Indisciplina Na Escola PDF

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Título: Indisciplina na escola

Prefácio: Helena Damião


Autores: Dorothy L. Espelage, João A. Lopes
Tradução: Sara Nogueira
Revisão: Helder Guégués
Design e paginação: Guidesign
Colecção: Questões-chave da Educação
Edição: Fundação Francisco Manuel dos Santos
1.ª edição: Outubro de 2013
© Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2013
Impressão: Guide Artes Gráficas, Lda.

ISBN: 978-989-8662-34-7
Depósito Legal n.º: 365 613/13

fundação francisco manuel dos santos


Largo Monterroio Mascarenhas, n.º 1
1099-081 Lisboa
Telf: 21 00 15 800
[email protected]
INDISCIPLINA
NA ESCOLA
Dorothy L. Espelage
João A. Lopes
Prefácio de Helena Damião
7 PREFÁCIO
Helena Damião

15 PREVENIR A VIOLÊNCIA JUVENIL E O BULLYING


ATRAVÉS DE PROGRAMAS E DE MODELOS DE
PREVENÇÃO ESCOLAR SÓCIO-EMOCIONAIS
Dorothy L. Espelage

41 A INDISCIPLINA EM SALA DE AULA


João A. Lopes
PREFÁCIO
Helena Damião

«Se um aluno estiver lá numa carteira qualquer, levantando um braço, dis-


ser um disparate e o professor começar a ralhar com ele isso não dá resul-
tado. O professor […] deve chamar a atenção para o que devem fazer, o que
convém fazer.»
Rómulo de Carvalho, 1996, 3.

Compreende-se que o leitor, especialista ou leigo em matéria de


pedagogia, que contacte com este livro – Indisciplina na Escola – se
interrogue acerca do sentido de mais um título sobre uma temática
que desencadeou tantos outros. Terá, pois, de vislumbrar uma boa
razão para iniciar a sua leitura. Será que a encontra nas páginas que se
seguem? Estamos em crer que sim e explicamos porquê.
A indisciplina escolar, «tão antiga como a própria escola e tão ine-
vitável como ela» (Estrela, 1992, 11), tem polarizado a atenção de inúme-
ros investigadores ocidentais de várias áreas disciplinares – sociologia,
psicologia, educação –, os quais, sobretudo depois da segunda metade

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do século xx, vêm explorando uma multiplicidade de dimensões que
se suspeita potenciarem os comportamentos desajustados dos alunos,
nomeadamente os que se manifestam em sala de aula. Referimo-nos
a dimensões de natureza política, social, relacional e individuais, que
se prendem, por exemplo, com o ambiente escolar, familiar e de pares,
com a maturação e o temperamento.
O estudo dessas dimensões tem contemplado – sendo certo que
nem sempre o faz – a ligação dos referidos comportamentos à apren-
dizagem, mais concretamente, à perturbação que podem causar a este
nível: os alunos indisciplinados, além de não se regerem por regras
básicas que lhes permitam estar de modo adequado em contextos de
ensino formal, dificilmente seguem e consolidam raciocínios que con-
duzem às aquisições académicas; por seu lado, os alunos com um com-
portamento adequado sofrem este mesmo tipo de efeitos, com a agra-
vante de poderem tornar-se vítimas directas dos primeiros.
A direcção heurística que se destaca é, pois, em geral, no sentido
da implicação da (in)disciplina dos alunos – a causa – na sua apren-
dizagem – a consequência. Apesar de incontestavelmente válida, esta
direcção deixa na penumbra a que lhe é complementar e que tem vali-
dade equivalente: a implicação da aprendizagem – a causa – na (in)dis-
ciplina – a consequência.
Isto significa que têm sido menos escrutinadas as medidas que
certas escolas adoptam e o correspondente esforço dos seus profes-
sores para levarem os alunos, desde o início da escolaridade, a conhe-
cerem, compreenderem e integrarem regras de conduta, a domina-
rem conteúdos académicos relevantes e a desenvolverem capacidades
cognitivas que lhes permitam encarar as aprendizagens, progressiva-
mente mais exigentes, como desafios.

Helena Damião

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Esse enviesamento da investigação sobre os comportamentos inde-
sejados dos alunos, centrada na indisciplina, descuidando a disciplina,
não pode deixar de conduzir a percepção dos diversos agentes educati-
vos (a indisciplina vista como problema que impede o sucesso na apren-
dizagem e não como decorrente do insucesso da aprendizagem) e, em
sequência, as medidas que prevêem para lhes fazer face (essencialmente
de carácter remediativo, negligenciando as de carácter preventivo, com
destaque para a organização do ensino que, de uma forma intelectual-
mente estimulante, seja capaz de garantir a aprendizagem e a disciplina).
Ora, é neste equilíbrio entre a aprendizagem e a disciplina, cuja
manutenção se afigura, em grande medida, da responsabilidade das
escolas e dos professores, que urge laborar, sob pena de os comporta-
mentos inadequados dos alunos evoluírem para formas várias de vio-
lência, com resultados académicos devastadores.
O livro que a Fundação Francisco Manuel dos Santos agora publica
na colecção «Questões-chave da Educação», dando a conhecer a um
público alargado o essencial de uma conferência com o mesmo título,
foca precisamente a problemática que acabámos de enunciar. Nos dois
textos que o concretizam, o referido equilíbrio é aflorado e trabalhado
com recurso a dados de pesquisa actual.
O texto «Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Pro-
gramas e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais», da
lavra de Dorothy L. Espelage, professora da Universidade de Illinois,
incide nas manifestações agravadas da indisciplina, que podem assu-
mir diversas formas de violência, cujas implicações na aprendizagem
se fazem sentir desde cedo, tendo um efeito cumulativo. A autora des-
taca a necessidade de se recorrer a programas que envolvam famí-
lias, comunidades e escolas e se centrem no envolvimento académico
e no desenvolvimento de competências de teor social e emocional,

Prefácio

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capazes de beneficiar percepções, expectativas e desempenhos traduzi-
dos na empatia, na comunicação, na decisão, na resolução de problemas,
no esforço. Em sequência, apresenta e analisa vários programas dessa
índole, cujo índice de eficácia se tem revelado muito satisfatório, tanto
na prevenção como na redução dessas formas de violência, benefi-
ciando também as aprendizagens académicas dos alunos. Espelage
alerta, ainda, para um dado de suma importância, recorrente, aliás, em
estudos dignos de crédito: os efeitos da intervenção especializada são
tanto mais positivos, quanto mais precoce essa intervenção se fizer;
à medida que a adolescência avança, a sua eficácia dilui-se.
João A. Lopes, professor de Psicologia da Universidade do Minho,
no texto a que deu o título «A indisciplina em sala de aula», depois de
expor uma síntese muito didáctica da investigação mais relevante sobre
o assunto, discute a perspectiva que enunciámos, sem, no entanto, a
considerar exclusiva do problema:

«continua a não ser fácil para os agentes educativos acredita-


rem que uma causa tão próxima e até tão óbvia como o insucesso
académico possa ter alguma importância na configuração da
indisciplina […] consequências do insucesso académico do ponto
de vista disciplinar são ainda relevantes pelo seu carácter dura-
douro e mutuamente reforçador. À medida que o tempo passa, os
alunos com dificuldades académicas têm cada vez maiores proble-
mas em aceder ao currículo (por falta de bases), o que potencia os
maus comportamentos, os quais, por seu turno, inibem a centra-
ção nas tarefas académicas. Daqui resulta uma espiral negativa
da qual é muito difícil o sujeito libertar-se».

Helena Damião

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Finalmente, salienta que (1) «o ensino deve ser o melhor possível,
o que limitará o número de insucessos e (2) quando surgem as primeiras
dificuldades, a intervenção tem de ser imediata. Daqui resultará uma dimi-
nuição a prazo dos casos de insucesso e, por consequência, do número de
alunos potencialmente perturbadores do ambiente de sala de aula».
Estas conclusões, de grande razoabilidade, requerem um redi-
reccionamento das representações do papel da escola e, muito parti-
cularmente, da acção do professor, começando pela afirmação do seu
inalienável dever de ensinar, tal como, por exemplo, Savater (1997) e
Quintana Cabanas (2005) fazem notar.

Acresce sublinhar que ambos os textos veiculam uma mensagem


de consolidação da pedagogia como disciplina científica. Continuando
a abordagem de temas tão difíceis como o que ocupa as páginas que
se seguem, a depender de medidas políticas avulsas e de opiniões que
se querem fazer passar por esclarecidas, são os alunos que perdem no
que diz respeito à aprendizagem e os professores que se vêem impedi-
dos de ensinar como aspiraram. Isso deve fazer pensar todos aqueles
que, directa ou indirectamente, estão ligados ao sistema escolar, pois a
verdade é que se a indisciplina «produz efeitos negativos em relação à
socialização e aproveitamento escolar dos alunos, produz igualmente
efeitos negativos em relação aos docentes. Embora menos evidentes
e imediatos, esses efeitos não são menos nocivos» (Estrela, 1992, 97).

Prefácio

11
Bibliografia
Carvalho, R. (1996). Humanidades e ciências é tudo a mesma coisa. Público de 24 de
Novembro, 2-4.
Estrela, M. T. (1992). Relação pedagógica, disciplina e indisciplina na aula. Porto:
Porto Editora.
Savater, F. (1997). O valor de educar. Lisboa: Editorial Presença.
Quintana Cabanas, J. M. (2005). Crítica pedagógica de los sistemas educativos occi-
dentales. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 13 (46), 55-66.

Helena Damião

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PREVENIR A
VIOLÊNCIA JUVENIL
E O BULLYING
ATRAVÉS DE
PROGRAMAS
E DE MODELOS
DE PREVENÇÃO
ESCOLAR
SÓCIO-EMOCIONAIS

Dorothy L. Espelage
PREVENIR A VIOLÊNCIA
JUVENIL E O BULLYING ATRAVÉS
DE PROGRAMAS E DE MODELOS
DE PREVENÇÃO ESCOLAR
SÓCIO-EMOCIONAIS
Dorothy L. Espelage

Resumo

A agressividade juvenil, o bullying e a violência continuam a ser


um motivo de preocupação a nível global. Existem vários planos esco-
lares de intervenção e de prevenção que podem ser usados para reduzir
a violência juvenil, para promover comportamentos pró-sociais e para
melhorar o funcionamento das escolas. Um modelo comum, que é
praticado em escolas de todo o mundo, inclui vários programas foca-
dos no ensino/aprendizagem de competências sócio-emocionais. Os
programas/modelos de aprendizagem de competências sócio-emocio-
nais focam-se em factores de risco (por exemplo, revolta, impulsividade,
delinquência, consumo de álcool/drogas) e em factores promotores

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

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(por exemplo, empatia, capacidade de perceber diferentes perspectivas
e pontos de vista, resolução de problemas, competências de comunica-
ção), que têm sido associados à violência juvenil. Neste capítulo, serão
destacados alguns programas, solidamente baseados em evidências e
investigação, como é o caso do Steps to Respect e do Second Step (Com-
mittee for Children1, 2001, 2008), do PATHS (Kusche & Greenberg,
1994), e do KiVa (Salmivalli et al., 2009a). A Intervenção e Apoio do
Comportamento Positivo (PBIS; Sugai & Horner, 2002) é um exemplo
de como uma abordagem que se centra em competências de aprendi-
zagem social e emocional pode complementar e expandir o objectivo
das escolas em promover normas para um comportamento positivo.

Palavras-Chave: Agressividade Juvenil, Bullying, Aprendizagem


Sócio-Emocional, Prevenção, Escolas

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através


de Programas de Prevenção Escolares.

Programas e Modelos

A violência escolar é uma forma de violência juvenil e um pro-


blema geral de saúde pública (Centers for Disease Control2, 2010).
A violência juvenil – que é praticada entre os 10 e os 24 anos de idade
– define-se pelo uso intencional de força física ou de poder coercivo
contra outra pessoa ou grupo de pessoas, com fortes probabilidades
de esse comportamento resultar em danos físicos ou psicológicos

1  Nota do tradutor: Comité para as Crianças.


2  Nota do tradutor: Centro para Controlo de Doenças.

Dorothy L. Espelage

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(Centers for Disease Control3, 2010). A violência juvenil pode manifes-
tar-se através de agressão verbal, de agressão física, de ameaças e de
comportamentos intimidadores que geralmente acarretam consequên-
cias académicas e psicológicas adversas, a curto ou a longo prazo, quer
para os agressores quer para as vítimas. O bullying é um subtipo de
comportamento agressivo que ocorre entre estudantes com poderes
desiguais e que se vai repetindo (Espelage, 2012).

Abordagens Escolares Sócio-Emocionais para a Prevenção


da Violência

Apesar dos custos individuais e sociais que a agressividade juvenil,


suas implicações e questões associadas acarretam, a eficácia dos pro-
gramas de prevenção da violência e do bullying nas escolas tem variado
de país para país e de contexto para contexto (Espelage, 2012; Ttofi &
Farrington, 2011). Ultimamente, o número de programas destinados
à intervenção e prevenção do bullying tem vindo a aumentar; contudo,
a  sua eficácia varia substancialmente em diferentes contextos e os
efeitos produzidos são, não raras vezes, modestos (Ttofi & Farrington,
2011) ou inconsistentes (Pearce et al., 2011). Duas meta-análises concluí-
ram que os resultados da aplicação destes programas eram nulos ou
demasiado insignificantes para poderem ser considerados proveitosos
(Merrell et al., 2008; Smith et al., 2004). Uma terceira análise con-
cluiu que os programas reduziam efectivamente as práticas de bullying
noutros países que não os Estados Unidos, porém, o impacto que
tiveram nos Estados Unidos foi significativamente menos expressivo
(Ttofi & Farrington, 2011). Os programas que demonstram melhores
resultados na redução das práticas de bullying são aqueles que utilizam,

3  Nota do tradutor: Idem.

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

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consistentemente, o tempo de aula não só para discutir o fenómeno
do bullying e aperfeiçoar comportamentos disciplinares, mas também
para promover trabalho de grupo e de cooperação entre os alunos. Nes-
tas abordagens são também criadas oportunidades para que os alunos
aprendam e ponham em prática competências sociais e emocionais
que os ajudam a gerir conflitos e a prevenir a agressão (por exemplo,
Ttofi & Farrington, 2011).
Os programas escolares de prevenção da violência que se centram
na aprendizagem de competências sociais e emocionais, que lidam
com questões de conflito interpessoal e que ensinam estratégias de
gestão emocional, têm sido comprovadamente um grande êxito na
redução da violência juvenil e dos comportamentos abusivos na sala de
aula (Wilson & Lipsey, 2007). Muitos destes programas de intervenção
ao nível sócio-emocional e sociocognitivo centram-se em factores de
risco e em factores promotores que são continuadamente associados à
agressividade, ao bullying e à violência, por estudos transversais e longi-
tudinais (Basile et al., 2009; Espelage et al., 2011; Espelage et al., 2003).
Alguns destes factores são, por exemplo, a revolta, a empatia, a preo-
cupação empática, o respeito pela diversidade, atitudes que incitam à
violência, gestão do stress, intenção de intervir em auxílio dos outros,
competências comunicativas e capacidade de resolução de problemas.
Em geral, a aprendizagem de competências sociais e emocionais
(SEL4) implica «o desenvolvimento sistemático de um conjunto base de
competências sociais e emocionais que ajuda as crianças a lidar mais
eficazmente com os desafios do dia-a-dia e a prosperar quer no con-
texto académico, quer na vida real» (Ragozzino & Utne O’Brien, 2009).
Os  programas SEL, baseados em investigação, podem fornecer às

4  Nota do tradutor: No original, Social-Emotional Learning.

Dorothy L. Espelage

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escolas, aos programas extracurriculares e aos centros comunitários de
juventude estratégias para a aquisição de competências e para a promo-
ção de comportamentos positivos, individuais ou de grupo, que podem
contribuir para a prevenção de práticas de bullying. Embora neste capí-
tulo se dê ênfase a programas SEL aplicados em escolas, estes progra-
mas ou modelos também estão a ser desenvolvidos e postos em prática
em contextos extra-escolares (informações mais pormenorizadas em:
www.casel.org).
A perspectiva da aprendizagem de competências sociais e emo-
cionais surgiu para enfrentar vários problemas sentidos nas escolas.
A  aprendizagem de competências sociais e emocionais como para-
digma resultou da influência de vários movimentos centrados na resi-
liência e no ensino de competências sociais e emocionais a crianças e
adolescentes (Elias et al., 1997). Os programas SEL utilizam o ensino
de competências sociais para lidar com problemas comportamentais,
académicos, disciplinares e de segurança, ajudando os jovens a tor-
narem-se mais autoconscientes, a gerir as suas emoções e a adquirir
competências sociais como empatia, capacidade de perceber diferentes
perspectivas e pontos de vista, respeito pela diversidade, capacidade
para criar amizades e capacidade para tomar decisões acertadas (Zins
et al., 2004). De acordo com um estudo realizado recentemente a mais
de 213 programas SEL, concluiu-se que uma escola que aplique com
êxito um currículo de qualidade de aprendizagem de competências
sócio-emocionais (SEL) pode esperar melhorias comportamentais por
parte dos alunos bem como um aumento de 11 percentis nos resulta-
dos dos testes (Durlak et al., 2011). As escolas optam por pôr em prá-
tica estes programas nos seus currículos por reconhecerem os ganhos
que representam no rendimento escolar e dos comportamentos pró-
-sociais. Os estudantes que desenvolvem actividades de aprendizagem

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

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sócio-emocional sentem-se mais seguros e mais ligados à escola e à
vida académica; e os programas SEL ajudam a criar hábitos de trabalho
– além de trabalharem as competências sociais – e fortalecem as rela-
ções entre alunos e professores (Zins et al., 2004).
Não é de admirar que as abordagens à prevenção, dentro do
paradigma SEL, devolvam resultados positivos, reduzindo significati-
vamente os comportamentos problemáticos, o que se deve ao longo
historial de desenvolvimento destes programas. A aprendizagem de
competências sócio-emocionais é um paradigma introduzido em 1994,
a partir de um encontro realizado entre investigadores, professores e
defensores dos direitos das crianças que estavam preocupados com o
facto de a prevenção e de a promoção da saúde não estarem a produ-
zir quaisquer efeitos até então (Elias et al., 1997). Estes profissionais
reuniram esforços no sentido de encontrar uma forma de reforçar o
desenvolvimento positivo da juventude, de promover a aquisição de
competências sociais e de inteligência emocional, para desenvolver
uma educação eficaz sobre as drogas, para prevenir a violência, para
promover a saúde e a educação do carácter, para os alunos aprenderem
enquanto prestam serviço à comunidade, para promover a educação
cívica, reformas escolares, e parcerias entre escola, família e comuni-
dade. Estes profissionais acreditaram que – ao contrário dos vários pro-
gramas de prevenção que apenas abordavam um problema específico
– uma programação orientada para a aprendizagem de competências
sociais e emocionais poderia lidar com as causas subjacentes aos pro-
blemas comportamentais, ao mesmo tempo que estimularia o sucesso
escolar. Assim, as abordagens e os programas SEL baseiam-se em
várias teorias, já bem estabelecidas, que incluem teorias de inteligên-
cia emocional e de promoção de competências sociais e emocionais, o
modelo de desenvolvimento social, e o tratamento de dados sociais ou

Dorothy L. Espelage

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modelos de autogestão. Além destas, o modelo SEL também se baseia
em teorias de mudança do comportamento e em teorias da aprendiza-
gem como o modelo de crenças em saúde, a teoria da acção racional, a
teoria dos problemas comportamentais, e a teoria social cognitiva (por
exemplo, Greenberg et al., 2003; Hawkins et al., 2004).
O Projecto de Colaboração para Aprendizagem Académica, Social
e Emocional5 (CASEL) também nasceu deste encontro com o propósito
de aplicar programas SEL de alta qualidade, baseados em evidências,
desde o ensino pré-escolar até ao ensino secundário. (Collaborative
for Academic, Social, & Emotional Learning, 2005; www.casel.org). Os
programas escolares SEL, criados com vista à prevenção da violência
escolar, como, por exemplo, o bullying, assentam na crença de que as
competências académicas estão intrinsecamente relacionadas com a
capacidade que as crianças têm de gerir e de controlar as suas emoções,
bem como de comunicar e de resolver dificuldades e conflitos inter-
pessoais (Durlak et al., 2011). O paradigma SEL contempla cinco áreas
de competências que estão interligadas: o autoconhecimento, a cons-
ciência social, a autogestão e organização, a resolução de problemas de
forma responsável e a gestão de relacionamentos. Em cada uma destas
áreas existem competências específicas – fundamentadas pela inves-
tigação e pela experiência prática tal como requer um funcionamento
sócio-emocional que se quer eficaz – nomeadamente, competências de
reconhecimento emocional, de gestão do stress, de empatia, de resolu-
ção de problemas e de tomada de decisões (Elias et al., 1997). A apren-
dizagem auto-regulada também é abordada, de forma directa ou indi-
recta, nestes programas. Conforme os alunos se tornam capazes de

5  Nota do tradutor: No original, Collaborative for Academic, Social,


and Emotional Learning.

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

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controlar os seus sentimentos, pensamentos e atitudes, sobretudo
quando expostos a maiores exigências emocionais (i.e., de complexi-
dade cognitiva), o seu sucesso escolar aumenta. Além disso, os exer-
cícios e as oportunidades para praticar estas competências diferem a
nível de complexidade cognitiva e emocional ao longo do programa,
para garantir que os alunos as adquirem de forma sustentável.
Em suma, as abordagens à prevenção de acordo com o modelo de
aprendizagem sócio-emocional são promissoras no que diz respeito à
redução da agressividade e à promoção de condutas pró-sociais (Brown
et al., 2011; Espelage et al., 2013; Frey et al., 2005). Este êxito deve-se, em
grande parte, ao facto de os programas escolares SEL se fundamenta-
rem, parcialmente, no paradigma da ciência preventiva. Em primeiro
lugar, estes programas surgem a partir da literatura científica sobre
as bases etiológicas da agressão, do bullying, da violência escolar e de
outros comportamentos problemáticos entre crianças e adolescentes
(Merrell, 2010). Em segundo lugar, os factores de risco (por exemplo,
revolta, controlo de impulsividade) e os factores preventivos ou promo-
tores da disciplina (por exemplo, empatia, competências comunicati-
vas) são identificados a partir da literatura etiológica e são abordados
através do ensino directo de competências e da criação de oportunida-
des para serem postas em prática em diferentes contextos. Em terceiro
lugar, relativamente à intervenção a favor das vítimas por parte dos
espectadores6, estes programas incluem discussões e conteúdos acerca
das dificuldades e desafios (por exemplo, o medo de se tornarem alvos
ou de perder amigos) encontrados pelos jovens quando tentam intervir
em defesa de vítimas de agressão. Vários ensaios clínicos aleatórios

6  Observadores presentes nos fenómenos de violência e bullying que


não oferecem ajuda à vítima.

Dorothy L. Espelage

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(RCT7) cumpriram os critérios rigorosos de avaliação dos efeitos destas
intervenções (Brown et al., 2011; Espelage et al., 2013), o que também é
característico da ciência preventiva. Os ensaios clínicos aleatórios rela-
tivos aos programas SEL consideraram a implementação um dos fac-
tores mais significativos na redução de comportamentos agressivos e
no aumento de comportamentos pró-sociais. Mas, consoante surgem
avanços nesta área, é essencial que se centrem, de forma consciente, os
aspectos da sua aplicação, disseminação e sustentabilidade, para que
se possa compreender na íntegra o impacto que a ciência preventiva
tem nos programas SEL. Uma vez que as escolas são cada vez mais
pressionadas para abordar, em tempo de aula, questões psicossociais
ao mesmo tempo que estimulam a motivação dos alunos, os progra-
mas SEL – orientados para a prevenção da vitimização e para questões
associadas (como, por exemplo, a rejeição social) – deveriam ser avalia-
dos com rigor para constituírem fortes argumentos perante professo-
res e dirigentes escolares enquanto recurso capaz de trazer benefícios
visíveis. De seguida serão realçados vários programas escolares que já
deram provas de grande eficácia. Estes são apenas alguns exemplos de
programas e de tipos de abordagem que estão disponíveis para escolas
e para comunidades (mais informação sobre a programação SEL em
www.casel.org).

Programas escolares SEL Baseados nas Evidências

Steps to Respect: Um Programa de Prevenção do Bullying

O Steps to Respect é um programa de prevenção de bullying con-


cebido para ajudar os estudantes a criar relações de entreajuda entre

7  Nota do tradutor: No original, randomized clinical trials.

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

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si (Committee for Children, 2001). O programa Steps to Respect pro-
move uma abordagem integral à prevenção do bullying, desde o ensino
primário até ao ensino secundário, considerando os vários factores em
quatro níveis distintos: a nível individual (do aluno), a nível dos alunos
enquanto grupo (grupo de pares), a nível dos funcionários da escola e
a nível familiar. Os criadores deste programa acreditam que intervir
em todos estes níveis é a forma mais eficaz de reduzir as práticas de
bullying nas escolas. Alguns dados empíricos demonstraram ter havido
uma diminuição de bullying nos recintos das escolas, da aceitação de
comportamentos de bullying e de atitudes argumentativas. Estes dados
revelaram também um aumento de interacções aprazíveis e de per-
cepção positiva da responsividade dos adultos, por comparação a esco-
las de controlo (Frey et al., 2005). Mais recentemente, mostraram tam-
bém uma redução nas agressões (as que podem ser observadas) e no
incentivo ao bullying por parte de espectadores, bem como índices mais
elevados de competências sociais de grupo por parte dos professores.
O êxito da aplicação do programa Steps to Respect depende muito de
adultos que possam dar formação específica com base num currículo,
e que dêem ênfase a essas aulas ao longo de todo o ano lectivo. O pro-
grama de prevenção Steps to Respect é particularmente reconhecido
pela sustentação consolidada de dados empíricos.
As principais estratégias para a prevenção do bullying abordam fac-
tores de risco numa perspectiva sistémica que procura alcançar o maior
número possível de alunos. Saber que as principais medidas de inter-
venção têm potencial para alcançar aproximadamente 80 por cento dos
alunos de uma escola torna-se um factor de encorajamento para que
dirigentes escolares e profissionais do ensino invistam tempo e envi-
dem esforços para uma aplicação sistémica destas medidas. Por exem-
plo, o primeiro componente do programa Steps to Respect é a formação

Dorothy L. Espelage

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de pessoal, que inclui «todos os adultos» que trabalhem num determi-
nado edifício escolar, e que enfatiza que as sessões devem incluir os
condutores de autocarros escolares, orientadores, recepcionistas, pes-
soal de enfermagem, voluntários, pessoal administrativo, professores,
assistentes e quaisquer adultos que possam estar envolvidos nas activi-
dades diárias da escola. As sessões de formação baseiam-se num currí-
culo específico que informa sobre o programa Steps to Respect e sobre
o bullying e que forma as pessoas para receberem queixas de bullying
por parte de alunos. O pessoal administrativo, os professores ou os
orientadores que trabalhem directamente com alunos que sejam víti-
mas de bullying ou que estão a praticá-lo recebem formação adicional.
O currículo do Steps to Respect inclui aulas que se destinam a
melhorar as competências sócio-emocionais dos alunos e a promover
valores sociais positivos. O programa centra-se, especificamente, em
três competências gerais: primeiro, os alunos desenvolvem o senti-
mento de empatia e aprendem a ter a capacidade de perceber diferen-
tes perspectivas e pontos de vista, tal como a gerir as suas emoções. Em
segundo lugar, as competências académicas também são estimuladas
através da introdução de temas sobre a amizade ou o bullying nas uni-
dades de literatura, como a expressão oral, exercícios de escrita, compo-
sição e raciocínio analítico. E, em terceiro lugar, o currículo trabalha os
valores sociais dos alunos encorajando o sentido de justiça, procurando
incutir a vontade de procurar amizades que sejam gratificantes. Tal
como demonstrado por Fery et al. (2005) houve uma redução, em 25
por cento, no número de incidentes de bullying nos recintos escolares,
comparativamente a grupos de controlo, e uma redução no número de
espectadores que encorajam o bullying. Além disso, os efeitos do Steps
to Respect tornaram-se ainda mais evidentes entre os estudantes que
mais faziam bullying, observável, antes da aplicação do programa. Os

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

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resultados de outro estudo indicaram haver menos agressão, observá-
vel, a todas as crianças que eram vitimizadas antes e um comporta-
mento menos destrutivo por parte dos espectadores que costumavam
incentivar o bullying (Hirschstein et al., 2007). Numa avaliação mais
recente do Steps to Respect, um estudo clínico aleatório, realizado em
33 escolas na Califórnia, indicou que a participação num programa de
prevenção de bullying resultava na melhoria das competências sociais,
na redução dos comportamentos agressivos e na redução do número
de espectadores que assistem a incidentes de bullying, entre crianças
do 3.º ao 6.º ano (Brown et al., 2011).

Second Step: Sucesso Escolar através da Prevenção (SSTP8).

O Second Step: Sucesso Escolar Através da Prevenção (Commit-


tee for Children, 2008) é a versão adaptada para o 2.º e o 3.º ciclos
do currículo do Second Step para as escolas com alunos até ao 8.º ano.
O Second Step é um programa de aprendizagem sócio-emocional que
também se foca na prevenção do bullying, do assédio sexual, do bullying
em relações de namoro e do abuso de substâncias. Em 2008, o currí-
culo do programa Second Step, entre o 6.º e 8.º anos, foi adaptado com
vista a abranger questões como o assédio sexual, o bullying em relações
de namoro e a prevenção do abuso de substâncias. O único estudo
aleatório de controlo da versão adaptada deste currículo, que foi reali-
zado durante o seu terceiro e último ano de avaliação, em 26 escolas
multiétnicas de 2.º e 3.º ciclos, no Illinois e no Kansas, incluiu cerca de
3600 alunos. Os participantes foram alunos que tinham completado
recentemente o 8.º ano (o último do ciclo que vai do 6.º ao 8.º anos) e
a última recolha de dados ainda está a ser feita; os alunos vão transitar

8  Nota do tradutor: No original, Student Success Through Prevention (SSTP).

Dorothy L. Espelage

26
para o ensino secundário no Outono de 2013. Os resultados iniciais
indicaram que os alunos deste grupo de intervenção, por comparação
a grupos de controlo, tinham menos 42 por cento de probabilidade de
comunicar queixas de agressões físicas após o primeiro ano de aplica-
ção do programa, com um plano de 15 semanas, no currículo do 6.º ano
(Espelage et al., 2013).

Promover Estratégias de Pensamento Lateral (PATHS9)

O programa PATHS (Promover Estratégias de Pensamento Late-


ral; Kusche & Greenberg, 1994), concebido para crianças desde o ensino
pré-escolar até ao 6.º ano, foi considerado um modelo base pelo Depar-
tamento de Justiça Juvenil e Prevenção da Delinquência (OJJDP10).
Baseando-se no modelo da prevenção universal, o PATHS foi criado
para poder ser integrado nos currículos preexistentes. Os  objectivos
deste programa são o reforço de competências sociais e emocionais
e a redução do número de incidentes de agressão. Alguns dos compo-
nentes do programa destinam-se aos pais, mas a maior parte deles são
desenvolvidos na sala de aula pelos professores que receberam forma-
ção de uma equipa de especialistas no projecto PATHS. Vários estu-
dos aleatórios de controlo do PATHS devolveram resultados positivos,
como, por exemplo, a redução do recurso à agressividade quando da
resolução de problemas ou o aumento de comportamentos pró-sociais
(Greenberg et al., 1998; Greenberg et al., 2003).

9  Nota do tradutor: No original, Promoting Alternative Thinking Strategies.


10  Nota do tradutor: No original, Office of Juvenile Justice and
Delinquency Prevention.

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

27
KiVa – Programa Nacional Anti-bullying na Finlândia

O programa KiVa, desenvolvido na Finlândia para alunos do


ensino básico até ao ensino secundário, é um programa escolar univer-
sal que enfrenta o bullying em contexto escolar através do trabalho em
parceria entre professores, pais, familiares, dirigentes comunitários e
alunos. A formação dos professores, as aulas para os alunos e as plata-
formas virtuais de aprendizagem são aspectos cruciais deste programa
multivertentes (Salmivalli et al., 2009a, 2009b). Na sala de aula, os
professores utilizam um manual que é complementado por um jogo
de computador anti-bullying, para os alunos da escola primária, e por
um fórum na Internet, o «KiVa Street», para os alunos do secundá-
rio. No fórum «KiVa Street», os alunos têm acesso a informação sobre
bullying e podem assistir a um pequeno filme sobre o tema. Ambos os
recursos foram concebidos para incentivar os alunos a aplicarem os
seus conhecimentos. Dados iniciais sobre este programa indicam ter
havido uma redução significativa no número de queixas de bullying, e
de relatos individuais ou de grupos de alunos sobre agressão – entre
alunos do 4.º ao 6.º anos (Kärnä et al., 2011) – bem como um aumento
de empatia e de condutas anti-bullying.

Abordagem à Prevenção em contexto Escolar, em três níveis11

Relativamente a uma primeira intervenção de prevenção no


âmbito escolar, os programas SEL são frequentemente executados de
acordo com um modelo mais abrangente «de base» ou «com foco no
comportamento». Esse modelo divide-se em três níveis diferentes que

11  Nota do tradutor: No original, Three-tier Approach to School-based


Prevention.

Dorothy L. Espelage

28
abrangem a componente académica, comportamental e social (Walker
& Shinn, 2002). Nesta abordagem, em três níveis, as estratégias de pre-
venção de primeiro nível (por vezes com base em programas univer-
sais, no ensino de competências e em competências de gestão de stress
como os programas SEL) abrangem 80 por cento dos alunos perten-
centes a uma população escolar que não apresenta graves problemas
comportamentais. As estratégias de intervenção de segundo nível, tais
como programas de orientação, centram-se em cerca de 5 a 15 por cento
dos alunos de uma escola em que haja predisposição para problemas
comportamentais. As estratégias de intervenção de terceiro nível (por
exemplo, serviços associados) são dirigidas a cerca de 1 a 7 por cento,
numa população escolar que apresente problemas de comportamento
graves e muito graves.

Intervenção e Apoio ao Comportamento Positivo (PBIS12)

O PBIS é um paradigma que tem prevalecido em escolas a nível


internacional e que está a ser presentemente avaliado em mais de
9000 escolas, em 40 Estados dos EUA. Recentemente incluiu várias
aulas relacionadas com o bullying no seu currículo. O PIBS surgiu da
autorização renovada de 1997 da Lei da Educação para Pessoas com
Deficiência (IDEA13) e resultou no Centro Nacional de Intervenção e
Apoio de Comportamento Positivo14 criado na Universidade de Oregon.
O modelo PBIS é utilizado em intercâmbio com o modelo de Apoio

12  Nota do tradutor: No original, Positive Behavior Intervention & Supports.


13  Nota do tradutor: No original, Individuals with Disabilities Education Act.
14  Nota do tradutor: No original, National Center on Positive Behavioral
Interventions and Supports.

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

29
de Comportamento Positivo para as Escolas (SWPBS15) e baseia-se em
princípios de análise comportamental e no modelo de prevenção e
apoio ao comportamento positivo (Lewis & Sugai, 1999; Sugai et al.,
2000; Sugai & Horner, 2002).
O PBIS oferece três níveis, ou escalões, de intervenção, o primá-
rio, o secundário e o terciário (Sugai & Horner, 2002). Um princípio
básico da abordagem do PIBS é identificar em qual dos três escalões se
inserem os alunos, com base no risco de apresentar problemas de com-
portamento. Os modelos de intervenção são idealizados especialmente
para cada um destes escalões tendo como objectivo a redução do risco
de insucesso escolar ou de insucesso social. As principais estratégias
de prevenção incluem práticas educativas eficazes, currículos suporta-
dos por evidências e instruções explícitas e directas sobre as condutas
adequadas a ter na escola. Outras estratégias destinam-se a criar con-
dições para reforçar a boa conduta comportamental, em que os alu-
nos, ao primeiro sinal de comportamento impróprio, são corrigidos
por todos adultos na escola de forma consistente.
Para que a principal componente de prevenção desta abordagem
seja bem sucedida, os professores e funcionários têm de definir muito
bem as normas de comportamento (por exemplo, respeito, responsabi-
lidade e empenho) e facultar exemplos ilustrativos nos principais espa-
ços da escola (por exemplo, salas de aula, corredores, cantina e recreios;
Sugai & Horner, 2002). Idealmente estas normas deveriam ser criadas
em parceria com os pais, para que sejam culturalmente bem aceites e
perfeitamente compreendidas por todos os intervenientes. Este con-
junto de normas é posteriormente transmitido a todos os alunos e fun-
cionários, dando a todos os alunos a possibilidade de as praticarem e

15  Nota do tradutor: No original, School-wide Positive Behavior Supports.

Dorothy L. Espelage

30
de serem recompensados quando vão ao encontro destas expectativas.
Quando um aluno ou aluna demonstrar ter respeitado determinada
norma de conduta, um dos adultos irá, intermitentemente, recompen-
sar o aluno ou aluna entregando-lhe um cartão de apoio ao comporta-
mento positivo e elogiar o aluno(a) pelo seu bom comportamento. Os
alunos podem depositar os cartões PBS que recebem em caixas estrate-
gicamente colocadas pela escola (por exemplo, salas de aula, biblioteca,
corredores) e com estes cartões poderão ter acesso a outras actividades
escolares que sejam estimulantes para eles (Sugai & Horner, 2002).
Além destes componentes mais pró-activos, as escolas também
têm de ter planos bem definidos para dar resposta às situações em
que os alunos violam as normas de comportamento. Mais concreta-
mente, os docentes e os funcionários têm de definir e de pôr em prática
penalizações para os alunos que cometam infracções, de maior ou de
menor grau de gravidade. As penalizações que forem definidas devem
ser razoáveis, exequíveis e proporcionais. Os professores devem aplicar
os castigos – que devem ser adequados à magnitude da infracção – de
forma natural, sem por isso ter de interromper as actividades na sala de
aula. As infracções de maior e de menor gravidade devem ser bem deli-
neadas e operacionalmente definidas, para que todas as partes envolvi-
das saibam exactamente quais os tipos de infracção que existem e qual a
sua gravidade. Depois disso, os professores e funcionários da escola têm
de explicar de forma clara quais os vários procedimentos que serão apli-
cados para cada uma das infracções. A chave para o êxito deste modelo
é a consistência – é garantir que as consequências dos bons e dos maus
actos sejam aplicadas uniformemente (Sugai & Horner, 2002).
Várias avaliações do paradigma PBIS (Intervenção e Apoio do Com-
portamento Positivo) em escolas primárias demonstraram que uma
correcta aplicação deste modelo resulta numa redução significativa no

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

31
número de processos disciplinares e de suspensões (Bradshaw et al.,
2010; Horner et al., 2009), bem como na frequência de relatos dos pro-
fessores acerca de problemas de comportamento, de bullying, de amea-
ças de maus tratos e de discriminação entre alunos na sala de aula.

Conclusões

A violência juvenil continua a ser um motivo de preocupação a


nível mundial. Prevenir a violência juvenil vai requerer intervenção a
todos os níveis sócio-ecológicos, e passará pelo trabalho em parceria
entre as famílias, comunidades e escolas. As intervenções a nível esco-
lar são cada vez mais difíceis de pôr em prática e de avaliar devido
à ênfase que é dada aos resultados dos testes (à avaliação sumativa).
Como tal, é imperativo que se desenvolvam programas/planos escola-
res que previnam e que reduzam a violência juvenil ao mesmo tempo
que promovem a motivação dos alunos, levando-os a conseguir um
maior sucesso escolar pela obtenção de melhores notas e de melho-
res resultados nos testes estandardizados. Para esse efeito, os planos
de aprendizagem sócio-emocional (SEL) oferecem às escolas a possi-
bilidade de minimizar os factores de risco associados à agressão, ao
bullying e a outras formas de violência ao mesmo tempo que maximi-
zam os factores promotores que conduzem a comportamentos mais
afectivos e pró-sociais, e que aumentam o sucesso escolar.
Cumpre salientar que a maior parte dos programas incluídos
neste balanço produziu resultados positivos, em amostras, reduzindo
a agressão, o bullying e a vitimização em alunos do ensino básico, con-
tudo, investigações recentes indicam que o impacto destes programas
entre adolescentes mais velhos é quase insignificante (Yeager et al., no
prelo). Yeager et al. alertam para os desafios de aplicar programas que

Dorothy L. Espelage

32
foram desenvolvidos para crianças, pré-adolescentes e adolescentes a
adolescentes mais velhos, sem que primeiro se pense mais profunda-
mente sobre a forma como as mensagens de prevenção de violência
são entendidas por pré-adultos. Além de se dever procurar perceber a
viabilidade da aplicação destes programas entre vários grupos etários,
é ainda mais importante que se perceba como executá-los eficazmente
em diferentes contextos e culturas. Por fim, os programas só poderão
ser eficazes caso sejam postos em prática de forma credível. É neces-
sário que se realize mais investigação para se procurar perceber qual
a melhor forma de promover uma aplicação íntegra e sustentável des-
tes programas.

Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

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Prevenir a Violência Juvenil e o Bullying através de Programas


e de Modelos de Prevenção Escolar Sócio-Emocionais

37
Dorothy L. Espelage é professora na Universidade de Illinois,
Champaign e tem feito investigação na área do bullying,
provocações homofóbicas, assédio sexual e violência no
namoro desde há duas décadas. Publicou mais de 120 obras
de investigação. É investigadora principal em dois programas
financiados pelo CDC para prevenir a violência em 50 escolas
básicas. A National Science Fundation financia o seu trabalho
para desenvolver métodos de observação para avaliar o bullying
entre adolescentes. O estudo longitudinal e da rede social
associado a este comportamento é financiado pelo Instituto
Nacional de Justiça (NIJ) e pelo Instituto Nacional de Saúde
(NIH).

Dorothy L. Espelage

38
A INDISCIPLINA
EM SALA DE AULA

João A. Lopes
A INDISCIPLINA EM SALA DE AULA
João A. Lopes

Introdução

A indisciplina nas escolas e, em particular, nas salas de aula, cons-


titui uma questão complexa que não se reduz a um problema téc-
nico e/ou científico. Na verdade, dado que a disciplina/indisciplina se
estrutura em torno da organização do poder num determinado espaço
público, constitui antes de mais um problema político e educacional
de relevo. Independentemente da ideia genérica de que é necessário
um determinado grau de disciplina para alcançar os objectivos que a
escola se propõe como instituição, quer os objectivos, quer o grau de
conformidade exigido aos alunos, quer a forma de articular os objecti-
vos com o grau de conformidade, estão sujeitos a interpretações políti-
cas e ideológicas que perpassam (e dividem) todas as sociedades. Estas
diferentes interpretações estão presentes de modo muito claro na divi-
são clássica entre formas de gestão de salas de aulas (ou de escolas) em
que o poder está mais centrado no professor (teacher-centered perspecti-
ves) versus salas de aula em que o poder é partilhado com os alunos (stu-
dent-centered perspectives) (Ding, Li, Li, & Kulm, 2010; Evrim, Gökçe, &

A indisciplina em sala de aula

41
Enisa, 2009; Lau et al., 2006; Lewis, Romi, Qui, & Katz, 2005; Mulla-
rkey, Recchia, Lee, Shin, & Lee, 2005; Pšunder, 2005). Por outro lado, a
cultura parece exercer uma influência significativa na forma como são
percebidas e concebidas as relações entre adultos e crianças e, no caso
das escolas, entre alunos e professores (Biggs, 1998; Hofstede, 2001).
Genericamente a indisciplina pode ser definida como o comporta-
mento ou comportamentos que colidem com o vector primário da aula,
que é o ensino, e que o professor tenta usualmente corrigir através das
suas acções (Doyle, 1985, 1986). A indisciplina constitui pois uma que-
bra das acções de gestão que o professor implementou previamente e
que tinham como objectivo permitir a aprendizagem dos alunos. Estas
acções prévias constituem processos de organização e gestão de sala de
aula e dizem respeito à ordem na sala de aula (normas, procedimen-
tos, etc.); a disciplina, por seu turno, refere-se às acções que o professor
desencadeia no sentido de pôr termo à indisciplina e de repor a ordem.
Note-se, contudo, que, embora os alunos sejam de longe a mais fre-
quente fonte de indisciplina, não são a única, podendo esta ter origem
no próprio professor ou em elementos estranhos à aula (e.g., funcioná-
rios, administradores) (Doyle, 1980; Good & Brophy, 2000).
A percepção de que a indisciplina nas escolas portuguesas é extre-
mamente grave ou até incontrolável pode ser exagerada, o que se deve
em parte ao efeito de amplificação dos órgãos de comunicação social,
bem como à atracção desta por acontecimentos mórbidos e raros.
Ainda que seja inegável o enorme desgaste a que estão sujeitos muitos
professores, e em particular os do 2.º e do 3.º ciclos do Ensino Básico, o
certo é que os actos graves de indisciplina são, no seu conjunto, pouco
numerosos (Lopes, 2009; Lopes e Santos, 2008). Em Portugal, são
muito raros os casos de agressões com armas, sendo praticamente
inexistentes os casos de agressões perpetradas com armas de fogo.

João A. Lopes

42
Neste aspecto particular, a posição do nosso país é extremamente
favorável quando comparada com a maior parte dos países europeus
e sobretudo com os Estados Unidos, país onde morrem anualmente
mais de 5000 crianças e/ou adolescentes em consequência deste tipo
de agressões, ainda que uma parte significativa destas ofensas ocorra
fora das escolas (Gottfredson, 2001).
Se Portugal é um país onde raramente se verificam actos de
grande gravidade do ponto de vista disciplinar, nas salas de aula e até
mesmo nas escolas, por que razão continuam a existir a este respeito
tantas queixas dos agentes educativos, em particular de funcionários
e professores (independentemente do papel amplificador dos meios
de comunicação social)? Em primeiro lugar, porque, se a preocupa-
ção com alguns comportamentos de elevado impacto (e.g., homicídios,
ataques à mão armada, ofensas físicas variadas) é muito baixa, o des-
gaste provocado pelo elevado número de actos de indisciplina de baixo
impacto (e.g., falar para o lado, desobedecer, não colaborar nas tarefas,
gozar com o professor) é muito significativo e provoca uma sensação
de esgotamento num número não desprezável de professores (Brou-
wers & Tomic, 2000; Egyed & Short, 2006; Silva, 2001). Em segundo
lugar, porque muitos professores parecem não acreditar na possibili-
dade de controlar tais comportamentos ou até já os encararão como
normais (ainda que indesejáveis). Em terceiro lugar, porque parece
haver num grande número de profissionais (professores e funcioná-
rios) e também de alunos, a percepção de que a indisciplina, seja ou
não grave, tende a não ser sancionada (Lopes, 1998). Isto poderá ser
verdade mesmo no caso de agressões verbais ou físicas. Em quarto
lugar, a burocratização dos processos mais graves de indisciplina (fun-
damentalmente agressões) pode provocar em muitos agentes educati-
vos a percepção de protecção do agressor e de desprotecção da vítima.

A indisciplina em sala de aula

43
Tendo em conta as condicionantes políticas, culturais e sociais no
que diz respeito à indisciplina escolar, é relativamente consensual que
a disciplina na sala de aula promove a aprendizagem e a responsabi-
lidade dos alunos e que a disrupção, pelo contrário, faz perder tempo
e qualidade de instrução (Chiu & Chow, 2011), faz aumentar o stress e
potencia a ansiedade de professores e alunos (Infantino & Little, 2005;
Lewis, 2001; Pšunder, 2005). Neste artigo serão abordadas algumas
questões relevantes para a compreensão do fenómeno da indisciplina
e, por consequência, para a sua contenção.

Cultura e (in)disciplina em sala de aula

Alguns estudos e alguns autores têm sugerido que a cultura desem-


penha um papel relevante no maior ou menor grau de disciplina que,
em média, se encontra em escolas e em salas de aula de países com
tradições e culturas diversas. Esses estudos tendem a salientar que
em países do Extremo Oriente, como a China, incluindo Hong Kong,
Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Singapura, etc., os menores níveis de
indisciplina podem ser explicados fundamentalmente por uma cultura
que valoriza o colectivismo em detrimento do individualismo. Biggs
(1998) salienta que isto é assim apesar de o número médio de alunos
por turma na generalidade desses países ser muito superior ao que
se encontra nos países ocidentais (entre 38 e 50 alunos, podendo nas
escolas de elite atingir 60 alunos por turma). Tal só é possível, segundo
Biggs, porque estes países partilham uma herança cultural de base con-
fuciana (CCH – Confucian Cultural Heritage) assente numa perspec-
tiva de predominância do grupo face ao indivíduo, que é estranha à
maior parte dos países ocidentais. A orientação para as tarefas escola-
res e a colaboração com o professor são por isso muito mais prováveis

João A. Lopes

44
nos países CCH do que nos países em que o individualismo, a asserti-
vidade pessoal e a afirmação individual são valorizados.
Os investigadores e o público ocidental tendem a percepcionar
as salas de aula e as escolas destas sociedades como monótonas, com
um ensino assente na memorização, com um clima altamente autori-
tário, com tarefas menos desafiadoras e de nível cognitivo mais baixo
e com um ensino orientado para preparar os alunos para os exames.
Contudo, tal como salientam Biggs e outros autores (e.g., Stigler e
Hiebert, 1999), os investigadores ocidentais têm dificuldade em per-
ceber o que os alunos dessas sociedades fazem nas salas de aula e têm
ainda maior dificuldade em perceber o que os professores fazem. Ste-
venson e Stigler (1992) referem mesmo que o que viram em salas de
aula na China, Taiwan e Japão se aproxima daquilo que no Ocidente
é conhecido como ensino construtivista, com questões estimulantes,
tempo para reflexão, técnicas adequadas a alunos com necessidades
diversas, lições cuidadosa e coerentemente desenhadas e utilização
reflexiva do erro.
Stigler e Herbert (1999), comparando a forma como professores
japoneses, alemães e americanos organizam o ensino, concluem que
as diferenças intragrupais são muito menores do que as diferenças
intergrupais, o que significa que, apesar de haver professores
competentes e incompetentes em qualquer destes grupos, há tendência
para professores da mesma cultura reproduzirem um modelo idêntico
de actuação. Stiegler e Herbert consideram que quer aqueles que pen-
sam que a capacidade de ensinar é inata, quer aqueles que pensam que
se pode aprender a ensinar através de bem delineados programas de
formação, captam apenas uma parcela da realidade. Para estes autores,
o ensino constitui uma actividade cultural que está mais próxima de
outras actividades culturais como um jantar familiar, por exemplo, do

A indisciplina em sala de aula

45
que da aprendizagem de competências na área da informática. Guiões
culturais deste tipo (um jantar familiar ou ensino de alunos em sala
de aula) são fundamentalmente aprendidos por modelagem; nem são
inatos nem são aprendidos por instrução directa. E é precisamente isto
que justificará a menor variabilidade intragrupal do estilo de ensino
em professores de culturas diversas. Convém, contudo, distinguir no
ensino a parte que se denomina didáctica da parte que diz respeito aos
conteúdos a ensinar, já que apenas a primeira se inscreve na noção de
guião cultural, aprendido por modelagem, tendo os segundos de ser
aprendidos por instrução directa.
Se a hipótese do ensino como actividade cultural for verdadeira, ela
não se aplicará apenas aos professores mas também aos alunos, fun-
cionários, administradores, etc. Isto faz supor que todos esses agentes
cumprirão uma espécie de profecia auto-realizada (Jussim, 1986), com-
portando-se nas salas de aula de acordo com o que deles é esperado.
Assim, enquanto um aluno de um país CCH será com maior probabi-
lidade mais conformista relativamente à ordem imposta pelo professor
e pela escola, um aluno ocidental poderá desafiar com mais facilidade
a autoridade do professor, já que é isso que ele está habituado a ver,
podendo mesmo esse desafio ser recompensado por uma certa admi-
ração do grupo de pares.
A noção de ensino como actividade cultural tem consequências
significativas para as reformas de ensino que visam melhorar a forma
de os professores gerirem as suas aulas. Segundo Stigler e Herbert
(1999), a profissão de professor não dispõe de conhecimentos suficien-
tes acerca do que é o ensino eficaz nem os professores têm meios de
partilha do seu conhecimento. Trabalham isoladamente e, se as coi-
sas não correm bem, tendem a omitir a situação. Os professores que
têm maior número de problemas de comportamento nas suas salas de

João A. Lopes

46
aula podem mesmo experienciar baixa auto-estima, depressão, senti-
mentos significativos de isolamento e burnout (Hultell, Melin, & Gus-
tavsson, 2013; Pietarinen, Pyhältö, Soini, & Salmela-Aro, 2013; Santoro,
2013; Skaalvik & Skaalvik, 2010), além da sensação de que são vítimas
de alunos pouco cooperantes, de um sistema que pouco se preocupa
com a sua situação, etc. Em larga medida esta sensação de isolamento
poderá decorrer do facto real de, em muitos países ocidentais, Portugal
incluído, o indivíduo ser sobrevalorizado em relação ao grupo, com as
vantagens e desvantagens inerentes.
Chiu e Chow (2011) exemplificam as possíveis implicações da cul-
tura no ensino, com base nas seguintes quatro questões sociais defini-
das por Hofstede (2003): (a) indução de comportamentos individuais
responsáveis de
​​ forma a manter o tecido social vivo, (b) priorização
dos interesses dos indivíduos versus interesses dos grupos, (c) papel de
homens e mulheres, (d) atitudes perante o risco e a mudança.
O encorajamento da responsabilidade social pode ser induzido
pela inculcação da obediência à autoridade e pela hierarquização social
(Chiu e Chow referem o exemplo da Rússia) ou pela valorização de rela-
ções igualitárias entre pessoas (e.g., Suécia). Há, por outro lado, socie-
dades essencialmente colectivistas (e.g., Hong Kong) que valorizam
os interesses do grupo e outras que enfatizam predominantemente o
indivíduo (e.g., Nova Zelândia). Há também sociedades com papéis de
género rigidificadas (e.g., Áustria) e outras liberais (e.g., Dinamarca) tal
como há sociedades em que se procura evitar o risco e a incerteza (e.g.,
Portugal) e outras que convivem bem com estes factores (e.g., Irlanda).
A forma como as sociedades encaram estas questões pode influen-
ciar mais fortemente o comportamento dos membros de uma socie-
dade do que a religião, o local de trabalho ou a personalidade indivi-
dual (Hofstede, Neuijen, Ohayv, & Sanders, 1990). O mesmo poderá

A indisciplina em sala de aula

47
suceder, por conseguinte, com as escolas e com o comportamento dos
seus membros. Como já foi referido, nas sociedades de pendor colec-
tivista a preocupação individual com o “perder a face” é muito impor-
tante, pelo que os professores tenderão a utilizar esta pressão sobre os
alunos para que estes se comportem de forma a não serem confronta-
dos negativamente com o grupo.
Curiosamente, no estudo de Chiu e Chow (2011), que se baseia nos
resultados do PISA (OECD, 2002) os valores culturais relacionados com
a hierarquização social, com o colectivismo e com o evitamento do risco
não se relacionam com a disciplina reportada em sala de aula. Esta rela-
ção só é clara no que diz respeito à igualdade de género, sendo que, nas
sociedades menos igualitárias, os professores e escolas participantes
reportam mais disciplina. Deve notar-se que os resultados dizem res-
peito a disciplina reportada por professores e escolas e não a disciplina
efectivamente observada. Pode, por isso, haver algum desfasamento
entre o que é percebido e o que, de facto, se verifica. Contudo, atendendo
a que foram analisadas 150 escolas em cada país (num total de 41 países)
é provável que o desfasamento, a existir, seja pouco relevante.
Independentemente de alguma dificuldade na interpretação dos
dados, parece haver uma tendência na investigação para considerar
que as salas de aula de diversas sociedades do Extremo Oriente são
mais estruturadas e ordeiras que a generalidade das salas de aula das
sociedades ocidentais. Além disso, apresentam resultados académicos
superiores, apesar do elevado número de alunos por turma. Contudo,
os investigadores são cautelosos no que diz respeito à possibilidade
de importação transcultural directa de modelos e de formas de orga-
nização do ensino (e.g., Biggs, 1996; Gabrenya, Wang, Latane, 1985;
Shin e Koh, 2007). O facto de se verificar que, em muitas salas de
aula do Extremo Oriente, a disciplina é grande apesar de haver mais

João A. Lopes

48
de 40 ou mesmo 50 alunos nas turmas, não significa necessariamente
que, noutros países, para se alcançar maior disciplina, se deva aumen-
tar significativamente o número de alunos por turma. O resultado, na
maior parte dos países ocidentais, dada a valorização do indivíduo,
poderia mesmo ser contraproducente. Aliás, no caso de Portugal, mui-
tos professores se queixam recorrentemente de que o grande número
de alunos por turma coloca uma grande pressão na disciplina (Lopes,
2009). Da mesma forma, nada garante que alunos de alguns países do
Extremo Oriente percebessem e/ou aceitassem com facilidade que os
professores discutissem com eles no início do ano as regras de sala de
aula. Estes alunos esperam que seja o professor a fazê-lo e poderiam
encarar esta atitude como alijamento de responsabilidades que cabem
exclusivamente ao professor.
Genericamente o que se pode concluir da literatura especializada
é que os valores de uma sociedade são factores de relevo para a estrutu-
ração dos comportamentos de alunos e de professores em sala de aula.
Quer uns quer outros transportam para as salas de aula crenças, expec-
tativas e experiências que foram ou que vão ser moldadas ao longo das
suas carreiras nas escolas. Muitas dessas crenças e expectativas resul-
tam de aprendizagens por modelagem, as quais tendem a reproduzir-
-se de forma praticamente inconsciente ou automática e a sobrepor-
-se a outros comportamentos competitivos. Isto poderá explicar, em
parte, a pouca eficácia da formação em serviço no desenvolvimento
profissional dos professores (Lopes, 1999). De facto, diversos autores
sugerem que a formação pode conseguir alterar superficialmente os
comportamentos dos professores, mas a reversão pode também ser
rápida. A formação em serviço corre por isso o risco de deixar poucos
vestígios, principalmente a que é em realizada no formato de pequenos
cursos ou seminários (Pecheone & Chung, 2006; Walsh, 2001). Outros

A indisciplina em sala de aula

49
autores, porém, fazem notar que a formação que inclui prática supervi-
sionada pode ter efeitos duradouros nos comportamentos dos forman-
dos, até porque, nestas condições, o contexto imediato não contraria os
efeitos da formação (Darling-Hammond, 2010; Gordon, 2003).
O ensino é um sistema complexo que, quando abalado por uma rup-
tura, uma assimetria, uma atipicidade, tende a cercar e assimilar o ele-
mento anómalo, para manter e/ou repor a sua integridade ou homeos-
tase. A evolução de tal sistema existe certamente, mas a integração de
elementos novos é sempre muito lenta e de difícil percepção num hori-
zonte temporal curto. Não será tão lenta quanto as alterações geracionais
nas espécies (numa perspectiva darwinista) mas exige seguramente lar-
gas décadas para que algo se torne verdadeiramente perceptível.
Se este postulado for verdadeiro, teremos um modelo para per-
ceber e explicar as razões pelas quais é tão difícil à formação inicial
de professores – e até à formação contínua – induzir alterações que
vão além das referentes aos conhecimentos específicos das matérias
a leccionar. O resto continuará largamente à mercê da modelagem a
que todos fomos sujeitos quando éramos crianças (filhos) e/ou quando
fomos alunos e à modelagem a que sujeitamos as filhos e/ou os alunos,
quando nos tornamos adultos. Dir-se-ia mesmo que a crença generali-
zada de que qualquer pessoa é capaz de opinar apropriadamente sobre
o ensino assenta precisamente nesta sensação de familiaridade, de inti-
midade, de conhecimento intuitivo, que supostamente dispensa apro-
fundamentos técnicos.
Seja como for – e vale a pena insistir nisto –, há modelos e métodos
que serão sempre mais eficazes do que outros no controlo da disciplina,
tendo em consideração o tipo de cultura e de sociedade em que se actua.
É por isso que continuará também a haver métodos que funcionam
bem em certas sociedades e que dificilmente funcionarão noutras.

João A. Lopes

50
Nunca será de mais lembrar que a disciplina na escola se estrutura
em torno das relações de poder dos intervenientes (professores, alunos,
funcionários, etc.), havendo culturas e sociedades que têm perspectivas
diversas acerca da distribuição do poder entre estes intervenientes,
o  mesmo sucedendo, aliás, entre os formadores de professores e os
próprios professores, no interior das diversas sociedades. Por isso se
afirmou antes que a questão da disciplina é eminentemente educacio-
nal e política, muito antes de ser uma questão técnica.

Alguns factores explicativos da indisciplina

Sendo o fenómeno da indisciplina tão antigo quanto a própria


escola, o interesse actual pelo assunto não reside tanto no problema
em si mas sim na sua dimensão e qualidade, que se crê terem aumen-
tado e se terem diversificado. Assim, se bem que continue a haver
comunalidades entre os primórdios da indisciplina na escolaridade
obrigatória e a situação actual, interessa certamente mais sublinhar as
razões ou factores que mais plausivelmente fundamentarão a indisci-
plina hodierna e, em particular, nas escolas portuguesas.
Por razões de espaço, não será possível abordar aqui um conjunto
significativo de factores relacionados com a indisciplina. Serão por isso
abordados apenas alguns desses factores. Tendo em conta a distância e
nível de influência relativamente à sala de aula – que se considera aqui
a unidade orgânica onde, por excelência, ocorre o ensino e onde con-
vergem as principais questões relacionadas com a disciplina – alguns
dos factores aqui considerados são claramente exteriores à escola e, por
isso, não directamente controláveis pelos professores; outros dizem
apenas respeito a cada uma das escolas e outros ainda dizem respeito
a professores individuais.

A indisciplina em sala de aula

51
A alteração das relações entre adultos e crianças

As relações entre adultos e crianças alteraram-se significativa-


mente nas últimas décadas em Portugal, genericamente para muito
melhor. A tradicional família portuguesa, centrada na figura do pai e
na qual a autoridade (melhor, o autoritarismo) deste era inquestioná-
vel, foi substituída por um tipo de família com um poder muito mais
repartido. Em primeiro lugar, pelas mães, mas também pelos próprios
filhos. A esta mudança não será alheia a quebra significativa da taxa de
natalidade, sendo hoje muito provável encontrar famílias com um ou
dois filhos e muitíssimo improvável encontrar famílias com 7, 8 ou 10
filhos (como acontecia antigamente). A atenção que há 50 anos era divi-
dida por múltiplos filhos está agora concentrada num ou dois, o que
faz naturalmente toda a diferença.
As relações pais-filhos horizontalizaram-se, no sentido em que a
rígida verticalização da família tradicional deu paulatinamente lugar a
uma relação igualitária e, em muitos casos, a uma inversão da hierar-
quia, sendo os filhos a impor as regras em casa. As escolas não fica-
ram imunes à alteração geral das relações entre adultos e crianças. Os
professores perderam por isso a posição de detentores exclusivos do
poder, o que foi inclusivamente visível na eliminação física dos estra-
dos (alguns com quase meio metro de altura) que separavam simbólica
e realmente a área reservada ao professor da área reservada aos alunos.
Assim a horizontalização das relações familiares teve o correspondente
na horizontalização das relações professor-alunos. E, tal como nalguns
lares, alguns professores não foram (e não são) capazes de gerir esta
nova realidade, perdendo demasiado poder dentro da aula, sem conse-
guirem com isso ganhar mais respeito por parte dos alunos.

João A. Lopes

52
Uma das consequências mais visíveis de alguns excessos (e não
da alteração em si) é uma espécie de jogo viciado de atribuição de res-
ponsabilidades pela situação, com pais e professores embrenhados em
acusações recíprocas de incapacidade de controlo das crianças/adoles-
centes. Em particular, muitos professores atribuem directamente às
famílias a responsabilidade pela indisciplina nas suas salas de aula, já
que, segundo esses professores, as famílias não ensinam aos filhos os
comportamentos a adoptar nas salas de aula nem o respeito devido à
figura do professor. Em alguns casos, quer professores quer escolas
supõem mesmo que os pais são os instigadores dos comportamentos
indisciplinados dos filhos.

A escolaridade obrigatória

A escolaridade obrigatória, ou melhor, a crença de que se pode


escolarizar longamente todos os indivíduos da mesma faixa etária, ao
mesmo ritmo, e com um mesmo currículo, releva de um desejo muito
positivo das sociedades, mas, a par dos méritos que apresenta, acarreta
também problemas de difícil resolução. O maior deles é provavelmente
o sacrifício da ordem na sala de aula.
De facto, quando um aluno fica demasiadamente para trás na
aquisição de conhecimentos curriculares, a probabilidade de levantar
problemas na sala de aula é muito elevada. Este é aliás o factor que
melhor explica os maus comportamentos escolares, ainda que seja sur-
preendentemente pouco considerado pelas escolas e pelos professores
(Lopes, 2009). Infelizmente, é demasiado vulgar ouvir-se dizer que os
maus comportamentos derivam de problemas emocionais ou de deses-
truturações familiares, mesmo que não haja evidência empírica para
tal asserção. Existe, contudo, um importante corpo de literatura que

A indisciplina em sala de aula

53
releva a importância do rendimento académico nos comportamentos
em sala de aula (e.g., Hinshaw, 1992a; Kauffman, 1997; Taylor, Hassel-
bring e Williams, 2001; Witt, VanDerHeyden, e Gilbertson, 2004). Apa-
rentemente, este conhecimento não tem suficiente ressonância junto
daqueles que têm de lidar mais directamente com a indisciplina, como
aliás não têm muitos outros conhecimentos e descobertas da ciência.
Note-se que o problema não reside na escolaridade obrigatória em
si mesma (ainda que seja evidente que escolaridade obrigatória não sig-
nifica aprendizagem obrigatória), mas no facto de não haver verdadeiras
alternativas curriculares ao longo dessa escolaridade, que é muito longa
e que, com o alargamento ao 12.º ano, constitui uma verdadeira corrida
de fundo para a qual muitos alunos e também professores não estão
suficientemente preparados. É por isso, tudo menos surpreendente, que
muitos alunos se portem mal e que alguns se portem mesmo muito mal.
O que potencia os maus comportamentos é o desfasamento significativo
do aluno relativamente à matéria que está a ser leccionada e a sua per-
cepção de que já não conseguirá voltar a acompanhá-la. Dado o carácter
cumulativo das aprendizagens escolares, é muito provável que estas per-
cepções e que os desfasamentos reais se acentuem, o que, por sua vez,
potencia o aparecimento de comportamentos perturbadores.

Gestão escolar

O actual modelo de gestão escolar em Portugal, tal como tem sido


referido inclusivamente por organismos internacionais como a OCDE,
retira toda a proactividade às direcções dos agrupamentos, reservando-
-lhes o papel de burocratas cumpridoras das orientações ministeriais.
A autonomia destas direcções é basicamente nula. Não tomam inicia-
tivas visíveis, não se distinguem umas das outras a não ser em casos

João A. Lopes

54
de mediocridade aberrante e as poucas que conseguem distinções
positivas fazem-no apesar do modelo e não por causa dele. Dir-se-ia
que, neste particular, mais do que noutros aspectos, o papel da cultura
é esmagadoramente visível. Uma vez que a tradição é a centralização,
a qual assenta na desconfiança dos subordinados, as raras intenções
de aumentar a autonomia têm redundado quase sempre no reforço da
centralização que pretendem combater.
Sejam quais forem os modelos encontrados para a gestão das esco-
las, é necessário salientar que existe uma considerável literatura sobre
a eficácia das escolas que releva a importância da organização da escola
(gestão incluída) nos resultados dos alunos, incluindo a disciplinaa
(Evertson, Emmer, & Worsham, 2000; Good & Brophy, 2000; Kounin,
1983; Martin, 1995; Marzano, 2003) e que assenta, antes de mais, num
projecto de escola que vai muito além de qualquer projecto centralista
para todas as escolas. A centralização e a burocratização diminuem a
responsabilidades dos gestores escolares e por arrasto, dos professores
e dos alunos. Num contexto em que a desresponsabilização é perce-
bida, a indisciplina geral tem mais condições para se instalar.

Impreparação dos professores na área da organização


e gestão de sala de aula

A organização e gestão de sala de aula referem-se ao conjunto de


acções desenvolvidas pelo professor no sentido de tornar possível o
ensino. Envolvem questões como a gestão do espaço (onde e como se
devem sentar os alunos), a gestão do tempo, o ritmo da lição, a circu-
lação dos alunos no espaço de sala de aula, etc. A literatura nesta área
mostra que, sem um eficaz sistema de organização e gestão de sala
de aula, é menos provável que o ensino ocorra, e as ameaças à ordem

A indisciplina em sala de aula

55
têm uma significativa probabilidade de se estabelecer e de se expandir
(McCaslan & Good, 1993; O’Leary, 1977; Tauber, 2007; Thanasoulas,
2010; Zigmond, 1996). Na verdade, a indisciplina crónica significa o
fracasso da gestão de sala de aula; esta, por seu turno, é considerada a
melhor forma de inibir o aparecimento daquela (Brophy, 1996; Seid-
man, 2005; Witt, VanDerHeyden, & Gilbertson, 2004).
Infelizmente, em Portugal continua a não haver formação nesta
área e mesmo na literatura internacional, desde a década de 80,
a organização e gestão de sala de aula perdeu protagonismo e não mais
o recuperou (Witt et al., 2004). Seja como for, é fundamental que se
perceba que ensinar em grupo é radicalmente diferente de dar explica-
ções ou de fazer um ensino tutorial e que o facto de se ter sido aluno(a)
não habilita ninguém para gerir um grupo de alunos de uma forma
espontânea. Por outro lado, ensinar grupos em que um certo número
de sujeitos não quer ser ensinado torna a situação ainda mais deli-
cada. Por isso os professores terão de estar muito conscientes (o que é
muito diferente de ter apenas uma vaga noção) do que deverão fazer –
logo desde o primeiro dia – nas salas de aula, como deverão estabelecer
rotinas e procedimentos, como deverão comportar-se, como deverão
desenvolver as suas relações com os alunos, etc. Sem uma formação
que aborde e ensine directamente estas questões, os futuros profes-
sores ficarão à mercê das eventuais experiências negativas que vierem
a experienciar e das quais poderão nunca se recompor, com prejuízo
para si e para os seus alunos.

O rendimento académico

Qualquer pessoa com experiência de uma sala de aula pode com-


provar que os alunos com elevado rendimento académico raramente

João A. Lopes

56
perturbam as aulas, ao contrário do que acontece com os alunos com
baixo rendimento escolar.
Infelizmente o rendimento académico é absolutamente desconsi-
derado quando se pensa nas questões da indisciplina. Aliás, surpreen-
dentemente, não é sequer usual ligar uma questão à outra. Tal atitude
tem naturalmente consequências, a mais evidente das quais é a inca-
pacidade de intervir eficazmente para corrigir o problema, uma vez
que estas causas são distantes e sobretudo não são controláveis pelo
professor nem pela escola. Por outro lado, continua a não ser fácil para
os agentes educativos acreditarem que uma causa tão próxima e até tão
óbvia como o insucesso académico possa ter alguma importância na
configuração da indisciplina, ao que acresce a hipótese de as dificulda-
des ou o desconhecimento sobre o modo de lidar com esta variável, ou
a percepção de que isso representa uma enorme sobrecarga de traba-
lho, porventura não compensadora, serem pouco mobilizadoras.
As consequências do insucesso académico do ponto de vista disci-
plinar são ainda relevantes pelo seu carácter duradouro e mutuamente
reforçador. À medida que o tempo passa, os alunos com dificulda-
des académicas têm cada vez maiores problemas em aceder ao currí-
culo (por falta de bases), o que potencia os maus comportamentos, os
quais, por seu turno, inibem a centração nas tarefas académicas. Daqui
resulta uma espiral negativa da qual é muito difícil o sujeito libertar-se.
Deste facto, deveriam resultar duas conclusões: (1) o ensino deve ser o
melhor possível, o que limitará o número de insucessos e (2) quando
surgem as primeiras dificuldades, a intervenção tem de ser imediata.
Daqui resultará uma diminuição a prazo dos casos de insucesso e, por
consequência, do número de alunos potencialmente perturbadores do
ambiente de sala de aula.

A indisciplina em sala de aula

57
O insucesso escolar não é naturalmente a única causa de indisci-
plina nas salas de aula, mas é seguramente uma das mais relevantes.
Ignorá-lo e persistir na apresentação de causas marginais, irrelevan-
tes ou incontroláveis representa um desperdício de energias, sobre-
tudo quando já existe evidência acumulada que nos permite estabele-
cer relações seguras entre os fenómenos que pretendemos controlar
(Steege & Watson, 2009; Tremblay, 1992; Walker, 2004).
Uma ressalva: não é possível resolver completamente o problema
do insucesso escolar tal como não é possível reduzir a zero a indisci-
plina. Não existe sistema que sequer se aproxime de tal feito nem se
perceberia como isso seria possível, quando afinal a aprendizagem de
conhecimentos académicos é semelhante à aprendizagem de outras
competências, como, por exemplo, jogar basquetebol. Se, nesta última
área, existe uma distribuição normal das competências (há péssimos
jogadores e há os jogadores da NBA), não se vislumbra porque havia
de ser diferente com as competências académicas (que, insiste-se, são
também competências). E indisciplina também existe no desporto,
nas empresas e em muitos outros locais. O fundamental para todas
estas organizações é conseguir conter estes fenómenos em patamares
aceitáveis e não propriamente eliminá-los ou curá-los. E, acrescente-
-se, a escola é uma organização em particular desvantagem porque
muitos dos que nela operam não aderem aos seus objectivos e preten-
dem mesmo boicotá-los. Nestas circunstâncias, é especialmente difícil
alcançar o sucesso, o que constitui uma dificuldade acrescida para a
ordem nas salas de aula e um importante factor de risco para a emer-
gência da indisciplina.

João A. Lopes

58
Conclusão

Independentemente do conjunto de medidas que as várias dis-


ciplinas (e.g., Psicologia, Sociologia) poderão avançar no sentido de
minorar ou resolver o problema da indisciplina, parece ser fundamen-
tal para os professores, que são os profissionais que mais directamente
lidam com o fenómeno (além dos auxiliares de educação e dos directo-
res de escolas, naturalmente), evitar a tendência para supor que haverá
alguém, algures, que poderá resolver o que eles próprios não conse-
guem resolver. Como salienta Jeanne Chall (2000), apesar de a investi-
gação e a prática mostrarem que a boa instrução é a forma mais eficaz
de intervenção nos problemas de aprendizagem e de comportamento
e que a aprendizagem é em si mesma terapêutica, professores e esco-
las parecem insistir na busca de causas e soluções que, muitas vezes,
remetem mais para a terapia do que para a instrução.
Há dois aspectos que parecem fundamentais para prevenir a indis-
ciplina nas salas de aula e nas escolas, dependendo qualquer deles da
acção do professor e não de terceiros (outros factores que foram atrás
referidos estão fora do âmbito de acção do professor):

1 – Erigir a promoção das competências académicas, acima de todas as


outras, a tarefa de interesse vital e estratégico nas salas de aula. Em parti-
cular e desde o início da escolaridade, a aquisição de competências de
leitura e escrita é de crucial importância, dado que elas constituem a
condição básica de acesso aos conteúdos dos livros. Sem leitura mini-
mamente fluente, a compreensão ficará irremediavelmente compro-
metida, pelo que os alunos não só não quererão estudar (porque não
compreendem o que lêem) como não poderão estudar (exactamente
pela mesma razão). Por outro lado, sendo a fluência de leitura uma

A indisciplina em sala de aula

59
condição indispensável, ela não é condição suficiente para a compreen-
são da leitura e ainda menos para aquilo que deveria constituir o objec-
tivo fundamental do ensino da leitura: o desenvolvimento do desejo de
ler e a capacidade de o fazer. Deste modo, a aposta nas bibliotecas de
turma, a leitura sistemática para e com os alunos, a utilização de bons
textos, o entusiasmo (do professor) com os livros, a insistência siste-
mática na escrita como forma de organizar e estruturar o pensamento
e de o transmitir a terceiros constituirão algumas das estratégias e
sobretudo de hábitos a incutir nos alunos. Todos estes comportamen-
tos serão certamente os melhores inibidores da indisciplina até porque
são proactivos e não reactivos relativamente ao problema. Quanto mais
tempo despender o professor no ensino, menos gastará com a disci-
plina, e vice-versa.
Pedir a alunos que lêem sofrivelmente que estudem e que se con-
centrem nas aulas resulta geralmente numa aversão cada vez maior
ao estudo e aos livros. E, sobretudo, atira cada vez mais o aluno para
fora da aprendizagem do currículo e cria as condições ideias para que
ele perturbe a aula. Um aluno que não usa o tempo de aula nas tarefas
académicas emprega normalmente a sua energia a perturbar a aula,
incomodando os colegas e o professor. A passagem do tempo não só
não resolve a situação como tende a agravá-la e a torná-la cada vez mais
resistente a qualquer tipo de alteração (Baker, Dreher, & Guthrie, 2000;
Blachman, 1997; Reynolds & Shaywitz, 2009; Slavin, Karweit, & Wasik,
1994; Torgesen, 1998; Vaughn et al., 2011)

2 – A capacidade de organização e gestão de sala de aula é, a par da


promoção de leitores competentes, uma outra área decisiva para o fun-
cionamento equilibrado da turma e para a inibição da indisciplina.

João A. Lopes

60
A gestão de sala de aula é, como afirma Doyle (1986), um processo
para lidar com o problema da ordem e não propriamente um processo
de lidar com maus comportamentos ou com a indisciplina. Na verdade,
sendo uma forma de estabelecer sistemas de trabalhos para grupos,
constitui-se num poderoso inibidor da indisciplina, permitindo que o
professor não se confronte com tais problemas. De resto, os bons pro-
fessores não se distinguem dos outros pela forma como lidam com a
indisciplina, mas sim pela forma como evitam a sua emergência.
Os bons professores evidenciam uma singular capacidade de man-
ter cronicamente activo o vector primário de acção, ou seja, a lição pro-
priamente dita. As regras, as rotinas, os procedimentos, etc., embora
desempenhando um papel fundamental na manutenção da ordem,
dificilmente sobrevivem se o vector primário não se sobrepuser siste-
maticamente aos vectores secundários. Esta é, simultaneamente, uma
potencialidade e uma vulnerabilidade da gestão de sala de aula. Na ver-
dade, embora ela seja fundamental para sustentar o vector primário de
acção, revela-se igualmente sensível e limitada no que diz respeito a
situações em que a heterogeneidade dos alunos é de tal forma grande
que não há possibilidades de manter a lição como vector primário. Daí
a necessidade, acima referida, de intervir desde o início da escolari-
dade sobre os problemas de leitura, evitando que haja alunos que desde
muito cedo ficam alienados do currículo.
Convém ainda recordar que a ordem nas salas de aula está for-
temente dependente do contexto. Uma escola não é igual à outra,
uma turma difere da outra e as interacções particulares que se geram
podem alterar fortemente aquilo que até um dado momento parecia ter
uma determinada configuração. A ordem não é pois algo que se possa
dar como eternamente adquirido. Tal como todas as relações huma-
nas, precisa de ser tratada, renovada, revigorada. A protecção do vector

A indisciplina em sala de aula

61
primário (a lição) implica um esforço constante e nunca encerrado do
professor, constituindo as recitações, o trabalho individual e as rotinas
formas de alcançar tal desiderato.
As ideias fundamentais que aqui se sugerem para lidar com a
indisciplina (pelo menos com parte dela, já que nem toda é lidável pelo
professor) são simples e directas: (a) cuidar desde o início da escolari-
dade da questão do rendimento académico, em particular no que diz
respeito à leitura e aos livros; (b) gerir com eficácia as salas de aula,
tarefa que remete muito mais para a dinâmica de grupos do que para
a intervenção sobre indivíduos específicos (ainda que aquela comporte
esta); (c) no caso de se verificar algum comportamento de indisciplina
(o que acontecerá sempre mesmo em salas bem geridas), a interven-
ção deverá ser imediata, no sentido de proteger ao máximo o tempo
de ensino. Estas não são as únicas áreas com que o ensino tem de
lidar, mas são áreas tão sensíveis que jamais poderão ocupar um lugar
secundário na vida das escolas e das salas de aula. E são, acima de tudo,
formas proactivas, preventivas e, por isso, eficazes de lidar com o pro-
blema da indisciplina.

João A. Lopes

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A indisciplina em sala de aula

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João A. Lopes é Professor Associado com Agregação da Escola
de Psicologia da Universidade do Minho. Tem licenciatura
em Psicologia e mestrado e doutoramento em Psicologia da
Educação. Investiga nas áreas de problemas de aprendizagem,
problemas de comportamento e ensino, organização e gestão
da sala de aula. Algumas das suas publicações mais relevantes
são: A hiperactividade (2003, Coimbra: Quarteto), Ciência
e crença a gestão de sala de aula, em co-autoria com
M. Santos (2008, Coimbra: Quarteto) e Conceptualização,
avaliação e intervenção nas dificuldades de aprendizagem:
A sofisticada arquitectura de um equívoco (2010, Braga:
Psiquilíbrios).

João A. Lopes

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