plantations dependia de forma decisiva dos custos de sua aquisi- funcionários.68
ção;-e, a cada ano, das flutuações causadas por perdas no mar, secas, epidemias e
coisas semelhantes. Geggus ressalta que os que vendiam à vista suas plantations O endividamento também era um problema para os proprietários de plantations das
freqüentemente recebiam apenas metade de seu valor nominal, enquanto os que índias Ocidentais britânicas. Furacões, revoltas de escravos e epidemias podiam
concediam crédito ao comprador podem ter tido dificuldades para conseguir a qui- arruinar um proprietário, enquanto a guerra podia depreciar até a propriedade mais
tação. 65 afortunada e bem administrada. Famílias de comerciantes como os Beckford e Lascelle,
As vésperas da Revolução, dizia-se que os proprietários Ae. plantations no Caribe ou "sócios" mercantis como Sir Alexander Grant, vieram a possuir séries d<t plantations.
francês deviam 99 milhões de livres, ou cerca de 4 milhões de libras esterlinas, aos Os problemas dos proprietários jamaicanos nas décadas de 1770 e 1780 resultaram
mercadores de Bordéus e Nantes. 66 As despesas de operação de uma propriedade na ocorrência crescente de bancarrotas — fato que muito ajudou a convencer Lowell
de primeira linha eram tão altas que até pessoas suficientemente ricas ou importan- Ragatz e Eric Williams de que o início do declínio das índias Ocidentais podia re-
tes para comprá-la à vista recorriam ao crédito para financiar a primeira colheita. montar a esses anos.69 Mas a própria ocorrência de bancarrotas era prova de que o
As leis de herança agravaram este problema ao sobrecarregar o filho que assumia a mecanismo de mercado transferia os recursos das plantations das mãos daqueles que
propriedade com obrigações para com os outros herdeiros. Ansiosos para garantir não se mostraram capazes de administrá-las com êxito para mãos novas e possivel-
direitos sobre a colheita de açúcar, mercadores ofereciam crédito para a compra de mente mais competentes ou afortunadas. As propriedades açucareiras das ilhas bri-
suprimentos ou de escravos adicionais. O barão Wimpffen observou em julho de tânicas e francesas eram, de qualquer forma, empreendimentos muito grandes. Embora
1790: o problema possa ser visto, por um lado, como causado pelo alto valor do contin-
gente de escravos, por outro originava-se do fato de que empreendimentos tão am-
O apetite cresce com a comida, diz o velho ditado (...) e assim a maioria dos pro- plos exigiam um padrão "acionário" de propriedade, para que osriscosfossem divididos
prietários, em vez de usar a receita de suas primeiras colheitas para pagar dívidas entre vários proprietários, como ocorria com a maioria das viagens de navios ne-
prejudiciais, usam-na para comprar mais negros, ou seja, para contrair novas dívi-
greiros.
das, sem calcular antecipadamente se o lucro previsto com o aumento de produ-
No entanto, interessava aos mercadores deixar os proprietários das plantations
ção vai compensá-los da diferença considerável entre o que tomam emprestado e o
que terão de pagar.
na linha de frente para suportar o impacto inicial do risco. Se ficassem arruinados,
os mercadores tomavam a dianteira, dividindo às vezes a posse de uma determinada
propriedade com outros mercadores ou com o proprietário original, na base de um nunca dependeram tanto da importação de alimentos quanto os britânicos. São Do-
contraí de liaison. Embora houvesse anos ruins tanto na Jamaica quanto em São mingos, por outro lado, podia comprar alimentos de forma segura e em grande escala
Domingos, o lucro médio era positivo. O esplendor de Bordéus no século XVIII da metade espanhola da ilha, Santo Domingo, com suas amplas fazendas e estancias.
dificilmente sugere uma classe de mercadores sistematicamente enganada por pro- As ilhas francesas eram maiores e tinham topografia mais variada do que as
prietários deplantations irresponsáveis. O destino dos proprietários e mercadores britânicas. A colônia francesa de São Domingos tinha 10.7Í4 milhas quadradas
coloniais franceses seria decidido pelo curso da Revolução, e não pelo fechamento (27.75 Okin2) contra as 4.411 milhas quadradas (11.425km 2 ) da Jamaica; Martinica
(425 milhas quadradas, ou l.lOOkm 2 ) e Guadalupe (583 milhas quadradas ou
das contas (e mesmo muitos dos que foram expropriados acabaram recebendo algu-
1.510km2) eram bem maiores do que Barbados (166 milhas quadradas ou 430km 2 )
ma compensação em troca do reconhecimento pela França da República do Haiti).
ou Antigua (108 milhas quadradas ou 280km 2 ). A variedade maior de terreno nas
Da mesma forma, como mostraram J. R. Ward e Seymour Drescher, os proprietá-
ilhas francesas significava que havia terra inadequada para a cana que poderia ser
rios de.plantations das índias Ocidentais britânicas gozaram de grande prosperida-
destinada à produção de alimentos. Isto, é claro, era uma bênção parcial para os
de por quase trinta anos depois de 1790 — auxiliados neste caso pelo afastamento
escravos, que, como em muitas partes da Jamaica, recebiam a tarefa árdua e incerta
de seus rivais franceses mais produtivos.70
de alimentarem a si mesmos. Nas ilhas francesas menores, os proprietários assumiam
A relativa inferioridade produtiva das plantations das ilhas britânicas deve ser
maior responsabilidade. Em 1736 havia 4.800 pés de banana e 34.000 roças de
atribuída tanto aos recursos naturais quanto às instituições sociais que os adminis-
mandioca na Martinica. Os proprietários ou osgérants franceses dispunham-se, mais
travam. E m geral, as ilhas britânicas não dispunham dos recursos hídricos para
que seus colegas britânicos, a organizar o trabalho escravo nos próprios campos de
alirpentar sistemas de irrigação como os da Martinica e São Domingos; mas os pro-
produção de alimentos: commandeurs (capatazes) distribuíam os escravos no cultivo
prietários britânicos que compraram terras em Essequibo foram obrigados a desen-
de milho e feijão. Embora os proprietários franceses pudessem adquirir provisões
volver sistemas de irrigação e descobriram que eles impulsionavam a produtividade da América do Norte, não contavam com isso e viam vantagem em reduzir as com-
e o lucro. As autoridades coloniais e marítimas francesas estavam, em geral, mais pras. Gabriel Debien afirma que esta ênfase no auto-abastecimento exigia uma co-
dispostas a gastar dinheiro na construção de estradas, instalações portuárias e ca- ordenação mais rigorosa da mão-de-obra escrava, com a integração da colheita principal
nais do que as das ilhas britânicas; as assembléias destas ilhas, dominadas pelos e do plantio de subsistência, e conclui que ela era "produto do caráter cada vez mais
proprietários de plantations, costumavam ter uma visão estreita e seus participantes industrial do cultivo de cana em grande escala". No entanto, o relato de Debien
se recusavam a pagar impostos para melhoramentos que só ajudariam os novos pro- deixa claro que, apesar da ênfase maior no plantio de alimentos, as características
prietários. Nas ilhas francesas, cada propriedade devia oferecer trabalho de corvêe fundamentais do processo de trabalho eram comuns às plantations francesas e britâ-
correspondente ao tamanho de seu contingente de escravos; os donos que não qui- nicas: trabalho forçado em turmas, supervisão constante, uso de enxada e não de
sessem abrir mão do serviço de alguns escravos alugavam substitutos. O ministro arado, mecanização irregular, manufatura coordenada e trabalho noturno aassucreries?2
da Marinha da França financiou várias expedições científicas com o objetivo de Pierre Pluchon observa:
descobrir novas ou melhores variedades de plantas; também patrocinou jardins
botânicos e tentativas de aperfeiçoar as técnicas hidráulicas e de processamento.71 A economia deplantation levou para São Domingos, e de forma mais modesta para
A geografia e a política fizeram com que os proprietários franceses de plantations as íles du Vent, a revolução capitalista agrária que a Inglaterra empreendera no
contassem com um abastecimento mais adequado de alimentos do que os proprietá- século XVII e que a França mal começara. A propriedade crioula foi construída
rios das ilhas britânicas. Richard N. Bean calculou que as ilhas britânicas costuma- por meio da acumulação de capital, pelo ajuntamento de terras; adotou a divisão
vam contar com importações de ultramar para fornecer 500 calorias por dia por habitante de trabalho e o maquinismo inicial ilustrado pelo engenho de açúcar movido a energia
—- ou seja, cerca de um quarto da necessidade de consumo de alimentos. No período animal ou hidráulica. Formava uma estrutura agroindústria! ao gerar um produto
d e l 7 7 7 a l 7 8 3 houve muitas interrupções deste comércio importador das ilhas britâ- como açúcar ou anil. No caso das caféteries e das cottoneries, havia uma mecaniza-
nicas e, como resultado, milhares de escravos morreram. Os franceses, na falta de colônias ção embrionária. A agricultura de São Domingos, antes da metrópole, excluiu o
continentais extensas e sempre conscientes da vulnerabilidade das ligações marítimas, reflexo autárquico. (...)"
E m b o r a as características mencionadas por Pluchon não configurem, na verdade, ção negra livre estava enraizada nas Antilhas e tinha pouca ou nenhuma perspectiva
u m a empresa de tipo totalmente capitalista, ele está correto ao afirmar sua relativa de viver na França; em 1776-77, decretos da metrópole tentaram excluir de lá ne-
modernidade. gros e mulatos, escravizados ou não. A migração francesa para as Antilhas aumen-
tou um pouco depois da Paz de Paris, em 1763, quando a perda do Canadá francês
Desde um período bem anterior, as colônias francesas tinham uma população ligei- coincidiu com a expansão em São Domingos, Martinica e Guadalupe. Em 1789 as
ramente maior de pessoas livres de cor do que as ilhas britânicas, e foi em parte graças colônias das índias Ocidentais francesas tinham uma população branca total de 54.000
à s u a contribuição econômica que a agricultura deplantation francesa avançou numa pessoas, muitas delas petits blancs, contra os 36.000 negros livres e pelo menos 675.000
frente tão ampla. Assim, muitas das propriedades cafeeiras de São Domingos per- escravos.
tenciam a pessoas livres de cor; elas também possuíam pequenas propriedades ou Em meados do século XVIII, as autoridades coloniais francesas viam na popu-
fazendas que cultivavam outros produtos secundários, e forneciam muitos serviços lação negra livre um valioso recurso militar; uma tropa de negros poderia, segundo
urbanos. O nível comparativamente baixo de emigração francesa para o Novo Mundo eles, reforçar a defesa colonial e fornecer um contrapeso à milícia colonial branca,
em relação ao da Grã-Bretanha ajuda a explicar o surgimento original de uma casta não muito digna de confiança. Embora houvesse guarnições de tropas metropolita-
reconhecida de negros e mulatos livres. No fim do século XVII e no início do XVIII nas estacionadas nas Antilhas — com um contingente de pelo menos 3.000 solda-
tanto os donos de plantation quanto as autoridades coloniais estimularam a promo- dos — s u a manutenção era cara e, por causa da corrupção e da incidência de doenças,
ção social de algumas pessoas de cor. Os impostos sobre a alforria dificultavam essa nem sempre estavam prontas para agir. Os colonos nunca foram fáceis de manejar e
promoção, mas ainda assim as pessoas livres de cor tinham vários direitos civis, in- ficaram ainda menos maleáveis quando sua riqueza aumentou. Assim, os colonos
clusive direitos de propriedade. Como havia relativa escassez de colonos brancos, brancos de Guadalupe colaboraram cordialmente com os britânicos quando a ilha
o reconhecimento de uma casta livre de cor dava segurança social ao regime colo- foi ocupada em 1759-62; as tendências "autonomistas" dos colons franceses eram
nial escravocrata. O s proprietários franceses tinham mais boa vontade do que os conhecidas e muito estimuladas pelo ressentimento contra o exclusif. Em 1769, o
britânicos para recompensar os longos anos de serviço da elite escrava com a garan- governador de São Domingos provocou protestos enérgicos dos colonos brancos ao
tia d e liberdade. Como havia mais deles morando no Caribe, podem ter gerado mais tentar reorganizar a milícia. Embora o protesto inicial fosse contra a imposição de
filhos naturais com escravas, e tendiam a alforriar mãe e filho, deixando-lhes algu-
taxas e de obrigações para com a milícia, a oposição cresceu quando o governador
ma propriedade. Pais de filhos ilegítimos de mães escravas sujeitavam-se a pagar
anunciou a formação de uma milícia negra; depois de duros conflitos, esta milícia
uma multa à Igreja, mas parece que isso pouco adiantou para desencorajá-los. Nas
foi incluída nas tropas enviadas para lutar com a força expedicionária na América
colônias britânicas havia a mesma quantidade de crianças mulatas filhas de colonos
do Norte. O sucesso dos negros livres em atividades econômicas despertou o anta-
brancos, mas estes eram, com mais freqüência, servos ou empregados, e não propri-
gonismo dos petits blancs. As autoridades coloniais acabaram apaziguando os colons
etários.
brancos ao baixar uma série de decretos discriminatórios que impediam pessoas de
N o fim do século, a população negra livre das colônias francesas representava cor de assumir cargos públicos, estipulavam um número mínimo de brancos a se-
quase 5% do total, contra os cerca de 2,5% das ilhas britânicas em meados do sécu- rem empregados nas grandes propriedades e desestimulavam casamentos entre brancos
lo. E m 1775 havia 6.897 pessoas livres de cor em São Domingos contra 3.700 na e negros. Como foi observado na Introdução, Moreau de St-Méry, autoridade co-
Jamaica, que representavam, respectivamente, 2,4% e 1,7% da população total. A lonial "esclarecida" de São Domingos, dedicou muitas páginas de seu clássico estu-
visibilidade social dos negros livres nas colônias francesas devia-se tanto ao relativo do da colônia à divisão das pessoas de cor em nada menos de 110 categorias diferentes,
sucesso econômico quanto ao seu número absoluto. Muitos mantinham pequenos segundo seu grau de ascendência branca; a última dessas categorias de "sangue misto"
negócios ou possuíam terras — em geral uma casa e uma horta, ou uma pequena tinha apenas uma parte de sangue negro para 127 partes de sangue branco.74
fazenda com poucos escravos. Nasplantations de café pertencentes a negros no sul e Embora os negros livres tenham conquistado posições importantes na vida eco-
no oeste de São Domingos trabalhavam, em cada uma, de 10-15 escravos a mais de nômica da colônia como pequenos proprietários e artesãos urbanos, os petit blancs
cem. Além disso, diferentemente dospetits Mana ou imigrantes franceses, a popula- eram a coluna vertebral do regime dentro das grandes plantations, onde trabalha-
vam como guarda-livros, engenheiros e feitores. Foi necessário fazer concessões aos Na década de 1780, os escravos africanos correspondiam a cerca de dois terços
petit blancs já que, como explica Charles Frostin no caso de São Domingos: da população escrava, representando uma ampla faixa de nações africanas. O s afri-
canos de língua banto, conhecidos como coagos, chegavam a 40,8% dos escravos
Para manter o controle do aparato socioeconómico, a oligarquia branca tinha ne-
africanos nas propriedades açucareiras e a nada menos que 63,9% dos escravos afri-
cessidade premente dospetits blancs como agentes de transmissão, execução e, aci-
canos das propriedades cafeeiras. Esta categoria incluía povos como os maiombes,
ma de tudo, de vigilância. A colônia era organizada como um "batalhão disciplinar",
os mussondis, os solongos e os maiaques, mas assim mesmo representava uma con-
que não pode funcionar sem a lealdade vigilante de seus oficiais não-comissionados:
se estes fraquejassem, a tropa logo se amotinaria.75
centração considerável de africanos de um único grupo cultural. O s produtores de
açúcar preferiam comprar os escravos mais altos da Senegâmbia e do Golfo de Benim.
As condições de vida da multidão de escravos das colônias francesas não eram me- Os escravos que vinham de determinados povos africanos tendiam a adquirir boa
lhores que a dos escravos das ilhas britânicas. E certo que o padrão de mortalidade reputação num ou noutro tipo de trabalho especializado: os do Senegal, como es-
alta e fertilidade baixa era muito semelhante. Entre 1680 e 1776 cerca de 800.000 cravos domésticos ou criadores; os bambara, como artesãos; os congos, como do-
escravos foram levados para São Domingos e mesmo assim a população escrava era mésticos, artesãos e pescadores; os hausas, como fervedores de açúcar. Como nas
de apenas 290.000 indivíduos nesse último ano. E verdade que, em 1790, a popula- ilhas britânicas, os escravos crioulos ocupavam boa parte das posições de elite. Numa
ção escrava das ilhas francesas excedia um pouco a das ilhas britânicas, apesar da amostra de 34 propriedades açucareiras, David Geggus descobriu que 87% dos
importação de escravos ligeiramente inferior; mas essa discrepância pode ser explicada capatazes eram crioulos, assim como 90% dos mestres carreiros, 100% dos cocheiros,.
pelo fato de que a importação francesa de escravos foi muito grande e concentrada 100% dos escravos domésticos e 88% dos construtores de carros e rodas; por outro
nas décadas de 1770 e 1780. Debien sugere que taxas de mortalidade de 5% a 6% lado, os africanos eram maioria entre os fervedores de açúcar, pescadores e ajudan-
eram muito comuns para o contingente de escravos.76 Havia sempre o perigo de tes de carreiro, e 34% de todos os artesãos. Como nas ilhas britânicas, as escravas
que gérants desesperados para terminar a colheita fizessem seus escravos trabalhar africanas eram menos férteis que as crioulas, e as escravas eram mais férteis nas
propriedades cafeeiras do que nas açucareiras. Geggus comenta:
excessivamente a ponto de negligenciar em suas hortas e campos de cultivo de ali-
mentos. N a maioria dasplantations açucareiras, francesas ou inglesas, os escravos
tinham permissão para beber tanto caldo de cana quanto desejassem durante os cin- E m grau notável, as escravas de propriedades cafeeiras davam à luz com muito
menos idade do que na planície. (...) E m outras palavras, o efeito negativo do cultivo
co ou seis meses da colheita, mas sua dieta era, de modo geral, deficiente, e eles aca-
do açúcar sobre a fertilidade não era uniforme, afetando as mulheres jovens, prin-
bavam sendo vítimas de doenças provocadas por essas deficiências. 77 O roubo de
cipalmente as jovens africanas, com particular severidade. 79
comida — inclusive da cana que crescia nos campos — era um crime comum co-
metido por escravos. O s que abandonavam a plantation por um período curto — Em São Domingos, como na Jamaica, uma proporção grande das crianças nascidas
costume conhecido como petit marronage — podiam estar punindo seus donos por de escravas jovens nas propriedades açucareiras era de mulatos nascidos de mães
não alimentá-los adequadamente. Revoltas de escravos em grande escala foram menos crioulas; enquanto os pais eram brancos, as mães seriam escravas domésticas, e não
comuns em São Domingos do que na Jamaica; por outro lado, as fugas de escravos trabalhadoras do campo.
eram bastante numerosas e provavelmente era mais fácil para eles misturar-se com O s mercados de São Domingos eram tão vigorosos quanto os da Jamaica, e
a população negra livre — na qual se incluíam os chamados libres de savanne, que constituíam pontos de encontro vitais para uma camada da população escrava. Muitos
não haviam recebido carta de alforria geralmente porque as formalidades eram ca- proprietários nada faziam, ou faziam muito pouco, para converter seus escravos ao
ras. N o entanto, os fujões corriam o risco de encontrar a marechaussée, uma força cristianismo, e as taxas cobradas por padres deixavam facilmente seus serviços fora
policial rural bem organizada que usava cães farejadores. A eficácia da marechaussée, do alcance da maioria dos escravos. No entanto, pelo menos para a elite escrava, os
que incluía veteranos da milícia negra, ajuda a explicar por que a atividade dos maroons batismos, casamentos e funerais podiam ser ocasiões importantes. As cerimônias e
era em pequena escala. O envenenamento e os incêndios, armas dos fracos, eram as práticas do vodu que surgiram entre os escravos de São Domingos combinavam
formas de resistência dos escravos mais temidas pelos proprietários franceses. 78 elementos cristãos e africanos numa nova síntese. Alguns dos muitos escravos de
origem congolesa já haviam tido contato na Africa com versões do cristianismo. Michel- Grã-Bretanha, a orientação destas para o comércio adântico era mais benéfico para
Rolph Trouillot argumenta que a alta concentração de escravos do Congo nas pro-
o crescimento econômico da metrópole. Boa parte da explicação deste paradoxo está
priedades cafeeiras de São Domingos, aliada ao relativo isolamento destas propriedades
na contribuição especial da América do Norte, que será analisada depois da apre-
nas regiões montanhosas, favoreceram a sobrevivência de temas culturais africanos.
sentação do quadro mais amplo.
No entanto, ele também ressalta que essas propriedades eram menores e favoreciam
uma negociação e uma interação cultural mais intensas — processos que, presu-
mivelmente, incluíam grande número dos proprietários residentes, quase sempre Padrões anglo-franceses de comércio colonial
mulatos.80
A taxa de natalidade entre escravos franceses era, provavelmente, um pouco mais Para abordar as razões do desempenho geralmente superior das plantations france-
baixa que a de escravos britânicos, num reflexo da proporção maior de africanos, sas, deve-se ter em mente o contexto macroeconômico pertinente. Os sistemas
embora nos faltem informações que possam ser comparadas com exatidão. Myriam mercantilistas coloniais eram suficientemente rigorosos para fazer supor que as
Cottias reconstituiu a taxa de natalidade dos escravos, dos negros livres e da popu-
plantations francesas e britânicas pertenciam a sistemas econômicos diferentes, se por
lação branca da antiga colônia da Martinica, utilizando como base a proporção de
isto entendermos zonas econômicas definidas não só pela troca de mercadorias, mas
crianças em cada grupo. Ela chega à curiosa conclusão de que havia uma conver-
realmente integradas pelas decisões de investimento e pelo movimento do capital.
gência da taxa de natalidade das três populações, com os negros livres e brancos
Para conseguir financiamento, zs, plantations britânicas tinham de competir com os
caindo para o nível já baixo dos escravos por volta de 1800. Embora certamente
investimentos em agricultura, manufatura, comércio e títulos públicos britânicos.
houvesse razões fortes e específicas para a reduzida taxa de natalidade, parece que a
Os dados citados anteriormente sobre a lucratividade das plantations britânicas su-
atmosfera e as condições da sociedade escravista caribenha não eram propícias a uma
gerem a apropriação e a geração de lucro, pelo menos enquanto a "taxa de retorno"
taxa alta de natalidade em qualquer grupo social. O método de Cottias, de derivar
estivesse livre de novos investimentos naplantation. Naturalmente, houve fases na
a taxa de natalidade das crianças sobreviventes, não pode, por sua natureza, gerar
expansão das plantations das colônias britânicas em que os lucros eram plantados
informações relativas à mortalidade infantil, embora outros indícios sugiram que
novamente nelas, mas a proteção tarifária do mercado britânico dava aos donos de
era alta.81 As escravas tinham, provavelmente, os mesmos motivos para restringir o
plantations britânicas lucros altíssimos que eles não viam razão para reinvestir em
número de seus filhos que as escravas das ilhas britânicas. As plantations dos jesuí-
suas propriedades. Temendo o impacto do aumento da produção britânica sobre os
tas na Martinica tinham fama de conseguir uma taxa positiva de crescimento natu-
preços em Londres, os proprietários britânicos de.plantations ficaram bastante satis-
ral de seu contingente de escravos—algo que, como vimos, escapou à English Society
feitos ao verem Guadalupe ser devolvida aos franceses pelo Tratado de Paris. No
for the Promotion of Christian Knowledge (Sociedade Inglesa para a Promoção do
Conhecimento Cristão) — e obtiveram o seguinte elogio de um governador livre- Capítulo XII abordaremos a extensão do desinvestimento líquido nas colônias bri-
pensador: tânicas de plantation durante grande parte do século XVIII.
Várias peculiaridades das colônias britânicas de plantation, como o sistema de
Observei que em propriedades pertencentes a casas religiosas (é a única coisa boa agenciamento e a conversão de proprietários bem-sucedidos em mercadores e ban-
que pode ser dita a respeito delas) (...) eles alimentam bem os escravos, cuidam queiros, seriam certamente favorecidas pelo fluxo de capital das colônias para a
das mães e de seus bebês e que a população é tão grande que eles raramente com- metrópole. Outro sinal da decisão dos proprietários e mercadores coloniais britâni-
pram negros novos (...)82 cos de não reinvestirem seus ganhos seria o fracasso da tentativa de aumentar o número
de escravos tão rapidamente quanto os proprietários franceses: enquanto a popula-
A configuração geral das colônias escravistas francesas e a extensão de sua fronteira ção do Caribe francês cresceu 78% entre 1770 e 1790, a do Caribe britânico cresceu
comercial em relação aos britânicos vai emergir mais claramente na comparação dos apenas 14%. O funcionamento do sistema de prêmios pouco fez para reduzir o pre-
padrões de comércio atlântico franceses e britânicos. Paradoxalmente, embora as ço dos escravos nas colônias francesas; no entanto, os proprietários franceses com-
colônias francesas plantation fossem mais produtivas e competitivas do que as da praram muitos milhares de escravos das ilhas britânicas na década de 1780-
A construção das colônias francesas envolveu um padrão comercial diferente, ção de produtos coloniais correspondia à metade de todo o comércio exportador francês.
n o qual os mercadores patrocinavam diretàmeftte o desenvolvimento das plantations. Nos anos entre 1784 e 1790, a importação média anual francesa de mercadorias das
O s chamados acordos de liens d'habitation e de affirmage fizeram com que o capital colônias foi avaliada em 203,3 milhões de livres (8,3 milhões de libras esterlinas),
mercantil fosse empregado na construção ou na ampliação das propriedades. Em
das quais mercadorias avaliadas em cerca de 148 milhões de livres (£6 milhões) fo-
alguns casos, este investimento era involuntário, já que representava dívidas dos donos
ram reexportadas, representando pouco mais da metade de todas as exportações fran-
d a s plantations que, segundo a legislação em vigor, não poderiam ser pagas por meio
cesas." Deve-se ter em mente que estes números se baseiam em avaliações oficiais e
d a venda forçada das terras. Mas o próprio fato de que os mercadores franceses se
referem-se a produtos coloniais que, em alguns casos, eram processados na metró-
dispunham a conceder grandes empréstimos aos donos de plantations é testemunha
pole. No entanto, o quadro que apresentam da contribuição colonial para o cresci-
d e sua crença na prosperidade colonial. Embora o retorno dasplantations fosse pro-
mento do comércio francês no século XVIII deve estar quase exato, e não inclui o
vavelmente equivalente ao de outros investimentos possíveis na metrópole — como
elemento colonial na exportação de produtos têxteis. O crescimento do comércio e
foi sugerido acima na análise do tráfico negreiro francês — a ligação entre merca-
das reexportações coloniais criou fortunas fulgurantes nos portos atlânticos, e per-
d o r e dono de plantation também deu origem a lucros comerciais no processo de compra
mitiu sozinho que a França equilibrasse suas trocas internacionais. Sessenta e qua-
e venda.
tro mercadores dos entrepostos de escravos de Nantes receberam títulos de nobreza;
O comércio colonial francês no século XVIII foi um sucesso espetacular. A trinta e sete mercadores de Bordéus receberam honraria semelhante.
alta proporção de produtos coloniais franceses no comércio europeu fica evidente O preço do açúcar na França era elevado por uma série de taxas e impostos que
na^Tabela X.8:
o inflavam em 50%. Junto com o custo do transporte, isto significava que o preço
do açúcar em Paris era o dobro do de Bordéus. Os mercadores que dominavam o
Tabela X.8 Reexportação colonial francesa
comércio de açúcar tinham seu principal mercado na capital, e em muitas partes da
% reexportada Cacau Café Algodão Anil Açúcar Total
França o aumento de preço era ainda maior. Os preços mais altos e o peso maior da
agricultura de subsistência faziam com que o mercado de açúcar na França fosse
1775-77 48 85 53 75 77,3 menor que o da Inglaterra, mas o mercado de exportação compensava esta diferen-
1785-89 64 89 32 60 70 72,8
ça. Auxiliados por deduções de tarifas e redes comerciais já existentes de conhaque,
Fonte-, Jean Tarrade, Le Commerce colonial de la France à la fin de l'Ancien Régime, Paris 1972, 2 vols., II, p. 753. vinho e tecidos de alta qualidade, os mercadores franceses exportavam açúcar para
toda a Europa. 84
O principal destino imediato da reexportação francesa eram as cidades hanseáticas As colônias francesas eram um mercado protegido, além de uma fonte de abas-
(34,4%), a Holanda (19,4%) e a Áustria (16,1%). A importância da produção das tecimento. Os colons franceses se irritaram com as restrições do exdusif, em parte
plantations francesas no mercado europeu refletia não só a produtividade das colô- porque ele os obrigava a comprar as caras provisões e manufaturados franceses. E m
nias francesas como também o tamanho relativamente reduzido do mercado inter- meados do século, o barril de farinha de trigo norte-americano custava 45 livres, e o
no francês. Assim a França, com duas ou três vezes a população da Grã-Bretanha, francês era vendido por 70 livres. Na década de 1760, as cláusulas do chamado exclusif
consumia apenas metade do açúcar. Isso também indicava o sucesso dos mercado- mitigé de Choiseul permitiu que as colônias francesas comprassem alguns suprimentos
res franceses no domínio do mercado europeu de todo tipo de produtos de luxo. na América do Norte, embora tivessem de pagar impostos, enquanto ainda reserva-
va o mercado colonial para manufaturados produzidos na metrópole. Embora os
E m 1716, o comércio exportador francês foi avaliado em 50 milhões de livres, e o donos de plantations ficassem razoavelmente satisfeitos de comprar artigos de luxo
importador em aproximadamente o mesmo valor; nesse ano, a importação das An- franceses para seu consumo pessoal, não gostavam de pagar preços altos a comerci-
tilhas foi avaliada em apenas 4,5 milhões de livres e a exportação para as Antilhas, antes franceses por alimentos ou ferramentas e equipamentos; ficaram conhecidos
em meros 2,1 milhões. E m meados do século, as colónias americanas abasteciam a por sua preferência pelo contrabando com comerciantes ingleses, holandeses ou norte-
França com importações avaliadas em 65,2 milhões de livres por ano, e a reexporta- americanos.
O famoso economista fisiocrata Mercier de la Rivière, intendente da Martinica dos nas ilhas inglesas. E acrescentou: "Deve-se observar que um fazendeiro rico
na década de 1760, redigiu memorandos convincentes sobre as vantagens de a pró- está em melhor condição para pagar 2.000 livres sobre uma receita líquida de 14.000
pria França permitir a suas colônias nas índias Ocidentais maior liberdade de co- livres do que outro proprietário de pagar 200 livres sobre uma receita de 1.400 livres."u
mércio. Seu raciocínio teve algum impacto sobre o pensamento oficial, na forma do Na verdade, Mercier estava delineando a base para um sistema de tributação
exclusif mitigé de Choiseul, embora seus argumentos propiciassem uma abordagem pelo valor agregado; ele insistia que o produto líquido deveria ser acompanhado por
mais abrangente.85 Mercier de la Rivière também fez propostas para reformar a lei meio do sistema de trocas para que o fornecedor das plantations também pagasse
da herança e da taxação colonial, e para ambas propôs princípios novos e importan- impostos sobre o superávit da receita em relação aos custos. O elemento "progres-
tes. Ele insistiu que não se devia permitir que a herança das propriedades açucareiras sivo" que ele também defendia deveria proteger as propriedades e empresas meno-
provocasse a divisão do empreendimento. Em vez disso, propôs que o filho mais res do perigo de serem expulsas do negócio. Esta proposta talvez se desviasse um
velho (ou filha, caso não houvesse filhos homens) herdasse o engenho de açúcar e os pouco dos princípios puros do laissez-faire. Pode ter sido sugerida pela percepção
escravos que trabalhavam principalmente no processamento, e que a terra e os es- de que a ordem social de uma colônia escravista precisava do apoio de uma camada
cravos restantes fossem divididos igualmente entre os outros herdeiros. Estes poderiam, de pequenos proprietários. A circunstância de que a riqueza colonial era mais nova
se quisessem, vender sua parte para o mais velho, depois de avaliação independente, e comercializada com mais dificuldade significava que as propostas do intendente
ou cultivá-la por sua própria conta. Esta proposta parece reproduzir a estrutura tra-
não eram revolucionárias; a defesa, na própria França, de uma taxa uniforme de valor
dicional das propriedades açucareiras brasileiras. Na verdade, ela também prepa-
agregado — ou, pior ainda, de um esquema progressivo — teria sido um ataque
rou o caminho para o modelo de um engenho de açúcar central cercado por canaviais-
aos privilégios e isenções sobre os quais se baseava o regime absolutista. Por outro
satélites, que surgiria nos textos de Condorcet, embora neste caso a idéia fosse trans-
lado, as propostas podem ter oferecido ao Tesouro real um meio de enfrentar os
cender a necessidade de mão-de-obra escrava, algo sequer imaginado pelo intendente
crescentes problemas financeiros. As propostas de Mercier, que circularam entre
da Martinica.
funcionários influentes e colegas economistas, podem ser vistas quase como uma
As reformas propostas por Mercier para a taxação colonial tinham mais relação bomba-relógio, já que, se todos os outros expedientes falhassem, seria tentador aplicar
com o polêmico tema da taxação na metrópole, já que ele defendia a cobrança de seus princípios na metrópole.
impostos das pessoas e das empresas com base em sua capacidade de pagar. Ele
argumentava que um sistema fiscal prudente deveria cobrar impostos apenas sobre Apesar do impressionante desempenho das colônias francesas em meados do sécu-
o produit net de uma propriedade, não sobre sua receita bruta, para que pudesse ser lo, ainda assim a Grã-Bretanha obteve mais vantagens das trocas atlânticas às vés-
levado em conta o fato de que os proprietários de plantations tinham de arcar com peras da Revolução Americana. Uma temporada de serviço nas Antilhas ou a posse
despesas elevadas. Ele apresentou cálculos que demonstravam que propriedades de de umaplantation por um membro caçula salvou a fortuna de vários integrantes da
tipos diferentes tinham de fazer reservas diferentes para a compra de insumos e noblesse d'épêe, enquanto o lucro do comércio colonial inchou as fileiras da noblesse de
provisões necessários para o processo de produção, e que as grandes propriedades la robe. Mas a prosperidade das colônias e dos enclaves exportadores teve impacto
açucareiras podiam suportar um nível mais elevado de taxação do que as pequenas. mais limitado sobre a economia da metrópole do que no caso da Grã-Bretanha, porque
Ele também insistiu que a taxa cobrada sobre o produto líquido deveria levar em não faziam parte de um sistema de trocas bem integrado e sem arestas. O comércio
conta o grau de investimento necessário para comprar os escravos e o equipamento colonial e atlântico da Grã-Bretanha e as regiões manufatureiras que o serviam cres-
indispensáveis para manter o empreendimento funcionando. Assim, ele calculou que ceram juntos e teriam impacto mais amplo. Isto não fica imediatamente visível se o
em propriedades com mais de quarenta e cinco escravos, o produto líquido de cada comércio com as colônias caribenhas não for inserido numa perspectiva mais ampla
nègre era de pelo menos 250 a 260 livres (pouco mais de £10). O proprietário preci- e se o foco estiver principalmente na importação.
saria gastar o equivalente a 100 livres por escravo para compensar a mortalidade. A parcela das colônias das índias Ocidentais na importação total da Grã-Bretanha
Mercier afirmava que a taxação não deveria ultrapassar um sétimo do produto lí- subiu de forma constante dos 17,9% no período de 1713 a 1717 para 27,6% entre
quido — um patamar que, segundo acreditava, se aproximava dos impostos cobra- 1798 e 1802, mas nunca chegou perto do nível da contribuição colonial para o total
das importações da França: 46% em 1789. As colônias das índias Ocidentais britâ- nial. A América do Norte inglesa desenvolveu no século XVIII um setor escravista
nicas eram mercados úteis, respondendo por 5% do total de exportações em 1713- cada vez mais versátil, como veremos no Capítulo XI. E na América do Norte, como
17, 7,1% em 1753-57 e 14,3% em 1798-1802.87 Mas estes números só abrangem em todo o hemisfério, a rivalidade anglo-francesa seria demonstrada numa varieda-
trocas diretas, e não revelam em que medida o sistema colonial britânico tinha um de de formas militares, diplomáticas e comerciais. O prêmio desta grande corrida
caráter integrado e multilateral. Assim, a demanda de escravos dos donos àz plantations era o domínio das trocas pelo Adântico e do comércio dasplantations. A experiência
incentivou a exportação de manufaturados britânicos para a África, enquanto a aqui- das Antilhas francesas durante e após a Guerra de Independência americana pare-
sição por eles de provisões na América do Norte elevou o poder de compra dos fa- ceu oferecer aos estrategistas franceses a oportunidade não só de empurrar as ilhas
zendeiros da Nova Inglaterra e do Adântico central. Da mesma forma, os gastos francesas mais para a frente das inglesas, como também de criar uma zona de co-
das índias Ocidentais com alimentos irlandeses, vinhos da Ilha da Madeira ou pei- mércio controlada pela França que pudesse derrotar o que restara do Império Bri-
xe seco da Terra Nova permitiram que esses diversos fornecedores comprassem tânico. Em 1778 foi assinado um tratado entre a França e a Confederação rebelde
mercadorias britânicas. que abrandava as restrições ainda existentes para o comércio entre as colônias fran-
As índias Ocidentais britânicas tinham um superávit nominal em suas trocas cesas e os norte-americanos.
com a metrópole mas um déficit no comércio com as colônias do Norte. O ganho
das colônias do Norte no comércio com as índias Ocidentais, por sua vez, permi-
tiu-lhes financiar o déficit nas trocas com a Grã-Brêtanha. A Tabela X.9 apresenta O brilho da sociedade crioula francesa
o padrão do comércio das índias Ocidentais britânicas com a América do Norte:
Juntamente com o envio de um exército francês, parte dele originário de São Do-
Tabela X . 9 Comércio das índias Ocidentais britânicas com a América do N o r t e
mingos e ali baseado, a nova aliança entre a França e a Confederação armou o cená-
M é d i a anual em milhares Exportação de
rio para uma explosão do comércio entre a América do Norte e o Caribe francês.
Importação de
d e libras esterlinas produtos agrícolas produtos agrícolas Com o fim da guerra, e mesmo ainda durante seu desenrolar, os donos àe. plantations
franceses conseguiram livre acesso aos suprimentos baratos de produtos vitais para
1699-1701 100,0 110,0 as plantations, como tonéis e aduelas de madeira, farinha de trigo e peixe seco, arroz
1726-30 139,S 190,0
1748-50 241,5 313,5
e carne-seca. Podiam também pagar estes suprimentos com a venda de melado,
1773-74 420,0 725,0 subproduto da fabricação de açúcar. A conseqüente explosão na produção das plantations
francesas, alimentada pela compra de escravos em grande escala, também fortale-
Fonte: Sheridan, Sugar and Slaves, p. 3 IS.
ceu o comércio colonial francês.
O progresso das plantations e do comércio de escravos resultou em exportações
Os donos ás. plantations das índias Ocidentais, fossem franceses ou ingleses, desco-
da França para a Guiné avaliadas em 17,5 milhões de livres por ano e exportações
briram que as provisões e suprimentos que podiam comprar da América do Norte
para as Antilhas no valor de 70,3 milhões de livres por ano entre 1784 e 1790. Em
eram excelente negócio, permitindo que economizassem no custo da manutenção
1789, 19% do total de exportações da França foram para as colônias; juntamente
dos escravos e adquirissem itens essenciais, como tonéis e barris de madeira neces-
com o comércio com a África, a parcela do comércio francês ligada às plantations era
sários para embalar sua produção. Os mercadores norte-americanos também de-
de quase um quarto do total. Graças, em parte, a restrições comerciais protecionis-
ram uma contribuição considerável para o andamento do comércio, nas Américas
tas, grande parte das exportações francesas para as colônias era de tecidos (37,6%
ou entre a América e a Europa e a África.
em 1788) ou de outros produtos manufaturados (23,6% em 1788). Ainda assim, os
Naturalmente, o crescimento exuberante da economia norte-americana, à qual donos de plantations francesas e os mercadores instalados nas Antilhas prefeririam
se vinculavam essas contribuições, iria incentivar um importante desafio colonial ver o comércio totalmente livre, mas o abrandamento do sistema colonial francês
aos governantes britânicos, numa ameaça à agradável simetria do sistema colo- em conseqüência do exclusifmitigé e a guerra americana deixaram-nos aparentemente
em boa posição. Por outro lado, a guerra americana e a vitória norte-americana au- acréscimos, sem dúvida, dos dialetos da costa africana. Embora o francês forne-
mentaram as despesas dos donos dzplantations britânicas, roubaram-lhes um mer- cesse boa parte do vocabulário, também continha termos caribenhos, portugueses,
cado importante e infligiram sofrimentos e baixas à população escrava, porque os holandeses, wolof e congoleses, alinhavados por uma estrutura gramatical origi-
proprietários e feitores reduziram suas rações. nal, com acentuadas características africanas. Embora até a época revolucionária
Em 1784 ocorreu em São Domingos a primeira subida de um balão nas Amé- não fosse escrito, o kréyole já era então uma língua completamente desenvolvida.
ricas, acontecimento este realizado com o estilo e o entusiasmo científico que se podia Em sua monumental descrição de São Domingos, publicada logo depois do le-
esperar nessa era do Iluminismo. No Caribe francês da década de 1780, a então vante revolucionário, Moreau de St-Méry chama a atenção tanto para o vodu quanto
chamada sociedade creole estava em pleno florescimento. Apesar da complicada dis- para o kréyole. O vodu ou vodum era bastante disseminado e, como foi observa-
tinção que era possível fazer entregrands blancs,petits blancs, os muitos tipos de mulâtres do anteriormente, às vezes patrocinado pelos proprietários mais esclarecidos. A
e mulâtresses e a grande massa de noirs, a sociedade colonial parece ter adquirido grande rebelião de escravos de agosto de 1791 parece ter sido planejada numa
dinamismo e caráter próprios e característicos. Visitantes da França ficavam imedia- cerimônia vodu. Canções populares, como os merengues, também floresciam no
tamente impressionados com as maneiras sociáveis e a crueldade indiferente desta final do período colonial; os hinos patrióticos dos jacobinos ganhariam versões
sociedade escravista. Ficavam espantados com as roupas informais e soltas usadas kréyoles com arranjo musical característico.88 Na década de 1780, oito cidades
por homens e mulheres livres que, juntamente com as bebidas refrescantes, pare- em São Domingos tinham seu próprio teatro, e no maior deles, em Le Cap, cabiam
ciam tão adequadas ao clima. O barão Wimpffen confessou ter ficado impressiona- 1.500 espectadores — brancos, mulatos e negros livres eram acomodados separaT
do e perturbado pelo langor e pela sensualidade das mulâtresses. O s filhos e filhas damente. A companhia teatral de Le Cap — Comédie du Cap — tinha doze ho-
dos grands blancs costumavam simpatizar com as idéias mais avançadas. Vários dos mens e oito mulheres. Port au Prince tinha sua própria orquestra de onze músicos.
grandes proprietários seguiram o conselho do Abbé Raynal, e permitiam que seus "As Bodas de Fígaro" estreou em São Domingos, em 1784, poucas semanas de-
escravos organizassem suas próprias diversões e festividades fora da época da co- pois da primeira apresentação em Paris. Havia três cabinets littéraires, ou clubes
lheita, com freqüentes temas africanos. de leitura, em Cap François, e dez editoras em toda a colônia. N o entanto, o jor-
A relativa escassez de brancos, mesmo em comparação com as ilhas britâni- nal semanal Affiches Américaines era uma publicação solene dedicada a boletins
cas, a imensa massa de africanos e negros e a numerosa elite de mulatos donos de oficiais, informações comerciais e anúncios pedindo notícias de escravos fugidos.
escravos davam à sociedade crioula do Caribe francês um caráter marcadamente Havia cerca de vinte lojas maçónicas. O Cercle des Philadelphes reunia os que se
afro-americano. O termo "creole" deriva do português crioulo, escravo nascido na dedicavam a aperfeiçoamentos científicos, e incluía entre os objetivos propostos
América, ou do espanhol criollo, que, pelo menos no século XVIII, costumava referir- melhorar o destino dos escravos "sem ferir os interesses dos colonos".89 E m 1784,
se a um americano de ascendência principalmente européia — como foi observa- uma máquina a vapor no estilo de Watt, construída pelos irmãos Perrier, foi ins-
do na Introdução, o criollo havia sido amamentado por uma criada, ou babá, índia talada na plantation Bertrand.
ou africana. Mesmo quando usado para designar aristocráticas mulheres bran- O sucesso da estrutura colonial francesa — tanto as fortunas que criou quanto
cas, o termo creole embutia a sugestão de um temperamento alimentado pela mis- seu papel como base avançada de apoio da expedição francesa à América do Norte
cigenação tropical. O tom da cultura da ilha francesa era dado, de fato, pela mistura — estimulou imensamente a confiança e as expectativas de proprietários e merca-
de diferentes povos africanos com gens de couleur e o número relativamente peque- dores, fazendo com que representantes das ilhas, de Bordéus e de Nantes tivessem
no de blancs nativos. Como na maioria das ilhas britânicas, as feiras dos escravos participação notável no drama de 1789. Este turbilhão revolucionário, p o r sua vez,
forneciam a maior parte da alimentação, e a cozinha creole já exibia um repertório daria espaço primeiro aos petits blancs, depois aos mulâtres e, finalmente, aos noirs.
original. Esta conseqüência notável extraiu seu ímpeto da dinâmica extraordinária da socie-
A linguagem do dia-a-dia dos residentes nativos, livres ou escravos, era a versão dade crioula mais brilhante das Américas.
local do patoá que hoje em dia é chamado de kréyole. A língua kréyole nasceu do
jargão observado por Du Tertre e outros padres franceses do século XVII — com